Aprender e Conhecer a ASTROLOGIA e as Artes Adivinhatórias - Vol. 2a - Artes Adivinhatórias - Brasil - D

October 2, 2017 | Author: HundoArgento | Category: Indigenous Peoples Of The Americas, Saint, People, Religion And Belief, Nature
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Para ajudá-lo a encontrar respostas claras e concretas às suas perguntas

Búzios: o oráculo dos orixás I O jogo de Búzios é um dos métodos adiuinhatórios mais populares do Brasil.

S

uas raízes podem ser encontradas no continente africano, onde hoje se encontra a República de Benin. O jogo passou por muitas modificações a partir do período colonial, quando muitos africanos foram trazidos para o Brasil como escravos. Este método adivinhatório, de caráter sagrado, só pode ser realizado pelas "mães de santo" e "pais de santo", os sa-

cerdotes do candomblé e da umbanda, religiões afro-brasileiras. Originalmente, os búzios eram jogados exclusivamente pelos homens, e somente algumas mulheres, chamadas "filhas" do deus Oxum, podiam exercer o papel de pitonisas, embora com certas restrições. Os instrumentos de adivinhação utilizados neste oráculo são os búzios ou ca-

racóis, espécies de conchas marinhas trazidas da África e das costas da Bahia. Alguns sacerdotes usam moedas e sementes em lugar de búzios. Joga-se sobre um tabuleiro, chamado panifá, forrado com uma toalha branca. O sacerdote lança sobre ele os dezesseis búzios que representam os orixás, isto é, os deuses do panteão africano e que personificam as forças da natureza. O pai ou mãe de santo deve invocar os orixás através de orações e dos próprios búzios. O jogo é uma espécie de diálogo entre as divindades africanas e os sacerdotes do candomblé c umbanda: segundo as posições das conchas, as mensagens dos deuses sobre o tema consultado são "captadas". Segundo os sacerdotes, os augúrios são detectados, além da disposição geométrica dos búzios, por meio de certas vibrações que alguns comparam a intuições. Estas vibrações revelam cinco "caminhos" principais para a vida, denominados "oduns", que dizem respeito à personalidade e aos poderes espirituais da pessoa que consulta, e também as respostas para seus problemas. Existem oduns positivos e negativos, e os búzios podem proporcionar a busca de soluções ou oduns positivos. Os sacerdotes, que devem ser investidos segundo os preceitos sagrados de sua religião, buscam também, através dos búzios, determinar qual é o "anjo da guarda" ou odun de cada pessoa consultada. Segundo o candomblé e a umbanda, desde que nascemos somos regidos por Jogadora de búzios. Originalmente, somente os homens podiam exercer o papel de sacerdotes.

uma entidade espiritual que determina o rumo de nossas vidas. O odun indica o "santo" ou orixá individual, e o destino em traços gerais. Os sacerdotes deste oráculo são capazes de ver o passado, o presente e o futuro de uma pessoa não somente através dos búzios, mas também mediante seu poder mental. Para que seus poderes sejam aproveitados ao máximo, os sacerdotes devem abster-se de praticar sexo antes de jogar os búzios; também devem banhar-se com uma poção à base de ervas empregadas para limpar o "corpo espiritual". Durante a consulta, o sacerdote ou sacerdotisa deve estar só com seu cliente, sem que ninguém mais intervenha. Geralmente, as mães e pais de santo exercem seu ofício ricamente ataviados, com turbantes, túnicas de cor clara, colares sagrados (ba¬ langandãs), anéis e outros adornos com representações das entidades espirituais de sua religião. Há pequenas diferenças entre os rituais do candomblé e da umbanda. O pri-

Ogum, o orixá da guerra, é filho de Iemanjá, a deusa do mar.

O tabuleiro sobre o qual são jogados os búzios é denominado panifá. meiro se aproxima da tradição africana, embora tenha se sincretizado com o cristianismo, e o segundo acrescenta elementos da doutrina espiritista de Alan Kardec a seus rituais. Os orixás básicos expostos pelo jogo de búzios são 16 e mostram o caráter de cada um de nós a partir dos influxos espirituais que eles nos infundem. Costuma-se chamar "filhos" às pessoas que estão sob a "tutela" de determinado orixá. Para descobrir qual é o nosso orixá ou santo é preciso recorrer a um sacerdote de culto.

OXÓSSI

OGUN

É o orixá que rege a cabeça. É o deus da caça e das florestas. Seus "filhos" são temperamentais, muito imaginativos e encantados pela natureza. São geralmente pessoas altas e bonitas. São ávidos comedores de carne. Quando são iniciados no candomblé e não rendem homenagem ou culto ao santo — realizando oferendas espirituais — podem sofrer problemas mentais. Seu número é 6, seu dia de culto é a quinta-feira e sua cor, o azul claro. Está também representado por São Jorge no candomblé. Seu símbolo é o arco e a flecha ou a lança.

As pessoas que tiverem Ogum como seu "anjo da guarda" são consideradas de boa índole e muito bom coração, mas de atitudes impulsivas. Precisam ter cuidado com a região do abdômen. Ogum é o orixá da guerra (é filho da deusa Iemanjá, a rainha do mar), impetuoso e que domina os metais. Representa o planeta Marte, relacionado com a belicosidade e o fogo. Sua cor é o azul marinho, seu dia é terça-feira e foi sincretizado no candomblé por São Jorge. Seus amuletos são de ferro, geralmente pontas de flechas e punhais.

OBALUAIE OU OMULU É o orixá ou santo das chagas, representado como um homem jovem ou velho, às vezes com características diabólicas. Esta dualidade é transmitida aos "filhos": as pessoas jovens parecem mais velhas do que são. N o geral, isto se refere ao desenvolvimento espiritual. Omulu é o senhor da medicina e das riquezas. Suas cores são o vermelho, o branco e o negro; seu número é o 13 e está sincretizado com São Roque e São Lázaro. Seu fetiche é uma vassoura de palha decoradas com caracóis.

Búzios: o oráculo dos orixás II Suas cores são o amarelo, o marrom escuro e o vermelho, seu dia é a terçafeira e está representado por São Bartolomeu.

XANGÔ É um dos orixás mais conhecidos, é o senhor do reino de Ioio (África), senhor da vida e do candomblé. É o deus das tempestades e dos raios. Seus filhos são pessoas alegres, líderes e cheias de otimismo. São sábios, buscam a paz, a justiça e a prosperidade. Mas podem ser muito lascivas e libidinosas. Suas cores são o marrom e o branco. Está sincretizado com São Jerônimo. Seu dia é a quarta-feira e seu número de sorte é o 12. Seu símbolo é um meteorito ou uma machadinha de pedra. Xangô, senhor da vida, é o deus das tempestades. OXUMARÉ

Oxumaré é o senhor do arco-íris e está relacionado com a serpente sagrada, um dos símbolos sagrados mais antigos do mundo. Seus apadrinhados costumam ser pessoas muito calculistas, desconfiadas e frias que sempre atuam de forma imprevista.

Oxumaré está relacionado com a serpente sagrada.

LQGUN-EDÊ

E o orixá príncipe. Com características de criança, seus protegidos são vaidosos e adoram fazer demonstrações de conhecimento. Geralmente são pessoas sadias e desportistas. Estão sempre pendentes de seu futuro e de seus sucessos. O fracasso é uma palavra que tentam apagar de suas vidas. São representados por São Miguel Arcângel ou São Expedito. Seu dia é a quinta-feira e suas cores, o verde e o amarelo.

Oxum, a rainha do candomblé, filha de Iemanjá. é o amarelo ouro, seu número de sorte é o 5, seu dia é o sábado e está sincre¬ tizada por Nossa Senhora da Aparecida. Seu símbolo é um seixo polido pelas águas dos rios, pequenos espelhos ou um abano decorado com o desenho de uma sereia. IANSÃ

OXUM É a rainha do candomblé e filha de Ie¬ manjá. Os filhos de Oxum são carinhosos, conselheiros e pessoas de confiança. Oxum é um dos orixás de maior força no Brasil e contradiz as tradições africanas que exaltam mais os poderes dos orixás masculinos. Preside as águas dos rios, riachos e cachoeiras. Seus filhos são atrativos e têm facilidade para formar famílias muito unidas. Sua cor

É a senhora do vento, da tempestade e do raio. É uma das esposas de Xangô. É a protetora das prostitutas, das meninas e adolescentes. Seus filhos costumam ser pessoas rancorosas, mas também são brincalhonas, expansivas e extravagantes em seus costumes. Têm grande inclinação pela dança. Suas cores são o marrom e o vermelho, seu dia é a quarta-feira e está representada por Santa Bárbara.

IEMANJÁ

É a rainha do mar e mãe de quase todos os outros orixás. Seus protegidos são vaidosos, freqüentemente mulheres de rostos longos, muito emotivas e dedicadas à família — Iemanjá protege os viajantes — e estão sob a égide do amor. As pessoas de Iemanjá costumam ser muito ciumentas e vingativas. Apresentam problemas gastrointestinais e tensão baixa. Está sincretizada com Nossa Senhora das Candeias. Seu número é o 4 e o dia da semana, o sábado. Tem por amuleto as conchas do mar.

EUA É um orixá muito pouco conhecido e adorado. É a guardiã da beleza e da visão. Encarrega-se de vigiar a paz em nosso mundo. Seus filhos são pessoas diferentes, muito particulares, fora do marco

social ortodoxo. Suas cores são o amarelo e o vermelho, seu número é o 13 e seu dia, o sábado. QXALÁ É uma das maiores divindades afro-brasileiras. Simboliza as energias produtivas da natureza, a riqueza e a fecundidade. Seus filhos são bondosos e religiosos, mas também muito teimosos e, principalmente, muito independentes. Preferem lugares altos para viver. Muitos pais de santo são filhos deste orixá. Está representado por conchas ou por um pombo. Seu dia da semana é a sextafeira. Tem por amuleto sete búzios. Sua cor é o branco, seus números são o 18 e o 10. Está sincretizado com Jesus Cristo crucificado. OBATALÁ

E o deus do firmamento, do céu e o criador do homem e da mulher. É protetor dos fetos humanos até seu nascimento. É um deus andrógino. Seus filhos são carinhosos e geralmente têm muitos filhos aos quais dedica grande atenção. Seu dia é a sexta-feira e sua cor, o branco.

QSANHÊ

É o senhor das folhas das árvores (principalmente de plantas medicinais) c de todos os dias da semana. Seus protegidos são pessoas ambíguas e muito tendentes a se enamorarem. Não podem tomar medicamentos muito fortes, como alguns antibióticos, aos quais são normalmente alérgicos. Precisam ser tratados com plantas medicinais. Suas cores são o verde e o branco. Seu símbolo é uma flecha de sete pontas; na do centro aparece um pássaro pousado.

ANAMBURUCU O NANÃ EXU É o mensageiro dos orixás. Serve de intermediário entre o pai ou mãe de santo e os deuses afro-brasileiros. É considerado como uma entidade diabólica mas em sua essência original pode fazer tanto o bem como o mal. E muito exigente, sempre pedindo sacrifícios de animais. E o guardião das portas e das ruas. A influência cristã o sin¬ cretizou com o diabo. Está representado por um ídolo de barro onde se destacam dois toscos olhos e uma boca. Seu dia é a segunda-feira.

E o mais velho dos orixás das águas. Seus filhos são tranqüilos, às vezes melancólicos e depressivos. Também são muito tradicionais e não podem ser nem pai nem mãe de santo. Foi sincretizado com Santa Ana. É o deus das chuvas. Seu dia de culto é a terça-feira. Suas cores são o lilás e o roxo.

IFÁ É o orixá que tem poderes adi¬ vinhatórios, o senhor dos búzios. Está sincretizado com o espírito santo e seu símbolo é um rosário de sementes. É o deus das coisas ocultas. Por isso seus filhos costumam ser bruxos ou pessoas dedicadas a estudar temas ocultistas. Alguns deles têm grande sensibilidade para adivinhar o futuro.

Tarô indígena: seres fantásticos do Brasil

Mapinguari, Curupira e Boiúna O Tarô indígena trata-se de um jogo de cartas do Tarô especial desenvolvido a partir dos deuses da mitologia dos indios tupis-guaranis e também de alguns seresfantásticos.

