Apostila Tratamento de Efluentes

September 26, 2017 | Author: Marcos Santiago | Category: Water, Waste, Water Pollution, Water Cycle, Organic Matter
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA – UFSC CENTRO TECNOLÓGICO – CTC DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA QUÍMICA E ENGENHARIA DE ALIMENTOS – EQA

APOSTILA

TRATAMENTO DE EFLUENTES Prof. Hugo Moreira Soares

Florianópolis, Março de 2007

Esta apostila foi preparada especificamente e tão somente para atender às disciplinas de Engenharia Ambiental e de Tratamento de Efluentes, ministradas nos Cursos de Engenharia Química e de Engenharia de Alimentos da UFSC. Parte deste material foi reproduzido e/ou modificado de outros trabalhos, livros e artigos citados na mesma. Esta apostila não poderá ser reproduzida, a não ser para atender este objetivo a que se destina.

INDICE Página 1. POLUIÇÃO DAS ÁGUAS 1.1. Ocorrência das Águas 1.2. Indicadores de Qualidade da Água 1.3. Padrões de Qualidade da Água 1.4. Fontes de Poluição e Seus Efeitos 2. COLETA E PRESERVAÇÃO DE AMOSTRAS 3. MÉTODOS ANALÍTICOS PARA CARACTERIZAÇÃO DE ÁGUAS 4. PROCESSOS DE TRATAMENTO DAS ÁGUAS 5. TRATAMENTO FÍSICO-QUÍMICO 5.1. Pré-Tratamentos (pré-oxidação, ajuste de pH e abrandamento) 5.2. Coagulação/Floculação 5.3. Decantação/Flotação 5.4. Filtração 5.5. Desinfecção 5.6. Fluoretação 5.7. Ajuste final 5.8. Outros Processos de Tratamento Físico-Químicos

6. TRATAMENTO BIOLÓGICO 6.1. Microbiologia e Bioquímica 6.2. Parâmetros de Controle de Processo 6.3. Sistemas de Tratamento 6.3.1. Sistemas Aeróbios 6.3.2. Sistemas Anaeróbios 6.3.3. Vantagens e desvantagens dos processos aeróbios e anaeróbios 6.3.4. Remoção de Nitrogênio 6.3.5. Remoção de Fósforo

Apostila para o Curso de Graduação em Engenharia Química – Disciplina de Engenharia Ambiental EQA 5309

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1. POLUIÇÃO DAS ÁGUAS 1.1. Introdução No Brasil, o conceito de poluição é definido por lei (Lei n.º 6.938/81, art. 3º, III), como sendo a degradação da qualidade ambiental resultante de atividade que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos. Na realidade, poluição é um conceito relativo, pois a água em seu estado natural varia suas características enormemente de uma fonte para outra, podendo enquadra-se em condições de usos diversos. Determinados mananciais naturais possuem características que já são impróprias para o consumo humano, ou até mesmo para usos menos exigentes, como a irrigação de hortaliças e plantas, necessitando serem tratadas previamente para tais usos. Nesta análise deve-se considerar que devido ao ciclo hidrológico, aos movimentos das águas em seus mananciais, as interações das águas com os meios sólidos e gasosos promovem alterações em sua composição, no sentido de promover a sua deterioração ou depuração, ou até mesmo uma associação entre ambos, dependendo do caso em questão. A poluição então está associada à alteração das condições naturais em um determinado manancial que se encontra em equilíbrio ambiental. Os efeitos adversos provocados pela qualidade da água para um determinado fim serão resultantes das condições naturais do manancial e da interferência promovida pelo homem no mesmo. 1.2. Ocorrência das Águas A água é essencial para a existência da vida em nosso planeta. Todas as reações bioquímicas ocorrem em meio aquoso, pelo transporte de íons através das membranas celulares. O direito à água é um dos direitos fundamentais do ser humano: o direito à vida, tal qual é estipulado no Art. 30 de Declaração Universal dos Direitos Humanos. A Terra é chamada muitas vezes como “o planeta água”, pois 2/3 de nossa superfície é ocupada pelos oceanos. Estima-se que a quantidade de água livre sobre a terra é de 1.370 milhões de Km3. Por este motivo, até alguns anos atrás não se dava importância à sua preservação, imaginando que este seria um bem inesgotável. Realmente, se olharmos somente os números de uma forma fria, disponibilidade de água não seria um problema. Porém, se observarmos um pouco mais profundamente sobre como estas águas ocorrem e sua distribuição na terra o quadro pode ficar bem diferente. A Tabela 1.1 apresenta a distribuição das águas no Planeta Terra. Observa-se que a grande maioria destas águas encontra-se no mar e, portanto, não disponíveis para o consumo humano direto. Esta água poderia ser dessalinizada, porém os custos desta operação são muito elevados, inviabilizando à princípio seu uso. Da mesma forma, as águas que encontram-se em geleiras e em grandes profundidades, exigiriam investimentos muito grandes para sua viabilização de uso para abastecimento. As águas que estão mais disponíveis para o uso direto ao consumo e com o menor investimento são as águas subterrâneas de baixa profundidade e as dos rios e lagos.

1 Prof. Hugo Moreira Soares Universidade Federal de Santa Catarina – Departamento de Eng. Química e Eng. de Alimentos

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Tabela 1.1: Distribuição das águas na Terra 97,40%

Oceanos (águas salgadas)

2,30%

Geleiras polares e glaciais Águas subterrâneas em grandes profundidades (> 800 m)

0,29%

Águas subterrâneas em baixa profundidade (< 800 m)

0,01%

Rios e lagos

As águas subterrâneas de baixa profundidade são utilizadas para abastecimento de pequenas comunidades, não sendo viável para grandes centros urbanos. Neste caso, os rios e lagos naturais ou artificiais, como barragens, são os mais indicados. No entanto, são justamente estes mananciais que são mais vulneráveis à interferência do homem. A quantidade de água na terra que estaria mais facilmente disponível para consumo humano é de 4.149.200 Km3, o que seria suficiente para abastecer o planeta de água sem que houvesse preocupação com a sua disponibilidade, porém, deve-se considerar uma série de fatores, principalmente a distribuição da mesma por regiões e a contaminação dos mananciais. 1.3. Ciclo da Água A ocorrência das águas no planeta e sua distribuição estão vinculadas ao ciclo hidrológico a que estão submetidas. As águas encontram-se em constante movimento e transformam-se de um estado da matéria em outro, dependendo das circunstâncias em que se encontram. A Figura 1.1 apresenta o ciclo hidrológico da água ou mais comumente chamado de ciclo da água.

Transpiração

Escoamento superficial

Figura 1.1: O ciclo hidrológico da água Fonte: www.riolagos.com.br/calsj/ciclo-agua.htm

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Os mecanismos de transferência da água são: a evaporação da água em contato direto com o sol e os ventos, dependendo da temperatura e da umidade relativa do ar; a transpiração das plantas e dos animais da água contida em seus corpos; a precipitação da água que foi vaporizada podendo estar na forma de chuva, neve granizo ou orvalho; a água que chega em terra poderá escoar na superfície (escoamento superficial) formando rios e lagos ou poderá escoar para dentro da terra (infiltração), formando os lençóis d’água (água subterrânea). As águas superficiais irão escoar e uma parte irá infiltrar-se na terra e outra parte irá evaporar-se. Os excedentes desta água irão para o mar e posteriormente serão evaporadas. As águas subterrâneas também estão em movimento, podendo ser armazenadas em mananciais subterrâneos ou aflorarem na forma de rios, lagos ou fontes naturais. Durante estas transformações a água poderá sofrer alterações de seu estado natural, podendo ser contaminada não necessariamente na sua origem, mas pelo caminho percorrido até chegar ao manancial. 1.4. Indicadores de Qualidade da Água. A água é um composto inorgânico, possuindo 2 átomos de hidrogênio e 1 de oxigênio, ligados por ligações covalentes, formando um ângulo de 105o, de tal forma que as cargas positiva e negativa não sejam concêntricas, conferindo a característica polar à água. A Figura 1.2 apresenta um desenho da molécula da água. Devido à característica polar de sua molécula química a água é um solvente poderoso e pode ser atraída por campos magnéticos. A água é dissociada em íons H+ e OH-, conferindo-lhe um pH neutro. À temperatura ambiente (> 0oC) encontra-se no estado líquido. A água na sua característica original não apresenta cor, odor ou sabor.

+H

105o

H+

O − Figura 1.2: Molécula da água À medida que vão sendo introduzidos outros elementos às moléculas de água estes vão conferindo propriedades que podem afastá-la de suas características originais. Segundo Mota (1997), as condições naturais de ocorrência da água são determinadas através de diversos parâmetros, representando suas características físicas, químicas e biológicas, conforme discriminadas a seguir: INDICADORES DE QUALIDADE FÍSICA - Cor: resulta da existência, na água, de substâncias em solução, tais como o Fe, Mn, matéria orgânica, algas, corantes, resinas e uma série de outras substâncias de origem natural ou introduzida pelo homem. A cor por si só não se constitui em um elemento tóxico prejudicial à saúde humana, mas como não se conhece a sua origem existe um risco potencial à saúde se esta for utilizada para fins de consumo ou contato direto.

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Sabor e odor: resultam de causas naturais (algas, vegetação em decomposição, bactérias, fungos, compostos orgânicos, etc.) e artificiais (esgotos domésticos e industriais). Podem não estar associados a riscos contra a saúde, porém, da mesma forma como a cor, existe um risco potencial de contaminação. A água deve ser isenta de qualquer cor odor ou sabor para o consumo direto. Turbidez: A presença de material em suspensão na água interfere na passagem da luz, conferindo uma aparência turva chamada turbidez. Sua origem também pode ser natural (partículas de rocha, argila, algas, microrganismos) ou de origem artificial (esgotos domésticos e industriais, erosão). Um dos problemas associados a turbidez é que estas partículas podem servir de suporte para microrganismos patogênicos impedindo a sua eficiente desinfecção e também servir de sorvente de compostos químicos tóxicos do meio aumentando sua concentração de forma localizada. Temperatura: A temperatura influi nas propriedades da água, altera as velocidades das reações químicas e biológicas, altera a solubilidade de compostos químicos de origem orgânica ou inorgânica e interferem na solubilidade dos gases. A temperatura da água deve ser mantida em valores próximos de sua ocorrência natural para não alterar o equilíbrio de seu ecossistema.

INDICADORES DE QUALIDADE QUÍMICA - pH: É o potencial hidrogênio que mede o equilíbrio entre as espécies químicas de caráter ácido e básico. A sua escala varia entre 0 e 14 e o perfeito equilíbrio entre as espécies químicas encontra-se em pH = 7. Valores diferentes da neutralidade vão conferir um caráter agressivo à água, podendo provocar prejuízos não só à vida dos organismos mas também aos materiais. O pH interfere em todas as reações químicas e bioquímicas, além de interferir nas conformações espaciais das moléculas. - Alcalinidade: São sais alcalinos dissolvidos na água, principalmente Na e Ca, que terão a capacidade de reagir com os íons H+ neutralizando-os. Ao efeito de resistência à mudança de pH do meio dá-se o nome de efeito tampão. Os principais constituintes da alcalinidade são os bicarbonatos (HCO3-), carbonato (CO32-) e os hidróxidos (OH-). Maiores detalhes sobre o pH e a alcalinidade estão descritos no Capítulo II.1. - Dureza: A dureza resulta da presença de sais alcalinos terrosos (Ca e Mg), ou de outros metais bivalentes. Estes cátions podem reagir na água formando precipitados reduzindo a formação de espuma do sabão e provoca incrustações nas tubulações de caldeiras. Causa sabor desagradável e efeitos laxativos. Estes sais podem ser de origem natural ou antropogênica. - Ferro e manganês: O ferro e o manganês são íons que estão presentes nos solos e podem ser introduzidos na água. Estes compostos quando no seu estado oxidado apresentam-se insolúveis, causando coloração avermelhada ou marrom à água, promovendo manchas em roupas. Além disso, conferem sabor e propiciam o desenvolvimento de ferrobactérias causadoras de mau cheiro, coloração e incrustações. - Cloretos: Os cloretos são provenientes de sais dissolvidos de minerais ou por introdução de águas salgadas. Os esgotos domésticos e industriais também podem introduzir cloretos na água. Além disso, o desinfetante mais utilizado no tratamento de águas de abastecimento são sais de cloro, deixando um residual perceptível quando consumido. Os cloretos conferem sabor salgado e propriedades laxativas à água - Fluorêtos: em concentrações adequadas são benéficos no combate às cáries, porém, em concentrações elevadas causam a fluorose dentária (mancha escura nos dentes). Por lei, estes são adicionados à água como um programa de erradicação de cáries em populações carentes. - Oxigênio dissolvido: A grande maioria dos seres vivos na superfície terrestre utiliza o oxigênio como receptor final de elétrons nas suas reações para geração de energia 4 Prof. Hugo Moreira Soares Universidade Federal de Santa Catarina – Departamento de Eng. Química e Eng. de Alimentos

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(catabólicas). A concentração de oxigênio dissolvido na água pura é de aproximadamente 7,5 mg/L a 30oC, quando em equilíbrio com a atmosfera (APHA, AWWA, WEF. ,1995). É uma concentração muito baixa, mas suficiente para manter as espécies aquáticas existentes. Umas espécies são mais exigentes outras menos, havendo uma variação de espécies presentes dependendo do nível de oxigênio dissolvido na água. Qualquer elemento que esteja presente que possa reduzir a concentração do oxigênio dissolvido é considerado poluente. Matéria orgânica: A matéria orgânica é a fonte de carbono para os microrganismos heterotróficos. Se houver a presença de microrganismos heterotróficos aeróbios, estes consumirão o oxigênio dissolvido para o seu metabolismo. Caso não haja oxigênio disponível, os microrganismos anaeróbios degradam a matéria orgânica gerando gases que podem ser mau cheirosos, como o H2S e ácidos voláteis. Além disso, podem causar problemas conferindo: cor, sabor e turbidez à água. A concentração de matéria orgânica é medida em termos de demanda química de oxigênio (DQO), demanda bioquímica de oxigênio (DBO) ou por carbono orgânico total (COT). Algumas vezes, quando conveniente, a concentração de matéria orgânica pode ser expressa na forma de sólidos voláteis (SV). Os métodos analíticos para sua determinação encontram-se no Capítulo 3. Nitrogênio e Fósforo: Os organismos autotróficos fotossintetizantes presentes em ambientes aquáticos naturais têm seu crescimento limitado pela presença de nutrientes (N e P). Quando estes são lançados nestes mananciais através de esgotos sanitários ou efluentes industriais permitem o crescimento destes organismos, principalmente o de algas. Estas algas promovem a turvação da água impedindo a passagem de luz. Após seu ciclo de vida, as algas morrem e depositam-se no fundo do manancial sendo então degradadas pelas bactérias heterotróficas presentes no meio. A princípio são degradadas pelas bactérias aeróbias que consomem o oxigênio do meio, prejudicando a sobrevivência dos organismos aquáticos. Após o fim do oxigênio, bactéria anaeróbias continuam a degradação, produzindo gases, levando à flotação do material depositado aumentando a concentração de material em suspensão. A este fenômeno dá-se o nome de eutrofização. Outros compostos inorgânicos e orgânicos: vários compostos orgânicos e inorgânicos são tóxicos aos organismos vivos, não devendo ser lançados na água. Estes são provenientes do lançamento de esgotos à água, principalmente de origem industrial.

INDICADORES DE QUALIDADE BIOLÓGICA São vários os microrganismos presentes na água sendo alguns deles prejudiciais à saúde, devendo ser controlados. Diferentes tipos de bactérias, vírus e protozoários podem transmitir doenças através da ingestão da mesma. Dentre estes aquele de maior preocupação é de origem bacteriana. A potencialidade de uma água transmitir doenças pode ser medida de uma forma indireta através de microrganismos indicadores. Estes microrganismos indicadores são bacterianos, possuindo comportamento similar aos outros de mesma classe, e devem estar presentes na flora intestinal de animais de sangue quente, onde estes se desenvolvem. Os microrganismos indicadores usados são os coliformes totais e fecais. O microrganismo mais abundante nos coliformes fecais é a Escherichia coli (~80%), por isso, muitas vezes é medida a quantidade deste microrganismo para expressar a quantidade de coliformes fecais, devido à sua facilidade de detecção. A sua presença não necessariamente significa que a água está contaminada com microrganismos patogênicos, mas indica que houve contato com os seres de sangue quente e que há um potencial risco de contaminação. Além dos coliformes algumas vezes se faz necessário o acompanhamento mais específico de outros microrganismos como a presença de giárdia e de ovos de helmintos.

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1.5. Padrões de Qualidade da Água Antes de estabelecer parâmetros para o lançamento de poluentes na água deve-se estabelecer os padrões de qualidade destas águas. Os teores máximos de impurezas permitidos na água são estabelecidos em função dos seus usos. Sendo assim, os mananciais são classificados pela sua pureza e destino e também em função da salinidade da água. Águas doces são aquelas com salinidade inferior a 0,5%, águas salobras têm salinidade maior que 0,5 e menor que 30% e águas salgadas tem salinidade maior que 30%. A Tabela 1.2 apresenta a classificação das águas doces segundo seus principais usos no Brasil. Tabela 1.2: Classificação das águas segundo seus usos principais, de acordo com a Resolução no 357, de 17/03/2005 do CONAMA. CLASSE

USOS

Classe Especial

• • •

Abastecimento para consumo humano com desinfecção Preservação do equilíbrio natural das comunidades aquáticas Preservação dos ambientes aquáticos em unidades de conservação e proteção integral

Classe 1

• • •

Abastecimento doméstico, após tratamento simplificado Preservação das comunidades aquáticas Recreação de contato primário, tais como natação, esqui aquático e mergulho, conforme resolução do CONAMA no 274 de 2000. Irrigação de hortaliças que são consumidas cruas e de frutas que se desenvolvem rentes ao solo e que sejam ingeridas cruas sem remoção de película Proteção das comunidades aquáticas em terras indígenas



Classe 2

• • • •



Abastecimento doméstico, após tratamento convencional Preservação das comunidades aquáticas Recreação de contato primário, tais como natação, esqui aquático e mergulho, conforme resolução do CONAMA no 274 de 2000. Irrigação de hortaliças, plantas frutíferas e de parques, jardins e campos de esporte e lazer, com os quais o público possa a vir a ter contato direto Aqüicultura e atividade de pesca

• • • • •

Abastecimento e consumo humano, após tratamento convencional Irrigação de culturas arbóreas, cerealíferas e forrageiras Pesca amadora Recreação e contato secundário Dessedentação de animais

• •

Navegação Harmonia paisagística

• Classe 3

Classe 4

Percebe-se que a classificação das águas doces considera a existência de mananciais de qualidade variável, desde um grau de pureza elevado até águas para usos pouco nobres. Percebe-se também que todas as águas, exceto a de classe 4 pode ser usada para abastecimento, desde que seja adequadamente tratada. Após esta classificação, há a necessidade de se estabelecer parâmetros que caracterizem as águas segundo a sua classificação. A Tabela 1.3 apresenta alguns dos parâmetros mais importantes utilizados no Brasil. 6 Prof. Hugo Moreira Soares Universidade Federal de Santa Catarina – Departamento de Eng. Química e Eng. de Alimentos

