Apostila Hidrologia

March 8, 2018 | Author: sofialc | Category: Troposphere, Hydrology, Water, Water Cycle, Density
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IPH UFRGS Agosto 2008

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6 Introduzindo hidrologia WALTER COLLISCHONN – IPH UFRGS RUTINÉIA TASSI – IPH UFRGS Capa: Andreas Collischonn Ilustrações: Fernando Dornelles

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Capítulo

1 Introdução O conceito de Hidrologia o estudo da Hidrologia nas Engenharias.

H

idrologia é a ciência que trata da água na Terra, sua ocorrênca, circulação, distribuição espacial, suas propriedades físicas e químicas e sua relação com o ambiente, inclusive com os seres vivos. A Hidrologia é o estudo da água na superfície terrestre, no solo e no sub-solo. De uma forma simplificada pode-se dizer que hidrologia tenta responder à pergunta: O que acontece com a água da chuva?

A Hidrologia pode ser tanto uma ciência como um ramo da engenharia e tem muitos aspectos em comum com a meteorologia, geologia, geografia, agronomia, engenharia ambiental e a ecologia. A Hidrologia utiliza como base os conhecimentos de hidráulica, física e estatística. Existem outras ciências que também estudam o comportamento da água em diferentes fases, como a meteorologia, a climatologia, a oceanografia, e a glaciologia. A diferença fundamental é que a Hidrologia estuda os processos do ciclo da água em contato com os continentes.

Hidrologia nas Engenharias A humanidade tem se ocupado com a água como uma necessidade vital e como uma ameaça potencial pelo menos desde o tempo em que as primeiras civilizações se desenvolveram às margens dos rios. Primitivos engenheiros construíram canais, diques, barragens, condutos subterrâneos e poços ao longo do rio Indus, no Paquistão, dos rios Tigre e Eufrates, na Mesopotâmia, do Hwang Ho na China e do Nilo no Egito, há pelo menos 5000 anos. Enquanto a Hidrologia é a ciência que estuda a água na Terra e procura responder à pergunta sobre o que ocorre com a água da chuva uma vez que atinge a superfície, a Engenharia Hidrológica é a aplicação dos conhecimentos da Hidrologia para resolver problemas relacionados aos usos da água.

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Entre os principais usos humanos da água estão: o abastecimento humano; irrigação; dessedentação animal; geração de energia elétrica; navegação; diluição de efluentes; pesca; recreação e paisagismo. As preocupações com o uso da água aumentam a cada dia porque a demanda por água cresce à medida que a população cresce e as aspirações dos indivíduos aumentam. Estima-se que no ano 2000 o mundo todo usou duas vezes mais água do que em 1960. Enquanto as demandas sobem, o volume de água doce na superfície da terra é relativamente fixo. Isto faz com que certas regiões do mundo já enfrentem situações de escassez. O Brasil é um dos países mais ricos em água, embora existam problemas diversos. A Engenharia Hidrológica também estuda situações em que a água não é exatamente utilizada pelo homem, mas deve ser manejada adequadamente para minimizar prejuízos, como no caso das inundações provocadas por chuvas intensas em áreas urbanas ou pelas cheias dos grandes rios. Relacionados a estes temas estão os estudos de Drenagem Urbana e de Controle de Cheias e Inundações. A água também é importante para a manutenção dos ecossistemas existentes em rios, lagos e ambientes marginais aos corpos d’água, como banhados e planícies sazonalmente inundáveis. Nos últimos anos a Hidrologia e a Engenharia Hidrológica têm se aproximado de ciências ambientais como a limnologia e a ecologia, visando responder questões como: Qual é a quantidade de água que pode ser retirada de um rio sem que haja impactos significativos sobre os seres vivos que habitam este rio? É possível que no futuro a água venha a ter um papel cada vez mais importante, num mundo em que a energia renovável vai ser fundamental: no caso de produção (hidroelétrica, energia de ondas e marés); no caso de armazenamento (para complementar energia de vento ou solar); e no caso de produção de biocombustíveis (irrigação).

Usos da água Os usos da água são normalmente classificados em consuntivos e não consuntivos. Usos consuntivos alteram substancialmente a quantidade de água disponível para outros usuários. Usos não-consuntivos alteram pouco a quantidade de água, mas podem alterar sua qualidade. O uso de água para a geração de energia hidrelétrica, por exemplo, é um uso não-consuntivo, uma vez que a água é utilizada para movimentar as turbinas de uma usina, mas sua quantidade não é alterada. Da mesma forma a navegação é um uso não-consuntivo, porque não altera a quantidade de água disponível no rio ou lago. Por outro lado, o uso da água para irrigação é um uso consuntivo, porque apenas uma pequena parte da água aplicada na lavoura retorna na forma de escoamento. A maior parte da água utilizada na irrigação volta para a

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atmosfera na forma de evapotranspiração. Esta água não está perdida para o ciclo hidrológico global, podendo retornar na forma de precipitação em outro local do planeta, no entanto não está mais disponível para outros usuários de água na mesma região em que estão as lavouras irrigadas. Os usos de água também podem ser divididos de acordo com a necessidade ou não de retirar a água do rio ou lago para que possa ser utilizada. Alguns usos da água que podem ser feitos sem retirar a água de um rio ou lago são a navegação, a geração de energia hidrelétrica, a recreação e os usos paisagísticos. Alguns usos da água que exigem a retirada de água, ainda que parte dela retorne, são o abastecimento humano e industrial, a irrigação e a dessedentação de animais. Os parágrafos que seguem descrevem com um pouco mais de detalhe alguns dos principais usos de água. Abastecimento humano

O uso da água para abastecimento humano é considerado o mais nobre, uma vez que o homem depende da água para sua sobrevivência. A água para abastecimento humano é utilizada diretamente como bebida, para o preparo dos alimentos, para a higiene pessoal e para a lavagem de roupas e utensílios. No ambiente doméstico a água também é usada para irrigar jardins, lavar veículos e para recreação. O consumo de água em ambiente doméstico é estimado em 200 litros por habitante por dia. Aproximadamente 80% deste consumo retorna das residências na forma de esgoto doméstico, obviamente com uma qualidade bastante inferior. A apresenta uma estimativa aproximada das quantidades de água em cada um dos usos domésticos. Abastecimento industrial

O uso industrial da água está relacionado aos processos de fabricação, ao uso no produto final, a processos de refrigeração, à produção de vapor e à limpeza. A fabricação de diferentes produtos tem diferentes consumos de água. Assim, a indústria de produção de papel, por exemplo, é reconhecidamente uma das que mais consomem água. Irrigação

A irrigação é o uso de água mais importante do mundo em termos de quantidade utilizada. A irrigação é utilizada na agricultura para obter melhor produtividade e para que a atividade agrícola esteja menos sujeita aos riscos climáticos. Em algumas regiões áridas, semi-aridas, ou com uma estação seca muito longa, a irrigação é essencial para que possa existir a agricultura. No Brasil o uso de água para irrigação vem aumentando a cada ano. A quantidade de água utilizada na irrigação depende das características da cultura, do clima e dos solos de uma região, bem como das técnicas utilizadas na irrigação.

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Figura 1. 1: Proporção aproximada dos usos da água em ambiente doméstico (Clarke e King, 2005).

Navegação

A navegação é um uso não-consuntivo que pode ser bastante atrativo do ponto de vista econômico, principalmente para cargas com baixo valor por tonelada, como minérios e grãos. A navegação requer uma profundidade adequada do corpo d’água e não pode ser praticada em rios com velocidade de água excessiva. Assimilação e transporte de poluentes

Os corpos de água são utilizados para transportar e assimilar os despejos neles lançados, como o esgoto doméstico e industrial. Mesmo em regiões em que o esgoto doméstico e industrial é tratado, as concentrações de alguns poluentes podem ser superiores às concentrações encontradas nos rios. Assim, utiliza-se a capacidade de diluição dos rios e lagos para diminuir a concentração dos poluentes. Também utilizase os rios para transportar os poluentes e, assim, afastá-los de onde são gerados. A capacidade de assimilação de um corpo d’água é limitada, e quando o lançamento de dejetos é excessivo, a qualidade de água de um rio não é mais suficiente para outros usos, como a recreação e a preservação dos ecossistemas. Recreação

Um uso de água não consuntivo realizado no próprio curso d’água é a recreação. Este uso é bastante freqüente em rios com qualidade de água relativamente boa, e inclui atividades de contato direto, como natação e esportes aquáticos como a vela e a

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canoagem. Também podem existir atividades de recreação de contato indireto, como a pesca esportiva. Preservação de ecossistemas

Além de todos os usos humanos mais diretos, é do interesse das sociedades que os rios e lagos mantenham sua flora e fauna relativamente bem preservadas. A manutenção dos ecossistemas aquáticos implica na necessidade de que uma parcela da água permaneça no rio, e que a qualidade desta água seja suficiente para a vida aquática. Geração de energia

A água é utilizada para a geração de energia elétrica em usinas hidrelétricas que aproveitam a energia potencial existente quando a água passa por um desnível do terreno. A potência de uma usina hidrelétrica é proporcional ao produto da descarga (ou vazão) pela queda. A queda é definida pela diferença de altitude do nível da água a montante (acima) e a jusante (abaixo) da turbina. A descarga em um rio depende das características da bacia hidrográfica, como o clima, a geologia, os solos, a vegetação. Em projetos de centrais hidrelétricas os estudos hidrológicos são necessários para:

• Escolha das turbinas adequadas e determinação da potência instalada. • Análise da variação temporal da disponibilidade de energia. • Determinação da energia garantida ou firme. • Estimativa de vazões máximas em eventos extremos para dimensionamento das estruturas extravasoras.

• Otimização da operação de sistemas interligados de geração elétrica que incluem hidrelétricas e termoelétricas.



Análise das relações entre o uso da água para geração de energia e outros usos, como irrigação, abastecimento urbano, navegação, preservação do meio ambiente e recreação.

No Brasil a geração de energia elétrica está fortemente ligada à hidrologia porque a quase totalidade da energia gerada e consumida é oriunda de usinas hidrelétricas. Considerando os dados da década de 1990, o Brasil é o terceiro maior produtor de energia hidrelétrica do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e do Canadá e a frente da China, da Rússia e da França. Entretanto, a energia hidrelétrica no Brasil corresponde a mais de 97% do total da energia elétrica gerada, enquanto que, na maior parte dos outros países, a energia hidrelétrica corresponde a percentuais muito menores do total, conforme a Tabela 1. 1. Destes países apenas a Noruega apresenta uma dependência semelhante da água no setor de energia, com 99% da energia de origem

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hidrelétrica. A dependência mundial da energia hidrelétrica é de apenas 20%, conforme pode ser observado na última linha da tabela.

Tabela 1. 1: Os dez países maiores produtores de energia hidrelétrica do mundo e a importância relativa da hidreletricidade na energia total produzida (Gleick, 2000).

País Estados Unidos Canadá China Brasil Rússia Noruega França Japão Índia Suécia Total dos 10 países Mundo

Capacidade Instalada(MW) 74.860 64.770 52.180 51.100 39.990 26.000 23.100 21.170 20.580 16.540 390.290 633.730

Energia Hidrelétrica produzida (GW.hora/ano) 296.380 330.690 166.800 250.000 162.800 112.680 65.500 91.300 72.280 63.500 1.611.030 2.445.390

Percentual da energia total produzida (%) 10 62 18 97 27 99 15 9 25 52 22 20

Mesmo em usinas termelétricas a água tem um papel fundamental e é consumida em quantidades significativas. Neste caso a água é utilizada nos ciclos internos de resfriamento e geração de vapor. Nos Estados Unidos as usinas termelétricas utilizam cerca de 260 bilhões de metros cúbicos por ano, o que corresponde a 47% da utilização total de água neste país. Deve se ressaltar, entretanto, que nem toda esta água é consumida, e grande parte retorna aos rios. Por este motivo, também as usinas termelétricas são construídas junto a fontes abundantes e confiáveis de água, e são necessários estudos hidrológicos para avaliar a sua disponibilidade.

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2 Propriedades da água e o ciclo hidrológico Os conceitos fundamentais do ciclo hidrológico.

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água é uma substância com características incomuns. É a substância mais presente na superfície do planeta Terra, cobrindo mais de 70% do globo. O corpo humano é composto por água mais ou menos na mesma proporção. Já um tomate é composto por mais de 90 % de água, assim como muitos outros alimentos. Todas as formas de vida necessitam da água para sobreviver. A água é a única substância na Terra naturalmente presente nas formas líquida, sólida e gasosa. A mesma quantidade de água está presente na Terra atualmente como no tempo em que os dinossauros habitavam o planeta, há milhões de anos atrás. A busca de vida em outros planetas está fortemente relacionada a busca de indícios da presença de água.

Propriedades físicas e químicas da água As propriedades físicas e químicas da água são bastante incomuns e estas características condicionam seu comportamento no meio ambiente. Entre as propriedades da água estão sua massa específica, color específico, calor latente de fusão e vaporização, viscosidade, propriedades moleculares e inter-moleculares. A existência da água na Terra em todas as três fases (vapor, líquido e sólido) é um dos aspectos que torna o planeta único. Massa específica da água

A massa específica, ou densidade, é a massa por unidade de volume de uma substância e o peso específico é o peso por unidade de volume. Para a massa específica normalmente é usado o símbolo ρ, e nas unidades do SI é dada em Kg.m-3. O peso específico é simbolizado pela letra grega γ dado em unidades de N.m-3. As duas variáveis estão relacionadas pela segunda lei de Newton, usando a aceleração da gravidade (g):

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γ = ρ⋅g onde g é a aceleração da gravidade (m.s-2). A variação do valor da massa específica da água com a temperatura é bastante incomum, e tem um importante papel no meio ambiente. Por exemplo, a água líquida a 0oC é mais densa que o gelo. Por outro lado, quando a água líquida a 0oC é aquecida sua densidade inicialmente aumenta até a temperatura de 3,98oC, quando a sua massa -3 A massa específica da água a específica atinge 1000 Kg.m . A partir desta 3,98 oC é de 1000 Kg.m-3. A do temperatura a densidade da água diminui com o aumento da temperatura, como acontece com a gelo é de aproximadamente maior parte das substâncias. 920 Kg.m-3. A massa específica da água líquida a diferentes temperaturas pode ser estimada pela equação abaixo (Dingman, 2002):

ρ = 1000 − 0,019549 ⋅ T − 3,98

1, 68

onde T é a temperatura em oC e ρ é a massa específica em Kg.m-3. A presença de substâncias dissolvidas ou em suspensão na água pode alterar a sua massa específica. Assim, a água salgada é mais densa do que a água doce, e a água com alta concentração de sedimentos de alguns rios pode ter densidade significativamente diferente da água limpa a mesma temperatura. Calor específico da água

A estrutura molecular da água (H2O) é responsável por uma característica fundamental da água que é a sua grande inércia térmica, isto é, a temperatura da água varia de forma lenta. O sol aquece as superfícies de terra e de água do planeta com a mesma energia, entretanto as variações de temperatura são muito menores na água. Em função deste aquecimento diferenciado e do papel regularizador dos oceanos, o clima da Terra tem as características que conhecemos. O calor específico é a propriedade de uma substância que relaciona a variação do conteúdo de energia à variação da sua temperatura. É definido como a quantidade de energia absorvida ou liberada (∆H) por uma massa M de uma substância enquanto sua temperatura aumenta ou diminui por um valor de ∆T. Cada grama de água precisa receber cerca de uma caloria para aumentar sua temperatura em 1 oC. Em unidades do SI o calor específico da água (cp) é de 4216 J.Kg-1.K-1. Isto significa que é necessário fornecer 4216 Joules de energia para cada Kg de água ter sua temperatura aumentada em 1 grau Kelvin.

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Calor latente de fusão

A quantidade de energia liberada pela água congelada a 0oC durante o processo de fusão é denominada calor latente de fusão. O valor do calor latente de fusão da água é de, aproximadamente, 334 KJ.Kg-1. Calor latente de vaporização

A quantidade de energia absorvida pela água na passagem da fase líquida para a gasosa (vapor) é o calor latente de vaporização. A temperaturas abaixo de 100 oC algumas moléculas de água na superfície podem romper as ligações inter-moleculares com as moléculas vizinhas e escapar do meio líquido, vaporizando-se. Assim, a vaporização pode ocorrer a temperaturas inferiores à do ponto de ebulição. A 100 oC o calor latente de vaporização é de 2,261 MJ.Kg-1, o que corresponde a cinco vezes mais energia do que a necessária para aquecer a água de 0 a 100 oC. O calor latente de vaporização decresce com o aumento da temperatura. Esta relação pode ser aproximada pela equação abaixo:

λ = 2,501 − 0,002361 ⋅ T onde λ é o calor latente de vaporização (MJ.Kg-1) e T é a temperatura em oC. A grande capacidade de armazenar calor da água na forma de vapor tem um papel importante no transporte de energia na atmosfera, das regiões mais tropicais para as regiões mais próximas dos pólos. A liberação de energia que ocorre durante a condensação tem um papel fundamental na formação das nuvens e no processo de formação das chuvas.

A hidrosfera O termo hidrosfera refere-se a toda a água do mundo, que é estimada em aproximadamente 1,4 . 1015 metros cúbicos. Cerca de 97 % da água do mundo está nos oceanos. Dos 3% restantes, a metade (1,5% do total) está armazenada na forma de geleiras ou bancadas de gelo nas calotas polares. A água doce de rios, lagos e aqüíferos (reservatórios de água no subsolo) corresponde a menos de 1% do total. Em valores totais a água doce existente na Terra e a água que atinge a superfície dos continentes na forma de chuva é suficiente para atender todas as necessidades humanas. Entretanto, grandes problemas surgem com a grande variabilidade temporal e espacial da disponibilidade de água. A América do Sul é, de longe, o continente com a maior disponibilidade de água, porém a precipitação que atinge nosso continente é altamente variável, apresentando na Amazônia altíssimas taxas de precipitação enquanto o deserto de Atacama é conhecido como o lugar mais seco do mundo.

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Tabela 1. 1: A água na Terra (Gleick, 2000).

Oceanos/água salgada Gelo permanente Água subterrânea Lagos Umidade do solo Água atmosférica Banhados Rios Biota

Percentual água do planeta (%) 97 1,7 0,76 0,007 0,001 0,001 0,0008 0,0002 0,0001

Percentual da água doce (%) 69 30 0,26 0,05 0,04 0,03 0,006 0,003

No Brasil a disponibilidade de água é grande, porém existem regiões em que há crescentes conflitos em função da quantidade de água, como na região semi-árida do Nordeste. Mesmo no Rio Grande do Sul, onde a disponibilidade de água pode ser considerada alta, ocorrem anos secos em que a vazão de alguns rios não é suficiente para atender as demandas para abastecimento da população e para irrigação.

O ciclo hidrológico O ciclo hidrológico é o conceito central da hidrologia. O ciclo hidrológico está ilustrado na Figura 1. 1. A energia do sol resulta no aquecimento do ar, do solo e da água superficial e resulta na evaporação da água e no movimento das massas de ar. O vapor de ar é transportado pelo ar e pode condensar no ar formando nuvens. Em circunstâncias específicas o vapor do ar condensado nas nuvens pode voltar à superfície da Terra na forma de precipitação. A evaporação dos oceanos é a maior fonte de vapor para a atmosfera e para a posterior precipitação, mas a evaporação de água dos solos, dos rios e lagos e a transpiração da vegetação também contribuem. A precipitação que atinge a superfície pode infiltrar no solo ou escoar por sobre o solo até atingir um curso d’água. A água que A energia que movimenta o ciclo infiltra umedece o solo, alimenta os aqüíferos e cria o fluxo de hidrológico é água subterrânea. fornecida pelo sol.

O ciclo hidrológico é fechado se considerado em escala global. Em escala regional podem existir alguns sub-ciclos. Por exemplo, a água precipitada que está escoando em um rio pode evaporar, condensar e novamente precipitar antes de retornar ao oceano.

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Figura 1. 1: O ciclo hidrológico.

A água também sofre alterações de qualidade ao longo das diferentes fases do ciclo hidrológico. A água salgada do mar é transformada em água doce pelo processo de evaporação. A água doce que infiltra no solo dissolve os sais aí encontrados e a água que escoa pelos rios carrega estes sais para os oceanos, bem como um grande número de outras substâncias dissolvidas e em suspensão.

Exercícios 1) Mostre que o calor latente de vaporização da água a 100 oC corresponde a mais de cinco vezes a energia necessária para aquecer a água de 0 a 100 oC. 2) Calcule o aumento de temperatura médio da água em uma piscina com 100 m2 de área e 2 m de profundidade devido à absorção de radiação de 7 MJ.dia-1. Considere que a temperatura inicial é de 20 oC, e que não existem perdas de calor na água da piscina.

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3 Bacia hidrográfica e balanço hídrico

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ciclo hidrológico é normalmente estudado com maior interesse na fase terrestre, onde o elemento fundamental da análise é a bacia hidrográfica. A bacia hidrográfica é a área de captação natural dos fluxos de água originados a partir da precipitação, que faz convergir os escoamentos para um único ponto de saída, seu exutório. A definição de uma bacia hidrográfica requer a definição de um curso d’água, de um ponto ou seção de referência ao longo deste curso d’água e de informações sobre o relevo da região. Uma bacia hidrográfica pode ser dividida em sub-bacias e cada uma das sub-bacias pode ser considerada uma bacia hidrográfica. A bacia hidrográfica pode ser considerada como um sistema físico sujeito a entradas de água (eventos de precipitação) que gera saídas de água (escoamento e evapotranspiração). A bacia hidrográfica transforma uma entrada concentrada no tempo (precipitação) em uma saída relativamente distribuída no tempo (escoamento). As características fundamentais de uma bacia que dependem do relevo são: •

Área



Comprimento da drenagem principal



Declividade

A área é um dado fundamental para definir a potencialidade hídrica de uma bacia, uma vez que a bacia é a região de captação da água da chuva. Assim, a área da bacia multiplicada pela lâmina precipitada ao longo de um intervalo de tempo define o volume de água recebido ao longo deste intervalo de tempo. A área de uma bacia hidrográfica pode ser estimada a partir da delimitação dos divisores da bacia em um mapa topográfico.

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Um exemplo de bacia delimitada é apresentado na Figura 3. 1. A bacia delimitada corresponde à bacia do Arroio Quilombo, próximo a Lomba Grande e Novo Hamburgo, até a seção que corresponde a ponte da estrada vicinal indicada no mapa. O divisor de águas apresentado como uma linha pontilhada separa as regiões do mapa em que a água da chuva vai escoar até a seção da ponte das regiões em que a água da chuva não vai escoar até esta seção. O divisor de águas passa, em geral, pelas regiões mais elevadas do entorno do Arroio Quilombo e de seus afluentes, mas não necessariamente inclui os pontos mais elevados do terreno. O divisor de águas intercepta a rede de drenagem em apenas um ponto, que corresponde ao exutório da bacia (no exemplo é a seção da ponte).

Figura 3. 1: Exemplo de uma bacia hidrográfica delimitada sobre um mapa topográfico.

A área da bacia pode ser medida através de um instrumento denominado planímetro ou utilizando representações digitais da bacia em CAD ou em Sistemas de Informação Geográfica.

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O comprimento da drenagem principal é uma característica fundamental da bacia hidrográfica porque está relacionado ao tempo de viagem da água ao longo de todo o sistema. O tempo de viagem da gota de água da chuva que atinge a região mais remota da bacia até o momento em que atinge o exutório é chamado de tempo de concentração da bacia. Tempo de concentração é o tempo que uma gota de chuva que atinge a região mais remota da bacia leva para atingir o exutório.

A declividade média da bacia e do curso d’água principal também são características que afetam diretamente o tempo de viagem da água ao longo do sistema. O tempo de concentração de uma bacia diminui com o aumento da declividade.

A equação de Kirpich, apresentada abaixo, pode ser utilizada para estimativa do tempo de concentração de pequenas bacias:

 L3  t c = 57 ⋅    ∆h 

0 ,385

onde tc é o tempo de concentração em minutos; L é o comprimento do curso d’água principal em km; e ∆h é a diferença de altitude em metros ao longo do curso d’água principal. A equação de Kirpich, apresentada acima, foi desenvolvida empiricamente a partir de dados de bacias pequenas (menores do que 0,5 Km2). Para estimar o tempo de concentração de bacias maiores pode ser utilizada a equação de Watt e Chow, publicada em 1985 (Dingman, 2002):  L  t c = 7,68 ⋅  0, 5  S 

0, 79

onde tc é o tempo de concentração em minutos; L é o comprimento do curso d’água principal em Km; e S é a declividade do rio curso d’água principal (adimensional). Esta equação foi desenvolvida com base em dados de bacias de até 5840 Km2.

Outras características importantes da bacia Os tipos de solos, a geologia, a vegetação e o uso do solo são outras características importantes da bacia hidrográfica que não estão diretamente relacionadas ao relevo. Os tipos de solos e a geologia vão determinar em grande parte a quantidade de água precipitada que vai infiltrar no solo e a quantidade que vai escoar superficialmente. A vegetação tem um efeito muito grande sobre a formação do escoamento superficial e sobre a evapotranspiração. O uso do solo pode alterar as características naturais,

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modificando as quantidades de água que infiltram, que escoam e que evaporam, alterando o comportamento hidrológico de uma bacia.

Representação digital de uma bacia hidrográfica Tradicionalmente os estudos de hidrologia estiveram baseados em mapas topográficos para a caracterização de bacias hidrográficas. A partir da década de 1970 a popularização dos computadores permitiu que fossem criadas formas de representar o relevo digitalmente, permitindo a armazenagem e processamento de dados topográficos de uma forma prática para análises hidrológicas. Existem três formas principais de representar o relevo em um computador. Em primeiro lugar, o relevo pode ser representado em um computador utilizando linhas digitalizadas representando as curvas de nível. Esta forma de representação é muito útil para a geração de mapas. Em segundo lugar o relevo pode ser representado utilizando faces triangulares inclinadas formadas a partir de três pontos com cotas e coordenadas conhecidas. Esta forma de representação é muito utilizada para ferramentas de visualização em três dimensões do terreno. A Figura 3. 2 apresenta um exemplo de um TIN (Triangular Irregular Network) representando o relevo de uma região.

Figura 3. 2: Representação digital do terreno através de triângulos (TIN).

A terceira forma de armazenar dados topográficos é baseada na utilização de uma grade ou matriz em que cada elemento contém um valor que corresponde à altitude local. Esta forma de armazenar dados topográficos, denominada Modelo Digital de Elevação (MDE), é a forma de representação do relevo mais utilizada para extrair informações úteis para estudos hidrológicos. Para a visualização, as altitudes são convertidas em cores, ou níveis de cinza.

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Figura 3. 3: Representação do relevo na forma de uma matriz (MDE) com sobreposição de curvas de nível de separadas por 10 m.

Um MDE pode ser obtido a partir da digitalização e interpolação de mapas em papel, através da interpolação de dados obtidos em levantamentos topográficos de campo (GPS); ou com sensores remotos, a bordo de aviões ou satélites. Uma característica fundamental de um MDE é sua resolução espacial, que corresponde ao tamanho do elemento em unidades reais do terreno. Um MDE de alta resolução de uma bacia urbana poderia ter uma resolução espacial de 2m. Isto significa que cada célula representaria um quadrado de 2 m por 2 m de extensão. Em grandes bacias rurais não há necessidade de informações tão detalhadas, neste caso um MDE de resolução espacial de 100 m seria, em geral, adequado. Utilizando um MDE é possível identificar, para cada elemento da matriz, qual é a direção preferencial de escoamento. Admite-se que a água deve escoar de uma célula para uma das oito células vizinhas, de acordo com o critério de maior declividade. Este

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cálculo é repetido para todas as células de uma matriz. O resultado é uma nova matriz em que cada célula recebe um valor que é um código de direção de escoamento. A partir da matriz com os códigos de direção de escoamento é possível definir os divisores de uma bacia hidrográfica automaticamente. Contando o número de células existentes dentro de uma bacia delimitada é possível calcular a área da bacia. A Figura 3. 4 apresenta as direções de escoamento da água sobre um terreno representado na forma de uma grade, ou matriz, com altitudes indicadas em cada célula.

Figura 3. 4: Determinação das direções de escoamento sobre o relevo representado na forma de uma grade (Modelo Digital de Elevação): a) altitudes; b) códigos utilizados para definir as direções de fluxo; c) grade com direções de fluxo codificadas; d) grade com direções de fluxo indicadas por setas.

Supondo que o objetivo da análise seja determinar a área da bacia a montante da célula localizada na penúltima linha e na penúltima coluna, conforme indicado na Figura 3. 5, seria fácil identificar as células que conduzem a água até este local, simplesmente

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analisado as direções das setas. Este tipo de procedimento pode ser automatizado em um programa de computador, permitindo a análise de bacias muito mais complexas.

a)

b)

Figura 3. 5: Delimitação de uma bacia hidrográfica sobre uma grade com direções de fluxo calculadas a partir do MDE. A figura da esquerda mostra a célula definida como o exutório da bacia. A figura da direita mostra a área da bacia até este exutório.

A representação do relevo em grade obviamente resulta numa aproximação da forma real que pode conduzir a erros. A Figura 3. 6 mostra a diferença entre o contorno de uma bacia hidrográfica real e o contorno aproximado para duas resoluções espaciais diferentes. Observa-se que quanto maior a resolução espacial, menores os quadrados e melhor é a aproximação do contorno real da bacia.

Figura 3. 6: Aproximação do contorno real de uma bacia hidrográfica sobre uma grade de (a) baixa resolu;cão e (b) alta resolução espacial. (a região hachurada é a área da bacia real e a linha escura apresenta o contorno aproximado sobre a grade regular).

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Exemplo 1) Determine as direções de escoamento para as células do MDE da figura abaixo, considerando que a resolução espacial é de, aproximadamente, 90 x 90 m e que as altitudes estão em metros. Começamos considerando que as células do contorno drenam para o interior da figura. Assim, para a primeira célula (canto superior esquerdo) é necessário definir qual é a direção de maior declividade. A altitude da primeira célula é de 355 m. A altitude da célula localizada ao leste é de 359m, o que significa que a água não pode escoar para o leste. As duas células localizadas ao sul e a sudeste apresentam altitudes mais baixas. A declividade a partir da primeira célula para o sul pode ser calculada por: S=

355 − 348 = 0,0778 90

A declividade a partir da primeira célula para o sudeste pode ser calculada por (considera-se que a distância no sentido diagonal é igual à resolução vezes a raiz de 2):

S=

355 − 344 90 ⋅ 2

= 0,0864

Portanto a direção de fluxo na primeira célula (canto superior esquerdo) é para sudeste. Este procedimento é repetido para cada uma das células. Para as células centrais é preciso calcular a declividade para um número maior de vizinhas antes de escolher a direção de maior declividade. A figura abaixo mostra o MDE original e as direções de fluxo determinadas para todas as células.

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Num SIG pode-se utilizar a capacidade do computador para representar bacias hidrográficas de forma bastante detalhada. Um modelo digital de elevação obtido durante uma missão do ônibus espacial da NASA está disponível gratuitamente na Internet. Este MDE, denominado SRTM (sigla para Shuttle Radar Topography Mission), apresenta uma resolução espacial de cerca de 90 m, e pode ser no endereço http://srtm.csi.cgiar.org/. Uma versão deste MDE com alguns produtos derivados para aplicações em hidrologia é denominada Hydrosheds, e é distribuída no sítio http://hydrosheds.cr.usgs.gov/. No Brasil, o Laboratório de Geoprocessamento do Centro de Ecologia da UFRGS (http://www.ecologia.ufrgs.br/labgeo/SRTM_BR.php) disponibiliza um MDE para cada um dos estados brasileiros, obtido a partir do SRTM, previamente analisado e com alguns erros corrigidos. O MDE do SRTM é adequado para a análise de bacias hidrográficas de escala relativamente grande. Para bacias pequenas bacias urbanas a resolução espacial de 90 m obviamente não é adequada. Além disso, o MDE do SRTM apresenta erros devido à presença de prédios, o que inviabiliza sua aplicação em bacias urbanas.

Balanço hídrico numa bacia O balanço entre entradas e saídas de água em uma bacia hidrográfica é denominado balanço hídrico. A principal entrada de água de uma bacia é a precipitação. A saída de água da bacia pode ocorrer por evapotranspiração e por escoamento. Estas variáveis podem ser medidas com diferentes graus de precisão. O balanço hídrico de uma bacia exige que seja satisfeita a equação: dV = P − E −Q dt

ou, num intervalo de tempo finito: ∆V = P −E −Q ∆t

onde ∆V é a variação do volume de água armazenado na bacia (m3); ∆t é o intervalo de tempo considerado (s); P é a precipitação (m3.s-1); E é a evapotranspiração (m3.s-1); e Q é o escoamento (m3.s-1).

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Figura 3. 7: Relevo de uma bacia hidrográfica e as entradas e saídas de água: P é a precipitação; ET é a evapotranspiração e Rs é o escoamento (adaptado de Hornberger et al., 1998).

Em intervalos de tempo longos, como um ano ou mais, a variação de armazenamento pode ser desprezada na maior parte das bacias, e a equação pode ser reescrita em unidades de mm.ano-1, o que é feito dividindo os volumes pela área da bacia.

P= E+Q onde P é a precipitação em mm.ano-1; E é a evapotranspiração em mm.ano-1 e Q é o escoamento em mm.ano-1. As unidades de mm são mais usuais para a precipitação e para a evapotranspiração. Uma lâmina de 1 mm de chuva corresponde a um litro de água distribuído sobre uma área de 1 m2. O percentual da chuva que se transforma em escoamento é chamado coeficiente de escoamento de longo prazo e é dado por: C=

Q P

O coeficiente de escoamento tem, teoricamente, valores entre 0 e 1. Na prática os valores vão de 0,05 a 0,5 para a maioria das bacias.

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A Tabela 3. 1 apresenta dados de balanço hídrico para as grandes bacias brasileiras, de acordo com dados da Agência Nacional da Água (ANA). A região do Rio Grande do Sul está contida nas bacias do rio Uruguai e na bacia do Atlântico Sul, onde a precipitação média é de 1699 e 1481 mm por ano, respectivamente. Na bacia do rio Uruguai o escoamento é de 716 mm por ano, o que corresponde a 4040 m3.s-1 de vazão média nesta bacia, que tem área de 178.000 km2. Na bacia do Atlântico Sul, em que está inserida a bacia do rio Guaíba, o escoamento é de 643 mm por ano, enquanto a evapotranspiração, que completa o balanço, é de 838 mm por ano. O coeficiente de escoamento nas duas bacias é um pouco superior a 40%, o que significa que cerca de 40% da chuva é transformada em vazão, enquanto 60% retorna à atmosfera pelo processo de evapotranspiração.

Tabela 3. 1: Características de balanço hídrico das grandes regiões hidrográficas do Brasil (valores em mm correspondem às laminas médias precipitadas, escoadas e evaporadas ao longo de um ano).

A tabela mostra que a evapotranspiração tende a ser maior nas bacias mais próximas do Equador. Observa-se também que a disponibilidade de água (vazão em mm por ano) é menor na bacia do rio São Francisco e na bacia Atlântico Leste (1) que inclui as regiões mais secas da região Nordeste do Brasil.

Leituras adicionais A representação de bacias hidrográficas em ambiente computacional é um assunto muito explorado em livros sobre Sistemas de Informação Geográfica (SIG). Alguns softwares de SIG apresentam ferramentas poderosas para analisar e extrair

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informações úteis em hidrologia a partir de um MDE de uma região. Os manuais destes softwares, como ArcGIS e Idrisi podem ser utilizados como consulta adicional.

Exemplos 2) Qual seria a vazão de saída de uma bacia completamente impermeável, com área de 60km2, sob uma chuva constante à taxa de 10 mm.hora-1? Cada mm de chuva sobre a bacia de 60km2 corresponde a um volume total de 60.000 m3 lançados sobre a bacia, o que significa que em uma hora são lançados 600.000 m3 de água sobre esta bacia. Como a bacia é impermeável toda a água deve sair pelo exutório a uma vazão constante de 167 m3.s-1.

3) A região da bacia hidrográfica do rio Taquari recebe precipitações médias anuais de 1600 mm. Em Muçum (RS) há um local em que são medidas as vazões deste rio e uma análise de uma série de dados diários ao longo de 30 anos revela que a vazão média do rio é de 340 m3.s-1. Considerando que a área da bacia neste local é de 15.000 Km2, qual é a evapotranspiração média anual nesta bacia? Qual é o coeficiente de escoamento de longo prazo? O balanço hídrico de longo prazo de uma bacia é dado por P = E + Q onde P é a chuva média anual; E é a evapotranspiração média anual e Q é o escoamento médio anual. A vazão média de 340 m3.s-1 em uma bacia de 15.000 km2 corresponde ao escoamento anual de uma lâmina dada por:

Q( mm / ano ) =

Q( m 3 .s −1 ) ⋅ 3600 ⋅ 24 ⋅ 365( s .ano −1 ) ⋅ 1000( mm.m −1 ) 2 A( m )

ou

Q( mm / ano ) = Q( m 3 .s −1 )

Q( mm / ano ) = 340 ⋅

3,6 ⋅ 24 ⋅ 365 A( km 2 )

3,6 ⋅ 24 ⋅ 365 ≅ 715 mm.ano −1 15000

e a evapotranspiração é dada por E = P – Q =1600 – 715 = 885 mm.ano-1. O coeficiente de escoamento de longo prazo é dado por C = Q/P = 715/1600 = 0,447.

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Exercícios 1) Uma bacia de 100 km2 recebe 1300 mm de chuva anualmente. Qual é o volume de chuva (em m3) que atinge a bacia por ano? 2) Uma bacia de 1100 km2 recebe anualmente 1750 mm de chuva, e a vazão média corresponde a 18 m3/s. Calcule a evapotranspiração total desta bacia (em mm/ano). 3) A região da bacia hidrográfica do rio Uruguai recebe precipitações médias anuais de 1700 mm. Estudos anteriores mostram que o coeficiente de escoamento de longo prazo é de 0,42 nesta região. Qual é a vazão média esperada em um pequeno afluente do rio Uruguai numa seção em que a área da bacia é de 230 km2. 4) Considera-se para o dimensionamento de estruturas de abastecimento de água que um habitante de uma cidade consome cerca de 200 litros de água por dia. Qual é a área de captação de água da chuva necessária para abastecer uma casa de 4 pessoas em uma cidade com precipitações anuais de 1400 mm, como Porto Alegre? Considere que a área de captação seja completamente impermeável.

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Capítulo

4 Água e energia na atmosfera

A

fase atmosférica do ciclo hidrológico é responsável pela redistribuição da água em termos globais. A presença de vapor de água na atmosfera também influencia e é influenciada pela radiação solar.

O ar atmosférico O ar atmosférico é uma mistura de gases em que predomina o nitrogênio (78%) e o oxigênio (21%). O vapor de água no ar atmosférico varia até um máximo próximo de 4%. Em percentagens menores o ar atmosférico também contém partículas orgânicas e inorgânicas, que têm um papel fundamental no ciclo hidrológico, pois formam os núcleos de condensação do vapor de água nas nuvens. A maior parte do ar atmosférico e do vapor de água encontra-se na camada mais próxima à superfície, chamada troposfera. Esta camada tem uma espessura de 10 a 12 Km. A temperatura do ar na troposfera é maior ao nível do mar e menor no topo da camada. O gradiente de temperatura é de aproximadamente 6,5 oC a cada quilômetro. Assim, se ao nível do mar a temperatura é de 20 oC, no topo da troposfera a temperatura é de, aproximadamente, -45 oC.

Vapor de água no ar atmosférico O ar atmosférico é uma mistura de gases entre os quais está o vapor de água. A máxima quantidade de vapor de água que o ar pode conter é limitada, e é denominada concentração de saturação (ou pressão de saturação). De acordo com lei de Dalton cada gás que compõe uma mistura exerce uma pressão parcial, independente da pressão dos outros gases, igual à pressão que exerceria se fosse o único gás a ocupar o volume.

A pressão de saturação de vapor de água no ar varia com a temperatura do ar, como mostra a Figura 4. 1. Este comportamento segue, aproximadamente, a equação 4.1.  17,27 ⋅ T  e s = 611 ⋅ exp   237,3 + T 

(4.1)

onde es é a pressão de saturação do vapor no ar em Pascal (Pa) e T é a temperatura do ar em oC.

Figura 4. 1: Pressão de saturação do vapor da água no ar em função da temperatura do ar.

A umidade específica, ou concentração de saturação de vapor de água no ar varia de acordo com a temperatura do ar, como mostra a Figura 4. 2. A umidade relativa é a medida do conteúdo de vapor de água do ar em relação ao conteúdo de vapor que o ar teria se estivesse saturado (equação 4.2). Assim, ar com umidade relativa de 100% está saturado de vapor, e ar com umidade relativa de 0% está completamente isento de vapor.

UR = 100 ⋅

w ws

em %

(4.2)

onde UR é a umidade relativa; w é a massa de vapor pela massa de ar e ws é a massa de vapor por massa de ar no ponto de saturação.

26

Figura 4. 2: Relação entre o conteúdo de água no ar no ponto de saturação e a temperatura do ar.

A umidade relativa também pode ser expressa em termos de pressão parcial de vapor. No ponto de saturação a pressão parcial do vapor corresponde à pressão de saturação do vapor no ar, e a equação 4.3 pode ser reescrita como:

UR = 100 ⋅

e es

em %

(4.3)

onde UR é a umidade relativa; e é a pressão parcial de vapor no ar e es é pressão de saturação. A temperatura de ponto de orvalho é definida como a temperatura a qual o ar deve ser resfriado para que atinja o ponto de saturação de vapor. Este processo de resfriamento pode ser identificado como uma linha horizontal na Figura 4. 3. Considere o ar a temperatura (T) de pouco mais de 25 oC e com pressão de vapor (e) próxima de 2 KPa (ponto A na Figura 4. 3). A pressão de saturação do ar nesta situação é identificada pelo ponto B, que mantém a mesma temperatura que o ponto A, e mostra a situação em que o ar estaria saturado de vapor de água. A pressão de vapor no ponto B é es, que é a pressão de saturação de vapor para a temperatura T. A concentração máxima de vapor de água no ar a 20 oC é de, aproximadamente, 20 g.m-3.

O ponto C na Figura 4. 3 é a temperatura de ponto de orvalho (Td), pois representa a temperatura na qual o ar inicialmente no ponto A ficaria saturado de vapor se fosse resfriado.

27

Figura 4. 3: Identificação dos pontos que correspondem à temperatura de ponto de orvalho e à pressão de saturação de vapor no ar para uma dada situação de temperatura e umidade (veja texto).

Para uma dada pressão de vapor (e) inferior à pressão de saturação (es), a temperatura de ponto de orvalho pode ser calculada pela equação 4.4 (Dingman, 2002):

Td =

ln (e ) + 0,4926 0,0708 − 0,00421 ⋅ ln (e )

(4.4)

onde Td está em oC e e em KPa. EXEMPLO

1) Medições em uma estação meteorológica indicam que a temperatura do ar é de 25oC e que a umidade relativa é de 60%. Qual é a pressão parcial de vapor da água nesta temperatura? Qual é a pressão de saturação de vapor nesta temperatura? A pressão de saturação pode ser calculada pela equação 4.1 usando a informação da temperatura do ar.  17,27 ⋅ T   17,27 ⋅ 25  e s = 611 ⋅ exp  = 611 ⋅ exp  = 3,17 KPa  237,3 + T   237,3 + 25  e a pressão parcial de vapor pode ser calculada usando a equação 4.3:

28

UR = 100 ⋅

UR ⋅ e s 60 ⋅ e s e →e= = = 1,90 KPa es 100 100

Portanto a pressão parcial de vapor a esta temperatura e umidade relativa é de 1,9 KPa. Observe que esta situação é parecida com a do ponto A na Figura 4. 3.

Radiação solar e balanço de energia O sol emite radiação como um corpo negro a 6000 K, numa faixa de comprimentos de onda que vai desde ultravioleta até o infravermelho, com um máximo na faixa da radiação visível. Gases existentes na alta atmosfera bloqueiam a radiação solar nos comprimentos de onda mais longos. Assim, a maior quantidade de energia solar que atinge a Terra no topo da atmosfera está na faixa das ondas curtas. Na atmosfera e na superfície terrestre a radiação solar é refletida e sofre transformações, de acordo com a Figura 4. 4. A radiação solar que atinge o topo da atmosfera dividida pela área do círculo definido pela projeção da Terra no plano (1,28.1014 m2) é de cerca de 1367 W.m-2. Em um balanço de energia médio em toda a atmosfera, parte da energia incidente é refletida pelo ar e pelas nuvens (26%) e parte é absorvida pela poeira, pelo ar e pelas nuvens (19%). Parte da energia que chega a superfície é refletida de volta para o espaço ainda sob a forma de ondas curtas (4% do total de enegia incidente no topo da atmosfera). A energia absorvida pela terra e pelos oceanos contribui para o aquecimento destas superfícies que emitem radiação de ondas longas. Além disso, o aquecimento das superfícies contribui para o aquecimento do ar que está em contato, gerando o fluxo de calor sensível (ar quente). A vaporização da água líquida no solo, nas plantas ou na superfície e a transferência deste vapor para a atmosfera é o chamado fluxo de calor latente (evaporação). Finalmente, a energia absorvida pelo ar, pelas nuvens e a energia dos fluxos de calor latente e sensível pode retornar ao espaço na forma de radiação de onda longa, fechando o balanço de energia. A Figura 4. 5 apresenta, qualitativamente, a radiação que chega e a que deixa a Terra, de acordo com o comprimento de onda.

