Apostila Psicologia Social II

February 2, 2019 | Author: Jefferson | Category: Psicologia e ciência cognitiva, Sociology, Social Psychology, Ciência, Thought
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Psicologia Social 2...

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PSICOLOGIA SOCIAL II

autora

GLAUCIA PEREIRA BRAGA

1ª edição SESES rio de janeiro

2017

PSICOLOGIA SOCIAL II

autora

GLAUCIA PEREIRA BRAGA

1ª edição SESES rio de janeiro

2017

Conselho editorial

glaucia pereira braga

Autor do original Projeto editorial

roberto paes e gisele lima

roberto paes

Coordenação de produção

gisele lima, paula r. de a. machado e aline karina

rabello paulo vitor bastos

Projeto gráfico Diagramação

bfs media

Revisão linguística

bfs media

Revisão de conteúdo Imagem de capa

rosane de albuquerque costa

stillfx | shutterstock.com

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2017.

Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063

Sumário Prefácio

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1. Novas abordagens em psicologia social: perspectivas teóricas

7

Abordagem sócio-histórica

10

Representações sociais As representações sociais e a psicologia social As representações sociais e a psicologia cognitiva

15 19 21

A psicologia crítica

25

2. Dimensões conceituais da psicologia social

33

Identidade

34

Ideologia

41

Indivíduo, fenômeno social e subjetividade

47

Família

56

Gênero

66

3. Campos de aplicação da psicologia social – A abordagem psicossocial

75

Psicologia social e escola

76

Psicologia social na comunidade

85

Psicologia social na saúde

92

4. A pesquisa em psicologia social

103

Sujeito, objeto e método da investigação científica

104

Procedimentos para coleta de dados: observação, entrevistas, questionários, grupos focais

111

Procedimentos de análise: o método quantitativo e o método qualitativo

116

5. Reflexões contemporâneas

123

Novos cenários

124

O homem em construção

127

O saber e o fazer

131

Geração de conhecimento

133

Prefácio Prezados(as) alunos(as),  A psicologia é uma ciência complexa. Estuda o comportamento humano e animal, e sua complexidade está na abrangência desta compreensão que envolve os processos mentais, biológicos; que relacionam as emoções, os sentimentos, os valores, as atitudes, a racionalidade, os desejos, os pensamentos, as motivações e as subjetividades da condição humana, expressa por seus pensamentos, seus comportamentos e suas atitudes.  A psicologia está no cotidiano da história da humanidade, porque é um dos componentes da natureza humana. O entendimento da psicologia, como uma ciência, com seus sistemas e métodos de pesquisas se dá com Wilhelm Maximiliano  Wind (1832-1920), médico, filósofo e psicólogo alemão.  A partir de então, a psicologia passa a ocupar nos cenários humanos seu espaço científico e sócio-histórico, com diferentes concepções teóricas e práticas de aplicação de suas abordagens, que são atualizadas e revigoradas a cada nova era e descoberta do processo de evolução da humanidade. Nesse contexto, temos várias vertentes e variados campos de aplicação da psicologia e seus diferentes estudos. É diante desse universo acadêmico que vamos explorar a psicologia social. Psicologia social é uma área específica da psicologia, uma “ciência dentro da ciência”, estruturada no século XX, com o objetivo de estudar o relacionamento interpessoal e suas implicações mútuas nos pensamentos e comportamentos das pessoas. Assim como estabelece uma ponte entre as ciências sociais, tais como: a sociologia, antropologia, história, ciência política, economia, entre outras. O estudo da psicologia social é fundamental para a psicologia e para psicólogos e sua atuação profissional. Nela está a base de estudo dos fenômenos e processos psicológicos básicos, sua interdisciplinaridade, e instrumentos para a atuação do psicólogo em diferentes áreas tais como: hospitais, empresas, escolas, centros comunitários, varas de família, como estabelece a orientação teórica do Conselho Federal de Psicologia, órgão que regulamenta a profissão no Brasil.  A partir deste panorama, exploraremos as abordagens contemporâneas da psicologia social, as perspectivas teóricas, as dimensões conceituais e os campos de

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aplicação. Com o objetivo de compreender as interações humanas enquanto redes de significados construídos histórica e socialmente a partir da realidade psicossocial e cultural. Bem-vindos a psicologia social! Bons estudos!

1 Novas abordagens em psicologia social: perspectivas teóricas

Novas abordagens em psicologia social: perspectivas teóricas Iniciaremos este capítulo tratando das novas abordagens em psicologia social, área da psicologia que adota um posicionamento crítico efetivo em relação às transformações da sociedade e da realidade social.  As novas abordagens em psicologia social investigam o psiquismo humano, em busca da compreensão do processo de construção da subjetividade, (tema que será tratado especificamente no capítulo 2, Individuo, fenômeno social e subjetividade), a partir das discussões que envolvem o contexto das relações sociais vividas pelas pessoas. Essas novas abordagens procuram superar as críticas e limitações da psicologia social que se fundamentava em descrever, observar e medir encontros sociais, privilegiando as interações e a adequação de comportamentos dos indivíduos no ambiente social, tema que foi objeto de estudo da disciplina psicologia social I.  As novas abordagens traçam uma trajetória voltando sua atenção para a interface da ciência com o contexto social em que o indivíduo está inserido, e a interdisciplinaridade com as outras ciências que tratam do homem em seus diferentes contextos sociais.  A começar pela fundamentação teórica da abordagem sócio-histórica, que propõe ênfase ao contexto sócio-histórico e cultural, preconizado por Vygotsky. Ele concebe o homem como um produto histórico e social de seu tempo, e a sociedade como resultado da produção histórica do homem por meio do trabalho, imprimindo uma visão crítica e metodológica, materializando o objeto de investigação da psicologia para além das conjecturas abstratas acerca das contradições humanas. Em sequência, o conceito de representações sociais, termo extraído da sociologia, que tem como um de seus representantes Émile Durkheim (18581917), o qual dedicou seus estudos na compreensão científica dos comportamentos coletivos. Serge Moscovici (1925-2014) que relê, interpreta, elabora e dialoga com Durkheim e propõe em sua construção teórica o conceito de Representações Sociais, em sua obra original: La Psychanalyse son image et son  public   de 1961, assim definido: “[...] a representação social é uma modalidade de conhecimento particular que tem por função a elaboração de comportamentos e a comunicação entre indivíduos” (MOSCOVICI, 1978, p. 26). capítulo 1 •

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Posteriormente Denise Jodelet, que a partir da década de 1980, apresenta o conceito como: “Conhecimentos práticos orientados para a comunicação e compreensão do contexto social”, isto é: “[...] uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social.” (JODELET, 2001, p. 22). Na década de 1990, apresenta-se a teoria do núcleo central   de JeanClaude Abric, ampliando o contexto de estudos das representações sociais; propondo a investigação de um núcleo central cognitivo nas representações sociais, composto pela memória coletiva, as condições sócio-históricas e os valores do grupo, coletivamente compartilhados de forma consensual, estável e em conformidade com o grupo social; mantendo a continuidade e permanência da representação. Observação: embora, a teoria do núcleo central não seja objeto específico do plano de ensino da disciplina, é importante sugerir que essa teoria seja visitada com o objetivo contextualizar os estudos do tema.  As representações sociais figuram entre as áreas do saber da psicologia social mais importantes. Faz um contraponto com as ciências sociais que estudam o tema comum e com a psicologia cognitiva. O diálogo entre as ciências produz conceitos transdisciplinares, que serão discutidos no percurso dos capítulos subsequentes.  Assim, na trajetória deste capítulo, também serão tratados além dos aspectos descritos, a psicologia crítica que discute, problematiza e renova as questões da psicologia social, produzindo novos olhares conceituais, mantendo a sua atualidade.

OBJETIVOS •









Identificar as abordagens teóricas que fundamentam a psicologia sócio-histórica; Diferenciar o conceito de representações sociais compartilhado por diferentes ciências; Compreender as representações sociais sob o ponto de vista da psicologia social; Reconhecer os contextos transversais e transdisciplinares das representações sociais; Entender a psicologia crítica.

capítulo 1 •

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Abordagem sócio-histórica  As perspectivas teóricas da psicologia sócio-histórica estão fundamentalmente ligadas ao cenário histórico, social, político, científico e filosófico do século XIX. Um dos contextos históricos de transformações sociais de grande destaque foi a ascensão da burguesia, consolidado no período histórico da Era Moderna.  A classe social burguesa traz a proposição de questionamentos racionais sobre a condição humana, liberdade e as possíveis transformações da realidade, “um olhar do homem para si mesmo”, com base na razão e na experiência. No campo das ciências, a investigação dos fenômenos deve seguir uma lógica racional e passível de experimentação. A clareza, a objetividade e o rigor do método científico permitem ao cientista observar a realidade, distanciando-se de suas crenças e seus valores, no processo de construção de um conhecimento racional. Diante dessas circunstâncias nasce a ciência moderna, “empírica”; a experiência é parte do fazer científico; “experimental” procedimentos metodológicos com resultados avaliados e “quantitativa”, quando os números produzem resultados objetivos. E no campo filosófico, o positivismo, corrente filosófica que defende que o conhecimento científico é a única forma de conhecimento que deve ser construído e avaliado por métodos científicos válidos.  A ciência do século XIX é positivista , enfatiza prioritariamente a razão; mecanicista   com base na ideia do funcionamento regular do mundo regido pelas leis científicas conhecidas; associacionista   concebe que as ideias se associam mentalmente de forma a organizarem-se e permitirem associações que resultam em conhecimento; atomista  com a concepção que o todo é sempre o resultado da organização das partes e determinista  com o entendimento do mundo como um conjunto de fenômenos que se estabelecem através da relação de causa e efeito. Diante deste panorama de convicções de como as ciências devem ser estruturadas, Wilhelm Wundt, na década de 1870, no ano de 1879, na Alemanha, cria um laboratório experimental para discriminar a psicologia como ciência, esse feito foi realizado na Universidade de Leipzig.  Wundt identifica as características básicas dos elementos da consciência (atomismo) e distingue-se do associacionismo pela concepção da consciência como um processo ativo na organização de seu conteúdo pela força de vontade. Para ele, o pensamento é ao mesmo tempo resultado da evolução natural do homem e da produção mental, de acordo com Strey et al. (2013).

capítulo 1 •

10

Segundo Wundt (1916 apud STREY et al. 2013, p. 10), no contexto do método científico vigente cuja prioridade é a razão, sugere então duas psicologias: uma psicologia experimental e uma psicologia social.  A psicologia social de Wundt é elaborada em sua obra Volker psychologie (Psicologia do povo ou Psicologia das massas) em que desenvolve estudos sobre temas como pensamento, linguagem, cultura, mitos, religião, costumes entre outros fenômenos. Segundo Wundt, esses fenômenos são coletivos e não poderiam ser explicados somente pela consciência individual. E pelo seu proposto método experimental da introspecção, ele indica ter como limitação a incapacidade de uma consciência individual fornecer a história do pensamento humano, em concordância com Strey et al. (2013).  Wundt sinaliza a limitação de seu método ao se referir ao método introspectivo na pesquisa do fenômeno mental coletivo: “É verdade que se tem tentado investigar frequentemente as funções complexas do pensamento na base da mera introspecção. No entanto, essas tentativas foram sempre frustradas. A consciência individual é completamente incapaz de nos fornecer uma história do pensamento humano, pois está condicionada por uma história anterior sobre a qual não nos pode dar nenhum conhecimento sobre si mesma.” (WUNDT, 1916, p .3 apud STREY et al. 2013, p. 11).  ©

W I   K  I   M E  D  I   A  .  O  R   G 

Diante de suas investigações e constatações, Wundt contribui com a ciência psicologia com seu pioneirismo para a consolidação do saber científico da psicologia, e com a psicologia social, despertando a atenção para fenômenos coletivos como cultura, mitos, costumes e fenômenos de massa.

Figura 1.1 – Wilhelm (1832-1920).

Maximilian

Wundt

Outros teóricos da ciência psicologia em construção desenvolviam suas abordagens concebendo suas convicções.

capítulo 1 •

11

Titchener (1867-1927) concebeu o homem dotado de uma estrutura a qual permite que a experiência se torne consciente; James (1842-1910), ao contrário, pensou o homem como um organismo que funciona em um ambiente e a ele se adapta. O comportamentalismo pensou o homem como produto de condicionamentos, a gestalt valorizou as experiências vividas e a psicanálise enfatizou as forças que o homem não domina e não conhece, mas que o constituem. (BOCK, GONÇALVES e FURTADO, 2007, p. 16).  A psicologia sócio-histórica

 A perspectiva da psicologia sócio-histórica fundamentada na concepção histórico-cultural de Vygotsky (1896-1934) revela a possibilidade de delinear uma psicologia social diferenciando-a das demais correntes teóricas da psicologia.    G    R    O  .    A    I    D    E    M    I    K    I    W     |    T    C    E    J    O    R    P    Y    K    S    T    O    G    I    V    E    H    T    ©

Figura 1.2 – Lev Semenovitch Vygotsky 1896-1934).

Em 1924, Vygotsky no II Congresso Pan-Russo de Pneumologia, ao tratar o método de investigação reflexológico e psicológico, declara sua crítica a posições científicas que considerava reducionistas, porque não aprofundavam–se nas questões sociais do ser humano, referia-se a respeito de uma produção científica da psicologia com base somente em discursos pessoais, argumentos com conjecturas e deduções fundamentadas em suposições filosóficas.

 A psicologia sócio-história de Vygotsky é imbuída de uma intenção crítica fundamentada por sua origem, gênese epistemológica, na teoria marxista e o filosófico materialismo histórico e dialético: concepção filosófica que discute, critica e defende a relação mútua entre o organismo, o ambiente e os fenômenos físicos que moldam os comportamentos, a sociedade e a cultura; opondo-se a visão filosófica do idealismo que atribui a forças divinas e sobrenaturais aos eventos socioambientais.

capítulo 1 •

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“Toda a natureza, de suas partículas mais minúsculas até seus corpos mais gigantescos, do grão de areia até o sol, do protozoário até o homem, se acha em estado perene de nascimento e morte, em fluxo constante, sujeita a incessantes mudanças e movimentos." (ENGELS, 1979, p. 491).  A concepção filosófica proposta pelo materialismo dialético é aplicada por Marx e Engels na explicação das transformações políticas e sociais oriundas do sistema capitalista, que tem entre seus fatos históricos fundamentais a ascensão da burguesia, que promoveu uma mudança social, política e econômica na condição humana de estar no mundo, possibilitando a liberdade de ação dos indivíduos nas transformações da realidade social.  A liberdade na transformação da realidade social acarreta também mudanças nas relações entre as pessoas, nos conceitos de coletivo e privado, implicando segundo o materialismo histórico dialético um novo modelo de sociedade. Sociedade esta em que o que é material, econômico está presente no ambiente, na construção psicológica do indivíduo e nas relações sociais. Vygotsky, alicerçado na teoria marxista e no materialismo histórico e dialético, elabora suas convicções teóricas apontando para o contexto social como um elemento preponderante na produção científica da psicologia. O materialismo histórico de Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) metodologicamente investiga a sociedade nos seus aspectos econômicos e históricos. A concepção filosófica do materialismo dialético postula que o organismo, os fenômenos físicos e o ambiente são mutualmente modeladores da sociedade e da cultura, isto é, existe uma relação dialética entre a matéria, o psicológico e o social. Como aponta em Contribuição à crítica da economia política: "Não é a consciência do homem que determina a sua existência, mas, ao contrário, sua existência social é que determina a sua consciência." (MARX, 1978, p. 339). Observação: a teoria marxista é um dos pilares da construção do conheci-

mento e do pensamento do século XX e base fundante da psicologia sócio-histórica. Para manutenção do foco em psicologia social, pesquise os conceitos marxistas de relações de produção e alienação a fim de aprofundar a contextualização da psicologia sócio-histórica.

capítulo 1 •

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   G    R    O  .    A    I    D    E    M    I    K    I    W

   G    R    O  .    A    I    D    E    M    I    K    I    W

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Figura 1.3 – Karl Marx (1818-1883).

Figura 1.4 – Friedrich Engels (1820-1895).

Quanto à psicologia, Vygotsky concebe o homem como produto histórico e social de seu tempo, e a sociedade é o resultado da produção histórica do homem por meio do trabalho, que constrói a vida material e as ideias.  As representações da realidade material e a própria realidade material se retroalimentam do processo histórico, da diversidade humana, das peculiaridades e do dinamismo na produção de novas convicções e das ciências, em que a psicologia é parte integrante desse contexto. Nessas circunstâncias, a visão do fenômeno psicológico como algo abstrato é abandonada e criticada. O liberalismo, componente histórico e ideológico do sistema capitalista, fruto da ascensão da burguesia, opõe-se em que o homem era sujeito a uma hierarquia universal estabelecida pela ordem suprema do divino. O homem da nova ordem social, liberal, capitalista é um sujeito, com sua individualidade valorizada pelo sistema e não mais um sujeito subordinado a doutrinas e dogmas religiosos impostos por uma hierarquia que determinava seus valores. Um dos aspectos críticos da psicologia, é que para este homem de “valores que lhe foram impostos”, não precisava psicologia. Por outro lado, o homem da “nova ordem”, capitalista, liberal, é um “ser” livre, cuja moral é dotada de direitos oriundos de sua natureza humana, com igualdade de direitos à prosperidade, segurança, liberdade e fraternidade, e em seu exercício de individualidade, a psicologia se faz importante. O sistema capitalista se abastecia deste novo homem, “ser produtivo e consumidor”, que vislumbrava as possibilidades de “ser”, “pensar” e “fazer”, a consciência da “escolha” é parte da condição humana.

capítulo 1 •

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O mundo em seu constante movimento começa a instituir a ideia de “privacidade”, e este homem que é parte de uma coletividade passa por mudanças que se impõem em todos os campos humanos. Por exemplo, na arquitetura constroem-se lugares reservados, distinguindo-os do que é público, estabelecendo diferenças como “a casa é da família” e em seu interior há locais íntimos e privados, “a rua é pública”, “fábrica é o local de trabalho”; cada objeto ganha sua própria identidade, sua marca, delimitando o que é público e o que é privado, o que é individual e o que é coletivo.  A individualidade é um “bem” do sistema capitalista, e o homem em sua individuação apropria-se da ideia de “mundo interno do sujeito” e do sentimento de EU.  A história conduz à necessidade de uma ciência que investigue os fenômenos psicológicos, eis a psicologia. Mas que coisa é esta, o fenômeno psicológico? Ora é processo, ora é estrutura, ora manifestação, ora relação, ora é conteúdo, ora é distúrbio, ora experiência. É interno, mas tem relação com o externo. É biológico, é psíquico e é social; é agente e é resultado; é fenômeno humano, relacionado ao que denominamos “eu”. (BOCK, 2007, p. 21). Buscar entender o fenômeno psicológico é uma investigação da ciência psicologia. Considerando o contexto da história da humanidade, a proposta da psicologia sócio-histórica é constantemente atualizada, pois sua essência crítica é abastecida pelo dinamismo da historicidade, que produz fenômenos de múltiplas dimensões, diariamente capazes de mudar o ser e o estar no mundo. Entretanto cabe ressaltar, que segundo a concepção de Vygotsky, a reflexão permanece, o homem é um produto sócio, histórico e cultural de seu tempo, e como tal, é preciso que a ciência tenha um olhar crítico atento às transformações sociais que demandam diferentes fenômenos individuais e coletivos em diferentes grupos humanos.

Representações sociais O conceito de representações sociais teve sua origem na sociologia de Émile Durkheim (1858-1917), que sob a influência do positivismo, dedicou sua produção acadêmica a uma sociologia que investigava por meio do método científico e da observação empírica os fatos sociais, conceituado-os como “coisa”, força/ pressão coerciva exercida sobre os indivíduos que transformam comportamentos singulares em comportamentos sociais, coletivos.

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W I   K  I   M E  D  I   A  .  O  R   G 

Durkheim afirma que: “Um fato social reconhece-se pelo seu poder de coação externa que exerce ou é suscetível de exercer sobre os indivíduos; e a presença desse poder reconhece-se, por sua vez, pela existência de uma sanção determinada ou pela resistência que o fato opõe a qualquer iniciativa individual que tenda a violentá-lo.” (DURKHEIM, 1895, 2007, p. 10).

Figura 1.5 – Émile Durkheim (1858-1917).

Sob esse prisma, a atenção da sociologia é voltada para o estudo de fenômenos que não agem apenas sobre o indivíduo, mas que atuam diretamente em todo o tecido social.  As contribuições de Durkheim foram referenciais para Moscovici, a partir da década de 1960 e Denise Jodelet, contemporaneamente.  A teoria das representações sociais  de Moscovici com a publicação de  A psicanálise, sua imagem e seu público , em 1961, indica um conjunto de conhecimentos, crenças e valores comuns entre indivíduos que interagem e constroem uma realidade, cuja experiência, permite posicionamentos individuais, embora seja fruto de um conhecimento compartilhado pelo grupo. Para Moscovici, as representações sociais revelam que: “No final das contas, ela produz e determina os comportamentos, pois define simultaneamente a natureza dos estímulos que nos cercam e nos provocam, e o significado das respostas a dar-lhes. Em poucas palavras, a representação social é uma modalidade de conhecimento particular que tem por função a elaboração de comportamentos e a comunicação entre indivíduos [...] elas têm uma função constitutiva da realidade, da única realidade que conhecíamos por experiência e na qual a maioria das pessoas se movimenta [...] é alternativamente, o sinal e a reprodução de um objeto socialmente valorizado. (MOSCOVICI, 1978, p. 26-27). Embora Moscovici tenha feito um resgate do tema em Durkheim, ele difere de seu ponto de vista quando concebe a interdependência nas relações entre sociedade e cultura e suas contradições, em função de este movimento ser dinâmico

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e não estático como afirmava Durkheim e sinaliza (DURAN, 2006 apud SOUZA et al. 2006, p. 91), em suas considerações sobre o tema: [...] enquanto Durkheim vê as representações sociais como formas estáveis de compreensão coletiva, Moscovici esteve mais interessado em explorar a variação e a diversidade das ideias coletivas nas sociedades modernas. Para Jodelet, (1985 apud SPINK, 1993, p. 300), as representações sociais “São modalidades de conhecimento prático orientadas para a comunicação e para a compreensão do contexto social, Figura 1.6 – Serge Moscovici (1925-2014). material e ideativo em que vivemos.”  Jodelet colaboradora de Moscovici, em sua leitura e interpretação das representações sociais propôs o seguinte esquema: (figura 1.7 do texto adaptado de  Jodelet, (1989 apud SPINK, 1993, p. 301):    G    R    O  .    A    I    D    E    M    I    K    I    W    ©

FORMA DE CONHECIMENTO CONSTRUÇÃO

SUJEITO

INTERPRETAÇÃO

REPRESENTAÇÃO SUJEITO

EXPRESSÃO

SUJEITO OBJETO

SIMBOLIZAÇÃO PRÁTICO

Figura 1.7 – O corpo de estudos da representação social.

O esquema propõe uma simplificação de um plano apresentado por Jodelet em 1989, na obra Représentations sociales: un domain en expansion . In: Les Représentations Sociales   (D. Jodelet, org.), p. 31-61, Paris: Presses Universitaires  de

capítulo 1 •

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France. Essa obra permite-nos visualizar os dois eixos principais deste campo de estudos: no primeiro eixo, as representações constituem formas de conhecimento prático orientadas para a compreensão do mundo e para a comunicação; no segundo eixo, elas emergem como elaborações (construções de caráter expressivo) de sujeitos sociais a respeito de objetos socialmente valorizados. As duas dimensões descortinam pressupostos de natureza epistemológica sobre a natureza do conhecimento. (SPINK, 1993, p. 301).  Jodelet explica as representações sociais como conhecimentos manifestos de elementos cognitivos, teorias, conceitos, imagens, categorias; mas é importante não os confundir com componentes cognitivos. As representações sociais são “elaboradas e compartilhadas socialmente fazem parte da construção de uma realidade comum que possibilita a comunicação”. São fenômenos sociais, obtidos a partir de conteúdo cognitivos, e sua compreensão é realizada a partir das funções simbólicas e ideológicas aplicadas e comunicadas. Na ilustração 1.8, o quadro representa as esferas intersubjetiva, resultado da interação entre as consciências dos sujeitos; subjetiva, as características particulares da consciência individual; e transubjetiva registro psíquico das representações da sociedade do meio ambiente, da realidade. NÃO HÁ INDIVÍDUO ISOLADO

NÃO HÁ PENSAMENTO DESCARNADO

INTERSUBJETIVO

SUBJETIVO RS

TRANSUBJETIVO CONTEXTO SOCIAL DE INTERAÇÃO E INSCRIÇÃO

ESPAÇO SOCIAL E PÚBLICO

Figura 1.8 – As esferas de pertença das representações sociais.

Segundo a ilustração proposta por Jodelet, não há pensamento desvinculado dos contextos sociais. As representações sociais estão no centro do intersubjetivo, subjetivo e transobjetivo do indivíduo. Somos seres sociais, interagimos com o ambiente e a subjetividade, esse conjunto simbólico e cognitivo de material psíquico que produzimos está em constante processo, nosso “mundo interno é uma obra em construção” abastecida das interações com o meio externo e interno. capítulo 1 •

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As representações sociais e a psicologia social

 As representações sociais são uma forma de conhecimento presente em vários campos do saber. Seu conteúdo articula-se de forma transversal e transdisciplinar e constitui-se como uma vertente da psicologia social.  As representações sociais são teorias produzidas pelo senso comum, uma forma de conhecimento prático, comum a maioria das pessoas adquirida a partir das experiências, observações e vivência transmitidas culturalmente. Sob o ponto de vista da psicologia, e principalmente da psicologia social, o estudo das representações sociais representa a possibilidade de um instrumento teórico de investigação dos fenômenos psíquicos e das relações que se estabelecem no imaginário individual e coletivo nos diferentes cenários humanos, como família, escola, trabalho, entre outros, de acordo com Moscovici (1978). “Um dos objetivos primordiais das representações sociais é tornar familiar algo até então desconhecido, possibilitando a classificação, categorização e nomeação de ideias e acontecimentos inéditos, com os quais não havíamos ainda nos deparado. Tal processo permite a compreensão, manipulação e interiorização do novo, juntando-o a valores, ideias e teorias já assimiladas, preexistentes e aceitas pela sociedade. É possível encontrar o hiato entre o que se sabe e o que existe, a diferença que separa a proliferação do imaginário e o rigor do simbólico.'' (MOSCOVICI, 1978, p. 67). Moscovici faculta a psicologia social tornar-se um elo de investigação entre os saberes, propiciando a valorização do conhecimento prático, desmitificando a ideia que somente o “saber científico” teorizado é o único capaz de produzir verdades cognoscíveis. “As ciências é que passaram a inventar e propor a maior parte de objetos, conceitos, analogias, formas lógicas etc., que são impostos à sociedade. Com isso, desistimos de tentar exercer o domínio sobre a maioria dos conhecimentos que nos afetam e pressupomos que um grupo de cientistas é que devem obtê-los e fornecê -los para nós, como se pensássemos e víssemos ‘por procuração.'' (MOSCOVICI, 1978, p. 20-21). Segundo (MOSCOVICI, 1978, p. 44), “A representação social constitui uma das vias de apreensão do mundo concreto, em seus alicerces e em suas consequências”. Isto é, compreender o processo de construção criativo e dinâmico das representações sociais é também uma forma de compreensão da realidade produzida nos contextos dos diferentes grupos sociais, pois o dinamismo desse processo capítulo 1 •

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implica as “trocas interativas” constantes e presentes na construção da realidade, em que todos implicam e são implicados por ela. Entretanto, cabe observar que as representações sociais não se limitam a um conhecimento com base em opiniões, superstições ou crenças místicas; é um conhecimento produzido por um grupo social, e as interações deste grupo propiciam as atualizações na transmissão desse conhecimento ao mesmo tempo na consolidação do mesmo.  A psicologia social, como parte da ciência psicologia, evidencia a importância do estudo das representações sociais como mais uma “ferramenta” na busca de compreensão dos processos humanos. Moscovici, ao protagonizar este conhecimento, refere-se a conceitos como o de ancoragem e objetivação para demonstrar como são geradas as representações sociais e como elas participam da orientação das condutas humanas. (MOSCOVICI, 1978, p. 43-44).  Ancoragem: processo de transformar algo estranho e perturbador em algo

comum, familiar, classificado por nossa cognição. Por meio da ancoragem, classificamos e nomeamos objetos, de forma que a nossa cognição os localize sem estranhamento, e assim experimentamos uma sensação confortável relacionada à possibilidade de avaliação de algo ou de uma situação que estejamos vivenciando. Dessa forma, quando classificamos algo, o objeto classificado fica atrelado a um conjunto de comportamentos e normas que estabelecem o que é permitido em relação aos outros indivíduos pertencentes a essa classificação. Objetivação: processo que visa transformar a ideia abstrata em visível, real, concretizável, concreta.  A objetivação é a capacidade de dar materialidade à ideia abstrata, por exemplo: na afirmação: “Deus é pai” a concepção de Deus (uma ideia abstrata, uma imagem nunca vista), ao compararmos com pai (uma ideia conhecida e classificada, uma imagem conhecida, representada) propiciamos e nos aproximamos de forma criativa e objetiva da concepção de Deus. Para Moscovici, existem dois grupos principais de pensamento que dão origem ao conhecimento: pensamento primitivo – forças divinas e o pensamento científico – ciência. Os indivíduos estão inseridos em um contexto que contemplam esses pensamentos repletos de palavras, símbolos, figuras nos influenciam de forma consciente e inconsciente. capítulo 1 •

