Aprenda sobre o cérebro
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Aprenda sobre o cérebro sem quebrar a cabeça Coisas que Você Gostaria de Saber sobre o Cérebro dos seus Alunos é a oficina que Suzana Herculano-Houzel ministra no dia 10 de março. Ela recebe 50 professores para mostrar que aprender sobre o cérebro não é nenhum bicho-de-sete-cabeças. Ao contrário, pode ser muito divertido.
Esta todo mundo sabe: é ele quem manda. Tudo que fazemos e pensamos está às suas ordens. Um comando seu e mexemos o dedão do pé, aprendemos a tabuada e guardamos na memória nosso primeiro beijo. Mais: graças a ele somos inteligentes e criativos. É de lá que saíram a nona sinfonia de Beethoven; o Hamlet, de Shakespeare, e todos os avanços da ciência. Mas você já parou para pensar como o cérebro funciona? Por que algumas pessoas são gênios e outras parecem ter um cérebro de azeitona? Tudo isso é um grande mistério. Enquanto os pesquisadores quebram a cabeça para esmiuçar essas questões cabeludas, a neurocientista Suzana Herculano-Houzel, Herculano-Houzel, pesquisadora do Museu da Vida, da Fundação Oswaldo Cruz, mostra que para se saber mais sobre o cérebro não é preciso ser nenhum crânio. Para quem não consegue pôr na cabeça que estudar o cérebro é uma coisa divertida, ela criou uma série de atividades para mostrar como nosso cérebro trabalha. As crianças que visitam o Museu da Vida aprendem brincando. Suzana diz que aprender nada mais é que mudar o cérebro. No dia 10 de março, os visitantes serão serão outros. Dessa Dessa vez, uma turma turma de 50 professores professores vai saber como levar essas atividades para a sala de aula. A oficina ofi cina Coisas que Você Gostaria de Saber sobre o Cérebro dos seus Alunos também promete fazer muitos professores "mudarem "mudarem o cérebro". Entre Entre outros mal-entendidos, mal-entendidos, a pesquisadora pesquisadora vai explicar que a história de usarmos apenas 10% do cérebro é balela, teoria sem pé nem cabeça. A entrevista a seguir foi um autêntico papo-cabeça. Suzana dá uma aula sobre neurociência, fala de seu palpitante trabalho de divulgação científica para crianças, conta que rumos as pesquisas sobre o cérebro estão tomando e comenta a lesão cerebral do líder do Paralamas do Sucesso, Herbert Vianna.
As atividades que os professores desempenharão desempenharão na oficina são semelhantes às das crianças quando visitam o museu em que você trabalha? Que atividades são essas? Eles vão fazer atividades para entender mais sobre o aprendizado. Uma delas, por exemplo, é aprender a desenhar o contorno de uma estrela no espelho. No princípio é muito difícil, mas rapidinho você aprende. Então pode fazer uma curva de aprendizado e isso serve para entender como ele ocorre. Há pelo menos uma atividade para cada um dos sentidos e para a memória. m emória. Tem um jogo de memória memória com potinhos. É como como o jogo que todo mundo já brincou brincou quando era criança, só que em vez dos cartõezinhos com imagens, são potes fechados com coisas que fazem barulho - não dá para ver o que tem dentro. Também vou ensinar aos professores como fazer essas atividades com os alunos em sala
de aula. Esta é uma das idéias da oficina: não só dar informações sobre o cérebro dos alunos, mas também ferramentas, jogos e atividades para explorar em sala de aula.