29

Espaço

ondas longas

100

Radiação Solar incidente

ondas curtas

20

6

4

38

6

26

Absorvida pelo ar e poeira

re r ef p e fl e ti l o da pe letida ar las s up nu erfíc v e ie ns

Atmosfera

16

Emitida pelo vapor de H2O e CO2

Absorvida pelo vapor de H2O e CO2

refle

tida

pela

Absorvida pelas nuvens

Emitida pelas nuvens

3

Fluxo de calor latente

15 Fluxo de calor sensível

Absorvida na superfície

Emitida pela superfície 51

21

Superfície (Terra + Oceanos)

Fluxo de energia

Figura 4. 4: Média global de fluxos de energia na atmosfera da Terra (Dingman, 2002).

5

10

15

20

25

Comprimento de onda (µm)

Figura 4. 5: Espectro de radiação incidente (entrada) e de saída da Terra (Dingman, 2002).

30

7

23

Radiação no topo da atmosfera

Devido ao ângulo relativo entre a radiação solar e o plano tangente à Terra, a energia por unidade de área que atinge o topo da atmosfera varia com a latitude e com a época do ano. A Figura 4. 6 apresenta valores de energia recebida por radiação no topo da atmosfera de acordo com a época do ano e a latitude. Os valores são dados em MJ por m2 de área na superfície da Terra, recebidos ao longo de um dia. Observa-se que a energia recebida por unidade de área é maior na região equatorial (latitudes baixas) e menor nas regiões polares (latitudes altas). As regiões escuras mostram a situação em que a Terra não recebe radiação (inverno nas regiões polares). A insolação máxima (horas de sol) em um determinado ponto do planeta, considerando que o céu está sem nuvens, é dada pela equação abaixo. N=

24 ⋅ ωs π

(4.5)

onde N [horas] é a insolação máxima; ωs [radianos] é o ângulo do sol ao nascer (depende da latitude e da época do ano), e é dado por:

ωs = arccos(− tan ϕ ⋅ tan δ )

(4.6)

onde φ [graus] é a latitude (positiva no hemisfério norte e negativa no hemisfério sul); ωs [radianos] é o ângulo do sol ao nascer; e δ [radianos] é a declinação solar, dada por:

 2⋅π  δ = 0,4093 ⋅ sin  ⋅ J − 1,405   365 

(4.7)

onde δ [radianos] é a declinação solar; J [-] é o dia no calendário Juliano (contado a partir de 1˚ de janeiro). A radiação que atinge o topo da atmosfera também depende da latitude e da época do ano: S TOP = 15,392 ⋅

ρW ⋅ λ ⋅ d r ⋅ (ωs ⋅ sen ϕ ⋅ sen δ + cos ϕ ⋅ cos δ ⋅ sen ωs ) (4.8) 1000

onde λ [MJ.kg-1] é o calor latente de vaporização; STOP [MJ.m-2.dia-1] é a radiação no topo da atmosfera; ρW [kg.m-3] é a massa específica da água; δ [radianos] é a declinação solar; φ [graus] é a latitude; ωs [radianos] é o ângulo do sol ao nascer; e dr [-] é a distância relativa da terra ao sol, dada por:

 2⋅π  d r = 1 + 0,033 ⋅ cos ⋅ J  365 

31

(4.9)

onde J é o dia do calendário Juliano. A equação 4.8 e a apresentam a radiação que atinge o topo da atmosfera, em unidades de energia recebida por dia, por unidade de área da superfície da Terra.

EXEMPLO

2) A cidade de Porto Alegre está localizada próxima à latitude 30oS. Use a estimativa do calor latente de vaporização da água, apresentado no capítulo 2, para calcular qual seria a taxa de evaporação diária no mês de agosto nesta cidade se toda a energia incidente no topo da atmosfera fosse utilizada para a evaporação. Na figura anterior pode-se observar que a energia recebida por radiação incidente no topo da atmosfera ao longo de um dia, num local a 30oS, no mês de agosto é de aproximadamente 25 MJ.m-2. Não há uma informação sobre a temperatura em que a água está antes de evaporar, assim, podemos assumir um calor latente de vaporização de 2,53 MJ.Kg-1. Considerando que toda a energia é utilizada para evaporar a água, a taxa de evaporação pode ser calculada por:

E=

25MJ .m −2 = 9,9 Kg .m − 2 −1 2,53MJ .Kg

Considerando que a massa específica da água é de, aproximadamente, 1 Kg para cada litro, e que 1 litro distribuído sobre 1 m2 corresponde a uma lâmina de 1 mm, a evaporação é de 9,9 mm.dia-1.

32

Figura 4. 6: Energia recebida ao longo de um dia por radiação solar no topo da atmosfera (MJ.m-2) em função da latitude e da época do ano (Dingman, 2002)

Radiação através da atmosfera

Nem toda a radiação solar que atinge o topo da atmosfera chega até a superfície da Terra. A radiação que atinge o topo da atmosfera é parcialmente refletida pela própria atmosfera, não atingindo a superfície terrestre. As nuvens são as principais responsáveis pela reflexão, e a estimativa da radiação que atinge a superfície terrestre depende da fração de cobertura de nuvens, conforme a abaixo:

n  SSUP =  a s + b s ⋅  ⋅ STOP N 

33

(4.10)

onde N [horas] é a insolação máxima possível numa latitude em certa época do ano; n [horas] é a insolação medida; STOP [MJ.m-2.dia-1] é a radiação no topo da atmosfera; SSUP [MJ.m-2.dia-1] é a radiação na superfície terrestre; as [-] é a fração da radiação que atinge a superfície em dias encobertos (quando n=0); e as + bs [-] é a fração da radiação que atinge a superfície em dias sem nuvens (n=N). Quando não existem dados locais medidos que permitam estimativas mais precisas, são recomendados os valores de 0,25 e 0,50, respectivamente, para os parâmetros as e bs (Shuttleworth, 1993).

Balanço de energia na superfície De acordo com a primeira lei da Termodinâmica, a energia recebida por radiação na superfície da Terra deve ser conservada. Pode-se imaginar um volume de controle na superfície da Terra, que envolve a vegetação, como mostra a Figura 4. 7. Neste volume de controle a principal entrada de energia é a radiação líquida (Rn), que é o balanço entre a radiação incidente menos a radiação refletida pela superfície e menos a radiação emitida. As saídas de energia ocorrem na forma de fluxo de calor sensível (H), fluxo de calor latente (E) e fluxo de calor para o solo (G).

Rn H

λE Ai

Ao S

G

Figura 4. 7: Balanço de energia na superfície Terrestre. A energia solar recebida na forma de radiação (Rn) deve ser igual à soma das energias que deixam o volume de controle e à variação da energia armazenada.

A energia líquida disponível para aquecer a superfície, aquecer o ar e vaporizar a água depende da energia irradiada pelo sol, da energia que é refletida ou bloqueada pela atmosfera, da energia que é refletida pela superfície terrestre, da energia que é irradiada pela superfície terrestre e da energia que é transmitida ao solo.

34

A radiação líquida Rn envolve um balanço de radiação de ondas curtas e ondas longas. Nas ondas curtas o balanço é definido pela energia incidente menos refletida, e é normalmente positiva (mais energia entrando do que saindo do volume de controle). Na faixa de ondas longas o balanço de energia é definido pela radiação emitida pela superfície para a atmosfera e pela radiação emitida pela atmosfera para a superfície, e é normalmente negativa (mais energia deixando o volume de controle). Normalmente, as estações climatológicas dispõe de dados de radiação que atinge a superfície terrestre (SSUP), medida com radiômetros, ou do número de horas de insolação (n), medidas com o heliógrafo, ou mesmo da fração de cobertura de nuvens (n/N), estimada por um observador. A estimativa da radiação líquida disponível para evapotranspiração depende do tipo de dados disponível. A situação de estimativa mais simples ocorre quando existem dados medidos de radiação incidente na superfície, normalmente expressos em MJ.m-2.dia-1, ou cal.cm2 .dia-1. Neste caso, a radiação líquida de ondas curtas é estimada pela equação abaixo: (5.14)

Rnc = S SUP ⋅ (1 − α )

onde Rnc [MJ.m-2.s-1] é a radiação líquida de ondas curtas líquida na superfície; SSUP [MJ.m-2.s-1] é a radiação de ondas curtas que atinge a superfície (valor medido ou estimado pela equação 4.10); e α [-] é o albedo, que é a parcela da radiação incidente que é refletida (parâmetro que depende da cobertura vegetal e uso do solo). O albedo de uma superfície depende do tipo de vegetação, do grau de umidade e do ângulo da radiação incidente. Alguns valores aproximados são apresentados na Tabela 4. 1

35

Tabela 4. 1: Valores aproximados de albedo de superficies (Brutsaert, 2005).

Tipo de superfície

Albedo mínimo Albedo máximo

Água profunda

0,04

0,08

Solo úmido escuro

0,05

0,15

Solos claros

0,15

0,25

Solos secos

0,20

0,35

Areia branca

0,30

0,40

Grama, vegetação baixa

0,15

0,25

Savana

0,20

0,30

Floresta

0,10

0,25

Neve

0,35

0,90

Quando existem apenas dados de horas de insolação, ou da fração de cobertura de nuvens, a radiação que atinge a superfície terrestre pode ser obtida considerando-a como uma fração da máxima energia, de acordo com a época do ano, a latitude da região, e o tipo de cobertura vegetal ou uso do solo, como mostrado no item anterior. Uma parte da radiação que atinge a superfície terrestre (SSUP) é refletida, conforme já descrito. A maior parte da energia irradiada pelo sol está na faixa de ondas curtas, de 0,3 a 3 µm. O balanço de energia, porém, também inclui uma pequena parcela de radiação de ondas longas, de 3 a 100 µm. O balanço de radiação de ondas longas na superfície terrestre depende, basicamente, de quanta energia é emitida pela superfície terrestre e pela atmosfera. Normalmente, a superfície terrestre é mais quente do que a atmosfera, resultando em um balanço negativo, isto é, há perda de energia na faixa de ondas longas. A equação a seguir descreve a radiação líquida de ondas longas que deixa a superfície terrestre. Rnl = f ⋅ ε ⋅ σ ⋅ (T + 273, 2)

4

(5.21)

onde Rnl [MJ.m-2.dia-1] é a radiação líquida de ondas longas que deixa a superfície; f [-] é um fator de correção devido à cobertura de nuvens; T [ºC] é a temperatura média do ar a 2 m do solo; ε [-] é a emissividade da superfície; σ [MJ.m-2.ºK-4.dia-1] é uma constante (σ=4,903.10-9 MJ.m-2.ºK-4.dia-1).

36

A emissividade da superfície pode ser estimada pela equação abaixo. (5.22)

ε = 0,34 − 0,14 ⋅ (e d ) onde ed é a pressão parcial de vapor de água no ar [kPa].

O fator de correção da radiação de ondas longas devido à cobertura de nuvens (f) pode ser estimado com base na equação a seguir: f = 0,1 + 0,9 ⋅

n N

(5.23)

onde N [horas] é a insolação máxima possível numa latitude em certa época do ano; n [horas] é a insolação medida. Por simplicidade, o fluxo de calor para o solo (G) pode ser considerado nulo. Assim, o balanço de energia na superfície de um dia para outro pode ser dado por : (5.24)

∆S = RL − H − E

onde RL é a radiação líquida que entra no volume de controle [MJ.m-2.dia-1]; H é o fluxo de calor sensível [MJ.m-2.dia-1]; E é o fluxo de calor latente [MJ.m-2.dia-1];, e S é a energia armazenada no volume de controle [MJ.m-2]. A radiação líquida total é dada pela radiação líquida de ondas curtas menos a radiação líquida de ondas longas, conforme a equação abaixo: (5.25)

RL = Rnc − Rnl

O fluxo de calor sensível é o fluxo de calor por convecção, que ocorre porque a superfície se aquece e, assim, aquece o ar atmosférico em contato direto com a superfície. A turbulência provocada pelo vento se encarrega de redistribuir o ar aquecido para camadas mais altas da atmosfera, resultando num fluxo de energia. O fluxo de calor sensível recebe este nome porque está relacionado à temperatura do ar, que pode ser “sentida” (Hornberger et al., 1998). O calor latente é a parte da energia interna que não pode ser “sentida”, ou seja, não está relacionada à temperatura, mas sim ao calor latente de vaporização. O fluxo de calor latente é o fluxo de energia associado ao fluxo de água para camadas mais altas da atmosfera, a partir da superfície. O fluxo de calor latente está, portanto, relacionado ao fluxo de água da superfície para a atmosfera por evapotranspiração.

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Circulação atmosférica Em conseqüência do aquecimento desigual das diferentes regiões da Terra, gradientes de energia são gerados e provocam o aquecimento diferencial das massas de ar. A ar aquecido tem uma densidade menor e tende a ascender na atmosfera, provocando a circulação das massas de ar (vento).

Leituras adicionais Os capítulos 2 e 3 do livro Handbook of Hydrology apresentam uma visão mais completa sobre a circulação de água e o balanço de energia na atmosfera e na superfície da Terra. A apostila da disciplina de Climatologia, de autoria de Julio Sanchez também aprofunda os processos descritos neste capítulo. O capítulo 3 do livro Physical Hydrology de Dingman (2002) também é excelente.

Exercícios 1) Estime a taxa de evaporação da água em mm por dia num local sobre a linha do Equador, no mês de junho, se toda a radiação incidente no topo da atmosfera estivesse disponível para produzir evaporação. 2) Determine a temperatura de ponto de orvalho do ar atmosférico próximo ao nível do mar a 23 oC e 70% de umidade relativa.

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Capítulo

5 Precipitação

A

água da atmosfera que atinge a superfície na forma de chuva, granizo, neve, orvalho, neblina ou geada é denominada precipitação. Na realidade brasileira a chuva é a forma mais importante de precipitação, embora grandes prejuízos possam advir da ocorrência de precipitação na forma de granizo e em alguns locais possa eventualmente ocorrer neve.

Importância da precipitação Conforme mencionado quando abordado o assunto balanço hídrico, a precipitação é a única forma de entrada de água em uma bacia hidrográfica. Assim sendo, ela fornece subsídios para a quantificação do abastecimento de água, irrigação, controle de inundações, erosão do solo, etc., e é fundamental para o adequado dimensionamento de obras hidráulicas, entre outros. A chuva é a causa mais importante dos processos hidrológicos de interesse da engenharia e é caracterizada por uma grande aleatoriedade espacial e temporal.

Formação das chuvas A água existente na atmosfera está, em sua maior parte, na forma de vapor. A quantidade de vapor que o ar pode conter é limitada. Ar a 20º C pode conter uma quantidade máxima de vapor de, aproximadamente, 20 gramas por metro cúbico. Quantidades de vapor superiores a este limite acabam condensando. A quantidade máxima de vapor que pode ser contida no ar sem condensar é a concentração de saturação. Uma característica muito importante da concentração de saturação é que ela aumenta com o aumento da temperatura do ar. Assim, ar mais

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quente pode conter mais vapor do que ar frio. A figura a seguir apresenta a variação da concentração de saturação de vapor no ar com a temperatura. Observa-se que o ar a 10º C pode conter duas vezes mais vapor do que o ar a 0º C. O ar atmosférico apresenta um forte gradiente de temperatura, com temperatura relativamente alta junto à superfície e temperatura baixa em grandes altitudes. O processo de formação das nuvens de chuva está associado ao movimento ascendente de uma massa de ar úmido. Neste processo a temperatura do ar vai diminuindo até que o vapor do ar começa a condensar. Isto ocorre porque a quantidade de água que o ar pode conter sem que ocorra condensação é maior para o ar quente do que para o ar frio. Quando este vapor se condensa, pequenas gotas começam a se formar, permanecendo suspensas no ar por fortes correntes ascendentes e pela turbulência. Porém, em certas condições, as gotas das nuvens crescem, atingindo tamanho e peso suficiente para vencer as correntes de ar que as sustentam. Nestas condições, a água das nuvens se precipita para a superfície da Terra, na forma de chuva.

Figura 5. 1: Relação entre a temperatura e o conteúdo de vapor de água no ar na condição de saturação.

A formação das nuvens de chuva está, em geral, associada ao movimento ascendente de massas de ar úmido. A causa da ascensão do ar úmido é considerada para diferenciar os principais tipos de chuva: frontais, convectivas ou orográficas. Chuvas frontais

As chuvas frontais ocorrem quando se encontram duas grandes massas de ar, de diferente temperatura e umidade. Na frente de contato entre as duas massas o ar mais quente (mais leve e, normalmente, mais úmido) é empurrado para cima, onde atinge

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temperaturas mais baixas, resultando na condensação do vapor. As massas de ar que formam as chuvas frontais têm centenas de quilômetros de extensão e movimentam se de forma relativamente lenta, conseqüentemente as chuvas frontais caracterizam-se pela longa duração e por atingirem grandes extensões. No Brasil as chuvas frontais são muito freqüentes na região Sul, atingindo também as regiões Sudeste, Centro Oeste e, por vezes, o Nordeste. Chuvas frontais têm uma intensidade relativamente baixa e uma duração relativamente longa. Am alguns casos as frentes podem ficar estacionárias, e a chuva pode atingir o mesmo local por vários dias seguidos.

Figura 5. 2: Tipos de chuvas

Chuvas orográficas

As chuvas orográficas ocorrem em regiões em que um grande obstáculo do relevo, como uma cordilheira ou serra muito alta, impede a passagem de ventos quentes e úmidos, que sopram do mar, obrigando o ar a subir. Em maiores altitudes a umidade do ar se condensa, formando nuvens junto aos picos da serra, onde chove com muita freqüência. As chuvas orográficas ocorrem em muitas regiões do Mundo, e no Brasil são especialmente importantes ao longo da Serra do Mar.

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Chuvas convectivas

As chuvas convectivas ocorrem pelo aquecimento de massas de ar, relativamente pequenas, que estão em contato direto com a superfície quente dos continentes e oceanos. O aquecimento do ar pode resultar na sua subida para níveis mais altos da atmosfera onde as baixas temperaturas condensam o vapor, formando nuvens. Este processo pode ou não resultar em chuva, e as chuvas convectivas são caracterizadas pela alta intensidade e pela curta duração. Normalmente, porém, as chuvas convectivas ocorrem de forma concentrada sobre áreas relativamente pequenas. No Brasil há uma predominância de chuvas convectivas, especialmente nas regiões tropicais. Os processos convectivos produzem chuvas de grande intensidade e de duração relativamente curta. Problemas de inundação em áreas urbanas estão, muitas vezes, relacionados às chuvas convectivas.

Medição da chuva A chuva é medida utilizando instrumentos chamados pluviômetros que nada mais são do que recipientes para coletar a água precipitada com algumas dimensões padronizadas. O pluviômetro mais utilizado no Brasil tem uma forma cilíndrica com uma área superior de captação da chuva de 400 cm2, de modo que um volume de 40 ml de água acumulado no pluviômetro corresponda a 1 mm de chuva. O pluviômetro é instalado a uma altura padrão de 1,50 m do solo (Figura 5. 3) e a uma certa distância de casas, árvores e outros obstáculos que podem interferir na quantidade de chuva captada. Nos pluviômetros da rede de observação mantida pela Agência Nacional da Água (ANA) a medição da chuva é realizada uma vez por dia, sempre às 7:00 da manhã, por um observador que anota o valor lido em uma caderneta. A ANA tem uma rede de 2473 estações pluviométricas distribuídos em todo o Brasil. Além da ANA existem outras instituições e empresas que mantém pluviômetros, como o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), empresas de geração de energia hidrelétrica e empresas de pesquisa agropecuária. No banco de dados da ANA (www.hidroweb.ana.gov.br) estão cadastradas 14189 estações pluviométricas de diversas entidades, mas apenas 8760 estão em atividade atualmente (2007). Existem pluviômetros adaptados para realizar medições de forma automática, registrando os dados medidos em intervalos de tempo inferiores a um dia. São os pluviógrafos, que originalmente eram mecânicos, utilizavam uma balança para pesar o peso da água e um papel para registrar o total precipitado. Os pluviógrafos antigos com registro em papel foram substituídos, nos últimos anos, por pluviógrafos eletrônicos com memória (data-logger).

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O pluviógrafo mais comum atualmente é o de cubas basculantes, em que a água recolhida é dirigida para um conjunto de duas cubas articuladas por um eixo central. A água é dirigida inicialmente para uma das cubas e quando esta cuba recebe uma quantidade de água equivalente a 20 g, aproximadamente, o conjunto báscula em torno do eixo, a cuba cheia esvazia e a cuba vazia começa a receber água. Cada movimento das cubas basculantes equivale a uma lâmina precipitada (por exemplo 0,25 mm), e o aparelho registra o número de movimentos e o tempo em que ocorre cada movimento. A principal vantagem do pluviógrafo sobre o pluviômetro é que permite analisar detalhadamente os eventos de chuva e sua variação ao longo do dia. Além disso, o pluviógrafo eletrônico pode ser acoplado a um sistema de transmissão de dados via rádio ou telefone celular.

Figura 5. 3: Características de um pluviômetro.

A chuva também pode ser estimada utilizando radares meteorológicos. A medição de chuva por radar está baseada na emissão de pulsos de radiação eletromagnética que são refletidos pelas partículas de chuva na atmosfera, e na medição do da intensidade do sinal refletido. A relação entre a intensidade do sinal enviado e recebido, denominada refletividade, é correlacionada à intensidade de chuva que está caindo em uma região. A principal vantagem do radar é a possibilidade de fazer estimativas de taxas de precipitação em uma grande região no entorno da antena emissora e receptora, embora existam erros consideráveis quando as estimativas são comparadas com dados de pluviógrafos. No Brasil são poucos os radares para uso meteorológico, com a exceção do Estado de São Paulo em que existem alguns em operação. Em alguns países, como os EUA, a Inglaterra e a Alemanha, já existe uma cobertura completa com sensores de radar para estimativa de chuva.

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Também é possível fazer estimativas da precipitação a partir de imagens obtidas por sensores instalados em satélites. A temperatura do topo das nuvens, que pode ser estimada a partir de satélites, tem uma boa correlação com a precipitação. Além disso, existem experimentos de radares a bordo de satélites que permitem aprimorar a estimativa baseada em dados de temperatura de topo de nuvem.

Análise de dados de chuva As variáveis que caracterizam a chuva são a sua altura (lâmina precipitada), a intensidade, a duração e a freqüência. Duração é o período de tempo durante o qual a chuva cai. Normalmente é medida em minutos ou horas. A altura é a espessura média da lâmina de água que cobriria a região atingida se esta região fosse plana e impermeável. A unidade de medição da altura de chuva é o milímetro de chuva. Um milímetro de chuva corresponde a 1 litro de água distribuído em um metro quadrado. Intensidade é a altura precipitada dividida pela duração da chuva, e é expressa, normalmente, em mm.hora-1. Freqüência é a quantidade de ocorrências de eventos iguais ou superiores ao evento de chuva considerado. Chuvas muito intensas tem freqüência baixa, isto é, ocorrem raramente. Chuvas pouco intensas são mais comuns. A Tabela 5. 1 apresenta a análise de freqüência de ocorrência de chuvas diárias de diferentes intensidades ao longo de um período de 23 anos em uma estação pluviométrica no interior do Paraná. Observase que ocorreram 5597 dias sem chuva (P = zero) no período total de 8279 dias, isto é, em 67% dos dias do período não ocorreu chuva. Em pouco mais de 17% dos dias do período ocorreram chuvas com intensidade baixa (menos do que 10 mm). A medida em que aumenta a intensidade da chuva diminui a freqüência de ocorrência. A variável utilizada na hidrologia para avaliar eventos extremos como chuvas muito intensas é o tempo de retorno (TR), dado em anos. O tempo de retorno é uma estimativa do tempo em que um evento é igualado ou superado, em média. Por exemplo, uma chuva com intensidade equivalente ao tempo de retorno de 10 anos é igualada ou superada somente uma vez a cada dez anos, em média. Esta última ressalva “em média” implica que podem, eventualmente, ocorrer duas chuvas de TR 10 anos em dois anos subseqüentes. O Tempo de Retorno é igual ao inverso da probabilidade.

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Tabela 5. 1: Freqüência de ocorrência de chuvas diárias de diferentes alturas em um posto pluviométrico no interior do Paraná ao longo de um período de, aproximadamente, 23 anos.

Bloco P = zero P < 10 mm 10 < P < 20 mm 20 < P < 30 mm 30 < P < 40 mm 40 < P < 50 mm 50 < P < 60 mm 60 < P < 70 mm 70 < P < 80 mm 80 < P < 90 mm 90 < P < 100 mm 100 < P < 110 mm 110 < P < 120 mm 120 < P < 130 mm 130 < P < 140 mm 140 < P < 150 mm 150 < P < 160 mm 160 < P < 170 mm 170 < P < 180 mm 180 < P < 190 mm 190 < P < 200 mm P > 200 mm Total

Freqüência 5597 1464 459 289 177 111 66 38 28 20 8 7 2 5 2 1 1 1 2 1 0 0 8279

O tempo de retorno pode, também, ser definido como o inverso da probabilidade de ocorrência de um determinado evento em um ano qualquer. Por exemplo, se a chuva de 130 mm em um dia é igualada ou superada apenas 1 vez a cada 10 anos diz-se que seu Tempo de Retorno é de 10 anos, e que a probabilidade de acontecer um dia com chuva igual ou superior a 130 mm em um ano qualquer é de 10%, ou seja: TR =

1 Pr obabilidade

Variabilidade espacial da chuva Os dados de chuva dos pluviômetros e pluviógrafos referem-se a medições executadas em áreas muito restritas (400 cm2), quase pontuais. Porém a chuva caracteriza-se por uma grande variabilidade espacial. Assim, durante um evento de chuva um pluviômetro pode ter registrado 60 mm de chuva enquanto um outro pluviômetro, a 30 km de distância registrou apenas 40 mm para o mesmo evento. Isto ocorre porque

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a chuva apresenta uma grande variabilidade espacial, principalmente se é originada por um processo convectivo. A forma de representar a variabilidade espacial da chuva para um evento, para um ano inteiro de dados ou para representar a precipitação média anual ao longo de um período de 30 anos são as linhas de mesma precipitação (isoietas) desenhadas sobre um mapa. As isoietas são obtidas por interpolação dos dados de pluviômetros ou pluviógrafos e podem ser traçadas de forma manual ou automática. A Figura 5. 4 apresenta um mapa de isoietas de chuva média anual do Estado de São Paulo, com base em dados de 1943 a 1988. Observa-se que a chuva média anual sobre a maior parte do Estado é da ordem de 1300 a 1500 mm por ano, mas há uma região próxima ao litoral com chuvas anuais de mais de 3000 mm por ano. As regiões onde as isoietas ficam muito próximas entre si é caracterizada por uma grande variabilidade espacial.

Variabilidade sazonal da chuva Um dos aspectos mais importantes do clima e da hidrologia de uma região é a época de ocorrência das chuvas. Existem regiões com grande variabilidade sazonal da chuva, com estações do ano muito secas ou muito úmidas. Na maior parte do Brasil o verão é o período das maiores chuvas. No Rio Grande do Sul, entretanto, a chuva é relativamente bem distribuída ao longo de todo o ano (em média). Isto não impede, entretanto, que em alguns anos ocorram invernos ou verões extremamente secos ou extremamente úmidos. A variabilidade sazonal da chuva é representada por gráficos com a chuva média mensal, como o apresentado na Figura 5. 5 para Porto Alegre e para Cuiabá. Observase que no Sul do Brasil existe uma distribuição mais homogênea das chuvas ao longo do ano, enquanto no Centro-Oeste ocorrem verões muito úmidos e invernos muito secos.

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Figura 5. 4: Exemplo de representação da variabilidade especial da chuva com um mapa de isoietas.

Figura 5. 5: Variabilidade sazonal da chuva em Porto Alegre e Cuiabá, representada pelas chuvas médias mensais no período de 1961 a 1990.

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Chuvas médias numa área Os dados de chuva dos pluviômetros e pluviógrafos referem-se a uma área de coleta de 400 cm2, ou seja, quase pontual. Porém, o maior interesse na hidrologia é por chuvas médias que atingem uma região, como a bacia hidrográfica. O cálculo da chuva média em uma bacia pode ser realizado utilizando o método da média aritmética; das Isoietas; dos polígonos de Thiessen ou através de interpolação em Sistemas de Informação Geográfica (SIGs). O método mais simples é o da média aritmética, em que se calcula a média das chuvas ocorridas em todos os pluviômetros localizados no interior de uma bacia.

EXEMPLO

1) Qual é a precipitação média na bacia da Figura 5. 6? Utilizando o método da média aritmética considera-se os pluviômetros que estão no interior da bacia. A média da chuva é Pm = (66+50+44+40)/4 = 50 mm.

Figura 5. 6: Mapa de uma bacia com as chuvas observadas em cinco pluviômetros.

O método das isoietas parte de um mapa de isoietas, como o da Figura 5. 4, e calcula a área da bacia que corresponde ao intervalo entre as isoietas. Assim, considera-se que a área entre as isoietas de 1200 e 1300 mm receba 1250 mm de chuva. Em todo o resto ele é semelhante ao método de Thiessen, descrito a seguir.

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Método dos polígonos de Thiessen

Um dos métodos mais utilizados, entretanto, é o método de Thiessen, ou do vizinho mais próximo. Neste método é definida a área de influência de cada posto e é calculada uma média ponderada da precipitação com base nestas áreas de influência. Utilizando o método dos polígonos de Thiessen o primeiro passo é traçar linhas que unem os postos pluviométricos mais próximos entre si. A seguir é determinado o ponto médio em cada uma destas linhas e, a partir desse ponto é traçada uma linha perpendicular. A interceptação das linhas médias entre si e com os limites da bacia definem a área de influência de cada um dos postos. A chuva média é uma média ponderada utilizando as áreas de influência como ponderador. Este método pode ser melhor compreendido através de um exemplo, como o que segue.

Figura 5. 7: Mapa da bacia com chuvas nos postos pluviométricos para o exemplo 2. EXEMPLO

2) Qual é a precipitação média na bacia da Figura 5. 7? Utilizando o método dos polígonos de Thiessen o primeiro passo é traçar linhas que unem os postos pluviométricos mais próximos. A seguir é determinado o ponto médio em cada uma destas linhas e traçada uma linha perpendicular. A interceptação das linhas médias entre si e com os limites da bacia vão definir a área de influência de cada um dos postos. A seqüência é apresentada na próxima página. Área total = 100 km2 Área sob influência do posto com 120 mm = 15 km2 Área sob influência do posto com 70 mm = 40 km2 Área sob influência do posto com 50 mm = 30 km2 Área sob influência do posto com 75 mm = 5 km2

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Área sob influência do posto com 82 mm = 10 km2

Precipitação média na bacia: Pm = 120x0,15+70x0,40+50x0,30+75x0,05+82x0,10 = 73 mm. Se fosse utilizado o método da média aritmética haveria apenas dois postos no interior da bacia, com uma média de 60 mm. Se fosse calculada uma média incluindo os postos que estão fora da bacia chegaríamos a 79,5 mm.

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Traçar linhas que unem os postos pluviométricos mais próximos entre si.

Traçar linhas médias perpendiculares às linhas que unem os postos pluviométricos.

Definir a região de influência de cada posto pluviométrico e medir a sua área.

Figura 5. 8: Exemplo de definição dos polígonos de Thiessen.

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Método da interpolação ponderada pela distância

A chuva média em uma bacia hidrográfica pode ser calculada facilmente em um computador se a bacia for dividida em um grande número de células quadradas, como nas análises do relevo usando um Modelo Digital de Elevação, no capítulo 3. Neste caso é possível fazer uma estimativa de chuva para cada uma das células por um método de interpolação espacial, e a média dos valores de precipitação de todas as células corresponde à chuva média na bacia. Um dos métodos de interpolação mais utilizados é baseado numa ponderação por inverso da distância. Este método considera que a chuva em um local (ponto) pode ser calculada como uma média ponderada das chuvas registradas em pluviômetros da região. A ponderação é feita de forma que os postos pluviométricos mais próximos sejam considerados com um peso maior no cálculo da média. Considere a figura abaixo, onde a bacia hidrográfica é aproximada por um conjunto de células quadradas, um posto pluviométrico é identificado por um ponto cinza e o centro de uma célula está identificado por um ponto preto.

y

yi

d ij

yj

xi Figura 5. 9: Ilustração do método de interpolação ponderada por inverso da distância.

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xj

x

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A distância entre o posto pluviométrico (ponto cinza) e o centro da célula (ponto preto) é calculada a partir das coordenadas dos pontos, de acordo com a equação abaixo: d ij =

(x

2

i

2

− x j ) + (yi − y j )

onde dij é a distância entre o centro da célula e o posto pluviométrico, xj e yj são as coordenadas do pluviômetro e xi e yi são as coordenadas do centro da célula. Havendo mais de um posto pluviométrico, a precipitação média numa célula i pode ser calculada pela equação a seguir: NP

Pj

j =1

ij

NP

1

j =1

ij

∑ (d )

b

Pmi =

∑ (d )

b

onde NP é o número de postos pluviométricos com dados disponíveis; Pj é a chuva observada no posto j; e b um expoente. Quando o valor do expoente b é 2, o método de interpolação é conhecido como ponderado pelo inverso da distância ao quadrado. Este valor é normalmente arbitrado para o expoente b, mas não é certo que produza os melhores resultados. Este método de interpolação pode ser aplicado para todas as NC células que representam uma bacia, obtendo-se o valor da chuva média para cada uma delas. A chuva média da bacia é calculada como a média de todas as células que compõe a bacia, de acordo com a equação que segue: NC

∑ Pm Pm =

i

i =1

NC

onde Pm é a chuva média na bacia e NC é o número de células que compõe a bacia.

Tratamento de dados pluviométricos e identificação de erros O objetivo de um posto de medição de chuvas é o de obter uma série ininterrupta de precipitações ao longo dos anos. Em qualquer caso pode ocorrer a existência de períodos sem informações ou com falhas nas observações, devido a problemas com os

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aparelhos de registro ou com o operador do posto. A seguir são descritos os processos empregados na consistência dos dados. Identificação de erros grosseiros

As causas mais comuns de erros grosseiros nas observações são: a) preenchimento errado do valor na caderneta de campo; b) soma errada do número de provetas, quando a precipitação é alta; c) valor estimado pelo observador, por não se encontrar no local no dia da amostragem; d) crescimento de vegetação ou outra obstrução próxima ao posto de observação; e) danificação do aparelho; f) problemas mecânicos no registrador gráfico. Após esta análise as séries poderão apresentar falhas, que devem ser preenchidas por alguns dos métodos indicados a seguir. Preenchimento de falhas

Em alguns casos pode haver falha na leitura ou no arquivamento de dados pluviométricos, resultando em falha de informação para alguns períodos. Em alguns casos é possível fazer o preenchimento destas falhas, utilizando dados de postos pluviométricos da vizinhança. Este tipo de preenchimento não substitui os dados originais, e somente pode ser aplicado para dados em intervalo de tempo mensal ou anual. Método da ponderação regional

É um método simplificado, de fácil aplicação, e normalmente utilizado para o preenchimento de séries mensais ou anuais de precipitações. Para exemplificar o método, considere um posto Y, que apresenta as falhas a serem preenchidas. É necessário selecionar pelo menos três postos da vizinhança que possuam no mínimo dez anos de dados (X1, X2 e X3). Para preencher as falhas do posto Y, adota-se a equação a seguir:  PMy 1 PMy PMy PY =  .PX 1 + .PX 2 + .PX 3 . PMX 2 PMX 3  PMX 1 3

onde PY é a precipitação do posto Y a ser estimada; PX1, PX2 e PX3 são as precipitações correspondentes ao mês (ou ano) que se deseja preencher nos outros três postos; PMy é a precipitação média do posto Y; PMX1 a PMX3 são as precipitações médias nas três estações vizinhas. Os postos vizinhos escolhidos devem estar numa região climática semelhante ao posto a ser preenchido. O preenchimento efetuado por esta metodologia é simples e apresenta algumas limitações, quando cada valor é visto isoladamente. Para o preenchimento de valores diários de precipitação não se deve utilizar esta metodologia, pois os resultados podem ser muito ruins. Normalmente valores diários são de difícil

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preenchimento devido a grande variação espacial e temporal da precipitação para os eventos de freqüências médias e pequenas. Método da regressão linear

Também é um método simplificado, que utiliza uma regressão linear simples ou múltipla para gerar informação no período com falha. Na regressão linear simples, as precipitações do posto com falhas (Y) e de um posto vizinho (X) são correlacionadas. As estimativas dos dois parâmetros da equação podem ser obtidas graficamente ou através do critério de mínimos quadrados. Para o ajuste da regressão linear simples, correlaciona-se o posto com falhas (Y) com outro vizinho (X). A correlação produz uma equação, cujos parâmetros podem ser estimados por métodos como o de mínimos quadrados, ou graficamente através da plotagem cartesiana dos pares de valores (X, Y), traçando-se a reta que melhor representa os pares de pontos. Uma vez definida a equação semelhante à apresentada abaixo, as falhas podem ser preenchidas. Y = a + b. X

Por exemplo, considerando as duas séries de precipitação dos postos P1 (código ANA 03252006) e P2 (código ANA 03252008), ambos localizados próximos à Estação Ecológica do Taim/RS, apresentadas na Tabela 5. 2. O preenchimento das falhas dos meses de Abril e Maio no posto P1 pode ser feito com base na regressão linear simples. A equação obtida é apresentada no gráfico da Figura 5. 10. Tabela 5. 2: Dados de chuva mensal de dois postos pluviométricos no Sul do RS para exemplo de preenchimento de falhas.

Mês/Ano 1/2001 2/2001 3/2001 4/2001 5/2001 6/2001 7/2001 8/2001 9/2001 10/2001 11/2001 12/2001

Precipitação mensal (mm) Posto 03252006 Posto 03252008 211.1 106.5 58.9 75.2 178.1 256.3 Falha 109.6 Falha 113.1 183.6 161.0 164.1 180.8 27.6 24.8 209.0 139.4 144.4 161.7 135.8 116.0 127.9 142.6

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P1 = 0.9706.P2 + 2.2754

P2xP1 250 200

P1

150 100 50 0 0

50

100

150

200

250

P2

Figura 5. 10: Relação linear entre as precipitações mensais de dois postos pluviométricos no Sul do RS, para preenchimento de falhas.

Com base na equação ajustada por mínimos quadrados (Figura 5. 10), os valores de chuva dos meses de Abril e Maio no posto P1 seriam 108,7 e 112,1 mm, respectivamente. Na regressão linear múltipla as informações pluviométricas do posto Y são correlacionadas com as correspondentes observações de vários postos vizinhos através de equações como a apresentada abaixo: Y = a + b. X 1 + c. X 2 + d . X 3 + e. X 4 + ...

onde: a, b, c, d, e,... são os coeficientes a serem estimados a partir dos dados disponíveis. Análise de consistência de dados pluviométricos

A análise de consistência de dados pluviométricos é um conjunto de procedimentos que é aplicado aos dados para verificar se são coerentes e se estão isentos de desvios sistemáticos e erros diversos. A análise de consistência completa inclui um grande número de métodos, e apenas uma breve introdução é apresentada neste texto. Método Dupla-massa

Um dos métodos mais conhecidos para a análise de consistência dos dados de precipitação é o Método da Dupla-Massa, desenvolvido pelo Geological Survey (USA). A principal finalidade da aplicação do método é identificar se ocorreram mudanças no comportamento da precipitação ao longo do tempo, ou mesmo no local de observação.

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O Método da Dupla-Massa é baseado no princípio que o gráfico de uma quantidade acumulada, plotada contra outra quantidade acumulada, durante o mesmo período, deve ser uma linha reta, sempre que as quantidades sejam proporcionais. A declividade da reta ajustada nesse processo representa então, a constante de proporcionalidade. Especificamente, devem ser selecionados os postos de uma região, acumular para cada um deles os valores mensais (ou anuais), e plotar num gráfico cartesiano os valores acumulados correspondentes ao posto a consistir (nas ordenadas) e de um outro posto confiável adotado como base de comparação (nas abscissas). Pode-se também modificar o método, considerando valores médios das precipitações mensais acumuladas em vários postos da região, e plotar esses valores no eixo das abscissas. Quando não se observa o alinhamento dos dados segundo uma única reta, podem ter ocorrido as seguintes situações: alterações de condições climáticas ou condições físicas do local, mudança de observador, ou erros sistemáticos de leitura. Tendo sido constatada uma inconsistência nos dados é necessário identificar o fator causador da mudança de declividade na curva de Dupla-Massa. A seguir é possível tentar corrigir os dados suspeitos, usando um método semelhante ao de preenchimento de falhas, mas fazendo uso dos dados suspeitos. Estes métodos são explicados de forma mais completa em livros como o de Tucci (1993).

Chuvas totais anuais A chuva média anual é uma das variáveis mais importantes na definição do clima de uma região, bem como sua variabilidade sazonal. O total de chuva precipitado ao longo de um ano influencia fortemente a vegetação existente numa bacia e as atividades humanas que podem ser exercidas na região. Na região de Porto Alegre, por exemplo, chove aproximadamente 1300 mm por ano, em média. Em muitas regiões da Amazônia chove mais do que 2000 mm por ano, enquanto na região do Semi-Árido do Nordeste há áreas com menos de 600 mm de chuva por ano. O clima, entretanto, não é constante, e ocorrem variações importantes em torno da média da precipitação anual. A Figura 5. 11 apresenta um histograma de freqüências de chuvas anuais de um posto localizado no interior de Minas Gerais, no período de 1942 a 2001. A chuva média neste período é de 1433 mm, mas observa-se que ocorreu um ano com chuva inferior a 700 mm, e um ano com chuva superior a 2300 mm. A distribuição de freqüência da Figura 5. 11 é aproximadamente gaussiana (parecida com a distribuição Normal).

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Conhecendo o desvio padrão das chuvas e considerando que a distribuição é Normal, podemos estimar que 68% dos anos apresentam chuvas Chuvas anuais têm uma entre a média menos um desvio padrão e a média mais distribuição de um desvio padrão. Da mesma forma podemos freqüências semelhante a considerar que 95% dos anos apresentam chuvas entre a Normal. média menos duas vezes o desvio padrão e a média mais duas vezes o desvio padrão. O desvio padrão da chuva anual no posto pluviométrico da Figura 5. 11 é de 298,8 mm.

Figura 5. 11: Histograma de freqüência de chuvas anuais no posto 02045005, no município de Lamounier (MG).

EXEMPLO

3) O desvio padrão da chuva anual no posto pluviométrico da Figura 5. 11 é de 298,8 mm e a média de 1433 mm. Estime qual o valor de precipitação anual que é igualado ou superado apenas 5 vezes a cada 200 anos, em média. A faixa de chuva entre a média menos duas vezes o desvio padrão e a média mais duas vezes o desvio padrão inclui 95% dos anos em média, e 2,5 % dos anos tem precipitação inferior à média menos duas vezes o desvio padrão, enquanto 2,5% tem precipitação superior à média mais duas vezes o desvio padrão, o que corresponde a 5 anos a cada 200, em média. Assim, a chuva anual que é superada ou igualada apenas 5 vezes a cada 200 anos é: P2,5% = 1433+2x298,8 = 2030 mm

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Chuvas máximas As chuvas intensas são as causas das cheias e as cheias são causas de grandes prejuízos quando os rios transbordam e inundam casas, ruas, estradas, escolas, podendo destruir plantações, edifícios, pontes etc. e interrompendo o tráfego. As cheias também podem trazer sérios prejuízos à saúde pública ao disseminar doenças de veiculação hídrica. Por estes motivos existe o interesse pelo conhecimento detalhado de chuvas máximas no projeto de estruturas hidráulicas como bueiros, pontes, canais e vertedores. O problema da análise de freqüência de chuvas máximas é calcular a precipitação P que atinge uma área A em uma duração D com uma dada probabilidade de ocorrência em um ano qualquer. A forma de relacionar quase todas estas variáveis é a curva de Intensidade – Duração – Freqüência (curva IDF). A curva IDF é obtida a partir da análise estatística de séries longas de dados de um pluviógrafo (mais de 15 anos, pelo menos). A metodologia de desenvolvimento da curva IDF baseia-se na seleção das maiores chuvas de uma duração escolhida (por exemplo 15 minutos) em cada ano da série de dados. Com base nesta série de tamanho N (número de anos) é ajustada uma distribuição de freqüências que melhor represente a distribuição dos valores observados. O procedimento é repetido para diferentes durações de chuva (5 minutos; 10 minutos; 1 hora; 12 horas; 24 horas; 2 dias; 5 dias) e os resultados são resumidos na forma de um gráfico, ou equação, com a relação das três variáveis: Intensidade, Duração e Freqüência (ou tempo de retorno). A Figura 5. 12 apresenta uma curva IDF obtida a partir da análise dos dados de um pluviógrafo que esteve localizado no Parque da Redenção, em Porto Alegre. Cada uma das linhas representa um Tempo de Retorno; no eixo horizontal estão as durações e no eixo vertical estão as intensidades. Observa-se que quanto menor a duração maior a intensidade da chuva. Da mesma forma, quanto maior o Tempo de Retorno, maior a intensidade da chuva. Por exemplo, a chuva de 1 hora de duração com tempo de retorno de 20 anos tem uma intensidade de 60 mm.hora-1.