O

Tarô indígena é uma espécie de oráculo ao estilo do I Ching, onde estão projetados muitos de nossos aspectos pessoais (caráter e personalidade) e que se obtém extraindo uma das cartas ou simplesmente abrindo un livro onde se encontrem as descrições dos muitos seres que habitam o inconsciente coletivo do povo brasileiro, seja ele indígena, negro, branco ou mestiço. Muitos dos elementos nativos ficaram enraizados em outros povos que vieram depois de Pedro Alvares Cabral e que foram facilmente assimilados. MAPINGUARI É a própria imagem da brutalidade. Embora não aceitemos, cada um de nós possui em maior ou menor grau essa violência que se revela de forma psicológica e física, ou de ambas as formas. Uma das versões o aproximam à figura do abominável homem das neves. Garimpeiros, seringueiros e indígenas que garantem

tê-lo visto, falam de um "macacão" com uma "boca" na barriga e que emite un cheiro insuportável. Fala-se até mesmo na sua existência material. U m cientista da Universidade de Harvard, o biólogo David Oren, garante que o Mapinguari é uma espécie de preguiça pré-histórica gigante — supostamente extinta há alguns milhares de anos — mas que teria sobrevivido oculto na selva Amazônica. Outros acreditam que o monstro era, na realidade, um velho pajé que, por uma maldição, ficou condenado a viver sob a forma do Mapinguari para toda a eternidade, vagando mesmo pelas selvas. O Mapinguari, segundo informações jornalísticas, teria devorado vários indígenas no estado do Acre nos anos 80. Outra descrição, mostra a criatura com uma pele semelhante à do jacaré e os pés idênticos aos de um fundo de garrafa. Conta-se a história de um seringueiro que um dia topou-se com o ser. O ho-

homem fez pontaria certeira e atirou sobre o vulto que uma hora lhe parecia um jacaré (tendo pernas e braços) e outra lhe parecia um índio velho, cheio de tatuagens, só deixando de atirar quando não havia mais balas. Os projéteis não fizeram nenhum efeito e o seringueiro desapareceu com os pés em polvorosa. Porém, em outra ocasião, o mesmo seringueiro descobriu o ponto frágil da criatura: a sua boca, o seu grande umbigo. U m disparo nessa zona é fatal para o Mapinguari. CURUPIRA

Todos aqueles que se identificam com o curupira são pessoas que sentem especial atração pelo sobrenatural, pelo oculto e misterioso. Também são atraídos pelos mistérios das matas e da natureza de uma forma geral. São pessoas que procuram viver da forma mais intensa as suas fantasias sexuais. Isso porque o Curupira é um espírito das matas, un duende "ecológico" que defende os animais que estão sob a sua proteção. Seu aspecto, extravagante, é o de um anão com uma cabeleira ruiva, pés virados para trás e calcanhares para frente. Assim como em quase todas as

lendas, o Curupira apresenta formas variadas. Alguns são calvos com o corpo cabeludo (no rio Negro); sem orifícios para as secreções (Pará); com dentes azuis ou verdes e orelhudo (rio So¬ limões). Os antigos jesuítas, como o Padre José de Anchieta, o comparavam a um demônio que era capaz de agredir ou fazer desaparecer aos indígenas que matam indiscriminadamente alguns animais ou então que não pedem "licença" ao Curupira para fazê-lo. Geralmente o duende confunde os caçadores, fazendo com que se percam na floresta através de assobios e sinais falsos. A entidade é capaz de imitar a voz humana para atrair as suas vítimas. Uma das formas de agradar ao terrível duende é a de ofertar-lhe alguns objetos, especialmente o fumo de corda que adora para fazer seus cigarrinhos ou então a "cachaça" ou "pinga". Além de proteger os animais, o Curupira é também o senhor das árvores. Por outro lado, o que mais detesta é o alho e a pimenta, capaz de provocar-lhe cólera. Muitas vezes o forte duende bate violentamente contra o tronco das árvores para anunciar tempestades. Outras versões mostram o Curupira batendo os calcanhares para produzir um som característico com o mesmo motivo, ou então bate com seu imenso membro (falo) no chão. O Curupira também é conhecido pelo seu enorme apetite sexual. BOIÚNA As pessoas que se identificam com a Boiúna agem de forma subreptícia. Esta gigantesca cobra sobe os rios amazônicos nas noites iluminadas tenuamente pelos quartos-minguantes da Lua. Seu corpo iluminado confere um ar sepul¬ cral à floresta onde, à sua passagem, todos os animais calam. Algumas testemunhas — e são muitas — garantem que a Boiúna se assemelha a um navio comprido com um casco dourado e mastros brilhantes como a prata. Algumas variações da lenda mostram uma embarcação fantasma, feita de

ossos e despojos fúnebres. As caveiras dos pescadores mortos e engolidos pela Boiúna "decoram" as paredes da embarcação. Dois fachos de luz azulada, a modo de olhos, se destacam a sua frente, cegando os menos prevenidos. O ruído que produz é semelhante ao de uma hélice de uma embarcação a vapor, como as que havia antigamente pelos rios amazônicos. Muitos pescadores, ao pensar que a Boiúna é uma embarcação, se aproximam para pedir alimentos ou trocar mercadorias e acabam sendo engolidos pelo monstro. Outros, com muita mais sorte, garantem que a serpente se transforma em uma grande ave e levanta vôo deixando um forte odor a enxofre no ar. Em certas noites tempestuosas, ela entra pela mata e vai derrubando tudo pelo caminho e, como o raio, deixa uma clareira enorme. Os sulcos deixados à sua passagem, se transformam em pequenos afluentes do rio principal. A Boiúna é um serpente nascida de uma mulher fantasma, ou de um ovo da ave mutum que foi abandonado pela mãe. Então, a Boiúna tornou-se a vigilante das águas de alguns rios. Acredita-se que a morada eterna da serpente seja a parte mais funda dos rios e que, vez por outra, vem à tona.

Tarô indígena: seres fantásticos do Brasil

Pé de garrafa, Jurupari e Iara PÉ-DE-GARRAFA O equilíbrio espiritual está em um só ponto e não em vários. Esta é a lição que nos dá o Pé-de-Garrafa. Além disso, mostra que todos nós temos uma faceta "saltadora", de eternos peregrinos pela vida. O Pé-de-Garrafa é um ente misterioso que vive nas matas do centro e meionorte do país. Raramente é visto, mas sempre se ouvem seus gritos estridentes, ora amedrontadores ora familiares, capazes de confundir os caçadores, que acreditam ouvir os gritos de um companheiro em apuros. Em algumas ocasiões o pobre caçador enlouquece com os gritos arrepiantes. O Pé-de-Garrafa, segundo algumas descrições, é uma criatura semelhante a um ser humano de pele alva porém dotado de uma só perna. Outros acrescentam longos cabelos revestindo o seu corpo. Deixa um rastro que se assemelha ao fundo de um garrafa, perfeitamente redondo. Algumas pegadas atri-

buídas supostamente a esta entidade, encontradas no estado de Piauí, mostram que o Pé-de-Garrafa deve ser muito pesado, deixando marcas profundas na terra dura. JURUPARI Eis uma representação do poder machista as vezes justo e outras vezes extremado. O sentimento de ódio e paixão às mulheres é o que domina no Jurupari. Inclusive muitas mulheres possuem, sem o saber, a força do Jurupari, a sua faceta masculina que se expressa com maior ou menor intensidade. Mais que uma entidade lendária, o Jurupari é um mito profundamente arraigado entre várias tribos indígenas do norte do país. Em tempos remotos, apareceu um dia o Jurupari em meio da selva, a quem Tupã, o deus do trovão, confiou uma difícil tarefa. Jurupari era um homem que nasceu de Ceuci, uma mãe virgem, que al-

alguns comparam à Virgem Maria. Já criança, Jurupari assombrava a todos pela sua força física e grande inteligência. Desde cedo revelou-se um profeta, ditando leis, ensinando o povo os segredos da agricultura, determinando as regras de conduta e servindo de juiz nas causas difíceis entre os povos indígenas da Amazônia. A maior missão de Jurupari foi a de lutar contra as mulheres Amazonas que escravizavam os homens. O enviado de Tupã criou uma sociedade secreta para acabar com o poder das mulheres de uma forma sutil. Jurupari instituía reuniões só para homens e ensinou-os a ser discretos, sóbrios, impassíveis à dor e fiéis aos compromissos assumidos. Aconselhou-os a se casarem cedo e serem fiéis à esposa escolhida. Os casamentos somente poderiam ser entre pessoas de tribos diferentes. O profeta dominador obrigou as meninas a manterem a virgindade até a primeira menstruação; condenou o ho¬ mossexualismo, o incesto e o adultério que eram punidos com a morte.

As Iaras são sereias muito atrativas que com sua capacidade de sedução conseguem conquistar os homens. O enviado do raio também estabeleceu uma rigorosa distribuição do trabalho: os homens deveriam ir à guerra, à caça e pesca e às derrubadas da mata. As mulheres deviam dedicar-se à cerâmica, tecelagem, transporte de carga, trato dos filhos e agricultura Até hoje se mantém na Amazônia o culto ao Jurupari. Geralmente se comemora a sua vinda à terra e regresso ao céu em uma espécie de templo onde se está vedada a entrada de mulheres. A IARA A Iara projeta sobre nós o poder da sedução e da conquista e ao mesmo tempo da traição. Quem nunca traiu na vida? O pecado aparece neste caso sob forma de mulher, como na Bíblia. A Iara é a "sereia brasileira", com atributos físicos muitos atrativos e repulsivos: metade do corpo é mulher e a outra, da cintura para baixo é peixe. Conta a lenda amazônica que uma noite um índio sonhou com uma belíssima mulher de cabelos loiros e pele muito clara. Tal fada estava à entrada de um imenso palácio de cristal recoberto de ouro e de safiras e de onde saía uma música celestial. O rapaz, apaixonado, ouviu que a mulher queria casar-se com ele.

U m dia, navegando por um rio, o índio viu formar-se sobre as águas uma Choupana e, por detrás da janela, apareceu a mulher do sonho que lhe sorria. Enlouquecido pela paixão, o rapaz foi até a Choupana que flutuava sobre as águas. O pai do índio pode ver que o corpo da mulher tinha uma cauda e que, agarrando ao filho, se jogou na água, mergulhando para não mais voltar. Alguns indígenas e caboclos afirmam ter visto a Iara — como passou a ser chamada — em muitos rios e igarapés. Porém, alertados pela lenda, procuram não ir ao seu encontro. Em algumas ocasiões, a Iara ou Mãe-da-Água (como é conhecida em outras regiões do Brasil), se mostra com as pernas para logo transformar-se em sereia: é nesse tempo que atrai suas vítimas. Versões mais antigas, dos primeiros tempos da colonização portuguesa, falam de mulheres com corpo de serpente, ou ainda de um boto (parente dos golfinhos, porém de água doce) que se transforma em uma mulher de cabeleira solta, atraindo os rapazes para afoga-los. Para livra-se do poder de sedução da Iara, os indígenas aconselham a comer alho ou esfrega-lo pelo corpo e fragelarse com uma corda.

Tarô indígena: seres fantásticos do Brasil

O Boto, Ipupiara e o Cabeça-de-Cuia O BOTO A transformação do ser humano ao longo da sua vida, suas várias faces, é o que mostra o Boto, esta entidade tão arraigada na cultura amazônica. O Boto é também um símbolo de sedução e de energia vital. O Boto é o golfinho dos rios amazônicos, porém com poderes de transformar-se em homem jovem c sedutor. Por isso, as mães advertem às filhas que tomem cuidado com os flertes que recebam de rapazes em bailes ou festas: por detrás deles pode ocultar-se o Boto, um conquistador de mulheres, que as engravida e as abandona. Por isso, todos os filhos de procedência desconhecida são atribuídos, na Amazônia, ao Boto. O Boto também pode surgir à beira dos rios onde se banham as indígenas ou caboclas, geralmente pela noite. Seduzidas, as mulheres mantém encontros furtivos com a entidade, que logo volta ao fundo

dos rios, onde mora. Algumas testemunhas afirmam que o Boto sempre usa um chapéu que é para ocultar um orifício para respiração que originalmente o animal possui no alto da cabeça. Conta-se que, em certa ocasião, as pessoas de uma vila desconfiaram de um rapaz de pele clara c de boa aparência: seria o Boto? Outros rapazes, invejosos do poder de conquista do forasteiro sobre as mulheres da vila, o arpoaram, porém a vítima conseguiu correr até o

rio onde se transformou em um Boto sangrento. Nas noites de luar do Amazonas, contase que muitas vezes os lagos se iluminam e que se ouvem cantigas de festas e danças onde o Boto, ou também chamado Uauiará, participa. O Boto é hoje um animal em extinção pelos seus poderes mágicos. Muitos pescadores os capturam para cortar-lhes o pênis com a fmalidade de fazer um amuleto de "conquista varonil" ou para combater a impotência. Outros empregam suas nadadeiras

para fazer diversos remédios. f Os olhos secos do Boto v são empregados como amuleto para atrair as mulheres. Os pajés costumam realizar rimais para preparar os olhos do animal e ser entregues e usados pelos necessitados. O IPUPIARA

Os sentimentos que procedem do espaço mais profundo e recôndito de nossas mentes são manifestações metafóricas de tudo o que expressa o Ipupiara. Inclusive as piores e mais ruins. O Ipupiara é o homem-marinho, homem-peixe ou também homem-sapo, inimigo dos pescadores e lavanderias. O cronista português Pero de Gan¬ dâvo narrava que, no ano de 1564, um monstro marinho, que os índios chamavam de Ipupiara ("demônio d'ᬠgua"), tinha sido morto nas costa de São Vicente, no litoral do atual estado de São Paulo. O u t r o cronista colonial, o jesuíta Fernão Cardim, dizia que tais criaturas tinham boa estatura e eram muito repulsivas. Matavam as pessoas abra¬ çando-se a elas, beijando-as e apertan¬ do-as até o sufocamento. Tais monstros devoram os olhos dos humanos, nari-

zes, pontas dos dedos dos pés e das De sete em sete anos devora uma mumãos e genitálias. lher de nome Maria, ou então uma virN o estado da Bahia e Goiás pervive a gem ou ainda meninos que nadam nos crença no "negro d'agua", homens de rios, por isso as mães proíbem que os cor negra que respiram debaixo da água filhos se banhem. Há pessoas que deie vem à tona em determinadas noites xam de se lavar no rio Parnaíba, sobrepara assustar e afogar os humanos. Di- tudo nas enchentes, com medo de zem que sua morada é uma cidade su- serem puxados pela criatura. baquática, onde existem muitas rique- Qual é a origem do Cabeça-de-Cuia?. zas, especialmente ouro e diamantes. Rezam as lendas que se tratava de um Em lugar de mãos e pés, os negrosd'água menino que, não obedecendo possuem a sua membranas mãe, seme aos pés de pato. N o Xingu existe a cren- a quem sempre maltratava, fugiu de ça no homem-sapo, que costuma as- casa. O mau menino foi amaldiçoado sustar — raramente matar — os indí- pela mãe que o condenou a viver dugenas. Seu corpo está recoberto de rante 49 anos nas águas do Parnaíba. escamas que o protegem das flechas, Depois de devorar sete Marias, voltará mas o rosto é o de um sapo. Sua boca ao estado natural, desencantando-se. é enorme e babenta, e flutua nos re- Conta-se que a mãe existirá enquanto mansos como se fosse um jacaré. ele viver nas águas do rio. Quando não tem alimento, o homem- Muitos pescadores afirmam ter visto sapo devora os próprios filhos. Anda aos apenas a cabeça calva e grande desta ensaltos como uma rã, dando pulos de até tidade sobrenatural que, geralmente, se cinco metros, na água ou na terra. É agarra às pequenas embarcações e tenta quando se agarra firmemente às costas virá-las junto com seus ocupantes. Nem dos pescadores, engolindo preferen- sempre essas tentativas são bem-sucedidas. U m aspecto que impressiona muicialmente a cabeça da vítima. O homem-sapo teme profundamente to às testemunhas das aparições da criauma coisa: as tempestades e os ven- tura são seus enormes olhos vermelhos, davais, quando então vai para os rios. os mesmos que espreitam de uma forma Lá fica mergulhado até o tempo me- apavorante suas vítimas. lhorar.