Há alguma experiência que você destacaria, como a que mais surpreende crianças e professores, que revele algo que a gente desconhece completamente sobre o cérebro? Tem uma que a gente faz na atividade chamada Mãos ao Cérebro, que as crianças gostam muito. Ela mostra como o sentido do tato não é tão bom quanto a gente pensa. Eu faço uma aposta com as crianças. Pergunto se acham que, de olhos fechados, conseguiriam pôr o dedo exatamente onde um mosquito acabou de picar. Elas acham que sim, que é a coisa mais fácil, ridícula e não-sei-o-quê. Aí eu pego uma caneta hidrocor e faço uma pintinha no braço delas - elas ficam de olhos fechados - e o erro é de 2, 3, às vezes 4 centímetros. É um erro que todas as crianças que estão na platéia percebem facilmente. Depois elas fazem isso uns nos outros e comparam como é o tato no braço, no antebraço e se divertem muito com isso. E os professores? Qual o maior equívoco ou desconhecimento acerca das potencialidades ou limitações do cérebro que eles levam para a sala de aula? Eu não posso falar, especificamente, dos professores. Mas fiz uma pesquisa com o público em geral e o equívoco mais comum é as pessoas acharem que só usam 10% do cérebro, o que é uma grande besteira. A gente usa o cérebro todo. Claro, a maneira de usá-lo pode mudar com o aprendizado e a experiência. Você vai aprendendo novas estratégias, vai melhorando a maneira de fazer a mesma coisa, mas usa o cérebro todo. Outro equívoco comum é que as pessoas não associam aprendizado com mudanças no cérebro. Aprender alguma coisa quer dizer mudar a maneira de o cérebro processar os sinais, os sentidos. Aprendizado é mudança no cérebro. Isso tem alguma relação com as ligações que os neurônios fazem? É isso mesmo, tem tudo a ver. Uma tese que se divulga sempre é que, quanto mais ligações os neurônios estabelecem, mais o cérebro é desenvolvido... Sim e não. Na verdade, não é o número de ligações que importa. O que vale são as ligações certas. Um exemplo que eu darei na oficina é que ligação demais no cérebro é uma das coisas que acontecem no retardamento mental. O cérebro nasce com sinapses demais - as sinapses são essas conexões entre duas células nervosas. À medida que a criança vai se desenvolvendo, essas sinapses vão sendo removidas, de modo que só as boas, e importantes, fiquem. Todas as outras são, de certa forma, um excesso de matéria-prima para o cérebro ir se desenvolvendo, como se fosse uma madeira que você vai esculpindo. Por exemplo, na síndrome do X frágil, as pessoas têm um retardamento mental associado a uma quantidade absurda de sinapses, mesmo no caso dos adultos. É como se o cérebro tivesse ficado congelado na infância. Então se pode dizer que, para a criança se desenvolver, ela precisa desprezar, ou "esquecer", uma série de coisas e selecionar o que é importante? Ao longo do desenvolvimento, o que acontece é isso. Você seleciona o que é importante. Eu gosto do exemplo da talha. Se você selecionar tudo que é importante, consegue uma imagem bonita, certinha, bem detalhada. Se não esculpir bem, vai ficar com material demais e não terá um produto bem-acabado. O aprendizado, que ocorre a
vida inteira, implica mudar as conexões. Não só formar novas, mas também remover as ruins. Quer dizer, reconstruir a imagem.
Um experimento que exclui essa idéia de quantidade foi o estudo realizado com o cérebro de Albert Einstein para saber o que teria feito dele um gênio. A que resultado se chegou: o cérebro dele era maior, mais pesado? O cérebro dele não era maior coisa nenhuma! O cérebro de Einstein tinha o tamanho do cérebro feminino médio. Era menor que a média dos cérebros dos homens. Ele tinha uma diferençazinha pequena: um dos lobos era ligeiramente maior. Mas, com o que a gente sabe hoje, não há nada que explique as habilidades dele. Também não é pelo tamanho. Uma das teorias de maior influência na pedagogia atual é a do americano Howard Gardner sobre as inteligências múltiplas. Ele trabalha com várias categorias de inteligência: lógico-matemática, espacial, musical, etc. As pesquisas sobre o cérebro nos dão algum indício do porquê uma criança tem mais inclinação para alguma dessas áreas? Isso é muito difícil de dizer. O que parece certo é que metade da inteligência de cada um é herdada. Para ser mais exata, 50% do seu desempenho em testes de inteligência pode ser explicado pela inteligência dos pais. O primeiro problema é que definir inteligência é muito difícil. E você precisa ter uma definição decente, senão faz 10 mil coisas que não têm relação com o que quer estudar. Essas definições todas, esses sete tipos de inteligências, isso ajuda, mas ainda não é uma solução final ou realmente útil. Os testes a que você se referiu, que indicam a inteligência herdada dos pais, seriam os famosos testes de QI? É uma bateria de testes que resulta num índice chamado "G", índice de habilidades cognitivas. Seria a inteligência geral, não só a medida nos testes de