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Figura 5. 12: Curva IDF para a cidade de Porto Alegre, com base nos dados coletados pelo pluviógrafo do DMAE localizado no Parque da Redenção, publicada pelo DMAE em 1972 (adaptado de Tucci, 1993).

Evidentemente as curvas IDF são diferentes em diferentes locais. Assim, a curva IDF do Parque da Redenção em Porto Alegre vale para a região próxima a esta cidade. Infelizmente não existem séries de dados de pluviógrafos longas em todas as cidades, assim, muitas vezes, é necessário considerar que a curva IDF de um local é válida para uma grande região do entorno. No Brasil existem estudos de chuvas intensas com curvas IDF para a maioria das capitais dos Estados e para algumas cidades do interior, apenas.

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Uma curva IDF também pode ser resumida na forma de uma equação. De maneira geral as equações IDF tem a forma apresentada a seguir: I=

a ⋅ TR b

(t d + c )d

onde I é a intensidade da chuva (mm.hora-1); a, b, c e d são parâmetros característicos da IDF de cada local; TR é o tempo de retorno em anos; td é a duração da precipitação em minutos. Um trabalho recente revisou as curvas IDF baseada em dados do Aeroporto e do 8º. Distrito de Meteorologia (DISME) de Porto Alegre (Bemfica, 1999), chegando às equações dadas na Tabela 5. 3. Estas curvas foram ajustadas para durações de até 1440 minutos, e para tempos de retorno de até 100 anos.

Tabela 5. 3: Exemplos de equações de curves IDF.

Local 8º. DISME – Porto Alegre, RS

Aeroporto – Porto Alegre, RS

Equação I=

I=

Fonte

1297,9 ⋅ TR 0,171

Bemfica, 1999

(t d + 11,619 )0,85 826,806 ⋅ TR 0,143

Bemfica, 1999

(t d + 13,326 )0,793

Em termos práticos, para a utilização de uma IDF é necessário informar o tempo de retorno de projeto e a duração da chuva. O tempo de retorno a ser utilizado é um critério relacionado com o tipo de obra de engenharia. Por exemplo, no projeto de um sistema de drenagem pluvial urbano as bocas-de-lobo são em geral dimensionadas para chuvas de 3 a 5 anos de período de retorno, enquanto que o vertedor de uma barragem como Itaipú no rio Paraná, é dimensionado para uma vazão de 10.000 anos de período de retorno. Com relação à duração da chuva, normalmente adota-se o critério de utilização da duração da chuva igual ao tempo de concentração da bacia hidrográfica para a qual será desenvolvido o estudo. Em alguns casos especiais, a duração da chuva também pode seguir um critério pré-estabelecido, como por exemplo, a duração máxima de 10 minutos é utilizada para o dimensionamento de redes de microdrenagem em Porto Alegre. É interessante comparar as intensidade de chuva das curvas IDF apresentadas com as chuvas da Tabela 5. 4, que apresenta as chuvas mais intensas já registradas no mundo,

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para diferentes durações. Observa-se que existem regiões da China em que já ocorreu em 10 horas a chuva de 1400 mm, que é equivalente ao total anual médio de precipitação em Porto Alegre.

Tabela 5. 4: Chuvas mais intensas já registradas no Mundo (adaptado de Ward e Trimble, 2003).

Duração

Precipitação (mm)

Local e Data

1 minuto

38

Barot, Guadeloupe 26/11/1970

15 minutos

198

Plumb Point, Jamaica 12/05/1916

30 minutos

280

Sikeshugou, Hebei, China 03/07/1974

60 minutos

401

Shangdi, Mongólia, China 03/07/1975

10 horas

1400

Muduocaidang, Mongólia, China 01/08/1977

24 horas

1825

Foc Foc, Ilhas Reunião 07 e 08/01/1966

12 meses

26461

Cherrapunji, Índia Ago. de 1860 a Jul. de 1861

Chuvas de projeto Em projetos de drenagem urbana freqüentemente são geradas estimativas de vazão a partir de informações de chuvas intensas. Para isto são gerados cenários com eventos de chuva idealizados, denominados “eventos de chuva de projeto” ou “chuvas de projeto”. As curvas IDF podem ser utilizadas para gerar chuvas de projeto, a partir da obtenção de valores de precipitação em intervalos de tempo menores do que a duração total da chuva. Por exemplo, deseja-se obter a precipitação com 20 minutos de duração e 2 anos de tempo de retorno da cidade de Porto Alegre, utilizando uma discretização temporal de 5 minutos. Na Tabela 5. 5 é apresentado esse processo usando uma curva IDF desenvolvida a partir de dados medidos no IPH-UFRGS, para a qual os parâmetros são a=509,86; b=0,196; c=10; d=0,72. Na primeira coluna da tabela a duração respectiva de cada precipitação até os 20 minutos; na segunda coluna é apresentada a intensidade da precipitação correspondente a cada duração; na terceira coluna é apresentada a lâmina de água

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acumulada de chuva (=I*Tempo/60); e na última coluna é apresentada a precipitação de forma desacumulada (Pacumt-Pacumt-1). Tabela 5. 5: Exemplo da determinação da precipitação em intervalos de 5 minutos a partir da curva IDF. Tempo (min) 5 10 15 20

I (mm/h) 83,11 67,56 57,54 50,46

Pacum (mm) 6,93 11,26 14,38 16,82

P (mm) 6,93 4,33 3,12 2,44

É interessante observar que na última coluna da tabela anterior a precipitação encontrase “desagregada”, isto é, aparecem apenas os valores incrementais para o intervalo de tempo de 5 minutos, no entanto, distribui-se do maior para o menor valor, como se houvesse ocorrido uma “pancada” de chuva no início do tempo, e gradativamente a mesma foi diminuindo. Isto pode não representar o comportamento real de uma chuva. Assim, para gerar uma chuva de projeto existem alguns procedimentos para fazer a redistribuição temporal da chuva gerada a partir de uma IDF, que serão discutidos adiante no texto.

Leituras adicionais Análise da aplicabilidade de padrões de chuva de projeto a Porto Alegre – Dissertação de mestrado de Daniela da Costa Bemfica, IPH-UFRGS, 1999.

Exercícios 1) Qual é a diferença entre um pluviômetro e um pluviógrafo? 2) Além do pluviômetro e do pluviógrafo, quais são as outras opções para medir ou estimar a precipitação? 3) Uma análise de 40 anos de dados revelou que a chuva média anual em um local na bacia do rio Uruguai é de 1800 mm e o desvio padrão é de 350 mm. Considerando que a chuva anual neste local tem uma distribuição normal, qual é o valor de chuva anual de um ano muito seco, com tempo de recorrência de 40 anos? 4) Considerando a curva IDF do DMAE para o posto pluviográfico do Parque da Redenção, qual é a intensidade da chuva com duração de 40 minutos que tem 1% de probabilidade de ser igualada ou superada em um ano qualquer em Porto Alegre?

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5) Considerando a curva IDF do Aeroporto de Porto Alegre, qual é a intensidade da chuva com duração de 40 minutos que tem 1% de probabilidade de ser igualada ou superada em um ano qualquer em Porto Alegre? 6) Admita que os dados do posto pluviométrico Hospital em Arroio Grande (RS), apresentados na tabela abaixo, seguem uma distribuição normal. Calcule a chuva total anual de um ano muito úmido, com tempo de retorno de 100 anos. ANO

P total annual (mm)

1954 1955 1956 1957 1958 1959 1960 1961 1962 1963 1964 1965 1966 1967 1968 1969 1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984

1673,3 1474,3 1402,8 1928,6 1404,5 1025,1 1224.9 1410,6 1178,2 1392,4 918,5 1383,7 1633,0 1223,7 851,2 1530,4 1493,8 1433,3 1472,0 1519,3 1191,9 1549,5 1374,0 1374,8 1272,2 1430,1 1807,1 1151,2 1408,6 2160,7 1825,7

7) Considerando a curva IDF do DMAE para o posto pluviográfico do Parque da Redenção, qual é a intensidade da chuva com duração de 40 minutos que tem 1% de probabilidade de ser igualada ou superada em um ano qualquer em Porto Alegre?

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8) No dia 03 de janeiro de 2007 uma chuva intensa atingiu Porto Alegre. Na Zona Sul a medição em um pluviômetro indicou 111 mm em 2 horas, e no centro outro pluviômetro indicou 80 mm em 2 horas. Qual foi o tempo de retorno da chuva em cada um destes locais? Considere intensidade constante e utilize a curva IDF do Parque da Redenção. 9) Qual é a diferença entre a chuva de 10 anos de tempo de retorno e 15 minutos de duração em Porto Alegre e a maior chuva já registrada no mundo com esta duração? Utilize a equação da curva IDF do 8º. DISME de Porto Alegre. 10) Mostre que o cálculo de chuva média numa bacia usando o método de interpolação ponderado pelo inverso da distância se o expoente b for igual a zero é equivalente ao método da média aritmética. 11) Qual é a chuva média na bacia da figura abaixo considerando que a chuva observada em A é de 1300 mm, a chuva observada em B é de 900 mm e a chuva observada em C é de 1100 mm? Utilize o método dos polígonos de Thiessen. Depois utilize o método da interpolação pelo inverso da distância ao quadrado, aproximando a forma da bacia com células de 10 x 10 km, sendo que a grade sobreposta ao desenho tem resolução de 1 x 1 km.

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Capítulo

6 Interceptação

A

interceptação é a retenção de água da chuva antes que esta atinja o solo. A interceptação é produzida pela cobertura vegetal e armazenamento em depressões. O volume de água retido por interceptação fica disponível para a evaporação, e, portanto, o principal efeito da interceptação em uma bacia é aumentar a evaporação e reduzir o escoamento.

Relações entre interceptação e vegetação A capacidade de interceptação depende das características da precipitação (intensidade, duração, volume), das características da própria cobertura vegetal (vegetação de folhas maiores possuem maior capacidade de interceptação), das condições climáticas (quando há muito vento a capacidade de interceptação é diminuída), da época do ano (por exemplo, no outono a capacidade de interceptação é praticamente nula em árvores de folhas caducas), entre outros. O papel da interceptação no balanço hídrico de uma bacia é mais importante em regiões em que predominam chuvas de baixa intensidade. Nestes casos, a evaporação da água interceptada ocorre durante o próprio evento chuvoso. Em regiões com chuvas mais intensas o papel da interceptação no balanço hídrico é menor. Alguns valores estimados para perdas por interceptação de acordo com o tipo de vegetação são: •

prados, de 5 a 10% da precipitação anual;



bosques espessos, cerca de 25% da precipitação anual.

Alguns autores sugerem que se a chuva total de um evento for inferior a 1 mm, ela será interceptada em sua totalidade, e se for superior a 1 mm, a interceptação pode variar entre 10 e 40%. A quantificação de perdas devido à interceptação vegetal em uma floresta pode deve ser feita através do monitoramento acima e abaixo da copa das árvores. Neste caso é

importante, também, monitorar o volume de água que escoa pelo tronco das árvores. A diferença do volume total precipitado e volume de água que atravessa a vegetação (considerando o volume escoado pelos troncos) fornece uma estimativa da interceptação do local. Em alguns casos são utilizadas relações entre a capacidade de interceptação e o tipo de vegetação, com base no Índice de Área Foliar. O Índice de Área Foliar (IAF) é a relação entre a área das folhas – todas as folhas – da vegetação de uma região e a área do solo. Um valor de IAF igual a 2, por exemplo, significa que cada m2 de área de solo está coberto por uma vegetação em que a soma das áreas das folhas individuais é de 2 m2. Dados obtidos na literatura sugerem que o IAF tem valores em torno de 2 e 3 para campo e pastagem, valores em torno de 6 a 9 para florestas, e valores de 0 (durante o preparo de solo) a 6 (no mês de desenvolvimento máximo) em cultivos anuais. As variações não são muito grandes e estes valores são relativamente confiáveis, dada a sua repetição em diversas medições e estimativas apresentadas na literatura.

Tabela 6. 1: Valores do Índice de Área Foliar para diferentes tipos de vegetação.

Tipo de cobertura Coníferas Floresta decídua Soja irrigada Soja não irrigada Floresta amazônica Pastagem amazônica (estiagem) Pastagem amazônica (época úmida) Savana Africana (região semi-árida -Sahel) Cerrado (estiagem) Cerrado (época úmida)

IAF 6 6* 7,5* 6,0* 6 a 9,6* 0,5 3,9 1,4* 0,4 1,0

Fonte Bremicker (1998) Bremicker (1998) Fontana et al. (1992) Fontana et al. (1992) Honzák et al. (1996) Roberts et al. (1996) Roberts et al. (1996) Kabat et al. (1997) Miranda et al. (1996) Miranda et al. (1996)

A lâmina interceptada durante um evento de chuva pode ser estimada com base no valor de IAF para uma dada vegetação através da equação a seguir:

S IL = Fi ⋅ IAF

(6.1)

onde SIL [mm] capacidade do reservatório de interceptação; Fi [mm] parâmetro de lâmina de interceptação (Fi = 0,2 mm); IAF [-] índice de área foliar.

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EXEMPLO

1) Um evento de chuva de 15 mm e de 4 horas de duração atinge uma bacia com cobertura vegetal de florestas. Qual é a parcela da chuva que é interceptada? Utilizando a relação entre o índice de área foliar e o volume interceptado (equação 6.1), e considerando que o IAF da floresta é igual a 6 (ver tabela acima) a lâmina interceptada é calculada como: SIL = 0,2 . 6 = 1,2 mm Portanto a interceptação corresponde a 1,2 mm do total de 15 mm.

Armazenamento em depressões Em áreas urbanas uma parcela grande da chuva é retida em depressões do terreno, e não produz escoamento. As áreas das depressões normalmente são impermeáveis e, portanto, também não existe infiltração significativa no solo. A água retida nestas depressões, como poças da água, fica disponível para evaporar.

Leituras adicionais A interceptação tem um papel importante quando se analisa as conseqüências da mudança de cobertura vegetal em uma bacia sobre a hidrologia. Textos que revisam o impacto do desmatamento ou do reflorestamento sobre a vazão dos rios podem ser uma excelente fonte de informações adicionais. Recomenda-se aqui um artigo publicado por Tucci e Clarke (Tucci, C. E. M.; Clarke, R. T. 1997 Impacto das mudanças de cobertura vegetal no escoamento: Revisão. Revista Brasileira de Recursos Hídricos. Vol 2. No.1. pp. 135-152.). Outra fonte adicional mais recente é o artigo de Andréassian, V. (2004) Waters and forests: from historical controversy to scientific debate, publicado no Journal of Hydrology Vol. 291 (1-27).

Exercícios 1) Qual é o impacto esperado do reflorestamento de uma bacia sobre a interceptação? E sobre o escoamento? 2) Se durante um ano ocorrem 60 eventos de chuva com mais de 2 mm, qual é o impacto da substituição de florestas por pastagens sobre o escoamento anual em uma bacia onde a chuva anual é de 1200 mm?

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Capítulo

7 Infiltração e água no solo

I

nfiltração é definida como a passagem da água através da superfície do solo, passando pelos poros e atingindo o interior, ou perfil, do solo. A infiltração de água no solo é importante para o crescimento da vegetação, para o abastecimento dos aquíferos (reservatórios de água subterrânea), para armazenar a água que mantém o fluxo nos rios durante as estiagens, para reduzir o escoamento superficial, reduzir as cheias e diminuir a erosão.

Composição do solo A água infiltrada no solo preenche os poros originalmente ocupados pelo ar. Assim, o solo é uma mistura de materiais sólidos, líquidos e gasosos. Na mistura também encontram-se muitos organismos vivos (bactérias, fungos, raízes, insetos, vermes) e matéria orgânica, especialmente nas camadas superiores, mais próximas da superfície. A Figura 7. 1 apresenta a proporção das partes mineral, água, ar e matéria orgância tipicamente encontradas na camada superficial do solo (horizonte A). Aproximadamente 50% do solo é composto de material sólido, enquanto o restante são poros que podem ser ocupados por água ou pelo ar. O conteúdo de ar e de água Figura 7. 1: Composição típica do solo (Lepsch, 2004). é variável.

A parte sólida mineral do solo normalmente é analisada do ponto de vista do diâmetro das partículas. De acordo com o diâmetro as partículas são classificadas como argila, silte, areia fina, areia grossa, e cascalhos ou seixos. A Tabela 7. 1 apresenta a classificação das partículas adotada pela Sociedade Internacional de Ciência do Solo, de acordo com seu diâmetro. Geralmente, os solos são formados por misturas de materiais das diferentes classes. As características do solo e a forma com que a água se movimenta e é armazenada no solo dependem do tipo de partículas encontradas na sua composição. Cinco tipos de textura de solo são definidas com base na proporção de materiais de diferentes diâmetros, conforme a Figura 7. 2. Tabela 7. 1: Classificação das partículas que compõe o solo de acordo com o diâmetro.

diâmetro (mm) 0,0002 a 0,002 0,002 a 0,02 0,02 a 0,2 0,2 a 2,0

Classe Argila Silte Areia fina Areia grossa

Figura 7. 2: Os cinco tipos de textura do solo, de acordo com a proporção de argila, areia e silte (Lepsch, 2004).

A porosidade do solo é definida como a fração volumétrica de vazios, ou seja, o volume de vazios dividido pelo volume total do solo. A porosidade de solos arenosos varia entre 37 a 50 %, enquanto a porosidade de solos argilosos varia entre, aproximadamente, 43 a 52%. É claro que estes valores de porosidade podem variar bastante, dependendo do tipo de vegetação, do grau de compactação, da

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estrutura do solo (resultante da combinação das partículas finas em agregados maiores) e da quantidade de material orgânico e vivo.

Água no solo Quando um solo tem seus poros completamente ocupados por água, diz se que está saturado. Ao contrário, quando está completamente seco, seus poros estão completamente ocupados por ar. É desta forma que normalmente é medido o grau de umidade do solo. Uma amostra de solo é coletada e pesada na condição de umidade encontrada no campo. A seguir esta amostra é seca em um forno a 105 o C por 24 horas para que toda a umidade seja retirada e a amostra é pesada novamente. A umidade do solo é calculada a partir da diferença de peso encontrada. Além deste método, denominado gravimétrico, existem outras formas de medir a umidade do solo. Um método bastante utilizado é o chamado TDR (Time Domain Reflectometry). Este método está baseado na relação entre a Figura 7. 3: Curva de retenção de água no solo (Ward e Trimble, 2004) umidade do solo e a sua constante dielétrica. Duas placas metálicas são inseridas no solo e é medido o tempo de transmissão de um pulso eletromagnético através do solo, entre o par de placas. A vantagem deste método é que não é necessário destruir a amostra de solo para medir a sua umidade, e o monitoramento pode ser contínuo. Uma importante forma de analisar o comportamento da água no solo é a curva de retenção de umidade, ou curva de retenção de água no solo (Figura 7. 3). Esta curva relaciona o conteúdo de umidade do solo e o esforço (em termos de pressão) necessário para retirar a água do solo. Saturação: condição em que todos os poros estão ocupados por água

Como uma esponja mergulhada em um balde, o solo que é completamente imerso em água fica completamente saturado. Ao ser suspensa no ar, a Capacidade de campo: Conteúdo de esponja perde parte da água que escoa devido à força umidade no solo sujeito à força da da gravidade. Da mesma forma o solo tem parte da sua gravidade umidade retirada pela ação da gravidade, atingindo uma Ponto de murcha permanente: umidade situação denominada capacidade de campo. A partir daí, a retirada de água do solo é mais difícil e exige a do solo para a qual as plantas não conseguem mais retirar água e morrem ação de uma pressão negativa (sucção). As plantas conseguem retirar água do solo até um limite de sucção, denominado ponto de murcha permanente, a partir do qual não se recuperarão mais mesmo se regadas.

71

A curva de retenção de água no solo é diferente para diferentes texturas de solo. Solos argilosos tendem a ter maior conteúdo de umidade na condição de saturação e de capacidade de campo, o que é positivo para as plantas. Mas, da mesma forma, apresentam maior umidade no ponto de murcha. Observa-se na curva relativa à argila que a umidade do solo argiloso no ponto de murcha permanente é de quase 20%, o que significa que nesta condição ainda há muita água no solo, entretanto esta água está tão fortemente ligada às partículas de argila que as plantas não conseguem retirá-la do solo, e morrem.

Balanço de água no solo Em condições naturais a umidade do solo varia ao longo do tempo, sob o efeito das chuvas e das variações sazonais de temperatura, precipitação e evapotranspiração. Uma equação de balanço hídrico de uma camada de solo pode ser expressa pela equação

∆V = P − Q − G − ET onde ∆V é a variação de volume de água armazenada no solo; P é a precipitação; Q é o escoamento superficial; G é a percolação e ET é a evapotranspiração. A percolação (G) é a passagem da água da camada superficial do solo para camadas mais profundas. A evapotranspiração é a retirada de água por evaporação direta do solo e por transpiração das plantas. A infiltração é a diferença entre a precipitação (P) e o escoamento superficial (Q).

Movimento de água no solo e infiltração O solo é um meio poroso, e o movimento da água em meio poroso é descrito pela equação de Darcy. Em 1856, Henry Darcy desenvolveu esta relação básica realizando experimentos com areia, concluindo que o fluxo de água através de um meio poroso é proporcional ao gradiente hidráulico.

q=K⋅

Figura 7. 4: Termos do balanço de água no solo.

∂h ∂x

e

Q = K ⋅ A⋅

∂h ∂x

onde Q é o fluxo de água (m3.s-1); A é a área (m2) q é o fluxo de água por unidade de área (m.s-1); K é a condutividade hidráulica (m.s-1); h é a carga hidráulica e x a distância. A condutividade hidráulica K é fortemente

72

dependente do tipo de material poroso. Assim, o valor de K para solos arenosos é próximo de 20 cm.hora-1. Para solos siltosos este valor cai para 1,3 cm.hora-1 e em solos argilosos este valor cai ainda mais para 0,06 cm.hora-1. Portanto os solos arenosos conduzem mais facilmente a água do que os solos argilosos, e a infiltração e a percolação da água no solo são mais intensas e rápidas nos solos arenosos do que nos solos argilosos. Uma chuva que atinge um solo inicialmente seco será inicialmente absorvida quase totalmente pelo solo, enquanto o solo apresenta muitos poros vazios (com ar). À medida que os poros vão sendo preenchidos, a infiltração tende a diminuir, estando limitada pela capacidade do solo de transferir a água para as camadas mais profundas (percolação). Esta capacidade é dada pela condutividade hidráulica. A partir deste limite, quando o solo está próximo da saturação, a capacidade de infiltração permanece constante e aproximadamente igual à condutividade hidráulica. Uma equação empírica que descreve este comportamento é a equação de Horton, dada abaixo:

f = fc + ( fo − fc ) ⋅ e − βt onde f é a capacidade de infiltração num instante qualquer (mm.hora-1); fc é a capacidade de infiltração em condição de saturação (mm.hora-1); fo é a capacidade de infiltração quando o solo está seco (mm.hora-1); t é o tempo (horas); e β é um parâmetro que deve ser determinado a partir de medições no campo (hora-1). Esta equação é uma função exponencial assintótica ao valor fc, conforme apresentado na Figura 7. 5.

Figura 7. 5: Curvas de infiltração de acordo com a equação de Horton, para solos argilosos e arenosos.

73

Os parâmetros de uma equação de infiltração, como a de Horton, podem ser estimados a partir de experimentos no campo, sendo o mais comum o de medição de capacidade de infiltração com o método dos anéis concêntricos. O infiltrômetro de anéis concêntricos é constituído de dois anéis concêntricos de chapa metálica (Figura 7. 6), com diâmetros variando entre 16 e 40 cm, que são cravados verticalmente no solo de modo a restar uma pequena altura livre sobre este. Aplica-se água em ambos os cilindros, mantendo uma lâmina líquida de 1 a 5 cm, sendo que no cilindro interno mede-se o volume aplicado a intervalos fixos de tempo bem como o nível da água ao longo do tempo. A finalidade do cilindro externo é manter verticalmente o fluxo de água do cilindro interno, onde é feita a medição da capacidade de campo.

Figura 7. 6: Medição de infiltração utilizando o infiltrômetro de anéis concêntricos, e esquema do fluxo de água no solo.

Exercícios 1) Qual é o efeito esperado do pisoteamento do solo pelo gado sobre a capacidade de infiltração? 2) Considere uma camada de solo de 1 m de profundidade cujo conteúdo de umidade é 35% na capacidade de campo e de 12% na condição de ponto de murcha permanente. Quantos dias a umidade do solo poderia sustentar a evapotranspiração constante de 7 mm por dia de uma determinada cultura? 3) Uma camada de solo argiloso, cuja capacidade de infiltração na condição de saturação é de 4 mm.hora-1 , está saturado e recebendo chuva com intensidade de 27 mm.hora-1. Qual é o escoamento (litros por segundo) que está sendo gerado em uma área de 10m2 deste solo?

74

4) Uma medição de infiltração utilizando o método dos anéis concêntricos apresentou o seguinte resultado. Utilize estes dados para estimar os parâmetros fc, fo e β da equação de Horton. Tempo (minutos 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 15 20 25

Total infiltrado (mm) 0 30 40 45 49 51 52 54 56 57 59 63 66 70

75

Capítulo

8 Evapotranspiração

O

retorno da água precipitada para a atmosfera, fechando o ciclo hidrológico, ocorre através do processo da evapotranspiração. A importância do processo de evapotranspiração permaneceu malcompreendido até o início do século 18, quando Edmond Halley provou que a água que evaporava da terra era suficiente para abastecer os rios, posteriormente, como precipitação. A evapotranspiração é o conjunto de dois processos: evaporação e transpiração. Evaporação é o processo de transferência de água líquida para vapor do ar diretamente de superfícies líquidas, como lagos, rios, reservatórios, poças, e gotas de orvalho. A água que umedece o solo, que está em estado líquido, também pode ser transferida para a atmosfera diretamente por evaporação. Mais comum neste caso, entretanto, é a transferência de água através do processo de transpiração. A transpiração envolve a retirada da água do solo pelas raízes das plantas, o transporte da água através da planta até as folhas e a passagem da água para a atmosfera através dos estômatos da folha. Do ponto de vista do profissional envolvido com a geração de energia hidrelétrica a evaporação é importante pelas perdas de água que ocorrem nos reservatórios que regularizam a vazão para as usinas. Além disso, a evapotranspiração é um processo que influencia fortemente a quantidade de água precipitada que é transformada em vazão em uma bacia hidrográfica. Do ponto de vista da geração de energia, portanto, a evapotranspiração pode ser encarada como uma perda de água. Evaporação ocorre quando o estado líquido da água é transformado de líquido para gasoso. As moléculas de água estão em constante movimento, tanto no estado líquido como gasoso. Algumas moléculas da água líquida tem energia suficiente para romper a barreira da superfície, entrando na atmosfera, enquanto algumas moléculas de água na forma de vapor do ar retornam ao líquido, fazendo o caminho inverso. Quando a quantidade de moléculas que deixam a superfície é maior do que a que retorna está ocorrendo a evaporação. As moléculas de água no estado líquido estão relativamente unidas por forças de atração intermolecular. No vapor, as moléculas estão muito mais afastadas do que na água líquida, e a força intermolecular é muito inferior. Durante o processo de

evaporação a separação média entre as moléculas aumenta muito, o que significa que é realizado trabalho em sentido contrário ao da força intermolecular, exigindo grande quantidade de energia. A quantidade de energia que uma molécula de água líquida precisa para romper a superfície e evaporar é chamada calor latente de evaporação. O calor latente de evaporação pode ser dado por unidade de massa de água, como na equação 8.1: em MJ.kg-1

λ = 2,501 − 0,002361⋅ Ts

(8.1)

onde Ts é a temperatura da superfície da água em oC. Portanto o processo de evaporação exige um fornecimento de energia, que, na natureza, é provido pela radiação solar. O ar atmosférico é uma mistura de gases entre os quais está o vapor de água. A quantidade de vapor de água que o ar pode conter é limitada, e é denominada concentração de saturação (ou pressão de saturação). A concentração de saturação de vapor de água no ar varia de acordo com a temperatura do ar, como mostrado no capítulo 4. Quando o ar acima de um corpo d’água está saturado de vapor o fluxo de evaporação se encerra, mesmo que a radiação solar esteja fornecendo a energia do calor latente de evaporação. Assim, para ocorrer a evaporação são necessárias duas condições: 1. que a água líquida esteja recebendo energia para prover o calor latente de evaporação – esta energia (calor) pode ser recebida por radiação ou por convecção (transferência de calor do ar para a água) 2. que o ar acima da superfície líquida não esteja saturado de vapor de água. Além disso, quanto maior a energia recebida pela água líquida, tanto maior é a taxa de evaporação. Da mesma forma, quanto mais baixa a concentração de vapor no ar acima da superfície, maior a taxa de evaporação.

Fatores atmosféricos que afetam a evaporação Os principais fatores atmosféricos que afetam a evaporação são a temperatura, a umidade do ar, a velocidade do vento e a radiação solar. Radiação solar

A quantidade de energia solar que atinge a Terra no topo da atmosfera está na faixa das ondas curtas. Na atmosfera e na superfície terrestre a radiação solar é refletida e sofre transformações, como apresentado no capítulo 4. O processo de fluxo de calor latente é onde ocorre a evaporação. A intensidade desta evaporação depende da disponibilidade de energia. Regiões mais próximas ao Equador recebem maior radiação solar, e apresentam maiores taxas de evapotranspiração. Da mesma forma, em dias de céu nublado, a radiação solar é

77

refletida pelas nuvens, e nem chega a superfície, reduzindo a energia disponível para a evapotranspiração. Temperatura

A quantidade de vapor de água que o ar pode conter varia com a temperatura. Ar mais quente pode conter mais vapor, portanto o ar mais quente favorece a evaporação. Umidade do ar

Quanto menor a umidade do ar, mais fácil é o fluxo de vapor da superfície que está evaporando. O efeito é semelhante ao da temperatura. Se o ar da atmosfera próxima à superfície estiver com umidade relativa próxima a 100% a evaporação diminui porque o ar já está praticamente saturado de vapor. Velocidade do vento

O vento é uma variável importante no processo de evaporação porque remove o ar úmido diretamente do contato da superfície que está evaporando ou transpirando. O processo de fluxo de vapor na atmosfera próxima à superfície ocorre por difusão, isto é, de uma região de alta concentração (umidade relativa) próxima à superfície para uma região de baixa concentração afastada da superfície. Este processo pode ocorrer pela própria ascensão do ar quente como pela turbulência causada pelo vento.

Medição de evaporação A evaporação é medida de forma semelhante à precipitação, utilizando unidades de mm para caracterizar a lâmina evaporada ao longo de um determinado intervalo de tempo. As formas mais comuns de medir a evaporação são o Tanque Classe A e o Evaporímetro de Piche. O tanque Classe A é um recipiente metálico que tem forma circular com um diâmetro de 121 cm e profundidade de 25,5 cm. Construído em aço ou ferro galvanizado, deve ser pintado na cor alumínio e instalado numa plataforma de madeira a 15 cm da superfície do solo. Deve permanecer com água variando entre 5,0 e 7,5 cm da borda superior. A medição de evaporação no Tanque Classe A é realizada diariamente diretamente numa régua, ou ponta linimétrica, instalada dentro do tanque, sendo que são compensados os valores da precipitação do dia. Por esta razão o Tanque Classe A é instalado em estações meteorológicas em conjunto com um pluviômetro.

78

Figura 8. 1: Tanque Classe A para medição de evaporação.

O evaporímetro de Piche é constituído por um tubo cilíndrico, de vidro, de aproximadamente 30 cm de comprimento e um centímetro de diâmetro, fechado na parte superior e aberto na inferior. A extremidade inferior é tapada, depois do tubo estar cheio com água destilada, com um disco de papel de feltro, de 3 cm de diâmetro, que deve ser previamente molhado com água. Este disco é fixo depois com uma mola. A seguir, o tubo é preso por intermédio de uma argola a um gancho situado no interior de um abrigo meteorológico padrão. Em geral, as medições de evaporação do Tanque Classe A são consideradas mais confiáveis do que as do evaporímetro de Piche.

Transpiração A transpiração é a retirada da água do solo pelas raízes das plantas, o transporte da água através das plantas até as folhas e a passagem da água para a atmosfera através dos estômatos da folha. A transpiração é influenciada também pela radiação solar, pela temperatura, pela umidade relativa do ar e pela velocidade do vento. Além disso intervém outras variáveis, como o tipo de vegetação e o tipo de solo. Como o processo de transpiração é a transferência da água do solo, uma das variáveis mais importantes é a umidade do solo. Quando o solo está úmido as plantas transpiram livremente, e a taxa de transpiração é controlada pelas variáveis atmosféricas. Porém, quando o solo começa a secar o fluxo de transpiração começa a diminuir. As próprias plantas têm um certo controle ativo sobre a transpiração ao fechar ou abrir os estômatos, que são as aberturas na superfície das folhas por onde ocorre a passagem do vapor para a atmosfera.

79

Para um determinado tipo de cobertura vegetal a taxa de evapotranspiração que ocorre em condições ideais de umidade do solo é chamada a Evapotranspiração Potencial, enquanto a taxa que ocorre para condições reais de umidade do solo é a Evapotranspiração Real. A evapotranspiração real é sempre igual ou inferior à evapotranspiração potencial.

Medição da evapotranspiração A medição da evapotranspiração é relativamente mais complicada do que a medição da evaporação. Existem dois métodos principais de medição de evapotranspiração: os lisímetros e as medições micrometeorológicas. Os lisímetros são depósitos ou tanques enterrados, abertos na parte superior, os quais são preenchidos com o solo e a vegetação característicos dos quais se deseja medir a evapotranspiração. O solo recebe a precipitação, e é drenado para o fundo do aparelho onde a água é coletada e medida. O depósito é pesado diariamente, assim como a chuva e os volumes escoados de forma superficial e que saem por orifícios no fundo do lisímetro. A evapotranspiração é calculada por balanço hídrico entre dois dias subseqüentes de acordo com a equação 8.2, onde ∆V é a variação de volume de água (medida pelo peso); P é a chuva (medida num pluviômetro); E é a evapotranspiração; Qs é o escoamento superficial (medido) e Qb é o escoamento subterrâneo (medido no fundo do tanque). E = P - Qs – Qb - ∆V

(8.2)

Figura 8. 2: Lisímetros para medição de evapotranspiração.

A medição de evapotranspiração por métodos micrometeorológicos envolve a medição das variáveis velocidade do vento e umidade relativa do ar em alta freqüência. Próximo à superfície a velocidade do vento é paralela à superfície, o que significa que o movimento médio na vertical é zero. Entretanto, a turbulência do ar em movimento causa flutuações na velocidade vertical, que na média permanece zero, mas apresenta momentos de fluxo ascendente e descendente alternados. Na média estes fluxos são iguais a zero, entretanto num instante qualquer a velocidade ascendente pode ser dada por w’.

80

A umidade do ar também tem um valor médio (q) e uma flutuação em torno deste valor médio (q’). O valor de q’ positivo significa ar com umidade ligeiramente superior à média q, enquanto o valor q’ negativo significa umidade ligeiramente inferior à média. Se num instante qualquer tanto w’ como q’ são positivos então ar mais úmido do que a média está sendo afastado da superfície, e se w’ e q’ são, ao mesmo tempo, negativos, então ar mais seco do que o normal está sendo trazido para próximo da superfície. De fato, esta correlação entre as variáveis umidade e velocidade vertical ocorre e pode ser medida para estimar a evapotranspiração. São necessários para isto sensores de resposta muito rápida para medir a velocidade do ar e sua umidade, e um processador capaz de integrar os fluxos w’.q’ ao longo do tempo.

Estimativa da evapotranspiração por balanço hídrico A evapotranspiração pode ser estimada, também, pela medição das outras variáveis que intervém no balanço hídrico de uma bacia hidrográfica. De forma semelhante ao apresentado na equação 8.2, para um lisímetro, pode ser realizado o balanço hídrico de uma bacia para estimar a evapotranspiração. Neste caso, entretanto, as estimativas não podem ser feitas considerando o intervalo de tempo diário, mas apenas o anual, ou maior. Isto ocorre porque, dependendo do tamanho da bacia, a água da chuva pode permanecer vários dias ou meses no interior da bacia antes de sair escoando pelo exutório. Para estimar a evapotranspiração por balanço hídrico de uma bacia é necessário considerar valores médios de escoamento e precipitação de um período relativamente longo, idealmente superior a um ano. A partir daí é possível considerar que a variação de armazenamento na bacia pode ser desprezada, e a equação de balanço hídrico se reduz à equação 8.3. E=P–Q

(8.3)

EXEMPLO

1) Uma bacia de 800 km2 recebe anualmente 1600 mm de chuva, e a vazão média corresponde a 700 mm. Qual é a evapotranspiração anual? A evapotranspiração pode ser calculada por balanço hídrico da bacia desprezando a variação do armazenamento na bacia E = 1600 – 700 = 900 mm.

81

Equação de Thornthwaite Uma equação muito utilizada para a estimativa da evapotranspiração potencial quando se dispõe de poucos dados é a equação de Thornthwaite. Esta equação serve para calcular a evapotranspiração em intervalo de tempo mensal, a partir de dados de temperatura.

 10 ⋅ T  E = 16 ⋅    I 

a

(8.4)

onde E é a evapotranspiração potencial (mm.mês-1); FC é um fator de correção; T é a temperatura média do mês (oC); e a e I são coeficientes calculados segundo as equações que seguem: 1, 514

T j  I = ∑  j =1  5  a = 6,75 ⋅ 10 −7 ⋅ I 3 − 7,71 ⋅ 10 −5 ⋅ I 2 + 1,792 ⋅ 10 −2 ⋅ I + 0,49239 12

(8.5)

onde j é cada um dos 12 meses do ano; e Tj é a temperatura média de cada um dos 12 meses. A equação de Thorntwaite foi desenvolvida com dados restritos do hemisfério norte e se tornou popular mais pela sua simplicidade – usa apenas a temperatura – do que pela sua precisão. Sua aplicação nas demais regiões do mundo exigiu a adaptação de um fator de correção que depende do mês do ano e da latitude. Uma tabela com os valores deste fator de correção pode ser encontrada no livro Hidrologia: Ciência e Aplicação (Tucci, 1993). Para uma latitude baixa o fator de correção não tem muita importância, mas para uma latitude de 30oS, como no RS, os valores do fator de correção sugeridos podem alterar o valor original em mais de 20%.

EXEMPLO

2) Calcule a evapotranspiração potencial mensal do mês de Agosto de 2006 em Porto Alegre, onde as temperaturas médias mensais são dadas na figura abaixo. Suponha que a temperatura média de agosto de 2006 tenha sido de 16,5 oC. Mês Janeiro Fevereiro Março Abril Maio Junho

Temperatura 24,6 24,8 23,0 20,0 16,8 14,4

82

Julho Agosto Setembro Outubro Novembro Dezembro

14,6 15,3 16,5 17,5 21,4 25,5

O primeiro passo é o cálculo do coeficiente I a partir das temperaturas médias mensais obtidas da tabela. O valor de I é 96. A partir de I é possível obter a = 2,1. Com estes coeficientes, a evapotranspiração potencial é: 2 ,1

10 ⋅ 16,5  E = 16 ⋅   =53,1 mm/mês  96  Portanto, a evapotranspiração potencial estimada para o mês de agosto de 2006 é de 53,1 mm/mês.

Equação de Penman-Monteith As equações para cálculo da evapotranspiração são do tipo empírico ou de base física. A principal equação de evapotranspiração de base física é a equação de Penman-Monteith (equação 8.6).

   ∆ ⋅ (R L − G ) + ρ A ⋅ c p ⋅ (e s − e d )    ra 1 E= ⋅  rs    λ ⋅ρW 1 +  ∆ + γ ⋅    ra   

(8.6)

onde E [m.s-1] é a taxa de evaporação da água; λ [MJ.kg-1] é o calor latente de vaporização; ∆ [kPa.ºC-1] é a taxa de variação da pressão de saturação do vapor com a temperatura do ar; RL [MJ.m-2.s-1] é a radiação líquida que incide na superfície; G [MJ.m-2.s-1] é o fluxo de energia para o solo; ρA [kg.m-3] é a massa específica do ar; ρW [kg.m-3] é a massa específica da água; cp [MJ.kg-1.ºC-1] é o calor específico do ar úmido (cp = 1,013.10-3 MJ.kg-1.ºC-1);es [kPa] é a pressão de saturação do vapor ; ed [kPa] é a pressão real de vapor de água no ar; γ [kPa.ºC-1] é a constante psicrométrica (γ = 0,66); rs [s.m-1] é a resistência superficial da vegetação; e ra [s.m-1] é a resistência aerodinâmica. Os valores das variáveis podem ser obtidos pelas seguintes equações: λ = (2,501 − 0,002361⋅ T ) ρ A = 3,486 ⋅

PA 275 + T

(8.7) (8.8)

83

∆=

4098 ⋅ e s

(8.9)

(237,3 + T )2

 17,27 ⋅ T  e s = 0,6108 ⋅ exp   237,3 + T  e d = es ⋅

(8.10)

UR 100

γ = 0,0016286 ⋅

(8.11) PA λ

(8.12)

onde UR [%] é a umidade relativa do ar; PA [kPa] é a pressão atmosférica; e T [ºC] é a temperatura do ar a 2 m da superfície. Há uma analogia de parte da equação 8.6 com um circuito elétrico, em que o fluxo evaporativo é a corrente, a diferença de potencial é o déficit de pressão de vapor no ar (pressão de saturação do vapor menos pressão parcial real: es-ed) e a resistência é uma combinação de resistência superficial e resistência aerodinâmica. A resistência superficial é a combinação, para o conjunto da vegetação, da resistência estomática das folhas. Mudanças na temperatura do ar e velocidade do vento vão afetar a resistência aerodinâmica. Mudanças na umidade do solo são enfrentadas pelas plantas com mudanças na transpiração, que afetam a resistência estomática ou superficial. O valor de E, calculado pela 8.6, é convertido para as unidades de lâmina diária pela equação a seguir. (8.13)

E a = E ⋅ fc

onde Ea [mm.dia-1] é a lâmina de evapotranspiração; E [m.s-1] é a taxa de evaporação da água e fc [mm.s.dia-1.m-1] é um fator de conversão de unidades (fc = 8,64.107). A energia disponível para a evapotranspiração depende da energia irradiada pelo sol, da energia que é refletida ou bloqueada pela atmosfera, da energia que é refletida pela superfície terrestre, da energia que é irradiada pela superfície terrestre e da energia que é transmitida ao solo. Normalmente, as estações climatológicas dispõe de dados de radiação que atinge a superfície terrestre (SSUP), medida com radiômetros, ou do número de horas de insolação (n), medidas com o heliógrafo, ou mesmo da fração de cobertura de nuvens (n/N), estimada por um observador. A estimativa da radiação líquida disponível para evapotranspiração depende do tipo de dados disponível. A situação de estimativa mais simples ocorre quando existem dados de radiação medidos, dados normalmente em MJ.m-2.dia-1, ou cal.cm-2.dia-1. Neste caso, o termo

84

RL da equação de Penman-Monteith pode ser obtido da equação a seguir, que desconta a parte da radiação refletida. R L = SSUP ⋅ (1 − α )

(8.14)

onde RL [MJ.m-2.s-1] é a radiação líquida na superfície; SSUP [MJ.m-2.s-1] é a radiação que atinge a superfície (valor medido); e α [-] é o albedo, que é a parcela da radiação incidente que é refletida (parâmetro que depende da cobertura vegetal e uso do solo). Quando existem apenas dados de horas de insolação, ou da fração de cobertura de nuvens, a radiação que atinge a superfície terrestre pode ser obtida considerando-a como uma fração da máxima energia, de acordo com a época do ano, a latitude da região, e o tipo de cobertura vegetal ou uso do solo. A insolação máxima em um determinado ponto do planeta, considerando que o céu está sem nuvens, é dada pela equação abaixo.

