Apontamentos de Direito das Obrigações

September 10, 2017 | Author: Renato Miguel Pires | Category: Law Of Obligations, Statutory Law, Justice, Crime & Justice, Government Information
Share Embed Donate


Short Description

Download Apontamentos de Direito das Obrigações...

Description

Apontamentos de Direito das Obrigações Renato Miguel da Silva Pires

Art. 817.º- Princípio geral de realização coactiva da prestação, sendo que a execução específica é prevista nos arts. 827.º e seguintes(ou) Art. 798.º - Responsabilidade (patrimonial) por incumprimento, ou obrigacional. Estes artigos aplicam-se nas hipóteses de incumprimento de obrigações. 1

Relativamente ao objecto do direito de crédito , existem quatro grandes teorias que, posteriormente, se subdividem. Assim: Teorias pessoalistas, referentes à pessoa, isto é, que entendem a pessoa como sendo o objecto do direito de crédito. Esta grande teoria subdivide-se em duas, a saber:  Direito de crédito sobre a pessoa do devedor;  Direito de crédito sobre a prestação do devedor. A segunda hipótese é a dominante na doutrina portuguesa, sendo, inclusive, a posição adoptada por MENEZES CORDEIRO. Foi também a opção do legislador de 1966, estando presente no art. 397.º do Código Civil2, circunstância que se pode observar através do recurso à expressão “prestação”. Aliás, a execução específica e a responsabilidade obrigacional têm como seu objecto a realização, ou a indemnização pela não realização de uma prestação.

Teorias Realistas – Estas teorias recaem sobre o património/bens do devedor. Não prossegue, pois, como mostra MENEZES LEITÃO, repousam sobre um pressuposto errado, que é o de que a obrigação tem como objecto ou um bem ou um património. O que é errado, pois, como demonstrado pelas teorias clássicas pessoalistas, e da dogmática geral do âmbito obrigacional, o direito de crédito é relativo a uma prestação, e não a outros factores. Teorias Mistas – Misturam as duas visões anteriores. Assim, o direito de crédito teria, consoante os casos, como objecto ou uma prestação, ou um património do devedor. Teorias que sustentam a complexidade do vinculo obrigacional, defendidas, em Portugal, por PESSOA JORGE e, na Alemanha, por KARL LARENZ.

Relativamente ao cariz patrimonial da obrigação, apesar de na vigência do Código anterior lhe ter sido atribuído3, o Código actual consagra a não exigência de cariz patrimonial da obrigação: Veja-se, a esse respeito, o art. 398.º/2. Consagra-se, assim, a possibilidade de estipulação de obrigações que não tenham aspecto patrimonial, como, por exemplo, um pedido de desculpas, ou desmentir certo comunicado. Relativamente a este respeito, ANTUNES VARELA considera que esta norma pretende deixar de fora do seu âmbito normativo caprichos ou manias do devedor, bem como situações regidas por outras ordens normativas. MENEZES CORDEIRO, tal como MENEZES LEITÃO, discordam: Pode até ser um capricho para outras pessoas, mas tal facto não exclui a importância que possa vir a adquirir para o credor. Pode, aliás, ser uma condição para a efectuação da própria prestação (!). A questão de vigência de outras ordens normativas é, contudo, pacífica e, mais do que isso, de acordo com a natureza das coisas:

1

Que MENEZES CORDEIRO define como a permissão normativa específica de aproveitamento de uma prestação, noção que irá, posteriormente, ser melhor explicitada. 2 Salvo disposição em contrário, os artigos enunciados são relativos a este diploma.

3

Na época, através de imposição do art. 671.º

Estando abrangida por outras ordens normativas, não são obrigações, pelo que não poderiam ser alvo de relações obrigacionais. Ainda relativamente ao último ponto, a razão está, na nossa opinião, com MENEZES CORDEIRO / MENEZES LEITÃ O: A autonomia privada, no seu corolário da livre estipulação (art. 405.º) permite a vinculação normativa a caprichos. Contudo, como bem nota GALVÃO TELLES, a esmagadora maioria dos casos de obrigações tem natureza patrimonial, o que se deve à natureza significativamente económica da actual sociedade não só portuguesa, como mundial. Existe, assim, e seguindo a terminologia proposta por MENEZES CORDEIRO, uma situação de patrimonialidade tendencial, isto porque as obrigações não patrimoniais apresentam-se como a excepção, e não como sendo a regra. Quanto à mediação: Significa, em termos gerais, que não se efectua a obrigação sem a mútua acção de credor e devedor. Aliás, é uma das características que diferencia os direitos reais4 direitos de crédito: os segundos exigem uma colaboração entre as partes5, sendo que os primeiros não necessitam dessa colaboração: podem ser exercidos livre e espontaneamente pelo seu titular. Quanto à relatividade: Pode ser entendida em dois sentidos diferentes: Por um prisma estrutural, de onde se retira que o direito de crédito se estrutura com base numa relação entre credor e devedor, e através de um prisma de eficácia, com o sentido de que o direito de crédito apenas é eficaz contra o devedor. Desta forma, só a ele pode ser oposto, e só por ele pode ser violado. Daí que a obrigação não possa ter eficácia externa, isto é,

contra terceiros.6 Enquanto a relatividade estrutural não oferece dúvidas7, a relatividade no sentido de eficácia externa revela-se como estando no pólo oposto. A esse respeito, CUNHA GONÇALVES defende a ausência total de eficácia externa das obrigações porque, a seu ver, sendo estes relativos, não existe um dever de terceiros de o respeitarem. Não parece, contudo, a opção mais correcta. Aliás, vai mesmo contra a realidade actual, uma vez que, por má-fé, pode alguém prejudicar seriamente uma obrigação assumida, pelo que surgiriam situações extremamente injustas: situações às quais cabe ao Direito regular. Daí que esta posição tenha sido (e bem) rejeitada, por autores como MENEZES CORDEIRO8, que considera existir uma eficácia externa das obrigações, imposta pelo dever geral de respeito (art. 227.º, salvo erro), que impõe a regra de não lesar os direitos alheios. Tal dever abrange também os direitos de crédito (fazendo parte, segundo a sistematização deste Autor, da sua oponibilidade fraca), que teriam, consequentemente, tutela delitual, nos termos do art. 483.º, caso se verificasse abuso de direito (art. 334.º). Posição intermédia tem autores como VAZ SERRA, ANTUNES VARELA e MENEZES LEITÃO: Não existe um dever geral de respeito pelos direitos de crédito, mas tal não significa que não exista alguma oponibilidade contra terceiros: De facto, este pode ser responsabilizado no caso em que a sua conduta se possa considerar como um exercício abusivo da liberdade, e caia no âmbito da aplicação do instituto do abuso do direito, com a consequente aplicação da responsabilidade aquiliana. Um grande argumento em favor desta tese é a não prevalência de direitos de crédito anteriores sobre posteriores (art. 604.º/1). Ora, se a constituição posterior de um direito de crédito não afecta a validade de um direito de crédito anterior, estando os dois no mesmo nível hierárquico, existe uma liberdade concedida pela lei de concorrer a uma obrigação ao mesmo tempo, uma vez que se está a exercer a liberdade

4

Definido por MENEZES CORDEIRO como a permissão normativa específica de aproveitamento de uma coisa corpórea. 5 Não se pode falar, contudo, de um carácter intui personae das obrigações: existem obrigações com dois ou mais pólos da relação jurídica, como são casos dos contratos a favor de terceiro ou para pessoa a nomear.

6

Ou, como é comummente designada, eficácia erga omnes; contrapor-se-ia à relatividade inter partes obrigacional. O que não é totalmente correcto afirmar, como se verá. 7 Para MENEZES LEITÃO, pelo menos. Contra esta posição está MENEZES CORDEIRO. 8 Tal como GUILHERME MOREIRA e GALVÃO TELLES.

 Oponibilidade erga omnes real, através da acção de reivindicação, “vs” oponibilidade inter partes obrigacional10;  Sequela, isto é, o titular de um direito real pode perseguir a coisa onde quer que ela se encontre11, caso consiga provar a propriedade, caso em que terá prevalência sobre a sua titularidade. Tal não acontece nos direitos de crédito: caso mudem de titular, como no exemplo de vender a casa a um terceiro, após celebrar um contrato-promessa obrigacional, o seu titular originário apenas pode pedir uma indemnização.  Os direitos reais prevalecem sobre os direitos de crédito: daí que se A vender a casa a C, após celebrar um contrato-promessa com B, o direito de C, por ser real (direito real de propriedade), prevalece sobre o direito de crédito pertencente a B. Aliás, os direitos reais também prevalecem entre si, com ordem hierárquica temporal. Desta forma, é superior o direito primeiramente adquirido, característica que não se observa nos direitos de crédito, que concorrem em igual situação hierárquica.

de contratar. Tanto que, no caso de incumprimento definitivo, é atribuída uma indemnização posterior. O terceiro estranho ao negócio pode nem saber o que se passa, pelo que a tese intermédia se afigura como a mais aconselhada. Apenas se admitirá, assim, responsabilidade de terceiros em caso de abuso do direito. Nota: Segundo MENEZES CORDEIRO, a relação obrigacional tem vários níveis de oponibilidade, que são: a) Oponibilidade forte: Inter partes, relativa à responsabilidade obrigacional e execução coerciva da prestação; b) Oponibilidade média, a qual se deve à existência de deveres acessórios, pertencentes à estrutura do vínculo obrigacional9; c) Oponibilidade fraca, imposta pelo dever geral de respeito (art. 227.º). 1. Direitos de crédito “versus” Direitos Reais Direito de crédito: permissão normativa específica de aproveitamento de uma prestação; Direito Real: permissão normativa específica de aproveitamento de uma coisa corpórea. Isto segundo a classificação proposta por MENEZES CORDEIRO.

A distinção essencial recai sobre o seu objecto: Enquanto os direitos de crédito dizem respeito a uma prestação, i. é, uma conduta, os direitos reais recaem sobre uma coisa. Mas este aspecto não é o único que diferencia estas duas figuras. Aliás, são, como se verá, quase figuras opostas. Assim:  Tipicidade real (só existem os direitos reais que a lei tipifica), “vs” atipicidade obrigacional;  Publicidade (?)

