Araceli S. Mello - Testemunhos Históricos das Profecias de Daniel

March 21, 2017 | Author: fabiofelippe | Category: N/A
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TESTEMUNHOS HISTÓRICOS DAS PROFECIAS DE DANIEL

Reservam-se todos os direitos de propriedade do autor

ARACELI S. MELLO ____

TESTEMUNHOS HISTÓRICOS DAS

PROFECIAS DE DANIEL



RIO DE JANEIRO 1968

PALAVRA DO AUTOR

Em 1959 veio à luz o meu primeiro exaustivo trabalho: — A Verdade Sobre as Profecias do Apocalipse. Como, porém, há certa afinidade entre as profecias do Apocalipse e as de Daniel, meu anélo foi escrever uma segunda obra — A Verdade Sobre as Profecias de Daniel. Tanto as profecias de Daniel como as do Apocalipse — constituem uma síntese profética antecipada de acontecimentos internacionais — civis e eclesiásticos — pelo que ambos os dois livros só poderão ser satisfatoriamente explanados por uma ampla documentação histórica evidente. É grave delito contra o divino Revelador fazer uma diminuta exposição de suas grandes e solenes profecias, deixando assim o leitor e investigador sem o devido esclarecimento. Ninguém acatará e aceitará como vinda de Deus uma mensagem mal esclarecida, mal documentada e portanto mal interpretada. A verdade celestial deve ser apresentada com inconfundível clareza. Quem crerá numa simples epítome sobre os tão importantes livros de Daniel e do Apocalipse? Já o rabujento preconceito dos declarados incrédulos e dos infiéis cristãos — exige que se dê a estes livros uma explanação coerente, ampla e convincente, em vez duma apreciação ridícula para ser recusada com manifesto desinteresse. Foi para salvaguardar a sua responsabilidade diante de Deus de não pôr nas mãos do público uma obra desonesta, mesquinha e ambígua, que desinteressasse em vez de interessar o leitor ou pesquizador da verdade, deixando-o por isso mesmo longe de Deus como antes, — que o autor em sua exposição das profecias de Daniel deu amplitude de explanação fazendo com que a luz das profecias brilhasse com intensidade e o esclarecesse arrebatando-o das trevas da incerteza para o meridiano sol da Revelação de Deus e o abençoasse ricamente. Cada pormenor das profecias de Daniel foi esclarecido à luz dos fatos verídicos que os cumpriram em cheio. Em nenhum caso usou o autor de subterfúgios e mistificações para evadir-se à realidade do verdadeiro significado da Revelação. Sôbre impérios e indivíduos

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alvos das profecias de Deus que no passado existiram e que, portanto, já cumpriram o seu papel no palco da História e da profecia, foi o autor desta obra claro e imparcial. Sôbre os poderes civis e eclesiásticos que atualmente desempenha de igual modo o seu papel histórico-profético no palco da hodierna civilização, foi êle também imparcial, sem rodeios, sem paixão e sem sacrificar a verdade em suas considerações. Certamente haverá aqueles que se oporão a determinadas explanações dadas pelo autor sôbre as profecias de Daniel. A êstes dizemos que têm todo o direito de o fazer. Porém, antes de tomarem uma medida drástica, será prudente examinar bem o ponto de oposição que formularem para estarem seguros ou não do passo que pretendem dar; que sejam ponderados e coerentes; que reflitam somente para poderem apreciar maduramente aquilo que pareça chocar-lhes as velhas idéias próprias e metê-los num imaginário cáos, em face duma interpretação desconhecida e aparentemente controvertida; que não fiquem desrazoavelmente desorientados e a trovejar sôbre o autor, mas que sejam indulgentes para com êle que, como êles, tem também o direito de pensar. Nada melhor e mais acertado do que examinar aquilo que se desconhece. A luz nasce do acurado exame. É êste o meu anélo a todos quantos entrarem em contato com este livro. Confrontem êles detidamente a profecia e a sua explanação dada à luz do comprovante histórico justaposto; se algo estiver comprovadamente incorreto, serei bastante humilde para dar a mão à palmatória e receber a inexorável condenação como justa. Urge, todavia, uma investigação com perícia, desapaixonada e desacompanhada de fatais preconceitos injustos e prejudiciais. Na interpretação das profecias de Daniel como nas do Apocalipse, não empreguei métodos humanos preconcebidos e destituídos de crédito e de senso que se denotam em tantas obras congêneres. A ninguém consultei sôbre como devia ou não interpretar as profecias do grande livro. Tão pouco segui a linha de interpretação de quaisquer intérpretes antigos ou modernos. Nem mesmo levei em conta meus próprios conceitos ao dar o cunho interpretativo que dei. Se em tão magna obra seguisse qualquer orientação humana, mesmo minha, teria sido desleal à Revelação e ao Revelador; teria ofendido a santa verdade e sido por demais imprudente ao tratar com tão grande mensagem inspirada. Tive mêdo de violar a Palavra de Deus que declara: “Sabendo primeiramente, isto: que nenhuma profecia da Escritura é de particular 8

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interpretação.1 Portanto, creio ter seguido o rumo de interpretação orientado pela lógica e pelas Sagradas Escrituras, que é aquela dada pela própria História, dos fatos que sucederam e cumpriram com irrecusável exatidão as profecias. Sim, somente a História que cumpre as profecias é o seu verdadeiro, único e legítimo intérprete. Creio, assim, não ter sido desleal à acertada lógica de interpretação profética — que é a união evidente da profecia e dos fatos históricos seus intérpretes, pois não me arrisquei ao infalível desagrado do Revelador do tão maravilhoso livro de Daniel. Findando, imploro ao Creador, o Grande Autor da Revelação, que derrame suas copiosas bênçãos a todos quantos lerem e estudarem êste livro; que os ilumine ao considerarem as suas grandes profecias, para que eles possam fruir o máximo para a vida vitoriosa do presente; nêle encontrar a senda real que conduz a um futuro glorioso e a uma eternidade feliz. Que os próprios ateus e críticos mais acérrimos possam ser amplamente abençoados ao examinarem este livro.

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II S. Pedro 1:20.

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PREFÁCIO

É com a mais viva emoção que abrimos ao estudo a grande obra sacra inspirada — o livro de Daniel. É verdadeiramente um privilégio todo especial estudar o grande livro e conhecer profundamente o seu maravilhoso conteúdo histórico e profético. Comparamos a notável obra à “sarsa ardente” do deserto do Sinai na experiência de Moisés. Um santo fogo abrazador envolvia a memóravel sarsa sem consumíla. A Moisés, que dela se aproximava curioso pelo inédito espetáculo e para observá-lo de perto, foi incontinentemente ordenado a deter-se e solenemente advertido: “Moisés, Moisés... não te chegues para cá; tira os sapatos de teus pés, porque o lugar em que tú estás é terra santa”.1 Que rigorosa e impressionante advertência! A presença da Majestade celestial em meio à sarsa em chamas emprestava ao local tôda a solenidade e santidade, pelo que o experiente pastor de Midiã devia descalçar-se e demonstrar a mais santa reverência antes de avançar mais um só passo. Assim é o livro de Daniel — uma “sarsa ardente”, abrazadora, em meio a qual faz-Se presente o Todo-poderoso do universo. Seja quem fôr, pois, que deste livro lance mão — quer para estudá-lo ou pregá-lo — deve descalçar-se de todo o preconceito, de tôda a suspeita, de todo o escrúpulo, e manifestar o mais profundo sentimento de respeito e reverência, já pela presença do Revelador no livro, já pela mensagem por Êle revelada. Ê inadmissível que um convicto cristão se aproxime dêste tão santo livro com indiferença ou sem o manifesto espírito de respeito e submissão Aquele que é a pessoa central de sua revelação e sem a firme decisão de acatar e viver a sua poderosa mensagem inspirada. As profecias de Daniel requerem especial atenção, pois destinam-se especialmente ao tempo em que vivemos. Gabriel, o anjo assistente do profeta, declarou enfaticamente que o livro de Daniel estaria selado até “o fim do tempo” — que é a nossa atual geração 1

Êxodo 3:1-5.

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— quando então seria aberto à consideração. “Os sábios entenderão” declarou o Santo anjo.1 Assim as profecias de Daniel demandam hoje absoluta atenção e diligente estudo por parte de todos os cristãos. Isto fortificá-los-á e elevá-los-á a uma inapreciável experiência nova com relação à fé e a verdade revelada de Deus. Tôdas as profecias de Daniel ligadas ao nosso tempo findam com o estabelecimento do reino de Deus e a volta de nosso Senhor Jesus Cristo, pelo que devem ser examinadas com todo o interêsse e respeito, vividas para sermos capacitados à categoria de verdadeiros cristãos nêste derradeiro “tempo do fim”, e estarmos prontos para recebermos do supremo Rei as boas vindas ao eterno reino que Êle virá inaugurar. * * * Quando falamos em profecias, um dos principais fatores de importância que surge — é a pessoa do profeta. Mas, um profeta não é profeta porque desejou sê-lo ou porque fez-se profeta por si mesmo. O profeta é o indivíduo a quem Deus chama e o investe no encargo de profeta, para exercer o ofício de profeta. Em nenhum caso um profeta de Deus investira-se nêste honroso encargo por sua conta própria. Não é qualquer homem que está categorizado a ser um profeta de Deus. Qualquer um deles não escolhera Deus para tão alta função de profeta. O homem dá preferência de Deus para ser Seu honrado profeta, deve ser distinto, possuir qualidades que o habilitem a êste tão sagrado ministério. Será um servo leal de Deus — fiel em todos os sentidos aos reclamos de Sua divina vontade como exarada em sua santa lei; um homem humilde, despretencioso, zeloso da honra de Deus, de Sua causa e de Seu povo; um fervoroso porta-voz de Deus desembaraçado deste mundo, de absoluta confiança, de fervente fé e de muita oração. Enfim, um homem que consinta em que Deus o dirija na obra para a qual é chamado e empossado. Assim foram os profetas de Israel na antiguidade — homens de absoluta honradez e elevada consagração. Assim foi de modo particular e glorioso o profeta cujo importante livro estamos considerando — Daniel, o honrado de Deus. Outrossim, o profeta não prevê coisa alguma. Tudo o que êle propala oralmente ou por escrito, em virtude de sua investidura como profeta — lhe é antecipadamente mostrado ou revelado por Deus. Como profeta êle é tão somente um porta-voz de Deus. É um mensageiro de Deus portador de uma mensagem de poder — de 1

Daniel 12:4-10.

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aprovação, de repreensão, de conselho ou de previsão do futuro bom ou mau. Uma importante pergunta: Como é transmitida ao profeta a revelação de Deus? Sôbre isto veja-se: 2.ª Parte, título: Uma Visão num Sonho Noturno. Portanto, as profecias das Sagradas Escrituras, procedentes da pena dos profetas de Deus, as únicas inspiradas e verdadeiras, não podem ser interpretadas segundo o molde do pensamento humano. Exclusivamente os eventos históricos delas comprobatórios — são os seus legítimos interpretes. “A profecia” disse Arturo T. Pierson, “representa uma fechadura, para a qual só uma história subsequente pôde proporcionar a chave”. Será uma preterição muito absurda do indivíduo, seja quem ele possa ser, arrogar-se intérprete da revelação profética de Deus. O autor desta dissertação sôbre o livro de Daniel, não interpretou em absoluto nenhuma de suas providenciais profecias. O que êle fez foi tão somente reunir os seus legítimos intérpretes — os testemunhos históricos evidentes, colocando-os lado a lado com elas. Disto resultou êste livro que, injustamente, trás o nome de quem o escreveu — quando o seu legítimo autor é a História que cumpriu rigorosa e gloriosamente todas as profecias de Daniel mesmo em seus mínimos e impressionantes detalhes. O único mérito que o escritor desta obra requereu para si e que recompensou mais que tudo, seu hercúleo esforço, foi o prazer de vê-la sair do prelo para as mãos de milhares de leitores e sinceros pesquizadores da verdade profética de Deus. A profecia nada mais é, segundo a palavra de São Pedro, do que “uma luz que alumia em lugar escuro”.1 Todo o futuro do mundo tem sido iluminado ao povo de Deus pela palavra da profecia. Seu povo que tem marchado através dos séculos em demanda de Seu reino de paz e perfeição, não tem andado às cégas. Todo o futuro lhe tem sido claro, e isto lhe revelou Deus pelas profecias infalíveis, para que se precavesse em face de seus inimigos de emboscadas ao longo do caminho. Todos os movimentos dos grandes impérios e das nações da terra foram e são controlados por Deus e revelados a seu escolhido povo que em meio às tão variadas mutações da História prossegue para o supremo alvo — o glorioso reino do Senhor. Tudo, porém, no que respeita aos marcos principais da História foi traçado por Deus e comunicado aos profetas Seus servos, principalmente a Daniel e São João. Os dois grandes livros, Daniel e Apocalipse, são os que 1

II S. Pedro 1:19.

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enfeixam as principais profecias inspiradas, cujo cumprimento histórico tem sido incontestável e irrefutável. Resumindo, dizemos: À luz da palavra profética marcha a História e com ela marcha o Povo de Deus. * * * Há nas Sagradas Escrituras dois livros de suma importância; o de Daniel no Velho Testamento e o do Apocalipse no Novo Testamento. Não queremos dizer que os outros livros dos dois Testamentos não são importantes. O que dizemos é que êstes dois livros salientam-se mais que todos — pelas mensagens proféticas que contêm e pelo tempo em que foram reveladas. Posto que o Apocalipse encerre uma mensagem profética que enche tôda a era cristã — de primeiro ao segundo advento de Cristo — a mensagem do livro de Daniel enche duas eras — antes de Cristo desde Babilônia e depois de Cristo até ao Seu segundo advento. Todavia, a importância do livro de Daniel jaz no fato de ser sua revelação especialmente para a atual geração — pois foi selada até ao presente tempo.1 “Acham-se sôbre nós os perigos dos derradeiros dias, e cumpre-nos vigiar e orar, estudar e dar ouvidos às lições que nos são dadas nos livros de Daniel e do Apocalipse”.2 Que gloriosa luz deu-nos Deus para este final da história humana! Anda na escuridão apenas aquele que o quer! “Há necessidade urgente e premente de uma acurada investigação das profecias de Daniel e do Apocalipse, afim de saberse com precisão o que Deus requer dos homens, mòrmente dos cristãos, que esperam ser súditos do futuro reino de Cristo. Os dois livros podem ser considerados um só. Ambos se interpretam mutuamente. Os detalhes que possam ser obscuros no livro de Daniel são muitas vêzes esclarecidos por comparação no livro do Apocalipse. O livro de Daniel tem seu lugar evidente no livro do Apocalipse e neste aparece êle claramente aberto e descerrada a sua mensagem outrora selada. As profecias do Apocalipse são o complemento das profecias de Daniel. Ambos os livros se autentificam. Se as visões de Daniel houvessem sido estudadas com interesse o povo entenderia melhor as de S. João. Ambos os livros — Daniel e Apocalipse — dizem o que é a verdade que o mundo tanto carece no presente século. Os perigos dêstes finais dias requerem um 1 2

Daniel 12:4. Testemunhos Seletos, ed. mundial, E. G. White, Vol. II página 410.

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eficaz exame de ambos os livros e uma aceitação sincera da mensagem una que encerra. Não há outro meio de escapar aos rigores da iminente crise que se aproxima inexorável. Aqueles que neste solene tempo estudarem as profecias dêstes dois profetas, receberão grande luz de Deus. A cristalina verdade lhes brilhará claramente como o sol de meio dia. “Quando os livros de Daniel e Apocalipse forem bem compreendidos, os crentes terão uma experiência religiosa inteiramente diferente. Ser-lhes-ão dados tais vislumbres das portas abertas do Céu que o coração e mente se impressionarão com o caráter que todos devem desenvolver afim de alcançar a bemaventurança que deve ser a recompensa dos puros de coração”.1 Porém, por culpa dos mestres religiosos em declarar que os livros de Daniel e Apocalipse são livros fechados, obscuros e incompreensíveis mistérios, o povo tem com grande perda espiritual se afastado deles. Êsses falsos líderes de religião estão mais capacitados a receber e abraçar com entusiasmo as suposições dos geólogos ateus modernos que contrariem abertamente o primeiro capítulo do Gênesis, do que as cristalinas verdades proféticas de Daniel e Apocalipse e de outras porções das Sagradas Escrituras. Grandes têem sido os preconceitos dos líderes do cristianismo nominal contra os maravilhosos livros de Daniel e do Apocalipse. A verdadeira razão de tais preconceitos no fato de a mensagem dos aludidos livros não se prestar à ambiciosa política religiosa dêsses pretensos guias espirituais. Já os judeus de ontem e de hoje é por seus malsãos preconceitos, recusaram o livro de Daniel porque as suas profecias apontavam “tão insofismável para o tempo de vinda do Messias, e tão diretamente lhes predizia Sua morte, que eles descoroçoavam o estudo dessa profecia, e finalmente os rabís pronunciaram a maldição sôbre todos os que tentassem uma contagem do tempo. Em sua cegueira e impenitência, o povo de Israel tem permanecido, por mil e novecentos anos, indiferente ao misericordioso oferecimento da salvação, desprecupado das bênçãos do evangelho, como solene e terrível advertência do perigo de rejeitar a luz do Céu”. “Deus confiou estas profecias aos dirigentes judeus; estariam sem desculpas si não soubessem nem declarassem ao povo que a vinda do Messias estava às portas. Sua ignorância era o resultado da pecaminosa negligência”. “Absortos em suas ambiciosas lutas para conseguir posição e poderio entre os homens, perderam de

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Testemunhos para Ministros E. G. White, pág. 114.

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vista as honras divinas que lhes eram oferecidas pelo Rei do céu”. 1 E, êsse cristianismo que por aí vai, despido da justiça de Cristo e da alma da religião cristã, está fadado, por sua absoluta culpabilidade em negligenciar e relegar as profecias de Daniel e do Apocalipse, a receber com aqueles o prêmio que o céu tem reservado aos que menosprezam a inspiração de Deus para o bem e salvação da humanidade. * * * O TEMA DO LIVRO DE DANIEL É um privilégio quasi sobrenatural estudar o grande livro, suas famosas profecias tratam dum conflito multi-secular entre a vontade de Deus e a vontade do homem; entre a verdade do céu revelada e o tradicionalismo doentio dos apóstatas; entre o supremo Governador do universo e os frágeis governadores do mundo. No centro dêste conflito, segundo as profecias de Daniel, está o povo de Deus — alvo de hostilidades das forças do mal; civis e eclesiásticas. Durante o domínio dos quatro grandes impérios e a divisão de Roma até ao presente, a igreja de Deus, de acordo às profecias de Daniel e os fatos comprobatórios, foi visada pelos opressores — tanto no que respeita ao velho como ao novo Israel. Os referidos poderes a oprimiram e a dizimaram; encarceraram seus componentes e os quebraram. Por conseguinte, o tema do livro de Daniel não visou nem visa simplesmente indicar o levantamento e queda de poderosos reinos e nações, mas demonstrar como Deus encerra o orgulho do homem e joga a glória no pó — como Deus lança abaixo o poderoso e despótico governador e estabelece outro em seu lugar; como Êle controla os poderes políticos e eclesiásticos da terra de modo a facilitar a marcha ascendente vitoriosa de Seu povo a despeito de sérios obstáculos, oposições e incontáveis perseguições. É dentro dêste tremendo conflito que devemos estudar o livro de Daniel. Se todos os maus críticos o estudassem e o considerassem dentro dêste escopo, seguramente abjurariam suas oposições e teriam uma nova visão da grande revelação de Deus aos homens através de Seu grande e honrado profeta Daniel. Dêste modo o tema geral do livro de Daniel, em outras palavras, é demonstrar aos poderosos da terra que êles são meros “nadas’’ e que Deus é o verdadeiro Soberano — que os põe no governo do 1

O Conflito dos Séculos, E. G. White, pág. 378, 312.

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mundo e das nações e dêle os depõe, afim de que seu escolhido povo possa cumprir livre e desembaraçadamente a sua missão enquanto marcha vitorioso em demanda do reino eterno. * * * A mensagem básica, fundamental do livro de Daniel é a intervenção de Deus no domínio do homem no mundo. O clímax da mensagem do livro é o estabelecimento do reino de Deus na terra. As profecias dos capítulos dois, sete e oito que historiam o domínio do homem, culminam com a futura vinda do glorioso reino. A segunda vinda de Cristo para ajuste com os poderes constituídos é o desfecho anunciado sôbre a má administração do homem nos negócios da terra, que se opõem aos planos e intentos de Deus. A história do mundo revela uma contínua anarquia resultante da dominação do homem e seu desqualificado despotismo arrogante e destruidor. A intervenção de Deus, clara nas profecias de Daniel, porá um dramático fim ao abuso e exterminará totalmente um domínio que se tem demonstrado falho e prejudicial à civilização humana. Fogo, rezam as profecias, será o remédio de Deus para estirpar o mal crônico da arrogância e da desmedida opressão. O dono do mundo virá governar aqui, pois só Êle sabe governar. O homem insiste em governar sem saber governar. E, até agora, êle próprio tem provado por seu govêrno na terra, que na verdade não sabe dirigir os destinos da civilização. Seu govêrno findará para dar lugar ao govêrno de Deus. * * * O Livro de Daniel contém uma mensagem especial para o tempo do profeta. A vida pessoal de Daniel — como primeiro ministro dum império mundial — já constituía uma mensagem de Deus para o seu tempo, mormente para Nabucodonosor, rei de Babilônia, e sua côrte. Os quatro primeiros capítulos de seu livro encerraram uma poderosa mensagem sob vários aspectos dirigida ao rei Nabucodonosor e seu reino. Cada um dêstes capítulos contém uma especial mensagem de Deus a Babilônia e seu soberano. No primeiro capitulo vemos quão estupendo fôra que o próprio monarca tenha proclamado a altas vozes a superioridade intelectual de Daniel e seus três companheiros — servos do Deus de Israel — no exame final da universidade da côrte. Foi uma fenomenal mensagem apelativa ao soberano relativa à supremacia do Deus do céu, o Deus de Israel. 17

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O capítulo dois enfeicha talvez a mais poderosa mensagem de Deus diretamente concedida ao rei Nabucodonosor em um sonho inspirado. A grandeza de seu reino e sua queda ficaram claras na interpretação de Daniel. Foi revelado aquele monarca que Deus é quem empossa e depõe os governantes das nações estabelece e remove os reinos. Exemplo frizante disso temos nas numerosas nações e povos que desapareceram para sempre na história, e isto por determinação do Conselho de Deus segundo profecias muito evidentes de Isaías, Jeremias, Ezequiel e outros profetas de Deus. O capítulo três compreende uma visão do próprio Filho de Deus, em pleno forno de fogo na libertação dos três hebreus injustamente sentenciados. Sua aparição visou convencer o rei Nabucodonosor de Seu poder e certificá-lo da inutilidade em batalhar contra a causa do céu esposada e propagada na vida e obras de Seus representantes em sua corte real. O capítulo quatro relata a mais direta ação de Deus contra Nabucodonosor, visando convertê-lo de uma vez para sempre. O soberano reconheceu afinal a mão de Deus sobre si, sua misericórdia em procurar salvá-lo ainda que dum modo dramático e tremendo. O capitulo cinco refere a mensagem do céu ao último rei de Babilônia — Belshazzar. Foi uma mensagem de juízo e condenação. Na interpretação de Daniel ficou assentado que Deus deu o império de Babilônia aos medos e persas, fato que mais uma vez demonstra que Deus exerce o controle das nações. Assim os cinco primeiros capítulos do livro de Daniel encerram a mensagem especial de Deus para o seu tempo no que respeita a Babilônia e seus monarcas. O capítulo seis contém a mensagem de Deus no que concerne à Medo-Pérsia de Dario, o Medo. Uma mensagem de poder que revelou ao monarca e seus cortesões o pêso do caráter dum homem que representa a Deus na terra. O livramento de Daniel na cova dos leões, como antes o dos três jovens hebreus na fornalha de Nabucodonozor, foi a mais poderosa mensagem de Deus a Dario, sua corte e seu inteiro reino que foi notificado do espetacular livramento. O capítulo dez contém a mensagem de Deus a Ciro, relativa à luta renhida que se travou na Judéia ao tempo da reconstrução do templo pelos cativos judeus libertos. Ciro pôde ver a mão auxiliadora de Deus na proteção de Seu povo, e nada mais teve a resolver senão ceder diante da influência do Excelso Deus. Assim os seis primeiros capítulos e mais o décimo, enfeixam a mensagem do livro de Daniel para o seu tempo — que revelou a 18

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supremacia de Deus sôbre todos os poderes e inclinou os reis a reconhecerem-nO como o Supremo Monarca do universo. * * * O livro de Daniel contém mensagens especiais para os últimos dias. Sete profecias há no referido livro relativas ao povo de Deus do derradeiro final da história do mundo. A primeira é a abertura do livro de Daniel, o estudo de suas profecias, principalmente a do versículo quatorze do capítulo oitavo, que resultaria, como resultou, no grande movimento religioso do século dezenove — tal como anunciado por São João no décimo capítulo do Apocalipse.1 A segunda — é a restauração do evangelho desde o ano de 1844 ou desde o final das duas mil e trezentas tardes e manhãs, segundo o capítulo oito versículo quatorze. Uma gigantesca obra de restauração final do evangelho da graça pela apostasia; um derradeiro convite evangélico da graça antes do fechamento da sua porta; um extraordinário movimento missionário mundial do povo de Deus apontado também nas profecias do Apocalipse, capítulo dez, onze, doze, quatorze e dezoito. A terceira é a purificação do santuário celestial ou o juízo de investigação, desde o ano de 1844 ao término da obra da graça, que envolveria apenas o povo de Deus como o envolve, e cujo objetivo, é perdoá-lo, remover seus pecados do santuário e conceder-lhe “sentença favorável” pelo Supremo Juiz em face da obra meditória de Cristo.2 A quarta — é a proteção do Senhor e Seus escolhidos no tempo da cruel angústia que se seguirá ao encerrar-se a graça redentora e a intercessão de Cristo por êles diante de Seu Pai, o Juiz Supremo.3 Os santos estarão garantidos na tempestade. A quinta — é o segundo advento de Cristo para libertar Seu povo e levá-lo para o glorioso reino, acontecimento futuro também anunciado pelos profetas, por Cristo mesmo pessoalmente e pelos apóstolos, mormente por São João nas profecias do Apocalipse.4 A sexta — são duas ressurreições simultâneas especiais — dos que morreram na fé da terceira mensagem angélica e dos que 1

Daniel 12:4. Daniel 8:14; 7:9-10; 13-14, 22. 3 Daniel 12:1. 4 Daniel 12:1. 2

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crucificaram Jesus, aquela para a vida eterna e esta para vergonha e desprêso eterno.1 A sétima — é a ressurreição dos santos de todos os séculos para o novo e eterno reino, incluso Daniel, que com êles estará na sua “côrte no fim dos dias”.2 Depois dêstes setuplos acontecimentos, a terra estará no seu glorioso período de paz imperturbável e passando ela a ser a morada perpétua da divindade — onde a comunhão com o Pai celeste e o maravilhoso Salvador será gozada pelos remidos através dos infindáveis séculos da eternidade. * * * O livro de Daniel pode ser chamado — um manual de história e profecia. A profecia predita é uma prévia história e a história é a profecia predita passando em revista. As quatro linhas de profecias do livro de Daniel — capítulo dois, sete, oito e dez — são um breve esboço da história do mundo desde Babilônia ao fim do tempo. Cada uma destas linhas alcançará o seu clímax quando o Deus do céu estabelecer o Seu reino que jamais será destruído. As profecias de Daniel constituem uma divina ponte construída sôbre o abismo dos séculos até às iluminadas praias da eternidade. Uma ponte pela qual, aqueles que como Daniel propõem em seus corações amar e servir a Deus, possam transpô-la pela fé — da incerteza e aflição da vida presente à paz e segurança da vida futura. As maiores mensagens do livro de Daniel são o primeiro e o segundo adventos de Cristo e o estabelecimento do reino de Deus. É interessante notarmos o emprego no livro de Daniel, pela Revelação, para representar império, nações e indivíduos, — de símbolos como metais vários, animais diversos, chifres, árvore e um Homem vestido de linho. Foram também assentados quatro períodos proféticos: Um tempo, dois tempos e metade de um tempo; duas mil e trezentas tardes e manhãs; mil duzentos e noventa dias e mil trezentos e trinta e cinco dias. Inúmeros indivíduos tiveram o seu papel marcado pela Revelação do livro de Daniel sem que fôssem simbolizados ou nominalmente citados.

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Daniel 12:2. Daniel 7:27; 12:13.

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* * * O livro de Daniel compreende duas distintas seções: A histórica, capítulos um a seis, e profética, capítulos sete a doze. A seção histórica, que é a primeira do livro, pode ser considerada como um prefácio da sessão profética. Com exceção do sexto capítulo, os cinco primeiros referem a dois exclusivos monarcas babilônios: Nabucodonosor e Belshazzar. Os quatro primeiros capítulos tratam direta e exclusivamente ao rei Nabucodonosor em suas relações com o Deus de Israel através de Daniel e seus três companheiros. O quinto historia o trágico fim do império de Babilônia e de seu último soberano sob o juízo divino. O sexto capítulo menciona um só rei — Dario, o Medo, em suas relações com o Deus de Israel através de Daniel. Cada capítulo desta seção histórica encerra uma lição básica do céu dirigida ao monarca do reino mundial dominante no tempo de sua mensagem, bem como aos governantes das nações de todos os tempos — de que a supremacia pertence a Deus e não ao homem. Revela esta seção ainda, principalmente três dramáticos espetáculos em que estiveram em perigo de vida os servos de Deus Seus representantes na côrte do mundo de então. O céu, porém, estava a postos e interviu nos momentos precisos para livrá-los de perecerem. Entretanto, os reis que correspondem a esta seção foram ricamente abençoados pela presença dos embaixadores de Deus em suas cortes, e os próprios negócios de seus reinos prosperaram pela sabedoria com que cumpriram a missão de que foram incumbidos por Deus. A seção profética do livro salienta-se por tríplice resumo: 1) Despotismo político opressivo; 2) despotismo eclesiástico apóstata; 3) religião verdadeira triunfante. As profecias desta seção subordinamse a três visões de Daniel (caps. 7, 8, 10), e tratam de poderosos impérios, de grandes e influentes nações, dum arrogante poder religioso intolerante e do propósito de Deus com Seu povo. O desfecho da crise da história é assinalado pela intervenção de Cristo no mundo como solução única para os incontáveis e insolúveis problemas da terra que afligem e desesperam as nações e os povos. O quadro geral desta seção é verdadeiramente sensacional no que respeita a seu simbolismo. No que se relaciona aos grandes impérios, dum lado são representados por terríveis feras insaciáveis de sangue, enquanto por outro lado por animais pacíficos atuando como indomáveis e bravios. O poder religioso apóstata, representado 21

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num “chifre pequeno” com olhos e bôca, é o que mais chama a atenção por suas palavras altivas e seu aberto levante e audácia contra, o céu, enquanto reduz a nada o poder dos soberanos da terra sobre os quais se impõe inexorável. Todavia, em meio ao dantesco espetáculo das forças do mal em ação, deparamos as profecias que tratam do plano de Deus de restauração de tudo e da marcha vitoriosa de Seu povo por entre os séculos em meio a um dilúvio de oposições e um inferno de perseguições. Vê-se claramente a mão do Onipotente no leme da nau do mundo conduzindo Seus planos a bons termos e guiando Seu povo ao porto seguro e glorioso da eternidade, a despeito dos tantos recifes do caminho. Damos a seguir um esboço rápido das duas seções do livro de Daniel, em que aparecem os títulos chaves de cada capitulo, tais como expostos em tôda a dissertação. Não afirmamos que estes títulos correspondam à inteira matéria de cada capítulo; porém, como o fizemos, julgamos ter escolhido os que mais se aproximam da essência do mais importante conteúdo histórico ou profético de cada capítulo: Capitulo primeiro: — Embaixadores de Deus na corte de Babilônia. Capitulo segundo: — O impressionante sonho dos impérios. Capítulo terceiro: — Uma poderosa lição de liberdade de consciência. Capítulo quarto: — O seguro resultado na procrastinação. Capítulo quinto: — O banquete fatal de Babilônia. Capítulo sexto: — Vitória na cova dos leões. Capítulo sétimo: — O drama das opressões políticas e religiosas. Capítulo oitavo: — O santuário celestial e o Augusto Tribunal de Deus. Capítulo nono: — O tempo profético do advento do Messias. Capítulo décimo: — A intervenção de Cristo na côrte persa. Capítulo undécimo: — Luta de morte pela supremacia política. Capítulo duodécimo: — O desenlace da crise da História. * * * É importante considerarmos em rápidas pinceladas — o mundo nos dias de Daniel. É interessante atentarmos em primeiro lugar que, 22

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ao atingir Daniel a idade de doze anos (612 a.C.) o império assírio, outróra poderoso no mundo, caíra nas mãos de Nabopolasar, seu forte vassalo governador de Babilônia. O Egito, que antes da Assíria era a potência suprema na África e na Ásia, vira na queda desta potência que o vassalara uma nova chance de reabilitar-se à sua primitiva supremacia. Mas não teve mais forças para erguer-se e todo o seu empenho nêste sentido foi em vão diante do nôvo poder — de Babilônia sob os caldeus — que se levantava para dominar a terra inteira. A êste tempo três novos poderes cresciam e esperavam na fila da História a sua vez de dominação mundial — Medo-Persa, Grécia e Roma. Porém, o que mais importante se nos apresenta quanto à época de Daniel, é o império de Babilônia, no qual êle viveu durante 70 anos, em cuja côrte foi primeiro ministro enquanto embaixador do Rei do universo. É de importância apreciarmos a origem do império de Babilônia, no Capítulo II, titulo: A Origem do Império de Babilônia. Veja-se também, no mesmo Capítulo, o título: Nabucodonosor Rei do Mundo. Estava, pois, o mundo sob um só poderoso soberano e uma só vontade — o rei Nabucodonosor. Uma absoluta vaidade caracterisou o reinado mundial dêste potentado. O povo de Deus jazia fora de sua terra, em cativeiro no Oriente. Dois homens foram especialmente tomados por Deus naquela solene época histórica enquanto o povo do Senhor jazia em cativeiro: Nabucodonosor e Daniel. O primeiro para assegurar a paz na terra e o segundo para influenciar no primeiro toda a simpatia, benevolência e proteção ao cativo povo de Deus. Assim era o mundo nos dias de Daniel e da revelação da extraordinária mensagem de seu livro. * * * Lamentàvelmente há várias adições apócrifas no livro de Daniel. Há em tôda a Bíblia sete livros essencialmente apócrifos. Foram introduzidos pela primeira vez na “Versão dos Setenta”. São êles; Tobias, Judite, Sabedoria, Eclesiástico, Profecia de Baruque, I Macabeus, II Macabeus e adições no livro de Ester. Passaram depois a figurar em outras versões incluso a Vulgata ou Católica — donde a versão brasileira do Padre Matos Soares. Êstes livros apresentam-se sem o respectivo autor, pelo que atestam sua origem, apócrifa, o que não sucederia se fôssem inspirados do céu. Além de tudo, falta nêles o elemento profético. Josefo sustém (Ap. 1,8) que o ensino exato, fiel e preciso dos profetas foi interrompido depois do fêcho do Velho 23

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Testamento. Desde Malaquias (cêrca de 400 a.C.) até João Batista, nenhum profeta foi levantado por Deus. O próprio primeiro livro dos Macabeus fala na ausência de profetas.1 Também a leitura de tais livros já indica não terem sido inspirados, havendo até porções que contradizem as mensagens dos livros autênticos e inspirados. É digno de menção que nenhum dos profetas verdadeiros fez qualquer alusão dos livros apócrifos. Cristo jamais se referiu a êles, e mesmo os apóstolos e a igreja apostólica jamais importaram-se com êles. O canon hebreu que é a coletânia dos livros inspirados através os profetas de Israel, não contém os apócrifos citados. Justino, o mártir, Origenes, Jerônimo e S. Agostinho aprovaram o cânon judáico sem os apócrifos. Wiclife afirmou não terem “autoridade de credo” e Lutero declarou: “não serem iguais às Escrituras”. A Assembléia de Teólogos de Westminster em 1643, excluiu os livros apócrifos. Em 1643, o Dr. Lightfoot na Câmara dos Comuns, referiuse aos “desprezíveis apócrifos”, como “remendos de invenção humana”. Para termos uma idéia da falsidade destes apócrifos: Tobias 6:6-8, autoriza o charlatanismo; II Macabeus 12:44-45, recomenda ofertas e orações pelos pecados dos mortos; Judite 9:9-10, especialmente, propugna e justifica o engano; Sabedoria 8:19-20, ensina a reencarnação. E há outras contraditórias declarações. O valor dos apócrifos, portanto, como fonte de verdade e edificação espiritual, é nulo, e devem ser eles rejeitados como nocivos à fé e aos costumes do são cristianismo. O livro de Daniel foi também alvo da injuriosa bagagem de edições apócrifas. Segundo a Bíblia Católica do Padre Matos Soares — tradução da Vulgata Latina — o capítulo três contém duas adições apócrifas: A “oração de Azarias”, na fornalha ardente, e o “cântico dos três jovens”, também na fornalha ardente. O capítulo treze encerra a história de Suzana e dois velhos por ela apaixonados, bastante vergonhosa para que Daniel a inserisse em seu glorioso livro. E o capitulo quatorze e último contém duas ridículas histórias; A de Bel e a do Dragão, em que o impúdico desconhecido autorapócrifo envolveu a Daniel, aquele santo e puro caráter, como também é envolvido na história de Suzana pelo mesmo impúdico autor ignorado que a inventou. Estas adições apócrifas ao livro de Daniel constituem franca contradição da narrativa total e original do livro do profeta. Daniel seria muito insensato para introduzir em sua belíssima obra inspirada 1

I Livro dos Macabeus cap. 4 verso 46.

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tamanhas aberrações e tolices. Nelas é bem patente o dedo do inimigo de tôda a justiça que com facilidade extrema serviu-se de apóstatas declarados para macular um santo livro como o de Daniel, do mesmo modo como o fêz com outros das Sagradas Escrituras. A eterna verdade de Cristo foi assim maculada com a presença destes espúrios escritos; foram vituperados os servos de Deus que falam em Seu nome; e foi ofendido o Espírito Santo — o Agente da inspiração de procedência celestial. Os verdadeiros cristãos rejeitarão os apócrifos e darão preferência às Bíblias que são isentas deles — como prejudiciais à fé cristã. Guerra, pois, aos injuriosos apócrifos de origem meramente humana, faltos da inspiração divina e ofensivos a Deus e sua justiça. * * * Seria um milagre se um livro como o de Daniel, cujas profecias são tão exatas e tão evidentemente comprovadas por irrecusáveis testemunhos históricos — fôsse isento dos ataques de Satanás. Deveras nenhum outro livro tem sido tão atacado como êste grande livro inspirado. O inimigo do direito tem estado a postos através dos séculos para opôr-se à autenticidade e inspiração dos livros das Escrituras Sagradas, principalmente o livro de Daniel. Durante dezesseis séculos homens ímpios — filósofos pagãos e incrédulos — têm procurado derribar a sua autenticidade. Mas êle se tem demonstrado como uma bigorna sôbre a qual os martelos dos críticos se têm despedaçado. Os líderes do judaísmo, os próprios compatriotas de Daniel, foram os primeiros a olhar com olhos vesgos ao profeta como profeta e a seu livro como matéria inspirada de crédito. Deram ao referido livro um lugar inferior no Canon. Não o inscreveram na série dos grandes profetas — Isaías, Jeremias e Ezequiel — e nem mesmo entre os chamados “profetas menores”, mas o colocaram entre os “Escritos” (Kethubins ou Hagiógrafos) — ao par com livros poéticos e históricos. Esta atitude equivaleu ao não reconhecimento legal em absoluto de Daniel como um profeta de importância e a seus escritos como de valor real. Outrossim, o colocaram entre os sábios homens que, embora senhores do Dom de Profecia, não são chamados profetas nos livros que trazem os seus nomes. Assim repudiaram os rabinos a Daniel e seu livro dando-lhe apenas um lugar secundário no cânon. Uma das razões do infeliz repúdio judaico ao profeta e conseqüentemente ao teu livro, consiste na alegação de que êle, embora exercesse o dom profético, não exerceu o ofício profético de mediador entre Deus e sua nação, como os demais profetas. Outra 25

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razão do injusto repúdio é o alegado fato de Daniel ter vivido em palácio como primeiro ministro dum reino opressor de seu povo em cativeiro e não entre os seus compatriotas opressos. Esqueceram-se, porém, que, não fôra Daniel ali naquela corte estar como embaixador de Deus, não teriam tido seus antepassados cativos o ameno cativeiro que tiveram e muito menos um regresso seguro, em paz e com alegria, findo os 70 anos de exílio, para reconstruírem o seu lar nacional na Judéia. É, pois, injusta a atitude do judaísmo contra Daniel e seu livro, e aqui fica o protesto contra esta descabida injúria que o céu um dia vingará. * * * Uma outra oposição ao livro de Daniel, mais audaz e inspiradora de maior descrédito ao seu autor e sua mensagem, é a que originou-se no terceiro século com o sofista sírio e filósofo pagão neo-platônico — Porfírio (233-304 A.D ). Os impertinentes ataques de Porfírio e dos que aplaudiram suas objeções temos a seguir: “Até o tempo comparativamente recente, com algumas poucas excessões, a genuinidade e autenticidade do livro de Daniel tem sido consideradas como estabelecidas, e sua autoridade canônica foi tão pouco duvidada como a de qualquer outra porção da Bíblia. Os antigos hebreus jamais duvidaram de sua autenticidade” embora lhe dessem um lugar inferior no cânon — pelo menos o equipararam aos livros históricos e poéticos. “O primeiro aberto e confesso adversário da genuinidade e autenticidade do livro de Daniel, foi Porfírio, um ferrenho adversário da fé cristã no terceiro século. Escreveu êle (aos quarenta anos de idade) quinze livros contra o cristianismo (obra intitulada — Contra os Cristãos), dos quais todos se perderam, exceto alguns fragmentos preservados por Eusébio, Jerônimo e outros. Suas objeções contra Daniel foram feitas em seu décimo-segundo livro, e tudo o que temos de tais objeções foi preservado por Jerônimo em seu comentário sôbre o livro de Daniel. Uma inteira informação, suas objeções contra os cristãos e os livros sagrados do Velho e Nôvo Testamentos, tanto quanto agora se conhece, pode ser encontrado em Lardner — Testemunhos Judaicos e Pagãos, Vol. VII, páginas 390, 470, de suas obras, edição de Londres, 1829. “De acordo a Jerônimo, portanto, Porfírio insinuou “que o livro de Daniel não foi escrito por aquele cujo nome o livro trás, mas por 26

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outro que viveu na Judéia no tempo de Antíoco Epifanes no segundo século a.C.; e que o livro de Daniel não prediz coisas futuras, mas relatos daquilo que já havia sucedido. Numa palavra, seja o que fôr que ele contenha do tempo de Antíoco é história verdadeira; se há alguma coisa relatada para tempos futuros é falsidade; porquanto o escritor não podia ver coisas futuras, se não que quando muito somente podia fazer algumas conjecturas sôbre elas. A êle diversos de nossos autores têm dado respostas de grande trabalho e diligência, em particular Eusébio, bispo de Cesaréia, em três volumes. Apolinarius, também, em um vasto livro, que é o 26.°, e antes deles, em parte, Methodius. Como não é meu objetivo, disse Jerônimo, “refutar as objeções do adversário, que podia requerer uma longa exposição, mas apenas explanar o profeta a nosso próprio povo, isto é os cristãos, observarei que nenhum dos profetas falou tão claramente de Cristo como Daniel, porque êle não somente predisse Sua vinda, como igualmente outros fizeram, mas também anunciou o tempo quando Êle apareceria, e menciona em sua ordem os príncipes do espaço intermediário, o número de anos e os sinais de seu aparecimento. E em virtude de Porfirio vêr que todas estas coisas se cumpriram, e não podia negar que todas elas em seu tempo já tinham passado, foi êle compelido a dizer, como disse; e devido a similitude de algumas circunstâncias, “afirmou que as coisas preditas para serem cumpridas pelo Anticristo no fim do mundo, cumpriram-se no tempo de Antíoco Epifanes. Tal espécie de oposição é um testemunho da verdade; porque tal é o plano de interpretação das palavras, que aos homens incrédulos o profeta parece não predizer coisas futuras, mas descrever coisas já passadas.”1 Porfírio fundou-se em certos extraviados autores gregos pagãos para suster a sua inglória oposição. Suas opiniões, porém, exerceram pouca influência nos séculos subsequentes no Oriente e nenhuma no Ocidente, e o primitivo ponto de vista correto sôbre Daniel e seu livro dominou tôda a Idade Média. Cristãos e judeus, católicos e protestantes, estiveram geralmente unânimes que o livro de Daniel foi escrito durante o exílio do autor em Babilônia no sexto século a.C. * * * A teoria de Porfírio jazeu dormindo a maior parte do tempo até depois da Reforma, quando foi trazida de sua obscuridade por Hugh 1

Source Book for Bible Studentes, ed. 1927, pág. 127.

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Broughton (1549-1612) da Inglaterra. Desde então tem sido ela ventilada especialmente por Johann S. Semler (1791), Wilhelm A. Corrodi (1793), Leonhard Bertholdt (1806-1808) e outros que nada fizeram senão repetir as declarações de Porfírio, o assaltante número um do cristianismo no terceiro século. Os que propagam esta deletéria teoria de Porfírio, o fazem sem conhecimento real de sua origem e de seu verdadeiro objetivo, que era simplesmente depreciar o cristianismo. Ninguém, pretendem os maus críticos, exceto um compatriota de Antíoco IV Epifanes, rei da Síria, no segundo século, seria capaz de referir com tal exatidão os eventos daquele tempo. Portanto, o escritor do livro de Daniel, afirmam êles — como Porfírio — deve evidentemente ter sido um erudito, ou um personagem cujo coração encheu-se com o santo desejo por comunicar fôrça e valor a seu povo naquele preciso tempo de guerra e perseguição do período Macabeu. Êle deve, afirmam, ter sido uma figura saliente que tomou o nome de Daniel como seu pseudônimo, para dar maior pêso às suas exortações e predições. Mas, é bastante estranho que o incógnito autor, assim chamado, escrevesse o livro de Daniel como exortação aos heróicos Macabeus perseguidos e em armas contra a Síria e nada se referi-se a essa guerra, ao esforço de seu povo em aflição e jamais referisse no livro o nome Macabeu! Para fortalecer o seu ponto de vista, os críticos lançaram mão do fato de não ser Daniel mencionado entre os profetas, no Cânon judeu, e nem na importante lista de homens do livro de Eclesiásticus (Sirach), escrito cerca de 190-170 a.C. A conclusão a que chegaram é que o livro de Daniel deve ter sido escrito numa data posterior, provàvelmente cerca de 165 a.C. Hoje grande número de expositores aceitam a posterior ridícula data da redação do livro de Daniel. Aliás, não aceitam o sexto século como tempo em que o autor do livro o escreveu em Babilônia, mas sim o segundo século, ao tempo de Antíoco Epifanes. * * * Dois pontos essenciais há levantados pelos discípulos de Porfírio em tôrno de sua teoria sôbre o livro de Daniel: 1. Desde que certas profecias apontam Antíoco IV Epifanes da Síria (175-164), e desde que, de acôrdo às suas concepções, a maioria das profecias — pelo menos as que demonstraram um acurado cumprimento — foram escritas depois dos eventos descritos terem ocorrido, assim as profecias de Daniel, conforme estas suas 28

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preterições, devem ser datadas do tempo seguinte ao reinado de Antíoco Epifanes e não de antes de seu tempo. 2. Desde que, a seção histórica de Daniel lembra certos eventos que discordam dos fatos históricos conhecidos nas fontes em vigor, estas discordâncias — asseveram os críticos — podem ser justificadas simplesmente pelo fato de o autor do livro de Daniel ter estado distante dos eventos, tanto pelo espaço como pelo tempo, e também pelo limitado conhecimento que possuía do que sucedera nos sétimo e oitavo séculos a.C., 400 anos antes. Replicamos: — O primeiro argumento opositor, é destituído de valor para aquêle que crê que o inspirado profeta fêz acuradas e importantes predições concernentes ao curso da História, desde Babilônia aos fins dos tempos. O segundo argumento é verídico no que afirma que Daniel descreveu alguns eventos que mesmo hoje não pedem ser verificados por meio das antigas fontes de material disponível. Um de tais eventos é a enfermidade de Nabucodonosor, que não é mencionada em qualquer antigo relato existente e que os críticos têm-na como objeção ao livro de Daniel. A ausência de relatórios seculares para uma temporária incapacidade do maior rei do império neo-babilônico não é um fenômeno estranho em um tempo quando os relatórios do trôno continham somente narrativas louváveis. Também é enigmático Dario, o Medo, cujo lugar na História não tem sido estabelecido por fatores de confiança não bíblica. Veja-se Capítulo IV, título: “E Dario, o Medo, ocupou o reino”. Outras chamadas dificuldades históricas mencionadas no livro de Daniel foram já solvidas pelo incremento do conhecimento provido pela arqueologia moderna, como damos a seguir: 1. A suposta discrepância cronológica entre Daniel 1:1 e Jeremias 25:1, — o primeiro texto dando conta que Nabucodonosor, como rei de Babilônia, tomou Jerusalém no terceiro ano de Joaquim; e o segundo definindo que o primeiro ano de Nabucodonosor como rei de Babilônia era o quarto ano de Joaquim. Porém, os conhecimentos e as descobertas arqueológicas vieram comprovar em solução a êste problema, — 1) que Nabucodonosor era co-regente com seu pai Nabopolasar, tendo o título de rei sem reinar como soberano oficial único no trono; — 2) que de acordo à cronologia do trono de Babilônia, não era tomada em conta no cômputo do reinado o ano da ascenção oficial de seus monarcas. Daí o ano da ascenção 29

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de Nabucodonosor, que foi o terceiro ano de Joaquim da Judéia, não ter sido computado nos anos de seu reinado oficial como sucessor de seu pai Nabopolasar, sendo o seu primeiro ano, conforme a cronologia do trono e o relato do profeta Jeremias, em verdade o quarto ano de Joaquim. 2. Nabucodonosor é apresentado em Daniel como o grande edificador de Babilônia,1, ao passo que esta honra havia sido dada pelos clássicos gregos à rainha Semírames. Mas a arqueologia nestes últimos 100 anos tem mudado inteiramente o quadro pintado pelos clássicos escritores e tem corroborado com o relato do livro de Daniel que credita a Nabucodonosor a honra de edificador e embelezador da grande cidade da Caldéia. Semírames, chamada Sammu-ramat em inscrições cuneiformes, foi agora descoberta como uma rainha mãe da Assíria, regente de seu filho menor Adad-nirari III, e não como uma soberana de Babilônia como pretendem as fontes clássicas. As inscrições demonstraram que ela jamais estêve ligada com alguma atividade de edificação em Babilônia. De outro lado, numerosas inscrições de Nabucodonosor provam que êle tornou-se o criador de uma nova Babilônia pela reedificação de palácios, templos e de novos edifícios e fortificações. Veja-se a exposição do versículo trinta do quarto capítulo, título: “Nabucodonosor Enche a Medida”. Tal informação de crédito a Nabucodonosor, inserida no livro de Daniel, ninguém senão um escritor do século neo-babilônico podia ter fornecido. A presença de uma tal informação no livro de Daniel confunde completamente os maus críticos que não crêm que seu livro tenha sido escrito no sexto século, mas antes no segundo século a.C. Um típico exemplo do dilema que os envolve, é a seguinte confissão de R. H. Pfeiffer, da universidade de Harvard:”Nós presumivelmente jamais saberemos como o nosso autor tomou conhecimento, que a Nova Babilônia foi a criação de Nabucodonosor..., como as escavações têm provado”.2 BC, 748. 3. Belshazzar, rei de Babilônia, constituiu outra fortaleza dos críticos contra o livro de Daniel. Até não faz muito tempo, Belshazzar era olhado através do livro de Daniel, onde unicamente era referido, como uma figura legendária, em virtude de a história secular não o ter mencionado na lista cronológica dos reis de Babilônia. O silêncio que fizeram sobre Belshazzar os antigos historiadores, levou o mau criticismo a erguer-se contra a historicidade do livro de Daniel e a 1 2

Daniel 4:30. Seventh-Day Adventist Bible Commentary, Vol. IV, pág. 748.

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duvidar mesmo da existência deste rei. A dificuldade era acentuada pelo fato que diversas antigas fontes davam listas dos reis de Babilônia até ao fim da história desta nação, as quais mencionavam Nabonidos, em diferentes períodos, como último rei antes de Ciro, que foi o conquistador de Babilônia. Mas o livro de Daniel coloca os eventos imediatamente precedentes à queda de Babilônia no reinado de Belshazzar. Porém, a alta crítica (ou baixa), inventou numerosas interpretações para esplanar a aparente discrepância ante os relatos bíblicos e as fontes profanas. De acôrdo a Raymond P. Dougherty, em Nabonidos e Belshazzar, páginas 13, 14; “Belshazzar era (1) um outro nome do filho de Nabucodonosor conhecido como EvilMerodach, (2) um irmão de Evil-Merodach, (3) um filho de EvilMerodach, conseqüentemente neto de Nabucodonosor, (4) um outro nome de Nergal-shar-usur, genro de Nabucodonosor, (5) um outro nome de Labashi-Merduch, filho de Nergal-shar-usur, (6) um outro nome dado a Nabonidus, (7) o filho de Nabonidus e uma filha de Nabucodonosor”.1 Uma outra invenção dos críticos refere o nome de Belshazzar como uma invenção do escritor do livro de Daniel que viveu no tempo dos Macabeus no segundo século. Porém, nestes tempos modernos, a pá e a picareta da arqueologia reduziram a frangalhos as pretensões e ataques da chamada “alta crítica” revelando a veracidade do registro de Daniel quanto a Belshazzar como personagem não imaginária ou legendária, não como filho dêste ou daquele, mas como filho de Nabonidos e coregente com êste. Dentre os muitos achados arqueológicos que revelam a existência real de Belshazzar, citaremos uma insuspeita oração de Nabonidos, que julgamos o suficiente para confirmar os relatos de Daniel sôbre Belshazzar. Ei-la abaixo; “Quanto a mim, Nabuna’id rei de Babilônia, livra-me de pecar contra tua grande natureza divina e concede-me longos dias de vida. E concernente a Belshazzar meu primogênito, o rebento de meu corpo, seu coração encha tú também com respeito de tua grande divindade, para que êle jamais possa condescender no pecado. Permita-lhe satisfazer-se na abundância de dias”.2 Isto escreveu Nabonidus dirigindo-se a Sin, deus da Lua. Esta própria declaração dêste rei atestando Belshazzar como seu filho 1 2

Seventh-Day Adventist Bible Commentary, Vol. IV, pág. 806. A Dictionary of the Bible, John D. Davis, art. Belshazar.

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primogênito, que por direito seria o herdeiro do trôno, é suficiente para crermos na veracidade da pessoa histórica, dêste soberano. Verdadeiramente ficam, pelas modernas descobertas da arqueologia, pulverizadas as oposições da “alta crítica” quanto à historicidade do livro de Daniel, e mais que nunca este profeta de Deus e seu livro são reivindicados e exaltados como autênticos. * * * Segundo a teoria do pagão Porfírio, o quarto reino dos capítulos dois e sete de Daniel é aplicado no período helenista: Babilônia é contada como o primeiro império, Média como o segundo, Pérsia como o terceiro, e Alexandre e seus sucessores como o quarto. Todavia a Média e a Pérsia jamais formaram dois impérios mundiais separadas uma da outra ou uma seguindo à outra ou um conquistado pelo outro. Tanto pela profecia como pela História secular constatamos que os dois poderes uniram-se num só para submeterem Babilônia, o primeiro império, e formarem assim o segundo império mundial, da profecia e da História. Mas a teoria de Porfírio do quarto reino helenista, define o “chifre pequeno” dos capítulos sete e oito de Daniel, como aplicável a Antíoco IV Epifane rei da Síria. Porém, no capítulo sete, o “chifre pequeno”, o mesmo do capítulo oito, surge da cabeça do quarto animal, que representa o quarto reino da terra ou Roma, e Antíoco Epifanes, em seu tempo, representou o poder sírio e não o poder romano.1 O “chifre pequeno” surgiu entre os 10 chifres do quarto animal, romano que representam os bárbaros que dividiram Roma Ocidental e formaram a Europa moderna,2 e Antíoco Epifanes não se levantou como rei em meio aos 10 reinos europeus e tão pouco destruiu três deles para sempre — Hérulos, Vândalos e Ostrogodos — como reza à profecia que faria o “chifre pequeno”. Vêr adiante, o título: “Estorvos no Caminho do Papado”. Antíoco reinou 11 anos e o “chifre pequeno” reinaria, como reinou, 1260 anos segundo a profecia. O reino que seguiu o império de Alexandre, não foi o reino de Deus, que, segundo a profecia, seguiria o quarto reino dividido em dez — mas Roma-Pagã foi que o seguiu. O “chifre pequeno” estenderia suas conquistas ao Oriente e ao Sul; mas Antíoco Epifanes foi detido no Sul, no Egito, pela palavra de um mero oficial romano, Caio Pompílio Lena, — veja página 339 — e na Palestina foi derrotado, por fim na guerra dos Macabeus. E 1 2

Daniel 7:23. Daniel 7:24.

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no Oriente, foi êle derrotado em sua última expedição que resultou em sua morte. Vemos assim, uma vez, que a teoria de Porfírio, ainda hoje esposada pelos modernistas e encontrada na maioria dos comentários críticos — de que o livro de Daniel foi fabricado por um desconhecido no período Macabeu depois de ocorridos os fatos por êle descritos, e não no sexto século por seu legitimo autor — tem-se demonstrado ridícula e destituída de fundamento. Nenhuma profecia de Daniel a ela se ajusta, principalmente quanto à sua pretensão do quarto reino helenista e muito menos de Antíoco IV Epifanes como representante do “chifre pequeno”. Inúmeros outros indestrutíveis argumentos poderiam ser aduzidos como evidências da nulidade da teoria de Porfírio ainda hoje aceita pelos declarados inimigos de Deus e da sã verdade revelada do Céu. Veja-se página 419 titulo: “Uma concepção errônea do “Chifre Pequeno”. * * * Há no livro de Daniel duas linguagens distintas. Foi escrito parcialmente em hebráico e parcialmente em aramaico. Do capitulo um versículo um ao capítulo dois versículo três e do capítulo oito versículo um até ao fim do capitulo doze, foi escrito em hebráico, e, do capítulo dois versículo quatro até ao fim do capítulo sete, foi escrito em aramaico. Isto tem levado os críticos a numerosas conjeturas. Suas pretenções de que o livro é de posterior origem e não do sexto século, são baseadas, em parte, nos idiomas empregados no livro. Afirmaram que a seção aramaica corresponde ao aramaico usado no segundo e terceiro séculos a.C., e não ao aramaico usado no sexto século a.C. Entretanto, dizemos que a mera forma de linguagem não é em si mesma suficiente para estabelecer a data de escritos da antigüidade, porque os copistas daquele tempo eram acostumados a “modernizar” o estilo da ortografia ou fraseado, embora o pensamento original permanecesse. Dizemos de nossos dias, que a última revisão ortográfica da Bíblia Almeida em português pela Sociedade Bíblica do Brasil, não pode ser tomada como prova de que a Bíblia Almeida foi originalmente escrita ou traduzida no século XX. Assim com o livro de Daniel. Nada prova que o aramaico do livro, semelhante ao do segundo século, seja a última palavra para atestar que o profeta escreveu seu livro no segundo século. Aqueles que datam, a origem do livro de Daniel do segundo século a. C., têm também o problema da explanação: Por que um autor hebreu do período dos Macabeus escreveria parte do livro em 33

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aramaico e não todo êle em hebraico? Além disso, têm também de explicar a razão do autor introduzir 15 palavras persas e 3 gregas em seu livro, justamente no aludido período Macabeu, em que teve em vista encorajar, como afirmam, os seus compatriotas judeus afligidos por Antíoco IV Epifanes. Outro ponto que deixa perplexos e sem saída os opositores de Daniel e seu livro, é o notável fato que, a parte aramaica do livro é justamente a que trata de Babilônia como dominadora suprema no mundo. A profecia do capítulo oito, onde o autor retoma a escrever em hebraico, revelada exatamente no último ano de Babilônia como Império do orbe, já não trata mais dêsse poder. Daniel seguramente escreveu em aramaico, a língua da diplomacia mundial de então, a parte profética de seu livro que mais poderia interessar aos caldeus e para chamar-lhes a atenção para a derrocada que infalivelmente viria a seu império mundial. Nestes últimos dias o livro de Daniel foi completamente reivindicado. Seus infiéis opositores foram declarados ignorantes e considerados obstinados inimigos gratuitos da Bíblia. A arqueologia vem de dar um golpe de estremecer o ceticismo dos críticos, mormente pela descoberta, em 1947, numa caverna próximo ao Mar Morto, de parte de dois rolos do livro de Daniel — “contendo os nomes de Daniel, Cedrach, Mesach e Abednego, e incluindo o ponto onde a porção aramaica do livro começa”.1 * * * Outro fato interessante do livro de Daniel é que o autor aparece em duas pessoas distintas. Nos primeiros sete capítulos Daniel fala de si na terceira pessoa; e nos capítulos Daniel fala de si na terceira pessoa; e nos capítulos subsequentes apresenta-se na primeira pessoa. E a razão é simples: As circunstâncias da época da história referida nos seis primeiros capítulos e da revelação contida no sétimo capitulo — eram desfavoráveis a si em face de seus não poucos gratuitos adversários, pelo que teve a prudência de não dar um autotestemunho de sua pessoa como suprema em face de todos êles, preferindo escrever sua vitoriosa história e sua primeira grande revelação como se outrem as escrevesse, para não aparecer como superior em talento e caráter diante dos esbirros que o odiavam e assim exasperá-los ainda mais contra si. Assim sendo e ainda por ser considerado um cativo embora um grande homem do reino, preferiu 1

The Prophetic Faith of Our Fathers, Vol. II, pág. 58.

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Daniel falar de si na terceira pessoa como se não fôsse o autor da parte em questão do livro, provavelmente escrita até à sua libertação de perecer na cova dos leões. Porém, estava Daniel agora pràticamente livre de inimigos e do cativeiro que expirava, preferindo então escrever suas últimas visões — desde o capitulo oito ao fim de seu livro — aparecendo figurado como autor na primeira pessoa. Foi a prudência, para seu bem e de seu povo e como porta-voz de Deus em duas cortes — de Babilônia e da Medo-Persa — que ditou-lhe dever agir assim com referência à sua pessoa como autor de seu livro. Porém, a atitude de Daniel em preferir aparecer figurado em duas pessoas, como vimos, levou os críticos a descarregarem sôbre êle e seu livro mais uma porção de bombas, e negarem que o livro fôsse escrito por êle no sexto século a.C., mas insistindo que fôra escrito na primeira metade do segundo século a.C., ao tempo da guerra dos Macabeus contra Antíoco Epifanes. Todavia suas bombas eram e ainda são apenas de fumaça, não tendo o poder de destruir o famoso livro que permanece intacto e mais indestrutível do que jamais, como uma fortaleza inespugnável da Revelação em testemunho da verdade. * * * Agora algumas palavras sôbre os críticos modernos que em nosso presente século persistem em defender a insustentável teoria arcáica de Porfírio, e que o fazem por devotado e injustificável ódio contra o cristianismo e a doutrina cristã. Infelizmente não fazem êles diferença entre o são cristianismo e o cristianismo espúrio e barato do tempo atual. Êste foi o grave êrro de Porfírio que redundou numa inglória guerra de sua parte mesmo contra o Filho de Deus — pois ninguém pode guerrear o cristianismo legítimo sem guerrear o seu Autor. Quanto ao livro de Daniel, recusam-se estes maus críticos a depor o orgulho que lhes é próprio ante às acumulativas provas de sua inspiração e sua composição no sexto século a.C., — e o fazem simplesmente por teimosia e falta de humildade e sinceridade em reconhecer o direito e a verdade que o livro encerra. A vesga é sempre repetida declaração porfírica, nestes modernos tempos, de que o livro de Daniel é uma farsa de autor fanático do segundo século a.C., só poderia proceder, realmente, duma mente pagã como a de seu originador, é aceita e propagada por cérebros enuviados como o seu — a serviço do inimigo da justiça — Satanás. Recusar a voz da História por já vinte e cinco séculos exaltando as profecias de Daniel 35

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num testemunho eloquente e indestrutível, deixando em tudo desbaratada a infeliz teoria de Porfírio e desmascarando totalmente a seus modernos propagadores, significa falta de senso e honradez. Quando cérebros que se julgam lúcidos, deixam de reconhecer o cumprimento exato e altamente comprovado daquilo que combatem sem tréguas, é de duvidar da lucidez de tais cérebros. Um após outro império, reinos e nações anunciados no grande livro de Daniel surgiram e caíram segundo os ditames de suas profecias. Cada pormenor encontrou irrecusável cumprimento nos fatos internacionais ocorridos. As predições que dizem respeito ao povo de Deus e ao Messias foram tão exatamente comprovadas pelos acontecimentos, mesmo em suas datas fixas preditas, que não podem deixar de causar, admiração. As que apontam os inimigos de Deus e de Seu povo também foram em todo o sentido perfeitamente cumpridas. Assim o uníssono testemunho da História em cumprir todas as profecias de Daniel atesta a sua divina inspiração. Recusar as profecias de Daniel como autênticas significa recusar e insurgir-se contra a própria História que as cumpriu do modo mais eloqüente e incontestável. Os fiéis cristãos, que prezam a Revelação de Deus, exarada no livro de Daniel e nos demais das Sagradas Escrituras, não serão afetados pelos deletérios ensinos forjados por seus opositores; por homens que à luz chamam trevas e as trevas chamam luz; que consideram o erro como verdade e a verdade como erro; por indivíduos, enfim, que se erguem ousadamente para enfrentar o TodoPoderoso numa guerra ateística desajuizada. Um dia serão êles responsabilizados perante o tribunal do Excelso por seus deboches e seus despreziveis ataques de mentira à Revelação do céu. Tarde demais reconhecerão o ultrage e o sacrilégio que cometeram com toda a arrogância e insolente irreverência. * * * O livro de Daniel é uma cronologia tão perfeita, desde Babilônia aos nossos dias, que seria impossível um plágio do segundo século a.C., ou de qualquer outro. Todos os grandes acontecimentos da História são tão perfeitamente exarados em suas profecias e tão evidentemente cumpridos desde vinte e cinco séculos atrás até ao presente, que em verdade é impossível que o nome do autor do livro aluda apenas a um simples pseudônimo para encobrir uma obra espúria, em vez de aludir ao nome de um legítimo, grande e inspirado profeta como autor. 36

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A parte histórica do livro de Daniel, que trata de acontecimentos internacionais ligados ao início e ao término do império de Babilônia, está em perfeita harmonia com escritos de outros profetas dos sétimo e sexto séculos a.C., e com os de Herôdoto e Xenofonte, clássicos do quinto e quarto séculos a.C. respectivamente, — e portanto antes de Antíoco IV Epifanes, ou do segundo século a.C. — não podendo, portanto, ter sido forjada em primeira mão por um autor anônimo ou um pseudo Daniel da época de Macabeus. Cai assim por terra mais uma vez a expúria e malfadada teoria de que o livro de Daniel é obra inventada no segundo século em vez de original e legítima do sexto século. * * * A data bíblica do livro de Daniel está em primeiro lugar ligada à própria pessoa do escritor como indivíduo histórico e real do sexto século a.C. em Babilônia. O primeiro grande e incontestável testemunho nêste respeito é o de Ezequiel que foi também um dos cativos judeus no cativeiro babilônico, bem como um profeta de Deus entre os seus compatriotas no exílio. Como indiscutível prova de que Ezequiel foi um profeta do período do cativeiro, êle próprio relata quatorze revelações que recebera de Deus, datando cada uma delas com um dos anos do cativeiro, sendo que em dois daqueles anos recebera três visões em cada um dêles. As datas das referidas visões, conforme relatadas em seu livro, são os anos 601, 600, 599, 597, 596, 595, 594, 581, 579, 576. Datando uma dessas visões, a do ano 581, o profeta começa enfaticamente assim: “No ano vinte e cinco do nosso cativeiro”1. Estas datas de suas visões comprovam que êle foi profeta no período do cativeiro pelo menos durante 25 anos, aliás, de 601 a 576 a.C. Repetindo, frisamos: Ficou provado e documentado pelo próprio profeta Ezequiel que êle foi um dos profetas do período do cativeiro, e, portanto, um compatriota-contemporâneo de Daniel. O inolvidável testemunho inspirado de Ezequiel sobre Daniel, seu contemporâneo, que é portanto o próprio testemunho de Deus mesmo, aqui o temos em suas palavras: “Eis que mais sábio és que Daniel...”2 O profeta estava fazendo uma ilustração da sabedoria de Lucifer na pessoa do rei de Tiro. 1 2

Ezequiel 1:2-3; 8:1; 20:1-2; 24:1; 29:1; 26:1; 30:20; 31:1; 32:1-17; 33:21-22; 40:1; 29:17; 1:1. Ezequiel 28:3.

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Havia, então, segundo Ezequiel, no tempo do cativeiro babilônio, um sábio chamado Daniel. E não é discutível a verdade quanto a referir-se êle ao Daniel autor do livro que trás o seu nome. Aquele sábio Daniel, na altura deste testemunho, de Deus através de Ezequiel, cerca do décimo ano de cativeiro, 596 a.C., já era proverbialmente conhecido em Babilônia como principal sábio do reino mundial dos caldeus.1 A solução que Daniel deu aos dois sonhos do rei Nabucodonosor (caps. 2 e 4), e às misteriosas palavras da parede do palácio festal de Belshazzar (cap. 5), o colocaram acima de todos os sábios do mundo de seus dias. A velha rainha, filha do rei Nabucodonosor, declarou ao agoniado rei Belshazzar na última noite de sua vida: “Há no teu reino um homem, que tem o espírito dos deuses santos; e nos dias de teu pai se achou nele luz, e inteligência, e sabedoria, como a sabedoria dos deuses; e teu pai, o rei Nabucodonosor, sim, teu pai, ó rei, o constituiu chefe dos magos, dos astrólogos, dos chaldeus, e dos advinhadores. Porquanto se achou neste Daniel um espírito excelente, e ciência e entendimento, interpretando sonhos, e explicando enigmas, e sólvendo dúvidas, ao qual o rei poz o nome de Belteshazzar; Chame-se pois, agora Daniel, e êle dará a interpretação”.2 Inquestionavelmente, portanto, o sábio Daniel do testemunho inspirado do profeta Ezequiel, seu contemporâneo, era o profeta Daniel, o autor do grande livro que consideramos, e que viveu, diante do testemunho daquele homem de Deus — no sexto século ou no reinado de Nabucodonosor rei de Babilônia. Outro testemunho sôbre Daniel, o Daniel do livro de Daniel como indivíduo do sexto século, é ainda o do próprio Senhor Deus através do mesmo Ezequiel, Seu profeta. Seu novo e indubitável testemunho é comprovante de que Daniel em verdade viveu nos dias do profeta Ezequiel, e, portanto, no sexto século a.C. Ei-lo: “Ainda que estivessem no meio dela êstes três homens, Noé, Daniel e J...” 3. Poderá alguém duvidar do testemunho de Deus? Se o Daniel do livro de Daniel fôsse, como querem os críticos, uma quimera do segundo século, Deus não falaria dêle no sexto século. Só há um grande Daniel em tôda a história bíblica — o Daniel do tempo do profeta Ezequiel e do rei Nabucodonosor, o Daniel do sexto século. É preciso 1

Daniel 1:20; 2:48. Daniel 5:11-12. 3 Ezequiel 14:14, 20. 2

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ser muito cético e desafiante para rejeitar o testemunho do Todopoderoso. Ainda um outro testemunho de valor eterno é o de nosso Senhor Jesus Cristo. Pondo sêlo de autenticidade no livro de Daniel, confirmou a veracidade de suas profecias e aconselhou atendê-las. Aqui estão as Suas palavras; “Quando, pois, virdes que a abominação da desolação, de que falou o profeta Daniel, está no lugar santo; quem lê, atenda”.1 Êste testemunho de Cristo eqüivale ao do Pai referente ao autor do livro de Daniel como profeta e escritor do sexto século. Daria o Senhor Jesus o Seu testemunho em favor de um autor espúrio, como é acusado o autor do livro de Daniel pelos críticos? Jamais isto faria o Filho de Deus. Assim, a data bíblica do livro de Daniel, testemunhada pelo profeta Ezequiel, por Deus e por nosso Senhor Jesus Cristo, é o sexto século a.C. E nenhum autor poderia escrever um tal livro a não ser que tivesse vivido no sexto século. O tríplice testemunho aqui dado destrói as invenções de má fé de Porfírio e seus seguidores. * * * A historicidade do livro de Daniel ê uma verdade indiscutível. A parte histórica do livro abre-se com um grande acontecimento; a conquista da Judéia por Nabucodonosor, rei de Babilônia, no terceiro ano de Joaquim, rei dos judeus. Êste memorável sucesso, aceito sem qualquer oposição pelos simpatizantes do livro de Daniel, é inegável pelos críticos seus inimigos. O grande acontecimento político internacional de conquista mencionado inicialmente no livro, constitue um marco indestrutível de sua historicidade. Diremos que êle é o pórtico de acesso a uma obra em todo o sentido documentada por evidências que nenhum esforço poderá destruir. Os cinco primeiros capítulos do livro de Daniel encerram parte da história do império de Babilônia do ano 606 ao ano 359 a.C., amplamente comprovada pelas Sagradas Escrituras de vários profetas, pelos antigos historiadores clássicos e pela arqueologia moderna. O quinto capítulo demonstra bem evidente a derrocada final do império mundial caldeu sob o rei Belshazzar — nas mãos dos medos e persas unidos, fato sobejamente atestado pela história secular e os documentos arqueológicos dêstes últimos tempos. O sexto capítulo começa com a presença de Dario o Medo, o nôvo rei do mundo, personagem muito discutida, todavia comprovada afinal como 1

S. Mateus 24:15.

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Xiaxares II, tio de Ciro o Grande, conquistador de Babilônia. Êste é o resumo do quadro histórico do livro de Daniel, documentado por fatos históricos ligados ao final do sétimo século e ao sexto século até ao ano 534 a.C. Somente um homem que viveu na época dêstes acontecimentos, que foi testemunha ocular deles e que os acompanhou com interesse, poderia referi-los como os referiu. Dai Daniel, o autor do livro que trás o seu nome ser aquele Daniel que foi profeta de Deus enquanto primeiro ministro de duas cortes mundiais no sexto século a.C. — a de Babilônia e a da Medo-Persa. Outras irrefragáveis provas da historiedade do livro de Daniel são as datas de suas visões que êle não esquecera de justapor às mesmas. O sonho do rei Nabucodonosor revelado a Daniel para que o notificasse e interpretasse, foi dado no segundo ano dêste soberano 604 a.C.1 A visão do capítulo sete está datada do primeiro ano de Belshazzar, 541 a.C.2 A do capítulo oito, do terceiro ano dêste mesmo monarca — 539 a.C.3 A do capítulo dez, do terceiro ano de Ciro — 534 a.C.4 A festa de Belshazzar, do capítulo cinco, foi realizada no noite da queda de Babilônia sob Ciro 539 a.C. Êste é o testemunho do próprio autor do livro, quanto às datas em que recebera de Deus as revelações contidas em sua inspirada obra. Poderão os críticos dizer que os reis aludidos por êle em suas visões não existiram nas referidas datas claramente referidas no seu livro? Poderão dizer que ditos monarcas existiram no segundo século ou que foram inventados par um autor desconhecido? Ê possível duvidar do testemunho de um homem em favor de quem Deus, nosso Senhor Jesus Cristo e Ezequiel, o profeta, atestaram ter vivido no sexto século? Duvida-se de um homem, o mais sábio de seu tempo, um grande estadista, chanceler de duas poderosas cortes, um homem de caráter santo e puro em tôdas as suas revelações com Deus e os seus semelhantes, que provou ter recebido suas visões por direta inspiração de Deus, nos anos em que êle mesmo as referiu? O cumprimento histórico das profecias de Daniel revela eloqüentemente a historicidade de seu livro. Além dos poderes mundiais aludidos pelo profeta, além do poder do Papado; além da divisão do quarto império — Roma, poderosos monarcas foram

1

Daniel 2:1. Daniel 7:1. 3 Daniel 8:1. 4 Daniel 10:1. 2

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também, referidos pelo profeta em suas visões, ainda que não citados por nome. Além de Nabucodonosor, Belshazzar, Dario o Medo e Ciro, citados nominalmente, incógnitamente foram referidos especialmente Xerxes, Grande, como o mais rico rei Persa;1 Alexandre, denominado “rei valente”.2 No capítulo onze são apontados os Tolomeus do Egito, os Seleucidas da Síria, seguindo-se em sua ordem César, Juba II da Numidia, César Augusto e Tibério. Êstes poderosos embora não citados por nomes nas profecias, são claramente evidenciados no cumprimento profético que cada um desempenhou no palco da História. Inúmeros soberanos do grande conflito dos séculos — as conquistas dos impérios, a divisão quádrupla do império de Alexandre, a divisão de Roma, a revolução francesa e outros grandes fatos revelados nas profecias de Daniel, desempenharam o seu papel no grande drama profético da História. A história do cativeiro de Judá no Oriente e seu regresso para reconstruir a Judéia, foi em parte o cumprimento de profecias verdadeiras de Daniel. O ano exato do primeiro advento de Cristo e de Sua morte são as mais fenomenais e impressionantes verdades das profecias de Daniel, que encontraram irrecusável cumprimento no batismo de Jesus e na Sua crucificação. A exposição do livro de Daniel como dada neste volume, é um notável e evidente testemunho histórico que não pode ser jamais contraditado. Revela a autenticidade histórica do profeta e de seu livro de modo maravilhoso, vendo-se nele, uma poderosa mensagem para esta atual geração, e, acima de tudo, divisa-se no livro um Deus Supremo que tudo dirige para o bem de Seus filhos, e um supremo e amante Salvador entregando Sua vida no patíbulo do Calvário para redimir a humanidade. A historicidade do livro de Daniel fica aqui, pois, incontestavelmente comprovada pelos testemunhos da História e pelas evidências do plano da salvação traçado em suas profecias e nelas cumprido a todo o rigor. O livro de Daniel, do princípio ao fim, encerra uma esmagadora evidência da verdade contra a putrefata teoria do pagão filósofo Porfírio, que fica ridicularizada e aniquilada, bem como desmoralizados todos os seus falsários propagadores através dos séculos.

1 2

Daniel 11:2. Daniel 11:3.

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INTRODUÇÃO

O livro que consideramos constitue uma verdadeira maravilha da Inspiração. Certamente e com muita antecedência, determinou Deus, em Seu conselho, prover e revelar aos homens a inédita matéria histórica e profética nele contida. A grandeza de suas duas sessões é de tal natureza que o mundo não poderia ficar privado de tão indispensável revelação que demonstra com clareza a supremacia absoluta de Deus. Um único pensamento, se queremos referí-lo, domina inteiramente tanto a parte Histórica como a Profética do livro: — O contrôle de Deus sôbre os poderes da Terra para o cumprimento de Seu eterno propósito. Diante, pois, da magnitude da obra em apreço, exigiu ela um grande autor humano inspirado, um eminente homem de Deus, um porta-voz digno do Todo-poderoso. E, para tão empolgante missão do Céu êste homem não foi escolhido à revelia. O divino Revelador soube escolher um personagem de caráter, de vida santificada, de princípios fundamentais e nobres, que pudesse revelar com firmeza — em palavras e obras — à antiga Babilônia e ao mundo de todo o futuro, a um Deus supremo e único bem como o Seu grandioso plano de amor para a redenção do gênero humano. Sim, a escolha de Deus recaiu num homem cônscio de seu dever, habilitado a expôr o inédito plano divino e capacitado a apelar ao coração e consciência tanto de reis e cortezões de seus dias como dos homens de todos os séculos por vir, afim de tomarem conhecimento da redentora mensagem, de Deus advinda por seu intermédio e a examinarem com interesse. Daí qualquer homem não servir para o honrado encargo. Em verdade não era simplesmente questão dum homem para que Deus o pudesse usar para tão sublime propósito, mas sim dum caráter santo e puro, sábio e humilde, despretensioso e compreensível, acessível e moldável pela Onipotência. Só um tal homem representaria com plena vantagem e real sucesso os desígnios do Excelso e o Seu amor em comunicar aos homens as resoluções de Seu eterno conselho. E o homem apontado por Deus para tão elevado empreendimento, foi, como não poderia deixar de ser — Daniel, o

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príncipe de Judá. Infalívelmente Deus o escolheu dantemão em Seus desígnios para que desempenhasse o importante papel inspirado que desempenhou nas duas cortes citadas, de Babolônia e da Medo-Persa, tal como se depara-nos na primeira parte de seu notável livro, e legasse à humanidade, em Seu nome, a extraordinária cadeia de revelações que constitue a segunda parte de sua inigualável obra. A história de Daniel é uma história notável. Sua fé e seus santos princípios prevaleceram contra tôda a oposição e corrupção. A pena da Inspiração o apresenta como um caráter brilhante, imaculado e irrepreensível. A luz do céu dele irradiava em torrentes inexauríveis, e em Babilônia sua fé foi compreendida como a virtude que lhe enobrecia a vida c lhe embelezava o caráter. Homem íntegro, complexo, inatacável, teve a seu favor o maior testemunho de seus próprios inimigos; “Nunca acharemos ocasião alguma contra êste Daniel...”1. Sua vida é hoje ainda uma inspirada ilustração do que constitue um caráter santificado. Constituiu Daniel em todo o passado e ainda constitue no presente, um nobre exemplo do que podem tornar-se os homens quando unidos incondicionalmente com Deus. Daniel foi um homem de verdadeira fé, de fervente oração, de profunda consideração para com as coisas de Deus. Moral e espiritualmente corajoso e dedicado ao dever. Intelectualmente era um gigante. Foi reconhecida como o maior sábio de seu tempo e até ao presente nenhum indivíduo humano o igualou em sabedoria. Moralmente era completo — nenhum engano terreno foi capaz de corrompê-lo. Embora colocado onde a tentação em todo o sentido era forte; onde a dissipação imperava em todos os lados; onde a glutonaria, intemperança e imoralidade eram a ordem do dia, propôs não se contaminar mas permanecer firme ao lado da moralidade e da justiça. Levado em sua plena juventude como um cativo à mais corrompida côrte e cidade de seus dias, permaneceu como uma inabalável coluna em meio à tempestade de tôda a espécie de pecados e degradação. Tomou o propósito e o cumpriu à risca de não adotar os perversos costumes de Babilônia. “Daniel possuía a graça de genuína mansidão. Era verdadeiro, firme e nobre. Procurava viver em paz com todos, ao mesmo tempo que era inflexível corno o cedro altaneiro, no que quer que envolvesse princípios. Em tudo que não entrasse em colisão com sua fidelidade de Deus, era respeitoso e obediente para com aqueles que sôbre êle 1

Daniel 6:5.

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tinham autoridade; mas tinha tão elevada consciência das exigências de Deus que as de governadores terrenos se lhes subordinavam. Êle não seria induzido por nenhuma consideração egoista a desviar-se de seu dever. “O caráter de Daniel é apresentado ao mundo como um admirável exemplo do que a graça de Deus pode fazer de homens caídos por natureza e corrompidos pelo pecado. O registro de sua vida nobre, e abnegado, é uma animação para a humanidade em geral. Dela podemos reunir forças para resistir nobremente a tentação, e firmemente na graça da mansidão, suster-nos pelo direito sob a mais severa provocação”.1 Em Babilônia Daniel, ainda que um profeta de Deus, galgou o posto de maior estadista de todos os tempos no cargo de primeiro ministro ao lado do rei Nabucodonosor, o monarca mundial. Deus o colocou ao lado do trono do mundo como uma gloriosa luz para todos quantos quizessem aprender do Deus vivo e verdadeiro. “Em nome de Deus, Daniel revelou ao rei a mensagem celeste de instrução, advertência e reprovação, e não foi repelido”.2 “Em Babilônia, Daniel foi pôsto em funções muito probantes, mas ao passo que desempenhava fielmente os seus deveres de estadista, evitou firmemente participar de qualquer coisa que fôsse contrária a Deus. Êsse procedimento provocava discussões, e o Senhor atraiu, assim, a atenção do rei de Babilônia para a fé de Daniel. Deus tinha luz para conceder a Nabucodonosor, e por meio de Daniel foram apresentadas ao rei as coisas preditas nas profecias concernentes a Babilônia e a outros reinos. Por meio da interpretação do sonho de Nabucodonosor, Jeová foi exaltado como sendo mais poderoso que os governantes terrestres. Assim, pela fidelidade de Daniel, Deus foi honrado”.3 A Onipotência, em Sua sabedoria, empregou meios para despertar favoravelmente a atenção do rei Nabucodonosor para Daniel como Seu representante em sua côrte. Isto ilustra a maneira como Deus usa os homens para cumprir o Seu propósito sôbre a terra. O Senhor pôde usá-lo porque êle era um homem de princípios, um homem de genuíno caráter, um homem cujo principal objetivo nesta vida era viver unicamente para Deus. 1

A Santificação, E. G. White, pág. 22. Testemunhos Seletos, E. G. White, ed. mundial, Vol. III, pág. 152. 3 Testemunhos Seletos, E. G. White, ed. mundial, Vol. III, pág. 161. 2

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Daniel “propôs em seu coração” viver em harmonia com tôda a vontade revelada do céu. E com isto pôde Deus exaltá-lo e fazê-lo Seu honrado representante naquele reino. Em primeiro lugar despertou Deus a simpatia e o favor dos oficiais de Babilônia para com êle. Isto preparou o caminho para o segundo passo, — a demonstração da superioridade física de Daniel e seus companheiros. Então seguiu-se a demonstração de superioridade intelectual. Assim, em personalidade, físico e intelecto, Daniel provou ser marcadamente superior aos demais homens de seu tempo, ganhando daí a confiança e o respeito do rei de Babilônia. Êstes eventos prepararam Nabucodonosor para encontrar o Deus de Daniel. Uma série de dramáticas experiências — o sonho do capítulo dois, o espantoso livramento, da fornalha ardente mencionado no capítulo três e o sonho referido no capítulo quatro — evidenciaram ao grande rei o conhecimento, o poder e a autoridade do Deus de Daniel. A inferioridade do conhecimento humano através dos tidos como maiores sábios de Babilônia e do mundo, comprovada na experiência de seu primeiro sonho, levou Nabucodonosor a admitir a Daniel: “Certamente, o vosso Deus é Deus dos deuses, o Senhor dos reis, e o Revelador dos segredos”.1 O rei reconheceu abertamente que a sabedoria de Deus era superior, não somente quanto ao setor humano, mas também quanto à suposta sabedoria dos deuses. O incidente da imagem de ouro e a fornalha ardente levaram Nabucodonosor a admitir que o Deus do céu “livrou Seus servos”.2 Sua resolução foi que ninguém em todo o reino “pronunciasse alguma blasfêmia contra o Deus dos hebreus, em virtude do fato de que “nenhum outro Deus” podia livrar como Êle.3 Nabucodonosor reconheceu então que o Deus do céu não era unicamente sábio mas poderoso; que Êle não era unicamente Onisciente mas Onipotente. A terceira experiência — os sete anos durante os quais sua própria jatanciosa sabedoria e seu poder foram temporàriamente removidos — ensinou ao rei que o Altíssimo não só era sábio e poderoso mas que exercia tal sabedoria e poder para governar também os negócios dos homens na terra.4 É significativo que o primeiro ato de Nabucodonosor depois do retorno de sua ramo foi louvar, exaltar e glorificar “ao Rei dos céus” e reconhecer que “aos que andam na 1

Daniel 2:47. Daniel 3:28. 3 Daniel 3:29. 4 Daniel 4:32. 2

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soberba” como êle andava por muitos anos, Deus “pode humilhar”.1 Tudo isto, porém, foi possível e demonstrado através dum homem extraordinário usado por Deus; um homem que permaneceu ao lado do direito porque era direito. Daí ter sido Daniel amplamente abençoado por Deus para ser a inapreciável bênção que demonstrou ser, ao mundo de seu tempo. Por seu intermédio transmitiu Deus a duas cortes imperiais luz como conduzirem um govêrno próspero e honrado no mundo. Isto foi conseguido na segunda metade do reinado de Nabucodonosor. Houvessem os seus sucessores seguido o plano de govêrno de que tiveram conhecimento pelo exemplo de Daniel como primeiro ministro, a sorte do reino caldeu teria sido bem diversa. Houvessem os soberanos medo-persas seguido a orientação governativa de Daniel do reinado de Dario o Medo, não teriam sido os bárbaros senhores do mundo que foram e consequentemente não teriam as constantes dificuldades que tiveram em repelir inúmeras rebeliões em todo o vasto reino — e o destino do império Aquemenide teria sido bem outro. Deixassem hoje os governantes das nações instruir-se por Deus, fariam um govêrno brilhante, próspero e coroado de justiça, — em vez do caos em que tornaram a hodierna civilização com tantas ideologias políticas malsãs e ruinosas à por êles opressa e desesperançada família humana. Em Babilônia Daniel não agia a sós. Sua gloriosa obra foi secundada por três companheiros seus, judeus, de cativeiro. Os quatro formavam um quadrado invulnerável que nem fogo nem leões foram capazes de destruir. Nenhuma força, nenhum poder, nenhuma influência, nenhuma circunstância os afastaram dos princípios da justiça que tinham aprendido no limiar da vida mediante o estudo da Revelação e das obras da criação de Deus. A intrepidez e a lealdade de fé em Deus por êles manifestas nos maiores perigos, encheram os séculos de assombro e admiração. E, na putrefata cidade de Babilônia, em meio ao falso culto idolatra, no mais vil antro de imoralidade ante o orgulho, a soberba e a luxúria, permaneceram incólumes. Passaram por todos os testes possíveis e permaneceram inexpugnáveis ao lado do direito de Deus. A enormíssima bênção que foram para a grande metrópole e para todo o reino caldeu não se pode avaliar nesta vida. “Reuniamse, nas cortes de Babilônia, representantes de todas as terras, homens de talentos os mais seletos, os homens os mais ricamente dotados de 1

Daniel 5:37.

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dons naturais, e possuidores da mais elevada cultura que êste mundo podia proporcionar; todavia entre êles todos, os cativos hebreus eram inegualáveis. Na resistência física e na beleza, no valor mental e nas consecuções literárias, no poder espiritual e na visão, eram sem rival”.1 Os quatro jovens foram preferidos pelos soberanos de seus dias, Daniel alcançou o segundo pôsto em dois reinos mundiais, “e seus três companheiros foram feitos conselheiros, Juízes e governadores no meio da terra”.2 Deveras a bênção que êles foram quer no govêrno dos homens quer na sociedade humana, não poderá ser apreciada pela linguagem da terra. Deus os usou como embaixadores Seus ao mundo de então porque podia confiar na integridade que caracterizava em sentido geral as suas vidas. Encontraremos, nestes modernos e corrompidos tempos, cristãos da tempera de caráter como a dêles, tão fiéis defensores da justiça que Deus os possa usar com o mesmo êxito com que os usou naquela antigüidade corrupta?

1 2

Testemunhos Seletos, E. G. White, ed. mundial, Vol. II, pág. 478. Fundamentals of Christian Education, E. G. White, pág. 412.

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PRIMEIRA

PARTE

SEIS CAPÍTULOS DE HISTÓRIA ALUSIVA AOS EMBAIXADORES DE DEUS NA CÔRTE DE BABILÔNIA

CAPÍTULO I EMBAIXADORES DE DEUS NA CÔRTE DE BABILÔNIA

Introdução Com êste primeiro capítulo começamos a descortinar a história e as profecias do maravilhoso livro de Daniel. A impressionante narrativa começa com a mensão de acontecimentos de grande transcendência. A invasão da Judéia é o primeiro grande relato que se apresenta, o evento chave que assinalou a data inicial exata do cativeiro babilônico conforme predito pelo profeta Jeremias.1 Dois reis se encontram — Nabucodonosor, de Babilônia, e Joaquim, da Judéia — o primeiro para conquistar e o segundo para ser conquistado e reduzido à simples condição de vassalo. Apenas os dois primeiros versículos do capítulo dão conta do início do cativeiro; os demais encerram o glorioso começo da história dos homens aos quais confiou Deus a honrosa missão de embaixadores Seus na côrte mundial de Babilônia. O testemunho que deram e a firmeza com que se desincubiram da missão do Céu, foi um triunfo em honra da causa de Deus até agora não igualado. Coisa alguma os demoveu da senda do direito. Nem mesmo um fôrno de fogo e uma cova de leões tiveram o poder de afastá-los do sagrado dever e da honra de servirem lealmente a Deus. Da grande bênção que caracterizou a vida que naquela côrte e naquele reino viveram, só a eternidade poderá revelar os seus indizíveis resultados. O REINO JUDEU EM DEMANDA DO ABISMO VERSO 1: — “No ano terceiro do reinado de Joaquim, rei de Judá, veio Nabucodonosor, rei de Babilônia, a Jerusalém e a sitiou”. 1

Jeremias 25:11.

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O reino de Judá caminhava a passos largos para desaparecer. A desobediência aberta e desafiante às leis de Deus e a franca rebeldia de seus monarcas à palavra de Seus profetas, levavam à nação a colhêr amargos e desastrosos frutos. A rebelião metódica e deliberada contra Deus e seus inspirados conselhos já vinha de longe. O anélo de Deus era abençoar a nação e fazer dela uma admiração ao mundo para que cumprisse o Seu divino propósito a fim de preparar as nações da terra para o primeiro advento de Cristo. Mas isto estava sendo impedido pela crescente apostasia. O povo escolhido, alvo de incontáveis manifestações do imensurável amor de Deus — em cuidados, dádivas e proteção contra os seus inimigos, não reconhecera isso embora se julgasse povo de Deus e acima de tôdas as demais nações do mundo. Mas nada mais enganoso do que esta pretenção. Abeiravam-se mais e mais do abismo da perdição com a jatância da nação escolhida e privilegiada. Finalmente mais três reis, num curto período que ainda Deus concedia, iriam assentar-se no trono, mas tão somente para afundá-lo mais e apressar os juízos de Deus. O jatancioso orgulho ia ser decepado, a nação inteiramente arrazada, seus monarcas destituídos e mortos e o povo conduzido em cativeiro por longo tempo. JOAQUIM — REI DE JUDÁ Depois da morte do rei Josias, seu filho Joacaz foi elevado ao trono em seu lugar, sendo, porém, deposto três meses depois por Faraó Neco. Como seu sucessor o rei no Egito estabeleceu a Eliakim, seu irmão, mudando-lhe o nome em Joaquim. Êste nôvo soberano ascendeu ao trono aos 25 anos de idade, tendo reinado 11 anos em Jerusalém e seguido os maus passos dos maus reis judeus naquele trono.1 O rei Joaquim fêz transbordar a taça do pecado do trono de Judá e aproximou a nação mais e mais da beira do precipício fatal como realeza independente. O profeta de seu reinado, Jeremias, fêz em nome de Deus tudo o que era possível para salvar o trono e o reino do colapso que se avisinhava. Porém, suas poderosas mensagens de conselhos e apelos, resultaram em nada. Finalmente foi pronunciada a irrevogável sentença como prêmio da abjeta rebelião contra Deus: Deveriam ser levados em cativeiro para Babilônia, por setenta anos, e tôda a nação e suas cidades seriam totalmente arrazadas, incluso o famoso templo. Os caldeus com seu poderoso rei, seriam os 1

II Reis 23:31-37.

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instrumentos que Deus usaria para justiçá-los como povo rebelde, sacrílego e irreverente. As mensagens de Jeremias ao rei, aos sacerdotes e ao povo despertaram o antagonismo de muitos, mesmo de falsos profetas que se ergueram contra êle. Assim a mensagem de Deus foi desprezada e Seu mensageiro ameaçado de morte.1 Jeremias, entretanto, com firmeza e destemor, continuou a repreender o pecado e a asseverar a iminência do juízo sob Nabucodonosor e o cativeiro de setenta anos em Babilônia como prêmio da desobediência. No ano 606 a.C., Nabucodonosor, em campanha no sul do ocidente da Ásia, invadiu a Judéia, cercou Jerusalém e aprisionou o rei Joaquim “e o amarrou com cadeias, para o levar a Babilônia”.2 (ver apêndice nota 8). O rei judeu, porém, prestou juramento de fidelidade ao vencedor e foi deixado no trono como vassalo. Três anos depois, todavia, em 604, rebelou-se e “violou sua palavra de honra ao rei de Babilônia”.3 Isto o levou, como também o seu reino, a um caminho de grande apêrto. Jeremias continuou vibrando da parte de Deus tremendas mensagens de censura à quebra da palavra empenhada ao rei Nabucodonosor pelo rei de Judá. A fim de tornar claro o juízo impendente e a destruição total que se apressava, o profeta é ordenado por Deus a levar consigo os anciãos do povo e os sacerdotes ao vale do filho do Hinn, lugar onde muitas vêzes os reis se corromperam com o falso culto de Baal, e, depois de mais uma vez adverti-los da sorte que aguardava tôda a nação, quebrou em muitos pedaços, diante dêles, uma botija que levara por ordem de Deus, e lhes disse: “Assim diz o Senhor dos Exércitos: Dêste modo quebrarei Eu a êste povo, e a esta cidade, como se quebra o vaso do oleiro, que não pode mais refazer-se”.4 Mas não se arrependeram! Possuídos de satânica ira, feriram a Jeremias e o aprisionaram pondo-o no “cepo”. Por cêrca dêsse tempo, no quarto ano de Joaquim, Jeremias, que estava prêso, escreveu em nome de Deus um livro em pergaminho, por intermédio de Baruch filho de Nerias, um escriba seu amigo, contendo tôdas as ameaças do Céu contra o ímpio rei e seus súditos. Baruch devia ler o livro ao povo na casa do Senhor, no dia nacional de jejum no nono mês no seguinte ano — o quinto de Joaquim. E assim o 1

Jeremias 26:8-15. II Crônicas 36:6. 3 II Reis 24:1. 4 Jeremias 19:1-15; 20:1-2. 2

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fêz Baruch no “átrio superior à entrada da porta nova da casa do Senhor, aos ouvidos de todo o povo”.1 A surpreendente nova chegou aos príncipes que estavam reunidos no palácio real. Ordenaram êles a Baruch que lêsse o livro em particular para êles. E, ouvindo-o todos e temerosos de sua mensagem, comunicaram-se com o rei. O monarca pede que um de seus assistentes, Jeudi, lêsse o livro em sua presença. Entretanto, o ímpio rei, à medida que ia sendo lida a mensagem de reprovação e de juízo, cortava o livro com um canivete e o consumia em um brazeiro que havia à sua frente, até que o livro e sua mensagem foram inteiramente consumidos. Êste ato manifestou, em vez de temor e arrependimento, um verdadeiro desafio a Deus. Deu ordem o rei que prendessem a Baruch e Jeremias — mas Deus os tinha em segurança. Um outro livro idêntico foi escrito por Baruch, ditado por Jeremias. A sorte do rei Joaquim e seus cortesões foi terminantemente selada: “Portanto assim diz o Senhor, acêrca de Joaquim, rei de Judá: Não terá quem se assente sôbre o trono de Davi, e será lançado o seu cadáver ao calor do dia, e à geada de noite”. “Não lamentarão por êle, dizendo: Ai, meu irmão, ou ai, minha irmã! nem lamentarão por êle, dizendo: Ai, senhor, ou, ai, majestoso! Em sepultura de jumento o sepultarão, arrastando-o e lançando-o para bem longe, fora das portas de Jerusalém”.2 Êste destino que êle mesmo procurou, seria a recompensa de sua própria rebelião contra o céu, de sua perseguição contra Jeremias e de seu crime de morte contra um dos profetas de Deus — Urias.3 No undécimo ano de seu reinado, 598 a.C., vê Joaquim o seu reino novamente invadido pelo exército de Nabucodonosor — constituído de caldeus, sírios, moabitas, amonitas — cujo fim era tudo destruir.4 Cumpriu-se então em Joaquim o juízo particular de Deus sôbre sua pessoa, como acima descrevemos da predição de Jeremias. Josefo confirma o juízo sôbre o rei de Judá nestas palavras: “Pouco tempo depois, o rei Nabucodonosor veio com um grande exército e o rei Joaquim, que não desconfiava dêle e que estava perturbado pelas predições do profeta, não se tinha preparado para a guerra. Assim, êle o recebeu em Jerusalém, com a certeza que lhe dera de não lhe fazer mal algum. Mas faltou-lhe à palavra, mandou matá-lo, com a fina flôr 1

Jeremias 36:10. Jeremias 36:30; 22:18-19. 3 Jeremias 26:20-24. 4 II Reis 24:2. 2

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da juventude da cidade e ordenou que lhes lançassem os corpos fora de Jerusalém, sem lhes dar sepultura”.1 Mas a grande lição não foi aprendida pelos dois seguintes sucessores de Joaquim, postos no trono da Judéia pelo rei Nabucodonosor. Continuaram firmes na rebelião a Deus e ao rei de Babilônia. E o próprio santo profeta de Deus continuou a ser hostilizado, prêso e ameaçado de morte. Com o último rei, Zedequias, o reino foi definitivamente liquidado pelo rei vencedor, e o povo judeu continuou sendo transportado para o cativeiro babilônico predito, em levas sucessivas. O último ato do drama foi o arrazamento da cidade capital do reino — Jerusalém. (Ver apêndice notas 8 e 11). Estava encerrada a história da realeza judia. Em poucos anos Joaquim “encerrou o seu desastroso reinado em ignomínia, rejeitado do céu, malquisto por seu povo e desprezado pelos senhores de Babilônia cuja confiança traíra — e tudo isto como resultado de seu êrro fatal de virar as costas aos propósitos de Deus como revelados por meio de Seu escolhido mensageiro”. E seus sucessores imediatos não tiveram também senão o destino terrível que escolheram livremente. NABUCODONOSOR — REI DE BABILÔNIA O rei Nabucodonosor é o maior monarca político do mundo antigo e na história bíblica o mais citado de todos os soberanos que se relacionaram com o povo de Deus na antigüidade. É referido nominalmente noventa vêzes em nove livros das Sagradas Escrituras. É Nabucodonosor três vêzes chamamado por Deus — Meu servo.2 Duas vêzes é referido que Deus pôs Sua espada na mão dêste poderoso rei caldeu, para em Seu nome exercer juízo sôbre as nações.3 Tôdas as nações de seus dias seriam entregues por Deus à soberania dêste rei e à de seus sucessores por setenta anos.4 O grande monarca é chamado “leão” e “rei dos reis” na história sagrada.5 Sem contar Nabucodonosor os anos de co-regência com seu pai Nabopolasar, galgou o trono em definitivo, por morte dêste, em 606 a.C., quando em campanha no sul do ocidente da Ásia contra o domínio do Egito que se fazia forte até à Síria e o rio Eufrates. 1

Josefo, livro X, cap. VIII. Jeremias 25:9; 27:6; 43:10. 3 Ezequiel 30:24-25. 4 Jeremias 27:6-8; 28:14; 25:11. 5 Jeremias 50:17; Ezequiel 26:7. 2

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Vitorioso avançou até à Judéia, submetendo o rei judeu Joaquim no terceiro ano do reinado dêste monarca. Um dos pormenores cronológicos de Jeremias coloca o primeiro ano de Nabucodonosor no quarto ano de Joaquim, embora Nabucodonosor já como rei co-regente tenha submetido aquêle soberano judeu no ano anterior. O terceiro ano de Joaquim, 606, foi o ano da ascenção de Nabucodonosor. Conforme o costume babilônico de não incluir o ano da ascenção de seus soberanos no cômputo dos anos oficiais de reinado, verificamos, em verdade, conforme Jeremias, que o primeiro ano oficial de Nabucodonosor foi o ano 606 a.C. ou seja o quarto ano de Joaquim na Judéia.1 Em 605 a.C., no quarto ano de Joaquim, Faraó Neco avançou até ao rio Eufrates na tentativa de reaver seus domínios perdidos no ano anterior ao rei Nabucodonosor. Foi, porém, vencido em Carchemis, tendo Nabucodonosor garantido suas conquistas até à Palestina e assegurado sua posterior vitória sôbre o próprio Egito.2 Nabucodonosor reinou sôbre todo o mundo durante 43 anos, desde 605 a 562 a.C. Era a sua pretenção que seus compatriotas continuariam depois dêle empunhando para sempre o cetro do mundo. O capítulo três encerra uma evidência de seu poder, majestade e glória no trono da terra. O primeiro símbolo do capítulo sete, um leão, demonstra seu invencível poder e suas vitoriosas campanhas sôbre as nações. Porém, o capítulo quatro oferece um panorama de sua conversão e incondicional entrega de sua vida ao Deus de Israel, para honrá-l’O e serví-l’O pelo resto de sua existência. O TERCEIRO ANO DE JOAQUIM Sôbre o terceiro ano do rei Joaquim da Judéia, veja-se o apêndice — nota 5 — sôbre o terceiro ano de Ciro. Tenhamos o cuidado de não confundir Joaquim com o seu filho e sucessor de nome quase idêntico — Joachin — e até, em algumas versões, perfeitamente idêntico. O primeiro reinou 11 anos em Jerusalém, tendo dramática morte predita pelo profeta Jeremias; o segundo reinou apenas três mêses, também em Jerusalém, sendo logo deposto e levado em cativeiro para Babilônia, onde permaneceu no cárcere até ao trigésimo sétimo ano de seu cativeiro, aliás, até ao ano 562 a.C., sendo liberto da prisão neste ano, o primeiro ano de Evil 1 2

Jeremias 25:1. Jeremias 46:1-2.

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Merodach, e por êste rei, filho e sucessor de Nabucodonosor.1 O ESTRANHO REMÉDIO DE DEUS VERSO 2: — “E o Senhor entregou nas suas mãos a Joaquim, rei de Judá, e uma parte dos vasos da casa de Deus, e êle os levou para a terra de Sinar, para a casa do seu deus, e pôs os vasos na casa do tesouro do seu deus”. NABUCODONOSOR — O AÇOITE DE DEUS O rei Joaquim de Judá foi o alvo principal da arremetida do rei de Babilônia na Judéia. Dos vinte monarcas do reino, fôra êle um dos piores dos doze maus monarcas. A despeito de seu pai Josias ter sido um dos melhores e mais consagrados potentados, êle, entretanto, não correspondeu aos reclamos divinos duma liderança dependente exclusivamente de Deus. Orgulhoso, altivo, sempre pronto a regeitar os bons conselhos do profeta de Deus, trouxe afinal a desgraça a êle mesmo e em particular e a tôda a sua nação. Recusando-se definitivamente a reconhecer a Deus como supremo e verdadeiro soberano da nação judaica e a aceitar a orientação do céu para sua felicidade pessoal e de seu povo, o rei Joaquim lavrou sua própria terrível sentença e a de seus súditos que lamentavelmente o apoiaram na rebelião contra Deus. Êle e todo o país encheram a copa da maldade e nada mais se esperava agora senão a intervenção iminente de Deus no reino, conforme já desde muito anunciada. E, Nabucodonosor, rei de Babilônia, como vimos, foi o instrumento escolhido pelo Todo-poderoso para dar-lhe a paga de seu ousado ultraje à majestade do universo. Joaquim reinava como se o reino fôsse seu próprio, recusando-se a reconhecer que estava no trono do reino de Deus na terra.2 E assim contribuiu, como outros maus reis seus antecessores no mesmo trono, para que Deus puzesse termo em definitivo à realeza judia. Deus mesmo entregou êste monarca nas mãos de Nabucodonosor. Por muito tempo o Senhor protelou fazer isto, enviando-lhe poderosas mensagens, mas tôdas foram rejeitadas e até queimadas e o profeta de Deus sèriamente ofendido e hostilizado. O resultado foi cair na mão do conquistador do mundo e tornar-se seu vassalo, cujo rei o matou mais tarde. 1 2

Jeremias 52:31-34. I Crônicas 29:23.

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O TEMPLO É PILHADO POR ORDEM DE DEUS Naqueles antigos tempos os judeus adoravam mais o famoso templo construído por Salomão, em Jerusalém, do que o próprio Senhor do templo. O templo parecia ser tudo para êles. Todo o sistema sacrifical e o ritual do culto do templo que era o plano da salvação de Deus em figuras, não consideravam tão importante como a própria estrutura do edifício. Não há dúvida que aquêle templo era uma obra maravilhosa. Mas cometiam o êrro de considerá-lo mais importante do que o glorioso culto divino simbólico, deixando de lado a substância de todo aquele simbolismo, — o Salvador do mundo morto na cruz. Ao se apresentar aquêle povo no templo com suas ofertas sacrificais, o faziam dum modo formalístico, destituído de fé na realidade oculta nas ofertas típicas. Do famoso templo lhes dissera Jeremias: “Não vos fieis em palavras falsas, dizendo: Templo do Senhor, templo do Senhor, templo do Senhor é êste”.1 Enquanto veneravam a casa, não honravam o seu culto e o que êle significava. O profeta apela para que se convertam em vez de confiarem apenas no magnífico edifício. Nos dias de Jesus entre aquêle povo, Êle lhes diz que aquêle templo — que já não era o original de Salomão — seria arrazado até aos alicerces, pois O rejeitavam sendo Êle a verdadeira substância de todo aquêle sistema de adoração.2 Nabucodonosor invade o templo com seu exército e o pilha. Arrebatou-lhe preciosos “vasos” ou utensílios sagrados do seu ritual. Era o ano 606 a.C. e êstes foram os primeiros vasos sagrados transportados a Babilônia pelo vencedor de Joaquim.3 Nova remessa de vasos são levados à capital do mundo em 598 a.C., quando Joachin foi destituído.4 E, então, em 587 a.C., foram levados os restantes vasos quando o rei Zedequias foi deposto e o templo destruído.5 Ao todo contaram os vasos “cinco mil e quatrocentos”.6 ONDE FORAM PARAR OS VASOS O vitorioso rei Nabucodonosor coloca os sagrados vasos “na casa do tesouro de seu deus”, em Babilônia, provavelmente do deus Marduk, que, desde os tempos da primeira dinastia, mais de mil anos 1

Jeremias 7:4. S. Mateus 24:1-2. 3 Daniel 1:1-2. 4 II Reis 24:12-13. 5 II Reis 25:13-17. 6 Esdras 1:11. 2

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antes, tinha popularmente o nome de “Bel”, o “Senhor”. A Bíblia alude a êste supremo deus babilônio com os nomes de “Bel-Nebo” e “Bel-Merodach”.1 Seu principal templo chamava-se “Esagila”. Documentos cuneiformes babilônicos freqüentemente mencionam “os tesouros de Esagila”, o grande templo de “Marduk”. Neste mais famoso templo de Babilônia, depositara Nabucodonosor os vasos trazidos do templo de Jerusalém. Assim foi pilhado o grande templo da Judéia de tudo quanto tinha e também queimado e arrazado.2 Além de confiarem na estrutura do templo, — o haviam profanado, pela introdução de ídolos pagãos no mesmo. Assim, permitiu Deus que os sagrados vasos fossem profanados por mãos pagãs e deixou serem levados como troféus do vencedor para Babilônia. Ficou demonstrado que o templo, em si mesmo, não tinha valor e sim o culto que nêle era efetuado como simbolismo do plano da redenção de Deus. E, já que êles não prezavam o que era importante, o edifício seria destruído, como o foi, e seus vasos saqueados totalmente, ficando privados dêles até depois do cativeiro de setenta anos, quando reconstruiriam o templo e os receberiam de volta. A UNIVERSIDADE DE BABILÔNIA VERSOS 3-5: — “E disse o rei a Aspenaz, chefe dos seus eunucos, que trouxessem alguns dos filhos de Israel, e da linhagem real e dos nobres, mancebos em quem não houvesse defeito algum, formosos de parecer, e instruídos em toda a sabedoria, sábios em ciências, e entendidos no conhecimento, e que tivessem habilidade para viverem no palácio do rei, a fim de que fossem ensinados nas letras e na língua dos caldeus. E o rei lhes determinou a ração de cada dia, da porção do manjar do rei, e do vinho que êle bebia, e que assim fossem criados por três anos, para que no fim dêles pudessem estar diante do rei”. MARAVILHOSO PLANO DO REI NABUCODONOSOR Ao galgar o trono de Babilônia o rei Nabucodonosor era ainda jovem. O comêço do seu reinado foi marcado por uma série de conquistas em que numerosos povos da Ásia Ocidental foram levados em cativeiro para o oriente, incluso o povo judeu. Muito dêsse 1 2

Isaías 46:1; Jeremias 50:2. Jeremias 52:13-23.

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material humano, a seu ver, era por demais precioso, e desejou aproveitar o melhor dêle no crescimento e estabilização de seu reino mundial. Daria isto mais confiança ao seu govêrno em meio às províncias de seu grande império, tão variadas em idiomas e costumes. Também haveria mais ordem e mais respeito à sua majestade, pois todos aplaudiriam sua sábia resolução de ter em sua corte pelo menos um representante de cada nação vassala. O sonho do rei mencionado no capítulo quatro, revelou a perfeita unidade mundial de seu império e a dependência de todos os povos da sábia administração de sua côrte. UNIVERSITÁRIOS ESCOLHIDOS O que mais impressionou e até apaixonou o soberano de Babilônia, foi a numerosa juventude cativa, oriunda de tantos países. Teve em grande conta aquela mocidade estrangeira para êle brilhante, e descobriu dentre ela grandes e raros talentos que desejou empregálos em sua nova administração. Pelo que se depreende do sacro relatório, o rei Nabucodonosor anelou substituir aquelas mentes encanecidas da velha administração de seu pai Nabopolasar, por mentes jovens, intactas, capazes de são raciocínio, de grande visão, de elevado idealismo — em contraposição ao arcaico conservadorismo da côrte que herdara e que não era próprio ao novo impulso que pretendia dar ao reino em todo o sentido do crescimento nos ramos das ciências, letras, artes, indústrias, comunicações e em especial na administração real que deveria ser sábia, prudente e corresponder às necessidades duma dominação tão vasta e tão complexa. O grande monarca, entretanto, desejou jovens selecionados para o ajudarem em funções administrativas de grandes responsabilidades. A seu desejo deviam proceder de linhagem nobre e real das cortes de países conquistados, e que fossem formosos de parecer e sem quaisquer defeitos físicos. O rei fêz questão de frisar a Aspenaz, a quem encarregara da seleção, que deviam ser jovens inteligentes e cultos — “em toda a sabedoria, sábios em ciência, e entendidos no conhecimento, e que tivessem idoneidade para viverem no palácio do rei”, ou ali se desincumbirem de altas funções. Esta juventude principesca devia ser, uma espécie de “reféns”, para garantir a perfeita obediência às promessas e tratados dos reis de cujos países procederam, ao govêrno central conquistador. O OBJETIVO DA UNIVERSIDADE DA CÔRTE A fim de serem capacitados para elevados postos no reino deveriam os escolhidos jovens cursar por três anos a universidade da 60

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côrte e serem diplomados “nas ciências e letras dos caldeus”, e estarem assim aptos para honrarem a corte e bem representarem o cêtro caldeu perante seus numerosos vassalos. Segundo a vontade do rei, a juventude universitária não cursava a universidade ùnicamente para ser admitida em palácio, mas para que lhe fôsse facultada a aquisição dum melhor desenvolvimento físico e mental e também gozar do privilégio de participar da mesa real como um grato favor do grande rei do mundo. O CARDÁPIO DA UNIVERSIDADE DA CÔRTE Por determinação do rei Nabucodonosor, os estudantes da universidade deveriam participar da farta mesa real durante todo o curso de três anos. Dita mesa era consagrada aos deuses de Babilônia e parte de suas iguarias era levada aos seus altares para ser por êles especialmente abençoada. Ao participarem os estudantes de sua mesa consagrada aos deuses, pretendeu o rei, sinceramente, vê-los alcançar o máximo desenvolvimento físico e mental pela bênção dos deuses — e serem por isso mesmo bem sucedidos em seus estudos. Além disso, dando-lhes uma mesa considerada sagrada, quis o monarca expressar o seu favor e solicitude pelo bem-estar dêles todos. Foi êste o primeiro passo do rei para levar os universitários estrangeiros a encarar com favoritismo os deuses de Babilônia e esquecer os de sua nação de origem. Os postos oficiais da famosa côrte para os quais ia ser preparada parte daquela nova juventude conquistada, estavam reservados, com possíveis raras excessões, somente a adoradores confessos de seus vitoriosos deuses, pois só a tais poderia ela dispensar, bem como merecer, a absoluta e inteira confiança que carecia como senhora de tão vastos domínios. Assim tudo iria bem no mundo babilônico de então. Êste primeiro passo do monarca, como vimos, era deveras a sua primeira interferência no que respeita à consciência de seus futuros cortesões em matéria de religião. Não ignorava Satanás que agora estava ali no Oriente e mesmo na côrte mundial de Babilônia, um povo cuja consciência exigia a adoração exclusiva de Jeová, o Deus vivo, o Deus de Israel, — que êle bem sabia ser o Único verdadeiro Deus. Portanto, preocupado com a influência que êstes fiéis adoradores de Jeová teriam naquela côrte e seu vasto império, procurou fazer alguma coisa para a todo custo quebrar aquela benéfica influência e manter sua satânica inspiração. E viu o maligno que o método eficaz seria obrigar as consciências a se curvarem em 61

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reverência e adoração aos falsos deuses. E só o soberano do trono teria, a seu ver, o poder de obrigar e exigir com êxito servidão dos deuses protetores do reino. Tudo, porém, começou com a mesa real — ou com o apetite — para depois tornar-se uma questão de rígidos decretos-leis, como deparamos na adoração da estátua imperial de ouro, do capítulo terceiro. Quando Nabucodonosor ordenou a Aspenaz que selecionasse jovens das nações conquistadas, a fim de alguns serem preparados para a sua côrte, fêz questão de apontar em especial os judeus, conforme atestam os versos três e quatro. Demonstrou o rei confiança neste povo e conhecer a sua sabedoria como superior à de outros povos, mesmo a despeito de ter sido tratado por seus três últimos monarcas que por conquista os transformara em vassalos. Contudo, como os demais jovens doutras nações, deviam ser também de linhagem principesca — real e nobre. Como era de seu grande anélo, nesta raça e nesta juventude repousou a esperança do rei concernente à representação e prosperidade de sua côrte no mundo submetido à sua soberania. Em tudo isto vemos as providências de Deus em fazer-se representar naquela grande côrte mundial através de seus escolhidos, e por fim em tôda a terra pela influência dêles ali exercida. “O fato de êsses homens, adoradores de Jeová, estarem cativos em Babilônia, era orgulhosamente citado pelos vencedores como evidência que sua religião e costumes eram superiores à religião e costumes dos hebreus. Embora por intermédio da própria humilhação que Israel chamara sobre si por haver-se afastado de Deus, Êle dera aos babilônios a prova de Sua supremacia, da santidade dos seus reclamos e dos resultados certos da obediência. E êste testemunho Êle deu, como unicamente poderia ser dado, por meio daqueles que Lhe foram leais. “Entre os que se mantiveram obedientes a Deus estavam Daniel e seus três companheiros — nobres exemplos do que os homens podem tornar-se quando unidos com o Deus de sabedoria e poder. Da comparativa simplicidade de seu lar judaico, êsses jovens de linhagem real foram levados à mais magnificente das cidades, e introduzidos na côrte do maior monarca do mundo”.1 Na providência de Deus, Daniel e seus companheiros foram levados ao cativeiro como condutos às nações pagãs das bênçãos que advêm à humanidade pelo conhecimento de Deus. Principalmente através de Daniel, acendeu Deus uma grande luz ao lado do trono do 1

Profetas e Reis, E. G. White, págs. 479, 480.

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maior reino do mundo, para que todos pudessem aprender do Deus vivo e verdadeiro. “Assim como Deus chamou a Daniel para testemunhar d’Êle em Babilônia, também nos chama a nós para sermos Suas testemunhas no mundo hoje em dia. Deseja que revelemos aos homens os princípios do Seu reino, tanto nos menores como nos maiores afazeres da vida”.1 NOVOS NOMES AOS UNIVERSITÁRIOS HEBREUS VERSOS 6-7: — “E entre eles se achavam, dos filhos de Judá, Daniel, Hananias, Misael e Azarias. E o chefe dos eunucos lhes pôs outros nomes, a saber: a Daniel pôs o de Belteshazzar, e a Hananias o de Sadrach, e a Misael o de Mesach, e a Azarias o de Abed-nego”. UMA VÃ ESPERANÇA DO REI Lamentàvelmente foram encontrados apenas quatro jovens hebreus dignos das responsabilidades que o rei tinha em vista aos cativos de Judá. Certamente o soberano ficou decepcionado e apreensivo. Veria êle, porém, que a qualidade e não a quantidade, é que é o importante. Veria, para alegria sua, que aqueles quatro raros caracteres valiam por uma multidão. E a história revelou isto mesmo. Foram êles inestimável bênção naquela côrte e naquele reino. Haverá, hoje, jovens cristãos de caráter puro e santo como aqueles quatro jovens? Naqueles dias só quatro foram achados. Nos dias dos Faraós um apenas fora descoberto — José. É de temer a raridade de tais caracteres em nosso corrompido século e em meio a um cristianismo tão afastado e tão desvirtuado dos fundamentos originais do evangelho de Cristo. Os quatro baluartes do direito e da justiça eram Daniel, Hananias, Misael e Azarias. Josefo diz que êstes quatro jovens eram parentes do rei Zedequias — último rei da Judéia.2 Seus nomes eram simbólicos de suas amistosas relações com Deus e de sua incondicional devoção a Êle. O propósito de Aspenaz, a pedido do rei, trocando-lhes os nomes por outros que os relacionassem com os deuses de Babilônia, era que, ao se adaptarem a êles, abjurariam o Deus de Israel e adorariam os do Império. Os novos nomes eram também u’a marca de autoridade imposta aos escravos. O nome de Jeová, no Egito, foi mudado por

1 2

Parábolas de Jesus, E. G. White, pág. 357. Josefo, livro X, cap. XI, n.° 428.

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ndo); o dde Hadassa Faraó paara “ Zapphnath-Paneah” (Salvadorr do Mun 1 (Murta),, para Estter (Estrêêla), na P Pérsia. A significcação doss primeiro os e segunddos nomes dos hebreus, h eem Babillônia, tan nto quantto se pod de saber, é a que dam mos abaixo.

Mass, tanto o rei Nabucoodonosor como Aspenazz estavaam enganaddos com vistas v àq queles quuatro joveens de Deus. D Verriam o qu ue significaa caracteeres fun ndados eem princípios sólidos s e eterno os. Constataariam a fôrça, f o poder p da fé que vem v de ciima e fazz baluartes da justiçça. Mal saabiam o rei r e Asppenaz quee nem as ameaçass do fogo oe de leões seriam capazes c de d mudar os sãos princípio p s daquelaas heróicas d verdaade. Tão pouco podia p ter influênccia testemunnhas de Deus e da desfavorrável na fé f daquelles moços a simplles mudan nça de seeus nomees, de simbbólicos da adoraçção do veerdadeiro o Deus para p simbbólicos da d adoraçãoo de deuuses falso os e pagããos. Êless, em sua firme devoção a Deus alii em Babbilônia, foram f um ma grandee luz quee inundoou tôdas as numerossas provvíncias daquele d ppoderoso reino mundial m ou e louvo sobremaaneira a Jeová. ÓRIA DE EVE SER R GANH HA A VITÓ VER RSO 8: — “E Daniel assentou u no seu u coraçãão não se contaminnar com a porção o do manjjar do rei, nem co om o vinh nho que êle ê bebia; poortanto pediu p ao chefe c doss eunucos que lhee concedeesse não se contaminnar”. O CORA AÇÃO TEM T QU UE VER COM C A VITÓRIIA A trradução bíblica de d Figueiredo declara quee “Danieel assento ou firmemeente no seu s coraçção não se sujarr com oss comerees que lh he 1

Gênesis 41:45; Esster 2:7.

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viessem da mesa do rei”. A menos que haja firmeza de coração na decisão, haverá seguro fracasso. Mas para Daniel e seus companheiros, o vocábulo fracasso não existia. Não se “contaminar” ou não se “sujar” com a imunda e idólatra mesa real, foi o primeiro passo para a verdadeira grandeza que demonstraram como cristãos perante o mundo babilônico. Esta sublime decisão — não se contaminar, não se sujar — é a grande lição para todo o jovem que anêla a vitória espiritual sôbre o pecado. Todo aquêle que participasse da mesa do rei consagrada à idolatria, “seria considerado como estando a oferecer homenagens aos deuses de Babilônia. A tal homenagem a lealdade de Daniel e seus companheiros a Jeová lhes proibiu de participar. A simples simulação de haver comido o alimento ou bebido o vinho seria uma negação de sua fé. Proceder assim era enfileirar-se ao lado do paganismo e desonrar os princípios da lei de Deus. “Não ousaram êles a se arriscarem ao enervante efeito do luxo e dissipação sôbre o desenvolvimento físico, mental e espiritual. Êles estavam familiarizados com a história de Nadabe e Abiú, de cuja intemperança e seus resultados foi conservado o registro nos pergaminhos do Pentateuco; e sabiam que suas próprias faculdades físicas e mentais seriam danosamente afetadas pelo uso do vinho. “Daniel e seus companheiros tinham sido educados por seus pais nos hábitos da estrita temperança. Tinham sido ensinados que Deus lhes pediria contas de suas faculdades, e que jamais deveriam diminuílas ou enfraquecê-las. Esta educação fôra para Daniel e seus companheiros o meio de sua preservação entre as desmoralizantes influências da côrte de Babilônia. Fortes eram as tentações que os rodeavam nessa corte corrupta e luxuosa, mas êles permaneceram incontaminados. Nenhuma fôrça, nenhuma influência poderia afastálos dos princípios que tinham aprendido no limiar da vida mediante o estudo da Palavra e obras de Deus. “Tivesse Daniel desejado e teria encontrado em tôrno de si escusas plausíveis para afastar-se dos estritos hábitos de temperança. Êle poderia ter argumentado que, dependendo como estava do favor do rei e sujeito ao seu poder, não havia outro caminho a seguir senão comer do alimento do rei e beber do seu vinho; pois se se apegasse ao ensinamento divino, ofenderia o rei, e provàvelmente perderia sua posição e a vida. Se transgredisse o mandamento do Senhor, êle reteria o favor do rei, e asseguraria para si vantagens intelectuais e lisonjeiras perspectivas mundanas. 65

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“Mas Daniel não hesitou. A aprovação de Deus era-lhe mais cara que o favor do mais poderoso potentado da Terra — mais cara mesmo que a própria vida. Êle se determinou permanecer firme em sua integridade, fôssem quais fossem os resultados. Êle assentou no seu coração não se contaminar com a porção do manjar do rei, nem com o vinho que êle bebia. E nesta resolução foi apoiado por seus três companheiros. “Tomando esta decisão, os jovens hebreus não agiram presunçosamente, mas em firme confiança em Deus. Não escolheram ser singulares, mas sê-lo-iam de preferência a desonrar a Deus. Tivessem êles se comprometido com o erro nêste caso rendendo-se à pressão das circunstâncias, e este abandono do princípio ter-lhes-ia enfraquecido o senso do direito e sua capacidade de aborrecer o êrro. O primeiro passo errado tê-los-ia levado a outros, de maneira que, cortada sua ligação com o Céu, êles seriam varridos pela tentação”.1 Aí está o que significa ser um verdadeiro e devotado cristão. Dois fatores importantes e vitais caracterizaram a vida de Daniel e seus companheiros como religiosos e constituem ainda hoje princípios que regem a vida espiritual e material aceitável a Deus: A recusa do falso culto por ser falso e do regimem dietético mau por ser mau. Quem assim procede ganhará a vitória com Deus. O GRANDE EXEMPLO É REJEITADO Lamentàvelmente a nossa geração está em carência de religiosos como Daniel e seus companheiros. O evangelho, base da vida física e espiritual, foi relegado a um canto. Centenas de credos anti-cristãos navegam o século XX no barco das tradições dos apóstatas, que abjuraram todo o fundamento das Sagradas Escrituras de Deus. Eis um mundo religioso nominal que guerreia constante e abertamente a lei moral do Decálogo de Deus e as leis naturais apontadas no evangelho de Cristo para o bem e felicidade de Seus seguidores. Mas de modo algum Deus aceitará como servos Seus aqueles que dÊle pretendem se aproximar fora dos princípios fundamentais da religião que vem do céu e liga o arrependido pecador ao Todo-poderoso e Santo Deus. Daniel e seus companheiros são hoje ainda verdadeiros exemplos. Porém, são inaceitáveis pelos relapsos modernos cristãos como caracteres cristãos dignos de imitação. Muito daqueles quatro hebreus 1

Profetas e Reis, E. G. White, págs. 481-483.

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é falado, escrito e pregado; mas na prática são postos de lado como modêlos antiquados aos moderníssimos e cristianíssimos religiosos do século. Todavia, nenhum cristão está apto para o reino de Cristo a menos que seu caráter se identifique ao de Daniel e seus três companheiros, cujas vidas foram em todo o sentido honrosas a Deus e por Êle aprovadas enquanto êles viverem. Mas o segrêdo da vitória consiste numa positiva decisão como tomada por Daniel e os outros três jovens: Assentar no coração não se contaminar, não se sujar com o falso culto e com o falso apetite. Sem que esta acertada decisão seja sancionada pelo coração, a derrota e a perda da salvação serão inevitáveis. Todo o cristão moderno que desejar vêr aqueles quatro jovens no futuro, deverá imitá-los como verdadeiros cristãos que souberam viver o cristianismo puro em meio à corrupção de Babilônia. A experiência daquêles quatro hebreus cristãos constitue, em todo o tempo, um alto exemplo de genuína temperança ligada à fé cristã. Abstêmios completos de todo o ingrediente sólido ou líquido prejudicial à saúde física, conservaram o corpo como um templo santo, puro e vivo em honra de Deus. Dificilmente encontraremos hoje cristãos similares. A intemperança tem tomado conta dos chamados cristãos de nossa geração, que deviam ser verdadeiros representantes de Deus, de Cristo e de Suas leis moral, sanitária e dietética sábias e justas. O mundo chamado cristão e as nações pretensamente cristãs estão afogados no alcoolismo, chafurdados em tôda classe de degradantes vícios e mergulhados numa glotonaria destruidora da vitalidade do corpo. Viessem Daniel, Hananias, Misael e Azarias ao mundo hoje, ficariam abismados em vêr como os cristãos da hodierna civilização vivem tão afastados das sagradas normas e princípios do cristianismo original estabelecidos por Seu próprio fundador. “MENS SANA IN CORPORE SANO” Aqueles que fazem profissão de fé e se definem pela justiça que procede do céu, serão conhecidos entre os homens como perfeitos templos vivos de Deus, nos quais Êle é adorado através o verdadeiro culto do evangelho e as altas normas inspiradas do viver sadio são exemplificadas. Não se contaminar, era a ordem do dia proclamada por Daniel e seus fiéis companheiros. Esta é a principal lição de tôda a parte histórica de seu livro. É a primária, a vital, a indispensável qualificação para o alto serviço de Deus.1 Os quatro conservaram-se 1

Isaías 52:11; II Corintios 6:14-18.

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puros da poluição da carne e da alma em não participar da imunda e idolatra mesa do rei Nabucodonosor. Por se conservarem fisicamente limpos pela não participação duma alimentação impura, embora oriunda do palácio real, os quatro jovens mantiveram pura a mente e o espírito, o que é ainda mais importante. Pois assim preservaram-se da má consciência para com Deus, dos corrompidos princípios da desobediência às leis do céu, de compromissos que seguramente teriam reduzido a fôrça moral e embrutecido a vontade, dissipado a coragem e obscurecido a visão. A pureza do corpo será a medida da pureza da mente e do espírito e o debilitamento do corpo implica em debilitamento de ambas estas faculdades e do coração. A máxima: “Mens sana in corpore sano”, — é evidência indiscutível de que a saúde ao corpo é essencial à saúde da mente, do espírito e do coração. Alguém dirá: “Que tem que vêr religião com dietética?” “O que dissémos acima já contém a resposta clara. Porém, dizemos ainda mais: Ninguém com u’a mente e um espírito envenenadas por um regimem dietético desequilibrado e impuro terá uma visão límpida para discernir corretamente o dever para com Deus e executá-lo com inteira submisão e alegria. Um regimem alimentar constante de elementos impuros, nocivos, estimulantes e deprimentes, afeta e contamina a mente e o espírito amplamente e priva o coração do homem da comunhão voluntária e indispensável com Deus. Daí o regimem da comunhão voluntária e indispensável com Deus. Dai o regimem alimentar original dado pelo Creador a Seus filhos ser o único que os poderá conservar fisicamente limpos para terem clareza de mente e discernimento correto e jamais esquivarem-se ao dever que os liga ao céu. A máxima de Hipócrates, o mais ilustre médico da antiguidade (5.° séc. a.C.), em questões dietéticas, era e ainda é está: “Seja o teu alimento o teu medicamento”. Em outras palavras, ensinou Hipócrates que a alimentação deve ser um remédio salutar ao físico, e então o será também à mente e ao espírito. Alimentar o organismo significa prover-lhe o melhor alimento, o mais racional, sadio, puro, isento de substâncias tóxicas e estimulantes. Um cardápio diário que mantenha límpida a corrente sanguínea e contribua para que a visão intelectual não seja obstruída mas mantida com evidente correção. Daniel conhecia o segredo duma vida saudável e consequentemente longa. Além de tudo, sua fidelidade em manter-se puro dentro das normas do bom viver, — visou enaltecer a Deus e os 68

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divinos princípios ligados à vida. Sàbiamente enfrentou de uma vez o problema dietético da universidade de Babilônia e ganhou a batalha na primeira escaramuça com o inimigo na terra de seu cativeiro. Êle defendeu imediatamente a supremacia do dever sôbre a do interêsse próprio, da obediência sôbre a do perigo, da fé sôbre a do mêdo, do temor a Deus sôbre a dos costumes deturpantes da época, do espírito sôbre a do corpo, da diéta pura sôbre a do apetite pervertido, e, acima de tudo, — da supremacia de Deus sôbre a do homem. Se Daniel e seus três companheiros se esquivassem desta batalha, tê-la-íam perdido incontinente sem nela entrarem, e os séculos futuros jamais teriam lido deles as grandes coisas que têem lido e sabido. Mas êles determinaram firmemente vencer a primeira batalha para não serem vencidos por ela e as demais que se seguiriam. O triunfo sôbre o primeiro obstáculo abriu caminho para o triunfo sôbre os demais. Vitoriosos na terra do cativeiro, cumpriram à risca o grande propósito de Deus que era dar às nações pagãs o conhecimento de Jeová — o Deus vivo. URGE ACATAR O EXEMPLO “A vida de Daniel é uma inspiradora ilustração do que constitue um caráter santificado. Apresenta uma lição para todos, e especialmente para os jovens. Uma estreita submissão aos requerimentos de Deus é benéfica à saúde do corpo e do espírito. Afim de alcançar o mais elevado padrão de moral e conhecimentos intelectuais, é necessário buscar sabedoria e fôrça de Deus, e observar estrita temperança em todos os hábitos da vida. Na experiência de Daniel e seus companheiros temos um exemplo do triunfo do princípio sôbre a tentação para ceder ao apetite. Mostra-nos que através de princípios religiosos os jovens podem triunfar sôbre a concupiscência da carne, e permanecerem leais aos reclamos de Deus, ainda que isto lhes custe um grande sacrifício”.1 “Muitos há entre os professos cristãos hoje que pretendem que Daniel era demasiado particular e declaram-no estreito e fanático. Êles consideram a matéria de comer e beber como de diminuta importância para requerer uma decisiva defesa, — que envolva provável sacrifício de tôda a vantagem terrena. Mas aqueles que assim arrazoam acharão no dia do juízo que se afastaram dos expressos requerimentos de Deus, e exaltaram suas opiniões próprias como padrão de justiça e 1

Fundamentals of Christian Education, E. G. White, pág. 80.

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injustiça. Êles compreenderão que aquilo que lhes pareceu sem importância não era assim estimado por Deus. Seus requerimentos deviam ser inviolàvelmente obedecidos. Aqueles que aceitam e obedecem um de Seus preceitos por ser conveniente fazer, enquanto regeitam a outros porque sua observância requer um sacrifício, abaixam o padrão da justiça e por seu exemplo levam outros a considerar levianamente a santa lei de Deus, “Assim diz o Senhor” deve ser a nossa regra em tôdas as coisas”.1 “Daniel e seus companheiros tinham sido fiélmente instruídos nos princípios da palavra de Deus. Haviam aprendido a sacrificar o terrestre pelo espiritual, a buscar o mais alto bem. E colheram a recompensa. Seus hábitos de temperança e seu senso de responsabilidade como represantentes de Deus, reclamavam o mais nobre desenvolvimento das faculdades do corpo, da mente e da alma”.2 “Para Daniel, o temor do Senhor era o princípio da sabedoria. Êle estava colocado em uma posição onde era forte a tentação. Na côrte do rei, a dissipação imperava em todos os lados; a indulgência própria, a gratificação do apetite, a intemperança e a glotonaria, eram a ordem do dia. Daniel podia comungar nas debilitantes e corrutoras práticas dos cortesões, ou podia resistir a influência que tendia para baixo. Êle escolheu o último procedimento. Propôs em seu coração que não seria corrompido pelas pecadoras indulgências com as quais êle fôra levado em contacto, fossem quais fôssem as conseqüências”.3 Que a juventude cristã do século atual tome em conta o exemplo daqueles quatro jovens, ou então porá em risco sua salvação. Aquêle quarteto da fé ainda constitue o exemplo duma juventude possuída pela devoção; duma juventude honrada pela devoção; duma juventude útil pela devoção. E é isto mesmo que Cristo espera de cada jovem que toma sôbre si o Seu nome e com Êle espera reinar em Seu glorioso reino de eterna felicidade e amor. ASPENAZ EM APUROS VERSOS 9-10: — “Ora deu Deus a Daniel graça e misericórdia diante do chefe dos eunucos. E disse o chefe dos eunucos a Daniel: Tenho medo do meu senhor, o rei, que determinou a vossa comida e a vossa bebida; porque veria êle os vossos rostos mais tristes do que os 1

Fundamentals of Christian Education, E. G. White, pág. 78. Educação, E. G. White, pág. 55. 3 Fundamentals of Christian Education, E. G. White, pág. 86. 2

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dos mancebos que são vossos iguais? assim arriscareis a minha cabeça para com o rei”. GRAÇA E MISERICÓRDIA EM AÇÃO No versículo oito vimos que Daniel não só assentou no coração não se contaminar com uma alimentação imprópria, nociva e idólatra, como também se esforçou por não tocá-la. Êle solicitou e Aspenaz o privilégio de não se contaminar e sua solicitação foi recebida com respeito. O desejo sem ação para convertê-lo em evidência, redunda em nada. Todavia aqui está um jovem esforçando-se e fazendo o seu melhor para manter-se leal a Deus e Suas leis. Um jovem cuja fidelidade é ainda hoje admirável e digna de imitação por todo o jovem dêste derradeiro final da civilização. Deus anéla ajudar a juventude que, como Daniel e seus companheiros, se propõe a zelar as coisas sagradas e dispensar-lhes inteira acatação, respeito e obediência. A bênção do Senhor só desce do céu sôbre aqueles que a anélam e a buscam através um decisivo esforço por obtê-la. “Inabalável em sua aliança para com Deus, intransigente no domínio de si próprio, a nobre dignidade e delicada deferência de Daniel ganharam para êle em sua mocidade o “favor e terno amor”, do oficial gentio a cargo do qual êle se achava”.1 Porém, o versículo nove enfatiza que a simpatia de Aspenaz foi devida ao maravilhoso auxílio de Deus em favor de Daniel. O Senhor influênciou Aspenaz para que olhasse com simpatia a Seu fiel servo bem como a seus companheiros. Vê-se que o esforço divino só advém para cooperar com o esforço humano, nunca, porém, para substituí-lo. Só depois que o esfôrço humano se torna evidente, é que o esforço divino surge para fortalecêlo e concretizar-lhe a vitória. Com os dois esforços conjugados, Satanás levou a pior e Deus foi glorificado e honrado por seus servos, sedentos por ser-Lhe leais. A despeito da amabilidade de Aspenaz, hesitou êste não obstante em aquiescer diretamente ao pedido de Daniel. Temeu o desagrado do rei. O monarca, dissera Aspenaz, veria a desfavorável diferença comparando-os com os demais que participavam de sua mesa real, e o culparia pela falta. O cardápio dos universitários era uma determinação do rei, e êle se não o executasse in totum, exporia sua própria cabeça. Verificamos claramente que o rei Nabucodonosor fazia periodicamente um exame físico do corpo estudantil ou pelo menos procurava ver os universitários em conjunto para certificar-se 1

Educação, E. G. White, pág 55.

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de como passavam. Com isto revelou Aspenaz o temor que inspirava o rei Nabucodonosor. Uma ordem sua ou seria cumprida ou resultaria fatal se negligenciada. O monarca era absoluto e não admitia desacato às suas ordens e decisões. Qualquer oposição à sua vontade era considerada sabotagem e portanto obra de adversário, urgindo justiçar incontinente o intruso operante. E Aspenaz estremeceu ante o pedido de Daniel, enquanto foi cortez para com êle e seus companheiros. Mas Daniel não desanimou. A fé não baqueia diante dos obstáculos sejam quais forem. Dela dissera mais tarde São João, o apóstolo amado: “E esta é a vitória que vence o mundo, a nossa fé”.1 Assim a fé já é uma vitória. O seu possuidor será infalivelmente vitorioso enquanto sob sua influência. Daniel não temeu; pois não só não era um crente tremente, como já concebera o triunfo à vista — pelo evidente divino auxilio de Deus conjugado com o seu esforço humano. A FÉ NÃO RETROCEDE Daniel não discutiu o caso com Aspenaz procurando persuadi-lo a atendê-lo. O caso carecia de muito tato e êle foi muito prudente. O servo de Deus não foi precipitado, mormente quando procurava pôr as coisas em ordem afim de manter sua lealdade a Êle. Procurou então ao “dispenseiro”, Melzer — oficial a cujo cargo especial estava êle e seus companheiros. Parece vermos aqui algo notável: Os quatro hebreus estavam particularmente a cargo dum homem especializado. O nome “Melzer” era aplicado a alguém encarregado de certas funções especiais, como neste caso a de “tutor”. Revela-se assim o fato de o rei depositar grandes esperanças nos quatro jovens judeus, o que é sumamente importante. Não é dito nada de seu especial interêsse particular por outros jovens estrangeiros também universitários. A jovens raros que eram Daniel e os outros três, deviam ser dispensados cuidados fora do normal, cuidados especializados. Quanto da mocidade cristã poderia, hoje, ser aproveitada com muita vantagem sôbre outros de mais idade em cargos chaves, se aos jovens fossem dispensados cuidados particulares como àqueles quatro moços em Babilônia! Muito dêsse precioso e talentoso material humano se perdeu e se perde por falta de visão e interêsse de desavisados dirigentes de organizações e nações modernas em malhar talentos novos, raros e aproveitáveis com sucesso. 1

I S. João 5:4.

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Com muita cautela suplicou Daniel a Melzer fossem eles escusados de participar da mesa do rei. Não temos evidentemente um relatório completo da exposição que Daniel fez a êste oficial e a Aspenaz, como justificativa da deliberação que tomaram em absterem-se da alimentação real. Porém, a informação que possuimos é mais que suficiente para divisarmos o denodado esfôrço daqueles jovens cristãos da antiguidade afim de não violarem a expressa vontade de Deus contida em Suas leis. E isto tudo é mais importante do que simplesmente lermos a história dêstes heróis. Se não os imitarmos seguindo o glorioso exemplo que nos legaram, jamais os veremos no reino de Deus onde êles indubitavelmente estarão por tôda a eternidade. UM PLANO PARA SER FIEL VERSOS 11-16: — “Então disse Daniel ao dispenseiro a quem o chefe dos eunucos havia constituído sôbre Daniel, Hananias, Misael e Azarias: Experimenta, peço-te, os teus servos dez dias, fazendo que se nos dêem legumes a comer, e água a beber. Então se veja diante de ti o nosso parecer, e o parecer dos mancebos que comem a porção do manjar do rei, e, conforme vires, te hajas com os teus servos. E êle conveio nisto, e os experimentou dez dias. E, ao fim dos dez dias, apareceram os seus semblantes melhores; êles estavam mais gordos do que todos os mancebos que comiam porção do manjar do rei. Desta sorte, o dispenseiro tirou a porção do manjar dêles, e o vinho que deviam beber, e lhes dava legumes”. A Melzer apresentou Daniel um notável plano. Sugeriu-lhe uma prova de dez dias em os quais somente lhes desse “legumes”‘ e “água”, e, no término do pequeno prazo, que os comparasse com os demais que participavam da mesa real. Foi um plano de fé genuína! “A palavra hebráica zeroim, que aqui se traduz por legumes, leva em sua construção a mesma raiz que a palavra ‘semente’ empregada no relato de Gênesis referente à criação, onde se menciona “tôda a herva que dá semente”, e também o “fruto de árvore que dá semente”.1 Isto indica claramente que a petição de Daniel incluía cereais, legumes e frutas. Além disso, se compreendemos corretamente Gênesis 9:3, as “hervas” estavam incluídas também na alimentação pedida. Em outras palavras, o menú que Daniel pediu e obteve se compunha de cereais,

1

Gênesis 1:29.

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legumes, frutas, noses, e verduras, quer dizer que era uma alimentação vegetariana variada, acompanhada da bebida universal para os homens e os animais: a água pura. “A Bíblia Anotada de Cambrigde contém a seguinte nota acêrca de zeroim: “Alimentação vegetal em geral; não há motivo para crer que a palavra hebraica usada se limita às leguminosas como os feijões e às ervilhas designadas apropriadamente pela expressão “legumes”. Gesênio dá esta definição: “Sementes, ervas, verduras, vegetais; isto é alimento vegetal, como o que se consome quando se jejua a meias, em oposição às carnes e as viandas mais delicadas”.1 É admirável o esforço daquêles quatro fiéis baluartes da fé em procurar a todo custo manterem-se fiéis ao verdadeiro e saudável regimem dietético indicado por Deus já na aurora do mundo. Mas, quanta violação e descaso aberto destes princípios no mundo cristão moderno pelos mais amantes dum apetite pervertido que das justas leis naturais do Creador! Daí tanto sofrimento como causa direta da recusa das leis divinas. Mas Daniel e seus companheiros não pertenciam a esta casta de apóstatas que, não obstante ostentarem o nome “cristão”, vivem em rebeldia franca e decidida contra os estatutos inspirados de Cristo. A PROVA CONVENCE MELZER Melzer achou interessante o sugestivo plano de Daniel e conveio na experiência de dez dias. “Embora temeroso de que condescendendo com êste pedido pudesse incorrer no desagrado do rei, consentiu não obstante; e Daniel sabia que sua causa estava ganha”.2 E, para surpresa e assombro de Melzer, a prova foi positiva. A diferença entre os quatro e os demais que participavam das iguarias do rei fôra-lhe evidente. Na aparência pessoal os jovens hebreus mostraram marcada superioridade sôbre seus companheiros. Assim, surprêso, admirado e convencido da superioridade do plano de Daniel sôbre o do rei, Melzer afastou-os definitivamente da mesa do soberano e consentiu continuarem com o cardápio simples que preferiram e que se demonstrara superior. A bênção de Deus foi indiscutível em secundar os esforços de seus amados. A vitória estava ganha. O plano dietético do Creador triunfou sôbre o plano dietético de Babilônia. O inimigo foi vencido 1 2

Las Profecias de Daniel y el Apocalipsis, Urias Smith, Tomo I, págs. 15-16. Profetas e Reis, E. G. White, pág. 484.

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por aqueles quatro valentes guerreiros de Deus na primeira batalha e o seria sempre até ao fim. A retumbante vitória daqueles verdadeiros cristãos é uma severa repreensão aos infiéis cristãos glutões do século XX, violadores desrespeitosos das leis naturais inspiradas relativas ao bom viver. Podem, porém, se reabilitarem e serem fiéis como Daniel e seus companheiros. A BÊNÇÃO DE DEUS NOS ESTUDOS VERSO 17: — “Ora, a êstes quatro mancebos Deus deu o conhecimento e a inteligência em tôdas as letras, e sabedoria; mas a Daniel deu entendimento em tôda a visão e sonhos”. O DOM DE PROFECIA NA CÔRTE DO MUNDO “Apegando-se Daniel a Deus com inamovível fé, o espírito de poder profético veio sôbre êle. Enquanto recebia instruções do homem nos deveres diários da côrte, estava sendo ensinado por Deus a ler os mistérios do futuro, e a registrar para as gerações vindouras, mediante figuras e símbolos, eventos que cobrem a história dêste mundo até o fim do tempo”.1 O Dom de Profecia de que fôra Daniel investido, é o terceiro dom da graça concedido ao pecador separado diretamente de Deus. Em sua importância segue imediatamente aos dons do Filho de Deus e do Seu Espírito. Êsse dom é a comunicação entre Deus e o homem através de um instrumento chamado “profeta” dirigido pelo Espírito Santo. É o mais importante dom do Espírito Santo para guiar e edificar a Igreja de Deus na terra.2 À luz dêsse glorioso dom tem o povo de Deus caminhado em tôda a sua história até ao presente. É por êsse precioso dom que o mundo tem, através da Igreja de Deus, recebido a gloriosa mensagem da redenção em Jesus Cristo. A Bíblia foi dada à humanidade mediante êsse divino dom, e é ela, portanto, a mensagem do dom da profecia ou da graça de Deus enviada aos habitantes da terra. Antes de Daniel, e depois dêle, dezenas de outros servos fiéis de Deus, os profetas — receberam o Dom de Profecia, para advertir e 1 2

Profetas e Reis, E. G. White, pág. 485. I Coríntios 13:2; 14:3.

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aconselhar a Igreja e o mundo. Segundo o livro do Apocalipse, capítulo doze versículo dezessete, a igreja de Deus, em pleno século XX, é aquela que guarda os mandamentos de Deus e possue o Dom de Profecia em seu meio. De posse do Dom de Profecia pôde Daniel desvendar grandes mistérios que puzeram em perplexidade o rei de Babilônia, bem como traçar os marcos simbólicos relativos aos principais acontecimentos da história em ligação com a marcha triunfal do povo de Deus até ao fim do tempo do fim. As profecias de seu livro resultantes dêsse dom, são as mais importantes do Velho Testamento, e completadas no Nôvo Testamento pelas profecias do Apocalipse dadas a São João através do mesmo inspirado Dom de Profecia. Os resultados de bem servir e honrar a Deus foram evidentes nos estudos daqueles jovens. As inestimáveis bênçãos de Deus fizeram daqueles moços os melhores alunos da universidade da côrte de Babilônia. A todos surpreenderam pela exuberante inteligência e sabedoria. E não pensem os jovens de hoje que Deus não tem o mesmo anélo em ajudá-los na aquisição de conhecimentos úteis de sabedoria honrosa ao céu. O segrêdo da recepção da bênção consiste na dedicação incondicional da vida a Deus, numa obediência sincera às suas leis — quer morais quer naturais. O GRANDE EXAME FINAL VERSOS 18-20: — “E ao fim dos dias, em que o rei tinha dito que os trouxessem, o chefe dos eunucos os trouxe diante de Nabucodonosor. E o rei falou com êles; e entre todos êles não foram achados outros tais como Daniel, Hananias, Misael e Azarias; por isso permaneceram diante do rei. E em tôda a matéria de sabedoria e de inteligência, sobre que o rei lhes fêz perguntas, os achou dez vêzes mais doutos do que todos os magos ou astrólogos que havia em todo o seu reino”. UM MARCADO TRIUNFO Finalmente chegou o grande dia do exame final após três anos de curso. Um só foi o catedrático examinador — o rei Nabucodonosor. Êste fato evidencia os talentes do rei, seus vastos conhecimentos em ciências e letras daquele tempo. Por outro lado parece que o monarca quis se certificar pessoalmente, em prova oral absoluta, do grau de cultura caldáica adquirido pelos universitários. Todavia o triunfo coube aos quatro fiéis de Deus — Daniel, Hananias, Misael e Azarias. 76

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Êles sobrepujaram dez vêzes mais em sabedoria a tôdas as sumidades do reino. Os chamados sábios da corte se apagaram diante dêles. Nabucodonosor não se enganara com a sabedoria dos judeus — confirmou e solenemente anunciou a distinção dos servos do Deus de Israel. Com a revelação da sabedoria de Deus através dos quatro jovens, foi reduzida a nada a farsa da sabedoria dêste mundo, simplesmente humana e nada mais que humana. “Na côrte de Babilônia estavam reunidos representantes de tôdas as terras, homens do mais alto talento e mais ricamente dotados com dons naturais, e possuidores da cultura mais vasta que o mundo poderia oferecer; não obstante entre todos êles os jovens hebreus não tiveram competidor. Em fôrça e beleza física, em vigor mental e dotes literários, não tinham rival. A forma ereta, o passo firme e elástico, a fisionomia agradável, os sentidos lúcidos, o hálito puro — eram todos certificados mais que suficientes de bons hábitos, insígnia da nobreza com que a natureza honra aos que são obedientes a suas leis.1 “Ràpidamente galgou êle (Daniel) a posição de primeiro ministro do reino. Durante o império de sucessivos monarcas, a queda da nação e o estabelecimento de um reino rival, tal era a sua sabedoria e qualidades de estadista, tão perfeitos eram o seu tato, cortezia e genuína bondade de coração, combinada com a fidelidade aos princípios, que mesmo seus inimigos eram obrigados a confessar que “não podiam achar ocasião ou culpa alguma, porque êle era fiel”.2 A SABEDORIA NAO VEIO POR ACASO “Na aquisição da sabedoria dos babilônios, Daniel e seus companheiros foram muito melhor sucedidos que seus colegas; mas sua ilustração não veio por acaso. Êles obtiveram o conhecimento mediante o fiel uso de suas faculdades, sob a guia do Espírito Santo. Colocaram-se em conexão com a Ponte de tôda sabedoria, tornando o conhecimento de Deus o fundamento de sua educação. Oraram com fé por sabedoria, e viveram as suas orações. Puzeram-se onde Deus poderia abençoá-los. Evitaram o que lhes poderia enfraquecer as faculdades, e aproveitaram tôda oportunidade de se tornarem versados em todo o ramo do saber. Seguiram as regras da vida que não poderiam falhar em dar-lhes fôrça de intelecto. Procuraram adquirir conhecimento para um determinado propósito — para que pudessem 1 2

Profetas e Reis, E. G. White, pág. 485. Educação, E. G. White, pág. 55, 56.

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honrar a Deus. Compreenderam que para poderem permanecer como representantes da verdadeira religião em meio das religiões falsas do paganismo, deviam possuir clareza de intelecto e aperfeiçoar o caráter cristão. E o próprio Deus era o Seu professor. Orando constantemente, estudando conscienciosamente e mantendo-se em contato com o Invisível andavam com Deus como andou Enoque. “O verdadeiro sucesso em cada setor de trabalho não é o resultado do acaso, ou acidente ou destino, É a operação da providência de Deus, a recompensa da fé e discreção, da virtude e perseverança. Finas qualidades mentais e alto trono moral não são o resultado de acidente. Deus dá oportunidades; o sucesso depende do uso que delas se fizer. “Enquanto Deus estava operando em Daniel e seus companheiros “tanto o querer como o efetuar, segundo a Sua boa vontade”,1 êles estavam operando a sua própria salvação. Nisto está revelado a operação do divino princípio de cooperação, sem o que nenhum verdadeiro sucesso pode ser alcançado. O esforço humano nada realiza sem o divino poder; e sem o concurso humano o esforço divino é em relação a muitos de nenhum proveito. Para tornar a graça de Deus nossa própria, precisamos desempenhar a nossa parte. Sua graça é dada para operar em nós o querer e o efetuar, mas nunca como substituto de nosso esfôrço”.2 RESPONSABILIDADE NO SÉCULO XX “Assim como o Senhor cooperou com Daniel e seus companheiros Êle cooperará com todos os que se atêm a Sua vontade. E pela concessão do Seu Espírito Êle fortalecerá cada propósito veraz, cada nobre resolução. Os que andam nos caminhos da obediência encontrarão muitos embaraços. Influências fortes e sutis podem ligálos ao mundo; mas o Senhor é capaz de tornar sem efeito cada instrumentalidade que opere para derrotar os Seus escolhidos; em Sua força êles podem vencer cada tentação, triunfar sôbre cada dificuldade. “Deus pôs Daniel e seus companheiros em relação com os grandes homens de Babilônia, para que em meio de uma nação de idólatras pudessem representar Seu caráter. Como se tornaram êles capacitados para uma posição de tão grande confiança e honra? Foi a 1 2

Filipenses 2:13. Profetas e Reis, E. G. White, págs. 486, 487.

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fidelidade nas pequenas coisas que lhes deu capacidade para a vida tôda. Êles honraram a Deus nos mínimos deveres, bem como nas maiores responsabilidades. “Assim como Deus chamou Daniel para testemunhar por Êle em Babilônia, Êle nos chama para sermos testemunhas Suas no mundo hoje. Tanto nos menores como nos maiores negócios da vida. Êle deseja que revelemos aos homens os princípios do Seu reino. Muitos estão esperando que uma grande obra lhes seja levada, ao mesmo tempo que perdem diàriamente oportunidade para revelar fidelidade a Deus. Diàriamente deixam de se desincumbir com inteireza do coração dos pequenos deveres da vida. Enquanto esperam por alguma grande obra em que possam exercitar talentos supostamente grandes, satisfazendo assim a ambiciosos anseios, seus dias passam. “Na vida do verdadeiro cristão nada há que não seja essencial; à vista da Onipotência todo dever é importante. O Senhor mede com exatidão cada possibilidade para serviço. As faculdades não usadas são postas na conta da mesma forma que as utilidades. Seremos julgados por aquilo que devíamos ter feito e não fizemos porque não usamos nossas faculdades para glória de Deus. “Um caráter nobre não é resultado de acidente; não é devido a favores especiais ou dotações da Providência. É o resultado da autodisciplina, da sujeição da natureza mais baixa à mais alta, da entrega do eu ao serviço de Deus e do homem”.1 UMA MENSAGEM A JUVENTUDE HODIERNA “Através da fidelidade aos princípios de temperança mostrados pelos jovens hebreus, Deus está falando à juventude de hoje. Há necessidade de homens que, como Daniel, procedam com ousadia pela causa do direito. Coração puro, mãos fortes, coragem destemerosa, são necessários; pois a luta entre o vício e a virtude reclama incessante vigilância. A cada alma Satanás vem com tentação de formas variadas e sedutoras no ponto da condescendência para com o apetite. “É o corpo um meio muito importante pelo qual a mente e a alma se desenvolvem para a edificação do caráter. Essa é a razão por que o adversário das almas dirige suas tentações no sentido do enfraquecimento e degradação das faculdades físicas. Seu sucesso neste ponto significa muitas vezes a entrega de todo ser ao mal. As

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Profetas e Reis, E. G. White, págs. 487, 488.

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tendências da natureza fisica, a menos que postas sob o domínio de um poder mais alto, seguramente obrarão ruína e morte. O corpo deve ser pôsto em sujeição às faculdades mais altas do ser. As paixões devem ser controladas pela vontade que, por sua vez, deve ela mesma estar sob o controle de Deus. O régio poder da razão santificada pela graça divina, deve dominar a vida. Poder intelectual, vigor físico e longevidade dependem de leis imutáveis. Mediante a obediência a essas leis, pode o homem ser um conquistador de si mesmo, conquistador de suas próprias inclinações, conquistador de principados e potestades, dos príncipes das trevas dêste século; e das ‘hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais’. “No antigo ritual que é o evangelho em símbolos, nenhuma oferta maculada podia ser levada ao altar de Deus. O sacrifício que iria representar a Cristo devia ser sem mancha. A palavra de Deus aponta para êsse fato como uma ilustração do que Seus filhos devem ser — um ‘sacrifício vivo’, ‘sem mácula, nem ruga’.1 “Os valorosos hebreus eram homens sujeitos às mesmas paixões que nós; mas não obstante as sedutoras influências da côrte de Babilônia, êles permaneceram firmes, porque confiaram num poder infinito. Nêles contemplou uma nação pagã a ilustração da bondade e beneficência de Deus e do amor de Cristo. E na sua experiência temos um exemplo do triunfo do princípio sôbre a tentação, da pureza sôbre a depravação, da devoção e lealdade sôbre o ateísmo e a idolatria. “Os jovens de hoje podem ter o espírito de que estava possuído Daniel; êles podem beber na mesma fonte de fôrça, possuir o mesmo poder de domínio próprio, e revelar a mesma graça em sua vida, mesmo sob circunstâncias igualmente desfavoráveis. Embora assediados por tentações a serem indulgentes consigo mesmos, especialmente em nossas grandes cidades, onde tôda forma de satisfação sensual se mostra fácil e convidativa, os seus propósitos de honrar a Deus permanecem não obstante firmes pela graça divina. Mediante forte resolução e atenta vigilância podem resistir a cada tentação que assalta a alma. Mas a vitória será ganha unicamente por aquêle que se determina fazer o que é direito só porque é direito. “Que carreira foi a dêsses nobres hebreus! Ao dizerem adeus ao lar de sua meninice pouco sonhavam êles com o alto destino que lhes 1

Romanos 12:1; Efésios 5:27.

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estava reservado. Fiéis e firmes, renderam-se à divina guia, de maneira que por meio deles Deus pôde cumprir o Seu propósito. “As mesmas poderosas verdades que foram reveladas através dêsses homens, Deus deseja revelar por meio de Seus jovens e de Seus filhos hoje. A vida de Daniel e seus companheiros é uma demonstração do que o Senhor fará pelos que a Êle se rendem, e buscam de todo o coração realizar o Seu propósito”.1 DANIEL DEIXA A CÔRTE MUNDIAL VERSO 21: — “E Daniel esteve até ao primeiro ano do rei Ciro”. Sôbre o primeiro ano de Ciro veja-se apêndice — Terceiro ano de Ciro, nota 5. — Desde o ano 606 a.C. em que fôra Daniel levado para a côrte de Babilônia até ao primeiro ano de Ciro, 536 a.C., decorreram exatamente setenta anos de cativeiro. Durante êste tempo, foi Daniel o maior homem das côrtes de Babilônia e da Medo-Persa, tendo nelas ocupado o honrado e elevado pôsto de primeiro-ministro daqueles dois impérios mundiais. Agora, com o advento de Ciro ao trono e o fim do cativeiro, encerrou-se a missão do céu confiada a Daniel — nas duas côrtes mundiais citadas. “Daniel era apenas de dezoito anos quando levado a uma côrte pagã a serviço do rei de Babilônia”.2 A altura do primeiro ano de Ciro alcançara êle a elevada idade de 88 anos. Até ao terceiro ano dêste monarca, em que teve êle sua última visão, completara a idade de 90 anos. Dai em diante a revelação silencia sôbre a história de Daniel, nada nos informando sôbre o seu destino. Possivelmente não voltou Daniel com os cativos a Jerusalém, favorecidos peto decreto de Ciro que lhes deu a liberdade. A tradição, porém, requer que êle morreu em Susa, onde lhe fôra erigido um suntuoso mausoléu que ainda hoje se conserva, sendo alvo de peregrinação e provàvelmente de turismo.

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Profetas e Reis, E. G. White, págs. 488-490. Testimonies for the Church, E. G. White, Vol. IV, pág. 570.

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CAPÍTULO II O IMPRESSIONANTE SONHO DOS IMPÉRIOS

Introdução A matéria inspirada dêste segundo capítulo, uma das mais fascinantes e dramáticas narrativas da revelação, encerra, em apenas quatro símbolos, a história política do mundo relativa a vinte e cinco séculos decorridos e ao estabelecimento duma nova ordem de paz e justiça na terra no futuro. No sétimo capítulo se nos apresenta a mesma matéria profética em símbolos diferentes e com algumas impressivas variantes em detalhes. Esta revelação, como apresentada nos emblemas do segundo capítulo, foi dada a um declarado pagão, ignorante do evangelho de Deus, totalmente leigo em revelações proféticas, símbolos proféticos e interpretação profética, alheio em absoluto às profecias inspiradas de Deus. Aquela do capítulo sete, porém, foi concedida a um dos profetas do Senhor, um homem familiarizado com a revelação do céu. Em ambas as exposições — capítulos dois e sete — Nabucodonosor, soberano do império mundial de Babilônia, estava e está representado por uma cabeça de ouro e por um leão-alado, respectivamente. Há, pois, uma razão lógica que levou Deus a revelar ao rei Nabucodonosor a futura história dos podêres do mundo como apresentada no segundo capítulo e não como apresentada no sétimo capítulo. Naquele capítulo êle é simbolizado no ouro, emblema da riqueza e da glória, e neste num leão, imagem da fôrça, de domínio implacável, de despotismo, de abjeto orgulho. Se Deus lhe houvesse dado a revelação que lhe deu como a temos no capítulo sete, êle teria ficado assombrado com o símbolo do terrível leão destruidor definindo a sua pessoa e a sua política como monarca da terra, e teria imediatamente se insurgido contra a inspiração e manifestado repulsa ao Deus de Israel, do qual Daniel era honrado representante em sua côrte. E isto muito embora fosse o leão representado na arte e na mitologia caldáica como imagem de poder.

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Nabucodonosor pretendia construir um grande império, ser um inigualável estadista real, amar seus súditos e prover- lhes todo o bemestar possível e a felicidade — e o capítulo quatro revela ter alcançado êste seu desejo. Fôsse êle revelado pela inspiração no símbolo de arrogante e destruidor leão, seria provocá-lo e repelir o próprio Deus e despertar-lhe animosidade e ira contra Seu povo, principalmente contra Daniel e seus companheiros que tinham altas funções em seu reino como embaixadores do céu. Eis, pois, a razão primária da revelação em duas séries de símbolos diferentes, sendo a primeira preferentemente dada ao rei Nabucodonosor, e a segunda ao mundo depois dêle. Deus estava procurando fazer de Nabucodonosor um testemunho vivo de Seu poder em todo o orbe. Disse-lhe Deus o sonho e sua interpretação como encontrado no sétimo capítulo, nada seria conseguido. Porém, em dar-lhe o sonho como exposto no capítulo dois, revelou Deus um tato especial para não exasperá-lo, e conseguiu dêle favorável impressão ao interpretá-lo Daniel e assegurar-lhe a honra de estar representado na cabeça de ouro da estátua de seu sonho. Semelhante a seus contemporâneos, Nabucodonosor cria em sonhos como um dos meios pelos quais os deuses revelavam os seus desejos aos homens. E, a divina sabedoria revelou-se ao grande rei no próprio terreno de sua crença dando-lhe um notável sonho inspirado. Deus sempre adata seu modo de operar em pról dos homens segundo a capacidade individual de cada um e as circunstâncias do tempo em que vivem. Assim agiu o Todo-poderoso em relação ao rei de Babilônia para dar-Se-lhe a conhecer bem como ganhar a sua confiança e assegurar a sua cooperação em promover o bem estar da família humana sob seu govêrno mundial invencível. Ao grande rei foi mostrado o curso da história como ordenado pelo Altíssimo e como efeito de Sua vontade. Foi-lhe referido o lugar de sua responsabilidade no grande plano do céu, a fim de que êle tivesse a oportunidade de cooperar efetivamente com o divino programa. Todavia, as lições da história dadas a Nabucodonosor, eram designadas a instruir tôdas as nações e todos os homens em eminência sôbre as massas até o fim do tempo. A tôdas as antigas potências assinalou Deus um lugar especial em Seu glorioso plano. Mas, quando governantes e povos falhavam em sua oportunidade, sua glória era reduzida a pó. E, as nações modernas, inclusas também no divino plano, devem dar ouvidos às lições da passada história e ao trato de 84

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Deus com os antigos povos e reconhecê-l’O como Pilôto-Chefe na marcha milenária das nacionalidades. Por outro lado, os símbolos das revelações em sonhos dos dois capítulos — 2 e 7 — decrescem de valor e evidentemente indicam a crescente estabilidade do poder do homem como governante. Daí a terrível política armada dos quatro impérios no antigo mundo, a fim de manter a autoridade e a submissão. E até os nossos dias a inglória e repelente história se repete, cujos atores são as grandes potências do século! É notável como Deus deu a um pagão a revelação da sucessão dos Impérios do mundo! Não quer isto dizer que o rei Nabucodonosor tenha recebido de Deus o Dom de Profecia — como Daniel — para poder obter a tão extraordinária revelação profética. Antes dêle outros personagens importantes receberam revelações de Deus em sonhos, sem a necessidade da antecipação do Dom de Profecia. Êles não foram chamados para exercerem o encargo de profetas. As revelações a êles dadas, como uma excessão, visaram, principalmente, dar-lhes certa medida de conhecimento de Deus e de seu poder, para que Seu povo não viesse a sofrer demasiadamente em suas mãos. Foram dados sonhos a Faraó1; a Abimelech, rei de Gerar2; a um soldado midianita3; ao copeiro e ao padeiro de Faraó4; a Labão5; aos magos que procuravam Jesus6; à mulher de Pilatos7. Nenhum dêstes personagens, porém, era profeta regularmente chamado por Deus para um tal ofício. Tão somente receberam mensagens ocasionais em virtude de certas circunstâncias reinantes, desfavoráveis aos filhos de Deus no mundo do passado. O capítulo dois de nossa consideração pode dividir-se nas seguintes partes: 1) O providencial esquecimento do sonho do rei por êle mesmo; 2) A derrota dos sábios de Babilônia em revelar o sonho ao rei; 3) O decreto de morte contra os embusteiros sábios; 4) A revelação do sonho numa visão a Daniel; 5) Daniel notifica o sonho ao soberano; 6) Os impérios do mundo no sonho da história; 7) O eterno reino de Deus no símbolo duma esmiuçante pedra. 1

Gênesis 4:1-37. Gênesis 20:3-6. 3 Juízes 7:13-15. 4 Gênesis 40:5-22. 5 Gênesis 31:24-29. 6 S. Mateus 2:12. 7 S. Mateus 27:19. 2

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O rei Nabucodonosor ficou plenamente satisfeito. Como Daniel foi capaz de contar-lhe o sonho com todos os seus detalhes êle creu que sua interpretação era correta e a aceitou. Então o rei exaltou ao Deus de Israel como supremo Deus e engrandeceu o extraordinário jovem hebreu. I — O SONHO DO REI NABUCODONOSOR UMA PERTURBADORA NOITE REAL VERSO 1: — “E no segundo ano do reinado de Nabucodonosor teve Nabucodonosor uns sonhos; e o seu espírito se perturbou, e passou-se-lhe o seu sono”. O SEGUNDO ANO DO REI NABUCODONOSOR Antes de empunhar propriamente o cétro real era Nabucodonosor rei co-regente com seu pai Nabopalosor. Porém, o tempo da coregência não era acrescido aos anos de reinado oficial de nenhum monarca oriental. O seu segundo ano como soberano absoluto referido por Daniel e como favorece tôda a revelação dêste capítulo, é o segundo ano de seu assento oficial no trono, ou seja o ano 604 a.C.. Posto que o ano de sua subida ao trono fôsse 606 a.C., não fôra êste incluído no cômputo dos anos oficiais de sua realeza. UM SONHO PERTURBADOR Na côrte do rei Nabucodonosor havia representantes de Deus pelos quais iria Êle comunicar-lhe o conhecimento de Sua pessoa suprema. Contudo, deu-lhe Deus, em Sua providência, duas revelações que o impressionaram sobremaneira, sendo a primeira um notável sonho que consideraremos na exposição dêste capítulo. O objetivo desta revelação ao monarca foi mostrar-lhe o poder de Deus e Seu controle sobre as nações do globo. Porém, ao acordar-se, altas horas da noite, seu espírito abateu-se sobremaneira, já pela magnitude do sonho, já por tê-lo esquecido totalmente. E naquela memorável e angustiante noite o soberano não mais pôde conciliar o sono. Todavia, uma forte impressão tomou conta de seus pensamentos e o perturbou sèriamente. Sua condição psíquica mudou incontinente e o abateu perigosa e sùbitamente. Presságios de graves acontecimentos o envolveram. Em nenhum sentido pôde recobrar, mesmo no mínimo, o que sonhara. Embora lutasse por algum tempo com os seus pensamentos na busca do esquecido sonho, tudo foi em vão. Seu 86

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esquecimento total era-lhe um impenetrável mistério, posto que sabia ter tido um grande sonho. Sem dúvida o seu absoluto esquecimento fôra providencial assim como o próprio sonho o fôra. Deus estava procurando revelar-Se ao rei Nabucodonosor, e em Seu plano sua mente foi fechada para a revelação depois de recebê-la. Oportunamente, um honrado porta-voz de Deus o visitaria em Seu nome e em Seu nome fa-lo-ía lembrar e dar-lhe-ía a sua respectiva e impressionante interpretação. Antes disso, porém, certas circunstâncias deveriam tomar lugar e encarregarem-se de preparar o caminho para tornar mais admirável o advento do mensageiro de Deus, dar um cunho mais solene à revelação esquecida e imprimir importância à sua significação fazendo-a acatável e aceitável por aquêle potentado. E tudo redundou segundo planejado pelo céu. UMA DIFICULDADE ESCLARECIDA Segundo atestado no primeiro capítulo, o curso de estudos na universidade da côrte de Babilônia, promovido pelo rei Nabucodonosor aos cativos de linhagem principesca, constou de três anos. Porém, no segundo ano de seu reinado, como verificamos, Nabucodonosor tivera o seu primeiro sonho e Daniel, que o revelara e interpretara, já era um dos sábios da côrte, tendo concluído os estudos prescritos de três anos naquela universidade. Urge então a pergunta: Uma vez que Daniel, ao comparecer diante do rei — no segundo ano de seu reinado — para revelar-lhe o sonho, já havia concluído o curso universitário de três anos, como harmonizar esses três anos com apenas os dois anos de reinado oficial de Nabucodonosor, sendo que êste rei ordenara a abertura das aulas da universidade imediatamente ao galgar o trono? Podemos esclarecer esta aparente dificuldade e removê-la, com a seguinte exposição: 1. Nabucodonosor subiu ao trono no ano 606 a.C., porém, não contou êste ano de sua ascenção como primeiro ano de reinado oficial, e sim o seguinte ano. Contudo, fora neste ano que êle abrira as aulas da universidade e tomara lugar o início do curso aludido de três anos. O terceiro ano ou conclusão do curso seria o ano 604. Todavia não foram três anos completos de estudos. 2. As antigas côrtes, embora não contassem como ano de seus reis o ano da ascenção, por ser incompleto, contavam, entretanto, como completos, os anos em que tomavam lugar suas façanhas de conquistas guerreiras e empreendimentos oficiais outros. Êste último 87

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mento veerificamo os nas côôrtes de Judá e Israel. I Noo segund do procedim livro doos Reis, capítulo dezoito versículo os nove e dez teemos um ma evidentee prova. É dito alii que, no quarto ano a do reii Ezequiaas de Jud dá, que era o sétimo ano de Hoséias H dde Israel, Salmanaazar, rei dda Assíriia, cercou S Semária tomando o-a depoiis de trêss anos — no sexxto ano de d Ezequiass, que era o nono o ano de H Hoséias. Vemos que q os trrês anos de d cêrco im mposto a Semária foram ppartes dos quarto ano de E Ezequias e sétimo aano de Hoséias, H o quinto e o oitaavo comp pletos e partes do os sexto e nono destes doiss reis. Veerificamo os que o aludido cêrco nãão e taalvez doiis ou meenos. Mass, segunddo o mod do durou trrês anos exatos, de compputar o tempo t dee certos eventos pelas an ntigas côrrtes, com mo vimos — o cêrcoo de Semáária durouu três ano os. Ilustreemos abaaixo:

p e ao temppo em qu ue Jesus estêve noo sepulcrro. Outtro caso prende-se O Senhoor mesmoo disseraa que perrmanecerria três diias e trêss noites na n 1 sepulturaa. Mas em realidade Êlee não estteve três dias com mpletos no n sepulcroo, e até parece p qu ue nem m mesmo dois d dias inteiros ali estêv ve. Jesus ffoi sepuultado sexta-feir s ra poucco antess do ppôr-do-so ol; permaneecendo noo sepulcrro de Jossé d’Arim matéia ap penas um ma pequen na fração dde tempo da sextaa-feira, toodo o dia de Sábaado e cêrcca de dozze horas doo primeirro dia da semana. Temos aqui a o mesmo m casso exposto acima oobedecendo o meesmo coostume da d época como iilustrada a seguir.

n noo sepulcrro, Ao dizer Jeesus que estaria ttrês dias e três noites me da épo oca de coomputar o tempo em trataando-se de d seguiu o costum aconteciimentos especiais e como deemonstram mos. 1

S. M Mateus 12:40.

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TEST TEMUNHOS HISTÓ ÓRICOS DAS PRO OFECIAS DE DAN NIEL

O mesmo m princípio p de côm mputo do d tempoo decorrrido foii em mpregadoo no caso dos ttrês anoss de estu udos na universiidade dee B Babilônia,, aliás, paarte do aano 606, todo o ano a de 6005 e parte do anoo 6004 — o segundo s ano a do reei Nabuco odonosorr. Ilustrem mos como o segue:

m Daniel,, com o ccurso univ versitário o de três aanos com mpletado,, Assim seegundo vimos v no o modo dde contarr o tempo o naquelaa côrte e naquelaa esscola, pôôde comp parecer ddiante do o rei de Babilôniia como um doss reeconheciddos sábio os do reinno, para revelar o sonho aoo monarcaa. A URGENTE C CONVOC CAÇÃO DOS SÁ ÁBIOS VERS SO 2: — “E o rei mandou chamar os o magoss, e os astrólogos,, e os encanntadores, e os calddeus, paraa que decclarassem m ao rei qual q tinhaa siido o seu sonho; e êles vierram e se apresentaaram diannte do rei”. Q QUATRO O ORDE ENS DE SÁBIOS S BABIL LÔNIOS Convencido de d haver recebido o uma revelação de extrao ordináriaa im mportânccia e deciidido a avveriguar--lhe a nattureza; em m seu ab batimentoo poor tê-la esquecido e o e em ssua angússtia por reavê-la r novamen nte, o reii N Nabucodoonosor leembrou-se de seu us conseelheiros — os sáábios doo reeino. Eraam êles homens que preetendiam possuir sabedoria extra-teerrena cappaz de reesolver toodos os difíceis d problemas p s mesmo o os tidoss poor mais impenetrráveis m mistérios pelo p hom mem com mum. Ceertamentee erram hom mens quee se orggulhavam m da sab bedoria qque prettenderam m poossuir e por p certo o respeitááveis e co omuladoss de honrrarias pella côrte e peelo munddo em fo ora. Deviam receb ber grand des honorrárias em m face dee tãão elevadda posiçãão de sábbios que ocupavam m. No veersículo de nossaa coonsideraçção são chamaddos: Maagos, asttrólogos, encantaadores e caaldeus: odiam serr 1. Os “magos”” ou “mággicos” — espertos como s ó eles po — são ciitados on nze vêzess no Velho Testamento ccomo sáábios dass côôrtes doo Egito e Babbilônia. Através A de ceriimônias e ritoss suupersticioosos tinh ham o obbjetivo de d fazer parecer que criaavam ouu prroduziam m certas coisas paara agrad dar os reeis, os seeus consu ulentes e 899

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confundir os opositores da côrte, inventando fantasiosas conclusões. No Egito chegaram dois dêles — Jannes e Jambres — a imitarem certos milagres de Moisés.1 No Nôvo Testamento lemos dum deles chamado Simão, tido por grande figura, sendo entretanto um finório espertalhão enganador.2 Um outro chamado Elymas, de Pafos, na ilha de Chipre, opôs-se a S. Paulo e foi severamente castigado por Deus.3 Em todo o tempo existiram êstes ludibriadores, não escapando dêles o próprio século XX — chamado das luzes — no qual proliferaram vastamente e se manifestam como importantes figuras capazes de grandes coisas, — mas trata-se dos mesmos embusteiros da antiguidade e de todo o passado, bastante camuflados com uma sabedoria que não possuem e até desconhecem. No derradeiro final da história da terra chegarão até a imitar a obra de Deus para enganarem as multidões afastando-as, em nome de Satanás, dos caminhos de Deus. 2. Os “astrólogos”, como os “magos” ou “mágicos”, contavam grande número principalmente em todo o antigo oriente. Cada potentado tinha muitos dêsses chamados sábios, bem como magos e outros, a seu serviço, e até mesmo seguiam-nos em suas campanhas. Seus conselhos eram procurados pelos reis em muitas circunstâncias, tais como a rota que deviam seguir em suas campanhas guerreiras ou a data propícia para atacar a seus inimigos. A vida dos reis era amplamente controlada e governada por tais homens. Cresso, o famoso rei da Líbia, consultou a seus astrólogos se seria ou não vitorioso sôbre Ciro. Responderam-lhe que êle destruiria um grande exército. Não definiram, porém, se destruiria o exército de Ciro ou o seu próprio. Dêste modo sempre se cumpriam os seus vaticínios: positiva ou negativamente. Seus conhecimentos de astronomia tinham atingido um surpreendente desenvolvimento. Eram capazes de predizer eclipses solar e lunar por computação, sendo altamente hábeis em matemática. Pràticamente eram os homens da ciência. Porém, eram mais engenhosos na ciência astrológica supersticiosa extensamente cultivada naquele passado pelas nações orientais. Eram especialmente os que hoje são chamados “astrônomos’’, com a diferença de que estudavam os astros, em geral, no sentido da superstição e da busca de predições doentias e escandalosas, enquanto os astrônomos de hoje 1

Êxodo 7:11, 22; 5:7; II Timóteo 3:8. Atos 8:9-11. 3 Atos 13:4-12. 2

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estudam os astros para compreenderem as grandezas de Deus Todopoderoso. 3. Os “encantadores” — eram feiticeiros que, através de encantamentos ou artes mágicas, faziam as suas feitiçarias para encantar e arrebatar seus espectadores. Pretendiam adivinhar, ter comunicação com os mortos, predizer a sorte ou o destino das pessoas e resolver problemas e mistérios. Esta classe de remotos falsários muito desviou Israel de Deus.1 O mundo moderno está cheio destes chantagistas sem consciência que são especialistas em extorquir dinheiro das massas incautas. É o “professor” fulano, a “madame” fulana, que anunciam consultas através vasta propaganda, prometendo grande felicidade a seus consulentes apenas por alguns cruzeiros! Deus anuncia o ajuste em juízo com estes defraudadores que campeiam às soltas sem serem molestados pelos responsáveis zeladores da sociedade humana.2 Também contra os pregadores feiticeiros do cristianismo há uma conta a acertar.3 4. Os “caldeus” — constituíam a classe dos “doutos” de Babilônia, de todos os pretensos sábios, eram os mais togados da sabedoria da época, mestres em linguística e em ciências naturais. Eram eminentes em literatura e filosofia da universidade do reino. Podemos compará-los aos catedráticos de nosso século, os grandes “sapientes”. Conheciam também astronomia, e, a despeito de tôda a erudição de que eram grandes sumidades, davam-se também à magia e à astrologia supersticiosa da época. Em face da pretenção de alta sabedoria manifestada por estas várias classes de indivíduos, chamados sábios, era justo que o rei a elas recorresse, apelasse e confiasse a solução de seu problema. O rei não só apelou mas exigiu que o satisfizessem, em virtude de serem os sábios oficiais da côrte — que desvendavam e explicavam os mistérios e prediziam os acontecimentos — e ali estarem para tudo resolver segundo isto mesmo pretendiam. Todos êles compareceram unânimes perante o rei Nabucodonosor seguros de que dariam solução imediata ao seu problema — o sonho esquecido. O MANIFESTO COMEÇO DA DERROTA VERSOS 3-9: — “E o rei lhes disse: Tive um sonho; e para saber o sonho está perturbado o meu espírito. E os caldeus disseram ao rei em siríaco: O rei vive eternamente! Dize o sonho a teus servos, e

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Isaias 47:9, 12. Malaquias 3:5. 3 Apocalipse 18:23; 21:8. 2

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daremos a interpretação. Respondeu o rei, e disse aos caldeus: O que foi me tem escapado; se me não fizerdes saber o sonho e a sua interpretação, sereis despedaçados, e as vossas casas serão feitas um monturo; mas se vós me declarardes o sonho e a sua interpretação, recebereis de mim dons, e dádivas, e grandes honras; portanto declarai-me o sonho e a sua interpretação. Responderam segunda vez, e disseram: Diga o rei o sonho a seus servos, e daremos a sua interpretação. Respondeu o rei e disse: Percebo muito bem que vós quereis ganhar tempo; porque vêdes que o que eu sonhei me tem escapado. Por conseqüência, se me não fazeis saber o sonho, uma só sentença será a vossa; pois vós preparastes palavras mentirosas e perversas para as proferirdes na minha presença, até que se mude o tempo; portanto dizei-me o sonho, para que eu entenda que me podeis dar a sua interpretação”. UM ANGUSTIANTE DILEMA O rei Nabucodonosor foi logo expondo sua dificuldade aos sábios. Havia esquecido o seu sonho e os convocara para o ajudarem. O momento foi de temor àqueles homens que pretendiam tudo saber e solucionar. Jamais tiveram um problema semelhante a resolver. Não podiam enganar o rei referindo qualquer coisa em afirmativa do seu sonho, pois êle não aceitaria sinão a insofismável verdade, o monarca fora claro: “Portanto dizei-me o sonho, para que eu entenda que me podeis dar a sua interpretação”. Aliás, só confiaria na interpretação se lhe declarassem o sonho evidentemente exato. O dilema era extremo para aqueles embusteiros. Era a primeira vez que o grande rei os convocava para exigir-lhes a elucidação dum mistério. Fracassassem êles, confessariam incapacidade nas coisas ocultas e importantes, a despeito de se jatarem como únicos capazes de solucioná-las a tôdas. Grave era a situação em que foram envolvidos. O PRIMEIRO SINTOMA CERTO DA DERROTA Os chamados sábios não revelaram sabedoria ao responderem ao rei. Embaraçados com o inesperado caso, ficaram imediatamente transtornados e derrotados ante a exigência do soberano. Êle já lhes dissera ter esquecido o sonho e deles o exigia. Mas os filósofos e catedráticos caldeus, confessando aberta ignorância, assim responderam ao rei: “Dize o sonho a teus servos, e daremos a interpretação”. Aqueles enganadores dominavam a arte de obter suficientes informações em que basear alguns hábeis cálculos que lhes 92

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permitissem forjar respostas ambíguas e aplicáveis a quaisquer instâncias dos reis ou a quaisquer rumos que tomassem os acontecimentos. No caso de nossa consideração, fiéis a seus astutos instintos, pediram ao rei que lhes fizesse conhecer o sonho. Uma vez obtida essa informação, não seria difícil concordarem com alguma engenhosa interpretação que não fizesse perigar a reputação que enganosamente gozavam na côrte. Entre a firmeza do rei em exigir e não ceder a evasiva dêles em obter dêle o sonho, travara-se uma desesperada batalha em palácio. Os “sapientes” buscavam uma via de escape, posto que estavam presos em seu próprio terreno. O rei estava disposto a não capitular — uma coisa só e irrevogável requeria dêles: A revelação e interpretação do sonho. Alguns, ainda hoje, censuram severamente ao rei Nabucodonosor por sua severidade neste assunto e lhe achacam o papel de um cruel tirado e irracional. Porém, não asseveravam aqueles sábios poder revelar as coisas ocultas, predizer acontecimentos, dar a conhecer os mistérios que superavam completamente a previsão e a penetração humanas e fazê-lo com a ajuda de agentes sobrenaturais? Assim, não era, pois, injusto o pedido do monarca para que lhe revelassem o esquecido sonho e o interpretassem. Nabucodonosor ficou com justiça exasperado com a perfídia daqueles em quem tinha confiado. Os que pretendiam saber tudo revelaram não saber nada! Decepcionado o monarca com a impostura duma sabedoria “zero” nas coisas de vulto, agiu com justiça, decisão e firmeza. A AMEAÇA FATAL DO REI Os “caldeus” revelaram absoluta falta de tato ao tratarem com o rei. Arrogando esta erudição filosófica capaz de dar a todos os segrêdos um resultado positivo e satisfatório, agiram como crianças inexperientes e incapazes. Em vez de contornarem o caso levando-o a bom senso — expondo motivos e fazendo ponderações embora inaptos para o solucionarem — imprudentemente exasperaram e enfureceram o soberano que foi levado, ante a evasiva da resposta que deram, a decidir do imediato: Ou revelariam o sonho e sua interpretação ou seriam sumàriamente sentenciados à morte. Um tal ato era comum no mundo antigo. Assírios e babilônios eram notórios pela severidade aplicada a seus ofensores. De Assurbanipal é dito ter cortado em pedaços governadores vassalos rebeldes. Ciro, diz-se, mandou cortar o nariz a um povo inteiro. 93

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Pudessem os sábios, porventura, satisfazer o rei, dissera-lhes êle, seriam grandemente honrados. Nabucodonosor não requereu mais do que êles próprios anunciavam ser capazes. Estavam agora sob um teste decisivo. Ou seriam confirmados como verdadeiros sábios ou como verdadeiros charlatães analfabetos em sabedoria. Ou manteriam a confiança da côrte ou seriam por ela declarados astutos falsários. Ou continuariam merecendo a alta honra de sábios ou seriam destituídos dêste pôsto oficial no reino. Ou prosseguiriam tendo o privilégio da vida ou seriam privados dela pela sentença de morte. Êles deviam decidir que escolha fariam, que destino tomariam. O rei colocou-os entre a faca e a parede, entre a vida e a morte. O DESFÊCHO DA CRISE Novamente insistem os “caldeus” na mesma tecla: “Diga o rei o sonho a seus servos, e daremos a interpretação”. Esta imprudência revelou aberto nervosismo e declarado desespero de causa. Era a aceitação, em definitivo, da derrota, a confirmação da ignorância, a revelação da farça duma sabedoria embusteira, o temor da descoberta do charlatanismo que lhes era próprio, o receio da perda da influência como sumidades em matéria de mistérios e ocultismo, o rei, porém, não se deixou levar pela lábia dos desmascarados hipócritas derrotados. Firme e inflexível em seu requerimento, iria a ponto de justiçá-los se não se revelassem capazes agora, como sempre arrogavam em todos os casos e circunstâncias. O soberano percebera a manha. Abrem-se-lhe os olhos quanto aos limites dêsses parasitas palacianos. Procuravam “ganhar tempo”, até que por fim êle desistisse de seu invulgar pedido, se acalmasse e revogasse a sua ameaça fatal. Mas Nabucodonosor não se deixa ludibriar. É surpreendente que nêste extranho caso parece que só os “caldeus” tinham um pouco de coragem para se aventurarem a falar ao rei! Os demais “sabichões” não se manifestavam dando opinião. Ficaram neutros. O terror imposto pelo descontrole da classe mais alta deixou-os espavoridos e puzeram suas barbas de môlho, — o silêncio lhes era ouro antes de precipitar mais a crise com declarações que bem sabiam não seriam aceitas pelo irado monarca, antes complicariam mais o caso e ratificariam a ignorância e o embuste de que eram mestres. O rei Nabucodonosor permaneceu inflexível em sua ameaça extrema. E isto ainda mais por ter percebido, pela insuficiência dos “sapientes”, que já tinham preparado perversas mentiras para 94

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proferirem como interpretação, caso êle lhes pudesse contar o sonho. Mas o soberano insiste: quer a revelação do sonho e a sua interpretação — ou a vida de todos êles como enganadores evidentes. A CONSUMAÇÃO DA DERROTA VERSOS 10-11: — “Responderam os caldeus na presença do rei, e disseram: Não há ninguém sôbre a terra que possa declarar a palavra ao rei: pois nenhum rei há, senhor ou dominador, que requeira coisa semelhante dalgum mago, ou astrólogo ou caldeu. Porquanto a coisa que o rei requer é difícil e ninguém há que a possa declarar diante do rei, senão os deuses, cuja morada não é com a carne”. O REI É ACUSADO DE INJUSTO Os “caldeus” ainda com a palavra! Temerosos das consequências do seu fracasso, empenharam-se em mostrar ao rei que seu pedido era irrazoável, que o que êle requeria estava além de tôda a possibilidade. Confessaram que nem êles nem ninguém mais na terra era capaz de revelar o sonho ao rei. Fundados na ignorância de que eram peritos — embora nisso não crescem — incluem todos os demais mortais no mesmo ról e no mesmo nível. Êstes “eruditos” são assim: Quando derrotados naquilo que pretendem ser os supremos mestres, então incluem a todos na mesma derrota. Não sabendo êles, ninguém mais na terra ou no universo o saberá! Acusaram a Nabucodonosor de absoluto injusto. Nenhum outro rei, disseram, jamais requereu tal coisa de um sábio seu — mágico, astrólogo, encantador, ou caldeu. Isto foi o fim. Esta injusta acusação ao rei liquidou-os duma vez. Nada sabiam mais, com relação às coisas importantes — naturais ou sobrenaturais — do que todos os mortais da época. Eram pagos pelo reino para mentir e ludibriar. O rei ficou enojado daqueles falsários e espertalhões. Viu que êle e todo o seu povo eram vítimas de constantes enganos bem pagos com o ouro do reino. A repercussão do incidente alcançou, seguramente, os mais distantes rincões do inteiro reino, e deu motivo aos mais variados comentários. Os “sábios” do Egito, da Grécia, e de outras nações certamente puzeram suas barbas de môlho com a atitude do rei Nabucodonosor! Aqueles chamados sábios pretendiam comunicação com os deuses. Todavia, a declaração que a final fizeram, premidos pela inflexibilidade do rei, — que só “os deuses cuja morada não é com a 95

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carne” poderiam satisfazê-lo, era uma tácita confissão de que não tinham nenhuma comunicação com esses deuses, que a idolatria é um sistema vão de culto e que não possuíam mais sabedoria do que a que se poderia adquirir na esfera da terra em que viviam. Fôra abaixo a farsa e a máscara é por fim descerrada; a derrota foi consumada em franca confissão de incapacidade. Cái assim vencida e desmascarada diante da revelação do céu, dada ao Rei Nabucodonosor, a falsa filosofia, a especulativa ciência e as enganosas comunicações com o ocultismo e com o além. Também no Egito foram desmascarados os sábios de Faraó diante da revelação divina.1 E, ainda hoje, estas falcatruas de Satanás que são mais abundantes e mais disfarçadas que na antiguidade, são declaradas obras do demônio e do engano camufladas pela “toga” e pela “vidência”. Nossa civilização, em matéria de superstição, não está aquém daquela de que tratamos. Em tôdas as nações campeiam os ludibriadores do mesmo gênero com ampla propaganda, chegando a darem audições em teatro para difundirem suas falcatruas com entradas bem pagas. E os que governam nada fazem para livrar a civilização dêste charlatanismo estorsivo e vergonhoso. A INEXORÁVEL SENTENÇA FATAL VERSOS 12-13: — “Então o rei muito se irou e enfureceu; e ordenou que matassem a todos os sábios de Babilônia. E saiu o decreto, segundo o qual deviam ser mortos os sábios; e buscarem a Daniel e aos seus companheiros, para que fôssem mortos”. A revelada falsidade de que eram senhores sob o manto de “sábios” e a acusação de injustiça que jogaram contra o rei em requerer dêles o que requereu, enfureceram sobremaneira o soberano. O assunto estava encerrado e a sentença de morte foi incontinentemente decretada. Ainda que não podemos justificar a extrema medida de que se valeu o monarca, incluso a liquidação dos próprios lares daqueles homens ou de seus familiares, não podemos, entretanto, deixar de nos simpatizar com a medida fatal o que recorreu contra aquela classe de miseráveis impostores. A evidente falta de honradez e o mistificado engano — o rei não podia de modo algum tolerar. Diz um corriqueiro ditado: “O cão tanto vai ao moinho que um dia deixa o focinho”. Os chamados sábios de Babilônia tanto se arriscaram a enganar que um dia foram flagrantemente descobertos e punidos. 1

Gênesis 41:8.

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O rei Nabucodonosor teve a coragem de dar o golpe naqueles tipos de ladrões legalizados pela própria côrte que recebeu de seu pai. Quão diferente são os fracos governantes do mundo moderno — do século das luzes — que consentem a ludibriadores idênticos a proliferarem livremente por tôda a parte, estorquindo o povo com crassas mentiras semelhantes. Quais piratas legalizados, aí estão ostensivamente exercendo a inglória profissão dos falsários de Babilônia e fazendo ampla propaganda do engano vendido por dinheiro como se fôra virtude. E ninguém os incomoda ou com êles se importa! Não há lei no mundo moderno contra êste tipo de chantagem e franca ladroeira! Entre os que deviam morrer estavam Daniel e seus três companheiros que para tal foram buscados. Isto prova que já haviam concluído os três anos de estudos como dissemos e que eram considerados pelo rei no ról dos sábios da realeza. O rei que declarara Daniel dez vêzes mais sábio que todos os sábios do reino, não notara a sua ausência entre os sábios que convocara à sua presença. Providencialmente êle não se juntou com aquela quadrilha de falsificadores e nem foi sua ausência notada pelo rei, posto que o maior e o verdadeiro único sábio daquela côrte. A verdade não tem parceria com o êrro. Houvesse Daniel comparecido conjuntamente com aqueles dissimuladores, teria passado por um dêles e desonraria ao Deus de Israel do qual êle era ali embaixador. Ficaria assim encoberto o embuste dos pretensos sábios, pois Daniel resolveria o problema e o engano da falsa sabedoria ficaria encoberto no manto da divina sabedoria. Mais adiante veremos razões maiores porque Daniel esteve ausente naquela dramática emergência. DANIEL EM PALÁCIO VERSOS 14-16: — “Então Daniel falou avisada e prudentemente a Arioch, capitão da guarda do rei, que tinha saído para matar os sábios de Babilônia. Respondeu, e disse a Arioch, prefeito do rei: Por que se apressa tanto o mandado da parte do rei? Então Arioch explicou o caso a Daniel. Daniel entrou; e pediu ao rei que lhe desse tempo, para que pudesse dar a interpretação”. PRUDÊNCIA EM FACE DO PERIGO Arioch informou a Daniel que, de acordo ao decreto real êle e seus três companheiros deveriam também morrer. Seus nomes figuravam no macabro decreto. Daniel, porém, que tomou a frente do 97

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grupo dos servos de Deus, não se intimidou. Êle sabia como agir naquele grave momento. Posto que em plena juventude de seus vinte anos, sabia em quem confiava. Com cautela e prudência pôs-se em campo imediatamente e interrogou de frente a Arioch: “Por que se apressa tanto o mandado da parte do rei?” “Arioch contou-lhe a história da perplexidade do rei a respeito do seu notável sonho, e seu fracasso no sentido de conseguir auxílio da parte daqueles que até então tinham desfrutado sua mais plena confiança. Depois de ouvir isto, Daniel, tomando sua vida em suas mãos, aventurou-se a ir à presença do rei, e rogou-lhe tempo, para que pudesse suplicar ao seu Deus que lhe revelasse o sonho e a sua interpretação”.1 Estupendo contraste! Antes de Daniel estiveram diante do rei homens já idosos, de má cara, trementes, revelando o engano e o embuste nos próprios traços fisionômicos. Agora tem o rei diante de si um homem em plena exuberante juventude, revelando destemor, serenidade, coragem e confiança num Rei maior do que o que tinha diante de si. O rei de Babilônia, abatido pela flagrante derrota de seus arrogantes, analfabetos e falsários “sábios”, e pela insultante vergonha que causaram à sua côrte revelando nada saberem, e manifestando ainda o seu furor contra a enganosa impostura de que fôra vítima, ficou entretanto cativo do jovem sábio que agora comparece à sua presença: Era belo e educado, cortez, intrépido e príncipe. E, já que o simpático moço não lhe suplica que conte o seu sonho, mas lhe roga a concessão de um prazo para revelá-lo e interpretá-lo, anuiu ao pedido, creu em sua sinceridade e confiou que o satisfaria plenamente. Nabucodonosor simpatizou-se com Daniel e atendeu porque Deus tocou o seu coração. Dissera Salomão nos seus dias: “Como ribeiro dáguas, assim é o coração do rei na mão do Senhor; a tudo quanto quer o inclina”.2 Houvesse o rei pedido desde o começo a Daniel — por êle próprio considerado como o sábio dos sábios da côrte — que lhe fizesse conhecer o assunto, deveras os sábios de Babilônia não teriam sido provados e continuariam passando por verdadeiros às custas de Daniel. Mas a mão de Deus preferiu que aqueles enganadores pagãos comparecessem primeiro. Queria que confessassem o fracasso, a incompetência e o analfabetismo que lhes era próprio, — em face da legitimidade da divina inspiração — ficando assim preparado o 1 2

Profetas e Reis, E. G. White, pág. 493. Provérbios 21:1.

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caminho para o triunfo de Sua Majestade celestial através da manifestação de Sua suprema sabedoria e poder pelo testemunho de Seu cativo servo, a quem dera o Dom de saber discernir e revelar o sobrenatural. Os sábios derrotados dariam qualquer interpretação na hora caso o rei lhes contasse o sonho. Espavoridos, porém, a intransigência do soberano e sua ameaça de morte, não lhes ocorreu solicitarem-lhe, como o fez Daniel, um prazo para buscarem de seus deuses a solução do problema. Certamente êles mesmos não criam nos seus pretendidos deuses! Transpareciam professá-los e os invocavam simplesmente como base fingida de seus ludíbrios. Não estavam preparados para tratar com o rei Nabucodonosor. A inflexibilidade do monarca no que dêles requeria os desarticulou e tirou-lhes a visão para enfrentarem-no sem irritá-lo. Imprudentes em exigir que o rei lhes contasse o sonho — o qual dissera claramente no início tê-lo esquecido — precipitaram uma fatal crise que, se não houvessem perdido o senso do tato, poderiam tê-la evitado ainda que não dessem a solução exigida pelo rei. Sim, êles não souberam contornar a crise. Daniel, porém, sem precipitação e com fino tato, compareceu em palácio, não para revelar imediatamente o sonho ao rei, mas para solicitar-lhe tempo para o fazer, e foi bem claro em informar ao soberano — que buscaria de seu Deus a solução do mistério. SUPLICANDO A MISERICÓRDIA DE DEUS VERSOS 17-18: — “Então Daniel foi para a sua casa, e fez saber o caso a Hananias, Misael e Azarias, seus companheiros, para que pedissem misericórdia ao Deus do céu, sôbre êste segrêdo, afim de que Daniel e seus companheiros não perecessem, com o resto dos sábios de Babilônia”. UMA REUNIÃO DE ORAÇÃO Do palácio vai Daniel às pressas para a sua casa. Ali o aguardavam seus amados companheiros anciosos pelos resultados de sua entrevista com o rei. Êles já estavam orando fervorosamente em súplica do favor de Deus pelo êxito de seu encontro com o monarca. E o regresso de Daniel os alentou. Êle notificou-os de tudo o que se passava e propõe-lhes uma reunião especial de oração em procura do auxílio de Deus e de Sua misericórdia. Conjuntamente examinaram o problema do rei e a perigosa situação que os envolvia. Por sabedoria humana sabiam que nada poderiam fazer para diminuir a ira de 99

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Nabucodonosor e dissuadí-lo a revogar o decreto de chacina. A única salvaguarda estava em Deus e Sua graça. “Juntos buscaram sabedoria da Fonte de luz e conhecimento. Sua fé era forte na certeza de que Deus tinha-os colocado onde estavam, que êles estavam fazendo a Sua obra e cumprindo os reclamos do dever. Em tempo de perplexidade e perigo tinham-se voltado sempre para Êle em busca de guia e proteção, e Êle Se mostrara um auxílio sempre presente. Agora com coração contrito submetiam-se de novo ao Juiz da Terra, implorando que lhes desse livramento nêste tempo de especial necessidade. E êles não suplicaram em vão”.1 Desconhecemos totalmente os termos das orações de Daniel, Hananias, Misael e Azarias, naquela circunstância. Cremos, todavia, que foram orações permanentes, angustiosas e confiantes. Naquele difícil transe em que suas vidas estavam em risco, atacaram o gigantesco problema com as poderosas armas da fé e da oração, e ganharam a vitória e com ela a vida. Não era a primeira vez que oravam com fervor a Deus e confiança no divino poder. A vida gloriosa que viviam naquela corrupta côrte e naquela ímpia cidade, era resultante de poderosas orações e viva fé. Ser-lhes-ia certamente um vexame terem de sofrer a pena capital também como embusteiros, e o nome de Deus de Israel ser com isso desonrado, pelo que lançaram mão da divina graça e as suas potentes súplicas atingiram o trôno do Onipotente e receberam uma positiva resposta imediata. O SEGRÊDO É REVELADO A DANIEL VERSO 19: — “Então foi revelado o segrêdo a Daniel numa visão de noite: então Daniel louvou o Deus do céu”. “Numa visão de noite”, aliás, num inspirado sonho, “foi revelado o segrêdo a Daniel”. Era a primeira vez que através dêle se manifestava o Dom de Profecia. Estava, pois, ganha a vitória sôbre o problema do rei de Babilônia e debelada a angustiante crise. Estava ganha a vida para os servos de Deus e mesmo para os sábios que, àquela altura, estavam apavorados de terror pelo funesto decreto que, sem que esperassem jamais, iria agora ser revogado. O regozijo dos quatro jovens foi sem limites. O poderoso Deus de Israel que os conduzira àquela côrte como Seus honrados representantes, não os deixaria vitimar por tão grande injustiça.

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Profetas e Reis, E. G. White, págs. 493, 494.

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AÇÕES DE GRAÇAS ASCENDEM AO CÉU VERSOS 20-23: “Falou Daniel, e disse: Seja bendito o nome de Deus para todo o sempre, porque dêle é a sabedoria e a fôrça; e Êle muda os tempos e as horas; Êle remove os reis e estabelece os reis; Êle dá sabedoria aos sábios e ciência aos entendidos. Êle revela o profundo e o escondido; conhece o que está em trevas, e com Êle mora a luz. Ó Deus de meus pais, eu Te louvo e celebro porque me deste sabedoria e fôrça; e agora me fizeste saber o que te pedimos, porque nós fizeste saber êste assunto do rei”. O primeiro ato de Daniel, antes de comparecer novamente em palácio para informar o rei Nabucodonosor de seu sonho, foi agradecer e louvar a Deus pela revelação recebida. Sua oração de ação de graças foi um reconhecimento da supremacia de Deus. Esta oração deve ser lida e meditada pelos chamados sábios modernos e pelos governantes do mundo atual, que não pensam e não crêem no poder do Altíssimo e Todo-poderoso Deus do universo. Nada sendo ante o único e infinito poder, contudo em seu orgulho e vaidade se insurgem contra os mandos daquele que é o legítimo Senhor do domínio da terra. DANIEL NOVAMENTE COM ARIOCH VERSO 24: — “Por isso Daniel foi ter com Arioch, ao qual o rei tinha constituído para matar os sábios de Babilônia: entrou, e disse assim: Não mates os sábios de Babilônia; introduze-me na presença do rei, e darei ao rei a interpretação”. NÃO MATES OS SÁBIOS DE BABILÔNIA De posse do sonho do rei e sua interpretação, apressou-se Daniel em encontrar-se com Arioch, o carrasco oficial do monarca para a matança dos sábios. Sua primeira preocupação foi salvar os condenados: “Não mates os sábios de Babilônia”, apela a Arioch. Estupendo testemunho preservado pela inspiração de um jovem temente a Deus! O decreto foi imediatamente suspenso até que fôsse constatada a capacidade de Daniel em desvendar o misterioso sonho do rei. Verdadeiramente, “por meio de Daniel salvou Deus a vida de todos os sábios de Babilônia”.1 Fôra Satanás que inspirara o rei 1

Atos dos Apóstolos, E. G. White, pág. 13.

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Nabucodonosor a decretar a morte dos sábios do reino para que entre êles fossem mortos também Daniel e seus companheiros. Os jovens hebreus eram um perigo aos planos do inimigo do direito naquela côrte que estava sob o seu controle. Satanás estaria disposto a matar até milhares de seus próprios agentes, contanto que aqueles quatro servos de Deus fossem eliminados entre êles. Êle sabia prover outros tantos falsários que se prestassem bem a seus satânicos fins. Mas tudo saiu ao contrário do que o adversário planejara. Fracasso idêntico verificou-se na trama para eliminar mais tarde Daniel na cova dos leões. Assim o ardil de Satanás não só foi frústrado, como serviu para dar mais realce do propósito de Deus. Todavia aqueles sábios foram salvos porque havia na côrte de Babilônia um corajoso e fiel jovem servo de Deus. A êle deviam êles agora a própria vida. Por causa de Paulo e Silas foram salvos o carcereiro de Felipe e todos os presos, e mais tarde todos quantos navegavam com o grande apóstolo foram também salvos da morte certa, por naufrágio, graças à sua presença entre êles.1 Foi a presença de José com seus bons planos no Egito que, salvou aquele reino da catástrofe da morte por inanição.2 Em todos os tempos têem os ímpios se beneficiado pela presença dos justos. O mesmo dizemos especialmente de nossa atual civilização. Por amor ao povo de Deus ela ainda existe embora seus pecados se tenham acumulado até aos céus. Quão grata devia sê-lhe, pois, pela presença dos poucos justos que permanecem em seu meio! Se nenhum justo em seu meio mais houvesse, já há muito que teria ela sucumbido. Ao separar-se Noé da civilização de seu tempo, entrando na arca que o salvaria com sua família, todos os ímpios pereceram por um dilúvio de águas.3 Ao ser tirado Ló de Sodoma, a cidade foi envolta por dilúvio de fogo e enxofre.4 De igual modo, ao serem tirado logo os justos do mundo atual pelo segundo advento de Cristo, a nossa pecadora e ímpia civilização totalmente perecerá para sempre. Deviam, os ímpios, pois, ter como preciosa a presença dos justos com êles. Tôdas as bênçãos dos céus que ainda desfrutam, incluso a vida, resultam da presença dos servos de Deus no mundo. Por meio dos Seus fiéis amados Deus os abençoa e lhes dá a oportunidade de O conhecerem e O servirem 1

Atos 16:27-30; 27:21-25. Gênesis 41:38-57. 3 Gênesis 7:1-24. 4 Gênesis 18:23-33; 19:1-29. 2

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para que se tornem também justos e sejam salvos. Porém, lamentavelmente os justos sofrem em meio aos ímpios embora entre êles sejam como um salva-vida. Todavia o dia aproxima-se quando o impenitente reconhecerá tardiamente a bênção que fôra o justo em sua presença, mas o regeitou. ARIOCH AGE COM PRESTESA VERSO 25: — “Então Arioch depressa introduziu Daniel na presença do rei, e disse-lhe assim: Achei um dentre os filhos dos cativos de Judá, o qual fará saber ao rei a interpretação. Arioch introduz Daniel a tôda pressa à presença de Nabucodonosor. Uma urgente solução do mistério poderia resultar na imediata revogação do decreto de execução dos sábios, suspenso até à exposição de Daniel. Arioch, porém, para se fazer agradável ao rei e merecer a sua simpatia como alguém sempre interessado por soluções positivas dos problemas do reino, vai dizendo logo ter encontrado um homem capaz de satisfazê-lo. Faltou, porém, êste oficial com a palavra! Êle achara Daniel somente quando o buscara para ser morto. Fôra Daniel que lhe rogara que o introduzisse à presença do rei Nabucodonosor, ao qual pedira um praso para revelar o segrêdo. O próprio rei pôde constatar a premeditada inverdade de Arioch. Mas, êle quiz fazer-se aceitável diante do potentado do mundo e daí ter lançado mão dum inglório expediente para adulá-lo e bajulá-lo. Arioch apresenta Daniel ao rei como se êste não o conhecera antes. Esta apresentação fôra um calculado passo seu em fazer-se passar como o homem que por seus próprios esforços, descobrira um sábio para tornar claro o enigma em foco e tirar o rei de seu aflitivo impasse, — com isso pretendendo assegurar a si, como oficial da côrte, o favor de sua alteza real. Lamentavelmente, todavia, Arioch apresenta a Daniel como “um dentre os filhos dos cativos de Judá”, e não como um grande sábio, — como aquele que fôra declarado “dez vêzes mais” sábio que todos os demais sábios da terra. Também o ímpio Belshazar, mais tarde, só vira em Daniel um “dos cativos de Judá”.1 Daniel, porém, não era um cativo. Cativo é aquele que está prêso, algemado pelo pecado, como o estava Arioch e também Nabucodonosor, Belshazar e todos os cortezões de Babilônia. Ninguém mais livre do que Daniel. Embora fôsse, é bem de ver, fisicamente em cativo político e social, não o era no sentido espiritual, 1

Daniel 5:13.