O CABEÇA-DE-CUIA As criaturas aquáticas são uma constante na rica e pouco conhecida mitologia indígena brasileira. O Cabeça-deCuia é outro dos seres que povoam o inconsciente coletivo popular, onde a identificação se dá pelo seu aspecto perturbador e desconhecido, as mesmas inquietações que nos fazem refletir sobre uma determinada realidade ou pensamento. O Cabeça-de-Cuia é uma entidade que vive dentro do rio Parnaíba, entre o Piauí e o Maranhão. Alguns o descrevem como um homem baixo e calvo, com uma enorme cabeça que lembra uma cuia. Outros falam de um homem alto e magro, de cabelo comprido que lhe cai pela testa.

O

Cabeça-de-Cuia.

Tarô indígena: seres fantásticos do Brasil

O Paituna e Paitunaré, Homens com cauda e Cipó O PAITUNA E PAITUNARÉ A luta entre as duas faces de nós mesmos, a eterna dualidade do bem e do mal contidas no mesmo elemento, é o que mostra esta interessante lenda que tem nos seus dois protagonistas uma verdadeira luta de amor e ódio. Quando ainda existia o império das mulheres guerreiras, as Amazonas, estas subjugavam os homens apenas para sua satisfação sexual, quando e como desejassem. Conta-se que um dia, na serra do Ererê, no meio de uma tribo de Amazonas, nasceu um menino. Porém, segundo as leis das guerreiras, as crianças do sexo masculino recém-nascidas deveriam ser sacrificadas. U m a das índias, penalizada, escondeu o filho, a quem chamou Paitunaré, em uma caverna onde o visitava constantemente para levar-lhe alimentos e um tônico denominado xixuá, para dar-lhe boa saúde e força física. Já crescido, o rapaz foi descoberto pelas outras índias que passaram a assediá-lo sexualmente.

Mas isso não era o que preocupava a Paitunaré, mas sim seu próprio pai, o velho Paituna, o único homem que tinha o privilegio de copular com as indígenas. Temendo a inveja e ciúmes do pai, Paitunaré refugiou-se no fundo de um lago e transformou-se em peixe. Não demorou muito para que as mulheres descobrissem o novo esconderijo do jovem índio. Certo dia, Paituna foi até a beira do lago, desconfiando da freqüência com que suas comcubinas visitavam o lugar. Foi quando viu Paitunaré junto com uma bela índia. Possesso de ciúmes, o velho índio arrancou os cabelos de todas as mulheres que iam ao lago e fez uma grande rede para capturar o próprio filho. N o dia seguinte pescou Paitunaré e matou o filho a golpes de borduna. Logo pendurou seus órgãos sexuais na entrada de uma caverna. As mulheres transgressoras e Paituna pagaram com as próprias vidas os encontros furtivos e o assassinato do rapaz,

respectivamente: a chefe das Amazonas ordenou a morte dos implicados. HOMENS COM CAUDA

A presença de caudas em seres humanos simboliza, de forma geral, o aspecto animal e selvagem, o aspecto mais instintivo, exento do racional que todos nós possuímos. A existência de homens-de-rabo ou homens com cauda é outro grande enigma. N o vale do Juruá, no Amazonas, acredita-se que habite um povo dotado de uma cauda. Suas habilidades são semelhantes às dos macacos: trepam em árvores, são muito ágeis e espertos. Sua origem é nebulosa. Fala-se que são resultado do cruzamento entre macacos coatás (o maior macaco da Amazônia, com cerca de um metro de altura) e seres humanos. Tais criaturas vivem em bandos. Alguns caboclos dizem que possuem uma pequena cauda, outros, mais longa, capaz de enroscar-se nos galhos das árvores. Os primeiros são chamados de "pitocos" ou "coatás tapuias", e vivem às margens do rio Amazonas. A cara de tais homens é rosada, e seu rabo não ultrapassa os dez centímetros de comprimento.

Contam os caboclos que tais seres são ridicularizados pois o tal rabo os impede de sentarem-se, além do que não são considerados gente. Os macacos, por sua vez, não os consideram símios. Até hoje no rio Tocantins, as moças somente cumprimentam e conversam com os forasteiros que chegam e que estão devidamente sentados no banco da canoa: querem ter certeza de que não são homens-de-rabo. Essa anomalia torna tais criaturas agressivas pela discriminação à que estão sujeitas. Alguns exploradores das selvas Amazônicas dizem ter avistado grupos de "pitocos" totalmente albinos, chamados "coatás tapuias brancos", geralmente perigosos. Estes seres têm predileção por jovens, tanto homens como mulheres, que seqüestram na primeira oportunidade. Depois de manterem relações sexuais com seus reféns, estes são brutalmente assassinados. CIPÓ E PLANTAS ASSASSINAS O mundo vegetal oculta mistérios, onde estão presentes as forças vitais da seivas que, por analogia, se referem ao sangue humano, ao poder da vida latente. N o entanto, as forças da natureza também podem rebelar-sc contra os humanos,vingando-sedas suas agressões às matas, isto é, sua destruição seja pelas queimadas como pelo corte da madeira.

Para ilustrar essa vingança, recorremos à lenda de Apuí, um dos mais valentes guerreiros da tribo dos Manuas, que habitavam a região onde hoje se localiza a capital homônima do estado do Amazonas. Apuí desejava tornar-se chefe da sua tribo, porém foi preterido por outro jovem, eleito por um conselho de anciães. A solução não agradou Apuí e, empunhando um tacape, matou aos juizes e ao novo chefe tribal. Tornou-se chefe e, um dia, tendo ido caçar na floresta, foi encontrado morto, entre raízes e folhas, mas ninguém o enterrou pois era detestado. Abandonado à sua sorte, o corpo começou rapidamente a deitar raízes como se fossem tentáculos e se transformou em uma espécie de cipó que absorve a seiva de outros vegetais, as¬ fixiando-os até a morte. O corpo de Apuí desapareceu para sempre e se converteu em tal cipó parasita, que leva o nome do indígena e que se encontra na selva Amazônica. Para os indígenas, o cipó nada mais c do que a alma assassina de Apuí, que foi punido por Tupã, também chamado o "pai do trovão", pelas numerosas mortes que havia cometido. Existem outras plantas na selva que também são espíritos de seres humanos que se fixaram em vegetais, porém, neste caso, inofensivos.

Tarô indígena: seres fantásticos do Brasil

Iapinari, Pai Sumé e Saci-Pererê IAPINARI "Ter o coração de pedra" pode ser mais que uma metáfora popular para dizer que existem pessoas sem sentimentos ou resistentes às adversidades da vida. N o rio Negro, ao noroeste do estado do Amazonas, existe uma pedra à beira do rio chamada Iapinari. U m a lenda conta que Iapinari foi um índio filho de uma mulher virgem, escolhido por Oãko, máximo criador, para vigiar a entrada do rio Uaupés. Mas, um dia, Iapinari ficou cego e o deus resolveu pingar nos olhos do rapaz o suco de uma espécie de cipó. Não obstante, segundo a lenda o rapaz voltaria a ficar cego se ele ou sua mãe revelassem a qualquer pessoa o segredo de ter recuperado a visão. A mãe, infelizmente contou o segredo para seu amante e Iapinari novamente perdeu a visão. U m dia, vagando pela floresta, o jovem se perdeu, caiu em uma corredeira e desapareceu para sempre.

Contam os mais velhos que foi então que apareceu um rochedo que seria o próprio Iapinari, imortalizado sob aquela forma. Os seixos ao redor da pedra simbolizam a mãe do cego. Tais seixos, levados nas canoas dos caboclos, teriam o poder de fazer enxergar bem aos viajantes durante as noites e sobrepujar as tão perigosas corredeiras da região. PAI SUMÉ Ensinar é o destino de muitas pessoas, seja como professores, seja como conselheiros espirituais. A lenda de Pai Sumé, Pai Zumé, Monan ou Pai Tomé mostra a faceta do deus ou semi deus civilizador. Quando os primeiros portugueses chegaram ao Brasil, os índios de São Vicente lhes mostraram as pegadas, deixadas em pedras, de uma entidade venerada, a de um homem sábio e generoso que veio de um lugar desconhecido e desapareceu de forma misteriosa.

Por todo o Brasil ainda se encontram tais pegadas nas rochas. Em alguns lugares, como em São Gabriel da Cachoeira, no rio Negro (Amazonas), os moradores depositam velas e fazem preces em torno de uma forma de pegada feita em uma rocha. Uns a atribuem a um anjo, outros a São Tomé. Reza a tradição, recolhida em várias partes do Brasil entre os indígenas, que um homem branco, de longas barbas e com vestes, lhes teria ensinado a agricultura, o artesanato, técnicas de caça e pesca, o uso das plantas medicinais e uma infinidade de conhecimentos. Sumé também exerceu o papel de legislador, proibindo em algumas tribos a poligamia e a antropofagia. Uma das variantes da lenda conta que alguns homens, enraivecidos pela limitação de sua sexualidade, atearam fogo à casa de Sumé. Outros falam que foi alvo de uma saraivada de flechas ou ainda que o amarraram a uma pesada pedra e o jogaram no fundo de um rio.

Pegadas do Pai Sumé, entidade venerada pelos indígenas, aos que ensinou uma infinidade de conhecimentos.

Conta-se ainda que foi submetido a uma prova de resistência para aceitarem ou recusarem o que aquele sábio havia proposto. Em uma das provas, a de caminhar sobre o fogo, Sumé queimou os pés. Em seguida, o agrediram, rompen¬ do-lhe a cabeça. Isso provocou a fúria do céu, caindo uma tempestade cujos raios mataram alguns dos agressores. Os índio tupis acreditavam que Sumé partiu andando sobre as águas do oceano Atlântico. Fala-se que um dia prometeu voltar para continuar sua obra civilizatória. Muitos índios acreditaram que os portugueses fossem filhos de Sumé. Talvez um dia a profecia — tão parecida à história de Jesus Cristo — se cumpra, e Sumé retorne para salvar os índios brasileiros.

O SACI-PERERÊ

Esta entidade sobrenatural e fantástica — talvez a mais conhecida do folclore brasileiro — simboliza nosso aspecto mais "peralta" e picaresco. Porque o Saci é a encarnação da peraltice. A sua figura é marcante: negrinho, de barreto ou carapuça vermelha (fonte de seus poderes mágicos) na cabeça, cachimbo e de uma só perna, barrigudo e de olhos muito vermelhos.

É uma entidade zombeteira, ágil e astuta. Apesar de ter uma só perna, corre como o raio, trepa nos barrancos e deixa três riscos, sinal de que tem três dedos. Algumas versões dão conta de que tem as mãos furadas e que expele fumaça pelos olhos. O Saci adora saltar na garupa dos cavalos e trançar a crina. Durante a noite, depois de extenuá-los em correrias chupa-lhes o sangue. N o dia seguinte o animal está abatido e verificam-se as marcas dos caninos do saci no pescoço do animal. Os sertanejos procuram evitar que o cavalo seja atacado pelo Saci, colocandolhe no pescoço um rosário de capim. Não podendo maltratar os cavalos, burros e mulas, o Saci procura assustar os seres humanos. Os viajantes que vão por caminhos solitários são os que mais sofrem: o Saci é capaz de deixá-los surdos com seus potentes assobios ao pé do ouvido, ou então matá-los de cócegas ou de pancadas. Em outras ocasiões é mais comedido, e rouba o chapéu ao viajante, espanta-lhe a montaria. As pessoas identificam o Saci à distancia pelo seu assobio agudo e estridente. Tal como os duendes europeus, divertese fazendo algumas mal-criações, como apagando o fogo, queimando alimentos, escondendo objetos das casas ou fazendas, espantando o gado. O Saci também costuma arrancar as hortaliças do quintal e os cabelos das crianças e joguar-lhes brasas nos olhinhos. Infernizam o sono de muitas pessoas, puxando-lhes as cobertas, rasgando a saia das mulheres e pisando os calos dos idosos. Também roubam os ovos das galinhas poedeiras ou então estragam seus ovos. N o entanto, há alguns segredos que servem para espantar um Saci: basta um rosário de campim ou uma peneira emborcada, ou então rezar muito: o Saci dá um assobio estridente e muito penetrante, solta uma fumaça vermelha e desaparece no ar.