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Nesse sentido, as representações têm principalmente duas funções: a convencional – acomodam os objetos, pessoas ou acontecimentos, permitindo categorizá-las para que sejam classificadas em nossas experiências, nas quais até podemos nos conscientizar a respeito delas, mas nem sempre podemos nos libertar destas, isto é, a realidade de um indivíduo é, na maioria das vezes, determinada pelo que é socialmente aceito como realidade. E a prescritiva, estas são impostas por meio de uma força inevitável, uma estrutura presente estabelecida antes de concebermos nossos pensamentos e uma tradição que determina o que deve ser pensado. As representações são impostas e transmitidas por meio das gerações, são produzidas por elaborações e mudanças ao longo do tempo, de forma que todas as interações humanas são permeadas pelas representações sociais.  As representações sociais são construtos em permanente transformação e guardam relações com o passado, com as tradições e a história, são produto da prática presente e dirigem as ações dos grupos sociais que atuam simbolicamente por meio delas, orientam a conduta humana, a mesma conduta que contribui para construir as representações.  As representações sociais constituem-se como um campo de estudo da psicologia social, e no capítulo 3, destinado à abordagem psicossocial, abordaremos novamente este conceito. As representações sociais e a psicologia cognitiva

 A teoria das representações sociais é um dos pilares da investigação científica em psicologia, uma ciência com várias ramificações e rica diversidade teórica, assume também sua presença no campo de estudo da psicologia cognitiva.  A psicologia cognitiva é uma área da psicologia na qual suas abordagens teóricas dedicam-se ao estudo dos processos cognitivos, tais como: pensamento, linguagem, memória, percepção.  A evolução da espécie humana possibilitou uma sofisticação cada vez mais refinada do desenvolvimento destes processos mentais, e cada vez mais os estudos sobre a cognição humana avançam, novas descobertas sobre as competências e habilidades intelectuais superiores são encontradas. E a natural interdisciplinaridade e transversalidade deste conteúdo propõe diálogo constante com as demais ciências como: medicina, neurociências, tecnologia e inteligência artificial, entre outras. A autora Adriana Soares, em 1993, já afirmava que a psicologia cognitiva moderna é parte de um amplo movimento associando-a às “ciências cognitivas”. capítulo 1 •

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O movimento cognitivista almeja ir além do behaviorismo, com uma crítica às suas explicações aos comportamentos humanos, principalmente os mais complexos. Para os cognitivistas, a explicação com base na premissa do comportamento humano em estímulos e respostas (E-R), é insuficiente no que tange às funções mentais. Como sinalizavam os cientistas da University Oxford, Department of Experimental Psychology, nos anos de 1989. Dessa forma, a psicologia cognitiva considera o modelo linear E-R limitante, insuficiente e consequentemente inadequado para explicar o comportamento humano, procurando substituí-lo por um esquema mais complexo e elaborado que considera de forma circular esta relação diádica entre organismo e estímulos. O organismo tem papel relevante e ativo, um sistema capaz de elaborações complexas, tais como: efetuar escolhas dentre os elementos relevantes de uma dada situação, utilizar estratégias alternativas, armazenar seletivamente informações, operar transformações sobre os elementos de forma a elaborá-los apropriadamente, operando os resultados dessas elaborações e não apenas operações ligadas e determinadas, aprioristicamente, pelos estímulos de entrada. (SPINILLO, 1989, p .6).  A psicologia cognitiva busca investigar de forma mais ampla e quantitativa este processo de elaboração interno, que envolve as funções cognitivas e que não se limita somente a uma resposta “mecânica/aprendida”.  Assim, na década de 1960, com o ressurgir do interesse pelo estudo dos processos mentais, a psicologia cognitiva transborda para a psicologia social a vários níveis. A partir da psicologia cognitiva, a psicologia social formula novos problemas, abraça novos métodos e constrói novas teorias, adaptando o interesse por modelos de processo, procurando especificar a organização mental e identificar as etapas exatas dos processos cognitivos internos subjacentes a fenômenos psicossociais. Assim, embora a psicologia social já encerra-se num carácter eminentemente cognitivo, a sistematização desse pendor cognitivo permitiria um maior desenvolvimento teórico. (HAMILTON, 1994, apud GARRIDO, AZEVEDO E PALMA, 2011, p. 126). Com esse panorama, a teoria das representações sociais revela-se como mais um instrumento de valor para as investigações na seara cognitiva. E assim, volta suas atenções para a cognição social.  A cognição social é o estudo psicológico que busca captar, entender, explicar como as pessoas se percebem e percebem as outras pessoas, e como estas percepções “permitem explicar, prever e orientar o comportamento social”. capítulo 1 •

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 A cognição social emergiu em meados dos anos 1970 e representa uma abordagem conceitual e empírica genérica (e não apenas uma subdisciplina da ciência psicológica) que procura compreender e explicar como é que as pessoas se percebem a si próprias e aos outros, e como é que essas percepções permitem explicar, prever e orientar o comportamento social. Um dos aspectos mais idiossincráticos dessa abordagem é o fato de o estudo dos fenômenos sociais ser realizado por meio da investigação das estruturas e processos cognitivos pelos quais operam (HAMILTON et al., 1994; SHERMAN, JUDD, & PARK, 1989). Decorrente da estreita relação que mantém com a chamada revolução cognitiva, esta abordagem ficou conhecida como cognição social (McGUIRE, 1986), perspectiva cognitiva (MARKUS & ZAJONC, 1985) ou paradigma do processamento de informação (DUVEEN, 2000), sendo este, inicialmente, o modelo de processamento que orientou a abordagem dos fundamentos cognitivos dos fenômenos sociais. (HAMILTON et al. 1994, apud GARRIDO, AZEVEDO e PALMA, 2011, p. 116). Considerando que a cognição é formada por um conjunto de valores, crenças, percepções, pensamentos, lembranças e atitudes que determinam comportamentos, inferir que as representações sociais são parte deste conjunto é apropriar-se de um instrumento teórico que possibilita avançar na compreensão dos fenômenos humanos. Serge Moscovici formula sua teoria na década de 1960 tomando como contraste o conceito de atitudes individualizado da psicologia social norte-americana. A TRS começa a ter impacto na década de 1970 e, sobretudo, nos anos 1980. No texto “O início da era das representações sociais”, Moscovici (1982) afirma o caráter complementar da TRS em relação às abordagens cognitivistas. Para ele, o problema central da psicologia a partir da segunda metade do século  XX foi a redescoberta da mente social. Três fases ou períodos conceituais ocorrem na psicologia para responder a esse problema: as atitudes sociais, a cognição social e as representações sociais. (MENDONÇA e LIMA, 2014, p. 192). O conceito de ancoragem proposto por Moscovici e dissecado por Doise em 1992 ilustra a aplicação teórica das representações sociais e sua estreita relação com a cognição social, quando salientamos o item: “i) a ancoragem do tipo psicológico diz respeito às crenças ou valores gerais que podem organizar as relações simbólicas com o outro.”. Assim posto, a ancoragem é um aparelho teórico cuja possibilidade de transformar algo estranho e perturbador em algo comum, familiar, classificado por nossa cognição, age efetivamente em nossas crenças e valores e organiza nossas relações simbólicas e interações com os outros, isto é: como percebemos e como construímos cognitivamente a percepção que temos do outro. capítulo 1 •

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Conforme (DOISE 1992, p. 189-195) em sua classificação estabelece como a ancoragem atua na forma de como os indivíduos localizam-se simbolicamente nas relações sociais e como as relações simbólicas permeiam entre grupos. Vejamos:' ''I. A ancoragem do tipo psicológico diz respeito às crenças ou valores gerais que podem organizar as relações simbólicas com o outro; II. A ancoragem do tipo psicossociológico inscreve os conteúdos das representações sociais na maneira como os indivíduos se situam simbolicamente nas relações sociais e nas divisões posicionais e categoriais próprias a um campo social definido; III. A ancoragem do tipo sociológico refere-se à maneira como as relações simbólicas entre grupos intervêm na apropriação do objeto.” (DOISE, 1992, p. 190).

EXEMPLO Considerando a teoria das representações sociais um instrumento eficaz, podemos ilustrar o exemplo de sua eficiência a partir da ancoragem e da objetivação de uma ideia dissonante. A dissonância cognitiva é um sentimento incômodo e desagradável quando um indivíduo sustenta duas ideias conflitantes. Como por exemplo, “o desejo de fumar ou não fumar”: IDEIAS CONFLITANTES: COGNIÇÕES CONTRADITÓRIAS: 1. (FUMAR - EU FUMO) 2. (FUMAR FAZ MAL À SAÚDE) DISSONÂNCIA COGNITIVA

MODIFICANDO UMA OU VÁRIAS CRENÇAS/COGNIÇÕES: ''NA REALIDADE NÃO FUMO TANTO ASSIM''

MODIFICANDO A IMPORTÂNCIA PERCEBIDA DE UMA CRENÇA/COGNIÇÃO: ''NÃO É SÓ FUMAR QUE FAZ MAL A SAÚDE''.

ADICIONANDO OUTRAS CRENÇAS/COGNIÇÕES: ''EU LEVO UMA VIDA SAUDÁVEL, UM DESLIZE NÃO VAI FAZER MAL''.

NEGANDO AS CRENÇAS/COGNIÇÕES QUE ESTÃO RELACIONADAS: ''TODO MUNDO MORRE''; ''NÃO É O CIGARRO QUE VAI ME MATAR''.

No exemplo demonstrado, observamos a ancoragem quando a ideia dissonante: “Fumar x fumar faz mal à saúde” passa pelo processo de ser “algo perturbador” para tornar-se algo “comum” e a objetivação, a ideia abstrata concretizada “todo mundo morre”. Nesse exemplo destacamos um dilema individual, mas o mesmo exemplo pode ser aplicado no comportamento social de fumar em locais públicos.

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ATIVIDADE Experimente fazer este exercício:







Qual seria a ideia dissonante? Como as crenças foram se modificando? Como as crenças sociais passaram a ser percebidas?

 A teoria das representações sociais e a psicologia cognitiva estabeleceram uma parceria de muitas contribuições no campo de estudo da cognição social, tornandose uma via acessível de investigação dos valores e das crenças que são determinantes do nosso comportamento; e como as funções cognitivas lidam com esta apropriação simbólica de mundo, elaboram e as explicitam por meio do comportamento social.

A psicologia crítica  A psicologia crítica é o “olhar” da ciência para si mesma, a problematização das questões que envolvem o campo de saber da psicologia. A promoção de novas discussões e descobertas dão requinte e atualizam as questões da psicologia social. No final do século XX, em particular no fim da década de 1980, a reflexão crítica sobre a ciência psicologia e a necessidade de expansão do pensamento crítico na psicologia vêm sendo intensificadas por discussões acerca da eficiência e finalidade das diferentes teorias psicológicas. “É fundamental trazer para o centro das discussões a inconsistência de muitas teorias psicológicas, sustentadas ora por concepções subjetivistas, as quais analisam os fenômenos psicológicos como produtos internos do indivíduo, ora por visões objetivistas, que os compreendem como resultados de influências exteriores, limitando-se a um enfoque estritamente sociopolítico que reduz todos os problemas ao conhecimento e à crítica das relações sociais. [...]. As implicações dessas teorias são já bastante conhecidas: a descontextualização e fragmentação do indivíduo, a psicologização do social e a naturalização dos fenômenos humanos como resultado da negação seu caráter fundamentalmente histórico, a desconsideração pelas desigualdades sociais e, concomitantemente, uma acentuada preocupação

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com a construção de teorias e técnicas dirigidas principalmente à adaptação social dos indivíduos.” (MEIRA, 2012, p. 1). Esse movimento crítico problematiza as concepções teóricas da psicologia que restringem a produção de conhecimento a uma visão estreita do indivíduo, direcionando seu enfoque para os fenômenos psicológicos internos, ou para as relações sociais. Nesse contexto, “à adaptação social dos indivíduos”, a psicologia crítica sinaliza o comprometimento ideológico da psicologia com a evolução e consolidação do sistema capitalista e propõe o aprofundamento destas discussões, enfatizando a necessidade de uma produção teórica que contemple de forma plena a relação entre indivíduo e sociedade e exponha perspectivas emancipatórias para a sociedade contemporânea. Para o exercício da psicologia crítica, uma das contribuições teóricas mais importantes é o materialismo histórico dialético, que sustenta na reflexão dialética a busca de compreensão de fenômenos sociais tangíveis e multifatoriais, explicitados pela ação humana transformadora de realidades históricas. Marx, explica esta ação por meio da crítica à economia política, e o estudo das relações de produção do sistema capitalista, como descreve, (MEIRA, 2012, p. 2). “Para se expandir o capital, necessita do processo social de produção e troca, o qual garante a transmigração do valor da forma mercadoria para a forma dinheiro e a apropriação da mais-valia pelos proprietários dos meios de produção. E, para se reproduzir, precisa manter as relações de produção, o que implica necessariamente a busca pela produtividade máxima e a dominação de uma classe sobre a outra. Ao apreender essa gênese categorial do capital, Marx na verdade delimitou os fundamentos de uma concepção materialista de história, na medida em que tornou claro que o fator determinante das formas de organização social é o modo pelo qual se realiza a produção material de uma dada sociedade. Marx e Engels utilizaram a metáfora do edifício para explicitar esta ideia. Da mesma forma que em um edifício os alicerces servem de base para toda a construção, a estrutura econômica (a base ou infraestrutura) condiciona tanto a existência e as formas do estado, quanto a consciência social (a superestrutura) [...]. Desse modo, a estrutura econômica da sociedade constitui a base real que explica, em última análise, toda a superestrutura integrada pelas instituições jurídicas e políticas, bem como as diferentes ideologias de cada período histórico”.  Assim, sob o ponto de vista da psicologia crítica, as contribuições marxistas são fundamentais para a reflexão crítica da psicologia, porque embasam as

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discussões da relação entre indivíduo e sociedade, contemplando as dimensões históricas, políticas e sociais que permeiam as ações humanas. Outro ponto importante é o olhar da ciência para si mesma, a autocrítica que envolve a reflexão crítica ao conhecimento e também exerce um papel preponderante para a psicologia. É por meio da geração de conhecimentos, da observação de fenômenos e da investigação científica que as ciências contextualizam historicamente a realidade social e investigam como acontecem as transformações e as relações sociais envolvidas no período em estudo. Nesse sentido, a psicologia crítica também é pontuada por momentos históricos da ciência psicologia, entre eles destacamos em sua trajetória:  Wundt em 1879, com a criação do primeiro laboratório de psicologia no Instituto Experimental de Psicologia da Universidade de Leipzig, na Alemanha, distingue a psicologia das outras ciências. Concebe a psicologia experimental e uma psicologia dentro da psicologia que chamou de social. Entretanto, fiel ao seu tempo, a psicologia social era concebida como a “soma das individualidades”. No espírito da época, nas pegadas de Descartes, a psicologia social que se estruturou foi uma psicologia individualista, em que o social não passava de soma de individuais. Há, contudo, tentativas de criação de uma psicologia social que desse conta do imaterial, psíquico, simbólico, representacional. A primeira delas são os 10 volumes de Wundt de psicologia social e os estudos de Durkheim sobre representações coletivas. Se Wundt, por um lado, separou o social do individual, Durkheim, por sua vez, “corporificou”, “reificou” seu social, suprimindo o individual. (GUARESCHI, apud JACÓ-VILELA et al., 2012, p. 35). Segundo Guareschi (2004 apud JACÓ-VILELA et al, 2012), “Ao final do século XIX e início do XX, para se poder dar conta do social, houve uma tentativa de criação de uma psicologia ‘coletiva’, das massas e da cultura”. Tal psicologia, contudo, não foi à frente devido, segundo estes autores, ao fato de ter sido identificada como “irracional” e perigosa. Cabe observar, que o contexto das ciências neste período é racional e positivista, uma psicologia das massas não cumpriria o protocolo de um experimento científico. Nos Estados Unidos da América, o behaviorismo, a partir de 1913, estuda o comportamento de animais e humanos.  As abordagens teóricas contemporâneas do século XX como a gestalt que “valorizou as experiências vividas”, e a psicologia cognitiva “os processos cognitivos”, mantiveram-se imbuídas na compreensão individual dos fenômenos humanos.

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Nesse contexto, em 1924 a psicologia sócio histórica de Vygotsky, nasce essencialmente crítica, e autocritica, fundamentada por sua gênese epistemológica a teoria Marxista e o filosófico Materialismo histórico e dialético, conforme descrito no início capítulo(A Psicologia sócio histórica) e discutido pela psicologia crítica, que enfatiza a concepção do “ Homem como um produto sócio histórico e cultural de seu tempo”. E ainda, podemos fazer uma referência a Moscovici, em que a psicologia social se autoquestiona e amplia suas investigações, estabelecendo relações entre o indivíduo, o grupo, o meio ambiente social e as representações simbólicas individuais e coletivas. Esses questionamentos levam a duas visões da psicologia social, uma que é investida de uma ideologia capitalista: “A ação humana é concebida como determinada pelos imperativos de uma economia de mercado e de lucro”, (objeto de reflexões da psicologia crítica, quando sinaliza o comprometimento ideológico da psicologia com a evolução e consolidação do sistema capitalista); e uma psicologia social que enfatizava as interações sociais com uma herança filosófica das concepções de marxistas embasadas na relação entre indivíduo e sociedade (contemplando as dimensões históricas, políticas e sociais que permeiam as ações humanas).  A perspectiva contemporânea da psicologia social crítica adota um posicionamento analítico efetivo em relação às instituições. “Tais perspectivas guardam em comum o fato de adotarem uma postura crítica em relação às instituições, organizações e práticas da sociedade atual, bem como do conhecimento até então produzido pela psicologia social a esse respeito. Nesse sentido, colocam-se contra a opressão e a exploração presentes na maioria das sociedades e têm como um de seus principais objetivos a promoção da mudança social como forma de garantir o bem-estar do ser humano.” (HEPBURN, apud FERREIRA, 2010, p. 51)  A psicologia crítica contemporânea do século XXI, ampliou ainda mais seus campos de investigação, releituras e novas contribuições. Apresenta novos argumentos e articula-se de forma crítica “em relação às instituições, organizações e práticas da sociedade”, entre seus objetivos está o fomento das transformações sociais, do bem-estar humano e da autoavaliação da própria psicologia e sua efetividade prática como uma ciência a serviço das pessoas.

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RESUMO As novas abordagens da psicologia social procuram superar as críticas e limitações do enfoque inicial dessa psicologia, que tinha base em descrever, observar e medir encontros sociais, privilegiando as interações e a adequação de comportamentos dos indivíduos no ambiente social. As perspectivas teóricas da psicologia sócio-histórica estão fundamentalmente ligadas ao cenário histórico, social, político, científico e filosófico do século XIX e XX, desde seu início com Wundt. A abordagem sócio-histórica propõe ênfase ao contexto social, histórico e cultural, proposto por Vygotsky, alicerçado no materialismo histórico e dialético de Marx e Engels, concebe o homem como um produto histórico e social de seu tempo, e a sociedade como resultado da produção histórica do homem por meio do trabalho, imprimindo uma visão crítica e metodológica, materializando o objeto de investigação da psicologia para além das conjecturas abstratas acerca da condição humana. A teoria das representações sociais de Moscovici estabelece um conjunto de conhecimentos, crenças e valores comuns entre indivíduos que interagem e constroem uma realidade, cuja experiência permite posicionamentos individuais, embora seja fruto de um conhecimento compartilhado pelo grupo. A psicologia cognitiva busca investigar de forma mais ampla e quantitativa este processo de elaboração interno, que envolve as funções cognitivas; e articula-se com as representações sociais na investigação dos fenômenos humanos. A psicologia crítica propõe a problematização as questões que envolvem o campo de saber da psicologia, a investigação científica das relações entre a sociedade e o indivíduo. A geração de conhecimento, o papel da ciência na investigação da realidade social e o contexto histórico que está inserido. A psicologia crítica contemporânea ampliou os campos de investigação psicológica, e articula-se por meio da reflexão crítica em relação às instituições, organizações e práticas da sociedade, fomentando as transformações sociais, o bem-estar humano e a autoavaliação da psicologia, e sua efetividade prática como uma ciência a serviço das pessoas.

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ATIVIDADE Acesse o site: . Leia atentamente o texto proposto. Em seguida, faça uma resenha crítica com base em sua leitura.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOCK, Ana Mercês Bahia, GONÇALVES Maria da Graça Marchina, FURTADO Odair (orgs). Psicologia sócio-histórica: uma perspectiva crítica em psicologia. São Paulo: Cortez, 2007.

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DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico (Trad. Paulo Neves); revisão de tradução Eduardo Brandão, São Paulo: Martins Fonte, 2007. (Coleção Tópicos) DURKHEIM, Émile. Lições de Sociologia. São Paulo: Martins Fontes, 2013. ENGELS, Friedrich. Dialética da Natureza. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. FERREIRA, Maria Cristina. Psicologia social contemporânea: principais tendências e perspectivas nacionais e internacionais. Brasília: Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 26 n. especial, 2010. GARRIDO, Margarida Vaz; AZEVEDO, Catarina e PALMA, Tomás. Cognição social: fundamentos, formulações atuais e perspectivas futuras. Psicologia [online] v. 25, n. 1, 2011. JACÓ-VILELA, Ana Maria e SATO, Leny, orgs. Diálogos em psicologia social [online]. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2012. JODELET, Denise. Representações sociais: um domínio em expansão. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2001. MARX, Karl. Para a crítica da economia política: Coleção os Pensadores: Karl Marx. Tradução de José Arhur Giannoti e Edgar Malagodi. São Paulo: Abril Cultural, 1978. MEIRA, Maria Eugênia Melilo. A crítica da psicologia e a tarefa da crítica na psicologia. São Paulo: Revista Psicologia Política, v. 12, n. 23, 2012. MENDONÇA, Anderson, e LIMA, Marcus Eugênio. Representações sociais e cognição social/ Social representations and social cognition. Rio de Janeiro: Psicologia e Saber Social,

UERJ, 2014. Disponível em: . Acesso em: 20 jan. 2017. MOSCOVICI, Serge. A representação social da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. capítulo 1 •

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SOARES, Adriana. O que são ciências cognitivas. São Paulo: Brasiliense, 1993. (Coleção Primeiros Passos) SOUSA, Clarilza P. de; PARDAL, Luís A; VILLAS BÔAS, Lúcia P. S. Representações sociais sobre o trabalho docente. Aveiro: Universidade de Aveiro, 2006.

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STREY, Marlene et al. Psicologia Social Contemporânea. Rio de Janeiro: Vozes, 2013.

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2 Dimensões conceituais da psicologia social

Dimensões conceituais da psicologia social Conforme foi visto no primeiro capítulo, a psicologia social é uma área de conhecimento que relaciona temas que envolvem as questões humanas individuais e compartilhadas com a coletividade.  As perspectivas teóricas das novas abordagens em psicologia dialogam com outras áreas do saber como a sociologia, a história, a política, a economia, entre outras. Construindo articulações teóricas que permeiam a psicologia social em sua abordagem sócio histórica.  As representações sociais e suas contribuições nas investigações para compreensão do contexto social e a psicologia cognitiva aprofundam os conhecimentos com o desenvolvimento de pesquisas sobre as elaborações cognitivas humanas. A psicologia crítica, no seu exercício avaliativo, propõe a efetividade de ações da psicologia social sobre as instituições, organizações e práticas da sociedade.  A partir desse amplo contexto, neste capítulo serão abordados temas importantes das dimensões conceituais da psicologia social como: identidade, ideologia, indivíduo, fenômeno social e subjetividade, família e gênero.

OBJETIVOS •







Compreender os conceitos da psicologia social; Articular os conceitos da psicologia social com outras ciências; Identificar os conceitos da psicologia social no contexto de suas atribuições; Aplicar e relacionar os conceitos de psicologia social.

Identidade Rock Estrela  Quem sou eu e quem é você  Nessa história eu não sei dizer   Mas eu acredito que ninguém Tenha vindo pro mundo a passeio

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De onde se vem pra onde se vai  Só importa saber pra quê (pra quem) Pois o destino transforma num dia  Um menino em herói de TV  Um dia a gente se encontra  No meio do mundo Depois a gente se perde  No meio do mundo Rock estrela, rock estrela  Rock estrela, rock estrela  Quem sou eu e quem é você  Nessa história eu não sei dizer   Mas eu acredito que ninguém Tenha vindo pro mundo a passeio De onde se vem pra onde se vai  Só importa saber pra quê (pra quem) Pois o destino transforma num dia  Um menino em herói de TV  E enquanto a gente pensa  Que já sabe de tudo O mundo muda de cena  Em menos de um segundo Rock estrela, rock estrela  Rock estrela, rock estrela 

Léo Jaime Para discorrer sobre o conceito de identidade, é importante distinguir as diferentes dimensões e pluralidade histórica que este conceito apresenta. “A importância conferida ao estudo da identidade foi variável ao longo da trajetória do conhecimento humano, acompanhando a relevância

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atribuída à individualidade e às expressões do eu nos diferentes períodos históricos”. (JACQUES, 1998, apud SREY et al. 2013, p. 159).  A identidade pressupõe uma identificação pessoal, singular “quem sou eu” como pergunta a música do compositor Léo Jaime, entretanto esta dimensão pessoal também tem contornos de uma dimensão social: “Mas eu acredito que ninguém/ enha vindo pro mundo a passeio” [...] “Um dia a gente se encontra no meio do mundo, depois a gente se perde no meio do mundo”. Uma dimensão social, que se dá a partir das interações. O processo de construção da identidade está em constante movimento: “E enquanto a gente pensa que já sabe de tudo, o mundo muda de cena em menos de um segundo”. Iniciamos o tema com a letra da música “Rock Estrela” do compositor Léo  Jaime, para ilustrar o caráter multidimensional do conceito de identidade, que a partir de agora, trataremos de forma pontual em uma perspectiva de sua trajetória histórica e na visão da psicologia social. Na história da humanidade, a Antiguidade, em particular no mundo ocidental, a partir da herança greco-romana, que chegou até nós brasileiros, a partir da expansão ibérica, por nossa colonização realizada pelos portugueses, valorizava a individualidade. Com base em características individuais, origens familiares e relações de poder estabelecidas por meio das posses econômicas de um cidadão (expressão de herança grega para homens livres de posses que exerciam a democracia grega). As pessoas que não possuíam as qualificações determinadas pela organização social vigente, eram excluídas da sociedade, nos referimos a servos e escravos, pessoas “sem identidade”, isto é, pessoas que não recebiam o reconhecimento de sua individualidade e não desfrutavam os direitos sociais dos cidadãos, somente possuíam a função de servir. Na Idade Média, período histórico concebido entre o século V e o século XV, também conhecido como “Idade das revas e Idade da Fé”, foi marcado pelas guerras expansionistas de territórios, e a presença da Igreja Católica como um poder político e religioso regulador da organização social europeia, o “Velho Mundo”. Na Idade Média, o cristianismo, doutrina religiosa estabelecia um código de comportamento descrito em seu livro sagrado, a Bíblia. E o “corporativismo” do sistema feudal, sistema econômico, modo de produção e de organização social que se estrutura como forma de proteção das invasões territoriais realizadas por bárbaros, estabelecia relações hierárquicas servis entre os senhores feudais (detentores das terras nobres, os feudos), seus vassalos (cidadãos que oferecem sua lealdade

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e trabalho em troca de uma posição social no feudo) e os camponeses (camada pobre da população que ofereciam seu trabalho a aos nobres senhores em troca de proteção e comida) exercia um papel fundamental na concepção do homem da Idade Média.  A organização do sistema feudal concebe a importância do social e do “bem coletivo”, na constituição do homem, por meio da ideia de proteção mútua propagandeada pelo feudalismo, para a manutenção do corporativismo, doutrina que defende o espírito de grupo. O Renascimento, período histórico compreendido entre final XIV e o século  XVI, caracterizado inicialmente como um movimento artístico e cultural, nascido na Itália e irradiado por toda a Europa torna-se um divisor histórico entre as concepções do sistema feudal, marcadas pela submissão estabelecida pela doutrina religiosa, as mudanças na organização política e social, com a ascensão da burguesia (uma nova classe social) e a passagem do sistema feudal para o sistema capitalista. Nesse contexto de transformações, o homem renascentista por meio das artes, retoma valores greco-romanos, em que há um predomínio da visão antropocêntrica (concepção do homem como centro da compreensão humana), desenvolvendo o humanismo renascentista com ideias que valorizam o homem e suas capacidades intelectuais. Entretanto, esse reconhecimento humanista, só é aplicável aos homens que exercem cidadania; serviçais, homens escravizados e camponeses permanecem sem direitos sociais. O Iluminismo, movimento político, filosófico, social, econômico e cultural do século XVIII, nascido na França e posteriormente disseminado para os outros países europeus, defendia o conhecimento racional, a educação, a liberdade religiosa. Caracterizou-se como um movimento de oposição ao poder absoluto da realeza, às estruturas do sistema feudal e às imposições doutrinárias da Igreja Católica, privilegiava a razão e preocupava-se com o homem consciente de suas ações que permanecia imutável em seu percurso de vida. As ideias iluministas foram fundamentais para as mudanças de concepções na história da humanidade, inclusive como base da Revolução francesa, tema que será tratado neste capítulo em Família e Direitos Humanos. Com a Idade Moderna, período considerado pelos historiadores entre os séculos XV e XVIII, marcado por fatos históricos como a conquista turca de Constantinopla, a expansão marítima às Índias, a descoberta das Américas (Grandes Navegações), o Renascimento, o absolutismo, o Iluminismo e a Revolução Francesa. capítulo 2 •