N=

24 ⋅ ωs π

(8.15)

onde N [horas] é a insolação máxima; ωs [radianos] é o ângulo do sol ao nascer (depende da latitude e da época do ano), e é dado por: ω s = arccos(− tan ϕ ⋅ tan δ )

(8.16)

onde φ [graus] é a latitude (positiva no hemisfério norte e negativa no hemisfério sul); ωs [radianos] é o ângulo do sol ao nascer; e δ [radianos] é a declinação solar, dada por:

 2⋅π  δ = 0,4093 ⋅ sin  ⋅ J − 1,405  365 

(8.17)

onde δ [radianos] é a declinação solar; J [-] é o dia no calendário Juliano (contado a partir de 1˚ de janeiro). A radiação que atinge o topo da atmosfera também depende da latitude e da época do ano: S TOP = 15,392 ⋅

ρW ⋅ λ ⋅ d r ⋅ (ωs ⋅ sen ϕ ⋅ sen δ + cos ϕ ⋅ cos δ ⋅ sen ω s ) (8.18) 1000

onde λ [MJ.kg-1] é o calor latente de vaporização; STOP [MJ.m-2.dia-1] é a radiação no topo da atmosfera; ρW [kg.m-3] é a massa específica da água; δ [radianos] é a declinação solar; φ [graus] é a latitude; ωs [radianos] é o ângulo do sol ao nascer; e dr [-] é a distância relativa da terra ao sol, dada por:

85

 2⋅π  d r = 1 + 0,033 ⋅ cos ⋅ J  365 

(8.19)

onde J é o dia do calendário Juliano. A radiação que atinge o topo da atmosfera é parcialmente refletida pela própria atmosfera, não atingindo a superfície terrestre. As nuvens são as principais responsáveis pela reflexão, e a estimativa da radiação que atinge a superfície terrestre depende da fração de cobertura de nuvens, conforme a abaixo:

n  SSUP =  a s + b s ⋅  ⋅ S TOP N 

(8.20)

onde N [horas] é a insolação máxima possível numa latitude em certa época do ano; n [horas] é a insolação medida; STOP [MJ.m-2.dia-1] é a radiação no topo da atmosfera; SSUP [MJ.m-2.dia-1] é a radiação na superfície terrestre; as [-] é a fração da radiação que atinge a superfície em dias encobertos (quando n=0); e as + bs [-] é a fração da radiação que atinge a superfície em dias sem nuvens (n=N). Quando não existem dados locais medidos que permitam estimativas mais precisas, são recomendados os valores de 0,25 e 0,50, respectivamente, para os parâmetros as e bs (Shuttleworth, 1993). Quando a estação meteorológica dispõe de dados de insolação, a equação acima é utilizada com n medido e N estimado pela equação 8.15. Quando a estação dispõe de dados de fração de cobertura, utiliza-se o valor de n/N diretamente. Uma parte da radiação que atinge a superfície terrestre (SSUP) é refletida, conforme já descrito. A maior parte da energia irradiada pelo sol está na faixa de ondas curtas, de 0,3 a 3 µm. O balanço de energia, porém, também inclui uma pequena parcela de radiação de ondas longas, de 3 a 100 µm. O balanço de radiação de ondas longas na superfície terrestre depende, basicamente, de quanta energia é emitida pela superfície terrestre e pela atmosfera. Normalmente, a superfície terrestre é mais quente do que a atmosfera, resultando em um balanço negativo, isto é, há perda de energia na faixa de ondas longas. A equação a seguir descreve a radiação líquida de ondas longas que deixa a superfície terrestre. L n = f ⋅ ε ⋅ σ ⋅ (T + 273,2 )

4

(8.21)

onde Ln [MJ.m-2.dia-1] é a radiação líquida de ondas longas que deixa a superfície; f [] é um fator de correção devido à cobertura de nuvens; T [ºC] é a temperatura média do ar a 2 m do solo; ε [-] é a emissividade da superfície; σ [MJ.m-2.ºK-4.dia-1] é uma constante (σ=4,903.10-9 MJ.m-2.ºK-4.dia-1). A emissividade da superfície pode ser estimada pela equação abaixo.

86

ε = 0,34 − 0,14 ⋅ (e d )

(8.22)

onde ed é a pressão parcial de vapor de água no ar [kPa]. O fator de correção da radiação de ondas longas devido à cobertura de nuvens (f) pode ser estimado com base na equação a seguir: f = 0,1 + 0,9 ⋅

n N

(8.23)

Por simplicidade, o fluxo de calor para o solo - termo G na equação de PenmanMonteith – pode ser considerado nulo, principalmente quando o intervalo de tempo é relativamente grande (1 dia). Na analogia da evapotranspiração com um circuito elétrico, existem duas resistências que a “corrente” (fluxo evaporativo) tem de enfrentar: resistência superficial e resistência aerodinâmica. A resistência aerodinâmica representa a dificuldade com que a umidade, que deixa a superfície das folhas e do solo, é dispersada pelo meio. Na proximidade da vegetação o ar tende a ficar mais úmido, dificultando o fluxo de evaporação. A velocidade do vento e a turbulência contribuem para reduzir a resistência aerodinâmica, trocando o ar úmido próximo à superfície que está fornecendo vapor, como as folhas das plantas ou as superfícies líquidas, pelo ar seco de níveis mais elevados da atmosfera. A resistência aerodinâmica é inversamente proporcional à altura dos obstáculos enfrentados pelo vento, porque são estes que geram a turbulência. 6,25 ra = u m ,10

  10   ⋅  ln      z0 

ra =

2

para h < 10 metros

94 para h > 10 metros u m ,10

(8.24)

(8.25)

onde ra [s.m-1] é a resistência aerodinâmica; um,10 [m.s-1] é a velocidade do vento a 10 m de altura; z0 [m] é a rugosidade da superfície; h [m] é altura média da cobertura vegetal. A rugosidade da superfície é considerada igual a um décimo da altura média da vegetação. As estações climatológicas normalmente dispõe de dados de velocidade do vento medidas a 2 m de altura. Para converter estes dados a uma altura de referência de 10 m é utilizada a equação a seguir (Bremicker, 1998).

87

u m ,10

  10    ln     z  = u m,2 ⋅   0    ln  2    z    0 

(8.26)

onde um,10[m.s-1] é a velocidade do vento a 10 m de altura; um,2 [m.s-1] é a velocidade do vento a 2 m de altura; z0 [m] é a rugosidade da superfície. A resistência superficial é a combinação, para o conjunto da vegetação, da resistência estomática das folhas. A resistência superficial representa a resistência ao fluxo de umidade do solo, através das plantas, até a atmosfera. Esta resistência é diferente para os diversos tipos de plantas e depende de variáveis ambientais como a umidade do solo, a temperatura do ar e a radiação recebida pela planta. A maior parte das plantas exerce um certo controle sobre a resistência dos estômatos e, portanto, pode controlar a resistência superficial. A resistência estomática das folhas depende da disponibilidade de água no solo. Em condições favoráveis, os valores de resistência estomática e, em conseqüência, os de resistência superficial são mínimos. A resistência superficial em boas condições de umidade é um parâmetro que pode ser estimado com base em experimentos cuidadosos em lisímetros. A grama utilizada para cálculos de evapotranspiração de referência tem uma resistência superficial de 69 s.m-1 quando o solo apresenta boas condições de umidade. Florestas tem resistências superficiais da ordem de 100 s.m-1 em boas condições de umidade do solo. Durante períodos de estiagem mais longos, a umidade do solo vai sendo retirada por evapotranspiração e, à medida que o solo vai perdendo umidade, a evapotranspiração diminui. A redução da evapotranspiração não ocorre imediatamente. Para valores de umidade do solo entre a capacidade de campo e um limite, que vai de 50 a 80 % da capacidade de campo, a evapotranspiração não é afetada pela umidade do solo. A partir deste limite a evapotranspiração é diminuída, atingindo o mínimo – normalmente zero – no ponto de murcha permanente. Neste ponto a resistência superficial atinge valores altíssimos (teoricamente deve tender ao infinito).

Evapotranspiração potencial de referência A evapotranspiração potencial de referência pode ser obtida utilizando a equação de Penman-Monteith considerando o valor do parâmetro rs (resistência superficial) de 69 s.m-1. Este valor corresponde ao apresentado por um tipo de grama utilizada como referência em medições de evapotranspiração de lisímetro, em boas condições de umidade do solo.

88

Evapotranspiração real e potencial A evapotranspiração real é o fluxo de calor latente para atmosfera que realmente ocorre em uma dada situação. A evapotranspiração real depende dos fatores atmosféricos, de características do solo e das plantas e da disponibilidade de água. Em uma área com a vegetação bem suprida de água a evapotranspiração real é igual à potencial. Porém a evapotranspiração potencial é diferente para cada tipo de vegetação. Para simplificar a análise freqüentemente se utiliza o conceito da evapotranspiração potencial da vegetação de referência. E, a partir desta, são calculados os valores de evapotranspiração potencial de outros tipos de vegetação, utilizando um ponderador denominado “coeficiente de cultivo” (Kc), como mostra a equação 8.27: EV = E R ⋅ K c

(8.27)

onde EV é a evapotranspiração potencial de um tipo de vegetação; ER evapotranspiração potencial de referência; Kc é o coeficiente de cultivo. A vegetação de referência normalmente adotada para os cálculos é um tipo de grama, e a sua evapotranspiração pode ser estimada a partir de dados de um lisímetro ou usando uma equação como a de Penman-Monteith (veja item anterior). Caso se considere que os valores de Kc variam de acordo com a umidade do solo, então a estimativa EV, calculada pela equação 8.27 pode representar uma estimativa da evapotranspiração real. Valores de Kc para diferentes tipos de vegetação, especialmente culturas agrícolas, estão disponíveis na literatura especializada. O valor de Kc raramente supera 1, porém alguns tipos de vegetação tem evapotranspiração potencial superior à da grama de referência, e, nestes casos, o valor de Kc pode se chegar até cerca de 1,2.

Evaporação em reservatórios A evaporação da água de reservatórios é de especial interesse para a engenharia, porque afeta o rendimento de reservatórios para abastecimento, irrigação e geração de energia. Reservatórios são criados para regularizar a vazão dos rios, aumentando a disponibilidade de água e de energia nos períodos de escassez. A criação de um reservatório, entretanto, cria uma vasta superfície líquida que disponibiliza água para evaporação, o que pode ser considerado uma perda de água e de energia. A evaporação da água em reservatórios pode ser estimada a partir de medições de Tanques Classe A, entretanto é necessário aplicar um coeficiente de redução em relação às medições de tanque. Isto ocorre porque a água do reservatório normalmente está mais fria do que a água do tanque, que tem um volume pequeno e está completamente exposta à radiação solar.

89

Assim, para estimar a evaporação em reservatórios e lagos costuma-se considerar que esta tem um valor de aproximadamente 60 a 80% da evaporação medida em Tanque Classe A na mesma região, isto é: Elago = Etanque . Ft Onde Ft tem valores entre 0,6 e 0,8. O reservatório de Sobradinho, um dos mais importantes do rio São Francisco, tem uma área superficial de 4.214 km2, constituindo-se no maior lago artificial do mundo, está numa das regiões mais secas do Brasil. Em conseqüência disso, a evaporação direta deste reservatório é estimada em 200 m3.s-1, o que corresponde a cerca de 10% da vazão regularizada do rio São Francisco. Esta perda de água por evaporação é superior à vazão prevista para o projeto de transposição do rio São Francisco, idealizado pelo governo federal.

Leituras adicionais Uma boa fonte de referência para ampliar os conhecimentos sobre o processo de evapotranspiração e sobre a estimativa da evapotranspiração para diferentes tipos de vegetação, especialmente os cultivos agrícolas, é o FAO Irrigation and Drainage Paper no. 56, de autoria de Richard G. Allen; Luis S. Pereira; Dirk Raes; e Martin Smith, que pode ser encontrado em formato PDF na Internet.

Exercícios 1) Um rio cuja vazão média é de 34 m3.s-1 foi represado por uma barragem para geração de energia elétrica. A área superficial do lago criado é de 5000 hectares. Considerando que a evaporação direta do lago corresponde a 970 mm por ano, qual é a nova vazão média a jusante da barragem? 2) Uma bacia de 2300 km2 recebe anualmente 1600 mm de chuva, e a vazão

média corresponde a 14 m3.s-1. Calcule a evapotranspiração total desta bacia. Calcule o coeficiente de escoamento anual desta bacia. 3) A vegetação tem um papel importante no processo de evapotranspiração, exercendo algum controle sobre a quantidade de água que passa através das raízes, caule e folhas. Tipos diferentes de plantas atuam de forma diferente, controlando o processo de transpiração com maior ou menor intensidade. Entretanto, a evapotranspiração real de qualquer tipo de vegetação normalmente não supera a evapotranspiração potencial, que está limitada pela disponibilidade de energia solar e pelas condições da atmosfera (umidade relativa, velocidade do vento e temperatura). Em torno da questão da evapotranspiração de uma espécie em particular, o eucalipto, cultivado para produzir madeira e celulose, existe um intenso debate. Um antigo trabalho afirma que o consumo de cada eucalipto

90

em uma floresta no RS é de 36,6 mil litros de água por ano. Faça um comentário sobre esta estimativa, considerando: a. Florestas de eucalipto são plantadas com espaçamento entre as plantas que varia entre 2 m entre linhas e entre colunas, o que representa uma planta a cada 4 m2 e 2x3 m (representando uma planta a cada 6 m2). b. Uma estimativa do limite superior para o valor da evapotranspiração potencial de qualquer tipo de vegetação é energia recebida no topo da atmosfera. As latitudes da região sul do RS estão ao sul de 30 S.

91

I N T R O D U Z I N D O

H I D R O L O G I A

Capítulo

9 Água subterrânea

A

água subterrânea corresponde a, aproximadamente, 30% das reservas de água doce do mundo. Desconsiderando a água doce na forma de gelo, a água subterrânea corresponde a 99% da água doce do mundo. Seu uso é especialmente interessante porque, em geral, exige menos tratamento antes do consumo do que a água superficial, em função de uma qualidade inicial melhor. Em regiões áridas e semi-áridas a água subterrânea pode ser o único recurso disponível para consumo.

Armazenamento de água subterrânea A água no subsolo fica contida em formações geológicas consolidadas ou não, em que os poros estão saturados de água, denominadas aqüíferos. A capacidade de um aqüífero de conter água é definida pela sua porosidade, definida como a relação entre o volume de vazios e o volume total. Uma formação geológica que é pouco porosa, contém pouca água e, principalmente, que impede a passagem da água, é denominada aqüitardo. Existem dois tipos de aqüíferos: confinados e não-confinados, ou livres. Um aqüífero confinado está inserido entre duas camadas impermeáveis (aquitardos). Um aqüífero livre é o aquífero que pode ser acessado desde a superfície, sem a necessidade de passar através de uma camada impermeável. A porosidade é a medida relativa do volume de vazios em um meio poroso. É calculada pela divisão entre o volume de vazios e o volume total:

φ=

Vvazios Vtotal

A pressão, ou carga hidráulica em um determinado ponto de um aqüífero depende do tipo de aqüífero e da posição em que está sendo medida. A carga hidráulica é medida através de piezômetros, que são poços estreitos para medição do nível da água. Em aqüíferos livres a carga hidráulica pode ser considerada igual à cota do lençol freático, como mostra a Figura 9. 1. Em aqüíferos confinados, a carga hidráulica pode ser maior do que a altura da água. Isto ocorre quando a água no aqüífero está sob pressão (ver figura do exemplo a seguir).

Figura 9. 1: Piezômetros para medição de nível da água subterrânea em um aqüífero livre.

Fluxo de água subterrânea A água subterrânea se movimenta através dos espaços vazios interconectados do solo e do subsolo e ao longo de linhas de fratura das rochas. O fluxo da água em um meio poroso pode ser descrito pela equação de Darcy. Em 1856, Henry Darcy desenvolveu esta relação básica realizando experimentos com areia, concluindo que o fluxo de água através de um meio poroso é proporcional ao gradiente hidráulico, ou às diferenças de pressão. q=K⋅

∂h ∂x

e

Q = K ⋅ A⋅

∂h ∂x

onde Q é o fluxo de água (m3.s-1); A é a área (m2) q é o fluxo de água por unidade de área (m.s-1); K é a condutividade hidráulica (m.s-1); h é a carga hidráulica e x a distância. A condutividade hidráulica K é fortemente dependente do tipo de material poroso. Assim, o valor de K para solos arenosos é próximo de 20 cm.hora-1. Para solos siltosos este valor cai para 1,3 cm.hora-1 e em solos argilosos este valor cai ainda mais para 0,06 cm.hora-1. Portanto os solos arenosos conduzem mais facilmente a água do que os

93

solos argilosos, e a infiltração e a percolação da água no solo são mais intensas e rápidas nos solos arenosos do que nos solos argilosos. A condutividade hidráulica das rochas também depende do tipo de rocha, sendo maior em rochas sedimentares, como o arenito , e menor em rochas ígneas ou metamórficas, exceto quando estas são muito fraturadas, neste caso sua condutividade pode ser relativamente alta. A Tabela 9. 1 apresenta faixas de valores de condutividade hidráulica normalmente encontrados em diferentes tipos de solos e rochas.

Tabela 9. 1: Condutividade hidráulica de materiais porosos e rochas.

Material Karst Rochas ígneas e metamórficas fraturadas Arenito Rochas ígneas e metamórficas não fraturadas Areia Seixos

Limite inferior (mm.s-1) 10-3 10-5 10-8 10-10 10-2 10-1

Limite superior (mm.s-1) 103 10 10-4 10-4 102 103

A transmissividade de um aquífero é definida como a condutividade hidráulica vezes a espessura do aquífero. As unidades da transmissividade hidráulica são m2.s-1, ou cm2.s-1, ou m2.dia-1. Assim, um aqüífero com condutividade de 10-4 cm.s-1, e com uma espessura de 10 m, tem uma transmissividade de 10-1 cm2.s-1.

EXEMPLO

1) Considere um aqüífero confinado entre duas camadas impermeáveis, como mostra a figura a seguir. Dois piezômetros, instalados a uma distância dL de 1000 metros mostram níveis de 42,1 (A) e 38,3 (B) metros? A espessura do aqüífero (m) é de 10,5 metros, e a condutividade hidráulica é de 83,7 m.dia-1. Calcule a transmissividade do aqüífero e a vazão através do aqüífero, por unidade de largura, em m3.dia-1.m-1.

94

O gradiente de pressão no aqüífero é dh 42,1 − 38,3 3,8 = = = 0,0038 m.m-1 dL 1000 1000

a transmissividade é o produto da condutividade e da espessura do aqüífero:

T = K ⋅ m = 83,7 ⋅ 10,5 = 879 m2.dia-1 A vazão através do aqüífero é Q = A⋅ K ⋅

dh dL

Considerando a área A como o produto da espessura m e da largura (B) a vazão é calculada por Q = B⋅m⋅ K ⋅

dh dh 42.1 − 38.3 = B ⋅ 3,34 m3.dia-1 = B ⋅T ⋅ = B ⋅ 879 ⋅ dL dL 1000

Considerando uma largura unitária do aqüífero (1m) a vazão é de 3,34 m3.dia-1.m-1. Assim, se a largura do aqüífero for de 100 m, a vazão é de 334 m3.dia-1.

Equação de continuidade Considerando um volume de controle em um aqüífero como o ilustrado na figura a seguir, a massa de água que entra no volume de controle menos a quantidade de água que deixa um volume de controle ao longo de um intervalo de tempo deve ser igual à variação da massa de água armazenada no volume de controle durante este intervalo de tempo.

95

Figura 9. 2: Princípio da conservação de massa em um volume de controle de um aqüífero.

A massa de água entrando no volume de controle é o produto da massa específica e da vazão de entrada. A massa de água saindo do volume é o produto da massa específica e da vazão de saída. A variação da massa de água armazenada é dada por: ∂ (ρV ) ∂t

Assim, a a equação da continuidade para este volume de controle é:

ρ ⋅ q x − ρ ⋅ q x + ∆x = −

∂ (ρV ) ∂t

Reescrevendo esta equação para um volume de controle infinitesimal: ∂q ∂ = − (ρV ) ∂x ∂t

Considerando um volume de controle tridimensional, a equação fica:

∂q ∂q ∂q ∂ + + = − ( ρV ) ∂x ∂y ∂z ∂t E, introduzindo a equação de Darcy, a equação acima pode ser escrita como: ∂  ∂h  ∂  ∂h  ∂  ∂h  ∂  K x ⋅  +  K y ⋅  +  K z ⋅  = − ( ρV ) ∂x  ∂x  ∂y  ∂y  ∂z  ∂z  ∂t em que h é a pressão, ou carga hidráulica e onde Kx, Ky e Kz correspondem à condutividade hidráulica nas direções x, y e z, respectivamente.

96

Considerando o escoamento em regime permanente, não há variação de volume armazenado, por isso o lado direito da equação acima é nulo. Além disso, considerando um meio saturado e isotrópico, isto é, em que a condutividade hidráulica é constante e igual em todas as direções, a equação acima pode ser reescrita como: ∂2h ∂2h ∂2h + + =0 ∂x 2 ∂y 2 ∂z 2 que é conhecida como equação de Laplace. Se o aqüífero tem um comportamento bidimensional, a equação acima pode ser reduzida para: ∂2h ∂2h + =0 ∂x 2 ∂y 2 As equações acima podem ser resolvidas para algumas situações típicas de muito interesse na hidrologia, como o fluxo de água entre dois canais, e o fluxo de água para um poço. Fluxo de água em regime permanente entre dois canais – aqüífero livre

Em um aqüífero não-confinado localizado entre dois poços ou canais, com recarga constante (Figura 9. 3), a solução das equações de movimento da água subterrânea em regime permanente pode ser obtida pela aproximação de Dupuit.

Figura 9. 3: Aquífero livre entre dois cursos de água, com recarga constante (w).

97

O nível da água h, em um ponto qualquer x, a partir do canal da esquerda, como mostra a figura, pode ser calculado a partir da equação: h 2 = h12 −

2 1

(h

− h22 ⋅ x w + ⋅ (L − x ) ⋅ x L K

)

onde h é o nível da água do aqüífero livre num ponto qualquer x; h1 é o nível da água constante no canal da esquerda da figura; h2 é o nível constante no canal a direita da figura; x é a distância a partir do canal da esquerda; L é a distância total entre os canais; w é a taxa de recarga (m.s-1); e K é a condutividade hidráulica (m.s-1). A distância d onde ocorre o máximo nível da água no aqüífero pode ser estimada por: d=

L K h12 − h22 − 2 w 2⋅L

(

)

A vazão por unidade de largura do aqüífero (q) em um ponto qualquer x pode ser calculada por: q=

K ⋅ h12 − h22 L  − w ⋅  − x 2⋅L 2 

(

)

e a vazão total do aqüífero, considerando uma largura B, pode ser estimada por: Q = q.B Se h1 e h2 forem iguais, d deve ser igual a L/2. E, em qualquer situação de h1 e h2, na posição x = d o fluxo de água é igual a zero (q=0).

EXEMPLO

2) Dois canais paralelos, distantes entre si 200 m estão interligados por um aqüífero cuja condutividade hidráulica é de 10 mm.dia-1, de forma semelhante à situação da Figura 9. 3. O nível da água nos dois canais é igual a 10m. Calcule o nível da água máximo no aqüífero, considerando uma recarga constante e igual a 0.3 mm.dia-1. E se a recarga for igual a zero?

A condutividade hidráulica do arenito consolidado varia entre 10-5 e 10-2 m.dia-1. Assumindo o valor de 10-4 m.dia-1 e transformando para mm.dia-1 temos K = 0.1 mm.dia-1.

98

A recarga w corresponde a 0.3 mm.dia-1. Neste tipo de problema é possível calcular o nível da água em qualquer ponto pela equação h 2 = h12 −

2 1

(h

− h22 ⋅ x w + ⋅ (L − x ) ⋅ x L K

)

O nível da água máximo nesta situação vai ocorrer a uma distância d igual a L/2. Substituindo x por L/2 na equação acima, e resolvendo para h, encontramos

h 2 = 10 2 −

(10

2

)

− 10 2 ⋅ L

L 2 + 0,3 ⋅  L − L  ⋅ L = 100 + 0,3 ⋅ (100 )2 = 400 10  2 2 10

e h=20 m. Ou seja, o nível da água máximo no aqüífero é de 20 m. Já se a recarga for zero, o nível da água máximo é igual ao nível da água nos canais.

Fluxo de água em regime permanente para um poço – aqüífero confinado

Em um aqüífero confinado em torno de um poço, que retira água a uma taxa constante Q, sem recarga significativa em torno do poço (Figura 9. 4), a solução das equações de movimento da água subterrânea em regime permanente resulta na equação de Theim:

Q=

2 ⋅ π ⋅ T ⋅ (h2 − h1 ) r  ln  2   r1 

onde T é a transmissividade hidráulica (m2.s-1); h1 e h2 são alturas piezométricas distantes respectivamente r1 e r2 do poço, respectivamente (m); e Q é a vazão sendo retirada do poço (m3.s-1). A uma distância R do poço a altura piezométrica do aqüífero não sofre influência da extração de água do poço e permanece em seu valor original H (Figura 9. 4). A equação anterior pode ser utilizada, entre outras coisas, para estimar o rebaixamento do nível piezométrico em função da extração de água de um poço.

99

Figura 9. 4: Esquema do impacto de retirada de água de um aqüífero confinado.

EXEMPLO

3) Considere um poço retirando água de um aqüífero confinado de forma semelhante à ilustrada na figura anterior. O poço tem um diâmetro de 40 cm, o raio de influência máximo é de 500 m, a condutividade hidráulica do aqüífero é igual a 10-3 mm.s-1, e sua espessura é igual a 30 m. A vazão retirada do poço é de 6 m3.hora-1. Calcule o rebaixamento do nível piezométrico que deve ocorrer no local do poço. A vazão retirada do poço equivale a 0,001667 m3.s-1. A transmissividade T pode ser calculada pelo produto da espessura (30 m) e da condutividade hidráulica (10-6 m.s-1). O rebaixamento do aqüífero pode ser encontrado reorganizando a equação de Theim, considerando que o rebaixamento é a diferença entre h2 e h1, e considerando que r1 é o raio do poço e que r2 é o raio do poço (R).

(h2 − h1 ) =

R ⋅ ln   2 ⋅ π ⋅ T  r1 

(h2 − h1 ) =

0,001667  500  ⋅ ln   = 69,2 m −6 2 ⋅ π ⋅ 30 ⋅ 10  0 ,2 

Q

Assim, o rebaixamento do nível piezométrico no local do poço será de 69,2 m.

100

Fluxo de água em regime permanente para um poço – aqüífero livre

Uma solução semelhante pode ser encontrada para o fluxo de água em regime permanente para um poço que retira água de um aqüífero livre. Neste caso a equação a seguir descreve a relação entre a vazão do poço (Q) e as outras variáveis:

Q=

π ⋅ K ⋅ (h22 − h12 ) r  ln  2   r1 

onde K é a condutividade hidráulica (m.s-1); h1 e h2 são alturas piezométricas distantes respectivamente r1 e r2 do poço, respectivamente (m); e Q é a vazão sendo retirada do poço (m3.s-1).

Figura 9. 5: Esquema do impacto de retirada de água de um aqüífero não-confinado.

Recarga de água subterrânea A recarga de água subterrânea ocorre por percolação da água da camada superior do solo que normalmente não está saturada. Em geral a recarga de um aqüífero não é

101

contínua, mas depende dos eventos de chuva. Durante os períodos de mais chuva e ou menos evapotranspiração é que ocorre a recarga mais significativa dos aqüíferos. A recarga de um aqüífero pode ser estimada por cálculos de balanço hídrico da camada superior do solo, entretanto este método não é muito preciso em função do grande número de variáveis que precisam ser estimadas. Para valores médios de longo prazo, um método indireto de estimar a recarga dos aqüíferos de uma bacia hidrográfica é baseado na separação de escoamento superficial e subterrâneo nos hidrogramas observados.

Interação rio-aquífero As águas superficiais e subterrâneas são parte de um único ciclo hidrológico. Sua interface, normalmente ocorre na forma de infiltração e percolação e na ocorrência de nascentes, ou fontes. Normalmente, durante as estiagens a vazão dos rios é mantida pela descarga de aqüíferos. Isto ocorre pontualmente em alguns locais em que existe descarga do aqüífero ou de forma distribuída, ao longo do curso de água, como mostra a Figura 9. 6a. Em alguns casos pode ocorrer o inverso: o rio abastece o aqüífero com água Figura 9. 6b.

(a)

(b)

Figura 9. 6: Rio recebendo água do aqüífero durante uma estiagem (a); e rio abastecendo o aquífero de água.

Considerando que toda a água, superficial e subterrânea, faz parte do mesmo ciclo hidrológico, pode-se imaginar que a extração de água em poços deve causar impactos sobre a disponibilidade de água superficial.

102

A Figura 9. 7 apresenta situações em que a presença de um poço diminui o aporte de água do aqüífero para um rio. Na situação da Figura 9. 7a não existe extração de água superficial e o aqüífero descarrega para o rio, mantendo a vazão do rio na estiagem. Na situação da Figura 9. 7b a extração de água do poço ocorre e influencia o fluxo de água subterrânea. Parte do fluxo que seguiria para o rio é desviado para o poço, mas não há fluxo do rio para dentro do aqüífero. Já na situação da Figura 9. 7c a vazão retirada pelo poço é tão alta que além de modificar o fluxo subterrâneo, a extração de água gera uma recarga induzida do aqüífero.

Figura 9. 7: Interação entre um rio e um aquífero que descarrega para um rio na ausência de poços (a); na presença de um poço que elimina parte do aporte do aqüífero para o rio (b); e na presença de um poço que induz recarga do aqüífero (c).

Exercícios 1) Um fazendeiro A acusa o seu vizinho B de que a extração de água de um novo poço de B afetou a vazão do poço de A. Os dois poços estão distantes cerca de 1 Km em uma região relativamente plana. Os dois poços tem raio de 30 cm, e estão retirando água do mesmo aqüífero livre, cuja condutividade hidráulica é de 10-2 m.dia-1. O vizinho B retira 40 m3.dia-1 do seu novo poço e o nível da água se estabilizou 10 m abaixo do original. Verifique se a acusação pode ter fundamento utilizando a equação da vazão para um poço em aqüífero livre. 2) Considere um poço retirando água de um aqüífero confinado de forma semelhante à ilustrada na figura anterior. O poço tem um diâmetro de 40 cm, o raio de influência máximo é de 500 m, a condutividade hidráulica do aqüífero é igual a 10-3 mm.s-1, e sua espessura é igual a 30 m. Qual é a máxima vazão que pode ser retirada para que o rebaixamento do nível piezométrico no local do poço não exceda 20 m. E qual é a vazão máxima que pode ser retirada para que o rebaixamento do nível piezométrico não exceda 2 m a 500 m do local do poço?

103

I N T R O D U Z I N D O

H I D R O L O G I A

Capítulo

10 Geração de escoamento

V

azão é o volume de água que passa por uma determinada seção de um rio dividido por um intervalo de tempo. Assim, se o volume é dado em litros, e o tempo é medido em segundos, a vazão pode ser expressa em unidades de litros por segundo (l.s-1). No caso de vazão de rios, entretanto, é mais usual expressar a vazão em metros cúbicos por segundo (m3.s-1), sendo que 1 m3.s-1 corresponde a 1000 l.s-1 (litros por segundo). A vazão de um rio é o resultado da interação entre a precipitação e a bacia, e depende das características da bacia que influenciam a infiltração, armazenamento e evapotranspiração. O escoamento em uma bacia é, normalmente, estudado em duas partes: geração de escoamento e propagação de escoamento. O escoamento tem origens diferentes dependendo se está ocorrendo um evento de chuva ou não. Durante as chuvas intensas, a maior parte da vazão que passa por um rio é a água da própria chuva que não consegue penetrar no solo e escoa Escoamento superficial imediatamente, atingindo os cursos d’água e aumentando a vazão. É ocorre durante e desta forma que são formados os picos de vazão e as cheias ou imediatamente após a chuva. enchentes. O escoamento rápido que ocorre em conseqüência direta Escoamento subterrâneo é o das chuvas é chamado de escoamento superficial (figura 10.1). que mantém a vazão dos rios durante as estiagens.

Nos períodos secos entre a ocorrência de eventos de chuva a vazão de um rio é mantida pelo esvaziamento lento da água armazenada na bacia, especialmente da água subterrânea. Assim, o escoamento lento que ocorre durante as estiagens pode ser chamado de escoamento subterrâneo, porque a maior parte da água está chegando ao rio via fluxo de água através do subsolo.

Figura 10.1: Hidrograma de um rio como resposta a um evento de chuva: durante e imediatamente após a chuva predomina o escoamento superficial, enquanto durante a estiagem predomina o escoamento subterrâneo.

Geração de escoamento durante a chuva No capítulo 7 é analisado o processo de infiltração de água da chuva no solo. Dependendo da intensidade da chuva, parte da água não consegue infiltrar no solo e começa a se acumular na superfície. Em determinadas condições a água começa a escoar sobre a superfície, formando pequenos córregos temporários ou escoando na forma de uma lâmina em superfícies mais lisas. O escoamento gerado desta forma é denominado escoamento superficial, e é importante porque gera os picos de vazão nos rios, como resposta aos eventos de chuva. A geração do escoamento é um dos temas mais complexos da hidrologia porque a variabilidade das características da bacia é muito grande, e porque a água pode tomar vários caminhos desde o momento em que atinge a superfície, na forma de chuva, até o momento em que chega ao curso d’água. Existem dois principais processos reconhecidos na formação do escoamento superficial: precipitação de intensidade superior à capacidade de infiltração; e precipitação sobre solos saturados.

105

Se uma chuva com intensidade de 30 mm.h-1 atinge um solo cuja capacidade de infiltração é de 20 mm.h-1, uma parte da chuva (10 mm.h-1) se transforma em escoamento superficial. Este é o processo de geração de escoamento por excesso de chuva em relação à capacidade de infiltração, também conhecido como processo Hortoniano, porque foi primeiramente reconhecido por Horton (1934). O processo Hortoniano é importante em bacias urbanas, em áreas com solo modificado pela ação do homem, ou em chuvas muito intensas, mas é raramente visto em bacias naturais durante chuvas menos intensas, onde o escoamento superficial é quase que totalmente originado pela parcela da precipitação que atinge zonas de solo saturado. Solos saturados são normalmente encontrados próximos à rede de drenagem, onde o nível do lençol freático está mais próximo da superfície.

Volume de escoamento: método SCS Um dos métodos mais simples e mais utilizados para estimar o volume de escoamento superficial resultante de um evento de chuva é o método desenvolvido pelo National Resources Conservatoin Center dos EUA (antigo Soil Conservation Service – SCS). De acordo com este método, a lâmina escoada durante uma chuva é dada por: Q=

S=

(P − Ia )2 (P − Ia + S )

quando P > Ia e Q = 0 quando P ≤ Ia

25400 − 254 CN

onde Q é a lâmina escoada ou volume de escoamento dividido pela área da bacia (mm) também chamada “chuva efetiva”; P é a precipitação durante o evento (mm); S é um parâmetro que depende da capacidade de infiltração e armazenamento do solo (parâmetro adimensional CN – veja tabela 10.1); e Ia é uma estimativa das perdas iniciais de água, dado por Ia=S/5.

106

Tabela 10.1: Valores aproximados do parâmetro CN para diferentes condições de cobertura vegetal, uso do solo e tipos de solos (A: solos arenosos e de alta capacidade de infiltração; B: solos de média capacidade de infiltração; C solos com baixa capacidade de infiltração; D solos com capacidade muito baixa de infiltração). Condição Florestas Campos Plantações Zonas comerciais Zonas industriais Zonas residenciais

A 41 65 62 89 81 77

B 63 75 74 92 88 85

C 74 83 82 94 91 90

D 80 85 87 95 93 92

(adaptado de Tucci et al., 1993)

EXEMPLO

1) Qual é a lâmina escoada superficialmente durante um evento de chuva de precipitação total P = 70 mm numa bacia com solos do tipo B e com cobertura de florestas? A bacia tem solos do tipo B e está coberta por florestas. Conforme a tabela anterior o valor do parâmetro CN é 63 para esta combinação. A partir deste valor de CN obtém-se o valor de S: S=

25400 − 254 = 149,2 mm CN

A partir do valor de S obtém-se o valor de Ia: Ia =

S = 29,8 5

Como P > Ia, o escoamento superficial é dado por:

Q=

(P − Ia )2 (P − Ia + S )

= 8,5 mm.

Portanto, a chuva de 70 mm provoca um escoamento de 8,5 mm.

O método do SCS também pode ser utilizado para calcular o escoamento superficial de uma bacia durante um evento de chuva complexo, em que existem informações de

107

precipitação para vários intervalos de tempo. Esta alternativa é interessante quando se deseja saber, além do valor do escoamento total, como foi sua distribuição temporal. Para calcular o escoamento em diferentes intervalos de tempo, utilizando o método do SCS, deve se primeiramente calcular valores acumulados de chuva. A partir dos valores acumulados de chuva são calculados os valores acumulados de escoamento superficial, usando a mesma metodologia do exemplo anterior. Finalmente, a partir dos valores acumulados de escoamento superficial são calculados os valores incrementais de escoamento superficial.

EXEMPLO

2) Qual é a lâmina escoada superficialmente durante o evento de chuva dado na tabela abaixo numa bacia com solos com média capacidade de infiltração e cobertura de pastagens?

Tempo (min) 10 20 30 40

Precipitação (mm) 5 6 14 11

A bacia tem solos de média capacidade de infiltração, o que corresponde ao tipo B. A cobertura vegetal é de pastagens. Conforme a tabela anterior o valor do parâmetro CN é 75 para esta combinação. A partir deste valor de CN obtém-se o valor de S: S=

25400 − 254 = 84,7 mm CN

A partir do valor de S obtém-se o valor de Ia = 16,9. A chuva de cada intervalo de tempo é somada à chuva total até o final do intervalo de tempo anterior, resultando na chuva acumulada, como mostra a tabela a seguir. Tempo (min) Precipitação (mm) Precipitação acumulada (mm) 10 5 5 20 6 11 30 14 25 40 11 36 Para cada intervalo de tempo, pode se usar o método do SCS para calcular o escoamento total acumulado até o final do intervalo de tempo. Enquanto a precipitação acumulada é inferior a Ia, o

108

escoamento acumulado é zero. A partir do intervalo de tempo em que a precipitação acumulada supera o valor de Ia, o escoamento acumulado é calculado por

Q=

(P − Ia )2 (P − Ia + S )

como mostra a tabela a seguir. Tempo (min) Precipitação (mm) Precipitação acumulada (mm) Escoamento acumulado (mm) 10 5 5 0,0 20 6 11 0,0 30 14 25 0,7 40 11 36 3,5 Observa-se que o momento de máximo escoamento superficial ocorre entre os 30 e 40 minutos da duração da chuva. Nestes 10 minutos o escoamento é de 3,5 mm. É interessante observar que este não é o momento de máxima intensidade de precipitação.

O método do SCS pode ser utilizado quando uma bacia não tem cobertura vegetal homogênea, ou quando existem dois ou mais tipos de solos na bacia. Neste caso, o valor do CN é calculado como uma média ponderada dos valores de CN.

EXEMPLO

3) Qual é o valor do coeficiente CN de uma bacia em que 30% da área é urbanizada e em que 70% é rural? Considere que os solos são extremamente argilosos e rasos. Solos rasos e muito argilosos normalmente tem capacidade de infiltração baixa ou muito baixa, por isso pode-se considerar que os solos são do tipo D, de acordo com a classificação do SCS. Na área rural não está especificado se são plantações (CN=87), campos (CN=85) ou florestas (CN=80). Considerando que a área rural é coberta por campos, adota-se o CN=85. Na área urbana não está especificado se são áreas industriais, comerciais ou residenciais, mas os valores de CN são sempre relativamente próximos de 93, por isso adotamos este valor. O CN médio da bacia pode ser obtido por CN = 0,3 . 93 + 0,7 . 85 = 87,4

109

Exercícios 1) Como se origina o escoamento superficial em uma bacia durante as chuvas? 2) Em que parte de uma bacia hidrográfica ocorre preferencialmente a geração de escoamento superficial? 3) O que é a chuva efetiva? 4) Qual é a lâmina escoada superficialmente durante um evento de chuva de precipitação total P = 60 mm numa bacia com solos do tipo B e com cobertura de florestas? 5) O que ocorreria com o escoamento no problema anterior caso as florestas fossem substituídas por plantações? 6) Qual é a lâmina escoada superficialmente a cada intervalo de tempo durante o evento de chuva dado na tabela abaixo numa bacia rural com solos com alta capacidade de infiltração? Qual é o intervalo de tempo em que é gerado o máximo escoamento superficial? Tempo (min) 10 20 30 40 50

Precipitação (mm) 5 16 14 11 5

7) Qual o incremento de escoamento total que ocorre se a bacia do exercício anterior for urbanizada? E qual o incremento no escoamento máximo?

110

I N T R O D U Z I N D O

H I D R O L O G I A

Capítulo

11 O Hidrograma Unitário

U

ma bacia pode ser imaginada como um sistema que transforma chuva em vazão. A transformação envolve modificações no volume total da água, já que parte da chuva infiltra no solo e pode retornar à atmosfera por evapotranspiração, e modificações no tempo de ocorrência, já que existe um atraso na ocorrência da vazão em relação ao tempo de ocorrência da chuva. No capítulo sobre geração de escoamento está descrito o processo da separação da chuva em uma parte que infiltra no solo e outra que escoa superficialmente. A fração da chuva ocorrida num evento que gera escoamento superficial é conhecida como chuva efetiva. A chuva efetiva é responsável pelo crescimento rápido da vazão de um rio durante e após uma chuva. No capítulo anterior foi apresentado um método simplificado para estimar a chuva efetiva, com base em um parâmetro que está relacionado às características da bacia, como o tipo de solo e o tipo de vegetação ou ocupação humana. Nem toda a chuva efetiva gerada numa bacia chega imediatamente ao curso d’água. A partir dos locais em que é gerado, o escoamento percorre um caminho, com velocidades variadas de acordo com características como a declividade e o comprimento dos trechos percorridos, e a resposta da bacia a uma entrada de chuva depende destas características. Em particular, se imaginamos um pulso de chuva de curta duração, a bacia hidrográfica é um sistema que transforma uma entrada quase imediata em uma saída distribuída ao longo do tempo, como mostrado na figura a seguir. A figura mostra um gráfico de vazão (hidrograma) resultante de uma chuva efetiva na bacia. Considera-se que o hidrograma corresponda a medições realizadas na saída (exutório) da bacia. Imediatamente após, e mesmo durante a ocorrência da chuva a vazão começa a aumentar, refletindo a chegada da água que começou a escoar na região mais próxima do exutório, como indicado. Após algum tempo é atingido o valor máximo e,

finalmente, inicia uma recessão, quando a água da chuva efetiva gerada na região mais distante da bacia atinge o exutório. No final da recessão o escoamento superficial cessa.

Figura 11. 1: Imaginando uma bacia hidrográfica como um sistema que transforma um evento de chuva em um hidrograma distribuído no tempo.

A resposta de uma bacia a um evento de chuva depende das características físicas da bacia e das características do evento, como a duração e a intensidade da chuva. Chuvas de mesma intensidade e duração tendem a gerar respostas de vazão (hidrogramas) semelhantes. Chuvas mais intensas tendem a gerar mais escoamento e hidrogramas mais pronunciados, enquanto chuvas menos intensas tendem a gerar hidrogramas mais atenuados, com menor vazão de pico. Para simplificar a análise e para simplificar os cálculos, é comum admitir-se que existe uma relação linear entre a chuva efetiva e a vazão, lembrando que a chuva efetiva é a parcela da chuva que gera escoamento superficial. Uma teoria útil, mas não inteiramente correta, baseada na relação linear entre chuva efetiva e vazão em uma bacia é a teoria do Hidrograma Unitário. Conceitualmente o Hidrograma Unitário (HU) é o hidrograma do escoamento direto, causado por uma chuva efetiva unitária (por exemplo, uma chuva de 1mm ou 1 cm), por isso o método é chamado de Hidrograma Unitário. A teoria do hidrograma

112

unitário considera que a precipitação efetiva e unitária tem intensidade constante ao longo de sua duração e distribui-se uniformemente sobre toda a área de drenagem. Adicionalmente, considera-se que a bacia hidrográfica tem um comportamento linear. Isso significa que podem ser aplicados os princípios da proporcionalidade e superposição, descritos a seguir. Com a teoria do hidrograma unitário é possível calcular a resposta da bacia a eventos de chuva diferentes, considerando que a resposta é uma soma das respostas individuais. Proporcionalidade

Para uma chuva efetiva de uma dada duração, o volume de chuva, que é igual ao volume escoado superficialmente, é proporcional à intensidade dessa chuva. Como os hidrogramas de escoamento superficial correspondem a chuvas efetivas de mesma duração, têm o mesmo tempo de base, considera-se que as ordenadas dos hidrogramas serão proporcionais à intensidade da chuva efetiva, como mostra a Figura 11. 2. Na figura observa-se que o hidrograma resultante da precipitação efetiva de 2 mm é duas vezes maior do que o hidrograma resultante da chuva efetiva de 1 mm, que é o hidrograma unitário. A vazão do ponto A é duas vezes menor do que a vazão no ponto B e a vazão no ponto D é duas vezes maior do que a do ponto C, e assim para todos os valores de vazão dos hidrogramas é respeitada a mesma proporção.

Figura 11. 2: Ilustração do princípio da proporcionalidade na teoria do hidrograma unitário.

Superposição

As vazões de um hidrograma de escoamento superficial, produzidas por chuvas efetivas sucessivas, podem ser encontradas somando as vazões dos hidrogramas de escoamento superficial correspondentes às chuvas efetivas individuais.

113

A Figura 11. 3 ilustra o princípio da superposição, mostrando como o hidrograma de resposta de duas chuvas unitárias sucessivas pode ser obtido somando dois hidrogramas unitários deslocados no tempo por uma diferença D, que, neste caso, é a duração da chuva.

25 P2 P1 Q1=f (P1) Q2=f (P2) Q total

Vazão (l/s)

20 15 10 5 0 0

0.05

0.1

0.15

0.2

0.25

Tempo (horas) Figura 11. 3: Ilutração do princípio da superposição de hidrogramas.