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em que milhões são verdadeiramente cativos. Contudo Arioch, êste verdadeiro cativo, afirma a Nabucodonosor de Daniel: “O qual fará saber ao rei a sua interpretação”. — Sim, eu garanto que êle resolverá o problema de vossa majestade — e lá se foi mais uma bajulação na carga de Daniel! Quão feio e quão ridículo é o vício hipócrita da bajulação! Ela, que como estamos vendo vem de longe, é própria dos deseducados e ridículos do que dos homens de peso e de caráter. DANIEL EM PRESENÇA DO REI VERSOS 26-28: — “Respondeu o rei, e disse a Daniel (cujo nome era Belteshazzar): Podes tú fazer-me saber o sonho que vi e a sua interpretação? Respondeu Daniel na presença do rei, e disse: o segrêdo que o rei requer, nem sábios, nem astrólogos, nem magos, nem adivinhos o podem descobrir ao rei; mas há um Deus nos céus, o qual revela os segredos; êle pois fez saber ao rei Nabucodonosor o que há de ser no fim dos dias; o teu sonho e as visões da tua cabeça na tua cama são estas:” NABUCODONOSOR PARECE DUVIDAR Daniel permaneceu calmo e senhor de si na presença do maior monarca do mais poderoso império do mundo. As primeiras palavras que dirigira o rei foram indagatórias de sua capacidade para notificá-lo do sonho e sua interpretação. Daniel já lhe havia solicitado um praso para revelar-lhe o segrêdo e certamente o faria. Pouco tempo antes, havia êle sido declarado pelo próprio soberano um dos hebreus dez vêzes mais sábios que todos os chamados sábios do mundo. Entretanto, pareceu duvidar das suas possibilidades. Uma vez que os tidos como lúcidos e veneráveis sábios anciãos haviam sido derrotados ante aquele mistério, que poderia fazer êste jovem de apenas vinte anos de idade? Teria sabedoria capaz de solver tão grande enigma? Nabucodonosor tinha razão em desconfiar da aptidão de Daniel. A decepção que lhe causara aqueles sábios levou-o a desconfiar de todos quantos porventura se apresentassem com a pretenção de sapiência — mesmo extra-terrena. EXALTANDO A DEUS E SUA SABEDORIA Em resposta ao rei Daniel fôra franco em dizer logo que o seu segrêdo não era para a espécie de sábios da sua côrte. Não devia, pois, 104

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confiar em suas enganosas superstições como revelações de grande sabedoria, e nem irar-se contra tais analfabetos em coisas importantes, pois eram incompetentes confessos diante delas. Esta introdução do servo de Deus — uma indireta bastante clara podia ter do pronto confirmado os pensamentos do monarca também contra si mesmo, visto que começou por dizer que nenhum sábio terreno poderia ajudálo a lembrar o esquecido sonho, e êle era considerado um do ról daqueles sábios. Porém, o que Daniel dissera a seguir, não só confirmou a incapacidade dos sábios do rei como liquidou suas dúvidas e lhe deu esperança. Em suas primeiras palavras Daniel recusou honra para si mesmo, e exaltou a Deus, dizendo: “Há um Deus no céu”. Essa declaração pôs abaixo a crença em mais do que um Deus. Os deuses de Babilônia são assim reduzidos a meras superstições de feitio humano e de nenhum valor. Isto devia ter surpreendido a Nabucodonosor cujo nome enlaçava-se a seu predileto deus supremo do reino. Tôda a desgraça da raça humana repousa no abandono do único Deus verdadeiro para venerar deuses fictícios. Todos os desrespeitos e deboches da civilização de todos os tempos têem como causa a recusa do “Deus do céu”, o Creador de tôdas as coisas. Adorassem os homens em todos os séculos o Supremo e Absoluto Deus, não pensariam jamais em adorar e prestar culto a deuses — imagens — feitos por mãos humanas. Desgraçadamente, a civilização do presente século, chamada “das luzes”, vive em grande parte sumida na mais compacta escuridão em matéria de fé e crença, adorando e curvando-se ante aquilo que não é Deus, mas inferior ao próprio homem que a inventa e o faz. Mas Daniel declarou corajosamente ao idólatra rei de Babilônia, que há um só Deus, e que todos os demais chamados deuses são meras superstições pagãs sem qualquer valor. DEUS — O AUTOR DO SONHO DO REI Solenemente afirma Daniel ao monarca que seu sonho fôra uma revelação do Deus dos céus, o Deus de Israel. O rei julgava que os seus deuses haviam vencido o Deus israelita. Agora, todavia, Êle lhe dá um comunicado pelo qual revela a Sua supremacia, Seu invencível poder no céu e na terra. Não fôra audácia de Daniel em arrazar indiretamente com os deuses de Babilônia e exaltar o Deus de Israel como Deus único, pois o próprio rei, com a interpretação do sonho, seria abalado em suas supersticiosas convicções no poder de seus deuses pagãos. Segundo as declarações iniciais de Daniel ao soberano, 105

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o memorável sonho inspirado continha a anunciação de todos os grandes eventos futuros da história até ao “fim dos dias”. Qual a razão, porém, que levou Deus a notificar antecipadamente a Nabucodonosor o futuro das nacionalidades? Em primeiro lugar, para informá-lo do seu grave êrro e vã pretenção de que a história seria invariável, isto é, que Babilônia continuaria eterna dominadora na terra; em segundo lugar, para demonstrar a todos os futuros governantes do glôbo quão efêmero é o cêtro do poder humano; em terceiro lugar, para comprovar que Deus é quem tem o leme do poder em Suas mãos e que Êle é quem põe e depõe os governantes das nações e as próprias nações. Assim que, o sonho visou mostrar ao monarca de Babilônia e a todos os potentados do mundo de todos os séculos futuros, principalmente aos do “fim dos dias”, — que os reinos terrestres são simplesmente temporais, têem limitada duração e que o reino de Deus é o único que tem estabilidade, e o único que permanece para sempre. A RESPOSTA AOS PENSAMENTOS DO REI VERSOS 29-30: — “Estando tu, ó rei, na tua cama, subiram os teus pensamentos ao que há de ser depois disto. Aquele pois que revela os segredos te fez saber o que há de ser. E a mim me foi revelado êste segrêdo, não porque haja em mim mais sabedoria do que em todos os viventes, mas para que a interpretação se fizesse saber ao rei, e para que entendesses os pensamentos do teu coração”. QUE HAVERÁ DEPOIS DISTO? Ao contrário de outros mandatários da terra-passados e presentes — o rei Nabucodonosor preocupou-se seriamente com o futuro. Depois de elevar sua realeza ao cume do poder e da glória terrenais, de fazer de sua capital a mais notável cidade de todos os tempos, desejou saber do futuro. Como vimos, cria êle sinceramente que Babilônia e os caldeus manteriam o cêtro do poder pelos séculos sem fim. Mas queria saber como os seus compatriotas governariam a realeza que êle fundou e elevou à suprema grandeza política sôbre todas as nações de seu tempo. E, naquela memorável noite, ao adormecer êle com êstes anciosos pensamentos, Deus lhe mostrou o anelado futuro, não só de seu reinado e de seu povo, como de todos os reinos e civilizações por vir. Especialmente notificou-o Deus de que em tôda a terra se implantaria, “no fim dos dias”, o reino de Seu Filho — nosso Senhor Jesus Cristo. 106

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UM SÁBIO REVELA HUMILDADE Através da revelação que lhe déra, Deus ligou o rei Nabucodonosor diretamente com Seu povo. Um de Seus dignos representantes lhe faria conhecer o inspirado sonho e sua impressionante interpretação. O mesmo sucedeu a Faraó ao receber também sonhos inspirados no tempo de José.1 Mas Daniel, embora grandemente honrado como embaixador do céu para revelar aquilo em que todos os sábios da terra falharam, não tomou o elevado mérito como fundamento de exaltação própria. Tão pouco jatou-se de comparecer diante do rei do mundo para declarar-lhe o sonho esquecido — por sua própria sabedoria. Êle esvasiou-se de todo o orgulho e exaltação e deu tôda a honra e sabedoria da revelação a Deus. O mesmo fez José ao ser convocado por Faraó para interpretar seus inspirados sonhos.2 Chegou a dizer Daniel, o humilde homem, — grande, porém, aos olhos de Deus, que nêle não havia mais sabedoria do que em qualquer outro mortal. Contudo, diz êle, o rei devia, pela interpretação do sonho, entender, “os pensamentos” do seu coração — aqueles pensamentos com os quais adormecera e o impressionaram seriamente com o futuro de sua grandiosa realeza. E não deixou Daniel nenhum sinal a que pensasse o rei ter sido êle — como maior potentado da terra — honrado por Deus com aquela revelação, senão sòmente entender os seus pensamentos quanto ao futuro da história política do mundo. O SONHO DO PODEROSO REI VERSOS 31-36: — “Tú, ó rei, estavas vendo, e eis aqui uma grande estátua; esta estátua, que era grande e cujo esplendor era excelente, estava em pé diante de ti; e a sua vista era terrível. A cabeça daquela estátua era de ouro fino; o seu peito e os seus braços de prata; o seu ventre e as suas coxas de cobre; as pernas de ferro; os seus pés em parte de ferro e em parte de barro. Estavam vendo isto, quando uma pedra foi cortada, sem mão, a qual feriu a estátua nos pés de ferro e de barro, e os esmiuçou. Então foi juntamente esmiuçado o ferro, o barro, o cobre, a prata e o ouro, os quais se fizeram como a pragana das eiras no estio, e o vento os levou, e não se achou lugar algum para êles; mas a pedra, que feriu a estátua, se fêz um grande monte, e 1 2

Gênesis 41 :l-57. Gênesis 41:16.

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encheu toda a terra. Êste é o sonho; também a interpretação dêle diremos na presença do rei”. POR QUE UMA ESTÁTUA SIMBÓLICA? Nada mais que um sonho como tal poderia no momento impressionar ao rei Nabucodonosor e fazê-lo conhecer o futuro de seu império e dos demais que o seguiriam no curso da história. O monarca estava bem familiarizado, em Babilônia, com estátuas de todos os tipos e tamanhos, principalmente representativas dos deuses do reino. Portanto, uma imagem ou estátua atrairia mais sua atenção do que qualquer outro objeto. Depara-se-nos, assim a prudência da inspiração na escolha do símbolo mais próprio para despertar a atenção do monarca e ao mesmo tempo impressioná-lo com a sabedoria daquele que lhe dera a revelação simbólica da futura história da terra. E deveras Nabucodonosor ficaria, pelo menos por algum tempo, satisfeito com o símbolo e seu impressionante significado. UMA ESTÁTUA SUI GENERIS Embora muito familiarizado com estátuas, Nabucodonosor desconhecia uma semelhante à de seu sonho. Não o impressionaria muito se fôsse idêntica às por êle conhecidas. A estátua sonhada era de “excelente” esplendor e “sua vista terrível”. Aí está o luxo e o mal da política das nações, em evidência profética. Só um símbolo de terrível aspecto poderia representar as potências guerreiras conquistadoras do orbe. A variedade de metais de que se compunha impressionou grandemente o rei Nabucodonosor. A disposição dos metais simbólicos, na posição descendente em valor em vez de ascendente — conforme interpretara Daniel — produziu a poderosa impressão e efeito que a inspiração teve em mente. Foi demonstrado ao monarca que o caráter das futuras potências da terra, depois de Babilônia, até ao “fim dos dias”, se degeneraria e que lhes faltariam sabedoria, moral e poder governativos para fomentar a felicidade de seus súditos. Também nas relações internacionais haveria verdadeiro caos entre as futuras nações dominantes — ao ponto de serem figuradas até mesmo pelo ferro bruto e o frágil barro. Foi evidenciado que a pompa governamental terrena de nada valeria em face da necessidade dos governados se a sabedoria diretiva e a moral governativa estivessem ausentes. Em verdade o inspirado sonho mostrou ao rei de Babilônia a decadência do govêrno do homem na terra e evidenciou que êle, em virtude de seu coração e vida corruptos, 108

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não sabe governar os seus semelhantes, o desfecho da história, revelado nos pés da estátua, demonstra falta de unidade entre os poderosos das nações exatamente no término da crise dos séculos, — uma desunião sem remédio humano. O ponto culminante do sonho do rei, foi o esmiuçamento da estátua representativa do inútil e prejudicial mundo político da história, — por uma misteriosa pedra jogada sôbre seus pés. Não ficou sequer sinal algum da gigantesca, esplendorosa e terrível estátua; não houve lugar mais no mundo para os reinos e nações dos homens nela figurados. Depois de reduzir tudo a pó que o vento leva, a pedra, então, encheu a terra. O malsão, orgulhoso e opressor govêrno do homem no mundo de Deus, desapareceria totalmente e para sempre. O trono do Todo-poderoso por tanto tempo usurpado por Satanás nas pessoas dos pretensos poderosos senhores das nações, retornaria afinal ao seu legítimo dono e único Potentado legítimo. Adiante veremos isto mais ao vivo pela interpretação de Daniel, o profeta conclue a narrativa dizendo — “Êste é o sonho”. E, o monarca que ouvira abismado, pôde confirmar como verdade cada ponto como relatado por Daniel. Era o próprio sonho que o rei tivera e esquecera! Todos os detalhes haviam sido perfeitamente traçados. Nada faltava. Seus mais íntimos pensamentos haviam sido lidos por outro miraculoso! Agora, quase sem respirar, Nabucodonosor aguarda a prometida interpretação. O soberano, por certo, estava fascinado com o jovem sábio que tinha diante de si. Nabucodonosor confiou que o servo de Deus saberia dar-lhe também a verdadeira interpretação de seu grande sonho. II — A INTERPRETAÇÃO DO SONHO DO REI NABUCODONOSOR UMA EXTRAORDINÁRIA REVELAÇÃO Em nove curtos versículos que dão conta da interpretarão do sonho do rei Nabucodonosor, a revelação condensou nada menos do que vinte e cinco séculos e meio de história universal, abarcando os grandes impérios do mundo e as nações modernas — desde Babilônia aos nossos dias — e ainda com prosseguimento até ao estabelecimento do reino de Deus na terra. Jamais a humana sabedoria sintetizou tão grande soma de verdade histórica em tão poucas palavras. Fôra necessário ao historiador inúmeros volumes para descrever os eventos decorridos alusivos aos poderes citados, enquanto Daniel o pôde fazer, 109

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guiado pela inspiração de Deus, em apenas 305 palavras — segundo a versão portuguêsa Almeida da Bíblia. Vemos em tudo isto o dedo de Deus e a magia da divina sabedoria em assim proceder na apresentação desta profecia inspirada, cujo propósito é impressionar e convencer os homens de Sua absoluta autoridade no mundo. Atento e maravilhado, pôde o rei Nabucodonosor ouvir a tradução profética dos símbolos mudos da estátua e aceitá-la sem a mínima objeção e recusa. Já que o jovem inspirado profeta se demonstrara capaz de revelar com tão acurada exatidão o esquecido sonho, seria também capaz de interpretá-lo com a mesma indiscutível exatidão. A convicção que se fizera sentir na voz do jovem hebreu, nascida de um conhecimento positivo, agitou o rei. Quase o podemos ver inclinado para diante na ansiedade de apanhar as próximas sentenças. Seu contentamento foi revelado no término da exposição em honrar grandemente o embaixador do céu e em reconhecer o Deus de Israel como “Deus dos deuses” ou supremo Deus. E, nós, hoje, volvendo o olhar ao passado até Babilônia e constatando o fiel cumprimento de tôda a interpretação de Daniel do sonho do rei Nabucodonosor, temos nesta comprovação razões sobejas para reconhecer também a supremacia de Deus e O adorar numa consagração e reverência absolutas. Concretizado isto, daremos mais pêso à mensagem de Deus e asseguraremos diante das massas errantes e fanatizadas — uma forte evidência da necessidade da civilização lançar mão da verdade inspirada como guia infalível. Urge que o cristianismo dê à presente e agonizante civilização aquilo que ela mais carece, que é um testemunho evidente de Deus e Seu imensurável amor. Mas, só através duma aceitação positiva e integral da mensagem do evangelho poderá êle ser dado pelos cristãos. BABILÔNIA — O PRIMEIRO IMPÉRIO DA PROFECIA VERSOS 37-38: — “Tú, ó rei, és rei de reis: pois o Deus do céu te tem dado o reino, o poder, e a fôrça, e a majestade. E onde quer que habitem filhos de homens, animais do campo, e aves do céu, Êle t’os entregou na tua mão, e fêz que dominasses sôbre todos êles; tú és a cabeça de ouro”. A ORIGEM DO IMPÉRIO BABILÔNIO O primitivo território que deu origem ao império babilônio de Nabucodonosor passou por uma longa e mui variada história e estêve sob a liderança de diferentes povos e reinos antes do grande potentado 110

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empunhar o cétro mundial. De conformidade com o livro de Gênesis, as cidades de Babilônia, Erech, Accad e Calah, daquele território na terra de Sinear, na Mesopotânia, foram fundadas por Nimrod, um bisneto de Noé através de seu filho Cam.1 Estas cidades constituíram originalmente naquele primitivo período histórico, depois do dilúvio, vários Estados ou Cidades-Estados, ali na terra de Sinear, no sul da Mesopotâmia. Posteriormente, alguns daqueles Estados agruparam-se em maiores Estados ou reinos. Primitivas inscrições referem a esta área ou país de Sinear, como duas sessões distintas — os reinos de Sumer e de Accad — o primeiro ao sul, próximo ao Gôlfo Pérsico, cêrca da latitude trinta e dois e o segundo ao norte dêste. Ambos os dois reinos ou sessões, foram dotados com maior número de cidades, grandes e pequenas. As mais importantes em Sumer eram: Ur, Erech, Sridu, Nippur, Lagash, Larsa e Isin; e, em Accad: Babilônia, Kish, Outhah, Borsippa e Sippar. Accad é chamada “Sinear”, em alguns textos bíblicos;2 e “terra dos caldeus” em outros.3 De acordo à assim chamada “pequena cronologia”, o primeiro período Aumeriaur foi substituído pela dinastia Accad no vigésimo quarto século a.C., quando os reis semitas venceram aqueles e apossaram-se de todo o país. O grande rei Sargon I, de Accad, criou um império que alcançou desde o Gôlfo Pérsico até o interior da Ásia Menor. Naram-Sin foi outro grande rei de Accad. Mas, por sua vez, depois de um século de domínio a dinastia Accad chegou ao seu fim, vítima de uma invasão do povo montanhês — Guti. Êste povo submeteu e governou então tôda a Mesopotânia, embora algumas cidades continuassem a gozar uma espécie de autonomia, tal como a próspera Lagash sob Judea, seu grande rei. Porém, depois de mais de um século de domínio, os Gutis foram vencidos pelos Sumerianos que experimentaram uma renascença de poder. Estabeleceram a forte terceira dinastia de Ur, que exerceu domínio na Baixa Mesopotâmia de 2070 a 1960 a.C. No décimo nono século o país foi duas vêzes invadido, uma vez pelos elamitas das montanhas orientais e outra vez pelos amoritas do deserto sírio. Êstes últimos tiveram êxito em fundar a forte primeira dinastia de Babilônia, em 1830 a.C., da qual Hammurabi (1728-1686 a.C.) foi o sexto e mais

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Gênesis 9:6-10. Gênesis 10:10; 11:2; Isaías 11:11. 3 Jeremias 24:5; 25:12; Ezequiel 12:13. 2

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famoso rei. Hammurabi liquidou o último rei de Larsa e reinou pràticamente sôbre todo o vale da Mesopotâmia e expandiu-se à Síria e ao império de Accad de Sargon I. Durante este período a cidade de Babilônia tornou-se a capital do império. Mas, posteriormente, em 1550 a.C., a Mesopotâmia foi mais uma vez invadida, — agora pelos Hititas sob seu rei Mursilis I, e a dinastia de Hammurabi desapareceu. Êstes invasores saquearam Babilônia, capturaram seu rei e carregaram a estátua de ouro de seu principal deus — Marduque. Babilônia tornou-se então menos importante do que os poderosos impérios Hitita e Egípcio. Durante êste mesmo tempo os Kassites do nordeste assolaram o país e reinaram na Baixa Mesopotâmia durante vários séculos. No décimo-terceiro século, ao norte da Mesopotâmia, ergueu-se outro poder mundial, o Império Assírio, o qual uniu outra vez a Mesopotâmia e a Ásia Ocidental ao Mediterrâneo. Por seis séculos Babilônia foi mais ou menos um Estado dependente da Assíria. Nestes séculos Babilônia frequentemente rebelou-se contra o jugo estrangeiro, tendo sido sufocadas essas rebeliões. Tiglath-Pileser III (745-727 a.C.), que introduziu diversas novações políticas e militares, fêz-se rei de Babilônia sob o nome de Pul, tentando assim evitar novas rebeliões desta cidade. Sargon II também fêz-se coroar rei de Babilônia com as mesmas intenções. Todavia os assírios tiveram de conquistar e ocupar Babilônia repetidas vêzes durante os séculos em que mantiveram a posse da Mesopotâmia, mas usualmente trataram o país com respeito, não tendo sido jamais completamente incorporado ao Império Assírio, senão que gozou sempre de um “status” diferente dos de outras nações submetidas. Senaqueribe, porém, fatigado das constantes rebeliões dos babilônios, destruiu Babilônia em 689, a.C., sendo por seus contemporâneos e por muitos assírios considerado o seu ato um sacrilégio e blásfemo crime, tendo seu filho Assaradon reedificado a cidade tão logo que subiu ao trono, após o que a grande cidade experimentou o seu mais áureo e florescente período. Em 626 a.C., Nabopolasar, um oficial caldeu sujeito aos assírios, declarou-se rei de Babilônia. Depois de ter batalhado contra os assírios por vários anos com irregular sucesso, aliou-se êle aos medos, pelo casamento de seu filho Nabucodonosor com uma princesa da côrte de Ciaxares, e, com o auxílio dêstes depois de um cêrco de três mêses, conquistou Nínive em 612 a.C. Quando os conquistadores dividiram o Império Assírio, ao rei de Babilônia tocou tôda a Mesopotâmia, Síria e Palestina. Mas foi necessário a Nabopolasar batalhar por alguns anos ainda contra os remanescentes assírios na 112

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Mesopotâmia Superior, bem como contra os egípcios que auxiliavam os assírios esperando com isso tornarem-se senhores da Síria e Palestina. Em 606, o príncipe Nabucodonosor, seu filho e general, avançou até à Judéia, levando de vencida o exército egípcio que defendia suas pretenções na Ásia até ao rio Eufrates. Durante esta campanha e neste ano, soubera êle da morte súbita de seu pai Nabopolasar, em Babilônia, para onde regressou imediatamente a fim de cingir a corôa como único legítimo herdeiro do trono. NABUCODONOSOR — REI DO MUNDO Senhor absoluto do trono herdado, começa Nabucodonosor a dar evidente expressão ao Império Neo-babilônio, do qual fôra êle o seu verdadeiro fundador, já que a morte arrebatou a seu pai antes de ter podido consolidá-lo e expandí-lo. A partir do ano 605 a.C., o primeiro de seu reinado oficial, começou Nabucodonosor a estender suas conquistas aos quatro ventos. Neste ano, sua primeira e imediata campanha após sua coroação, foi mais uma vez contra o exército egípcio de Faraó Neco que tentava pela segunda vez a recuperação dos territórios perdidos aos babilônios, tendo avançado novamente até ao Eufrates. Mas foram os egípcios mais uma vez vencidos, agora em Carchemis.1 Nos livros das Sagradas Escrituras, os de Jeremias e Ezequiel, principalmente, deparam-se-nos as conquistas de Nabucodonosor no Sul do Ocidente da Ásia, submetendo a todos os países daquela vasta região. Síria, Tiro, Sidom, Galiléia, Samária, Judéia, Filistéia, Adom, Moab, Amem, Arábia, Egito, Etiópia, e outros paises — todos foram reduzidos a satrapias de Babilônia, por conquista armada. As suas mais memoráveis campanhas de que temos conhecimento foram as de Tiro, Judéia e Egito,2 tendo a capital do primeiro poder resistido um cêrco de treze anos. No Oriente, Ocidente, Norte e Sul, o reino de Nabucodonosor estendeu-se a tôdas as nações constituídas. Levando em conta a interpretação de seu primeiro sonho, dominou êle onde quer que no seu tempo haviam filhos de homens, animais ao campo, e aves do céu”.3 O segundo sonho inspirado do monarca é claro em atestar que o seu reino ou domínio se estendeu “até à extremidade da terra”.4 1

Jeremias 46:1-2. II Reis 24:7. 3 Daniel 2:38. 4 Daniel 4:22. 2

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Baseados nestas palavras da inspiração constatamos que não houve potentado cujo império fôsse maior do que o de Nabucodonosor e dentro de cujas fronteiras houve unidade e cuidado especial do grande soberano pelo bem geral de seus numerosos súditos vassalos. Pouco a pouco o mundo caiu prostrado aos pés do grande potentado caldeu, vencido como resultado do juízo divino a uma civilização desequilibrada e irreverente para com Deus. Verdadeiramente êle foi o açoite do céu sôbre as nações de seu tempo, para despertá-las da indiferença e rebeldia e levá-las a reconhecer ao Todo-poderoso como absoluto supremo soberano da terra. Durante todo o seu reinado de quarenta e três anos,— época em que o Império Babilônio alcançou o seu apogeu e a sua idade de ouro — seus súditos foram fiéis a seu comando, pois vimos que Deus deu em suas mãos “todo o domínio” debaixo do céu. James Moffatt, em sua versão da Bíblia, traduz o versículo trinta e sete nestes têrmos: “Tú, ó rei, és rei de reis, a quem o Deus do céu deu todo o domínio, poder, fôrça e glória”. A expressão: “Todo o domínio” — evidencia em verdade o seu absoluto poder no mundo internacional de seus dias como “rei dos reis” — titulo êste que lhe dá a própria inspiração.1 Nabucodonosor, porém, em suas inscrições, atribuiu os sucessos de seu reinado mundial ao seu deus Marduk. Daniel, todavia, com um raro e inspirado tato, corrige esta errônea pretenção, e assevera-lhe solenemente ter êle recebido seu reinado das mãos do “Deus do céu”, o Deus de Israel, assim como seu grande poder, sua fôrça e sua glória como supremo potentado político do mundo. Dissera-lhe o profeta que sua realeza fôra reconhecida do céu como áurea, no símbolo do mais precioso metal — o ouro. Sim, todo este reconhecimento do céu evidencia que fôra o Rei do universo quem o empossara no trono da terra e lhe dera poder sobre tôdas as nações. Através do profeta Jeremias, Deus mesmo chama Nabucodonosor “meu servo”, e declara ter entregue “todo o domínio” das nações à sua soberania.2 A realeza de Nabucodonosor fôra um verdadeiro fenômeno político. Mal completara êle dois anos de mandato sobre a terra, já alcançara majestade, fôrça e glória políticas jamais alcançadas por outro soberano mundial antes ou depois dêle. A história não menciona outro rei que o igualasse no comando das nacionalidades. Ciro, 1 2

Ezequiel 26:7. Jeremias 25:9-11; 27:1-7.

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Alexandre e César, também mencionados nas profecias — ficaram bem longe dêle e tiveram um reinado efêmero bastante acidentado, enquanto Nabucodonosor reinou quase meio século, cujo governo foi marcado por abundantes e evidentes bênçãos do céu. Tudo isto foi devido tê-lo Deus usado bem como sua espada para pôr em ordem as nações e justiçar os altivos reis pela arrogância, desacato e irreverência por êles manifestados para com a Majestade do universo, e pela atrevida recusa do cumprimento do dever conhecido para com Deus que lhes dera poder para em seu nome governarem a família humana em justiça, no setor que lhes coube no plano do Onipotente. Especialmente devia Nabucodonosor sujeitar as nações enquanto o povo de Deus era transportado ao cativeiro e nêle permanecesse — para que tudo corresse segundo o propósito pré-determinado por Êle, e no tempo assinalado pelo vaticínio dos profetas pudessem os cativos serem libertados e retornarem à Judéia para reconstruírem o seu lar nacional. Contudo, o rei Nabucodonosor custou a reconhecer sua inteira dependência do “Deus do céu” ou Deus de Israel como sustentáculo do seu poder governamental. Julgara que, na conquista da Judéia, o Deus dos judeus fôra vencido por seu deus Marduk. Como, pois, reconhecer a Sua supremacia e poder se Marduk O vencera? Foi necessário o “Deus do céu” empregar até mesmo o rigor descrito no quarto capítulo, para que por fim o rei de Babilônia O reconhecesse e O reverenciasse, não só como único Deus, mas também como único Dominador que põe nos seus tronos os monarcas da terra e os depõe quando deixam de preencher os requisitos de Sua Augusta vontade universal. Os soberanos persas eram limitados pelo poder dos grandes nobres. No capítulo seis do livro de Daniel vemos o poder de Dario, o Medo, restringido pelas leis e frustrado pela nobreza — o poder era aristocrático. Uma cena similar sucedeu na Inglaterra quando o rei João Sem Terra foi forçado pelos barões a assinar com êles e a favor dêles um pacto a que se deu o nome bem conhecido de Magna carta, em 1215 a.C. Na Grécia antiga a autoridade era militar, Alexandre Magno foi colocado no trono da nação por ser um grande soldado. O poder de Roma emanava do Senado. Todavia, o poder do rei Nabucodonosor, antes de sua conversão ao Deus de Israel, era autocrático, e a êle estava afeto mesmo a faculdade de tirar ou dar a vida a qualquer de seus súditos, em circunstâncias que assim julgasse necessário.1 Porém, a maravilha de sua entrega a Deus, resolveu êste 1

Daniel 5:19.

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grave problema de sua vida como soberano do mundo, e trouxe felicidade a seus súditos. Os acontecimentos do reinado de Nabucodonosor demonstraram ter sido êle um chefe de Estado vigoroso e brilhante. Tanto física como mentalmente era um homem forte e mui digno de ter galgado o trono do mundo em sucessão a seu pai. Chegara a ser o maior homem da história como soldado, estadista e arquiteto. Houvessem seus sucessores sido de sua têmpera em vez de noviços, inexperientes, sem afeição, sem capacidade administrativa, os persas teriam encontrado em Babilônia um mui sério problema a resolver, em vez da facilidade que tiveram na conquista da grande cidade. Depois de consolidar o seu poder mundial, o grande rei Nabucodonosor empregou longo tempo de paz em realizar numerosas obras de vulto, principalmente em sua capital, que, embelezando-a, tornou-a a mais bela, mais fascinante e mais poderosa cidade fortaleza da terra no mundo antigo. Sôbre isto consulte-se o capítulo quatro desta dissertação do livro de Daniel. Seu orgulho manifesto em face de suas realizações não teve limites. Êle procurou fazer de sua realeza um memorável testemunho de seu poder através de todo o futuro e de sua soberba metrópole uma inexcedível glória perdurável de geração em geração. Embora a cidade não mais exista, sua fama perdura nas páginas da história de seus dias como a cidade de ouro e inigualável capital da terra. Fascinado pelas obras grandiosas pelas quais êle tornou Babilônia a mais famosa capital de todos os tempos, chegou a exclamar em sua altivez: “Não é esta a grande Babilônia que eu edifiquei para a casa real, com a fôrça do meu poder, e para glória de minha magnificência?”1 Esta declaração de soberba de sua parte custou-lhe caro, conforme vemos no quarto capítulo, mas foi uma expressão de seu contentamento, embora jactancioso e ofensivo ao céu. A famosa realeza mundial de Nabucodonosor e sua formosa metrópole da terra desapareceram para sempre. Profecias evidentes lavraram a ruína completa do grande Império, e isto porque Nabucodonosor não teve sucessores dignos e sim ímpios herdeiros do trono que lançaram indevidamente mão de seu cêtro e não reverenciaram a Deus como por fim êle o fêz e o exaltou sôbre tudo e todos. 1

Daniel 4:30.

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“TÚ ÉS A CABEÇA DE OURO” Cremos, sem sombra de dúvida, que a cabeça de ouro é simbólica do Império mundial dos caldeus ou de Babilônia. Como, porém, diz Daniel simbolizar o rei Nabucodonosor? Em primeiro lugar porque êle enfeixava em suas mãos todo o poder do trono. Em segundo lugar, aludindo ao seu sonho duma árvore que enchia tôda a terra, diz-lhe o profeta: “A árvore és tu, ó rei”.1 O grande rei era a personificação de seu Império que êle mesmo fundou e em cujas mãos cresceu e tornouse poderoso no orbe inteiro, sendo considerado o mais rico de todos os reinos terrestres. O Império era êle e êle era o Império. Como supremo e absoluto, sua côrte não era mais que mera fantasia; seus cortesões nada pesavam nas decisões que êle tomava. Êle era o “tudo”, a majestade suprema dum cêtro que cobria vitorioso inteiramente o orbe conhecido e habitado. Além disso, desempenhou Nabucodonosor uma administração que conservou as nações tôdas em harmonia, bem como sob completa segurança e proteção. E, mais ainda, jamais a história registrou um soberano político no trono do mundo maior do que êle. Êle a todos sobrepujou em glória, grandeza e majestade. Assim achou por bem Deus — que lhe dera todo o poder e a glória de que era senhor — honrá-lo no símbolo da cabeça de “ouro fino” da estátua de seu impressionante sonho inspirado, ainda que ela representasse com tôda a evidência o Império Caldeu Neo-Babilônia. E é surpreendente notar que a interpretação de Daniel ignorou por completo não somente os reis que precederam Nabucodonosor no trono de Babilônia como também os que o sucederam. Sim, só êle foi levado em alta conta pelo céu naquele trono do mundo. Todos os demais que ali se assentaram, praticamente nada representavam aos olhos d’Aquele que é a suprema autoridade na terra e no céu. Em tôda a terra e em tôda a História não houve outro potentado que governasse o mundo tão a contento de Deus. É notável que nem Ciro, nem Alexandre e nem os maiores Césares são mencionados na interpretação de Daniel como figurados respectivamente pela prata, o cobre e o ferro da estátua, alusivos à Medo-Persa, Grécia e Roma. Já os símbolos inferiores ao ouro interiorizaram os Impérios que eles fundaram, e, além disso, logo sucumbiram na morte. O pouco tempo que estiveram no trono, permaneceram bastante aquém de Nabucodonosor em glória, poder e 1

Daniel 4:22.

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respeito enquanto senhores do poder. O profeta foi claro em sua interpretação: “E depois de ti”, disse, “se levantará outro reino... e um terceiro reino... e o quarto reino”. Não dissera Daniel: “E depois de ti se levantará Ciro da Pérsia, Alexandre da Macedônia e César de Roma. Não, êles todos seriam inferiores ao grande rei de Babilônia — quer em caráter quer em administração. E, além de tudo, não se converteriam a Deus como o fêz êle de todo o coração, reconhecendoO, adorando-O e testemunhando a Sua supremacia e poder perante todo o orbe sob seu áureo cêtro. “E DEPOIS DE TI ...” Indo de encontro às aspirações do rei Nabucodonosor, de que seu domínio mundial continuaria nas mãos de seus compatriotas por séculos infindáveis, Daniel o notificou de que seu Império seria liquidado depois dêle deixar o trono pela morte. Posto que quatro fracos sucessores legais seus empunhassem o cêtro herdado ainda por vinte e três anos, não foram levados em conta pela profecia, dada a incompetência dêles para o govêrno e bem assim para a manutenção da unidade, da estabilidade e da inviolabilidade do reino. Em comprovação da indignidade dos quatro para manterem o Império, êle rapidamente se desmoronou. Pràticamente o Império de Nabucodonosor deixou de existir depois dêle, pois seus pretensos sucessores o precipitaram no abismo duma política incapaz de conservá-lo forte como o receberam do poderoso rei. Desafortunadamente, a grandiosa soberania de Nabucodonosor caiu imediatamente nas mãos de seu indigno filho e sucessor Amelmarduk (O Evil-Merodach da Bíblia — Jeremias 52:31), que, de acordo ao historiador babilônio Berossus, era arbitrário e licencioso. Outros de seus biógrafos o acusam de desenfreado, de deslealdade, de torpezas, de leviandade de intemperança. Além do mais seguiu uma política desfavorável à antiga nobreza militar, o que maior descontentamento causou. O partido sacerdotal cansou-se logo dele e de sua côrte, e uma conspiração o assassinou depois dum desprezível reinado de apenas dois anos (562-560). Nergal-Shar-usur, um poderoso príncipe do exército de Nabucodonosor1 e seu cunhado, foi o cabeça da conspiração que deu-lhe a morte, bem como o seu sucessor por quatro anos (560-556), nada fazendo de importância no govêrno. Seu filho Labashi-Marduk, um rapazola inexperiente, o sucedeu, 1

Jeremias 29:3.

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sendo porém assassinado por uma conjuração após um efêmero reinado de menos de dois mêses. Os conjurados empossaram no trono um de seu bando — Nabonidus, genro de Nabucodonosor, que aliou ao trono, como co-regente, a seu filho Belshazzar, um jovem licencioso, libertino, irreverente e ébrio. Temendo, porém, Nabonidus o crescente perigo persa, aliou-se com o Egito, Lídia e Sparta. Entretanto, em 539 cai nas mãos de Ciro Babilônia, o último reduto remanescente do que fôra o áureo e poderoso Império de Nabucodonosor. Êste grande rei, o maior da história política, como vimos, preencheu plenamente o propósito de Deus em promover o engrandecimento de Seu nome entre as nações e em proteger Seu povo cativo no Oriente. Seus fracos e incompetentes sucessores, porém, foram desqualificados para tão altas responsabilidades, embora herdassem a corôa até à derrocada final sob os Medas e Persas coligados. Portanto, Nabucodonosor, o único monarca babilônio reconhecido pela profecia, em verdade não teve sucessores na altura de empunharem o seu glorioso cêtro invencível e poderoso, pois os que pretenderam sucedê-lo e para isso lutaram e se aniquilaram, foram deveras indignos de se assentarem em seu trono. Dêste modo, o “e depois de ti”, referido por Daniel, equivale a que outro reino, não caldeu, tomaria o lugar do seu por conquista armada e destruição. Ainda que um outro reino sucedesse o seu depois dêle, nenhum monarca o igualaria em poder mundial soberano e inconquistável. Indiscutivelmente, nem os Faraós, nem os Aquemenides, nem os Seleucidas, nem os Tolomeus, nem os Césares, nem mesmo o poderoso Alexandre e nem nenhum outro da idade antiga ou moderna chegou a seus pés como majestade real. Basta dizermos que Nabucodonosor fôra tomado nas mãos de Deus para empunhar o seu cêtro, para dizermos tudo de inigualável supremacia em face de todos os potentados que nesta terra viveram e governaram. MEDO-PERSA — O SEGUNDO IMPÉRIO DA PROFECIA VERSO 39: — “E depois de ti se levantará outro reino inferior ao teu ...” “... Se levantará outro reino ...” Aqui está a ênfase do profeta: “... se levantará outro reino...” Sim, outro — não o mesmo reino de Babilônia sob nova plataforma ou nôvo regime caldeu de govêrno. Um “outro reino” implicava em um 119

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nôvo reino sob uma nova liderança internacional e não mais sob o poder dos babilônios. Um “outro reino” que “se levantará” e que, portanto, ainda não se havia levantado. O capítulo sete, que trata dos mesmos reinos do capítulo dois, esclarece que depois do Leão, figurativo do Império de Babilônia, se levantaria um Urso que, pelo símbolo tão diferente, não poderia ser mais Babilônia. O versículo vinte e três é muito enfático ao dizer: “O quarto animal será o quarto reino da terra”. Logo o segundo animal seria evidentemente, o segundo reino da terra — não o mesmo reino deixado por Nabucodonosor, sob um nôvo aspecto político. O ouro da estátua profética não pode ser tomado pela prata que o segue, como do mesmo modo a cabeça de ouro não pode ser tomada pelo peito e braços de prata. A cabeça é que era Babilônia, evidencia o profeta, e não o peito e os braços. Como um urso não pode ser tomado por um leão, o reino babilônio — o primeiro reino — na figura de leão, não pode ser tomado pelo segundo reino na figura de um urso. Portanto, uma nova ordem, um nôvo cêtro se levantaria no campo internacional, para derribar o reino caldeu que seria deixado por Nabucodonosor em mãos incapazes de sustê-lo, e imporia às nações uma nova política. Não temos quaisquer dúvidas em afirmar que os medas e persas, unidos, conquistaram o Império Caldeu e se impuzeram no orbe como o segundo Império do mundo da série de quatro como apontados pela profecia inspirada. “... OUTRO REINO INFERIOR AO TEU” “E depois de ti se levantará outro reino inferior ao teu”. O emprêgo da palavra “reino” é a afirmativa de que os diferentes metais que compunham a estátua representavam reinos e não particularmente “reis”. A declaração do profeta a Nabucodonosor: “Tú és a cabeça de ouro”, designa, ainda que empregassem o pronome pessoal, o reino de Babilônia e não propriamente Nabucodonosor. Ao ouvir Nabucodonosor que seu reino seria conquistado por um outro reino, reino inferior ao seu, lá no seu íntimo opôs-se a esta interpretação de Daniel embora nada lhe tenha referido. Era-lhe deveras difícil compreender como o seu poderoso e bem organizado reino viesse a cair em mãos de aventureiros conquistadores bastante inábeis comparados com êle que demonstrou sábias e talentosas capacidades como soberano administrador. A história do capitulo três enfatiza a sua recusa em aceitar esta para êle inconcebível e 120

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inaceitável exposição do jovem profeta. E, até que por fim entregou o seu coração a Deus, em virtude do ocorrido e registrado no capitulo quatro, não havia entendido e aceito uma tão inexorável e amarga realidade futura, aliás, bastante vexatória e mesmo ousada em face de sua áurea realeza. Porém, depois de sua conversão, como por êle próprio demonstrada e mundialmente anunciada, tudo lhe ficou esclarecido, — aceitou então o propósito de Deus para com seu reino e sua pessoa, e seguiu adiante com fé até à morte, morte que o levou ao túmulo na doce esperança de ainda sobreviver um dia — para ser um dos eternos súditos dum reino diante qual a sua famosa realeza era de nenhum valor e dum Rei diante do qual a sua alteza era totalmente apagada. Segundo o vaticínio interpretativo de Daniel, o Império MedoPersa que no curso da história conquistou e substituiu o de Babilônia, foi em verdade e em muitos sentidos inferior ao do grande rei Nabucodonosor: 1. Já a inferioridade do símbolo da prata Medo-Persa comparado ao do ouro simbólico de Babilônia, indicou a inferioridade de sua realeza em esplendor, luxo e magnificência comparada à de Nabucodonosor. 2. De nenhum de seus treze monarcas — medos ou persas — alguns fortes outros fracos, referiu-se Daniel em sua interpretação ou fora dela, o que referira de Nabucodonosor nestes termos: “Tú és a cabeça de ouro”. 3. Ainda que com o grande Xerxes a Medo-Persa alcançasse a sua maior extensão territorial — 127 províncias desde a Índia à Etiópia1 — contudo seu domínio em território foi ainda inferior ao de Babilônia sob Nabucodonosor, segundo as claras e inspiradas palavras de Daniel no versículo trinta e oito. 4. Os medas e persas jamais conseguiram unidade e estabilidade indispensáveis a um Império. Do princípio ao fim, durante os dois séculos de seu poderio mundial, o reino foi um vulcão de revoltas nunca sufocadas em definitivo a despeito de reprimidas com furor. Eis um dos pontos fatais de sua inferioridade ao império de Nabucodonosor, que era perfeitamente unido e sem problemas internacionais. 5. A côrte Medo-Persa, ao contrário da de Nabucodonosor, era constituída de perversos, perigosos e criminosos cortesões, como comprovado na história do sexto capítulo do livro de Daniel. 1

Ester 1:1.

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6. O reino Medo-Persa, ou propriamente a sua côrte, era aristocrática, pelo que seus reis reinavam mas não eram absolutos como o era Nabucodonosor como soberano. 7. No reino Medo-Persa não houve aquêle bem-estar geral em relação aos seus súditos, como Nabucodonosor proporcionou aos seus súditos embora como um autocrata que fôra como governador mundial. 8. Nos dias do império Medo-Persa, o povo de Deus esteve em perigo, pelo que foi necessário o anjo Gabriel montar guarda na sua côrte, vigiando seus monarcas durante dois séculos, como êle próprio se refere.1 No domínio de Nabucodonosor nada disso foi necessário, visto que o povo de Deus estêve bem guardado e protegido por êste rei, mormente depois de sua conversão. 9. O reino Medo-Persa foi inferior ao de Babilônia porque Ciro, seu fundador, morre prematuramente, como soberano, quando o reino dêle mais carecia para a sua consolidação. Depois de Ciro, a não ser Dario Histaspes, os demais monarcas foram incapazes de governar. Mesmo Xerxes, posto que chamado — o grande, não preencheu as qualidades requeridas por um soberano que se assenta no trono do mundo. 10. A maior evidência da inferioridade do império Medo-Persa sôbre o de Babilônia, jaz no fato de que nenhum de seus monarcas se converteu a Deus, como o fêz Nabucodonosor que promoveu o engrandecimento e a honra do nome de Deus em todo o seu reino após a sua miraculosa conversão. A ORIGEM DO IMPÉRIO MEDO-PERSA Êste segundo Império da profecia inspirada é também chamado Império Medo-Persa, porque começou com a junção da Média e da Pérsia num só poder. Incluía o velho Império Medo e as novas aquisições de Ciro, o conquistador Persa. A origem dos medos e persas — raça indo-européia — não é clara, mas crê-se que em tôrno do ano 2000 a.C. um número de tribus arianas, das quais os medos eram os líderes, começou a emergir da região que agora é o sul da Rússia, no sul do Mar Cáspio onde êles primeiro apareceram no cenário da História. Quando as primeiras tribus arianas apareceram com o nome de Medos, eram audazes combatentes. Habitavam uma região que os produziu como forte e robusto povo guerreiro muito acostumado a sofrimentos e privações sem conta. A Média compreendia, 1

Daniel 10:20.

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propriamente, o país ao oriente das montanhas zagros e o sul do Mar Cáspio. O povo medo é apresentado como um rígido povo montanhês, descendente de Noé por seu neto “Medai”, filho de Jafet.1 A primeira referência histórica real aos medos data do tempo de Salmanazar III (859-824) e desde aquêle tempo êles apareceram regularmente nas inscrições assírias e são representados como tribus bárbaras contra as quais os reis assírios batalharam repetidamente, mas foram capazes de submeter somente as tribus do Oeste. Sargon II, Senaqueribe e Esarhaddon da Assíria guerrearam sucessivamente contra os medos ou deles receberam tributos. Tabletes cuneiformes recentemente descobertos em Nimrod, a bíblica Calah, recordam tratados entre Esarhaddon e os príncipes medos. Depois da queda de Samária em 722 a.C., alguns dos capturados israelitas foram transportados para as cidades dos medos.2 Chamavam-se os medos a si mesmos Arianu, os “nobres”, e, sua terra “Ariana” ou Iran, palavra que ainda dá nome àquele antigo território. Entre êstes arianos estavam os persas, que se estabeleceram também nas montanhas zagros, com um território compreendendo no Nordeste as costas do Gôlfo Pérsico, limitando no Leste com Carmânia, no Norte com a Média, e no Oeste com a Susiana (Elam). Apareceram nos anais da História no sétimo século, e foi provavelmente lá por 675 que seus governadores se estabeleceram como reis na cidade de Anshan, — mais tarde conhecida com o nome de cidade de Ciro e de Passargadas — onde reinaram em comparativa obscuridade. Entrementes as tribus medas, com Deioces (700-647), diz Herôdoto, tornaram-se uma nação e fundaram Ecbatana por capital do reino. Phraortes, seu filho e sucessor (647-625), subjugou as tribus persas, e, desde aquêle tempo até Ciro, o Grande, a Pérsia formou parte do Reino Medo, ainda que os reis persas continuassem a ostentar o título de “rei de Anshan”. Todavia Phraortes morreu lutando contra a Assíria. Cyazares, seu filho e sucessor, governou a Média quarenta anos (625-588) e continuou subjugando inteiramente a Pérsia. Cyaxares tornou-se aliado de Nabopolasar, rei de Babilônia, contra a Assíria (612), aliança selada com o casamento do filho dêste último, Nabucodonosor, com Amuhea, filha do primeiro. Os dois monarcas coligados capturaram Nínive e derribaram totalmente o poder assírio. Na divisão do Império Assírio recebeu Cyaxares, como recompensa, as possessões do norte e nordeste, 1 2

Gênesis 10:21; I Crônicas 1:5. II Reis 17:6; 18:11.

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enquanto os babilônios ficaram com os territórios restantes. Tornou-se assim Cyaxares o primeiro grande rei dos medos. Segundo Herôdoto, batalhou contra os citas e os venceu na Ásia Menor, cujas possessões caíram em suas mãos. Durante seus últimos anos fêz guerra aos lídios que, sob Alyattes, rei de Sardis, tinham se tornado o terceiro poder da Ásia. Um tratado de paz entre êstes dois reis, deu a Cyaxares todo o território de Anatolian a leste do rio Halys, e foi fortalecido pelo casamento de Astiages, seu filho, com a princesa Aryanis, filha de Alyattes. Astiages, sucessor de Cyaxares, reinou mais de trinta anos (585553) e foi o último monarca real do Império Medo. Coisas bastante duras são conhecidas de seu longo reinado. Por razões que não são muito claras, seu neto, que em 553 ou 550 se tornara rei da Pérsia como vassalo de Astiages, ergueu-se em armas contra êle, e, embora vencido em duas batalhas pelo avô, na primeira das quais morreu seu pai, conseguiu triunfar no terceiro encontro, graças à tradição do Harpagus, comandante medo. Por fim, o próprio Astiages caiu nas mãos de Ciro e com êle todo o Reino Medo. (550). Assim os outróra subordinados persas tornaram-se o poder dominante no que havia sido o Império Medo. Todavia, a conquista dos medos pelos persas não foi mais do que uma transição de poder de uma casa real à outra e da administração pública dos nobres medos à aristrocracia persa, embora a influência daqueles se fizesse sentir do princípio ao fim do período persa em muitos importantes encargos públicos. O que na verdade houve com a conquista da Média pela Pérsia sob Ciro, foi o enlace das duas casas reais ou a união dos dois Impérios num só com êste novo nome — Império Medo-Persa. Em tôrno dêste novo nome dos Impérios unidos, o velho prestígio medo foi refletido sôbre os conquistadores de Babilônia desde os dias de Daniel até aos dias da rainha Ester ao tempo de Xerxes.1 Conquanto os persas assumissem a liderança do novo Império, foram os medos tratados com simpatia e respeito. Ciro deu o Astiages, seu avô, o govêrno da província de Hyrcania, ao sul do Mar Cáspio, e a seu tio Cyaxeres II, de acordo com Xenofonte, o trôno da Média como um rei sombra, enquanto êle era, atrás de tudo isto, o verdadeiro soberano. Mas Ciro rodeou-se da côrte dos reis medos; trocou até traje dos persas — a vestidura de peles de carneiros e as calças de couro pela veste comprida, folgada dos medos. 1

Ester 1:19.

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O advento de Ciro na conquista e liderança duma nova ordem política no mundo, foi visto pelos judeus cativos no Oriente com grande júbilo. Êles sabiam que a profecia de Isaías o indicava como aquele que lhes daria a liberdade e autorizaria a sua volta à Judéia e a reconstrução do templo em Jerusalém. O capítulo dez desta dissertação de Daniel deve ser estudado e meditado, pois trata especialmente dum tremendo impasse na côrte de Ciro resultante da oposição dos inimigos do povo de Deus que a todo o custo procuravam paralizar a obra de reconstrução na Judéia. Ciro esteve a ponto de revogar o seu decreto de libertação e de reconstrução em Jerusalém. Não fôra a intervenção poderosa do céu, como apresentada na profecia do capítulo dez, teria êle cedido em favor dos inimigos de Deus e de Seu povo. Todavia a vitória foi concretizada pela intervenção de Gabriel e do próprio Filho de Deus na côrte de Ciro. A história das conquistas da Medo-Persa no campo internacional pode ser apreciada no capítulo sete versículo cinco. GRÉCIA — O TERCEIRO IMPÉRIO DA PROFECIA VERSO 39: — “... e um terceiro reino de metal, o qual terá domínio sôbre tôda a terra”. ORIGEM DO IMPÉRIO GREGO Os antigos gregos criam-se descendentes de Hellen, de quem vem o nome “Hellenes”, que êles aplicavam a si próprios nos tempos antigos, e o nome “Hellás” para a Grécia, que dá nome ao país até hoje. Porém, à verdadeira origem dêste povo em “Javan”, um dos filhos de Jafet, nascido depois do dilúvio e mencionado na genealogia imediatamente depois de “Medai”, o progenitor dos medas. Cêrca do tempo quando os israelitas se estabeleceram em Canaã, tribús Indo-Européias posteriormente chamadas gregas emigraram em sucessivas vagas à região Aegeu (Grécia Continental, ilhas e costas ocidentais da Ásia Menor), conquistando ou lançando fora os primitivos habitantes. Primitivamente compunha-se de quatro principais grupos, que falavam diferentes dialetos de uma linguagem comum e tinham os mesmos aspectos étnicos. Eram os Achaios, Aeólios, Jônios e Dórios. Os Achais representavam a maior parte no período primitivo, e Homero às vêzes alude a todos os gregos como Achaios. Os Jônios e os Dórios eram os mais importantes grupos étnicos dos tempos posteriores, sendo os imperadores, 125

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respectivamente, de Atenas e Sparta, as duas mais importantes cidades da Grécia Continental. Os Jônios também fundaram muitas das importantes cidades litorâneas do Oeste da Ásia Menor. O Velho Testamento chama a Grécia e os gregos pelo termo hebreu Yawan, “Jônia”, provavelmente por terem sido os jônios as mais importantes e as mais representativas de tôdas as tribus gregas.1 Devido à falta de primitivos documentos escritos a história grega começa somente cêrca de oitavo século a.C.. Os períodos mais primitivos estão encobertos em mistérios. Algumas lendas e epopéias tratam com a primitiva idade heróica, à qual podem agora ser acrescentados os resultados das escavações em sítios pre-históricos como Mycenae e Tróia, os quais lançam luz sôbre algumas das epopéias. No tempo quando a Grécia passou para a luz da História a achamos dividida em muitas pequenas Cidades-Estados, cada qual fomentando seus próprios interêsses, embora estivessem tôdas unidas por uma cultura e idioma comuns. Ocasionalmente guerras tomavam lugar entre os Estados, mas os jogos olímpicos que continuavam cada quatro anos, serviam como um élo de unificação. Quando pensamos na antiga Grécia, pensamos principalmente na “idade de ouro” da civilização grega sob a liderança de Atenas, no quinto século a.C.. Esta florescência da cultura seguiu o período do maior esforço unido das divididas Cidades-Estados — a bem sucedida defesa da Grécia contra as guerras pérsicas, quando o fundamento da literatura, arquitetura, arte e filosofia gregas estava sendo colocado. Foi esta cultura que tornou-se a progenitora de tôda a cultura oriental e foi seu modêlo por séculos. O primeiro proeminente papel da Grécia antiga na história do mundo resultou nas guerras greco-pérsicas. Estas começaram com Dario I Histaspes que incorporou ao Império Persa as cidades gregas jônias da Ásia Menor que tinham pertencido ao reino da Lídia. Mas quando os persas penetraram a pátria dos gregos, aquele pequeno povo revelou as suas mais finas qualidades. Os até então invencíveis persas, que haviam subjugado as fôrças de Impérios e reinos poderosos tais como os da Média, Lídia, Babilônia e Egito, assombraram-se ao chocarem-se com uma após outra encarniçada e vitoriosa defesa dos pequenos exércitos gregos. Com o resultado das guerras greco-pérsicas, as Cidades-Estados gregas unem-se por algum tempo sob a liderança de uma cidade — Atenas. Contudo, tão logo passou o perigo outra vez se separaram. De 1

Daniel 8:21; 10:20; 11:2; Zacarias 9:13.

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479 a 431 a.C., Atenas foi o centro dos Estados gregos e conheceu sua idade de ouro, particularmente sob Péricles. Então veio a guerra do Peloponese (431-404), que começou com a disputa entre Atenas e suas colônias, mas eventualmente envolveu todos os Estados gregos e suas frotas, e findou com a queda de Atenas e a temporária supremacia de Sparta (404-371 a.C.). A supremacia de Sparta foi substituída por uma passageira supremacia de Thebas (371-362 a.C.). Porém, uns poucos anos mais tarde tôdas as cidades gregas caíram sob o poder de Felipe da Macedônia, uma aparentada nação do norte da Grécia, propriamente dito, e foram pela primeira vez incorporadas a um forte e unido Estado e, logo depois, pela morte de Felipe, assassinado em 336 a.C., tornaram-se parte do Império GregoMacedônio de seu filho Alexandre, o Grande. O congresso da confederação foi convocado em Corinto para eleger Alexandre em lugar de seu pai. Os lacedemônios deixaram de apoiá-lo, alegando que, por um antigo costume de seus antepassados, os lacedemônios não devem obedecer as ordens de um general estrangeiro, mas êles mesmos ter o comando de algum exército formado para uma expedição estrangeira. Os atenienses ficaram também um tanto descontentes com tal inovação; mas apavoraram-se de tal modo com a aproximação de Alexandre, que lhe decretaram mais honras do que antes a seu pai. Êle foi escolhido supremo general dos gregos para a invasão da Ásia; e foi como comandante de Hellas, descendente de Aquiles, antes do que como um rei macedônio, que êle desejou enfrentar a Pérsia e difundir a civilização helênica. Assim foi Alexandre formalmente reconhecido, como supremamente o foi, o representante da Grécia. A própria profecia o declarou como “o rei primeiro” da Grécia.1 Com Alexandre, em verdade, a Grécia constituiu-se, pela primeira vez, num único reino com um único rei, rei que uniu sob um único cêtro tôdas as suas cidades divididas e todo o país. Foi êle também denominado pela profecia como “a grande ponta”, da Grécia.2 Tão grande foi êle ao tomar o poder deixado por seu pai Felipe, que os gregos não tiveram outra alternativa sinão aceitarem-no imediatamente como primeiro mandatário da nação, sem a pretenção de independência política do cêtro macedônio à morte do pai. Agora êle era o “rei primeiro” dos gregos unidos, e nêste êles e êle se honraram e se homenagearam mutuamente. Foi nêste nôvo 1 2

Daniel 8:21. Daniel 8:21.

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papel que os helenos ou gregos, unidos com o povo macedônio, disputaram o poder mundial aos medo-persas. Embora Alexandre fôsse um macedônio e como seu pai houvesse conquistado a Grécia e seu exército fôsse constituído também de macedônios, contudo e em harmonia com a profecia inspirada, a Grécia foi o terceiro império do mundo e não a Macedônia. Os soldados gregos foram admirados por suas armaduras, de bronze. Seus capacetes, escudos e alabardas eram feitos de bronze. Herôdoto diz-nos que Psâmético I do Egito viu nos piratas invasores gregos o cumprimento de um oráculo que anunciava “homens de bronze vindos do mar”.1 Dado o símbolo de cobre ou bronze que lhe conferiu a profecia, foi o império grego inferior ao império Persa representado na prata, como êste o foi ao de Babilônia representado no ouro, — já pela morte prematura de Alexandre em 323; já pelo caráter corrupto de seus sucessores que empreenderam tremendas carnificinas que fizeram correr rios de sangue pela posse do trôno vago; já por terem os sucessores de Alexandre dividido o Império primeiramente em quatro e depois em dois reinos, — cujas lutas continuaram até que o esfacelado e malfadado Império foi tragado pelos romanos em ascenção na política internacional. Veja-se os capítulos sete versículo seis; oito, versículo cinco a oito; e onze, versículos três a quinze, — onde temos êstes fatos claros e onde vê-se que, tendo o Império Grego começado com a heróica e valente Grécia de Alexandre e se imposto no inteiro orbe, transformou-se numa negra história que continuou e terminou em ódio cruel, em hipócritas ambições e em torrentes de sangue. Se o Império de Alexandre não se houvesse esfacelado, mas se tivesse conservado unido e forte, dificilmente os romanos tê-lo-iam vencido. As conquistas de Alexandre na Ásia e sua destruição do Império Persa, podemos apreciar no capítulo sete versículo seis. ROMA — O QUARTO IMPÉRIO DA PROFECIA VERSO 40: — “E o quarto reino será forte como ferro; pois, como o ferro esmiuça e quebra tudo, como o ferro quebra tôdas as coisas, êle esmiuçará e quebrantará”. A ORIGEM DO IMPÉRIO ROMANO A verdadeira origem do Império Romano está ligada estreitamente à cidade de Roma, cuja primitiva história acha-se 1

Herôdoto, livro I, págs. 152, 154.

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cercada de extranhas lendas. Sua fundação, diz uma daquelas lendas, é atribuída a dois irmãos gêmeos — Rômulo e Remo — descendentes de Enéias, filho de Venus e de Anchises, os quais depois da destruição de Tróia, abordaram ao Lácio. Êstes irmãos se estabeleceram na colina do Palatino e ali, de acordo à prevalescente lenda, fundaram Roma em 12 de abril do ano 753 a.C. Todavia, lutando ambos os dois irmãos por dar cada qual o seu respectivo nome, a cidade Remo foi eliminado e Rômulo proclamou-se único soberano sôbre os poucos primitivos habitantes da colina. Com o tempo, outros núcleos — latinos, sabinos e etruscos — foram estabelecidos em diversas das sete colinas sôbre as quais Roma posteriormente se estendeu e permaneceu. Os habitantes do Palatino ganharam rápido predomínio sôbre os demais núcleos os quais se uniram àquele numa única cidade à qual chamaram Roma — e levantaram a Rômulo como chefe supremo ou como rei primeiro sôbre todos êles. Entretanto, fontes outras informam que Roma foi estabelecida primitivamente muito antes da tradicional data de 753 a.C., por tribus latinas que tinham vindo à Itália em sucessivas vagas lá pelos tempos em que outras tribus Indoeuropéias se tinham estabelecido na Grécia. Do oitavo ao sexto século a Latina Cidade-Estado foi governada principalmente por Etruscos, sendo a civilização romana fortemente influenciada por êstes, que vieram à Itália no décimo século, e especialmente pelos gregos que chegaram algum tempo mais tarde. Ao estabelecer Roma sua supremacia sôbre as tribos vizinhas, mais e mais povo afluiu à cidade até que ela se estendeu sôbre as sete tradicionais colinas: Palatino, Capitolino, Quirinal, Viminal, Esquilino, Caelio e Aventino. Provàvelmente por diversos séculos a cidade de Roma foi um reino, apenas dentro de suas muralhas, mas disto pouco se sabe com acêrto. São conhecidos sete primitivos reis de Roma: Rômulo (753-716), Numa Pompilho — sábino (715-672), Túlio Hostilho — latino (672-640), Anco Márcio — sábino (640-616), Tarquino Prisco — etrusco (616-578), Servio Tútio — etrusco (578634), Tarquínio o Soberbo — etrusco (534-510). Foi durante o período dos últimos reis etruscos que deve ter Roma estabelecido seu poder sôbre os seus vizinhos latinos. Mas por volta de 510 a.C., como resultado da tirania de Tarquinio o Soberbo, uma revolta da nobreza expulsou êste último rei, e subseqüentemente os etruscos foram compelidos a atravessar o Tibre. Imediatamente uma República foi estabelecida que subsistiu durante cinco séculos. 129

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A república de Roma foi governada por um senado e dois principais magistrados eleitos anualmente — os cônsules. O primeiro período da República (610-300) foi assinalado por lutas entre os “plebeus” e os “patrícios” — respectivamente: a classe inferior e a aristocracia. A princípio os “patrícios” tornaram-se a classe dominante, com os seus ritos, os seus privilégios, o monopólio das funções sacerdotais e políticas, — estando todo o poder de Roma inteiramente em suas mãos. Os “plebeus” que formavam a classe considerada inferior, que não se podia unir à outra pelo casamento, tinham ritos e direitos diferentes e provinham provavelmente dos vencidos das guerras. Desta desigualdade de classe nasceram lutas que ensanguentaram Roma até que a plebe conseguiu arrancar ao patriciado o privilégio exclusivo dos direitos políticos e religiosos. Alguns dos resultados dessas lutas foram a criação de novas funções tais como o Consulado (510), a Ditadura (500), os Tribunos (493), os Desênviros (450), e mais tarde os Imperadores (30). Os cônsules depuzeram a realeza e estabeleceram a República; os ditadores eram nomeados como tais quando necessário para salvar a pátria em perigo; os tribunos eram os defensores dos direitos da plebe; os Decênveros eram os relatores das leis; os imperadores mais tarde, eram, por assim dizer, os únicos administradores do férreo e grande império. O incidente que foi o saque de Roma pelos gaulezes em 390 a.C. e sua parcial destruição, foi um temporário revez sem nenhuma consequência adversa durável sôbre o constante incremento e poder da progressista cidade, que foi rapidamente reconstruída. PRENÚNCIOS DO PODER MUNDIAL DE ROMA Em 265 tôda a Itália estava já sob o controle romano. Solidamente assim constituída no interior da península, pensou então a vitoriosa Roma dilatar o seu território e o seu poder. Determinou firmemente tornar-se senhora suprema de todo o Mediterrâneo. Porém, reconheceu no sul como sua maior competidora e antagonista — Cártago, uma forte Cidade-Estado, fundada pelos colonizadores fenícios no norte da África, um grande poder marítimo dominando todo o Mediterrâneo Central, e Ocidental. Cártago possuía o melhor porto da costa da África; era um porto situado no meio do Mediterrâneo, onde se cruzavam tôdas as rotas comerciais. Nada havia para contrabalançar essa atração do mar, pois o interior do país era árido e montanhoso. Tornava-se por conseguinte inevitável que, a 130

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exemplo de seus antepassados, os cartagineses fundassem um império marítimo. E, desde o século sexto a.C. Cártago havia estabelecido tão solidamente o seu poderio no Mediterrâneo Ocidental, que podia determinar limites precisos além dos quais os romanos não tinham o direito de passar. É assim que se lê, na primeira frase de um tratado de 509 a.C., entre Roma e Cártago: “Entre os romanos, e seus aliados de um lado, e os cartagineses e seus aliados do outro lado, reinará paz com a condição de que nem os romanos, nem seus aliados navegarão além do cabo Bom (promontório ao norte de Cártago), a menos que a isto sejam obrigados por tempestade ou por algum inimigo. E no caso em que sejam assim impelidos pela fôrça para além do cabo Bom, não terão o direito de tomar ou comprar o quer que seja, com exceção do que fôr estritamente necessário para repor os seus navios em condições de navegar ou para fazer sacrifícios aos deuses, e deverão partir dentro do prazo de cinco dias.1 Um segundo, e depois um terceiro tratados afirmaram ainda com maior energia a hegemonia de Cártago no Mediterrâneo. As duas potências — Cártago e Roma — tinham interesses rivais na ilha de Sicília e no Mediterrâneo, e o choque dêstes interesses não se fez esperar muito. Logo os dois poderes se encontravam através de embaixadas vindas de praias opostas do Mediterrâneo: — Aqui vos trago a paz e a guerra, disse o chefe da embaixada romana. Escolhei, cartaginezes, a que preferis. — Dai-nos o que quizerdes, foi a resposta. — Seja a guerra! bradou Fábio, deixando cair a toga. Iniciase então uma das mais cruentas lutas da antiguidade compreendendo três fases e conhecida pelo nome de “Guerras Púnicas”, entre Cártago e Roma. Êsse duelo de morte teve como causa indiscutível a conquista da Sicília e o fechamento do Mediterrâneo Ocidental pela frota cartaginêsa. O conflito estendera-se por mais de um século — 264146. Quando as duas nações pegaram em armas, Cártago possuía a vantagem do prestígio e a marinha de guerra mais forte do mundo. Por outro lado os romanos tinham apenas uma pequena marinha de guerra e nenhuma experiência da guerra no mar; seu poderio residia em suas legiões. Em terra não havia melhor combatente que o soldado romano. No mar, porém, tôdas as vantagens estavam do lado dos cartagineses, e tornava-se evidente que, se os romanos quisessem vencer, teriam que aprender a combater no mar. 1

História do Poderio Marítimo, W. O. Stevens e A. Westcott, Págs. 35, 36.

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Durante os três primeiros anos de guerra, as frotas cartaginezas pilharam impunemente as costas da Sicília e da Itália. Afinal, em ato de desespêro, os romanos puzeram-se a criar uma frota de guerra. O primeiro contacto com o adversário não foi animador para os romanos. No encontro seguinte, porém, tudo correu diferente. Antes do fim do dia, em Mylae (260), haviam os cartaginezes perdido 14 navios afundados e 31 capturados; era quase a metade da frota, e o restante fugiu em desordem para Cártago. A vitória estimulou Roma a aumentar sua marinha de guerra e a levar com ela a guerra ao território inimigo. Pouco tempo depois do êxito de Mylae, apoderaram-se os romanos da maior parte da Sicília e em 256 expediram uma frota para uma ofensiva na África. Esta frota romana de 330 navios encontrou-se em frente a Eonomos, na costa sul da Sicília, com uma frota de 350 navios cartaginezes e travaram uma grande batalha, interessante pela importância das forças que nela tomaram parte e pela tática empregada. A esquadra romana, que havia desencadeado primeiro a ação, alcançou uma vitória tão completa que Amilcar (o comandante-chefe cartaginês), se viu obrigado a fugir e o cônsul Manlio poude recuperar os navios que haviam sido capturados. Os cartagineses subitamente cercados de maneira tão inopinada, atacados pela frente e retaguarda, foram obrigados a procurar a salvação em alto mar, tendo perdido 30 navios afundados e 65 capturados. 300.000 homens, remadores e combatentes, tomaram parte nêsse episódio, assim como perto de 700 navios de guerra. Até a batalha de Aecio, travada dois séculos depois, a batalha de Ecnomos ficou sendo a maior batalha naval da história. Esta vitória romana deixou aberta a rota para o avanço até à África. Os romanos nela desembarcaram e tinham chegado até quasi às portas de Cártago quando seu exército foi destruído pela habilidade de um mercenário espartano, Zantipo. No mar, porém, logo depois, os romanos obtiveram mais uma vitória naval, tendo capturado 115 navios com suas equipagens. Todavia, uma violenta tempestade põe a pique 384 navios romanos na costa da Sicília. Uma nova frota de costas africanas, perdendo 150 navios. A seguir os cartagineses obtiveram triunfal vitória no mar, capturando 93 navios romanos. E uma nova frota romana foi destruída por tempestade, nada restando. Criaram agora os romanos uma nova frota de 900 quinquerremes. Ao largo das ilhas Aegates trava-se nova batalha entre os dois terríveis inimigos. E quasi que desde o primeiro ataque os romanos alcançaram 132

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um triunfo esmagador, afundando 50 navios cartaginezes e capturando 70 (241 a.C.). Os cartagineses não mais possuíam frota de guerra, e seus exércitos da Sicília estavam privados de qualquer comunicação com suas bases. Foram então enviados embaixadores a Roma a fim de implorar a paz. E esta grande luta, que durara sem esmorecimento vinte e quatro anos e levara os dois adversários aos limites do esgotamento, terminou com o triunfo de Roma, graças a uma vitória naval. O tratado de paz forçou Cártago a renunciar a quaisquer pretenções na Sicília e pagar avultada indenização de guerra. Quaisquer que sejam as conclusões morais que a história possa retirar da primeira Guerra Púnica, permanecerá, o fato de que uma nação de “terrestres”, havia combatido a maior potência marítima do mundo, e a havia vencido em seu próprio elemento. Com exceção de uma só, tôdas as batalhas navais terminaram em triunfos para os romanos. Roma deu prova de melhor aptidão para vencer. Na primeira guerra púnica, o movel principal da luta foi uma ilha, a Sicília. Por consequência, a luta foi principalmente marítima. A Segunda guerra púnica (218-202) foi essencialmente uma guerra terrestre. Expulsa da Sicília, Cártago voltou-se para a Espanha e transformou em sua colônia a parte meridional dessa península. Utilizando essa colônia como base, Anibal seguiu por terra, atravessando os Alpes e invadindo a Itália pelo norte. Esta segunda guerra compreendeu quasi exclusivamente as campanhas do grande Anibal. Em seguida ao cêrco de Sagunto, tomou Anibal a ofensiva, marchou sôbre a Itália atravessando a Espanha, o sul da Gália e os Alpes. Esmagou os romanos no Tessino e na Trébia. (281. Vitoriou-se Aníbal em Trassimenes (217), e em Cannas (216), e apoderou-se de Capua onde passou o inverno. Porém, enfraquecido o grande general cartaíginês por suas próprias vitórias, viu-se abandonado pela própria fortuna. Foi obrigado a aceitar uma paz humilhante (202). Anibal fugiu então para junto de Antíoco, rei da Efésia, e depois para a côrte de Prússia, rei de Bitínia. Suspeitando que êste projetava entregá-lo aos romanos, suicidou-se com veneno que trazia sempre consigo num anel. A terceira guerra púnica foi curta, decisiva e de nenhum interêsse sob o ponto de vista naval (149-146). Cártago, no impulso de Anibal, recuperara fôrças pouco a pouco, o que inspirava a Catão o seu incessante Delenda Cártago. A voz do velho romano foi ouvida. Depois da vitória de Roma sobre Perseu da Macedônia, empreendeu 133

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ela a destruição sistemática de Cártago, apesar de terem os cartaginezes sido fiéis ao tratado de paz. Marcio Porcio Catão, o Censor, proclamou a necessidade de terminar definitivamente com Cártago. Os cartaginezes, concebendo a verdadeira intensão dos romanos de fazer desaparecer a sua capital com esta nova guerra, empreenderam uma luta de desespero, infligindo aos romanos grandes perdas nos anos 149 e 148. Contudo Cártago foi bloqueada por terra e mar e tomada em 146. A cidade foi totalmente destruída e seus habitantes vendidos como escravos e o território cartaginez foi convertido em província romana na África com a capital em UTICA. Eis, nos dados históricos precedentes, a origem de Roma e de seu poder mundial. Roma, agora vencedora triunfante de Cártago, a maior potência de seu tempo, e poderosamente consolidada na Itália e no Mediterrâneo Ocidental, volta então as suas armas para além de suas fronteiras — para o Oriente e para o Ocidente, para o Norte e para o Sul — e converte-se no quarto grande Império mundial da profecia. A história de suas conquistas nos três continentes nos dias de seu crescente poder, depois da vitória sôbre Cártago, pode ser apreciada no capítulo sete versículo sete desta exposição das profecias do livro de Daniel, no símbolo que ali lhe corresponde — um terrível animal inominável e desconhecido no mundo da zoologia. Nas guerras púnicas Roma foi apertada e constantemente derrotada e mutilada em terra, mas emergiu no final como evidente vencedora de Cártago poderosamente influente em todos os países do Oeste e do Mediterrâneo Ocidental, e mais poderosa do que alguns dos Estados do Oriente. ROMA — UM IMPÉRIO FORTE COMO FERRO A interpretação do profeta sôbre Roma foi dramática: “E o quarto reino será forte como o ferro; pois, como o ferro esmiuça e quebra tudo, como o ferro quebra tôdas as coisas, êle esmiuçará e quebrantará”. Férrea como só Roma podia ser, é indicada no símbolo que lhe coube no drama dos Impérios do sonho da estátua profética do rei Nabucodonosor pelas duas pernas de ferro, emblemas simultâneos de seu domínio no Ocidente e no Oriente, ou sejam das duas Romas unidas numa só: Ocidental e Oriental. O ferro declara ausência de sabedoria na política de seus governantes e imperadores, e evidencia, por isso mesmo, a tirania que caracterizou aquele desalmado cêtro dos descendentes de Rômulo. O terrível símbolo com que Roma é apontada na profecia revela o poder que exerceu sobre as nações, suas 134

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chacinas e destruições em massa de seus declarados oponentes. Basta que a profecia a tenha figurado no “ferro” para que se tenha uma idéia de sua desumanidade quando exerceu o seu poder mundial. “O império dos romanos encheu o mundo, e, quando aquele império caiu nas mãos de uma única pessoa, o mundo se tornou uma prisão certa e medonha para seus inimigos. O escravo do despotismo imperial, quer fosse condenado a arrastar sua cadeia dourada em Roma ou no Senado, ou a levar uma vida de exilado nas rochas estéreis de Seripho, ou nas margens gélidas do Danúbio, esperava sua sorte com silencioso desespero. Resistir era fatal, e impossível era fugir. De todo o lado estava cercado de uma vasta extensão de mar e terra, que êle nunca poderia esperar atravessar sem ser descoberto, apanhado e restituído a seu senhor irritado. Além das fronteiras, sua visão anciosa nada podia divisar, exceto o oceano, desertos inóspitos, tribus hostis de bárbaros, de costumes ferozes e língua desconhecida, ou reis, dependentes que alegremente comprariam a proteção do imperador pelo sacrifício de um fugitivo culpado. “Onde quer que estejais”, disse Cícero, ao exilado Marcelo, “lembrai-vos de que estais igualmente em poder de vencedor”.1 Estrabão, o notável geografo do reinado de Tibério César, disse: “Os romanos ultrapassaram (em poder) todos os reis anteriores dos quais tenhamos notícias”.2 O mártir Hipólito, bispo, que viveu em Roma no terceiro século de nossa era, viu na “monarquia férrea” um cumprimento da profecia de Daniel “ Já domina o ferro; já êle subjuga e quebra tudo em pedaços; já em sujeição todos os renitentes; já vemos por nós mesmos estas coisas”.3 Na parte mais inferior da estátua, simbólica do poderio do mundo, fôra indicado o poder de Roma como prova de sua inferioridade e incapacidade para dirigir os destinos da civilização humana. Bem distante da áurea cabeça na posição dos metais da estátua sonhada, revelaram-se em verdade, os Césares, mais tirânicos do que sábios, mais cruéis que sensatos senhores investidos na liderança de povo de três continentes: Europa, Ásia e África. A despeito de possuir em sua história uma multidão de imperadores (80 de César Augusto a Rômulo), não preencheu o Império Romano a posição que lhe coube e que lhe conferira a profecia no cume das nações, pelo que chegou a 1

Source Book for Bible Students, ed. 1927, pág. 460. O Raiar de Um Nôvo Dia, R. F. Cottrell, pág. 103 3 O Raiar de Um Nôvo Dia, R. F. Cottrell, pág. 103 2

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sua vez, como a dos outros que o precederam, de perder a supremacia e mesmo a existência política no mundo. Expressamente a sua desapreciação ao poder daquele Império de ferro, diz a inspiração que êle foi “queimado pelo fogo”.1 No capítulo sete do livro de Daniel, divisamos Roma ainda, principalmente no emblema dum inominável animal com dentes de ferro e unhas de metal — a esmagar o mundo, a reduzí-lo à mais tirânica escravatura política e social e a convertê-lo no mais lúgubre cárcere em que nenhuma nação ou indivíduo podia jamais escapar de suas inexoráveis barras de ferro. A revelação não se enganara, como não seria possível suceder, em tomar o “ferro” como figura do poder dos Césares romanos. “SERÁ UM REINO DIVIDIDO” VERSOS 41-42: — “E, quanto ao que viste dos pés e dos dedos, em parte de barro de oleiro, e em parte de ferro, isso será um reino dividido; contudo haverá nêle alguma coisa da firmesa do ferro, pois que viste o ferro misturado com barro de lodo. E como os dedos dos pés eram em parte de barro, assim por uma parte o reino será forte, e por outra será frágil”. “SERÁ UM REINO DIVIDIDO” Extraordinária e enfática profecia! “Um reino dividido”. Divisão e não mais união! Incrível! O fenomenal, poderoso, invencível e fortemente unificado Gigante Imperial Romano, se esfacelaria espetacularmente! De acordo ao capítulo sete versículo vinte e quatro, que trata do mesmo poder, o Império Romano se dividiria em dez fragmentos ou dez reinos distintos. O mesmo com vista aos dez dedos da estátua. Não seria o próprio Império que se fragmentaria em dez, como o de Alexandre fragmentara-se em quatro por seus generais após a sua morte imediata a suas conquistas — mas permaneceu ainda Império Grego. O mesmo capítulo sete versículo onze é enfático em afirmar que o quarto animal, simbólico de Roma-pagã, seria queimado — como já dissemos — o que é evidente que o Império dos Césares, estando ainda unido, chegaria a seu fim. Porém, é bastante claro, disto tudo, que o seu fim, como poder político pagão mundial, seria consequência de uma décupla divisão, e que não sobreviveria como Império político após o seu inevitável esfacelamento em dez reinos. 1

Daniel 7:11.

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Todavia, perguntamos: Se o próprio Império não se dividiria a si mesmo criando dez reinos absolutamente romanos e governados por romanos, em seu território total, enquanto supremo no mundo, como se dividiria então e causaria assim a sua inexorável queda para sempre? É surpreendente que o Império dos Césares, cuja estrutura de “ferro” esteve de pé empunhando o cêtro da terra por mais de seis séculos, desde a vitória de Pidna na Macedônia em 168 a.C., até à sua derrocada em 476 a.C., — ou por mais de doze longos séculos se quizermos contar o seu poder desde a fundação de Roma em 753 a.C. — viesse a sucumbir de todo e para sempre como poder político dominante no orbe inteiro! Sim, por incrível que pareça, o férreo Império, que esmiuçou e quebrantou impiedosamente a terra — desabaria para jamais se reerguer como poder político civil dominante no mundo. Deveras a Roma de Rômulo e dos Césares, depois de esmagar a justiça, de solapar a independência das nações livres, de tolher a liberdade de consciência aos povos subjugados, de reduzir a nada os direitos humanos, de atingir o cume do poder sôbre três continentes conhecidos e habitados de seu tempo: Europa, Ásia e África, caiu, sim, caiu mortalmente ferida como rainha soberana absoluta da terra, sem esperança de ressurreição. E, agora, insistimos na já formulada pergunta: Como foi derribada e ferida de morte Roma Imperial Pagã? Quem a dividiu em dez fragmentos, em dez reinos? O FULMINANTE GOLPE TEUTÔNICO É certo que dentro ou fora das fronteiras romanas não havia uma única potência capaz de se erguer sozinha contra Roma e exterminála. Para derribar o gigante seria necessário muito poder, muita fôrça reunida, o ímpeto duma avalanche de povos que o invadissem simultâneamente e lhe arrebatassem tôda a chance de se defender com êxito. Seriam impressindíveis pelo menos dez poderes como os dedos da estátua e os dez chifres do quarto animal bem indicam, para levar Roma Imperial ao colápso e à catacumba. E, como os dedos e os chifres pertencem ao seu símbolo, quer na estátua quer no quarto animal, Roma, pois, criaria um estado de coisas, uma situação de fraqueza moral, social, política e belicosa, que a esporia como vulnerável e fácil presa à invasão em massa e fatal de seu território e de seu Império. Quando os imperadores romanos, depois de Constantino o Grande, se tornaram em sua maioria ociosos, fracos, afeminados, 137

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intemperantes, voluptuosos, dissolutos, dados ao luxo, ao circo, ao alcoolismo, e se fizeram por isso mesmo incapazes para o trôno, e seus exércitos passaram a constituir-se em grande parte de mercenários em vez de inteiramente de patriotas, e prepararam assim a desintegração do Império, — viram os vigorosos bárbaros de além fronteiras ter chegado o momento decisivo para a ação almejada e imediata. Abater o monstro de “ferro” já cambaleante e reduzi-lo a pedaços, era o anelo dêles todos. Um dilúvio de povos guerreiros “teutônicos”, sedentos de vingança e de melhores terras, forçam as já enfraquecidas, flutuantes, vulneráveis e quasi desguarnecidas fronteiras do Reno e do Danúbio, num verdadeiro furacão, numa avalanche antes desconhecida e incontrolável, vibrando tremendas batalhas, ocasionando tôda a sorte de destruição, morticínio e pilhagem até então sem registro nos antigos anais da História. Nêste tempo o mapa do Império Romano Ocidental sofreu muitas mudanças repentinas e violentas, enquanto as trajetórias dos invasores hostis violentavam o território e o cruzavam e recruzavam em um confuso labirinto. Dessas insanas correrias destruídoras, todos os historiadores concordam ter surgido finalmente dez reinos distintos, e podemos dizer, de conjunto, que se estabeleceram no território de Roma Ocidental desde os começos do quinto séculos até ao ano 476 de nossa éra. Dez dos invasores, em verdade, e conforme a profecia dos dez dedos e dos dez chifres, investiram com rigor e apressaram a queda de Roma. Deram afinal o golpe de misericórdia e a dividiram dècuplamente no Ocidente Europeu. Como as pernas de “ferro” representam o Império Romano unido e forte, os pés “em parte de ferro e em parte de barro”, representam o continente europeu ou Roma Ocidental dividida; ou melhor ainda, conforme a profecia — os dez dedos e os dez chifres representam as várias nacionalidades invasoras originais que a dividiram e fundaram propriamente a Europa Moderna, que são: Anglo-saxões — inglêses, francos — francêses, alemanes — alemães, lombardos — italianos, visigodos — espanhóes, suevos — portuguêses, borgundos — suíços, e mais os ostrogados, vândalos e hérulos dos quais diremos coisas surpreendentes no capítulo sete versículo oito. Sôbre êstes povos que dividiram Roma, veja-se apêndice nota 6. Assim cumpriram os dez poderes citados acima, inconcientemente, a grande profecia da divisão e queda do outrora poderoso Império. E, desde 476 a.D., o ano fatal de Roma no Ocidente, Europeu, permanece êle dividido e continuará dividido, 138

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porque a voz da divina profecia assim o quiz e assim o determinou no conselho de Deus Todo-poderoso. À medida que o tempo avança, a dividida Roma Ocidental constituída em Continente Europeu, formase mais e mais dividida, quer em território quer em ideologias políticas. Ao deflagrar-se a I Grande Guerra Mundial de 1914-1918, as nações européias viviam quasi tôdas sob o regimem monárquico. Os tratados de 1918-1922 modificaram muito a estrutura do Velho Continente e, com os desmembramentos verificados, os países até então existentes, em número de 26, passaram a somar 33. O período de 1922-1938 trouxe à tona, principalmente, duas extranhas ideologias — autoritarismo e totalitarismo — de cunho marcadamente antidemocrático. Essas transformações foram frutos das violações sucessivas dos tratados de paz, ou em virtude de revoluções internas e de constituições solapadas. E, depois da II Grande Guerra Mundial, resultante da brusca transformação para o autoritarismo e totalitarismo, o malfadado ex-território do antigo Império Romano virou maior confusão e maior cáos, dividido em dois perigosos blocos comandados pelo Leste e Oeste, que constantemente se ameaçam e se desafiam. Roma Cesarina, como dissemos, foi simbolicamente queimada pela palavra da profecia inspirada e reduzida a cinzas, não havendo possibilidade de impor-se jamais de nenhuma forma ainda que todos os romanos e seus Césares ressuscitassem do túmulo e do pó exigissem o cétro do mundo que outrora lhes pertencia. Outrossim, nenhuma potência moderna, por mais poderosa que seja será capaz de unir novamente a Roma dividida e empunhar o seu antigo cétro mundial em suas mãos, sòzinha. Ainda que o dividido reino, de acôrdo com a profecia, se tornasse por uma parte, forte, no que respeita às nações representadas no ferro de sua divisão, contudo êstes fragmentos não conseguiriam jamais fundir todos os fragmentos numa restauração do que fôra outrora Roma Ocidental. A parte frágil — as nações fracas — representadas no “barro de lodo”, parece constituir a causa do fracasso de tôda a possível união, pois ferro e barro não se podem fundir. Fortaleza e fraqueza, pois, caracterizam até a divisão do que fora o grande reino mundial de Roma. A VÃ AMBIÇÃO DE CARLOS MAGNO A inspirada sentença — será um reino dividido — tem desafiado e desesperado um bom número de estadistas e potentados ambiciosos durante dezesseis séculos. Estas quatro palavras — será um reino 139

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dividido — são palavras de destino. Nenhum poderoso da terra conseguiu quebrá-las no passado e nenhum no futuro o conseguirá. Uma vez após outra, desde a queda do Império Romano, homens poderosos têm tentado reaver os domínios deixados pelos descendentes de Rômulo e fundir novamente o ferro romano na Europa em um nôvo império que por fim alcançasse o inteiro orbe, mas sempre fracassaram — e o dividido Império Ocidental continuou dividido e permanecese dividido. Como que pretendendo contrair a profecia da divisão permanente de Roma, Carlos Magno, rei de França, foi o primeiro de que temos notícia a procurar reaver o Cêtro Imperial Romano na Europa Ocidental pelas armas. Pretendeu-se com êle o que depois intentou-se com Otão I em 962, aliás, o restabelecimento do referido Império dos Césares com o nome de “Santo Império Romano”, devendo êste título restaurativo ao fato de estar em harmonia com o Papado romano. Os imperadores eram coroados pelos papas e êstes feitos pelos imperadores, surgindo daí o direito papal à investidura dos soberanos, pretenção que, com Henrique IV e Gregório VII, resultou numa dramática luta em que venceu o segundo, coroado da Sé romana. Carlos Magno subjugara os lombardos, os bávaros, os saxônios, os ávaros. Seu Império foi compreendido entre o Mar do Norte, o Elba, a Boêmia, o Carigliano, o Ébro, os Pirineus e o Atlântico. No Natal do ano 800 chegou a ser coroado Imperador do Ocidente na Basílica de S. Pedro, pelo papa Leão III. Se lá estivéssemos e assistíssemos a coroação sôbre uma tão grande parte do que foram antes os vastos domínios do antigo Império Romano, teríamos sem dúvida sido fortemente tentados a duvidar da estabilidade da profecia de Daniel com respeito à divisão do quarto reino mundial. Porém, poucos anos mais tarde, em 28 de janeiro de 814, Carlos Magno fôra levado ao sepulcro, e o seu Império se desmantelou — ficando de pé admiràvelmente reivindicada a profecia inspirada da divisão conscutiva de Roma. “Diz-se que quando o sepúlcro de Carlos Magno foi aberto em Aix-la-Chapelle, há algum tempo, sua forma descarnada, vestida de vestes reais, estava assentada sôbre o trôno, com a corôa de ouro pendendo da cabeça. Em frente ao trono um grande exemplar das Escrituras, em pergaminho, jazia aberto, enquanto um dedo ósseo apontava a passagem em Isaías, capítulo quarenta versículo oito: “Seca-se a erva, cai a flor; mas a palavra de nosso Deus subsistirá para sempre”.1 Em verdade permaneceu de pé, grandemente vindicada, “a 1

Palestra de A Voz da Profecia, n.° 4, pág. 2.

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palavra de nosso Deus” da profecia da divisão de Roma, que Carlos Magno tentou violentar. Êle pereceu — mas ela permaneceu. O FRACASSO DA PRETENÇÃO DE CARLOS V Uma outra tentativa pró unificação da Europa foi feita no século da Reforma — por Carlos V, rei de Espanha e imperador da Alemanha. Tornou-se êle senhor da maior parte da Europa incluso Espanha, Alemanha, Áustria, Itália, Flandres, e acariciava visões de conquistas em todo o continente e por fim o domínio do mundo. Dizse a seu respeito que “nenhum outro monarca até Napoleão, foi tão amplamente visto na Europa e na África”. Mas teve de lutar contra Francisco I da França, contra Solimão — sultão Otomano e contra os luteranos de Alemanha. Não podendo por isso realizar os seus ambiciosos projetos de uma Europa unida e muito menos de um mundo unido, cansado do poder e com a saúde seriamente abalada, abdicou em 1555 e retirou-se ao mosteiro de Yuste (na Espanha), donde ainda muitas vêzes ditou a sua ambiciosa vontade aos seus sucessores. Porém, seus vastos domínios se desintegraram nas mãos destes. Sim, a nova pretensão de unir o ferro e o barro romanos foi mais uma vez malograda, e a profecia divina permaneceu como ditada por Deus ao profeta. O MALOGRO DOS PLANOS DE LUIZ XIV Um século mais tarde, Luiz XIV de França — o homem temido e respeitado no interior e no exterior e que orgulhosamente dissera: “O Estado sou eu” — foi outro aventureiro que também sonhou reunir o ferro e o barro romanos na Europa e aspirou a monarquia universal. Tornou-se figura dominante no continente. Desmedidamente ambicioso, sustentou muitas guerras estendendo seus domínios em tôdas as direções. Seus brilhantes generais embeberam a Europa em sangue. Invadiu os Países Baixos, assolou o Palatinado e exclamou: “Já não existem Pirineus”. Mas êle fracassou. Uma coligação de fôrças oponentes fez desmoronar seus ambiciosos planos a seus pés qual castelo de cartas. Pelo tratado de Utrecht, em 1713, foram seus domínios cortados em todos os lados. Teve de devolver como independentes os Estados por êle submetidos, viu seu próprio país pecuniàriamente esgotado e decadente e foi obrigado a contrair uma paz humilhante para a França. Rei ambicioso e amante do mundo, 141

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desapareceu no horizonte da História, e, como outro rei ambicioso dos tempos antigos, “morreu sem deixar de si saudades”.1 Sua derrota demonstrou que nenhum potentado do mundo terá o poder de fazer caducar aquilo que Deus determinou — como o fez na divisão européia do Império de Roma. A profecia subsistiu e Luiz XIV viu seus orgulhosos planos irrealizados. Ela permaneceu íntegra e o rei de França sumiu-se na morte e no pó. A TRÁGICA AVENTURA DE NAPOLEÃO Um século depois do colápso de Luiz XIV, surge Napoleão o Grande, aquele meteoro humano que brilhou diante dum mundo maravilhado e foi talvez o maior pretendente à soberania da Europa e à conquista do mundo. Foi êle considerado um fruto da Revolução Francêsa, e, de 1795 a 1804 quando proclamado imperador, consolidou seu poder sôbre os francêses. Então, com a espada na mão deixou Paris para consquistar a Europa, e disse: “Não haverá repouso na Europa até que ela esteja sob uma cabeça, sob um imperador, cujos oficiais serão reis”.2 Como que pretendendo capitular a profecia, a audácia de Napoleão foi ao ponto de procurar destruir o poder da Inglaterra no além-mar, inimigo número um na efetivação de suas ambições. Por isso levou a cabo um grande plano de invasão do Egito e da conquista do Oriente Médio bem como da Ásia. Êle embriaga-se com suas ilusões de dominação mesmo do mundo. A 19 de maio de 1798 sua esquadra fêz-se ao mar em Toulon, em demanda da terra dos Faraós. Era uma esquadra como jamais se vira no Mediterrâneo e se compunha de numerosos navios de linha, de guerra e de transportes que conduziam um numeroso exército de terra, artilharia e todo o material bélico necessário para a invasão e prosseguimento imediato da guerra no Egito e em tôda a Ásia Ocidental. A travessia para o Egito foi sem novidade, a despeito de a esquadra inglêsa de Nélson ter por três semanas vasculhado o Mediterrâneo em busca da esquadra francêsa de invasão, e por ela ter passado três vêzes sem que pudesse divisá-la. De sua aventura sôbre o Egito e a Ásia dissera mais tarde Napoleão: “Eu figurei-me ser o criador de uma religião; vi-me a caminho da Ásia montado em um elefante, com um turbante na cabeça e levando na mão um nôvo Korão por mim mesmo redatado. Em 1 2

II Crônicas 21:20. Beacon Lights of Prophecy, W. A. Spicer, pág. 49.

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minhas emprêsas havia reunido a experiência de dois mundos; olhavame como o herdeiro universal da história; destruiria o poder da Inglaterra na Índia e com esta conquista enlaçava novamente minhas comunicações com a antiga Europa”.1 Porém, a campanha de Napoleão no Egito malogrou. A frota francêsa foi derrotada, primeiramente em Abukir a 2 de agosto de 1798 e depois em Trafalgar em 1805. Em 1812 teve lugar a sua ambicionada expedição contra a Rússia. É dito que enquanto sentado em seu cavalo em marcha, em profundos pensamentos e incomunicável, aqueles que o acompanhavam percebiam a profunda matéria de seus pensamentos: “A conquista da Rússia — Europa — o mundo”. Quando o Czar da Rússia lhe lembrou que “o homem propõe, mas Deus dispõe”, Napoleão declarou: “Eu proponho e disponho”, e invadiu a Rússia com meio milhão de homens; era um grande exército para a época. Sua máxima era que “a Providência está do lado de quem tem a mais pesada artilharia”. Porém, a despeito de vitorioso, foi obrigado a retirar-se de Moscou através de Berezina, vendo seu exército ser destruído pelo gêlo, pela neve e pela fome — e isto fêz uma grande reviravolta na História. Êste desastre na Rússia foi causa de uma série de outros desastres. A Europa inteira coligou-se contra êle. Em 1813 sofreu a séria derrota de Leipzig. Os aliados invadiram o território francês e Napoleão teve de abdicar em Fontainebleau em 11 de abril de 1814. Reencetando novamente a luta, foi definitivamente vencido em 18 de junho de 1815 em Waterloo, na Bélgica, pelo exército anglo-prussiano. A mão de Deus fêz cair mansa chuva todo o dia anterior. A artilharia pesada dos francêses não podia mover-se como devia e daí a derrocada daquele que almejou o domínio do mundo. Napoleão entregou-se aos inglêses que o exilaram na ilha de Santa Helena, na costa atlântica da África, onde morreu em 5 de maio de 1821, aos 51 anos de idade. O grande visionário desapareceu do palco da Europa. Como dissera Victor Hugo — “Deus estava enfastiado dêle”. O nome de Napoleão infundira terror em tôda a Europa quando nação após nação era invadida e submetida por seus vitoriosos exércitos. No entanto, chegou por fim o tempo para a sua derrubada. Êle procurava vencer um continente inteiro que estava resguardado, protegido por esta infalível sentença profética de Deus: — Será um reino dividido. Vinte e três séculos entre êles, as suas ambições e a de todos quantos antes e depois dêle pretenderam apossar-se do que fôra 1

História Universal, G. Oncken, Vol. 33, ed. em espanhol, pág. 365.

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outrora o antigo Império Romano Ocidental, foram já desbaratadas pela profecia divina. Poderosos e aguerridos exércitos se desmantelaram e se liquidaram ante esta fatal sentença inspirada — “será um reino dividido”. Em 1811, pouco antes da campanha da Rússia, escrevendo a seu irmão José, dissera Napoleão: “Dentro de cinco anos serei senhor do mundo’’. Porém, liquidado absolutamente o seu poder e as suas pretenções de senhorio mundial, foi obrigado a declarar em 1815, no fatal Waterloo: “O Deus Onipotente é demasiado forte para mim”. Trinta anos depois do desastre de seus exércitos na Rússia, vítima do gêlo, da neve e da fome, escreveu o Dr. Thomas Arnold, de Oxford, o seguinte: “Jamais um estado terreno alcançou mais orgulhoso pináculo do que quando Napoleão, em junho de 1812, reuniu seu exército em Dresden, aquela poderosa hoste inigualável em todo o tempo, de 450.000, não meramente homens, mas efetivos soldados, e ali recebera a homenagem de reis vassalos. E qual foi o principal adversário dêste tremendo poder? Por quem foi êle obstado, resistido e derribado? Por ninguém, por nada, senão a direta e manifesta interposição de Deus... Instrumentos humanos sem dúvida foram empregados na efetividade da obra, nem poderia eu negar à Alemanha e à Rússia as glórias daquele grande ano de 1813, nem à Inglaterra a honra de suas vitórias na Espanha, ou da coroa da vitória de Waterloo. Porém, depois de trinta anos, aquêles que viveram no tempo do perigo, e lembram sua magnitude, e agora calmamente revêem o que havia em fôrça humana para evitá-lo, devem conhecer, penso eu, além de tôda a controvérsia, que o livramento da Europa da dominação de Napoleão não foi efetuado nem pela Rússia, nem pela Alemanha, nem pela Inglaterra, mas pela mão de Deus unicamente”.1 E, em seu exílio, na ilha de Santa Helena, na costa da África, fêz Napoleão esta sensacional declaração: “Alexandre, César, Carlos Magno, e eu fundamos impérios. Mas em que baseamos as criações de nosso gênio? Na fôrça. Jesus Cristo foi o único que fundou Seu império no amor; e a esta hora milhões morreriam por êle... Eu estou em Santa Helena... encadeado nesta rocha... Você (general Bertrand) partilha e consola meu exílio... (a voz do imperador treme de emoção). Logo eu estarei no meu sepulcro... Morro antes do meu tempo; e meu corpo morto deverá retornar à terra, para tornar-se alimento dos 1

Lectures en Modern History, lecture 3.

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vermes. Vejo o destino próximo daquele a quem o mundo chamou o Grande Napoleão”.1 Deveras o grande homem fôra considerado um ídolo dos francêses e até, quem sabe, um deus. Todavia recebeu a justa recompensa de lutar contra os desígnios de Deus. OS DOIS CASTELOS DE CARTAS DO SÉCULO XX Em pleno século XX, dois homens, seguindo o infeliz exemplo dos poderosos já citados e sem levarem em conta as derrotas que sofreram, na tentativa de unificação da Europa em tôrno de um só cétro, julgaram-se bastante fortes para vibrar seus golpes na espectativa de reunir novamente o ferro e o barro romanos divididos e até então impossíveis duma amálgama política. O primeiro dêles foi Guilherme II, o Kaiser da Alemanha, na terrível I Grande Guerra mundial de 1914-1918. Mas fracassou como um castelo de cartas que se desfaz em nada e deixou o seu país na mais funda bancarrota. O segundo foi Adolfo Hitler, que, a despeito das lições negativas do passado, julgou-se suficientemente forte e capaz do triunfo que os outros não lograram alcançar e tentou vingar assim a derrota alemã de Guilherme II. Daí o tremendo conflito da II Grande Guerra Mundial, cujo estopim foi por êle aceso. E quem diria que Hitler, ao derrubar uma após outra nação da Europa — mais poderoso que Napoleão — não dominaria supremo êste continente e o transformaria em trampolim para a conquista do mundo inteiro? A Inglaterra, entretanto, ainda que fortemente atacada e grandemente destruída pelo ar, ali estava, no outro lado do Canal da Mancha, como um espantalho para Hitler e como um inexpugnável e decisivo baluarte para rechassá-lo e derribá-lo de seus planos de domínio continental e mundial. Em 1939 os exércitos de Hitler invadiram quase tôda a Europa. Desde o Ártico aos Pirineus as nações caíram submetidas. Só a Grã-Bretanha se susteve de pé, interposta entre o sonho de Hitler e sua realização. Urgia, pois, a invasão incontinente da Inglaterra, se o “Führer” quisesse ganhar a guerra. E o dia da almejada invasão — 16 de setembro de 1940 — foi marcado, exatamente quando o mar estaria calmo e haveria maré ideal para a emprêsa. Era esta a época quando alguns arrojados nadadores cruzam o canal, na espectativa dum título

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Source Book for Bible Students, ed. 1927, págs. 288, 289.

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e da fama. Em tal data a lua cheia favorecia a invasão de Hitler. Porém, sucedeu o opôsto da previsão alemã. Naquele ano houve fortes tormentas que se prolongaram desde o dia 17 até 30 de setembro. E os navios de invasão tiveram que refugiar-se nos portos e enseadas, onde foram atormentados pela Fôrça Aérea Britânica. Então o “Führer” transferiu a invasão para novembro ou dezembro, aproveitando os nevoeiros destes mêses. Todavia, pela primeira vez na história, não houve nevoeiros nas zonas escolhidas nêsse inverno. A próxima data de invasão se realizaria então a 15 de fevereiro do seguinte ano segundo se supunha. Mas, no dia 14 se apresentou um maremoto no Atlântico. O maremoto causou altas marés nas costas da Europa. E a dispersa frota alemã de invasão mais uma vez foi obrigada a refugiarse nos portos e novamente foi bombardeada por aviões britânicos. Foi então que Hitler cometeu o seu maior êrro da guerra — a invasão da Rússia. Teve êle a mesma sorte de Napoleão, embora indizivelmente muito mais armado do que aquêle grande gênio. Com a entrada dos Estados Unidos no conflito, começou o colapso da Alemanha e o sonho de Hitler de domínio da Europa e do mundo se desmoronou. A Alemanha ficou alquebrada, ocupada pelos aliados vencedores, e o “Führer” foi jazer no pó da terra vencida, a inabalável profecia da divisão da Europa mais uma vez permaneceu e foi o móvel evidente da derrota, a maior dos séculos naquele continente. O PODEROSO DESÍGNIO DO ETERNO Que fenomenal profecia esta, do Império Romano Ocidental dividido! A impressionante frase profética, várias vêzes já citada: “Será um reino dividido”, tem permanecido como um baluarte do poderoso desígnio do Eterno sôbre a Europa. Esta espetacular sentença tem reduzido a pedaços as planejadas ambições de conquista continental européia dos poderosos ambiciosos do Velho Continente. Empreenderam êles uma emprêsa fadada ao fracasso, — a junção do ferro e do barro daquelas nações. A extraordinária profecia tem permanecido intacta e tem pôsto abaixo a pretenção de unidade da Europa, sob a liderança de um só indivíduo ou duma só nação. Carlos Magno, Carlos V, Luiza XIV, Napoleão, Guilherme II e Adolfo Hitler. — foram vencidos, não por seus inimigos políticos, mas por esta imortal sentença da inspiração: “Será um reino dividido”. Êles procederam em contrário da vontade de Deus envolta nesta mágica sentença, e se esboroaram de perecerem, e com êles pereceu o plano da realização do impossível, pois batalharam contra os aguilhões duma profecia infalível e indestrutível de Deus. 146

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Depois da derrocada de Hitler em 1945, surge um novo plano de unificação da Europa, não pela conquista das armas, mas pela conquista dos tratados, dos tratados de papel. Êsse talvez derradeiro e angustiante plano denominaram-no de “Estados Unidos da Europa”. Não obstante, afirmamos que a inspirada profecia do céu tem até agora conservado a Europa dividida em muitas nações, e cremos que seguramente continuará assim dividida sejam quais forem os planos que formulem os homens por uní-la sob um só cêtro ou sob uma só ideologia dominante. Desde a divisão de Roma pelas mesmas grandes potências que formaram a Europa, o Continente continua dividido não só em nacionalidades como em ideologias que o meteram no caos permanente. UMA CIVILIZAÇÃO DE FERRO E BARRO Os povos que forçaram a queda de Roma e originalmente se estabeleceram em seu território ocidental, fundaram ali, segundo a profecia que lhes diz respeito, uma civilização ou um continente de “ferro e barro”. Eis o caráter político das nações do chamado “Velho Continente”. Do lado do ferro romano vemos as fortes potências, nações materialistas, militaristas, belicosas; nações conservadoras do implacável espírito da férrea Roma dos Césares, — pois são figuradas pelo “ferro” romano. Do lado do “barro de lodo” vemos as frágeis nações em meio ao duro ferro, sem quase nenhuma expressão política, sem poder para se imporem, e, em muitos sentidos, instrumentos da política das fortes. Como o ferro e o barro literais não têm apoio mútuo, assim são as fortes e as frágeis nações naquele ambiente continental, em que vivem. A política das fortes e a política das fracas potências são diametralmente antagônicas. As fortes desempenham uma política forte, dura, rígida, e as fracas uma política fraca, sem influência alguma. E daí não poderem contar com o apoio político recíproco. Esta desigualdade de forças, este estado de caos político, resulta numa completa instabilidade internacional e continental, — tal como a que há entre o ferro e o barro, que não se atraem, não se unem, não se apoiam. A profecia fala com evidência dessa desunidade no dividido território de Roma. Assim, nos símbolos do “ferro” e do “barro”, vemos em verdade o caráter político desarmônico das nações da Europa. O mesmo sucede em todo o continente americano — nas três Américas — cujas nações são de origem européia — são manufatura daquele desequilíbrio continental. São também ferro e 147

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argila em caráter político e social, oriundos dos dedos da estátua profética internacional. Lamentàvelmente a Europa tal como a profecia informa, constitue uma família continental de “ferro” e “barro” simbólicos. Dum lado, a dureza e a inflexibilidade do ferro do outro, a fraqueza e a flexibilidade do barro. Nações do ferro e nações de barro. Política de fôrça e política de fraqueza. Política de ferro e política de barro. A violência do ferro e a temerosidade do barro são a “ordem do dia” na Europa. Nações terrivelmente iradas e nações terrivelmente temerosas. Um continente forte dum lado e frágil do outro — eis o que atesta a inspirada profecia de Daniel, que consideramos. O homem diz do tempo atual: “Civilização das luzes”. Deus, porém, diz: “Civilização de ferro e barro”! A civilização de ouro, representada pela “cabeça de ouro” da estátua do sonho do rei Nabucodonosor, degenerou-se até se converter numa “civilização de ferro e barro”, fundamentalmente de origem “bárbara”. Aí está como a revelação vê o continente chamado — berço da hodierna civilização! E é o que chamam de “Civilização cristã ocidental”! Sim, civilização cristã constituída de nações cujo caráter é figurado pela inspiração como de “ferro” e “barro”! Dum lado o “ferro” cristão bruto, não liquefeito e não moldado nos moldes da justiça de Cristo. Do outro lado, o “barro de lodo” também não moldado nem submetido à ação do forno candente dos direitos do evangelho do Filho de Deus. Está, em verdade, ausente a verdadeira civilização cristã. “Ferro” bruto e “barro de lodo”, eis, sim, como o Céu vê a Civilização européia chamada cristã, bem como a civilização chamada assim de tôdas as nacionalidades que de lá procederam. “Ferro” e barro”, eis a civilização de dois continentes chamados cristãos. Por isso mesmo vemos uma confusão babilônica de seitas denominadas cristãs! Seitas ou religiões de “ferro” e “barro”! Eis a civilização cristã que pretende orgulhosamente pregar e implantar nos demais continentes pagãos o evangelho de Cristo para convertê-los em cristãos!... No livro do Apocalipse Cristo simboliza o puro cristianismo por Êle e Seus apóstolos pregado, num castiçal de fino ouro. E, no livro de Daniel, como estamos considerando, Êle simboliza a civilização cristã ocidental em “pés de ferro” e “barro”. A diferença é como o dia da noite! É evidente que o cristianismo ocidental não é o legítimo e original cristianismo instituído por seu fundador e desseminado por Seus apóstolos no mundo romano de outrora. A hodierna civilização cristã ostenta o cétro de “ferro” e “barro” e não o áureo e poderoso 148

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cêtro do reino do Salvador do mundo. Ela só está interessada no reino da fôrça e do lodo, e não no reino do amor, da pureza, da humildade e da justiça de Cristo. O FRACASSO DO ÚLTIMO RECURSO VERSO 43: — “Quanto ao que viste do ferro misturado com barro de lodo, misturar-se-ão mediante casamento, mas não se ligarão um ao outro, assim como o ferro se não mistura com o barro”. UMA TENTATIVA DESAJUÍZADA A despeito do plano do Criador de coexistência pacífica e independência absoluta de tôdas as nações da terra, em todo o tempo se tem verificado que algumas delas se insurgiram e se levantaram contra outras através de seus déspotas soberanos usurpadores, que procuraram impor a sua supremacia, acarretando assim sérios transtornos políticos, sociais, econômicos e morais à vida normal das nacionalidades. É esta deveras uma velha e malsinada ambição que tem tomado posse, até hoje, da mente de muitos desvairados senhores do poder, sedentos de efêmera glória, não importando, para êles, as destruições e as chacinas que seguramente possam causar pela violência das armas e pela fraude, uma vez que atinjam os seus inglórios objetivos de domínio supremo e ganhem um nome na História. Com grave perda para todo o continente e para suas próprias nações, fizeram loucamente isto mesmo alguns desajuizados potentados da Europa, como já vimos. Na esperança de conquista e domínio de todo o “Velho mundo”, abundante sangue derramaram e indizíveis desgraças causaram àqueles povos. Mas tudo foi em vão. Ambicionando realizar o impossível, fracassaram por completo, pois batalharam contra os decretos do Todo-poderoso e único Dominador, exarados com evidências nas profecias de Sua revelação — que é a separação territorial e política daquelas nações, como de tôdas as demais do globo. O versículo quarenta e três que agora consideramos, alude a um desesperado e derradeiro recurso, predito, aliás, de que lançariam mãos algumas das sempre irrequietas nações da Europa, na esperança de assegurar, por fim, a unidade continental sob a liderança de uma só delas. Outros anteriores expedientes com o mesmo propósito de unificação: Tratados, alianças e guerras de conquistas, resultaram em completo fracasso e decepção. Todavia a vã esperança de solução de 149

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problema, que não era pròpriamente um problema mas uma usurpação de direitos, subsistiu e subsiste até os dias atuais. Em meio, porém, ao infortúnio de mil conflitos armados na louca busca de domínio total da Europa, algumas das principais Casas Governamentais do continente empreenderam, como íamos dizendo, um nôvo recurso, sim, um angustiante e esperançoso recurso pró união do reino dividido. Conceberam a unidade continental sob uma só insígnia através duma nova modalidade política, aliás, — a do matrimônio internacional. Creram ter com isto encontrado a solução impossível, decisiva e positiva para a crise da unidade almejada. A profecia, entretanto, não considera as nações da Europa, politicamente, mais do que simplesmente ferro e barro simbólicos. Como é impossível uma liga, uma fusão entre ferro e barro naturais, em virtude da natureza destas substâncias, é, de igual modo, impossível uma liga, uma união política, seja de que natureza fôr, que transforme a Europa livre novamente em um Império uno, sob um só governo central, à semelhança do Império dos Césares romanos. A profecia relativa ao nôvo recurso daquelas nações é evidente e enfática. Ei-Ia: “Quanto ao que viste do ferro misturado com barro de lodo, misturar-se-ão “mediante casamento”, mas não se ligarão um ao outro, assim como o ferro se não mistura com o barro’’. Misturar “mediante casamento”, é exatamente alusive ao casamento político-internacional. E muitas foram as tentativas no sentido de unificar a Europa num só reino, mediante êste expediente político de consolidação do poder em todos os séculos de sua agitada história. No entanto, todo o esfôrço neste procedimento foi a renovação da tentativa da consecução do impossível, e transformou-se em nôvo fracasso e nova decepção. A história da Europa fornece-nos boa cópia de material referente à ilusão da ambicionada unidade continental promovida pela modalidade do matrimônio-politico entre as realezas européias, que parcialmente daremos a seguir num pequeno quadro: No princípio da grande divisão do Império Romano Ocidental, Teodorico, o Grande, rei dos ostrogodos, uniu-se por laços de família aos mais poderosos caudilhos dos povos da mesma raça, isto é, aos francos, borgundos, visígodos, vândalos e turingios. Carlos Magno, de França, casou-se com Desejada, filha de Dezidério, rei dos Lombardos; repudiou-a, porém, fêz guerra ao sogro, e uniu-se em novas nupcias com Hildegarda, parente do duque da Alemanha. Carlos V, rei de Espanha e imperador da Alemanha, era filho de 150

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Felipe, o Bello, o arquiduque da Áustria, e êste filho do imperador Maximiliano I da Alemanha e de Joana, a Doida, filha de Fernando e Isabel de Espanha. Napoleão divorciou-se de Josefina sua primeira mulher para casar-se com Maria Luíza, filha do imperador da Áustria. Josefina não tinha filho e êle desejava um filho que fôsse coroado rei de Roma. Mas seu próprio sogro declarou-lhe guerra e contribuiu para sua ruína. O mesmo Napoleão, antes de sua queda, estabeleceu seus parentes em vários tronos da Europa: Colocou “seu irmão Luiz no trono da Holanda, e outro irmão, Jerônimo, no nôvo reino da Westfália, por êle criado. Fêz seu cunhado Murat soberano do Grão Ducado de Berg, que êle criara também, e deu a seu irmão José o trono da Espanha. Nenhum outro conquistador fêz jamais tão completas preparações para o estabelecimento e perpetuação de uma Europa unida”.1 Os nove Cristianos do trono da Dinamarca e os seis Fredericos do mesmo trono, eram também reis da Noruega, sendo dois dêles também reis da Suécia. Childerico II e Dagoberto I, eram reis de França bem como da Áustria. Dos cinco Felipes de Espanha, dois também eram reis dos Países Baixos, e outros dois também de Portugal, e um dêles era neto de Luiz XIV de França. Luiz I e Luiz II da Hungria, eram ao mesmo tempo reis da Polônia e da Boêmia. José I da Grécia era filho e herdeiro de Cristiano IX da Dinamarca. José I de Portugal era filho de D. João V e da rainha D. Mariana da Áustria. Carlos IV, imperador da Alemanha, era filho de João de Luxemburgo rei da Boêmia. Napoleão III era filho de Luiz Bonaparte, rei da Holanda. Ao iniciar-se a I Grande Guerra Mundial, todo o ocupante de um trono hereditário de certa importância na Europa, estava aparentado com a família real britânica. Jorge V da Inglaterra, Nicoláu II da Rússia, Constantino I da Grécia e os reis da Noruega e Dinamarca, eram todos primos irmãos em primeiro grau e todos os cinco eram netos de Cristiano IX da Dinamarca. Jorge V da Inglaterra, Guilherme II da Alemanha, a rainha da Grécia, a Czarina da Rússia, e as rainhas de Espanha e da Noruega, eram todos netos de Vitória rainha da Inglaterra. Esta rainha Vitória foi denominada — a vovó da Europa. Porém, o laço de parentesco entre as casas governantes da Europa é muito mais estreito do que demos acima. Referimos apenas a algumas cabeças coroadas dos vários tronos daquele continente. A 1

A Marcha da Civilização, A. S. Maxwell, pág. 93.

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união matrimonial do lado príncipesco, dos que herdaram os vários tronos daquelas nações, é muito mais vasta ainda do que a referida acima. Todavia, a despeito de todo o empenho para unir a Europa numa só comunidade, quer pelas armas quer pelo casamento internacional político, ela sempre estêve desunida e dividida. Jorge V e Guilherme II, como vimos, eram primos irmãos, mas durante a Primeira Guerra Mundial foram os mais acérrimos inimigos. Quando a Europa tem estado em guerra, mòrmente nas duas grandes guerras do século, é ela comparada a uma família quando em franca discórdia. As casas reais, especialmente as mais fortemente imbuídas do espírito belicoso, “são pràticamente tôdas do mesmo tronco germânico e quase do mesmo sangue”. Por nenhuma fórmula política será jamais conseguida a união dos povos europeus num único Império como antes o era o de Roma no mesmo continente. A profecia da divisão territorial e política daquelas nações que abateram Roma, é divina e infalível. Em virtude, pois, de sua infalibilidade, todos os ousados planos de todos os pretendentes ao trono unido daquele continente, foram desbaratados e ridicularizados. A profecia zombou dêles. A Europa continua desunida e dividida desde que ali se acantonaram aquelas nações e dividida continuará para sempre. Deus assim o quis e nada poderá o homem contra a Sua augusta vontade. E, agora, perguntamos: Quais as devidas razões da anunciação profética de completo fracasso nas consecuções pró unidade da Europa num Império absoluto e despótico? Respondemos não ser êste o plano de Deus para com as nacionalidades. É, não obstante ,o plano de Satanás, para o seu prazer e pela tirania, subjugar e oprimir a família humana, como vimos na atuação dos quatro Impérios Mundiais do passado — Babilônia, Medo-Persa, Grécia e Roma — que, por isso mesmo, foram liquidados pela vontade de Deus plenamente anunciada em profecias especiais definidas? Tôdas as nações, quer as da Europa quer as de outro continente qualquer, poderão, se quiserem, coexistir pacificamente sem a necessidade da união política dum Império para êsse fim. Nada impede que coexistam em permanente harmonia. Há, todavia, um Império glorioso que de comum acôrdo poderiam e deveriam estabelecer, embora divididas política e territorialmente — O Império do Amor. Eis a única solução para um mundo pacífico — eis as verdadeiras Nações Unidas do orbe se isto assim desejarem os seus governantes. Dessem as nações da Europa crédito às profecias que lhes dizem respeito, e que lhes proíbe a união injusta dum Império opressor, 152

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como foi e é o anélo de alguns de seus ambiciosos estadistas, — saberiam da vontade de Deus contrária a tão repelente e nefasto propósito que já ensanguentou e enlutou aquêle continente desde o sexto século até ao século XX atual. Fiquem tranquilos os modernos ambiciosos, pois jamais conseguirão, por nenhum meio, a unidade continental européia. Se se arriscarem outra vez a tanto, estarão trabalhando contra os tremendos aguilhões das profecias, e seguramente fracassarão e trarão vexame e ruína às suas nações como outros já trouxeram e as arruínaram. EUROPA — CONTINENTE DA GUERRA A Europa tem-se demonstrado um continente sem paz, sem harmonia, desassossegado, em permanente reboliço. Desde que ali aportaram as suas atuais nacionalidades como povos bárbaros e belicosos, e se transformaram em modernas nações, até agora ainda não cessaram as lutas e desavenças entre elas. Em 1936, um professor russo, que vivia na Inglaterra, deu-se ao trabalho de verificar o número exato de guerras provocadas na Europa durante dez séculos. A estatística que organizou mostra um total de 827 conflitos armados. Dêstes, 185 foram provocados pela França, 176 pela Inglaterra, 151 pela Rússia, 75 pela Espanha, 32 pela Itália e 23 pela Alemanha. Isto dá quase uma guerra por ano! Eis o resultado duma política continental catastrófica e orgulhosa. As maiores potências, como apresenta a estatística, se demonstraram até agora as mais belicosas e responsáveis pelo caos do continente. Não cessaram até agora as lutas e o ódio. Quando a guerra cessa nos campos de batalha, continua nos bastidores internacionais! Somos forçados a perguntar se isso é o que consideram civilização?! Comprova-se que os povos bárbaros que fizeram capitular Roma Ocidental e se apossaram de seu território europeu, ali ainda estão com o mesmo espírito barbárico. A Europa tem sido o paiol de pólvora do mundo. As duas últimas grande guerras mundiais foram provocadas por suas maiores e mais ambiciosas nações. Nos dois terríveis conflitos, que de qualquer maneira se estenderam ao mundo inteiro e envolveram tôdas as nações, dum ou doutro modo, direta ou indiretamente, foram assassinadas nos campos de batalha, nos campos de concentração e nos bambardeios aéreos, nada menos do que cêrca do oitenta milhões de creaturas humanas. As nações ficaram econômicamente arrazadas. As perdas materiais foram enormíssimas. 153

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É surpreendente quantos planos têm sido elaborados a fim de deter o espirito belicoso das nações européias e uni-las fraternalmente numa só comunidade. Tratados têem sido feitos pelos quais quase tôdas celebraram um convênio com quasi tôdas as demais potências. Nada adiantou a Sociedade Internacional da Paz com seu suntuoso “templo da paz” em Haya, na Holanda, inaugurada em 1899. É bastante surpreendente a história dessa extinta agremiação internacional política, cujo objetivo real era unir as nações numa comunidade pacífica, mormente as da Europa. Quando foi resolvida a construção de seu famoso Templo da Paz, rompeu a guerra dos Boers (colonos africanos de origem holandeza no Transval e Orange), contra a Inglaterra, e tramava-se já o conflito russo-japonês. Ao por-se a primeira pedra, o Kaiser fez sua viagem a Tanger, resultando no início das complicações marroquinas. Ao ser concluído o primeiro andar, a Áustria anexou a Boêmia e Herzogovins. Pronto o segundo andar, surge o conflito franco-alemão. Ao colocarem o telhado começa a guerra turco-italiana. Ao ser concluído, esperava-se a terceira conferência, mas veio a Grande Guerra Mundial que roubou a vida a 10.000.000 de homens das nações suas filiadas! A Liga das Nações, com sua famosa séde em Gênebra, na Suíça, herdeira legítima da Sociedade Internacional da Paz, foi fundada em 10 de janeiro de 1920, como resultado do tratado de Versailles de 28 de agosto de 1919. Sua primeira sessão reuniu 41 nações. Uma série de importantes pactos foram realizados para dar-lhe estabilidade. Um dos mais importantes foi o Pacto Kellog, em 27 de agosto de 1928, por meio do qual 61 nações declararam a guerra fora da lei. Diziam os jornais da época, após assinado o famoso pacto: “Hoje foi a guerra internacional banida da civilização”. “Pela primeira vez na história do mundo, vai-se ter paz eterna e mundial”. O presidente Wilson, pai da Liga das Nações, foi saudado com ruidosos aplausos em Paris, Londres e na Itália onde os camponêses italianos acenderam velas diante do seu retrato, Wilson chegou a ser chamado: “O salvador do mundo”. Ali, junto do lago Leman, em Gênebra, está ainda o palácio da Liga das Nações, de mármore branco simbólica da paz. Os transportes dos arquivos de Haya para Gênebra pesavam 600 toneladas! Mas a Liga das Nações nunca ligou coisa alguma. De 1920 a 1930, foram a ela submetidos 4.568 tratados, convênios e alianças políticas. Mas tudo era apenas papel! Em sua história, os seus filiados deflagraram 45 guerras e culminaram no mais terrível conflito da História humana, 154

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de 1939 a 1945. Em 8 de abril de 1946, delegados de 41 nações se reuniram em seu palácio para realizarem os seus funerais. O presidente, no discurso de encomendação de seu cadáver, disse entre outros fatos: “Reconhecemos que nos faltou a coragem moral, quando fôra necessário agir, e que muitas vêzes agimos quando teria sido melhor que tivéssemos hesitado”. Entre 25 de abril e 26 de junho de 1945, foi fundada mais uma Liga das Nações — a O.N.U. Veio à sua real existência em 24 de outubro de 1945, quando a maioria das nações que assinaram a carta magna ratificaram-na em seus países. Herdou ela os arquivos da S.D.N. e seus bens avaliados em cêrca de 2.750.000 libras esterlinas. Mas a O.N.U., é uma nova Liga com os mesmos homens e as mesmas ambições internacionais. Até agora essas Nações Unidas não se uniram. Segundo dissera o ex-presidente Harry Truman em 1947, a O.N.U. constitue “a única esperança que agora temos para a paz mundial”. Pobre esperança! Esta nova entidade internacional gerou casos agudos e insolúveis; guerra fria, guerra de nervos, divisão entre Oriente e Ocidente, o caso de Berlim, e outros casos agudos e perigosos para a paz. Nunca os membros de uma Sociedade Internacional de Paz se prepararam tanto para a guerra como os membros da O.N.U.. Atrás dos seus estandartes de paz colocaram os seus canhões e bombas atômicas! O espírito da velha Roma dos Césares domina as nações membros da O.N.U.: “Civis pacem para belum” — se queres a paz prepara a guerra. Mas Roma não preparou a paz preparando a guerra! E o mesmo sucede em nossos dias. Não pode haver maior tolice do que preparar a paz preparando a guerra! É evidente incensatez! Para preparar a guerra na ilusão de preparar a paz, podiam ter ficado na mesma séde internacional em Haya. Não havia razão para mudança para Gênebra nem para Nova York em novos, suntuosos e custosos palácios sédes. A paz não depende de edifícios especiais ou de lugares determinados para ser discutida e estabelecida. Se os estadistas tiverem verdadeiras intenções pacifistas, não precisarão discutir a paz, seja em Haya, Gênebra ou Nova York ou em outro qualquer lugar ou capital do mundo. A paz não pode e não deve ser discutida — mas sim vivida. Todos os planos até agora laborados para unificar o continente europeu na Conferência Internacional da Paz, na liga das Nações ou na O.N.U. resultaram em nada. Tanto a Europa como os demais continentes ainda não se unificaram sob a custódia de nenhuma sociedade internacional — nem mesmo da O.N.U.. 155

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Para infelicidade de seu continente e do mundo, as nações da Europa têm sido até agora o que a profecia de Deus previu o que elas voluntáriamente seriam. Aliás, territorial e ideologicamente — desunidas. Sim, desunidas já por quinze longos séculos. Têm sido o coração das intrigas internacionais e o vulcão das guerras cujas larvas chegaram a cobrir a terra inteira. É lamentável que um tão belo e tão rico continente, com seus 10.000.000 de quilômetros quadrados constantes de lindas planícies e fascinantes montanhas e planaltos: cortados por grandes rios; margeado por dois grandes oceanos e cinco históricos mares; com uma produção minéria, agrícola e industrial abundantes; bêrço da hodierna civilização, e de grandes artistas e cientistas; teria de notáveis navegadores e descobridores que fundaram colônias que se tornaram importantes nações; — seja estigmatizado pela alcunha de: O Continente da Guerra. Sim, esta tem sido a sua real; história: guerra, cáos. As fronteiras da Europa jazem sempre a ferrolhos. Seus exércitos aguerridos estão sempre prontos para a primeira eventualidade. A desconfiança é a ordem do dia naquele infeliz continente. Tremenda profecia de Daniel, cumprida à risca através dos séculos. Nenhuma sombra de unidade territorial, nem por conquista, nem por tratado, nem por laços internacionais de família. Mais de trinta nacionalidades apertadas e agitadas ali vivem. Sim, a Europa é o continente da desunião, da discórdia, da guerra! O REINO DE DEUS EM EVIDÊNCIA VERSO 44: — “Mas, nos dias dêstes reis, o Deus do céu levantará um reino que não será jamais destruído; e este reino não passará a outro povo; esmiuçará e consumirá todos estes reinos, e será estabelecido para sempre”. O PONTO CULMINANTE DA HISTÓRIA A história do mundo, dentro de seus quasi já seis mil anos de vigência, registrou inúmeros reinos, alguns territorialmente grandes, outros pequenos, alguns politicamente fortes outros fracos. Registou poderosos impérios que cobriram vasta área da terra e exerceram domínio sôbre numerosas nações e multidões de povos. O Egito, Assíria, Babilônia, Medo-Persa, Grécia e Roma foram os maiores de todos. Mas os reinos dos homens se têm demonstrado reinos da fôrça, 156

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de orgulho, da injustiça — e portanto falhos. Todos os poderes dominantes sôbre outros, que existiam antes da era cristã, sucumbiram, foram destruídos de acordo a claras profecias do consêlho de Deus. Dêles não restam nem siquer sombra da raça ou nacionalidade a que pertenciam. Restam, aliás, apenas destroços, ruínas informes que lembram a altivez e a tirania com que se impuzeram aos povos mais fracos. Em 476 a.D. Roma foi aniquilada; porém, de sua divisão perduram no Ocidente nações modernas, algumas, das quais com um espírito não muito diferente do seu e do de outros poderes opressores do passado. Algumas dessas potências e outras do Oriente, dominam, em pleno século da democracia, sôbre muitos povos politicamente fracos, para demonstrar a indigna democracia de que se orgulham. Mas Daniel chega, afinal, ao ponto culminente da interpretação da estupenda profecia do sonho do rei Nabucodonosor, ao sublime desenlace da História da civilização humana. Após uma solene apresentação profética do desfile dos Impérios e das nações que subverteriam Roma, êle, vivamente emocionado, declara ao estasiado monarca: “Mas, nos dias dêstes reis, o Deus do céu levantará um reino que não será jamais destruído, e êste reino não passará a outro povo: esmiuçará e consumirá todos êstes reinos, e será estabelecido para sempre”. Isto devia ter produzido fantástica impressão nas ambições do rei de Babilônia, um tremendo impacto em seus planos de futuras conquistas, em seus pensamentos sobre Babilônia como eterna dominadora. O reino vindouro de Deus infere Daniel, cobrirá inteiramente a terra e será eterno, imperecível, inconquistável. “Não passará a outro povo” ou a outras mãos — pois não haverá no orbe outro reino que porventura possa conquistá-lo. Além disso, todos os habitantes do mundo feito novo serão cidadãos imortais, súditos eternos que terão um eterno e glorioso Rei. Ninguém haverá — e nem poderia haver — dentro ou fora do bem-aventurado reino, que possa subvertê-lo e dêle se apossar arrebatando de seu Todo-poderoso Rei a incomparável corôa. Tão pouco haverá a possibilidade duma invasão extra-cósmica dos mercados (como pensam os desequilibrados que um dia eles se apossarão do mundo), ou habitantes doutros mundos, pois como súditos santos e fiéis do Rei do universo que são, não alimentam ambições políticas de conquistas de nenhum feitio, e mesmo até desconhecem, como seres perfeitos, esses termos de ambição. Os ambiciosos ímpios só existem neste malfadado planeta — mas serão 157

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convertidos em pó. Assim o reino de Deus estará livre da opressão dos ousados caudilhos sedentos de sangue e de efêmera glória. O reino de Deus na terra, eis a solução do céu para um mundo degradado, para os graves problemas que afetam em cheio e esmagam a família humana, cuja culpabilidade recai dalto a abaixo sôbre o govêrno do homem que assolou coro a sua malsã política os altos valores morais e espirituais — principais e imprescindíveis. Só resta, pois, a intervenção do Rei do universo — o verdadeiro Monarca do mundo — para deter o govêrno da ambição, da fôrça, da impiedade e da injustiça, e destituí-lo para todo o sempre. É esta a única coisa que falta cumprir-se do sonho profético da grande estátua — e seguramente logo se cumprirá. “Mas, nós dias dêstes reis” — dos dez reinos que dividiram Roma e formaram a Europa atual, amplamente dividida e politicamente desunida — Deus, enfatiza o profeta, levantará o seu reino. Levantá-lo-á sôbre os escombros duma civilização que arruinou e destruiu a si mesma. Temos estado vivendo “nos dias dêstes reis”, por já cêrca de quinze séculos e todavia ainda “nos dias dêstes reis”‘. Porém, indícios evidentes indicam a iminência do estabelecimento do reino de Deus e, portanto, do término dos “dias dêstes reis”, estando a geração atual destinada a contemplar o grande acontecimento, podendo empreender os preparativos que a habilitarão, sem desejar, a participar de sua indizível e imperecível glória. Será um reino de justiça e equidade, de paz e bem estar permanentes, de união e amor. Reino em que perfeita comunhão haverá entre o divino Rei e Seus súditos. Oh glorioso, maravilhoso reino! Devemos orar com ardor para que êle seja estabelecido sem delongas, afim de livrar a terra da angústia e da tirania dos homens maus. O glorioso e vindouro reino devia ser o tema absorvente de todos os pensamentos, conversações e cogitações na atual geração em que êle será inaugurado na terra. Os preparativos para a vinda do reino deviam tomar o primeiro lugar na vida dos indivíduos, principalmente dos cristãos. Aconselhou Jesus: “Buscai primeiro o reino de Deus e sua justiça”.1 Todos quantos almejam o sublime reino, devem tomar posse dêle agora; devem vivê-lo agora; devem se harmonizar com seus interêsses, seus estatutos, suas leis e sua justiça em tôdas as transações da vida. Entretanto, o que vimos e ouvimos é o contrário disto. Raramente se ouve falar ou pregar sôbre o vindouro reino do 1

S. Mateus 6:33.

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Senhor. O próprio “Pai Nosso”, em que a chama do reino se evidencia crepitante para que fôsse conservada de contínuo na mente e no coração dos cristãos, é recitado com irreverência e com a mais fria indiferença. Lamentàvelmente é assim mesmo. A atual civilização jaz na iminência do estabelecimento do reino eterno sem se preocupar com êle ou mesmo desejá-lo. Quando o reino de Deus vier, infere Daniel, “esmiuçará e consumirá todos êstes reinos”, do século II, aliás, estas nações que desprezam o santo reino e o supremo Rei, e acarretam a ruína, como as do passado o fizeram, a esta província terráquea do Creador do universo. A profecia é clara em afirmar que “êstes reinos”, da Europa e do mundo, serão esmiuçados, desaparecerão, serão reduzidos a pó, serão varridos da terra para dar lugar ao imperecível reino de Deus. Estupendo! — Os reinos fundados ou fatores econômicos, — os metais diversos que os representam na estátua profética, — e não na verdadeira justiça, serão esmiuçados pelo reino de Cristo, que encherá a terra inteira. Graças a Deus o mundo estará livre pela eternidade em fora dos reinos dos ambiciosos tiranos, e só assim haverá paz e bem estar permanentes. Finda Daniel a sua exposição, dizendo: “Certo é o sonho e fiel a sua interpretação”. Aí está a certeza desta notável revelação. Dissera São Pedro: “E temos mui firme a palavra dos profetas”.1 A História comprovou solenemente o cumprimento, até agora, de todos os detalhes desta extraordinária profecia. Portanto, só falta agora a vinda do prometido reino de Deus, como desenlace do drama da grande crise dos séculos. Todos os profetas e apóstolos falaram dêste santo reino. E nosso Senhor Jesus Cristo ensinou-nos a orar: “Venha o teu reino”.2 Sim, supliquemos que o reino venha, — que venha presto — e estejamos prontos para dêle participarmos pelos séculos eternos. UMA MISTERIOSA PEDRA ARRAZA AS NAÇÕES VERSO 45: — “Da maneira como viste que do monte foi cortada uma pedra, sem mãos, e ela esmiuçou o ferro, o cobre, o barro, a prata e o ouro, a Deus grande fez saber ao rei o que há de ser depois disto; certo é o sonho, e fiel a sua interpretação”. 1 2

S. Pedro 1:19. S. Mateus 5:10.

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CRISTO — A MISTERIOSA PEDRA Nos versículos 34 e 35 é referido que “Uma pedra foi cortada sem mão”, aliás, sem intervenção humana, caiu sobre os “pés de ferro e barro” da estátua e esmiuçou-a totalmente dalto abaixo, não se achando mais lugar algum na terra para o ouro, a prata, o cobre, o ferro e o barro que a compunham, os quais, pelo tremendo impacto, se tornaram pó que foi levado pelo vento. Não é natural e mesmo impossível, que uma pedra jogada sôbre metais possa reduzí-los a simples pó. A profecia, porém, demonstrou ao rei Nabucodonosor, que Deus realizaria, e em parte já realizou, aquilo que ao mortal possa parecer impossível o aniquilamento dos poderosos impérios e nações representados pelos fortes metais da estátua simbólica. Quem diria que a poderosa Babilônia, a terrível Medo-Persa, a potente Grécia e a férrea Roma — pudessem ser um dia conquistada por poderes outros, mesmo humanos e representados nos símbolos como mais fracos? E, quem diria que a atual civilzação pujante e incomparável nos séculos que a precederam, possa ser aniquilada totalmente até ao pó, como garante a inspiração? Sim, a pedra fará o impossível ao vêr dos incrédulos mortais. Mesmo sem ainda cair, ela já aniquilou os poderosos reinos mundiais citados acima e grande número de poderes outros da antiguidade. E, escaparia, porventura, a nossa ímpia civilização e suas belicosas nações, ao cair ela com tôda a indizível potência divina que lhe é própria? Os vários metais e o barro que simbolizam os impérios e nações citadas, indiretamente simbolizam também os seus grandes fundadores. O ouro é dito, representar não só Babilônia como o próprio rei Nabucodonosor, seu fundador. Assim, a prata que representa a Medo-Persa, o cobre a Grécia, o ferro a Roma, também representam respectivamente Ciro, Alexandre e os Césares, seus poderosos fundadores. E os dez dedos de ferro e barro que são símbolos das nações modernas da Europa, devem igualmente representar seus primitivos fundadores bem como todos quantos assumem o poder em todo o tempo. De igual modo, a Pedra, que simboliza o reino de Deus, é, nas Sagradas Escrituras, simbólica, como veremos, de seu Todo-poderoso fundador. Daniel deixou isto claro ao rei Nabucodonor nestas palavras: “Mas... o Deus do céu levantará um reino que não será jamais destruído”. Aí está o Fundador, do glorioso reino. Porém, o reino de Deus, torna evidente o profeta, — e queremos acentuar 160

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novamente, — é considerado, ou melhor, é figurado numa Pedra, e isto deve estar em correlação com Deus que o estabelecerá na terra. Como a revelação se explana a si mesma, deve apresentar a realidade da figura daquela sublime e poderosa Pedra, que, dum só golpe e numa fração de tempo, aniquilará todo o sistema de govêrno e poder do homem no planeta em todos os séculos de sua história — declarando-os nulos, sem proveito algum para a civilização humana de todos os tempos. Desconhecemos na natureza uma pedra capaz de reduzir metais naturais a pó caindo sôbre êles. Entre os homens, porém, conhecemos uma Pedra simbólica capaz de converter impérios, nações e multidões de povos inteiramente em pó. E esta simbólica Pedra é Cristo, o Poderoso Filho de Deus. Jacó, na bênção de seus filhos, declarou Cristo a “Pedra de Israel”.1 O profeta e rei Davi e o profeta Isaías falaram de Cristo como a Pedra simbólica dos séculos.2 Os apóstolos São Pedro e São Paulo propagaram com ênfase ser Cristo a Pedra da Profecia.3 E Cristo mesmo, quando no mundo, aplicou solenemente a Si próprio as profecias de Davi e Isaías referentes à Pedra, confirmadas mais tarde, como vimos, pelos apóstolos São Pedro e São Paulo. Notemos o Seu Auto-testemunho: “Nunca lestes nas Escrituras: A Pedra, que os edificadores regeitaram, essa foi posta por cabeça do ângulo; pelo Senhor foi feito isto, e é maravilhoso aos nossos olhos? E quem cair sôbre esta Pedra despedaçar-se-á; e aquele sôbre quem ela cair ficará reduzido a pó”.4 É deveras impressionante o alcance desta declaração do Senhor Jesus. Êle, pois, a Pedra profética, a Pedra simbólica do sonho do rei Nabucodonosor, reduzirá a pó — assevera Êle — aquele sôbre quem ela cair”: reinos, nações, povos, indivíduos. Aquilo que fôra dito de Nabucodonosor, como supremo rei político e em ligação com o seu reino mundial: “Tú és a cabeça de ouro”, — pode ser dito especialmente de Cristo, o supremo Rei verdadeiro e em ligação com o Seu reino universal: “Tú és a pedra Todo-poderosa”. Nabucodonosor era a “cabeça de ouro”, porque êle era, como já vimos, a personificação de seu reino. O mesmo dizemos

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Gênesis 49:24. Salmos 118:22-23; Isaías 28:16. 3 Atos 4:10.11; I S. Pedro 2:4-8; 1 Coríntios 10:4; Romanos 9:33; Efésios 2:20. 4 S. Mateus 21:42, 44. 2

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de Cristo: Êle é a Pedra porque Êle é a personificação do reino de Deus, que Êle mesmo, como Deus, fundará na Terra. Aproxima-se rápido o dramático momento em que a Poderosa pedra, o reino de Deus, cairá nos pês da estátua do sonho do rei — a Europa, e dali encherá o mundo. Diz o profeta: “Mas a Pedra... se fez um grande monte, e encheu tôda a terra”. Parece que a Europa — a inquieta Europa, centro nevrálgico do mundo político do planeta — será o primeiro continente a sentir o tremendo impacto da Potente pedra. Pelo menos assim reza a profecia, pois os pés e os dedos, onde viu o rei cair a Pedra, representam o Velho Mundo Europeu. Então tudo será convertido em pó não ficando pedra sôbre pedra do intolerável e orgulhoso domínio do homem no mundo. O reino de Deus estará implantado neste planeta pelos séculos eternos. A terrível crise que o pecado já por quasi seis mil anos faz prosseguir na terra, estará vencida, e uma bonançosa paz cobrirá permanentemente a terra completamente transformada. A SEGUNDA VINDA DE CRISTO EM GLÓRIA E MAJESTADE Para que o reino de Deus seja estabelecido, urge que o Rei do reino desça do céu à terra. E a Segunda Vinda de Cristo terá, em verdade, como primeiro objetivo, o de Êle tomar posse do mundo que o grande inimigo do direito — Satanás — Lhe usurpou e aqui implantou o seu reino entregando nas mãos dos homens que não sabem governar. Satanás mesmo mostrou a Cristo os reinos do mundo dizendo serem seus e que os daria a quem êle bem quizesse.1 E o Senhor precisamente dissera ser Satanás “o príncipe deste mundo”.2 Mas, logo Jesus, a pedra da profecia de Daniel, cairá é tudo reverterá a Êle como Seu legítimo dono — quer pela creação quer pela redenção.3 Há nas Sagradas Escrituras 2500 referências à segunda Vinda de Cristo em glória, majestade e poder, para intervir neste mundo. Sérias; profecias aludem a Seu direto ajuste com as nações. As mais importantes encontram-se no livro do Apocalipse, e assim se expressam: “Os reinos do mundo vieram a ser de nosso Senhor e do

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S. Mateus 4:8-9. S. João 14:30. 3 Colossenses 1:15-17; S. Mateus 18:18. 2

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Seu Cristo, e Êle reinará para todo o sempre”.1 “E vi o céu aberto, e eis um cavalo branco: e o que estava assentado sôbre êle chama-Se Fiel e Verdadeiro; e julga e peleja com justiça. E os Seus olhos eram como chama de fogo; e sôbre a Sua cabeça havia muitos diademas; e tinha um nome escrito, que ninguém sabia senão êle mesmo. E estava vestido de uma veste salpicada de sangue; e o nome pelo qual Se chama é a Palavra de Deus. E seguiam-no os exércitos no céu em cavalos brancos, e vestidos de linho fino, branco e puro. E da sua bôca saía uma aguda espada, para ferir com ela as nações; e êle as regerá com vara de ferro; e Êle mesmo é o que pisa o lagar do vinho do furor e da ira do Deus Todo-poderoso. E no vestido e na Sua coxa tem escrito êste nome: Rei dos reis, e Senhor dos senhores”.2 “E os reis da terra, e os grandes, e os ricos, e os tribunos, e os poderosos, e todo o servo, e todo o livre, se esconderam nas cavernas e nas rochas das montanhas; e diziam aos montes e aos rochedos: Caí sôbre nós, e escondei-nos do rosto dAquele que está assentado sôbre o trôno, e da ira do Cordeiro; porque vindo é o grande dia da Sua ira; e quem poderá subsistir?”.3 “E olhei, e eis uma nuvem branca, e assentado sôbre a nuvem um semelhante ao Filho do Homem, que tinha sôbre a Sua cabeça uma corôa de ouro, e na Sua mão uma foice aguda. E outro anjo saiu do templo, clamando com grande voz ao que estava assentado sôbre a nuvem: Lança a Tua foice, e sega; é já vinda a hora de segar, porque já a seára da terra está madura. E Aquele que estava assentado sôbre a nuvem meteu a Sua foice à terra, e a terra foi segada”.4 Pelo profeta Ageu faz o Senhor Jesus Cristo esta solene declaração: “E derribarei o trôno dos reinos, e destruirei a a fôrça dos reinos das nações”.5 Através de Isaías, o profeta evangélico, diz ainda do grande Rei: “Uivai, porque o dia do Senhor está perto: vem do Todo-poderoso como assolação”. “Eis que o dia Senhor vem, horrendo, com furor e ira ardente, para pôr a terra em assolação, e destruir os pecadores dela”.6 E pela pena de Jeremias, o corajoso profeta, acrescenta: “E serão os mortos do Senhor, naquele dia, desde uma extremidade da terra até à outra extremidade da terra: não serão 1

Apocalipse 11:15. Apocalipse 19:11-16. 3 Apocalipse 6:15-16. 4 Apocalipse 14:14-16. 5 Ageu 2:22. 6 Isaías 13:6, 9. 2

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pranteados, nem recolhidos, nem sepultados; mas serão como estrume sôbre a face da terra”.1 Será a intervenção de Cristo um ato extranho dÊle, mas não há outra solução para o problema.2 As nações, os governantes e a humanidade em geral, recusam as leis de Deus e as pizam dia e noite ofendendo assim o grande Legislador e grande Rei de quem dependem em todo o sentido da vida. O único remédio para o grande mal, é, sem dúvida, a inexorável intervenção do céu — A Segunda Vinda de Cristo, para liquidar a afrontosa controvérsia contra o Poderoso e único Dominador. Nosso Senhor Jesus Cristo, no entanto, anela salvar a todos quantos sinceramente desejarem ser salvos. Para isso Êle veio ao mundo e deu na cruz do Calvário a Sua vida divina. Suas inúmeras e gloriosas promessas nos dois Testamentos revelam seu indizível anélo de que deseja salvar a todos, embora a maioria dos homens detestem recebê-l’O como único Salvador. A tragédia consiste em a maioria dos indivíduos pensar serem bons demais para necessitarem da salvação do Senhor. Contudo o amante Redentor apela pateticamente aos perdidos. E aqui está a mais comovedora promessa apelativa que Êle faz a todos sem excessão: “Não se turbe o vosso coração; crêdes em Deus, crede também em Mim. Na casa de Meu Pai há muitas moradas. Se assim não fôra, eu vo-lo teria dito. Pois vou preparar-vos lugar. E quando eu fôr, e vos preparar lugar, voltarei e vos receberei para mim mesmo, para que onde eu estou estejai vós também’’.3 Esta preciosa e poderosa promessa revela a profundeza do amor do Salvador por Seus filhos em aflição neste mundo e ardente desejo por salvá-los a todos. E, todo aquele que por Êle ainda não se dicidiu, não resistirá a seus apelos nela envolvidos se em seu coração houver uma dose de sinceridade por pequenina que seja. Não ocuparemos mais espaço para citar grande número de outras imensuráveis promessas relativas à Sua segunda vinda. Esta, citada, é a mais sublime de tôdas, a corôa de tôdas elas e suficiente como citação nesta obra de interpretação profética. Em face do fim iminente, urge que nos preparemos com apressada urgência. O grande conselho do Senhor é êste: “Prepara-te,

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Jeremias 25:33. Isaías 28:21. 3 S. João 14:1-3. 2

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ó Israel, para te encontrares com o teu Deus”.1 Alguns pensam que estão preparados mas serão amargamente surpreendidos. Dêles advertiu Jesus: “Muitos Me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em Teu nome? e em Teu nome não expulsamos demônios? e em Teu nome não fizemos muitas maravilhas. E então lhes direi abertamente: “Nunca vos conheci: apartai-vos de Mim, vós que praticais a iniquidade”.2 Não brinquemos, pois, com o solene momento. A poderosa Pedra cairá iminente sôbre a civilização ímpia, descuidada e indiferente do século, reduzindo-a a pó. Estejamos preparados. Estejamos prontos. Estejamos alerta. Estejamos aguardando o Salvador. Amém! O FUTURO GLORIOSO REINO DE DEUS Ao sair esta terra das mãos do Criador era um glorioso paraíso. Mas tornou-se um cáos pelo mau governo do homem e sua recusa das leis de Deus. O homem perdeu seu caráter santo e justo; perdeu a sua integridade; comprometeu e interrompeu a sua direta relação pessoal com o seu Criador e até agora segue os passos da desobediência e descaso aos Seus planos. E o pior — perdeu a sua vida. E, à medida que o tempo vem passando, já durante cerca de 6.000 anos, — a crise têm-se tornado mais aguda e mais severa. Nestes finais dias do império do mal a situação é mais caótica que em qualquer época passada. O homem avança de mal para pior.3 Implantou no mundo o direito da fôrça contra a fôrça do direito. Em sua impostura, está de contínuo pensando em novas ordens no Oriente e no Ocidente, nova política mundial, nova sociedade de nações, novos tratados, novos discursos, — e por fim, como resultado um nôvo cáos surge no mundo mais intolerável que o anterior. O arrogante homem abriu no mundo uma chaga que não poderá jamais curar, nada valendo os seus emplastros e remendos hipócritas. Porém, a agudeza da crise, como se revela atualmente, é prenúncio certo do fim da tragédia, da intervenção indiscutível e inadiável do Filho de Deus para deter a onda do mal e restabelecer a justiça e a moral desaparecidas. A nova verdadeira ordem mundial é o reino que Cristo virá estabelecer, fazendo uma limpeza neste malfadado planeta arruinado

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Amós 4:12. S. Mateus 7:22-23. 3 II Timóteo 3:13. 2

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pelo govêrno do homem. “Eis que faço novas tôdas as coisas”, é a sua segura promessa”.1 “E vi um nôvo céu e uma nova terra”, diz o profeta.2 “Virá o primeiro dominio”, acrescenta “outro vidente de Deus”.3 Tudo será feito nôvo tal como primitivamente saíra das mãos do Creador. Um reino atapetado de justiça e verdade.4 Uma terra nova de perfeita paz.5 Um reino sem parasitas.6 Uma terra feliz sem sofrimentos, lágrimas ou morte.7 Um mundo nôvo sem política e sem políticos e portanto sem bombas atômicas, sem canhões, sem metralhas, sem crimes, sem opressões, sem explorações e sem exploradores, sem extorsões, sem imoralidades. E o Rei do nôvo reino quem será? Porventura O elegerão num pleito político? Não, naquele reino não haverá o câncer da política e dos políticos que não se interessam pele bem-estar do povo, antes o entregam na mão dos ladrões exploradores, assaltantes da bôlsa dos martirizados, desprotegidos e abandonados cidadãos. O Rei do nôvo reino será Aquêle que deu vida para com êste ato de imensurável amor, garantir a Seus súditos que fará um glorioso, grandioso e eterno reinado. Notamos estas maravilhosas profecias: “Louvem-Te a Ti, ó Deus, os povos; louvem-te os povos todos. Alegrem-se e regozijem-se as nações, pois julgarás os povos com equidade, e governarás as nações sôbre a terra”.8 “E o Senhor será rei sobre tôda a terra: naquele dia um será o Senhor e um será o seu nome”.9 “Tôda a terra Te adorará e Te cantará louvores: êles cantarão o teu nome”.10 É verdadeiramente grandioso e impressionante! Cristo, o futuro Monarca do mundo! Só Êle é quem sabe governar! O homem quer governar sem saber e só faz fiasco! Mas, graças a Deus o Seu Filho será o nosso Rei! Êle é o único Rei que sabe amar os seus súditos. Espetacular — Seus súditos serão todos comprados e remidos por Seu imaculado sangue vertido na cruz do Calvário! Por isso êles 1

Apocalipse 21:5. Apocalipse 21:1. 3 Niquéias 4:3. 4 II S. Pedro 3:13. 5 Isaías 32:18; 11:6-9. 6 Isaías 65:21-22. 7 Isaías 33:24; Apocalipse 21:4. 8 Salmos 67:3-4. 9 Zacarias 14:9. 10 Salmos 66:4. 2

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todos amarão o Seu divino Rei que por êles demonstrou inefável amor antes de reinar sobre êles. Entre êles e o amante Rei, haverá estreitos laços de verdadeira amizade, e juntos viverão enquanto a eternidade durar.1 Nos dois últimos capítulos da Bíblia temos uma fascinante descrição da cidade celestial, a Nova Jerusalém, capital do futuro nôvo reino de Cristo na terra. Um aspecto deslumbrante e imponente tem a gloriosa cidade, também capital do universo. Os remidos do Rei a ela irão sempre com indizível regozijo.2 Amigo leitor, a Pedra logo cairá! O reino do Senhor está iminente. Façamos prestos os preparativos para a vinda do bendito reino. Sim, a fim de abraçarmos logo o glorioso Rei! O REI NABUCODONOSOR FICA SATISFEITO VERSO 46: — “Então o rei Nabucodonosor caiu sobre a sua face e inclinou-se para Daniel e ordenou que lhe oferecessem sacrifícios e incenso”.3 HONRAS ESPECIAIS A DANIEL Concluída a interpretação do sonho, o rei, que a ouviu com reverência e admiração, convenceu-se de sua verdade e a recebeu com profunda humildade e temor. O que segue nos últimos versículos revela o seu contentamento e sua gratidão ao profeta e através dêle ao Deus do céu, cuja sabedoria e poder conhecera agora mais uma vez. Depois das honras prestadas a Daniel e sua posse imediata em cargos os mais altos do reino, o rei Nabucodonosor “revogou o decreto de eliminação dos sábios. A vida dêles fôra poupada em virtude da união de Daniel com o Revelador dos segredos” — o Deus Todo-poderoso.4 O grande monarca do mundo, sumamente impressionado, inclinase respeitosamente para o jovem profeta. Versões há que traduzem “inclinar”, do verbo aramaico “segad”, por “adorar”. Cremos, entretanto, que James Moffatt, em sua versão da Bíblia, traduziu corretamente “segad” por “inclinar”. A dar crédito que 1

Isaías 37:17; Apocalipse 22:4. Apocalipse 21:24, 26; Isaías 26:1-2; 35:10; 65:18, 19. 3 Tradução de James Moffatt, Daniel 2:46. 4 Profetas e Reis, E. G. White, pág. 409. 2

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Nabucodonosor adorou a Daniel, teríamos de admitir que Daniel concordou com o gesto do rei, o que é inadmissível em face dum profeta de Deus. Não há um caso, antes ou depois de Daniel, em que um profeta do Senhor aceitasse adoração de quem quer que fosse. Sabemos que São Pedro recusou peremptòriamente adoração de um homem seu igual.1 Até mesmo o anjo Gabriel não consentiu em ser adorado quando São João, o apóstolo, o quis fazer.2 Aceitaria Daniel a adoração que o próprio poderoso anjo Gabriel recusara? Escreveria êle em seu maravilhoso livro, em que exalta a Deus como suprema autoridade no céu e na terra, que êle fôra adorado por um semelhante seu — embora um monarca? Se êle escreveu tal coisa, então aceitara a adoração. Porém, de um humilde servo de Deus como êle o fôra, não podemos crer que consentisse em receber uma honra que não compete a um mortal receber. Tão pouco podemos crer que Daniel aceitasse os sacrifícios e a queima de incenso em seu louvor, ordenados pelo rei, como se fôra êle um deus. Seu imaculado caráter não admitiria honras divinas só devidas a Deus. São Paulo e Barnabé rejeitaram receber essas mesmas honras, em Listra, quando na primeira viagem missionária pelo mundo gentílico.3 Podemos assim assegurar-nos de que Daniel recusou tôdas as honras que o soberano pretendeu prestar-lhe como se êle fôra uma divindade. Evidentemente como São Pedro e São Paulo e o anjo Gabriel o fizeram, explicou Daniel ao rei porque não podia aceitar as tãs elevadas homenagens e honras que só à divindade celestial são devidas. Além disso tê-lo-ía feito ver, como a princípio o informara, que a revelação e a interpretação do sonho procederam de Deus, e que a êle tão somente foram reveladas para que o notificasse. O versículo seguinte é a garantia de que o rei não adorou a Daniel e que tão pouco êle aceitou qualquer honra que só o seu Deus compete receber. A despeito, porém, como vimos, de que nenhum profeta, apóstolo ou anjo tenham recebido honras devidas somente a Deus, homens há que as pretendem e as exigem como se fossem divinos. Tal ato não só é ofensivo a Deus como também um dos maiores sacrilégios.

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Atos 10:25-26. Apocalipse 22:8-9. 3 Atos 14:8-18. 2

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O REI ENGRANDECE O DEUS DOS HEBREUS VERSO 47: — “Respondeu o rei a Daniel, e disse: Certamente, o vosso Deus é Deus dos deuses, e o Senhor dos reis, e o revelador dos segredos, pois pudeste revelar este segrêdo”. O rei Nabucodonosor cria seguramente que Marduk, o deus nacional de Babilônia e seu deus patrono, era o deus dos deuses e igualmente o senhor dos reis. Anualmente, na festividade de ano nôvo, recebia novamente de Marduk a dignidade real. Mais tarde êle próprio foi denominado “Nebo” — filho de Marduk. Agora, porém, diante da estupenda revelação e interpretação que recebe do céu. Marduk é pôsto de lado e a supremacia do Deus de Daniel, o Deus de Israel, é proclamada solenemente por êle mesmo — “Deus dos deuses, e o Senhor dos reis”. O Deus que Nabucodonosor pensava ter derrotado na Judéia, com o poder de Marduk, a vencer os judeus e conduzi-los em cativeiro, é por êle agora exaltado ao cume como Majestade suprema e única no céu e na terra. Mais tarde, experiências novas que o rei Nabucodonosor fôra obrigado a ter com o Deus de Israel, convenceram-no com respeito a atributos outros adicionais Seus, até que por fim decidiu-se a aceitá1’O, adorá-1’O e proclamá-1’O incondicionalmente, esquecendo Marduk em definitivo e crendo nada representar senão um deus fictício, uma quimera, inventado pela superstição humana e pelo falso sacerdócio do paganismo babilônio. Nêste quadragésimo sétimo versículo, vimos que o rei Nabucodonosor reconheceu também o Deus de Daniel como revelador dos segredos — aliás, como Deus Onisciente, o que equivaleu a dizer que diante dÊle tôdas as coisas estão nuas e patentes. Estes três testemunhos do monarca a respeito de Deus: Como supremo entre os deuses, como Senhor dos reis e como revelador dos segredos, — comprovam, em absoluto, que Nabucodonosor não adorou a Daniel, pois seria isto reconhecê-lo como Deus e atribuir-lhe as mesmas honras. DANIEL — PRIMEIRO MINISTRO DO REINO VERSO 48: — “Então o rei engrandeceu a Daniel, e lhe deu muitos e grandes dons e o pôs por governador de toda a província de Babilônia, como também por principal governador de todos os sábios de Babilônia”. 169

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O rei Nabucodonosor havia feito grandes promessas de custosas dádivas e grandes honras a quem o satisfizesse revelando e interpretando o seu esquecido sonho. Fiel a esse compromisso, cumpriu-o à risca engrandecendo a Daniel e dando-lhe “muitos e grandes dons”. O vocábulo “dons” é vertido por James Moffatt, do original “mattens” — por “presentes”. Embora não saibamos quais os presentes doados a Daniel pelo soberano, podemos crer que foram custosos. James Moffatt traduz “grandes dons” por — “vistosos presentes”. O rei Belshazzar, mais tarde, como recompensa pela leitura e interpretação da fatídica sentença — Mene Tekel Peres — ofereceu-lhe vestes de púrpura, cadeia de ouro ao pescoço e o lugar de terceiro rei do reino. Daniel, porém, não se deixou intoxicar com os “presentes” e “honras” de Nabucodonosor e de Belshazzar. Um embaixador de Deus do seu quilate, não espera dádivas ou favores dos homens pelo desempenho de sua honrosa missão conferida pelo céu. Desprendido de tudo quanto é efêmero, cumpre êle o seu dever visando apenas a recompensa eterna que o seu Deus lhe pode dar bem como a todos os que como êle lhe forem fiéis. A segunda honra prestada a Daniel pelo rei de Babilônia, foi a de empossá-lo no govêrno da província de Babilônia. Era esta a mais alta honra conferida a um governador de província, pois Babilônia era a província-mãe que incluía a própria grande e suntuosa capital do reino e do mundo. Esta honra Daniel aceitou e alegrou-se com ela, não em face do elevado pôsto como uma honra pessoal, mas para poder salientar-se mais como representante do poderoso rei do universo. Além disso Daniel iria mostrar àqueles que no mundo desempenhavam elevadas funções administrativas, o que significa ser um burocrata; sim, demonstraria a essa classe de funcionários públicos o que em verdade significa um burocrata patriota (embora não fôsse um caldeu) e não um parasita que só pensa em salário, aumento de salário e em aposentadoria com o mínimo tempo de serviço possível. E Daniel, como foi José séculos antes no Egito, demonstrou deveras o que é um burocrata de consciência e como devo êle servir o seu país no importante encargo em que está empossado, sem lezar o erário público com um parasitarismo morto que anseia pelo fim do mês para embolsar proventos pelo trabalho que não fêz ou pelo mínimo que produziu. No seu encargo de confiança, exemplificou Daniel ao mundo o que é um homem que serve a Deus e como desempenha a 170

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sua função de responsabilidade, seja perante o Estado seja perante qualquer organização empregadora, (Ver o capítulo VI neste sentido). A terceira honra conferida a Daniel, foi o de “principal governador de todos os sábios de Babilônia”. Ainda que esta destacada honra o colocou em sabedoria acima de todos os pretensos sábios, êle, com tôda a certeza, não se simpatizou com ela. Era a mesma coisa que ser o chefe duma quadrilha de mentirosos e embusteiros! Mas, o rei, é claro, não sabia que esta aparentemente destacada honra não o honrava. Todavia cremos que o sábio Daniel deu ótimas lições de sabedoria àqueles homens tidos como sábios, mas sem qualquer sabedoria. Deu-lhes, certamente, grandes aulas demonstrando-lhes que a verdadeira sabedoria tem sua fonte em Deus e que dÊle ela emana aos que O temem e O servem. A quarta honra do soberano a Daniel e que a temos no versículo seguinte, foi a de primeiro ministro do reino, conjuntamente com a de governador da província de Babilônia — “mas Daniel estava às portas do rei”. Esta, a maior função dum homem de Estado, depois do chefe do executivo — do rei ou do presidente — Daniel desempenhou durante todo o tempo em que existiu o Império de Babilônia, por setenta anos. Vimos aqui um caso inédito — o primeiro encargo de primeiro ministro do mundo, de tôda a terra! Neste pôsto-chave do reino mundial, foi Daniel, mais propriamente, o primeiro ministro do reino universal de Deus no setor da terra. Que grande bênção para as nações não fôra êle! Que exemplar dignidade de alto funcionário não fôra êle para todos quantos ocupavam a mesma função de primeiro ministro entre as nações de seu tempo e de todos os tempos até agora! Cremos que tôda a prosperidade do grande reino de Nabucodonosor deveu-se à influência de Daniel em Palácio como chanceler mundial e o primeiro depois do rei — para não dizer o rei como primeiro depois dêle. Depois da morte de Nabucodonosor, os seus sucessores não deram muita importância a Daniel como chanceler, e o reino foi a pique. Os persas, porém, inicialmente, tiveram grande prosperidade, graças ao fato de terem reconhecido em Daniel um homem indispensável, pondo-o também como primeiro ministro ao tempo de Dario, o Medo, e ao iniciar Ciro o seu reinado. Felizes as nações com burocratas do caráter de Daniel. O que mais se destaca em tôda esta sublime história, é que Daniel foi feito governador de Estado e primeiro ministro dum reino mundial aos vinte anos de idade! Deveras é o único caso — inédito, aliás — na 171

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história da civilização humana. José, no Egito, ascendeu ao pôsto de primeiro ministro aos trinta anos de idade, o que é também notável.1 É de suma importância que êstes fatos envolvam dois jovens tementes a Deus, fiéis em todos os altos princípios que respeitam à vida que um cidadão cristão e filho de Deus deva aqui viver. Que poderá fazer, Deus hoje com jovens do caráter de Daniel e de José, que O honraram ao sumo? E onde estão êstes jovens leais aos princípios do céu no século XX? Fornecerá o cristianismo tais jovens nesta geração? Possui-los á a Igreja de Deus hoje, jovens da têmpera de Daniel e de José? Pode ser que se possa encontrar tais jovens hoje, todavia é necessário procurá-los com a lanterna de Diógenes! DANIEL NÃO ESQUECE A SEUS COMPANHEIROS VERSO 49: — “E pediu Daniel ao rei, e constituiu êle sôbre os negócios da província de Babilônia a Sadrach, Mesach e Abed-nego; mas Daniel estava às portas do rei”. Exaltado aos píncaros da administração dum reino mundial, não se ufanou Daniel com esta honra, sabedor de que ela viera de Deus e para a Sua representação naquela côrte da terra através de sua pessoa. Contudo, seus companheiros, a seu ver, deviam assumir também altas funções de responsabilidades chaves naquele reino, mediante as quais fazer refulgir a luz do céu e de Deus. Êles haviam mantido plena lealdade aos princípios fundamentais do são viver quando do impasse referente ao cardápio da universidade da côrte ao cursarem-na por três anos. Além disso, conjuntamente com êle estiveram em risco de vida na questão da falha dos sábios de Babilônia em revelarem o sonho do rei, e com êle suplicaram a interferência de Deus pela revelação do mesmo sonho. Em face de tudo isto, propôs Daniel ao rei que lhes desse posse nos negócios da província de Babilônia, o que foi atendido imediatamente pelo soberano. Um pedido de Daniel, naquela altura dos acontecimentos, valia como um decreto, tanto mais que sua proposta em favor de seus companheiros viera de Deus. Deus queria tê-los todos juntos e em altas funções administrativas daquela côrte, para que o facho da luz do céu fôsse mais evidente e mais potente, e 1

Gênesis 41:46.

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dali se expandisse glorioso pelo reino em fora. Assim, enquanto Daniel fôra empossado em Babilônia como primeiro ministro do reino mundial, seus companheiros o foram como “juízes, governadores e conselheiros”.1 Estupendo! Jovens de Deus, aos vinte anos de idade, galgam os maiores postos no primeiro grande império da Terra.

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Fundamentals of Christian Education, E. G. White.

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CAPÍTULO III UMA PODEROSA LIÇÃO DE LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA

Introdução O presente capítulo encerra uma dramática história. Diríamos — uma grave crise oriunda da obstinação do rei Nabucodonosor, que, tal como a descrita no capítulo anterior, pôs em cheque a vida dos representantes de Deus em Babilônia. Nabucodonosor, o altivo monarca caldeu e rei de toda a terra, estava sempre pronto a promover a exaltação do seu reino e de si em particular através dêle. Em seu orgulho e exaltação, nada realizava senão para elevar-se e engrandecer-se diante do mundo sôbre o qual reinava e dar a entender às nações a invencibilidade de seu poder e a superioridade dos caldeus sôbre os demais povos da terra. Esta foi a infeliz razão por que muitos — além dêste soberano — reinaram e governaram na antiguidade; porque ambicionaram e se esforçaram ao sumo por galgarem o trono e se sobreporem às massas. Faziam questão de estar acima de todos; de exercer supremacia e domínio sôbre todos; de receberem inauditos aplausos de todos; de serem seguidos por numerosas multidões e nações cegadas pela sêde de glória e de fama que os dominava e os intoxicava. Cativados por falsas ideologias, por falsas grandezas, por falso poder de um só indivíduo absurdamente altivo e que arrogava até honras de divindade, massas humanas o adoravam de boa mente como um semi-deus ou representante dos deuses na terra, e se dispunham em dar a própria vida para conservarem-no em sua exaltada posição de supremo soberano e supremo líder. Aquilo que será a nossa consideração neste terceiro capítulo, é evidência dêste desnaturado espírito que dominou também grandemente o rei Nabucodonosor, que o infelicitou e o pôs em maus

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lençóis com o Deus do céu a quem somente pertence de direito tôda a honra, glória e poder na Terra e no Céu. Esta orgulhosa jactância de superioridade racial e pessoal e com ela o direito de mando e coação sôbre todos os considerados inferiores, levou os monarcas do passado a arrogarem até mesmo o domínio sôbre as consciências de seus súditos. Êste mal, — máximo mal e atrevido mal — fôra a culminante expressão da arrogância a que chegaram aquêles antigos potentados do poder terreno. A morte era o resultado certo e imediato de todos os que se arriscassem a dizer “não”, em matéria de consciência, àqueles tirânicos senhores do mundo de então. O rei Nabucodonosor foi talvez o que no passado mais que todos os outros monarcas julgou-se dono das consciências de seus súditos. Sua audácia em assim proceder, o arrastava a atitudes e medidas absurdas, a extremas violências, à ira sem limites como um desvairado, ao ponto de fulminar os recalcitrantes. Porém, a história que agora iremos considerar neste nôvo capítulo, trata duma corajosa e intrépida oposição e recusa — firmes e abertas — às suas pretenções de senhorio sôbre as consciências alheias de seus concidadãos por êle governados. Um trio de valorosos jovens o enfrentou com decisão e categoria neste malsão direito pretendido. Em nenhum caso entregariam êles as suas consciências para que delas fizesse aquêle rei um joguete como bem lhe parecesse a serviço de seus desqualificados caprichos e de sua desmedida exaltação. O vidente e eloqüente “não” daqueles três jovens hebreus adoradores de Jeová, exasperou terrivelmente o rei Nabucodonosor, que foi levado incontinentemente à vingança fatal, julgando-se desautorado e desacatado publicamente, e ainda por cativos submetidos da Judéia, que eram aquêles moços. Todavia, a execução não tomou lugar ainda que fôra levada a cabo. Um poder infinitamente mais alto do que o de Nabucodonosor, que, embora criasse a consciência e a legasse ao homem como um de seus maiores patrimônios ou faculdades, e que não obstante não forçou direito algum sôbre ela — ainda que seu Criador, senão que deixou ao homem a liberdade de exercê-la segundo bem lhe aprouvesse, intervíu para sustar a absurda e injusta execução de Seus embaixadores naquela côrte do mundo, e demonstrar ao rei de Babilônia a sua nula tutela sôbre as consciências de outrem, que não teve o poder e a sabedoria de criá-las. 176

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Esta triste história do paganismo de outrora repetiu-se profusamente em tôda a era cristã e mesmo em nosso pujante século da ciência. Sempre houve e ainda há pretensos semi-deuses que se alvoram em donos das consciências de seus iguais. Êste descalabro se verifica principalmente nos setores da política e da religião — mormente neste último. É em virtude dêste falso conceito de supremacia sôbre as consciências das massas cívicas e religiosas, que as nações são jogadas constantemente no caos e as religiões jazem em permanente confusão. Surgem indivíduos aqui e ali no mundo — no meio político e eclesiástico — pretendendo serem grandes coisas, uns predestinados — impondo ideologias vãs, opressivas, daninhas à civilização, e lançando mãos de falsos discursos, da fôrça e da violência, para inflamar, impor e coagir as massas e nações a se submeterem a idéias e pretenções. Julgam-se êles, como os déspotas de outrora, donos das consciências humanas. E êste hediondo mal é mais acentuado em questões de religião em que incontáveis eclesiásticos arrogam a posse das consciências livres de seus chamados fiéis, e ameaçam com fogo, perseguições e anátemas a todos quantos se opõem a esta tão vil pretenção. A usurpação dêste sagrado direito que só ao indivíduo em particular pertence — é uma das maiores ofensas ao Criador que deu ao homem uma consciência livre e absoluta. Mas vejamos o que nô-lo informa sobre esta questão o capítulo que nos está em mão. UMA ESTÁTUA SUI GENERIS VERSO 1: — “O rei Nabucodonosor fêz uma estátua de ouro, a altura da qual era de sessenta côvados, e a sua largura de seis côvados; levantou-a no campo de Dura, na província de Babilônia”. UMA IMPRESSÃO QUE SE DESFAZ O primeiro sonho concedido por Deus ao rei Nabucodonosor, como apresentado no segundo capítulo, em o qual lhe fôra dada uma visão, principalmente dos acontecimentos finais da história da terra, — visou fazê-lo entender o papel que deveria desempenhar no palco do mundo e bem assim a verdadeira relação e bem assim a relação que seu famoso reino indubitavelmente tinha para com o reino do céu. Na interpretação daquele sonho instruira-lhe muito bem Daniel quanto ao futuro estabelecimento do eterno reino de Deus na terra. O profeta 177

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enfaticamente declarara ao monarca: “Mas nos dias dêstes reis, o Deus do céu levantará um reino que não será jamais destruído”. No final da interpretação do rei, sumamente impressionado, reconheceu o poder de Deus e expressou sua convicção nestas palavras: “Certamente o vosso Deus é Deus dos deuses, e o Senhor dos reis, e o revelador dos segredos”. “Durante algum tempo Nabucodonosor sentiu-se influenciado pelo temor de Deus; contudo o seu coração não ficou purificado da ambição mundana e do desejo de exaltação. A prosperidade que acompanhou o seu reinado encheu-o de orgulho. Em dado tempo cessou êle de honrar a Deus, e retomou seu culto idólatra com maior zêlo e fanatismo”.1 A despeito de tão grandes evidências da supremacia de Deus sôbre todo o poder nos céus e na terra, e de ter sido favoràvelmente influenciado por aquela primeira revelação direta que o Senhor lhe dera, contudo o rei Nabucodonosor, embalado pelo crescimento de seu poder como soberano do mundo e conseqüentemente pelo aumento de sua glória real, cedeu ante o orgulho, a exaltação e a ambição e algum tempo depois da interpretação de Daniel deu costas ao temor de Deus pelo qual fôra impressionado, e assim sacrificou a sua consciência pela recusa do culto a Deus preferindo retornar às vilezas da idolatria pagã e da glória efêmera que Satanás oferece aos homens. O grande inimigo do direito sabe como engodar os homens e fazê-los ambiciosos de glórias mundanas para perdê-los irremediavelmente. OS SÁBIOS EM DIABÓLICA AÇÃO “As palavras: “Tú és a cabeça de ouro” (Dan. 2:38), tinham feito profunda impressão no espírito do rei. Os sábios do seu reino, tirando vantagem disto e do seu retorno à idolatria, propuseram-lhe que fizesse uma imagem semelhante àquela vista em sonho, e a erguesse em lugar onde todos, pudessem contemplar a cabeça de ouro, que tinha sido interpretada como representante do seu reino. “Lisonjeado com a aduladora sugestão, êle se determinou levá-la a efeito, indo mesmo além. Em lugar de reproduzir a imagem como a tinha visto, êle excederia o original. Sua imagem não seria desigual em valor da cabeça aos pés, mas seria inteiramente de ouro, símbolo que representaria Babilônia como um reino eterno, indestrutível, todopoderoso, que haveria de quebrar em pedaços todos os outros reinos, 1

Profetas e Reis, E. G. White, págs. 503, 504.

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permanecendo para sempre. “A idéia de estabelecer um império e uma dinastia que perdurassem para sempre apelou fortemente ao poderoso monarca cujas armas as nações da terra tinham sido incapazes de resistir. Com o entusiasmo nascido da ilimitada ambição e orgulho personalístico, êle tomou conselho com seus sábios quanto à maneira de levar avante o projeto. Esquecendo as assinaladas providências relacionadas com o sonho da grande imagem; esquecendo também que o Deus de Israel por intermédio de seu servo Daniel tinha-lhe esclarecido o significado da imagem, e que em conexão com esta interpretação os grandes homens do reino tinham sido salvos de morte ignominiosa; esquecendo tudo, exceto o seu desejo de estabelecer o seu próprio poder e supremacia, o rei e seus conselheiros de Estado decidiram que todos os meios possíveis seriam utilizados para exaltar Babilônia como suprema, e digna de submissão universal. “A simbólica representação pela qual Deus tinha revelado ao rei e ao povo o Seu propósito para com as nações da Terra, ia agora servir para glorificação do poder humano. A interpretação de Daniel ia ser rejeitada e esquecida; a verdade ia ser mistificada e mal utilizada. O símbolo que o Céu designara servisse para desdobrar perante a mente dos homens importantes eventos do futuro, ia ser utilizado para obstar a divulgação do conhecimento que Deus desejava o mundo recebesse. Assim, mediante a imaginação de homens ambiciosos, Satanás estava procurando frustrar o propósito divino em favor da raça humana. O inimigo da humanidade sabia que a verdade isenta de êrro é uma força poderosa para salvar; mas que quando usada para exaltar o eu e favorecer os projetos dos homens, toma-se um poder para o mal”.1 Não há nenhuma dúvida de que o Império de Babilônia fôra originalmente obra de Satanás assim como os anteriores e posteriores — Egito, Assíria, Medo-Pérsia, Grécia e Roma. Mas a todos êstes Impérios dera Deus evidências de Seu poder e supremacia. Os três primeiros, incluso Babilônia receberam conhecimentos especiais de Deus e de Sua soberania sôbre o govêrno dos homens. O Egito teve por algum tempo o sábio José como o seu mais perfeito primeiro ministro e governador de todo o reino. A Assíria foi concedida uma estupenda mensagem através de Jonas. Babilônia

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Profetas e Reis, E. G. White, págs. 504, 505.

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gozou por muito tempo a extraordinária sabedoria de Daniel e seus companheiros. A Medo-Pérsia desfrutou, a princípio, também da sabedoria de Daniel como seu maior primeiro ministro de Estado. Todos êstes foram grandes luzes do céu nas côrtes aludidas. Por meio dêles procurou Deus dar aos reis com os quais estiveram relacionados, bem como a todos os seus súditos, o conhecimento de Seu glorioso propósito de salvação da família humana. Especialmente desejou Deus usar diretamente os próprios potentados dos referidos reinos, para tornar realidade, em parte, aquele Seu divino propósito. A Nabucodonosor anelou Deus, mais que qualquer outro monarca, usálo com o referido objetivo. Satanás, porém, estava a postos para se opor decididamente. Fez tudo quanto pôde para desviar o rei caldeu da senda que através do testemunho de Daniel e seus companheiros Deus lhe abrira. Chegou ao ponto de procurar eliminar, em Babilônia, os quatro heróis hebreus — três no forno do fogo ardente e um na cova dos leões. No ponto que agora consideramos, vemos a sombra de Satanás, num supremo esforço para impedir a Nabucodonosor de permanecer sob a salutar influência de seu primeiro inspirado sonho e sua interpretação. O adversário do direito insuflou-lhe orgulho, grandeza, exaltação, ambição, fama, — até que, com o concurso de seus próprios sábios conseguiu afastá-lo do temor de Deus que pareceu dominá-lo por algum tempo, após aquele primeiro sonho e a sua interpretação. Foi levado a descrer que Babilônia pudesse ser subvertida por outro poder, e ainda inferior ao seu, e procura demonstrar sua invencibilidade e inconquistabilidade — na fundição de outra estátua que a representasse como eterna dominadora na terra sob o cétro caldeu. UM INÉDITO “ DEUS-PÁTRIA” DE OURO Muitos deuses nacionais ou “deuses-pátria”, havia em: tôda a antiguidade, principalmente no Egito, Assíria, Babilônia, Pérsia, Grécia e Roma. A vitória duma nação sobre outra era considerada como a vitória dos deuses da nação vitoriosa sôbre os deuses da nação vencida, o que o rei Nabucodonosor pretendeu na ereção de sua gigantesca estátua, não era mais nem menos do que isto mesmo: Uma representação de Babilônia, ou melhor, de seus deuses vitoriosos sobre todos os deuses das nações vencidas. Ainda mais, ao fundir o seu “deus-pátria”, o rei já considerou Babilônia e seus deuses, não só 180

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vitoriosos sôbre as nações e seus deuses no passado, como a manutenção dessa vitória em todo o eterno futuro. UMA ESTÁTUA INTEIRAMENTE DE OURO “Das ricas reservas de seu tesouro, Nabucodonosor mandou que se fizesse uma grande imagem de ouro, no seu aspecto geral semelhante a que tinha sido vista em visão, salvo no que respeitava ao material de que ia ser composta. Acostumados como estavam a mangnificentes representações de suas divindades pagãs, os caldeus nunca dantes haviam produzido cousa mais imponente e magestosa que esta resplendente estátua, de sessenta côvados de altura, e seis de largura. E não é de surpreender que numa terra onde a idolatria era culto prevalecentemente universal, a imagem bela e sem preço erguida no campo de Dura, representando a glória de Babilônia e sua magnificência e poder, fôsse consagrada como objeto de adoração”.1 Seria a estátua em consideração de ouro puro, maciço, ou simplesmente de madeira folhada de ouro. Alguns conjeturam que era de madeira com um chapeado ou revestimento de ouro. O termo original, usado por Daniel para adjetivar a estátua é “dehab” — ouro puro. Das vinte e três vêzes em que ocorre êste têrmo no Velho Testamento, conclue-se indicar objetos de puro ouro e não de um chapeado apenas ou revestimento dêsse minério. Ao interpretar o profeta o sonho do rei, como o temos no segundo capítulo, fê-lo conhecer que, a cabeça da estátua era de “ouro fino”, usando para tal definição o mesmo vocábulo “dehab”. Em outros relatos que referem a objetos como “casos de ouro”, “deuses de ouro”, “cadeia de ouro”.2 O ouro concedido pelo rei Artaxerxes aos judeus que regressaram do cativeiro, — encontramos o mesmo vocábulo “dehab”.3 Mas, para indicar a area receptáculo das táboas da lei, o altar do incênso, a mesa dos pães da proposição e as táboas do santuário, o vocábulo hebraico é outro — “zahab”, visto indicar um outro que cobria ou revestia aqueles objetos de madeira do santuário. O mesmo vocábulo “zahab” é empregado para indicar deuses de pau revestidos de ouro.4 1

Profetas e Reis, E. G. White, pág. 505. Daniel 5:27. 3 Esdras 5:14; 6:5; 7:15; 16:18. 4 Habacuque 2:19. 2

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Babilônia era a metrópole do ouro do mundo. Rios deste fino metal eram canalizados das nações para ela, e suas portas estavam sempre abertas para receber, ininterruptamente, embaixadores vassalos das nações carregadas de tributos de imensos tesouros, além da direta e imediata espoliação em suas conquistas. Herôdoto fornece um relatório onde conta da abundância de ouro existente em Babilônia nos seus dias. Escreveu êle: “Há um segundo templo, no qual existe uma imagem assentada de Zeus, tôda de ouro. Diante da imagem acha-se uma grande mesa de ouro, e o trôno sôbre o qual ela se assenta, e a base do trôno, são também de ouro. Os caldeus me contaram que todo o ouro, pesava 800 talentos (mais de trinta toneladas). Fora do templo encontram-se dois altares, um de ouro maciço... No tempo de Ciro havia também nesse templo a estátua de um homem, com dezoito pés de altura, de ouro compacto. Eu mesmo não ví esta estátua, mas estou relatando o que os caldeus me contaram a respeito”.1 Dado ao fato que o monarca desejou emprestar à sua imagem, como vimos, a evidência do Império Babilônio como supremo, eterno e inconquistável, não podemos aceitar, em nenhuma hipótese, que a sua estátua tivesse somente uma aparência de ouro maciço sem o ser inteiramente dêsse metal. Fôsse a imagem totalmente de ouro. Podemos depositar inteira confiança e fé em suas declarações como profeta, de Daniel, que esta história escreveu, ter-nos-ía informado não Deus. Não há, pois, nenhuma dificuldade em entender o testemunho pessoal e ocultar o profeta. AS DIMENSÕES DA GRANDE ESTATUA As dimensões da estátua simbólica são claramente dadas por Daniel, o bem informado primeiro ministro do reino: Sessenta côvados de altura por seis de largura. O côvado era uma antiga medida de comprimento que variava de nação para nação. Em Babilônia, onde a estátua foi confeccionada ou fundida era de 46 cm. Assim sendo, a grande imagem deveria medir 27 m. e 60 cm. de altura por 2 m. e 76 cm. de largura. Diríamos mais precisamente, que “esta estátua era de cêrca de 30 metros de altura por três de largura, e aos olhos daquele povo idólatra ela apresentava aparência mui imponente e majestosa”.2 Foi realmente uma emprêsa gigantesca e imponente do rei 1 2

Persian Wars, Herôdoto, Vol. I, pág. 183. A Santificação, E. G. White, pág. 40.

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Nabucodonosor, digna de suas aspirações ao domínio eterno de Babilônia; porém, contrária à vontade d’Aquele que é o verdadeiro Dominador nos céus e na terra. Pensam alguns que esta altura da estátua inclui o pedestal em que estava assentada para a consagração e adoração. Entretanto, é mais seguro crêr no relatório de Daniel, como testemunha ocular, que não alude à nenhum pedestal, embora possa ter havido e não estar incluso em sua altura segundo a medida por êle dada. Diante dos fatos históricos dando conta da abundância de ouro em Babilônia, não fôra difícil ao rei Nabucodonosor fundir uma estátua de ouro puro do tamanho dado por Daniel. Cremos que ainda lhe sobrara ouro para fundir muitas outras estátuas similares. O “Campo de Dura” onde levantou o rei a sua estátua simbólica não pode ser precisamente localizado hoje. Tudo quanto sabemos, segundo Daniel, é que naquele tempo estava êle situado na província de Babilônia, provavelmente dentro dos muros da metrópole. A DATA DO GRANDE ACONTECIMENTO Nada se sabe ao certo quanto à data exata do memorável acontecimento. A tradução dos Setenta e a de Teodósio, colocam o evento no décimo oitavo ano de Nabucodonosor, ou seja em 587 a.C., por crerem que realizou-se para comemorar a final catura e destruição de Jerusalém. Todavia, a cidade foi destruída não no décimo oitavo ano deste rei, mas no seu décimo nono ano.1 Na margem duma antiga versão — King James — encontra-se a data 580 a.C. para êste sucesso. Alguns comentadores há que colocam o acontecimento para um tempo posterior à enfermidade de Nabucodonosor mencionada no quarto capítulo. Tôdas estas conjeturas, porém, são destituídas de qualquer crédito histórico. Entretanto, há uma pista ainda a considerar, comparando o capítulo três versículos doze e trinta com o capítulo dois versículo quarenta e nove — e o capítulo três versículos vinte e oito e vinte nove com o capítulo quatro versículos trinta e quatro a trinta e sete, concluímos que a grande estátua do rei de Babilônia foi fundida e inaugurada entre o seu primeiro sonho tido no seu segundo ano de reinado (cap. 2), e a sua enfermidade (cap. 4). Por outro lado, a 1

II Reis 25:8-10.

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influência do sonho do capítulo dois sôbre os eventos do capítulo três, sugere fortemente que a história do capítulo três não pode ser datada na parte posterior do reinado de Nabucodonosor. Alguns tem sugerido a data 594-593, pela seguinte razão: Esta data coincide com o quarto ano de Zedequias, rei de Judá, que naquele ano fez uma viagem a Babilônia (Jer. 51:9). É possível que a viagem do rei de Judá fôra emprendida em atenção à convocação de todos os governadores das províncias e vassalos, por Nabucodonosor, afim de comparecerem em Babilônia, para prestarem homenagem à estátua que o rei tinha levantado.1 Contudo, a data dêste evento no tempo de Zedequias não é mais do que uma possibilidade. Assim, a data exata do memorável acontecimento não pode ser precisamente estabelecida. Já que a estátua do rei Nabucodonosor foi possivelmente a maior e a mais custosa jamais fundida por um soberano em todo o tempo, e a sua inauguração talvez o maior acontecimento da história dum reino ou nação, não seria demais sabermos sua data precisa. Porém, muitas outras coisas e verdades importantes não poderemos entender perfeitamente enquanto durar o mundo. Só no mundo vindouro teremos a felicidade de entendê-las reveladas por Aquele que em Sua sabedoria todos os segrêdos são esclarecidos. O MUNDO CONVOCADO A CONSAGRAÇÃO DA ESTÁTUA VERSO: 2-3: — “E o rei Nabucodonosor mandou ajuntar os sátrapas, os prefeitos e presidentes, os juízes, os tesoureiros, os Conselheiros, os oficiais, e todos os governadores das províncias, para que viessem à consagração da estátua que o rei Nabucodonosor tinha levantado. Então se ajuntaram os sátrapas, os prefeitos e presidentes, os juízes, os tesoureiros, os conselheiros, os oficiais, e todos os governadores das províncias, para a consagração da estátua que o rei Nabucodonosor tinha levantado, e estavam em pé diante da imagem que Nabucodonosor tinha levantado”. UMA ORDEM ARBITRÁRIA E DESPÓTICA O rei Nabucodonosor não enviou pròpriamente um convite especial e cordial aos seus grandes: presidentes das províncias, 1

Daniel 3:2.

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administradores, autoridades judiciárias, financistas, militares, prefeitos e conselheiros. O texto diz enfaticamente que êle mandou ajuntá-los. Compreendemos por “ajuntar” — completa ausência de cordialidade e polidez. Vemos aqui uma ordem de convocação arbitrária, despótica. Entende-se que aquelas sumidades convocadas, para não dizer arrebanhadas, não tinham pràticamente liberdade de ação em suas funções administrativas no reino em fora. O rei era tudo: O reino e sua administração. Aqueles chamados grandes não eram considerados mais do que simples servos que deviam obedecer cega e humildemente qualquer ordem real, não importando a posição e a responsabilidade. Qualquer tentativa de recusa poderia significar destituição e mesmo pena capital. A convocação real fôra evidente: “... para que viessem á consagração da estátua”. Desgraçadamente, como veremos adiante, o monarca não cumpriu com sua palavra. Reuniu-os para uma solenidade cívica e na hora inicial da cerimônia transforma-a em solenidade cívico-religiosa! Isto deveria ter sido muito chocante aos milhares que atenderam sua ordem de comparecimento. Veremos isto no versículo cinco. No dia aprazado para a grande solenidade, todos os já aludidos senhores do reino — compulsòriamente convidados pelo soberano — apresentaram-se ao ato no “campo de Dura”. De pé diante da inédita imagem aguardavam o programa inaugural para o qual lhes fôra ordenado comparecer. Jamais pensaram êles em opôr-se de qualquer modo à imperativa convocação real e esquivarem-se ao comparecimento. Conheciam muito bem o caráter e os nervos do rei Nabucodonosor para cometerem uma imprudência tal e cairem no seu fatal desagrado. Assim, ali estavam todos em angustiante expectativa quanto ao que sucederia — e Nabucodonosor era capaz de tudo — pois ignoravam certamente a programação a ser seguida pelo soberano naquela oportunidade. Como veremos adiante, o monarca havia elaborado um secreto e infeliz programa para revelá-lo no momento que só êle deliberaria. Nenhum discurso especial, nenhuma explicação prévia, — mas uma ordem abrupta, uma imposição dramática e chocante iria ser ouvida por aquela multidão de grandes humilhados senhores. Êles se surprenderiam alarmantemente, porém, sem nenhum gesto em contrário ou em recusa da imposição real, posto que ela divergisse abertamente do motivo claro previamente anunciado porque os convocara em Babilônia. 185

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UM VIL ATENTADO À CONSCIÊNCIA LIVRE VERSOS 4-7: — “E o arauto apregoava em alta voz: Ordena-se a vós, ó povos, nações e gentes de tôdas as línguas; Quando ouvirdes o som da buzina, do pífaro, da harpa, da sambuca, do saltério, da gaita de foles, e de tôda a sorte de música, vos prostrareis, e adorareis a imagem de ouro que o rei Nabucodonosor tem levantado. E qualquer que se não prostrar e não a adorar, será na mesma hora lançado dentro do forno de fogo ardente. Portanto, no mesmo instante em que todos os povos ouviram o som da buzina, do pífaro, da harpa, da sambuca, do saltério, e de tôda a sorte de música, se prostraram todos os povos, nações e línguas, e adoraram a estátua de ouro que o rei Nabucodonosor tinha levantado” Um porta-voz do rei, o “arauto”, inesperadamente, anuncia a altas vozes — através de um instrumento para ampliar sua voz o tão anunciado e espectante momento, e o tão sigiloso programa inaugural. O rei estava presente, assentado em seu trôno conduzido àquele local do “Campo de Dura”. As primeiras palavras do “arauto”, foram uma aterradora ordem do império: “Ordena-se a vós”! Aqui está revelado o espírito intolerante de Nabucodonosor como mandatário absoluto do mundo. Êle nada pedia, nem mesmo ao maior homem de seu reino, — tão somente ordenava. A ordem compulsória de adoração da estátua ao sonido da música, não só foi descortês para uma solenidade como aquela, como também um atentado à consciência dos presentes. Ali estava um nôvo “deus”, pela primeira vez em evidência num reino mundial, o “deus pátria”, que devia tornar-se “deus-mundo”, ou “deus império”, “babilônio” por excelência, e, muitas daquelas sumidades presentes, não eram babilônias ou caldaicas, e sim destacados personagens de povos conquistados, humilhados, que o rei deixara como administradoras em seus próprios reinos agora vassalos. Êles prefeririam adorar um “deus-pátria”, lá em suas próprias pátrias do que um “deus-pátria”, dum poder opressor de suas nações e povos. Mas, que fazer quando não eram mais senhores de si mesmos no império babilônio, embora empossados em cargos de responsabilidade? Ainda que fôsse contraditório às suas consciências o ajoelhar-se diante duma estátua convertida em um “deus-pátria”, fariam isso como uma mera formalidade, mormente como desconhecedores do verdadeiro Deus a quem unicamente compete aos homens servir e adorar. 186

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Neste ponto o rei Nabucodonosor cometeu uma deslealdade e uma fraude. Convidara os presentes para a “consagração da estátua”, e, no momento que a isto devia proceder, inverte os papéis exigindo adoração: “Vos prostrareis, e adorareis a imagem de ouro”. Adoração de joelhos é bem diferente do que “consagração”. Exigiu-lhes o monarca um “culto”, em honra de Babilônia e do domínio caldeu no mundo. Sem dúvida o rei faltou com a sua palavra exigindo o que antes não pedira em sua ordem de comparecimento ao ato no “Campo de Dura”. Havia uma ameaça de extermínio no forno ardente a todos quantos ousassem recusar adorar o “ídolo-pátria”. Com esta ameaça o rei demonstrou-se indiscutivelmente um intransigente déspota e muito arrogante. Usou de violência e ameaça para coagir a consciência dos presentes e conseguir os seus objetivos de grandeza e de irredutível obediência de todos pelo temor de sua majestade. Negar adoração à imagem, era a seu vêr, equivalente a um crime de lesa-majestade e lesa-pátria, e de aberta oposição ao reino e suas leis. O soberano queria consolidar tôdas as nacionalidades do mundo em uma só nação. Para alcançar tal propósito era essencial que o govêrno fôsse supremo em tudo, tanto no sentido civil como no sentido religioso. E o rei Nabucodonosor era absoluto em seu estado-civil-religioso. Um antigo provérbio diz: “A vida do Estado é a lei do Estado”. E era esta a concepção do rei Nabucodonosor como estadista de tôda a terra. Para êle Estado era tudo: Suas necessidades eram soberanas; suas demandas, imperativas; sua autoridade, uma inquebrantável lei. Para o monarca nenhuma consciência privada era admissível no Estado ou contra o Estado. O indivíduo era uma mera parte do Estado e só existia para o seu progresso ou não podia existir dentro do Estado. Daí não ser aceitável nenhuma religião independente do Estado — mas unicamente uma religião nacional, própria do Estado, e sob as vistas do Estado. A estátua de ouro era um símbolo do Estado e da Igreja fundidos num só poder com uma só cabeça diretiva — o rei. Daí, nada menos do que honras divinas deviam ser tributadas ao Estado através de sua religião oficial única. Ao tempo de Babilônia como poder mundial, o Estado subordinava a religião a seu belo prazer, ao contrário da Idade Média em que a igreja subordinava o Estado para alcançar seus inglórios fins. O rei Nabucodonosor, visava, submeter a Igreja sob o poder e contrôle do Estado, — honras supremas para si, quer como credor do Estado 187

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mundial, quer como gênio inspirador do Estado. Em outros termos, pretendeu adoração e honras divinas a si próprio de todos os seus súditos, como figura absoluta do Estado e representante honrado dos deuses do Estado mundial. Em outras palavras — o rei era a suprema autoridade civil e eclesiástica do Estado, era o cérebro, a razão e a consciência dos súditos do Estado. Em consequência, pois, do escandaloso consórcio entre Igreja e Estado, a religião para Nabucodonosor era um negócio do Estado, enquanto na Idade Média o Estado era um negócio da religião. Para o rei de Babilônia era inadmissível uma religião independente ou fóra da alçada do Estado. Só era aceita uma religião que servisse o Estado, que estivesse sob o controle do Estado. A pena para os inconformados, com a religião do Estado era extrema — a morte — e uma morte no forno de fogo. Dentro do Estado — tudo sob o controle do Estado. A tôdas as províncias conquistadas impunha o rei que abandonassem a religião tradicional e se conformassem com a religião do Estado Babilônio Mundial, ou com o Estado Religioso que os conquistara. Os grandes que compareceram à consagração da estátua simbólica ou Babilônia, deviam promover, pela fôrça, em tôdas as províncias do reino, a religião do Estado-Babilônio e com ela a adoração do rei-soberano como um deus. Todos deviam jurar fidelidade e obediência ao Estado Religioso e ao rei prestar honras como estadista supremo, chefe religioso divinizado. O caráter da religião do Estado Babilônico e decretada por êste Estado, devia confirmar-se aos sete pontos dados abaixo: 1. Externa e visível — como a grande estátua. 2. Magnificente — como a estátua de grande magnitude e esplendor — tôda de ouro. 3. Sedutiva aos sentidos — Havia muita música variada. 4. Impressiva — os adetos seriam numerosos, aparatosos. 5. Unida — todos adorariam em um determinado lugar e tempo. 6. Regulamentada — regulada por decreto real do soberano. 7. Dignificada — o próprio monarca estaria presente como cabeça e promotor do culto ao Estado. 188

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Esta era a religião de Babilônia — imposta por seu soberano. TRÊS CORAJOSAS ABSTENÇÕES Em face da coação do rei, secundada por uma ameaça de morte, todos os convocados presentes renderam suas consciências e se prostraram em uma formal adoração. “Nêsse dia cheio de tantos sucessos os poderes das trevas pareciam haver ganho um assinalado triunfo; a adoração da imagem de ouro prometia tornar-se permanentemente relacionada com as formas estabelecidas da idolatria reconhecidas como religião do Estado no país. Satanás esperava dessa forma derrotar os propósitos de Deus de tornar a presença do cativo Israel em Babilônia um meio de abençoar a tôdas as nações do paganismo. “Mas Deus decidiu de outro modo. Nem todos haviam dobrado os joelhos ante o símbolo do humano poder. Em meio da multidão de adoradores havia três homens que estavam firmemente resolvidos a não desonrar assim ao Deus do Céu. O seu Deus era o Rei dos reis e Senhor dos Senhores; a nenhum outro se curvariam”.1 Três, apenas, servos de Deus presentes, foram os únicos que tiveram a ombridade de protestar contra a abusiva pretenção do exaltado soberano. Somente três revelaram que a consciência é livre, que pertence unicamente a seu legítimo dono e que só deve ouvir e ceder à voz de Deus, ainda que Êle mesmo não obrigue ninguém a ouvi-la, embora seja êste o melhor caminho a seguir para o bem presente e a redenção futura. UMA PERIGOSA ACUSAÇÃO GRATUITA VERSOS: 8-12: — “Ora, no mesmo instante, se chegaram alguns homens caldêus, e acusaram os judeus. E falaram, e disseram ao rei Nabucodonosor: ó rei, vive eternamente! Tú, ó rei, fizeste um decreto, pelo qual todo o homem que ouvisse o som da buzina, do pífaro, da harpa, da sambuca, do saltério, e da gaita de foles, e de tôda a sorte de música, se prostraria e adoraria a estátua de ouro; e, qualquer que se não prostrasse e adorasse, seria lançado dentro do forno de fogo ardente. Há uns homens judeus, que tú constituístes sôbre os negócios da província de Babilônia: Sadrach, Mesach e Abed-nego: êstes homens, ó rei, não fizeram caso de ti; a teus deuses 1

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não servem, nem a estátua de ouro, que levantaste, adoraram”. Em primeiro lugar, estes versículos parecem fundamentar o pensamento de que o rei Nabucodonosor pôs vigias ou secretas para observar algum possível recalcitrante à sua enfática ordem de adoração de sua estátua de ouro. De preferência, teria êle escolhido “caldeus” para esta emprêsa, conforme atestam os textos acima citados. Pois, só a compatriotas interessados, como êle, no domínio mundial permanente de Babilônia, confiaria um tal encargo de responsabilidade, com o fito de descobrir prováveis opositores à sua política internacional opressiva, ou, quiçá, boicotadores e agitadores. Se porventura os acusadores não eram agentes secretos do rei Nabucodonosor, eram, no mínimo, seus aduladores e tiveram em vista, com a gratuita acusação, se colocarem em situação favorável e privilegiada perante o monarca, na expectativa de exaltação a algum cargo de confiança no reino com possibilidade de apreciáveis honrarias. Nas entrelinhas da acusação, porém, revelaram os acusadores uma camuflada inveja em relação aos acusados, por serem êstes cativos e estrangeiros, e ocuparem, entretanto, em Babilônia, altos encargos de honra e confiança, enquanto êles, como naturais do país e da raça caldéia, não tinham galgado funções tão elevadas. E na verdade fôra isto mesmo o móvel da diabólica inveja. “Deverás alguns dentre os sábios, enciumados pelas honras que tinham sido concedidas aos fiéis companheiros de Daniel, levavam agora ao rei o relato da sua flagrante violação aos desejos do rei”.1 Êles introduziram a imputação com certa manifestação de honraria costumeira dos bajuladores hipócritas, que usavam a exaltante frase — ó rei, vive eternamente! — em geral para se tornarem imediatamente simpáticos dos soberanos e terem a facilidade da concessão de algum favor real ou ser favoravelmente recebida alguma denúncia que, embora falsa e invejosa, parecesse fazer perigar a honra do monarca ou do reino, e assim serem bem quistos e considerados grandes patriotas. E, o caso em apreço, relativo aos três judeus, se ajustava bem às suas pretenções, não importando as consequências — que êles bem as conheciam — pudessem advir aos acusados. Os termos da acusação que apresentaram ao soberano, na verdade parece revelar que eram voluntários agentes secretos e que visavam, por evidente inveja, eliminar da corte os quatro hebreus, incluso Daniel, por se terem 1

Profetas e Reis, E. G. White, pág. 506.

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revelado grandes sábios e por terem caído nas graças do rei Nabuco nominalmente perante o rei da Babilônia. Ao rei inflado com o triunfo alcançado na planície de Dura, foi levada a acusação, pelos aludidos agentes, de que três judeus, opondo resistência à sua ordem real de adoração da estátua, ousaram permanecer de pé no momento em que tôda a multidão se ajoelhava em prestação de culto ao Império dominador da terra, desobedecendo deste modo, aberta e publicamente, uma enfática e ameaçadora ordenança do rei soberano. Os três oponentes foram acusados nominalmente perante o rei de Babilônia. Doutro, lado, vemos nos “caldeus” acusadores — êsses togados de Babilônia, catedráticos supremos da filosofia — um aberto e agitado ressentimento pelo fracasso que haviam sofrido quando não puderam revelar e interpretar o sonho do rei relatado no capítulo dois, e pudera fazer Daniel, o jovem cativo hebreu. Desejavam àvidamente aproveitar qualquer pretexto para acusar os judeus ante o rei, afim de atrair-lhes desonra e, se possível, a morte. Depois de aludirem aos termos do decreto real de adoração da estátua, formularam uma tríplice acusação, e fizeram questão de referir, não só os nomes dos acusados, como também a nacionalidade dêles e as importantes funções que desempenhavam na província de Babilônia, a província chave do reino. A acusação, porém, em si mesma, como dissemos, constava de três claros pontos: (1) “Êstes homens, ó rei, não fizeram caso de ti; (2) a teus deuses não servem; (3) nem a estátua de ouro, que levantastes, adoraram”. As duas últimas eram reais, sendo uma falsidade a primeira. Mas esta era mais forte e decisiva na condenação esperada pelos acusadores. Seguramente Satanás lhes inspirava e incitara a formularem-na, na esperança de afastar daquela côrte do mundo as testemunhas de Deus. O desprêso à pessoa do rei Nabucodonosor, embora uma injúria dos acusadores, era quasi certo que resultaria em pena capital, mormente em se tratando de burocratas de alta posição como as de Sadrach, Mesach e Abed-nego. Todavia, aqueles acusados demonstrariam ao rei, a seus acusadores e a todos quantos ali presentes se encontravam a indómita coragem e firmeza de fé nos princípios da justiça do céu que eram uma característica de suas vidas, bem como o invisível poder do Todo-poderoso Creador e Senhor de todas as coisas, sempre manifesto em proteger a seus fiéis filhos quando em perigo e risco de vida por sua fé. Aqueles que confiam em Deus estão seguros em Sua mão. 191

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UMA ATREVIDA OUSADIA DO REI NABUCODONOSOR VERSOS 13-15: — “Então Nabucodonosor, com ira e furor, mandou chamar Sadrach, Mesach e Abed-nego. E trouxeram a êstes homens perante o rei. Falou Nabucodonosor, e lhes disse: É de propósito, ó Sadrach, Mesach e Abed-nego, que vós não servís a meus deuses nem adorais a estátua de ouro que levantei? Agora pois, se estais prontos, quando ouvirdes o som da busina, do pífaro, da guitarra, da harpa, do saltério, da gaita de foles, e de tôda a sorte de música, para vos prostrardes e adorardes a estátua que fiz, bom é: mas, se não a adorardes, sereis lançados, na mesma hora, dentro do forno de fogo ardente: e quem é o Deus que vos poderá livrar das minhas mãos?” ESCOLTADOS À PRESENÇA DO REI Surpreso com a denúncia da existência de oposição à sagração e culto da estátua simbólica, mandou o rei que imediatamente trouxessem os opositores à sua presença em pleno Campo de Dura. Incontinentemente foram êles conduzidos perante o irado monarca. Êste ato de violência revelou que, embora, homens de posição elevada que eram no reino, não desfrutavam, como vimos atrás, o direito de consciência naquela côrte e naquele reino. Se o rei lhes solicitasse o comparecimento à sua presença para explicarem razões, o caso seria outro. Todavia mandou escoltá-los, e, com isso, revelou que no seu reino seus súditos não eram cidadãos livres, — mas, sim, servos sem consciência. Para Nabucodonosor a consciência de seus súditos era êle próprio. Em primeiro lugar o enfurecido rei fêz aos três valentes uma pergunta coercitiva em matéria de religião. Procura estorquir-lhes uma formal confissão se era ou não intencionalmente que se recusavam servir a seus deuses e adorar a sua estátua de ouro. Aí está uma amostra da realeza babilônica em que o soberano enfeixava em suas mãos os poderes civil e eclesiástico, num indigno e repelente consórcio condenado veementemente pelo céu. A união entre Igreja e Estado, — é uma aliança; a mais corrutora da civilização e a mais abjeta e repulsiva aos olhos de Deus. “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, foi a máxima de Cristo no que respeito à Igreja e o Estado; separação absoluta de ambos os poderes — civil e eclesiástico. Mas, quando um absorve o outro para fins políticos ou 192

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eclesiásticos, — os resultados são sempre iguais aos que estamos agora considerando: Trágicos, violentos, odiosos, fatais. UMA NOVA OPORTUNIDADE DO REI Em seguida à sua pergunta, sem dar tempo a que seus três interrogados lhes respondessem, o rei propõe-lhes uma nova oportunidade: Mandaria tocar novamente a música para que desta vez se prostrassem e adorassem a estátua, e então o caso se encerraria. “Apontando para a fornalha ardente, lembrou-lhes a punição que os esperava se persistissem em sua recusa de obedecer a sua vontade”. “Ao estarem os três hebreus em presença do rei, êste compreendeu que êles possuíam alguma coisa que faltava aos outros sábios do seu reino. Êles haviam sido fiéis no cumprimento de cada obrigação. Êle desejava dar-lhes outra oportunidade. Se tão somente demonstrassem sua boa vontade em unir-se com a multidão em adoração à imagem, tudo iria bem com êles: “mas, se a não adorardes”, êle aduziu, “sereis lançados, na mesma hora, dentro do forno de fogo ardente”. Então com a mão estendida em desafio, exclamou: “E quem é o Deus que vos poderá livrar das minhas mãos?”.1 “A última declaração do rei Nabucodonosor — e quem é o Deus que vos poderá livrar das minhas mãos — foi uma ultrajante ofensa ao Creador em cujas mãos estava a sua própria vida. Revelou um perverso espírito e um arrogante senso de superioridade a Jeová, o Deus dos hebreus. Seu ousado desafio tornou mais humilhante a sua derrota e mais saliente a intervenção vitoriosa do Deus desafiado e ofendido. Que ninguém pense que o rei Nabucodonosor foi o único atrevido desafiante de Deus. Antes dêle, ousara interrogar Faraó a Moisés: “Quem é o Senhor, cuja voz eu ouvirei, para deixar ir Israel? Não conheço o Senhor, nem tão pouco deixarei ir Israel”.2 E, depois do rei de Babilônia até agora, os séculos estão cheios de ousados desafios ao Onipotente. Por ocasião da Revolução Francêsa, gritava um dos padres da chamada “nova ordem”: “Deus, si existis, vingai Vosso nome injuriado. Eu vos desafio! Conservai-vos em silêncio: não ousais fazer uso de Vossos trovões. Quem depois disso crerá em Vossa existência?”.3 E em pleno pujante século XX, Deus é desafiado 1

Profetas e Reis, E. G. White, pág. 507. Êxodo 5:2. 3 O Conflito dos Séculos, E. G. While, pág. 271. 2

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com todo o descaramento por milhares de milhares, numa repetição ao atrevido e ateístico insulto de Nabucodonosor, de Faraó, dos revolucionários franceses e de incontáveis outros declarados incrédulos e infiéis, dentre os quais boa massa de ousados chamados cristãos. NADA DE PARLAMENTAR COM O REI VERSO 16: — “Responderam Sadrach, Mesach e Abednego, e disseram ao rei Nabucodonosor: Não necessitamos de te responder sôbre êste negócio”. O DESTEMOR DA FÉ CORAJOSA Sem manifestar nenhum temor, mas expressando absoluta calma e controle próprio, os três corajosos jovens permaneceram com dignidade diante do colérico potentado. Não vacilaram em responder às ameaças do ensoberbecido rei. A resposta que deram foi sincera, precisa, positiva, decisiva e irrevogável. Não titubearam nem cederam no mínimo. Com inabalável firmeza se recusaram a ceder às instâncias e ameaças do rei. Não discutiram com êle, os porquês da recusa, pois Nabucodonosor já bem os conhecia como religiosos e fiéis adoradores de Jeová, o Deus de Israel. As razões apresentadas pelo orgulhoso monarca e a nova oportunidade que lhes. ofereceu para adorarem sua estátua, não influíram em absoluto na firme decisão já prèviamente tomada por êles. UM INIGUALÁVEL TESTEMUNHO DE FÉ Nunca se viu ou se ouviu antes ou depois de um testemunho tão vibrante e tão corajoso em favor do direito de Deus e da justiça do Céu! Jamais antes a fé foi manifesta de modo tão altaneiro, perfeito e fiél em circunstâncias tão dramáticas e adversas. Foi uma grandiosa amostra do imenso poder que a fé torna possível ter o seu possuidor legítimo. Destemor e intrepidez caracterizaram aqueles heróis da divina virtude da fé. Ficara constatada até que ponto é possível um crente manifestar lealdade aos princípios da justiça do céu quando possuído pela genuína fé dos santos. Lamentàvelmente, todos os séculos, incluso o nosso, têem visto mais traidores do que defensores da pura fé, cujo “Autor e Consumador” é o poderoso Filho de Deus. Milhões de pretensos cristãos têm sucumbido no abismo do medo e da apostasia no momento em que dêles urgia o Salvador um eloqüente 194

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testemunho em Seu favor e em Sua honra; a fé esteve ausente e a derrota fez-se inevitável e fatal. Os três hebreus da nossa consideração, todavia, dão para todos os tempos um vivido e insuperável exemplo do que significa ser um crente em Deus e um genuíno cristão possuidor da “fé de Jesus” seu Salvador. PORQUE NÃO ARRAZOARAM COM O MONARCA Os acusados foram francos ao soberano exaltado: “Não necessitamos de te responder sôbre êste negócio”. Esta foi a resposta inicial decisiva que deram, e que estava em harmonia com a vontade de Deus. Não necessitaram do tempo para se definirem. Como crentes tinham sempre e na hora uma bôa reserva de negativas para tudo quanto contrariava a fiél e perfeita vontade de Deus. A religião é um princípio ativo na vida do religioso; é a própria vida de Deus atuando em Seu verdadeiro servo com todo o poder, fazendo dêle um baluarte que nenhuma fôrça humana será capaz de vencê-lo. Se, porventura, os três hebreus cedessem às instâncias do rei e se curvassem diante da estátua de ouro, perderiam a confiança e a admiração do soberano e da côrte, que até ali desfrutaram. Assim, a decisão imediata que tomaram foi acertada e a única honrosa! O indivíduo cegado pela vaidade do orgulho e da honra mundanos, não aceita justificativas em desabono de suas absurdas e altivas pretenções. O trio de acusados conhecia perfeitamente o neurótico rei Nabucodonosor para tentar parlamentar com êle explicando-lhe da decisão que tomara. A vida que viviam como altos funcionários do reino; a exatidão no desempenho das funções a êles confiada; a impoluta moral pessoal que viviam; a vida religiosa exemplar e gloriosa que manifestavam ao mundo, — já era uma gloriosa e vitoriosa resposta autêntica, cabal, eloquente. UMA RESPOSTA DE FÉ CORAJOSA VERSOS 17-18: — “Eis que o nosso Deus, a quem nós servimos, é que nos pode livrar: Êle nos livrará do forno de fogo ardente, e da tua mão, ó rei. E, se não, fica sabendo, ó rei, que não serviremos a teus deuses nem adoraremos a estátua de ouro que levantastes”. Embora decididos a não parlamentar com o altivo rei, fizeram questão de deixar bem claro dois pontos: 195

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1) O Deus a quem serviam os livraria do forno de fogo ardente da mão ou poder do rei. 2) Decididamente não serviriam aos deuses do rei e muito menos adorariam a sua estátua de ouro. “Foram baldadas as ameaças do rei. Êle não logrou desviar os homens de sua obediência ao Governador do universo. A história de seus pais lhes ensinara que a desobediência a Deus resulta em desonra, desastre e morte; e que o temor do Senhor é o princípio da sabedoria, o fundamento de tôda verdadeira prosperidade. Sua fé foi fortalecida ao declararem que Deus se glorificaria em libertá-los, e com a triunfante segurança nascida da implícita confiança em Deus, acrescentaram: “E, se não, fica sabendo, ó rei, que não serviremos a teus deuses nem adoraremos a estátua do ouro que levantaste”. A resposta daqueles destemidos crentes não seria e não será dada por qualquer espécie de cristãos. Êles estavam seguros de que não capitulariam ante as demandas absurdas de extorções de suas consciências pelo rei Nabucodonosor. A inabalável confiança em Deus lhes assegurava antecipadamente a vitória. Quem os livraria, asseguraram, era o Deus a quem serviam. Transbordantes de inquebrantável fé, puzeram sua sorte nas mãos de Deus. Se o livramento dêles redundasse em Sua glória, que os livrasse. A graça de Deus para êles estava infinitamente acima do favor do rei da Babilônia. A breve futura grande vitória da fé confirmaria que em verdade serviam incondicionalmente a Deus como afirmaram. Êles não eram cristãos nominais, mas evidentes, espiritualmente poderosos em tôda a vida religiosa. Constituem ainda um modelo de vida espiritual para todos os modernos cristãos, principalmente para a juventude cristã do século. Nabucodonosor não esperava uma resposta de tão categórica recusa como a que ouvira. Estava certo de que capitulariam incontinente ante sua presença e seu poder. Aquele rei só tivera diante de si, até então, cobardes e tementes, dos quais fazia o que bem entendia. Agora ali estavam homens prontos a enfrentá-lo, não com as armas carnais da hipocrisia, do despotismo e do orgulho, — mas com as armas poderosas e verdadeiras, capazes de aniquilar as fortalezas da impostura e da impiedade. Os três “não” da resposta inabalável dos moços, venceram o arrogante rei de Babilônia: “Não” para o soberano; “não” para os seus deuses: “Não para a sua estátua”. O resultado dos firmes “não” foi a mais espetacular vitória da fé de que se tem notícia e a mais fragorosa 196

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derrota do poder das provas, através de agentes em Deus. São de cristãos desta estirpe e poder que o século XX está em carência. A mais dolorosa bancarrota da atualidade é a da fé! Que se envergonhem êstes cristãos atuais e meditem na estupenda experiência dos três hebreus, para terem uma visão do que significa ser um verdadeiro seguidor do Cristo de Deus. A INCANDESCENTE IRA DO REI VERSO 19: — “Então Nabucodonosor se encheu de furor, e se mudou o aspecto do seu semblante contra Sadrach, Mesach e Abednego: falou, e ordenou que o forno se aquecesse sete vêzes mais do que se costumava aquecer”. À irrevogável recusa de Sadrach, Mesach e Abed-nego, a ira do rei Nabucodonosor não teve limites. Seu tremendo furor transmudou o aspecto de seus semblante e transformou-o num doido capaz de tudo naquela oportunidade. Quando viu que sua vontade não fôra recebida como a vontade de seu deus pelos três judeus, êle encheu-se de furor. Satânicos atributos tornaram a sua fisionomia como a de um demônio. Urgia justificar sem delongas os ousados representantes duma raça cativa desprezada. “Nabucodonosor não estava em verdade, isento das faltas e incensateses nas quais é tão fácil cair um monarca absoluto. Embriagado pelo poder ilimitado, não podia suportar a desobediência nem a contradição. Ainda que fôsse por bons motivos, si alguém resistia à autoridade que expressava, manifestava a debilidade que, em tais circunstâncias, é comum entre a humanidade caída, e se enfurecia grandemente. Ainda que dominava o mundo, não sabia dominar o seu espírito, nem exercia controle sôbre si mesmo. Irado sobremaneira, seu próprio rosto se demudou. Em vez de domínio próprio e a aparência serena e digna que devia haver conservado, deixou ver em sua expressão e seus atos que era escravo de uma paixão ingovernável”.1 Triste realidade! Por ordem real o forno foi aquecido sete vêzes mais do que o costume. Sentiu ser necessário mais do que um simples poder para conseguir a execução daqueles nobres homens. Pareceu revelar sua crença na virtude do poder do número sete. Pareceu crêr nêste número como uma inabalável e segura plenitude, uma expressão de êxito em tudo e sobre tudo que implicasse êsse número. 1

Las Profecias de Daniel y el Apocalipsis, Urias Smith, Vol. I, pág. 55.