Existe, contudo, uma questão que tem levado a um grande debate doutrinário, e que se prende com a questão dos direitos pessoais de gozo, que são (arts. 407.º e 1682.º-A): - Direito do locatário (1022.º); - Direito do comodatário (1129.º); - Direito do parceiro pensador (1121.º); - Direito do depositário. Quanto aos direitos pessoais de gozo, existem posições que apontam em ambos os sentidos, pelo que autores como DIAS MARQUES ou OLIVEIRA ASCENÇÃO defendem que estes direitos têm natureza de direitos reais. Contra esta posição situam-se autores tais como GALVÃO TELLES, ANTUNES VARELA, MENEZES CORDEIRO e MENEZES LEITÃO, que reconhecem o 10

9

Composto por prestação principal, prestação secundária e deveres acessórios.

11

Com as devidas ressalvas, abordadas supra. LEITÃO, MENEZES, Direito das Obrigações, p. 104.

carácter creditício destes direitos. E parece, de facto, ser a melhor opção. É que estes direitos, apesar de relativos a obrigações sem prestação principal, como nota MENEZES CORDEIRO, são relativos a uma prestação, e não a um bem. A própria prestação é que incide sobre o gozo de um bem, mas tal não deixa de retirar a prestação como sendo o objecto do direito de crédito.

considera que essa mesma diligência é desde logo aferida pelo art. 400.º, quando este estabelece que a determinação de uma obrigação deve ser realizada sob juízos de equidade. Quanto a nós, e uma vez que ambos os autores têm visões correctas, propendemos a considerar uma exigência dupla de diligência na determinação da obrigação genérica: Assim, terá que observar as diligências dos arts. 400.º e 239.º, conjugados. LEITÃO

2. Obrigações genéricas (art. 539.º e seguintes) Previstas no art. 539.º, são aquelas em que o objecto da prestação se encontra apenas determinado quanto ao género, ao peso, etc., mas ainda não definido concretamente. Assim, será uma obrigação genérica aquela que implique a transferência de 20 kg de maçãs: O género e a medida ( maçãs, 20 kg) encontram-se determinadas, mas não se encontra estabelecido quais as maçãs em concreto serão utilizadas para o cumprimento da obrigação. O facto de serem genéricas implica, assim, que se realize um processo de individualização dos espécimes. Essa escolha, nos termos gerais do art. 400.º, cabe às partes ou a terceiro. Contudo, do art. 539.º resulta que a escolha cabe, em regra, ao devedor. Neste âmbito, o art. 542.º regula as hipóteses que se afiguram como excepção a esta regra geral. Isto é, diz respeito às hipóteses de a escolha pertencer ao credor ou a terceiro. P.D.12: Será o devedor absolutamente livre na escolha que faz, podendo, por exemplo, escolher garrafas do pior vinho ou as maçãs mais estragadas do seu armazém? No BGB13 o art. 243 estipula uma obrigação de entregar uma coisa de qualidade média. No mesmo sentido se pronuncia MENEZES CORDEIRO, que, a esse respeito, invoca o regime da integração dos negócios jurídicos, segundo os ditames da boa-fé, aos quais faz referência o art. 239.º MENEZES

Outro problema…tem que ver com a averiguação do momento em que tem lugar a transferência das coisas que servem para o cumprimento da prestação. Este problema não é despiciendo; muito pelo contrário: Irá determinar a passagem do risco para uma ou outra parte da equação obrigacional. Tal deriva da regra de que o risco corre por quem possui a propriedade, plasmada no art. 796.º. E, nas obrigações genéricas, esta não pode ocorrer na altura da celebração do contrato14, uma vez que nesta altura a prestação ainda se encontra indeterminada. A transferência da propriedade – e, por isso, do risco, - ocorre com a concentração (determinação dos espécimes) da obrigação. Mas e quando é que ocorre a concentração. Sobre essa questão, existem três grandes teorias, a saber: a) Teoria da escolha, defendida por THOL; b) Teoria do envio, defendida por PUNTSCHART; c) Teoria da entrega, defendida por JHERING. a) Segundo esta teoria, a entrega dá-se no momento em que o devedor procede à separação dentro do género. Assim, ocorrendo o perecimento posterior da coisa, o risco era por conta do credor, não tendo o devedor a obrigação de entregar as coisas do mesmo género. b) Para esta, não basta a escolha para a concentração da obrigação: é necessário também o envio. Desta forma, logo que as coisas saíssem do 14

12

Pergunta Doutrinal. Diz respeito a questões que levam a debate doutrinário: meter sempre a opinião de MENEZES CORDEIRO. 13 Bürgerliches Gesetzbuch, ou seja, o Código Civil alemão.

Que não tem nada a ver com a obrigação em si: o que se está a falar é uma modalidade: Assim, um contrato-promessa pode ter incluído, como cláusula, uma obrigação genérica, ou uma obrigação alternativa abarcar, no seu interior, uma obrigação genérica, como o caso do teste de Obrigações.

domicilio do devedor, a obrigação ter-se-ia como concentrada, passando a propriedade e o risco para o credor. Em caso de perecimento no transporte, este correria por conta do credor, à semelhança da primeira hipótese. c) Segundo a terceira teoria, a concentração só ocorre com o cumprimento da obrigação, sendo a transferência de propriedade efectuada nesse momento. Assim, qualquer perecimento anterior à transmissão de propriedade anterior a esse acontecimento correria por conta do devedor.  A lei (portuguesa) consagrou a teoria da entrega, de JHERING, como sendo a regra geral, sendo isso mesmo confirmado pelo art. 540.º, que consagra a irrelevância geral da escolha ou do envio para efeitos de concentração da obrigação genérica (art. 408.º540.º). Contudo, no art. 541.º, a lei admite certos casos em que, embora cabendo a escolha ao devedor, a obrigação se concentra antes do cumprimento. A este respeito, MENEZES CORDEIRO defende que este preceito documenta cedências às teorias da escolha e do envio, por parte do legislador, consistindo, por isso, em desvios à regra geral. MENEZES LEITÃO não concorda, numa boa desconstrução argumentativa15 que nos leva a acolher a sua opinião: apesar de aparentes, estamos, ainda, sobre o âmbito da regra geral enunciada. NOTA: Diferentemente se passam as coisas quando a escolha cabe ao credor ou a terceiro! Nesses casos, a lei adopta plenamente a teoria da escolha (art. 542.º), uma vez que, feita a escolha, a mesma é irrevogável. Ora, sendo irrevogável, concentra imediatamente a obrigação, desde que declarada respectivamente ao devedor ou ambas as partes. Se, por outra banda, couber a decisão ao credor e este não a exercer no devido prazo (art. 542.º/2), é ao devedor, que fixou o prazo, que volta a caber a decisão. Caso tal em que se retorna ao principio geral dos arts. 540.º e 541.º, i.e., à teoria da entrega.

15

Com efeito, vide MENEZES LEITÃO, Ob. Cit., p.131.

3. Obrigações alternativas (arts. 543.º e seguintes) Consistem, à semelhança das obrigações genéricas, em prestações indeterminadas, caracterizando-se, contudo, pelo facto de existirem duas ou mais prestações de natureza distinta, mas em que o devedor se exonera do cumprimento da obrigação através da escolha de apenas uma delas, que, por escolha, vier a ser designada. Ex: Estipulam-se duas prestações de natureza diferente, como a entrega do carro Y ou o barco X. A obrigação considera-se cumprida com a entrega de um deles. Na falta de disposição em contrário, essa escolha pertence ao devedor, nos termos do art. 543.º/2, podendo também competir ao credor ou a terceiro, por força do art. 549.º. Desta forma, apesar de existirem duas ou mais prestações, o devedor tem apenas uma obrigação e o credor apenas um direito de crédito. Tal como impõe o art. 544.º, a escolha tem que recair apenas numa ou noutra prestação: mesmo tratando-se de prestações divisíveis, não é lícita a escolha de parte de uma e parte de outra. !! A determinação não ocorre, como nas obrigações genéricas, no momento do cumprimento! O art. 408.º/2 exceptua as genéricas, mas não as alternativas. Nas obrigações alternativas, é a designação do devedor, desde que conhecida pela outra parte, que determina a prestação, como nos diz o art. 543.º/1, in fine e 548.º. Não é, por isso, permitido ao devedor a revogação da escolha após tomada a sua decisão, uma vez que depois dessa acção, só se exonera da obrigação mediante o seu cumprimento. E não só relativamente ao devedor: A escolha é igualmente irrevogável quanto a credores e terceiros, por força da remissão feita pelo art. 549.º para o art. 548. MENEZES CORDEIRO defende, contudo, a aplicação do art. 541.º às obrigações alternativas. Se, contudo, alguma das partes não realizar a escolha no tempo devido, prevê a lei (art. 542.º/2, ex vi do 549.º e 548.º), ainda que sob critérios diferentes:



Se a escolha couber ao credor, e este não fizer a escolha no tempo estipulado ou fixado pelo devedor, a escolha passa a competir ao devedor;  Se, porém, a escolha couber ao devedor, a devolução da escolha ao credor ocorre apenas na fase da execução, tendo o credor, na fase declarativa, de obter uma condenação em alternativa através da formulação de um pedido alternativo, nos termos do art. 468.º do Código de Processo Civil16. As obrigações alternativas têm, aliás, um regime especial em sede de impossibilidade da prestação, nomeadamente quando esta ocorre antes da mesma ter ocorrido. A esse respeito, dever-se-á ter como base a existência de três critérios diferentes, estabelecidos e previstos pelo C.C: a) Impossibilidade casual (art. 545.º) – É a impossibilidade que não é atribuída a nenhuma das partes. Uma vês que a prestação ainda é indeterminada17, o risco do perecimento corre ainda por conta do devedor. Assim, se este se comprometeu a entregar o bem X ou Y, e Y pereceu, o devedor terá que suportar esse prejuízo e entregar o bem X ao credor. A impossibilidade casual implica a ocorrência de um fenómeno de redução da obrigação alternativa à prestação ainda possível.