Tarô indígena: seres fantásticos do Brasil

Cobra Norato, Homem-Pássaro e Caipora A COBRA NORATQ

A cobra ou serpente é um símbolo universal que desperta uma série de sentimentos antagônicos: de paixão e ódio, de vida e morte, etc. É um símbolo de dualidade, como o Yin e Yang do I Ching: o bem está contido no mal e vice-e-versa, pois são inseparáveis. A Cobra Norato é uma das mais populares tradições paraenses da região do Rio Tocantins e hoje espalhada por quase toda a Amazônia. A lenda conta que um bela índia, quando tomava banho no rio Trombetas, foi engravidada pelo Boto. Deste encontro nasceram dois gêmeos: um menino que se chamava Honorato e uma menina chamada Caninana. O rapaz possuía todas as qualidades positivas para com a mãe, e a menina, ao contrário, detestava a progenitora. Porém, tais crianças não eram normais, eram diferentes, pois seus corpos estavam recobertos de escamas, a cabeça

A Cobra Norato, uma das lendas mais populares da região da Amazônia.

era triangular, os olhos oblíquos e a língua afilada, com a aparência de uma serpente. A mãe, tendo consultado um pajé, decidiu abandonar as crianças junto ao rio Tocantins, onde sobreviveram. Caninana era terrível, pois provocava a morte de muitos pescadores e banhistas por afogamento. Honorato, ou Nonato, não suportando a crueldade da irmã, resolveu matá-la. Já adulto, Nonato transformou-se em uma grande serpente. Pela noite passeava pela floresta. De vez em quando visitava a mãe e ia às festas despojandose de sua pele e aparência de cobra. Quando o dia despertava, novamente se recobria com a pele serpentina e desaparecia nas águas do rio. Havia uma esperança para que Nonato recuperasse permanentemente sua forma humana. Tratava-se de pingar algumas gotas de leite de mulher na sua boca e logo ferir a cabeça do monstro com uma faca sem usar. Parece que até hoje ninguém se atraveu a cometer este ritual, com medo a uma reação violenta da criatura. 0 HOMEM-PÁSSARO

Dar asas abertas à imaginação as vezes é uma atitude sã, desligando-nos momentaneamente da pesada carga do cotidiano ou das eventuais agruras da existência. Por isso o Homem-Pássaro da Amazônia encarna um sentido de liberdade, dado pelas suas própria asas, capazes de levá-lo a infinidade de lugares. U m dia, o chefe de uma tribo amazônica remava sua canoa em sentido contrário à corrente de um rio. Mesmo assim, foi arrastado para uma cachoeira e, já apavorado, implorou a um pássaro que lhe "emprestara" as asas para poder escapar do destino atroz. Nesse momento um pássaro que sobrevoava a canoa mergulhou no rio e as águas começaram a desaparecer. Salvo pelo milagre do pássaro, o índio regressou à sua tribo e encontrou sua noiva junto com um índio jovem e forte mas seu corpo estava revestido de penas de vários pássaros. Na sua cabeça apareciam duas asas que lembravam as do pássaro que havia salvado o chefe da tribo. Enciumado, o cacique resolveu desafiar o forasteiro porém este não aceitou o repto e foi-se embora. Todos os membros da tribo o consideraram covarde. O índio com penas e asas foi em direção ao rio e jogou-se. Os índios, julgando que quisesse fugir, seguiram-no nas suas canoas. Nesse momento soou o estrondo de uma cachoeira e um pássaro surgiu no ar. O céu fechou-se e os índios que perseguiam aquele estranho forasteiro acabaram morrendo arrastados pelas correntezas do rio. 0 CAIPORA O respeito à natureza é novamente a tônica dos seres fantásticos brasileiros . O Caipora é muito semelhante ao Curupira, mas com os pés normais. Estes "habitantes do mato", vivem nos troncos das árvores velhas e por isso são os protetores dos vegetais. Também defende os animais dos caçadores abusivos com unhas e dentes. Geralmente é representando como um homem normal ou de pequena estatura recoberto de pêlos, e com os cabelos compridos, fumando

um cachimbo. Aparece também montado em porcos-do-mato de grandes dimensões. Em outras ocasiões, é representado como um índio de pele escura, nu, ágil, fumando cachimbo e que adora o fumo e a cachaça, dominando com seus assobios os animais da mata. Outra versão mostra um Curupira com um olho no meio da testa. O Caipora ou Caapora também aparece sob a forma de uma "menina", na realidade uma criatura de baixa estatura cujos longos cabelos cobrem todo o corpo até os pés. Antigamente os indígenas defendiamse do caipora com tochas, pois acreditavam que a criatura fugia à luz. Se os caçadores não lhe trazem fumo e bebidasalcoólicas,o Caipora surra impiedosamente os homens. Uma forma de afastar ou afugentar o Caipora é mastigando alho. U m caçador foi caçar no mato numa sexta-feira. Então ouviu uma voz que lhe disse: "Você não pode caçar nas sextas-feiras". Não obedecendo a voz, o homem tentou matar um jacu e o pássaro o atacou violentamente com suas garras. O homem, espavorido, abandonou a arma e nunca mais voltou a caçar nas sextas-feiras. A voz que tinha ouvido era a voz do Caipora.

Tarô indígena: seres fantásticos do Brasil

Matintaperera, Anhangá Índia Mani e Vitória-Régia 0 MATINTAPERERA Há pessoas para quem a noite se revela o palco ideal para pôr em prática seus pensamentos. A noite é trocada pelo dia, com todo o fascínio e terror que pode provocar. Nesse cenário noturno, aparece o Matintaperera, uma espécie de coruja que pode transformar-se em gente e fazer mil e uma traquinagens. Tal como os gnomos e duendes, rouba objetos das casas ou os muda de posição, bate nas crianças e costuma raptar as que são travessas. Tal como o Curupira e o Caipora, aceita o fumo e a cachaça para aplacar suas desfeitas com os humanos. Existe uma maldição lançada por um pajé da tribo dos Waimiri Atroari. Depois que sua tribo ter sido dizimada pelos brancos, ainda moribundo, o pajé anunciou que todos os que haviam participado do massacre do seu povo estariam fadados a deambular eternamente pela floresta sob a forma de uma velha ou de um pássaro que todas as noites gritava: Matintaperera, Matintaperera!

Fala-se que a tal criatura chegou a matar vários seres humanos. Alguns velhos e velhas caboclos ou indígenas acabam sendo acusados de ser o próprio Matintaperera e, por isso mesmo, castigados. Uma das formas de espantar a entidade é a de tirar o capuz ou barrete encantado do Matintaperera. O ANHANGÁ Errantes por natureza são aqueles que se identificam com o Anhangá. Criatura ambígua, como quase todos os seres da mitologia indígena, o Anhangá é demônio e protetor ecológico. Muitas vezes aparece sob a forma de um grande veado branco, com os olhos de fogo, perseguindo e assombrando os caçadores que se atrevem a violar os seus domínios. Vive em lugares da mata mal assombrados. Foi um dos primeiros seres sobrenaturais dos quais os conquistadores portugueses tiveram notícias entre os indígenas. O Anhangá junta-se com outros defensores da natureza, como

o Curupira, Caipora e o Matintaperera. Defende as fêmeas grávidas ou com filhotes e os animais fracos ou feridos. Ao contrário dos seus outros colegas fantásticos, o An¬ hangá não mata nem devora os seres humanos. Existem várias lendas sobre veados encantados. Uma é original do Uaupés. Certo dia alguns veados devastavam uma plantação e os caboclos mataram os animais a tiros. Logo levaram os corpos para salgar. Na manhã seguinte encontram, em vez de carne de veado, carne humana que imediatamente j o garam ao rio. Algum tempo depois apareceram duas pessoas de uma aldeia próxima dizendo que haviam desaparecido um idoso e uma mulher que logo foram associados aos veados mortos na roça. Outra lenda fala de um índio que resolveu caçar veados. Capturou um filhote para atrair a mãe. Ouvindo os gritos da cria, a mãe aproximou-se e foi alvejada mortalmente pelo indígena. Porém, para espanto do humano, o corpo do veado fêmea transformou-se no da mãe do índio: o Anhangá havia provocado uma miragem para castigar o caçador. Existem Anhangás que encarnam outros animais, como o Tatu-Anhangá (um tatu encantado), ou mesmo disfarçandose de gente, como o Mira-Anhangá.

A ÍNDIA MANI

A pureza está presente nesta imagem lendária dos indígenas Amazônicos. Há muitos anos a filha de um cacique deu a luz a uma menina de pele muito clara. O cacique, desconfiado de que a menina estava amaldiçoada decidiu matá-la. Entretanto, em um sonho, o homem viu um homem branco que o impediu de cometer o assassinato, alegando que a criança era absolutamente inofensiva e exenta de maldições. Esperto, o bebe rapidamente começou a falar e chamaram-no de Mani. De inteligência aguda, Mani passou a ser querida por todos os da sua tribo. Contudo, a criança não viveu muito tempo, e morreu logo ao primeiro ano de vida. O chefe da tribo mandou enterrá-la ao lado da sua maloca. Diariamente os índios regavam a sepultura e sobre ela nasceu em pouco tempo uma planta desconhecida. Quando a tal planta deu frutos, os pássaros que se alimentaram deles ficavam atordoados. Os índios colheram a raiz da planta e, limpando-a, viram que era muito branca, como o corpo da menina. Acreditando que Mani havia encarnado na planta, deram-lhe o nome da criança.

Com as raízes de Mani os indígenas fizeram uma espécie de vinho delicioso. Até hoje se cultiva esta planta embria¬ gadora. A VITÓRIA-RÉGIA A metamorfose pode ser espiritual ou física. Constantemente nos transformamos, nos renovamos. Isso é o que mostra a lenda da Vitória-Régia. A Vitória-Régia é uma planta aquática redonda e flutuante. A lenda fala de que cada estrela do céu é uma índia que casou com a Lua, na verdade um guerreiro belo e forte. Nas noites de luar tal guerreiro desce do céu para buscar uma jovem. Uma das pretendidas da Lua, era um bela índia chamada Naiá que se apaixonou pelo guerreiro celestial. Naiá declinou das ofertas de casamento que lhe foram feitas por outros jovens da sua tribo. Todas as noites de Lua a moça olhava para sua luz prateada e esticava os braços na tentativa de tocá-la. Uma noite, vendo a Lua refletida na superfície de um lago, se jogou na água e morreu afogada. Em vez da Lua transformá-la em uma estrela do céu, decidiu torná-la uma "estrela das águas", em uma planta que dava belíssimas flores cujas pétalas somente se abrem nas noites de Lua Cheia com um perfume inconfundível: a Vitória-Régia.

Tarô indígena: seres fantásticos do Brasil

Os Homens-Morcego, Tupá e o Gigante de Pedra OS HOMENS-MORCEGO Quem nunca ouviu falar de vampiros de sangue e de vampiros psíquicos? Quem nunca encontrou alguém que parecia "sugar" nossa energia vital?. Sempre há de se estar atento a estes indivíduos indesejáveis... Perto do rio Araguaia existe uma montanha chamada Morcego. Nela há uma grande caverna onde antigamente moravam os Kupe-dyeb, seres de forma humana mas com asas de morcego e com os cabelos de cor vermelha. Geralmente matavam qualquer forasteiro com fortes golpes de tacape na cabeça, atacando-os em pleno vôo. Depois lhes sugavam o sangue. De certa vez dois caçadores acamparam junto com um menino perto da caverna e foram mortos pelos homens-morce¬ go. Somente o menino escapou, tendose escondido na mata. Voltando à sua aldeia, contou o que tinha acontecido aos caçadores e todos os guerreiros se juntaram para exterminar os Kupe-dyeb. Os guerreiros encheram a entrada da caverna de

lenha e atearam fogo. Contudo, os ho¬ mens-morcegos escaparam por outra boca da caverna, no alto da montanha.

Dentro da caverna encontraram uma grande quantidade de machados ou tacapes de pedra de formato semi lunar e um menino-morcego de seis anos de idade que levaram para criar. O menino dormia pendurado cabeça para baixo dos galhos das árvores e tinha hábitos noturnos. Os olhos lhe doíam com a luz do Sol. Porém

viveu pouco tempo, pois parecia alimentar-se de sangue fresco, que nem r sempre os índios tinham à disposição. Além disso, conta a lenda que os Kupe-dyeb que escaparam vivem em algum lugar ao sul da montanha do Morcego. Em Minas Gerais também há uma lenda de homens-vampiros que moram em cavernas. Os bandeirantes foram vítimas de tais criaturas que, além de matar os seres humanos e chupar-lhes o sangue, devoravam-nos.

TUPÃ

A fúria controlada, o ódio canalizado pelas vias do inconsciente, transformam-se em razão para todos aqueles que seguem a mesma linha espiritual de Tupã, talvez a entidade celestial indígena mais conhecida do Brasil. Tupã, o "Pai do Raio", lembra Thor, o deus do Trovão da mitologia germânica ou Júpiter ou Zeus da mitologia grecoromana e encarna a força do raio arre¬ metido sobre a terra e seus habitantes. Considerado por alguns como a máxima deidade dos indígenas brasileiros, como um deus Criador, outros o consideram apenas um deus da natureza.