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Portanto, ordenando que o forno se aquecesse sete vezes mais do que o normal, procurou assegurar-se de pleno êxito na sua inglória empresa. Mas verificaria logo que o número sete é o número de Deus vivo e que, portanto, não o empregaria com êxito, mormente na destruição dos que honram à Deus. O rei caldeu estava de todo enganado com o número sete. Além de tudo, quiz o rei, em aquecer sete vêzes mais o forno, provar que não havia Deus com tanto poder capaz de evitar o extermínio dos três rebelados jovens. Quiz assim prevenir-se contra uma possível intervenção sobrenatural do Deus dos hebreus, que êstes asseguraram que os livraria. “E quem é o Deus que vos poderá livrar das minhas mãos”, fôra o seu ousado desafio. Talves a certeza do rei de que teria absoluto êxito em sustar o poder do Deus de Israel em deter a fôrça séptupla do forno ardente, se fundasse no fato de que, em tempo próximo passado, êle havia destruído naquele forno a dois pretensos adoradores do mesmo Deus.1 Os dois, porém, eram falsos profetas e daí não terem assegurado o livramento de Deus. Mal sabia o descontrolado monarca que, quanto mais intenso o calor de seu forno, tanto maior e mais impressionante constituiria êle mesmo o milagre do livramento dos sentenciados jovens. EMPACOTADOS PARA O FORNO DE FOGO ARDENTE VERSOS 20-22: — “E ordenou aos homens mais fortes, que estavam no seu exército, que atassem a Sadrach, Mesach e Abednego, para os lançarem no forno de fogo ardente. Então aquêles homens foram atados com as suas capas, seus calções, e seus chapéus, e seus vestidos, e foram lançados dentro do forno de fogo ardente. E, porque a palavra do rei apertava, e o forno estava sobremaneira quente, a chama do fogo matou aquêles homens que levantaram a Sadrach, Mesach e Abed-nego. Como preparativos para a execução sumária, ordenou o rei que fortes homens de seu exército atassem com cordas dos pés aos ombros os adoradores do Deus de Israel, em forma de embrulho, de modo que seus braços ficassem amarrados ao corpo, para facilitar serem atirados ao candente forno. Assim fcram êles jogados na fornalha, esperando todos os presentes que num instante fossem reduzidos a simples cinza.

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Jeremias 29:21-23.

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A intensidade do calor era de tal natureza, que só as chamas que emanavam da fornalha fulminaram os homens fortes que jogaram os três sentenciados ao forno, com a morte dos poderosos homens de seu exército, começou a derrota do rei e ficou já patente o desagrado de Deus pelo ato impensado e cruel do monarca em procurar destruir caracteres puros e santos, homens zelosos no seu dever no que respeitava às funções do Estado a êles confiadas. Na morte dos soldados do rei, ficou provada a nulidade do pretenso poder atribuído aos deuses de Babilônia, pois não livraram estes seus adoradores. Todavia, a morte fulminante daqueles fisicamente poderosos soldados, deu mais realce ao livramento dos hebreus e demonstrou o supremo poder do Deus de Israel. O TODO-PODEROSO NA FORNALHA ARDENTE VERSOS 23-25: — “E êstes três homens, Sadrach, Mesach e Abed-nego, caíram atados dentro do forno de fogo ardente. Então o rei Nabudonosor se espantou, e se levantou depressa: falou, e disse aos seus capitães: Não lançamos nós três homens atados dentro do fogo? E responderam e disseram ao rei: É verdade, ó rei. Respondeu, e disse: Eu, porém, vejo quatro homens soltos, que andam passeando dentro do fogo, e nada há de lesão nêles; e o aspecto do quarto é semelhante ao filho dos deuses”. A FRAGOROSA DERROTA DE SATANÁS A palavra de Nabucodonosor foi cumprida; os sentenciados inocentes caíram atados em meio às chamas. Do seu trono, próximo, o rei olhava esperando ver inteiramente consumidos os homens que se atreveram a desafiá-lo publicamente. “Mas o Senhor não esqueceu os Seus. Sendo Suas testemunhas lançadas na fornalha, o Salvador Se lhes revelou em pessoa, e junto com êles andava no meio do fogo. Na presença do Senhor do calor e do frio, as chamas perderam o seu poder de consumir”.1 Aquêles fidelíssimos cristãos haviam assegurado ao rei de Babilônia que seu Deus os libertaria. E os fatos demonstraram que aquilo que ao rei pareceu mera presunção, revelou-se em glorioso resultado da viva fé daqueles santos. Por outro lado o mundo teve uma 1

Profetas e Reis, E. G. White, págs. 508, 509.

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amostra evidente do valor dos verdadeiros crentes quando em perigo mesmo de extermínio. O notável livramento assentou a bendita e irrecusável verdade da assistência de Deus em favor de seus escolhidos como resultante da inabalável confiança que manifestaram em Seu sempre presente poder em protegê-los. O Nôvo Testamento relembrando o grande feito da fé daqueles heróis cristãos em Babilônia, assim se expressa: “Pela fé... apagaram a fôrça do fogo”.1 O que mais atenção chama a este sobrenatural livramento, é que os três fiéis não foram salvos da fornalha ardente, mas na fornalha ardente, em plenas chamas devoradoras. Não foram libertos do forno destruidor, mas de seu poder consumidor. Hoje, tão bem como naquele tempo, podem os fiéis confiar em seu Salvador com a mesma certeza de fé, pois só assim poderão assegurar a seus modernos algozes a Sua intervenção que garante a vitória. Urge, todavia, aquela indispensável e poderosa fé que não é presunção, mas sim uma inabalável e inconfundível segurança, uma antecipada vitória sôbre todo o perigo não importando o seu feitio. A tentativa de Satanás em incentivar a idolatria nacional — de elevação de Babilônia como eterna dominadora na terra, através do cêtro caldeu — redundou em sua derrota. Seu esforço por intermédio de Nabucodonosor foi fatal e vexatória, em vez de êxito, seus maléficos fins foram derribados e desmoralizados. Aquela massa humana de grandes homens prementes, que após a consagração e adoração da idolátrica estátua devia volver às numerosas províncias e promover o “culto-Pátria” de Babilônia incomparável, inconquistável e imperecível, teve naquela oportunidade a mais estupenda manifestação pessoal do Eterno. Cada um daqueles dignatários levou a seus países de origem a espetacular nova que tiveram o privilégio e mesmo a honra de presenciar — a revelação pessoal do Onipotente. O quadro que se lhes deparou ante os olhos jamais esqueceram; permaneceu vivido em suas memórias e em suas retinas enquanto viveram. Tiveram uma verdadeira visão da fé, do Deus vivo e Único verdadeiro e de Seu eterno e invencível poder. Fôra possivelmente esta a maior derrota evidente do poder das trevas até ali conhecida, ao tentar eliminar por uma morte tão trágica e satânica, as testemunhas de Deus da corte mundial do paganismo. Fôra igualmente a maior vitória 1

Hebreus 11:34.

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do direito do céu em preservar a honra de Deus através de seus leais servos, de seus leais embaixadores na terra. NABUCODONOSOR CONTEMPLA O TODO-PODEROSO O levante do rei Nabucodonosor contra Deus na pessoa de Seus servos, não foi uma revelação de ignorância da supremacia do Onipotente. Êle mesmo confessara: “Certamente o vosso Deus é Deus dos deuses”.1 Rebelara-se, pois, mais uma vez, contra uma autoridade e vontade que sabia serem supremas no universo. Atentou contra a vida de homens nobres, santos, cumpridores de seus deveres em suas funções de Estado naquele reino, só por desejarem dispor de suas consciências em matéria de fé religiosa e de civismo. Todavia, julgouos como seus maiores adversários. Com seu pretendido triunfo esmagador sôbre aquêles imaculados caracteres, visou apenas reter uma autoridade orgulhosa, inglória e efêmera. Mas os sentimentos de triunfo do rei Nabucodonosor mudaram. Enquanto olhava atento à fulminante fornalha esperando ver reduzidos a nada aquêles por êle tidos como rebeldes, espantou-se sobremaneira. Havia uma quarta pessoa em meio às chamas, que não fôra jogada conjuntamente com os três. Êle notou-lhe a diferença em relação aos outros: Era Majestoso, revelava Onipotência, manifestava senhorio universal, não aparentava vingança contra os malfeitores de seus escolhidos naquele forno jogados, — mas deixara transparecer em seu adorável semblante um imensurável amor. Como fora de si, o rei Nabucodonosor ergue-se depressa de seu trono. Estava pálido e abismado, e olhava atentamente às fulgurantes chamas. Arranca de seus nobres a confirmação de que lançaram três homens apenas ao forno. Êle, porém, cheio de comoção e temor, logo acrescenta: “Eu, porém, vejo quatro homens soltos, que andam passeando dentro do fogo, e nada há de lesão nêles; e o aspecto do quarto é semelhante ao filho dos deuses”. A versão bíblica de King James apresenta “Filho de Deus” em vez de “filho dos deuses”. Cremos que “Filho de Deus” é a expressão correta do rei, pois lhe haviam afirmado os três hebreus que o Deus de Israel os livraria. Mas, “como sabia o rei pagão a que era semelhante o Filho de Deus? Os cativos hebreus que ocupavam posição de 1

Daniel 2:47.

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confiança em Babilônia tinham representado a verdade diante dêle na vida e no caráter. Quando perguntados pela razão de sua fé, tinham-na dado sem hesitação. Clara e singelamente tinham apresentado os princípios da justiça, ensinando assim aos que lhes estavam ao redor a respeito do Deus a quem adoravam. Êles tinham falado de Cristo, o Redentor vindouro; e na aparência do quarto no meio do fogo o rei reconheceu o Filho de Deus”.1 A presença de seu Salvador tinha-os guardado de sofrer dano, e unicamente suas amarras tinham-se queimado”. O rei Nabucodonosor, em virtude de sua fragorosa derrota e a grandeza do que via, esqueceu-se de sua própria dignidade e majestade real, e apareceu como um “nada” em presença da Majestade do céu. A estátua de ouro, erguida com tanta pompa e orgulho, foi esquecida como algo obsoleto, tendo sido convertida em coisa nenhuma tôda aquela manifestação a Babilônia como poder eterno. O grande e sobrenatural livramento dos servos de Deus revelou aquela estátua nada significar como símbolo, senão que era um embuste do monarca babilônio na intenção de anular a interpretação de Daniel da próxima queda de sua realeza mundial sob as armas de outros povos conquistadores. O acontecimento que começou com uma aparente manifestação de poder jamais visto de uma côrte mundial em todos os séculos e que por fim foi declarado de nenhum valor pela manifestação do Todopoderoso, foi escrito para advertir aos modernos Nabucodonosores de quanto vale o poder humano ante o divino poder. A VITÓRIA DA FÉ PODEROSA VERSOS 26-27: — “Então se chegou Nabucodonosor à porta do forno de fogo ardente; falou, e disse: Sadrach, Mesach e Abed-nego, servos do Deus Altíssimo, saí e vinde! Então Sadrach, Mesach e Abed-nego saíram do meio do fogo. E ajuntaram-se os sátrapas, os prefeitos, e os presidentes, e os capitães do rei, contemplando êstes homens, e viram que o fogo não tinha tido poder algum sôbre os seus corpos: nem um só cabelo da sua cabeça se tinha queimado, nem as suas capas se mudaram, nem cheiro de fogo tinha passado sôbre êles”. 1

Profetas e Reis, E. G. White, pág. 509.

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OS VITORIOSOS SAEM DA FORNALHA ARDENTE Excessivamente emocionado, o rei de Babilônia achegou-se tão perto do forno quanto pôde e ordenou aos três jovens que saíssem dêle. Suas palavras foram agora cheias de bondade e reconhecimento. Expressando temor e respeito os tratou de “servos do Deus Altíssimo”. Êles não saíram do fogo tão logo ao serem libertos, pois o Salvador permanecia com êles e não podiam sair sem Seu consentimento. Antes de saírem os presentes deviam ter uma perfeita visão do grande livramento e contemplar nitidamente a majestade do Céu e seu imenso poder e glória. Além disso, o próprio rei deveria tomar a iniciativa e solicitá-los que saíssem, pois por ordem sua foram sentenciados a morrerem ali. Só depois do pedido do monarca o Salvador consentiu que saíssem. Esta estupenda vitória do poder da luz sôbre o das trevas foi uma mordaz repreensão para a insensatez e loucura do soberano de Babilônia. Um poder superior a qualquer outro da terra havia vindicado a fé dos que permaneceram firmes contra a idolatria e desprezaram o culto nacional pagão do rei. Nenhum dos deuses do paganismo efetuara até ali uma libertação no forno de fogo. Ante as poderosas evidências a seus próprios olhos, o rei Nabucodonosor não endureceu o seu coração como fizera Faraó, embora o grande efeito não fôsse duradouro nem redundasse em conversão. Duas coisas, todavia, ficaram claramente demonstradas: 1) que enquanto as potências terrenas exercerem poder nesta terra, o povo de Deus poderá entrar em conflito mortal, com as exigências de seus soberanos em face dos deveres para com Deus; 2) que enquanto seu povo Lhe fôr fiel Deus os protegerá, até mesmo de modo maravilhoso para livrá-los de perigos e males injustos, se assim achar por bem fazer. Se os três hebreus já houvessem concluído o testemunho que deviam dar em Babilônia e ao mundo através aquela côrte, possivelmente deixaria Deus que selassem sua fé naquela fornalha ardente. Mas deviam ser ainda preservados. UM QUADRO MARAVILHOSO O quadro que se seguiu ao saírem do fogo os três raros jovens, não pode ser precisamente descrito aqui na terra. Os grandes do rei presentes à inauguração da estátua haviam aprovado o seu ato sentenciando-os àquela terrível morte sumária na fornalha. Agora, 203

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depois da vitória dos hebreus cativos, ao passarem incólumes pelas consumidoras chamas, os contemplam admirados e cheios de temor. Tinham diante dos olhos a prova tangível da proteção do Todopoderoso a seus fiéis servos. Olvidando a cerimônia da hora e a própria monumental estátua do rei, todos os seus interesses se concentraram nos três notáveis homens. Representantes de todo o mundo que eram, prestam inconscientemente uma homenagem a Deus e a Seus vitoriosos escolhidos. A fé dos eleitos do Senhor se demonstrou potente e redundou ao menos por um instante em Sua honra e respeito entre as sumidades do reino mundial reunidas em Babilônia naquela oportunidade. A ira que contra os três jovens o rei e seus grandes devotaram conjuntamente, resultou em louvor de Deus e Sua causa na terra até ao presente século. Ao constatarem que nem mesmo um fio de cabelo daqueles heróis se queimara, que suas vestes estavam perfeitamente intactas e que havia completa ausência mesmo de cheiro de fogo sôbre êles, — reconheceram o poder que com aquêles moços estêve em plenas chamas. Tiveram aquêles cortezões a lição de que careciam: Que o poder pertence a Deus e que êles, com todo o orgulho e jactância que lhes era próprio, eram meros “nada” diante da Onipotência sempre presente e sempre vigilante em face de Seus interêsses no mundo. O grande acontecimento foi-lhes uma advertência para que não mais ousassem se erguer contra o vitorioso povo de Deus e Sua triunfante causa na terra. “Pela libertação de Seus fiéis servos, o Senhor declarou que toma posição ao lado do oprimido, e repele todo, poder terreno que se rebela contra a autoridade do Céu. Os três hebreus declaram a tôda a nação babilônica sua fé naquele a quem adoravam. Êles descansaram em Deus. Na hora de sua provação lembraram-se da promessa: “Quando passares pelas águas estarei contigo, e quando pelos rios, êles não te submergirão; quando passares pelo fogo, não te queimarás, nem chama arderá em ti”.1 E de maneira maravilhosa sua fé no Deus vivo tinha sido honrada à vista de todos. A notícia de seu maravilhoso livramento fôra levada a muitos países pelos representantes das diferentes nações que tinham sido convidadas por Nabucodonosor para a dedicação. Mediante a fidelidade de Seus filhos, Deus fôra glorificado em tôda a Terra”.2 1 2

Isaías 43:2. Profetas e Reis, E. G. White, págs. 511, 512.

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O testemunho daqueles valentes hebreus cristãos, é o testemunho que Deus espera de Seus filhos em pleno século atual. EXALTANDO O DEUS QUE INJURIOU VERSO 28: — “E falou Nabucodonosor, e disse: Bendito seja o Deus de Sadrach, Mesach e Abed-nego, que enviou o Seu anjo, e livrou os seus servos, que confiaram nÊle, pois não quiseram cumprir a palavra do rei, preferindo entregar os seus corpos, para que não servissem nem adorassem algum outro deus, senão o seu Deus”. Em meio à admiração de todos, o rei Nabucodonosor tomou a palavra para exaltar o Deus de Israel e louvar a fé de Seus três fiéis servos. Nas palavras do soberano salienta-se o fato de que aquêles homens preferiram antes “entregar seus corpos” do que quebrar sua lealdade a seu Deus. O próprio rei exalta a confiança que depositaram em seu Deus, que foi o móvel pelo qual repudiaram “a palavra do rei” no campo de Dura em homenagem à estátua de ouro. Quão importante é que o ímpio exalte a fé das testemunhas de Deus e com isso ao próprio Deus Onipotente. É isto mesmo que Deus anseia ver neste século final da história do império do mal: Homens que O sirvam com indiscutível fidelidade para que isto resulte em Seu louvor e honra em meio à infidelidade e ao orgulho do mundo atual. Mas, com tristeza, perguntamos: Onde estão os fiéis de Deus hoje, por cuja fidelidade Êle é exaltado na terra? Lamentàvelmente são tão raros êsses fiéis que quase são totalmente despercebidos! UM DECRETO MUNDIAL EM HONRA DE DEUS VERSO 29: — “Por mim pois é feito um decreto, pelo qual todo o povo, nação e língua que disser blasfêmia contra o Deus de Sadrach, Mesach e Abed-nego, seja despedaçado, e as suas casas sejam feitas um monturo; porquanto não há outro deus que possa livrar como êste”. “As experiências dêsse dia levaram Nabucodonosor a baixar um decreto”. “Não há outro Deus”, referira êle, “que possa livrar como êste”. “Com estas palavras e outras semelhantes o rei de Babilônia procurou espalhar entre todos os povos da terra sua convicção de que o poder e autoridade do Deus dos hebreus eram dignos de suprema adoração. E Deus Se sentiu honrado com os esforços do rei para lhe 205

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mostrar reverência e tornar a confissão real de obediência difundida por todo o domínio babilônico. “Era correto fazer o rei confissão pública, e procurar exaltar o Deus do Céu sôbre todos os outros homens; mas procurar forçar seus súditos a igual confissão de fé é mostrar semelhante reverência era exceder os seus direitos como soberano temporal. Não tinha êle maior direito, civil ou moral, de” ameaçar os homens com a morte pela não adoração de Deus, do que tinha para fazer o decreto votando às chamas todos os que recusassem cultuar a imagem de ouro. Deus jamais compele o homem à obediência. A todos deixa livres para que escolham á quem desejam servir”.1 Contudo o decreto mundial do rei Nabucodonosor contribuiu para espalhar pela terra inteira o conhecimento do nome do Deus de Israel e Seus grandes feitas em pról do Seu povo. O Deus dos hebreus foi colocado pelo emocionado monarca acima de todos os deuses das nações. E os cativos hebreus nas províncias orientais foram olhados com respeito e admiração por terem um Deus poderoso e amante de Seus escolhidos mesmo em cativeiro distante. LIÇÕES SUMAMENTE IMPORTANTES “Importantes são as lições a serem aprendidas da experiência dos jovens hebreus na planície de Dura. Nos dias atuais, muitos dos servos de Deus, embora inocentes de qualquer obra má, serão levados ao sofrimento, humilhação e abuso às mãos daqueles que, inspirados por Satanás, estão cheios de inveja e fanatismo religioso. A ira do homem será especialmente despertada contra os que santificam o sábado do quarto mandamento; e por fim um decreto universal denunciará a êstes como dignos de morte. “Os tempos de provação que estão diante do povo de Deus reclamam uma fé que não vacila. Seus filhos devem tornar manifesto que Êle é o único objeto do seu culto, e que nenhuma consideração, nem mesmo o risco da própria vida, pode induzí-los a fazer a mínima concessão a um culto falso. Para o coração leal, as ordenações de homens pecaminosos e finitos se tornam insignificantes ao lado da Palavra do eterno Deus. A verdade será obedecida, embora o resultado seja prisão, exílio ou morte. “Como nos dias de Sadraque, Mesaque e Abed-Nego, no período final da história da Terra o Senhor operará poderosamente em favor 1

Profetas e Reis, E. G. White, págs. 510, 511.

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dos que ficaram firmes pelo direito. Aquêle que andou com os hebreus valorosos na fornalha ardente estará com os Seus seguidores em qualquer lugar. Sua constante presença confortará e sustentará. Em meio do tempo de angústia — angústia como nunca houve desde que houve nação Seus escolhidos ficarão inamovíveis. Satanás com tôdas as hostes do mal não pode destruir o mais fraco dos santos de Deus. Anjos magníficos em poder os protegerão, e em favor dêles Jeová Se levantará como ‘‘Deus dos deuses”, capaz de salvar perfeitamente os que nÊle puseram a sua confiança”.1 Daqui a pouco mais e o ímpio levantará ousadamente mais uma vez a sua mão contra o justo, os servos fiéis de Deus. Todavia, o mundo verá mais uma vez o poderoso braço do Senhor em defesa de Seus amados escolhidos — para os proteger e os salvar. OS VITORIOSOS SÃO EXALTADOS VERSO 30: — “Então o rei fêz prosperar a Sadrach, Mesach e Abed-nego, na província de Babilônia”. “Êste derradeiro versículo de tôda uma história emocionante, revela a recompensa da fé invencível. Não só o rei fê-los retornar a seus altos encargos na província de Babilônia como fê-los prosperar ainda mais, ou lhes incumbira de responsabilidades mais sérias e mais honrosas. Aquilo que Satanás esperou conseguir, — afastar da côrte de Babilônia os embaixadores de Deus por uma mortes impiedosa — redundou em sua fragorosa derrota e maior exaltação de Deus na côrte de Nabucodonosor e em seu reino mundial. O rei convencera-se que em tais homens, que estavam prontos a morrer por sua fé em suas convicções religiosas e que seu próprio Deus descera em socorro de suas vidas em perigo, — podia elê confiar as mais altas funções sem qualquer preocupação, seguro de que êles saberiam desempenhá-las com a maior exatidão e justiça.

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Profetas e Reis, E. G. White, págs. 512, 513.

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CAPÍTULO IV O SEGURO RESULTADO DA PROCRASTINAÇÃO

Introdução Diante de nós está agora um capítulo cujo escritor por incrível que pareça — é o próprio rei de Babilônia, Nabucodonosor. Nêle trata o grande monarca do mundo de um decreto seu em o qual evidencia solenemente duas importantes coisas: 1) Ter êle passado pela mais drástica experiência possível às mãos de Deus, o “Rei do céu”, e 2) ter-se entregue incondicional e irrevogàvelmente ao Excelso Criador do universo — para amá-l’O, serví-1’O e adorá-1’O como Deus vivo e único verdadeiro. O decreto do rei Nabucodonosor é inédito por sua natureza. A História desconhece um outro relatório, tornado público pelo próprio autor, em que, como um grande homem, denuncie-se a si mesmo perante o mundo, repudie tèdiamente o seu orgulho e confesse ao mesmo tempo sua dramática humilhação resultante do desagrado do Deus Todo-poderoso. Referiu-se o insígne soberano a um inquietante sonho seu o qual considerou como presságio de juízo divino impendente sôbre sua pessoa. E, em seu público decreto, põe êle tudo ao vivo nas mais impressionantes côres. Quando o rei primeiramente desejou saber o significado de seu sonho — o segundo que Deus lhe dera — apelou imediatamente aos sábios de seu reino, os quais, como sempre, falharam novamente ante um problema de inspiração celestial, ficando mais uma vez comprovada a farsa da sabedoria daqueles pretensos sapientes. O soberano convocou então a Daniel, seu primeiro ministro e profeta de Deus, para que desse a sua opinião. E o servo de Deus, que prèviamente recebera dÊle a interpretação do sonho, salientou ao rei — antes de tudo e em harmonia com a primeira parte da revelação — a sua grandeza inigualável como rei do mundo; a sua majestade sem

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rival como soberano; e a sua brilhante glória real sem paralelo como soberano absoluto do orbe do qual tôda a humanidade dependia. Advertiu-o a seguir, Daniel, duma implacável sentença do céu, contra êle decretada em seu sonho, salientando que podia contorná-la ou evitá-la mudando a sua orgulhosa atitude e conduta em relação a Deus como Senhor e Soberano único e legítimo — em cujas mãos está o controle das nações, de todos os seres viventes e de tôdas as coisas. Mas, o irascível monarca não evitou a catástrofe; antes precipitou-a elevando ainda mais o seu coração já bastante exaltando, lançando-se no abismo. Em resumo, êste quarto capítulo de Daniel demonstra a pedagogia filosófica de Deus que é humilhar o mortal, às vêzes a duras provas — contra a Sua vontade, porém — como recurso único para exaltá-lo à dignidade dum real filho Seu. A menos, pois, que o homem voluntàriamente se humilhe ou seja humilhado pela misericórdia divina, não haverá para êle esperança de recuperação e redenção para o futuro e eterno reino de Cristo. O orgulho é o pecado que oferece menos chance de ser desfeito e perdoado. Só mesmo uma superabundante porção da graça de Deus e a especial interferência direta do céu poderão quebrar e vencer tão deprimente e fatal pecado, e trazer a vitória ao impotente pecador por êle algemado e incapaz de livrar-se por seus próprios esforços. O caso do rei Nabucodonosor, exigiu a imprescindível, intervenção de Deus de um modo “sui gêneris”, para quebrar o encanto da sua altivez e redimir aquêle rei que em verdade foi muito amado ao coração de Deus e de Seu Filho, o Salvador. Depois da dura — porém decisiva e salutar prova, o rei, então renovado e possuidor agora de um caráter nobre e santo segundo a vontade de Deus, desejou fazer notória a sua experiência, como em verdade o fez, a todos os seus súditos mundiais, com todos os impressionantes detalhes mormente a sua irrevogável decisão de entrega, pessoal ao Deus de Daniel, o Deus vivo e absoluto Senhor do universo. O MILAGRE DA PAZ MUNDIAL VERSO 1: “Nabucodonosor rei: a todos os povos, nações, e línguas, que moram em tôda a terra: Paz vos seja multiplicada”. 210

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DECRETOS INÉDITOS DE NABUCODONOSOR Nenhum outro monarca em tôda a História exerceu um domínio tão completo sôbre nações e povos como Nabucodonosor, rei de Babilônia. Foi êle o único soberano mundial que expediu os mais importantes decretos-leis de que temos notícia, a todos os povos da terra. Dois de seus famosos decretos, mencionados nos capítulos três e quatro do livro de Daniel, foram expedidos em honra de Deus — a Majestade do Céu, — o primeiro na pretenção de obrigar a seus súditos a respeitarem-n’O por ter liberto a três hebreus do poder das chamas ardentes e o segundo para comunicar a sua aceitação das diretrizes do Deus Criador e sua conversão a Êle — maravilha de imensurável poder da divina graça em dobrar um tão arrogante pecador. Cremos que êste potente milagre pode repetir-se infinitamente em favor dos homens sejam quais forem as suas condições moral e espiritual, sejam quais forem as côres e tamanhos dos seus pecados. Não há barreira que a graça de Deus não possa derribar, tortuosidades que não possa endireitar, disparidades na vida que não possa aplainar e nivelar. Êste segundo decreto do rei Nabucodonosor que estamos considerando, visou comunicar ao mundo inteiro a maravilhosa operação da graça celestial em sua vida e a miraculosa transformação verificada mesmo em seu trato para com seus governados de tôdas as nações. É desconhecido outro caso até ao presente em que a salvadora graça se demonstrasse tão pujante e poderosa. Mesmo o caso da conversão de Saulo de Tarso não foi tão impressionante como dêste do rei Nabucodonosor. “PAZ VOS SEJA MULTIPLICADA” Nenhum decreto do grande rei era assim introduzido anteriormente como monarca rígido, severo, guerreiro, sedento de dominação e que impunha outrora a sua vontade de ferro com ameaças e mortes. Milhares de milhares de cativos de inúmeros povos conquistados eram por êle transportados para o Oriente e tratados com indizível rigor. Êle estava sempre pronto a dar e tirar a vida a quem quer que fosse e como e quando bem lhe parecesse, o poderoso rei caldeu não era de muita conversa. Contrariá-lo alguém, significava expor-se a perigo fatal. No capítulo sete é êle figurado num leão com azas de águia, símbolo do poder, da crueldade, da ferocidade e da temeridade. Cremos que nenhum antigo rei a êle se equiparou em 211

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poder e majestade na terra. Também em arrogância, orgulho, desafio a todos e ao próprio céu nenhum outro o igualou. Em resumo, o referido monarca babilônio era a personificação da mais descabida agressividade, da mais tirânica impostura e do mais desqualificado despotismo opressor. Todavia, o segundo decreto do grande rei Nabucodonosor o revela completamente diferente. O apresenta como um caráter diametralmente oposto ao delineado acima. A paz multiplicada que o outrora celerado rei anela agora a seus incontáveis súditos vassalos e tributários, revela, fora de toda a dúvida, ter havido, em todos os setores de uma vida, uma completa reviravolta. Pois ninguém poderá jamais almejar essa abundante paz — essa paz multiplicada — a menos que um prodigioso fenômeno sobrenatural tenha ocorrido em sua vida. E não fôra mais nem menos a operação do imensurável poder da graça de Deus que nêle se manifestara e o mudara em outro homem, em outro rei, e o transformara em outro verdadeiro e honrado filho de Deus. Sim, uma gloriosa experiência, indubitavelmente sobrenatural, apresenta agora o rei Nabucodonosor como um homem essencialmente novo segundo o padrão do céu, uma vivida mostra humana do que significa ser um cidadão, um súdito da transformadora e salvadora graça do Deus Todo-poderoso. Na radical mudança verificada na inteira vida daquele antes ímpio rei pagão arrojado e arrogante, estampa-se a evidência daquela transformação que deve operar-se em todos quantos almejam a salvação e o reino de Deus. A “paz multiplicada” do ex-temível rei, enchera o mundo de admiração bem como de alívio, pois nada mais tinham agora a temer de suas leis e de seu despótico govêrno real. O mundo respirou então a maravilhosa paz que ardentemente almejara, — a paz multiplicada, a paz miraculosa — e encheu-se de indizível alegria na transformação de seu soberano em um digno rei do mundo sob a sapiente orientação do Deus do céu. REFLETOR DAS MARAVILHAS DE DEUS VERSO 2: — “Pareceu-me bem divulgar os milagres e maravilhas que o Altíssimo Deus tem feito para comigo”. O TRANSBORDAMENTO DUM CORAÇÃO CONVERTIDO Quando uma alma se converte dando incondicionalmente o seu coração ao Salvador, sua ilimitada satisfação e seu infindável gôzo são 212

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tais que transbordam e inundam a sociedade humana. Ela não se cansa jamais em dar vazão aos deleites da graça que a transformou e a redimiu. Quer que todos, o maior número possível, fiquem cientes de sua nova e gloriosa experiência na vida, de que encontrou-se com seu amante Redentor e propôs-se viver por Êle e para Êle o restante de seus dias. Quanto mais espande êste seu celestial contentamento, mais e mais se apercebe da crescente ventura a lhe saturar a vida. E, seu incontido anelo é, pois, extravasar a sua jubilosa felicidade sôbre as massas que a cercam de perto e de longe. Jamais se detém em anunciar a sua remissão e em apelar a outros para que a sigam conjuntamente pela nova e verdadeira estrada rumo ao reino do Senhor e em Sua aprasível companhia. Foi isto mesmo que manifestou o Rei Nabucodonosor ao converter-se a Deus. Jubiloso, qual um alucinado da graça, quer que até aos confins de seu imenso império, no inteiro orbe, chegue a feliz boa nova, a todos os seus súditos, do milagre celestial da radical mudança operada em sua vida. Incontinentemente à sua entrega ao Rei do Céu, ante incontáveis evidências de Seu amor por êle, toma a sua pena e redige aquilo que foi o seu maior, mais famoso e mais original decreto que jamais saiu de seu punho. Um decreto em honra do Altíssimo Deus por tê-lo salvo! Não era possível conter-se. Uma alma conscia de sua remissão não pode estagnar-se na ingratidão a seu Remissor. Num ímpeto quase sobreumano, esboça o grande rei sua inigualável experiência e envia-a por céleres correios aos quatro cantos da terra, ancioso por que atinja depressa mesmo os mais longínquos rincões do reino, na espectativa de que todos a recebam com júbilo e constitua uma inestimável bênção do Céu a todos os povos de seu vasto e grandioso domínio. O QUE FEZ NOTÓRIO O REI NABUCODONOSOR? O que o rei Nabucodonosor pretendeu divulgar êle mesmo o diz introduzindo o seu glorioso decreto: “Pareceu-me bem divulgar os milagres e maravilhas que o Altíssimo Deus tem feito para comigo”. Aí está. Há tantos que sempre estão dispostos a divulgar o que Deus fez por outrem, — os milagres evidentes da nova vida dos canibais das linhas do Oceano Pacífico; as maravilhas das transformações quasi incríveis lá no Continente Negro; as admiráveis conversões entre os pagãos em tôda a Ásia; enfim, as incontáveis metamorfoses operadas em todo o mundo pelo poder do evangelho de Cristo. Mas 213

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esquecem de divulgar “os milagres e as maravilhas que o Altíssimo Deus tem feito para” com êles! Isto é ingratidão, é deslealdade ao infinito amor! São crentes passivos, inertes, sem expressão, acobardados pelo temor e o respeito humano que êles próprios criaram. Não sentem o sagrado dever de “divulgar” as bênçãos da divina graça abundantemente recebidas do céu. Recusem-se a pregar o maior dos sermões — “divulgar” a salvação recebida. Salvar-se-ão, porventura, tais espécies de cristãos que se envergonham de testemunhar de seu Senhor e Salvador? Serão êles, em verdade, cristãos, vivendo no anonimato em relação a Cristo? O rei Nabucodonosor não agiu assim. Bradou êle bem alto, à terra tôda, — o seu eloquente e destemeroso testemunho de fiel gratidão a seu Senhor e Salvador. Quais foram os “sinais e maravilhas” operados por Deus em seu favor e que a todos, diz êle, “pareceu bem divulgar”? Os ditos “sinais e maravilhas” dividem-se em quatro sessões distintas: 1) Os quatro maravilhosos jovens que Deus enviara à sua côrte para ajudarem-no a governar. 2) As revelações pessoais que Deus lhe concedeu em sonhos. 3) A manifestação evidente do Todo-poderoso na fornalha ardente. 4) A operação da poderosa graça de Deus em sua vida transformando-o em um verdadeiro servo de Deus e súdito honrado de Seu reino eterno. Tudo isto foi feito para o bem do rei Nabucodonosor e constitue “os milagres e maravilhas”, da compaixão de Deus por êle, que, por fim, correspondem plenamente. Porém, dentro destas quatro sessões referidas, um caudal, de “sinais e maravilhas” admirou, convenceu e converteu o grande soberano e fêlo cair genuflexo e emocinado aos pés, do Deus do céu — seu Salvador. O GRANDIOSO PODER DE DEUS VERSO 3: — “Quão grandes são os Seus sinais, e quão poderosas as Suas maravilhas! O seu reino é um reino sempiterno, e o Seu domínio de geração em geração”. O rei Nabucodonosor, depois de recusar tantas claras provas da supremacia do Deus de Israel sôbre todos os deuses cridos e adorados como tais, embora deuses não fossem, por fim O reconhece e O aceita como o Deus-vivo e único supremo Soberano da eternidade. Aceita seus “milagres e maravilhas” como eloqüentes testemunhos da estabilidade de Seu reino imperecível. Reconhece, com suas declarações, quão incapaz era êle como 214

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monarca e quão instável era a sua realeza terrena. Em face das irrecusáveis evidências da soberania de Deus sobre o govêrno dos homens, como por êle comprovadas em seu reino e sua própria pessoa, resolve, ainda em tempo, curvar-se ante Seu poder bem como dÊle fazer depender o seu domínio enquanto no trono da terra. Reconhecessem hoje, os governantes das nações, o poder de Deus e Sua supremacia até sôbre seus domínios humanos na terra; humilhassem-se êles ante a absoluta Eminência do Eterno; fizessem depender de Sua sapiência divina a marcha de suas funções governamentais no mundo, — então seriam grandemente abençoados; a justiça seria a vestidura de seus atos como soberanos; haveria transbordante paz perpétua e mundial; e teriam fim as injustiças e as explorações descabidas e desumanas raramente por êles reprimidas e muitas vêzes permitidas sôbre a humanidade em aflição. O PERIGO DA CONFIANÇA PRÓPRIA VERSO 4: — “Eu, Nabucodonosor, estava sossegado em minha casa, e florescentes no meu palácio”. Nada mais perigoso para o homem do que quando sossegado e florescente em palácio, domina na terra custodiado por uma política opressiva e por um exército de ferro. Êste era o caso do outrora poderoso rei do mundo, Nabucodonosor. Sua tranquilidade e florescimento governamentais não eram de admirar. Através da fôrça e da conquista armada puzera a terra sob seus pés, sendo temido como senhor da vida e da morte. Apoiado, pois, pela fôrça das armas e conservando seus súditos em inexorável sujeição, estava pronto para reprimir com severidade e castigo os conquistados povos que se atrevessem a tentar libertarem-se de seu férreo jugo. As grandes conquistas de Nabucodonosor o inspiraram na vaidade de sentir-se seguro em si mesmo. Não, parecia, portanto, que viesse a ocorrer algo que perturbasse a sua completa tranquilidade. O que poderia ameaçá-lo, se todos os seus inimigos estavam inexoravelmente vencidos e nenhuma nuvem hostil deparava-se-lhe no horizonte? Seus próprios pensamentos de poder e visões de glória asseguravam-lhe que o futuro não lhe poderia ser adverso e perturbador. Cria ter alcançado o alvo de suas ambições e nada e ninguém poderia desassossegá-lo. Entretanto, o famoso monarca jazia à beira do abismo. Seu enganador sossêgo e sua pretenção de segurança de todos os lados, 215

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eram uma farça de seus ilusórios pensamentos. Nunca esteve êle em maior perigo e nunca lhe foram tão graves as circunstâncias, do que quando, tudo lhe parecia indicar um futuro ainda mais brilhante e promissor. Todavia, em condições de segurança carnal, até de Deus esquecera-se o rei Nabucodonosor, posto que de Seu supremo poder lhe fossem dadas tantas e convincentes provas. Em seu orgulho perdera de vista as lições que Deus lhe dera de que o poder exercido por todo o governante da terra é concedido pelo céu e que o êxito e aprovação de Deus dependem do use dêsse poder. Cegado, porém, pelo brilho efêmero da glória mundana, esquecera que o sossêgo e o florescimento de que parecia desfrutar, eram instáveis e inseguros. Um rei infinitamente maior do que êle vigiava seus passos. No momento em que tudo parecia segurança e bonança imperturbáveis, o infinito Soberano intervem e lhe mostra quão errado é assegurar-se, tranquilizar-se e florescer à custa do despotismo e de impiedoso jugo sôbre seus governados. Êle mesmo conta neste capítulo o que lhe sucedeu quando embalado na pretença segurança que lhe era mais um laço do que uma realidade. UM SONHO CONDENATÓRIO VERSO 5: — “Tive um sonho, que me espantou; e as imaginações na minha cama e as visões da minha cabeça me perturbaram”. Em pleno sossêgo e florescimento, no pináculo da glória mundana, o espanto é a perturbação assaltaram o rei de Babilônia inesperadamente. Todavia, as revelações de Deus não são dadas para assombrar e perturbar os homens, mas para alertá-los e levá-los a reconhecer situações e circunstâncias perigosas em que se metem e proporcionar-lhes um meio de escape. Duas vêzes havia o rei de Babilônia reconhecido o Deus de Israel como supremo no universo — a primeira vez por ocasião da interpretação de seu primeiro sonho da estátua dos Impérios e a segunda vez no Campo de Dura no livramento dos três hebreus. O rei de Babilônia chegara a atribuir a glória de seu reino e o esplendor de seu reinado ao favor de Jeová, o Deus de Israel. A despeito, porém, de todas as evidências de que seu reinado e sua própria vida estavam nas mãos de Deus e de que seria fatal para êle dar costas ao Rei do universo, não obstante foi levado em seu orgulho a afastar-se da luz recebida e deixar definitivamente de lado os conselhos de Daniel que lhe falara em nome de Deus, enveredando novamente pelo caminho da idolatria pagã, colocando-se à beira do precipício. Mas, em Sua misericórdia deu-lhe Deus outro 216

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sonho, para adverti-lo do perigo em que se encontrava, e do engano a que tinha sido levado para sua ruína. Entretanto, esta última advertência de Deus que visou recuperá-lo e restaurá-lo, foi por êle loucamente regeitada e desdenhada. NOVA DERROTA DOS SÁBIOS DE BABILÔNIA VERSOS 6-7: — “Por mim pois se fez um decreto, pelo qual fossem introduzidos à minha presença todos os sábios de Babilônia, para que me fizessem saber a interpretação do sonho. Então entraram os magos, os astrólogos, os caldeus, e os adivinhadores, e eu contei o sonho diante dêles; mas não me fizeram saber a sua interpretação”. Grandemente perturbado pelo sonho, que era sem dúvida um presságio de adversidade, recorreu o rei a seus sábios para que o desvendassem. Eram êles os mesmos sábios analfabetos confessos em matéria de inspiração celestial. No segundo ano de seu reinado, foram incapazes de satisfazê-lo, contando-lhes e interpretando-lhe o sonho da imagem profética mencionada no capítulo dois. No que respeita ao primeiro sonho do rei, rogaram-lhe que lhes contasse o sonho e dariam a interpretação. Porém, a despeito de que êste segundo sonho lhes fôra explícito, nenhum dêles o poude interpretar. Assim, nesta nova experiência do monarca são mais uma vez derrotados e com isto mais uma vez confessaram que a sabedoria que pretendiam nada mais era que franca impostura e diabólico embuste, meios pelos quais Satanás procurava conservar o rei e o reino afastados da sabedoria de Deus. O mundo todo, pelo decreto real, tomou conhecimento de que aqueles pretensos sapientes nada mais eram, na verdade, do que hábeis enganadores. DANIEL — NOVAMENTE O HOMEM VERSOS 8-9: — “Mas por fim entrou na minha presença Daniel, cujo nome é Belteshazzar, segundo o nome do meu deus, e no qual há o espírito dos deuses santos: e eu contei o o sonho diante dêle: Beltshazzar, príncipe dos magos, eu sei que há em ti o espírito dos deuses santos, e nenhum segredo te é difícil; dize-me as visões do meu sonho que tive é a sua interpretação”. Como no caso do primeiro sonho, Daniel é mais uma vez o último a comparecer diante do rei para satisfazê-lo. Outra vez urgia que a falsa sabedoria e falsa ciência fossem primeiramente 217

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desmascaradas para maior realce da sabedoria e ciência divinas. Por mais que o rei reconhecesse em Daniel o “príncipe dos magos”, e em quem havia o “espírito dos deuses santos”, ao qual “nenhum segrêdo” era “difícil”, contudo não notou a sua providência ausência em meio aos sábios fracassados. Só depois da evidente derrota daqueles embusteiros o monarca dêle se lembra e o convoca às pressas. Tendo então diante de si Daniel, introduz o rei uma exaltação à sua pessoa como grande sábio. Mas o servo de Deus desprezou essa bajulação. Não mancharia a sua reputação. Não obstante, “uma vez mais nesta nação idolatra devia ser dado testemunho do fato de que unicamente aquêles que amam e temem a Deus podem compreender os mistérios do reino do Céu. O rei em sua perplexidade mandou em busca de seu servo Daniel, homem estimado por sua integridade e constância e por sua inigualada sabedoria”.1 E deveras o perplexo monarca não se decepcionou com a comparência de Daniel em palácio naquela hora de aflição e angustiosa espectativa. Recebeu do embaixador de Deus aquilo que anelava. UM SONHO IMPRESSIONANTE VERSO 10-18: — “Eram assim as visões da minha cabeça, na minha cama: Eu estava olhando, e vi uma árvore no meio da terra, cuja altura era grande; crescia esta árvore, se fazia forte, de maneira que a sua altura chegava até ao Céu; e foi vista até aos confins da terra. A sua folhagem era formosa, e o seu fruto abundante, e havia nela sustento para todos; debaixo dela os animais do campo achavam sombra, e as aves do céu faziam morada nos seus ramos, e tôda a carne se mantinha dela. Estava vendo isto nas visões da minha cabeça, na minha cama; e eis que um vigia, um santo, descia do céu, clamando fortemente, e dizendo assim: Derribai a árvore, e cortai-lhe os ramos, sacudi as suas fôlhas, espalhai o seu fruto; afugentem-se os animais de debaixo dela, e as aves dos seus ramos. Mas o tronco com as suas raízes deixai na terra, e com cadeia de ferro e de bronze, na herva do campo; e seja molhado do orvalho do céu, e a sua porção seja com os animais na grama da terra. Seja mudado o seu coração, para que não seja mais coração de homem, e seja-lhe dado coração de animal; e passem sôbre êle sete tempos. Esta sentença é por decreto dos vigiadores, e esta ordem por mandado dos santos; a fim de que 1

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conheçam os viventes que o Altíssimo tem domínio sôbre os reinos dos homens; e os dá a quem quer, e até ao mais baixo dos homens constitue sobre êles. Isto em sonho eu, rei Nabucodonosor vi: Tu, pois, Belteshazzar, dize a interpretação: todos os sábios do meu reino não puderam fazer-me saber a interpretação, mas tú podes: pois há em ti o espírio dos deuses santos”. Aí está uma maravilhosa revelação em sonho como nenhum profeta legítimo jamais teve igual ou com tanta imponência e grandeza sôbre quaisquer assuntos. Vemos como em casos especiais Deus usou até mesmo ímpios para tornar conhecidos os seus segrêdos e desígnios para o bem dêles próprios. O mesmo aconteceu à Faraó nos dias de José, no Egito, e também a outros em tempos e circunstâncias diversas. Mas isto não implica que ditos ímpios fossem profetas de Deus, — nem mesmo nos momentos da revelação, — ou que ostentassem o Dom de Profecia. Foi para mostrar o seu propósito em relação a Seu povo e a propagação de Sua mensagem de misericórdia e redenção ao mundo em tempos difíceis, que a Providência agiu de modo a fazer-se conhecer à humanidade através de potentados terrestres como único Deus verdadeiro, bem como demonstrar Seu inefável amor por todos os Seus filhos extraviados e dÊle separados, No caso de Nabucodonosor, quão fácil foi para Deus fazer-se conhecer no mundo de então por meio de seus decretos leis imperiais! Ao contar o sonho a Daniel, o rei fez-lhe um dramático apêlo para que lhe fizesse conhecida a interpretação, não esquecendo de referir a incompetência de seus ignorantes sábios em satisfazê-lo. Seu apêlo ao profeta conclue com a afirmativa de que êle era capaz de dizer-lhe a verdade sôbre a matéria, “pois há em ti”, dissera-lhe, “o espírito dos deuses santos”. DANIEL EM PERPLEXIDADE VERSO 19: — “Então Daniel, cujo nome era Belteshazzar, esteve atônito quasi uma hora, e os seus pensamentos o turbavam; falou pois o rei, e disse: Belteshazzar, não te espante o sonho, nem a sua interpretação. “Respondeu Belteshazzar, e disse: Senhor meu: o sonho seja contra os que te têem ódio, e a sua interpretação para os teus inimigos”. UMA MENSAGEM DE CONDENAÇÃO E JUÍZO Enquanto os sábios de Nabucodonosor se demonstraram ineficazes para dar-lhe a interpretação do misterioso sonho, Daniel a 219

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recebia em visão de Deus para transmití-la ao rei ao ser convocado por êle. Em palácio o profeta ouviu atentamente dos lábios do monarca a sua exposição do sonho, constatando a exatidão da revelação como a êle revelada por Deus. Depois da narrativa do rei Daniel “esteve atônito quase por uma hora”. O vocábulo “hora”, do aramaico “sha’ali”, pode significar um longo período como um breve momento. Não era fácil para Daniel, embora comissionado por Deus, interpretar ao rei uma mensagem de tão severa ameaça de juízo. Além disso Daniel não só era íntimo amigo do rei como também seu honrado primeiro ministro. Enquanto em silêncio, meditava o mensageiro do céu em como melhor informar da tremenda mensagem de modo a ser recebida com humildade pelo já bastante angustiado soberano. Todavia “o profeta compreendeu que sôbre êle tinha Deus colocado o solene dever de revelar a Nabucodonosor o juízo que estava para lhe sobrevir em virtude de seu orgulho e arrogância. Daniel precisava interpretar o sonho em linguagem que o rei pudesse compreender; e embora o seu terrível conteúdo o tivesse feito hesitar em muda estupefação, êle tinha que dizer a verdade, fossem quais fossem as consequências para si”.1 Percebendo Nabucodonosor a perplexidade do profeta, o anima a dar-lhe a interpretação não importando o significado e o juízo que pudesse ela implicar. Alentado, pois, pelo próprio combalido monarca, iniciou Daniel a interpretação em categórica e enfática linguagem, posto que respeitosamente. Como introdução manifesta o anelo de que o sonho fôsse contra os que ao rei odiavam e a sua interpretação contra os seus inimigos. Se não fôra ali estar para cumprir o seu dever, segundo lhe ordenara um Rei infinitamente maior, certamente não teria comparecido em presença do rei de Babilônia. Entretanto, é êste um dos deveres dos profetas de Deus. Não só são êles portadores de mensagem de aprovação, de conselhos e de bênçãos, como também de censura, de juízo e de condenação. Assim desincumbiu-se Daniel de sua árdua missão, ainda que tivesse de interpretar uma drástica mensagem, uma sentença inapelável da suprema côrte do universo. O DESTINO DO REI EM SUAS PRÓPRIAS MÃOS Embora a sentença fôsse inexorável, o faltoso rei podia atenuá-la e até evitá-la, — uma vez humilhando-se ante o Altíssimo Juiz, 1

Profetas e Reis, E. G. White, pág. 517.

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reconhecendo-se culpado diante dÊle e com Êle reatando relações íntimas, amistosas e respeitosas. Em outras palavras, estava na alçada do rei comutar a pena em nada, por uma entrega de seu coração e vida ao Magistrado supremo do universo. O destino do homem é êle mesmo quem o faz, quem o escolhe diante de Deus. É êle mesmo quem se condena ou se absolve ante o Augusto Tribunal do Eterno. Tudo depende de sua atitude e escolha. O impoluto Juiz não tem nenhum interêsse em condená-lo, deixa com êle a suprema escolha — a vida ou a morte, sim a solene escolha fica unicamente em suas mãos. O que êle proferir ou decidir, o Supremo Juiz concederá. Seu conselho, porém, é que êle escolha a vida pela incondicional e voluntária obediência justa aos reclamos de Sua Majestade e Onipotência, uma vez que vive nos Seus domínios, desfruta de Seus bens e dÊle depende até da própria vida. Sim, Deus não força o homem, seja quem êle fôr, a serví-lO contra a sua vontade; pois não aceita dêle senão uma obediência sincera, reconhecida como seu dever em gratidão por Suas inúmeras bênçãos. NABUCODONOSOR — A ÁRVORE MUNDIAL VERSOS 20-22: — “A árvore que viste, que cresceu, e se fez forte, cuja altura chegava até ao céu, e que foi vista por tôda a terra; cujas folhas eram formosas, e o seu fruto abundante, e em que para todos havia mantimento; debaixo da qual moravam os animais do campo, e em cujos ramos habitavam as aves do céu; és tú, ó rei, que cresceste, e te fizeste forte; a tua grandeza cresceu, e chegou até ao céu, e o teu domínio até à extremidade da terra”. Quando o profeta interpretou a estátua do primeiro sonho do rei Nabucodonosor, disse-lhe solenemente: “Tú és a cabeça de ouro”. Agora, na interpretação da árvore, do segundo sonho, Daniel, com maior solenidade ainda, declara: “A árvore que vistes,... és tú, ó rei”. Êstes dois símbolos da inspiração atestam quão grande fôra aquêle monarca do mundo antigo. A própria revelação declara: “... a tua grandeza cresceu, e chegou até ao céu”. Tão altaneira era a sua glória real, que o inspirado sonho o simbolizou numa primorosa e gigantesca árvore que abrangia a terra inteira e se elevava até ao céu — e da qual todos os viventes se mantinham. Não há notícia na História de que um outro potentado da terra o tenha sobrepujado como senhor das nações. Embora o reinado de Nabucodonosor fôsse um reinado em que os povos, dado o seu poder, não vissem nenhuma chance de libertação e 221

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de independência política, contudo é certo, também, que estavam bem guardados sob sua proteção e que não foram espoliados como o fizeram os seus predecessores e sucessores de impérios outros de tôda a terra, sem dúvida os dois sonhos, principalmente o segundo, provaram que os seus súditos eram por êle bem protegidos e bem cuidados, ainda que tivessem de lhe pagar certa soma anual de tributos como vassalos seus. Assim, três coisas assinalaram a grandeza do reinado do rei Nabucodonosor ao ponto do céu tê-lo em grande conta: 1) O exercício do seu poder sôbre a totalidade do mundo de então, — conforme o versículo vinte e dois dêste capítulo e o versículo trinta e dois do capítulo dois; 2) a absoluta proteção dispensada a seus súditos da terra; 3) e o ter sido usado por Deus como seu “servo” para exercer domínio e juízo sôbre os povos recalcitrantes em seu dever conhecido para com o Sumo-potentado do mundo — Deus. Nenhum outro monarca do mundo antigo ou moderno foi reconhecido pelo céu tão grande e tão poderoso como o rei Nabucodonosor de Babilônia. Alguns grandes reis antigos aparecem figurados nas profecias; mas elas não dizem deles o que dizem dêste famoso rei. O JUÍZO DIVINO EM PERSPECTIVA VERSOS 23-26: — “E quanto ao que viu o rei, um vigia, um santo, que descia do céu, e que dizia: Cortai a árvore, e destruí-a, mas o tronco com as suas raízes deixai na terra, e com cadeias de ferro e de bronze, na erva do campo; e seja molhado do orvalho do céu, e a sua porção seja com os animais do campo, até que passem sôbre êle sete tempos; esta é a interpretação, ó rei; e êste é o decreto do Altíssimo, que virá sôbre o rei, meu senhor: Serás tirado dentre os homens, e a tua morada será com os animais do campo, e te farão comer erva como os bois, e serás molhado do orvalho do céu; e passar-se-ão sete tempos por cima de ti: até que conheças que o Altíssimo tem domínio sôbre o reino dos homens, e o dá a quem quer. E quanto ao que foi dito, que deixassem o tronco com as raízes da árvore, o teu reino voltará para ti, depois que tiveres conhecido que o céu reina”. UMA MESCLA DE JUÍZO E DE GRAÇA A frondosa árvore abastecedora de tôda a terra seria espetacularmente derribada e destruída Nada mais estranho para ser 222

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pensado da imensa grandeza e inigualável poder terrenos como os do rei Nabucodonosor. Êle próprio considerou inaceitável e irrealizável a tremenda sentença imposta em ameaça pelo Todo-poderoso e não lhe deu crédito. E, até ao presente século, ainda que os irrefutáveis fatos atestem a sua execução, é ela tida por muitos como irrisória e lendária. Não obstante, a infalível sentença seria cumprida — como o foi — inexoràvelmente, a menos que aquêle orgulhoso soberano mudasse suas atitudes para com Deus, o Absoluto Governador na Terra e no Céu. Mas a concretização ou não da sentença, ficaria sujeita à sua decisão — de continuar sua recusa e desrespeito ao Soberano celestial ou de submeter-se em obediência e respeito incondicionais para com Êle. É notável o fato de que o tronco da árvore seria deixado na terra! Ficaria desgalhado, sem expressão, sem o esplendor da gloriosa ramagem que antes sustinha. Mas seria protegido “com cadeias de ferro e de bronze”, expressão de que a graça de Deus acompanharia e protegaria o réu nêle implicado como símbolo, enquanto no cumprimento da sentença uma vez por ela atingido. A mensagem não só era precursora do juízo mas também de graça restauradora após possível arrependimento. Isto revela a grandeza de Deus que às vêzes é obrigado a ferir o pecador para poder restaurar-lhe a saúde moral e espiritual. Tão gravíssima era a condição de pecador do rei Nabucodonosor, que seriam necessários nada menos do que “sete tempos”, aliás, sete anos, para quebrar-lhe o orgulho e humilhá-lo.1 A SENTENÇA DO DECRETO DA ONIPOTÊNCIA O monarca cumpriria a sentença condenatória junto aos brutos e em dito período parecer-se-ía com um dêles. Mas, quem creria isto se lhe fôsse contado antes de ocorrer? Uma imensa glória ser reduzida à mais vil expressão, ser jogada em meio aos irracionais incompreensíveis do campo, não era para aquela geração crêr antes de tornar-se uma realidade e de ver com os próprios olhos. Jamais mesmo aquêle rei creu antes de sofrer a estranha e terrível penalidade. Até pode ser que o réu, antes de cumprir a pena, contasse o sonho e sua interpretação a muitos — a seus familiares, a seus grandes — e todos, à uma, tenham procurado tirar-lhe da mente qualquer preocupação

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Daniel 11:3.

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quanto a verificar-se aquêle vaticínio do profeta. Não seria possível que êle descesse de tão fantástico estado de supremacia e glória para uma tão abjeta e indigna humilhação. E os fatos atestam que o rei zombou daquela tão séria advertência de Deus revelada em Sua misericórdia para com êle. E, ainda que o Altíssimo Deus esperasse algum tempo por êle, dando-lhe a oportunidade de rever a sua perigosa condição de recalcitrante, de repelente exaltação e de humilhar-se diante de Si, êle não apropriou-se desta graça divina, antes decidiu firmemente opôr uma barreira ao sonho, à sua interpretação e mesmo ao conselho do profeta. E o juízo evidente e iminente indicado no sonho caiu inexorável sôbre êle durante sete anos. O Eterno Juiz poderia reduzí-lo àquilo que lhe ditava o sonho e a interpretação, sem necessitar notificá-lo do perigo em que incorria e que o ameaçava seriamente; mas, não o fêz sem prévio aviso, para dar-lhe a oportunidade de arrependimento e reabilitação imediatos. Embora a sentença judicial proviesse dum “decreto do Altíssimo”, e portanto inalterável e imutável, contudo, êle, somente êle e ninguém mais que êle, como acusado réu, poderia desviá-la e anulá-la, dependendo tudo, como dissemos, — de mudar o seu modo de encarar o poder e a soberania absolutos do Deus Todo-poderoso. Ninguém jamais passou por uma experiência tão vexatória como o rei Nabucodonosor. Mas foi ela o recurso extremo de Deus para salvá-lo de perecer no pecado. Todo o remédio antes aplicado pelo grande Médico fôra em vão. O doente carecia duma medicação mais forte. Ser afastado do trono, da grande côrte, do palácio real, dos influentes vassalos, do próprio lar, dos homens, — de todos enfim — e passar a “comer erva como os bois”, ser “molhado do orvalho do céu” durante sete longos anos, não era isto mais do que a pedagogia de Deus aplicada ao seu caso para erguê-lo ao estado de homem verdadeiro e redimí-lo. No final, porém daquele tempo de dramático juízo e dura prova, o reino voltaria novamente ao rei Nabucodonosor com mais pujança e glória que antes, mas dependendo sempre de seu reconhecimento de que a sabedoria pertence ao Céu, e que os soberanos da terra estão, em todo o sentido de seus mandatos governamentais sujeitos ao verdadeiro Soberano — o Altíssimo Deus. Vimos que o tronco da árvore emblemática ficaria na terra solitário — para brotar ou morrer — e o rei Nabucodonosor, a realidade da figura, era quem deliberaria qual das duas coisas aconteceria. A inspiração, porém, previra a sua feliz decisão findo 224

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aquêle período de sentença. O tronco, na proteção simbólica de cadeias de “ferro e de bronza”, indica a proteção de Deus ao rei enquanto no cumprimento da sentença, para que nenhum possível usurpador o assassinasse e ocupasse o trono. Sua restauração foi assim prevista e portanto ninguém devia ocupar o trono enquanto estivesse cumprindo a pena. UMA PALAVRA AOS GOVERNANTES DO SÉCULO XX Ai está, senhores soberanos terrestres e governantes das nações do século XX. A grande advertência de Deus, não só àquele antigo rei de Babilônia, como também a vós que hoje exerceis o poder sôbre os povos do globo. Lede a sua experiência no capítulo quatro do livro de Daniel, o profeta, e entregai-vos a Deus antes que também possa ser vossa a grave e amarga experiência que abalou aquêle outrora senhor da terra. Lembrai-vos de que as nações são justas em proporção à fidelidade com que os seus governantes cumprem o propósito de Deus para com elas. O sucesso delas depende da aceitação e prática do poder conferido por Deus a seus líderes. A submissão de seus dirigentes aos divinos princípios do céu, são sempre a medida da prosperidade e justiça dos povos por êles governados. O destino das nacionalidades é determinado pela escolha de seus guias com respeito aos reclamos do Deus do céu e Criador do mundo. Deus concede sabedoria e poder às nações que permanecem fiéis a êle; mas abandona aquelas que atribuem sua glória a humanas conquistas e atuam independente de Sua vontade. Os lideres do mundo que recusem a se submeter ao govêrno de Deus, são inteiramente inaptos para governar as nações da terra. Quando através delas as nações tomam-se um orgulho e uma opressão, a queda de tais podêres, por culpa dêles próprios, é inevitável. Haja vistas para numerosas nações antigas, algumas das quais poderosas e até grandes impérios como o Egito, Assíria, Babilônia, Medo-Persa, Grécia, Roma, e outros menos potentes mas apreciáveis em fôrça e poder, que há muito desapareceram pelo juízo de Deus e por culpa de seus governantes. “A cada nação que tem subido ao cenário da atividade, tem sido permitido que ocupasse seu lugar na terra, para que se pudesse ver se ela cumpriria o propósito ‘do Vigia e Santo’. A profecia delineou o levantamento e queda dos grandes impérios mundiais — Babilônia, Medo-Persa, Grécia e Roma. Com cada um dêstes, assim como com 225

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nações de menos poder, tem-se repetido a história. Cada qual teve seu período de prova, e cada qual fracassou; esmaeceu sua glória, passouse-lhe o poder e o lugar foi ocupado por uma outra nação. Conquanto as nações rejeitassem os princípios de Deus, e com esta rejeição operassem a sua própria ruína, todavia era manifesto que o predominante propósito divino estava agindo através de todos os seus movimentos”.1 Fato idêntico sucede com as nações do presente na pessoa de seus dirigentes. Por sua escolha estão decidindo o seu próprio destino, e em rejeitar os princípios do céu cavam a sua inevitável ruína. O complicado jôgo dos eventos humanos está sob as vistas daquele que é o Verdadeiro Dominador e Único Senhor do mundo.2 Em meio às disputas e os temores das nações, Aquêle que se assenta entre os querubins ainda norteia os negócios da terra e tudo controla para cumprimento de Seus propósitos, ainda que os poderosos das nações desconheçam isto ou se desinteressem por Sua suprema liderança. A experiência do rei Nabucodonosor foi e é uma amostra de que Deus é o legítimo Senhor da terra e de que Êle irá nela intervir para pô-la em ordem e liquidar as contas com os que querem liderar os povos e são desqualificados para o fazerem. A situação de caos mundial, é a evidência irrecusável de que o govêrno do homem é um govêrno falido e Deus precisa, como seguramente o fará, intervir para libertar seus filhos do despotismo de soberanos opressores que não temem a Deus e não têm nenhum amor a seus súditos. O GRANDE CONSELHO DE DANIEL VERSO 27: — “Portanto, ó rei, aceita o meu conselho, e desfaz os teus pecados pela justiça, e as tuas iniquidades usando de misericórdia com os pobres, se se prolongar a tua tranquilidade”. O PECADO E A JUSTIÇA O conselho dum profeta! Conselho, portanto, inspirado. Raros, mesmo cristãos, estão prontos a aceitar os conselhos dos profetas de Deus, conselhos absolutamente para o bem dos que os recebem. Aceitassem, pelo menos metade dos homens, êstes conselhos, quão 1 2

Educação, E. G. White, págs. 176, 177. Salmos 62:11; S. Mateus 28:11.

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diferente seria a sociedade humana! Aceitassem-nos todos os homens, a terra se converteria então no antigo Éden de paz e amor legítimos e permanentes. Porém, quem está realmente disposto, hoje, a aceitar os inspirados conselhos do Senhor por Seus antigos e santos profetas que ainda falam por suas velhas porém sempre novas mensagens? A salvaguarda do rei Nabucodonosor estava em aceitar o conselho de Daniel, o profeta do Senhor. Nada mais nem menos que isto poderia livrá-lo do independente juízo. Em aceitá-lo e seguí-lo rigorosamente, evitaria a terrível catástrofe de o ser, como potentado da terra, reconhecido como um atingido, ferido pelo dedo do desagrado de Deus. O conselho de Daniel a fim de ser obstado o mal à vista era a renúncia do pecado e da iniquidade. O servo de Deus fôra bem explícito: “Desfaze os teus pecados... e as tuas iniquidades”. Pôsto que as duas maldades se enquadram num só molde ou sejam uma e a mesma coisa — pecado — parece fazer o profeta uma distinção entre “pecado” e “iniquidade”. Parece ser claro que “os teus pecados” eram os seus próprios — independente de que êles envolvessem quaisquer prejuízos ao próximo, — os pecados alusivos ao seu orgulho e soberba como soberano mundial, sua altivez em relação ao céu e tôda a concupiscência da carne e dos olhos. Êstes eram “os teus pecados”, só dêle, particularmente dêle, sem afetar séria e prejudicialmente a outrem, ainda que altamente ofensivos a Deus. Esta classe de pecados só poderá ser estirpada, desfeita, dissera Daniel, — pela justiça. A virtude da justiça é a principal das virtudes que ornam a corôa dum verdadeiro governante em contraposição com as injustiças dos déspotas, opressores e tiranos. E, agora perguntamos: O que é a justiça, a justiça que desfaz, que extirpa o pecado? Naturalmente nenhuma alusão fêz o profeta à justiça humana que não é nenhuma justiça. Justiça só há uma: a divina justiça. Só através desta justiça é possível desfazer o pecado. Desta justiça única devia o rei Nabucodonosor se apoderar para neutralizar os seus pecados e afastar o cataclisma pessoal que ràpidamente se aproximava. Como, porém, é possível ao homem apossar-se da justiça divina? Para a consecussão da justiça divina há um só caminho a seguir: receber o Autor dessa justiça — Cristo, como Salvador pessoal e vivê1’O na vida. E, como é que o pecador pode receber a Cristo na vida e vivê-l’O? Isto só é possível aceitando incondicionalmente o plano da salvação de Deus nÊle centralizado e como maravilhosamente 227

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explanado nas Sagradas Escrituras dos antigos profetas e apóstolos que nô-lo expuseram por Sua inspiração. Seguindo à risca o divino plano, norteando por êle o viver constante, — significa isto ter recebido a Cristo, significa vivê-1’O, significa praticar a Sua celestial justiça, a Sua divina justiça como Salvador dos homens. Agora, com Cristo no trono da vida, o pecado não mais terá domínio sôbre o pecador, pois êle vive, com a presença íntima de seu Redentor, a Sua própria justiça. Em virtude desta sublime verdade, o pecado passado é perdoado, é desfeito, não mais existirá nem será mais praticado pelo homem perdoado e restaurado e nem mesmo lembrado por Deus que o perdoou. Era isto que o rei Nabucodonosor devia fazer para eliminar incontinentemente o pecado e afastar o flagelo que rápido se avizinhava sôbre sua altiva pessoa real. E é isto mesmo que todos os indivíduos devem proceder para desfazerem também os seus pecados, antes que o juízo anunciado desabe inexorável sôbre suas cabeças. O PECADO E A MISERICÓRDIA O profeta apresenta ao rei uma outra classe de pecado que o punha em risco de vida — a iniquidade. Segundo a exposição de Daniel, está, espécie de pecado, que também envolvia o monarca, afetava diretamente os pobres e os excluía da sua misericórdia. O pecado que neutraliza a misericórdia para com os pobres e suas prementes necessidades, é um dos mais graves e seguramente os seus desumanos obradores se colocam em estado ofensivo a Deus. Pecados desta qualidade manifestos contra os desafortunados pobres, não só constituem manifesta ausência de amor para com êles como muito mais ainda para com Deus. O amor a Deus é refletido no amor ao próximo. Mas, se êste não é amado por obras de verdade, muito menos é Deus amado. Escrevera São João, o apóstolo do amor: “E dÊle temos êste mandamento: que quem ama a Deus, ama também a seu irmão”.1 Aqui está a medida do amor a Deus — o amor a nosso irmão. Dissera Jesus que o mandamento do amor ao próximo é igual ao mandamento do amor a Deus.2 A falta de amor aos pobres era um dos pontos-chaves das falhas do rei de Babilônia que punha em cheque as suas relações para com Deus. Segundo o conselho do profeta, devia êle pôr em ordem êste 1 2

I S. João 4:21. S. Mateus 22:37-39.

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ponto fraco antes que sôbre êle caísse a calamidade anunciada. Pelo sonho da bela árvore foi mostrado ao rei que, como figura nacional absoluta do reino que era êle, todos os seus súditos dêle dependiam e que êle havia, até certo ponto, provido tôdas as suas solicitudes no que respeita à manutenção da vida material, não esquecendo os pobres. Porém, agora, é êle aqui fortemente acusado, e sua falta era tão grande ao ponto de ser um sério entrave em suas relações com o verdadeiro Senhor da terra e mesmo de seu reino — Deus. Devia conceber que os seus súditos todos, sem exceção dos pobres, eram filhos de Deus e que êle, como governador da terra em Seu nome, ali estava para cuidá-los e bem tratá-los a todos, especialmente os pobres — provendo-lhes meios para que pudessem trabalhar e ganhar o suficiente para viverem razoávelmente a vida. Embora o reinado de Nabucodonosor se caracterizasse por uma sábia administração que o levou a grande prosperidade em benefício de todos os seus súditos — ricos e pobres — êle por fim abandonou esta última classe que foi desprezada e escravizada, segundo depreendemos do conselho que lhe dera Daniel. O que torna um govêrno digno diante de Deus não é a sua glória terrena, seus empreendimentos materiais notáveis no desenvolvimento do Estado ainda que necessário para o consecutivo progresso. O que importa, mais que tudo, diante de Deus, é o cuidado eficaz do povo — mormente da classe proletária — provendo-lhe os meios de subsistência sem que tenham dificuldades em trabalhar e ganhar e sem que sejam explorados por classes favoritas ou privilegiadas na nação. Êste estado desastroso de coisas tem acarretado a miséria e a ruína, principalmente no século em que vivemos. Os pobres, que são propriamente dito a mão-de-obra das nações, curtem as maiores agruras com tôda a sorte de explorações inomináveis da parte dos desalmados senhores do poder econômico, sem que os governos se levantem sèriamente contra êstes seus trucidadores e planejem em justiça para amenizar seus sofrimentos. A inércia do rei Nabucodonosor neste sentido foi uma das causas que levou o Céu a se levantar contra êle a ponto de decretar-lhe séria penalidade. A menos que sanasse esta grave falha de seu govêrno o juízo anunciado desabaria sobre êle. Os governantes das nações que amam a Deus não têm direito de deixar no abandono o proletariado que luta desesperadamente por manter uma já triste vida na Terra. 229

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“Desfaze os teus pecados pela justiça, e as tuas iniquidades usando de misericórdia com os pobres”. Sua conversão dependia não só de arrepender-se e deixar o pecado, mas também de encher sua vida vazia usando de beneficência em favor dos desafortunados. A advertência foi dada ao rei Nabucodonosor e os resultados — positivos ou negativos — daí em diante, para sua felicidade ou infelicidade, para sua ventura ou desventura, dêle unicamente dependiam. “SE SE PROLONGAR A TUA TRANQUILIDADE” O governante babilônio devia encarar com seriedade a revelação do sonho e a sua interpretação. No final de sua exposição Daniel o exorta a curvar-se ante a misericórdia de Deus por êle e seguir a orientação do céu para evitar a dura experiência de que era advertido. Em Seu amor, Deus lhe daria um tempo ainda de graça para que considerasse sua caótica situação perante a divina justiça e se arrependesse em tempo de ser perdoado e de ser detido o sério ajuste com o Todo-poderoso por êle desacatado e ofendido por seus pecados e maus tratos para com os pobres do seu reino. Só assim poderia evitar ser envolvido em cheio pelo dilúvio do açoite. A advertência foi dada com muito amor da parte de Deus, e dêle dependiam os resultados bons ou maus. A todos os homens é também dado um tempo de carinhosa graça da parte de Deus. Façam êles uma feliz decisão e entrega de suas vidas a Deus, para não se verem, por fim, inesperadamente, envolvidos também pelos vagalhões da vingança resultante do pecado, e virem a perecer com a chance de salvação em suas mãos. Foi a procrastinação que levou o rei caldeu a sofrer o desagrado de Deus e ser sentenciado a um terrível juízo Seu. Ajamos diferente dêle para que não suceda cair sôbre nós o dedo da divina justiça para nosso dano e perda eternas. O MONARCA REPELE A INTERPRETAÇÃO VERSO 28: — “Tôdas estas coisas vieram sôbre o rei Nabucodonosor”. “Por algum tempo a impressão da advertência e o conselho do profeta exerceram forte influência sôbre Nabucodonosor; mas o coração não transformado pela graça de Deus logo perde as impressões do Espírito Santo. A auto-indulgência e ambição não haviam ainda sido erradicadas do coração do rei, e êsses traços mais 230

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tarde reapareceram. Não obstante a instrução tão graciosamente dada, e as advertências da passada experiência, Nabucodonosor permitiu-se ser controlado pelo espírito de ciúmes em relação aos reinos que se deviam seguir. Seu govêrno, que até então havia sido em grande medida justo e misericordioso, tornou-se opressor. Endurecendo o seu coração, êle usou os talentos que Deus lhe dera para a glorificação de si mesmo, exaltando-se acima de Deus que lhe dera vida e poder. “Por mêses o juízo de Deus foi retardado. Mas em vez de ser levado ao arrependimento por esta tolerância, o rei acariciou o seu orgulho até que perdeu a confiança na interpretação do sonho, e riu de seus antigos temores”.1 A despeito de ser êste sonho a quarta grande manifestação de Deus ao rei Nabucodonosor e ao seu reino, de Sua supremacia indiscutível sôbre todos os deuses e nações da terra, contudo colocou êle de lado, depois de algum tempo, tôdas as evidências e se recusou pedante e obstinadamente a reconhecê-las e a aceitar a advertência. Desdenhou submeter-se a um Deus vencido na Judéia pelos deuses de Babilônia, segundo sua errônea concepção. Não admitiu ser tão pecador como o sonho o figurou. Além de tudo o sonho podia ser ou não ser uma revelação e Daniel podia estar certo ou errado em suas conclusões interpretativas. Se êle era em verdade aquela pujante árvore mundial, de quem tôda a terra dependia, não era possível ser vexado ao ponto de ser excluído do explendor de sua côrte, a maior dos séculos. O rei Nabucodonosor, o grande monarca, o maior soberano da História, o único senhor da terra, o conquistador incomparável e inconquistável, cujo poder e glória jamais foram igualados e muito menos ultrapassados por outro potentado, diante de que os povos todos do orbe temiam e tremiam, — ter de se submeter a um Deus cujo povo êle levou em cativeiro para o Oriente? Êle, a majestade absoluta, ser tirado dentre sua suntuosa côrte, de seu soberbo palácio, dentre todos os homens, — para viver em meio aos brutos irracionais do campo e tornar-se algo semelhante a êles? Êle, o inigualável senhor de todos, que tornou Babilônia a maior, e mais poderosa e mais magnificente cidade do mundo de todos os tempos,— ser derribado do poderoso trôno e ser levado até a pastar com as bestas do campo? Êle, o incomparável sábio monarca de seu tempo e de todos quantos empunharam o cetro da terra, o sumo catedrático da universidade de 1

Profetas e Reis, E. G. White, pág. 519.

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Babilônia, — perder a razão, tornar-se um analfabeto e até mesmo ser transformado em uma espécie de demente excluído? Instigado pelo inimigo de direito que procurava arruiná-lo e impedir que se tornasse um testemunho vivo do poder de Deus, fundamentou sua recusa em tudo isto que dissemos acima, e pertinazmente negligenciou a veracidade do sonho e o sábio conselho de Daniel, que o salvaria da calamitosa tragédia. Mas a despeito de ter descrido no sonho e desprezado a sua advertência como impossível de realizar-se, contudo o terrível vaticínio cumpriu-se à risca na sua vida ainda que majestoso e poderoso senhor dos reis de toda a terra. Lamentavelmente regeitou a advertência da graciosa misericórdia de Deus que visava preservá-lo da ruína. Assim teve de atravessar uma experiência amarga, mas exclusivamente por sua própria culpa. “Tôdas estas coisas vieram sôbre o rei Nabucodonosor”. Êle cumpriu sua pena tremenda, fruto de sua ousada e pertinaz oposição a Deus. Milhões de milhões ainda hoje menospresam as advertências do céu. O orgulho, a presunção, a soberba, fazem suas vítimas de contínuo. As posições sociais, políticas e até mesmo religiosas, são por muitos encaradas como atestado de preservação de direitos na terra e nos céus. Nenhum engano, porém, é maior do que êste. Assim pensava o rei Nabucodonosor nos seus dias. Mas, aquele que se julgava a sumidade dos séculos, foi reduzido, num instante — a um “João Ninguém”! E a menos que os milhões de Nabucodonosores modernos se humilhem diante de Deus e usem de clemência na terra, receberão como êle e muito mais do que êle o impacto frontal e fatal do juízo divino. Deus está pronto em perdoar e faz questão de perdoar. Mas também não quer ser desonrado e vexado pela aberta rebeldia a Suas leis, pela arrogância e pela falta de caridade. O REI NABUCODONOSOR PRECIPITA A CRISE VERSOS 29-30: — “Ao cabo de doze mêses, andando a passear sôbre o palácio real de Babilônia, falou o rei, e disse: Não é esta a grande Babilônia que eu edifiquei para a casa leal, com a fôrça do meu poder, e para a glória da minha magnificência?” DOZE MÊSES APÓS A ADVERTÊNCIA O sonho que representou o grande rei no emblema duma frondosa árvore foi algo inédito em sua vida. “Tal representação mostra o 232

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caráter de um govêrno que cumpre o propósito de Deus — govêrno êste que protege e consolida a nação. “Deus exaltou Babilônia para que ela pudesse cumprir êste propósito. A prosperidade favoreceu a nação, até que ela atingisse uma altura de riqueza e poder que desde então nunca foi igualada — apropriadamente representada na Escritura pelo símbolo: uma “cabeça de ouro”.1 “Mas o rei deixou de reconhecer o poder que o exaltara”. “Em vez de ser protetora dos homens, tornara-se Babilônia opressora, orgulhosa e cruel”.2 Um ano se passara desde que o rei Nabucodonosor tivera o seu grande sonho e recebera de Daniel a sua impressionante interpretação. O juízo predito não viera imediatamente, pois a graça de Deus susteve a sentença dando ao soberano a oportunidade de meditação e arrependimento. Vemos a memorável e manifesta paciência de Deus para com êle antes de deixar cair o anunciado golpe. Não obstante a suprema misericórdia fôra incompreendida e desprezada. Durante todo o prazo de postergação da tormenta por doze longos mêses, o rei continuou albergando em seu coração o orgulho, a jatância, a arrogância e a glorificação própria. Era um atrevido desafio ao Todopoderoso, tanto mais que êle já havia recebido anteriormente, como já vimos, uma outra mensagem em face da qual confessa a Daniel: “Certamente, o vosso Deus é Deus dos deuses, e o senhor dos reis”.3 Em outra ocasião, como também já nos referimos, chegara o monarca a expedir o seu primeiro decreto mundial em honra de Deus — depois do livramento dos três hebreus da fornalha ardente — no qual continha uma ameaça de extermínio total a quem deixasse de reverenciar o Deus de Israel.4 Agora, porém, quando recebe uma poderosa revelação precursora dum juízo que devia atingi-lo em cheio, e, portanto, mais séria e mais solene, se insurge contra ela tanto por vontade própria como aconselhado por outrem. Assim expunha Nabucodonosor a iminente perigo sua própria vida e a honra de seu trôno no qual fôra empossado e exaltado pelo Deus do céu como soberano das nações. Doze mêses a redentora e paciente praça esperou por uma decisão de Nabucodonosor favorável à divina justiça. Mas a espera fôra em 1

Daniel 2:38. Educação, E. G. White, pág. 175. 3 Daniel 2:47. 4 Daniel 3:29. 2

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vão e nada mais pôde fazer Deus para convencê-lo de Sua dignidade e honra supremas senão assentando o fulminante e decisivo golpe. A espera dum ano foi o suficiente. Ninguém no seu tempo ou depois dêle e nem êle mesmo, poderiam acusar a Deus de ausência de longanimidade em Seu trato com aquele monarca. Deus só intervira para aplicar a prenunciada sentença quando viu que o rei decidira irrevogàvelmente a não acatar Sua excelsa vontade e a ela submeterse. Foram tristes os resultados que vieram àquele potentado mundial; mas êle, e êle só, fôra o culpado absoluto de sua ruína. NABUCODONOSOR ENCHE A MEDIDA O rei Nabucodonosor, “não obstante a advertência que Deus lhe dera, fez muitas coisas que o Senhor lhe advertira não fazer”.1 Mas, no dia fatídico, na hora exata do infalível relógio da Onipotência, o calamitoso juízo desabou em cheio sôbre o grande rei exaltado. Tranquilo, confiante de si mesmo é transbordante de ousada soberba, dirige-se êle ao cume de seu mais famoso palácio real em Babilônia, situado ao norte da cidade, nas proximidades do canto onde o rio nela penetrava. Dali daquele extraordinário posto de observação desejou contemplar a grande cidade que construíra ou remodelara. Aos olhos do altivo rei divisava-se um deslumbrante panorama que jamais alguém divisou nem mesmo do topo do estupendo Empire States Building, em Nova York. Durante seus 43 anos de reinado elevou Nabucodonosor Babilônia a uma grandeza tal como capital da terra, que a própria revelação de Deus a denomina de: 1) “a cidade dourada”2; 2) “um copo de ouro na mão do Senhor”3; 3) “o ornamento dos reinos”; 4) “a glória e a soberba dos caldeus”4; 5) “a glória de tôda a terra”5; 6) “o martelo de tôda a terra”.6 Tudo isto deveu-se ao gênio empreendedor de Nabucodonosor! secundado pelas bênçãos de Deus. Extasiado e saturado de glorificação própria, está o grande rei no cimo de seu mais grandioso palácio dos três que erigira em Babilônia 1

Testimonies for the Church, E. G. White, Vol. IX, pág. 126. Isaías 14:4. 3 Jeremias 51:7. 4 Isaías 13:19. 5 Jeremias 51:41. 6 Jeremias 50:23. 2

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nos dias de seu apogeu e glória reais. Referindo-se a êsse palácio, diz êle mesmo num de seus cuneiformes: “Construí o palácio, a sede da minha realeza, o coração de Babilônia. Assentei os alicerces, numa grande profundidade abaixo do nível do rio, estribei a sua construção em cilindros revestidos de betume e tijolos”.1 Apolônio, o sábio de Tiana, diz em sua inscrição que o palácio tinha telhado de bronze. Segundo Deodoro, três poderosas muralhas circundavam êste inigualável palácio da História dos impérios, sendo a primeira de 20 estádios, a segunda de 40 e a terceira de 60, tendo a segunda 300 tijolos de espessura. Ctesias diz que a altura destas muralhas era de 100 metros e suas torres de aproximadamente 140 metros. Assim era o formidável palácio uma inexpugnável fortaleza, de cima da qual o rei Nabucodonosor descortina a sua inteira e fascinante metrópole. A 700 metros do palácio real estão os celebrados jardins suspensos, quadrados de cêrca de 130 metros de cada lado; comportavam árvores até de 60 metros de altura e eram aguados com água do Eufrates, junto do qual se elevavam, por um sistema especial de irrigação. Construídos aqueles jardins ou levantados por êste mesmo rei, em homenagem à sua esposa meda, Amytis, filha de Astiages, constituíam uma das sete maravilhas do mundo antigo ou quiçá de todos os tempos. Como atesta um tablete cuneiforme do tempo de Nabucodonosor, havia na cidade 53 templos dedicados a importantes deuses, além de 955 santuários menores e 384 altares de rua. O famoso templo Etemenhanki, “a pedra fundamental do céu e da terra”, erguia-se soberbo com seus 300 pés de cada lado na base e mais do que 300 pés, de altura, sendo que o menor e mais alto do seus sete estágios era um relicário dedicado a Marduk, o deus dos deuses de Babilônia. Um outro grande templo era o Esagila, literalmente — “Aquele que levanta a cabeça”. Era o centro das cerimônias religiosas especiais realizadas em honra de Marduk, e o local terminal das procissões dos deuses da cidade. Com exceção do grande templo Amen em Karnak, Esagila era o maior e mais famoso de todos os templos do antigo Oriente. O templo de Bel, diz Strabão, tinha a forma de uma pirâmide quadrangular; media um estádio (185m25cm), de largura e outro tanto de altura. Como todos os templos caldaicos, compunha-se de muitos 1

História Universal, C. Cantú, Vol. II, págs. 229 a 236.

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terraços sobrepostos. Escadas ou rampas conduziam; aos santuários, abertos nos massiços dos diversos andares, ei ao templo dos Alicerces da Terra, erguido sôbre o último terraço. O edifício todo era consagrado a Marduk (Bel) que tinha um santuário na parte inferior do monumento, e era também nêle que se proferiam os oráculos. Nabucodonosor mandara construir a cúpula de mármore, guarnecida de ouro. Herôdoto diz que Babilônia formava um quadrado de 120 estádios de lado, aliás, um perímetro de 480 estádios ou seja cêrca de 90 quilômetros. Historiadores há que dizem ter sido Babilônia protegida por três muralhas de 120 metros de altura, em vez de duas, por 30 metros de largura, podendo dois carros, cada um puxados por dois cavalos, andarem por cima e fazerem fáceis suas voltas. Em cada lado da cidade haviam 25 soberbas portas de bronze, partindo de cada uma delas uma rua que se perdia à distância de 24 quilômetros. Em tôrno da terceira muralha havia uma fossa larga e profunda revestida de ladrilhos e cheia de água, como sendo propriamente a primeira proteção da cidade. Suas muralhas eram flanqueados por “duzentas e cincoenta e cinco” gigantescas torres de vigia. Os testemunhos históricos asseveram que a cidade era “aproximadamente cinco vêzes o tamanho de Londres”1, e dividida em 676 quadras (cada uma das quais media cêrca de três quilômetros e meio de perímetro) por suas cincoenta ruas que tinham quarenta e cinco metros de largura cada uma e se cruzavam em ângulos retos, sendo direitas e niveladas e se estendendo num comprimento de vinte e quatro quilômetros”.2 Herôdoto diz que o interior da cidade era coberto de casas de três e quatro andares: e Quinto Cúrcio acrescenta que estavam separadas umas das outras por largo espaço. Outrossim devemos compreender que parte da área de Babilônia era ocupada para cultivo agrícola, podendo a cidade, em virtude de sua produção interna de abundantes víveres, resistir a um possível grande cêrco inimigo em caso de guerra. O rio Eufrates, cortando a cidade diagonalmente em duas partes, todo ladeado por muralhas tipo cáis e atravessado por pontes e túneis, recebia tôdas as ruas da cidade nas direções Leste-Oeste, com suas respectivas portas, concorrendo para realçar e imprimir beleza e encanto à metrópole de Nabucodonosor. 1 2

Bible Dictionary, Smith, art. Babel. O Raiar de Um Nôvo Dia, R. F. Cottrell, pág. 99.

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O rei Nabucodonosor, do alto de seu soberbo palácio, estava deveras fascinado ao ter diante de seus olhos uma glória sem par até ao presente século. Seu contentamento e orgulho jamais ascenderam antes a tão grande nível. Excluindo Deus de suas obras e realizações, inflou-se a si mesmo do vento de orgulho pelo inédito espetáculo que ali estava a contemplar. Já antes dêsse tempo escrevera êle de sua famosa cidade: “Para assombro das multidões construí esta casa. “Aqueles portais, adornei-os lindamente, para assombro de multidões de pessoas. “Afim de que a tempestade da luta de Imgur-Bel não alcançasse a muralha de Babilônia; o que nenhum rei antes de mim fizera. “Assim fortifiquei completamente as defesas de Babilônia. Oxalá se conservem, para sempre”.1 “Babilônia — a cidade que é o encanto dos meus olhos, e que eu tenho glorificado”.2 “Ó Babilônia, seja quem for que te contemple encher-se-á de regosijo. “Seja quem fôr que habitar em Babilônia aumentará sua vida, “Seja quem fôr que falar mal de Babilônia é similhante a alguém que mata sua própria mãe, “Babilônia é similhante e uma doce tamareira, cujo fruto é graciosamente contemplado”.3 “Eu tenho tornado Babilônia, a santa cidade, a glória dos grandes deuses, mais proeminente do que antes, e tenho promovido sua reedificação. Tenho tornado os santuários dos deuses e deusas para iluminarem como o dia. Nenhum rei entre todos os reis jamais creou, nenhum dos primitivos reis têem jamais edificado, o que eu edifiquei magnificamente para Marduk. Tenho levado ao extremo o equipamento de Esagila, e a renovação de Babilônia mais do que jamais fora feito antes. Tôdas as minhas valiosas obras, o embelezamento dos santuários dos grandes deuses, que eu empreendi mais do que meus reais antepassados, eu escrevi em um documento e guardei-o para as gerações vindouras. Tôdas as minhas obras, que tenho escrito neste documento, aqueles que lerem saberão e recordarão a glória dos grandes deuses. Possa o curso de minha vida 1

O Raiar de Um Nôvo Dia, R. F. Cottrell, pág. 100. Beacon Lights of Prophecy, Spicer, pág. 39. 3 Seventh-Day Adventist Bible Commentary. Vol. IV, pág. 797. 2

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ser longo, possa eu regosijar-me em minha descendência; possa minha descendência governar sobre o povo de cabeça negra em tôda a eternidade, e possa a mensão de meu nome ser notória para sempre em todos os tempos futuros”.1 “Então edifiquei o palácio, o assento de minha realeza, o vinculo da linhagem dos homens, a habitação da exultação e regosijo”. “Em Babilônia, a cidade que eu prefiro, que eu amo, está o palácio, e maravilha do povo, o vínculo da terra, o brilhante palácio, a morada da majestade no solo de Babilônia”.2 Não é possível desassociar Nabucodonosor do esplendor de sua grande cidade. E realmente êle merece tal associação. Se alguma vez um homem teve motivos, simplesmente humanos, de se orgulhar ao contemplar as obras de suas mãos, êste homem foi, em verdade, o rei Nabucodonosor ao olhar à sua majestosa Babilônia. Grande, ela sempre havia sido; fora reverenciada como cidade mãe e como fonte de estudos e leis, até pelos seus conquistadores nos dias de humilhação. Contudo, Nabucodonosor e seu pai a haviam encontrado tal qual os assírios a deixaram — fraca, humilhada e abatida. Numa geração, porém, o extraordinário rei a elevou muito acima do esplendor antigo, a u’a magnificência realmente impossível de se descrever depois de tantos séculos após sua queda e destruição. Mesmo os próprios historiadores de seus áureos dias não encontraram termos para narrar a sua pujante glória com que dotou-a o grande monarca caldeu. Aquilo que até nós chegou de sua grandeza e opulência, é o suficiente para encantar e fascinar e dar uma idéia nítida do gênio que conseguiu elevá-la acima de tôdas as demais metrópoles da terra antes e depois dela. Ainda que prostrada no pó e recordada apenas nas páginas da História e nos museus das nações, Babilônia não foi até agora e não será jamais, enquanto o mundo durar, apagada da imaginação da humanidade como grande metrópole da terra, e isto por ter-se tornado um emblema de tudo o que é magnificente, luxuoso e imponente no que respeita às obras de arquitetura humana. Deveras os historiadores de seus dias não encontraram palavras para descrever a grandeza de seus palácios, de seus templos, de seus jardins suspensos, de suas muralhas e de tudo quanto fê-la grande e admirável. A rainha do Eufrates não teve rival 1 2

Seventh-Day Adyentist Bible Commentary, Vol. IV, pág. 799. Seventh-Day Adventist Bible Commentary, Vol. IV, págs. 792; 793.

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na História. Londres, Nova York, Paris, Roma e outras atuais capitais das nações do século, ficam apagadas diante do que foi a cidade de Nabucodonosor. Embora o poderoso Nabucodonosor tivesse em mente tornar Babilônia uma glória, uma maravilha do mundo, apenas para memória futura de sua grandeza como monarca do orbe, não podemos deixar de admirá-lo como sábio arquiteto e sua capital não só como suprema e magnificente, metrópole do mundo como também a maior praça de guerra dos séculos, a maior fortaleza das nações. A EXPLOSÃO DO ORGULHO HUMANO Do cume de seu maior palácio divisa Nabucodonosor a sua gloriosa cidade. Palácios gigantes, templos famosos, muralhas poderosas, o caudaloso Eufrates, ruas maravilhosas, — um caudal de obras sem fim que lhe deu um nome perpétuo na História da terra. E então o grande rei não se conteve diante do espetáculo que se descortina diante dêle. Esquecendo totalmente o sonho da gigantesca árvore, a sua interpretação, o conselho e a advertência de Daniel, êle, num arrebatamento, num excesso de incontida paixão, num delirante frenesi, submerso na vaidade e elevado aos píncaros da altivez, prorrompe estasiado e vencido pelo orgulho que lhe era próprio: “Não é esta a grande Babilônia que eu edifiquei para a casa real, com a fôrça do meu poder, e para a glória da minha magnificência?” As palavras: “... que eu edifiquei”, aparecem muitas vezes repetidas nas inscrições tiradas das ruínas de Babilônia e guardada no museu britânico. (Vêr Apêndice notas 2 e 3). Três vêzes o “eu” — seu maior adversário e sua ruína — evidencia-se soberbo esquecendo-se êle completamente de Deus, a origem absoluta de sua fôrça e glória como rei do mundo. “Eu edifiquei”, “fôrça do meu poder”, “minha magnificência”. Isto foi o golpe de misericórdia dado contra si mesmo. Erguera êle ali no cume do fascinante palácio o trampolim para o abismo. Apressou o rei a sua queda da altaneira glória para chegar a ser mais inferior do que o mais humilde súdito de seu reino, para deixar de ser, pràticamente, um ser humano e converter-se em uma espécie de irracional humano. Cêrca de seis séculos depois desta experiência que derribou o rei Nabucodonosor dos píncaros de sua glória real, um outro rei, — Herodes Agripa — muitas vêzes inferior a êle, em poder e majestade 239

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governamentais, é ferido pelo “anjo do Senhor”, ao aceitar do povo que o ouvia, as honras dum deus, “e, comido de bichos, expirou”.1 Êste rei ultrapassara os limites da graça, havia pecado contra o Espírito Santo de Deus, não sendo mais possível o seu arrependimento, e sua recuperação. Herodes foi derribado do trôno e da vida. Nabucodonosor, todavia, posto que soberbo e cheio de glorificação própria, tinha um coração ainda moldável, accessível pela graça da redenção. Foi, no entanto, indispensável, aquecê-lo ao rubro, até que ficasse maleável e moldável. Como ferro, frio não era possível transformá-lo num dócil filho de Deus. Quando metal bruto, gelado pela arrogância, não correspondeu, não cedeu às grandes pancadas do malho do divino amor. Agora, porém, o novo método de Deus demonstraria nêle o imensurável poder e a infinita sabedoria da graça em salvá-lo e em transformá-lo num vivido e eloquente testemunho do seu amorável Redentor, testemunho jamais igualado na história da recuperação do homem pela graça redentora do Deus Onipotente. Duas coisas importantes urge termos em mente com o trato dispensado na conversão do rei Nabucodonosor: 1) Não procrastinar a nossa conversão a Deus até que Seu dedo nos caía em cima; 2) e não esperar indefinidamente para dar um testemunho em Sua honra diante de todos quantos nos cercam. A INEXORÁVEL SENTENÇA DO ALTO VERSOS 3-33: — “Ainda estava a palavra na bôca do rei, quando caiu uma voz do céu: A ti se diz, ó rei Nabucodonosor: Passou de ti o reino. E serás tirado dentre os homens, e a tua morada será com os animais do campo: farte-ão comer herva como os bois, e passar-seão sete tempos sôbre ti, até que conheças que o Altíssimo tem domínio sobre os reinos dos homens, e os dá a quem quer. Na mesma hora se cumpriu a palavra sôbre Nabucodonosor, e foi tirado dentre os homens, e comia herva como os bois, e o seu corpo foi molhado do orvalho do céu, até que lhe cresceu pelo, como as penas da águia, e as suas unhas como as das aves”. O RESULTADO DE DESPREZAR A GRAÇA O rei Nabucodonosor julgava ter Deus esquecido de ajustar contas consigo, Mas ali no cume do grande palácio fazia ainda transbordar seus lábios de seu desafiante e contumaz orgulho; ainda 1

Atos 12:20-23.

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manifestava insensatas pretenções de senhorio e poder; ainda expressava sua pretensa e absoluta independência de Deus no que respeitava a seu reinado e grandeza real; e ainda jatava-se da glória de sua inigualável metrópole mundial como oriunda de sua própria sabedoria arquitetônica, — quando incontinente ouve da imediata execução da condenatória sentença, já a um ano antes sancionada por Deus mesmo, suspensa, porém, na espectativa de que o réu tivesse suficiente senso de responsabilidade em sustê-la definitivamente por um sincero e positivo arrependimento e incondicional reconhecimento da supremacia do Deus de Israel, como único Deus vivo e verdadeiro, do qual êle dependia em todo o sentido da vida e do trôno. Mas o arrogante potentado fracassou e com isso obrigou o supremo Juiz a aplicar a merecida pena que o privou do trôno e da glória de que tanto se ufanava. A dramática sentença foi resumida e anunciada nesta curta frase: “A ti se diz, ó rei Nabucodonosor: passou de ti o reino”. Eis um caso direto de destituição de um soberano terrestre pelo próprio Deus Todo-poderoso. Ficou constatado, como avisara Daniel àquele monarca, que o govêrno do homem na terra está sujeito à aprovação ou não de Deus. E isto mesmo que sucedeu ao rei de Babilônia verificou-se, de modo diferente e até imperceptívelmente quanto à intervenção de Deus no govêrno de inúmeros reis em todo o passado, chegando mesmo a desaparecer da história das nacionalidades com êles muitos de seus reinos. Sucede o mesmo em pleno século XX, sem que seja percebido peles dignatários atingidos e por seus achegados acessores. São derribados do poder pelo dedo do Altíssimo Deus. Incapazes do desempenho do seu posto em justiça, dêle são afastados por Aquele que em verdade tudo dirige segundo o Seu propósito pró prosseguimento e término de sua gloriosa obra de redenção na terra. Julgando estar só no cume de seu imenso palácio, Nabucodonosor fica espantado com a voz, para êle muito solene e estranha, de Quem peta primeira vez lhe falava audivelmente. Com espanto e estupefação é obrigado a permanecer ali imóvel e ouvir os detalhes da condenatória sentença, que êle já bem conhecia por seu sonho e cujas palavras são as mesmas da interpretação de Daniel, — para que ele se rebordasse que desprezara a advertência e agora colhia os amargos frutos.

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LEVADO AO CÁRCERE DO CAMPO Do cimo de seu tão adorado palácio já saíra o rei diretamente para o campo — provavelmente levado pelos anjos de Deus — onde cumpriria sua pena, junto aos irracionais. Aquilo que êle jamais podia crêr e do qual desdenhara que o acometesse, veio implacável sôbre êle e com todos os rigores do sonho e da interpretação, — o que êle, portanto, não ignorava. Mas, pensemos na mudança do quadro: O maior estadista da História política nas nações; o soberano mundial que enfechou em suas mãos a maior soma de poder e de glória; o maior arquiteto conhecido; o grande sábio do Oriente; o caudilho não igualado em campanhas de conquista; a máxima autoridade terrena jamais vista; o homem que tinha na terra o poder da vida e da morte, e, agora, num simples instante, reduzido pràticamente a nada, igualado aos brutos que nada entendem de palácio, de glória, de fama e de poder humanos. Pensemos nêste rei outrora inigualável como autoridade máxima do orbe inteiro, — afastado de sua famosa côrte, de seus grandes cortezões, da sociedade dos homens, de seus familiares, — comendo “herva como os bois”, “molhado do orvalho do céu”, com “penas de águia”, crescidas em seu corpo “e as unhas como as das aves”, comparado a um quadrúpede por sua comida e às aves de rapina pelas penas e unhas que lhe cresceram! “Um tablete cuneiforme não publicado no Museu Britânico menciona um homem que comia herva como uma vaca”.1 Humilhado Nabucodonosor até ao pó, nenhum vestígio ficou de sua estupenda majestade real. O versículo dezesseis dêste capítulo quatro diz que seu “coração de homem” fora trocado por um “coração de animal”! Não podia, pois, ter sido mais humilhado do que foi. Agora os pensamentos e desejos daquele que fôra reverenciado por tôda a terra e tido como sumidade em matéria de sabedoria e discernimento, seriam os dos próprios animais irracionais dos campos, que por sete anos deveriam ser os seus únicos companheiros, seguramente por todos êsses anos, nenhum pensamento de sua passada glória e grandeza, nenhuma lembrança de seu poder sôbre as nações 1

Seventh-Day Adventist Bible Commentary, Vol. IV, pág. 793.

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da terra, nenhuma recordação de sua estupenda cidade lhe assomaram à memória então irracionalizada. O juízo que êle pensava ser tão perfeito, a sabedoria de que se orgulhava possuir, foram removidos, e o até então poderoso monarca tornou-se de momento um maníaco. Não se deve pensar, porém, que o rei Nabucodonosor foi completamente abandonado lá no campo por seus familiares e por sua côrte. Foi êle certamente visitado, embora êle mesmo não se desse conta disso em virtude da mudança de seu coração e mente. Todos aguardavam anciosamente o fim da prova e sua reintegração no trôno. Indubitàvelmente Daniel, seu primeiro ministro, continuou nêste honrado posto até à sua restauração. Possivelmente o profeta tenha explicado detalhes da condenação do soberano a seus grandes e a seus familiares, bem como de sua futura restauração. O DESPERTAR DO SONO PROFUNDO VERSOS 34-35: — “Mas ao fim daqueles dias eu, Nabocodonosor, levantei os meus olhos ao Céu, e tornou-me a vir o meu entendimento, e eu bendisse o Altíssimo, cujo domínio é um domínio sempiterno, e cujo reino é de geração em geração. E todos os moradores da terra são reputados em nada; e segundo a Sua vontade Êle opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem possa estorvar a sua mão, e lhe diga: Que fazer?” O TÉRMINO DA PROVA CRUÉL O rei Nabucodonosor chega ao final da extranha prova. Ao término dos sete anos de juízo a mão de Deus deixou de afligí-lo. “Sua razão foi restaurada” para que pudesse deparar os resultados do orgulho, da soberba, da altivez e o que significa dizer não ao único eterno Todo-poderoso. Para êle, pareceu ter acordado dum longo e profundo sono. Surpreendeu-se, todavia, com seu ruinoso estado de anormalidade. Contempla-se desnudo, descarnado, enfraquecido, alimentando-se de feno; sua pele está coberta de espêsso pêlo de um quadrúpede enquanto penas como de águia pendem de seu corpo e as unhas — dos pés e mãos — se parecem como as das aves de rapina. Sobretudo, nota o humilhado rei a ausência da coroa real e vê-se longe, bem longe de seu soberbo e luxuoso palácio e de sua magnificente metrópole mundial. Então, diz, êle, “levantei os meus olhos ao céu”. Reconheceu a pesada mão de castigo pré-anunciado e regeitado com zombaria mas tornado por fim uma efetiva realidade. Reconheceu a mão divina do Juízo sôbre êle e a aceita como merecida 243

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e justa. Não sabemos porque a ofendida Onipotência preferiu humilhálo como o fez, em pleno campo em companhia de grosseiros sêres e em condições de absoluto desamparo, em vez de ser comodamente assistido em palácio ainda que com a perda da razão. Certo é, porém, que o aflitivo juízo teve o efeito previsto e foi aprendida pelo réu a lição de humildade. O primeiro ato do rei desperto, ali mesmo no campo e naquelas adversas circunstâncias, foi bendizer ao Altíssimo Deus que desprezara, louvá-1’O e glorificá-1’O como Eterno-Dominador e reconhecer seu domínio como imperecível. Reconheceu ainda, o abismado rei, que os moradores da terra são reputados em nada perante Deus, e que Êle opera como quer tanto em relação a êles como aos habitantes do céu. E conclue: “Não há quem possa estorvar a Sua mão e Lhe diga: Que fazes?”. Incompreensível mas maravilhoso e eficaz o trato de Deus no caso do rei Nabucodonosor! Fôra imprescindível aquela drástica medida divina para derribá-lo de seu orgulho e transformá-lo num testemunho do poder de Deus que encheria os séculos futuros em Seu louvor. Como escrevera cêrca de seis séculos mais tarde São Tiago, a “misericórdia”, que “triunfa no juízo”, triunfou em verdade no juízo advindo àquele monarca. Êle ficou satisfeito e feliz. E, em gratidão à insondável misericórdia do Eterno, notificou todo o mundo a Sua supremacia sôbre tudo e todos o Seu insondável amor por Seus incontáveis filhos. A GRANDIOSA RESTAURAÇÃO VERSO 36: — “No mesmo tempo me tornou a vir o meu entendimento, e para a dignidade do meu reino tornou-me a vir a minha majestade e o meu resplendor; e me buscaram os meus capitães e os meus grandes; e fui restabelecido no meu trôno, e a minha glória foi aumentada”. Em sua mundial proclamação Nabucodonosor tornou bem clara — a seus súditos a sua experiência e humilhação — e com todos os detalhes. Admitiu a sua culpabilidade bem como a grande misericórdia de Deus em sua restauração. Esta atitude do rei caldeu convertido foi deveras inédita e muito original. Não há notícia de que antes ou depois dêle um outro converso tenha tornado pública a história de sua humilhação e conversão. Salomão, o grande rei de Israel, que desceu às mais baixas e vis recâmaras do pecado, não confessou a seus súditos os requintes de seus pecados e a alegria de 244

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seu retorno a Deus, como o fez o rei Nabucodonosor. Nem mesmo Saulo de Tarso, o indomável bandeirante do evangelho, em suas tantas cartas, fez ao mundo uma confissão evidente de seus pecados, humilhação e restauração à dignidade dum converso filho de Deus, como o fez aquele poderoso rei de Babilônia. Para Nabucodonosor foi uma glória contar a seus súditos do amorável sério trato de Deus para com êle. Seu coração, transbordante de gôzo, deu ao mundo de seus dias e de todos os tempos depois dele, o maior e mais eloqüente testemunho do poder de Deus operado em si como pessoa humana e como pessoa soberana no trôno do mundo. E seus súditos de tôda a terra foram ricamente abençoados com a sua experiência e a sua conversão. Quão diferente seria a civilização hodierna se os seus governantes passassem pelo caminho da humilhação perante o verdadeiro Dominador do orbe, sem mesmo a necessidade de Êle agir com êles como agiu com Nabucodonosor, e se convertessem a Deus! Mas o admirável monarca contou também a sua restauração ao trôno Imperial. Contou que, em face de sua atitude agora favorável a Deus, seu entendimento ou razão, indispensável à sua reintegração ao trôno, foi-lhe completamente restaurado. Ao retornar inesperadamente à sua capital, completamente restabelecido do mal que o acometeu, e dirigir-se ao palácio real, foi recebido com todo o respeito por todos. Escreveu êle “meus ministros de Estado e meus senhores vieram consultar-me, e fui firmemente colocado no meu trôno e investido com supremo poder”.1 É dito, sem confirmação, que, durante o tempo em que esteve sob o juízo de Deus, Evil-Merodach, seu filho, reinou em seu lugar aguardando o seu restabelecimento. Certamente a interpretação de Daniel — ao ser o rei retirado do trôno para cumprir a pena do Céu, — foi bem compreendida por sua côrte, e seu regresso, findo os sete anos, foi aguardado com intensa expectativa e interêsse. Sua majestade e resplendor retornaram com maior brilho do que antes e êle empunhou até à morte o cêtro do inundo. A INCONDICIONAL ENTREGA A DEUS VERSO 37: — “Agora pois eu, Nabucodonosor, louvo, exalço, e glorifico ao Rei do Céu; porque tôdas as Suas obras são verdade; e os

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Tradução de James Moffatt, Daniel 4:36.

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Seus caminhos juízo, e pode humilhar aos que andam na soberba”. O notável decreto do rei é fechado com chave de ouro. É encerrado com a notificação mundial de sua entrega definitiva e incondicional ao Creador dos céus e da terra. Tornou público a gloriosa mudança operada em sua pessoa quer como indivíduo quer como governante real e mundial. “O outrora orgulhoso monarca tinha-se tornado um humilde filho de Deus; o governante tirânico e opressor tornora-se um rei sábio e compassivo. Aquêle que tinha desafiado o Deus do Céu; e d’Êle blasfemado, reconhecia agora o poder do Altíssimo, e fervorosamente procurou promover o temor de Jeová e a felicidade dos seus súditos. Com a repreensão dAquele que é Rei dos reis e Senhor dos senhores, Nabucodonosor tinha afinal aprendido a lição que todos os reis precisam aprender — de que a verdadeira grandeza consiste na verdadeira bondade. Êle reconheceu ao Jeová, como o Deus vivo, dizendo: “Eu, Nabucodonosor, louvo, e exalço, e glorifico ao Rei do Céu; porque tôdas as suas obras são verdade, e os Seus caminhos juízo, e pode humilhar aos que andam na soberba”. O propósito de Deus de que o maior reino do mundo mostrasse o Seu louvor, estava agora cumprido. Esta proclamação pública, em que Nabucodonosor reconhecia a misericórdia, bondade e autoridade de Deus, foi o último ato de sua vida registado na história sacra”.1 Com amor seguira Deus os passos do poderoso monarca. Em meio à sua côrte tão cheia de tentações, podemos crêr que Deus viu nêle sinceridade, integridade e pureza de propósito que podia usar para a glória de Seu nome, daí ter agido de forma tão admirável para com êle. Indiscutivelmente, seguira Deus com amor os passos do rei Nabucodonosor até ao momentoso desfecho em que fêz dêle um filho honrado e um futuro cidadão de Seu reino eterno. Se quisermos vêr um dia o famoso rei, urge que também nos humilhemos ou que sejamos humilhados ao sumo, pois só os humildes poderão ser exaltados e redimidos para viverem na presença de Deus e de seu amorável salvador — Nosso Senhor Jesus Cristo. Não fôra o profundo sentimento religioso do rei Nabucodonosor, não teria êle reconhecido o Criador e sua supremacia. Suas inscrições o revelam um monarca espiritual, mesmo com vistas à outrora religião pagã. Uma inscrição sua contém uma de suas orações nos têrmos como segue: 1

Profetas e Reis, E. G. White, pág. 521.

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“Ó príncipe eterno! Senhor de tôda a criação! Assim como amaste ao rei cujo nome tens exaltado, como foi do teu agrado, faze-o endireitar a vida, guia-o por veredas retas. Eu sou o príncipe, que te obedece, a criatura da tua mão; tú me fizeste, o domínio dos povos me confiaste, na medida da tua graça, ó senhor, a qual concedes, aos povos todos, faze-me amar tua suprema dominação, e cria em meu coração o louvor da tua divindade, e dá-me o que fôr da tua vontade, porque engrandeceste a minha vida”.1

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A History of the Babilonians and Assyrians, Goodspeed, pág. 348.

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CAPÍTULO V O BANQUETE FATAL DE BABILÔNIA

Introdução O capítulo cinco do livro de Daniel talvez constitua a maior advertência do céu a todos quantos são deliberadamente desafiantes da divindade. Trata principalmente da história de um homem negligente e procrastinante em relação a seu conhecido dever para com o sagrado. Um destacado personagem irreverente para com Deus, ainda que conhecedor de prodigiosas maravilhas operadas pelo Soberano do Universo em bem de sua própria realeza. Um político audazmente profano daquilo que sabia ser por demais sagrado. Um cortezão declaradamente falto para com a santa e imutável lei do Deus Todopoderoso. Um rei arbitrário, jactancioso, presumido de si mesmo. Um soberano imoral, licencioso, ébrio e indigno do trono do mundo que ocupava. Por incrível que pareça e revelando elevado grau de insensatez, despreocupou-se com o marcante perigo que rondava a sua capital, o último reduto do que restava daquilo que fôra outrora o poderoso império babilônio sôbre tôda a terra. O relato dêste quinto capítulo dá conta duma cena ímpia, abjeta aos olhos de Deus, a mais repelente e impudica orgia que os séculos presenciaram e registraram. O centro da diabolesca festa era o próprio rei de Babilônia, Belshazzar, acima descrito, cuja soberania mundial agonizava. Fôra êle o promotor daquela provocante degradação ímpia que se caracterizou pela mais vil licenciosidade e pela mais deturpante intemperança. O festim de Belshazzar foi a revelação mais aguda da decadência moral dos cortezões da antiguidade, da derrocada dos chamados intelectuais do fim duma civilização que se precipitava no abismo da alucinação do pecado, especialmente o da libertinagem.

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Mas, a desprezível festança não passou despercebida dAquele diante do qual tudo será acertado em juízo. Um representante Seu, invisível, achava-se presente, e, no momento oportuno — de aviltante sacrilégio — manifestou-se e deixou gravada uma decisiva mensagem de condenação. Cessam então os desafios ao céu. Os sacrílegos foliões, antes bem ousados e ultrajantes, agora pasmam-se e tremem pela evidente perspectiva do fim de tudo. Logo ouvem Daniel, o profeta, interpretar a mensagem do desagrado de Deus ofendido com tanto vilipêndio, — mensagem, sim, de juízo condenatório irrevogável. E o santo relato finda informando que a ultrajante orgia terminou com o estabelecimento de uma nova ordem política no orbe, tendo os descuidosos libertinos, incluso mesmo o rei, o principal dêles, sido ceifados pelos medos e persas vitoriosos irmanados. UMA INFAMANTE ORGIA EM PERIGO FATAL VERSO 1: — “O rei Belshazzar deu um grande banquete a mil dos seus grandes, e bebeu vinho na presença dos mil”. UM MONARCA INTEMPERANTE O banquete de Belshazzar tomou lugar no mês de Tammuz, (o quarto mês do ano, correspondente a junho-julho do calendário Gregoriano) e foi realizado em homenagem anual a Tammuz, “um deus de origem Sumeriana cuja adoração espalhara-se pelo mundo antigo. Era êle o deus das pastagens e rebanhos, o pastor celestial, que morria anualmente e ressuscitava para nova vida cada ano depois de Ishtar, sua esposa e irmã, descer ao mundo inferior e trazê-lo novamente à vida. A comemoração de Tammuz era um dos festivais vastamente celebrados entre os antigos semitas. Nos tempos de Ezequiel o culto de Tammuz havia penetrado em Judá, e mulheres hebréias, certa feita, pranteavam aquêle deus nas portas do templo;1 consequentemente deviam elas ter cumprido os ritos ligados à sua morte anual”.2 (Ver apêndice, nota 1). Segundo o versículo trinta, o festival de Belshazzar, em honra de Tammuz, tomou lugar à noite, e isto confirma com o relato histórico seguinte: “Xenofonte preservou a tradição de que ao tempo da queda de Babilônia, um certo festival tinha tomado lugar em Babilônia, 1 2

Ezequiel 8:13-14. Seventh-Day Adventist Bible Dictionary, art. Tammuz.

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durante o qual todos em Babilônia costumavam beber e festar durante a noite tôda”.1 O rei Belshazzar mostrou bastante insensatez em realizar o seu banquete-orgia sem levar em conta o exército inimigo de Ciro que cercava Babilônia, o último baluarte de pé do império caldeu que ainda não caíra nas mãos do vitorioso conquistador. O perigo, porém, não importava ao licencioso rei de Babilônia; o que para êle era de capital importância era a sua ruidosa orgia, pois se a adiasse poderia cair no desagrado daquele deus, em cuja homenagem o festival fôra empreendido com o máximo de esplendor. Sua atitude, porém, redundou na perda de sua vida e na queda do seu império. A absorvente festa de Tammuz despreocupou Belshazzar em absoluto da possibilidade da queda de sua capital sob as tropas de Ciro, a despeito dêste o ter derrotado, fazia pouco, em Opis, e a seu pai, Nabonidos, em Sippar. Além de tudo Babilônia estava circundada por poderosas muralhas consideradas inexpugnáveis e, segundo seus cálculos, não havia, portanto, coisa alguma a temer. Pretendia segurança dentro dos maciços muros com suas poderosas portas de bronze, havendo além disso abundantes provisões em estoque. Daí crêr-se Belshazzar seguro, podendo respirar e dormir tranquilo com os que com êle jaziam na cidade, como se nenhum inimigo velasse em tôrno de Babilônia. Mas ignorava que no sentimento de segurança estriba-se grande perigo. De cada lado do rio, no interior da cidade, haviam também muralhas de grande altura e de espessura igual às que circundavam a cidade. Nestas muralhas haviam portas de bronze que, quando fechadas e custodiadas, impediam a entrada, pelo rio, ao interior da metrópole. Porém, as portas dêstes muros do rio foram deixadas abertas naquela noite de festa. Ninguém se deu conta, naquela noite, de que as referidas portas estivessem abertas. Porém, a despreocupação total com as defesas internas da cidade e a integração de todos na orgia daquela noite de dissipação, custou aos babilônios o seu reino e a sua liberdade. A festa de Tammuz podia processar-se normalmente e sem o mínimo perigo, tal como nos anos anteriores. Quando naquela trágica noite o rei fôra avisado de negócios graves e urgentes que demandavam solução imediata, sua orgulhosa e jatanciosa resposta de segurança própria foi esta: “Para amanhã os 1

Seventh-Day Adventist Bible Commentary, pág. 801.

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negócios graves”. Mas o “amanhã” jamais surgiu para o voluptuoso monarca! “Em seu orgulho e arrogância, com um temerário senso de segurança, Belshazzar “deu um grande banquete a mil dos seus grandes, e bebeu vinho na presença dos mil”. Tôdas as atrações que a riqueza e o poder podem proporcionar, acrescentavam esplendor à cena. Belas mulheres com seus encantos estavam entre os hóspedes em atendimento ao banquete real. Homens de gênio e educação estavam presentes. Príncipes e estadistas bebiam vinho como água, e se aviltavam sob sua enlouquecedora influência, A razão destronada pela despudorada intoxicação, os mais baixos impulsos e paixões agora em ascendência, o rei em pessoa tomou a dianteira na desbragada orgia”.1 Daniel, testemunha ocular do festim de Belshazzar, o descreve como “um grande banquete”. É declarado alhures que o palácio festal era tão largo como três vêzes a frente da igreja de S. Pedro em Roma. Isto se harmoniza plenamente com o relato do profeta, e ainda com a sua declaração de que haviam presentes “mil dos seus grandes”, além de ímpios e muitas mulheres. Uma das descobertas arqueológicas em Babilônia foi a de um grande palácio — não distante da entrada do rio Eufrates na cidade pelo norte, no qual havia um “hall” medindo cêrca de 52 metros de cumprimento por 18 de largura e 20 de altura. Êste imenso “hall” parece muito provavelmente ter sido o local, naquele palácio, do banquete de Belshazzar naquela fatal noite babilônica, pois, em local algum da cidade havia outro “hall” bastante vasto para acomodar um milhar de convivas, além das mulheres presentes. E para enfatizar esta crença, uma das mais belas estruturas de Babilônia, a famosa porta “Istar”, que dava acesso ao interior da cidade, estava localizada exatamente nas proximidades do aludido palácio. Ora, como vimos, a lendária “Istar” era a esposa do lendário Tammuz; e a verdade de que a porta com seu nome estava junto do palácio em referência, confirma que o festim de Belshazzar, em honra a Tammuz, esposo de “Istar”, fôra nêle realizado. A rapidez da tomada do palácio pelas tropas de Ciro naquela fatídica noite, é evidente afirmativa de que o banquete do rei realizou-se no palácio em aprêço, localizado, como apreciamos, próximo por onde entrou o grosso das tropas de Ciro, o vitorioso conquistador. Certamente sabia Ciro que o banquete realizava-se 1

Profetas e Reis, E. G. White, pág. 523.

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naquele palácio e concentrou, sem dúvida, maior número de tropas naquelas proximidades da entrada do Eufrates, para a penetração imediata sob as muralhas, à diminuição das águas do Eufrates, e fazer capitular Babilônia incontinente pela tomada do palácio, o que ocorreu tão ràpidamente que as fôrças de Belshazzar só tomaram conhecimento da façanha quando nada mais havia a fazer, pois já estavam cercadas e vencidas sem batalha. A despudorada comemoração de Tammuz, enuncia Daniel, fôra regada de abundante vinho, Um indivíduo é citado por nome como sendo intemperante número um em meio a seus centenares de convivas — Belshazzar. É bastante enfática a alusão de que o rei “bebeu vinho na presença dos mil”. Isto parece referir que o costume da côrte de Babilônia, como o da côrte Medo-Persa, era que o rei, em ocasiões de festas comemorativas, comia e bebia geralmente em um separado “hall”, e somente em ocasiões muito especiais, participava conjuntamente com seus convidados. A festa da última noite da vida de Belshazzar que estamos considerando, foi evidentemente uma ocasião especial em que o soberano preferiu reunir-se com seus cortezões e grandes do reino para dela participar — “bebendo na presença dos mil”. Sem dúvida esta declaração, como vimos, apresenta Belshazzar como o grande intemperante dentre os presentes e o maior alcoólatra de todos os circunstantes. O alcoolismo o fizera seu escravo, e não nos maravilha a sua recusa aberta e decisiva das evidências da manifestação do poder de Deus mesmo no seio de sua família. UM ATREVIDO SACRILÉGIO VERSOS 2-4: — “Havendo Belshazzar provado o vinho, mandou trazer os vasos de ouro e de prata, que Nabucodonosor, seu pai, tinha tirado do templo que estava em Jerusalém, para que bebessem por êles o rei, e os seus grandes, e as suas mulheres e concubinas. Então trouxeram os vasos de ouro, que foram tirados do templo da casa de Deus, que estava em Jerusalém, e beberam por êles o rei, os seus grandes, as suas mulheres e concubinas. E beberam o vinho, e deram louvores aos deuses de ouro, e de prata, de cobre, de ferro, de madeira, e de pedra”. BELSHAZZAR — SÍMBOLO DO ALCOOLISMO Se o primeiro versículo declara que Belshazzar bebeu vinho na presença de seus mil grandes, êste segundo versículo revela quanto 253

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vinho êle bebeu: “Estando pois já cheio de vinho...” Uma outra versão diz: “Quando arrebatado pelo vinho...”1 Aí está o desastroso estado a que chegara um rei em presença de sua côrte num festival em palácio! O demônio do vinho o saturou; arrebatou-lhe os controles; solapou-lhe a decência, a moral, a dignidade, a honra real, e o outrora reverenciado monarca perdera o respeito diante de seus cortezões! Agora, sob a influência do vinho e revelando-se verdadeiro representante do deturpante alcoolismo babilônico, estava o rei Belshazzar preparado para surpreender o mundo de seus dias e de todo o futuro, com um vil sacrilégio que lhe custou a perda do trono e da vida. Em verdade, como um infeliz escravo das paixões da carne e do álcool, estava agora qualificado para ofender, desacatar e vilipendiar o Todopoderoso cujo infinito poder não ignorava. O SACRILÉGIO DE BELSHAZZAR Cambaleante, com a razão destronada, ordena o rei Belshazzar que tragam os vasos sagrados do templo de Deus, que Nabucodonosor havia conduzido de Jerusalém a Babilônia, para que por êles bebesse vinho conjuntamente com seus príncipes e suas depravadas concubinas. Essas mulheres, certamente componentes do harém babilônio, eram moralmente desqualificadas. A História não registrou até ao presente um mais ousado ato cometido com todos os requintes de arrogância como êste do rei Belshazzar. Mas êle quis demonstrar e provar que nada era demasiado sagrado que suas mãos não pudessem tocar. Êle intencionalmente desprezou a Deus de cujo templo eram aqueles vasos. Em sua insolência insultou publicamente o Rei do Céu. Os sagrados vasos foram incontinentemente trazidos e por êles todos os circunstantes, por ordem do rei, beberam vinho abundante. Num ruidoso delírio, numa insana loucura, ergueram todos tresloucados gritos de louvores a “seus deuses de ouro, de prata, de bronze, de ferro, de madeira e de pedra”. Com êste vil ato de “delirium tremens”, pretenderam o monarca e seus grandes provar a supremacia dos deuses de Babilônia sôbre o Deus de Israel. Todavia esta insolente pretenção se converteria logo em amargo juízo fatal para todos aqueles ousados pagãos. 1

Tradução de James Moffatt, Daniel 5:2.

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A RESPOSTA DO TODO-PODEROSO AO REI BELSHAZZAR VERSOS 5-6: — “Na mesma hora apareceram uns dedos de mão de homem, e escreviam, defronte do castiçal, na estucada parede do palácio real; e o rei via a parte da mão que estava escrevendo. Então se mudou o semblante do rei, e os seus pensamentos o turbaram: as juntas dos seus lombos se relaxaram, e os seus joelhos bateram um no outro”. QUANDO TUDO PARECIA FELICIDADE E SEGURANÇA Quando a felicidade do rei e de seus hóspedes parecia total; quando os deuses do reino afiguravam-se-lhes triunfantes; quando o vinho era sorvido sob delirante júbilo nos sagrados vasos, — então o invisível vigia manifestou a sua presença na festa de Belshazzar. Bastava já de ofensas ao céu e Àquele em cujas mãos estava a vida daqueles depravados foliões. Deus vai até certo ponto com o ousado transgressor; suporta suas blasfêmias e impropérios a Êle até que a taça transborde; depois disso — por ter sido rejeitado todo o remédio divino — então se manifesta como Juízo para julgar e sentenciar. Se os blasfemos modernos foliões do século XX pensassem ao menos um pouco no licencioso e ébrio festim de Belshazzar e suas imediatas consequências fatais, estremeceriam em face de suas próprias práticas sociais deletérias, ofensivas e desafiantes a Deus. Mas parece terem o mesmo espírito de corrupção e manifestar o mesmo decidido desacato ao céu que manifestaram aqueles babilônicos, — que só viram o mal quando não havia mais escape da inapelável sentença do supremo Juiz por êles vilmente ofendido. UM VALENTÃO REDUZIDO A NADA “Mal imaginava Belshazzar que havia uma Testemunha celestial de sua grosseira idolatria; que um divino Vigia, incógnito, olhava a cena de profanação, ouvia a sacrílega hilaridade, contemplava a idolatria. Mas logo o Hóspede não convidado fêz sentir a Sua presença. Quando a orgia ia alta, uma pálida mão apareceu, e traçou na parede do palácio caracteres que luziram como fogo — palavras 255

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que, embora desconhecidas ao vasto auditório, eram um presságio de condenação ao rei, agora ferido em sua consciência, e seus hóspedes. “Cessou a ruidosa festa, enquanto homens e mulheres, possuídos de inaudito terror, observavam a mão traçando os misteriosos caracteres. Perante êles passaram-se, como numa visão panorâmica, as obras de suas vidas más; parecia-lhes estarem citados ante o tribunal do eterno Deus; cujo poder êles acabavam de desafiar. Onde apenas poucos momentos antes havia hilariedade e ditos blasfemos, viam-se agora faces pálidas e exclamações de terror. Quando Deus faz os homens tremer, êles não podem ocultar a intensidade dêsse terror. “Belshazzar era o mais aterrorizado de todos. Era êle que, sôbre todos os demais, tinha sido responsável pela rebelião contra Deus, que nessa noite alcançara o seu apogeu no domínio babilônico. Na presença da invisível Testemunha, representante d’Aquele cujo poder tinha sido desafiado e cujo nome fôra blasfemado, o rei sentiu-se paralisado de temor. A consciência despertou. As juntas dos seus lombos se relaxaram, e os seus joelhos bateram um no outro”. Belshazzar se levantara impiamente contra o Deus do Céu, e tinha confiado em seu próprio poder, não supondo que alguém ousasse dizer: “Por que fazes isto?” Mas agora, sentia que precisava prestar contas de sua mordomia, e que por suas oportunidades malbaratadas e desafiadora atitude não podia apresentar escusas. Em vão o rei procurou ler as letras de fogo. Mas ali estava um segrêdo que êle não podia compreender e um poder que êle não podia nem compreender e nem contestar”.1 Ao retirar-se aquela misteriosa mão, os rostos empalideceram e gritos de terror se faziam ouvir confusos. O pânico tomara conta daquela impúdica assembléia em presença de um enigma que não podiam decifrar. Sentem, porém, chegado ó momento da prestação de contas e de terem dissipado tôda a oportunidade para estarem fora de tão fatal situação. Trementes e apavorados, trocam o blasfemo tumulto pela ansiedade e angustiosa espectativa. O desprezível sacrilégio era o próprio pregoeiro da catástrofe iminente. Daqui a pouco os desafiadores modernos de Deus verão não simplesmente u’a mão traçando-lhes a condenação, senão que verão o próprio supremo Juiz em pessoa, — descendo à terra, — não mais para anunciar-lhes a sentença futura tantas vêzes já anunciada, mas para executá-la inexorável. Na profecia de Apocalipse, capítulo seis, 1

Profetas e Reis, E. G. White, págs. 524, 527.

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versículos quinze e dezessete, depara-se-nos o indizível quadro da aflição destes babilônios do século XX, num desesperado esforço de fuga inútil do olhar chamejante e fulminante do eterno Juiz tantas vêzes recusado e blasfemado. Aproxima-se rápido o momento do ajuste e da vindicação da honra do Todo-poderoso desdenhosamente ultrajado. A CONVOCAÇÃO DOS INCOMPETENTES SÁBIOS VERSOS 7-9: — “E ordenou o rei com fôrça, que se introduzissem os astrólogos, os caldeus e os adivinhadores: e falou o rei, e disse aos sábios de Babilônia: Qualquer que ler esta escritura, e me declarar a sua interpretação, será vestido de púrpura, e trará uma cadeia de ouro no pescoço, e será, no reino, o terceiro dominador. Então entraram todos os sábios do rei; mas não puderam ler a escritura, nem fazer saber ao rei a sua interpretação. Então o rei Belshazzar perturbou-se muito, e mudou-se nêle o seu semblante; e os seus grandes estavam sobressaltados”. ALTAS HONRAS EM TROCA DA INTERPRETAÇÃO Em desespêro de causa volta-se Belshazzar aos sábios do reino, na esperança de que êles, que pretendiam desvendar todos os mistérios e solver as dúvidas e problemas, aliviassem a tensão que a todos os circunstantes envolvia. A grandes brados — como um desvairado e alucinado — convoca a urgente presença dos sábios credenciados da côrte. O rei lhes promete as mais altas honras se porventura lessem a escritura: Veste de púrpura, cadeia de ouro ao pescoço e a prerrogativa de ser o terceiro governador no reino. Mas nada adiantariam seus apelos e promessas de ricas recompensas a seus acreditados “sapientes” conselheiros. “A sabedoria celestial não pode ser comprada ou vendida” por seres humanos; não pode ser exigida de quem com ela se desarmoniza e muito menos pode ela depender de custosos e honrosos prometimentos de quem se recusa estar em boas relações com o céu, — como era o caso do rei Belshazzar de Babilônia. O FRACASSO DOS SÁBIOS DE BABILÔNIA Os sábios entram em massa no recinto da festa. Olham a fulgurante escritura na parede do palácio. Ficam atônitos, perplexos. Estavam diante duma incógnita jamais deparada. Ali estavam 257

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caracteres completamente desconhecidos na linguagem humana. Ficam como que petrificado; diante dum milhar de angustiados espectantes. O fracasso de tais sábios fôra evidente, completo e decepcionante. Fôra desmascarada a sabedoria do homem diante da revelação de Deus. Na verdade aquela divina escritura não era para sabedoria humana ler e interpretar. Homens separados da fonte suprema da sabedoria jamais poderão entender a revelação sobrenatural. A derrocada dos embusteiros sábios foi total e humilhante em presença daquela grande assembleia tremente que esperava dêles uma solução satisfatória, já que se arrogavam sumidades em decifrar mistérios. A falha “in totum” dos sábios de Belshazzar foi idêntica à dos sábios de Nabucodonosor 65 anos antes, como podemos apreciar na dissertação do segundo capítulo. A flagrante derrota dos “entendidos” alarmou sobremaneira o já assombrado rei Belshazzar. O fracasso redondo dos chamados sábios foi humilhante e depreciativo e revelou que sábios não eram. Os considerados sumamente “sapientes” revelaram-se sumamente ignorantes. A consternação e a ansiedade tomaram posse de todos os presentes. Se os tidos como eminentes em quaisquer problemas falharam fragorosamente em tão angustiantes circunstâncias, a quem mais apelar então? A situação, tanto no que concernia ao rei como aos seus grandes convidados, era de caos absoluto. As perspectivas se lhes afiguravam sombrias e pressagiavam um fim iminente, inexorável e fatal. O desespêro apossou-se de imediato daqueles que há poucos instantes se demonstraram tão valentes e ousados em desafiar o Soberano do universo e profanar desdenhosa e deliberadamente os sagrados vasos de Seu santo templo. Cumpriu-se o que mais tarde pregou São Paulo: “Deus não se deixa escarnecer; porque tudo o que o homem semear, isso também ceifará”.1 Estava evidente, pois, a terrível colheita da ousada semeadura. A RAINHA-MÃE SOLVE O PROBLEMA VERSOS 10-12: — “A rainha, por causa das palavras do rei e dos seus grandes, entrou na casa do banquete: e falou a rainha, e disse: ó rei vive para sempre! não se turbem os teus pensamentos, nem se mude o teu semblante. Há no teu reino um homem, que tem o espírito dos deuses santos; e nos dias de teu pai se achou nêle luz, e 1

Gálatas 6:7.

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inteligência, e sabedoria, como a sabedoria dos deuses; e teu pai, o rei Nabucodonosor, sim, teu pai, ó rei, o constituiu chefe dos magos, dos astrólogos, dos caldeus, e dos adivinhadores, porquanto se achou neste Daniel um espírito excelente, e ciência e entendimento, interpretando sonhos, e explicando enigmas, e solvendo dúvidas, ao qual o rei pôs o nome de Belshazzar: chame-se pois agora Daniel, e êle dará a interpretação”. CARTA BRANCA A SOBERANA A rainha aqui aludida não era a esposa de Belshazzar que, certamente, tomava parte com êle naquela desprezível orgia. Pelo que tudo indica, segundo o contexto, era a mãe dêste degenerado rei, a esposa de seu pai Nabonidus e filha de Nabucodonosor. Ela não tomou parte no banquete. Como testemunha do poder de Deus manifesto em favor de seu pai no passado, provàvelmente O servia, razão porque não estivera presente no desonroso folguedo. Mas ela “entrou na casa do banquete”, diz o texto sacro, ao tomar conhecimento do problema que angustiava o filho e os que com êle se banqueteavam. Como rainha-mãe, podia, de acordo ao costume oriental, entrar à presença do rei sem prévia anunciação ou convocação. Não gozava dêste direito a esposa do monarca; o seu comparecimento à presença do rei, seu próprio marido, dependia de ser por êste admitida.1 Nada disso acontecia quanto à rainha-mãe que tinha na corte tôda a regalia. A velha cortezã, entrando, procurou acalmar o filho rei e dar-lhe esperança. Em seguida foi dizendo com entusiasmo: “Há no teu reino um homem...” Um homem apenas em todo o vasto reino de Belshazzar! Portanto, havia crise de homens verdadeiramente homens naquela realeza! Não era uma crise rara, mas comum não só ao tempo de Babilônia como em todos os tempos dos séculos. Mesmo em pleno pujante século XX permanece a crise de homens; e os acontecimentos mundiais evidenciam lamentavelmente esta triste realidade. Faltam homens nos lares, nas escolas, nas igrejas e nos passos governamentais. Faltam homens em tôda a parte e a civilização cambaleia em seus alicerces rumo ao abismo por falta de homens verdadeiramente homens, homens de caráter.

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Ester 4:11, 16.

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Lá na antiga Grécia, Diógenes, o celebrado filósofo do quarto século a.C., procurava, de lanterna em punho em pleno brilho do sol de meio-dia, pelas ruas de Atenas, “um homem”. Dizia êle aos seus admirados interlocutores: “Ando à procura de um homem”. Havia crise de homens na velha Grécia. A rainha-mãe de Babilônia nem a seu próprio filho Belshazzar reconhecia como “um homem”! O homem com o qual ela não se enganara e que bem o conhecia, “tem o espírito dos deuses santos”, declarou. Isto mesmo também dissera Nabucodonosor, anos atrás, do mesmo homem.1 “Um homem”, continuou a rainha, no qual “se achou luz, e inteligência, e sabedoria, como a sabedoria dos deuses”. “Um homem”, afirma a velha soberana, que tinha “um espírito excelente, e ciência e entendimento, interpretando sonhos, e explicando enigmas, e solvendo dúvidas”. “Um homem”, diz ela ainda, que “teu pai, ó rei, o constituiu chefe dos magos, dos astrólogos, dos caldeus, e dos adivinhadores”. Era indubitavelmente Daniel a que se referia a rainha, e seu apêlo confiante foi êste: “Chame-se pois agora Daniel, e êle dará a interpretação”. Ela não tinha quaisquer dúvidas sôbre a capacidade de Daniel em resolver o problema da escritura de fogo da parede do palácio. Conhecia pessoalmente o servo de Deus quase já há meio século, tempo em que testemunhara maravilhas na côrte de seu pai operadas por Êle. Ela o admirava sobremaneira e ainda a impressionava a sua celestial sabedoria. Não é de maravilhar que a rainha-mãe servisse o verdadeiro Deus, que tantos prodígios seus se deparassem na côrte de Babilônia, através de Daniel, o Seu embaixador naquele reino. UM ANGUSTIANTE APÊLO A DANIEL VERSOS 13-16: — “Então Daniel foi introduzido à presença do rei. Falou o rei, e disse a Daniel: És tu aquêle Daniel, dos cativos de Judá, que o rei, meu pai, trouxe de Judá? Tenho ouvido dizer a teu respeito que o espírito dos deuses está em ti, e que a luz, e o entendimento e a excelente sabedoria se acham em ti. Acabam de ser introduzidos à minha presença os sábios e os astrólogos, para lerem esta escritura, e me fazerem saber a sua interpretação; mas não puderam dar a interpretação destas palavras. Eu porém tenho ouvido dizer de ti que podes dar interpretações e solver dúvidas: agora, se

1

Daniel 4:8.

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puderes ler esta escritura, e fazer-me saber a sua interpretação, serás vestido de púrpura, e terás cadeia de ouro ao pescoço, e no reino serás o terceiro dominador”. DANIEL TRATADO COMO SIMPLES CATIVO Sem excitação e delongas mandou Belshazzar chamar aquêle sábio conselheiro cujos conselhos êle havia desprezado. Deseja o rei, antes de mais nada, saber do próprio Daniel se êle era “aquêle Daniel dos cativos de Judá”, levados a Babilônia por Nabucodonosor. O mal educado governante desgovernado, trata a Daniel como um simples cativo, posto que a rainha o tinha apresentado como um homem notável, uma grande figura, uma perfeita sumidade, uma vida, aliás, moldada por influências sobrenaturais. O ébrio rei revela ignorar totalmente a Daniel, quer como primeiro ministro na grande côrte de Nabucodonosor, quer como chefe dos sábios do reino, como disseralhe a rainha-mãe. Certamente Belshazzar e seu pai Nabonidus haviam excluído tôda a influência de Daniel da côrte, possivelmente por politicagem malsã e invejosa. Daí não ser mais o profeta considerado como um grande cortezão, e não ter sido, por isso mesmo, convidado para aquela festa em palácio, embora seja certo que a ela, desonrosa a Deus como fôra, êle não compareceria jamais com ou sem convite. Nos últimos anos do império de Babilônia, muito perdera a sua administração pelo menosprêzo ao profeta de Deus. Posto que Nabucodonosor reinasse brilhantemente durante 43 anos, os cinco soberanos que o sucederam reinaram dentro do curto prazo de apenas 23 anos, em cujos efêmeros reinados muito deixaram a desejar em comparação com o reinado dêle. A côrte colheu amargos frutos na exclusão dos conselhos de Daniel. REVELAÇÃO DE IGNORÂNCIA DO MELHOR Lamentavelmente o rei Belshazzar começa por atestar mais uma vez sua completa ignorância daquele “um homem”. Como podia desconhecer o maior homem de seu reino? Mas era uma verdade; Daniel era ignorado como o maior e melhor homem, homem que havia sido o primeiro e maior cortezão depois do maior monarca daquele império — o rei Nabucodonosor. E a ignorância custou caro àquele ignorante e desmoralizado ébrio monarca. Da ignorância 261

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dizemos ser um dos mais graves pecados e de consequências as mais negras e imprevisíveis. E foi o que sucedeu ao último rei de Babilônia. O que importava àquele derradeiro rei caldeu, não era cercar-se de homens de caráter, mas sim de homens como êle — mundanos, licenciosos, imorais, criminosos, injustos e politiqueiros. Sim, a ignorância voluntária do melhor homem e dos melhores conselhos do Céu através dêle, tiveram sérios e fatais resultados. O REI APRESENTA A SUA DIFICULDADE Primeiramente confessa o monarca a sua inaptidão de seus sábios em ler a luminosa escritura. Foi uma palhaçada — não puderam ler e muito menos interpretar os caracteres de fogo. Ao tempo de Nabucodonosor sentenciou êste rei à morte incontinente os seus enganadores sábios que também falharam vergonhosamente como agora os de Belshazzar, alguns dos quais deviam ser daqueles derrotados de outrora. Mas na verdade o problema não era para a corrupta sabedoria humana e para os corruptos pretensos sábios humanos darem qualquer solução satisfatória. A rainha dissera enfàticamente a Belshazzar: “Chame-se pois agora Daniel e êle dará a interpretação”. O frio monarca, porém, disse ao profeta: “Agora, se podes ler esta escritura, e fazer-me saber a sua interpretação...”! Êle duvidou do caloroso testemunho de sua mãe, a rainha que bem conhecia o servo de Deus. Além disso, pela decepção que lhe causaram os homens tidos como respeitáveis sábios de Babilônia, já não podia ter certeza plena na sabedoria dum idoso e humilde cativo hebreu. Por outro lado, parece que se desinteressou, no passado, pelo homem que solvia as misteriosas questões que acarretavam a côrte de seu avô, pelo que o desconhecia totalmente e nêle não podia exercer confiança numa hora de tamanha crise, crise esta que desmascarou a farsa da sabedoria de seus sábios. Todavia Belshazzar arriscaria entregar o caso nas mãos do humilde cativo! Fêz-lhe os mesmos prometimentos que fizera aos sábios derrotados por aquela misteriosa frase sobrenatural: Veste de púrpura — emblema de altos serviços; cadeia de ouro ao pescoço — alta condecoração da côrte; e a honra de ser o terceiro governador do reino. Eis as recompensas em troca da solução do mistério. Esta última prerrogativa jamais seria cumprida, pois o reino estava já em estado de coma. Os medas e persas já se haviam de tudo apossado. Restava apenas a capital, através de cujo derradeiro baluarte receberia 262

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o reino naquela mesma noite o golpe de misericórdia dos vitoriosos soldados de Ciro. Entretanto, o oferecimento a Daniel da dignidade de terceiro governador, comprova que Nabonidus era o primeiro soberano e Belshazzar, seu filho, o segundo. DANIEL — UM CRISTÃO INÉDITO VERSO 17: — “Então respondeu Daniel, e disse na presença do rei: Os teus dons fiquem contigo, e dá os teus presentes a outro; todavia lerei ao rei a escritura, e lhe farei saber a interpretação”. DANIEL NÃO SE DEIXA CORROMPER Raramente um homem age como agiu Daniel em face de tão ricas ofertas e tão grandes honras. Mesmo um moderno cristão dificilmente agiria hoje como êle e até em se tratando de coisas sagradas. Não são hoje vendidas as próprias graças da religião cristã pelo vil metal? Como embaixador do céu na terra, não se corromperia Daniel pelo sacrilégio de aceitar peitas quando no desempenho de sua inspirada missão no mundo. Não é próprio que um ministro da justiça ame a Deus e a Mamon. As coisas celestiais e as bênçãos de Deus não são negociatas como muitos entendem em pleno século XX. DANIEL ENTRA NA HORA CERTA Aquela hora era a hora de Daniel. Era a hora de se apresentar, não como um ébrio cortezão sem moral como os circunstantes daquela ímpia orgia de Tammuz — mas propriamente como um cortezão do alto, um embaixador honrado da côrte do Todo-poderoso Deus. Primeiramente deviam ser desmascarados os falsários e a embusteira sabedoria para então se manifestar o verdadeiro representante pessoal do Céu em Babilônia bem como a sabedoria do céu. Pelo fracasso porque passaram não receberam os sábios os presentes e honras do rei. E na verdade Daniel também não os receberia! E porque também não os receberia êle? Porque êle mesmo os rejeitou. Daniel não ofenderia a seu Deus desonrando-o e dando dÊle um mau testemunho na aceitação de pagas “simoníacas” que mancham e vilipendiam o ministério do evangelho de seu senhor. Êle foi enfático e decisivo: “Os teus dons fiquem contigo, e dá os teus 263

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presentes a outros”. Todavia, para conservar mãos limpas como portavoz de Deus na terra, e não assemelhar-se aos sábios que nenhuma sabedoria tinham — leria a inquietante escritura e daria a sua interpretação, sem exigir ou aceitar recompensas corruptoras. Com a recusa da paga, revelou Daniel um caráter nobilíssimo e limpo. Revelou sua decisão em não cair na tentação econômica corruptora da sagrada missão do evangelho. REVIVENDO A EXPERIÊNCIA DE NABUCODONOSOR VERSO 18-21: — “Ó rei! Deus, o Altíssimo, deu a Nabucodonosor, teu pai, o reino, e a grandeza, e a glória, e a magnificência. E por causa da grandeza, que lhe deu, todos os povos, nações e línguas tremiam e temiam diante dêle: a quem queria matava, e a quem queria dava a vida; e a quem queria engrandecia, e a quem queria abatia. Mas quando o seu coração se exalçou, e o seu espírito se endureceu em soberba, foi derribado do seu trôno real, e passou dêle a sua glória. E foi tirado dentre os filhos dos homens, e o seu coração foi feito semelhante ao dos animais, e a sua morada foi com os jumentos montezes; fizeram-no comer herva como os bois, e pelo orvalho do céu foi molhado o seu corpo, até que conheceu que Deus, o Altíssimo, tem domínio sôbre os reinos dos homens, e a quem quer constitue sôbre êles”. UM SÉRIO PARTICULAR COM BELSHAZZAR Antes de lêr e interpretar a aterradora setença Daniel chamou a atenção do rei para sérios assuntos que lhe eram bem familiares, mas que, desgraçadamente, não os levara em conta para dêles aprender as lições de humildade que poderiam tê-lo salvo do momento fatal em que se encontrava em seu desonroso festival. Lembrou Daniel ao aterrado monarca a glória e a magnificência de seu avô Nabucodonosor, no trôno de Babilônia, resultantes das abundantes e evidentes bênçãos de Deus. Tôda a terra tremia e temia aos pés do grande rei. Êle engrandecia e abatia os homens como bem desejava, e até a vida concedia ou negava a quem queria. Nabucodonosor era senhor absoluto na terra graças à vontade de Deus e a concessão de Seu poder. Daniel falou também ao atônito monarca dos pecados do rei Nabucodonosor. Aludiu claramente à tremenda experiência do referido soberano ao ser severamente humilhado e punido em seu orgulho pelo juízo de Deus, tendo sido convertido num semi264

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irracional, sendo levado a viver entre os brutos, comer com êles da herva do campo e ser molhado pelo orvalho do céu. E êste infeliz estado durou, diz Daniel, até que o grande rei, humilhado ao pó, “conheceu que Deus, o Altíssimo, tem domínio sôbre o reino dos homens, e a quem quer constitue sôbre êles”. E acrescenta Daniel que o grande rei, terrivelmente abatido, reconheceu afinal a supremacia de Deus do Céu sôbre todos os soberanos da terra, foi então restaurado ao trôno, recuperou novamente sua glória e poder, e entregando-se, desta vez, ao Deus do Céu ao qual honrou e serviu irrevogàvelmente até ao fim de sua vida. OS GOVERNANTES DO SÉCULO EM PERIGO Se alguns dos governantes do mundo atual levassem em conta o trato de Deus com o rei Nabucodonosor e perante Êle se humilhassem e incondicionalmente, se submetessem, como aquele rei o fez, ante as evidências do poder e supremacia do Altíssimo, então não teriam o destino desastroso e funesto que teve o último rei do império caldeu. Tudo indica, entretanto, que estão seguindo de mãos dadas como Belshazzar rumo ao abismo. Os potentados que a Deus não reconhecem como fonte de poder supremo e Senhor absoluto do mundo e a Êles não se submetem para receberem do Seu poder afim de governarem seus povos com sabedoria e justiça, estão caminhando irrevogàvelmente para o mesmo desfêcho fatal que liquidou Belshazzar para a eternidade. BELSHAZZAR ENCHEU A MEDIDA VERSOS 22-24: — “E tú, seu filho Belshazzar, não humilhaste o teu coração, ainda que soubeste tudo isto. E te levantaste contra o Senhor do Céu, pois foram trazidos os vasos da casa dÊle perante ti, e tu, os teus grandes, as tuas mulheres e as tuas concubinas, bebestes vinho por êles; além disto, deste louvores aos deuses de prata, de ouro, de cobre, de ferro, de madeira e de pedra, que não vêem, não ouvem, nem sabem; mas a Deus, em cuja mão está a tua vida, e todos os teus caminhos, a Êle não glorificastes. Então dÊle foi enviada aquela parte da mão, e escreveu-se esta escritura”.

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“NÃO HUMILHASTE O TEU CORAÇÃO” Daniel fôra ordenado por Deus a transmitir ao rei Belshazzar uma mensagem de condenação irrevogável. O orgulhoso soberano trocara a salvação eterna pelas efêmeras honras corrutoras do mundo e pelas enlouquecedoras concupiscências da carne de pecado. Jogou o reino e particularmente a sua vida no abismo da destruição. Despresou áureas oportunidades que lhe valiam a vida eterna. Afinal, ali estava o resultado da ímpia procrastinação. Semeara ventos e agora colhia tempestades. Sente que Deus não o atura mais e vê com os próprios olhos a mão chamejante do indiscutível e inadiável juízo divino. Belshazzar tornou-se um protótipo de todos os indivíduos que, depois de terem tôda a evidência da Onipotência de Deus, recusam-se ousadamente serví-1’O; dos que preferem o mundanismo; dos que escolhem a concupiscência carnal; dos que amam as orgias da perversidade. Há numerosos “Belshazzares” em pleno presente século, que logo serão surpreendidos, não por uma simples mão pregoeira do juízo, mas pelo juíz mesmo em pessoa, em Sua majestade, glória e poder. Depois de Daniel referir-se ao dramático caso de Nabucodonosor e sua inteira submissão a Deus, diz com muita ênfase e solenidade a Belshazzar: “E tu, seu filho Belshazzar, não humilhaste o teu coração, ainda que soubeste tudo isto”. Sem dúvida é um atrevido desafio o vil mortal conhecer o seu dever perante o Todo-poderoso e rechassá-1’O. Virar as costas ao Senhor do universo significa jogar-se no cáos da perdição. O rei Belshazzar agiu temeràriamente ante as irrefragáveis e abundantes provas do poder do Eterno Rei, infinitamente mais poderoso do que êle. Não humilhou o seu coração, embora sabedor através da vida e reinado de Nabucodonosor, seu avô, das grandiosas maravilhas de Deus. Agora colhia o fruto fulminante da sua diabólica loucura em trocar a verdade divina e os caminhos divinos pela maldade corruptora do pecado. A enormidade de sua culpabilidade perante o Céu levou-o a uma desastrosa morte prematura. Colheu êle a terrível recompensa do ultrage e do sacrilégio à pessoa do Altíssimo Deus e do descaso à sua Onipotência. Quando um indivíduo ignora suas responsabilidades para com o Supremo Rei do Céu, já é culpado por ignorá-las. Como poder viver nos domínios do Todo-poderoso Rei Eterno e ignorar o seu dever como cidadão de Seu reino? Quando, porém, um indivíduo está côncio 266

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das referidas responsabilidades e contra elas se insurge, como fizera o rei Belshazzar, então assume uma atitude para a qual não há esperança. A esperança para Belshazzar encerrou-se quando êle encheu a medida na noite de seu trágico festival em palácio, dedicado a um deus falso. Êle voltou definitivamente costas ao Céu e foi alvejado em cheio pelo juízo divino. Emitido em sua juventude a partilhar da autoridade real, Belshazzar se gloriou de seu poder, e exaltou-se em seu coração contra o Deus do Céu. Permitiu que o amor dos prazeres e a glorificação do eu obliterassem as lições que jamais devia ter esquecido. Êle malbaratou as oportunidades que graciosamente lhe foram dadas, e negligenciou o uso dos meios que estavam ao seu alcance para se tornar mais amplamente familiarizado com a verdade. Aquilo que Nabucodonosor tinha finalmente alcançado a preço de inauditos sofrimentos e humilhação, Belshazzar passou por alto com indiferença. E o mesmo destino dêste ímpio rei aguarda a todos quantos, com êle, se decidem contra Deus, contra a Sua lei e contra a Sua verdade — recusando-se deliberada e voluntariamente a serví-1’O em justiça. Aproxima-se a passos largos o dia do grande ajuste com multidões que recusam honrar o Grande Rei e único Senhor do mundo — Deus. LOUVANDO DEUSES MORTOS Daniel, continuando sua censura ao tresloucado monarca, o acusa de se ter levantado contra Deus profanando os sagrados vasos de seu santo templo em Jerusalém e bebendo por êles vinho conjuntamente com seus depravados cortezões e suas despudoradas mulheres. É também acusado de louvar, êle e os que com êle se prostituíam, “aos deuses de ouro, de prata, de cobre, de ferro, de madeira e de pedra, que não vêem, não ouvem, nem sabem”, e deixar de louvar o verdadeiro Deus, o Deus vivo, em cujas mãos estavam a sua vida e os seus caminhos. Por fim, Daniel acrescenta com muita ênfase: “Então dÊle foi enviada aquela parte da mão, e escreveu-se esta escritura”. Potentados, príncipes e senhores do século XX, lêde o capítulo cinco do livro do profeta Daniel com o mais profundo interêsse e meditação. Ajoelhai-vos diante do Senhor da terra, do qual depende a vossa existência e o vosso poder. Humilhai-vos diante do Todopoderoso Monarca do universo e vivei. Não suceda imitardes o desvairado rei de Babilônia cujo orgulho foi derribado ao pó. Evitai 267

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receberdes o mesmo tremendo prêmio daquele desnaturado rei caldeu. Vosso destino depende de vós, de vossa escolha somente. Ninguém será condenado porque viveu em impiedade ou pecado, mas sim por recusar servir a Deus sob Sua graça — para subsistir. “Agora, pois, ó reis, sêde prudentes; deixai-vos instruir, juízes da terra. Servi ao Senhor com temor, e alegrai-vos com tremor. Beijai o Filho, para que Se não ire, e pereçais no caminho, quando em breve se inflamar a Sua ira; bem-aventurados todos aqueles que nÊle confiam”.1 A TEMEROSA SENTENÇA JUDICIAL VERSO 25: — “Esta é pois a escritura que ali está disposta: MANE, THECEL, FARÉS”.2 MANE, THECEL, FARÉS Esta foi a frase deixada na parede do palácio festal de Belshazzar pelo invisível vigia divino. As palavras continuaram a luzir com terrível clareza e ameaça de juízo iminente. Alguns interpretes pretendem que estas três palavras eram “aramáicas”. Mas, neste caso por que os sábios convocados pelo rei não as leram? Certamente êles, principalmente como sábios que eram, deveriam conhecer o aramáico que naqueles dias era idioma corrente no Oriente. Também nenhum dos mil grandes que naquele palácio festejavam Tammuz foi capaz de ler a frase. Fôsse ela composta em língua aramaica ou outra qualquer conhecida no mundo, teria sido entendida imediatamente, pois ali estavam os grandes dominadores das províncias de todo o reino reunidos, vindos de tôda a terra, e portanto nenhum idioma corrente era desconhecido naquela oportunidade. O fato de ninguém poder ler a frase, é prova de ser o idioma daquelas palavra completamente desconhecido do vasto auditório; e, ainda, que a frase constituia-se de “misteriosos caracteres”. Além disso, cada palavra, como veremos, compreendia uma frase, coisa desconhecida nos idiomas humanos daqueles tempos. Se aquelas palavras pertencessem a algum idioma conhecido, não seria necessário Daniel, um homem inspirado por Deus, comparecer para lê-las e interpretá-las. Portanto, cremos terem sido palavras de origem celestial, que só por inspiração poderiam ser lidas e interpretadas por um profeta de Deus. 1 2

Salmos 2:10-12. Tradução de A. P. de Figueiredo, Daniel 5:25.

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A SOLENIDADE DA LEITURA DA FRASE DE FOGO Nunca palavras ou frases tiveram tão grande e decisiva significação como — Mane, Thecel, Farés. Só um Daniel, com a indomável coragem dum fiel porta-vos de Deus, e em meio ao terror e ao tumulto que venceram aqueles ousados foliões, poderia ler e interpretar as assombrosas e temíveis palavras e a terrível condenação que elas encerravam. “Diante desta aterrorizada aglomeração, Daniel, insensível às promessas do rei, permanecia na tranquila dignidade de um servo do Altíssimo, não para pronunciar palavras de adulação, mas para interpretar uma mensagem de condenação”.1 Com a respiração em suspenso — o sacrilego e imoral auditório aguardava atento, apreensivo e espectante a leitura e a interpretação do tremendo mistério. Qual seria a interpretação do ancião profeta? Aprovação ou condenação do festival de Tammuz e de seus participantes? A SENTENÇA DO SUPREMO JUÍZ VERSOS 26-28: — “Esta é a interpretação das palavras: Mene: Deus contou os dias do teu reinado, e lhe pôs termo. Thecel: Tu foste pesado na balança e achou-se que tinhas menos do peso. Farés: O teu reino se dividiu, e foi dado aos medos e aos persas”.2 “MENE” “Deus contou os dias do teu reinado, e lhe pôs termo”. Esta é a interpretação de “MENE”. Fim, portanto, ao reinado de Belshazzer, e bem assim ao reino mundial dos caldeus, — fim êste dado pelo próprio Deus. O reino caldeu foi contado por Deus, e por Êle liquidado. De Nabupolasar (625) a Belshazzar (539), temos o equivalente de 86 anos de domínio caldeu no mundo do passado. No plano de Deus, já que este reino, com excesso dos poucos anos desde a conversão de Nabucodonosor até sua morte — não preencheu a razão de ser na história das nacionalidades e dos grandes impérios da terra, devia desaparecer para sempre. Deus contou bem o tempo dêste reino. Contou também a moral, o caráter e o trato deste reino, na pessoa de seus soberanos, para com os seus conquistados súditos. 1 2

Profetas e Reis, E. G. White, pág. 529. Tradução de A. P. de Figueiredo, Daniel 5:26-28.

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Tôda esta contagem pesou ao coração de Deus por deparar uma história de impiedade, de desmoralização, de deboches e de crueldades. Chegou, pois, o momento da intervenção do verdadeiro Soberano no mundo para liquidar as contas e deter aquele indesejável estado de coisas acentuado principalmente pelas últimas cabeças coroadas de Babilônia. O tempo da dominação caldáica na terra, excetuando, como vimos, o pouco tempo da conversão de Nabucodonosor à sua morte, foi inútil para a humanidade. E a intervenção de Deus se manifestou no tempo próprio livrando o mundo dum poder despótico, opressor e desonroso ao Céu. Daniel, com tôda a solenidade, assentou o fato de que Deus foi quem “pôs termo” ao império caldeu. Disto evidenciamos mais uma vez que Deus têm em suas mãos o controle do domínio das nações pelos homens, e, quando êles não preenchem os requisitos do Céu. Êle os substitue ou encerra a história de seus próprios reinos ou nações. Dissera Daniel a Nabucodonosor: “... até que conheças que o Altíssimo tem domínio sôbre o reino dos homens, e os dá a quem quer”. Pensemos nas numerosas nacionalidades dos antigos tempos, cuja história foi encerrada por vontade de Deus. Nos livros dos profetas Isaías, Jeremias e Ezequiel, encontra-se bom número de profecias que praticamente tragaram povos, nações e até impérios inteiros em grande número. Como a soberania mundial de Babilônia, encontraram também o seu “MENE”, e desapareceram por completo da história da civilização humana. A simples determinação do conselho d’Aquele que é o verdadeiro e único Potentado e que rege o destino de todos os reinos e nações da terra, deteu-lhes para sempre a perversa e sanguinária marcha, para exemplo dos que permaneceriam empunhando o cetro do poder. “THECEL” “Tú foste pesado na balança, e achou-se que tinhas menos do pêso”. Esta é a interpretação de “THECEL”. Nunca antes um homem fôra apontado publicamente como culpado diante de Deus e pelo próprio Deus. Jamais de um outro homem foi declarado ao mundo ter sido pesado na balança da justiça divina e ter sido achado em falta. Pensemos o que significa para um ser humano ter menos do pêso da justiça divina de Deus diante do supremo Juiz. Não há notícia de que Deus fizesse questão de publicar ao mundo a condenação de outro homem. Tal o caráter do rei Belshazzar que nem mesmo Deus, — 270

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todo amor e bondade, — pôde mais suportar. O veredito do Céu sôbre o rei de Babilônia foi decisivo, irrevogável e fatal. Êle próprio, porém, criou a sua desastrosa situação e a sua rejeição por parte de Deus. Nunca é Deus que sentencia pròpriamente um pecador. O que Deus faz é simplesmente confirmar a sentença que êle e somente êle lança sôbre si próprio por sua atitude desrespeitosa para com o Senhor, Sua lei e Sua justiça. Sua irresponsabilidade é que fulmina ante o direito do Céu, pisado a pés por êle. Sua desrespeitosa audácia para com Deus é que o priva da vida e da eterna salvação da graça. Todos os indivíduos humanos serão pesados, como Belshazzar, na balança de Deus. Grandes e pequenos, sábios e ignorantes, ricos e pobres, brancos, pretos, amarelos, vermelhos — todos — serão pesados inexoràvelmente na perfeita balança do grande tribunal. Suas próprias obras decidirão do veredito de Deus. Sim, cada um decidirá o seu destino — absolvição ou condenação, vida eterna ou morte eterna. Aquilo que o homem semear, indiscutivelmente colherá.1 “A cada nação que tem surgido no cenário da ação tem sido permitido ocupar o seu lugar na Terra, para que seja comprovado o fato de que ela cumpriu ou não os propósitos do Santo e Vigia. A profecia traçou o surgimento e progresso dos grandes impérios mundiais: Babilônia, Medo-Pérsia, Grécia e Roma. Com cada uma delas, bem como com as nações de menos poder, a história tem-se repetido. Cada uma tem tido o seu período de prova; cada uma tem falhado, sua glória fenecido e passado seu poder. “Conquanto as nações tenham rejeitado os princípios de Deus, e nesta rejeição tenham obrado a própria ruína, um divino e soberano propósito tem manifestamente estado a operar através dos séculos. Foi isto que o profeta Ezequiel viu na maravilhosa representação que lhe foi dada durante o exílio na terra dos caldeus, quando ante os seus olhos atônitos foram apresentados os símbolos que revelavam um Poder dominante que trata com os negócios dos soberanos terrestres. “Sôbre as barrancas do rio Quebar, Ezequiel contemplou um vento tempestuoso que parecia vir do norte, “uma grande nuvem, como um fogo a revolver-se; e um resplendor ao redor dela, e no meio uma coisa como côr de âmbar”. Uma porção de rodas intercaladas 1

Gálatas 6:7.

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umas nas outras eram movidas por quatro sêres viventes. E por cima de tudo “havia uma semelhança de trôno, como duma safira; e sôbre a semelhança do trôno havia como que a semelhança dum homem, no alto, sôbre êle”. “E apareceu nos querubins uma semelhança de mão de homem debaixo de suas asas”.1 As rodas eram de um arranjo tão complicado, que à primeira vista pareciam uma confusão; não obstante elas se moviam em perfeita harmonia. Sêres celestiais, sustentados e guiados pela mão sob as asas dos querubins, estavam impelindo essas rodas; acima dêle, sôbre o trôno de safira, estava o Eterno, e ao redor do trôno havia um arco-íris, símbolo da divina graça. “Assim como as rodas com aparência tão complicada estavam sob a guia da mão por baixo das asas dos querubins, também o complicado jogo dos eventos humanos está sob divino controle. Em meio as lutas e tumultos das nações. Aquêle que Se assenta sôbre querubins ainda guia os negócios da Terra. “A história das nações fala-nos a nós hoje. Deus tem designado um lugar em Seu grande plano para cada nação e cada indivíduo. Homens e nações estão sendo hoje testados pelo prumo na mão dAquele que não erra. Todos estão por sua própria escolha decidindo o seu destino, e Deus está superintendendo a tudo para a consecucão dos Seus propósitos”.2 Um dos maiores erros que paira sôbre a humanidade, é a falsa concepção de que cada ser humano veio ao mundo com um destino evidentemente traçado por Deus. Todos os defeitos humanos, quer físicos quer morais, são injustamente debitados na conta de Deus. Esta é uma visão errada do santo caráter de Deus e de Seu imensurável amor infinitamente demonstrado no Calvário. A sentença pronunciada sobre Belshazzar liquida com a falsa idéia de desamor atribuída a Deus. Ficou indiscutivelmente assentado em definitivo, que é o pecador que se condena ou se absolve, dependendo de suas obras — boas ou más. O caso de Belshazzar, como declarou Daniel por inspiração de Deus, foi criado e liquidado por êle próprio. A sentença pronunciada pela balança do juízo de Deus contra aquele rei, foi por êle mesmo escolhida como resultante de sua insurreição contra o Altíssimo Deus e Sua justiça.” Seu pêso inferior ao da justiça do Céu deveu-se exclusivamente a êle e nunca jamais a Deus. Sua condenação 1 2

Ezequiel 1:4, 26; 10:8. Profetas e Reis, E. G. White, págs. 535, 536.

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eterna foi, pois, absolutamente lavrada por êle e jamais por Deus. E assim é com todos os indivíduos, nações e reinos. Enquanto os governantes das nações estão absorvidos pela política, enquanto os homens de negócios estão absortos em busca de excessivos lucros, enquanto os amantes dos corruptos prazeres procuram satisfazer aos mesmos, enquanto a escrava da moda está a arranjar os seus adornos — pode ser que naquela hora o Juiz de tôda a terra pronuncie a sentença: “Tu foste pesado na balança, e achou-se que tinhas menos do pêso”. “FARÉS” “O teu reino se dividiu, e foi dado aos medos e aos persas”. Esta é a interpretação de “FARÉS”. Algumas versões dão “Upharsin”, em lugar de “farés ‘, sendo interpretado por alguns comentadores como “radical” e “plural” de “farés”. O mais acertado, porém, é aceitarmos a palavra original “farés”. O que mais importa, todavia, é a interpretação inspirada de Daniel sôbre a qual não repousa nenhuma dúvida. De acôrdo à interpretação de “farés”, os medas e persas tornar-seiam senhores do império mundial dos caldeus. A velha ordem já intolerável aos olhos de Deus devia findar para dar lugar a uma outra. Assim estava à vista terrível castigo aos desprezadores da justiça. “Nessa última noite de louca orgia, Belshazzar e seus grandes tinham enchido a medida de sua culpa e da culpa do reino caldeu. A mão restringedora de Deus não mais desviaria o mal impendente. Através de multiformes providências, Deus tinha procurado ensinarlhes reverência por sua lei. “Queríamos sarar Babilônia”, declarou Êle a respeito daqueles cujo juízo agora alcançava o Céu, “mas ela não sarou”.1 Em virtude da estranha perversidade do coração humano, Deus achou ser necessário afinal passar a irrevogável sentença. Belshazzar devia cair, e seu reino devia passar a outras mãos”. “Mais de um século antes a Inspiração havia predito que “a noite que eu desejava”,2 quando o rei e seus conselheiros se rivalizariam em blasfêmias contra Deus, seria mudada subitamente numa ocasião de destruição e temor. E agora, em rápida sucessão, momentosos eventos

1 2

Jeremias 51:9. Isaías 21:4.

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seguiam-se uns aos outros exatamente como tinham sido retratados pelas escrituras proféticas anos antes que os principais personagens do drama tivessem nascido”.1 O REI QUE JAMAIS REINOU VERSO 29: — “Então mandou Belshazzar que vestissem a Daniel de púrpura, e que lhe puzessem uma cadeia de ouro ao pescoço, e proclamassem a respeito dêle que havia de ser o terceiro dominador no reino”. Mesmo que Daniel interpretasse uma mensagem de juízo incontinente sobre Belshazzar e seus reino, o rei ordenou que se cumprisse a promessa de ser o profeta vestido de púrpura, ter cadeia de ouro ao pescoço e ocupar o trono como terceiro soberano de Babilônia. Daniel havia prèviamente recusado a oferta, — uma porque é isto incompatível com o caráter dum embaixador de Deus e Sua obra na terra, e outra porque a promessa jamais se cumpriria, pois os medas e persas, finda a exposição de Daniel, já estavam invadindo a cidade pelo leito do rio Eufrates sob as muralhas, para dar o golpe de misericórdia no que restava do incomparável império caldeu fundado por Nabucodonosor. Êste decreto, que foi o último dum rei de Babilônia, revelou a existência dum segundo monarca no trono do Império. Evidências arqueológicas indiscutíveis apontam Belshazzar como o segundo no trono ou como rei co-regente com seu pai Nabonidus, A proclamação do rei elevando Daniel à dignidade de terceiro rei de Babilônia, só foi notória aos circunstantes, cujas vidas, minutos mais tarde, seriam inapelàvelmente ceifadas pelas armas medo-persas triunfantes sobre o reino caldeu. Na verdade Daniel foi um rei que não chegou a reinar. O DESFECHO DO ÚLTIMO FESTIM DE BABILÔNIA VERSO 30: — “E naquela mesma noite foi morto Belshazzar, rei dos caldêus”. EIS O DIA DO AJUSTE! ... Pronto! Eis o fim de tudo! Eis o trágico epílogo da história dum rei libertino, dum soberano de deboches! Eis o funesto desfêcho duma

1

Profetas e Reis, E. G. White, págs. 530, 531.

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vida de audácia e desacato à divindade celestial. Eis o remate de quem relegou Deus ao desprezo e ao mundo serviu e celebrou mais que tudo na vida. Assim findam aqueles que amam o pecado, a devassidão, a crapulagem e repudiam a moralidade, a decência e a Deus. “Naquela mesma noite” — noite de orgia, de bacanal, de imoralidade — “foi morto Belshazzar, rei dos caldeus”. A despeito de terem todos os cortezões de Belshazzar morrido com êle naquela trágica noite, apenas êle é citado como tendo perecido. Sim, porque êle foi o responsável único por toda aquela provocação ao Soberano dos soberanos. Êle foi o sacrílego número um naquela noitada que passou para a História como uma solene advertência. Êle foi quem levou os mil ou mais circunstantes a ofender o Senhor do universo ao sumo na profanação dos sagrados vasos de Seu templo em Jerusalém. Audacioso como nenhum outro, a História o recorda com asco e repúdio. Tudo que restava do domínio e glória do reino caldeu no mundo, — sucumbiu para sempre conjuntamente com o desprezível monarca. “Naquela mesma noite”, — pelo juízo do ofendido e desacatado Juiz — tudo desabou no abismo. O Todo-poderoso não postergaria a sentença por mais um dia siquer. Não havia mais delongas nem mais apelação. Triste fim de quem teve pleno conhecimento da luz e a desprezou decididamente! E este tem sido no passado o fim de muitos e será o fim no futuro de tantos outros Belshazzares. A FULMINANTE INVASÃO DE BABILÔNIA Enquanto Belshazzar e seus convivas tremiam pela iminência do inexorável juízo predito, já os exércitos de Ciro marchavam céleres pelo leito do rio Eufrates em demanda do interior da grande cidade. Dias antes daquela fúnebre noite os babilônios riram e zombaram do cêrco que Ciro impusera à sua metrópole tida como inexpugnável e inconquistável. E, na verdade, nenhum gênio militar era capaz de forçar e derribar as poderosas muralhas que circundavam Babilônia com as tacanhas armas de guerra daquala época. Mas Ciro revelou-se o maior extrategista militar dentre os grandes conquistadores da História, e já tinha em mente pôr em ação um plano secreto e astuto para a catura imediata do poderoso baluarte. Nos tempos do apogeu do rei Nabucodonosor, êste monarca, para impedir a inundação de Babilônia ao tempo das cheias do rio Eufrates que a atravessava, fez cavar — por cativos transportados de povos 275

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submetidos de muitas terras — cêrca da cidade de Siparra bem acima de Babilônia, um enorme lago de “doze metros de profundidade e de mais de vinte léguas de circunferência, cujas comportas se abriam e fechavam automàticamente”.1 Ciro viu, naquele lago artificial, a solução para apoderar-se de Babilônia, Na noite do festival de Belshazzar — 16 de Tammuz —quando todos os babilônios estavam entregues à orgia a noite tôda, o grande comandante persa — ao cair da noite — ordenou que aquelas comportas fossem abertas para darem passagem às águas do Eufrates rumo ao grande lago. Vejamos agora como Herôdoto e Xenofonte nos informam da memorável façanha de Ciro e seu poderoso exército: “Êle (Ciro) recorre ao seguinte estratagema: Tendo estacionado uma parte de seu exército próximo à passagem do rio onde êle entra em Babilônia, e outra divisão do outro lado da cidade, onde o rio sai, deu ordem às suas tropas para penetrar na cidade tão logo às águas permitissem passagem. Tendo assim estacionado suas tropas e dado estas ordens, êle retirou-se com a parte ineficaz de seu exército; e tendo vindo ao longo (a uma considerável distância acima de Babilônia). Ciro fez o mesmo com respeito ao rio e o lago como o fizera a rainha dos babilônios (a rainha Nitocris tinha uma vez desviado o rio ao pantanoso lago afim de edificar uma ponte sôbre êle em Babilônia); porque tendo desviado o rio, por meio de um canal, ao lago, que era antes um pântano, fez com que o leito do rio desse passagem”.2 Então “Ciro ordenou a seus oficiais persas, tanto de cavalaria como de infantaria, que comparecessem com suas forças divididas, ambos os destacamentos formando duas filas de profundidade, e ordenou que os aliados seguissem os persas na forma costumeira. Êles alinharam-se imediatamente, e Ciro fez seu próprio corpo da guarda descer ao seco canal primeiro, para certificar-se se o leito estava firme bastante para a marcha. Ao responderem que estava, convocou êle um consêlho de todos os seus generais e disse-lhes o seguinte: “Meus amigos, o rio tem-nos dado trânsito; êle oferece-nos uma passagem através o seu leito para Babilônia. Devemos tomar ânimo e entrar destemidamente, lembrando que aqueles contra quem marchamos esta noite são os mesmos homens que vencemos antes, 1 2

Los Videntes y lo Porvenír, L. R. Conradi, pág. 38. Source Book for Bible Students, ed. 1927. pág, 56.

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quando ainda tinham seus aliados para auxiliá-los, quando estavam vigilantes, alerta, e sensatos, armados até os dentes, e em ordem de batalha. Esta noite vamos contra êles quando alguns estão dormindo e outros bebendo, e todos estando despreparados; e quando se derem conta de que estamos dentro dos muros, sentir-se-ão em completa perplexidade e ainda mais sem ajuda do que antes. Se alguns de vós temerem ao pensamento de descargas de seus telhados quando o exército entrar na cidade, eu ordeno que êstes temerosos se ponham de parte: sí nossos inimigos subirem aos telhados, temos um deus para auxiliar-nos, o deus do fogo. Seus pórticos tão fàcilmente incendiáveis, porque as portas são feitas de madeira de palmeira untadas com betume, o alimento próprio do fogo. E nós viremos com tochas para incediá-las, e com pez e estopa para alimentar o fogo. Êles serão forçados a fugir de suas casas ou morrer queimados. Vinde, tomai vossas espadas em vossas mãos: Deus me auxiliará e eu vos guiarei. “Vocês”, disse êle dirigindo-se a Gadyatas e Gobrias, “mostrai-nos as ruas, vós as conheceis; e uma vez lá dentro, guiai-nos diretamente ao palácio”. “Assim desejamos”, disseram Gobrias e seus homens, “e não será surpreza se acharmos o palácio com suas portas abertas, porque esta noite tôda a cidade está entregue à orgia. Todavia estamos certos de achar uma guarda, porque uma está sempre postada ali: “Então”, disse Ciro, “não há tempo a perder; vamos quanto antes e apanhémo-los desprevenidos”.1 E, imediatamente, ao baixar das águas do rio desviadas para o grande lago, penetraram os dois fortes contingentes pela entrada e saída do Eufrates sob as fortes muralhas, marchando céleres sôbre o leito do rio, ávidos por alcançar as portas das ruas que nêle desembocavam, Afortunadamente, encontram ditas portas abertas e desguarnecidas. Jamais sonharam os babilônios com uma invasão de sua poderosa cidade-fortaleza, a maior da antiguidade, pelo leito do caudaloso Eufrates. “Daqueles que encontraram alguns caíram e morreram, alguns fugiram de suas casas, e outros ergueram alarido e clamor, mas Gobrias e seus homens cobriram o seu clamor com seus gritos, como se fôssem também foliões. E assim, marchando pelo caminho mais curto, logo acharam-se diante do palácio do rei. Aqui o destacamento sob Gobrias, e Gadyatas acharam as portas fechadas, porém os homens designados para atacar os guardas investiram sôbre êles ao 1

Source Book for Bible Students, ed. 1927. pág, 57, 58.

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estarem bebendo rodeados por um resplendente fogo, liquidando-os ali mesmo. Ao aumentar mais e mais o ruído, os que estavam dentro perceberam o distúrbio até que, alguns abriram as portas e saíram para fora. Gayatas e seus homens, ao verem as portas escancaradas, lançaram-se com ímpeto para dentro, ao encalço dos que retrocedendo fugiam e feriram-nos a golpes de espada até à presença do rei. Encontraram o rei de pé como sua cimitarra desembainhada em sua mão. Pela força de número êles o sobrepujaram: e nenhum de seus acompanhantes escapou, todos foram ceifados”.1 Ciro mandou a diferentes companhias de cavalaria, que correndo às ruas da cidade, matassem tôdas que encontrassem pelas ruas, e anunciassem em linguagem siríaca aos que na o tinham saído de suas casas, que se conservassem nelas sob pena de serem mortos. Estas ordens foram cumpridas. “Gadyatas e Gobrias fizeram sua junção com o grosso do exército, logo agradeceram aos deuses por terem castigado um rei ímpio, e beijaram as mãos e os pés de Ciro, ao mesmo tempo que de alegria derramavam copiosas lágrimas. Assim que amanheceu, e as guarnições das tôrres foram informadas da tomada da cidade e da morte do rei, entregaram-se. Ciro logo tomou posse delas, e lhes pôs novos presídios. Consentiu que os mortos fossem enterrados por seus parentes; e por arautos mandou publicar que todos os babilônios entregassem as armas, e que se em qualquer casa alguma se escondêsse, todos morreriam”.2 Pouco antes do momento fatal, “enquanto ainda no salão de festas, rodeados por aquêles cuja sorte tinha sido selada, o rei foi informado por um mensageiro que “a sua cidade foi tomada”, pelo inimigo contra cujos planos êle se imaginava seguro; que “os vaus estão ocupados... e os homens de guerra ficaram assombrados”.3 No momento mesmo em que o rei e seus nobres estavam bebendo pelos Vasos sagrados de Jeová, e louvando a seus deuses de prata e ouro. Os medos e persas, havendo desviado do seu leito o Eufrates, estavam marchando para o coração da cidade desguarnecida. O exército de Ciro estava agora sob os muros do palácio; a cidade estava cheia de soldados inimigos, “como de pulgão”,4 e seus gritos triunfantes 1

Source Book for Bible Students, ed. 1927, pág. 58. Ciropédia, Exnofonte ,ed. portuguesa, págs. 181, 184, livro VII no original, (edição Jackson). 3 Jeremias 51:31-32. 4 Jeremias 51:14. 2

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podiam ser ouvidos sobre o desesperado clamor dos foliões atônitos”.1 Assim foi tomada Babilônia de surpresa, como anunciara a profecia de Jeremias.2 “Num momento caiu Babilônia”.3 Foi “cortado e quebrado o martelo de tôda a terra”, como era ela considerada.4 A alegria de um lado e a admiração de outro que a queda de Babilônia causou, assim anunciara antecipadamente a inspiração: “Ao estrondo da tomada de Babilônia extremeceu a terra; e o grito se ouviu entre as nações”.5 A interpretação da escritura do fogo da parede, por Daniel, cumpriu-se à risca: O reino mundial de Babilônia findou para sempre; o rei Belshazzar, faltou na balança do Juiz do universo, foi morto em plena orgia em palácio; e o domínio caldeu do orbe foi dado aos medas e persas vitoriosos. “E DARIO, O MEDO, OCUPOU O REINO” VERSO 31: — “E Dario, o medo, ocupou o reino, na idade de sessenta e dois anos”. Que Dario, o medo, era um grande personagem ao tempo das conquistas de Ciro, é questão que não carece ser discutida. O termo “medo” aqui, não é empregado para designar um simples cidadão do país, mas sim a um destacado e grande político do reino da Média. O depoimento irrecusável, de Daniel, testemunha ocular e escritor dos fatos, é que Dario, o medo, era “filho de Assuero, da nação dos medos”.6 O termo “Assuero” — KHASHAYÂRSHÂ — do velho idioma persa, significa “rei”. Logo, o pai de Dario, o medo, fôra rei no trôno da Média, e êste, em consequência, como filho, deveria tê-lo sucedido naquele trôno como herdeiro legítimo. No trôno medo, como sucessor do pai, indubitàvelmente era também outro “Assuero”, já que o termo significa “rei”. Porem, ao galgar o trôno do mundo pela subversão de Babilônia em fase das conquistas de Ciro, tomou êle o título de “Dario”, significado latinizado do grego equivalente do nome real do idioma dos persas — DARAYAVAUSH — que também significa “rei”. 1

Profetas e Reis, E. G. White, pág. 531. Jeremias 51:40. 3 Jeremias 50:24. 4 Jeremias 50:23. 5 Jeremias 50:46. 6 Daniel 9:1. 2

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Sendo que Dario, o medo, fora de tôda a dúvida, era “tio de Ciro”, e êste neto de Astiages da Média, — através de Mandane, sua filha e Cambises I, o persa, — consequentemente e como já expresso, Dario, o medo , era filho e sucessor de Astiages no trôno dos medos. Xenofonte, relatando a sucessão de Astiage, escreveu: “Entretando morreu Astiages. Xiaxares, seu filho, irmão da mãe de Ciro, começou a reinar na Média”.1 Duas outras coisas importantes escreveu Xenofonte sobre as relações entre Ciro e seu tio Xiaxares ou Dario o medo: 1) Que Ciro se familiarizara com Xiaxares (II), seu tio, durante os anos que êle dispendeu na côrte da Média ao tempo de Astiages, seu avô.2 2) Que “quando Ciro conquistou Babilônia êle visitou seu tio com presentes e ofereceu-lhe um palácio em Babilônia; e que Xiaxares aceitou os presentes, e deu a Ciro sua filha tão bem como o seu reino”.3 Êstes pontos históricos deixam transparecer que, quando Ciro rebelou-se contra seu avô Astiages e o derribou do trôno da Média, permitiu a seu tio, com o nome de Xiaxares (II), reinar em seu lugar no mesmo trôno, para agradar os medas, “enquanto todos no reino sabiam que o verdadeiro soberano era Ciro, e que Xiaxares (II) era uma figura de prôa”.4 A afirmativa de Daniel de que Dario, o medo, contava sessenta e dois anos de idade ao subir ao trôno da Medo-Pérsia está de pleno acordo com a verdade dos fatos. Na altura da queda de Babilônia, Ciro, segundo Xenofonte, era no máximo de quarenta anos de idade, como é evidente de que seu filho, Cambises, naquele tempo, não era ainda maduro bastante para representá-lo em uma posição oficial mundial como a que recem fôra conquistada aos caldeus. Daí Xiaxares (II), ou Dario, o medo, como tio de Ciro ter, evidentemente, a idade de sessenta e dois anos ao tempo da queda da grande cidade, como assinala Daniel, e ter sido por seu sobrinho empossado no trôno do mundo — agora dos medas e persas. Repetimos assentando: que Dario, o medo, era Xiaxares (II), rei dos medos ao ser conquistada Babilônia; que era tio e por fim sogro de Ciro, a quem êste honrou dando-lhe o trôno conquistado aos babilônios, enquanto êle consolidava as suas conquistas já realizadas e planejava as novas. 1

Ciropédia, Xenofonte, ed. portuguêsa, livro I, pág. 36, (edição Jackson). Ciropédia, Xenofonte, I.3.1; 4.1, 6-9, 20-22; 5.2. 3 Ciropédia VIII, 5.17-20. 4 Seventh-Day Adventist Bible Commentary, Vol. IV, pág. 817. 2

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Como desfêcho e confirmação do que dissemos, citamos o historiador Prideaux, que diz: “Dario o medo, isto é Xiaxares, tio de Ciro, tomou o reino; porque Ciro lhe concedeu o título de tôdas as suas conquistas enquanto viver”.1 Também Flávio Josefo, o historiador judeu, declara: “Dario, filho de Astíages, ao qual os gregos dão outro nome, tinha sessenta e dois anos, quando, com o auxílio de Ciro, seu parente destruiu o Império de Babilônia”.2

1

Humphrey Prideaux, The Old and The New Testament Connected In the History of the Jews, Vol. I, pág. 137. 2 Histórias do Hebreus - F. Josefo - Vol. III, pág. 296.

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CAPÍTULO VI VITÓRIA NA COVA DOS LEÕES

Introdução O capítulo agora sob nossa apreciação é essencialmente histórico, não contendo nenhuma profecia. Os acontecimentos e que nos dá conta tomaram lugar em 538 a.C., no primeiro ano de Dario, o Medo, no trôno do Império mundial da Medo-Persa. Daniel, que a êsse tempo alcançara a avançada idade de 86 anos, fôra contudo olhado pelo novo rei, como o fôra antes pelo rei Nabucodonosor, como o homem mais capaz para estar à testa dos negócios do reino conjuntamente com 0 soberano. E o rei Dario não teve dúvidas em empregar os seus raros talentos para ajudá-lo, mormente no que compreendia a pôr em bôa ordem o grande Império recém-conquistado aos sucessores do grande monarca caldeu. A matéria do capítulo revela um dos maiores e mais odiosos crimes da História que, não fôra a imediata intervenção de Deus, teria sido consumado com todos os requintes de perversidade. Um complô, ardilosamente maquinado e preparado contra uma inocente vítima — Daniel, foi motivado por sua irrestrita fidelidade a seus deveres oficiais como o maior dos três grandes primeiros ministros do reino e pelo firme pensamento do rei de empossá-lo como único primeiro ministro do Império Medo-Persa, eliminando os outros dois por incompetência e deslealdade. Por sua própria integridade puzéra Daniel em risco a sua vida. Verdadeiramente não é fácil ser justo nesta terra injusta. Todo o homem de caráter imaculado, nobre e temente a Deus, arrisca-se a ser abatido pela inveja e a infâmia dos homens maus e perversos. Todavia, a criminosa camarilha satânica desta história recebera o tremendo prêmio, bem merecido aliás, de sua injustiça contra o íntegro servo de Deus, Seus ímpios conjurados caíram na armadilha que prepararam para o inocente e santo homem, e foram fulminante e

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coletivamente trucidados. A vingança do ato não tardou e foi aplicada como repulsa do céu à perversa, invejosa e malsã política dos homens, bem como uma solene advertência aos senhores do poder em todo o futuro. Imediatamente ao extermínio dos conspiradores, foi Daniel exaltado ao sumo, não só ao posto honrado de primeiro ministro absoluto como ao de homem de confiança do rei, da côrte e do reino nos reinados de Dario e de Ciro. Sobretudo, o fracasso da diabolesca intentona resultou na exaltação do nome de Deus de Israel, — o Deus de Daniel, — não só na província de Babilônia e na própria côrte, como em todo o mundo sob o poder dos medas e persas, e preparou o espírito de Ciro para inclinar-se a conceder liberdade aos cativos hebreus tão logo que assumisse o trôno em sucessão a Dario — fato que ocorreu no ano 536 a.C. UMA NOVA ADMINISTRAÇÃO MUNDIAL VERSO 1: — “E pareceu bem a Dario constituir sôbre o reino a cento e vinte presidentes, que estivessem sôbre todo o reino”. Imediatamente ao ser empossado por Ciro no trôno da terra, em Babilônia, procedeu Dario, o Medo, uma nova organização dos vastos domínios conquistados aos babilônios. Os cento e vinte presidentes que se dispunha investir no imenso Império, equivaliam ao mesmo número de províncias reais de sua nova divisão. As posteriores vitórias de Ciro, Cambises, Dario Hystaspes e Xerxes estenderam as fronteiras do reino e aumentaram o número de províncias. Aos tempos de “Xerxes — o Assuero do livro de Ester”,1 contou o império com “cento e vinte e sete províncias”, compreendendo um imenso território estendendo-se “desde a Índia até à Etiópia”.2 Parece ter o reino Medo-Persa atingido a êste tempo o ponto culminante de seu apogeu e extensão, tanto quanto se saiba, já por ter começado com Xerxes o seu enfraquecimento desde a derrota sofrida na Grécia. UM VELHO PROBLEMA DE CARÁTER VERSO 2: — “E sôbre êles três príncipes, dos quais Daniel era um, aos quais êstes presidentes dessem conta, para que o rei não sofresse dano”. 1 2

Profetas e Reis, E. G. White, pág. 598. Ester 1:1.

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Não há outra mensão na História do passado de que num reino houvesse três ministros de Estado empenhados num só mistér administrativo como instituira Dario, o Medo, em sua reforma. Êste inédito caso verificado unicamente no govêrno de Dario, revela no seu reinado o fortalecimento do ministério da fazenda ou das finanças, como claramente se depreende do texto. Segundo ditou-lhe a sua visão, escolhera Dario os três mais importantes homens que na ocasião pôde encontrar entre os príncipes do reino vitorioso e os do reino subvertido. Cada um dêstes príncipes deveria ser direto responsável pela administração financeira de quarenta províncias, agrupadas, possivelmente, em três zonas distintas que por certo eram: a Oriental, a Ocidental e a Sul, estando as províncias do norte inclusas nas duas primeiras. Aos três grandes deviam prestar contas todos os governadores provinciais quanto às receitas do reino. Daniel infere no seu texto que a principal razão que levara o rei a criar o ministério das finanças sob três ministros, visou salvaguardar o reino de quaisquer fraudes por parte dos soberanos das províncias, concernente às rendas do Império. Daí a necessidade duma extrita vigilância por parte dos três destacados ministros de Estado escolhidos para a referida alta função. Eis a velha falta de confiança do homem em relação ao homem, principalmente no que concerne à administração de finanças. Êste mal entre os homens é hoje mais acentuado do que em qualquer época decorrida. Há nos ministérios da fazenda de todos os governos e nas grandes corporações e emprêsas de menor importância, os fiscais e os inspetores. Aqueles para porem a prova a honestidade dos que manejam diretamente as finanças e êstes para submeter o caráter daqueles a teste, na fiscalização. Todavia, com toda a fiscalização e inspecção, ouve-se com freqüência de fraudes em todos os setores. A desonestidade tornou-se virtude corrente, dissera o grande Rui Barbosa: “O homem tem vergonha de ser honesto”! E não é de maravilhar que o rei Dario fôsse lezado nas rendas do reino, a despeito de sua imediata precaução. UM VERDADEIRO MINISTRO DE ESTADO VERSO 3: — “Então o mesmo Daniel se distinguiu destes príncipes e presidentes, porque nêle havia um espírito excelente; e o rei pensava constituí-lo sôbre todo o reino”. 285

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DANIEL SE DISTINGUIU É notável o testemunho que a revelação dá de Daniel concernente à sua atuação no reino Medo-Persa. Êle se “distinguiu” dos seus dois companheiros de ministério e de todos os demais príncipes de todo o reino. Em outras palavras, Daniel tornou-se o maior príncipe, o maior homem do reino, como antes o era no domínio caldeu desde Nabucodonosor, e seus sucessores. A distinção que fê-lo preferido dentre todos os príncipes e presidentes do reino resultou de sua dedicação e lealdade no desempenho das funções a êle conferidas no Império, sem vizar com isso estar em bôa forma com o monarca e muito menos receber as honrarias que de estilo lhe seriam prestadas como alta figura da côrte. Longe de ser um destacado personagem do govêrno em troca de tais honras e do vil metal, Daniel tudo fez para demonstrar a visível diferença que há entre um ministro de Estado que serve ao Estado por amor a Deus e os demais ministros burocratas que o servem por amor ao ganho. Esforçado, diligente, procurou não só o bem do reino como de seus súditos, sem ter em vista quaisquer vantagens materiais ou pecuniárias. Daniel não se julgava um simples burocrata que só pensa em aumento de vencimentos e em aposentadoria. Êle julgava-se um representante de Deus na côrte do mundo. Sim, o “espírito excelente” que o tornou mais notável naquela côrte, era devido às suas estreitas relações com Deus. Uma vez que nos deveres para com o Céu demonstrara fidedigna dedicação, não podia fazer diversamente em relação às suas atividades e responsabilidades ligadas aos negócios do Estado. O indivíduo que é leal, fiél e dedicado em servir a Deus, também o será no cumprimento de seus deveres para com a pátria, quer como ministro de Estado, quer como funcionário público da mais humilde categoria, quer como simples cidadão. O segrêdo em bem servir a pátria está em bem servir a Deus. Eis aí a razão de ser Daniel distinguido dentre todos os demais poderosos príncipes do reino Medo-Persa. DANIEL — PRIMEIRO MINISTRO ABSOLUTO O rei Dario contrastara logo a grande diferença entre Daniel e os outros príncipes, tanto na honradez como na capacidade em exercer as altas funções que lhe foram confiadas. A invulgar sabedoria com que liderava o setor financeiro sob sua custódia; a evidente prosperidade 286

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dos negócios do Estado sob sua liderança; e a sua indiscutível superioridade administrativa em relação aos outros dois ministros em funções idênticas, bem como sôbre todos os governadores das províncias, — levaram o monarca Medo a desejar exonerar os dois outros ministros e constituir a Daniel como único primeiro ministro sôbre todo o reino. E êste desejo do rei Dario foi por êle concretizado imediatamente. Que alta honra para Daniel como servo de Deus! Elevada honra, não que êle a buscasse, mas por se certificar o monarca pagão de que só êle era capaz de conduzir com êxito os destinos do Império a uma prosperidade crescente, ainda que era um cativo no Oriente e no reino. A grande honra não foi assim prestada propriamente a Daniel, mas a seu Deus cujo representante êle era naquela côrte. E é admissível que a êste tempo, aos 86 anos de idade, gozava êle ainda de um “espírito excelente”, sendo preferido aos demais príncipes. Sua robustez e seu claro discernimento até ali evidentes, eram devidos às bênçãos de Deus em face de sua fidelidade como embaixador do Céu nos reinos mundiais do paganismo babilônio e Medo-Pérsia. Dario poderia ter considerado Daniel indigno duma investidura tão honrosa uma vez que êle era dos grandes da nação inimiga conquistada além de ter tomado conhecimento de que Belshazzar fizera dêle o terceiro governador na noite da queda de Babilônia. Mas, ao contrário disto, consentiu em que êle permanecesse para aproveitar a sua longa e bem conhecida experiência, mesmo no exterior, como estadista de êxito e insubstituível em qualquer posto de comando do govêrno. Naturalmente a Previdência estava com sua sábia mão a guiar o rei Dario para que Seu servo permanecesse no distinguido posto, tanto para o bem de Seu povo cativo no Oriente como dos próprios pagãos, e, sobretudo, para honra e glória de Deus de quem era êle um honrado embaixador naquela côrte do mundo. DANIEL SUBMETIDO A ESCRUTÍNIO SECRETO VERSOS 4-5: — “Então os príncipes e os presidentes procuravam achar ocasião contra Daniel a respeito do reino; mas não podiam achar ocasião ou culpa alguma; porque êle era fiél, e não se achava nêle nenhum vício nem culpa. Então êstes homens disseram: Nunca acharemos ocasião alguma contra êste Daniel, se não a procurarmos contra êle na lei do seu Deus”. 287

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ELOQUENTE CONFISSÃO DOS INIMIGOS DE DANIEL Uma das inúmeras verdades proferidas por Salomão, parece estar ligada ao caso enunciado nos versículos citados acima. Dissera êle: “Também vi eu que todo o trabalho, e tôda a destreza em obras, trás ao homem a inveja do seu próximo”.1 Verificara-se exatamente isso entre os príncipes da Medo-Pérsia em relação a Daniel. Sua elevação pelo soberano ao mais alto posto junto de sua magestade, incitara grandemente os ciúmes daqueles maus homens. Inflamados pela inveja de ser a tão elevada e por êles tão cobiçada honra de primeiro ministro conferida a um judeu cativo outrora ministro do reino caldeu vencido, e não como de direito a êles, como conquistadores, unem-se para boicotarem e atentarem contra a vida do humilde e leal homem de Deus. Satanás estava a postos para perder a fiél testemunha de Deus e por meio daqueles homens fez tudo para remover daquela côrte mundial aquele em cujas mãos e sabedoria tudo prosperava no setor administrativo sob sua tutela. A primeira tentativa para terem de que acusar Daniel, levou os príncipes a procurar alguma possível falha ou fraude contra êle nas suas próprias atividades ligadas às suas responsabilidades nos negócios do estado. Foram, porém, decepcionados. Nenhum mínimo deslize encontraram que apoiasse a menor atuação contra êle junto do soberano. A história de Daniel “demonstra o que pode ser efetuado por alguém que consagra a fôrça do cérebro, dos ossos e dos músculos, do coração e da vida ao serviço de Deus”.2 “Êle era fiél”, diz o sacro texto. E a menos que os homens que hoje ocupam posições oficiais numa nação — como Daniel naquele reino — temam a Deus como êle O temia, é duvidoso que, como êle, sejam achados irrepreensíveis em suas altas responsabilidades burocráticas governativas quando submetidos a minucioso escrutínio por seus adversários. Quem não é em todo o sentido fiél a Deus, dificilmente o poderá ser, em tudo, fiél às suas responsabilidades seculares. O mundo moderno carece de homens de negócio como Daniel, que sintam a necessidade de entrelaçar os grandes princípios da verdade em tôdas as suas transações, quer comerciais quer governativas. Eis ai o segrêdo da inalterável lealdade e sucesso de Daniel como estadista em duas côrtes mundiais. 1 2

Eclesiastes 4:4. Parábolas de Jesus, E. G. White, pág. 351

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Revelou Daniel que um estadista não está obrigado a ser necessàriamente um homem de planos dolosos, um astuto, — mas que pode ser instruído por Deus a cada passo. Satanás empreendera todo o esforço para eliminar o profeta de Deus que lhe era um estorvo naquela côrte. Mas seus agentes destinados a achar falhas por menores que fôssem fracassaram neste afã. Todavia prosseguiram êles no inglório empreendimento até julgarem terem sido coroados os seus maldosos desejos. A FIDELIDADE A DEUS COMO BASE DA ACUSAÇÃO Convencidos os príncipes de que não encontrariam “ocasião alguma contra êste Daniel” nos deveres oficiais do reino sob sua guarda, tiveram de imediato uma satânica inspiração; disseram: “Nós não acharemos nenhuma ocasião contra êste Daniel, se não a acharmos nêle no tocante à lei do seu Deus”. Analizemos: Êles não pretediam encontrar infidelidade alguma de Daniel em relação à lei divina, pois conheciam de sobejo a sua harmonia perfeita aos seus imutáveis requisitos. O que tencionavam era usar a sua própria lealdade à lei de Deus como ponto de apôio da armadilha e do crime que premiditavam contra êle. Em outros termos, como veremos esclarecido adiante, estabeleceriam — por imutável decreto — uma determinada e obrigatória abstenção de fidelidade à lei de Deus, em todo o reino e a todos os homens, no que respeita ao próprio Deus como único Senhor, contando como certo que Daniel não aderiria a essa abstenção imposta por decreto real, — e nisto consistiria a acusação e a sentença máxima contra êle. Fôra uma ocorrência sui generis na história da civilização humana — um caso absolutamente de consciência religiosa transformado em uma acusação fatal de caráter evidentemente político. Uma vez que aqueles famigerados príncipes não puderam acusar, a Daniel como esperavam, fundados em sua administração civil, de tôda a maneira o acusariam transformando a sua fidelidade religiosa em um caso político. Na verdade caso nenhum havia. Foram os inimigos de Daniel que formaram um caso que não era caso, mas sim uma falsificação, — para o envolverem e o perderem. Conhecedores da lei de Deus à qual o profeta era extritamente fiél, deliberaram sôbre qual dos dez preceitos lançariam uma contrafação — impondo temporàriamente o homem em lugar de Deus — esperando assim enredarem a Daniel em suas manhas criminosas. 289

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Segundo entendiam nenhum outro dos dez mandamentos da lei de Deus se adaptaria mais à sinistra intenção do que o primeiro, que proíbe a aceitação de outro deus no culto de adoração além do Deus do céu — ou do Deus de Israel como concebiam. Porém, só um decreto assinado pelo monarca — chefe supremo do Estado e da Religião — poderia concretizar o plano e efetivar a ruína de Daniel como esperavam. Segundo o previsto por êles, o próprio rei Dario deveria substituir a Deus, ao menos por 30 dias, no que concerne aos ditames do primeiro mandamento. Daniel, porém, estava preparado para enfrentar a crise mantendo-se leal a Deus e confiante em Seus invisíveis mas infalíveis e vitoriosos recursos. Aparentemente tiveram os conjurados completo êxito quanto a simplesmente achar o que anelavam contra Daniel. Ignoravam, no entanto, que o fiél servo de Jeová não estava um só momento desacompanhado para onde quer que se locomovesse. Sim, ignoravam os poderosos protetores do leal homem de Deus que lhe vigiava os passos para livrá-lo de qualquer perigo que o assaltasse. Mal sabia aquela diabólica camarilha que, naquilo que pretendia ter assegurado o criminoso atentado contra uma vida justa, irrepreensível, — encontraria seguramente o seu completo aniquilamento e não o do digno embaixador de Deus como pretendia e tinha como certa. UM CRIME SOB MANTO DE BAJULAÇÃO VERSOS 6-9: — “Então êstes príncipes e presidentes foram juntos ao rei, e disseram-lhe assim: ó rei Dario, vive para sempre! Todos os príncipes do reino, os prefeitos e presidentes, capitães e governadores, tomaram conselho a fim de estabelecerem um édito real e fazerem firme este mandamento: que qualquer que, por espaço de trinta dias, fizer uma petição a qualquer deus, ou a qualquer homem, e não a ti, ó rei, seja lançado na cova dos leões. Agora pois, ó rei, confirma o édito, e assina a escritura, para que não seja mudada, conforme a lei dos medos e dos persas, que se não pode revogar. Por esta causa o rei Dario assinou esta escritura e édito”. UM DECRETO DE INSPIRAÇÃO SATÂNICA Incansáveis em seus esforços por livrarem-se de Daniel, congregam-se os seus adversários para encontrarem um meio ligado à religião e satisfatório para a concecussão com êxito na miseranda 290

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trama que ocupava o primeiro lugar em seus corações. Lançando mão do costume de serem os antigos monarcas supremos representantes de todos os deuses, quer nacionais quer dos povos conquistados, atribuindo-se a êles, por isso mesmo, honras divinas, deliberaram, unânimamente, redigir um decreto segundo o qual todos os súditos de Dario, grandes e pequenos, ficariam proibidos, sob pena de morte na cova dos leões, de suplicar a seus deuses durante o espaço de trinta dias sob quaisquer assuntos de fé. Cada cidadão do reino, se desejasse auferir qualquer graça de seu deus, deveria rogá-la por intermédio direto do rei como vivida encarnação de todos os deuses. Só as invisíveis más agências poderiam ter inspirado um decreto semelhante. Certos fatôres que se deduzem dos têrmos do decreto, não deixam realmente dúvida quanto à sua origem satânica. Por que o decreto deveria incluir todos os súditos do reino em relação a seus deuses quando tinham em vista sòmente a Daniel em relação a seu Deus? É que, se o édito apenas inferisse que nenhum pedido deveria ser feito ao Deus dos hebreus durante trinta dias, pois que na realidade êste era o desígnio daqueles ímpios homens, o rei infalivelmente descobriria a trama e, certamente, não lograriam a sua assinatura para efetivá-lo. Para a pronta obtenção da assinatura real, urgia, portanto, que a verdadeira intenção fôsse camuflada. Foi por amor à ruína do objeto do ódio de seus corações, que deram uma aplicação geral ao fatídico édito, ainda que sabiam estar afrontando todo o sistema de religião e insultando a multidão de seus deuses tão bem como de seus adoradores em todo o reino. O REI DARIO ASSINA O CRIMINOSO DECRETO Preparado o astuto decreto os príncipes “apresentaram-no a Dario para sua assinatura. Apelando à sua vaidade, o persuadiram de que a promulgação dêste édito acrescentaria grandemente a sua honra e autoridade. Ignorante do criminoso propósito dos príncipes, o rei não discerne a animosidade dêles, como revelada no decreto, e, condescendendo com a lisonja dêles assinou-o. “Os inimigos de Daniel deixaram a presença de Dario, jubilosos com a armadilha agora seguramente colocada para o servo de Jeová. Na conspiração assim formada Satanás tinha tomado parte saliente. O profeta era grande em autoridade no reino, e os maus anjos temeram que sua influência debilitasse o controle dêles sôbre os seus senhores. 291

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Foram estas agências satânicas que incitaram os príncipes para invejar e enciumar; foram êles que inspiraram o plano para a destruição de Daniel; e os príncipes entregando-se eles próprios como instrumento do mal, levaram-no em resultado”.1 UMA FARSA DESPERCEBIDA PELO REI DARIO É bem certa a asserção de que a violência e a mentira são as armas dos que não têm razão. Ao aparecerem de modo tumultuoso diante do monarca, como se houvessem divisado uma grande e urgente matéria a ser posta imediatamente em curso para bem e honra do soberano e do Império, fizeram-no ver os príncipes que todos os grandes haviam tomado conselho juntos e concordaram sem abstenção alguma com o decreto elaborado, — o que era indiscutivelmente falso. Por que razão, então, não convocaram com êles a Daniel para também dar o seu parecer no caso? Não era êle considerado pelo rei o primeiro príncipe, dentre êles todos, no reino? Não deveria o decreto, por justiça, passar por suas mãos antes de chegar ao rei? Estaria êle de pleno acordo com êles se o tivessem consultado a respeito? Teriam, mesmo, ouvido o depoimento de “todos os príncipes do reino”, quanto a tão alta honra que almejavam prestar ao rei? É claro que aquêles falsários impostores, cegados por Satanás, não esperavam que o tiro lhes saísse pela culatra. Pois todos os que se colocam à mercê de Satanás para servir de voluntários instrumentos em suas mãos, só terão como prêmio uma terrível colheita. O Céu estava alerta e preparado para agir e fazer cair sôbre aquêles criminosos a carga que pretendiam despejar contra o fiel profeta de Deus. Naquela ocasião, em que pairava uma densa sombra sôbre Daniel, podia êle confiar em Deus sem receio de decepcionar-se, como o salmista Davi o fêz em ocasião igualmente sombria para êle e em face também de adversários cruéis inspirados por Satã; “Podia acaso associar-se Contigo o trono da iniquidade, que forja o mal tendo por pretexto uma lei? Acorrem em tropel contra a vida do justo, e condenem o sangue inocente. Mas o Senhor foi o meu alto retiro; e o meu Deus a rocha em que me refugiei. E fará recair sôbre êles a sua própria iniquidade; e os destruirá na sua própria malícia: o Senhor nosso Deus os destruirá”.2 1 2

Profetas e Reis, E. G. White, pág. 540. Salmos 94:20-23.

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Dario falhara fragorosamente em não ter encaminhado aquêles homens a Daniel, a quem pretendia elevar como chanceler único do reino, para que desse antes de tudo a sua opinião. Os canais competentes a seguir seriam de fato êstes. Mas, em virtude da honra que se lhe afigurava tão fascinadora e conceber cegamente que não poderia perdê-la, foi levado a dar, sòzinho, solução ao problema sem o concurso de Daniel. Além de tudo, frisaram-lhe que desejavam que o decreto se tornasse irrevogável como as leis dos medas e persas, e isto para que a grande honra que lhe almejavam tributar fôsse indubitàvelmente assegurada. E o rei Dario, lisonjeado de ser assim honrado como um deus e consentindo em tomar o lugar até mesmo do verdadeiro Deus ao menos por trinta dias, assinou o criminoso decreto. Sua irreflexão lhe resultaria amargas horas do apreensão e desespêro, que, não fora a poderosa intervenção do Céu, custaria o sacrifício de seu maior cooperador ou do maior homem de sua administração real. O júbilo com que partem na presença do rei os agentes humanos das trevas, como vimos, iria converter-se bem logo em insolúvel amargura fatal. E o rei Dario aprenderia a lição de não mais firmar a sua assinatura a um decreto antes de conhecer a fundo a sua origem e as suas razões de ser bem como as suas possíveis conseqüências. UMA INALTERÁVEL DEVOÇÃO VERSO 10: — “Daniel, pois, quando soube que a escritura estava assinada, entrou em sua casa (ora havia no seu quarto janelas abertas da banda de Jerusalém), e três vezes no dia se punha de joelhos, e orava, e dava graças, diante do seu Deus, como também antes costumava fazer”. INTRÉPIDA CORAGEM DEVOCIONAL “Os inimigos do profeta contavam com o firme apêgo de Daniel ao princípio para o sucesso de seu plano. E êles não estavam errados na estimativa do seu caráter. Êle percebeu logo o maligno propósito que tiveram na elaboração do decreto, mas não mudou a sua conduta num mínimo que fosse. Por que deveria êle deixar de orar agora, quando mais necessário era orar? Antes renunciaria a própria vida a renunciar a sua esperança de auxílio em Deus. Tranqüilamente êle desempenhou seus devêres como ministro de Estado; e na hora da oração dirigiu-se para o seu aposento, e com as janelas abertas para o 293

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lado de Jerusalém, de acordo com o costume, fêz as suas petições ao Deus do Céu. Êle não procurou ocultar o seu ato. Embora soubesse muito bem quais as consequências de sua fidelidade a Deus, seu espírito não vacilou. Ante os que estavam tramando a sua ruína, êle não permitira sequer a aparência de que sua ligação com o Céu estava interrompida. Em todos os casos onde o rei tivesse o direito de ordenar, Daniel obedeceria; mas nem o rei nem o seu decreto poderiam fazê-lo desviar-se de sua obediência ao Rei dos reis. “Assim ousada, embora quieta e humildemente, o profeta declarou que nenhum poder terreno tem o direito de interpôr-se entre a alma e Deus. Cercado por idólatras, êle era uma fiel testemunha desta verdade. Seu inquebrantável apêgo ao direito era uma brilhante luz nas trevas morais dessa côrte pagã. Daniel está perante o mundo hoje como um digno exemplo do destemor e fidelidade cristãos”.1 UM EXEMPLO MARAVILHOSO PARA O MODERNO CRISTÃO Quão diferentemente poderia ser o mundo moderno se o exemplo outrora dado aos homens por Daniel se tornasse uma realidade na vida dos cristãos da atualidade. Jovem ainda, pouco depois de chegar à côrte de Babilônia, quando sua vida achava-se em iminente perigo, bem como as de seus companheiros, demonstrara Daniel uma imperturbável calma e uma inconfundível e inabalável confiança no imediato socorro da Providência. Ao chegar a ser idoso ancião, em meio a uma côrte cheia de agitação, perigos e infâmias, onde lhe eram grandes as responsabilidades para com um nôvo rei secular e para com o Soberano do universo, — nenhuma metamorfose se havia operado em sua vida, em seu caráter e em suas relações para com Deus. O maravilhoso plano devocional diário, posto em prática bem no alvorecer de sua vida, jamais sofreu a menor alteração, mormente no final de sua existência e embora atarefado com um reino de numerosas províncias e inúmeros negócios. Que inestimável bênção não seria para o mundo hodierno, tão cheio de difíceis problemas, a imitação da vida de absoluta fidelidade e consagração de Daniel por parte daqueles que pretendem amar e servir ao mesmo Deus que êle amou e serviu! 1

Profetas e Reis, E. G. White, pág. 510, 541, 542.

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Que grande luz não haveria de ser para este entenebrecido mundo, a imitação da sua vida de perfeita devoção, pelos cristãos atuais! Não só o mundo carece hoje de fidedignas testemunhas do Céu, como os próprios cristãos de maior confiança nos planos do Criador. E isto não será possível, mòrmente em ocasiões adversas, sem que haja ininterrupta ligação com a fonte do supremo poder divino. E esta ligação só poderá ser efetuada através da oração. O poder de que tanto carece o cristão moderno para fazer frente aos últimos e perigosos eventos do século, só será obtido, não por meio de ligeiras orações quando tais eventos vierem a ocorrer, mas através de uma vida antecipada de intensa e constante oração. É bem verdade o fato de que, para armazenar-se energia em algum receptáculo capaz de retê-la, urge que se coloque o mesmo em contato com uma fonte produtora de fôrça. Por que Daniel possuía poder, energia capaz de enfrentar com tanta serenidade e inflexibilidade a tão graves perigos promovidos diretamente pelos invejosos pagãos que buscavam a sua vida? A razão não se acha encerrada em mistério que não se possa conhecer. O versículo dez dêste sexto capítulo em aprêço responde sobejamente a esta interrogação. Proclama que Daniel possuía abundantes reservas de poder por achar-se buscando sempre, mediante ardorosa vida de oração, da inesgotável fonte que é Deus. E nos graves momentos de perigo fatal, mais poder buscava ainda Daniel, não porque estivesse então em falta, mas para assegurar a vitória sobre as potências do mal. É de admirar encontrar-se homens, em todos os tempos incluso o nosso, principalmente, que digam não ter tempo para ir à igreja ou para a devoção em família ou mesmo em particular. Realmente êles não têm tempo para se porem em estreita ligação com Deus. Tempo têm, não obstante, para empregar em seus próprios interesses, seus negócios, suas festas, seus divertimentos carnais e seus clubes. Todo o tempo que Deus lhes concede, absorvem-no em proveito próprio e no pecado. No orçamento do tempo que fizeram, nada foi previsto, nem mesmo quinze minutos, para a devoção diária a Deus em cujas mãos estão suas vidas. Como tinha tempo Daniel, um homem acarretado de responsabilidades com um tão vasto Império Mundial, para se colocar três vêzes ao dia em especial contacto com Deus? Nenhum moderno estadista está hoje tão atarefado que não possa dispor de alguns instantes diários para se pôr em intimidade especial com a suprema fonte eterna de poder. Nenhum homem de negócio, seja do ramo que fôr, está tão cheio de preocupações que não possa separar de seu 295

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tempo alguns minutos ao menos para ligar-se a Deus e dÊle auferir força e energia divinas. Quando os homens se põem em conexão com Deus, todos os seus empreendimentos serão fundamentados na Sua justiça. Embora não sejam comuns hoje os homens de oração, salientamse por vêzes alguns com verdadeira sêde de comunhão com Deus. Todavia Daniel é o protótipo desta devoção. Quão notável a sua atitude ao discernir que o decreto daqueles príncipes visava a sua pessoa! Não se dirigira ao rei para alegar contra os príncipes seus inimigos e fazê-lo ciente de que não tinham a pretenção de honrá-lo com aquêle édito, mas sim de atentar contra a sua vida como ministro de Estado. Não tomou nenhuma providência humana em sua defesa. Conhecedor da imutabilidade das leis dos medos e persas, previra a inutilidade de pedir clemência ao monarca. Longe de se dirigir ao homem em busca de socorro, vai diretamente à fonte original de todo o poder. Todo o céu se pôs ao seu lado e assegurou-lhe a vitória no momento próprio daquela tremenda batalha com os podêres das trevas. O século atual, o mais perigoso de todos quantos a História já registrou, exige um cristianismo cujos cristãos revelem a devoção e a têmpera cristãs de Daniel. Não há outro modo de ganhar a batalha e auferir a triunfante vitória para a eternidade. O exemplo daquele digno baluarte do direito deve contagiar os cristãos modernos levando-os a imitarem a sua firmeza e devoção cristãs. OS CONJURADOS VIGIAM SUA PRÊSA VERSO 11: — “Então aquêles homens foram juntos, e acharam a Daniel orando e suplicando diante do seu Deus”. CERRADA VIGILÂNCIA E SÊDE DE SANGUE Assinado o decreto fatal pelo rei, os criminosos conjurados vigiaram sua vítima durante todo um dia. Espiaram-no “com o maior cuidado”, diz certa versão, não tirando dele suas vistas. Conservavam sua prêsa diante de seus disfarçados olhos sem dar a entender que estavam vigiando seus movimentos. Urgia apoderar-se do intruso o mais depressa possível. Mas Daniel não ignorava o disfarce e o crime decretado de que eram capazes. Naquela remota conjuração contra a lealdade de um homem vê-se até que ponto a inveja é capaz de atingir sem tomar em conta a justiça. 296

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A maldade da inveja é capaz de tudo, mesmo de silenciar uma vida de que o mundo não pode prescindir. A inveja daquele grupo de cortezões era sinônimo de vilania, de homicídio, de sêde de sangue. Parece incrível que Satanás pôde transformar homens feitos à imagem e semelhança de Deus, em tão maus espécimes humanos. Pareciam verdadeiras feras a espreitar sua presa para devorarem-na. Como o justo Daniel não podia, por seu imaculado caráter, ligar-se àquele perverso grupo de desonestos e ladrões, era preciso ser eliminado incontinente. E não se pense que não há, em pleno século XX, homens invejosos semelhantes àqueles, prontos a eliminarem, se possível, os raros justos da terra contanto que possam ascender em preeminência. Nossa época não é melhor que a da Medo-Persa — muito ao contrário, é realmente pior, não poucas vêzes pior. Não é maravilha, pois, que ainda hoje muitos verdadeiros crentes tenham sido perseguidos e até mortos em face da retidão que caracteriza suas vidas e de suas amistosas relações com o Céu e com Deus. A vigilância sôbre o nobre Daniel era cerrada. Êle, porém, não permitiu que suas relações costumeiras com o Céu fossem quebradas mesmo com risco de vida. “Três vêzes viram-no dirigir-se ao seu aposento, e três vêzes ouviram sua voz erguer-se em fervente intercessão a Deus”.1 Três vezes estiveram juntos debaixo daquelas abençoadas janelas escancaradas de seu quarto, à espreita. Três vêzes, em períodos diferentes do dia, ouvem suas ardentes súplicas ao seu Deus Todo-poderoso. Convictos de que Daniel não deixaria de orar ao Deus de Israel nem fecharia as janelas de seus aposentos nas horas de suas devoções, julgavam ter a sua prêsa bem firme em suas garras. Mas Daniel não temeu, não trepidou, mostrou-se valente na renhida peleja. Conhecedor do perigo presente, mostrou-se corajoso e confiante, não alterando sua costumeira devoção em períodos prefixados e bem conhecidos dos que buscavam a sua vida para eliminarem-na. Que divergentes quadros se nos deparam: Num dêles um homem em audiência com Deus; no outro um grupo de homens em audiência com Satanás conjurando um crime injusto e inominável! CORAÇÕES CAUTERIZADOS PELO PECADO Nosso velho mundo carece hoje, neste século de cristianismo moribundo, quase desconhecido, — de exemplos intrépidos como o de

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Profetas e Reis, E. G. White, pág. 542.