Convolução Aplicando os princípios da proporcionalidade e da superposição é possível calcular os hidrogramas resultantes de eventos complexos, a partir do hidrograma unitário. Este cálculo é feito através da convolução. Em matemática, particularmente na área de análise funcional, convolução é um operador que, a partir de duas funções, produz uma terceira. O conceito de convolução é crucial no estudo de sistemas lineares invariantes no tempo, como é o caso da teoria do hidrograma unitário (veja definição na Wikipedia). O hidrograma unitário é, normalmente, definido como uma função em intervalos de tempo discretos. A vazão em um intervalo de tempo t é calculada a partir da convolução entre as funções Pef (chuva efetiva) e h (ordenadas do hidrograma unitário discreto). t

Q t = ∑ Pef i ht −i +1 Qt =

i =1 t

∑ Pef i ht −i +1

para t < k para t ≥ k

i =t − k+1

onde: Qt é a vazão do escoamento superficial no intervalo de tempo t; h é a vazão por unidade de chuva efetiva do HU; Pef é a precipitação efetiva do bloco i; k é o número de ordenadas do hidrograma unitário, que pode ser obtido por k = n – m +1, onde m é o número de pulsos de precipitação e n é o número de valores de vazões do hidrograma.

114

A convolução discreta fica mais clara quando colocada na forma matricial. Considerando uma chuva efetiva formada por 3 blocos de duração D cada um, ocorrendo em seqüência, e uma bacia cujo hidrograma unitário para a chuva de duração D é dado por 9 ordenadas de duração D cada uma, a aplicação da convolução para calcular as vazões Qt no exutório da bacia seria:

Q1 = Pef1.h1 Q2 = Pef2.h1+ Pef1.h2 Q3 = Pef3.h1 +Pef2.h2+ Pef1.h3 Q4 = Q5 = Q6 = Q7 = Q8 =

Pef3.h2+ Pef2.h3+Pef1.h4 Pef3.h3+Pef2.h4+Pef1.h5 Pef3.h4+Pef2.h5+Pef1.h6 Pef3.h5+Pef2.h6+Pef1.h7 Pef3.h6+Pef2.h7+Pef1.h8

Q9 =

Pef3.h7+Pef2.h8+Pef1.h9

Q10 =

Pef3.h8+Pef2.h9

Q11=

Pef3.h9

Neste caso m=3 porque a chuva é definida por três blocos, k=9 porque o hidrograma unitário tem 9 ordenadas e n=11 porque a duração total do escoamento resultante é de 11 intervalos de duração D cada um. A convolução para o cálculo das vazões usando o HU é uma tarefa trabalhosa. Normalmente o HU é utilizado como um módulo dentro de um modelo hidrológico, e sua aplicação é facilitada.

EXEMPLO

1) Repetidas medições mostraram que uma pequena bacia respondia sempre da mesma forma à chuvas efetivas de 10 mm e de meia hora de duração,

115

apresentando um hidrograma unitário definido pela tabela A abaixo. Calcule qual é a resposta da bacia ao evento de chuva definido pela tabela B. Tabela A: Hidrograma unitário Intervalo de tempo Tempo (horas) H (m3.s-1/10mm)

1 0,5 0,5

2 1,0 2,0

3 1,5 4,0

4 2,0 7,0

5 2,5 5,0

6 3,0 3,0

7 3,5 1,8

8 4,0 1,5

9 4,5 1,0

Tabela B: Evento de chuva Intervalo de Tempo 1 2 3

Intervalo de Tempo 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

Chuva efetiva mm 20 25 10

Tempo (horas)

Chuva efetiva (multiplos de 10 mm) 2.0 2.5 1.0

0,5 1,0 1,5

Chuva efetiva (mm) 20 25 10

1

2

0.5 1.0 1.3 0.5

2.0 4.0 5.0 2.0

Ordenadas do Hidrograma unitário 3 4 5 6 7 4.0

8.0 10.0 4.0

7.0

14.0 17.5 7.0

5.0

10.0 12.5 5.0

3.0

6.0 7.5 3.0

1.8

3.6 4.5 1.8

8

9

1.5

1.0

3.0 3.8 1.5

2.0 2.5 1.0

Q 1.0 5.3 13.5 26.0 31.5 25.5 16.1 10.5 7.6 4.0 1.0

A resposta da bacia é calculada por convolução da função Pef que é a chuva efetiva e da função H que é a função que descreve o hidrograma unitário, como mostrado abaixo.

Portanto o hidrograma de saída tem 11 intervalos de tempo de meia hora cada um, e a vazão máxima ocorre no quinto intervalo, atingindo 31,5 m3.s-1.

116

Obtenção do Hidrograma Unitário em uma bacia com dados de chuva e vazão O hidrograma unitário de uma bacia hidrográfica pode ser estimado observando a sua resposta a chuvas de curta duração. A forma do hidrograma unitário depende da duração da chuva. Para determinar o HU em uma bacia hidrográfica, é necessário dispor de registros de vazão e precipitação simultâneos. Recomenda-se identificar eventos causados por chuvas que tenham uma duração entre 1/3 a 1/5 do tempo de concentração. De preferência são utilizados eventos simples, com chuvas de curta duração e mais ou menos constantes. Para cada evento de chuva e vazão com estas características, o hidrograma unitário para esta duração de chuva pode ser obtido através dos passos descritos a seguir. 1) Calcular o volume de água precipitado sobre uma bacia hidrográfica, que é dado por Vtot = Ptot . A onde: Vtot é o volume total precipitado sobre a bacia; Ptot: é a precipitação; e A é a área de drenagem da bacia. 2) Fazer a separação do escoamento superficial, onde para cada instante t, a vazão que escoa superficialmente é a diferença entre a vazão observada e a vazão de base Qe = Qobs – Qb onde: Qe é a vazão que escoa superficialmente; Qobs é a vazão observada no posto fluviométrico; e Qb é a vazão base. 3) Determinar o volume escoado superficialmente, calculando a área do hidrograma superficial, que pode ser obtida conforme Ve = ΣQei . ∆t onde: Vê é o volume escoado superficialmente; Qei é a vazão que escoa superficialmente; e ∆t: intervalo de tempo dos dados. 4) Determinar o coeficiente de escoamento

C=

Ve Vtot

117

onde: Ve é o volume escoado superficialmente; Vtot: volume total precipitado sobre a bacia hidrográfica. 5) Determinar a chuva efetiva, multiplicando-se a chuva total pelo coeficiente de escoamento Pef = C . Ptot onde: Pef é a chuva efetiva; C é o coeficiente de escoamento e Ptot é a precipitação total. 6) Determinar as ordenadas do HU

Qu =

Pu × Qe Pef

onde: Qu é a ordenada do hidrograma unitário; Pu é a chuva chuva unitária (10 mm, 1 mm); Pef é a precipitação efetiva; Qe é a ordenada do hidrograma de escoamento superficial. Analisando graficamente vários hidrogramas de eventos de chuvas intensas e de duração curta, todos eles apresentando mais ou menos a mesma duração de chuva, é possível identificar as características do hidrograma unitário da bacia para esta duração, como mostra a Figura 11. 4. Neste caso estão apresentados 4 hidrogramas resultantes de chuvas de curta duração em uma mesma bacia. Embora a intensidade das chuvas tenha sido diferente em cada um dos eventos, e as vazões máximas tenham sido diferentes em cada caso, os hidrogramas foram Figura 11. 4: Hidrogramas observados adimensionalizados sobrepostos para gerar o HU de uma bacia com dados (adaptado de Dingman, 2002). adimensionalizados pelo total de chuva efetiva, conforme descrito antes, e apresentam mais ou menos a mesma vazão de pico e o mesmo volume.

118

Outro método para obter o hidrograma unitário em uma bacia com dados de chuva e vazão é baseado na deconvolução, ou a convolução inversa. Neste caso repete-se o procedimento descrito no exemplo de aplicação da convolução, porém considerando como incógnitas as ordenadas do hidrograma unitário, e como conhecidas as vazões de saída do hidrograma em cada intervalo de tempo. Os valores das ordenadas do hidrograma unitário podem ser obtidos por otimização, minimizando as diferenças entre as vazões finais calculadas e observadas. Para eventos relativamente simples é possível utilizar a ferramenta Solver da planilha Excel para resolver este problema. Neste caso o objetivo da otimização pode ser minimizar a soma das diferenças entre as vazões calculadas e observadas elevadas ao quadrado. Uma planilha Excel disponível na página Web da disciplina ilustra este procedimento. Existem muitas dificuldades para a obtenção do hidrograma unitário a partir dos dados de chuva e vazão observados na bacia. Em primeiro lugar, os dados são de chuva observada não de chuva efetiva. É necessário estimar a chuva efetiva em cada intervalo de tempo. Em segundo lugar, a vazão observada inclui parte de escoamento subsuperficial ou subterrâneo (escoamento de base), e por isso o HU obtido vai depender das hipóteses feitas na separação de escoamento.

Hidrograma Unitário sintético A situação mais freqüente, na prática, é o da inexistência de dados históricos. Neste caso é necessário utilizar um hidrograma unitário sintético, ou um hidrograma unitário obtido a partir da análise do relevo, denominado hidrograma unitário geomorfológico. Os hidrogramas unitários sintéticos foram estabelecidos com base em dados de algumas bacias e são utilizados quando não existem dados que permitam estabelecer o HU, conforme apresentado no item a seguir. Os métodos de determinação do HU baseiam-se na determinação do valor de algumas características do hidrograma, como o tempo de concentração, o tempo de pico, o tempo de base e a vazão de pico.

Figura 11. 5: Características importantes do hidrograma para a definição de HU sintético.

A Figura 11. 5 apresenta um hidrograma resultante da ocorrência de uma chuva, em que se conhece o valor da chuva efetiva em três intervalos de tempo.

119

O tempo de concentração é definido como o intervalo de tempo entre o final da ocorrência de chuva efetiva e o final do escoamento superficial, conforme mostrado na figura. O tempo entre picos é definido como o intervalo entre o pico da chuva efetiva e o pico da vazão superficial. O tempo de retardo é definido como o intervalo de tempo entre os centros de gravidade do hietograma (chuva efetiva) e do hidrograma superficial. O tempo de pico é definido como o tempo entre o centro de gravidade do hietograma (chuva efetiva) e o pico do hidrograma. Com base nestas definições é que pode-se caracterizar o Hidrograma Unitário Sintético adimensional do SCS. Hidrograma Unitário Sintético triangular do SCS

A partir de um estudo com um grande número de bacias e de hidrogramas unitários nos EUA, técnicos do Departamento de Conservação de Solo (Soil Conservation Service – atualmente Natural Resources Conservation Service) verificaram que os hidrogramas unitários podem ser aproximados por relações de tempo e vazão estimadas com base no tempo de concentração e na área das bacias. Para simplificar ainda mais, o hidrograma unitário pode ser aproximado por um triângulo, definido pela vazão de pico e pelo tempo de pico e pelo tempo de base, conforme a Figura 11. 6. As relações identificadas, que permitem calcular o hidrograma triangular são descritas abaixo, de acordo com o texto de Chow et al. (1988). Figura 11. 6: Forma do hidrograma unitário sintético triangular do SCS.

O tempo de pico tp do hidrograma pode ser estimado como 60% do tempo de concentração:

t p = 0,6 ⋅ t c

120

onde tp é o tempo de pico (veja Figura 11. 6) e tc é o tempo de concentração da bacia, que pode ser estimado por uma das equações apresentadas no capítulo 3. O tempo de subida do hidrograma Tp pode ser estimado como o tempo de pico tp mais a metade da duração da chuva D, assim: Tp = t p +

D 2

O tempo de base do hidrograma (tb) é aproximado por: t b = T p + 1,67 ⋅ T p

o que significa que o tempo de recessão do hidrograma triangular, a partir do pico até retornar a zero, é 67% maior do que o tempo de subida. A vazão de pico do hidrograma unitário triangular é estimada por:

qp =

0,208. A Tp

onde Tp é dado em horas, a área da bacia (A) é dada em Km2, e o resultado qp é a vazão de pico por mm de chuva efetiva.

EXEMPLO

2) Construa um hidrograma unitário para a chuva de duração de 10 minutos em uma bacia de 3,0 Km2 de área de drenagem, comprimento do talvegue de 3100 m, ao longo do qual existe uma diferença de altitude de 93 m.

A primeira etapa é calcular o tempo de concentração da bacia. Utilizando a equação de Watt e Chow (ver capítulo 3) temos:

 L  t c = 7 ,68 ⋅  0 , 5  S 

0 ,79

   3,1 = 7 ,68 ⋅  0 ,5   93   3100  

      

0 ,79

= 1,25 horas

A duração da chuva D é de 10 minutos, conforme definido no enunciado do problema. O tempo de subida do hidrograma Tp, pode ser calculado a partir da duração da chuva e do tempo de pico. Na elaboração do HUT do SCS admite-se que o tempo de pico é igual a 60% do tempo de concentração.

121

t p = 0,6 ⋅ t c = 0,75 horas

e o tempo de subida do hidrograma é: Tp = t p +

D 10 = 0,75 + = 0,833horas 2 60 ⋅ 2

O tempo de base do hidrograma (tb) é aproximado por: t b = T p + 1,67 ⋅ T p = 2,67 ⋅ T p = 2, 22horas

A vazão de pico do hidrograma unitário triangular é: 0,208. A 0, 208.3,0 m3 1 qp = = = 0,749 ⋅ Tp 0,833 s mm

A figura e a tabela a seguir mostram o hidrograma unitário triangular resultante.

122

Tempo (minutos) 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 110 120 130

Vazão (m3/s por mm) 0.00 0.15 0.30 0.45 0.60 0.75 0.66 0.57 0.48 0.39 0.30 0.21 0.12 0.03

Hidrograma Unitário Sintético adimensional do SCS

O hidrograma unitário sintético adimensional do SCS é semelhante em alguns aspectos com o hidrograma unitário triangular, porém apresenta uma forma mais suave, definida pelos valores da Tabela 11. 1 e pela Figura 11. 7. O HU sintético adimensional é mais realista do que o hidrograma triangular, porque aproxima a resposta como uma curva suavizada, mas o HU triangular é muito popular, porque é simples.

Tabela 11. 1: Hidrograma unitário sintético adimensional do SCS.

t/Tp 0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 1,0

q/qp 0,000 0,030 0,100 0,190 0,310 0,470 0,660 0,820 0,930 0,990 1,000

t/Tp 1,1 1,2 1,3 1,4 1,5 1,6 1,7 1,8 1,9 2,0 2,2

q/qp 0,990 0,930 0,860 0,780 0,680 0,560 0,460 0,390 0,330 0,280 0,207

t/Tp 2,4 2,6 2,8 3,0 3,2 3,4 3,6 3,8 4,0 4,5 5,0

q/qp 0,147 0,107 0,077 0,055 0,040 0,029 0,021 0,015 0,011 0,005 0,000

123

Figura 11. 7: Hidrograma unitário sintético adimensional do SCS.

Histograma Tempo-Área Uma forma de estimar a resposta de uma bacia hidrográfica às chuvas é o Histograma Tempo-Área. Neste método procura-se definir os tempos de deslocamento do escoamento superficial desde o local de origem até o exutório da bacia. Como cada porção da bacia tem um tempo de deslocamento diferente, em função da distância e da declividade, a resposta da bacia pode ser analisada na forma de um histograma. O Histograma Tempo-Área (HTA) pode ser obtido identificando linhas isócronas sobre a bacia e medindo a área entre cada par de isócronas, ou analisando uma bacia através do modelo digital de elevação. As isócronas são as linhas que definem um mesmo tempo de deslocamento até o exutório da bacia. É possível construir um Hidrograma Unitário a partir do Histograma Tempo-Área, porém o HU resultante pode ter uma resposta muito rápida e resultar em superestimativas da vazão máxima. Isto ocorre porque o HTA representa o processo de translação da água na bacia, mas subestima o armazenamento ao longo dos cursos d’água.

124

Uma forma de corrigir os problemas do HU obtido a partir do HTA é combinar o HTA com um reservatório linear simples. Este procedimento é conhecido como Hidrograma Unitário de Clark.

Hidrograma Unitário e a vazão de base O HU é aplicado para representar a resposta da bacia à entrada de chuva efetiva. A vazão calculada pelo HU refere-se somente ao escoamento superficial. Normalmente, a bacia também apresenta uma vazão de base, cuja origem é o escoamento subterrâneo, que não é levada em conta nos cálculos com o HU. Para considerar a vazão de base é necessário somar a resposta da bacia, calculada usando o HU, aos valores da vazão de base. Em muitos casos a vazão de base representa apenas uma pequena fração da vazão total durante um evento de chuva mais intenso. Assim, quando o objetivo do cálculo é estimar a vazão máxima em uma pequena bacia, a vazão de base pode até mesmo ser desprezada, especialmente se a bacia for fortemente urbanizada.

EXEMPLO

3) Uma bacia tem um HU para o evento de 10 mm de chuva efetiva e meia hora de duração dado na tabela A. Calcule qual é a resposta da bacia ao evento de chuva definido pela tabela B. Considere uma vazão de base constante e igual a 2 m3.s-1. Tabela A: Hidrograma unitário Intervalo de tempo Tempo (horas) H (m3.s-1/10mm)

1 0,5 0,5

2 1,0 2,0

3 1,5 4,0

4 2,0 7,0

5 2,5 5,0

Tabela B: Evento de chuva Intervalo de Tempo 1 2 3

Tempo (horas) 0,5 1,0 1,5

Chuva efetiva (mm) 20 25 10

125

6 3,0 3,0

7 3,5 1,8

8 4,0 1,5

9 4,5 1,0

A resposta da bacia é calculada por convolução da função Pef que é a chuva efetiva e da função H que é a função que descreve o hidrograma unitário, como no exemplo 1, e ao final é acrescido o valor da vazão de base.

t 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

P efet. mm 20 25 10

P efet. (mult. 10 mm) 2.0 2.5 1.0

1 0.5 1.0 1.3 0.5

2 2.0 4.0 5.0 2.0

3 4.0

8.0 10.0 4.0

4 7.0

14.0 17.5 7.0

5 5.0

10.0 12.5 5.0

6 3.0

6.0 7.5 3.0

7 1.8

3.6 4.5 1.8

8 1.5

3.0 3.8 1.5

9 1.0

2.0 2.5 1.0

Qsup 1.0 5.3 13.5 26.0 31.5 25.5 16.1 10.5 7.6 4.0 1.0

Qbase 2.0 2.0 2.0 2.0 2.0 2.0 2.0 2.0 2.0 2.0 2.0

Qtotal 3.0 7.3 15.5 28.0 33.5 27.5 18.1 12.5 9.6 6.0 3.0

Hidrograma Unitário para chuvas de diferentes durações O HU depende da duração da chuva. Uma bacia pode ter um HU para o evento de chuva de 1 hora de duração e outro, ligeiramente diferente, para o evento de chuva de 2 horas de duração. Quando o HU para uma determinada duração de chuva é conhecido, é possível calcular o HU para outra duração qualquer. Se a duração desconhecida for um múltiplo da duração conhecida basta aplicar os princípios da superposição e proporcionalidade. Se existe um HU de 1 hora (entende-se causado por uma chuva de 1 hora de duração), é possível achar o HU resultante de uma chuva unitária de 2 h, plotando dois HUs de 1 hora, deslocados de 1 hora e extraindo a média aritmética das ordenadas. Nos casos gerais o HU para uma duração de chuva qualquer pode ser obtido através da curva S. A curva S é o HU de resposta de uma bacia a uma precipitação unitária de duração infinita. A curva S pode ser obtida a partir de um HU conhecido, acumulando progressivamente as ordenadas do HU original. A grande utilidade da curva S é que ela permite o cálculo de HUs de qualquer duração; para isso se desloca a curva S um intervalo de tempo D2, igual à duração do HU

126

desejado. As ordenadas desse HU procurado são calculadas pela diferença entre as duas curvas S, corrigidas pela relação D1/D2 (onde D1 é a duração da chuva que originou a curva S e D2 é a duração da chuva do novo HU).

EXEMPLO

4) Use o HU obtido para a chuva de 1 hora de duração para estimar o HU correspondente à chuva de 1 ½ hora de duração no mesmo local.

Tabela A: Hidrograma unitário Intervalo de tempo Tempo (horas) H (m3.s-1/10mm)

1 0,5 0,5

2 1,0 2,0

3 1,5 4,0

4 2,0 7,0

5 2,5 5,0

6 3,0 3,0

7 3,5 1,8

8 4,0 1,5

9 4,5 1,0

Em construção...

Limitações do Hidrograma Unitário A idéia do Hidrograma Unitário é muito útil para representar o comportamento de uma bacia no que se refere à geração de escoamento. Hidrogramas Unitários sintéticos formam a base de muitos modelos hidrológicos amplamente utilizados para calcular vazões máximas de projeto, e tem funcionado relativamente bem. Entretanto, boa parte das premissas utilizadas não são inteiramente corretas: tempo de base igual; chuva efetiva gerada uniformemente na bacia; chuva efetiva gerada de forma idêntica em todos os eventos; lineariedade (podemos somar efeitos). O escoamento não é gerado de forma uniforme em toda a bacia. As áreas preferenciais de geração de escoamento são as áreas impermeabilizadas por ação do homem ou as áreas com solos saturados ou próximos da saturação, localizadas na região próxima à rede de drenagem. O escoamento ocorre mais rapidamente para eventos maiores do que para eventos menores. Assim a lineariedade não se mantém.

127

Exercícios 1) Elabore o Histograma Temp-Área para a bacia da figura abaixo, considerando que o escoamento de cada célula segue a direção das setas e que o tempo de passagem através de cada célula é de 20 minutos, independentemente da direção do escoamento. O exutório está identificado pela seta mais escura.

2) Utilize o Excel para calcular o hidrograma de resposta de uma bacia com HU conhecido (tabela A), considerando conhecida a chuva total (não efetiva) sobre a bacia (tabela B). Considere que o valor do coeficiente CN é 80. Tabela A: Hidrograma unitário Intervalo de tempo Tempo (horas) 3 -1 H (m .s /10mm)

1 0,5 0,5

2 1,0 2,0

3 1,5 4,0

4 2,0 7,0

5 2,5 5,0

Tabela B: Chuva total ocorrida na bacia. Tempo (min) 30 60 90 120 150

Precipitação (mm) 9 18 24 16 9

128

6 3,0 3,0

7 3,5 1,8

8 4,0 1,5

9 4,5 1,0

3) Construa um hidrograma unitário para a chuva de duração de 15 minutos em uma bacia de 7,0 Km2 de área de drenagem, comprimento do talvegue de 10 Km, ao longo do qual existe uma diferença de altitude de 200 m. 4) Calcule a resposta da bacia do problema anterior à chuva total dada na tabela abaixo. Considere que o valor do coeficiente CN é 75. Tabela C: Chuva total ocorrida na bacia. Tempo (min) 15 30 45 60

Precipitação (mm) 29 28 4 26

129

I N T R O D U Z I N D O

H I D R O L O G I A

Capítulo

12 Escoamento de base

O

conhecimento do comportamento da vazão de um rio durante longos períodos de estiagem é fundamental em diversos problemas na hidrologia e gestão de recursos hídricos. É durante as estiagens que, em geral, ocorrem as situações mais críticas do ponto de vista ambiental. Também é durante as estiagens que os conflitos entre os diferentes usos da água tendem a ser mais intensos. Durante os períodos sem chuva, o escoamento natural nos rios é, as vezes, denominado escoamento de base, porque apresenta uma variação muito menor do que a variação observada durante os eventos chuvosos. O escoamento de base é mantido pela água subterrânea existente nos aqüíferos da bacia. A água subterrânea tem sua origem principal na água da chuva que infiltra no solo e percola para camadas mais profundas. Ao longo de um período longo de chuvas é grande a quantidade de água que atinge os aqüíferos, especialmente o aqüífero superficial. Durante estes períodos o nível da água subterrânea se eleva. Por outro lado, ao longo de períodos secos, a água armazenada no subsolo vai sendo descarregada para as nascentes dos rios e o nível da água subterrânea diminui. Entretanto, ao contrário do escoamento superficial, o fluxo de água subterrânea é, normalmente, muito lento. A parte decrescente de um hidrograma após um evento de chuva, conhecida como recessão do hidrograma, reflete a diminuição do nível da água no ou nos aqüíferos de uma bacia ao longo do tempo. O momento a partir do qual pode se dizer que toda a vazão de um rio tem origem subterrânea corresponde ao momento final da chuva mais o período de tempo correspondente ao tempo de concentração da bacia, aproximadamente. A recessão dos hidrogramas freqüentemente tem a forma de uma exponencial decrescente. Em regiões com chuvas marcadamente sazonais isto pode ser facilmente verificado. Como exemplo, a próxima figura apresenta um hidrograma de vazões observadas no rio dos Bois, no Estado de Goiás, ao longo de quatro anos entre 1990 e 1993. Nesta região as chuvas se concentram no período de dezembro a março e os

meses de junho a setembro são extremamente secos. O hidrograma reflete esta característica climática apresentando vários picos de vazão nos meses de verão e uma longa recessão, raramente interrompida por pequenos aumentos da vazão, ao longo dos meses de inverno. Destacando o período de estiagem de junho a setembro de 1991, é possível verificar o comportamento típico da recessão do hidrograma deste rio, como mostra a próxima figura. Quando representado em escala logarítmica, o hidrograma durante a estiagem mostra um comportamento semelhante a uma linha reta. Isto sugere que o comportamento da vazão do rio dos Bois ao longo deste período pode ser representado por uma equação do tipo:

Figura 12. 1: Hidrograma do rio dos Bois, em Goiás, de 1990 a 1993, com respostas às chuvas de verão e recessões durante os meses de inverno.

−t

Q(t ) = Q0 ⋅ e k

(12.1)

onde t é o tempo; Q0 é a vazão num instante t0; Q(t) é a vazão num instante t (por exemplo: t dias após t0); e é a base dos logaritmos naturais; e k é uma constante (em unidades de t).

Figura 12. 2: a) Hidrograma do rio dos Bois (GO) durante os meses de estiagem de 1991; b) o mesmo hidrograma representado em escala logarítmica e aproximado por uma linha reta.

131

Esta aproximação da curva de recessão de vazão utilizando uma equação exponencial decrescente é válida para um grande número de casos e pode ser utilizada para prever qual será a vazão de um rio após alguns dias, conhecendo a vazão no tempo atual, considerando que não ocorra nenhuma chuva. A maior dificuldade para resolver este tipo de

problema é estimar o valor da constante k, mas isto pode ser feito utilizando dois valores conhecidos de vazão espaçados por um intervalo de tempo ∆t., e rearranjando a equação exponencial, como mostra a equação a seguir: k=

− ∆t  Q(t + ∆t )   ln   Q  t ( )  

(12.2)

O valor de k depende das características físicas da bacia, em especial as suas características geológicas. Bacias localizadas em regiões onde predominam as rochas sedimentares normalmente tem maior capacidade de armazenamento de água subterrânea e os rios que drenam estas áreas apresentam valores de k relativamente altos. Bacias localizadas em regiões de rochas pouco porosas, como o basalto, tendem a apresentar valores de k mais baixos.

EXEMPLO

1) Durante uma longa estiagem de um rio foram feitas duas medições de vazão, com quatro dias de intervalo entre si, conforme a tabela abaixo. Qual seria a vazão esperada para o dia 31 de agosto do mesmo ano, considerando que não ocorre nenhum evento de chuva neste período? Data 14/agosto 15/agosto 16/agosto 17/agosto 18/agosto

Vazão 60.1 57.6

Espera-se que o comportamento do hidrograma na recessão seja bem representado por uma curva exponencial decrescente. A constante k pode ser estimada considerando os dois valores de vazão conhecidos (60,1 e 57,6), separados por 4 dias.

k=

−4 ≅ 94  57,6  ln    60,1 

Portanto, a constante k tem valor de 94 dias. A vazão no dia 31 de agosto pode ser estimada a partir da vazão do dia 18, considerando a diminuição que ocorre ao longo dos 13 dias que separam estas duas datas:

132

−13

Q(t ) = 57,6 ⋅ e 94 ≅ 50,2 Portanto, a vazão esperada no dia 31 de agosto seria de 50,2 m3.s-1.

A idéia do reservatório linear simples O balanço hídrico geral de água subterrânea em uma bacia hidrográfica pode ser representado pelas mesmas equações apresentadas nos capítulos iniciais: ∆V = G − E −Q ∆t

onde ∆V é a variação do volume de água armazenado no aqüífero da bacia (m3); ∆t é o intervalo de tempo considerado (s); G é a percolação do solo para o aquífero (m3.s-1); E é a evapotranspiração (m3.s-1); e Q é o escoamento (m3.s-1). Normalmente a evapotranspiração diretamente a partir do aqüífero é nula e num período de estiagem o fluxo de percolação entre o solo e o subsolo (G) pode ser considerado desprezível. Assim, a equação acima pode ser reescrita, para um intervalo de tempo infinitesimal: dV = −Q dt

Aproximar a curva de recessão de um hidrograma durante uma longa estiagem por uma equação exponencial decrescente equivale a admitir a idéia que a relação entre armazenamento de água subterrânea e descarga do aqüífero para o rio é linear, como na equação a seguir: Q=

V k

ou V = Q ⋅ k

onde V é o volume de água armazenado pelo aqüífero (m3); Q é a vazão que passa pelo rio durante a estiagem, que é equivalente à descarga do aqüífero (m3.s-1); e k é uma constate com unidades de tempo (s). Substituindo a relação linear na equação de balanço hídrico simplificada, obtém-se a relação: k

dQ =Q dt

133

A solução desta equação diferencial resulta numa equação exponencial decrescente, como apresentada na seção anterior deste capítulo: −t

Q(t ) = c ⋅ e k Durante uma estiagem uma bacia se comporta de forma semelhante a um reservatório linear simples, em que a vazão descarregada é proporcional ao volume armazenado.

−t

ou

Q(t ) = Q0 ⋅ e k

Isto significa que, apesar de toda a complexidade existente no armazenamento e no fluxo de água subterrânea de uma bacia, a relação entre volume de água armazenado e vazão é aproximadamente linear. Esta afirmação é válida para condições de estiagem, na maior parte dos rios do mundo.

Separação de escoamento Hidrogramas observados em postos fluviométricos podem ser analisados com o objetivo de identificar a parcela do escoamento que tem origem no escoamento superficial e a parcela do escoamento que tem origem no escoamento subterrâneo. Esta análise é baseada em métodos de separação de escoamento. Ao longo do tempo diversos métodos foram propostos para a separação do escoamento. A separação de escoamento pode servir para separar apenas o escoamento superficial de uma bacia, o que é importante em estimativas do hidrograma unitário. Por outro lado, o cálculo da parcela do escoamento subterrâneo pode ser utilizado para estimar a recarga média dos aqüíferos em uma análise regional. Em estimativas expeditas, não muito confiáveis, a relação entre a Q90 e a Q50 de uma curva de permanência de um rio (veja capítulo de estatística) pode ser usada para estimar a proporção de escoamento de base, ou subterrâneo, em relação ao escoamento total. Em estimativas mais complexas podem ser utilizados isótopos, ou análises químicas, para identificar as diferentes origens da água que escoam num rio a cada momento. Mais comuns, entretanto, são os métodos de separação de escoamento baseados na análise dos hidrogramas. Estes métodos têm uma certa base física, mas têm, também, uma boa dose de componentes arbitrários para definir a linha que separa o escoamento subterrâneo do superficial durante um evento de chuva. Um método muito utilizado está ilustrado na Figura 12. 3 e supõe que o escoamento superficial termina D dias após o pico de vazão, sendo que D pode ser estimado por uma equação empírica proposta por Linsley: D = 0,827 ⋅ A0 , 2

(12.3)

134

onde A é a área da bacia em Km2 e D é dado em dias.

Figura 12. 3: Separação de escoamento superficial e subterrâneo através da análise da forma do hidrograma e de estimativa de duração do escoamento superficial.

A duração D permite identificar o ponto c na figura, que é o momento a partir do qual o escoamento subterrâneo volta a responder por 100% da vazão do rio. O ponto a é identificado como o momento em que inicia a ascensão do hidrograma, e o ponto b é obtido estendendo a curva de recessão a partir do ponto a até o tempo em que ocorre o pico de vazão.

Outros métodos de separação de escoamento, definem o ponto de término do escoamento superficial como o ponto de inflexão (derivada segunda igual a zero) ou de máxima curvatura (derivada segunda máxima) da recessão do hidrograma. Alguns destes métodos estão ilustrados na Figura 12. 4. Os métodos de separação de escoamento ilutrados nestas figuras podem ser aplicados com relativa facilidade a eventos isolados de chuva, que provocam um hidrograma simples, com ascensão, pico e recessão bem caracterizados. No entanto, em hidrogramas mais extensos, ao longo de um ano ou mais de observações, por exemplo, estas técnicas são um pouco limitadas. Neste caso é mais adequado estimar o escoamento de base usando filtros digitais, ou filtros numéricos. Figura 12. 4: Métodos de separação de escoamento superficial.

Separação de escoamento usando filtros Filtros numéricos ou digitais podem ser utilizados para separar hidrogramas em suas componentes superficial e subterrânea, de forma aproximada. Na aplicação de filtros supõe-se que a vazão total do hidrograma (y) num certo intervalo de tempo (i) é

135

formada por duas componentes: escoamento superficial (f) e escoamento subterrâneo (b). Isto significa que num intervalo de tempo qualquer: (12.4)

y i = f i + bi onde i representa o intervalo de tempo considerado.

Considerando que existe uma relação linear entre armazenamento de água nos aqüíferos e vazão, durante os períodos de estiagem, pode-se considerar que, nos períodos sem recarga do aqüífero a equação abaixo é válida:

bi +1 = bi ⋅ e

− ∆t k

(12.5)

onde k é a constante de recessão e ∆t é o tamanho do intervalo de tempo entre i e i+1. Esta mesma equação pode ser expressa por:

bi +1 = bi ⋅ a

(12.6)

onde a=e

− ∆t k

(12.7)

Uma forma simples de estimar o valor de bi para cada intervalo de tempo i foi proposta por Lyne e Hollick em 1979 e depois modificada por Chapman, em 1991 (veja Eckhardt, 2008): bi =

a 1− a ⋅ bi −1 + ⋅ yi 2−a 2−a

(12.8)

onde o termo a está explicado acima no texto. Se a aplicação desta equação resultar em um valor bi > yi, então bi = yi. Este tipo de filtro funciona relativamente bem para bacias com relativamente pouca contribuição de escoamento subterrâneo no escoamento total. No caso de bacias com contribuição subterrânea maior, um filtro com dois parâmetros foi proposto por Eckhardt (2005):

bi =

(1 − BFI max ) ⋅ a ⋅ bi −1 + (1 − a ) ⋅ BFI max ⋅ yi 1 − a ⋅ BFI max

(12.9)

limitado a valores bi menores ou iguais a yi, como no caso anterior, e onde a está definido acima e BFImax é o máximo percentual de escoamento subterrâneo que o filtro permite calcular. Os valores sugeridos para BFImax são:

136

BFImax = 0,80 (rios perenes e aqüíferos porosos); BFImax = 0,50 (rios efêmeros ou intermitentes e aqüíferos porosos); BFImax = 0,25 (rios perenes e aqüíferos impermeáveis). Uma forma alternativa de estimar BFImax poderia ser obtida estendendo a curva de recessão, de trás para frente no tempo: bi =

bi +1 a

(12.10)

limitado a valores bi menores ou iguais a yi, como nos casos anteriores. A Figura 12. 5 mostra o hidrograma do rio dos Bois durante um período chuvoso entre duas estações secas. A aplicação do filtro A (equação 12.8) resulta num escoamento de base extremamente afastado do hidrograma observado, o que está incorreto, especialmente no período de recessão a partir do mês de maio. A aplicação do filtro B (equação 12.9) resulta num escoamento de base mais próximo do hidrograma observado, e com boa concordância no período de recessão a partir de maio. Para Figura 12. 5: Hidrograma do rio dos Bois com separação de escoamento segundo diferentes métodos. a aplicação da equação 12.9 foi utilizado o valor de k (coeficiente de recessão) calculado como no exemplo 1, e o valor de BFImax foi calculado a partir de uma separação inicial do escoamento por uma equação de recessão aplicada inversamente no tempo (equação 12.10), de acordo com a equação a seguir: N

∑r

i

BFI max ≈

i =1 N

∑y

(12.11) i

i =1

137

onde ri é o hidrograma obtido a partir da aplicação da recessão (equação 12.10) e N é o número de intervalos de tempo do hidrograma. No exemplo da figura anterior o valor de BFImax obtido pela aplicação das equações 12.10 e 12.11 foi de 0,81. A aplicação do filtro da equação 12.9 com BFImax=0,81 resultou num hidrograma de escoamento de base cujo volume total representa 75% do volume total (BFI = 0,75). Este resultado sugere que 74% da vazão média anual do rio dos Bois neste local tenha origem no escoamento subterrâneo.

EXEMPLO

2) No período de 06 a 29 de junho de 2002 o rio Pelotas (SC e RS) no posto fluviométrico Passo do Socorro apresentou a série de vazões apresentada na tabela abaixo. Com base em recessões do hidrograma em períodos secos o valor da constante de recessão k foi estimado em 20 dias. Utilize um filtro para estimar o hidrograma da vazão de base. data 06/06/2002 07/06/2002 08/06/2002 09/06/2002 10/06/2002 11/06/2002 12/06/2002 13/06/2002 14/06/2002 15/06/2002 16/06/2002 17/06/2002 18/06/2002 19/06/2002 20/06/2002 21/06/2002 22/06/2002 23/06/2002 24/06/2002 25/06/2002 26/06/2002 27/06/2002 28/06/2002 29/06/2002

Qobs 58,8 69,5 284,0 787,5 773,5 633,5 1355,0 2275,0 1571,0 1503,5 914,2 791,0 1071,0 433,2 320,2 279,0 261,6 220,0 187,4 164,0 142,6 137,5 125,6 113,7

A bacia do rio Pelotas apresenta solos e geologia que não favorecem a infiltração da água. Portanto espera-se um escoamento de base relativemente baixo. Neste caso pode ser utilizado o filtro da equação 12.8. Considerando que k=20 dias, e que o intervalo de tempo entre os dados observados é de 1 dia:

a=e

− ∆t k

−1

= e 20 ≅ 0,95

138

Com base neste valor o filtro fica: bi =

a 1− a ⋅ bi −1 + ⋅ y i = 0,907 ⋅ bi −1 + 0,047 ⋅ y i 2−a 2−a

Considerando que no primeiro intervalo de tempo 100% da vazão tem origem subterrânea a equação acima pode ser utilizada para estimar a vazão de base nos intervalos de tempo seguintes: b1 = y1 = 58,8 b2 = 0,907b1+0,047y2 =56,5 e assim por diante, resultando na tabela abaixo: data 06/06/2002 07/06/2002 08/06/2002 09/06/2002 10/06/2002 11/06/2002 12/06/2002 13/06/2002 14/06/2002 15/06/2002 16/06/2002 17/06/2002 18/06/2002 19/06/2002 20/06/2002 21/06/2002 22/06/2002 23/06/2002 24/06/2002 25/06/2002 26/06/2002 27/06/2002 28/06/2002 29/06/2002

Dia 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24

Qobs 58,8 69,5 284,0 787,5 773,5 633,5 1355,0 2275,0 1571,0 1503,5 914,2 791,0 1071,0 433,2 320,2 279,0 261,6 220,0 187,4 164,0 142,6 137,5 125,6 113,7

Filtro 58,8 56,5 64,5 95,1 122,2 140,3 190,3 278,4 325,5 365,2 373,7 375,8 390,6 374,4 320,2 279,0 261,6 220,0 187,4 164,0 142,6 135,7 125,6 113,7

O gráfico correspondente está apresentado na figura acima. A soma das duas últimas colunas da tabela permite calcular o percentual da vazão total que corresponde ao escoamento de base (cerca de 35%). A subtração da vazão total menos a vazão de base permite estimar o escoamento superficial em cada intervalo de tempo.

139

Leituras adicionais O assunto dos filtros para separação de escoamento é clássico em hidrologia e um texto interessante sobre este assunto é “How to construct recursive digital filters for baseflow separation” de K. Eckhardt, publicado em Hydrological Processes Vol. 19 pp. 507-515 em 2005.

Exercícios 1) Explique como os filtros para separação de escoamento podem ser utilizados para estimar recarga de aqüíferos. 2) Durante uma longa estiagem de um rio foram feitas duas medições de vazão, conforme a tabela abaixo. Qual seria a vazão esperada para o dia 31 de agosto do mesmo ano, considerando que não ocorre nenhum evento de chuva neste período? data 14/ago 15/ago 16/ago 17/ago 18/ago 19/ago

Vazão (m3.s-1) 60.4 51.7

3) Durante uma longa estiagem de um rio foram feitas seis medições de vazão, conforme a tabela abaixo. Qual seria a vazão esperada para o dia 31 de agosto do mesmo ano, considerando que não ocorre nenhum evento de chuva neste período? Considere que durante a estiagem a bacia se comporte como um reservatório linear. Data 14/ago 15/ago 16/ago 17/ago 18/ago 19/ago

vazão 123.1 116.2 109.6 103.2 97.3 91.8

140

I N T R O D U Z I N D O

H I D R O L O G I A

Capítulo

13 Medição de vazão

V

azão é o volume de água que passa por uma determinada seção de um rio dividido por um intervalo de tempo. Assim, se o volume é dado em litros, e o tempo é medido em segundos, a vazão pode ser expressa em unidades de litros por segundo (l.s-1). No caso de vazão de rios, entretanto, é mais usual expressar a vazão em metros cúbicos por segundo (m3.s-1), sendo que 1 m3.s-1 corresponde a 1000 l.s-1 (litros por segundo).

Escoamento permanente e uniforme em canais O escoamento em rios e canais abertos é um fenômeno bastante complexo, sendo fortemente variável no espaço e no tempo. As variáveis fundamentais são a velocidade, a vazão, e o nível da água. Quando estas variáveis não variam ao longo do tempo em um determinado trecho do canal, o escoamento é chamado permanente. Quando as variáveis vazão, velocidade média e nível não variam no espaço o escoamento pode ser chamado de uniforme. A velocidade média de escoamento permanente uniforme em um canal aberto com declividade constante do fundo e da linha da água pode ser estimada a partir de equações relativamente simples, como as de Chezy e de Manning. A equação de Manning, apresentada a seguir, relaciona a velocidade média da água em um canal com o nível da água neste canal e a declividade. 2

R 3 ⋅S u= h n

1

2

onde u é a velocidade média da água em m.s-1; Rh é o raio hidráulico da seção transversal (descrito a seguir); S é a declividade (metros por metro, ou adimensional); e n é um coeficiente empírico, denominado coeficiente de Manning.

A Figura 13. 1 apresenta um perfil longitudinal de um canal escoando em regime permanente e uniforme.

Figura 13. 1: Perfil de um trecho de canal em regime de escoamento permanente e uniforme.

A Figura 13. 2 apresenta uma seção transversal do canal, supondo que o canal tem a forma retangular. A profundidade de escoamento é y e a largura do canal é B.

Figura 13. 2: Seção transversal de um canal em regime de escoamento permanente e uniforme.

Denomina-se perímetro molhado a soma dos segmentos da seção transversal em que a água tem contato com as paredes, isto é: P = B + 2y onde P é o perímetro molhado (m); B é a largura do canal (m); e y é a profundidade ou nível da água (m). O raio hidráulico é a relação entre a área de escoamento e o perímetro molhado, ou seja:

142

Rh =

A P

onde A é a área (B.y) e P o perímetro molhado. Das equações anteriores se deduz que quanto maior o nível da água y, maior a velocidade média da água no canal. O coeficiente n de Manning varia de acordo com o revestimento do canal. Canais com paredes muito rugosas, como os canais revestidos por pedras irregulares e os rios naturais com leito rochoso tem valores altos de n. Canais de laboratório, revestidos de vidro , por exemplo, podem ter valores relativamente baixos de n. Alguns valores de n de Manning para diferentes tipos de canais são dados na tabela a seguir. Tabela 13. 1: Valores de n de Manning para canais com diferentes tipos de revestimento de fundo e paredes (Hornberger et al., 1998). Tipo de revestimento Vidro (laboratório) Concreto liso Canal não revestido com boa manutenção Canal natural Rio de montanha com leito rochoso

n de Manning 0,01 0,012 0,020 0,024 a 0,075 0,075 a >1,00

A vazão em um canal pode ser calculada pelo produto da velocidade média vezes a área de escoamento, ou seja: 2

R 3 ⋅S Q = u ⋅ A = A⋅ h n

1

2

EXEMPLO

1) Qual é a vazão que escoa em regime permanente e uniforme por um canal de seção transversal trapezoidal com base B = 5 m e profundidade y = 2 m, considerando a declividade de 25 cm por km? Considere que a parede lateral do canal tem uma inclinação dada por m = 2, e que o canal não é revestido mas está com boa manutenção. Em um canal trapezoidal a área de escoamento é dada por A=

(B + B + 2 ⋅ m ⋅ y ) ⋅ y 2

onde B é a largura da base, y é a profundidade e m = cotg α, de acordo com a figura abaixo.