afectada uma das prestações como a possibilidade de a escolher, pelo que a lei atribui à parte em questão (credor) essas duas hipóteses. c) Impossibilidade imputável ao credor (art. 547.º) – Neste caso, caso a escolha compita ao credor, a obrigação considera-se cumprida. É uma opção compreensível: o devedor não tinha a faculdade de escolher, e a atitude do credor, ao impossibilitar culposamente uma das prestações deve equivaler à sua escolha por parte do devedor. Caso esta escolha pertença ao devedor, também se considera como cumprida, a menos que o devedor prefira realizar a outra prestação e ser indemnizado pelos danos que haja sofrido. Neste caso, a atitude do credor implica a impossibilitar da escolha por partedo devedor, pelo que se lhe concede a opção de ser indemnizado. P.D: A lei não resolve um problema, que se prende com a imputação da impossibilidade a uma das partes, quando a escolha caiba a terceiro. defende a atribuição da escolha do terceiro, relativamente a considerar entre a prestação possível ou a indemnização18; 19 MENEZES CORDEIRO discorda. Quanto a este autor, quando a obrigação se impossibilita, o terceiro perde a faculdade de realizar uma escolha, uma vez que só tem direito a escolher entre duas prestações possíveis, e não entre uma prestação e uma indemnização. Desse modo, sendo a impossibilidade imputável ao devedor, deve ser o credor a decidir entre a prestação possível, indemnização ou resolução do contrato, por aplicação analógica do art. 546.º. Caso a escolha pertença a terceiro e a impossibilidade seja imputável ao credor, deve ser o devedor a fazer a ANTUNES VARELA

b) Impossibilidade imputável ao devedor (art. 546.º) – Neste caso, se a escolha ainda lhe (devedor) couber, tem que realizar uma das prestações possíveis. Caso a escolha compita ao credor, o mesmo pode exigir uma das prestações possíveis ou exigir indemnização pelos danos de não ter sido realizada a opção que se tornou impossível ou ainda resolver o contrato, nos termos gerais do art. 252.º. No primeiro caso, a impossibilidade é causada pela parte a quem compete a escolha, pelo que a faculdade de escolha da outra parte não é afectada; já na segunda, acontece o inverso: não só é 16 17

Doravante, “C.P.C.” Uma vez que o art. 545.º exige que ainda não tenha ocorrido a escolha.

18 19

Não é bem assim, vide p.136 de MENEZES LEITÃO. Com o qual MENEZES LEITÃO concorda e, quanto a nós, bem.

escolha de considerar cumprida a obrigação, ou realizar a prestação possível, exigindo simultaneamente uma indemnização, por aplicação analógica do art. 547.º. Deste modo, o terceiro só escolhe entre prestações possíveis, passando a escolha às partes quando se verifique alguma impossibilidade. Esta é a opção que nos parece como mais adequada. Quando as partes, no exercício da sua autonomia privada, atribuem a escolha a um terceiro, fazem-no apenas para efeitos de determinação da prestação (art. 400.º) e não para exercerem direitos que são conferidos às partes em sede de impossibilidade, culposa da outra parte. Para além disso, um pedido de indemnização envolve juízos de danos sofridos, os quais só as partes estão em condições de realizar. 4. Obrigações com faculdade alternativa Não se confundem com as obrigações alternativas. Embora com designações semelhantes, têm escopos bastante diferentes. De facto, nas obrigações alternativas, a prestação é indeterminada, o que não acontece nas obrigações com faculdade alternativa. Neste caso, a prestação já s encontra determinada. O que há é a faculdade, concedida ao devedor, de substituir o objecto da prestação por outro. Exemplos de obrigação com faculdade alternativa são as obrigações valutárias, previstas no art. 558.º. Em termos práticos, a diferença entre as situações reside na situação do credor: Nas obrigações alternativas, o seu direito abrange duas prestações, enquanto nas obrigações com faculdade alternativa, só abrange uma, ainda que a outra parte tenha a faculdade de a substituir. Secção II – Contratos (Contrato a favor de terceiro, Contrato para pessoa a nomear, Contrato-Promessa, Pacto de Preferência, e Gestão de Negócios) 1. Contrato a favor de terceiro (arts. 443.º e seguintes)

Previsto no art. 443.º, o contrato a favor de terceiro pode ser definido como sendo o contrato em que uma das partes (promitente) se compromete, perante outra parte (o promissário) a efectuar uma atribuição patrimonial em benefício de outrem, que é estranho ao negócio. (terceiro). Essa atribuição patrimonial consiste, normalmente, na realização de uma prestação (art. 443.º/1), mas pode consistir noutras acções, previstas no art. 443.º/2. A atribuição patrimonial é, contudo, determinada pelo promissário, que tem que ter, em relação a ela, um interesse digno de protecção legal, nos termos do art. 443.º/1. Verifica-se, portanto, um desejo do promissário, de uma atribuição indirecta deste ao terceiro, que é executada pelo promitente. O terceiro não é, contudo, interveniente no contrato, embora adquira um direito contra o promitente, em virtude do compromisso que este assume perante o promissário. Por esta razão, este contrato constitui uma situação jurídica complexa, de natureza triangular, composto, como mostra MENEZES LEITÃO, em três relações: 1- Relação de cobertura, que é uma relação contratual entre promitente e promissário, no âmbito da qual se estabelecem direitos e obrigações entre as partes, podendo inclusive a estipulação em favor de terceiro ser, quanto a eles, uma mera cláusula acessória. Esta relação é fundamental para a definição da posição jurídica do promitente, uma vez que é em face dela que se definem os direitos e deveres do promitente face ao promissário, sendo estes meios de defesa oponíveis ao terceiro (art. 449.º); 2- Relação de atribuição, que existe, ou se estabelece entre promissário e terceiro, e justifica a outorga desse direito ao terceiro, tendo por base um interesse legalmente protegido do promissário nessa concessão (art. 443.º/1). Essa relação pode identificar-se com uma relação jurídica pré-existente ou pode consistir numa relação constituída por intermédio do próprio contrato a favor de terceiro.

3- Relação de execução, entre promitente e terceiro, no qual ele vem a executar a determinação feita pelo promissário.

1.1-Modalidades do contrato a favor de terceiro: Podem apontar-se, a este respeito, três grupos de conceitos correlativos. Assim: - Contratos a favor de terceiro verdadeiros “vs” falsos; - Contratos a favor de terceiro com pessoas determinadas “vs” com pessoas indeterminadas; - Contratos a favor de terceiro a cumprir em vida “vs” a cumprir após a morte do promissário. Nota: O regime geral diz respeito ao caso paradigmático deste tipo de contrato que diz respeito a um contrato verdadeiro, para pessoa determinada, e em vida do promissário. A esse respeito, será analisado primeiramente o regime dito “normal”, e, subsequentemente, as suas excepções. 1.2- Regime geral do Contrato a favor de terceiro Este contrato faz nascer, automaticamente, um direito para o terceiro, o qual se constitui independentemente da sua aceitação, como postula o art. 444.º/1. É, nessa medida, uma excepção ao regime da ineficácia dos contratos em relação a terceiros, do art. 406.º. Apesar disso, admite-se, em harmonia com o princípio invitio beneficium non datur, que o terceiro possa rejeitar a promessa, nos termos do art. 447.º/1. Neste caso, contudo, o direito por si adquirido por virtude do contrato celebrado, extingue-se. A lei também prevê a hipótese de adesão (art. 447.º/1): Esta adesão não se destina à aquisição do direito por parte do terceiro, uma vez que, tal como se indicou supra, e por força do art. 444.º/1, este está na sua esfera

jurídica automaticamente. A sua função é, antes, impedir a revogação da promessa, revogação que é possível enquanto a adesão não for manifestada (art.448.º/1). Essa revogação compete, regra geral, ao promissário, necessitando, contudo, do consentimento do promitente no caso de a promessa haver sido no interesse de ambos (art.448.º/2). Mesmo depois da adesão poderá ser sempre revogada, na hipótese de se tratar de uma obrigação a cumprir após a morte do promissário (art. 448.º/1, in fine), e caso do 450.º/2. O facto deste contrato fazer nascer um crédito na esfera do terceiro (444.º/1), legitima-o a exigir o cumprimento da promessa. Não é, assim, um mero receptor material da prestação, como bem diz MENEZES LEITÃO, mas possui, face ao promitente, um direito de crédito relativamente a essa prestação. Contudo, também o promissário pode exigir ao promitente o cumprimento da sua obrigação, nos termos do art. 444.º/2), que é explicável em virtude de ter sido ele a acordar com o promitente, e ter, portanto, um interesse jurídico relativo ao cumprimento da promessa estabelecida. 1.3- Regimes Especiais do Contrato a favor de terceiro 1.3.1- Falso contrato a favor de terceiro Um exemplo é a promessa de liberação, prevista no art. 444.º/3. Está-se, neste caso, perante uma situação em que o promitente e o promissário acordam uma obrigação de resultado: a de que o promitente obterá a extinção de uma divida que o promissário tem com terceiro. Não há qualquer direito atribuído ao terceiro, pelo que não se está perante um contrato a favor de terceiro. 1.3.2 – Contrato a favor de pessoas indeterminadas ou no interesse público O contrato em causa não se refere a uma pessoa determinada, mas antes a um conjunto indeterminado de pessoas, podendo também corresponder a

um interesse público (446.º/1). Estabelece-se uma legitimidade difusa para a exigência da prestação, a qual só pode ser realizada não só pelo promissário ou seus herdeiros como também pelas entidades competentes para os defender (art. 445.º). Não podem elas, contudo, dispor desse direito à prestação ou autorizar qualquer modificação ao seu objecto (446.º/1). Não possuem um direito de crédito à prestação do promitente, mas sim um direito de reclamação à prestação do promitente para o fim estabelecido. 1.3.3 – Promessa a cumprir após a morte do promissário É uma excepção ao art. 444.º/1, uma vez que o terceiro não pode exigir o cumprimento da promessa antes que se verifique a morte do promissário. È duvidoso, neste caso, se se pretende conferir ao terceiro logo um direito de crédito sobre o promitente, que será vencido quando este falecer ou se, pelo contrário, esse direito só se constitui após a morte do promissário, sendo, até lá, o terceiro titular de uma mera expectativa jurídica. A diferença reside no facto de, na primeira situação, em caso de morte do terceiro antes do promissário, os seus herdeiros lhe sucederiam no direito de crédito relativamente ao cumprimento da prestação, e na segunda, o mesmo não seria possível: não sendo o terceiro titular de nenhum direito, esse mesmo não poderia ser transmissível aos seus sucessores, pelo que a prestação não poderia ser realizada. A lei resolve a questão no art. 451.º/1: Este artigo estabelece uma presunção de que a estipulação é feita no sentido em que o terceiro só adquire os direitos após a morte do promissário, mas caso faleça antes do cumprimento dessa prestação, o direito passa aos seus herdeiros, que são chamados à sua titularidade. (451.º/2). A aparente contradição deste preceito é resolvida através da sua análise detalhada, da qual resultam duas regras interpretativas: a) O direito só é atribuído com a morte do promissário; b) O promissário designa como beneficiários os herdeiros do terceiro. Estas são as presunções que resultam da letra da lei. É claro que esta presunção pode ser ilidida, mediante estipulação em contrário, pelas partes.