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Com o sistema capitalista (mercantilista, no qual tudo é negociável e sujeito ao lucro) e a ascensão da burguesia ocorre uma nova ordem social, que modifica a concepção do homem de estar no mundo, em que o sentimento corporativista, de bem coletivo, do sistema feudal é desfeito por completo. No sistema capitalista, as perspectivas individuais são compreendidas como um valor, a ideologia do sistema capitalista inclui todas as pessoas e comporta a ideia do lucro individual como o objeto de conquistas sociais.  A teoria marxista problematiza as relações entre indivíduo e sociedade e questiona o egocentrismo e sua valorização.  A partir deste contexto histórico, as ciências preocupam-se em voltar suas investigações para o processo de construção da identidade deste sujeito histórico imerso em um novo contexto social, a partir do capitalismo, em que os valores corporativistas cuja prioridade é o bem coletivo, não são mais prioritários. Considerando a historicidade, a trajetória do homem registra em sua narrativa o “convívio” da dicotomia humana entre a individualidade e a coletividade em seus diferentes momentos. Neste contexto, Hall, destaca sob o enfoque histórico, sociológico e contemporâneo três diferentes tipos de identidade relacionando-as aos seus respectivos períodos históricos. “Há três tipos de identidades relacionadas a diferentes períodos históricos: identidade do sujeito iluminista, em que se entendia identidade como um núcleo no interior do homem que nasceu com ele e permaneceria idêntico até sua morte; identidade do sujeito sociológico da Idade Moderna, em que ainda se considerava o núcleo ou essência interior chamado de identidade. Mas também, que ela é formada e modificada na interação entre o eu e a sociedade e, por último, identidade do sujeito pós-moderno da atualidade, na qual essa identidade passa a ser fragmentada, em que um indivíduo pode conter várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não resolvidas. [...] as identidades culturais são aqueles aspectos de nossas identidades que surgem de nosso ‘pertencimento’ a culturas étnicas, raciais, linguísticas, religiosas e acima de tudo, nacionais.” (HALL, 2011, p. 8). Este autor agrupa três tipos de identidade relacionando-os aos seus períodos históricos. Define identidade cultural, e ainda sinaliza em suas discussões que os aspectos que foram o centro e o ponto de unificação da identidade no passado, na atualidade, estão em processo de mudança e fragmentados pela globalização, um conjunto de transformações sociais, econômicas, políticas e culturais que a partir do final do século XX interligou o mundo, tornando-o “Uma Aldeia global”.

capítulo 2 •

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LEITURA Para contextualizar as discussões, sob o ponto de vista de Hall sobre identidade, leia o texto “A identidade cultural na pós-modernidade de Stuart Hall”. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2011

Sob o ponto de vista da psicologia, relembramos conceitos importantes descritos no capítulo 1 ( A psicologia crítica ), que na trajetória da psicologia contribuíram para o estudo da identidade.  Wundt, a partir de 1875, determina como objeto de estudo a experiência consciente do indivíduo. Edward Bradford itchener (1867-1927), com o estruturalismo, estuda os conteúdos mentais os quais permitem que a experiência se torne consciente. William James (1842-1910), com o funcionalismo, estuda as funções dos processos biológicos, a capacidade adaptativa do homem. O behaviorismo priorizou os aspectos fisiológicos e concebeu o homem como resultado de condicionamentos. A escola da gestalt valorizou a percepção e as experiências sensoriais. A psicanálise conjecturou sobre as forças internas, instintivas e o aparelho psíquico do homem, priorizando sua individualização. A psicologia cognitiva concentra suas investigações nos processos cognitivos. E a psicologia sócio-histórica fundamentada pelo marxismo e pelo materialismo histórico e dialético, sustenta a posição do homem como sujeito social inserido em um contexto sócio-histórico, “um produto histórico e social”, e abraçam o termo identidade no tratamento do homem em seus estudos. Ciampa, (2007, p. 137), que desde 1987, foi um dos pioneiros no Brasil sobre os estudos da identidade, conceituou-a da seguinte forma: “[...] identidade é o reconhecimento de que é o próprio de quem se trata; é aquilo que prova ser uma pessoa determinada, e não outra.” No curso do estudo desta temática, atribuiu-se ao conceito de identidade diferentes sentidos, como destacou Jacques (1998, apud SREY, 2013, p. 161) “a identidade passa a ser qualificada como identidade pessoal (atributos específicos do indivíduo) e/ou identidade social (atributos que assinalam a pertença a grupos ou categorias)”; e ainda, incluso no conceito de identidade social, temos a identidade cultural – na qual o indivíduo se reconhece pelos valores que compartilha com a sua comunidade. E ainda, a complexidade do conceito comporta (segundo SREY, 2013, p. 161) o conceito de identidade psicológica de Jurandir Freire Costa, referindo-se a um atributo do eu, singular, pessoal. E o de Habermas a identidade do eu, uma identidade natural capítulo 2 •

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que se integra na igualdade; todos possuímos singularidades e na diferença em relação às outras pessoas, exatamente por termos particularidades, dispomos de diferenças.  A identidade como objeto de estudo da psicologia transita em diferentes dimensões, do contexto individual, subjetivo, ao contexto social compartilhado com o coletivo. Podemos ilustrar o conceito da seguinte forma:    M    O    C  .    Y    A    B    A    X    I    P    ©

 ©

P  I   X  A  B  A  Y  .  C   O  M

?

Figura 2.1 – Identidade Pessoal.

Figura 2.2 – Identidade social I.  ©

   M    O    C  .    Y    A    B    A    X    I    P

P  I   X  A  B  A  Y  .  C   O  M

   ©

Figura 2.3 – Identidade social II.

Figura 2.4 – Identidade cultural.

Sob o ponto de vista sócio-histórico, a identidade é a singularidade do indivíduo que é construída a partir das condições fornecidas pelo contexto social por meio da interação com as pessoas. Isto é, as características biológicas inatas não garantem a humanidade do sujeito e a percepção do humano é construída na relação com outro ser humano, os homens se humanizam mutuamente.  A identidade é construída a partir das vivências do sujeito, é um processo gradativo que tornar-se-á a referência da autoimagem e da autoconsciência, e formase por meio dos vários papeis sociais que são vivenciados. Marx (1978, apud LAURENI e BARROS, 2000, p. 5), afirma esta relação intrínseca entre o indivíduo e a sociedade: “A sociedade é, pois, a plena unidade essencial do homem com a natureza, a verdadeira ressurreição da natureza, o naturalismo acabado do homem e o humanismo acabado da natureza”. Essa relação inerente entre homem e sociedade não o divide, pelo contrário, mantém a unicidade do ser, “o homem é um ser social”, e como tal, o sentimento de pertencimento ao(s) diferente(s) grupo(s) social(is) consolida sua condição de “estar no mundo” e compõe sua identidade. capítulo 2 •

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Nesse sentido, os diferentes papéis sociais desempenhados pelo indivíduo em sociedade, pai, filho, mãe, trabalhador, trabalhador, amigo, estudante, entre outros são impregnados de sua identidade e realizados em seu meio social. Quanto ao contexto histórico e cultural, ao longo do percurso de nossas vidas, o homem passa por transformações sociais, em que novas concepções vão agregando novos valores, posicionamentos pessoais, novas ideias e convicções, fazendo com que o indivíduo sob a influência do tempo tenha que se reinventar continuamente. “[...] O sujeito nunca é idêntico a si mesmo por todo o sempre, já que guarda uma abertura para o tempo, um tempo histórico que o vai posicionar na diferença e não no mesmo, através dos tempos. O que se repetiria seria a produção, a potência de diferenciação e não o sujeito. su jeito.”” (GUARESCHI et al., 2003, p. 47). Seja sob o ponto de vista histórico, ou sob a investigação do contexto sociocultural, o homem no processo dinâmico de construção da sua identidade está sujeito à passagem por todas as transformações de seu tempo. No cenário contemporâneo, a identidade está adquirindo novos contornos à sua discussão, no campo político social, em relação às novas mídias e aos novos meios de produção do capitalismo contemporâneo. Entretanto, seu caráter dinâmico, comunicativo e cultural, resultante das interações humanas permanece em constante movimento como o tempo que constrói a história humana. Caberia ainda, explorarmos a subjetividade, parte integrante do conceito de identidade, entretanto, trataremos de subjetividade em particular, como um tema específico deste capítulo.

Ideologia Ideologia é uma das dimensões conceituais da psicologia, mencionada quando tratamos do tema identidade, foi proposta pelo filósofo francês Antoine Destutt de racy (1754-1836), que a define um conjunto de sistemas e doutrinas filosóficas, políticas, morais e sociais que indicam como pensamos e percebemos o mundo. Segundo o dicionário Aurélio 2016, é um conjunto de ideias, convicções e princípios filosóficos, sociais, políticos que caracterizam o pensamento de um indivíduo, grupo, movimento, época, sociedade. A ideologia é conceituada de diferentes formas. “Processo de produção de significados na vida social; corpo de ideias de determinado grupo ou classe social; ideias (falsas ou não) que ajudam a legitimar o poder político da classe dominante; comunicação sistematicamente distorcida; formas de pensamento motivadas por interesses sociais; ilusão socialmente necessária; conjuntura de discurso e de poder; conjunto de crenças orientadas para a capítulo 2 •

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ação; veículo pelo qual os atores entendem o seu mundo; confusão entre a realidade linguística e a realidade fenomenal; processo pelo qual a vida social é convertida em uma realidade natural; meio pelo qual os indivíduos vivenciam suas relações com uma estrutura social.” social.” (EAGLEON, 1997, apud XAVIER XAVIER 2002, p.31). Para o marxismo, segundo o dicionário on-line de significados, 2017, é a “totalidade das formas de consciência social, o que abrange o sistema si stema de ideias que legitima o poder econômico da classe dominante (ideologia burguesa) e o que expressa os interesses revolucionários da classe dominada (ideologia proletária ou socialista)”. Segundo o filósofo franco-argelino Louis Althusser (1918-1990), que discutiu ideologia relendo o conceito marxista, e definindo-a como: “Uma representação da relação imaginária dos indivíduos com suas condições reais de existência, “A “A ideologia tem existência material” e “A ideologia interpela os indivíduos enquanto sujeitos”. Em sua análise dos conceitos marxistas, Althusser avança para os conceitos de  Aparelhos  Aparelhos Ideológic Ideológicos os de de Estado Estado e Aparel Aparelhos hos Repressiv Repressivos os do do Estado Estado,, a partir da análise dos conceitos de “infraestrutura e a superestrutura”, utilizados por Marx e Engels para explicar a estrutura econômica, a consciência e as forças de ação do Estado. “Marx e Engels utilizaram a metáfora do edifício para explicitar esta ideia. Da mesma forma que em um edifício os alicerces servem de base para toda a construção, a estrutura econômica (a base ou infraestrutura) condiciona tanto a existência e as formas do Estado, quanto a consciência social (a superestrutura). [...]. Desse modo, a estrutura econômica da sociedade constitui a base real que explica, em última análise, toda a superestrutura integrada pelas instituições jurídicas e políticas, bem como as diferentes ideologias de cada período histórico”. histórico”. (MEIRA, 2012, p. 2) (Citado no capítulo 1- A psicologia crítica ). ). Segundo Althusser, Althusser, a metáfora objetiva representar a determinação da base econômica (sistema e forças produtivas) sobre o que ocorre na superestrutura – as instituições jurídicas e políticas (o direito e o Estado) e a diversas ideologias políticas, legais, religiosas, éticas etc., que se relacionam de forma dialética, em que as relações sociais se estabelecem de forma inerente e interligadas pelas forças produtivas.  A infraestrutura (base econômica da sociedade) se dá entre o homem e a natureza-proprietário e proletário; a superestrutura, (base ideológica i deológica do sistema capitalista) é dominação ideológica das instituições sociais, (doutrinas religiosas, direito, educação, Estado, entre outros).  Althusser,  Althusser, em sua análise, indica determinação da infraestrutura sobre a superestrutura, ou seja, o que acontece na superestrutura se dá pela eficácia da base econômica em atingir a superestrutura, sinalizada "por diferentes índices de eficácia" (ALHUSSER, 1992, p. 61). capítulo 2 •

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 Althusser então conceitua “Aparelhos Ideológicos do Estado” Estado” como "certo número de realidades que se apresentam ao observador imediato sob a forma de instituições distintas e especializadas.". (ALHUSSER, (ALHUSSER, 1992, p. 68) Segundo a visão do autor, as instituições que integram os aparelhos ideológicos do Estado são: a família, as escolas, as empresas, as igrejas, a justiça, a política, os sindicatos, a cultura e os meios de comunicação que são instituições públicas ou privadas. Para Althusser, "o que importa é o seu funcionamento", (1992, p. 68). Os Aparelhos ideológicos do Estado agem por meio da ideologia, são s ão mecanismos a serviço da manutenção da realidade, e das relações de produção.  A ideologia tem a função de assegurar a coesão social, normatiza e regula as práticas sociais e as ações dos indivíduos. De forma que as instituições sociais materializem as ideologias, que passam do plano imaterial para o plano material.  Althusser também conceitua aparelhos repressivos do Estado, distinguindo suas ações, os aparelhos ideológicos funcionam por meio da ideologia, os aparelhos repressivos funcionam por meio da violência como ideologia e são constituídos pelo governo, pela administração, pelo exército, pela polícia, pelos tribunais, pelas prisões etc. “Os Aparelhos Repressivos do Estado "funcionam predominantemente por meio da repressão (inclusive física) e secundariamente por meio da ideologia","[...] tanto para garantir sua própria coesão e reprodução, como para divulgar os 'valores' por eles propostos” propostos” (ALHUSSER, (ALHUSSER, 1992, p. 70). Em linhas gerais, ideologia é a forma pela qual orientamos nossas ações, tendo por base as crenças constituídas segundo os interesses sociais. Ela pode apresentarse de diferentes formas doutrinárias filosóficas, religiosas, políticas e posicionamentos pessoais; mas é importante salientar que a ideologia é fruto da elaboração do contexto sociopolítico e econômico que vivemos.    M    O    C  .    Y    A    B    A    X    I    P    ©

Figura 2.5 – Alienação. capítulo 2 •

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 A ideologia também se constitui como tema de diferentes investigações das ciências que estudam o meio social, porém entre as várias análises do tema, o marxismo predomina ao contextualizá-la também como um princípio que leva à alienação que se revela para o operário/trabalhador quando o produto do seu trabalho não o pertence mais, ao vender sua força de trabalho “perde o poder de decisão sobre sua produção” e aliena-se de si próprio. Essa é uma característica da divisão da sociedade em classes sociais, em que prevalece a divisão do trabalho entre intelectual e braçal. Neste sentido, a ideologia dominante não permite a consciência da alienação, de forma a manter a coesão social sem o uso da violência. Como podemos ilustrar com a charge:

Figura 2.6 – Charge ideologia dominante.

Uma das reflexões mais complexas sobre ideologia é a discussão sobre a distorção da realidade, a inversão de valores sociais sobre a produção do trabalhador. Por exemplo, o profissional de Educação, professor, é ainda percebido socialmente como alguém abnegado, vocacionado, com uma “missão a cumprir” e não como um trabalhador que recebe a “justa” remuneração pela força de seu trabalho. Essa percepção social, acaba por reforçar a crença, associada ao conceito religioso de “dom”, “missão” e acaba por aliená-lo, fazendo-o acreditar que os “baixos salários” são inerentes à sua escolha profissional. capítulo 2 •

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Nesse sentido, o indivíduo reproduz a ideologia dominante, mantendo as condições sociais, ou seja, não transforma nem as relações sociais nem a ele mesmo. Enquanto humanização, o homem insere-se e define-se no conjunto de suas relações sociais, desempenhando atividades transformadoras dessas relações, o trabalho apresenta-se como “[...] atividade vital, vida produtiva” e não “... apenas como meios para a satisfação de uma necessidade, a de manter sua existência física”. (MARX, 1983, apud LAURENI e BARROS, 2000, p. 16).  A ideologia é discutida sob diferentes enfoques, sob o ponto de vista positivo ela compreende o conjunto de valores dos indivíduos ou grupos, sob o ponto de vista negativo ela distorce a realidade como forma de sustentar o poder e as relações opressoras do poder. Ideologia no sentido positivo, ou neutro, é entendida como sendo uma cosmovisão, isto é, um conjunto de valores, ideias, ideais, filosofias de uma pessoa ou grupo. Nesse sentido, todas as pessoas ou grupos sociais, possuem sua ideologia, pois é impossível alguém não ter suas ideias, ideais ou valores próprios. Já ideologia no sentido negativo, ou critico, (alguns falam até em sentido "pejorativo"), ideologia seria constituída pelas ideias distorcidas, enganadoras, mistificadoras; seriam as meias-mentiras, algo que ajuda a obscurecer a realidade e a enganar as pessoas. Ela apresenta-se como algo abstrato ou impraticável; como algo ilusório ou errôneo, expressando interesses dominantes e como que sustentando relações de dominação. (GUARESCHI, 2000, p. 40). Guareschi (2000, p. 40) elenca os teóricos que se posicionam entre estes dois planos teóricos, destacando o aspecto positivo da ideologia como a aprendizagem que adquirimos na vida em sociedade, e o aspecto negativo da ideologia como meio de sustentação das relações de dominação realizadas pelo poder vigente. [...] Numa concepção positiva ou neutra, poderiam ser colocados autores como o próprio criador do termo, De racy (1803): ideologia é o estudo das ideias, que por sua vez são uma emanação do cérebro; de Lenin (1969), e Lukács (1971), como as ideias de um grupo revolucionário; e a formulação geral da concepção total de Mannheim (1954), que afirma que tudo o que nós pensamos é ideológico, pois é impossível não se deixar contaminar pela situação social em que alguém nasce e vive; em outras palavras, Mannheim identifica aqui ideologia com conhecimento: como todo conhecimento é condicionado, assim toda ideologia é condicionada. Mas nisso não há nada de errado. Entre as concepções critico-negativas poderiam ser colocadas as três concepções de Marx (HOMPSON, 1995): ideias puras como autônomas e eficazes, conforme defendiam os hegelianos, sem

capítulo 2 •

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ligação com a realidade (MARX, 1989); as ideias da classe dominante (MARX, 1989); e um sistema de representações que serve para sustentar relações de dominação (MARX, 1968). ambém estaria aqui a concepção restrita de ideologia de Mannheim (1954), isto é, as ideias dominantes de um grupo sobre outro (dominação de classe). Esse autor destaca em sua discussão a materialização da ideologia corporificada na forma simbólica, concretizada em uma instituição, na escola, na família, como uma estratégia, uma prática, uma maneira como as formas simbólicas servem para criar e manter as relações sociais entre as pessoas. [...] A ideologia é vista como uma determinada prática, um modo de agir, uma maneira de se criar, produzir ou manter determinadas relações sociais. A função da ideologia seria também a produção, reprodução e transformação das experiências vitais, na construção de subjetividades. Terborn (1980:2), ao definir ideologia, diz que a operação da ideologia na vida humana envolve, fundamentalmente, a constituição e a padronização de como os seres humanos vivem suas vidas como iniciadores conscientes e reflexivos de ações num universo de significados [...]. Nesse sentido, ideologia constitui os seres humanos como sujeitos. E logo após, ele afirma que estudar o aspecto ideológico duma prática é deter-se na maneira pela qual ela opera na formação e transformação da subjetividade humana. (GUARESCHI, 2000, p. 41).  Após esta análise, Guareschi sistematiza ideologia no campo positivo em uma dimensão material e concreta e no campo negativo em uma dimensão dinâmica e prática, adotando seu posicionamento favorável a John B. Tompson (1995) que a define: “não uma prática qualquer; deve ser uma prática que serve para criar, ou manter relações assimétricas, desiguais, injustas. (GUARESCHI, 2000, p. 42). Ideologia é um tema multidimensional rico de complexidades e aplicações, é uma dimensão conceitual da psicologia social, e considerando “olhar” crítico da psicologia sócio-histórica, cabe refletir a relação entre a prática da psicologia e a ideologia, tanto em seu enfoque positivo como um conhecimento materializado pela intervenção profissional nas diferentes instituições, como em sua prestação de serviços na promoção de bem-estar para indivíduos e sociedade. Então, a questão a ser pensada é sob qual enfoque a psicologia exerce sua prática? O que a psicologia faz é ideologia? E ainda, qual a dimensão da ideologia na constituição da identidade das pessoas?

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ATIVIDADE Faça o seguinte exercício: a partir da figura 2.7, relacione as dimensões abordadas do conceito de ideologia tratadas no texto. IDEOLOGIA UM SISTEMA DE IDEIAS

O QUE É?

UMA FORMA DE CONSCIÊNCIA

PARA LEGITIMAR

UMA EXPLICAÇÃO DA REALIDADE

FORJADA PARA

O STATUS SOCIAL

CRIADA PARA

ALIENAR MULTIDOÕES

ILUDIR E ENGANAR

GARANTINDO ASSIM

TRÊS TRAÇOS GERAIS

ATRAVÉS DE

A ANTERIORIDADE

QUE SÃO

A LACUNA

QUE É

A GENERALIZAÇÃO

QUE É

O ESTABELECIMENTO DE VALORES PREDETERMINADOS

QUE É

OCULTAR A ORIGEM DESSAS IDEIAS

TOMAR INTERESSES PARTICULARES EM INTERESSES GERAIS

FAZENDO CRER

INTERESSES DE GRUPOS DOMINANTES

QUE SÃO NATURAIS E IMUTÁVEIS

Figura 2.7 –

Indivíduo, fenômeno social e subjetividade  A palavra “indivíduo”, e alguns de seus sinônimos: pessoa, sujeito, gente, criatura, ser, cidadão, entre outros, é designada para tratar particularmente dos aspectos singulares do homem. Mas, quem é este homem? No senso comum, nos referimos ao indivíduo como: animal racional, ser social, cidadão, ser pensante, gente como a gente, entre outras. São tantas nomeações populares e definições científicas para nomear, explicar e problematizar o homem, suas características singulares, suas contradições e idiossincrasias humanas.

capítulo 2 •

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odavia, questões como: “O homem é um ser pensante”, isto é indubitavelmente presente. O homem é um ser dotado de uma inteligência superior aos outros habitantes do planeta; e é um “ser social”, vive em grupo, é parte constituinte da sociedade.  Ao destacarmos estas questões contextuais, podemos citar além da psicologia, diferentes ciências, tais como a filosofia, a sociologia, a história; cada uma na sua especificidade, direta ou indiretamente investigando que é composto o processo de humanização. Seja no campo cognitivo, seja no campo social.  A relação do indivíduo, sua subjetividade e suas relações sociais:  ©

P  I   X  A  B  A  Y  .  C   O  M

   M    O    C  .    Y    A    B    A    X    I    P    ©

Figura 2.8 –

Figura 2.9 –

   M    O    C  .    Y    A    B    A    X    I    P    ©

Figura 2.10 –

O indivíduo, sob a óptica da psicologia social e da sociologia, é um ser social, nasce afiliado a um grupo primário – a família, e seu processo de desenvolvimento é pautado na apreensão das normas socioculturais dos grupos aos quais pertence. Estas regras de convívio social são transmitidas por meio dos agentes socializadores: família, escola, religião, instituições sociais etc. Strey (2002, p. 59), afirma: o indivíduo “encontra-se num sistema social criado por meio de gerações já existentes e que é assimilado por meio de inter-relações sociais”.

capítulo 2 •

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Isto é, o ser humano não nasce “pronto”, o homem nasce com uma carga genética hereditária e inata, em que os processos biofisiológicos maturacionais farão a “natureza” se encarregar de seu desenvolvimento fisiológico, entretanto, para que esse desenvolvimento seja pleno, é fundamental que ele interaja com o meio social, como já nos referimos antes, essa interação promove a “humanização” o “tornar-se humano”. O que chamamos de humanização é o processo de socialização, são as trocas sociais, a “interação”, a aprendizagem social à qual o homem é submetido desde o seu nascimento. A interação promove a construção do sujeito, permitindo que ele se aproprie dos mecanismos de funcionamento da coletividade a qual está inserido. Essa apropriação será a responsável pelas características humanizantes do ser, tais como a consciência, a personalidade, a identidade, a identidade sociocultural, o comportamento, as atitudes, a autodiferenciação entre “eu” e “os outros”; enfim, todas as peculiaridades do ser humano.  A capacidade inata de elaboração dos processos cognitivos organiza os padrões socioculturais oriundos do meio, transformando-os em um sistema simbólico subjetivo, por meio de conteúdos provenientes da realidade objetiva.  A linguagem, por exemplo, enfatizada por Vygotsky, em sua construção teórica em psicologia do desenvolvimento, é o processo cognitivo responsável pela formação do sistema de símbolos que abastecem o pensamento. Outros teóricos que investigam o desenvolvimento humano como Piaget, Freud, Erik Erikson, entre outros enfatizaram no contexto de suas teorias diferentes aspectos do desenvolvimento humano.  A linguagem é um dos processos cognitivos que contribuem para a construção cognitiva de representações da realidade e esse processo acontece ao logo do desenvolvimento humano, entretanto não pretendemos discorrer sobre desenvolvimento humano, porque esta não é a proposta do tema em discussão.  As representações simbólicas da cognição humana são construídas a partir das influências culturais de seu grupo social, no qual acontece o “intercâmbio cultural’, o homem gera cultura, cria, frutifica suas ideias e recebe de seu grupo social os padrões socioculturais produzidos pelo próprio grupo. Dessa forma, o comportamento humano é estabelecido, segundo as normas sociais do grupo com o qual se identifica, como já mencionado, esta é a base da identidade social.

capítulo 2 •

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 A cultura é “viva” e dinâmica, um exemplo está no vestuário, as roupas historicamente representam a cultura de um grupo, status social e financeiro e este aspecto é curiosamente interessante, porque mesmo com a globalização o vestuário ainda é um indicador cultural:  ©

   M    O    C  .    Y    A    B    A    X    I    P

P  I   X  A  B  A  Y  .  C   O  M

   ©

Figura 2.11 –

Figura 2.12 –  ©

   M    O    C  .    Y    A    B    A    X    I    P

P  I   X  A  B  A  Y  .  C   O  M

   ©

Figura 2.13 –

Figura 2.14 –

   M    O    C  .    Y    A    B    A    X    I    P    ©

Figura 2.15 –

Ramos (2003, p. 238), assinala: “As culturas penetram o indivíduo [...] da mesma forma que as instituições sociais determinam estruturas psicológicas [...] o

capítulo 2 •

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homem pensa e age dentro do seu ciclo de cultura”. Faça o exercício: identifique e contextualize os simbolismos culturais das figuras 2.11, 2.12, 2.13, 2.14 e 2.15. Retomando a questão das características humanizantes, a percepção do mundo produz um conhecimento subjetivo, particular; pela interpretação que fazemos do que é exterior a nós, ao mesmo tempo em que produz um conhecimento ob jetivo por meio da percepção de mundo que é compartilhada coletivamente, essas percepções são refletidas e elaboradas, armazenadas em nossa memória e transmitidas à sociedade, em processo ativo do ato de existir. Dessa forma, a consciência que é um conceito abstrato também é constituída de representações da realidade, seus processos criativos produzem a singularidade humana e a sua subjetividade. Conceituamos subjetividade como o que nos diferencia de outro ser humano e dos outros animais, nela estão contidas nossas crenças, valores, interpretação do mundo, experiências, sentimentos, história de vida e escolhas, ou seja, o mais íntimo de nós, nossa individualidade. Contudo, a subjetividade abrange uma ampla dimensão conceitual, que permite compreender a psique e sua complexidade.  A subjetividade representa um macroconceito orientado à compreensão da psique como sistema complexo, que de forma simultânea se apresenta como processo e como organização. O macroconceito representa realidades que aparecem de múltiplas formas, que em suas próprias dinâmicas modificam sua auto-organização, o que conduz de forma permanente a uma tensão entre os processos gerados pelo sistema e suas formas de auto-organização, as quais estão comprometidas de forma permanente com todos os processos do sistema. A subjetividade coloca a definição da psique num nível histórico-cultural, no qual as funções psíquicas são entendidas como processos permanentes de significação e sentidos. O tema da subjetividade nos conduz a colocar o indivíduo e a sociedade numa relação indivisível, em que ambos aparecem como momentos da subjetividade social e da subjetividade individual. (GONZALEZ REY, 2001, apud SILVA, 2009 p. 170). Silva (2009, p. 170) atualiza o conceito com o próprio Gonzalez Rey (2005), para este autor a subjetividade é “um sistema complexo capaz de expressar por meio dos sentidos subjetivos a diversidade de aspectos objetivos da vida social que concorrem em sua formação”.  A nossa subjetividade e a consciência de quem somos fazem parte da nossa personalidade, preservamos o que nos é mais caro e íntimo, e permitimos que o ambiente, a sociedade perceba de nós, as características que transparecem na personalidade em forma de atitudes. capítulo 2 •

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 Atitude é a capacidade de julgamento que permite que nos comportemos de forma positiva ou negativa diante de uma determinada circunstância, como define (GLEIMAN, e cols. 2007, p. 1.225), atitudes são a “disposição relativamente estável, avaliativa, que faz uma pessoa pensar, sentir ou comportar-se, positiva ou negativamente em relação à determinada pessoa, a determinado grupo ou problema social”.  As atitudes são formadas pelos processos cognitivos elaborados, o que pensamos, o que percebemos, o que foi aprendido, quais valores e crenças foram formados e como esses conteúdos formaram os critérios de avaliação das diferentes circunstâncias vivenciadas, qual conduta adotada para “esta” ou “aquela” situação. O comportamento é a via pela qual nos posicionamos.  As características humanizantes as quais nos referimos são: a identidade e suas dimensões pessoal, social e cultural; a consciência, a subjetividade com seu critério de julgamento segundo valores pessoais, a personalidade – soma dos fatores genéticos e ambientais unificados no indivíduo, as atitudes – conduta elaborada por nossa cognição; todas têm como ponto de convergência a individualidade, isto é, embora as interações com o meio ambiente sejam parte dos elementos constitutivos dessas características, a forma como elas são transformadas internamente é que nos torna diferenciados dos demais membros da espécie humana, nos torna “singular”, apesar da pluralidade sociocultural. odavia, cabe destacar o dinamismo deste processo, embora o caráter intrínseco da individualidade seja o posicionamento pessoal, não somos imutáveis, somos suscetíveis às transformações sociais e culturais. E as transformações às quais somos suscetíveis são adquiridas a partir dos processos socializadores que vivemos em diferentes etapas da vida, como por exemplo: os primários do início da vida, na infância a “educação familiar”; os secundários, que acontecem com o amadurecimento na idade adulta, como por exemplo, o “mundo do trabalho”; e aos terciários como por exemplo, as novas “condições” de vida na velhice.  As transformações históricas, sociais, afetivas, econômicas, profissionais, geográficas, de papéis sociais, entre outros; aos quais estamos sujeitos ampliam nossas relações sociais e possibilitam as constantes transformações na identidade; ou seja, agregamos novos valores e crenças, nos desfazemos de outros, adotamos novas atitudes e comportamentos. “Apenas quando formos capazes de [...] encontrar razões históricas da nossa sociedade e do nosso grupo social que explicam por que agimos hoje da forma como o fazemos é que estaremos desenvolvendo a consciência de nós mesmos”. Isso nos faz entender que a consciência de si pode alterar a identidade social, na

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medida em que interrogamos os papéis que desempenhamos e suas funções históricas (LANE, 2006, p. 22). Para Silvia Lane, a influência das transformações históricas, em nossas ações, atribui o autoentendimento e a consciência do poder de alterar a identidade social, a partir do questionamento dos nossos papéis sociais e de suas funções históricas.  A consciência que temos de nós constitui a nossa subjetividade, para (MYERS 2000, p. 21), autoconceito é: “o autoconceito que o indivíduo adquire de si mesmo decorre das experiências sociais vivenciadas, que influem no papel que ele desempenha nos julgamentos sobre si e sobre outras pessoas e as diversidades culturais”. Isto é, as experiências sociais são elementos constitutivos de quem somos. Estes acontecimentos incidem sobre o fenômeno psicológico, o conceito de Vygotsky explica que a subjetividade se processa do social para o individual, construindo estreita relação entre a individualidade e o pertencimento ao grupo social; a via dupla em que o indivíduo é “agente e sujeito” das influências e implicações da interação. Quanto ao fenômeno social, este abrange uma dimensão mais ampla, está presente no contexto do indivíduo e da sua subjetividade e no contexto de uma coletividade.  Abrange as ações, os comportamentos e fatos que ocorrem em determinados grupos sociais, organizações e sociedades, está relacionado ao momento histórico em que o evento ocorre, ao contexto político, cultural, demográfico, econômico e ideológico. O fenômeno social é multifatorial e pode gerar efeitos benéficos ou nocivos para uma coletividade, grupo social, organização ou sociedade. Pensemos em um exemplo sob o ponto de vista político: uma epidemia pode ter como aspecto positivo novas políticas públicas de combate ao agente causador de uma doença, ou como aspecto negativo o retrocesso nas práticas preventivas de uma doença. Em ambos os contextos de resolução do problema epidêmico, os membros da coletividade em que se vivenciou o problema, seriam implicados por ele e a passagem pelo fato passará a fazer parte da subjetividade coletiva do grupo, seus membros partilham a experiência vivida na participação de um mesmo evento. É importante destacar que cada indivíduo irá construir a sua percepção pessoal do evento, entretanto como a experiência foi vivenciada por todos os membros do grupo, também será construída uma percepção coletiva do mesmo evento. Essa percepção pessoal e interpretação particular de um evento é parte integrante de nossa subjetividade e também é parte integrante da subjetividade do grupo que compartilhou a experiência do mesmo evento, como sinaliza (GUAARI e ROLNIK, 2005, p. 42) esta subjetividade é social e vivenciada por indivíduos em suas singularidades.

