Apostila 3 Hermenêutica Jurídica

March 1, 2019 | Author: Julio Cesar Carvalho | Category: Constitution, Language Interpretation, Trials, Hermeneutics, Public Law
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Hermenêutica Jurídica, direito, estudo...

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Disciplina: Discipli na: Professor

Curso de Direito Argumentação e Hermenêutica - Carga Horária: 60h/a Clelisson Antônio da Fonseca

Ano: 2012

Apostila III Hermenêutica Constitucional

1 Noções introdutórias:  A norma Constitucional, como qualquer outra

norma, precisa ser interpretada, sendo necessário a busca do verdadeiro alcance da Constituição para garantir os limites e abrangência da norma infraconstitucional. O hermeneuta, desta forma, levando em consideração a história, as ideologias, as realidades sociais, econômica e políticas do Estado, definirá o verdadeiro significado do texto constitucional. Grande discussão atual se reporta aos impactos da reforma constitucional e das mutações constitucionais. As primeiras referem-se a própria mudança do texto original da Constituição pelo legislador derivado, que suprime, altera ou amplia o texto da Carta Magna. As mutações não se referem à modificação do texto, mas alteração do significado e interpretação. No dizer de Uadi Lammêgo Bulos, “a “a mutação constitucional é o processo informal de mudança da Constituição, por meio do qual são atribuídos novos sentidos, conteúdos até então não ressaltados, à letra da Constituição, quer através da interpretação, em suas diversas modalidades e métodos, quer por intermédio da construção (construction), bem como dos usos e costumes constitucionais” .

 Assim, quando falamos em mutações constitucionais é necessário observar a ocorrência de mudança ou reinterpretação da norma, sem alteração do texto constitucional, ao contrário do que ocorre nos casos de reforma constitucional em que o texto, mediante o devido processo legislativo, é alterado, suprimido ou ampliado.  Ainda no campo das diferenciações e das discussões atuais, ganha relevo a diferenciação doutrinária entre regras e princípios. Há consenso que tanto

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as regras como os princípios são espécies normativas e enquanto referência para a atuação hermenêutica não apresentam hierarquia. Canotilho, falando sobre o sistema Constitucional português, aduz a existência de uma Constituição com sistema normativo aberto de regras e princípios, sendo um sistema dinâmico de normas, aptas a apreenderem as modificações da realidade e atenderem as expectativas axiológicas, programáticas e funcionais, podendo referidas normas se apresentarem como princípios ou sob a forma de regras. Humberto Ávila chama a atenção para os diferentes e complementares papéis das regras e dos princípios, isto para impedir uma demasiada flexibilidade no sistema e comprometimento de sua organização e controle (hipótese de sistema só de princípios), bem ainda para evitar a ocorrência de uma rigidez que impeça a solução de casos concretos (hipótese de sistema só de regras). Para o autor a interpretação e aplicação dos princípios e regras se dá com base nos postulados normativos inespecíficos (ponderação, concordância prática e a proibição de excesso) e específicos (igualdade, razoabilidade e proporcionalidade). Luís Roberto Barroso vislumbra uma distinção qualitativa e estrutural entre regras e princípios. Segundo ele, sendo a Constituição um sistema aberto de regras e princípios, inclusive sensível a valores suprapositivos, o centro da norma passa a ser orientado pelas ideias de justiça e realização dos direitos fundamentais, de maneira que as regras são aplicadas pelo fenômeno da subsunção, prevalecendo no conflito das normas a ideia de “tudo ou nada” e, os princípios, valorados pelas circunstâncias do caso concreto, atribuindo-se peso aos princípios em colisão, seja pela técnica da ponderação, seja pela técnica do balanceamento. Para Robert Alexy, os princípios são mandados de otimização. Enquanto as regras são normas que sempre são satisfeitas ou não satisfeitas, representando determinações, os princípios são normas que ordenam a realização de algo na maior medida possível, podendo ser satisfeitos em graus variados, dependendo das condições jurídicas e fáticas da espécie. 2

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2 Métodos de interpretação Constitucional:

Segundo Canotilho, “a interpretação das normas constitucionais é um conjunto de métodos, desenvolvidos pela doutrina e pela jurisprudência com base em critérios e premissas (filosóficas, metodológicas e epistemológicas) diferentes, mas, em ger al, reciprocamente complementares” . O mesmo autor, classifica os

métodos de interpretação da Constituição da seguinte forma: a) Método jurídico ou hermenêutico clássico: aplica-se os métodos tradicionais

de hermenêutica na interpretação da norma constitucional, analisando-se os elementos genéticos, gramatical, lógico, sistemático, histórico e teleológico, valendose ainda dos elementos popular, doutrinário e evolutivo. O que se busca é alcançar o “verdadeiro” significado da norma. b) Método tópico-problemático (Viehweg): lê-se a norma à luz de um caso

concreto, tendo a interpretação um caráter prático e solucionador. Referido método parte do problema concreto para a norma, conferindo à interpretação uma conotação eminentemente prática. É um método aberto, fragmentário ou indeterminado, que dá preferência à discussão do problema em virtude da abertura textual das normas constitucionais. c) Método hermenêutico-concretizador (Konrad Hesse): diferentemente do

método anterior, o método hermenêutico-concretizador parte da Constituição para o problema. O papel do intérprete da Constituição seria um papel construtivo, ativo no desenvolvimento do processo hermenêutico. Além de elementos objetivos que devem ser extraídos da realidade social, também elementos subjetivos devem ser agregados ao sentido mais justo do sentido aplicado à Constituição, posição de protagonista dentro do processo hermenêutico, concretizando o melhor sentido da norma constitucional. Para HESSE a norma é um produto da interpretação 3

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constitucional. Esse processo hermenêutico seria conduzido pelo que ele denomina de pré-compreensão  –  conjunto de valores, visões de mundo, crenças que o intérprete incorpora na sua própria consciência dentro de seu espaço interpretador, mergulhado numa cultura, num conjunto de valores num dado contexto históricocultural. Assim, teríamos os seguintes pressupostos interpretativos: 1) Pressupostos subjetivos: o intérprete vale das suas pré-compreensões sobre o tema para obter o sentido da norma; 2) Pressupostos objetivos: o intérprete atua como mediador entre a norma e a situação concreta, tendo como cenário a realidade social; 3) Círculo hermenêutico: é a realização cíclica entre os pressupostos objetivos e subjetivos na compreensão da norma. d)

Método

científico-espiritual

(Rudolph

SMEND):  A

análise da norma

constitucional não se fixa na literalidade da norma, mas parte da realidade social e dos valores subjacentes do texto da Constituição. Desse modo a interpretação constitucional deve acompanhar a dinâmica da modificação social, promovendo a coesão político social, mediante o emprego de um método valorativo sociológico. e) Método normativo-estruturante (Müller): a ideia aqui é que o conceito de norma

constitucional é muito mais amplo do que encerra, podendo esta ser visualizada sobre uma dúplice perspectiva: a) norma constitucional como texto normativo, ou preceitos normativos propriamente ditos (programa normativo  –  concretizando a Carta Magna como um produto da interpretação, que é uma atividade mediadora e concretizadora de finalidades  –  pensamento de HESSE  –  o texto da norma constitucional é a apenas a ponta do iceberg) e b) norma constitucional com âmbito normativo (que equivale à realidade que o programa normativo pretende realizar).  Assim, há uma inexistência de identidade entre a norma jurídica e o texto normativo. O teor literal da norma deve ser analisado à luz da concretização da norma em sua realidade social.