Outra característica desta modalidade de contrato a favor de terceiro é a de ser sempre revogável, independentemente da aceitação do terceiro (art. 448.º/1 in fine). 2. Contrato para pessoa a nomear (art. 452.º/1 e 2 e seguintes) Verifica-se quando um dos intervenientes, no contrato, se reserva a faculdade de designar outrem para adquirir os seus direitos ou assumir as suas obrigações (art. 452.º/1). Não ocorre, assim, a transmissão da titularidade de direitos entre nomeante e nomeado. O que sucede é, como mostra MENEZES LEITÃO, um fenómeno de substituição de contraentes, uma vez que após nomeação, o contraente nomeado adquire os direitos e obrigações provenientes do contraente originário, a partir do momento da celebração do contrato, nos termos do art. 455.º, tendo, desse modo, eficácia retroactiva (a nomeação). Na sua modalidade mais comum, a reserva de nomeação do terceiro é colocada em alternativa com a subsistência do contraente originário. Daí que a lei preveja que, em caso de a nomeação não ser feita nos termos legais, isto é, respeitando os requisitos de forma exigidos, o contrato produza efeitos relativamente ao contraente originário (art. 455.º/2). Admite-se, contudo, estipulação em contrário, pelo que as partes podem acordar que em caso algum tenha efeitos relativamente ao contraente originário. Nesse caso, a não verificação dos requisitos legais da nomeação acarretaria a ineficácia do contrato. A nomeação tem, contudo, de obedecer, tal como se disse, a determinados requisitos legais: i) Tem que ser realizada por escrito; ii) E no prazo convencionado ou, na falta de convenção, aos 5 dias posteriores a contar da celebração do contrato, nos termos do art. 453.º/1. iii) Acompanhada, para ser eficaz (é um requisito de validade deste contrato!), de instrumento de ratificação, ou procuração anterior à sua celebração (art. 453.º/2). Tem, assim, como

requisito necessário, uma atribuição de poderes representativos, por parte do nomeado, de modo a garantir a sua vinculação ao contrato, exigindo a lei, para o efeito, uma procuração ou uma ratificação, caso essa atribuição de poderes tenha ocorrido, respectivamente, antes ou depois da celebração do contrato em análise. Sendo exigida a ratificação, esta deve obedecer aos requisitos de forma do art. 454.º/1 ou 2. É um dos dois números! Caso não seja possível a forma do nº 1 pode-se optar pela forma do nº 2. 2.1- Natureza jurídica do contrato para pessoa a nomear adopta, a este respeito, a tese dominante na doutrina portuguesa20, que considera este contrato como um contrato celebrado simultaneamente em nome próprio e em nome alheio, sendo que a celebração em nome próprio corresponde a uma condição resolutiva, e a celebração em nome alheio uma condição suspensiva, que é a eficaz nomeação do terceiro. Já MENEZES CORDEIRO defende a natureza do contrato para pessoa a nomear como sendo uma categoria contratual típica e autónoma21, por implicar, num todo, a cláusula pessoa a nomear, a electio…e ineficácia do conjunto. Considera, também, que nenhuma teoria esgota a figura, fazendo apenas uma simples descrição da mesma. MENEZES LEITÃO

contrato definitivo. Caracteriza-se, assim, pelo seu objecto, que é uma obrigação de contratar, que pode ser relativa a qualquer outro contrato. 3.1 Direito de retenção23 (art. 775.º/1, alínea f)) - Tem que ter tradição da coisa. Tem direito a ele o beneficiário de qualquer contrato-promessa com datio rei, seja ele relativo a coisa móvel, imóvel, rústica, urbana, para habitação, comércio, etc. Quem não tem traditio não possui direito de retenção! Em segundo lugar, existe para garantia do crédito resultante do não cumprimento imputável à parte que promete transmitir (promitentealienante) o direito real (de propriedade, neste caso). 3.(continuação) Apesar de ser um contrato preliminar, é uma convenção autónoma deste, uma vez que se caracteriza, normalmente24, por ter eficácia meramente obrigacional, mesmo que o contrato definitivo tenha natureza real. No entanto, apesar da sua autonomia, a lei sujeita o contrato-promessa ao mesmo regime que o contrato definitivo, nos termos do art. 410.º/1. É o denominado principio da equiparação, que assume o sentido de uma extensão do regime do contrato definitivo, sujeitando-se, em principio, às mesmas regras que vigoram para o definitivo.25. Este princípio comporta, contudo, duas importantes excepções:

3.- Contrato-Promessa (art. 410.º e seguintes) De acordo com o art. 410.º/1, é a convenção através da qual alguém se obriga a celebrar um novo contrato. É, portanto, e à semelhança do pacto de preferência22, um contrato preliminar de outro, que terá a designação de

20

Seguida, inclusive, por autores como GUILHERME MOREIRA, GALVÃO TELLES ou

ANTUNES VARELA. 21

Veja-se, a esse respeito, MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil; Direito das Obrigações, tomo II, pp. 595 a 600. 22 Veja-se, infra, o nº 4 da secção II do presente resumo.

1- Quanto a disposições relativas à sua forma; 2- Relativamente às disposições que, pela sua razão, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa. 23

CALVÃO DA SILVA,

24

Uma vez que pode assumir natureza real. Veja-se, a esse respeito, o art. 413.º do Código

Sinal e Contrato-Promessa, p.164.

Civil. 25 Assim, se é proibida a venda de filhos a netos (art. 877.º), também um contrato-promessa com esse objecto será proibido.

Da primeira questão (forma), resulta que a forma do contrato-promessa não tenha necessariamente que corresponder à mesma do contrato definitivo, característica que permite que ao contrato-promessa seja atribuída uma forma menos solene que aquela que seria exigida ao contrato definitivo. Já relativamente à segunda (natureza), implica o afastamento de todas as disposições relativas ao contrato definitivo, justificadas em função da sua configuração, e não se harmonizam, portanto, com a natureza do contrato promessa.26 3.2.- Modalidades do contrato-promessa Quanto às suas modalidades, as concepções variam conforme cada autor. Mais precisamente, existe uma clara diferença entre as posições de MENEZES LEITÃO e MENEZES CORDEIRO, mas apenas relativamente à sua terminologia. Assim, para MENEZES LEITÃO, os contratos-promessa podem ser classificados como sendo unilaterais ou bilaterais, conforme vinculam apenas uma, ou as duas partes atinentes à celebração do contrato em causa. Tem as vantagens de corresponder à letra da lei (art. 4410.º/2), bem como ser de mais fácil compreensão. Peca, contudo, por não ser dogmaticamente rigorosa. Com efeito, e tal como MENEZES CORDEIRO bem refere, é preferível a esta a classificação em monovinculante e bivinculantes, conforme só uma, ou ambas as partes, se vinculam à obrigação de celebração de contrato futuro. Repare-se que a terminologia “bilateral” ou “unilateral” não é a mais correcta, uma vez que nos leva ao âmbito dos negócios jurídicos da Teoria Geral do Direito Civil. Como bem nota este autor, o contrato27 promessa é sempre bilateral: o que pode, de facto, divergir, é o número de partes que se vincula ao mesmo. Daí que, quanto a nós, proceda a segunda acepção. 3.3. - Forma do contrato promessa 26

Veja-se, relativamente a exemplos práticos desta situação, MENEZES LEITÃO, Ob. Cit.. p. 206. 27 Diga-se, todos os contratos. Segundo a distinção já apreendida, os negócios jurídicos por bilaterais por excelência são os contratos, e não só o contrato-promessa.

Sendo um dos campos que não é abrangido pelo princípio da equiparação, o contrato-promessa segue o regime geral, baseado na liberdade de forma, nos termos do art. 219.º. Contudo, o art. 410.º/2 consagra uma importante excepção, que refere que quando a lei exija documento, autêntico ou particular, para a celebração do contrato prometido, também seja necessário, agora para o contrato promessa, um documento escrito, bastando particular, mesmo quando seja exigido o autêntico para o contrato futuro, ou prometido. Nos termos do art. 410.º/2, tem que ser assinado pela parte que se vincula. Assim, se for monovinculante, terá que assinar a parte que se vincula à obrigação a contratar, abrangendo essa obrigatoriedade a assinatura de ambas as partes no caso de se tratar de um contrato-promessa bivinculante. P.D.: O contrato-promessa bivinculante, assinado por um dos promitentes, pode ser válido como unilateral, permitindo a vinculação por parte de quem assinou? A esse respeito, surgem quatro teses, que serão agora enunciadas: a) Teoria da transmutação automática em unilateral, defendida pelo STJ entre 1972 e 1977; b) Teoria da nulidade absoluta, defendida por GALVÃO TELLES, numa primeira fase, e também pela 2ª fase do STJ; c) Teoria da conversão, defendida por ANTUNES VARELA e GALVÃO TELLES, numa segunda fase do seu pensamento; d) Teoria da redução, defendida por MENEZES LEITÃO, ALMEIDA COSTA e CALVÃO DA SILVA. Na tese da transferência automática, existiria o sentido de que, na falta de uma das assinaturas, valeria o contrato, automaticamente, como promessa unilateral. Quanto à tese da nulidade, a falta de assinatura de uma das partes é considerada como sendo um elemento fundamental para a forma do contrato-promessa bivinculante, e, tendo em conta a natureza sinalagmática deste contrato, a invalidade por parte de uma das prestações