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Daniel; de cristãos denodados; de indômita coragem espiritual; de fé arrojada e triunfante. Carece, sim, de cristãos que ergam às culminâncias o estandarte da sã verdade e do direito de Cristo e ali o implantem num testemunho eloqüente e grandioso da fé vitoriosa, não importando que os adversários rondem e bramem procurando devorálos. O arrojo de Daniel, aquêle invencível baluarte cristão, deve ainda impressionar e contagiar. O fato de os conjurados comparecerem às janelas do aposento de Daniel, leva-nos a crer que ouviram os termos de suas súplicas a Deus, pois era-lhes de interesse ter a certeza se êle em verdade estava ou não em comunhão com o seu Deus, para o acusarem com segurança. Mas seus corações eram por demais endurecidos, cauterizados pelo pecado, para se enternecerem com as suas ardentes e comovedoras súplicas. Longe de se arrependerem do premeditado crime, saem dali, pela terceira vez, decididos a acusarem-no na manhã seguinte perante o iludido monarca. É APRESENTADA DENÚNCIA CONTRA DANIEL VERSOS 12-15; — “Então se apresentaram, e disseram ao rei: No tocante ao mandamento real, porventura não assinaste o édito, pelo qual todo o homem que fizesse uma petição a qualquer deus, ou a qualquer homem, por espaço de trinta dias, e não a ti, ó rei, seria lançado na cova dos leões? Responde o rei, e disse: Esta palavra é certa, conforme a lei dos medos e dos persas, que se não pode revogar. Então responderam, e disseram diante do rei: Daniel, que é dos transportados de Judá, não tem feito caso de ti, ó rei, nem do édito que assinaste, antes três vêzes por dia faz a sua oração. Ouvindo então o rei o negócio, ficou muito penalizado, e a favor de Daniel propôs dentro do seu coração livrá-lo; e até ao pôr do sol trabalhou por o salvar. Então aquêles homens foram juntos ao rei, e disseram ao rei: Sabe, ó rei, que é uma lei dos medos e dos persas que nenhum édito ou ordenança, que o rei determine, se pode mudar”. OBTENDO A CONFIRMAÇÃO DO DECRETO Na manhã seguinte, — após testemunharem no dia anterior por três vêzes as poderosas orações de Daniel ao seu Deus, — os príncipes comparecem em palácio para formularem ao rei a denúncia. Antes de tudo, porém, procuram arrancar do monarca a confirmação e a 298

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irrevogabilidade do criminoso decreto, a fim de fundamentarem com segurança e absoluto êxito a acusação. E, ignorando ainda Dario a trama homicida contra a vida dê seu fiel ministro de Estado, confirmou plenamente o decreto e sua imutabilidade, segundo a lei dos medos e dos persas. Abisma-nos o fato de Dario não ter suspeitado da trama, nem quando a quadrilha criminosa lhe trouxera o decreto para ser assinado, nem agora quando, antes de apresentarem a acusação lhe suplicam a confirmação do decreto. O rei fôra conduzido por um caminho escuro sem se dar conta dos sérios tropeços possíveis a encontrar em sua trajetória. Nunca jamais se soube que um monarca fôsse levado a proceder desta maneira, contribuindo tão voluntariamente para tirar a vida de algum súdito seu que conscienciosamente suplicasse a seu Deus em suas diárias e costumeiras orações. A ARROGANTE DENÚNCIA DOS HIPÓCRITAS Assegurados pelo rei de que o decreto não podia ser revogado, apresentam exultantes e imediatamente a culpabilidade de Daniel em violá-lo e exigem a sua imediata condenação na cova dos leões. Sabedores, entretanto, do tremendo impacto que causaria em Dario a denúncia e pensando, contudo, assegurarem a execução do profeta, não o acusaram de apenas ter violado três vêzes o édito em si mesmo, mas, para suscitar os preconceitos do rei contra Daniel, o denunciam como um cativo de Judá, em vez de como grande ministro do reino. Também o acusam de desconsideração para com o monarca, nestas palavras: “Daniel... não tem feito caso de ti”. Pretendiam, pois, com esta tríplice fórmula acusatória, causar desfavorável impressão em Dario em relação ao acusado e despertar-lhe imediata repulsa ao mesmo, autorizando incontinentemente o seu lançamento na cova dos leões. O ESFÔRÇO DE DARIO POR DANIEL Ao ouvir o rei a repelente incriminação, divisou de imediato a farsa do decreto dos príncipes e o laço que haviam armado contra o seu fiel ministro. Compreendeu que não fora o zêlo por sua honra e glória reais que os moveram na elaboração daquele decreto e conseguirem o seu assentimento assinando-o, mas sim a inveja, o ciúme e o ódio votados contra Daniel. Era esta, sabe agora o rei, a maior conspiração verificada nas antigas côrtes. Ficou revelado o caráter daqueles cortezões: Administradores falsos, políticos iníquos, 299

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homens indignos de confiança, assassinos profissionais dos homens justos. O rei Dario angustiou-se sobremaneira. A honra aceita através aquêle decreto transformou-se-lhe em pesadêlo. Como se livraria êle dum homem insubstituível, de indiscutível confiança, em cujas mãos prosperavam amplamente os negócios do reino? Deveria êle aplicar a infamante sentença contra um evidente inocente? Uma coisa, porém, é certa: O rei Dario colhia o amargo fruto de sua precipitada anuência àquele vil édito de seus príncipes, — que visava não só obrigar seus súditos a cortar relações diretas com seus deuses bem como vedar-lhes o direito de suplicar qualquer coisa a qualquer homem senão a êle mesmo ou por meio dêle! Durante trinta dias seria êle o mediador entre os deuses e os homens em relação a seus súditos. Não poderia Satanás ter forjado coisa mais absurda e mais perversa! Mas o monarca, ávaro da honra à sua alteza, que aparentavam os têrmos do decreto principesco, não se apercebeu de sua falsidade e do desgosto que causaria a seus súditos a sua imiscuição em questões de consciência religiosa, mormente no que concernia à adoração e suplicação dum Deus proferido. Contudo, embora Dario, o Medo, tivesse legado à posteridade um infeliz exemplo de fraqueza, ao mesmo tempo legara uma séria advertência aos governantes dos séculos futuros, fàcilmente levados, como êle, pela lisonja e a bajulação — para que não confiem cegamente nos seus “ príncipes”, mas que se precavenham contra a fôrça e a hipocrisia possíveis dos mesmos. Dario empenhou-se ao máximo para livrar a Daniel da morte. Até à hora do pôr-do-sol — último prazo previsto de espera no caso de penas máximas — trabalhou incansavelmente para livrá-lo. Mas, a despeito de seus mais ingentes esforços, não pôde achar, até àquela hora, um dispositivo legal pelo qual salvar a Daniel e ao mesmo tempo preservar o conceito básico da inviolabilidade das leis da Média e da Pérsia. Mesmo assim o soberano vacilou em decidir da sentença fatal. OS CONSPIRADORES EXIGEM O CUMPRIMENTO DA SENTENÇA Os criminosos conspiradores conceberam o esforço do rei em livrar a Daniel da pena máxima. Perto do pôr-do-sol comparecem novamente em palácio para exigirem o cumprimento da sentença. Por muitas horas haviam esperado pela decisão do rei; porém, como o rei 300

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Dario nada resolvia em definitivo, outra vez o assediam imprudentemente exigindo a imediata execução de sua prêsa, em harmonia com aquêle decreto que, embora feito de afogadilho e tornado inalterável pelas leis medo-persa, devia produzir seus indignos efeitos. A SENTENÇA É CUMPRIDA CONTRA DANIEL VERSOS 16-18: — “Então o rei ordenou que trouxessem a Daniel, e o lançaram na cova dos leões. E, falando o rei, disse a Daniel: O teu Deus, a quem tú continuamente serves, Êle te livrará. E foi trazida uma pedra e foi posta sôbre a boca da cova; e o rei a selou com o seu anel e com o anel dos seus grandes, para que se não mudasse a sentença acêrca de Daniel. Então o rei dirigiu-se para o seu palácio, e passou a noite em jejum, e não deixou trazer à sua presença instrumentos de música; e fugiu dêle o sono”. O TEU DEUS TE LIVRARÁ Finalmente, sem nada mais poder fazer, e devendo cumprir a lei dos medos e persas até mesmo nas mais absurdas injustiças, Dario ordena a execução da sentença. Daniel foi trazido, o rei falou com êle e declarou: “O teu Deus, a quem tú continuamente serves, êle te livrará”. Xenofonte diz de Dario, o Medo: “É débil, irresoluto, impulsivo, não obstante não deixava de dar provas dum doce caráter que se resolvia em lágrimas”. Sim, fôsse Dario mais homem e mais rei no momento, poderia ter pôsto a sua vontade e autoridade anulando o decreto provando ser injusto, assassino e fruto duma cega inveja criminosa. Todavia, junto da cova dos leões, manifestou seus sentimentos, seu arrependimento por ter assinado irrefletidamente o decreto, e expressou a esperança de que o Deus de Daniel o livraria. Dario conhecia a vida religiosa fiel de Daniel: “O teu Deus a quem tú continuamente serves”, declarou o soberano. Maravilhosa vida de contínua lealdade a Deus! Nisto se fundou a esperança do rei em que seria liberto por um divino milagre. SÊLO SÔBRE A PEDRA DA COVA DOS LEÕES O édito ou decreto dos príncipes não requeria que o seu infrator fôsse devorado pelos leões, mas que, simplesmente, “seja lançado na cova dos leões”. Assim, pois, cumpriu o rei Dario plenamente as suas estipulações, crendo que, em verdade, o Deus de Daniel não permitiria 301

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que a sentença de morte, não estipulada no decreto, viesse a se verificar. O monarca, bastante previdente, fêz questão de estar presente ao ato condenatório e de dirigir pessoalmente a execução da sentença. Êle mesmo ordenou que a pedra da boca da cova fôsse posta em seu devido lugar. Temendo, não obstante, que o profeta, liberto dos leões por seu Deus, fosse assassinado na própria cova pelos príncipes, êle mesmo pôs sôbre a pedra o seu sêlo real e exigiu que todos os componentes do complô também puzessem os seus selos na mesma, conjuntamente com o dêle. Todo o caso parecia estar liquidado. Satanás e seus anjos regozijaram-se grandemente. Os príncipes pretendiam ter assegurado o que tanto almejavam. E, o rei Dario, confiante na intervenção miraculosa do Deus de Daniel, dirigiu-se ao seu palácio onde, depois daquela terrível experiência, passou uma longa noite de tristeza, insônia e jejum, não permitindo, em seu abatimento, que a orquestra real executasse, segundo o costume da côrte, qualquer programa em sua honra. UM MEMORÁVEL LIVRAMENTO VERSOS 19-23: — “E pela manhã cedo se levantou, e foi com pressa à cova dos leões. E, chegando à cova, chamou por Daniel com voz triste; e, falando o rei, disse a Daniel: Daniel, servo do Deus vivo! Dar-se-ía o caso que o teu Deus, a quem tú continuamente serves, tenha podido livrar-te dos leões? Então Daniel falou ao rei: ó rei, vive para sempre! O meu Deus enviou o Seu anjo, e fechou a boca dos leões, para que não me fizessem dano, porque foi achada em mim inocência diante dÊle; e também contra ti, ó rei, não tenho cometido delito algum. Então o rei muito se alegrou em si mesmo, e mandou tirar a Daniel da cova: assim foi tirado Daniel da cova, e nenhum dano se achou nêle, porque crera no seu Deus”. A ESPERANÇA DO REI DARIO Mal despontava a aurora quando o rei Dario se dirige às pressas à cova dos leões. Estava êle muito ansiado e sobremaneira abatido. Em meio a uma tirânica noite de insônia e pesadêlo, não perdera a esperança de rever com vida e ileso a seu grande ministro, vilmente alvejado pela infâmia de seus malvados cortezões. Com voz triste e comovente, chama por Daniel à boca da cova. 302

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Quando Dario pôs Daniel na cova dos leões, assegurou-lhe o livramento de seu Deus. Agora, suas palavras parecem denotar dúvida: “Daniel, servo do Deus vivo!”, bradou ele, “dar-se-ía o caso que o teu Deus, a quem tú continuamente serves, tenha podido livrarte dos leões?” Devemos, porém, levar em conta que êle era um pagão e por isso mesmo não podia expressar uma genuína fé na interferência de Deus. Contudo, pensava que algo sobrenatural sucederia em favor de Daniel. Sua expressão: “Servo do Deus vivo”, revela que possuía um grau de conhecimento do Deus e da religião de Daniel. O fato de o monarca referir-se ao Deus do profeta como ‘‘Deus vivo”, sugere que Daniel o instruíra concernente à natureza e poder do verdadeiro Deus. O MILAGRE DO LIVRAMENTO Ao ouvir sua voz embargada pela ansiedade, Daniel responde cortêsmente: “Oh rei, vive para sempre!” Era êste um costume oriental respeitoso dirigido aos antigos potentados com quem se desejava falar referindo algo ou suplicando algum favor.1 Daniel o usou sinceramente em meio à dramática circunstância em que se encontrava — junto dos leões. Depois desta respeitosa instrodução, o servo de Deus declara solenemente ao rei a causa de seu livramento: “O meu Deus enviou o Seu anjo, e fechou a boca dos leões”. Fôra certamente o poderoso Gabriel, o anjo sempre assistente de Daniel nas revelações de Deus, que descera com êle à cova dos leões.2 Estava assim quebrada por completo a ímpia oposição ao inocente, santo e corajoso homem de Deus. Aí estava um dos grandes favores concedidos a um homem que se dispunha a orar três vêzes ao dia, ainda que assoberbado de trabalhos os mais importantes dum reino mundial. “Da história do livramento de Daniel podemos aprender que em tempos de provação e tristeza, os filhos de Deus devem ser precisamente o que eram quando suas perspectivas brilhavam de esperança e estavam cercados de tudo o que poderiam desejar. Daniel na cova dos leões foi o mesmo Daniel que estêve perante o rei como o principal entre os ministros de Estado e como profeta do Altíssimo. Um homem cujo coração se firme em Deus será na hora de sua maior prova o mesmo que era em sua prosperidade, quando a luz e o favor

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Daniel 2:4; 5:10; 6:6; Neemias 2:3. Salmos 34:7.

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de Deus e do homem incidiam sôbre êle. A fé alcança o invisível, e se apega a realidades eternas. “O céu está mais próximo daqueles que sofrem por amor da justiça. Cristo identifica os Seus interêsses com os interesses do Seu fiel povo; Êle sofre na pessoa dos Seus santos; e seja o que fôr que toque em Seus escolhidos toca nÊle. O poder que está perto para libertar do dano físico e da angústia está perto também para salvar do mal maior, tornando possível ao servo de Deus manter sua integridade sob tôdas as circunstâncias, e triunfar através da graça divina”.1 Prosseguindo, dá Daniel duas razões evidentes de seu providencial livramento pelo poderoso anjo de Deus: “Porque foi achada em mim inocência diante dÊle; e também contra ti, ó rei, não tenho cometido delito algum”. Embora essas palavras tenham sido proferidas cortêsmente, deviam ter produzido aguda dôr no coração de Dario, por ter consentido em condenar um inocente perante êle e Deus, simplesmente em atenção a um infame decreto injusto no caso. Mas, o inocente profeta foi protegido por um poder superior a qualquer poder da terra. Sua causa foi vindicada e proclamada a sua inocência pelo próprio Céu. Naquela noite, tão trágica para Dario, o Medo, houve perfeita paz na cova dos leões. O servo de Deus estava tão seguro entre os leões como quando em suas devoções em seu aposento em Babilônia. Ali, em meio às esfaimadas feras em perfeita ordem, Daniel continuou a elevar ao Céu as suas ferventes preces. O silêncio e a paz reinantes entre os ferozes animais naquela lúgubre cova, era evidência da presença do poderoso anjo que comungava de sua devoção naquele ambiente e naquela circunstância inéditos. A vitória estava ganha e os agentes de Satanás seriam logo justiçados como advertência aos que, depois dêles, ousassem erguer-se injustamente contra os embaixadores de Deus Todo-poderoso na Terra. DANIEL É TIRADO DA COVA DOS LEÕES Ao ouvir o rei Dario a Daniel responder-lhe do meio dos leões, revelando absoluta calma e confiança no seu Deus; ao ter agora, mais que nunca, plena certeza de sua inocência; ao constatar o rei o estupendo milagre realizado; muito alegrou-se em vê-lo ileso e pela perspectiva de continuar a tê-lo como seu primeiro ministro em sua 1

Profetas e Reis, E. G. White, pág. 545.

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pesada administração de um enorme Império. A alegria de Dario está muito além de sua apreciação; e nós com êle nos alegramos ainda hoje pela preservação daquele extraordinário homem de Deus que, após seu livramento, foi ainda o veículo de tantas maravilhosas revelações de Deus a nós, que agora vivemos no derradeiro final da história do mundo. O rei creu que havia dado satisfação aos requerimentos daquele infamante decreto e ordenou que Daniel fôsse tirado da cova. E o relato inspirado declara: “Nenhum dano se achou nêle, porque crera no seu Deus”. Foi um absoluto livramento. A ímpia oposição ao servo de Deus estava agora completamente esfacelada. O soberano, fora de si pela alegria que sucedeu-lhe uma noite de agonia, certamente estreita em seus braços o seu amado primeiro ministro. Todos os séculos futuros, até agora, tomaram conhecimento do fenomenal milagre, e os fiéis de Deus mais confiança depositaram em Sua ajuda certa em tôdas as circunstâncias. O livramento de Daniel e outros menos impressionantes, contribuíram para amparar numerosos baluartes da fé em circunstâncias difíceis e quase desesperançosas. O TIRO SAIU PELA CULATRA VERSO 24: — “E ordenou o rei, e foram trazidos aqueles homens que tinham acusado Daniel, e foram lançados na cova dos leões, êles, seus filhos e suas mulheres; e ainda não tinham chegado ao fundo da cova quando os leões se apoderam dêles, e lhes esmigalharam todos os ossos”. O REI DARIO VINGA A HONRA DE DANIEL A indizível alegria do rei Dario foi transformada em ira feroz. Compreendendo êle que o Céu declarara a inocência de Daniel e a culpabilidade dos repulsivos príncipes. Para o rei, portanto, o incidente não podia encerrar-se com apenas o livramento de Daniel. A seu ver, aquêles déspotas criminosos, veementemente acusados pelo milagre da providência na preservação do profeta, deviam ser incontinentemente justiçados para exemplo de outros possíveis futuros hipócritas. Homens como tais não só seriam um perigo para a administração real como um vexame para a côrte e suas relações com os povos que constituíam o grande Império mundial. O monarca creu que urgia agir com firmeza e decisão imediata para salvar a honra e os interêsses do reino, — e não teve dúvida em tomar a única medida cabível no caso. 305

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Depois de o rei Dario acompanhar a Daniel aos seus aposentos em Babilônia e falar com êle do grande acontecimento que foi a intervenção de seu Deus para livrá-lo, deixou-o, possivelmente, o que não seria necessário, — sob a custódia de forte guarda. O monarca dirige-se então às pressas ao seu palácio. Fôra redigir e assinar um nôvo decreto. Sim, um nôvo édito, agora não mais para condenar um santo e inocente, mas sim a um grupo de indesejáveis ímpios culpados. A candente ira do soberano atingiu até às famílias daqueles criminosos. Nos têrmos de seu decreto, todos, conjuntamente com mulheres e filhos, deviam ser lançados imediatamente na cova dos leões. Esta terrível sentença foi cumprida por certo com grandes clamores dos sentenciados. Porém, “não tinham chegado ao fundo da cova quando os leões se apoderaram dêles e lhes esmigalharam todos os ossos”. Não é possível precisar o número de príncipes sentenciados com seus familiares. Não se pode dizer que o número alcançou a 120, como o número das províncias e mais os dois antes companheiros de Daniel no ministério das finanças. Embora a Bíblia e a História em nenhuma parte refira-se ao número de sentenciados, cremos terem sido algumas dezenas, além dos seus familiares. O rei ordenou a eliminação de seus familiares ao mesmo tempo com êles, não só para evitar possível represália como também livrar o reino duma casta tão indesejável como aquela. Herôdoto (III 19) e Ammianus Marcelinus (XXIII. 6,81) testificam que a morte dos familiares com os condenados estava de acordo ao costume persa. Com êste tremendo ato do rei encerrou-se em definitivo aquêle complô, sendo proclamada a grandiosa vitória de Daniel e a inexorável derrota total dos príncipes medo-persas. Mais uma vez foram verdadeiras as palavras de Davi e Salomão: “O justo é libertado da angústia e o ímpio fica em seu lugar”. “Cavaram uma cova diante de mim, mas foram êles que nela caíram”.1 UM VELHO RIFÃO EM EVIDÊNCIA Cumpriu-se mais uma vez, naquela horrível refrega, o velho sempre nôvo rifão: “Quem com ferro fere, com ferro será ferido”. A condenação na cova dos leões, vilmente preparada contra Daniel, atingiu em cheio a seus próprios e injustos perseguidores. A fôrca preparada para Mardoqueu pelo famigerado Haman, um outro mau

1

Provérbios 11:8; Salmos 57:6; 9:15.

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príncipe medo-persa, serviu também para o seu próprio enforcamento.1 Nos dois casos Deus agiu com rapidez, para vindicar o Seu nome e limpar o caminho dos mensageiros da justiça — do estorvo de seus audazes oponentes. Os livramentos de Daniel em Babilônia e o de Mardoqueu em Susã, bem como o total aniquilamento de seus opositores, revelam a aversão do Céu aos perseguidores daqueles que Deus chamou e os incumbiu de levarem avante e a têrmo — anunciando-o — o seu plano de redenção dos homens. Todos quantos tentaram imitar aquêles cruéis cortezões da antigüidade, receberão a mesma merecida paga. Deus está vigiando sua gloriosa obra na terra, bem como a seus escolhidos mensageiros, e não passarão despercebidos a seus olhos nem impunes aqueles que ousarem pôr tropêço à sua marcha vitoriosa. O juízo os liquidará para sempre. UM DECRETO MUNDIAL EM HONRA DE DEUS VERSOS 25-27: — “Então o rei Dario escreveu a todos os povos, nações e gentes de diferentes línguas, que moram em tôda a terra: A paz vos seja multiplicada. Da minha parte é feito um decreto, pelo qual em todo o domínio do meu reino os homens tremam e temam perante o Deus de Daniel; porque êle é o Deus vivo e para sempre permanente, e o Seu reino não se pode destruir; e o Seu domínio é até ao fim. Êle livra e salva, e opera sinais e maravilhas no Céu e na Terra; Êle livrou Daniel do poder dos leões”. UMA JUSTA HOMENAGEM O rei Dario, o Medo, estava satisfeito. Tinha a seu lado novamente a Daniel, o seu insubstituível primeiro ministro. Todos os inimigos da prosperidade do reino haviam pago com a pena capital as suas injustiças. A paz e a tranquilidade voltaram ao trono real. Uma só coisa faltava e desejava o monarca realizar com tôda a reverência, com tôda a honra e com a maior solenidade: Prestar ao Todo-poderoso Deus de Daniel uma justa e verdadeira homenagem, em respeito ao Seu inigualável poder e por lhe ter devolvido o seu maior homem e ministro de Estado através de uma tão impressionante intervenção. Em seu gabinete de despachos, ainda sob a forte impressão dos acontecimentos ligados à traição e à inédita vitória de Daniel, redige o 1

Ester 7:10.

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mais famoso decreto de seu tão efêmero mandato real: Um tributo de reconhecimento e gratidão ao Criador e Supremo Deus. O potentado Medo não desejou que sua homenagem ao Deus Onipotente atingisse apenas a capital do Império — Babilônia, onde aqueles sucessos haviam tomado lugar. O mundo todo, todo o reino, cada cidade e lugarejo das 120 províncias que compunham aquela realeza, desde a Índia à Etiópia, deviam tomar conhecimento do grande milagre da proteção e libertação de Daniel na cova dos leões pelo poderoso anjo enviado de Deus. Eis o decreto do rei: Paz vos seja multiplicada. De minha parte é feito um decreto, Pelo qual em todo o domínio do meu reino Os homens temam e tremam perante o Deus de Daniel Porque Êle é o Deus vivo e para sempre permanente, E o Seu reino não se pode destruir; O Seu domínio é até ao fim. Êle livra e salva, E opera sinais e maravilhas no Céu e na Terra; Êle livrou a Daniel do poder dos leões. Posto que legítimo pagão, expedira o rei Dario um inigualável decreto em exaltação de Deus. Era, porém, fruto da poderosa evidência que lhe dera de Sua supremacia o Deus de Israel. Êle quis fazer notório a todo o reino aquêle invencível poder que o impressionara sumamente. Pelos têrmos de seu decreto, é provável que êle posteriormente aceitara o Deus de Daniel como seu Deus, e não será maravilha encontrar-se-no futuro reino de Deus, ao lado de seu então honrado ministro de Estado — Daniel. Antes de Dario, Nabucodonosor, rei de Babilônia, legislou dois decretos em honra de Deus, igualmente fundado em irrecusáveis evidências que lhe dera o Rei do Céu do Seu incomparável poder, — e entregou-se afinal a Deus para servi-1’O e ser salvo.1 Seguramente Nabucodonosor estará no glorioso futuro reino e provavelmente o rei Dario, o Medo, também lá se encontrará. O rei começa seu decreto almejando “paz... multiplicada” a seus súditos de tôda a terra. Esta sua atitude revela uma rápida mudança em seu caráter e vida, depois daqueles terríveis acontecimentos que o envolveram. A mesma “paz multiplicada” desejou o rei 1

Daniel 3:29; 4:1-37.

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Nabucodonosor ao mundo ao se converter a Deus.1 Daí vermos na introdução do decreto de Dario os indícios de sua conversão ao Deus único e Criador. A paz de Dario e de Nabucodonosor, era uma paz rara! Em geral os governantes do mundo não cuidam devidamente de seus súditos; os deixam entregues aos usurpadores e ladrões. Aqui, porém, tratamos de dois homens, reis do mundo, que se entregaram a Deus, e êste grande fato redundou em bem de seus súditos de tôda a terra. A seguir, o rei Dario, em seu nôvo sêlo religioso, concita aos súditos de seu reino para que “temam e tremam perante o Deus de Daniel”, e apresenta-lhes firmes razões porque deviam fazer isto: “Porque Êle é o Deus vivo”, diz o rei. Aí está o caráter do verdadeiro e único Deus, contrastando com os deuses inertes de mera imaginação e feitio humanos. Os deuses sem conta adorados naquele tempo, são reduzidos a nada pelo decreto de Dario, pois “Deus vivo” só é o Deus de seu servo Daniel, afirmou êle. Êle é “para sempre permanente”, continua o soberano. Quando naquele tempo um povo conquistava outro povo, dizia-se que a batalha era dos deuses, e que os deuses dos vitoriosos conquistaram os deuses dos vencidos. O rei Dario, porém, proclama ao mundo um Deus Todo-poderoso, inigualável, inconquistável, “para sempre permanente”, cujo reino, assinala o decreto, “não se pode destruir” jamais, pois seu domínio alcança de uma à outra eternidade. O Deus de Daniel, o “Deus vivo”, é o Deus que “livra e salva” “e opera sinais e maravilhas no Céu e na Terra”. E, o que por fim encerrou o famoso decreto com chave de ouro, foi esta declaração: “Êle livrou a Daniel do poder dos leões”. Nunca antes se vira ou soubera que daquela “cova de leões” saíra algum condenado com vida. Nenhum outro deus livrara um adorador seu antes ali lançado. O primeiro caso aí estava estupendo, fantástico, grandioso, quase incrível, abismante! O édito de Dario é convincente e supremamente apelativo. Seus súditos podiam crer no poderoso Deus de Daniel, pois assim adorariam o Verdadeiro e Soberano Senhor dos Céus e da Terra. DANIEL SEMPRE PROSPEROU VERSO 28: — “Êste Daniel, pois, prosperou no reinado de Dario, e no reinado de Ciro, o persa”. O livramento de Daniel pelo poder de Deus e o decisivo decreto do rei Dario, arrazaram em definitivo tôda a ímpia oposição, presente 1

Daniel 4:1.

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e futura, contra êle no reino Medo-Persa e asseguraram a honra de seu Deus na côrte mundial. E, o último relato sagrado que dá conta da estada de Daniel na côrte Medo-Persa, assim reza: “Êste Daniel, pois, prosperou no reinado de Dario, e no reinado de Ciro, o persa”. O grave incidente no final de sua vida, resultou em sua prosperidade como estadista. Dario e Ciro, embora por pouco tempo, de Daniel, usufruiram, inestimáveis benefícios da sabedoria e experiência dêste servo de Deus como primeiro ministro por dezenas de anos na côrte de Babilônia. Extraordinária vida vivida a serviço de Deus e para abençoar o mundo antigo, tão carente de justiça e de homens verdadeiramente homens. O mundo hoje carece de homens de seu caráter e de sua têmpera. Carece de estadistas de seu timbre que prefiram antes de tudo a morte que o ludíbrio, que o engano. Carece de cristãos de sua fé, de sua moral, de seu testemunho. E, mesmo com a lanterna de Diogenes em punho e em pleno meio dia, dificilmente se encontrará homens, — na governança, na sociedade e na religião, — que se enquadrem no molde moral e espiritual de Daniel, — poderoso estadista e poderoso servo de Deus.

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SEGUNDA

PARTE

SEIS CAPÍTULOS DE PROFECIAS ALUSIVAS À HISTÓRIA DAS NAÇÕES — DE BABILÔNIA AOS NOSSOS DIAS

CAPÍTULO VII O DRAMA DAS OPRESSÕES POLÍTICAS E RELIGIOSAS

Introdução O capítulo sete do livro de Daniel constitue o calendário profético da civilização permeado da mais profunda significação histórica. A História é a tremenda e ininterrupta luta entre o bem e o mal; entre a luz e as trevas; entre a verdade e o êrro. É o contínuo conflito entre a vontade de Deus e a vontade do homem. Se o homem jamais se houvesse rebelado contra o govêrno de Deus, não teríamos tido o que chamamos a — História Política das Nações. Esta história é, por conseguinte, a história de um mundo que se rebelou contra Deus e a ordem divina. Como um enfermo que sofre de moléstia infecciosa, foi nosso planeta isolado do resto do universo para evitar o seu contágio fatal com os mundos santos não caídos. Esta é a triste história de nossa civilização em ousada rebelião e desafio contra o Criador e suas justas, santas e divinas leis. Esta é a tragédia das tragédias. Os homens jamais distinguirão, pela sabedoria humana, entre a vontade de Deus e os enganos de Satanás. O significado mais evidente dos acontecimentos da História vem aos homens unicamente através a revelação contida nas Sagradas Escrituras. Apartando-se êles da revelação de Deus, suas falsas esperanças forçosamente os extraviarão. Portanto, o conhecimento histórico está ligado — em um vivido sentido de dependência — à revelação, a revelação que fornece a chave do significado do passado, do presente e do futuro. Assim a História é a continua resposta do sentido da revelação. Daí ter a revelação por objetivo orientar o homem em face da História, auxiliá-lo a precaver-se tomando posição contra o mal, leválo a apegar-se ao bem e tirá-lo das trevas para a perfeita luz de Deus. O tema geral do capítulo sete do livro de Daniel trata, pois, duma extraordinária profecia perfeitamente comprovada por irrecusáveis evidências históricas. E o profeta fornece-nos o seu esboço — desde o

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Império de Babilônia até o estabelecimento do glorioso e eterno reino de Deus nesta terra purificada e transformada. Em 1607, Leonard Kern esculpiu, em cima de duas portas das três que compreendem a entrada da casa consistorial de Nuremberg, aliás, na da extrema direita e na da extrema esquerda, as cenas dos quatro animais do capítulo sete de Daniel que vamos considerar. Ali estão o leão, o urso, o leopardo e o monstro de dez chifres. Na frente de cada animal está a figura de cada um dos supremos representantes dos reinos que simbolizam, que são respectivamente — Nabucodonosor, Ciro, Alexandre e César. “Foi um espetáculo noturno histórico “A Exibição do Império”, no Estádio de Wembley, próximo de Londres, em 1925. Uns cem mil espectadores esperavam, como que em suspenso, à medida que da compacta escuridão ouviam os sons de homens em marcha, rufar de tambores, e os fracos acentos de uma música marcial. Algo surpreendente estava para acontecer. Ia-se aproximando cada vez mais; o que era, porém, ninguém podia ver. Havia trevas, um senso de mistério e ansiosa expectativa. “De repente, tôdas as lâmpadas se acenderam; e que quadro sensacional se deparou aos olhos estarrecidos de todos! Batalhões após batalhões de soldados em marcha, trajando os vários uniformes usados pelos exércitos da história, desde os primitivos tempos, até nossos dias. Ali, numa pompa multicor, elmos cintilantes, espadas e lanças, incitados pela música marcial de bandas reforçadas, achavamse, ordenadas para a batalha, as legiões dos séculos”.1 Seria mais importante que os homens cressem nesta inspirada revelação e se curvassem em reverência e adoração ao supremo Revelador, de que simplesmente representaram-na sem O reconhecerem com devoção e submissão incondicionais e decisivas. O presente capítulo está dividido em duas sessões distintas — a política e a eclesiástica. A sessão política compreende um impressionante panorama dos grandes Impérios da História, tais como Deus os viu e os prefigurou em terríveis feras simbólicas duma política de agressão e de impiedoso jugo imposto por êles sôbre inúmeros povos conquistados. Não admira, pois, que da antiga civilização subjugada, escravizada e explorada por aqueles tirânicos poderes, só restem destroços, ruínas informes, relatórios que revelam o orgulho e a soberba de seus potentados, as suas destruições, os seus 1

A Marcha da Civilização, A. S. Maxwell, pág. 75.

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latrocínios, as suas chacinas sem conta e os seus inomináveis crimes. Os símbolos metálicos do capítulo dois e os símbolos animais do capítulo sete, que tratam da mesma profecia dos quatro Impérios, decrescem seriamente em importância e valor, evidência de que, à medida que o curso da História tem continuado, a civilização tem perdido consecutivamente a sua importância na apreciação do céu, comprovação essa de que ela se apressa ao seu inevitável ocaso. O altivo homem vê a atual civilização em progresso, em face de suas gigantescas e nunca dantes igualadas realizações científicas e culturais materialistas. Deus, porém, a vê em franco retrocesso — moral, social, espiritual e governamental — mais e mais acentuado. Aquilo que o materializado homem denomina de civilização, fundado em desenvolvimento puramente material, tem-se demonstrado decadência, debalde, caos, afastamento absoluto do Creador, de Sua justiça e de Suas leis. (Veja-se no segundo capítulo: Uma Civilização de Ferro e Barro). Na sessão eclesiástica e em seu primeiro plano alusivo ao nominal cristianismo dos séculos post-apostólicos até ao presente, deparam-se-nos indiscutivelmente colapso, aberta apostasia e ridícula insolência, — em que o vil mortal, em sua irreverência e sacrilégio, usa os próprios sacratíssimos títulos da divindade celestial e até ousa, pretensamente, substituir a Deus na terra e ser adorado em Seu lugar, bem como pôr em segundo plano a Sua lei e o Evangelho de Seu Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, trocando-os pela tradição dos apóstatas. No segundo plano da sessão eclesiástica, divisamos a abertura do augusto tribunal do universo e o assento solene do juízo que decidirá da sentença justa sôbre os bilhões de bilhões de indivíduos — mortos e vivos — que por êste mundo passaram e atuaram. A majestade do supremo Juiz e de Seu trôno de fogo e a presença de milhões de milhões de angélicas testemunhas, prontas para depôr, — emprestam ao ato solenidade e circunstâncias tão tremendas, que não é possível ao mortal descrever em termos de linguagem humana, mesmo em se tratando duma visão da realidade. Contudo, a hodierna civilização vive nesta hora solene, perigosa e decisiva de sua história, — o momento de seu julgamento e de sua inexorável sentença eterna, — de modo ousado, desrespeitoso e desafiante a Deus, à Sua justiça e às Suas divinas, imutáveis e santas leis. Findando, esta introdução, dizemos que, a magnitude e 315

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importância da profecia inspirada dêste sétimo capítulo, é decisiva a quem a lêr e estudar. O homem que a Deus reconhece como Senhor e Juiz, não terá dúvidas, findo o exame desta revelação, em decidir-se a ser, imediata e irrevogàvelmente, um servo leal e um honrado representante do Altíssimo, em cujo tribunal sua vida terá de ser passada em revista e suas contas com o céu ajustadas. A DATA E LOCAL DA PRIMEIRA VISÃO DE DANIEL VERSO 1: — “No primeiro ano de Belshazzar, rei de Babilônia, teve Daniel, na sua cama, um sonho e visões da sua cabeça: escreveu logo o sonho, e relatou a suma das coisas”. O PRIMEIRO ANO DE BELSHAZZAR No capítulo oito de seu livro relata Daniel a sua segunda visão que êle mesmo data do terceiro ano do rei Belshazzar. Nesta visão o Império de Babilônia fôra de todo excluído da Revelação, ao passo que na primeira visão relatada no sétimo capítulo datada do primeiro ano de Belshazzar, Babilônia ainda figura como poder mundial embora apenas cêrca de três anos antes de sua queda. Ora, sabemos que a Inspiração só trata de poderes terrenais vigentes e estáveis ou quando êles têm chance de avançar para o futuro pelo menos ainda por algum tempo, ainda que pouco. Do contrário, nenhuma razão haverá para serem alvos de profecias que revelem suas atuações futuras se êles do futuro estarão excluídos. Compreendemos, portanto, que, o ano da segunda visão de Daniel, o terceiro de Belshazzar, fôra, sem dúvida alguma, o último ano do Império de Babilônia, aliás, o ano de sua queda para sempre, 539 a.C. — em que não haveria mais um futuro ano para êle — razão porque não figura na segunda visão do profeta que começa com a Medo-Pérsia. E, uma vez que o Império Caldeu encontrou o seu trágico fim em 539 a.C., vencido pelos medas e persas sob Ciro, evidentemente o primeiro ano de Belshazzar e consequentemente a data da primeira visão de Daniel, segundo o capitulo sete, foi infalívelmente o ano 541 a.C. Com isto compreendemos que Belshazzar esteve na co-regência do reino caldeu, conjuntamente com seu pai Nabonidos, apenas três anos, sendo seu efêmero reinado marcado pela libertinagem que lhe era própria e pelo juízo de Deus que o varreu para sempre do mundo.

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UMA VISÃO NUM SONHO NOTURNO O profeta fez questão de frizar que o local em que pessoalmente se encontrava ao receber a sua primeira visão foi a sua própria cama, comprovando com isso tê-la recebido à noite em tranqüilo sono. No oitavo capítulo, porém, constatamos a segunda visão do profeta que entendemos, em face de tôda a segunda visão do profeta que entendems, em face de tôda a explanação de Gabriel que continua nos capítulos seguintes, tratar-se de uma visão aberta, isto é, em arrebatamento de sentidos ou em um perfeito extase. E, sua terceira visão, relatada no capítulo dez, foi também outro extase perfeito. Assim teve Daniel visões através de dois sistemas distintos: em sonho e em extase. Êstes dois sistemas foram, na maioria dos casos, os preferidos por Deus em suas comunicações com grande número de Seus antigos profetas. Por êstes dois métodos a mente do profeta era posta sob o domínio e controle absolutos do agente da revelação, o Espírito Santo,1 não havendo a possibilidade do mínimo desvio da atenção do profeta, sendo por isso impossível a corrupção pelo instrumento humano.2 Na “visão da noite” ou visão em sonho, ainda que o contrôle do Espírito Santo fôsse uma realidade indiscutível, o processo do preparo do profeta para a recepção da visão era natural, aliás, o próprio sono. Porém, na visão por arrebatamento de sentido ou extase, urgia que o Espírito Santo o preparasse de modo especial pondo-o em condições de ver e ouvir o sobrenatural de que devia ser inteirado. Evidências disto temos no Nôvo Testamento nos ministérios de três apóstolos — S. Pedro, S. Paulo e S. João, e no Velho Testamento no do profeta Balaão, cujos textos indicamos aqui.3 Em tais ocasiões, do extase, aliás, o profeta não só permanecia durante tôda a visão alheia a tudo e a todos em quaisquer que fossem as circunstâncias, como manifestava absoluta ausência de respiração. Contudo, o seu organismo físico permanecia em perfeita normalidade, incluso o pulso, o coração, a corrente sangüínea, a coloração da pele e a própria fisionomia. É, porém, notável, que, embora alheio inteiramente a todo o ambiente e circunstâncias durante a recepção do sobrenatural, o profeta tomava 1

I Samuel 10:10; Zacarias 7:12; Miquéias 3:8. Hebreus 1:1; Números 12:6. 3 Atos 10:10-17; 22:17; II Coríntios 12:1-4; Apocalipse 1:10; Números 24:15-16. 2

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parte ativa na visão enquanto contemplava com o olhar fixo, sem pestanejar, as cenas da revelação. Às vêzes fazia graciosos gestos, falava ou descrevia pontos do que via — fossem objetos, edifícios, cidades, planetas, personagens, animais ou panoramas. Foi assim que a vontade de Deus foi-nos transmitida através de Seus santos servos, os profetas, tal como a temos nas Sagradas Escrituras, sendo essa comunicação de Deus com o profeta comumente denominada — “Testemunho de Jesus” ou “Espírito de Profecia”.1 Denomina-se “Testemunho de Jesus” porque Jesus é o Mediador entre Deus e o homem, e é por Seu Espírito que Êle anuncia ao profeta a revelação.2 Para Daniel, demonstrou a importância da visão e seu evidente zêlo por ela relatando-a imediatamente ao despertar do seu memorável sonho inspirado. Sua responsabilidade para com o grande Revelador e a posteridade a quem a revelação que recebera se destinava, foi assim cumprida incontinente, e nós nos devemos alegrar e sentir-nos felizes por sua fidelidade em nos transmitir, da parte de Deus, tão preciosa profecia repleta dos mais sensacionais lances de História Universal — secular e eclesiástica. TEMPESTADE NO MAR GRANDE VERSO 2: — “Falou Daniel, e disse: Eu estava olhando, na minha visão da noite, e eis que os quatro ventos do céu combatiam no mar grande”. O MAR GRANDE NO MUNDO ANTIGO O Mar Grande, nos dias desta visão, vamos dizer de inicio, era o mesmo mar também conhecido pelo nome do Mediterrâneo. Em tôrno desse mar viveu o mundo dos dias de Daniel e depois dêle, e por suas encapeladas ondas navegavam e comerciavam os povos que dominavam suas margens. Nêle poderosas esquadras mediram outrora suas forças e ambições, vibrando grandes e decisivas batalhas em busca do predomínio de suas águas. Roma, Bizâncio, Atenas, Cartágo, Egito, Creta e Fenícia, principalmente, lutaram tenazmente por êsse predomínio, vencendo por fim Roma — graças à sua melhor estratégia náutica que lhe deu e assegurou em definitivo e por séculos o poderio bélico-naval no grande mar. 1 2

Apocalipse 12:17; 19:10. I S. Pedro 1:10-11.

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Nenhum outro teatro natural do mundo antigo asseguraria com tanta precisão um símbolo profético tão expressivo e completo das grandes lutas pelo domínio do orbe de então, do que o Mar Grande ou Mediterrâneo. Naquele tempo, como hoje, êle se localizava no centro habitado do Oriente e do Ocidente, do Norte e do Sul. De tudo isso vemos a grandeza da divina sabedoria na escolha daquele mar como emblema das grandes mutações políticas dos povos que trariam como resultado os poderosos impérios da História. A BATALHA DOS QUATRO VENTOS NO MAR GRANDE Nas profecias inspiradas águas representam povos, nações, multidões.1 Em se tratando de um rio, designa êle a potência dominante de sua região à qual êle banha. Na antiguidade o rio Nilo como o Eufrates, eram respectivamente emblemas do Egito e da Assíria.2 Se a inspiração houvesse por bem representar nas profecias inspiradas o Brasil, os Estados Unidos, a Alemanha, a Inglaterra, a França ou a Palestina, no simbolismo das águas, certamente empregaria os correspondentes e mais famosos rios dêstes países: o Amazonas, o Mississipe, o Reno, o Tâmisa, o Laize e o Jordão. Porém, quando a revelação trata dum grande poder de influência total no mundo — seja política ou eclesiástica — nêste caso usa o mar como emblema.3 No Apocalipse, capítulo dezessete versículo 19, já citado, temos um frizante exemplo, aliás, o da Igreja Católica “assentada sôbre muitas águas”, simbólicas do mundo onde ela desempenha as suas atividades. Entre os sinais precursores de Seu segundo advento, alude Jesus: “... e na terra angústia das nações, em perplexidade pelo bramido do mar e das ondas”.4 Fantástica evidência do Salvador: Os povos e nações do glôbo no símbolo do mar e suas ondas! Os próprios grandes impérios da terra que nêste capítulo estamos considerando, encontram no mar a sua figura profética. Assim, assentamos, as águas do Mar Grande, nesta profecia, eram simbólicas dos poderes que sucessivamente dominaram o mundo de outrora — dos Impérios que no orbe de então exerceram poder de conquista, domínio e opressão por certo tempo. 1

Apocalipse 17:15. Jeremias 46:8; Isaías 8:7. 3 Isaías 17:12. 4 S. Lucas 21:25. 2

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Ventos, como no caso profético em foco, aludem, em linguagem figurada, a comoções, lutas e guerras internacionais pela conquista aa hegemonia política sôbre as nações do mundo.1 E na verdade fôra esta a dramática história dos povos que na distante antigüidade habitavam em torno do Mediterrâneo e nêle dominavam. Tal era a agitação, a efervescência, os conflitos entre aqueles antigos povos, que a profecia declara que os quatro ventos do céu combatiam. Um verdadeiro furacão político total pejado de ódio, de racismo, de vingança, de sangue e de sede do domínio absoluto. Viveram âqueles povos num caos contínuo sem solução humana, mas que Deus solucionou liquidando-os para todo o sempre, para exemplo das nações que no futuro tentassem imitar a loucura da conquista armada e dominação sôbre os povos que devem permanecer livres e independentes de qualquer jugo estrangeiro. Mas, desgraçadamente, o exemplo dado por Deus tem sido regeitado pelas nações modernas mais poderosas em tôda a era cristã, mormente no século em que vivemos. Saibam os poderosos da atualidade que também estão inclusos na profecia que apreciamos, e que sôbre êles certamente pesa o desagrado de Deus pelo orgulho, pela jatância e pela loucura da busca, pelas armas, da preponderância no mundo. Entretanto, as profecias divinas já determinaram o terrível destino dos ambiciosos poderes desta geração tão bem como as das gerações passadas, que, sucumbiram sob o juízo do Rei do universo cuja honra ofenderam e cujo domínio neste planeta desprezaram e usurparam. GRANDES ANIMAIS SOBEM DO MAR VERSO 3: — “E quatro animais grandes, diferentes uns dos outros, subiam do mar”. UMA CENA DEVERAS GRANDIOSA Uma empolgante e ao mesmo tempo aterradora cena contempla Daniel em sua visão do Mediterrâneo. Pensemos em os quatro ventos soprando simultaneamente sôbre um só lugar qual furacão jamais visto ou sentido! Se nos fôra dado contemplar no mar a cena de sua visão como cena natural, ficaríamos não só maravilhados como também assombrados. A tremenda história das nações e povos em luta titânica pelo supremo poder político no mundo, desde Babilônia às 1

Jeremias 25:32; 49:36-37.

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nações modernas, segundo é o conteúdo da grande visão de Daniel, dá-nos uma idéia do gigantesco espetáculo daquele mar enfurecido aos olhos videntes do profeta. PODERES TERRIVELMENTE SIMBOLIZADOS Da imensa e enfurecida massa líquida saem quatro grandes, terríveis e ferozes animais “diferentes uns dos outros”, em atitude de agressão, destruição e supremacia. Segundo a explanação do anjo Gabriel nos versículos 17 e 23, os quatro animais eram imagens de quatro poderosos reinos “mundiais que se levantariam do enfurecido mar de povos dos antigos tempos. A natureza e a aparência de cada fera era uma estampa vivida do caráter dos quatro reinos, medido pelo caráter politico de seus próprios soberanos. Animais, como símbolos de podêres nesta profecia, não constituem admiração, pois tais figuras já haviam sido empregadas antes pela inspiração. O Egito foi considerado um “dragão” na pessoa de Faraó.1 A Assíria foi figurada num “leão”.2 No estandarte de cada uma das quatro tribos líderes de Israel havia um animal simbólico — leão, bezerro, homem e águia.3 Outros símbolos há referidos na Bíblia correspondentes a povos remotos. O livro do Apocalipse está repleto de emblemas — animais e outros — alusivos a poderes políticos e eclesiásticos vigentes na era cristã. As próprias nações modernas usam animais como imagens de seu poder: A Inglaterra usa um leão, a Rússia um urso, os Estados Unidos e Alemanha uma águia, a França um galo, a China um dragão, e outras nações têm insígnias várias indicativas de supremacia. Assim, não é de maravilhar os símbolos da profecia de Daniel que apreciamos. BABILÔNIA — O PRIMEIRO IMPÉRIO MUNDIAL VERSO 4: — “O primeiro era como leão, e tinha azas de águia: eu olhei até que lhe foram arrancadas as azas, e foi levantado da terra, e posto em pé como um homem; e foi-lhe dado um coração de homem”.

1

Ezequiel 29:3. Jeremias 50:17. 3 Apocalipse 5:5; Números 2:1-30; Apocalipse 4:7; Ezequiel 31:10. 2

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UM PODEROSO LEÃO-ALADO Antes de tudo leia-se a exposição: A Origem do Império Babilônio, relativa aos versos 37 e 38 do capítulo dois deste livro de Daniel que consideramos. Do quarto animal dêste sétimo capítulo e do quarto metal da estátua referida no capítulo dois, é claramente dito representarem “o quarto reino da terra”. Portanto, o primeiro animal — um leão — e o primeiro metal daquela estátua — a cabeça de ouro — como o profeta assevera, designam ao primeiro reino da terra — o reino de Babilônia.1 Na cabeça de ouro é Babilônia figurada como o reino mundial mais famoso, o mais perfeito dos reinos dos homens, o mais bem organizado, o mais opulento de todos. No leão é êle designado pela inspiração como o mais forte, o mais poderoso, o que exerceu uma supremacia territorialmente maior sôbre as nações. No capítulo dois é enfatizado que o domínio do reí Nabucodonosor se estendia até “onde quer que habitem filhos dos homens, animais do campo, e aves do céu”, isto é, sobre a vastidão do mundo habitado. O leão é o rei, o monarca absoluto em seu reino. É o mais poderoso dos carnívoros; de porte altivo e olhar majestoso, sua espêssa juba dá-lhe o aspecto de rei, de imperador, de soberano. Possui grande fôrça e extraordinária agilidade. Com uma patada quebra a espinha dorsal de um cavalo, sendo capaz de saltar até quatro metros de altura, embora chegue a pesar até duzentos quilos. É abundante nos climas quentes, mormente na África onde se encontra as espécies maiores e mais temíveis. Em sua boca parece estar o segredo do seu poder e a magia de causar terror aos demais animais de seu reino. Seu aterrador rugido, ouvido a quilômetros de distância, põe em fuga a todos os quadrúpedes em debandada errante e desabalada. Astuto como só êle sabe ser, põe-se à espreita de suas vítimas que dificilmente conseguem escapar de suas garras. Sem suspeitá-lo em sua emboscada, são em geral incapazes de se porem em segurança. O leão só sai de seu retiro às primeiras horas da noite e volta à saída do sol; a êste tempo busca as suas prêsas. É, porém, muito prudente. Gosta especialmente dos grandes ruminantes e os surpreende de emboscada na proximidade das águas. Mata suas vítimas desarticulando-lhes as vértebras cervicais com a pancada de sua larga pata de garras curvas, despedaçando-lhes o pescoço com seus enormes 1

Daniel 2:37-38.

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dentes. Faz estragos terríveis nos rebanhos, causando temor por tôda a parte. Nenhum outro animal se atreve a enfrentar voluntariamente um leão. De igual modo, nenhum povo fêz frente com êxito a Nabucodonosor e com êxito nenhum vassalo seu ergueu o pé contra êle. O grande rei era o temível leão personificado de cujas garras nenhuma nação escapava. As próprias Sagradas Escrituras denominam de “leão” a êste poderoso rei, único no Império Caldeu mundial que soube ser um monarca na altura devida. Os demais ficaram muito aquém dêle.1 O leão desta profecia é um leão-alado com “azas de águia”. Extraordinária conexão de símbolos na exaltação dum único poder da terra sob um único potentado! As “azas de águia” dão a esta ave grande autonomia de vôo, grande raio de ação na conquista ao espaço em busca remota dê suas vítimas. Assim foi Babilônia sob o rei Nabucodonosor. Êle acumulou em figura o poder, a fôrça e a majestade do leão no reino dos brutos, acrescidos da rapidez, da rapina e da implacabilidade da águia no reino das aves. Senhor do poder do leão e da águia figurados, caía o rei caldeu inexorável sôbre suas prêsas internacionais. A revelação associa as conquistas dos exércitos dêste rei ao poder da águia nestas palavras: “Porque eis que suscito os caldeus, nação amarga e apressada, que marcha sôbre a largura da terra, para possuir moradas não suas. Horrível e terrível é; dela mesma sairá o seu juízo e a sua grandeza. Os seus cavalos são mais ligeiros que os leopardos, e mais perspicazes do que os lobos à tarde; os seus cavaleiros espalham-se por tôda a parte; sim, os seus cavaleiros virão de longe, voarão como águias que se apressam à comida”.2 Nos emblemas do quadrúpede rei da terra e da rainha das aves dos ares — era o famoso monarca absoluto, temido em todo o orbe habitado. O LEÃO-ALADO NA ARTE E NA MITOLOGIA DE BABILÔNIA O emblema do leão-alado nesta profecia de Babilônia, foi um amplexo da arte e da mitologia caldaicas arranjado pela Inspiração. A figura de leão ligada à arte encheu todo o curso da história da Mesopotâmia, na antigüidade, não meramente no Império NeoBabilônico da dinastia caldaica, mas desde os primitivos tempos de 1 2

Jeremias 50:17, 55; Joel 1:6, Jeremias 4:7. Habacuque 1:6-8.

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Babilônia e o seguinte período do domínio assírio até à magnificente arte da rejuvencida Babilônia de Nabucodonosor e seus sucessores. As cabeças de quatro leões foram encontradas defronte ao frontispício de um primitivo templo. Um leão guardava a entrada do santuário do Gatumdug, ao tempo de Gude, e no monólito do Gudea um leão assentava-se ao lado do trono. Em Assur, na Assíria, que tomou a cultura de Babilônia, um leão de gêsso, deitado, foi descoberto em fundamentos de pedra. Nos tempos assírios leões guardando uma entrada eram sempre representados como parados ou a passos largos em direção ao inimigo, e os “portentos leões-alados” simbólicos não eram igualmente incomuns. Layard descobriu um par de leões de pedra guardando a entrada do templo de Bêlit-mâti em Calah. Um leão de bronze foi achado firmemente implantado no solo na entrada do palácio em Khor-sabad. Dentro do palácio de Nabucodonosor na principal fortaleza em Babilônia, numerosos fragmentos de leões em basalto foram descobertos. Também leões em tijolos vítrios eram representados andando para a direita e para a esquerda na entrada do templo de Jirgal em Khorsabad. Freqüentemente era o leão representado nos vítrios e coloridos tijolos que adornavam as paredes dos templos e palácios. Nabucodonosor estampou a figura de leão nos tijolos de seus edifícios. Selos cilíndricos mostravam o combate de Marduque com leões-alados com faces de águia. Até mesmo em desenhos externos de mesas de jôgo era vista a figura de leão. Finalmente uns sessenta leões apareciam, andando, sobre ambos os lados dos muros do “Caminho Processional” que conduzia à famosa Porta Istar na Babilônia de Nabucodonosor. Não somente eram os leões símbolos de Marduque e Istar, mas também as combinações leão-águia eram comuns nas representações de Bel e o Dragão. As águias sumerianas com uma e às vêzes com duas cabeças de leão eram substituídas por leões-babilônios-alados com azas de águia e pés com garras trazeiras. Às vêzes o leão tinha uma cabeça ou cauda de águia, e às vêzes faltavam as garras. Leões-alados eram representados em conexão com Ehlil e seu filho Minurta, e é bem conhecido que Marduque, na mitologia babilônia, sucedeu ambas estas divindades. Marduque é representado conduzindo um carro tirado por um leãodragão-alado, ou cavalgando um leão-alado que vomitava chamas, ou em combate com esfinge e um leão-alado. A combinação de leão e águia era muito comum. Muitas vêzes um leão com azas de águia e às vêzes com garras ou bico; um singular compôsto era a águia com 324

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cabeça de leão. O leão-alado é uma das formas da bêsta muitas vêzes pintada em combate com Marduque, o deus patrono da cidade de Babilônia. Assim pode ser visto o que o leão com azas de águia representava à mente contemporânea nos dias de Nabucodonosor. De uma tal figura — artística e mitológica — bastante familiar, lançou mão a Providência para apontar profética e simbolicamente o poderoso reino caldeu na pessoa de seu grande rei — Nabucodonosor, cuja similitude não podia ser mais apropriada e mais fàcilmente compreendida naqueles dias e em todos os tempos, mormente agora quando a arqueologia traz à tona o símbolo de leão como fundamental no caráter do Império Babilônio. Foi assim que o rei Nabucodonosor, reunindo em sua pessoa a supremacia do poder político na magia da arte e da mística, mitológica, simbólicas do leão-alado da crença de seus contemporâneos e compatriotas, saiu de seu pequeno reino caldeu herdado para conquistar o mundo e tornar-se senhor absoluto das nações. AS CONQUISTAS DE BABILÔNIA SOB NABUCODONOSOR No ano 606 a.C. Nabucodonosor, ainda príncipe e general de seu pai Nabopolasar, avançou até à Judéia, levando de vencida o exército egípcio que pretendia reapossar-se dos territórios do rio Eufrates perdidos aos caldeus vitoriosos em ascenção. Nesta campanha a Judéia capitulou e foi convertida em satrapia de Babilônia. Volvendo nossos olhares ao primeiro capítulo e primeiro versículo apreciaremos melhor a campanha da Judéia e submissão do rei judeu e sua destruição por fim. Enquanto em campanha contra os egípcios e os judeus neste ano 606 a.C., tomara Nabucodonosor conhecimento da morte repentina de seu pai, e acorre às pressas à Babilônia a fim de cingir a coroa como único legítimo herdeiro do trono. O ano 605 a.C., porém, foi o primeiro ano oficial de seu reinado, tendo sucedido seu pai no ano anterior. A INÉDITA TRANSFORMAÇÃO DO LEÃO-ALADO Permanece o fato de que o leão desta profecia é, em primeiro lugar, emblema do Império de Babilônia. A transformação dêste Império num ser humano — na visão — segundo reza a profecia, não eqüivale a uma mudança sua de regime político e administrativo mais 325

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suaves em relação ao mundo submetido, do mesmo modo que um leão não poderá transformar-se de um ser irracional em um ser racional. A transformação de que fala o evangelho está afeta exclusivamente aos indivíduos humanos, e jamais a instituições suas que as representem. Cremos, porém, que uma potência política — no nosso caso um Império — é aquilo que são os seus mandatários, os seus soberanos. Portanto, a transformação indicada no simbólico primeiro animal, deveria ocorrer no caráter de algum soberano de Babilônia, ao tempo exato do apogeu dêste antigo poder, ocorrência essa que redundasse em bem moral e político do próprio império e consequentemente de seus súditos. E não há quem possa afirmar que uma tal transformação tenha ocorrido no caráter afeminado, fraco e perverso dos incompetentes sucessores do rei Nabucodonosor. Já vimos que êste poderoso rei caldeu era o reino personificado, o seu indiscutível fundador, quem o elevou ao pináculo internacional político e que depois ou antes dele jamais houve um potentado que tão sàbiamente governasse todo o mundo com tão evidente e tão inigualável sucesso como êle o fêz em sua soberania absoluta. Assim, deveria, em face disto, ter ocorrido em seu outrora simbólico caráter de arrogante e conquistador leão e da rapinante águia, uma admirável transformação moral e espiritual sobrenaturais jamais verificadas num homem de Estado e que somente o poder transformador da graça de Deus poderia ter operado. A história bíblica atesta ter ocorrido, em verdade, na vida de Nabucodonosor — como homem e estadista — uma memorável e radical transformação de caráter. Um múltiplo e estupendo fenômeno transformatório como êste — moral, social, espiritual, físico e governamental — só poderia ter ocorrido em seu caráter e vida mediante uma incondicional submissão de sua parte à miraculosa graça de Deus que advém ao pecador unicamente através de seu Filho, nosso Senhor Jesus Cristo. Em outras palavras, o rei Nabucodonosor deveria ter aceito ao Filho de Deus como seu único glorioso e Todosuficiente salvador pessoal e vivido, daí em diante — como cidadão e como soberano do mundo — a vida dum verdadeiro redimido da divina graça e do divino amor. Mas a conversão do rei Nabucodonosor não foi imediata nem aos primeiros contactos evidentes com a realidade da supremacia de Deus. Sua conversão resultou duma renhida batalha da graça com o seu coração natural contaminado mòrmente pelos pecados do orgulho e da altivez. A primeira prova que Deus lhe deu de sua supremacia total, como relatada no capítulo primeiro, foi a distinção de Daniel e seus 326

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companheiros no curso de estudos da universidade da corte de Babilônia devida exclusivamente à Sua divina sabedoria. A segunda grande prova da supremacia de Deus dada ao rei Nabucodonosor foi o testemunho pessoal constante de Daniel e seus três companheiros como altas patentes do reino e da côrte de Babilônia. A terceira grande prova dada a êsse rei foi a revelação de Deus contida no sonho dos Impérios mencionado no segundo capítulo, em que Seu representante, Daniel, foi enviado a êle para interpretá-lo. Nesta prova o rei reconheceu ao Deus do Céu como “Deus dos deuses, e o Senhor dos reis, e o revelador dos segredos”. A quarta grande prova, relatada no terceiro capítulo, fôra o fenomenal livramento dos três hebreus no forno de fogo ardente, em que o próprio Filho de Deus apareceu pessoal e visivelmente ante os estarrecidos olhos do grande rei, revelando a Sua gloriosa majestade — tanto quanto dela o rei de Babilônia podia suportar. A quinta prova, que foi de tôdas a maior, encontra-se no capítulo quatro do mesmo livro de Daniel, que é um relato original do punho do rei convertido. Esta prova foi dramática, dura, atingiu em cheio o monarca, mas foi decisiva — convenceu-o afinal da supremacia absoluta do Deus do céu, o Deus de Israel, e o converteu incondicional e irrevogavelmente. Após converter-se, fêz o rei Nabucodonosor questão de notificar a grande nova — sua definitiva entrega e consagração ao Rei do universo, seu Salvador — a todos os seus súditos, no inteiro reino. Por decreto real seu, todo o orbe foi informado de sua nova e gloriosa vida, agora vivida à luz do plano de Deus para com o pecador arrependido, convertido e salvo. E o mundo certamente respirou aliviado das opressões que sofrera dêste rei até ali ou antes dêsse grande e maior acontecimento no reino — a conversão de seu soberano a Deus. No capítulo quatro podemos apreciar o seu comovente e impressionante decreto tornando pública a sua feliz decisão — plena de verdadeira felicidade — de servir para sempre “o Rei dos reis e Senhor dos senhores”. UM HOMEM DE PÉ — SÔBRE DOIS PÉS Aqui está o que foi a conversão do rei Nabudonosor. Convertido, tornou-se êle um homem! Antes não era um homem. Sua vida anterior contaminada e corrompida pelo pecado, principalmente o orgulho, a sêde de supremacia, a devassidão e a libertinagem — tiraram-lhe a honra de ser um homem. 327

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Há entre os humanos masculinos falsas idéias relativas ao verdadeiro significado de ser um homem. Concebem que um homem é um homem simplesmente porque é do sexo do homem, porque se veste como um homem, porque suas atitudes, ações é gestos são de homem; ou o homem é um homem porque manifesta a coragem, a valentia, o arrojo, a audácia física com que se sobrepõe a outrem, ou com que se desforra injustamente do seu próximo menos potente que êle. O homem é um homem, pensam alguns, porque enfrenta perigos graves sem recompensa humana, passando por êles fisicamente incólume. Outros, descabidos aliás, pensam ainda que, ser um homem, significa ter na cintura um revólver carregado, praticar certos vícios sociais e ter uma elevada posição sôbre as massas. No entanto, um homem, no sentido nato e clássico do têrmo, é aquilo em que se transformou o rei Nabucodonosor pela graça de Deus. A nova versão portuguêsa da Bíblia Almeida — revista e atualizada no Brasil — reza que o rei Nabucodonosor foi “posto em dois pés como um homem”. Êste pensamento é deveras significativo. No sentido físico, não há firmeza de corpo quando alguém se ergue e pretende permanecer num só pé. Não há equilíbrio. Não há estabilidade. Não é possível andar. No sentido real da vida, da vida dum convertido a Deus — há estabilidade e firmeza de propósito sob dois distintos aspectos: No que concernem às relações com Deus e as relações com o próximo. Poderíamos dizer que, ao converter-se o rei Nabucodonosor, sua conversão foi estabilizada e comprovada por suas novas relações com o céu e com a terra, fundamentadas segundo a vontade de Deus. Um pé de sua nova vida firmou-se no reconhecimento dos direitos de Deus e o outro no reconhecimento dos direitos de seus semelhantes e de seus próprios súditos. E o capítulo quatro do livro de Daniel, que é o auto relato de sua conversão, evidencia altamente êstes dois básicos princípios da transformação dum ser humano num verdadeiro filho de Deus pelo poder de Sua graça. Vemos assim, que, um homem verdadeiramente um homem; um homem “posto em dois pés como um homem”, é em verdade um legítimo cristão, um testemunho vivo, eloquente e grandioso do poder transformador da graça de Deus. A conversão do rei Nabucodonosor no sentido exato e evidente da vida espiritual — quer como homem quer como estadista — é uma repreensão aberta e fulminante aos relapsos que, pretendendo ser cristãos ou homens-cristãos, vivem em completa desarmonia com Deus e com o próximo. Vivem em marcada 328

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oposição voluntária contra os fundamentos do são viver como filhos de Deus; vivem em recusa decisiva da lei do Decálogo do Criador e do evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo — que se resumem em amor a Deus e amor aos semelhantes. O rei Nabucodonosor, no entanto, dá o grande exemplo de são cristianismo e declara aos homens como se devem preparar para serem úteis nesta vida e por fim se tornarem cidadãos do futuro reino de Deus. Portanto, “um homem” completo, absolutamente “um homem”, é, como vimos, semelhante ao nôvo homem — o rei Nabucodonosor. Êle tornou-se um verdadeiro homem, “um homem” digno dêsse têrmo, “um homem” de vida santificada, “um homem” reverente, “um homem” transbordante do amor de Deus para com o seu próximo e os seus súditos reais. Tornou-se “um homem” de pé, em seus “dois pés”, pelo direito, pela justiça, pelas dignidades, pela honra de Deus. Não se concebe “um homem” quando caído, derribado, vencido, vulnerado pelo pecado. Mas o rei Nabucodonosor tornou-se “um homem” de pé na altura do que significa êsse másculo vocábulo. “Um homem” de pé, sôbre seus “dois pés”, é “um homem” que serve a Deus e ao próximo como a si mesmo em todos os sentidos da vida em ação. É um homem que ama a Deus acima de tudo e comprova êsse santo amor amando ao próximo como a si mesmo em todos os sentidos da vida em ação. É um homem que ama a Deus acima de tudo e comprova êsse santo amor amando ao próximo não menos do que a si mesmo. “Um homem” que pratica entusiàsticamente a regra de ouro: “Fazer aos semelhantes o que deseja que lhe façam”. Sim, o leão “foi levantado da terra, e posto em dois pés como um homem”. Eis um imensurável milagre da graça. Grande milagre operado em favor do rei Nabucodonosor e de milhares de outros seres humanos caídos como êle, mas re-erguidos ao pináculo da honra de serem transformados em “um homem” à semelhança de seu Criador e Salvador. UM HOMEM COM CORAÇÃO DE HOMEM — COM MENTE DE HOMEM A conversão da graça fêz do rei Nabucodonosor “um homem” com “coração de homem”. Sua conversão teve que ver diretamente com o seu coração. O coração é o centro não só da vida física como da vida moral e espiritual. É o centro de tôdas as emoções. É a cabine de contrôle do ser humano em todos os aspectos de suas relações com 329

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Deus e seu próximo. O rei Nabucodonosor, possuía — antes de sua experiência com a redentora graça, — um coração natural, — amante das perversidades da carne e do pecado. Mas, submeteu-se a Deus depois duma renhida batalha em que a carne lutava por prevalecer. Sua submissão, entretanto, facultou a Deus, o Grande Cirurgião divino, operá-lo, mudar-lhe o coração em outro. Empunhando o bisturi da divina graça, o Eterno Facultativo amputou-lhe o velho coração corrompido, estragado pelo orgulho, e deu-lhe um coração nôvo — “um coração de homem”, idêntico ao coração que no princípio o homem recebera de Deus pela criação. Um homem com um nôvo coração é um espetáculo! Seu caráter assemelha-se ao santo caráter de seu Criador. O coração do homem natural desespiritualizado, é semelhante a uma pedra, diz Deus em Sua palavra, as Sagradas Escrituras. Mas um homem com um nôvo coração é a maravilha das maravilhas, é o maior dos milagres. O nôvo coração torna-se um receptáculo do Espírito Santo, o representante de Deus, e, o felizardo em possuí-lo, terá a faculdade de viver vida pura e santifiçada e cumprirá com entusiasmo e regozijo todos os requerimentos de Deus — como evidência de que foi transformado num homem completo, num homem restaurado pela graça e santificado pela presença de Deus em sua vida.1 Mas, a menos que o homem se submeta à operação da redentora graça, a fim de receber um coração de homem ou um nôvo coração, êle continuará vivendo e operando como se fôra um irracional humano. E de tais indivíduos o século está cheio! De humanos com coração semelhante ao coração de leão, como no caso do rei Nabucodonosor antes de se converter, sim, o mundo está cheio. Um governador leão, um parlamentar leão, um patrão leão, um esposo leão, um professor leão e infindáveis outros leões humanos enchem o mundo numa desgraça para a família humana. Procedem como leões, como feras, se carneiam, se devoram nos parlamentos, nos tribunais, nas emprêsas, nos lares, em tôda a parte! Leões-alados com azas de rapinante águia que buscam odiosos a sua prêsa para devorá-la e liquidá-la! A já citada nova versão portuguêsa da Bíblia Almeida — revista e atualizada no Brasil — reza: “E lhe foi dada mente de homem”, em vez de “e foi-lhe dado um coração de homem”. O têxto traduzido por “coração” é do hebraico “lebab”, que em outros textos bíblicos é 1

Ezequiel 36:26-27; 11:19-20.

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traduzido por “mente” ou o seu equivalente.1 No que respeita à vida espiritual e emocional, há uma identidade maravilhosa entre o coração e a mente. Podemos dizer que a mente é o poder legislativo do ser humano enquanto o coração é o poder executivo. A mente funciona com incrível rapidez, enquanto o coração é, na maioria das vêzes, ponderado em suas decisões e sanções, embora algumas vêzes seja precipitado em decidir. Todavia o homem espiritual tem o seu coração ligado ao coração de Deus através de sua mente. A conversão tem muito que ver com a mente e não somente com o coração. Se a mente é pura, se idealiza o que é justo e santo, seus atos sancionados pelo coração serão igualmente justos e santos para a glória de Deus. Nada menos que isso sucedeu ao rei Nabucodonosor ao converter-se bem como a milhares de outros convertidos pela poderosa graça de Deus. Eis o mistério revelado da graça: A transformação do homem pela transformação e purificação de sua mente e conseqüentemente de seu coração. Com mente e coração purificados e santificados, o rei Nabucodonosor foi transformado num milagre impressionante, numa admiração sensacional ante seus estarrecidos compatriotas e contemporâneos e os homens de todos os séculos futuros. Sua conversão e transformação têm sido uma inspiração a muitos sinceros crentes que anseiam e procuram atingir a vida espiritual santificada que por fim êle atingiu. Não há quem não possa atingir as culminâncias dum estado espiritual ideal pela poderosa transformação da graça de Deus. Não há limites para o poder de Deus operar em bem do pecador que se coloca à mercê da influência do Seu Espírito. O transformador agente de Deus não leva em conta os pecados do passado, abundantes ou não. O importante é que traz segura a vitória ao pecador, é êle se colocar confiantemente nas mãos do supremo poder e consentir em Sua total ação sem procurar impedí-lo em nenhum sentido até ver-se liberto de todo o poder do mal. Ninguém será mais pecador do que o foi o rei Nabucodonosor em sua arrogância, seu orgulho, sua impostura, seus crimes e suas injustiças inomináveis como conquistador impiedoso. Homem de estravagantes vícios, licencioso, concupiscente, — um inveterado pecador. Mas a graça de Deus o atingiu em cheio, o dobrou, reduziu-o a nada e o convenceu de sua indiscutível necessidade de salvação. E 1

Jeremias 51:50.

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por fim êle entregou-se incondicionalmente a Deus. E sua experiência pode repetir-se hoje com quem o desejar. MEDO-PERSA — O SEGUNDO IMPÉRIO MUNDIAL VERSO 5 — “Continuei olhando, e eis aqui o segundo animal; semelhante a um urso, o qual se levantou de um lado, tendo na boca três costelas entre os seus dentes, e foi-lhe dito assim: Levanta-te, devora muita carne”. UM PODEROSO URSO DESTRUIDOR Antes de tudo leia-se a exposição: A Origem do Império MedoPersa, — relativa à primeira parte do versículo trinta e nove. É indiscutível que o segundo animal desta profecia — um urso — como a prata da estátua, do capítulo dois, aponta ao segundo grande império do mundo — a Medo-Persa. “Cremos que Babilônia figurou num leão somente no governo de Nabucodonosor, pois os seus fracos e inábeis sucessores não poderiam ser nem mesmo figurados por um simples cão doméstico. Enquanto Nabucodonosor em 43 anos elevou o reino caldeu ao cume das nações, — os seus cinco sucessores, em 24 anos, o enfraqueceram e aceleraram a sua queda. Desta sorte, o urso Medo-Persa, seguro da vitória, avança irresistível contra o ex-leão, sem encontrar nêle nem mais sequer o espírito dum cão para ao menos acoá-lo com insistência e afugentá-lo temporariamente. Nem mesmo os aliados do Império Babilônio tiveram o poder de o socorrer com êxito e deter a avalanche de guerreiros medo-persas que investiam invensíveis e inflamados por seu grande comandante Ciro, — que o tinham como um semi-deus e um predestinado. Os medos e persas não venceram, pois, o leão babilônio. Êste, na pessoa de Nabucodonosor e pouco antes de sua morte, deixara de ser um leão, como reza a profecia, e tornara-se “um homem” com “coração de homem” ou “mente do homem”. O que Ciro venceu em Babilônia, fôra uma sombra de imperadores sem capacidade para manter e defender o poderoso reino herdado do maior rei político do mundo — Nabucodonosor. Que os medos e persas estavam unidos na formação de um império para derribar e substituir Babilônia no mundo, é fora de tôda a dúvida. “Sobe, ó Elam, sitia, ó medo”, diz o profeta Isaías, tratando da

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queda de Babilônia.1 Na própria noite da tomada de Babilônia foi anunciado ao seu último rei: “Dividido foi o teu reino, e deu-se aos medos e aos persas”.2 No início dêste duplo poder foi mencionada “a lei dos medos e dos persas”.3 Os reis da Média e Pérsia, unidos, são citados na profecia do capítulo oito de Daniel.4 Textos bíblicos outros da época dos dois poderes confirmam-nos conjugados num só poder.5 A História secular também comprova amplamente a união dos dois povos — medos e persas — num só poder mundial, representado num urso pela profecia inspirada. A união dos dois podêres é, portanto, um fato indiscutível. LEVANTADO MAIS UM LADO Do carneiro mencionado no oitavo capítulo, também simbólico do Império Medo-Persa, é dito possuir dois chifres, sendo enfatizado que um era mais alto do que o outro e que subira depois do menos alto. Na profecia do urso de nossa consideração, emblema do mesmo duplo poder, é esclarecido que estava mais erguido de um lado que do outro. Não precisamos dizer muito nem apresentar farta documentação histórica, para atestarmos que inicialmente a Média era suprema no Oriente, mesmo sôbre a Pérsia, mas que, depois, esta se tornou suprema sôbre aquela. É bem conhecida a história de Ciro que, estando a Pérsia, seu país, governada pela Média, ergueu-se êle em armas contra o poder opressor, derribou do trono medo a Astiages, seu avô, e tornou-se senhor também da Média. Daí em diante a Pérsia é a ponta mais alta do carneiro e o lado mais levantado do urso. Embora os medos compartilhasssem do poder mundial com a Pérsia, apenas um rei fôra da raça meda — Dario, chamado o medo, que, à tomada de Babilônia, ocupou o trono por “cêrca de dois anos”. Todos os demais soberanos no trono Medo-Persa do mundo, a contar de Ciro até ao último, foram persas. E é notável como a revelação não esquecera êste importante pormenor da união dos dois podêres, bem como da supremacia primeiro da Média e depois da Pérsia. É um detalhe que, por si só, eleva e comprova plenamente a autenticidade divina e a inspiração desta grande profecia. 1

Isaías 21:2. Daniel 5:28. 3 Daniel 6:8, 12, 15. 4 Daniel 8:20. 5 Ester 1:14, 18; 10:2. 2

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TRÊS COSTELAS ENTRE OS DENTES Ao surgir das agitadas águas o urso, trazia três costelas entre seus dentes. Indubitàvelmente significam elas as três “potências políticas” que os medos e persas acharam por bem eliminar principalmente, o que comprova com segurança três fatos reais: 1) Eram as mais fortes da época como poderes individuais; 2) aspiravam também o domínio mundial; 3) e, aliaram-se para enfrentar o avanço vitorioso dos medos e persas. Porém, todo o esforço que conjugaram fôra em vão, não tivera êxito, foram por êles vencidos e dominados; e é assim que aparecem entre os aguçados dentes do urso. E a história secular, que é o verdadeiro intérprete das profecias inspiradas, elucida esta verdade de modo particular e notável. Herôdoto, o grande historiador da antigüidade, cognominado o pai da História, declara (1:77) ter havido uma aliança entre Cresso da Lídia, Nabonidus de Babilônia e Amais do Egito — contra a expansão dos medos e persas sob Ciro. Outros historiadores dizem o mesmo, pelo que as três costelas são inquestionavelmente os reinos da Lídia, Babilônia e Egito, únicas potências que poderiam naquele tempo opôr alguma resistência aos medos e persas irmanados. Lídia e Babilônia caíram nas; mãos de Ciro em 547 e 539 respectivamente, e o Egito nas mãos de Cambises em 526 a.C. Êsses três reinos foram agarrados pelos medas e persas com garras tão tenazes como a prêsa que um urso segura entre os seus temíveis dentes. A VORACIDADE DO URSO SIMBÓLICO Antes de tudo urge a pergunta: Por que razão a profecia emprega um urso como símbolo para designar o Império Medo-Persa? Certamente não pelo poder que êsse Império exerceria, mas pela crueldade e sede de sangue que manifestariam os seus soberanos no trato com os povos por eles conquistados e governados. Um urso, posto que jamais tenha destronado um leão do trono de seu reino, atinge maior estatura e maior pêso que o leão. Diz-se que sua maior espécie foi encontrada na Média, país montanhoso, acidentado e frio. Os seus 42 dentes, as suas formidáveis grandes garras aduncas aguçadas, o seu grande pêso, a sua coragem e a sua astúcia, fá-lo grandemente temível. No que respeita à sua crueldade, voracidade e sêde de sangue, não tem rival. Ao andar, não 334

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ràpidamente, senta tôda a planta do pé no chão (ao contrário dos pés de cachorro e leão), dando a impressão de amassar tudo onde quer que pise ou passe, como se fôra um rôlo compressor que tudo arraza. É em seus pés que reside a sua maior fôrça de domínio e destruição. No livro do Apocalipse lemos de um animal com pés de urso, sendo dito dêle que fêz “guerra aos santos” de Deus e os subjugou.1 Assim, seu tríplice poder concentrado em seu pêso, sua boca e seus pés, faz do urso o segundo em seu reino, só vencido pelo leão após renhida batalha. Não podendo o urso ser o rei dos quadrúpedes, parece pretender sê-lo. Não alcançando, todavia, supremacia absoluta, é obrigado a cometer destruição para impôr-se, como se supremo fôra, sem contudo lograr o seu objetivo. Neste terrível animal carniceiro e destruidor, fôra o Império Medo-Pérsia figurado pela revelação. Na figura de um urso agiram os soberanos medas e persas. Inábeis para governar o mundo, cometeram as maiores e mais vis atrocidades, chacinas e destruições inomináveis, muitas vêzes em massa, nunca conseguindo, por isso mesmo, ser respeitados pelas nações como senhores do poder dominante e mundial. Em suas conquistas, procuravam vencer, não pela categoria bélica, mas pela avalanche de suas tropas. Dai o massacre inexorável a qualquer povo que impusesse a mínima resistência. Os medos e persas ficaram célebres por suas matanças e suas punições, enquanto eram ladrões e espoliadores. Pelo que veremos no tópico seguinte, com relação aos reis persas desde Ciro a Dario III, poderemos ter uma idéia assombrosa dos massacres sem conta daqueles monarcas. “Segundo Séneca, um de seus reis mandou cortar o nariz de todo o povo de uma nação”.2 E consta que Ciro fôra o autor desta terrível façanha. As atrocidades de Cambises no Egito não podem ser descritas em linguagem humana. Todos os reis persas foram cruéis, daí o Império inteiro ter-se constituído num vulcão de constantes revoltas. Era o pesado urso que tudo esmagava fazendo correr rios de sangue e efetuando mortandades sem conta. “LEVANTA-TE, DEVORA MUITA CARNE” Neste tópico teremos a história da Medo-Pérsia em miniatura, salientando alguns dos principais e tremendos atos de seus soberanos, 1 2

Apocalipse 13:2, 7. O Mundo do Futuro, D. H. Dupuy, pág. 217.

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o suficiente para vermos cumprida com tôda a exatidão a profecia inscrita na epígrafe acima: I. CIRO — O GRANDE CONQUISTADOR Depois de se unirem num só poder, e com isso já contando com um vasto Império inicial que alcançava desde as cordilheiras do IndoKusch e o Imaus pelo Este, o Iaxarte pelo Norte, a Armênia e o Tigris pelo Oeste e o Oceâno Indo pelo Sul, Ciro procurou consolidar o seu poder para arremessar-se depois em procura de novas e vastas conquistas. Semelhante a um meteoro lançou-se Ciro em busca da liderança do segundo grande Império da terra, não deixando de causar enorme impressão a seus contemporâneos e a todos os séculos futuros. Em 548 empenhou-se contra as tribus hostis ao oriente do Tigris, enquanto se preparava para o grande teste de fôrça que logo viria provar a sua capacidade como grande conquistador. Os grandes líderes políticos, Nabonidus de Babilônia, Cresso da Lídia e Amaris do Egito, viram o emergente e ameaçador poder de Ciro com sérios pressentimentos, e, temerosos pela segurança de seus próprios tronos, como vimos, coligaram-se por um pacto de mútua assistência militar. O temor dêstes três grandes — que também aspiravam cada qual o cetro absoluto do mundo, — foi confirmado em 547 quando Ciro investiu sôbre a Mesopotâmia Superior e recuperou uma outrora província meda que Nabonidus tinha arrebatado aos medas. Cresso, notando que o exército de Ciro se aproximava mais e mais das fronteiras de seu reino, suplica de seus aliados o auxílio prescrito no tratado de mútua assistência. Invadiu então a Ptreia e apoderou-se de quase tôda esta província! Surpreendido, reúne Ciro suas tropas, ainda que bem menores que as de Cresso, e apresenta-lhe batalha. Durante todo o dia até a noite a vantagem não se definiu por nenhum dos contendores, que lutaram com igual valor e fortuna. Porém, julgando-se Cresso vencedor e crendo que Ciro não tentaria de nôvo a sorte, volta a seus Estados e licencia parte de seu exército. Mas logo convencera-se tardiamente de seu êrro. Ciro penetra em seu reino e uma a uma de suas cidades vão caindo em seu poder. Na batalha decisiva em Thymbrea, em pleno inverno, que resultou favorável a Ciro, os vencidos se refugiaram em Sardo, a capital do reino, e ali ficaram encerrados batalhando da fortaleza. 336

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Por duas semanas estêve Ciro com Sardo sitiada sem resultado, quando um persa, Hireades, descobriu casualmente um passso para subir ao castelo. Escalando com alguns arrojados companheiros a muralha, tomou logo o castelo. Em seguida a cidade e o trono de Cresso caíram nas mãos do vencedor (547). Ciro poupou a vida de Cresso, fêz dele um amigo, e até é dito que a miúdo seguia com êxito a seus conselhos. A queda do reino da Lídia produziu extraordinária impressão, pois estava no apogeu de sua fortuna e poderio. Seus soldados haviam submetido tôdas as cidades gregas — empório do comércio universal, centro das artes e ciências — e quase tôda a Ásia Menor, e por fim via-se destruído pelos medas e persas, povos de longínquas terras que acabavam de ser tirados de um estado semibárbaro por um grande general. Tôda a Ásia Menor de Cresso caiu em poder dos exércitos de Ciro. O vencedor nomeou Tabalos para governar a Lídia, e encarregou a Pactias que levasse as amplas riquezas de Cresso à Pérsia, enquanto com êle se dirigiu a Ecbatana. Depois da vitória sôbre a Lídia de Cresso, penetra Ciro nas regiões mais remotas do Extremo Oriente. Só as estepes da Sibéria atalharam sua marcha para o Norte. Ao Este, já nos limites da Tartária, conquista os saces que ficam seus tributários. Voltando-se para o Sul, submete vários povos até à ribeira de Cabul e o Indo. Dêste ponto volta para o Oeste. Leva agora Ciro suas vitoriosas armas contra os caldeus que, a despeito dos esforços de Nabonidus e seu filho Belshazzar, submete tudo o que ainda restava do então poderoso Império mundial de Babilônia. Sôbre êste tremendo desfecho, vejam-se os versículos 30 e 31 do capítulo cinco desta exposição. O êxito de Ciro em submeter a tão vasta região que constituiu o seu Império, deveu-se ao temor que inflingiu a todos como um conquistador indicado pela Providência. Nenhum poder foi capaz de enfrentá-lo e permanecer como um obstáculo à sua marcha vitoriosa. Por outro lado, despertou em todos os povos por êle subjugados um tão vivido desejo de agradá-lo, como seu nôvo soberano, que ardorosamente desejaram ser guiados por sua vontade e nêle depositaram inteiramente as suas esperanças. Em seu próprio cilindro dando conta da captura de Babilônia, escreveu êle: “Todos os habitantes de Babilônia, de Sumer a Accad, nobres e governadores, prostraram-se diante dêle e lhe beijaram os pés, regozijaram-se em sua

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soberania, suas faces sorriam de alegria”.1 Os judeus cativos no Oriente receberam o advento de Ciro com grande regozijo, pois sabiam que a profecia de Isaías o indicava como aquêle que lhes daria a liberdade e autorizaria a sua volta à Judéia e a reconstrução do templo.2 (Ver apêndice, notas 4 e 7). Além de tudo, as tribus que Ciro sujeitou eram tantas que, se ainda hoje subsistisse o seu Império, seria difícil percorrê-las tôdas numa viagem a partir de seu palácio, quer para o Oriente quer para o Ocidente, quer para o Norte quer para o Sul. Todo o formidável sucesso do grande conquistador deveu-se à plena vontade de Deus como exarado no livro de Isaías, capítulo quarenta e cinco, versículos um a quatro. As expressões dêstes textos: “... a quem tomo pela mão direita”, “soltarei os lombos dos reis, para abrir diante dele as portas”; “Eu irei diante de ti” — atestam que o poder de Ciro emanou de Deus e que o Senhor por meio dêle executou um definido plano sôbre as nações de seu tempo. A boa impressão que causou aos povos conquistados deveu-se às bênçãos de Deus em secundar a sua memorável jornada em busca da supremacia política sôbre as nações de seu século. Ao assumir o poder por morte de Dario, o Medo, em 536 a.C., reconheceu o poder de Deus em suas conquistas, nestas palavras: “Assim diz Ciro, rei da Pérsia: O Senhor Deus dos céus me deu todos os reinos da terra”.3 Depois da vitória sôbre Babilônia, pouco se sabe de Ciro e suas campanhas. Em 529, segundo Herôdoto, penetrou êle até além do Iaxartes, onde combateu contra os Massagetas embriagados, vencendo-os, sendo aprisionado Espargapitas, general e filho de Tomires, rainha dos Massagetas. Sabedora a rainha da derrota, envia a Ciro a seguinte mensagem: “Príncipe sedento de sangue, não te orgulhes com uma vitória que só deves ao sumo da uva, a êsse licor que converta ao homem em um insensato. Tens conseguido uma vitória sôbre meu filho, não em uma batalha e por tuas próprias, fôrças, senão pelo efeito de seu veneno sedutor. Escuta e segue um bom conselho: Devolve-me a meu filho, e, ainda depois de haver destruído uma pequena parte de meu exército, permito que te retires impunemente de meus Estados; doutro modo, te juro pelo Sol, 1

Source Book for Bible Students, ed. 1927, pág. 59. Isaías 44:26; 45:1-4; II Crônicas 36:23; Esdras 1:1-3; vêr Daniel cap. 10. 3 Esdras 1:2. 2

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soberano senhor dos Massagetas, que te saciarei de sangue por sedento que estejas dêle”. Ciro não fêz caso das advertências de Tomires. Quanto a Espargapitas, após refazer-se de sua embriaguês rogou a Ciro que lhe mandasse tirar suas cadeias. E, quando o prisioneiro viu-se em liberdade, suicidou-se. Então, sabedora Tomires, reuniu tôdas as suas forças e se dispôs em batalha. Quando ambos os lados terminaram suas flechas, lutaram com lanças e espadas. A vitória, depois de muito tempo de luta, declarou-se pelos Massagetas, ficando no campo de batalha a maior parte do exército Medo-Pérsía, e com ela também Ciro. Tomires fêz buscar o seu cadáver, o destroçou e fêz que metessem a sua cabeça decepada em uma bacia cheia de sangue humano, dizendo: “Por mais que haja ficado viva, tu me tens perdido fazendo perecer meu filho; mas cumprirei minha promessa saciando-te de sangue”.1 Xenofonte, entretanto, diz que Ciro morreu em sua cama rodeado de seus filhos, Ctesias, todavia, convém que êle morreu entre os seus, mas em resultado de ferimentos recebidos em combate contra os derbikos. II. CAMBISES — FILHO E SUCESSOR DE CIRO O grande Ciro foi sucedido por seu filho Cambises, que reinou de 529 a 522 a.C. e distinguiu-se como um tirano da mais refinada crueldade. Conta-se que, descontente com a conduta de um juiz, o mandou esfolar vivo e fêz forrar com sua pele a cadeira em que se sentava para administrar a justiça. Tão logo subiu ao trono, tomou a resolução já antes sonhada de conquistar o Egito como única grande potência que ficara para submeter, e que desde muito tempo havia mostrado, por sua aliança com a Lídia, a sua intenção de impedir o aumento do poderio persa. Para provocar uma farsa a fim de invadir o Egito, mandou pedir, ao Faraó Amasis, a mão de sua filha, já sabendo que lhe seria negada. Amasis, ao receber o pedido do rei persa, imaginou e executou um expediente julgando satisfazer a Cambises. Em lugar de sua filha, enviou o rei do Egito outra princesa chamada Nictetis, filha do desditoso rei Apries, uma vez que os persas não conheciam nenhuma nem outra. Apenas se achou em presença de Cambises, Nictetis descobriu tôda a trama de que fôra vítima, já para vingar-se de Faraó, já pelo temor que lhe inspirava Cambises. 1

Dicionário y Enciclopédia Hispano Americano, art. Ciro.

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Sumamente irado Cambises com o engano de Amasis, aproveitou-se desta oportunidade que buscou, e, à frente de de um numeroso e poderoso exército, empreende a campanha contra Amasis e o Egito preparada com grande tino e procisão (525). A primeira esquadra persa, composta de navios gregos e fenícios, aos quais se uniram também os príncipes de Chipre, dirigiu-se ao longo da costa para o Egito para impedir aos habitantes de Menfis utilizarem a via do Nilo contra sua campanha. Em Pelusa souberam os persas da morte de Amasis e de sua sucessão por Psamético II, seu filho, porém não mudaram a intenção de invasão. O rei egípcio foi vencido na primeira encarniçada batalha defronte de Pelusa e rechaçado até Menfis onde se encerrou com seu exército. Cambises enviou mensageiros a Psamético para entrar em negociações; porém, os egípcios cometeram a imprudência de matar ao embaixador e a sua comitiva, bem como a tripulação do barco que os havia conduzido Nilo acima até Menfis. Êste ato irritou de tal maneira aos persas que, depois da tomada do castelo branco de Menfis, mataram em represália dez importantes egípcios, incluso o filho do Faraó, pelo embaixador, e igual número como vingança de cada um dos seus companheiros chacinados. O próprio Psamético, que a princípio foi tratado por Cambises com muita indulgência e que devia, segundo parece, seguir governando o país como vassalo, fêz-se suspeitoso, e foi condenado pelo rei persa a uma morte cruel, fazendo enterrá-lo vivo conjuntamente com doze dos principais egípcios. Cambises foi na terra dos Faraós um “doido furioso” que espantou o país com suas crueldades, entre as quais mandando açoitar com varas os sacerdotes egípcios. Possivelmente fôra Cambises o “senhor duro” e o “rei rigoroso” da profecia de Isaías, que dominaria e submeteria o país dos Faraós.1 Nesta segunda batalha decidiu-se a sorte do Império dos Faraós que por tantos séculos existiu e constituiu a mais antiga civilização. O alto Egito se submeteu, os líbios renderam-se e os cirineus pagaram tributo (523). Partindo de Menfis com seu exército na intensão de conquistar a Etiópia, foi Cambises obrigado a retornar do meio do caminho ao Egito, pela falta de víveres e as enfermidades que dizimavam s seus soldados. Cambises, todavia, com a constante lembrança das desgraças de seu exército, remorso pelos assassinios de seu irmão e irmã e o medo 1

Isaías 19:4.

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de que com êle se extinguisse a estirpe de Ciro, não teve paz de espírito. Finalmente recebe a notícia de que a rebelião que êle havia querido evitar matando o irmão, havia instalado na Pérsia pela usurpação do trôno. E Cambises, a esta notícia, põe-se imediatamente era marcha a seu país, na intenção de sufocar o movimento. Ao chegar a Hamath, na Síria, soube que a rebelião já havia logrado o seu objetivo, e, desesperado de ser êle mesmo a causa de sua ruína, suicidou-se (522). Dizem alguns historiadores que, ao montar o cavalo em Bobatana da Síria, caiu, sendo ferido por seu punhal que o vitimou neste incidente. Outros descrevem que fôra assassinado por Prejaspe ao dirigir-se à Pérsia na intensão de expulsar o usurpador de seu trôno. Seja como fôr, o monstro pereceu. Êle é o Assuero do livro de Esdras, que não era simpático à obra do povo de Deus na Judéia, mas inclinado à ímpia causa de seus inimigos. Não era possível, pois, que um tão perigoso vulto contra os interêsses do povo de Deus subsistisse por muito tempo, empunhando o cetro do mundo. III. ARTAXERXES (I) — O FALSO SMERDIS Quando Cambises em 529 sucedeu a Ciro, seu pai, inaugurou seu reinado por ordenar a morte de seu irmão Bordija, conhecido comumente por Smerdis, a quem Ciro havia deixado muitas importantes províncias e do qual Cambises receiava que contra êle se levantasse e lhe arrebatasse o trôno, mormente quando estivesse ausente na campanha contra a Egito. O assassínio do irmão foi efetuado com muito segrêdo, até ao ponto de muitos descrerem em sua morte que fôra inventada doutra maneira. Enquanto Cambises estava no Egito, Gaumata, um mago muito parecido com seu irmão Smerdis assassinado, apresenta-se como o próprio Smerdis que muitos criam ter sido morto e outros não. A princípio ninguém suspeitou da impostura, tendo Gaumata se proclamado rei na cidade de Pasyuvada em março do ano 522 a.C. As províncias orientais do Império o aclamaram imediatamente, e três meses mais tarde dava entrada êle em Babilônia como soberano no Trôno. Patiritis, o verdadeiro autor da trama, decidido a combater com seu falso soberano, despachou correios a todas as províncias, mesmo ao Egito, comunicando a sua elevação ao trôno e intimando a todos que rendessem obediência ao nôvo potentado, tal como faziam a Cambises. Foi então que Cambises, tomando conhecimento da 341

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usurpação, abalou-se do Egito a Babilônia para desforrar-se de seu usurpador, morrendo a caminho da capital do Império. O seu desaparecimento desembaraçou o impostor cuja dominação já parecia indestrutível, sobretudo por ter Prexaspes, que havia executado o assassinato do legítimo Smerdis, ter por temor negado seu crime. Achando-se seguro e tranqüilo no trôno, o falso soberano tomou o nome de Artaxerxes I. Porém, a farsa teve pernas curtas e foi descoberta cerca de sete mêses depois da posse de Artaxerxes. O fato dele subtrair-se constantemente ao contacto com sua côrte despertou as suspeitas dos grandes. Por outro lado, Otanes, sátrapa de Capadócia, teve informação por sua filha Faidimi, que se achava no Harem de Gaumata, de que êste de maneira alguma era o filho de Ciro. Também Prexaspes, atormentado pelo remorso, confessou em alta voz seu crime e se precipitou do alto duma tôrre. Com estas graves suspeitas e denúncias de tão grande fraude, urdiu-se uma conspiração em que tomaram parte os chefes de sete grandes famílias persas — Otanes, Aspatites, Gobrias, Intafernes, Megatiors, Hidranse e Dario Histaspes — cujo propósito era matar imediatamente o falso Smerdis entronizado. Dario, que como parente mais próximo de Cambises, era o herdeiro legal do trôno, penetrou com seus outros seis companheiros em um castelo de Sicathauvati, no país de Nijava, na Média, onde o mago Gaumata residia e para onde fugira dos conjurados, e ali, depois de lutar corpo a corpo com Gobrias, foi morto a estocadas por Dario, em 10 de abril do ano 521. Estava estirpada a farsa e desempedido agora o caminho para o verdadeiro sucessor de Cambises ascender ao trôno. Artaxerxes I, falso Smerdis, mencionado no livro de Esdras,1 foi um inimigo da causa de Deus de reconstrução na Judéia. Inclinou-se para os inimigos do povo de Deus que ali trabalhavam e ordenou a paralização da obra. Era bem de ver que o intruso devesse ser afastado, pelo que foi morto não muito depois de seu decreto contra a obra de Deus. IV. DARIO — HYSTASPES Herdeiro legal de Cambises, filho de Hystaspes da raça dos 1

Esdras 4:7.

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Aquemenides, subiu ao trôno em 521. A primeira tarefa de Dario para poder manter a sua autoridade, foi reprimir inúmeras rebeliões que estalaram em todos os confins do Império, principalmente na Média, Susiana, Partia, Babilônia e Pérsia. Para dizer a verdade, viu-se obrigado de imediato a reconquistar uma grande parte do Império, o que lhe custou nada menos do que seis anos de luta. Depois de pacificadas as províncias e unificado o Império, deu Dario início à organização interior do reino, sendo conhecido como o primeiro príncipe da Ásia que soube estabelecer um perfeito sistema de administração baseada nos princípios de verdadeira organização política. O vasto Império foi sabiamente cortado por rodovias em tôdas as direções, contribuindo isto para que Dario organizasse um excelente serviço de correio a cavalo. O comércio, indústria, literatura — tudo aliás, floresceu no Império dêste terceiro Aquemenides. Depois de haver Dario concedido ao Império muitos anos de paz, começou com as suas emprêsas guerreiras, lançando seus olhares para as fronteiras ocidentais e orientais. Submeteu primeiramente as tribus árabes do deserto da Síria, a costa da Líbia, e talvez Cartago, parte da Índia e Jônia revoltada contra o domínio persa. Em 513 declarou Dario guerra aos scitas. Saiu de Susa com um exército de 800.000 homens, devendo os jônios armarem uma esquadra de 600 navios. Submeteu imediatamente a Trácia e transpôs o Danúbio. Os scitas retrocederam com o fim de atrair os persas para os territórios de outros povos que dêste modo haviam de tomar parte na luta. Êste plano foi executado com suma habilidade; em sua retirada destruíram além de tudo os campos, e atraíram Dario até o interior do país. Por mais que Dario procurasse obrigar o inimigo a uma batalha, não logrou nunca, pois os scitas se contentavam em entreter os persas com pequenas escaramuças de cavalaria, obrigando Dario a resolver-se pela retirada. E, quando Dario foi forçado pela fome a uma retirada, então foi quando os scitas atacaram com tôdas as suas tropas em implacável perseguição ao exército que procuravam alcançar de volta a tôda pressa o Danúbio. Quase todo o exército de Dario foi destruído. Dario, porém, consolou-se desta tremenda derrota mantendo-se na Trácia e conquistando logo uma parte da Índia. A última emprêsa de Dario foi contra a Grécia, em virtude desta ter sustentado contra êle a revolta de Jônia e doutras colônias gregas da Ásia Menor. Começaram assim, as chamadas Guerras Médicas contra a Grécia. Em 492 enviou Mardônio com um exército para subjugar a Ática e a Eritréia, e ao mesmo tempo expediu uma grande 343

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frota para a conquista das ilhas independentes do mar Egeu. Mardônio conseguiu dominar as tribus da Trácia e da Macedônia, porém, a frota, depois de se ter apoderado da ilha de Tasos, encontrou uma tempestade, ao dobrar o Promontório dos Atos, que destruiu 300 de suas trirremes, com uma perda de 20.000 homens, Como os remanescentes da frota voltassem para a Ásia, Mardônio, privado assim de suas comunicações por mar e acossado por uma crescente oposição, viu-se obrigado a bater em retirada. Em 490 enviou Dario outra expedição composta de 110.000 homens em uma frota de 600 navios contra Grécia, comandada por Datis e Artafernes, que foi a princípio bem sucedida: Os generais persas submeteram as Cyclades e uma parte de Eubéia. Porém, na planície de Maratona, a uns seis quilômetros de Atenas, foram vencidos por completo pelo pequeno exército grego de apenas 10.000 atenienses e 1.000 de Platéia sob o comando de Milciades. Os vencidos foram jogados contra a a praia e obrigados a embarcar às pressas em seus navios, alguns dos quais foram incendiados. Assim resultaram em nada as expedições de Dario contra a pequenina Grécia. Em sua perseverança, preparava Dario uma terceira expedição contra a Grécia, quando estalou no Egito nova sublevação; todavia, enquanto se preparava para repelir o nôvo motim egípcio, a morte o surpreendeu em 485, aos 73 anos de idade e 36 de reinado. V. XERXES — O GRANDE Filho de Dario Hystaspes, tinha 34 anos ao sucedê-lo no trono de 484 a 465. Segundo Herôdoto, o nôvo rei não tinha rival entre os persas quanto à elegância e beleza física. Contudo, nem como monarca nem como líder militar, foi êle um digno sucessor de Ciro ou de Dario. Êle sofreu graves derrotas. Todavia, o amor às aventuras e às intrigas do Harém pareciam tê-lo interessado mais que a política e negócios de govêrno. Era deveras pouco inteligente, orgulhoso e fraco. Xerxes inaugurou seu reinado por submeter o Egito e a Caldeia revoltados. Tratou Babilônia com rigor, saqueou o tempo de Bel, violou o túmulo dos reis e os despojou, e parte dos seus habitantes vendeu-os como escravos. Depois disto preparou Xerxes a grande expedição da História contra a Grécia, na expectativa de vingar as derrotas sofridas por seu pai ali. Nestas guerras com os gregos Xerxes foi perseguido pela má fortuna. Por muito tempo o rei pareceu hesitar, aparentemente 344

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indeciso, se continuava as guerras de sou pai contra a Grécia ou limitaria seu governo à Asia, Herôdoto diz que uma facção de seus conselheiros, liderada por seu tio Artabano, ora a favor da paz, enquanto outra facção, cujo líder em Mardônio, queria a guerra, e que o partido da guerra finalmente ganhou o favor do rei, e os preparativos para uma nova expedição foram feitos em todo o Império. Para termos uma idéia do volume das tropas que Xerxes jogou contra a pequena Grécia, basta volvermos à profecia do capítulo onze, versículo dois do livro de Daniel, onde se diz que êle, “esforçando-se com suas riquezas, agitará todos contra o reino da Grécia”. Ao sair de Sardo em 480 o poderoso exército, dir-se-ía que tôda a Ásia estava em marcha contra um pequeno povo pràticamente indefeso. Êste maior exército da antiguidade foi avaliado divergentemente entre um e cinco milhões de homens. Além disso uma frota de 1.200 navios de guerra e 2.000 de carga tomava posição para assegurar o domínio do mar Egeu contra a pequena esquadra grega. A passagem do exército de terra de Xerxes pelo Helesponto, através uma ponte de barcos, durou sete dias e sete noites. A primeira ponte foi desfeita por uma tempestade, tendo Xerxes mandado castigar o mar com 300 chicotadas como teria feito a um escravo revoltado. O exército persa avançou sem dificuldade através da Trácia e Macedônia. Foi, porém, detido no desfiladeiro das Termópilas, única válvula por onde o oxército de Xerxes podia Avançar pura o Sul. Leônidas, rei de Sparta, com seu minguado exército com o qual socorrera Atenas, posta-se ali no Passo das Turmópilas, e nenhum soldado persa por êle passou enquanto naquele pôsto permaneceu com vida pelejando em companhia do seus poucos homens. Xerxes enfureceu-se com a rígida defesa de Leônidas. Enviou-lhe uma mensagem prometendo-lhe o Império da Grécia em troca de sua capitulação, “prefiro”, respondeu Leônidas, “morrer aqui pela pátria a fazer-me senhor dela”, Xerxes manda em seguida outra mensagem intimando-o a entregar as armas. “Vem tomá-las”, respondeu o bravo rei espartano. Leônidas mandou seu exército lutar noutra parte e ficou ali nas Termópilas guardando o passo com apenas 300 homens. Afinal, diz-se que por traição dum grego, Ephialto, foi descoberto um caminho por detrás dos 300 valentes e seu rei. E, depois de desesperados combates, foram todos sacrificados com seu intrépido rei. Xerxes mandou crucificar o corpo de Leônidas para vingar os 20.000 persas que pereceram nas Termópilas. No túmulo que depois se ergueu no local onde tombaram os 300 heróis e seu soberano, gravou-se êste epitáfio: 345

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“Oh, vós que passais, ide dizer a Sparta que nós aqui morremos para obedecer as suas leis”. A Ática e a Beócia foram devastadas e Atenas foi prêsa das chamas, e os morticínios não tinham conta. Após haver atravessado tranqüilamente o mar Egeu a frota persa estabeleceu sua base em Sepias para preparar o ataque à frota grega de 380 navios. Ao raiar do dia um vendaval pôs a pique 400 navios persas e um número desconhecido de transportes. Em seguida um tufão surpreendeu uma frota persa de 200 navios mandada contornar a Eubéia a fim de atacar os gregos pela retaguarda e nenhum dêsses navios se salvou. Temístocles conseguiu levar a frota grega para a Baía de Salamina, e em seguida enviou um mensageiro secreto a Xerxes, para dizer que, se atacasse imediatamente, esmagaria tôdas as forças navais gregas de um só golpe, e que, se demorasse, os gregos se dispersariam. Xerxes aceitou o astuto conselho que visava desbaratar a sua esquadra. Ordenou que o grosso de sua frota atacasse a esquadra grega na baía de Salamina — a tôda pressa. A batalha tomou lugar a 20 de setembro do ano 480. A astúcia de Temístocles teve completo êxito. A frota persa desorientou-se de saída. Um duplo ataque grego contra a ala direita dos persas tornou-se o lance decisivo da batalha. Os persas empreendem a retirada pela própria flor de sua esquadra — a frota fenícia. A batalha de Salamina estava ganha pela frota grega que perdera 40 navios contra 200 da frota persa afundados e um número indeterminado capturados. Ariobignes, o comandante da esquadra persa e irmão de Xerxes, achava-se entre os mortos. Xerxes dá expressa ordem ao resto sobrevivente de sua esquadra que acorresse aos Dardanelos a fim de guardar as pontes ali estabelecidas. O exército de terra estava agora em terrível situação. Cortado de suas comunicações com o mar, deveria ou bater em retirada ou perecer de fome, pois era impossível encontrar na Grécia víveres para um exército tão numeroso. Xerxes deixou na Tessália um exército de ocupação de 300.000 homens sob o comando de Mardônio e ordenou ao restante que regressasse à Pérsia do melhor modo que pudesse. Seguindo-se uma debandada com aspecto de pânico em direção dos Dardanelos. E durante os 45 dias seguintes um imenso exército, que jamais encontrara resistência em um campo de batalha, desfêz-se perseguido pela fome, pelas doenças e guerrilhas movidas pelos habitantes dos países atravessados na retirada. Apenas um resto desmoralizado dêsse exército sobreviveu para atingir os Dardanelos. 346

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Houvessem os gregos ouvido a opinião de Temístocles, indo a frota grega tomar posição nos Dardanelos, não teria subsistido nenhuma parcela do exército em fuga. Mas as tempestades haviam destruído as pontes, e os poucos sobreviventes do exército de Xerxes tiveram de atravessar para a Ásia nos navios da frota vencida e desmoralizada. Xerxes persistia em sua idéia de apoderar-se da Grécia; mas sua oportunidade esvaira-se. Os gregos reuniram um exército de 100.000 homens e no ano seguinte liquidaram em Platéia o exército de 300.000 homens de Mardônio, deixado na Grécia. No mesmo dia a frota grega liquidava, em Micale, na costa da Ásia, o que restava da frota persa, que tomara de assalto e incendiara. Xerxes havia induzido Cartago a empreender uma expedição naval e militar contra os gregos da Silícia, de maneira a esmagar simultaneamente todos os Estados gregos independentes. Desta feita ainda as tempestades vieram em socorro dos gregos, desaparecendo a maior parte da frota cartagineza pela ação de vendavais. Ruíra por terra, desta forma, o plano grandioso do déspota persa, e com êle caiu o prestígio e o poderio do seu Império. A despeito da sua incapacidade de reunir um exército assaz numeroso para lutar contra as tropas persas de terra, a Grécia pôde infligir ao Império persa uma derrota desastrosa, pelo fato de ter ganho uma vitória naval. Pelo ano 466 novos revezes foram infligidos à Pérsia pelo ateniense Cimon, que destruiu um exército e uma armada perto da foz do Bureymedon, e depois uma outra esquadra nas águas de Chipre. Do ponto de vista da História do mundo, a guerra entre a Pérsia e a Grécia constituiu uma das grandes épocas da História. A subseqüente história da Europa, e do mundo, podia ter sido muito diversa houvessem as decisões de Salamina e Platéia sido diferentes. A civilização ocidental, então confinada quase inteiramente na Grécia, conseguiu salvar-se de ser engolfada pelo despotismo oriental. Os Estados gregos sentiram o senso de unidade antes desconhecido. A vitória de Salamina provou a Atenas a importância do poder marítimo e logo a cidade colocou-se à frente de um Império e de uma poderosa esquadra. Com a perda do domínio marítimo começou o declínio do Império persa como potência mundial e os prenúncios da ascenção da Grécia no orbe. Derrotado e desmoralizado, encerra-se Xerxes em seus suntuosos palácios, ocupado unicamente com intrigas de harém. Pouco sobreviveu às suas derrotas, sendo assassinado em Susa em 465 pelo eunuco Aspamithres e pelo chefe dos guardas, Artabanus. Antes dêste 347

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fatal complô contra sua vida, outros foram levados a efeito sem êxito, um dos quais acha-se mencionado no livro de Ester.1 VI. ARTAXERXES I — LONGIMANO Artaxerxes I reinou de 464 a 422 a.C. Descobriu que o poderoso Artabanus fôra o assassino de seu pai e o eliminou imediatamente por meio de Megabysos, seu cunhado, livrando-se assim dêle que pensava poder controlar o seu reinado, dado à bem conhecida fraqueza de caráter de Artaxerxes. Semelhante a Xerxes, seu pai, Artaxerxes não foi nem bom líder nem bom general. Se não fôra seu forte sustentáculo, Megabysos, êle não poderia ter conservado o trono por muito tempo. Infelizmente Artaxerxes foi governado por sua mãe e por sua esposa e usualmente era indeciso quanto à política a seguir. Sendo que êle era facilmente persuadido e influenciado por seus conselheiros para fazer o bem ou o mal, sua palavra jamais podia ser de confiança. Contudo é notável e até um milagre que o Império pôde manter-se tão unido durante o seu reinado de 42 longos anos. Com a morte de Xerxes a Pérsia tornou-se um imenso campo de batalha em rebeliões, principalmente no Egito, que levou cinco anos para ser novamente submetido. Cêrca de 450 os gregos infligiram sério revés naval aos persas próximo à ilha de Chipre. Sendo que a própria existência do Império parecia estar em risco, Artaxerxes fêz a paz com os gregos em 448 a.C. Esta paz livrou os persas da interferência ateniense em Chipre e no Egito e livrou também as cidades gregas da costa da Ásia Menor do pagamento de tributo. Foi igualmente assentado um compromisso entre Artaxerxes e Megabysos, já que êste, em querelas com o rei, não podia ser eliminado pela fôrça. Foi perdoado pela côrte e mantido em sua alta posição de sátrapa sôbre os territórios entre o Egito e o Eufrates. Na verdade pouco se sabe dos 42 anos de reinado de Artaxerxes I, em que o Império não pareceu ter sido seriamente conturbado por calamidades de alguma conseqüência. Porém, a despeito da incompetência de Artaxerxes Longimano para dirigir seu tão vasto Império e de suas tantas fraquezas morais, contudo Deus o usou para, através de um célebre decreto seu, autorizar a reconstrução de Jerusalém e dar assim fôrça ao restabelecimento, em definitivo, do lar nacional judeu na Judéia, conforme a profecia do capítulo nove de Daniel. 1

Ester 2:21-23.

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XERXES II — UM EFÊMERO REINADO Quando Artaxerxes I morreu pelos fins do seu quadragésimo segundo reinado, provàvelmente em fevereiro do ano 422, condições caóticas prevaleceram mais uma vez. Xerxes, o filho mais velho de Artaxerxes subiu ao trono com o nome de Xerxes II, mas foi morto após 45 dias de reinado, por Secydianus, um de seus “meio irmãos”, auxiliado por alguns eunucos. Mas o assassino não pôde conservar o trono e foi logo pôsto fora do caminho por um outro “meio irmão” de Xerxes II, que tomou o nome de Dario II. VII. DARIO II — OCHUS Dario II Ochus, depois Nothus, reinou de 422 a 406 a.C. Sendo, porém, fraquíssimo, foi completamente governado por Parysatis, sua esposa e irmã, uma mulher de caráter pérfido e cruel, e por três eunucos — Artoxares, Artibanes e Anthous, e trouxe desgraça ao Império por uma série de vergonhosos e sangrentos crimes. O próprio Dario foi um déspota cruel e sanguinário. O resultado destas condições foi o desprêzo para com a autoridade real em todo o reino e uma sucessão de rebeliões que submergiu o govêrno numa crise após outra. Uma destas revoltas foi conduzida por Arsetes, um irmão do rei, que foi seguido pelo sátrapa da Síria — Artyphius, um filho de Megabysos. Ambos confiaram na palavra de Parysatis e de Dario, e finalmente renderam-se, mas foram pérfida e cruelmente mortos. Dario II tomou parte indireta na guerra do Peloponeso, autorizando os sátrapas Pharnabago e Tissaphernes a apoiarem alternadamente os dois partidos. Em sua campanha da Trácia a cargo de Tissaphernes recuperou parte dêste país. Durante seus últimos dois anos Dario foi perturbado por enfermidades, inquietação no Egito e por dissenção de família sôbre a sucessão ao trono depois de sua morte. As evidentes e crescentes fraquezas do govêrno persa e o rápido declínio desde Xerxes, o grande, as contínuas inquietações por todo o Império, — resultaram em que os nacionalistas egípcios tomaram ânimo outra vez e se levantaram contra os opressores. A revolta tornou-se totalmente aberta ao tempo da morte de Dario com a ascenção de Amyrtaeus como rei do Egito. Em 413 o Egito se torna independente da Pérsia com os Faraós indígenas. 349

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No ano 408, no reinado dêste Dario, segundo a profecia de Daniel, capítulo nove, versículo vinte e cinco, foi concluída a reconstrução total de Jerusalém. Crê-se que Dario, chamado “o persa” em Neemias, capítulo doze, versículo vinte e dois, é êste mesmo Dario II. As várias listas de oficiais eclesiásticos citadas no livro Nemias parecem ter seu ponto terminal em seu reino. Os reis persas foram perversos, fracos para governar e maus, mas Deus serviu-se dêles para O ajudarem em relação ao restabelecimento de Seu povo na Palestina desde Ciro. VIII. ARTAXERXES II — ARSACES Subiu ao trono em sucessão a Dario II, seu pai. Chamava-se Arsaces e tomou o nome de Artaxerxes ao galgar o trono em 406 reinando até 359 a.C. Também é nomeado “Mnemon”“ em face de sua prodigiosa memória. Débil, porém, para governar, deixou afinal o poder nas mãos de sua mãe Barisatis, fato que despertou descontentamento entre os sátrapas que continuamente se levantavam em armas. Seu irmão Ciro revoltou-se contra êle e pereceu na batalha de Omaxa próximo de Babilônia. Outros proeminentes eventos de seu reinado foram a paz de Antalcidas em 399 a.C., e a emancipação do Egito que, a despeito dos persas terem enviado 200.000 homens com Evagoras, seu líder, cêrca de 380 a.C., foram derrotados. Os sátrapas ocidentais declararam-se independentes e formaram uma liga ofensiva e defensiva, mas desfêz-se e quase o Império persa se desmoronou. Artaxerxes II morreu em 362 a.C. O único memorial nativo do reinado de Artaxerxes II é uma inscrição achada em Susa, nas bases dos pilares da residência real, que reza: “Diz Artaxerxes, o grande rei, o rei dos reis, o rei das nações, o rei desta terra, o filho do rei Dario; Dario era filho do rei Artaxerxes, Artaxerxes era filho de Xerxes, Xerxes era filho do rei Dario, Dario era filho de Histaspes, o Aquemenido. Dario, meu predecessor edificou êste templo (ou edifício), e posteriormente, foi reparado por Artaxerxes, meu avô. Com o auxílio de Ahuramazda eu coloquei Anahita e Mithra neste templo. Que Ahuramazda, Anahita e Mithra me protejam”.1 IX. ARTAXERXES III — OCHUS Era filho de Artaxerxes II. Reinou de 359 a 338. Inaugurou o seu reinado mandando estrangular a todos os príncipes e princesas da

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Encyclopedia Britânica, art. Artaxerxes II.

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família real em número de oitenta. Êste Artaxerxes foi odiado primeiro por seu povo e depois pelo assassínio de seus dois irmãos que podiam disputar-lhe o trono; e logo por todo o Império por causa de suas crueldades. O inicio de seu reinado foi também assinalado por inúmeras formidáveis revoltas nas províncias ocidentais do Império, que foram vigorosamente reprimidas, e o Império teve uma aparente estabilidade inigualável desde os tempos do grande Dario Histaspes. O Egito, uma das satrapias revoltadas (351) deu lugar à rebelião dos povos da Síria, sendo necessário quatro anos para apagar êste terrível incêndio. No primeiro ataque ao Egito rebelado, os persas foram derrotados. Artaxerxes invadiu outra vez a terra dos Faraós, agora com uma avalanche de guerreiros em número de 400.000 homens, e foi vitorioso. Nesta guerra matou o boi sagrado Apis, deus do sol, e queimou e passou à espada grande parte do país. Baogas, seu conselheiro, o envenenou para vingar a morte do deus Apis, eliminando igualmente a seus filhos com êle. Esta vitória sôbre o Egito foi a última do Império Persa, pois já agonizava e estava à beira do abismo, faltando apenas pouco mais do que nada para despenhar-se e desaparecer do cenário da política internacional. Aproximava-se a hora fatal em que receberia o golpe de misericórdia dos gregos e macedônios unidos que já afiavam as suas espadas para retalhá-lo. X. DARIO III — CODOMANO Êste último rei persa reinou de 338 a 331. Era parente longe dos Aquemenides. Segundo Prideaux, Dario era de nobre estatura, de boa presença e do maior valor pessoal, como também de uma disposição benigna e generosa. Algum tempo havia sido corrido, que levava às províncias os despachos do rei. Dera provas de valentia em um combate contra os endureianos e em conseqüência foi nomeado sátrapa da Armênia. Foi levado ao trono pelo eunuco Bagoas que envenenou o seu predecessor com tôda família real. Não tendo podido Bagoas galgar o trono, pensou fazer de Dario Codomano um dócil instrumento de política em suas mãos, fazendo-o subir ao trono. Porém, enganou-se e procurou eliminá-lo pelo veneno, o que tomando conhecimento Codomano, fê-lo beber a porção que para si preparara. Dario III Codomano teve o infortúnio de lutar com um homem apontado por Deus para derribar o seu cruel Império. O restante da 351

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história dêste Dario, portanto, devemos considerar como a história da invasão de seu reino por Alexandre Magno. Olhando retrospectivamente os dois séculos anteriores a Dario III Codomano, ficamos pasmados com a desumanidade com que governaram o mundo os seus antecessores. As destruições, os massacres, os rios de sangue que causaram, além do furto e das espoliações dos povos que conquistaram e impuseram o tremendo jugo, justificam a escolha dum urso pela revelação para qualificar o caráter do Império Medo-Pérsia na pessoa de seus monarcas impiedosos e cruéis. Todavia, o golpe inexorável estava à vista ao tempo de Dario III, e um pequeno povo, à frente dum grande líder — Alexandre — iria vingar a terra e os povos das chacinas medo-persas aniquilando-as de todo e para todo o sempre. GRÉCIA — O TERCEIRO IMPÉRIO MUNDIAL VERSO 6: — “Depois disto, eu continuei olhando, e eis aqui outro, semelhante a um leopardo, e tinha quatro azas de aves nas suas costas: tinha também êste animal quatro cabeças, e foi-lhe dado domínio”. UM FULMINANTE LEOPARDO-ALADO Antes de tudo leia-se-a exposição: A Origem do Império Grego, na consideração do versículo trinta e nove do capítulo dois. Sem sombra de dúvida, o terceiro animal desta profecia — um leopardo-alado — como o cobre, da profecia da estátua do capitulo dois, aponta ao terceiro Império do mundo a Grécia. Na profecia do oitavo capitulo vemos um bode seguindo um carneiro, e se nos diz ali, claramente, que à Medo-Pérsia seguiu a Grécia. Medas e persas, figurados num potente e esmagador urso, cedem caminho aos gregos figurados num leopardo. O leopardo não é símbolo nacional da Grécia, e sim o bode, como veremos no capitulo oito. O leopardo, como símbolo, foi-lhe aplicado pela profecia para denotar a austúcia e a sagacidade de Alexandre Magno em seus movimentos guerreiros, enquanto as quatro azas para indicar a incrível rapidez de suas conquistas mundiais. Alexandre se precipitou como uma torrente sôbre o gigantesco Império Persa, levando de vencida tôda a resistência que foi inútil contra o seu fulminante avanço. Os gigantescos exércitos mobilizados por Dario III Codomano para 352

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enfrentá-lo, dissolveram-se, como a neve à luz do sol. Em apenas três batalhas fôra selada a sorte do Império dos Aquemenides — que alcançava já dos séculos desde Ciro — e garantido o domínio dos gregos. Que um leopardo vença um urso no reino da zoologia, não podemos admitir. Porém, na profecia que consideramos, um leopardo substitue um urso no domínio do mundo. O uso Medo-Persa alcançara dois séculos de tirania no trono da terra, mas bastava já de seus morticínios e destruições. O mundo já estava cansado de seus tantos massacres, de seus derramamentos de sangue, de seus roubos e de seu arquejante e inominável jugo. Por outro lado, Xerxes e seus sucessores, até ao último, enfraqueceram o reino e o trono pela incompetência e insensatez com que governaram. O Império tornarase um vulcão de revoltas e as intrigas e os assassínios na côrte eram a ordem do dia. O urso Medo-Persa estava assim já bastante cansado, alquebrado e por demais acuado em seu próprio covil para resistir o impacto do leopardo grego em tôda a sua pujante fôrça e indómita vontade de vencer. Mas, o velho urso, ignorando que apenas pouca fôrça lhe animava a estrutura, não se dispõe a entregar-se, pensou sobreviver e triunfar sôbre um animal que considerava inferior em relação a si no reino do qual era o segundo em soberania. Não obstante, quando o urso Medo-Persa era ainda terrivelmente poderoso e invencível na Ásia e na África, não conseguiu triunfar sôbre o leopardo grego sendo êle ainda um filhote. Nem Dario Histaspes nem Xerxes, com todo o poderio de que dispunham, o venceram quer em terra quer no mar. O frágil leopardo dera uma tremenda lição ao audacioso e potente urso que o abalou de alto a baixo e fê-lo cambalear perigosamente. E tudo isto na defensiva e em sua própria casa. Agora, porém, iria o velho e ainda orgulhoso urso receber um impacto em cheio e em seu próprio covil, uma irresistível, veloz e fulminante ofensiva num triunfo esmagador do leopardo já adulto e sequioso de vingança e por se impôr no mundo internacional. É assim que veremos agora Alexandre Magno, belo e forte jovem, filho de Felipe II e de Olímpia, discípulo de Aristóteles, o maior sábio da época, — a invadir o enorme Império Medo-Persa com um punhado de soldados gregos e macedônios, numa tremenda arrancada contra uma avalancha de guerreiros que compunham os exércitos de Dario III. O exército de Alexandre revelava uma verdadeira disparidade numérica de fôrças, — mas também uma acentuada diferença em disciplina bélico-militar. A enorme massa belicosa do urso medopérsico iria ruir ante o valor e o denodo dos soldados de Alexandre. 353

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A surpreendente e extraordinária rapidez que caracterizaram as conquistas vitoriosas de Alexandre, uma façanha a mais notável em virtude das pequenas forças de que dispunha, foi devido, em parte, à superioridade de organização de seu exército, aos seus excelentes guerreiros treinados na escola de seu pai Felipe, e às suas próprias qualidades como general e líder dos homens. A profecia dêste leopardo grego, mais simbólica do próprio Alexandre do que mesmo da Grécia, contém, entre, outras, esta importante cláusula: “E foi-lhe dado domínio”. Na verdade Alexandre não poderia vencer como venceu com seu diminuto exército as enormes forças de Dario, se não lhe fôra “dado domínio”. E quem mais lhe daria o “domínio” senão Deus? É tão evidente a profecia de que Deus o escolhera para abater o Império Medo-Persa, como é evidente o fato de tê-lo abatido inapelàvelmente. Dario Codomano mal imaginava estar lutando contra um homem secundado pelo poder do céu e destinado a vencer pela vontade de Deus. ALEXANDRE INVADE A ÁSIA Diz-se que Alexandre, antes de sua partida para a grande aventura, repartiu seus bens com os seus amigos. Ao ser interrogado por Pérdicas: “Que guardas para ti mesmo?”, respondeu: “A esperança”. Levando consigo òs melhores generais de seu falecido pai Felipe II, da Macedônia, e 35.000 escolhidos soldados (30.000 de infantaria e 5.000 de cavalaria) afeitos a todas as fadigas da guerra, atravessou Alexandre o Helesponto na primavera do ano 334, enquanto uma esquadra greco-macedônia, de 160 galeras seguia pela costa da Ásia Menor a fim de evitar uma possível invasão persa da Grécia por mar ou da própria Ásia Menor por sua retaguarda. A desgraça da Pérsia — em parte — consistiu em que os sátrapas da Ásia Menor não cumpriram devidamente a ordem do rei Dario da concentração de um poderoso exército para conter a invasão de Alexandre. A armada persa estava pronta para fazer-se ao mar; porém, nem ela nem as tropas de terra estavam deveras em seus postos quando Alexandre e seu exército transpuzeram o Helesponto. O conselho de retirar-se, cortar ao inimigo os víveres e tentar um desembarque na Grécia, foi recusado e em câmbio se concentraram uns 40.000 homens às margens do Grânico para a defesa da fortaleza de Dasilco, na Bitínia. 354

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A BATALHA DO GRÂNICO Em maio do mesmo ano 334 deu-se o grande primeiro choque nas margens do rio Grânico. O desastre dos asiáticos foi inevitável. Muito sangue persa foi derramado. O exército de Dario foge espavorido deixando grande número de mortos no campo de batalha, incluso oito generais e mais um outro que fugiu para suicidar-se ante o desespêro da derrota. Um elevado número de prisioneiros e grande cópia de material bélico caiu em poder dos vitoriosos, o comandante persa de Sardo entregou-se incondicionalmente e sem batalha e Alexandre fêz daquela praça forte uma poderosa base de suas operações na Ásia Menor. Na Frígia cortou Alexandre, com a espada, o famoso “nó górdio”, — cujas pontas não apareciam — depois de várias e infrutíferas tentativas para desatá-lo, pretendendo ter assim interpretado o oráculo que prometia o Império da Ásia a quem soubesse desatá-lo. UMA CARTA DE DARIO A ALEXANDRE Depois da derrota do Grânico, enviou Dario uma orgulhosa e ofensiva carta a Alexandre, que damos abaixo: “Desta capital dos reis da terra: Enquanto o sol brilha sôbre a cabeça de Iskander Alexandre, o salteador, etc. etc., saiba êle que o Rei dos Céus me outorgou o domínio da terra, e que o Todo-poderoso me concedeu os quatro quartos da superfície dela. Distinguiu-me outrossim a Providência com a dignidade, a majestade e a glória, e com um sem conta de campeões e confederados. Chegou ao nosso conhecimento que reunistes uma corja de ladrões dos quais a tal ponto vos escaldou a imaginação que vos propuzestes com a ajuda dêles disputar a coroa e o trono, devastar o nosso reino e destruir o nosso país e o nosso povo”. “Tais resoluções são, em sua crueldade, perfeitamente consistentes com a fatuidade dos homens de Room. Mas é melhor para o vosso bem que, ao lerdes estas linhas regresseis imediatamente do lugar até onde chegastes. Quanto ao vosso movimento criminoso, não tenhais receio da nossa majestade e punição, pois não entrastes ainda para o número daqueles que nos merecem vingança ou castigo. Olhai bem! Mando-vos um cofre cheio de ouro e um burro carregado de sésamo no propósito de dar-vos uma idéia da extensão da minha riqueza e poderes. Mando-vos também um chicote e uma bola: a 355

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última para que vos entretenhais com um brinquedo próprio da vossa idade; o primeiro para servir ao vosso castigo”. “Ao receber essa carta, ordenou Alexandre que fossem presos e executados os embaixadores que a tinham trazido. Mas êstes lhe suplicaram misericórdia e foram finalmente atendidos. Regressaram para o seu país levando a seguinte resposta de Alexandre a Dario: “... para provardes e reconhecerdes o amargor de minha vitória. “Do Zul-ul-Kurnain Alexandre àquele que pretende ser o rei dos reis; que se julga temido pelas próprias hostes celestes; e que se considera a luz de todos os habitantes do mundo! Como se pode então dignar tão alta pessoa de temer um inimigo tão desprezível como Iskander? “Não saberá Dario que o Senhor Onipotente outorga poder e domínio a quem bem lhe aprás? E também que quando um fraco mortal se julga um deus e vencedor das hostes celestes a indignação do Todo-poderoso lhe reduz a ruína o reino? “Como pode um indivíduo destinado à morte e à decomposição ser um deus, êle a quem lhe tomam o reino e que deixa para outro os prazeres dêste mundo? “Olhai! Decidi travar batalha convosco e para isso marcho na direção de vossas terras. Confesso-me fraco e humilde servo de Deus, a quem ofereço as minhas preces para que me conceda a vitória e o triunfo, e a quem adoro. “Com a carta em que fizestes tamanho alarde dos vossos podêres me enviastes um chicote, uma bola, um cofre cheio de ouro e um burro carregado de sésamo; tudo isso agradeço a boa fortuna e considero como sinais auspiciosos. O chicote significa que serei o instrumento do vosso castigo e me tornarei o vosso governador, preceptor e diretor. A bola indica que a superfície da terra e a circunferência do globo obedecerão aos lugar-tenentes. O cofre de ouro, que é uma parte do vosso tesouro, denota que as vossas riquezas me serão transferidas muito breve. E quanto ao sésamo, embora os seus grãos sejam tão numerosos, todavia é macio ao tato e de todos os gêneros de alimentos o menos nocivo e desagradável. “Em retribuição vos envio um saco de mostarda para provardes e reconhecerdes o amargor da minha vitória. E não obstante vos terdes exaltado com tamanha presunção, soberbo da grandeza do vosso reino e pretendendo ser uma divindade na terra, ousando mesmo compararvos à Majestade celeste, eu verdadeiramente é que sou o vosso senhor supremo; e embora vos tenhais esforçado por me alarmar com a enumeração do vosso poder e dos vossos recursos em homens e 356

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armas, todavia confio na intervenção da Divina Providência que hei de ver a vossa jactância reprovada por todo o gênero humano; e que na mesma proporção em que vos exalçastes vos humilhará o Senhor e me concederá a vitória sôbre vós. No Senhor está a minha fé e a minha confiança. Adeus”.1 A BATALHA DE IPSO A batalha de Ipso, a segunda de Alexandre contra Dario, deu-se a 29 de novembro do ano 333. Dario concentrou 600.000 homens para êste encontro com Alexandre. O exército persa havia se detido na estreita planície ao sul de Ipso, entre um lago e os flancos escarpados da montanha, e Alexandre não lhe deu tempo de sair desta desvantajosa posição onde o espaço era insuficiente para o eficaz manejo das numerosas tropas de Dario, mormente da cavalaria que era a arma mais temível dos persas. A batalha generalizou-se por corpo a corpo. Era impossível retroceder. Diz-se que só matando se ganharia o espaço. A princípio a peleja pareceu indecisa. Porém, ao destruir Alexandre em pessoa a ala esquerda persa e a cavalaria da guarda de Dario, a derrota dêste se precipitou. Seu exército mais uma vez foge ante o valor dos soldados de Alexandre, deixando no campo 100.000 persas mortos e grande número de prisioneiros. As perdas foram de 100 persas para um dos soldados do vitorioso. Alexandre queria aprisionar Dario e matá-lo em seu próprio carro. Mas êle pôde escapar graças a seu veloz cavalo e à escuridão da noite, deixando prisioneira tôda a sua família — esposa, duas filhas, um filho e a própria mãe — que foi tratada com consideração por Alexandre. Imensa prêsa de 2.600 talentos de ouro. 500 talentos de prata — cai em poder do vencedor. O caminho do exército persa em fuga ficou semeado de objetos de valor e custosos trajes. Dario envia embaixadores a Alexandre propondo a paz. Oferece imensa soma pelo resgate da família, tôda a Ásia Menor e ainda Statira e um dote de trinta milhões. Mas, pela paz pede Alexandre todo o Império Persa, e rumou para o Egito. Em Tarso adoeceu Alexandre seriamente de um banho que, suado, tomou nas águas geladas do Cydnus. Foi avisado que seu médico Felipe puzera veneno na poção que lhe daria como remédio. 1

As Grandes Cartas da História, M. Lincoln Schuster, páginas 17-20.

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Mas êle não creu, e diz-se que tomou o medicamento segurando em uma das mãos a carta de advertência. Enquanto se dirigia Alexandre para o sul, Dario teve tempo de preparar um mais numeroso exército poderosamente equipado, do qual faziam parte contingentes de todos os povos do Império. O MEMORÁVEL CÊRCO DE TIRO Depois da vitória de Ipso dirigiu-se Alexandre para o sul. Damasco e as riquezas da Pérsia que ali se encontravam caem em seu poder. Sidom é depois tomada sem resistência. Logo chega o vitorioso diante da nova e orgulhosa cidade de Tiro — que resiste um cêrco de sete mêses. Acampado defronte de Tiro, manda Alexandre “uma mensagem aos habitantes da nova cidade pedindo-lhe autorização para entrar e adorar os deuses da cidade. Os habitantes recusaram compreendendo o estratagema de Alexandre para se apoderar da sua cidade forte. O macedônio, ferido no seu orgulho, acampa-se defronte da cidade orgulhosa que lhe oferece uma forte resistência. Impaciente, e dum caráter impetuoso, não tenta tomá-la pela fome, isso levar-lhe-a muito tempo. Pensou então em forçar as suas muralhas e derrubar as suas torres. Mas entre os muros e o seu exército estendia-se o mar numa largura de 800 metros. O fogoso Alexandre, que tinha desbaratado 460.000 soldados da infantaria persa e os seus 100.000 cavaleiros, poderia ficar agora retido por essa massa de água? Os seus soldados põem de lado o sabre e o escudo e, sob as ordens de Alexandre, constroem uma estrada indo do continente aos muros de Tiro”. “As ruínas da antiga Tiro, destruída 250 anos antes, forneceram os materiais. Uma emprêsa tão gigantesca parecia, durante algum tempo, acima dos esforços mesmo dum Alexandre. As obras apenas começadas foram queimadas pelo inimigo, e a seguir destruídas por uma tempestade. Foi preciso novamente juntar uma grande quantidade de materiais; foi aproveitada tôda a terra e até mesmo o entulho, e esse mesmo conquistador, que não consegue reconstruir as Muralhas da Babilônia, lança no mar as de Tiro até mesmo o próprio pó do lugar que elas tinham ocupado”. “Logo que as muralhas ruíram para dar passagem ao grande vencedor, Alexandre vingou-se dêsses tírios que o tinham retardade na sua marcha contra o Egito. Sômente alguns habitantes, 15.000 aproximadamente, puderam escapar sôbre os seus navios. Um grande número foi passado ao fio da espada, outros pereceram no incêndio ordenado por Alexandre, os que foram 358

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poupados, 230.000, segundo alguns autores, foram vendidos como escravos”. “O cêrco de Tiro”, diz o Dr. A. Keith, “por Alexandre, o Grande, é um dos mais singulares acontecimentos da História. Irritado com o fato de que uma cidade solitária como Tiro pudesse por tanto tempo deter a marcha do seu exército vitorioso, desesperado pelo assassinio de alguns soldados seus, e orgulhoso da sua nomeada, nada pôde demover o jovem vencedor a levantar o cêrco. A tomada de Tiro foi ainda mais espantosa que o plano de ataque audacioso”. ALEXANDRE EM JERUSALÉM Depois da tomada de Tiro, o próximo importante objetivo de Alexandre foi Jerusalém. Flávio Josefo, o grande historiador judeu fornece-nos importante relatório sôbre a estada de Alexandre em Jerusalém, como damos abaixo: “Quando se soube que êle já estava perto, o Grão-Sacrificador, acompanhado pelos outros sacrificadores e por todo o povo, foi ao seu encontro, com essa pompa tão santa e tão diferente da das outras nações, até o lugar denominado Sapha, que em grego significa mirante, porque de lá se podem ver a cidade de Jerusalém e o templo. Os fenicios e os caldeus, que estavam no exército de Alexandre, não duvidaram de que na cólera em que êle se achava contra os judeus êle lhes permitiria saquear Jerusalém e daria um castigo exemplar ao Grão-Sacrificador. Mas aconteceu justamente o contrário, pois o soberano apenas viu aquela grande multidão de homens vestidos de branco, os sacrificadores revestidos com seus paramentos de linho e o Grão-Sacrificador, com seu efod, de côr azul adornado de ouro e a tiara sôbre a cabeça, com uma lâmina de ouro sôbre a qual estava escrito o nome de Deus, aproximou-se sozinho dêle, adorou aquêle augusto nome e saudou o Grão-Sacrificador, ao qual ninguém ainda havia saudado. Então os judeus reuniram-se em redor de Alexandre e elevaram a voz, para desejar-lhe tôda a sorte de felicidade e de prosperidade. Mas os reis da Síria e os outros grandes, que o acompanhavam, ficaram surpresos, de tal espanto que julgaram que êle tinha perdido o juízo. Parmênio, que gozava de grande prestígio, perguntou-lhe como êle, que era adorado em todo o mundo, adorava o Grão-Sacrificador dos judeus. Não é a êle, respondeu Alexandre, ao Grão-Sacrificador, que eu adoro, mas é a Deus de quem êle é ministro. Pois quando eu ainda estava na Macedônia e imaginava como poderia conquistar a Ásia, êle me apareceu em sonhos com êses mesmos hábitos e me exortou a nada temer, disse-me que passasse 359

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corajosamente o estreito do Helesponto e garantiu-me que êle estaria à frente do meu exército e me faria conquistar o império dos persas. Eis por que, jamais tenho visto antes a ninguém vestido de trajes semelhanles aos com que êle me apareceu em sonho, não posso duvidar de que não foi por ordem de Deus que empreendi esta guerra e assim vencerei a Dario, destruirei o império dos persas e tôdas as coisas suceder-me-ão segundo meus desejos. Alexandre, depois de ter assim respondido a Parmênio, abraçou o Grão-Sacrificador e os outros sacrificadores, caminhou depois no meio dêles até Jerusalém, subiu ao templo, ofereceu sacrifícios a Deus da maneira como o GrãoSacrificador lhe dissera fazer. O Soberano Pontífice mostrou-lhe em seguida o livro de Daniel no qual estava escrito que um príncipe grego destruiria o império dos persas e disse-lhe que não duvidava de que era êle de quem a profecia fazia mensão. Alexandre ficou muito contente; no dia seguinte, mandou reunir o povo e ordenou-lhe que dissesse que favores desejava receber dêle. O Grão-Sacrificador respondeu-lhe que êles lhe suplicavam permitir-lhes viver segundo suas leis, e as leis de seus antepassados e isentá-los no sétimo ano, do tributo que lhe pagariam durante os outros. Êle concedeu-lhe. Tendolhe, porém, êles pedido que os judeus que moravam em Babilônia e na Média, gozassem dos mesmos favores, êle o prometeu com grande bondade e disse que se alguém desejasse servir em seus exércitos êle o permitiria viver segundo sua religião e observar todos os seus costumes. Vários então alistaram-se”.1 ALEXANDRE DIRIGE-SE AO EGITO De passagem para o Egito, Gaza resiste Alexandre num cêrco de dois meses. Defendida por Betis, seu governador. Tomada e destruída a cidade, diz-se que o vencedor fêz arrastar três vêzes o cadáver de Betis em tôrno da cidade, como havia feito Aquiles com o de Heitor, ao redor dos muros de Tróia. Do Egito o herói macedônio é recebido como libertador, ato que já se havia verificado em muitas das províncias da Ásia. Na terra dos Faraós fundou Alexandre, Alexandria. centro e laço de união entre o Oriente e o Ocidente, tanto para o comércio como para a cultura intelectual. Do Egito avançou para o interior da Líbia, para visitar o templo de Ammon, onde foi recebido como um “deus” e como o filho 1

Josefo, Vol. III, págs. 378 a 381.

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querido de Ammon-ra, o senhor do Universo. Diz o historiador: “Alexandre visitou o célebre Oásis de Siwan, onde se encontra o deus egípcio Ammon, chamado Júpiter Ammon na Grécia, e relacionado com o oráculo geral grego. Ali deixou-se consagrar pelos sacerdotes do templo como filho de Ammon e como filho do Sol, seguindo a uzança dos antigos Faraós do Vale do Nilo”.1 A BATALHA DE ARBELAS Com 50.000 homens em marcha forçada, atravessou Alexandre o rio Eufrates em Thapraca e o Tigre superior a dezesseis milhas das ruínas de Nínive, para encontrar Dario Codomano e seu exército em Arbelas e vibrar a batalha decisiva com a Pérsia. Com esta terceira batalha — 2 de outubro do ano 331 — ficou liquidado o poderio da Medo-Pérsia ou propriamente da Pérsia. Dario empregou um exército de 1.000.000 de soldados de infantaria e 200.000 de cavalaria. O terreno havia sido preparado para facilitar os movimentos principalmente da cavalaria, dos carros e dos elefantes persas. O exército de Alexandre era cêrca da vigéssima parte do de Dario. Mas Alexandre foi informado de todos os planos de Dario para aquela batalha e formulou também os seus planos para desbaratá-lo. Iniciado o supremo choque, a confusão nas fileiras de Dario não se fêz esperar muito. O rei persa foge espavorido e com êle o seu exército desbaratado e disperso. Nada menos de 300.000 asiáticos mortos juncaram o campo da luta e grande número de prisioneiros foi feito. Uma imensa prêsa de guerra cai em poder de Alexandre e seu vitorioso exército. Alexandre, diz o historiador, perdeu cem homens e mil cavalos. ALEXANDRE ENTRA VITORIOSO EM BABILÔNIA Vitorioso na batalha decisiva de Arbelas, dirige-se Alexandre a Babilônia. As portas da capital da Ásia lhe foram abertas sem resistência alguma, sendo êle recebido com toda a solenidade. Maceio, o general persa, saiu com sua família ao encontro do vencedor. O povo em massa se reunira sobre as muralhas para conhecer o nôvo rei e, ao vê-lo, adianta-se para recebê-lo fora das portas da cidade. O 1

História Universal, G. Oncken, Vol. V, pág. 351.

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tesoureiro e governador do castelo, Bagoianes, mandou semear o caminho de flores e coroas e levantar em ambos os lados altares de prata, nos quais se queimaram incenso e tôda a classe de perfumes. Depois lhe apresentaram regalos, rebanhos de toda a classe de gado e cavalos, panteras e leões enjaulados; os magos entoaram hinos sagrados; os caldeus tocaram instrumentos de vento, e fechavam a comitiva ginetes babilônios com atavios magníficos. Alexandre, rodeado de guerreiros, entrou na cidade em um carro e foi instalar-se no palácio de Nabucodonosor. ALEXANDRE NO ENCALÇO DE DARIO CODOMANO Depois de receber altas homenagens em Babilônia, assegurar a posse da cidade e convertê-la em capital do imenso Império arrebatado aos Aquemenides, — mete-se Alexandre (330) pelo Irã em fora em busca de Dario fugitivo. Queria alcançá-lo em Bactriana para fazê-lo abdicar voluntariamente e entregar formalmente a corôa. O rei persa estava resolvido a travar mais uma batalha e fazia preparativos para isso. Porém, Barsentes, sátrapa de Aracosia, e Bessus, sátrapa de Bactria, apoderaram-se de sua pessoa para entregá-lo prisioneiro a Alexandre, ou matá-lo e continuar a guerra por conta própria. Aproximando-se, porém, Alexandre a marchas forçadas do atual Shahrud, na Pártia, encontrou ali o grupo que conduzia Dario numa carruagem fechada. Barsentes e Bessus; com 1.000 ginetes que os secundavam, fogem depois de ferirem mortalmente o rei persa. Dizem historiadores que Alexandre assistiu os últimos momentos de Dario, pôs sua capa sôbre êle e o consolou, e que Dario o agradeceu, recomendou-lhe sua mãe Gul-ara (corôa de Rosas) e sua filha Ruscheneh (a brilhante) e lhe suplicou fôsse clemente com seu povo, — expirando em seus braços. Alexandre fêz transportar o seu cadáver para a Pérsia onde foi depositado em uma cripta dos Aquemenides. Tomou então Alexandre o encargo de vingar o assassínio de Dario, cuja corôa quiseram dar ao príncipe Bessus — com o nome de Artaxerxes — e Dario protestou, possível razão porque foi morto. Bessus foi prêso mais tarde e entregue a Alexandre que, por sua vez, o entregou a Oxatres, irmão de Dario, para que o castigasse. Foi atado a duas árvores unidas com cordas; ao desatarem estas, se separaram com violência levando cada uma parte do corpo de Bessus. Assim colheu êste o fruto imediato de seu crime. 362

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AS CONQUISTAS DE ALEXANDRE NO ORIENTE Susã foi a primeira grande capital do Irã a cair em poder de Alexandre, novembro do ano 331. Imensas riquezas dos reis persas foram ali encontradas: 40.000 talentos de ouro; 9.000 talentos de ouro cunhado; 5.000 talentos em tecidos de púrpura e preciosas obras de arte que Xerxes havia levado da Grécia. Em meados de janeiro do ano 330 Persépolis foi tomada e queimada. Em maio do mesmo ano cai Ecbatana, na qual fêz Alexandre uma nova base de operações no Irã Oriental. Ei a esta a mais formidável fortaleza do interior do Império, e nela Alexandre guardou os tesouros arrebatados aos Aquemenides em Susã, Persépolis e em si própria, — no valor total de 190.000 talentos. Seis mil soldados ficaram ali montando guarda ao grande tesouro. Recorre Alexandre a Pártia, a Draugiana, a Aracôsia vitoriosamente. Em julho de 330 submete territórios ao sudoeste do mar Cáspio — a Tapúria e a Hircânia. Planejou Alexandre levar suas conquistas até às fronteiras do Beluchistan e o Vale de Cabul que conduz ao Indo. Em abril do ano 329 atravessou as montanhas do Sinducusch, a 9.000 pés de altitude. Recorreu tôda a Bactriana sem dificuldade, e apoderou-se da magnífica cidade de Zariaspa ou Cactria e de sua cidadela tão famosa desde tempos legendários dos primitivos períodos históricos. Nesta cidade Alexandre casa com Roxana, sua prisioneira e filha do príncipe bactriano de nome Oriartes, que passava pela mulher mais formosa daquele tempo, — com ruidosas bodas. Fêz ali a base de operações ao norte de Hinducush. Penetra então o Laxartes vibrando grandes combates com povos selvagens das montanhas. A esta altura, caudilhos da Bactriana e da Sodigiana levantam-se contra Alexandre. Êste levante estendeu-se como um incêndio destruidor até à Bactriana Oriental. Mas êle não desanimou. Destrói as cidades do Iaxartes que se sublevaram matando todos os habitantes do sexo masculino. Na margem direita do Iaxartes deu uma grande batalha contra os escitas — vencendo-os. Aniquilou completamente os sublevados da Bactriana e Sodigiana. Terminada a guerra na Sodigiana, volta Alexandre a Zariaspa para repousar até depois da primavera do ano 327. Neste ano cruza o Hinducush. Na primavera do ano 326 chega à Índia, tão cheia de perigos. O primeiro obstáculo sério na terra dos indus foi o rei Poro, que êle venceu em renhida batalha. No Hifasis, na comarca do rei 363

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Magdala, que exercia sua soberania sôbre o território do Ganges, os soldados de Alexandre se negaram a ir adiante. Êle então renunciou a conquista completa da Índia, limitando-se a apoderar-se de todo o Pendejab e das margens do Indo Inferior. No verão do ano 326 empreendeu Alexandre a retirada e chega em setembro ao Acesines. Mandou construir ali uma esquadra com a qual queria levar ao oceano Índico uma grande parte de seu exército, já de 120.000 homens. Em novembro do mesmo ano a expedição dirigiu-se para o sul. A esquadra se achava custodiada à direita e à esquerda por fortes colunas do exército, que travavam com freqüência sangrentos combates com povos indus livres — mas sempre vitoriosos. Durante o assalto da última fortaleza dos Malaios, Alexandre recebeu um ferimento perigoso que lhe pôs à borda da sepultura. Afinal chegaram à confluência do Panchanada com o Indo. Nesta parte meridional da satrapia novamente formada na Índia Superior, Alexandre tratou, a princípio do ano 326, de conquistar o Sinduh, isto é, a comarca do Indo Inferior. Depois de alguns sangrentos combates chega à comarca setentrional do Delta do Indo — Fotalene — cujo soberano, Saureya, lhe presta homenagem. Soube aí Alexandre de más notícias das comarcas que se estendiam entre Cabu de Ecbatana, que denunciavam grandes transtornos e violências por parte dos governadores que, crendo difícil o seu regresso da Índia, haviam abusado da sua situação. Mas êle enviou tropas que sufocaram o levante com êxito. Em fins de julho do ano 525, chegaram Alexandre, seu exército e a esquadra à desembocadura do Indo no oceano Índico. Ali vêem pela primeira vez a maré, coisa estranha na Grécia. A frota passa a explorar o litoral do oceano Índico, e Alexandre casa com mais uma mulher — Statira — filha de Dario que, enviada do pai, já lhe havia sido oferecida. Em outubro do mesmo ano parte da esquadra — 100 navios, e 5.000 homens, comandada pelo grego Nearco — rumou para o Gôlfo Pérsico. Em fins de agôsto já havia Alexandre, com o exército de terra, saído de Patala de regresso ao Irã. Ao alcançar a Pura, três quartas partes do exército havia perecido. Só 30.000 homens chegaram em estado deplorável àquela localidade, onde descansaram longo tempo. Foi devido à falta dágua, de víveres e da grande fadiga que pereceram tantos de seus soldados. Em janeiro de 324 regressaram a Susã, onde as tripulações do exército e da esquadra se reuniram e solenizaram o encontro com grande festa. Muitos matrimônios se realizaram entre orientais e 364

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europeus — entre os mais ilustres gregos e macedônios e os jovens das mais ilustres famílias da nobreza iraniana. Em agosto de 324 fêz Alexandre uma bem sucedida expedição à Média, e a princípio de 323 marcha para Babilônia, aniquilando alguns povos pelo caminho. Resumindo as conquistas de Alexandre, assim as temos Em quatro anos subverteu o Império Persa fundado por Ciro, o grande, fazendo-se senhor dêle por conquista. Outros quatro anos foram dispendidos em subjugar as tribus selvagem do Plateau Iraniano e a maioria dos povos civilizados do Vale do Indo. Nesta gigantesca emprêsa dispendeu Alexandre apenas dez anos de campanha bélica, desde a invasão do Império Persa. A MORTE SÚBITA DE ALEXANDRE Os astrólogos o aconselharam a não entrar em Babilônia. Há desgraças, advertiram êles. Todavia regressou êle à grande cidade da qual fizera capital do Império conquistado como já o era antes. Em Babilônia ocupa-se Alexandre em resolver uma multidão de negócios do govêrno e em fazer novos preparativos, por terra e mar, recebendo além de tudo embaixadores de vários países do Ocidente: De Cartago, de outras cidades da África, da Espanha, Sicília, Gália, Sardenha, e mesmo de Roma. Tanto era o terror de seu nome, que tôdas as nações vieram render-lhe obediência como alguém que foi designado pelo Todo-poderoso a ser o seu monarca. Depois de ver realizado o sonho duma dominação universal — do Adriático às montanhas centrais da Ásia e o Indo; do Mar Cáspio ao Gôlfo Pérsico; do Mar Negro ao Egito e Etiópia; da Grécia, Itália e Espanha ao Norte da África — tudo repousando sob um único desejo, um simples cérebro, alimentado pelo pensamento helênico — foi ela, qual passageira ilusão, desmoronada pela fatal realidade — a morte. Em fins de maio do ano 325, quando o exército e a esquadra se preparavam para marchar para o Sul — para conquistar a península árabe no centro dos seus domínios Alexandre, minado por excessivos trabalhos de vastos projetos, pelas fadigas, pelos sofrimentos morais e entregue a uma vida licenciosa e às orgias — viu-se repentinamente acometido por fortes febres que em onze dias lhe roubaram a vida a 13 de junho do ano 323, aos 32 anos de idade. Os soldados de Alexandre não consentiram que êle morresse sem que o vissem mais uma vez. Os guardas do palácio foram obrigados a 365

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abrir-lhes as portas, e os veteranos de cem batalhas desfilaram pesarosamente ante o leito de seu moribundo comandante. A morte de Alexandre chocou o mundo de estupor. Seu corpo, segundo suas últimas disposições, devia repousar no templo de Júpiter Ammon, mas Tolomeu o conservou no Egito. Foi levado primeiramente para Menfis e, posteriormente, para Alexandria, no Egito, e ali colocado em uma urna de ouro, substituída depois por uma de cristal, sôbre o qual foi levantado um esplêndido mausoléu. Sua ambição por honras divinas lhe fôra satisfeita em sua morte, pois no Egito e em tôda a parte templos foram a êle dedicados, e adoração divina foi tributada às suas estátuas. Em 324 êle requereu que cada cidade o arrolasse no círculo de suas divindades. Isto foi feito relutantemente em alguns lugares, como em Atenas e Esparta, mas em geral foi feito com entusiasmo. A Grécia celebrou sua morte, a Ásia o chorou, e ainda os próprios persas dêle se recordavam com amor e profundo respeito. Alexandre deixou sua mãe Olímpia; suas três esposas — Roxana, Statira e Barsino; seus dois filhos — Alexandre Egue e Hércules, e seu irmão Felipe Arideu. Foi sucedido no trono por seu irmão e por seus dois filhos. Porém, quinze anos depois, tôda a sua parentela havia sido assassinada, em atenção à profecia do capítulo onze do livro de Daniel, versículo quatro. Séculos depois César visitou o sepulcro de Alexandre, e pôde ter uma idéia da efêmera ambição dos que almejam ser grandes mesmo à custa do derramamento de abundante sangue humano e destruições sem conta. O ataúde de Alexandre Magno existiu até Alexandre Severo, desaparecendo daí em diante. Alexandre é a flor da raça grega, a suprema figura na galeria de seus heróis. Em fôrça física e beleza, em alcance e equilíbrio mental, em propósito e domínio próprio, foi êle preeminente entre os homens de seu tempo. De elevados e mais sentimentais ideais, de coração bondoso, companheiro genial e amigo, ídolo de suas tropas, destemido para vingar a negligência no dia da batalha, — sabia êle como agir incansavelmente, como fazer permanecer seus propósitos com uma resolução de ferro para varrer tôda a oposição de seu caminho, e para negar-se a si mesmo sem piedade para cumprimento de seus planos. Para alcançar tão alta posição e permanecer sozinho, no cume de seus tão grandes empreendimentos, foi para tão jovem homem uma admirável realidade. Mas Alexandre não escapou incólume. O poder fê-lo às vêzes arbitrário e cruel. A posição levou-o a crimes 366

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inexcusáveis. Em dez anos de incessante atividade êle venceu enorme área do globo e deliberou dirigir-se a novos caminhos. Jamais perdera uma batalha, e terminou quase cada guerra em uma ou duas batalhas. Tôdas as terras que seus olhos viram, foram por êle conquistadas. Enquanto cumprindo esta tarefa êle tornou seu nome imortal. Por um ato notável Alexandre não pode ser jamais esquecido, aliás, pelo único valor de suas conquistas além de suas efêmeras ambições e intenções políticas, — que foi a difusão da língua e da cultura gregas na Ásia, unindo o Ocidente e o Oriente, preparando assim o caminho para a introdução da religião cristã no mundo e facilitando em parte a marcha triunfal dos arautos do evangelho nos primeiros séculos. Deu assim Alexandre uma língua à dessiminação do evangelho, enquanto os romanos dariam mais tarde estradas relativamente boas. Por suas mãos cumpriu Deus, pois, dois de seus grandes propósitos; — justiçar o desalmado e impiedoso Império Medo-Persa e propagar um idioma comum para a implantação do evangelho na Ásia e na Europa. AS QUATRO CABEÇAS DO LEOPARDO Antes da morte de Alexandre, ainda conseguiu Pérdicas arrancar sua opinião quanto à sucessão. Perguntou-lhe a quem se destinaria o Império, o que respondeu êle e dissse: “Ao mais digno”; e acrescentou que seus funerais seriam sangrentos. E deveras foram sangrentos os seus funerais. Seus generais lutaram encarniçadamente durante vinte anos pela sucessão, até que fragmentaram o grande Império em quatro partes, sem que com isso cessassem as lutas entre êles até o advento dos romanos que os liquidaram. Sôbre esta quádrupla divisão do Império de Alexandre figurada nas quatro cabeças do leopardo, veja-se o versículo oito do oitavo capítulo desta dissertação do livro de Daniel. Quão completa e perfeitamente a História apresenta o cumprimento desta notável profecia sôbre Alexandre e suas conquistas, temos aqui apresentado ainda que muito mais podia ser dito. ROMA — O QUARTO IMPÉRIO MUNDIAL VERSO 7: — “Depois disto, eu continuava olhando nas visões da noite, e eis aqui o quarto animal, terrível e espantoso, e muito forte, o qual tinha dentes grandes de ferro; êle devorava e fazia em pedaços, e 367

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pisava aos pés o que sobejava; era diferente de todos os animais que apareceram antes dêle, e tinha dez pontas”. UM ANIMAL FORA DA ZOOLOGIA Antes de tudo leia-se a exposição: — A Origem do Império Romano, na consideração do versículo quarenta do capítulo dois. No capítulo dois Roma é primeiramente figurada no ferro, sendo referido que ela, como “quarto reino” da terra, seria “forte como ferro” e como o ferro tudo esmiuçaria e quebraria. Agora, neste sétimo capítulo, Roma é figurada num animal espantoso e mais potente do que os três que o precederam na visão do profeta. Só a inspiração poderia imaginar uma tal monstruosidade que representasse a índole antipática e perversa do que fôra o Império Romano e qualificasse a sua nefanda férrea política e o seu impiedoso trato para com as nações menos fortes sôbre as quais exerceu o seu poder. Sim, eis um monstro especialmente criado pela revelação, parecendo um mito, uma lenda, — dado o seu temível aspecto e suas terríveis atitudes ao surgir das gigantescas ondas do mar aos olhos do vidente de Deus. Assim o quarto animal desta grande profecia é o retrato perfeito e antecipado do que foram os romanos no trono da terra durante quase seis e meio séculos, uma fotocópia simbólica evidente do caráter tirânico e impiedoso de seus Imperadores. O pouco que diremos dêste cruel poder, em relação às suas conquistas e domínio no mundo, será o suficiente e convincente para confirmar a profecia que lhe diz respeito e harmonizar o símbolo com a sua realidade. Verificaremos que nenhum outro poder, além de Roma, se ajustou e se ajusta tão completamente ao emblema profético do quarto animal. A história desta potência mundial se encarregou de dar razão ao símbolo inspirado que lhe concerne nesta revelação e comprová-lo com a maior exatidão e os mais impressionantes detalhes. Os testemunhos dos fatos históricos relativos a Roma e seu inspirado símbolo, são mais que sobejos para exaltar e testificar da veracidade da inspiração do livro de Daniel e de tôdas as Sagradas Escrituras dos quais êle é uma parte. Esta revelação única, pois, é capaz de transformar os “Incrédulos de boa fé” em “cristãos de boa fé”, levando-os aos pés de Cristo e ao eterno reino de Deus. Não somente é imprescindível um pouco de vontade para examinar a profecia e os fatos que a cumpriram. 368

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COMO ROMA CONQUISTOU O LESTE E O SUL Enquanto ainda terçando armas com Cartago, na segunda Guerra Púnica, pela hegemonia do Mediterrâneo, começou Roma — passo a passo, porém, com firmeza — a apoderar-se de uma após outra nação do Leste e do Sul. Grécia e Macedônia, o reino do Oeste do dividido Império de Alexandre, foi o primeiro firme degrau a galgar na marcha para tornar-se o quarto Império da terra. Felipe V da Macedônia tentou assistir Cártago contra Roma. Mas esta preveniu-se formando aliança com certos Estados gregos e com Pérgamo contra o rei macedônio. O dever de não permitir a destruição de seus antigos aliados de Alexandria e de Pérgamo, nem dos ródios que eram seus aliados mercantis desde mais de um século, e por último o natural temor com que havia de olhar o crescimento da inimiga potência macedônia, crescimento que pedia ser altamente prejudicial ao comércio siciliano e itálico, — foram as causas de o Senado não considerar insensata uma nova guerra, contra o perigoso Felipe V, enquanto prosseguisse a guerra contra Cártago. Em 203 Felipe V atacou as fronteiras ilíricas. Em 201 Roma envia uma esquadra de observação de 38 navios aos mares gregos. Lépido, que visitara Felipe V defronte a Abidos, comunicou as condições do Senado, isto é, a suspensão, da parte do rei macedônio, dos ataques às cidades gregas e contra o Egito, devolução dos territórios tomados aos lagidas e a aceitação de um tribunal sem apelação para resolver os agravos a Pérgamo e a Rodes. Felipe V rechassou todas essas exigências, sem declarar rota a paz com Roma, como desejavam os romanos. Mas isto não evitou a guerra. Roma não quis precipitar-se agora como na primeira guerra com a Macedônia entre 215 e 205 a.C. Em março do ano 200 os atenienses enviaram uma comitiva a Roma para suplicar auxílio contra Felipe V que castigava as cidades gregas, e deram ao Senado um pretexto cômodo para declarar guerra contra Felipe V, encontrando ali uma tão boa acolhida que Felipe, avisado da formal declaração futura dos atenienses, e conhecendo perfeitamente a intenção dos romanos, ordenou a seu general que se achava na Grécia, Felocles, que hostilizasse energicamente os atenienses. E os romanos logo atravessaram o Adriático em socorro dos gregos afligidos pelo rei macedônio. Em 197 deu-se a esperada batalha decisiva em Cynoscephalae. Os macedônios com Felipe sofreram pesada derrota perdendo 13.000 369

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homens: 8.000 mortos e 5.000 prisioneiros. Os romanos tiveram 700 baixas. Felipe propôs logo a Flamino um armistício de quatro mêses para preliminar de um tratado de paz. Com o referido tratado perdeu Felipe todas as províncias fora da Macedônia — na Grécia e nas ilhas, na Ásia Menor e na Trácia. Não podia firmar nenhuma aliança estrangeira sem o consentimento dos romanos, nem apoiar os inimigos de Roma, nem os aliados dêstes e nem atacar aos aliados da cidade do Tiber. Só no caso de ser atacado por êstes podia defender-se. Mas, Roma que libertou os gregos do poder opressor dos macedônios por suplicação daqueles, não retirou jamais o seu pé da Grécia. Aflitos e desesperados os gregos pelos massacres que lhes infligiam os seus protetores, apelaram a Antíoco III, o Grande, rei da Síria, para que os socorresse, mas sem sucesso. A êsse tempo o rei sírio achava-se em luta com Tolomeu IV Filopator do Egito, e, depois de algumas vantagens, foi vencido por Tolomeu em 217 a.C. na terrível batalha de Ráfia. Porém, à morte de Filopator em 205, subiu ao trono do Egito Tolomeu V Epifanes, de cinco anos de idade, permanecendo sob tutores até ao tempo de maioridade para governar. Antíoco, que na ocasião volvia vitorioso e poderoso duma expedição ao Oriente, estendida até à Índia, vê, na situação a crítica em que jazia o Egito com o advento do rei pupilo e a o má atuação de seus tutores, uma boa oportunidade para nova guerra e vingança da tremenda derrota que sofrera em Ráfia. Para isto aliou-se com Felipe V da Macedônia que estava em guerra com Roma na Grécia. Os dois reis assentaram planos para dividirem os Estados dos Tolomeus entre êles e livrarem-se do que chamara Antíoco — “a enfadonha vizinhança dos Tolomeus”. Felipe devia ter a Cária, Líbia, Cirenáica e Egito; e Antíoco todos os restantes Estados. Ao tomarem conhecimento os tutores de Tolomeu V das Intenções de Antíoco e Felipe coligados, incontinentemente “apelaram para Roma e confiaram ao Senado a tutela do rei infante. O Senado, que até então se havia mostrado afeto aos Tolomeus, tornou-se desde êste momento seu árbitro”.1 O primeiro ato dos guardiões do rei egípcio foi providenciar contra a ameaça de invasão dos reis confederados. Para isto Scopas, um famoso general de Etólia, então a serviço do Egito, foi enviado à frente dum exército contra Antíoco. Invadiu numa campanha de 1

História Universal, C. Cantú, Vol. III, pág. 162.

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inverno a Palestina submetendo-a inteiramente e apoderando-se de várias cidades gregas. Antíoco, conhecedor do sucesso de Scopas, desistiu da guerra contra Atalo para enfrentá-lo. Em 198 deu-se a batalha decisiva e mortífera ao pé de Paneas, ao norte da Palestina. Scopas foi vencido e encerrou-se na cidade de Sidon. Inutilmente três dos mais capazes generais egípcios foram enviados para forçar Antíoco a levantar o cêrco de Sidon. Por fim Scopas fôra obrigado a render-se com a condição de dirigir-se ao Egito com seus 10.000 soldados em desesperadas condições. Antíoco submeteu a Celesíria, Fenícia, Samária, Judéia, e Gaza foi tomada depois de um longo, famoso e difícil cêrco, e com ela a sua província mediterrânea. Mas Antíoco, não continuou por muito tempo na posse de suas novas conquistas. O Senado romano, tutor de Tolomeu V, obrigou Antíoco a deter a guerra contra o Egito, devolver-lhe as recentes conquistas e estabelecer uma paz tão duradoura quanto possível com o Egito. Para assegurar esta paz bem como a devolução das aludidas conquistas, exigiram os romanos o casamento de sua filha Cleópatra com Tolomeu Epifanes, nupcias que se realizaram com grande pompa em Ráfia, no ano 193 a.C. E Antíoco deu à sua filha a Celesíria, Fenícia e Palestina recém-tomadas ao Egito. Porém, a despeito da paz com os egípcios e aparentemente com os romanos, a guerra entre êstes e Antíoco era inevitável. Depois do célebre casamento político de Ráfia, passou Antíoco a guerrear os territórios ao Oeste do Taus, as margens do Helesponto, as cidades gregas da costa asiática e os reinos independentes de Pérgamo, Betínia, Capadócia, Ponto e Armênia; atravessou o Helesponto e ocupou a cidade de Lisimáquia, ameaçou Lampsacus, Bisáncio e Heráclia. Todavia, apreensivos por sua independência, os príncipes e cidades que Antíoco ameaçara e guerreara, colocaram-se sob a proteção de Roma. O Senado, através de diversas embaixadas enviadas a Antíoco, exigiu que desistisse de suas hostilidades contra seus aliados e libertasse as cidades gregas e reinos conquistados na Ásia e na Europa. Antíoco III, arrogante, replicou a interferência romana com os seus negócios dizendo que êle não se perturbaria com os negócios da Itália e com o mundo ocidental. Assim êle proibiu aos romanos a intrometerem-se nos seus negócios na Ásia e Trácia, estigmatizando suas demandas como contrárias à justiça e à honra. Mais tarde, com negociações adicionais ou por embaixadas deteve o estalar da guerra, mas mesmo assim não pôde evitar o golpe fatal de Roma que caminhava firme para a supremacia no Oriente. 371

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As mensagens constantes e impositórias de Roma irritaram de tal modo a Antíoco, que declarou por fim guerra a Roma. Desembarcando com 10.500 homens na Grécia, apoderou-se imediatamente de Caleis na Ilha Eubea e parte da Tessália. Mas foi vencido nas Termópilas por Catão, o Velho, e por M. Acílio Glábrio, e depois duas vêzes no mar (em Koryko e em Myonneso). Em 190 foi Antíoco completamente desbaratado na batalha de Magnésia, na Lídia, perto de Smirna, por Scipião, o Asiático, perdendo 240.000 homens: 50.000 mortos e 190.000 prisioneiros. Esta terrível derrota acabou de uma vez com o poder da Síria e dos Seleucidas. No ano seguinte (189) impôs Roma uma paz esmagadora. Antíoco foi obrigado a ceder aos aliados de Roma todos os territórios da Ásia Menor, até o monte Tauro; a pagar 15.000 talentos de Rúbea; a entregar-lhe todos os elefantes e navios de guerra, à exceção de dez; a não empreender nenhuma guerra pelo lado do Oeste, nem fazer navegar os seus navios pelas costas ocidentais, e finalmente, a entregar na qualidade de réfens, 20 jovens das famílias mais nobres, entre eles o seu próprio filho. Ficou assim quebrantado para sempre o poder sírio. Em 186 foi Antíoco assassinado em Elimáida, no sul do Mar Cáspio, onde havia ido com a intenção de apoderar-se das avultadas riquezas do templo de Bel, para poder satisfazer o tributo requerido por Roma. Antíoco IV Epifanes, a despeito da proteção de Roma sôbre o Egito, aventurou-se, logo depois de subir ao trono em 174, a fazer guerra a Tolomeu, a quem fez prisioneiro e ía apoderar-se por completo do Egito, quando Roma, tutora do país, intervem e o obriga a abandonar o Egito e a tôdas as possessões arrebatadas aos Tolomeus. Êste incidente, que liquidou duma vez as pretenções de Antíoco IV, é relatado pelo historiador como segue: “Caio Pompílio Lena ordenou depois, no Egito, que Antíoco IV, Epifanes, da Síria, evacuasse o país desde o ístimo posto nas mãos de Antíoco. O rei sírio disse que ia refletir o caso; então Pompílio com seu bastão traçou na areia um circulo ao redor do seleucida, pronunciando estas palavras: “Antes de que saias dêste círculo hás de dar-me a contetação que pede o Senado: “Queres ser amigo ou inimigo dos romanos?” Confuso em extremo, ainda sem fazer resistência alguma, o sucessor do grande rei de Antióquia responde: “Farei o que o Senado pede”. Então o rústico diplomata romano estendeu pela primeira vez a mão a Antíoco e o saudou como amigo e 372

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aliado do povo romano”.1 Êste incidente foi mais uma evidência de terem os romanos liquidado com o reino dos Seleucidas, faltando somente o golpe de misericórdia e o atestado de óbito no tempo próprio como veremos mais adiante. Felipe V, amarrado pela “paz romana”, sobreviveu a Antíoco III. Morreu, porém, em 178 e foi sucedido no trôno por seu filho Perseu, que venceu os romanos numa batalha, em 171, em Galicinos. Esta terceira guerra teve como causa a morte do rei de Pérgamo quando viajava pela Grécia. Na segunda batalha, ao meio dia de 22 de julho de 168, próximo à fortaleza de Pidna, os romanos, sob o comando de Lúcio Emílio, fogem a princípio com grandes perdas, ante a pressão do exército de Perseu. Porém, uma feliz manobra de Lúcio Emílio mudou a sorte da luta. Fogem agora os macedônios com Perseu precipitadamente, perseguidos pelos romanos. Ficaram no campo 20.000 macedônios mortos e 11.000 prisioneiros, sendo saqueada a cidade de Pidna. Todos os oficiais de Perseu se entregaram aos romanos. Perseu, já até mesmo sem apoio pessoal no continente, refugiou-se na ilha de Samotrácia. Grécia e Macedônia sofreram tremendos massacres da parte dos vitoriosos romanos. Vencida a Macedônia, não a anexou Roma, imediatamente. Dividiu-a Roma imediatamente. Dividiu-a em quatro separadas Repúblicas. Vinte e dois anos depois foi então oficialmente anexada em definitivo à sua órbita ou convertido em província romana. A maioria das conquistas romanas, depois da Macedônia e Grécia, foram de natureza pacífica. Seus abados, que em Roma confiavam cegamente como sua desinteressada protetora, viram-se por ela inesperadamente tragados e reduzidos a províncias romanas com absoluta administração romana. Agora veremos os resultados diretos da intervenção de Roma na política extrangeira da Macedônia, Síria e Egito. As dinástias Antigonida, Seleucida e Lagida, respectivamente, foram liquidadas, faltando apenas o atestado de óbito que seria passado inapelàvelmente e sem delongas. Em 146, Macedônia e Grécia, o reino ocidental do dividido Império de Alexandre, foram convertidas em províncias romanas. O fato de em 205 Tolomeu V Epifanes suplicar ajuda de Roma e sob esta proteção permanecer contra a Síria, converteu o reino Lagida moralmente em província romana, embora só fôsse como tal anexado oficialmente em 30 a.C., por Otaviano, o vencedor de 1

História Universal, G. Oncken, Vol. VI, pàg. 250.

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Antônio e Cleópatra. O reino sírio, sob os Seleucidas, pràticamente foi vencido e grandemente humilhado pela vitória romana de Magnésia, em seu próprio território, ainda que anexado como província romana só no ano 64 a.C. sob as firmes e inapeláveis conquistas de Pompeu. Assim a terceira guerra de Roma no Oeste, fora de suas fronteiras italianas, deu-lhe virtualmente o poderio mundial nos três continentes — Europa, Ásia, e África ou resultou na posse das três divisões restantes do que fôra o grande Império de Alexandre — Macedônia e Grécia, reino do Oeste; Síria, reino do Norte; e Egito, reino do sul. Embora os reinos do Norte e do Sul fossem anexados a Roma mais de um século depois, praticamente podiam ser considerados sob o círculo de sua órbita, já por lhe pagarem tributo, já por estarem sob o seu protetorado do qual não tinham recurso algum para escaparem. A data de 168 a.C., que deu a vitória a Roma em Pidna, é o marco inicial de seu domínio mundial. O GOLPE DE MISERICÓRDIA DE POMPEU A lei manilha confiou a Pompeu o encargo de terminar a guerra contra Mitridates, rei do Ponto na Ásia Menor, já reduzido à última extremidade por Lúculo. Mitridates reinou no Ponto de 120 a 64 a.C. Foi o príncipe que mais trabalho deu aos romanos, sendo necessário mais de um quarto de século de lutas para conquistar-lhe o reino. Começou a guerra contra Roma; ainda moço, fazendo logo executar 80.000 soldados romanos na Ásia. Mas o verdadeiro vencedor de Mitridates foi Pompeu. Mitridates, irremediavelmente perdido, tentou todavia negociar com Pompeu. Mas os romanos obrigaram o seu general, com o qual combatiam, a romper as negociações. Novamente derrotado nas margens do rio Eufrates e abandonado pelos seus, só às sombras da noite deveu Mitridates a sua salvação. Logo depois, porém, envenenou-se com as suas concubinas e duas filhas. Morreram as mulheres; mas, a êle, habituado aos contra-venenos, não fez a poção o desejado efeito, e teve de recorrer à espada de um soldado para terminar a aventurosa vida. Pompeu que o perseguia encontrou-o moribundo, mandando pensar-lhes as feridas, querendo; conservá-lo para o seu triunfo em Roma, mas um gaulês separou-lhe a cabeça do tronco. Pompeu ditou a lei a Tigranes, rei da Armênia. No Caucaso derrotou os iberos e os albaneses Em fins de 64 chegou à Síria, onde 374

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pôs termo imediato à anarquia reinante, começando por depôr a dinastia dos seleucidas afastando do trôno desta seu último soberano, Antíoco XIII. O reino sírio foi convertido em província romana. Todo o vasto território, que se estendia do Alto do Eufrates e do Golfo Issico até às fronteiras dos partos e ao ístimo de Suez, passou de direito para o poder dos romanos. Em Jerusalém, porém, dispendeu Pompeu três mêses de cêrco. Cêrca de 15.000 judeus pereceram, as muralhas da cidade foram arrazadas e o reino dos macabeus foi liquidado. E a Judéia foi convertida em província romana no ano 63 a.C. CÉSAR — O CONQUISTADOR DO OCIDENTE César foi o verdadeiro conquistador do Ocidente e das Gálias. Quando a primeira vez foi à Espanha, em qualidade de Questor, pranteou ante o busto de Alexandre Magno, no templo de Hércules em Cadiz, dizendo aos que o interrogavam sôbre a causa de sua aflição: “Credes que não são justas as minhas lágrimas, quando considero que Alexandre à minha idade havia submetido tantos povos, e que eu não tenho feito todavia nada memorável?” Buscando glória e fama mundanas, César foi violento e cruel na Espanha; dominou a Lusitânia e regressou à Itália com abundante ouro. Por nove anos governou nas Gálias e na Ilíria. Nas Gálias triunfou sôbre 800 populações e mais de 300 povos em cinco campanhas até o ano 54 a.C. Mais de três milhões de homens reconheceram a autoridade de Roma, e todo o país do Reno foi reduzido a província romana. Para chegar a tão grandes resultados como chegou, César realizou coisas prodigiosas. Aproveitou as dissenções de alguns povos; provocou a outros; compartilhou fadigas e perigos com seus soldados; marchou pelas Gálias sem temor à chuva, à frente de suas legiões; atravessou a nado rios; escreveu seus famosos comentários; achou tempo para ditar a quatro secretários de uma vez; franqueou com singular arrojo as montanhas do Jura e de Auvérnia, os bosque de encinas do centro da Gália e da Armórica, os terrenos pantanosos do Mosa e de Flandres, as planícies cenagosas e as selvas virgens do Sena; abriu muitas vêzes caminho com o machado na mão ou improvisando pontes, e, em suma, demonstrou que possuía o gênio dos grandes capitães, ao mesmo tempo que o valor de um modesto soldado bem disciplinado. Dirigindo-se a Roma para desforrar-se de Pompeu, chega às margens do Rubicão, pequeno rio da costa do Adriático e limite de seu 375

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govêrno. Deteve-se naquele ponto, dizendo a seus amigos: “Se não passo o Rubicão, tenho perdido tudo, e si o passo, em quantas desgraças envolverei Roma”. Guardou silêncio por alguns instantes, e, resoluto por fim lançou-se impetuosamente à água pronunciando sua célebre frase — Aba jacta est — a sorte está lançada. Foi o começo da guerra civil que perdeu Pompeu e o deixou como único senhor de Roma e do grande império. Não fôra César tão sòmente um imperador que se impos em três continentes — Europa, Asia e África — mas também um conquistador nestas três partes da terra conhecidas em seu tempo. A História credita a César a honra de ter sido o maior imperador de Roma e o seu maior conquistador que estendeu grandemente o império principalmente no Ocidente. Entretanto, posto que conseguisse Cesar enfeixar em suas mãos um poder político nunca jamais concedido pelo Senado a outro imperador antes ou depois dêle, um negro futuro o aguardava inexorável. Desvencilhado de Pompeu, não o estava de seus numerosos adversários que ávidos buscavam sua vida. O acúmulo de poder que logrou do Senado despertou a inveja mortal de seus inimigos que resultou em sua brusca queda política e em seu repentino desaparecimento da vida. Êste é o fim da glória que o mundo oferece aos que procuram àvidamente ostentar o efêmero poder que dura um só momento; uma glória sem estabilidade, sem reais benefício para a humanidade, conquistada pela intriga, pela espada, a custo de rios de sangue, e que joga por fim o seu dono no abismo dum eterno túmulo, levando-o à perda de tudo. Eis o engano da sedutora fama do poder! E quantos Cesares en tôda a História, mesmo no presente século, sucumbiram ingloriamente embriagados pelo poder inútil! Os demais imperadores romanos, em vasto número, pouco fizeram em estender as fronteiras de Roma, que afinal alcançaram: Da Grã-Bretanha ao Norte da África, do Mar Negro ao Egito e da Espanha à Armênia e ao rio Eufrates. “E DEVORARÁ TÔDA A TERRA, E A PISARÁ AOS PÉS, E A FARÁ EM PEDAÇOS” O profeta apresenta o quarto animal como terrível, espantoso, muito forte, com grandes dentes de ferro, com unhas de metal, devorando tudo, fazendo em pedaços e pisando o que sobejava. Êste assombroso animal estava destinado para figurar indivíduos 376

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desnaturados, cruéis, repelentes, diabólicos, monstros humanos, mas que seriam aclamados como semi-deuses, coroados e empossados no trôno do orbe para liderar uma civilização! Nada mais do que o sanguinário, desumano, ediondo e odioso caráter dos Césares está figurado na monstruosidade profética dêste simbólico quarto animal desconhecido na zoologia. Não há termos que descrevam com exatidão os massacres e as chacinas incontáveis de que foram autores os romanos, sôbre os povos que lhes opunham resistência e mesmo sôbre os já conquistados, quando rebelados. O mundo foi esmagado por êles, reduzido à mais tirânica escravatura política e social, convertido no mais lúgubre cárcere em que os presos — nações e indivíduos — jamais podiam escapar de suas inexoráveis garras de ferro. Seus assombrosos carcereiros — os imperadores — não tinham coração, não pareciam humanos, eram implacáveis, impiedosos, sumamente cruéis e desalmados. A fisionomia de seus soldados, é dito, parecia a de “desvairados” e “os olhos se assemelhavam a tochas de fogo”. Inspiravam terror e assombro. Da própria nação romana diz a inspiração. “Nação feroz de rosto, que não atentará para o resto do velho, nem se apiedará do moço”.1 O que César fez, principalmente nas Gálias, já seria o suficiente para cumprir a profecia da crueldade de Roma. Dois milhões de homens foram trucidados para coroar suas vitórias e enaltecer seus triunfos no Coliseu. Os imperadores romanos, em sua totalidade, com raríssimas exceções, eram mais feras do que humanos indivíduos. O mundo foi deveras esmagado por êles. Os massacres na Grécia e na Macedônia e em outras regiões sem conta, foram inomináveis e comprovaram a perversidade daqueles Césares e seus exércitos. Torrentes de sangue inundaram o Império. A igreja cristã, desde o monstro Nero ao cruel Deocleciano, — do ano 64 a 313 a.D. — foi perseguida, pisada, torturada, dizimada, chacinada. Milhões de seus membros, pagaram com a vida e o sangue a sua lealdade ao céu. Suas propriedades foram confiscadas e seus templos arrazados. No cárcere do Império dos Césares era fatal resistir e impossível evadir-se. Nenhum fugitivo podia atravessá-lo ou refugiar-se sem ser descoberto, prêso e levado aos vigilantes magistrados romanos. Dissera Cícero a Marcellus: “Onde quer que estejas, lembra-te que estás igualmente ao alcance do poder do vencedor”. A população total

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Deuteronômio 28:50.

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do Império era pràticamente escrava do despotismo dos seus algozes mandatários. Os grandes dentes de ferro e as unhas de metal do horrível animal que serviu de símbolo profético de Roma, já contam a sua história independente de sua própria história. A terra foi, em verdade, pisada sob o férreo tacão dos romanos e reduzida a pedaços. Cártago, no norte da África, foi arrazada (ver pág. 133); Corínto na Achaia, teve a mesma sorte, assim como Numântia, na Espanha e Jerusalém na Judéia. Desta última destruída no ano 70, diz a profecia: “Sião será lavrada como um campo, e Jerusalém se tornará em montões de pedra’’.1 Eusébio afirma “que ela foi arada pelos romanos, e que, êle a viu em ruínas”.2 Mas Roma devoraria também a terra, enfatiza a profecia. Depois de seu exercrável jugo de ferro sôbre suas infelizes vítimas, as nações, ainda lhes roubariam os seus haveres. Riquezas enormes afluiam a Roma de todos os povos do Império — absoluto furto de seus mizerandos dominadores. Fortunas incalculáveis eram saqueadas através de injustos tributos e indignas expoliações por confiscos. Os imperadores, para se colocarem em bôa forma com o povo, distraiam os habitantes da capital do mundo — com pão e circo, com espetáculos e festas, com “triunfos e banquetes” — tudo à custa do empobrecimeno dos povos subjugados, tiranizados e vilmente roubados no Oriente e no Ocidente. Falando Moisés do futuro jugo romano sôbre o apóstata Israel, declarou: “O Senhor levantará contra ti uma nação de longe, da extremidade da terra, que vôa como a águia, nação cuja língua não entenderás; nação feroz de rosto, que não atenderá para o rosto do velho, nem se apiedará do moço; e comerá o fruto dos teus animais, e o fruto da terra, até que sejas destruído; e não te deixará grão, mosto, nem azeite, creação das tuas vacas, nem rebanhos das tuas ovelhas, até que te tenha consumido: e te angustiará em tôdas as tuas portas, até que venham a cair os teus altos e fortes muros, em que confiavas em tôda a tua terra; e te angustiará até em tôdas as tuas portas, em tôda a tua terra que te tem dado o Senhor teu Deus: e comerás o fruto do teu ventre, a carne de teus filhos e de tuas filhas, que te der o Senhor teu Deus, no cêrco e no apêrto com que os teus inimigos te apertarão”.3 Aí está uma bem clara amostra do saque de Roma sôbre as nações. Do 1

Miquéias 3:12. Source Book for Bible Students, ed. 1927, pág. 276. 3 Deuteronômio 28:50-53. 2

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fruto agrário e da pecuária e de outras provisões vitais, se apossariam os desumanos opressores. Em verdade tudo o que alcançou o povo romano, na qualidade de dominador do mundo, foi pela violência e pelo furto das indefezas nações por êle oprimidas. Roma acarretou a miséria e o infortúnio da raça humana. Quando César conquistou o norte da África, disse ao povo romano ao regressar a Roma, que havia “conquistado um país, a África, tão rico e tão vasto, que podia subministrar a Roma trigo em abundância e outros produtos de primeira necessidade”.1 Mas êste trigo e outros produtos seriam compulsòriamente arrebatados ao suor dos oprimidos. Mitridates, rei do Ponto, escreveu certa feita uma carta a Arsaces, rei dos Partos, a respeito dos romanos, em que dizia em certo lugar: “Seria para vossa imortal glória ter socorrido dois reis, e ter derrotado e destruído aqueles ladrões do mundo. Isto é o que eu aconselho e exorto ardentemente a que façais. Que possais escolher antes compartilhar conosco numa salutar aliança em vencer o inimigo comum, do que permitir ao Império Romano estender-se universalmente para nossa ruína”.2 Veja-se a exposição do versículo vinte do capítulo onze, sôbre o sistema de impostos mundiais de Roma, e ter-se-á uma idéia da expoliação tributária e do latrocínio dêsse poder à custa do enfraquecimento econômico dos povos sob seu suplício. Como enfatiza a profecia, Roma devorou realmente a terra, pizou-a e a fêz em pedaços. Terrível jugo de impiedosos brutos senhores do mundo. A HIPOCRISIA DA PROTEÇÃO DO SENADO Grande parte do domínio mundial de Roma foi adquirido sem batalha. Valendo-se da opressão de muitos fracos povos por seus inimigos oferecia-se o Senado romano para os proteger como aliado fiél. O Egito, a Grécia, cidades e reinos da Ásia Menor e outros muitos povos, se colocaram sob o manto de sua proteção amàvelmente oferecida, ignorando o que viria depois — a completa perda da independência nacional. Traía Roma vergonhosamente a seus aliados arranjados hipocritamente e os reduzia a escravos depois de ter bem firme o seu pé em seus países. Sob a sombra de clemência e amizade 1 2

Dicionário y Enciclopédia Hispano-Americano, art. Cesar. Source Book for Bible Students, ed. 1927, pág. 465.

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falsas, que passavam por verdadeiras, conseguiam acrescentar constantemente novas províncias ao império. Uma frisante evidência da farça da proteção de Roma de sua hipocrisia em oferecer-se como aliada dos povos fracos, temos no seu engano em relação aos judeus, a procurarem-na êstes como guardiã contra as opressões da Síria. A despeito de seu amparo sôbre a Judéia, anexou-a como província no ano 63 a.C., e, no ano 70 a.D., massacrou um milhão de judeus, levou cem mil como escravos e destruiu a cidade de Jerusalém arrazando-a. No primeiro livro dos Macabeus, capítulos oito, versículo um a trinta e dois a versículos quinze a vinte e quatro, podemos apreciar a lábia da aliança do Senado romano com os judeus enganados por seus engodos aparentemente simpáticos. Queremos dizer tudo, resumidamente, do Império Romano? Então digamos acertadamente que êle é o dragão mencionado no livro do Apocalipse capítulo doze. “Conquanto o dragão representa primeiramente Satanás, é, em um sentido secundário, símbolo de Roma pagã”.1 Em outras palavras, o dragão vermelho do Apocalipse nada mais é do que Satanás, com a toga romana. Em outros termos bem evidentes, o Império Romano era o Império de Satanás disfarsado em Império dos Césares. Quando êle tentou a Cristo lá no monte, declarou ser o senhor do mundo, e isto evidentemente através de Roma que constituía o Império do mundo.2 Portanto, todos os horrores, os saques, os morticínios e tôdas as vilezas que os Césares romanos cometeram na terra, o cometerá simples e puramente por inspiração de Satanás. Por meio dêle Satanás governou o mundo sob um jugo de ferro. Meus amigos, cuidemos com Roma! A DÉCUPLA DIVISÃO DE ROMA Os dez chifres do quarto animal têm absoluta afinidade com os dez dedos da estátua do capítulo dois. Representam uma e a mesma coisa — a divisão do Império Romano Ocidental em dez reinos, como é evidentemente enfatizado no versículo vinte e quatro do capitulo sete. E, esta décupla divisão devemos apreciá-la na exposição dos versículos quarenta e um e quarenta e dois do segundo capítulo sob o titulo: O Fulminante Golpe “Teutônico”, pág. 134.

1 2

O Conflito dos Séculos, E. G. White, pág. 438. S. Lucas 4:5-7.

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UM TREMENDO RESUMO Até êste ponto apreciamos o Império Romano desde a fundação da cidade que lhe deu o nome. Êste Império que, podemos dizer, começou já com a fundação de sua capital em 753 a.C., tem uma história de opressão e de sangue. O crescimento do Império Romano desde Rômulo, seu primeiro rei, foi fenomenal e rápido. Depois de firmar-se bem na Itália, suas vistas foram voltadas para o Mediterrâneo, e não descançou enquanto não pôs Cártago e o poder marítimo dos cartagineses fora de ação. Depois disso, o Oriente e o Ocidente caíram como fáceis prêsas em suas mãos. As profecias que tratam do Império Romano o apresentam como um Império tirânico, o mais cruel de todos os impérios que a história do mundo registou. Babilônia foi a princípio sem paralelo em suas terríveis opressões; a Medo-Pérsia sobrepujou Babilônia em opressão e desumanidade; O Império Romano, porém, não teve rival em oprimir; massacrar e devorar a terra. Entretanto o Império Romano ainda domina. E, o que daqui para frente consideraremos ligado a esta profecia é a comprovação desta terrível realidade que alcança o século XX. UM ESTRANHO “CHIFRE PEQUENO” VERSO 8: – “Estando eu a observar os chifres, eis que entre êles subiu outro pequeno, diante do qual três dos primeiros chifres, foram arrancados; e eis que nêste chifre havia olhos, como os de homens, e uma boca que falava com insolência”. A SUA IDENTIFICAÇÃO PROFÉTICA A profecia do “chifre pequeno”, é uma patologia perfeita do poder a que alude. Identifica-o com absoluta precisão. Damos a seguir os pontos de referência de sua indiscutível identidade, primeiramente em sua própria profecia no capítulo que consideramos, e a seguir na profecia da Besta semelhante a um leopardo do capítulo trêse do Apocalipse, e então na profecia da Besta côr de escarlata e da mulher vestida de púrpura que a cavalga, do capítulo dezessete do livro do Apocalipse. Feito isto, resumiremos os pontos de mais acentuada identificação entre o “chifre pequeno” e as duas Bestas e a mulher referidas, para termos a prova insofismável e irretorquível do poder, 381

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que, ainda em pleno século XX, representa o “chifre pequeno”, desta profecia de Daniel. I. A identidade do “chifre pequeno”, na profecia do capítulo sete do livro de Daniel, ligada ao quarto animal, ou ao Império Romano do Ocidente: 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15.

Subiu da cabeça do quarto animal romano. — Vs. 8. Surgiu entre os dez chifres europeus — Vs. 8. Era diferente dos dez chifres europeus — Vs. 24. Era mais firme do que os dez chifres ou nações européias — Vs. 20. Três dos dez chifres foram arrancados por êle — Vs. 8. Tinha olhos como olhos de homem — Vs. 8. Tinha uma bôca. — Vs. 8. Falava insolentemente — Vs. 8. Proferia palavras contra o Altíssimo — Vs. 21. Fazia guerra aos santos do Altíssimo — Vs. 21. Destruia os santos do Altíssimo — Vs. 25. Cuidaria em mudar os tempos. — Vs. 25. Cuidaria em mudar a lei de Deus. — Vs. 25. Dominaria por 3 1/2 tempos proféticos. — 25. Será destruído para sempre. — Vs. 26.

II. A identidade do “chifre pequeno”, na profecia do capítulo treze do livro de Apocalipse alusiva à Besta semelhante a um leopardo com bôca de leão e pés de urso. 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 382

Emergiu do mar. — Vs. 1. Tinha sete cabeças. — Vs. 1. Tinha dez chifres. — Vs. 1. Era semelhante ao leopardo. — Vs. 2. Tinha pés de urso e bôca de leão. — Vs. 2. O dragão deu-lhe o seu trôno, poder e domínio — Vs, 2. Uma de suas cabeças foi ferida de morte. — Vs. 3, A sua chaga mortal foi curada. — Vs. 3. Tôda a terra se maravilhou após a Besta. — Vs. 3. Adoraram o dragão que lhe deu o poder. — Vs. 4. E disseram: “Quem é semelhante à Besta?”. — Vs. 4. Quem poderá batalhar contra ela? — Vs. 4. Foi-lhe dada uma bôca. — Vs. 5. Proferia arrogâncias e blasfêmias. — Vs. 5. Recebeu poder por 42 mêses proféticos., — Vs. 5. Abriu a bôca em blasfêmias. — Vs. 6.

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17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25.

Blasfema contra Deus. — Vs. 6. Difama o nome de Deus. — Vs. 6. Difama o tabernáculo de Deus. — Vs. 6. Difama os que habitam no céu. — Vs. 6. Fez guerra aos santos. — Vs. 7. Recebeu poder sôbre as nações. — Vs. 7. Adoraram-na os que não têem o nome escrito, no livro da Vida do Cordeiro. — Vs. 8. Foi levada em cativeiro. — Vs. 10. Foi morta à espada. — Vs. 10.

III. A identidade do “chifre pequeno” na profecia do capítulo dezessete do livro do Apocalipse, alusiva à Besta Côr Escarlata e à Mulher vestida de púrpura que a cavalga: 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18.

Uma meretriz assentada sobre muitas águas. — Vs. 1,15. Prostituiu se com os reis da terra. — Vs. 2. Embebedou a terra com o vinho da sua devassidão. – Vs. 2. Uma mulher montada numa besta. — Vs. 3. Uma besta côr de escarlata. — Vs. 3. Cheia de nomes de blasfêmias. — Vs. 3. Tinha sete cabeças. — Vs. 3. Tinha dez chifres. — Vs. 3. A mulher vestia-se de púrpura, escarlata, adornada de ouro, e de pérolas — Vs. 4. A mulher tinha na mão um cálice de ouro transbordante das abominações e imundície da sua prostituição. — Vs. 4. Na sua testa estava escrito: “Babilônia, a Grande, a Mãe das Meretrizes e das abominações da terra. — Vs. 5. A mulher estava embriagada com o sangue dos santos. — Vs. 6. A Besta é a sétima cabeça, será também o oitavo rei, embora seja a sétima cabeça. — Vs. 11. A Besta irá à perdição. — Vs. 11. Os 10 chifres ou reinos reinariam com a Besta. — Vs. 12. Os 10 chifres entregariam o seu poder e autoridade à Besta. — Vs. 13. Os 10 chifres ou reinos com a Besta combateriam o Cordeiro e os Santos. — Vs. 14. A mulher assentada sôbre nações, povos e multidões. — Vs. 15. 383

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19. 20.

Os 10 chifres, por fim, aborreceriam a mulher. — Vs. 16. A mulher é a cidade (Roma) que reina sôbre os reis da terra. — Vs. 7-10-18.

RESUMO DE IDENTIFICAÇÃO DO “CHIFRE PEQUENO” Fatos Proféticos

1. Um poder romano............... 2. Entre os 10 chifres.............. 3. Tinha uma boca.................. 4. Falava insolências ou blasfêmias........................... 5. Falava contra o Altíssimo... 6. Fazia guerra aos santos....... 7. O tempo de seu domínio..... 8. Será destruído..................... 9. Roma pagã-papal................

Dan. 7

Apoc. 13

Vs. 8 Vs. 8 Vs. 8

Vs. 1 Vs. 1 Vs. 5

Vs. 8 Vs. 25 Vs. 25 Vs. 25 Vs. 26 Vs. 7-8

Vs. 5 Vs. 6 Vs. 7 Vs. 5 Vs. 10 Vs. 1-4

Apoc. 17

Vs. 3 Vs. 3

Vs. 3 Vs. 6 Vs. 12 Vs. 8 Vs. 3, 18

Vemos que o “chifre pequeno” se identifica em nove pontos com a Besta do capítulo treze do Apocalipse e em sete com a besta e a mulher do capítulo dezessete do Apocalipse. Trata-se portanto, do mesmo poder, aliás, — o “chifre pequeno”, a Besta “semelhante ao leopardo” e a Besta “côr de escarlata” e a mulher que a cavalga, são um e o mesmo poder. Identifica-se ainda indiretamente, em outros pontos, com as duas Bestas do Apocalipse citadas. Só se engana quem o quer. No mundo sempre existiram dois sistemas de govêrno — o civil e o eclesiástico, o Estado e a Igreja. Os 10 chifres do quarto animal são apontados na própria profecia como 10 reinos que resultariam da divisão de Roma-pagã Ocidental e formariam a Europa Moderna. O “chifre pequeno” é referido como “diferente” dos 10 chifres ou reinos. Portanto, só poderia designar um poder eclesiástico. Na profecia êste “chifre pequeno” subiu entre os 10 outros chifres, e, portanto, aponta indubitàvelmente um poder eclesiástico que teve sua origem no continente europeu em meio às suas modernas nacionalidades. Outra indestrutível verdade é que o “chifre pequeno” subiu da cabeça do quarto animal — o Império 384

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Romano, sendo por isso, afirmativamente, um poder eclesiástico romano, nascido em Roma, a séde do Império Romano e jamais na Judéia ou em Jerusalém. E, agora, estamos prontos para afirmar que, um simples exame das atuações das duas Bestas do Apocalipse referidas, como dadas em suas próprias profecias, e confirmadas pelos fatos históricos, identificam-nas indiscutivelmente com o poder Papal. Logo, o “chifre pequeno”, que se identifica plenamente com ambas as duas Bestas Apocalipticas, é, incontestàvelmente — Roma Papal. A clareza das referidas profecias sôbre êste poder e as evidências dos testemunhos históricos que as cumpriram à risca, — liquidam toda a oposição em contrário. Assim, pois, nenhum mistério envolve o “chifre pequeno”. Tudo quanto aqui dissermos ainda a seu respeito, mais e mais o identificará com o Papado Romano e com a Igreja Romana, que são uma e a mesma coisa: Aquele a realidade do poder e esta — o seu instrumento de propaganda e a sua fôrça e vida. Para dizermos a verdade, à velha Roma-pagã seguiu a nova Roma-Papal. Aliás, a mesma Roma, o mesmo Império Romano metamorfoseado. Mudou o nome de pagão para cristão. Aquela fase dominava seus súditos pelo físico, esta os domina pelas consciências. O Império Romano subsiste mais poderoso na fase Papal do que na fase pagã. No livro — O Vaticano Potência Mundial, lemos: “Uma coisa é certa; que a antiga Roma subsiste na Roma cristã”.1 Em confirmação, seu nome é ainda romano; seu trôno ainda está em Roma; seu idioma, o latim, é romano; suas pretenções; do domínio do mundo são romanas, seu absoluto soberano pretende deificação como pretendiam os Césares romanos. Porém, os Césares de ontém eram eleitos pelo povo romano enquanto os Césares de hoje o são por uma escassa minoria — os cardeais. Sim, disse Bonifácio VIII — “eu sou César”. Todavia têem hoje mais poder do que outróra, e o Império Romano desta última geração alcança uma área mais vasta do que o antigo, pois seus súditos se estendem sôbre os cinco continentes da terra. As nações em grande número, os poderosos da terra, tôdas as classes sociais de mais de metade da população do mundo, ouvem e se curvam em pleno século XX sob as leis da moderna Roma e a autoridade de seus Césares modernos.

1

O Vaticano Potência Mundial, J. Bernhari, pág. 195.

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ESTORVOS NO CAMINHO DO PAPADO Dos dez reinos que dividiram Roma Ocidental faltam três — os reinos dos Vândalos, dos Hérulos e dos Ostrogodos... A profecia de Daniel declara que êles sucubiram diante do “chifre pequeno” Papal. E, posto que a profecia não dê as razões da queda dos três ante o novo poder romano, a História que a cumpriu nô-las dá com exatidão e vêlas-emos a seguir. Antes de tudo, dizemos que os três aludidos reinos eram arianos, e, portanto, contrários aos dogmas e pretenções do Papado de supremacia temporal. (Vêr apêndice nota 9). E, mais, ainda, apunhamse mesmo pelas armas, ao crescimento Papal e às aspirações pessoais de seus pontífices. Constituíam assim um perigoso estorvo no caminho do Papado ali no alvorecer da Idade Média e urgia que êste os liquidasse se pretendesse manter as suas aspirações de domínio temporal no Ocidente. Todavia, contava a nova Roma ainda com quasi nenhum apoio no Ocidente até o final do quinto século entre os povos invasores e os novos Estados em formação. Era, pois, indispensável que suplicasse o auxílio de Constantinopla ou dos Imperadores do Oriente — Zenon e Justiniano. A seguir veremos as concretas razões porque o Papado apressou-se em remover os três reinos estorvos de seu caminho. Com o extermínio dos três grandes opositores, os outros Estados que se acantonaram no Ocidente na formação da Nova Europa, puzeram suas barbas de molho, se humilharam ante o Papado em ascenção e a êle tudo entregaram — o Estado, o poder, os súditos e as próprias consciências. Eis a maior tragédia da História — Estados civis livres, tornam-se voluntàriamente servos dum poder eclesiástico ambicioso! O REINO HÉRULO — O PRIMEIRO A CAIR Os Hérulos, com seu rei Odoacro, estavam com suas espadas, depois da formação de seu reino na Itália, a um passo da Sé Romana. Porém, o que apressou a queda de Odoacro e seu reino, fôra a sua direta imiscuição nos negócios do Papado. “Na história do Papado Odoacro figura como o autor de um decreto promulgado na eleição de Felix II, em 485, proibindo o papa que infligisse êste édito com anátema. Êste decreto, deveras estranho para proceder de um soberano ariano, fôra provàvelmente sugerido 386

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por alguns conselheiros romanos do rei, e parece ter sido aceito no tempo sem protesto. Foi, entretanto, fortemente condenado em um sínodo tido pelo papa Simaco (502) como uma inexcusável interferência do poder civil contra os interêsses da Igreja”.1 “Quando em conseqüência da morte de Simplício, em 483, se impôs a eleição de um nôvo papa (Felix II), apresentou-se, Basílio, um dos altos funcionários de Odoacro, na reunião eleitoral, em nome dêste, para forçar a eleição e, ainda que leigo se atreveu a ameaçar os príncipes espirituais com anátema”.2 Portanto, por suas imiscuições nas questões eclesiásticas de um poder fadado a ascender absoluto sôbre tudo e não cochilou nesta questão. Com o imperador católico do Papado. O indesejável tropêço devia ser incontinentemente afastado da rota ascensional do Papado. E o papa Félix II não cochilou nesta questão. Com o imperador católico do Oriente, Zenon, concertou o extermínio, sem perda de tempo tempo de Odoacro e seu reino. Em 488 envia Zenon à Itália a Teodorico e seus ostrogodos, que estavam às suas ordens no Oriente, com o propósito decidido de atender à solicitação de Félix II e dar fim ao reino de Odoacro. Conquanto tenha Odoacro enfrentado com valor ao adversário, a principio, rendera-se em 27 de fevereiro de 493, tendo sido morto no mês seguinte num banquete que para tal fim lhe preparara Teodorico, a despeito dêste lhe ter antes concedido a vida, a liberdade e honras reais. Com esta refrega, finda em 495 e para sempre o efêmero reinado dos Hérulos, sob Odoacro, na Itália. Estava assim desarraigado o primeiro sério e imprudente obstáculo à supremacia temporal do papado no Velho Continente e no mundo. O REINO VÂNDALO — O SEGUNDO A CAIR O reino Vândalo do norte da África fôra o segundo alvo ariano do Papado. Genserico, seu poderoso rei, votou extirpar o poder romano a ferro e fogo. Os terríveis vândalos constituíam grave ameaça à expansão papal na Europa, Ásia e África. Suas destruidoras incursões a miúdo à costa européia não eram bem, olhadas pelo pontífice do Vaticano. Os católicos estavam de contínuo expostos às suas

1 2

Anglo-American Enciclopedia, art. Odoacro. História Universal, Ranke, Vol. IV, pág. 375.

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violências. O saque de Roma em 455 por aquelas ordas comandadas por Genserico alarmou grandemente o mundo católico e pôs em cheque o crescente poder do Papado, nada valendo a intervenção do papa Leão I junto do rei ariano para que poupasse a milenária cidade da terrível pilhagem que afinal sofrerá durante quatorze dias. Doutro lado “Genserico quis extirpar o catolicismo, aplicando-lhe as leis promulgadas por outros príncipes contra os hereges, e só se abrandou a pedido de Zenon”. 1 Justiniano, o imperador do Oriente que elevou o papa à categoria de “cabeça das Igrejas”, em substituição a Cristo2, determinou a pôr um fim aos reinos arianos. “Perseguindo no interior o arianismo, queria ser no exterior o salvador dos católicos, libertando-os primeiro da escravidão dos vândalos”.3 Belizário fôra o grande general bisantino destacado por Justiniano para a emprêsa contra os vândalos da África. Em apenas três mêses e em somente duas batalhas principais, desapareceu o reino fundado por Genserico. Num triunfo solene, traz Belizário, aos pés do imperador, o último rei vândalo. Numa operação de limpeza exterminara Belizário os bandos de vândalos das ilhas de Córsega, Sardenha, Cecília e outras. Estava assim liquidado o segundo sério empecilho da carreira vitoriosa temporal do Papado. O REINO OSTROGODO — O TERCEIRO A CAIR A espada papal cai por fim sôbre o terceiro e último chifre intruso — o reino dos Ostrogodos na Itália. As desavenças entre êste reino e a Sé papal, fermentaram já desde os tempos do papa Simaco (498-514), que subira ao trono pontifício pela vontade de Teodorico, rei dos Ostrogodos, a êle favorável, visto haver outro concorrente, Lourenço, e a disputa ter sido submetida à sua decisão. Mas, a ruína dos Ostrogodos já pareceu assentada quando Simaco se dirigira a Teodorico em carta, como vemos abaixo: “Comparemos a dignidade de um bispo com a de um imperador; existe entre êles a mesma diferença que existe entre as riquezas da terra; das quais somos os dispenseiros. Vós recebeis, o batismo; êle administra-vos os sacramentos; vós pedis orações, esperais a sua 1

História Universal, C. Cantú, Vol. VI, pág. 432. Celossenses 1:18. 3 História Universal, G. Oncken, Vol. VI, pág. 162. 2

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bênção e dirigis-vos a êle para vos submeter à penitência. Finalmente os príncipes governam os negócios dos homens, e nós dispomos dos bens do céu. Bem vêdes, senhor, que a nossa dignidade é superior a tôdas as grandezas da terra”. E Simaco termina a sua carta com as seguintes ameaças contra o imperador: “Se vós conseguirdes provar as bases da acusação feita contra mim, podeis obter a minha deposição da santa sede; mas não receiais vós igualmente perder a vossa corôa, se vos não for possível convencer-me delas? Lembrai-vos de que sois homem e que esta causa será discutida no julgamento de Deus. É verdade que um sacerdote deve respeito aos podêres da terra, mas não àqueles que exigem coisas contrárias às leis da igreja. Respeitai Deus em nós, e nós O respeitaremos em vós; se não sentis veneração pela nossa pessoa, como podereis firmar o vosso domínio sôbre povos e usar de privilégios de uma religião cujas leis desprezais? Acusais-me de ter conspirado com o Senado para vos excomungar! Não segui eu nisso o exemplo de meus predecessores? Não é a vós, senhor, que nós anatematizamos, é Acácio; separai-vos dêle, e separar-vos-eis também da sua excomunhão; de outro modo não seremos nós que vos teremos condenado, mas sim vós mesmos”.1 Simaco queixa-se a seguir da perseguição que o imperador fazia sofrer os católicos, proibindo-lhes o livre exercício da religião, e tolerando tôdas as heresias. Seja por esta carta ou por outro motivo qualquer, temos na História o registro da morte dêste papa ordenada por Teodorico, rei dos ostrogodos. De um historiador, pelo menos, preservou-se o seguinte passo: “A morte de Teodorico, que é dito ter sido apressada pelo remorso da execução de Simaco, ocorreu a 30 de maio de 526”. E mais êste trecho da mesma fonte: “Acima de tudo, êle (Teodorico) manchara a sua fama pela execução de Boécio e Simaco”.2 Quando, mais tarde, Justiniano, imperador do Oriente, determinou a extirpação dos reinos arianos e da doutrina de Ario, “Teodorico enviou ao imperador uma embaixada para induzir a desistir da sua perseguição contra os arianos; e, para que esta tivesse mais probabilidade de êxito, encarregou desta comissão, apesar da sua resistência, o próprio papa João I. Esta embaixada não teve o resultado que Teodorico esperava, apesar de algumas concessões verbais e secundárias; mas em troca grande foi a ovação que recebeu o papa à 1 2

Os crimes dos Papas, Vol. I, pág. 123. Anglo-American Enciclopedia, art. Teodorico.

