Apostas Desportivas

December 16, 2017 | Author: Alcindo Silva | Category: Portugal, Europe, State (Polity), Advertising, France
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APOSTAS DESPORTIVAS

ONLINE

A urgência de regular um mercado em expansão Numa economia onde a palavra dominante é crise, encontrar um sector em franco crescimento é uma oportunidade que não pode ser desperdiçada. Estima-se que as apostas desportivas online movimentem anualmente perto de 700 milhões de euros. Mas, em Portugal, ainda não existe legislação que garanta um justo retorno aos clubes e aos organizadores das competições. Essa falha na legislação deixa espaço, também, para que não se combata devidamente o problema das apostas ilegais. Nas próximas páginas, a LIGA DIRECTA faz um levantamento dos vários dados que estão em jogo: o que falta resolver, os interesses dos diversos ‘players’, os outros casos na Europa. Publicamos, também, uma entrevista com Graham Peaker, coordenador de Investigação do departamento de Disciplina da UEFA, sobre o sofisticado sistema da detecção de apostas ilegais, que o organismo liderado por Michel Platini usa desde 2009.

Clubes e organizadores de competições alimentam negócio que movimenta milhões de euros

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VANTAGENS DA REGULAMENTAÇÃO

GRANDES QUESTÕES POR RESOLVER

NÚMEROS E FACTOS DO MERCADO DE APOSTAS

· Preservação da integridade das competições

· Como eliminar os riscos das apostas ilegais no desporto?

· 700 milhões de euros é o valor estimado das apostas desportivas online movimentadas anualmente em Portugal

· Autenticidade dos resultados

· Como defender a integridade das competições desportivas?

· Confiança dos investidores · Viabilização económica dos clubes · Arrecadação fiscal para o Estado · Investimentos publicitários para os clubes, provenientes dos operadores

A contradição salta à vista: o sector das apostas desportivas online é dos poucos que tem sentido um forte crescimento em Portugal (a exemplo do que acontece em vários países na Europa e no resto do Mundo), mas as vantagens para os clubes (que alimentam esse crescimento, através da sua actividade) ainda são nulas. Portugal é um país com uma forte adesão das apostas online. Ano após ano, o crescimento no número de apostadores mostra valores muito elevados: estima-se que de 2008 para 2009 esse crescimento tenha sido na ordem dos 50 por cento – e nos últimos dois anos a tendência foi para um reforço dessa percentagem. A regulação do mercado de apostas desportivas é uma das prioridades do mandato de Fernando Gomes como presidente da Liga. A preocupação foi identificada logo no discurso de tomada de posse, a 7 de Junho de 2010. Numa lista de dez grandes prioridades para o mandato até 2014, Fernando Gomes colocou a questão das apostas desportivas logo no primeiro ponto, sublinhando a meta que pretende atingir o mais rapidamente possível: «Regular o mercado das apostas desportivas com receitas para os clubes que sustentam a possibilidade dessas apostas existirem». Desde aí, foram feitas várias diligências no sentido de se avançar com a resolução de um impasse que prejudica fortemente os interesses dos clubes. Quatro meses depois da tomada de posse, depois de uma reunião com a Comissão Interministerial criada com o objectivo de apresentar uma proposta de legislação sobre as apostas

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· Como defender os direitos dos clubes e das Ligas? · Como canalizar verbas das apostas para o financiamento do desporto?

· 200 mil é o número aproximado de portugueses que fazem regularmente apostas online · 208 milhões de euros foi o valor da receita anual da Santa Casa da Misericórdia em 2009, sendo 158 milhões resultantes dos jogos sociais

· Como combater o branqueamento de capitais?

desportivas, Fernando Gomes insistia: «Não é tempo de desperdiçar recursos de uma actividade que movimenta cerca de 700 milhões de euros e necessita de ser regulada. É justo o retorno daquilo que é a utilização das competições por parte dos operadores que tiram rendimentos desses direitos que pertencem à Liga». O presidente da Liga defende o envolvimento da Santa Casa como parceiro — e não como adversário — nesta questão. A intenção é de que essa regulação se faça já a partir da época 2011-2012. Mas, para isso, há que ultrapassar barreiras e desbloquear impasses. A Comissão Interministerial começou o seu trabalho no final de Setembro de 2010, com a missão de apresentar uma proposta de regulamentação do sector das apostas desportivas. Em despacho publicado em Diário da República, no final de Agosto, previa-se a reavaliação do actual modelo do mercado de jogos em Portugal e na União Europeia e do jogo online. O grupo de trabalho envolveu os ministérios das Finanças, Economia e Trabalho, além, obviamente, da área do Desporto. Desde Outubro passado, o presidente da Liga teve várias reuniões de trabalho com o ministro da Economia, Vieira da Silva, com o provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Rui Cunha, com o secretário de Estado da Segurança Social, Pedro Marques, e com o secretário de Estado da Juventude e do Desporto, Laurentino Dias. Essa comissão já terminou o seu trabalho e produziu um relatório – mas a instabilidade política vivida em Portugal nos últimos meses, com a demissão do Governo e a