atinge necessariamente outra, dado que o sinalagma genérico não pode ser válido a metade. Já a tese da conversão, tendo como pressuposto que seria iníquo não permitir o aproveitamento do negócio. Contudo, esse aproveitamento teria que ser feito através da conversão (art.293.º) e não a redução (art. 292.º), uma vez que a redução implica uma invalidade parcial, e o contrato é totalmente nulo, por falta de forma, quando ocorre o caso discutido pela doutrina, bem como o facto de a natureza sinalagmática de um e outro serem distintas. Quanto à teoria da redução, defende que, se no contrato-promessa a lei só exige a assinatura para a declaração negocial do contraente que se vincula à promessa, a nulidade, por falta de forma no contrato-promessa bivinculante é parcial se apenas um dos contraentes assina, pelo que é justificável a aplicação do instituto da redução (art. 292.º). É, para além disso, o regime que melhor tutela os interesses da parte que pretende o aproveitamento do contrato, que é, aliás, presumida, pela emissão da declaração negocial em causa. MENEZES CORDEIRO defende, relativamente às opções apresentadas, uma solução que MENEZES LEITÃO define como sendo intermédia, que defende que, sendo a promessa monovinculante completamente diferente da bivinculante, nunca se poderia adoptar a solução da invalidade parcial, pelo que a única alternativa seria, à semelhança do que defende ANTUNES VARELA, atribuir a essa condição a nulidade absoluta, daí que só o instituto da conversão pudesse salvar o negócio em causa. Reconhece, contudo, que como a redução salvaguarda melhor os interesses do promitente vinculado, propugna uma aplicação conjunta dos dois preceitos, remetendo, com base no art. 239.º, para a boa-fé, de modo a encontrar a solução mais justa que dê resposta ao caso concreto.

Esta questão foi resolvida por um assento do Supremo Tribunal de Justiça (doravante “STJ”) que foi, contudo, manifestamente mal redigido28, considerando, relativamente ao assento em causa, MENEZES LEITÃO que, quanto muito, defendia a tese da conversão automática em promessa monovinculante, o que, segundo o mesmo, seria insustentável. Contudo, a maioria da doutrina é da opinião que existe, sim, uma consagração da teoria da redução, e é, como tal, aplicado.29 

28

No art. 410.º/3 é referida, ou melhor, exigida, a formalidade adicional, em virtude de se tratar de um contrato-promessa urbano30, do reconhecimento presencial da assinatura, e certificação pelo notário da existência de licença de utilização ou construção. Como bem nota MENEZES CORDEIRO, não se está perante uma exigência de forma, dado que este aspecto não revela qualquer vontade negocial. Tratam-se, antes, de formalidades exigidas para a plena validade do negócio, com a ratio de evitar a construção clandestina. Assim, se estes requisitos não forem verificados, ocorre a invalidade (e não a nulidade, pela razão supra enunciada) do contrato-promessa que, no entanto, só pode ser invocada pelo promitente-adquirente, a menos que provocada por sua culpa exclusiva, caso tal em que a prerrogativa se estende ao promitente-alienante. Deste facto resulta que a invalidade não pode ser invocada por terceiros, nem conhecida oficiosamente no tribunal. Assim, a omissão destas formalidades não constitui uma verdadeira nulidade per se, sujeita ao regime do art. 286.º, mas antes uma situação de invalidade mista, (que pode, como nota CALVÃO DA SILVA, ser sanada com a observação do cumprimento),

Dizia, em termos gerais, que seria nulo, mas poderia considerar-se válido como contratopromessa unilateral, desde que isso correspondesse à vontade das partes. O assento em causa é o Ass. STJ 29/11/1989. 29 Não tenho a certeza neste último aspecto. 30 Utilizando a terminologia de MENEZES CORDEIRO.

estabelecida no interesse do promitente-adquirente, em evitar a aquisição de um imóvel clandestinamente. Por isso, o adquirente pode invocá-la a todo o tempo, sendo restringida com base no instituto do abuso do direito.

A execução específica do contrato-promessa é, no entanto, excluída, em das situações: i)

3.4.- Transmissão dos direitos e obrigações emergentes da celebração de um contrato-promessa O art. 412.º/1e 2 não reconhece um carácter intui personae ao contratopromessa, pelo que nada impede que, por morte de uma das partes, o cumprimento seja realizado pelos seus herdeiros. Contudo, se o contrato-promessa for celebrado tendo em conta a pessoa que o constituiu, a própria natureza do contrato não permite a sua assunção pelos sucessores do de cujus, nos termos do art. 412.º/1, primeira parte e 2025.º. 3.5. Execução Específica (art. 830.º e SS.) Tal como afirmado, os promitentes vinculam-se, na celebração do contrato-promessa, a uma prestação de facto jurídico, que é incoercível, i.e., o devedor não pode ser coagido pela força a emitir a sua declaração negocial. O que a lei admite é a execução específica da obrigação, que, nestes termos, consiste em o devedor ser substituído no seu cumprimento, tendo o credor a satisfação do seu direito de crédito através de via judicial. Nesta, o tribunal emite uma sentença negocial que produza os mesmos efeitos que a declaração não emitida, constituindo o contrato definitivo. A execução específica (relativa ao contrato-promessa) encontra-se prevista no art. 830.º, e resulta desta norma que o não cumprimento31 dá o direito à outra parte para recorrer a este instituto.

31

Que, como lembra MENEZES LEITÃO, deve ser entendida em sentido amplo: a simples mora permite, de igual forma, o recurso à execução específica.

ii)

Existência de convenção em contrário, uma vez que a execução específica não é um regime imperativo, pelo que pode ser afastado pelas partes, através de convenção. Presumese, aliás, que as partes fizeram isso mesmo ao estipularem um sinal, nos termos do art. 830.º/2. Existe, nesse caso, uma presunção de que o que as partes pretendem em caso de incumprimento é unicamente a indemnização, e não a execução específica. É, porém, elidível através de prova em contrário (art.350.º/2), o que faz com que nada impeça a aplicação dos dois regimes, cabendo, nessa hipótese, ao credor a escolha que se lhe aprouver como mais conveniente. Tal efeito ocorre imperativamente na situação do art. 830.º/3, que diz que, relativamente às supra enunciadas promessas urbanas (art. 410.º/3), o direito à execução específica não pode ser afastado pelas partes; A natureza da execução específica ser incompatível com a natureza da obrigação assumida. Como exemplos teríamos os contratos reais quoad constitionem (penhor, mútuo, comodato e depósito), nos quais é exigida a tradição da coisa para se poder operar a constituição do contrato definitivo. Nestes casos, o tribunal não pode substituir-se ao promitente na tradição da coisa, acto cuja espontaneidade é presumida pela lei, dado o seu carácter pessoal. Deste modo, apenas há lugar a responsabilidade contratual, não se admitindo a produção dos efeitos por via judicial.

Existem ainda dois problemas que a lei tenta defender: O primeiro, relativo à promessa de venda de um bem livre de ónus ou encargos, ou se encontrar hipotecado, o que faria com que o comprador visse o seu bem executado, de modo a cobrir uma divida ao credor hipotecário. Admite-se,

por poder surgir esse problema, que na acção de execução seja também pedida a condenação do promitente faltoso na quantia necessária para exuprgar essa mesma hipoteca, tal como previsto no art. 830.º/4. O segundo diz respeito ao poder de invocação da excepção do não cumprimento, caso em que improcede caso o requirente não consignar em depósito a sua prestação no prazo fixado pelo tribunal, segundo o art. 830.º/5. Para MENEZES LEITÃO, o sistema deste artigo só opera em duas situações:  Sendo a e. Específica solicitada pelo promitente-adquirente, e já tenha havido tradição da coisa, para a outra parte, sem que o preço respectivo tenha sido integralmente pago;  Sendo esta solicitada pelo promitente-alienante, caso já tenha recebido integralmente o preço, sem ter efectuado a tradição da coisa. 3.5. O sinal 3.5.1- O sinal e a antecipação do cumprimento O sinal é uma cláusula acessória dos contratos onerosos, mediante a qual uma das partes entrega à outra determinada coisa fungível (o dinheiro é um bom exemplo), que pode ter natureza diversa da obrigação. Funciona, então, como uma fixação das consequências do incumprimento: se partir de quem deu o sinal, tem a outra parte o direito de ficar com ele. Se o incumprimento se deveu a quem recebeu o sinal, terá este que o devolver em dobro (art. 442.º/2, primeira parte). É um caso típico de datio rei que transmite a propriedade com uma função confirmatória-penal32, distinta por pressupor a entrega prévia de uma coisa fungível. Do art. 440.º, resulta que normalmente a entrega de dinheiro visou a antecipação do cumprimento, e não a estipulação se sinal. Caso as partes queiram atribuir esse cariz ao valor concedido, terão que o indicar.

Não é assim quanto ao contrato-promessa! Nunca pode ser coincidente com a prestação a que é adstrito, pelo que nunca poderia valer como uma antecipação do cumprimento. Ou seja, o regime normal opera quando a coisa é entregue à data do cumprimento, o que não ocorre no contrato-promessa. Assim, estar-se-á no domínio do art. 441.º, do qual resulta que a entrega de quantias em dinheiro é, ao contrário do art. 440.º, considerada como estipulação de sinal. Como nota MENEZES LEITÃO, uma vez que a obrigação de pagamento do preço só surge com a celebração do contrato definitivo, o princípio de pagamento tempo referência uma obrigação que ainda não existe, o que não chega para ser elidida a presunção de se ter estipulado sinal33. 3.5.2. – O funcionamento do sinal, nomeadamente no regime do art. 442.º. Como se viu, o sinal tem âmbitos diferentes, quer no âmbito dos contratos em geral, quer no âmbito do contrato-promessa. Ora, o Código Civil não distingue esta situação, pelo que cabe à doutrina fazê-lo. O art. 442.º/1 funciona como um regime geral: Caso cumprida a obrigação, é imputado o valor na prestação devida; caso haja incumprimento, deve ser restituído em singelo (art. 442.º/1). Este sinal em singelo ocorre quando se verifique a impossibilidade da prestação por facto não imputável a qualquer das partes. O art. 442.º/2, primeira parte, é, também ele, geral: Refere-se ao sistema geral de incumprimento. Assim, se for relativo a quem deu o sinal, este é perdido, ficando com a sua posse o promitente alienante. Na hipótese inversa, isto é, caso o incumprimento seja imputável à parte que recebeu o sinal (neste caso, o promitente-alienante), o promitente-adquirente tem direito à restituição em dobro do sinal que deu. Este regime não resolve o caso de a impossibilidade ser imputável, culposamente, às duas partes, mas 33

32

Veja-se, a esse respeito, o art. 810.º/1.