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 A subjetividade coletiva não é um aglomerado de subjetividades individuais, mas sim uma subjetividade formada por diversos agenciamentos que, em alguns contextos sociais, podem se individuar. “Ela é essencialmente social, e assumida e vivida por indivíduos em suas existências particulares”. Em um contexto amplificado, a pluridimensionalidade da realidade social não se limita a uma ciência ou a uma interpretação, admite a interdisciplinaridade de um fato social e a interdependência das ciências ao investigar os diferentes fenômenos, sejam particulares ou coletivos.  A óptica particular de cada ciência ao tratar seu objeto de estudo, e os diferentes fenômenos não se restringe ao campo social, poderá apresentar-se sob vários aspectos tais como: o político,econômico, ideológico, demográfico, cultural, entre outros. Considerando a relação entre indivíduo, fenômeno social e subjetividade, faça o seguinte exercício: o fenômeno social sob o enfoque da psicologia social estuda os fenômenos que ocorrem na relação entre indivíduo e sociedade. Ao expandir a compreensão do conceito, podemos considerar que a subjetividade e a subjetividade social (construção subjetiva do grupo social) estão implícitas neste processo. Considere o evento mundial da atualidade: o problema dos refugiados na Europa, inúmeras investigações sobre este fenômeno poderiam revelar, por exemplo, como estão sendo construídas coletivamente as representações dos refugiados.

REFLEXÃO Inspire-se nas figuras 2.16 e 2.17 e reflita sobre o tema proposto, e diferencie subjetividade individual de subjetividade social.  ©

   G    R    O  .    A    I    D    E    M    I    K    I    W

P  I   X  A  B  A  Y  .  C   O  M

   ©

Figura 2.16 – Refugiados na Europa.

Figura 2.1 7 – Refugiados na Europa.

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O contexto da compreensão da dimensão conceitual de indivíduo, fenômeno social e subjetividade é essencial para o estudo da psicologia social, porque o indivíduo constrói a sua história, como um ser individualizado e, ao mesmo tempo, social, e a partir de pesquisas sobre os fenômenos psicossociais do indivíduo e da cultura, pode se transcender a história da própria ciência; o que aliás, é um dos objetivos da psicologia social crítica.  A psicologia social crítica, em sua trajetória no campo do saber, vem consolidando seu caráter crítico, sua base epistemológica e o diálogo com as outras ciências como a filosofia, sociologia, história; e as diferentes áreas do saber que contribuem na busca da compreensão dos fenômenos humanos.

REFLEXÃO Segundo sua interpretação da música “Ser Humano” de Zeca Pagodinho, relacione os conceitos estudados de indivíduo, fenômeno social e subjetividade. Ser humano

Quero ver sempre no teu rosto essa felicidade O teu sorriso iluminado que me faz tão bem O teu astral pra cima já é marca registrada Esse teu jeito que não guarda mágoa de ninguém Essa vontade de quem vai vencer na vida Eu tô com Deus e sei que Deus está contigo Teu coração não cabe dentro do teu peito Que está lotado transbordando de amigos Você tem sempre uma palavra de consolo Fica sem jeito se deixar alguém na mão Tá sempre junto e misturado com seu povo Fecha com quem está sem lenço e documento Na correria você sempre encontra tempo De demonstrar o que é ser gente de verdade Sempre buscando o bem da humanidade

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É ser humano, é ser humano, é ser humano, ser humano eh É ser humano, que sabe chegar pra somar  É ser humano, não deixa a canoa virar  É ser humano, na hora que o tempo fechar, ser humano eh É ser humano, que tá pro que der e vier  É ser humano, é tema da minha canção É ser humano, eu tenho esperança e fé no ser humano Zeca Pagodinho

Família Entre os temas apresentados, o da família é o mais próximo e delicado, todos nós temos uma profunda relação com a concepção de família, diz respeito à origem da sociedade e em particular a nossa individualidade. Em um breve delineamento jurídico, a família no Brasil, era considerada pelo Código Civil de 1916, uma unidade econômica, constituída a partir do casamento entre um homem e uma mulher e os filhos fruto desta união. Com a Constituição de 1988, e as mudanças comportamentais em todos os âmbitos sociais, este conceito foi revisto e atualizado, o Código Civil de 2002, passa a privilegiar o afeto e não o ponto de vista econômico. Sob o ponto de vista legal, configura uma mudança de perspectiva social. “As relações de família, formais ou informais, indígenas ou exóticas, ontem como hoje, por muito complexas que se apresentem, nutrem-se todas elas, de substâncias triviais e ilimitadamente disponíveis a quem delas queira tomar: afeto, perdão, solidariedade, paciência, devotamento, transigência, enfim, tudo aquilo que, de um modo ou de outro, possa ser reconduzido à arte e à virtude do viver em comum. A teoria e a prática das instituições de família dependem, em última análise, de nossa competência de dar e receber amor”. (EPENDINO, 1999, apud RODRIGUES, 2009, p. 1).  As novas perspectivas sociais aproximam ainda mais o conceito de família das dimensões conceituais da psicologia social. E se faz necessário um resgate histórico da concepção de família para manter o frescor desta instituição social.  A história da família ocidental precisa ser pensada a partir do significado de sua origem, segundo (MINUCHIN 1990, p. 25) “O termo "família" é derivado

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do latim famulus, que significa "escravo doméstico". Esse termo foi criado na Roma Antiga para designar um novo grupo social que surgiu entre as tribos latinas, ao serem introduzidas à agricultura e também escravidão legalizada”. Este conceito inicial da família abrigava em sua composição um grupo de pessoas de comum convivência, com laços consanguíneos ou não que compartilhavam seu cotidiano, esta família era numerosa e composta por pais, filhos, avós, tios, sobrinhos, parentes, vizinhos e agregados. Esta comunidade familiar é marcada por dois momentos importantes: – as relações de poder estabelecidas pela linhagem, herança por parentesco; e por hierarquia, reproduzindo o modelo social. “[...] concepção particular da família: a linhagem. Compreendida como solidariedade estendida a todos os descendentes de um mesmo ancestral, a linhagem constituía proteção na ausência do Estado, não levando em conta os valores da coabitação e da intimidade. A posição social era sustentada pelo patrimônio material, pela herança familiar.”. (CASEY, 1992, apud PONCIANO e FÉRESCARNEIRO p. 59) Ponciano e Féres-Carneiro (2003, p. 59), descrevem as relações de poder estabelecidas por hierarquia referindo-se aos autores Ariès (1986); Shorter (1995): “Quando as relações extensas faziam parte das relações familiares não existiam poderes especializados ou seculares, externos a essas relações, que ditassem as normas do comportamento: os papéis eram definidos “desde sempre”. A comunidade de pertença não deixava dúvidas quanto ao que fazer. A família era a sociedade, confundindo-se com ela. O indivíduo perdia sua visibilidade em meio às relações.  A hierarquia ditava as regras para as relações familiares e os conflitos, quando surgiam, submetiam-se ao rigor da lei. A desobediência equivalia à exclusão e à falta de proteção, que era o mesmo que ser entregue ao pauperismo e à morte. ”. Esse modelo relacional de poder construiu-se de forma patriarcal, em que o “Pai”, superior hierárquico da família, é o detentor do poder de proteger, controlar e corrigir. Na antiga mentalidade, o pai tinha todo poder sobre os filhos, como o senhor sobre os seus escravos; eles pertenciam-lhe em propriedade plena, porque os fizera; ele nada lhes devia. Na nossa mentalidade contemporânea, pelo contrário, o fato de os ter feito confere-lhe mais deveres do que direitos para com eles. Eis uma viragem fundamental dos princípios da moral familiar. (FLANDRIN, 1995, p. 147).  Ariés (1986) destaca que no final do século XVII e início do século XVIII, a criança passa a ser percebida de forma diferente no núcleo familiar e:

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“A afeição tornou-se necessária entre os cônjuges, e entre os pais e os filhos. O “sentimento de família” nasceu simultaneamente com o “sentimento de infância”: com o objetivo de melhor cuidar de suas crianças, a família recolheu-se da rua, da praça, da vida coletiva, em que antes se encontrava, para a intimidade, fazendo desaparecer a antiga sociabilidade. Paulatinamente, com o passar dos séculos, o valor social da linhagem transferiu-se para a família conjugal. Quando essa passagem se consolidou, a família tornou-se a “célula social”, a “base dos Estados”. (PONCIANO e FÉRES-CARNEIRO, 2003, p. 60) E quanto à família:  A família afastou-se, assim, cada vez mais da linhagem, da integridade do patrimônio, prevalecendo a “reunião incomparável dos pais e dos filhos”, firmando o modelo nuclear. Passou-se a privilegiar e marcar as semelhanças físicas entre pais e filhos, inclusive nas situações de adoção. A criança tornou-se a “imagem viva de seus pais”. A família assumiu uma função moral e espiritual. Os pais tornaramse responsáveis pela criação de seus filhos, mudando a concepção de educação. (PONCIANO e FÉRES-CARNEIRO, 2003, p. 60). No vínculo do casamento, na relação entre os cônjuges, até o século XVII, não havia a preocupação afetiva, o casamento tinha base em “contratos arranjados”, os aspectos privilegiados eram a propriedade e o desejo dos pais, o reconhecimento do papel social “esposo e esposa”. A partir do século XVIII os jovens começam a considerar a possibilidade de escolha afetiva de seu par; e no século XIX, com a consolidação do legado da Revolução Industrial e suas transformações econômicas, o patrimônio financeiro familiar não era mais ameaçado, conquista do capitalismo com a ascensão da burguesia, a herança patrimonial era a cultural, e a  juventude sai em defesa do casamento por amor.  Aconteceu um “surto de sentimento”, ocorrido desde o século XVIII, fazendo desaparecer a família tradicional. Esse surto desenvolveu-se em três áreas: primeiramente no namoro, caracterizado pela busca de felicidade e desenvolvimento individual; depois na relação mãe-bebê, que passou a se caracterizar pelo bem-estar do bebê acima de tudo e por último, na mudança da relação entre a família e a comunidade circundante, na qual os laços entre os membros da família reforçaram-se, caracterizando a “domesticidade”. (SHORER ,1995, p. 244). Shorter (1995, p. 244), chamou de domesticidade a “malha de privacidade e intimidade que cerca a totalidade da família”.

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Esse contexto é o da família burguesa, permeado pelas mudanças sociais proporcionadas pelo sistema capitalista: “ser produtivo e consumidor”, a consciência que a “escolha” é parte da condição humana, a ideia de “privacidade”, e mesmo sendo parte de uma coletividade, a arquitetura constrói lugares reservados e os distingue dos públicos, como por exemplo: “a casa é da família” e em seu interior há locais íntimos e privados, “a rua é pública”, “fábrica é o local de trabalho”. O modelo de família, célula social, até aqui descrito, é o modelo referencial da família tradicional até o século XVIII, que passa por um processo de transição para a família da idade moderna do século XIX, nesta os aspectos privilegiados são: a intimidade, a educação e a transmissão da cultural, e o papel da mulher “educada” para criar os filhos e executar o trabalho doméstico, e “companheira” para seu marido. Cabe então a observação: este “lugar” que coube a “mulher domesticada”, gerou descontentamento e consequente desordem, os sentimentos e aspirações femininas, tornam-se embrião do feminismo, que passará por várias fases ao longo do século XX e na contemporaneidade, tema que trataremos na unidade 2.5 Gênero. Contudo, este início embrionário do feminismo, ao qual nos referimos, que culminará no século XX, contou com fatos históricos importantes que contribuíram com as mudanças na organização social e da família na modernidade.  A Revolução Francesa em 1789, no século XVIII, e ainda no mesmo século, a Revolução Industrial iniciada na Inglaterra.  A Revolução Francesa precisamente iniciada com a Queda da Bastilha (prisão que representava o poder absoluto do rei) em 14 de julho de 1789 foi um dos marcos históricos mais importantes para a humanidade, porque seu lema revolucionário “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” propiciou uma mudança de paradigmas sociais, os privilégios do poder absoluto do rei, os benefícios do clero e da nobreza, foram depostos pelo descontentamento do povo e sua consequente ascensão revolucionária que garantiu entre outras conquistas em 26 de agosto de 1789 na  Assembleia Nacional Constituinte a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, cujas as principais garantias eram: o respeito pela dignidade das pessoas; liberdade e igualdade dos cidadãos perante a lei; direito à propriedade individual; direito de resistência à opressão política; liberdade de pensamento e opinião.  A nova ordem estabelecida passou por vários conflitos ao longo de seu percurso de consolidação e definitiva mudança para o regime político republicano em 1793, que assegurava ao povo: direito ao voto; direito de rebelião; direito ao trabalho e à subsistência e a declaração constitucional, em que o objetivo do governo era o bem comum e a felicidade de todos. capítulo 2 •

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Entretanto, durante este percurso histórico entre 1795-1799, também foi marcado por inúmeras tentativas de controle da insatisfação popular e afirmação do poder político da burguesia sobre a França. Quando Napoleão Bonaparte (líder histórico desse momento político) em 10/11/1799, com o apoio da burguesia, assume o poder e consolida a ascensão da burguesia e dá fim a Revolução.  A Revolução Francesa e a Revolução Industrial caracterizam-se como marcos divisórios da história da humanidade, em função das mudanças de concepção e estar no mundo propiciadas por estas.  A Revolução Industrial inicia-se na Inglaterra e foi um período marcado pelo processo de industrialização inaugurado pelo motor a vapor ou máquina a vapor que foi construído por James Watt, em 1769, resultado da concepção e de aperfeiçoamentos de modelos anteriores que datam suas iniciativas desde o XVI.  A máquina a vapor possibilitou uma revolução tecnológica no processo de fabricação de mercadorias, gerando uma poupança de tempo e trabalho humano e aumento os lucros dos empresários, que passam a investir cada vez mais na industrialização. Este avanço desenvolvimentista que se estende ao longo do século XIX pela França, Alemanha, Itália, Rússia, pelos EUA e pelo Japão no final do século.    G    R    O  .    A    I    D    E    M    I    K    I    W    ©

 A Revolução Industrial, além do avanço tecnológico, promoveu mudanças sociais fundamentais para a compreensão do desenho social do século XX, a começar pela nova classe social emergente, o proletariado constituído por camponeses que vão para as cidades trabalhar nas fábricas, soma-se a estes os artesãos, em declínio,

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pois as máquinas produziam mais e mais rapidamente peças que antes eram produzidas de forma artesanal. E a burguesia industrial em ascendência que aumentava cada vez mais seus lucros, enquanto os trabalhadores, homens e mulheres e crianças (proletariado), eram mal remunerados e trabalhavam em longas jornadas de 14 a 16 horas diárias (mulheres) e de 10 a 12 horas (crianças). Esses trabalhadores que viviam em condições miseráveis começam a se organizar em movimentos operários e sindicatos, e reivindicam por meio de greves, direitos sociais e políticos, como o direito de voto “sufrágio universal masculino”, direito que só foi conquistado na Inglaterra em 1867.    G    R    O  .    A    I    D    E    M    I    K    I    W    ©

Figura 2.18 – Milhares de trabalhadores das indústrias inglesas.

 A Revolução Industrial foi um dos fatos históricos mais importantes para a humanidade, pois marcou a mudança do homem do campo para as cidades, e o crescimento destas, com as novas classes sociais, os problemas urbanos como desemprego e miséria e os novos arranjos familiares; ao mesmo tempo que possibilitou o avanço científico e de novas tecnologias a serviço da produção industrial. O historiador Ernest Hobsbawm (1917-2012), na introdução de seu livro A Era das Revoluções (1789-1848) de 2009, faz uma síntese dos desdobramentos das Revoluções Francesa e Industrial e suas repercussões no mundo moderno: capítulo 2 •

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“A grande revolução de 1789-1848 foi o triunfo não da “indústria” como tal, mas da indústria capitalista; não dá liberdade e da igualdade em geral, mas da classe média ou da sociedade “burguesa” liberal; não da “economia moderna” ou do “estado moderno”, mas das economias e Estados em uma determinada região geográfica do mundo.” (HOBSBAWM, 2009, p. 4) Concentrando nossas discussões sobre a família, é importante retomar a afirmação: a família até aqui descrita foi a família burguesa. Os registros a respeito das classes sociais menos favorecidas são muito precários, até porque alguns marcos históricos precisam ser sinalizados: No continente europeu, as famílias sem posses eram formadas por camponeses e operários, nas Américas, as classes menos favorecidas foram formadas pelo homem escravizado e seus descendentes, índios e população miscigenada. A literatura narra os fatos sob a óptica de quem os escreve, em geral a classe dominante, os homens de posses   (grifo do autor). Iniciamos o tema família, contextualizando-a em seu aspecto jurídico destacando que o Código Civil brasileiro foi datado de 1916, início do século XX, e este só foi modificado em 2002, início do século XXI; esta informação é importante para a reflexão, porque a família brasileira foi concebida nos moldes da família tradicional e burguesa. Entretanto, cabe observar que os modelos de família passaram por mudanças no percurso da história em diferentes classes sociais, e na contemporaneidade os diferentes modelos de família são concebidos em todas as classes sociais.  A família do século do final do século XX e a família do século XXI é a família que transcendeu a história, é globalizada, privilegia o afeto e não o patrimônio financeiro, é reestruturada em função de mudanças sociais, científicas e institucionais tais como: divórcio, união estável, “produção independente” – filhos concebidos por mulheres sem a opção do parceiro pela paternidade, sem inseminação artificial, – homens que desejam ser pais e optam pela criança sem a presença da mãe em sua criação, – por meio da escolha da tecnologia genética “banco de sêmen” de doador anônimo, filhos concebidos sem conjunção carnal, filhos gerados no útero de outra mulher; filhos adotivos, órfão do vírus HIV e todas as possibilidades que a ciência genética podem oferecer.  A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 nos artigos 226 a 230, ítulo VIII da Ordem Social, Capítulo VII versa sobre a família, e o Código Civil Brasileiro de 2002, no Subtítulo II Das Relações de Parentesco Capítulo I,

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Das disposições Gerais e Capítulo II, da Filiação legislação sobre o conceito de família por afinidade e grau de parentesco, discriminando seus diferentes tipos. Família extensa (consanguínea): é a família nuclear que inclui os pais e os filhos, entretanto, a Constituição brasileira e o Código civil a reconhecem como extensa formada pelo grau de parentesco, ou afinidade, composta por pais, filhos, irmãos, avós, netos, tios, sobrinhos, primos; Família monoparental: segundo a Constituição da República Federativa do Brasil no artigo 226, §4o, como sendo a "comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes". Mãe ou pai, solteiros, viúvos, separados etc., que moram com seu(s) filho(s); Família anaparental: unida por algum parentesco, sem a presença de pais. Constituída pela convivência entre parentes dentro de um mesmo lar com ob jetivos comuns, sejam eles de afinidade econômicos, entre primos, irmãos que convivem juntos; Família homoafetiva : formada por casais do mesmo sexo; Família comunitária : formada por pessoas unidas por laços afetivos e/ou educacionais, em que os membros adultos são responsáveis pelas crianças, sem necessariamente possuir laços consanguíneos; Famílias adotivas: formadas por laços afetivos, com filhos não consanguíneos, reconhecidos legalmente como membros da família sem distinção por grau de parentesco; Família social: formadas por casais, gerenciadas pelo estado, responsáveis pela adoção de crianças cujos pais biológicos, por algum tipo de “impedimento”, perda do pátrio poder, morte etc. não podem cumprir o dever de educá-las. •













Na norma do Direito, (DIAS, 2007, p. 38), contextualiza as mudanças contemporâneas na família: O pluralismo das relações familiares – outro vértice da nova ordem jurídica – ocasionou mudanças na própria estrutura da sociedade. Rompeu-se o aprisionamento da família nos moldes restritos do casamento, mudando profundamente o conceito de família. A consagração da igualdade, o reconhecimento da existência de outras estruturas de convívio a liberdade de reconhecer filhos fora do casamento operaram verdadeira transformação na família.

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ATIVIDADE Observe as ilustrações e autoconceitue a sua família:    M    O    C  .    K    C    O    T    S    R    E    T    T    U    H    S     |    R    O    T    C    E    V    O    R    C    A    M    ©

Família e psicologia

 A relação da psicologia com o tema família é intrínseca. A família é constituída por pessoas e este é o objeto mais precípuo da nossa ciência. Ao longo da tra jetória cientifica da psicologia desde suas primeiras indagações sobre o indivíduo, em diferentes abordagens teóricas, o foco das investigações eram a consciência, as percepções, os sentimentos, os processos mentais, entre outros; todos com um

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ponto comum: o processo constitutivo do indivíduo, entretanto, cabe salientar que o “indivíduo” só é possível porque foi concebido por uma família e o meio extrínseco a ele, como já exposto anteriormente, é também responsável por todos os simbolismos elaborados por sua psique. Considerando essas afirmações, descreveremos caminhos importantes que a psicologia vem percorrendo em sua contribuição científica para a sociedade; primeiro destacamos as abordagens teóricas aplicadas ao tratamento psicoterapêutico do indivíduo, sem aprofundar suas práticas, pois este não é o caráter específico desta disciplina, porém é importante para sua contextualização.  As principais abordagens teóricas que tratam do indivíduo por meio da prática clínica da psicoterapia: psicanálise, gestalt terapia, C – terapia comportamental, CC – terapia comportamental cognitiva e suas derivadas. Estas práticas fundamentam seus métodos e técnicas nas premissas teóricas destes sistemas psicológicos. O segundo caminho são as psicoterapias de grupo, em particular as principais abordagens de psicoterapia de família, iniciada na década de 1950 nos Estados Unidos, chegando ao Brasil na década de 1970, e tem como abordagens: a teoria sistêmica  – com base na família nuclear e no conceito biológico de sistema; a abordagem estrutural – que compartilha os conceitos de família nuclear e sistema biológico com a visão atualizada das funções no sistema familiar; psicoterapia de casal – sustentada pelas bases da teoria sistêmica; IP – terapia interpessoal; construtivismo e ou construcionismo  – com bases na biologia e na psicologia social. É importante reafirmar que estes métodos e práticas teóricas apoiam-se em sistemas psicológicos teóricos já consolidados. Quanto à psicologia social, seu objeto de estudo são as relações sociais, ressalta-se que a família é um grupo, esta constatação em si, insere a psicologia social no contexto de estudo da família (grupo primário) o primeiro agente socializador, ou ainda o termo aqui aplicado “humanizante”. Sua aplicabilidade no estudo de grupos possibilita inúmeras investigações tais como: identidade, identidade social, representações sociais, ideologia, fenômeno social, subjetividade, subjetividade social, gênero, entre outros.  A família é perene em todos os cenários humanos de forma física ou simbólica, será sempre o indicativo das mudanças sociais, culturais, econômicas, políticas e científicas, isto é, tudo que diz respeito ao indivíduo e à sociedade.

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 Gênero

PAGU

AI QUE SAUDADES DA AMÉLIA Compositor: Ataulfo Alves / Mário Lago

Compositores: Rita Lee / Zélia Duncan

Mexo, remexo na inquisição. Só quem já morreu na fogueira, Sabe o que é ser carvão. Eu sou pau pra toda obra, Deus dá asas à minha cobra. Minha força não é bruta, Não sou freira nem sou puta. Nem toda feiticeira é corcunda, Nem toda brasileira é bunda. Meu peito não é de silicone, Sou mais macho que muito homem. Sou rainha do meu tanque, Sou pagu indignada no palanque. Fama de porra-louca, tudo bem, Minha mãe é Maria, alguém

Nunca vi fazer tanta exigência Nem fazer o que você me faz Você não sabe o que é consciência Nem vê que eu sou um pobre rapaz Você só pensa em luxo e riqueza Tudo que você vê você quer Ai, meu Deus, que saudade da Amélia Aquilo sim é que era mulher Às vezes passava fome ao meu lado E achava bonito não ter o que comer E quando me via contrariado Dizia: meu filho, que se há de fazer Amélia não tinha a menor vaidade Amélia é que era mulher de verdade Amélia não tinha a menor vaidade Amélia é que era mulher de verdade

Não sou atriz, modelo, dançarina. Meu buraco é mais em cima.

Gênero é um dos temas mais contemporâneos e polêmicos do século XXI. Iniciamos com as letras da música Pagu lançada em 2000, em homenagem a Patrícia Galvão, jornalista e ativista; e Ai que saudade da Amélia, lançada por  Ataulfo Alves em 1942, inspirada segundo seus compositores em uma história real. O objetivo da citação das duas letras é iniciar nossa discussão comparando de forma simples, uma visão social, do perfil de mulheres do século XX Amélia, e Pagu, uma mulher do século XX à frente de seu tempo, nascida em 1910.  A primeira gravação da música Pagu foi realizada por suas por suas compositoras em 2000 (final do século XX); em 2003 século XXI, ela é regravada pela cantora Maria Rita. Hoje, quando se discute a situação da mulher nos diferentes cenários sociais, a palavra de ordem é empoderamento, mas o processo histórico brasileiro pontua este percurso gradual de “empoderamento feminino” com os seguintes fatos: a mulher conquistou o direito de voto em 1932. Em 1962, foi publicado o Estatuto da Mulher Casada, a lei do divórcio é de 1977, o reconhecimento que homens e mulheres são iguais em direitos e deveres nos termos da Constituição brasileira

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é de 1998 , e a lei 11.340/2006 (lei Maria da Penha) que garante direitos contra abusos e maus-tratos à mulher é uma conquista de 2006. Conforme assinalado quando tratamos do tema família, a mulher foi “domesticada” para ser do lar, ou melhor a “rainha do lar”, mas os descontentamentos pessoais, e as aspirações individuais levam ao embrião do feminismo em meados do século XIX, com o movimento sufragista, a reivindicação de mulheres inglesas, francesas, espanholas Figura 2.19 – Reivindicação de mulheres e americanas, do Estados Unidos, pelo pelo direito do voto. direito ao voto.  A partir do século XX, o feminismo germina, em sua primeira fase, como um movimento liberal de luta de mulheres por direitos civis e políticos, denunciando a “opressão da mulher imposta pelo patriarcado”.