perspectiva de eleições, pode provocar um novo atraso neste processo. Na proposta que está a ser estudada, terão que ser atendidos os diferentes interesses de uma realidade que envolve vários ‘players’. Se, até agora, o legislador português apenas reconheceu a Santa Casa da Misericórdia como interveniente legítimo nos jogos sociais, o crescimento muito significativo do mercado de apostas desportivas mostra uma nova realidade que deve ser configurada pela lei. A solução legislativa encontrada terá que contemplar os objectivos dos jogos sociais e as obrigações dos operadores, perante o Estado, mas também respeitando os direitos dos organizadores de competições desportivas e dos clubes. A utilização de nomes e logos dos clubes deverá ser enquadrada, à luz dos direitos de propriedade intelectual que essa utilização implica. E, acima de tudo, o que está em causa é a utilização da própria actividade dos clubes, através dos jogos. Há, depois, questões mais específicas da regulação dos operadores e da tributação fiscal que se têm mostrado de difícil resolução – mesmo nos países que apresentam um quadro legal bem mais avançado que o nosso, nesta matéria. Todos estes dados deverão ser pesados numa futura legislação sobre apostas desportivas, em Portugal. A RELAÇÃO OPERADORES/CLUBES Independentemente dos pormenores que, em cada país, estão a dominar as discussões sobre as respectivas legislações, mantém-se um clima de tensão entre os

organizadores das competições e os operadores de apostas. Se o caminho para a regulação parece ser irreversível, a verdade é que a definição sobre a medida para o justo retorno das compensações a pagar a clubes e ligas está muito longe de ser pacífica. O rumo terá que passar por um processo legislativo que preveja os interesses de todos. Os avanços na regulamentação permitem a criação de um clima mais propício a acordos entre clubes e operadores — os dois principais interessados nos dois lados desta barricada. Nas últimas duas épocas, registou-se um forte aumento nos investimentos dos operadores de apostas em publicidade nos clubes europeus. Em França, esse valor ultrapassou os 100 milhões de euros, só durante o ano de 2010. O crescimento do mercado de apostas desportivas, que parece estar para durar, dependerá sempre da capacidade dos clubes em atrair interessados. Daí que faça todo o sentido que os operadores de apostas online pretendam ser uma parte da solução e não dos problemas para os clubes europeus – é que o sucesso da indústria de apostas desportivas decorre da actividade dos clubes. Em Portugal, a entrada de operadores na publicidade do futebol começou em 20052006, com a bwin, na altura designada betandwin, a pagar o naming da I Liga. Uma acção judicial da Santa Casa da Misericórdia levou a uma decisão favorável do Tribunal de Justiça das Comunidades. O Braga, na época seguinte, foi o primeiro clube português a celebrar um acordo com

uma operadora online, a Sportingbet, mas uma acção judicial voltou a suspender o negócio acordado. Na presente época desportiva, a bwin voltou a celebrar um acordo com a Liga, para o ‘naming’ da Taça da Liga nas próximas três temporadas. Alguns clubes que participam na Liga Zon Sagres e na Liga Orangina dispõem do patrocínio da Betclic nas suas camisolas. Em vários países europeus, como em França, Espanha, Inglaterra, ou Alemanha, os operadores de apostas estão entre os principais patrocinadores dos clubes. Um exemplo bem conhecido e visível é, obviamente, o do Real Madrid, que tem a bwin nas suas camisolas, num contrato de cerca de 23 milhões de euros anuais. Apesar das dificuldades do longo caminho legislativo que esta questão continua a exigir em Portugal, bem como noutros países da Europa, a relação entre clubes e operadores parece destinada a ser de entendimento. É que ambos os lados da barricada têm um interesse comum: o de retirar dividendos legítimos do fantástico crescimento, em contraciclo com o resto da economia, o mercado de apostas desportivas online tem tido ao longo dos últimos anos. VIAS DIFERENTES Em Portugal, o volume anual transaccionado em apostas desportivas online está próximo dos 700 milhões de euros. Por este valor, dará para ter uma ideia da receita fiscal que, anualmente, o Estado desperdiça, ao não ter legislado ainda sobre a matéria.