No entanto, por não se considerar uma presunção inilidível, podem as partes tentar fazêlo, nos termos do art. 350.º/2. Caso consigam fazer tal prova, na hipótese de não cumprimento, o sinal é devolvido em singelo, i.e., com o mesmo valor.

defende a atribuição do sinal em singelo, dado que ambas teriam direito à indemnização da contraparte, pelo que o contrato se extinguiria por compensação (art. 847.º). Já o art. 442.º/2, segunda parte passa a falar no caso especial do contrato-promessa, prevendo a lei que, no caso de haver tradição34, o promitente adquirente pode optar entre, em vez da restituição do sinal em dobro, o valor actual da coisa, ao tempo do incumprimento, ao qual é deduzido o preço da coisa que foi convencionado, somando-se o sinal (em singelo) e parte do preço que tenha sido paga35. Desta forma, o que o lesado pode exigir é a valorização obtida pela coisa entre o momento da celebração do contrato e o momento do incumprimento, valor que se obtém por subtrair ao valor actual da coisa o preço convencionado. A esse montante acresce o sinal em singelo e a parte que tenha sido paga. Assim, A tem um contrato-promessa com B, para comprar uma casa por 100,000€, tendo estipulado sinal no valor de 40.000€ e pago já 20.000€ pela casa, a título de antecipação do cumprimento. Caso tenha tradição da coisa, e B tenha vendido a casa a C pela quantia de 200,000€, A tem, por força deste regime, direito a exigir os 100,000€ de valorização, os 40,000€ de sinal singelo, e os 20,000€ que pagou pela coisa, tendo, no total, uma indemnização de 160,000€. MENEZES LEITÃO

P.D.: Esta exigência do aumento da coisa, pressupõe que se tenha constituído sinal ou basta, para tal, a existência de tradição? MENEZES CORDEIRO diz que deve, de facto, ser exigida a constituição de sinal, uma vez que, sem este, a tradição é apenas um acto de tolerância, não devendo ele (promitente-alienante) ser prejudicado com essa acção. Tem, e apesar da discordância de GALVÃO TELLES e JANUÁRIO GOMES razão: 34

Que, convém insistir, consiste na entrega antecipada do bem corpóreo. Este regime, como notam MENEZES CORDEIRO e MENEZES LEITÃO, tem uma razão história, que se baseia no facto de os promitentes alienantes utilizarem muitas vezes o regime do sinal em dobro para venderem casas quando estas teriam valores de mercado muito superiores, pelo que a entrega do sinal em dobro não constituiria um prejuízo, mas sim um meio de obter bastantes lucros. 35

O próprio argumento histórico o justifica: Foi feito para corrigir a má aplicação do regime do sinal, pelo que não deve fugir desse âmbito de aplicação. Também pesa o argumento sistemático, uma vez que esta prerrogativa se encontra na secção do sinal. Aliás, caso não haja estipulação de sinal, os dados alteram-se completamente, uma vez que o promitente-adquirente não fica limitado a uma indmnizaçao pré-determinada, pelo que ter direito a exigir: - Quer a execução específica (830.º/1); - Quer uma indemnização pelos danos causados (art. 798.º); Com efeito, não se vê porque é que se deveria atribuir mais o direito ao valor da coisa.36 O art. 442.º/3, primeira parte, é exclusivo dos contratospromessa, tendo o significado, resolvendo uma velha querela, de que a execução, no contrato-promessa, é possível haja ou não haja tradição da coisa a que se refere o contrato prometido. O art. 442.º/3, segunda parte, constitui uma consagração expressa de uma solução defendida por MENEZES CORDEIRO, sendo essa figura denominada pelo próprio como sendo a excepção do cumprimento, com a qual MENEZES LEITÃO acorda: o aumento do valor da coisa é relativo ao incumprimento relativo, pelo que o cumprimento da obrigação, ainda que tardio, paralisa esse mesmo direito! Porém, levantou duvidas, pois não se sabia bem se passou a exigir-se uma situação de simples mora para determinar a perda do sinal ou restituição em dobro ou, com a alteração do valor, ou se, pelo contrário, se estaria a exigir o incumprimento definitivo para estes direitos. MENEZES CORDEIRO E ANTUNES VARELA- Para a aplicação do 442.º/2, basta a simples mora; CALVÃO DA SILVA E GALVÃO TELLES - Continua a ser exigido o incumprimento definitivo.

36

Contra esta posição, encontra-se JANUÁRIO GOMES.

– Não faz sentido não aplicar o art. 808.º, uma vez que, segundo o autor, seria absurdo que, por não outorgar no tempo correcto, a outra parte possa conservar de forma definitiva o sinal e exigir a sua restituição em dobro. Só admite, assim, a hipótese de exigir tal na hipótese de a mora se transformar em incumprimento definitivo, por falta de interesse ou por ultrapassar o prazo fixado (808.º) para o cumprimento. Contudo, o valor (aumento) pode ocorrer em simples mora! Vale como renuncia ao mecanismo do sinal, verificado o incumprimento definitivo. Assim, o promitente-adquirente avisa o promitente-alienante que, perante a mora, e caso se venha a verificar o incumprimento definitivo, a obrigação não poderá prevalecer-se da estipulação do sinal, Assim, o devedor tem ainda como alternativa cumprir a obrigação, a não ser que se verifique incumprimento definitivo pela perda do interesse do devedor ou por passagem suplementar do prazo de cumprimento, caso em que terá sempre que pagar o aumento. Assim, para MENEZES LEITÃO: Perda do sinal e restituição em dobro: Pressupõem Incumprimento definitivo (art. 442.º/2). Aumento do valor da coisa: Chega a ocorrência de mora (art. 442.º/3). Quanto à natureza do direito ao aumento da coisa, vide p. 228 e 229. MENEZES LEITÃO

3.5.3. – Função do sinal Penal – Coerção ao cumprimento do contrato; Confirmatória – Provar a celebração ao contrato e ressarcir de danos, no caso de incumprimento. Penitencial – Libertaçao do contrato, mediante o pagamento do sinal. Na nossa doutrina, GALVÃO TELLES defende que o sinal tem natureza confirmatória-penal, podendo as partes estipular uma penitencial, a qual terá o nome de arras. Por seu turno, MENEZES CORDEIRO acha que houve uma junção das diversas funções. Com efeito: Natureza confirmatória-penal – Consistência do contrato, e funciona como indemnização; sempre que existe execução específica mais sinal, tendo este natureza penitenciária.

Natureza penitencial, quando tem a função de arrependimento. 3.6. A eficácia real do contrato-promessa (art. 413.º) O art. 413.º permite, caso estejamos perante um contrato-promessa urbana, diga-se, o contrato-promessa previsto no art. 410.º/3, que exige, como é possível observar pela análise do preceito, formalidades mais solenes que a promessa obrigacional prevista no art. 410.º/3, que são:  Declaração expressa (art. 413.º/1, primeira parte);  Inscrição no registo (art. 413.º/1,segunda parte);  Salvo lei em especial, deve a declaração constar de escritura pública, ou documento particular autenticado (art.413.º/2,primeira parte);  Ou, quando a lei não exija essa forma para o contrato futuro, será suficiente documento particular com reconhecimento de assinatura monovinculante ou bivinculante, conforme as partes que se vinculam (413.º/2, segunda parte). Caso sejam cumpridos os requisitos de forma deste contrato, este adquire eficácia real, o que significa que o direito à celebração prevalecerá a todos os direitos reais que não tenham registo anterior ao seu (assim, caso se venda antes do registo, não chega a haver direito real, e não prevalece. Perguntar se está bem). 3.6.1 – Natureza e defesa do direito do beneficiário do contrato-promessa com eficácia real Questão complicada na Doutrina vem a ser a de saber qual a natureza do direito que o titular de um contrato-promessa tem, no caso de haver eficácia real. No sentido de que seriam verdadeiros direitos reais de aquisição, pronunciaram-se OLIVEIRA ASCENÇAO, GALVÃO TELLES e MENEZES CORDEIRO. Já no sentido de que este é um direito de crédito, se situam ANTUNES VARELA, ALMEIDA COSTA e PESSOA JORGE. A questão não se oferece como despicienda; muito pelo contrário, ela deriva do facto de a lei não esclarecer qual a forma de obter o cumprimento de uma promessa real que

tenha sido definitivamente incumprida, nomeadamente, com a venda a um terceiro. A este respeito, as posições seguem, umas vezes mais, outras vezes menos, as posições, quanto à sua natureza. Assim: ANTUNES VARELA, ALMEIDA COSTA, PESSOA JORGE: Execução específica contra o obrigado, e uma acção de venda de bens alheios ao terceiro, exigindo a restituição do bem, baseada na nulidade da venda. OLIVEIRA ASCENSÃO e DIAS MARQUES: Defendem uma execução específica contra o terceiro; MENEZES CORDEIRO: Defende uma acção de reivindicação (relativa aos reais. É, aliás, quanto a esse aspecto que é criticado por MENEZES LEITÃO) (art.1315.º) adaptada ao caso.