QI. Mas fazendo pelo QI dá a mesma coisa. O QI, na verdade, foi criado para um ser teste muito específico e acabou sendo deturpado e aplicado a coisas às quais ele realmente não se aplica. Para o fim específico, ele é ótimo... Ele foi criado para quê? Para medir habilidades específicas do conhecimento das crianças em idade escolar. Nesse sentido, medir conhecimento, não inteligência. Isso me lembra a polêmica teoria do livro A Curva do Sino (1994), de Richard Herrnstein e Charles Murray, que a partir de testes de QI defendia que negros e hispânicos eram menos inteligentes que brancos e asiáticos. Essa é uma das deturpações dos testes de QI? Sugeria que o QI era todo herdado, não é? Isso é outra coisa muito difícil de mostrar, do jeito que os autores queriam. Eles estavam propondo um argumento com uma série de implicações sociais. Esse argumento, no final das contas, era que, como os negros já têm por natureza um QI baixo, não adianta investir na educação deles. Isso é o absurdo dos absurdos! Mesmo que a inteligência tenha uma certa carga genética, isso não quer dizer que haja uma associação com raça e nem que o ambiente, a educação e a família não possam influir. Muito pelo contrário. Existem estudos que mostram que, a cada ano que se passa na escola, o QI sobe de três a quatro pontos. Quer dizer, a influência do estudo, do ambiente em que se vive - se é rico em estímulo, em carinho, em apoio familiar -, a influência dos amigos, da escola e
do professor faz uma diferença enorme! O material genético é só a matéria-prima de onde se começa.
Uma das pesquisas mais fascinantes, e as crianças têm acesso a ela pela mídia, é o estudo de que regiões do cérebro são responsáveis pelas funções vitais. A gente vê por um visor certas partes do cérebro ficando amarelas, vermelhas, conforme a atividade cerebral... Isso tudo voltou a ter importância porque no começo dos anos 90 apareceu essa técnica, a ressonância magnética funcional. Você coloca a pessoa em um tomógrafo e pede para ela contar até 10 ou ver umas figuras. Enquanto isso, você vê o que acontece no cérebro. Essa técnica é muito poderosa porque você vê com uma precisão de milímetros que partes do cérebro ficam mais ou menos ativas à medida que a pessoa vai fazendo coisas diferentes. Assim que ela apareceu, houve uma explosão de estudos para descobrir as funções exatas de cada parte do cérebro. Várias descobertas confirmaram o que já se sabia por outros meios. Por exemplo: você pode estudar as lesões no cérebro e comparar com os problemas de saúde que a pessoa tem. Assim, lesão acima da nuca afeta a visão. No alto do cérebro, se for mais para frente, afeta os movimentos. Se for mais para trás, afeta a sensibilidade, o tato. Perto da orelha, a audição. Um pouco mais para frente, a fala. Sobre tudo isso já se tinha uma idéia razoável, só que com essa técnica pode-se ver precisamente que parte do cérebro tem que função. Quer dizer que não surgiu nenhuma idéia revolucionária dessas experiências? Durante dez anos, as pessoas fizeram isso como loucos. Era importante. O resultado é esse mapa funcional do cérebro. Só que, à medida que as pessoas iam fazendo isso, elas foram se tocando de que era só o começo. O importante, na verdade, é como essas regiões trabalham umas com as outras, como se coordenam e funcionam juntas. Cada uma delas, sozinha, apesar de ter uma certa função, não faz muita coisa. Elas precisam mandar informações para as outras regiões e receber o retorno depois. Eu diria que o quente agora é entender esse trabalho coordenado, sincronizado, que produz tudo o que a gente faz. Muito se fala das regiões do cérebro por conta do acidente do líder dos Paralamas do Sucesso, Herbert Vianna. Especulou-se sobre a perda da visão ou da capacidade de falar porque foi extraída parte de sua massa cerebral. Mas ele está para receber alta e conseguindo se recuperar. Não dá a impressão de que isso contradiz o mapa funcional das regiões cerebrais de que você falou anteriormente? Essa lesão que ele teve foi na parte lateral do cérebro, que está envolvida na formação da memória. Agora, dependendo de onde exatamente foi a lesão, ele pode ou não ter problemas desse tipo. Se não me engano, essa remoção foi feita de um lado só. Então ainda tem o outro lado para compensar. Se a mesma lesão tivesse acontecido dos dois lados, aí sim seria realmente grave. Isso é uma coisa. A outra é que houve um esmagamento do crânio, e o osso perfura e machuca a superfície do cérebro. É preciso entender que o cérebro pode se danificar de várias maneiras. O caso mais grave é quando uma parte do cérebro fica necrosada e acaba morrendo. Se isso não acontecer, o cérebro terá uma capacidade muito grande de se recuperar, de dar um jeito. Ele se reorganiza com o que ainda tem e faz o mesmo que antes, talvez com certa dificuldade. Eu não estou dizendo que é como quando a gente se corta: leva um tempo, mas a pele fecha. Isso não acontece no cérebro.