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sua chegada a Constantinopla. Tôda a população em massa, precedida do clero, saiu a recebê-lo; o imperador curvou-se fazendo-se coroar outra vez por êle. Quando regressou encontrou Roma em agitação; o rei recebeu-o com desconfiança e cheio de ira”. “O rei, fora de si, envolveu na causa a Beócio, que foi prêso, do mesmo modo que o papa (João I) que acabava de chegar e que pouco tempo depois, em 18 de maio de 526, falecia na prisão”. “Em meio desta situação tensíssima dos partidos opostos nacionais e religiosos, precursora do completo desencadeamento de todos os rancores e paixões, faleceu de repente Teodorico”.1 E o desfecho dessa cruenta crise entre ostrogodos e o Papado, verificou-se entre o rei Vitiges, o terceiro sucessor de Teodorico, e o exército de Belisário enviado por Justiniano. Após aniqüilar os vândalos no norte da África, passa Belisário à Itália para dar combate aos ostrogodos arianos. Depois de fazer capitular Nápoles, Belisário e seu exército foram entusiàsticamente recebidos em Roma. Vitiges acode com 150.000 homens e estabelece o cêrco da cidade. Neste histórico assédio de Roma empreenderam os sitiantes sessenta e nove ações entre assaltos e sortidas, e outros combates. Mas cada tentativa fôra desbaratada pela intrépida vigilância de Belisário e sua tropa de veteranos. Destituídos de esperança e subsistência, os ostrogodos, outrora um exército tão forte e poderoso, clamorosamente apressaram-se a levantar o cêrco e retiraram-se de Roma, queimando suas tendas. Tumultuosamente repassaram o Milvian, perseguidos pelo general romano que lhes infligiu uma severa e vergonhosa derrota. Um ano e nove dias havia durado o cêrco de Roma, suspenso por Vitiges em março do ano 438 a.C..2 Depois de nova refrega em Nocera (552) a cargo de Narcés, sucessor de Belisário, vibraram os ostrogodos sua última batalha, na qualidade de um reino, em 553, a.C., tendo sido morto seu último rei, Teias, desaparecendo então para sempre o poderoso reino fundado por Teodorico. IMPORTANTE RESUMO Vimos porque o papado desarraigou os três reinos tratados acima. O primeiro dêles, o reino Hérulo, teve em Odoacro, a imprudência de se imiscuir nos negócios puramente da alçada do Papado, ameaçando 1 2

História Universal, G. Oncken, Vol. VI, págs. 230, 231, 232. Deline and Fall of Roman Empire, Vol. II, pág. 541.

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de represálias a êste no caso de não serem suas ordens acatadas. O resultado que se esperava foi o seu extermínio completo para sempre. O reino dos Vândalos, com sua sêde de extermínio do Papado, cavou a sua ruína fatal e o seu extermínio completo. E, o reino Ostrogodo, que teve a infeliz visão de Teodorico em matar dois papas — Simaco e João I — forçando êste último a ser um simples mensageiro de sua política ariana a Constantinopla, aprisionando-o ao seu regresso, em cujo cárcere morrera, não podia esperar melhor sorte do que a dos Hérulos e Vândalos — o aniqüilamento. Estava, pois, livre o caminho do Papado para a sua ascenção. Nenhum outro inimigo ousou fazer-lhe frente com determinação. O ano 538, o do levantamento do cêrco de Roma pelos ostrogodos de Vitiges, contituiu o marco inicial da supremacia temporal do Papado, da qual voltaremos a tratar no versículo vinte e cinco dêste sétimo capítulo do livro de Daniel. UM CHIFRE COM OLHOS DE HOMEM É notável que a inspiração informe que no “CHIFRE PEQUENO” “havia olhos, como os de homem” e não olhos divinos; “homem” no singular e não no plural. Em primeiro lugar vemos aqui que o absolutismo do Papado, na pessoa do papa, não é uma democracia nem mesmo nos 44 hectares de seu Estado. Numa democracia, o povo comparece às urnas para eleger livremente o seu soberano, que se torna então govêrno “do povo, pelo povo e para o povo”. Mas não se dá isto quando da escolha e eleição do potentado do Vaticano. O papa não é eleito por seus súditos do mundo e nem mesmo pelos de seu próprio Estado — o Vaticano. Nenhum católico do mundo, exceto os cardeais, elege o seu pontífice. Além disso, o Papado concede ao seu pontífice prioridade nas decisões, não admitindo que êle seja contraditado. O que diz e o que determina, é inexoràvelmente executado. Dai não serem seus súditos mundiais, e mesmo o seu clero, mais que autômatos em suas mãos. Êle domina suas consciências a seu belo prazer. Em matéria de fé não têm os católicos o direito de pensar. O papa é quem pensa por êles. Não necessitam de fé para aceitar e cumprir seus dogmas, pois dogmas meramente de homens não carecem de fé para serem aceitos. Todo o poder, pois, do Papado, concentra-se num exclusivo homem — o papa. Sim, no “CHIFRE PEQUENO” “havia olhos, como os do homem” e não como os de “homens” e muito menos olhos divinos. 391

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Em segundo lugar, vemos nos “olhos, como os de homem” do “CHIFRE PEQUENO”, a vigilância mundial do Papado. “Não há poder temporal que tenha um serviço de informações, um serviço secreto comparável ao do Vaticano. Seus milhares de milhares de clérigos estão perfeitamente postados em todo o orbe para verem o que faz, o que diz e o que pensa o mundo”. “Os monsignori do secretariado de Estado do Vaticano são esmeradamente exercitados na arte de interpretar êsses relatórios confidenciais que chegam de todos os cantos do mundo. Há quem diga que o Vaticano terá influenciado na decisão que tomou Roosevelt em dezembro de 1939, de enviar Myron Taylor ao Vaticano como seu representante pessoal”.1 Em terceiro lugar, vemos na figura de “olhos, como os de homem” do “CHIFRE PEQUENO” os recursos, os meios humanos de que lança mão o Papado para manter-se poderoso sôbre as nações, não sendo, em face disso, um poder propriamente eclesiástico, mas, a exemplo da velha Roma Imperial de que é o legítimo sucessor ou continuador sob nova fase, — vemos no Papado um poder essencialmente político sob a toga eclesiástica romana. Assim era a velha Roma dos Césares — imperadores e assim devia ser e é a nova Roma dos Césares-papas. A evidência está nas páginas dos séculos; contraditá-la, só mesmo riscando, os fatos inexoráveis da História. E quem poderá fazê-lo? UM CHIFRE COM BOCA DE HOMEM Se os olhos são de “homem”, a boca também o é. Daí estarmos tratando com um poder exclusivamente humano, não obstante suas pretensões de existência sobrenatural. E, como age um poder puramente humano mas com pretensão de divindade? Age indubitàvelmente como reza a inspirada profecia insolentemente. A própria Bíblia católica, aprovada por êste poder e referindo-se à sua profecia indiscutível, diz que o “CHIFRE PEQUENO” tinha “uma boca que falava com insolência”. Esta é a história das nações e esta é a história do Papado. Aí está a prova profética inspirada de suas palavras insolentes, orgulhosas, petulantes, desrespeitosas, altivas — para impôr-se no orbe como supremo. Suas palavras são insolentes principalmente contra o Deus do céu — como veremos no versículo onze e vinte e cinco para poder ostentar-se e impôr-se como deus na

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Revista “O Cruzeiro”, 13 de Maio de 1950, pág. 68.

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terra. Cuidem-se os homens com o que procede da boca dum poder que insolentemente exalta-se a si mesmo pretendendo equiparar-se ao Deus Onipotente. Cuidem êles com os ensinos oriundos de uma boca que profere orgulhosas palavras, insolências até contra o Céu sem revelar sequer vestígios de humildade. Desgraçadamente não exerceram e não exercem os homens e os poderosos das nações êste vital cuidado, e foram envolvidos sorrateiramente nas malhas dum poder que os afastou de Deus, de Sua verdade e de Sua divina justiça. O AUGUSTO TRIBUNAL DO UNIVERSO VERSOS 9-10: — “Eu continuei olhando, até que foram postos uns tronos, e um Ancião de dias se assentou: o seu vestido era branco como a neve, e o cabelo da Sua cabeça como a limpa lã; o seu trono chamas de fogo, e as rodas dêle fogo ardente. Um rio de fogo manava e saía de diante dÊle: milhares de milhares o serviam, e milhões de milhões estavam diante dÊle: assentou-se o juízo, e abriram-se os livros”. INSTALA-SE O JÚRI DA HUMANIDADE Como tratamos na introdução dêste sétimo capítulo, encerra êle o calendário profético da civilização humana num período de mais de vinte e cinco séculos decorridos. Os grandes acontecimentos internacionais, relativos à política e à religião, estão nêle sàbiamente condensados pela inspiração. O papel de cada um dos grandes impérios anunciados nesta profecia — Babilônia 606-539 a.C.; MedoPérsia 539-331 a.C.; Grécia 33-168 a.C.; Roma 331 a.C. 476 a.D.; Papado 538-1798 a.D. — foi desempenhado no palco da História com a maior exatidão. Agora, a cena seguinte e final desta grande profecia é a do juízo no Augusto Tribunal do Universo. Segundo a seqüência dos acontecimentos preditos e comprovados pelos fatos históricos que os cumpriram na ordem cronológica como dados nesta revelação, o tribunal do Todo Poderoso deveria ter instalado sua primeira sessão num tempo depois do término do poder temporal do Papado, ou seja depois do ano de 1798. Além disso, a “hora” do juízo chegaria quando o evangelho eterno, segundo o Apocalipse, capítulo quatorze, versículos seis e sete, fosse proclamado num grande movimento religioso mundial. E isso só poderia ser possível nestes últimos tempos com o concurso da ciência moderna, que deu ao mundo principalmente a imprensa e todo o meio 393

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de locomoção e comunicação. Na exposição dos capítulos 8:14 e 9:25 temos estabelecido a data exata e profética do assento deste juízo de investigação, e ali devemos considerá-la. À medida, de nossa consideração, devemos tomar posição definida e positiva junto de Deus e Sua justiça. O juízo deve fazer-nos tremer por nossos pecados, e levar-nos a procurar Aquêle que é o Único que nos poderá ajudar a passarmos satisfatoriamente pelo tribunal do Excelso. TREMENDA SOLENIDADE DE INSTALAÇÃO Tronos, diz o profeta, foram postos na sala do Augusto Tribunal. Pelo menos dois eram tronos especiais — o do Supremo Juiz e do Supremo Advogado. E, se levarmos em conta a visão do profeta do Apocalipse, haviam mais vinte e quatro tronos, nos quais assentaramse vinte e quatro anciãos.1 Dentre os circunstantes que tomaram assento nos tronos dos juízes, de um único é feita mensão especial — do “Ancião de Deus”, o Juiz. Esta expressão do profeta é antes descritiva do que propriamente um título do Soberano do universo. Daniel não tentou descrever o Eterno indescritível, como São João não o fêz ao contemplá-lO em Seu trono.2 Milênios antes de iniciar-se o grande júri, a ambos os dois videntes fôra permitido tão somente constatar a Sua presença no tribunal — de um modo representativo em harmonia com o significado da visão — e contemplar a Sua inenarrável glória. São João simplesmente diz: “E o que estava assentado era, na aparência, semelhante à pedra de jaspe e sardônica”.3 E Daniel limitou-se apenas a referir-se à Sua veste “branca como a neve” e a Seus cabelos “como a limpa lã”. Em suas alvas vestes e em seus cabelos brancos, podemos vêr a pureza e a eternidade do Altíssimo Deus como Juiz, mòrmente nesta hora solene de julgamento. Temos, pois, de tratar com um Juiz eternamente puro e santo, em que a eqüidade absoluta é a base de seus vereditos no trato com os réus de Seu tribunal. Fôra a imensurável glória que circundava a majestade do Egrégio Juiz, dÊle próprio emanante, que vedou, tanto a Daniel como a São João, verem-n’O precisamente mesmo em visão. Numa outra visão apocalíptica o profeta declara que a terra e o céu desapareceram de 1

Apocalipse 4: 1-4. Apocalipse 4: 1-2. 3 Apocalipse 4: 3. 2

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Sua presença, ao assentar-se em Seu Augusto Trono para julgar e sentenciar.1 Tal a imensidade de Sua glória que Daniel a descreve como um rio de fogo abrasador, fazendo especial mensão de Seu trono como de fogo ardente. Aí está a glória do Magistrado Supremo diante do qual todo o indivíduo humano terá de prestar contas de tudo quanto fêz em todo o tempo que viveu no mundo de Sua criação. Pensemos seriamente no grande ajuste de contas com o Juiz da eternidade. MILHARES DE MILHARES — MILHÕES DE MILHÕES Aqui estão dois grupos de angélicos circunstantes na sala do júri, além dos que compõem a côrte do Venerável Juiz e com Êle se acham assentados em tronos. O primeiro grupo — milhares de milhares — é o dos anjos que servem no tribunal do juízo, considerados oficiais de justiça encarregados da leitura dos autos ou processos referentes aos réus em julgamento. O segundo grupo — milhões de milhões — é o dos anjos que estão em pé diante do Excelso Juiz prontos para depôr como testemunhas oculares verdadeiras e relatores das obras dos que são citados e levados à barra do supremo tribunal universal. “E ABRIRAM-SE OS LIVROS” Esta mesma solene declaração — e abriram-se os livros — encontra-se no versículo doze do capitulo vinte do Apocalipse, onde trata também do juízo. Ninguém pense que pode andar só, um minuto sequer da vida. Um invisível angélico vigia, acompanha seus passos e de suas obras diárias faz um perfeito relatório que é levado para os registros do divino tribunal consecutivamente. Um dia cada indivíduo responderá por seus atos em juízo diante do Altíssimo Deus. Uma amostra de que Deus tem um registro perfeito das obras de cada indivíduo que neste mundo vive, vemos nestas palavras do salmista: “O Senhor, ao fazer descrição dos povos, dirá: êste é nascido ali”.2 No céu tudo está registrado, mesmo a residência de cada um aqui na terra.3 Se se pudesse correr o véu e ver um anjo registrando cada ato e palavra de nossa vida, ficaríamos deveras estarrecidos! Tôdas as nossas ações terão pêso em decidir o nosso destino para a salvação ou perdição. 1

Apocalipse 20:11. Salmos 87:6. 3 Atos 10:5-6. 2

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Duas classes de livros de registros ou autos são abertos no tribunal. Alguém que falou com autoridade, declarou: “Os livros são abertos — o livro da vida e o livro da morte. O livro da vida contém as boas obras dos santos; e o livro da morte também as más obras dos ímpios”.1 Entendemos então, que, o livro chamado “memorial”, no qual estão registradas as boas obras dos que temem ao Senhor, é o mesmo livro da vida.2 “No livro memorial de Deus toda ação de justiça se acha imortalizada. Ali, tôda tentação resistida, todo mal vencido, tôda palavra de terna compaixão que se proferir, acha-se fielmente historiada. E todo ato de sacrifício, todo sofrimento e tristeza, suportado por amor de Cristo, encontra-se registrado. Diz o salmista: “Tú contaste as minhas vagueações: põe as minhas lágrimas no Teu odre: não estão elas no Teu livro!”.3 Evidentemente entendemos que os justos têm também seus nomes escritos no livro da morte, pois seus pecados não podem estar arrolados entre as suas boas obras no livro da vida. Além disso, antes de serem êles justos eram ímpios. O livro da vida existe desde o princípio do mundo e pertence ao Filho de Deus por quem nos vem a vida.4 Quem, pois, tem o seu nome escrito neste livro. Já notamos que os justos têm suas boas obras escritas neste livro e consequentemente seus nomes. Notemos outras declarações: “O pecador, pelo arrependimento de seus pecados, fé em Cristo e obediência à perfeita lei de Deus, tem a justiça de Cristo a êle imputada; ela torna-se sua justiça, e seu nome é inscrito no livro da vida do Cordeiro. Êle torna-se um filho de Deus, um membro da familia real’.5 O livro da vida contém os nomes de todos os que já entraram para o serviço de Deus”.6 São Paulo, referindo-se a êstes fiéis cooperadores de Deus, escreveu: “... cujos nomes estão no livro da vida”.7 Ao regressarem os apóstolos de uma jornada missionária, disse-lhes Jesus: “Mas não vos alegreis por que se vos sujeitam os espíritos; alegrai-vos antes por estarem os vossos nomes escritos nos céus”.8 1

Early Writings, E. G. White, pág. 52. Malaquias 3:16. 3 O Conflito dos Séculos, E. G. White, pág. 481. 4 Apocalipse 17:8, 13:6. 5 Testimonies for the Church, E. G. White, Vol. III, páginas 371 e 372. 6 O Conflito dos Séculos, E. G. White, pág. 480. 7 Filipense 4:3. 8 S. Lucas 10:20. 2

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É possível serem riscados do livro da vida nomes que ali já foram inscritos.1 Só a vitória sôbre todo o pecado fará com que o nome do vencedor permaneça no glorioso livro. Se, porém, não vencer o pecado e continuar a praticá-lo, não serão levadas em conta as suas boas ações.2 Estará êle perdido.3 Nenhum justo, salvo, poderá livrar a quem se desviar no mínimo que seja do caminho da justiça por amor ao pecado.4 Quando o povo de Israel pecou fazendo o “bezerro de ouro”, Moisés disse a Deus: “Agora pois perdoa o seu pecado, se não risca-me, peço-te, do Teu livro, que tens escrito”. Mas Deus, não aceitando a sua proposta, respondeu-lhe: “Aquêle que pecar contra Mim, a êste riscarei Eu do meu livro”.5 Vemos assim que naquele balanço final do grande tribunal tôdas as contas serão liquidadas; e serão riscados ou os nomes ou os pecados. Sim, cometendo o justo, pecado, e não se arrependendo, será riscado o seu nome do livro da vida. Suas justiças não serão levadas em consideração. Será excluído de participar da cidade de Deus6. O segrêdo da vitória jaz em vencer todo o pecado, e isto requer luta renhida e constante. Mas é claro que o sincero lutador não estará sozinho nesta batalha tremenda; o poder de Deus está à sua disposição, podendo dêle lançar mão com tôda a segurança para seu triunfo. Se preferir lutar só, perderá a batalha e certamente sucumbirá para sempre na peleja. O livro da morte, já por seu nome e como vimos, “contém as más obras dos ímpios”. Tôda a classe de pecados reprovados pela lei de Deus — tanto por sua letra como por seu espírito — enchem êste horrível livro da morte. “Eis que está escrito diante de Mim... as vossas iniqüidades, e juntamente as iniqüidades de vossos pais”.7 A adoração de deuses estranhos, a idolatria, a desonra ao nome do Altíssimo, a recusa do santo dia do repouso de Deus, o desrespeito aos pais, crimes, imoralidades, furtos, falsidades, cobiça — tudo isto que ofende a santa lei divina, está assentado com imperiosa exatidão. Êste resumo de pecados, apontados pela lei suprema do tribunal de Deus e que enfeixa todo o pecado, podem ser cometidos mesmo pelos cinco sentidos sem que o ato seja carnalmente consumado. Os pensamentos, as palavras, as intenções e o olhar precedem a consumação do ato e 1

Apocalipse 3:5. Ezequiel 33:13; 18:24-26. 3 Hebreus 10:26-27. 4 Ezequiel 14:12-20. 5 Êxodo 32:32-33. 6 Apocalipse 21:27. 7 Isaías 65:6-7. 2

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suas dramáticas conseqüências, sendo do mesmo modo violação indiscutível da lei, do código penal do augusto tribunal. Tôda a imaginação — oculta ou não — que gerou o pecado, está meticulosamente registrada nos livros e no juízo aparecerá o delito com todos os seus requintes. “Ao lado de cada nome, nos livros do céu, estão escritos, com terrível exatidão, toda má palavra, todo ato egoísta, todo dever não cumprido, e todo pecado secreto, juntamente com toda artificiosa hipocrisia. Advertências ou admoestações enviadas pelo céu, e que foram negligenciadas, momentos desperdiçados, oportunidades não aproveitadas, influência exercida para o bem ou para o mal, juntamente com seus resultados de vasto alcance, tudo é historiado pelo anjo relator”.1 E ninguém poderá neutralizar nenhum de seus males por seu próprio poder.2 “Pecados de que não houve arrependimento e que não foram abandonados, não serão perdoados nem apagados dos livros de registo, mas ali permanecerão para testificar contra o pecador no dia de Deus. Êle pode ter cometido más ações à luz do dia ou nas trevas da noite; elas, porém, estavam patentes e manifestas Àquele com quem temos de nos haver. Anjos de Deus testemunharam cada pecado, registando-o nos relatórios infalíveis. O pecado pode ser escondido, negado, encoberto, ao pai, mãe, esposa, filhos e companheiros; ninguém a não ser os seus autores culpados, poderá alimentar a mínima suspeita da falta; ela, porém, jaz descoberta perante os sêres celestiais. As trevas da noite mais escura, os segredos de tôdas as artes enganadoras, não são suficientes para velar do conhecimento do Eterno um pensamento que seja. Deus tem um relatório exato de toda conta injusta e de todo negócio desonesto. Não se deixa enganar pela aparência de piedade. Não comete erros em Sua apreciação do caráter. Os homens podem ser enganados pelos que são de coração corrupto, mas Deus penetra todos os disfarces e lê a vida íntima. “Quão solene é esta consideração! Dia após dia que passa para a eternidade, traz sua enorme porção de relatos para os livros do céu. Palavras, uma vez faladas, e ações, uma vez praticadas, nunca mais se podem retirar. Os anjos têm registado tanto as boas como as más. Nem o mais poderoso guerreiro pode revogar a relação dos acontecimentos de um único dia sequer. Nossos atos, palavras, e mesmo nossos 1 2

O Conflito dos Séculos, E. G. White, pág. 482. Jeremias 13:23; 2:22.

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intuitos mais secretos, tudo tem o seu pêso ao decidir-se nosso destino para a felicidade ou para a desdita. Ainda que esquecidos por nós, darão o seu testemunho para justificar ou condenar. “Assim como os traços da fisionomia são reproduzidos com precisão infalível sobre a polida chapa fotográfica, assim o caráter é fielmente delineado nos livros do céu. Todavia, quão pouca, solicitude é experimentada com referência àquele registo que deve ser pôsto sob o olhar dos sêres celestiais! Se se pudesse correr o véu que separa o mundo visível do invisível, e os filhos dos homens contemplassem um anjo registando tôda palavra e ação, que eles deverão novamente encontrar no juízo, quantas palavras, que diariamente se proferem ficariam em ser faladas, e quantas sem ser praticadas!”1 A não ser que o pecador lance mão da previsão de Deus, será inapelàvelmente condenado pelo grande júri do universo. O JUÍZO NUM IMPRESSIONANTE SONHO No século passado uma piedosa cristã teve um impressionante sonho sobre o juízo, e o descreve em palavras que nos devem, fazer pensar com seriedade e temor sobre nossa vida è nossos pecados. Notemos a sua descrição: “Na manhã de 23 de outubro de 1879, por volta das duas horas, o Espírito do Senhor repousou sobre mim, e vi cenas do juízo vindouro. Faltam-me palavras, para descrever devidamente as coisas que passaram diante de mim, e o efeito que tiveram sobre meu espírito. Parecia haver chegado o grande dia da execução do juízo de Deus. Dez milhares vezes dez milhares achavam-se reunidos diante dum grande trono, sobre o qual estava sentada uma pessoa de aparência majestosa. Vários livros achavam-se diante dÊle, e na capa de cada um estava escrito em letras de ouro, que pareciam como chama ardente: ‘Contas-correntes do Céu’. Foi então aberto um dêsses livros, contendo os nomes dos que professam crer na verdade. Perdi imediatamente de vista os inúmeros milhões que se achavam em redor do trono, e unicamente os que eram professos filhos da luz e da verdade me prenderam a atenção. Ao serem nomeadas essas pessoas, uma a uma, e mencionadas suas boas ações, sua fisionomia iluminavase de santa alegria que se refletia em tôdas as direções. Isto, porém, 1

O Conflito dos Séculos, E. G. White, pág. 485, 486.

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não pareceu fixar-se em meu espírito com a maior intensidade. “Abriu-se outro livro, no qual se achavam registados os pecados dos que professam a verdade. Sob o cabeçalho geral de egoísmo, vinha uma legião de pecados. Havia também cabeçalhos sôbre cada coluna e, embaixo dêstes, ao lado de cada nome, achavam-se registados, em suas respectivas colunas os pecados menores. “Sob a cobiça vinha a falsidade, o furto, o roubo, a fraude e a avareza; sob a ambição vinha o orgulho e a prodigalidade; o ciúme encabeçava a maldade, a inveja e o ódio; e a intemperança servia de, cabeçalho a uma longa lista de terríveis crimes, como a lascívia, o adultério, a condescendência com as paixões animais, etc. Ao contemplar isto, enchi-me de inexprimível angústia, e exclamei: ‘Quem poderá salvar-se? quem subsistirá justificado diante de Deus? Quem terá os vestidos sem mancha? quem é impecável aos olhos de um Deus puro e santo?’ “À medida que o Santo que estava sôbre o trono ia virando lentamente as folhas do Conta-Correntes e Seus olhos pousavam momentaneamente sôbre os indivíduos, êsse olhar parecia queimarlhes até ao íntimo a alma, e no mesmo instante cada palavra e ação de sua vida passava-lhe diante da mente, clara como se fosse traçada ante seus olhos com letras de fogo. Apoderava-se, dêles o temor, e os rostos empalideciam. Seu primeiro aspecto quando se achavam diante do trono, era de descuidosa indiferença. Mas como se lhes mudava agora êsse aspecto. Desapareceram o sentimento de segurança, substituindo-o inominável terror. Toda alma está aterrada, não seja ela achada entre os que estão em falta. Todos os olhos se acham voltados para a face dAquele que está sôbre o trono; e enquanto Seu olhar solene e esquadrinhador passa por aquele grupo, há tremor de coração; pois sentem-se em si mesmos condenados, sem que fosse pronunciada uma palavra. Em angústia de alma, cada um declara a própria culpa e de maneira terrivelmente vívida vê que, pecando, atirou fora a preciosa dádiva da vida eterna. “Uma classe estava registada com empecilhos do terreno. Ao cair sôbre êsses o penetrante olhar do Juiz, foram distintamente revelados seus pecados de negligência. Com lábios pálidos e trêmulos reconheceram haver sido traidores do santo depósito que lhes fôra confiado. Haviam tido advertências e privilégios, mas não os haviam atendido e aproveitado. Podiam ver agora que haviam presumido demasiado dá misericórdia de Deus. Em verdade, não tinham a fazer confissões como as dos vis e baixamente corrompidos; mas, como a 400

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figueira, eram amaldiçoados por não produzirem frutos, por não haverem usado os talentos a êles confiados. Esta classe dera ao próprio eu o supremo lugar trabalhando apenas pelo interêsse egoísta. Não eram ricos para com Deus, não havendo correspondido a Suas reivindicações sobre êles. Conquanto professassem ser servos de Cristo, não Lhe trouxeram almas”. “Foram mencionados os nomes de todos quantos professam a verdade. Alguns foram reprovados por sua incredulidade outros por terem sido servos negligentes. Deixaram que outros fizessem a obra na vinha do Mestre, e levassem as mais pesadas responsabilidades, enquanto êles estavam servindo egoisticamente seus próprios interêsses temporais”. “As palavras dirigidas a êsses foram soleníssimas: ‘Fôstes pesados na balança, e achados em falta’. Negligenciastes as responsabilidades espirituais devido à atarefada atividade nos assuntos temporais, ao passo que vossa própria posição de confiança tornava necessário possuírdes sabedoria mais que humana e discernimento acima do finito. Precisáveis disto a fim de realizardes mesmo a parte mecânica de vosso trabalho; e quando desligastes Deus e Sua glória de vossa ocupação, desviastes-vos de Sua bênção”. “Foi então feita a pergunta: ‘Por que não lavastes vossos vestidos de caráter, e os branqueastes no sangue do Cordeiro? Deus enviou Seu Filho ao mundo, não para que condenasse o mundo, mas para que êsse fosse salvo por Êle. Meu amor por vós foi mais abnegado do que o de uma mãe. Foi para poder apagar vosso sombrio registo de iniquidade, e pôr-vos nos lábios o cálice da salvação, que sofri a morte de cruz, suportando o peso e a maldição de vossa culpa. As agonias da morte, e os horrores das trevas do sepulcro, Eu suportei, a fim de vencer aquêle que tinha o império da morte, descerrar a prisão, e abrir-vos os portais da vida. Submeti-Me à vergonha e à angústia porque vos amava com infinito amor, e queria trazer de volta Minhas ovelhas desgarradas e errantes ao paraíso de Deus, à árvore da vida. Essa vida de bênção que para vós comprei a tal preço, vós a desprezastes. Vergonha, vitupério e ignomínia como os que por vós sofreu vosso Mestre, vós evitastes. Os privilégios que Êle deu a vida” para pôr ao vosso alcance, não os apreciastes. Não quisestes ser participantes de Seus sofrimentos, e agora não podeis partilhar com Êle de Sua glória”. “Foram então proferidas estas solenes palavras: ‘Quem é injusto, faça injustiça ainda; e quem está sujo, suje-se ainda; e quem é justo, faça justiça ainda; e quem santo, seja santificado ainda’. Fechou-se 401

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então o livro, e caiu o manto da pessoa que estava no trono, revelando a terrível glória do Filho de Deus”. “A Cena dissipou-se, e encontrei-me ainda na terra, inexprimivelmente grata por que o dia de Deus ainda não tivesse vindo, e o precioso tempo da graça ainda nos fosse concedido, de modo a nos prepararmos para a eternidade”.1 UMA “MENSAGEM PRESENTE” DE JUÍZO A mensagem do juízo é uma “mensagem presente”. Os antigos profetas, apóstolos e o Senhor Jesus Cristo referiram-se solenemente ao juízo, porém como um acontecimento futuro. Nem mesmo nos séculos da Reforma, que foi o primeiro grande movimento religioso depois do apostólico, aludira-se ao juízo como “mensagem presente”. Lutero, referindo-se ao juízo, colocou o seu advento para cêrca de uns 300 anos no futuro e êle estava certo. Até o final do século dezoito, quando a França derribou o poder temporal do Papado — aliás, em 1798 — nenhum movimento surgiu anunciando ter chegado a “hora” do juízo. Porém, na primeira metade do século dezenove, exatamente 300 anos depois de Lutero, surgiu, em vários países do mundo, principalmente nos Estados Unidos, um movimento religioso, cuja mensagem central era verdadeiramente esta: “Temei a Deus, e dai-lhe glória; porque é a hora do Seu juízo”. Constatamos ser este movimento um cumprimento correto do anunciado nos capítulos dez e quatorze do livro do Apocalipse. Daniel, o profeta de Deus, predisse, no capítulo oito e versículo quatorze de seu livro, o ano de 1844, em forma de um problema de matemática, como o ano inicial da “hora” do juízo. Portanto, desde 1844 vivemos sob a anunciação — “Temei a Deus, e dai-Lhe glória; porque vinda é a hora ‘do Seu juízo”. É um fato indubitável, atestado por sobeja documentação histórica alusiva ao movimento profético que o anunciou nesta data. Desde êsse ano, portanto, vive a hodierna civilização sob o signo do juízo investigativo de Deus. Quão grande responsabilidade implica em vivermos neste tempo de ajuste com o Egrégio Juiz do Universo em seu tribunal. Todos deverão acertar suas contas com o dono do mundo no qual permitiu que vivessem sob condições de fidelidade às Suas justas e

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Testemunhos Seletos, E. G. White, ed. Mundial, págs. 518 a 522.

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imutáveis leis. Não importa que o indivíduo já tenha morrido”.1 Mesmo assim terá de responder por sua vida vivida na terra, segundo a sua conta-corrente evidente que há nos registros celestiais, constante de suas boas e más obras. Para que nos precavêssemos e tomássemos posição decisiva e firme junto da verdade e da justiça, a fim de não termos a lamentar no dia da aplicação geral da inexorável sentença, o Venerável Juiz, em sua bondade e amor, enviou-nos por seus profetas inúmeras mensagens dando-nos conta de como processará o julgamento depois do qual não haverá apelação da sentença. SOLENES ADVERTÊNCIAS INSPIRADAS “Porque o juízo será sem misericórdia”.2 “Mas o Senhor está assentado perpétuamente; já preparou o seu tribunal para julgar, Êle mesmo julgará o mundo com justiça; julgará os povos com retidão”.3 “E regrarei o juízo pela linha, e a justiça pelo prumo”.4 “Deus pede conta do que passou”.5 “Porque Deus há de trazer a juízo toda a obra, e até tudo o que está encoberto, quer seja bom quer seja mau”.6 “Mas Eu vos digo que de toda a palavra ociosa que os homens disserem hão de dar conta no dia do juízo. Porque por tuas palavras serás justificado, e por tuas palavras serás condenado”.7 “No dia em que Deus há de julgar os segredos dos homens, por Jesus Cristo, segundo o meu evangelho”.8 “E chegar-me-ei a vós para juízo, e serei uma testemunha veloz contra os feiticeiros e contra os que juram falsamente, e contra os que defraudam o jornaleiro, e pervertem o direito da viuva, e do órfão, e do estrangeiro, e não Me temem, diz o Senhor dos Exércitos”.9 “Porque o dia do Senhor está perto sobre todas as nações: como tu, fizestes, assim se fará contigo: a tua maldade cairá sobre a tua cabeça”.10 “Quanto ao ímpio, as suas 1

Hebreus 9:27. S. Tiago 2:13. 3 Salmos 9:7-8. 4 Isaías 28:17. 5 Eclesiastes 3:15. 6 Eclesiastes 12:14. 7 S. Mateus 12:36-37. 8 Romanos 2:16. 9 Malaquias 3:5. 10 Obadias 15. 2

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iniquidades o prenderão, e com as cordas do seu pecado será detido”.1 “E se não fizerdes assim, eis que pecastes contra o Senhor: porém sentireis o vosso pecado, quando vos achar”2 “E não há creatura alguma encoberta diante dÊle; antes todas as coisas estão nuas e patentes aos olhos dAquele com quem temos de tratar”.3 E, eis que cedo venho, e o meu galardão está Comigo, para dar a cada um segundo a sua obra”.4 “E o servo que soube a vontade do seu Senhor, e não se aprontou, nem fez conforme a Sua Vontade, será castigado com muitos açoites; mas o que a não soube, e fez coisas dignas de açoites, com poucos açoites, será castigado. E, a qualquer que muito for dado, muito se lhe pedirá, e ao que muito se lhe confiou muito mais se lhe pedir”.5 AS TRÊS FASES DO JUÍZO 1. A primeira fase do juízo denomina-se: Juízo Investigativo. Estende-se desde o ano de 1844, segundo a clara profecia de Daniel capítulo oito versículo quatorze, até ao fechamento da porta da graça, ou término da obra intercessória de Cristo no santuário celestial. É um juízo que visa exclusivamente a Igreja de Deus desde o princípio do mundo e atinge tanto aos mortos como aos vivos de sua comunidade. Escreveu São Pedro: “Porque já é tempo que comece o julgamento pela casa de Deus; e, se primeiro começa por nós, qual será o fim daqueles que são desobedientes ao evangelho de Deus?”.6 “Antes de qualquer pessoa poder entrar nas mansões dos bem-aventurados, seu caso deverá ser investigado, e seu caráter e ações deverão passar em revista perante Deus. Todos serão julgados de acordo com as coisas escritas nos livros, e recompensados conforme tiverem sido as suas obras”.7 Começou pelos mortos, no ano supracitado de 1844 e passará imediatamente aos vivos. Esta fase do juízo denomina-se também de “purificação do santuário”, como veremos no oitavo capítulo, e significa a remoção dos pecados do povo de Deus no santuário celestial no qual deram entrada pelo arrependimento, confissão, e fé em Cristo como Mediador e Salvador. 1

Provérbios 5:22. Números 32:23. 3 Hebreus 4:13. 4 Apocalipse 22:12. 5 S. Lucas 12:47-48 6 I S. Pedro 4:17. 7 O Conflito dos Séculos, E. G. White, pág. 548. 2

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Os santos de cada geração da terra são citados neste juízo no tribunal. Embora todos “devam passar em juízo perante Deus, examinará Êle o caso de cada indivíduo, com um escrutínio tão íntimo e penetrantes como se não houvesse outro ser na terra. Cada um deve ser provado, e achado sem mancha ou ruga, ou coisa semelhante”.1 Todo o nome é mencionado, cada caso minuciosamente investigado. “Aceitam-se nomes e regeitam-se nomes. Quando alguém tem pecados que permaneceram nos livros de registro, para os quais não houve arrependimento nem perdão, seu nome será omitido do livro da vida, e o relato de suas boas ações apagado do livro memorial de Deus”. O livro da vida2 . Esta questão é mais séria do que muitos pensam, “enquanto o homem de negócios está absorto em busca de lucros, enquanto o amante dos prazeres procura satisfazer aos mesmos, enquanto a escrava da moda está a arranjar os seus adornos — pode ser que naquela hora o Juiz de tôda a terra pronuncie a sentença: “Pesado foste na balança, e foste achado em falta”.3 “Quando se encerrar a obra do juízo de investigação, o destino de todos terá sido decidido, ou para a vida, ou para a morte”.4 Vivemos na hora mais solene da história. O conselho e advertência de Deus para êste tempo é: “Temei a Deus, e dai-lhe glória; porque vinda é a hora de Seu juízo. E adorai Aquele que fez o céu, e a terra, e o mar, e as fontes das águas”.5 Atendido êste conselho, a absolvição no juízo estará assegurada e a vida será o eterno e precioso galardão. 2. A segunda fase do juízo denomina-se: Juízo Milenar. Estenderse-á desde a segunda vinda de Cristo e prosseguirá ininterruptamente durante dez séculos. Mediará precisamente entre a primeira ressurreição — a dos santos, e a segunda ressurreição — a dos ímpios. Os réus dêste juízo serão os ímpios, todos quantos se recusaram a aceitar o plano da salvação de Deus para se salvarem. Constarão estes impenitentes de bilhões de bilhões desde o princípio do mundo até à presente geração. Será um juízo para determinar a pena que cada um dos réus deve receber, pois condenados já estão pela rejeição da salvação de Deus que lhes foi oferecida gratuitamente em sua graça. 1

O Conflito dos Séculos, E. G. White, pág. 490. O Conflito dos Séculos, E. G. White, pág. 482. 3 O Conflito dos Séculos, E. G. White, pág. 491. 4 O Conflito dos Séculos, E. G. White, pág. 490. 5 Apocalipse 14:7. 2

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O juízo dos ímpios não poderá realizar-se no santuário celestial onde se realiza atualmente o juízo dos santos, pois o santuário foi estabelecido como centro de mediação da obra expiatória de Cristo na cruz, e os ímpios regeitaram essa expiação e mediação. Os impenitentes não terão mediação no juízo e sim julgamento preparatório da execução. Também os maus anjos, incluso Satanás, que uma vez se rebelaram contra Deus no céu, serão julgados nêste mesmo juízo do milênio. Escreveu São Pedro: “Porque, se Deus não perdoou os anjos que pecaram, mas, havendo-os lançado no inferno, os entregou às cadeias da escuridão, ficando reservados para o juízo”.1 “E aos anjos que não guardaram o seu principado, mas deixaram a sua própria habitação, reservou na escuridão, e em prisões eternas até ao juízo daquele grande dia”.2 Os juízes dêste julgamento milenar dos ímpios e dos anjos caídos serão os remidos, cujo juízo será na Nova Jerusalém, a cidade de Deus.3 São Paulo, falando dêste julgamento e dos santos como juízes, declara: “Não sabeis vós que os santos hão de julgar o mundo... Não sabeis vós que havemos de julgar os anjos?”.4 Durante êste juízo, os ímpios todos estarão mortos, e na terra só estarão vivos Satanás e seus anjos, em meio ao dantesco estado em que as sete pragas transformarão o mundo.5 3. A terceira fase do juízo denomina-se: Juízo executivo. Finda a fase do juízo milenar, Deus, Jesus e os santos regressarão à terra conjuntamente com a santa cidade, a Jeová e Jerusalém. Nesta ocasião Jesus chamará à vida todos os ímpios desde o princípio do mundo. Obedientes à Sua voz de comando, ressurgirão do pó da terra “como um grande exército inumerável como a areia do mar”. “Os ímpios saem da sepultura tais quais a ela baixaram, com a mesma inimizade contra Cristo, e com o mesmo espírito de rebelião. Não terão um nôvo tempo de graça no qual remediar os defeitos da vida passada. Para nada aproveitaria isso. Uma vida inteira de pecado não lhes abrandou o coração. Um segundo tempo de graça, si lhes fôsse concedido, seria ocupado, como foi o primeiro, em se esquivarem aos preceitos de Deus e contra Êle incitarem rebelião”.6 1

II S. Pedro 2:4. Judas 6. 3 Apocalipse 20:4-6. 4 I Coríntios 6:2-3. 5 Jeremias 25:33; Apocalipse 16:17-21. 6 O Conflito dos Séculos, E. G. White, pág. 662. 2

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Ao ver Satanás todos os ímpios ressurretos, exatamente todos quantos êle enganou e levou à ruína e perda da salvação, vai novamente enganá-los, agora pela última vez. “Representa-se a si mesmo, ante seus súditos iludidos, como um redentor, assegurandolhes que seu poder os tirou da sepultura, e que êle está prestes a resgatá-los da mais cruel tirania... Propõe-se guiá-los contra o acampamento dos santos e tomar posse da cidade de Deus. Com diabólica exaltação aponta para os incontáveis milhões que ressuscitaram dos mortos e declara que como seu guia é muito capaz de tomar a cidade, reavendo seu trono e reino”.1 “Satanás consulta seus anjos, e depois êsses reis, vencedores e guerreiros poderosos. Olham para a fôrça e número ao seu lado, e declaram que o exército dentro da cidade é pequeno em comparação com o seu, podendo ser vencido. Formulam seus planos para tomar posse das riquezas e glória da Nova Jerusalém. Hábeis artífices constroem apetrechos de guerra. Chefes militares famosos por seus êxitos arregimentam em companhias e secções as multidões de homens aguerridos. Finalmente é dada a ordem de avançar e o inumerável exército se põe em movimento — exército tal como nunca foi constituído por conquistadores terrestres, tal como jamais poderiam igualar as forças combinadas de tôdas as eras, desde que a guerra existe sôbre a terra. Satanás, o mais forte dos guerreiros, toma a dianteira, e seus anjos unem as forças para esta luta final. Reis e guerreiros estão em seu séquito, e as multidões seguem em vastas companhias, cada qual sob as ordens de seus designados chefes. Com precisão militar as fileiras cerradas avançam pela superfície da terra, quebrada e desigual, em direção à cidade de Deus. Por ordem de Jesus são fechadas as portas da Nova Jerusalém, e os exércitos de Satanás rodeiam a cidade, preparando-se para o assalto”.2 O profeta do Apocalipse escrevera dêsse final conflito: “E, acabando-se os mil anos, Satanás será solto da sua prisão. E sairá a enganar as nações que estão sôbre os quatro cantos da terra, Gog e Magog, cujo número é como a areia do mar, para os ajuntar em batalha. E subiram sôbre a largura da terra, e cercaram o arraial dos santos e a cidade amada”.3 Tôda a família humana, de todos os séculos da História da terra acha-se agora reunida pela primeira vez. Os santos salvos estarão 1

O Conflito dos Séculos, E. G. White, pág. 663. O Conflito dos Séculos, E. G. White, pág. 664. 3 Apocalipse 20:7-9. 2

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dentro da cidade com Cristo, Seu Pai e Seus anjos, e os ímpios estarão fora com Satanás e seus anjos. Então os livros de registos dos seus pecados serão abertos ante êles. “Logo que se abrem os livros de registo e o olhar de Jesus incide sobre os ímpios, êles se tornam cônscios de todo pecado cometido. Vêem exatamente onde seus pés se desviaram do caminho da pureza, e santidade, precisamente até onde o orgulho e rebelião os levaram na violação da lei de Deus. As sedutoras tentações que acoroçoaram na condescendência com o pecado, as bênçãos pervertidas, os mensageiros de Deus desprezados, as advertências rejeitadas, as ondas de misericórdia rebatidas pelo coração obstinado, impenitente tudo aparece como escrito com letras de fogo”.1 Finalmente tudo terminou. Diz o profeta do Apocalipse: “... Mas desceu fogo do Céu, e os devorou. E o diabo, que os enganava, foi lançado no lago de fogo e enxofre, onde está a besta e o falso profeta; e de dia e de noite serão atormentados para todo o sempre”. “E aquêle que não foi achado escrito no livro da vida foi lançado no lago de fogo”.2 “A terra se fende. São retiradas as armas escondidas em suas profundezas. Chamas devoradoras irrompem de cada abismo hiante. As próprias rochas estão ardendo. Vindo é o dia que arderá como um forno. Os elementos fundem-se pelo vivo calor, e também a terra e as obras que nela há, são queimadas.3 A superfície da terra parece uma massa fundida — um vasto e fervente lago de fogo. É o tempo do juízo e perdição dos homens maus — “dia da vingança do Senhor, ano de retribuição pela luta de Sião”.4 “Alguns são destruídos em um momento, enquanto outros sofrem muitos dias. Todos são punidos segundo as suas ações. Tendo sido os pecados dos justos transferidos para Satanás, tem êle de sofrer não somente pela sua própria rebelião, mas por todos os pecados que fez o povo de Deus cometer. Seu castigo deve ser maior do que o daqueles a quem enganou. Depois que perecerem os que pelos seus enganos caíram, deve êle ainda viver e sofrer. Nas chamas purificadoras os ímpios são finalmente destruídos, raiz e ramos — Satanás a raiz, seus seguidores os ramos. A penalidade completa da lei foi aplicada; satisfeitas as exigências da justiça; e o Céu e a Terra, contemplando-o, 1

O Conflito dos Séculos, E. G. White, pág. 666. Apocalipse 20:9-10, 15. 3 Malaquias 4:1; II Pedro 3:10. 4 Isaías 34:8. 2

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declaram a justiça de Jeová”.1 “Enquanto a terra está envolta nos fogos da destruição, os justos habitam em segurança na santa cidade. Sôbre os que tiveram parte na primeira ressurreição, a segunda morte não tem poder. Ao mesmo tempo em que Deus é para os ímpios um fogo consumidor, é para o Seu povo tanto sol como escudo”.2 Foi então aplicada a sentença do Juiz Todo-poderoso, sentença, aliás, que o próprio pecador o obrigou a aplicá-la sôbre si por sua deliberada rebelião, e menos caso à imensurável salvação de Deus e sua divina graça. Êste juízo executivo, conquanto destrua os ímpios e suas obras com fogo e enxofre, purificará a terra preparando-a para morada eterna e feliz dos santos. “E vi um novo céu e uma nova terra”.3 “Mas nós, segundo a Sua promessa, aguardamos novos céus e nova terra, em que habita a justiça”.4 NINGUÉM ESCAPARÁ AO INEXORÁVEL JUÍZO Muitos poderão dizer; “Não creio no juízo”, ou “não consentirei que Deus me julgue”. Mas embora não creiam e não queiram comparecer ante o tribunal universal, e procurem esquecer a todo custo esta responsabilidade, mesmo assim comparecerão e prestarão contas de seus atos cometidos durante todo o tempo em que viveram nesta província do Criador e desfrutaram de seus bens. Ninguém escapará, seja quem fôr: o rei e a rainha, o príncipe e a princêsa, o governador e o senador, o deputado e o vereador, o juiz e o industrial, o rico e o pobre, o sábio e o ignorante, o grande e o pequeno, o moço e o velho — todos serão citados no augusto tribunal para acêrto de contas. Pode ter o indivíduo a religião que tiver: católica ou protestante, maometana ou budista, espírita ou sintoista, ou outra qualquer, comparecerá do mesmo modo à barra do tribunal. Não importa que o indivíduo tenha alta posição como clérigo ou mesmo que seja o chefe supremo de sua religião — não será jamais excusado — terá também de responder por suas obras diante da Majestade do Supremo Juiz. O Eterno Juiz não cogitará do tempo em que o homem ou a mulher tenham cometido seus erros e pecados contra a Sua lei. Todos 1

O Conflito dos Séculos, E. G. White, pág. 672, 673. O Conflito dos Séculos, E. G. White, pág. 673. 3 Apocalipse 21:1. 4 II S. Pedro 3:13. 2

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os seus atos serão trazidos à luz e julgados com precisão, embora tenham sido cometidos há milhares de anos e mesmo esquecidos há muito na terra. Mas, se os homens encararem a realidade do tremendo juízo que os espera como encarou Felix e sua mulher Drusilla, nos tempos de apóstolo São Paulo, como escaparão? Notemos como o sagrado relátório narra o caso daquele governador da antiga Cesaréia; “Alguns dias depois, vindo Felix com sua mulher Drusilla, que era judia, mandou chamar a Paulo, e ouviu-o acerca da fé em Cristo. E, tratando êle da justiça, e da temperança, e do juízo vindouro, Felix, espavorido, respondeu: Por agora vai-te, e em tendo oportunidade te chamarei”.1 No juízo executivo êste casal de cortezões terá de reconhecer a má escolha que fez. Milhões de milhões terão também de lamentar a desastrosa escolha preferida. Sim, ninguém escapará! Há sabedoria em seguir em tempo os conselhos do Altíssimo Juiz. E aqui está o Seu consêlho a todos, principalmente à mocidade: “Alegra-te, mancebo, tua mocidade, e recreie-se o teu coração nos dias da tua mocidade, e ainda pelos caminhos do teu coração, e pela vista dos teus olhos: sabe, porém, que por tôdas estas coisas te trará Deus a juízo”.2 Todos quantos forem condenados, não o serão, é bem de vêr, compulsòriamente, antes terão sido convencidos “do pecado, da justiça e do juízo”, pelo Espírito Santo de Deus.3 Não haverá, pois, desculpas quaisquer a dar ou a aceitar. O CÓDIGO PENAL DO JUÍZO Em se tratando do juízo divino, vem-nos automaticamente a solene pergunta: Qual o código penal pelo qual o Todo-poderoso Juiz afere as suas sentenças de absolvição, ou condenação dos réus citados à barra de Seu tribunal? Esta importante pergunta enuncia a verdade de que o grande juiz de maneira nenhuma empregará um código penal de justiça ignorado dos réus. Pois, se são réus, violaram êsse código e deveriam portanto, tê-lo conhecido. Se não, não só seria injusto o julgamento como poria em cheque a justiça e as decisões do Augusto Juiz. Cremos, todavia, que Deus jamais cometerá injustiça em nenhum caso, mòrmente em se tratando do julgamento final de seus filhos. 1

Atos 24:24-25. Eclesiastes 11:9. 3 S. João 16:7-8. 2

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Sim, a norma de justiça do insigne tribunal é muito bem conhecida dos habitantes do mundo. Sabemos que o próprio Soberano Juiz dela tirou um traslado e, sob a maior solenidade, entregou-o pessoalmente, mais uma vez, a seus súditos da terra para que não ignorassem a conduta que deviam manifestar como criatura dÊle dependentes. Não se trata duma norma impossível de cumprí-la, pois jamais a daria Deus a seus amados súditos uma vez sabedor de que não poderiam cumpri-la. Entregando-a a Seus queridos filhos, criados à Sua própria imagem, e rogando-os que a observassem para serem felizes, deu com isso sábias provas de que são capazes de obedecê-la e vivê-la. Qual é, pois, o código penal, a norma de justiça decisiva no grande juri da humanidade? Responder-nos-á esta pergunta um dos apóstolos de nosso Senhor Jesus Cristo — São Tiago, que dÊle aprendeu o que ensinar aos homens. Eis a sua resposta: “Porque qualquer que guardar tôda a lei, e tropeçar em um só ponto tornou-se culpado de todos. Porque aquele que disse: Não cometerás adultério, também disse: Não matarás. Se tú pois não cometereres adultério, mas matares, estás feito transgressor da lei. Assim falai, e assim procedei, como devendo ser julgados pela lei da liberdade”.1 O santo apóstolo deixa bem evidente que, essa lei da “liberdade” a que se refere e pela qual os homens serão julgados, é a lei que, entre seus preceitos, contém dois que assim rezam: “Não cometerás adultério” e “não matarás”. Em outras palavras, êle define que a norma ou o código penal do divino juízo — é inquestionavelmente o Decálogo de Deus, a lei dos dez mandamentos. Aludindo indubitàvelmente a essa mesma lei em relação ao juízo, escreveu Salomão, o grande sábio: “De tudo o que se tem ouvido, o fim é: Teme a Deus, e guarda os Seus mandamentos; porque êste é o dever de todo o homem. Porque Deus há de trazer a juízo tôda a obra, e até tudo o que está encoberto, quer seja bom quer seja mau”.2 Também São Paulo, o notável apóstolo, declarou: “Porque todos os que sem lei pecaram sem lei também perecerão; e todos os que sob a lei pecaram pela lei serão julgados”.3 Não seria assim próprio relacionar a lei moral com o juízo, não houvessem os homens de serem por ela julgados. E, jamais por essa lei julgaria Deus os homens sem que prèviamente lhes houvesse entregue, como vimos, uma completa e 1

S. Tiago 2:10-12. Eclesiastes 12:13-14. 3 Romanos 2:12. 2

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perfeita cópia da mesma, para estarem ao par da vida que deviam viver e do juízo que por fim enfrentariam. A lei de Deus ou o código penal do juízo, é a única porção das Sagradas Escrituras que não foi dada ao mundo por inspiração. O santo Decálogo era por demais importante para que Deus confiasse ao homem, ao profeta, o encargo de escrevê-la. Essa lei, em seus dez preceitos, aponta o caráter de Seu divino Legislador, pelo que não seria possível o homem escrevê-la ainda que ditada por Deus. Não teria a lei tanta fôrça e poder de acatação da parte das criaturas humanas, não fôsse ela uma cópia autêntica do próprio punho de seu Legislador.1 Assim, o Deus Todo-poderoso baixou do Céu sôbre uma montanha, o Sinai, e dali, com a máxima solenidade, promulgou mais uma vez, a lei suprema de Seu governo universal. Cada um dos dez preceitos foi primeiramente falado oralmente e depois escritos em duas táboas de pedra. Os quatro primeiros, que aludem aos deveres diretos para com Deus, foram escritos em separado numa táboa — e os seis últimos, que definem os deveres diretos do homem para com o seu semelhante, foram escritos noutra táboa. Milhões dos que se achavam presentes ao ato da promulgação da lei constataram a tremenda solenidade do ato. O monte Sinai estava em chamas ardentes e cambaleava como um ébrio — dada a presença do Poderoso Legislador. Do meio do terrível incêndio proclamou Deus com Augusta Voz o sagrado Decálogo — como base do bom viver de seus filhos e como código penal do julgamento dêles próprios.2 Uma profecia do Apocalipse que trata da chegada da hora do juízo, relacionou a “arca do concerto” de Deus com o mesmo juízo.3 A “arca do concerto”, é o receptáculo da lei de Deus chamada também “concerto”. Moisés, ao receber no Sinai uma cópia da lei do Decálogo, foi ordenado por Deus a depositá-la numa arca coberta de ouro e coloca-la no santíssimo do santuário de Israel.4 No lugar santíssimo do santuário celestial, exatamente no compartimento onde se processa o juízo desde o ano de 1844, foi vista pelo profeta do Apocalipse a arca da lei original em ligação com juízo profetizado, e diz, o vidente, os mesmos “relâmpagos, e vozes, e trovões, e terremotos” do Sinai, foram repetidos na solene visão. Relacionando as visões do juízo com a lei do Decálogo, faz Deus com que sintamos a responsabilidade de 1

Êxodo 31:13. Deuteronômio 4:12-13. 3 Apocalipse 11:18-19. 4 Êxodo 40:20-21. 2

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vivermos em harmonia com seus preceitos, para não virmos a lamentar a decisão do tribunal a nosso respeito. O decálogo penal do juízo não tem rival na terra como lei. Jamais intelecto humano algum produziu uma tão primorosa obra de conduta pessoal e coletiva. É um código que, embora tão breve, abrange tudo que respeita às legítimas relações com Deus e o próximo. Compreende tôdas as possíveis condições e circunstâncias da vida. Recomenda aos homens tôdas as virtudes enfeixadas sem faltar uma só. Todos os desatinos humanos são por êle rigorosamente proibidos e condenados. Requer dos homens uma perfeita e evidente prova de amor a Deus e aos semelhantes. Tanto os delitos executados como os simplesmente premeditados, são por êle veementemente reprovados. Coisa alguma da verdadeira vida que o homem deve viver deixa de estar compreendida no glorioso Decálogo. É uma perfeita regra de ação que, cumprida pela totalidade do gênero humano, faria da Terra um Céu e de cada lar um paraíso. Esta divina lei não somente prescreve o dever do homem para com Deus e seus semelhantes em sua conduta exterior, como também alcança até mesmo as intenções e os pensamentos mais secretos do coração. Tôda a sabedoria dos séculos — das escolas e das universidades — não tem sido capaz de descobrir e apontar no santo Decálogo da justiça um único defeito, um único êrro. Foi entregue ao homem no alvorecer da civilização, e, houvesse êle pautado sua inteira vida por êle, quão diferente teria sido a sua história do que até agora tem sido! Porém, a respeito do cáos em que se tornou a civilização pela recusa injusta do inigualável decálogo, onde quer que ainda viceje alguma verdade, pureza, inteligência, ciência, artes, invenção, descobrimento, educação, ordem, moralidade e bom govêrno, — verifica-se que a divina lei precedeu a essas coisas como um “aio”, para conduzir os homens de volta a Deus, a fim de que possam aprender os caminhos da paz, da justiça, da felicidade. Assim receberam os filhos de Deus uma norma perfeita que os capacita viverem vidas santas e justas e executarem tudo com perfeição. Uma vez que a lei do Decálogo é o código penal pelo qual Deus está julgando agora os homens, urge o dever de pôr a vida em harmonia com essa lei. Um descaso neste sentido pode ser fatal e perda da eternidade. Um exame rigoroso da vida à luz dos imutáveis preceitos dêsse eterno Decálogo, é a urgente necessidade do momento. 413

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Harmonizar tôda a vida com os seus reclamos é viver agora e para todo o sempre. O segrêdo do cumprimento das estipulações do Decálogo de Deus consiste em receber Cristo no coração e na vida. A primeira coisa a fazer, portanto, se desejarmos pautar nossos atos por essa perfeita lei, e recebermos do Juiz do universo uma feliz decisão no juízo, — é indispensável que recebamos agora o Salvador. Teremos então no coração o verdadeiro amor divino que nos facultará viver a vida como verdadeiros cidadãos do atual mundo de Deus e no futuro como súditos eternos do glorioso reino de Cristo. Lamentàvelmente o santo e imutável Decálogo penal do tribunal de Deus é abertamente regeitado e calcado a pés pelos homens em geral, — e até mesmo pelo cristianismo nominal do século. A menos que os indivíduos vivam em concordância com esta divina lei, não haverá escape da condenação do juízo. Desgraçadamente, porém, bilhões de indivíduos, massas incontáveis de, seres humanos que na Terra tem vivido, em todos os séculos, não têm dado importância qualquer ao Decálogo do Legislador Todo-poderoso. Até as próprias religiões modernas, com o rótulo de religiões de Deus e de Cristo, têm mudado, rejeitado e reduzido a nada este Decálogo. Deixaram de ensiná-lo como base de tôda a moral e de tôdas as boas e verdadeiras relações humanas, e o mundo virou confusão. Conheçamos êste santo e grande Decálogo de Deus na página 447. O DESTINO DO QUARTO ANIMAL VERSO 11: — “Então estive olhando, por causa da voz das insolentes palavras que o chifre proferia; estive olhando e vi que o animal foi morto, e o seu corpo desfeito e entregue para ser queimado pelo fogo”.1 AS “INSOLENTES PALAVRAS” DO “CHIFRE PEQUENO” Ao surgir o “chifre pequeno” o Papado, entre os 10 chifres, ou reinos da Europa, surgiu dirigindo-se a êles e ao mundo com arrogante autoridade e expressando direitos que não lhe foram conferidos e que só à divindade pertencem. E isto continuaria fazendo, segundo a profecia, por todo o tempo em que exerceria o seu poder temporal. Os fatos históricos atestam que êste poder cumpriu e cumpre à risca o teor da profecia no que respeita às suas “insolentes palavras”, ou “palavras 1

Tradução de João Ferreira de Almeida, revisada Daniel 7:11.

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arrogantes”, como diz a Bíblia Católica. Porém, depois da visão da instalação do tribunal do juízo, conforme os versículos nove e dez, se nos diz no versículo onze que o Papado, representado no “chifre pequeno”, continuaria a proferir suas “palavras arrogantes” ou “insolentes palavras” ou pretenções que unicamente à divindade cumpre arrogar e não o vil mortal. Em todo o tempo de sua existência, mesmo em plena época atual de juízo, impôse-se o Papado, como árbitro arrogante ou insolente exigindo que todos os próceres eclesiásticos e políticos do orbe o reconheçam como supremo senhor, dominador e líder absoluto. Esta coisa estranha, as “insolentes palavras” do “chifre pequeno” Papal, foi o favor da visão que mais chamou à atenção do profeta. O modo como a inspiração apresenta o “chifre pequeno” Papal e o seu desenvolvimento na História, leva-nos a crêr que as suas “insolentes palavras”, ouvidas pelo pasmado profeta, eram certamente as que damos abaixo: — Eu tenho poder para ser deus na Terra, no Céu, no purgatório ; e no inferno; eu tenho poder para ter todos os homens como meus súditos e sob o meu único poder; eu tenho poder para pôr e depôr os reis; eu tenho poder para receber adoração na Terra e no Céu, dos homens e dos; anjos. — Eu tenho poder para ser infalível; eu tenho poder para estabelecer a tradição dos homens em lugar do evangelho de Cristo; eu tenho poder para mudar a lei imutável do Deus Todo-poderoso; eu tenho poder para mudar o repouso do santo Sábado para o dia de repouso do Paganismo romano — o domingo; eu tenho poder para estabelecer dias santos. — Eu tenho poder para perdoar pecados; eu tenho poder para vender o perdão dos pecados; eu tenho poder para vender as graças gratuitas de Deus. — Eu tenho poder para estabelecer dogmas de fé; eu tenho poder para crucificar a Cristo novamente no sacrifício da missa; eu tenho poder para operar o milagre da transubstanciação; eu tenho. poder para impor a idolatria. — Eu tenho poder para fazer e canonizar santos; eu tenho poder para impor a adoração dos santos; eu tenho poder para estabelecer a virgem Maria como advogado do pecador; eu tenho poder para dizer que “todos os que se salvam, salvam-se ùnicamente por meio desta divina mão”. — Eu tenho poder para tornar a alma imortal; eu tenho poder para lançar no inferno a quem comigo discordar; eu tenho poder para abrandar o fogo do inferno com missas; eu tenho poder para tirar as almas do purgatório e mandá-las ao Céu. 415

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— Eu tenho poder para excomungar os reis e seus súditos; eu tenho poder para perseguir e matar os hereges; eu tenho poder para destruir os santos do Altíssimo. Estas acima e um dilúvio de outras, são as “insolentes”, as “arrogantes” palavras que o profeta, admirado e abismado, ouviu o “chifre pequeno”, Papal proferir em meio aos 10 reinos europeus e mesmo em pleno século XX. O QUARTO ANIMAL É QUEIMADO O animal aludido nos comentários de Daniel é o quarto — o Império Romano. É muito evidente o juízo que Deus nesta profecia determinou sôbre Roma: Seria destruída, morta e queimada. Eis o destino do Império Romano quer como pagão quer como nominalmente cristão, pois Roma é uma coisa só, um único Império desde os Césares da corôa imperial aos Césares da tiára eclesiástica; desde os Césares do Capitólio aos Césares do Vaticano. Mas, perguntamos: Por que o quarto animal, Roma, seria desfeito, morto e queimado? A profecia é muito clara em sua resposta: “Êle foi tomado para ser queimado, por causa das orgulhosas palavras proferidas pelo chifre”.1 Roma, na fase pagã, já foi desfeita, morta pelas tribus bárbaras que invadiram a Europa. Resta, agora, êste mesmo juízo cair sôbre a fase Papal, pois as “orgulhosas palavras” que deram lugar à inexorável sentença de Deus, provêm do “chifre pequeno” que a representa. Aí está quão ofensiva é a exaltação aos olhos de Deus, mormente quando o mortal pretende igualar-se a Êle e receber adoração como se fôra Deus. Fogo, diz a profecia, será a arma de Deus contra êste insolente poder. Não haverá lugar na terra feita nova, no reino de Cristo, para Roma. Ela será queimada e inteiramente reduzida a cinzas no juízo executivo dos ímpios no fim do milênio da profecia do capítulo vinte, do Apocalipse. A futura humanidade estará livre de Roma, de seus enganos e de seu inferno que criou como arma para ameaçar, amedrontar e dominar as conciências de suas incautas vítimas humanas. Nos capítulos dezoito e dezenove do livro do Apocalipse ouvimos já o brado de triunfo dos salvos, indizível regozijo pelo extermínio desta grande Babilônia mãe que infelicitou a Terra e afastou bilhões de almas do perfeito caminho que leva à salvação e ao Céu. 1

Tradução de James Moffatt, Daniel 7:11.

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O DESTINO DOS OUTROS TRÊS ANIMAIS VERSO 12: — “E, quanto aos outros animais, foi-lhe tirado o domínio; todavia foi-lhes dada prolongação de vida até certo espaço de tempo”. O Império Romano Ocidental foi conquistado e liquidado imediatamente pelos bárbaros que o invadiram. Não foi deixado aos romanos pagãos nenhuma chance de constituírem um reino no ocidente por pequeno que fôsse. O mesmo sucedeu aos romanos bizantinos ou ao Império Romano do Oriente quando os turcos o derribaram. Todavia, aos outros animais ou Impérios — Babilônia, Medo-Persa e Grécia, — reza a profecia que “foi-lhes dada prolongação de vida até certo espaço de tempo”. Na verdade os babilônios continuaram na Caldéia como reino vassalo da MedoPérsia; os medos e pérsas continuaram na Média e no Irã como reinos vassalos da Grécia; e os gregos continuaram na Grécia como província vassala de Roma. Mas, por fim, todos foram também destruídos totalmente como reinos que aspiravam o poder mundial. A Grécia ainda subsiste, mas não com aspirações de nôvo domínio mundial. Apenas ali está Roma, porém, em sua fase pagã, foi destruída desde os alicerces como poder político, destino que aguarda igualmente a sua nova fase — a pontifícia. O FILHO DO HOMEM NO TRIBUNAL VERSO 13: — “Eu estava olhando nas minhas visões da noite, e eis que vinha nas nuvens do céu um como o filho do homem: e dirigiu-Se ao Ancião de Dias, e O fizeram chegar ate Êle”. QUEM É O “FILHO DO HOMEM”? Nenhum cristão ignora quem seja o “Filho do Homem”. Segundo esta profecia, seria êste o titulo oficial de Jesus na Terra como Redentor do homem. Êle muitas vêzes aplicou a Si êste título. No aramaico, o dialeto nativo do Salvador, o título “Filho do homem” vem de “Bar nosho” que significa homem genèricamente, Homem Universal, Super Homem. Isto é confirmado no fato de Jesus não ostentar o referido título no sentido de ter sido gerado pelo homem, mas de ter tomado a natureza do homem através um misterioso ato sobrenatural de Deus, Seu legítimo Pai. A gloriosa verdade de Jesus ter vindo salvar a humanidade, sendo para isso indispensável que com 417

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ela se identificasse a sobrepujasse em sua própria natureza humana, comprova que o título de “Filho do Homem” por Êle tomado, tem em verdade alcance genérico ou universal como Redentor. Além disso, este ponto de vista de uma vez se recomenda como o mais natural e significativo, em passagens tais como estas: “Vereis o Céu aberto, e os anjos de Deus subirem e descerem sôbre o Filho do Homem”. “O que nasceu do Céu, a saber, o Filho do Homem, que está no Céu”. “O Filho do homem tem na Terra autoridade para perdoar pecados”. “O Filho do homem até do sábado é Senhor”. “Se não comeres a carne do Filho do homem, e não beberdes o Seu sangue, não tereis vida em vós mesmos”. “O Filho do homem virá na glória de Seu Pai”. “O Filho do homem veio salvar o que se tinha perdido”. O Pai “deu-lhe o poder de exercer o juízo, porque é Filho do homem”.1 A profecia alude ao “Filho do Homem” vindo “nas nuvens do céu. Diz enfàticamente que Êle Se dirigiu ao “Ancião de Dias”, o grande Juiz, assentado em Seu tribunal no lugar Santíssimo do santuário onde se processa o juízo. “É esta vinda, e não o Seu segundo advento à Terra, que foi predita na profecia como devendo ocorrer ao terminarem os 2300 dias em 1844. Assistido por anjos celestiais, nosso grande Sumo-sacerdote entra no lugar santíssimo, e ali comparece à presença de Deus afim de se entregar aos últimos atos de Seu ministério; em pról do homem, a saber: realizar a obra do juízo de investigação e fazer expiação por todos os que se verificarem: com direito aos benefícios da mesma”.2 O SUPREMO ADVOGADO DO HOMEM Muitos que no juízo serão condenados, sê-lo-ão não por serem demasiado pecadores ou por falta de suficiente graça para cobrir os seus pecados por mais negros que se possam afigurar, — mas por terem regeitado a salvação de Deus. Outros serão condenados não por terem descrido totalmente no Salvador capaz de remí-los, mas por desejarem que Êle os salve segundo o modo de ver dêles e não segundo o modo de ver do próprio Salvador. O pecador não possue em si mesmo méritos capazes de o salvar, e tão pouco em outrem de sua própria natureza. 1 2

São Mateus 9:6; 12:8; 16:27; 18:11; S. João 1:51; 3:13; 6:53; 5:27. O Conflito dos Séculos, E. G. White, pág. 480.

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O pecador, seja quem fôr êle, é salvo pelo Redentor previamente designado por Deus — o seu Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, Jesus é um maravilhoso Salvador! Prefeito, imaculado, santo! Habilitou-se a ser o nosso Remidor tomando nossa própria natureza humana e dando voluntariamente a sua divina vida na cruenta cruz do Calvário. Um infinito preço pagou Êle assim por nosso resgate, mais valioso preço do que todas as riquezas que possam haver no inteiro universo.1 Uma eternidade será insuficiente para, mesmo os anjos, calcularem o preço pago pelo infinito Salvador por nossa vida. E, em face de tão imensurável amor, não deveríamos relutar em colocar-nos genuflexos a Seus pés numa dádiva incondicional de nós mesmos a Êle, — numa demonstração sincera e absoluta de nossa entrega para amá-1’O, serví1’O e vive-l’O por tôda a existência que ainda nos resta na terra. E, então, com Êle, passaremos á eternidade, embalados por Seu santo e puro amor e felicíssimos em sua incomparável companhia sempiterna. Temos, pois, um Redentor Incomparável, Insuperável, Inquestionável, Incontestável, Imperecível, Indispensável, Insubstituível. Por ser Jesus o nosso Salvador, é Êle também o nosso Advogado no tribunal universal diante do Supremo Juiz. A visão de Daniel declara que Êle foi levado à presença do “Ancião de Dias”, o Juiz, evidentemente para pleitear à causa de seus escolhidos, dos que o aceitaram e o representaram na terra através uma vida devota e pura, moldadas por Seu evangelho, por Sua lei e por Sua graça. A causa dêstes está segura em suas mãos. Jesus é um Advogado que não pega causas perdidas, mas sim causas ganhas, pois jamais comprometará a Sua advogacia divina. Êle não poderá comparecer em juízo para defender a quem não o constituiu legitimamente a seu advogado pela entrega da vida a Êle e em viver consequentemente com Seus planos e ensinos.2 Queres tú, amigo leitor, uma feliz decisão de teu caso no tribunal do grande juiz onde serás indiscutivelmente julgado? Constitue então a Jesus teu Advogado, sem esquecer de preencher a todos os requisitos que Êle exige para ser teu Advogado defensor. Busca-o agora mesmo, e acerta com Êle os planos para que por ti, e em teu lugar, Êle compareça em juízo. Serás certamente absolvido, viverás com Jesus para sempre. Más, não percas tempo, urge que agora mesmo te entendas com o grande Advogado dos pecadores antes que possa ser tarde demais, 1 2

Hebreus 7:26. Provérbios 25:26.

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antes que o juri da humanidade encerre a sua primeira sessão que foi aberta somente para absolver e não para condenar. A condenação será na segunda sessão do júri quando a porta da salvadora graça estará fechada para sempre; Não percas tempo, pois apressa-te, sim antes que possa ser tarde. Não decidas tardiamente; pois uma decisão postergada poderá ser fatal à tua vida.1 O contrito pecador tem realmente um infalível Advogado. Dissera São João, o amado apóstolo: “Meus filhinhos, estas coisas vos escrevo, para que não pequeis; e, se alguém pecar, temos um Advogado para com o Pai, Jesus Cristo, o justo. E Êle é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos mas também pelos de todo o mundo”.2 E o grande apóstolo São Paulo, escreveu: “Porque há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem. O qual se deu a si mesmo em preço de redenção por todos, para servir de testemunho a seu tempo”.3 “Um Advogado”, “um Mediador” — não mais do que “um”. Outro será, espúrio e impostor; será falho e enganador; perderá a causa do pecador que lh’a entregar e perder-se-á também a si mesmo, conjuntamente com o que pretender defender em juízo. Portanto, não aceitemos outro advogado. Aceitemos somente aquele que Deus recomendou — o Seu Filho Jesus Cristo. UM ADVOGADO QUE DERRAMOU SEU SANGUE Como pôde Jesus penetrar no tribunal celestial para ser o Advogado do pecador contrito perante o “Ancião de Dias”, o Juiz? Aqui temos a evidente reposta: “Mas, vindo Cristo, o Sumo-sacerdote dos bens futuros, por um maior e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos, isto é, não desta creação, nem por sangue de bodes e bezerros, mas por seu próprio sangue, entrou uma vez no santuário, havendo efetuado uma eterna redenção”. “Porque Cristo não entrou num santuário feito por mãos, figura do verdadeiro, porém no mesmo Céu, para agora comparecer por nós perante a face de Deus”.4 Aí está: Em virtude dos méritos de Seu sangue derramado na cruz, comparece Êle em juízo em defesa do pecador que O aceitou. Vemos que, quem não derramou sangue pelo pecador, não pode ser seu advogado diante 1

Cantares 5:6. I S. João 2:1-2. 3 I Timóteo 2:5-6. 4 Hebreus 9:11-12, 24. 2

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do Egrégio Juiz no tribunal. Não será aceito. Não foi indicado por Deus como advogado do pecador. Não devemos, pois, procurá-lo como nosso advogado. De nada adianta buscá-lo — é tempo perdido e risco de vida.1 Vejamos como os apóstolos relacionaram o sangue de Cristo com a remissão do pecador: “Justificados pelo Seu sangue”.2 “Redenção pelo Seu sangue”.3 “O sangue de Jesus Cristo, Seu Filho, nos purifica de todo o pecado”.4 “Sabendo que não foi com coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados da vocação, maneira de viver como por tradição recebestes dos pais, mas com o precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro imaculado e incontaminado”.5 Ainda afirmam os apóstolos de Jesus que a “confiança em Deus”, o “acesso ao Pai”, o “perdão”, a “reconciliação com Deus”, — só é possível por Cristo.6 Se alguém tentar obter o perdão por outrem, será decepcionado. Não há outro Salvador além de Cristo.7 Portanto, não há intermediários entre o pecador e Jesus.8 Outro não salva, pois não morreu pelo pecador, pelo que não deve ser procurado para perdoar pecados. Não há outro nome indicado para salvar — nem de homem nem de mulher — além do nome de Jesus.9 Jesus é o único Intercessor, Fiador, e Sumo-sacerdote do pecador perante o Pai.10 Só Jesus pode perdoar os pecados cometidos na Terra: nenhum outro recebeu dÊle ou do Pai tal autoridade.11 Assim só Jesus poderá reconciliar o perdido pecador com Deus, o Supremo juiz.12 A paz entre o impenitente e Deus só é possível pela mediação de Cristo.13 Como Jesus intercede no tribunal do juiz pelo pecador? Exemplifiquemos: Digamos que o primeiro caso a aparecer em juízo foi o de Abel, o primeiro homem a morrer na terra, pois o julgamento começou em 1844 com os mortos justos desde o princípio do mundo. 1

Hebreus 9:22. Romanos 5:9. 3 S. Mateus 11:28. 4 I S. João 1:7. 5 I S. Pedro 1:18-19. 6 I S. João 2:12; Atos 10:43; 13:38; II Coríntios 3:4; Efésios 2:18. 7 Atos 4:12. 8 Colossenses 1:14; Efésios 1:7; 9 Hebreus 7:25; Atos 4:12; 10 Romanos 8:34; Hebreus 7:22; Hebreus 3:1. 11 S. Mateus 9:6. 12 II Coríntios 5:19; Romanos 5:10. 13 Atos 10:36. 2

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Ao ser citado o seu nome inscrito no livro da vida onde estão também suas obras, um outro livro foi aberto — o da morte — onde também está o seu nome e as suas más obras ou pecados. Mas, foi verificado que todos os seus pecados foram confessados e abandonados, visto ter êle aceito o plano da salvação de Deus. Então Jesus — em virtude de Abel O ter tomado como seu Advogado e confessado e abandonado todo o pecado — intervem em seu favor. O Salvador não justificou os seus pecados, mas apresentou o seu arrependimento e fé, e suplicou o perdão para êle, erguendo as mãos feridas perante o Pai, o grande Juiz, exclamando: “Meu sangue, Pai, meu sangue! meu sangue! meu sangue!” Então o Supremo Juiz aceitou o sacrifício de seu Filho em lugar do de Abel, e este foi perdoado, absolvido e salvo. Seus pecados e seu nome foram apagados do livro da morte pelos méritos do sangue de Cristo, e Abel estará com seu Salvador no eterno reino. Exemplifiquemos outro caso, seria o do pecador morto ou vivo. Digamos que se chamava João Peres. Por algum tempo êle aceitou o plano da salvação de Deus vivendo em harmonia com êsse plano. Mas deslizou aqui e ali nos mandamentos e vontade de Deus dêle bem conhecidos. Acariciou certos pecados os quais não confessou nem abandonou. Seu nome foi encontrado no livro da vida, pois por algum tempo fora fiel a Deus e a seu Salvador. Porém, no livro da morte seus acariciados pecados estavam latentes, sem nenhuma referência de que os abandonara. Seu nome foi então regeitado para êsse atual julgamento de absolvição. Foi riscado do livro da vida bem como suas boas obras, permanecendo seu nome apenas no livro da morte, com seus pecados não abandonados. Seu julgamento for transferido para o juízo de condenação, — dos ímpios e dos maus anjos, durante o milênio. João Peres estará ausente do reino de Deus, embora pertencesse na terra à comunidade do povo de Deus ao tempo de sua morte ou ao tempo do juízo em vida. Assim sucede com cada caso ligado ao juízo investigativo atual iniciado em 1844. O que vencer o pecado e fôr fiel guardando os mandamentos de Deus, seu nome permanecerá no livro da vida e viverá.1 O que, porém, fôr vencido pelo pecado deixando de ser fiel aos mandamentos de Deus, seu nome será riscado do livro da vida; e

1

Apocalipse 3:5.

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perecerá seguramente.1 Cada um decide o seu destino — salvação ou perdição, vida ou morte. Se aceitarmos o plano da salvação de Deus e vivermos segundo Êle, não necessitamos temer. Jesus garante nossa absolvição no juízo se formos fiéis em tudo. Tão somente necessitamos confessar e abandonar todo o pecado para assegurarmos a Sua misericórdia.2 Todavia, o Senhor põe-nos entre a faca e a parede: “Portanto, qualquer que Me confessar diante dos homens. Eu o confessarei diante de Meu Pai, que está nos céus. Mas qualquer que me negar diante dos homens, Eu o negarei também diante de Meu Pai, que está nos céus”.3 Não há solução para o nosso caso senão em Cristo. Nossos pecados nos liquidarão se não recorrermos ao divino Advogado à nossa disposição. A obra que Cristo efetua atualmente em juízo no santuário celestial, é a que fôra prefigurada anualmente pelo sumo-sacerdote no santuário terrestre de Israel, e que devemos apreciar na exposição do versículo quatorze do oitavo capítulo em relação com a purificação do santuário. Porém, a despeito da clareza do evangelho, muitos há que estão buscando ser salvos independentemente do plano de Deus. Querem ser salvos por suas obras mortas. Parecem querer persuadir a Deus a salvá-los conforme seus próprios planos de obras. Êstes devem ler e meditar nas parábolas das bodas e notarem bem o que sucedeu com o homem que entrou para o banquete nupcial com trajes inadequados para aquela solenidade. Ali está uma tremenda figura do juízo que espera aqueles que pretendem que Deus os salve segundo seus planos religiosos apóstatas.4 Um dia serão obrigados a sentir os seus pecados.5 Não te demores meu amigo! Não confies em tuas obras mortas, para que no fim não tenhas a dizer em angústia: Passou a sega, findou o verão, e nós não estamos salvos”.6 Jesus está ancioso à tua espera no tribunal do juízo. Há pouco tempo. Logo a porta da misericórdia fechar-se-á. Busca a teu Salvador com urgência.7 O divino Advogado garante pleno perdão e plena absolvição. Êle assegura o pleno

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Êxodo 32:33; Apocalipse 20:15. I S. João 1:7, 9; Provérbios 28:13. 3 S. Mateus 10:32-33. 4 S. Mateus 22:1-14. 5 Provérbios 5:22; Obadias 15; Números 32:33. 6 Jeremias 8:20. 7 Isaías 55:6. 2

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afastamento de teus pecados e apela ardentemente para que não te demores em achegarte a Êle.1 Mas busca-O de todo o coração para poderes achá-lO.2 Achega-te com confiança ao trono de Sua graça e serás por Ele aceito.3 Não faças o Salvador esperar mais por ti. “Uma senhora de preeminência necessitou uma vez de conselho legal, e foi aconselhada a consultar eminente advogado. Ela começou a protelar, até que afinal não podia esperar por mais tempo, pois o tribunal estava prestes a se reunir. Foi então ao jurisconsulto, e começou a expor seu caso, porém êle a deteve, dizendo: “Senhora, veio demasiadamente tarde. Ontem eu teria tido satisfação de encarregar-me do seu caso, e comparecer perante o tribunal como seu advogado, mas não me é possível, pois acabo de ser designado para seu juiz”.4 Assim sucederá com aquêle que pretendem entregar seu caso ao Supremo e único Advogado do pecado, único escolhido e aceito por Deus no grande tribunal, mas que procrastinam sempre e sempre estão a adiar sua decisão: Irão se decidir tarde de mais e ver-se-ão perdidos para sempre. O Advogado transformar-se-á em Juiz, findo o juízo, para condenar esses retardatários em buscá-1’O. Aqui, está, amigo, o patético apêlo do grande Advogado a ti, “Desfaço as tuas transgressões como a neve, e os teus pecados como a nuvem: torna-te para Mim, porque Eu te remi”.5 Êle garante tua absolvição: “O Senhor resgata a alma dos Seus servos, e nenhum dos que nÊle confiam será condenado”.6 Jesus garante a tua vitória. Dissera São Paulo: “Mas graças a Deus que nos dá a vitória por nosso Senhor Jesus Cristo”.7 Aceita êste Seu grande conselho: “Na verdade vos digo que quem ouve a minha palavra e crê nAquele que Me enviou, tem a vida eterna, e não entrara em condenação, mas passou da morte para a vida”.8 Muitos buscarão tardiamente o Supremo Advogado, e serão desolados. Conta-se que numa catedral, duma antiga aldeia alemã, há uma pintura mural representando o juízo. Num magnifico trôno está 1

Isaías 1:18; Salmos 103:12; Miquéias 7:19; Isaías 44:22; Isaías 43:25. Jeremias 29:13. 3 Hebreus 4:14-16. 4 Meditações Matinais, H. M. S. Richards, 1957, pág. 126. 5 Isaías 44:22. 6 Salmos 34:22. 7 I Coríntios 15:57. 8 S. João 5:24. 2

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Jesus Cristo, rodeado dos profetas e apóstolos; à Sua frente, incontável multidão de povo. Defronte dessa grande massa de gente está um anjo, de lindo aspecto, empunhando uma balança. Acima da figura desta balança, pintou o artista u’a mão a escrever: “Fostes pesado na balança e achado...” A mão como que espera uma decisão, antes de escrever a última palavra.1 Amigo, que decisão final será escrita a meu e a teu respeito? Seremos achados em harmonia com a justiça de Deus ou em falta para com ela? Estava um velhinho sentado no muro de pedra, em frente da Casa Branca, nos Estados Unidos, nos tenebrosos dias da Guerra Civil. Lágrimas lhe deslizavam pelas faces enrugadas. As mãos, calejadas, tremiam-lhe, enquanto apertavam um lenço com que enxugava os olhos. Passou um menino a correr, tangendo um arco. Ao avistar o velhinho, deteve-se e indagou infantilmente do motivo de sua tristeza. — Não querem deixar-me entrar, para ver o presidente, nem, meu Filho! Ai, meu filho vai ser fuzilado! O presidente Lincoln é o único capaz de livrá-lo. — Vou levá-lo para dentro, disse ansiosamente o pequeno Tad; êles não podem impedir que eu entre. O senhor venha comigo! O velho e o pequeno defensor entraram, passando corajosamente diante de carrancudos guardas, até à própria presença daquele que, só poderia salvar o filho. Aquele menino era filho do presidente e o pôde levar ao pai. Meu amigo, Jesus é o Filho de Deus, o único que nos pode levar ao Pai, o grande Juiz. Deixemos, pois, que nosso querido Salvador, nosso amoroso Advogado nos leve a Seu Pai ,e nosso problema, nosso pendente caso no tribunal terá satisfatória solução. Não esperemos mais. A solenidade do momento exige urgente decisão. RECEBENDO O ETERNO REINO VERSO 14: — “E foi-Lhe dado o domínio e a honra, e o reino, para que todos os povos, nações e línguas O servissem; e o Seu domínio é um domínio eterno, que não passará, e Seu reino o único que não será destruído”. Declarou certa feita Jesus: “E também o Pai a ninguém julga, mas deu ao Filho todo o Juízo”. “E deu-lhe o poder de exercer o juízo, 1

O Raiar de Um Novo Dia, R. F. Cotirell, pág. 236.

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porque é o Filho do homem”.1 Quem é o Juiz — o Pai ou o Filho? São Paulo esclarece: “Porquanto tem determinado um dia em que com justiça há de julgar o mundo, por meio do varão que destinou: e disse deu certeza a todos, ressuscitando-O dos mortos”.2 Compreendemos que Deus é o Juiz, que Êle é quem julga, — mas que O faz em virtude do Filho ter-se tornado o Advogado do homem. Se não fôra isto, não haveria necessidade de juízo. Todo o pecador ao vir ao mundo já estaria sumariamente condenado. O fato, porém, de Jesus se ter constituído Advogado do homem, resultou na necessidade dum julgamento real. Eis porque dissera Jesus que “o Pai a ninguém julga, mas deu ao Filho todo o juízo”. Jesus fêz questão de instaurar um processo pró reabilitação do pecador — e então, o juízo é dÊle embora o Pai continue sendo o Juiz e haja a necessidade dÊle comparecer diante do Pai em defesa do pecador contrito. Jesus não foi ao “Ancião de Dias”, o Pai, apenas para defender a causa dos que a Êle se entregaram. Foi também receber o domínio do mundo.3 Quão maravilhoso é isto! O próprio dono do mundo virá governá-lo! Isto é a maravilha das maravilhas! É esta uma necessidade premente e urgente. O govêrno falido do homem precisa ter, na verdade, um fim. O homem não sabe governar os seus semelhantes. A experiência de quase seis mil anos tem comprovado isto. Seu domínio na terra tem fracassado e arruinado a civilização. Além de não saber governar, o homem tem se demonstrado um déspota, um tirano, um violento para com seus súditos. Seu domínio de orgulho, de violência, de opressão, de malsã e deletéria política logo findará na terra. Alegremos-nos e demos graças a Deus por isso. Levantemos as mãos para o céu e supliquemos a Deus que se apresse em libertar o mundo do terror do govêrno do homem. Foi por Sua vitória sôbre a morte que Cristo, ganhou o domínio dêste mundo. Suas palavras ao ressuscitar, foram estas: “É Me dado todo o poder no céu e na terra”.4 Êle ensinou-nos a Lhe pedir: “Venha o Teu reino”.5 Veja-se na profecia do capítulo dois versículo quarenta e quatro, uma amostra do glorioso futuro reino de Cristo. Não haverá lugar em Seu reino para nações do tipo das atuais; aliás, haverá um só

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S. João 5:22, 27. Atos 17:31. 3 Apocalipse 11:15. 4 S. Mateus 28:18. 5 S. Mateus 6:10 2

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domínio — o de Cristo. E a narrativa assim finda: “O Seu domínio é um domínio eterno, que não passará, e o Seu reino o único que não será destruído”. Que privilégio viver eternamente no reino em que o Filho de Deus será o Eterno Rei! Quando êste glorioso reino fôr estabelecido, o regozijo dos salvos seus súditos será sem limites. Êles expressarão delirantemente: “Aleluia: pois já o Senhor Deus Todopoderoso reina”.1 Ao dirigir-se ao “Ancião de Dias” para receber o reino, Jesus recebê-lo-á recebendo os súditos do reino por Sua intercessão, e desde o ano de 1844 Êle os está recebendo. Maravilhoso: Parte dos súditos das nações do mundo — vivos e mortos — Êle os está recebendo como futuros súditos de Sua gloriosa e eterna realeza. Findo o juízo que lhe dará os súditos do reino eterno, Êle virá para liquidar o domínio do homem na terra e estabelecer o Seu. Haverá aqui então paz e amor eternos, em troca do ódio, da guerra e do crime que têm sido a ordem do dia através dos séculos. Jesus governará sem canhões, sem metralhas, sem bombas atômicas, sem esquadras de mar, sem esquadrilhas aéreas, — pois isto tudo é próprio de povos incivilizados e maus. Preparemos-nos, portanto, para sermos súditos integrantes do reino do Filho de Deus, reino que jamais passará outra vez às mãos incompetentes do homem e de seu criminoso despotismo. Não nos esqueçamos da urgente entrega ao Advogado divino que por nós espera. Nossa felicidade futura jaz em nossas mãos; depende de nossa favorável decisão em constituí-1’O nosso advogado. Não esperemos mais um instante e não magüemos em fazê-1’O esperar mais. Desfaçamos nossa procrastinação antes que tenhamos de bater em vão na porta da graça então fechada. DANIEL SUPLICA PORMENORES VERSOS 15-24: — “Quanto a mim, Daniel, o meu espírito foi alarmado dentro de mim, e as visões da minha cabeça me perturbaram. Cheguei-me a um dos que estavam perto, e lhe pedi a verdade acêrca de tudo isto. Assim êle me disse, e fêz saber a interpretação das coisas. Êstes grandes animais, que são quatro, são quatro reis, que se levantarão da terra. Mas os santos do Altíssimo receberão o reino, e o possuirão para todo o sempre, de eternidade em eternidade. Então tive desejo de conhecer a verdade a respeito do quarto animal, que era diferente de todos os outros, muito terrível, 1

Apocalipse 19:6.

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cujos dentes eram de ferro, e cujas unhas eram de bronze; que devorava, fazia em pedaços e pisava aos pés o que sobejava; e também dos dez chifres que tinha na cabeça, e do outro que subiu, de diante do qual caíram três, daquele chifre que tinha olhos, e uma boca que falava com insolência, e parecia mais robusto do que os seus companheiros. Eu olhava e eis que êste chifre fazia guerra contra os santos, e prevalecia contra êles, até que veio o Ancião de Dias, e fêz justiça aos santos do Altíssimo; e veio o tempo em que os santos possuíram o reino. Então Êle disse: o quarto animal será um quarto reino na terra, o qual será diferente de todos os reinos; e devorará tôda a terra, e a pisará aos pés; e a fará em pedaços. Os dez chifres correspondem a dez reis que se levantarão daquele mesmo reino; e depois dêles se levantará outro, o qual fará diferente dos primeiros, e abaterá a três reis”. Daniel ficou abatido com a extraordinária e grande revelação contida neste capítulo. O profeta desejou saber pormenores do que vira. Mas Daniel, o seu anjo assistente, deu-lhe, a princípio, um rápido resumo, como vemos nos versículos dezesseis e dezoito, referente aos quatro animais e o eterno reino dos santos, Mas Daniel não ficou satisfeito, desejou saber mais. Seu interêsse estava concentrado no terrível quarto animal, seus dez chifres e principalmente o seu insolente CHIFRE PEQUENO, especialmente. Êste monstro sem paralelo na zoologia e que representa em símbolo o quarto Império da terra como vimos, comprova por sua aparência e atuação nas cenas de visão, tratar-se dum poder político-religioso — o maior, mais visível e mais aberto e ousado inimigo que Deus jamais teve neste mundo. Um poder arrogante, insolente, blásfemo, cruel, atrevido, autoritário, sedento de destruição e de sangue; um poder orgulhoso, implacável, que se julga único e absoluto no orbe e que até honras divinas e adoração pretende dos homens e das nações. E, o profeta, visivelmente admirado, impressionado e pasmado, solicita encarecidamente de Gabriel, o seu anjo assistente na visão, esclarecimentos sôbre o referido poder, no que foi prontamente atendido. Quanto à resposta do anjo contida nos versículos 23 e 24, já consideramos amplamente na explanação dos versículos sete e oito, não sendo necessário repetir aqui. Do versículo 22 ligado ao anterior, entendemos que a guerra do CHIFRE PEQUENO, o Papado, contra os santos, estendeu-se até à instalação do juízo do século dezenove, durando esta batalha inglória contra os portadores da luz mais de doze séculos. 428

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Um detalhe importante revelado no versículo 22, devemos tornar bem expressivo aqui. Tratando ainda do juízo iniciado em 1844 sôbre o povo de Deus, o profeta declara — segundo a versão do padre Antônio Pereira de Figueiredo, assim: “E foi dada sentença a favor dos santos do Altíssimo”. Duas coisas notáveis: Que o povo de Deus é que está em julgamento agora e que êste juízo só sentencia a favor dos réus ou os absolverá. Como já vimos, êste juízo não é um juízo para condenar e sim só para absolver. Sim, aí só são tratados, pelo Supremo Juiz e pelo Supremo Advogado; os casos de absolvição. Os casos de condenação estão destinados à segunda fase do julgamento durante o milênio da profecia do capítulo vinte do livro do Apocalipse. O “CHIFRE PEQUENO” EM SEIS DIMENSÕES VERSOS 25-26: — “Proferirá, palavras contra o Altíssimo, magoará os santos do Altíssimo, e cuidará em mudar os tempos e a lei; e os santos lhe serão entregues nas mãos, por um tempo, dois tempos e metade do tempo. Mas depois se assentará o tribunal para lhe tirar o domínio, para o destruir e o consumir até ao fim”. Jamais nos devemos esquecer que o CHIFRE PEQUENO desta profecia representa o Papado Romano, sucessor e continuador legítimo e indiscutível do Império Romano dos Césares. O título desta seção supracitado, revela a inteira história do Papado em seis dimensões ou partes, comprovadas pelas ações deste poder com a máxima evidência. Não seremos extensos, mas diremos o suficiente tanto exata como incontestàvelmente. PRIMEIRA DIMENSÃO — “PROFERIRÁ PALAVRAS CONTRA O ALTÍSSIMO” Seja quem fôr que hoje leia a declaração da epígrafe acima, da pena inspirada do profeta Daniel, em relação ao “CHIFRE PEQUENO” PAPAL, mesmo um não católico ou um ateu, dificilmente crerá nela. Entretanto, no livro do Apocalipse esta denúncia é incisivamente confirmada por São João: “E abriu a sua boca em blasfêmias contra Deus, para blasfemar do Seu nome, e do Seu tabérnáculo, e dos que habitam no Céu”.1 Daniel e São João, ao informarem à posteridade sôbre êste assunto, não o fizeram de si mesmos. Deus, através destes dois profetas Seus, é o próprio 1

Apocalipse 13:6.

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denunciante desta terrível insolência do Papado. A civilização humana é assim posta ao par da realidade do verdadeiro caráter deste poder romano. No versículo onze, que convém apreciarmos novamente ali, já temos tratado, em parte, de como o poder Papal tem cumprido em absoluto, em sua história, os têrmos desta acusação do Céu. Como vimos acima, o nome de Deus é o primeiro alvo dos ataques blasfematórios do “CHIFRE PEQUENO” romano. Não é que o Papado, com suas atitudes — negue a existência do Todo-poderoso ou que O proclame como uma utopia ou uma crença de alucinados como o fazem os ateus. Não. O Papado em seus ensinos e culto, dá provas evidentes da existência de Deus. Mas, em que consistem então as suas blasfêmias contra o Altíssimo Deus? Nos dias em que estas coisas foram reveladas, blasfemar de Deus significava, principalmente, tomar alguém sôbre si o Seu nome pretendendo ser deus ou igual a Deus na terra.1 E, perguntamos: Pretende o Papado o título de Deus neste mundo? Vejamos a palavra inspirada de São Paulo: “Ninguém de maneira alguma vos engane; porque não será assim sem que antes venha a apostasia, e se manifeste o homem do pecado, o filho da perdição; o qual se opõe, e se levanta contra tudo o que se chama Deus, ou se adora; de sorte que se assentará, como Deus, no templo de Deus, querendo parecer Deus’’.2 Ninguém poderá negar esta categórica afirmativa do apóstolo, unicamente aplicável ao supremo representante do Papado — o papa. E, agora, vejamos a concludente confirmação Papal de que o papa pretende, na verdade, ser deus sôbre a terra e mesmo, além da terra. Há no direito canônico uma proposição que reza abertamente como segue: “O papa romano não ocupa o lugar de um mero homem, senão o do verdadeiro Deus neste mundo”.3 Já Simaco, papa de 498-514, falou por Eunódio: “O pontífice romano foi constituído juiz no lugar de Deus, lugar que êle ocupa como vice-regente do Altíssimo”.4 Inocêncio III, papa de 1198-1216, nas suas decretais, diz referindo-se ao papa: “Deus, porque é vigário de Deus”. Leão XIII (1878-1903), declarou: “Ocupamos na terra o lugar de Deus Todo-poderoso”.5 Pio IX declarou de sua pessoa “Eu 1

S. João 10:33 II Tessalonicenses 2:3-4. 3 Direito Canônico, C 3, x de Translat e Piso 1,7. 4 Daniel – Esboço de estudos, Edwin R. Thiele, pág. 66. 5 The Great Encyclical Letters of Leo XIII, 20/6/1894, pág. 304. 2

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sou o caminho, a verdade e a vida”.1 Pio X afirmou: “O papa é Jesus Cristo escondido sob o véu da carne”. Pio XI disse de si mesmo: “Vós sabeis que eu sou o santo padre, o vigário de Cristo, o representante de Deus na terra”. E ainda Pio XI em 1938: “Deus no céu e eu na terra”.2 “E portanto declaramos, dizemos e resolvemos: “Estar sujeito ao pontífice romano é necessário a tôda a criatura para ser salva”.3 “O papa é o supremo juiz da lei na terra”. É o representante de Cristo, que é não somente um sacerdote para sempre, mas também Rei dos reis e Senhor dos senhores”.4 “O papa é o vigário de Cristo, ou a cabeça visível da igreja sôbre a terra. Os atributos do papa são os mesmos que os de Cristo. Êste pode perdoar pecados, também o pôde o papa. O papa é o único homem que se arroga o vicariato de Cristo. Sua pretenção não encontra oposição séria, e isso lhe estabelece a autoridade”. “Os podêres conferidos ao papa por Cristo lhe foram dados, não como a um mero homem, mas como representante de Cristo. O papa é mais do que o representante de Cristo, porque êle é o fruto de sua divindade e da divina instituição da igreja”. Num congresso eucarístico de Buenos Aires, foi distribuído um pequeno folheto em honra ao papa, em o qual, entre outras exaltações do pontífice de Roma, encontramos a seguinte: “Jesus Cristo pôs o papa na Igreja, para que O representasse de tal maneira, que o papa fôsse em tôda a profundidade da frase: “O doce Cristo na terra”. “A eleição de Pio XII, declarou o arcebispo de Paris, cardeal Verdier, ao representante da Agência Taves, “foi um grande acontecimento. Dí-lo bem alto a atitude do mundo inteiro. Direi que o universo tem a sensação de haver encontrado a seu pai”.5 “Todos os nomes que são atribuídos a Cristo; nas Sagradas Escrituras, mencionando a Sua supremacia sobre a Igreja tôda, são também atribuídos ao papa”.6 A literatura clerical católica romana está repleta do cumprimento desta profecia. O bispo Cornélio Musseo, de Bitarto, ao pregar em

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Normal “Correio do Povo”, Pôrto Alegre, 8/1/1938. Bula Unam-Sanctum, Novembro 1302 C. L. 3 Extraído de Civilitá Católica, de 18/3/1871, mencionado em Vatican Concil, por Leonardo Wooslay Bacon, edição da American Tract Society, pág. 200. 4 Rev. Jeremias Prendegast S. J. Syracusa N. Y., em Post Standard de 14/3/1912 (Citado em Source Book for Bible Student pág. 412). 5 Revista Adventista, julho 1939. 6 Source Book for Bible Students, ed. 1927, pág. 411. 2

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Roma sôbre a Epístola aos Romanos, disse: “Aquilo que o papa diz, devemos aceitar como se Deus mesmo o tivesse dito. Nas coisas divinas o temos por Deus, e no domínio dos mistérios da fé, eu teria mais confiança num só papa do que em mil Agostinhos, Jerônimos e Gregórios”.1 “A CIVILTA, depois de ter exposto como Deus pôs nas mãos do papa todos os tesouros da revelação divina, da verdade e da justiça, e o constituiu como seu único guardião e administrador, chega à conclusão que o papa continua no mundo a obra de Cristo e que é para nós como se Cristo mesmo governasse visivelmente a Igreja na terra. Não faltava mais do que um passo para declarar ao papa a encarnação de Deus. Êsse passo, efetivamente, se deu.2 “O papa é, pois, o pai de todos os cristãos, sendo que por êle recebemos a graça de Deus. É por conseguinte o papa que tem a chave das fontes da graça”.3 “O papa, no lugar de Jesus Cristo na terra, é Seu vigário, seu representante oficial. Obedecer ao papa é obedecer a Jesus Cristo mesmo.4 Tomaz de Aquino declarou: “Não há diferença entre o papa e Jesus Cristo”.5 “O Catecismo de Trento faz essa afirmativa: “Bispos e padres são com justiça chamados deuses”. “O papa é de tão grande dignidade e exaltado que não é um simples homem, senão como se fôsse Deus, e o vigário de Deus... O papa é de dignidade tão sublime e suprema que, falando com propriedade, não tem sido estabelecido em algum grau de dignidade, senão que tem sido pôsto no próprio cume de tôdas as dignidades... O papa é chamado santíssimo porque se presume legitimamente que o é... “Só o papa merece ser chamado ‘santíssimo’ porque unicamente êle é vigário de Cristo, manancial, fonte e plenitude de tôda a santidade... ‘É igualmente o monarca divino, imperador supremo, o rei dos reis’... De aí que o papa 1eva uma corôa tríplice, como rei do céu, da terra e das regiões inferiores... Além disso, a superioridade e o poder do pontífice romano não se referem só às coisas celestiais, às terrenais e às que estão debaixo da terra, senão que chegam até sôbre os anjos, pois é maior do que êles... De maneira que se se pudesse dar 1

El Pontificado, por Inácio de Doellinger, pág. 276, edição: Espanha Moderna, Madrid. Idem, idem, pág. 371. 3 A religião Demonstrada, P. A. Hillare, pág. 389. 4 Idem, idem, pág. 513. 5 El Pontificado, Inácio Doellinger, pág. 186. 2

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o caso de que os anjos errassem na fé, ou pensassem em forma contrária à fé, poderiam ser julgados e excomungados pelo papa... Porque êle tem tão grande dignidade e poder que forma com Cristo um e o mesmo tribunal... O papa é como se fôsse Deus na terra, único soberano dos fiéis de Cristo, principal rei dos reis, que tem a plenitude do poder, a quem o Deus onipotente tem confiado não só a direção do terrenal, senão também do reino celestial... O papa tem tão grande autoridade e poder que pode modificar, explicar ou interpretar mesmo as leis divinas”.1 “Cristóbal Marcelo, na quarta sessão do quinto concilio de Latrão em uma oração dirigida ao papa, exclamou: “Tú és o pastor, tú és o médico, tú és o diretor, tú és o lavrador; finalmente tú és outro Deus na terra”.2 “Ninguém pode apelar do papa a Deus, como ninguém pode entrar no consistório de Deus sem a mediação do papa, que é o portador das chaves e o porteiro do consistório da vida eterna; e como ninguém pode apelar a êle mesmo, porque há uma decisão e uma côrte (cúria) de Deus e do papa”.3 E, note-se por fim, na palavra do célebre Gregório VII, como o Papado tem usurpado a dignidade de Deus na igreja e no mundo: “A Igreja romana”, diz aí o papa, “foi fundada unicamente pelo Senhor. Somente o bispo de Roma merece em direito o nome de universal. Só êle tem o direito de decretar novas leis, de fundar novas comunidades de depor bispos sem decisão sinodal, de subdividir dioceses ricas e unificar as pobres. Só êle tem o direito de conferir as insígnias imperiais. Só êle dá o pé a beijar a todos os príncipes. Só o seu nome é citado nas preces da igreja. O seu nome de papa é reservado a êle só no mundo. Êle tem direito de depor o imperador. Sem a sua vontade, nenhum Sínodo pode ser chamado universal. As suas sentenças são inapeláveis. Êle não pode ser julgado por ninguém. Todos os negócios importantes de tôdas as igrejas devem ser levados perante a Santa Sé. A igreja romana nunca se enganou e nunca se enganará conforme, atestam as Sagradas Escrituras. O papa romano, quando é consagrado segundo os cânones, torna-se santo pelos méritos de S. Pedro. Ninguém pode ser considerado católico, se não está de acôrdo com a igreja romana. O papa pode dispensar os súditos do

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Prompta Biblioteca, tradução Lúcio Ferrari, art. Papa, Vol. VI, págs. 26-29. Acta Conciliorum, de P. Juan Arduino, Vol. IX, pág. 1615. 3 Augustino Triumphus, Summa de Potestate Eclesiastica, “De Papalis Sentencie Apelatione”. 2

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juramento de fidelidade prestado a maus soberanos”.1 “Ensinamos e expomos ser um dogma divinamente revelado, que quando o pontífice romano fala ex-cathedra, isto é, quando, no desempenho do ofício de pastor e doutor de toda a cristandade, em virtude de sua suprema autoridade apostólica expõe uma doutrina de fé ou de moral a ser seguida pela igreja universal, pela divina assistência a êle prometida na pessoa do bem-aventurado S. Pedro, se acha revestido daquela infabilidade que é da vontade do divino Redentor que Sua igreja possua para definir doutrina atinente à fé ou à moral; e que, portanto, tais definições do pontífice romano são imutáveis em si mesmas, e não dependentes da aprovação da igreja”.2 E as blasfêmias prosseguem num caudal infindável. Elas atingem o próprio santuário de Deus no céu como os que no céu habitam depois de Deus e de Seu Filho”.3 Basta referirmos que todo o clero romano exige que o penitente pecador se coloque genuflexo aos pés mesmo do menor vigário de paróquia, para afirmarmos que êste pode pretender a adoração que só a Deus pertence — confirmando às profecias de Daniel e de São João de “palavras contra o Altíssimo” e de “blasfêmias contra Deus”. Continuar comprovando estas profecias pelas próprias declarações e obras do clero Papal, equivalerá a nunca terminar. Parece-nos incrível que milhões de indivíduos e numerosos soberanos do mundo, acatem as blasfêmias do “CHIFRE PEQUENO” contra Deus. Um dos primeiros potentados a fazer isto, foi Justiniano, imperador do Oriente, em carta que escreveu ao papa João II, a 15 de março do ano 533. A carta de Justiniano está citada na obra do mesmo autor — A Verdade Sôbre as Profecias do Apocalipse, páginas 347348. Muito poderia ser dito desta primeira dimensão do Papado. Cremos que o que foi dito, porém, é o suficiente para comprovarmos o verdadeiro cumprimento da profecia. SEGUNDA DIMENSÃO — “... E DESTRUIRÁ OS SANTOS DO ALTÍSSIMO” A história do Papado está vermelha de sangue inocente dos mártires cristãos. Milhões foram destruídos pelas máquinas da

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O Vaticano Potência Mundial, I. Bernhart, pág. 114. Petri Privilegium, em The Vatican Council and Its Definitions, por Henry Edward Manning, arcebispo de Westminster, (Católico, Romano), Londres, Longmans, Green & Co. 1871, pág. 218. 3 Apocalipse 13:6. 2

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inquisição, pelas fogueiras, pelas cruzadas, pela espada e por meios outros sem conta. Não há pena humana capaz de descrever as chacinas e as matanças do Papado em implacáveis destruições da santa igreja de Deus. A Idade Média inteira é testemunha dos hediondos crimes em massa dessa entidade que se faz a si mesma representante do céu na terra. A bula “Ad exetirpanda” do papa Inocêncio IV (1252), tratando da eliminação dos fiéis cristãos, renovada e fortalecida pelos papas Alexandre IV (1254-1261), Clemente IV (1265-1268), Nicolau IV (1288-1292), Bonifácio VIII (1294-1303) e outros, impunha ao poder civil, sob pena de excomunhão total, a execução, dentro do prazo máximo de cinco dias, da sentença “legal” dos tribunais eclesiásticos que condenava ao poste da fogueira “os santos do Altíssimo”, chamados “hereges” por seus assassinos. Damos abaixo uma amostra da instigação do poder civil pelo eclesiástico ao crime em massa dos santos de Deus: “Sabei que o interêsse da Santa Sé, e os de vossa coroa, vos impõe o dever de exterminar aos husitas. Lembrai que estes ímpios se atrevem a proclamar princípios de igualdade; sustêm que todos os cristãos são irmãos, e que Deus não deu a homens privilegiados o direito de governar as nações; sustêm que Cristo veio à terra para abolir a escravidão; chamam ao povo a ser livre, quer dizer a aniquilar aos reis e sacerdotes. Portanto, enquano há tempo, dirigi vossas fôrças contra a Bohemia; matai, fazei desertos por toda parte, porque nada poderia ser mais agradável a Deus, nem mais útil à causa dos reis, que o extermínio dos husitas”.1 Infelizes autoridades civis que se prestavam bem “como vis carrascos executores de tão execráveis crimes contra seus próprios súditos. Temerosos da arma da excomunhão de impiedosos eclesiásticos e conseqüentemente da perda da efêmera e corruptível corôa real, se vendiam vilmente para se tornarem co-participantes e cúmplices cruéis de assassínios sem conta, — que não estão jamais esquecidos de Deus. Um dia, aqueles covardes cabeças coroadas, colaboradores voluntários nas chacinas dos inimigos da justiça, acordarão do pó dá terra para o acêrto de contas com o Todo-poderoso Deus pela matança de seus santos. Reconhecerão ressurretos, tardiamente, porém, que apoiaram um poder condenado pelo céu por seu orgulho, suas ousadias e suas inomináveis matanças de inocentes e santos cristãos. E conjuntamente 1

I. M. de Carmenin — The Public and Private History, of the Popes of Rome, Vol. II, págs. 116, 117.

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com o poder criminoso que apoiaram, pagarão, no fogo, a pena do fogo com que trucidaram as suas indefesas vítimas testemunhas de Deus, simplesmente para apoiar o despotismo dum poder que ousou colocar-se em lugar de Deus na terra. Enquanto êsse impiedoso e desalmado poder romano perseguia famigerado suas inocentes vítimas como “hereges”, a profecia de Daniel diz que perseguia e destruía “os santos do Altíssimo”, e o mesmo diz a profecia de São João no Apocalipse.1 Outra inspirada predição declara que a igreja dominante ou papal “estava embriagada do sangue dos santos, e do sangue das testemunhas de Jesus”.2 Êstes têrmos proféticos revelam” a enormidade dos crimes e os rios de sangue que o Papado derramou das testemunhas fiéis de Deus. Nada, porém, está olvidado de Deus que um dia há de Se levantar para reivindicar o direito de Seus santos assassinados. No livro do Apocalipse podemos ainda ouvir a voz duma grande multidão de santos mártires clamando ao céu por vingança: “Até quando, ó verdadeiro e Santo Dominador, não julgas e vingas o nosso sangue dos que habitam sôbre a terra?”3 Oh, sim, êste profético clamor não só revela as inomináveis e incontáveis chacinas dos santos, como diz bem alto que a vingança do céu virá inexorável no tempo determinado por Deus. Milton, o poeta cego, expressou em versos o clamor por justiça de ambos, o sangue dos mártires e os lábios dos vivos que estavam, enfim, livres do cativeiro que tinha escravizado as almas de milhões durante os séculos medievais: “Vinga, ó Senhor, a matança de teus santos cujos ossos “Jazem espalhados sôbre as gélidas montanhas alpínicas; “Mesmo aquêles que guardaram a Tua verdade tão pura como na antiguidade, “Quando todos os nossos pais adoravam o pau e a pedra, “Não olvides: em Teu livro lembra seus gemidos “Que foram Tuas ovelhas, e em seus antigos apriscos “Mortas pelos sanguinolentos piemonteses que rolaram “Mãe com o filho abaixo das rochas. Seus lamentos “Os vales ressoaram às montanhas, e elas ao céu. Seu sangue martirizado e suas cinzas espalhadas “Sôbre todos os campos italianos, ainda agita o triplo tirano; que dêstes possa crescer “Um cêntuplo, que tendo aprendido o Teu caminho “Possa escapar apressadamente da desgraça de Babilônia!” 4

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Apocalipse 13:7. Apocalipse 17:6. 3 Apocalipse 6:10. 4 Signs of Times, 11/2/1947. 2

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E, diz a revelação no livro do Apocalipse, duas das sete pragas estão destinadas a vingar o sangue dos santos de Deus da mão dêste satânico poder romano.1 Dada a extensão que esta obra já alcançou, não queremos dar a conhecer aqui mais que duas das monstruosas matanças dos santos pelo Papado. Rogamos ao prezado leitor consultar depois a obra do mesmo autor, intitulada: A Verdade Sôbre as Profecias do Apocalipse, páginas 156 a 164, 323 a 329, 351, 352, — onde terá, ainda que em pálido resumo, um quadro dantesco dos cometimentos do poder romano em nome da religião e da fé cristã. A fatídica noite francêsa de São Bartolomeu, de 24 de agôsto de 1572, tem uma diabolesca história de sangue a contar ao mundo. Seus protagonistas, o papa Gregório XIII, o fraco rei Carlos IX, a famigerada e fanática Catarina de Medicis, o impostor duque de Guise e o orgulhoso clero papal, saciaram-se de sangue e de carnagem naquela negra noite que passou como execrável para a história da França católica. Pôsto que denominada pelo nome dum santo, um apóstolo de Cristo, converteram-na em terrível matança em nome da religião de Cristo para não dizer de Roma. Ao sinal convencional e fatal do sino, nas grandes cidades de França, tigres ferozes e esfaimados se precipitaram sôbre suas vítimas indefesas, genuínos cristãos, chamados santos nas profecias de Deus. É impossível descrever o crime papal daquela trágica noite que cobriu de luto a França inteira. O país foi banhado em sangue inocente. Coligny, o bravo almirante cristão, chefe dos Huguenotes franceses, alvo principal daqueles esbirros, foi morto em seu aposento e seu corpo foi jogado pela janela sôbre as lanças da soldadesca embaixo. A terrível carnificina durou três dias e três noites e os mortos atingiram a cifra de dezenas de milhares em tôda a malfadada e enganada França. Êste sucesso constituiu um dos maiores é mais abomináveis crimes da História, cujos protagonistas pagarão caro um dia ao acertarem suas contas com Deus no tribunal do juízo divino. A noite sangrenta de São Bartolomeu foi uma vitória sinistra do Papado, cujo representante então, Gregório XIII, derramou lágrimas de júbilo e triunfou como principal responsável pela monstruosa matança. Fêz cantar um “Te Deum”, e, para perpetuar o fúnebre “auto de fé”, ordenou a cunhagem duma medalha que por certo há de estar ainda no museu do Vaticano. De um lado aparece o seu busto com a seguinte inscrição: GREGORIUS, XIII. PONT. MAX. AN. I. Do 1

Apocalipse 16:3-7.

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outro lado lê-se: GVONOTTORVM STRAGES 1572.1 Aqui está uma espécie de cristianismo e um clero que entoa a Deus um cântico de ação de graças por ter banhado um país em sangue pela fria matança de milhares de milhares de Seus fiéis filhos inocentes. Vejamos agora os crimes da Inquisição na Espanha e o fim daquele diabólico tribunal naquele país. “Em 1809, o coronel Lamanowsky transferiu-se para a parte do exército napoleônico que se achava de guarnição na capital da Espanha. Napoleão havia dado ordem então de suprimir os conventos e abafar a Inquisição. “Distante cêrca de uma milha de Madrid erguia-se o edifício da Inquisição, rodeado de um forte muro e defendido por uma companhia de soldados. O coronel dirigiu-se a uma das sentinelas e exigiu que fossem abertas as portas ao exército imperial. Observou-se, então, como a sentinela falava com alguém do lado de dentro, voltando-se, porém, ela travou da espingarda, desfechando-a contra um dos soldados do coronel. Estava dado o sinal para o ataque. Aberto que tinham uma brecha no muro, as tropas imperiais por ela se precipitaram no interior do edifício. “O inquisidor-geral saiu-lhes ao encontro com vestes sacerdotais, acompanhado dos confessores, com os braços cruzados sôbre o peito e em atitude de quem nada vira ou ouvira. E, voltando-se para os próprios soldados os repreendeu, dizendo: “Por que pelejais com os nossos amigos, os francêses?” Pretendiam com isso talvez, distrair o cuidado das tropas e obter assim uma oportunidade para fugir. Imediatamente, porém, foram presos e submetidos a severa vigilância. “Procedeu então o coronel a uma busca rigorosa em todo o edifício. Caminhando de sala em sala, encontrou tudo na melhor ordem As salas ricamente ornamentadas com altares, crucifixos e velas, não apresentavam indício de qualquer irregularidade. Ornavam as paredes telas, notando-se também uma rica e bem zelada biblioteca. O teto era de madeira finamente polida, e o assoalho composto de lageas de mármore mui regularmente dispostas. Onde estavam, porém, aquêles temíveis instrumentos de tortura de que tanta suspeita havia e as masmorras, onde se dizia estarem sepultadas vivas vítimas? “Afirmavam os sacerdotes solenemente ao coronel que êle tinha visto todos os compartimentos da casa e que êle ou havia sido iludido ou pelo menos mal informado. Lamanowsky começavá já a afrouxar nas suas pesquisas quando adiantando-se de Lile, coronel de um dos 1

Los Hugonotes, Henrique Fliedner, pág. 26.

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regimentos que se lhe haviam agregado, assim lhe falou: ‘Coronel, é a vós que compete o mando hoje, permiti, porém, que vos dê um conselho. Ordene que se deite água sôbre êste assoalho e verifiquemos se não existe alhures um escoadouro’. “Farei o que entendeis, respondeu-lhe Lamanowsky e minutos depois as belas e polidas lágeas de mármore eram alagadas com grande susto dos inquisidores. Imediatamente de Lile descobriu um sítio por onde a água se escoava rapidamente e disse: ‘Isto aqui tem de abrir-se’. Para êle logo acudiram os oficiais e soldados que com a ponta de suas baionetas e espadas começaram a limpar as juntas a fim de levantar a lágea, mas não era possível. Alguns soldados tentaram quebrá-la a poder de coronhadas, mas sem resultado. Era de ver então as lamúrias dos inquisidores por causa da profanação de sua bela casa. De repente um dos soldados, dando com a coronha de sua espingarda sôbre uma mola oculta fêz saltar a lágea. Os inquisidores empalideceram como Belshazzar na noite em que na parede de seu palácio foram escritas aquelas palavras misteriosas; tremia-lhes o corpo inteiro. Por baixo da lágea havia uma escada. O coronel, chegando-se a um altar, dêle retirou uma grande vela para alumiar o subterrâneo. Um dos inquisidores, porém, pondo-lhe de manso a mão sôbre o braço quis impedí-lo no seu intento, dizendo-lhe com um olhar muito sério: ‘Filho meu, não deves tocar nestas velas com as vossas mãos manchadas de sangue, porque elas são santas’. “Não importa”, respondeu o coronel, ‘é coisa santa também espalhar luz sôbre a iniqüidade, tomo sôbre mim a responsabilidade’. E, pegando a vela, foi descendo a escada. Ao chegarem lá embaixado encontraram-se numa vasta sala quadrangular, denominada a sala do juízo. Ao meio dessa sala havia um bloco com uma corrente a que se costumavam acorrentar os acusados. De um lado havia um assento elevado, espécie de trono, que se denominava o trono do julgamento, o qual era ocupado pelo inquisidor-geral. De cada lado estavam dispostos ainda outros assentos destinados aos padres que se ocupavam da inquisição. “Uma porta que saía da sala, à direita, dava acesso a um grande número de celas que se estendiam em todo o comprimento do edifício; foi aqui que se lhes depararam as mais dolorosas cenas. Estas celas eram as prisões onde as pobres vítimas permaneciam encarceradas durante anos até que a morte as vinha libertar de seus sofrimentos. Os seus corpos eram aí deixados até estarem consumidos e as celas estarem outra vez em condições de receber novas vítimas. Para 439

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desviar o mau cheiro dêsse subterrâneo haviam sido dispostos tubos que conduziam ao ar livre, afastando para a distância conveniente o ar infecto que aí se produzia. “Nessas velhas celas foram encontrados cadáveres de pessoas mortas de pouco tempo, ao passo que em outras só restavam as ossadas, presas ainda às suas cadeias. Em algumas celas, porém, foram encontrados prisioneiros ainda vivos, pessoas de ambos os sexos de tôdas as idades, completamente nuas e presas com correntes. Imediatamente os soldados começaram a libertá-las das cadeias e, cobrindo-as com os seus capotes, queriam conduzi-las à luz, no que porém foram impedidos pelo coronel que, conhecendo o perigo que nisso havia, ordenou que se lhes desse primeiramente de comer e que depois fossem gradualmente levados para fora. “Continuavam, entretanto, as pesquisas. Em uma sala de ala descobriram-se os instrumentos com que eram torturadas as vítimas. Consistia o primeiro em uma máquina a que era atado o indivíduo, sendo-lhe então quebrados os ossos, um após outro, primeiramente os dedos, depois as mãos e os braços e, finalmente, o corpo todo até estar completamente morto. O segundo era um caixão em que o pescoço e a cabeça do indivíduo eram por tal forma atarrachados, que êle não podia mais movê-los. De cima do caixão estava suspenso um reservatório dágua do qual, segundo em segundo, vinha cair-lhe uma gota sôbre a cabeça. Cada gota seguinte vinha dar no mesmo lugar, causando-lhe dêsse modo as mais horríveis torturas. “O terceiro instrumento era uma máquina infernal de disposição horizontal sôbre a qual a vítima era amarrada e colocada depois entre duas vigas crivadas de facas, sendo retalhada em miúdos pedaços. “À vista dêsses instrumentos infernais, prova da mais requintada crueldade, a ira dos soldados não teve limites. Resolveu-se que cada um dos inquisidores, devia ser morto por um daqueles instrumentos. O seu furor era indomável, e o coronel não se opôs. Um dos inquisidores foi imediatamente morto na máquina de quebrar ossos. Um outro foi submetido à tortura da gota dágua, chegando a suplicar com, lágrimas que o poupassem de tão horríveis sofrimentos. Chegou, enfim, a vez do inquisidor-geral que foi conduzido perante a virgem. Pediu por sua vez com insistência que poupassem daquele horrível complexo. ‘Não’, foi a resposta dos soldados, ‘obrigastes os outros a osculá-la, agora o dever, fazer também’, e, cruzando as baionetas, o empurraram para dentro do círculo fatal. A bela virgem apertando-o em seus braços, 440

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retalhou-o em mil pedaços. O coronel teve uma vertigem à vista destas cenas e abandonou aos soldados a execução da vingança sôbre os habitantes criminosos daquela casa. “Entretanto, a notícia do assalto à casa da Inquisição havia chegado a Madrid e grande multidão se dirigia para ali. Que movimento de vida. Parecia uma ressurreição. Umas cem pessoas, que haviam sido já reputadas mortas, eram agora restituídas aos seus queridos. Aí haviam pais que tornaram a achar os seus filhos; mulheres que tornaram a vêr seus maridos, e filhos que tornaram a abraçar seus pais. Poucos eram aquêles que não tinham ao menos um amigo no meio daquela multidão. Nenhuma pena teria podido descrever aquela tocante cena. “Dispersada a multidão, o coronel ordenou a retirada da casa da Inquisição de todos os objetos de valor, mandando trazer da cidade uma grande quantidade de pólvora que foi acondicionada no porão, e minutos depois, o belo edifício voava majestosamente aos ares, caindo em um montão de ruínas. O sítio da Inquisição espanhola desapareceu”.1 Aí está mais uma vez a fisionomia do cristianismo dominante, do cristianismo que pretende representar o amante Salvador do mundo que na cruz deu Sua vida para remir o pecador perdido. Aí está, sim, mais uma amostra do cumprimento das profecias sôbre o algoz podêr que ostenta a cruz amplamente em todos os setores de suas atividades e mesmo em todos os seus indivíduos clericais. E que ninguém pense que o espírito de Roma, em pleno século, não é o mesmo que foi no passado. Perseguir e matar os por ela chamados hereges, é ainda o seu pensamento e o seu desejo. Numa obra católica, publicada em 1911, é audazmente pretendido que a igreja tem o divino direito de “confiscar a propriedade dos heréticos, aprisioná-los, condená-los às chamas”. “Em nosso século o direito de infligir as mais severas penalidades, mesmo a morte, pertence à igreja porque a experiência nos ensina que não há nenhum outro remédio”, pois, o “último recurso é a pena de morte”. E o mesmo autor continua; “Não há ofensa mais grave do que a heresia..., e portanto ela deve ser desarraigada com fogo e espada. É um dogma católico que deve ser fielmente crido, que a pena extrema não somente pode, mas deve ser infligida sôbre os obstinados heréticos”.2 1 2

O “Arauto da Verdade”, Vol. IV, n.° 4, abril 1903, páginas 55-58. Institutes of Public Eclesiastical Low, citado em Signs of Times, 4/2/1947.

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Sim, é evidentemente isto que diz a profecia a respeito de nosso tempo: “E o dragão irou-se contra a mulher, e foi fazer guerra ao resto da sua semente, os que guardam os mandamentos de Deus, e têm o testemunho de Jesus Cristo”.1 Atrás do poder intolerante e perseguidor visível, está o poder invisível de Satanás instigando e dando fôrça para pisar os santos de Deus e eliminá-los. Uma nova “guerra” aos santos é a clara predição desta profecia. Daqui a bem pouco tempo a profecia dessa “guerra cumprir-se-á fielmente. Outra vez a Igreja de Deus será alvo da sanha sanguinária de Roma, e repetir-se-á, ainda que por um prazo diminuto, a triste e vergonhosa história da Idade Média. Tudo está pronto para a repetição do negro quadro, apenas falta a nova união dêste poder eclesiástico anti-cristão com o poder civil, que lhe entregará a sua espada para os seus inglórios fins. Então terá chegado a civilização à beira do abismo e do fim, pois que Deus intervirá em favor de Seus santos enviando a Jesus em Seu segundo advento para dar a paga ao carrasco e salvar os Seus amados perseguidos e em aflição. A TERCEIRA DIMENSÃO — “ ... E CUIDARÁ EM MUDAR... A LEI” Na “Prompta Biblioteca”, falando sôbre o poder do Papa, há êste trecho: “O Papa é de tão grande autoridade e poder que pode modificar, explanar, ou interpretar mesmo as leis divinas. O Papa pode modificar a lei divina, uma vez que seu poder não é de homem; mas de Deus, e êle atua como substituto de Deus na terra com o mais amplo poder para ligar e desligar as suas ovelhas”.2 Outra fonte diz: “O Papa tem poder para mudar os tempos, ab-rogar leis e dispensar tôdas as coisas, mesmo os preceitos de Cristo”.3 “A vontade do Papa representa a razão. Êle pode dispensar a lei, e fazer do errado, direito, por meio de correções e mudanças das leis”.4 Aí está a exatidão da profecia de Daniel. O profeta é claro em referir que o Papado tentaria mudar a divina lei de Deus, e, o que constatamos, acima, é a confissão dêsse poder mesmo de que êle tem “autoridade” para modificar a lei da Majestade Suprema do universo. Na verdade o poder romano de que tratamos não poderia jamais exercer o poder que exerce e como 1

Apocalipse 12:17 Prompta Biblioteca Vol. VI, págs. 25 a 29. 3 Decretal de Translat Episcop. Cap. 4 Papa Nicolau, Dis. 96. 2

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exerce e que sempre exerceu, tendo como fundamento a lei original do Decálogo de Deus. Para governar como no passado governou e como no presente governa, careceu êle duma outra lei, lei que tivesse certa similitude com a lei do Decálogo de Deus, mas que não se igualasse a ela nos pontos chaves que distinguem a autoridade absoluta do Deus Onipotente do universo. O Papado não poderia ter aspirado o título de deus ou substituto de Deus na terra, e ao mesmo tempo ensinar a seus adeptos a lei original que saiu do punho de Deus do céu. Não poderia exercer o poder que pretende e ao mesmo tempo apontar aos homens a lei do divino Decálogo como base da vida espiritual verdadeira. Não poderia aspirar supremacia sôbre todos os poderes, como é a sua pretenção, e ter como alicerce de seu govêrno eclesiástico a lei que expressa o caráter santo e perfeito do Altíssimo Deus-Creador dos céus e da terra. Daí, para alcançar os seus fins qüe bem os conhecemos, e passar ainda como representante de Deus na terra, procurou modificar a imutável lei de Deus da qual o Seu Filho declarou que, até que o céu e a terra passem, “nenhum jota ou um til se omitirá da lei”.1 A despeito desta declaração do próprio Autor, e Legislador da lei, tão evidente, e solene com respeito à sua imutabilidade, o Papado achou-se cônscio de poder mudá-la. Quando na terra um levante armado consegue derribar o govêrno constituído de uma nação, o nôvo govêrno imposto ataca com violência o que fôra derribado, persegue os seus partidários que obstinadamente lhe mantêem fidelidade, e imediatamente muda, senão totalmente, pelo menos em parte a constituição pela qual o govêrno anterior exercia o seu mandato. E nada mais do que isto fez o Papado em relação ao govêrno de Deus na terra conforme o texto profético que apreciamos e a confirmação histórica dêsse poder. A lei contra a qual O Papado iria atentar não era qualquer lei terrena. O vocábulo “dath” texto de Daniel, apresenta-se no singular e não no plural. Se se apresentasse no plural êsse vocábulo, diríamos acertadamente tratar-se não da lei de Deus mas da lei dos potentados terrenos que o Papado venceu e dominou, a respeito das quais êle nunca cuidou em mudar mas anulou-as e ditou-lhes outras que o acatassem como supremo. A Idade Média é testemunha do que o Papado anulou decretos de potentados e absolveu os súditos destes do juramento de fidelidade que lhes primaram. Interpôs-se nos negócios das nações, 1

S. Mateus 5:18

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impôs a mais negra humilhação e obrigou os príncipes governantes a prostrarem-se e beijarem os pés de seu representante — o Papa. A lei de Deus, porém, foi o alvo primário do Papado, sem o que não poderia exaltar-se como Deus e muito menos submeter as nações à sua autoridade deitando abaixo suas leis e ditando-lhes outras. Enquanto Daniel no seu tempo apenas enunciava a pretensa mudança da lei de Deus pelo Papado, há quinze séculos vem o mundo testificando o cumprimento de sua inspirada profecia. Assim, ao lograr êsse poder romano que a civilização adotasse a lei alterada ou modificada em vez da lei original que saiu do punho de Deus, logrou em verdade o seu objetivo — ser reconhecido como deus no mundo de Deus em lugar do Onipotente Deus. Dêste modo tem o cristianismo duas leis: A lei original imutável escrita pelo próprio dedo do Creador e a lei adulterada pelo Papado. A lei eterna requer obediência à vontade de Deus, — a lei adulterada e falsificada que emana de Roma requer obediência ao Papa. Ambos — o Deus do céu e o deus de Roma — exigem obediência às suas leis. A lei que os homens preferirem obedecer, revelará o Deus que êles decidiram acatar e adorar. A audaciosa, premeditada, efetivada e profetizada mudança da lei de Deus pelo Papado, deveria atingir especialmente o preceito que trata de Deus como legislador da lei e que encerra as claras razões de sua promulgação. Em outros termos, para que Deus não mais continuasse a reinar na terra e sim o Papado, era imprescindível que êste poder afastasse da lei — antes de tudo — o mandamento que expressa a suprema autoridade de Deus e substituísse por um outro que revelasse, na lei mudada, a suprema autoridade Papal. Se não fora essa a alteração da lei, vaticinada pela inspiração, jamais ela falaria das pretenções do Papado em assentar-se “como Deus”, “querendo parecer Deus”, e levantando- se “contra tudo o que se chama Deus”.1 Na lei moral do Decálogo, o preceito que expressa a autoridade de Deus como Legislador e o define como Soberano absoluto no céu e na terra, é o quarto mandamento, que assim reza na própria Bíblia Católica: “Lembra-te do dia do sábado, para o santificar. Seis dias trabalharás, e farás toda a tua obra. Mas o sétimo dia é o sábado do Senhor teu Deus: não farás nenhuma obra, nem tú, nem o teu filho, nem a tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, 1

Tessalonicenses 2:4.

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nem o teu extrangeiro, que está dentro das duas portas. Porque em seis dias fez o Senhor os céus e a terra, o mar e tudo que nêles há, e ao sétimo dia descançou: portanto abençoou o Senhor o dia do sábado, e o santificou”.1 Vê-se claramente no quarto mandamento do Decálogo a própria assinatura de Deus como Legislador — em que Êle é revelado como Deus supremo, como Creador e como Dominador nos céus e na terra — tendo em virtude dessa tríplice notável verdade, depositado neste mandamento a bênção correspondente ao sétimo dia como coroa de Sua creação. Todo o homem, pois, que acata o sábado do sétimo dia como dia de repouso de Deus e o observa conforme a ordenança do quarto mandamento, homenageia o Deus do céu como Creador e O reverencia como seu Deus a quem unicamente adora e serve na terra. Aqui está a inegável verdade: Para que o Papado se colocasse acima de Deus e o seu pontífice fosse reconhecido como deus na terra, era evidente que abolisse o quarto mandamento que prescreve o repouso do sétimo dia e apresenta a Deus como único e insubstituível Deus na terra, — e trocasse por outro dia de repouso que designasse, não mais o Creador como Legislador, e supremo Deus nos céus e na terra, mas sim ao Papa como “deus dêste mundo”, ou substituto do Deus do céu entronizado em Roma. Posto que a Bíblia Católica, a Vulgata Latina, conserve intacto o quarto mandamento ordenando o repouso semanal do sábado do sétimo dia, contudo os catecismos autorizados pela igreja romana apresentam a lei modificada em que o dia original de repouso semanal não é apresentado como repouso de Deus e de Seus obedientes filhos. O primeiro dia da semana — domingo — é claramente apontado na lei dos catecismos como dia de descanso substituto do sábado do sétimo dia. E esta mudança, desautorizada por Deus, é confessada amplamente por autoridades de relevo do cléro católico romano como obra real do Papado. Veja-se o livro do mesmo autor — A Verdade Sobre as Profecias do Apocalipse, páginas 387, 578 a 581 onde muitas evidências são apresentadas. Um autorizado catecismo declara: “Mas a igreja de Deus (referência à igreja romana) tem em sua sabedoria ordenado que a celebração do sábado deve ser transferida para o “dia do Senhor” (referência feita ao domingo).2 1 2

Êxodo 20:8-11. Catechism of the Council of Trent, tradução Denovan, 1829, pág. 358.

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A primeira Referência histórica à observância do domingo pelos professos cristãos ocorreu na Epístola de Barnabus (cap. 15), e na Primeira Apologia de Justino Mártir (cap. 67), ambas datando de cêrca de 150 a.D. As duas denunciam a observância do sábado e insistem na do domingo. A primeira autêntica referência ao domingo como o “dia do Senhor” vem do evangelho apócrifo de Pedro e de Clemente de Alexandria (Miscellenis, v. 14), no fim do segundo século. A primeira ação oficial da Igreja Católica expressando sua preferência pelo domingo, foi verificada no Concilio de Laodicéia, em 364 a.D. Isto está inscrito no canon 29 do referido Concilio. Portanto, a idéia apóstata da transferência do sábado para o domingo, não logrou o favor dos apóstolos que sucumbiram todos no primeiro século. Vê-se que o estabelecimento do domingo logrou, êxito graças à grande apostasia preparada pelos chamados “pais da igreja” e vaticinada principalmente por São Paulo, o grande apóstolo de Cristo.1 Assim o catolicismo e o protestantismo são os dois grandes responsáveis e culpados no transtorno sofrido pela lei de Deus, o primeiro por ter direta e audazmente efetuado a sua pretensa mudança, e o segundo por tê-la indignamente aceito com tôda a jatância de acusador do Papado e de defensor do evangelho apostólico. No livro do Apocalipse o sábado é apresentado como o indiscutível sêlo entre Deus e Seu legítimo povo no mundo. Consultese a obra — A Verdade Sôbre as Profecias do Apocalipse, do mesmo autor, páginas 175 a 183, e ter-se-á uma visão exata do sábado como o elo de ouro entre Deus e Seu fiel povo na terra. E ainda diremos mais: O Papado não só procurou efetuar a mudança da lei de Deus no que respeita ao sábado do quarto mandamento. Na lei chamada “de Deus” no catecismo romano, faltam quatro mandamentos inteiros da lei de Deus original escrita por Seu próprio punho. Sim, — faltam o primeiro, segundo, quarto e sétimo mandamentos E, mais ainda, no catecismo há três mandamentos que não existem na lei de Deus, — o primeiro, o terceiro e o sexto. E, no décimo mandamento da lei verdadeira, fizeram dois para afinal terem o número de dez mandamentos, pois que estava faltando um! Os outros mandamentos do catecismo que se parecem com as da lei do Decálogo conforme a verdade bíblica, ainda estão incompletos. Mesmo o décimo da lei imutável do qual fizeram dois, as duas metades não estão completas. Para termos uma idéia do alcance da 1

Atos 20:28-31

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pretenção do Papado em mudar a lei de Deus, dizemos que, na Bíblia católica do Padre Matos Soares, aprovada pela Secretaria do Estado do Vaticano e pelo Papa, a lei real escrita pelo dedo de Deus em duas táboas de pedra, contém 295 palavras, enquanto a lei alterada, do catecismo da igreja católica, contém apenas 46 palavras. Quer isto dizer que o atentado de Roma contra a lei de Deus atingiu a 249 palavras das 295 que ela contém. Depois de tôda esta longa exposição, fica comprovado, regeitando-se tôda a oposição em contrário, que o Papado cumpriu a profecia de que havia de cuidar em mudar a lei de Deus, pretensa mudança esta que disfigurou a santa lei do Onipotente perante a humanidade que, julgando em parte estar obedecendo à lei de Deus pelo catecismo, está em verdade ensinando a violá-la amplamente. Damos, por fim, as duas leis, a verdadeira e a falsificada, — a primeira conforme está na Bíblia Católica aprovada pelo Papado, e a segunda conforme está no catecismo, também aprovado pelo Papado: A LEI DE DEUS Segundo as Sagradas Escrituras I Não terás outros deuses diante de Mim. II Não farás para ti imagem de escultura, nem figura alguma do que há em cima no céu, e do que há em baixo na terra, nem do que há nas águas debaixo na terra. Não adorarás tais coisas, nem lhes prestaras culto; Eu Sou o Senhor teu Deus forte e zeloso, que vinga a iniqüidade dos pais nos filhos, até a terceira e quarta geração daqueles que Me odeiam; e que usa de misericórdia até mil (gerações) com aqueles que me amam e guardam os meus preceitos. III Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão; porque o Senhor não terá por inocente aquele que tomar em vão o nome do Senhor seu Deus. 447

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IV Lembra-te de santificar o dia de sábado. Trabalharás durante seis dias, e farás (neles) todas as tuas obras. O sétimo dia, porém, é o sábado do Senhor teu Deus; não farás nêle obra alguma, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu gado, nem o peregrino que está dentro das tuas portas. Porque o Senhor fez em seis dias o céu e a terra, e o mar, e tudo o que neles há, e descansou ao sétimo dia; por isso o Senhor abençoou o dia de sábado e o santificou. V Honra teu pai e tua mãe, a fim de que tenhas uma vida dilatada sôbre a terra que o Senhor teu Deus te dará. VI Não matarás. VII Não cometerás adultério. VIII Não furtarás. IX Não dirás falso testemunho contra o teu próximo. X Não cobiçarás a casa do teu próximo; não desejarás a sua mulher, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma que lhe pertença. _______________ Versão Católica das Sagradas Escrituras, pelo Padre Matos Soares, com a aprovação da Secretaria de Estado do Vaticano, em 23 de setembro de 1932. _______________ “Bemaventurados os que guardam os Seus mandamentos”. Apoc. 22:14. 448

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Segundo a Igreja Católica I Amar a Deus sôbre todas as coisas. II Não tomar seu santo nome em vão. III Guardar domingos e festas. IV Honrar pai e mãe. V Não Matar. VI Não pecar contra a castidade. VII Não furtar. VIII Não levantar falso testemunho. IX Não desejar a mulher do próximo. X Não cobiçar as coisas alheias. _______________ Conforme o Catecismo da Doutrina Cristã para uso das dioceses da Província Eclesiástica de Pôrto Alegre, com aprovação assinada pelo Mons. André Pedro Frank, vigário geral, em 2 de Março de 1949. _______________ “E cuidará em mudar os tempos e a lei”. Daniel 7:25. 449

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A QUARTA DIMENSÃO — “E CUIDARÁ EM MUDAR OS TEMPOS...” Ainda de outra mudança é o Papado acusado na mesma profecia de Daniel, aliás, de ter também mudado os “tempos”. Esta mudança tem que ver indubitàvelmente com o tempo corrente. E não há quem não saiba que êste poder romano mudou numerosos dias estabelecidos por Deus para o trabalho regular do homem, — em dias santificados, dias santos, em que os governos da terra obedecem fiélmente, fechando nelas as portas de seus parlamentos, suas instituições e suas repartições públicas. Todo o comércio e indústrias são paralisados. Vemos, dêste modo, que o Papado fez o que bem entendeu com a lei de Deus que prescreve a obediência do homem a seu Criador e a sua ocupação diária e semanal para sua felicidade. Porém, o homem, que na era cristã devia ser feliz e animado pela esperança de sua redenção em Jesus Cristo, por seu amor a Êle tributado por sua fidelidade à Sua lei, — foi mais infelicitado ainda pelos ensinos duma lei falsificada que não impressiona nem leva a obedecer o seu Criador e Redentor, pelo que, em vez de inspirar salvação conduz à ruína te perdição. E é indubitàvelmente pelo ensino duma lei que não é a lei de Deus embora assim a denominem, que a civilização jaz no cáos e à beira do abismo fatal e inevitável. Aí está o amargo fruto de o mundo acatar essa hierarquia eclesiástica, com o nome de cristã sem o ser, chamada por São Paulo de “mistério da injustiça”, “e com todo o engano da injustiça para os que perecem, porque não receberam o amor da verdade para se salvarem. E por isso Deus lhes enviará a operação do êrro, para que creiam a mentira; para que sejam julgados todos os que não creiam a verdade, antes tiveram prazer na iniqüidade”.1 A QUINTA DIMENSÃO — O PERÍODO TEMPORAL DO PAPADO Cada detalhe da profecia que consideremos constitue evidência de que ela trata indubitàvelmente do Papado. Agora se nos apresenta o período profético em que Êste poder exerceu domínio temporal, aliás, em que desempenhou atividade político-religiosas principalmente na Europa e absolutamente em seu próprio proveito, cujos soberanos não tiveram fôrça capaz de defenderem-se com êxito, antes seriam 1

Tessalonicenses 2:7, 10-12

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obrigados a se submeter à sua despótica, humilhante, coerciva política temporal. A despeito das claras palavras de Cristo de que o poder civil e o religioso devem estar separados e que a nenhum dos dois assiste o direito de penetrar com espírito de mando na esféra do outro, contudo o Papado, deixando de lado as claras instruções do divino Mestre e numa afirmativa de que não representa a Deus na Terra, como se arroga, penetrou desastrosamente nos domínios de César fazendo dêle um instrumento de uma política repressiva e destruídora, cumprindo assim amplamente todos os pormenores desta profecia. Durante “um (ano ou) tempo, e dois (anos ou) tempos, e metade dum (ano ou) tempos, segundo a versão católica da Bíblia, durou o poder temporal do Papado, época em que o mundo foi envolto pelas mais negras trevas políticas e religiosas. Em alhures lemos: “O meio dia do Papado foi a meia noite do mundo”. Nos capítulos doze versículo sete do livro de Daniel e doze versículo quatorze do livro de Apocalipse, é referido o mesmo período — um tempo, dois tempos e metade dum tempo. Nos capítulos: onze versículo três e doze versículo seis do Apocalipse, o mesmo período é apresentado em dias, aliás, em 1260 dias; e nos capítulos: onze versículo dois e três versículo cinco do mesmo livro de Apocalipse, é, apresentado ainda em mêses, aliás, em 42 mêses. “Tempo”, em se tratando de profecia, equivale a um ano.1 Portanto, assim compreendemos: um tempo representa um ano; dois tempos, dois anos e metade dum tempo, meio ano. O ano profético é de 360 dias, atingindo três e meio tempos a 1260 dias como acima é comprovado em duas profecias. Também os 42 mêses, a 30 dias, o mês profético, são 1260 dias igualmente. Porém, nas profecias inspiradas um dia equivale a um ano.2 Dêste modo, os três e meio tempos, os 1260 dias e os 42 mêses que apontam ao período temporal do Papado, são exatamente 1260 anos literais. O que importa agora é estabelecermos o ano do início do período para conhecermos o ano de seu termino. Às vêzes se conhece o princípio das coisas conhecendo o fim dela. Talvez no caso em aprêço seja acertado seguirmos êste princípio: Conhecermos o ano terminal do poder temporal do Papado para conhecermos o seu ano inicial. Qualquer estudante do colégio secundário sabe que, no ano 1798, Napoleão Bonaparte, o grande imperador dos francêses, enviou à 1 2

Daniel 11:13. Números 14:34; Ezequiel 4:6.

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Itália um poderoso exército sob o comando do general Bertier, o qual transformou êste país numa republica de França, tendo, como maiores conseqüências, o aprisionamento do Papa Pio VI que foi conduzido à França onde morreu. No dia dez de março do ano 1798, no “Conselho dos Quinhentos”, Merlin, então presidente do Diretório, comunicou o grande acontecimento num discurso que se tornou célebre, e que podemos lê-lo na obra: A Verdade Sôbre as Profecias ao Apocalipse, do mesmo autor, pág. 341. Êste irrecusável e inapagável fato histórico foi o desenlace do poder temporal do Papado. E, uma vez estabelecida a data final do período que é o ano 1798, como vimos, é fácil estabelecermos a data inicial, bastando subtrairmos 1260 anos do ano 1798. O resultado é o ano 538. Êste ano, que indubitáveimente inicia o período, está fundado em evidências históricas que não podem ser jamais destruídas. Um acontecimento político de grande repercussão deveria ter ocorrido nesta data para abrir ao Papado o caminho da ascensão ao poder temporal. No versículo oito deste sétimo capítulo que consideramos, verificamos é comprovamos historicamente que o Papado destruiu três dos dez reinos que primitivamente formaram a Europa moderna — Hérulos, Vândalos e Ostrogodos — únicos oponentes no caminho de sua marcha para o poder temporal. E, como apreciamos, o último dos três, o reino dos Ostrogodos, foi liquidado quando o exército de seu rei ,Vitiges foi obrigado a levantar o cêrco que impuzera à cidade de Roma. Isto ocorreu exatamente no ano 538, marco histórico da derrota do último inimigo do Papado. Estava agora limpo o seu caminho de qualquer obstáculo possível que lhe viesse atalhar a marcha ascensional para o poder político-temporal. Desde 538, pois, até 1798, — em que decorreram exatamente os 1.260 anos preditos — o Papado foi, sem dúvida alguma, a única potência que realmente exerceu o poder supremo na Europa, sendo todas as outras nada mais que poderes fantoches em suas mãos romanas, sem autoridade alguma mesmo em seus próprios territórios. O temor do Papado e o receio de suas excomunhões, os algemou, e os amordaçou aos pés do César eclesiástico da Sé romana. A SEXTA DIMENSÃO — A ELIMINAÇÃO DO PAPADO Consideramos que o juízo sôbre a humanidade total compreende três fases distintas: A de investigação com início em 1844 sôbre a igreja de Deus; a do milênio sôbre os ímpios e anjos maus; e a executiva ou destrutiva dos ímpios e maus anjos no fim do milênio. O 452

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versículo vinte e seis do sétimo capítulo de Daniel que constitue a sexta dimensão Papal, declara que o juízo seria estabelecido e que “êles tirarão o seu domínio, para o destruir e para o desfazer até ao fim”. Está bem claro: O juízo sentenciará o Papado à eterna destruição. Mas, declara também que “êles tirarão o seu domínio”. Êles quem, tirarão o seu domínio? A resposta é óbvia: Aqueles “êles” anteriormente referidos no versículo vinte e cinco, que são os “santos do Altíssimo”, perseguidos e mortos por êsse eclesiástico poder — sim “êles” lhe tirarão o poder e marcarão a sua destruição no juízo. O versículo quatro do capítulo vinte do livro do Apocalipse, assenta que os santos julgarão os ímpios durante o milênio como já temos visto. O Papado, pois inquestionavelmente, será julgado por “êles” durante aquele tempo milenar. O versículo citado enfatiza que o profeta viu assentarem-se em tronos do juízo exatamente aqueles que haviam sido mortos nas perseguições do Papado “pelo testemunho de Jesus e pela palavra de Deus”, sendo isto mesmo confirmado no capítulo seis versículo nove. Assim as profecias deixam bem claro que aqueles “santos” que o Papado perseguiu e chacionou, como “Hereges”, serão os seus próprios juízes no julgamento que será de condenação durante o milênio predito. Sim, aqueles crimes de Roma cometidos por longos séculos e todo o seu orgulho e ousadia em pretender deificação na terra, não estão esquecidos, mas terão a sua justa retribuição, no juízo executivo de Deus. No capítulo vinte do Apocalipse versículo dez, vemos êste mesmo poder ou a Besta, no “lago de fogo”, tendo como companheiros o “falso profeta” ou Protestantismo Estadunidense e mesmo o próprio Satanás. Esta será a recompensa dêste trio uno que trouxe desgraça à civilização humana; que fechou o reino do céu aos homens e ainda persegue o povo de Deus. Deixemos êstes poderes apóstatas — para não sermos com êles cúmplices perante o céu e não recebermos com êles o tremendo prêmio da apostasia ou o juízo da destruição total anunciado nas profecias de Deus. OS SANTOS RECEBERÃO O REINO ETERNO VERSO 27: — “E o reino, e o domínio, e a majestade dos reinos debaixo de todo o céu serão dados ao povo dos santos do Altíssimo; o seu reino será um reino eterno, e todos os domínios o servirão, e lhe obedecerão”. Que contraste: Os santos perseguidos receberão o eterno reino, enquanto os seus perseguidores e matadores irão para o “lago de fogo e enxofre”. Tôda a terra se transformará no reino “dos santos do 453

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Altíssimo”. Esta é a suprema recompensa que aguarda os fiéis — todos quantos souberam viver e defender os direitos de Deus em suas vidas, ainda que malquistos e maltratados, desprezados e mortos por sua fé neste mundo. Oh, sim, quão glorioso será o reino de Deus cujos “domínios O servirão, e Lhe obedecerão”. Maravilha das maravilhas: Um reino de puro amor, de obediência verdadeira, de paz real, de perfeito gôzo no Senhor, de vida infindável, — de comunhão direta e perpétua com Deus e o Salvador! Porém, está bem enfatizado na profecia, — que só os “santos do Altíssimo” receberão o glorioso e eterno reino. Sejamos, nós, pois, destes santos, e descansaremos por fim naquele infindável reino de divino amor — livres dos infortúnios e dissabores desta vida; livres pelos infindos séculos do imperialismo de Roma. Tudo quanto fizermos para ganhar o reino perfeito de Deus, embora com sacrifício, ainda valerá a pena. Se para salvarmos os nossos interêsses daqui, e formos infiéis a Deus, certamente perderemos tudo e também a vida eterna. Escolhamos o melhor. “MAS GUARDEI ESTAS COISAS NO MEU CORAÇÃO” VERSO 28: — “Aqui findou a visão. Quanto a mim, Daniel, os meus pensamentos muito me espantaram, e mudou-se em mim o meu semblante; mas guardei estas coisas no meu coração”. Daniel, finda a grande visão dêste sétimo capítulo de seu livro, tão cheia de lances sensacionais, emocionais e surpresas — ficou espantado. Muita coisa êle não entendeu, mormente a parte eclesiástica referente ao Papado representado no “chifre pequeno”. Todavia guardou tudo no seu coração. Um dia êle entenderá, conjuntamente com todos os santos no reino de Deus, o que aqui não poude entender. Quando no glorioso reino o Revelador expuzer tôdas as coisas e seu significado aos Seus santos, então deveras Daniel entenderá e ficará satisfeito. Guardaremos nós também em nossos corações aquilo que Deus nô-lo revelou, embora não entendamos bem tudo; mas, se formos fiéis a Êle, estaremos com Daniel ouvindo a exposição do Senhor, e sem dúvida ficaremos igualmente satisfeitos.

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CAPÍTULO VIII O SANTUÁRIO CELESTIAL E O AUGUSTO TRIBUNAL DE DEUS Introdução Um novo colorido simbólico reveste o cenário do capítulo agora em consideração. Nada há nesta nova revelação comparável aos impressionantes e majestosos emblemas do capítulo precedente. Contudo, enquanto no sétimo capítulo terríveis e bravias feras surgem e atuam como tais, neste oitavo capítulo — por incrível que pareça — animais considerados domésticos, mansos e humildes, aparecem em cena atuando também como se fossem feras indomáveis e destruidoras. Entretanto, todo o poder profético dêstes novos animais, que são apenas dois, manifesta-se através de seus significativos e impressionantes chifres. Daniel recebe de Gabriel, o seu anjo assistente, uma sobeja e ampla explanação dos novos símbolos da revelação, que são: Um carneiro com dois chifres e um bode com um só chifre grande a princípio, e depois com quatro que o substituem. Com pormenores importantes e precisos, foi dado a conhecer ao profeta um terceiro poder, denominado “chifre pequeno”, que surgiu de um dos quatro chifres do bode, e crescera poderosamente para o Oriente, para o Sul e para a Palestina. Segundo esta profecia a potência envolta no símbolo dêste “chifre pequeno” iria fazer muito mal ao mundo, principalmente ao próprio Filho de Deus e ao Seu povo. A cristalina verdade revelada de Deus, o Santo Evangelho, seria alvo desta audaciosa potência, pelo que lançá-la-ia por terra estabelecendo em seu lugar o tradicionalismo dos apóstatas. Assim, reza a inspiração, prosperaria, mas fundamentada no engano. Seu poder não seria seu próprio. Em sua arrogância se imporia e lançaria mãos do poder dos poderosos da Europa, humilhando-os e fazendo dêles meros instrumentos dóceis de sua nefasta política. Para dizermos tudo dizemos que ela arrogou até mesmo prerrogativas divinas que são exclusivas da divindade celestial.

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A última parte da visão — que trata de “2300 tardes e manhãs” e dâ purificação do santuário — Daniel não entendera e nem lhe déra o anjo Gabriel quaisquer detalhes. Tão somente o aconselhou a selá-la ou não se preocupar com ela visto que, dissera-lhe o anjo, “só daqui a muitos dias se cumprirá”. Por fim declara Daniel que esta visão fê-lo enfermar por alguns dias, o que prova tê-la recebido por arrebatamento de sentidos ao passo que a primeira, do sétimo capítulo, recebeu-a em um tranquilo sonho. DATA E LOCAL DA SEGUNDA VISÃO DE DANIEL VERSOS 1-2: — “No ano terceiro do reinado de Belshazzar apareceu-me uma visão, a mim, Daniel, depois daquela que me apareceu no princípio. E vi na visão (acontecendo, quando vi, que eu estava na cidadela de Susã, na província de Elã), vi, pois, na visão que eu estava junto ao rio Ulai”. O NÚMERO DE ORDEM DA VISÃO Declarando Daniel que a visão dêste capítulo lhe fora conferida “depois daquela”, dissera êle, “que me apareceu no princípio, confessa ser ela a segunda que recebera e a do capítulo sete a primeira, — esta concedida no primeiro e aquela no terceiro ano de Belshazzar rei de Babilônia. E há ainda uma terceira visão concedida a Daniel, que é a mencionada no décimo capítulo de seu livro e recebida no terceiro ano de Ciro. NA CIDADELA DE SUSA A cidade de Susã existira já desde o período assírio. Assurbanipal capturou-a em 660 a.C., e posteriormente caíra em poder dos babilônios. Ao tornar-se presa da Medo-Pérsia pelas conquistas de Ciro, êste a elevara à categoria de Metrópole líder do Império ao lado de Babilônia e Ecbatana, Susã fora convertida pelos reis persas em poderosa fortaleza onde encerravam os seus vastos tesouros e os tributos que extorquiam das províncias imperiais. Quando Alexandre, em 331, entrou em Susã, apoderou-se de imensos e incalculáveis tesouros ali acumulados. Daniel, ao tempo desta visão, conforme sua própria declaração, “estava na cidade de Susã”. A cidadela denominava-se “Memnonion”, que era um forte castelo levantado sobre um cone artificial de cincoenta metros de altura, donde dominava tôda a cidade e a 456

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defendia. Mas Daniel não estivera pessoalmente, corpóreamente na cidadela de Susã. Êle declara que lá estivera “na visão”. A êste tempo, que foi o da queda de Babilônia, êle estava pessoalmente nesta cidade, pois na noite de sua queda, comparecera ao festim de Belshazzar para interpretar-lhe uma mensagem de juízo. Em Espírito, ou arrebatado pelo Espírito Santo, viu-se na cidadela de Susã, naquela região onde se levantaria o primeiro nôvo poder desta profecia que iria abater o Império dos caldeus. O rio Ulai, em cujas margens estava Daniel na visão, é referido no Velho Testamento somente nesta profecia, chamado Oulai pelos “setenta”. Plinio diz que êste rio rodeava a cidade de Susã. Hoje o antigo rio Ulai chama-se “Karun”. Êstes fatos históricos são testemunhos do tempo das revelações feitas a Daniel. A MEDO-PÉRSIA NA PROFECIA VERSO 3-4: — “E levantei os meus olhos, e vi, e eis que um carneiro estava diante do rio, o qual tinha duas pontas; e as duas pontas eram altas, mas uma era mais alta do que a outra; e a mais alta subiu por último. Vi que o carneiro dava marradas para o Ocidente, e para o Norte e para o Meio-dia; e nenhuns animais podiam estar diante dêle, nem havia quem pudesse livrar-se da sua mão; e êle fazia conforme a sua vontade, e se engrandecia”. A INTERPRETAÇÃO CLARA DE GABRIEL Nada mais claro nesta profecia do que o símbolo profético dêste carneiro. O próprio anjo Gabriel o define, no vigésimo versículo, como emblema dos “reis da Média e da Pérsia”, ou, mais propriamente, do Império mundial Medo-Pérsia. Esta é a terceira vez que o Império Medo-Pérsia é alvo da revelação. Na primeira vez — capítulo dois — foi figurado na prata da estátua do sonho do rei Nabucodonosor, para determinar sua inferioridade em riquezas em relação ao Império Babilônio, figurado no ouro, que conquistara. Na segundo vez — capítulo sete — foi representado num urso terrível que, embora inferior ao leão babilônio, era indicativo de sua tremenda política de opressão, espoliação e destruição, pior do que fôra Babilônia. Agora — capítulo oito — surge no emblema natural, nacional e tradicional dos medas e persas um carneiro. A figura dum carneiro aparecia frequentemente nos selos 457

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identificativos da Pérsia. Nos três símbolos que lhe conferira a inspiração, é a Medo-Pérsia representada respectivamente por sua riqueza (a prata, por seu poder o urso) e por seu tradicionalismo como povo (o carneiro). O MISTÉRIO DA PONTA MAIS ALTA DO CARNEIRO Todos os detalhes, quer nesta como em qualquer outra, profecia inspirada, são de sumo valor, sem o que não teriam sido salientados pelo Divino Revelador. Sôbre a “ponta” mais alta do carneiro veja-se a exposição sob o título; LEVANTADO MAIS DUM LADO, na página 333. AS MARRADAS DO CARNEIRO As diferentes direções para onde o animal dava suas marradas — Ocidente, Norte e Sul — indicam os rumos das conquistas da MedoPérsia. Como poder Oriental, avançou para o Norte até aos mares Negro e Cáspio e as estepas da Sibéria que o detiveram. No Ocidente alcançou as praias do mar Egeu. No Sul ou “meio-dia” chegou, ao Egito, Líbia e Etiópia. (Vêr capítulo sete verso cinco). O esmagador poder da Medo-Pérsia, já indicado no pesado urso, é mais uma vez salientado aqui na declaração do profeta de que “nenhuns animais”, ou outros reinos de então, “podiam estar diante” do carneiro, não havendo também “quem pudesse” livrar-se dêle. Assim, em suas ambiciosas rotas de conquistas, nos dias de sua maior força, não encontrara a Medo-Pérsia potência alguma rival capaz de opôr resistência com êxito às massas enormíssimas e fulminantes de seus exércitos; e jamais qualquer povo submetido era deixado com suficiente poder capaz de libertar-se de suas garras cruéis. Desrespeitando tôdas as leis internacionais de sua época, “fazia conforme a sua vontade, e se engrandecia” Sobremaneira na Terra, abatendo a todos os povos livres que se encontravam no caminho de suas ambições mundiais, massacrando-os em todo o sentido. Ver capítulo sete, versículo cinco, sôbre as conquistas dos reis persas e a dureza do poder com que reinaram. A GRÉCIA NA PROFECIA VERSO 5: — “E, estando eu considerando, eis que um bode vinha do Ocidente sôbre tôda a terra, mas sem tocar no chão; e aquêle bode tinha uma ponta notável entre os olhos”. 458

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O significado dêste símbolo profético é definido com tôda clareza por Gabriel, no vigéssimo-primeiro versículo, como aplicando-se à Grécia, ou, mais precisamente, ao Império mundial da Grécia. Esta profecia é a terceira da revelação concernente ao Império grego. Na primeira — capítulo dois — foi êle figurado no ventre e coxas de cobre da estátua do sonho do rei Nabucodonosor, para determinar sua inferioridade em riquezas em relação ao Império Medo-Pérsia figurado na prata. Na segunda — capítulo sete — foi designado na figura dum veloz leopardo alado com quatro azas, tendo quatro cabeças, sendo inferior ao urso Medo-Pérsia, porém com capacidade e estratégia para vencê-lo e subjugá-lo, como fêz Alexandre derribando o poder dos Aquemenides. Agora — capítulo oito — surge a Grécia no emblema natural dos gregos e macedônios — um simples bode doméstico. O POR QUE DUM BODE PROFÉTICO COMO SÍMBOLO Por que a revelação escolhera um bode para representar a Grécia nesta profecia é de suprema importância. Dizemos que esta escolha deveu ao fato de os macedônios, compatriotas de Alexandre Magno, e evidentemente também os gregos, terem tomado o “bode” como emblema do poder real. “O bode é muito apropriadamente típico do Império grego ou macedônio, porque os macedônios a princípio, mais ou menos 200 anos antes de Daniel, eram chamados Aegeadae, ou povo do bode; e, nesta ocasião, como referem autores pagãos. Caranus, seu primeiro rei, indo com uma grande multidão de gregos à procura de novas habitações na Macedônia, foi mandado pelo oráculo tomar os bodes como seus guias para o império, e, mais tarde, vendo um rebanho de bodes a fugir de uma violenta tempestade, seguiu-os até Edessa, e ali fixou a sede do seu império, fêz dos bodes suas insígnias ou estandartes, e chamou a cidade “Aegeae”, ou ‘a cidade do bode’, e o ‘povo do bode’. Esta observação é semelhantemente devida ao excelentíssimo sr. Mede; e a isto pode-se acrescentar que a cidade Aegeae, ou Aegae, foi o lugar de sepultamento usual dos reis macedônios. É também muito notável que o filho de Alexandre, de Roxana, chamou-se Alexandre Aegus, ou ‘filho do bode’; e alguns dos sucessores de Alexandre são representados em suas moedas com chifres de bode”.1 A mitologia grega tinha o deus “Pan”, filho de Hermes e da ninfa Dryope, deus dos rebanhos que personificava a natureza. 1

Dissertations on the Prophecies, T. Newton, pág. 238.

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Representavam-se com chifres, corpo e pés de bode da cintura para baixo. A figura de um bode, tôda ou em parte, aparece no reverso de moedas macedônias preservadas no Museu Britânico. Outro fato interessante é que o mar Egeu, que banhava e banha a Macedônia e a Grécia, significa “mar do bode”. Verdadeiramente, o bode procedeu do Ocidente, já pela indicação da profecia, já pela história que a cumpriu; já pela posição da Grécia em relação ao Império Medo-Pérsia que invadira e conquistara, já pelo emblema do “bode” greco-macedônio. “SÔBRE TÔDA A TERRA, MAS SEM TOCAR NO CHÃO” Na expressão da inspirada epígrafe acima a profecia notificou as vitórias de Alexandre e seu aguerrido exército. Com a antecipação de mais de dois séculos anunciou a revelação o seu esmagador triunfo sôbre o formidável Império Medo-Pérsia. O avanço greco-macedônio sob o inigualável gênio militar que fôra Alexandre, arrazou tôda a oposição mesmo a dos grandes exércitos de Dario III Codomano. A sua fulminante ofensiva tudo derribou inexoràvelmente à sua passagem. Nenhuma nação, nenhum povo pôde defender-se com esperança ou enfrentar com êxito a sua irresistível investida. Tôda a resistência desabou inapelàvelmente ante o valor de sua estratégia militar. Tôda a terra foi varrida por seu disciplinado exército constituído de soldados decididos a vencer, Nenhum obstáculo foi contornado por Alexandre e sim desbaratado e liquidado. Tôda a terra foi submetida e prostrada aos pés do grande comandante. Atrás de sua indômita marcha não ficou poder algum de pé para embaraçar o seu invencível avanço. Todos os povos conquistados foram imediatamente arrolados à suzerania da Grécia sob a liderança do poderoso herdeiro de Felipe II. As 127 províncias que constituíam o gigantesco reino Medo-Pérsia foram submetidas numa fração de tempo da História. Foi assim que Alexandre, à frente de seus destemidos guerreiros, marchou “sôbre tôda a terra, mas sem tocar no chão”. Já no emblema de leopardo-alado com quatro” azas, do capítulo sete — deparamos a incrível rapidez com que Alexandre submeteu o mundo. Estupendo cumprimento da infalível profecia de Deus. Um homem apontado por Deus para derribar a tirania Medo-Pérsia no mundo, só podia triunfar com, a inédita rapidez com que triunfou. 460

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“TINHA UM CHIFRE NOTÁVEL” Esta profecia declara enfaticamente que o “bode peludo” era o rei (ou reino) da Grécia”, e que o “chifre grande” era “o primeiro rei”, aliás, o primeiro rei da Grécia unida. É esta a única referência histórica, embora profética e bíblica por sua origem, em que se afirma ter tido a Grécia do distante passado um rei único sôbre todo o país. Os compêndios de história secular falam sempre em “rei de Atenas” em “rei de Sparta”; nunca jamais em “rei da Grécia”. Se êles se referissem a um “rei da Grécia”, entenderíamos que êste país tivera, em tempos idos, pelo menos pôr algum tempo, um único rei no trono de tôda a nação. Recorrendo a história grega, encontramos o país em verdade dividido em dois Estados — Atenas, e Sparta, a se guerrearem constantemente pela hegemonia no território grego, sem que esta, entretanto, fôsse alcançada por um ou por outro Estado em definitivo. A profecia, não obstante, afirma que o “chifre grande” representa o “primeiro rei” da Grécia, isto é, da Grécia unida definitivamente sob um só cétro soberano. Pergunta-se, então: Quando se dera o milagre da fusão entre Sparta e Atenas sob uma só liderança central chamada na revelação — “o primeiro rei”? Quem fôra esse “primeiro rei” e quando se empossara no trono do país unindo-o sob seu absoluto cétro? O grande milagre da unidade da Grécia sob um único govêrno central dera-se com Alexandre Magno. Seu pai Felipe II, que submetera a Grécia, a reduzira a Estado vassalo da Macedônia. Os gregos, porém, nunca o reconheceram como seu rei. Ao assassínio de Felipe II, a Grécia se revoltou na pretenção de sacudir o jugo macedônio. Todavia, Alexandre, que herdara o trono macedônio pela morte do pai, impõe energicamente o cétro macedônio aos gregos, tendo incendiado e destruído Tebas para dar-lhes uma terrivel lição de seu poder. Tornara-se, a seguir, único soberano sôbre tôda a Grécia, muito embora fôsse por herança rei da Macedônia. Tiveram assim os gregos, pela primeira vez em sua história um único rei ou govêrno central unindo todo o país. Os próprios gregos elegeram Alexandre, afinal, como seu rei sôbre tôda a Grécia. Se isto não o fizessem êles, a inspirada profecia jamais rezaria quanto à Grécia: “O chifre grande entre os olhos é o primeiro rei”. Sôbre êste assunto veja-se a pág. 124. 461

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O PREDITO ABSOLUTISMO DE ALEXANDRE Que o grande chifre é emblema de Alexandre Magno não há discussão. Vemos, entretanto, em primeiro lugar, um bode com um só chifre, coisa estranha na zoologia com vistas a êste animal. Porém, temos aqui uma indubitàvel e clara indicação sobrenatural do absolutismo de Alexandre. Enquanto êle viveu, foi único como chefe — quer do Império conquistado, quer da Grécia ou do exército. Êle não escolheu ninguém para compartilhar consigo do poder supremo de que fôra investido para realizar no mundo a obra para a qual Deus o escolhera. No govêrno e nas campanhas bélicas era êle absoluto e supremo. Se levarmos em conta o fato de que Alexandre fôra tomado nas mãos de Deus para derribar o cruel poder Medo-Pérsia e estabelecer uma nova ordem de coisas no mundo, em verdade deveria ser êle, como fôra, — único no comando, único como timoneiro na grande empresa que implicava a vontade do Deus Todo-poderoso. É certo que onde muitos governam — muitos desgovernam. Por esta razão prefere Deus às vêzes usar um só homem em empreendimentos especiais que visam o bem coletivo de Seu povo e da humanidade. Assim Alexandre, investido de cima como único absoluto senhor, — embora ignorasse essa investidura do alto — cumpriu fielmente a profecia que lhe dissera respeito realizando a obra mundial para a qual fôra o homem do momento preferido por Deus — sem cujo inspirado absolutismo não poderia tê-la jamais realizado com tanta exatidão e presteza como realizou. O MISTÉRIO DO CHIFRE “ENTRE OS OLHOS” Chama-nos atenção o fato de o grande e único chifre aparecer entre os dois olhos do bode simbólico, ao contrário do bode natural que tem dois chifres em cima, na cabeça. Mas não fôra por acaso que a inspiração assim representou a posição figurada de Alexandre no símbolo em questão. Êle, o grande chifre simbólico da profecia — aparece entre dois olhos simbólicos. Vemos aqui a dupla e inspirada visão de Alexandre no cumprimento da alta missão que o céu lhe confiara de conquistar e justiçar o Império Medo-Pérsia, trazendo ao mundo melhores dias. E estas duas inspiradas visões suas eram certamente: Sábios planos de campanhas militares e firmeza na decisão de vencer. Foram exatamente êstes dois fatores que levaram Alexandre a uma vitória rápida sôbre o grande e forte Império dos medos e persas. Pois ninguém jamais antes ou depois dele foi tão 462

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poderoso conquistador, planejou tão bem suas campanhas e triunfou tão rapidamente como êle. Sim, não fôra por acaso que a inspiração colocara o chifre grande entre os olhos do emblemático bode grego. O ÍMPETO DA INVESTIDA DE ALEXANDRE VERSOS 6-7: — “Dirigiu-se ao carneiro que tinha os dois chifres, ao qual eu tinha visto diante do rio; e correu contra ele com todo o seu furioso poder. Vi-o chegar perto do carneiro, e, enfurecido contra êle, o feriu e lhe quebrou os dois chifres pois não havia fôrça no carneiro para lhe resistir; mas o bode o lançou por terra e o pisou aos pés, e não houve quem pudesse livrar o carneiro do poder dele”. O IRRESISTÍVEL IMPACTO DO BODE O bode grego tivera no carneiro Medo-Pérsia o seu único objetivo. A expressão da profecia de que o bode investira contra o carneiro “com todo o ímpeto de sua fôrça”, ou, — como reza outra versão — “com todo o seu furioso poder”, dá-nos a idéia exata do impetuoso ataque de Alexandre contra o Império Medo-Pérsia. Para enfrentar os enormes exércitos de Dario Codomano, e pô-los imediatamente fora de ação, era imprescindível arremessar-se contra êles com tôda a decisão e bravura para vencê-los. Tôda a fôrça fora empregada para quebrar o enorme poderio do rei persa. E os exércitos de Dario caíram como que fulminados ante o tremendo impacto de Alexandre e seus soldados sedentos de vitória. Todos os recursos da Macedônia e Grécia — em homens e material — jogara Alexandre violentamente contra o poderoso adversário. É notável que a iniciativa em encontrar e começar as várias batalhas sempre estava com Alexandre e nunca com Dario Codomano. E isto deu razão à profecia que declara que o bode grego correu contra o carneiro “com todo o seu furioso poder”. Fôra o bode que ferira o carneiro, diz a revelação, e lhe quebrara os dois chifres. No verso vinte, vimos que os dois chifres do carneiro representavam os reis da Média e da Pérsia. O fato de o bode quebrar os dois chifres do carneiro, demonstra que, até Alexandre, os medos e persas constituíam ainda um Império, embora os seus reis, desde Ciro e Dario III, foram todos de nacionalidade persa. O carneiro não teve fôrças para resistir o ímpeto do bode. Parece incrível que as centenas de milhares e até mais de um milhão de homens que formavam, os exércitos de Dario, não puderam manter-se 463

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ante o punhado de soldados de Alexandre — que eram numericamente vinte vêzes menos que os guerreiros de Codomano. Todavia, foram sempre vitoriosos sôbre êstes. Tôda a estrutura do potente Império dos Aquemenides ruíra irrefragàvelmente como um castelo de cartas. Como enfatiza a profecia, o bode lançou o carneiro por terra e o pisou. Fôra exatamente isto mesmo que fizera a Grécia de Alexandre à Medo-Pérsia de Dario III. E, segundo ainda a revelação, ninguém pôde livrar o carneiro do poder do bode, ou, melhor — nenhum aliado de fora do Império ou reino vassalo de dentro dêle atrevera-se a socorrer Dario contra Alexandre. Em desespêro, Dario, na véspera da batalha de Arbelas (331), enviara dez de seus principais parentes a implorar a paz; e, ao apresentarem suas condições a Alexandre, replicara êste; “Dizei a vosso soberano... que o mundo não permitirá dois sóis nem dois soberanos”. O triunfo de Alexandre sôbre forças numericamente muito superiores, deveu-se ao fato de ser êle um general investido do poder de Deus para vingar as atrocidades mundiais dos impiedosos Aquemenides e restabelecer uma nova ordem em bem da humanidade de Deus. Sôbre a rápida vitória de Alexandre veja-se a exposição do verso seis do capítulo sete deste livro. Embora lutando desesperadamente só por manter-se na resistência e derrotar afinal Alexandre, vê Dario fugir-lhe essa esperança por vencê-lo, sendo derrotado e com êle o seu império. A GRANDEZA E A QUEDA DE ALEXANDRE VERSO 8: — “O bode se engrandeceu sobremaneira; e na sua fôrça quebrou-se-lhe o grande chifre, e em seu lugar saíram quatro chifres notáveis, para os quatro ventos do céu”. UMA GLÓRIA TERRENA SEM PARALELO As palavras da revelação — “E o bode se engrandeceu sobremaneira”, — são uma síntese profética da grandeza atingida por Alexandre em sua carreira política. O célebre escritor grego Flávio o pinta como “senhor de tôda a terra”; e acrescenta: “Estou persuadido de que não houve naquele tempo uma nação, cidade ou povo ao qual não chegasse o seu nome; por esta razão, seja qual fôr a origem de que êle se possa gabar, ou arrogar a si, parece-me 464

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ter havido u’a mão divina a presidir ao seu nascimento e às suas ações”.1 A grandeza de Alexandre culminou em Babilônia quando êle recebeu, ao seu regresso vitorioso do Oriente e da Índia, a inúmeras embaixadas do Oriente que lhe vieram hipotecar inteira submissão. Veja página 365, título: A Morte Súbita de Alexandre. Ainda que Alexandre cumprisse fielmente com suas façanhas as prescrições da profecia e atingisse os píncaros do domínio e do poder jamais por outrem atingido, não reunira com isso em tôrno de sua pessoa senão uma bagagem corrupta de fama e glória efêmera que bem logo iria desmoronar-se e assombrar o mundo. É QUEBRADO O GRANDE CHIFRE Êste sucesso apontado na profecia atingira em cheio o próprio Alexandre, o “grande chifre” do bode greco-macedônio. Uma inesperada enfermidade roubara-lhe a vida na flôr da juventude e na fôrça máxima do poder no domínio das nações e povos da terra, frustrando-lhe assim os seus imensos projetos e preparativos, em terra e mar, para a execução de novas aventuras, explorações e conquistas de novos territórios e nações. Alexandre sucumbe contra tôdas as expectativas. O inesperado de sua morte abalou o mundo ocidental e oriental. Pareceu incrível que tanta grandeza, tanta fama e resplendor pudessem desabar num instante. O mundo ficou assombrado e encheuse de pesar e de luto. Veja-se sôbre sua trágica morte à página 365. A QUÁDRUPLA DIVISÃO DO IMPÉRIO DE ALEXANDRE A morte de Alexandre, seus generais, depois duma contenda de sete dias, convieram que seu irmão natural, Felipe Aridou, fôsse declarado rei em sucessão ao grande extinto. Assim Arideu e filhos menores de Alexandre — Alexandre Egus e Hércules — sustiveram por algum tempo o nome e a aparência do Império Greco-Macedônio, herdado do grande conquistador. Porém, não muito depois os filhos de Alexandre e tôda a sua parentela foram assassinados, extinguindo-se completamente seus herdeiros legais ao trono do mundo. Então os comandantes do exército que se haviam tornado governadores das províncias do reino, usurparam o título de “rei”, sendo que, em conseqüência, o reino foi dividido em muitos fragmentos. 1

History of Alexander’s Expedition, livro 7, cap. 30

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Em seguida ao extermínio da família de Alexandre e da usurpação das províncias por seus governadores-generais, instalou-se entre êles tremenda e confusa guerra civil, buscando cada qual maior vantagem para instalar-se como supremo rei de todo o Império, em sucessão ao grande desaparecido. A terrível carnificina durou vinte anos. Durante estas duas sangrentas décadas a maioria dos disputantes foi eliminada, tendo por fim a contenda chegado a têrmo na batalha de Ipsus, na Frígia (301). Foi esta uma das mais importantes batalhas da antiguidade, e determinou a sorte do ensanguentado império de Alexandre até cair em mãos dos romanos. Nesta histórica batalha pereceu Antigono, um dos maiores disputantes do trono e que se apoderara da Ásia Menor e Síria, tendo os pretendentes sido então reduzidos apenas a quatro dos mais famosos generais de Alexandre — Cassandro, Lisímaco, Tolomeu e Selêuco. E êstes convieram, por fim, em fragmentar o grande reino em quatro partes, uma parte para cada um dêles, tendo a histórica divisão assim resultado: A Cassandro — coube a Grécia e Macedônia; a Lisímaco — a Tráciá e Betínia; a Tolomeu Lago — o Egito. Líbia, Arábia, Palestina, Cele-Síria e a ilha de Chipre; a Selêuco Nicator — a Síria, parte da Ásia Menor e as províncias orientais. Estava, pois, dividido o Império de Alexandre em quatro fragmentos para os quatro ventos conforme a profecia determinara — Oeste com Cassandro, Leste com Selêuco, Norte com Lisímaco e Sul com Tolomeu. Segundo a profecia, seriam reinos “notáveis”, o que comprovou a história com impressionantes detalhes. Mais tarde esta quádrupla divisão foi reduzida para três, ao vencer Lisímaco os sucessores de Cassandro, tendo o reino do Oeste — Macedônia e Grécia — sido anexado ao do Norte. Posteriormente nova alteração reduziu o Império de Alexandre em dois reinos, pela vitória de Selêuco sôbre Lisímaco que foi assassinado. Dêste modo os reinos do Norte e do Oeste foram anexados ao de Selêuco. Restaram assim apenas os reino de Selêuco e Tolomeu, aos quais a profecia dá os nomes de “Rei do Norte” ao primeiro e de “Rei do Sul” ao segundo, divisão esta que pode ser constatada e considerada nos versículos cinco e quinze do undécimo capítulo. Esta última divisão continuou até ao advento dos romanos que tudo conquistaram e açambarcaram. UM “CHIFRE PEQUENO” INQUIETANTE VERSOS: 9-12: — “E de uma delas saiu uma ponta mui pequena, a qual cresceu muito para o meio-dia, e para o Oriente, e para a terra 466

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formosa. E se engrandeceu até ao exército do céu; e a alguns do exército, e das estrelas, deitou por terra, e as pisou. E se engrandeceu até ao Príncipe do exército; e por êle foi tirado o contínuo sacrifício, e o lugar do seu santuário foi lançado por terra. E o exército lhe foi entregue, com o sacrifício contínuo, por causa das transgressões; e lançou a verdade por terra; fez isso, e prosperou”. UMA CONCEPÇÃO DO “CHIFRE PEQUENO” Um novo ou terceiro poder conquistador é introduzido pela profecia, denominado “Chifre Pequeno” — oriundo de um dos quatro chifres do bode — que cresceu grandemente e tornou-se poderoso, mui temível e audaz. Antes de mais nada impõe-se a pergunta: Que poder encerra êste “chifre pequeno”? Em meio aos muitos comentadores das profecias de Daniel, duas correntes há alusivas ao “chifre pequeno”, sendo uma favorável ao rei Antíoco IV Epifanes, da Síria e outra a Roma-pagã-papal. Uma coisa, porém, é certa e queremos salientá-la antecipadamente com referência ao “chifre pequeno”, isto é, — que êle, segundo a profecia, designa um poder e não um indivíduo. Para que o leitor deste livro possa ter a certeza quanto a qual das duas correntes é a verdadeira no significado do “chifre pequeno”, — Antíoco ou Roma — damos a seguir duas exposições, procurando harmonizar ou não os dois pontos de vista com a profecia e a história que infalívelmente a cumpriu em relação ao “chifre pequeno”. Se Antíoco IV Epifanes da Síria cumpriu em sua história todos os requisitos proféticos do “chifre pequeno”, então em verdade a profecia o apontou como o “chifre pequeno”; mas se êle não cumpriu em sua história os aludidos requisitos, então a revelação não o designou como o “chifre pequeno” desta profecia de Daniel. E o mesmo princípio será aplicado a Roma. Trataremos primeiramente do caso do rei Antíoco IV Epifanes. Não devemos olvidar a quádrupla divisão do Império de Alexandre posterior à sua morte, e o fato de que, de uma destas divisões ou chifres do bode, como reza a profecia, surgiria o poder representado pelo “chifre pequeno”. Como já anteriormente narrado, o reino da Síria, fôra um dos quatro reinos em que se dividiram os domínios de Alexandre, tendo sido fundado por Seleuco Calínicos, seu primeiro monarca, seguido no trono desta realeza Seleucida por mais de vinte outros reis, havendo sido Antíoco IV Epifanes o oitavo 467

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soberano em ordem de sucessão. Portanto, Antíoco, tendo reinado no trôno da Síria, de 175 a 164 a.C., aliás, durante 11 anos, o fizera simplesmente como um dos vinte e tantos reis que constituíram o Chifre Sírio do bode. Pode ser dito que, por todo o tempo em que Antíoco empunhou aquêle cetro real, representara o Chifre Sírio do bode como o fizeram seus predecessores e sucessores. Daí não poder Antíoco, como um dos muitos potentados dum dos quatro chifres do bode, o da Síria, representar ao mesmo tempo e pessoalmente, outro poder, isto é, o “chifre pequeno”. Antíoco não fundou um reino fazendo-se dêle o primeiro Soberano, mas encontrou um reino já fundado por seus antecessores no mesmo trôno da Síria. Não era Antíoco um chifre à parte ao tornar-se líder da Síria, mas o mesmo que representaram seus antecessores e sucessores ao trôno daquela nação. Se fôra possível aplicar o “chifre pequeno” a um dos muitos reis sírios seleuicídas, êste um deveria ser o mais poderoso e o mais ilustre dêles; e nêste caso não levaria Antíoco IV a melhor dentre êles todos e sim Antíoco III, que foi o maior rei seleucida. Embora se denominasse “Epifanes”, que significa “o ilustre”, não se demonstrara ilustre sinão nominalmente, devido a suas (extravagâncias e tolices, alguns vultos o consideraram louco e insensato, e mudaram o seu nome para “Epimanes” — “o doido”. Antíoco IV Epifanes limitou-se, principalmente, a fazer guerra aos judeus. Como Jerusalém pareceu-lhe ter tendências helenistas, começou nela sua obra de proselitismo — mas com violência. O “teatro e o ginasium” foram introduzidos. Furtou todos os tesouros do templo: o altar, o castiçal, a incensário e os copos de ouro, bem como os adornes de ouro exteriores do templo. Fez do sagrado templo de Jeová um templo dedicado a Zeus Olímpico. Os serviços do templo foram transformados em formas gregas, com uma imagem de um deus que tinha a fisionomia do próprio Antíoco. Nos sagrados prescintos foram imolados suinos e seu sangue espargido sôbre tôdas as coisas santas. Os dois salmos Macabeus 74 e 79, refletem os horrores da situação. Uma cruel perseguição foi decretada, por Antíoco. Milhares de Judeus foram mortos e outros tantos exilados. Os livros sagrados deviam ser destruídos. A guarda do Sábado, a circuncisão e as ordenanças mosaicas foram proibidas sob pena de morte. Em cada cidade da Judéia levantaram-se altares pagãos para oferecer carne de porco. Em vez da festa dos Tabernáculos, Antíoco instituiu procissões bacanais. Comissários foram instituídos para destruir a raiz e os ramos pagãos. 468

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Mas os judeus levantaram-se em armas na guerra “dos Macabeus”, e afinal expulsaram as forças de Antíoco da Judéia e restabeleceram o culto de Deus novamente. No Egito foi Antíoco vencido fragorosamente pelos romanos protetores do país. A história política de Antíoco não se encaixou dentro da história profética do “chifre pequeno”, pelo que dele estava de todo excluído. Nos setores onde o “chifre pequeno”, devia ser vitorioso — no Oriente e no Sul — Antíoco foi completamente derrotado e morto. A Inspiração jamais designou um indivíduo humano para representar um poder político conquistador, mas sempre um animal, um chifre ou uma outra figura não humana. A maior evidência de que Antíoco IV Epifanes da Síria não representou o “chifre pequeno”, está em que êste levantar-se-ia contra o “Príncipe do Exército”, que é indubitavelmente Cristo. E aqui está o maior dos fatos históricos, irrefutável e contrário à má teoria de que Antíoco IV Epifanes representou o “chifre pequeno”, nos seus dias como um simples rei seleucida da Síria. Em outras palavras, o poder apontado no “chifre pequeno”, deveria ao tempo de Cristo, estender o seu poder à Terra Formosa ou Palestina, onde viveria o Filho de Deus, erguendo-se ali contra Êle. Antíoco IV, porém, morrera mais de século e meio antes de Cristo. Assim a profecia não pode aplicar-se em nenhum sentido a Antíoco em face dêle não a ter cumprido em nenhum de seus pormenores. ROMA — O “CHIFRE PEQUENO” EM AÇÃO Sendo que o “chifre pequeno” cresceria muito para o Oriente, para o Sul e para Terra Formosa ou Palestina, iria, incontestàvelmente, invadir e conquistar todo o reino dividido de Alexandre compreendido nos quatro chifres do bode: Grécia e Macedônia, Trácia e Bitínia, Síria e Oriente e Egito e Palestina. A profecia é clara em referir que o “Chifre Pequeno” cresceu de um dos quatro chifres do bode, ou, de uma das quatro divisões do Império, de Alexandre. Ora, se êle cresceria muito para o Oriente, para o Sul e para a Palestina, e por isso mesmo, iria conquistar os chifres sírio e egípcio compreendidos nessas regiões, evidentemente iria surgir e crescer do Ocidente, estendendo-se para aquelas três regiões. Cresceria do chifre greco-macedônio do bode, que na partilha do império Mundial de Alexandre localizou-se no Ocidente. Por mais que a profecia não aponte nominalmente a potência integrada no 469

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“chifre pequeno”, simbólico, fornece, não obstante, traços característicos claros e suficientes para indicá-la como figura incontestável de Roma, Roma em “suas duas faces — pagã e papal. Como o “chifre pequeno” romano surgiu do chifre ocidental grecomacedônio e cresceu para o Oriente, para o Sul e para a Terra Formosa ou Palestina — pode ser apreciado e considerado começando com a página 369 dêste livro. Dantemão dizemos que Roma pôs primeiramente o seu pé na Grécia não só para proteger a esta nação e a outros aliados seus hostilizados por Felipe V da Macedônia e Antíoco III da Síria, como também em virtude do pedido pessoal dos gregos para protegê-los contra Felipe V que os castigava dentro da própria Grécia impondolhe o jugo Macedônio por aspirarem a liberdade política. Foi assim que Roma surgiu no cenário da política mundial, aliás, do trampolim grego, ou, mais propriamente, do chifre ocidental do dividido reino de Alexandre. Dali cresceu para o Oriente onde anexou o chifre sírio dos Seleucidas, e para o Sul onde anexou o chifre egípcio dos Lagidas ou Tolomeus. Roma cumpriu assim fielmente o teor simbólico da profecia, pelo que é, sem nenhuma contestação, o “chifre pequeno” desta profecia, como também é o “chifre pequeno” da profecia do capítulo sete versículo oito. ROMA — CONTRA O EXÉRCITO DO CÉU Por “exército do céu” entendemos o povo de Deus na terra, e, por estrêlas”, os pregadores do evangelho de alto caráter aos olhos de Deus. No versículo três do duodécimo capítulo dêste livro, lemos que os que ensinam a Justiça “refulgirão como as estrêlas”; e, no primeiro versículo do capitulo doze do livro de Apocalipse, lê-se duma mulher coroada de doze estrêlas. A mulher representa a igreja de Cristo e as doze estrelas os doze apóstolos. E Roma pagã cumpriu êste tremendo pormenor da profecia, perseguindo e dando morte aos apóstolos de Cristo e à multidão de fiéis da Sua igreja. O sangue dos mártires cristãos, desde Nero a Deocleciano — 64 a 313 a .D. — jorrou em todo o férreo Império dos Césares cruéis, (pág. 376). Sôbre as perseguições de Roma-pagã, veja-se a obra do mesmo autor — a Verdade Sôbre as Profecias do Apocalipse, páginas 61 a 68. ROMA — CONTRA O PRÍNCIPE DO EXÉRCITO No versículo 25 o “Príncipe do exército” é chamado “Príncipe dos príncipes”, título que no evangelho só é conferido à Cristo. O 470

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mesmo livro de Daniel refere-se a Cristo como o “Messias, o príncipe”;1 e “Miguel, o grande Príncipe”.2 O Apocalipse O apresenta como “Príncipe dos reis da terra”.3 Em outras citações bíblicas Cristo é designado como “Príncipe da vida”4, “Príncipe da paz”5, e “Príncipe da salvação”.6 Sem dúvida alguma Cristo é o “Príncipe do exército” ou o Chefe único de Sua igreja na terra. E, Roma, tanto na fase pagã como na Papal, engrandeceu-se contra Êle. Na primeira fase julgou-O e sentenciou-O à morte de cruz; e na segunda fase arrogou a si os honrosos títulos que só a Êle pertencem de direito, bem como perseguiu tenazmente Sua igreja e a destruiu grandemente na Idade Média. ROMA PAPAL — CONTRA O “CONTÍNUO” O texto de Daniel, em aprêço é enfático em atestar que o “chifre pequeno”, agora Roma-Papal, tiraria o contínuo “sacrifício e lançaria por terra o lugar do seu santuário”. O termo hebráico “tamid”, donde a tradução “contínuo”, encontra-se 104 vêzes no Velho Testamento — como adjetivo e advérbio — apresentando em todos os casos a idéia de continuidade, perpetuidade. O têrmo encontra-se ligado ao ritual do santuário, nas relações entre Deus e o homem e dêste para com o seu semelhante; e também é empregado na indicação de certos pormenores da vida material. Assim, o emprêgo de “tamid” não se confinou só a fatores ligados ao culto do santuário e seu serviço, mas também com relação às atuações de Deus e do homem. Com êstes iniciais esclarecimentos estamos prontos para discorrermos sôbre o problema do “contínuo”. Inicialmente dizemos que duas correntes se desenvolveram e se inflamaram com êste tema principalmente nos dias que precederam e sucederam imediatamente à Reforma, dando lugar a desencontrados pontos de vista. Prevaleceram, entretanto, os dois maiores, apontando ao “contínuo” como: 1) A mediação de Cristo no santuário celestial; 2) O paganismo — opositor do Papado. 1

Daniel 9:25. Daniel 12:1. 3 Apocalipse 1:5. 4 Atos 3:15. 5 Isaías 9:6. 6 Hebreus 2:10. 2

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Quanto ao primeiro ponto de vista, de mediação de Cristo no Santuário celestial, afirmamos não se harmonizar com a profecia do “contínuo” inserida no livro de Daniel. Essa afirmativa escuda-se no fato de que a própria inspiração nos autoriza a dizer que a palavra “sacrifício”, ligada ao termo “contínuo”, “não pertence ao texto”, original, tendo sido absolutamente “suprida pela sabedoria do homem”.1 Portanto, é evidente que o “contínuo” desta profecia não alude nenhum sacrifício, quer simbólico quer real, não sendo, pois, nenhum emblema do sacrifício expiatório e mediatório de Cristo na cruz, e conseqüentemente não está em nenhum sentido ligado à obra de mediação e intercessão Sua no santuário celestial. Se verídico fôra o pensamento de que o “contínuo” representa a mediação ou intercessão de Cristo no céu, não informaria o anjo Gabriel a Daniel de que o Papado, para removê-lo, careceria de “poder”, de um “exército” e de “homens poderosos”. O poder eclesiástico não é dependente do poder civil para definir e impor dogmas — sejam êles certos ou errados. Outro fato em desabono do “contínuo” como figura da mediação de Cristo, é a informação da própria inspiração, que êste problema do “contínuo” “não é de vital importância”.2 Ora, se o problema do “contínuo”, “não é de vital importância” para nossa salvação, será então meridianamente claro que êle não prefigura, em verdade, a mediação de Cristo ao santuário celestial; pois não temos autoridade para dizermos que sua mediação não é importante. Outra evidência que desabona o ponto de vista da mediação de Cristo como o “contínuo” em apreço é o fato de Êle jamais ter sido um sacrifício contínuo na realidade do termo. Pois, para que o fosse, deveria estar a morrer sempre. Jesus, escrevera S. Paulo, morrera uma vez só, portanto, Êle jamais fôra e jamais será sacrifício contínuo — a menos que tenha estado a morrer consecutivamente desde a cruz do Calvário.3 Outra evidência, histórica por sua natureza, de que o “contínuo” não designa a mediação de Cristo por Seus santos ao santuário celestial, é que êle deveria ser removido pelo “chifre peqüeno”, o Papado, segundo a profecia do capítulo doze do livro de Daniel, versículo onze, no ano 508 a.D.. E, a história do Papado silencia o ter êle removido a mediação ou intercessão de Cristo nêste ano. Se nêste 1

Early Writings, E. G. White, pág. 24. Selected Messages, E. G. White, Vol. I, pág. 164. 3 Hebreus 9:24-26. 2

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ano o Papado não efetuou a referida remoção da mediação ou intercessão de Cristo, introduzindo outro sistema de mediação, — então ficará irrefragàvelmente provado que o “contínuo” não tem que vêr com a mencionada obra de Cristo no santuário do céu. Mas no ano 508, infalivelmente, como reza a profecia, foi tirado o “contínuo” pelo “chifre pequeno” — o Papado romano. E como evidência de que o “contínuo” não aponta à mediação de Cristo substituída pela mediação de Maria e dos santos, como querem alguns, dizemos, fundados em fatos indestrutíveis, que o ano 508 não logrou nenhum dógma Papal em favor de Maria ou dos santos como mediadores entre Deus e o pecador. “A mais popular de tôdas as devoções à Bendita Virgem, o Angelus, não pareceu ter sido de qualquer modo empregado até que o Papa João XXII a instituiu em 1316; enquanto sua última parte; “Santa Maria, mãe de Deus, rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte”, não pode ser constatada antes de 1507, e foi primeiramente sancionada para uso geral por uma bula de Pius V, em 7 de julho de 1568, enquanto o uso da Ave Maria antes dos sermões é devido a S. Vicente Ferrer (1419)”.1 Por outro lado, só em 8 de dezembro de 1854, fôra o dógma da “Imaculada Conceição” promulgado pelo Papa Pius IX. No que respeita à mediação dos santos — na linguagem litúrgica e canônica chamam-se santos àqueles que a igreja católica, depois da morte, decretou êsse título, permitindo que êles sejam venerados com culto público universal. “A primeira canonização Papal que é conhecida fôra a de Ulrich, bispo de Augsburgo, por João XV, em 993”.2 Mais tarde, em 1170, o Papa Alexandre III regularizou a cerimônia, reservando à Santa Sé o direito de proceder às canonizações. E em 1634, o Papa Urbano VIII proibiu prestar culto aos santos cuja santidade não estivesse oficialmente reconhecida pela igreja romana. Outro fator ligado à intercessão e expiação, segundo o modo de vêr da igreja católica, é a confissão, que, no ano 1215, no Quarto Concílio Laterano, fôra decretada obrigatória pelo menos uma vez ao ano. Severas penas estipulou este Concílio a todo católico que evitasse a confissão. 1 2

Source Book for Bible Students, edição 1927, pág. 520. The Wine of Romain Babylon, Mary E. Walsh, pág. 148.

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Ainda outro fator de importância no sistema Mediatório da igreja católica, é a missa. Na palavra do Papa Leão XIII, “os sacrifícios do velho concerto eram sombras do futuro sacrifício da cruz antes já do nascimento do Cristo. Após a Sua ascenção ao céu, um sacrifício idêntico continuou na missa... Nosso divino Redentor quiz que o sacrifício consumado uma vez na cruz se prolongasse para sempre. E isto é feito através a missa”.1 “Foi o monge beneditino Paschasius Radbertus (786-860), quem primeiro advogou a doutrina da “presença real” (transubstanciação), pela mudança dos elementos no “corpo e sangue de Cristo”. Da publicação dêste tratado em 831 a.D. sôbre a “presença real” até o Quarto Concilio Laterano em 1215 a.D., em cujo tempo a doutrina fôra adotada como dógma, muitas violentas batalhas verbais foram vibradas pelos bispos e contra o ensino de Paschasius”.2 Depois de o Papa Inocêncio III promulgar o referido dógma no concilio citado, o papa Honório II introduziu a elevação da hóstia — significando a vítima numa certa parte da missa. Porém, no Concílio de Constança (1414-1416), e confirmado pelo Concílio de Basle (1431), e ratificado pelo Concílio de Trento (1545-1563), o vinho ficou restrito ao sacerdote, na missa. Depois de tôda esta exposição comprovada por inolvidáveis testemunhos históricos, nem a Virgem Maria nem os santos lograram qualquer dógma expiatório ou intercessório da igreja católica no ano profético de 508 apontado como o ano da tirada do “contínuo”. Também a confissão, a missa, a transubstanciação e o purgatório, estreitamente ligados à intercessão e expiação da igreja de Roma, estão como dogmatismos bem distantes do ano 508, data infalível do afastamento do “contínuo” pelo Papado. Cai assim por terra a pretensão de alguns comentadores de que o “contínuo” signifique a mediação, ou intercessão de Cristo substituída pela mediação de Maria e dos Santos. Além disso, é fato comprovado pelos próprios ensinos da Igreja católica, que ela não substituiu a mediação de Cristo por seu sistema de culto mediatório. O que o Papado através desta sua igreja fez, fôra tão somente acrescentar outros mediadores auxiliares ao lado de Cristo em sua obra de mediação no santuário celestial, — incluso a Virgem Maria como o principal dos novos mediadores. Nos ensinos da igreja do Papado, Maria e os santos mediam entre o pecador e Cristo, e Êste, como “cordeiro de Deus”, apresenta ao Pai os pedidos 1 2

Encyclical Caritatis Studiu, 2/7/1898. The Catholic Encuelopedia, art. Paschasius Radbertus.

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daqueles em pról dos pecadores da terra — vivos e mortos. Revoga-se, pois, pelos testemunhos históricos incontroversos citados, a pretenção de que o “contínuo”, “tirado” pelo “chifre pequeno” Papal no ano 508, fôra a contínua mediação de Cristo. Quanto ao segundo ponto de vista, de ser o paganismo o “contínuo”, dizemos em primeiro lugar que o texto de Daniel não deixa de enfatizar que o “contínuo” constituía um dos obstáculos a ser removido pelo “chifre pequeno”, Papal, sem o que êste poder eclesiástico não poderia desenvolver a seu contento a sua política religiosa-temporal, principalmente junto dos soberanos das nações da Europa. Em face disto, somos levados a crêr que o “contínuo” era um poder político secular que, por suas convicções religiosas, se opunha a que o Papado prosseguisse em sua ávara busca de supremacia sôbre as nações. E é evidente que, com êsse estorvo, não poderia o potentado romano da tiara impôr ao mundo a sua política temporal sob o manto de sua política religiosa. Urgia, portanto, para a consecussão de seus fins, que se livrasse do intruso, sem o que jamais atingiria o alvo que se propusera e o buscara com tôda a avidez. Se fôra o “contínuo” um poder tão somente político, sem base religiosa convicta e impositiva, não se oporia, em nenhum sentido às pretenções do Papado que, por sua vez, não veria nêle razões para estirpá-lo. Todavia, por não se harmonizarem as convicções do Papado com as do “contínuo” em matéria de fé religiosa, e este se opôr àquele pelas armas, disposto a malograr a política temporal daquele, tratara o Papado de eliminá-lo o mais depressa possível, encontrando para isso forte e decisivo apoio ao poder secular favorável à sua polítioa religiosa temporal. Antes da definição categórica do que representa o “contínuo” desta profecia, é indispensável sabermos como o Papado poude removê-lo de seu caminho. Ora, o versículo 12 dêste oitavo capítulo, afirma, com clareza e sem rodeios, que “foi-lhe porém, o poder contra o sacrifício perpétuo”.1 Noutra versão lê-se: “E um exército será dado contra o sacrifício perpétuo”.2 Agora façamos a seguinte pergunta: Quem dera “poder” ou puzera à disposição do Papado “um exército” contra o “contínuo”? Uma irrefragável resposta quanto a isto encontra-se no trigéssimo primeiro versículo do undécimo capítulo, que reza: “Estarão da sua parte os braços de homens poderosos que... 1 2

Tradução A. P. de Figueiredo, Daniel 8:11. Tradução Trinitariana, Daniel 8:11.

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farão cessar o sacrifício perpétuo”. Vemos com insofismável clareza que o Papado só poderia vencer e extirpar o “contínuo” com o concurso dum exército e de homens poderosos. Quem era, então o “contínuo”? São Paulo, o grande apóstolo, aponta, com a mais irrecusável evidência, o opositor número um e o único perigoso que o Papado encontrou em tôda a sua história. Leiamos a sua declaração: “Ninguém de maneira alguma vos engane; porque não será assim sem que antes venha a apostasia, e se manifeste o homem do pecado, o filho da perdição; o qual se opõe, e se levanta contra tudo o que se chama Deus, ou se adora; de sorte que se assentará, como Deus, no templo de Deus, querendo parecer Deus. Não vos lembrais de que estas coisas vos dizia quando ainda estava convosco? E agora vós sabeis, o que o detém, para que o seu próprio tempo seja manifestado. Porque já o mistério da injustiça opera: somente há um que agora resiste até que no meio seja tirado; e então será revelado o iníquo, a quem o Senhor desfará pelo assopro da sua bôca, e aniquilará pelo esplendor da sua vinda”.1 Inquestionàvelmente aqui está o Papado e o seu único oponente. E, qual, seria, pois, o poder, que desde os dias apostólicos impedia a livre ascenção do “mistério da injustiça” ou o Papado, cujo representante é mencionado com tôda ,a clareza pelo apóstolo? Que poder, segundo o apóstolo detinha o Papado e que seria afastado no tempo próprio? Vejamos antes de tudo a clareza do apóstolo: Segundo o versículo sete de Segunda Tessalonicenses capítulo dois, o Papado, já em embrião no tempo apostólico, era detido por um poder — por qual poder? A resposta é clara: O único poder político-religioso perigoso e armado contra o Papado desde a era apostólica, até ser afastado de sua rota com o concurso de “exército”, e de “braços de homens poderosos”, que se colocaram a seu lado para apoiá-lo pelas armas, era, indubitávelmente, o Paganismo — o “contínuo” do livro de Daniel. Comprendendo a classe romana, representada pelo velho império romano, opuzera-se decididamente o Paganismo imperante ao Papado ascendente, até que braços poderosos o socorreram e afastaram o opositor e perseguidor de seu caminho. Ao galgar Constantino, o Grande, o trôno imperial como legítimo representante do Paganismo romano, convertera-se ao cristianismo papal e cumprira fielmente, de sua parte, a profecia, demonstrando-se logo um dos poderosos braços 1

I Tessalonicenses 2:3-8.

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que surgiram em defesa do Papado em ascendência, voltando-se decididamente contra o próprio Paganismo do qual era antes o máximo expoente. Demonstrou-se de pronto zeloso defensor do cristianismo papal; abolira as perseguições do Paganismo contra o cristianismo; construirá grandes templos aos cristãos; cumulara de honrarias e distinções os sacerdotes; proibira consultar os ídolos pagãos; emiscuira-se nas obrigações do clero; chegara a ordenar o primeiro Concílio Ecumênico, em Nicéia, 325 a.D.; e qualificara o Paganismo como “uma opinião ímpia e um poder das trevas”. Obrigou Constantino ao Paganismo abjurar suas velhas crenças e aceitar o cristianismo romano entrando para a igreja. Êstes e inúmeros atos outros de Constantino, comprovaram que êle, a contento do Papado removera o “contínuo” Paganismo romano “como oponente número um do Papado. Embora afastado o Paganismo romano, a invasão dos bárbaros que derribaram Roma põe novamente em perigo a ascendência Papal. Era o “contínuo” que ressurgia na forma pagã-ariana tentando arrebatar novamente o poder ao Papado. O “chifre pequeno” Papal, não obstante, manifestara-se bastante forte para enfrentar a nova e perigosa crise e vencê-la. No correr dos anos, sete dos dez invasores curvaram-se submissos ao Papado, aceitando o cristianismo ao modo de vêr da Sé romana. Três reinos, todavia, não se conformaram em ver-lhes tolhida a liberdade de consciência. Preferem enfrentar o usurpador de seus inalienáveis direitos e lutar; até quando possível, a ter que se submeter vexatoriamente ao ambicioso poder. Surgiram então novos e poderosos braços em defesa do Papado. Imperadores nominalmente cristãos, ou cristãos simplesmente romanos, da corte de Constantinópla correm a socorrer com poderoso exército o reino Papal ocidental. Primeiro o imperador do Oriente, Zenon e depois Justiniano, declararam guerra de extermínio aos Hérulos, Vândalos e Ostrogodos — ou o paganismo ariano, oponente do Papado. Nas páginas 381 a 390 temos apresentado o histórico dessa guerra e a distruição dos três reinos citados. Êstes três reinos arianos opositores constituíram grave perigo para o “chifre pequeno” Papal, mas não fôra difícil pô-los fora de ação e existência como reinos, pelo Papado. Em síntese: Representado pela velha Roma dos Césares, cedera o paganismo diante da nova Roma do Pagado, desde o advento de Constantino. E figurado pelos dez reinos bárbaros invasores de Roma, desaparecera em definitivo pela conversão de sete nações ao cristianismo Papal e pela aniquilação de três outros recalcitrantes, 477

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graças aos poderosos braços da corte bizantina. Tôda esta profecia de Daniel relativa à feroz batalha entre o “chifre pequeno”, Papal e o “contínuo” — Paganismo, enlaça-se harmoniosamente com a do Apocalipse que também trata da “vitória do Papado na tremenda refrega: “E o dragão deu-lhe o seu poder, e o seu trôno, e grande poderio”.1 E o “dragão”, da profecia do capítulo doze do livro do Apocalipse, que deu o seu poder e trôno ao Papado, é o Paganismo. “E o lugar do seu santuário foi lançado por terra”. A remoção do “contínuo” deu lugar a que fôsse abandonado o “lugar do seu santuário”. O vocábulo “lugar”, no hebraico “makon”, significa no texto — “lugar de habitação”. Assim, teríamos a sentença do modo seguinte: “E a habitação do seu santuário foi lançada por terra”. O pronome possessivo “seu”, aponta para o “contínuo” e indica que o lugar onde estava o “seu santuário foi lançado por terra”. E o lugar do santuário do “contínuo”, ou o centro do Paganismo, ou “o assento do santuário dêle” — aliás, do “contínuo” — como reza outra versão já citada, — era a cidade de Roma. O vocábulo hebráico “Shalak”, “lançar” é usado no Velho Testamento também no sentido de “abandonar”. Lemos que numa retirada dos sirios dos campos de, batalha, lançaram (shalak) ou abandonaram2 vestimentas e aviamentos em grande número para assim apressarem a fuga. Noutra referência, lê-se: “Lançai (shalak) de vós tôdas as vossas transgressões”.3 Neste consêlho Seu, pede Deus que abandonemos os nossos pecados ou que deixemos de cometê-los. O mesmo vocábulo expressa ainda a idéia de rejeitar: “Pois assim sucedeu por causa da ira do Senhor contra Jerusalém, e contra Judá, até os rejeitar (shalak) de diante da sua face”.4 Compreendemos, pois, que o “lugar” do santuário ou da adoração oficial e central do Paganismo, a cidade de Roma, fôra por êste abandonada ou rejeitada e não lançada por terra ou destruída. E, para dar ainda maior validade à palavra da profecia, removera Constantino para Constantinopla cidade que êle próprio fundara, a séde do Império, deixando Roma, o “lugar” do santuário do Paganismo, à mercê do Papado. Com a política de Constantino, portanto, favorável ao clero Papal, estava desembaraçado do Paganismo romano — o contínuo — o caminho do Papado até à 1

Apocalipse 13:2. II Reis 7:15. 3 Ezequiel 18:31. 4 II Reis 24:20. 2

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invasão dos bárbaros. Em comprovação do exposto, um testemunho histórico assim reza: “Mas enquanto que o paganismo se desmoronava no Ocidente, para dar lugar à religião cristã...”1 Esta religião cristã, para cujo bem se desmoronava o Paganismo no Ocidente, era não segundo Cristo, mas segundo as idéias políticas temporais de RomaPapal. Nada mais demonstravam as evidências do que o “contínuo” retrocedendo, ou sucumbindo ante Roma-Papal e deixando-lhe desembaraçada a estrada. Vemos que o “contínuo” está longe de ser o sacrifício expiatório de Cristo ou a sua intercessão expiatória no santuário celestial. A própria missa é evidência de que a igreja católica não substituiu a mediação de Cristo. Segundo seus ensinos, como vimos, é Jesus imolado no sacrifício da missa continuamente numa repetição do sacrifício expiatório do Calvário. Sabemos que esta pretenção católica no que respeita a Cristo morrer cada dia em milhares de igrejas no sacrifício da missa, não subsiste quando submetida ao confronto das Sagradas Escrituras. Todavia, é êste seu dogma uma prova de que ela não admite ter afastado Cristo como sacrifício expiatório e mediatório. Uma coisa sabemos com certeza: “Que o Senhor deu o correto significado do contínuo àqueles que fizeram soar o clamor da hora do juízo”, antes de 1844. “Quando a união existiu, antes de 1844, quasi todos estavam de acordo sobre o correto ponto de vista em relação ao “contínuo’; porém, na confusão que se seguiu desde 1844, foram abraçados outros pontos de vista e trevas, e confusão foram os resultados”.2 Este testemunho refere-se àqueles sinceros cristãos, que, pouco antes de 1844, anunciaram o segundo advento de Cristo nesse ano, cuja história profética está evidenciada no capítulo dez do livro do Apocalipse. Consultando a opinião dos mais proeminentes líderes religiosos que antes de 1844 deram o clamor da iminência da hora do juízo ou a anunciação do segundo advento de Cristo, nos certificamos que opinavam pelo Paganismo, isto é, que o “contínuo” era o Paganismo — o verdadeiro opositor do Papado. Citado por Roy Edwin Proom, em sua monumental obra — The Prophetic Faith of our Fathers, vol 4, pág. 846, damos abaixo alguns de seus nomes por muitos conhecidos: William Miller, Josiah Litch, Joshua V. Himes, Lorenzo D. Fleming, Apolos Hale, David Bernard, Elon Galusha, N. Hervey, 1 2

Os Crimes dos Papas, Vol. I, pág. 220. Early Writings, E. G. White, págs. 74, 75.

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George Storrs. Certamente muitos outros que com êstes partilhavam do grande movimento religioso tinham a mesma opinião. E eles estavam certos porque Deus lhes “deu o correto significado do continuo”. Cremos que esta exposição sôbre o “contínuo’ é correta e lógica, pois os fatos não o podem sancionar como obra mediatória de Cristo no santuário celestial e sim como Paganismo romano-ariano oponente legítimo e único do Papado. Veja-se a exposição do versículo onze do duodécimo capítulo, e ter-se-á claro o fato de que o Paganismo, do ano 508 em diante, não mais fôra um problema ou uma oposição geral e organizada contra o Papismo, como o era antes. A NOVA ROMA — UM PODER TRANSGRESSOR O versículo doze salienta que tôda a quêrela entre o Papado e o “contínuo” ocorrera “por causa das transgressões”, isto é, devido à operação do “ministério da injustiça” da nova Roma. Nêste poder contempla o mundo há dezesseis séculos o mais hábil inventor de falso sistema religioso jamais deparado. Afastando-se dos verdadeiros princípios da justiça, destronou a verdade e exaltou o êrro através dum bem planejado corpo de dógmas, com o qual fecha às almas o “reino dos céus”. Devido a essas transgressões movera guerra ao Paganismo — o “contínuo” — procurando destruí-lo afim de assentar-se em seu trôno numa forma mais degradante e prejudicial ao mundo do que a dêle. ROMA — “LANÇOU A VERDADE POR TERRA” A esta altura faz a revelação a mais grave denúncia contra Roma, uma denúncia que é o fundamento de todo o “mistério da injustiça” que a caracteriza. Tôda a prosperidade de Roma no mundo até ao presente, deve-se ao fato de ter repudiado, a verdade. Esta é a denúncia do céu, e, por provir do céu é evidente e irrefutável. O seu Estado político, e não religioso, reconhecido no orbe; a sua representação diplomática perante os govêrnos das nações e a dêstes em seu Estado que evidenciam o seu poder temporal e não espiritual; a sua política internacional no Oriente e no Ocidente; a sua inquestionável espionagem através de suas numerosas “ordens religiosas”; o seu enorme número de adeptos em comparação com as demais seitas existentes; as suas arrecadações assombrosas entre os povos resultantes da vendas das graças religiosas; as suas vastas riquezas; o seu desmedido luxo; a sua arrogância; a sua imposição; a 480

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sua intransigência; o seu orgulho; a sua pretenção de domínio sôbre as consciências que Deus declarou livres; as suas ameaças com um inferno de fogo; as suas perseguições; os seus crimes históricos comprovados, — são inabaláveis evidências de que “lançou a verdade por terra, fêz isso, e prosperou” politicamente. Os objetivos de sua prosperidade material e política mundiais só poderiam ser alcançados, como o foram, lançando, como lançou premeditadamente, “a verdade por terra”. O que é a Verdade que Roma lançou por terra? À esta pergunta responde o próprio Senhor Jesus, nestas palavras; “Santifica na verdade: a Tua palavra é a verdade”.1 Em outros têrmos, o Evangelho é a Verdade, é a palavra de Deus, — a Verdade recusada é “lançada por terra” pelo falso cristianismo de Roma. O Papado proibira terminantemente a leitura da Bíblia pelos leigos em tôda a Idade Média. Os poucos exemplares existentes aqui e ali, eram compostos numa única língua, o latim, que, para aquela diversidade de povos com múltiplos idiomas que constituíram a Europa, era uma lingua morta, não tendo o Papado interêsse algum em difundir o livro de Deus em outros idiomas. Uma tremenda batalha entre o Papado e a Bíblia começou quando destemidos homens de Deus se dispuzeram em traduzí-la para outras línguas contrariando assim a vontade de seu grande inimigo. Leia-se em a obra do mesmo autor — A Verdade Sôbre as Profecias do Apocalipse, páginas 276 e 277, sôbre esta inglória batalha da Papado contra o santo livro. Em 1299 decreta o sínodo de Tolosa de França: “Os leigos não devem possuir os livros do Velho nem do Nôvo Testamento; não podem ter mais que o saltério, o breviário ou também o devocionário de Maria, e ainda êstes não devem ser traduzidos em idioma vulgar”.2 Em 5 de maio de 1824, o papa Leão XII, em sua Encíclica Ubi Primum, condenou veementemente as Sociedades Bíblicas. O mesmo fêz o papa Pio IX em Encíclica Qui Pluribus, de 9 de novembro de 1846. Também os papas Pio VIII em 1829 e Gregório XVI em 1844, procederam as mesmas condenações das Sociedades Bíblicas que difundiam as Santas Escrituras. Em janeiro de 1850 enviou Pio IX circulares em que diziam o seguinte: “Com o auxílio das Sociedades Bíblicas de algum tempo 1 2

S. João 17:17. História de Los Concilios, Hefele, pág. 982.

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condenadas por esta Santa Sé, tem-se o descaramento de fazer circular Bíblias traduzidas em idioma vulgar sem ter em consideração as regras eclesiásticas vigentes”. “Com vossa sabedoria, dignos irmãos, podeis compreender com quanta vigilância e quanto cuidado vos deveis esforçar por difundir entre os crentes um saudável horror a esta envenenada leitura”. “Gregório XVI em uma Encíclica chama as Sociedades Bíblicas uma peste”.1 J. J. Scheffmacher, em seu catecismo de controvérsia, publicado em Estrasburgo, com autorização episcopal, diz à página 282: “Repetimos que todos os que aprenderam bem e conhecem o seu catecismo católico podem muito bem abandonar a Bíblia e ganhar o céu, pois o catecismo contém a fé inteira, ao passo que a Bíblia não”. Hoje, em pleno século XX, a igreja católica está editando e difundindo a Bíblia. Mas em edições de luxo e caríssimas, ao ponto de estar praticamente fora do alcance do povo em geral. Porém, quem quer que a possua com o Imprimatur da igreja, e consultar a um sacerdote se pode lê-la e estudá-la, surge incontinente a negativa — não. E isto ainda que tenha o imprimatur. As tradições, as superstições, as mistificações, as lendas fradelescas, — foram postas em lugar da Bíblia, sim, da pura verdade do evangelho de Cristo. Quem quer que abra qualquer obra da igreja dominante, seja na página que fôr, topará com o bem preparado estratagema do engano para ludibriar as massas. Em lugar da Bíblia é entregue ao povo o catecismo arranjado de forma disfarçada e astuciosa para contradizer a verdade inspirada e separar as multidões da sã doutrina. E assim o povo continua sendo conservado na cegueira em matéria de religião cristã pura desde os escuros séculos da Idade Média. Tôdas as obras dogmáticas dessa igreja não têm fundamento algum no santo evangelho de Cristo. No dizer de São Paulo, surgiria o Papado “com todo o engano da injustiça para os que perecem”.2 Roma, e não outro poder, tem dado perfeita satisfação a tôdas as especificações da profecia; tem seguido precisamente a rota e as atuações do emblemático “CHIFRE PEQUENO” como apresentado por Daniel. UMA SOLENE INQUIRIÇÃO EVANGÉLICA VERSO 13: — “Depois ouvi um santo que falava; e disse outro santo àquele que falava: Até quando durará a visão do “contínuo 1 2

Los Videntes y lo Porvenir, L. R. Conradi, pág. 121. II Tessalonicenses 2:10.