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Figura 2.20 –

Figura 2.21 –

Nas décadas de 1960 e 1970, considerada pelos historiadores “segunda onda feminista”, o feminino renasce na França com a “reivindicação da valorização das diferenças entre homens e mulheres”, e nos Estados Unidos com a “denúncia da opressão masculina e a busca da igualdade”, este período foi chamado de “o feminismo da igualdade” e “o feminismo da diferença”, cujaa ideia central era sinalizar que diferentes são as subjetividades masculinas e femininas, mas a igualdade deveria ser dos direitos. Essa diferenciação é importante porque foi muito utilizada, principalmente pelo senso comum, para desqualificar o discurso feminista. Na década de 1980, a visão crítica da academia francesa, influenciada pelas ideias dos filósofos Michel Foucault e Jacques Derrida enfatiza a interrogação das diferenças, da subjetividade e da singularidade das experiências, compreendendo que as subjetividades são construídas pelos discursos, em um espaço que é sempre dialógico e intersubjetivo. Esse momento é a “terceira onda feminista”, e a ideia central é a “análise das diferenças, da alteridade, da diversidade e da produção discursiva da subjetividade”, e ocorre então, uma transferência de estudos sobre as “mulheres e sobre os sexos” para o “estudo das relações de gênero”.  Joan Wallach Scott, em sua obra Gênero: uma categoria útil de análise histórica (1995, p. 75), elabora a seguinte análise: O termo "gênero", além de um substituto para o termo mulheres, é também utilizado para sugerir que qualquer informação sobre as mulheres e necessariamente informação sobre os homens, que um implica o estudo do outro. Essa utilização da ênfase ao fato de que o mundo das mulheres faz parte do mundo dos homens, que ele é criado nesse e por esse mundo masculino. Esse uso rejeita a validade interpretativa da ideia de esferas separadas e sustenta que estudar as mulheres

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de maneira isolada perpetua o mito de que uma esfera, a experiência de um sexo, tenha muito pouco ou nada a ver com o outro sexo.  Além disso, o termo "gênero" é também utilizado para designar as relações sociais entre os sexos. Seu uso rejeita explicitamente explicações biológicas, como aquelas que encontram um denominador comum, para diversas formas de subordinação feminina, nos fatos de que as mulheres têm a capacidade para dar à luz e de que os homens têm uma força muscular superior. Em vez disso, o termo "gênero" tornase uma forma de indicar "construções culturais" – a criação inteiramente social de ideias sobre os papéis adequados aos homens e mulheres. rata-se de uma forma de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas de homens e de mu¬lheres. "Gênero" é, segundo esta definição, uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado. Com a proliferação dos estudos sobre sexo e sexualidade, "gênero" tornou-se uma palavra particularmente útil, pois oferece um meio de distinguir a prática sexual dos papéis sexuais atribuídos às mulheres e aos homens. Narvaz e Koller (2006, p. 647), a partir de estudos, tecem considerações importantes sobre o feminismo, incluindo as análises de gênero propostas Scott, 1995. “O desafio nesta fase do feminismo é pensar, simultaneamente, a igualdade e a diferença na constituição das subjetividades masculina e feminina. Nesta terceira fase do movimento feminista, observa-se intensamente a intersecção entre o movimento político de luta das mulheres e a academia, quando começam a ser criados nas universidades, inclusive em algumas universidades brasileiras, centros de estudos sobre a mulher, estudos de gênero e feminismos. Os três momentos do movimento feminista foram descritos para destacarmos o contexto do estudo de gênero, atualmente estas discussões permanecem contribuindo para um cenário atualíssimo de desconstrução do gênero. O conceito de gênero extrapola a classificação biológica, é também utilizado como um descritor de papéis sociais e atribuições que competem ao homem e à mulher.  As diversas articulações dessas discussões permitiram o surgimento de novos debates, e a desvinculação do conceito de gênero, da divisão biológica dos sexos (masculino e feminino) binário. Sexo é determinado biologicamente pela constituição fisiologia das genitálias do homem e da mulher. Gênero é um conceito construído a partir da subjetividade masculina ou feminina de cada pessoa.

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 As discussões contemporâneas avançaram para muito além do conceito de gênero, seja no campo biológico ou social, as atribuições masculinas e femininas antes delimitadas pela classificação dos papéis, hoje passam por transformações em seus atributos, seja por exemplo: no vestuário, nas profissões, e em diferentes campos sociais, culturais, econômicos, políticos. O que tornaram emergente a revisão do conceito e a limitação do mesmo a masculino e feminino. Outro conceito importante é o de identidade de gênero, este está relacionado ao campo psíquico, como as pessoas, independentemente do sexo biológico, se autopercebem. Isto é, o convencional binário homem e mulher, deu lugar a novas designações e suas diferenças de posicionamento pessoal e orientação sexual. O século XXI comtempla uma sociedade com lésbicas, gays (compreendidos como homossexuais), bissexuais, travestis, transexuais, (inclui a categoria transgêneros) e intersexuais (andrógenos). No Brasil, a sigla LGB aprovada pelo Congresso Nacional em 2008, ainda gera muita polêmica pelas diferentes correntes ativistas, que argumentam não contemplar todas as orientações sexuais.

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Em diferentes países, estas discussões também estão bastante aquecidas e reivindicatórias de suas representações, entretanto, o que se pode afirmar é que o ponto convergente de todas estas mudanças é a constatação da “mudança de paradigmas” em relação ao tratamento da questão de gênero. O movimento feminista problematizou a questão do gênero, mas o ponto central deste fenômeno social é a discussão da “subjetividade da identidade”. As amplitudes sociais das questões propostas ultrapassam a barreira do individual, transvertem o cultural.

REFLEXÃO As discussões ultrapassam as barreiras disciplinares, e a observação do cotidiano produz questões acerca de como a sociedade percebe a mulher, nesta bagagem encontramos: mulheres com salários abaixo dos salários pagos ao homem, mesmo exercendo as mesmas funções profissionais; discriminação racial com diferença de tratamento social para mulheres brancas, negras e mestiças; estereótipos machistas; referência pejorativa ao exercício da sexualidade; depreciação da mulher nas atividades do cotidiano, como por exemplo: dirigir “mulher no volante perigo constante” ou ainda, “lugar de mulher é na cozinha”, (ditado popular), violência contra a mulher, e tantas outras informações que a mídia noticia todos os dias. Cabe então, refletir um pouco mais sobre o cotidiano.

Figura 2.22 – Fonte: < http://www.wllanadantas.com.br/wp-content/uploads/2014/03/1 432_755973221079857_1354144944_n.jpg >.

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A psicologia social acompanhou todo este processo histórico, no início do século XX quando as primeiras pesquisas indicaram que a diferença entre homens e mulheres está nas atitudes, nos interesses e nos comportamentos, hoje compreende-se que estas diferenças são mais amplas e multifatoriais. A diferença de temperamentos apresenta a ideia da “doçura” e emotividade feminina, e da rudez masculina, corroborando o cenário histórico que o lar é para as mulheres, esta concepção torna-se uma norma social. O processo de socialização, a priori função da família, se apropria desta concepção e distingue por meio da educação as diferenças de personalidade entre homens e mulheres. Os estudos em psicologia seguem suas investigações buscando as relações entre sexo biológico, sexo cultural, social e psicológico. A história seguiu seu curso natural e a psicologia social continua investigando as questões de gênero, como uma de suas dimensões conceituais, o construcionismo social, corrente teórica da psicologia social, dirige a energia do legado feminista, para a investigação psicológica das “diferenças entre homens e mulheres, um produto cultural e relacional” e ao afirmar: “a consequência de existirem categorias, é maximizar as diferenças entre grupos e atenuar as diferenças intra-grupos.”. Esta óptica remete-nos ao início da discussão do tema, com a afirmação “atualíssimo”, porque a discussão de gênero do século XXI está também mídia, foi amplificada a novas categorias de gênero, com particularidades que estão sendo construídas, soma-se a esta questão a Revolução Tecnológica em todos os campos humanos, fazendo uma referência à medicina, hoje o sexo biológico não é mais determinante como se pensou no passado, as cirurgias de redesignação sexual é uma realidade acessível a todas as pessoas. Diante destas circunstâncias, o saber científico da psicologia social também está inserido nas mudanças do século XXI, as pesquisas e as construções teóricas precisam amadurecer e se “empoderar” de novos conhecimentos para que a produção científica possa atender às suas demandas.

RESUMO Neste capítulo iniciamos nossas discussões sobre identidade, um conceito que açambarca diferentes dimensões e pluralidade histórica, constituindo-se em um contexto individual, subjetivo e social compartilhado com o coletivo vivenciado nos diferentes papéis sociais desempenhados pelo indivíduo em sociedade, pai, filho, mãe, trabalhador, amigo, estudante, entre outros e realizados em seu meio social.

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Ideologia “um conjunto de sistemas e doutrinas filosóficas, políticas, morais e sociais que indicam como pensamos e percebemos o mundo”. Um conceito abrange o objeto precípuo de estudo de diferentes ciências, e em particular da psicologia social, sua importância social, histórica, política, filosófica, entre outras; na concepção da vida humana. A ideologia é abordada sobre diferentes enfoques teóricos em que destacamos no marxismo os conceitos de infraestrutura e a superestrutura e alienação; os conceitos de Aparelho Ideológico do Estado e Aparelhos Repressivos do Estado de Althusser, e a trajetória do conceito de ideologia tratada por Guareschi. A ideologia é um tema profundamente complexo, e entre seus objetivos de estudo pela psicologia social está o fomento ao pensamento crítico fundamental ao exercício profissional. Neste contexto dedicamo-nos a pensar no indivíduo, fenômeno social e subjetividade, os processos que humanizam o homem, a afiliação aos grupos sociais, as experiências coletivas e o que constitui a subjetividade. A família, grupo primário o qual fazemos parte, desde sua origem social passa por constantes transformações históricas, políticas, culturais e constitui um dos objetos de estudo mais importantes da psicologia, pois em seu contexto estão contidos identidade, identidade social, representações sociais, ideologia, fenômeno social, subjetividade, subjetividade social, gênero, entre outros conteúdos e conceitos. Finalizamos o capítulo tratando do tema gênero, destacamos seus aspectos mais contemporâneos e polêmicos, propondo a reflexão sobre seus contextos, desde o movimento feminista aos reflexos nas escolhas e empoderamentos sociais da atualidade.

CONEXÃO Acesse o site: Assista à série Liberdade de Gênero do diretor João Jardim.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1992. CIAMPA, Antônio da Costa. A estória do Severino e a história de Severina. 9. reimpressão. São Paulo: Brasiliense, 2007. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, Senado Federal. Disponível em: .

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GUARESCHI, Neuza Maria de Fátima, MEDEIROS, Patrícia Flores de, e BRUSCHI, Michel Euclides. Psicologia Social nos estudos culturais: Perspectivas e desafios para uma nova Psicologia Social

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3 Campos de aplicação da psicologia social – A abordagem psicossocial

Campos de aplicação da psicologia social – A abordagem psicossocial  A psicologia social é uma área abrangente com diferentes campos de aplicação. Neste capítulo, sob o enfoque da abordagem psicossocial, apresentaremos a aplicação teórico-prática da psicologia social na escola, no trabalho, na comunidade e na saúde.

OBJETIVOS Articular os conceitos da abordagem psicossocial com as áreas de aplicação da psicologia social; Relacionar a aplicação teórica à prática da psicologia social na escola; Enumerar a aplicação teórica à prática da psicologia social no trabalho; Elencar a aplicação teórica à prática da psicologia social na comunidade; Descrever a aplicação teórica à prática da psicologia social na saúde. •









Psicologia social e escola  A abordagem psicossocial é um campo de estudo da psicologia social que abarca as dimensões individuais e coletivas do sujeito. A concepção do indivíduo como um ser biopsicossocial, identifica-o como um sujeito biológico de características cognitivas específicas, dotado de processos psíquicos que constroem sua subjetividade, ao mesmo tempo que é um ser social, cujas relações estabelecidas por meio da interação com o meio ambiente, propiciam sua autoconstrução, sua identidade, autopercepção e percepção do mundo. Os agentes socializadores culturais – família, escola, trabalho e comunidade em que o indivíduo está inserido, implicam e são implicados por ele, em um processo interativo e multidimensional. A investigação dos fenômenos individuais e coletivos é preconizada pela interdependência entre estes agentes e o dinamismo subjacente que constrói a história humana. Neste contexto. a abordagem psicossocial sustenta o trabalho científico do psicólogo, pois considera em seu campo de ação os aspectos históricos, socioculturais e empíricos, constitutivos do indivíduo, como aponta (SAFRA, 2004,p. 25) capítulo 3 •

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“O ser humano é a singularização de toda história da humanidade. Cada pessoa é única e múltipla, pois, ao mesmo tempo em que se individualiza, o faz presentificando seus ancestrais e aqueles com quem compartilha a sua existência.”.  A ação profissional do psicólogo na escola contempla a concepção da complexidade humana, sob o ponto de vista da abordagem psicossocial “o sujeito como protagonista de sua história – aqui tomada como o que constitui o lado humano na dimensão cultural, influenciado pelos símbolos, pela língua e, em consequência, pela sociedade”. (ALVES e FRANCISCO, 2009, p. 768)  A escola é uma instituição social que data desde 4000 a.C., contudo o modelo de escola que temos hoje originou-se no século XII na Europa. Contribuindo com a psicologia social, George Mead (1863-1931) filósofo americano, sinalizava a importância social da escola em seus estudos sobre o self. Partindo do pressuposto de que as interações sociais vividas pelo sujeito podem favorecer tanto o desenvolvimento de supremos valores éticos quanto a sua degradação o social e moral, Mead (1863-1931), reflete o papel da escola na formação do self, instância cognitiva e social e permitir movimentos de autonomia do indivíduo diante do controle imposto pela ordem social e a sua capacidade na tomada de decisões no campo pessoal e político. (SANT’ANA, 2005, p. 1) Muitos filósofos, educadores e cientistas teorizaram sobre a escola e suas diferentes dimensões e implicações em relação às pessoas. Segundo, Zanella et al. (2008, p. 134), “[...] ao procurar conhecer a realidade escolar como um todo, o psicólogo contribui para repensar a escola. Redimensionando sua própria atuação e contribuição para que os integrantes da escola reflitam sobre a forma como agem frente ao real.”. O trabalho do psicólogo social na escola é um trabalho político, que propõe a reflexão sobre os conceitos ideológicos vigentes e as repercussões que esta ideologia acarretará na formação da sociedade por meio da educação. O psicólogo social no contexto escolar investiga as relações que se estabelecem entre a infraestrutura (base econômica) e a consciência social (superestrutura), (conceitos marxistas, capítulo 2- Ideologia ), e os seus impactos nas classes sociais, na formação do cidadão. Em um contexto objetivo da ordem social, o direito de escolher os representantes de diferentes classes sociais junto às instâncias de poder da infraestrutura, é uma forma de promover cidadania, inclusão social e garantia de direitos para todos os indivíduos das diferentes camadas da sociedade, que se traduz na participação democrática da sociedade, um direito que deve pertencer a todos os indivíduos.

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 A escola é um um dos dos agentes agentes socializadores mais importantes deste processo, porque deve estar presente desde os primeiros anos de vida de uma pessoa, e entre suas atribuições, cabe por meio do ensino formal fornecer instrumentos para o desenvolvimento cognitivo do indivíduo, que o levará a realizar as elaborações fundamentais que repercutirão no exercício de liberdade e autonomia de suas ideias, em outras palavras, a escola deve ensinar o indivíduo a organizar seus pensamentos. O psicólogo social na escola trabalha no contexto institucional de forma preventiva, política, social, diagnóstica, mobilizadora e terapêutica, considerando terapêutica toda ação que produz efeitos benéficos. Não confundir com psicoterapia que é uma ação clínica específica, e considerar que há diferenças no enfoque profissional entre o psicólogo social na escola e o psicólogo escolar, cujo enfoque é centrado nas ações voltadas para o processo de aprendizagem. O Conselho Federal de Psicologia – CFP, segundo resolução 014/00, determina que o dever do psicólogo da área escolar é aplicar conhecimentos psicológicos concernentes ao processo ensino-aprendizagem, analisar e realizar intervenções psicopedagógicas referentes ao desenvolvimento humano, às relações interpessoais e à integração família-comunidade-escola, para promover o desenvolvimento integral do ser. “Educar não é, entretanto, condicionar socialmente o indivíduo, mas, fundamentalmente, garantir-lhe liberdade e autonomia.”. autonomia.”. A psicologia educacional busca a compreensão do desenvolvimento humano no contexto sociocultural, bem como a promoção das potencialidades do sujeito em interação com o outro social. (Santos 2004, p. 1) No ambiente escolar, escolar, são inúmeras as possibilidades de atuação do psicólogo. No campo da Avaliação Psicológica, Psicologia da Aprendizagem, Psicologia do Desenvolvimento, Motivação, Motivação, Mediação de Conflitos, Educação Especial, Análise Institucional, Orientação Vocacional/Orientação Vocacional/Orientação profissional, entre outros. Em virtude das profusas possibilidades de ação do psicólogo na escola, destacaremos ações e encaminhamentos integrantes das atribuições do psicólogo escolar, com o objetivo de demonstrar a diferença na abordagem do psicólogo social na escola. O psicólogo escolar realiza o atendimento da criança e do adolescente, com transtornos específicos do desenvolvimento das habilidades escolares, déficit cognitivo, transtornos mentais e do comportamento; para a identificação e encaminhamentos necessários. Cabe observar, que o atendimento escolar não é um atendimento psicoterapêutico, mas é fundamental identificar a necessidade de encaminhamento clínico, quando preciso. capítulo 3 •

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Neste contexto, que contempla a identificação de necessidades de atendimento específico e/ou encaminhamento clínico, cabe ao psicólogo atuar focado em sua responsabilidade político-social de problematizar as demandas dos professores e gestores escolares, para que os rótulos ou estereótipos não se tornem mecanismos de exclusão social. O trabalho do psicólogo no ambiente escolar agrega a comunidade escolar qualidade nas relações interpessoais e no convívio com a diversidade social. O trabalho do psicólogo social na escola envolve o atendimento aos diferentes grupos da comunidade escolar: alunos, pais, professores e funcionários; com o objetivo de identificar suas representações sociais, mediar conflitos de convivência, análise das práticas institucionais, motivação, ações preventivas, intervenções segundo as políticas públicas para a educação. Participação Participação nos processos de gestão escolar, como elaboração do Projeto Político Pedagógico (PPP). Orientação das práticas institucionais quanto aos portadores de necessidades especiais. Orientação da comunidade escolar em habilidades sociais, um trabalho que demanda o exercício do papel político do psicólogo, pois é necessário negociar, administrar, administrar, mediar conflitos, e em relação às habilidades sociais, dirigir ações que se revertam em benefícios na convivência entre os agentes da comunidade escolar. “Habilidades sociais são um conjunto de comportamentos emitidos por um indivíduo em um contexto interpessoal que expressa sentimentos, atitudes, dese jos, opiniões ou direitos desse indivíduo de modo adequado à situação,respeitando esses comportamentos nos demais, e que geralmente resolve os problemas imei mediatos da situação enquanto minimizando a probabilidade de futuros problemas. (CABALLO, 2006, p. 361)  Ainda no contexto escolar, escolar, a orientação profissional, é uma modalidade de trabalho do psicólogo que auxilia aos jovens quanto à escolha da ocupação profissional. Em relação à orientação profissional, embora não seja nosso foco de discussões, cabe salientar que ela está presente na psicologia social brasileira desde seu início, como aponta Abade (2005, p. 18): “..A orientação profissional não pode prescindir de um referencial psicossocial, ou seja, mais que considerar a relevância dos fatores sociais no processo de escolha, é importante que o orientador apoie sua prática em referenciais teórico-metodológicos psicossociais. [...] Embora a orientação profissional estivesse presente em departamentos de psicologia social quando foi definido o currículo mínimo do curso de psicologia em 1962, somente na década de 1990, identificamos trabalhos que abordam a orientação profissional a partir de referenciais da psicologia capítulo 3 •

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social. O paradigma ecológico desenvolvido por Jorge Sarriera e a abordagem sócio-histórica proposta por Sílvio Bock e Ana Bock, configuram uma modalidade de orientação profissional com base na psicologia social.”.  A orientação profissional, sob o enfoque da psicologia psi cologia social, ratifica o exercício político de cidadania, indica o ideário de um grupo social. A escolha da ocupação profissional é um agente que integra as pessoas ao mundo do trabalho, e assim contribui com a base das forças produtivas econômicas de uma sociedade. Considerando estes aspectos, a orientação profissional participa dos fatores que colaboram com as transformações sociais. Entre as diferentes aplicações da psicologia na área escolar, escolar, a presença da psicologia social e a abordagem psicossocial é uma constante, porque a formação teórica e a prática profissional são norteadas por questões fundamentais da abordagem psicossocial, tais como: identidade, representações sociais, cultura, interação, relações sociais, gênero, ideologia, subjetividade, família e grupos. Conforme sinaliza  Alves e Silva, (2006, p. 768) “Cabe ao psicólogo escolar desenvolver, desenvolver, juntos às comunidades escolares, intervenções psicossociais que atentem aos aspectos sócio -históricos e a contribuição para o desenvolvimento de sujeitos mais conscientes, críticos, éticos e autônomos”. autônomos”.  A abordagem psicossocial permite explicitar os processos psicossociais envolvidos no grupo, sua formação, afiliação, sentimento de pertencimento, e como estes processos implicam e são implicados pelo indivíduo. Considerando este panorama, também é importante destacar que o “olhar” da psicologia social permite no âmbito escolar uma abordagem sócio-histórica, e também uma abordagem construtivista/construcionista das relações sociais. Isto é, os referenciais teóricos determinarão o “approach”, approach”, necessário para a articulação entre teoria e prática nas necessárias intervenções no meio escolar. Métodos de intervenção como oficinas em dinâmica de grupo – um método de intervenção psicossocial: “a oficina é um um trabalho estruturado com grupos, independentemente do número de encontros, sendo focalizado em torno de uma questão central que o grupo se propõe a elaborar. A elaboração na oficina não se restringe a uma reflexão racional, mas envolve os sujeitos de maneira integral, formas de pensar, sentir e agir”. (AFONSO, 2002, p. 1) O homem é biopsicossocial, e a abordagem psicossocial contempla estas diferentes dimensões do humano, sob o ponto de vista da psicologia social crítica, a escola é um dos cenários em que a materialização das discussões ideológicas estão mais presentes, e cabe ao psicólogo explicitar por meio de sua intervenção inter venção profissional, as questões implícitas que permeiam a educação na formação de sociedade. capítulo 3 •

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ATIVIDADE Observe as ilustrações a seguir, inspire-se e elabore, segundo um psicólogo social, duas propostas de intervenção no ambiente escolar, considerando a abordagem psicossocial.

Psicologia social e trabalho

Trabalho é todo esforço físico e mental. Essa é a definição mais básica do conjunto de ações caracterizam o trabalho. A figura 3.3, uma charge crítica e bem-humorada, demonstra a ideia que o trabalho é parte inerente da vida e da capítulo 3 •

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sociedade desde os primórdios da história humana. Segundo Lisboa (1997, apud  ALMEIDA e PINHO, 2008, p. 174): “A identidade ocupacional forma-se por meio da autopercepção que o indivíduo tem dos papéis profissionais com os quais tem contato ao longo de sua existência, principalmente no que diz respeito a figuras significativas, como pais, familiares e professores.”. professores.”.  A psicologia apresenta uma estreita relação com o estudo das relações do homem com o trabalho. A começar por seu estabelecimento como ciência no contexto pós-Revolução Industrial. Em 1913, Hugo Munsterberg, aluno de Wundt, publica o livro Economic Experimental Psychology Psychology,, considerada como primeira obra organizada com o ob jetivo de discutir as contribuições contribuições da psicologia para a área área industrial em expansão, compreendida como recurso do desenvolvimento econômico e social. “Ainda mais importante de que lucros comerciais de ambos os lados são os ganhos culturais à vida econômica da nação, na medida em que todos podem ser levados ao lugar em que suas melhores energias podem ser demonstradas e sua satisfação pessoal obtida. A psicologia experimental econômica oferece nada menos de que a ideia inspiradora que o ajuste de trabalho e psique pode levar à troca de insatisfação no trabalho e depressão mental pela felicidade e harmonia interna perfeita.”. perfeita.”. Ideologias profissionais e gerenciais têm a tarefa de representação positiva da autoridade de mando frente a quem manda e a quem obedece, de tornar aquilo que não é natural e de fazê-lo de forma convincente. Desde o início, a nova psicologia econômica tinha sua crença, que serviu de sustentação para o caminho unidirecional entre a psicologia científica produzida no laboratório e sua aplicação na indústria. (MUNSTERBERG, apud SPINK 1996, p. 178)  ©

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Figura 3.1 – Hugo Münsterberg (1863-1916).

Nos Estados Unidos da América, os estudos do psicólogo australiano Elton Mayo, a partir do programa de pesquisa da empresa Western Electric, fábrica de

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Hawthorne, em Chicago, de 1924 a 1933, identificou o valor dos sentimentos e das relações humanas entre os operários e superiores; Mayo estabelece as bases da psicologia das relações humanas. Conforme Spink (1996, p. 176), Mayo faz críticas à visão taylorista do homem econômico e sua proposição de que o trabalhador tem uma necessidade de se dar bem com os outros, de precisar do convívio e do contato social. Ele aprofunda a questão sinalizando a importância da dimensão técnica aliada às relações interpessoais, cujos afetos são fundamentais para o convívio social. O aspecto técnico envolve o desempenho, processo seletivo, treinamento e adequação de perfil do profissional a função a ser desempenhada, entre outros, e o aspecto afetivo envolve as relações humanas, liderança, comunicação interpessoal, proatividade, motivação etc.  A figura 3.6 ilustra a dimensão contextual das relações interpessoais, que são aplicadas em todos os cenários humanos, aqui relacionamo-la ao ambiente organizacional, objeto de estudo da psicologia do trabalho e da psicologia social. RELAÇÕES INTERPESSOAIS O ser humano em essência é um ser social que deve compartilhar a vida com outras pessoas

Para que possamos crescer...

Para fazer parceiros e amigos visando apoio mútuo

POR QUE AS RELAÇÕES INTERPESSOAIS SÃO IMPORTANTES?

Para que possamos reconhecer no outro as qualidades e defeitos que possuímos

Para que possamos aprender a: Ser/Conviver/Fazer/Aprender

Figura 3.2 – Dimensão contextual das relações interpessoais.

 A psicologia industrial, em sua trajetória torna-se a psicologia do trabalho e a partir da ampliação natural de suas investigações no transcorrer da história, tornase psicologia das organizações. Este percurso da psicologia consolida-a como uma de suas “grandes áreas” o trabalho e foi acompanhado de forma intrínseca pela psicologia social por meio de sua aplicação e reflexão sobre o trabalho e as relações sociais presentes nos contextos coletivos organizacionais.

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 A psicologia social aplicada às organizações, problematiza e investiga questões como as intersubjetividades sociais, o processo de socialização secundário promovido pelo trabalho, os processos sociais, o fenômeno social, os conflitos, as relações de poder, ideologia, cultura organizacional, crenças e valores organizacionais, papéis sociais, identidade, identidade ocupacional e representações sociais.  A psicologia social articula suas investigações com a visão psicossocial, as interações e a complexidade humana (vide figura 3.6). Lisboa, (apud ALMEIDA e PINHO, 2008), aponta, por exemplo, a construção da identidade a partir da identidade ocupacional:  A construção da identidade ocupacional está, como afirma Lisboa (1997), diretamente vinculada à identidade pessoal, pois ambas incluem todas as identificações feitas pelo indivíduo ao longo da vida. De acordo com Conger e Petersen (1984), a identidade ocupacional forma uma parte importante do senso de identidade. Na contemporaneidade, o estudo das relações sociais no trabalho e na psicologia social atravessam as transformações e os novos paradigmas do século XXI. As novas relações de trabalho e convivência no ambiente ocupacional caminham para novas modalidades. A presença de elementos como a robótica industrial, a exigência de novas habilidades e competências técnicas, que permitem que o trabalho seja virtual, por exemplo; e as frequentes mudanças no cotidiano das organizações acentuam a necessidade de pesquisas focadas e atenção e crítica a este contexto de fenômenos sociais. Entretanto, um ponto permanece convergente e comum: o centro de todas as mudanças e o facilitador para que as transformações aconteçam é o homem, que por natureza é um ser social e permanece agente interativo implicador e implicado pelas relações interpessoais.  Ao reconfigurar a psicologia do trabalho enquanto ação processual a partir da psicologia social do fenômeno organizativo, abre-se a opção de reassumir a intervenção investigativa da pesquisa-ação como base para um diálogo que apoia a agência do outro na alteração de práticas e formas de agir. O estudo do fenômeno organizativo e do trabalho tem muito a ganhar com sua proximidade a psicologia social – e talvez a psicologia social tenha algo aprender também. (SPINK, 1996, p. 178) Spink argumenta que o fenômeno organizativo do trabalho e seu estudo pela psicologia social poderiam intercambiar novas práticas e formas de ação no contexto social. Psicologia social como vimos, é por essência crítica, e a pesquisa científica sob sua orientação está presente em todos os contextos humanos, o trabalho, um dos agentes socializadores mais importantes da vida em sociedade.

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 A psicologia social investiga e problematiza as relações entre o homem, à sociedade e o trabalho, as questões fomentadas pela ideologia apresentam-se de várias formas nas relações do homem com o trabalho.  A psicologia social analisa as relações de poder e dominação estabelecidas pelas convicções ideológicas temporais presentes, no processo das relações de produção, na alienação do trabalhador que o submete ideologicamente ao poder vigente adoecendo-o, na construção da identidade do indivíduo, nas relações entre as lutas das classes sociais, na construção da identidade dos grupos sociais.  Nesse contexto o caráter crítico da psicologia social, acena de forma emancipatória problematizando questões de forma a contribuir com a promoção da saúde e o bem-estar social da classe trabalhadora em suas várias dimensões, dos aspectos sociopolíticos, marxistas, as representações sociais, identidade, ideologia, entre outros que as relações humanas e o trabalho podem produzir.