4. Pacto de Preferência (arts. 414.º e seguintes) Encontra-se previsto nos arts. 414.º e seguintes, sendo definido como a convenção pela qual alguém assume a obrigação de dar preferência a outrem na venda de determinada coisa. Apesar do art. 414.º falar na venda, o pacto de preferência é extensível a outros contratos com ele compatíveis, por força do que é disposto no art. 423.º. Estarão, portanto, nesta situação, todos os contratos onerosos que não tenham cariz intuitu personae. Como se disse, o pacto de preferência é, à semelhança do contratopromessa, um contrato preliminar de outro contrato. Porém, neste, não existe uma vinculação a uma obrigação a contratar, como no contratopromessa, mas apenas a vinculação a uma escolha de alguém como contraente, no caso de decidir contratar, se esse alguém lhe oferecer as mesmas condições que conseguiu negociar com um terceiro. É, assim, e segundo MENEZES LEITÃO, a convenção pela qual alguém assume a obrigação de escolher outrem como contraente, nas mesmas condições negociadas com terceiro, no caso de decidir contratar.

Como daqui resulta, o pacto de preferência é um contrato monovinculante/unilateral, uma vez que apenas uma das partes assuma a obrigação, ficando a outra, o titular da preferência, livre de executar, ou não, o seu direito. 4.1. – Forma do pacto de preferência Nesta matéria, o pacto de preferência encontra-se sujeito ao mesmo regime de forma do contrato-promessa, tal como manda o art. 415.º. Da leitura deste preceito resulta que a regra geral da sua validade não depende da forma (art. 219.º), apenas se exigindo que conste de documento particular (410.º/2, por força da remissão feita pelo art. 415.º). Dado que consiste num contrato monovinculante, apenas terá que ser assinado pelo obrigado à preferência37. Não se aplica o art. 410.º/3, pelo que o documento não está, em caso algum, sujeito a mais formalidades. É, portanto, e como se vê, menos solene que o contrato-promessa, dando, por isso, menos garantias do seu cumprimento, pelo menos em sede obrigacional38. 4.2. – Direito de preferência com eficácia real (art. 421.º) Nos casos normais, a estipulação do pacto de preferência atribui apenas, ao seu beneficiário, um direito de crédito, que está sujeito às suas características, nomeadamente, a relatividade, pelo que não pode ser oponível a terceiros. Contudo, a lei admite que seja atribuída eficácia real ao direito de preferência, desde que, respeitando a bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, as partes o estipulem expressamente, celebrem o pacto por escritura pública ou, quando não seja exigida essa para o contrato prometido, documento particular com assinatura do obrigado. Segue-se, por isso, o regime de forma do contrato-promessa com eficácia real. É, 37

Havendo promessas recíprocas, teriam objectos diferentes, pelo que haveria não um, mas sim dois pactos de preferência. 38 Isto porque, como se verá (nº 4.2), pode assumir eficácia real, caso em que o seu titular lançará mão de uma acção de preferência, prevista no art. 1410.º.

alias, isso mesmo que é observável, atenta a remissão que o art. 421.º faz para o art. 413.º. Porém, convém lembrar que esta não é a única situação em que é atribuída eficácia real a um pacto de preferência! A lei concede à titularidade de direitos reais ou pessoais de gozo a preferência na venda, como nos seguintes casos:  Compropriedade (art. 1409.º);  Arrendatário (art. 1091.º);  Proprietário de solo (art. 1535.º) Estes casos denominam-se como sendo preferências legais, que se caracterizam por serem sempre de eficácia real. Contrapõem-se às chamadas preferências convencionais39. As primeiras têm sempre eficácia real, sendo que as segundas podem ter eficácia real ou obrigacional, consoante haja (real) ou não, estipulação nesse sentido, pelas partes. Essa atribuição vem colocar o problema do conflito de direitos legais de preferência: resolve a questão o art. 422.º, determinando que o direito convencional não prevalece contra os direitos reais de preferência. O que se afigura, diga-se, como lógico: não faria sentido que as partes pudessem, através de convenção nesse sentido, afectar direitos legalmente atribuídos. 4.3. – Regime da obrigação de preferência A lei regula genericamente o regime da obrigação de preferência nos artigos 416.º a 418.º. Este regime é também aplicável relativamente às preferências legais, atentas as sucessivas remissões feitas nos arts. 1409.º/2,1091.º e 1535.º/5. A forma do cumprimento é prevista no art. 416.º levantando uma série de questões: 1ª: Qual a forma adequada para o cumprimento da obrigação? 39

Seguindo, neste aspecto, a terminologia de MENEZES CORDEIRO.

Resulta deste preceito que é através da efectuação de uma comunicação para o preferente, contudo, não se exige uma forma específica para essa comunicação, nem para o posterior exercício do direito, o que implicaria que poderia ser inclusive ser verbal, ao abrigo do regime do art. 219.º. É, contudo, uma solução muito criticável, uma vez que se torna imensamente difícil, sem realizar esse cumprimento por escrito, prová-lo em tribunal. Aliás, a prática mostra que se adopta maioritariamente pela opção de fazer essa comunicação por escrito. Compreensivelmente. Deve, também, identificar o contrato preferível (compra e venda, etc.), não podendo ser considerada como uma comunicação para preferência uma simples proposta contratual, ou um convite a contratar. Do que resulta do art. 416.º/1, parece que tal pode ser feito na situação de querer vender. Ora, não é bem assim; exige-se, realmente, antes, uma negociação com terceiro, na qual devem ser acordadas as cláusulas que irão ser comunicadas, designadamente o preço e condições de pagamento. Como se disse, insista-se que tem que ser feita antes da celebração do contrato com o terceiro! Isto porque, em caso contrário, já teria ocorrido incumprimento definitivo da preferência. Ainda no âmbito do 416.º/1, a lei não resolve a seguinte questão: É, ou não, exigível a identificação do terceiro. Como seria de esperar, existem soluções doutrinárias em ambos os sentidos. OLIVEIRA ASCENSÃO defende que a lei só fala nas cláusulas do contrato, clausulas tais que não se pode considerar como abrangendo o nome do terceiro. Segundo este autor, não é, portanto, exigível a assinatura do terceiro. GALVÃO TELLES e, especialmente, MENEZES CORDEIRO, têm opinião contrária: o princípio da boa fé impõe que se identifique obrigatoriamente o nome do terceiro envolvido. Efectivamente, o juízo de importância das cláusulas é subjectivo, e não objectivo, e não cabe a quem envia a comunicação fazer julgamentos que não lhe competem. A identidade pode ser vital para a aceitação, ou não, por parte do preferente, pelo que o art. 762.º/2 impõe essa diligência do bonus pater família. MENEZES LEITÃO

concorda, dando também um argumento também muito forte: a função do contrato é permitir que o titular da preferência possa optar por contratar com o obrigado em pé de igualdade negocial com que este negociou com o terceiro, pelo que se não soubesse não poderia aferir a veracidade das condições que lhe foram comunicadas. Os autores referidos defendem, por isso, e como se vê, que é exigível a identificação do terceiro. Posição intermédia é adoptada por PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA: Não existe, genericamente, obrigação de identificar o terceiro, passando esta a ser exigível nas situações em que o exercício da preferência implique que subsistam relações jurídicas entre o titular da preferência e o terceiro (comproprietário, art. 1409.º e ss. Ou arrendatário, art.1091.º). Depois de recebida a comunicação, exerce o direito no prazo de oito dias, salvo se o promitente vincular a prazo mais curto ou ter sido convencionada prazo mais largo, nos termos do art. 416.º/2. Como bem nota MENEZES LEITÃO, através do pacto de preferência ambas as partes formulam uma proposta de contrato, cuja aceitação devia implicar a celebração do contrato devido, caso estejam cumpridos os requisitos de forma. Quando, porventura, tal não aconteça: a) Podem valer como promessa de contratar (contrato-promessa), se essa forma tenha sido observada, sendo por isso permitida a execução específica como recurso no caso de incumprimento (art. 830.º); b) Se também essa forma não for observada, subsiste ainda responsabilidade pré-contratual (art.227.º), subsistindo por isso a obrigação de preferência, que só é definitivamente incumprida mediante a celebração de contrato incompatível com terceiro. O direito de preferência só surge caso o obrigado tome a decisão de celebrar o contrato em relação ao qual tenha concedido a preferência, não havendo incumprimento se o obrigado celebrar um contrato de natureza diferente do preferível, mesmo que esse implique a não celebração do definitivo. Assim, por exemplo, se alguém se compromete a dar preferência no arrendamento, não há incumprimento da obrigação de preferência no

caso de este a vender a terceiro. Há, no entanto, duas hipóteses que a lei considerou justificarem a manutenção da preferência: 1) União de contratos (art.417.º): Este artigo refere-se à hipótese de venda da coisa conjuntamente com outras, por um preço global. É uma situação de união dos diversos contratos de compra e venda pela estipulação de um preço comum para as várias coisas vendidas simultaneamente. Nesse caso, haverá que distinguir entre: i)

ii)

União externa (art. 417.º/1, primeira parte): há apenas uma estipulação comum do preço, sem qualquer dependência entre os vários contratos, pelo que nada impede o seu titular de exercer a preferência pelo preço que for proporcionalmente atribuído à coisa. União interna (art. 417.º/1, segunda parte): Neste caso existe dependência entre os vários contratos, pelo que o exercício da preferência, por parte do titular, afectaria toda a união de contratos, o que justifica a permissão do obrigado exigir que a preferência se faça em relação a todas as coisas vendidas. Exige-se, complementarmente, que a quebra da união interna cause prejuízos objectivamente apreciáveis por uma das partes.