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sacrifício”, e da “transgressão assoladora”, para que seja entregue o santuário, e o exército a fim de serem pisados?” Com o versículo anterior chegamos ao fim da profecia relativa ao “CHIFRE PEQUENO”. Agora surgem as explanações adicionais do anjo Gabriel. Com o têxto presente dois santos, evidentemente dois anjos, aparecem em cena. Primeiramente um dêles falava, diz o profeta, não sendo feita nenhuma mensão de suas palavras que, por algumas boas razões, foram ocultas à posteridade, o outro anjo, interrompendo ao primeiro que falava, faz-lhe uma importante pergunta. Sua pergunta, muito clara, inquire “até quando” o “contínuo” estaria “tirado”, ou melhor, “até quando” estaria fora de ação ou refreado pelo “CHIFRE PEQUENO”, para que a obra dêste, — a “transgressão assoladora”, — pisasse o santuário e o exército ou o povo de Deus. A continuidade do tempo da visão é aqui a idéia central. Entendemos, pois, que “a visão do contínuo” duraria todo o tempo em que a “transgressão assoladora” ou a obra papal contra o povo de Deus e a Bíblia estivesse em andamento, durante os séculos. O versículo onze do capítulo doze esclarece, como vimos, que à tirada do “contínuo”, decorreriam 1290 anos, em que a “abominação assoladora” — a mesma “transgressão assoladora” papal — operaria contra o santuário, o povo de Deus e a Bíblia. Êste período findou em 1798 com a derrocada do poder temporal do Papado pela espada de França revolucionária, tendo começado em 508 a.D. Veja-se o capítulo doze, versículo onze. Findo o período de detenção do ‘‘contínuo” ou o Paganismo, compreendemos que êste retomaria o seu poder e opôr-se-ía novamente ao Papado, privando êste de sua supremacia temporal sôbre as nações da Europa. E foi isto mesmo o que aconteceu. A França, que foi a primeira nação européia pagã a apoiar o Papado, em 508 a.D., foi também a primeira do continente, séculos mais tarde, a opôr-se-lhe e a derribá-lo de seu poder temporal exatamente ao findar em 1798 o período de 1290 anos em que humilhou o Paganismo ou o “contínuo” para impôr a sua política temporal. Agora, porém, derribado pelo próprio “contínuo” ou Paganismo ressurreto, não teve mais forças para perseguir o povo de Deus e privá-lo de cumprir a sua missão e plano do céu de dessiminação do evangelho da salvação de Deus. No capítulo dezessete do Apocalipse lemos que as mesmas nações pagãs européias convertidas ao evangelho de Roma, a aborreceriam e detestariam a sua política, e isto fariam evidentemente 483

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pelo retorno ao Paganismo que uma vez haviam abjurado. Conservam hoje as nações ocidentais um tênue véu de cristianismo, para encobrir o seu evidente Paganismo. Pois os povos e indivíduos que não seguem o são evangelho de Cristo, são pagãos em essência, ainda que aparentem e arroguem algum cristianismo barato, aliás, o cristianismo pagão romano. E tudo isto além do Paganismo dá esquerda que se opõe ao Papado na Ásia e já dessiminado entre as próprias nações católicas do Ocidente. À derrocada papal em 1798 começaram os grandes movimentos missionários, — missões modernas, sociedades de tratados, sociedades bíblicas tanto na Europa como na América. O versículo seguinte, que encerra a resposta do anjo interrogado, dir-nos-á até quando, em verdade, o mundo estaria privado do evangelho integral em face da apostasia papal. A resposta do ser angélico, porém, estabelece uma data profética depois da qual êste estado de sacrilégio teria o seu fim. Aliás, no final de “duas mil e trezentas tardes e manhãs”, a verdade do evangelho jogada “por terra” pelo Papado, como enfatiza a versículo doze, seria restaurada outra vez, ou seria proclamada em sua beleza e pureza, como o fôra nos dias apostólicos, e o santuário do Céu seria purificado. O SANTUÁRIO E SUA PURIFICAÇÃO VERSO 14: — “E êle me disse: Até duas mil e trezentas tardes e manhãs; e o santuário será purificado”. O presente versículo contém uma categórica resposta do anjo interrogado sôbre a duração da visão. A explanação dêste período — duas mil e trezentas tardes e manhãs — devemos buscá-la no capítulo nove, versículos vinte a vinte e sete, onde estão assentados com precisão matemática o seu ponto de partida e o seu término. Em conexão com as duas mil e trezentas tardes e manhãs introduz o anjo um assunto de suprema magnitude e importância, isto é, o santuário celestial e sua purificação. Apresentaremos, a seguir, dois santuários —, o do “Velho Concêrto” e o do “Nôvo Concêrto”. O primeiro como figura típica do segundo na terra e êste como realidade antitípica do primeiro no Céu. O SANTUÁRIO DO VELHO CONCÊRTO Por Santuário do Velho Concêrto entendemos o santuário terrestre em Israel. Ao, chegar êste povo ao pé do monte Sinai, 484

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vitorioso de sua libertação do cativeiro egípcio, recebe de Deus a seguinte comunicação: “E me farão um santuário, para que Eu possa habitar no meio dêles”.1 Esta ordem de Deus revelou não só o Seu expresso desejo de estar em meio a Seu escolhido povo dando-lhe a certeza de Sua presença através de manifestações exteriores especiais, de suas abundantes bênçãos e de Sua guarda, — como também, e principalmente, ensinar-lhes as mais sublimes lições simbólicas relativas ao plano da salvação, lições que culminavam tôdas em Cristo como Mediador entre Deus e o homem. Deus mesmo deu a Moisés o plano para a construção do santuário: Tamanho, formato, divisões, mobiliário, materiais, homens especializados para a obra, além de referir mesmo até pequenas minúcias sôbre a confecção de tudo em geral. O próprio povo devia prover todo o material e construir o lugar da habitação de Deus em seu meio”.2 O homem não devia planejar nada senão tão somente executar o maravilhoso plano de Deus traçado para sua construção. “Enquanto a construção do santuário estava em andamento, o povo, velhos e jovens — homens, mulheres e crianças — Continuou a trazer suas ofertas até que aqueles que tinham a seu cargo o trabalho acharam que tinham o suficiente, e mesmo mais do que se poderia usar. E Moisés fêz com que se proclamasse por todo o acampamento; “Nenhum homem nem mulher faça mais obra alguma para a oferta alçada do santuário. Assim o povo foi proibido de trazer mais”.3 Aí está: O povo foi tão fiel e tão liberal em contribuir de suas posses para a ereção do edifício, que só detiveram o caudal das ofertas em virtude duma lei proibitória de seu líder visível — Moisés.4 Todos os que contavam de 20 anos a mais, em número de 603.550, contribuíram abundantemente para a importante obra, tendo a oferta do ouro somado 29 talentos, a da prata alcançado acima de 100 talentos e a do cobre sobrepujado a 70 talentos.5 Outras ofertas, tecidos, peles, pedras preciosas, madeira de setim ou acácia, cordas, azeite e especiarias — foram amplamente doadas.6 1

Êxodo 25:8. Êxodo 25:2. 3 Patriarcas e Profetas, E. G. White, 1.ª ed., pág. 371. 4 Êxodo 36:3-6. 5 Êxodo 38:24-31. 6 Êxodo 25:1-8. 2

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Quando as doações atingiram o suficiente, foram entregues aos que estavam incumbidos de fazer e dirigir a obra. Cêrca de seis mêses durou a preciosa construção junto ao monte Sinai. As dimensões do santuário não alcançaram “mais de vinte metros de comprimento e seis de largura e altura”.1 O templo era desmontável e portanto fácil de ser locomovido através as jornadas de Israel pelo deserto em fora em demanda de Canaã. Fechavam a estrutura do edifício 48 tábuas: 20 para cada lado norte e sul e 8 para a parte de trás ou Ocidente, descansando todas elas em bases de prata e unidas umas às outras nas extremidades por encaixes deste mesmo metal e por cinco barras de madeira de setim em cada um dos três lados referidos, presas por argolas.2 Todo o madeiramento era chapeado de ouro, dando ao edifício a aparência de uma estrutura maciça dêsse metal. A coberta do santuário compreendia um jôgo de duas cortinas ou realmente cobertas. A primeira era de “peles de carneiro tintas de vermelho”. A segunda, sobreposta à primeira, estirada por cordas presas em estacas de cobre e que ficava exposta à intempérie, era de peles de teixugo, um pequeno animal ligado à família de urso, ou um urso em miniatura, medindo cêrca de 40 cm. de comprimento e pesando de 6 a 8 quilos, embora alguns sejam maiores”. Os teixugos eram abundantes nas regiões egípcias habitadas pelos israelitas e forneceram a êstes boa quantidade de peles ao tempo do cativeiro. Então ofertaram essas peles, a pedido de Deus, para a coberta exterior do santuário.3 Agora apreciemos o santuário por dentro, para conhecermos os seus compartimentos e mobiliário e teremos uma idéia mais precisa do que fôra a exposição de Deus do plano da salvação ensinado através de símbolos e figuras daquilo que fôra o Velho Concêrto — aliás, o concêrto feito com o velho Israel. A primeira coisa que se salientava no santuário era a sua cêrca de cortinas de linho fino, segura por colchetes de prata e cordas suspensas sobrei 60 colunas de cobre cingidas por faixas de prata, repousando sôbre bases, de cobre e conservadas em pé por cordas presas em estacas de cobre.4 Esta cêrca fechava, propriamente dito, o pátio em torno do santuário, que media aproximadamente 68 metros 1

Patriarcas e Profetas, E. G. White, 1.ª ed., pág. 371. Êxodo 26:15-29. 3 Êxodo 26:14. 4 Êxodo 27:9-19. 2

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de comprimento por 33 de largura. A porta do pátio, do lado oriental, compreendia uma finíssima cortina de três côres — azul, púrpura e carmezim sôbre quatro colunas, contando cêrca de treze metros de largura. Entrando no pátio, o primeiro móvel que se contemplava era o grande altar das ofertas queimadas, de madeira de setim, ôco, quadrado, de aproximadamente três metros por um de altura, coberto de cobre e com pontas ou cornos nos cantos.1 Logo depois, entre êste altar e o edifício, estava uma pia ou lavatório, inteiramente de cobre e com base do mesmo metal, onde os sacerdotes se lavavam antes do início dos serviços sagrados.2 Vinha agora o edifício do santuário. Sua porta era uma linda cortina de linho fino de três belas côres como a da entrada do pátio — azul, púrpura e carmezim — porém maior, sustida por cinco colunas de madeira de setim chapeada de ouro e sob bases de cobre. Nesta cortina ou véu estavam figuras de querubins bordadas a fio de ouro e de prata.3 Afastando um pouco a cortina-véu, entrava-se no primeiro compartimento do santuário, chamado “lugar santo”.4 À direita, para o lado do norte, estava uma mesa de madeira de setim, tôda chapeada de ouro, medindo um metro e trinta centímetros de comprimento por um metro de largura e altura. Em cima, ao redor, havia; uma moldura da largura d’ua mão, e ao redor da moldura uma bela corôa de ouro. De cada lado da mesa havia um varal prêso por argolas, para o seu transporte nas jornadas do povo pelo deserto.5 Sôbre a mesa jaziam doze pães, chamados “pães da proposição” ou da “presença”, que representavam as doze tribus de Israel e Jesus como o “pão da vida” para elas, sendo substituídos por novos aos sábados. À esquerda, para o lado do Sul, estava um imponente e belíssimo castiçal com sete braços — três de cada lado e um no centro, confeccionado de um talento de ouro puro. Seus braços ou ramos eram ornamentados com flores artisticamente lavradas, semelhantes a lírios. Em cima de cada braço brilhava uma resplendente lâmpada.6 No centro dêste “lugar santo” junto da divisão do templo em dois comprimentos, jazia o altar do incenso, quadrado de sessenta e seis 1

Êxodo 27:1-8. Êxodo 30:17-21. 3 Êxodo 26:36-37. 4 Êxodo 26:33. 5 Êxodo 25:23-30. 6 Êxodo 25:31-39. 2

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centímetros e de um metro e trinta centímetros de altura, todo de madeira de setim chapeada de ouro. Ao redor, na parte superior, havia uma linda coroa de ouro artisticamente lavrada e quatro córnos, um em cada canto. Em dois de seus lados havia um varal da mesma madeira, cobertos de ouro, presos em argolas, para ser transportado nas jornadas de Israel.1 Dividia este “lugar santo” do segundo compartimento chamado “santíssimo”, uma outra finíssima cortina ou véu semelhante ao da porta de entrada, suspenso sôbre quatro colunas de madeira de setim chapeada de ouro e assentadas em bases de prata.2 Além dêste segundo véu estava o “lugar santíssimo”. Neste compartimento somente o sumo-sacerdote podia entrar e o fazia uma única vez no ano, aliás, no dia da expiação. Neste compartimento havia um único móvel, — a arca do concêrto, de madeira de setim tôda coberta de ouro por dentro e por fora. Era de um metro e sessenta centímetros de comprimento por um metro de largura e altura. Na parte superior havia uma corôa de ouro ao redor. A tampa da arca chamava-se “propiciatório”, tendo em ambas as extremidades um querubim de ouro maciço. Com suas faces voltadas para o propiciatório, cada um o cobria com uma asa enquanto a outra asa estava baixada. E, no propiciatório, entre os dois querubins, estava o “Shekinah”, aliás, a glória da manifestação da presença de Deus. Dentro da sagrada arca estavam as duas pedras da lei, os dez mandamentos, base do concêrto de Deus com o Seu povo. Uma tábua, continha os primeiros quatro e a outra os seis últimos. Na primeira os devêres para com Deus e na segunda os devêres para com o próximo. A honra a Deus e a honra ao próximo estão separadas em tábuas diferentes. A honra de Deus e a honra ao próximo não se confundem, são distintas. Não se podem igualar. O teto do santuário compreendia um jôgo de duas belas cortinas. A mais interna era de linho fino de três côres — azul, púrpura e carmezim, com querubins bordados a fios de ouro e de prata. A segunda sobreposta a esta, era de pelos de cabra — fiados por consagradas mulheres israelitas, cujos corações foram tocados por Deus.3 Ao estar levantado o santuário e tudo pronto, estando cada coisa no seu lugar, “com ávido interêsse as multidões de Israel juntaram-se 1

Êxodo 30:1-4. Êxodo 26:21-32. 3 Êxodo 26:1-13, 35:25-26. 2

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em redor para ver a estrutura sagrada. Enquanto estavam a contemplar aquela cena com satisfação reverente, a coluna de nuvem flutuou sôbre o santuário, e, descendo, envolveu-a. E a glória do Senhor encheu o Tabernáculo”.1 Houve uma revelação da majestade divina e por algum tempo mesmo Moisés não pôde entrar ali. Com profunda emoção o povo viu a indicação de que a obra de suas mãos era aceita. Não houve ruidosa manifestação de regozijo. Um temor solene repousava sôbre todos. Mas a alegria de seus corações transbordou em lágrimas de gôzo, e murmuravam em voz baixa ardorosas palavras de gratidão de que Deus houvesse condescendido em habitar com êles”.2 O povo estava feliz por vêr a bela estrutura exterior do santuário. Não podiam, porém, contemplar sua glória interna. “Nenhuma linguagem pode descrever a glória do cenário apresentado dentro (do santuário — as paredes chapeadas de ouro refletindo a luz do áureo castiçal, os brilhantes matizes, das cortinas ricamente bordadas com seus resplendentes anjos, a mesa e o altar do incenso, brilhando pelo ouro; além do segundo véu a arca sagrada, com os seus querubins místicos, e acima dela o santo shekinah, manifestação visível da presença de Jeová”.3 A tribu de Levi, que compreendia três famílias distintas ou divisões — Gersonitas, Moetitas e Meraritas — foi escolhida para o ministério do santuário. Seus componentes masculinos, em número de 22.000, desde um mês e para cima, foram arrolados para o serviço presente e futuro. Cada turma tinha o seu trabalho fixo, tanto quando no acampamento como quando em marcha. Os sacerdotes, porém, eram da linhagem de Aarão, da família dos Acatitas, devendo ter pelo menos trinta anos de idade ao iniciarem a carreira sacerdotal e deixá-la ao completarem cinquenta anos.4 Os primeiros escolhidos como sacerdotes foram Aarão e seus quatro filhos — Nadab, Abihu, Eleazar e Itamár. Aarão era o sumo-sacerdote e seus filhos os sacerdotes comuns.5 Nenhum estranho à linhagem de Aarão pedia ingressar no sacerdócio e oficiar.6 Alguns que tentaram

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Êxodo 40:34. Patriarcas e Profetas, E. G. White, 1.ª ed., pág. 375. 3 Patriarcas e Profetas, E. G. White, 1.ª ed., pág. 375. 4 Números 4:1-3, 18-19. 5 Êxodo 28:1. 6 Números 16:40. 2

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ser sacerdotes sem pertencerem à sua parentela, foram mortos.1 Mesmo os descendentes de Aarão com defeitos físicos estavam proibidos de ingressar no sacerdócio.2 Aos sacerdotes foram confeccionados vestimentas especiais para o seu ofício, o traje dos sacerdotes comuns era apenas uma “túnica” de linho alvo, tecida duma só peça até aos pés, e um cinto branco bordado de azul, púrpura e carmezim, e completava o traje um turbante de linho ou mitra.3 O traje do sumo-sacerdote era impressionante. Compunha- se, por ordem de Deus, de sete peças: A primeira compreendia a interna. A segunda era idêntica à dos sacerdotes comuns, usada somente no dia da expiação. A terceira era um manto azul, tecido duma só peça, tendo nas bordas romãs bordadas de azul, púrpura e carmezim, havendo em meio às romãs campainhas de ouro — para que o povo as ouvisse quando no templo ministrasse por êles. A quarta era o “Ephod” de linho de três cores — azul, púrpura e carmezim, e ouro entremeando os tecidos, tendo em ambas as ombreiras uma pedra sardônica contendo escritos em cada uma seis nomes das tribus de Israel. A quinta peça era o peitoral do juízo, ligado ao Ephod, feito de linho das três côres citadas e entremeado de ouro, tendo um palmo quadrado. Nêle haviam doze pedras preciosas de côres diferentes, distribuídas em quatro ordens, estando em cada uma o nome duma tribu de Israel. Neste peitoral havia duas pedras de grande brilho, uma de cada lado, chamadas Urim a da direita e Tummim a da esquerda. Por estas duas pedras consultava o sumo-sacerdote a Deus. Um jato de luz na da direita indicava resposta positiva ou aprovação; e uma sombra sôbre a da esquerda indicava resposta negativa ou desaprovação à consulta feita. Uma variedade de pedras preciosas havia, finalmente, nas bordas do peitoral, as mesmas que ornam os doze fundamentos da cidade de Deus.4 A sexta peça era um turbante de linho alvo. A sétima peça era uma lâmina de ouro em que estava gravada a frase Santidade ao Senhor; era atada com um cordão azul no turbante, caindo sôbre a sua testa. No dia da expiação o sumo1

Números 18:7, 16:1-35, II Crônicas 26:16-21; I Samuel 13:8-14. Levíticos 21:16-24. 3 Êxodo 39:27-29. 4 Apocalipse 21:19-20. 2

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sacerdote vestia-se como um sacerdote comum, para oficiar no santuário, fazendo expiação anual pelos pecados do povo.1 Estando tudo pronto e em perfeita ordem para o início dos trabalhos e do ritual, tomou lugar a sagração ou unção do santuário, seus móveis e seus sacerdotes para o santo ministério. A consagração dos sacerdotes foi uma cerimônia soleníssima e tocante. Nos textos citados podem ser apreciadas estas solenidades incluso a sagração da tribu de Leví.2 “Após a consagração dos sacerdotes oficiantes tomou lugar o início do ritual que constava de sete sacrifícios especiais. Somente animais ruminantes e de casco dividido em dois eram aceitos como ofertas sacrificais, e constavam de quatro espécies; Bovinos, ovinos, caprinos e ovíparos. Dos bovinos: Novilho, bezerro e bezerra ruiva, Dos ovinos: Carneiro, cordeiro e cordeira. Dos caprinos: Bode, cabrito e cabra. Dos ovíparos: Rolas e pombinhos. Todos os animais, para serem aceitos, deviam ser sem mácula, aliás, sem nenhum defeito físico e perfeitamente sadios. Também deviam ser novos: Dos bovinos até dois anos; dos ovinos e caprinos, de um ano. Em nenhum caso eram aceitos animais velhos. Tôdas estas ofertas sacrificais obedeciam, às seguintes espécies de transgressões: Pecado por êrro, pecado por ignorância e pecado por voluntariedade. Daremos, a seguir, os sete sacrifícios do ritual, a fim de termos a perfeita idéia aversiva de Deus em relação ao pecado e abjurarmos êste mal — mal de todos os males — que traz a morte certa: I — O SACRIFÍCIO DO HOLOCAUSTO CONTÍNUO Diàriamente, para o culto devocional — matutino e vespertino — da Nação Judáica, dois cordeiros dum ano eram oferecidos: um pela manhã e outro à tarde, mais a oferta de manjares com a sua libação correspondente e a queima do incenso no lugar santo”.3 A oferta dos dois cordeiros era denominada “holocausto contínuo,”.4 Deve ser entendido que o “holocausto contínuo” não era provido ou oferecido por nenhum, indivíduo em particular, e nem pelo povo em geral ou em nome dêste. Não era oferta do pecador nem do povo a Deus; ao contrário, era a oferta do Senhor por Seu povo

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Êxodo 28:1-43, 39:1-42. Números 8:5-26, Levíticos 8:1-36; Êxodo 29:1-46. 3 Êxodo 29:38-42, 30:7-8. 4 Êxodo 29:38-43. 2

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coletivamente. Isto revela não ser uma oferta pelos pecados particularmente descriminados no próximo ritual, mas uma oferta de Deus pelo pecado ou por todos os pecados da Sua nação. O “holocausto contínuo” era o centro, o coração do culto de adoração pública e privada de Israel a Deus e o fundamento de todo o sistema sacrifical. A hora de seu oferecimento era uma hora especial de encontro do povo com Deus e de Deus com o povo.1 Maravilhoso: A hora do “holocausto contínuo” foi estabelecida pelo próprio Deus como hora do culto diário de consagração da nação israelita. O propósito de Deus era que Israel divizasse, no imolado “holocausto contínuo” uma evidente figura do “Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” — Cristo. A instituição desta oblasão era tão importante e imperativa, que em nenhuma circunstância poderia ser dispensada ou postergada. Nenhuma memorativa festividade anual com seus muitos sacrifícios fazia cessar por um dia ou uma vez sequer este holocausto. Nem mesmo os triunfos da Páscoa ou a solenidade do dia da Expiação afetavam o “holocausto contínuo” da manhã e da tarde como oferta típica.2 Nenhuma parte do “holocausto contínuo” era comida pelos sacerdotes, como o erám partes de outros sacrifícios. Os sacerdotes comiam as carnes dos sacrifícios do povo, pelos pecados do povo e pelo próprio povo levados individualmente ao santuário, para assim tomarem sôbre si os pecados dos penitentes uma vez que eram típicas figuras de Cristo — o Sumo-sacerdote que em verdade toma e tira o pecado do penitente. Porém, o “holocausto contínuo” não era um sacrifício do povo, como vimos, e sim de Deus pelo povo. Não era, pois, oferecido por algum ofertante pecador pelo que holocausto diretamente representativo da oferta de Deus pelo pecado coletivo do povo, não havia razão alguma de ser comida a sua carne pelos sacerdotes, já que o símbolo apontava ao imaculado Redentor. Doutro lado, por ser o “holocausto contínuo”, um sacrifício coletivo em favor do povo e inteiramente consumido sob a ação do fogo no altar, os sacerdotes estavam, por isso mesmo, proibidos de comer qualquer porção de sua carne — e também por representar êle um sacrifício típico oferecido particulamente por Deus e não por qualquer indivíduo humano. Para que o cordeiro da manhã pudesse queimar todo o dia e o da 1 2

Êxodo 29:38-46. Números 28:1-31.

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tarde tôda a noite, representando uma contínua, ininterrupta intercessão, o fogo no altar era conservado brando.1 Tôdas as demais ofertas sacrificais que eram propriamente do povo e por êste providas, eram oferecidas e aceitas em virtude do “holocausto contínuo” ou em sua adição, nunca em seu lugar. Sem êste sacrifício da parte de Deus, não haveria razão de ser dos sacrifícios do povo. Êles não veriam uma luz, um motivo especial para oferecer os seus sacrifícios. Pois não saberiam como e não teriam base alguma para expressar sua devoção e fé. O “holocausto contínuo”, porém, revelava ao pecador que Deus o amava muito e que tomara a iniciativa para salvá-lo. Tinha o propósito de despertar nêle um senso de gratidão por essa suprema demonstração do amor de Deus por êle o que o levava a aceitar o divino plano pró sua própria redenção, confessando sua aceitação na apresentação de seus sacrifícios. Nas duas ofertas em evidência — a contínua de Deus e a ocasional do pecador — havia perfeita unidade, uma inteira aceitação de ambas, de ambos os ofertantes, por ambos — Deus e o pecador. O fato do cordeiro da manhã queimar durante todo o dia no altar e o da tarde durante tôda a noite, revelava a ampla, contínua, ininterrupta provisão de Deus pelo pecador em todo o tempo. Era o sinal da divina graça celestial o povo e de que seus sacrifícios de contrição e fé seriam aceitos. Assim o “holocausto contínuo”, não era mais que a certeza da graça contínua de Deus, da qual o pecador podia apropriar-se com liberdade e segurança mediante sacrifícios de sua parte, expressiva de sua aceitação, pela fé, do divino “holocausto contínuo” de Deus — Cristo. Desta sorte o pecador aproximava-se de Deus com toda a liberdade e confiança. Ninguém poderia por êle levar suas ofertas sacrificais. Pois ninguém seria capaz de por êle fazer a sua consagração. Êle ou iria por si mesmo ou não iria jamais. Em virtude de “holocausto contínuo”, o ritual não admitia substituto no ato da consagração e apresentação do sacrifício individual. O “holocausto continuo” era pois, uma garantia ao penitente, ao trazer pessoalmente sua oferta sacrifical, de que o perdão de Deus lhe estava assegurado. Através de sua oferta, que êle mesmo provia, de acôrdo com as prescrições do ritual, aceitava a oferta que Deus provera em seu benefício. Assim aceitava êle os benefícios envoltos 1

Levíticos 6:8-13.

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no “holocausto contínuo” e tinha a oportunidade de expressar sua fé e revelar sua aceitação da divina provisão para sua própria redenção. E o único meio de isto fazer e demonstrar era em verdade oferecendo os seus sacrifícios individuais por seus pecados. Era então aceito e perdoado. Os israelitas que residiam longe de Jerusalém, não podiam levar ao templo, imediatamente ao cometimento de seus pecados, as ofertas, sacrificais correspondentes. E isto nem os de perto e mesmo os da própria metrópole podiam fazer de imediato. Porém, tinham no “holocausto contínuo” assegurada uma temporária expiação de seu pecado e o perdão de Deus até que viessem perante Êle, ao santuário, com a sua oferta sacrifical — receptiva e apropriativa da oferta contínua de Deus, provida para o seu perdão e sua justificação. Três vêzes ao ano, deviam, por ocasião das três festas principais anuais — Páscoa, Pentecostes e Tabernáculos — ir a Jerusalém. Em tais ocasiões ofereciam as ofertas sacrificais prescritas por seus pecados, e dêste modo revelavam publicamente que aceitavam o perdão prèviamente garantido e oferecido mediante o “holocausto contínuo”. Vemos, pois, no “holocausto contínuo”, — a expiação provida, e nos sacrifícios individuais a apropriação desta contínua expiação pelo pecador contrito. Os patriarcas tinham uma idéia exata do “holocausto contínuo” tal como Israel recebera na lei cerimonial do santuário. Pela manhã e à tarde, o patriarca chefe reunia sua família e todos quantos com êle estavam, para o culto de consagração, enquanto o holocausto ardia sôbre o altar em cheiro suave a Jeová.1 Jó ofereceu holocausto pelo pecado de seus filhos, até que êstes o fizessem pessoalmente.2 O Talmud diz, com relação ao “holocausto contínuo”, que o sacrifício da manhã expiava os pecados cometidos durante a noite, e o sacrifício da tarde os cometidos durante o dia. Se, porém, o pecador não comparecia ao santuário para oferecer sua oferta expressiva de sua fé e aceitação do prévio perdão oferecido mediante o “holocausto contínuo”, revelava que o desprezava e, com isto, lavrava a sua sentença no dia da expiação geral dos pecados, aos 10 do sétimo mês, que era a sua extirpação do seio da comunidade de Deus. Aliás, lavrava sua expulsão da comunhão do povo de Deus e conseqüentemente a pena fatal por seus delitos — a morte. 1 2

Gênesis 8:20-21. Jó 1:5.

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Parecia haver em tôda esta questão uma reciprocidade sacrifical: o “holocausto contínuo”, representava a oferta de Deus por Seu povo e os sacrifícios do povo representavam a evidente aceitação dêste da oferta contínua de Deus. A parte chamada “oferta queimada”, do sacrifício do penitente, era inteiramente consumida conjuntamente com o “holocausto contínuo” e em cima dêste sôbre o altar.1 Maravilhoso: As duas ofertas ardiam juntas sob a ação comum do mesmo fogo e juntas eram por êle consumidas num amplexo redentivo do Redentor e do redento! Era o enlace figurado da fé e da graça, da contrição e do perdão, da gratidão e da aceitação. Noutras palavras, o “holocausto contínuo” era o Salvador imolado em figura como pecador imaculado substituto, e o sacrifício individual do pecador era êle mesmo imolado em figura em o seu substituto contínuo. Pois o plano da redenção implica na morte do Redentor e na de todos os Seus redentos. A oferta do pecador não era um meio de remissão, mas sim uma expressão de sua fé na oferta remissora de Deus tipificada no “holocausto contínuo”. Isto é, através deste holocausto, na qual estava ligado por, seu sacrifício pessoal, — olhava ao futuro, aliás, ao Calvário, ao “holocausto contínuo” antitípico, já oferecido por Deus desde o primeiro pecado do homem, porque Cristo foi considerado imolado, “morto desde a fundação do mundo”.2 As ofertas individuais, portanto, não eram primárias mas sim secundárias. O “holocausto contínuo” era fundamental e, num senso especial, era o tipo do que foi cumprido na cruz do Calvário em antítipo por tôda humanidade. Que o “holocausto contínuo” era incontestàvelmente, uma figura, de Cristo imolado na cruz, comprovam as evidências ligadas ao momento da morte do Salvador. “Ao irromper dos lábios de Cristo o grande brado: “Está consumado”, oficiavam os sacerdotes no templo. Era a hora do sacrifício da tarde. O cordeiro, que representava Cristo, fôra levado para ser morto. Trajando o significativo e belo vestuário, estava o sacerdote com o cutelo erguido, qual Abrão quando prestes a matar o filho. Vivamente interessado, o povo acompanhava a cena. Mas eis que a terra treme e vacila; pois o próprio Senhor Se aproxima. Com ruído rompe-se de alto abaixo o véu interior do templo, rasgado por mão invisível, expondo aos olhares da multidão o lugar dantes pleno 1 2

Levíticos 3:5. Apocalipse 13:8

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de presença divina. Ali habitava o shekinah. Ali manifestara Deus Sua glória sôbre o propiciatório. Ninguém, sinão o sumo-sacerdote, jamais erguera o véu que separava êsse compartimento do resto do templo. Nêle penetrava uma vez por ano, para fazer expiação pelos pecados do povo. Mas eis que êsse véu é rasgado em dois. O santíssimo do santuário terrestre não mais é um lugar sagrado. “Tudo é terror e confusão. O sacerdote está para matar a vítima; mas o cutelo cai-lhe da mão paralisada, e o cordeiro escapa. O tipo encontrara o antítipo por ocasião da morte do Filho de Deus. Foi feito o grande sacrifício.1 O Salvador do mundo morre na hora exata do oferecimento do “sacrifício contínuo”. A sombra encontrou a sua sublime e perfeita realidade — Cristo, o Cordeiro de Deus. O ato de a faca cair da mão do sacerdote e o cordeiro contínuo a ser morto escapar, era a evidência de que não seria mais necessário um tal sacrifício, não teria dali em diante mais significação. Estava comprovado que Cristo era o antítipo daquêle sacrifício oferecido por tantos séculos e que agora devia cessar. Ao santuário do Velho Concêrto, ou de Israel, o povo levava seus sacrifícios, como vimos, em virtude do “holocausto contínuo”, figura de Cristo. Ao santuário do Nôvo Concêrto, ou celestial, os cristãos devem levar os sacrifícios de si mesmos, expressivos de sua fé no Cristo vivo e ressurreto, em virtude do Cristo crucificado. Aqui estão as palavras do grande apóstolo: “Rogo-vos pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional”.2 Se não buscarmos o nosso Sumo-sacerdote, levando-lhe o sacrifício de nós mesmos, não expressamos fé nÊle, e consequentemente não seremos por Êle aceitos. Notemos o que S. Paulo diz agora: “Já estou crucificado com Cristo, e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne vivo-a na fé do Filho de Deus, o qual me amou, e Se entregou a Si mesmo por mim”.3 Inferimos deste maravilhoso texto clássico do grande apóstolo, que, ao sermos crucificados com Cristo; O recebemos para vivermos a nova vida, a vida cristã legítima, ou, mais propriamente, sê-la vivida por Êle em nós. Assim, se nós — os cristãos — já não vivemos mais

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O Desejado de Todas as Nações, E. G. White, pág. 564. Romanos 12:1. 3 Gálatas 2:20. 2

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e somente Cristo vive em nós, então nós já não somos mais nós. A conclusão é esta: Ao recebermos Cristo para viver em nós, por nós e através de nós. Nós na verdade já não somos mais nós, e sim, Êle em figura em nós. Portanto, ao levarmos a Êle os sacrifícios de nós mesmos, somos símbolos dÊle e nÊle nos consumimos, por cujo ato expressámos nossa fé nÊle como o “holocausto contínuo” de Deus — já morto, já redivivo, já vitorioso. Êste é ó plano da redenção: Cristo o “holocausto contínuo” de Deus, morto pelo pecado, — e o Seu seguidor, como figura dÊle e em virtude dÊle, morto como em “holocausto também contínuo”, oferecido em todo o seu viver, até à sua morte ou até à vinda de seu Senhor, e então o símbolo humano do divino “holocausto contínuo” deixará de sê-lo, se confundirá com a gloriosa realidade para todo sempre. (Apêndice nota 10). II — O SACRIFÍCIO DE EXPIAÇÃO DO PECADO É importante dizermos, inicialmente, que a expiação regular do pecado, era oferecida em dias especiais: Nas Luas Novas; na festa dos pães asmos; no Pentecostes; no primeiro dia do sétimo mês; no dia da expiação; na festa dos Tabernáculos; na purificação do parto; na purificação do leproso; em casos de fluxo de sangue; na violação acidental do voto do nazireado; no dia em que se cumpriam os dias do nazireado. Também a expiação do pecado era obrigatória nas consagrações: Dos sacerdotes dos levitas e do santuário.1 A expiação do pecado que tomava lugar obrigatoriamente nestas comemorações e consagrações em virtude delas propriamente dito, visava impressionar os gestantes e os que se consagravam, de que o pecado devia estar ausente de suas festas simbólicas da redenção e de suas vidas após a consagração e dedicação a Deus. É importante que o sacrifício individual de “expiação do pecado” só era oferecido no caso de pecado cometido por êrro ou ignorância. Depois do pecador aperceber-se por si mesmo de seu pecado involuntário ou dêle ser notificado por outrem estava então incurso no dever, segundo prescrito, de oferecer o sacrifício correspondente pelo pecado cometido. Assim, de pecador ignorante tornava-se êle pecador consciente e confesso, e, como tal, agora, aproximava-se do santuário com sua oferta para ser, perdoado. 1

Números 28:15, 17-24; Leviticos 23:19; Números 28:30; 29:5; Levíticos 16:1-34; Números 29:11, 16-38; Leviticos 12: 6, 8; 14:10, 19, 22; 15:14, 15, 28; Números 6:10, 11; 16:14-16.

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Perguntará alguém: No caso do pecado ser cometido por ignorância, não devia estar o pecador isento de culpabilidade e conseqüentemente de oferecer sacrifício? Respondemos que o pecado é pecado não importando as circunstâncias em que fôr cometido. No fato de o pecador ter de trazer um sacrifício por seu pecado antes ignorado como tal, demonstrara Deus não desejar que Seus filhos pequem nem mesmo por êrro ou ignorância. Quer vê-los limpos da maldição do pecado. A justificação de um só pecado sem oferta sacrifical correspondente, seria a justificação de todos os pecados sem ofertas sacrificais correspondentes. O pecador viciar-se-ia então no pecado, pelo fato da desnecessidade, pròpriamente, de oferecer a sua expiação, e Deus seria forçado a remover em definitivo todo o simbolismo da oferta real pelo pecado que, em Seu plano de redenção, apontava para Cristo. E o pecador não veria então mais razão para evitar o pecado, quer consciente quer inconsciente. Conforme sua posição em Israel, assim devia o pecador oferecer a sua oferta de “expiação do pecado”. Do sacerdote era requerido um novilho; do povo, quando o pecado era coletivo ou nacional, também um novilho era requerido, ao príncipe era imposto que oferecesse um bode ou cabrito; e, das pessoas sem posição destacada, exigia-se uma cabra; ou uma cordeira dum ano.1 “A expiação do pecado” compreendia ainda quatro casos essenciais: Ao testemunhar alguém uma blasfêmia e não denunciá-la; ao tocar alguém um corpo de animal imundo; ao tocar-se a imundícia de alguma pessoa; ao pronunciar-se um juramento precipitado.2 Os pecados incursos nestas quatro categorias, podiam ser expiados pela imolação de uma cordeira ou uma cabrinha dum ano. Duas rolas ou dois pombinhos eram também aceitos dos mais pobres do povo. Uma para expiação do pecado e outro para holocausto. Se, ainda, o pecador fosse tão pobre que não alcançasse trazer duas rolas ou dois pombinhos, seria aceito “a décima parte dum efa de flor de farinha, para expiação do pecado”, tomando o sacerdote um “punho” cheio e queimado no altar “em cima das ofertas queimadas do Senhor, o restante era do sacerdote. A “expiação do pecado” mediante um punhado de flôr de farinha poderá parecer-nos inconseqüente em face de as Escrituras Sagradas rezarem enfaticamente: “Sem derramamento de sangue não há remissão”.3 Mas aqui está uma oferta pela “expiação 1

Levíticos 4:1-35; Números 15:27. Levíticos 5:1-4. 3 Hebreus 9:22. 2

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do pecado”, duas vêzes assim referida, que não continha sangue algum, fazendo contudo expiação. Uma coisa é certa, que o pecador devia trazer uma oferta das indicadas para eliminar o pecado. E, embora êle fôsse tão pobre que não pudesse trazer nem mesmo a mínima oferta de sangue, contudo era aceita a sua extranha oferta de expiação, porém prescrita. O sangue do “holocausto contínuo” de Deus, era suficiente para cobrir a falta de sangue de sua oferta, que, segundo o ritual, devia ser queimada em cima do dito holocausto. Seu ato de fé, ao menos em trazer a pequenina oferta, isenta de sangue, apossou-se da oferta contínua de Deus, tôda suficiente para prover a sua expiação que em verdade aquêle “punho” de farinha não podia fazer. O pobre pecador tinha vontade de eliminar o seu pecado fatal, não podendo, entretanto, sua absoluta pobreza, prover uma oferta contendo o elemento da expiação — o sangue, nem mesmo de duas rolas ou dois simples pombinhos. A expiação de seu pecado, não obstante, tinha que ser realizada. E Deus o encontrou, através do típico “holocausto contínuo” aceitando-o, cancelando o seu pecado e salvando-o. Maravilhoso plano divino; incompreensível provisão pelo pecador incapaz de resolver o seu problema mesmo no que lhe estava determinado fazer no mínimo como “expiação do pecado”. Êste notável incidente assentado no figurativo ritual deve ter por certo aplicação na era cristã. Possivelmente aponte àqueles que, não sabendo discernir entre a mão direita e a esquerda, em matéria de fé, fazem entretanto, o que podem para servir a Deus e ser salvos. Êles têem em Cristo, sem o saber, o suficiente sangue remidor do pecado, ausente da oferta que podem apresentar em face de seus parcos recursos espirituais. Entre êles podem, por certo, estar muitos cristãos sinceros que vivem espiritualmente sob o clarão de bruxoliante luz da fé, bem como muitos pagãos que desconhecem o Salvador, mas que anseiam aproximar-se do verdadeiro Deus, Criador, e não sabem como. A fé que manifestam através o pouco conhecimento que têm da verdade, é por Deus aceita e secundada pela oferta antitípica do Calvário até que recebam maior porção de luz ou quiçá a completa luz da redenção de Deus em Cristo Jesus. Em todos os casos da oferta de “expiação do pecado”, o próprio pecador degolava o sacrifício, do lado direito do altar sacrifical, tendo prèviamente colocado suas mãos sôbre a cabeça da vítima em confissão e reconhecimento de seu pecado. A inocente vítima tomava 499

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então o seu lugar e êle morria em sua morte.1 Nos casos de “expiação de pecado” dum sacerdote ou da congregação, o sangue do animal, que era o elemento que expiava a transgressão, era levado ao lugar santo do santuário e ali expargido sete vêzes diante do véu, dando-se assim satisfação à lei que estava do outro lado do véu, no lugar santíssimo. A seguir, o mesmo sangue era posto sôbre os quatro cantos do altar do incenso, e o restante derramado ao pé do altar das ofertas queimadas, no pátio.2 Desta “expiação do pecado” que em ambos os casos era um novilho, tôda a gordura da frescura, os dois rins e a gordura que está sôbre êles, a gordura das tripas e o redenho do fígado — era queimada no altar dos holocaustos. O novilho, porém, era queimado fora do arraial num lugar limpo.3 No caso da “expiação do pecado” dum príncipe ou duma pessoa comum, o sangue da vítima substituta não era levado ao santuário. O sacerdote com o seu dedo o colocava sôbre as pontas do altar do holocausto, derramando o restante à base dêste altar.4 A carne dêstes sacrifícios, porém, era comida pelos sacerdotes no pátio do santuário.5 Êste cerimonial da colocação do sangue sôbre os quatro cantos do altar e da carne comida pelos sacerdotes, equivalia à entrada do pecado no santuário tal como no caso do sangue espargido diante do véu e colocado sôbre os quatro cantos do altar do incenso. Em outras palavras, o sacerdócio levava o pecado do penitente ao comer a carne dos sacrifícios de “expiação do pecado”, e êste era assim transferido para o sacerdócio e o santuário — contaminando a ambos com pecados alheios.6 Fique aqui bem assentado que o sangue do sacrifício da expiação chama-se “sangue da expiação” e do próprio animal dizia-se ser êle “por expiação do pecado”.7 O elemento que fazia expiação, pois, do pecado individual no ritual diário, era o sangue do animal imolado. No momento do derramamento do sangue, era processada a expiação. O 1

Levítico 4:4, 15, 24, 20. Levítico 4:5-21. 3 Levítico 4:1-12, 19-21. 4 Levítico 4:22-26. 5 Levítico 6:24-30. 6 Levítico 10:16-18. 7 Levítico 4:3, 25. 2

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ritual do sangue era uma cerimônia resultante da expiação realizada. Não era o espargimento do sangue no santuário ou o seu derramamento à base do altar das ofertas queimadas que compreendia a expiação. Esta cerimônia do ritual era comprobatória de que o pecado do penitente dera entrada no santuário — ou fôra expiado — e que êle estava livre do mesmo. Diremos, ainda, que, ao trazer o animal da expiação, o pecador demonstrava, por êsse ato, a sua confissão e reconhecimento do pecado; e, ao derramar-lhe o sangue, expressava a fé na realidade do perdão de Deus. O ritual do sangue, portanto, era o registo da expiação realizada da garantia do perdão definitivo ao penitente no dia determinado da expiação geral dos pecados — aos 10 do sétimo mês. Praticamente, seu pecado estava expiado e o perdão concedido. Dois fatos, ainda, não devemos deixar que passem despercebidos. Primeiro: Por que o novilho da “expiação do pecado” dum sacerdote: não devia ser comido? Neste caso do pecado dum sacerdote, o sacerdócio todo era contaminado pelo referido pecado de um de seus componentes. Daí ser impossível levar o pecado pelo comer da carne, quando havia contaminação geral no sacerdócio. Os sacerdotes somente comiam a carne do sacrifício pelo pecado individual, de pessoa destacada ou não, dentre o povo, ao estarem purificados do pecado. Êles eram uma figura de Cristo em Seu ministério sacerdotal, e, por isso mesmo, só quando limpos poderiam comer a carne do sacrifício de expiação e levar simbolicamente o pecado do pecador individual penitente.1 Segundo: Por que os sacerdotes não comiam a carne do novilho da “expiação do pecado” coletivo da nação ou do pecado nacional? A isto respondemos que o sacerdócio, como figura do sacerdócio de Cristo, como dissemos, não tratava com o pecado da coletividade mas sim do pecado do indivíduo. Ninguém é salvo em coletividade ou em grupo, mas unicamente como indivíduo em particular. A intercessão é feita em favor do indivíduo e não da coletividade conjuntamente. Os pecadores são salvos um por um. Note-se que o sangue do animal era imediatamente levado ao santuário, à presença de Deus, não contaminando o sacerdócio que de sua carne não participava. Nos dois casos — do pecado do sacerdote e do pecado do povo — era tão repelente aos olhos de Deus o pecado cometido, que o animal, que tomava o lugar dos culpados, era inteiramente consumido fora do arraial. Embora o pecado fosse perdoado mediante o 1

Levíticos 10:16-20.

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derramamento do sangue do animal, contudo Deus deu uma evidente demonstração de Sua aversão ao pecado do sacerdote ou sacerdócio figura do santo sacerdócio de Cristo, e ao pecado coletivo da igreja, que devia ser a luz do mundo. Nem o sacerdócio nem a igreja deviam ignorar o pecado, cometendo-o mesmo por êrro ou por ignorância. III — O SACRIFÍCIO DE EXPIAÇÃO DA CULPA Deus fêz tudo para que Seu antigo Israel se convencesse de que não devia estar entregue a si mesmo. Deu-lhe uma,visão da malignidade do pecado, proporcionando-lhe um plano para que sentisse a necessidade de aborrecer a maldade abjurando-a completamente, o sistema sacrifical era esse magnífico plano. Enquanto deviam vêr com horror o pecado ao imolar a oferta substituta, deviam ao mesmo tempo olhar à futura imolação do “Cordeiro de Deus” pelo pecado que no instante confessavam e do qual pediam perdão mediante a inocente vítima simbólica, cujo sangue derramavam ao lado direito do altar onde ardia o “holocausto contínuo” — simbólico do holocausto antitípico de Deus — Cristo. Desgraçadamente, porém, e com exceções raras, o velho Israel não correspondeu à expectativa de Deus. As lições daquele maravilhoso simbolismo do ritual do santuário, não foram por êles, em grande parte, aprendidas, e o culto que a Deus tributavam não passava de frio formalismo vazio destituído de fé. As ofertas sacrificais pelos pecados não alcançaram os objetivos do culto. A despeito de cumprirem à risca o Ritual prescrito, continuavam, na grande maioria, espiritualmente vazios e materializados. O primeiro pecado de culpa que se alinha nas suas especificações, é o cometimento de sacrilégio ou de furto nas coisas sagradas da religião de Deus.1 Embora êste pecado possa ser cometido por ignorância, como referido nos textos citados, é considerado pecado de “culpa”. Deus não se sente bem quando Seus filhos ignoram seus devereis religiosos. Não é concebível que um crente em Deus desconheça a Sua vontade. Tôda a voluntária ignorância nas coisas santas constitum grave pecado. É plano de Satanás conservar os servos de Deus alheios aos deveres que os conservarão intimamente ligados a Êle. Afastando-os das obrigações que não devem desconhecer nem deixar de praticá-las, procura o inimigo fazer antes

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Levíticos 5:14-16.

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hipócritas do que verdadeiras testemunhas de Deus na terra. Êste grave pecado de culpa era expiado pela imolação de um carneiro, ocasião em que o sagrado, furtado, com o acréscimo do “quinto” ou de vinte por cento, devia ser devolvido. Vemos com que aversão encara Deus a desonestidade em relação às coisas santas, mormente quanto aos dízimos e ofertas. O crente que comete um tal sacrilégio, está em perigo de perder-se para sempre se não mudar seu modo de agir em relação às coisas santas. Um segundo pecado de culpa severamente punido, era o adultério com uma “serva desposada do homem”, ainda não resgatada. Embora como serva fôsse pessoa humilde, sem posição social, sem nenhuma influência, contudo previra Deus uma proteção a si na lei religiosa do ritual do santuário. O inqualificável pecado de desonra era expiado pelo sacrifício de um carneiro, antes do que os dois adúlteros eram açoitados.1 Esta lei fôra prevista no cerimonial do culto para prevenir e estirpar o grave mal do adultério do meio dos que desejavam servir a Deus. Ainda que não estejamos mais vivendo sob o regime exato do velho Israel, a advertência permanece na lei moral, e serão justiçados um dia todos os contraventores das justas leis moralizadoras de Deus. Outros pecados que implicavam em culpa, são mencionados em Levíticos, capítulo seis. O primeiro da fila é o “roubo” quanto a apossar-se indevidamente daquilo que seu próximo lhe confiou em mão. O segundo é o negar com juramento o que se achou, visando isentar restituição. Êstes dois pecados tratam de enganos ou roubos nos negócios com o próximo. É deveras ofensivo diante de Deus Seus filhos usarem de deslealdade e má-fé enganando para proveito próprio. O culpado era intimado a endireitar tudo restituindo o roubo e acrescentando o “quinto” ou vinte por cento sôbre o valor do fruto.2 Sôbre êstes pecados de culpa até aqui considerados, não só se exigia do faltoso a oferta sacrifical indicada como também uma positiva e minuciosa confissão. Não devia discutir seu caso. Só uma decisiva e evidente confissão lhe asseguraria aceitação e perdão. O simples fato em cumprir a prescrição do ritual em trazer a oferta designada, não expressava arrependimento. Apenas a confissão, aquela confissão que expressa quebrantamento em face do delito, tem 1 2

Levíticos 19:20-22. Levíticos 6:4-6.

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a virtude de imunizar o pecador contra a continuidade do pecado, de viciá-lo nêle. Só assim seria êle aceito e aceita a sua oferta expiatória. Cometera Davi, certa feita, um feio e vil pecado duplo; e, notemos o que êle diz quanto à aceitação de Deus: “Porque não Te comprazes em sacrifícios, senão eu os daria; Tú não Te deleitas em holocaustos. Os sacrifícios para Deus são o espírito quebrantado; a um coração quebrantado e contrito não desprezarás, ó Deus”.1 A oferta expiatória devia expressar quebrantamento d’alma, contrição sincera, verdadeiro pesar, absoluta humilhação e arrependimento terminantes pelo pecado. Então seria aceito, perdoado, ficaria contente, feliz e seria levado a uma consagração definitiva para evitar futuros pecados. Era isto que Deus queria e é isto mesmo que Êle quer ainda hoje — que Lhe confessemos o pecado sem nenhum subterfúgio e que o endireitemos com o próximo por nós ofendido e prejudicado, para que tenha valor a oferta apontada para remover nosso pecado, nos limpar, purificar e nos imunizar contra êle. Quem lançar mão da oferta pelo pecado — Cristo — deve fazê-lo com sinceridade ou receberá maior condenação. Esta maneira de Deus agir visava criar aversão à cobiça e despertar um espírito de respeito à propriedade alheia. O Senhor só se agrada de adoradores honestos em suas relações humanas, para poderem prestar-lhe um culto de mãos e corações limpos. Nada mais ofensivo a um Deus santo ver achegar-se a Si pretensos servidores e adoradores cobertos de deslealdade para com os seus semelhantes. Uma tal adoração é em verdade repulsiva a Deus que destribui imparcialmente suas bênçãos e os quer muito e sem distinção a todos. E, aquêle grande Deus do antigo Israel, que é o mesmo Deus do moderno Israel, ainda impõe a Seus adoradores de hoje, como outrora, um culto e uma adoração sem a contaminação do engano e da deslealdade para com os seus irmãos. Todos quantos almejam logo estar no reino santo de Seu Filho, devem purificar-se de todo o engano e de tôda a desonestidade para com seu próximo. Só assim poderão tributar ao Todo-poderoso verdadeira adoração e se capacitarem para viver em Sua imediata e santa presença no glorioso reino de justiça e amor. Os faltosos ou cúmplices nestes pecados deveriam trazer, depois de feita a devida restituição do furto com os seus respectivos juros — um carneiro para a expiação da culpa. De fato, Deus não podia e não pode ver com bons olhos os desonestos nas fileiras do Seu povo. Todo 1

Salmos 51:16-17.

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o pecado revela desonestidade, e há provisão remissora para cada um eles, depois de abandonados. O sangue do animal era posto sobre as quatro pontas do altar das ofertas queimadas, e o restante derramado à sua base. Estava expiado o pecado de culpa, e esperava Deus que o remido, daí em diante, não mais fosse desonesto em qualquer de suas relações e transações humanas. Outro caso de culpa em que sua expiação era exigida, além das outras ofertas regulares, dizia respeito ao leproso. É significativo que a lepra exigia tanto uma oferta pelo pecado como pela culpa. Isto levanos ao fato de que a enfermidade, seja lepra ou outra qualquer, pode ser resultante da falta de higiene pessoal interna e externa ou de voluntária transgressão dos princípios das leis da saúde. Para prevenir o tamanho mal da lepra e inspirar seus filhos a se precaverem contra êle, deu Deus leis cerimoniais que prescreviam uma purificação especial e solene do leproso apôs sua cura. O sangue do cordeiro dum ano, da expiação da culpa, era colocado sôbre a ponta da orelha direita e sôbre os polegares da mão e do pé direitos do leproso.1 O restante do sangue era espargido sôbre o altar em redor. É notável que o sangue da expiação do pecado era posto sôbre as quatro pontas do altar enquanto o da culpa era espargido sôbre êle. Possivelmente a diferença jazia no fato de ser a expiação do pecado realizada pelo pecado cometido por erro enquanto a expiação da culpa pelo pecado consciente. Aquêle pecado não era, propriamente para a morte, como referira São João; êste, porém, o era e deveria sua expiação ser mais solenizada para mais impressionar o pecador e levá-lo a repudiá-lo. Porém, certamente Deus tinha boas razões para assim determinar. A gordura, como a da expiação do pecado, era queimada no altar enquanto a carne era comida pelos sacerdotes.2 Outras cerimônias que estavam ligadas à purificação do leproso, não são explanadas’ aqui, visto estarmos tratando apenas da expiação da culpa. Podemos lê-las nos versículos indicados.3 Outro caso em que o pecado de culpa era evidente, era a contaminação acidental do voto do nazireado nos dias de sua 1

Levíticos 14:12-14. Levíticos 7:3-7. 3 Levíticos 4:1-32. 2

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separação. Até êste pecado, os dias decorridos de seu nazireado eram perdidos, não eram levados em conta. Exigia-se que todo o tempo de sua consagração fôsse imaculado, em virtude dêle ser uma figura de Cristo — o Nazireu de Deus. Devia começar novamente o seu nazireado, esperando Deus que fôsse agora sem mácula. A expiação da culpa seria feita, o perdão seria concedido, mas havia perda de tempo e de experiência por um pecado embora acidental. Isto concorda com o que diz o Nôvo Testamento: “Se a obra de alguém se queimar, sofrerá detrimento; mas o tal será salvo, todavia, como pelo fogo”.1 Sim, embora acidental o pecado e não voluntário, implicava mesmo assim em culpa, pois aquêle que a Deus se dedica, está na obrigação de vigiar constantemente para não contaminar-se nem mesmo acidental ou por êrro de outrem e muito menos por êrro voluntário seu.2 Para expiar o tempo perdido, ainda que não mais levado em conta, o Nazireu devia ofereçer um cordeiro dum ano para expiação da culpa.3 Mas, no dia em que se cumprisse o seu nazireado fiel, devia apresentar, entre outros sacrifícios, um para expiação da culpa. Mas que culpa houve, se êle agora cumpriu fielmente seu voto? É que, no final de seu nazireado, devia êle apresentar, entre outras ofertas, uma oferta pacífica — e esta nunca podia ser apresentada sem antes as da expiação do pecado e da culpa. Urgia que êle estivesse completamente purificado dos pecados por êrro e voluntário, para comemorar a paz com Deus através sua oferta pacífica. Aqui está a grande lição: Só haverá paz — por Cristo — entre Deus e o pecador, quando todo o pecado fôr abandonado e perdoado.4 E esta paz, uma vez comemorada — não deve ser violada, pois um sacrifício especial a cimentou. IV — O SACRIFÍCIO DA PAZ O “sacrifício da paz” era um dos sacrifícios típicos mais significativos em Israel. Era o último da série de quatro dos sacrifícios de sangue simbólicos individuais instituídos e oferecidos. Como sacrifício regular era oferecido na festividade do Pentecostes, nas

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I Coríntios 3:15. Números 6:8. 3 Números 6:12. 4 Atos 10:36. 2

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consagrações e no cumprimento do voto do nazireado.1 Porém, quando oferecido pelo povo, em particular, era mais notável do que em ocasiões tais ou fixas. Não havia, neste caso, um animal especial indicado como para aquelas cerimônias. O ofertante podia imolar tanto um bezerro como um carneiro, tanto um cordeiro como uma cordeira, tanto um cabrito como um bode.2 Ficava a seu próprio critério a escolha do animal que ofereceria.3 O animal, porém, devia ser fisicamente perfeito e absolutamente sadio.4 Aquilo que era uma figura de Cristo, o “Cordeiro de Deus”, devia ser sem mácula. As ofertas pelo pecado e pela culpa suplicavam favores e perdão a Deus. A oferta pacífica não suplicava nenhum favor: Era um tributo de ação de graças e louvor a Deus pelo que Êle havia feito e exaltava Seu nome por Sua bondade e misericórdia. Deus não quer que Seus filhos manifestem uma espécie de egoísmo espiritual e só estejam prontos a suplicar bênçãos, mas que cultivem um espírito de gratidão e louvor a Êle — o Doador incansável. Os sacrifícios pacíficos eram de três espécies: O regular para comemorar a paz com Deus em face do completo perdão dos pecados, o de gratidão e o votivo. I — O sacrifício da paz pelo perdão: — O título deste sacrifício indicava não tratar-se duma oferta pelo pecado ou pela culpa — mas pela paz ou em virtude da paz. A separação havida entre Deus e o pecador, pelo pecado dêste, era removida pelos sacrifícios anteriores. Então, já que o caminho rumo a Deus estava desobstruído do obstáculo do pecado e o perdão e a justificação estavam assegurados, o liberto pecador comemorava êste grande fato com uma nova oferta sacrifical — o sacrifício da paz. Deus mesmo instituíra êste sacrifício para promover, incentivar, comemorar e estabelecer a paz entre Si e o pecador perdoado. O Senhor bem sabe que ninguém poderá adorá-1’O plenamente sem que esteja em absoluta harmonia com Êle. Nenhuma bênção especial poderá Êle conceder a quem estiver voluntàriamente separado de Si pelo pecado. Urge, pois, remover o negro entrave que traz a morte certa,5 e gozar ampla e gratuitamente os abundantes dons do celeste Pai, ansioso por distribuí-los. 1

Levíticos 23:15-20; Êxodo 29:19-28; Levíticos 9:4; Números 7:17; 6:14, 17-18. Levíticos 3:1-17. 3 Levíticos 19:5. 4 Levíticos 22:21. 5 Romanos 6:23 2

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É bastante pesaroso a Deus que Seus filhos dÊle se separem — quer por pecados conscientes quer por pecados inconscientes — e se privem assim das bênçãos da vida. A perda, dêste modo, da paz com Deus, significa a perda da paz com todos incluso consigo mesmo. Por isso há muitos crentes nervosos, angustiados, inquietos, temerosos, fácilmente irritáveis e de poucos ou nenhuns amigos. Estão desligados de Deus. Não fizeram as pazes com o Senhor através de Cristo — o divino sacrifício da paz. Propagam assim que Cristo está ausente de seus corações e vidas. Quando não há paz com Deus, o indivíduo está em verdade excluído da fonte da vida — o celeste Pai. O pecado ainda impera. Não foram providenciadas as ofertas do pecado e da culpa e por isso mesmo a oferta da paz não foi levada ao templo, pois não seria aceita sem a prévia remoção do pecado. E o crente, quase totalmente um descrente, jaz num estado de caos, de torpor espiritual, demonstrando ser, como tôdas as evidências — um religioso fracassado, falido, um cristão “João ninguém”. Sim, faltando a paz com Deus pelo não afastamento do pecado segundo o Seu plano, faltará tudo que é nobre na vida — todas as celestiais virtudes estarão ausentes do viver do pretenso crente. Esperava o Senhor que os antigos israelitas, depois da comemoração da paz Consigo pelo oferecimento do sacrifício pacífico não mais viessem a quebrá-la com novos pecados. Que houvesse paz permanente, inquebrantável daí em diante, com Deus e com todos, era a satisfação do amante Pai celestial. O mesmo almeja Êle hoje. Todavia, é imprescindível cimentar essa divina paz levando-Lhe a oferta pacífica que outra não será, para nós, senão o Seu próprio Filho, já imolado no Calvário. Nada mais maravilhoso do que o dom da paz. Paz consigo mesmo em particular e com o próximo — pela paz com Deus. O sacrifício da paz era uma figura gloriosa de Cristo, que é verdadeiramente a nossa paz com Deus e com todos os homens. Cristo “é a nossa Paz”, escreveu São Paulo.1 E São Pedro acrescenta: “A palavra que Êle enviou aos filhos de Israel anunciando a paz por Jesus Cristo”.2 Depois de extraída a gordura do sacrifício da paz como oferta queimada e entregue ao sacerdote certa porção especificada da carne, “a maior parte era devolvida ao ofertante para ser por êle e seus amigos comida em um festim sacrifical. Assim todos os corações 1 2

Éfeso 2:14. Atos 10:36.

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deveriam ser com gratidão e fé encaminhados ao grande Sacrifício que devia tirar o pecado do mundo”.1 Verdadeiramente maravilhoso! O sacerdote, a família e os amigos deviam participar festivamente com o ofertante de sua oferta no recinto do pátio do templo. Com êle deviam regozijar-se na paz que restabelecera com Deus. Seu louvor e gratidão ao Senhor devia contagiá-los. Ninguém que faça as pazes com Deus deve passar despercebido. Pois essa paz não deve ser feita em oculto. Deve ela ser notória, pública a todos. Um banquete em tôrno da oferta sacrifical devia publicar a maravilhosa paz entre Deus e o pecador feliz por esse fato. Não se concebe um crente oculto, ignoto. Suas amistosas relações com Deus deverão ser conhecidas de todos. O círculo de suas relações, e mais além ainda, deve maravilhar-se por ter êle reatado novamente sua amizade com Deus. Assim o quer Deus para que outros conheçam sua misericórdia e Seu imensurável amor em perdoar e em unir-Se ao pecador arrependido. Cristo é hoje o Cordeiro de nossa paz — é a oferta de nossa comunhão com Deus. Nossos íntimos devem participar conosco e conosco se alegrarem na paz que restabelecemos com Deus através a nossa divina oferta pacífica Cristo. Muito poucos crentes entretanto, se regozijam na paz de Deus como deviam. A maioria dêles parece não ter feito as pazes com o Senhor! Não apreciam devidamente o que Deus fêz por êles. Não compreendem que lhes assiste o direito e o privilégio de se sentirem contentes e felizes em serem cristãos. Em lugar de viverem aos clarões da cruz, vivem à sua sombra. Para êsses cristãos até mesmo a felicidade parece-lhes uma utopia. Mesmo o riso lhes é desconhecido e um sacrilégio. Sim, são bons cristãos, amam o seu Salvador, trabalham para Êle, mas lamentavelmente não são deveras felizes! Se vivessem no tempo de Cristo, não o acompanhariam às Bodas de Caná e se sentiriam chocados, perplexos ao verem o Mestre comer e beber com os publicanos e pecadores! Oh, sim, podemos quase assegurar não terem feito devidamente as pazes com Deus! Pois não a demonstram! Desconhecerão a oferta da paz? Por que não levam-na ao santuário e, não se alegram com seus íntimos em tôrno dessa gloriosa oferta pacífica que é Cristo?! II — O sacrifício da paz pela “gratidão”: — Esta oferta sobresaíase a todas as demais do gênero. Era oferecida por um coração cheio de louvor e transbordante de alegria por algum livramento ou por alguma 1

Patriarcas e profetas, E. G. White, 1ª ed. 639.

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bênção especial recebida de Deus. Não podia Deus consentir “que Seus filhos passassem por alto os abundantes favores que sempre lhes está a prestar. Urgia que lhes despertasse gratidão e apreciação devida pelas bênçãos e dons de sua imensurável graça por eles desfrutados, constantemente. No passado instituiu Deus a oferta pacífica de gratidão para ensinar Seu povo a ser-lhe grato por Suas incontáveis dádivas celestiais imerecidas. E, aquêle grande Deus, Doador de todo o bem, ainda não mudou. Espera Êle que cada um de Seus filhos, hoje, Lhe seja agradecido pelo desfrute de seus bens enquanto passando pela vida do mundo. Porém, quem é, hoje, grato a Deus por Suas incontáveis bênçãos constantemente desfrutadas, por tudo quanto goza aqui, — desde a vida e toda a munificência para mantê-la? Quem é, hoje, grato ao amante Pai celeste pela inapreciável bênção da salvação que provera em Jesus, Seu filho? Se ainda a civilização humana aí está, deve agradecer a Cristo, o Salvador, que é a garantia de Deus por sua sobrevivência. Mas, quem leva, hoje, a Deus, a oferta pacífica da gratidão — Cristo! Oh, sim, a ingratidão para com o amoroso Deus é a ordem do dia desta tresloucada civilização coberta de maldade! Leitor, demonstremos gratidão a Deus por todas as Suas celestiais dádivas, principalmente pela da redenção em Cristo Jesus — o Cordeiro Pacífico de nossa gratidão. Não maguemos o terno coração de nosso amante Pai com injustificáveis ingratidões consecutivas. III — A oferta pacífica “votiva”: — A oferta pacífica podia ser também “votiva”. Por uma razão ou outra, talvez por alguma bênção especial desejada, o ofertante fazia um voto ao Senhor. Êle podia, se assim o desejasse, consagrar-se a Deus a sós ou com sua família, ou ainda com tudo quanto possuísse. E isto fazia êle com uma alegria que lhe transbordava a alma, com um coração inundante de gôzo na comunhão com o Senhor.1 Um voto neste sentido fêz Ana em Sua súplica por um filho.2 Três coisas, porém, não estavam sujeitas à lei do voto: Todos os primogênitos; qualquer coisa consagrada à Deus; e o dízimo.3 Estas, como já pertencentes a Deus, não podiam ser votadas. Lamentàvelmente muitos cristãos modernos consideram sua palavra dada a Deus de pouca conta, e pouco respeito têm por seus 1

Levíticos 27:1-34. Levíticos 1:11. 3 Levíticos 27:26-34. 2

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compromissos para com Êle. Quebram desdenhosamente o voto de fidelidade aos caminhos do Senhor ao serem batizados cristãos; lançam mão do que é de Deus depois de votarem fidelidade a Êle. Tornam-se mundanos, egoístas e irreverentes. Sim, consideram de nenhuma valia a palavra que empenharam a Deus prometendo fidelidade em todo o sagrado. Seria melhor não votarem do que quebrar sacrilegamente o voto ao Todo-poderoso. É mediante Cristo, a oferta pacífica que o crente secunda o voto feito a Deus. O não cumprimento do voto, é uma ofensa, um sacrilégio contra o Salvador. Não podemos deixar sem menção algo importante exarado na “lei do sacrifício da paz”. Ao ofertante e seus convivas não deviam faltar os bolos e os coscorões asmos, fritos, de flor de farinha.1 E, notemos o que diz mais a inspiração: “Com os bolos oferecerá pão levedado com sua oferta, com o sacrifício de louvores da sua oferta pacífica. E de toda a oferta oferecerá um dêles por oferta alçada ao Senhor, que será do sacerdote que espargir o sangue da oferta pacífica”.2 É significativo o uso de fermento na oferta pacífica. Em geral o fermento não era permitido no ritual. Mas eis agora uma exceção. Outra exceção ocorrida na oferta das primícias. Todavia, não era permitido subir coisa fermentada ao altar “por cheiro suave”.3 As ofertas da paz bem como a reunião festiva resultante, não eram promovidas em suplicação do perdão, do pecado, senão em virtude da já obtenção, dêste. Seus ofertantes, porém, deviam estar isentos de pecado ou tê-los confessado a todos. Por que, então, a presença de pão levedado, símbolo do pecado, quando em dita ocasião de alegria o pecado devia estar ausente! É certo que o ofertante e seus convidados não participavam do pão levedado. Como suplicante anteriormente perdoado, êle não podia levar o pecado, e muito menos os que com êle se regozijavam. O pecado só é levado por aquêle que tomou o lugar do homem, assumindo a culpabilidade do pecado perante Deus.4 Na oferta da paz, note-se bem, um único pão levedado era oferecido, “por oferta alçada ao Senhor”, e êste era do sacerdote que espargia o sangue sôbre o altar.5 Sim, o único que na ocasião comia o pão levedado ou fermentado era o sacerdote. Só os sacerdotes como 1

Levíticos 7:11-12. Levíticos 7:13-24. 3 Levíticos 2:11-124. 4 II Coríntios 5:21. 5 Levíticos 27:13-14. 2

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representantes pessoais visíveis de Cristo, podiam levar o pecado em Seu nome, figurativamente. Entretanto, insistimos: Por que naquela oferta, proporcionada por um pecador perdoado de todo o pecado, este devia ser lembrado naquela ocasião através aquêle único pão levedado? Respondemos: Enquanto a oferta pacífica comemorava o restabelecimento da paz com Deus ou Lhe era um tributo de louvor ou voto, o pão levedado lembrava o pecado perdoado, cujo perdão tornara possível aquela festividade de regozijo. Em segundo lugar, ao participar o sacerdote, como representante de Cristo, do pão levedado, era assim garantida, ao perdoado pecador, a sua libertação definitiva do pecado, a sua reabilitação por Deus, a sua reintegração como súdito novamente leal na comunidade de Israel e a validade de sua festa de regozijo. E, ainda mais, o ofertante estava agora livre do pecado, mas Cristo, que o tomara, — na pessoa do sacerdote que comia o pão levedado — devia morrer; e êste fato não devia passar desapercebido pelo promotor da festa e por seus acompanhantes. Cristo, é, em verdade, o Pão da Vida, mas — “Fêz-se pecado por nós”, pelo que Êle também, o Pão Levedado pelo fermento de nossos pecados pelos quais morreu como pecador sem o ser. Maravilhoso Salvador! Outro fato que chama a atenção é a ordenança quanto a participar da carne do sacrifício pacífico. Se a oferta pacífica era de louvor ou gratidão, sua carne devia ser comida no dia do seu oferecimento a Deus. Coisa alguma podia ser deixada para o dia seguinte.1, Como era oferta de louvor, devia o ofertante convidar tantos quantos fossem capazes de consumí-la no mesmo dia. Aliás, um maior número devia associar-se a êle no tributo de louvor e gratidão a Deus. Da oferta pacífica de voto, porém, podia a sobra ser comida no dia seguinte. E, se alguma coisa sobejasse para o terceiro dia, devia ser queimada. Era terminantemente proibido comê-la ao terceiro dia, sob pena de o ofertante ser rejeitado bem como todos os que dela com êle participassem ao terceiro dia. Também, se qualquer pessoa comesse do sacrifício pacifico, sendo imunda, seria estirpada do povo do Senhor.2 Em tôdas estas comemorações vemos a solenidade a seriedade envoltas no sacrifício pacífico. A decisão do ofertante em consumir a 1 2

Levíticos 7:15. Levíticos 7:16-18, 20.

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oferta pacífica o mais tardar em dois dias, devia ser questão bem definida. Uma vez que dito sacrifício era uma figura de Cristo, não devia haver titubeio em comê-lo logo. Se desejamos Cristo, devemos tomá-lo e participá-lo totalmente, para sermos por Êle amplamente alimentados e abençoados, bem como concorrer para que um grande número também dÊle imediatamente participe. V — O SACRIFÍCIO DA OFERTA DE MANJARES Na oferta de manjares contínua ou ocasional,1 vemos um sacrifício evidentemente sem sangue. Dizemos um sacrifício, embora sem sangue, já por ser oferecida conjuntamente com determinados sacrifícios de sangue, já por ser um punhado dela queimado no altar das ofertas queimadas e em cima delas e já, principalmente, por ser o grão vivo que deu lugar à farinha — esmagado no moinho. Era grão com vida latente, próprio para ser semeado para perpetuar a vida. Agora, porém, jaz esmagado, sem vida. Jamais poderá ser novamente semeado, está absolutamente morto. A vida lhe foi esmagada. Tornouse inútil, porém? Não, mil vêzes não! Êle deu a sua vida, morreu para que os seres humanos pudessem perpetuar a sua vida humana. O esmagamento da vida do grão tornou-se o meio pelo qual a mesma vida é perpetuada e enobrecida ao sumo. Era a vida da semente; agora ajuda a manter a vida da criatura humana, de um ser feito à imagem e semelhança de Deus. A morte enriqueceu-a, glorificou- a, tornou-a útil à humanidade. Aí está uma gloriosa figura de Cristo, o Grão de Trigo trilhado para dar vida ao mundo. Êle disse; “Na verdade, na verdade vos digo que, se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica êle só; mas se morrer, dá muito fruto”.2 “Eu sou o pão da vida”.3 “Porque o pão de Deus é aquêle que desce do céu e dá vida ao mundo”.4 “Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém comer dêste pão, viverá para sempre e o pão que eu der é a minha carne, que eu darei pela vida do mundo”.5 Assim era a oferta de manjares um sacrifício típico do sacrifício antitípico de Cristo no calvário. 1

Neemias 10:33. S. João 12:24. 3 S. João 6:48. 4 S. João 6:33. 5 S. João 5:51. 2

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As ofertas de manjares eram geralmente usadas em relação com as ofertas queimadas e as pacíficas, mas nunca com as de expiação do pecado e as da culpa. Estavam ligadas às do holocausto e pacífica na seguinte base: para cada cordeiro do holocausto, “uma décima de flor de farinha misturada com a quarta parte dum him de azeite. E de vinho para libação... a quarta parte dum him”. Ao ser oferecido um carneiro, a oferta de manjares era de duas décimas de flor de farinha; e para um novilho, era de três décimas de flor de farinha. A oferta de libação era proporcionalmente aumentada. Em nenhuma oferta de manjares que subia ao altar em cheiro suave havia fermento”.1 Quando uma oferta de manjares consistia simplesmente em flor de farinha, devia o ofertante juntar azeite e incenso. Um punhado, então, era queimado pelo sacerdote, no altar das ofertas queimadas como memorial, em cheiro suave ao Senhor. O que sobejava era do sacerdote.2 Quando cozida ao fôrno, a oferta de manjares era de bolos asmos de flor de farinha, amassada com azeite, ou coscorões asmos untados com azeite.3 Quando cozida na caçoila ou na sertã, a oferta de manjares devia ser amassada com azeite. Depois era partida e sôbre ela era deitado azeite, o seu memorial era queimado sôbre o altar em cheiro suave ao Senhor, sendo o restante dos sacerdotes.4 A oferta de manjares das primícias era de espigas verdes, tostadas ao fogo; isto é, do grão trilhado de espigas verdes cheias. Azeite e incenso eram deitados sôbre ela. O sacerdote queimava o seu memorial do seu grão trilhado, com o azeite e incenso.5 O molho movido ofertado como primícias da colheita, que devia ser movido perante o Senhor no segundo dia da Páscoa, era também uma oferta de manjares.6 Outra oferta de manjares eram os dois pães de movimento cozidos com fermento, que se apresentavam ao Senhor como primícias por ocasião de Pentecostes.7 Outras ainda, eram a de manjares oferecida diàriamente por Aarão e seus filhos, que devia ser

1

Levíticos 2:11-12. Levíticos 2:1-3. 3 Levíticos 2:4. 4 Levíticos 2:5-10. 5 Levíticos 2:14-16. 6 Levíticos 23:10-12. 7 Levíticos 23:17-20. 2

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uma oferta perpétua, e a oferta do ciúme registada em Números.1 Há também uma oferta oferecida pelo pobre que era mais uma oferta pelo pecado que de manjares.2 Os doze pães sempre colocados semanalmente sôbre a mesa no primeiro compartimento do Santuário, eram na verdade uma oferta de manjares apresentada ao Senhor. Êstes pães eram chamados “pães da proposição” ou da presença, também conhecidos por “pães contínuos”.3 Como em todos os demais sacrifícios o sal jamais devia faltar em tôdas as ofertas de manjares.4 A presença do sal era evidência de poder e incorrupção. Já que todo o ritual era uma figura de Cristo, o sal apontava também para Êle como oferta de Deus, incorruptível. Todo o cristão, Seu seguidor, dissera Jesus, deve ser também o sal — o sal da terra — uma inestimável bênção ao mundo. Às ofertas de manjares acompanhava a libação de vinho que era derramada perante o Senhor, conquanto não sobre o altar.5 O registo referente à mesa dos pães da Proposição revela que havia pratos sôbre a mesa, colheres, cobertas, tigelas “com que se hão-de derramar os licores”.6 Havia assim nas ofertas de manjares o evidente emblema do sacrifício de Cristo; Os bolos e os coscorões — o Seu corpo pregado na cruz; e o vinho o Seu sangue derramado. Na era cristã “ceia do Senhor”, podemos dizer, é uma substituição da antiga oferta de manjares, enquanto os sacrifícios foram substituídos pelo, sacrifício de Cristo. Posto que tôdas as ofertas de manjares em primeiro lugar representassem a Cristo, o “Pão da Vida”, em sentido secundário representavam o reconhecimento do ofertante como dependente de tôda a munificência celeste, bem como da soberania de Deus e da mordomia do homem. Pelas ofertas queimadas, dizia o ofertante: “Tudo quanto eu sou pertence ao Senhor”. Pelas ofertas de manjares, dizia êle: “Tudo quanto eu possuo é do Senhor”. É notável que a oferta queimada eram sempre acompanhada da de manjeres.7 Verificase assim que, quando alguém se dedica a si mesmo a Deus, essa dedicação inclue também tôdas as suas posses terrestres. 1

Levíticos 6:20; Números 5:15. Levíticos 5:11-12. 3 Números 4:7; Levíticos 24:5-9; II Crônicas 13:10-11. 4 Levíticos 2:13. 5 Números 15:9-10, 24. 6 Êxodo 25:9. 7 Números 15:3-4. 2

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VI — O SACRIFÍCIO DO INCENSO Chamamos o oferecimento do incenso um sacrifício — já pelo fato de ser composto de elementos vivos da natureza tornados mortos para o produzirem; já por sua queima no altar sôbre candentes brazas; já por representar os méritos do sangue de Cristo derramado em Seu sacrifício na cruz do Calvário. A composição do incenso: Segundo Êxodo 30:34, era originalmente, por ordem expressa de Deus, de quatro ingredientes como seguem: 1. “Estoraque”: — Era uma goma que, de acordo a algumas autoridades, o “estoraque” é do “gênero de estyráceas tropicais, que fornecem o benjoim e certas resinas odoríferas”. 2. “Inicha”: — Admitido pelos melhores críticos ser o unguis odoriferans descrito por Ramph, que é a crosta externa do molusco púrputa ou murex, e é a base dos principais perfumes feitos nas índias Orientais. 3. “Galbano”: — Essencialmente resinoso é abundante na Síria e África. Quando só, emite um desagradável aroma, mas, quando em igualdade com outros ingredientes, contribue para aumentar a fôrça e o hilariante efeito do aroma. Estas substâncias deviam ser misturadas (de acordo a arte do perfumista), e salgadas, como prescrito para as outras ofertas cerimoniais.1 Então tudo era moído ou micropulverizado. O galbano cresce com uma linda aste de oito a dez pés, que é guarnecida com folhas em cada junta. O topo da aste é encimado por uma umbela de flores amarelas, que são sucedidas por estreitas sementes oblongas, com uma fina membrana ou palheta nas bordas. Quando alguma parte da planta é quebrada flui uma pequena quantidade de fino leite de uma côr amarelo-claro. O sumo resinoso pastoso que procede desta planta é que é comumente chamado “galbano”, o “chelbenah” dos hebreus. 4. “Incenso puro”: — Do hebraico “lebonah”. Em Cantares 4:14, o têrmo aparece indicando que o incenso a que alude era produzido de certas árvores, ou, precisando o têxto, “com tôda a sorte d’árvores d’incenso”. Ditas árvores produzem uma substância resinosa sêca, de côr amarela-pálido de forte aroma e de sabor acre amargo. As árvores que produzem esta espécie de puro incenso não são hoje bem 1

Levíticos 2:13.

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conhecidas. Diascarides menciona uma como existente na índia. O que é chamado “puro incenso” em Êxodo 30:34, não há dúvida ser o mesmo que o Masculathura da árvore, aquela que é mais forte e mais expansiva de tôdas as estranhas misturas. Os versículos 37 e 38, advertiram os hebreus, da parte de Deus, que ninguém fizesse incenso igual, com as misturas apontadas, para uso particular, sob pena de extirpação dentre o povo do Senhor. Vemos aqui quão cuidadoso é Deus em preservar Sua própria adoração e Sua própria verdade, assim como prevenir de serem adulteradas por invenções humanas. Porém, a despeito de tôda esta séria advertência, os rabinos judeus acrescentaram, mais tarde, outras sete misturas aromáticas ao incenso original de inspiração divina. Mirra, Cássia, Epikenard, Saffron, Costua, Calamus e Cinsmon”.1 Assim o incenso passou a ter 11 substâncias aromáticas.2 E Joséfo fala de 13 perfumes integrantes de incenso.3 Vemos quão levianamente aquêle povo violou a advertência clara de Deus, acrescentando ao original incenso substâncias outras que Deus não as indicou, Esta fraude revelou o tradicionalismo de Israel e sua falsificação do culto de adoração a Jeová. E não é de admirar que aquêle povo, depois de aduzir por séculos o seu tradicionalismo humano à verdade original de Deus, se distanciasse tanto dela, que a perdesse de vistas e fôsse levado até a rejeitar e matar o Filho de Deus. Pensemos no cristianismo do século! Quão distanciado jaz do culto original de Deus! Fêz a verdade cristalina do evangelho inspirado desaparecer sob uma avalancha de tradicionalismo mundanal, doutrinas essencialmente humanas que por isso mesmo não são doutrinas religiosas, pois a religião só pode proceder de Deus e por Sua inspiração e não por criação dogmática do homem. O santo “incenso contínuo” era simbólico dos méritos do sangue de Cristo. No Apocalipse deparamos o Senhor, na figura de um anjo, oficiando junto do altar do incenso em pról de seu povo em aflição no mundo.4 Através do incenso meritório tem êle feito chegar ao Pai as suplicâncias de Seu povo em todos os tormentosos séculos da era

1

Êxodo 30:23-24; Cantares 3:6; l:12; 4:14; Salmos 45:8; Ezequiel 27:19; S. João 12:3. Cf. Kerithoth 6ab; Maimorides, Hilkoth Kelê Hammikdash, II 1-5. 3 Josefo, Guerra V, V. 5. 4 Apocalipse 8:3-4. 2

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cristã. Seus escolhidos devem ser impressionados com o fato de ser o incenso o produto de ingredientes aromáticos, pelo que aromáticos ou agradáveis ao Pai são os Seus méritos intercessóríos. Também aromáticas, portanto, devem ser as suas orações enviadas ao divino intercessor; orações de absoluta consagração, de inteira submissão, expressivas de incondicional devoção, procedentes dum coração transbordante de gratidão e divino amor pelo amante Redentor que tanto os quer e que por êles deu Sua preciosa vida para salvá-los e fazê-los felizes por tôda a eternidade. Sendo que o incenso era oferecido simultaneamente com o “Holocausto Contínuo” e a oferta de manjares contínua, era também denominado “incenso contínuo”.1 Sua importância jaz no fato de ser oferecido com as demais ofertas contínuas na hora exata do culto de devoção e consagração a Deus. “Dia e noite o santo incenso difundia sua fragrância pelos compartimentos sagrados, e fora longe em redor do tabernáculo”.2 As duas horas de culto diário eram muito solenes. “E tôda a multidão do povo estava fora, orando, à hora do incenso”.3 Escrevera o Salmista: “Suba a minha oração perante a tua face como incenso, e seja o levantar das minhas mãos como o sacrifício da tarde”.4 Sim, orações suaves como o suave incenso. Para um sacerdote, o maior privilégio de seu ministério fora o oferecimento do incenso. Talvez êsse privilégio para alguns dêles era realidade apenas uma vez na vida sacerdotal. Em virtude de tantos sacerdotes, dificilmente a sorte caia duas vêzes sôbre alguns dêles para a queima do incenso no altar do lugar santo.5 Em dita ocasião, era privilégio do sacerdote escolhido pela sorte, aproximar-se mais diretamente da “presença de Deus do que em qualquer outro ato do ministério diário”. “E se, como por vêzes acontecia, o Senhor Se revelava na nuvem por sôbre o propiciatório, a impressão produzida na mente do sacerdote pela santidade de Deus era tão profunda que para sempre permanecia indelével. Vira a glória do Senhor e não fôra consumido”.6 O povo esperava ancioso o término do culto para receber a bênção divina pronunciada pelo sacerdote oficiante do incenso.7 1

Êxodo 30:8. Patriarcas e Profetas, E. G. White, 1ª ed. pág. 374. 3 S. Lucas 1:10. 4 Salmos 141:2. 5 S. Lucas 1:9. 6 O Ritual do Santuário, M. L. Andreasen, pág. 114. 7 S. Lucas 1:21. 2

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Ninguém, senão os sacerdotes descendentes de Aarão podiam entrar no templo para oferecer o incenso. Há dois relatos no Velho Testamento, dois casos de indivíduos imprudentes que pretenderam o direito de oferecer o incenso sem serem descendentes de Aarão e alguns deles nem mesmo descendentes dos levitas. O primeiro caso está afeto à bem conhecida rebelião de Koré. Datã e Abirã, que, reunindo em tôrno de si 250 príncipes de nomeada da congregação, fizeram-nos sacerdotes improvisados conjuntamente com eles para oferecerem o sagrado incenso. O Senhor, porém, mostrou que Aarão — a quem invejavam particularmente e pretendiam que fôsse substituído por um dos 250 — era o seu preferido. Depois de Deus mostrar a Sua preferência, a terra abriu e tragou vivos os culpados — Koré, Datã e Abirã — e os demais homens, todos os 250 que ousadamente se apresentaram à porta do santuário com os seus incensários acessos.1 O outro caso prende-se ao rei Ozias, monarca de Judá, que, após fazer-se poderoso no reino, pretendeu a dignidade sacerdotal. Chegou a entrar no templo para oferecer o incenso. Resistido por oitenta e um sacerdotes e indignando-se contra êles, foi imediatamente ferido de lepra, praga essa que o acompanhou até ao fim de sua vida e da qual morreu.2 Dois sacerdotes, Nadab e Abiú, filhos de Aarão, morreram junto do altar do incenso no lugar santo. Intoxicados pelo vinho e por isso mesmo tendo perdido a idoneidade para o santo ofício, compareceram mesmo assim, embriagados, para oferecê-lo na hora sagrada do culto da nação. O juízo de cima não se fêz esperar sendo ambos fulminados por fogo que saiu de Deus. Haviam êles pôsto fogo estranho, aliás, de fora do santuário, em seus incensários, para o porem no altar e queimarem incenso sôbre êle. O fogo para a queima do incenso no altar do lugar santo era “fogo sagrado que o próprio Deus acendera e que Êle ordenou fôsse usado para tal fim”.3 Devia ser fogo do altar das ofertas, queimadas.4 Mas, êles, vítimas da intemperança, pagaram com a vida o desacato ao sagrado ritual cujas leis não ignoravam.5 1

Números 16:1-49. II Crônicas 26:16-21. 3 Patriarcas e Profetas, E. G. White, 1ª ed. pág. 387. 4 Levíticos 16:12. 5 Levíticos 10:1-11. 2

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VII — O SACRIFÍCIO DA BEZERRA RUIVA Nenhum sacrifício ligado ao culto de Israel era mais importante do que o da “bezerra ruiva”. Não era um sacrifício particular ou individual, mas sim do povo e provido pelo próprio povo embora por ordenança de Deus. Representava a mais perfeita oferta que devia redimir da poluição do pecado. O seu sacrifício era uma impressiva figura do sacrifício de Cristo no Calvário. Esta bezerra devia ser “ruiva”, um símbolo de sangue. Devia ser também sem mancha ou defeito, e que jamais houvesse estado sob jugo. Aqui novamente Cristo foi tipificado. O Filho de Deus veio voluntàriamente cumprir a obra de expiação. Nenhum jugo obrigatório pairava sôbre êle; pois Êle era independente e o único livre dos requerimentos da lei para empreender a redenção da raça pecadora. Jesus tinha poder para dar a vida e tomá-la outra vez.1 Nenhuma lei sacrifical foi dada por Deus com tanta amplitude e minúcias como a do sacrifício da “bezerra ruiva”. Nisto vemos a solenidade e a importância dêste sacrifício. A lei do holocausto, a mais solene oferta queimada no altar, consta de apenas seis versículos; a da expiação do pecado de sete versículos; a da expiação da culpa de dez; a do sacrifício da paz de onze e a da oferta de manjares de cinco.2 Todavia, a lei de sacrifício da “bezerra ruiva” consta de um capítulo inteiro de vinte e dois versículos.3 Nesta fato constatamos um dos grandes relevos dêste sacrifício. Outro fator de capital importância ligado ao sacrifício da “bezerra ruiva”, é o de revelar Deus a dois homens, os maiores da nação — Moisés e Aarão — a lei que a êle diz respeito. As leis dos demais sacrifícios e ofertas foram dadas somente por intermédio de Moisés. Porém a da “bezerra “ ruiva” foi revelada não só a êle como mediador entre Deus e a nação, mas também, conjuntamente, ao guia espiritual visível e supremo do povo, que devia torná-la efetiva. Vê-se assim a seriedade e o mérito dêste sacrifício cuja responsabilidade é posta com muita solenidade sôbre os ombros dos maiores líderes do povo de Deus. Como Aarão, o sumo-sacerdote, não se devia poluir para não incapacitar-se assim, ainda que temporariamente, para seus sagrados mistérios, a execução do sacrifício e cerimonial da “bezerra ruiva” foi, 1

S. João 10:17. Levíticos 6:1-30; 7:1-38. 3 Números 19:1-22. 2

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por ordem expressa de Deus, confiada não a um simples sacerdote, mas a Eleazar, que estava mais próximo a Aarão em graduação sacerdotal e que seria o seu futuro substituto como sumo-sacerdote.1 Assim Eleazar representou a Aarão naquele importante sacrifício. Agora trataremos propriamente da lei do sacrifício da “bezerra ruiva”, que, como a dos demais sacrifícios, foi ditada pelo próprio Deus, cujo ritual, porém, era inteira e totalmente diverso dos demais, pelo que, como oferta sacrifical, não podia em face disto, ser imolada no pátio do santuário e queimada no altar dos holocaustos. A “bezerra ruiva” era imolada fora do acampamento de Israel e da mais expressiva maneira. Assim Cristo, cujo emblema era ela, sofreu fora das portas de Jerusalém. Isto foi para mostrar que Ele não morreu unicamente pelos hebreus, mas por tôda a humanidade. Ao ser imolada pela primeira vez uma bezerra ruiva”, o fôra em presença de Eleazar que na ocasião trajava a mais imaculada veste branca sacerdotal. Tomou êste sacerdote do sangue quente ao fluir do corpo da vítima, e o espargiu com solenidade “sete vêzes” em direção ao santuário. A seguir um homem prèviamente designado reduziu o corpo do animal inteiramente a cinzas, enquanto o sacerdote jogava no incenso “pau de cedro, hissopo e carmesim”. Significava isto um todo e amplo sacrifício típico. Apôs esta cerimônia Eleazar volta ao arraial tendo-se prèviamente banhado bem como suas próprias vestes, sendo considerado imundo até à tarde ou até à noite. A pessoa que queimava a bezerra devia também banhar-se e lavar suas vestes, ficando igualmente imunda pelo mesmo período. Logo um homem limpo ou incontaminado pelo contato com um morto, recolhia a cinza da bezerra e a colocava num lugar limpo fora do arraial; e, como os dois anteriores citados, também êle devia lavar-se bem como a seus vestidos, ficando imundo também pelo mesmo tempo. Três homens ligaram-se à cerimônia: um para dirigir o ritual, outro para queimar a oferta e outro para recolher as cinzas. Os três estavam limpos, mas se poluíram com o ato e foram obrigados a lavar seus corpos e suas vestes. Tudo isto emprestara ao ato a maior solenidade e o tornara o mais impressionante de tudo quanto dizia respeito aos sacrifícios simbólicos de animais e a todo o ritual do santuário. A cinza da “bezerra ruiva”, de mistura com água viva, — água corrente, limpa e pura, — num vaso especial, era usada para purificar a todo o indivíduo em Israel que, necessária ou acidentalmente, 1

Números 20:25-28.

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entrava em contato com a morte — cadáver, ossos, sepultura ou tenda ou casa em que houvesse um morto — por isso considerado cerimonialmente imundo. Isto devia impressionar convincentemente aos hebreus com o fato de que a morte era resultante ou consequência do pecado. Tais pessoas se tornavam imundas por sete dias, e tornando igualmente imundos a todos nos quais tocassem. Mesmo qualquer objeto por elas tocado dentro dos sete dias, se tornava imundo. Porém, ao terceiro dia da poluição deviam ser purificadas segundo a lei desta cerimônia, ficando completamente limpas da poluição ao sétimo dia. Um sacerdote cerimonialmente limpo e puro devia efetuar a cerimônia da purificação do poluído. Tomava um pau de cedro, um pano de escarlata e um molho de hissopo, e espargia do conteúdo do vaso sôbre a tenda ou casa onde havia um morto e sôbre os que nela estivessem. A fim de ser perfeita, era a cerimônia repetida várias vêzes e realizada como uma purificação do pecado, o mesmo era feito em relação a uma pessoa apenas, que entrava em contato com mortos. A própria pessoa que espargia aquela água — chamada “água da separação” — ficava imunda até à hoite e devia banhar-se e lavar as suas vestimentas. E é interessante que tôda esta lei do cerimonial da “bezerra ruiva” era obrigatória também no estrangeiro que peregrinava em Israel. Todo o indivíduo que em qualquer circunstância se contaminava com um morto, e se recusava a se purificar com a “água da separação”, contaminava o santuário de Deus. O tal era incontinentemente extirpado da comunidade do povo de Deus. O sacrifício da “bezerra ruiva” e seu ritual demonstra que o Todopoderoso exige que Seu povo seja inteiramente purificado da contaminação do pecado e absolutamente consagrado a Êle com tudo quanto possui, pois Deus só aceita um culto e uma devoção em que tudo Lhe seja consagrado conjuntamente com o seu possuidor. O Altíssimo não poderá aceitar, de nenhuma forma, uma devoção parcial, pois Êle não usa de meias medidas com Satanás. Ou a pessoa a Deus se consagra com tudo quanto no mundo Êle mesmo lhe deu ou não será aceita. O sacrifício de Cristo, figurado no da “bezerra ruiva”, deve efetuar uma inteira remoção do pecado e uma consagração sem reserva da inteira vida, neutralizando todo o cheiro do egoísmo, limpando, lavando e purificando de tôda a mácula da maldade todos aqueles que desejam permanecer nas fileiras de Seu povo. Sim, limpos da morte que resulta da participação do pecado. 522

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O que segue, uma exposição adicional e impressionante do sacrifício da “bezerra ruiva”, deve levar todo o cristão a uma séria investigação de sua vida e fazer uma dedicação completa e incondicional a Deus e a seu amante Salvador: “Alguns podem ver na morte da “bezerra ruiva” uma cerimônia inexpressiva; porém foi executada pela ordem de Deus, e encerra uma profunda significação que não perdeu sua aplicação no tempo presente. “O sacerdote usou cedro e hissopo mergulhando-os na água da purificação e espargindo o imundo. Isto simboliza o sangue de Cristo derramado para purificar-nos das impurezas morais. Os repetidos espargimentos ilustram a eficácia da obra que deve ser efetuada em favor do penitente pecador. Tudo o que êle possui deve ser consagrado. Não só sua própria alma deve ser lavada, branqueada e purificada, senão que êle deve esforçar-se por ter sua família, seus acordos domésticos, sua propriedade e suas inteiras posses consagradas a Deus. “Após ter sido a tenda espargida com hissopo, sôbre a porta daqueles purificados era escrito — não sou propriamente meu; Senhor, eu sou Teu. Assim deve ser com aqueles que professam ser purificados pelo sangue de Cristo. Deus não exige menos agora do que o fazia em tempos passados. O salmista, em sua oração, referiu esta simbólica cerimônia quando disse: “Purifica-me com hissopo, e ficarei puro: lava-me, e ficarei mais alvo do que a neve. Cria em mim, ó Deus, um coração puro, e renova em mim um espírito reto. Torna a dar-me a alegria da tua salvação, e sustem-me com um espírito voluntário”.1 “O sangue de Cristo é eficaz, mas necessita ser aplicado continuamente. Deus não somente quer que Seus servos usem os meios que Êle tem confiado para Sua glória, mas deseja que façam uma consagração de si próprios à Sua causa. “Uma solene demonstração foi feita ao antigo Israel de que o homem que estivesse impuro e se recusasse purificar a si mesmo, seria estirpado dentre a Consagração. Isto tem um especial significado para nós. Se era necessário nos antigos tempos o imundo ser purificado pelo sangue de aspersão, quão essencial para aquêles que vivem nos perigos dos últimos dias, expostos às tentações de Satanás, ter o sangue de Cristo aplicado a seus corações diàriamente”.2 3 1

Salmos 51:7, 10-12. Hebreus 9:13-14. 3 Testemonies for the Church, E. G. White, Vol. VI, páginas 120-123. 2

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O DIA DA EXPIAÇÃO EM ISRAEL O Dia da Expiação era o mais solene dia em Israel. A razão do Dia da Expiação e a própria Expiação é bastante evidente nas ordenanças do culto divino de adoração do antigo povo hebreu prescritas solenemente pelo próprio Deus. Notemos, pois, as razões de Deus do porquê da Expiação: “Assim fará expiação pelo santuário por causa das imundícies dos filhos de Israel e das suas transgressões, segundo todos os seus pecados: e assim fará para a tenda da congregação que mora com êles no meio das suas imundícies”.1 Aqui está: O povo de Deus devia ter uma idéia clara do pecado e suas fatais conseqüências. Vemos bem claramente que eram os pecados de Israel — semelhantes à imundície — que contaminavam o santuário e o próprio sacerdócio e o altar das ofertas queimadas, contaminação esta que ocorria durante todo o ano através do serviço diário ligado às ofertas sacrificais do povo pelo pecado. O Dia da Expiação, pois, implicava numa obra quádrupla: Purificação do santuário, do sacerdócio, do altar e do povo ou seus adoradores. Notemos: “Assim expiará o santuário também expiará a tenda da congregação e o altar; semelhantemente fará expiação pelos sacerdotes e por todo o povo da congregação”.2 Deveras o povo devia entender a aversão de Deus ao pecado e compreender a necessidade urgente de abster-se, dêle antes que êle os separasse fatalmente do Senhor, da santa comunidade de Seu povo e bem assim do Seu eterno reino prometido. A questão era muito séria. Antes de prosseguirmos, urge perguntarmos aqui: Se os israelitas constantemente levavam suas ofertas por seus pecados ao santuário, preenchendo assim os requisitos do cerimonial e do ritual, que razão haveria para só serem perdoados num dia especial do ano, no Dia da Expiação ou dia do juízo e não imediatamente ao satisfazerem as estipulações das prescrições do culto levando a oferta pelo pecado? Respondemos em primeiro lugar que, se o pecador visse seu caso liquidado de pronto ao apresentar-se com sua oferta sacrifical por seu pecado aos sacerdotes, sua devoção deixaria de sê-la para tornar-se um culto mecânico destituído de fé e mesmo de graça divina, sendo então uma farsa religiosa sem quaisquer méritos diante de Deus. Não seria êle um penitente, um contrito suplicante cônscio da malignidade 1 2

Levíticos 16:16. Levíticos 16:33.

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do pecado, mas simplesmente alguém que procedia com um sacrifício prescrito apenas para não ser expulso do aconchego do povo de Deus. Veria êle no sistema do culto do santuário o seu ritual tão apenas um meio fácil e rápido de obter o perdão de seus pecados sem com êles se impressionar seriamente. E seria então levado a pecar em virtude da facilidade de obter o perdão e ser aceito por Deus. Assim êle iria pecar para confessar e confessar para tornar a pecar, perdoado imediata e definitivamente, não teria o pecador oportunidade e tempo de rever o seu pecado; não teria uma visão de sua gravidade; não veria nêle conseqüências fatais que poderiam jogá-lo no abismo da perdição eterna, sobretudo, se perdoado fôra o pecador no ato da entrega e imolação de sua oferia pelo pecado, — não veria nela uma oferta típica da oferta antitípica do “Cordeiro de Deus” que realmente lhe haveria de apegar o pecado e reabilitá-lo. Êle cumpriria as ordenanças do culto do santuário como um currículo religioso mecânico da nação sem se aperceber do efetivo valor para salvá-lo. Sim, veria no culto do santuário apenas uma forma vazia de religião e não um divino plano de remissão real do pecado centralizado num Todo-poderoso Salvador. E estaria em perigo de ver, nos sacerdotes humanos, a única, razão de ser do perdão dos pecados, aliás, de crêr que os sacerdotes eram realmente os que lhe perdoariam o pecado e não Deus. No dia prefixado para o trato de Deus com o pecado e o pecador, êste era ordenado a afligir-se, na expectativa de ser ou não perdoado.1 Isto estava destinado a imprimir-lhe aversão ao pecado e temor de suas inevitáveis e fatais conseqüências, se não fôsse para sempre abandonado. O Dia da Expiação era em verdade o mais solene dia do ano em Israel. Era dia decisivo para cada membro da comunidade do povo de Deus. Naquele dia era decidido quem devia viver e quem devia morrer. Durante uma década antes todo o israelita devia fazer um rigoroso exame de consciência, coração e vida e confessar todo o pecado mediante os sacrifícios prescritos que levar ao santuário. Ao chegar o grande dia cada indivíduo do povo e do sacerdócio devia estar limpo de pecado e em perfeita unidade com Deus se pretendesse sobreviver. Completa abstenção de trabalho e profunda meditação espiritual devia caracterizar a cada um naquele sério dia.2 Pois aquêle importante dia, que ocorria aos 10 do sétimo mês judáico (Tishri), 1 2

Levíticos 16:29. Levíticos 23:29-30.

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correspondente a outubro do nosso calendário, era considerado o dia do juízo para tôda a nação de Israel. Era deveras um dia muito sério. O sumo-sacerdote era a pessoa central no Dia da Expiação, estando a expiação inteiramente a seu encargo. Suas vestes neste dia eram as alvas vestes do sacerdote comum. Todavia, antes de penetrar no santuário pelo povo, devia penetrar por si e pelo sacerdócio, levando o sangue do sacrifício prescrito — um novilho — para fazer expiação por si e pelo sacerdócio, em virtude de durante o ano terem levado o pecado do povo.1 Depois dois bodes eram trazidos ao santuário, sendo lançadas sortes sôbre êles — caindo uma sorte para Deus e outra para o “bode emissário”.2 O bode cuja sorte caía para o Senhor, era imolado como oferta de Expiação geral dos pecados do povo de Deus, — confessado durante o ano mediante o ritual diário. Somente um sacrifício expiatório de Deus como o era êste, poderia remover o pecado acumulado no santuário e purificá-lo da “imundícia” de Israel. Só eram levados em conta e perdoados os pecados confessados e que através dos sacrifícios dos penitentes davam entrada no santuário. Os pecados não confessados mediante um sacrifício correspondente, depunham contra; o pecador e o levavam à morte. O bode do Senhor ou cuja sorte caía para Êle, chamava-se “bode da expiação do pecado”.3 “Depois degolará o bode da expiação”.4 Era oferecido “para expiação do pecado”.5 O sangue do bode era chamado — “Sangue da expiação do pecado”.6 A expiação do povo era efetuada unicamente pelo sangue do bode morto como uma oferta pelo pecado. Assim a Expiação não representava aquilo que seria feito com o animal o seu sangue depois de sua morte, mas a sua própria morte e o seu próprio sangue derramado em oferta sacrifical pelo pecado — era em verdade a expiação do pecado. O perdão do pecado e sua remoção ao santuário — da presença de Deus — era resultante da morte expiatória do bode, do fato de seu sangue, ter sido derramado pelo pecado. Portanto, tudo o que era conseguido pela disposição ritualística do seu sangue — a purificação do sacerdócio, do povo, do 1

Levíticos 16:3, 6, 11. Levíticos 16:8. 3 Levíticos 16:27. 4 Levíticos 16:15. 5 Levíticos 16:9. 6 Levíticos 5:9. 2

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santuário e do altar, — nada mais era do que os benefícios resultantes da expiação realizada pela morte do animal e por seu sangue expiatório previamente derramado. Assentando, dizemos que, no ato da morte o derramamento do sangue do animal ou do bode, se processava a Expiação; e a disposição do sangue no santuário, segundo o ritual trazia todos os benefícios do completo perdão pela Expiação já realizada. Êste sacrifício expiatório do Dia da Expiação, era um símbolo perfeito de Cristo imolado na cruz. Foi na cruz que o Filho de Deus efetuou — com sua morte e o derramar de Seu sangue — a Expiação do pecado do mundo. Êle é o “Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”. Sim, Êle é o “Cordeiro”, a própria Expiação oferecida, realizada e completada no Calvário para benefício de tôda a humanidade. Trataremos disso mais adiante. Não são poucos os que, por um estudo do santuário sem muita apreciação, concebem que a Expiação, no dia da Expiação, era realizada no santuário e não no ato da morte e derramamento do sangue do bode cuja morte caía para o Senhor. De igual modo concluem quê a morte de Cristo na cruz foi uma morte de Expiação, mas que, ao subir ao céu, iniciou Êle uma obra preparatória no lugar santo do santuário celestial, para entrar, no tempo apontado pela profecia, ou seja no ano de 1844, no lugar santíssimo, e proceder, então, e só então, ali, a Expiação real, finda a qual voltará à terra. Antes de verificarmos o êrro desta concepção, demonstraremos como em o antigo Israel era às vêzes procedida a Expiação do pecado fora do santuário e mesmo sem derramamento de sangue. Vejamos: Dos sacrifícios de “expiação do pecado” e “expiação da culpa”, o sangue não era levado para dentro do santuário, sendo contudo uma oferta de expiação do pecado.1 Nem mesmo o sangue do “holocausto contínuo” da manhã e da tarde — uma perfeita figura do Holocausto do Calvário — era levado para o interior do santuário; e ainda nada sabemos sôbre a disposição do sangue dêste sacrifício. No entanto, era um holocausto pelo pecado. Até a queima da gordura e de um punhado de farinha, no altar, fazia expiação do pecado. Havia completa ausência de sangue; todavia, é dito ter sido expiação do pecado.2 O próprio sacrifício da “bezerra ruiva”, em que havia derramamento de sangue, foi levado a cabo longe, bem longe do santuário; e sabemos que sua cinza com água purificava do pecado, 1 2

Levíticos 4:25. Levíticos 4:26, 31; 5:11-13.

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fazia expiação.1 Estranhas expiações do pecado foram feitas, fora do santuário, sem derramamento de sangue algum e sem nenhum sacrifício. No dia seguinte à mortandade de Koré, Datã, Abirã e seus simpatizantes, o povo se revoltou. Uma praga, como castigo, começa a dizimá-los. Aarão, porém, pôs-se “entre os mortos e os vivos” com o incensário em punho, fazendo expiação com o incenso — detendo a praga. Eis aí uma expiação na qual não houve sacrifício nem sangue — mas a Palavra de Deus diz ter sido uma expiação do pecado.2 E foi uma eficaz expiação. Somos informados que Finéias, o sacerdote, fêz expiação do pecado, na apostasia do Jordão, atravessando com uma lança um israelita e uma midianita no interior de uma tenda — e a praga cessou.3 O próprio Senhor Deus dissera que Finéias fizera “propiciação pelos pecados de Israel”. Foi um caso bastante estranho de expiação; contudo o testemunho de Deus a evidenciou — embora não implicasse nem em sacrifício, nem em sangue e muito menos em o santuário. Outra ocorrência, ainda mais estranha de expiação, encontramos no segundo livro do profeta Samuel, capítulo vinte e um. Sete descendentes de Saul foram enforcados como expiação por ter aquêle rei assolado os gibionitas que haviam sido ajuramentados por Israel de que não os destruiria. Ainda que no caso houvesse sangue humano dos sete homens, contudo não era sangue de sacrifício legal pelo pecado. No entanto, foi expiação procedida conforme o versículo três daquele capítulo. Verificamos, com os exemplos dados, que, aqueles que mantêm o ponto de vista de que a expiação só era possível dentro do interior do santuário, terão que abjurar tal concepção e confessar a necessidade pessoal de proceder um mais acurado estudo do santuário e seu ritual. Voltando ao Dia da Expiação em Israel, dizemos que o sangue do bode do Senhor era levado, pelo sumo-sacerdote, ao lugar santíssimo do santuário, até diante da arca sagrada, e ali espargido sete vêzes sôbre a face do propiciatório, diante do “shekinah”, sendo dêste modo satisfeitos os requerimentos da lei que estava na “arca do concêrto”. Ao entrar neste compartimento, no Dia da Expiação, o sumo-sacerdote o fazia empunhando o incensário, cuja nuvem de incenso lhe 1

Números 19:1-22. Números 16:46-50. 3 Números 25:1-14. 2

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possibilitava achegar-se ante a glória da presença de Deus — o Shekinah — para que não morresse. Saindo do lugar santíssimo, o sumo-sacerdote espargia o sangue sete vêzes sôbre o altar do incenso no lugar santo e o colocava sôbre as suas quatro pontas em seus quatro cantos. A mesma cerimônia do sangue procedia no altar das ofertas queimadas, purificando-o.1 Ao deixar o santuário, o sumo-sacerdote trazia sôbre sua pessoa, como intercessor simbólico — todos os pecados de Israel ali acumulados mediante a disposição do sangue durante todo o ano. Fazendo, porém, chegar o bode vivo ou “emissário”, punha as mãos sôbre a cabeça do animal, e, numa simples cerimônia simbólica, fazia passar para êle “tôdas as iniqüidades dos filhos de Israel, e tôdas as suas transgressões, segundo todos os seus pecados”. Com esta cerimônia o bode “emissário” levava a culpa, como instigador figurativo, dos pecados do povo de Deus. Conduzido em seguida ao deserto por um homem designado para êste ato, não mais voltava ao acampamento de Israel; morria por fim, na “terra solitária”.2 Veja-se adiante: A culpabilidade de Satanás, página 540. Assim, pela expiação do sangue do bode, estavam limpos de pecado o santuário, o sacerdócio, o povo e o altar. O SANTUÁRIO DO NÔVO CONCÊRTO A expressão “Velho Concêrto” implica na existência dum “Nôvo Concêrto”. O chamado “Velho Concêrto”, estabelecido no Sinai com Israel, era uma figura do “Nôvo Concêrto”, ou “concêrto da graça”, que Deus desejava tornar novamente conhecido de seu povo tirado do cativeiro que o esquecera. Embora tenha o “Nôvo Concêrto” êsse nome, fora estabelecido anteriormente ao denominado “Velho Concêrto”. O “Concêrto da Graça” ou “Novo Concêrto” existiu em plano antes da queda do primeiro homem, Adão, e implica perdão a todo o gênero humano através a fé em Cristo. Assegura vida eterna sob condição de estrita obediência à lei de Deus. Mais tarde o “Nôvo Concêrto” foi renovado com Abraão nos têrmos seguintes: “Em tua semente serão benditas todas as nações da terra”.3 Essa promessa apontava para Cristo mediante quem 1

Levíticos 16:15-20. Levíticos 16:20-22. 3 Gênesis 22:18. 2

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alcançariam os gentios a justificação pela fé.1 Tendo sido aceito pela fé desde a primeira promessa da redenção no Éden, o Nôvo Concêrto só foi ratificado e tornado efetivo pela morte de Cristo no Calvário. É chamado assim “Nôvo Concêrto” porque o sangue que lhe deu validade foi derramado depois do sangue dum animal que deu validade ao “Velho Concêrto” do Sinai com o velho Israel. Todavia, o “Nôvo Concêrto” era válido antes. Sendo Cristo o Mediador do “Nôvo Concerto”, fôra necessário intervir com sua morte e seu sangue para ratificá-lo, dar-lhe fôrça e efetiva validade.2 Todavia êsse concerto era válido e imutável antes do derramamento de Seu sangue por ter sido confirmado tanto pela promessa como pelo juramento de Deus.3 Assim, é um concerto imutável e eterno — tanto pela promessa como pelo juramento e o sangue que o ratificou.4 O “Nôvo Concêrto” feito com Adão e bem assim com todo o gênero humano — e Renovado mais tarde com Abraão — mantém a autoridade da lei de Deus, sendo ela o seu próprio fundamento, — uma disposição destinada a trazer os homens novamente a harmonia com a vontade divina, colocando-os onde poderão obedecê-la. Neste concêrto a lei não é, pois, escrita em tábuas de pedra pelo dedo de Deus, como no caso do “Velho Concêrto” no Sinai, — mas, sim escrita pelo Espírito Santo nas tábuas de carne do coração.5 O “Velho Concêrto” estabelecido com Israel no Sinai, tinha um santuário e um sacerdócio, pelo que entendemos que o “Nôvo Concêrto” tipificado no “Velho Concêrto” tem também um santuário e um sacerdócio. No livro aos hebreus faz São Paulo evidente referência ao santuário do “Nôvo Concêrto” e a seu sacerdócio. O Apóstolo foi claro em apresentar o santuário terrenal como uma figura, uma sombra do celestial, e o sacerdócio de Aarão como uma figura e sombra do sacerdócio de Melquizedeque do qual Cristo, diz êle, é agora Sumosacerdote oficiante.6 Que no céu há um santuário é fora de tôda a dúvida. O profeta do Apocalipse — vira-o em visão e o descreve nestes termos: “E abriu-se no céu o templo de Deus, e a arca do Seu concêrto foi vista no Seu templo”.7 As sete lâmpadas e o altar do incenso típicos do santuário do 1

Gálatas 3:8, 16. Hebreus 9:15-18. 3 Hebreus 6:17-18. 4 Gálatas 3:14-15; Hebreus 13:20. 5 Jeremias 31:31-34; Hebreus 8:8-13. 6 Hebreus 9:1-28; 7:14-17. 7 Apocalipse 11:19. 2

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“Velho Concêrto” foram vistos pelo mesmo profeta como antitípicos no santuário do “Nôvo Concêrto”.1 Assim o profeta do Apocalipse contemplou os dois compartimentos do santuário celestial do “Nôvo Concêrto” — os lugares santo e santíssimo — vendo no primeiro as sete lâmpadas e o altar do incenso e no segundo a “arca do concêrto”. Foi êste santuário celestial do “Nôvo Concêrto” que mostrara Deus em visão a Moisés no monte Sinai — como modêlo do santuário terrestre do “Velho Concêrto”. E Deus o advertiu sèriamente: “Conforme a tudo o que eu te mostrar para modêlo do tabernáculo, e para modêlo de todos os seus vasos, assim mesmo o fareis”. “Atenta pois que o faças conforme ao seu modêlo, que te foi mostrado no monte”.2 “Os quais servem de exemplar e sombra das coisas celestiais, como Moisés divinamente foi avisado, estando já para acabar o tabemáculo; porque foi dito: Olha, faze tudo conforme o modêlo que no monte se te mostrou”.3 Segundo São Paulo escrevera aos hebreus, o, caminho do santuário celestial do “Nôvo Concêrto” ainda não estava aberto — ou era desconhecido, — enquanto se conservava em função o santuário terrestre do “Velho Concêrto”.4 A isto entendemos que, ao findar o culto do santuário israelita pela morte de Cristo, e bem assim êle próprio como templo alegórico de Deus na terra, abrir-se-ía ou tornarse-ía conhecido o caminho do santuário celestial — onde Jesus é o Sumo-sacerdote de nossa confissão.5 Era pois o santuário terrenal do “Velho Concêrto” um emblema do santuário celestial do “Nôvo Concêrto”. Aquêle era o centro de adoração e culto na Velha Dispensação ou israelita — e êste é o centro de adoração e culto da Nova Dispensação ou cristã, aliás, do nôvo Israel, o Israel de Deus. A purificação do santuário que refere o texto de Daniel capítulo, oito versículo quatorze que estamos considerando, no final das “duas mil e trezentas tardes e manhãs” proféticas, ou do ano de 1844 em diante — como veremos no capítulo nove, aponta para o santuário celestial do “Nôvo Concêrto”, onde Cristo, “Sumo-sacerdote dos bens futuros”, pleiteia a causa de seus escolhidos que no mundo ainda se encontram. 1

Apocalipse 1:12-13; 8:3. Êxodo 25:9, 40. 3 Hebreus 8:5. 4 Hebreus 9:8-9. 5 Hebreus 8:1-5. 2

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Quanto à purificação do santuário celestial, perguntará alguém: “Há no santuário celestial alguma impureza para que deva ser êle purificado? Há na santa habitação de Deus alguma coisa impura que deva ser removida? Esta pergunta exige uma resposta clara que só poderá ser satisfeita com um esclarecimento categórico desta outra pergunta: Havia no santuário terrestre do “Velho Concêrto” em Israel alguma coisa impura para que impuzesse uma purificação anual? A resposta evidente que também esclarecerá a primeira pergunta sôbre impureza no santuário celestial, devemos procurá-la começando com a página 524 desta dissertação sob o título: “O Dia da Expiação em Israel”. De maneira idêntica, isto é, através um sincero reconhecimento do pecado e verdadeiro arrependimento e confissão do pecado mediante a aceitação do “Cordeiro de Deus” — Cristo, os pecados do penitente dão entrada no santuário celestial sendo ali registrados nos livros celestiais, contaminando assim o santuário do “Nôvo Concêrto”.1 Cristo como Sumo-Sacerdote Mediador, não pleiteou, até 1844, a causa do pecador imediatamente ao seu arrependimento e confissão, como não era pleiteada, até à purificação do santuário — no dia 10 do sétimo mês — a dos pecadores de Israel que viviam na sombra do sacerdócio de Cristo. Desde Adão até o ano de 1844, o arrependido pecador fez tão somente a sua confissão e demonstrou o seu arrependimento mediante os méritos de Cristo como seu substituto e Mediador. Todos confiaram em Seus méritos e esperaram seguros de que Êle pleitearia seus casos no tribunal do Todo-Poderoso ou no Santuário do “Nôvo Concêrto” — no grande Dia da Expiação no qual vivemos desde 1844. Em 1844, no final das “duas mil e trezentas tardes e manhãs” tomara lugar o início da purificação do santuário celestial do “Nôvo Concêrto”, de que fala o texto de Daniel capítulo oito versículo quatorze. Daqui em diante devemos prosseguir considerando o Juízo Investigativo, na dissertação dos versículos nove e dez do capítulo sete, que é a própria purificação do santuário celestial do “Nôvo Concêrto”. A EXPIAÇÃO PREVISTA NA ETERNIDADE “Antes que os fundamentos da terra fossem lançados, o Pai e o Filho Se haviam unido num concerto para redimir o homem, si êle 1

Apocalipse 20:12.

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fôsse vencido por Satanás. Haviam-Se dado as mãos, num solene compromisso de que Cristo Se tornaria o Fiador da raça humana. Êsse compromisso cumprira Cristo. Quando, sôbre a cruz, soltara o brado: “Está consumado”, dirigira-se ao Pai. O pacto fôra plenamente satisfeito”.1 “Em todo o universo não havia senão um Ser que, em favor do homem, poderia satisfazer as suas exigências. Visto que a lei divina é tão sagrada como o próprio Deus, unicamente um Ser igual a Deus poderia fazer expiação por sua transgressão. Ninguém, a não ser Cristo, poderia redimir da sentença da lei ao homem decaído, e trazêlo novamente à harmonia com o céu. Cristo tomaria sôbre Si a culpa e a ignomínia do pecado — pecado tão ofensivo para um Deus santo que deveria separar entre Si o Pai e o Filho”.2 O inigualável plano da redenção do homem esteve em segredo, mesmo dos próprios anjos santos, até que o homem submergiu no pecado. Também não fôra revelado ao homem, antes de seu pecado e sua queda, quando ainda em sua inocência ao belo lar edênico. Êle não deveria saber que um dia cairia, não obstante sua queda ter sido prevista. Sim, não devia ser notificado com esta negra e antecipada comunicação lhe fosse assegurada a sua redenção pela morte de seu próprio Creador. Seria, muitíssimo pior para êle saber das tremendas conseqüências que o seu futuro pecado acarretaria sôbre si e sua inteira raça, ainda que por fim fossem remidos pela graça do Redentor. Até que sua queda se verificasse, viveria apreensivo e a incompreensão lhe tiraria a felicidade de viver. Posto que bem advertido da morte certa por um possível pecado.3 Foi-lhe muito melhor ter recebido a agradável nova do plano da redenção e de sua completa reabilitação bem como de sua raça ao já estar envolto pela agonia resultante de sua transgressão, do que antes dêsse grande desastre. Porém, embora Deus houvesse revelado na dádiva de Seu Filho a incomensurável grandeza de Seu eterno amor, alguns se manifestam inconformados com o modo dÊle agir com relação ao pecado. Tal inconformação baseia-se no seguinte: Se Deus sabia que Lúcifer cairia em pecado e seria o originador do pecado no mundo, a própria fonte da desgraça que sobreviria à raça humana, — por que então Deus o creou? E, mais, se Deus sabia que aquêle primeiro casal iria violar a sua vontade e dar origem a uma raça de maus, incrivelmente maus, 1

O Desejado de Todas as Nações, E. G. White, págs. 620-621. Patriarchas e Profetas, E. G. White, 1ª ed., pág. 67. 3 Gênesis 2:15-17. 2

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por que também o creou? E, ainda mais, por que Deus creou êste planeta, sabendo que êle iria ser o foco do pecado, a mancha única da maldade em Seu santo universo? São essas as interrogações e preocupações dos inconformados com o modo de Deus agir no trato com o pecado e seus primeiros originadores. Estão êles, porém, completamente equivocados. Se a única maneira de Deus evitar a maldade e sua propagação fôsse deixar de crear Lúcifer, o primeiro casal da terra e o nosso planeta, então Deus não seria Deus, não existiria como Deus, nunca teria existido. Se Deus, se demonstrasse incompetente na solução do problema do mal, ainda simplesmente em previsão, na verdade Êle não seria o Todo-sapientíssimo e o Todo-poderoso. Todavia o seu plano de creação do universo, embora nêle houvesse previsto o advento do pecado, não poderia ser alterado. A creação de Lúcifer, do homem e de nosso planeta, não podia ser riscada de Seu plano creador. Deus sabia como agir para eliminar o mal que previra. Prevendo a catástrofe e não podendo evitá-la simplesmente em deixar de crear a seus futuros protagonistas, pois Êle não pode mudar Seus planos uma vez planejados, — previra não obstante também o remédio contra ela, o meio de sua completa extirpação — a morte de Seu Filho. A origem do pecado não podia ser evitada, mas, êle podia, a seu tempo, ser estirpado por completo e definitivamente. Se Deus houvesse evitado o pecado deixando de crear, como dissemos, os seus originadores, em verdade o mal e seu cortejo infindo de tragédias jamais teriam sido conhecidos e sentidos — mas também o universo jamais teria tido a suprema prova do amor de Deus como teve na cruz do Gôlgota, ao morrer Jesus pelos transgressores. Os incontáveis mundos habitados jamais conceberiam a imensíssima grandeza do amor de Deus por êles — se o plano de Deus de eliminação do pecado não tivesse por centro a morte ignominiosa de Seu Filho na miserenda cruz. Ali na cruz estava a resposta de Deus ao pecado e ao pecador. No Calvário estava e está a resposta de Deus aos inconformados de todos os tempos com o modo dÊle agir na creação dos que causaram o pecado. Houvesse Deus deixado de crear os futuros pecadores originais ou os houvesse eliminado logo, os modernos inconformados com o modo dÊle proceder seriam os primeiros a acusá-1’O de falta de amor e até de incompetência para eliminar o mal previsto. Fulminasse Deus a Lúcifer ou o homem ao se tornarem pecadores — todo o universo estaria a tremer continuamente; estaria em pânico para sempre diante de Deus que o consideraria um tirano. Os filhos de Deus o serviriam não mais por amor, mas pelo temor de serem também repentinamente 534

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eliminados pelo próprio Soberano que os creara. E, possivelmente, o universo creado se transformaria num vulcão de revoltas constantes contra Deus — concebido, então, como um déspota implacável. Todavia, o procedimento de Deus com relação ao pecado e ao pecador, levou o universo a Seus pés em adoração e inteira submissão voluntária em face de Seu inconcebível amor manifesto na cruz pelos Seus miseráveis filhos da terra. Sem dúvida, na cruz está ainda a resposta de Deus aos inconformados por não ter Êle seguido um outro plano para exterminar o pecado para sempre ou evitá-lo antes dêle ter sido gerado como o foi. Dissera Jesus antes de morrer: “E Eu, quando fôr levantado da terra, todos atrairei a Mim”.1 E foi assim mesmo. O universo inteiro inclinou-se para o Gólgota admirado e pasmado com a oferta de Deus para remir o transviado e restaurá-lo outra vez à dignidade de filho amado de Deus, o seu Creador eterno. A EXPIAÇÃO REALIZADA NA CRUZ Aludindo à expiação realizada na cruz, faz São Pedro duas solenes declarações: l.ª — “Sabendo que não foi com coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados da vossa vã maneira de viver que por tradição recebestes dos vossos pais, mas com o precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro imaculado e incontaminado”. 2.ª — “Levando Ele mesmo em Seu corpo os nossos pecados sôbre o madeiro, para que, mortos para os pecados, pudessemos viver para a justiça; e pelas Suas pisaduras fostes sarados”.2 Ora, o fato de Jesus ter levado o pecado para a cruz e ali ter derramado o Seu “precioso sangue” para eliminá-lo, comprova, fora de tôda a dúvida, que a expiação fôra realizada incontestávelmente na cruz, no próprio ato da môrte e derramamento do sangue, do Redentor. É isto o que diz S. Pedro nos versos citados. Outrossim, ao clamar Jesus no Gôlgota: “Está consumado” — a obra da redenção estava concluída; a justiça de Deus fôra satisfeita. Perante o inteiro universo os contritos pecadores são declarados aceitos, perdoados e justificados. Sua vitória na cruz foi decisiva e eterna e assegurou o triunfo completo a todo o pecador penitente. E isto atesta que a Expiação foi indiscutivelmente efetuada e efetivada naquele madeiro, ao render o Filho de Deus a Sua vida pelo mundo. 1 2

S. João 12:32. I S. Pedro 1:18-19; 2:24.

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Satanás estava, então, definitiva e completamente vencido. O que segue abaixo é evidência indiscutível de que a Expiação do gênero humano foi, em verdade, realizada na cruz e não propriamente no interior do santuário celestial. “Êle (Cristo) plantou a cruz entre o Céu e a Terra, e quando o Pai contemplou o sacrifício de Seu Filho, curvou-Se ante Êle em reconhecimento de sua perfeição. “É o bastante”, disse Êle. A expiação é completa”.1 “O tipo encontrou o antítipo na morte de Cristo, o Cordeiro morto pelos pecados do mundo. Nosso grande Sumo-Sacerdote fêz o único sacrifício que é de algum valor em nossa salvação. Quando Êle ofereceu-Se a Si mesmo na cruz, uma perfeita expiação foi feita pelos pecados do povo”.2 “Nosso grande Sumo-Sacerdote completou a oferta sacrifical de Si mesmo quando ofereceu-Se fora da porta. Então uma perfeita expiação foi feita pelos pecados do povo”.3 “Nenhuma linguagem podia expressar o regosijo do céu ou a expressão de satisfação e deleite de Deus em Seu unigênito Filho ao ver Êle a inteireza da expiação”.4 “O sêlo do céu foi posto na expiação de Cristo. Seu sacrifício é em todo o sentido satisfatório”.5 “A cruz deve ocupar o lugar central porque ela é o meio da expiação do homem e devido a influência que ela exerce em cada parte do ministério divino”.6 “No concílio do céu a cruz foi ordenada como o meio de expiação. Devia ser êste o meio de Deus ganhar os homens para Si”.7 “Jesus recusou (depois da ressurreição) receber homenagem de Seu povo até ter a certeza de que Seu sacrifício fôra aceito pelo Pai. Êle ascendeu às cortes do céu, e de Deus. Êle mesmo ouviu a afirmação de que Sua expiação pelos pecados dos homens tinha sido ampla, que através de Seu sangue todos podiam ganhar a eterna vida”.8 “O sacrifício de Cristo como uma expiação pelo pecado é a grande verdade em tôrno da qual tôdas as outras verdades se enfeixam”.9 1

The Review anet Herald, 24/9/1901. The Signs of the Times, 28/6/1899. 3 Manuscript, E. G. White, 128, 1897. 4 The Signs of the Times, 16/8/1899. 5 The Signs of the Times, 16/8/1899. 6 Testimonies for the Church. E. G. White, Vol. VI. pág. 236. 7 Manuscript. E. G. White, 165. 1899. 8 The Desire of Ages, E. G. White. pág. 790. 9 Gospel Workers. E. G. White, pág. 315. 2

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“O estudo da encarnação de Cristo, Seu sacrifício expiatório, e Sua obra mediadora, ocupará a mente do diligente estudante enquanto o tempo passar”.1 “Como estão os fiéis servos de Cristo empregados? — ‘Orando sempre, com tôda a oração e súplica no Espírito’, orando no aposento particular, em família, na congregação, em tôda a parte; ‘e vigiando nisto, com tôda a perseverança’. Eles sentem que as almas estão em perigo, e com zelosa e humilde fé, pleiteiam a promessa de Deus em favor delas. O resgate pago por Cristo — a expiação sôbre a cruz, — está sempre diante dêles”.2 O sacrifício expiatório de Cristo devia ser oferecido por um sacerdote. E, que sacerdote poderia oferecer Sua oferta pessoal se não Êle mesmo? “Como no serviço típico o sumo-sacerdote despia suas vestes pontificais e oficiava vestido de linho branco dos sacerdotes comuns, assim Cristo abandonou Suas vestes reais e Se vestiu de humanidade, ofererendo-Se em sacrifício, sendo Êle mesmo o sacerdote, Êle mesmo a vítima”.3 “A infinita suficiência de Cristo é demonstrada em levar Êle os pecados de todo o mundo. Ocupa Êle a dupla posição de ofertante e de oferta, de sacerdote e de vítima”.4 Depois de imolar o sacrifício da expiação, o sacerdote, em virtude do sangue da vítima derramado, estava autorizado a entrar no santuário e tornar efetivos os benefícios resultantes do mesmo sangue. De igual, modo Cristo, depois de derramar Seu sangue na cruz e em virtude de Seu próprio sangue meritório derramado, estava autorizado a entrar no santuário celestial é ministrar os múltiplos, benefícios da expiação aos que aceitassem a poderosa provisão de Sua graça.5 Portanto, o transcendente ato expiatório da cruz, redundou em benefícios que estão sendo continuamente aplicados às necessidades do homem. E isto continuará até ao fim da provação humana. Assentando ainda, dizemos: Cristo está agora fazendo aplicação dos benefícios do sacrifício de expiação que Êle realizou na cruz derramando ali Seu sangue. “O grande sacrifício fôra oferecido e aceito, e o Espírito Santo que desceu no dia de Pentecostes conduziu às mentes dos discípulos do santuário terrenal para o celestial, onde Jesus entrara por Seu próprio sangue, para derramar sobre êles os benefícios de Sua expiação”.6 “O sacrifício expiatório visto através da fé traz paz, 1

Gospel Workers, E. G. White, pág. 251. Testimonies for the Church. E. G. White, Vol. V. pág. 190. 3 Atos dos Apóstolos, E. G. White, pág. 33. 4 Carta 192, 1906, E. G. White. 5 Hebreus 9:12. 6 Early Writings, E. G. White, pág. 260. 2

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conforto e esperança à alma tremente oprimida sob o senso de culpa”.1 “Assim, em virtude da crucificação de Cristo, os seres humanos são reconciliados com Deus. Cristo adota os proscritos, e êstes se tornam o Seu cuidado especial, membros da família de Deus”.2 “E Eu quando fôr levantado da terra, todos atrairei a Mim. Isto disse Êle, significando com que morte devia Êle morrer. Esta é a crise o mundo. Se Eu me tornar a propiciação para o mundo, êle será iluminado. A desfigurada imagem de Deus seria reproduzida e restaurada, e a família dos santos crentes finalmente habitaria o lar celestial. Êste é o resultado da crucificação de Cristo e a restauração do mundo”.3 “O Pai deu tôda a honra a Seu filho, assentando-O à Sua mão direita, muito acima de todo o poder e principados. Êle expressou Sua grande alegria e deleite em receber o Crucificado, coroando-O de glória e honra. E todos os favores que Êle tem mostrado a Seu Filho em Sua aceitação da grande expiação são mostrados a Seu povo. Aqueles que têm unido seus interêsses em amor com Cristo são aceitos no Amado. Êles sofrem com Cristo, e Sua glorificação é de grande interêsse para êles, porque êles são aceitos nÊle. Deus os ama como ama Seu Filho”.4 “Nosso Salvador está no santuário pleiteando em nosso favor. Êle é nosso Sumo-Sacerdote intercessor, fazendo um sacrifício expiatório por nós, pleiteia em nosso favor a eficácia de Seu sangue”.5 “A intercessão de Cristo em favor do homem no santuário de cima é tão essencial ao plano da salvação como foi Sua morte na cruz. Por Sua morte Êle começou aquela obra que depois de Sua ressurreição Êle ascendeu ao céu para completá-la”.6 “Jesus, nosso grande Sumo-Sacerdote, oficia por nós na presença de Deus, oferecendo em nosso favor Seu sangue derramado”.7 “Por Sua imaculada vida, Sua obediência, Sua morte na cruz do Calvário, Cristo intercede pela raça perdida. E agora, não como um mero peticionário o Capitão de nossa salvação intércede por nós, mas 1

The Review and Herald, 2/9/1890. Carta 255, 1904, E. G. White. 3 Manuscript 33. 1897, E. G. White. 4 The Signs of the Times, 16/8/1899. 5 Fundamentals of Christian Education, E. G. White, pág. 370. 6 The Great Controversy, E. G. White, pág. 489. 7 The Youth’s Instructor, 16/4/1903. 2

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como um conquistador reivindicando Sua vitória. Sua oferta é completa, e como nosso intercessor Êle executa Sua própria obra apontada, tendo diante de Deus o incensário contendo Seus próprios imaculados méritos e as orações, confissões e ações de graças do Seu povo. Perfumadas com a fragrância de Sua justiça, estas ascendem a Deus como um doce sabor. A oferta é inteiramente aceitável, e o perdão cobre tôdas as transgressões. Ao verdadeiro crente Cristo é na verdade o ministro do santuário, oficiando por êle no santuário, e falando através das apontadas agências de Deus”.1 “Nos tribunais do céu, Cristo está a interceder por Sua igreja — advogando a causa daqueles cujo preço de redenção Êle pagou com o Seu próprio sangue. Séculos e eras nunca poderão diminuir a eficácia de Seu sacrifício expiatório”.2 Todos os múltiplos favores da graça advêm-nos, sem dúvida, em virtude do sangue do Cordeiro de Deus derramado na cruz. Escrevendo em suas várias cartas enfatizam os apóstolos São Paulo e São João sobejamente, como vimos, esta sublime verdade. “A igreja de Deus que Êle resgatou com Seu próprio sangue”3 “Propiciação pela fé no Seu sangue”.4 “Redenção pelo Seu sangue”.5 “Justificação pelo Seu sangue”.6 “O sangue de Jesus Cristo Seu Filho nos purifica de todo o pecado”.7 “Santificar o povo pelo Seu próprio sangue”.8 “Em Seu sangue nos lavou dos nossos pecados”.9 “Êles o venceram pelo sangue do Cordeiro”.10 “Com o Teu sangue compraste para Deus homens de toda a tribu, e língua, e povo, e nação”.11 “Pelo sangue do concêrto eterno”.12 “A paz pelo sangue da cruz”.13 Concluindo, afirmamos que a Expiação foi tornada realidade ao ser na cruz derramado o imaculado e meritório sangue do Salvador do mundo. Maravilhosa previsão de Deus! Inconcebível amor eterno! Depois da cruz, até agora e até ao fim — surgiram os gloriosos e 1

The Signs of the Times, 16/8/1899. Atos dos Apóstolos, E. G. White, pág. 553. 3 Atos 20:28. 4 Romanos 3:25. 5 Efésios 1:7, Colossenses 1:14. 6 Romanos 5:9. 7 I S. João 1:7. 8 Hebreus 13:12. 9 Apocalipse 1:5; 7:14. 10 Apocalipse 12:10-12. 11 Apocalipse 5:9. 12 Hebreus 13:20. 13 Colossenses 1:20. 2

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inúmeros benefícios daquela Expiação do Cordeiro de Deus morto no Gólgota para redenção do homem. A CULPABILIDADE DE SATANÁS Satanás não só é culpado por seus próprios pecados particulares como também pelos dos anjos e ímpios que levou a juntarem-se a êle na rebelião contra Deus. Em virtude dêste fato, Satanás já está irremediávelmente condenado e perdido. Porém, Jesus tratará com êle especialmente por sua ousadia em levar Seu santo povo ao pecado tentando desviá-lo de Si e de Sua justiça. No término da purificação do santuário celestial iniciada em 1844, nosso Sumo-Sacerdote porá sôbre a cabeça de Satanás todos os pecados que fêz com que o povo de Deus cometesse. Então, como o “bode emissário” no dia da purificação do santuário em Israel era levado ao deserto para cumprir a pena e morrer como instigador e culpado típico do pecado do povo de Deus, assim Satanás, o antítipo “bode emissário” estará na terra solitária, aliás, nesta mesma terra deserta e destruída pelas sete pragas, — durante mil anos, — a começar com a segunda vinda de Cristo, para cumprir a pena de prisão a êle decretada pelo conselho de Deus, no fim da qual morrerá. Veja-se a obra do mesmo autor intitulada: A Verdade Sôbre as Profecias do Apocalipse, págs. 537-538, sôbre o “bode emissário”, têrmo traduzido do original hebráico do V. Testamento — “AZAZEL” — de Levíticos, cap. 16, versículo 8. O SANTUÁRIO QUE O PAPADO PISARIA Voltando à profecia de Daniel, afirmamos que, o santuário a ser pisado conjuntamente com o povo de Deus pelo Papado, é o santuário celestial do “Nôvo Concêrto” que acabamos de considerar, — centro absoluto da obra da redenção do homem. O que, porém, necessitamos saber, é como o papado, daqui da terra, poderia pisar o santuário celestial. Isto poderá parecer-nos estranho; contudo a profecia assim o diz e o seu cumprimento deve encontrar-se no sistema de culto papal ou católico. E, em verdade constatamos que todos os seus ensinos, todo o seu dogmatismo, todo o seu ritualismo, todo o seu sistema de confissão e intercessão, todos os seus templos e tôda a sua organização — são flagrantes e incontestáveis violações e contradições do evangelho de Cristo e do plano da salvação de Deus. Veja-se o capítulo sete, versículos oito, onze e vinte e cinco. Tudo isto e muito mais, equivale a pisar o santuário do “Nôvo Concêrto” ou 540

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celestial, onde Cristo e somente Êle é o intercessor e mediador diante de Deus. Porém, de 1844 ao presente, tem o legítimo culto do evangelho sido restaurado e o verdadeiro ritual do santuário celestial tornado conhecido em tôda a terra, apresentando a Jesus Cristo como único Sumo-Sacerdote de nossa confissão. Até esta data o Papado estava pisando o santuário sem que o mundo se apercebesse, em vista de lhe ter tirado e proibido a Bíblia. Vêr sôbre a restauração do Evangelho, na obra: A Verdade Sôbre ao Profecias do Apocalipse, do mesmo autor, págs. 405-448. Ficou, pois, respondida a pergunta daquele anjo do versículo treze, sôbre: “Até quando durará a visão... para que sejam entregues o santuário e o exército, a fim de serem pisados”. CRISTO ORDENA O ESCLARECIMENTO DA VISÃO VERSOS 15-16: — “E aconteceu que, havendo eu, Daniel, visto a visão, busquei entendê-la, e eis que se me apresentou diante uma como semelhança de homem. E ouvi uma voz de homem nas margens do Ulai, a qual gritou, e disse: Gabriel, dá a entender a êste a visão”. Tão depressa manifestou Daniel solicitude em compreender a visão, eis que surge diante de si o poderoso Gabriel. Uma voz potente do Ulai, infalivelmente a do Senhor Jesus, — ordena ao anjo tornar conhecida ao profeta a visão, não visou propriamente a Daniel que, àquela altura, havia já atingido os oitenta anos de idade e logo iria descançar na doce esperança, no sono da morte. Os cristãos desta presente e última geração da história humana, foram os verdadeiramente visados com os benefícios da interpretação que fora Gabriel ordenado a transmitir a Daniel. Portanto, urge que os seguidores de Cristo dêste solene tempo exprimam o mesmo desejo do profeta de entender, agora que seu livro fôra declarado aberto,1 as jóias inapreciáveis da Voz da Profecia a êles esclarecidas no livro do grande profeta de Deus. “E CAÍ SÔBRE O MEU ROSTO” VERSOS 17-18: — “E veio perto onde eu estava e vindo êle, fiquei assombrado, e caí sôbre o meu rosto; mas êle me disse: Entende, filho do homem, porque esta visão se realizará no fim do 1

Apocalipse 10:1-2.

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tempo. E, estando êle falando comigo, caí com o meu rosto em terra, adormecido; êle, pois, me tocou, e me fêz estar em pé. E disse: Eis que te farei saber o que há de acontecer no último tempo da ira; porque ela se exercerá no determinado tempo do fim”. Embora fiel e santo servo de Deus, não pudera Daniel resistir a presença de Gabriel. Tomado de pânico ante a poderosa majestade angélica, rui êle por terra atingido em cheio por sua irresistível glória. Inutilmente tentou Gabriel ser ouvido pelo temente profeta que caíra como que fulminado pelos raios da imensa glória do mensageiro do Senhor. Todavia o anjo gentilmente o toca e o ergue de sua prostração, fortalecendo-o para ouvir a sua exposição até findá-la. James Moffatt traduz assim o versículo dezenove: “Eu te farei conhecer o que acontecerá durante os finais dias da ira divina, porque a visão aponta a crise do fim”. A ira divina salientada aqui, são as sete pragas mencionadas no capítulo dezesseis do livro do Apocalipse. O CARNEIRO E O BODE NOVAMENTE EM FOCO VERSOS 20-22: — “Aquêle carneiro que viste com duas pontas são os reis da Média e da Pérsia. Mas o bode peludo é o rei da Grécia; e a ponta grande que tinha entre os olhos é o rei primeiro; o ter sido quebrada, levantando-se quatro em lugar dela, significa que quatro reinos se levantarão da mesma nação, mas não com a força dela”. Com êstes versículos começara Gabriel a sua interpretação da visão. Tão clara é a sua exposição aqui que não necessitamos de, muito comentário, pois mesmo muito já dissemos nos versículos cinco a oito. Porém, Gabriel chamou a atenção do profeta num particular especial: O carneiro com seus dois chifres era emblema dos reis da Média e da Pérsia. Não dissera que o animal e seus dois chifres representavam pròpriamente os dois povos — Média e Pérsia — mas aos reis destas duas potências. Vemos nisto que o poder de tais reis não emanava dos povos destas duas potências mundiais, mas sim de seus próprios reis e suas cortes que eram absolutos e executivos, não admitindo no govêrno real senão a poucos personagens, estando excluídos os seus súditos que, a contento de seus monarcas e suas cortes, não eram povos democratas nem livres, mas escravos do absolutismo e despotismo de seus soberanos e cortesões. A mesma coisa diz Gabriel da Grécia. Na profecia dêste poder, só aparecem os seus governantes e não o povo. Na primeira fase do império grego mundial, só figura Alexandre, o primeiro rei da Grécia unida num 542

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poderio mundial. Na segunda fase do império, aparecem as quatro pontas ou as quatro divisões políticas do reino à morte de Alexandre, que consideramos no versículo oito. A Grécia em si mesma, porém, estava oculta em Alexandre e, posteriormente, nos seus quatro mais poderosos generais despóticos e ambiciosos. E o próprio século XX não está isento dêstes tiranos governantes. Aqui e ali, no mundo de hoje, êles estão presentes de espada desembainhada diante de seus súditos escravos. São os modernos déspotas autocratas com os quais Deus tem uma conta a ajustar bem logo. “UM REI FEROZ DE CARA” VERSOS 23-25: — “Mas, no fim do seu reinado, quando os prevaricadores acabarem, se levantará um rei, feroz de cara, e será entendido em adivinhações. E se fortalecerá a sua fôrça, mas não pelo seu próprio poder; e destruirá maravilhosamente, e prosperará, e fará o que lhe aprouver, e destruirá os fortes e o povo santo. E, pelo seu entendimento também fará prosperar o engano na sua mão; e no seu coração se engrandecerá, e por causa da tranqüilidade destruirá muitos, e se levantará contra o Príncipe dos príncipes, mas sem mão será quebrado”. Nestes três textos temos Roma nas suas duas fases — Pagã e Papal, como já foram consideradas. Roma aparece aqui como “um rei feroz de cara” e “entendido em adivinhações”. Roma Pagã realmente fôra de terrível fisionomia em seu trato com os povos do mundo. “Os inimigos de Roma confessavam que se espantavam ‘pelo olhar de seus adversários’. “Confessaram que os olhos dos romanos olhavam como se fôssem tochas, e que suas faces e expressões eram semelhantes às de loucos”.1 O culto romano pagão dos deuses e seus oráculos consistiam em um sistema referido pelo anjo como “adivinhação”. A consulta aos oráculos não era mais do que isto mesmo da parte dos sacerdotes romanos enganadores, em atenção aos pedidos, dos imperadores e do povo que os consultava. Roma-Pagã caíra no tempo devido. Em seu lugar, segundo a cronologia da profecia, erguera-se Roma-Papal — sua substituta legal ou sua fase segunda. A fôrça desta nova Roma não seria sua própria. Roma-Pagã, com sua astuta política, fortalecera-se à custa da fôrça dos povos conquistados e assim procedeu e procede a segunda Roma. Realmente jamais a fôrça do Papado fôra ou é exclusivamente sua. 1

Beacon Lights of Prophecy, Spicar, pág. 88.

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Sua força é a dos podêres civis da Terra que o apoiam. Na preterição de prerrogativas divinas na terra e fortalecido pelo concurso dos podêres civis, o Papado, segundo esta profecia, destruiria “maravilhosamente”. E não podia ser diferente visto que, levantar-se contra o santo povo de Deus para destruí-lo, como procedeu em grande escala, é realmente de maravilhar por tão grande ousadia. Mesmo destruindo o povo do Senhor e os “fortes” do mundo, nenhum poder terreno poderá abatê-lo como sucedera aos anteriores poderosos impérios que foram reduzidos a nada. Ao contrário disto, a profecia fala em prosperidade para êste poder eclesiástico romano, e refere que agiria como bem lhe aprouvesse. O versículo vinte e cinco encerra grande denúncia contra o Papado. Por seu entendimento em ardilosos “empreendimentos”, faria “prosperar o engano”. E todo o sistema de culto dêsse poder e suas pretenções não resistem a prova do verdadeiro Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo. Seus próprios enganos, como declara esta profecia, e também a de São Paulo, foram o resultado de ter lançado a “verdade por terra”.1 A essência do Papado é, pois, o “engano”, que já se-lhe tornou peculiar. “No seu coração se engrandecerá”, declara Gabriel, o coração do Papado é o seu supremo pontífice — o papa. Veja-se sôbre isto versículo vinte e cinco do capítulo sete. Sua “tranqüilidade”, reza a profecia, ou a firmeza de seu poder estribada na imaginada hierarquia de Pedro, fato infeliz e totalmente reconhecido por inúmeras nações e povos, é o segrêdo de seu poder e êxito no orbe. Assim, estribado no “engano” de todos os feitios e acatado por todos os por êle enganados, principalmente as nações da Idade Média, não excetuando muitas das nações hodiernas, o Papado tem posto o mundo a tremer ante o seu despótico poder. Inúmeros poderosos foram obrigados a lhe beijarem os pés sob pena de perderem a coroa pela excomunhão. O “Príncipe dos príncipes”, o Senhor Jesus Cristo, não escaparia, igualmente, dos deboches de Roma, pelo uso sacrílego que faz de suas divinas dignidades e divinos atributos, e pela pretenção ofensiva de ser o Seu representante na terra. O fim, porém, dêste anti-cristão poder, que se ergue em guerra simulada contra o Céu e “com todo o engano da injustiça para os que perecem”, chegará mui breve e inesperadamente.2

1 2

II Tessalonicenses 2:9-12. Daniel 7:26.

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“TÚ, PORÉM, CERRA A VISÃO” VERSOS 26-27: — “E a visão da tarde e da manhã, que foi dita, é verdadeira: tú, porém, cerra a visão, porque só daqui a muitos dias se cumprirá. E eu, Daniel, enfraqueci, e estive enfêrmo alguns dias; então levantei-me e tratei do negócio do rei: e espantei-me acêrca da visão, e não havia quem a entendesse”. “A visão da tarde e da manhã”, que diz respeito às duas mil e trezentas tardes e manhãs do versículo quatorze, Daniel devia cerrar, visto seu cumprimento estar num distante futuro. Daniel espantou-se acêrca dessa parte da visão e ninguém foi capaz de dar uma explicação razoável. O profeta chegou até mesmo a se enfermar. Todo o seu empenho em entender ou buscar quem o esclarecesse, foi em vão. E êle esperou por uma outra oportunidade ou um outro aparecimento de Gabriel para desvendar-lhe o impenetrável mistério das duas mil e trezentas tardes e manhãs. Depois de convalescer do impacto da visão, diz Daniel que levantou-se para tratar “do negócio do rei”. Seria êle primeiro ministro do reino ainda, ao tempo de Belshazzar, ou simplesmente um funcionário público comum? Lembremo-nos de que, na noite da morte de Belshazzar, êste rei parecia desconhecer a sabedoria de Daniel, ou ignorá-lo como um grande sábio, sendo necessário a rainha-mãe aconselhá-lo que o chamasse a fim de desvendar o segrêdo da escritura na parede do palácio. Se o monarca o desconhecia como grande sábio, possivelmente já não era êle primeiro ministro do reino. Todavia, tinha Daniel algo para fazer para o rei, e tratou de fazê-lo logo que se sentira em condições físicas de o fazer.

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CAPÍTULO IX O TEMPO PROFÉTICO DO ADVENTO DO MESSIAS

Introdução Mais um capítulo — o nono — está agora sob nossa apreciação; Êste capítulo divide-se em duas distintas partes: a devocional e a profética. Na primeira parte depara-se-nos Daniel de joelhos, em profunda humilhação diante de Deus, confessando o seu pecado e o de seu povo. O profeta justificou a justiça de Deus no trato com seus compatriotas levando-os ao Oriente em cativeiro por seus pecados e desobediências. Fez então um patético apêlo a Deus para que perdoasse a seus ingratos patrícios e os restaurasse outra vêz em um nôvo lar nacional na Judéia. A segunda parte, que é propriamente a profética, começa com a nova aparição do anjo Gabriel que viera trazer a Daniel a resposta de sua oração antes dêle concluí-la. A sua perplexidade por entender a relação dos 70 anos de cativeiro com as 2300 tardes e manhãs do capítulo oito versículo quatorze, que ficaram sem explanação na última visita de Gabriel fôra uma das causas de sua angustiante oração, em face da iminência do fim do cativeiro. E o anjo viera solucionar sua crise. O celeste mensageiro trata do primeiro período das 2300 tardes e manhãs, ligado à história do povo de Deus no que concernia à reconstrução de Jerusalém e ao aparecimento e morte do Messias. O tempo do advento do Messias Filho de Deus foi, tão precisamente assentado e definido pelo anjo e posteriormente tão incontestavelmente comprovado na vida e obras de nosso Senhor Jesus Cristo na terra, — que não podem os judeus apresentar excusas razoáveis para terem-nO regeitado. Pois o ano exato de Seu aparecimento foi-lhes apontado com tôda evidência matemática na profecia das setenta semanas como a temos neste capítulo. No final de sua exposição, deixa bem claro Gabriel a futura rejeição dos judeus como povo de Deus, por se, terem definido pela

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rejeição do Messias de Deus. Assentou claramente o anjo o fatal destino que aguardaria êste povo que negaria, julgaria e sentenciaria à pena capital o seu inolvidável Messias vindo de Deus. Não descançariam enquanto não O vissem numa infamante cruz de malfeitor. E frutos terrivelmente amargos tem colhido êste povo através dos séculos, como justo prêmio de crime de deicídio que executou e que revoltou a humanidade de todos os séculos. Nunca a história registou um tão grande ódio devotado a um santo de Deus como aquele ingrato povo devotou a Jesus de Nazaret. Subornaram os maus e arrazaram tôda a justiça para verem-nO pregado com cruéis pregos numa cruz romana. Mas o ajuste com êste povo ainda virá no devido tempo. DARIO — FILHO DE ASSUERO VERSO 1: — “No ano primeiro de Dario, filho de Assuero, da nação dos medos, o qual foi constituído rei sobre o reino dos caldeus”. Em todos os relatos das visões de Daniel encontramos o inolvidável cunho de historicidade. A infalível introdução do profeta em cada caso, é a clara mensão do reino mundial, de seu soberano e do ano de reinado dêste em que lhe concedera Deus a revelação por êle tornada público. O Dario dêste texto é o mesmo Dario o Medo que Ciro empossara como rei sôbre o reino mundial conquistado aos caldeus. O seu primeiro ano aludido é 538 a.C., posto que o ano 539 de sua ascenção não tenha sido computado em atenção ao costume dos reis medas e persas de não considerarem o ano da subida ao trono como ano oficial do reinado. O Assuero da nação dos medos, apontado como pai de Dario, era Astíages, o último rei da Média, destronado por Ciro, seu neto. Veja-se o capítulo cinco versículo trinta e um. A DATA DA ORAÇÃO DE DANIEL VERSO 2: — “No ano primeiro do seu reinado, eu, Daniel, entendi pelos livros que o número de anos, de que falou o Senhor ao profeta Jeremias, em que haviam de acabar as assolações de Jerusalém, era de setenta anos”. O ano 530 foi para Daniel de grandes responsabilidades na côrte da Medo-Persa, na qual o empossara Dario o Medo como primeiro ministro do reino. Ainda que atarefado conjuntamente com o nôvo soberano na formação da nova ministração do império mundial, sua mente é em parte absorvida pela transcendental significação dos 548

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sucessos políticos daquele ano. Vendo na derrocada dos babilônios do domínio da terra os juízos do céu anunciados pelos profetas seus patrícios, vê também, especialmente pelos escritos do profeta Jeremias, o breve término do cativeiro de Judá.1 O regosijo de Daniel não teve limites. A queda do poder opressor assegurou a libertação de seu povo como também o fim das assolações de Jerusalém e de Judéia bem como o restabelecimento do lar nacional hebreu na Palestina pelos próprios cativos libertados. Dois anos mais, e seriam livres para regressar à pátria e empreender a restauração. Assim Daniel, no primeiro ano de Dario o Medo, 538 a.C., dirige a Deus a sua oração de humilhação, confissão e submissão como a veremos a seguir até ao versículo dezenove. Que os termos e a sinceridade de sua oração possa ser a nossa nesse tempo de libertação do cativeiro dêste mundo. QUANDO UM SUPLICANTE É SINCERO VERSO 3: — “E eu dirigi o meu rosto ao Senhor Deus, para O buscar com oração e rogos, com jejum e saco e cinza”. Em face da aurora precursora da iminência do fim do cativeiro comprovada pelas profecias em cumprimento, dirige-se Daniel de modo particular em busca de Deus. Sente êle o pêso de tôda Judá sôbre seus ombros, e, ainda que “amado” e “desejado” do céu, entende ser imprescindível uma preparação especial antes de buscar a face do Todo-poderoso em favor de seus amados compatriotas e de sua mui querida Sião em ruínas e assolações. Abstendo-se de qualquer alimento e vestindo-se de uma roupa grosseira e com cinza sôbre sua cabeça, Daniel expressa sua profunda humilhação diante de Deus, em suplicações pelo êxito do término do cativeiro e do regresso dos cativos à sua terra afim de restaurarem principalmente o culto de Jeová. UMA VERDADEIRA ORAÇÃO VERSOS 4-14: — “E orei ao Senhor meu Deus, e confessei, disse: Ah! Senhor! Deus grande e tremendo, que guardas o concêrto e a misericórdia para com os que te amam e guardam os teus mandamentos, pecamos, e cometemos iniquidade, e procedemos 1

Jeremias 25:12; 2910.

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impiamente, e fomos rebeldes, apartando-nos dos Teus mandamentos e dos Teus juízos; e não demos ouvidos aos Teus servos, os profetas, que em Teu nome falaram aos nossos reis, nossos príncipes, e nossos pais, como também a todo o povo da terra. A Ti, ó Senhor, pertence a justiça, mas a nós a confusão de rosto, como se vê neste dia; aos homens de Judá, e aos moradores de Jerusalém, e a todo Israel; aos de perto e aos de longe, em tôdas as terras por onde os tens lançado, por causa da sua prevaricação, com que prevaricaram contra Ti ó Senhor, a nós pertence a confusão de rosto, aos nossos reis, aos nossos príncipes, e a nossos pais, porque pecamos contra Ti. Ao Senhor, nosso Deus, pertence a misericórdia e o perdão; pois nos rebelamos contra êle, e não obedecemos à voz do Senhor, nosso Deus, para andarmos nas suas leis, que nos deu pela mão de Seus servos, os profetas. Sim, todo o Israel transgrediu a Tua lei, desviando-se, para não obedecer à Tua voz; por isso a maldição, o juramento que está escrito na lei de Moisés, servo de Deus, se derramou sôbre nós; porque pecamos contra Êle confirmou a Sua palavra que falou contra nós, e contra os nossos juízes que nos julgavam, trazendo sôbre nós um grande mal; porquanto nunca debaixo de todo o céu aconteceu como em Jerusalém. Como está escrito na lei de Moisés, todo aquele mal nos sobreveio: apesar disso, não suplicamos a face do Senhor nosso Deus, para nos convertermos das nossas iniquidades, e para nos aplicarmos à Tua verdade. Por isso, o Senhor vigiou sôbre o mal, e o trouxe sôbre nós; porque justo é o Senhor, nosso Deus, em tôdas as suas obras, que fez, pois não obedecemos à Sua voz”. O versículo quatro que é propriamente a introdução da oração de Daniel, contém o reconhecimento da grandeza de Deus como Supremo e sua certeza da Sua fidelidade para com o Seu povo que guarda os Seus mandamentos. Juntando-se a seus ingratos patrícios na responsabilidade da rebelião contra Deus, apesar de seu caráter santo e justo, confessa Daniel dalto a baixo o pecado de Judá e justifica a ação de Deus sôbre os do cativeiro. A manifesta rebeldia contra a lei do divino Decálogo e a franca recusa em ouvir os profetas que falaram em nome do Senhor, eis a sua confissão, como as causas do cruel cativeiro: “Todo o Israel”, confessou Daniel, “transgrediu a Tua lei, desviando-se, para não obedecer à Tua voz”. E acrescenta: “Por isso a maldição, o juramento que está escrito na lei de Moisés, servo de Deus, se derramou sôbre nós; porque pecamos contra Êle”. Uma oração sincera como esta, secundada por verdadeira humilhação e confissão, de pecado, não deixaria de ser ouvida e respondida com perdão, aceitação, e restauração. 550

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O PATÉTICO APÊLO DE DANIEL A DEUS VERSOS 15-19: — “Na verdade, ó Senhor, nosso Deus, que tiraste o Teu povo da terra do Egito com mão poderosa, e ganhaste para Ti nome, como se vê nêste dia, pecamos; obramos impiamente. Ó Senhor, segundo tôdas as Tuas justiças, aparte-se a Tua ira e o Teu furor da Tua cidade de Jerusalém, do Teu santo monte; porquanto por causa dos nossos pecados, e por causa das iniquidades de nossos pais, tornou-se Jerusalém e o Teu povo um opróbio para todos os que estão em redor de nós. Agora, pois, ó Deus nosso, ouve a oração do teu servo, e as suas súplicas, e sôbre o Teu santuário assolado faz resplandecer o Teu rosto, por amor do Senhor. Inclina, ó Deus meu, os Teus ouvidos, e ouve, abre os Teus olhos, e olha para a nossa desolação, e para a cidade que é chamada pelo Teu nome, porque não lançamos as nossas súplicas perante a Tua face fiados em nossas justiças, mas em Tuas muitas misericórdias, ó Senhor, ouve: ó Senhor, perdoa; ó Senhor, atende-nos e opera sem tardar; por amor de Ti mesmo, ó Deus; porque a Tua cidade e o Teu povo se chamam pelo Teu nome”. Enquanto deplorava o pecado de seu povo, faz a Daniel a seguinte declaração: “Ao Senhor, nosso Deus, pertence a misericórdia e o perdão”. Esta sua proposição fôra a introdução chave do dramático apêlo que desejava fazer após confessar a culpabilidade de seu povo. Ao apelar ao Senhor, bem sabia que Judá não estava rejeitado por Êle, senão que somente cumpria no cativeiro a pena de suas transgressões por setenta anos. Aproximando-se o fim da sentença, tinha certeza de que Deus cumpriria Suas promessas feitas antes do cativeiro, libertando os Seus cativos, e conduzindo-os novamente à Judéia. Em seu apelo, portanto, não quiz mover Deus a libertar o povo baseado em sua simples intercessão. Êle apenas tivera em vista que Deus cumprisse a Sua palavra empenhada, levando os cativos de regresso à Judéia e Jerusalém. Começando a sua apelação, vindica Daniel do próprio Deus a alta honra de Seu nome alcançada entre as nações no poderoso livramento de Israel do Egito. A seu ver, pareceu-lhe que esta grande honra seria perdida se o Senhor, findo o cativeiro, abandonasse Judá a perecer como povo e nação Sua. Depois de seu demonstrado zêlo pela honra do nome do Senhor intercede então Daniel pelo desvio da ira de Deus de Jerusalém, afim de que o opróbrio que sobreviera a cidade e aos judeus à vista dos povos ao redor, fôsse removido. Roga então pelo santuário, o próprio lugar da habitação de Deus entre Seu povo, que estava assolado, em 551

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ruínas, pleiteando a sua reconstrução bem como o restabelecimento do seu culto. Finalmente o seu apêlo torna-se verdadeiramente patético. Cremos que o santo homem estava em lágrimas, em pranto sôbre seus joelhos, numa suplicação comovente que inclinou para si com ternura e divina simpatia o coração de Deus. Declarando que não Lhe suplicava fiado em justiça própria, insiste que o Senhor ouça, que perdoe, que atenda e que opere sem perda de tempo por amor de Si mesmo, visto que a Sua cidade e o Seu povo se chamavam pelo Seu nome. Aqui findara a oração do fiel servo de Deus. No seu resumo encontramos quatro importantes fatores por êle distintamente salientados: o reconhecimento do pecado de sua nação, o acatamento da justiça de Deus em punir o transgressor de suas leis, a necessidade do perdão divino e o seu amor pela causa de Deus. Todo o cristão desta geração final da história da terra devia estudar profundamente, esta oração de Daniel; devia meditá-la seriamente; devia fâzer dela a sua oração — oração de reconhecimento da transgressão, da justiça de Deus em punir o rebelde e de consagração definitiva, para que Deus possa perdoar e restaurar. A IMEDIATA RESPOSTA DE DEUS VERSOS 20-21: — “Estando eu, ainda falando e orando, e confessando o meu pecado, e o pecado do meu povo Israel, e lançando a minha súplica a face do Senhor, meu Deus, pelo monte santo do meu Deus, estando eu, digo, ainda falando na oração, o varão Gabriel, que eu tinha visto na minha visão ao princípio, veio voando rapidamente, e tocou-me à hora do sacrifício da tarde”. O fim e o princípio dos versículos 19 e 21, respectivamente, demonstram de sobejo que Daniel não chegara ao fim de suas súplicas. Enquanto ainda, — depois de confessar o seu pecado e o de seu povo, — procurava por seu ardente apêlo penetrar o paternal e compassivo coração de Deus, sua oração fora repentinamente interrompida pela nova aparição de Gabriel ao seu aposento em Babilônia. Era a hora do sacrifício vespertino.1 Embora seja feita mensão ao “sacrifício da tarde”, êle em verdade não estava sendo realizado visto que o povo de Deus estava na terra do seu cativeiro 1

Êxodo 29:28-42.

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proibido de efetuar o seu culto público com tôda a liberdade, porém, quão importante é notarmos que ainda que privado do ritual do culto simbólico sacrifical diário, não olvidara Daniel a hora sagrada da devoção e oração da nação de Deus. Para o fiel servo de Deus, rodeado de tentações naquela corrompida côrte do mundo, foram as suas diárias e horárias devoções um eficaz poder contra tôdas as seduções de Babilônia. Que a sua vida devocional chegue a ser a nossa, e seremos cristãos transbordantes de gôzo, de felicidade e sobretudo de poderosa fé. O MOTIVO DA NOVA APARIÇÃO DE GABRIEL VERSO 22: — “E me instruiu, e falou comigo, e disse: Daniel, agora saí para fazer-te entender o sentido”. As primeiras palavras de Gabriel atestam estar sua nova missão a Daniel ligada à anterior. A enfática declaração do anjo de ter vindo para fazê-lo “entender o sentido”, revela tratar-se de algo não compreendido pelo profeta da última visão e na última estada com êle em Babilônia. Da visão do capítulo oito, no que compreende ao carneiro, ao bode e ao chifre pequeno, recebera Daniel clara e sobeja exposição ficando satisfeito. Porém, no que concerne às “duas mil e trezentas tardas e manhãs”, ligadas à purificação do santuário, Gabriel, sem lhe dar qualquer explicação, simplesmente lhe ordenara que cerrasse a visão neste pormenor, alegando que ela “só daqui a muitos dias se cumprirá”. Mas Daniel ficara impressionado com o fato de o santuário achar-se ligado ao grande período, e chegara até a adoecer! “Êle não podia compreender a relação dos setenta anos do cativeiro como predito por Jeremias, para com os dois mil e trezentos anos, que nessa visão ouvira o visitante declarar que mediariam até a purificação do santuário”.1 Ficara tão perturbado o profeta que caíra profundamente prostrado em séria perplexidade. Não havendo quem lhe pudesse dar uma satisfatória explicação, fôra levado posteriormente a concluir que as palavras de Gabriel aplicavam-se literalmente ao santuário terrestre de Jerusalém, e que a sua restauração sera indubitávelmente a purificação do santuário de que lhe falara êle findando assim as assolações da capital de Israel. Pleiteou então Daniel com Deus pelo imediato cumprimento de Suas promessas pela palavra de Jeremias. Daí a origem de sua oração em ferventes súplicas para que Deus efetivasse e o imediato cumprimento 1

Profetas e Reis, E. G. White, pág. 554.

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da profecia, enquanto lhe dissera claramente o anjo que o período atingiria o “fim do tempo”, quando só então o santuário seria purificado. O cativeiro aproximava-se do seu fim. E, para que Daniel afastasse de sua mente a sua irreal compreensão das anteriores palavras de Gabriel, aparece novamente êste, assim introduzindo-se ao profeta: “Daniel, agora saí para fazer-te entender o sentido”, o sentido ou real significação das “duas mil e trezentas tardes e manhãs” ou anos literais. A INCRÍVEL RAPIDEZ DE GABRIEL VERSO 23: — “No princípio das tuas súplicas, saiu a ordem, e eu vim, para t’o declarar, porque és mui amado: toma pois bem sentido na palavra, e entende a visão”. Das palavras iniciais dêste versículo compreendemos que a oração de Daniel fôra respondida antes de seu apêlo a Deus, e até mesmo antes de sua inteira confissão do pecado de seu povo. Aliás, tendo êle pronunciado apenas, algumas frases, fôra aceita e respondida a sua oração, e o poderoso anjo se dirige imediatamente a Babilônia e ao seu próprio aposento com a resposta de Deus. Gabriel foi claro: em dizer logo a Daniel: “No princípio das tuas súplicas, saiu a ordem, e eu vim para t’o declarar, porque és mui amado”. E agora perguntamos: Em que tempo, pois, cobrira Gabriel em seu rápido vôo o espaço entre a Nova Jerusalém, no terceiro céu e Babilônia nêste mundo? Daniel não estivera orando mais do que dez ou doze minutos quando o anjo apareceu! Nêste diminuto espaço de tempo percorrera Gabriel a imensa distância entre o trono de Deus e a humilde habitação de Daniel. Com a rapidez do raio senão maior ainda, transpõe o anjo do Senhor os abismos siderais com a resposta a uma oração sincera trazendo mais luz ao fiel embaixador do céu na corte caldaica. Êste notável incidente não deixa de nos dar uma idéia bem plausível de quão perto do mundo da luz estamos, apesar da apreciável distância entre êle e a terra. Para os angélicos ministros de Deus, as distâncias são na verdade diminutas em face de seus céleres movimentos. Nenhum filho sincero de Deus deve temer qualquer perigo. Aquêle que responde orações imediatamente através de Seus poderosos mensageiros angélicos é capaz hoje ainda de socorrer os Seus em perigo com á mesma rapidez angélica com que atendera a Daniel. O caso do livramento do profeta na cova dos leões, é típico do imediato socorro de Deus aos Seus servos leais em perigo. 554

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As últimas palavras da introdução de Gabriel advertem ao profeta que tomasse muito cuidado, dando tôda a atenção à explanação que faria, para que, desta vez, pudesse entender o sentido daquilo que não entedera antes — as “duas mil e trezentas tardes e manhãs” ou anos. O interêsse do anjo em que Daniel entendesse perfeitamente agora a sua exposição, visava, não tanto a êle, propriamente dito, mas à igreja de Deus dos finais dias da história em vista de estarem as “duas mil e trezentas tardes e manhãs” ligadas a ela exatamente na derradeira geração. Daí a advertência do anjo para que depuzesse tôda a sua atenção à explanação que iria receber, a fim de que legasse à igreja do fim do tempo a mensagem interpretativa original das “duas mil e trezentas tardes e manhãs” como o próprio fundamento profético de sua história como povo do advento no derradeiro fim da história do mundo. SETENTA SEMANAS DE GRAÇA AO VELHO ISRAEL VERSO 24: — “Setenta semanas estão determinadas sobre o teu povo, e sôbre a tua santa cidade, para extinguir à transgressão, é dar fim aos pecados, e para expiar a iniqüidade, e trazer a justiça eterna, e selar a visão e a profecia, e para ungir o Santo dos santos”. Com êste versículo começa Gabriel a explanar o significado das “duas mil e trezentas tardes e manhãs”, do capítulo oito versículo quatorze, que deixara sem qualquer explicação. Uma tarde e uma manhã, (noite e dia), é, segundo a linguagem bíblica, um dia de vinte e quatro horas.1 Temos nelas então, 2300 dias verdadeiros. Porém, em se tratando de matéria profética, o modo do divino Revelador contar o tempo é o equivalente de um ano por um dia, um dia valendo um ano literal. Temos assim, nas “2300 tardes e manhãs” ou dois mil e trezentos dias — exatamente 2300 anos evidentes. Gabriel, entretanto, introduz agora aqui um aparentemente nôvo período profético de 70 semanas, o qual obedece ao mesmo critério profético de — um dia por um ano. Setenta semanas, pois, são 490 dias que por sua vez são 490 anos literais. Todavia o anjo viera novamente a Daniel, como vimos, com o único propósito de esclarecêlo sôbre as “2300 tardes e manhãs”. No capítulo anterior êle o deixou com a seguinte declaração: “E, a visão da tarde e da manhã, que foi 1

Gênesis 1:5, 8, 13, 19, 23.

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dita, é verdadeira: tú, porém, cerra a visão, porque só daqui a muitos dias se cumprirá”.1 Agora o angélico mensageiro, seguindo o último pensamento deixado com Daniel da primeira vez, acrescenta: “Setenta semanas estão determinadas sôbre o teu povo”. Já ao encontrar o profeta novamente, foi-lhe logo dizendo o anjo: “Daniel, agora saí para fazer-te entender o sentido”. Isto revela que as setenta semanas, “determinadas” ou “cortadas”, “separadas”, “decretadas” — como traduzem outras versões bíblicas do vocábulo hebraico original “nechtak”, foram “cortadas” ou “separadas” das “2300 tardes e manhãs”. Diremos que os 490 anos foram cortados ou separados dos 2300 anos desta profecia. Entendemos, portanto, que o inteiro período compreende duas distintas partes — uma de setenta semanas ou 490 anos e a outra de 1810 anos. Esclarecendo dizemos que, o corte de setenta semanas ou 490 anos, não poderia ser efetuado na última parte do período ou constituir a sua última ou segunda parte, — já porque o anjo Daniel foi claro em dizer que o período se iniciaria com as setenta semanas destinadas a uma obra especial entre os judeus: já porque êste povo, na última ou segunda parte do período, estaria definitivamente regeitado por Deus como Seu povo. E jamais poderíamos cortar as setenta semanas ou 490 anos do meio do período. Pois nêste caso teríamos três períodos em vez de dois como claramente são indicados na profecia, além do que não poderíamos harmonizar os acontecimentos históricos com suas datas prefixadas dentro do próprio período. Porém, com as setenta semanas como período inicial do grande todo, há harmonia perfeita entre as referidas datas e os eventos a elas ligados. O ÚLTIMO ESFORÇO DE DEUS PÊLOS JUDEUS Segundo a própria referência do anjo Gabriel, as setenta semanas ou 490 anos, destinavam-se a uma obra especial exclusivamente em Judá e Jerusalém. O texto que consideramos vindica seis transcendentais fatos que deveriam tomar lugar dentro dêste período entre aquele outrôra povo de Deus como damos a seguir: 1. Fazer cessar a transgressão: — O vocábulo hebraico “kala”, donde é traduzido “cessar”, encontra-se várias vezes Velho Testamento, sendo em alguns casos traduzido por “desviar”, “encerrar”, “fechar”, “deter”. Uma versão francêsa traduz a frase por — “abolir a infidelidade”. “Cessar” significa também apagar, destruir, 1

Daniel 8:26.

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dissolver, exterminar completamente. Finalmente o pensamento é de acabar com a transgressão. Podemos compreender que o expresso desejo de Deus para com Seu povo era vê-lo extirpar o pecado de si mesmo, desviá-lo para longe de si, cessar de cometê-lo, encerrar o ciclo de suas transgressões, acabar definitivamente com a sua infidelidade para com o céu. Dentro do praso de setenta semanas ou 490 anos, o povo judeu devia reabilitar-se diante de Deus, mudar de conduta, e ter de uma vez para sempre com as suas rebeldias e infidelidades, sob pena de deixar de ser o Seu povo escolhido. Porém, os judeus, longe de deterem seus pecados, tornaram-se mais pecadores, mais desafiantes do céu com maior volume de pecado. Jesus lhes dissera: “Enchei vós, pois, a medida de vossos pais”.1 A culminação do pecado da nação foi a rejeição e crucificação do Messias. Assim a nação passou os limites da possibilidade de arrependimento, — e pecou contra o Espírito Santo, o pecado imperdoável. Em vão Jesus apelou ao ingrato povo nestas palavras: “O tempo está cumprido e o reino de Deus está próximo, arrependeivos e crêde no evangelho”.2 Era o fim do prazo dado de 490 anos, e nenhum arrependimento se manifestara — antes a transgressão culminou no máximo pecado — o pecado de deicídio. Afirmara-lhes Jesus: “Portanto vos digo que o reino de Deus vos será tirado”.3 Um prazo de quase cinco séculos para se converterem, deram fim à voluntária transgressão, — redundou em nada, antes o pecado avultou muito mais e transbordou sua taça resultando em fatal rejeição da nação e perda do reino de Deus, 2. Para dar fim aos pecados: — A palavra “pecados” foi traduzida do vocábulo hebráico “chatta-th”, que, de acordo a alguns manuscritos e os Masoretes, significa propriamente “ofertas pelos pecados” em 135 vêzes. Nesta profecia de Daniel, a significação exata é — “ofertas pelos pecados”. Temos, então, assim, a profética frase: “Para dar fim às ofertas pelos pecados”. E êste fim foi dado com a morte de Cristo na cruz. Todo o sistema das ofertas sacrificais típicas do santuário apontava para a Sua morte no Calvário, pelo que tôdas aquelas cerimoniais ofertas ou sacrifícios, de acordo a esta profecia, teriam fim ao expirar no Gólgota a grande oferta antitípica de DeusCristo. No versículo vinte e sete é dito que Cristo, como Cordeiro antitípico de Deus, faria “cessar o sacrifício e a oferta de manjares”. E, quando Êle na cruz rendeu Sua vida, “o véu do santuário se rasgou em 1

S. Mateus 23:32. S. Marcos 1:14. 3 S. Marcos 21:43. 2

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duas partes, de alto a baixo”, o que era o cumprimento da profecia de Daniel: “Para dar fim às ofertas pelos pecados”. Jesus mesmo dissera aos judeus, referindo-se ao grande templo: “Eis que a vossa casa vos ficará deserta”.1 Portanto, cessaram com a morte de Cristo na cruz tôdas as ofertas sacrificais e conseqüentemente o próprio santuário e seu ritual que delas dependia. Abrira-se com êsse ato, o caminho para o santuário celestial onde ali temos a suprema oferta pelo pecado — o “Cordeiro de Deus” — Cristo. 3. Para expiar a iniquidade: — Segundo o vocábulo hebreu “Kaphar” aqui usado, temos a frase assim: “Para fazer expiação”. Não se trata da expiação normal e anual no santuário terrestre no dia 10 do sétimo mês, pela morte do bode expiatório naquele grande dia. Trata-se da Expiação realizada na cruz por nosso Senhor Jesus Cristo. Quase ao término do prazo dos 490 anos de graça concedido aos judeus, estava prevista a remissão da culpa do mundo pela morte do Filho de Deus. Esta medida fôra tomada já na eternidade quando o Pai e o Filho elaboraram o plano da redenção do penitente pecador, segundo o qual Jesus morreria como oferta Expiatória pelo, pecado. Uma versão bíblica, em vez de rezar: “Para expiar a iniqüidade”, ou “para fazer expiação”, assim reza: “... e a iniqüidade se pague”. Verdadeiramente na cruz fôra paga a iniqüidade, a grande dívida do pecador perante Deus; paga com infinito preço. Sim, oh pecador, a tua dívida fôra “paga” pelo Filho de Deus no Calvário — não contraias nova dívida com novos pecados! 4. Para trazer justiça eterna: — O Filho de Deus não veio ao mundo simplesmente para apagar o pecado pelo sacrifício de Si mesmo, dando assim satisfação ao Pai sôbre a dívida do pecador perante Sua lei. Por outro lado, Sua morte não tomou todo o pecador imediatamente justo. Seu sacrifício teve por fim reconciliar o homem faltoso com Deus e essa conciliação não poderia ser completada em um momento, veio Jesus à terra como “Cordeiro de Deus” para “imputar” e “impartir” ao pecador a Sua divina justiça. Mas, perguntamos em primeiro lugar: Que é, em verdade, a “justiça imputada” de Cristo e quando e como é imputada ao pecador? A resposta evidente temos a seguir: A justiça imputada de Cristo é o Seu próprio imaculado caráter outorgado e exigido, como um inápreciável dom do céu, a todo o 1

S. Mateus 23:38.

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pecador que O recebe como Seu Redentor. Em outras palavras, Sua justiça é requerida do pecador e a êle mesmo creditada no momento em que, penitente e genuflexo, se coloca a seus divinos pés. “No momento em que o pecador aceita a Cristo pela fé, naquele momento êle é perdoado, a justiça de Cristo lhe é imputada, e êle não mais duvidará da graça perdoadora de Deus”.1 “A iniqüidade é transferida para o inocente, o puro e santo Filho de Deus; e o homem, todo sem merecimento, está perante o Senhor purificado de tôda injustiça, e revestido da imputada justiça de Cristo. Oh, que mudança de vestidos!” Quão gloriosa é esta verdade! “No momento em que o pecador crê em Cristo, êle permanece à vista de Deus sem condenação; porque a justiça de Cristo é sua: a perfeita obediência de Cristo é imputada a êle”.2 Em outras palavras, o culpado pecador é declarado livre e o imaculado Salvador é declarado culpado. O Redentor recebe os seus pecados como se os tivesse Êle próprio cometido. O Filho de Deus, tomando então a culpabilidade do pecador, torna-Se pecador culpado pelo culpado pecador sem ter cometido Êle mesmo nenhum culpa ou nenhum pecado. Há em tudo isto um santo motivo: “Cristo leva, atualmente, a punição do pecado do mundo, para que Sua justiça possa ser imputada aos pecadores, e através do arrependimento e fé êles possam tornar-se semelhantes a Êle em santidade e caráter”.3 “Através dos méritos de Cristo, através de Sua justiça que pela fé é-nos imputada, devemos atingir a perfeição de caráter”.4 “Sua imputada justiça, através do transformador poder do Espírito Santo, torna-nos semelhantes a Êle. A imagem de Cristo é formada, e ela atinge o inteiro sêr”.5 “Mediante o perdão do pecado e a justiça imputada de Cristo, o homem pecador e caído pode tornar-se perfeito em Jesus”.6 “Assim a justiça de Cristo é imputada ao arrependido, crente pecador. Êle torna-se um membro da família real, um filho do Rei celestial, herdeiro de Deus co-herdeiro com Cristo”.7 “O Senhor imputa ao crente a justiça de Cristo e declara-o justo perante o universo. Êle transfere seus pecados a Jesus, o representante,

1

Special Testimony, E. G. White, 19/5/1898. Fundamentals of Christian Education, E. G. White, pág. 429. 3 Fundamentals of Christian Education, E. G. White, pág. 429. 4 Testimonies for the Church, E. G. White, Vol. V, pág. 744. 5 Manuscript 148, 1897, E. G. White. 6 Mensagem aos Jovens, E. G. White, pág. 137. 7 Selected Messages, E. G. White, Vol. I pág. 215. 2

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substituto e segurança do pecador”.1 “É a prerrogativa do Pai perdoar nossas transgressões e pecado, porque Cristo tomou sôbre Si nossa culpabilidade impendente sôbre nós, imputando-nos Sua própria justiça”.2 Há agora perfeita comunhão, intimidade e paz com Deus por nosso Senhor Jesus Cristo. “Quando esta intimidade de conexão e comunhão é formada, nossos pecados são colocados sôbre Cristo, Sua justiça é-nos imputada. Êle foi feito pecador por nós, para que pudéssemos ser feitos à justiça de Deus nÊle”.3 “Tendo-nos feito justos através da imputada justiça de Cristo, Deus declara-nos justos, e nos trata como justos. Êle olha-nos como Seus caros filhos. Cristo opera contra o poder do pecado, e onde o pecado abundou, superabundou a graça”.4 “Por que é que a imputada justiça de Cristo não brilha através de Seus professos seguidores como uma luz para o mundo?”5 Eis aqui a vidente resposta: “Muitos não se entregam inteiramente à causa de Deus, e sua atitude vacilante é fonte de fraqueza para si mesmos, e uma pedra de tropêço para outros. Com princípios indecisos, sem consagração como se acham, as ondas da tentação os arrastam daquilo que sabem ser justos, e não fazem santos esforços para vencer todo o mal e, pela justiça imputada por meio de Cristo, aperfeiçoar um caráter justo.6 “Mas Cristo não salva ninguém contra sua escolha; Êle não compele ninguém a obedecer. Êle fêz o infinito sacrifício para que êles pudessem vencer em Seu nome, e Sua justiça ser-lhes imputada”.7 “Sua justiça é imputada somente ao obediente”.8 “O pensamento de que a justiça de Cristo é-nos imputada a nós, não em virtude de algum mérito de nossa parte, mas como um livre dom de Deus, parece um precioso pensamento”.9 “O que está sendo santificado pela verdade exercerá domínio próprio e seguirá os passos de Cristo até que a graça se perca na glória. É imputada a justiça pela qual somos justificados; aquela pela qual somos santificados, é comunicada. A primeira é nosso título para céu; a segunda, nossa adaptação para êle”.10 1

Selected Messages, E. G. White, Vol. I pág. 392. Manuscript 21, 1891, E. G. White. 3 Testimonies for the Church, E. G. White, Vol. V, pág. 229. 4 Selected Messages, E. G. White, Vol. I pág. 394. 5 Testimonies for the Church, E. G. White, Vol. VI, pág. 424. 6 Mensagem aos Jovens, E. G. White, pág. 28, 29. 7 Testimonies for the Church, E. G. White, Vol. III, pág. 457. 8 Review and Herald, 21/9/1886. 9 Selected Messages, E. G. White, Vol. I pág. 360. 10 Mensagem aos Jovens, E. G. White, pág. 35. 2

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Na experiência do sumo-sacerdote Josué “Israel foi vestido de vestidos novos, — a justiça de Cristo imputada a êles”.1 Mas a rejeitaram preferindo estabelecer a justiça própria, e pereceram como o povo de Deus na antiguidade.2 O prazo de 490 anos das 70 semanas findou e Israel não aceitou a imputada justiça de Cristo; antes O rejeitaram e O mataram criminosamente. E pereceram como nação de Deus com tôda a chance de ser um glorioso povo na terra. Vejamos agora o que é a justiça de Cristo “impartida” ou “comunicada”. A justiça imputada de Cristo é assim chamada por sua faculdade de atrair e envolver o pecador como penitente e suplicante que reconhece nÊle o seu Redentor e única solução de perdão e de vida. Porém, essa “justiça imputada” de seu Salvador, que apenas o levou a Seus pés, e o cobriu, não é o suficiente. O pecador carece ainda da contínua justiça de Cristo para poder viver a nova vida inicial em conseqüência do primeiro passo dado sob a influência e as apelações da “justiça imputada” de seu Redentor. E, essa contínua justiça — ainda o imaculado caráter de Cristo — que o capacitará a viver indefinidamente a nova vida e o conservará com dignidade como seu seguidor — chama-se “justiça impartida” ou “comunicada”. , Cristo Jesus é um maravilhoso Salvador. “Todo o poder lhe é pôsto nas mãos, para que dispense ricos dons aos homens, impartindo o inestimável dom de Sua própria justiça ao impotente agente humano. Esta é a mensagem que Deus ordenou fôsse transmitida ao mundo. É a mensagem do terceiro anjo, que deve ser proclamada com grande voz, e acompanhada do derramamento de Seu Espírito em grande medida”.3 “A justiça de Cristo, Seu próprio caráter imaculado, é pela fé, impartida a todos os que O aceitam como Salvador pessoal”, depois de para Êle atraído por Sua “justiça imputada”.4 “Cristo comunica Sua justiça àqueles que permitem que Êle extirpe os seus pecados”.5 A maravilhosa experiência da justiça de Cristo “impartida” ou “comunicada” ao pecador, é ilustrada de três modos notáveis e importantes na Bíblia. Pela primeira vez vê-mo-la ilustrada nas vestes de cordeiros mortos por Deus para cobrir a nudez do primeiro casal antes de deixar o jardim do Éden após o grave pecado, afastando as 1

Testimonies for the Church, E. G. White, Vol. V, pág. 459. Romanos 10:1-3. 3 Testimonies to Ministry, E. G. White, pág. 92. 4 Parábolas de Jesus, E. G. White, pág. 310. 5 Manuscript 40, 1900, E. G. White. 2

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inúteis folhas de figueiras da justiça humana.1 Milênios mais tarde foi ilustrada na experiência do sumo-sacerdote Josué, ao qual fôra tirada, por ordem de Deus, a suja veste com que estava vestido, sendo vestido então de vestidos novos.2 Depois Jesus a ilustrou gloriosamente na parábola do filho pródigo, pela volta do filho ao lar, ocasião em que, por ordem do Pai, o filho foi envolto no “melhor vestido”, no branco e alvo vestido usual da casa paterna.3 “Os vestidos brancos são a pureza de caráter, a justiça de Cristo impartida ao pecador. É na verdade uma vestimenta de textura celeste, que só se pode comprar de Cristo por uma vida de voluntária obediência”.4 “Em sua necessidade o homem pode apresentar os poderosos argumentos fornecidos pela cruz do Calvário. Êle pode reivindicar a justiça de Cristo; pois ela é impartida a cada arrependido pecador”.5 “O poder divino unir-se-á a nossos esforços e ao apegar-nos a Deus com a mão da fé, Cristo nos comunicará Sua sabedoria e justiça”. Assim, por Sua graça, seremos habilitados a edificar sôbre o firme fundamento”.6 “Pelas vestes nupciais da parábola é representado o caráter puro e imaculado, que os verdadeiros seguidores de Cristo possuirão. Foi dado à Igreja ‘que se vestisse de linho fino puro e resplandescente’ sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante. O linho fino, diz a Escritura, ‘é a justiça dos santos’. A justiça de Cristo, Seu próprio caráter imaculado, é, pela fé, comunicada a todos os que O aceitam como Salvador pessoal”.7 “Somente as vestes que Cristo proveu, podem habilitar-nos a aparecer na presença de Deus. Estas vestes de Sua própria justiça, Cristo dará a tôda alma arrependida e crente. ‘Aconselho-te’, diz Êle, ‘que de Mim compres... vestidos brancos, para que te vistas, e não apareça a vergonha da tua nudez’. “Êste vestido fiado nos teares do céu não tem um fio de origem humana. Em Sua humanidade Cristo formou caráter perfeito, e oferece-nos êsse caráter”.8 Na parábola “os convidados das bodas foram inspecionados pelo Rei. Só foram aceitos os que obedeceram aos seus requisitos e usaram o vestido nupcial. Assim ocorre com os convidados para a ceia do 1

Gênesis 3:7, 21. Zacarias 3:1-5. 3 S Lucas 15:11-25. 4 Testemunhos Seletos, ed. mundial, E. G. White, Vol. I, páginas 477, 478. 5 Review and Herald, 21/4/1902. 6 Evangelismo, E. G. White, pág. 596. 7 Parábolas de Jesus, E. G. White, pág. 310. 8 Parábolas de Jesus, E. G. White, pág. 311. 2

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evangelho. Todos são examinados pelo grande Rei, e só serão recebidos os que trajarem as vestes da justiça de Cristo”. “Os que rejeitam o dom da justiça de Cristo estão rejeitando os atributos de caráter que os constituiriam filhos e filhas de Deus. Rejeitam aquilo que, unicamente, lhe poderia conceder aptidão para um lugar na ceia das bodas”.1 “O homem que foi à ceia sem a veste de bodas representa a condição de muitos hoje em dia. Professam ser cristãos e reclamam as bênçãos e privilégios do evangelho, contudo não sentem a necessidade de transformação de caráter. Nunca sentiram verdadeiro arrependimento dos pecados. Não reconhecem a Necessidade de Cristo, nem exercem fé nÊle. Não venceram suas inclinações para a injustiça, herdadas e cultivadas. Contudo, pensam ser bastante bons em si mesmos, e confiam em seus próprios méritos em vez de nos de Cristo. Como ouvintes da palavra, vão ao banquete, mas não tomaram a veste da justiça de Cristo. “Muitos que se chamam cristãos são meros moralistas humanos. Escusaram a dádiva que, sòmente, podia habilitá-los para honrar a Cristo com representá-1O ao mundo. A obra do Espírito Santo lhes é estranha. Não são obradores da palavra. Os princípios celestes que distinguem os que são um com Cristo dos que se unem ao mundo, tornaram-se quase indistintos. Os professos seguidores de Cristo não são mais um povo separado e peculiar. A linha de demarcação é imperceptível. O povo está-se subordinado ao mundo, às suas práticas, costumes e egoísmo. A igreja passou para o mundo, transgredindo a lei, quando o mundo devia passar para a igreja na obediência da mesma. Diariamente a igreja se está convertendo ao mundo. “Todos êstes esperam ser salvos pela morte de Cristo, ao passo que recusam viver Sua vida de abnegação. Exaltam as riquezas da livre graça, e procuram cobrir-se com a aparência da justiça, esperando assim ocultar os defeitos de caráter, mas seus esforços serão vãos no dia de Deus. “A justiça de Cristo não encobrirá pecado algum acariciado, o homem pode ser intimamente transgressor da lei; todavia, se não comete um ato visível de transgressão, pode ser considerado, pelo mundo, possuidor de grande integridade. A lei de Deus, porém, lê os segredos do coração. Todo ato é julgado o pelos motivos que o sugeriram. Somente quem estiver de acordo com os princípios da lei 1

Parábolas de Jesus, E. G. White, págs. 313, 316.

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de Deus, permanecerá era pé no juízo”.1 “O vestido de bodas provido com infinito custo, é oferecido liberalmente a tôda alma. Pelos mensageiros de Deus nos são expostas a justiça de Cristo, a justificação, as excelentes e preciosas promessas da palavra de Deus, o livre acesso ao Pai por Cristo, o conforto do Espírito, e a bem fundada certeza da vida eterna no reino de Deus. Que poderia Deus fazer por nós, que não tenha feito em prover a grande ceia, o banquete celestial?”.2 “Triste será o retrospecto naquele dia em que os homens defrontarem face a face a eternidade. Tôda a vida se apresentará justamente como foi. Os prazeres, riquezas e honras do mundo não parecerão tão importantes. Os homens hão de ver que somente a justiça que desprezaram é de valor. Verão que formaram o caráter sob a sedução enganadora de Satanás. As vestes que escolheram são o estigma de sua aliança ao primeiro grande apóstata. Então hão de ver a consequência de sua escolha. Terão conhecimento do que significa transgredir os mandamentos de Deus. “Não haverá oportunidade futura em que os homens se poderão preparar para a eternidade. Nesta vida é que devemos trajar as vestes da justiça de Cristo. Esta é a nossa única oportunidade de formar caráter para o lar que Cristo preparou para os que obedecem aos Seus mandamentos”.3 O que significa estar trajado com as vestes da justiça de Cristo? “Ao nos sujeitarmos a Cristo nosso coração se une ao Seu, nossa vontade imerge em Sua vontade, nosso espírito torna-se um com o Seu espírito, nossos pensamentos serão levados cativos a Êle; vivemos Sua vida. Isto é o que significa estar trajado com as vestes de Sua justiça. Quando então o Senhor nos contemplar, verá não o vestido de folhas de figueira, não a nudez e deformidade do pecado, mas Suas Próprias vestes de justiça que são a obediência perfeita à lei de Jeová”.4 Mas o povo judeu recusou a justiça de Cristo tanto imputada como comunicada. Rejeitou decididamente o prometido Messias. Preferiram um caráter terreno coberto de orgulho e de materialismo. Escolheram uma religião carnal, fundada em obras mortas, — e o resultado foi terem sido rejeitados como nação escolhida de Deus. O prazo de 490 anos findou e a divina justiça, o fino manto do caráter de 1

Parábolas de Jesus, E. G. White, págs. 315, 316. Parábolas de Jesus, E. G. White, págs. 317. 3 Parábolas de Jesus, E. G. White, págs. 318. 4 Parábolas de Jesus, E. G. White, págs. 312. 2

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seu Messias foi posto de lado, absolutamente menosprezado. E aquêle ingrato e incompreensível povo perdeu a oportunidade que lhe conferira o céu de ser a mais poderosa e mais influente nação da terra, e, sobretudo, de ser portadora honrada da mensagem redentora de Deus a um mundo perdido. 5. Selar a vista e a profecia: — O sêlo é a marca de validade, garantia e segurança. E o sêlo das setenta semanas ou 490 anos, seria o seu evidente cumprimento histórico. Isto provaria que a profecia em questão procedeu de Deus e seria um teste incontestável e positivo de sua divina inspiração. E, quão perfeitamente cada detalhe desta notável revelação cumpriu-se notaremos em sua explanação. O fato desta visão focalizar o grande sacrifício de Cristo, constitue, particularmente, o próprio sêlo de tôda a profecia, porque para Cristo tôda a História e a Revelação convergem. Porém, em um senso específico, êste profético período das setenta semanas constitue o sêlo da inteira visão das “duas mil e trezentas tardes e manhãs” e atesta que a profecia de Daniel, capítulo nove, é uma continuação da explanação da visão do capítulo oitavo. 6. Para ungir o Santo dos santos: A frase hebraica donde traduzido “santo dos ‘santos” é “qodesh haq godashim”. É referida 45 vêzes no Velho Testamento para designar coisas distintas como damos na análise que segue abaixo: 1. O santuário como lugar santíssimo. — Ex. 45:3. 2. O lugar santíssimo do santuário. — Ex. 26:33; I Reis 6:16; 8:6. 3. O altar do incenso no lugar santo. — Ex. 30:10. 4. O incenso. — Ex. 30:36. 5. Os pães da proposição. — Lev. 24:5-9. 6. Os móveis do santuário. — Ex. 30:22-29. 7. O altar das ofertas queimadas, — Ex. 29:37; 40:10. 8. A oferta da expiação do pecado. — Lev. 6:25, 29; 10:17. 9. A oferta de expiação da culpa. — Lev. 7:16. 10. A oferta de manjares. — Lev. 2:3. 11. O serviço geral do santuário. — Núm. 4:19. 12. Os arredores do santuário. — Ez. 43:12. 14. O local onde comer as coisas santas. — Núm. 18:10. 14. As coisas santas distribuídas aos levitas. — II Crô. 31:14. 15. Uma porção de terra para os sacerdotes. — Ez. 48:8-12. 16. Animal consagrado a Deus. — Lev. 27:28. 565

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17. Campo consagrado a Deus. — Lev. 27:28. 18. Homem consagrado a Deus — Lev. 27:28. 19. “Santo dos santos”. — Dan. 9:24. Em resumo, vemos que a frase “qodesh haq-qodashim”, fôra usada para indicar muitos fatores ligados ao culto prescrito do santuário, a distribuição de coisas santas, a dedicação de animais e terras, e também a pessoas que se consagravam a Deus. A teologia popular vê na frase “qodesh haq-qodashim” — da profecia de Daniel 9:24 — o lugar santíssimo do santuário celestial, e assevera que êste compartimento fôra ungido ao iniciar Cristo seu ministério ali após a Sua ascenção. Porém, seria muito estranho que, tendo o santuário dois compartimentos de nomes distintos, a profecia apontasse o segundo — o santíssimo — sem referir-se ao primeiro — o santo — que estaria em função muito antes daquele. A revelação não poderia, em hipótese alguma, aludir ao lugar santíssimo do santuário celestial numa profecia como a que consideramos, deixando de fazer qualquer mensão ao lugar santo no qual Cristo iniciaria o Seu ministério e onde continuaria a desempenhá-lo até ao tempo de entrar no lugar santíssimo — dezoito séculos mais tarde, aliás, até ao ano de 1844. Outro pensamento da teologia popular, é que a frase hebraica aludida — qodesh haq-qodashim — pode referir-se a unção do santuário celestial em seu todo, numa cerimônia única abrangendo tudo, imediatamente antes de Jesus iniciar ali o seu ministério. Entretanto, a profecia das “duas mil e trezentas tardes e manhãs” ou anos, só se refere ao santuário no que respeita ao término de seu inteiro período e não dentro do prazo das setenta semanas que constituem a primeira parte dÊle. Além disso, o santuário terrestre, figura absoluta do celestial, não foi ungido em seu todo numa cerimônia única, mas particularmente em cada um de seus compartimentos e seus pertences, de igual modo deve ter sucedido com a unção do santuário celestial.1 Assim sendo, não é possível ver na frase hebraica aludida — nem o santíssimo nem o santuário em seu todo numa cerimônia única de unção. O que expomos a seguir, cremos ser bastante claro para entendermos o verdadeiro sentido de nossa frase em apreço — qodesh haq-qodashim — da referência de Daniel. Não devemos esquecer que as setenta semanas tinham que ver com uma obra especial entre os judeus e em Jerusalém, e, portanto, nada 1

Êxodo 40:9-15.

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tinham que ver com qualquer acontecimento exclusivamente no Céu. Já, pois, que a profecia das setenta semanas tratara da restauração do povo de Deus, moral e espiritualmente: Da extinção da transgressão, do encerramento do cerimonialismo do santuário terrestre, da justiça eterna, do selamento da visão e da profecia — por que não trataria ela também da unção do Messias pelo qual e no qual tudo isto unicamente poderia efetivamente cumprir-se? É absolutamente impossível que esta profecia houvesse ignorado a unção do prometido Messias. Cristo jamais poderia ter-Se oferecido a Si mesmo em sacrifício expiatório não houvesse sido ungido Sacerdote prèviamente. Indiscutivelmente foi Êle tanto a vítima como o sacerdote oficiante. Diante desta solene e sublime verdade, a profecia das setenta semanas não poderia ter esquecido a Sua unção — como de fato não a esquecera. Jamais poderia Cristo ter entrado no santuário celestial sem que antes fôsse ungido para sua missão é ofício como intercessor diante de Deus. Sim, Êle foi deveras ungido e disto testifica a própria inspiração nestes têrmos: “Como Deus ungiu a Jesus de Nazaret com o Espírito Santo e com virtude; ...”1 “Em 27 a.D., Jesus recebeu em Seu batismo á unção do Espírito Santo, e pouco depois deu início ao Seu ministério.2 “De conformidade com Sua promessa, Jesus enviara do Céu o “Espírito Santo sôbre Seus seguidores, em sinal de que Êle, como Sacerdote e Rei, recebera todo o poder no céu e na terra, tornando-se o Ungido sôbre o Seu povo”.3 E esta unção, como vimos, Êle recebeu aqui na terra por ocasião de Seu batismo. A referida unção, também predita por Isaias, foi para o Seu ministério, pois Êle mesmo a, referiu incontestàvelmente ao iniciar sua obra pública em prol do pecador.4 Assim fôra Jesus ungido sacerdote aqui na terra — para oferecerSe a Si próprio como oferta pelo pecado e para oficiar, em virtude dos méritos de Seu sangue, no santuário celestial. E, agora, perguntamos: Quando foi ungido o santuário celestial? Dizemos, antes de tudo, que o santuário terrestre, que era uma figura do celestial, foi ungido antes de o ser o corpo de sacerdotes ministrantes, pelo qual o celestial devera ter sido ungido também antes

1

Atos 10:33. Profetas e Reis, E. G. White, pág. 699. 3 Atos dos Apóstolos, E. G. White, pág. 39. 4 Isaías 61:1-3; S. Lucas 4:16-19. 2

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de Jesus para o Seu ministério.1 Entendemos, pois, que, como Aarão e seus filhos, ao iniciarem o ritual do santuário êste e seus pertences já haviam sido ungidos antes deles o serem, do mesmo modo, ao galgar Jesus o céu para iniciar o Seu ministério no santuário celestial, êste já havia igualmente sido ungido antes dÊle o ser em Seu batismo. Dêste modo fica excluído das setenta semanas o pensamento do que a frase “qodesh haq-qodashim” — Santo dos santos — aponte à unção do lugar santíssimo do santuário do céu ou do próprio Santuário. Uma notável evidência põe fim a tôda a controvérsia e ilumina tôda esta questão: Cristo, ao ser investido em Seu ofício sacerdotal no santuário celestial, o fêz em substituição a Melquizedeque.2 Que o santuário celestial existiu antes do terrenal indica o fato de ter-lhe servido de modêlo. Em virtude do plano da redenção ter estado em vigor desde a queda do primeiro homem e Cristo ter-Se considerado imolado desde a fundação do mundo como “Cordeiro de Deus” — o santuário celestial deve, em realidade, ter estado em função desde o início do pecado na terra; pois, tendo havido sacrifício e sacerdócio em todo o tempo desde as portas do Éden, teria de ter havido contínua intercessão sacerdotal no santuário do Céu. Êste fato comprova que o santuário celeste fôra ungido desde a entrada do pecado e não apenas pela primeira vez ao subir Cristo da terra ao Céu para substituir ali a Melquizedeque. Esta verdade exclui e propagado pensamento de que as setenta semanas tratam, pela frase “qodesh haq-qodashim”, da unção do santíssimo ou mesmo do santuário celestial. Em face de tudo isto, a frase profética das setenta semanas: “... e para ungir o Santo dos santos”, deve aplicar-se a Cristo. Êle é sem dúvida, o “Santo dos santos” ou o supremo Santo de todos os Seus santos. É isto mesmo o que querem expositores judeus e muitos comentadores cristãos ao se referirem à aludida frase — “qodesh haqqodashim”. Alegam os que não vêem Cristo como o “Santo dos Santos” nesta profecia, que a frase “ qodesh haq-qodashim” não é, nas Sagradas Escrituras, especialmente no que respeita ao santuário israelita, aplicada a nenhuma pessoa terrena, nem mesmo à pessoa do sumosacerdote. A isso respondemos da impossibilidade dê um ser humano ostentar a prevenção de ser “santo dos santos”, por ser inadmissível que um simples mortal se sobreponha a todos os seus semelhantes ou se iguale a Deus. Poderá apenas ostentar êste título como figura de Cristo mas não como tal representar-se a si mesmo. Na análise 1 2

Êxodo 30:22-30; 40:9-16. Hebreus 7:15-17.

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referida ao iniciarmos esta consideração sôbre a frase “qodesh haqqodashim”, constatamos que ela também define pessoas que eram consagradas e tomadas como símbolos de Cristo. Veja-se o número dezoito da análise. Sendo assim, e vendo naquelas pessoas indiscutíveis emblemas de Cristo, não vemos razão para que o têrmo, na profecia das setenta semanas, não possa aplicar-se diretamente a Êle como o Ungido Sumo-sacerdote, o “Santo dos santos” profeticamente apontado na profecia. James Moffatt, em sua versão da Bíblia, traduz o versículo 25 desta maneira: “Sabe então, entende, que entre a saída da profética ordem para repovoar e edificar Jerusalém e a consagração de um supremo sumo-sacerdote...” Que estupenda maravilha! Nosso Sumosacerdote — Jesus Cristo — foi consagrado ou ungido no próprio ato de iniciar o Seu sacerdócio na terra! Êle deveras jamais poderia iniciálo sem esta consagração; jamais poderia ser o próprio oficiante de Seu próprio sacrifício, como vimos, se antes não fôsse ungido Sumosacerdote. Sua apresentação pública, portanto, foi a de um Mediador entre Deus e o homem pecador. Como divino, mas também como humano, deu a Seu antigo povo a honra de ser consagrado em seu meio, honra que raros a perceberam e dela se prevaleceram para O apoiarem e O aceitarem como O mais honrado enviado de Deus. O fato de ser Jesus consagrado e ungido Sumo-sacerdote no período das setenta semanas, atesta que a unção do “Santo dos santos” referida no versículo 24, aponta para Êle que no batismo recebera a unção do Espírito Santo do Pai para habilitá-lo para o Seu glorioso trabalho de Mediador entre Deus e o homem. Outro notável fato, é que Cristo só poderia ter sido ungido Sumosacerdote para oficiar no santuário celestial, aqui na Terra, pois esta Terra, segundo Apocalipse capítulo onze versículo dois, é o pátio ou o “átrio” do santuário celestial. O INÍCIO E O TÉRMINO EXATOS DAS (2.300 TARDES E MANHÃS”) VERSO 26: — “Sabe e entende: desde a saída da ordem para restaurar e para edificar Jerusalém, até o Messias, o Príncipe, sete semanas, e sessenta e duas semanas: as ruas e as tranqueiras se reedificarão, mas em tempos angustiosos”.

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O PONTO DE PARTIDA DAS SETENTA SEMANAS A data inicial das setenta semanas fôra bem definida nas palavras de Daniel. Uma “ordem” para restaurar e edificar Jerusalém”, então em ruínas, marcaria indiscutivelmente o exato ponto de partida. Esta “ordem” só poderia proceder de um soberano persa, visto que à Judéia estaira sob o domínio mundial da Pérsia ou da Medo-Pérsia desde o fim do cativeiro judaico. Ciro, o grande monarca Aquemenide que em 536 a.C. subira ao trono do mundo em Babilônia, pela morte de Dario, o Medo, — dera um decreto, neste mesmo ano, concernente não à reedificação de Jerusalém mas tão somente do tempo.1 Em 519 a.C., Dario I Histaspes, sucessor legal de Cambises, confirmara, em nôvo decreto, o decreto de Ciro, quanto à reconstrução do templo, em virtude da cerrada oposição dos inimigos dos judeus e do próprio governador persa da região da Judéia.2 Gabriel, porém, faz mensão de uma “ordem para restaurar e para edificar Jerusalém”. E esta “ordem”, é bem de ver, só poderia ter sido dada posteriormente ao decreto confirmatório de Dario I Histaspes em 519 a.C. E, o único e nôvo decreto dum soberano mundial persa, depois do de Dario I, “para repovoar e reconstruir Jerusalém” (Trad. Moffatt), foi expedido por Artaxerxes I Longimano, no sétimo ano de seu reinado, conforme citado em sua íntegra nas Sagradas Escrituras — no capitulo sétimo do livro de Esdras. Para termos entretanto, com precisa exatidão e em sua perfeita seqüência todos os cômputos proféticos das setenta semanas, urge que busquemos na cronologia real e no calendário persas, antes de tudo, qual o ano e o mês do sétimo ano de Ártaxerxes I em que êle deu o decreto em aprêço. Em primeiro lugar, um papiro aramáico encontrado em Elefantine, no Alto Egito, veio comprovar que Esdras, contemporâneo de Neemias, e ambos de Artaxerxes I e com êle ligados, contou os anos dos reis persas “de outono a outono”, conforme o próprio costume da côrte Persa. E, um ladrilho achado em Ur, no sul da Mesopotâmia, revelou a morte de Xerxes em dezembro de 465 a.C. O sucessor de Xerxes, seu filho Artaxerxes I Longimano, subiu ao trono imediatamente à morte de Xerxes seu pai, ainda em dezembro. Não obstante, segundo o costume da corte persa bem como 1 2

Esdras 1:1-11. Esdras 5:1-12.

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de outras daqueles tempos, Artaxerxes não computou o ano de sua ascenção ao trono como primeiro ano de seu reinado. Seu primeiro ano como rei, contado como oficial, começou no próximo outono e no próximo primeiro dia do nôvo ano conforme o calendário. É preciso que se diga que o ano novo civil persa, tão bem como o nôvo ano civil judeu naquele tempo e ainda hoje, começava com o sétimo mês — Tishi ou Ithanim — mês que se estendia de meados de setembro a meados de outubro do nosso calendário Juliano-Gregoriano. Portanto, o primeiro ano oficial de Artaxerxes I, mediou entre meados de setembro do ano 464 a meados de setembro do ano 463 a.C.. Nesta base única, fundamentada no calendário e costumes da côrte persa, o sétimo ano de Artaxerxes, em que êle dera sua famosa “ordem” ou decreto em aprêço, fôra o ano que mediou do outono do ano 458 ao outono do ano 457 a.C. ou de setembro do ano 458 a setembro do ano 457 a.C. Porém, é de capital importância sabermos a época ou o mês e se possível o dia do mês, em que a “ordem” ou decreto de reconstrução foi pôsto nas mãos do sacerdote Esdras pelo rei Artaxerxes. Sôbre isto trataremos a seguir com exatidão. Ora, o inteiro período profético que estamos considerando, do qual as setenta semanas ou 490 anos constituem a primeira parte, compreende — segundo o capítulo oito versículo quatorze — (2.300 tardes e manhãs” ou 2.300 anos como nos temos referido várias vezes. No término dêste grande período, enfatiza o profeta, no versículo citado, o santuário seria purificado — evidentemente o santuário celestial do “novo concerto” que já apreciamos sob aquele versículo. Outro fator da mais alta importância e que já temos explanado sobejamente, é o santuário terrestre de Israel como uma figura, uma sombra do santuário celestial. Tôdas as suas cerimônias típicas — diárias e anuais — apontavam para Cristo e Seu ofício sacerdotal e nÊle encontraram o seu cumprimento antitípico tanto em seu ministério terrenal como celestial. São Paulo, o grande apóstolo, declara das referidas cerimônias: “Porque tudo isso tem sido sombra das coisas que haviam de vir; porém o corpo é de Cristo”.1 Portanto, a cerimônia típica anual da purificação do santuário terrestre no sétimo mês do calendário judaico — de que tratam os versículos 26 a 28 do cápítulo 23 do livro de Levíticos — que agora nos interessa particularmente — deve ter encontrado o seu cumprimento na purificação antitípica do santuário celestial — no mesmo mês do 1

Colossenses 2:17.