143

O perímetro molhado é dado por 2

P = B + 2 ⋅ y 2 + (m ⋅ y )

Portanto A = 18 m2 e P = 13,9 m. O raio hidráulico é Rh = 1,3 m. A declividade de 25 cm por km corresponde a S = 0,00025 m.m-1,o coeficiente de Manning para um canal não revestido com boa manutenção é de 0,020, então a vazão no canal é dada por 2

R 3 ⋅S Q = A⋅ h n

1

2

2

(1,3) ⋅ (0.00025) = 18 ⋅ 3

1

2

0,020

= 16,9 m3.s-1

Portanto, a vazão no canal é de 16,9 m3.s-1.

Medição de vazão A medição de vazão em cursos d’água é realizada, normalmente, de forma indireta, a partir da medição de velocidade ou de nível. Os instrumentos mais comuns para medição de velocidade de água em rios são os molinetes, que são pequenos hélices que giram impulsionados pela passagem da água. Em situações de medições expeditas, ou de grande carência de recursos, as medições de velocidade podem ser feitas utilizando flutuadores, com resultados muito menos precisos. Os molinetes são instrumentos projetados para girar em velocidades diferentes de acordo com a velocidade da água. A relação entre velocidade da água e velocidade de rotação do molinete é a equação do molinete. Esta equação é fornecida pelo fabricante do molinete, porém deve ser verificada periodicamente, porque pode ser alterada pelo desgaste das peças.

144

Figura 13. 3: Molinete para medição de velocidade da água.

A velocidade da água é, normalmente, maior no centro de um rio do que junto às margens. Da mesma forma, a velocidade é mais baixa junto ao fundo do rio do que junto à superfície. Em função desta variação da velocidade nos diferentes pontos da seção transversal, utilizar apenas uma medição de velocidade pode resultar em uma estimativa errada da velocidade média. Por exemplo, a velocidade medida junto à margem é inferior à velocidade média e a velocidade medida junto à superfície, no centro da seção, é superior à velocidade média. Para obter uma boa estimativa da velocidade média é necessário medir em várias verticais, e em vários pontos ao longo das verticais, de acordo com a Figura 13. 4 e a Figura 13. 5. A Tabela 13. 2, adaptada de Santos et al. (2001), apresenta o número de pontos de medição em uma vertical de acordo com a profundidade do rio e a Tabela 13. 3 apresenta o número de verticais recomendado para medições de vazão de acordo com a largura do rio. A Tabela 13. 2 mostra que são recomendados muitas medições na vertical, porém, freqüentemente, as medições são feitas com apenas dois pontos na vertical, mesmo em rios com profundidade maior que 1,20 m.

Figura 13. 4: Perfil de velocidade típico e pontos de medição recomendados.

145

Figura 13. 5: Seção transversal com indicação de verticais onde é medida a velocidade.

Tabela 13. 2: Número e posição de pontos de medição na vertical recomendados de acordo com a profundidade do rio (Santos et al. 2001). Profundidade (m) 0,15 a 0,60 0,60 a 1,20 1,20 a 2,00 2,00 a 4,00 > 4,00

Número de pontos 1 2 3 4 6

Posição dos pontos 0,6 p 0,2 e 0,8 p 0,2; 0,6 e 0,8 p 0,2; 0,4; 0,6 e 0,8 p S; 0,2; 0,4; 0,6; 0,8 p e F

Tabela 13. 3: Distância recomendada entre verticais, de acordo com a largura do rio (Santos et al., 2001). Largura do rio (m) 250

Distância entre verticais (m) 0,3 0,5 1,0 2,0 3,0 4,0 6,0 8,0 12,0

Portanto, a medição de vazão está baseada na medição de velocidade em um grande número de pontos. Os pontos estão dispostos segundo linhas verticais com distâncias conhecidas da margem (d1, d2, d3, etc.) (Figura 13. 6). A integração do produto da velocidade pela área é a vazão do rio. Considera-se que a velocidade média calculada numa vertical é válida numa área próxima a esta vertical de acordo com a Figura 13. 7.

146

Figura 13. 6: Exemplo de medição de vazão em uma seção de um rio, com a indicação das verticais, distâncias (d) e profundidades (p) – os pontos indicam as posições em que é medida a velocidade no caso de utilizar apenas dois pontos por vertical.

Figura 13. 7: Detalhe da área da seção do rio para a qual é válida a velocidade média da vertical de número 2.

A área de uma sub-seção, como apresentada na Figura 13. 7 é calculada pela equação abaixo:  (d + d i +1 ) (d i −1 + d i )   (d − d i −1 )  Ai = pi ⋅  i −  = p i ⋅  i +1  2 2 2     onde o índice i indica a vertical que está sendo considerada; p é a profundidade; d é a distância da vertical até a margem. Na anterior, por exemplo, a área da sub-seção da vertical 2 é dada por:

147

 (d − d 1 )  A2 = p 2 ⋅  3  2   As pequenas áreas próximas às margens que não são consideradas nas sub-seções da primeira nem da última vertical (Figura 13. 8) não são consideradas no cálculo da vazão. Assim, a vazão total do rio é dada por: N

Q = ∑ vi ⋅ Ai i =1

onde Q é a vazão total do rio; vi é a velocidade média da vertical i; N é o número de verticais e Ai é a área da sub-seção da vertical i.

Figura 13. 8: As áreas sombreadas junto às margens não são consideradas na integração da vazão.

EXEMPLO

2) Uma medição de vazão realizada em um rio teve os resultados da tabela abaixo. A largura total do rio é de 23 m. Qual é a vazão total do rio? Qual é a velocidade média? Vertical

1

2

3

4

5

Distância da margem (m) 2,0 5,0 8,0 17,0 22,0 Profundidade (m) 0,70 1,54 2,01 2,32 0,82 Velocidade a 0,2xP (m.s-1) 0,23 0,75 0,89 0,87 0,32 Velocidade a 0,8xP (m.s-1) 0,15 0,50 0,53 0,45 0,20 Para cada uma das verticais de medição é determinada a área da sub-seção correspondente. Considerase, para isso, que as velocidades medidas na vertical ocorrem em uma região retangular de profundidade pi e largura 0,5x(di+1 – di-1) . A vazão total é dada pela soma das vazões de cada sub-seção.

148

Vertical

1

2

3

4

5

Total

Distância da margem (m) Profundidade (m) Largura da vertical (m) Área da sub-seção (m2) Velocidade a 0,2xP (m.s-1) Velocidade a 0,8xP (m.s-1) Velocidade média na vertical (m.s-1) Vazão na sub-seção (m3.s-1)

2,0 0,70 2,50 1,75 0,23 0,15 0,19 0,33

5,0 1,54 3,0 4,62 0,75 0,50 0,63 2,91

8,0 2,01 6,0 12,06 0,89 0,53 0,71 8,56

17,0 2,32 7,0 16,24 0,87 0,45 0,66 10,72

22,0 0,82 3,0 2,46 0,32 0,20 0,26 0,64

23

37,13

23,16

A vazão total é de 23,16 m3.s-1. Este valor pode ser arredondado para 23,2 m3.s-1 porque normalmente os erros das medições de velocidade, distância e profundidade não justificam tanta precisão. A velocidade média é igual à vazão total dividida pela área total, ou seja, v=

23 ,16 = 0 ,62 37 ,13

A velocidade média é de 0,62 m.s-1.

A curva-chave O ciclo hidrológico é um processo dinâmico, governado por processos bastante aleatórios, como a precipitação. Para caracterizar o comportamento hidrológico de um curso d’água ou de uma bacia não basta dispor de uma medição de vazão, mas sim de uma série de medições. É desejável que esta série estenda-se por, pelo menos, alguns anos, e é necessário que o intervalo de tempo entre medições seja adequado para acompanhar os principais processos que ocorrem na bacia, isto é, permitam acompanhar as cheias e estiagens. Em um rio muito grande, de comportamento lento, isto pode significar uma medição por semana. Por outro lado, em um rio com uma área de drenagem pequena, em uma região montanhosa, com rápidas respostas durante as chuvas, pode ser necessária uma medição a cada minuto. A medição de vazão, conforme descrita no item anterior, é um processo caro, o que impede medições de vazão muito freqüentes. Normalmente a medição de vazão em rios exige uma equipe de técnicos qualificados e equipamentos como molinete, guincho e barcos. Em função disso, as medições de vazão são realizadas com o objetivo de determinar a relação entre o nível da água do rio em uma seção e a sua vazão. Esta relação entre o nível (ou cota) e a vazão é denominada a curva-chave de uma seção. Com a curva-chave é possível transformar medições diárias de cota, que são relativamente baratas, em medições diárias de vazão.

149

Para gerar uma curva-chave representativa é necessário medir a vazão do rio em situações de vazões baixas, médias e altas. A Figura 13. 9 apresenta, de forma gráfica, o resultado de 62 medições de vazão realizadas entre 1992 e 2002, no rio do Sono no posto fluviométrico Cachoeira do Paredão, no Estado de Minas Gerais. Cada ponto no gráfico corresponde a uma medição de vazão. Observa-se que há mais medições de vazão na faixa de cotas e vazões baixas. Isto ocorre porque as vazões altas ocorrem apenas durante as cheias, que podem ser bastante rápidas e raramente coincidem com os dias programados para as medições de vazão.

Figura 13. 9: Dados de medição de vazão do rio do Sono, de 1992 a 2002.

A curva chave é uma equação ajustada aos dados de medição de vazão. Normalmente são utilizadas equações do tipo potência, como a equação a seguir: Q = a ⋅ (h − h 0 )b

onde Q é a vazão; h é a cota; h0 é a cota quando a vazão é zero; e a e b são parâmetros ajustados por um critério, como erros mínimos quadrados. A Figura 13. 10 apresenta uma equação do tipo acima ajustada aos dados do rio do Sono.

150

Figura 13. 10: Equação do tipo potência ajustada aos dados de medição de vazão do rio do Sono de 1992 a 2002.

A curva chave de uma seção de rio pode se alterar com o tempo, especialmente em rios de leito arenoso. Modificações artificiais, como aterros e pontes, também podem modificar a curva chave. Por isto é necessário realizar medições de vazão regulares, mesmo após a definição da curva. Em trechos de rios próximos à foz, junto ao mar, lago ou outro rio, a relação entre cota e vazão pode não ser unívoca, isto é, a mesma vazão pode ocorrer para cotas diferentes, e cotas iguais podem apresentar vazões diferentes. Nestes casos o escoamento no rio está sob controle de jusante. O nível do rio, lago ou oceano, localizado a jusante, controla a vazão do rio e não é possível definir uma única curvachave. Este problema pode ser superado gerando uma família de curvas-chave, através da combinação da vazão, da cota local e da cota de jusante (Santos et al., 2001). É claro que esta alternativa é bastante trabalhosa e deve ser evitada, dando-se preferência à instalação de postos fluviométricos em locais livres da influência da maré, ou do nível de jusante.

Extrapolação da curva-chave A curva-chave é a forma de obter informações sobre a vazão de um rio em um dado local com base na observação da cota da superfície da água neste mesmo local, o que simplifica a medição, já que é mais fácil medir cotas do que vazões. Uma extrapolação da curva-chave é necessária quando as cotas observadas no posto fluviométrico superam as máximas cotas medidas simultaneamente às medições de

151

vazão, ou quando as cotas observadas são inferiores às menores cotas medidas simultaneamente às medições de vazão, como mostra a Figura 13. 11.

Figura 13. 11: Curva chave com extrapolação para cotas acima de, aproximadamente, 670 cm (Sefione, 2002).

Quando a extrapolação é para cotas observadas superiores às utilizadas na elaboração da curva-chave, denomina-se extrapolação superior. Quando é para cotas inferiores às cotas utilizadas na elaboração da curva-chave, a extrapolação é chamada inferior. A extrapolação superior de curvas-chave é muito importante porque dificilmente existirão medições de vazão coincidentes com as maiores cheias observadas. Além disso, quando ocorrem as grandes cheias o rio extravasa da sua calha normal, inundando a região adjacente, modificando diversos aspectos do escoamento. Nesta situação a rugosidade aumenta devido à presença de obstáculos e vegetação, e a relação entre área da seção transversal e nível da água se modifica, pelo alargamento da largura inundada. Existem vários métodos para extrapolação superior da curva-chave. Um dos métodos mais conhecidos e utilizados é chamado de método de Stevens. Neste método considera-se que existe uma relação constante entre a vazão e o produto da área da seção vezes a raiz quadrada do raio hidráulico (como na equação de Chezy).

152

Figura 13. 12: Ilustração do princípio utilizado no Método de extrapolação da curva chave de Stevens (Sefione, 2002).

Vertedores e calhas Em cursos d’água de menor porte é possível construir estruturas no leito do rio que facilitam a medição de vazão. Este é o caso das calhas Parshal e dos vertedores de soleira delgada. Vertedores de soleira delgada são estruturas hidráulicas que obrigam o escoamento a passar do regime sub-crítico (lento) para o regime super-crítico (rápido) para as quais a relação entre cota e vazão é conhecida. Assim, o nível a água medido a montante com uma régua ou linígrafo pode ser utilizado para estimar diretamente a vazão (Figura 13. 13).

153

Figura 13. 13: Vertedor triangular para medição de vazão em pequenos cursos d’água.

Um vertedor triangular de soleira delgada com ângulo de 90º (Figura 13. 14), por exemplo, tem uma relação entre cota e vazão dada por: Q = 1,42 ⋅ h 2 ,5 onde Q é a vazão em m3.s-1 e h é a carga hidráulica em metros sobre o vertedor que é a distância do vértice ao nível da água (Figura 13. 14), medido a montante do vertedor, conforme indicado na Figura 13. 13. Esta relação pode ser utilizada diretamente, embora na maioria dos casos seja desejável a verificação em laboratório.

Figura 13. 14: Vertedor triangular com soleira delgada em ângulo de 90º.

A Calha Parshal é um trecho curto de canal com geometria de fundo e paredes que acelera a velocidade da água e cria uma passagem por escoamento crítico. A medição de nível é feita a montante da passagem pelo regime crítico, e pode ser relacionada diretamente à vazão. As calhas Parshal são dimensionadas com diferentes tamanhos, de forma a permitir a medição em diferentes faixas de vazão. A principal vantagem das calhas e dos vertedores é que existe uma relação direta e conhecida, ou facilmente calibrável, entre a vazão e a cota. A calha ou o vertedor tem a

154

desvantagem do custo relativamente alto de instalação. Além disso, durante eventos extremos estas estruturas podem ser danificadas ou, até mesmo, inutilizadas.

Figura 13. 15: Calha Parshall para medição de vazão em pequenos córregos ou canais.

Medição de vazão com equipamento Doppler Nos últimos anos as medições de velocidade de água com molinetes tem sido substituídas por medições de velocidade por efeito Doppler em ondas acústicas. Estes medidores funcionam emitindo pulsos acústicos (ultrasom) em uma freqüência conhecida, e recebendo de volta o eco do ultrasom, refletido nas partículas imersas na água A diferença das freqüências dos sons emitidos e refletidos é proporcional à velocidade relativa entre o barco e as partículas imersas na água. A suposição básica desse método é que as partículas dissolvidas na água se deslocam com a mesma velocidade do fluxo. Um sistema como o apresentado na Figura 13. 16, com um emissor de ultrasom e três receptores, dispostos da maneira apresentada na figura, permite estimar a velocidade da água num volume de controle segundo três eixos, perpendiculares aos sensores. A

155

partir destas componentes da velocidade no sistema de eixos do instrumento são calculadas as componentes transversal, longitudinal e vertical de velocidade na seção do rio. O medidor de velocidade pode ser utilizado com uma haste, como o ilutrado na Figura 13. 16, quando se deseja conhecer a velocidade de um ponto específico, ou quando o curso d’água é pequeno.

Figura 13. 16: Medidor de velocidade Doppler para pequenos cursos d’água, com indicação do transmissor acústico, dos três receptores acústicos, e do volume de controle para o qual é válida a medida de velocidade.

Em rios médios ou grandes, alguns medidores de velocidade usando o mesmo princípio do efeito Doppler são usados para estimar a velocidade em vários pontos de uma vertical e em várias verticais automaticamente, e substituem os molinetes com grandes vantagens. Estes instrumentos são chamados perfiladores, porque permitem medir o perfil de velocidades, desde a superfície até o fundo, com muita rapidez. Além disso, estes instrumentos comunicam-se diretamente a microcomputadores, transferem os dados de velocidade e calculam a vazão automaticamente, reduzindo substancialmente o tempo necessário para preencher planilhas no campo e para digitar estes dados, posteriormente, no escritório. A grande desvantagem destes instrumentos é o custo de aquisição. Apesar disto, estes equipamentos vêm se tornando cada vez mais comuns, e possivelmente levarão, em poucos anos, ao abandono completo das medições com molinetes.

156

No caso dos medidores perfiladores, a velocidade da água é medida em vários volumes de controle. A posição do volume de controle é controlada pelo tempo de viagem do pulso de ondas acústicas. O volume de controle aumenta de tamanho a medida que o local medido se afasta do instrumento, como mostra a Figura 13. 17.

Figura 13. 17: Perfilador acústico por efeito Doppler para medir velocidade da água em várias posições.

Os perfiladores podem ser utilizados acoplados a uma embarcação, tripulada ou não, que percorre a seção do rio de uma margem até a outra, lentamente. A velocidade da embarcação é medida pelo próprio perfilador, com base na resposta (eco) recebido do fundo do rio, cuja intensidade é maior do que o eco das partículas imersas na água e, portanto, fácil de distinguir pelo aparelho. A Figura 13. 18 apresenta uma medição de vazão realizada com um perfilador acústico Doppler no rio Solimões (Amazonas) no posto fluviométrico de Manacapuru (AM). Observa-se que uma faixa próxima à superfície não apresenta medições válidas e uma faixa junto ao fundo (entre as linhas pretas) também não apresenta medições válidas. A espessura desta faixa depende da freqüência com que trabalha o equipamento. Para equipamentos de baixa freqüência, adequados para rios profundos, esta faixa é relativamente grande. Para equipamentos de alta freqüência esta faixa é relativamente estreita. A faixa sem medições próxima à superfície deve-se ao fato que o aparelho precisa de um tempo mínimo para distinguir as respostas, o que exige uma distância mínima até o primeiro volume de controle. A faixa sem medições junto ao fundo ocorre porque nesta região começa a haver um efeito forte do eco junto ao fundo do rio. As medições acústicas são complementadas nestas faixas por estimativas baseadas em perfis teóricos de velocidade. O impacto destas estimativas na exatidão das vazões medidas é

157

relativamente pequeno se o equipamento utilizado tiver uma freqüência compatível com a profundidade do rio.

Figura 13. 18: Resultado de medição de vazão com perfilador acústico Doppler no rio Solimões em Manacapuru (AM).

Estimativas de vazão em locais sem dados Normalmente não existem dados de vazão exatamente no local necessário. Assim, muitas vezes é necessário estimar valores a partir de informações de postos fluviométricos próximos. A este procedimento, quando realizado de forma cuidadosa e detalhada, dá se o nome de regionalização hidrológica. A forma mais simples de regionalização hidrológica é o estabelecimento de uma relação linear entre vazão e área de drenagem da bacia. Suponha que é necessário estimar a vazão média em um local sem dados localizado no rio Camaquã, denominado ponto A. A área de drenagem no ponto A é de 1700 km2. Dados de um posto fluviométrico localizado no mesmo rio, no ponto B, cuja área de drenagem é de 1000 km2 indicam uma vazão média de 200 m3.s-1. A vazão média no ponto A pode ser estimada por

Q A = QB ⋅

AA AB

158

onde AA é a área de drenagem do ponto A e AB é a área de drenagem do ponto B, e QA é a vazão média no ponto A e QB é a vazão média no ponto B. Esta forma de estimativa pode ser aplicada também para estimar vazões mínimas, como a Q90 e a Q95. Obviamente, este método tem muitas limitações e não pode ser usado quando a bacia for muito heterogênea quanto às características de relevo, clima, solo e geologia. Para estimar vazões máximas em locais sem dados este método tende a superestimar as vazões quando a área de drenagem do ponto sem dados é maior do que a área de drenagem do ponto com dados. Métodos de regionalização mais complexos incluem variáveis como a precipitação média, características de comprimento e declividade do rio principal, tipos de solos e geologia, e podem gerar informações relativamente confiáveis para locais sem dados. Os detalhes da regionalização hidrológica são apresentados de forma aprofundada em livros como Tucci (1998). Em resumo, a regionalização de vazões busca identificar relações entre os valores de vazões máximas, mínimas e médias com a área da bacia e outras características físicas da região. As relações normalmente são da forma apresentada na equação apresentada abaixo: Qref = a ⋅ A b

onde a e b são constantes para uma região hidrológica homogênea, isto é, que tem aproximadamente as mesmas características geológicas e climáticas.

Leituras adicionais Este texto apresenta uma introdução às técnicas de medição de vazão e determinação da curva chave. Maiores detalhes podem ser encontrados em textos específicos, como Hidrometria Aplicada, de Santos et al. (2001). A dissertação de mestrado de André Sefione, intitulada Estudo comparativo de métodos de extrapolação superior de curvachave (disponível em http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/3258). No que se refere à estimativa de vazão em locais sem dados uma leitura adicional interessante é o livro Regionalização de vazões (Tucci, 1998).

Exercícios 1) O que é a curva-chave? 2) Para que servem as calhas Parshal?

159

3) Qual é a vazão que escoa em regime permanente e uniforme por um canal de concreto liso com seção transversal trapezoidal com largura da base B = 2 m e largura no topo de 5 m, com altura total de 2 m e com profundidade y = 1,5 m, considerando a declividade de 15 cm por km?

4) Qual é a vazão que faria transbordar o canal do exercício anterior? 5) A tabela abaixo apresenta dados de medição de vazão em uma seção transversal de um rio. Deseja-se ajustar uma equação do tipo Q = a.(h-h0)b a estes dados para gerar uma curva-chave. Estime o valor dos coeficientes a, b e h0. usando sua calculadora ou o software Excel. Q 0.37 2.52 0.48 1.86 1.02 2.15 1.25 0.30 0.78 0.27 0.43 0.45

h (cm) 54 73 58 75 67 73 68 44 64 49 58 59

160

Capítulo

14 Hidrologia Estatística

A

s variáveis hidrológicas como chuva e vazão têm como característica básica uma grande variabilidade no tempo. Para analisar a vazão de um rio ou a precipitação em um local ou região, incluindo a sua variabilidade temporal, é necessário utilizar alguns valores estatísticos que resumem, em grande parte, o comportamento hidrológico do rio ou da bacia. Entre as estatísticas mais importantes estão a média, a média mensal, a variância, os mínimos e máximos.

A média A vazão ou precipitação média é a média de toda a série de vazões ou precipitações registradas, e é muito importante na avaliação da disponibilidade hídrica total de uma bacia. n

∑x x=

i

i =1

n A vazão média específica é a vazão média dividida pela área de drenagem da bacia. As vazões médias mensais representam o valor médio da vazão para cada mês do ano, e são importantes para analisar a sazonalidade de um rio. A figura ao lado apresenta um gráfico das vazões médias mensais do rio Cuiabá na seção da cidade de Cuiabá, com base nos dados de 1967 a 1999.

Figura 14. 1 : Vazões médias por mês do ano no rio Cuiabá, em Cuiabá.

I N T R O D U Z I N D O

H I D R O L O G I A

Observa-se nesta figura que há uma sazonalidade marcada, com estiagem no inverno e vazões altas no verão. As maiores vazões mensais médias ocorrem em Fevereiro e as menores em Agosto, o que é conseqüência direta da sazonalidade das chuvas, que ocorrem de forma concentrada no período de verão.

A mediana A mediana é o valor que é superado em 50% dos pontos da amostra. A média e a mediana podem ter valores relativamente próximos, porém não iguais. A mediana pode ser obtida organizando os n valores xi da amostra em ordem crescente. Sendo x k com k = 1 a n, os valores de x organizados em ordem decrescente, a mediana é obtida por: Mediana = x p com p =

e Mediana =

x p + x p +1 2

n −1 + 1 se n for ímpar; 2

se n for par.

O desvio padrão O desvio padrão é uma medida de dispersão dos valores de uma amostra em torno da média. O desvio padrão é dado por: n

∑ (x s=

i

−x

i =1

2

)

n −1

o quadrado do desvio padrão s2 é chamada variância da amostra.

O coeficiente de variação O coeficiente de variação é uma relação entre o desvio padrão e a média. O coeficiente de variação é uma medida da variabilidade dos valores em torno da média, relativamente à própria média.

162

I N T R O D U Z I N D O

cv =

H I D R O L O G I A

s x

EXEMPLO

1) O seguinte conjunto de valores apresenta a chuva anual ocorrida em uma cidade ao longo de 30 anos. Calcule a média, o desvio padrão e o coeficiente de variação destes dados. ano 1954 1955 1956 1957 1958 1959 1960 1961 1962 1963

P (mm) 1671 1485 1766 1565 2082 1370 1926 2042 1691 1491

ano 1964 1965 1966 1967 1968 1969 1970 1971 1972 1973

P (mm) 2024 1305 1644 1908 1913 1485 1693 1313 1567 1493

ano 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983

P (mm) 1357 2023 1390 1641 1585 1526 1962 1672 1404 1352

A média é de 1645,1 mm por ano, o desvio padrão é de 241,9 mm por ano e o coeficiente de variação é de 0,15.

O coeficiente de assimetria O coeficiente de assimetria é um valor que caracteriza o quanto uma amostra de dados é assimétrica com relação à média. Uma amostra é simétrica com relação à média se o histograma dos dados revela o mesmo comportamento de ambos os lados da média. n

∑ (x G=

3

i

− x)

i =1

n ⋅ s3

A assimetria é chamada positiva quando o valor de G é positivo e a assimetria é negativa quando o valor de G é negativo. Algumas variáveis importantes na hidrologia, como as vazões máximas anuais em rios, apresentam uma assimetria positiva.

163

I N T R O D U Z I N D O

H I D R O L O G I A

Assimetria

Valor de G

Nula

0 ou próximo de zero

Positiva

G>0

Negativa

G 250 m

205

Impactos ambientais de reservatórios No passado considerava-se que a geração hidrelétrica era uma forma de produção de eletricidade com mínimos impactos ambientais. Atualmente, essa visão tem sido questionada, embora em diversos aspectos os impactos ambientais são relativamente pequenos em relação às formas alternativas normalmente utilizadas: usinas térmicas a carvão ou nucleares. Apesar destes impactos, a população muitas vezes vê com bons olhos a construção de uma usina hidrelétrica na área de seu município. Isto ocorre porque existe uma compensação financeira obrigatória, em que parte dos rendimentos auferidos na geração de energia elétrica são pagos ao município, de acordo com o tamanho da área inundada e com a potência da usina. Entre os impactos ambientais importantes das usinas hidrelétricas encontram-se impactos sociais; impactos sobre a flora e a fauna do local inundado; impactos sobre a fauna do rio a jusante; impactos sobre o sistema de transportes; impactos sobre a geração de gases de efeito estufa. Impactos sociais

Os impactos sociais mais evidentes da implantação de uma usina hidrelétrica decorrem da remoção das pessoas que habitam a área inundada pelo reservatório. Os impactos deste tipo iniciam mesmo antes da construção da obra em si, já que a perspectiva da inundação futura reprime ou não incentiva o investimento no local. Esta situação pode se estender por vários anos, em função de indefinições sobre a construção ou não da obra. Durante este período as localidades sujeitas a inundação experimentam um estado de estagnação. Finalmente, quando a obra inicia e a inundação da área habitada passa a ser certa, surgem dúvidas e discussões sobre o valor da indenização. Embora o valor comercial da terra possa ser estimado de forma razoável, o apego dos habitantes à terra também é devido a um valor afetivo, por questões históricas, que é intangível, ou seja, dificilmente quantificável. Nesta situação é comum o surgimento de especulações e de confrontos de cunho político. Entre os impactos sociais também podem ser incluídos impactos culturais, como a perda, provavelmente para sempre, de sítios arqueológicos, ou eventualmente de lugares sagrados para culturas indígenas. Durante a construção ocorrem alguns impactos sociais positivos, devido ao aumento de oferta de emprego, e o aumento de consumo local, em função do grande número de trabalhadores. Após a conclusão da obra, porém, surge um impacto negativo porque muitos trabalhadores perdem seus empregos mas não deixam imediatamente o local. Impactos sobre a fauna e a flora do local inundado

Os impactos sobre a flora e a fauna do local inundado por um reservatório são os que ganham maior atenção da mídia. Isto ocorre porque durante o primeiro enchimento do

206

reservatório a área seca vai se tornando restrita e os animais ficam concentrados em pequenas ilhas. Campanhas de resgate de fauna são organizadas em que os animais são capturados e levados para um novo habitat, após um período de adaptação. A sua sobrevivência neste novo hábitat é incerta, uma vez que o espaço provavelmente já está ocupado por outros indivíduos da mesma espécie, e os recursos dos quais a espécie depende são limitados. A vegetação inundada não apenas é extinta, como também pode provocar sérios problemas de qualidade de água no lago, durante a sua decomposição. Isto ocorre porque o oxigênio dissolvido (OD) na água é consumido durante o processo de decomposição, e a concentração de OD é reduzida para níveis inferiores ao limite para a sobrevivência dos peixes. Assim, o processo de enchimento pode resultar numa grande mortandade de peixes e outras espécies aquáticas ou que dependem dos peixes para sobreviver, como as aves. Impactos sobre a fauna e a flora do rio a jusante

Os impactos da criação de um reservatório sobre a área inundada são fáceis de perceber, e têm sido, há muitos anos, considerados na análise de viabilidade de um empreendimento. Os impactos no rio a jusante começaram a ser reconhecidos a menos tempo, e surgiram a partir da constatação de que a presença de certas espécies de peixes, por exemplo, diminuía após alguns anos da existência do reservatório. Os impactos no rio a jusante decorrem, entre outras causas, do obstáculo imposto pela barragem à migração dos peixes, o que pode ser apenas parcialmente contornado pela construção de uma escada de peixes. Mais importante que isto é a alteração do regime hidrológico (sucessão de cheias e estiagens), que modifica o habitat do rio a jusante. Grandes reservatórios modificam, também, o fluxo de sedimentos e de nutrientes de um rio. O melhor exemplo disso no Brasil ocorre no rio São Francisco, onde a construção de uma série de usinas hidrelétricas, especialmente a de Sobradinho, com um enorme reservatório, interrompeu o fluxo de sedimentos que ficam depositados no reservatório e não atingem mais a foz. Em função disso, o equilíbrio entre a erosão marinha na costa e o aporte de areia pelo rio foi alterado, resultando num recuo de centenas de metros da linha da praia. Uma pequena vila de pescadores já foi destruída e o processo não parece estar estabilizado ainda. Os nutrientes básicos que mantém a cadeia alimentar na água são o nitrogênio e o fósforo. Estes nutrientes estão dissolvidos na ou adsorvidos aos sedimentos, e são retidos, em grande parte, nos grandes reservatórios. Em conseqüência disso, menos nutrientes chegam até a região do estuário deste rio, o que limita o desenvolvimento do fitoplâncton, que é a base da cadeia alimentar. Em conseqüência disso, a população que vivia da pesca artesanal junto à foz do rio não mais consegue sobreviver desta atividade.

207

Tempo de residência e eutrofização Reservatórios que recebem água com alta concentração de nutrientes podem passar por um processo denominado eutrofização. A eutrofização é a situação em que um lago ou reservatório recebe nutrientes em quantidade excessiva. Nesta situação o crescimento de algas e plantas flutuantes é acelerado, resultando num aumento da turbidez da água. A alta concentração de plantas e algas pode afetar os níveis de oxigênio, o que pode afetar os peixes. Em reservatórios mais profundos, os restos de plantas no fundo do lago podem consumir oxigênio durante sua decomposição, resultando em baixíssimos níveis de oxigênio nas áreas mais profundas. A possibilidade de um reservatório sofrer ficar ou não eutrofizado depende do aporte de nutrientes, da disponibilidade de luz solar na coluna d’água, e do tempo de residência da água no reservatório. O tempo de residência é definido como a relação entre o volume total do reservatório e a vazão afluente.

Tr =

V Q

(15.8)

onde V é o volume máximo do reservatório (m3); Q é a vazão afluente (m3.s-1)e Tr é o tempo de residência (s). Normalmente a vazão utilizada no cálculo do tempo de residência é a vazão média de longo prazo, mas pode ser utilizada também a vazão média do período de cheia ou do período de estiagem.

Exercícios 1) Qual é a perda de energia na usina de Sobradinho devida à evaporação direta do lago? Considere que a altura de queda H = 27,2 m; a eficiência e = 0,90; e que uma evaporação de 10 mm por dia ocorre sobre a área da superfície do lago, que corresponde a 4200 km2. 2) Um reservatório com volume útil de 500 hectômetros cúbicos (milhões de m3) pode garantir uma vazão regularizada de 25 m3.s-1, considerando a seqüência de vazões de entrada da tabela abaixo? Considere o reservatório inicialmente cheio, a evaporação constante de 200 mm por mês, área superficial e que cada mês tem 2,592 milhões de segundos.

208

Mês Jan Fev mar abr mai jun jul ago set Out Nov Dez

Vazão (m3/s) 55 27 10 5 12 13 24 51 78 102 128 73

3) Um reservatório com volume útil de 150 hectômetros cúbicos é suficiente para regularizar a vazão de 28 m3.s-1 num rio que apresenta a seqüência de vazões da tabela abaixo para um determinado período crítico? Considere o reservatório inicialmente cheio, 200 km2 de área superficial constante e que cada mês tem 2,592 milhões de segundos. Os dados de evaporação de tanque classe A são dados na tabela (veja capítulo 5). Mês Vazão (m3/s) Evaporação tanque classe A (mm/mês)

jan

fev

mar

abr

mai

jun

jul

ago

set

out

nov

dez

98

45

32

27

24

20

19

18

17

14

78

130

100

110

120

130

140

135

130

120

110

105

100

100

4) Qual é o tempo de residência do reservatório do exercício anterior?

209

I N T R O D U Z I N D O

H I D R O L O G I A

Capítulo

16 Propagação de vazão em reservatórios

R

eservatórios podem ser utilizados para diminuir os impactos das cheias, reduzindo as vazões máximas. O efeito de redução de intensidade das cheias quando passam por reservatórios é chamado amortecimento de cheias, ou, eventualmente, laminação de cheias.

Para calcular o efeito de um reservatório sobre uma cheia podem ser utilizadas as técnicas de cálculo de propagação de cheias em reservatórios. Em reservatórios relativamente curtos e profundos, em que a velocidade da água é baixa, pode-se considerar que a superfície da água ao longo do reservatório é horizontal. Neste caso, equações semelhantes às utilizadas no capítulo anterior podem ser aplicadas.

Propagação de cheias em reservatórios A equação de continuidade aplicada a um reservatório é dada por: dS = I −Q dt

onde S é o volume (m3); t é o tempo (s); I é a vazão afluente (m3.s-1) e Q é a vazão de saída do reservatório (m3.s-1), incluindo perdas por evaporação, retiradas para abastecimento, vazão turbinada e vertida. Esta equação pode ser reescrita em intervalos discretos como: St + ∆t − S t = I −Q ∆t

onde I e Q representam valores médios da vazão afluente e defluente do reservatório ao longo do intervalo de tempo ∆t. Considerando uma variação linear de I e Q ao longo de ∆t, a equação pode ser reescrita como: St +∆t − St I t + I t +∆t Qt + Qt + ∆t = − ∆t 2 2

onde It ; It+∆t ; Qt ; Qt+∆t são os valores no início e no final do intervalo de tempo. Nesta equação, em cada intervalo de tempo são conhecidas a vazão de entrada no tempo t e em t+∆t; a vazão de saída no intervalo de tempo t; e o volume armazenado no intervalo t. Não são conhecidos os termos St+∆t e Qt+∆t , e ambos dependem do nível da água. Como tanto St+∆t e Qt+∆t são funções não lineares de ht+∆t , a equação de balanço pode ser resolvida utilizando a técnica iterativa de Newton-Raphson, ou o método de bissecção, a cada intervalo de tempo. Uma forma mais simples de calcular a propagação de vazão num reservatório é o método conhecido como Puls modificado. Neste método a equação acima é reescrita como: 2 ⋅ St + ∆t 2 ⋅ St + Qt + ∆t = I t + I t +∆t + − Qt ∆t ∆t

onde os termos desconhecidos aparecem no lado esquerdo e os termos conhecidos aparecem no lado direito. Uma tabela da relação entre Qt+∆t e 2.(St+∆t )/∆t pode ser gerada a partir da relação cota – área – volume do reservatório e através da relação entre a cota e a vazão, por exemplo para uma equação de vertedor.

EXEMPLO

1) Calcule o hidrograma de saída de um reservatório com um vertedor de 25 m de comprimento de soleira, com a soleira na cota 120 m, considerando a seguinte tabela cota –volume para o reservatório e o hidrograma de entrada apresentado na tabela abaixo, e considerando que nível da água no reservatório está inicialmente na cota 120 m.

211

Tabela 8. 1: Relação cota volume do reservatório do exemplo.

Cota (m)

Volume (104 m3)

115 120 121 122 123 124 125 126 127 128 129 130

1900 2000 2008 2038 2102 2208 2362 2569 2834 3163 3560 4029

Tabela 8. 2: Hidrograma de entrada no reservatório.

Tempo (h)

Vazão (m3.s-1)

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20

0 350 720 940 1090 1060 930 750 580 470 380 310 270 220 200 180 150 120 100 80 70

O primeiro passo da solução é criar uma tabela relacionando a vazão de saída com a cota. Considerando um vertedor livre, com coeficiente C = 1,5 e soleira na cota 120 m, a relação é dada pela tabela que segue:

212

Tabela A H (m) 120 121 122 123 124 125 126 127 128 129 130

Q (m3/s) 0.0 37.5 106.1 194.9 300.0 419.3 551.1 694.5 848.5 1012.5 1185.9

Esta tabela pode ser combinada à tabela cota – volume, acrescentando uma coluna com o valor do termo 2.(St+∆t )/∆t , considerando o intervalo de tempo igual a 1 hora: Tabela B H (m)

120 121 122 123 124 125 126 127 128 129 130

Volume (S) (104 m3) 2000 2008 2038 2102 2208 2362 2569 2834 3163 3560 4029

Q (m3/s)

2.S/∆t+Q (m3/s)

0.0 37.5 106.1 194.9 300.0 419.3 551.1 694.5 848.5 1012.5 1185.9

11111 11193 11428 11873 12567 13542 14823 16439 18421 20790 23569

No primeiro intervalo de tempo o nível da água no reservatório é de 120 m, e a vazão de saída é zero. O volume acumulado (S) no reservatório é 2000.104 m3. O valor de 2.S-Q para o primeiro intervalo de tempo é 11111 m3.s-1. Para cada intervalo de tempo seguinte a vazão de saída pode ser calculada pelos seguintes passos: a) calcular It + It+∆t b) com o resultado do passo (a) e com base no valor de 2.(St)/∆t - Qt para o intervalo anterior, calcular 2.(St+∆t)/∆t + Qt+∆t pela equação

213

2 ⋅ St + ∆t 2 ⋅ St + Qt + ∆t = I t + I t +∆t + − Qt ∆t ∆t

c) obter o valor de Qt+∆t pela tabela B, a partir da interpolação com o valor conhecido de 2.(St+∆t)/∆t + Qt+∆t calculado no passo (b) d) calcular o valor de 2.(St+∆t)/∆t - Qt+∆t a partir da equação abaixo e seguir para o próximo passo de tempo, repetindo os passos de (a) até (d)  2 ⋅ S t + ∆t   2 ⋅ S t + ∆t  − Qt + ∆t  =  + Qt + ∆t  − 2(Qt + ∆t )   ∆t   ∆t 

Os resultados são apresentados na tabela abaixo: Tempo (h)

I (m3.s-1)

I1+I2

2S/dt-Q

2S/dt+Q

Q

0

0

350

11111

11111

0

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20

350 720 940 1090 1060 930 750 580 470 380 310 270 220 200 180 150 120 100 80 70

1070 1660 2030 2150 1990 1680 1330 1050 850 690 580 490 420 380 330 270 220 180 150 70

11236 11785 12630 13591 14476 15073 15315 15224 14914 14495 14019 13543 13093 12682 12341 12045 11791 11580 11415 11298

11461 12306 13445 14660 15741 16466 16753 16645 16274 15764 15185 14599 14033 13513 13062 12671 12315 12011 11760 11565

113 260 407 534 633 697 719 711 680 635 583 528 470 416 361 313 262 216 172 133

A figura abaixo mostra os hidrogramas de entrada e saída do reservatório.

214

O exemplo mostra que o reservatório tende a suavizar o hidrograma, reduzindo a vazão de pico, embora sem alterar o volume total do hidrograma. É interessante observar que no caso do exemplo, em que o reservatório tem um vertedor livre, a vazão máxima de saída ocorre no momento em que a vazão de entrada e de saída são iguais. O cálculo de propagação de vazões em reservatórios, como apresentado neste exemplo, pode ser utilizado para dimensionamento de reservatórios de controle de cheias, e para análise de operação de reservatórios em geral. Mediante algumas adaptações o método pode ser aplicado para reservatórios com vertedores controlados por comportas e para outras estruturas de saída.

Exercícios 1) Em um córrego em área urbana foi construído um reservatório para redução das vazões máximas durante as cheias. O reservatório ocupa uma área de 2 hectares e uma profundidade máxima de 1,5 m. Os dispositivos de saída de água do reservatório são um descarregador de fundo, cujo funcionamento pode ser considerado semelhante a de um orifício, e um vertedor. O orifício é circular, tem 100 cm de diâmetro e seu eixo está numa altura correspondente ao fundo do reservatório (h=0). O vertedor tem 10 metros e sua soleira está a 1,3 m do fundo. Considerando as paredes do reservatório verticais, qual é a máxima vazão de saída deste reservatório para o hidrograma de entrada dado abaixo?

215

Tempo (min) 0 20 40 60 80 100 120 140 160 180 200 220 240 260 280 300 320 340 360 380 400

Q (m3/s) 0.0 0.3 1.0 1.6 2.5 3.6 4.0 4.3 3.8 3.0 2.7 2.2 2.0 1.5 1.3 1.0 0.8 0.6 0.4 0.2 0.1

2) Quais as modificações que poderiam ser feitas no reservatório do exercício anterior para que ele reduzisse ainda mais a vazão máxima de saída?

216

I N T R O D U Z I N D O

H I D R O L O G I A

Capítulo

17 Propagação de vazão em rios

O

objetivo dos cálculos de propagação de vazão em rios é determinar o hidrograma de vazões em uma seção transversal de um rio, com base no hidrograma conhecido em uma ou mais seções transversais localizadas a montante. A propagação de vazões é especialmente interessante quando é necessário determinar o comportamento de uma onda de cheia ao longo de um rio natural ou canal artificial.

Propagação de cheias em rios Os efeitos principais que ocorrem quando uma cheia se propaga ao longo de um rio são a translação e o amortecimento, ilustrados na Figura 17. 2.

Figura 17. 1: Hidrogramas do rio Uruguai em Garruchos e Itaqui (localizada cerca de 192 km a jusante) em 1987.

Em um canal ideal e se a água não tivesse viscosidade, uma onda de cheia poderia se propagar sem alteração na forma do hidrograma. Neste caso haveria apenas a translação da onda de cheia, com o pico de vazão no ponto de jusante ocorrendo algum tempo depois do pico a montante. Entretanto,

existe perda de energia devida ao contato e atrito com as margens e com o fundo. Além disso, os canais e rios não são perfeitamente regulares, e a água é retida e armazenada em trechos mais largos e nas áreas inundáveis, sendo posteriormente devolvida ao rio. Como resultado uma onda de cheia é gradualmente amortecida enquanto se propaga para jusante.

Translação Q Hidrograma em A

A intensidade do amortecimento de uma cheia depende de diversos fatores, como a rugosidade do leito do rio e das margens, da presença de vegetação no leito, ilhas e planície, e na quantidade de obstáculos como pilares de pontes e aterros.

Hidrograma em B

t

Amortecimento Q Hidrograma em A Hidrograma em B

t Figura 17. 2: Efeitos de translação e amortecimento de uma onda de cheia se propagando ao longo de um rio.

Além da translação e do amortecimento a onda de cheia em geral cresce de montante para jusante em função da contribuição que recebe dos afluentes.

Em rios em regiões muito planas podem ocorrer ainda efeitos de jusante, afetando a vazão e o nível da água em função do que ocorre a jusante de um determinado local, como no caso de trechos de rio próximo ao mar, que sofrem o efeito da maré.

Velocidade de propagação de ondas de cheias Ondas de cheia se propagam para jusante com uma velocidade que é maior do que a própria velocidade média da água. Assim, a velocidade de propagação da onde de cheia em um rio cuja velocidade média, durante uma cheia, é de 1 m.s-1, é superior a 1 m.s-1, podendo chegar a 1,6 m.s-1, por exemplo.