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Tabela 1.3: Alguns parâmetros para as classes de água doces de acordo com a Resolução no 357, de 17/03/2005do CONAMA. CLASSE PARÂMETROS (LIMITES) ESPEC 1 2 3 4 Coliforme Termotolerante * 200(1) 1000 2500(2) (3) (ou E. coli) (NMP/100 ml) 1000 4000(4) Óleos e Graxas (mg/l) * ... ... ... Irrid. DBO (mg/l) * ≤ 3,0 ≤ 5,0 ≤10,0 OD (mg/l) * ≥ 6,0 ≥ 5,0 ≥ 4,0 ≥ 2,0 Turbidez (UNT) * 40 100 100 PH * 6,0 a 9,0 6,0 a 9,0 6,0 a 9,0 6,0 a 9,0 Nitrito (mg/l) * 1,0 1,0 1,0 Nitrato (mg/l) * 10,0 10,0 10,0 residuos sólidos * ... ... ... ... corantes * ... ... ... Materiais flutuantes * ... ... ... ... Odor ou sabor * ... ... ... Sólidos dissolvidos totais * 500 500 500 (mg/L) Cor (mg Pt/L) * 75 75 OBS: * devem ser mantidas as características originais da água na origem; ... virtualmente ausente; - não existe padrão; Irid. toleram-se iridescências (1) para demais usos que não seja de recreação (esta definida pela Resolução do CONAMA no 274de 2000) (2) recreação (3) dessedentação (4) demais usos O CONAMA também define os principais padrões de para balneabilidade e padrões para uso de águas para irrigação, que não são abordados neste livro. Além destes, o CONAMA também define padrões de potabilidade da água, e os padrões de lançamento de águas residuárias. Estes padrões de qualidade das águas são utilizados pelos órgãos de poluição locais, redefinindo os seus padrões em função das necessidades específicas de cada região. Porém, os padrões definidos pelo CONAMA são as concentrações mínimas que devem ser atingidas, implicando em que qualquer parâmetro redefinido por um órgão local deve atingir concentrações iguais ou inferiores às da legislação federal. Observa-se que os valores apresentados na Tabela 1.3 são indicativos da qualidade dos mananciais não sendo os parâmetros de lançamento das águas residuárias. Estes valores significam que a soma dos lançamentos em um determinado manancial, em conjunto com as águas que são alimentadas no mesmo não devem ultrapassar estes valores, ou seja, não devem ser suficientes para mudar a sua classificação. PADRÕES DE POTABILIDADE Os padrões de potabilidade são definidos pela Portaria no 30/90 do Ministério da Saúde e os seus valores estão apresentados na Tabela 1.4, além dos seguintes parâmetros: - pH entre 6,5 e 8,5 - Coliformes fecais: ausência em 100 ml de amostra - Cloro residual livre: concentração mínima de 0,2 mg/l em qualquer ponto da rede distribuidora 7 Prof. Hugo Moreira Soares Universidade Federal de Santa Catarina – Departamento de Eng. Química e Eng. de Alimentos

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Tabela 1.4: Valores máximos permissíveis (VMP) para as características da água potável (Portaria no 36 de 19/01/90 do Ministério da Saúde). CARACTERÍSTICAS I.Físicas e Organolépticas Cor aparente Odor Sabor Turbidez II. Químicas IIa. Componentes Inorgânicos Arcênio Bário Cádmio Chumbo Cianetos Cromo total Fluoretos Mercúrio Nitratos (N) Prata Selênio

UNI D

VMP

uH (1)

5 (3) ñ obje. ñ obje. 1 (4)

uT (2)

mg/l mg/l mg/l mg/l mg/l mg/l mg/l mg/l mg/l mg/l mg/l

0,05 1,0 0,005 0,05 0,1 0,05 (5)

0,001 10 0,05 0,01

CARACTERÍSTICAS

UNI D

VMP

Heptacloro Hexaclorobenzeno Lindano Metoxicloro Pentaclorofenol

µg/l µg/l µg/l µg/l µg/l

0,1 0,001 3 30 10

Tetracloreto de carbono Tetracloroeteno Toxafeno Tricloroeteno Trihalometanos

µg/l µg/l µg/l µg/l µg/l

3 10 5,0 30 100 (6)

1,1 Diclororeteno 1,2 Dicloroetano 2,4,6 Triclorofenol

µg/l µg/l µg/l

0,3 10 10 (7)

IIb. Componentes que afetam a qualidade organoléptica Alumínio mg/l Agentes tensoativos mg/l Cloretos (Cl) mg/l Cobre mg/l Dureza total (CaCO3) mg /l Ferro total mg/l Manganês mg/l Sólidos totais dissolvidos mg/l Sulfatos (SO4) mg/l Zinco mg/l

0,2 (8) 0,2 250 1,0 500 0,3 0,1 1000 400 5

IIb. Componentes 0,03 Orgânicos µg/l Aldrin e Dieldrin 10 µg/l Benzeno 0,01 µg/l Benzeno-a-pireno Clordano (total de 0,3 µg/l isômeros) 1 µg/l DDT 0,2 µg/l Endrin (1) uH é a unidade de escala de Hazen (de platina - cobalto). (2) uT é a unidade de turbidez, seja unidade de Jackson ou nefelométrica (3) Para a cor aparente o VMP é 5 (cinco) uH para água entrando no sistema de distribuição. O VMP de 15 (quinze) uH é permitido em pontos da rede de distribuição. (4) Para a turbidez o VMP é 10 uT para a água entrando no sistema de distribuição. O VMP de 5,0 uT é permitido em pontos da rede de distribuição se for demonstrado que a desinfecção não é comprometida pelo uso desse valor menos exigente. (5) Os valores recomendados para a concentração do íon fluoreto em função da média das temperaturas máximas diárias do ar deverão atender à legislação em vigor. (6) Sujeito à revisão em função dos estudos toxicológicos em andamento. A remoção ou prevenção de trihalometanos não deverá prejudicar à eficiência da desinfecção. (7) Concentração limiar de odor de 0,1 ug/L (8) Sujeito à revisão em função de estudos toxicológicos em andamento.

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Normalmente, quando se realizam análises de potabilidade da água, referem-se às características organolépticas, o pH, os coliformes totais e fecais, o cloro residual e, dependendo do caso, algumas análises do grupo IIb da Tabela 1.4. As outras determinações são realizadas em casos especiais quando há risco de contaminação por algum destes componentes específicos devido às atividades agrícolas e industrias da região. PADRÕES DE LANÇAMENTO DE ÁGUAS RESIDUÁRIAS O CONAMA também dá diretrizes básicas para o estabelecimento de padrões de qualidade para o lançamento de águas residuárias em corpos d’água, no entanto, é delegado aos órgãos estaduais de controle da poluição o estabelecimento de parâmetros que julgue serem mais adequados aos casos específicos de suas regiões. A legislação local deve ser minimamente aquelas sugeridas pelo CONAMA podendo estes órgãos ter padrões mais exigentes, porém nunca menos exigentes. A Tabela 1.5 apresenta estes padrões definidos pelo CONAMA. Tabela 1.5: Padrões de qualidade do efluente industrial segundo a Resolução no 357, de 17/03/2005 do CONAMA. CARACTERÍSTICAS UNID. VMP CARACTERÍSTICAS UNID. VMP Mercúrio total mg/l 0,01 I.Físico-Químicas 5 a 9 Nitrogênio amoniacal mg/l 20,0 PH Faixa o C 40 Níquel total mg/l 2,0 Temperatura Sólidos sedimentáveis ml/l 1,0 Prata total mg/l 0,1 Selênio mg/l 0,3 II. Químicas Sulfêtos mg/l 1,0 IIa. Componentes Zinco total mg/l 5,0 Inorgânicos mg/l 0,5 Arcênio total mg/l 5,0 IIb. Componentes Bário mg/l 5,0 Orgânicos Boro total Cádmio total mg/l 0,2 Clorofórmio mg/l 1,0 mg/l 0,5 Dicloroeteno mg/L 1,0 Chumbo Cianetos mg/l 0,2 Tricloroeteno mg/l 1,0 mg/l 1,0 Tetracloreto de carbono mg/l 1,0 Cobre Cromo total mg/l 0,5 Fenóis mg/l 0,5 Estanho mg/l 4,0 Óleos minerais mg/l 20,0 Ferro total mg/l 15,0 Óleos vegetais e gorduras mg/l 10,0 animais mg/L 20 Fluoretos Manganês (+2) solúvel mg/l 1,0 Um parâmetro de especial atenção é a concentração de matéria orgânica. O CONAMA deixa livre para os órgãos estaduais definirem a concentração que deve ser exigida no lançamento dos efluentes. Geralmente neste quesito os órgãos estaduais exigem uma concentração de Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO5) de 60 mg de O2/L, ou reduzir pelo menos 80% da concentração inicial de matéria orgânica. A redução de 80% para alguns efluentes industriais pode ainda significar concentrações elevadíssimas, ficando a critério do órgão controlador a decisão de permitir o lançamento do efluente em função do manancial. Como será visto no Capítulo 3, a DBO é um parâmetro que requer algum cuidado no uso de seus resultados, por isso, alguns estados estão lançando mão do uso da determinação da Demanda Química de Oxigênio (DQO), em conjunto com a DBO, para avaliar o grau de impacto do lançamento de efluentes em cursos d’água.

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1.6. Fontes de poluição e seus efeitos Várias são as fontes de poluição das águas e seus efeitos nocivos ao homem. Estas fontes podem ser pontuais ou difusas. As fontes pontuais geralmente possuem elevadas concentrações de poluentes descarregadas em um único ponto, como a descarga de uma água residuária industrial em um rio local. Já as fontes difusas, geralmente são diluídas e distribuídas em vários pontos do manancial, como a drenagem pluvial de defensivos agrícolas. As conseqüências da poluição hídrica envolvem: prejuízos ao abastecimento humano, tornando-se veículo de transmissão de doenças; prejuízos a outros usos da água, tais como industrial, irrigação, pesca, recreação, etc.; agravamento dos problemas de escassez de água de boa qualidade; elevação do custo do tratamento da água, refletindo-se no preço a ser pago pela população; assoreamento dos mananciais, resultando em problemas de diminuição da oferta de água e de inundações; prejuízos aos peixes e a outros organismos aquáticos; desequilíbrios ecológicos; proliferação excessiva de algas e de vegetação aquática, com suas conseqüências negativas; degradação da paisagem; desvalorização das propriedades marginais; impactos sobre a qualidade de vida da população A seguir são apresentadas algumas das principais fontes de poluição das águas, a sua origem e suas conseqüências: POLUIÇÃO DAS ÁGUAS SUPERFICIAIS - Esgotos domésticos: Provenientes da atividade humana. Possuem matéria orgânica em concentrações relativamente baixas quando comparadas com efluentes industrias, porém ainda suficiente para desenvolver microrganismos heterotróficos aeróbios que irão consumir o oxigênio da água. Outra preocupação da contaminação com esgotos domésticos é a presença de coliformes fecais indicando a potencialidade de conter microrganismos que transmitem doenças. Além destes, outros problemas associados ao esgoto sanitário estão a cor, odor, sabor, turbidez e uma série de outros compostos orgânicos e inorgânicos ainda não controlados pelo CONAMA. Os esgotos domésticos são os maiores responsáveis pela poluição hídrica devido aos grandes volumes envolvidos, à descentralização de sua geração e a precários sistemas de tratamento implantados. - Esgotos industriais: Provenientes da atividade industrial podendo ter uma composição diversa dependendo do seu ramo. Alguns possuem alta concentração de matéria orgânica e outros compostos tóxicos e recalcitrantes. Grandes desafios são enfrentados para o desenvolvimento de tecnologias adequadas ao tratamento destas águas. - Águas pluviais: Estas águas podem carregar impurezas da superfície do solo ou contendo esgotos lançados nas galerias. Normalmente carregam consigo resíduos de origem urbana e são lançados na natureza de forma pontual, ou resíduos de origem rural, como pesticidas e fertilizantes de forma dispersa. - Resíduos sólidos (lixo): O lixo urbano acondicionado de forma inadequada libera um líquido percolado chamado de chorume que contém altas concentrações de matéria orgânica e de metais pesados, além de uma infinidade de compostos orgânicos. A precipitação das chuvas auxilia na lixiviação destes compostos aumentando os riscos de contaminação. - Precipitação de poluentes atmosféricos: Poluentes atmosféricos podem ser carreados pelas chuvas aos mananciais hídricos. Dentre os poluentes mais comuns encontram-se os ácidos sulfúrico e nítrico pela conversão de gases contendo SOx e NOx na atmosfera. - Erosão: Alterações nas margens dos mananciais, como o desmatamento, provocando a remoção de solo e conseqüente assoreamento dos mananciais. 10 Prof. Hugo Moreira Soares Universidade Federal de Santa Catarina – Departamento de Eng. Química e Eng. de Alimentos

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-

Acidentes industriais: Acidentes provocados pelo manuseio e transporte de compostos químicos em mananciais ou em regiões próximas. POLUIÇÃO DAS ÁGUAS SUBTERRÂNEAS - Infiltração de esgotos domésticos: Muitos municípios não possuem sistema de coleta e tratamento dos esgotos domésticos. Como alternativa de tratamento, as residências possuem sistema de fossa séptica e dispersão no solo (sumidouros ou valas de infiltração). Outra forma muito comum é o uso de sistemas de tratamento usando lagoas de estabilização ou em outro sistema usando deposição no solo, como o sistema de fertirrigação, usado de forma não controlada. - Infiltração do chorume: Resultante de depósitos de lixo no solo sem prévia impermeabilização e acondicionamento. - Infiltração de águas pluviais: Estas águas carreiam pesticidas, fertilizantes, detergentes e poluentes atmosféricos depositados no solo. - Vazamentos de tubulações ou depósitos subterrâneos: Acidentes provocados pelo manuseio e transporte de compostos químicos em mananciais ou em regiões próximas - Injeção de águas no subsolo: a injeção de águas no subsolo pode ser praticada para o tratamento destas águas, como o esgoto sanitário, ou para extrair compostos de interesse comercial, como a injeção de água salgada na extração do petróleo. - Resíduos de outras fontes: percolados de cemitérios, minas, depósito de material radioativo, e uma série de outras atividades. AUTODEPURAÇÃO DOS CORPOS D’ÁGUA O impacto que as águas residuárias causam ao meio ambiente depende muito da sua composição química, da quantidade e da velocidade com que estes são lançados ao meio ambiente e da capacidade daquele ambiente natural em neutralizar os efeitos adversos causados pelos poluentes através das próprias características ambiente específico. A esta capacidade de recuperação do ambiente natural por recursos próprios dá-se o nome de efeito de autodepuração. Um ecossistema antes de sofrer o lançamento de poluentes encontra-se num estado de equilíbrio físico, químico e biológico, de tal forma que as reações interativas entre seus meios permaneça de forma global constantes. Quando introduzimos um composto estranho ao ambiente este irá reagir à perturbação tendendo a voltar ao equilíbrio anterior. Dependendo da magnitude desta perturbação o ecossistema poderá atingir outro estado de equilíbrio diferente do original, o que seria indesejável. Portanto, deve-se conhecer com a maior precisão possível a capacidade de autodepuração do manancial em questão, frente ao poluente que está sendo introduzido no mesmo. Este conhecimento é de grande valia, auxiliando na definição da utilização da capacidade do manancial em funcionar como um sistema de tratamento do resíduo e impedir que sejam lançados resíduos em quantidades acima desta capacidade. Este conceito se aplica, a princípio, a qualquer composto poluente e a qualquer ambiente natural, porém, para ilustrar este conceito, um exemplo da capacidade de autodepuração de um rio quando lançado uma corrente de esgoto sanitário é apresentado a seguir na Figura 1.3. A figura mostra que ao ser lançado um esgoto sanitário em um ponto específico de um rio, contendo principalmente matéria orgânica como poluente primário, a princípio a concentração de oxigênio dissolvido (OD) na água cai pela dissolução dos compostos químicos no meio. Logo após, essa concentração começa a cair mais devido a atividade dos microrganismos heteretróficos aeróbios que consomem também a matéria orgânica (DBO) lançada no meio. Com este metabolismo, a concentração dos microrganismos cresce até que a concentração de substrato (matéria orgânica) já não seja suficiente para sustentar o crescimento dos microrganismos. A partir deste momento, o rio com o seu contato com a atmosfera e com a sua agitação natural reaera o sistema voltando a crescer a sua concentração 11 Prof. Hugo Moreira Soares Universidade Federal de Santa Catarina – Departamento de Eng. Química e Eng. de Alimentos

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dissolvida no meio. No final do processo, os microrganismos voltam a concentrações próximas às anteriores, devido à morte dos mesmos pela falta de substrato e o oxigênio dissolvido também assume valores próximos aos originais. Esgoto (matéria orgânica) fluxo do rio

Oxigênio Dissolvido (OD)

Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO)

Conc. Celular (bactérias aeróbias heterotróficas)

Comprimento do rio Zona de degradação

• •





Zona de decomposição

Zona de recuperação

Zona de águas limpas

Zona de degradação: água com aspecto escuro e sujo; DBO atinge o valor máximo no ponto de lançamento, porém começa a cair com a atividade dos microrganismos heterotróficos aeróbios; sólidos sedimentam; amônia é produzida; Zona de decomposição ativa: o teor de oxigênio atinge o mínimo podendo atingir condições anaeróbias; DBO continua decrescendo com a atividade de microrganismos aeróbios e anaeróbios; oxigênio é re-introduzido no sistema pela aeração e pela diminuição da atividade dos microrganismos; Zona de recuperação: a atividade microbiana é muito baixa devido a grande parte da matéria orgânica ter sido degradada; a re-aeração excede a desoxigenação; nitrogênio predomina na forma de nitritos e nitratos; proliferação de algas; peixes e outros organismos retornam ao sistema; Zona de águas limpas: retorno às condições de origem, porém, não exatamente às características iniciais, verificadas pela presença de nitratos, fosfatos, sais dissolvidos que antes não haviam.

Figura 1.3: Lançamento de esgotos nos corpos d’água e o efeito de autodepuração. FONTE: Mota (1997) 12 Prof. Hugo Moreira Soares Universidade Federal de Santa Catarina – Departamento de Eng. Química e Eng. de Alimentos

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1.7 Águas residuárias e seus tratamentos A associação da transmissão de doenças via hídrica com os resíduos lançados em mananciais datam de pouco mais de 100 anos. A partir de então, as águas residuárias domésticas, ou esgotos sanitários, passaram a receber especial atenção com relação ao seu destino final. Já as águas residuárias industriais, efluentes de processos de fabricação específicos, somente vieram a ser de importância após a revolução industrial, ou seja, quando estes passaram a ser produzidos em grande escala. Durante o século XX o desenvolvimento econômico de um país foi diretamente relacionado com o desenvolvimento agrícola e industrial e através da exploração de seus recursos naturais, o que vem mudando um pouco esta perspectiva no século XXI. Este desenvolvimento se deu sem uma maior preocupação com as conseqüências ao meio ambiente, gerando um passivo ambiental considerável. Atualmente, os países desenvolvidos vêm centrando esforços para reverter a situação remediando os ambientes contaminados e tratando suas águas residuárias em níveis de purificação cada vez mais exigentes. No entanto, a geração de bens de consumo para suportar o crescimento econômico, associado às necessidades básicas de sobrevivência do ser humano, minimizando os impactos ambientais causados pela atividade do homem, continuam a ser grandes desafios, principalmente para países em desenvolvimento. Esta consciência das diferenças entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento é fundamental, pois a economia mundial está cada vez mais associada aos investimentos nas questões ambientais o que poderá abrir um grande abismo entre estas nações. Cumprir as determinações das leis é preciso, porém, de forma sustentável. Na definição de um processo de tratamento de resíduos será selecionada a tecnologia que melhor se adequa àquela situação, sendo a decisão tomada em relação ao nível de desenvolvimento da tecnologia e dos custos envolvidos, conforme a realidade do local de suas instalações. Para a tomada de decisão deve-se primeiro analisar as características da água residuária para então verificar qual é o nível de tratamento que deve ser aplicado para chegar aos parâmetros exigidos pela legislação. Dentre as principais características das águas residuárias deve-se estar atento para aquelas que definem a necessidade de uma ou mais etapas de processo, as quais serão descritas a seguir: Vazão A vazão é um dos principais parâmetros que irá definir o tamanho dos tanques que irão compor a planta de tratamento. Deve-se verificar a sua variação ao longo de um período de trabalho para que se possa definir a necessidade de promover sua equalização. O projeto de uma planta de tratamento poderá considerar a vazão de pico ou poderá, após um tanque de equalização, ser utilizada a vazão média para os cálculos. pH O pH, como visto anteriormente, é essencial tanto para regular as reações químicas como as reações bioquímicas. Altera o equilíbrio das reações, influencia as interações físicoquímicas de adsorção, modifica a conformação de enzimas, interfere no transporte de íons para dentro de células vivas, altera o estado de oxidação de compostos químicos dissolvidos, além de ser muito importante na seleção de materiais de construção de tanques com relação aos seus efeitos corrosivos. Muitos processos podem ter necessidade de correção do pH antes de sua introdução no tanque de reação e outros serão modificados à medida que as reações ocorrem, havendo necessidade de um monitoramento e correção contínuos. Este é um dos parâmetros que se pode facilmente medir e controlar on-line em plantas de tratamento mais sofisticadas. 13 Prof. Hugo Moreira Soares Universidade Federal de Santa Catarina – Departamento de Eng. Química e Eng. de Alimentos