LEITURA Exercite sua visão crítica, leia o seguinte texto:  “A dificuldade em se questionar vem do pressuposto original. Psicologia é para ser aplicada ao campo do trabalho e de organizações, consequentemente assume-se que a problematização da psicologia é feita onde se faz a psicologia, não onde se aplica. Os dois são instâncias distintas. Ao agir dentro da óptica da separação entre teoria e aplicação, cai-se no terreno restritivo em que a preocupação social do psicólogo enquanto ser-no-mundo influencia o tipo de problema que quer resolver, mas a maneira de resolvê-lo permanece presa àquilo disponível para aplicação. O mundo de trabalho e de organização é um campo de atuação e não um fenômeno a ser compreendido, porque na hierarquia implícita da ciência esse não é o papel do aplicador. Psicologia do trabalho é um assunto do quinto ano ou de cursos de pós-graduação no exterior; algo que um psicólogo pode fazer, mas não como parte de sua identidade básica.”. (SPINK, 1996, p. 179) Identifique a relação entre a psicologia social e trabalho.

Psicologia social na comunidade  A partir da regulamentação da psicologia no Brasil em 1962, a atividade profissional do psicólogo foi marcada pela prática clínica individual, a avaliação psicológica, problemas de aprendizagem e na área organizacional.

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Na Europa e nos Estados Unidos da América, o marco da psicologia comunitária ocorreu em meados da década de 1960, no contexto do movimento de renovação da psicologia social relacionado aos movimentos sociais comunitários, em especial os de saúde mental. Em 1965 a Conferência de Swampscott, nos EUA, discutia os serviços de saúde mental de base comunitária e as crises na intervenção médica.  A conferência de Swampscott, realizada nos EUA, em 1965, envolvida com a constituição dos serviços de saúde mental de base comunitária e com as críticas às intervenções exclusivamente médicas e hospitalocêntricas nos casos de doença mental, tem sido apontada como um marco para a constituição da disciplina (GÓIS, 2005; ÁLVARO & GARRIDO, 2006). Inspirados nos pressupostos da psiquiatria preventiva, esses movimentos tinham como objetivo não somente tratar as doenças mentais, mas também as prevenir. As intervenções, antes limitadas aos indivíduos, foram ampliadas para seu entorno – também chamado comunidade – concebido como fonte dos problemas mentais e, ao mesmo tempo, como agente potencialmente terapêutico. (GÓIS, 2005; ÁLVARO & GARRIDO, 2006 apud GONÇALVES e PORTUGAL, 2012, p. 140)  A psicologia comunitária chega ao Brasil na década de 1970 com os registros que se referiam à participação de psicólogos em trabalhos preventivos em saúde mental, comunidades eclesiais e no campo da educação. Na saúde mental, relacionavam-se à psiquiatria social com o atendimento a integrantes de comunidades. “O uso do conhecimento psicológico como instrumento de práticas em comunidades teve seus primeiros registros formais na década de setenta [...]. Tais registros referiram-se à participação de psicólogos em trabalhos associados à esfera da educação e da saúde mental, especialmente no âmbito da prevenção. [...] As ações eram inspiradas na psiquiatria comunitária, um ramo da psiquiatria social voltado para o atendimento à saúde mental de integrantes de comunidades. Para tanto, predominavam propostas de intervenções cujo objetivo era a diminuição da prevalência de psicopatologias e a promoção processos de adaptação das pessoas ao ambiente, tendo em vista as influências que a cultura e a sociedade exercem sobre elas (...). Esta abordagem foi adotada como um dos modelos de trabalho no Brasil e orientou diferentes práticas psicológicas em comunidades das classes populares brasileiras.”. (FREITAS e SCARPARO, apud SCARPARO e GUARESCHI, 2007, p.101)

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No final da década de 1980, o cenário político social desenhado pelo processo de redemocratização brasileiro, a promulgação da Constituição de 1988, e um conjunto de políticas sociais, inclusive a organização do SUS (Sistema único de Saúde) conciliaram a psicologia com as camadas populares da sociedade, possibilitando a inserção efetiva do psicólogo neste campo de trabalho. Com o avanço da abertura política e dos movimentos sociais a ela associados, muitas práticas psicológicas se integraram às perspectivas de emancipação social. O movimento pelas eleições diretas, nos anos oitenta e a mobilização popular pelo “impeachment” presidencial no início da década de noventa, tornou mais intenso o sentimento e a importância do pertencimento ao coletivo. O movimento constituinte e a promulgação da “Constituição Cidadã”, em 1988, fizeram com que as expressões inclusão, igualdade e cidadania fossem mais frequentes na produção de conhecimentos e nas práticas de psicólogos. (SCARPARO e GUARESCHI, 2007, p.102) Na década de 1990 é consolidada a atuação do psicólogo nas instituições públicas, principalmente em relação ao trabalho com as populações economicamente desfavorecidas. Na contemporaneidade o trabalho do psicólogo na esfera comunitária abrange a dimensão da necessidade social. “A perspectiva social das práticas psicológicas tem sido pauta de reflexões diversas o que tem ampliado a produção de pensamentos e os sentidos sociais atribuídos para as práticas psicológicas.”. A psicologia crítica, a psicologia sócio -histórica, psicologia da libertação, psicologia política e a psicologia social comunitária direcionam suas ações para as favelas e comunidades, desmistificando a ideia que a psicologia atua somente na área clínica, em “consultórios particulares”, ou na especificidade cognitiva e experimental. (SCARPARO e GUARESCHI 2007, p.102)  As contribuições da Psicologia Social comunitária estão efetivamente associadas às transformações sociais, suas práticas de intervenção possibilitaram dar “ Voz” as populações excluídas.

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“O surgimento da psicologia social comunitária pode ser considerado uma tentativa de responder às críticas e de propor mudanças para a psicologia social latino-americana. Assim, novas diretrizes da disciplina foram instituídas, a saber, ‘deselitizar’ a psicologia [...], aproximar-se da realidade concreta da população [...] e afastar-se dos lugares tradicionais de trabalho.”. (GONÇALVES e PORTUGAL, 2012, p. 140) Dessa forma, cabe ao psicólogo social comunitário estar presente nas comunidades, em contato direto com as demandas do grupo, esta proximidade com a realidade da vida da comunidade é o que permite à ciência oferecer um serviço que atenda às reais necessidades do grupo, e não um serviço que supõe as necessidades dele, que ocorre quando não há uma investigação no campo que veja e escute a realidade objetiva da comunidade. Cabe ainda sinalizar que este percurso histórico da psicologia social comunitária contou com a Abrapso (Associação Brasileira de Psicologia Social), fundada em 1980, como resultado dos debates de pesquisadores latino-americanos sobre as particularidades das circunstâncias econômicas, socioculturais, políticas e populacionais de seus países e o objetivo de participar do processo de construção de métodos e concepções conceituais “de uma perspectiva inovadora da psicologia no Brasil”. Nesse sentido, o sítio da associação enfatiza o “intercâmbio e posicionamento crítico

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frente a perspectivas naturalizantes e a-históricas de produção de conhecimento e intervenção política em nossa sociedade.”. (Abrapso, 2012) Como foi descrito, o avanço na articulação entre os saberes e a prática da psicologia comunitária oportuniza a investigação e a aplicação de conceitos teóricos e uma ação efetiva da psicologia junto às pessoas. A comunidade é um espaço social dinâmico e multidimensional, em que as relações entre indivíduo e sociedade emergem de forma genuína, campo propício para a pesquisa sócio-histórica e sob o ponto de vista psicossocial a apropriação do “sujeito como protagonista de sua história”. O trabalho do psicólogo neste contexto é muito mais amplo que as suas convicções teóricas e envolve a disponibilidade prática para a ação, a sensibilidade do exercício da empatia com a diversidade da existência humana. “Afinal, ora é tarefa do profissional que atua em comunidades trabalhar com questões, digamos, mais concretas, objetivas, que dizem respeito ao saneamento, à alimentação, à infraestrutura, à criação de comissões para reivindicar transporte, água, luz, esgoto, escola; ora, ele precisa trabalhar com a afetividade, a identidade, a solidariedade, o bem-estar, a autoestima, com os problemas existenciais, ou seja, com as questões mais pessoais”. “[...] A expressão psicologia da comunidade começou a ser usada nos anos 1990, com uma ampliação dos trabalhos dos profissionais de psicologia a diversos setores da população, adotando diferentes práticas e referenciais teóricos e traduziu uma inserção da psicologia em algumas instituições, com o objetivo de democratizar e de aumentar a oferta de serviços para a população em geral. Nessas instituições, o que aconteceu foi um atrelamento da profissão à área de saúde, já que os psicólogos deviam ser trabalhadores sociais dentro dessa área, muitas vezes respondendo aos problemas da saúde coletiva”. (GONÇALVES e PORTUGAL, 2012, p.144) Por outro lado, as possibilidades de troca de saberes e aprendizagens com a diversidade e a convivência, entre o senso comum e a ciência são inúmeras, produzem um legado que reaviva a crença no homem e nos sentimentos “comuns” naturais compartilhados pela coletividade. Isto é, a compreensão que a ciência existe a serviço do homem e a compreensão de que são as pessoas que constroem a sociedade e tudo que faz parte dela; no exercício do seu direito de recriá-la de forma mais solidária e menos excludente. “As propostas de trabalho social comunitário têm como pressupostos as práticas interdisciplinares, reflexões teóricas sobre as experiências cotidianas, socialização de saberes, participação e exame crítico das implicações políticas de cada prática [...]. Nessa dimensão a formação precisa priorizar a construção de espaços para a constituição de

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vínculos, de valorização de projetos coletivos nos quais os conhecimentos sejam instrumentos emancipatórios e, ao mesmo tempo, objetos de análise e produção de pensamento. A efetivação desses movimentos problematiza a manutenção de hegemonias, duvida de códigos tidos como verdades inquestionáveis, reformula ideias e ressignifica práticas”. “[...] Como em qualquer conceito formulado, o de comunidade se conforma às dinâmicas sociais que se processam em cada espaço-tempo. Na perspectiva da psicologia social crítica, Bader Sawaia examinou algumas dessas formulações.  A autora mostrou a relevância da dicotomia indivíduo-sociedade para o estabelecimento das concepções de comunidade no decorrer dos processos históricos de produção de conhecimentos. Constatou que na medida do avanço das relações comunitárias se fortaleceram utopias individualistas e vice-versa. No contexto da globalização, a comunidade pode ser depositária da utopia de conversão do egoísmo, da exclusão e da fluidez presentes nas relações humanas. Tal utopia atribui ao espaço das comunidades vivências de parceria e de solidariedade e reaviva a esperança de pertencimento a um grupo desprovido de interesses individualistas.” [...]. (SCARPARO e GUARESCHI 2007, p. 108) Enfim, a psicologia social comunitária aponta possibilidades de novas direções e aplicações conceituais da psicologia, revendo a visão individualista e ampliando sua vocação social.  A psicologia comunitária está presente no cotidiano das pessoas, propõe o debate com outras ciências e valoriza a coletividade, elementos que que contribuem para novas ações que buscam melhorar a qualidade de vida das pessoas. Na figura 3.3, apresentamos uma charge bem-humorada, com a intenção de propor uma reflexão sobre qualidade de vida.

Figura 3.3 –

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Observamos ainda, que na atuação em psicologia comunitária, é importante a distinção entre os conceitos de comunidade e favela. Comunidade refere-se ao conjunto de ações tangíveis e intangíveis de pessoas que convivem e compartilham um mesmo espaço. Favela refere-se ao espaço territorial composto por habitações onde as pessoas são domiciliadas. Para a constituição de uma comunidade, é necessário que o grupo viva em uma área geográfica comum e que se constitua uma trama de relações nas quais os membros tenham a mesma tradição e os mesmos interesses. A ideia de comunidade deve sempre se diferenciar da ideia de sociedade, devido às suas particularidades, pois esta implica a noção de um território delimitado, onde se possa ter vizinhança, intimidade, cotidianidade, proximidade e identificação. Entre os fatores que caracterizam uma comunidade, estão: “sentimento de pertença, participação na mesma cultura e vinculação a um território comum”, e ainda, “espaço de moradia e de convivência direta e duradoura, igual nível socioeconômico dos moradores, laço histórico comum, mesmas necessidades e mesmos problemas sociais e um sistema próprio de representações sociais” (GONÇALVES e PORTUGAL, 2012, p. 149). Segundo a Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal da casa Civil, Instituto municipal de Urbanismo Pereira passos, Conselho Estratégico de informações da cidade, (Atas de Reuniões, 2012, p. 8):  A definição do IBGE de favela estabelece que o aglomerado subnormal seja “um conjunto constituído de, no mínimo, 51 unidades habitacionais (barracos, casas...) carentes, em sua maioria de serviços públicos essenciais, ocupando ou tendo ocupado, até período recente, terreno de propriedade alheia (pública ou particular) e estando dispostas, em geral, de forma desordenada e densa”. (IBGE, 2010)  A definição utilizada pela Prefeitura para favela é a constante do Plano Diretor do Desenvolvimento Urbano Sustentável de 2011, a saber, “área predominantemente habitacional, caracterizada por ocupação clandestina e de baixa renda, precariedade da infraestrutura urbana e de serviços públicos, vias estreitas e alinhamento irregular, ausência de parcelamento formal e vínculos de propriedade e construções não licenciadas, em desacordo com os padrões legais vigentes.”. Exercite seu raciocínio crítico: considerando que comunidade e favela têm significados diferentes, qual sua interpretação das letras das músicas “Eu só quero é ser feliz” e “Meu nome é favela”? Avalie se há nestas canções perspectivas que induzem a equívocos sobre o trabalho profissional de psicologia comunitária.

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EU SÓ QUERO É SER FELIZ

MEU NOME É FAVELA

Composição: Julinho Rasta e Kátia

Eu só quero é ser feliz Andar tranquilamente na favela onde eu nasci, é E poder me orgulhar E ter a consciência que o pobre tem seu lugar Minha cara autoridade, eu já não sei o que fazer Com tanta violência eu sinto medo de viver Pois moro na favela e sou muito desrespeitado A tristeza e alegria aqui caminham lado a lado Eu faço uma oração para uma santa protetora Mas sou interrompido à tiros de metralhadora Enquanto os ricos moram numa casa grande e bela O pobre é humilhado, esculachado na favela Já não aguento mais essa onda de violência Só peço a autoridade um pouco mais de competência Diversão hoje em dia não podemos nem pensar Pois até lá nos bailes, eles vem nos humilhar Fica lá na praça que era tudo tão normal Agora virou moda a violência no local Pessoas inocentes que não tem nada a ver Estão perdendo hoje o seu direito de viver Nunca vi cartão postal que se destaque uma favela Só vejo paisagem muito linda e muito bela Quem vai pro exterior da favela sente saudade O gringo vem aqui e não conhece a realidade Vai pra zona sul pra conhecer água de coco E o pobre na favela vive passando sufoco Trocaram a presidência, uma nova esperança Sofri na tempestade, agora eu quero a bonança O povo tem força e precisa descobrir

Compositor: Rafael Delgado

Salve ela meu nome é favela Do povo do gueto a minha raiz Becos e Vielas Eu encanto e canto uma história feliz De humildade verdadeira Gente simples de primeira Gente simples, jeito simples de Favela  ©

W I   K  I   M E  D  I   A  .  O  R   G 

 ©

P  I   X  A  B  A  Y  .  C   O  M

 ©

P  I   X  A  B  A  Y  .  C   O  M

Psicologia social na saúde Como vimos em psicologia social comunitária, a psicologia social tem uma estreita relação com a saúde, em função de suas origens. Nos Estados Unidos da América, em 1955 o governo investigou as condições de atendimento de assistência psiquiátrica, e em função de suas constatações, opta por estabelecer uma psiquiatria preventiva, com o objetivo de prevenir as causas das “doenças mentais”. Estas ações atraem a psicologia para este cenário no âmbito do trabalho com as camadas sociais mais simples da população. capítulo 3 •

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No Brasil, a partir da década de 1960, os reflexos da influência americana de atenção à saúde mental propiciam um distanciamento da visão higienista brasileira que vigorava até então Isso provoca a adoção de uma estratégia preventiva, objetivando identificar as “causas da doença mental” e “uma forma de intervenção precoce”, considerando o ambiente insalutífero o causador da doença, conforme Dias (2012). Nesse contexto, a psicologia e a psicologia social estiveram presentes em todo este percurso em suas várias matérias específicas, como: Políticas Públicas de Saúde, Saúde Coletiva, Saúde do Trabalhador, Saúde Mental, entre outras; cujos estudos são aprofundados nas disciplinas que abordam particularmente o tema.  A partir da década de 1960, o Brasil passa a adotar políticas públicas de saúde sob a perspectiva de uma estratégia preventiva. A mudança de concepção em relação à atenção à saúde proporciona a partir da década de 1970 a mobilização social, o implemento de políticas públicas específicas para a integração de ações na saúde e atenção especial à saúde mental.  As décadas de 1980 e 1990 são marcadas pelas transformações sociais e políticas na nação brasileira. No âmbito da saúde, estas transformações foram fundamentais, porque a Constituição de 1988 e a lei 8.080 que estabelece o SUS (Sistema Único de Saúde) formam a base do sistema de saúde brasileiro contemporâneo. Enfatizando os princípios fundamentais de Universalidade, Integralidade, Igualdade, Direito, Divulgação, Participação, Descentralização, Integração, entre outros, que constam no capítulo II da lei, que tratam – Dos Princípios e Diretrizes, do SUS.

CONEXÃO Embora a lei 8.080 seja matéria específica das disciplinas que tratam das políticas públicas de saúde, para saber mais sobre o tema consulte: Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Saúde. Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990. Disponível em: .

 As conjunturas das transformações sociais que marcaram o final do século XX aconteceram sustentadas pela mobilização das diversas camadas sociais em prol da saúde e da luta antimanicomial; as Conferências Nacionais de Saúde que aconteceram em diferentes estados brasileiros formam o alicerce das mudanças. “I Congresso de Trabalhadores de Saúde Mental; a I Conferência Nacional de Saúde Mental em 1987 no Rio de Janeiro, também organizada sem o

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movimento social e igualmente cenário de desobediência civil pelo movimento da Reforma. O II Encontro Nacional dos Trabalhadores em Saúde Mental, em Bauru, São Paulo, (terceiro na cronologia e primeiro no significado históricosocial, já organizado pelo movimento social com apoio da municipalidade). E o Congresso de Trabalhadores de Bauru, realizado em 1987 alcança o consenso de ser o marco de articulação de diferentes movimentos sociais em torno da Reforma Psiquiátrica, particularmente de São Paulo, Rio, Minas Gerais, onde se pactuou o lema “por uma sociedade sem manicômios” originado na Itália, trazido do último encontro da Rede de Alternativas à Psiquiatria que animou e parece seguir animando a utopia da Reforma Psiquiátrica Brasileira”. (PITTA, 2011, p. 4583). Os anos 2000 chegam marcados pelas conquistas sociais. No campo da saúde mental, a lei 10.216/2001 que estabelece a Reforma Psiquiátrica, corrobora a participação democrática da população e efetiva conquistas como: a expansão do Centro de Atenção Psicossocial (Caps) e Naps (Núcleo de Atenção Psicossocial), que por princípios promove a inserção social dos excluídos. “A Reforma Psiquiátrica Brasileira segue defendendo ações efetivas em rede na  Atenção Básica, nos Ambulatórios Especializados, nos Caps AD III, nas Unidades Residenciais Transitórias, nos Serviços Residenciais Terapêuticos, nos leitos em Hospitais Gerais e nas pequenas enfermarias especializadas. Ainda enfatiza os Pontos de Encontro, os Centros de Convivência, as Oficinas de Geração de Renda e Trabalho e o “gerenciamento de casos” nas comunidades, com base na lógica de redução de danos. Defende ainda ações intersetoriais de inclusão social no trabalho, na escola, nas artes, nos esportes, na cultura e a produção de chances de novos protagonismos sociais que ocupem o lugar das drogas nos projetos de vida dos usuários”. (PITTA, 2011, p.4588). Os fatos históricos, as transformações político-sociais, a mobilização social e os avanços na organização do sistema de saúde brasileiro contaram ativamente com a participação da psicologia social. Seu caráter sócio-histórico, psicossocial, construcionista, científico e crítico de estudo das relações sociais é um tema transversal em todas as ciências, tais como: medicina, sociologia, antropologia, entre outras envolvidas no percurso histórico de mudanças.  A psicologia social na saúde tem a convicção precípua que o indivíduo possui um contexto que é construído histórico e culturalmente, que a percepção individual do mundo é subjetiva, mas a subjetividade social está presente em todos os

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grupos aos quais os sujeitos pertencem. É uma relação de via dupla “implicamos no mundo e somos implicados por ele.”.  Apesar das convicções de sua área de aplicação, a psicologia da saúde é conceituada na década de 1980, contendo de forma implícita o entendimento do objeto de estudo da psicologia social, contudo com a pretensão didática de uma reflexão, destacaremos suas diferenças elencadas segundo (ROSO, 2007, p. 86), em seu texto crítico a psicologia social. Talvez um dos primeiros registros escritos de uma conceituação de psicologia da saúde foi na revista científica American Psychologist (Oregon), em 1980: “Psicologia da saúde é um agregado das específicas contribuições educacionais, científicas e profissionais da disciplina da psicologia à promoção e manutenção da saúde, à prevenção e ao tratamento das doenças, e à identificação dos correlatos etiológicos e diagnósticos da saúde, da doença e disfunções relacionadas” [...]. Alguns anos mais tarde, foram adicionados ao final da conceituação, o seguinte: “e à análise e melhoramento do sistema de saúde e à formação de políticas de saúde” [...]. Rodríguez-Marín (1995), fez uma extensa revisão sobre as diversas definições da área, resumindo a postura atual sobre psicologia da saúde como aquela que estuda os fatores emocionais, cognitivos e comportamentais associados à saúde e às doenças físicas dos indivíduos. A psicologia da saúde integra conceitos de diferentes disciplinas psicológicas, colaborando com o delineamento e aplicação de programas de intervenções individuais, grupais e comunitários para a promoção e prevenção da saúde, para o tratamento e reabilitação da doença e para a qualidade de vida do doente [...], na psicologia social da saúde interessa o estudo da conduta da saúde/doença em interação com outras pessoas ou, igualmente, com produtos da conduta humana, técnicas diagnósticas e de intervenção, organizações de cuidado de saúde etc. Todas as atividades que implicam as atividades no conceito de psicologia da saúde são resultado das interações entre os profissionais e os usuários do sistema de saúde e se desenvolvem em tal interação. (ROSO, 2007, p. 86) Conforme Roso (2007, p. 86), quanto aos conceitos, à psicologia social na saúde “estuda a conduta da saúde/doença em interação com outras pessoas”, e a psicologia da saúde “estuda os fatores emocionais, cognitivos e comportamentais associados à saúde e às doenças físicas dos indivíduos”. O que podemos observar é a permanência do dilema da psicologia entre o “individual e o social”; entretanto, cabe à ressalva que a psicologia social também é crítica à sua prática, o que alimenta sua atualização constante e a aplicação de seu modus operandi em suas atribuições. capítulo 3 •

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 Ainda compartilhando o ponto de vista de Roso (2007, p. 87), neste cenário despontam duas direções da prática da psicologia social na saúde, uma crítica e uma utópica.  A noção de utopia que Santos (2000) desenvolveu parece bem apropriada, pois ela se refere à exploração, por meio da imaginação, de novas possibilidades humanas e novas formas de vontade, e a exposição da imaginação à necessidade do que existe, em nome de algo radicalmente melhor por que vale a pena lutar e a que a humanidade tem direito. [...] A humildade exige que os psicólogos da saúde pensem e façam política via abertura de espaço para a discussão de uma nova ética, que é a ética crítica e propositiva. Ora, para pensar sobre saúde do ponto de vista dos processos de exclusão, é necessária uma mudança de perspectiva principalmente daquelas pessoas que fazem ciência. Ser cientista dentro dessa nova perspectiva pressupõe, em vez de um especialista, um ser humano igual, mas plural, um ser humano racional (argumentativo), mas empático. (ROSO 2007, p. 87) Considerando as diferentes orientações conceituais das práticas em psicologia social, destacamos que o mais importante é “importar-se com o outro”, esta é a essência profissional do psicólogo, seja nos Centros de Atenção Psicossocial, nas equipes multidisciplinares de saúde, na atenção primária, na saúde coletiva, na saúde do trabalhador e em todos os espaços sociais de saúde, “A saúde pessoal (pessoa) precisa da saúde pública (sociedade) para se manter. A pessoa e a sociedade estão imbricadas uma na outra, não se pode entender a saúde a partir de dualismos.”. (SCHEPER-HUGHES & LOCK, 1987, apud ROSO, 2007, p. 89) É essencial à atividade profissional do psicólogo a promoção da saúde, em todas as instâncias, e cabe ao psicólogo social zelar para que este objetivo esteja presente em todas as esferas de seu trabalho na sociedade. O papel de agente crítico é intervir de forma política e inclusiva, promovendo a conscientização social de direitos e atenção a todos os membros da sociedade. “Também, a atenção primária (promoção da saúde) é fundamental numa psicologia social crítica da saúde. Fazer prevenção neste modelo não significa simplesmente objetivar a diminuição e erradicação da doença, mas facilitar o desenvolvimento da ação política das pessoas, de modo que o espaço público pertença efetivamente, também, às pessoas excluídas. Aqui se prioriza o trabalho em comunidade, a relação dialética entre as pessoas que trabalham diretamente

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com saúde e aquelas que não trabalham, e ação política das pessoas que vivem na comunidade. Busca-se conscientizar (no sentido freiriano) as pessoas que vivem na comunidade para que elas batalhem pela sua dignidade. O investimento é intracomunitário e intercomunitário, já que para desenvolver a reflexão crítica é necessário entender o contexto maior, que é histórico e culturalmente construído”. (ROSO, 2007, p. 89)  A articulação da psicologia social na saúde foi descrita em consonância com a trajetória histórica do sistema de saúde brasileiro, a mobilização social, as conquistas e políticas públicas decorrentes da ação das diferentes camadas da sociedade.  A aplicação prática e a ação profissional do psicólogo social nos diferentes espaços de promoção da saúde seguem em direção à psicologia social crítica, a psicologia sócio-histórica e nesse contexto a abordagem psicossocial que transita na “ordem social que faz parte do psíquico, concebendo o sujeito em suas múltiplas dimensões”; reafirma a globalidade biopsicossocial de todos os indivíduos, condição precípua de entendimento para as intervenções na área da saúde.  As intervenções nesse campo têm base nos seguintes elementos: as palavras, as representações e as condutas, bem como as relações intersubjetivas, pois esses expressam, no cotidiano, tensões que afetam e confrontam o individual e o coletivo. A abordagem psicossocial contempla, portanto, articulações entre o que está na ordem da sociedade e o que faz parte do psíquico, concebendo o sujeito em suas múltiplas dimensões. Assim, ela considera a multidimensionalidade da clínica, em que estão envolvidos aspectos de interação entre o físico, o psicológico, o meio ambiente natural e o social. Em outras palavras, essa abordagem compreende que a nossa história de vida é marcada pelas relações em rede, cujas estruturas social e familiar, bem como as experiências culturais, se manifestam no dia a dia; concebe, pois, o sujeito como um todo que afeta e é afetado no mundo, enfatizando a interação e a interdependência dos fenômenos biopsicossociais e buscando pesquisar a natureza dos processos dinâmicos subjacentes que compõem o homem em sua vivência. (ENRIQUEZ 1997, apud ALVES e FRANCISCO 2009, p. 769) Considerando estas reflexões e a necessidade de ações efetivas da psicologia social na área da saúde, a figura 3.4 representa os fatores determinantes que envolvem as condições de saúde e doença, que fazem parte do objeto estudo e da ação interventora da psicologia social na saúde.

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HABITAÇÃO POSIÇÃO SOCIAL CONDIÇÕES MACROECONÔMICAS EDUCAÇÃO STATUS SOCIOECONÔMICO

TRABALHO

DIFERENÇAS INDIVIDUAIS MODALIDADES DE INSERÇÃO SOCIAL SENTIDOS E SIGNIFICADOS

FAMÍLIA

TRANSPORTE FATORES AMBIENTAIS

CORPO

Figura 3.4 – Determinantes da saúde e das doenças psicologia social da saúde.

Dessa forma, as intervenções realizadas pelo psicólogo nos atendimentos de saúde e saúde mental são salientadas por Alves e Francisco (2009, p. 771), evidenciando os seguintes aspectos: O olhar complexo que resgata a dimensão ética do psicólogo, promovendo e acolhendo processos permanentes de transformação e inclusão do sujeito sócio -histórico. O conceber do homem em movimento é uma das metas da abordagem psicossocial, na consideração de que a consciência e a identidade constituem elementos importantes para a expressão da condição humana. [...] A ênfase a relevância da abordagem psicossocial voltada para os usuários da saúde mental, pois fortalecê-los implica criar instrumentos que potencializem o sujeito para a produção de projetos de vida, no sentido da ressocialização. [...] A perspectiva psicossocial – no campo da saúde mental – reafirma a subjetividade como construção a partir de um campo de forças, assim como a aproximação com ações horizontais na relação entre técnicos e instituições. Tal prática indica pontos relevantes que norteiam a interdisciplinaridade, a relação com o usuário e suas implicações subjetivas e socioculturais; além disso, indica a necessidade de estimular a família e de criar meios a fim de que a sociedade compreenda o sujeito com transtorno mental e se responsabilize pela atenção e apoio a ele.  A psicologia social na saúde é pautada na democratização de direitos, no exercício da cidadania, na inclusão social, na ação política efetiva e mobilizadora das diferentes camadas de nossa sociedade, no conhecimento da estrutura social e seus mecanismos ideológicos, no contexto histórico e social, e na participação efetiva da ciência no cumprimento de seu papel de agente de promoção da saúde social.