218

A velocidade de propagação da onda de cheia é importante para estimar o momento de ocorrência do pico de vazão em locais a jusante de um ponto em que existe monitoramento. A velocidade de propagação das ondas de cheia em rios pode ser estimada pela celeridade cinemática, que pode ser obtida com base nas características médias das seções transversais do rio e de sua declividade. A celeridade cinemática é definida como (ver Ponce, 1989 ou Dingman, 2009): c=

dQ dA

(17.1)

A celeridade cinemática pode ser estimada considerando válida a equação de Manning para o escoamento permanente e uniforme, isto é: 2

Rh 3 ⋅ S Q = u ⋅ A = A⋅ n

1

2

(17.2)

onde A é a área molhada da seção transversal; u é a velocidade média da água em m.s-1; Rh é o raio hidráulico da seção transversal (descrito a seguir); S é a declividade (metros por metro, ou adimensional); e n é um coeficiente empírico, denominado coeficiente de Manning. Combinando as equações 17.1 e 17.2 em um rio largo, onde o raio hidráulico pode ser aproximado pela profundidade média, obtém-se a seguinte aproximação para a celeridade da onda de cheia: c=

5 ⋅u 3

(17.3)

onde c é a velocidade de propagação da onda de cheia (celeridade cinemática - m.s-1); e u é a velocidade média da água (m.s-1). Da equação 17.3 se observa que a velocidade de propagação das ondas de cheia é maior do que a própria velocidade média da água. Além disso, a velocidade de propagação das cheias tende a ser maior para cheias maiores, porque o nível da água e a velocidade média tendem a ser maiores. Por outro lado, em rios com grandes planícies de inundação, a velocidade de propagação das ondas de cheia tende a diminuir drasticamente no momento em que o rio começa a transbordar.

219

Cálculos de propagação de cheias em rios Historicamente, o objetivo dos cálculos de propagação de cheias ao longo de rios foi prever a magnitude e o tempo de ocorrência de vazões para que pudessem ser realizadas ações para proteger as vidas de pessoas e minimizar prejuízos materiais. Desde o final do século XIX é conhecido um conjunto de equações diferenciais parciais que descrevem o escoamento em rios, na condição que considera escoamento unidimensional e baixa declividade, entre outras simplificações. Estas equações são conhecidas como equações de Saint-Venant, em homenagem ao seu formulador, e são apresentadas abaixo na forma atualmente mais utilizada. ∂A ∂Q + =0 ∂t ∂x ∂Q ∂  Q 2  ∂h  + g ⋅ A ⋅ + g ⋅ A ⋅ S f = 0 +  ∂t ∂x  A  ∂x

(17.4)

onde A é a área molhada da seção transversal (m2); h é o nível da água na superfície em relação a um referencial (nível médio do mar) (m); Q é a vazão (m3.s-1); t é o tempo (s); g é a aceleração da gravidade; x é a distância linear ao longo do rio (m); e Sf é a perda de carga devida ao atrito com as margens e fundo (adimensional). A primeira equação é a equação de continuidade aplicada a um trecho infinitesimal do rio e a segunda equação é obtida a partir da equação de conservação de quantidade de movimento para o mesmo trecho infinitesimal. As equações de Saint-Venant permitem representar os efeitos de translação, amortecimento e também os efeitos de jusante sobre o escoamento a montante. Não existem soluções analíticas para as equações de Saint-Venant na maior parte das aplicações úteis. Somente nas décadas mais recentes é que os métodos numéricos e os computadores digitais permitiram a solução das equações completas de Saint-Venant. Atualmente existem diversos programas computacionais de modelos matemáticos que resolvem as equações de Saint-Venant numericamente para resolver problemas de propagação de vazão em rios e canais.

Método Muskingum Antes do surgimento dos computadores e das facilidades atuais para solução das equações de Saint-Venant diversos métodos simplificados foram criados para representar a propagação de ondas de cheias em rios. Um dos métodos simplificados mais conhecidos é o método Muskingum, que recebeu este nome porque foi aplicado inicialmente ao rio Muskingum, nos EUA na década de 1930.

220

O método Muskingum combina a equação da continuidade a uma equação simplificada que relaciona o armazenamento em um trecho de rio às vazões de entrada e saída do trecho. A equação da continuidade de um trecho de rio: dS = I −Q dt

(17.5)

é aproximada em diferenças finitas como: St +∆t − St I t + I t +∆t Qt + Qt + ∆t = − ∆t 2 2

(17.6)

onde S é o volume armazenado no trecho; I é a vazão de entrada; Q é a vazão de saída. O método Muskingum está baseado em uma relação entre a vazão e o armazenamento em que a vazão do trecho é representada por uma ponderação entre a vazão de entrada e saída:

S = K ⋅ [ X ⋅ I + (1 − X ) ⋅ Q ]

(17.7)

Combinando as equações 17.6 e 17.7, a vazão de saída de um trecho de rio ao final de um intervalo de tempo ∆t pode ser relacionada às vazões de entrada e saída no início do intervalo de tempo (Qt e It) e à vazão de entrada ao final do intervalo de tempo (It+∆t), como mostra a equação seguinte: Qt + ∆t = C 1 ⋅ I t + ∆t + C 2 ⋅ I t + C 3 ⋅ Qt

(17.8)

onde

C1 =

∆t − 2 ⋅ K ⋅ X 2 ⋅ K ⋅ (1 − X ) + ∆t

(17.9)

C2 =

∆t + 2 ⋅ K ⋅ X 2 ⋅ K ⋅ (1 − X ) + ∆t

(17.10)

C3 =

2 ⋅ K ⋅ (1 − X ) − ∆t 2 ⋅ K ⋅ (1 − X ) + ∆t

(17.11)

sendo que C1+C2+C3 = 1. O método Muskingum tem dois parâmetros de cálculo (K e X) que devem ser definidos antes dos cálculos.

221

O parâmetro X é um ponderador adimensional cujo valor deve estar entre 0 e 1, mas na maior parte dos rios e canais naturais seu valor é próximo a 0,3. Dependendo do valor de X ocorre mais ou menos amortecimento da onda de cheia. Para um valor de X igual a 0,5 não ocorre amortecimento. Quando X é igual a zero o amortecimento é máximo. O parâmetro K têm unidades de tempo e deve ser expresso nas mesmas unidades de ∆t. O valor de K pode ser estimado pelo tempo de viagem do pico da cheia do início ao final do trecho de rio, ou seja, a distância dividida pela celeridade. Quanto maior o valor de K, mais afastados no tempo ficam os picos de vazão na entrada e saída do trecho de canal. Para evitar minimizar a possibilidade de erros, os valores de K e X devem ser escolhidos de tal forma a satisfazer o seguinte critério: X ≤

∆t ≤ (1 − X ) 2⋅K

EXEMPLO

1) Calcule o hidrograma de saída de um trecho de rio, ao longo do qual o tempo de propagação da onda de cheia é de 2,4 horas. O hidrograma de entrada no trecho é dado na tabela. Tempo (horas) 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

I (m3,s-1) 1,00 1,20 1,53 2,03 2,67 3,43 4,20 4,78 5,05 5,01 4,69 4,16

Tempo (horas) 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24

I (m3,s-1) 3,51 2,87 2,32 1,90 1,60 1,39 1,25 1,15 1,10 1,05 1,00 1,00

O valor de K do método de Muskingum pode ser considerado igual ao tempo de viagem do pico entre o início e o final do trecho (2,4 horas). O valor do ponderador X pode ser escolhido entre 0,1 e 0,3, que são valores típicos para os rios. Adotando um valor de X = 0,2, que corresponde ao meio do intervalo, os valores de C1, C2 e C3 ficam:

222

C1 = 0,008 C2=0,405 C3=0,587 O valor escolhido de X também satisfaz o critério X ≤

∆t ≤ (1 − X ) . 2⋅K

Considerando que a vazão de saída no primeiro intervalo de tempo é igual à vazão de entrada, a vazão no segundo intervalo de tempo pode ser calculada por:

Qt + ∆t = C 1 ⋅ I t + ∆t + C 2 ⋅ I t + C 3 ⋅ Qt ou seja

Qt + ∆t = 0,008 ⋅ 1,2 + 0,405 ⋅ 1,0 + 0,587 ⋅ 1,0 = 1,00 no segundo intervalo de tempo

Qt + ∆t = 0,008 ⋅ 1,53 + 0,405 ⋅ 1,20 + 0,587 ⋅ 1,00 = 1,08 E as vazões nos intervalos seguintes pode ser calculada de forma semelhante, resultando nos valores apresentados na tabela que segue. Tempo (horas)

I (m3/s)

Q (m3/s)

1

1.00

1.00

2

1.20

1.00

3

1.53

1.08

4

2.03

1.27

5

2.67

1.59

6

3.43

2.04

7

4.20

2.62

8

4.78

3.28

9

5.05

3.90

10

5.01

4.37

11

4.69

4.63

12

4.16

4.65

13

3.51

4.44

14

2.87

4.05

15

2.32

3.56

16

1.90

3.04

17

1.60

2.57

18

1.39

2.17

19

1.25

1.84

223

20

1.15

1.60

21

1.10

1.41

22

1.05

1.28

23

1.00

1.19

24

1.00

1.11

Em trechos longos de rios pode ser necessário fazer a divisão do comprimento total em sub-trechos e realizar a propagação para cada um destes sub-trechos, de montante para jusante.

Método Muskingum-Cunge Um problema do método Muskingum para propagação de vazões é que para definir os valores dos parâmetros K e de X é necessário dispor de dados observados de vazão nos extremos de montante e jusante do trecho de rio, o que raramente se cumpre. O método de Muskingum-Cunge permite contornar este problema através de estimativas dos valores de K e X a partir de características físicas do rio. No método Msukingum-Cunge as equações 17.8 a 17.11 continuam valendo, porém o valor de K pode ser obtido dividindo o comprimento do trecho pela celeridade da onda de cheia: K=

∆x c

(17.12)

onde ∆x é o comprimento do trecho de rio (m); K é o parâmetro do modelo Muskingum (s); e c é a celeridade cinemática da onda de cheia (m.s-1). O valor de X ideal para a aplicação do método Muskingum-Cunge pode ser obtido a partir da equação: X =

 1  Q  ⋅  1 − 2  B ⋅ c ⋅ S 0 ⋅ ∆x 

(17.13)

onde B é a largura do rio (m); S0 é a declividade de fundo do rio (m.m-1); c é a celeridade da onda de cheia (m.s-1); Q é uma vazão de referência (m3.s-1) e ∆x é o comprimento do trecho de rio (m).

224

O intervalo de tempo de cálculo ideal para o método Muskingum-Cunge deve ser relativamente pequeno se comparado ao tempo de ascensão do hidrograma. ∆t ≤

Tr 5

(17.14)

onde Tr é o tempo de ascensão do hidrograma. O valor de ∆x também deve ser cuidadosamente escolhido. Uma estimativa (Fread, 1993) é:

c ⋅ ∆t   Q 1 +  1 + 1,5 ⋅ ∆x ≅ 2   B ⋅ S 0 ⋅ ∆t ⋅ c 2 

2        1

(17.15)

onde Q é uma vazão de referência (m3.s-1) e c a celeridade cinemática (m.s-1). A aplicação do método Muskingum-Cunge inicia pela definição do intervalo de tempo adequado para a representação da onda de cheia. A seguir é definida uma vazão de referência. Uma boa estimativa da vazão de referência pode ser uma vazão um pouco inferior à vazão máxima do hidrograma de entrada do trecho. A partir da definição da vazão de referência, pode ser calculada a celeridade, usando uma equação de escoamento permanente uniforme, como a de Manning, e considerando que o rio tem uma seção transversal simples (trapézio ou retângulo). Com base na celeridade e no intervalo de tempo de cálculo é possível estimar o valor de ∆x, pela equação 17.15. Se o valor de ∆x for próximo do comprimento total do trecho (L), é adotado em lugar do ∆x calculado o comprimento total do trecho. Caso o valor de ∆x calculado seja bastante inferior ao comprimento total do trecho (L), o trecho deve ser dividido em sub-trechos. Com base nos valores ideais de ∆x e ∆t são calculados os valores de K e X, e os valores de C1, C2 e C3 para aplicação do método.

225

EXEMPLO

2) Determine o hidrograma 18 km a jusante de uma seção de um rio de 30 m de largura, declividade de 70 cm por km, coeficiente de Manning n=0,045. Os dados do hidrograma de entrada são dados na tabela. Intervalo de tempo

Tempo (minutos) 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15

40 80 120 160 200 240 280 320 360 400 440 480 520 560 600

Vazão montante (m3/s) 20 30 60 90 100 130 115 95 80 60 40 20 20 20 20

O primeiro passo da solução é estimar a vazão de referência para o cálculo dos parâmetros. Considerando que a vazão máxima do hidrograma de entrada no trecho de rio é 130 m3.s-1, uma opção para a vazão de referência é 90 m3.s-1, que é ligeiramente inferior à vazão máxima (cerca de 70% do pico). Considerando um rio com seção transversal retangular, e considerando que o raio hidráulico pode ser considerado igual à profundidade, a vazão de 90 m3.s-1 corresponde ao nível d’água 2,66 m. A velocidade média na seção, nesta mesma vazão de referência, é de 1,13 m.s-1. A celeridade pode ser obtida pela equação 17.3, o que resulta em 1,88 m.s-1. O intervalo de tempo em que existem dados observados é de 40 minutos, o que corresponde a um sexto do tempo de pico da onda de cheia. Assim, observa-se pela equação 17.14 que o intervalo de tempo de 40 minutos é adequado. Isto corresponde a ∆t=2400 s. Com base nestes dados a equação 17.15 pode ser utilizada para determinar o ∆x ideal. O resultado é ∆x=5249 m. Com base neste ∆x ideal é necessário decidir como o comprimento total do trecho será dividido. Uma primeira estimativa é calcular o número de sub-trechos necessários para atingir o ∆x ideal:

226

N=

L 18000 = = 3,43 ∆x 5249

Assim, seriam necessários 3,43 sub-trechos. Como não é possível trabalhar com valores não inteiros de sub-trechos, o número de sub-trechos adotado é N=3. Assim, cada um dos trechos tem ∆x=6000 m. O valor de K pode ser calculado pelo tempo que uma onda com celeridade c leva para percorrer um ∆x, isto é:

K=

∆x 6000 = = 3190 s c 1,88

e o valor de X pode ser calculado pela equação 17.13, resultando em X=0,31. Observa-se que estes valores de X e K satisfazem o critério X ≤

∆t ≤ (1 − X ) 2⋅K

Com base nestes valores de X e K obtém-se C1=0,062; C2=0,644 e C3=0,294 usando as equações 17.9 a 17.11. Considerando que no primeiro intervalo de tempo a vazão de saída de cada um dos 3 subtrechos é igual à vazão de entrada do primeiro sub-trecho, pode ser iniciado o cálculo para o segundo intervalo de tempo: No primeiro sub-trecho:

Qt + ∆t = C 1 ⋅ I t + ∆t + C 2 ⋅ I t + C 3 ⋅ Qt ou seja

Qt + ∆t = 0,062 ⋅ 30 + 0,644 ⋅ 20 + 0,294 ⋅ 20 = 20,6 a vazão de saída deste sub-trecho passa a ser a vazão de entrada do subtrecho seguinte, assim a vazão de saída do segundo subtrecho no segundo intervalo de tempo é calculada por:

Qt + ∆t = 0,062 ⋅ 20,6 + 0,644 ⋅ 20 + 0,294 ⋅ 20 = 20,0 e no terceiro sub-trecho segue que:

Qt + ∆t = 0,062 ⋅ 20 + 0,644 ⋅ 20 + 0,294 ⋅ 20 = 20,0 repetindo estes cálculos para cada intervalo de tempo são obtidas as vazões de saída de cada sub-trecho, como mostra a tabela a seguir:

227

Intervalo de tempo 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15

Tempo (minutos) 40 80 120 160 200 240 280 320 360 400 440 480 520 560 600

Vazão montante (m3/s) 20 30 60 90 100 130 115 95 80 60 40 20 20 20 20

Vazão subt 1 20.0 20.6 29.1 52.8 79.7 95.9 119.0 114.9 99.9 84.6 66.0 46.4 27.8 22.3 20.7

Vazão subt 2 20 20.0 21.0 28.2 47.2 71.1 90.0 110.2 112.6 102.7 88.8 71.5 52.6 34.7 25.9

Vazão subt 3 20 20.0 20.1 21.2 27.3 42.8 64.0 83.6 102.6 109.1 103.7 92.1 76.4 58.5 41.2

A vazão máxima na entrada do trecho é de 119 m3.s-1 e a vazão máxima na saída é de 109,1 m3.s-1. O pico na vazão de saída ocorre 160 minutos (2 horas e 40 minutos) depois do pico de vazão na entrada do trecho.

Leituras adicionais A propagação de vazões em rios e canis é tema de livros dedicados exclusivamente ao assunto. Em português uma referência útil é o livro Hidráulica Fluvial, de Rui Vieira da Silva, Flávio Mascarenhas e Marcelo Miguez; além do livro Modelos Hidrológicos (Tucci, 199). Programas de computador comerciais ou distribuídos gratuitamente, como o HECRAS, permitem calcular problemas de propagação de vazões em rios e canais usando modelos hidrodinâmicos, que resolvem as equações de Saint-Venant numericamente. Os manuais destes programas também podem servir de leitura complementar.

Exercícios 1) Refaça o exemplo 2 considerando que o rio tem uma seção transversal trapezoidal com margens com inclinação de 50% e largura do fundo de 10 m e declividade de 20 cm por km.

228

2) Utilize o método de Muskingum-Cunge para propagar o hidrograma dado pela equação abaixo, em um rio com 15 km de extensão, largura média de 60 m, coeficiente de Manning n = 0,030, com declividade de 0,0002. Utilize intervalo de tempo horário.

Q(t ) = Qbase + (Q pico

 t  t − Qbase ) ⋅  ⋅ exp 1 −  T  T p p 

   

β

onde t é o tempo; Qbase=10 m3.s-1 ; Qpico=230 m3.s-1 ; Tp = 35 horas; β = 10 3) Utilize o método Muskingum-Cunge para calcular o hidrograma do rio Uruguai em Itaqui, a partir dos dados observados em Garruchos, no período de outubro e novembro de 1987 dado na tabela a seguir. Garruchos está localizada 192 km a montante de Itaqui. Considere que a largura média do rio neste trecho é de 900 m, a declividade do fundo é de 7 cm/km, coeficiente de Manning n = 0,040 e que a seção transversal é retangular. Compare os resultados aos valores observados em Itaqui. Se for necessário use um intervalo de tempo de cálculo inferior a um dia, interpolando linearmente os dados de entrada. Data 16/10/1987 17/10/1987 18/10/1987 19/10/1987 20/10/1987 21/10/1987 22/10/1987 23/10/1987 24/10/1987 25/10/1987 26/10/1987 27/10/1987 28/10/1987 29/10/1987 30/10/1987 31/10/1987 01/11/1987 02/11/1987 03/11/1987 04/11/1987 05/11/1987

Vazão em Garruchos (m3.s-1) 3597 5738 7194 8753 9489 10548 10372 8268 6539 4948 3993 3484 3155 3028 2862 2680 2524 2466 2315 2071 1881

229

Vazão em Itaqui (m3.s-1) 3011 3537 4823 6269 7599 8712 9675 10174 9900 8841 7421 6124 4999 4192 3675 3308 3036 2837 2668 2551 2302

I N T R O D U Z I N D O

H I D R O L O G I A

Capítulo

18 Estimativa de vazões máximas com base na chuva

B

acias hidrográficas pequenas, como as existentes em áreas urbanas, raramente têm dados observados de vazão e nível de água. Assim, a estimativa de vazões extremas nestas bacias não pode ser feita usando os métodos estatísticos tradicionais, como os apresentados no capítulo 14. Para contornar este problema, costuma-se utilizar métodos de estimativa de vazões máximas a partir das características locais das chuvas intensas. Os métodos para estimativa das vazões máximas a partir da chuva dependem do tamanho da bacia. Em bacias muito pequenas pode ser utilizado um método conhecido como método racional. O método racional permite estimar a vazão de pico, mas não gera informações completas sobre o hidrograma. Em bacias maiores normalmente são utilizados modelos de transformação chuva-vazão, que estão baseados em métodos de cálculo de chuva efetiva semelhantes aos apresentados no capítulo 10 e no hidrograma unitário, apresentado no capítulo 11. Os métodos de estimativa de vazões máximas a partir da chuva são especialmente importantes em bacias urbanas e em processo de urbanização. É possível utilizar estes métodos para fazer previsões sobre as vazões máximas em cenários alternativos de desenvolvimento, com diferentes graus de urbanização.

Chuvas de projeto Os métodos de estimativa de vazões máximas a partir das chuvas podem ser aplicados com eventos de chuva observados, mas é mais freqüente a sua aplicação com eventos idealizados, denominados chuvas de projeto.

Uma chuva de projeto é um evento chuvoso idealizado, ao qual está associado um tempo de retorno. Ao utilizar uma chuva de projeto com 10 anos de tempo der retorno como base para a estimativa da vazão máxima usando um modelo de transformação de chuva em vazão, supõe-se que a vazão máxima gerada por esta chuva também tenha um tempo de retorno de 10 anos. Chuvas de projeto são normalmente obtidas a partir das curvas IDF de pluviógrafos ou a partir de dados de pluviômetros desagregados para durações menores do que um dia. As características principais das chuvas de projeto são: 1) duração; 2) intensidade média; 3) distribuição temporal. Duração das chuvas de projeto

Dado o fato que as intensidades das chuvas tendem a diminuir com a duração, considera-se que as chuvas que potencialmente podem causar as maiores vazões no exutório de uma bacia hidrográfica sejam as chuvas cuja duração é igual ao tempo de concentração da bacia. Isto faz com que exista pelo menos um momento em que toda a bacia esteja contribuindo para aumentar a vazão que está saindo no exutório. Assim, normalmente se admite que as chuvas de projeto tenham duração igual, ou muito semelhante, ao tempo de concentração da bacia.

Intensidade média das chuvas de projeto

A intensidade média de uma chuva de projeto pode ser obtida a partir de uma curva IDF definida a partir de dados de um pluviógrafo instalado na região da bacia. No Brasil existem curvas IDF definidas para as maiores cidades, que podem servir como ponto de partida. Definida a duração da chuva, com base no tempo de concentração da bacia, conforme explicado no sub-item anterior, a intensidade da chuva é obtida a partir da curva IDF para um dado tempo de retorno. O tempo de retorno depende das características do projeto e dos potenciais prejuízos que traria uma eventual falha, em que a vazão superasse a vazão utilizada no dimensionamento. Caso os prejuízos potenciais sejam elevados, deve-se adotar um tempo de retorno alto, em caso contrário deve-se adotar um tempo de retorno baixo. A Tabela 18. 1 apresenta uma relação do tipo de estrutura com o TR normalmente adotado.

231

Tabela 18. 1: Tempos de retorno adotados para projeto de estruturas.

Estrutura Bueiros de estradas pouco movimentadas Bueiros de estradas muito movimentadas Pontes Diques de proteção de cidades Drenagem pluvial Grandes barragens (vertedor) Pequenas barragens Micro-drenagem de área residencial Micro-drenagem de área comercial

TR (anos) 5 a 10 50 a 100 50 a 100 50 a 200 2 a 10 10000 100 2 5

Na ausência de curvas IDF para locais próximos à bacia em análise, pode-se recorrer à análise estatística de dados de chuva de pluviômetros, coletados em intervalo de tempo diário. A partir destes dados é possível obter estimativas de chuvas intensas de 1 dia de duração com tempos de retorno de 2, 5, 10, 50, ... anos usando técnicas semelhantes às aplicadas para estimativa de vazões máximas apresentadas no capítulo 14. As chuvas intensas de 1 dia de duração são, posteriormente, desagregadas para durações inferiores a 1 dia usando relações de altura pluviométrica entre durações consideradas típicas para uma região. Estas relações são obtidas a partir de dados de pluviógrafos. A tabela a seguir apresenta valores de relações entre durações que podem ser utilizados caso não existam dados de curva IDF.

Tabela 18. 2: Relações de altura de chuva entre durações sugeridas pela CETESB para o Brasil, segundo Tucci (1993).

Duração original Duração final Relações entre alturas pluviométricas 30 minutos 5 minutos 0,34 30 minutos 10 minutos 0,54 30 minutos 15 minutos 0,70 30 minutos 20 minutos 0,81 30 minutos 25 minutos 0,91 1 hora 30 minutos 0,74 24 horas 1 hora 0,42 24 horas 6 horas 0,72 24 horas 8 horas 0,78 24 horas 10 horas 0,82 24 horas 12 horas 0,85 1 dia 24 horas 1,14

232

A chuva máxima para um dado tempo de retorno e tempo de duração pode ser estimada usando dados de chuva máxima de 1 dia de duração e a tabela anterior. Por exemplo, supondo que a chuva máxima anual com tempo de retorno de 10 anos e 1 dia de duração em um determinado local, obtida a partir dos dados de um pluviômetro, seja 120 mm. Para estimar a chuva máxima com 30 minutos de duração neste local podemos usar as relações da seguinte forma: Chuva máxima de 1 dia: 120 mm Chuva máxima de 24 horas: P24h=120 x 1,14=136,8 Chuva máxima de 1 hora: P1h=136,8 x 0,42 = 57,5 Chuva máxima de 30 minutos: P30min=57,5 x 0,74 = 42,5. Assim, a chuva máxima de 30 minutos de duração e 10 anos de tempo de retorno seria estimada em 42,5 mm. A intensidade média desta chuva é 85 mm/hora.

Distribuição temporal das chuvas de projeto

Uma vez definida a intensidade e a duração de uma chuva de projeto é necessário definir sua distribuição temporal. A hipótese mais simples, utilizada no método racional para o cálculo das vazões máximas, é que a intensidade não varia durante todo o evento. Assim, a chuva tem uma distribuição temporal uniforme durante toda a sua duração. Por outro lado, na geração de chuvas de projeto mais longas, tipicamente utilizadas em cálculos de vazões baseadas no método do hidrograma unitário, normalmente considera-se que a intensidade da chuva varia ao longo do evento de projeto. Existem vários métodos para criar uma distribuição temporal para chuvas de projeto, e nenhum deles tem uma fundamentação mais profunda. Um método freqüentemente utilizado é conhecido como método dos blocos alternados (Chow et al., 1988). O método dos blocos alternados para definir a distribuição temporal das chuvas de projeto está baseado no uso de uma curva IDF para diferentes durações de chuva, menores do que a duração total da chuva de projeto. Por exemplo, considere que a chuva de projeto deve ter uma duração total de 120 minutos, e que será dividida em 6 intervalos de 20 minutos. Se considerarmos o tempo de retorno de 10 anos e a curva IDF do 8º. Distrito de Meteorologia, em Porto Alegre, cuja equação é dada no capítulo 3, temos a seguinte relação entre duração e intensidade: 20 minutos – 102,2 mm.hora1; 40 minutos – 67,4 mm.hora-1; 60 minutos – 51 mm.hora-1; 80 minutos – 41,4 mm.hora-1; 100 minutos – 35,0 mm.hora-1; 120 minutos – 30,4 mm.hora-1. A altura total de chuva para cada duração é obtida multiplicando a intensidade pela duração, e a altura incremental para cada intervalo de 20 minutos é dada pela subtração

233

entre a altura total para uma dada duração total menos o total da duração anterior, como pode ser observado na tabela que segue. Tabela 18. 3: Exemplo de elaboração de chuva de projeto a partir da curva IDF (primeira parte).

Duração (minutos) Intensidade (mm.hora-1) Altura total (mm) 20 40 60 80 100 120

102.2 67.4 51.0 41.4 35.0 30.4

34.1 44.9 51.0 55.1 58.3 60.8

Incremento (mm) 34.1 10.8 6.1 4.2 3.1 2.5

Observa-se na tabela anterior que os primeiros 20 minutos apresentam o maior incremento de chuva. Os 20 minutos seguintes apresentam o segundo maior incremento de chuva, e assim por diante (Tabela 18. 4). No método dos blocos alternados, os valores incrementais são reorganizados de forma que o máximo incremento ocorra, aproximadamente, no meio da duração da chuva total. Os incrementos (ou blocos de chuva) seguintes são organizados a direita e a esquerda alternadamente, até preencher toda a duração (Tabela 18. 5).

Figura 18. 1: Chuva de projeto com blocos em ordem decrescente.

Figura 18. 2: Chuva de projeto com blocos reordenados pelo método dos blocos alternados.

234

A Figura 18. 1 apresenta o hietograma original, com os blocos de chuva organizados em ordem decrescente, como na Tabela 18. 4. A Figura 18. 2 apresenta o hietograma reorganizado pelo método dos blocos alternados, e corresponde aos valores apresentados na Tabela 18. 5.

Tabela 18. 4: Blocos de chuva de 20 minutos de duração organizados em ordem decrescente.

Ordem decrescente 1 2 3 4 5 6

Incremento (mm) 34.1 10.8 6.1 4.2 3.1 2.5

Tabela 18. 5: Blocos de chuva de 20 minutos de duração reorganizados pelo método dos blocos alternados.

Ordem nova Posição original em ordem decrescente Incremento (mm) 1 2 3 4 5 6

5 3 1 2 4 6

3.1 6.1 34.1 10.8 4.2 2.5

Atenuação das chuvas com a área Bacias hidrográficas grandes têm menor probabilidade de serem atingidas por chuvas intensas simultaneamente em toda a sua área do que bacias pequenas. Chuvas de projeto são definidas a partir de dados coletados em pluviógrafos. Para utilizar as chuvas de projeto em bacias relativamente grandes é necessário compensar o fato que a intensidade média das chuvas em grandes áreas é menor. Normalmente é utilizado para isto um fator de redução pela área, como o desenvolvido em 1958, para algumas regiões dos EUA, ilustrado na Figura 18. 3. O fator de redução depende da área da bacia e da duração da chuva. O fator representa a relação entre chuva de pluviógrafo e chuva média na bacia. Chuvas de curta duração, que normalmente são mais localizadas, devem ser reduzidas por um fator mais intenso e chuvas de longa duração tem menos redução. O fator de redução apresentado na Figura 18. 3 foi desenvolvido originalmente com base em dados de redes de pluviógrafos. Atualmente estas curvas de fator de redução estão sendo revisadas com base em dados de radar. Na Figura 18. 3 estão sobrepostas duas curvas de fator de redução para a duração de 1 hora e 2 horas geradas a partir de dados de radar por Durrans et al. (2003) sobre as curvas originais, mostrando que existem grandes diferenças no fator, de acordo com os dados utilizados para seu cálculo.

235

Figura 18. 3: Fator de redução da chuva de projeto de acordo com a área da bacia e a duração da chuva – as linhas pretas foram obtidas em 1958 para algumas regiões dos EUA com base em dados de pluviógrafos e as linhas cinza foram obtidas a partir de dados de radar.

Vazões máximas com base em transformação chuva-vazão Os métodos mais comuns para calcular as vazões máximas a partir da transformação de chuva em vazão são o método racional e os modelos baseados no hidrograma unitário. Em bacias pequenas, com chuvas de curta duração, pode ser adotado o hidrograma unitário. Já em bacias maiores, com chuvas mais demoradas, ou em casos em que se deseja, além da vazão máxima, o volume das cheias, é necessário utilizar modelos baseados no hidrograma unitário. O Departamento de Esgotos Pluviais (PORTO ALEGRE, 2005) sugere que, de acordo com a área da bacia usam-se métodos diferentes para cálculo da vazão, como apresenta o quadro 1.

236

Tabela 18. 6: Métodos de cálculo de vazão máxima, pelo Departamento de Esgotos Pluviais de PORTO ALEGRE.

A (ha)

MÉTODO

A ≤ 200

Racional

A > 200

Hidrograma Unitário – SCS

Os limites de área que definem qual método utilizar não são gerais, de modo que cada órgão governamental define seus limites de acordo com a aplicação. As duas metodologias (Racional e do Hidrograma Unitário) estão em detalhes a seguir.

O método racional para estimativa de vazões máximas O método mais simples é conhecido como método racional, e é aplicável para bacias de até, aproximadamente, 2 km2, embora alguns autores citem seu uso para bacias com área inferior a 15 km2 (Brutsaert, 2005). O método racional se baseia na seguinte expressão:

Q=

C ⋅i⋅ A 3,6

(18.1)

onde Q é a vazão de cheia (m3.s-1); C é um coeficiente de escoamento superficial; i é a intensidade da chuva (mm.hora-1); e A é área da bacia hidrográfica (km2). A área de drenagem pode ser obtida a partir de mapas e de levantamentos topográficos. O coeficiente de escoamento pode ser avaliado a partir de condições do solo, vegetação e ocupação da bacia (veja tabelas seguintes).

237

Tabela 18. 7: Valores de C (coeficiente de escoamento do método racional) para diferentes superfícies.

Superfície

intervalo

valor esperado

Asfalto

0,70 a 0,95

0,83

Concreto

0,80 a 0,95

0,88

Calçadas

0,75 a 0,85

0,80

Telhado

0,75 a 0,95

0,85

grama solo arenoso plano

0,05 a 0,10

0,08

grama solo arenoso inclinado

0,15 a 0,20

0,18

grama solo argiloso plano

0,13 a 0,17

0,15

grama solo argiloso inclinado

0,25 a 0,35

0,30

áreas rurais

0,0 a 0,30

Tabela 18. 8: Valores de C (coeficiente de escoamento do método racional) de acordo com a ocupação da bacia.

Zonas

C

Centro da cidade densamente construído

0,70 a 0,95

Partes adjacentes ao centro com menor densidade 0,60 a 0,70 Áreas residenciais com poucas superfícies livres

0,50 a 0,60

Áreas residenciais com muitas superfícies livres

0,25 a 0,50

Subúrbios com alguma edificação

0,10 a 0,25

Matas parques e campos de esportes

0,05 a 0,20

A intensidade da chuva é obtida a partir da curva IDF (veja capítulo 3) mais adequada ao local da bacia. Para obter a intensidade i é preciso definir a duração da chuva e o tempo de retorno. A duração da chuva é considerada igual ao tempo de concentração (veja capítulo 2). Esta hipótese é adotada para que o cálculo represente uma situação em que a vazão máxima ocorre quando toda a bacia está contribuindo para o exutório.

238

Vazões máximas usando o hidrograma unitário Modelos baseados no hidrograma unitário são utilizados para calcular vazões máximas e hidrogramas de projeto com base nas chuvas de projeto. Neste caso, uma metodologia de separação de escoamento, como a do SCS descrita no capítulo 10, e o método do hidrograma unitário, descrito no capítulo 11, são utilizados considerando eventos de chuva de projeto. Admite-se, implicitamente, que uma chuva de T anos de tempo de retorno provoque uma vazão máxima de T anos de tempo de retorno. Os passos para obter a vazão máxima com base no hidrograma unitário são detalhados a seguir: 1. Calcular área da bacia 2. Calcular tempo de concentração da bacia 3. Identificar posto pluviográfico com dados ou curva IDF válida em região próxima. 4. Com base nas caracaterísticas da bacia (área e tempo de concentração) definese o hidrograma unitário sintético. 5. Com base em na curva IDF define-se a chuva de projeto, com duração igual ao tempo de concentração da bacia, e organizada em blocos alternados, ou metodologia semelhante. 6. A chuva de projeto deve ser multiplicada pelo fator de redução de área, de acordo com a área da bacia e com a duração total da chuva. 7. Com base na chuva de projeto corrigida do passo anterior e usando uma metodologia de separação de escoamento como o método do coeficiente CN, calcula-se a chuva efetiva. 8. Com base na chuva efetiva e no hidrograma unitário é feita a convolução para gerar o hidrograma de projeto. 9. A maior vazão do hidrograma de projeto é a vazão máxima estimada a partir da chuva. Estes passos podem ser repetidos para outros tempos de retorno e para outras condições de ocupação da bacia. A utilização deste método é comum quando se deseja saber quais serão as vazões máximas em uma bacia num cenário futuro, em que aumentou a área urbanizada da bacia.

239

Os cálculos de vazão máxima a partir da chuva e do hidrograma unitário raramente são realizados de forma manual, ou com base em planilhas e calculadora. A situação mais normal atualmente é a utilização de modelos hidrológicos para a realização destes cálculos. Os modelos hidrológicos utilizam técnicas como as descritas nos capítulos anteriores para calcular as vazões a partir da chuva. Além de separação de escoamento e hidrograma unitário, os modelos hidrológicos ainda permitem fazer os cálculos de propagação de escoamento em rios e reservatórios, como os descritos nos capítulos anteriores. Um modelo hidrológico deste tipo é o modelo IPH-S1, desenvolvido no Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS, que é disponibilizado em uma versão com interface amigável, desenvolvida em cooperação com a UFPEL.

Exercícios 1) Defina a chuva de projeto de 3 horas de duração e tempo de retorno 5 anos com base na curva IDF do Aeroporto de Porto Alegre (capítulo 3). Use o método dos blocos alternados. 2) Estime a vazão máxima de projeto para um galeria de drenagem sob uma rua numa área comercial de Porto Alegre, densamente construída, cuja bacia tem área de 35 hectares, comprimento de talvegue de 2 km e diferença de altitude ao longo do talvegue de 17 m. 3) Calcule o hidrograma de projeto e a vazão máxima de uma bacia próxima de Porto Alegre, com área de 10 Km2, comprimento do talvegue de 5 Km, ao longo do qual existe uma diferença de altitude de 300 m. A bacia tem solos argilosos e vegetação de campos e florestas. Considere o tempo de retorno de 10 anos. 4) Qual é o aumento da vazão máxima da bacia anterior caso a bacia seja urbanizada com áreas residenciais? 5) Qual é o aumento do volume do hidrograma resultante caso a bacia seja urbanizada com áreas residenciais?

240

I N T R O D U Z I N D O

H I D R O L O G I A

Capítulo

19 Qualidade da água

A

água é um elemento vital para as atividades humanas e para a manutenção da vida. Para satisfazer as necessidades humanas e ambientais, é necessário que a água tenha certas características que variam com o seu uso. A água utilizada para análises clínicas, por exemplo, deve ser tanto quanto possível isenta de sais e outras substâncias em solução ou suspensão. Já para a navegação e para a geração de energia, por exemplo, a água deve apenas atender ao requisito de não ser excessivamente agressiva às estruturas. Para os processos biológicos incluindo a manutenção dos ecossistemas, a alimentação humana e a dessedentação animal, as exigências são intermediárias.

Poluição da água Entende-se por poluição da água a alteração de suas características por quaisquer ações ou interferências sejam elas ou não provocadas pelo homem (Braga et al., 2005). A origem da palavra poluição está relacionada à condição estética da água, que parece suja quando a poluição pode ser percebida a olho nu. Entretanto, a alteração da qualidade da água não se manifesta apenas em características estéticas. A água aparentemente limpa pode conter micro-organismos patogênicos e substâncias tóxicas. As fontes de poluentes da água são divididas em pontuais ou difusas, dependendo da facilidade com que se visualiza o ponto em que os poluentes estão sendo lançados no rio, lago ou corpo d’água receptor. Cargas pontuais de poluentes são introduzidas por lançamentos facilmente identificáveis e individualizados, como os despejos de esgoto de uma indústria. Poluentes difusos são lançados de forma distribuída e não é fácil identificar como são produzidos, como no caso das substâncias provenientes de áreas agrícolas, ou dos poluentes associados à drenagem pluvial urbana.

Parâmetros de qualidade de água A qualidade da água é avaliada de acordo com algumas características físicas, químicas ou biológicas denominadas parâmetros de qualidade de água. Freqüentemente, mas

não necessariamente, estes parâmetros são apresentados como concentração de certas substâncias presentes na água. Os valores destes parâmetros são importantes para a caracterização da água frente aos usos a que ela se destina. Por exemplo, para ser bebida a água não pode ter uma concentração excessiva de sais. Alguns dos principais parâmetros de qualidade de água são apresentados a seguir. Temperatura

A temperatura é uma das características mais importantes da água de um rio ou lago porque a temperatura da água afeta as características físicas e químicas da água, como, por exemplo a solubilidade dos gases e a densidade. A temperatura exerce um efeito sobre as reações químicas e a atividade biológica na água. A velocidade das reações químicas duplica para cada 10º. C de aumento de temperatura da água. A temperatura também controla a concentração máxima de oxigênio dissolvido na água (Benetti e Bidone, 1993). Poluição térmica pode existir se um corpo d’água recebe um efluente de alguma atividade humana que altera profundamente a temperatura da água. Este é o caso típico de usinas termoelétricas a carvão ou nucleares. Estas usinas normalmente são construídas próximas a grandes corpos de água porque utilizam a água no seu processo de resfriamento. A água é retirada de um rio, lago, ou mesmo do oceano, a temperatura ambiente e é devolvida alguns graus acima da temperatura ambiente. Outra fonte de poluição térmica é uma barragem em que a água descarregada para jusante é retirada de camadas muito profundas do reservatório localizado a montante. No fundo de um reservatório a temperatura da água pode ser bastante inferior à temperatura normal da água do rio. Oxigênio Dissolvido

O Oxigênio Dissolvido (OD) é necessário para manter as condições de vida dos seres que vivem na água, e, portanto, é um parâmetro importante na análise da poluição de um rio. O OD é consumido pelos seres vivos, especialmente os organismos decompositores de matéria orgânica. A concentração de OD na água aumenta por fotossíntese de plantas e algas aquáticas ou por reareação, no contato com a atmosfera. O OD tem uma concentração máxima para dadas condições de temperatura e salinidade da água, que é conhecida como concentração de saturação. A concentração de saturação aumenta com a redução da temperatura da água. A tabela 19.1 apresenta valores de concentração de saturação de Oxigênio Dissolvido na água com salinidade zero e em condições de pressão atmosférica média ao nível do mar.

242

Tabela 19. 1: Concentração de OD de saturação para diferentes temperaturas da água. Valores correspondem à água doce (salinidade zero) e pressão atmosférica média ao nível do mar.

Temperatura da água (oC) 0 5 10 15 20 25 30 40

Concentração de OD (mg.l-1) 14,6 12,7 11,3 10,1 9,1 8,2 7,5 6,4

Um valor de concentração de 4 mg.l-1 é, normalmente, tomado como limite inferior de tolerância para peixes, porém este valor depende da espécie. Valores inferiores a 3 mg.l1 tendem a ser prejudiciais para a maior parte dos vertebrados aquáticos. A velocidade com que o OD é consumido pela decomposição da matéria orgânica, as taxas de reoxigenação, e alguns cálculos simples em rios e lagos são apresentados nos itens seguintes deste capítulo. pH

O pH expressa o grau de acidez ou alcalinidade da água, em valores de 0 a 14, sendo que valores inferiores a 7 indicam águas ácidas e valores superiores a 7 indicam águas alcalinas (Benetti e Bidone, 1993). O pH do meio (água) controla as reações químicas de muitos outros poluentes. Valores baixos de pH aceleram a decomposição de materiais potencialmente tóxicos. Valores altos de pH podem levar a um aumento na concentração de amônia, que é tóxica para os peixes DBO

A água dos rios e de esgotos cloacais e industriais contém matéria orgânica. Esta matéria orgânica é decomposta por microorganismos que, em geral, consomem oxigênio no processo de decomposição. A DBO, ou Demanda Bioquímica de Oxigênio, representa o consumo potencial de oxigênio para decompor a matéria orgânica existente na água. A DBO é medida a partir de uma coleta de amostra que deve ser mantida a 20º. C. A Concentração inicial de oxigênio na amostra é medida e a amostra fica mantida por cinco dias em um recipiente de vidro, livre da influência da luz. Ao longo destes cinco dias o oxigênio vai sendo consumido por bactérias e a concentração de OD é medida ao final dos cinco dias. A diferença entre a concentração inicial de OD (mais alta) e a concentração final (mais baixa) é o valor da DBO5, denominada assim porque está baseada num teste realizado em 5 dias. Os processos de transformação de matéria orgânica na água, e o conseqüente consumo de OD, são analisados novamente nos próximos itens deste capítulo.

243

Coliformes fecais

Obviamente existem inúmeros tipos de micro-organismos nas águas, e alguns destes podem indicar presença de dejetos de origem animal. A água com micro-organismos de origem humana é potencialmente nociva, porque muitos tipos de doenças são transmitidas via a água. Entretanto, testar a água para todos os micro-organismos potencialmente patogênicos seria muito caro, assim é mais comum a verificação da presença ou concentração da bactéria Escherichia coli. Escherichia coli é uma bactéria presente nos sistemas digestivos de animais de sangue quente, que normalmente não é nociva, mas que é usada como indicativo de contaminação com fezes humanas (ou mais raramente de outros animais). A presença de E.coli e sua concentração é medida e expressa através da concentração de coliformes fecais em Número Mais Provável (NMP) por 100 ml de água, ou seja NMP/100ml.

Mistura Aspectos fundamentais da qualidade da água são, normalmente, apresentados em termos de concentração de substâncias na água. A concentração é expressa como a massa da substância por volume de água, em mg.l-1, ou g.m-3. Por exemplo, ao acrescentar e dissolver 12 mg de sal em um litro de água pura, obtém-se água com uma concentração de 12 mg.l-1. De forma semelhante, quando são misturados volumes de água com concentrações diferentes, a concentração final equivale a uma média ponderada das concentrações originais, o mesmo ocorrendo no caso de vazões. Assim, se um rio com vazão QR e concentração CR recebe a entrada de um afluente com vazão QA e com concentração CA. Admitindo uma rápida e completa mistura das águas, a concentração final é dada por:

CF =

QR ⋅ C R + Q A ⋅ C A QR + Q A

(19.1)

EXEMPLO

1) Uma cidade coleta todo o esgoto cloacal, mas não tem estação de tratamento. Assim, a vazão de esgoto de 0,5 m3.s-1 com uma concentração de 50 mg.l-1 de Nitrogênio Total é lançada em um rio com uma vazão de 23 m3.s-1 e com uma concentração de 1 mg.l-1 de Nitrogênio Total. Considerando mistura completa qual é a concentração final no rio a jusante da entrada do esgoto. A concentração final, considerando mistura completa e imediata é

244

CF =

QR ⋅ C R + Q A ⋅ C A QR + Q A

ou seja C F =

23 ⋅ 1 + 0,5 ⋅ 50 = 2,04 23,5

portanto a concentração final é de 2,04 mg.l-1.