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Temperatura A temperatura é um parâmetro muito importante. De forma equivalente ao pH, a temperatura influi na velocidade das reações químicas e bioquímicas, influi na estabilidade das enzimas e modifica as propriedades do meio, como viscosidade e densidade. A temperatura também pode ser medida e monitorada facilmente em plantas de tratamento de efluentes. Sólidos em suspensão: A presença de sólidos em suspensão na água residuária deve ser analisada com cuidado, dependendo de sua natureza. Se os sólidos forem majoritariamente inorgânicos estes devem ser removidos antes de serem alimentados para o sistema de tratamento propriamente dito, pois poderão provocar o assoreamento e abrasão dos equipamentos subseqüentes. Como estes já se encontram num estado da matéria de fácil separação, o uso da força da gravidade através uma câmara de sedimentação é uma opção adequada para sua remoção. Caso os sólidos sejam de origem orgânica, a necessidade de separá-los dependerá de sua concentração e do processo de tratamento que será utilizado. Normalmente estes são separados em sedimentadores e tratados de forma independente da matéria orgânica dissolvida, pois existem tecnologias mais adequadas para cada tipo de resíduo; Óleos e graxas: As gorduras (óleos e graxas) são contaminantes presentes em vários efluentes, principalmente aqueles originados na indústria de alimentos. Primeiramente, deve-se avaliar a potencialidade de seu reuso como matéria prima de uma série de produtos, como na fabricação de sabão e na indústria de cosméticos. A sua presença nos processos subseqüentes trás uma série de problemas operacionais, devido às características de aderência às superfícies que possui este material, aumentando a manutenção dos equipamentos e diminuindo a eficiência da degradação dos compostos solúveis em água. A sua remoção é também facilitada pela diferença de densidade entre estes e a água, sendo a flotação a alternativa comumente usada; Matéria orgânica: O tipo de matéria orgânica e sua concentração devem ser analisados para auxiliar na escolha do sistema a ser utilizado. Como será visto nos capítulos subseqüentes, uma série de fatores irão influenciar na decisão de que tipo de processo deva ser melhor aplicado em cada caso, seja processos aeróbios ou anaeróbios. A tendência atual é a aplicação dos dois processos, um seguido do outro, para aproveitar as vantagens de ambos, sendo o primeiro considerado o tratamento principal e o segundo como polimento; Nutrientes: Os nutrientes de importância são aqueles necessários em grandes quantidades para o crescimento dos microrganismos (macronutrientes), como o nitrogênio, o fósforo e o enxofre. Existem métodos físico-químicos para a remoção destes compostos, como a precipitação e a volatilização (striping), no entanto, recentemente estão sendo desenvolvidos processos biológicos de remoção destes compostos, que também são combinações de processos aeróbios seguidos de anaeróbios, ou vice-versa. Por outro lado, se estes compostos estiverem presentes em quantidades insuficientes para sustentar o crescimento dos microrganismos desejáveis ao processo de degradação, estes devem ser adicionados em quantidades suficientes para este fim;

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Compostos tóxicos e recalcitrantes: A presença de compostos tóxicos aos microrganismos e de compostos de difícil degradação deve ser analisada com cautela. Dependendo da natureza do composto tóxico e de sua concentração seu efeito deve ser neutralizado antes de entrar no reator biológico. Na maioria dos casos contorna-se a situação diluindo-se a água residuária com o próprio efluente tratado antes de ser alimentado no reator biológico. Após o tratamento biológico, estes compostos devem ser removidos por processos físico-químicos específicos, podendo envolver adsorção, troca iônica, oxidação fotocatalítica ou química, e uma série de outros processos; Microrganismos patogênicos: Os esgotos domésticos, por sua origem, possuem microrganismos patogênicos, indicados pelos coliformes fecais. Após todo o processamento das águas residuárias um elevado grau de inativação destes microrganismos foi realizado, no entanto, normalmente não é suficiente para removê-los aos níveis exigidos pela legislação. Um tratamento por oxidação química normalmente é empregado para atingir os níveis exigidos. Como exemplo, a Tabela 1.6 apresenta as características do esgoto sanitário. Observase nesta tabela que os esgotos sanitários possuem uma concentração de matéria orgânica pouco concentrada, comparada com as características da maioria dos efluentes industriais, o que implica em trabalhar com grandes volumes de líquido em reatores operados a baixos tempos de residência. Nota-se também que estes possuem uma concentração de sólidos em suspensão elevada em relação aos sólidos totais, indicando haver necessidade de uma separação prévia destes sólidos antes de prosseguir com o tratamento biológico. Uma boa parte destes sólidos em suspensão são materiais orgânicos (~80%), indicando haver necessidade de tratamento dos resíduos sólidos separadamente, podendo ser utilizado um processo biológico para tal. Nos sólidos dissolvidos também há uma grande quantidade de matéria orgânica, indicando a viabilidade do uso de processos biológicos para remoção da matéria orgânica. Como complementação, verifica-se que há excesso de nitrogênio e fósforo nestes efluentes, que devem ser removidos ao final do processo, para fins de atendimento aos parâmetros definidos pela legislação. Baseado nestas premissas, a Figura 1.4, apresenta um fluxograma genérico de uma planta de tratamento de esgotos domésticos com seus principais elementos.

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Tabela 1.6: Características típicas de esgotos sanitários Contribuição per capita (g/hab dia) Faixa Típico 180 120-220 60 35-70 10 7-14 50 25-60 120 85-150 70 50-90 50 35-60 -

Parâmetro

Sólidos Totais • Em suspensão - Fixos - Voláteis • Dissolvidos - Fixos - Voláteis • Sedimentáveis Matéria orgânica • Determinação indireta 40-60 - DBO5 80-130 - DQO 60-90 -DBOúltima • Determinação direta 30-60 - COT 6,0-112,0 Nitrogênio total (N) 2,5-5,0 • Nitrogênio orgânico (N) 3,5-7,0 • Amônia (N-NH4+) ~0 • Nitrito (N-NO2 ) 0,0-0,5 • Nitrato (N-NO3 ) 1,0-4,5 Fósforo (P) 0,3-1,5 • Fósforo orgânico (P) 0,7-3,0 • Fósforo inorgânico (P) pH Alcalinidade (CaCO3) 20-30 Cloretos 4-8 Óleos e graxas 10-30 Fonte: adaptado de von Sperling (1996)

Concentração (mg/L) Faixa Típico 1100 700-1350 400 200-450 80 40-100 320 165-350 700 500-900 400 300-550 300 200-350 15 10-20

50 100 75

200-500 400-800 350-600

350 700 500

45 8,0 3,5 4,5 ~0 ~0 2,5 0,8 1,7 25 6 20

170-350 35-70 15-30 20-40 ~0 0,2 5-25 2-8 4-17 110-170 20-50 55-170

250 50 20 30 ~0 ~0 14 4 10 7,6,7-7,50 140 35 110

Caixa de areia

Esgoto

Gradeamento

Leito de secagem

Reciclo de lodo

Biodigestor

Pós-Tratamento (remoção de nitrogênio e fósforo e/ou desinfecção)

Figura 1.4: Fluxograma do Tratamento Convencional de Esgotos Domésticos

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Da mesma forma que para o esgoto sanitário, a Tabela 1.7 apresenta as principais características de alguns efluentes industrias. Tabela 1.7: Características típicas de alguns efluentes industriais Gênero

Alimentícia

Bebidas

Têxtil

Couros e Curtumes Polpa e Papel

Indústria Química

Tipo

Unid. de produção

Cons. esp. de água (m3/unid)

- Conservas - Doces - Açúcar de cana - Laticínio sem queijaria - Laticínio com queijaria - Margarina - Matadouros -Produção de levedura - Destilação de álcool -Cervejaria - Refrigerantes - Vinho - Algodão - Lã - Rayon - Naylon - Polyester - Lavanderia de lã - Tinturaria - Alvejamento de tecidos - Curtumes - Sapatos - Polpa sulfatada - Papel - Polpa e Papel integrados - Tinta - Sabão - Refinaria de Petróleo - PVC - Vidro e subprodutos - Cimento

1 ton 1 ton 1 ton açucar 1000 L de leite 1000 L de leite 1 ton 1boi/2,5 porcos 1 ton 1 ton 1 m3 1 m3 1 m3 1 ton 1 ton 1 ton 1 ton 1 ton 1 ton 1 ton 1 ton

4-50 5-25 0,5-10,0 1-10 2-10 20 0,3-0,4 150

Carga esp. de DBO (kg/unid) 30 2-8 2-5 1-4 5-40 30 4-10 1.100

60 5-20 2-5 5 120-750 500-600 25-60 100-150 60-130 20-70 20-60 -

220 8-20 3-6 0,25 150 300 30 45 185 100-250 100-200 16

600-7.500 200-1.000 250-5.000 300-2.500 500-4.000 1.500 15.00020.000 7.500 3.500 500-4.000 600-2.000 200-1.500 500-600 500-1.200 350 1.500-3.000 2.000-5.000 2.000-5.000 250-300

1 ton de pele 1000 pares 1 ton 1 ton 1 ton

20-40 5 15-200 30-270 200-250

20-150 15 30 10 60-500

1.000-4.000 3.000 300 300-10.000

1 empregado 1 ton 1 barril (117L) 1 ton 1 ton 1 ton

0,110 25-200 0,2-0,4 12,5 50 5

1 50 0,05 10 -

10 250-2.000 120-250 800 -

1 ton gusa 1 ton

3-8 8-50

0,6-1,6 0,4-2,7

100-300 30-200

Indústria Nãometálica Siderúrgica - Fundição - Laminação Fonte: adaptado de von Sperling (1996)

Conc. de DBO (mg/L)

Como pode ser observada na tabela acima a composição de uma água residuária industrial depende em muito do tipo de produção na indústria e é muito diferente das características encontradas nos esgotos domésticos. As possibilidades de processos para o tratamento destes efluentes são várias e dependerá muito da experiência prévia com a água residuária em questão, devido às particularidades não só da produção, mas das práticas cotidianas da fábrica. A composição de uma planta de tratamento de águas residuárias é 17 Prof. Hugo Moreira Soares Universidade Federal de Santa Catarina – Departamento de Eng. Química e Eng. de Alimentos

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complexa e depende de uma série de decisões, podendo variar muito de um projetista para outro. A título de ilustração, a Figura 1.5 apresenta um fluxograma genérico para o tratamento de efluentes industriais. Uma prática comum realizada no passado e que hoje é evitada, ou não recomendada, é a mistura dos efluentes industriais com os esgotos sanitários, devido a uma série de problemas associados, como diluição dos compostos tóxicos dificultando o seu tratamento. No entanto, não é incomum tratar o efluente industrial e depois lançá-lo na rede de esgotos municipal para sofrer um polimento final. Tanque de Equalização

Efluente Industrial

Pré-Tratamento Físico-Químico

Tratamento Biológico

Decantador

Peneira

Leito de Secagem

Pós-Tratamento Biológico ou Físico-Químico

Figura 1.5: Fluxograma do Tratamento de Efluentes Industriais É importante ressaltar que as características dos efluentes industriais apresentadas na Tabela I.1.7 está em constante modificação, pois há um movimento no sentido de minimizar a geração de resíduos e economizar insumos, promovendo os programas de reuso e de reciclo de águas e de recuperação de insumos e produtos. Como exemplo, na fabricação de cervejas era comum utilizar 10 a 15 litros de água para produzir 1 litro de cerveja. Atualmente, esta média já ultrapassou a barreira dos 5 litros de água por litro de cerveja produzida, considerada como faixa mínima há alguns anos atrás. Com a minimização do descarte de água no processo a tendência é de aumentar as concentrações de matéria orgânica e dos poluentes encontrados nos efluentes industriais, o que por um lado é interessante do ponto de vista do tratamento dos resíduos orgânicos, mas por outro trás desafios ainda não mensurados para tratar estas águas altamente concentradas em resíduos tóxicos e recalcitrantes.

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2. COLETA E PRESERVAÇÃO DE AMOSTRAS 2.1. Introdução A coleta e preservação de amostras de efluentes são etapas que precedem a análise fisico-química que, junto com outras informações tais como vazão de produção em função do tempo, temperatura, adição de produtos químicos e outras, irão subsidiar o projeto do sistema de tratamento. Sendo uma atividade que deverá fornecer informações básicas, as quais irão influir decisivamente no desempenho do processo de tratamento, a coleta de amostras deve ser precedida por um planejamento cuidadoso e deve ser realizada de modo a fornecer informações que retratem a realidade da forma mais fiel e acurada possível. 2.2. Planejamento O planejamento tem por objetivo definir as atividades de coleta, preservação, manuseio e transporte das amostras, de modo a assegurar a obtenção de todas as informações necessárias da forma mais precisa, com o menor custo possível. Esta fase deve definir em detalhes o programa de coleta de amostras, levando em consideração os métodos analíticos que serão aplicados, assim como prever os recursos humanos, materiais e financeiros necessários. Um bom planejamento deverá ser embasado em informações preliminares como: 2.2.1. A geração dos efluentes É necessário conhecer em detalhes os processos industriais responsáveis pela produção dos efluentes: suas variações ao longo do dia, semana, etc, os insumos empregados, o regime de descarga dos efluentes, o procedimento para a limpeza das instalações, sua freqüência e produtos utilizados para esse fim, e outros detalhes operacionais que influem na qualidade dos efluentes. É necessário também levantar a existência ou a possibilidade de implantar uma separação das correntes provenientes de diferentes operações. 2.2.2. Presença de substâncias químicas potencialmente tóxicas A toxicidade das substâncias presentes deve ser considerada na definição dos métodos analíticos que serão usados, que por sua vez poderão influir no planejamento da coleta e tratamento das amostras. 2.2.3. Parâmetros físico-químicos de interesse Para cada parâmetro existe uma forma adequada de coleta e preservação de amostras. Por exemplo, a amostragem para a caracterização da DBO (demanda bioquímica de oxigênio) de um efluente deve levar em conta que a amostra perde a validade em 24 horas. Além disso, é preciso prever o tipo de frasco (se de plástico ou de vidro) a ser utilizado para cada parâmetro, de modo a minimizar erros resultantes da adsorção da espécie química de interesse na parede do recipiente, fator que se torna mais crítico em baixos teores.

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2.3. Programa de coleta de amostras O programa detalhado de coleta de amostras é produto da etapa de planejamento. Deve conter a definição de itens como: . Pontos de coleta . Forma de coleta (se pontual, contínua ou composta de frações periódicas) . Freqüência de coleta . Período de amostragem . Volume da amostra ou fração . Procedimentos quanto ao manuseio e preservação das amostras . Procedimento para a guarda e transporte das amostras . Responsável pela amostragem No ato da coleta das amostras é imprescindível que se leve em conta a vazão do efluente. Por exemplo, se for o caso de uma amostra composta, cada fração deve ser proporcional à vazão no momento da coleta. É necessário que a pessoa designada para a coleta esteja qualificada quanto a todos os procedimentos envolvidos, e especialmente no manuseio dos produtos químicos a serem adicionados na amostra ou na fração coletada. O planejamento deve ter previsto também uma infra-estrutura para a refrigeração das amostras e um procedimento para o armazenamento e/ou transporte seguro e rápido ao laboratório de análise. 2.4. Preservação das amostras As seguintes técnicas são empregadas para a preservação das amostras. 2.4.1. Congelamento É um método de preservação que pode ser aplicado para aumentar o intervalo de tempo entre a coleta e a análise, para a maior parte dos parâmetros de composição química. Não pode ser usado para a determinação do teor de sólidos filtráveis e não filtráveis ou de qualquer parâmetro nessas frações, pois os componentes dos resíduos em suspensão se alteram com o congelamento e posterior descongelamento. 2.4.2. Refrigeração É usada quando outras técnicas não podem ser empregadas, como no caso de análises microbiológicas e algumas determinações químicas e biológicas. 2.4.3. Adição de agentes químicos É o método de preservação mais conveniente, quando possível, pois oferece o maior grau de estabilização da amostra e por maior espaço de tempo. No entanto, não é possível recorrer a adições químicas em casos de determinação de parâmetros biológicos como a DBO (demanda bioquímica de oxigênio), contagem de microrganismos, etc, e em casos de ocorrência de interferências na análise química. 2.5. Recomendações para coleta e preservação de amostras A Tabela 2.1 apresenta as recomendações da CETESB, 1987, quanto ao tipo de frasco para coleta, quantidade de amostra necessária, forma de preservação e o prazo entre a coleta e o início de análise, para os parâmetros de maior interesse. A Tabela 2.2 apresenta sugestões dos parâmetros de caracterização por tipo de atividade industrial (Vitoratto, 1993). 20 Prof. Hugo Moreira Soares Universidade Federal de Santa Catarina – Departamento de Eng. Química e Eng. de Alimentos

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Tabela 2.1 - Cuidados na coleta e preservação de amostras: P = polietileno; V = vidro neutro ou borossilicato; R = refrigeração a 4oC (CETESB, 1987) Parâmetro

Frasco

Acidez Alcalinidade Boro Carbono Orgânico Total Cianeto

P, V P, V P P, V P

Vol. de amostra (mL) 200 200 100 100 500

Cloreto Cloro residual Condutividade DBO DQO Fenóis

P, V P, V P, V P, V V, âmbar

200 100 2.000 200 1.000

Fluoreto Fosfato total Volume de lodo

P P, V proveta de 1000 mL P, V

100 200 1.000

P, V P, V V, tampa de teflon ou vidro, boca larga P, V frasco de DBO

Mercúrio Metais N amoniacal / orgânico Óleos e graxas Oxigênio consumido

250

Preservação

Prazo

R R R H2SO4 até pH12; R

24 h 24 h 180 d 7d menor possível 14 d 24 h 24 h 7d menor possível 7d 24 h -

medida em campo R R H2SO4 até pH OCl- > NH2Cl Ordem de resistência do microrganismo: Cysts > vírus > bactéria CINÉTICA DA DESINFECÇÃO A efetividade de um desinfetante é determinada por ensaios de laboratório, com o intuito de obter curvas C x T. para cada microrganismo patogênico. dN/dt = - kN



ln (N/N0) = -kt



k = λCn

N – concentração de microrganismos t – tempo de contato k – constante que depende do desinfetante λ – coeficiente de letabilidade específica C – concentração do desinfetante n – coeficiente de diluição (geralmente = 1) ln (N/N0) = -kt



log (N/N0)

log (N/N0) = - k t 2,3

0 -1 -2 -3 -4

tempo N/N0 (fração remanescente) 0,1 0,01 0,001 0,0001

-log N / N0 (redução logarítimica) 1 2 3 4

% Morte (% de inativação) 90 99 99.9 99.99

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Foi observado que: Cn t(% morte) = K(% morte) ∴ C – conc. do desinfetante. Para cada desinfetante e para cada microrganismo são construídas curvas de C x t, a uma dada temperatura e pH, para atingir um % de inativação desejado. Se n = 1, Ct é constante.

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Valores de Ct para Inativação de Giárdia Cysts pelo Ozônio a pH 6-9 Inativação Temperatura (log) 0.5 5 10 15 20 0,48 0,32 0,23 0,16 0,12 0,5 0,97 0,63 0,48 0,32 0,24 1 1,5 0,95 0,72 0,48 0,36 1,5 1,9 1,3 0,95 0,63 0,48 2 2,4 1,6 1,2 0,79 0,60 2,5 2,9 1,9 1,4 0,95 0,72 3

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25 0,08 0,16 0,24 0,32 0,40 0,48

Valores de Ct99 para destruição de classes de microrganismos para vpários desinfetantes Agente desinfetante Microrganismo HOCl OCl NH2Cl O3 ClO2 HOBr 0,02 1,0 50 0,005 0,2 0,5 E. coli 1,0 10 500 0,005 1,5 0,06 Polivirus 1 20 8000 150 2 5 40 Entamoeba histolytica Nem todos os organismos microscópicos e formas superiores de vida na água podem ser removidos por todos esses métodos, por exemplo, a Endamoeba histolytica não é removida pela cloração comum. Alguns suprimentos públicos de água são desinfetados com ozônio, porém o único desinfetante em uso geral nos suprimentos públicos de água é o cloro. Não se dispondo de dados sobre a demanda de cloro da água a ser desinfetada, recomenda-se iniciar a aplicação com a dosagem de 1 mg/L de cloro. Iniciada a desinfecção, deverão ser coletadas amostras de água nos extremos da rede de distribuição, a fim de conhecer o pH da água. De posse deste parâmetro e utilizando-se a Tabela, a seguir determina-se qual a concentração recomendada de cloro residual livre ou combinado a ser obtido na água após o tempo de contato indicado. pH 6a7 7a8 8a9 9 a 10

Cloro livre em mg/L após 10 minutos 0,2 0,2 0,4 0,8

Cloro combinado em mg/L Após 60 minutos 1,0 1,5 1,8 1,8 a 2,0

Caso a residual obtido seja diferente, deverá ser aumentada ou diminuída a dosagem aplicada. Os exames bacteriológicos subseqüentes indicarão os efeitos da desinfecção processada. O residual máximo permitido por lei está limitado na consideração sobre o odor “levemente perceptível” de cloro.