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calendário hebraico e infalivelmente no ponto terminal das “2.300 tardes e manhãs” ou anos, conforme o já citado e considerado versículo quatorze do oitavo capítulo do livro do profeta Daniel. Como evidência de que êste princípio correlativo entre os dois santuários — terrestre e celeste — é exato, constataremos que todos os acontecimentos ligados às setenta semanas ou 490 anos e bem assim todo o período das “2300 tardes e manhãs” ou 2.300 anos, se processaram com exatidão indiscutível nas datas prefixadas dentro do próprio grande período profético maravilhosamente explanado por Gabriel a Daniel. O dia da purificação do santuário de Israel, chamado “dia da expiação”, era o dia 10 do sétimo mês, do calendário judaico como já constatamos.1 A purificação do santuário celestial, no fim das “2.300 tardes e manhãs” ou 2.300 anos, afirmara como Daniel deveria ter tomado lugar ou início no mesmo mês e no mesmo dia da purificação do santuário terrestre ou seja — no dia 10 do sétimo mês (tishri) do calendário judaico. Mas, em que dia, mês e ano caía isto em nosso calendário Gregoriano? Sendo que o decreto de Artaxerxes I Longimano foi promulgado indubitavelmente em outubro do ano 457, como demonstraremos cabalmente, — logo as “2300 tardes e manhas” ou 2.300 anos, que neste ano e mês, pela força do referido decreto tiveram seu ponto de partida, atingiram inquestionavelmente o mês de outubro do ano de 1844, quando teve início, segundo o versículo 14 do oitavo capítulo, a purificação do santuário celestial. Provaremos isto por fatos históricos e astronômicos que não podem ser contraditados. O ano sagrado ou religioso judaico 5.605 começou, segundo o nosso calendário Gregoriano, com a lua nova de 18 abril de 1844, e isto em virtude de o ano anterior 5.604 ter 13 mêses, aliás, constar de um segundo Adar ou Ve-Adar ou 13.° mês, para cobrir as falhas de seu sistema de calendário lunar de 345 dias. Portanto, o sétimo mês — Tishi ou Ithanim — do ano 5605 do calendário judaico, iniciou-se, segundo o calendário Gregoriano, a 13 de outubro de 1844, conforme o inolvidável testemunho dos rabinos judeus “Karaitas”,— assim chamados por seguirem à risca o teor do texto bíblico. São êstes rabinos “Karaitas” também chamados “povo dos santos escritos” e “seguidores da Bíblia”. Os “Karaitas” são referidos também como os “protestantes do judaísmo”. Rejeitam o Talmud, a lei oral e as tradições e se apegam unicamente ao têxto das Sagradas Escrituras. São estas autoridades imparciais, fundadas inteiramente na Revelação 1

Levíticos 23:26-27; II Reis 8:2.

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do têxto bíblico, que atestam que o sétimo mês do ano judaico 5605, como vimos, iniciou-se, fora de tôda a dúvida, a 13 de outubro do ano de 1844 do nosso calendário Gregoriano. Está pois, estabelecida a data inicial de Tishri-ithanim, em 1844, o mês da expiação do santuário israelita, sendo, portanto, fácil sabermos com exatidão o dia da purificação do santuário celestial em 1844. De acordo a Levíticos capítulo 23 versículo 27, o dia da purificação do santuário de Israel era o dia 10 do sétimo mês ou de Tishri. Portanto, o dia 10 do sétimo mês judaico no final das “2.300 tardes e manhãs”, em 1844, foi o dia 22 de outubro, já que ficou provado que o referido mês começou com o dia 13 do nosso calendário. O término das “2.300 tardes e manhãs” ou anos é — 22 de outubro de 1844. Êste foi o dia inicial da purificação do santuário celestial, já que o dia da purificação do santuário terrestre era uma absoluta figura do dia de sua purificação. Retrocedendo de 22 de outubro de 1844 os 2.300 anos, temos 22 de outubro do ano 457 a.C., data absoluta do decreto de Artaxerxes I Longimano “para restaurar e para edificar Jerusalém”. Temos, nesta data, a data inicial das setenta semanas ou 490 anos bem como das “2.300 tardes e manhãs” ou anos. Agora podemos seguir com segurança na exposição das datas subdivisionais e acontecimentos proféticos que constituem as setenta semanas e as “ 2.300 tardes e manhãs” ou anos — desde 457 a.C. a 1844 a.D. Constataremos que tudo se processou normalmente como previsto pela vontade de Deus e anunciado a Seu povo dêstes finais dias da história da terra. Pontos especiais fizeram o decreto de Artaxerxes I Longimano tão notável quão histórico até nossos dias: 1. Esdras é reconhecido pelo soberano como “sacerdote” e “escriba da lei do Deus do céus”. 2. Avultados tesouros são postos à disposição de Esdras tanto em Babilônia como na Judéia, além de abundantes suprimentos. 3. Sobejas provisões são feitas para os serviços do templo que já haviam reconstruído, pelos decretos de Ciro e de Dario sendo os levitas livres de quaisquer impostos. 4. Esdras é ordenado a fazer inquirição em Judá e em Jerusalém, demonstrando isto tratar o decreto da restauração daquilo que ainda não o fôra. O templo reedificado não podia continuar em meio a uma cidade em ruínas. Estas deviam ser removidas e a cidade novamente reerguida em seu próprio lugar. 573

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5. Por fim termina o decreto autorizando a Esdras estabelecer na terra um govêrno de justiça, fundamentado na sabedoria de Deus e no “código judeu de leis”. “Êste decreto levou grande regozijo aos que tinham estado unidos com Esdras no estudo dos propósitos de Deus concernentes a Seu povo”. “Na promulgação dêste decreto por Artaxerxes, foi manifesta a providência de Deus. Alguns discerniram isto, e alegremente tiraram vantagem do privilégio de voltar sob circunstâncias tão favoráveis. Foi designado um lugar geral para reunião; e no tempo apontado, os que estavam desejosos de ir à Jerusalém se reuniram para a longa viagem. “É ajuntei-os perto do rio que vai a Aava”, diz Esdras, “e ficamos ali acampados três dias”.1 “Durante os poucos dias que os israelitas se detiveram junto ao rio, completou-se tôda a provisão para a longa jornada. “E partimos do rio de Aava”, diz Esdras, “no dia doze do primeiro mês, para irmos para Jerusalém; e a mão do nosso Deus estava sôbre nós, e livrou-nos da mão dos inimigos, e dos que nos armavam ciladas no caminho”.2 Cêrca de quatro meses foram gastos na viagem, dado que, a multidão que acompanhava Esdras, vários milhares ao todo, incluindo-se mulheres e crianças, precisava andar devagar. Mas tudo foi preservado com segurança. Seus inimigos foram impedidos de fazer-lhes mal. Foi próspera a sua viagem; e no primeiro dia do quinto mês, no sétimo ano de Artaxerxes, alcançaram Jerusalém”.3 Chegara, pois, Esdras a Jerusalém incumbido de restaurar o Estado Judeu — civil e eclesiástico — de acordo à lei de Deus e os antigos costumes daquele povos. Estava dado o primeiro passo no cumprimento das setenta semanas bem como do grande período de “2300 tardes e manhãs” ou anos. Agora iremos apreciar a execução de cada parte com exatidão matemática e profética tão bem como histórica em todos os seus detalhes. AS PRIMEIRAS SETE SEMANAS Dentro de sete semanas a contar da promulgação do decreto no ano 457, Jerusalém estava reconstruída. Êste primeiro período alcançou até ao ano 409 ou até ao 14.° ano do reinado de Dario II 1

Profetas e Reis, E. G. White, 611, 612. Esdras 8:31. 3 Profetas e Reis, E. G. White, 617. 2

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Notus. O primeiro objetivo da profecia fôra, portanto, plenamente alcançado. Jerusalém foi reconstruída e o Estado e a Igreja na Judéia foram restabelecidos. RECONSTRUÇÃO “EM TEMPOS ANGUSTIOSOS” Durante o reinado de Cambises, o trabalho de reconstrução do templo prosseguiu lentamente. Durante o reinado do falso Smerdis os samaritanos induziram o impostor a baixar um decreto proibindo os judeus de reconstruir. Por mais de um ano o templo foi quasi totalmente negligenciado. Nêste tempo o próprio povo que devia ter mãos na obra e reconstruir rapidamente, tratou de prosperar materialmente negligenciando a obra para a qual havia saído do cativeiro. Mas, em vez de prosperidade material, sobreveio-lhes colapso econômico ao ponto de desesperarem. Dois profetas foram despertados por Deus. Ageu e Zacarias, para repreendê-los e estimulálos a colocarem o coração na obra de reconstrução. Por outro lado os inimigos visinhos tudo fizeram para estorvar-lhes a obra, e escreveram cartas mais tarde também a Dario Histaspes contra os judeus reconstrutores. Mas Dario confirmou o decreto de Ciro e o povo, secundado pelos ministérios proféticos de Ageu e Zacarias, lançaramse novamente à obra, todavia com certa lentidão ainda. Neste tempo e nestas dramáticas circunstâncias, um homem cativo hebreu, Neemias, ocupava uma posição de influência e honra na corte persa dos tempos de Artaxerxes I. “Como copeiro do rei, era êle admitido livremente à presença real. Em virtude de sua posição, e graças a suas habilidades e fidelidade, êle se tornara amigo e conselheiro do monarca. Por intermédio dêste homem, preparado por sua residência na côrte persa para a obra a que fôra chamado, Deus propôs levar bênçãos a Seu povo na terra de seus pais”.1 Por informações de mensageiros vindos da Judéia tomara Neemias conhecimento da calamitosa situação, sofrimento, aflição e vexame que atravessavam seus compatriotas que haviam retornado com Esdras a Jerusalém. Soubera êle que a obra de restauração fôra embaraçada, e isto em virtude de estarem os muros de Jerusalém em grande parte derribados e o povo que edificava perturbado constantemente por seus inimigos, principalmente os samaritanos. A triste notícia abateu sôbre maneira a Neemias. Êle orou muito e fervorosamente afim de obter o consentimento do soberano bem como o necessário auxílio na aquisição de tudo quanto necessário para 1

Profetas e Reis, E. G. White, 628.

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erguer de imediato a muralha protetora de Jerusalém e restaurar a cidade. Conseguido isto, êle próprio se incumbira de liderar a grande emprêsa que deveria resultar na restauração nacional de Israel. Durante quatro mêses Neemias orou e esperou por uma oportunidade favorável afim de abordar o monarca com seu magno pedido. Depois dêste tempo o próprio rei vira em sua face as marcas de sua preocupação e abatimento e o interroga: “Por que está triste o teu rosto, pois não estás doente? Não é isto senão tristeza de coração”.1 Com lábios trêmudos e olhos lacrimejantes, revelou ao apreensivo potentado a causa de seu abatimento. Expôs-lhe o caótico estado das assolações na Judéia mormente em Jerusalém, e roga-lhe a sua permissão para ir a Judéia promover uma restauração geral. E, o soberano, evidentemente movido por Deus, deu-lhe tudo que lhe pedira: Autoridade real, para a viagem, para encetar os trabalhos e para a consecussão de material de construção. Até mesmo uma escolta militar real o acampanhou na jornada.2 Através de uma série de visões dadas ao profeta Zacarias naquele tempo incerto e perturbado, Deus garantia ao seu povo a prosperidade futura de Sua obra: O término da edificação do templo, a reconstrução de Jerusalém e o restabelecimento do lar nacional de Israel na Judéia. Foi assegurado, que nenhum poder ou fôrça contrária seria capaz de deter o propósito de Deus anunciado nas profecias. E Neemias era o homem do momento para dar o nôvo impulso à obra que resultaria em completa restauração de tudo. A viagem de Neemias foi realizada com segurança. As cartas régias para aos governadores das províncias ao longo de sua rota, garantiram-lhe honrosa recepção e pronta assistência. “Sua chegada a Jerusalém, no entanto, com uma escolta militar, mostrando que êle viéra em alguma importante missão, excitou os zelos das tribus pagãs que viviam próximo à cidade, tribus essas que não raro haviam manifestado inimizade contra os judeus lançando sôbre êles injúria e insulto. Preeminentes nesta má obra estavam certos chefes dessas tribos, Sambalá o horonita, Tobias e amonita, e Gesém o arábio. Desde o princípio, esses líderes observaram com olhos críticos os movimentos de Neemias, e procuraram por todos os meios ao seu alcance subverter seus planos e embaraçar-lhe a obra”.3 4 1

Neemias 2:2. Neemias 2:7-9. 3 Profetas e Reis, E. G. White, 635. 4 Neemias 2:10. 2

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Tomando muita cautela e prudência, em face de amargos inimigos prontos para se lhe oporem, falou sigilosamente a poucos homens de confiança dos planos que o levaram à Judéia. Êstes Se interessaram de pronto é asseguraram-lhe sua assistência. Na terceira noite de sua chegada, Neemias, com alguns fiéis companheiros, fez um minucioso exame das ruínas de Jerusalém.1 Dolorosas reflexões encheram-lhe o espírito. Com coração ferido de tristeza, contempla a glória de seu povo completamente arrazada; a passada grandeza de Israel jazia em amontoados escombros. Mas, ninguém, si não seus acompanhantes, souberam de sua noturna inspeção. O resto da noite passou êle em fervorosa oração, rogando de Deus sabedoria para, na manhã seguinte, exercer com êxito seu esforço no sentido de despertar e unir seus desanimados e divididos compatriotas, e encarecer-lhes da necessidade duma pronta ação para remover as ruínas e restabelecer a autoridade de Israel em sua própria terra — a Judéia. Procuraria ganhar a confiança e simpatia do povo, sabendo que uma união de corações bem como de mãos era essencial na grande obra que tinha diante de si. Ao amanhecer convocou Neemias o povo, e apresentou argumentos calculadamente de molde a despertar suas energias adormecidas e unir seus elementos humanos dispersos. Suas investigações da noite anterior, ainda que êle não revelasse a seu auditório, contribuíram decisivamente para o seu sucesso em expôr a condição da cidade com tão acurada minudência, que seus ouvintes ficaram pasmados. A impressão feita sôbre êle, ao ver a fraqueza e degradação de Jerusalém, deu poder e fervor às suas palavras. Mostrou ao povo seu estado de opróbrio entre os pagãos — sua religião desonrada e seu Deus blasfemado. Revelou-lhes estar sustido pela autoridade combinada de Deus de Israel e do soberano persa, para remover a desolação e restaurá-los outra vez a um povo digno e influente, e, sôbre tudo, para elevar ao cume a dignidade do culto de Jeová. A esta altura interrogou diretamente o povo, inquirindo-os se aproveitariam a vantagem desta oportunidade para se erguerem e reconstruirem o muro de Jerusalém. O veemente apêlo atingiu-lhe em cheio o coração. O pensamento de como o favor do céu se havia manifesto para com êle pôs a brio os seus temores, e com renovada coragem disseram a uma voz; “Levantemo-nos e edifiquemos”.2 1 2

Neemias 2:11-16. Neemias 2:17-18.

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Os inimigos ouvem da grande decisão e se opõem. Receberam, porém, uma resposta na altura.1 Neemias toma ânimo. Tôda a sua alma é posta na emprêsa que assumira. “Sua esperança, sua energia, seu entusiasmo, sua determinação, eram contagiosos, inspirando outros com a mesma coragem elevada e altaneiro propósito. Cada homem tornou-se por sua vez, um Neemias e ajudou a tomar mais forte o coração e as mãos do companheiro”.2 Os sacerdotes e a maioria dos príncipes se puzeram ao lado de Neemias com decisão. Houve alguns poucos nobres que se recusaram a meter mão à obra. Eram os oponentes internos que trouxeram vergonha e vexame. No capítulo três do livro de Neemias temos a organização de mais de trinta turmas para a obra de levantamento dos muros da cidade. Os inimigos, porém, espreitavam para a todo custo deter os trabalhos se possível. O anjo Gabriel, ao explanar a Daniel a profecia relativa às setenta semanas, declarou que Jerusalém seria reedificada, “mas em tempos angustiosos”. E em verdade, como veremos, sérias oposições surgiram tanto de dentro como de fora da nação de Deus. Os inimigos externos de Israel, ao tomarem conhecimento dos planos duma execução firme e imediata dos trabalhos em Jerusalém, puzeram-se imediatamente a campo para impedir, por todos os meios possíveis, que a obra encetada chegasse a bons termos. E pertinazes que foram, continuaram a oposição até que a obra alcançou o seu objetivo, tendo êles às vêzes manifestado fingida e perigosa astúcia. Veremos, entretanto, que, o decorrer dos trabalhos de reconstrução, revelou também inimigos internos mais perigosos que os inimigos externos abertos e decisivos. “O que tornou mais difícil a sua obra não foram as hostilidades abertas dos pagãos, mas a oposição secreta de pretensos amigos, que, colocando a sua influência a serviço do mal, aumentaram as vêzes o fardo dos servos de Deus. Êsses traidores forneceram os inimigos do Senhor com material, para ser usado em sua guerra contra o seu próprio povo. Suas más paixões e rebeldes desejos estavam sempre em conflito com os claros reclamos de Deus”.3 Neemias, todavia, não era homem para se abater em face de oposições de estrangeiros de fora ou de compatriotas apóstatas e traidores de casa. Êle, com incançável vigilância, superintendeu os trabalhos ao longo das três milhas de muro, animando os trabalhadores com palavras oportunas de encorajamento, enquanto 1

Neemias 2:19-20. Profetas e Reis, E. G. White, 638. 3 Profetas e Reis, E. G. White, 675. 2

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vigiava constantemente os movimentos de seus inimigos. Sua confiança e sua força estavam em Deus, o Supervisor de tudo. Satanás, através seus principais agentes — Sambalá, Tobias e Gésem, empenharam-se para, a todo custo, embaraçar a reconstrução, procurando provocar divisão entre os trabalhadores. Logo os construtores foram sitiados por ativa oposição. Formavam conspirações para atrair Neemias a suas malhas, e judeus insinceros mostraram-se prontos para auxiliar na traiçoeira empreitada. Chegaram a espalhar boatos de que Neemias eslava conspirando contra o monarca persa, intentando elevar-se como rei em Israel. Mas Neemias continuava a buscar a Deus com firmeza e o seu povo se inclinava a trabalhar com ânimo. A tarefa prosseguiu até que as roturas dos muros começaram a desaparecer, e o muro e tôda a sua extensão alcançou a metade da sua altura planejada. Vendo os inimigos dos judeus que vãos eram os seus esforços, reuniram-se e tomaram conselho para se unirem e guerrearem Jerusalém.1 Mas êstes não eram os piores inimigos. Os piores eram alguns líderes dentre os judeus, descontentes, que procuraram desencorajar a Neemias exagerando as dificuldades pertinentes ao empreendimento.2 Também os judeus que habitavam entre os que não estavam tomando parte na obra, reuniram afirmações e relatórios dos inimigos e usaram-nos para enfraquecer a coragem e criar desafeição entre os leais obreiros. Todavia a oposição de fora e de dentro não afetou a Neemias. O vitupério e o ridículo, a oposição e a ameaça de seus gratuitos adversários, serviram para inspirá-lo ainda mais, com mais firme determinação, e despertá-lo para maior vigilância. Sua coragem ante o perigo se tornou indomável.3 A guarda colocada para guardar os que trabalhavam tornou-se intrépida. Declara Neemias: “Assim trabalhamos na obra, e metade deles tinha as lanças desde a subida da alva até ao sair das estrêlas”.4 Sambalá e seus confederados, procuraram uma conferência com Neemias, numa vila na planície de Ono. O propósito dêstes inimigos era matá-lo. Mas o grande homem mandou-lhes mensageiros a dizerlhes em resposta, o seguinte: 1

Neemias 4:7-8. Neemias 4:10. 3 Neemias 4:13-18. 4 Neemias 4:19-21. 2

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“Estou fazendo uma grande obra, de modo que não poderei descer. Por que cessaria esta obra, enquanto eu a deixasse e fôsse ter convosco?”. Quatro vêzes os audazes adversários insistiram com êle por uma conferência; mas quatro vezes lhes respondeu da mesma maneira.1 Tentaram um outro estratagema, mais astucioso, mas foram desbaratados. Neemias sempre tinha uma resposta na altura.2 Satanás procurava inspirar constantemente novos e astuciosos ardis contra Neemias. Assalariaram homens dentre os judeus que professavam ser amigos de Neemias, para que lhe dessem maus conselhos como se partissem de Deus. Um de seus hipócritas agentes foi Samaias, homem anteriormente tido em boa reputação por Neemias. Fingindo grande preocupação pela segurança de Neemias, Semaias aconselhou-o a buscar refúgio no templo. Tivesse Neemias seguido êste traiçoeiro conselho, teria sacrificado sua fé em Deus, e teria aparecido aos olhos do povo como covarde e desprezível. O povo teria abandonado a obra e buscado segurança, ficando a cidade desprotegida, e segurança cairia nas mãos dos inimigos. Mas Neemias penetrou logo o verdadeiro caráter e objetivo de seu conselho, e lhe respondeu confiantemente em Deus desbaratando-lhe o sinistro plano.3 Não obstante as ciladas dos adversários dos judeus, a obra de reconstrução prosseguia firmemente. Em menos de dois mêses da chegada de Neemias, a cidade foi circundada por sua muralha levantada, podendo os construtores trabalharem com segurança e sem muita preocupação, com perigos possíveis. Os inimigos do lado de fóra olhavam agora atônitos e derrotados. Todos êles temeram e abaterem-se grandemente, pois compreenderam que Deus estava com Seu povo.4 Mesmo em face da evidente mão controladora de Deus, alguns nobres dentre os judeus mantinham correspondências com os inimigos de fora e dêles recebiam respostas criminosas contra a obra em andamento. Mas Deus estava no leme e a reconstrução continuava.5 Afinal os inimigos internos culminaram sua astúcia cometendo o que foi a maior das vilezas possíveis contra a causa de Deus vitoriosa. “Neemias havia voltado para a Pérsia. Durante sua ausência de Jerusalém, desenvolveram-se males que ameaçavam perverter a nação. Os idólatras não apenas haviam conseguido firmar pé na 1

Neemias 6:1-4. Neemias 6:5-9. 3 Neemias 6:10-14. 4 Neemias 6:15-16. 5 Neemias 6:17-19. 2

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cidade, mas contaminaram por sua presença o próprio recinto do templo. Através de casamentos mistos, tinha surgido um parentesco entre Eliasibe, o sumo sacerdote, e Tobias o amonita, acérrimo inimigo de Israel. Como resultado desta aliança ilícita, Eliasibe permitiria a Tobias ocupasse um apartamento anexo ao templo, o qual era usado anteriormente para nêle se recolherem o dízimo e as ofertas do povo. Por causa da crueldade e traição dos amonitas e moabitas para com Israel, Deus havia declarado por intermédio de Moisés que êles seriam para sempre separados da congregação do Seu povo.1 Em desafio desta palavra, o sumo sacerdote tinha lançado fora as ofertas armazenadas na câmara da casa de Deus a fim de que houvesse lugar para êste representante de uma raça proscrita. Não seria possível mostrar maior desprêzo a Deus do que conferir favor semelhante a êste inimigo de Deus e da Sua verdade. Ao retornar da Pérsia, Neemias, soube da ousada profanação, e tomou de pronto medida para expulsar o intruso. “Muito me desagradou”, êle declarara; de sorte que lancei todos os móveis da casa de Tobias fora da câmara. E ordenando-o eu, purificaram as câmaras; e tornei a trazer ali os vasos da casa de Deus, com as ofertas de manjares e o incenso”.2 Depois desta exposição fundada no livro de Neemias, entendemos o inolvidável cumprimento das palavras do anjo Gabriel a Daniel, de que Jerusalém seria reedificada — mas em tempos angustiosos. Como nos dias de Neemias, os dias atuais são igualmente difíceis para o povo de Deus em sua magna obra de restauração de verdade do evangelho, convertida em escombros pelos Sambalates e Tobias modernos e por declarados cristianíssimos apóstatas. Muitos são no atual século os inimigos do direito de Deus. São mais do que nos tempos de Neemias. A obra de Deus exige, pois, nesta geração, Neemias modernos, homens com o talento, fibra e devoção daquele extraordinário líder da causa do Senhor na antiguidade. Com tais homens, ardendo de zelo e consagração, o povo de Deus será tirado de sua prostração e temor, e levantar-se-á unido e decidido em remover as ruínas do pecado, restaurando a Igreja à dignidade de Igreja do Senhor. Não importam os inimigos de fora e de dentro, — a obra de Deus será levado a um feliz termo e indizível triunfo através de poderosos líderes secundados pelo ilimitado poder e sabedoria do céu. Nenhum poder poderá erguer-se com êxito contra a vitoriosa causa de 1 2

Deuteronômio 23:3-6. Neemias 13:4-9.

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Deus, vitoriosa na cruz pela morte de Seu Filho, o Salvador do mundo. AS SESSENTA E DUAS SEMANAS E O APARECIMENTO PÚBLICO DO MESSIAS O anjo Gabriel fôra muito explícito em sua exposição sobre o futuro aparecimento do Messias prometido. Declarou: “Sabe e entende: desde a saída da ordem para restaurar e para edificar Jerusalém, até ao Messias, o Príncipe, sete semanas, e sessenta e duas semanas...,” Sete semanas mais sessenta e duas semanas ou sejam sessenta e nove semanas — são ao todo 483 dias ou outros tantos anos proféticos. No término dessas 69 semanas ou 483 anos, a contar da saída do decreto do rei Artaxerxes I Longimano ou do outono do ano 457 a.C., Cristo, o Messias, apareceria em público na Judéia em meio a Seu povo. Êste solene acontecimento ocorreu exatamente no outono do ano 27 a.D. Jesus revelou-se no deserto do Jordão onde fôra pedir a João Batista o batismo da imersão nas águas. A inolvidável data do batismo de Cristo no ano 27 a.D., 69 semanas ou 483 anos após o memorável decreto de Artaxerxes, segundo esta notável profecia, é confirmada por outros fatos históricos de suma relevância. Lê-se no evangelho de S. Lucas capítulo três versículo um, que João Batista iniciou o seu ministério no deserto da Judéia no ano 15 do império de Tibério César, sendo referida outros governadores de províncias romanas da região do Jordão, do mesmo ano e ocasião, incluso “Pôncio Pilatos, presidente da Judéia”.1 Qual, porém ano 15 de Tibério César, imperador romano? César Augusto que morrera no ano 14 a.D., adotara Tibério como filho, e ele foi designado governador das províncias romanas no ano 12 a.D. por César Augusto”.2 Segundo o historiador Dion Cassio, em sua “História de Roma”, havendo-se reconhecido a Tibério os direitos dinásticos, associou-se êste a Augusto como co-regente no ano 12 a.D.. Êste sucesso tomou lugar no outono do ano 12, de cuja época começou Tibério contar o tempo como imperador. Acrescentando os 15 anos e Tibério como imperador desde o outono do ano 12, chegamos ao outono do ano 27, quando João Batista iniciou o seu ministério e batizou a Jesus. Comprovamos assim através de duas correntes históricas que as 62 semanas cobriram exatamente o espaço de tempo de 434 anos, desde o final das obras de reconstrução de 1 2

S. Lucas 3:1. Harper’s Bible Dictionary, art. Tibério.

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Jerusalém em 408 a.C., até ao batismo de Jesus no ano 27 a.D.. O ano 27 a.D., o termino das 62 ou 69 semanas, não só fôra importante pelo batismo de Cristo, como também por três outros fatos sumamente importantes: 1) Por Sua unção com o Espírito Santo, ato preparatório para o Seu ministério sacerdotal. James Mofatt, em sua versão da Bíblia, traduz o versículo 25 desta maneira: “Sabe então, entende, que entre a saída da profética ordem para repovoar e edificar Jerusalém e a consagração de um supremo sumo sacerdote...” Que estupenda maravilha! 2) Por sua apresentação solene a Israel pelo próprio Pai como Seu “Filho amado”.1 3) Por Sua apresentação ao povo por João Batista como “o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”.2 Estava cumprida, pois; com a maior exatidão e solenidade a segunda etapa das setenta semanas. A setuagésima semana que ainda resta, será considerada no versículo vinte e sete. OS MATADORES DO MESSIAS VERSO 26: — “E depois das sessenta e duas semanas, será morto Cristo, e o povo que O há de negar, não será mais Seu povo. E um povo com o seu capitão, que há de vir, destruirá a cidade e o santuário, e o seu fim será uma ruína total, e a desolação, a que ela foi condenada, lhe virá depois do fim da guerra”.3 O JUDAÍSMO NÃO TEM EXCUSAS O primeiro período das “2300 tardes e manhãs” ou sejam as setenta semanas, deixara bem patente o retomo dos judeus à Judéia para uma obra de reconstrução de Jerusalém e principalmente de restauração nacional, perto do fim do qual deviam estar em condições de receber o Messias. Dante mão e através de séculos deram os inspirados profetas de Deus uma pormenorisada identificação do Messias para que, ao aparecer Êle, fôsse reconhecido e recebido por Israel e como Tal adorado. Tôda a Sua vida pública e ministerial, desde o Seu nascimento na mangedoura de Belém até à Sua Paixão e ressurreição, fôra antecipada e detalhadamente anunciada. O ano exato de Seu aparecimento, 27 a.D., está com exatidão matemática irrevogável inserido nesta profecia das setenta semanas. Os judeus, 1

S. Mateus 3:16-17. S. João 1:29. 3 Versão – Antônio Pereira de Figueiredo. 2

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portanto, em face das evidências que se acumularam, não tiveram e não têem razão para a rejeição de Jesus como o Seu Messias prometido por Deus. Mas, O rejeitaram vilmente: O negaram injustamente; O julgaram iniquamente subornando tôda a justiça; O esbofetearam; O cuspiram, e exigiram à fôrça a sua condenação e morte de cruz pela mão dos romanos. A profecia reza: “Será morto Cristo”, ou o Messias, — e êles em verdade O assassinaram. O julgamento de Cristo no tribunal dos judeus e pelos judeus, fôra o mais fraudulento que a história legara à posteridade. Jamais alguém fôra tão brutalmente condenado a um vergonhoso suplício pelo simples fato de declarar-se Filho de Deus. A violência do crime de condenação do Sinédrio passou para a história como a mais iníqua cena de um tribunal em condenar a um acusado sem nenhuma prova justificável contra êle. Tão infundada eram as acusações contra o inocente Filho de Deus, que a princípio O acusaram de “malfeitor”, de perverter a nação, de proibir dar tributo a César, e, por fim, — declararam a Pilatos que Êle devia morrer porque “Se fêz Filho de Deus”. Absurdas contradições dum julgamento imoral. A REJEIÇÃO DOS JUDEUS A profecia não pode ser mais enfática: “E o povo que O há de negar, não será mais Seu povo”. Uma nação rejeitada por Deus! A nação que foi a mais privilegiada de tôdas, que foi o povo de Deus, o povo do próprio Filho de Deus, foi definitivamente rejeitada para todo o sempre como nação de Deus. Chegaram, para conseguir de Pilatos a sua anuência com êles no crime — o crime dos crimes, o crime da história — a assumirem a culpabilidade direta do assassínio: “O Seu sangue caia sôbre nós e sôbre nossos filhos”.1 E o sangue do inocente e santo Messias caiu imediatamente sôbre eles e até hoje está caindo sôbre os seus filhos. Pois seus pais mesmo pediram que isto sucedesse. Pediram que a culpabilidade do crime de deicídio se estendesse a tôda esta raça até ao fim. E a história é testemunha ocular das enormes chacinas que têm sobrevindo a êste povo através dos séculos. É a prova da rejeição. É a prova de que rejeitaram o verdadeiro Messias prometido e de que estão rejeitados. Durante a II Grande Guerra Mundial, mais de seis milhões de judeus sucumbiram tremendamente em campos de concentração, em câmaras de gás e em

1

S. Mateus 27:25.

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fuzilamentos. Sim, o sangue da inocente vítima divina cai ainda, em pleno século XX, sobre os filhos daqueles famigerados deicidas. E, diga-se a verdade, seus próprios filhos, em todos os tempos, até hoje, apoiaram o inominável crime de seus pais na Judéia, — pois O rejeitam também como O seu Messias. Inexorável juízo cai sempre sôbre êsse ingrato povo que até hoje persiste em rejeitar o Filho de Deus a êles outrora prometido. São Paulo, já no seu tempo, declarou sôbre os judeus opositores de Cristo e dos cristãos: “Mas a ira de Deus caiu sôbre êles até ao fim”.1 Terrível sentença já por quase dois milênios em cumprimento inexorável e implacável! CRISTO SEM SUCESSOR HUMANO NA TERRA Jaime Moffatt, em sua tradução da Bíblia, traduz sobre o morte do Messias, no versículo vinte e seis, assim: “Depois das sessenta e duas semanas de anos, o consagrado Sumo-sacerdote será morto, não deixando nenhum sucessor”. Estupendo! É bem claro o têxto em afirmar que, à Sua morte, não deixaria Jesus na terra nenhum sucessor humano legal. O sacerdócio cessaria na terra, pois não mais haveria santuário aqui para que houvesse a necessidade de sacerdotes visíveis. O sacerdócio passou para o santuário celestial, onde um só é o Sacerdote e Sumo-sacerdote — Cristo. Todos quantos na terra se arrogam à pretenção sacerdotal, serão por isso mesmo sacrílegos e enganadores. Nem homem nem mulher deixou Jesus como sacerdote ou sacerdotiza substitutos Seus na Terra. O pecador para ser salvo tem de apelar a Cristo e a Cristo somente. A DESTRUIÇÃO DE JERUSALÉM A primeira funesta conseqüência da rejeição e assassínio do Messias pelos judeus, foi a captura e destruição de Jerusalém pelo exército romano. O crime de deicídio de que foram culpados resultou em serem abandonados à mercê da ira destruidora de seus inimigos. Jesus anteviu a catástrofe que sobreviria a Jerusalém e a Seu próprio povo por Sua decidida rejeição, e chorou sôbre a cidade vendo-a do monte das Oliveiras. “O Redentor chorou e gemeu em angústia de espírito. Não era uma dor egoísta, a Sua. O pensamento de 1

I Tessalonicenses 2:16.

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Sua própria agonia não intimidava aquela nobre Alma pronta ao sacrifício. Foi a vista de Jerusalém que pungiu o coração de Jesus — Jerusalém que rejeitara o Filho de Deus e Lhe desdenhara o amor, que recusara ser convencida por Seus poderosos milagres e estava prestes a tirar-Lhe a vida. Viu o que ela era, em sua culpa de rejeitar O Redentor, e o que poderia ter sido caso O houvesse aceitado a Êle, o único a poder-Lhe curar a ferida”.1 Em pranto viu o Salvador por entre as lágrimas o cêrco da cidade e a ira dos romanos, te proferiu: “Ah se tu conhecesses também, ao menos neste teu dia, o que à tua paz pertence! Mas agora isto está encoberto aos teus olhos. Porque dias virão sôbre ti, em que os teus inimigos te cercarão de trincheiras, e te sitiarão, e te estreitarão de tôdas as bandas; e te derribarão, a ti e aos teus filhos que dentro de ti estiverem; e não deixarão em ti pedra sôbre pedra, pois que não conheceste o tempo da tua visitação”.2 No ano 66 o exército romano sob Céstio cercou a cidade pela primeira vez, durante a festa dos Tabernáculos. Mas, inesperada e inexplicavelmente levantou o cêrco e retirou-se. Nesta circunstância, todos os cristãos fugiram da cidade condenada, conforme o conselho de Cristo. Todavia, “terríveis foram as calamidades que caíram sôbre Jerusalém quando o cêrco foi reassumido por Tito em 70 a.D. A cidade foi assaltada na ocasião da Páscoa, quando milhões de judeus estavam reunidos dentro de seus muros. “Milhares pereceram pela fome e pela peste. A afeição parecia ter-se destruído, Maridos roubavam de suas esposas, e esposas de seus maridos. Viam-se crianças arrebatar o alimento da boca de seus pais idosos”.3 Mães houve que comeram seus próprios filhos, dada a grande fome que sobreveio à cidade”.4 Ao ser tomada a cidade, esta e o templo foram arrazados de todo. O lugar do templo foi lavrado como um campo.5 No cêrco e morticínio que se seguiram, pereceram mais de um milhão de pessoas, e os sobreviventes, em número de cem mil, foram levados como escravos, como tais vendidos, arrostados a Roma para abrilhantar a vitória do vencedor, lançados às feras nos anfiteatros, ou dispersos por tôda a terra como vagabundos sem lar. Tremendo fôra êste primeiro sorvo da taça do juízo que iria seguir êste povo em tôda a sua história até ao fim. Tôda esta desgraça que já 1

O Desejado de Tôdas as Nações, E. G. White, pág. 428. S. Lucas 19:42-44. 3 O Conflito dos Séculos, E. G. White, pág. 31. 4 Lamentações 4:10; Deuteronômio 28:56-57. 5 Jeremias 26:18. 2

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arrasta por quase dezenove séculos poderia ter sido evitada, se reconhecessem o seu Messias, o Filho de Deus, ao qual para a ruína da nação negaram e o mataram no maior dos crimes da história. Cumpriu-se perfeitamente a tremenda profecia do versículo 28 contra a nação judaica. A guerra contra êste povo continua através dos séculos, com chacinas aqui e ali. “O Seu sangue caia sôbre nós e sôbre nossos filhos”, foi o que pediram, e os séculos se encarregaram de atender esta macabra suplicação. A PRIMEIRA PARTE DA SETUAGÉSIMA SEMANA PROFÉTICA VERSO 27: — “E Êle firmará um concerto com muitos por uma semana: e na metade da semana fará cessar o sacrifício e a oferta de manjares; o sôbre a aza das abominações virá o assolador, e isso até à consumação; e o que está determinado será derramado sôbre o assolador”. A RATIFICAÇÃO DO CONCÊRTO ETERNO A setuagésima semana, a última das setenta semanas proféticas, ou os últimos sete anos dos 490 anos de graça concedidos aos judeus — seria teatro dos maiores acontecimentos em meio ao antigo povo do Deus. As sessenta e nove semanas alcançaram até o batismo de Cristo no outono do ano 27 a.D., aliás, até outubro dêsse ano. Esta última semana — a setuagésima — ou os sete anos restantes dos 490 anos, iria alcançar até ao outono ou outubro do ano 34 a.D. O primeiro importante evento ligado à setuagésima semana, conforme o têxto citado é êste: “E Êle firmará um concerto com muitos por uma semana”. Uma outra versão portuguesa, reza: “Êsse Cristo, porém, confirmara para muitos o seu pacto numa semana”. Uma versão espanhola assim traduz: “E dará validade ao pacto para com muitos na semana restante”. “A versão católica, diz: “E confirmará com muitos a Sua aliança durante uma semana”. Conclui-se que, o “concêrto”, ou o “pacto”, ou a “aliança”, que o Messias firmaria ou confirmaria ou daria validade, já existia em vigor. Era aquele “concêrto” ou “aliança” conhecidos nas Sagradas Escrituras e chamado — “Nôvo Concêrto” ou “Nova Aliança”, feito com o homem após a sua queda no pecado e ensinado a Israel através dos símbolos do culto do santuário. A exposição dêste “Nôvo Concêrto” temo-la no capítulo oito sob o título: o Santuário do Nôvo Concêrto — que convém examinarmos 587

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conjuntamente com o tópico da profecia que agora apreciamos: “E Êle firmará um concêrto com muitos por uma semana”. Depois de 4.000 anos de estabelecido o “Nôvo Concêrto” ter sido comunicado ao primeiro pecador e através dêle à inteira raça humana ou em favor dela, Cristo veio ao mundo para ratificá-lo com seu próprio sangue. Durante a última semana ou por sete anos, Êle e Seus apóstolos, sob todo o poder do Espírito Santo, expuseram o maravilhoso Concêrto da Graça, atestaram a sua validade e a sua ratificação, e convidaram o povo para participar de suas bênçãos eternas. E, hoje ainda, somos convidados para participarmos também de suas copiosas bênçãos eternas. E notemos agora a exortação do grande apóstolo: “Ora o Deus de paz, que pelo sangue do concêrto eterno tornou a trazer dos mortos a nosso Senhor Jesus Cristo, grande pastor das ovelhas, vos aperfeiçoe em tôda a boa obra, para fazerdes a sua vontade...”1. Maravilhoso — o sangue do “concêrto eterno”! quer dizer que êste concêrto já existia mesmo antes da fundação ou criação de nosso mundo”. Seu sangue deve aperfeiçoar-nos “em toda a boa obra”, para fazermos “a Sua vontade”. Sim, é o sangue do “concêrto eterno” que nos converterá para a gloriosa salvação em Cristo. E nossas obras testificarão a nossa ligação com êste concêrto de Deus e de Seu Filho. O DESFECHO DO CULTO DO SANTUÁRIO DE ISRAEL Após um glorioso ministério de três e meio anos, desde o Seu batismo no outono do ano 27, Cristo foi crucificado na primavera ou na Páscoa de abril do ano 31 — exatamente na metade da última semana, quatrocentos e oitenta e seis anos e meio desde o decreto de Artaxerxes I Longimano “para restaurar e para edificar Jerusalém”. Foi o maior acontecimento das setenta semanas entre os judeus e em Jerusalém, tendo o grande fato sido anunciado dez séculos antes por Davi nestas evidentes palavras: “Transpassaram-Me as mãos e os pés”.2 A cruz fôra o mais desumano e repelente instrumento de tortura e morte inventado pelo homem. Sofrera Jesus a mais cruel das penas capitais inventadas pelos homens em todos os tempos — pena pior do que as impostas por apedrejamento, decapitação, fôrca, câmara de gás, cadeira elétrica, guilhotina, fuzilamento, ou outra qualquer possível. Oh, sim, sofrera Jesus a mais cruel e mais vergonhosa das mortes. Dissera Cícero: “Horrível é a ignomínia de uma condenação pública, 1 2

Hebreus 13:20-21. Salmos 22:16.

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horrível a confiscação, horrível o destêrro. Todavia, no meio destas calamidades, algum vestígio de liberdade nos resta ainda; e a própria morte, se nos é infligida, suportamo-la livre de tôda e qualquer peia. Mas o algoz, o véu pela cabeça, o nome de cruz, tudo isso não se aproxime de um cidadão romano, não só de seu corpo, senão também do seu pensamento”.1 Os romanos consideravam êsse instrumento de suplício como “o lenho desgraçado”, “a árvôre fatal”, o “suplício dos escravos”. Conta-se que Júlio César querendo vêr um crucificado, foi-lhe êste desejo satisfeito. “E, diante daquela imagem viva da dor prolongada; das agonias protraídas a se exteriorizarem em horripilantes contrações musculares, fraqueou o ânimo do forte general, que desfaleceu sob uma vertigem”.2 Pois bem, foi essa horripilante espécie de morte, que fez desfalecer um poderoso homem afeito a tudo quanto respeita à coragem humana, que o Filho de Deus padeceu no Calvário. O horror daquela crucificação, seus lancinantes sofrimentos, a agonia que causou ao divino crucificado, — temos nos fatos de ter sido ela vaticinada dez séculos antes, de ter sido decretada no patíbulo do mundo, de ter sido a sentença da inteira humanidade dos séculos sôbre um imaculado e divino inocente. Ninguém poderá descrever em palavras da terra a sua crueldade e o ódio com que foi aplicada ao sentenciado filho de Deus. A infame morte decretada contra o santo Filho de Deus, foi ainda entre malfeitores; uma morte envolta em escárneos; uma morte sôbre abrazadora sêde.3 O Salvador do mundo morreu mais cedo do que qualquer outro crucificado — em cêrca de duas horas de suplício.4 Pilatos maravilhou-se em face de Sua rápida morte.5 A diferença entre a morte de Jesus e a de um outro sentenciado comum à crucificação, jazeu no fato de o Senhor ter sucumbido ao peso do fardo dos pecados do mundo, tendo-os levado a todos Consigo para a cruz.6 “Aquêle grito soltado com grande voz no momento da morte, a corrente de sangue e água que Lhe fluiu ao lado, demonstraram que Êle morreu pela rutura do coração. Partiu-se-Lhe o coração pela angústia mental”.7

1

Em Espírito e Vida, J. Cabral, pág. 92. O Varão de Dores, M. Rizzo, pág. 168. 3 Isaías 53:12; S. João 19:18; Salmos 22:8; S. Mateus 27;41-43; Salmos 22:15; 69:21; S. João 19:282

29. 4

S. Marcos 15:25-37. S. Marcos 15:42-15. 6 I Pedro 2:24. 7 O Desejado de Todas as Nações, E. G. White, pág. 575. 5

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Isto fôra predito um milênio antes.1 Tão enorme fôra a angústia, o desespero do amante Salvador morrendo pela totalidade da raça humana, que, o enorme brado que deu ao expirar, sacudiu a terra inteira num tremendo terremoto que fendeu as próprias rochas.2 Mas aquela amaldiçoada cruz tornou-se uma bendita bênção, a maior das bênçãos do céu à humanidade. Na cruz manifestou-se o amor de Deus em Sua plenitude pelo mundo perdido; na cruz fôra concretizado o plano de redenção humana, o perdão do céu fôra assegurado ao penitente pecador; na cruz fôra dada a certeza inconfundível de tôdas as promessas de evangelho e o caminho de retorno a Deus fora aberto em definitivo; na cruz fôra feita a afirmativa do estabelecimento do reino de Deus na terra e a garantia do fim do império da maldade no mundo. O grande apóstolo São Paulo fêz nos seus dias a maior profissão de fé dizendo: “Mas longe esteja de mim gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo”.3 Para o grande apóstolo o cristianismo não era um formalismo vazio, ôco, sem nada esperar, viver e oferecer. Mas era para êle uma poderosa evidência positiva na vida. Não era fácil, naqueles dias de perseguição judaica e romana, um tão eloqüente e tão decisivo testemunho de fé em Cristo como êste de Paulo em relação à cruz de Cristo. Nenhum outro apóstolo, nenhum outro cristão deu tão incisivo depoimento de fé no sacrifício da cruz em dias tão adversos e perigosos ao cristianismo como aqueles. Jamais outro crente abjurou tão completamente e imediatamente seu antigo tradicionalismo e filosofismo para adorar um Deus ou um líder suspenso numa cruz. Pôsto que judeus e romanos relegassem a Cristo ao desprêzo. O odiassem com ódio mortal, Paulo não receou confessar-lhes corajosa e destemerosamente a seu vitorioso Salvador crucificado, ressuscitado e assunto ao céu. No texto em aprêço, testifica o poderoso apóstolo que o cristianismo não gera cristãos passivos, trementes, ocultos, negativos, — mas cristãos positivos, decisivos, corajosos, evidentes, ativos. Gálatas seis versículo quatorze é um dos textos chaves de Paulo em que êle realça ao sumo a verdadeira relação do cristão para com o holocausto de Deus na desprezível cruz do Calvário. Quem tivera, como êle, a maior experiência possível com Cristo, não podia ser um cobarde negando1

Salmos 69:20. S. Mateus 27:50-51; S. Marcos 15:37. 3 Gálatas 6:14. 2

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se a defendê-1’O e testemunhá-l’O. Para o valente soldado da cruz, não importavam as oposições e os opositores, as ameaças e as injúrias, os açoites e as prisões, os altivos Césares e os arrogantes rabinos. Para Paulo — a glória suprema do cristianismo do Cristo emanava da cruz. E não ousou gloriar-se, desde que aceitou o cristianismo da cruz, senão na própria cruz e Seu crucificado. Como era considerada a cruz de Cristo no mundo nos dias de Paulo? Era escândalo para os judeus e loucura para os gregos.1 Não era a cruz dos malfeitores que era considerada escândalo e loucura, mas a de Cristo. Um crucificado querer ser Filho de Deus, o Messias, o Salvador do gênero humano, — era escândalo e loucura ao ver dos judeus e gregos bem como dos romanos. Proclamar uma mensagem redentora oriunda duma cruz — era escândalo e loucura. Era uma aberração, um incontestável absurdo, um disparate, uma farsa — ao vêr dêles — que urgia repelir e guerrear sem tréguas e destruir de imediato. Mas, o que era a cruz de Cristo para Daniel? Era a suprema glória em sua vida e ministério.2 Incomensurável glória — porque sua aste horizontal abraça num divino amplexo a humanidade inteira, enquanto a vertical liga a humanidade com a divindade celestial. A cruz é o poder, a paz e a reconciliação de Deus.3 A exaltação da cruz por Paulo, jaz também no fato de nela terem sido perdoados os seus pecados e paga a sua dívida. Na cruz gloriou-se em Damasco, Jerusalém, Éfeso, Listra, Felipo, Roma, nos tribunais dos homens e em inúmeros outros lugares incluso nos fundos da prisão Mamertina onde sua cabeça rolou de seu corpo por Cristo e em defesa de Cristo. Para o insígne apóstolo a cruz estava acima de tudo. Ante as dificuldades e privações, a glória da cruz era o seu sustentáculo na cruenta batalha. Naqueles dias em que a glória de Roma eram as suas conquistas; a glória da Grécia a sua filosofia e a oratória de seus filósofos; e a glória judaica era ser descendente carnal de Abraão, o magnificente templo e a circuncisão, — para Paulo a glória provinha da cruz, glória duma salvação que permanece para a eternidade. Nenhuma oferta dêste mundo seduziu o glorioso apóstolo ante a glória da cruz, glória que o conquistou, que o absorveu e fêz dêle o maior

1

I Coríntios 1:23. I Coríntios 2:2. 3 I Coríntios 1:18; Colossenses 1:20; Éfeso 2:16. 2

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bandeirante do evangelho da cruz. Em face da cruz e sua glória, conclue o apóstolo, o mundo valia para êle tanto como nada. Na Páscoa da primavera do ano 31, cumpriu a profecia das setenta semanas o seu terceiro objetivo — a morte expiatória do Messias. Estava ratificado o Concêrto Eterno e assegurada a salvação a todos quantos delas em todos os tempos se quisessem prevalecer. A ÚLTIMA PARTE DA SETUAGÉSIMA SEMANA A primeira parte da setuagésima e última semana, três e meio anos, desde o batismo de Jesus no outono do ano 27 até Sua morte na Páscoa de abril do ano 31, dispendera Êle em Seu ministério. O “concêrto com muitos” que Êle faria, porém, abrangeria tôda esta derradeira semana. Os três e meio anos restantes deveriam ser empregados ainda em favor dos judeus, o que foi cumprido pelo ministério apostólico num grande e derradeiro apêlo aos judeus para que se emendassem, abjurassem o vão tradicionalismo e aceitassem o plano da Salvação de Deus e a Jesus como o Messias da promessa que já se encontrava, em seu pôsto como Sumo-sacerdote no santuário celestial em cumprimento da sombra do santuário terrenal. Entretanto, o vigoroso esforço dos apóstolos fôra em vão. O judaísmo rejeitou decididamente o plano de Deus, a Jesus e tornou-se adversário ainda maior de Cristo e perseguiu furiosamente a Sua igreja cristã, sendo Estêvão, um dos sete diáconos, a primeira vítima, morta por apedrejamento — no outono do ano 34, ponto terminal da última semana bem como das setenta, semanas proféticas. Do ano 34 em diante, pois findo o prazo de graça à nação judaica sem resultados positivos ou sem arrependimento e conversão da parte dos judeus e a aceitação de Jesus por êles como o Messias — a nação foi rejeitada por Deus, deixando de ser o Seu povo na terra. Foi o ano 34 fatal para a nação israelita que, até agora, espera vãmente o seu Messias — que entretanto veio para êles e O rejeitaram e O assassinaram.1 Do término das setenta semanas até o fim da graça neste mundo, os judeus poderão ser salvos mas não como nação. Terão que aceitar individualmente a Cristo e o plano de Deus, sem o que não se poderão salvar. A história dêste povo do ano 34 até agora, é comprovante de que, como nação, está em verdade rejeitado por Deus. Tremenda colheita duma ousada e inglória semeadura. 1

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O diaagrama acima a reppresenta o resumo o de tudoo quanto o foi ditoo coom referrência às setenta semanass como prazo p dee graça dado d porr D Deus aos judeus com Sua nação. Lamentav L velmente êste pov vo não see prrevaleceuu da op portunidadde e peereceu co omo povvo escollhido doo Senhor; cometeu c o maiorr êrro, que q o lev vou ao aabismo, em suass do. E nãoo reelações com Deuss — a rejeeição deccisiva do Messias prometid hoouve nem m há maais reméédio do Céu C paraa salvar êste pov vo comoo naação. O velho v Israel está m morto com mo povo de Deuss. Um nôvo Israell suurgiu — a Igreja Cristã. C O TÉRM MINO DA AS “DUA AS MIL E TREZ ZENTAS TAR RDES E MANHÃ M ÃS” Comoo já estab belecido, as setentta seman nas ou 4990 anos consistem m naa primeiira partee do graande perríodo pro ofético ddas “duaas mil e trrezentas tardes e manhãs” ou 2.3 300 anoss compleetos. Alcançando,, poois, as seetenta sem manas o ooutono ou u o mês de d outubrro do ano o 34 a,D.,, coompreendde-se quee os restaantes 1.810 anos dos d 2.3000 anos deevem serr accrescentaados ao ano a 34 paara termo os o térm mino exatoo das “du uas mil e trrezentas tardes e manhãss” ou 2.300 ano os. A opperação leva-noss innfalivelm mente ao outono o ouu, como já j consid derado, a 22 de ou utubro doo que é o aconteecimentoo anno de 1844. A purificaçção do santuário s inndicado neste n finaal do grannde período, devem mos busccar na exp planaçãoo doo versícuulo quato orze do oitavo capítulo c desta d disssertação sôbre o liivro de Daniel. D Co onvém coonsiderarrmos tudo quantoo aquele versículo v o p ão do santuário celestiall, bem como c oss enncerra sôôbre a purificaçã veersículoss nove, dez, treze e quatorrze do caapítulo seete, que encerram e m um ma expoosição do o juízo dde investiigação qu ue é proopriamentte dito a puurificação do santtuário. 593

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A ppurificaçãão do san ntuário ccelestial no n términ no das “dduas mil e trezentass tardes e manhãss” foi e é simultaaneamentte acomppanhada da d restauraçção do cuulto do Ev vangelhoo legítimo o desterraado na Iddade Méd dia pelo crisstianismoo dominan nte, apósttata e tradicionalista.

O ggráfico accima, dem monstrativvo das “d duas mil e trezenttas tardess e manhãs”” e suas divisões d em e tamannhos desiiguais de tempo, aassentadaas, porém, eem datas pré-estab belecidass pela rev velação, é a seguraança dum ma profecia infalívell cujos acontecim mentos neela apontados cum mpriram-se maior mattemática que os caaracterizaa no próp prio grandde períod do com a m proféticoo. A prim meira parrte — coomo nação de Deus — ddas seten nta semanass ou 490 anos — tempo t dee graça para p o pov vo judeu,, consta de d três perííodos distintos: Sete semaanas ou 49 4 anos para p a recconstruçãão de Jerussalém e bem b assim m para o restabellecimento o do lar jjudaico na n Judéia; ssessenta e duas seemanas oou 434 an nos de esp pera até aao adven nto do Messsias, épocca em quee o Dom de Profecia esteve ausentee da naçãão; e uma semana ou sete anos paara a con nfirmação o e ratifficação do d onsiderad do. Concêrtoo Eterno pela morrte de Criisto, já co Os 490 anoos de graça aoss judeus, a conttar do ddecreto de d a 457 a. a C., atiingiram o ano 34 a.D.. O s restantes Artaxerxxes, no ano 1810 annos das “dduas mil e trezenntas tardees e manh hãs” ou 22300 ano os, que devvem ser acrescent a tados ao ano 34 a. D., atingiram a m o ano de d 1844, quue é pròppriamentee o ano teerminal de d todo o períodoo proféticco. 5944

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Segundo demonstramos, o grande período, o iniciado a 22 de outubro do ano 457 a. C., encontrou seu término a 22 de outubro de 1844 a.D.. Desde êste dia e ano até agora, conforme o versículo quatorze do capítulo oito do livro de Daniel, em que se processa a purificação do santuário celestial, — o evangelho foi restaurado e está sendo proclamado ao mundo — em cêrca de 900 línguas e dialetos — por um movimento religioso evangélico denominado — Povo do Advento, ou seja Igreja Adventista do Sétimo Dia. Outrossim, dizemos ainda que, no período de 1810 anos tempo de graça aos gentios — que mediou entre o termino das setenta semanas no ano 34 a.D. e o das “duas mil e trezentas tardes e manhãs” no ano de 1844 a.D., a Igreja Cristã desenvolveu a sua história, como a temos nas sete cartas do Apocalipse, — sendo perseguida e dizimada pela intolerância religiosa, principalmente na Idade Média sob o poder temporal do Papado. O tempo dos gentios, porém, estende-se para além de 1844, aliás, até à segunda vinda de Cristo, “A ABOMINAÇÃO DA DESOLAÇÃO” A última parte do versículo vinte e sete, segundo a versão de Antônio Pereira de Figueiredo, assim reza: “E ver-se-á no templo a abominação de desolação: e a desolação perseverará até a consumação e até ao fim”. Jesus referindo-se a esta abominação, dissera: “Quando pois virdes que a abominação da desolação, de que falou o profeta Daniel, está no lugar santo; quem lê, atenda”. O Senhor referiu-se aos romanos quando tomariam e destruiriam Jerusalém. São os romanos aqui chamados “abominação da desolação” simplesmente porque sempre que empreendiam suas conquistas armadas, afluiam com os estandartes de sua religião pagã. “Abominação da desolação” porque, além de ser o paganismo uma religião detestável, era acompanhada pelo poderio bélico romano para impôr o culto dos deuses de Roma depois da conquista e da assolação. O lugar santo aludido era não só o templo como a cidade de Jerusalém e suas proximidades. O ano 70 a.D., como vimos no versículo 26, foi teatro do cumprimento desta profecia contra os judeus que perderam a independência nacional e viram mais uma vez sua cidade capital ser destruída e assim conservada “até ao fim”, bem como a Judéia inteira prêsa do saque e destruição até que Roma caiu em 476 a.D. 595

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CAPÍTULO X A INTERVENÇÃO DE CRISTO NA CÔRTE PERSA

Introdução O conteúdo dêste décimo capítulo está estritamente ligado à história de Ciro e seus imediatos sucessores — reis do mundo — bem como aos judeus que retornaram à Judéia findo o cativeiro de setenta anos. Em 536 a.C., Ciro, em profunda comoção por ter visto e lido seu próprio nome numa das profecias de Isaías, dispôs-se a cumprir imediatamente as suas determinações libertando o povo de Deus cativo no Oriente e ordenando o seu imediato regresso a Jerusalém para reconstruir o templo de Deus que se encontrava em ruínas. Porém, os inimigos de Deus e de Seu liberto povo, põem-se logo em campo decididos a todo custo a impedir a obra e trazer vexame e decisivo fracasso à causa de Deus e a Seu povo. Mas os adversários seguramente perderiam a batalha; pois, opondo-se ao decreto de Ciro e procurando de qualquer modo anulá-lo, estavam ousadamente guerreando ao Deus Todo-poderoso que inspirara aquêle potentado a expedí-lo. Ao tempo do reinado de Ciro, de seu filho Cambises, do Falso Smerdis e de Dario I Histaspes, os obstinados opositores escreveram e enviaram representantes à côrte Medo-Pérsia para convencerem os referidos monarcas da necessidade urgente de revogar o decreto em favor dos reconstrutores judeus em Jerusalém. A oposição chegara a tal ponto que os monarcas citados já se inclinavam para o lado dos perseguidores dos judeus pondo assim em cheque a obra na Judéia que já estava a ponto de desmoronar-se. Diante da dramática situação que punha em perigo o propósito de Deus, Gabriel, o poderoso anjo, e o próprio Filho de Deus, descem da corte do universo à côrte persa para impedirem a revogação do decreto Ciro de restauração do templo e do culto de Jeová na terra. E a vitória do céu que estava em risco, inclinou-se novamente para Deus, seu

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povo e Sua obra e concretizou-se firmemente, Satanás e seus sequases agentes humanos foram vencidos e desmoralizados. Todavia, continuaram a vexar e a pôr tropêço à obra dos reconstrutores. Gabriel montou guarda na corte Persa ou Medo-Pérsia durante todo o tempo em que êste Império dominou o mundo, para sustar qualquer nova tentativa de Satanás em prejudicar a inteira obra de restauração do lar nacional do povo de Deus na Judéia. Tudo chegou por fim a bom têrmo e tôda a oposição se desmoronou completamente e os vencidos opositores reconheceram a inutilidade de continuarem a inglória batalha. É notável a declaração do anjo Gabriel de que ao suspender êle sua guarda na côrte Medo-Pérsia, viria Alexandre, “o príncipe da Grécia”, para substituí-lo. E Alexandre veio, em verdade, e liquidou com aquêle perigoso poder para a causa de Deus no mundo. A DATA DA TERCEIRA VISÃO DE DANIEL VERSO 1: — “No ano terceiro de Ciro, rei da Pérsia, foi revelada uma palavra a Daniel, cujo nome se chama Belteshazzar; e a palavra é verdadeira, e trata duma guerra prolongada; e êle entendeu esta palavra, e teve entendimento da visão”. Sôbre a data desta terceira e última visão de Daniel, consulte-se o Apêndice nota 5: O Terceiro Ano de Ciro. Não permanecendo mais Daniel a êsse tempo na corte persa, segundo se depreende do versículo vinte e um do primeiro capítulo, estava quiçá em Susã, a cidade preferida pelos reis persas como uma das capitais do reino após conquistarem o mundo aos babilônios. Por mais que almejasse êle acompanhar seus compatriotas, libertos do cativeiro pelo decreto de Ciro, à sua amada Sião, não o fêz, provavelmente em virtude de sua avançada idade de cêrca de 90 anos. Porém, é notável que Daniel, com a idade quase secular ao tempo desta visão, ainda desfrutasse duma mente sã e esclarecida. O que comprova ter-lhe Deus concedido esta grande e última visão do capítulo dez. Aí está quanto vale servir fielmente a Deus desde a tenra juventude! Quem a Deus é leal desde a alvorada da existência, terá a alegria de viver, será inestimável bênção em meio à sociedade humana, — assemelhar-se-á a uma bússola, a uma grande luz nas trevas da civilização. Assim foi o glorioso Daniel em sua áurea vida por quase um século. 598

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“E A VISÃO É VERDADEIRA” O vocábulo hebreu traduzido por “palavra” neste versículo primeiro e noutros do livro de Daniel,1 é “mareh”, que significa “visão”, sendo assim confirmado pela declaração final do têxto: “E teve entendimento da visão”. A declaração de Daniel: “E a visão é verdadeira”, é deveras inédita com referência às profecias do seu livro, pois nenhum outro profeta hebreu como tal expressou-se com referência a revelações por êles recebidas de Deus. Tratando, a visão da majestosa aparição do Filho de Deus, sem dúvida era ela “verdadeira”, aliás, a mais verdadeira das inspiradas visões, pois o próprio Revelador não só a concedeu como representou a parte central e principal dela. Na verdade nada há revelado no livro do profeta ou em qualquer das Sagradas Escrituras que não seja verdadeiro ou que possa despertar descrédito ou inspirar quaisquer dúvidas da parte dos verdadeiros homens e verdadeiros crentes. UMA GUERRA PROLONGADA A visão “trata duma guerra prolongada”, continua o profeta. A tradução de James Moffatt, reza: “A genuína revelação de um grande conflito”. Segundo depreendemos do versículo vinte, esta longa guerra se desencadeou entre o céu e a corte da Medo-Pérsia, em virtude da obra de reconstrução do lar nacional do povo de Deus na Judéia. Segundo ainda o versículo vinte, o “conflito” duraria todo o tempo do domínio mundial da Pérsia — por dois séculos — até que “o príncipe da Grécia”, no futuro, aniquilasse por completo aquêle poder. Dois personagens, todavia, o anjo Gabriel e Alexandre Magno, enfrentariam os reis persas no grande “conflito”, vencendo-os por fim, e aniqüilando-lhes o poder para todo o sempre. O inimigo de Deus, Satanás, tem feito tudo a seu alcance para impedir os progressos da obra do evangelho, e perseguir, maltratar e destruir o povo do Senhor no mundo. A todo custo procurou êle impedir a restauração do culto a Jeová em Jerusalém e do lar de Seu povo na Judéia. O astuto adversário do bem usou os podêres do mundo, civis e religiosos apóstatas para guerrear os interêsses de Deus na terra. Isto êle fêz no passado, faz no presente e fará no futuro.

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Daniel 6:16; 26-27; 9:23.

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E DANIEL “TEVE ENTENDIMENTO DA VISÃO” A versão de James Moffatt, declara: “Êle prestou atenção à revelação e entendeu a visão”. A grande massa dos crentes modernos pouco sabe das vitais visões de Deus. Há no presente muito grave crise do espírito de Daniel como crente, de seu invejável interesse pelas revelações do céu. Os milhões de chamados cristãos do século quase nada sabem das profecias básicas da verdade de Deus, das doutrinas chaves da vida cristã e do preparo cabal e autêntico para a salvação. O conhecimento da grande maioria dos cristãos em matéria de religião do evangelho de Cristo, é uma aberrante, desastrosa e lamentável negação. Daniel viu que a causa de seu povo na Judéia estava a ponto de paralização, e afligiu-se sobremaneira. Sua atitude, como veremos a seguir, revelara sua angústia d’alma por seus compatriotas em face de seus cruéis adversários, e mormente pelo risco que incorria a restauração do templo. Seu evidente amor à obra de Deus no mundo deve contagiar ainda hoje os modernos cristãos, tantas vêzes mais prontos a defender seus próprios interêsses mundanos do que fazer prosperar os interêsses vitais de Deus na terra. A legítima fé cristã é em nosso tempo coisa raríssima. Jesus duvidou que houvesse fé agora, que é o tempo de Seu segundo advento à terra. Cremos que Êle a encontrará, mas tão rara como “ouro fino de Ofir”. UMA TRISTEZA POR TRÊS SEMANAS VERSOS 2-3: — “Naqueles dias eu, Daniel, estive triste por três semanas completas. Manjar desejável não comi, nem carne nem vinho entraram na minha boca, nem me ungi com unguento, até que se cumpriram as três semanas”. O período de tristeza de Daniel por 21 dias, foi evidentemente o espaço de tempo mais agudo da crise ou do “grande conflito” movido pelos samaritanos opositores da reconstrução do templo em Jerusalém sob a liderança de Zorobabel. Sua santa tristeza levou-o a abster-se quase por completo duma alimentação substancial. Quanto a sua abstenção de carne e vinho em seu especial jejum de três semanas, não revela que êle costumava usar tais ingredientes em seu cardápio normal alimentar. No primeiro capítulo depara-se-nos sua recusa absoluta em participar de carne e vinho, preferindo uma alimentação inteiramente de vegetais e de água. Sua longa existência bem evidencia que continuara com o primitivo regime vegetariano que é o 600

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único que Deus aprova como saudável para seus filhos em todos os tempos. CRISTO SOCORRE SEU POVO VERSOS 4-6: — “No dia vinte e quatro do primeiro mês eu estava à borda do grande rio Hiddekel; e levantei os meus olhos, e olhei, e vi um homem vestido de linho, e os seus lombos cingidos com ouro fino d’Uphaz: E o Seu corpo era como a turqueza, e o Seu rosto parecia um relâmpago, e os Seus olhos como tochas de fogo, e os seus braços e os seus pés como côr de bronze açacalado; e a voz das Suas palavras como a voz duma multidão”. UM TREMENDO CONFLITO NA CÔRTE DE CIRO A tristeza de Daniel iniciada no dia 4 de Nizã, o primeiro mês, durara apenas 21 dias. No dia 24 sua tensão fôra aliviada. Neste dia estava êle com outras pessoas na praia do “grande rio Hiddekel”, ou o rio Tigris. Então as águas do famoso rio tornaram-se teatro da maior, mais bela, mais solene e mais confortadora visão inspirada — favorável à causa de Deus e Seu povo em aflição na Judéia. O próprio Intercessor de Seus escolhidos é visto na visão glorioso e TodoPoderoso. Durante três semanas, enquanto Daniel jazia prostrado em seu abatimento, o renhido conflito prosseguia na corte de Ciro. “Enquanto Satanás estava procurando influenciar as mais altas autoridades no reino da Medo-Pérsia para que não mostrassem favor ao povo de Deus, anjos trabalhavam no interêsse dos exilados. Era uma controvérsia na qual todo o Céu estava interessado. Por intermédio do profeta Daniel é-nos dado um lampejo desta poderosa luta entre as forças do bem e as do mal. Durante três semanas Gabriel se empenhou em luta com os podêres das trevas, procurando conter a influência em operação na mente de Ciro; e antes que a contenda terminasse, o próprio Cristo veio em auxílio de Gabriel”.1 Era de estranhar que Ciro, depois de em seu decreto de libertação dos nativos hebreus ter asseverado que Deus lhe incumbira de ordenar a reedificação do templo em Jerusalém, estivesse a se deixar influenciar por falsas informações dos adversários dos judeus. Mas, Aquêle diante do qual todo o poder e tôda a injustiça contra o Seu 1

Profetas e Reis, E. G. White, págs. 571, 572.

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povo são aniquilados, descera para dar ao impasse, que tanto pesava ao coração de Daniel, uma solução favorável a Seus libertos compatriotas que em Jerusalém se esforçavam em cumprir a vontade de Deus. Daniel o contemplou em visão e O descreveu em Sua gloriosa majestade. “E OLHEI, E VI UM HOMEM” Há, em verdade um único Homem; um único Homem que honra essa designação de Homem. Um Homem de verdade; um Homem de caráter. Um único Homem em quem se pode confiar dentre todos os homens. Sim, e êste Homem único é também o único Homem que aparece nas visões de Deus. No mesmo livro de Daniel é Êle chamado “Filho do Homem”, sendo visto na côrte do universo recebendo o domínio do mundo. No livro do Apocalipse Êle é também chamado “Filho do Homem”;1 e, nos Evangelhos lemos que Êle mesmo deu a Si próprio êste impressionante título de “Filho do Homem”.2 Por Daniel é Êle ainda chamado “Miguel”,3 que significa “igual a Deus”, sendo assegurado que intervirá no mundo para deter a maldade, o crime, o suborno, extirpar os maus e implantar a justiça.4 E, que Cristo é Êsse absoluto único Homem de todos os tempos — é fora de tôda a dúvida. Êle identificou-se conosco, em nossa natureza, e inspira-nos com esta honra que nos conferiu, a exercermos a mais completa e inteira confiança em Sua divina pessoa. “UM HOMEM VESTIDO DE LINHO” Eis aqui um marcante contraste: Enquanto o homem comum e mortal da Terra em seu orgulho veste-se de custosas vestimentas, mesmo até de púrpura, — o Homem do universo, o Filho de Deus, o Todo-poderoso, veste-Se de linho, as vestes simbólicas da humildade. Já na visão de Daniel, cinco séculos antes dÊle vir à Terra, aparece com vestidos de linho. Porém, desde que daqui Êle ascendeu ao Céu, Suas vestes são sempre de linho, e há uma razão muito notável para isto. É que Êle é o Sumo-Sacerdote de nossa confissão, e, como tal, não pode vestir-se com outras vestimentas. Glorioso, no maior ofício 1

Apocalipse 1:13; 14:14. S. Marcos 2:10. 3 Daniel 10:13, 21. 4 Daniel 12:1. 2

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do universo, o de Sumo-Sacerdote, Mediador entre Deus e o homem — estas são as Suas vestes, os Seus trajes. São João, na visão do Apocalipse, o deparou em Seu ofício sacerdotal no lugar santo do santuário celestial.1 A veste de linho é a mesma; o cinto de ouro é o mesmo. Embora refira Daniel que Jesus na visão estava vestido de linho, Suas vestes, em dita visão, não eram de linho branco. Como SumoSacerdote, já antes do ano 1844, vestia-se Êle com vestes semelhantes às do sumo-sacerdote de Israel em seu ofício diário, pois êste era uma figura de Seu sacerdócio no céu. Suas vestes na visão de Daniel deveriam ter sido, portanto, estas: Um manto azul, do qual trataremos adiante, e um Ephod de linho de três côres — azul, púrpura e carmezim. Daniel, porém, dá um detalhe importante revelando uma peça especial do vestuário do Grande Sumo-sacerdote: “E o Seu corpo era como turqueza”, escrevera o profeta. A turqueza é uma pedra preciosíssima — azul opaco — cuja côr é “emblema de fidelidade”. Assim apresenta-se em meio aos perigos, dos séculos. Êle tem sido sempre um fiel Guarda, um Atalaia sempre presente e alerta nas vicissitudes de Seus amados. Dissera Davi: “Aquele que te guarda não tosquenejará. Eis que não tosquenejará nem dormirá o guarda de Israel”.2 O verdadeiro significado do corpo de “turqueza” do grande Sumo-sacerdote daquela visão, devemos identificar pelas vestes do sumo-sacerdote de Israel. “As vestes do sumo-sacerdote eram de custoso material e de bela confecção, em conformidade com a sua elevada posição. Em acréscimo ao traje de linho do sacerdote comum, usava uma, vestimenta de azul, também, tecida em uma única peça. Ao longo das fímbrias era ornamentada com campainhas de ouro, e romãs de azul, púrpura e escarlata. Por sôbre isto estava o ephod, uma vestidura mais curta de ouro, azul, púrpura, carmezim e branco. Era prêso por um cinto das mesmas côres, belamente trabalhado. O ephod não tinha mangas, e em suas ombreiras bordadas a ouro achavam-se colocadas duas pedras de onix, trazendo os nomes das doze tribus de Israel”.3 A veste tôda azul referida, chama-se na Bíblia, “o manto do ephod”; não o próprio “ephod” mas, como vimos, usado sob o

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Apocalipse 1:13. Salmos 121:3-4. 3 Patriarcas e Profetas, E. G. White, l.ª edição pág, 377. 2

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“ephod”.1 Quando em seu ofício diário, usava êle suas finas e belas vestes, o “ephod” e o manto “todo azul”, estando êste último sob aquêle, parecendo revelar que seu corpo era todo de côr azul, — e dirse-ia, naquele tempo, que O seu corpo era de “turqueza”. Cremos ser neste sentido, que Daniel aponta o corpo de Cristo ao contemplar sua veste azul sob o “Ephod” parecia indicar seu corpo como “turqueza”. A MAJESTOSA GLÓRIA DE NOSSO SUMO-SACERDOTE “E o Seu rosto parecia um relâmpago, e os seus olhos como tochas de fogo”. São João, confirmando Daniel nas visões do Apocalipse, diz de Cristo: “E o Seu rosto era como o sol”, “e os Seus olhos como chama de fogo”.2 De Sua Transfiguração no monte santo lemos: “E o Seu rosto resplandeceu como o sol”.3 Daqui a pouco ver-se-ão todos os homens repentinamente diante daquele rosto e daqueles olhos inquisidores e fulminantes. Ninguém terá o poder de furtar-se à glória penetrante de Sua face e de Seu olhar prescrutador. Ninguém jamais poderá esquivar-se aos chamejantes olhos do Supremo Juiz. Inútil será tentar esconder-se, ocultar as obras das trevas. Cada um colherá o que semeou na vida. Numa visão do Apocalipse vemos o mundo futuro em desespêro e agonia ante a aterradora majestade de Seu rosto em Sua segunda vinda próxima à terra.4 O “iniquo” será aniquilado “pelo resplendor de sua vinda”.5 Quando Moisés quis ver o Seu rosto, a resposta veio imediata: “Não poderás ver a Minha face, porquanto homem nenhum verá a minha face, e viverá”.6 Saulo de Tarso, ao encontrar-se com Jesus, próximo de Damasco, foi reduzido à impotência por Sua imensíssima glória “que excedia o resplendor do sol”. ‘E, se não fora a Sua misericórdia, teria êle sido consumido.7 Tremenda surprêsa amarga e fatal aguarda o momento preciso e por Deus previsto para desabar sôbre um mundo irreverente e ímpio. Daqui a pouco mais aqueles olhos de fogo ardente e aquêle rosto de abrasadora glória surpreenderão o impenitente e 1

Êxodo 39:22-26. Apocalipse 1:16; 10:1; 1:14; 19:12. 3 S. Mateus 17:2. 4 Apocalipse 6:15-17. 5 II Tessalonicenses 2:8. 6 Êxodo 33:18, 20. 7 Atos 26:13. 2

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rebelado pecador que menospreza e pisa os estatutos do Onipotente e único Senhor da terra e do universo. A despeito da imensa majestade e glória de seu Salvador, os remidos “verão o Seu rosto”.1 Que deslumbrante espetáculo não será ver aquêle rosto majestoso, mais brilhante e glorioso que o sol em sua força! Êste privilégio terâo os salvos em virtude de estarem então plenamente santificados e puros. Sem perigo algum para êles, poderão contemplar aquêla glória que dÊle emana semelhante a um rio de fogo.2 Estarão em presença e envoltos por aquela glória “de cuja presença fugiu a terra e o céu”.3 Como Moisés em meio ao incêndio de Sua glória no Sinai, estarão com o Salvador sem qualquer risco em face de Sua Majestade.4 Sim, indizível privilégio que poderão ter todos quantos prezarem a Sua honra e a Sua Alteza como Rei dos reis e Senhor dos senhores. A única salvaguarda consiste num preparo cabal e absoluto para enfrentar logo a Sua imensa glória em Seu segundo advento a esta terra. OS SEUS BRAÇOS E OS SEUS PÉS “E os Seus braços e os Seus pés como côr de bronze açacalado”. São João escreveu de sua visão sôbre Jesus: “E os seus pés, semelhantes a latão reluzente, como se tivessem sido refinados numa fornalha”.5 Pés polidos — simbólicos do Seu imaculado caráter. Quando na terra, ninguém ousou apontar-Lhe um defeito, embora desafiasse os homens a que isto fizessem.6 Braços polidos — emblemas de Suas obras perfeitas. As obras de Sua criação são perfeitas; Seu amor por Seus filhos é perfeito; Sua remidora graça é perfeita; e Êle é a essência da verdadeira perfeição. Que maravilhoso modelo de nossa vida temos em Jesus! Êle veio ao mundo pessoalmente não só para estabelecer Sua Igreja e morrer por ela, mas; também para que tivéssemos, em Sua vida moral e religiosa, um exemplo perfeito de cristianismo autêntico, único por êle aceito. Ninguém poderá ser seguidor de Cristo com os pés de seu caráter sujos e os braços de suas obras contaminados pelo pecado. Ninguém poderá limpar-se do pecado por si mesmo. Só Jesus sabe o segrêdo de 1

Apocalipse 22:4. Daniel 7:10. 3 Apocalipse 20:11. 4 Êxodo 19:16-18. 5 Apocalipse 1:15. 6 S. João 8:46. 2

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limpeza e só Êle pode tornar limpo o arrependido pecador. A Êle, pois, devemos recorrer para que nos purifique e nos ensine a conservar-nos puros de pés e de braços, para que tenhamos um caráter semelhantes ao Seu e podermos executar nossas obras como Êle as Suas. Seus pés e braços polidos demonstram-nos que em nenhuma adversidade devemos ser dessemelhantes a Êle; que em nenhuma vicissitude devemos atribuir-nos o poder de mudar a justiça, a pureza e a honestidade para com Êle e os nossos semelhantes. Em sua visão a Daniel, queria Êle ensinar estas mesmas lições aos aflitos edificadores do templo em Jerusalém. A SUA PODEROSA VOZ “E a voz das Suas palavras como a voz duma multidão”. São João, que também ouviu Sua voz, escreveu: “ E a Sua voz como a voz de muitas águas”.1 É Êle quem tem legitimamente a voz. A “voz” no Seu universo é a Sua “voz”. Desgraçadamente o homem vil da terra pretende que sua voz humana e corrupta prevaleça no mundo. E tudo, com sua jatanciosa voz, vai a pique, afunda-se no abismo do cáos da sua loucura e degradação moral, social e política. O homem, em sua desafiante presunção não reconhece, não admite a “voz” do Altíssimo como final, como única, como absoluta, como ordem. Oh desprezível mortal, verme do pó, que recusas insolente curvar-te à “voz” do Onipotente; tú que te ergues audaz, atrevido, — como se foras tú o Tudo” e o “Tudo” nada! Tú, que desprezas a justiça, o direito, a glório, a honra e o poder de teu Criador, — sim, tú oh altivo carnal, obrigado serás a ouvir em breve “a voz das Suas palavras como a voz duma multidão”, “como a voz de muitas águas”, a abalar os céus e a terra, aniquilar as tuas próprias obras, a reduzir-te a coisa nenhuma! Naquele dia que se aproxima veloz, reconhecerás tardiamente a tua insignificância, a loucura da tua audácia em pretender ser o que nunca fostes, o que não és e o que jamais serás. Se, porém, agora, em tempo, desceres os degraus de tua nula e efêmera altivez e ouvires a “voz das Suas palavras”, humilhando-te Perante Êle até ao pó — Êle perdoarte-á e exaltar-te-á, não perecerás. O teu destino, porém, depende de ti. Faze agora a acertada escolha que te levará à vida eterna no porvir glorioso! 1

Apocalipse 1:15; 10:3.

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Quão tremendo será, em verdade, ouvir a “voz” do Salvador Todo-poderoso ao vir Êle buscar os seus! Israel, ao pé do Sinai, temeu perecer ao ouvir Sua “voz”.1 Antes dÊle em pessoa aparecer, a terrível sétima praga de consequências indeduziveis, será resultante de Sua “voz”.2 Só uma entrega incondicional a Êle agora, far-nos-á descansar em Seus braços de amor e segurança, e nos porá a salvo daquele grande dia do ajuste com o mundo. É bem possível, não afirmamos, que Daniel tenha comunicado a seus compatriotas a visão do Hiddekel, para encorajá-los e assegurarlhes o auxílio infalível do Céu. Se êle o fez, ficou-lhes assegurada a verdade da visão e do favor de Deus pela mudança favorável aos cativos havida na corte de Ciro, garantindo-lhes a livre continuação e execução dos trabalhos de reconstrução em Jerusalém e na Judéia. A VISÃO ENFERMOU A DANIEL VERSOS 7:19: — “E só eu, Daniel, vi aquela visão; os homens que estavam comigo não a viram; não obstante, caiu sobre êles um grande temor, e fugiram, escondendo-se. Fiquei pois eu só, e vi está grande visão, e não ficou força em mim: e transmudou-se em mim a minha formosura em desmaio, e não retive fôrça alguma. Contudo, ouvi a voz das Suas palavras; e, ouvindo a voz das suas palavras, eu caí com o meu rosto em terra, profundamente adormecido. E eis que uma mão me tocou, e fêz que me movesse sobre os meus joelhos e sôbre as palmas das minhas mãos. E me disse: Daniel, homem mui desejado, está atento às palavras que te vou dizer, e levanta-te sôbre os teus pés; porque eis que te sou enviado. E, falando êle comigo esta palavra, eu estava tremendo. Então me disse: “Não temas, Daniel, porque desde o primeiro dia em que aplicaste o teu coração a compreender e a humilhar-te perante o teu Deus, são ouvidas as tuas palavras; e eu vim por causa das tuas palavras. Mas o príncipe do reino da Pérsia se poz defronte de mim vinte e um dias, e eis que Miguel, um dos primeiros príncipes, veio para ajudar-me, eu fiquei ali com os reis da Pérsia. Agora vim, para fazer-te entender o que há de acontecer ao teu povo nos derradeiros dias; porque a visão é ainda para muitos dias, E, falando êle comigo estas palavras, abaixei o meu rosto, e emudeci. E eis que uma como semelhança dos filhos dos 1 2

Êxodo 20:18-19. Apocalipse 16:17-21.

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homens me tocou os lábios; então abri a minha boca, e falei, e disse àquele que estava diante de mim: Senhor meu, por causa da visão sobrevieram-me dores, e não me ficou força alguma. Como pode o servo dêste meu senhor falar com aquele meu senhor? Porque, quanto a mim, desde agora não resta fôrça em mim, e não ficou em mim fôlego. E uma como semelhança dum homem me tocou outra vez, e me confortou. E disse: Não temas, homem mui desejado, paz seja contigo; anima-te, sim anima-te. E, falando êle comigo, esforcei-me, e disse: Fala, meu senhor, porque me confortaste”. Daniel não estava só no local da visão. Êle, porém, foi o único que a viu. Os que com êle estavam foram de qualquer modo atingidos por ela e fugiram atemorizados e se esconderem. Tal o caso da visão de Saulo de Tarso 568 anos mais tarde, em que seus acompanhantes tiveram grande temor ainda que não contemplassem o Senhor da glória. Daniel, entretanto, ao ouvir as palavras do “Homem vestido de linho” — que infelizmente não as descreveu — caiu como que desmaiado por terra. E o anjo teve de lutar muito e pacientemente até conseguir pô-lo em boas condições de ouvi-lo. A presença de Gabriel após a visão do Hiddekel ainda mais o prostrara e atemorizara. Mas o mensageiro de Deus o animou e tratou-o carinhosamente: “Não temas”, “Daniel, homem mui desejado”, disse o anjo. O servo de Deus foi elogiado por seu interêsse em entender as coisas santas e por sua humilhação perante Deus. Interpretando a visão sôbre as águas do Hiddekel, Gabriel declarou que Miguel, o “Homem de linho”, tinha vindo ajudá-lo na batalha em processo na côrte de Ciro. Veja-se o capítulo doze versículo um sôbre Miguel, ali declarado ser o “grande Príncipe”. Gabriel viéra novamente a Daniel, dissera, para fazê-lo entender o que sucederia ao povo de Deus “nos derradeiros dias”, aliás, viera darlhe maiores detalhes quanto à visão do oitavo capítulo. Não só as “duas mil e trezentas tardes e manhãs” atingiriam o fim do tempo, como também a atitude de Roma para com o povo de Deus se estenderia até o fim — e isto viera o anjo esclarecer a Daniel, mas principalmente a nós neste tempo final da história humana. Mas Daniel novamente desmaiou ao ouvir falar de seu povo no derradeiro fim, sendo, preciso outra intervenção do anjo para reanimálo. Êle alega ao anjo ter sentido dores, perdido suas forças e mesmo até o fôlego. Vemos aqui o extase ou o desmaio sobrenatural para colocar o profeta, em seguida, em condições de ver e ouvir o sobrenatural. Mais uma intervenção e carinhosa animação de Gabriel, 608

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e o profeta foi posto em condições satisfatórias para receber a explanação até ao final. GABRIEL MONTA GUARDA POR DOIS SÉCULOS NA CÔRTE PERSA VERSOS 20-21: — “E disse, Sabes porque eu vim a ti? Eu tornarei a pelejar contra o príncipe dos persas; e, saindo eu, eis que virá o príncipe da Grécia. Mas eu te declararei o que está escrito na escritura da verdade; e ninguém há que se esforce comigo contra aqueles, a não ser Miguel, vosso Príncipe”.1 No dia 24 de Nisan, do ano terceiro de Ciro (534 a.C.), fôra ascentada a vitória, dos cativos hebreus na Judéia. Depois da derrota que sofreram na corte de Ciro, pela intervenção de Gabriel e Miguel, os inimigos dos judeus, não se julgando vencidos ainda, insistiram em seus esforços tão logo Cambises, filho de Ciro, o sucedeu no trono.2 Escreveram a Cambises a seguinte carta: “Majestade, Ratim, seu chanceler, Semílio, seu secretário e todos ss outros seus oficiais da Síria e da Fenícia, seus servidores. Nós nos julgamos obrigados a advertí-lo de que os judeus, que tinham sido transferidos para Babilônia, voltaram a êste país. Êles reconstroem sua cidade, que, tinha sido destruída por causa da sua revolta; êles erguem novamente suas muralhas, estabelecem seus mercados e também reconstroem o Templo. Se isso lhes for mesmo permitido, Majestade e êles continuarem os trabalhos, logo que os terminarem, certamente hão de se recusar a pagar o tributo a V. Majestade, e fazer o que V. M. lhes determinar, porque estão sempre prontos a se opor aos reis, pela inclinação que têem de querer mandar e nunca obedecer. Por isso, vendo com que entusiasmo êles trabalham na reconstrução dêsse Templo, julgamos nosso dever avisar a. V. Majestade, se lhe aprouver ler os registros dos reis, seus predecessores, verá que os judeus são naturalmente inimigos dos soberanos e que foi por êsse motivo que sua cidade foi destruída. A isso podemos acrescentar que se V. M. permite que êles a reconstruam e que a cerquem de nôvo de muralha, êles vos fecharão a passagem da Fenícia e da baixa Síria”.3 1

Tradução João F. de Almeida, Daniel 10:20-21. Esdras 4:6. 3 Flávio Josefo, Vol. III, págs. 309; 310. 2

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Esta carta deixou Cambises muito irritado; êle era naturalmente mau e assim respondeu: “O Rei Cambises, a Ratim, nosso chanceler, a Semilio, nosso secretário, a Bolcem e aos outros habitantes da Samária e da Fenícia, saudação. Depois de termos recebido vossa carta, mandamos consultar o registro dos reis, nossos predecessores e lá encontramos que a cidade de Jerusalém foi sempre, desde todos os tempos, inimiga dos reis, que seus habitantes são sediciosos, sempre prontos a se revoltar, que ela foi governada por príncipes poderosos, muito empreendedores, os quais exigiam à fôrça grandes tributos da Síria e da Fenícia. Para impedir que o atrevimento dêsse povo possa levá-lo a novas rebeliões, nós proibimos que êles continuem a reconstruir a cidade”. “Ratim, Semílio e os outros, apenas receberam essa carta foram a Jerusalém, com grande séquito e proibiram aos judeus reconstruir a cidade e o templo. Assim o trabalho ficou interrompido durante nove anos, e até o segundo ano do reinado de Dario, rei da Pérsia”.1 Nos dias de Cambises os trabalhos do templo prosseguiram tão lentamente que Josefo declara terem sido paralisados. À morte de Cambises e sua sucessão pelo falso Smérdís — chamado Artexerxes em Esdras,2 voltam novamente à carga os adversários. Escreveram uma infamante carta ao rei, que, tendo Se inteirado das acusações e feito investigações, respondeu autorizando a paralização definitiva das obras. Os inimigos, ao receberem a resposta do rei, foram às pressas a Jerusalém, e, à fôrça e violência impediram os trabalhos — que foram paralisados — por mais de um ano — até ao segundo ano do rei Dario Histaspes.3 No segundo ano de Dario, ao prosseguir a obra por influência de dois profetas — Ageu e Zacarias — os pertinazes inimigos manifestam-se novamente, o próprio governador persa “daquém do rio” e outros escreveram uma longa carta ao rei Dario, dando detalhes dos trabalhos já executados e pedindo informações sôbre qualquer ordem de Ciro, alegada pelos construtores como autorização para estarem empenhados na reconstrução do templo. O rei Dario ordenou a busca do decreto de Ciro, que foi finalmente encontrado. Dario, inteirando-se do referido decreto, não só emitiu outro decreto confirmando-o, como também advertindo ao governador “daquém do rio” a deixar a obra prosseguir em paz sob 1

Flávio Josefo, Vol. III, págs. 311; 312. Esdras 4:7. 3 Esdras 4:7-24. 2

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pena de serem enforcados todos quantos tentassem contrariar suas ordens.1 Finalmente o templo é concluído e consagrado com grande júbilo do povo judeu.2 A luta, todavia, prosseguiu renhida ao tempo da reconstrução dos muros e da cidade de Jerusalém. Na dissertação do versículo vinte e cinco do capítulo nove temos uma visão das oposições e do ardor dos reconstrutores, principalmente sob Neemias. Agora estamos capacitados a entender e responder porque Gabriel dissera a Daniel: “Eu tornareia pelejar contra o príncipe dos persas”. O anjo ficou de sentinela na corte persa, pois ali fôra deixado por Miguel, porque bem sabiam ambos que os gratuitos adversários do povo de Deus não estavam dispostos a ceder terreno. A despeito de tôda a oposição levada à côrte persa, a influência secreta de Gabriel manteve em cheque as forças do mal enquanto os que retornaram do exílio faziam prosperar a obra na Judéia. A batalha, entretanto, continuaria por muito tempo ainda no futuro. O versículo três conclue: “... e eu fiquei ali com os reis da Pérsia”. Estas são as palavras de Gabriel. Depois da vitória definitiva de Miguel em pról de Seu povo, depois das forças oponentes baterem em retirada, Gabriel ainda permaneceu vigilante na côrte persa, declarando êle que sua vigilância continuaria ininterrupta até ao advento do “príncipe da Grécia” — Alexandre Magno, para substituílo na luta contra os persas. Alexandre surgiria com seu temível exército no cenário político internacional e varreria da terra o domínio opositor e implacável da Pérsia. Na tradução de João Knox lemos de Gabriel no verso trêze: “E alí, na côrte persa, fui deixado como senhor da situação”. Sim, Gabriel permaneceu no controle da batalha vencida, consolidando então os resultados; sempre, porém, como atento atalaia até que surgiu o poderoso “príncipe da Grécia” — Alexandre. E agora notamos a extensão do conflito: Do terceiro ano de Ciro, 533 a.C., em que começava a luta de Gabriel na corte persa, até ao advento de Alexandre Magno, no ano 333 a.C., mediaram dois séculos. Durante 200 anos Gabriel montou guarda na corte persa! Demonstra isto como Satanás procurou, por seus agentes humanos, 1 2

Esdras 5:1-17; 6:1-13. Esdras 6:14-22.

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impedir a obra do evangelho durante todo o domínio dos persas. Mas batalhar contra a obra de Deus significa batalhar contra ponteagudos aguilhões e perder a batalha. No versículo 21 dêste capítulo dissera Gabriel que iria desvendar a Daniel, concernente à visão já aludida, o que estava expresso na “Escritura da Verdade”. Isto indica haver um original de tôdas as revelações concedidas por Deus através de Seus profetas para o bem da humanidade. São João, no Apocalipse, diz ter visto no templo de Deus, no céu, a “arca do Seu concêrto”, onde indiscutivelmente, está o original da lei dada no Sinai, isto é, os 10 mandamentos. Assim a declaração de Gabriel deixa transparecer que, de tôda a mensagem do evangelho, de todos os planos, os propósitos de Deus, tal como os temos na Bíblia, há um original no céu. E, aquilo que Gabriel iria ainda explanar ao profeta e que se encontra nos capítulos onze e doze, fazem parte integrante da “Escritura da Verdade”, revelando tremendos lances na política secular e eclesiástica dos homens sem fé e sem Deus.

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CAPÍTULO XI LUTA DE MORTE PELA SUPREMACIA POLÍTICA

Introdução O esquema profético dêste undécimo capítulo é uma explanação em parte já tratada no capítulo nove. A primeira referência cabe a quatro famosos reis persas ou medopersas e suas façanhas políticas de conquistas. O panorama que segue é o da Grécia sob o Grande Alexandre Magno, a morte dêste, a sorte de sua parentela e a divisão de seu Império nas mãos de seus sucessores em quatro reinos. O próximo quadro descerrado é o da intérmina luta entre o “Rei do Norte” e o “Rei do Sul” ou entre Seleucidas e Tolomeus. Vê-se surgir então Roma interferindo na política internacional com sua hipocrisia, seus saques e impiedosos massacres. Dos Césares romanos a profecia faz indireta, porém, evidente mensão de Júlio César, César Augusto e Tibério César. O conflito entre César Augusto de um lado e Antônio e Cleópatra de outro, não deixa de ser claro na profecia. Roma, todavia, recebe um tremendo golpe marítimo dos Vândalos no norte da África, que fê-la cambaliar em seus alicerces e contribuiu grandemente para a sua definitiva e inexorável queda no devido tempo. No palco profético da História desfilam então o Papado Romano, a Reforma Religiosa do século XVI e as perseguições daquele, contra os baluartes da fé reformada. A Revolução Francêsa segue o trágico cortejo com seu desqualificado ateísmo, seus deboches, seus inomináveis massacres, suas imoralidades e suas blasfêmias contra o Criador Onipotente. Seguem as guerras e ambições Napoleônicas, fruto macabro da Revolução, a encher de sangue a Europa inteira e o Oriente Médio. Segundo a profecia, a Turquia entra no conflito Napoleônico para salvar o Egito, seu país vassalo, de cair nas mãos de França. Mas, os dois últimos versículos do capítulo encerram uma surpreza amarga e futura reservada para a Turquia, cujo govêrno será

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obrigado a abandonar sua atual séde; — mas virá o seu fim inevitável e fatal com o resto da humanidade pecadora. Damos acima o esboço dêste notável capítulo da profecia de Daniel. A sabedoria do Revelador aprouve condensar em poucos traços 25 séculos de controvérsias políticas regadas de abundante sangue, com pormenores e detalhes maiores do que os encontrados nos capítulos precedentes alusivos aos mesmos poderes contendores. Finalmente, dizemos que só a profecia ou profecias dêste undécimo capítulo são o suficiente para testemunhar a inspiração divina de tôdas as Sagradas Escrituras ou da Bíblia. GABRIEL FORTALECE DARIO O MEDO VERSO 11: — “E eu (Gabriel), desde o primeiro ano (desde 539) de Dario Medo, estava junto dêle (Dario Medo) para o sustentar e fortificar”.1 Sôbre Dario Medo veja-se a exposição do versículo trinta e um do quinto capítulo, e o versículo primeiro do capítulo nove. Naqueles dias da queda de Babilônia, dias de subversão e confusão políticas, não era fácil para Dario Medo proceder uma reorganização do Império mundial tomado por Ciro aos caldeus e manter a sua ordem. Como nôvo monarca do vasto reino, carecia êle de ânimo forte, discernimento e ilimitado poder para fazer face aos inúmeros problemas do momento e enfrentar as desmedidas ambições dos nobres que com êle partilhavam da nova administração do imenso Império. Diante, pois, da difícil situação em que se viu de pronto Dario, não era fácil exercer êle simpatia e favor ao povo de Deus na qualidade de povo cativo prestes a deixar o cativeiro segundo rezavam as profecias. Deus, porém, tomara as providências devidas que o caso de Seu povo reclamava, tendo sido o anjo Gabriel, Seu assistente e mais poderoso anjo do céu, enviado à côrte de Dario. Êste ato demonstra que “o reino de Dario, fôra honrado por Deus”.2 A missão de Gabriel era “sustentar e fortificar” Dario Medo no trôno e influir no seu espírito para que confirmasse a Daniel como chanceler do reino, afim-de-que, na sua côrte, fôsse preparado um ambiente propício para a libertação dos judeus ao ascender Ciro ao trôno no devido tempo. E o relato do sexto capítulo encerra a evidência do êxito de Gabriel em alcançar, principalmente, o mais 1 2

Tradução M. Soares, Daniel 11:1. Profetas e Reis, E. G. White, pág. 556.

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importante objetivo que o levara à côrte de Dario, — a elevação de Daniel à dignidade de primeiro ministro do reino, após o fracasso da intentona dos príncipes invejosos para eliminá-lo na cova dos leões. A oposição de Satanás ao plano de Deus ruira aniquilada e o caminho favorável ao povo de Deus fôra assegurado, Ao galgar Ciro o trôno do reino, pela morte de Dario, apressara se êle em providenciar a pronta execução da vontade de Deus concedendo aos cativos, em 536, — livre regresso à Judéia, facilitando-os na reconstrução do templo. É digno de nota que Gabriel, no primeiro ano de Dario o Medo, antes de lutar em favor dêste soberano e bem assim do propósito de Deus com relação a Seu povo, explanara a Daniel a primeira parte das “2300 tardes e manhãs” ou sejam as 70 semanas, como relatadas nos versículos 24 a 27 do nono capítulo, cuja primeira parte trata da reconstrução de Jerusalém e da restauração do lar nacional judeu na Judéia, devendo Ciro promulgar o primeiro decreto nêste sentido referente ao templo, que foi o maior ato de seu reinado que se conhece. XERXES — O PODEROSO MONARCA PERSA DO PROFETA VERSO 2: — “E agora (eu Gabriel) te declararei a verdade: eis que ainda três reis (Cambises, 529-522; o falso Smerdis, 522-521; e Dario, Histaspes, 521-484), estarão na Pérsia, e o quarto (Xerxes, 484465), será cumulado de grandes riquezas mais do que todos; e, esforçando-se com as suas riquezas, agitará todos (os povos do seu reino), contra o reino da Grécia”.1 Segundo se depreende da junção do capítulo dez com êste undécimo capítulo, esta narrativa que não é propriamente uma nova visão e sim uma ampliação da explanação da visão do capitulo oitavo, foi dada por Gabriel ao profeta no terceiro ano de Ciro; pois há uma perfeita ligação explanatória de Gabriel entre os dois capítulos — dez e onze — que pode ser notada por uma simples leitura. “E agora te declararei a verdade...” No que concerne ao carneiro com duas pontas da visão do capítulo oito, Gabriel interpretara como emblema dos reis da Média e da Pérsia, sem fazer qualquer notável alusão àqueles monarcas. Agora, estendendo um pouco mais a sua exposição, destaca o mais poderoso dos sucessores de Ciro e seu maior feito d’armas. Para que a posteridade pudesse descobrir qual o 1

Tradução João F. de Almeida, Daniel 11:2.

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eminente potentado persa desta profecia, Gabriel o coloca em ordem de sucessão no trôno, salientando que seria o quarto a empunhar o cêtro persa depois de Ciro, o monarca que precisamente reinava no momento de sua nova aparição para concluir a explanação da visão do oitavo capítulo. Quais seriam os três reis persas que sucederiam ao heróico conquistador de Babilônia e procederiam ao insigne soberano mais salientado nesta profecia em aprêço? Aqui os temos: — Cambises, o falso Smerdis e Dario I Histaspes. A história de cada um destes três encontra-se na dissertação do capítulo sete versículo cinco, que convém inteirarmo-nos agora. XERXES — é inquestionavelmente o quarto potentado dos sucessores de Ciro, a quem dentre todos a profecia destaca, não como benfeitor, mas como opulento guerreiro, opressor e audaz. Sem dúvida fôra Xerxes o mais rico de todos os monarcas Aquemenides que tivera nas mãos o cêtro mundial. Uma estupenda amostra de seu político poder, grandeza e riqueza têmo-la no primeiro capítulo do livro de Ester. Vemos ali comprovadas as palavras do anjo Gabriel ao profeta relativas às imensas riquezas da Pérsia sob a corôa de Xerxes, reinando êle “desde a Índia até à Etiópia”, um caudal incalculável de ouro. Sedento de glórias humanas e comprovando a inspiração que previra os seus desatinos e doidices, empregaria Xerxes o ilimitado cabedal de riquezas de seu vasto reino na consecussão de uma campanha contra a pequenina e quase indefesa Grécia. Seus imensos e incríveis preparativos — durante cinco anos — graças aos incalculáveis recursos do Império demonstrados, são bem evidentes na frase: “Agitará todos contra o reino da Grécia”. E Xerxes cumpriu à risca e surpreendentemente êste detalhe da notabilíssima profecia que lhe diz respeito. Um dilúvio de guerreiros levara êste audacioso monarca contra a terra de Platão e de Sócrates. “Agitará todos”, reza deveras a profecia, “contra o reino da Grécia”. E o historiador, descrevendo esta ousada façanha de Xerxes, diz que seu inigualável exército, em dita campanha, compunha-se de “contingentes de sessenta e um povos diversos”.1 Veja-se o sétimo capítulo versículo cinco, sôbre Xerxes, principalmente no que respeita a esta campanha. Dizemos que só a invasão de Xerxes contra a Grécia, prevista no livro de Daniel e 1

História Universal, G. Oncken, Vol. IV, págs. 169, 170.

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comprovada com todo o rigor pela história, é suficiente para desbaratar todo e qualquer ataque contra as inspiradas profecias do livro de Daniel e elevá-lo como um honrado profeta de Deus. ALEXANDRE MAGNO — O REI FORTE DA PROFECIA VERSO 3-4; — “Mas enfim se levantará um rei forte (Alexandre Magno), que dominará com grande poder (na Europa, na Ásia e na África), e fará o que lhe aprouver (seria absoluto no governo): E quando se achar no auge mais florente (com o mundo prostrado a seus pês), o seu reino será destruído (por sua repentina morte), e se repartirá pelos quatro ventos dos céus (norte, sul, leste, oeste), mas isto não será entre o poder com que êle dominou, porque o seu reino será dilacerado, passando ainda a estranhos (aos romanos), não falando daqueles quatro”.1 Uma versão bíblica apresenta Alexandre como “rei valente”. Salientando na profecia com êste título imediatamente depois de Xerxes, é inquestionável que a inspiração trate dele e de nenhum outro senão dêle; pois só êle e sua história como conquistador preenchem os ditames da inspiração. Sua assombrosa valentia desconcertou os persas detentores do cêtro do mundo. Ainda hoje assombra o arrojo e a impetuosidade com que êle se jogou contra tão acentuada disparidade de fôrças, como era o seu minguado exército ante a avalanche das hordas de Dario III Godomano. Veja-se a história de suas conquistas, o seu invencível poder e seu enorme domínio — no capítulo sete versículo seis. Outro pormenor importante nesta profecia é que Alexandre faria o que bem lhe aprouvesse. Senhor absoluto do exército e do Império, êle tanto condenou como absolveu, tanto tirou a vida como deixou viver à sua própria vontade; seus projetos eram seus próprios, e quem quer que se lhe opuzesse arriscava a própria vida. Alexandre cumpriu com admirável exatidão tudo o que dêle anunciou esta profecia e outras do mesmo livro de Daniel. Sôbre sua repentina morte e a quádrupla divisão de seu império que seguiu-se ao seu passamento, veja-se o versículo oito do oitavo capítulo. O EXÉRCITO DA POSTERIDADE DE ALEXANDRE O que mais de notável se salienta na profecia concernente à sucessão de Alexandre, é que “os seus descendentes” não se deteriam 1

Tradução A. P. de Figueiredo, Daniel 11:3-4.

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no trono do Império. Como que parecendo fazer abortar êste fantástico pormenor profético sobre a sua parentela, excluída da sucessão pelo inspirado vaticínio, “foi êle sucedido no trono por seu irmão natural, Felipe Aridaeus, e por seus próprios dois filhos, Alexandre Aegus e Hércules”. Todavia a profecia cumpriu-se e de modo impressionante. “A família de Alexandre teve o mais trágico fim: 1. Sua esposa Statira foi morta logo depois de sua morte pôr sua outra esposa Roxana. 2. Seu irmão Aridaeus, que o sucedeu, foi morto, junto com sua esposa Eurídice, por ordem de Olímpia, mãe de Alexandre, após ter sido êle rei por cêrca de seis anos e alguns mêses. 3. Olímpia mesma foi morta pelos soldados em vingança. 4. Alexandre Aegus, seu filho, conjuntamente com sua mãe Roxana, foi morto por mandado de Cassandro. 5. Dois anos depois, seu outro filho Hércules, com sua mãe Barsine, foi morto secretamente por Polysperchon; assim que em quinze anos após sua morte ninguém de sua família ou posteridade foi deixado com vida”.1 Mas os que reinaram nos domínios de Alexandre, não se igualaram a êle em poder, como reza a profecia. Os seus generais que dividiram o seu reino entre si mesmos, nada mais fizeram do que lutar ininterruptamente uns com os outros até ao advento dos romanos que se apoderaram do já extremamente enfraquecido e dividido reino insustentável pelas mãos dos Seleucidas e Tolomeus ou Lagidas, as duas dinastias que conservavam ainda o sobrevivente mas cambaleante cétro do que fôra o poderoso reino nas mãos de Alexandre — aquêle gênio que só a morte pôde vencer. Esta tragédia política ocorrida com os descendentes de Alexandre, privando-os do trono do grande reino à morte do ilustre extinto monarca, constitue um marco indestrutível em favor da veracidade das inspiradas profecias do livro de Daniel, pondo igualmente por terra tôdas as pretenções da má crítica em desabono dos seus vaticínios vindos de Deus. Os falsários críticos têm passado para o pó e o testemunho histórico de seu livro permanece. O “REI DO SUL” E O “REI DO NORTE” VERSO 5: — “O rei do meio-dia (Tolomeu Lagus) se fortificará, mas um dos príncipes daquele primeiro rei (Seleuco Nicator —

1

Sources Book fur Bible Students, ed. 1927, págs. 208, 209.

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príncipe de Alexandre Magno) será mais poderoso do que êle (do que Tolomeu Lagus), e dominará sôbre muitos países (Síria e Oriente), porque o seu domínio será grande”.1 Começando com o quinto versículo introduz a revelação o “Rei do Sul” e o “Rei do Norte”, muitas vêzes referidos no decorrer do capítulo, dos quais urge que tenhamos uma precisa identificação para bom entendimento da profecia. Ê notável que em nenhuma parte do capítulo há qualquer referência aos reis ou reinos do Oeste e do Leste; isto dado ao fato das alterações havidas. Tão somente subsistem nesta profecia os dois restantes mais fortes — o do Norte e o do Sul, como acabamos de assentar. Desde o quinto ao décimo quinto versículos dêste undécimo capítulo trata a profecia das rivalidades e guerras políticas entre o “Rei do Norte” e o “Rei do Sul” — ou entre os Seleucidas e os Tolomeus, — rivalidades e guerras que só findaram com o advento dos romanos na política mundial, os quais anexaram êstes dois reinos remanescentes da divisão quádrupla do Império de Alexandre, como estabelecido nesta revelação. É indispensável sabermos que tôda a vez que esta profecia alude ao “Rei do Norte” ou ao “Rei do Sul” — alude ao monarca reinante em um ou outro dêstes dois reinos quando referidos. “E O REI DO MEIO-DIA SE FORTIFICARÁ” A expressão “rei do meio-dia” é a mesma de “Rei do Sul” noutras versões. Êste “Rei do Sul” ou do Egito, conforme já especificamos, é neste versículo, Tolomeu Lagus — fundador da dinastia Lagida ou dos Tolomeus na terra dos Faraós, Filho da Macedônia, pelejou desde ainda jovem nas fileiras de Felipe. À morte dêste, seguiu a seu filho Alexandre em suas conquistas da Ásia, tendo-se distinguido a tal ponto que o grande conquistador o considerou o primeiro de seus lugar-tenentes. Ganhando o Egito na partilha do reino de Alexandre, tratou Tolomeu imediatamente de fortificar-se. “Criou um exército e uma armada e alistou grande número de mercenários, dêsses cuja coragem se oferecia a quem mais dava, ainda que nunca empreendessem guerra por ambição. A darmos crédito a Apiano, o Egito (de Tolomeu Lagus) possuía um exército de 200.000 infantes, 40.000 cavalos, 300 elefantes e 2.000 carros de guerra. Nos seus arsenais guardavam-se 300.000 armaduras. Êste país dispunha de 1

Tradução M. Soares, Daniel 11:5.

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2.000 navios, 1.500 galeras e 740.000 talentos”.1 Dispondo de um tal poderio, anexou Tolomeu ao seu reino a Cale-Síria, Fenícia, Palestina, Cirene, Chipre, Cária e muitas ilhas e cidades. Além disso “Tolomeu embelezou a sua capital, chamou a Alexandria os sábios filósofos, e fundou uma biblioteca e uma espécie de universidade a que chamou o museu. Alexandria não tardou a tornar-se a pátria das letras e o santuário da ciência. Ao mesmo tempo, Tolomeu esforçava-se em atrair a Alexandria o comércio do mundo inteiro”.2 Assim fortificou-se o “Rei do Sul” tanto bélica como economicamente; tanto em anexações de outros territórios como nas ciências e letras. Dêste modo, a profecia que lhe diz respeito bem como ao seu reino, alcançou pleno cumprimento, tendo a dinastia Lagida governado o Egito e outros territórios e subsistido desde 323 a 30 a.C., quando Roma a anexou. UM PRÍNCIPE MAIS PODEROSO Segundo a própria revelação haveria outro príncipe “mais poderoso” ainda do que Tolomeu Lagus ou do que o “Rei do Sul”. Seleuco Nicator (o vencedor), foi êste príncipe mais poderoso da profecia. Natural da Macedônia, chegou a ser um dos melhores generais de Alexandre. Cabendo-lhe as províncias orientais na quádrupla divisão do reino de Alexandre. Anexou mais tarde, como já salientado, o reino de Lisímaco. Sua suzerania estendeu-se então desde a Grécia, Macedônia e Trácia até ao distante Indo, abrangendo uma considerável parte do reino de Alexandre, tornando-se assim, verdadeiramente, bem mais poderoso do que o “Rei do Sul”. Seleuco dividiu seu vasto reino em 72 satrapias, fundou cidades, fêz prosperar o comércio, abriu novas vias de comunicação. Afinal, foi assassinado em 281, ao dirigir-se à Macedônia, sua pátria. A dinastia Seleucida, por êle fundada na Síria, alcançou de 312 a 64 a.C., quando os romanos a anexaram. BODAS POLÍTICAS DE FATAIS CONSEQÜÊNCIAS VERSO-6: — “Depois de alguns anos êles (Tolomeu II Filadelfo e Antíoco II Theos) unirão suas forças; a filha do rei do Sul (Berenice II) casar-se-á com o rei do Norte (Antíoco II Theos) para ajustar as 1 2

História Universal, C. Cantú, Vol. IV, págs. 143, 154, 155. Dicionário e Enciclopédia Internacional, art. Tolomeu.

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disputas (rivalidades), mas isto demonstrar-se-á de nenhuma eficácia; nem seu marido (de Berenice II — Antíoco II Theos) nem seu filho (do matrimônio de ambos) permitirão viver — ela, seu séquito (o séquito real egípcio de Berenice II), seu filho e seu marido (Antíoco II Theos) serão entregues (ou serão mortos)”.1 Tolomeu II Filadelfo, natural da ilha de Cos, era filho de Tomomeu I, a quem sucedeu no trono do Egito em 285, e de Berenice I. “A política de hostilidades entre os Lagidas e os Seleucidas cada vez se acentuava mais. O rei Tolomeu II Filadelfo, zeloso e inteligente protetor dos interêsses comerciais e científicos, foi promovendo progressivamente o desenvolvimento material dos seus Estados. Dispondo de um exército de 200.000 infantes, 40.000 cavalos e 300 elefantes, duma esquadra enorme composta, entre outros barcos, de 1.500 navios de guerra de primeira classe, de receitas anuais de cêrca de 15.000.000.000 de cruzeiros, em nossa moeda, e de um tesouro de cêrca de 200.000.000.000 de cruzeiros, o seu poder não podia ser derrubado nem seriamente abalado, apesar dos esforços empregados nesse sentido, especialmente em Cirene, pela política dos Seleucidas. A política externa de Tolomeu aconselhou-o a cruzar com a esquadra o mar Egeu e chegou até a Bitínia. O desejo de que o poderio egípcio se não alastrasse pelas costas da Trácia, levou Antíoco a desde o começo do seu reinado, robustecer o seu govêrno e a submeter à sua soberania todos os territórios que iam das fronteiras macedônicas até às de Bizâncio. Deu isto aza a uma guerra entre a Síria e o Egito, em 258, guerra de que a Síria não tirou grandes resultados. As costas da cilícias, Éfeso e Magnésia de Meandro, caíram em poder dos egípcios. A declaração de liberdade das cidades Jônicas pela côrte da Síria e novas dificuldades criadas em Cirene e na côrte de Pela puzeram pouco a pouco têrmo às vitórias dos egípcios até que em 248 se fêz um tratado de paz, em virtude do qual Tolomeu restituiu as costas da Cilícia e da Pamfília”.2 Para cimentar essa paz, Berenice II “casou em 249 com o rei da Síria, Antíoco II Theos, a quem o egípcio exigiu esta condição para firmar a paz que o sírio em guerra com Tolomeu pediu, forçado pela independência da Pártia a da Bactriana. Impôs-se-lhe para êle que repudiasse a sua primeira mulher Laodicéia”.3 E, segundo êsse pacto 1

Tradução James Moffatt, Daniel 11:5. História Universal, G. Oncken, Vol. IV, pág. 549. 3 Enciclopédia Universal Ilustrada, art. Berenice II. 2

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cimentado pelo referido matrimônio, devia Antíoco “colocar a coroa sôbre o herdeiro masculino daquele casamento”.1 “Começa agora a nova tendência da história do Oriente. Antíoco II, depois da paz formada com os egípcios, não protestou por meio das armas contra o desmembramentos dos seus Estados. Por causa do seu casamento com a filha do rei egípcio, repudiou a primeira esposa, Laodicéia, filha de Aqueu, um dos mais poderosos macedônios estabelecido na Ásia, e o mesmo fêz aos filhos que dêsse matrimônio tivera. Aqueu e um seu filho, de nome Andrômaco, perderam a partir dessa época a brilhante posição que tinham na corte e dirigiram-se para a Ásia Menor”.2 O DESFECHO FATAL DUMA ALIANÇA MATRIMONIAL POLÍTICA Tolomeu Filadelfo morreu dois anos após o casamento de Berenice, sua filha, com Antíoco. E, quando Antíoco, em 247, dirigiuse à Ásia Menor para onde haviam ido sua espôsa e filhos por êle repudiados, e isto “pouco depois do nascimento de um filho seu e de Berenice, deixou-se captar pelos partidários da repudiada Laodicéia à qual novamente chamou à côrte” com seus dois filhos, tendo abandonado Berenice.3 “Mas Laodicéia estando bem relacionada com o temperamento de Antíoco e temendo que êle a abandonasse e recebesse Berenice, resolveu aproveitar-se da oportunidade e assegurar a sucessão para seu filho; pois com o último tratado com Tolomeu, êstes foram deserdados e a corôa colocada sôbre o filho de Berenice. Para efetuar esse desígnio, ela fêz com que Antíoco fôsse envenenado e quando o viu expirando ordenou que fôsse escondido e um certo Arthemon que se assemelhava muito com êle, tanto nas feições como no tom da voz, fôsse colocado no seu leito. Arthemon desempenhou a sua parte com grande destreza personificando a Antíoco. Ternamente recomendou sua querida Laodicéia e seus filhos aos Lordes que o visitaram. No nome de Antíoco que o povo ainda cria viver, ordens foram dadas para que todos os seus súditos obedecessem a seu filho, Seleuco Calínicus, e o reconhecessem como seu legal soberano”.4 1

History of The World, Vol. IV, pág. 557. História Universal, G. Oncken, Vol. IV, pág. 549, 550. 3 História Universal, G. Oncken, Vol. IV, pág. 549, 550. 4 History of The World, Vol. IV, pág. 557. 2

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“Berenice, temendo igual morte, fugiu a Dafne, onde foi sitiada pelos partidários de Laodicéia e assassinada com seu filho e os egípcios que a haviam acompanhado”.1 Mesmo “as damas que formavam a côrte” de Berenice foram assassinadas em Dafne, “cidade do Egito, à margem do canal de Suez, na antiga rota da Síria ao Egito”.2 Tremenda chacina vingativa! O cumprimento histórico acima descrito, tão perfeito em harmonizar-se com a profecia, deixa-nos deveras deslumbrados. Em verdade a filha do Rei do Sul casou-se com o Rei do Norte para cimentar a paz e dar fim às disputas entre as duas rivais dinastias. Mas, como reza esta revelação, êsse sucesso político demonstrou-se “de nenhuma eficácia”. O resultado, sim, como claramente vaticinado pela inspiração, foi a morte tanto para Antíoco II Theos como para Berenice II, seu filho herdeiro e sua côrte. Estupendo testemunho histórico da profecia que nos deve levar a darmos mais crédito à revelação de Deus. A VINGANÇA DE TOLOMEU III EVERGETES VERSOS 7-9: — “Mas do seu mesmo tronco (de Berenice II) sairá um rebento (Tolomeu III Evergetes), que virá com um exército, e entrará nos Estados do rei do Aquilão (Rei do Norte — Seleuco Gayinico), e os assolará, e tornar-se-á senhor deles. E, além disso, levará cativos para o Egito os seus deuses e as suas estátuas (ídolos egípcios), e os seus vasos preciosos de prata e ouro, e prevalecerá contra o rei do Aquilão”.3 “O rei do Norte (Seleuco Galíneo) invadirá então o reino do rei do Sul (Tolomeu III Evergetes), mas retirar-se-á para seu próprio país (para a Síria)”.4 Tolomeu III Evergetes, sucessor de seu pai Tolomeu II Filadelfo, no trono do Egito, é o monarca que agora vemos em luta contra o rei do Norte, Seleuco Galinico, sucessor de seu pai Antíoco III Theos. Tolomeu III Evergetes foi um dos príncipes mais guerreiros da dinastia dos Lagidas, tendo reinado 25 anos, de 246 a 221 a.C.. Logo após subir ao trono, marchou à frente do poderoso e imenso exército contra Seleuco Galinico e sua mãe Laodicéia, para vingar os assassínios de sua irmã Berenice II e seu filho. “O desejo de vingar 1

Enciclopédia Universal Ilustrada, Art. Berenice II. Enciclopédia Universal Ilustrada, Art. Berenice II. 3 Tradução M. Soares, Daniel 11:7-8. 4 Tradução James Moffatt, Daniel 11:9. 2

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êste duplo assassinato pôs em armas as cidades da Ásia Anterior e todo o Egito”.1 Evergetes, com bastante fortuna, submeteu a “Síria, Cilicia, Jônia, Panfília, tôda a Ásia Menor e Mesopotâmia, e conquistou Susiana, Média e Bactriana; também fez-se dono de Babilônia”.2 Nestas excursões, adquiriu imensos despojos, e, o que principalmente lisonjeou os egípcios, recuperou dois mil e quinhentos ídolos, roubados ao Egito durante as guerras de Dario, e seiscentos durante as de Cambises. Esta restituição patriótica e religiosa lhe ganhou a veneração dos egípcios, e o cognome de Evergetes (benfeitor).3 Apião informa que, nesta guerra de vingança, “Tolomeu deu cabo de Laodicéia, a assassina de sua irmã”.4 “Viveu algum tempo tranqüilo depois destas vitórias Evergetes, consagrado a conservar e melhorar os estabelecimentos comerciais e militares fundados por seu pai e avô, sobretudo o edificado na costa da Eritréia, e a aumentar a biblioteca de Alexandria; mas havendo-se reparado Seleuco dos golpes recebidos e de volta ao campo em busca do desquite, teve que abandonar sua corte Totomeu para combater-lhe. Não lhe foi a sorte menos favorável; e havendo vencido e feito prisioneiro a seu inimigo, impôs-lhe uma trégua de dez anos”.5 A história não poderia ser mais precisa do que foi em dar o seu concurso à profecia; pois a cumpriu sobejamente em todos os detalhes. Examine-se detidamente a profecia e o seu comprovante histórico anexo evidente, e ter-se-á mais um testemunho grandioso da inspiração do livro de Daniel. NOVA DERROTA DO REI DO NORTE VERSOS 10-12: — “Mas seus filhos (de Seleuco Galínico, Seleuco Ceraunus e Antíoco III) intervirão, e reunirão grande número de exércitos: e um dêles (Antíoco III) virá apressadamente, e inundará, e passará; e voltando levará a guerra até à sua (de Tolomeu IV) fortaleza (de Ráfia). Então o rei do Sul (Tolomeu IV) se exasperará, e sairá e pelejará contra êle, contra o rei do Norte (Antíoco III); êle 1

História Universal, C. Cantú, Livro IV, pág. 80. Enciclopédia Universal Ilustrada, art. Tolomeu III. 3 História Universal, C. Cantú, Livro IV, pág. 85. 4 Dissertations on the Prophecies, T. Newton, Vol. I, páginas, 345, 346. 5 Enciclopédia e Dicionário Hispano Americano, Art. Tolomeu III. 2

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(Antíoco III) porá em campo grande multidão, e a multidão (o exército de Antíoco III), será entregue na sua mão (de Tolomeu IV)”.1 “E (Tolomeu IV) fará um grande número de prisioneiros, e o seu coração se elevará, e matará muitos milhares, e contudo não prevalecerá”.2 Os dois filhos de Seleuco II Galínico — Seleuco III Cerauno Soter e Antíoco III, o Grande, procuraram tirar a desforra da derrota sofrida pelo pai na invasão de Tolomeu III Evergetes. Seleuco III Cerauno Soter, que cingiu a coroa deixada por seu pai à morte dêste, ocupou o trono apenas por cêrca de três anos, de 225-222. Tendo reunido consideráveis forças, tentou recobrar as províncias de seu pai, na Ásia Menor, então sob Átalo, rei de Pérgamo, vassalo do Egito. “Sendo, porém, (Seleuco II) um príncipe fraco e pusilânime, quer no corpo quer como governante, destituído de dinheiro, e incapaz de conservar seu exército em obediência, foi envenenado por dois de seus generais”, durante a expedição, ao atravessar o Tauro, á frente de numeroso exército.3 Morto Seleuco III Ceraunus, “o exército proclamou rei Antíoco III, irmão do monarca falecido, que em Babilônia governava província superior. Então, o moço rei, dotado de grande espírito prático e lembrando-se da grandeza passada do reino dos Seleucidas, preparouse para atacar o Egito, apesar de na Média e na Pérsia se terem revoltado os governadores desleais, Molon e Alexandre. Depois de Antíoco, em pessoa, lutar sem resultado em Cale-Síria, contra um exército egípcio comandado pelo general etólio Teodoto, resolveu subjugar a terrível sublevação do Oriente que ia tomando cada vez maiores proporções. E, na realidade, dirigiu-se para as regiões sublevadas, atacando com bom êxito os governadores revoltados, reconquistando as províncias já perdidas e fazendo sentir o pêso do seu exército na, própria costa da Atroatena”.4 Antíoco III “pensou então em consolidar seu poder submetendo primeiro a Síria Anterior e isto com tanta maior facilidade, quanto que reinava na ocasião no Egito Tolomeu IV Filopater (221-204), homem sensual e dado ao desregramento. Tolomeu IV deixou-o tomar Seleucia, Tiro e Tolemaida e ainda lhe ofereceu a paz. Como não dessem resultado algum ulteriores negociações, renovou a guerra

1

Tradução João F. de Almeida, Daniel 11:10-11. Trudução M. Soares, Daniel 11:12. 3 História Universal, G. Oncken, Vol. IV, pág. 551. 4 História Universal, G. Oncken, Vol. IV, pág. 551. 2

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Antíoco na primavera de 218, derrotou ao general egípcio Nicolaos, apoderou-se da Fenícia e Palestina, e penetrou até Ráfia, fortaleza principal do Egito”.1 A esta altura Tolomeu IV ergue-se para chocar-se com Antíoco III que ameaçava já o próprio Egito. “O exército egípcio contava 70.000 infantes, 5.000 ginetes e 83 elefantes; e o exército sírio lhe opunha 62.000 infantes, 6.000 ginetes e 102 elefantes”.2 Terrível foi o choque dos dois exércitos em Ráfia, ao sul de Gaza próximo à fronteira do Egito com a Palestina. Antíoco III viu-se logo fragorosa e desastrosamente derrotado. Perdeu 10.000 homens de infantaria, 3.000 de cavalaria, 4.000 prisioneiros e 40 elefantes capturados. O exército egípcio sofreu apenas as baixas de 700 soldados de cavalaria e cêrca de 1.400 de infantaria. Humilhado por esta derrota e alarmado pelo progresso de Aqueus na Ásia Menor, Antíoco se achava ansioso para fazer as pazes com Tolomeu; e o rei egípcio apesar de estar induzido a prosseguir na guerra e igualmente ansioso por voltar aos seus prazeres dissolutos, prontificou-se a receber as propostas de paz. A paz foi concluída por meio da qual Coele-Síria e Palestina foram declaradas pertencer ao Egito”.3 Seu grande sucesso de armas fêz com que Tolomeu IV “ficasse tão satisfeito, que, em sua honra deu um “show” pomposo por tôdas as províncias que tinham sido retomadas. Enquanto passava pela Palestina, visitou Jerusalém e, no templo ofereceu oblações e deu consideráveis presentes ao Deus de Israel. Mas não satisfeito com, isso tentou penetrar no templo mesmo”.4 “Embora com grande dificuldade, impedido, saiu do lugar ardendo em ira contra tôda a nação dos judeus, e imediatamente iniciou contra êles uma cruel e inexorável perseguição. Em Alexandria, onde os judeus tinham residido desde os dias de Alexandre, e gozado os privilégios dos mais favorecidos cidadãos, 40.000 de acordo a Eusébio, 60.000 conforme Jerônimo, foram mortos nesta perseguição”.5 Sim, o triunfo de Filopator sôbre um inimigo forte e sedento de vingança, deveras deu lugar a que seu coração natural se exaltasse a ponto de chacinar a dezenas de milhares de seus próprios súditos, apenas por lhe ser negada uma honra que o próprio Deus vedou a todos os não 1

Los Videntes y lo Porvenir, L. R. Conradi, pág. 193. Los Videntes y lo Porvenir, L. R. Conradi, pág. 194. 3 História H. H., Vol. IV, pag. 572. 4 História H. H., Vol. IV, Cap. 18, parag. 34. 5 Las Profecias de Daniel y el Apocalipsis, U. Smith, Vol. I, 196. 2

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descendentes de Aarão. Mas, pudesse o orgulhoso e criminoso monarca antever a revanche do rei derrotado contra seu filho e sucessor e mesmo o fim de seu jactancioso orgulho em meio a intemperança e libertinagem, seria possivelmente mais prudente em tratar com os vencidos e com seus leais e indefesos súditos. Seu reino, reza a profecia, não prevaleceria na vitória, ou não a desfrutaria por muito tempo sôbre o de Antioco III. Ainda que derrotado e obrigado a conformar-se a uma paz desonrosa, voltaria Antíoco a atacar o rei do Sul com um exército ainda maior do que aquêle que sofrerá o vexame da inesperada derrota. Bem previra a revelação que os sucessores de Alexandre que dividiriam o seu reino, não reinariam com um poder semelhante ao seu. E isto até que os romanos lhes dessem o golpe de misericórdia. A TERRÍVEL BATALHA DE GAZA VERSOS 13-15: —- “E o rei do Norte (Antíoco III) voltará, e porá em campo uma multidão maior do que a primeira; e marchará ao cabo dos tempos, a saber, dos anos, com um grande exército e com muito material (bélico). Naqueles tempos se levantarão muitos contra o rei do Sul (Antíoco III da Síria; Felipe V da Macedônia; províncias inteiras de seu próprio reino); também os violentos (os romanos) dentre o teu povo se levantarão para estabelecer a visão, porém êles cairão. Assim virá o rei do Norte (Antíoco III), levantará um terrapleno (um atêrro no muro de Gaza) e tomará uma cidade bem fortificada (Gaza); e os braços do Sul não resistirão, nem o seu povo escolhido (tropas de elite), nem haverá fôrça para resistir”.1 “Numa nova expedição de Antíoco III ao Oriente”, “arrebatou a Média aos partos, derrotou os bactrianos e chegou até à Índia, onde proveu-se de 151 elefantes. Reuniu a si um aguerrido e temível exército pelo número de seus elefantes, e apoderou-se de uma grande presa de guerra. Empreendeu a execução dos planos de seu avô Selêuco Nicator, isto é, dispôs-se a recuperar o reino trácio que havia sido conquistado por Selêuco e ao mesmo tempo levar até ao último extremo a antiga guerra tradicional da Síria com o Egito. Estava preocupado em Babilônia com êstes assuntos, quando a morte de Tolomeu Filopator, cujo sucessor Tolomeu V Epifanes, menino de cinco anos, despertou-lhe a esperança de livrar-se por fim da

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Tradução Brasileira, Daniel 11:13-15.

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enfadonha vizinhança dos Tolomeus. Para isso encontrou um aliado no rei Felipe da Macedônia”.1 Não só Antiogo e Felipe ergueram-se contra o rei do Sul, Tolomeu V Epifanes, ainda infante, como províncias inteiras conquistadas rebelam-se igualmente em virtude da má atuação de Agatocles, primeiro ministro do reino, que por isso mesmo foi morto conjuntamente com sua irmã, sua mãe e seus partidários pelos alexandrinos amotinados. Vejamos agora o cumprimento de tudo isso na página 369, na história da intervenção dos romanos nas disputas entre Seleucidas e Tolomeus, conforme trata esta profecia. Quão notàvelmente viera-se harmonizar a história com a profecia, vimos em tôda a exposição dêstes versículos: 1. O rei do Norte, Antíoco III, voltou realmente anos após, isto é, sete anos mais tarde, com um exército muito “mais numeroso e aguerrido”, ou, como reza outra versão, a “mais fortificada das cidades” — Gaza. 3. Não houve deveras poder no exército do rei do Sul, Tolomeu V Epifanes para resistí-lo. 4. Na verdade muitos se ergueram por aquêle tempo, como vimos, contra o rei do Sul, tanto no exterior como no interior do reino. 5. Também os “violentos” — os romanos, surgiram exatamente naquele momento tal como anunciado na revelação, na intenção de salvar o Egito. O termo “violentos”, aplicado indiscutivelmente aos romanos, encontra-se noutras versões assim traduzido: “Turbulentos”, “roubadores”. O têrmo que no hebraico é “perits”, encontramos alusivo a poucos textos no Velho Testamento e é assim traduzido: “Destruidor”, “feroz”, “salteador”, “saqueador”, “ladrão”.2 E tal foram os romanos para com o povo de Deus ou de Daniel bem como para com todos os povos da terra por êles conquistados e oprimidos. Todavia, os indesejáveis romanos levantaram-se, interviram nas disputas entre o rei do Sul e o rei do Norte, para somente confirmar ou “estabelecer a visão”, terem o seu lugar na história das disputas internacionais políticas e por fim caírem como os que já antes dêles haviam caído. Mas vejamos ainda como Mitridates, rei do Ponto, descreveu os romanos tratados pela profecia como “violentos”, ou “roubadores”: “Não sabeis que os romanos, quando se acharam detidos pelo oceano ao Ocidente, volveram suas armas por êste caminho? Que, olhando-se 1 2

Los Videntes y lo Porvenir, L. R. Conradi, pág. 194, 195. Salmos 17:4; Isaías 35:9; Jeremias 7:11; Ezequiel 7:22; 18:10.

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retrospectivamente para sua fundação e origem, o que quer que eles têm, obtiveram-no pela violência ao lar, esposas, terras e domínios. Rebanho vil de tôda a espécie de vagabundos, sem pátria, sem antepassados, estabeleceram-se êles para a infelicidade do gênero humano. Nem as leis divinas, ou humanas, os restringem de traírem e destruírem seus aliados e amigos, nações remotas ou vizinhas, fracos ou poderosos... Será para vossa glória imortal terdes suportado dois grandes reis, e ter vencido e destruído êsses ladrões do mundo. Isto é o que ardorosamente vos aconselho e exorto a fazer; que antes prefirais participar conosco, mediante uma aliança salutar, da conquista do inimigo comum, a sofrerdes que o Império Romano se estenda universalmente para nossa ruína”.1 O GOLPE INEXORÁVEL DE ROMA VERSO 16: — “O que pois há de vir (os romanos) contra êle (rei do Norte principalmente sob os Antíocos III, IV e XIII) fará segundo a sua vontade, e ninguém poderá permanecer diante dêle (dos romanos): e estará na terra gloriosa (Palestina), e por sua mão se fará destruição”.2 O cumprimento desta profecia e seus detalhes na guerra de Roma contra a Síria e seus reis começando contra Antíoco III, o Grande, devemos buscar nas páginas 370 e seguintes. Depois de lido o testemunho histórico, podemos nos certificar de que Roma a cumpriu fielmente tanto contra a Síria e a dinastia Seleucida como contra o resto do mundo que jazia sob os sucessores de Alexandre. Depois de Roma limpar o caminho, subvertendo os reinos de Mitridates e Tigranes, na Ásia Menor, marchou sob Pompeu contra o último Seleucida, Antíoco III, o Asiático, fazendo “conforme a sua própria vontade”, já desde Antíoco III, dando fim àquela outrora tão poderosa dinastia. Na Palestina não menos cumpriu Roma, sob vários de seus terríveis caudilhos, o vaticínio do profeta causando destruição. A querela dos Macabeus foi afogada em sangue; os muros de Jerusalém foram postos abaixo; o país foi desmembrado e dividido; e os judeus foram reduzidos a tributários de Roma. Assim a “terra gloriosa” foi “consumida” pela espada romana como prenúncios de maiores e mais

1

Carta de Mithridates, rei do Ponto, a Arsaces, rei dos Parthas, citada em Compêndio sôbre Daniel e Apocalipse, pág. 81. 2 Tradução de João F. Almeida, Daniel 11:16.

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pesadas calamidades futuras. Veja-se também à página 585 — A Destruição de Jerusalém. E a profecia ainda diz, principalmente sôbre Pompeu: “Ninguém o resistirá”. E assim foi na verdade. Nem mesmo o poderoso Mitridates VI pôde escapar de suas mãos. “Pompeu conquistara assim o Oriente e desde o Cáucaso e do mar Cáspio até ao istmo de Suez, lançara as bases fundamentais do domínio romano nas regiões orientais, domínio que se manteve até ao tempo dos primeiros califas árabes”.1 CÉSAR INVADE O EGITO VERSO 17: — “E êle (César) se confirmará no desígnio de vir apoderar-se de todo o reino (do Egito como último território remanescente) daquele (de Alexandre, e tratará (César) com êle (o Egito sob Tolomeu III e Cleópatra) de boa fé; e dar-lhe-á (o Egito daria a César) em casamento sua filha (Cleópatra), princesa de grande formosura em comparação das outras mulheres, a fim de o perder (perder a César); mas não lhe sairá (a Cleópatra) a coisa conforme o seu intento, e ela não será para êle”.2 CÉSAR BUSCA POMPEU NO EGITO Deixando as Gálias marcha César sôbre Roma para acertar contas com Pompeu, seu sério competidor no govêrno do mundo. À sua aproximação Pompeu dá-se pressa em fugir da capital, sendo vencido por César na Farsalha. Refugiou-se Pompeu no Egito onde esperava auxílio de Tolomeu de quem era tutor. Por ocasião dêstes sucessos e por vontade testamentária de seu pai Tolomeu XI Aulete, seus filhos, Tolomeu XII e Cleópatra, sua irmã e esposa, ocupavam conjuntamente o trono sob a tutela do Senado romano, o qual designou a Pompeu para exercer tal tutela sôbre os dois soberanos menores. O nôvo rei do Egito e sua esposa e irmã rainha, contavam, respectivamente, ao galgarem o trono, treze e dezessete anos de idade, e isto no ano 52, época que corresponde às rivalidades entre César e Pompeu. A tenra idade dos novos soberanos egípcios, dera lugar a que “Fótimo, aio de Tolomeu XII, Aquiles, chefe principal do exército, e Teodato, seu preceptor, encarregados da administração do Estado, 1 2

História Universal, G. Oncken, Vol. V, págs, 102, 103. Tradução M. Soares, Daniel 11:17.

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aproveitando a ocasião que lhes oferecia a desordem da República romana, usurpassem a Cleópatra a parte que lhe correspondia, e declarassem o jovem Tolomeu único soberano da Monarquia egípcia. Cleópatra, longe de sofrer resignada esta injúria, fugiu do palácio, Junto a seus partidários, procurou socorro na Síria e Palestina, e depois de curta ausência voltou ao Egito para lutar contra seu irmão e esposo. Achava-se êste em Pelusium observando os movimentos de Cleópatra. Começaram a mover-se os dois exércitos, e, quando parecia que ia começar a luta, Pompeu, vencido por César em Farsalha, chegou fugitivo com sua armada às praias do Egito, confiando em que Tolomeu, de quem era tutor, lhe prestasse com prazer o auxílio que necessitava; mas o rei do Egito lhe cortou a cabeça. Apresentou-se não muito depois Júlio César, que ia em perseguição a Pompeu, e como chorasse a morte de seu rival, os ministros de Tolomeu, que temiam sua vingança, vendo que o número das tropas de César era escasso, começaram a sublevar Egito contra êle. César, “em nome de Roma”, pois agora era êle o tutor dos reis do Egito em lugar de Pompeu. “dispôs que os dois irmãos comparecessem ante um tribunal e que os acompanhassem advogados que defendessem suas respectivas pretenções”.1 César estava, pois, no Egito como tutor. “E tratará com êle de boa fé”. Isto é dito do trato de César com os dois irmãos soberanos do Egito — Tolomeu e Cleópatra. Outra versão, reza: “E fingirá que quer obrar de boa fé com êle”.2 O fato de César ter a princípio designado o comparecimento dos dois irmãos perante um tribunal, acompanhados de advogados que defendessem suas pretenções, demonstrou, aparentemente, querer obrar “de boa fé”, aliás, com justiça, enquanto com isso ocultasse seus reais desígnios que eram anexar o Egito à inteira suzerania de Roma e não mais permitir que esta continuasse em ser apenas tutora de seus reis. E Cleópatra, com seus sedutores atrativos e galanteios, que lhe eram próprios, serviu para César de pretexto para apressar a ruína de Tolomeu XII; pois, em vez de deixar que o tribunal por êle convocado se instalasse e decidisse a pendência, êle próprio apressou-se em dar ganho de causa a Cleópatra, aconselhando o irmão a reconciliar-se com ela e dar-lhe a autoridade real que gozava antes. Vemos que a atitude do romano era a de senhor do país e não de simples tutor de 1 2

Dicionário e Enciclopédia Hispano-Americano, art. Cleópatra. Tradução A. P. de Figueiredo, Daniel 11:17.

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seus soberanos. Assim sua aparente boa fé revelou-se em sua verdadeira natureza naquela pendência real. “E dar-lhe-á em casamento sua filha... a fim de o perder”. Que a profecia aqui faz mensão de Cleópatra que seria dada momentaneamente a César, é fora de tôda dúvida. Não seria propriamente o pai desta rainha que iria dá-la a César, visto que não mais existia, mas o Egito ou o “rei do Sul” o faria através da própria Cleópatra sua representante soberana. A palavra “casamento”, se avaliarmos nalgum sentido à luz dos sentimentos dos cortezões e cortezãs de muitas antigas cortes, vê-laemos mais aplicável quanto a vantagens políticas em que implicava a desonra, do que quanto ao verdadeiro laço matrimonial. O que segue vem confirmar a união ilícita e desonrosa de Cleópatra com César, ou de um falso “casamento” dêste com aquela, em que a rainha egípcia demonstrou dar mais valor ao poder do que ao pudor e à própria honra. “Conta-se que Cleópatra, fiada em seus atrativos, fêz-se introduzir dentro de um fardo de fazendas e roupas no castelo que ocupava César. A rainha do Egito ao que parece, não era uma beleza extraordinária, mas possuía tantas graças e atrativos, que, segundo Plutarco, era mui difícil resistí-los, pelo que César, em poucas horas, passou a ser amante de Cleópatra, e mandou a Tolomeu que repartisse a autoridade com sua irmã. Não se ocultou ao rei do Egito a verdade do sucedido, e, para mover a opinião contra o romano, percorreu as ruas contando sua desonra. Por sua parte Fótino excitou ao povo, que atacasse o palácio de César; e ainda que os romanos prendessem a Tolomeu III, os sublevados não cederam, antes aumentou seu número, e sem a habilidade e firmesa do vencedor de Pompeu, que prometeu satisfazer os desejos dos amotinados, César e todos os seus haviam perecido. Ao dia seguinte confirmou, em nome de Roma, o testamento de Tolomeu XI, e dispôs que os dois irmãos reinassem juntos, dando a ilha de Chipre a Tolomeu e Arsinoé, irmãos pequenos dos reis. Fótino então logrou que Aquiles avançasse com seu exército, e quando êste se achava próximo de Alexandria, o citado favorito sublevou outra vez o povo. César reprimiu o alvoroço, derrotou o exército de Aquiles, abrazou a esquadra egípcia, cujo fogo alcançou a cidade e a sua célebre biblioteca: 500.000 volumes reunidos pelos Tolomeus ficaram reduzidos a cinzas.1 Apoderou-se da fortaleza do farol, chamou as 1

História Universal, C. Cantú, Vol. IV, pág, 186.

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legiões da Ásia e se fortificou no mesmo palácio, servindo-lhe de cidadela o teatro. Prêso Tolomeu e morto Fótino, Ganimedes logrou que Aquiles fosse condenado ao último suplício. César, depois de vários sucessos, pôs em liberdade a Tolomeu, que, por uma nova traição perdeu a corôa e a vida. César, vitorioso, deu o trono do Egito a Cleópatra e ao menor Tolomeu, menino de onze anos, e os uniu pelo vínculo do matrimônio; mas isto foi só um ardil para dar a Cleópatra todo o poder soberano, pois Tolomeu, inábil para governar por sua tenra idade, ficou sob a tutela da rainha, a qual, logo que seu irmão cumpriu quatorze anos, tempo em que devia tomar parte nos negócios do Estado, o envenenou. “Enquanto César permaneceu no Egito, Cleópatra, segundo parece, viveu em sua companhia e o distraiu com magníficas festas. Com êle visitou a rainha todo o Egito, e passou freqüentemente as noites em festividades até ao romper da alva. Juntos haviam ido em um mesmo barco até à Etiópia se o exército romano não se houvesse negado a segui-lo. Mais adiante conta Suetônio que César mandou que Cleópatra fôsse a Roma, e não a deixou voltar ao Egito sinão depois de haver-lhe prodigalizado grandes honras, e lhe permitir dar seu nome a um filho que dela havia tido e que se chamou Cesarion. Êste, dizem alguns autores gregos, parecia-se muito a César, tanto em suas feições como em seus gestos”.1 “Mas não lhe sairá a coisa conforme o seu intento”. A revelação ainda declara que a união de Cleópatra com César visou “perder” a êste. E quão verdadeiramente êste pormenor também encontrou o seu cumprimento exato. Aquêle poderoso caudilho, vencedor das Gálias, de seu temível rival Pompeu e de inúmeros outros adversários, deixou-se imediatamente vencer por aquela despudorada mulher, que procurou, mau grado a perda voluntária de sua honra, que César não anexasse o seu reino como província romana, mas que a deixasse como soberana independente. Entretanto, continua o profeta dizendo de Cleópatra: “Mas não lhe sairá a coisa conforme o seu intento”. A despeito de César não ter submetido o Egito inteiramente e defintivamente como era seu intento e como fizera com outros inúmeros Estados, deixando ali como senhor absoluto um romano nato, consentiu em que Cleópatra continuasse como rainha daquele

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Dicionário e Enciclopédia Hispano-Americano, art. Cleópatra.

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reino, porém, como uma soberana fantoche da dinastia Lagida que praticamente não mais existia — bem presa aos grilhões de Roma. “E ela não será para êle”. Nada havia na pessoa de César que atraísse a Cleópatra. A um homem com 50 anos de idade, ela dificilmente poderia amar. Seu partido também não lhe era simpático, pois deu provas de simpatizar-se mais com o de Pompeu, para quem “forneceu socorros” contra César. Além de tudo, César logo estaria morto por assassínio, e ela passaria às mãos de outro romano para tentar também perdê-lo e manter-se independente de Roma, como única soberana remanescente da agonizante dinastia Lagida. Cleópatra, porém, teve um trágico fim não muito depois de suas aventuras aparentemente amorosas com César, como veremos mais adiante. “E êle se confirmará ao desígnio de vir apoderar-se de todo o reino daquele”. César, supremo representante de Roma, aproveitou-se da querela com Pompeu para apoderar-se do restante da herança de Alexandre, o Egito apertando mais forte o laço da autoridade romana naquele país. Embora deixasse Cleópatra na liderança do reino egípcio, não resta dúvida de que esta, tendo falhado em conquistar a independência política de César com sua licenciosidade, ficou dependendo agora mais do Senado romano do que de sua própria autoridade. Ficara como soberana mas propriamente sem soberania, o desígnio de César, pois, de apoderar-se do último Estado remanescente do Império de Alexandre, foi cumprido e evidentemente demonstrado pela autoridade com que agiu na questão de Tolomeu XII e Cleópatra, e no fato de deixar ali três legiões romanas para assegurar o domínio de Roma contra tôda a eventualidade. O FATAL OPRÓBRIO DE JUBA II CONTRA CÉSAR VERSO 18: — “Então (César) voltará a sua face para as costas marítimas, e se apoderará de muitas delas; porém um caudilho (Juba II rei da Numídia) porá fim à afronta que (César) lhe fêz; e ainda fará cair sua afronta (a de César) sôbre si mesma (Juba II)”.1 Tôdas as campanhas em que César se empenhou depois de afinal deixar o Egito, foram vibradas contra adversários localizados nas “costas marítimas”, tanto na Ásia como na África. Em primeiro lugar atacou a Farnace II, rei do Bósforo, filho de Mitridaces, o grande, que 1

Tradução Espanhola, Versão Moderna, Daniel 11:18.

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“no ano 63 a.C. recebeu dos romanos a soberania do Bósforo” em recompensa de haver traído a seu pai em favor de Roma. Farnace, porém, “ao estalar a guerra civil entre Júlio César e Pompeu decidiu aproveitar a ocasião para apoderar-se” de vários Estados da Ásia Menor fazendo-se forte. “Farnace não obedecera aos mandados de César, que lhe ordenara que abandonasse a Pequena Armênia, tendo, em conseqüência disso, Cneu Domício Calvino legado de César, depois da batalha de Farsalha, mandado para a Ásia Menor, de recorrer às armas à frente de duas legiões, uma composta por soldados até então pompeianos e outra de romanos alistados na Ásia, e de duas divisões do Gálata Dajotaro. Travada a batalha, nos fins do ano 48, perto de Nicópolis, a vitória coube a Farnace”.1 “Em vista disso, César resolveu a intervir pessoalmente na luta e, quando no verão de 47, saiu do Egito e atravessou a Síria, a Cilícia e a Capadócia, robustecendo em tôda a parte a nova ordem de coisas, lançou-se, com uma pequena legião de veteranos e com as tropas de Calvino e de Dejotaro, sôbre Farnace que, a 2 de agosto”, na batalha de Zola, “foi completamente derrotado. Farnace quis levantar um nôvo exército para combater o vencedor; mas apenas entrara em seus Estados do Bósforo, foiassassinado por seus próprios súditos, que o odiavam por sua ferocidade. Ao dar César ciência desta vitóriosa guerra contra Farnace II à metrópole, o fez nestas palavras que se celebrariam: “Veni, vidi, vici”, “cheguei, vi e venci”. Mas o versículo que consideramos menciona um fato sério em relação a César, nestas palavras: “Porém, um caudilho porá fim à afronta que lhe fez”. — Êste pormenor da profecia, com referência a Júlio César, é dos mais notáveis que encontramos nas profecias alusivas à política de príncipe”, como reza outra versão, foi afrontado por César. E, dita “afronta”, despertou no “príncipe” afrontado um terrível ódio contra César, tendo jurado vingar-se na primeira ocasião oportuna. A profecia, no entanto, declara que, tal “caudilho” ou “príncipe”, ao vingar sôbre Cesar a sua “afronta”, redundaria isto, ainda, em seu desfavor ou em um mal fatal contra si mesmo ao vingarse do afrontoso romano. Quem fôra o “caudilho” a quem César afrontara e que poria “fim à afronta” dêste contra sua pessoa? É de importância notarmos que o profeta faz alusão a êste incidente depois de referir-se à estada de César no Egito, devendo o fato em consideração ter-se verificado pós 1

História Universal, G. Oncken, Vol. V, pág. 158.

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êle deixar este país. E que êste sucesso ocorreria por ocasião das conquistas de César através das “costas marítimas”, depois de abandonar o Egito, é fato assentado na própria profecia. Na primeira parte de consideração dêste versículo, salientamos ter César, em primeiro lugar ao deixar o Egito, se dirigido contra Farnaces II, rei do Bósforo. E a história de Fernaces em qualquer fonte que a êle faça referência, não trata, em ponto algum, de ter havido afronta pessoal de César contra si. A seguinte campanha de César, antes de regressar a Roma, foi no norte da África, onde fôra dar batalha aos remanescentes dos pompeianos, onde converteu em províncias romanos a Mauritânia e a Numídia, que já eram reinos vassalos de Roma. Um dos soberanos ou caudilhos, de um ou de outro dêstes dois reinos, seria indubitavelmente o “caudilho’’ a quem César afrontou, cuja afronta devia agora ser vingada pelo ofendido contra o ofensor. Quanto à Mauritânia, a história silencia em revelar que tenha César afrontado pessoalmente a um de seus monarcas que, ofendido, desejasse ou procurasse tirar desforra. Daí o fato anunciado na profecia dever ser procurado na história da Numídia e no que diz respeito às relações de seu rei com César nos dias em que êste dera batalha vitoriosa aos restantes pompeianos. Quando César invadiu o norte da África, com o propósito já especificado, reinava na Numidia, Juba II. É contra este rei numida que o profeta dá conta da afronta de César. Êste é o “caudilho”, da profecia, ofendido pelo vencedor de Pompeu, cuja ofensa, não esquecida, devia ser liquidada um dia pelas armas, não tendo a inspiração esquecido de referi-la nesta profecia. O pai de Juba II, a quem êste sucedera no trôno da Numídia, havia sido deposto por Mario, general romano “tio por aliança de Júlio César”. Pompeu, no entretanto, restabeleceu Hiempsal, pai de Juba II, no seu trôno. Ao estalar a guerra civil entre César e Pompeu, Juba II colocou-se ao lado dêste último, em parte em gratidão por ter Pompeu restabelecido a seu pai no trôno e em parte devido à sua manifesta “inimizade a César, que o tinha insultado em Roma puxando sua barba”. “Depois, C. Seribonio Curio, general de César na África, propusera, 50 a.C., quando tribuno da plebe, que a Numidia devia ser vendida a colonos, e o rei reduzido a uma posição privada”. “Em 49 a.C. Juba marchou contra Curió, que estava ameaçado Utica, e por um extrataegma infligiu ao exército cesariano uma esmagadora derrota, na qual Curio foi morto”. Não muito depois, Juba II reuniu-se a Quinto 636

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Metelo Scipião com um “grande corpo de tropas”, para, ao lado dos pompeianos, enfrentar a César que havia invadido o norte da África em busca dos partidários de Pompeu escolhidos por êle depois da batalha da Farsalha. Em Tapsus, todavia, feriu-se a batalha decisiva, em que Scipião e Juba foram fragorosamente derrotados. Catão suicidou-se, e, ao saber César, pronunciou estas solenes palavras: “Te invejo a morte, porque tu me téns tirado a glória de conservar-te a vida”.1 Cincoenta mil pompeianos ficaram mortos no campo da luta. Juba II fugiu do campo de batalha com o general Petreius, e “vagou por algum tempo como um fugitivo, repelido mesmo das portas de sua própria cidade Zana, onde se tinha preparado para um desesperado cêrco. Os fugitivos em fim resolveram perecer por mútua carnificina. Juba matou Petreius, e suplicou o auxílio de um escravo para que o matasse (46 a.C)”.2 Verdadeiramente, como testificam os fatos históricos, só Juba I da Numídia, preenche satisfatoriamente êste importante detalhe da profecia inspirada com relação a César. Procurando vingar a afronta de César em César, foi infeliz, pois a vingança caíra sôbre si mesmo, Detestado por seu próprio povo e mesmo por sua cidade, não vira Juba outra alternativa se não apelar ao suicídio por mão de um escravo. O perfeito cumprimento desta profecia, como de outras impressionantes ou de tôdas as do livro de Daniel, atestam a veracidade divina de sua inspiração. O ASSASSÍNIO DE CESAR NA PROFECIA VERSO 19: — “Êle (César) retirar-se-á, (depois de vitorioso na África), às fortalezas da sua própria terra (Roma), para encontrar somente inquietação e desaparecer (por assassínio)”.3 OS TRIUNFOS DE CÉSAR EM ROMA Depois de sua esmagadora vitória sôbre os últimos remanescentes de Pompeu, no norte da África, regressa César “às fortalezas de sua própria terra”, Roma, onde se apresentou, com grande pompa. “Os 1

Dicionário e Enciclopédia Hispano-Americano, art. César. Nova Enciclopédia Britânica Americanizada, art. Juba I — Enciclopédia Universal Ilustrada, art. Jubá I — Nôvo Dicionário da Lingua Portuguêsa de Eduardo Faria, edição 1878, art. Juba. 3 Tradução James Moffatt, Daniel 11:19. 2

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poderes conscritos e o povo, mais tranqüilizados, decretam-lhe quatro triunfos no mesmo mês, sendo um sôbre os gaulêses, outro sôbre o Egito, o terceiro sôbre Farnaces e o quarto sôbre Juba. No primeiro foram exibidos aos olhos do povo os nomes de trezentos povos e oitocentas cidades. Como o eixo do carro triunfal se partisse, César mandou vir quarenta elefentes carregados de brandões para iluminar o cortejo, cujo andamento se retardara. Subiu de joelhos os degraus do Capitólio, e quando viu a sua estátua levantada junto da de Júpiter com a inscrição: “A César semi-deus” ordenou que as últimas palavras fossem riscadas. Os outros três triunfos não foram menos pomposos: os romanos, porém, viram com desagrado aparecerem no último as estátuas de Scipião, Catão e Petreus. Avaliaram-se em setenta e cinco mil talentos os vasos de ouro e de prata ostentados nessas solenidades e nessa avaliação não entravam mil oitocentas e vinte e duas corôas oferecidas pelas diferentes cidades, e que pesavam quinze mil e trinta e três libras. Com estas riquezas pagou e recompensou largamente os soldados, os oficiais e o povo. Foram dispostas vinte mil mesas nas quais foi servido o que se podia desejar de mais raro, tanto em manjares como em vinho”.1 “Ofereceu César um espetáculo de 2.000 gladiadores, batalhas simuladas tanto terrestres como navais; carreiras de carros, combates de animais entre os quais apareceu uma girafa, a primeira que até ali se vira. Foi tão considerável a afluência de gente, que grande número de indivíduos tiveram de passar a noite ao ar livre e muitos morreram esmagados no apêrto”. OS PODERES CONCEDIDOS A CÉSAR César, então, “foi nomeado ditador perpétuo, cônsul, tribuno, imperador, general em chefe e pontífice; foram submetidos à sua autoridade todos os magistrados, sem excluir aos tribunos do povo, e concedeu-se-lhe o direito de alistar tropas, declarar a guerra e fazer a paz; mas abusando do seu poder desprezou César os costumes do país, já creando magistrados por um período de tempo mais longo que o ordinário, já concedendo o direito de cidadania e um posto no Senado a galos semibárbaros, já dando a inspeção das moedas e a cobrança dos impostos a algum de seus escravos, já confiando o comando das legiões a homens corrompidos, já pretendendo que suas palavras 1

História Universal, C. Cantu, Vol. IV, pág. 192.

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tivessem fôrça de lei, já infundindo suspeita de que aspirava o título de rei desprezado pelos romanos. Diz-se, além de tudo, que pensava trasladar-se à Alexandria e levar consigo tôdas as riquezas do império, e êle mesmo deu armas aos que meditavam sua morte, que veio cortar as realizações de grandes projetos, entre os quais se contavam a formação do um código de leis, a união do Mediterrâneo e do Mar Vermelho através do ístmo de Suez, e as reformas necessárias para fazer de Roma a capital do mundo e de Óstia o primeiro porto do Mediterrâneo”.1 O ASSASSÍNIO DE CÉSAR Na primavera do ano 44, diversos elementos descontentes tramaram uma conspiração contra a vida do ditador. “Entre os conjurados contavam-se Décimo Bruto e Caio Trebonio, antigos partidários do imperador; mas o principal era o valente Caio Cassio Longino, que, depois da morte de Crasso, salvara a Síria e, após a batalha de Farsália, fôra perdoado por César e com êste se aliara intimamente. O orgulho de republicano de tão sombria personalidade, pretor nesta ocasião, homem que vivia como os antigos romanos, e as feridas do seu amor próprio magoado, fizeram dêle o iniciador e a alma da conspiração. Os assassinos escolheram a última sessão do Senado, a que César devia assistir, antes de partir para a Ásia, a 15 de março de 44, para com segurança poderem ferir a sua vítima”.2 “O dia dos idos de março devia reunir-se o Senado para conceder a César o título de rei. Os conjurados, que eram setenta, decidiram-se a matá-lo para não votar aquele decreto. Todos concorreram à assembléia”, que tomou lugar “numa sala do teatro de Pompeu”, silenciosos, ocultando o punhal sob a toga, interrogando-se com o olhar. César, que tinha o pressentimento de sua próxima morte, não pensava assistir ao Senado aquele dia. Décimo Bruto, a quem não há que confundir-se com o chefe da conspiração, persuadiu-o para que concorresse, e o tirou quasi á fôrça de sua casa. No caminho, certo Artemidoro, natural da ilha de Caide, entregou ao ditador um papel e lhe disse: “Lêde-o logo, porque contém coisas que te interessam mui próximo”. Êste homem era acaso o mesmo de quem disse Suetônio que deu a César um bilhete no qual descobria a conspiração próxima a estalar. César uniu aquele papel a outros que levava na mão esquerda, 1 2

Dicionário e Enciclopédia Hispano-Americano, art. César. História Universal, G. Oncken, Vol. V, póg. 175.

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e começou a lê-lo mais de uma vez; mas não pode terminar a leitura, interrompido por muitas pessoas que lhe dirigiam a palavra. Quando chegou à porta da sala onde estavam reunidos os senadores, Pompílio Lena, um dos conjurados, falou em voz baixa a César, que parecia escutá-lo atentamente. Isto pôs em alarme aos demais conspiradores, e Caio buscou seu punhal para matar-se. Bruto examinou a fisionomia dos dois interlocutores, e com um olhar tranquilo aos demais conjurados. Todos os senadores se levantaram para manifestar seu respeito ao ditador, e antes que este ocupasse a cadeira, que estava colocada no meio da sala, puzeram-se detrás alguns conspiradores; outros se aproximaram sob o pretexto de rogar-lhe que levantasse o destêrro ao irmão de Metelo Cimber. Ao mesmo tempo Tribônio, para impedir que Marco Antônio defendesse a César, o levou com enganos fora da sala. Sentado César, os conjurados insistiram em sua petição. Rechassou-a o ditador, e vendo que seguiam suplicando-lhe com importunação, dirigiu-lhes palavras mui severas e mandou que se retirassem. Então Metelo Cimber colheu com as duas mãos a toga de César e a alçou até aos hombros. Êste era o sinal convencionado, o ditador, indignado, voltou a cabeça, e Servílio Casca lhe feriu com seu punhal no pescoço. Rechassou-lhe César com energia, dizendo: “Que fazes, infame Casca?” Mas os demais conjurados lhe acometeram, e César, ao ver que lhe feria também Marco Bruto, não opôs resistência, e pronunciou sua célebre fraze: “Tu também, meu filho!” Cobriu a cabeça e o rosto com sua toga, e depois de haver recebido vinte e três punhaladas, sem proferir uma só palavra de queixa ou dôr, caiu expirando aos pés da estátua de Pompeu”.1 O CUMPRIMENTO DA PROFECIA Depois de consolidar o poder de Roma num imenso território; depois de ser aclamado delirantemente nas comemorações triunfais de suas façanhas guerreiras; e depois de re-receber um poder jamais outorgado a seus antecessores, César iria “desaparecer”. Esta linguagem do profeta implicou em sua queda de modo repentino, inesperado, como quem tropeça acidentalmente ao andar. Embora como senhor do mundo cumulado de glórias, honrarias e poderes, pensa estar sua senda plana e desembaraçada, — a voz da profecia anunciara séculos antes o seu desaparecimento repentino. E, a 1

Dicionário e Enciclopédia Hispano-Americano, art. César.

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conspiração que lhe buscou a vida, foi uma das “fortalezas” de sua terra diante da qual sucumbiria, conforme a inspiração, depois de sua vitória no norte da África sobre os remanescentes partidários de Pompeu. Na véspera dos idos, alguém perguntou, estando César à mesa ceiando com Lépido: “De que morte é melhor morrer?” Respondeulhe César: “De uma repentina!” E assim sucedeu àquele ditador. CÉSAR AUGUSTO — O EXATOR DA PROFECIA VERSO 20: — “Depois em lugar dêle (de César) se levantará um (César Augusto) que fará a um exator (cobrança de impostos) passar pela glória do reino; porém dentro de poucos dias (ou anos) será êle destruído, não em ira nem em batalha (mas por morte natural)”.1 Segundo o testamento de César, Otávio, seu sobrinho por sua mãe Júlia Attia, devia suceder-lhe no trôno romano. As complicações, porém, que se seguiram já morte de César e a sua posse do trôno, serão consideradas nos versículos 25 a 28. O versículo que agora iremos apreciar só trata do que Augusto fez passar pela “glória real” e de sua tranqüila morte. Depois de vitorioso sôbre Lépido e Antônio, cumpria Augusto a vontade testamentária de seu tio, Júlio César, tornando-se único herdeiro do poder de Roma. Mas o mais importante ato de seu govêrno foi o cumprimento da profecia no que diz respeito aos impostos imperiais, aliás, uma arrecadação de impostos pelas províncias do reino. E aqui temos a voz da história emprestando o seu apôio à voz da profecia: “Augusto ordenou que se fizesse o recenseamento completo de tôdas as províncias do império. Êste trabalho foi ao princípio destinado à apreciação das receitas, mas serviu depois de base a todo o sistema tributário. O édito publicado para êsse fim foi ordenado provavelmente no ano 27 a.C. Nas províncias antigas e principalmente nas senatoriais, o cumprimento desta ordem encontrou poucas dificuldades; porém, nos países novamente adquiridos entre os quais a Gália, onde o próprio imperador tomou parte nos trabalhos, houve necessidade de proceder a largos e dispêndiosos preparativos. “Estabeleceu-se desde então o costume de começar a organização de cada nova província que se adquiria, fazendo o recenseamento dos seus habitantes”. “Era necessário não somente conhecer os 1

Tradução Brasileira, Daniel 11:20.

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verdadeiros proprietários das diversas terras, Isto é, se estas pertenciam ao Estado, ao município ou a particulares, mas também fazer uma classificação dos terrenos, para saber qual o impôsto que se lhes devia aplicar”.1 Possuímos dados históricos no Nôvo Testamento de um decreto semelhante, nos seguintes termos: “E aconteceu naqueles dias, que saiu um decreto de César Augusto, para que todo o mundo fôsse taxado (e êste taxamento foi primeiro feito quando Cirênio era governador da Síria). E todos iam à sua própria cidade para ser taxados”.2 Provavelmente, o primeiro decreto exatorial a que se refere o texto ao tempo de Cirênio, foi aquele do ano 27 a.C. aludido pelo historiador. O certo, porém, é que, o decreto mencionado no Nôvo Testamento, estava ligado ao nascimento de Cristo. Pois, segundo as profecias, o Messias devia nascer em Betleem, da Judéia;3 Todavia, Maria, sua progenitora, achava-se, nas vésperas dÊle nascer, na distante Galiléia. Mas, segundo rezava o decreto imperial, todos deviam comparecer na sua própria cidade natal, para prestar declarações de posses. Dêste modo, como Maria e José eram naturais de Betleem, foram forçados a se dirigirem àquela cidade. Ali chegando Maria, cumpria-se o tempo de dar à luz, e nasceu o Salvador na cidade apontada pela profecia de Miquéias oito séculos antes. O decreto de Augusto, portanto, relacionado com o natalício de Jesus, foi uma inspiração da Onipotência.4 OS PUBLICANOS E OS IMPOSTOS “Nos últimos séculos da República e durante os reinados de Augusto e Tibério, a cobrança dêstes impostos se fazia nas províncias por meio de arrematação. Os censores punham-nos em leilão, em Roma, em pleno fórum: eram ordinariamente adjudicados a sociedades de ricos cavalheiros, chamados publicanos. Dava-se o mesmo nome aos agentes subalternos que contratavam nas províncias e que escolhiam entre os habitantes do lugar onde se lançava o impôsto”.5 “Tinham os publicanos em Roma sua administração central, e sub-diretores e agentes de todos os graus nas províncias. Com freqüência exigiam aos contribuintes quotas maiores das que assinala a lei. Daqui nasceu que o ofício se infamara, até o ponto de 1

História Universal, G. Oncken, Vol. V, pág. 268. Tradução Inglesa de Filadélfia, 1839, S. Lucas 2:l-3. 3 Miquéias 5:2. 4 S. Lucas 2:4-7. 5 Dicionário Enciclopédia Internacional, art. Publicanos. 2

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que o publicano chegou a estar excomungado entre os judeus, sendo odiado de todos, inábil para testemunhar e maldito de Deus a juízo dos homens, que fizeram daquela palavra um nome desprezível”.1 “Cícero, em seu livro De Offíciis (I, 42), diz que a profissão de publicano era à pior de tôdas”.2 A MORTE DE CÉSAR AUGUSTO Reza a profecia: “Porém dentro de poucos dias será destruído sem ira nem em batalha”. — Augusto morrera dezessete anos depois de seu último decreto exatorial, aos 76 anos de idade, em 14 a.D., tendo reinado absoluto por mais de 40 anos. A conjunção porém, seguida imediatamente da previsão da obra exatorial de César Augusto, leva a entender que a declaração profética: “... dentro de poucos dias será êle destruído” — cumprir-seía depois da organização mundial dos impostos por êle decretada. “Dentro de poucos dias”, proféticos, que são anos, eqüivalem a apenas 17 anos após o seu último decreto exatorial ao tempo do nascimento de Jesus. Uma outra versão bíblica reza: “Porém muito logo será êle quebrantado”, o que reforça o pensamento de que os “poucos dias”, ou anos começariam após o término da organização dos impostos, não aludindo a todos os seus mais de 44 anos em que foi o único senhor do grande império. Deveras não findou Augusto sua vida com “ira’ ou em “batalha”, mas em seu próprio leito e em sua própria casa em Nola, onde havia ido em busca de repouso e saúde. Em suas últimas palavras, proferiu esta frase: “Aplaudi se tenho desempenhado bem meu papel na farsa da vida”.3 TIBÉRIO — A CREATURA DESPREZÍVEL DA PROFECIA VERSOS 21-22: — “Em lugar dêle (de Augusto) levantar-se-á uma desprezível creatura (Tibério, a quem não havia sido conferida (por Augusto e os romanos) a honra real mas que surgirá quando os homens negligenciaram a vigilância e tomará o reino com astuciosas 1

Dicionário e Enciclopédia Hispano-Americano, Art. Publicanos. Enciclopédia Universal Ilustrada, art. Publicanos. 3 Dicionário e Enciclopédia Hispano-Americano, art. Augusto. 2

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lisonjas; as fôrças oponentes (os seus adversários) serão varridos e dispersos de diante dêle, como também o Sumo-Sacerdote de Deus”.1 A AVERSÃO DE AUGUSTO POR TIBÉRIO Uma “creatura desprezível” como é dito de Tibério nesta profecia, é uma pessoa indigna de estima ou atenção, abjeta, repelente, sem confiança, para assumir responsabilidade. E tal foi o caráter de Tibério, a quem Augusto e o povo romano não pretendiam transferir a dignidade da púrpura imperial. Quando Augusto preocupou-se com a sucessão, ao transcorreram os anos, sua esposa Lívia rogou-lhe que designasse a Tibério, que era seu filho por matrimônio anterior. Mas, o imperador, como se estivesse ao par da palavra do profeta, respondeu-lhe: “Teu filho é demasiado vil para levar a púrpura de Roma”. Augusto não pretendia indicar um sucessor extranho à linhagem “Júlia da casa imperial”. Caio e Lúcio, filhos de Júlia e Agripa, eram os seus preferentes na sucessão; pois “preparava-os para o sucederem no trôno, sendo o Senado e o povo favorável a êste projeto. Deu-se então com Tibério o que sucedera com Agripa, á respeito de Marcelo: Augusto, pará se afastar do lado dos jovens príncipes, deu-lhe um comando no Oriente. Isto produziu um grande desgosto em Tibério, que abandonou então a vida pública, retirando-se com um pequeno número de amigos para a ilha de Rodes. O príncipe Caio, dos herdeiros do trôno, não pôde restabelecer- se das suas feridas físicas, e moralmente fatigado, empreendeu a viagem de regresso a Roma; porém, ao chegar a Limira, na Lícia, morreu no dia 21 de fevereiro do ano IV. A notícia desta morte provocou em Augusto uma grande dôr. Dezoito mêses antes, a 2 de agosto do ano II, perde o irmão mais nôvo de Caio, Lúcio, que faleceu em Marselha, quando ia reunir-se ao exército da Espanha. Estas duas mortes fizeram resplandecer de nôvo a estrêla de Tibério. Espalhou-se até que a mão da imperatriz Lívia não fôra extranha a essas desgraças. Quando chegou a Roma a notícia da morte de Caio, falava-se de nôvo na capital em Tibério. Êste, a freqüentes pedidos de Lívia, regressara no ano II com a autorização de Augusto, 1

Daniel 11:21-22.

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mas sob condições desagradáveis. Foi, porém, Augusto obrigado, depois da morte dos seus dois netos, a reconciliar-se com Tibério. No dia 24 de junho do ano IV foi adotado por Augusto e entrou para a família Júlia, sendo-lhe concedido o poder tribunício por cinco anos. Não pôde Lívia deixar de reconhecer que o imperador só dera êste passo por motivos políticos e que havia vários personagens da família imperial e mais queridos de Augusto. “Enquanto na côrte se davam êstes sucessos pouco agradáveis, o príncipe Tibério foi muito feliz em levar a cabo alguns feitos de guerra de grande proveito ao império. Augusto fez por fim as pazes com Tibério. “Tibério devia então empreender uma viagem de inspecção à Ilíria; o imperador acompanhou-o de Brindisi a Brunevento; porém, no seu regresso agravou-se a enfermidade de que fôra atacado em Astura ou Nápolis, de modo que em Nola teve de se conservar no leito. Lívia foi imediatamente ao seu encontro e mandou mensageiro a Tibério, para que regressasse para o lado do imperador. Êste morreu a 19 de agôsto do ano 14.1 Assim Tibério, a “desprezível criatura” da profecia, recebeu a púrpura imperial em sucessão, embora houvesse Augusto feito o possível para afastá-lo da liderança e o povo romano o detestasse como possível soberano. Embora, não o designasse para a “honra real”, êle dela se apoderou com o auxílio de Lívia, sua mãe. O povo não podia conformar-se em vêr Tibério no trono. “É certo que tôda a habilidade dos seus defensores não pode apresentar êsse imperador como um personagem simpático ou como um grande homem, mas foi sem dúvida alguma o mais infeliz de todos quantos suportaram a coroa romana. Quando finalmente o seu padrasto, que nunca o estimou, se viu obrigado a deixar-lhe o principado, Tibério encontrou-se frente a frente com a nobreza e o povo na desagradável situação de um governante considerado por todos com profunda antipatia e que só pelos esforços dos seus filhos conseguiu obter o tributo de obediência do forte exército do império. A nobreza não queria ver nêle o sucessor do poderoso Júlio. O poder do talento e dos serviços políticos prestados e os 40 anos ou mais de domínio, durante os quais Augusto se havia impôsto às famílias nobres, faltavam completamente a seu sucessor. Levanta-se contra êle a remanescente oposição republicana, que dominava quase completamente a literatura, 1

História Universal, G. Oncken, Vol. V, págs. 297, 307.

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mostrando-se excessivamente venenosa aproveitando tôdas as ocasiões para se manifestar em favor de Germânico e da sua família, obrigando Tibério a humilhações, justificadas pelas suas maneiras rudes, o que fêz com que só pudesse contar com poucos amigos. Não tinha, além disso, o caráter alegre, os atrativos e a amabilidade que distinguiam Augusto, Druso e Germânico; finalmente, quando subiu ao poder, tinha já cinqüenta anos, gastara as forças da sua juventude em trabalhosas campanhas e não estava já em condições de ganhar com novos e sangrentos triunfos o respeito das grandes famílias do império. Entre as massas (de quem Augusto fôra muito estimado) não pôde também Tibério ganhar simpatias. Como verdadeiro Cláudio, não podia desmentir o orgulho e a dureza da sua família, o seu caráter extremamente agressivo e falso. A severidade e a tristeza dêste homem, cuja forte inteligência não podia sofrer a adulação, tornavamno pouco generoso, não olvidando nunca as ofensas, por antigas que fossem, e castigando severamente faltas quase esquecidas. Até os próprios habitantes das províncias, que tinham motivos para se felicitarem do seu govêrno, odiavam-no por se manter muito longe dêles, e assim acontecia que algumas das boas qualidades eram as que mais o separavam dos romanos. “Outras circunstâncias se deram para agravar mais a antipatia entre Tibério e os verdadeiros romanos, e esta antipatia foi progressivamente crescendo até adquirir um caráter extremo que, por culpa de ambas as partes, obrigou o principado a um procedimento atrós. Tibério possuía em alto grau o sentimento do dever, e isto obrigou-o, a dedicar à direção do colossal Estado romano tôda a sua fôrça e o seu apreciável talento, fazendo-o com surpreendente energia e não poucos resultados. Mas como, dado o seu caráter receoso e desconfiado, não pôde chegar nunca a uma verdadeira satisfação íntima, do mesmo modo fracassaram completamente as suas tentativas para captar por êste meio e com medidas que faziam honra ao seu talento governativo, as simpatias da aristocracia, que se achava concentrada no senado. Da parte dêste houve tôda a espécie de demonstrações de desagrado, quer por meio de louvores a Germânico e à sua família quer por meio de folhetos, libelos e escritos de toda a espécie em que Tibério era tratado da maneira mais cruel. Foi a luta ardente e agitada que seguiu a estas provocações que tornou o imperador um pessimista desesperado, um depreciador dos homens do seu tempo, influindo no seu caráter, que a idade não havia amolecido, de modo a tomar-se um governante duro e despótico. Em 646

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compensação, o Senado mostrou-se cobarde e volúvel, multo sanguinário como tribunal e algumas vêzes muito vingativo”.1 Tibério, “atuando como hipócrita até ao fim, disfarçou quanto pôde sua crescente debilidade, chegando até similar que participava nos desportos e exercícios dos soldados de sua guarda”.2 No ano 26 levou Tibério a cabo o seu acalentado projeto de afastar-se para sempre de Roma. A inquietude que lhe causava a sua situação pouco estável em relação aos romanos da cidade, o desejo de se retirar dos seus contemporâneos, que êle desprezava completamente, a incerteza do futuro, que se lhe apresentava obscuro e triste, certos fatos, referentes à sua pessoa revelados nos processos do lesa majestade, finalmente o desejo de se libertar da tutela da sua mãe, desejosa sempre de mandar, e talvez também a influência de Seiano, foram as causas que o decidiram a tomar tal resolução. Quaisquer que fossem as razões, o príncipe partiu com um pequeno acompanhamento para a Campania; no ano 24 voltou para Nápoles, encerrando-se na ilha Capri”.3 “Ali, sei se deve crêr aos que acaso lhe acusavam sem fundamento, entregou-se a infames excessos. Certo é que abandonouse livremente a seu caráter desconfiado (27). Depois, Agripina e seu filho Nero foram desterrados, aquela à ilha Pandataria e êste à de Pontia; Druso foi encerrado nos subterrâneos do palácio. Seiano, que se atreveu a pedir a Tibério a mão de Lívia, foi rechaçado, e desde então inspirou desconfiança a Tibério. Acabava de desposar-se com Drusila, quando o imperador o fêz prender em pleno Senado e assassiná-lo por Macron (31). Além disso Tibério tratou atrozmente aos amigos e partidários de Seiano, sobretudo quando soube que seu filho havia sido envenenado; tão pouco perdoou a família de Germânico. Agripina e Druso foram condenados a morrer de fome (33). Turbado mais e mais o espírito de Tibério era prêsa de um tétrico furor, e redobrava sua crueldade à medida que conhecia o horror que inspirava”.4 E na verdade foi êste o reinado de Tibério, desde quando, de início, achou-se seguro no poder, até o fim de sua vida. Ao ódio das massas romanas ao homem julgado indigno da honra do reino, seguiuse a desforra sem limites de quem não dava tréguas à desconfiança e 1

História Universal, G. Oncken, Vol. V, págs. 321, 322. Enciclopédia Americana, art. Tibério, edição 1849. 3 História Universal, G. Oncken. Vol. V, pág. 332. 4 Dicionário e Enciclopédia Hispano-Americano, art. Tibério. 2

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às vilezas. Assim, de acôrdo a esta profecia, era Tibério uma “desprezível criatura”, a quem êles não haviam dado a honra do reino. Extraordinário cumprimento da revelação. TOMANDO O REINO COM ASTUCIOSAS LISONJAS Já salientamos o esforço de Lívia, mãe de Tibério, junto de Augusto, para que êle sucedesse no trono ao velho imperador. Ambos, mãe e filho, agiram quando faltou vigilância dos que deviam zelar pelo bem da pátria. Mas a parte que coube em particular a Tibério, é a que cumpre com perfeita exatidão a profecia: — Obteria o reino com “astuciosas lisonjas”, ou, com dissimulação, com fingimento. Vejamos, pois, como cumpriu Tibério êste pormenor da palavra do profeta, dissimulando; ou fingindo não querer assumir a dignidade imperial enquanto francamente aparentava desejar apoderar-se dela: “O curso dos acontecimentos obrigou o nôvo imperador, de caráter desconfiado, a seguir o caminho da dissimulação e do temor. Aos 56 anos, e por morte de Augusto, viu-se com o direito de pretender o primeiro lugar do império; mas a sua clara inteligência mostrou-lhe, apesar de tôdas as adulações, que não estava seguro no poder. Embora o império lhe devesse os mais notáveis serviços, sabia que não era estimado, e ao, contrário de Augusto, se tinha alguns amigos fiéis, com poucas simpatias podia contar. “Quando tratou-se de transmitir formalmente a Tibério as prerrogativas de príncipe, êle mostrou-se durante muito tempo vacilante e supôs mais prudente que o pêso do poder fôsse compartilhado por outros; mas combateu também energicamente vários oradores imprudentes que tomaram a sério os seus conselhos. Por fim, depois de ter simulado durante muito tempo, resolveu-se a fazer a vontade do Senado, aceitando o poder, mostrando assim que o fazia a pedido do grande conselho da nação e não pelas intrigas da velha Lívia”.1 Tratando dos disfarces dissimulativos de Tibério, diz uma outra fonte, o seguinte: “Quando o império lhe foi oferecido recusou-o como um fardo que mal podia ser sustentado pelo divino gênio de Augusto; conhecia os perigos, dizia êle, as dificuldades, e não era conveniente encarregar-se dêle um só homem no meio de tantos cidadãos ilustres. Acabou contudo por aceitá-lo e ai daqueles que haviam tomado esta comédia a sério! 1

História Universal, G. Oucken, Vol. V, pág. 310.

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“Depois de ter feito com que os senadores lhe prometessem que o ajudariam em tôdas as circunstâncias, consultava-os continuamente; permitia a oposição, até mesmo louvava os adversários, como para convidar a restaurarem a liberdade republicana. Não quis que lhe dessem o título de ‘senhor’, nem de ‘pai da pátria’, nem mesmo o de DIVUS. “Por mais hábil que fôsse para fingir e dissimular, nunca soube mostrar uma benevolência... O caráter feroz de Tibério começou então a revelar-se; mas entregou-se dentro em pouco a uma crueldade calculada, implacável e sarcástica. Com o fim de se consolidar no poder, tinha necessidade de fazer com que desaparecessem os pretendentes e os vestígios das formas republicanas.1 O EXÉRCITO E AS ASTUCIOSAS LISONJAS DE TIBÉRIO Ao receber Tibério, por fim, do Senado, o trono imperial, era necessário conhecer qual a atitude do exército. A morte de Augusto foi recebida com profundo pesar pelas legiões. Nos pontos perigosos — na Panonia, nas vizinhanças da Itália e no Reno onde as tropas eram numerosas, manifestaram-se motins. Os soldados aproveitaram o momento para só prestarem juramento ao nôvo imperador depois do ajustamento de vantagens militares e tempo de serviço no exército. No baixo Reno, porém, a insurreição tomou caráter político muito grave para Tibério. Os insurretos conheciam o ódio das massas por Tibério e procuraram provocar uma guerra civil. Esperavam que Germânico, seu mui querido comandante os apoiasse e conquistasse para si o trono do império. Germânico, todavia, recusou a oferta de seus soldados, e procurou satisfazer-lhes as suas exigências militares incluso a diminuição do tempo de serviço, dependendo tudo da sanção do imperador. Em circunstâncias tais, Tibério agiu como sempre, com sua camuflada astúcia. Enviou aos amotinados embaixadas compostas de senadores, incluso seu próprio filho Druso. Correu, porém, perigo a vida dos embaixadores em face das exigências dos soldados e de não se simpatizarem com Tibério. Êste, entretanto, soube acalmá-los concedendo-lhes tudo o que pediram. Dêste modo soube Tibério com sua perspicaz astúcia serenar os ânimos das legiões descontentes, castigar os responsáveis pelas rebeliões e firmar-se no poder. O próprio Germânico que perigava aceitar o trono que lhe fôra oferecido por suas legiões através uma guerra civil, foi afastado por 1

História Universal, C. Cantú, Vol. III, págs. 103, 104.

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Tibério do cenário do Reno e enviado, depois de celebrar seu triunfo sob aclamações, em Roma, para as províncias orientais, com podêres para solucionar assuntos importantes entre elas. Mas, afinal, foi Germânico envenenado, na Síria, por Pison, chefe das legiões daquela região. A oposição romana encontra em Tibério o culpado da morte de Germânico, ou o seu mandatário, resultando o fato em um triste sombrio para seu reinado posterior. Tibério foi considerado por todos com profunda antipatia, e só por esforços de seus filhos pôde obter o tributo de obediência do forte exército do império. Estavam pois, como apontara a profecia, varrida do caminho de Tibério as “fôrças oponentes” tanto civis como militares. Prudentemente e com dissimulantes enganos, firmemente apoderou-se do poder que o conservou até sua morte no ano 37 a.D., ou até aos 78 anos de idade. Seria mais próprio para Tibério, ante a recusa geral do povo quanto à sua pessoa, que em nenhum sentido manifestasse seu anélo pela posse do trono em substituição a Augusto. Porém, um político de sua laia tinha mesmo de agir como êle agiu. TIBÉRIO E O “SUMO-SACERDOTE DE DEUS” Gabriel não esquecera de informar ao profeta sôbre o maior acontecimento no reinado de Tibério — a morte do “Sumo-Sacerdote de Deus” ou de nosso Senhor Jesus Cristo, na cruz do Calvário. Segundo a profecia, das setenta semanas, como a temos explanado no nono capítulo, o ano 31 foi o da morte de Cristo, Enquanto o reinado de Augusto foi assinalado pelo nascimento de Jesus, num período de paz interior para, o império romano, o de Tibério o foi pela morte do Salvador, num período de comoção e perturbação interna, motivado pelo ódio das massas ao desprezível imperador. Enquanto o decreto de Augusto favoreceu o nascimento de Jesus em Betleem, um outro decreto, de um representante de Tibério na Judéia, O sentenciou à morte. A HIPOCRISIA DA AMIZADE DE ROMA VERSOS 23-24: — “Tão logo ao tornar-se alguém seu aliado (de Roma), começa êle (Roma) a enganá-lo, pois se ergue para dominar apenas com o auxílio de um pequeno partido; quando os homens menos esperam êle ataca seus líderes em cada província. Êle fará o que jamais os seus pais ou os pais de seus pais fizeram, êle repartirá a 650

TESTEMUNHOS HISTÓRICOS DAS PROFECIAS DE DANIEL

prêsa, o roubo, a propriedade, entre os seus sequazes, e por algum tempo planejará contra as fortalezas”.1 VÁRIOS POVOS FAZEM ALIANÇA COM ROMA Desde o versículo 23 ao 28, retrocede a explanação de Gabriel ao profeta, concernente a Roma, para dar mais ênfase principalmente ao caráter enganador dos romanos no trato com seus aliados. Desconhecendo o verdadeiro caráter dos romanos, embaixadores de não poucas nações dirigiam-se a Roma a fim de suplicarem amizade e assistência militar contra seus adversários políticos. Os judeus foram um dos povos que enviaram embaixadores aos romanos em súplica duma aliança de ajuda militar contra inimigos que não os deixavam em paz. Ouvindo os judeus do poder dos romanos, e que haviam conquistado em guerra a Galácia, Ibéria, Cártago e Líbia; e que, além destas tinham subjugado a Grécia e seus reis Perseu e Felipe, e Antíoco, o Grande, também; resolveu Judas Macabeu entrar em aliança de amizade com êles. Portanto, mandou a Roma alguns de seus amigos, Eupolemus, filho de João, e Jason, filho de Eleazar, e por êles suplicou aos romanos que os auxiliassem, e tornassem-se seus amigos, e escrevessem a Demétrio para que êste não pelejasse contra os judeus. Os reais motivos que levaram os judeus a entrarem em aliança com Roma e os têrmos desta uma vez realizada, encontramos no primeiro livro dos Macabeus, capítulo oito versículos de um a trinta e dois. Mais tarde, tendo Judas Macabeu perecido em batalha, Jônatas, que assumira a liderança, renovou novamente a aliança com Roma. Posteriormente, tendo morrido também Jônatas, em campanha, Simão, seu substituto, renovou novamente a aliança com Roma.2 Como nos podemos certificar pelos dados históricos acima, a aliança judaica feita com os romanos em 161 a.C., foi duas vêzes renovada. Por três vêzes embaixadores judeus dirigiram-se a Roma suplicando o amparo dos romanos contra seus adversários, os reis da Síria. Na terceira vez que apelaram para Roma, em renovação da antiga aliança, esta advertiu a mais de vinte nações que deixassem os judeus em paz sob pena de caírem em seu desagrado. Mas os judeus fizeram aliança com os romanos por não conhecerem como os demais povos, o caráter dêles. Se houvessem considerado a profecia de 1 2

Tradução James Moffatt, Daniel 11:23-24. Macabeus, 14:24; 15:15-24.

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Daniel, revelada por Deus 370 anos antes de se aliarem com os romanos, possivelmente jamais confiariam nos descendentes de Rômulo. Porém, como davam pouco crédito a Daniel, por ter êste vivido na côrte dos babilônios e dos persas, e não diretamente entre êles, caíram na armadilha de Roma ao lhe suplicarem o auxílio desta, em aliança, contra os reis da Síria que os molestavam. Iludidos Judas, Jônatas e Simão pela falsa reputação e lealdade dos romanos em relação a seus aliados, entregaram a nação dos judeus para sempre nas mãos do Senado romano. Foram traídos pelos romanos por não darem atenção ao profeta que os advertira nesta profecia. A cortezia e amabilidade do Senado romano, expressas no tratado de ajuda militar com os judeus era pura fantasia e oculta hipocrisia. Os Judeus e outros povos que procederam uma aliança tal na boa-fé, entregaram-se como cordeiros a um lobo devorador disfarçado. Ao firmar Roma seus tratados de ajuda com os povos, tinha já em vista submetê-los por êsse meio pacífico. “Com um pequeno partido” ou pouca gente enviados a seus aliados para observação, firmavam pé os romanos em seus territórios e se tornavam fortes. Como a muitos aliados, Pompeu reduziu a Judéia definitivamente a província romana no ano 63 a.C., e posteriormente, quando os judeus rebelaram-se em busca da independência, os romanos, sob Tito, arrazaram Jerusalém, massacraram os judeus e fizeram perecer a vida da nação. Em verdade não havia sinceridade na aliança de Roma com os povos de seus dias. Os outros podêres conquistadores antes de Roma, penetravam em outros países arrazando tudo e apossando-se de tudo. Mas Roma, fazia como descrevemos acima, com todo o descaramento e hipocrisia. Era isto de fato agir diferente dos “seus pais”, ou dos povos que a precederam na conquista do mundo. Êstes, pelo menos, se declaravam inimigos abertos e claros; Roma, porém, era falsa, e, com essa falsidade, conquistou grande número de povos de seus dias sem a necessidade de impôr-lhes as armas. Sua farsa em diplomacia política era a arma ainda mais perigosa que só ela sabia manejar com engenhosa astúcia. Cuidemos com Roma, pois ela ainda existe em pleno século XX com o mesmo disfarce e as mesmas manhas. PLANOS CONTRA AS FORTALEZAS Contra os povos que entabolavam aliança com Roma, desconhecendo o seu caráter e intenções, não havia necessidade de 652

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formação de planos de guerra para agregá-los à sua órbita; pois este, desde o momento em que ela firmavam seus pactos, já selavam, sem o saber, o seu fatal destino. Mas, contra aquelas nações mais poderosas, que se não deixavam ludibriar facilmente pelo espírito da política romana, era necessário realizar planos de guerra bem concretos para que não subsistissem ao serem assaltadas. E na realidade, nenhuma nação contra a qual foram levadas as armas legionárias de Roma conseguiu detê-las. Sem discussão alguma, os propósitos belicosos romanos contra as fortalezas ou nações poderosas prontas a lutar como Cártago, Macedônia, Ponto, Síria e outras, para conservar sua liberdade eram bem calculados e eficazes. Nenhuma dessas fortalezas permaneceu diante dos terríveis ataques das legiões de Roma. Porém, os desígnios de Roma contra as fortalezas seriam apenas por algum tempo. Suas vitórias e crueldades cessariam, afinal. Desígnios bem calculados, seriam formados também contra ela. E Roma sucumbiu por assaltos invencíveis duma avalanche de povos sedentos de sangue de vingança. Seu ultimo rei — Rômulo — foi obrigado a passar a coroa do império moribundo às mãos do vencedor, no ano 476 A.D.. ROMA E O REI DO SUL EM TREMENDO CONFLITO VERSOS 25-26: — “E despertará (Roma sob angústia) suas forças e o seu coração contra o rei do meio-dia (o Egito sob Cleópatra e Antônio) com um grande exército: e o rei do meio dia se moverá à guerra com grande e mui forte exército (de terra e mar); mas não prevalecerá, porque lhe farão traições. Ainda os que comeram seu pão (os seus aliados), o quebrantarão (o rei do sul); e seu exército será destruído, e cairão muitos mortos”.1 ROMA EM MARCHA CONTRA SEUS PROTEGIDOS O Egito foi um dos países que inafortunadamente se colocaram sob a proteção de Roma desde o advento de Tolomeu V Epifanes. Embora, porém, tutora daquele país, desperta-se afinal o seu poder contra os seus protegidos, encontrando como pretexto a sua querela contra Marco Antônio. Êste último, que partilhou no Triunvirato entre

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Tradução Espanhola antiga, Daniel 11:25-20.

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aquêle e Lépido, apressou sua ruína e a do seu domínio no Oriente, graças à sua insensata paixão por Cleópatra, última soberana da dinástia Lagida. Augusto, com grande astúcia, conseguiu que a guerra fôsse declarada contra Cleópatra e não contra Antônio que em Roma era mais objeto de compaixão que de ódio, evitando assim que muitos romanos no Oriente se levantassem a favor de Antônio, e, por outro lado, desacreditando-se completamente que êste abraçasse o partido da amante e pegasse em armas contra a pátria. Estava selada a sorte do Egito bem como a de Cleópatra e Marco Antônio com sua louca paixão por esta impúdica rainha. OS DOIS GRANDES EXÉRCITOS EM MARCHA Segundo a expressão da profecia, o exército do “Rei do Sul”, o Egito, deveria ser mais poderoso que o de Roma. Mas pôsto que mais poderoso pelo número de tropas, seria vencido numa batalha de grande envergadura, fato que veremos confirmado a seguir: “Antônio e a rainha, que dispunham de duzentos navios, haviam reunido em Éfeso oitocentas embarcações, sendo quinhentas de guerra, a maior parte dêles de alto bordo. O fértil vale do Nilo forneceu grande abundância de mantimentos, não faltando também dinheiro, pois a rainha só à sua parte possuía vinte mil talentos. Antônio, além disso, não só convocara os veteranos de tôdas as províncias do Estado, podendo, assim, dispor de dezessete legiões, mas também os vassalos e aliados principais lhe facilitaram cavalaria excelente e tropas ligeiras, à testa de muitas das quais vinham pessoalmente reis e príncipes. Os contingentes árabes e judeus, as, tropas de Comagena e de Atropatena, os reforços consideráveis dos príncipes cilício, capadócio e pontico, as tropas do gálata Aminta, as hordas trâcias e as mauritanas comandadas pessoalmente por Bogud, marcharam para a península dos Balcãs, o que deu em resultado poder Antônio dispor de 120.000 infantes e 12.000 cavaleiros. Antônio terminara os preparativos no outono de 32, mas as fôrças de Otaviano (Augusto) não apresentavam aspecto tão favorável. A prostração em que se encontrava o Ocidente, especialmente a Itália, tornava quase impossível de suportar as contribuições indispensáveis para a provisão de recursos pecuniários. Se Antônio houvesse caído com tôdas as suas forças sôbre a Itália, a guerra podia ter assumido um aspecto muito funesto para Otaviano; mas o apaixonado de Cleópatra contentou-se com uma simples expedição de reconhecimento na direção de Coreira, 654

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deixou-se iludir com a notícia falsa de que Otaviano se encontrava já nos territórios meridionais da Ilíria e cometeu a falta imperdoável de permanecer todo o inverno nas costas ocidentais da Grécia, estabelecendo o quartel-general em Patras, o exército estava distribuído em pequenos destacamentos pela costa até à Messenia e o corpo principal encontrava-se na Acarnania no cabo de Actium, ao sul do golfo de Ambracia. Antônio não procurou evitar que Otaviano, cônsul naquele ano (31), com 80.000 infantes, 12.000 cavaleiros e 250 navios de guerra, menores, mas também mais velozes que os do inimigo, chegasse a Brundisium com os principais senadores e cavaleiros, levasse o exército para o Épiro, desembarcasse ao pé do Acroceraunio, se assenhoreasse de Coreira e conduzisse a esquadra para o pôrto de Comaros, a norte do gôlfo de Ambracia, na direção do qual marcharam também as tropas de terra para se estabelecerem na pequena península, em que mais tarde se levantou a cidade de Nicópolis”.1 A BATALHA DE ACTIUM Dois caminhos se apresentavam a Antônio, “ou dirigir-se com as tropas de terra para a Macedônia e procurar aí um nôvo campo de batalha ou travar imediatamente o combate. Por desgraça sua, o louco Antônio acedeu aos desejos de Cleópatra, que queria travar um combate naval. Na manhã de 2 de setembro de 31, Antônio dispôs a esquadra em ordem de batalha, pondo, para maior segurança, 20.000 legionários e 2.000 arqueiros nos navios que tinham engenhos de guerra. Os navios estavam formados em massa compacta à entrada do gôlfo de Ambrácia e por detrás dêles ficavam sessenta navios egípcios velozes e escolhidos. O inimigo não tardou também a dispôr-se para o combate. A luta generalizou-se a uma série de combates parciais entre os pequenos navios de Otaviano e os colossais de Antônio. Um movimento inesperado dos chefes de esquadra de Otaviano foi o comêço da derrota de Antônio. Tem-se como mais provável que Cleópatra, que, em diversas ocasiões, nunca hesitara em manchar-se de sangue, não pôde suportar o espetáculo do combate e, subitamente, aproveitando vento de feição, atravessou um espaço que os combatentes deixaram livre, e com sessenta navios que com tôda a fôrça de remos seguiam a capitânia Antônia engalanada de velas de púrpura, fugiu rapidamente para a costa do Peloponeso. Antônio

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História Universal, G. Oncken, Vol. V, págs. 201, 202.

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estava tão obsecado pela paixão que correu atrás dela a bordo duma pentarremo veloz. As duas forças que, nem por sombra, podiam acreditar na fuga do chefe, combateram desesperadamente durante muitas horas, até que Otaviano, para acabar de vez com a luta, mandou incendiar os navios inimigos com flechas inflamadas e carvões acesos, armas que, pelo fim da tarde, puzeram fim à resistência com a destruição da esquadra inimiga. As forças antonianas de terra viram-se obrigadas a entregar-se ao vencedor, depois de haverem tenaz e fielmente resistido durante sete dias. Quando, porém, o seu comandante, o legado Canídio, fugiu, os soldados, não querendo cumprir as ordens que Antônio lhes mandara de Teneron, para regressarem à Ásia Menor, renderam-se ao vencedor de Actium, que desde êsse momento assumiu o poder supremo de todo o mundo romano”.1 A BATALHA DO EGITO “Quando Otaviano em pessoa, na primavera de 30, saiu de Brundisium e, passando por Corinto e Rodes, chegou à Síria, recebeu de Alexandria propostas de reconciliação. Antônio reconciliara-se com a sua amada Cleópatra, depois da fuga da batalha de Actium para Teneron; mas ao regressar à África, teve conhecimento de que o seu legado de Paretonion, nas regiões ocidentais do Egito, Lúcio Pinario Carso, abandonara a sua causa. No Egito, Cleópatra, decidida e disposta a todos os atos de violência, lançava mão de todos os meios para arranjar dinheiro e fazia grandes preparativos bélicos. Esta mulher, digna filha de Auletes, mandou decapitar o rei da Armênia, que fizera prisioneiro, e mandou a cabeça da vítima de presente ao velho inimigo do armênio em Atropatena, com o intuito de o lisonjear e captar-lhe a aliança. O levantamento do legado romano na Síria, Didio, e a posse da importante Parentonion por Cornélio Galo, em África, eram coisas que já se não podiam evitar, sendo impossível para Antônio a reconquista de praça tão importante. O príncipe judeu Herodes fêz paz com Otaviano para assegurar a coroa. “Quando em 30 Otaviano atravessou a Síria e se aproximou das fronteiras egípcias, os senhores do Nilo tentaram entrar em negociações com êle. Mas Otaviano, astuto ambicioso, que queria assenhorear-se do reino dos Lagidas, e apoderar-se dos ricos tesouros da rainha, e assegurar-se da pessoa desta para ornamentar com ela a 1

História Universal,, G. Oncken, Vol. V, págs. 202, 203.

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entrada triunfal em Roma, foi protelando êsse entendimento e foi avançando até que conseguiu conquistar Pelusio, fortaleza que se erguia nas fronteiras orientais do Egito. Daqui marchou Otaviano para Alexandria. Antônio ganhou ainda um combate de cavalaria, mas a última batalha grande e importante que travou contra Otaviano foi para êle de terríveis resultados, pois tôda a sua esquadra, a 1 de agosto, se passou para Otaviano, a cavalaria fugiu e a infantaria comandada em pessoa por êle, Antônio, foi completamente desbaratada. Nestas críticas circunstâncias, segundo se crê, Cleópatra abandonou-o, não sendo possível afirmar-se se, realmente, como alguns historiadores asseveram, Cleópatra, não podendo já firmar as suas ambições e destituída de quaisquer sentimentos, tentou vender Antônio, fazendo para essa infâmia um pacto com o inimigo. “Os últimos acontecimentos parecem indicar claramente que Cleópatra, considerando desesperada a sua situação, procurou salvarse livrando-se de Antônio. Para conseguir êsse objetivo, refugiou-se num mausoléu soberbo, que, junto ao templo de Isis e no recinto do palácio real, mandara construir e enchera com os seus tesouros, e enganou Antônio que voltava da batalha convencido de que fôra ela a causa de deserção da esquadra, devido à falsa notícia por ela mandada espalhar de que puzera voluntàriamente têrmo à existência. Êste fato acabou de desanimar Antônio, que se suicidou, servindo-se da própria espada; ainda o infeliz e malogrado romano respirava quando a rainha, num requinte de malvadez, lhe fêz saber que não havia morrido. Antônio, ainda cego de amor, mandou que o levassem para o asilo em que Cleópatra se refugiara, e teve, ao menos, a satisfação última de exalar o derradeiro suspiro nos braços da mulher por quem sacrificara fama, honra e tudo quanto possuía. “A rainha mandou embalsamar o cadáver, celebrou suas exéquias com grande pompa, e o colocou em um dos túmulos dos reis do Egito”. O SUICÍDIO DE CLEÓPATRA “Começou agora a derradeira luta, a da astúcia, entre Otaviano e Cleópatra. Esta procurou mais uma vez conquistar, com os atrativos do seu talento engenhoso e da sua beleza, o coração do senhor do mundo romano, fazendo tudo quanto possível para salvar-se e evitar a vergonha de figurar na entrada triunfal dos romanos que odiava extraordinariamente. Otaviano, porém, mais astuto que a rainha, 657

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desprezou com grande frieza os atrativos de tão formosa e daninha mulher; sabia já que a rainha estava resolvida a suicidar-se, se tanto fôsse preciso, e a lançar fogo ao asilo em que guardava os seus tesouros, mas os agentes de Otaviano, Cornélio Galo e Caio Procubio, conseguiram entrar por astúcia nesse recinto, apoderaram-se dos tesouros da rainha e obrigaram esta a voltar ao palácio, onde foi tratada como verdadeira soberana. Cleópatra, ao convencer-se, numa entrevista que teve com Otaviano, de que não conseguiria captar-lhe o ânimo, nem evitaria a vergonha de figurar na entrada triunfal do triúnviro, resolveu morrer como filha livre da velha casa dos Lagidas.1 Escreveu uma carta a Otávio, e a entregou a Epafródito, que por mandado do vencedor a vigiava mui de perto para impedir o suicídio. Epafródito, observando na rainha muita serenidade, supôs que Cleópatra, longe de meditar em suicídio, solicitava alguma graça, e confirmou-se nesta idéia, não só por haver-lhe recomendado a rainha encarecidamente que o mesmo entregasse a carta a Otávio, dizendolhe que continha assuntos mui importantes, senão também que por haver notado que em um suntuoso festim, ao qual quis Cleópatra que concorresse, havia manifestado aquela rainha uma alegria tão natural que dissipava tôda a suspeita de que abrigasse o pensamento de suicídio. “Apenas Epafródito se separou de Cleópatra para levar a carta a Otávio, a rainha se retirou a seu aposento acompanhada de Nacra e Carmião, suas escravas favoritas; ataviou-se com seus melhores trajes; encostou-se pomposamente vestida e com seu real diadema na cabeça, em um leito luxuoso e cômodo, e logo pediu um cesto que continha alguns figos, que acabava de receber de um de seus mais fiéis servidores, disfarçado de aldeão. No meio daquelas frutas estava oculto um áspide, serpente indígena do Egito, cujas mordeduras venenosas produzem um sono profundo, que sem dor leva à morte. A rainha deixou-se morder pela serpente, dormiu logo, e em poucos instantes expirou nos braços das duas mulheres (29 de agosto do ano 30). Com ela acabou a dinastia Lagida no Egito. Cleópatra anunciava em sua carta a Otávio que havia buscado um pôrto de salvação no suicídio, e lhe pedia como graça que depositasse seu cadáver no túmulo em que jazia o de Antônio. “Otávio acudiu, e quis vãmente fazê-la tornar à vida. Consagrou-

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História Universal, G. Oncken, Vol. V, págs. 204-206.

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lhe uns magníficos funerais, e cumpriu a última vontade da rainha”.1 Findara assim, tràgicamente, pelo suicídio, a sorte dos dois amantes, passando o Egito a figurar como província romana desde o ano 30. E Otávio, por sua vez, passou a ser definitivamente, daí em diante, o único senhor no mundo romano, recebendo do Senado o título de Augusto. O REI DO SUL DERROTADO PELA TRAIÇÃO As poderosas forças de terra e mar do “Rei do Sul” seriam vencidas, não propriamente em batalha naval ou campal, mas no campo da traição. Seus íntimos amigos — de Antônio e Cleópatra — que comiam o seu pão, ou sejam os seus aliados e vassalos que com ambos fizeram aliança, só quebrantariam; abandonariam a causa do “Rei do Sul” no momento de maior necessidade contra o adversário. Antes de se ferir a batalha de mar e terra, os gregos de Mantinea e da Laconia, que estavam sob a jurisdição de Antônio, o abandonaram ao rogar-lhes êste a sua ajuda, e passaram-se para Otaviano. Deserções em grande número verificaram-se nas fileiras dos exércitos de Antônio e da rainha, antes mesmo de se iniciarem as operações. A maior parte dos oficiais do Estado-Maior dos dois amantes — homens de renome, entre os quais Cneu Domício, Amintas da Galácia e o caudilho paflagônico — foi-se passando para Otaviano no início do grande choque. A fuga de Cleópatra com a esquadra egípcia, que também não deixou de ser uma auto-traição, contribuiu grandemente para a derrota. Os exércitos de terra, após a derrota da esquadra e de terem pelejado heroicamente vários dias, renderam-se, afinal, depois da fuga de Canídio, seu comandante, por se recusarem cumprir as ordens de Antônio, enviadas de Teneron, para que regressassem à Ásia. Ao chegar Antônio à Líbia, foi notificado de que as tropas que ali deixara sob Escarpio, para garantirem a fronteira, se haviam declarado em favor de Otaviano; e, ao pôr o pé no Egito, soube que Lúcio Pinário Carso, legado de Paretonion, nas regiões ocidentais do Egito, abandonara a sua causa em favor da de Otaviano. Certos senadores romanos e alguns príncipes da Ásia passaram-se tranquilamente para o lado de Otaviano. Dídio, legado romano na Síria levanta-se também contra Antônio; e, o príncipe judeu, Herodes, fêz as pazes com Otaviano para assegurar a coroa. Na batalha do

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Dicionário e Enciclopédia Hispano-Americano, art. Cleópatra.

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Egito, tôda a esquadra de Antônio rendeu-se ao vencedor, enquanto a cavalaria fugia do campo da luta. Dezenove legiões e mais de dez mil cavaleiros passaram-se assim para a direção de Otávio”.1 Verdadeiramente, o prognóstico do vidente de Deus foi cumprido em todos os seus detalhes: Os que comiam o pão do “Rei do Sul”, seus aliados e protegidos, o traíram na hora em que deviam apoiá-lo. Por isso a derrota foi total e irreparável. Afinal, o próprio Marco Antônio traiu sua própria causa, fugindo do teatro das operações atrás da tresloucada rainha egípcia — Cleópatra. UMA ALIANÇA POLÍTICA FUNDADA EM MENTIRAS VERSO 27: — “Quanto a ambos êsses reis (Otaviano e Antônio), terão intenção de fazerem o mal (reciprocamente), e sentados à mesma mesa (próximo a Bonônia) falarão mentiras (mentiras políticas). Porém isso (tais mentiras) não prosperará, porque ainda virá o fim (da mentirosa aliança entre ambos) no tempo determinado”.2 UM TRIUNVIRATO HIPÓCRITA No início da querela entre Marco Antônio e Otaviano, em seguida à morte de César, procurou o primeiro apossar-se da herança imperial do segundo. Não obstante, ambos, em companhia de Lépido, realizaram a paz e estabeleceram um tratado ou um Triunvirato, pelo prazo de cinco anos, segundo o qual se propuzeram organizar o Estado tendo-o dividido entre êles. Dos três chefes, era Lépido uma figura quase apagada. Em tôrno dos dois fortes homens, Otávio e Marco Antônio, é que girava tôda a controvérsia pela posse do domínio do mundo romano. Aludindo a ambos a profecia, diz que seus corações estariam inclinados a fazer reciprocamente o mal. Incontestàvelmente aspiraram cada um a dominação do mundo sem o concurso do outro como co-participante. Numa mesma mesa Otaviano e Antônio falaram deveras a mentira. Ao se reunirem nas proximidades de Bonônia, numa ilha do rio Lavínio, conjuntamente com Lépido, de 27 a 29 de outubro do ano 43, já tinham em seus corações forjado nova guerra um contra o outro. Desta sorte tudo quanto entabolaram “à mesma mesa”, nada foi senão oculta 1 2

História do Poderio Marítimo, W. O. Stevens e A. Westcott, Pág. 55. Tradução Brasileira, Daniel 11:27.

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mentira sob o disfarce de amizade. Seus protestos de mútua amizade e paz nada mais eram que hipocrisia. O próprio casamento entre Otaviano e Clódia, filha de Antônio, resultante da aludida aliança, não contribuiu para unificar os dois pretendentes à soberania mundial-imperial. A mentira, pois, falada em tôrno da mesa da conferência, que redundou numa aliança política, e num matrimônio, foi logo constatada pela rivalidade aberta e hostil que continuou entre os dois poderosos rivais. Nem mesmo o posterior casamento entre Otávia, irmã do Otaviano, e Antônio, resultou benéfico nas relações de ambos os triúnviros. A própria Otávia “declarou ao povo de Roma, quando Antônio a repudiou, que ela havia consentido em casar-se com êle tão só porque esperava que isto garantiria a união entre Antônio e Augusto”.1 Mas, como vaticinara o profeta, nada de tôdas estas mentiras políticas prosperou. A guerra deflagrou-se entre ambos como se jamais houvessem feito quaisquer pactos políticos de mútua amizade. O profeta conclue o texto assegurando que a aliança sob disfarce e mentiras, entre os dois grandes, não prosperaria, mas chegaria ao seu fim no tempo próprio. Pois Antônio, como já dissemos, atrás, precipitou a rotura daquele pacto, em virtude de suas orgias com Cleópatra no Egito, e de atos de seu govêrno que ofendiam a tradição de Roma e dos romanos. O fim do concêrto entre ambos chegou, afinal, é certo de amadurecer o ódio que ambos continham nos seus corações. A batalha de Actium e a do Egito, foi o fim da controvérsia, onde a hipocrisia de ambos oculta “à mesma mesa”, foi patentemente revelada aos olhos do mundo romano e de todos os séculos. ROMA CONTRA O SANTO CONCÊRTO VERSO 38: — “Então tornará (Otaviano) para a sua terra (Roma) com grande riquezas (os tesouros de Cleópatra), e o seu coração (de Tito) será contra o santo concerto (Destruição do templo) e fará o que lhe aprouver, e tornará para a sua terra (Roma)”.2 O texto agora em apreço alude duas vêzes ao retorno dos romanos para a sua terra ou para Roma. Quanto à primeira vez, diz isto respeito ao regresso de Augusto depois de sua vitória sôbre o Egito, contra 1 2

Las Profecias de Daniel y el Apocalipsis, U. Smith, Vol. I, Pág. 215. Tradução João F. de Almeida, Daniel 11:28.

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Antônio e Cleópatra. O segundo retorno dos romanos à sua capital lembra a tomada de Jerusalém no ano 70 sob Tito. Veremos a seguir os dois grandes acontecimentos. AUGUSTO E OS TESOUROS DE CLEÓPATRA Tão imensas haviam de ser as riquezas que o vencedor de Antônio e Cleópatra conduziria à sua terra ou a Roma, que a profecia achou por bem revelar antecipadamente. “Otaviano, apenas regularisou todos êstes negócios, dirigiu-se à Síria para assentar quartéis de inverno na província da Ásia, onde no dia 1 de janeiro de 29, começou a exercer o seu quinto consulado e, quando, depois de haver resolvido inúmeros assuntos, chegou coroado com louros da vitória ao solo italiano, pôde, investido pelo Senado em tôdas as honras, celebrar nos dias 13, 14 e 15 de agosto de 29, os seus triunfos da Dalmácia, Actium e Egito, distribuindo com grande liberalidade pelos soldados e pelo povo os tesouros de Cleópatra, pagando as suas dívidas, cumprindo as promessas feitas e perdoando, por um ato de grande favor, todos os impostos em atrazo e tôdas as contribuições em dívidas ao tesouro público. À celebração da vitória seguiram-se durante muitos dias, jogos pomposos e festas, realizando Otaviano o encerramento do templo de Jano, o que simbolizava o restabelecimento da paz universal, recebida com entusiasmo indescritível”.1 Êste histórico documento acima dá-nos uma idéia clara do exato cumprimento da inspiração de que Otaviano voltaria à sua terra com “grandes riquezas”. Tão enormes foram os tesouros do Egito ou de Cleópatra, que, como vimos, o povo de Roma e os soldados receberam grandes recompensas e até os próprios impostos e contribuições foram perdoados aos cidadãos. Uma outra fonte reza: “Nessa ocasião trouxeram-se tão vastas riquezas de Egito a Roma, quando se reduziu aquele país, e dali volveu Otaviano com seu exército que o valor do dinheiro baixou à metade, e os preços dos víveres e de tôdas as mercadorias vendáveis se duplicaram”.2 Uma outra fonte digna de crédito, referindo-se aos festejos da vitória de Augusto, declara que “grandioso foi o triunfo sôbre o Egito. 1 2

História Universal. G. Oncken, Vol. V, pág. 206. Las Profecias de Daniel y el Apocalipsis, U. Smith, Vol. I, Pág. 215, 216.

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Os filhos de Cleópatra e Antônio foram exibidos em cadeias, Cleópatra mesma figurava em um quadro que representava a rainha morta em seu leito, envolto em seu braço o áspide com o qual se suicidara”.1 ROMA CONTRA O SANTO CONCÊRTO Segundo a ênfase do texto, Roma, depois de sua vitoriosa guerra contra o Egito, empreenderia uma nova campanha de importância histórica, na qual o “santo concêrto” sofreria a sua ação armada, depois de cuja campanha retornariam novamente as hostes romanas para sua terra. Não devemos perder de vista a verdade inconteste de que, para que Roma se levantasse contra o “santo concêrto”, era imprescindível que se erguesse em guerra contra o povo com o qual êle fôra realizado por Deus. Na sua versão da Bíblia, James Moffatt traduz “santo concêrto” por “sagrada nação”. Vê-se então com clareza, que o “santo concêrto” fora estabelecido com a nação judaica e que esta nova campanha de Roma seria incontestavelmente contra os judeus na Palestina. Sôbre o “santo concêrto” veja-se nesta obra: O Santuário do Velho Concêrto, até: O Santuário do Nôvo Concêrto, páginas 484 a 529. Roma já havia atentado, como vimos na consideração do versículo vinte e dois, contra o “Príncipe do Concêrto”, que é Cristo. Foi um representante de Roma, Pôncio Pilatos, nos dias do imperador Tibério César, que ousou expedir um decreto condenando Jesus à morte de cruz, a pedido dos judeus. O próximo passo de Roma pagã contra o céu, seria seu atentado contra o “santo concêrto”. E isto só poderia se verificar mediante uma ação direta daquela potência contra o santuário terrestre de Jerusalém. Tendo em vista este fato, perguntamos: Atentou Roma pagã contra o santuário da terra localizado em Jerusalém? A resposta é positiva. Esta ação de Roma ocorreu no ano 70 a.D. quando Tito tomou e destruiu Jerusalém. Nesta campanha as legiões romanas destruíram o templo até aos alicerces e arrebataram-lhe alguns de seus móveis, tanto internos como externos, um dos quais fôra o candelabro, de puro ouro, que foi “mais tarde depositado no templo da paz, de Vespasiano, e reproduzido no arco de triunfo de Tito, onde se pode vêr, todavia, sua imagem mutilada”.2 1 2

Los Videntes y lo Porvenir, L. R. Conradi, pág. 210. Las Profecias de Daniel y el Apocalipsis, U. Smith, Vol. I, Pág. 217.