Os índios respeitavam Tupã, que fazia tremer o céu e a terra mostrando sua grandeza e poder. Há quem acredite que foi Tupã quem deu enxadas aos indígenas para poderem arar a terra. Uma outra versão fala que Tupã, ao criar o mundo, tirou sua pele para fazer a Terra. Depois do Dilúvio, veio junto com Piá, um deus tão poderoso quanto ele que fez a primeira mulher de barro mas esta quebrou. Foi então que Tupã resolveu fazer outra mulher, mas de madeira e dela descendem todos os índios. Entre os índios Ianomamis havia uma lenda que falava de um pajé chamado Poré que habitava o cume de uma montanha escarpada, praticamente inacessível. Todos aqueles que tentaram escalar a serra morreram tragicamente. O feiticeiro produzia com seu sopro grandes nuvens brancas que encobriam a serra. Além disso era capaz de lançar raios que atingiam e derrubavam árvores, assim como matava homens e animais. Quando estava de bom humor, Poré projetava um arco-íris de dois tipos: um mais grosso, o macho e outro mais fino, fêmea. Quando surgia o primeiro, as mulheres indígenas deviam esconderse em suas malocas, pois caso contrário o arco-íris as fecundaria. Os índios recomendam que não se deve apontar o dedo ao arco-íris, seja macho ou fêmea, pois, quem o fizer, ficará cego e com uma verruga no dedo. O GIGANTE DE PEDRA A esfinge sempre esconde um segredo que devemos decifrar com nossa inteligência e astúcia. Há pessoas que são verdadeiras esfinges, ocultam em si mesmas segredos que cativam os demais. Qual é a chave para decifrá-los? Está lançado o desafio das charadas... Pois a esfinge brasileira é a Pedra da Gávea, no Rio de Janeiro, Baía da Guanabara. N o alto daquela montanha de pedra granítica está a imagem de um ser, cujo corpo de felino ostenta uma colossal cabeça humana com longas barbas. Alguns acreditam que seja uma formação natural, outros acham que é

obra de seres humanos em um tempo remoto. N o século passado encontrou-se nas paredes da montanha uma série de riscos que alguns estudiosos interpretaram como uma antiga inscrição. Os mais ousados atribuíram-na aos fenícios — povos navegantes do Mediterrâneo — que acidentalmente chegaram às costas do Brasil antes que Pedro Alvares Cabral. Uma lenda indígena diz que o gigante da Pedra da Guanabara foi, em priscas eras, um índio que assassinou uma jovem índia. Como castigo, Tupã o transformou em pedra e o obrigou a vigiar a Baía da Guanabara. Alguns pescadores dizem que, às vezes, levanta-se e vai passear. Para isso, chama as nuvens e cobre os morros para ninguém notar sua ausência. Outras lendas falam que no seu interior está a tumba de um grande soberano indígena, cercado de seus ricos pertences. O cacique teria sido enterrado junto com os seus súditos mais próximos, sacrificados ritualmente. Nas suas cercanias ou no topo da Pedra da Gávea muitas pessoas já sumiram de forma misteriosa. Dizem que todos aqueles que tentam desvendar seus mistérios são vítimas de alguma maldição: a esfinge esconde muito bem os seus segredos.

Tarô indígena: seres fantásticos do Brasil

O Barba Ruiva, TahinaCan, Jaburu e Piripirioca 0 BARBA RUIVA Raramente ouvimos nossa voz interior, a nossa consciência-intuição que busca apresentar soluções para nossos problemas, dos mais insignificantes aos mais importantes. Somente o exercício diário da paciência, compreensão e disciplina nos facilita abrir este canal de comunicação interno. A lenda do Barba Ruiva nos fala de como uma voz pode ficar aprisionada e sofrer com a indiferença daqueles que não querem ouvir. Perto da lagoa de Paranaguá, no estado do Piauí, morava uma viúva muito pobre com suas três filhas. A mais jovem deu a luz a um bebê, porém, arrependida, resolveu abandonar a criança. O infeliz foi deixado dentro de uma bacia de cobre e jogado na lagoa de Paranaguá. O tacho afundou mas foi trazido à tona pela Iara ou Mãe d'Água. Enraivecida pela atitude da mãe do bebê, a Iara provocou o crescimento das águas do lago e inundou todo o vale. Desde então o lago se tornou um lugar mágico, onde se ouvem es-

tranhas vozes e observam-se luzes de origem desconhecido. Todos os que se atreveram a morar às margens da lagoa tiveram que fugir es¬ pavoridos: durante a noite ouvia-se o choro de um bebê, procedente do fundo das águas, como se solicita-se o peito da mãe para amamentar-se. Com o passar dos anos o choro parou. Conta a lenda que às vezes surge das águas um ser humano que pela manhã é menino, ao meio-dia um rapaz de barbas ruivas e, pela noite, um velho de barbas brancas. Tímido, foge dos homens quando é visto, porém aproximase das moças bonitas para observá-las e depois foge. Por isso, as mulheres evitam lavar a roupa sozinhas. O Barba Ruiva, como ficou conhecido, é tido também como filho da Mãe d'Água. Pacífico, a entidade não fere ou maltrata ninguém. A sina à qual está preso terminará o dia em que uma mulher atire em sua cabeça algumas gotas de água benta e as contas de um rosário, convertendo-se, então ao cristianismo.

TAHINA-CAN Vitalidade e seu oposto, a ausência de energias, são os polos opostos que podem estar circunscritos a uma mesma entidade. A filosofia indígena consagra muitos mitos a esta dupla realidade contida em um só elemento. N o tempo em que os índios Carajá ainda não conheciam a agricultura, um casal teve duas filhas: Imaherô, a mais velha e Denakê a mais nova. Uma noite viram a estrela Tahina-Can brilhar com muita intensidade. Imaherô, ficou apaixonada pelo astro e quis tê-lo para si. A índia fez um pedido para o céu e uma certa noite acordou assustada. Ao seu lado estava um ancião de cabelos e barbas muito alvas: era Tahina-Can. Ele se ofereceu como marido da moça porém, vendo-o tão velho, Imaherô o rejeitou. Triste o ancião-estrela chorou copiosamente. Denakê, sensibilizada pelo choro, o aceitou como marido. Depois do casamento, Tahina-Can fez o primeiro roçado de uma tribo de Carajás. Entrando nas águas do rio encontrou espigas de milho e raízes de mandioca que logo plantou. Quando a esposa foi procurá-lo na roça encontrou em seu lugar um jovem e belo índio com o corpo pintado com símbolos que até hoje os Carajás usam: o homem-es¬ trela havia rejuvenescido.

Tahina-Can {a estrela Vésper).

Porém, a irmã de Denakê, invejosa, desejou aquele jovem para si. Mas então era tarde, pois Tahina-Can se mantinha fiel a sua esposa. Enraivecida, Imaherô ficou possessa e gritou aos quatro ventos. Foi quando ambos se desvaneceram no ar e, no seu lugar apareceu uma ave, o urutau, que até hoje dá um grito triste e muito forte. 0 JABURU Muitas lendas indígenas são como as fábulas, pois procuram deixar um fundo moral. A lenda do Jaburu mostra que a ambição é um pecado que se penaliza. N o inicio da criação do mundo, Tupã escolheu o Jaburu como uma das aves divinas da terra. Sua plumagem rica de cores suaves atraia e encantava todos os demais pássaros. Todos os animais possuíam uma tarefa para cumprir na vida. O Jaburu estava encarregado de distribuir os favores de Tupã às criaturas ter¬ renais. N o último dia de cada ano, o Jaburu, sabendo das responsabilidades às quais estava a cargo, voou muito alto e chegou ao Paraíso onde recebeu um cesto, o aturá, repleto de boas graças procedentes de Tupã. Ao invés de repartir as graças, o Jaburu ficou com o aturá. Depois disso, a ave, foi ficando triste e seu pescoço, que era coberto de penas brancas, foi ficando preto e transformou-se em uma ave feia e repulsiva.

Até hoje o Jaburu paga pelo pecado da ambição de querer tudo para si, esquecendo-se de repartir as graças para os demais. PIRIPIRIQCA

A evasão pode ser o sintoma de timidez ou de proteção à intimidade. E o que nos ensina este personagem de lenda indígena. O Piripirioca era um índio que fugia das moças que o procuravam. Ele exalava um perfume muito suave que apaixonava as mulheres. Este índio tinha o poder de transformar-se em nuvem, desaparecendo rapidamente no ar. Aconselhadas por um pajé, Supi, as índias prenderam Piripirioca com fios de cabelo. Mesmo assim o rapaz diluiu-se no ar, adormecendo-as a todas. Pela manhã viram no lugar do índio Piripirioca uma planta que guardava o seu perfume. Supi ensinou-as a usar aquele cheiro que embriagava o coração das mulheres. Mas onde estava Piripirioca, na planta? Não, no céu, pois havia subido por seus poderes mágicos e transformou-se na constelação do Ararapari, o cinto da constelação que nós conhecemos por Orion.

Tarô indígena: seres fantásticos do Brasil

Potira, o Lagarto Encantado, o Sete estrelo, Macunaíma e Chibuí POTIRA O sofrimento às vezes é recompensado por outros fatores que tornam nossa vida mais alegre ou compreensível. Isso é o que mostra a índia Potira com o seu calvário. Há muito tempo vivia à beira de um rio no estado de Minas Gerais uma tribo de índios onde morava um casal muito feliz: Itagibá e Potira. Itagibá significa "braço forte", era um guerreiro astuto, forte e corajoso. Potira, cujo nome significa "flor" era uma índia jovem e belíssima. U m dia Itagibá deixou a aldeia para guerrear com uma tribo vizinha. Potira, com saudades, diariamente se dirigia até as margens do rio na espera da canoa do marido. Porém sempre mantinha a esperança do retorno e não se deixava abater. U m dia Potira foi avisada que Itagibá havia falecido em combate.

Inconsolável, Potira passou o resto da vida à beira do rio, chorando sem cessar. Seu sofrimento impressionou o deus Tupã que, para render homenagem ao sofrimento da jovem e ao guerreiro falecido, transformou as lágrimas de

Q LAGARTO ENCANTADO Pecado e virtude andam lado a lado: há uma margem muito tênue entre um e outro. A lenda do Lagarto Encantado remete ao dia em que o jovem sacristão da Igreja de São Tomé, no estado do Rio Grande do Sul, observou que as águas de uma lagoa vizinha borbulhavam de uma forma estranha. Quando o religioso se aproximou, cessou o ruído e, de repente, viu sair das águas um teiú-iaguá, uma espécie de lagarto escuro, com riscas amarelas. Porém, ao contrário dos demais da sua espécie

Potira

possuía uma pedra brilhante encravada no alto da cabeça, conhecida como carbúnculo. O padre recolheu o lagarto e o levou para casa, onde o tratou com carinho. O animal, que era encantado, retribuiu a gentileza oferecendo riquezas, entre elas ouro, diamantes e fazendas. Porém, o bom homem recusou-as. Depois disso o teiú se transformou em uma bela moça. Porém, o religioso não resistiu aos encantos da moça e casou-se secretamente. Quando descobriu-se que havia casado com um lagarto encantado, o homem foi condenado à forca. N o momento prévio à execução, surgiu o teiú da lagoa, abrindo uma fenda no chão que até hoje existe. O lagarto foi em auxílio do padre fazendo ferver as águas do rio e do lago e a terra tremer. O condenado foi arrancado da forca por mãos invisíveis e posto no dorso do lagarto que então atravessou o rio Uruguai. A lenda ainda diz que ambos, o lagarto e o padre, têm vida eterna, cercados de riquezas. O lagarto nunca mais se transformou em mulher e revela ao infeliz padre onde estão as minas de ouro e diamantes, que de nada lhe servem.

0 SETE ESTRELO O absurdo é uma forma de inteligência que se expressa através de uma atitude inconsciente, presente nos artistas. Há muito tempo, no rio Uanauá dois recém-casados esfregaram nos seus corpos a erva jacamim e se transformaram em ela. Ambos podiam voltar à forma humana quando quisessem. U m dia tiveram um casal de filhos e a mãe os alertou que em nenhum momento deveriam destruir um pé de jacamim. Uma noite a mãe aproximou-se da filha e viu que na testa havia sete estrelas e que no menino havia uma cobra feita de estrelas. A mãe chamou o marido e este disse que quando engendraram os filhos estavam olhando para as estrelas, por isso ficaram refletidas nos corpos dos filhos. Em outra ocasião, o garoto saiu para a floresta e matou todos os jacamins que encontrou. Ao voltar à sua aldeia encontrou o pai morto. Em pouco tempo, o menino tornou-se o chefe da família e passou a exercer uma força desmedida. Além disso, possuía poderes curadores. Quando morreu foi para o céu, transformando-se no Sete Estrelo, na verdade o aglomerado estelar das Plêiades que, a olho nu, mostram sete estrelas.

MACUNAÍMA Criação e destruição, duas faces da mesma moeda. Macunaíma é a entidade divina de várias tribos. Sua história está ligada ao Dilúvio indígena. Depois que Macunaíma criou a Terra e as plantas, desceu dos céus e subiu uma árvore. Cortou pedaços da casca da árvore e os jogou a um rio. Os pedaços se converteram em animais. Depois, com outros pedaços criou os seres humanos. Macunaíma resolveu destruir grande parte da sua Criação quando surgiu o espírito do mal sobre a Terra. Então provocou um Dilúvio. Outras versões explicam que Macunaíma criou o homem a partir da cera.

O Sete Estrelo.

Macunaíma.

Chibuí.

CHIBUÍ Pausa para a meditação. A estranheza é a chave de um novo conhecimento. Na Zona do Salgado vive o Chibuí. Sua aparência é a de um homem normal, de cor branca c com duas antenas na cabeça. Outros o descrevem como um homem com dentes salientes, antenas e ligado pelos pés à casca de um caramujo. O Chibuí tem o hábito de engravidar as moças virgens. Pouco mais se sabe deste enigmático homem-caramujo.

Ayahuasca: a poção para ver o futuro A cerimônia de ayahuasca é um sistema de adivinhação baseado na infusão de ervas características do Brasil.