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f) Método da comparação constitucional: Diz respeito ao estudo, por comparação,

de normas constitucionais positivas (contudo, não necessariamente vigentes) de dois ou mais Estados. A interpretação dos institutos se implementa mediante comparação nos vários ordenamentos. 3 Princípios de interpretação constitucional: 3.1 Princípio da supremacia da Constituição:  refere-se à superioridade

hierárquica das normas (princípios e regras) inseridas no texto de uma Constituição rígida em relação às demais normas que compõem o ordenamento jurídico. Como consequência disso, o certo é interpretar as leis à luz da Constituição, e não o contrário. 3.2 Princípio da unidade da Constituição:  A Constituição deve ser sempre

interpretada em sua integralidade, de forma global, afastando-se as aparentes antinomias. As normas constitucionais devem ser consideradas como integrantes de um único e harmonioso sistema e não como um conjunto de normas isoladas. Busca-se, por meio do princípio da unidade da Constituição, evitar a existência de antinomias, de conflitos entre normas constitucionais. As normas deverão ser vistas como preceitos integrados em um sistema unitário de regras e princípios. 3.3 Princípio da força normativa da Constituição:

Determina que, na

interpretação da Constituição, busque-se a promoção de uma constante atualização de suas normas, levando-se em conta não só os aspectos históricos de sua edição, mas também a realidade social atual, todo para que alcance a maior otimização possível dos preceitos fundamentais. Os aplicadores da Constituição, ao solucionar os conflitos, devem conferir a máxima efetividade às normas constitucionais, garantindo uma ótima eficácia à lei fundamental.

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3.4 Princípio da máxima efetividade:  Ligado ao princípio da força normativa da

Constituição, determina que as normas constitucionais sejam interpretadas de maneira a lhes conferir a maior eficácia, a maior aplicabilidade possível. É chamado de princípio da eficiência ou interpretação efetiva. Atualmente é invocado sobretudo no âmbito dos direitos fundamentais, fazendo com que a norma constitucional tenha a mais ampla efetividade social, inclusive reconhecendo maior eficácia aos direitos fundamentais. 3.5 Princípio da justeza, correção ou conformidade funcional: O intérprete da

Constituição, ao concretizar a norma constitucional, será responsável por estabelecer a força normativa da Constituição, fazendo que as normas constitucionais sejam interpretadas de modo a não alterar a repartição das competências estabelecidas pela própria Constituição, inclusive no que se refere à separação funcional dos Poderes constituídos  – Legislativo, Executivo e Judiciário. O intérprete não pode subverter ou alterar o esquema organizatório funcional originariamente estabelecido. 3.6 Princípio da presunção de constitucionalidade das leis e atos do Poder Público:  Determina que as leis e demais atos editados pelo Poder Público sejam

considerados constitucionais e devidamente cumpridos, até que sobrevenha decisão  judicial declarando sua inconstitucionalidade. A norma constitucional derivada e a norma infraconstitucional tem presunção  jures tantum de validade. 3.7 Princípio da interpretação conforme a Constituição:   Determina que o

aplicador do direito opte pela interpretação que garanta a constitucionalidade da norma, sempre que esta tiver outras interpretações que possam ser consideradas inconstitucionais. Diante da existência de normas com amplos significados (normas plurissignificativas ou polissêmicas), deve-se preferir a interpretação não contrária à constituição. 6

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3.8 Princípio da concordância prática ou harmonização: determina que na

ocorrência de conflito entre bens jurídicos fixados por normas constitucionais diversas, deve-se buscar uma interpretação que melhor os harmonize, de maneira a conceder um dos direitos a maior amplitude possível, sem que um deles imponha a supressão do outro. O fundamento da ideia de concordância decorre da inexistência de hierarquia ente os princípios e de igual valor dos bens constitucionais, que impede, como solução, o sacrifício de uns em relação aos outros, impondo limites e condicionamentos recíprocos tendentes à garantia de sua harmonia . 3.9 Princípio da razoabilidade e da proporcionalidade:  Determina que as normas

constitucionais sejam interpretadas da maneira razoável e proporcional, de modo que os meios utilizados sejam adequados aos fins perseguidos pela norma, devendo o intérprete buscar conceder aos bens jurídicos por elas tutelados a aplicação mais  justa e equânime possível. Consubstancia uma pauta de natureza axiológica que emana diretamente das ideias de justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso, direito justo e valores afins, inclusive precedendo a criação da norma. Como parâmetro para aplicação do princípio da proporcionalidade adotam-se os critérios da necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito. 4 Limites da interpretação constitucional:

Diante da necessidade de interpretação conforme a Constituição para a garantia de sua efetividade da segurança jurídica, muito se discute quanto aos limites da interpretação constitucional, especialmente em razão da atual realidade de criação judicial do direito, atividade legislativa heterônoma e ativismo judicial.  Assim, podemos citar as seguintes espécies de interpretação conforme a Constituição:

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4.1 Decisões interpretativas em sentido estrito:  se dividem em sentença interpretativa de rechaço, pela qual a Corte repudia qualquer outra interpretação que

contrarie a Constituição, só sendo válido o entendimento que se adéque a Constituição, restando proibida a interpretação contrária, e, sentença interpretativa de aceitação, pela qual a Corte anula decisão tomada pelas instâncias inferiores que

adotou interpretação ofensiva à Constituição. Nas duas hipóteses o preceito continua válido, o que se afasta é interpretação. 4.2 Decisões manipuladoras:   originárias da doutrina e jurisprudência

italiana referem-se àquelas em que a Corte além de declarar a inconstitucionalidade da norma modifica o ordenamento jurídico ao pretexto de adequá-lo à Constituição. Daí a existência das chamadas sentenças aditivas ou substitutivas.

Na sentença aditiva  a Corte declara inconstitucional determinado dispositivo de lei não pelo que ele expressa, mas pelo que ele omite, procedendo, desse modo, uma ampliação do texto da lei ou da sua incidência. Ex. O reconhecimento da antecipação terapêutica do parto em casos de gravidez de fetos anencefálicos acrescentará mais uma excludente de punibilidade ao crime de aborto, ao interpretar os artigos 124 e 128 do Código Penal conforme a Constituição. Na sentença substitutiva  a corte declara a inconstitucionalidade de um preceito na parte em que se refere à outra norma, já apontando o que nele deveria constar para se adequar à Constituição, ou seja, além de anular a norma impugnada, já a substitui por outra. Ex. Na ADI 2332 na qual o STF declarou inconstitucionais os juros de 6% (seis por cento) ao ano para os juros compensatórios nos processos de desapropriação (Decreto 3.365/41, art. 15-A), de logo substituindo referida taxa para o importe de 12% (doze por cento). 4.3 Teoria dos poderes implícitos:  Atribuindo-se poder ou outorga de

competência a determinado órgão estatal, detém ele, implicitamente, todos os meios necessários à realização dos fins que lhe forma atribuídos. Referida teoria, de 8

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construção doutrinária baseada na experiência americana, tem sido adotada pelo Supremo Tribunal Federal, mas deve estar atrelada aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, para impedir uma devida interferência entre os Poderes. Ex. Poderes investigatórios do Ministério Público. 5 A interpretação pluralista e democrática da Constituição:

Häberle propõe um modelo de interpretação pluralista que supere o modelo de interpretação de uma sociedade fechada (juízes, tribunais mediante procedimentos definidos), sugerindo a concepção de uma sociedade aberta dos intérpretes da Constituição, no qual participariam todos os que vivem a norma. Para

ele quanto mais pluralista e democrática a sociedade, mais aberto devem ser os critérios de participação no processo de interpretação da norma. No Brasil temos as figuras do amicus curiae e das audiências públicas, realizadas especialmente no âmbito das ações do controle direto de constitucionalidade. 6. Estrutura da Constituição Federal de 1988:

 A Constituição Federal de 1988 contém preâmbulo, corpo (com nove títulos compreendidos entre os arts. 1º a 250) e Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT (com 97 artigos). O preâmbulo se refere à posição ideológica do constituinte, não tendo relevância jurídica, embora traga a proclamação dos valores e princípios inscritos na carta que são normas centrais de reprodução obrigatória, assim, serve somente como norte interpretativo das normas constitucionais. O corpo constitucional apresenta as normas gerais, vinculantes e que ostentam a força normativa da Constituição. Finalmente, o ADCT, tem natureza de norma constitucional e pode inclusive excepcionar as regras contidas no corpo da Constituição. Assim, também o 9

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 ADCT pode ser objeto de reforma e ampliação pelo poder constituinte derivado reformador.

Referência Bibliográfica:

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 16ª ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012.

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