Um pouco por toda a Europa, a discussão legislativa prossegue, com diferentes abordagens, mas uma tendência geral de demora que sinaliza a dificuldade de se encontrarem consensos. Na Alemanha, o combate tem-se focado no monopólio estadual: a actual legislação prevê que cada lander tenha competências soberanas para dirigir a sua própria política de gestão de apostas desportivas. Há casos, como o da Finlândia, em que o monopólio estatal é a via escolhida. Nos países nórdicos, o controlo estatal conjugase com uma canalização para o desporto de verbas provenientes das apostas desportivas, para fins públicos. Em Espanha, o anteprojecto preparado em 2010 passou a diploma legal em Fevereiro passado. Numa projecção feita no país vizinho, o Estado perdia 600 milhões de euros todos os anos, ao não legislar sobre o tema. Estima-se que, todos os dias, sejam transaccionados na Europa cerca de 38 milhões de euros em apostas desportivas. Há, ainda, um conjunto de questões fundamentais a resolver no mercado de apostas: como eliminar os riscos do jogo ilegal?; como defender a integridade das competições desportivas e os direitos dos seus organizadores?; como canalizar verbas obtidas pelas apostas desportivas para o financiamento da actividade desportiva?; como combater o branqueamento de capitais? As dúvidas persistem e o caminho continua a ser longo. Para quando a regulação deste mercado em franco crescimento?

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OS CASOS EUROPEUS “LEGISLAÇÕES NACIONAIS TÊM QUE CHEGAR A DEFINIÇÃO COMUM SOBRE AS APOSTAS ILEGAIS”

“COM MAIOR COOPERAÇÃO COM AS AUTORIDADES LEGISLATIVAS NACIONAIS, O PROBLEMA DAS APOSTAS DESPORTIVAS ILEGAIS PODE SER TRAVADO”

FRANÇA A legislação aprovada a 1 de Maio de 2010 legalizou a actividade de vários operadores online. A peça legislativa, que tem sido apontada como possível modelo para outros países europeus, consagra os direitos das organizações desportivas e um retorno financeiro para os organismos desportivos, proveniente dos operadores de apostas pelo uso comercial dos seus conteúdos. A Liga e a Federação intervêm nas decisões sobre o licenciamento dos operadores no tipo de apostas permitido e recebem um por cento das receitas. Na sequência dessa legislação, a UEFA exigiu também a comissão de um por cento sobre os valores cobrados pelos operadores registados em França, nas apostas relativas aos jogos da Champions, Liga Europa e jogos das selecções. ESPANHA Foi aprovado em Fevereiro de 2011 um diploma baseado no Anteprojecto de Lei de Regulação do Jogo. As primeiras licenças (cada uma a dez mil euros) deverão ser emitidas no primeiro trimestre de 2012. A questão fiscal tem gerado tensões entre operadores e reguladores. Um relatório do Ministério das Finanças espanhol aponta para que a Comissão Nacional do Jogo possa arrecadar cerca de 11,5 milhões de euros por ano, só em novas taxas aplicadas aos operadores que vierem a ser legalizados. A actual versão do anteprojecto aponta para uma taxação sobre as empresas de apostas e não sobre os apostadores. Só no ano de 2010, as

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apostas desportivas online tiveram um lucro avaliado em 110 milhões de euros, num aumento de cerca de 21 por cento em relação a 2009. O futebol abrangeu uma fatia de cerca de 70 por cento. HOLANDA O governo holandês deu parecer favorável, em Dezembro de 2010, para que se avance com legislação até 2012 (apenas para as empresas nacionais), estando prevista a abertura a operadores estrangeiros até 2015. O parecer prevê que o governo mantenha uma supervisão do sector, através de uma entidade reguladora. Prevêse uma arrecadação fiscal anual na ordem dos 10 milhões de euros, valor que poderá aumentar significativamente depois da abertura a operadores internacionais. Uma parte das receitas do jogo online passarão a ser atribuídas aos clubes. Actualmente, o monopólio da exploração do jogo pertence ao Holland Casino, entidade estatal. ITÁLIA A Reforma do Jogo Online, aprovada em 2006, legalizou as apostas desportiva na internet, permitindo aos operadores internacionais a obtenção de uma licença de jogo italiana. O processo é supervisionado pela AAMS, agência estatal. Nos últimos anos houve várias movimentações legais e jurídicas que complicaram os avanços em torno do tema, mas a necessidade de se aumentar as receitas fiscais lançou a Itália como país pioneiro a nível europeu. A preocupação com os sites ilegais tem atrasado o processo de liberalização do mercado, mas o aumento significativo de

licenças atribuídas pela AAMS dá conta de uma evolução positiva. DINAMARCA Está a ser afinada legislação que aponta para uma liberalização regrada do mercado de apostas desportivas. Foi aprovada, em Junho de 2010, legislação de jogo online que aponta um caminho semelhante ao caso francês, com abertura para a actividades dos operadores privados, mas uma participação activa de liga e federação REINO UNIDO A longa experiência britânica no mercado tradicional de apostas desportivas, com mais de quatro décadas de liberalização com regras, facilitou o enquadramento legal das apostas online, previsto em ambiente semelhante.