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5.6. Fluoretação A fluoretação é realizada para introduzir na água o flúor que age como agente de combate à cárie. A adição é feita através de sais de flúor na forma sólida ou em solução. Os compostos mais utilizados são: fluorsilicato de sódio, fluoreto de sódio, fluorita e o ácido fluorsilícico. LIMITES RECOMENDADOS PARA A CONCENTRAÇÃO DE ION FLUORETO SEGUNDO AS NORMAS DE ÁGUA POTÁVEL DO SERIÇO DE SAÚDE PÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS Média anual das temperaturas máximas diárias do ar (oC)

Limites recomendados para a concentração do íon fluoreto (mg/l) Inferior

Ótimo

Superior

10,0 a 12,1

0,9

1,2

1,7

12,2 a 14,6

0,8

1,1

1,5

14,7 a 17,7

0,8

1,0

1,3

17,8 a 21,4

0,7

0,9

1,2

21,5 a 26,3

0,7

0,8

1,0

26,4 a 32,5

0,6

0,7

0,8

5.7. Ajuste final Após a água ter sido tratada até os níveis desejados de depuração, deve-se fazer uma correção do pH, caso este se encontre fora dos níveis permitidos, a fim de não provocar danos ás tubulações e equipamentos. Esta necessidade irá depender de quais foram os processos e condições utilizadas anteriormente.

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5.8. Outros Processos Físico-Químicos 5.8.1. Adsorção A adsorção aplica-se à transferência física de um soluto, num gás ou num líquido, para uma superfície sólida, onde ele fica retido em conseqüência de interações microscópicas com as partículas constitutivas do sólido. O soluto não se dissolve no sólido, mas permanece na superfície do sólido ou nos poros do sólido. O processo de adsorção é muitas vezes reversível, de modo que a modificação da pressão, ou de temperatura pode provocar a fácil remoção do soluto adsorvido no sólido. No equilíbrio, o soluto adsorvido tem uma pressão parcial igual à existente na fase fluida em contato, e pela simples modificação da temperatura, ou da pressão de operação, o soluto pode ser removido do sólido. A adsorsão é um fenômeno físico que depende, em boa medida, da área superficial e do volume dos poros. A estrutura dos poros limita as dimensões das moléculas que podem ser adsorvidas, e a área superficial limita a quantidade de material que pode ser adsorvido. É importante a escolha dos adsorventes. Os sólidos devem ter características de pequena queda de pressão e boa resistência mecânica para suportar o manuseio. Além disso os adsorventes são seletivos quanto à capacidade de adsoverem solutos específicos. Por isso, a natureza do sólido deve ser cuidadosamente ponderada para que se tenha a segurança de um desempenho satisfatório. Os adsorventes comerciais incluem a bentonita, a bauxita, a alumina, o carvão de ossos, a terra fuller, o carvão ativo e a sílica gel. Os principais equipamentos utilizados na adsorção são colunas empacotadas, onde percola-se o efluente a ser tratado. Assim que as características do efluente atingirem uma concentração final superior à aquela estipulada, para-se o processo para proceder-se a regeneração da mesma. A Figura abaixo apresenta um esquema da operação destas colunas.

Os dados de equilíbrio são usualmente apresentados na forma de isotermas de adsorção. Estes dados são necessários antes de se poder aplicar a equação de projeto. Além disso, o conhecimento dos coeficientes de transferência de adsorção é uma condição necessária. O fenômeno da adsorção ocorre porque na direção normal à superfície, o campo dos elementos da rede não está balanceado, assim as moléculas adsorvidas sobre uma superfície são mantidas por forças que provém desta superfície (ex. Forças de van der Waals). Os principais fatores que influenciam a adsorção são: área superficial; natureza do adsorbato; pH; temperatura; natureza do adsorvente; presença de outros componentes. 49 Prof. Hugo Moreira Soares Universidade Federal de Santa Catarina – Departamento de Eng. Química e Eng. de Alimentos

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5.8.2. Troca Iônica A troca iônica é um processo no qual íons ligados por forças eletrostáticas para carregar grupos funcionais na superfície de um suporte sólido são trocados por íons de carga similar em uma solução onde estes sólidos estão imersos.

Geralmente estes materiais utilizados para este processo são resinas sintéticas, porém, é de conhecimento que muitos materiais naturais promovem um efeito de troca iônica, tais como o solo, celulose, algodão, carvão ativo, etc. As resinas são um emaranhado de radicais de hidrocarbonetos nos quais estão ligados os grupos funcionais iônicos solúveis. Estes emaranhados formam os poros deste material. A natureza destes grupos funcionais irá determinar a capacidade de remoção de determinados íons, podendo estes serem catiônicos ou aniônicos. A Figura abaixo apresenta um desenho esquemático destas resinas. Uma vez trocado os íons, as resinas podem ser regeneradas utilizando soluções iônicas fortes (que tem maior afinidade pelos grupos funcionais do que os íons trocados). As principais reações de troca estão representadas abaixo: 1. Trocadores de cátions fortemente acídicos: Forma com hidrogênio Forma com sódio (regenera com HCl ou H2SO4) (regenera com NaCl) 2+ + 2R-SO3H + Ca ↔ (R-SO3)2Ca + 2H 22R-SO3Na + Ca2+ ↔ 2Na+

(R-SO3)2Ca +

2. Trocadores de cátions fracamente acídicos: Forma com hidrogênio Forma com sódio (regenera com HCl ou H2SO4) (regenera com NaCl) 2R-COOH + Ca2+ ↔ (R-COO)2Ca + 2H+ 2R-COONa + Ca2+ ↔ (R-COO)2Ca + 2Na+ 50 Prof. Hugo Moreira Soares Universidade Federal de Santa Catarina – Departamento de Eng. Química e Eng. de Alimentos

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3. Trocadores de anions fortemente básicos: Forma com hidróxido Forma com colrêto (regenera com NaOH) (regenera com NaCl) 2R-R’3NOH + SO42- ↔ (R-R’3N)2SO4 + 2R-R’3NCl + SO42- ↔ (R-R’3N)2SO4 + 2OH2Cl4. Trocadores de anions fracamente básicos: Forma com hidróxido Forma com clorêto (regenera com NaOH) (regenera com NaCl) 22R-NH3OH + SO4 ↔ (R-NH3)2SO4 + 2R-NH3Cl + SO42- ↔ (R-NH3)2SO4 + 2OH2ClOs tipos de equipamentos e a forma de operação são muito similares às aquelas das colunas de adsorção apresentadas anteriormente. Neste caso, opera-se uma coluna de troca catiônica seguida de uma coluna de troca aniônica em série.

Mediante o uso de trocadores iônicos convenientes, isoladamente ou em seqüência, é possível fazer o tratamento da água de forma a torná-la apropriada a qualquer aplicação, desde simples operações de lavagem, que requerem apenas a água livre de dureza, até utilizações químicas e eletrônicas críticas, que exigem água com uma resistividde maior que 10 megahoms por centímetro. Quando a água inicial é turva, ou contém cloro livre ou matéria orgânica, é necessário um pré-tratamento por outros métodos. 51 Prof. Hugo Moreira Soares Universidade Federal de Santa Catarina – Departamento de Eng. Química e Eng. de Alimentos

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5.8.3. Separação por membranas (osmose reversa, ultrafiltração e nanofiltração). Os processos de separação com membranas, como o próprio nome sugere, são processos onde uma corrente de fluido passa através de uma membrana que, dependendo do diâmetro e das características do material da mesma, irá separar os componentes indesejáveis. As diferenças dos vários processos são basicamente o tamanho de poro destas membranas e a força motriz empregada. A Tabela abaixo mostra a aplicabilidade dos vários processos de separação em função do diâmetro das partículas.

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No caso da osmose inversa, aplica-se uma força superior à pressão osmótica da solução, em sentido reverso. A Figura abaixo apresenta um esquema da osmose direta e a reversa.

Já os processos de ultrafiltração e nanofiltração, são aqueles onde as pressões osmóticas são negligíveis devido ao tamanho dos poros envolvidos nas membranas, ocorrendo apenas um processo de retenção das partículas por tamanho de poro. Existem vários tipos de equipamentos utilizados, porém aqueles que são mais comuns são do tipo cartucho, conforme a Figura abaixo.

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5.8.4. Eletrodiálise A eletrodiálise também é um processo de separação com membranas em que a solução é submetida a um potencial elétrico por dois eletrodos, ocasionando uma corrente elétrica de cátions para o eletrodo negativo e de ânions para o eletrodo positivo. No interior da célula de eletrodiálise, há membranas seletivas de um só tipo de íons , existindo membranas permeáveis a somente cátions, e permeáveis a ânios somente. A eficiência de remoção dos sais dissolvidos aumenta com o número de membranas instaladas e células em série. A Figura abaixo apresenta um desenho esquemático do processo de eletrodiálise.

Para evitar problemas de obstrução das membranas, é necessário pré-tratamento, devendo ser removidos sólidos em suspensão. A obstrução acarreta também redução da corrente elétrica, aumentando a resistência e consequentemente menor eficiência do equipamento. Os eletrodialisadores, com resinas trocadoras catiônicas e aniônicas em forma granulada, mostram-se úteis na descontaminação das águas de rejeito de resíduos radioativos diluídos; as resinas removem os últimos traços dos íons radioativos.

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6- TRATAMENTO BIOLÓGICO DE RESÍDUOS A utilização de microrganismos nos processos de tratamento de águas residuária é realizada há mais de um século. Esta área vem se desenvolvendo de forma exponencial à medida que a microbiologia vem desvendando os mistérios do comportamento dos microrganismos na natureza. A biotecnologia aplicada ao tratamento de efluentes vem sendo utilizada principalmente para remoção da matéria orgânica, no entanto, outros poluentes também podem ser removidos pela ação direta ou indireta dos microrganismos. Incluem-se entre os processos mais conhecidos a remoção de nitrogênio, fósforo, sulfato, além da remoção de metais pesados pelos processos de biolixiviação e biosorção. Contaminantes orgânicos tóxicos, antes considerados recalcitrantes ou até mesmo não biodegradáveis, vem mostrando-se passíveis de serem transformados biologicamente, principalmente devido à evolução e otimização dos processos de tratamento. Esta capacidade dos microrganismos em metabolizar diferentes compostos vem no sentido de extrair dos mesmos fontes nutricionais e energéticas necessárias para o crescimento e funções metabólicas dos mesmos. O tratamento biológico de resíduos emprega a ação conjunta de espécies diferentes de microrganismos, em biorreatores, que operados sob determinadas condições resulta na estabilização dos mesmos. Em geral, os diferentes tipos microbianos nos processos biológicos de tratamento atuam conjuntamente, formando uma verdadeira cadeia alimentar com interações nutricionais facultativas e obrigatórias. 6.1- Microbiologia e Bioquímica A grande maioria dos processos biológicos de tratamento estão associados ao crescimento dos microrganismos envolvidos. Ou seja, a medida que o substrato (matéria orgânica e nutrientes) vai sendo consumido (degradado), os microrganismos crescem proporcionalmente em massa. degradação do substrato = crescimento microbiano proporcional No entanto, a biotransformação de alguns compostos não tem sido associada a nenhum benefício para a célula, seja nutricional ou energético. Estas transformações ao acaso vem sendo chamadas de “fortuitas”. Estes são casos muito particulares, os quais não serão objeto deste curso. NUTRIÇÃO E NUTRIENTES A composição química do meio é de importância fundamental nestes processos biológicos, sendo um fator determinante da predominância das populações de microrganismos que irão participar do mesmo. •

Compostos doadores de elétrons (ou de hidrogênio): são compostos passíveis de oxidação, perdendo elétrons em reações REDOX. Ex. matéria orgânica.



Compostos receptores de elétrons (ou de hidrogênio): são compostos passíveis de redução, recebendo os elétrons dos doadores, em reações REDOX. Ex. matéria orgânica, O2, CO2, SO42- e NO3-.



Fontes de energia: compostos que ao serem metabolizados geram energia. Ex. compostos orgânicos, compostos inorgânicos e luz.



Fontes de carbono: compostos que ao serem metabolizados são transformados em material celular. Ex. compostos orgânicos e CO2. 55

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Fontes de nitrogênio: NH3, NO3 e NO2



Nutrientes minerais: compostos essenciais para o crescimento. Macronutrientes (P, S, Na, K, Fe, Mg e Ca) e micronutrientes (Ni, Co, Zn, Bo, Mo, Se, etc).



Fatores de crescimento: compostos essenciais para o crescimento que alguns microrganismos não sintetizam. Ex. vitaminas, aminoácidos, etc.

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A grande maioria das águas residuárias possui, além do seu conteúdo orgânico, uma composição bastante diversificada, contendo a maioria dos compostos necessários para o crescimento dos microrganismos em geral. No entanto, aqueles nutrientes que são necessários em maiores quantidades deve-se estar atento para verificar se os mesmos estão em quantidades suficientes. O nitrogênio e o fósforo são os de maior interesse. Portanto, é necessário que se verifique as concentrações proporcionais destes nutrientes em função da quantidade de matéria orgânica que deseja-se degradar. Considerando que as moléculas de carbono devem combinar-se com as de nutrientes para gerar as moléculas da composição celular, um bom ponto de partida para avaliar as necessidades nutricionais é a análise elementar da composição celular. •

Fórmula química média de microrganismos Bactéria

aeróbia:

C5H7O2N

Anaeróbia:

C5H9O3N

Leveduras:

C7H12O3N

Por tanto, é de se imaginar que uma relação C:N de 5:1, no caso de bactérias seria o ideal para atender estas necessidades. No entanto, deve-se considerar alguns fatos nesta análise: nem todo o carbono será utilizado para a composição celular, ficando uma parte do mesmo sob a forma de subprodutos; nem todo o nitrogênio está sob a forma disponível para os microrganismos; nem toda a matéria orgânica é biodegradável. Por isso, uma série de relações C:N podem ser encontradas na literatura, indicando como sendo a ideal para sustentar o crescimento dos microrganismos sem limitações nutricionais. Na realidade, estas relações são obtidas na prática, referindo-se para aqueles casos em particular. Deve-se ter cuidado na extrapolação destas quando estuda-se um caso específico. • Relação carbono:nitrogênio (C:N) – 2:1 – 30:1 •

Relação DQO:N:P:S – 500:7:1:1 - 1200:7:1:1

Outra questão muito importante é com relação do que venha a ser considerado uma substância tóxica. Na realidade, qualquer substância pode ser tóxica ou nutritiva para um microrganismo, dependendo da sua concentração no meio. Normalmente, considera-se tóxica aquela substância que em baixas concentrações provoca um efeito inibitório ao microrganismos, e contrariamente, uma substância nutritiva aquela que é necessária em altas concentrações para promover um franco desenvolvimento do mesmo. Além disso, quando duas ou mais substâncias estão em solução, elas podem ter um efeito sinérgico ou antagônico com relação à toxicidade. As Figuras abaixo demonstram estes efeitos.

CINÉTICA DO CRESCIMENTO CELULAR Quando na presença de um substrato o microrganismo apresenta um crescimento populacional que pode ser dividido em 6 fases distintas, em função da disponibilidade do mesmo. A Figura abaixo apresenta as curvas características do cultivo de células em batelada. 56 Prof. Hugo Moreira Soares Universidade Federal de Santa Catarina – Departamento de Eng. Química e Eng. de Alimentos

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P P: produto X: células S: substrato

Conc.

X

S

Tempo Log Conc. X

I

II

III

IV

V

Tempo

VI

Fase lag: ajuste dos microrganismos ao meio (sistema enzimático); I. Fase de aceleração: início da multiplicação e do aumento de células; II. Fase exponencial (ou log): todas as células se dividem; III. Fase de retardo: substrato começa a ficar escasso e nem todas as células se dividem; IV. Fase estacionária: algumas células começam a morrer. A taxa de morte e crescimento se igualam; V. Fase de declínio: substrato está praticamente ausente. A taxa de morte se torna muito superior à de crescimento; Curvas características do crescimento de um microrganismos em processo de batelada Traçando-se as tangentes aos pontos destas curvas obtemos:

dX dt

• Velocidade de produção de células:

VX =

• Velocidade de consumo de substrtato:

VS = −

• Velocidade de formação de produtos:

VP =

dS dt

dP dt

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Dividindo-se pelo número de células e medindo-se esta velocidade no ponto de inflexão da curva, teremos:

µ=

• Velocidade específica máxima de produção de células:

1 dX * X dt

• Velocidade específica máxima de consumo de substrtato:

µS =

1  dS  * −  X  dt 

• Velocidade específica máxima de formação de produtos:

µP =

1 dP * X dt

Sendo as curvas de consumo de substrato e de formação de células, bem como a de formação de produtos, proporcionais, é conveniente definir este coeficiente de proporcionalidade como: Fator de conversão de substrato em células

YX = S

∆X (− ∆S )

Pode-se também definir a grandeza YP/S=∆P/∆S, como sendo o fator de conversão de substrato para produto. Portanto, ∆X = - YX/S* ∆S Para avaliar o comportamento cinético característico para cada microrganismo, MONOD desenvolveu o seguinte modelo: 0,6

Equação de Monod µ=µmax *S/(Ks+S) -1

com µmax =0,5 h

0,5

-1

(h )

0,4

0,3

Ks=0,1g/L

0,2

Ks=0,3g/L Ks=1,0g/L 0,1

Ks=2,0g/L

0 0

1

2

3

4

5

6

S (g/L)

Com isto ele pode escrever

µ = µ max *

Onde: µmax= valor máximo de µ

S Ks + S

Ks=cte. de saturação= valor de S para µ=µmax/2

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ASPECTOS BIOQUÍMICOS DO METABOLISMO Metabolismo são reações químicas que ocorrem na célula para produzir energia e para síntese de compostos necessários à vida e ao crescimento. Estas reações são de oxi-redução produtoras e consumidoras de energia, onde as substâncias doadoras de elétrons vão sendo oxidadas e as receptoras reduzidas. A energia liberada em uma determinada reação é armazenada na forma de ligações químicas, onde as mais importantes são as ligações fosfato com a adenosina AMP + P + energia ↔ ADP ADP + P + energia ↔ ATP Quando necessário, o microrganismos utiliza a energia armazenada na forma de ATP para realizar reações que necessitam de energia, como as reações de síntese celular e para outras funções primárias da célula, como transporte de íons para dentro e fora da célula e mobilidade. O metabolismo pode ser dividido basicamente em catabolismo e anabolismo: Catabolismo são as reações metabólicas que ao final de uma seqüência irão gerar energia para as várias funções dos microrganismos. Geralmente estas reações estão associadas à degradação dos compostos orgânicos. Anabolismo são as reações metabólicas que ao final de uma seqüência irão gerar um produto para as várias funções dos microrganismos. Geralmente estas reações estão associadas à síntese dos compostos orgânicos necessários ao crescimento. Nas reações de síntese energia é requerida. As reações anabólicas só poderão ocorrer se energia suficiente foi gerada nas reações catabólicas. A Figura abaixo apresenta um fluxograma esquemático da energia gerada e utilizada pelos microrganismos.

Esquematização da troca de energia entre reações catabólicas e anabólicas

Como exemplo re reações catabólicas apresenta-se na figura abaixo a seqüência de reações realizadas no processo de transformação da glicose em um intermediário muito importante para reações anabólicas posteriores. A este processo específico dá-se o nome de glicólise. 59 Prof. Hugo Moreira Soares Universidade Federal de Santa Catarina – Departamento de Eng. Química e Eng. de Alimentos

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Glicólise

Observa-se que nesta transformação, 1 mol de glicose gera 2 moles de piruvato, com a produção de moles de ATP e mais 2 moles de NADH2. As moléculas de NADH2 não provê energia química diretamente para o anabolismo. Apenas o ATP pode fazê-lo. Portanto, há uma transformação da energia contida no NADH2 para o ADP, transformando-os em ATP, que é denominada de cadeia transportadora de elétrons, conforme a esquematização apresentada abaixo.