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ayahuasca ou "soga do morto" é o nome de uma poção conhecida originalmente pelos indígenas amazônicos cujo uso se estendeu nos últimos anos a determinadas camadas da sociedade brasileira. Mais que um simples alucinógeno, a ayahuasca se transformou em uma religião, ou em várias religiões que predicam seu uso e sua sacralidade. O "Santo Daime" e "A União do Vegetal" são dois dos grupos religiosos

mais conhecidos desta vertente. Seus adeptos — que já são muitos no Brasil e no estrangeiro — professam que a ayahuasca (Banisteria caapi), também chamada "caapi" ou "yage", permite expandir a consciência humana a níveis desconhecidos. O "yage" é uma planta trepadeira da família das malpigiáceas com a qual se prepara ritualisticamente uma poção que serve para a iniciação das crianças na adolescência entre várias tribos ama-

Cerimônia da ingestão da infusão com ayahuasca.

zônicas. Os princípios ativos (elementos químicos que atuam no ser humano) são a harmina e a dimetiltrip¬ tamina, dois alcalóides encontrados na raiz da planta. São também conhecidos por alguns cientistas como "telepatina", por sua capacidade de induzir a estados telepáticos e clarividentes. O primeiro é eliminado pelo organismo 24 horas depois da ingestão, e o segundo, durante ou depois dos efeitos alucinógenos.

Grupos como o "Santo Daime" elaboram uma poção de cor café com leite. Depois acrescentam à ayahuasca folhas de um arbusto chamado chacrona (Psy¬ chotria viridis). O preparo passa pelo corte, maceração e cozimento das plantas. As pessoas que bebem esta poção, têm visões de paisagens fantásticas habitadas por elementos simbólicos que surgem com muita clareza e realismo. Beber ayahuasca produz enjôos — que são combatidos com o perfume de cuᬠquena e com a cebola do piripiri —, vômitos e profundas náuseas. Além disso tem efeitos laxativos. Seus consumidores advertem que não se deve tomar ayahuasca desacompanhado nem fora de um contexto religioso, isto é, pelo simples desejo de provar o alucinógeno "para ver o que acontece". Além disso, a substância pode despertar poderes paranormais, especialmente telepáticos e premonitórios em algumas pessoas. Os efeitos dependem muito do ambiente onde a pessoa que a consome se encontra, bem como seu estado emocional. A esta planta também se atribui o poder de produzir viagens astrais. Alguns antropólogos, como Luis Eduardo Luna, da Colômbia, acredita que a ayahuasca permite resgatar imagens dos espaços mais recônditos da mente e transferi-las ao nível do consciente. Luna descobriu um xamã peruano, Pablo Amaringo, que pintava extraordinários quadros, ricos em simbolismo, a partir de suas experiências religiosas com a ayahuasca. Amaringo reproduzia imagens que nunca nenhum ser humano tinha visto, as mesmas que mostram criaturas arquetípicas, isto é, que estão no inconsciente da humanidade, especialmente dos habitantes da selva. Em seus quadros aparece a Anaconda pri¬ migênia que, segundo as lendas, trouxe a humanidade em suas entranhas. Em 1858, Villavicencio, um geógrafo equatoriano, escreveu acerca do consumo da ayahuasca entre os indígenas záparos e descreveu sua própria experiência como uma viagem ao futuro, onde ele se via voando e tinha "as mais

Pintura de P. Amaringo onde podem ser vistas visões depois da ingestão da Ayahuasca magníficas visões de grandes cidades, altas torres, bonitos parques e outros cenários estranhamente atraentes". Os índios tucanos, siona e shipibo realizam ritos com a ayahuasca. Antes de ingeri-la devem abster-se de manter relações sexuais e, além disso, devem seguir uma dieta muito estrita. Os sonhos provocados pelo vegetal são iniciáticos e premonitórios. A música desempenha um papel importante nos rituais. Os xamãs neófitos aprendem dos espíritos "mãe" um amplo repertório de canções com as quais podem produzir curas xamânicas, ou denunciar futuros ataques sobrenaturais dos "espíritos do mal". Através da ayahuasca, os índios podem entrar em contato com o mundo dos ancestrais, para encontrar-se com os ante-

Liana de yagé ou ayahuasca.

passados ou para saber onde se encontram os animais que querem caçar. Os índios costumam retirar-se para as partes mais profundas da selva para consumir a substância e só então são capazes de captar as influências da natureza. Os indígenas yaguas têm uma curiosa explicação para os poderes adivinható¬ rios e telepáticos do yagé: em sua mitologia existem cinco espíritos que estão alojados no corpo humano. Dois destes espíritos podem abandonar temporariamente o corpo, tal como acontece nas viagens astrais e visitar lugares longínquos, dentro ou fora de nosso planeta. Estas almas também podem entrar em contato com outras superiores que regem o passado, o presente e o futuro. Jovens, adultos e pessoas idosas ingerem a ayahuasca nos rituais do Santo Daime. A religião c a planta alucinógena estão permitidas pela lei; uma comissão multidisciplinar decretou, em 1993, que a ayahuasca, consumida de forma controlada e dentro de um contexto religioso, não é prejudicial ao ser humano. Os líderes de outro grupo religioso adepto da ayahuasca, a "União do Vegetal", surgido em Porto Velho, empregam sons de mantras para favorecer o transe. O objetivo destes grupos, segundo apregoam seus líderes espirituais, é lograr o autoconhecimento.

Sonhos e visões premonitórias Visões premonitórias obtidas em estado de sonho. Este sistema se usa em algumas regiões de Brasil para buscar lugares onde se escondem tesouros.

Reza uma lenda que no vilarejo de Rosário, nas margens do rio Cuiabá, vivia há muitos anos um mineiro ambicioso e cruel, cujos escravos eram obrigados a entregar-lhe, todos os dias, uma determinada quantidade de ouro. U m dos escravos, um velho chamado Pai Antônio, passou toda uma semana sem encontrar um só grama de ouro. Triste e cabisbaixo, pensando no castigo que seu amo lhe infligiria, Antônio viu, diante dele, uma formosa fada. A fada perguntou ao escravo sobre o motivo de sua tristeza. A mulher lhe disse: "compre-me uma fita azul, vermelha c amarela, um pente e um espelho, pois quero "Cidade dos Deuses", formação rochosa próxima a Alenquer, estado do Pará.

O

s sonhos nos permitem penetrar em um universo onde tudo é possível, inclusive ver o futuro. Existe a tradição de que a alma abandona o corpo durante o sonho e entra em contato com nossa realidade e com a realidade do além. Em algumas ocasiões algumas entidades sobrenaturais intervêm em nossos sonhos e nos mostram lugares onde se ocultam riquezas: são os mitos do ouro e da abundância. Os sonhos podem anunciar mortes, desastres, riqueza, viagens, novos amores, etc. As indicações do que pode acontecer no futuro são dadas por elementos que aparecem nos sonhos e que têm um sentido concreto para os que são capazes de interpretá-las. Vejamos algumas delas: SEDE Não se deve dormir com sede pois o anjo da guarda pode afogar-se bebendo

água nos rios ou poços. Por isso, devese ter sempre água fresca na geladeira para que o anjo não se afogue. MESA OU PORTA Nunca se deve dormir sobre a mesa porque é de mau agouro e, pelo mesmo motivo, tampouco se deve dormir com os pés apontando para a porta que dá para a saída da casa. A MÃE DO OURO Trata-se de um fenômeno premonitório impressionante e relativamente freqüente. A mãe do ouro é uma esfera luminosa de cor amarela que, geralmente, surge de uma serra ou montanha cruzando o céu para cair ou esconder-se em outro setor montanhoso. A mãe do ouro, esfera luminosa que aparece pela noite.

lhe ajudar". Rapidamente, Antônio cumpriu com as ordens da fada. Quando ele lhe entregou os objetos pedidos, ela lhe indicou o lugar no qual havia uma mina de ouro; em troca do segredo só lhe impôs uma condição: não deveria revelar a ninguém a localização da mina. Antônio dirigiu-se rapidamente à mina, apanhou uma boa quantidade de ouro e levou-o a seu airado amo. Naturalmente, o homem quis saber onde seu escravo tinha encontrado o ouro. Antônio recusou fazer tal revelação e, em conseqüência, passou a receber terríveis açoites diários. Suplicando e pedindo ajuda à fada, isto é, à mãe do ouro, Antônio implorou que o deixasse contar o segredo. A fada concordou, com a condição de que seu amo fosse à mina com 22 escravos e que escavasse até encontrar a rocha. Os homens assim fizeram e se depararam com uma jazida de ouro em forma de árvore. N o entanto, apesar de tudo que tinham escavado, não conseguiram chegar ao fundo da mina. A fada, nesse momento, pediu a Antônio que se separasse das escavações. Depois de um momento, um desabamento na mina enterrou para sempre os escravos que se encontravam ali, bem como o cruel mineiro. Hoje em dia, na selva da Juréia, os indígenas caiçaras crêem que a aparição da "mãe do ouro", isto é, da esfera de luz amarela, indica o lugar onde se pode encontrar uma mina de ouro ou um tesouro deixado pelos portugueses e espa-

Formações rochosas de Paraúna, em Goiás. nhóis. Em Goiás, entre as formações rochosas de Paraúna, os camponeses que sonham com a "mãe do ouro" podem descobrir o lugar onde está um tesouro enterrado. Mas não podem ir buscá-lo diretamente. Devem contar a uma pessoa de confiança e será esta pessoa que deverá retirá-lo da terra. Histórias semelhantes podem ser ouvidas em Sete Cidades (formações rochosas no Estado do Piauí) e nas formações da "Cidade dos Deuses" (próximo a Alenquer, Estado do Pará): 0 CARNEIRO DE OURO N o Estado do Maranhão, às margens do rio Parnaíba, à noite pode-se ver o que os camponeses chamam o "carneiro de ouro". Trata-se de um carneiro gigantesco com uma estrela na frente que esporadicamente produz clarões. Qual é a origem do misterioso carneiro? Os habitantes locais contam que um missionário viajava pela Pintura rupestre na que aparece o "Lagarto de ouro", uma variação do "carneiro de ouro".

região quando foi assaltado por uma banda de ladrões que lhe tiraram a vida. Arrependidos, os assassinos enterraram o religioso junto com seu ouro. Todos aqueles que têm o privilégio de ver o "carneiro de ouro", sonham durante essa mesma noite com uma roda de ouro. Ao contrário da "mãe do ouro", que mostra o lugar onde há um tesouro enterrado, a visão do carneiro vaticina o enriquecimento do observador de uma forma insuspeita, seja por uma herança, loteria ou por um emprego muito bem remunerado. Uma variação do "carneiro de ouro" é o "lagarto de ouro", que aparece em pinturas pré-históricas. AS SALAMANCAS N o sul do Brasil, especialmente no Estado do Rio Grande do Sul, existem a chamadas salamancas ou "cavernas encantadas" onde se encontram riquezas em ouro e prata. O nome teve origem na Espanha, na cidade de Salamanca, onde existiu uma escola de iniciados esotéricos. Contam as lendas que os homens que entraram nestas salamancas e voltaram à luz do dia transformaram-se em pessoas de sucesso e com muita sorte. Acredita-se que ao dormir na escuridão da caverna, as pessoas aprendem — em função dos sonhos — a ganhar nos jogos de cartas ou outros jogos de azar e a predizer a melhor forma de investir seu dinheiro em certos negócios.

Animais de bom e de mau agouro (I) Existem uma série de animais agoureiros que formam parte da fauna brasileira e, os quais têm a faculdade de avisar, de diversasmaneiras,os seres humanos sobre acontecimentos que vãoocorrerno futuro

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rica e variada fauna brasileira apresenta um aspecto inesperado: seus animais representam criaturas agourentas. Sonhar com um tatu, ou que um manati do Amazonas (peixe-boi) apareça a um navegante podem prenunciar uma série de fatos capazes de alterar completamente a vida de uma pessoa. Vejamos alguns exemplos: JAGUATIRICA Trata-se de um mamífero carnívoro (Felis pardalis brasiliensis) que atinge cerca de 85 cm de comprimento e 40 cm de altura. Felino de hábitos noturnos, é muito semelhante à onça, mas de tamanho menor. Seus olhos brilham como duas estrelas na densa selva e alimentam as mais fantásticas interpretações entre os caboclos (mestiços da região amazônica)

Jaguatirica. e os indígenas. Ver uma jaguatirica à noite é como ver o próprio demônio: não é bom augúrio e costuma anunciar

a morte prematura de algum parente ou amigo. Também indica o fim de um ciclo de boa caça e a necessidade de buscar novas áreas para caçar. LOBO-GUARÁ Trata-se de um mamífero carnívoro da família dos canídeos (Chrrysocyon bra¬ chyurus). É o maior e mais belo dos canídeos sul-americanos, com quase um metro de altura. Destaca-se por seu pêlo avermelhado e lustroso e que, ao contrário do lobo europeu, não vive em manadas, mas sim de forma solitária. E um animal extremamente arisco que tem hábitos noturnos. As poucas pessoas que já viram um lo¬ bo-guará em seu meio ambiente garantem que, depois do acontecimento,

PIRARUCU É o gigante de escamas dos rios amazônicos, da família dos osteoglossídeos (Arapaima gigas). Este peixe de água doce alcança mais de 2 metros de comprimento e chega a ter mais de 200 kg de peso. É conhecido como "bacalhau do Amazonas" por sua rica carne. Há quem garanta que tocar nas escamas de um pirarucu, ainda vivo, permite saber se a mulher vai ter um filho ou uma filha: se ao passar a mão uma vez sangra, será mulher, e se não, será homem.