A carga ou fluxo de um poluente ou substância é dada pelo produto entre a vazão e a concentração. No exemplo anterior, o fluxo de Nitrogênio Total no rio, a jusante da entrada de esgoto é dado por: WF = QF ⋅ C F = 23,5 ⋅ 2,04

m 3 ⋅ mg Kg = 23,5 ⋅ 2,04 = 48 Kg .s −1 s ⋅l s

Na realidade, a mistura de um poluente lançado no rio com a água deste rio não é imediata. Ao longo de um trecho L a jusante do ponto de lançamento a água não pode ser considerada completamente misturada. Um exemplo clássico deste fenômeno é a confluência dos rios Amazonas e Negro – o Encontro das Águas – que fluem lado a lado por vários km até que suas águas se misturem. A rapidez com que um poluente se mistura à água do rio depende da turbulência e a turbulência depende da velocidade e da quantidade de obstáculos e curvas. Uma estimativa útil para um lançamento lateral em um rio pode ser obtida pela equação a seguir (Yotsukara, 1968 apud Chapra, 1997):

 B2 Lm = 8,52 ⋅ U ⋅  H

  

(19.2)

onde Lm é a distância a partir do ponto de lançamento para a qual pode se considerar que a mistura é completa (m); B é a largura média do rio (m); H é a profundidade média do rio (m); e U é velocidade da água (m.s-1).

EXEMPLO

2) Esgoto industrial é lançado diretamente em um pequeno rio com vazão de 1,8 m3.s-1, largura média de 15 m, em que a velocidade da água é de 0,3 m.s-1 e a profundidade média é de 0,4 m. Qual é a distância percorrida até que possa se considerar que o esgoto lançado está completamente misturado à água do rio? A distância a jusante do lançamento onde a mistura pode ser considerada completa pode ser estimada por:

 B2 Lm = 8,52 ⋅ U ⋅  H

  15 2  = 8,52 ⋅ 0,3 ⋅    0,4

  = 1438 m 

245

ou seja, Lm = 1438 m. O tempo para a água percorrer esta distância é: d t= 1438/0,3 = 4793 s Assim, a distância é de 1438 m e o tempo para ocorrer mistura completa é de 1 hora e 20 minutos.

Transformação de poluentes Os poluentes da água podem ser classificados em conservativos e não conservativos, dependendo da ocorrência ou não de transformações destes poluentes que afetam a sua concentração na água. Poluentes ou parâmetros de qualidade de água conservativos não reagem com o meio ou com outras substâncias, e não alteram a sua concentração por processos físicos, químicos e biológicos, exceto a mistura. Um exemplo simples é o sal. Poluentes ou parâmetros de qualidade não conservativos se transformam em contato com o meio ou reagem com outras substâncias, alterando sua concentração ao longo do tempo. Exemplos de poluentes não conservativos são os coliformes fecais e a DBO. As substâncias não conservativas podem alterar sua concentração pelos seguintes tipos de transformações: reações químicas; consumo na cadeia trófica; sedimentação; trocas com a atmosfera. As reações que ocorrem com os poluentes são descritas matematicamente supondo que existem relações relativamente simples entre as taxas de transformação e a concentração do poluente analisado e de outras substâncias. Uma das representações mais simples e mais utilizadas é o chamado modelo de cinética de reações de primeira ordem, em que se supõe que a taxa de reação é proporcional à concentração da substancia analisada (equação 19.3). dC = −k ⋅ C dt

(19.3)

onde C é a concentração, t é o tempo, e k um coeficiente de decaimento, que tem unidades de tempo. A solução desta equação diferencial é dada pela equação 19.4, em que C0 é a concentração em t=0. C = C0 ⋅ e − k ⋅t

(19.4)

Transformação da DBO e consumo de OD

Um dos poluentes não conservativos mais importantes é a DBO. A transformação da matéria orgânica consumidora de oxigênio (DBO) pode ser razoavelmente bem

246

representada por equações de primeira ordem, como a equação 19.3. Se uma amostra de água com uma pequena quantidade de matéria orgânica degradável for mantida num frasco sem luz e sem oxigenação, a concentração de OD ao longo do tempo normalmente tem um comportamento como o ilustrado na Figura 19. 1. A matéria orgânica se degrada e o OD da água é consumido ao longo deste processo, como mostra o gráfico. O gráfico da Figura 19. 1 corresponde a um processo de reação ou decaimento de primeira ordem, do tipo descrito pela equação 19.3. No caso da matéria orgânica, muitas vezes é utilizada a letra L para representar a concentração de DBO. Assim, a equação diferencial e sua solução são normalmente escritas como:

Figura 19. 1: Concentração de OD e DBO ao longo do tempo em um frasco com uma pequena quantidade de matéria orgânica degradável, sem reoxigenação.

dL = −k 1 ⋅ L dt

(19.5)

L = L0 ⋅ e − k1 ⋅t

(19.6)

onde t é o tempo; L é a concentração de DBO e k1 é um coeficiente com unidades de tempo-1. Já o OD é consumido em uma velocidade que depende da concentração de DBO, o que corresponde à equação 19.7. dC = −k 1 ⋅ L dt

(19.7)

onde C é a concentração de OD. Considerando a equação 19.6, a solução daequação diferencial 19.7 é a seguinte:

(

C = C0 − L0 ⋅ 1 − e − k1 ⋅t

)

(19.8)

onde C0 é a concentração de OD no instante t=0. Quando é medida a DBO5,20 de uma amostra de água é calculada a diferença entre a concentração de OD no dia inicial e a concentração de OD cinco dias depois. Usando a equação 19.8, pode-se expressar a equação correspondente a esta medição:

247

(

(

DBO5, 20 = C0 − C 5 = C0 − C0 − L0 ⋅ 1 − e − k1 ⋅5

(

DBO5, 20 = L0 ⋅ 1 − e − k1 ⋅5

)

))

(19.9)

onde k1 deve ser utilizado com unidades de dia-1. Então, ao longo de 5 dias a matéria orgânica degradável consome uma quantidade de OD que é medida pela DBO5,20. Para saber a quantidade total de OD que a matéria orgânica poderia ter consumido, se houvesse tempo para isso, é necessário estimar o valor de L0, que é conhecida como DBO Última ou DBO Total. A DBO Última ou DBO Total pode ser estimada considerando Figura 19. 2: Concentração de OD e DBO ao longo do tempo em um frasco com uma pequena quantidade de matéria orgânica degradável, sem reoxigenação, com indicação da forma como é medida a DBO5,20. que o processo seguiria a partir do quinto dia de acordo com um decaimento de primeira ordem. Utilizando a equação 19.9 podemos encontrar o valor de L0 a partir do valor da DBO5,20 e de uma estimativa do coeficiente k1:

L0 =

DBO5 , 20

(19.10)

(1 − e ) − k1 ⋅5

Valores típicos de k1 podem ser encontrados a partir de medições de consumo de OD com duração maior do que 5 dias. Na literatura são citados valores de k1 entre 0,1 e 0,35 para ensaios de laboratório. Os valores mais altos ocorrem para efluentes não tratados e os valores mais baixos para água relativamente limpa. Em rios e lagos a degradação da matéria orgânica pode ocorrer com velocidades maiores do que em frascos de laboratório, especialmente se a temperatura da água for alta, como descrito no próximo item.

248

EXEMPLO

3) Para uma amostra de esgoto foi medido o valor de DBO5,20 de 300 mg/l. Estime o valor da DBO total considerando que o coeficiente de decaimento é de 0,35 dia-1. A DBO total ou última pode ser calculada a partir da DBO5,20 por:

L0 =

DBO5, 20

(1 − e ) − k1 ⋅5

=

300 (1 − e −0,35⋅5 ) = 363

Assim, a DBO total é de 363 mg/l..

Em um frasco lacrado, impedindo a reoxigenação da água, obviamente não é possível consumir 363 mg/l de OD, ou mesmo 300 mg/l de OD da água porque a concentração máxima de OD na água a 20oC é da ordem de 9 mg/l. Medições de DBO neste caso são feitas diluindo a amostra inicial em água destilada. Além disso, compostos de Nitrogênio também podem consumir OD. Isto normalmente ocorre após o consumo de DBO inicial. Para diferenciar os dois tipos a demanda inicial de DBO, que é utilizada pelas bactérias para degradar compostos orgânicos de carbono é conhecida como DBO carbonácea e a DBO associada aos compostos de Nitrogênio é conhecida como DBON, ou DBO nitrogenada. Para manter a abordagem deste texto simples, será considerada apenas a DBO carbonácea.

Autodepuração de rios Uma característica importante dos rios é que eles podem se recuperar do impacto causado pelo lançamento de poluentes, desde que respeitados alguns limites de tolerância e após um certo período de tempo. Uma situação típica é a poluição da água pelo lançamento de matéria orgânica com alta demanda bioquímica por oxigênio (DBO), como a que existe no esgoto doméstico e nos efluentes de muitas indústrias alimentícias e de bebidas. Considere um rio com água bastante limpa, em que a DBO é próxima de zero e a concentração de OD está próxima da saturação. Em um ponto é lançado um efluente com alta concentração de DBO e concentração de OD próxima de zero. Admitindo mistura completa e imediata, no ponto de lançamento do efluente poluído ocorre um aumento súbito da concentração de DBO e uma redução da concentração de OD, como mostra a Figura 19. 3.

249

Na Figura 19. 3 o afluente poluído entra no rio e a mistura imediata faz a concentração de OD cair do nível de saturação para um valor inferior ao de saturação. Ao mesmo tempo, a concentração de DBO se eleva e o déficit de OD em relação à concentração de saturação (D) também aumenta. A partir do ponto de lançamento, a DBO vai sendo degradada, e o processo consome OD. A concentração de DBO vai diminuindo de forma contínua, entretanto a concentração de OD inicialmente diminui, mas depois volta a aumentar, finalmente atingindo os níveis equivalentes à concentração de saturação a uma certa distância do local de lançamento. Observa-se na figura que é mantida a relação D = CODsat – COD.

Figura 19. 3: Gráfico de concentrações de OD e DBO num rio : o ponto de entrada de um afluente poluído corresponde ao Km 20 (OD é o Oxigênio Dissolvido; OD sat é a concentração de OD na saturação; D é o déficit de oxigênio dissolvido em relação à concentração de saturação; e DBO é a concentração de DBO)

Em um rio a DBO pode se decompor, consumindo OD, e pode sedimentar, ficando depositada junto ao fundo. O OD é consumido pela degradação da matéria orgânica, o que pode ser parcialmente ou completamente compensado pelo processo de reoxigenação, que ocorre na superfície da água. Transformação da DBO em rios e lagos

Em rios e lagos a concentração de matéria orgânica consumidora de OD pode ser reduzida tanto pela degradação realizada pelas bactérias, como pela sedimentação, quando é depositada no fundo. A parte da DBO que é depositada não consome OD

250

imediatamente, porém uma demanda associada com sua decomposição por organismos bentônicos pode ocorrer mais tarde. Em termos da coluna de água de rios e lagos, a DBO é removida com uma taxa que depende tanto do decaimento bioquímico como da sedimentação. Pode-se admitir que existe um coeficiente de remoção (kr) dado pela soma de um coeficiente de decaimento (kd), que é semelhante ao k1 definido antes, e de um coeficiente de sedimentação (ks), como mostra a equação 19.11. (19.11)

kr = kd + ks

Neste caso, as equações 19.5 e 19.6, utilizadas para descrever o processo em laboratório, podem ser reescritas numa forma mais adequada para rios e lagos como: dL = −k r ⋅ L dt

(19.12)

L = L0 ⋅ e − k r ⋅t

(19.13)

onde t é o tempo; L é a concentração de DBO e kr é um coeficiente com unidades de tempo-1. Pode-se considerar que a sedimentação não provoca consumo de OD, mas apenas o decaimento bioquímico. Assim, o OD é consumido em uma velocidade que depende da concentração de DBO, e do coeficiente kd: dC OD = −k d ⋅ L dt

(19.14) onde COD é a concentração de OD e L é a concentração de DBO.

Figura 19. 4: Valor do coeficiente kd de decaimento de DBO em rios, de acordo com a profundidade da água (Chapra, 1997).

Os valores dos coeficientes kr, ks e kd dependem das características do escoamento e da temperatura. Rios rasos tem valores de kd superiores a 1 dia-1. Em rios com profundidade superior a 2,4 m o valor de kd pode ser considerado igual a 0,3 dia-1. Uma equação empírica, freqüentemente utilizada para estimar o valor de kd para rios com menos de 2,4 m de profundidade é a equação abaixo (Chapra, 1997):

251

 h  k d = 0,30 ⋅    2,4 

−0 , 434

(19.15)

onde kd é o coeficiente de decaimento da DBO em rios (dia-1); e h é a profundidade em metros. O valor do coeficiente de decaimento kd também depende da temperatura. Quanto maior a temperatura, mais intenso o metabolismo das bactérias responsáveis pela decomposição da matéria orgânica, o que acelera o decaimento da DBO. Valores de kd de referência são, normalmente, estimados para uma temperatura de 20oC. Estimativas para outras temperaturas da água podem ser obtidas a partir da equação 19.16: (T − 20 )

(19.16)

k d ,T = k d , 20 ⋅ (1,047 )

onde kd,T é o valor do coeficiente kd corrigido para a temperatura T; kd,20 é o valor de referência, a uma temperatura de 20 oC; e T é a temperatura em oC. A importância da sedimentação de DBO é maior em rios de pequena profundidade e quando a concentração de DBO é alta. Muitas vezes, no entanto, a sedimentação é desprezada, utilizando um valor de ks igual a zero. Reoxigenação

A direção e a magnitude do fluxo de oxigênio depende da diferença entre a concentração real e a concentração de saturação. Esta diferença é chamada déficit de saturação de OD. Concentração de saturação de OD na água varia com a temperatura. A água fria tem valores mais altos de OD na saturação (valores máximos da ordem de 14 mg/l). Já a água quente tem menos OD na saturação, conforme mostra a Tabela 19. 1. Os valores da concentração de saturação de OD na água doce podem ser estimados pela equação 19.17. b c d e   C ODsat = exp a + + 2 + 3 + 4  T T T T  

(19.17)

onde T é a temperatura em graus Kelvin (T=oC+273,15) e os coeficientes são dados a seguir: a = -139,34411 b = 1,575701 . 105

252

c = -6,642308 . 107 d = 1,243800 . 1010 e = -8,621949 . 1011 Pode-se considerar que a reoxigenação também é um processo de primeira ordem, em que a taxa de aumento de concentração de oxigênio depende do déficit, como expresso na equação que segue: dC OD = k a ⋅ (C ODsat − C OD ) dt

(19.18)

onde COD é a concentração de OD na água; onde CODsat é a concentração de OD na condição de saturação; e ka é um coeficiente com unidades de tempo-1. A mesma equação pode ser expressa em termos de déficit de OD: dD = −k a ⋅ D dt

(19.20)

onde D = CODsat – COD. A reoxigenação ou reaeração depende da turbulência da água. Quanto maior a velocidade da água, mais turbulento é o escoamento e o coeficiente de reoxigenação ka pode atingir valores próximos a 10 dia-1. Já quanto maior a profundidade da água, menor é o coeficiente de reoxigenação, atingindo valores mínimos próximos inferiores a 1 dia-1. Diversas fórmulas empíricas foram desenvolvidas relacionando o valor do coeficiente de reoxigenação (ka) com a velocidade e a profundidade da água em rios (Tabela 19. 2). Estas fórmulas foram obtidas a partir de dados de rios com características diversas e sua aplicação deve respeitar as faixas de valores de velocidade e profundidade utilizadas no seu ajuste.

253

Tabela 19. 2: Equações empíricas para estimative do coeficiente de reoxigenação a partir das características do escoamento (unidades: ka (dia-1); u (m.s-1); h (m) - fonte: Chapra, 1997).

Autores

Equação

O’Connor e Dobbins

u 0,5 h1,5 u k a = 5,026 ⋅ 1, 67 h u 0,67 k a = 5,32 ⋅ 1,85 h

Churchill Owens e Gibbs

k a = 3,93 ⋅

Faixa de valores considerados no ajuste da equação 0,3 < h < 9,14 0,15 < u < 0,49 0,61 < h < 3,35 0,55 < u < 1,52 0,12 < h < 0,73 0,03 < u < 0,55

Em lagos e reservatórios considera-se que o coeficiente de reoxigenação depende da profundidade e da velocidade do vento, como mostra a equação que segue (Broecker et al., 1978 apud Chapra, 1997): k a = 0,864 ⋅

Uw h

(19.21)

onde Uw é a velocidade do vento a 10 m da superfície (m.s-1) e h é a profundidade média do lago ou reservatório (m). Em transições bruscas como quedas de água ou em vertedores de barragens ocorre uma rápida reoxigenação da água. A reoxigenação nestes pontos depende da qualidade da água e das características da queda ou da descarga existente na barragem. Chapra (1997) descreve uma equação empírica para estimar a razão entre o déficit de OD a montante e a jusante da transição: r = 1 + 0.38 ⋅ a ⋅ b ⋅ H ⋅ (1 − 0.11 ⋅ H ) ⋅ (1 + 0.046 ⋅ T )

(19.22)

onde: r é a razão entre o déficit de OD a montante e a jusante da barragem; H é a diferença do nível da água a montante e a jusante da barragem (metros); T é a temperatura da água (°C); a é um coeficiente empírico que depende da qualidade de água; e b é um coeficiente empírico que depende do tipo de barragem. Valores do coeficiente a variam de 0,65 para água muito poluída até 1,8 para água limpa. Valores do coeficiente b variam de valores entre 0,8 e 1,0 para quedas naturais ou vertedores verticais, até valores inferiores a 0,1 para descarregadores de fundo. O coeficiente de reoxigenação também depende da temperatura, e normalmente se considera os valores de referencia válidos para a temperatura de 20 oC. Valores de ka para outras temperaturas podem ser ajustados segundo a equação a seguir:

254

(T − 20 )

k a ,T = k a , 20 ⋅ (1,024 )

(19.23)

onde ka,T é o valor do coeficiente ka corrigido para a temperatura T; ka,20 é o valor de referência, a uma temperatura de 20 oC; e T é a temperatura em oC. O modelo de Streeter-Phelps

Um método simplificado para representar matematicamente o processo de autodepuração de rios foi proposto na década de 1920 por dois pesquisadores americanos (H. W. Streeter e E. B. Phelps) que analisavam os problemas de qualidade de água do rio Ohio. Em homenagem a estes autores, o método passou a ser conhecido como Modelo de Streeter-Phelps. Embora seja atualmente superado por modelos mais complexos, baseados em métodos numéricos, o modelo de Streeter-Phelps permite analisar casos simples de lançamentos de efluentes com concentrações de DBO relativamente altas em um rio e permite prever conseqüências do lançamento sobre o OD do rio. Na versão mais simples do modelo de Streeter-Phelps considera-se um rio que recebe

Figura 19. 5: O escoamento em um rio na versão mais simples do modelo Streeter-Phelps pode ser entendido como uma fila de tanques de água que seguem com uma velocidade constante.

contribuição localizada e constante de um efluente com alto DBO. O rio apresenta escoamento uniforme e permanente, o que significa que a vazão e a velocidade da água não variam ao longo do tempo e do espaço. Após a mistura inicial do efluente com a água do rio, que se considera imediata (equação 19.1), considera-se que a água percorre o rio sem se misturar mais, isto significa que é desprezada a difusão ou dispersão turbulenta. No modelo de Streeter-Phelps o escoamento de água ao longo de um rio pode ser entendido como uma fila de tanques que se movimentam, sem que a água de um

255

tanque possa se misturar com a água do tanque ao lado, como mostra a Figura 19. 5. Em cada tanque ocorre decaimento de DBO, consumo de OD e reoxigenação, mas a água dos tanques não se mistura. Para cada “tanque” do modelo Streeter-Phelps a variação da concentração de DBO é descrita pela equação 19.13 e a variação de OD pode ser calculada pela equação diferencial a seguir: dC OD = − k d ⋅ C DBO + k a ⋅ (C OD − sat − C OD ) dt

(19.24)

ou, em termos de déficit de OD em relação à saturação (D), a equação fica: dD = kr ⋅ L − ka ⋅ D dt

(19.25)

onde kr é o coeficiente de remoção de DBO (kr=kd+ks); ka é o coeficiente de reoxigenação; L é a concentração de DBO. Combinando a equação acima com a equação 19.13, encontra-se uma equação diferencial cuja solução é dada pela equação 19.26 (Chapra, 1997):

D = D0 ⋅ e −k a ⋅t +

k d ⋅ L0 ⋅ e −k r ⋅t − e − k a ⋅t ka − kr

(

)

(19.26)

onde D0 é o déficit de OD no ponto de lançamento. Considerando que o escoamento é permanente e uniforme no trecho de rio, o tempo e a distância se relacionam diretamente, isto é x = u . t; e a variável t na equação anterior pode ser substituída por x/u. Reescrevendo, a equação fica: D = D0 ⋅ e

−ka ⋅

x u

k ⋅L + d 0 ka − kr

x −ka ⋅   − k r ⋅ ux u   ⋅ e −e   

(19.27)

onde x é a distância a partir do ponto de lançamento do efluente e u é a velocidade. A equação 19.27 pode ser utilizada para calcular o déficit de OD em relação à saturação num ponto qualquer a jusante do lançamento. É importante lembrar que x, k, t e u devem ser usadas em unidades compatíveis. Por exemplo, as unidades poderiam ser: x em km; kr , kd e ka em dia-1; t em dias; e u em km.dia-1. A equação 19.26 pode ser utilizada para encontrar o tempo (e a distância a partir do ponto de lançamento) em que ocorre o maior déficit. Este tempo, denominado tc,

256

pode ser encontrado derivando a equação 19.26 em relação ao tempo, e igualando a derivada a zero. tc =

 k  D ⋅ (k a − k r )   1 ⋅ ln  a ⋅ 1 − 0  k a −k r k d ⋅ L0   kr 

(19.28)

e o déficit crítico, que ocorre em t=tc, pode ser calculado por:

Dc =

k d ⋅ L0 ka

k ⋅ a  kr

 D ⋅ (k a − k r )   ⋅ 1 − 0  k d ⋅ L0  

 − ka   k − k   a r

(19.29)

As equações 19.28 e 19.29 não podem ser usadas quando COD chega a zero no meio do trecho. Neste caso o rio está numa condição anaeróbica. O tempo ti em que inicia a situação anaeróbica é caracterizado pela igualdade D = CODsat. Usando a equação 19.26, encontrar o valor de ti corresponde a encontrar a raiz da função f(t) dada na equação 19.30, o que pode ser feito numericamente por um método como bissecção ou Newton, ou usando o Solver do Excel. f (t ) = D0 ⋅ e −ka ⋅t +

kd ⋅ L0 ⋅ e −kr ⋅t − e −ka ⋅t − CODsat ka − kr

(

)

(19.30)

A partir de ti até um tempo tf perdura a condição anaeróbica. Neste período a taxa de decaimento da DBO depende da reoxigenação. Desprezando a sedimentação de DBO isto significa que: dL = − k a ⋅ CODsat dt

(19.31)

Assim, entre os tempos ti e tf, isto é, enquanto dura a situação anaeróbica, a DBO pode ser calculada por: L = L0 ⋅ e − kr ⋅ti − k a ⋅ CODsat ⋅ (t − ti )

(19.32)

O tempo tf em que termina a condição anaeróbica ocorre quando a reoxigenação volta a ficar igual ao consumo potencial de OD, isto é, quando:

k a ⋅ CODsat = k d ⋅ L Combinando as equações 19.32 e 19.33, verifica-se que isto corre quando:

257

(19.33)

t f = ti +

1 kd ⋅ L0 ⋅ e − kr ⋅ti − k a ⋅ CODsat ⋅ kd k a ⋅ CODsat

(19.34)

A partir deste ponto, voltam a valer as equações 19.13 para DBO e 19.26 para OD. Numa análise baseada com o modelo de Streeter-Phelps é importante considerar as suas suposições e limitações:



Escoamento permanente e uniforme.



Despreza outros tipos de consumo de OD, exceto DBO.

Usos da água e qualidade da água No Brasil existe a resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente que regulamenta classes de uso e de qualidade de água dos rios e outros corpos de água. A RESOLUÇÃO CONAMA Nº 357, de 17de março de 2005, define classes de acordo com os usos da água e define qualidade da água mínima para cada uso. As águas doces são classificadas em cinco grupos: classe especial e classes 1 a 4, descritas brevemente a seguir. Os limites de valores de alguns parâmetros de qualidade de água para cada classe são apresentados na tabela Tabela 19. 3. Classe especial

São águas destinadas ao abastecimento para o consumo humano, com desinfecção simples. Também servem para a preservação do equilíbrio natural das comunidades aquáticas e para a preservação dos ambientes aquáticos em unidades de conservação de proteção integral. Classe 1

São águas que podem ser destinadas ao à recreação de contato primário, como natação e vela; à proteção das comunidades aquáticas; à aqüicultura e à atividade de pesca; ao abastecimento para consumo humano após tratamento convencional ou avançado; e à irrigação de hortaliças que são consumidas cruas e de frutas que se desenvolvam rentes ao solo e que sejam ingeridas cruas sem remoção de película, e à irrigação de parque, jardins, campos de esportes e lazer, com os quais o público possa vir a ter contato direto. Classe 2

São águas que podem servir ao consumo humano após tratamento convencional; podem ser destinadas à pesca amadora; e à recreação de contato secundário. Também

258

podem ser usadas para irrigação de hortaliças e plantas frutíferas, e de áreas de lazer, com as quais o público possa vir a ter contato direto. Classe 3

São águas que podem ser destinadas ao consumo humano após tratamento convencional ou avançado; podem servir à irrigação de culturas arbóreas ou cereais; e podem servir à dessedentação de animais. Classe 4

São águas que podem ser destinadas à navegação e à harmonia paisagística.

Tabela 19. 3: Valores limites de alguns parâmetros de qualidade de água para diferentes classes, de acordo com a resolução CONAMA de 2005.

Parâmetros especial DBO5,20 (mg/l) Oxigênio Dissolvido (mg/l) Nitrogênio Total (mg/l) Fósforo total (ambiente lêntico) (mg/l) Fósforo total (ambiente lótico) (mg/l) Temperatura (oC) Coliformes fecais (NMP/100 ml)

1 ≤3 ≥6

Classes 2 ≤5 ≥5

3 ≤ 10 ≥4

4 ≥2

≤ 0,020

≤ 0,030

≤ 0,050

-

≤ 0,10

≤ 0,10

≤ 0,15

-

Leituras adicionais Aspectos de qualidade de água não são, normalmente, analisados em livros introdutórios de Hidrologia. Uma boa opção é o capítulo sobre o Meio Aquático, no livro Introdução à Engenharia Ambiental (Braga et al., 2005). Um dos livros mais completos sobre o assunto da qualidade de água, com ênfase à representação matemática da qualidade da água em rios e lagos, é o livro Surface Water Quality Modeling, de Steven Chapra (1997). Em língua portuguesa um livro dedicado a relação entre hidrologia e qualidade de água, com bastante ênfase em modelos de simulação, é Hidrologia Ambiental, editado pela ABRH, escrito por vários autores e organizado por Rubem Porto (1991).

259

Exercícios 1) Considere um rio que recebe um afluente poluído, com as características dadas na tabela abaixo. Verifique se a concentração de OD no rio permanece acima de 4 mg/l no trecho a jusante da entrada do afluente. Considere que a temperatura da água do rio e do afluente é de 20oC. Variável Vazão (m3/s) Área molhada (m2) Profundidade (m) DBO5,20 (mg/l) OD (mg/l)

Rio 5,0 20 1,5 1 7

Afluente 0,3

30 0

2) Considere um rio que recebe um afluente poluído, com as características dadas na tabela abaixo. Calcule a concentração de OD no rio 20 km a jusante da entrada do afluente. Considere que a temperatura da água do rio e do afluente é de 25oC. Variável Vazão (m3/s) Área molhada (m2) Profundidade (m) DBO5,20 (mg/l) OD (mg/l)

Rio 5,0 20 1,5 1 7

Afluente 0,3

30 0

3) Um frigorífico lança uma vazão de 0,1 m3.s-1 de efluente com uma concentração de 500 mg.l-1 de DBO em um rio. A vazão de diluição é definida como a vazão necessária para diluir este efluente até que a concentração final da mistura seja inferior a um dado limite. Calcule as vazões de diluição para que a mistura permaneça nas classes 1, 2 e 3 definidas pelo CONAMA. 4) Uma cidade coleta todo o esgoto doméstico, mas não tem estação de tratamento. Assim, a vazão de esgoto de 0,5 m3.s-1 com uma concentração de 50 mg.l-1 de Nitrogênio Total é lançada em um rio num ponto em que a curva de permanência é dada pela figura que segue (próximo problema). O órgão ambiental estadual obrigará a cidade a pagar multas toda vez que a concentração de Nitrogênio Total no rio ultrapassar o limite de 0,4 mg.l-1. Considerando que a concentração de Nitrogênio Total no rio a montante da entrada do esgoto é constante e igual a 0,2 mg.l-1, qual é a porcentagem do tempo em que o limite será ultrapassado? Considere mistura completa e imediata das águas do esgoto no rio.

260

5) Uma usina termoelétrica será instalada às margens de um rio, em um local em que a curva de permanência é apresentada na figura abaixo. A temperatura da água do rio é de 17oC e uma vazão água utilizada para resfriamento, de 1,3 m3.s-1 será lançada pela usina termelétrica, com temperatura de 43 oC. Qual será a temperatura final do rio a jusante do lançamento considerando mistura completa? Considere como referência a Q95.

261

I N T R O D U Z I N D O

H I D R O L O G I A

Capítulo

21 Aspectos da legislação e gestão dos recursos hídricos

A

escassez da água já atinge cerca de 80 países, envolvendo cerca de 40% da população do globo, condição que se reflete na produção agrícola, no desenvolvimento urbano e industrial e, em particular, no acesso das pessoas à água potável.

Essa escassez tem acentuado os conflitos pelos diversos usos desse bem, tais como: abastecimento da população, irrigação de lavouras, dessedentação de animais, pesca, indústria, navegação, geração de energia, lazer, diluição de esgoto, preservação de ecossistemas, entre outros. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 definiu as águas como bens públicos e colocou os corpos d’água sob os domínios Federal e Estadual. São Estaduais os rios que nascem e têm foz em território de um Estado e as águas subterrâneas. Os demais corpos d’água encontram-se sob o domínio da União (como a legislação diz respeito à água e não à Bacia Hidrográfica, podem ocorrer casos em que o rio está sob domínio federa e estadual, como é o caso do Rio Uruguai). Assim, tanto estados brasileiros como a União vêm desenvolvendo o Sistema de Gestão de Recursos Hídricos. Esses Sistemas são fruto da criação de modelos de gestão que abrigam entidades gerenciais organizadas em torno da Bacia Hidrográfica como unidade ideal de planejamento, gestão e intervenção. No âmbito da União foi aprovada a Lei 9.433/97, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos e criou o Sistema Nacional de Gestão de Recursos Hídricos e, mais recentemente, a Lei 9.984/00 criou a Agência Nacional de Águas (ANA), que tem como atribuição implementar os instrumentos da política nacional. No que diz respeito ao Rio Grande do Sul, a Constituição Estadual de 1989 e a Lei 10.350/94 estabeleceram a gestão das águas sob seu domínio.

A Lei 10.350/94 regulamentou o Sistema Estadual de Recursos Hídricos (SERH), que já era contemplado na Constituição Estadual de 1989. Desde então, o SERH vem sendo implementado nas 23 bacias hidrográficas do Estado (figura 10.1), através da criação de comitês de gerenciamento de bacias hidrográficas, e da gradativa implementação dos instrumentos de planejamento (Planos de Bacia e Plano Estadual) e gestão (outorga, tarifação e rateio de custos) previstos na legislação. A seguir são descritos brevemente o SERH e os instrumentos de planejamento e gestão.

Figura 10.1: Bacias hidrográficas do Rio Grande do Sul (Fonte: SEMA/RS, 2005)

O Sistema Estadual de Recursos Hídricos O SERH se fundamenta num modelo de gerenciamento caracterizado pela descentralização das decisões e pela ampla participação da sociedade organizada em Comitês de Bacia. Assim, mesmo que o Estado seja o detentor do domínio das águas (superficiais e subterrâneas) de seu território, conforme determina a Constituição Federal, ele compartilha a sua gestão com a população envolvida. Fazem parte do SERH os seguintes departamentos:

2

- Conselho de Recursos Hídricos (CRH); - Departamento de Recursos Hídricos (DRH); - Comitês de Gerenciamento de Bacias Hidrográficas (CGBH); - Agências de Regiões Hidrográficas (ARH); - Fundação Estadual de Proteção Ambiental (FEPAM).

O Conselho de Recursos Hídricos O CRH é um órgão colegiado constituído por Secretários de Estado, representantes de Comitês de Bacias, Sistemas Nacionais de Recursos Hídricos e do Meio Ambiente, que tem o papel de instância deliberativa superior do Sistema. É atualmente presidido pelo Secretário Estadual do Meio Ambiente. Os demais órgãos estatais que integram o sistema são: Obras Públicas e Saneamento, com a vice-presidência do CRH; Agricultura e Abastecimento; Coordenação e Planejamento; Saúde; Energia, Minas e Comunicações; Ciência e Tecnologia; Transportes; Casa Civil; e Secretaria do Desenvolvimento e dos Assuntos Internacionais. São atribuídas ao CRH as seguintes funções: • Propor alterações na Política Estadual de Recursos Hídricos; • Opinar sobre qualquer proposta de alteração na Política Estadual de Recursos Hídricos; • Apreciar o anteprojeto de Lei do Plano Estadual de Recursos Hídricos; • Aprovar relatórios anuais sobre a situação dos recursos hídricos; • Aprovar critérios de outorga do uso da água; • Aprovar os regimentos internos dos Comitês de Bacias; • Decidir os conflitos de uso da água em última instância; • Representar o Governo Estadual, através do seu Presidente, junto a órgãos federais e internacionais, em questões relativas a recursos hídricos; • Elaborar o seu Regimento Interno.

O Departamento de Recursos Hídricos O DRH é o órgão responsável pela integração do Sistema Estadual de Recursos Hídricos. É o DRH que concede a outorga do uso da água e subsidia tecnicamente o CRH.

3

Ao DRH são atribuídas as seguintes funções: • Elaborar o anteprojeto de lei do Plano Estadual de Recursos Hídricos; • Coordenar e acompanhar a execução do Plano Estadual de Recursos Hídricos; • Propor ao Conselho de Recursos Hídricos critérios para a outorga do uso da água e expedir as respectivas autorizações de uso; • Regulamentar a operação e uso dos equipamentos e mecanismos de gestão dos recursos hídricos; • Elaborar Relatório Anual sobre a situação dos recursos hídricos no Estado; • Assistir tecnicamente o CRH.

Os Comitês de Gerenciamento de Bacias Hidrográficas Os CGBH representam a instância básica de participação da sociedade no Sistema. Tratam-se de colegiados instituídos oficialmente pelo Governo do Estado. Exercem poder deliberativo, uma vez que é no seu âmbito que são estabelecidas as prioridades de uso e as intervenções necessárias à gestão das águas de uma bacia hidrográfica, bem como devem ser dirimidos, em primeira instância, os eventuais conflitos. Fazem parte do CGBH pessoas que têm diferentes interesses com relação ao bem água: os usuários (são as pessoas que têm interesse “utilitário-econômico-social”); a população (tem interesses difusos, vinculados ao desenvolvimento sócio-econômico, aspectos culturais ou políticos e proteção ambiental); o poder público (detentor do domínio das águas). A Lei 10.350, de 30 de dezembro de 1994, estabelece a proporção de representatividade nos comitê. Segundo a referida Lei, os CGBH devem ser formados por 40% de representantes dos usuários da água, 40% dos representantes da população e 20% dos representantes de órgãos públicos da administração direta estadual e federal. Ao CGBH cabem as seguintes atribuições: • Encaminhar ao DRH proposta relativa à própria bacia para ser incluída no anteprojeto de lei do Plano Estadual de Recursos Hídricos; • Conhecer e manifestar-se sobre o anteprojeto de lei do Plano Estadual de Recursos Hídricos; • Aprovar o Plano da respectiva bacia e acompanhar a sua implementação; • Apreciar o relatório anual sobre a situação dos recursos hídricos, no Estado; • Propor ao órgão competente o enquadramento dos corpos de água da bacia; • Aprovar os valores a serem cobrados pelo uso da água;

4

• Realizar o rateio do custo das obras a serem executadas na bacia; • Aprovar os programas anuais e plurianuais de investimentos em serviços e obras da bacia; • Compatibilizar os interesses dos diferentes usuários e resolver eventuais conflitos em primeira instância.

As Agências de Regiões Hidrográficas O CRH dividiu o Estado, para efeito de gerenciamento de Bacia Hidrográfica, em três regiões hidrográficas: a da Bacia do Uruguai, a da Bacia do Guaíba e a das Bacias Litorâneas (figura 10.2). Cada uma dessas regiões hidrográficas conta com uma ARH. À ARH cabe assessorar tecnicamente os CGBH na elaboração de propostas relativas ao Plano Estadual de Recursos Hídricos, no preparo dos Planos de Bacia e na tomada de decisões que demandem estudos técnicos. A ARH também pode auxiliar os CGBH no enquadramento dos corpos d’água, operar os mecanismos de gestão, arrecadar e aplicar os valores correspondentes à cobrança pelo uso da água.

Figura 10.2 - Agências de Regiões Hidrográficas (Fonte: SEMA/RS, 2005)

5

Fundação Estadual de Proteção Ambiental A FEPAM é o órgão ambiental do Estado que integra o Sistema Estadual de Recursos Hídricos com o Sistema Estadual de Meio Ambiente. Cabe à FEPAM a concessão de outorga quando se trata de um uso d’água que afeta as condições qualitativas dos recursos hídricos. Compete também à FEPAM a aprovação do enquadramento dos corpos de água, de acordo com os objetivos de qualidade, com base na proposta elaborada pelos comitês de bacias.

Instrumentos de Planejamento Enquadramento O enquadramento as águas brasileiras em classes de uso foi estabelecido pela Resolução nº 020/86 do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA. Assim, para as águas doces foram definidas cinco classes: especial e de 1 a 4. Para as águas salobras e salinas foram definidas duas classes: 5 e 6; e 7 e 8, respectivamente. Uma vez que estabelece o nível de qualidade a ser alcançado e/ou mantido em um determinado segmento de um corpo de água, ao longo do tempo, o enquadramento é considerado um instrumento de planejamento do meio ambiente. No Rio Grande do Sul o enquadramento é feito através de um processo de discussão com os usuários e a população de uma dada bacia hidrográfica, no âmbito do CGBH podendo contar também com o auxílio da ARH. O enquadramento também pode ser considerado como um Instrumento de Planejamento estratégico, visto que podem ser estabelecidas metas de enquadramento de um corpo hídrico a longo prazo. Plano de Bacia Hidrográfica Os Planos de Bacia Hidrográfica (PBH) são elaborados pelas ARH e sujeitos à aprovação dos CGBH. Os PBH têm por finalidade operacionalizar, no âmbito, de cada bacia hidrográfica, por um período de 4 anos, com atualizações periódicas a cada 2 anos, as disposições do Plano Estadual de Recursos Hídricos. O PBH deve compatibilizar os aspectos quantitativos e qualitativos, de modo a assegurar que as metas e usos previstos pelo Plano Estadual de Recursos Hídricos sejam alcançados simultaneamente com melhorias sensíveis e contínuas dos aspectos qualitativos dos corpos de água.

6

Dentro do PBH devem ser contemplados os programas de intervenções estruturais e não-estruturais e sua distribuição espacial., bem como o esquema de financiamento desses programas. Plano Estadual de Recursos Hídricos O Plano Estadual de Recursos Hídricos (PERH) tem abrangência estadual com detalhamento por Bacia Hidrográfica. O PERH é elaborado com base nas propostas encaminhadas pelos CGBH o pode considerar ainda: propostas individuais ou coletivas dos usuários da água; planos setoriais ou regionais de desenvolvimento; tratados internacionais; estudos, pesquisas, entre outros. No Plano Estadual de Recursos Hídricos, são apresentados os seguintes elementos: metas especificadas na Política Estadual de Recursos Hídricos, a serem atingidas em prazos determinados; inventário da disponibilidade hídrica; inventário dos usos e conflitos; projeções de usos, disponibilidades e conflitos potenciais; definição e análise de áreas críticas, atuais e potenciais; diretrizes para outorga do uso da água; diretrizes para cobrança; e limite mínimo para a fixação de valores a serem cobrados. O PERH contempla os programas de desenvolvimento nos municípios e considera a variável ambiental, mediante a incorporação de Estudos de Impacto Ambiental e correspondentes Relatórios de Impacto Ambiental, no âmbito do planejamento de cada bacia hidrográfica.

Instrumentos de Gestão A Outorga de Uso A outorga consiste no “consentimento, concessão, aprovação” do direito de uso da água. Ela representa um instrumento, através do qual o Poder Público autoriza, concede ou ainda permite ao usuário fazer o uso deste bem público. É através deste que o Estado exerce, efetivamente, o domínio das águas preconizado pela Constituição Federal. É através da outorga que é regulando o compartilhamento entre os diversos usuários, visto que o principal objetivo da outorga é assegurar o controle qualitativo e quantitativo dos usos da água. A Lei 10.350, de 30 de dezembro de 1994, em seu artigo 29, explica que qualquer empreendimento ou atividade que alterar as condições quantitativas e/ou qualitativas das águas, superficiais ou subterrâneas, tendo como base o Plano Estadual de Recursos Hídricos e os Planos de Bacia Hidrográfica, dependerá de outorga. Caberá ao Departamento de Recursos Hídricos a emissão de outorga para os usos que alterem as condições quantitativas das águas.

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O Decreto nº 37.033, de 21 de novembro de 1996, regulamentou este instrumento, estabelecendo os critérios para a concessão, "licença de uso" e "autorização", bem como para a dispensa. O Decreto nº 42.047, de 26 de dezembro de 2002, regulamenta disposições da Lei nº 10.350, de 30 de dezembro de 1994, com alterações, relativas ao gerenciamento e à conservação das águas subterrâneas e dos aqüíferos no Estado do Rio Grande do Sul. De forma geral, estão sujeitos à outorga os seguintes usos dos recursos hídricos: I) derivação ou captação de parcela de água existente em um corpo d’água para consumo final, inclusive abastecimento público ou insumo produtivo; II) extração de água de aqüífero subterrâneo para consumo final de processo produtivo; III) lançamento em corpo d’água de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos, tratados ou não, com fim de sua diluição, transporte, ou disposição final; IV) aproveitamento dos potenciais hidrelétricos; V) outros usos que alterem o regime, a quantidade ou a qualidade da água existente em um corpo d’água. No site da SEMA/RS (www.sema.rs.gov.br) é possível encontrar os formulários e termos de referência para as diferentes modalidades de autorização prévia e outorga. Encontram-se disponíveis formulários para águas subterrâneas (autorização, regularização e outorga) e superficial (regularização e reserva de disponibilidade). A Cobrança pelo Uso A cobrança pelo uso do recurso hídrico tem alguns objetivos como reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor, incentivar a racionalização do uso da água, e obter recursos financeiros para o financiamento dos programas e intervenções contemplados no Plano de Bacia Hidrográfica. A cobrança pelo uso da água fica sujeita à outorga, pois não pode haver cobrança de atividades e obras clandestinas ou cujos usos não tenham sido outorgados. A utilização a cobrança é uma forma de aplicação do princípio usuário-poluidor-pagador, uma vez que o poluidor, deve assumir os custos de poluição. O valor da cobrança é estabelecido nos Planos de Bacia Hidrográfica, obedecendo as seguintes diretrizes gerais: I) na cobrança pela derivação da água são considerados: o uso a que a derivação se destina, o volume captado e seu regime de variação, o consumo efetivo, a classe de uso preponderante em que estiver enquadrado o corpo de água onde se localiza a captação. II) na cobrança pelo lançamento de efluentes de qualquer espécie, são considerados: a natureza da atividade geradora do efluente, a carga lançada e seu regime de variação,

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sendo ponderados na sua caracterização, parâmetros físicos, químicos, biológicos e toxicidade dos efluentes, a classe de uso preponderante em que estiver enquadrado o corpo de água receptor, o regime e variação quantitativa e qualitativa do corpo de água receptor. Os valores arrecadados na cobrança pelo uso da água são destinados a aplicações exclusivas (intervenções estruturais e não-estruturais) e não transferíveis na gestão dos recursos hídricos da bacia hidrográfica de origem.

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