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Observa-se que cada mol de NADH2 produz 3 moles de ATP. Portanto, a glicólise produz uma energia total equivalente a 8 ATPs. Conforme mencionado anteriormente, a composição química do meio é um fator determinante na seleção da predominância das populações envolvidas nos processos de tratamento dos resíduos. Também visto anteriormente, os microrganismos são classificados segundo as formas de obtenção de matéria (carbono) e de energia. Devido ao grande número de compostos passíveis de serem metabolizado pelos microrganismos e devido às suas especificidades, normalmente, classifica-se os microrganismos em função do composto que é capaz de metabolizar ou dos produtos metabólicos gerados. Uma das grandes divisões de classes de microrganismos dá-se em função do tipo de aceptor final de elétrons utilizado pelo mesmo nas reações de obtenção de energia, que por sua vez, denomina os processos de tratamento. • •

Processos aeróbios (respiração aeróbia): são aqueles que utilizam o oxigênio como aceptor final de eletrons; Processos anaeróbios: - Porcessos fermentativos: são aqueles que utilizam compostos orgânicos que participam do processo, como aceptores finais de elétrons (aceptores internos). - Processos anóxicos (respiração anaeróbia): são aqueles que utilizam outros compostos, orgânicos ou inorgânicos, como aceptores finais de elétrons, que não o oxigênio ou nenhum composto orgânico que participam do processo (aceptores externos: CO32-, NO3-, Fe3+, SO42-).

PROCESSOS ANAERÓBIOS FERMENTAÇÃO

Hidrólise

Aceptores finais internos de elétrons

Glicose

Produtos de fermentação

Piruvato

(lactato, álcoois, ácidos, etc.) 8 ATPs

6 ATPs

PROCESSOS AERÓBIOS

RESPIRAÇÃO ANAERÓBIA 30 ATPs

CO32-, NO3-

Ciclo de Crebes

Fe3+, SO42CO2

O2

CH4 N2 Fe2+ S2-

Aceptores finais externos de elétrons

RESPIRAÇÃO AERÓBIA

Como pode ser observado, nos processos aeróbios são gerados 38 ATPs por cada mol de glicose degradado, enquanto que no anaeróbios esta geração de energia é muito inferior, 61 Prof. Hugo Moreira Soares Universidade Federal de Santa Catarina – Departamento de Eng. Química e Eng. de Alimentos

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podendo gerar até mesmo menos de 1 ATP por mol de glicose. Além disso, nem toda a energia contida em 1 mol de glicose é armazenada na forma de ATP, ficando grande parte da mesma dissipada no ambiente. Respiração aeróbia: 38 ATPs/mol x 7 kcal/mol ATP = 266 kcal (∆H = 688 kcal/mol) ⇒ 266/688 = 39 %

6 CO2 + 6 H2O

Glicose

Fermentação: 2 ATPs/mol x 7 kcal/mol ATP = 14 kcal Glicose

(∆H = 57 kcal/mol) ⇒ 14/57 = 25 %

Etanol

Este fato demonstra a capacidade de microrganismos aeróbios de extrair uma maior quantidade de energia de um substrato comparativamente com os anaeróbios. Este fato tem uma implicação direta na partição da quantidade de substrato que vai para geração de energia e a que vai para a síntese de novas células. Processos aeróbios geram de 5 a 20 vezes mais material celular a partir de uma quantidade determinada de substrato do que os processos anaeróbios. Esta diferença em termos energéticos está relacionada à termodinâmica das reações envolvidas. A Figura abaixo apresenta um gráfico das relações entre doadores de elétrons (substratos) e de aceptores de elétrons com a energia gerada pelas reações metabólicas. Doadores de elétrons Formiato

Aceptores de elétrons SO42-

CO2

NO3-

O2

NO2-

Glicose Glicerol Metanol Piruvato Glicina Lactato Etanol Succinato Benzoato Acetato

0 30

-5 35

-10

-15

-20

-25

-

Esta maior capacidade de extração de energia do substrato dos processos aeróbios implica em um desenvolvimento mais acelerado de uma população de microrganismos, porém, não implica em que sejam maiores a velocidade específica de conversão de substrato em produto. Na realidade, em geral, os microrganismos anaeróbios degradam um substrato 2 vezes mais rápido do que os aeróbios. É importante lembrar que os argumentos termodinâmicos não podem ser usados em todos os casos para prever ou explicar determinadas ocorrências nestes sistemas. Os fatores ambientais são de fundamental importância. Nas Tabelas a seguir estão apresentados alguns parâmetros cinéticos típicos dos processos anaeróbio e aeróbio, onde podemos observar numericamente os comentários feitos acima. 62 Prof. Hugo Moreira Soares Universidade Federal de Santa Catarina – Departamento de Eng. Química e Eng. de Alimentos

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Sumário de valores de constantes cinéticas para vários substratos utilizados em processos anaeróbios mesofílicos Substrato

Processo

Carbohidratos

Acidogênese

Ácidos de cadeia longa Ácidos de cadeia curta Acetato

Oxidação anaeróbia Oxidação anaeróbia Metanogênese acetoclástica

H2 e CO2

Metanogênese

k

KS

µmax

YX/S

b

(gDQO/gSSVd)

(mgDQO/L)

(d-1)

(gSSV/gDQO)

(d-1)

1,33 – 70,6

22,5 – 630

7,2 – 30

0,14 – 0,17

6,1

0,77 – 6,67

105 – 3180

0,085 – 0,55

0,04 -0,11

0,01 – 0,015

6,2 – 17,1

12 – 500

0,13 – 1,20

0,025 – 0,047

0,01 – 0,027

2,6 – 11,6

11 – 421

0,08 – 0,7

0,01 – 0,054

0,004 – 0,037

1,92 - 90

4,8x10-5 – 0,6

0,05 – 4,07

0,017 – 0,045

0,088

Sumário de valores de constantes cinéticas para vários substratos utilizados em processos aeróbios mesofílicos Valores coeficiente

unidade

faixa

típico

k

d-1

2 - 10

5

KS

mgDBO/L

25 - 100

60

mgDQO/L

15 - 70

40

YX/S

gSSV/gDQO

0,4 – 0,8

0,6

b

d-1

0,025 – 0,075

0,06

Nestas Tabelas é importante verificar as diferenças entre os fatores de conversão de substrato em células (Y), que mesmo não sendo nas mesmas unidades podem dar uma idéia da ordem de grandeza. Os microrganismos aeróbios aproveitam em torno de 60 % da matéria orgânica para produzir novas células, enquanto que os anaeróbios acidogênicos aproveitam em média 15 % e os metanogênicos 3 %. No entanto, em termos de velocidade de conversão de substrato em produtos os microrganismos anaeróbios acidogênicos são em média 7 vezes mais rápidos do que os aeróbios, e os metanogênicos acetoclásticos, limitantes do processo anaeróbio, tem uma velocidade média ligeiramente superior à dos aeróbios (1,4 vezes). Em termos de velocidade de decaimento (b ou Kd), os metanogênicos acetoclásticos decaem numa velocidade aproximadamente 3 vezes menor. Este fator implica em que um lodo anaeróbio pode ser conservado sem alimentação por períodos mais longos do que os aeróbios. Isto tem importância fundamental na retomada de processos após um período de parada para manutenção, ou em casos de processos sazonais.

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Cinética de consumo de substrato

Growth Velocity (d-1)

5 4 3 2 1 0 0

100

200

300

400

500

Substrate (mg COD/L)

Lodos Ativados

Substrate Removal Velocity (mg COD gSV -1d-1)

Cinética de crescimento

64

10 8 6 4 2 0 0

100 200

300 400 500

Substrate (mg COD/L)

Metanogênicas Acetoclásticas

INTERAÇÕES MICROBIANAS NOS PROCESSOS DE TRATAMENTO BIOLÓGICO (Texto adaptado de VAZOLLER, 1999) •

Sistemas Aeróbios

O sistema biológico mais comumente utilizado como exemplo dos processos aeróbios é o conhecido por Lodos Ativados. No entanto, sua descrição microbiana é bastante semelhante para outros sistemas, como Filtro Biológico, Lagoas Aeradas, Valos de Oxidação e Biodiscos. Por serem sistemas microbianos semelhantes, estes serão abordados em conjunto. ¾ Lodos ativados

No processo de Lodos Ativados participam uma série de microrganismos. Dentre os principais tipos encontram-se: bactérias heterótrofas e quimioautrótofas (destacando-se as filamentosas), protozoários e micrometazoários. Nestes sistemas as bactérias são os consumidores primários, ou seja, são responsáveis pela degradação da matéria orgânica. Os protozoários utilizam as bactérias como base nutricional, que por sua vez irão constituir a base nutricional dos micrometazoários. A principal característica deste processo e a formação de aglomerados de microrganismos (flocos) que é importante para separação do lodo formado. A quantidade de bactéria filamentosas tem um papel fundamental na floculação do lodo. A floculação bacteriana é conseqüência direta da operação do bioreator, que promove condições de estresse nutricional, conduzindo a menor atividade de parte das células no sistema, ou induzindo o metabolismo endógeno celular. A baixa atividade das bactérias favorece a floculação no bioreator, bem como a auto-oxidação das células, o que em certo grau auxilia na diminuição da massa celular.

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As bactérias responsáveis pelo processo biológico e presentes no floco pertencem a diferente gêneros, e em sua grande maioria são heterótrofas. O quadro abaixo apresenta alguns exemplos de gêneros microbianos presentes em Lodos Ativados. Tipos de microrganismos encontrados no processo de lodos ativados Tipo de microrganismo

Exemplos

Bactérias

Heterótrofas

Pseudomonas sp, Zooglea ramigera, Achromobacter sp, Flavobacterium sp, Bdellovíbrio sp, Mycobacterium, Alcaligenes sp e Citromonas sp.

Filamentosas

Sphaerotillus natans, Beggiatoa sp, Thiothrix, Leucothrix sp, Microthrix parvicella, Nocardia sp, Nostocoida limicola, Haliscomenobacter hydrosis, Flexibacter sp.

Nitrificantes

Nitrosomonas sp E Nitrobacter sp.

Protozoa

Classe Sarcodina

Amebas – Arcella discoides e Amoeba sp.

Classe Ciliata

Ciliados livres-nadantes e sésseis – Aspidisca costata, Trachelophyllum sp, Paramecium sp, Didinium sp e Chilodenella sp.

Classe Mastigophora

Flagelados – Spiromonas sp, Bodo sp, Euglena sp, Monas sp e Cercobodo sp.

Algumas espécies de bactérias filamentosas são também heterótrofas, removendo a matéria orgânica do meio, e outras são capazes de oxidar compostos reduzidos de enxofre, com formação intracelular de grânulos de enxofre elementar, como é o caso dos gêneros Thiothrix e Beggiatoa sp. Estas bactéria podem ser encontradas na estrutura dos flocos ou livres, e são em geral os microrganismos responsáveis pela ocorrência de um dos graves problemas no tanque de aeração, o intumecimento do lodo. O crescimento em abundância de filamentosas, como efeito de algum desequilíbrio operacional do sistema, forma uma macroestrutura semelhante a uma rede, que interfere na sedimentação e compactação do floco bacteriano, além da competição com as demais espécies bacterianas pelo substrato orgânico. A existência de outros metabolismos também pode ser exemplificada pelas espécies quimioautótrofas Nitrosomonas sp e Nitrobacter sp, responsáveis pela nitrificação da amônia.

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A microfauna existente é um bom indicador do estágio de depuração do processo, uma vez que sua natureza varia com a concentração de matéria orgânica, com a concentração de O2 e com a concentração das várias espécies de microrganismoa presentes no sistema. A Figura abaixo apresenta um gráfico representativo das variações de predominancia dos vários microrganismoas presentes em um processo de Lodos Ativados, em função do grau de depuração do efluente.

No início do processo pode-se observar a presença de amebas e flagelados, posteriormente substituídos por protozoários holozóicos, como por exemplo os ciliados livrenadantes. O climax do sistema atinge quando se observa a presença de siliados sésseis e micrometazoários, como os rotíferos e nematóides. Pode-se controlar qualitativamente o processo de lodos ativados em função da predominância das populações de microrganismos existentes. Algumas características do processo relacionadas com a predominância das populações está apresentada na Tabela abaixo: Outro parâmetro de controle realizado com a análise microscópica é com relação às características de sedimentabilidade do lodo em função do número de filamentos existentes e do diâmetro do floco.

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Sistemas Anaeróbios

Nos processos anaeróbios ou, nos sistemas de biodigestão anaeróbia, a degradação da matéria orgânica envolve a atuação de microrganismos procarióticos anaeróbios facultativos e obrigatórios, cujas espécies pertencem ao grupo de bactérias hidrolíticas-fermentativas, acetogênicas produtoras de hidrogênio e metanogênicas. A bioconversão da matéria orgânica poluente com produção de metano requer a cooperação entre culturas bacterianas como ilustrado no esquema da Figura abaixo. Na atividade microbiana anaeróbia em biodigestores, como também em habitat naturais com formação de metano (sedimentos aquáticos, sistema gastrintestinal de animais superiores, pântanos, etc.), o que se observa é a ocorrência da oxidação de compostos complexos, resultando nos precursores do metano, acetato e hidrogênio.

Microbiologia e Bioquímica da Digestão Anaeróbia POLÍMEROS (proteinas, lipídos, polisacarídeos) 1

I - Hidrólise e fermentação

MONOMEROS Y OLIGOMEROS 1 1

1 4

CO HH22++CO 2 2 Formiato, FORMIATOetc.

ÁC. GRAXOS ALCOOiS LACTATO, etc.

5

4

II – Acetogênese y desidrogenacão ACETATO

III – Metanogênese

6 2

3

CH4 + CO2

A natureza da gênese do metano em etapas, a partir de compostos orgânicos complexos, mostra a importância das interações microbianas que buscam evitar o acúmulo de ácidos orgânicos e álcoois no meio em fermentação. São vários os tipos de bactérias que participam no processo, e alguns exemplos são mostrados no Quadro seguinte.

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Etapas da biodigestão anaeróbia

Hidrólise e acidogênese

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Espécies bacterianas

Clostrídios, Acetivibrio cellulolyticus, Bacteroides succinogenes, Butyrivibrio fibrisolvens, Eubacterium cellulosolvens, Bacillus sp, Selenomonas sp, Megasphaera sp, Lachnospira multiparus, Peptococcus anaerobicus, Bifidobacterium sp, Staphylococcus sp

Acetogênese

Syntrophomonas wolinii, S. wolfei, Syntrophus buswellii, Clostridium bryantii, Acetobacterium woddii, Desulfovibrio sp, Desulfotomaculum sp (bactérias redutoras do íon sulfato)

Metanogênese acetoclástica

Methanosarcina sp e Methanothrix sp

Metanogênese hidrogenotrófica

Methanobacterium sp, Methanobrevibacter sp, Methanospirillum sp

Os organismos da biodigestão anaeróbia apresentam um elevado grau de especialização metabólica. A eficiência do processo anaeróbio depende, portanto, das interações positivas entre as diversas espécies bacterianas, com diferentes capacidades degradativas. Os intermediários metabólicos de um grupo de bactérias podem servir como nutrientes ao crescimento de outras espécies. Assim, observa-se a ocorrência de várias reações de degradação dos compostos orgânicos e a dependência das mesmas da presença do hidrogênio formado no sistema. A Tabela a seguir apresenta a estequiometria de algumas reações da biodigestão anaeróbia, e as variações de energia livre destas reações, sob condições padrão de ocorrência e dentro dos biodigestores. Os organismos da biodigestão anaeróbia apresentam um elevado grau de especialização metabólica. A eficiência do processo anaeróbio depende, portanto, das interações positivas entre as diversas espécies bacterianas, com diferentes capacidades degradativas. Os intermediários metabólicos de um grupo de bactérias podem servir como nutrientes ao crescimento de outras espécies. Assim, observa-se a ocorrência de várias reações de degradação dos compostos orgânicos e a dependência das mesmas da presença do hidrogênio formado no sistema. A Tabela 5 apresenta a estequiometria de algumas reações da biodigestão anaeróbia, e as variações de energia livre destas reações, sob condições padrão de ocorrência e dentro dos biodigestores. A remoção do hidrogênio nos sistemas anaeróbios é feita pela ação de bactérias anaeróbias hidrogenotróficas, representadas por espécies de metanobactérias e de redutoras do íon sulfato. A cooperação entre as bactérias produtoras e consumidoras de hidrogênio, sob condições anaeróbias, é denominada "transferência de hidrogênio entre espécies".

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∆G0’

Reações

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∆ G’

(kcal/reação) (kcal/reação)

1. Conversão da glicose em metano e dióxido de carbono -

-96,5

-95,3

-49,3

-76,1

-7,4

-5,9

-32,4

-7,6

-25,0

-1,7

+1,0

-14,2

+11,5

-4,2

+18,2

-1,3

+21,4

-3,8

-39,1

-29,0

+

C6H12O6 + 3H2O → 3CH4 + 3HCO3 + 3H

2. Conversão da glicose em acetato e hidrogênio C6H12O6 + 4 H2O → 2CH3COO- + 2 HCO3- + 4H+ + 4H2 3. Metanogênese do acetato CH3COO- + H2O → CH4 + HCO34. Metanogênese do hidrogênio e dióxido de carbono 4H2+ HCO3- + H+ → CH4 + 3H2O 5. Acetogênese do hidrogênio e dióxido de carbono 4H2 + 2HCO3- + H+ → CH3COO- + 4H2O 6. Oxidação de aminoácido Leucina + 3H2O → isovalerato + HCO3- + NH4+ + 2H2 7. Oxidação do butirato a acetato CH3CH2CH2COO- + 2H2O → 2CH3COO- + H+ + 2H2 8. Oxidação do propionato a acetato CH3 CH2COO- + 3H2O - → CH3COO- + HCO3- + H++ 3H2 9. Oxidação do benzoato a acetato C7 H5 O2- + 7H2O → 3CH3COO- + HCO3- + 3H+ + 3H2 10. Desalogenação redutiva H2 + CH3 Cl → CH4 + H++ Cl-

* Os cálculos de AG' foram realizados sob as condições "típicas" em um biodigestor anaeróbio, 37°C e pH 7,0. A concentração de produtos e reagentes foram as seguintes: 10 (molares para glicose, leucina, benzoato e cloreto de metila; 1 mmol/L para acetato, butirato, propionato e isovalerato; 20 mmoles/L para o íon bicarbonato e íon cloreto; 0,6 atm para o metano;10-4 para o hidrogênio. Os dados das variações de energia livre das reações mostrados nesta Tabela, e associados à oxidação anaeróbia da glicose, ácidos orgânicos, aminoácidos e benzoato pelas bactérias fermentativas e acetogênicas produtoras de hidrogênio, indicam a necessidade de baixas pressões parciais de hidrogênio no sistema. A metanogênese hidrogenotrófica e acetoclástica ocorre sob pressões parciais de hidrogênio da ordem de 10-4 atm. Portanto, este é o teor de hidrogênio que permite a ocorrência da maioria das reações para a metanogênese completa dos resíduos. 69 Prof. Hugo Moreira Soares Universidade Federal de Santa Catarina – Departamento de Eng. Química e Eng. de Alimentos

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O elevado desempenho dos biodigestores anaeróbios modernos, denominados nãoconvencionais, é conseqüência da organização eficiente dos microrganismos anaeróbios e sua retenção no reator. Os microrganismos fisicamente organizados em aglomerados bacterianos, grânulos biológicos, ou em biofilmes, ficam facilmente retidos dentro do sistema. A presença de um material que suporte a adesão dos microrganismos não é obrigatória em alguns reatores, como no caso do lodo granulado dos reatores de fluxo ascendente e manta de lodo INFLUÊNCIA DE MICRORGANISMOS

FATORES

AMBIENTAIS

NA

ATIVIDADE

DOS

Como comentado no primeiro capítulo, a predominância e a atividade dos microrganismos está diretamente relacionada aos fatores ambientais. Certamente, a composição química do meio é de extrema importância nestes processos, merecendo um aprofundamento específico. Porém, esta é uma matéria extensa que traria uma dispersão do enfoque principal. No anexo 3 encontra-se uma apostila sobre a questão do equilíbrio químico voltado ao tratamento biológico de resíduos. Aqui veremos com um pouco mais de detalhes a interferência de alguns fatores como o pH, os nutrientes, a toxicidade de alguns íons e a temperatura. •

pH:

Relative Activity

O pH altera as cargas dos sítios ativos das enzimas modificando suas estruturas e, consequentemente perdendo suas especificidades. Existem microrganismos que possuem uma faixa mais ampla de sobrevivência do que outros. A grande maioria dos microrganismos tem a atividade ótima em valores de pH em torno da neutralidade. Nestes sistemas onde existem uma série de microrganismos atuando na forma de consórcios, deve-se buscar a faixa de pH onde propicia-se o crescimento máximo da maior parte dos microrganismos envolvidos, ou daqueles mais exigentes (faixas mais estreitas), ou mesmo daqueles que crescem numa velocidade menor, para que não haja um desequilíbrio do sistema. Este é o caso típico dos microrganismos metanogênicos na digestão anaeróbia. São a eles que deve-se procurar otimizar o crescimento. A Figura abaixo apresenta um gráfico da atividade de alguns microrganismos metanogênicos em função do pH. A faixa ótima para a metanogênese é entre 6,8 a 7,2.