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Urge agora que se faça aqui a seguinte pergunta: Ao tempo em que Roma atuou contra o “santo concêrto” por ocasião da captura e destruição de Jerusalém, mantinha ainda Deus êste concêrto com os judeus? A resposta é negativa. Façamos, então, outra pergunta: Como poderia Roma agir contra o “santo concêrto” na guerra contra os Judeus, no ano 70, se êle não mais estava em vigor com aquele povo? A isto respondemos: 1 — O “santo concêrto” existiu, como ainda existe, desde a entrada do pecado no mundo, como já salientamos. 2 — Qualquer atentado ao santuário terreno que era uma figura do celestial, era verdadeiro atentado contra êste. 3 — Embora o povo judeu, pelo crime de deicídio que cometera contra o Filho de Deus, deixasse de ser o Seu povo, e o santuário de Jerusalém e seu ritual perdessem a sua significação depois da crucificação de Cristo, contudo era ainda um perfeito emblema da estrutura e ritual do santuário celestial, cujo Sumo-Sacerdote é Cristo. 4 — Atentar, pois, contra aquilo que era ainda uma figura do santuário do céu e do “santo concêrto” — chamado também “Concêrto eterno”, era a mesma coisa que atentar diretamente contra o próprio “santo concêrto”. Assim cumpriu Roma pormenorisadamente a profecia: Voltaram os romanos primeiramente da tomada do Egito sob Cleópatra e Antônio, e depois da Palestina tendo destruído a nação judaica, Jerusalém e o santuário ou “santo concêrto”. VITÓRIA MARÍTIMA DOS VÂNDALOS SÔBRE ROMA VERSOS 29-30: — “No tempo determinado tornará (Roma) a avançar contra o Sul; mas não será nessa última vez como foi na primeira (quando Otaviano derrotou Cleópatra), porque virão contra êle (Roma) navios de Quitim (de Cártago), que lhe causarão tristeza; voltará, e se indignará contra a santa aliança (ou santo concêrto), e fará o que lhe aprouver; e tendo voltado, atenderá aos que tiverem desamparado a santa aliança”.1 O PODERIO VÂNDALO NO NORTE DA ÁFRICA A primeira vez que as vitoriosas armas de Roma se dirigiram contra o sul, para convertê-lo em província romana foi contra o “Rei do Sul”, o Egito sob Cleópatra e Antônio. Até princípios do quinto 1

Tradução João F. de Almeida, Soc. Bib. Do Brasil, Daniel 11:29, 30.

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século manteve-se toda esta conquista do Egito e do norte da África nas mãos de Roma, sem nenhuma inquietação para os imperadores. Porém, as invasões bárbaras dos começos do quinto século, operaram uma perigosa mudança na vida do império. O Ocidente romano foi inundado de tribus barbáricas que se alojaram aqui e ali dentro do império, ameaçando seriamente a segurança do trôno dos Césares. Em 429 uma daquelas tribus, os Vândalos, que a princípio se localizaram na Espanha, se transferira para o norte da África. O poderio vândalo sob Genserico cresceu assustadoramente para Roma já cambaleante. O imperador Valentiano III pactuou com Genserico, em 435, cedendo-lhe a Mauritânia e a Numídia. O rei vândalo, porém, insatisfeito, aspira o domínio total do norte da África bem como do Mediterrâneo. Foi assim que, em 439, todo o norte da África Romana caiu em poder do temível rei vândalo. As esquadras de Genserico varriam o norte da África e faziam desembarque de hordas de seus guerreiros na Sicília, Córsega, Sardenha e Baleares, dominando todo o litoral africano desde Ceuta à fronteira do Egito. “Afinal deu-se o inevitável ou o sucesso que contribuiu deveras para a queda definitiva do que restava do imenso poderia da outrora invencível Roma. — Em junho de 455 entrou Genserico em Roma pela porta do Porto”.1 Em vão o papa Leão, vendo “o seu rebanho exposto à vingança dos arianos, veio deitar-se aos pés do rei dos vândalos, pedindo que poupasse a cidade santa. Tôdas as suas instâncias foram baldadas em vista da vontade firme de Genserico; Roma foi entregue à pilhagem por espaço de quatorze dias. Genserico conduziu à África uma imensíssima prêsa de guerra. Milhares de prisioneiros de ambos os sexos, notáveis quer por sua formosura, quer por seu talento e habilidade, figurando entre êles a imperatriz Eudócia com as suas duas filhas, o filho de Aécio e grande número de senadores; e todo êste despojo, exceto um barco carregado de estátuas que foi a pique, chegou sem nenhum contratempo à África”.2 Depois dêste tremendo desastre contra a capital do império fizeram os vândalos várias investidas devastadoras às costas da Itália e do Império Oriental, da Grécia, do Épiro, do Peloponeso e da Ilíria,

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História Universal, G. Oncken, Vol. VI, págs. 146. História Universal, G. Oncken, Vol. VI, págs. 147, 148.

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semeando por tôda a parte o terror com suas crueldades. E foi em vão que as esquadras romanas, em 460, sob o imperador Majordano, já enfraquecidas, procuraram enfrentar Genserico e suas temíveis hordas assaltantes. Todavia Roma tomou a iniciativa de preparar-se para, “no tempo determinado”, vir “contra o sul”. No entanto, esta sua nôva investida contra o sul ou contra os vândalos, não seria, como evidencia a revelação, “como foi da primeira vez”, quando da vitória de Augusto sôbre o Egito. A derrota de Roma, nesta campanha africana frente aos vândalos de Genserico, está bem assentada na predição do profeta, e dela certificar-nos-emos a seguir. “PORQUE VIRÃO CONTRA ÊLE NAVIOS DE QUITIM” “Por fim convieram os dois impérios do Ocidente e do Oriente, graças às ativas negociações do imperador Leão, em unir as duas forças para uma expedição comum e poderosa contra êste terrível rei do mar, com a esperança de o aniquilar juntamente com todo o seu reino e acabar assim com as suas selvagens piratarias”.1 “Os gastos totais da campanha africana quaisquer que fossem os meios de sufragá-la, ascenderam à soma de 13.000 libras de ouro, uns 5.200.000 libras esterlinas”. (A frota que saiu de Constantinopla para Cártago consistia de 1.113 navios, e o número de soldados e marinheiros excedia a 100.000 homens”. “O exército de Heráclito e a frota de Marcelino uniram-se ou secundaram ao lugar-tenente imperial”. Basilisco, cunhado do imperador e chefe de tôda a esquadra, devia desembarcar junto de Cártago e tomar esta capital, enquanto outro general, Heráclio, tinha ordem de desembarcar perto de Trípoli e marchar dalí sobre Cartago. Marcelino, finalmente, devia sair da Dalmácia com tropas ocidentais, e conquistar a Sicília. O perigo era grande e o ataque combinado pareceu sair tal como se tinha calculado. Marcelino ocupou a Sardenha e Heráclio tôdas as cidades de Trípoli e marchou por terra sôbre Cártago. Entretanto tinha saído também Basilisco da Sicília, como depois saiu Belisário e tinha desembarcado a duzentos estádios a Este de Cártago, mas depois de alguns reencontros fatais para as tropas de Genserico, êste pediu-lhe uma trégua de cinco dias, que os chefes da expedição nesciamente lhe concederam, segundo alguns, mediante a influência do dinheiro e 1

História Universal, G. Oncken, Vol. VI, págs. 150, 151, 152.

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atração de alguns bizantinos arianos. Êste praso bastou ao vândalo, que só esperava o vento favorável do poente para executar o seu plano de ataque. Sem perder um momento preparou os seus brulotes, tripulou os seus velozes corsários enquanto se levantava a desejada brisa que impelia os brulotes até o espêsso bosque dos trirremos bisântinos”.1 Genserico “fêz tripular seus maiores navios de guerra com os mais valentes mouros e vândalos, rebocando muitos barcos cheios de material combustível. Na obscuridade da noite, êstes navios destruidores foram arrojados contra a frota indefesa dos romanos, que de nada suspeitavam ao sentir o perigo iminente. A ordem em que estavam dispostas as embarcações muito juntas e amontoadas, auxiliou o progresso do fogo, que foi propagado com rápida e irresistível violência; e o ruído do vento, o crepitar das chamas ,os gritos dissonantes dos soldados e marinheiros, que não podiam nem mandar nem obedecer, aumentava o horror do tumulto noturno. Enquanto trabalhavam para subtrair-se às chamas e salvar pelo menos parte da frota, as galeras de Genserico os assaltavam com valor e disciplina, e muitos dos romanos que escaparam à fúria das chamas, foram mortos ou feito prisioneiros pelos vândalos”.2 “A catástrofe foi horrível; a gigantesca e soberba esquadra ficou destruída apesar da resistência heróica de alguns capitães”. “Basilisco fugiu com o resto da esquadra para Constantinopla”. “Êste gigantesco esforço custara aos romanos a metade do seu exército; por isso foi que Genserico pôde mais do que nunca satisfazer os seus instintos de vingança e de saque, correndo e devastando costas e ilhas dos dois impérios sem receio de encontrar em nenhuma parte resistência”.3 A profecia de Daniel foi plenamente cumprida. A “última” campanha de Roma contra o sul não foi realmente como na primeira vez. Enquanto na primeira vez houve regozijo na capital romana pelo triunfo alcançado; na “última” houve tristeza pela tremenda derrota. Os navios de “Quitim” causaram “tristeza” a Roma. “Quitim”, nesta guerra eqüivale à costa da África. O termo “Quitim” é referido na Bíblia pela primeira vez no livro de Gênesis. Foi o nome dado a um 1

História Universal, G. Oncken, Vol. VI, págs. 152. História Universal, Gibbons, Vol. III, págs. 495 a 498. 3 História Universal, G. Oncken, Vol. VI, págs. 152. 2

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bisneto de Noé por seu filho Jafet.1 A narrativa sacra menciona que a “Quitim” e mais três irmãos seus, foram repartidas as ilhas em relação às terras que haviam de receber, atendendo-se que habitariam as costas do Mediterrâneo e as ilhas correspondentes. Isto é confirmado do livro de Números nestas palavras: “E as naus das costas de Quitim”.2 Jeremias faz menção às “ilhas de Quitim”3, e Ezequiel refere-se às “ilhas dos Quiteus”.4 O profeta Isaías, porém, menciona “Quitim” dando a entender ser ela uma terra poderosa: “Desde a terra de Quitim lhes for isto revelado”; “levanta-te, passa a Quitim, e mesmo ali não terás descanço”.5 Nestas refrega anunciada contra Tiro, só podiam os seus habitantes escapar para “Quitim”, na costa do Mediterrâneo. Nos dias de Isaías, onde os tírios podiam refugiar-se? Não poderiam ir senão para Cártago, a poderosa colônia fenícia no norte da África e no sul do império de Roma. E agora dizemos: Foram em verdade os navios de Cártago ou de “Quitim”, as esquadras de Genserico, que causaram “tristeza” aos romanos conforme reza a profecia e o testemunho histórico que apreciamos anteriormente. ROMA CONTRA O SANTO CONCÊRTO O golpe desfechado sôbre Roma-Pagã agonizante, como descrito acima e que tomou lugar no ano 468 A.D. foi o resultado trágico do último esforço daquela férrea monarquia por sua sobrevivência. Oito anos mais tarde daquela derrota infligida por Genserico, ou seja em 476, iria ruir para sempre aquilo que fôra o tremendo poder dos Césares por mais de seis longos séculos de aflição para o mundo antigo. E, note-se bem, desde a fragorosa derrota da Cártago, a profecia dêste capítulo deixa de ocupar-se daí em diante como RomaPagã. Uma outra Roma, que não obstante é a mesma Roma, devia cumprir então o restante do versículo que estamos considerando, e atentaria contra o “santo concêrto” e aplaudiria aos que, com ela e por sua inspiração, tivessem “desamparado o santo concêrto”. Quanto à Roma que substituiu Roma-Pagã em sua queda, não se discute que foi Roma-Papal. Eis, pois, a Roma que atentaria “contra o santo concêrto” de Deus com Seu povo. 1

Gênesis 10:4-5. Números 24:24. 3 Jeremias 2:10. 4 Ezequiel 27:6. 5 Isaías 23:1, 12. 2

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Para que a nova Roma ou Roma-Papal pudesse agir decididamente contra o “santo concêrto”, deveria primeiro atentar diretamente contra as Sagradas Escrituras, que constituem o livro do “santo concêrto”. Perguntamos aqui: Levou esta Roma, a cabo, uma guerra contra as Sagradas Escrituras? A resposta é positiva e inquestionável: Veja-se página 480, título: Roma — “Lançou a Verdade por Terra”. Não foi somente contra o livro do “Santo Concêrto” que o papado se ergueu — mas contra o próprio “Santo Concêrto”. Veja-se à página 529 título: o Santuário do Nôvo Concêrto. E, página 540, título: o Santuário que o Papado Pisaria. Veja-se também à página 442, título: A Terceira Dimensão — “E Cuidará em mudar... a Lei. E ainda à página 414, título: “As Insolentes Palavras” do “Chifre Pequeno”. Foi verdadeiro atentado ao “Santo Concêrto” pelo Papado. E a nova Roma faria mais: “Atenderá aos que tiverem desamparado a santa aliança”. Outra versão resa: “Tendo chegado a um entendimento com aqueles que abandonaram o santo concêrto ...”.1 E o Papado, em verdade, fez aliança com os imperadores romanos do Oriente e com os estadistas, europeus do Ocidente resultantes da desintegração de Roma-Pagã Ocidental que apoiaram a sua ação contra a Sagrada Bíblia. Dêste modo cumpriu-se plenamente a palavra da Profecia de que Roma atentaria, mais uma vez, contra o “Santo Concêrto” de Deus. E até hoje ela persiste no mesmo atentado. COMO ROMA-PAPAL TIROU O CONTÍNUO VERSO 31: — “Estarão braços (de homens poderosos) do lado dêle (do Papado), e profanarão o santuário, a saber a fortaleza, e tirarão o holocausto perpétuo (o paganismo), e estabelecerão a abominação que assola”.2 ESTARÃO BRAÇOS AO LADO DÊLE Numa versão já citada, lemos: “Estarão da sua parte os braços de homens poderosos”.3 James Moffatt traduz: “Forças armadas estarão ao seu lado”. O primeiro poderoso braço erguido com suas “forças armadas” em exaltação do Papado ascendente, foi o de Constantino o

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Tradução Inglêsa, Filadélfia, 1839, Daniel 11:30 Tradução Brasileira, Daniel 11:31. 3 Tradução A. P. de Figueiredo, Daniel 11:31. 2

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Grande, que manifestou-se seu fervoroso defensor. O segundo braço de nomeada que levantou-se para elevar o Papado e ampará-lo em suas pretensões foi Zenon, Imperador do Oriente, que destruiu os Hérulos opositores do Papado através dos ostrogodos. O terceiro braço foi o do imperador do Oriente, Justiniano. Sôbre o apoio dêste último poderoso braço, veja-se a obra do mesmo autor — A Verdade Sôbre as Profecias do Apocalipse, páginas 347-348. Justiniano não só declarou o Papa cabeça de todas as igrejas, como também, através de seus famosos caudilhos, limpou o caminho da ascenção papal dos estorvos que eram os vândalos e os ostrogodos, apoiando o poder eclesiástico integralmente por suas armas. Igualmente, todos os bárbaros coroados que formaram a Europa moderna, foram convertidos à fé católica e tornaram-se outros tantos poderosos braços que secundaram o Papado com suas espadas e seus exércitos. “E PROFANARÃO O SANTUÁRIO, A SABER, A FORTALEZA” A própria expressão que aqui temos do texto esclarece-nos que o termo “santuário” equivale ao de “fortaleza”. Por fôrça da alusão feita no singular, indica tratar-se da “fortaleza”, não, que outra não podia ser senão a capital do império, ou seja a cidade de Roma. O vocábulo hebraico “MAOZ” traduzido por “fortaleza”, encontra-se 37 vêzes no Velho Testamento, e é traduzido por — fôrça, fortificar, forte, rocha e fortaleza. Nêste mesmo capítulo que estamos considerando, encontramos “maoz” nos versículo 7, 10, 19, 38 e 39, designando praças de guerra ou fortaleza ou ainda cidades fortificadas quais baluartes estratégicos defensivos. Por isso, quando o nosso texto declara — o santuário, a saber, a fortaleza — êle evidentemente propõe-se a indicar uma praça de guerra ou uma cidade fortificada ou defensiva. Pois, naquele antigo tempo, uma fortaleza não era mais nem menos do que uma cidade transformada em praça de guerra ou particularmente edificada com êste objetivo em vista. Daí ser Roma a “fortaleza” do nosso texto em consideração, o “santuário” ou o baluarte defensivo do paganismo romano daqueles dias do passado. Aqueles “braços poderosos”, favoráveis ao papado, iriam profanar o “santuário” ou a “fortaleza”. Aliás a cidade dos Césares divinizados, o “santuário” dos deuses pagãos romanos. Incontestàvelmente, portanto, desempenhava Roma dois papéis distintos: o de metrópole imperial do govêrno civil e o de “santuário” da religião pagã oficial do império. Noutros termos, Roma era a 670

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“fortaleza” mãe e o “santuário” dos deuses romanos. O têrmo “profanação”, do verbo hebráico “chalal”, encontra-se muitas vêzes no Velho Testamento designando a profanação de coisas tidas como sagradas e visíveis, sendo assim, o termo “chalal” significa profanar aquilo que é tido como sagrado pela introdução do que não é considerado sangrado. Então, para os pagãos romanos os “braços de homens poderosos” profanaram o “santuário, a saber, a fortaleza”, a cidade de Roma, quando nela introduziram outro culto, o cristianismo papal, abolindo em definitivo o paganismo ali imperante como religião do Império. “E TIRARÃO O HOLOCAUSTO PERPÉTUO” Ficou já amplamente demonstrado na exposição dos versículos nove a doze do oitavo capítulo, que o “perpétuo” ou contínuo”, era a religião pagã ou o paganismo oponente do Papado, sendo imprescindível que aquele fôsse afastado para que êste pudesse ascender ao poder temporal. Assim que, a “abominação que assola”, que estabeleceriam aqueles “braços de homens poderosos” em lugar do paganismo, que também era uma abominação contínua é o Papado com seu sistema de religião. E, nada mais foi feito com esta troca, do que substituir uma abominação por outra pior ou que “assola”, provando isto sobejamente a história do Papado em seu poder temporal por 1200 anos, como já vimos no capítulo sete versículo vinte e cinco. Para mais esclarecimentos quanto ao afastamento do “perpétuo” ou “contínuo” e o estabelecimento da “abominação que assola”, considere-se os versículos onze dos capítulos oitavo e décimo segundo começando com as páginas 470 e 535 dêste livro. UMA OBRA DE CORRUPÇÃO VERSO 32: — “E aos violadores do concêrto os (homens poderosos que o apoiaram) êle (o Papado) com lisonjas (os) perverterá, mas o povo que conhece ao seu Deus (o fiel povo de Deus) se esforçará e fará proezas”.1 UMA INSTITUIÇÃO PARA FORMAR APÓSTATAS Continua aqui a narrativa profética do poder do Papado como vimos nos dois versículos anteriores. A primeira parte do texto trata da 1

Tradução João F. de Almeida, Daniel 11:32.

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obra deste poder que se jata de representar um Deus santo e um santo Salvador. Aqueles poderosos homens do Império do Oriente e do Ocidente Europeu, que cingiam reais corôas, que violaram o “santo concêrto” e que erroneamente tinham elevado o Papado acima de todo o ser e poderio humano, e mesmo acima de Deus, seriam por êle levados à perversão. O vocábulo hebraico “CHANEPH”, traduzindo no texto em apreciação por “perverterá”, consta 23 vêzes no Velho Testamento, sendo também traduzido por: Hipócrita, contaminar, profanar, manchar, corromper. Imaginemos, pois, a que espécies de cristãos foram convertidos aqueles cabeças coroadas que apoiaram o Papado em suas pretensões de supremacia sôbre êles próprios! Uma outra versão, tratando do mesmo texto com relação à atitude do Papado para com aqueles poderosos, assim se define: “E àqueles ímpios violadores do concêrto os induzirá à apostasia”.1 Aqui está, em resumo, o que seria feito daqueles potentados pelo senhor da Sé romana — nada mais que simples apóstatas. E a arma do astuto poder para liquidar com a moralidade e espiritualidade daqueles grandes que o apoiaram — foi e é a “lisonja” ou o engano, a adulação, a falsidade, o fingimento, concedendo-lhes falsos títulos e falsas investiduras. Mal davam-se conta aqueles príncipes que eram vítimas dum poder que dêle se valia para consumar a sua apostasia e cimentar a sua enganadora hierarquia, que pretendiam encontrar em Pedro o humilde apóstolo de nosso Senhor Jesus Cristo. Uma outra tradução bíblica, americana, apresenta este versículo 32 assim: “Por suas intrigas êle corromperá aqueles que têm violado o concêrto”. E uma tradução hebraica, reza: “E assim como agiu malvadamente contra o concêrto, perverterá por blandícias”.2 Medite mais uma vez, julgue o leitor a obra do poder a que alude êste versículo e assombre-se de suas pretenções à divindade em face destas declarações da profecia. UM POVO ESFORÇADO QUE CONHECE O SEU DEUS Em meio aos vencimentos do “santo concêrto”, aliás, dos que a verdade tinha lançado “por terra” para exaltar a tradição de homens falíveis daqueles dias da supremacia papal, havia um pouco que, 1 2

Tradução Espanhola, Versão Moderna, Daniel 11:32. Tradução Judaica, Daniel 11:32.

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conhecendo a seu Deus, e as honras que a Êle somente são devidas, procurou serví-1’O com zêlo fiel, embora não fôsse fácil fazê-lo naquela época de negra apostasia. Naqueles séculos escuros de tirania papal, conservavam êles a religião pura e viva, e executavam atos de verdadeira abnegação e heroísmo religioso em defesa das instituições do céu na terra. Eram sinceros cristãos que conservavam a luz apostólica em meio às trevas espalhadas por aquele poder que pretendia ser o oráculo do céu ha terra. Entre aqueles heróis da fé e da lealdade a Deus, ocupavam lugar preeminente os Valdenses, os Albigenses e os Huguenotes. Fizeram, na verdade, “proezas” aqueles cristãos fiéis. Difundiam por tôda a parte, ainda que com risco de vida, partes das Sagradas Escrituras e anunciavam de viva voz o evangelho em sua simplicidade e singeleza. Wicliff e seus discípulos, os irmãos da Boêmia e Morávia, bem como os já citados acima, fizeram “proezas” pelo poder de Deus, fazendo brilhar em meio à escuridão de séculos a luz proibida e relegada pela apostasia de Roma. O século atual carece de fiéis testemunhas de Cristo. A geração atual não é menos escura do que a da Idade Média em questões de fé. O Senhor Jesus chegou a duvidar de que houvesse genuína fé em nosso tempo presente.1 Não há virtude alguma em exaltar a fé heróica daqueles baluartes se não se deseja imitá-la. O que importa é viver a fé que êles viveram. FIDELIDADE SOB CRUEL PERSEGUIÇÃO VERSO 33: — “E os entendidos entre o povo (os fiéis de Deus perseguidos) ensinarão a verdade do céu a muitos; todavia cairão pela espada, e pelo fogo, e pelo cativeiro, e pelo roubo, por muitos dias”.2 Não era fácil ensinar o evangelho perfeito renunciado pelo cristianismo apóstata e perseguidor da Idade Média. Os vigias do Papado enchiam a Europa para silenciar a qualquer que ousasse fazer brilhar a luz da verdadeira salvação. Se anunciada, descobriria a apostasia, pelo que devia ser mantida “debaixo do algueire” nefasto do êrro e especulações clericalistas. Convinha, pois, que a luz se conservasse invisível, para que as falsas graças concedidas a preço de 1 2

S. Lucas 8:18. Tradução João F. de Almeida, Daniel 11:33.

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ouro, não fossem descobertas como crassas especulações diante das massas conservadas e conduzidas na mais profunda ignorância do sagrado, por indivíduos dantemão bem preparados e treinados para tão repelente ofício diabolesco. Mas os destemidos baluartes de Cristo não temiam as excomunhões de Roma. Iluminaram a inúmeros corações ansiados por algo que os aproximasse mais de Deus em meio ao jugo ameaçador duma religião mantida a ferro e fogo por ímpios verdugos ambiciosos. Os entendidos de Deus, inflamados pelo fogo sagrado do Espírito Santo, imiscuiam-se por tôda a parte em catura das almas sinceras entre as massas conservadas no mais crasso analfabetismo religioso, oriundo de Roma. HERÓIS CRUELMENTE PERSEGUIDOS Volvamos ao capítulo sete versículo vinte e cinco desta dissertação de Daniel, página 434, título: A Segunda Dimensão: “... E destruirá os Santos do Altíssimo”. Ali inteirar-nos-emos do que foram as impiedosas perseguições do Papado contra as santas testemunhas de Jesus Cristo naqueles séculos escuros. Êles cairam, diz a revelação, “pela espada, pelo fogo, pelo cativeiro e pelo roubo”. Roma contra êles serviu-se da espada de seus amordaçados vassalos coroados da Europa, dos tribunais da amaldiçoada Inquisição, dos lúgubres cárceres do “Santo Ofício”, para os reter até à morte nos grilhões do cativeiro e do confisco de seus bens que a revelação chama de roubo. Todos êstes crimes do Papado prolongar-se-iam “por muitos dias”, ou sejam por 1260 anos em que durou o seu poder temporal na Europa, desde o ano 538 até 1798 quando os francêses o derribaram do trôno, temporal. O “PEQUENO SOCORRO” DA REFORMA LUTERANA VERSOS 34-35: — “E, caindo êles, serão ajudados com pequeno socorro (a Reforma Luterana); mas muitos (falsos reformadores se ajuntarão a êles com lisonja. E alguns dos entendidos (que difundiam a luz) cairão para serem provados, e purificados, e embranquecidos, até ao fim do tempo, porque será ainda no tempo determinado”.1 Foi a Reforma Luterana que proporcionou ao perseguido povo de Deus o auxílio aqui predito. Martinho Lutero e seus muitos 1

Tradução João F. de Almeida, Daniel 11:34-35.

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colaboradores viram coroados de pleno êxito os seus ingentes esforços em difundir a luz renunciada pelo Papado. Por um supremo esforço naqueles escuros dias da Idade Média, puzeram as massas ao par das verdades gloriosas do evangelho e do verdadeiro caminho que leva o pecador a Cristo e a Deus, — revelando os erros da igreja apóstata e convidando a sair dela. Alertados pelos destemidos arautos da luz, os Estados alemães abraçaram a causa luterana renunciando os erros especulativos que até ali lhes haviam sido impostos por dinheiro e como verdades do Céu. Desta sorte, aqueles mesmos Estados alemães, uma vez conhecedores da maravilhosa emprêsa encetada por Lutero e seus seguidores, protegeram êstes reformadores e refrearam as perseguições da igreja papal contra os fiéis de Deus que tão somente queriam viver segundo o claro e glorioso evangelho de Cristo bem como difundí-lo em sua pujança, beleza e glória por entre as compactas trevas que enchiam a Europa procedentes de Roma. O PRIMEIRO PERIGO PARA A REFORMA Êste perigo, aliás gravíssimo, manifestou-se através de “muitos”, diz o texto, que “se ajuntarão a êles com lisonjas”, ou com enganos. Portanto, a revelação, com muita antecedência, tirou a máscara de “muitos” falsos reformados que ajuntar-se-iam aos reformados legítimos por motivos indignos e não por aceitação sincera da luz escondida e então tornada liberta pelo poder de Deus que operava naqueles destemerosos baluartes. Sim, foi êste o primeiro perigo para a igreja da Reforma ao tornar-se ela popular. E, por esta falta de vigilância que lhe mudou o curso no qual Deus a queria guiar, a mesma revelação lhe envia esta mensagem: “Eu sei as tuas obras, que tens nome de que vives e estás morto”.1 Sôbre as obras da Reforma consulte-se a obra do mesmo autor: A Verdade Sôbre as Profecias do Apocalipse, páginas 227-328. PERSEGUIDOS ATÉ AO FIM DO TEMPO Embora a Reforma proporcionasse um pequeno socorro aos verdadeiros cristãos perseguidos, não refreou totalmente o espírito perseguidor da igreja popular dominante. Ainda que os portadores da brilhante luz pudessem agora respirar um pouco de liberdade, esta 1

Apocalipse 3:1.

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estava ainda longe de se concretizar em tôda a sua realidade. Mesmo nos países que aceitaram a fé reformada, era a liberdade, como testifica a história dos menonitas, dos batistas, dos puritanos e outros, ainda problemática. Na Inglaterra, em face de sua condição religiosa flutuante pela ascenção ao trôno ora de monarcas protestantes ora de católicos, ressurgiam a cada passo violentas as perseguições. Particularmente no reinado de “Maria Sanguinária”, a inimiga mortal da Reforma, milhares sucumbiram na Grã-Bretanha e Irlanda. Na Áustria, e Polônia foram os reformadores oprimidos e tremenda foi a investida contra os evangélicos de Salzburgo. De 1655 a 1686, os valdenses foram arrojados de suas antigas moradas nos montes, na forma da mais estúpida crueldade. França, porém, foi o cenário do maior crime nacional que o Papado haja jamais provocado e aprovado aquele banho de sangue ideado pela tristemente famosa Catarina de Médicis e sancionado por seu débil filho, Carlos IX, noite de São Bartolomeu. Apesar do édito de tolerância de Nantes de 1598, estalaram em 1681 as terríveis dragonadas, assim chamadas porque os dragões eram simplesmente mandados às regiões protestantes com esta ordem: “Morrei ou tornai-vos católicos”, que tinham que impor aos protestantes. O édito foi derrogado em 1685, proibido o culto evangélico sob pena de morte, milhares de protestantes foram mortos e centenas de milhares obrigados a expatriar-se. Exasperados e desesperados levantaram-se por fim em armas nas montanhas dos Cevenas, em 1702 começou a guerra dos camisardos. Chamavam-se êstes a si mesmos “as igrejas do deserto”, e não descansou Roma até haver assolado a famosa comarca e haver aniquilado a “asquerosa raça”, como chamava Clemente XI aos protestantes. Assim caíram os entendidos, sendo “provados, e purificados, e embranquecidos”, “na fornalha da aflição” das perseguições. Estas impiedosas perseguições “continuaram, até o fim do tempo”, isto é, até 1798 quando a França da Revolução vingou em parte os perseguidos cristãos, — detendo o poder temporal do papado. A REVOLUÇÃO FRANCÊSA NA PROFECIA VERSO 36: “E êste rei (a França revolucionária) fará conforme a sua vontade, e se levantará, e se engrandecerá sobre todo o deus; e contra o Deus dos deuses (o Criador) falará coisas maravilhosas 676

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(recusando-O), e será próspero até que a ira (das nações européias) se complete; porque aquilo que está determinado será feito.”1 UM NOVO PODER ANUNCIADO NA PROFECIA Os versículos que precedem o texto desta consideração apresentam a obra temporal do Papado que se estendeu até 1798, ou até o denominado “tempo do fim” ou “fim do tempo” quando êste poder perdeu sua autoridade temporal ou a sua soberania sôbre os Estados europeus. Porém, o poder referido na profecia que agora se nos apresenta no versículo trinta e seis, não pode ser mais Roma Papal. Deve ser um extranho poder que deveria ter surgido no “tempo do fim”, fazendo “conforme a sua vontade” sem atender a quaisquer compromissos assumidos; engrandecendo-se “sobre todo o deus” e mesmo “contra o Deus dos deuses”, o Criador, contra o qual falaria “coisas maravilhosas” ou espantosas, ousadas; e seria prosperado “até que a ira” internacional contra êle se manifestasse. Na verdade esta profecia é inaplicável ao Papado, dado o fato que êste poder romano não pretendeu jamais excluir a Deus e muito menos, como aludem os quatro versículos subsequentes, desrespeitar “ao amor das mulheres”, honrar “ao deus da fortaleza” ou da guerra e lutar contra o “Rei do Sul” — o Egito. Indiscutivelmente nenhum dêstes pormenores podemos aplicar ao Papado como pretendem alguns expositores. O Papado está de todo excluído desta profecia. Não julgamos, no entanto, difícil descobrir êste novo poder que agora se nos apresenta. Segundo a profecia, seria uma potência que empreenderia uma tal mutação em seu govêrno, que redundaria na total exclusão do Criador, tornando-se por isso atéia, exaltando o ateísmo ou paganismo. E que potência ter-se-ía erguido contra Deus, no indicado “tempo do fim” ou em suas proximidades, renunciando Seu divino culto e exaltando o ateísmo ou paganismo? A isto responde a voz da história num brado sem contestação: A FRANÇA REVOLUCIONÁRIA. “ÊSTE REI FARÁ CONFORME A SUA VONTADE” O histórico da França revolucionária é um perfeito reflexo desta declaração da profecia. Sem atender aos mais elevados ideais da 1

Tradução João F. de Almeida, Daniel 11:36.

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teocracia e da democracia, operou a França naqueles seus tormentosos dias contra a família, a religião, a propriedade e o seu próprio destino como nação. Uma vez derribados os pensamentos de Deus, foram sem medida os atos de ateísmo, incredulidade, perversidade e criminalidade que varreu o seu território no período revolucionário. Sob o signo de pretendida liberdade, encheram-se as prisões francesas e não se dera tréguas à guilhotina. “Oh liberdade! Quantos crimes se cometem em teu nome”, foi o brado de uma das desditosas vítimas dos esbirros daquela revolução que banhou a França em sangue! Sob o pretexto de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, sucumbiram multidões, desapareceram os títulos honoríficos, os emblemas, os monumentos do passado, as academias, as universidades, foi pisoteado o calendário tradicional e a histórica semana. Como afirmou Thiers, “nunca havia o poder vibrado tão rudes golpes aos costumes de um povo. E era efetivamente êsse cúmulo do despotismo, em que todos estão ameaçados, e dizimados todos os bens o preço arbitrariamente determinado, o nome de tôdas as coisas mudado, o exercício de tôda a religião proibido”.1 É impossível descrever aqui o que foi a Revolução Francêsa e como a França revolucionária operou à sua vontade e de maneira assombrosa e assustadora. Êstes versículos, de trinta e seis a quarenta, dir-nos-ão ainda muito com referência à atitude desrespeitosa daqueles insolentes revolucionários e como agiram à vontade com prejuízo e menosprezo aos mais elevados valores. Na profecia do Apocalipse, capítulo onze versículo sete e trêze, encontram-se outros abismantes pormenores correspondentes à Revolução Francesa, que nos põem ao par de como a Onisciência considerou e qualificou aquela revolução. Veja-se a obra do mesmo autor — A Verdade sôbre as Profecias do Apocalipse, páginas 280 a 290. “E CONTRA O DEUS DOS DEUSES FALARÁ COISAS MARAVILHOSAS” O vocábulo hebraico “PALA”, traduzido em nosso texto da versão Almeida por “maravilhosas”, é vertido em duas outras versões por “espantosas” e “insolentes”. Assim temos a frase acima nas duas versões: “E contra o Deus dos deuses falará coisas espantosas”; “e 1

História de la Revolución, Vol. III, pág. 333.

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falará insolentemente contra o Deus dos deuses”.1 Desta maneira, as “coisas maravilhosas” que a França falaria contra Deus, iriam espantar e revelar crassa grosseria de sua parte contra o Todo-poderoso Deus. Antes de a profecia aludir às ofensas que seriam proferidas diretamente contra o Ser supremo, declara que a França “se engrandecerá sobre todo o deus”, que até ali o mundo e ela mesmo haviam criado e adorado — ou sejam as imagens de escultura. Todavia, contra o Todo-poderoso, denominado na profecia como “Deus dos deuses”, vibraria França os seus mais ousados golpes. Entre êles a maior das blasfêmias daqueles dias revolucionários em França, foi proferida principalmente por um dos expoentes mais destacados do ateismo, Movel sacerdote do Iluminismo, prorrompeu arrogantemente: “Deus! Se existes, vinga teu nome injuriado. Te desafio. Calas; não Te atreves a lançar teus trovões; quem depois disto, crerá em Tua existência”.2 E “Herbert, Chaumette e seus associados apresentaram-se na tribuna, e declararam que “Deus não existe”.3 Sim, durante a Revolução, em 1793, “o mundo pela primeira vez ouviu uma assembléia de homens, nascidos e educados na civilização, e assumindo o direito de governar uma das maiores nações européias, levantar a voz em côro para negar a mais solene verdade que a alma do homem recebe, e renunciar unânimemente à crença da Divindade e culto à mesma”.4 Pela primeira vez, pois, encontramos nos anais da história humana que uma grande nação arremessasse de si a todos os princípios religiosos e desafiasse o poder do próprio Céu, e de maneira a mais pública e insolente tenha proclamado a tôdas as nações em redor que Deus não existe, e tenha feito desta sua atitude diabolesca o fundamento constitucional de seu novo govêrno. Foi essa a mais atrevida sortida francêsa contra o “Deus dos deuses”, tendo o Criador suportado pacientemente tal ofensa, para no tempo devido responder aos insolentes sequazes de Satã.5 Mas não parariam aqui as insolências espantosas e ofensivas ao Deus Todopoderoso. O repúdio do cristianismo em geral, não foi nada mais do

1

Tradução Espanhola Versão Moderna e A. P. Figueiredo Daniel, 11:30. History of Europe, Archibaldo Alison, Vol. III, pág. 24. 3 History of Europe, Archibaldo Alison, Vol. III, pág. 22. 4 O Conflito dos Séculos, E. G. White, pág. 269. 5 Salmos 10:4; 14:1. 2

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que também gravíssimo levante contra o Altíssimo Deus e o Senhor Jesus Cristo. Dissera Voltaire, a celebridade máxima do ateísmo dos séculos: “Estou cansado de ouvir repetir que doze homens estabeleceram a religião cristã. Eu provarei que basta um homem para suprimí-la”.1 “Pache, Herbert e Chaumatte, os chefes da municipalidade, exprimiram publicamente sua resolução de destronar o Rei do céu, bem como os monarcas da terra. Para realizar êste desígnio aproveitaram-se de Gobel, o bispo constitucional apóstata de Paris, para que aparecesse ao tribunal da convenção (7 de novembro de 1793), acompanhado por alguns do clero e de sua diocese, e ali abjurasse a fé cristã”.2 E aquele prelado constitucional de Paris foi impulsionado a desempenhar o papel principal na farsa mais impudente e escandalosa que se haja exibido ante uma representação nacional. Em plena procisão foi êle empurrado afim de declarar à Convenção que a religião que êle mesmo havia ensinado durante tantos anos era em todo respeito obra do secerdócio, que não tinha fundamento na história nem verdade histórica. Negou, em termos solenes e explícitos a existência da Divindade a cujo culto havia sido consagrado, e se comprometeu para o futuro a render homenagem à liberdade, à igualdade, à virtude e à moralidade. Logo pôs sôbre a mesa seus adornos episcopais, e recebeu o abraço fraternal do presidente da Convenção. Vários sacerdotes apóstatas seguiram o exemplo dêsse prelado”.3 Damos abaixo as palavras ateísticas daquele prelado. “Hoje, enquanto a Revolução prossegue rapidamente para um feliz têrmo, como tôdas as opiniões tendem para um centro político comum — não há hoje necessidade de nenhuma adoração pública ou nacional, salvo a da liberdade e sagrada igualdade, como a soberania do povo assim o quer. Segundo meus princípios, submeto-me ao desejo do povo, e venho aqui para declarar-vos, que desde êste dia renuncio o exercício de minhas funções como ministro da religião católica. Os cidadãos, meus vigários aqui presentes juntam-se comigo nisto; conseqüentemente abandonamos nossos títulos. Possa este exemplo servir para consolidar o reinado da liberdade e igualdade. Vive la Republique”.4

1

O Conflito dos Séculos, E. G. White, pág. 287. History of Europe, Archibaldo Alison, Vol. III, pág. 24. 3 The Life of Napoleon Buonaparte, Sir Walter Scott, Vol. I, pág. 239. 4 Source Book for Bible Students, ed. 1927, pág. 191. 2

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“E SERÁ PRÓSPERO ATÉ QUE A IRA SE COMPLETE” O êxito da Revolução Francêsa foi claramente manifesto. Alcançou plena vitória em derrubar o antigo regime e levar os conservadores à guilhotina. No entanto, embora a Revolução viesse a prosperar no sentido do senso dos revolucionários, e como a própria profecia assevera que seriam prósperos, no modo comum de proceder, essa prosperidade prosseguiria “até que a ira se complete”. E que ira seria esta? Esta ira surgiria de fora, do exterior, para surpreender a próspera Revolução, que foi, uma só desde 14 de julho de 1789 até 18 de junho de 1815. A palavra “ira”, do texto, é traduzida do vocábulo hebraico “ZAAM” que encontra-se trinta e quatro vêzes no Velho Testamento, referindo-se sempre à “ira” ou à “indignação” de extranhos contra alguém, aludindo a indivíduos ou à coletividade falando de nações. Em um texto dentre outros similares, temos “ZAAM” usado para demonstrar à “ira” ou à “indignação” de Deus sôbre as nações rebeldes, no futuro. Ei-lo: “Porque o meu juízo é ajuntar as nações e congregar os reinos, para sôbre êles derramar a minha indignação, e todo o ardor da minha ira”.1 Dêste modo, seria próspera a Revolução de França até que a “ira” do exterior contra ela se completasse ou até quando suas ações revolucionárias não mais fossem sofridas pelas nações do continente europeu. As nações européias, assombradas com a prosperidade da Revolução Francêsa, intervêem contra a França. Várias coligações foram feitas entre as potências européias, para enfrentar o perigoso e nôvo regime que procurava derrubar a antiga ordem política do mundo. Todos os grandes Estados europeus foram alarmados. Quando viram que a realeza foi vencida e sacrificada, sentiram as velhas dinastias da Europa que o exemplo do que se fazia em França iria afetar a todas elas. Daí a atitude hostil que tomaram contra os revolucionários francêses, e que só veio a cessar em 1815 quando conseguem quebrar definitivamente o poder francês. O GOLPE FATAL NA RELIGIÃO CRISTÃ VERSO 37: — “E não terá respeito aos deuses de seus pais, nem terá respeito ao amor das mulheres (entre o divórcio), nem a qualquer deus, porque sôbre tudo se engrandecerá”.2 1 2

Sofonias 3:8. Tradução João F. de Almeida, Daniel 11:37.

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DESRESPEITO AOS DEUSES E SEUS PAIS Os revolucionários francêses derribaram totalmente a religião de seus antepassados, desde Clodoveu o primeiro rei francês que aceitou o cristianismo católico, em 508. “Herbert e os seus partidários eram fanáticos do ateísmo, terroristas da incredulidade e do materialismo pagão, que praticavam como um mister e com um cinismo de parada, não só a suspensão do culto católico, mas também o ultraje contra todos os santuários da fé popular”.1 “A revolução fazia tempo que havia rompido com todas as tradições não só do Estado monárquico, como também da Igreja católica; só lhe faltava romper com tudo o que o cristianismo e a civilização cristã haviam deixado, e isto fez o jacobinismo dominante quando, desde outubro de 1793, se sentiu suficientemente forte para crer na irrevogabilidade de seus fatos. O dia 21 de novembro de 1792, data em que a Convenção havia destruído a monarquia, foi considerado como principio da “regeneração” de França; e ao seguinte dia, o primeiro em que havia deixado por completo de existir a monarquia, começou a cronologia de uma época, contando-se os anos pela fundação da República em vez de contar-se pelo nascimento de Jesus Cristo. Era além de tudo preciso um calendário que desse distintos nomes aos mêses, que variasse as semanas, em uma palavra, que destruísse por completo o calendário cristão até que não ficasse vestígio dêle”.2 “A esta necessidade acorreu o deputado Fabre d’Eglantine, em 4 de outubro de 1793, em que apresentou à Convenção, em nome da comissão, um ditâme para que se readaptasse o nôvo calendário que começou a vigorar em 24 de novembro. A proposição começava com estas palavras: “A regeneração do povo francês e a fundação da República fazem de indispensável necessidade mudar a cronologia tradicional. Os anos em que nos oprimiram os reis não podem contarse como tempos em que tenhamos vivido. As preocupações do trono e da Igreja, as mentiras assim de um como de outro, mancham tôdas as páginas do calendário de que nos servimos. O inveterado uso do Gregoriano tem enchido a inteligência do povo de multidão de imagens que êste tem adorado durante muito tempo e que hoje têm 1 2

História Universal, G. Oncken, Vol. XIX, ed. espanhola, pág. 684. História Universal, G. Oncken, Vol. XXXII, ed. espanhola, pág. 424.

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chegado a ser a fonte de seus erros religiosos. Na sua conseqüência, é preciso substituir essas quimeras da ignorância pelas realidades da razão, e as mentiras dos sacerdotes pela verdade da natureza”.1 “Em 1793 dizia na Convenção o barão Clootz, o qual se intitulava inimigo pessoal de Jesus: “Tenho reduplicado meus esforços contra todos os pretendidos senhores da terra e do céu. Preguei em alta voz que não há mais que um deus — a natureza — só um senhor — a raça humana, o povo de deus. O povo basta-se a si mesmo, estará sempre de pé. A natureza não se curva ante si mesma. Cidadãos, a religião é o único obstáculo desta utopia; chegou o tempo de destruir a religião, a raça humana tem queimado seus propagadores”.2 “Em 24 de novembro a comuna fechou tôdas as igrejas de Paris, e no fim de vinte dias 2.436 igrejas da França foram convertidas em templo da razão, sem que a Convenção protestasse”.3 Todos os emblemas religiosos foram tirados mesmo dos cemitérios e substituídos por imagens do sono, nas quais se escreveu: “Eterno sono”. Sem respeitar a nenhum deus das antigas mitologias, manifestou a França da Revolução o seu respeito pela natureza sem no entanto adorá-la como deus; e isto porque, se a natureza fôra deus, não teria adoradores, visto que fora dela ninguém haveria para tributar-lhe culto. E, como esta mais crassa forma procuraram colocar acima do Criador as obras de Sua criação. Imbuídos dêste espírito satânico, pretenderam banir a idéia da supremacia de Deus, segundo criam “seus pais”, os seus antepassados, e tornar nula a salvação em Cristo pela abjuração do cristianismo. Urgia, como vimos atrás, a confecção de um nôvo calendário que exaltasse a natureza e humilhasse ao seu Criador. O que aqui foi dito é o suficiente para demonstrar o exato cumprimento da profecia. Indiscutivelmente, falou a França “contra o Deus dos deuses” coisas insolentes e espantosas, pelo que, a seu tempo, receberão aqueles impúdicos revolucionários a paga merecida. Aquêle povo que se inclinava entre seus ídolos e emblemas religiosos, os arrasta agora pelas ruas em sinal de desprezo àquilo com 1

História Universal, G. Oncken, Vol. XXXII, ed. espanhola, pág. 424. Los Videntes y Io Porvenir, L. R. Conradi. pág. 237. 3 História del Mundo en la Idad Moderna, Vol. XIII, págs. 607. 2

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o qual haviam sido enganados e explorados. “Mulheres, cavalos e asnos levam à Convenção as vestimentas sacerdotais da missa, que anteriormente não se viam luzir senão nos ombros dos sacerdotes”. Com data de 3 de dezembro de 1793, escrevia um jornal: “Ante-ontem foram abertas as igrejas aqui em Paris, mas em vez de celebrar nelas o culto divino católico, puzeram nos altares as imagens da liberdade, cantaram-se hinos em honra dela e transformaram-se as igrejas em salões de baile”.1 NÃO TERÁ RESPEITO AO AMOR DAS MULHERES A palavra hebraica traduzida por “mulheres é no Velho Testamento traduzida muitas vêzes por “espôsas”. Quer isto dizer que a França, no período da Revolução, iria desprezar a sagrada instituição do matrimônio e o lar. Notemos como os fatos corroboraram no cumprimento da profecia e demonstraram a violência do espírito licencioso do governo revolucionário francês: “A família havia sido destruída. Sob o antigo regime havia ela sido o fundamento mesmo da sociedade, o decreto de 20 de setembro de 1792, que estabeleceu o divórcio, e foi levado ainda mais longe pela ConvençãO de 1794, deu antes de quatro anos frutos que a legislatura mesma não havia sonhado: Podia decidir-se um divórcio por incompatibilidade de caráter, para que entrasse em vigor no seguinte ano o mais tardar, se qualquer dos membros do par negava-se a separar-se do outro antes que vencesse o prazo. Houve uma avalanche de divórcio: aos fins de 1793, ou seja quinze mêses depois de promulgar-se o decreto, haviam-se concedido 5.994 divórcios em Paris. Sob o Diretório vemos as mulheres passar de uma a outra mão por um processo legal. Qual era a sorte dos filhos que nasciam de tais uniões sucessivas? Alguns pais se livravam dêles: o número de crianças abandonadas achadas em Paris durante o ano V elevou-se a 4.000 e a 44.000 nos outros departamentos. Quando os pais guardavam a seus filhos, o resultado era uma confusão tragicômica. Um homem casava-se com várias irmãs, uma após outra; um cidadão pediu aos Quinhentos permissão para casar-se com a mãe das duas espôsas que já tivera. A família se dissolvia”.2 De Chaumette, o sumo-sacerdote da perversão e anarquismo religioso e moral, temos a definição putrefata do divórcio naqueles 1 2

Los Videntes y Io Porvenir, L. R. Conradi. pág. 230 a 233. The French Revolution, Luiz Madelin, págs. 552, 553.

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turbulentos dias. Dissera êle: “O divórcio é a divindade protetora do matrimônio”; e dizia ainda ao pregar a poligamia: “O reinado da moralidade inicia-se”. A atriz Arnoutt, famosa por suas agudezas e seus ditos, descrevia o matrimônio republicano como o “sacramento do adultério”. “Havia homens que trocavam entre si suas mulheres”. No quinto ano da República, o número de divórcios superava a dos casamentos, e no tempo do Consulado a metade dos nascimentos eram ilegítimos”.1 Uma vez que a religião fôra posta abaixo, não era para admirar que a família, que é o fundamento da Pátria e da sociedade perfeita, fôsse aniquilada. Quando a Assembléia Legislativa da República estabeleceu o divórcio, escancarou as portas da licenciosidade e da imoralidade ao ponto de o matrimônio chegar a tornar-se um mero contrato casual em que qualquer das partes podia obter a revogação do ato a seu bel prazer conforme o seu gôsto ou vontade de seu perverso apetite sensual. Foi assim derribada a primeira instituição do Criador para a conservação permanente e incorruptível dos sagrados laços da família humana. SÔBRE TUDO SE ENGRANDECERÁ O que agora insere a profecia, é que França iria insurgir-se contra tudo, ou, como reza o têxto, “sôbre tudo se engrandecerá”. Desta expressão entendemos que não só se voltaria contra os deuses e o Deus único, mas que se insurgiria, desprezaria e aniquilaria aquilo que até ali fôra um bem espiritual, social e material à nação. Sob o manto de pretenciosa liberdade, igualdade, humanidade e moralidade, cometeram os rebeldes os mais hediondos crimes contra os indivíduos, as instituições, a propriedade, a família e até mesmo contra a soberania de outras nações que invadiu com seus exércitos. “Sôbre tudo”, como enfatiza o têxto sacro, engrandeceram-se realmente aqueles insolentes revolucionários de França, arrogantes até contra o Céu e o Senhor do universo. O DEUS DAS FORTALEZAS E A DEUSA DA RAZÃO VERSO 38: — “Mas ao deus das fortalezas (da guerra) honrará em seu lugar; e a um deus (a Deusa da Razão) a quem seus pais não 1

Los Videntes y Io Porvenir, L. R. Conradi. pág. 237.

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conheceram honrará com ouro, e com prata, e com pedras preciosas, e com coisas agradáveis”.1 “MAS AO DEUS DAS FORTALEZAS HONRARÁ” O vocábulo “fortalezas”, do hebraico “MAOZ”, significa mais propriamente — “fôrça”. O deus da fôrça era na antiguidade o deus Marte, deus da guerra na mitologia do passado. A êste deus, como uma exceção, honraria França no período revolucionário, “em lugar” dos “deuses de seus pais”. Em 1793, a República francêsa ergueu a nação em armas contra a Europa que se lhe opôs. No versículo 39 temos explanado com evidência o cumprimento dêste pormenor pelas campanhas napoleônicas na Europa. O “deus da guerra” foi honrado principalmente por Napoleão que no Concílio dos Anciãos, à 10 de novembro de 1799, confessou o seguinte: “Tenho sempre seguido o deus da guerra, e a Fortuna e o deus da guerra estão comigo”.2 Olhando para os triunfos das armas francesas dissera Lafayette: “A bandeira tricolor dará a volta ao mundo”. Porém, por sua crueldade durante 20 anos, foi a nação dizimada e vencida. A flor de sua juventude marchou para a ceifa da morte compelida por um poder implacável. As neves da Rússia vingaram-se da guilhotina que consumiu multidões. Seduzida pelo fantasma da glória militar, prostrou-se a nação a adorar o poder do “deus” que estava a consumila. Mas todos êstes imaginários castelos ruiram, indo a fama do maior gênio militar terminar no presídio de Santa Helena. A DEUSA DA RAZÃO “E a um deus a quem seus pais não conheceram honrará com ouro, e com prata, e com pedras preciosas, e com coisas agradáveis”. Eis aqui mais um nôvo deus adorado pelos revolucionários de França, com uma exceção. Já não mais é o “deus das fortalezas” que seus pais bem o conheceram e lhe prestaram culto desde que se fortificaram nas Gálias. Trata-se de um deus estranho por completo a seus antepessados, deus que jamais pensaram êles em adorar. Mas, o nôvo deus, que era deveras mais uma exceção depois de ter repudiado França a todos os deuses, seria honrado mais que a qualquer outro nos dias de seus pais. Bem ao contrário do “deus das fortalezas”, que seria 1 2

Tradução João A. Almeida, Daniel 11:38. Source Book for Bible Students, ed. 1927, pág. 194.

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honrado com canhões e metralhas, com espadas e carabinas, com homens aos milhares de milhares para matar e morrer, — êsse novo deus desconhecido iria ser honrado e cultuado com ouro e prata, com pedras preciosas e coisas agradáveis. E que outro deus ignorado por seus pais honrou a França nos dias da sua Revolução senão a “Deusa da Razão”? Não há na verdade, na história daquele convulcionado período francês, outro deus então honrado por aqueles revolucionários que preencha satisfatoriamente os requisitos desta profecia. Depois de sua total rejeição do cristianismo e de todo o deus incluso Jeová, o Criador, foi a 10 de novembro de 1793, introduzido o culto à “Deusa da Razão”. “Finalmente, a 10 de novembro de 1793, os chefes da Comuna de Paris — Herbert, Chaumette, Momoro, e o anacharse prussiano Clootz — conseguiram que a Convenção Nacional decretasse a abolição da religião cristã em França e a adoção do culto à razão em lugar daquela. Logo depois, uma indecorosa exibição tomou lugar perante a Convenção: As portas da Convenção se abriram diante de uma banda de música, atrás da qual entrou o Corpo Municipal em solene procissão cantando um hino em louvor à liberdade e escoltando como objeto de seu futuro culto a uma mulher velada, a quem chamavam Deusa da Razão. Estava vestida de branco, com um manto azul-celeste e com o gorro frígio vermelho sôbre sua ondeante cabeleira, tendo uma espécie de lança na mão. Uma vez introduzida no estrado pela mão de Chaumette, disse êste: “Mortais, deixai de tremer diante dos trovões impotentes de um Deus que vossos temores criaram. Doravante não reconheçais divindade alguma a não ser a Razão. Ofereço-vos sua mais nobre e pura imagem, se deveis ter ídolos, sacrificai unicamente a tais como êste”. Então, deixando cair o véu, exclamou: “Cai perante o augusto senado da liberdade: Véu da Razão! Ao mesmo tempo apareceu a deusa, personificada por uma celebre beldade, Madame Maillard, da ópera conhecida em mais de um caráter pela maioria dos da Convenção. A deusa, depois de ser abraçada pelo presidente, foi elevada sôbre um carro magnificente, e conduzida por entre uma multidão imensa à catedral de Notre Dame, para tomar o lugar da divindade”.1 A deusa, em plena flor de sua juventude, era precedida por mulheres vestidas de branco e enfeitadas com adornos tricolores. Sociedades populares, sociedades fraternais femininas, ligas 1

Souce Book for Bible Students, ed. 1927, pág. 191.

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revolucionárias, grupos de coristas, cantores e dançarinas da ópera, rodeavam o trono. Chegados à catedral, a deusa, ao som de instrumentos, foi elevada ao altar, e, com reverência, incenso, alocuções e cânticos, honrada e adorada. Atrás dela havia uma tocha simbolizando a luz da filosofia destinada doravante a ser a chama única do interior dêstes templos. A atriz acendeu esta tocha. Chaumette recebendo o incensário no qual o perfume ardia, ajoelhouse e sacudiu e oscilou-o no ar. Uma estátua mutilada da virgem jazia a seus pés. Chaumette insultou a estátua e desafiou-a a pôr-se no seu lugar e no respeito do povo. Hinos a danças atraíam os olhos e ouvidos dos espectadores. E os deputados foram obrigados a decretar a transformação da Catedral de Notre Dame em Templo da Razão. Mas como isto não se considera suficiente, outra deusa da Razão foi instalada em São Pulpício, na seguinte década. Antes de muito outras Deusas da Razão polulavam em tôda a França. Com demasiada freqüência eram mulheres licenciosas ainda que uma ou outra deusa era de boa família e conduta decente. Em geral, porém, reinavam nos templos cristãos as mais repugnantes saturnais. Payan chorou sôbre estas deusas, mais degradadas que as da fábula. Foi dêste modo que França adorou e honrou a um deus que não conheceram seus pais. Um deus duma religião política e pagã que não oferecia consolo algum e nenhuma esperança, nenhuma alta moral e nenhum freio às vis concupiscências da carne. Antes, neste agudo período, era o vício tolerado, fomentado e recompensado por tôdas as partes, e davam-se festas aos maiores criminosos, sendo em nome da pátria permitidos todos os atos vergonhosos. O império da “Deusa da Razão” findou com o restabelecimento da religião cristã em 1797. A primeira Deusa da Razão, entronizada em Notre Dame, teve um trágico fim. “Quinze anos mais tarde, em 1808, foi chamado o Dr. Ristorini, que residia perto de Nápoles, para socorrer uma cliente em estado desesperador. Lá chegando, conduziram-no ao sotão de um bar, onde sôbre esteiras e farrapos se achava uma mulher na ânsia da morte, ainda pintada, o que fazia desaparecer a côr pálida da criatura prestes a despedir-se dêste mundo. Depois do exame médico, perguntou-lhe quem era ela, e com espanto e atônito, ouviu estas palavras: “Eu sou a Deusa da Razão”.1 Naquele antro de pecado e libertinagem, agonizava a mulher antes adorada sob 1

Na Encruzilhada da Vida, R. Belz, pág. 26.

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a comoção dos endoidecidos francêses como uma deusa; aliás, mais uma deusa dos prazeres loucos do que realmente da Razão. Aquela que fôra adorada “com ouro, e com prata, e com pedras preciosas, e com coisas agradáveis”, jazia no abandono, moribunda e na expectativa do momento fatal. A profecia “referente a êste estranho deus francês, cumpriu-se à risca. Tremendas foram as conseqüências do abandono de Deus do céu pelo ateísmo mais crasso. A nação inteira foi chafurdada no mais vergonhoso paganismo secundado por tôda a mais vil podridão do pecado. A moralidade tornou-se desconhecida e a mais degradante licenciosidade considerada a maior das virtudes. AS CAMPANHAS NAPOLEÔNICAS VERSO 39: — “E haver-se-á com os castelos fortes (as nações da Europa) com o auxílio do deus estranho (Marte, o deus da guerra); aos que o reconheceram (a Napoleão) multiplicará a honra, e os fará reinar sôbre muitos (tronos da Europa), e repartirá a terra (do território francês) por preço”. AS JACTÂNCIAS DE NAPOLEÃO Evidentemente temos neste têxto as campanhas napoleônicas no exterior, fato já mencionado no versículo precedente. A expressão da profecia bem indica as vitórias daquele grande cabo de guerra. Tão ameaçador era o seu poder como guerreiro, que dêle próprio temos estas palavras: “Dizei ao povo que aquêle que se levantar orgulhoso contra mim, não encontrará salvação nem neste mundo nem no outro. Quem será bastante cego para não vêr que o destino é o que conduz todos os meus passos? Poderia pedir conta a cada um de seus mais secretos pensamentos, porque de tudo o sei. Virá, porém, o tempo em que se tornará claro para todos que eu não faço mais que seguir uma ordem superior e que nenhum esforço humano poderá opôr-se a mim”.1 E no catecismo que introduziu nas escolas lemos: “Honrar a nosso imperador Napoleão e serví-lo é honrar e servir a Deus mesmo, pois êle é aquêle a quem Deus tem suscitado; o que não cumprisse com seu dever para com o imperador Napoleão, se revelaria contra a vontade de Deus e arcaria com a condenação eterna”.2 1 2

História del Periodo Revolucionário, Sybel, Vol. V, pág. 533. História de la Apostasia, Hoffmann, Vol. III. 123.

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De fato seguia Napoleão, como êle mesmo se expressara, “uma ordem superior”, a que diz ser a de deus. Mas este deus a quem êle menciona, nâo podia ser o verdadeiro Deus, o Criador, visto que Êste Deus não induz os homens à jactância e à guerra de extermínio dos seres humanos Seus filhos. O deus que inspirava o imperador dos franceses, era Satanás, acobertado no mitológico deus antigo da guerra Marte. Êste deus da guerra deveras era um deus estranho, pois a guerra não é própria de seres civilizados. “AOS QUE O RECONHECEREM MULTIPLICAR-LHES-Á A HONRA” Conta a história que Napoleão arrogava-se a pretenções cada vez maiores, e insolentemente dispunha de povos e terras à sua vontade. Na Itália e Alemanha fêz êle o que bem lhe aprouve. Sua sêde de honras só limitou-se quando os francêses o elegeram imperador e tornaram hereditária esta alta dignidade. Esta coroação verificou-se a 2 de dezembro de 1804, em Paris, sob uma magnificência jamais vista. O papa Pio VII o ungiu como à sua esposa; mas a coroa imperial êle depressa a colocou sôbre sua própria cabeça, querendo com êste gesto significar que êle mesmo a recebera de seu povo que o investia com aquela honra, e que esta dignidade não lhe era conferida pelo papa de Roma. No ano seguinte instou com êle a república italiana para que tomasse o título de rei, o que êle aceitou cingindo em Milão a coroa de ferro, pronunciando na ocasião estas palavras: “Deus m’a deu, ai daquele que a tocar!” Mas Napoleão converteu-se num déspota destituindo príncipes e repondo outros em seus lugares. A profecia é muito clara neste respeito. Menciona que a França, no período revolucionário, cumularia de honras e faria “reinar sobre muitos” aos que reconhecessem o “deus estranho” com cujo “auxílio” se faria “dono das mais inexpugnáveis fortalezas”. Noutros têrmos, aos que reconhecessem suas guerras de conquistas, empossá-los-ia em tronos para reinarem “sobre muitos”. James Moffatt traduz: “Seus favoritos êle elevará a altas honras”. E eis aqui como Napoleão cumpriu esta profecia: “A seu enteado Eugênio fê-lo vice-rei da Itália”;1 colocou “seu irmão Luiz no trono da Holanda, e outro irmão, Jerônimo, no do nôvo

1

Los Videntes y Io Porvenir, L. R. Conradi. pág. 241.

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reino da Westfália, por êle criado. Fêz seu cunhado Murat soberano do Grão Ducado de Berg, que êle também criara, e deu a seu irmão José o trono de Nápoles;1 a Tarret deu a Espanha”. Nenhum outro conquistador fez com isto tão completa preparação para assegurar um continente unido sob sua posteridade de depois dele. Não obstante os esforços de Napoleão neste sentido, que resultariam em pleno cumprimento da profecia, foram êles totalmente desfeitos em Waterloo, cumprindo-se assim também a profecia do capítulo dois com relação ao Velho Continente, que não deveria ser jamais unificado outra vez sob uma só liderança após a queda do Império Romano dos Césares. A Europa total foi varrida pelos exércitos de Napoleão vitoriosos, e, até 1812, só o inverno russo foi capaz de derrotar o grande comandante dos francêses, enfraquecendo e dizimando seus soldados de cujo desastre souberam aproveitar-se os aliados para o vencerem definitivamente. Veja-se as campanhas de Napoleão no Egito e na Rússia e o seu fragoroso fim — na página 142 dêste livro tob o título: A Trágica Aventura de Napoleão; e a exposição do verso 40. “E REPARTIRÁ A TERRA POR PREÇO” A nenhuma outra nação se pode aplicar esta profecia senão à França nos dias da grande Revolução. “Antes da Revolução, as terras de França pertenciam à igreja católica e a uns poucos senhores da nobreza. Eram grandes propriedades que por lei deviam continuar indivisas, e não podiam ser repartidas nem por herdeiros nem por credores. Porém, as revoluções não conhecem lei”.2 “No dia 10 de outubro de 1789 a Assembléia reencetou a discussão concernente aos bens do clero. A abolição dos dízimos fez parte da primeira discussão, sendo esta terminada. Restava chegar-se a uma decisão quanto ao sustento. Além dos dízimos que produziam 120 milhões de libras francesas, o clero tinha imensas propriedades de terras que rendiam mais ou menos 80 milhões. Êles possuíam um território maior da França; um terço da terra, a metade da terra em certos municípios e outra quantidade além de metade em outros municípios. Antes da abolição dos dízimos, isto dava ao clero uma renda de 200 milhões, sem contar 30 milhões que a nação subvencionava a Igreja para concêrto de igrejas e subvenções ao clero. Tudo isso, 230 milhões, 1 2

A Marcha da Civilização, A. S. Maxwell, pág. 93. Las Profecias de Daniel y el Apocalipse, U. Smith, Vol. 1, pág. 236.

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hoje em dia seria 600 milhões. Dêstes 230 milhões, somente 45 milhões eram destinados aos padres párocos, o resto sendo destinado aos altos dignatários e aos monjes”.1 “O govêrno necessitava fundos, e estas grandes propriedades foram confiscadas e vendidas em hasta pública, divididas em parcelas convenientes para os compradores. O historiador anota como segue esta transação única: “A confiscação de dois têrços das terras do reino, ordenada pelos decretos da Convenção contra os emigrantes, o clero e as pessoas convictas, nos tribunais revolucionários pôs à disposição do govêrno fundos superiores a 700.000.000 de libras esterlinas”.2 Damos, a seguir, o decreto da Convenção, que dispõe das terras como acima elucidado: “Decreto de 5 de junho (1793) da Convenção Nacional Francêsa: “Art. 1. As terras comuns serão divididas entre os habitantes, por cabeça, sem exceção de idade ou sexo, ausentes bem como presentes. “Art. 2. Possuidores de terras que não as habitam, não têm direito a qualquer participação. “Art. 3. Cada cidadão francês que habitou na comuna doze mêses antes da promulgação da lei de 14 de agosto de 1792, ou que não tem estado um ano ausente daquela comuna com o propósito de se estabelecer em outra, gozará do direito de habitante, e terá direito à participação. “Art. 4. Todos os agricultores, servos dêstes, e outros servos, e agentes dos cidadãos, têm direito à participação, contanto que tenham as qualidades exigidas para serem habitantes de bôa fama. “Art. 5. Cada cidadão é considerado como um habitante no lugar em que tem habitação, e tem consequentemente direito à participação. “Art. 6. Pais e mães gosarão a parte de seus filhos até que tenham atingido a idade de quatorze anos. “Art. 7. Guardas e outros encarregados do cuidado dos órfãos vigiarão cuidadosamente pela conservação da parte que se tornará propriedade da criança sob seu cuidado”.3 A profecia encontrou o seu magnífico cumprimento nêste respeito concernente à repartição da terra nos dias da Convenção. Os fatos 1

H. H. Vol. XII, págs. 223, 224, History of Europe, Archibaldo Alison, Vol. III, págs. 25, 26. 3 Source Book for Bible Students, ed. 1927, pág. 195. 2

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narrados pela pena do historiador harmonizam-se perfeitamente com a narrativa da pena da Revelação. Com mais este detalhe profético cumprido com vistas à Revolução Francesa, podemos assegurar ainda mais a nossa confiança nos prognósticos dos profetas que através das Sagradas Escrituras nos falaram em nome de Deus. O “REI DO SUL” E O “REI DO NORTE” NOS TEMPOS MODERNOS VERSO 40: — “E, no fim do tempo (1798), o rei do sul (o Egito) lutará com êle (a França), e o rei do norte (a Turquia) o acometerá com carros, e com cavaleiros, e com muitos navios; e entrará nas terras, e as inundará, e passará”.1 UMA INCONTESTÁVEL EVIDÊNCIA A ultima vez que a profecia tratou do “Rei do Sul” e do “Rei do Norte”, foi no que nos referimos aos versículos vinte e cinco a vinte e oito, textos que retrocedem até ao tempo da querela política entre Augusto e Marco Antônio — anterior à nossa era cristã. Agora, porém, depois de passados mais de dezoito séculos, a profecia torna novamente a por em cena o “Rei do Sul” e o “Rei do Norte”. Quem eram êstes dois Reis? Desde o versículo cinco até ao versículo quinze e depois vinte e cinco, já considerados, comprovemos que o “Rei do Sul” e o “Rei do Norte”, eram respectivamente o Egito da dinastia Lagida e a Síria da dinastia Seleucida. As conquistas de Roma, porém, puzeram fim a estes dois Reis — do “Norte” e do “Sul” — Síria e Egito, daquelas duas dinastia. No entanto, mesmo sob Roma e depois de Roma até agora, tôda a potência sediada nos territórios dos Reis do Norte e do Sul — são ainda o “Rei do Norte” e o “Rei do Sul”, não importando a raça ou a nacionalidade que ocupe ditos territórios. Por exemplo: O “Rei do Sul”, hoje, é a potência arábe que domina no Egito. E o “Rei do Norte” no presente século é a Turquia, que ocupa atualmente o território do antigo “Rei do Norte”. E dizemos que isto não poderá ser contraditado a menos que desmantelemos tôda a profecia dêste undécimo capítulo do livro de Daniel. A seqüência profética e os fatos históricos cronológicos que cumpriram todos os seus mínimos detalhes, não admitem outra interpretação, aliás — que 1

Tradução João F. de Almeida, Daniel 11:40.

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em nosso século XX o “Rei do Sul “ é o Egito e o “Rei do Norte” a Turquia. Se assim crermos tôda esta revelação tornar-se-nos-á evidente. FRANÇA EM LUTA COM O “REI DO SUL” Quanto ao “fim do tempo” mencionado neste quadragésimo versículo, já tratamos na explanação da última parte do versículo trinta e cinco. Basta aqui referirmos que o “fim do tempo” iniciou-se no ano de 1798, como é ali evidentemente comprovado. A êste tempo indicado pela revelação, o “Rei do Sul”, o Egito, lutaria com a França revolucionária. Não lutaria com esta potência invadindo-a ou colocando-se no ról dos seus adversários aliados para guerreá-la conjuntamente com êles no campo de batalha, mas o faria em defesa de seus próprio território que França invadiria. Os fatos históricos comprobantes desta profecia, contêm uma precisa resposta à Revelação e asseguram que o Egito foi invadido pelos francêses em 1798 ou exatamente ao iniciar-se o “fim do tempo”, como previsto vinte e três séculos antecipadamente. “A 5 de março de 1798 Bonaparte apresentou ao Diretório o projeto minucioso de expedição que ideara, tendo como objetivo a conquista de Malta e do Egito e a 12 de abril, o Diretório, depois de ter nomeado Bonaparte comandante supremo do exército do Oriente, tomou a seguinte deliberação, certamente também da autoria do general: “Considerando que os beys que se apoderaram do Egito, entraram em estreitas relações com os inglêses e por influência dêles, se tem permitido exercer cruéis hostilidades contra os francêses, que por êles são continuamente atormentados, espoliados e até assassinados; considerando que é dever do Diretório proteger os cidadãos da República onde quer que êles se encontram; considerando que, perdido o cabo da Bôa Esperança, por uma infame traição dos inglêses, se tornou muito mais difícil aos navios francêses seguirem o caminho das Índias e que se torna necessário abrir um novo, por onde sigam as forças republicanas destinadas a combater os mercenários inglêses e a estancar a fonte das riquezas que corrompem a alma, o Diretório ordena que: “1.° — O general em chefe do exército do Oriente se dirija para o Egito com as forças de terra e mar que lhe forem confiadas e se apodere dêste país. 694

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“2.° — Expulse os inglêses de tôdas as suas possessões orientais onde consiga entrar e destrua especialmente todas as suas estações de comércio do Mar Vermelho. “3.°— Faça construir um canal no ístimo de Suez e tome tôdas as medidas capazes de assegurarem à República francêsa a posse livre e exclusiva do Mar Vermelho. “4.° — Procure melhorar por todos os meios possíveis a sorte dos indígenas do Egito. “5.° — Enquanto puder fazer, mantenha relações cordiais com o sultão turco e os seus representantes. “6.° — Não seja impressa a presente deliberação. “A 19 de maio de 1798 embarcou de Toulon como comandante da maior esquadra que até então navegara no Mediterrâneo. Dispunha de quinze naus de linha, de quatorze fragatas, de setenta e dois navios de guerra de menor tonelagem e de quatrocentos navios de transporte com 32.000 homens, com canhões e todo o material necessário para a guerra terrestre. O trajeto foi feliz. A 9 de junho chegaram os francêses, sem qualquer contratempo, a Malta, que foi imediatamente ocupada. “O resto da viagem por Candea, para o Egito, não foi menos feliz. A esquadra aproou a 1 de julho, perto de Marabut, três dias depois de Nelson, que por três vêzes tinha passado ao lado dos francêses sem os vêr, ter saído de Alexandria, onde fôra procurar aquele inimigo impossível de encontrar, ao qual dera caça durante três semanas, correndo o Mediterrâneo, Oriental”.1 Ao desembarcar no Egito, Napoleão, em proclamação feita aos egípcios, havia dado a entender que não vinha como um conquistador mas sim como um libertador. Aqui temos as suas palavras políticas; “Em nome de Deus misericordioso! Só Deus é Deus. Não tem filho nem ajuda em seu reino. Os franceses são verdadeiros mussulmanos. Não faz muito que foram a Roma e lançaram abaixo a dignidade do Papa o qual incitara aos cristãos contra os aderentes do Islam. Depois disto seu rumo e suas intenções foram para a ilha de Malta e lançaram fora aos inglêses que se figuraram haver sido creados por Deus para fazer guerra aos mussulmanos. Em todo tempo foram os francêses amigos verdadeiros e sinceros dos imperadores Otomanos e inimigos de seus inimigos. Viva pois para sempre o reino do sultão! Mordam porém o pó e sejam aniquilados os beys do Egito, nossos adversários, 1

História Universal, G. Oncken, Vol. XIX, pág. 808 a 810.

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cuja insaciável avidez foi sempre causa de desobediência e de sua insubordinação”.1 “Apenas amarrados os navios procedeu-se com precipitação o desembarque de tropas. Uma ordem do dia do general Bonaparte dizia: “Soldados: dai à Inglaterra um tremendo golpe, antes que ela possa dar-nos o golpe mortal. Temos algumas marchas fatigosas que fazer e muitas batalhas que travar; porém em tôdas as partes venceremos porque os destinos nos são favoráveis. Os beys mamelucos que protegem exclusivamente ao comércio inglês e têem coberto de ignomínia a nossos comerciantes, tiranizando ao mesmo tempo aos habitantes das margens do Nilo, deixarão de existir poucos dias depois de nossa chegada. Esta linguagem era de um homem embriagado com suas ilusões, e êle próprio confessou, alguns anos depois, a Madame Remusat, que no Egito se havia sentido com mais valor que em nenhuma outra parte, antes ou depois daquela campanha”. Efetuou-se o desembarque e Alexandria foi tomada ao primeiro ataque. Dali marchou o exército em direção do Cairo, que, depois de penosa marcha e combates com os mamelucos, caiu em poder dos francêses. Todavia a campanha de Napoleão no Egito malogrou. Primeiramente sua esquadra foi destruída em Abukir. O comandante da frota francêsa, almirante Brueys, contràriamente às indicações que recebera de Napoleão, não procurara abrigar-se no porto de Alexandria nem se fizera de vela para Corfú, deixando-se ficar no pôrto de Abukir onde a 1 de agosto se decidiram os destinos da esquadra. Nêsse dia, à tarde, entrou no porto de Abukir o contra almirante Horácio Nelson, com quatorze navios de linha e dois brigues da esquadra inglêsa e foi ai encontrar alinhada, numa extensa fila, a esquadra francêsa, preparada para o combate unicamente pelo lado do mar. Nelson, o contra almirante inglês, declarou a seus oficiais: “Amanhã, ou ganho o título de paz ou um túmulo em Westminster”. E, pôsto que tenha destruído a esquadra francesa, foi ferido gravemente na cabeça logo no início da batalha, e deveras ganhou o seu túmulo em Westminster. Depois do desastre com a esquadra francêsa em Abukir e já antes em Trafalgar, o exército de terra no Egito sofreu revezes após revezes até ser totalmente destruído como veremos a seguir.

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Correspondent del 18 de septiembre de 1798.

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“REI DO NORTE” EM AÇÃO CONTRA OS FRANCESES NO EGITO A profecia reza: “E o rei do norte o acometerá com carros, e com cavaleiros, o com muitos navios”. Já estabelecemos anteriormente que a Turquia é o “Rei do Norte” desta profecia nestes tempos modernos. A 11 de setembro de 1708, o sultão da Turquia, exasperado pela queda do Egito o instigado pelos embaixadores inglêses em Constantinopla, declarou guerra à França. Enquanto Napoleão vencia e era vencido por sua retirada da Síria, uma frota turca, aumentada com navios inglêses e russos, foi avistada no horizonte rumando ao Egito. Napoleão “no Egito teve que sustentar vários sangrentos combates com o exército turco, que havia sido desembarcado em Alexandria por uma poderosa esquadra turco-inglêsa, combates que terminaram em 2 de agôsto, em Abukir, com a destruição completa do corpo de desembarque”.1 “E ENTRARÁ NAS TERRAS, E AS INUNDARÁ E PASSARÁ” Com o auxílio dos aliados, o “Rei do Norte”, a Turquia, ganhou a contenda, sendo os francêses rechassados do Egito. Deste modo a revelação anunciou a derrota da França e a vitória da Turquia — o Rei do Norte — na guerra do Egito. Desde junho de 1801 os vencedores inglêses e turcos foram apoderando-se de uma praça após outra. Depois do regresso de Napoleão à França, Kleber, seu sucessor no Egito, foi assassinado. O exército do Cairo capitulou em junho dêsse ano. As tropas restantes, que se achavam em Alexandria renderam-se depois. Finalmente Malta e Egito foram devolvidas à ordem de São João e à Turquia. A derrota francêsa no Egito foi total. Esta notável profecia encontrou seu perfeito cumprimento. No “fim do tempo”, 1798, Napoleão invadiu o Egito — o “Rei do Sul”. A Turquia, o “Rei do Norte”, acometeu a França invasora “com carros, e com cavaleiros, e com muitos navios”, e tudo que os francêses haviam conquistado foi reconquistado novamente. Extraordinário: Depois de dezoito séculos, a revelação trouxe novamente à baila os Reis do Norte e do Sul — Turquia e Egito — cujo histórico cumprimento dos 1

História Universal G. Oncken, Vol. XIX, pág. 810.

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fatos confirmou tratar-se incontestàvelmente dêstes dois poderes nos tempos modernos. O AVANÇO FULMINANTE DA TURQUIA VERSO 41: — “E entrará também (a Turquia) na terra gloriosa (Palestina) e muitos países serão derribados, mas escaparão da sua mão êstes: Edom e Moab, e as primícias dos filhos d’Amon”. EDOM, MOAB E AMON — INCONQUISTÁVEIS PELA TURQUIA Depois da retirada de Napoleão de S. João d’Acre através do deserto, hostilizado pela salvagem cavalaria turca, pôde o exército turco avançar triunfante. Palestina, a “terra gloriosa”, cái imediatamente em suas mãos, nela permanecendo até à primeira guerra mundial, sendo oprimida e governada por cruéis pachás sob os quais sofreram os cristãos angústia e terror. Posto que o avanço turco submetesse a muitos países, três, porém, escapariam: “Edom e Moab, e as primícias dos filhos d’Amon”. Edom era a terra de Esaú, irmão de Jacó, no sul da Palestina, numa região montanhosa também situada ao sul do Mar Morto. Moab era a terra dum descendente de Ló, cujo território levou o seu nome, ao norte de Edom e a Leste do Mar Morto. Amon era a terra também dum descendente de Ló, cuja região tomou seu próprio nome, a oeste do Mar Morto. Mas êstes três povos desapareceram. Profecias dos profetas de Israel lavraram a destruição dos três bem como de outros povos antigos, incluso poderosos impérios. Os territórios de Edom, Moab e Amon, deviam, segundo claros vaticínios dos profetas hebreus, ser habitados por outros povos.1 E povos árabes habitam ainda hoje mais territórios que, na verdade, estavam fora da linha de marcha do exército turco da Síria ao Egito, nos dias da campanha napoleônica. E mesmo nunca pôde a Turquia subjugar, Edom, Moab e Amon; ao contrário, teve de pagar a seus habitantes “uma pensão anual de quarenta mil coroas de ouro dos imperadores Otomanos para que deixassem passar livremente as 1

Ezequiel 25:4, 10.

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caravelas de peregrinos que se dirigiam a Meca”.1 Assim cumpriu-se a profecia admiravelmente. Os três países permaneceram fora da marcha e da possibilidade de conquista dos turcos. A TURQUIA E OS TESOUROS DO EGITO VERSOS 42-43: — “E estenderá (a Turquia) a sua mão às terras, e a terra do Egito não escapará. E apoderar-se-á dos tesouros de ouro e de prata, e de tôdas as coisas desejáveis do Egito; e os líbios e os etíopes o seguirão”.2 O EGITO É SAQUEADO IMPIEDOSAMENTE A volta de Napoleão a Paris para assenhorear-se do poder e o assassínio de Kleber, seu sucessor no comando das forças francêsas do Egito, deu lugar a que capitulassem os remanescentes do exército de Bonaparte e fôsse a França obrigada a entregar as suas conquistas aos vencedores anglo-turcos. Com esta decisiva vitória passou o Egito a pertencer novamente à órbita da Turquia. A profecia declara que a Turquia estorquiu o Egito, apoderandose de seus “tesouros de ouro e de prata e de todas as coisas desejáveis do Egito”. Um noticiário do jornal “Correspondente”, de 21 de novembro de 1801, datado de Constantinopla a 15 de outubro, dá uma vivida idéia do modo como o governo turco aniquilou o Egito, fazendo com que suas riquezas fossem canalizadas para Constantinopla: “A bordo de uma fragata inglêsa chegada aqui de Alexandria enviou o pachá ao sultão o primeiro tributo nôvo do Egito, consistindo de 200 bolsas de ouro e de prata cunhadas no Cairo”. Quando, porém, em 1805 Mohammed Ali foi nomeado pelo govêrno turco governador do Egito, a situação deste país piorou ainda mais; “Depois de haver-se feito dono de quasi tôdas as propriedades do vale do Nilo, pôde então exaurir a seu gosto aos camponeses. Aplicou aos infelizes campônios todo um sistema de exploração em regra, e os submeteu sem misericórdia à conscrição. A opressão dos impostos era também desmedida. Tudo foi tachado, até o estêrco seco e a palha que constituem o pobre combustível do camponês; de cada palmeira devia

1 2

Clarke’s Commentary, Vol. IV, pág. 618 (Daniel 11:41). Tradução João F. de Almeida, Daniel 11:42, 43.

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reservar-se um tanto para o govêrno”: “A tudo isto havia que acrescentar o sistema de comércio e de monopólio que foi aplicado até o ano 1833 ao extremo de que o govêrno comprava ao camponês tôda a sua colheita a preço fixado pelo mesmo govêrno e lhe tornava a vender ao mais alto preço o que o camponês necessitava para a subsistência e para semeadura”.1 “Mohammed Ali (o pachá do sultão no Egito), não somente governou como possuiu o Egito; porque de 1808-1810 êle com sucesso completou uma repetição dos tremendos atos de expoliação para os quais Suleimann II, filho do primeiro conquistador Otomano, dera-lhe um precedente. Por outro lado, em grande medida pela deliberada confiscação e supressão do título de propriedade, êle mesmo apossou-se de quasi tôda a terra do Egito, e declarou que d’oravante era êle o único proprietário do solo, e todos os direitos de possessão ou ocupação deviam ser obtidos dêle. De tôdas as classes em cada cidade e província do Egito levantou-se um clamor contra esta roubalheira por atacado, mas Mohammed Ali, com seu terrível exército de “Arnouts” em suas costas, permaneceu firme”.2 Outra fonte histórica, aludindo à atuação de Mohammed Ali como governador do Egito, expressa-se do modo seguinte: “O novo pachá dedicou-se a fortalecer-se em sua posição afim de assegurar de forma permanente o govêrno do Egito para si e sua família. Em primeiro lugar, viu que devia cobrar ingentes rendas de seus súditos, afim de mandar a tais quantidades de tributos a Constantinopla para agradar ao sultão e convencê-lo de que convinha a êle claramente suster o poder do governador do Egito. Atuando de acordo com êstes princípios empregou muitos meios injustos para possuir grandes propriedades; negou a legitimidade de muitas sucessões; queimou títulos de propriedade e confiscou fundos; enfim, desafiou os direitos universalmente reconhecidos dos proprietários. A isto seguiram grandes distúrbios. Mohammed Ali, porém, estava preparado para êles, e por sua obstinada firmesa estabeleceu a probabilidade de que só a apresentação de direitos era uma agressão da parte dos cheques. Aumentou constantemente os impostos, e pôs sua cobrança em mãos dos governadores militares; por êstes meios empobreceu ao camponês até ao sumo”.3 1

Meyer, art. Egito,. Source Book for Bible Students, ed. 1927. pág. 156. 3 “Egipt”, Clara Erskinee Clement, pág. 389, 390. 2

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A TURQUIA E OS TESOUROS DA LÍBIA E DA ETIÓPIA O território da Líbia ficava ao oeste do Alto Egito enquanto a Etiópia é o país regado pelo Nilo Superior. Os líbios e os etíopes, segundo consta na profecia, seriam alvos de conquista da Turquia vitoriosa depois da derrocada dos francêses no Egito. E, com efeito, aquilo que Mohammed Ali deliberou fazer e fez entre os egípcios, canalizando para Constantinopla riquezas fabulosas, também realisou entre os líbios e os etíopes. Creando um nôvo exército, “com êle submeteu a seu poder a Núbia, Sennar, Donogla e o Darfur”.1 As expressões da profecia concernente às expoliações no Egito, Líbia e Etiópia por parte dos turcos, já nos dão uma idéia dos enormes tesouros transportados da África para a Metrópole do império turco, o cumprimento da profecia inspirada foi tão completo e perfeito pelo testemunho dos fatos históricos, que em verdade enche-nos de admiração e confiança naquilo que o livro de Daniel contém como inspiração de Deus. UM DRAMÁTICO FUTURO ENVOLVERÁ A TURQUIA VERSOS 44-45; — “Mas os rumores do Oriente e do norte o espantarão (a Turquia); e sairá com grande furor, para destruir e extirpar a muitos (povos). E armará as tendas do seu palácio (de seu governo), entre o mar grande (o Mediterrâneo) e a monte santo e glorioso (Jerusalém); mas virá ao seu fim, e não haverá quem o socorra”.2 Êstes textos salientam em primeiro lugar que futuros “rumores do Oriente e do Norte” espantarão a Turquia, e, depois dêstes rumores conjuntos, “sairá” ela “com grande furor, para destruir e extirpar a muitos”. Que “rumores” serão êstes “do Oriente e do Norte”, que a espantarão? É evidente tratar-se de um conflito cujos avanços bélicos simultâneos “do Oriente e do Norte” da Turquia, porão em perigo a sua soberania. Quer isto também dizer que a Turquia nada terá a temer quanto ao Ocidente e o Sul em dito conflito. Ao ocidente estão as nações européias e americanas amigas e politicamente seus aliados. E ao Sul ou todo o Oriente Médio, estão as nações maometanas de sua 1 2

Turquia, Rosen, Vol. I, pág. 133. Tradução João F. de Almeida, Daniel 11:44, 45.

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mesma fé, das quais ela nada, tem a temer. Porém, todo o perigo jaz dos lados do Oriente e do Norte. Verificamos tratar-se dum conflito ainda no futuro, e isto por carecermos de evidências históricas de que o governo ou o poderio da Turquia se tenha movido de sua atual sede como resultado de “rumores” ou de avanços belicosos simultâneos “do Oriente e de Norte” de seu território. Esta profecia é secundada por outras duas do Apocalipse — capítulos 14:18-20 e 16:12-16 — e pela de Daniel — capitulo 12:1. Esta última, que claramente afirma que Miguel, isto é, Cristo, intervirá em tal futura crise, não deixa dúvida de que o conflito a ela ligado e vaticinado trata dum juízo do céu contra o poderia bélico do mundo. Êste tremendo futuro conflito da profecia, entre os poderes da terra e o próprio Todo-poderoso Deus — em que a Turquia é especialmente salientada — está evidentemente delineado na profecia da sexta praga mencionada no Apocalipse capítulo dezesseis, explanada do livro do mesmo autor intitulado: A Verdade sôbre as Profecias do Apocalipse, páginas 471 a 474. Naquêle tempo, porém, sairá a Turquia, com seu poderoso exército, “para destruir e extirpar a muitos” povos e nações, isto é, será vitoriosa no seu primeiro arranco. Alude o versículo quarenta e quatro que a sede do govêrno turco retirar-se-á de seu lugar atual, para se colocar “entre o mar grande e o monte santo e glorioso”. O mar grande é o Mar Mediterrâneo. “O monte santo e glorioso” é a cidade de Jerusalém.1 Foi ali que Deus achou por bem fazer habitar o seu nome nos dias em que Seu povo Israel era ainda Seu povo. Ali esteve por séculos o santuário terrestre cujo ritual constituía uma figura do grande plano da redenção do homem caído. Ali morreu o Filho de Deus para a felicidade do gênero humano. Jerusalém terrenal é, pois, “o monte santo e glorioso” desta profecia, já pelo exposto acima, já por estar, de fato, edificada sôbre um monte e já por ser a própria Palestina — terra gloriosa pela própria Revelação. Outras versões bíblicas aludindo à retirada do governo turco de seu atual assento, dizem: “E plantará seus pavilhões palaciais entre os mares, junto ao formoso e santo monte”.2 “Entre os mares”, quer referir-se entre o Mar Mediterrâneo e o mar Morto. Entre ambos êstes mares, está de fato localizada Jerusalém, o “famoso e santo monte”, 1 2

Daniel 9:16-20. Tradução Espanhola, Versão Moderna, Daniel 11:45.

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desta profecia. Os turcos maometanos ambicionam Jerusalém por motivos especiais ligados à fé maometana. Foi ali que Omar, no local que havia sido ocupado pelo templo de Salomão, erigiu uma famosa mesquita regiamente adornada posteriormente, tornando-se, depois de Meca e Medina, um dos lugares considerados mais santos do Maometanismo. Quando “os rumores do Oriente e do Norte”, espantarem o govêrno da Turquia e êste se julgar insustentável em sua hoje sede oficial, ou seja em Estambul, Jerusalém será o lugar preferido para a sua transferência. Veja-se o livro: A Verdade sôbre as Profecias do Apocalipse, página 472, título: O Secamento Simbólico do Rio Eufrates. No entanto, mesmo em Jerusalém, não encontrará a Turquia segurança no desfêcho da grande crise próximo-futura: “Mas virá o seu fim”, dizia a Revelação, “e não haverá quem o socorra”. Sim, “virá o seu fim”. Ninguém a socorrerá. Nenhuma outra potência se colocará a seu lado como no passado têem feito. Não haverá quem a socorra porque todas as nações, naquêle tempo, encontrarão também, com ela, “o seu fim”, pela intervenção do céu na terra, como evidencia o primeiro versículo do seguinte capítulo que iremos agora considerar.

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CAPÍTULO XII O DESENLACE DA CRISE DA HISTÓRIA

Introdução Com êste duodécimo capítulo chegamos ao término da explanação da mensagem histórica e profética do livro de Daniel. Êste derradeiro capítulo não é, praticamente, um nôvo capítulo, pois seu conteúdo é uma clara continuação da seqüência profética do capítulo anterior. Todavia esta final e impressionante narrativa do livro do profeta fala especialmente do momento culminante da crise da História ou do fim do império do pecado neste planeta, e infunde certeza no triunfo final de Cristo e Seu povo sôbre as forças deletérias do mal. Com infalível evidência é salientada neste capítulo a abertura do livro de Daniel e a divulgação de suas profecias no denominado “fim do tempo” ou “tempo do fim” — ou seja em o nosso tempo. A intervenção de Miguel no domínio do homem na terra e a destruição para sempre dêsse mau domínio, é atestado com muita ênfase no início do capítulo. Segue em sua ordem a menção de duas ressurreições — uma para a vida e outra para a morte; uma pergunta dum anjo e o solene juramento do “Homem vestido de linho”, em resposta; dois períodos de tempo profético — um de 1290 dias e outro de 1335 dias; e, por fim, a garantia dada a Daniel da gloriosa recompensa que seria o seu precioso quinhão “no fim dos dias”. A INTERVENÇÃO DO CÉU DO DOMÍNIO NO HOMEM VERSO 1: — “E naquele tempo se levantará Miguel, o Grande Príncipe, que se levanta pelos filhos do teu povo, e haverá um tempo de angústia, qual nunca houve, desde que houve nação até àquele

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tempo; mas naquele tempo livrar-se-a o teu povo, todo aquêle que se achar escrito no livro”.1 O SEGUNDO PODEROSO ADVENTO DE CRISTO O presente texto está ligado estreitamente ao anterior e último do capítulo onze. A primeira expressão dêste versículo: “E naquele tempo”, alude à retirada do “Rei do Norte”, isto é, do governo turco, de sua atual sede em Estambul, para localisar-se no “monte santo e glorioso”, ou seja em Jerusalém, acontecimento que se encontra ainda no futuro, aliás, num próximo futuro. Nêste iminente acontecimento, “Se levantará Miguel, o grande Príncipe”, conforme esclarecido nêste versículo. Miguel é Cristo, o “grande Príncipe” da profecia. Tanto no Velho como no Novo Testamento Cristo é chamado “Príncipe”. No capítulo anterior Daniel O denomina de “Príncipe do Concêrto”.2 No nono capítulo o mesmo profeta O chama de “Messias”, o Príncipe”.3 Ainda no capítulo oitavo êle O chama de “Príncipe do Exército”.4 Também Daniel O aponta no capítulo oito como “Príncipe dos príncipes”.5 São Pedro apresenta Jesus como “Príncipe da Vida”.6 São Paulo O chama de “Príncipe da Salvação”.7 São João O declara “Príncipe dos reis da terra”.8 Isaías O predisse como “Príncipe da paz”.9 Todos êstes honrosos qualificativos principescos, em conjunto, é que dão a Cristo o título de “Grande Príncipe”. Miguel vai logo Se levantar, reza esta inspiração. E para que Se levantará Êle? Gesenius, o famoso hebraista, define o termo “amad” — levantar-se, suceder — como principalmente aplicável a um nôvo rei que se levanta ou que sucede a outro no trôno. No mesmo livro de Daniel encontramos varias aplicações de “amad” no surgimento de novos reis no cenário político internacional, mas que por fim caíram para jamais se levantarem. Todavia, a expressão profética de nosso texto: “E naquêle tempo se levantará Miguel, o grande Príncipe”, é incontestável evidência de que Cristo se “levantará” como sucessor 1

Tradução João F. de Almeida, Daniel 12:1. Daniel 11:22. 3 Daniel 9:25. 4 Daniel 8:11. 5 Daniel 8:25. 6 Atos 3:15. 7 Hebreus 2:10. 8 Apocalipse 1:5. 9 Isaías 9:6. 2

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eterno dos reis e governantes de nosso mundo. Jamais perderá Êle o Seu futuro domínio total do mundo feito nôvo. Seiscentos anos depois de Daniel, escreveu São João por inspiração com vistas à sucessão de Cristo no govêrno da terra agora ainda nas mãos dos reis e príncipes terrenos: “Os reinos do mundo vieram a ser de nosso Senhor e do Seu Cristo, e Êle reinará para todo o sempre”.1 Também no mesmo livro do Apocalipse o profeta vê numa sensacional solene visão Cristo descendo à terra como Todopoderoso conquistador das nações.2 No livro de Daniel O preparamos noutra visão profética diante de Deus recebendo todo o domínio dêste mundo.3 Ao ressuscitar e aparecer a Seus discípulos, declarou Êle solenemente: “É-me dado todo o poder no céu e na terra”.4 Podemos confiar que estas infalíveis profecias logo se cumprirão. Os sinais dos tempos atestam a iminência da intervenção de Cristo nos negócios das nações, para executar juízo sôbre elas e restabelecer a ordem moral e espiritual que aqui transtornaram. Devemos dar graças a Deus por êste breve futuro glorioso acontecimento. Somente sob a liderança única de “Miguel, o grande Príncipe”, poderá o mundo tranqüilizar-se e entrar numa etapa de paz e bem estar permanentes e eternas. O govêrno de homem, comprovadamente por inolvidávies evidências, falhou na terra, e é preciso extirpá-lo, desarraigá-lo, livrar a civilização de suas graves falhas e injustos sistemas governamentais opressivos. POR QUE SE LEVANTARÁ MIGUEL A profecia dá uma razão muito sublime para expressar a verdade sôbre o advento de Miguel: “... que Se levantará pelos filhos do teu povo”. A expressão — filhos do teu povo, — não aponta para os judeus. Na ocasião do advento de Miguel ou de Cristo, não serão os salvos os judeus que O regeitaram e O mataram, mas somente os verdadeiros cristãos. O Povo de Daniel a que refere-se o texto, é o povo de Deus, constituído de fiéis de tôdas as nacionalidades e de todos os séculos desde o princípio do mundo. É, portanto, a favor dêles que “Se levantará Miguel, o grande Príncipe”. No auge da crusciante crise da História, no término da grande controvérsia —

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Apocalipse 11:15. Apocalipse 19:11-16. 3 Daniel 7:13-14. 4 S. Mateus 28:18. 2

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entre o direito de Deus e a farsa do homem — erguer-se-á Miguel, o Poderoso Filho de Deus, para libertar Seu povo aflito e perseguido no mundo pelos fanatizados e intolerantes esbirros do êrro. Façamos parte, pois, do povo de Daniel, para termos a suprema alegria de estarmos com Miguel “naquele tempo”, e com Êle reinarmos pelos séculos eternos. UM TEMPO DE ANGÚSTIA SEM PARALELO “Naquele tempo”, — quando a Turquia, o “Rei do Norte”, assentar as “tendas do seu palácio” no “monte santo e glorioso” ou em Jerusalém e Miguel Se levantar para empunhar o cétro do mundo e salvar Seu povo, “haverá um tempo de angústia, qual nunca houve, desde que houve nação até àquele tempo”. E, perguntamos: Em que consistirá a angústia daquele tempo de angústia? Trata a profecia infalivelmente das sete últimas pragas vindouras que serão derramadas na terra imediatamente após o encerramento da obra do evangelho e o fechamento simultâneo da porta da divina graça, antes do segundo advento de Miguel, o Senhor Jesus Cristo. Segundo inconfundíveis profecias, os ímpios serão o direto alvo da angústia daquele “tempo”. Um dos profetas que anunciaram a tremenda tragédia futura, revela a sua terribilidade nestas palavras: “Eis que saiu com indignação a tempestade do Senhor; e cairá cruelmente sôbre a cabeça dos ímpios”.1 Em verdade não há palavras humanas capazes de comentar esta profecia que fala da cruel angústia por vir, que será o quinhão legítimo resultante da escolha voluntária dos tresloucados ímpios. Outros autorizados porta-vozes de Deus referem àquela iminente calamidade de modo a encher de assombro e terror. Há três específicas razões que esclarecem o legitímo porque da angústia que assolará os ímpios num futuro breve. A primeira razão é a impiedade, o apêgo ao pecado e sua resultante depravação e degradação de tôda a espécie. Diz um dos profetas: “E angustiarei os homens, e êles andarão como cegos, porque pecaram contra o Senhor; e o seu sangue se derramará como pó, e a sua carne como estêrco”.2 A segunda razão é a franca e aberta rejeição da grandiosa salvação oferecida gratuitamente através do imensurável sacrifício do Filho de Deus no Calvário. Só quando já estiver desabando o vendaval terrível 1 2

Jeremias 23:19. Sofonias 1:17.

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é que os ímpios dar-se-ão conta do que perderam e da tardia esperança de reabilitação. A terceira razão é a deliberada hostilidade manifesta contra os justos filhos de Deus. Ao libertar Seu povo da escravatura egípcia, há milênios no passado, juízes calamitosos desabaram do Deus sôbre os seus opressores. Aquelas doze pragas que tudo assolaram no Egito, não era um juízo maior do que merecia aquêle mau povo e seu desalmado monarca que maltrataram sem mostras de piedade mínima a um povo cativo que os servia, afligindo-o com pesada e angustiante aflição. Aqueles juízos eram de caráter semelhante aos juízos mais terríveis e extensos que devem cair sôbre o mundo precisamente antes do libertamento final do povo de Deus. Com amargura jamais sofrida será o ímpio de entornar até à última gota o amargo cálice do tormento e da agonia daquele anunciado “tempo de angústia”. No décimo-sexto capítulo do livro do Apocalipse, que é o lugar onde se acham condensadas em profecias as futuras sete pragas, temos, tanto quanto permite-nos a Revelação, um quadro dantesco, tétrico e vivido daquêle horrendo acontecimento e do que significa para os ímpios a rebelião contra Deus e Suas justas leis divinas. O POVO QUE MIGUEL LIBERTARÁ “Mas naquele tempo livrar-se-á o teu povo, todo aquele que se achar escrito no livro”. Enfatizando, serão salvos naquele tempo somente os que se inscreveram “no livro”. Vemos que, no plano divino, é necessário inscrever-se “no livro” para salvasse. Mas isto é espontâneo, um caloroso desejo do pecador por salvar-se. É êle que deve inscrever-se “no livro”, aceitando incondicionalmente a seu Salvador e seu evangelho puro como norma de sua vida. Sim, é o pecador convicto e contrito que deve achegar-se a seu Salvador e rogar-lhe a sua inscrição no divino livro. Desde o princípio do mundo se estão inscrevendo “no livro” do Redentor todos quantos têem aceito o plano de Deus para a salvação.1 Urge, pois, que nos inscrevamos sem perda de tempo, antes que o glorioso livro se feche. Aquele que recusar inscrever-se “no livro” do Senhor, será “lançado no lago do fogo’’.2 Veja-se à página 395 dêste livro, título: “E ABRIRAM-SE OS LIVROS”, onde teremos impressionante exposição do livro em referência. 1 2

Apocalipse 17:8; 13:8. Apocalipse 20:15.

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UMA RESSURREIÇÃO PARA A VIDA E OUTRA PARA VERGONHA VERSO 2: — “E muitos dos que dormem no pó da terra ressuscitarão, uns para a vida eterna, e outros para vergonha e desprêso eterno”. UMA RESSURREIÇÃO PARA A VIDA ETERNA Nosso texto é muito claro em sua enunciação de que duas ressurreições ocorrerão simultaneamente em pleno tempo de angústia: De um grupo de justo, e de um grupo de ímpios — o primeiro “para a vida eterna” e o segundo “para vergonha e desprêso eterno”. O profeta do Apocalipse, corroborando com Daniel, declara sôbre o segundo grupo citado: “Eis que vem com as nuvens, e todo o ôlho O verá, até os mesmos que O traspassaram; e tôdas as tribus da terra se lamentarão sôbre Êle”.1 Evidentemente êste grupo compor-se-á, primeiramente, dos membros do Sinédrio, o consêlho nacional da nação Judaica. Pois, sendo Jesus julgado e condenado por êste tribunal e respondendo na oportunidade positivamente uma pergunta que Lhe fizera o seu presidente sôbre a Sua filiação de Deus, acrescentou solenemente: “Digo-vos, porém, que vereis em breve o Filho do homem assentado à direita do poder, e vindo sôbre as nuvens do céu”.2 Fundados na infalível palavra de Jesus, os setenta membros do Sinédrio terão parte da ressurreição “para vergonha e desprêso eterno”. Certamente com êles estarão também Pilatos, Herodes e outros que também ousaram escarnecer e condenar o Salvador. Ressuscitarão a tempo de verem o Redentor e Senhor do universo descendo à terra nas nuvens — e terem uma visão da enormidade do crime de deicídio que decretaram contra o santo Filho de Deus. Vê1’O-ão em Sua glória e lembrar-se-ão de que O negaram. O escarneceram, O esbofetearam, O cuspiram e O condenaram como o pior dos malfeitores. Tremendo remorso sem remédio tomará conta dêste grupo de criminosos assassinos que em seguida sucumbirá ante o fulminante resplendor de Sua majestade. Mas, quem fará parte do grupo dos que ressuscitarão “para a vida eterna”? Certamente não serão os justos que ressuscitarão na

1 2

Apocalipse 1:7. S. Mateus 26:64.

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ressurreição geral ao aparecer Jesus para chamá-lo do pó.1 O profeta esclarece que êles serão os que hão de ressuscitar no tempo de angústia ou ainda em plenas sete pragas, e, portanto, antes de Cristo surgir nas nuvens. A declaração de Daniel: “Muitos dos que dormem no pó da terra ressuscitarão... para a vida eterna”, enfatiza uma ressurreição não de todos os santos que dormem no pó, mas de “muitos” dêles, ou uma ressurreição parcial simultânea com aqueles que ressuscitarão “para vergonha e desprêso eterno”, e não uma ressurreição geral ou total dos justos. No Apocalipse capítulo quatorze versículo treze o profeta fala de mortos “bem aventurados” que em vida estiveram ligados ao movimento religioso do Terceiro Anjo iniciado em 1844 e que prosseguirá até o segundo advento de Cristo. O texto enfaticamente reza: “Bemaventurados os mortos que desde agora morrem no Senhor”. A expressão — desde agora — deve significar desde o começo do movimento do Terceiro Anjo ou evidentemente desde o ano de 1844 até a segunda vinda de Cristo. E, perguntamos agora: Por que os mortos do período do Terceiro Anjo são bemaventurados? Isto não só porque morreram “no Senhor” e suas obras de justiça e de fé os seguiram. A razão porque são bemaventurados êstes mortos das fileiras do Terceiro Anjo, jaz no fato de terem feito soar com firmeza e poder a sua mensagem, restaurando assim e vivendo com denodo e maestria a fé apostólica como grande luz perdida nas controvérsias e dissenções do cristianismo apóstata dos escuros séculos da Idade Média. Dêstes poderosos santos de nossa derradeira geração da História enfatiza a inspiração nestes termos: “Há um grande terremoto, “como nunca tinha havido desde que há homens sôbre a terra: tal foi êste tão grande terremoto.” “Todos os que morreram na fé da mensagem do terceiro anjo saem do túmulo glorificados, para ouvirem o concêrto de paz, estabelecido por Deus com os que guardaram a Sua lei”.2 Aí estão os santos citados por Daniel que hão de ressuscitar no tempo de angústia, chamados pelo Doador da vida exatamente ao ocorrer o grande terremoto da sétima praga que lhes abrirá as suas sepulturas. Evidentemente êstes são cristãos do movimento do Terceiro Anjo — de 1844 ao advento de Cristo — que Daniel referiu ao dizer que ressuscitarão no tempo de angústia “para a vida eterna”. Todos êstes, ressuscitados e conjuntamente com os vivos do movimento do Terceiro Anjo — que é a Igreja Adventista de Sétimo 1 2

I Tessalonicenses 4:16. O Conflito dos Séculos, E. G. White, págs. 636, 637.

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Dia — estarão juntos ao aparecer Jesus, “para ouvirem o concerto de paz estabelecido por Deus com os que guardam a Sua lei”. Duas ressurreições simultâneas, portanto, alude Daniel — uma para a glória, honra e exaltação eternas, e outra para vergonha, desprêso e vexame eternos. OS QUE REFULGIRÃO COMO ASTROS ETERNOS VERSO 3: — “Os piedosos fiéis resplandecerão como o firmamento, e aqueles que conduzem muitos à verdadeira religião, resplandecerão como as estrêlas eternamente”.1 O FIRMAMENTO E OS “PIEDOSOS FIÉIS” A abôboda celeste que contemplamos é o firmameno mencionado por Daniel. A linguagem humana é por demais incapaz de descrever a glória eterna dos espaços coalhados de miríades de miríades de estrelas formando nebulosas, constelações e sistemas incontáveis. Noites verdadeiramente comovedoras depararam-se aos olhares de vis mortais que em geral não lhes dão a consideração devida. Um cortejo imenso numa incrível celeridade está a voar ininterruptamente, eternamente nos espaços infinitos. Verdadeiras torrentes de luzes de matizes sem conta projetam-se em tôdas as direções inundando de imarcescível e extasiante glória os abismos siderais insondáveis da imensidade. Com a glória do formoso e resplandente firmamento, reza a promessa, resplandecerão “os piedosos fiéis”, aqueles que manifestam irrestrita fidelidade a Deus e Suas divinas leis. Êles resplandecerão com o resplendor do firmamento em recompensa ao esforço que empreenderam por viver na terra uma vida de luz, segundo o desejo do Mestre e como dignos representantes Seus. Aliás, pela lealdade à revelação celestial e pela pronta disposição em difundí-la e vive-la, serão estes “sábios fiéis”, galardoados com uma glória tal como a do brilhante firmamento. Interessado, ardoroso por esta fascinante recompensa, escrevera São Paulo que ela será “um peso de glória mui excelente”.2 Vale a pena, pois, um decidido esfôrço zelozo por alcançar êste tão fascinante oferecimento da salvadora graça de Deus. 1 2

Tradução James Moffatt, Daniel 12:3. II Coríntios 4:17.

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AS ESTRELAS E OS CONDUTORES DE ALMAS A CRISTO Como não podemos encontrar linguagem capaz de delinear a glória do firmamento, é certo que não o podemos também para descrever a glória das estrêlas que o compreendem. A ciência astronômica tem chegado a penetrar apenas as bordas do oceano de glórias siderais, e contudo nos estasia e nos deslumbra. Já de viva vista deparamos com astros deslumbrantes e sem conta engastados ostensivamente na noite. Globos estelares de tamanhos variadíssimos, alguns incrivelmente imensos, aí estão voando vertiginosos e imperecíveis, emitindo todos e a todos os quadrantes da infinita abóbada celeste suas brilhantes e fascinantes luzes. Estrêlas luzindo luz branca, azul, verde, vermelha, amarela, laranja, violeta, liláz, e uma infinidade de outras luzes, enchem a imensidade dos céus. E é assim como as estrêlas que refulgirão, os que conduzem muitos “à verdadeira religião”. Pois não há outra religião que salve sinão a verdadeira — a religião pura do evangelho inspirado de Deus. Não é tarefa fácil ensinar a “verdadeira religião” a um mundo que há muito se desacostumou dela. Cheia está a História de mártires que tombaram por serem mestres da religião, pura do puro evangelho, que é a única que pode somente merecer êste nome, a religião de Deus. A expressão do versículo é de molde a ensinar que não há religião pura na terra nestes finais dias, sendo necessário ensiná-la em nome de Deus aos homens. Urge que lhe seja ensinada a “verdadeira religião” que emana de Deus e de Nosso Senhor Jesus Cristo através das gloriosas páginas do santo evangelho inspirado, o compêndio básico e único da religião que vem do Céu e que é a única que leva ao céu. Tôdas as demais religiões são profanas, corruptas, perecíveis. Aqueles que por denodado esforço perseveram em ensinar e viver a “verdadeira religião” refulgirão como as estrelas. Eis uma glória pela qual vale a pena esforçarmo-nos por alcançá-la. TEMPO PARA A ABERTURA DO LIVRO DE DANIEL VERSO 4: — “E tu, Daniel, fecha estas palavras e sela este livro até ao fim do tempo: muitos correrão de uma parte a outra, e a ciência se multiplicará”.1 1

Tradução João F. do Almeida, Daniel 12:4.

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A ABERTURA DO LIVRO DE DANIEL As palavras do anjo ao profeta são muito claras, seu livro deveria estar fechado ou selado “até ao fim do tempo”. Entendemos que, ao chegar o “fim do tempo”, o livro de Daniel seria lido estudado, compreendido e propaladas as suas profecias. No capitulo onze versículo trinta e cinco do mesmo livro encontra-se indubitável a definição de “fim de tempo” começou no ano de 1798, fato irrecusavelmente comprovado tanto pela Revelação como pelos testemunhos históricos. Até ao referido ano, o livro de Daniel — mormente a parte profética referente aos últimos dias, não iria merecer — de forma especial — a consideração dos estudiosos servos de Deus. Porém, ao chegar o “fim do tempo”, os desejosos por estudarem-no estariam em melhores condições de entenderam-no e para êle seriam atraídos de modo particular. Nos anos em tôrno de 1798 começam a surgir e tomar vulto grandes empreendimentos missionários em que foram fundadas sociedades de tratados e sociedades bíblicas, durante os quais as profecias das Sagradas Escrituras receberam especial atenção, principalmente as do livro de Daniel. No capítulo 10 do livro do Apocalipse se nos apresenta aberto o livro de Daniel. Aprecie-se a substancial exposição sobre o assunto na obra do mesmo autor — A Verdade sôbre as Profecias do Apocalipse, página 252, título — Um Livrinho Aberto, e ter-se-á um quadro comprobatório de que o livro de Daniel abriu-se realmente ao estudo de homens guiados por Deus evidentemente ao chegar o “fim do tempo”, sendo removido o seu sêlo. “MUITOS CORRERÃO DE UMA PARTE PARA OUTRA” Algumas versões bíblicas bem como expositores não poucos das profecias, atestam que a epígrafe acima é correta e que alude ao incremento da locomoção ou viagens dos povos modernos em tôrno de todo o mundo e mesmo de um para outro continente. Eis uma versão: “muitos rodearão a terra”.1 Das 13 vêzes em que no Velho Testamento ocorre a frase: “... correrão de uma parte para outra” do termo hebraico “shut” — incluso no têxto de Daniel, sempre indica atividade secular de um para outro lugar; nunca, porém, com respeito a exames de coisas sagradas ou de profecias como no caso do livro de Daniel. 1

Tradução Trinitariana, Daniel 12:4.

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Outras versões bíblicas e como querem também outros expositores das profecias, traduzem em vez de “muitos correrão de uma parte para outra”, ou “muitos rodearão a terra”, assim: “Muitos pasmarão lendo”; “muitos o passarão pelos olhos”; “muitos serão ensinados”; muitos daqueles que a êle recorrerem verão aumentar-se seus conhecimentos”; “muitos examinarão”; “tirarão dêle muita ciência”. Dêste modo podemos vêr as duas correntes, em várias versões: Umas pretendendo que o original “shut” alude às viagens em tôrno da terra e outras que se trata do exame do livro de Daniel no “fim do tempo”, pelos estudiosos de suas profecias. José Wolff, o insigne “missionário a todo mundo” no século XIX, expôs de viva voz e por escrito sôbre o caso o seguinte: “E o mesmo livro de Daniel, em que se diz que as palavras estavam fechadas até ao tempo do fim (conforme era o caso em seu tempo), declara que “muitos correrão de uma parte para a outra” (expressão hebráica para significar — observar e pensar a respeito do tempo), e a “ciência’ (em relação ao tempo) “se multiplicará”.1 E é importante que José Wolff, que era judeu e grande hebraísta, analisa o têxto de Daniel colocandose ao lado das primeiras versões e expositores referidos. Salienta-se, porém, o fato de que suas declarações são endossadas por uma escritora cuja pena não pode ser jamais recusada como verdadeira. “E A CIÊNCIA SE MULTIPLICARÁ” Outras: versões rezam: “... e o saber se multiplicará”2 “... e o conhecimento se incrementará”.3 Expositores há que aplicam isto ao conhecimento e descobertas científicas dêste nosso “fim do tempo”. Uma escritora de crédito insuspeito, escreveu: “Deus permitiu que uma inundação de luz fôsse derramada sôbre o mundo, em descobertas cientificas e artísticas; mas mesmo os maiores espíritos, se não forem guiados pela Palavra de Deus em suas pesquisas, desencaminhar-se-ão em suas tentativas de investigar as relações entre a ciência e a revelação”.4 Naturalmente teve Deus um plano especial em conceder grande porção de sabedoria ao homem moderno sem o que êle não realizaria o que tem realizado. 1

O Conflito dos Séculos, E. G. White, pág. 360. Tradução João F. de Almeida, Soc. Bib. do Brasil, 12:4. 3 Tradução King James, Daniel 12:4. 4 O Conflito dos Séculos, E. G. White, pág. 522. 2

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Cientificamente falando, a época atual é deveras a mais maravilhosa da História. E nisto está, conforme o parágrafo acima, o dedo de Deus, cujo significado daremos mais adiante. Vivemos num mundo pràticamente nôvo onde tudo é ciência. Ciência nas artes e nas letras; ciência na física e na química; ciência na mecânica e na indústria; ciência médica, astronômica, geológica, arqueológica, agrária, arquitetônica; ciência nos laboratórios; ciência terrestre, marítima, aérea e cósmica; tudo, enfim, no mundo, atualmente, é ciência. Por quase seis mil anos estêve a humanidade como que em profundo sono, vivendo num mesmo ritmo de vida, mudando-se entretanto êste, bruscamente, numa grandiosa transformação desde século e meio atrás até ao presente. Do sono dos séculos sobreveio um quase incrível despertamento. Em poucas décadas o mundo inteiro foi transformado. Uma avalanche de novas idéias penetrou a mente do homem levando-o a realizar num ano o trabalho de séculos. Algumas realizações que o homem denominou de maravilhas no mundo antigo e na Idade Média, foram apagadas, tornaram-se obsoletas diante da pujante ciência moderna. Uma profusão de maravilhas da ciência moderna depara-se em todo o orbe. Em todos os setores da vida moderna houve uma grandiosa revolução e o mundo foi inundado por uma torrente de obras de tal magnitude como jamais sonharam os nossos antepassados. E, em face dêste incremento incessante de manifestas obras de grandezas científicas incomparáveis, denominaram os sábios de “Século das Luzes” o século em que vivemos. Se fôsse possivel, depois do sono desta próxima noite, acordarmos com um retrocesso de tempo de um século e meio, seria para nós isto uma tragédia, uma calamidade. Ver-nos-íamos num estranho mundo sem saber que providências tomar para encetarmos a tarefa do dia. Ao acordarmos, sentiríamos, ainda deitados, que nossa cama era uma rústica cama dura com colchão de palha sôbre tábuas inflexíveis, em vez de confortável colchão de molas. Depararíamos profundo silêncio; nenhum ruído do majestoso século XX; nenhum apito de fábrica concitando o trabalhador ao trabalho cotidiano; nenhum movimento de tráfego como no dia findo; e, ao abrirmos os olhos, notaríamos estar residindo numa casa bastante antiquada mobiliada de rústicos e estranhos móveis. Procuraríamos o confortável e costumeiro quarto de banho para o asseio matutino e não o encontraríamos! Pasmados então, apressar-nos-íamos em vestir- nos; 716

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mas, eis que as próprias roupas e mesmo os sapatos seriam bem diferentes dos usados até à noite anterior. E, como se julgássemos estar ainda adormecidos e em agoniante pesadêlo, correríamos à porta da estranha residência, para divisarmos os belos prédios vizinhos e a bela rua da noite finda, e eis que tudo seria um lúgubre quadro inspirador de verdadeira tristeza e desconforto. Mas, realmente tudo mudou! Milhões de maravilhas inundam a terra transformando todos os setores da vida mundial. “Quando George Washington, primeiro presidente dos Estados Unidos da América, pôs sua assinatura na primeira Lei Federal de Patentes, a 10 de abril de 1790, ninguém podia imaginar, em tôda a sua magnitude, o que êsse ato iria significar. Apenas se passaram 120 anos desde aquêle fato até que se registou o primeiro milhão de invenções! Isto é, as invenções que receberam patente, só naquele país americano, chegaram a um milhão no ano de 1910, quando 1.000 sábios escolheram as sete maravilhas de seus dias: O telégrafo sem fios, o telefone, o aeroplano, o rádio, a antissepsia e as antitoxinas, a análise espectral e os raios X. “No ano de 1934, naquele mesmo país, se registou o segundo milhão de invenções. Para o primeiro milhão havia sido necessário que transcorresse quase um século e um quarto. Para o segundo milhão só se passaram 24 anos”.1 E que diríamos dos milhares de invenções científicas nos demais países? Se na verdade fôsse possível volvermos 150 anos ou mesmo menos, atrás, não teríamos nenhuma das maravilhosas realizações da ciência moderna que agora temos e desfrutamos. Como jamais ocorreu com o mundo do passado, a odierna civilização pode hoje desfrutar confortavelmente de benefícios sem conta: Do trem ou da estrada de ferro, do automóvel, da navegação marítima, da aviação, do rádio, do telefone, do telégrafo, do prelo ou da imprensa, do papel, da fotografia, da eletricidade, da arquitetura. E pensemos no interminável cortejo de invenções utilíssimas que nos legaram os sábios da ciência. Seria interessante meditarmos na moderna medicina com seus aparatos e laboratórios, nas instalações sanitárias e água e esgôto, nas câmaras refrigeradoras, no ferro elétrico, nas máquinas de lavar, nos grandes teares, na máquina de costura, nas inumeráveis indústrias manufatureiras, na máquina de escrever, calcular e registar, no cérebro mecânico, na magia dos discos 1

O Mundo do Futuro, D. H. Dupuy, pág. 24.

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e fios que tocam, falam e cantam, na música em geral, no fonógrafo, a televisão, nas obras de arte da engenharia, nos aperfeiçoamentos agrários, nos bondes elétricos, nas letras e artes, na astronomia, nos dentes postiços, na matéria plástica, na ótica moderna, no elevador, no relógio, no gás de iluminação e de cozinha, no rádium, na energia atômica. Continuar a referir as invenções do homem moderno seria não concluir jamais. É um verdadeiro privilégio vivermos neste grandioso século XX, o século das viagens cósmicas. Tudo em tôrno de nós é ciência, ciência moderna. Jamais o homem dum século atrás imaginara um futuro tão farto em notáveis obras de ciência indispensáveis para o progresso da civilização. E, agora, para encerrar esta seção das maravilhas do século, notemos um caso deveras estranho mas real: “Na exposição ‘Um Século de Progresso’, realizada no no de 1935, em Chicago, os faróis do vasto recinto, por sugestão do Prof. Frost, foram acionados pela energia tirada aos raios da luz procedente da estrela ‘Arcturus’ por meio do espêlho-objetiva de um refletor de 41 polegadas de diâmetro. Um episódio igualmente notável foi a consecução do necessário impulso para se iluminar o mesmo recinto com os raios procedentes do planêta Saturno, coletados por um telescópio de Florença, e transmitidos pelo rádio a Chicago, quando da visita do marquês Guilherme Marconi”.1 Nosso século é também o século da velocidade. As distâncias se tornaram mínimas: com os modernos meios de locomoção por terra, mar e ar. Constantemente são criados e aperfeiçoados novos modêlos de motores e novos combustíveis que produzem maiores velocidades, cujos recordes nunca permanecem fixos. O gênio inventivo e criador do homem não se detém jamais. O propósito desta dissertação das maravilhas da ciência moderna, não é despertar a admiração, mas mostrar o significado que encerram à luz da profecia. A respeito da oposição de expositores das profecias de que o aumento descomunal da ciência atual esteja incluso no conteúdo do versículo quatro do décimo segundo capítulo que consideramos, respondemos, não obstante, — ser um tanto estranho que a inspiração passasse por alto as estupendas maravilhas dêste “fim do tempo”, já que delas iria depender a mensagem do livro de Daniel aberto para ser propalada aos quatro quadrantes do globo. Dos 1

Inteligência, fevereiro de 1936.

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numerosos sinais precursores do segundo advento de Cristo, seria inadmissível que a ciência moderna não fizesse parte dêles como solene advertência ao mundo. O PORQUÊ DAS MARAVILHAS DA CIÊNCIA MODERNA Não seria possível uma radical transformação no modo de vida, ocupações e comunicações do homem, a não ser que a Providência fôsse nisto um fator preponderante. Doutro modo, não se explicaria o porquê do desinterêsse do homem em progredir até os começos do século XIX. A razão, porém, das incríveis e maravilhosas invenções sem conta do homem moderno, têmo-la de buscar na própria Revelação que indicou o exato “fim do tempo” com o advento da multiplicação da ciência. Dissera o Senhor Jesus Cristo solenemente: “E êste evangelho do reino será pregado em todo o mundo, em testemunho a tôdas as gentes, e então virá o fim”.1 Por conseguinte, a razão da multiplicação da ciência tão grandemente neste tempo, foi para dar livre curso e rapidez mundial à anunciação da derradeira e apelativa mensagem de Deus ao mundo — contida nos livros de Daniel e Apocalipse. Noutras palavras, ao raiar o tempo do juízo e aproximar-se o segundo advento de Cristo, Deus, a fonte eterna da sabedoria, despertou as faculdades da mente do homem para que inventasse e puzesse em uso tôda a sorte de meios que facilitassem a rápida proclamação do “evangelho do reino” a todos os países da terra. Desta maneira temos aqui a verdadeira razão das grandes invenções da ciência. E, se não fôra assim, a pregação do evangelho, nesta última etapa da história do mundo, não se poderia levar a cabo ràpidamente, dado os parcos meios científicos nas mãos dos homens a tão curto tempo atrás. Com os recursos do passado, seriam necessários talvez milênios para que a poderosa mensagem de “boas novas” atingisse todos os recantos do globo, ao passo que, agora, com o concurso das modernas invenções, em cêrca de poucas décadas a última mensagem do evangelho de Deus — de convite e advertência — já atingiu, pràticamente, o mundo inteiro, e pode ser ouvida e lida em mais de 1.200 línguas diferentes. Milhões de milhões das Sagradas Escrituras e duma abundante literatura baseada em seus ensinos, inundam o globo e os lares do povo. Eis um verdadeiro milagre que a 1

S. Mateus 24:14.

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ciência moderna tornou possível graças aos planos de Deus e Seu eterno amor, incompreensível amor, manifesto pelo pecador. Chegou verdadeiramente o “fim do tempo”, o livro de Daniel foi aberto ao estudo e pregação, a ciência multiplicou-se, a derradeira mensagem da misericórdia de Deus encheu a terra. Vivemos, pois, no mais solene dos tempos. Momentos decisivos vive atualmente a humanidade. Logo o evangelho da salvação soará ao último ouvido mortal, e estará concluída a grandiosa tarefa; os seres humanos todos terão logo selada a sua sorte — para a vida eterna ou para a morte eterna. E então aparecerá nas nuvens dos céus “Miguel, o grande Príncipe”, que se levantará para dar “a cada um segundo as suas obras” e salvar o povo que atendeu os apelos de Seu amor e prezou, acima de tudo, o Seu sacrifício no Calvário. O JURAMENTO DO HOMEM VESTIDO DE LINHO VERSOS 5-7: — “E eu, Daniel, olhei, e eis que estavam outros dois, um desta banda, à beira do rio, e o outro da outra banda, à beira do rio. E êle disse ao homem vestido de linho, que estava sôbre as águas do rio: Que tempo haverá até ao fim das maravilhas? E ouvi o homem vestido de linho, que estava sôbre as águas do rio, quando levantou a sua mão direita, e a sua mão esquerda ao céu, e jurou por Aquêle que vive eternamente que depois de um tempo, de tempos e metade de um tempo, e quando tiverem acabado de destruir o poder do povo santo, tôdas estas coisas serão cumpridas”.1 Novamente surge aos olhos do profeta a visão do Homem vestido de linho, sôbre as águas de Hiddekel ou rio Tigris da Mesopotâmia. Os dois que aparecem duma e doutra banda do rio, devem tratar-se dos mesmos anjos citados no oitavo capítulo versículo treze quando interferem na visão, um dos quais agora interroga ao Homem vestido de linho, que infalivelmente era o Filho de Deus, concernente ao tempo que haveria “até ao fim das maravilhas” ou, como reza outra versão, sôbre “quando se cumprirão estas profecias?”, ou, como refere a versão de James Moffatt: “Quanto demorará até que estas maravilhas se realizem?” A que maravilhas se referira o santo anjo de Deus? Indubitàvelmente à abertura do livro de Daniel, à compreensão de suas profecias, ao galardão dos entendidos pregadores da verdadeira religião, à multiplicação da ciência no “fim do tempo”, e 1

Tradução João F. de Almeida, Daniel 12:5-7.

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especialmente à restauração do evangelho e a purificação do santuário no fim das “duas mil e trezentas tardes e manhãs”. A resposta do Homem vestido de linho não se fêz esperar. Erguendo suas mãos ao céu, jurou pelo Eterno em afirmativa de que ia dizer em testemunho da verdade. Seu juramento referiu-se ao exato tempo em o qual tomaria lugar o início do tempo chamado “fim do tempo” e bem assim o tempo inicial das “maravilhas” anunciadas. Depois de “um tempo, e dois tempos e metade de um tempo”, “quando tivessem acabado de destruir o poder do povo santo”, ou como traduz impressionantemente James Moffatt: “... que seriam ano, e depois que terminar o poder daquele que destrói o povo santo passar, o fim de tudo chegará”. Uma tradução americana, reza: “Será por um ano, anos, e metade de um ano, e depois que terminar o poder daquele que destrói o povo santo, tôdas estas coisas terminarão”. O têrmo deste período, considerado no capítulo sete versículo vinte e cinco, de três anos e meio profético, ou sejam 1.260 anos, quando teve fim o “poder daquele que destrói o povo santo”, ou seja do Papado, findou exatamente em 1798, iniciando-se então o “fim do tempo”. Até ao ano de 1798, realmente o “povo santo” de Deus estêve disperso pelos vales e montes da Europa, refugiado de seus perseguidores ou “daquele que destrói o povo santo”, o Papado. Mas, perdendo o Papado o seu poder temporal, o aflito povo de Deus viu-se livre da espada dêste poder romano, passando a respirar então uma nova atmosfera de liberdade, regressando à civilização e nela integrando-se novamente para gozar de seu anterior prestígio e poder que lhe haviam arrebatado os algozes romanos. Portanto, desde o ano de 1798, quando o povo de Deus já não mais necessitava andar disperso e refugiado, começaram a surgir as “maravilhas” citadas, que aliás se têm vindo sucedendo, extraordinàriamente, faltando agora vermos a maior das “maravilhas”, que será o glorioso advento de Miguel para salvar seus santos e dar a merecida paga a seus perseguidores. Que nos ajude Deus a vivermos de tal maneira que naquele dia glorioso sejamos também dos Seus santos e de seu povo. É imprescindível, todavia, que tenhamos fé inabalável para vivermos em todos os fundamentos da sacrossanta verdade de Seu evangelho, pois só assim será possível permanecer e subsistir. MAS DANIEL NÃO ENTENDEU VERSOS 8-10: — “Eu pois ouvi, mas não entendi; por isso eu disse: Senhor meu, qual será o fim destas coisas? E Ele disse: Vai, 721

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Daniel, porque estas palavras estão fechadas e seladas até ao tempo do fim. Muitos serão purifcados, e embranquecidos, e provados; mas os ímpios procederão impiamente, e nenhum dos ímpios entenderá, mas os sábios entenderão”.1 Gabriel não respondeu a pergunta de Daniel. Embora louvável a atitude do profeta em desejar informações precisas, nada lhe adiantariam estas em face de sua idade, pois as maravilhas viriam ainda num mui distante futuro e êle, a êsse tempo, jazeria há muito no pó da terra. Mas diz-lhe Gabriel: “Os sábios entenderão”. Quando chegasse o “fim do tempo”, quando se manifestassem as maravilhas preditas, os “sábios”, os que servissem a Deus, as entenderiam. É deveras solene viver-se neste importante “tempo do fim” e ser-se “sábio” verdadeiramente “sábio”. Os ímpios, dados à impiedade que lhes é própria, não entenderiam as “maravilhas”, porque iriam, no mais importante tempo, continuar a proceder “impiamente”, não dando atenção e não se interessando por completo nas profecias que anunciariam o fim da civilização e dêles próprios. O TEMPO EXATO DA TIRADA DO “CONTÍNUO” VERSO 11: — “E desde o tempo em que o contínuo sacrifício fôr tirado, e posta a abominação desoladora, haverá mil duzentos e noventa dias”. UMA DATA INFALÍVEL O presente versículo põe-nos novamente em fóco com a questão do “contínuo”, já tratada nos capítulos oito parágrafo onze e versículo trinta e um. Urge, não obstante, atentarmos sôbre as claras afirmativas de nosso têxto que apresenta uma data fixa e infalível em a qual seria tirado o “contínuo”. O “contínuo” como já vimos, era o paganismo-romano em sua fórmula religiosa imposta pela espada conquistadora e denominada por Cristo de “abominação da desolação”.2 A “abominação desoladora”, que seria estabelecida em lugar do “contínuo” ou paganismo, pelos “braços de homens poderosos”, segundo o capítulo onze versículo trinta e um, é o Papado em sua fórmula de religião que 1 2

Tradução João F. de Almeida, Daniel 12:8-10. S. Mateus 24:15.

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estabeleceu pela espada “desoladora”, como comprova a sua própria história. Quando foi feita esta substituição — da “abominação da desolação”, romana-pagã, pela “abominação desoladora”, romanapapal, esclerece-nos o versículo dando-nos um período profético de 1.290 dias ou sejam 1.290 anos. Para entendermos perfeitamente o que a Revelação mais uma vez nos quer ensinar com relação ao “contínuo”, recordemo-nos de que o Papado substituiu o “contínuo” paganismo-romano no trono temporal até 1.798, quando a espada de Napoleão Bonaparte o derribou da liderança na qual aqueles “braços de homens poderosos” o haviam empossado em lugar do “contínuo”. Por conseguinte e indubitàvelmente, o período de 1.290 dias, que são profeticamente outros tantos anos, de supremacia papal, encontrou seu término no ano 1798 ou atingiu até esta data. Assim sendo, como a razão nô-la ensina, devemos fazer retroceder da data de 1798 os 1.290 anos, para termos a data exata ou o ano exato em que o “contínuo” foi tirado como “abominação da desolação”, para dar lugar ao Papado, a “abominação desoladora”. Realizando a simples operação ou subtraindo 1.290 de 1.798, temos como resultado o ano 508, que é a data infalível da tirada do “contínuo” ou da substituição definitiva do paganismo romanoariano pelo Papado-romano. Os sucessos que marcaram a tirada do “contínuo” em 508, mais a prova inquestionável de que o “contínuo” é o paganismo, veremos nos parágrafos que seguem. TESTEMUNHOS HISTÓRICOS INCONTESTÁVEIS Nesta exposição do livro de Daniel apreciamos já a grande invasão de povos bárbaros contra o império romano ocidental ou europeu, que, já desde algum tempo enfraquecido, ruiu sem remédio no ano 476. Para o Papado, que até às invasões ascendia poderoso, era a presença destes bárbaros pagãos-arianos no Ocidente uma perigosa ameaça. Todavia, a grande crise que punha em risco a sua estrutura e que ameaçava a sua sobrevivência, amadureceu e nos começos do sexto século lhe deu ganho de causa. Como teve tal crise desfecho favorável à Sé romana é o que apreciaremos a seguir. Como no caso da crise do paganismo-romano com o cristianismo o advento de Constantino preparou o caminho para a ascenção Papal, no caso da crise do paganismo-ariano com o Papado o advento de Clodoveu, rei dos francos, preparou o caminho para a supremacia temporal do Papado na Europa. 723

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“Em 495 uma multidão de alemães e suecos havia penetrado na Gália seguindo o caminho traçado pelos francos. Clodoveu com seus francos marchou a encontrá-los e em Talbiach alcançou sôbre êles uma vitória tão completa que o país compreendido entre o Mein, o Danúbio, os montes da Boêmia e o Tirol submeteram-se-lhe. Durante a batalha fêz Clodoveu o voto de converter-se ao cristianismo”.1 “O rei, vestido de branco, como prescreve a igreja para os batismos, solicitou do bispo (Remígio, de Reims) a administração do primeiro sacramento da igreja, e em seguida “dirigiu-se qual outro Constantino, à pia batismal”, acrescenta o citado historiador, que por certo não alcançava então todo o sentido profético desta frase. Clodoveu foi, com efeito, outro Constantino, porque se êste foi o primeiro imperador que deu à religião católica o caráter de religião do Estado do antigo e vasto império romano, Clodoveu deu-lhe o mesmo caráter naquele nascente império franco, que séculos depois devia servir de base ao império do Ocidente restaurado, cuja coroa cingiu depois as frontes dos imperadores da Alemanha. “Junto à pia batismal, o bispo Remígio, dirigindo-se ao régio catecúmeno, exclamou: ‘Inclina a fronte, fero sicambro dominado; adora o que queimastes e queima o que adoraste’. Batisado o irei, receberam o mesmo sacramento mais de 3.000 homens do seu exército, que deviam ser os mesmos que na reunião prévia se tinham pronunciado unânimes a favor da religião católica”.2 Consumado o batismo de Clodoveu, “o papa chamou-o ‘o filho primogênito da igreja’, o título que os reis da França, seus sucessores, têm usado nestes 1.400 anos. Quando Clodoveu subiu da pia batismal, foi o único-filho da igreja, bem como o primogênito, pois apenas êle, dentre os novos chefes que ora governavam o Ocidente, submeteu-se até ali ao rito batismal. Tendo obtido vantagem das discussões dos iconoclastas para atirar a si o jugo imperial, o papa não poderia esperar auxílio do imperador de Constantinopla. Volveu os olhos para a França. A pronta e poderosa intervenção das armas francas salvou a cadeira papal, ora em risco extremo.3 Os reinos arianos foram grandemente alarmados com a conversão de Clodoveu ao catolicismo, e foram “convidados” a unir-se numa 1

Dicionário e Enciclopédia Hispano-Americano, art. Clodoveu. Os Crimes dos Papas, Vol. I, págs. 119-120. 3 History pf Protestantism, Wylie. 2

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‘liga de paz’, a fim de deter as agressões ilícitas de Clodoveu que os fazia perigar a todos”.1 “Numa só batalha perderam os visigodos para sempre a maior parte dos seus territórios na Gália, e sem o auxílio que tiveram com a chegada posterior dos ostrogodos, teriam os francos ocupado todo o país até aos Pirineus”. “Nestas circunstâncias chegaram as tropas ostrogodas ao teatro da guerra, sustidas até então na Itália por causa da esquadra bizantina que as ameaçava com um desembarque, provàvelmente de combinação com os francos”. “Os ostrogodos não só contiveram o ulterior progresso das armas francas, como também as fizeram retroceder. Foi esta, como já sabemos, a única campanha grande que o pacífico Teodorico empreendeu, porque se tratava, além do trono e da salvação do seu neto, de impedir que os francos se assenhoreassem de tôda a Gália”.2 “É evidente, pela linguagem de Gregório de Tours, que êste conflito entre os francos e os visigodos foi considerado pelo partido ortodoxo de seu tempo e de outros anteriores, como uma guerra religiosa, da qual, do ponto de vista humano, dependia a prevalência do credo católico ou ariano na Europa Ocidental”.3 “Havia sido eliminado o reino visigodo, mas ficava, todavia, a liga das potências arianas sob Teodorico. No ano seguinte, 508, Teodorico dirigiu-se contra Clodoveu e ganhou vitória, depois da qual fêz inexplicàveimente a paz com êle, e terminou a resistência das potências arianas”.4 A eminência a que chegou Clodoveu em 508, e a significação de suas vitórias para o futuro da Europa e da igreja católica, foram tão grandes, que os historiadores não puderam passá-las por alto sem comentá-las. “Não foi a sua uma conquista temporal. O reino dos godos ocidentais e dos borguinhões haviam passado a ser o reino dos francos. Haviam chegado finalmente invasores que iam permanecer. Estava decidido que os francos, e não os godos, haviam de dirigir os desígnios futuros da Gália e Alemanha, e que a fé católica, e não o arianismo, havia de ser a religião dêsses grandes reinos”.5 “Êle (Clodoveu) havia demonstrado em tôdas as ocasiões que era um implacável foragido, conquistador cobiçoso, tirano sanguinário; 1

The Theodoric the Goth, Thomas Hodgkin, pág. 198, 199. História Universal, G. Oncken, Vol. VI, págs. 343, 344. 3 The Rranks, From Their First Appearance in History to the Death of King Pepin — Gualteríco C. Perry, pág. 85. 4 Theodoric the Goth, Thomas Hodgkin, págs. 202, 203. 5 The Beginning of the Middle Ages, Ricardo W. Church, páginas 38, 39. 2

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mas por sua conversão havia preparado o triunfo do catolicismo; salvou a igreja romana dos rochedos de Escila e Caribdis, que eram a herezia e o paganismo, a assentou sôbre uma rocha no próprio centro da Europa, e fixou suas doutrinas e tradições nos corações dos conquistadores do Ocidente”.1 As vitórias de Clodoveu, depois de seu batismo, foram as vitórias da igreja católica. O bispo Avito escreveu-lhe: “E tú brilharás como o sol de todos (os católicos), mais resplendescente para aqueles que estando perto de ti serão iluminados pela coroa, mas também para aqueles que apesar de viver mais longe serão iluminados por tua elevada dignidade de governante. Assim celebra o mundo teus triunfos contigo, e a igreja participa de tua ventura: sempre que batalhas vence a igreja”.2 “O papa Anastácio, consagrado a 24 de novembro de 498, escreveu a Clodoveu no seguinte teor: “A cadeira de São Pedro jubila ao ver acudir a ela tão numeroso povo. Considera desde logo o monarca recém-ganho à sua causa como protetor e defensor da igreja: Oxalá que chegue a ser para ela coluna de bronze, sobretudo agora que estamos em tempo de combate”.3 Encerrando o comentário do versículo onze sôbre o “continuo”, cumpre salientar o seguinte: 1. Os bispos e o papa instigaram a Clodoveu na guerra contra os seus oponentes pagãos-arianos, logo após o seu batismo. 2. Clodoveu ao converter-se ao catolicismo, toma a defesa do Papado ameaçado pelo paganismo-ariano. 3. Clodoveu apoiou incondicionalmente o Papado na guerra contra o arianismopagão. 4. A guerra de Clodoveu aos arianos após seu batismo foi uma guerra religiosa, aliás, do Papado contra o arianismo. 5. Os bispos, os sacerdotes e o povo católico cooperaram com Clodoveu abrindo-lhe as portas de suas cidades à sua aproximação. 6. O trono papal foi salvo por Clodoveu de perecer sob a pressão do arianismo. 7. Em 508 foi decidida a pendência papal X ariana pelas armas de Clodoveu com vantagem definitiva para o Papado. 8. A fé católica triunfou sôbre a ariana. 9. Em 508 terminou para sempre a resistência unida do arianismo contra o Papado. 10. Em 508 Clodoveu fêz triunfar o catolicismo ou o Papado sôbre o paganismo-ariano. 1

The The Frank, From Their First Appearance in History to the Death of King Pepin, pág. 97. Los Videntes y lo Porvenir, L. R. Conradi, pág. 217. 3 Los Videntes y lo Porvenir, L. R. Conradi, pág. 217. 2

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Os sucessos históricos comprovam com absoluta segurança que Clodoveu, depois de convertido ao catolicismo e batizado, tornou-se uma figura de Constantino, salvando o papado de perecer sob a política e armas pagãs-arianas, como êste outrora da política e armas pagã-romanas. Ficou demonstrado cabalmente que o “contínuo” a que se referem vários textos das profecias de Daniel, era o paganismo, tendo em sua forma romana como em sua forma ariana, e que, em 508, exatamente, cessou a sua resistência organizada contra o Papado graças as armas católicas vitoriosas de Clodoveu, que prepararam, nesse ano, o caminho para o estabelecimento imediato da supremacia temporal definitiva do Papado no Ocidente. Encontrou, pois, a profecia, o seu pleno cumprimento. Foi desarraigada a “abominação da desolação”, o paganismo, de todos os elementos do império, para dar lugar à “abominação desoladora”, o Papado, desde 508 até 1798, ou sejam por 1.290 anos. Uma abominação foi trocada por outra. UMA BEMAVENTURANÇA PARA OS ÚLTIMOS DIAS VERSO 12: — Bemaventurado o que espera e chega até mil trezentos e trinta e cinco dias”.1 O versículo que agora temos diante dos olhos constitue o fêcho de ouro das profecias do livro de Daniel. A clareza do têxto assegura não tratar êle de um nôvo período profético, mas sim da extensão do anterior a 1.290 dias até 1.335 dias ou após, que então, desde 508, alcançou até à solene data de 1843. “Bemaevnturado”, reza o texto, “aquêle que espera e chega até 1.335 dias” ou anos, isto é, até ao ano de 1843, Aqueles que viveram no fim dos, 1.290 anos ou existiram em 1798, que dentre os acontecimentos ligados a esta data testemunharam a abertura do livro de Daniel, que ouviram a proclamação da mensagem dêste livro aberto, e que mesmo anunciaram a sua mensagem como uma nova luz a brilhar nas trevas finais da Idade Média, — seriam “bemaventurados” se conseguissem chegar ou viver até 1843. E qual a razão desta bemaventurança relacionada com o final dos 1.335 dias-anos em 1843 e os que lá chegassem ou vivessem? Poderemos saber quais as gloriosas ocorrências daquele ano que por fim tornariam bemaventurados os felizardos que atingissem a referida data profética. 1

Tradução João F. de Almeida, Daniel 12:12.

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Sem dúvida o ano de 1843 foi o ano da Bemaventurança ligada a esta profecia. Foi neste solene ano que o grande movimento Milerista, nos Estados Unidos, anunciou a segunda vinda de Cristo num movimento e entusiasmo sem precedentes, nas grandes cidades norteamericanas. Num dos entusiastas discursos de Guilherme Miller, o líder do movimento, enfatizara êle: “Creio que o tempo pode ser entendido por todos que desejarem entender e estar prontos para a Sua vinda. Eu estou inteiramente convencido que em algum tempo entre 21 de março de 1843 e 21 de março de 1844, de acordo ao modo judeu de computação do tempo, Cristo virá, e trará todos os Seus santos com Êle; e que então Êle recompensará a cada um conforme as suas obras”.1 Um periódico religioso norte-americano, publicou, em 1842 esta declaração Millerista: “A espectação do segundo advento em 1843 tornou-se geral em tôdas as partes do mundo”.2 Foram, portanto, realmente bemaventurados os que viveram no ano de 1843 e ouviram com tôda a ênfase sôbre a segunda vinda de Cristo para lhes dar a eterna recompensa. O ano de 1843, foi, além disso, o ano véspera do ano de 1844, em que findaram as duas mil e trezentas tardes e manhãs estudadas através de tôda a dissertação do versículo 14 do capítulo oitavo. De 1844 em diante, luz especial inundaria o mundo pela restauração do evangelho apostólico, pelo que o ano de 1843 foi preparatório para o grande ano de 1844. Os 1.260 anos de supremacia do Papado na Europa tratados no capitulo sete versículo vinte e cinco, estenderam-se desde o ano 538 até março de 1798. Os 1.290 dias ou anos do capítulo doze versículo onze, iniciados em 508, alcançaram também até março de 1798, pois ambos os períodos apontam o mesmo acontecimento: a derrocada do poder temporal do Papado em 1798, pela espada de Berthier, general de Napoleão. Portanto, os 45 dias ou anos, acrescentados aos 1.290 dias-anos, perfazendo o total de 1.335 dias-anos, atingiram até março de 1843. Foi precisamente nesta última data e mês, como vemos acima, que o grande movimento do advento, liderado por Guilherme Miller, nos Estados Unidos, iniciou com ênfase e poder a memorável proclamação

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The Midnight Cry — F. D. Nichol, pág. 135. The Midnight Cry — F. D. Nichol, pág. 134.

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da segunda vinda de Cristo dentro de um ano, a contar do término dos 1.335 dias ou anos em março de 1843. Os acontecimentos desta última data provaram a profecia e lhe deram fiel cumprimento. Os bemaventurados que viveram e alcançaram a proclamação da iminente segunda vinda de Cristo naquela data profética prevista, se regozijaram com a grande nova e se prepararam para o acontecimento. Na obra do mesmo autor — A Verdade sôbre as Profecias do Apocalipse — capítulo 10, encontramos a descrição da extraordinária proclamação que fêz bemaventurados. A CERTEZA DA VITÓRIA FINAL DADA A DANIEL VERSO 13: — “Tú, porém, vai até o fim; porque repousarás e estarás na tua sorte no fim dos dias”.1 Afinal eis diante de nós o último versículo do livro de Daniel. Se o penúltimo e o antepenúltimo constituem o fêcho de ouro do ciclo de profecias de seu livro, êste último é o fêcho de ouro de sua gloriosa história terrena como servo leal de Deus. As últimas palavras do anjo do Senhor são para animar o velho e fiel profeta e assegurar-lhe a sua sorte entre os remidos. Vemos aqui também a despedida de Gabriel ao “mui amado” e “mui desejado” Daniel, que soube, por cêrca de noventa anos, honrar o Céu e representá-lo condignamente entre os potentados da terra. Depois do terrível conflito de sua vida justa com os podêres das trevas, que tudo fizeram para desonrá-lo e eliminá-lo, eis que lhe é assegurado o grande prêmio de sua lealdade a Deus. “Tú, porém, vai até ao fim”. Jaime Moffatt traduz: “Vai e espera pelo fim; tú repousarás na sepultura e então ressuscitarás para desfrutar a tua sorte no fim dos dias”. Êste “fim” pelo qual Daniel devia esperar, não significa o fim de sua vida terrena, mas o grande “fim”, o desfecho da grande crise dos séculos pela aparição de “Miguel, o grande Príncipe”, que se levantará “pelos filhos do teu povo”. Naquele glorioso “fim”, Daniel seria lembrado e chamado por seu amado Salvador a quem serviu e amou sempre. Portanto, esperaria Daniel o “fim” — da história de um mundo em pecado — no pó da terra, para então abraçar seu Salvador e com Êle estar para todo o sempre. Conclusão: O autor desta exposição do livro de Daniel roga a Deus para que todos os que a lerem, considerarem e abraçarem-na, 1

Tradução João F. de Almeida, Daniel 12:13.

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possam ser ricamente abençoados e recompensados com a salvação do Senhor. Uma aceitação sincera da mensagem dêsse grande livro do profeta de Deus, levará a todos quantos nela crerem e por ela viverem, a gozarem do inapreciável, inexprimível e imperecível galardão de seu Redentor. Que Deus se digne, portanto, em Sua infinita e misericordiosa graça, a abençoar grandemente os leitores dêste livro e que se tornem êles felizardos súditos do glorioso reino de nosso Senhor Jesus Cristo pelos intérminos séculos da eternidade. Que naquele grande e glorioso “fim” possam encontrar-se com Daniel e com êle estar também em sua preciosa e eterna “sorte”. Amém!

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APÊNDICE

APÊNDICE NOTA 1 — UMA LAMENTAÇÃO POR TAMMUZ Segundo a arqueologia tem-nos revelado nestes últimos tempos, o ritual ou o pranto a Tammuz, no dia anual de sua morte, era, em parte, como damos a seguir: O senhor do destino não vive mais, o senhor do destino não vive mais. (Tammuz o ...) não vive mais, ... não vive mais. o lamentado (?) não vive mais, o senhor do destino (?) Não vive mais. Eu sou rainha, meu marido não vive mais. 5. Meu filho não vive mais. Dagalushumgalanna não vive mais. O senhor de arallu não vive mais. O senhor de Durgurgurru não vive mais. O pastor, o senhor Tammuz não vive mais. 10. O senhor, o pastor dos rebanhos não vive mais. O consorte da rainha, do céu não vive mais. O senhor dos rebanhos não vive mais. O irmão da mãe do vinho não vive mais. (Aquêle que cria) o fruto da terra não vive mais. 15. O poderoso senhor da terra não vive mais. Quando êle dorme as ovelhas e os cordeiros dormem também. Quando êle dorme os bodes e os cabritos dormem também. Quanto a mim, às habitações das profundezas dirigirei os meus pensamentos. Às habitações das grandes profundezas dirigirei os meus pensamentos. 20. “O herói, meu senhor, ai de mim, direi, “Alimento não come”, direi, “Agua não bebi”, direi, “Minha boa donzela”, direi, “Meu bom protetor”, direi,

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25. “Teu senhor, o exaltado, para o mundo inferior tem seguido o teu caminho; Teu senhor, o exaltado, para o mundo inferior tem seguido o seu caminho”. Por causa do exaltado do mundo inferior, êle de rosto radiante, sim, radiante, Por causa do exaltado do mundo inferior, êle com voz como pomba, sim como pomba. Por causa do exaltado, o senhor, por causa do senhor, 30. Alimento não comi por causa do senhor, Agua não bebi por causa do senhor. “Minha boa donzela, por causa do senhor, Meu bom protetor por causa do senhor, O herói vosso senhor, foi destruído. 35. O deus do cereal, a criança, vosso senhor foi destruído. Seu aprazível olhar não dá mais paz, Sua bondosa voz dá mais alegria (?); .....................no seu lugar, êle dorme como um cão; Meu senhor no.....................dorme como um corvo 40. Sòzinho está êle, sòzinho, Meu senhor por quem a lamentação é levantada. (Quarenta e uma linhas — um salmo sôbre a flauta de Tammuz). Êste poema ilustra o que Ezequiel ouvira em visão, quando em Espírito êle foi levado à porta do norte do templo, e ouviu as mulheres lamentando por Tammuz (Ezequiel 8:14).1 NOTA 2 — A SUJEIRA DE BABILÔNIA A despeito do rei Nabucodonosor ter elevado a cidade de Babilônia ao cume da glória terrena e não ter até hoje conhecido a terra outra cidade que mais tenha impressionado por suas muralhas e suas torres, por seus templos e seus deuses, por seus palácios e seus jardins suspensos, por sua imensa extensão e suas bem traçadas ruas — contudo foi Babilônia a cidade da extrema corrupção moral. O nome de Babilônia já bem indica o que ela era nos seus grandes dias. Quinto Curcio “diz que não existia nada mais corrompido que aquêle povo; ninguém mais sábio na arte dos prazeres e voluptuosidade. Pais e mães permitiam que suas filhas se prostituíssem com seus hóspedes por dinheiro, e os maridos não eram 1

Archaelogy and the Bible, George A. Barton, págs. 533, 534.

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menos indulgentes com as suas espôsas. Celebravam suntuosos festins aos quais assistiam as mulheres despojadas de tôdas as suas vestimentas; e não mulheres públicas, desprezíveis cortesãs, senão damas da mais alta linhagem acompanhadas de suas filhas”.1 Herôdoto pinta um terrível quadro da prostituição em Babilônia. “O costume mais infame que há entre cs babilônios”, diz êle, “é o de que tôda mulher natural do país se prostitua uma vez na vida com algum forasteiro, estando sentada no templo de Vênus. É verdade que muitas mulheres principais, orgulhosas por sua opulência, desprezam o ter de misturar-se na turba com as demais, e o que fazem é ir em um carro coberto e ficar perto do templo, seguindo-se uma grande comitiva de criados. Porém, as outras, conformando-se com o uso, sentam-se no templo, tendo a cabeça adornada de cintas e cordões, e ao passo que umas vêm as outras vão-se. Entre as filas das mulheres ficam abertas de uma parte a outra umas como ruas, tiradas a cordel, pelas quais vão passando os forasteiros e escolhem a que lhes agrada. Depois que uma mulher se assenta ali, não volve à sua casa até tanto que algum lhe lance dinheiro no regaço, e tirando-a do templo satisfaça ao objetivo de sua vinda. Ao lançar o dinheiro deve dizerlhe: ‘Invoco em favor teu a deusa Mylitta’, que é o nome que dão a Vênus os assírios: não é licito recusar o dinheiro, seja muito ou pouco, porque se lhe considera como uma oferta sagrada. Nenhuma mulher pode desprezar o que a escolhe, sendo indispensável que lhe siga, e depois de cumprir-se com o que deve à deusa, se retira à sua casa. Desde então não é possível conquistá-la outra vez à fôrça de dons. As que sobressaem por sua formosura, bem logo ficam desobrigadas; porém as que não são muito belas, acontece tardar muito tempo ,em satisfazer à lei, e não poucas permanecem ali pelo espaço de três, a quatro anos”.2 Estas palavras dos historiadores dizem tudo do caráter do povo que habitava a metrópole sem rival dos dias de Nabucodonosor. A prostituição franca e sem restrições, era em grande parte devida ao culto de Bel ou do Sol, ao qual ligava-se a deusa Mylitta ou Vênus, bem como a todo o ritual em sua honra, em que o gerar filhos era a principal demonstração do poder do astro rei, segundo criam. 1 2

Dicionário e Enciclopédia Hispano-Americano, art. Babilônia. Los Nueve Libros de la História, Herôdoto, págs. 101, 102.

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NOTA 3 — A TOTAL DESTRUIÇÃO DE BABILÔNIA “Martelo de tôda a terra”, como fôra chamada, tornar-se-ia “Babilônia em espanto entre as nações”.1 Considerada “a glória de tôda a terra”, nada a salvaria da subversão total.2 De suas poderosas muralhas, falou a profecia: “Os largos muros de Babilônia totalmente serão derribados, e as suas portas excelsas serão abrazadas pelo fogo”.3 Quem conceberia isto, em seus áureos dias? Quem então, daria crédito ao profeta? E ainda diz mais outro profeta de Deus do juízo que aguardava Babilônia: “Babilônia, o ornamento dos reinos, a glória e a soberba dos caldeus, será como Sodoma e Gomorra, quando Deus as transtornou. Nunca mais será habitada, nem reedificada de geração em geração: nem o árabe armará ali a sua tenda, nem tão pouco os pastores ali farão deitar os seus rebanhos. Mas as feras do deserto repousarão ali, e as suas casas se encherão de horríveis animais: e ali habitarão as avestruzes, e os sátiros pularão ali. E as feras que uivam gritarão umas às outras nos seus palácios vazios, como também os chacais nos palácios de prazer; pois bem perto já vem chegando o seu tempo, e os seus dias não se prolongarão”.4 Aos poucos Babilônia foi desaparecendo para sempre. Xerxes parece ter sido o primeiro a começar a sua demolição, pondo abaixo o grande templo de Bel, para vingar a sua derrota na Grécia. Seleuco Nicatur, da Síria, construiu uma nova cidade não longe de Babilônia, usando material desta velha capital da Ásia. A violência dos príncipes partos, entretanto, apressou a sua derrocada e a sua conversão em ruínas perpétuas. Ao tempo de Augusto, declara Deodoro, Babilônia era como “uma cidade em ruínas”. “Cirilo de Alexandria diz que no princípio do quinto século Babilônia estava convertida em um pântano em conseqüência do rebentamento dos diques dos canais”.5 Desde séculos já passados seus escombros têm servido como verdadeira pedreira onde inúmeros operários encontram sobejos materiais para construção de outras cidades, templos e palácios. É referido Pela história que Selêucia, Ctésiphon e Bagdad foram construídas com os tijolos dos palácios de Nabucodonosor. A grande rainha oriental foi 1

Jeremias 50:23. Jeremias 51:41. 3 Jeremias 51:58. 4 Isaías 13:19-22. 5 Source Book for Bible Students, ed. 1927, pág. 64. 2

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assim desaparecendo num lento mas progressivo agonizar. Hoje, a poderosa e altiva cidade de Nabucodonosor é um deserto em assolação, onde os sábios vão estudar suas ruínas e encher de antigüidades históricas os grandes e famosos museus do mundo. Vejamos agora, em nossos tempos, como um incidente interessante vem confirmar plenamente as profecias no que concerne à total destruição de Babilônia. “O Dr. Ciro Hamlin, missionário na Turquia, foi certa vez abordado por um oficial do exército turco, o qual lhe pedia provas da inspiração divina da Escritura. O interpelado ladeou a questão, começando a falar em suas muitas viagens, e demorando-se especialmente no que respeita à Babilônia. “Chegando a essa altura o oficial interrompeu o doutor, dizendo: — Êste nome sugere-me um incidente interessante que lá se deu comigo. Sou muito amigo de caçadas, e ouvindo dizer que nas ruínas daquela cidade abundavam os leões e outras feras, resolvi ir para lá. Ajustei um sheik e alguns auxiliares para me acompanharem. Chegamos a Babilônia e armamos nossas tendas. Pouco antes de se pôr o sol, tomei a espingarda e percorri os arredores. As cavernas que existem pelas ruínas estão infestadas de caça, a qual, porém, raro se vê antes do anoitecer. Avistei um ou dois animais a distância, e voltei então ao acampamento, com a intenção de dar inicio ao meu esporte logo que o sol entrasse. Qual não foi, porém, minha surpresa ao achar os homens desarmando as tendas. Dirigi-me ao sheik e protestei veementemente. Ajustara-o por uma semana, e ia pagar-lhe bem, e eis que se dispunha a partir, agora que nosso contrato apenas começara. Coisa alguma que lhe dissesse, porém, o podia persuadir a ficar. — “Não é seguro”, dizia êle”; mortal algum se atreve a ficar aqui depois de posto o sol. Nas trevas, saem espíritos, duendes e tôda sorte de fantasmas, das cavernas e covas, e todo o que aqui for por êle achado, é levado e se torna um dêles”. “Vendo que não o podia persuadir, disse eu: “Bem, eu já lhe estou pagando mais do que devia: mas se você ficar, pagar-lhe-ei o dobro!” “Não! volveu êle; eu não ficarei nem por todo o dinheiro do mundo. Nenhum árabe já viu o sol pôr-se em Babilônia. Mas quero fazer o que fôr justo. Iremos a um logar a uma hora de distância e voltaremos ao raiar do dia. “E foram-se. Tive de desistir de minha diversão”. 737

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“Tomando então da Escritura Sagrada, abriu-a o dr. Hamlin em Isaías trêze e pôs-se a lêr ao oficial os versículos 19 a 22”, que já citamos atrás, num cumprimento exato na experiência citada. — “É isto exatamente! exclamou o coronel, terminada a leitura. Mas o que o senhor leu é da história universal.” “O missionário replicou que não era história universal, mas sim profecia, ao que o oficial se mostrou muito surpreendido, prometendo meditar sôbre o caso”.1 Poderia haver cumprimento mais perfeito da palavra do profeta do que êste? Êste fato, só por si, desbarata de modo incontestável a teimosia dos céticos e ateus que se erguem gratuitamente contra as profecias inspiradas das Sagradas Escrituras. NOTA 4 — O DECRETO DE CIRO EM FAVOR DOS CATIVOS JUDEUS Segundo a clara profecia de Jeremias e cativeiro babilônico devia durar 70 anos completos.2 E é notável que um futuro grande conquistador das nações fôra previamente indicado na profecia de Deus, por seu próprio nome, cerca de mais de um século antes de seu nascimento, para expedir o decreto de libertação e retorno dos cativos hebreus à Judéia findo o cativeiro. Ciro, o Grande, é o homem inquestionável da profecia. A Inspiração, na palavra do profeta Isaías, assim refere-se sôbre Ciro: “Quem diz de Ciro: É meu pastor, e cumprirá tudo o que me aprás: dizendo também a Jerusalém: Sê edificada; e ao templo: Fundate. Assim diz o Senhor ao seu ungido, a Ciro, a quem tomo pela sua mão direita, para abater as nações diante de sua face; eu soltarei os lombos dos reis, para abrir diante dêle as portas, e as portas não se fecharão: Eu irei diante de ti, e endireitarei os caminhos tortos: quebrarei as portas de bronze, e despedaçarei os ferrolhos de ferro, e te darei os tesouros das escuridades, e as riquezas encobertas, para que possa saber que eu sou o Senhor, o Deus de Israel, que te chama pelo teu nome. Por amor de meu servo Jacó, e de Israel, meu eleito, eu a ti te chamei pelo teu nome, puz-te o teu sobrenome, ainda que me não conheces... Eu o despertei em justiça, e todos os seus caminhos

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O Vencedor em Tôdas as Batalhas, L. Waldvogel, págs. 133-136. Jeremias 25:11-12; 29:10.

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endireitarei: êle edificará a minha cidade, e soltará os meus cativos, não por preço nem por presentes, diz o Senhor dos Exércitos”.1 Quando Ciro galgou o trôno da Medo-Pérsia, depois da morte de Dario o Medo, Daniel, segundo Josefo, lera a êle a profecia de Isaías a seu respeito, acima citada, e chamara-lhe a atenção para a maneira porque Deus o chamara por nome mais de cem anos antes dêle nascer. “Tomando o rei conhecimento das palavras que prediziam, mais de um século antes do seu nascimento a maneira pela qual Babilônia deveria ser tomada; ao ler a mensagem a êle dirigida pelo Rei do Universo;... ao ver diante dos seus olhos a declaração do eterno Deus;... o seu coração foi profundamente movido, e êle se determinou cumprir sua missão devidamente indicada. Êle libertaria os judeus cativos; êle os ajudaria a restaurar o templo de Jeová”.2 O decreto original de Ciro, fôra ao tempo de Dario Histaspes, encontrado na cidade de Achmnetha, no palácio que está na província da Média, e pode ser lido no livro de Esdras, capítulo seis versículos três a cinco. Segundo o próprio decreto assinado pelo grande rei, foi êle legislado no primeiro, aliás, no ano 536 a.C., tendo o cativeiro começado 70 anos antes, isto é, em 606 a.C. Um total de 32.360 cativos, além de 7.337 servos e servas, prevaleceram-se do decreto de Ciro e deixaram o Oriente com destino a Jerusalém sob a liderança de Zorobabel.3 Conduziram consigo nada menos de 8.136 animais — cavalos, mulos, camelos e jumentos, além dos que partiram carregados de ricas e custosas ofertas doadas pelo rei e os exilados que preferiram permanecer na terra de seu cativeiro.4 O regosijo dos que voltaram a Sião foi indizível, e Davi, cêrca de 500 anos antes, salmodiou o regosijo que lhes invadia a alma nestas belas palavras: Quando o Senhor trouxe do cativeiro os que voltaram a Sião, estávamos como os que sonham. Então a nossa boca se encheu de riso e a nossa língua de cânticos; então se dizia entre as nações: Grandes coisas fez o Senhor a êstes. Grandes coisas fez o Senhor por nós, e por isso estamos alegres. — Salmos 126:1-3. 1

Isaías 44:28; 45:1-4, 13. Profetas e Reis, E. G. White, pág. 557. 3 Esdras 2:64-65. 4 Esdras 2:66-69. 2

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A despeito de tôda a oposição dos inimigos dos judeus, que à côrte persa de Ciro, de Cambises, do falso Smerdis e de Dario Histaspes enviaram cartas e embaixadores protestando sôbre a reconstrução na Judéia e a livre proteção do reino aos libertos cativos, — o decreto de Ciro sempre foi mantido, principalmente pelo decreto de Dario, como se encontra no livro de Esdras cujos textos citamos. Os expositores que advogam com justiça a data 539 para a queda de Babilônia, caem em graves erros em sua apreciação e definição das datas inicial e terminal do cativeiro hebreu no Oriente. Começam por fixar o ano 605 como data do começo do cativeiro. Nesta base e como o cativeiro foi de 70 anos, deveria então ter findado no ano 535 e êste ano, forçosamente, deveria ter marcado o primeiro ano de Ciro, e êle, nessa mesma data, deveria ter dado liberdade aos cativos, conforme esclarecem as Sagradas Escrituras.1 Porém, êsse ano, 535, segundo a cronologia e os fatos históricos, não foi o primeiro ano de Ciro em que êle promulgou o que podemos chamar de maior ato de seu reinado, — o decreto de retorno dos cativos à Judéia para reconstrução do tempo de Jerusalém, sob a liderança de Zorobabel. Outro êrro bastante grave dos mesmos expositores, — é o que define como primeiro ano de Ciro — o ano 538 a.C. Nêste caso, o cativeiro de 70 anos deveria, ter começado em 608 a.C., com o que êles de modo algum concordam. Vemos que seus pontos de vistas são evidentemente contraditórios. Afirmam que ó cativeiro partiu do ano 605 mas que o primeiro ano de Ciro em que êle findaria foi o ano 538. Nêste caso significa atestar que a profecia da conclusão do cativeiro cumpriu-se dois anos antes do tempo prefixado pela inspiração.2 Mas de nada valem os seus argumentos, uma vez que a revelação de Deus garante que o primeiro ano de Ciro só ocorreria no ano do fim do cativeiro. Todavia, posto que asseveram que o primeiro ano de Ciro foi o ano 538, atestam que êle deu o decreto de liberdade aos judeus em 537, ainda que não desconheçam a afirmativa da revelação de que o referido decreto seria expedido por Ciro no primeiro ano de seu reinado e não antes nem depois. Uma das razões porque tais expositores advogam o ano 538 como o primeiro ano de Ciro, é a pretenção de que Dario o Medo não reinou independentemente, mas que foi co-regente conjuntamente com Ciro 1 2

Esdras 1:1-11. Jeremias 29:10; II Crônicas 36:21-29.

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de 538 em diante. Isto, porém, não só não tem apoio histórico como vai de encontro à revelação que taxativamente declara que “após sua morte (de Dario), cêrca de dois anos depois da queda de Babilônia, Ciro o sucedeu no trôno”. Ora, se Ciro sucedeu a Dario o Medo depois dêste ter reinado “cerca de dois anos”, então evidentemente Ciro não reinou conjuntamente com êle nem êle com Ciro. A inspiração é clarividente em seu testemunho de que um deixou o trôno pela morte e o outro o ocupou sucedendo-o. O sexto capítulo do livro de Daniel apresenta Dario o Medo em seu primeiro ano de reinado, procedendo a uma grande reforma administrativa do império conquistado aos caldeus. A revelação não apresenta ali nenhum co-regente de Dario no processo da reforma aludida. Ciro, segundo o relatório inspirado, acha-se completamente ausente daquele processo de reforma do reino mundial. O relato, dando conta de Dario, reza: “E Dario, o Medo, ocupou o reino, na idade de sessenta e dois anos”. E o sexto capítulo inicia assim: “E pareceu bem a Dario constituir sôbre o reino a 120 presidentes, que estivessem sôbre todo o reino; ... Sim, “e pareceu bem a Dario”; só êle é quem aparece como grande reformador. É bem possível que Ciro estivesse empenhado em campanhas ainda por algum tempo, afim de consolidar, fortalecer e demarcar as fronteiras do império na Ásia. Porém, segundo a profecia, como vimos, Dario, o Medo, era o absoluto soberano real. Ciro deu à Média, na pessoa de Dario, o privilégio de encabeçar a nova realeza e a autoridade mundial. Logo não houve nenhuma co-regência de Dario com Ciro ou dêste com êle. Outro argumento pretendido para essa co-regência, é que a Bíblia cita apenas o primeiro ano de Dario. Mas, o fato de aludir ao seu “primeiro ano” (e três vêzes o faz), comprova que êle reinou mais do que um ano, aliás, “cêrca de dois anos”, pois é a própria revelação que confirma o seu reinado por “cêrca de dois anos”, Nada mais claro do que isso mesmo. É dramático sustentar pontos de vistas sem medir suas conseqüências e mantê-los até mesmo sem levar em conta a verdade inspirada evidente. Aí está uma argumentação incoerente que denota recusa aberta das evidências históricas imutáveis e até mesmo da própria inspiração de Deus. Conclusões tais parecem-nos impossíveis para mentes férteis e estudiosas. Contudo, para certas mentalidades, a despeito de inteligentes, tudo pode ser possível — até mesmo o 741

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impossível! Mas a verdade é sempre a verdade e inútil será a violência do homem contra ela.1 Concluindo, aqui chegamos: Que o cativeiro hebreu teve início no ano 606 a.C., que o primeiro ano de Ciro foi 536 a.C. Nada mais claro do que isso mesmo. Se crermos diferente do que o exposto acima, será o mesmo que atestar falta de confiança nas profecias de Deus e dar apôio ao erro e à especulação de indivíduos que preferem manter seus pontos de vista acima da Revelação inspirada de Deus. O cristão que no presente século deseja manter sua lealdade à revelação de Deus, carece duma forte dose de fé legitima, pois a fé real na inspiração profética das Sagradas Escrituras é hoje difícil de ser encontrada. Os chamados maiores teólogos são os que menos crêm da revelação de Deus. NOTA 5 — O TERCEIRO ANO DE CIRO Para determinar o terceiro ano de Ciro é imprescindível determinar antes de tudo o seu primeiro ano no trôno da Medo-Pérsia. Segundo a inscrição de Nabonidus em seu célebre cilindro dando conta do fim do império caldeu, Gobrias, o poderoso general de Ciro, capturou Babilônia no dia 16 de Tammuz (4.° mês — junho-julho). Dêste histórico documento arqueológico entendemos que Babilônia caiu em poder de seus conquistadores a princípio de julho — segundo o nosso atual calendário Gregoriano. Estamos assim certos de que Dario o Medo iniciou o seu reinado no trôno do novo império da terra começando a reinar desde o início da segunda metade do ano da conquista de Babilônia. Um outro documento, de fonte tôda digna de crédito e referindo-se ao reinado e morte de Dario o Medo e a Ciro como seu sucessor, declara: “Após sua morte, cêrca de dois anos depois da queda de Babilônia, Ciro o sucedeu no trôno, e o início do seu reino marcou o fím dos setenta anos desde que o primeiro desde que o pequeno grupo de hebreus tinha sido levado cativo por Nabucodonosor de sua pátria judáica para Babilônia”.2 Está claro: Dario o Medo reinou “cêrca de dois anos” a queda de Babilônia — aliás, desde a metade do ano da conquista da grande cidade (539), o seguinte ano todo (538) e cêrca da metade do outro ano (537) — sendo então sucedido por Ciro. Entendemos, portanto,

1 2

II Coríntios 13:8. Profetas e Reis, E. G. White, pág. 556, 557.

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que a morte de Dario o Medo aproximadamente dois anos depois da conquista de Babilônia no ano 539, ocorreu cerca do mês de julho do ano 537 a.C., tendo Ciro a êsse tempo ocupado o trôno vago. Porém, segundo a cronologia real do trôno Persa, o primeiro ano oficial de Ciro no trôno do mundo, iniciou-se somente com o primeiro dia do nôvo ano civil a meados de setembro no ano 537, conforme o nosso calendário atual. Nossa base funda-se tanto na cronologia como na Revelação. Assim o primeiro ano de Ciro mediou entre setembro do ano 537 e setembro do ano 536 a.C. Nesta correta base, o terceiro ano de Ciro foi o que mediou entre setembro do ano 535 e setembro do ano 534 a.C. A data da terceira visão de Daniel no terceiro ano de Ciro, fundase ainda na seguinte razão: Daniel teve a visão estando com algumas pessoas na praia do Hiddekel, o rio Tigris, conforme o capítulo dez de seu livro, ou seja do ano 435 a.C., e os primeiros seis mêses do reinado de Ciro — setembro a março — não eram favoráveis em dita época (outono-inverno) para o agradável desfrute de uma praia da Mesopotâmia, se esta era a real razão de Daniel e outras pessoas se encontrarem às margens daquele rio. Isto confirma a terceira visão de Daniel na segunda parte do reinado de Ciro ou seja no ano 534. Pelo mesmo principio entendemos que o decreto de Ciro, dando liberdade aos cativos judeus no Oriente, no seu primeiro ano de reinado, foi expedido depois do inverno do ano 536, o que vem testificar que o povo de Deus fôra levado em cativeiro depois do inverno do ano 606, setenta anos antes, pois não era possível que Nabucodonosor os houvesse conduzido ao Oriente em pleno rigor do inverno. Nos antigos tempos os reis começavam suas campanhas guerreiras na primavera e findavam no verão. Concluindo, aqui chegamos: Que o cativeiro hebreu teve seu inicio no ano 606 a.C., que o primeiro ano de Ciro foi o ano 536 — e que o terceiro ano dêste monarca do mundo, em que Daniel recebera sua terceira visão — foi o ano 534 a,C. NOTA 6 — OS POVOS QUE DIVIDIRAM ROMA Em harmonia com os dez dedos da estátua do capítulo dois e os dez chifres do quarto animal do capítulo sete, o império romano ocidental se dividiria em dez partes formando a Europa Moderna. Dez povos invadiram Roma e a dividiram entre si. Eram eles: 743

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1. Anglo-Saxões: — Pertenciam à grande família germânica e habitavam a margem direita do Elba originalmente. Primeiramente os saxões e mais tarde os anglos, passam para a Inglaterra, onde formaram o reino que até hoje permanece. 2. Alamanes: — Primitivamente habitavam os países compreendidos entre o Danúbio e o Mein e logo se trasladaram às margens do Reno inferior. Hoje não é possível ignorar quem sejam os alamanes, pois os alemães, o mais industrioso povo da Europa são os indiscutíveis alamanes de outrora. 3. Francos: — Habitavam antigamente nas proximidades do Reno. Desde o segundo século travavam luta aberta com os imperadores romanos. Por fim invadiram a Gália onde permanecem até hoje com o nome de francêses, cuja moeda lembra-lhes o antigo nome. 4. Borgundos: — No século III chegaram às margens do Reno. Na grande invasão bárbara do V século estavam inclusos os borgundos que se localizaram por fim da Europa Central, e são hoje conhecidos pelo nome de suíços, um povo pacífico em meio ao turbulento continente europeu. 5. Suevos: — Ocupavam os países às margens do Reno até sua origem, partindo desde a confluência do Mein. Grande parte dêles uniram-se a princípio do V século com os borgundos, vândalos e alanos para invadir a Gália. Passaram à Espanha em 409 e ao noroeste da península fundando um reino que se estendeu até à Lusitânia. Os suevos são hoje os portugueses que ocupam parte da península Ibérica. Na história são grandes descobridores de terras dalém mar algumas das quais possuem como ricas colônias. 6. Lombardos: — Têm uma história um tanto obscura até ao dia em que começaram as suas relações com os francos. Em 568 baixaram à Itália e apoderaram-se de Milão e de Pávia. Dez anos mais tarde devastaram a Itália. Seguiu-se então longa querela política interna onde seus muitos reis governaram e lutaram com seus nobres. A raça lombarda tem hoje nos italianos os seus legítimos descendentes num grande povo ali na península italiana. 7. Visigodos; — Ocupavam primeiro as regiões cultivais dos Karpatos, subordinados, mas por laços bastante fracos, aos ostrogodos. Em virtude dos maus tratos dos romanos, a quem passaram a servir desde a investida de Átila, revoltaram-se, assolaram á península, balcânica. Sob Alarico invadiram a Itália tendo assolado tremendamente a Grécia. Assaltaram Roma que saquearam durante três dias e muito sangue derramaram. Depois de Alarico decresceu o ímpeto dos visigodos. Vencidos nas Gálias por Clodoveu, passaram 744

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por fim à Espanha, onde seus descendentes ainda permanecem formando uma grande nação — a Espanha. 8. Ostrogodos: — Eram a fração oriental da grande nação gótica. Sob seu grande rei Teodorico, estiveram a serviço do imperador Zenon de Constantinopla, que os mandou à Itália para darem cabo dos Hérulos de Odoacro. Fundaram um reino na Itália onde foram por fim vencidos por Belisário. Pouco depois desaparecia da história a grande nação ostrogoda. 9. Vândalos: — Povo de origem um pouco ambígua. Atravessaram em 406 Reno com outros povos invasores do império romano, devastaram a Gália e entraram na Espanha em 409. Em 429 passaram à África onde fundaram um poderoso reino que teve por capital Cártago. Fundaram,um império marítimo no Mediterrâneo e foram por fim destruídos por Belisário por ordem de Justiniano, imperador de Constantinopla. 10. Hérulos: — Formavam primitivamente bandos de ladrões indisciplinados e selvagens em vez de nação organizada. Com Odoacro alcançaram o apogeu como reino e como povo na Itália. Foram destruídos pelos ostrogodos a mandado de Zenon em 493 e desapareceram da história como povo. NOTA 7 — A POSITIVA LENDA DO MENINO CIRO Segundo Heródoto refere no primeiro dos nove livros de sua história, Mandane, filha de Astíages rei da Média, e esposa do persa Cambises, deu à luz Ciro, que tornou-se o poderoso conquistador do mundo. Porém, logo depois do nascimento de Ciro, seu avô Astíages tentou matá-lo em virtude dum sonho que, explicado por seus adivinhos, Ciro lhe tomaria a corôa. Astíages apoderou-se do menino e o entregou nas mãos de um de seus favoritos para que o matasse. Mas não teve valor Harpagos, o assim chamado seu favorito para cometer tão horrível crime por sua mão, como tão pouco Astíages havia tido para fazê-lo. Harpagos, depois de haver dito a seu senhor que cumprira seu encargo, entregou o menino a um pastor para que o sacrificasse; mas êste, movido por sua vez pela compaixão, longe de matá-lo e de acordo com sua mulher, o adotou como filho e o criou como se fôsse seu. Quando Ciro atingiu os seus, dez anos de idade, foi por casualidade descoberto quem êle era. Achando-se brincando com outros meninos, tocou-lhe fazer o papel de rei; e como um de seus companheiros lhe desobedecera, fê-lo castigar cruelmente pelos demais, tendo o pai do rapaz se apresentado ao monarca pedindo que 745

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castigasse a Ciro. Astíages fez que lhe apresentassem o culpado com o propósito de castigá-lo. Notando, no entanto, o rei, em Ciro certa semelhança entre êle e sua filha Mandane, veio-lhe o pensamento de que quiçá suas ordens não haviam sido obedecidas e que seu neto vivia e era aquele. Então chamou a Harpagos e ao pastor, e ouviu então que não se enganara. Como estava Astíages arrependido de sua falta, encheu o menino de carícias e enviou a seus pais que olvidaram o pesar que o velho rei lhes havia causado com a alegria que o achado de seu filho lhes proporcionou. Mas Ciro, apenas alcançando a virilidade, quiz vingar-se do avô. Pôs-se à frente das tribus belicosas da Pérsia, avassaladas pela Média, e, secundado por seu próprio pai, levantou-se contra o avô acendendo a guerra civil. Astíages é por fim vencido e destronado, e Ciro fez-se senhor da Média avassalando-a à Pérsia. Para muitos, a história acima não passa de uma bem inventada lenda. Seria todavia uma lenda de caráter muito positivo. Se levarmos em conta o que a profecia diz a respeito de Ciro, seremos forçados a admitir que a referida lenda tem um amplo fundo de verdade. Já nos referimos à página 649, que Ciro foi apontado pela profecia de Isaías, cerca de mais de um século antes de nascer, sob dois aspectos distintos: 1) Como futuro conquistador das nações; 2) como quem expediria um decreto libertando os judeus findo o cativeiro babilônico e ordenaria a reconstrução do templo em Jerusalém. Esta profecia se encontra em Isaías capítulo quarenta e quatro versículo vinte e oito e capitulo quarenta e cinco versículos um a trêze. Ora, Satanás sabia disto perfeitamente. Êle conhece tôdas as profecias, mormente as que dizem respeito aos movimentos do povo de Deus através dos séculos. E então planeja seus satânicos planos para opôr-se à marcha vitoriosa do povo de Deus, principalmente em cada passo decisivo e profético dêste povo. Assim fez êle ao tempo do Êxodo através do Faraó; ao tempo de Ester através de Amã; ao tempo do primeiro advento de Cristo através os guias judaicos. O mesmo fez nos tempos do movimento apostólico, da Reforma e do Advento, E agora perguntamos: Ao tempo em que os cativos deveriam ser libertos por decreto de Ciro resultante da profecia de Isaías, para restaurar o culto a Jeová na terra, estaria porventura Satanás desapercebido dêste extraordinário contecimento? Permaneceria êle indiferente? Jamais! Nêste prisma, vemos que a chamada lenda da meninice Ciro tem um real lastro de verdade. O inimigo procurou deveras eliminar o conquistador ao nascer, para fazer caducar a profecia de libertação do povo de Deus e a restauração de Seu culto na Judéia às ordens de Ciro 746

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ao empunhar êle o cêtro do mundo. Entretanto, Deus cuidou de Ciro e êle sobreviveu para cumprir a grande profecia a seu respeito como conquistador das nações e em bem do povo do Senhor e Sua causa. Ciro estava incluso no plano de Deus para desempenhar um importante papel — e Satanás não conseguiu eliminá-lo. NOTA 8 — OS CERCOS DE JERUSALÉM Na história de Jerusalém vemos esta cidade sitiada dez vêzes. Damos abaixo um esboço de todos os sítios pelos quais passou para termos uma idéia de sua acidentada história: 1. Foi tomada aos cananeus pelos filhos de Judá, queimada e seus habitantes passados ao fio da espada.1 2. Tomada e saqueada por Sisak, rei do Egito, que a saqueou. Foi devido o povo ter pecado contra Deus.2 3. Tomada por Hazael, rei da: Síria. Grande, tesouro foi levado pelo vencedor. Foi devido o povo ter deixado ao Senhor.3 4. Tomada por Jeoás, rei de Israel, e saqueda de seus tesouros. Parte do muro da cidade foi destruído.4 5. Cercada por Resin, rei da Síria, e Peka, rei de Israel. A cidade não foi tomada porque Deus interviu para livrá-la.5 6. Cercada por Senaqueribe, rei da Assíria. Foi o maior cerco sôbre Jerusalém. Deus, porém, livra a cidade.6 7. Tomada por Nabucodonosor, rei de Babilônia. Êste acontecimento iniciou o cativeiro judeu de setenta anos.7 8. Tomada por Nabucodonosor, rei de Babilônia. Foi o resultado da rebelião do reis Joaquim contra Babilônia.8 9. Tomada por Nabucodonosor, rei da Babilônia. O rei Joachin é levado em cativeiro com 10.000 outros cativos.9 10. Tomada por Nabucodonosor, rei de Babilônia. A cidade foi totalmente destruída e seus muros postos abaixo.10 1

Juízes 1:8. II Crônicas 12:1-9. 3 II Reis 12:17-18; II Crônicas 24:23-24. 4 II Reis 14:13-14. 5 Isaías 7:1-7. 6 II Reis 18:1-37; 19:1-37. 7 Daniel 1:1; II Reis 24:1. 8 II Reis 24:2-5. 9 II Reis 24:8-16. 10 II Reis 24:17-20; 25:1-22. 2

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Êstes dez cêrcos de Jerusalém foram deveras dramáticos. Sete dêles foram resultantes de castigos de Deus por desobediência aos Seus mandamentos. Por fim os romanos a cercaram e a destruíram no ano 70. Mas os judeus não mais eram o povo de Deus. NOTA 9 — O ARIANISMO O arianismo é a heresia que teve sua origem em Ário. Êste nasceu em 270 em Cirenaica ou Alexandria. Em 312 ordenou-se depois de ter ouvido o patriarca de Alexandria pregar um sermão sôbre a Trindade. Data desta ocasião a sua heresia, ou seja o arianismo. O ponto de partida do raciocínio de Ário consiste em que os evangelhos apresentam o Filho subordinado ao Pai. A essa subordinação deu êle um sentido absoluto, o que destruía a igualdade das pessoas da Trindade. Se o Filho, dizia Ário, estava subordinado ao Pai, não era absolutamente Deus; e por conseguinte não podia ser igual ao Pai, e, não o sendo, não era da mesma essência divina. Se o Filho, acrescentava, fosse igual ao Pai, nêsse caso havia dois Deuses, o que levava ao politeísmo. Além disso, sendo a natureza divina imutável, indivisível e incriada, só poderia sair dela substâncias criadas. Daí o Filho ter tido o seu começo e por isso mesmo não ser eterno como o Pai, mas que era uma obra, uma creatura, sem dúvida. Daí negar Ário a divindade de Cristo, tão sobejamente provada e atestada em tôdas as Escrituras, quer do Velho quer do Nôvo Testamento, e em especial pelos evangelhos que relatam a Sua vida. O arianismo começou a manifestar-se em 318, propagando-se com grande rapidez e dando lugar a acesas controvérsias entre os teólogos. Diferentes concílios condenaram essa pave heresia, o que não impediu sua propagação. Ário dirigiu-se pessoalmente a várias partes da cristandade em propaganda de sua doutrina e enviando sua profissão de fé a muitos bispos, e muitos homens eminentes prestaram-lhe a sua adesão, entre os quais Eusébio de Nicomédia e Eusébio de Cesaréia. A heresia de Ário dividiu a igreja em dois campos. A luta encarniçou-se, travando-se verdadeiros duélos entre os partidários de Ário e os seus antagonistas. O concilio de Nicéia, 325, combate essa heresia ariana; mas, os bispos que não aderiram às suas resoluções, começaram a propagar a nova doutrina com mais veemência, conseguindo o arianismo dominar o Oriente. Vieram depois os posteriores concílios de Sardica, na Ilíria, e o de Filípolis, na Trácia, 748

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onde os bispos aderentes excomungaram-se reciprocamente, até que após muitas lutas e controvérsias, os arianos foram tratados como rebeldes, sendo saqueadas as suas igrejas. Quando parecia prestes a extingüir-se, a invasão dos bárbaros trouxe-lhes novos alentos. Com a destruição dos hérulos, dos vândalos e dos ostrogodos, e da ascenção do Papado, declinou rapidamente até que de todo emudeceram os que com tanta veemência haviam propagado a nova heresia, que marcou um período tempestuoso na história das lutas e controvérsias religiosas. NOTA 10 — O HOLOCAUSTO PARTICULAR DO POVO Além do holocausto “ contínuo” da manhã e da noite, que era uma oferta oferecida por Deus mesmo, o povo devia também trazer os seus holocaustos particulares por seus pecados de acôrdo às prescrissões do ritual do santuário. A mesma lei do “holocausto contínuo” era a lei do holocausto do povo. Tanto o “holocausto contínuo” de Deus como o holocausto ocasional do povo, eram partidos em partes iguais, postos em ordem de modo igual no altar e no altar inteiramente queimados e consumidos juntos. Ambos os holocaustos ardiam juntos sob a ação do mesmo fogo. O sangue de um e de outro era expargido do mesmo modo sôbre o altar onde se consumiam. O holocausto do povo era constituído de bezerros, cabritos, cordeiros, carneiros pombinhos ou rolas.1 Segundo a Bíblia, os holocausto do povo deviam ser oferecidos depois do oferecimento da oferta da expiação do pecado. Eram oferecidos pelos pecados ocultos; pela purificação depois do parto; pela purificação do leproso; pela imundícia do homem e da mulher. Anualmente eram oferecidos de modo particular na festa da Páscoa; na festa das primícias; no dia da lua nova; na festa dos tabernáculos; no dia das trombetas; no dia da expiação; e também na dedicação do santuário; na consagração dos sacerdotes.2 Através os seus holocaustos o povo manifestava a aceitação do “holocausto continuo” de Deus e era aceito por Deus. Ao queimarem juntos ao altar, um representava a morte real do Filho de Deus pelo pecado do mundo e o outro a morte espiritual do pecador para o mundo. Aí está a lição: Sem a morte espiritual do pecador na morte 1

Levíticos 1:5, 10, 14-17. Levíticos 5:7; 12; 14:22, 19; 15:15, 29-30; Números 28:16-19; 28:26-27; 29:1-2; 28:7-.8; Levíticos 16:24; Números 23:11-14; 29:12-13, 36; 7:15. 2

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real de seu Salvvador, — não háá religião o nem saalvação. Tudo esstá do. irremediiavelmennte perdid NOT TA 11 — GRÁFIICO PRO OFÉTIC CO DO CATIV VEIRO BABILÔ B ÔNICO (D Das págss. 51 a 555)

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ÍNDICE GERAL DA MATÉRIA Palavras do autor ................................................................................. 7 Prefácio ...............................................................................................11 Introdução ...........................................................................................43 PRIMEIRA PARTE CAPÍTULO I – EMBAIXADORES DE DEUS NA CORTE DE BABILÔNIA ...............................................................................51 Versículo 1 — O reino judeu em demanda do abismo: — Joaquim rei de Judá — Nabucodonosor rei de Babilônia — O terceiro ano de Joaquim. Versículo 2 — O estranho remédio de Deus; — Nabucodonosor, o açoite de Deus — O templo é pilhado por ordem de Deus — Onde foram parar os vasos. Versículos 3-5 — A universidade de Babilônia: — Um maravilhoso plano do rei Nabucodonosor — Universitários escolhidos — O objetivo da Universidade da corte — O cardápio da universidade da corte. Versículo 6-7 — Novos nomes aos universitários hebreus: — Uma vã esperança do rei. Versículo 8 — A vitória deve ser ganha: O coração tem que vêr com a vitória — O grande exemplo é rejeitado — “Mens sana in corpore sano” — Urge acatar o exemplo. Versículo 9-10 — Aspenaz em apuros: — Graça e misericórdia em ação — A fé não retrocede. Versículos 11-16 — Um plano para ser fiel: — A prova convence Melzar. Versículo 17 — A bênção de Deus nos estudos: — O dom de profecia na côrte do mundo. Versículos 18-20— O grande exame final: — Um marcado triunfo — A sabedoria não veio por acaso — Responsabilidade no século XX — Uma mensagem à juventude hodierna. Versículo 21 — Daniel deixa a corte mundial. CAPÍTULO II – I. O IMPRESSIONANTE SONHO DOS IMPÉRIOS. .................................................................................83 Versículo 1 — O sonho do rei Nabucodonosor — Uma perturbadora noite real: — O segundo ano do rei Nabucodonosor — Um sonho perturbador — Uma dificuldade esclarecida. Versículo 2 — A urgente convocação dos sábios: — Quatro ordens de sábios babilônicos. Versículos 3-9 — O manifesto começo da derrota:

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— Um angustiante dilema — O primeiro sintoma certo da derrota — A ameaça fatal do rei. Versículos 10-11 — A consumação da derrota: — O rei é acusado de injusto. Versículos 12-13 — A inexorável sentença fatal. Versículos 14-16 — Daniel em palácio: — Prudência em face do perigo. Versículos 17-18 — Suplicando misericórdia de Deus: — Uma reunião de oração. Versículo 19 — O segredo é revelado a Daniel. Versículos 20-23 — Ações de graças ascendem ao céu. Versículo 24 — Daniel novamente com Arioch: — Não mates os sábios de Babilônia. Versículo 25 — Arioch age com presteza. Versículos 26-28 — Daniel em presença do rei: — Nabucodonosor parece duvidar — Exaltando a Deus e Sua sabedoria — Deus o Autor do sonho do rei. Versículos 29-30 — A resposta aos pensamentos do rei: — Que havia depois disto? — Um sábio revela humildade. Versículos 31-36 — O sonho do poderoso rei: — Por que uma estátua simbólica? — Uma estátua sui generis. Versículos 37-38 — II. A interpretação do sonho do rei Nabucodonosor — Uma extraordinária revelação: — Babilônia o primeiro império da profecia — A origem do império babilônio — Nabucodonosor rei do mundo — “Tú és a cabeça de ouro” — “E depois de ti...” “Versículo 39 Grécia o terceiro império da profecia: — A origem do império grego. Versículo 40 — Roma o quarto império da profecia: — A origem do império romano — Prenuncios do poder mundial de Roma — Roma um império forte como ferro. Versículo 41-42 — “Será” um reino dividido: — A décupla divisão de Roma — O fulminante golpe teutônico — A vã ambição de Carlos Magno — O fracasso da pretenção de Carlos V — O malogro dos planos de Luiz XIV — A trágica aventura de Napoleão — Os dois castelos de cartas do século XX — O poderoso desígnio do Eterno — Uma civilização de ferro e barro. Versículo 43 — O fracasso do ultimo recurso: — Uma tentativa desajuízada — Europa-continente da guerra. Versículo 44 — O reino de Deus em evidência: — O ponto culminante da História. Versículo 45 — Uma misteriosa Pedra arraza as nações: — Cristo a misteriosa Pedra — A segunda vinda de Cristo em glória e majestade — O futuro glorioso reino de Deus. Versículo 46 — O rei Nabucodonosor fica satisfeito: — Honras especiais a Daniel. Versículo 47 — O rei engrandece o Deus dos hebreus. Versículo 48 — Daniel primeiro ministro do reino. Versículo 49 — Daniel não esquece a seus companheiros. CAPÍTULO III – UMA PODEROSA LIÇÃO DE LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA ........................................................................175 Versículo 1 — Uma estátua sui generis: — Uma impressão que se desfaz — Os sábios em diabólica ação — Um inédito deus-pátria de ouro — Uma Estátua inteiramente de ouro — As dimensões da 754

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grande estátua — A data do grande acontecimento. Versículos 23 — O mundo convocado à consagração da estátua: — Uma ordem arbitrária e despótica. Versículos 4-7 — Um vil atentado à consciência livre: — Três corajosas abstenções. Versículos 8-12 — Uma perigosa acusação gratuita. — Versículos 13-15 — Uma atrevida ousadia do rei Nabucodonosor: — Escoltados à presença do rei — Uma nova oportunidade do rei. Versículo 16 — Nada de parlamentar com o rei: — O destemer da fé corajosa — Um inigualável testemunho de fé — Por que não arrazoaram com o monarca. Versículos 17-18 — Uma resposta de fé corajosa. Versículo 19 — A incandescente ira do rei. Versículos 20-22 — Empacotados para o forno de fogo ardente. Versículos 23-25 — O Todo-poderoso na fornalha ardente: — Fragorosa derrota de Satanás — Nabucodonosor contempla o Todo-poderoso. Versículos 26-27 — A vitória da fé poderosa: — Os vitoriosos o saem da fornalha ardente — Um quadro maravilhoso, Versículo 28 — Exaltando o Deus que injuriou. Versículo 20 — Um decreto mundial em honra de Deus: — Lições sumamente importantes. Versículos 30 — Os vitoriosos são exaltados. CAPÍTULO IV – O SEGURO RESULTADO DA PROCRASTINAÇÃO ...............................................................209 Versículo 1 — O milagre da paz mundial: — Decretos inéditos de Nabucodonosor — Paz vos seja multiplicada. Versículo 2 — Refletor das maravilhas de Deus: — O transbordamento dum coração convertido — O que fêz notório o rei Nabucodonosor? Versículo 3 — O grandioso poder de Deus. Versículo 4 — O perigo da confiança própria. Versículo 5 — Um sonho condenatório. Versículos 6-7 — Nova derrota dos sábios de Babilônia. Versículos 8-9 — Daniel novamente o homem. Versículos 10-18 — Um sonho1 impressionante. Versículo 19 — Daniel em perplexidade: — Uma mensagem de condenação e juízo — O destino do rei em suas próprias mãos. Versículos 2022 — Nabucodonosor — a árvore mundial. Versículos 23-26 — O Juízo divino em perspectiva: — Uma mescla de juízo e de graça — a sentença do decreto da onipotência — Uma palavra aos governantes do século XX. Versículo 27 — O grande conselho, de Daniel: — O pecado e a Justiça — O pecado e a misericórdia — “Se se prolongar a tua tranqüilidade.” — Versículo 28 — O monarca repele a interpretação. Versículos 2930 — O rei Nabucodonosor precipita a crise: — Doze meses após a advertência — Nabucodonosor enche a medida — a explosão do orgulho humano. Versículo 31-33 — A inexorável sentença do alto: — O resultado de desprezar a graça — Levado ao cárcere do campo — Versículos 34-35 — O despertar do sono profundo: — 755

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O término da prova cruel. Versículo 36 — A grandiosa restauração. Versículo 37 — A incondicional entrega a Deus. CAPÍTULO V – O BANQUETE FATAL DE BABILÔNIA ..........249 Versículo 1 — Uma infamante orgia em perigo fatal: — Um monarca intemperante. Versículos 2A — Ura atrevido sacrilégio: — Belshazzar — Símbolo do alcoolismo — O sacrilégio de Belshazzar. Versículo 5-6 — A resposta do Todo-poderoso ao rei Belshazzar: — Quando tudo parecia felicidade e segurança — Um valentão reduzido a nada. Versículos 7-9 — A convocação dos incompetentes sábios: — Altas honras em troca da interpretação — O fracasso dos sábios de Babilônia. Versículos 10-12 — A rainha mãe solve o problema: — Carta branca à soberana. Versículos 13-16 — Um angustiante apelo a Daniel: — Daniel tratado como simples cativo — Revelação de ignorância do melhor — O rei apresenta a sua dificuldade. Versículo 17 — Daniel — ura cristão inédito: — Daniel não se deixa corromper — Daniel entra na hora certa. Versículos 18-21 — Revivendo a experiência de Nabucodonosor: — Um sério particular com Belshazzar — Os governantes do século em perigo. Versículos 22-24 — Belshazzar encheu a medida: — “Não humilhaste o teu coração” — Louvando deuses mortos. Versículo 25 — A temerosa sentença judicial: — Mene, Thecel, Farés, — A solenidade da leitura da frase de fogo. Versículo 26-28 — A sentença do Supremo Juízo: MENE — THECEL — FARÉS. Versículo 29 — O rei que jamais reinou. Versículo 30 — O desfecho do último festim de Babilônia: — Eis o dia do ajuste — A fulminante invasão de Babilônia. Versículo 31 — “E Dário, o Medo, ocupou o reino. CAPÍTULO VI – VITÓRIA NA COVA DOS LEÕES....................283 Versículo 1 — Uma nova administração mundial; Versículo 2 — Um velho problema de caráter. Versículo 3 — Um verdadeiro ministro de Estado: — Daniel se distinguiu — Daniel — primeiro ministro absoluto. Versículo 4-5 — Daniel submetido a secreto escrutínio: — Eloqüente confissão dos inimigos de Daniel — Fidelidade a Deus como base da acusação. Versículo 6-9 — Um crime sob manto de bajulação: — Um decreto de inspiração satânica — O rei Dário assina o criminoso decreto — Uma farça despercebida pelo rei Dário. Versículo 10 — Uma inalterável devoção: — Intrépida colagem devocional — Um exemplo maravilhoso para o moderno cristão. Versículo 11 — Os conjurados vigiam sua prêsa: — Cerrada vigilância e sede de sangue — Corações cauterizados pelo pecado. Versículos 12-15 — É apresentada denúncia contra Daniel: — Obtendo a confirmação do decreto — A arrogante denúncia dos hipócritas 756

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— O esforço de Dário por Daniel — Os conspiradores exigem o cumprimento da sentença. Versículos 16-13 — A sentença é cumprida contra Daniel: — O teu Deus Te livrará — Selo sôbre a pedra da cova dos leões. Versículos 19-23 — Um memorável livramento: — A esperança do rei Dário — O milagre do livramento — Daniel é tirado da cova dos leões — Versículo 24 — O tiro saiu pela culatra: — O rei Dário vinga a honra de Daniel — Um velho rifão em evidencia. Versículos 25-27 — Um decreto mundial em honra de Deus: — Uma justa homenagem. Versículo 28 — Daniel sempre prosperou. SEGUNDA PARTE CAPÍTULO VII – O DRAMA DAS OPRESSÕES POLÍTICAS E RELIGIOSAS............................................................................313 Versículo 1 — A data e local da primeira visão de Daniel: — O primeiro ano de Belshazzar — Uma visão num sonho noturno. Versículo 2 — Tempestade no mar grande: — O mar grande no mundo antigo — A batalha dos quatro ventos no mar grande. Versículo 3 — Grandes animais sobem do mar: — Uma cena deveras grandiosa — Poderes terrivelmente simbolizados. Versículo 4 — Babilônia — O primeiro império mundial: — Um poderoso leão-alado — O leão-alado na arte e na mitologia de Babilônia — As conquistas de Babilônia sob Nabucodonosor — A inédita transformação do leão-alado — Um homem de pé sôbre dois pés — Um homem com coração de homem com mente de homem. Versículo 5 — Medo-Persa — O segundo império mundial: — Um poderoso urso destruidor — Levantado mais dum lado — Três costelas entre os dentes — A voracidade do urso simbólico — “Levanta-te devora muita carne” — Cambises — filho e sucessor de Ciro — Artaxerxes (I) — falso Smerdis — Dário I Hystaspes — Xerxes — o grande — Artaxerxes I — Longimano — Dário II — Ochus — Artaxerxes II — Arsaces — Artaxerxes III — Ochus — Dário III — Codomano. Versículo 6 — Grécia.— o terceiro império mundial: — Um fulminante leopardo-alado — Alexandre invade a Ásia — A batalha do Gránico — Uma carta de Dário a Alexandre — A batalha de Ipso — O memorável cerco de Tiro — Alexandre em Jerusalém — Alexandre se dirige ao Egito — A batalha de Arbelas — Alexandre no encalço de Dário Codomano — As conquistas de Alexandre no Oriente — A morte súbita de Alexandre — As quatro cabeças do Leopardo. Versículo 7 — Roma — o quarto império mundial: — Um animal fora da zoologia — Como Roma conquistou o Leste e o Sul — O golpe de misericórdia de Pompeu — César — conquistador do Ocidente — “E devorará toda a terra, e a pisará aos pés, e a fará em pedaços” — A hipocrisia da 757

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proteção do Senado — “Será um reino dividido” — Um tremendo resumo. Versículo 8 — Um estranho chifre pequeno: — A sua identificação profética — Resumo de identificação do chifre pequeno — Estorvos no caminho do Papado — O reino Hérulo — o primeiro a cair — O reino Vândalo — o segundo a cair — O reino Ostrogodo — o terceiro a cair — Importante resumo — Um chifre com olhos de homem — Um chifre com boca de homem. Versículos 9-10 — O augusto tribunal do universo: — Instala-se o júri da humanidade — Tremenda solenidade de instalação — Milhares de milhares — milhões de milhões — “E abriram-se os livros” — O juízo num impressionante sonho — Uma “mensagem presente” de juízo — Solenes advertências inspiradas — As três fases do juizo — Ninguém escapará ao inexorável juízo — O código penal do juízo. Versículo 11 — O destino do quarto animal: — As “insolentes palavras” do “chifre pequeno” — O quarto animal é queimado. Versículo 12 — O destino dos outros três animais. Versículo 13 — O Filho do homem no tribunal: — Quem é o “Filho do Homem” — O Supremo Advogado do homem — Um Advogado que derramou Seu sangue. Versículo 14 — Recebendo o eterno reino. Versículo 1524 — Daniel suplica pormenores — Versículos 25-26 — O chifre pequeno em seis dimensões: — A primeira dimensão “proferirá palavras contra o Altíssimo” — A segunda dimensão — “... E destruirá os santos do Altíssimo” — A Terceira dimensão — “E cuidará em mudar ... a lei” — A quarta dimensão — “E cuidará em mudar os tempos...” — A quinta dimensão — O período temporal do Papado — A sexta dimensão — A eliminação do Papado. Versículo 27 — Os santos receberão o reino eterno. Versículo 28 — “Mas guardei estas coisas no meu coração”. CAPÍTULO VIII – O SANTUÁRIO CELESTIAL E O AUGUSTO TRIBUNAL DE DEUS .............................................................455 Versículo 1-2 — Data e local da segunda visão de Daniel; — O número de ordem da visão — Na cidade de Susã. Versículo 3-4 — A Medo-Persa na profecia: — A interpretação clara de Gabriel — O mistério da “Ponta” mais alta do carneiro — As marradas do carneiro. Versículo 5 — A Grécia na profecia: — O por que dum bode profético como símbolo — “Sôbre toda a terra, mas sem tocar no chão” — “Tinha um chifre notável” — O predito absolutismo de Alexandre. Versículos 11-7 — O ímpeto da investida de Alexandre — O irresistível impacto do bode. — Versículo 8 — A grandeza e a queda de Alexandre: — Uma glória terrena sem paralelo — É quebrado o grande chifre — A 758

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quadrupla divisão do Império de Alexandre. Versículo 9-12 — Um “chifre pequeno” inquietante: — Uma concepção errônea do “chifre pequeno” — Ruína — o “chifre pequeno” em ação — Roma — contra o exército do céu — Roma — contra o Príncipe do exército — Roma papal — contra o contínuo — A nova Roma — um poder transgressor — Roma — “lançou a verdade por terra.” Versículo 13 — Uma solene inquirição angélica. Versículo 14 — O santuário e a sua purificação: — O santuário do velho concêrto — O sacrifício do holocausto contínuo — II — O sacrifício de expiação do pecado — III — O sacrifício de expiação da culpa — IV — O sacrifício da paz — V — O sacrifício da oferta de manjares — VI — O sacrifício do incenso — VII — O sacrifício da bezerra ruiva — O dia da expiação em Israel — O santuário do nôvo concêrto — A expiação prevista na eternidade — A expiação realizada na cruz — A culpabilidade de Satanás — O santuário que o Papado pisaria. Versículos 15-16 — Cristo ordena o esclarecimento da visão. Versículos. 17-19 “E caí sôbre o meu rosto”. Versículos 20-22 — O carneiro e o bode novamente em foco. Versículos 23-25 — “Um rei feroz de cara”. Versículos 26-27 — “Tu, porém, cerra a visão.” CAPÍTULO IX – O TEMPO PROFÉTICO DO ADVENTO DO MESSIAS ..................................................................................547 Versículo 1— Dário — filho de Assuero. Versículo 2 — A data da oração de Daniel. Versículo 3 — Quando um suplicante é sincero. Versículos 4-14 — Uma verdadeira oração. Versículos 15-19 — O patético apelo de Daniel a Deus. Versículos 20-21 — A imediata resposta de Deus. Versículo 22 — O motivo da nova aparição de Gabriel. Versículo 23 — A incrível rapidez de Gabriel. Versículo 24 — Setenta semanas de graça ao Velho Israel: — O último esfôrço de Deus pelos judeus. Versículo 25 — O início e o término exatos das “duas mil e trezentas tardes e manhãs”: — O ponto de partida das setenta semanas — As primeiras sete semanas — Reconstrução “em tempos angustiosos” — As sessenta e duas semanas e o aparecimento público do Messias. Versículo 26 — Os matadores do Messias: — O judaísmo não tem excusas — A rejeição dos judeus — Cristo sem sucessor humano na terra — A destruição de Jerusalém. Versículo 27 — A setimagéssima semana profética: — A ratificação do concerto eterno — O desfecho do culto do santuário de Israel — A última parte da setimagéssima semana — O término das “duas mil e trezentas tardes e manhãs” — A “abominação da desolação”. 759

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CAPÍTULO X – A INTERVENÇÃO DE CRISTO NA CORTE PERSA ......................................................................................597 Versículo 1— A data da terceira visão de Daniel: — “E a visão é verdadeira” — Uma guerra prolongada — E Daniel “teve entendimento da visão. Versículos 2-3 — Uma tristeza por três semanas. Versículos 4-6 — Cristo socorre seu povo: — Tremendo conflito na côrte de Ciro — “E olhei, e vi um homem...” — “Um homem vestido de linho”, — A majestosa glória de nosso Sumo-sacerdote — Os seus braços e os seus pés — A sua poderosa voz. Versículos 7-19 — A visão enfermou a Daniel, Versículos 20-21 — Gabriel monta guarda por dois séculos na corte persa. CAPÍTULO XI – LUTA DE MORTE PELA SUPREMACIA POLÍTICA.................................................................................613 Versículo 1 — Gabriel fortalece Dario o Mêdo. Versículo 2 — Xerxes o poderoso monarca persa da profecia. Versículos 3-4 — Alexandre Magno o “rei forte”da profecia: — O extermínio da posteridade de Alexandre. Versículo 5 — O “Rei do Sul” e o “Rei do Norte”: — “E o rei do meio dia se fortificará” — Um príncipe mais poderoso. Versículo 6 — Bodas políticas de fatais conseqüências: — O desfecho fatal duma aliança matrimonial política. Versículos 7-9 — A vingança de Tolomeu III Êvergetes: — Nova derrota do Rei do Norte”. Versículos 13-15 — A terrível batalha de Gaza. Versículo 16 — O golpe inexorával de Roma. Versículo 17 — César invade o Egito: — César em busca de Pompeu no Egito. Versículo 18 — O fatal opróbrio de Juba II contra César, Versículo 19 — O assassínio de César na profecia: — Os triunfos de César — O assassínio de César — O cumprimento da profecia. Versículo 20 — César Augusto o exator da profecia: — Os publicanos e os impostos — A morte de César Augusto. Versículos 21-22 — Tibério a creatura desprezível da profecia: — A aversão de Augusto por Tibério — Tomando o reino com astuciosas lisonjas — O exército e as astuciosas lisonjas de Tibério — Tibério e o “Sumo-sacerdote de Deus”. Versículos 23-24 — A hipocrisia de amizade de Roma: — Vários povos fazem aliança com Roma — Planos contra as fortalezas. Versículos 25-26 — Roma e o Rei do Sul em tremendo conflito: — Roma em marcha contra os seus protegidos — Os dois grandes exércitos em marcha — A batalha de Actium — A batalha do Egito — O suicídio de Cleópatra — O Rei do Sul derrotado pela traição. Versículo 27 — Uma aliança política fundada em mentira: — Ura triunvirato hipócrita. Versículo 28 — Roma contra o “Santo Concêrto”: — Augusto e os tesouros de Cleópatra — Roma contra o “Santo Concêrto”. Versículos 29-30 760

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— Vitória marítima dos vândalos sobre Roma: — O poderio vândalo no norte da África — Porque virão contra ele navios de Quitim — Roma “contra o Santo Concerto”. Versículo 31 — Como Roma-Papal tirou o “contínuo”: — Estarão braços ao lado dele — “E profanarão o santuário, a saber, a fortaleza — “E tirarão o holocastro perpétuo”. Versículo 32 — Uma obra de corrupção: — Uma instituição para formar apóstatas — Um povo esforçado que conhece o seu Deus. Versículo 33 — Fidelidade sob cruel perseguição: — Heróis cruelmente perseguidos. Versículos 34-35 — O “pequeno socorro” da Reforma Luterana: — O primeiro perigo para a Reforma — Perseguidos até ao fim do tempo. Versículo 36 — A Revolução Francêsa na profecia; — Um novo poder anunciado na profecia” — “Êste rei fará conforme a sua vontade” — “E contra o Deus dos deuses falará coisas maravilhosas.” Versículo 37 — O golpe fatal na religião cristã — Desrespeito aos deuses de seus pais — “Não terá respeito ao amor das mulheres — “Sôbre tudo se engrandecerá”. Versículo 38 — O Deus das fortalezas e a deusa da razão: — “Mas ao deus das fortalezas honrará” — A deusa da razão. Versículo 39 — As campanhas Napoleônicas: — As jatâncias de Napoleão — “Aos que o reconhecerem multiplicar-lhes-á a honra” — “E repartirá a terra por preço.” Versículo 40 — O “Rei do Sul” e o “Rei do Norte” nos tempos modernos: — Uma incontestável evidência — França em luta com o “Rei do Sul” — “O Rei do Norte” em ação contra os francêses no Egito — “E entrará nas terras, e as inundará, e passará”. Versículo 41 — O avanço fulminante da Turquia: — Edom, Moab e Amon inconqüistáveis pela Türquia. Versículos 42-43 — A Turquia e os tesouros do Egito: — O Egito é saqueado impiedosamente — A Turquia e os tesouros da Líbia e da Etiópia. Versículos 44-45 — Um dramático futuro envolverá a Turquia. CAPÍTULO XII – O DESENLACE DA CRISE DA HISTÓRIA....705 Versículo 1— A intervenção do céu no domínio do homem: — O segundo poderoso advento de Cristo — Por que se levantará Miguel — Um tempo de angústia sem paralelo — O povo que Miguel libertará. Versículo 2 — Uma ressurreição para vida e outra para vergonha: — Uma ressurreição para a vida eterna. Versículo 3 — Os que refulgirão como astros eternos: — O firmamento e os “piedosos fiéis” — As estrêlas e os condutores de almas a Cristo. Versículo 4 — O tempo para a abertura do livro de Daniel: — A abertura do livro de Daniel — “Muitos correrão de uma parte para a outra” — “E a ciência se multiplicará” — O por que das maravilhas da ciência moderna. Versículos 5-7 — O juramento do Homem vestido de linho. 761

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Versículos 8-10 — Mas Daniel não entendeu. Versículo 11 — O tempo exato da tirada do “contínuo”: Uma data infalível — Testemunhos históricos incontestáveis. Versículo 12 — Uma bemaventurança para os últimos dias. Versículo 13 — A certeza da vitória final dada a Daniel. APÊNDICE ......................................................................................733 Nota 1— Uma lamentação por Tammuz. Nota 2 — A sujeira de Babilônia. Nota 3 — A total destruição de Babilônia. Nota 4 — O decreto de Ciro em favor dos ativos judeus. Nota 5 — O terceiro ano de Ciro. Nota 6 — Os dez povos que formaram a Europa moderna. Nota 7 — A positiva lenda do menino Ciro. Nota 8 — Os cercos de Jerusalém. Nota 9 — O arianismo. Nota 10 — O holocausto particular do povo. Nota 11 — Gráfico profético do cativeiro babilônico.

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