Quati. passaram a ter abundância em suas vidas: ganharam prêmios na loteria, receberam uma herança, apareceu um novo trabalho melhor remunerado, etc. Tímido, o lobo-guará não costuma atacar o ser humano salvo se se vê muito ameaçado. QUATI Trata-se de um mamífero carnívoro, ar¬ borícola da família dos procionídeos (Nasua nasua). É de tamanho médio, é tão travesso e ágil quanto os macacos. Sua cauda permite-lhe pendurar-se pra-

ticamente de qualquer lugar e despistar rapidamente seus perseguidores. Geralmente vive em grupos muito ruidosos e brincalhões. Os indígenas os consideram espíritos de crianças travessas que vivem na selva. Sonhar com os quatis significa ter êxito com o sexo oposto, novo namorado ou namorada ou relações sexuais iminentes. Talvez se baseiem no emprego afrodisíaco que se faz do membro do quati. Contra a impotência sexual, elabora-se uma infusão com este membro, depois de tê-lo tostado. Tatu-bola. TATU-BOLA O tatu-bola é um pequeno mamífero pertencente à família dos dasipodídeos (Tolypeutes tricinctus) que está coberto com uma carapaça articulada e móvel que lhe permite enrolar-se em forma de bola e que consiste na principal defesa deste animal. O tatu-bola possui também uma grande capacidade de escavar túneis para se esconder. As lendas tradicionais dos índios tupis-guaranis o mencionam com muita freqüência. Ver um tatu-bola escavando uma toca à noite é um aviso para que se economize e não se esbanje dinheiro. Vê-lo tentando subir em uma árvore (algo muito raro) significa que a pessoa vai ficar viúvo ou viúva.

Animais de bom e de mau agouro (II) carne é muito apreciada e sua gordura tem propriedades medicinais. Se um pescador fere a um manati com seu arpão e este consegue escapar, augura-se um destino fatal para o homem em um prazo relativamente curto. O mesmo acontece se, ao matá-lo, não se consegue resgatar seu corpo por causa do ataque de outros animais.

Manati do Amazonas. OS MANATI DO AMAZONAS Este mamífero pisciforme da família dos sirenídeos (Trichechus ínunguis, es-

pécie amazônica), assemelha-se às focas. Sua cor é cinza e um exemplar adulto alcança até 4 metros de comprimento e mais de 600 kg de peso. É inofensivo ao ser humano e presa fácil de pescadores dos rios amazônicos, onde habita. Sua

Teiú.

Piranha.

TEIÚ Espécie de lagarto brasileiro da família dos teídeos (Tupinambis tequixin) que pode alcançar até 2 metros de comprimento. Sua carne é muito apreciada pelos camponeses da região nordeste, que a consideram um verdadeiro manjar. Luta com as serpentes com muita ener-

energia. Conta a tradição popular que se ele sai ferido destas lutas com as cobras, costuma comer um determinado vegetal que lhe faz recobrar as energias e volta à luta para, então, exterminar seu adversário. Por este motivo, dizem que sonhar com um teiú significa simbolicamente vencer uma "luta" ou "batalha" que se está travando contra alguma situação ou uma pessoa adversa. PIRANHA Trata-se de um peixe carnívoro (Pygocen¬ trus Piraya), o mais temido dos peixes amazônicos. Em grupos, são animais capazes de devorar a seres humanos c a outros animais de tamanho considerável. Sua incrível voracidade e capacidade de surpresa só podem ser comparadas com a dos tubarões, obviamente muito maiores que estes peixes, que não alcançam mais que uns poucos centímetros de comprimento. Ser mordido por uma piranha e sobreviver significa ter escasso poder para lutar Onça. contra as doenças pelo resto da vida. Sonhar com piranhas augura um futuro ARARA pouco lisonjeiro para as mulheres: significa que em pouco tempo trabalhará Ave do gênero Anodorhynchus, Ara e Cya¬ nopsitta. Estes parentes gigantes dos pacomo prostituta.

Arará.

pagaios, com sua belíssima plumagem, são responsáveis por muitas lendas entre os povos indígenas. Considerados como mensageiros dos céus c do Sol, são aves de bom agouro. Tê-las nas malocas (casas de palha dos índios) é, além disso, uma diversão para as crianças e adultos, uma forma de ter bons sonhos e evitar pesadelos. ONÇA Chamada "tigre das Américas" é o maior dos felinos americanos (Felix onça). Seu aspecto imponente e belo destaca-a entre os demais animais da selva. Em situações muito extremas pode matar a um homem e devorá-lo. Sua valentia e força bruta são sempre compensadas pela sagacidade de outros animais das lendas indígenas, como o macaco e o sapo. Encontrar-se com uma onça na selva pode supor perdas econômicas e, inclusive, levar à morte pela fome. Costuma-se dizer que ser "amigo da onça" é ser um falso amigo, inconveniente e inoportuno.

Jurema: os espíritos ajudam a ver o futuro A cerimônia do ajucá é um sistema de adivinhação baseado na ingestão de uma infusão de um vegetal sagrado, a jurema, que serve para conhecer o futuro. Foi sincretizado pelas comunidades negras da costa do noroeste do Brasil.

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cerimônia da jurema ou ajucá praticamente desapareceu do Brasil e é um dos rituais mais interessantes que combina elementos cristãos, indígenas, espiritistas e afro-brasileiros. O nome jurema origina-se de uma árvore (acacia jurema) com cujas raízes os pajés (sacerdotes indígenas do grupo tupi) faziam uma bebida alucinógena capaz de induzir sonhos adivinhatórios. O antigo ritual, realizado pelos indígenas, supunha que os guerreiros poderiam viajar a um mundo invisível tomando a poção. Os índios "sonhavam" mas eram as mulheres que interpretavam os sonhos para revelar tanto o passado como o futuro. Dois grandes grupos indígenas empregavam a jurema:

os jês (também conhecidos como tapuias) e os karirís. Os detalhes de suas cerimônias ficaram perdidos para sempre pois nenhum cronista ou escritor dedicou-se a elas. Até o século XIX, o fato de beber jurema era considerado um ato de bruxaria ou prática de magia e seu uso era secreto. Alguns indígenas foram presos por celebrar este ritual. Foram os indígenas que ensinaram aos brancos e mestiços o uso da planta. Existem dois tipos de jurema, a branca e a negra (Pithecolobium diversifolium Benth, e Mimosa nigra Hub., respectivamente). Os pajés indígenas elaboravam uma bebida com a jurema branca que produzia sonhos afrodisíacos e premoPintura rupestre de Piauí.

Crianças recolhendo plantas medicinais e jurema.

nitórios. Também é muito usada pelos pais e mães de santo do candomblé de Pernambuco. A infusão de jurema é preparada com suas raízes, que são raspadas e lavadas para eliminar a terra a elas presa e depois são maceradas durante algum tempo sobre uma pedra. A massa formada é diluída em um recipiente com água. Pouco a pouco a água se transforma em um líquido avermelhado e espumoso, semelhante ao vinho. Esta bebida sagrada era servida em rituais não só dos indígenas mas também nos cultos afro-brasileiros (candomblés) de alguns estados do nordeste do Bra-

Brasil, especialmente de Pernambuco e Paraíba. Estes acrescentavam à bebida mel, ervas e outras substâncias. Nos rituais de magia negra acrescenta-se sangue de animais. Em alguns templos costumase misturar a jurema com aguardente de cana de açúcar, o que chamam de "cauim" . As folhas de jurema também são usadas secas, junto com tabaco, para fumar em cachimbos indígenas feitos com o tronco da mesma jurema. O pajé coloca o cachimbo ao contrário — onde se deposita o tabaco — e sopra sobre a poção que se encontra no recipiente. Curiosamente, forma-se uma figura em forma de cruz no líquido com um ponto em cada um dos ângulos formados pelos braços da cruz. Em outras ocasiões, os galhos e as flores da jurema são destinados a "limpezas", rituais que combatem índio soprando no ritual da jurema. o mal-olhado e bruxarias. Também servem para que os adivinhos do candom- palha. As mulheres mais velhas das coblé ou da umbanda possam ver o futuro munidades das regiões pobres do intecom maior clareza. rior são convidadas a participar na ceEm outros rituais tem uma função de¬ rimônia formando um círculo ao redor puradora: costuma-se soprar a fumaça da poção. Todos os participantes acennos quatro cantos do templo — geral- dem seus cachimbos que são intercammente uma choça — ou de uma casa biados de modo fraternal e cerimoniopara expulsar dali os maus espíritos. Em samente. seguida, um assistente recolhe o reci- Uma "cantadeira" agita as maracás feipiente e o deposita sobre uma esteira de tas com cabaças enquanto canta hinos para evocar a Jesus Cristo, à Virgem Maria, ao Padre Cícero (santo popular do nordeste do Brasil) e outras entidades cristãs, pedindo-lhes a bênção para todos os presentes. Quando a "cantadeira" se cansa, pede para ser substituída por outras mulheres. Ao final de algumas horas, o chefe da cerimônia serve a bebida sagrada individualmente: só podem beber dois tragos. O que sobra é jogado fora, a modo de libação, em um buraco sagrado. Durante o transe, o participante pode pedir aos santos ou entidades invocadas que lhe deixem ver com claridade o passado, presente e futuro. Também pode rezar para pedir a proteção individual ou coletiva aos espíritos protetores da natureza, geralmente de origem indígena Ritual de jurema. ou afro-brasileiros. Os participantes Pintura de Pablo Amaringo.

também podem pôr-se em contato com os espíritos dos mortos. N o final, as "cantadeiras", sempre cantando, bendizem a todos os presentes, um a um. O ajucá é um dos reinos mágicos, invisíveis, habitado por "mestres dos bons conhecimentos". Supõe-se que beber jurema é o mesmo que viajar ao mítico e legendário reino, uma espécie de paraíso onde se pode beber conhecimento se os espíritos o permitem. U m destes reinos era o de Pedra Bonita, em Pernambuco, onde existem até hoje duas enormes pedras graníticas. Ali residiu o líder de uma seita que, no século passado, ordenou o sacrifício de muitas pessoas empregando a jurema em seus rituais. N o entanto, a jurema empregada estava adulterada por outras substâncias que levavam à loucura, como o manacá (Brunfelsia hopeana Benth.), uma planta sumamente tóxica. Existe a crença de que os mortos se encarnam em algumas árvores, especialmente na jurema. Por isso, estas árvores são pontos sagrados no nordeste do Brasil. Ao seu redor acende-se velas e costuma-se rezar. Muitos são os que pedem à planta que lhes mostre seu destino que, geralmente, é revelado através de um sonho, na mesma noite ou nas noites seguintes à petição.

Pessoa em transe na cerimônia da ajucá.

Muiraquitãs: o oráculo das Amazonas O jogo dos muiraquitãs é um sistema adivinhatório baseado na utilização dos antigos e enigmáticos ídolos amazônicos, hoje praticamente desaparecidos, protetores das lendárias Amazonas. O jogo está formado por pedras de nefrita e jadeíta que fazem lembrar as formas de rãs e sapos.

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róximo às cabeceiras do rio Jamundá, na região da Amazônia brasileira, as lendas situam o reino das mulheres guerreiras: as Amazonas. Ali viviam isoladas, mantendo contatos esporádicos com os homens. Em certas épocas do ano, estas mulheres guerreiras celebravam suas vitórias sobre o sexo oposto. N o dia cm que celebravam esta festa, desciam do monte onde viviam até um lago sagrado denominado Yaci Uarua, ou "espelho da lua". Durante a noite, a lua refletia sua luz nesse lago onde as Amazonas mergulhavam seus fortes corpos morenos. Depois, já purificadas por esta cerimônia de limpeza, invocavam a mãe do Muiraquitã. A misteriosa entidade, que alguns estudiosos do folclore comparam a uma fada, entregava a cada uma das mulheres uma pedra de cor verde, denominada Muiraquitã, onde apareciam marcados estranhos símbolos. Cada mulher trazia pendurado no pescoço seu talismã propiciatório de proteção material e espiritual. Mas elas também costumavam presentear um muiraquitã a seu companheiro sexual. Estes "protegidos" eram os pais dos filhos das Amazonas, homens selecionados para fecundá-las, que depois eram

liberados de seu cativeiro. Em seus repetidos ataques, as Amazonas poupavam a vida aos indígenas que traziam o amuleto pendurado ao pescoço. N o entanto, os filhos varões nascidos destes encontros eram sacrificados. Só

mantinham vivas as meninas, as mesmas que dariam continuidade à casta matriarcal das mulheres guerreiras. Na América, as Amazonas foram vistas pela primeira vez pelo padre espanhol Gaspar de Carvajal, cronista da expedição de Francisco de Orellana. Os exploradores navegaram ao longo do Amazonas, em busca de uma saída para o mar. O encontro teve lugar no ponto onde o rio Negro se encontra com o Amazonas — atual Estado do Amazonas — e não foi muito positivo para os exploradores. Quando chegaram a uma aldeia indígena, viram um ídolo que estava colocado no centro de uma praça que era "o emblema de uma poderosa Senhora, rainha de uma grande nação de mulheres guerreiras". Não passou muito tempo para que os expedicionários se enfrentassem com as mulheres. Dez ou doze guerreiras investiram contra os espanhóis e tiraram a vida de vários indígenas que os acompanhavam. Carvajal as descreve como mulheres "altas, belas e fortes, de cabelos negros e longos, de tez clara e que andavam despidas, com arcos e flechas, e guerreavam como dez índios". Mulher

Amazona.

Muiraquitãs de diversas formas.

O PODER ADIVINHATÓRIO Os muiraquitãs têm tamanhos variados, mas raramente passam dos dez centímetros de comprimento. São talhados em pedras de cor verde, verde azulado ou azulado de grande dureza (nefrita, jadeíta ou amazonita) e se apresentam geralmente sob a forma de batráquios e felinos. Alguns ídolos têm um orifício, possivelmente para passar um cordão e pendurá-lo ao pescoço ou para atálo à frente do corpo como símbolo de autoridade e de poder. Hoje em dia restam muito poucos muiraquitãs no Brasil. Muitos foram roubados ou comprados por exploradores ou traficantes de peças arqueológicas. Para algumas pessoas, seu grande poder são suas propriedades medicinais ou a capacidade de predizer o

futuro. Como fazem isso? Alguns dos habitantes da Amazônia que ainda os conservam garantem que é necessário aproximar-se das margens de um rio ou de um lago durante uma noite de lua cheia para poder despertar os poderes do talismã. O ídolo deve ser mantido durante algum tempo submergido sob a água e, em seguida, sujeitado pelo interessado sobre sua testa. Só então perceberá imagens e sons que remetem ao futuro.