1,2 1 0,8 0,6 0,4 0,2 0 5 5,5

6 6,5

7 7,5

8 8,5

9

pH 70 Prof. Hugo Moreira Soares Universidade Federal de Santa Catarina – Departamento de Eng. Química e Eng. de Alimentos

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Nutrientes:

A concentração dos nutrientes disponíveis para os microrganismos interfere diretamente nas suas atividades. Segundo a equação de Monod, quando não há limite de substrato os microrganismos são capazes de crescer com a sua velocidade máxima. µ = µmax.

S ks + S

Nos processos de tratamento de efluentes deseja-se minimizar a concentração dos nutrientes (C, N, etc.) a níveis máximos estipulados pela legislação, de tal forma que a situação de limitação de substrato é atingida. Como exemplo, a DBO5 de 60 mg/l é um parâmetro comum a ser alcançado. Vejamos como estarão as atividades dos microrganismos aeróbios e anaeróbios nesta condição: Aeróbios:

µ = µmax.

60 60 + 60

= 0,5 µmax.

Anaeróbios

µ = µmax.

60 600 + 60

= 0,09 µmax.

Estes valores mostram que um processo aeróbio é capaz de atingir um efluente de melhor qualidade muito mais fácilmente do que os processos anaeróbios. Isto pode ser extrapolado para os outros nutrientes envolvidos, como é o caso do nitrogênio amoniacal (fonte de nitrogênio). Em processos anaeróbios há necessidade de manter-se altos teores de nitrogênio para que este não seja limitante. •

Toxicidade:

Uma série de compostos pode causar inibição ao crescimento de microrganismos aeróbios e anaeróbios. Porém, a intensidade da inibição irá depender de uma série de fatores, mas principalmente do tipo de microrganismo e da concentração do composto tóxico. Há uma série de formas que os compostos podem interferir nas funções metabólicas dos microrganismos, envolvendo mecanismos muitas vezes complexos e pouco esclarecidos. Como exemplo, a Figura abaixo apresenta o efeito inibitório de alguns cátions de metais leves e de amônio sobre a velocidade de utilização de acetato em digestão anaeróbia. •

Temperatura:

A temperatura altera as propriedades físicas do meio, interfere na cinética das reações, altera a conformação da estrutura das enzimas e interfere nas funções básicas dos microrganismos (mobilidade, transporte de íons, etc.). Cada microrganismo possui uma faixa ótima de temperatura. A Figura abaixo apresenta a faixa de temperatura para alguns microrganismos anaeróbios.

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Relative Activity

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1,2 1 0,8 0,6 0,4 0,2 0 0

10 20 30 40 50 60 70 80 90

Temperature Os microrganismos anaeróbios são muito mais sensíveis a variações de temperatura do que os aeróbios. Em temperaturas inferiores a 10 oC o processo anaeróbio se torna muito pouco ativo praticamente inviabilizando o mesmo para altas remoções de matéria orgânica. A Figura abaixo apresenta a variação de atividade dos microrganismos aeróbios e anaeróbios em função da temperatura e da concentração de substrato disponível. 6.2- Parâmetros de Controle de Processo (texto adaptado de YRATA, 1999)

Como qualquer processo, os de tratamento biológico de efluentes devem ser monitorados e mantidos sob controle estatístico, de modo a assegurar seu bom desempenho. Várias são as causas de variabilidade que podem ocorrer. Enquanto que nos processos sob controle estatístico (processos estáveis) a variabilidade se deve a causas aleatórias não significativas, a desestabilização se deve a causas especiais como: sobrecarga orgânica ou hidráulica, aparecimento de substâncias tóxicas orgânicas ou inorgânicas na corrente de entrada, mudanças significativas nas condições ambientais como temperatura, pH, e outras, que podem afetar o sistema biológico. A corrente de entrada do sistema deve ser monitorada para que se possa fazer correções quando necessário, de modo a minimizar as probabilidades de desequilíbrio do sistema de tratamento. Algumas características são importantes nas metodologias de acompanhamento e controle: Rapidez: para que um eventual problema seja detectado a tempo de proceder a intervenção no processo antes do estabelecimento de uma condição de falha no sistema. É desejável a aquisição de dados em tempo real, através de um sistema de monitoramento on-line. Significado bioquímico: a medida deve refletir uma conseqüência do metabolismo do sistema biológico. Confiabilidade: a precisão e exatidão das medidas obtidas são características importantes dos métodos usados.

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Outra questão importante é com relação a Amostragem. Quando se trata de um reator homogêneo, as amostras para a avaliação do conteúdo do tanque podem ser retiradas na saída do efluente. Quando se tratar de reatores não homogêneos como o filtro biológico e o UASB, os parâmetros terão valores que variam ao longo da altura, de modo que seria interessante colher amostras ao longo da altura, dependendo dos objetivos do trabalho. PRINCIPAIS PARÂMETROS PARA PROCESSOS ANAERÓBIOS •

pH

O pH tem um significado muito importante no processo anaeróbio. Sua queda revela um acúmulo de intermediários ácidos num nível superior ao tolerado pela capacidade tampão do meio, o que pode ser o resultado de um desequilíbrio entre a produção e o consumo dessas substâncias, decorrente da falta de equilíbrio entre as populações. O valor de pH é medido usando um potenciômetro dotado de eletrodos específicos para pH, que normalmente são compostos por um eletrodo de vidro, específico para H+, acoplado a um de referência (como um de calomelano, de prata/cloreto de prata). Apesar de ser uma medida muito simples quanto à realização, alguns cuidados são importantes. O pH é resultado de várias interações entre as espécies químicas, das quais o CO2 é uma das mais importantes. Como a pressão parcial do CO2 fora do reator é menor do que dentro, assim que a amostra é coletada começa um processo de liberação do gás dissolvido, que é agravado pela agitação. A perda contínua de CO2 dissolvido vai resultar no aumento contínuo do pH. Por essa razão, a medida de pH deve ser feita imediatamente após a coleta de amostra do reator, misturando o conteúdo sem provocar uma agitação excessiva. •

AOV (ácidos orgânicos voláteis)

É um dos parâmetros mais importantes para o acompanhamento e controle da digestão anaeróbia, pois este mede o equilíbrio entre as populações de microrganismos acidogênicos e metanogênicos. O acúmulo dos mesmos indica desequilíbrio do processo e consequentemente a falha. Vários métodos estão disponíveis para sua medida. O melhor de todos é a cromatografia, tanto em fase gasosa como em fase líquida, por fornecer informações mais detalhadas. É importante principalmente em trabalhos de pesquisa. Determinação cromatográfica de AOV Para cromatografia em fase gasosa, deve-se dispor de um detector de ionização de chama e integrador automático para que resultados adequadamente precisos sejam obtidos. Existem várias colunas no mercado capazes de separar eficientemente os AOV de interesse (como por exemplo, o Carbopack B-DA com 4% de Carbowax 20 M) É importante seguir as recomendações do fabricante do equipamento e da coluna quanto aos cuidados com o condicionamento do sistema, regeneração da coluna, preparação da amostra, etc. É também fundamental fazer uma calibração adequada do método usando padrões (externos ou internos).

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Determinação conjunta dos AOV Para uso rotineiro de monitoramento do processo em laboratórios ou em estações de tratamento, pode-se usar métodos mais simples, como o espectrofotométrico segundo Montgomery et al, ou o de titulação segundo Standard Methods. Duas são as desvantagens principais tanto do método colorimétrico como do volumétrico, em relação ao cromatográfico: podem apresentar desvios cuja magnitude depende da composição dos AOV; não fornecem a composição dos AOV. •

Alcalinidade

A medida da alcalinidade mostra o nível da capacidade tampão, sendo por isso importante para a prevenção de quedas de pH. Existem diversas espécies químicas que conferem alcalinidade ao meio: bicarbonato, sais de ácidos voláteis e outros. Uma vez que cada espécie tem o seu pH de neutralização completa, o significado do parâmetro depende do pH final de titulação. A alcalinidade total é determinada por titulação até pH 4,0. •

Relação AOV / alcalinidade

A relação AOV/alcalinidade é um parâmetro mais adequado para o monitoramento do processo, pois permite prever e evitar a queda de pH, que poderia provocar uma falha do sistema, do que simplesmente o AOV e alcalinidade separadamente. Os valores recomendados ficam entre 0,1 e 0,35 em concentrações molares de AOV e alcalinidade, que correspondem a 0,06 e 0,2 quando ambos os parâmetros estão expressos em mg/L. •

Volume de gás total e de metano

A medida do volume de gás produzido e sua composição refletem a condição do processo, ambos indicando o equilíbrio do processo entre as várias populações de microrganismos. Em escala de laboratório, a medida pode ser feita facilmente usando gasômetros de transferência de líquido, quantificando o volume de líquido deslocado em um período de tempo. No caso de se medir o biogás total, em escala de laboratório, pode-se usar uma solução de 200 g de Na2SO4 e 200 mL de H2SO4 concentrado em 800 mL de água. Neste caso é importante determinar a composição do gás, por cromatografia ou por outro método mais simples, pois a concentração de CH4 é importante para avaliar o equilíbrio do processo anaeróbio. No caso de se trabalhar em pequena escala, em pesquisa, pode-se coletar apenas o metano, absorvendo o CO2 em tubo de cal sodada e recolhendo o gás num gasômetro contendo uma solução de NaOH. Neste caso a cal sodada deve ser substituída periodicamente e a solução de soda não deve ter pH inferior a 12.

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Nos gasômetros de deslocamento de líquido, em escala de laboratório, deve-se tomar o cuidado de equilibrar a pressão interna do gasômetro e do reator com a pressão ambiente na ocasião da leitura, para que seja possível a expressão do volume de gás sempre na mesma condição, como por exemplo as CNTP. •

Composição do biogás

É altamente desejável contar com um cromatógrafo simples, dotado só com um detetor de condutividade térmica exclusivamente para analisar gases. De preferência o equipamento deve ser configurado de tal forma que uma única injeção seja suficiente para obter os picos dos principais componentes do biogás (metano, gás carbônico, ar contaminante, hidrogênio). Para uma maior precisão de medida, é importante que o equipamento seja dotado de um amostrador (loop). É fundamental que se tenha pelo menos um biogás padrão certificado para a calibração do sistema a cada ocasião de análise. Na falta de disponibilidade de um cromatógrafo, métodos mais simples podem ser usados para ter uma avaliação da produção de metano. PRINCIPAIS PARÂMETROS PARA PROCESSOS AERÓBIOS •

Sedimentabilidade

A sedimentabilidade do lodo do tanque de aeração é uma característica fundamental para o bom funcionamento do processo, uma vez que o lodo sedimentado no decantador final é retornado ao tanque para assegurar um alto tempo de retenção celular. A sedimentabilidade é determinada em amostras coletadas perto da saída do tanque de aeração. Nas mesmas amostras deve-se determinar o SSV, para poder calcular o índice volumétrico de lodo. Coloca-se a amostra em uma proveta de 1L e acompanha-se a sedimentação fazendo leitura da altura do lodo em tempos de, por exemplo, 5, 10, 15, 20 e 30 minutos. Após a leitura dos 30 minutos, o conteúdo é homogeneizado e daí é feita a determinação de sólidos suspensos totais (SST). Construi-se a curva de sedimentação, plotando o volume de lodo em função do tempo, para comparar as características do lodo ao longo do tempo. •

Índice volumétrico de lodo (IVL)

É o volume ocupado por 1 grama de lodo (em termos de matéria seca), calculado dividindo o volume de lodo obtido no teste de sedimentação (após 30 minutos) pelo teor de SST. volume de lodo (mL/L) IVL = SST (g/L)

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Velocidade específica de consumo de oxigênio

É o consumo de oxigênio realizado por uma unidade de massa de lodo do tanque de aeração por uma unidade de tempo. A medida deve ser efetuada com o sistema nas condições normais de operação, suprimindo-se a oferta de ar só durante a sua realização. Mede-se a queda no teor de oxigênio dissolvido, por meio de um eletrodo específico. A velocidade específica de consumo de oxigênio é calculada dividindo-se a velocidade de queda da concentração de oxigênio pela concentração de SST. Este parâmetro avalia a atividade específica do lodo. •

Idade do lodo

Este parâmetro é uma estimativa do tempo de retenção celular médio. É determinado dividindo a massa de SSV no tanque pela massa de SSV removida do sistema. PARÂMETROS UTILIZADOS PARA O CONTROLE DOS DOIS PROCESSOS •

Quantidade de biomassa

A quantidade de biomassa (X) é um parâmetro importante para verificar, em conjunto com a atividade, a capacidade do sistema em degradar a carga orgânica aplicada ao reator. O método mais utilizado é a concentração de sólidos suspensos voláteis(SSV), conforme descrito anteriormente. •

Vazão volumétrica (Q)

A vazão volumétrica (Q), associada à concentração de matéria orgânica do efluente, é um parâmetro importante para o cálculo da carga aplicada. Ela é o volume de efluente aplicado ao reator por unidade de tempo. A vazão deve ser equalizada para evitar as flutuações de velocidades ascensionais internas no reator. •

Tempo de retenção hidráulico (θh)

O tempo de retenção (ou detenção) hidáulico é o tempo que um elemento de volume leva para percorrer todo o volume do reator (V). θh = V / Q •

Tempo de retenção celular (θc)

O tempo de retenção (ou detenção) celular pode ser definido da mesma forma como o θh, porém o seu entendimento é um pouco mais complexo. O θc é tempo de permanência da massa celular no reator. Para um reator com reciclo de lodo (lodo ativado convencional) o θc tem a seguinte expressão: θc = V X / (Qd Xd + Qe Xe) Quando o reator for de mistura completa sem reciclo o θc será igual ao θh. 76 Prof. Hugo Moreira Soares Universidade Federal de Santa Catarina – Departamento de Eng. Química e Eng. de Alimentos

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Carga orgânica volumétrica (qv)

A carga orgânica volumétrica é a quantidade de substrato alimentado (S0) por unidade de volume de reator, por unidade de tempo (kg DQO/m3 r dia). Este parâmetro mede a capacidade de um reator em tratar um determinado efluente, servindo como parâmetro de projeto e de comparação entre reatores de diferentes concepções. qv = Q S0 / V •

Carga orgânica específica (qe) ou relação F/M

A carga orgânica específica é a quantidade de substrato alimentado (S0) pela quantidade de biomassa presente, por unidade de tempo (kg DQO/kg SSV dia). Este parâmetro é importante para verificar em que condições de alimentação os microrganismos estão expostos (substrato limitante ou excedente). qe = F/M = S0 / θ X = qv / X •

Atividade específica:

A atividade específica mede a relação entre a quantidade de substrato consumido e a quantidade de biomassa, por unidade de tempo (kg DQO/kg SSV dia). A unidade é a mesma da carga orgânica específica, porém mede exatamente a capacidade daquele consórcio de microrganismos em degradar um substrato específico. Este teste pode ser aplicado para várias populações de microrganismos específicos, separadamente ou em conjunto, variando o substrato que é adicionado e as condições ambientais aplicadas ao teste. •

Microscopia

Como já mencionado anteriormente, a microscopia é uma ferramenta muito útil quando deseja-se avaliar as populações que predominam nos sistemas. As técnicas utilizadas são várias, dependendo do objetivo da análise.

MEDIDAS DA EFICIÊNCIA DO PROCESSO DE TRATAMENTO •

Remoção de matéria orgânica

A matéria orgânica pode ser expressa em termos de SV (sólidos voláteis), DQO (demanda química de oxigênio), DBO (demanda bioquímica de oxigênio) ou COT (carbono orgânico total) A matéria orgânica consumida (diferença entre a introduzida e a remanescente) é relacionada à quantidade introduzida no reator, obtendo-se a fração removida. Em geral é expressa em termos de porcentagem. Este parâmetro reflete a eficiência do processo.

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Conversão de matéria orgânica a gás

Embora possa ser expressa em termos de biogás ou de metano, tem maior significado quando expressa em termos de metano. É a relação entre o volume de gás total ou de metano produzido com a quantidade de matéria orgânica adicionada ao reator ou removida pelo processo.

6.3- Sistemas de Tratamento 6.3.1- Sistemas Aeróbios

LODOS ATIVADOS Dentre os processos aeróbios, o processo de lodo ativado (PLA) é um dos mais aplicados e também de maior eficiência. É o mais utilizado em localidades de grande concentração urbana. A primeira unidade, em escala real, para tratamento de esgotos foi instalada em Manchester (UK em 1914). Desde então o processo de lodos ativados ganhou grande difusão e incorporou modificações técnicas, mantendo-se ativo no mercado de processos de tratamento de efluentes. A Figura abaixo mostra um esquema simplificado de tratamento por lodo ativado.

Afluente

Biorreator

Decantador secundário

Efluente final Aeração

Reciclo de lodo

Descarte de lodo

Esquema simplificado de tratamento por lodo ativado. É no seu interior do biorreator (tanque de aeração) que ocorrem as reações que conduzem à metabolização dos compostos bio-tranformáveis. Aqui é essencial que se tenha boa mistura e boa aeração. O efluente tratado, em conjunto com o lodo (biomassa) em suspensão vai para o decantador secundário onde separa adequadamente o lodo, que pode ser recirculado para o tanque de aeração ou ser descartado. Esta recirculação irá dar as características desejáveis ao lodo, uma vez que pode-se controlar o seu tempo de residência. 78 Prof. Hugo Moreira Soares Universidade Federal de Santa Catarina – Departamento de Eng. Química e Eng. de Alimentos

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O funcionamento do processo está condicionado pela capacidade de decantação do lodo. Para esgoto doméstico a literatura, relativamente abundante, permite indicar faixas operacionais do processo, que asseguram boa sedimentabilidade do lodo, viabilizando o processo. Para efluentes industriais, devido à sua especificidade, deve ser realizado um trabalho experimental para assegurar um projeto criterioso de lodos ativados.

VARIANTES DO LODOS ATIVADOS 1. CONVENCIONAL Estes são reatores tipo calha (plug flow), que normalmente são operados em paralelo. A Figura abaixo apresenta um desenho esquemático destes reatores.

Tanques de aeração Afluente

Efluente

Aeração 79 Prof. Hugo Moreira Soares Universidade Federal de Santa Catarina – Departamento de Eng. Química e Eng. de Alimentos

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Dois são os maiores problemas deste tipo de reator: sendo a aeração uniforme ao longo do reator, a concentração de oxigênio varia ao longo do mesmo, prejudicando as características de sedimentabilidade do lodo; outro problema é com relação a não permissividade de absorver cargas de choque orgânico ou de compostos tóxicos. 2. AERAÇÃO DECRESCENTE Para resolver o problema da aeração diferenciada, utiliza-se uma variação na aeração do sistema através do espaçamento dos aeradores.

Tanques de aeração Afluente

Efluente

Aeração

3. AERAÇÃO ESCALONADA Outra forma de contornar o problema da aeração e da sobrecarga, pode-se fazer a alimentação em vários pontos do reator e manter a distribuição uniforme da aeração. Tanques de aeração

Efluente

Afluente

Aeração

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4. AERÓBIO DE CONTATO Observou-se que a matéria orgânica antes de ser metabolizada ela é adsorvida pela matriz do floco microbiano. A velocidade de adsorção é muito superior a da biodegradação. Como a matéria orgânica encontra-se de forma diluída, é interessante remove-la primeiro por adsorção, separar os sólidos e depois degrada-la em um reator de sólidos separadamente. A vantagem deste sistema é a diminuição do tempo de retenção hidráulico total do sistema.