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RESUMO Neste capítulo discutimos os campos de aplicação da psicologia social e o papel político do psicólogo social na escola, sua ação como promotor de reflexões acerca dos conceitos ideológicos vigentes, e os desdobramentos que esta ideologia vigente acarretam na formação da sociedade pela via da educação. No campo da psicologia social e trabalho, enumeramos o conjunto de circunstâncias sociais e históricas que envolvem a ação da psicologia social, e o papel do psicólogo social no ambiente organizacional, destacamos a visão marxista de infraestrutura e superestrutura, conceitos fundamentais para a compreensão dos mecanismos sócio-históricos que envolvem a ação política do psicólogo social no ambiente do trabalho. A psicologia social problematiza e investiga questões como: as intersubjetividades sociais, o processo de socialização secundário promovido pelo trabalho, os processos sociais, o fenômeno social, os conflitos, as relações de poder, ideologia, cultura organizacional, crenças e valores organizacionais, papéis sociais, identidade, identidade ocupacional e representações sociais. Na relação entre psicologia social e comunidade, elencamos o contexto histórico que aproximou o trabalho profissional da psicologia às populações economicamente desfavorecidas. Essa proximidade possibilitou que a visão elitizada que pairava sobre a psicologia fosse desmistificada, e o psicólogo passou a ocupar também seu espaço de trabalho junto a instituições públicas que atendem as camadas mais populares da sociedade. As contribuições da psicologia social comunitária estão efetivamente associadas às transformações sociais, suas práticas de intervenção possibilitaram dar voz às populações excluídas. Um dos agentes importantes no crescimento do trabalho da psicologia comunitária brasileira foi a Abrapso (Associação Brasileira de Psicologia Social), fundada em 1980, com o objetivo de participar do processo de construção de métodos e concepções conceituais “ de uma perspectiva inovadora da psicologia no Brasil”, enfatizando o “intercâmbio e posicionamento crítico frente a perspectivas naturalizantes e a-históricas de produção de conhecimento e intervenção política em nossa sociedade” conforme Abrapso, (2012). Na área da saúde, descrevemos o contexto histórico que permeou o percurso das políticas públicas de saúde, os princípios norteadores do SUS (Sistema Único de Saúde) brasileiro, e as ações políticas e sociais, que mobilizaram as diferentes camadas da sociedade em prol da garantia de direitos a saúde. Nesse contexto, a presença do psicólogo social foi imprescindível na participação política e no desenvolvimento de ações em prol da inclusão social, e da garantia de participação democrática de toda a sociedade na promoção da saúde e da saúde mental.

capítulo 3 •

99

ATIVIDADE Elabore uma resenha crítica sobre a ação política do psicólogo na saúde, relacionando o contexto sócio-histórico do Sistema único de Saúde (SUS).

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100

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capítulo 3 •

101

capítulo 3 •

102

4 A pesquisa em psicologia social

A pesquisa em psicologia social Nos capítulos anteriores foram apresentados os objetos de estudo da psicologia social, salientando seu caráter de permanente atualização e autocrítica. Este capítulo é dedicado à pesquisa. A investigação científica é a essência das ciências, é por meio dos diferentes estudos e da aplicação do método que se oportunizam novos saberes, novas técnicas e a aplicação conceitual teórica.

OBJETIVOS •

Identificar as áreas de aplicação da psicologia social com a investigação científica;



Relacionar as áreas de aplicação da psicologia social com a pesquisa;



Apresentar a aplicação do método científico na psicologia social;



Descrever os procedimentos para a realização de uma pesquisa.

Decidir rejeitar um paradigma é sempre decidir simultaneamente aceitar outro. Thomas Kuhn

Sujeito, objeto e método da investigação científica  A pesquisa é o que impulsiona as ciências, um conjunto de ações ordenadas de forma clara, rigorosa e com objetivos especificamente determinados, que geram conhecimento e tecnologia. “O objeto de curiosidade ou desejo do estudioso é o conhecimento, este conteúdo tão curioso e abstrato que move o mundo, que faz o homem passear por seus pensamentos e buscar inventar formas de melhorar sua condição de humano, que nos faz seres capazes de evoluir, construir, criar, reconstruir e sonhar, [...] movidos por uma ânsia de saber, pesquisar, aprender, inovar”. (BOENTE e BRAGA, 2004, p. 1) Em todas as ciências é necessária a investigação científica para que haja produção de conhecimento. O objeto de estudo de uma pesquisa é o tema, o conteúdo que se deseja investigar, que estabelece o problema da pesquisa. O sujeito da pesquisa é o indivíduo ou grupo social, participante da pesquisa. Em psicologia social, quando identificamos um indivíduo ou grupo como sujeito de uma pesquisa, concebemos a ideia que este participante é representante do contexto sócio-histórico que é pertencente. capítulo 4 •

104

Os participantes de uma pesquisa constituem a mostra, parte que representa um segmento (grupo) social, requisito fundamental para uma pesquisa, porque a partir da mostra que são levantados os registros multiculturais, do grupo social pesquisado. Quanto aos sujeitos, a representação que eles fazem de si mesmos expressa seu o sistema psicossocial e também o conjunto de saberes implícitos neste sistema.  A representação é constituída de uma construção cognitiva, de um conjunto de símbolos extraídos do mundo real, comunicados socialmente e compartilhados por um grupo social.  A figura 4.1 ilustra a ideia de contexto representacional do sujeito, que nos referimos, segundo Bauer e Gaskell (1999 apud JOVCHELOVITCH, 2004, p. 23): OBJETO

Ação Comunicativa

Ação Comunicativa

REPRESENTAÇÃO SUJEITO

SUJEITO Ação Comunicativa

TEMPO 1

CONTEXTO 1

Figura 4.1 –

 As relações sociais desse sujeito e as representações simbólicas do mundo irão constituir o objeto de estudo da psicologia social. A psicologia social estuda a relação entre a representação que o indivíduo ou grupo faz de si mesmo e o mundo.  A psicologia social [...] é a ciência do “entre”. Isso significa dizer que o lugar privilegiado do inquérito psicossocial não é nem o indivíduo nem a sociedade, mais precisamente aquela zona nebulosa e híbrida que comporta as relações entre os dois. O foco no entre é, obviamente, um dispositivo teórico, já que empiricamente nos deparamos sempre com instanciações objetivadas produzidas pelo espaço relacional que constitui o entre. (JOVCHELOVITCH, 2004, p. 21) Esse contexto simbólico se apresenta por meio das diferentes relações que o sujeito estabelece nos variados campos da ação humana. Dessa forma, todos os temas constituem-se como objeto de investigação da psicologia social, porque no centro de todas as ações está o homem.

capítulo 4 •

105

OBJETOS DE ESTUDO DA PSICOLOGIA SOCIAL...

EL

INTERAÇÃO SOCIAL RELAÇÕES INTERGRUPAIS

MANIFESTAÇÕES COMPORTAMENTAIS

EMOÇÃO

PROCESSOS COGNITIVOS

PRODUÇÃO DE SENTIDO ATO COMUNICATIVO

N I

CONDUTAS SOCIAIS

LINGUAGEM PROCESSOS DE INFORMAÇÃO

FENÔMENOS COLETIVOS

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

SENTIDOS SUBJETIVOS

...

A

Figura 4.2 –

O entendimento do objeto de estudo da psicologia social é complexo, porque ao mesmo tempo em que é familiar a todos, por meio da experiência de vida, está sujeito a representações particulares de acordo com o contexto e o grupo ou indivíduo a que se destina a investigação científica. Isto é, podemos por exemplo, “estudar as atitudes de um grupo diante dos estereótipos profissionais.”. Entretanto, este estudo está sujeito a delimitação de um contexto social, de um grupo, do simbolismo deste grupo, suas representações sociais etc. O objeto de estudo da psicologia social é constituído de um campo abrangente entre o homem e o mundo e todas as possibilidades que existem entre estas instâncias e em todos os cenários que comportam os processos humanos.        o          t        e          j           b        o

principais         s          o           t causas            i diferentes influência            i r esultados         e      s         a          onorma         c         n psicologia pessoa            i      o membros         o         c       t         c             ãmudança         e         r      n         p         ç         o       e percepção         a         s   estudo             l      m      a         e       t         r      r Psicologia poder  atitude      o estudos indivíduo      p indivíduos   exemplo cultura normas      m         o             ã          ç             a          u            t             i         s 

pessoas atitudes

        s 

        e         e          t            d        a        n          d         e            i         t          t         n        r        e         e           d          i         v

processo

        s          e          r         o            t          u          a 

        s          a          r           t          u          o 

grupos grupo pesquisa

         l          i        s        a        r          B

temas teoria pesquisas      o relações      c

Considerando a abrangência do objeto de estudo da psicologia social, o que sistematiza a possibilidade da realização das pesquisas científicas e da produção acadêmica é o método científico. capítulo 4 •

106

PERGUNTA

CAMINHO

MÉTODO

MEIO

RESPOSTA

Método, segundo o dicionário etimológico, é uma palavra de origem grega e etimologia matemática: metá (reflexão, raciocínio, verdade) + hódos (caminho, direção). Méthodes refere-se a certo caminho que permite chegar a um fim, o conhecimento.

O método científico é facultado ao século XII. No período histórico do Renascimento, com a retomada a sabedoria da Antiguidade Grega e os saberes sistematizados por estes filósofos responsáveis pela origem das ciências, o método científico é priorizado como meio de produção de conhecimento. PRINCÍPIOS EXPLICATIVOS

INDUÇÃO

DEDUÇÃO

OBSERVAÇÕES PROCESSO DE VAI-E-VEM DA CONCEPÇÃO ARISTOTÉLICA DE EXPLICAÇÃO CIENTÍFICA Figura 4.3 –

Quanto ao método científico, destacamos entre os filósofos gregos,  Aristóteles (384-322 a.C), ele estabeleceu princípios para o método científico, pressupondo-o como um processo de indução, em que as observações fornecem convicções, que uma vez definidas geram novas conclusões particulares, as deduções. Para ele a elucidação científica é um ciclo racional, parte-se da observação um acontecimento que prospera para explicações e retorna à observação de novos fatos ou acontecimentos. (figura 4.3)

“Aristóteles desenvolveu sua concepção do método científico. Segundo ele, a investigação científica começa com o conhecimento de que certos acontecimentos ocorrem ou que certas propriedades coexistem. Por meio do processo de “indução”, tais observações levam a um princípio explicativo. Uma vez estabelecido, esse princípio pode levar, por dedução, de volta às observações particulares de onde se partiu ou a outras afirmações a respeito dos acontecimentos ou propriedades. Há assim, na explicação científica, um processo de “vai e vem” partindo do fato, ascendendo para os princípios explicativos, e descendendo novamente para o fato.”. (JR. PESSOA, 2010, p. 15)

capítulo 4 •

107

No fluxo da história, conforme Marinho (2017, p. 1), Roger Bacon (12141292) frade cientista inglês, defendia que as convicções aristotélicas deveriam ser comprovadas. Os fatos científicos deveriam ser confirmados, por meio da experimentação. Para ele, a experiência era a fonte de conhecimento, nesse sentido estabelece as bases do empirismo. Francis Bacon (1561-1626), político e filósofo inglês, argumentava que somente a investigação científica poderia garantir o desenvolvimento do homem e o domínio do mesmo sobre a natureza. Ao publicar, em 1621, uma nova abordagem na investigação científica que pregava o raciocínio indutivo, objetivou dar funcionalidade ao conhecimento. Entretanto, foi René Descartes (1596-1650), filósofo, físico e matemático francês, que com o Discurso do Método que fundamentou a ciência moderna, afirmava: que os “sentidos devem ser questionados e não são o caminho para o conhecimento verdadeiro.”. E ainda: que a razão é a fonte do conhecimento verdadeiro – "penso, logo existo". Descartes afirmava “para se compreender um todo, bastaria se compreender as suas partes”; a dedução cartesiana foi predominante até o início do século XX, o chamado “Determinismo Mecanicista”. Quando Auguste Comte (1798-1857) amplia esta concepção, afirmando: “que o conhecimento humano evoluiu do estado teológico para o metafísico, e este evoluiu para o estado positivo, em que não se buscam mais as causas das coisas, mas as leis efetivas da natureza.”. Comte sistematizou o conhecimento da natureza, as ciências, por classes de fenômenos, são elas: astronomia, física, química, filosofia e física social, além da matemática que, segundo Comte, é considera a "ciência zero", porque todas as outras dependem dela. Dessa forma, o método científico cartesiano, expandiu-se com Auguste Comte, das ciências naturais para as ciências sociais e humanas. Nesse contexto, cabe observar que a sistematização da psicologia como ciência, seja com Wundt ou com os behavioristas, nasce com a responsabilidade de enquadrar-se nos moldes propostos pelo método científico. Contudo, a defesa do alemão Wilhelm Dilthey (1833-1911), filósofo, psicólogo, historiador, pedagogo e sociólogo; de uma autonomia metodológica das ciências do homem ou ciências do espírito, como ele se referia; contribuiu para uma distinção entre explicar e compreender. Segundo Dilthey, o método científico físico -matemático corresponderia a um conhecimento explicativo, enquanto o método científico histórico seria um conhecimento compreensivo (MARINHO, 2017, p. 3)

capítulo 4 •

108

Dessa forma, as ciências humanas e sociais abordam as manifestações da vida e as objetivações do homem no mundo social e histórico, e o caminho de investigação seria por meio da compreensão. Em psicologia social, o estudo de contextos sócio -históricos e da cultura devem ser concebidos por um método "compreensivo.”. O estudo de fenômenos sociais, identidade, comunidades, comportamentos, atitudes, conflitos, ideologia, gênero, entre outros requer uma abordagem compreensiva e qualitativa, de suas questões, caso contrário, corre o risco de um reducionismo matemático explicativo e um abandono contextual das questões simbólicas. No campo sócio-histórico, as contribuições de Marx e Engels para a interpretação da história e das sociedades constituíram marcos fundantes da produção científica das ciências sociais e humanas.  A psicologia enfatiza as dimensões individuais e coletivas do sujeito, a psicologia social crítica auto-observa e problematiza questões que envolvem o campo de saber da psicologia, contemporaneamente agrega o socioconstrucionismo oxigenando o fazer científico com novas discussões e contribuições para a construção do conhecimento científico da psicologia social. Nesse contexto, a pesquisa em psicologia social utiliza como métodos de investigação a observação – que permite a descrição do fenômeno; a correlação – que permite a predição de um fenômeno e a experimentação – que permite o estabelecimento da causalidade do fenômeno. O método é o que caracteriza a investigação científica. É um conjunto de procedimentos que orienta o cientista no percurso da pesquisa e garante a validade do conhecimento em produção.  A pesquisa em psicologia social aplica com regularidade os seguintes métodos: Observação: caracteriza-se pelo registro sistemático dos comportamentos e/ ou fenômenos observados. Estes registros ocorrem de forma participante – quando o observador interage, participa, estimula ou faz parte do grupo observado. E não participante – quando o observador não interage e não estimula o comportamento do grupo.  A observação permite o registro de dados sobre o objeto e a posterior análise dos documentos produzidos, isto é, o levantamento e a leitura dos registros sobre o objeto da observação. Entretanto, por tratar-se de uma descrição do fenômeno, alguns elementos do fenômeno observado podem se perder em função do ponto de vista observado. Na observação, é aplicado o método indutivo, considerando que a pesquisa parte da observação de um fenômeno particular. O método correlacional: caracteriza-se pela testagem de variáveis por meio da utilização do coeficiente de correlação e técnicas estatísticas de mensuração de dados. capítulo 4 •

109

O método permite a investigação de múltiplas variáveis simultaneamente, a amostragem pode ser por seleção aleatória de sujeitos. O levantamento de dados (Surveys) utiliza estratégias como: mensuração por meio de questionários, observações e dados secundários. A correlação não estabelece uma causalidade ao fenômeno observado, ela permite uma comparação entre as variáveis, mas não estabelece as causas de um fenômeno. Entretanto por ser comparativa, permite a predição do um fenômeno. O método experimental: caracteriza-se pela intervenção direta do pesquisador, a manipulação da variável independente (VI – manipulada para verificação de seu efeito no objeto de estudo); e variável dependente (VD – objeto de investigação). O método experimental: preconiza o controle das condições para a realização do experimento e a seleção aleatória dos sujeitos/participantes da pesquisa, a validade externa do experimento por meio da generalização, isto é: os resultados da pesquisa podem ser aplicados em circunstâncias semelhantes e replicados em novos experimentos. O método experimental é frequentemente utilizado em psicologia social na pesquisa transcultural (na qual se verifica como se manifestam os processos psicossociais em diferentes culturas); nos experimentos de campo (as observações naturalísticas ocorrem in loco, isto é, onde está acontecendo a situação observada). Para a realização de uma pesquisa é fundamental a escolha do método, a figura 4.4 ilustra o percurso do método para a elaboração de uma pesquisa. MÉTODO CIENTÍFICO (Esboço)

 Observação: *Sistemática *Controlada

 Hipóteses: *Testáveis *Falseáveis

Fatos: *Verificáveis TEORIA CIENTÍFICA

Conjunto indissociável de todos os fatos e hipóteses, harmônicos entre si. Implicações Conclusões Previsões

Experimentos *Novas observações *Análise lógica

 Reciclar Hipóteses

Novos Fatos

Resultados corroboram teoria?

NÃO

Figura 4.4 –

capítulo 4 •

110

SIM

 A figura 4.5 sistematiza as correntes filosóficas relacionadas aos métodos aplicados na investigação científica. EPISTEMOLOGIA

É a teoria do conhecimento, ato de conhecer EMPIRISMO

RACIONALISMO

É o conhecimento que começa após a experiência, sendo sensação e reflexão

É o conhecimento que se encontra na razão

NATURALISMO

POSITIVISMO

INATISMO

É o método experimental das ciências exatas e humanas

Valoriza a ciência como forma mais adequada do conhecimento

Estão presentes desde o nascimento, isto é, não são adquiridos ou aprendidos

INTERNACIONALISMO

É a junção do Inatismo e do Empirismo

Figura 4.5 –

Procedimentos para coleta de dados: observação, entrevistas, questionários, grupos focais FORMULAÇÃO DO PROBLEMA  ©

FORMULAÇÃO DA HIPÓTESE

P  I   X  A  B  A  Y  .  C   O  M

COLHER OS DADOS ANÁLISE DOS DADOS

CONCLUSÕES E GENERALIZAÇÕES

REDAÇÕES

METODOLOGIA CIENTÍFICA

Figura 4.6 –

Para a realização de uma pesquisa,além da escolha do método, é fundamental o conhecimento de cada fase do desenvolvimento da pesquisa, a

capítulo 4 •

111

formulação do problema, a formulação da hipótese, a coleta de dados, a análise dos dados, conclusões e generalizações e a produção acadêmica. Formulação do problema:  o problema á a primeira construção do pes-

quisador, a indagação inicial, a questão da pesquisa: o quê ? Como ? Qual ? Por quê ? Formulação da hipótese: a hipótese é a suposta resposta ao problema, é o objeto da pesquisa. Coleta de dados:  é o processo em que são coletados materiais/dados da pesquisa. Mensuração dos dados: quantificação dos dados apurados.  Análise dos dados: avaliação dos resultados da pesquisa. Conclusões e generalizações: interpretação dos resultados da pesquisa. Redação: produção escrita do texto acadêmico.  A pesquisa tem por objetivo produzir conhecimento, fazer ciência; desta forma é imprescindível relacionar o método escolhido ao objeto da pesquisa. As principais questões que envolvem o processo do conhecimento

Relação entre o sujeito e o objeto (De quem é a PRIMAZIA?)

Sujeito

Objeto

As fonte do conhecimento (Onde ele se inicia?)

Razão

Experiência

Processo (Como acontece o processamento dos dados?)

Nos sentidos

No intelecto

Possibilidades do conhecimento

É possível conhecer a verdade

Não é possível conhecer a verdade

Figura 4.7 –

 A fase da coleta de dados é fundamental, porque é a partir dela que a pesquisa se materializa. Procedimentos para a coleta de dados: Observação: percepção, exame, observação e registro sistemático dos comportamentos e/ou fenômenos. A observação participante pressupõe a interação do •

capítulo 4 •

112

cientista, ele estimula ou é parte do grupo observado. Não participante pressupõe a não intervenção do cientista, ele não interage e não estimula o comportamento do grupo. Na figura 4.8 apresentamos uma sugestão de protocolo de observação, em que é importante sinalizar alguns procedimentos importantes: Quanto aos aspectos éticos: elaboração de documentos para autorizações necessárias a observação, como submissão ao comitê de ética, autorização da instituição envolvida e dos participantes da pesquisa  Quanto aos aspectos metodológicos: fazer um estudo piloto (inicial), definir os procedimentos para a observação, tais como: local, materiais necessários, tipo de registros (por exemplo filmagens, áudios etc.). Atualização teórica (revisão de literatura), definições conceituais, construção de formulários: questionários, por exemplo: selecionar a amostra (os participantes da pesquisa) testar a confiabilidade do método. CONSTRUÇÃO DE UM PROTOCOLO DE OBSERVAÇÃO

ASPECTOS ÉTICOS

ASPECTOS METODOLÓGICOS

ELABORAR TERMOS DE CONSENTIMENTO

FAZER ESTUDO PILOTO

SUBMETER O PROJETO AO COMITÊ DE ÉT ICA

DEFINIR OS PROCEDIMENTOS

OBTER AUTORIZAÇÃO DA INSTITUIÇÃO ENVOLVIDA

ESCOLHER LOCAL (BRINQUEDOTECA OU SALA)

(ESCOLA)

EXPOR O PROJETO AOS PARTICIPANTES

OBTER AUTORIZAÇÃO DOS PARTICIPANTES

(PAIS DAS CRIANÇAS)

(PAIS DAS CRIANÇAS)

ATUALIZAÇÃO TEÓRICA

SELECIONAR MATERIAIS

DEFINIR TIPO DE REGISTRO

(BRINQUEDOS)

(SUJEITO FOCAL)

DEFINIR AS CATEGORIAS

CONSTRUIR FORMULÁRIO SELECIONAR PART ICIPANTES TESTAR A CONFIABILIDADE

Figura 4.8 – •

Entrevistas: esta modalidade de coleta de dados é feita por meio do relato de

informações por parte dos participantes da pesquisa, pode ser realizada por questionários com perguntas fechadas (perguntas que delimitam a classe de respostas), ou perguntas abertas (perguntas que permitem o livre relato do participante).

capítulo 4 •

113

 As entrevistas podem ser: Dirigidas: estruturadas por um roteiro prévio no encadeamento das perguntas, que geralmente são fechadas. Semiestruturadas: quando as perguntas são predominantemente abertas. Livres: quando o depoimento do entrevistado não segue um roteiro específico. Questionários: são instrumentos de coleta de dados que se caracterizam por perguntas formuladas pelo pesquisador, ou preestabelecidas em forma de entrevista ou teste, com o objetivo de levantar informações, impressões, para a composição dos dados a serem mensurados na pesquisa. (Vide figuras 4.9 e 4.10) •







Elaboração questionário para coleta de dados

Deve atender todos os objetivos da pesquisa Para cada objetivo deve haver, no mínimo, uma pergunta no questionário.

Portanto, é necessário determinar inicialmente, e com bastante clareza, os objetivos da pesquisa e, posteriormente elaborar o questionário  para a realização das entrevistas.

Figura 4.9 –

ELEMENTOS DO INSTRUMENTO Quanto aos objetivos, algumas perguntas podem ser sensíveis ao respondente, originado respostas não autênticas ao pesquisador  Itens para avaliar  conhecimento

São filtros para ponderar o conhecimento do respondente Um intróito adequado pode reduzir o nível de ameaça Se bem estruturados, evitam adivinhação por parte do respondente

Itens para aferir atitudes e opiniões

É importante definir claramente o objeto de atitudes e cuidar da vertente que está sendo medida Vertentes afetivas, cognitivas e comportamentais A intensidade da atitude pode ser medida por um conjunto de perguntas

Itens para obter  informação factual

Perguntas com caráter sócio-demográficos A contextualização prévia é algo indispensável, principalmente, quando se tratam de perguntas sensíveis As perguntas devem ser especificas para minimizar o risco de respostas sem o grau de acuracidade devido

Figura 4.10 – capítulo 4 •

114

Grupos focais: técnica de investigação que pressupõe a coleta de dados por parte do pesquisador, a partir da comunicação e da interação dos membros do grupo, na discussão de temas específicos propostos pelo pesquisador. É um recurso utilizado para compreender o processo de construção das percepções, atitudes e representações sociais dos grupos. O facilitador do grupo propõe a discussão, o objetivo não é realizar uma entrevista e sim identificar os processos psicossociais que afloram a partir das influências e opiniões sobre o tema proposto. Procedimentos para a realização de um grupo focal (figura 4.11). “Os grupos focais como técnica ocupam uma posição intermediária entre a observação participante e as entrevistas em profundidade. Podem ser caracterizados também como um recurso para compreender o processo de construção das percepções, atitudes e representações sociais de grupos humanos.”. (VEIGA e GONDIM, 2001 apud GODIM,2003, p.151)

PROCEDIMENTOS PARA A REALIZAÇÃO DE UM GRUPO FOCAL  ©

PREPARAR O AMBIENTE

P  I   X  A  B  A  Y  .  C   O  M

RECRUTAR E SELECIONAR OS PARTICIPANTES

SELECIONAR MODERADOR E OS OBSERVADORES

PREPARAR UM ROTEIRO DE DISCUSSÃO

REALIZAÇÃO DA ENTREVISTA EM GRUPO

ANÁLISE DOS DADOS E RELATÓRIO FINAL

Figura 4.11 –

Observação: cabe destacar que em todos os procedimentos de uma pesquisa,

um dos aspectos mais importantes é a ética, a preservação dos valores éticos, os protocolos legais, o respeito aos sujeitos da pesquisa e ao objeto da pesquisa. A garantia da integridade de todos os elementos envolvidos em uma investigação científica é competência da produção de conhecimento.

capítulo 4 •

115

ATIVIDADE Diferencie duas formas de coleta de dados.

Procedimentos de análise: o método quantitativo e o método qualitativo Como foi descrito neste capítulo, a produção de conhecimento pressupõe a investigação científica e o método como orientador de todos os procedimentos necessários para a realização de uma pesquisa. Para que os resultados sejam avaliados, é importante a escolha de como serão mensurados, analisados. Dessa forma, opta-se pelo método quantitativo ou qualitativo. A ilustração a seguir demonstra o percurso de uma pesquisa. PESQUISA

delinea-se a partir de ABORDAGEM QUALITATIVA

utiliza

ABORDAGEM QUANTITATIVA

ABORDAGEM QUANTITATIVA

pode ser 

ETNOGRAFIA

PESQUISA-AÇÃO

ocorre muito na

PESQUISA EXPERIMENTAL ESTUDO DE CASO

PESQUISA DOCUMENTAL

por exemplo

para ENTREVISTA

QUESTIONÁRIO

OBSERVAÇÃO

GRUPO FOCAL

PESQUISA DE CAMPO

Figura 4.12 –

Método quantitativo:

Mensuração é a forma de medir, quantificar, atribuir valores numéricos e aplicar técnicas estatísticas para a análise dos dados de uma pesquisa.

capítulo 4 •

116

“O método de pesquisa quantitativa, como o próprio nome já diz significa quantificar dados, fatos ou opiniões, nas formas de coleta de informações, como também com o emprego de técnicas e recursos simples de estatística, tais como média, porcentagem, moda, desvio padrão e mediana, como o uso de métodos mais complexos tais como análise de regressão, coeficiente de correlação etc., [...] O método quantitativo é bastante usado no desenvolvimento das pesquisas nos campos social, de opinião, de comunicação, mercadológico, administrativo e econômico, representando de forma geral a garantia de precisão dos resultados, evitando enganos e distorções na interpretação dos dados.”. (OLIVEIRA 2002, p.155) Observação: o método quantitativo é amplamente aplicado nas pesquisas experimentais. Entretanto, cabe sinalizar que o método qualitativo, em função de sua aplicação ser apropriada às pesquisas nas Ciências Humanas e Sociais, seus constructos são quantificados. Isto é: as qualidades são transformadas em valores numéricos, para que sejam quantificadas, como por exemplo, na escala Likert.  Quanto às características e aos objetivos da pesquisa, os métodos quantitativos e qualitativos diferem-se da seguinte forma:

CARACTERÍSTICA

Objetivos da pesquisa

QUANTITATIVA

QUALITATIVA

Testagem de hipóteses Descrição e estabelecimento de correlações matemáticas (estatísticas) e causais entre fatos

Compreensão; explanação apreensão e interpretação da relação de significações de fenômenos para os indivíduos e a sociedade

Tabela 4.1 –

Método qualitativo:

O método qualitativo é aplicado nas Ciências Humanas e Sociais, porque neste método investigativo são atribuídos “qualidades” e “constructos” a princípio não mensuráveis. Isto é, o(s) objeto(s) da pesquisa nestas áreas é(são) abstrato(s), por exemplo: ideologia, subjetividade, atitudes, influência social, entre outros. Nas pesquisas das áreas Humanas e Sociais, o sujeito é dotado de subjetividade e singularidades, o que não pode ser traduzido nem simplificado por números.

capítulo 4 •

117

Na prática, as Ciências Sociais e Humanas utilizam o método na investigação científica sobre a realidade social, ou seja, na aplicação de técnicas de pesquisa científica a situações e problemas concretos em um contexto social, para os quais se buscam respostas e novos conhecimentos. Segundo a teoria da prática, do cientista social Pierre Bourdieu (1930-2002), essa investigação científica significa "ir ao cotidiano, questionar o banal para nele ver não o imediato e o banal, mas as grandes estruturas; significa pesquisar histórias de gente comum, das ditas camadas subalternas, sua trajetória, seu cotidiano, entrevistá-las, para assim analisar o significado real das macroestruturas [...]". (HERCULANO 2007, p. 8)  Assim, podem-se distinguir as diferenças entre o método quantitativo e o método qualitativo quanto ao modelo da seguinte forma:

MÉTODOS QUANTITATIVOS

MÉTODOS QUALITATIVOS

Verificação e validação sustentadas por quadros conceituais ou teóricos

Os dados são baseados em categorias de pensamento dos participantes

Generalização dos resultados em função da amostragem

Estudo profundo de um número limitado de casos

Predições

Fácil descrição de fenômenos complexos

Controle de variáveis

Rica descrição de fenômenos em seu contexto local

Dados precisos, rapidamente coletados e analisados

Possibilidades de análise comparativa de casos

Independência relativa dos dados em relação ao pesquisador

Dados coletados habitualmente em contexto natural

Larga amostragem

Análises dinâmicas (ex. processo de construção)

Credibilidade elevada dos resultados  junto aos governantes e administradores políticos

Possibilidade de identificar como o participante interpreta os significados atribuídos aos dados

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E ainda, quanto tratamento dos resultados:

MÉTODOS QUANTITATIVO E QUALITATIVO NÍVEIS CONCEITUAIS

QUANTITATIVO

QUALITATIVO

Em linguagem estatística (tabelas, quadros) habitualmente separada da discussão dos resultados

Uso de citações literais do discurso, integradas no capítulo de discussão

Alvo da discussão dos resultados

Estabelecimentos das correlações entre os resultados

Interpretação dos dados categorizados simultaneamente à apresentação destes

Estratégia da discussão

Relação com a teoria. Confrontação dos achados com resultados de outras pesquisas

Relação com a teoria. Confrontação dos achados com resultados de outras pesquisas

Construção teórica inicial e verificada e testada

Construção teórica inicial e, no mínimo, ampliada, reformulada, corrigida e clarificada

Apresentação resultados

dos

Finalização da concepção teórica

 A pesquisa em psicologia social é pela natureza de seu objeto, uma pesquisa qualitativa. Os trabalhos produzidos na contemporaneidade sob o enfoque das representações sociais, construcionismo e a abordagem psicossocial buscam produzir conhecimentos com aplicação prática profissional. Primeiro foi a vez dos trabalhos na área das representações sociais que se propuseram, por meio de grupos focais e entrevistas, rediscutir a produção de conhecimentos na psicologia social, partindo do ponto de vista do conhecimento que é produzido e elaborado no senso comum, no cotidiano dos contextos culturais e sociais das comunidades em que as pessoas vivem. O trabalho de pesquisa em representações sociais levou a psicologia social inserir-se em temas da ciência que até então estavam negligenciados da psicologia social, ou eram abordados por outras áreas da psicologia de forma “psicologizada”,

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isto é, de forma apolítica, a-histórica e individualizada. Dentre esses temas, desenvolveram-se trabalhos sobre ideologias, saúde pública, doenças mentais e sexuais, educação, esferas pública e privada da sociedade, identidades, relações de gênero, raça, etnias, classe social e vários tópicos que envolvem o tema da exclusão social. (GUARESCHI, 2008, p. 90) Com a atualização das questões e a investigação científica focada nas demandas sociais contemporâneas, o construcionismo social desponta como uma abordagem fundamentada em uma base sociocultural, que se remete a Vygotsky e à concepção que “o funcionamento mental tem origem nos processos sociais.”. Dessa forma, as interações sociais são o caminho para a busca de novos conhecimentos sobre o ser humano, como acontece por exemplo, na coleta de dados com grupos focais. Embora saibamos que a busca do conhecimento é uma fonte inesgotável da natureza humana.  Assim, a pesquisa e o saber científico produzidos pela psicologia social por meio da produção de conhecimento, sua autocrítica e a articulação a outros saberes sociais, é uma contribuição fundamental para a construção da sociedade do século XXI.