8,8 MIL MILHÕES DE EUROS FOI O VALOR ARRECADADO PELO ESTADO ITALIANO EM 2009 PELA RECEITA FISCAL DECORRENTE DO MERCADO DE APOSTAS MAIS DE 100 MILHÕES DE EUROS INVESTIDOS EM PUBLICIDADE PELOS OPERADORES EM FRANÇA, DEPOIS DE APROVADA A LEGISLAÇÃO

O risco de existirem resultados manipulados é um dos maiores problemas associados ao universo das apostas desportivas. Com o enorme crescimento das apostas online, a questão subiu de tom nos últimos anos. A UEFA dispõe de um sistema muito completo de detecção de apostas suspeitas. Este sistema monitoriza mais de 30 mil jogos por ano e funciona 24 horas por dia, 365 dias por ano. Em entrevista exclusiva concedida à LIGA DIRECTA, Graham Peaker, coordenador de investigação no departamento de Disciplina do organismo presidido por Michel Platini, explica ao pormenor como funciona esse sistema, lamenta a falta de legislação nacional em muitos países europeus e elogia o caminho iniciado em Maio de 2010, no caso francês, que aponta como exemplo a seguir. Como funciona o sistema de detecção de apostas clandestinas? A UEFA está satisfeita com os níveis de eficiência revelados? O UEFA Betting Fraud Detection System (BFDS) monitoriza os padrões de apostas realizados em todos os jogos das nossas competições (entre 1600 e 1800 por época), bem como os jogos da primeira e segunda divisão das 53 associações nacionais nossas filiadas (entre 29.000 e 30.000 partidas por temporada). Se um jogo revela padrões irregulares de apostas que não possa ser explicado pelo momento das equipas ou pelo decorrer da partida em causa, vamos analisar em profundidade esse encontro e, se necessário, iniciaremos uma investigação. O sistema é eficiente e até já produziu resultados (por exemplo, no caso do FK Pobeda) e estamos a investigar outras

partidas, a exemplo do que está a ser feito por várias associações que são filiadas da UEFA. A UEFA tem razões para considerar que a batalha contra as apostas clandestinas pode ser ganha? Sim, com maior cooperação com as autoridades legislativas nacionais, o problema das apostas desportivas ilegais pode ser travado. No entanto, é preciso lembrar que o maior problema reside na Ásia. O mercado de apostas na Ásia tem menos regulação do que na Europa e é na Ásia que as organizações criminosas estão a fazer maiores lucros com jogos que foram alvo de manipulação. Será possível medir os valores que, anualmente, escapam ao controlo das entidades oficiais? Não. A UEFA não tem a possibilidade de obter dados dos operadores de apostas. Somos uma organização desportiva, não somos uma agência de controlo legislativo. Esse tipo de informação não passa por nós. Como é que a UEFA encara a falta de legislação nacional em muitos países europeus, incluindo Portugal? Isso é, obviamente, um problema. Seria benéfico para todos os países reconhecerem que a fraude em torno das apostas desportivas é ilegal e que tal possa ser uma infracção punível. É importante que as diferentes legislações nacionais se entendam numa definição comum sobre o que são apostas desportivas ilegais. Isso permitiria a todos os estados europeus a possibilidade de atacarem o problema numa base de igualdade e mais equilibrada.

A legislação francesa aprovada em Maio de 2010 pode vir a constituir um exemplo para os restantes países europeus? A situação em França parece apontar, claramente, para uma mudança para a direcção correcta. A exigência legal de que os operadores de apostas online assumam um acordo com as autoridades desportivas é positiva. Entre outros benefícios, está a exigência de que os operadores de apostas municiem as autoridades desportivas de informações relevantes, se forem detectados padrões irregulares de apostas. A legislação francesa reconhece que o organizador das competições é dono dos direitos de propriedade intelectual (ex: direitos de imagem, logos, naming) das suas provas. O modelo francês dota as autoridades desportivas de direitos de royalties nos jogos disponíveis para apostas e esses fundos podem ser usados na formação e no fomento desportivo, bem como em programas de educação no combate à fraude.

A FRASE «As apostas ilegais podem matar o nosso desporto. Se os resultados forem combinados, o futebol deixa de ter razão de existir» Michel Platini, presidente da UEFA, quando anunciou o lançamento do Betting Fraud Detecting System

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