Tanque de adsorção Decantador secundário

Afluente

Efluente final

Reciclo de lodo

Biorreator

Aeração

Descarte de lodo

5. AERAÇÃO PROLONGADA Esse processo de tratamento é também definido como um processo de oxidação total e se constitui num modificação do processo de lodos ativados. A idéia básica do processo de Aeração Prolongada é a de reduzir, o máximo possível, o excesso de lodo ativado produzido. Essa redução da concentração de lodo é conseguida pelo simples aumento do tempo de aeração, ou seja, pelo aumento do tempo de residência no reator. Dessa forma, o excesso de lodo é consumido por respiração endógena. Se operada de forma adequada, a planta de tratamento de despejos por Aeração Prolongada não produz efeitos deletérios ao meio ambiente (odor) podendo, portanto, ser instalada em locais de grande concentração populacional. 6. OXIGÊNIO PURO O oxigênio puro pode ser usado no lugar do ar para obter a vantagem da maior transferência de oxigênio para o meio. Este processo é utilizado quando o efluente é muito concentrado ou a unidade está sobrecarregada. As desvantagens são os custos elevados e a necessidade de um controle efetivo da quantidade de oxigênio podendo promover lodo de má sedimentabilidade. LAGOS AERADAS Lagoas aeradas são bacias de grande volume nas quais, analogamente ao reator de lodo ativado, a aeração do despejo é feita por meio de unidades mecânicas de aeração (aeradores de superfície). 81 Prof. Hugo Moreira Soares Universidade Federal de Santa Catarina – Departamento de Eng. Química e Eng. de Alimentos

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A diferença fundamental entre a lagoa aerada e o reator de lodo ativado reside no fato de que na lagoa aerada não há reciclo do lodo, ou seja, o lodo formado‚ juntamente com o despejo tratado, é lançado diretamente no corpo receptor ou, se necessário, enviado para unidades de tratamento de lodo. Os tempos de retenção são elevados e a carga mássica e volumétrica são menores. A concentração de sólidos na lagoa aerada será função das características do despejo e do tempo de residência. regimes de operação de lagoas aeradas •

regime de mistura completa: Nesse regime, o nível de agitação é tal que todos os sólidos são continuamente mantidos em suspensão e o tempo de residência é da ordem de 3 dias • regime de lagoa facultativa: Nesse regime de operação, o nível de agitação é de cerca de 5 vezes menor que o regime de mistura completa. Esse nível de agitação é insuficiente para manter em suspensão homogênea todos os sólidos presentes de forma que parte desses sólidos se deposita no fundo da lagoa onde, em razão da provável escassez de oxigênio dissolvido, sofrem decomposição anaeróbia. Devido à acumulação, esses sólidos devem ser removidos (freqüência de remoção varia entre 1 e 6 anos). O tempo de residência dessas lagoas é da ordem de 6 dias. A seleção do regime de operação de uma lagoa aerada resulta de uma avaliação dos custos de operação e, principalmente, dos custos da terra (área). É claro que as lagoas facultativas, por demandarem menor potência de aeração, exigem maiores volumes de bacia. LAGOAS DE ESTABILIZAÇÃO A diferença básica entre a lagoa de estabilização e a lagoa aerada é que na primeira, a aeração não é feita por meios mecanicamente induzidos (aeradores de superfície) mas somente por meios naturais (transferência do oxigênio atmosférico para a água e, em maior parte, pela ação fotossintética dos vegetais clorofilados presentes na lagoa). O oxigênio liberado na fotossíntese é utilizado pelos microrganismos aeróbios na degradação da matéria orgânica e, por sua vez, os produtos dessa degradação aeróbia (CO2, NO3-, PO43-) são utilizados pelas algas numa, por assim dizer, perfeita simbiose. Luz Algas CO2 Sais Minerais

O2 Respiração Bacteriana Esgoto

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O tratamento de despejos em lagoas de estabilização será economicamente viável se: 1. grandes áreas de terra forem disponíveis a custos baixos. 2. padrões de lançamento de despejos não muito rígidos.

Se a DBO do afluente da lagoa (despejo a ser tratado) for muito alta, a taxa de consumo de oxigênio será maior que a taxa de re-aeração, a qual, por ser feita por meios naturais é baixa, então a concentração de OD será baixa ou nula e o substrato só será degradado por ação anaeróbia com os conseqüentes problemas de odor (H2S e mercaptanas). Uma condição freqüentemente encontrada em lagoas de estabilização é de que as lâminas d'água mais próximas da superfície livre operam em condições aeróbias enquanto que as mais profundas operam em condições anaeróbias. Somente em casos de tratamento de despejos de alta concentração da DBO é que as condições de operação da lagoa são anaeróbias. No caso de se utilizar lagoas de estabilização em série, é de se esperar que a primeira delas opere em condições anaeróbias enquanto que nas subsequentes, as condições aeróbias poderão eventualmente prevalecer. FILTRO BIOLÓGICO Neste tipo de reator se utiliza a biomassa imobilizada (aderida) em algum tipo de suporte. O filtro biológico é um recheio coberto de limo biológico através do qual a água residuária passa. Normalmente o efluente é distribuído por pulverização uniforme sobre o recheio usando um distribuidor rotativo. O efluente passa de forma descendente através do recheio e é coletado no fundo. No filtro biológico (FB) há o contato direto do substrato com o ar atmosférico e com os microrganismos que se desenvolvem aderidos à superfície do meio poroso. A figura 2 a seguir mostra, de forma esquemática, a camada de limo, essencialmente constituída de bactérias e algas, estas do gênero Zooglea, cuja espessura pode variar de 0,1 mm a 2 mm. Esta camada se constitui de 2 sub-camadas: uma camada anaeróbia, aderida à superfície da do meio poroso e uma outra aeróbia, externa àquela. Dependendo da espessura dessa camada de limo, pode haver o desenvolvimento de uma sub-camada anaeróbia junto à superfície do suporte e uma sub-camada aeróbia, externa àquela. Segundo alguns autores, a espessura da sub-camada aeróbia seria da ordem de algumas centenas de micra (100 a 200 µ), sendo a maior parte da biomassa praticamente isenta de oxigênio (pela grande resistência à difusão do oxigênio atmosférico ao longo de toda a espessura da camada ). As bactérias heterotróficas predominam na película oxigenada enquanto que as autotróficas - nitrificantes - predominam na película anóxica. Além das bactérias e das algas há, embora em menor proporção, há a presença de protozoários, fungos e, até mesmo, vermes e larvas. Como já mencionado, a espessura da camada de limo pode variar entre 0,1 a 2 mm. Espessuras maiores têm efeito adverso tanto na operação do filtro - maior probabilidade de colmatação do leito - quanto na eficiência de remoção do substrato, decorrente de menores taxas de transferência de substrato, oxigênio e dos metabólitos A remoção da DQO no FB decorre por floculação da matéria orgânica em estado coloidal e aglomeração da matéria orgânica em suspensão. A matéria orgânica em solução contida no despejo bem como o oxigênio necessário para a sua oxidação biológica difundem-se através da camada de limo (biofilme) e é por ele metabolizada com a conseqüente redução da DBO e a evolução de gases e demais produtos do metabolismo aeróbio e anaeróbio. A taxa global de remoção dependerá da natureza e da 83 Prof. Hugo Moreira Soares Universidade Federal de Santa Catarina – Departamento de Eng. Química e Eng. de Alimentos

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concentração da matéria orgânica biodegradável presente, tanto no estado coloidal quanto em solução. Quando o despejo contém uma elevada percentagem da DBO nessas formas, maiores taxas de remoção da mesma pode ser removida em virtude da coagulação-floculação dos colóides e por aglomeração da matéria em suspensão no liquido. Despejos contendo substratos mais simples exibirão maiores taxas de difusão resultando, assim, maiores taxas de remoção quando comparados com despejos contendo substratos mais complexos. À medida que o líquido percola através do meio poroso, substratos e oxigênio difundem-se através da camada de biomassa, sendo aquele assimilado e os produtos desta assimilação se difundem para fora da camada de biomassa. Concomitantemente com a metabolização do substrato, o oxigênio vai sendo consumido, de modo que se pode esperar a existência das duas sub-camadas. No filme biológico que ocorre na sub-camada correspondente, desenvolvem-se microorganismos que realizam a oxidação biológica da matéria carbonácea até transformá-la em gás carbônico na sub-camada aeróbia e ácidos orgânicos voláteis na sub-camada anaeróbia. Dessa forma, os mecanismos de degradação biológica que ocorrem nessas subcamadas são essencialmente idênticos aos que ocorrem em qualquer outro processo de degradação biológica. Em outras palavras, parte do oxigênio é consumido para a síntese de material celular e parte para prover a energia necessária ao ciclo vital dos microorganismos. Apesar de extensivamente utilizado na literatura de tratamento de águas residuárias, o termo “filtro” é inadequado, pois nestes dispositivos não ocorre propriamente uma filtração, mas sim uma biossorção seguida da metabolização dos constituintes biodegradáveis do despejos. Os filtros biológicos convencionais, por exemplo, correspondem a reatores com biomassa (limo) aderidos a um suporte inerte, sobre a qual o despejo percola. filtros clássicos Os filtros clássicos são constituídos de um tanque de grandes dimensões - diâmetro maior que a altura - recheados com uma material de preferência inerte, como brita, coque, escória ou até mesmo bambu. Em geral, busca-se a utilização de material de recheio que alie custos baixos e a maior área superficial. Para minimizar as interrupções de funcionamento da unidade de tratamento decorrentes do entupimento do meio poroso - colmatação - e para permitir o fluxos de liquido e de ar sua porosidade é moderada ( 40 a 60% ). A área elevada permite uma maior taxa de colonização superficial da biomassa e, em conseqüência, maiores taxas de transferência de massa - substrato, ar e metabólitos - No caso de despejos domésticos, os filtros utilizados têm de 1,5 a 4 m de altura e “diâmetro” médio de partícula de recheio variando na faixa de 4 a 12 cm. A eficiência de remoção de substrato depende de vários fatores, entre eles: natureza do despejo, tipo de recheio e, principalmente, das condições de operação. COMPARAÇÃO ENTRE O FILTRO BIOLÓGICO E O LODOS ATIVADOS 1 - No FB convencional, a remoção de substrato é da ordem de 60 % enquanto que no PLA esta remoção é da ordem de 80 %. 2 - Não há energia despendida na aeração. 3 - Os custos de instalação/manutenção/operação do FB constituem-se numa pequena fração dos custos correspondentes do PLA, aí residindo sua maior atratividade com a restrição de que são recomendados como opção de tratamento de baixas vazões de despejos. 84 Prof. Hugo Moreira Soares Universidade Federal de Santa Catarina – Departamento de Eng. Química e Eng. de Alimentos

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BIODISCOS Os biodiscos são reatores que estão baseados no mesmo princípio de biofilmes descrito para os filtros biológicos. Os biofilmes desenvolvem-se em discos de material inerte, que são colocados paralelamente em um eixo central que gira, dentro de uma bacia. Os discos são parcialmente submergidos no efluente dentro da bacia e a medida que vai girando uma parte fica exposta ao ar e outra submergida. Quando a parte submergida é exposta ao ar, um filme de líquido permanece percolado na superfície do biofilme, ocorrendo a oxidação pelos microrganismos. A figura abaixo apresenta um desenho esquemático de um biodisco.

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6.3.2- Sistemas Anaeróbios (texto de FLORENCIO, 1999) A primeira aplicação de uma unidade de tratamento de esgotos foi relatada há um pouco mais de 100 anos. Era a fossa Moura, uma câmara de digestão anaeróbia. Naquela época, outros sistemas anaeróbios foram concebidos e amplamente aplicados. Com o desenvolvimento dos eficientes sistemas aeróbios no início deste século, especialmente os filtro biológicos e os sistemas de lodos ativados, a aplicação do tratamento anaeróbio ficou praticamente limitada ao tratamento do lodo gerado nos processos aeróbios. A partir da década de 70, houve uma evolução significativa dos sistemas de tratamento anaeróbio, devido a vários fatores, tais como, um melhor entendimento dos processos bioquímicos envolvidos e o desenvolvimento dos reatores de alta taxa. Esses fatores ampliaram significativamente a aplicação dos sistemas anaeróbios que podem ser praticamente usados para qualquer tipo de água residuária, concentradas ou diluídas, em baixas ou altas temperaturas, como unidade única, em múltiplos estágios, ou em combinação com outras unidades (aeróbia e físico-química). DECANTO-DIGESTORES A fossa Mouras, patenteado na França em 2 de setembro de 1881 por Jean Louis Mouras, foi o primeiro sistema de tratamento de esgotos relatado na literatura. A partir de então vários outras configurações de fossas foram desenvolvidas, se destacando os tanques sépticos e os tanques Imhoff (tanques sépticos com câmara sobreposta). TANQUES SÉPTICOS Os tanques sépticos são reatores de fluxo horizontal e arbitrário. São empregados como solução individual em áreas urbanas desprovidas de rede coletora pública de esgoto, assim como para atender conjuntos residenciais, vilas, e comunidades com pequenas vazões (ABNT-NBR 7229/93 e NBR 13969/97).

Desenho esquemático de um tanque séptico Nos tanques sépticos ocorrem os seguintes fenômenos: a sedimentação dos sólidos sedimentáveis proveniente dos esgotos, formando uma camada de lodo no fundo do tanque, a flotação de óleos, graxas e outros materiais leves que formam uma camada de escuma na parte superior do tanque e a digestão anaeróbia do lodo sedimentado, reduzindo assim continuamente o volume do lodo depositado. Devido a sua configuração hidráulica que não 86 Prof. Hugo Moreira Soares Universidade Federal de Santa Catarina – Departamento de Eng. Química e Eng. de Alimentos

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favorece a mistura e contato entre biomassa e esgoto solúvel, a remoção global da DBO se dá principalmente pela digestão da DBO particulada, sendo muito pequena a estabilização da DBO solúvel. Algumas características gerais dos tanque sépticos Construção

Construídos in loco (alvenaria ou concreto) ou em unidades pré-moldadas (fibra de vidro). Configuração Câmara única Câmara em série (1a com 2/3 volume total e 2a com 1/3 do volume total) Forma e dimensões Prismática retangulares Relação comprimento/largura: de 2 a 4 Largura mínima: 0,80 m Profundidade útil: 1,2 a 2,2 m para volumes 10 m3 Cilíndricas Profundidade útil mínima (h): 1,10 m Diâmetro interno mínimo (d): 1,10 m e d15

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PROCESSO DE CONTATO ANAERÓBIO O processo de contato anaeróbio é um processo de alta taxa desenvolvido nos anos cinqüenta para o tratamento de esgotos industriais. Foi um dos primeiros reatores concebidos para a melhoria dos requisitos de contato biomassa-esgoto, assim como a retenção no sistema de maior quantidade de lodo. Embora de aplicação limitada, ainda é utilizado na Alemanha e Inglaterra. Consiste de dois tanques, onde no primeiro, que requer a agitação por meio externo, ocorre a formação de um lodo floculento e a produção de metano (reator anaeróbio) e no segundo, a separação dos sólidos em suspensão. Muitas vezes pode ser ainda projetado, uma pequena unidade intermediária , entre o digestor e o decantador, para remoção do biogás (em geral por sucção). O processo de contato anaeróbio tem uma concepção similar ao processo aeróbio de lodos ativados. O esgoto bruto é misturado com o lodo anaeróbio ativo de retorno no reator de mistura completa. Após a decomposição anaeróbia da matéria orgânica, a mistura é separada no decantador ou flotador, onde ocorre a separação dos sólidos, sendo o efluente, ainda com alta carga poluidora, encaminhado para tratamento posterior. Parte do lodo sedimentado é retornada para inocular o esgoto bruto afluente e garantir uma alta concentração de lodo ativo. Desta forma o tempo de detenção celular se torna independente do tempo de detenção hidráulico, permitindo tamanhos menores dos digestores, o que não acontece com os digestores convencionais.

Desenho esquemático de um reator anaeróbio por contato. Alguma características dos processo de contato anaeróbio DQO afluente (mg/l) Tempo de detenção hidráulico (horas) Carga orgânica (kg DQO/m3 d) Eficiência (%) Tipo de esgoto a tratar Tipo de mistura

1 500 a 5 000 2 a 10 0,48 a 2,40 75 a 90 Esgotos industriais diversos: laticínios, processamento de carne, destilarias, levedura Mistura completa, com agitadores mecânicos ou injeção do próprio (recirculação) biogás Crescimento disperso (em geral floculento)

Tipo de crescimento dos microrganismos A evolução dos reatores anaeróbios convencionais pode ser sumarizada da seguinte forma: 89 Prof. Hugo Moreira Soares Universidade Federal de Santa Catarina – Departamento de Eng. Química e Eng. de Alimentos

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Tanques sépticos concebidos para reduzir o volume do lodo Digestão do lodo separado em câmaras superpostas (tanques Imhoff). Aquecimento do lodo dos tanques Imhoff Digestão do lodo separado em decantadores. O digestor é provido de sistema de mistura O lodo é separado em decantador e reintroduzido no reator anaeróbio, em processo similar ao de lodos ativados. Agora o tratamento anaeróbio se aplica ao não apenas ao tratamento de lodos em ETEs, mas também do tratamento direto de efluente líquidos industriais.

LAGOAS ANAERÓBIAS As lagoas anaeróbias são reatores de fluxo horizontal (arbitrário), onde ocorre a sedimentação e digestão de sólidos sedimentáveis proveniente dos esgotos domésticos e/ou industriais (frigoríficos, laticínios, etc.). Em geral são utilizadas em combinação com outros tipos de lagoas, tais como facultativas e de maturação nos sistemas de lagoas de estabilização.

Desenho esquemático de uma lagoa anaeróbia Algumas características de lagoas anaeróbias. Construção

Diques de terra e fundo compactados e impermeabilizados Remoção da DBO 50 a 60 % (temperaturas >25 oC, pode chegar a 75 %) Localização na ETE Antes das demais lagoas Funcionamento Como tanque séptico aberto pH > 6 (ideal: em torno de 7,5) Alcalinidade > 1550 mg/l (CaCO3) Profundidade De 2 a 5 m (valores mais adotados = 2-4 m) Tempo de detenção 3 a 6 dias (tempos maiores pode tornar a lagoa hidráulico facultativa) Carga volumétrica de DBO5 Entre 100 e 400 g DBO5/ m3 d (ver tabela 3.2) < 100 g DBO5/ m3 d pode se tornar facultativa > 400 g DBO5/ m3 d risco de odor Limpeza Quando estiver com o lodo ocupando a ½ do volume N = [½ volume da lagoa ( m3)]/ [taxa de acumulação do lodo (m3/hab.ano) x população servida (hab)] Taxa de acumulação do lodo 0,03 a 0,04 m3/hab.ano Cargas orgânicas volumétricas permissíveis de projeto e remoção de DBO5 em função da temperatura (Mara & Pearson, 1986): Temperatura o C 20 300 *interpolação linear (T= temperatura oC)

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2T + 20* 60

Vantagens e desvantagens das lagoas anaeróbias Vantagens • • • • • • • •

Baixo custo Eficiência satisfatória Construção relativamente simples Ausência de equipamentos mecânicos Operação e manutenção bem simples Boa resistência aos choques hidráulicos e orgânicos Requerimentos energéticos praticamente nulos Redução da área total em sistemas de lagoas de estabilização.

• • • • • •

Desvantagens Elevado requisito de área Dificuldade em satisfazer padrões de lançamento bem restritivos A simplicidade operacional pode levar ao descaso na manutenção Possibilidade de crescimento de insetos Possibilidade de mau odores Necessidade de um razoável afastamento das residências circunvizinhas

FILTROS ANAERÓBIOS Existem relatos (McCarty, 1981) que já no fim do século passado um tipo de filtro anaeróbio foi aplicado para o tratamento de esgotos sanitários na Inglaterra. Entretanto, foi a partir do trabalho desenvolvido por Young & McCarty no final da década de 60, quando aplicaram altas cargas orgânicas no tratamento de matéria orgânica solúvel, que os filtros anaeróbios obtiveram um grande êxito. Este fato abriu amplas perspectivas para a aplicação de processos anaeróbios no tratamento direto de vários tipos de águas residuárias, além de desencadear o desenvolvimento de novas configurações de reatores anaeróbios de alta taxa. Os filtros anaeróbios consistem de tanques preenchidos com um material de suporte inerte (pedra, plástico, etc), também chamado de leito, que permanece estacionário, aos quais os microrganismos crescem tanto nos espaços vazios quanto aderidos ao meio fixo, onde formam uma película de biofilme na sua superfície, propiciando assim uma alta retenção de biomassa no reator. Por esta razão é desejável que o material inerte tenha uma grande área superficial por unidade de volume, favorecendo uma maior quantidade de biomassa aderida e que resulte, consequentemente, numa maior capacidade de tratamento. Os filtros anaeróbios são largamente utilizados como unidade de pós-tratamento de decanto-digestores tratando os esgotos sanitários de pequenas populações. Entretanto podem ser aplicados como uma única unidade de tratamento de esgotos concentrados ou diluídos (indústria farmacêutica, laticínio, refrigerantes, etc.). Neste caso, são mais aplicáveis para esgotos solúveis e com baixa concentração de sólidos suspensos, devido ao risco de entupimento.