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RESUMO Este capítulo foi dedicado à pesquisa, condição indispensável para o desenvolvimento das ciências e fator determinante para a geração de conhecimento. A curiosidade humana é o motor que impulsiona a produção de saberes, de tecnologia e inovação. O objeto da pesquisa é o tema, que se deseja investigar, e o sujeito da pesquisa é o indivíduo ou grupo social participante da pesquisa. Em psicologia social, os participantes da pesquisa representam a mostra do contexto sócio- histórico ao qual pertencem. Dessa forma, a psicologia social é constituída de um campo de pesquisa que abrange o homem e o mundo, e todas as possibilidades que existem entre estas instâncias e em todos os cenários que comportam os processos humanos. O método científico é o caminho que estabelece os procedimentos que devem ser realizados no decurso de uma pesquisa. O método quantitativo e o método qualitativo estabelecem as diferentes conduções de uma pesquisa, de acordo com as características intrínsecas das diferentes áreas do conhecimento.

ATIVIDADE Elabore uma proposta de pesquisa sobre um dos temas tratados em psicologia social II.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOENTE, Alfredo e BRAGA, Gláucia Pereira. Metodologia Científica Contemporânea para universitários e pesquisadores. Brasport, Rio de Janeiro: 2004.

JR. PESSOA, Osvaldo. Teoria do Conhecimento e Filosofia da Ciência I: Um Panorama Histórico com Olhar Contemporâneo. FFLCH. USP, São Paulo: 2010.

GODIM, Sonia Maria Guedes. Grupos Focais como Técnica de investigação Qualitativa: Desafios Metodológicos. Paidéia, Bahia: 2003. GUARESCHI, Neuza M. F. Pesquisa em Psicologia Social: de onde viemos e para onde vamos. Psicologia social: estratégias, políticas e implicações [online]. Books, disponível em: , Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, Rio de Janeiro: 2008. HERCULANO, Selene. Metodologia das Ciências Sociais: elementos para um debate. (Apontamentos para aula), 2007. Disponível em: . Acesso em: 27 fev. 2017.

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JOVCHELOVITCH, Sandra. Psicologia Social, saber, comunidade e cultura.  Psicologia & Sociedade; maio/agosto. Minas Gerais: 2004. MARINHO, Elisa Oswaldo Cruz.  O método Científico. Proficiência. Academia Brasileira de Ciências. FAPERJ-Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à pesquisa do estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: 2017. Disponível em: . Acesso em: 26 maio 2017. OLIVEIRA, Silvio. Luiz. de. Tratado de Metodologia Científica. Pioneira, São Paulo: 2002. Disponível em: . Acesso em: 27 fev. 2017.

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5 Reflexões contemporâneas

Reflexões contemporâneas Nos capítulos anteriores foram apresentados os objetos de estudo da psicologia social e as discussões pertinentes à sua área de atuação. Este capítulo é dedicado a uma síntese livre dos temas e à discussão do tema empoderamento feminino.

OBJETIVOS •

Refletir sobre psicologia social.

Novos cenários

 A psicologia social, em sua trajetória, dirige a atenção para a interface da ciência com o contexto social ao qual os indivíduos estão inseridos, estabelece uma relação dialógica com outras ciências, como a sociologia, a filosofia, a história, a economia entre outras.  A interdisciplinaridade de seu objeto de estudo e o caráter crítico, da psicologia social sócio-histórica produzem um saber que a mantém em constante renovação, sem abandonar seu saber construído historicamente, possibilitando novas concepções conceituais e uma produção científica atualizada pelas demandas contemporâneas. Considerando este cenário de necessidade premente da manutenção da atualidade de suas investigações, a interdisciplinaridade de seu objeto de estudo e o olhar crítico da psicologia social no seu fazer científico, propomos entre as várias demandas sociais contemporâneas, discutir o tema empoderamento feminino. Esta discussão não exclui as inúmeras possibilidades que o cotidiano nos oferece, nosso objetivo é propor o exercício de liberdade crítica que é fundamental na formação de um psicólogo. Dessa forma, o empoderamento é o tema central que será abordado no percurso deste capítulo, com o objetivo de propor reflexões e diálogos entre as diferentes temáticas tratadas pela psicologia social.  A ONU Mulheres, Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres, sediada em Nova York, “ foi criada, em 2010, para unir, fortalecer e ampliar os esforços mundiais em defesa dos direitos humanos capítulo 5 •

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das mulheres. Segue o legado de duas décadas do Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem) em defesa dos direitos humanos das mulheres, especialmente pelo apoio a articulações e movimento de mulheres e feministas, entre elas mulheres negras, indígenas, jovens, trabalhadoras domésticas e trabalhadoras rurais. Com seis áreas prioritárias de atuação: liderança e participação política das mulheres; empoderamento econômico; fim da violência contra mulheres e meninas; paz e segurança e emergências humanitárias; governança e planejamento; normas globais e regionais. Publicou em sua página parcerias-empresas um documento produzido pela entidade e o Pacto Global convocando as empresas a participar dos Princípios de Empoderamento das Mulheres.

CONEXÃO

Este documento defende a “equidade de gênero em todas as atividades sociais” e os benefícios que podem trazer para a economia. O caráter global da entidade e sua representatividade em diferentes países ampliam sua abrangência na defesa dos princípios. “Empoderar mulheres e promover a equidade de gênero em todas as atividades sociais e da economia são garantias para o efetivo fortalecimento das economias, o impulsionamento dos negócios, a melhoria da qualidade de vida de mulheres, homens e crianças, e para o desenvolvimento sustentável.” Ciente do papel das empresas para o crescimento das economias e para o desenvolvimento humano, a ONU Mulheres e o Pacto Global criaram os Princípios de Empoderamento das Mulheres. Os princípios são um conjunto de considerações

capítulo 5 •

125

que ajudam a comunidade empresarial a incorporar em seus negócios valores e práticas que visem à equidade de gênero e ao empoderamento de mulheres. Conheça os sete princípios de Empoderamento das Mulheres: 1. Estabelecer liderança corporativa sensível à igualdade de gênero, no mais alto nível. 2. Tratar todas as mulheres e todos os homens de forma justa no trabalho, respeitando e apoiando os direitos humanos e a não discriminação. 3. Garantir a saúde, segurança e o bem-estar de todas as mulheres e todos os homens que trabalham na empresa. 4. Promover educação, capacitação e desenvolvimento profissional para as mulheres. 5.  Apoiar empreendedorismo de mulheres e promover políticas de empoderamento das mulheres por meio das cadeias de suprimentos e marketing. 6. Promover a igualdade de gênero por meio de iniciativas voltadas à comunidade e ao ativismo social. 7. Medir, documentar e publicar os progressos da empresa na promoção da igualdade de gênero.  A partir deste tema extraído do cotidiano, observamos a oportunidade de articular a discussão do tema com outras ciências como a sociologia, quanto aos aspectos das novas relações sociais que se apresentam a partir da proposta de reconhecimento da equidade de gênero, isto é a admissão social que as ocupações profissionais podem ser realizadas por pessoas qualificadas independente do gênero; a promoção de um avanço social e a desmistificação da ideia que as tarefas profissionais só podem ser realizadas por este ou aquele grupo de pessoas. Quanto à filosofia, a mudança ideológica de crenças pessoais e sociais em relação à capacidade cognitiva das pessoas no desempenho de seu trabalho propõe novas convicções e novos argumentos racionais que fortalecem a ideia que a cognição humana não é uma questão de gênero e sim um processo evolutivo na aquisição e produção do conhecimento.  A história registra e testemunha a quebra de paradigmas, no contexto de sua cronologia, avaliando a origem das transformações sociais, que no tema em discussão o empoderamento feminino, é uma reivindicação desde o movimento feminista, que nos diferentes momentos de seu transcurso possibilitou a chegada a novos ciclos históricos.

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 A economia em seus estudos sobre as forças produtivas e desenvolvimento social articula suas investigações aos processos que envolvem a mudança na qualidade de vida das pessoas, na geração de emprego e renda, nos recursos que sustentam o sistema econômico e mantém o aparelho estatal abastecido economicamente para cumprir sua obrigação de manutenção da organização social. Quanto à psicologia social, além de aplicar seus conceitos para o entendimento das circunstâncias sócio-históricas dos acontecimentos, investiga as relações nos diferentes contextos humanos, dialogando com outras ciências, refletindo e aplicando a avaliação crítica, no exercício de seu papel político social, objetivando contribuir com a promoção da saúde e qualidade de vida das pessoas em seus diferentes grupos sociais. O homem em construção

 A construção da identidade está em constante movimento, entretanto é inegável que dele faz parte o contexto sociocultural. Dessa forma, o dinamismo dos processos humanos contempla os aspectos objetivos e subjetivos, individuais e sociais. Dentre as dimensões do processo de construção do homem, estão a ideologia, a cognição, a subjetividade, a individualidade e a experiência dos diferentes fenômenos vivenciados nos diferentes grupos sociais aos quais pertencemos, com um particular destaque à família, como um dos agentes mais importantes na formação de nossa identidade. O homem em construção vive em sociedade e em constante interação com o meio social, que nos transforma e nos faz atores de transformações em todos os cenários humanos. E como participantes das transformações sociais, discutimos questões que permeiam o humano ao longo de nossa história, como os papéis sociais, as diferenças de gênero e seus desdobramentos socioculturais, políticos e econômicos. Quanto ao nosso tema central, o empoderamento da mulher a partir dos princípios propostos pela ONU Mulheres este envolve diretamente o já discutido conceito de identidade. O empoderamento feminino corrobora o papel objetivo que a mulher ocupa hoje na sociedade, parte integrante do processo de construção da identidade.  A mídia brasileira aponta resultados de pesquisas recentes que indicam a situação do empoderamento feminino, quanto a aspectos como a ampliação dos anos de estudo, da capacitação e do desenvolvimento profissional, posições de gestão.

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Entretanto, as mesmas pesquisas também demonstram que apesar destes avanços sociais, a mulher ainda possui salários menores que os homens, mesmo exercendo a mesma função profissional. “As disparidades salariais entre gêneros persistem como um obstáculo para o empoderamento econômico das mulheres e a superação da pobreza e a desigualdade na América Latina, advertiu nesta terça-feira a Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e o Caribe (Cepal), a respeito do Dia Internacional da Mulher. Embora a diferença salarial entre homens e mulheres tenha diminuído 12,1 pontos percentuais entre 1990 e 2014, as mulheres recebem, em média, apenas 83,9 unidades monetárias por 100 unidades monetárias recebidas pelos homens, de acordo com a Cepal. Se as remunerações recebidas por ambos os sexos por anos de estudo são comparadas, observa-se que elas podem ganhar até 25,6% menos do que seus colegas do sexo masculino em condições semelhantes, disse que o instituto regional.  A partir das informações coletadas em pesquisas domiciliares, a Cepal analisou o salário médio de homens e mulheres que trabalharam em centros urbanos com idades entre 20 e 49 que trabalham 35 horas ou mais por semana em 18 países na região.  A pesquisa faz uma comparação por anos de estudo e sua evolução entre 1990 e 2014, observando a persistência de diferenças significativas dependendo do nível de escolaridade de pessoas empregadas. No grupo das mulheres com menor nível de escolaridade (até cinco anos de estudo) foi observada a maior redução da diferença (19,7 pontos percentuais). Houve um aumento em relação aos salários dos homens de 58,2% para 77,9%. Isto porque, segundo a Cepal, há dois fatores: a regulamentação e formalização do trabalho doméstico remunerado, como países que estabeleceram taxas de salário mínimo por hora e tempos máximos do dia de trabalho; e aumento de salários mínimos que se aplica a toda a população. [...] mais estudo, mais diferença . A diferença salarial mais alta ocorre na população mais instruída (treze anos ou mais de estudo). Houve uma diminuição na diferença de 9,3 pontos percentuais entre 1990 e 2014. Os homens deste grupo ainda ganham 25,6 por cento a mais do que as mulheres. Segundo a Cepal, a inclusão das mulheres em áreas como ciência e tecnologia, indústrias, como telecomunicações e grandes empresas, pode estar contribuindo positivamente, embora ainda não gere a plena igualdade. Nos níveis intermediários de educação, os números não foram substancialmente alterados. Mulheres com seis a nove anos de escolaridade ganhavam 70%

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do salário dos homens em 1990 e em 2014 esse número subiu para 75,3% (uma redução na diferença de 5,3 pontos percentuais no intervalo) e aquelas com 10 a 12 anos de instruções subiram de 67,6% para 74,5% (redução de 6,9 pontos percentuais na diferença salarial). Receber o mesmo salário que os homens em condições de igualdade é um direito das mulheres. É um requisito inevitável para que alcancem a autonomia econômica e para avançar na igualdade de gêneros – disse a secretária executiva da Cepal, Alicia Bárcena, no contexto do Dia Internacional da Mulher, cujo tema este ano é “Por um planeta 50-50 em 2030: demos um passo para a igualdade de gênero. – Nada sobre nós sem nós – enfatiza Bárcena. Para a eliminação da diferença salarial, a Cepal planeja promover espaços para a negociação coletiva e participação ativa dos trabalhadores nos processos em que estas questões são debatidas; melhorar salários mínimos, uma vez que estes promovem a igualdade, especialmente em setores com remuneração inferior; implementar políticas como a licença-paternidade; e assegurar a igualdade de oportunidades de treinamento, promoções, horas extras e outros compromissos de trabalho que melhoram a folha de pagamento.”. (BIZON, 2016, p. 1) Este contexto presente de forma objetiva na sociedade implica também os aspectos subjetivos da identidade, envolvem o sentimento de baixa-estima e desqualificação pessoal pelo pertencimento ao gênero feminino, objeto que desperta especial interesse as reflexões em psicologia social. O princípio de número 5. “Apoiar empreendedorismo de mulheres e promover políticas de empoderamento das mulheres por meio das cadeias de suprimentos e marketing”. Disponível em:

CONEXÃO , Acesso: 2017.

Dialoga diretamente com a ideologia das instituições sociais, isto é, o apoio ao empreendedorismo e a promoção de políticas de empoderamento é uma proposta inovadora porque atua diretamente na reconfiguração das forças produtivas do sistema capitalista, envolve a criação de políticas públicas financeiras específicas para o gênero feminino e interpelam os aparelhos ideológicos e repressivos do estado, conceituados por Althusser, apresentados no capítulo 2.

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O empoderamento feminino produz novas interações e transformações na sociedade contemporânea, como é sinalizado pelo IBAM (Instituto Brasileiro de  Administração Municipal-Rio de Janeiro) em sua publicação de 2012 de prestação de contas da implementação de políticas públicas direcionadas para o empreendedorismo feminino. O Programa Nacional Trabalho e Empreendedorismo da Mulher – PNTEM – Secretaria de Políticas para as Mulheres, o IBAM (reiterou seu empenho de introduzir a questão de gênero no aperfeiçoamento das políticas públicas e, mais especialmente, de fortalecer as políticas para as mulheres nos diversos projetos que executou nessa área, desde 1990.  Alinhado com os processos de afirmação dos direitos das mulheres, em especial no que diz respeito à autonomia econômica e igualdade no mundo do trabalho, e ao lado das demais entidades executoras em todos os estados – Sebrae, BPW e governos estaduais e distrital –, das gestoras e gestores dos municípios e regiões administrativas abrangidos pelo Programa, o IBAM coordenou ações destinadas à promoção de mudanças efetivas nas posições das mulheres no campo econômico, materializadas nos cursos e oficinas sobre ferramentas de gestão e sobre direitos.  Ainda no âmbito do PNTEM empreendeu esforços no sentido de imprimir alterações no contexto das políticas públicas e no ambiente produtivo das mulheres, por meio da instrumentalização e do aumento da capacidade de gestores e gestoras para a formulação e análise de políticas na perspectiva de gênero. [...] PNTEM no Rio de Janeiro, em Santa Catarina, no Distrito Federal, em Pernambuco e no Pará foram muitos os momentos de reflexões, avaliações e ajustes de percurso. Nas avaliações, buscava-se entender as mudanças que estavam acontecendo na vida das mulheres e no contexto das políticas públicas locais. [...] analisados os resultados, pode-se dizer que o Programa Trabalho e Empreendedorismo da Mulher alcançou resultados expressivos em todas as unidades da federação onde foi implementado. As mulheres envolvidas demonstraram aumento da autoestima, impulsionado principalmente a partir das discussões sobre direitos e violência contra a mulher em que se pôde perceber e descobrir o empreendedorismo como via de ampliação de sua autonomia. Registrou-se em muitas localidades o ingresso de mulheres em redes de negócios ou de produção. Registrou-se também a busca de acesso ao microcrédito junto às associações locais, Banco da Amazônia, Governo Municipal e Estadual. Já no final dos cursos, as mulheres que possuíam empreendimentos testemunharam que houve aumento na renda a partir do aprimoramento de seus

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negócios. As mulheres que ainda não haviam iniciado novos negócios relataram que o programa as estimulara a iniciar um trabalho para gerar renda. O programa conseguiu unificar atores de diversas áreas setoriais em torno da discussão do empreendedorismo e das possibilidades de ampliação da autonomia econômica das mulheres atendidas pelas políticas públicas sociais. Muitos gestores tiveram contato pela primeira vez com temas como direitos das mulheres, trabalho e ocupação, empreendedorismo, raça, cor, políticas de gênero, políticas para mulheres, alinhados à discussão das políticas públicas de forma geral. (COSTA, et al. 2012, p. 5-7) Entretanto, quando relacionamos a pesquisa publicada em 2016, e a iniciativa do IBAM observamos que mesmo com políticas públicas brasileiras empenhadas em gerar empreendedorismo feminino e o quanto essas políticas produzem de resultados de resgate da autoestima, autonomia, geração de renda e acesso aos mecanismos econômicos da base produtiva da sociedade; muito ainda há para ser realizado, visto que ainda é necessária uma campanha de grandes proporções, para que melhores resultados e mais mulheres sejam incluídas no desenho contemporâneo das forças produtivas do sistema capitalista. O saber e o fazer

 A psicologia social e a abordagem psicossocial compõem a estrutura do trabalho científico do psicólogo, é aplicada nos campos de atuação que envolvem os aspectos históricos, socioculturais e empíricos, constitutivos do indivíduo. Está presente na escola, no trabalho, nas organizações, na comunidade e na saúde, propondo investigações científicas e intervenções fundamentadas pelo saber científico com o objetivo de contribuir com o bem-estar das pessoas. Retomando a discussão de nosso tema central, o saber e o fazer da psicologia social pressupõem as diferentes áreas de aplicação da psicologia, a importância da atuação política, a responsabilidade em fomentar reflexões e o posicionamento crítico do psicólogo social.   “O princípio de número6. Promover a igualdade de gênero por meio de iniciativas voltadas à comunidade e ao ativismo social”. Disponível em: , 2017. Este princípio evidencia o caráter político, social e crítico da atuação do psicólogo nas comunidades e na produção de conhecimento científico. Hoje no século XXI, ainda permanecem discussões a respeito da diferença de tratamento

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dos gêneros, a essência destas discussões, em destaque pela campanha da ONU Mulheres, é o tratamento dado pelas organizações no mundo do trabalho às mulheres. Dessa forma, a proposta de iniciativas direcionadas às comunidades, por exemplo a qualificação profissional e a militância social na reivindicação de direitos reafirmam a importância da atuação do psicólogo social junto a estas áreas de intervenção profissional. “O que a psicologia tem feito quanto aos direitos das mulheres? A provocação estimulou o debate realizado pelo CFP a 45a Reunião Anual da SBP. Os direitos das mulheres brasileiras e sua relação com a psicologia foram abordados em debate realizado pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) na, durante a 45a Reunião  Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP), em Belo Horizonte (MG). A representante do CFP no Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, Valeska Zanello, apresentou um panorama da utilização do termo “gênero” ao longo da história, desde a luta pelo sufrágio até os processos de construção de lugares sociais de desempoderamento feminino, nos dias atuais. Ela destacou, ainda, a necessidade de consolidação de políticas em saúde mental que não medicalizem as pessoas, em especial as mulheres. Reforçou também a importância do fortalecimento da escuta de gênero no fazer profissional da psicologia, com vistas a superar a constante desqualificação da fala da mulher, sobretudo no que se refere à violência. Lenira Pontes, psicóloga do Ministério Público Estadual do Acre (MPAC), apresentou trechos e reflexões sobre o documento produzido na CPMI da Violência Doméstica, no Senado, em que identificou diferentes formas de atuação da psicologia no país, além de relatos de condições de trabalho precárias, atendimento insatisfatório e recursos insuficientes, tanto na Assistência Social quanto no Judiciário. “Se nós somos a categoria que trabalha com sofrimento psíquico, o que estamos fazendo para efetivar esse intento, além de trabalhar com burocracia?”, questionou. A ausência de disciplinas que discutam gênero e mulheres nos cursos de psicologia também foi apontada como um entrave pelas palestrantes”. Disponível em:

CONEXÃO

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O CFP (Conselho Federal de Psicologia) publicou a iniciativa em relação à atuação do psicólogo na questão do empoderamento feminino, realizada na 45a Reunião Anual da SBP – Sociedade Brasileira de Psicologia. Contudo, cabe observar que este debate foi realizado nos anos de 2015 e 2016. A 46a Reunião não discutiu o tema, e no ano corrente a programação dos temas em debate ainda não foi divulgada. Estas observações têm por objetivo propor a reflexão: será que a atuação, ainda tímida do Conselho Federal de Psicologia em relação ao tema, é um reflexo do processo histórico de desempoderamento feminino? Durante o curso da história da profissão de psicólogo, o senso comum relacionava o exercício da profissão às mulheres. Não temos uma resposta para essa provocação, mas propomos que pode ser uma questão a ser refletida no contexto do exercício crítico pertinente à psicologia.  A atuação política e social da psicologia será notabilizada sempre que o espaço social de produção de conhecimento for ocupado.  O empoderamento feminino envolve diferentes dimensões de compreensão, e a psicologia é uma das ciências que pode contribuir efetivamente na superação das desigualdades de gênero. “O empoderamento consiste de quatro dimensões, cada uma igualmente importante, mas não suficiente por si própria para levar as mulheres para atuarem em seu próprio benefício. São elas a dimensão cognitiva (visão crítica da realidade), psicológica (sentimento de autoestima), política (consciência das desigualdades de poder e a capacidade de se organizar e se mobilizar) e a econômica (capacidade de gerar renda independente).” (SARDENBERG, 2009, p. 6)  A psicologia, em seus diferentes campos de aplicação, acompanha as demandas histórico-sociais e culturais, características dos indivíduos, está presente em todas as organizações e instituições sociais e tem por dever de ofício contribuir com a promoção de saúde da sociedade e o bem-estar das pessoas, isto é, empoderar. Geração de conhecimento

 Assim como o homem, o conhecimento humano está em constante e contínua construção, a investigação científica é a forma de produzir novos conhecimentos, quebrar paradigmas, gerar novas tecnologias e ciência.  A psicologia social, ao estudar as interações sociais, as relações intergrupais, os processos cognitivos, as condutas sociais, a linguagem, a subjetividade, as representações sociais, o fenômeno coletivo, entre outras temáticas pavimenta e atualiza seu campo de atuação gerando novos saberes. capítulo 5 •

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O princípio de número 7. Medir, documentar e publicar os progressos da empresa na promoção da igualdade de gênero. Disponível em:

CONEXÃO , Acesso: 2017.

Este princípio refere-se à pesquisa, meio de produção de conhecimento; as empresas são convocadas a medir, documentar e publicar seus resultados, estes passos são componentes dos procedimentos de realização de uma pesquisa, e por conseguinte geração de conhecimento, tecnologia e inovação.  A psicologia social, assim como outras ciências, tem neste momento histórico de mudanças em relação às questões de gênero, a oportunidade de desenvolver pesquisas e produzir trabalhos acadêmicos, que possam contribuir de forma objetiva com as instituições, organizações exercendo efetivamente seu papel na sociedade.  A investigação científica, os resultados apurados, a comunicação e a replicação dos resultados das pesquisas sobre o empoderamento feminino favorecem a reflexão e a mobilização social, propiciando a emancipação de conceitos ideológicos reacionários, que não se justificam no século XXI.  Assim, sinta-se convidado a produzir novas reflexões e contribuir de forma inspiradora, atenta e atuante com o espírito crítico da psicologia social.

RESUMO Este capítulo foi dedicado a uma síntese livre dos temas abordados na disciplina psicologia social II, relacionando-os à discussão do tema empoderamento feminino, com o objetivo de refletir sobre psicologia social. A partir de um tema extraído de uma demanda da contemporaneidade, a publicação de um documento de proporções internacionais, pela entidade ONU Mulher e o Pacto Global, que criaram os Princípios de Empoderamento das Mulheres nas organizações. Seguindo a ordem dos princípios propostos, problematizamos questões intrínsecas ao empoderamento feminino, e ao papel da psicologia social como ciência. As responsabilidades políticas e sociais das intervenções. Por fim, convidamos o leitor para o exercício da reflexão crítica como forma de contribuição com a psicologia social.

capítulo 5 •

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ATIVIDADE Pesquise a biografia de uma mulher que contribuiu para mudanças no campo das ciências humanas, sociais ou política.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BIZON, Anna. As mulheres recebem, em média, apenas 83,9 unidades monetárias por 100 unidades monetárias recebidos pelos homens. Jornal O Globo. Brasília: 8 de março de 2016. Disponível em: . Acesso em: 27 maio 2017. COSTA, Delaine Martins, AZEVEDO, Patricia, SOUZA, Rosimere. Políticas públicas, empreendedorismo e mulheres : olhares que se encontram. IBAM, 2012.

Conselho Federal de Psicologia. Disponível em: . Acesso em: 27 maio 2017. ONU Mulheres. Disponível em: . Acesso em: 22 maio 2017. SARDENBERG, Cecília. Conceituando “Empoderamento” na Perspectiva Feminista. NEIM/UFBA, Salvador: 2009.

GABARITO Capítulo 1 A resenha deve apresentar uma análise reflexiva sobre o texto: Representações sociais de universitários sobre jovens e juventude. O estudo objetivou identificar as representações sociais de universitários de Vitória-ES. Os resultados indicaram uma representação de jovem como alguém que está vivenciando uma fase de preparação para a vida adulta. A resenha deve conter a identificação e a articulação dos conceitos de representações sociais, ancoragem e objetivação.

capítulo 5 •

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