Os ídolos com formato mais arredondado e menores são ideais para as mulheres, enquanto que os maiores e mais longos são os que devem ser usados pelos homens. Existem também muiraquitãs que apresentam cabeças de felinos, especialmente de onças. Estes são apropriados para os varões, e são usados mais para saber o futuro sentimental ou sexual, já que a onça é símbolo de fecundidade e de poder masculino. Os talismãs de cor mais esverdeada mostram o futuro sentimental, enquanto que os que são mais azulados são propícios para desvendar o futuro econômico e material. Quanto mais lisa ou polida for a superfície do amuleto, tanto melhor para realizar previsões. Algumas pessoas costumam consultar seu futuro buscando glifos na região amazônica. Mas estas inscrições pré-históricas devem ter a forma e simbologia dos muiraquitãs. Não é raro que alguns dos símbolos talhados em pedra tenham o formato semelhante aos amuletos das Amazonas, ou a forma triangular, talvez uma estilização dos mesmos. As pessoas que conhecem estes segredos costumam aproximar suas testas destes símbolos de pedra e formulam, então, as perguntas que dizem respeito a seu futuro para que a pedra sagrada possa revelá-lo. Alguns asseguram que é necessário empreender esta tarefa em jejum ou em abstinência sexual, ou até mesmo bebendo uma infusão de guaraná, uma bebida estimulante feita a partir de uma planta do mesmo nome. Recentemente, algumas mulheres, que se julgam descendentes das Amazonas, começaram a esculpir em pequenas pedras os muiraquitãs, com o objetivo de recuperar sua cultura, sua tradição e seus poderes. Costumam talhálos em noite de lua cheia e somente elas os utilizam.

Cauim: a embriaguez premonitória dos tupinambás Os indígenas tupinambás preparavam uma bebida fermentada que consumiam em cerimônias e festas. Estas bebedeiras místicas faziam com que os índiospudessemdesenvolver capacidades premonitórias.

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mbora não tenha sido utilizado principalmente como método adivinhatório, o uso do cauim, o "vinho" dos indígenas tupinambás, permitia, em algumas ocasiões, desencadear processos mentais que induziam à visões premonitórias e outros fenômenos paranormais. A agitada vida religiosa e social dos tupinambás incluía uma festa na qual indistintamente homens, mulheres, adolescentes e velhos consumiam profusamente uma bebida fermentada. A bebida era extraída de diferentes plantas, sendo as mais apreciadas a mandioca doce ou amarga, o milho e o caju. Segundo o etnólogo brasileiro Estevão Pinto, a planta ideal para a fabricação do cauim era o aipim, que os índios plantavam para os rituais. O tal vinho se fazia ainda do abacaxi, do ananás, da mangaba, da pacova, da jabuticaba, da batata e do jenipapo. Sua preparação era confiada somente às mulheres, com a vigilância extremada das mais velhas. Se um homem se intrometesse no processo poderia tirar as virtudes próprias e premonitórias do cauim. O trabalho feminino consistia em mascar as frutas e impregná-las de saliva. U m dos aspectos místicos mais característicos desse labor baseava-se no fato de que as mulheres que mascavam as plantas deviam ser virgens ou, pelo menos, guardarem durante algum tempo a castidade. Além do mais, as moças bonitas tinham preferência sobre as feias.

A explicação científica para a mastigação é que a saliva ajuda na sacarifica¬ ção do amido, pelo fermento. Assim ocorre a produção de gases e elevação da temperatura da bebida, daí a sensação de que estivesse quente. As bebedeiras místicas aconteciam em algumas ocasiões especiais: durante o nascimento de uma criança, a primeira menstruação de uma donzela, a perfuração do lábio inferior do mancebo, nas cerimônias mágicas que precediam a partida para a guerra, ou que sucediam em seu retorno, o sacrifício ritual de prisioneiros, durante o trabalho cole-

Cerimônia de preparação do cauim.

tivo da tribo para cultivar as terras do chefe e, em geral, em todas as assembléias importantes. A obrigatoriedade do cauim cm tais ocasiões era algo mais que imprescindível: se os índios não fabricassem o cauim para beber até a embriaguez, os acontecimentos poderiam ser desfavoráveis para os integrantes da tribo. ORGIAS NA SELVA Uma das primeiras notícias que se têm a respeito da festa ou cerimônia do cauim nos foi dada pelo religioso lusitano Fernão de Cardim no século XVI.

Ele assinalava que o adolescente somente poderia adquirir a condição de casado depois de participar da bebedeira coletiva para festejar sua virilidade. Às vezes as cerimônias terminavam em grandes orgias, nas quais homens e mulheres dançavam lascivamente até consumir o ato sexual. Quando alguma tribo decidia realizar a festa, seus membros convidavam as populações vizinhas que, na data acertada, acorriam em massa na aldeia para dançar. Na véspera da festa, os indígenas se adornavam e, com os maracás (chocalhos) na mão, rodeavam as cabanas para dançar, cantar e saltar toda a noite de forma infatigável. Os hóspedes chegavam um dia antes e eram acolhidos pelas mulheres que lhes serviam comidas e bebidas enquanto realizavam os preparativos finais da festa. Durante a cerimônia, os participantes eram servidos pelas mulheres, que lhes davam uma cuia cheia de cauim. Tudo acontecia em torno da oca (edificação principal da aldeia), e ao canto de hinos, os indígenas recebiam a bebida. Alguns anciões observavam à curta distância a cerimônia fumando seus cachimbos e deliberando em torno às questões da aldeia depois de terem recebido a bebida. Esses velhos eram alvo de atenção especial. O mais idoso era o primeiro a ser atendido. Enquanto todos cantavam, assobiavam, agitavam as maracás, alguns participan-

Homens e mulheres consumindo o cauim durante uma cerimônia. tes clamavam palavras de ânimo, exaltando os beberrões a fazerem, nas suas próximas batalhas, mais prisioneiros de guerra. As mulheres podiam beber tanto quanto os homens e se entregavam a contorsões e se comportavam como possessas. Esgotado o cauim da primeira cabana, os indígenas passavam às seguintes. E assim por diante até que todas a malocas estivessem vazias. Tais festas poderiam durar dois ou três dias. Durante esse período ninguém comia e apenas se interrompia a beberagem para fumar.

Mulheres mascando e cuspindo as ervas para a preparação do cauim.

Com a exaltação dos ânimos, as brigas, como era de esperar, eram freqüentes. Os antigos cronistas deixaram alguns desenhos de tais reuniões. O cronista francês Jean de Léry dizia que os franceses procuraram fabricar o cauim sem a mastigação, mas o resultado não foi o desejado: não se obtinham as doses alcoólicas corretas. Durante uma etapa de ingestão moderada do cauim, os indígenas podiam desenvolver capacidades premonitórias, o que também acontece com outras beberagens. Assim, as "portas da percepção", como dizia Huxley, ficavam abertas aos participantes da festa-cerimônia. Imagens de serpentes gigantescas que devoravam a terra e os homens, de animais com olhos de fogo, grandes dilúvios que arrastavam consigo a selva, seus animais e habitantes humanos, luzes diabólicas que vinham do céu e que se lançavam sobre os desprotegidos indígenas, eram algumas das visões amedrontadoras que o cauim poderia induzir. Porém, nem tudo era aviso de desgraças. O cauim prometia a felicidade dos noivos, dos guerreiros e dos velhos. O uso do cauim desapareceu com o tempo e dele ficam apenas as descrições dos primeiros exploradores do Brasil.

Os índios e os astros premonitórios Os antigos indígenas pensavam que alguns astros podiam predizer o futuro.

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s antigos indígenas do estado do Maranhão, possuíam uma espécie de sistema astrológico profético que a história do Brasil, injustamente, fez esquecer. O único que resgatou para a posteridade tal tradição foi o religioso francês Claude d'Abbeville que, no século XVI incursionou pelo então enigmático território que compreende as terras do atual estado do Maranhão. Sua crônica dava pormenores de como alguns astros possuíam significação agoureira para os ameríndios. Eis uma parte das descrições que d'Abbeville nos legou: "Há outra estrela a que os maranhenses chamam Iaouäre, isto é, o cão. E muito vermelha e, ordinariamente, acompanha a Lua de perto; tanto assim que, quando vêem a Lua deitar-sc, dizem que a estrela late em seu encalço, como um cão para devorá-la. "Quando a Lua permanece muito tempo oculta, durante a estação invernosa, acontece, em alguns casos, se surge após às chuvas, mostrar-se vermelha que só sangue. Afirmam então, os maranhenses, que é por causa da estrela Iaouäre. E logo todos os homens pegam os seus bordões e, voltando-se para a Lua, batem no chão com toda a força entrementes, mulheres e crianças choram e gemem, aos gritos e uivos, voltadas para o céu, depois do que se deitam e rolam por terra, batendo, durante todo o tempo, com a cabeça e as mãos no solo. "Desejando saber o motivo desse desatino e dessa diabólica superstição, vim a saber que os índios pensam morrer quando avistam a Lua assim sanguinolenta, logo que aparece depois das chu-

Danças dos antigos indígenas brasileiros para expulsar o jaguar que devora o Sol durante os eclipses. vas. Os homens, por isso, batem no chão em sinal de alegria e contentamento, porque vão morrer e juntar-se ao pai grande." A origem deste temor profético está relacionado com um mito que falava do desaparecimento do Sol, tragado por um morcego, seguido da vinda do "tigre celeste" (jaguar) semelhante a um cão e de cor azulada que se arremessaria contra os homens para devorá-los. O animal lendário pode ser identificado com a estrela que traz o seu nome, cuja posição junto à Lua provoca o desespero dos indígenas. A cor vermelha da Lua se explica, neste caso, pelo furor do jaguar celeste, considerada presságio de aniquilamento do Universo e anúncio do fim dos tempos.

Mito semelhante possuíam os índios krahós de Goiás. Acreditavam que o planeta Vênus (Katcheeré) acudia para devolver o brilho do Sol. De uma forma geral, os indígenas brasileiros acreditavam que a aparição de Vênus era um sinal positivo, um prenúncio de esperança, principalmente quando atingia seu brilho máximo alguns dias do ano. Uma outra categoria de astro que anuncia grandes catástrofes é a dos cometas. Conta-se que a aparição de um cometa no céu indica que alguma pessoa próxima ou parente morrerá. Ao contrário, e assim como nas tradições européias, a passagem de uma estrela cadente pode vaticinar boas novas para todos aqueles que façam, mentalmente, um pedido.

alto do céu), começam as chuvas mais fortes. Os antigos guaranis, que habitavam a fronteira entre o Brasil e Paraguai, possuíam estranhas lendas a respeito dos astros e suas influências sobre os seres humanos. A conhecida constelação do Cruzeiro do Sul servia para equilibrar o planeta Terra. O eixo de maior extensão do Cruzeiro aponta para o "Centro do Mundo" onde vivia o grande deus, Nhanderuvusu. N o dia em que o eixo da constelação se desvie da sua posição original acontecerá o pior: um grande cataclismo que acabará com todos os seres vivos. Já para os nhanaguas, um outro grupo guarani, o Cruzeiro do Sul era Nhan¬ du'i-pó e representava o rastro deixado por um nhandú ou ema (ave semelhante ao avestruz) no céu e a sua aparição nas Os cometas e os eclipses assustavam os antigos indígenas brasileiros. noites mais claras era um bom sinal. A Lua, por sua vez, permite adivinhar as conhecidas no Brasil como "Sete-estre- A Lua Nova anunciava o inicio do ciclo mudanças de tempo. A Lua nova anun- lo". De acordo com as tradições krahós, menstrual das mulheres e proibia-se as cia trovejadas, especialmente no mês de as Plêiades são Índios que moram no relações sexuais. Quem se rebelasse conoutubro; a Lua muito alta no céu mos- céu. Quando se encontram muito pró- tra esta proibição estaria exposta a uma tra a maré alta. U m eclipse lunar pode ximas do Sol nascente, é o momento em misteriosa e cruel doença. A aparição das indicar, como os cometas, infortúnios. que os indígenas devem cultivar a terra. Plêiades no céu da Primavera assinala Há quem acredite que olhar para ela du- Quando estão no zênite (no ponto mais o momento de semear espécies vegetais rante o fenômeno pode como as melancias. provocar doenças. O desaparecimento do Os índios krahós poscéu da constelação de suíam muitos mitos inOrion (conhecida por teressantes a respeito albergar as "Três Mados astros. A aparição rias"), anuncia a chegado planeta Júpiter nos da do Inverno. céus goianos no prinOs índios de Roraima cipio da noite anunacreditavam que as ciava a chegada da époPlêiades formam, junca seca. Quando a Lua to com uma parte da (Pud'leré) passava perto constelação de Orion, de Júpiter, anunciava a figura de um homem que as mulheres da tricom uma só perna que bo ficariam menstruasubiu ao céu, depois das. Ao aparecer no céu de sua mulher infiel duas estrelas da conster-lhe cortado a outra. telação da Ursa Maior Antes de subir, disse ao se prognosticava um seu irmão que, com o casamento iminente. seu desaparecimento, Mas o conjunto estelar começariam as chuvas, mais importante era o e portanto, a abundândas Plêiades, também Astrolatria ou culto dos astros entre os antigos indígenas brasileiros. cia de alimento.

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