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Os filtros anaeróbios podem ser concebidos com e sem recirculação. Embora na prática os filtros com fluxo ascendentes tenham sido mais utilizado, o fluxo do esgoto pode ainda ser horizontal e descendente. Nos filtros de fluxo ascendente o leito permanece totalmente submerso, enquanto que nos de fluxo descendente podem ser operados de maneira que o meio suporte seja afogado ou não afogado.

Desenho esquemático de filtros anaeróbios Algumas características gerais selecionadas dos filtros anaeróbios Forma do reator Construção

Cilíndrica ou retangular Construídos in loco ou pré-fabricado (concreto armado, alvenaria, fibra de vidro, etc) desde que estanques. Podem ser construídos com ou sem cobertura. Altura / profundidade total 3 a 13 m Volumes dos reatores 1 a 10 000 m3; volume útil mínimo (ABNT) = 1,0 m3 Altura do meio de suporte 50 a 70 % da altura do filtro; ABNT: 0,60 m < h 20 dias Tempo de detenção hidráuli. 12 a 96 horas; Recomendável no Brasil : 6 a 18 horas 92

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Valores do tempo de detenção hidráulico (em dias) em função da vazão e temperatura do esgoto, como pós tratamento de tanques sépticos (NBR 13969/97- ABNT) Temperatura média do mês mais frio (oC) < 15 15 20 oC Tempo de detenção hidráulica Carga hidráulica vol.(m3/m3 d) Carga orgânica volumétrica (COV) Tempo de detenção celular Eficiência (esgotos sanitários) (%) Eficiência (DBO e DQO) Carga orgânica aplicada ao lodo Velocidade ascendente do fluxo para esgotos industriais (m/h) Velocidade ascendente do fluxo para esgotos sanitários (m/h) Produção de sólidos no sistema, Y (em DQO) Densidade do lodo Concentração do lodo de descarte

In loco ou pré-moldado U$ 10,00 a 40,00 per capita (media 20 - 30) U$ 0,50 a 2,00 per capita/ano (media: 1,0 a 1,5) Concreto armado, alvenaria, aço, fibra de vidro, etc, desde que estanques e resistentes. Cilíndrica ou prismático retangular Total: 3 a 6 m, mas podem ter alturas maiores Compartimento de Decantação: 1,5 a 2,0 m Compartimento de Digestão: 2,5 a 3,5 m 1,0 a 2,0 horas Qmed = 0,6 –0,8 m/h : 1,5 < θh < 2,0 h : θh > 1,0 h Qmax < 1,2 m/h : θh > 0,6 h Qpico < 1,6 m/h Qmed : vp < 2,0 a 2,3; Qmax : vp < 4,0 a 4,2 Qpico : vp < 5,6 a 6,0 0,50 a 5,0 m2; 2,0 a 3,0 m2 para esgoto sanitário Adotar: θh de 6 a 10 horas (vazão média) θh> 4 (para Q max menor que 6 horas de duração) >4,8 horas; 6 h < θh < 16 h para T > 20 oC Esgotos sanitários: < 5, (θh (min) >4,8 horas ) Esgotos industriais: até 45 kgDQO/m3d (escala piloto) mas < 15 kgDQO/m3d, na prática. Esgotos sanitários: 2,5 a 3,5 kgDQO/m3d > 30 dias DBO: 40 a 75; DQO: 45 a 85 Esgotos industriais: 65 a 95 % Na partida: 0,3 a 0,4 kgDQO/kgSVT d Regime permanente até 2,0 kgDQO/kgSVT d Lodo floculento e COV 30 dias Esgotos sanitários: 80 %; Esgotos industriais 70 a 90 % 10 m/h

Vantagens e desvantagens do reator de leito expandido Vantagens • Baixo requisitos de área • Sistema muito compacto • Volumes muito pequenos • Baixo custo de implantação • Alta concentração de biomassa agregada a um material de suporte denso que permanece no reator • Alta eficiência na remoção de matéria orgânica • Pequeno de descarte de lodo • Não apresentam problemas de entupimento, zonas mortas e caminhos preferenciais. • Possibilidade de controlar e otimizar a espessura do biofilme

Desvantagens • Consumo de energia elétrica maior que em outros sistemas anaeróbios pois necessita equipamentos mecânicos • Poucos sistemas operando em escala real • Exige um bom controle operacional • Requer operação cuidadosa • Necessita meio de suporte para o desenvolvimento e retenção da biomassa • Pode ocorrer longo tempo para a partida • Dificuldade em satisfazer padrões de lançamento restritivos • Pode necessitar de pós-tratamento • Remoção de nutrientes insatisfatória • Possibilidade de efluente com aspecto desagradável

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OUTRAS CONFIGURAÇÕES Devido ao sucesso obtido com os reatores anaeróbio de alta taxa de aplicação orgânica, em especial aos reatores de fluxo ascendentes (filtro anaeróbio e UASB), várias outras configurações de reatores anaeróbios foram e continuam sendo desenvolvidas para o tratamento dos mais diversos tipos e características de esgotos. Muitas destas novas concepções apresentando similaridades, sendo muitas vezes consideradas variantes de reatores de uso já consagrados. A, a maioria dessas novas configurações encontram-se em estágio de desenvolvimento.

6.3.3. Vantagens e desvantagens dos processos aeróbios e anaeróbios

Principais vantagens dos processos anaeróbios comparados com os aeróbios • • • • • • • • • •

Processos de operação mais estável Menor quantidade de biomassa produzida diminuindo custos de disposição final Menor quantidade de nutrientes requerida reduzindos os custos operacionais Reator de menor volume reduzindo área de implantação e custos fixos de instalação Saldo energético positivo pela produção de CH4 e não necessidade de aeração Ecologicamente mais vantajoso por não lançar compostos orgânicos voláteis na atmosfera Menor necessidade de atenção na operação do sistema reduzindo custos operacionais Possibilidade de operar o sistema sazonalmente devido à manutenção da atividade dos microrganismos por um período mais longo sem alimentação Redução dos compostos organoclorados com alto nível de substituição Degradação de alguns compostos aerobiamente não biodegradáveis

Principais desvantagens dos processos anaeróbios comparados com os aeróbios • • • • • • • •

Longos períodos de posta em marcha dos sistemas para desenvolver uma biomassa ativa Necessidade de manter alta a alcalinidade, aumentando os custos operacionais Menor porcentual de remoçãoda matéria orgânica resultando em um efluente de pior qualidade Menores taxas de conversão a temperaturas mais baixas Produção de compostos que causam mau cheiro como ácidos orgânicos e H2S Nitrificação não é possível Maior toxicidade das metanogênicas à compostos organoclorados alifáticos Alta concentração de NH4 requerida para manter a biomassa ativa podendo comprometer a qualidade do efluente final

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6.3.4. Remoção de Nitrogênio

O nitrogênio presente nas águas residuárias geralmente se encontra sob as formas de nitrogênio amoniacal e nitrogênio orgânico. No tratamento biológico uma parte do nitrogênio orgânico passa para a forma amoníacal pela ação de microrganismos heterótrofos, o qual é assimilado como nutriente para o crescimento celular. No entanto, quando o nitrogênio está presente em excesso à quantidade necessária ao crescimento celular, este é liberado na forma de amônia e/ou despejado em conjunto com os efluentes, provocando a eutrofização. NITRIFICAÇÃO A nitrificação é promovida por microrganismos autótrofos que usam o CO2 como fonte de carbono e quimiossintetizantes (litótrofos) que obtém energia a partir da oxidação da íon amônia, utilizando o oxigênio como aceptor final de elétrons. Este processo se dá em duas etapas sucessivas: a primeira a amônia é transformada em nitrito pela ação de bactérias denominadas Nitrozomonas; e na segunda o nitrito é transformado em nitrato pelas bactérias Nitrobacter. As equações abaixo representam as duas etapas do processo. Primeira etapa: NH4+ + 3/2 O2

NO2- + 2 H+ + H2O

Segunda etapa: NO2- + 1/2 O2

NO3-

Soma das etapas: NH4+ + 2 O2

NO3- + 2 H+ + H2O

Associando as equações de obtenção de energia acima com a de produção de biomassa, teremos a reação total como se segue: NH4+ + 1,83 O2 + 1,98 HCO3- → 0,021 C5H7O2N + 0,98 NO3- + 1,041 H2O 1,88 H2CO3 Esta equação indica em primeiro lugar que é utilizado grandes quantidades de alcalinidade (HCO3-) durante a oxidação do nitrogênio amoniacal (NH4+), aproximadamente 8,63 mg HCO3-/ mg N- NH4+. A maior parte da alcalinidade será necessária para neutralizar os íons de hidrogênio liberados durante a oxidação. Si não existir alcalinidade suficiente disponível, a nitrificação será afetada pela queda de pH. Além disso, o requerimento de oxigênio será de aproximadamente 4,18 mg O2/ mg N- NH4+ oxidado. No entanto, se fizermos os cálculos somente pela nitrificação (equação da soma das etapas), sem a fração para o crescimento celular, a relação será de 4,57 mg O2/ mg N- NH4+ oxidado, valor este que é usualmente empregado para cálculos de projeto. Os processos de nitrificação podem ser classificados de acordo com o grau de separação existente entre a remoção de carbono e a oxidação de amônio a nitrato. Neste caso pode-se diferenciar entre tratamento em etapa única (processos combinados) e etapas separadas (processos diferenciados). Além disso, pode-se distinguir entre processos de cultura em suspensão e de película fixa. Os processos em suspensão são identicos ao de lodos ativados e os de película fixa aos filtros biológicos ou biodiscos. Qualquer processo poderá 99 Prof. Hugo Moreira Soares Universidade Federal de Santa Catarina – Departamento de Eng. Química e Eng. de Alimentos

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ser executados em etapa única ou separadas, podendo haver combinação entre eles. Caso haja muita matéria orgânica no efluente, pode-se fazer um lodo ativado para remover a matéria orgânica, seguido de um biofiltro para converter a amônia. Os microrganismos nitrificantes encontram-se em quase todos os sistemas de tratamento biológico aeróbios. No entanto, nestes sistemas onde há disponibilidade de matéria orgânica, a massa de micorganismos nitrificantes (autótrofos) produzida por unidade de substrato é inferior a dos microrganismos heterótrofos, promovendo um desequilíbrio na distribuição destas populações, prejudicando a nitrificação. Um fator de importância nestes sistemas é a relação DBO5/NTK, representada na Figura abaixo. Quando a relação é maior que 5, o processo é dito combinado, e se for inferior a 3 o processo pode ser considerado em etapas separadas.

Como nos processo de remoção de matéria carbonácea, os processos de nitrificação possuem suas características próprias em função da temperatura e do pH do meio. As Figuras abaixo apresentam estas relações.

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Algumas recomendações são feitas pela literatura para projeto e operação dos processos de nitrificação em suspensão: • • • • • • •

Manter um fator de segurança mínimo de 2 para o tempo de retenção celular afim de absorver sobrecargas sem que haja fuga do NH4+ Manter o oxigênio dissolvido sempre acima de 2 mg/l Manter o pH na faixa de 7,8 a 9,0. Para isso, deve-se manter a alcalinidade em 7,14 mg CaCO3/l para cada mg/l de NH4+ oxidado Estimar a velocidade máxima de crescimento de microrganismos para as condições mais adversas em termos de pH, temperatura e oxigênio dissolvido Definir a concentração N- NH4+ oxidado admissível no efluente Estabelecer o tempo de retenção hidráulico necessário para alcançar a concentração de NNH4+ definida Definir a taxa de utilização de substrato quando se emprega um processo de nitrificação combinado ou de etapa única

Enquanto que em processos de lodo suspensos o parâmetro de projeto está baseado na concentração de biomassa dentro do reator, através da recirculação dos lodos do decantador secundário, os processo de película fixa baseiam-se na área superficial disponível para o desenvolvimento do biofilme. Na realidade estes valores são empíricos e aplicados para os vários tipos de processos existentes. Um exemplo pode ser verificado na Figura abaixo, onde apresenta um gráfico da área superficial requerida em função da concentração de amônia no efluente, para uma dada concentração de entrada, e em função da temperatura. Maiores informações específicas de cada processo deve ser consultada a literatura. 101 Prof. Hugo Moreira Soares Universidade Federal de Santa Catarina – Departamento de Eng. Química e Eng. de Alimentos

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DENITRIFICAÇÃO A denitrificação é a conversão do íon nitrato a compostos gasosos, principalmente o nitrogênio por microrganismos anaeróbios que utilizam o nitrato como aceptor final de elétrons e necessitam de fonte de carbono orgânico (heterótrofos). Os principais microrganismos conhecidos que realizam a denitrificação são: Achronobacter, Aerobacter, Alcaligenes, Bacilus, Brevibacterium, Flavobacterium, Lactobacilus, Pseudomonas e Spirilum. As reações são realizadas em etapas, convertendo primeiramente o nitrato a nitrito e depois em compostos gasosos como o NO e o N2O, que por sua vez são transformados em nitrogênio gasoso. As etapas metabólicas deste processo são pouco conhecidas. NO3- → NO2- → NO → N2O → N2 Durante a denitrificação, alcalinidade é produzida pela degradação da matéria orgânica convertida a CO2, promovendo o aumento do pH do meio ficando na faixa ótima entre 7 e 8. Como há necessidade de fonte de carbono, o processo deve ser operado de tal forma que haja ainda carbono suficiente, ou adicionar uma fonte externa, como por exemplo o metanol. As velocidades de denitrificação reportadas na literatura variam entre 0,075 a 0,115 kg N-NO3-/kg SSV dia a 20oC, quando não ouver limitação de fonte de carbono. PROCESSOS COMBINADOS PARA NITRIFICAÇÃO/DENITRIFICAÇÃO Normalmente os processos de denitrificação são acoplados aos processos de nitrificação. Devem-se dispor os reatores para atender as necessidades de cada um separadamente. Existem vários de processos descritos na literatura, arranjados de tal forma que atenda a estas exigências dos processos. Um esquema simplificado do conceito de um processo de remoção de nitrogênio é apresentado abaixo.

Recirculação de líquido

Efluente

Afluente Anaeróbio

Aeróbio

Recirculação de lodo

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6.3.5. Remoção de Fósforo

O Fósforo presente nas águas residuárias, quer seja na forma iônica ou complexada, encontra-se geralmente como fosfato. Em esgoto sanitário, o fósforo orgânico aparece principalmente como fósforo orgânico, polifosfatos e ortofosfatos. Durante a década de 60 foi observado que alguns sistemas de tratamento de esgotos nos EUA apresentavam remoção de fósforo superior àquela requerida pelo metabolismos bacteriano nos processos de lodo ativado. Desde então, por décadas houve controvérsias sobre os mecanismos envolvidos na remoção do excesso de fósforo. Após dois Congressos realizados, 1982/1984 África do Sul/Paris, sobre a remoção de fósforo prevaleceu a idéia de remoção biológica. Na década de 70 a África do Sul começa a experimentar o conceito de LUXURY UPTAKE OF PHOSPHOROUS, que foi primeiramente demonstrado em Santo Antonio/Texas (1967) quando o processo biológico mostrou a capacidade de remoção de fósforo em grandes quantidades. Esta capacidade dos microrganismos foi descoberta acidentalmente, quando em uma planta de lodos ativados, os aeradores da 1a sessão estavam obstruídos de forma que os microrganismos trabalharam primeiramente em condições com baixas concentrações de O2 e em uma segunda etapa em um reator aerado e com isto observou-se uma grande remoção de fósforo. A microbiologia deste sistema está relacionada com a capacidade de adaptação de um microrganismo. Este processo usa de uma etapa de fermentação anaeróbia, uma sessão anóxica e uma seção aerada. No entanto, há mais de 25 variações deste processo para retirada de nutrientes. O efluente mais o lodo reciclado são misturados no reator de fermentação, onde dois tipos de microrganismo tem atividade. Primeiro a bactéria anaeróbia fermenta a matéria orgânica com a produção de moléculas orgânicas menores. Esses produtos são usualmente produzidos no processo anaeróbio. Há, então uma DBO presente no início da etapa anaeróbia. O 2o tipo de microrganismo presente no reator anaeróbio é necessariamente uma bactéria aeróbia, que consegue sobreviver por certos períodos de tempo em condições anóxicas. Esta bactéria específica armazena energia na forma de polifosfato. Para tanto, elas obtém energia para manutenção da sua vida pela quebra das ligações fosfato do polifosfato armazenado e liberam fosfato de dentro da célula para a água (meio). Estas bactérias (bactérias polifosfato) possuem esta capacidade e sobrevivem, enquanto que outras bactérias, exclusivamente aeróbias, podem morrer. A bactéria polifosfato se alimenta dos produtos formados na fermentação, especificamente álccois e ácidos orgânicos pequenos, armazenando-os, e quebram o polifosfato armazenado liberando o fosfato para a água para obter energia. Em ambientes não aerados essa é a sua forma de sobrevivência. Estas bactérias armazenam a matéria orgânica para uma utilização futura. Enquanto tudo isso está acontecendo com as bactérias anaeróbias e as obrigatoriamente aeróbias, uma bactéria facultativa está presente. Se o efluente possuir também o nitrogênio para ser retirado, após a passagem pelo reator anaeróbio há uma seção anóxica onde ocorre denitrificação, liberando N2. Nesta seção 103 Prof. Hugo Moreira Soares Universidade Federal de Santa Catarina – Departamento de Eng. Química e Eng. de Alimentos

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as bactérias anaeróbias e as obrigatoriamente aeróbias sobrevivem, como se fosse um metabolismo basal.

Após a denitrificação o efluente é descarregado em um reator aerado. Na seção aerada os microrganismos facultativos funcionam aerobicamente degradando a DBO. Bactérias nitrificantes agem. As bactérias anaerobias sobrevivem. A bactéria polifosfato que finalmente está em um ambiente aeróbio, pode agora degradar a matéria orgânica acumulada durante a fase anaeróbia. Elsa produzem energia para o crescimento e reprodução, mas transferem grande quantidade desta energia para armazenar polifosfato. Elas se preparam para um período futuro anaeróbio pegando todo o fosfato por elas mesmo liberado durante o período anaeróbio e mais o fosfato presente no efluente. Então ela acumula fosfato adicional. Após este período há a seção do clarificador onde parte dos microrganismos volta para o reator anaeróbio. A parte dos microrganismos que será descartada contém alta concentração de fosfato, na forma de polifosfato. Então o fosfato é biologicamente removido no processo. Estas plantas, quando bem operadas, produzem um efluente com concentração inferior a 1 mg/L de fosfato. REMOÇÃO COMBINADA DE CARBONO, NITROGÊNIO E FÓSFORO A remoção de fósforo e de nitrogênio normalmente vem combinada com a remoção da matéria orgânica. A remoção destes nutrientes pode ser alcançada arranjando os reatores e a retirada de lodos do sistema. Mais uma vez, existem vários processos para alcançar estes 104 Prof. Hugo Moreira Soares Universidade Federal de Santa Catarina – Departamento de Eng. Química e Eng. de Alimentos

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objetivos em comum. A Figura abaixo apresenta um desenho esquemático do processo BARDEMPHO de 5 etapas.

Phoredox / Bardenpho modificado Sistema BARDENPHO em 5 etapas 0,5Q Q Efluente Ana Anox Aero Anox Aero Recirculação 0,5 Q

Descarte de lodo

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

APHA, AWWA, WEF. (1995). Standard methods for the examination of water and wastewater. 19th. edn. American Public Health Association, Washington, DC,. Fonte: www.riolagos.com.br/calsj/ciclo-agua.htm Mota, S. Introdução á engenharia ambiental. 1a ed. ABES, 1997. 286 p. Resolução no 357, de 17/03/2005do CONAMA. Von Sperling, E. Princípios do Tratamento Biológico de Águas Residuárias: Introdução à Qualidade das Águas e ao Tratamento de Esgotos. vol 1, 2a ed. Universidade Federal de Minas Gerais, 1996. 243 p. CETESB. Guia de coleta e preservação de amostras de água. Agudo, E.G., São Paulo: CETESB, 1987. Vitoratto, E.. II Curso de Tratamento Biológico de Resíduos. São Paulo: IPT Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo, 1993.

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