Então, a pessoa, no caso o Herbert Vianna, pode levar uma vida normal mesmo tendo sido retirada uma parte do cérebro? O exemplo mais drástico é o de crianças que nascem com um lado do cérebro completamente atrofiado. Ele precisa ser removido, senão começa a degenerar e afetar o lado que está bom. Todas as previsões diriam, pelo que a gente sabe, que essas crianças não teriam movimentos nem sensações em um lado do corpo. Se o lado esquerdo do cérebro fosse retirado, elas não seriam capazes de falar. Porém, depois de alguns anos, essas crianças, se tiverem uma vida e estímulos normais, estão perfeitas: andam, sentem tudo, até mesmo falam, tudo utilizando um só lado do cérebro. Essa história de localização é mais um mapa para se guiar. O negócio mesmo é entender como as partes do cérebro interagem. E as pesquisas mais avançadas sobre essa interação apontam para o quê? Já foi feita alguma descoberta promissora? O que mais se destaca não é uma descoberta. É a proposta de Antônio Damado, um neurocientista português que trabalha nos Estados Unidos. Ele acabou de escrever um livro chamado O Mistério da Consciência. Ele propõe uma idéia nova, diferente, muito legal, explicando como a nossa autoconsciência nasceria justamente dessa relação entre as partes do cérebro. Só para dar uma idéia: o importante seria a relação entre o funcionamento das áreas do cérebro que mapeiam as sensações e movimentos do corpo e o das que mapeiam as conseqüências desses movimentos. É como se o cérebro estivesse mapeando o mundo, o corpo e o resultado dessas interações entre o corpo e o mundo. Para fazer isso é preciso coordenar o funcionamento de várias partes do cérebro. Damado vai diretamente ao fundo da questão, que é como da interação de todas as partes do cérebro nasce a consciência. Ele e outros cientistas já estão pondo mãos à obra para ver se isso é verdade ou não. E a gente vai ouvir falar muito a esse respeito. Há algumas semanas, um professor da USP também apresentou um protótipo que ainda vai dar muito que falar nos próximos anos. É uma interface entre o cérebro e o computador, algo que seria muito útil para crianças com alguma deficiência ou que perderam algum dos sentidos. Elas poderão ter acesso a um mundo de informações via Internet... Você está falando do [Miguel] Nicolelis. Tem um artigo sobre isso no meu site. Chamase Telecinese de Verdade com Ajuda de alguns Neurônios. Ele já conseguiu dar comandos de direção ao computador, como direita e esquerda, diretamente do cérebro... Os animais utilizados na experiência têm eletrodos no cérebro que registram as atividades dos neurônios quando eles dão um comando motor. Nicolelis conseguiu criar uma forma de traduzir esse comando dado para os músculos. Ele pega essa ordem e passa-a para o computador, que faz o movimento como se fosse o braço da pessoa. É uma coisa muito legal, que deve levar um bom tempo para ser aplicada, mesmo porque, para que possa funcionar, é preciso inserir um número razoável de eletrodos dentro do cérebro, o que não é nada trivial e nem pode ser feito sem mais nem menos. De qualquer forma, isso mostra que a neurociência no Brasil está bem, não é? Está atuante, sim, mas isso não é uma pesquisa feita aqui. O Miguel Nicolelis é paulista, estudou na USP, mas está nos EUA há muito tempo. Essa pesquisa foi feita lá, com
certeza. A neurociência no Brasil ainda depende de muitos recursos, principalmente para as pessoas, porque a maioria dos pesquisadores no Brasil é bolsista e não tem qualquer vínculo empregatício, qualquer benefício social. É uma das coisas graves, eu diria.
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