2) Contrato Misto (art. 418.º): A norma refere-se apenas aos contratos mistos complementares, o que leva à questão de saber se é possível quanto aos outros tipos de contratos mistos. MENEZES LEITÃO, a esse respeito, defende que os múltiplos ou cominados, ou os duplos ou geminados, não parecem ser de possível aplicação, uma vez que o contrato realizado não corresponde àquele que com que se concedeu a preferência. Considera, contudo, que os cumulativos ou indirectos são passíveis de aplicação deste regime, uma vez que foi efectivamente celebrado um contrato em relação

ao qual se concedeu a preferência, mesmo que no caso concreto as partes tenham usado a estrutura do contrato para um fim diverso do típico. Só aos complementares (que consistem na situação em que ao contrato típico se acrescenta uma prestação típica de outro40) o art. 418.º permite o exercício da preferência, determinando que essa prestação deve ser compensada em dinheiro, sendo que, no caso de não ser avaliável em dinheiro, é excluída, a menos que seja licito presumir que sem a prestação estipulada o contrato não deixasse de ser celebrado. A lei considera, assim, que a estipulação de prestações acessórias não avaliáveis em dinheiro torna o contrato celebrado distinto do contrato relativo ao qual foi concedida a preferência, sem prejuízo do disposto no art. 418.º/1 in fine e nº2. 4.4.- Violação da obrigação de preferência. 4.4.1. – Incumprimento em sede de preferência obrigacional Se o obrigado à preferência celebrar um contrato incompatível com terceiro, sem efectuar qualquer comunicação ou, tendo-a feito, dentro do prazo a intenção de exercer, a obrigação é incumprida definitivamente, o que implica que o titular da preferência adquira o direito a uma indemnização por incumprimento (art.798.º). Em virtude dos direitos de crédito não prevalecerem sobre reais, está vedado ao obrigado reclamar a coisa do terceiro. 4.4.2. – Incumprimento em sede se preferência com eficácia real

40

Constituirá exemplo um contrato de compra e venda, ao qual é acrescentada uma obrigação acessória de prestação de serviços.

Como visto, por força da lei (art. 1409.º, 1091.º e 1535.º), ou por convenção (art. 421.º), a obrigação de preferência pode assumir natureza real. Nesse caso o seu titular não tem apenas direito a um direito de crédito, mas, antes, a um direito real de aquisição, oponível erga omnes, mesmo a posteriores adquirentes. A lei esclarece (art. 421.º/2) que o processo adequado é a denominada acção de preferência (art.1410.º), mas que é, contudo, extensível a qualquer titular de direito real de preferência (artigos 421.º/2, 1091.º/4 e 1535.º/5). Esta acção deve ser intentada no prazo de 6 meses a contar da data em que o titular teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, tendo como condição de procedência (diga-se, prazo de caducidade), o depósito do preço devido nos 15 dias posteriores à proposição da acção. Esta norma levanta algumas questões, analisadas infra. Quanto à legitimidade passiva para a acção de preferência do art. 1410.º: - A doutrina maioritária (GALVAO TELLES, ALMEIDA COSTA, MENEZES CORDEIRO), defendem que o obrigado não é, enquanto tal, parte legítima para a acção, só o sendo caso o titular da preferência decida, simultaneamente, exigir uma indemnização. Fundamentam-se no facto de que, na acção de preferência se discutir unicamente se o bem será atribuído ao titular da preferência ou se permanece na propriedade do terceiro, não podendo a acção afectar o obrigado que, normalmente, já recebeu o preço devido, não tendo, por isso, nada a ganhar ou a perder. ANTUNES VARELA e MENEZES LEITÃO discordam. Para estes, o obrigado à preferência tem necessariamente que ser chamado à acção, havendo um litisconsórcio necessário passivo entre ele (o obrigado) e o terceiro. O que dá causa a toda a acção é o incumprimento do obrigado à preferência, pelo que não faria sentido que a questão fosse apreciada sem que ele a ela chamado (art. 3.º C.P.C). MENEZES LEITÃO considera, assim, ser necessário um litisconsórcio passivo entre obrigado e terceiro, nos termos do art. 28.º C.P.C.

Relativamente ao preço do depósito, surge a questão de determinar qual o preço. Será o preço devido ou outras despesas que, por lei, se devam considerar como sendo a cargo do comprador (sisa, emolumentos notariais). Neste âmbito, tanto MENEZES CORDEIRO como MENEZES LEITÃO concordam que o que deve ser pago é o preço stricto sensu. Contra, está ANTUNES VARELA.

ANTUNES VARELA, VAZ SERRA, CASTRO MENDES: A lei veda aos simuladores exigir que a promessa seja exigida pelo preço real. A esta posição junta-se MENEZES LEITÃO. 41 MENEZES CODEIRO defende, tal como outros , que não permitir ao simulador exigir que a preferência seja realizada pelo preço real significa autorizar um enriquecimento ilícito do preferente, à custa do simulador. MENEZES CORDEIRO, por isso, interpreta restritivamente o art. 243.º/2, não considerando a situação do terceiro como sendo de boa-fé. E bem, quanto a nós. É que, como mostra, não se tratam de “pequenas importâncias, mas antes saltos vertiginosos, em que se declaram 1000€ e o preço real foi de 10.000€”, caso em que o terceiro não é desculpabilizado, ou melhor, tem o dever de reconhecer essa anormalidade factual. Para além disso, o promitente não faz qualquer investimento de confiança que justifique a tutela da boa-fé. Contudo, a argumentação de MENEZES LEITÃO também se apresenta como bastante sólida, quando este afirma que o mecanismo do depósito mostra uma clara intenção do promitente e que, para além disso, é manifestamente iníquo que, tendo ele cumprido as formalidades exigidas e gasto uma quantia considerável, veja a sua acção improceder por os simuladores virem, em contrariedade com o regime do art. 243.º/2, invocar a simulação que eles próprios causaram em documento autêntico, no qual o terceiro retirou confiança na veracidade.

4.5. – A questão da simulação A simulação (240.º), em sede de pacto de preferência, pode ocorrer de duas formas: ou se trata de simulação por um preço superior (são registados 100.000 e pagam-se, por exemplo, 80.000€), no intuito de defraudar a ocorrência da preferência, ou se trata de uma simulação por preço inferior (registam-se 1000€ e pagam-se, na realidade, 80,000€), tendo esta, como motivo principal, evitar o pagamento de impostos. Quanto à primeira hipótese, não levanta dúvidas: Com efeito, o titular deve exercê-la pelo preço real, uma vez que o negócio simulado é nulo (240.º/2), sendo válido o dissimulado (art. 241.º). Mais complexa se afigura a situação de ter havido simulação de um preço inferior; Isto porque parece que a lei veda aos simuladores a possibilidade de exigir que a preferência seja realizada pelo preço real. Efectivamente, o preferente sustenta-se com base no negócio nulo, pelo que a preferência poderia ser afastada pela invocação dessa nulidade. Só que o art. 243.º/1 proíbe arguição da nulidade proveniente da simulação por parte dos simuladores contra terceiros de boa-fé, sendo esta considerada como sendo a ignorância da simulação ao tempo que foram constituídos os direitos. Porém, a lei é muito restritiva quanto à prova da simulação, dado que exclui a prova testemunhal (art. 394.º/2) e presunções judiciais (art. 351.º), restringindo a possibilidade dos simuladores demonstrarem, com êxito, a simulação perante terceiro de boa-fé. Veja-se, a esse respeito, o que a doutrina tem a dizer:

4.6. – Natureza da obrigação de preferência Existem, a este respeito, três posições principais, que passaremos a enunciar: MANUEL DE ANDRADE, GALVÃO TELLES – Para estes autores, trata-se de uma verdadeira obrigação a contratar, sujeita simultaneamente a uma condição potestativa a parte debitoris quanto ao devedor e uma

41

MOTA PINTO, ALMEIDA COSTA, RUI RIBEIRO FARIA,

etc.

condição potestativa a parte creditoris, relativa ao credor, que escolhe relativamente ao exercício da acção. LACERDA BARATA, MENEZES LEITÃO: Já para este grupo de autores, o pacto de preferência tem um conteúdo negativo, que é o de não celebrar com mais ninguém o contrato, relativamente ao qual se deu preferência, a não ser com o titular, salvo se este renunciar à promessa. Tratar-se-á, portanto, de uma obrigação de conteúdo negativo. ANTUNES VARELA, JOÃO REDINHA, MENEZES CORDEIRO: Consideram que não existe nem uma obrigação de contratar, nem um negócio condicional na obrigação de contratar, como os anteriores, mas, sim, uma obrigação de conteúdo positivo, sendo esse conteúdo o de escolher o titular como contraparte negocial, no caso de este decidir, de facto, contratar. 5. Gestão de Negócios (art. 464.º e seguintes) Consiste num instituto com origem no direito Romano, que surge entre nós mediante um processo de recepção cultural, onde a negotorium gestio se encontrava consagrada para tutelar a situação dos ausentes cujos bens eram objecto de administração, por iniciativa espontânea, admitindo-se que, no seu regresso, os ausentes pudessem requerer a restituição desses bens a quem se encontrasse a realizar a gestão (actio negotorium gestorum directa). No entanto, para o gestor, no âmbito dessa actuação de administração admitia-se também que ele pudesse requerer ao titular dos bens em causa, o dominus, o reembolso das despesas suportadas e uma compensação pelos prejuízos sofridos na actividade. No nosso Código Civil, contudo, obedece a considerações diferentes do que eram na sua época clássica (obedeciam a um princípio de altruísmo e solidariedade), estando em causa a previsão de um ordenamento jurídico destinado a permitir a realização de uma colaboração não solicitada entre sujeitos privados, sem descurar a protecção da esfera jurídica do titular contra intervenções prejudiciais. Isso justifica a ponderação legislativa simultânea da protecção dos

interesses do dominus, impondo deveres ao gestor e, eventualmente, responsabilização do mesmo dos danos que cause (actio negotorium gestorium directa), bem como a atribuição de uma compensação pelas despesas suportadas ou prejuízos sofridos ( actio negotorium gestorium contraria). 5.1. – Pressupostos da gestão de negócios São referidos no art. 464.º. Da sua descrição analítica é possível retirar uma série e elementos, analisáveis em três pressupostos: a) Assunção da direcção de negócio alheio; b) No interesse e por conta do dominus; c) Falta de autorização. 1- Assunção da direcção de negócio alheio Esta temática analisa-se em duas perspectivas. Assim: i) Actuação da gestão e tipos de actos que dela são objecto A assunção de negócios consiste numa perífrase que significa literalmente dirigir negócios (negotorium gestio), pelo que se poderá deduzir que a norma pressupõe a existência de uma actividade do gestor, designando a expressão “negócio” precisamente os actos que dela são objecto.42 Quanto aos que podem, a lei não estabelece qualquer distinção, pelo que se pode tratar não apenas de negócios jurídicos, mas também simples actos jurídicos, ou até actos materiais, abrangendo também actos não de mera administração, mas também de administração extraordinária. Estão, contudo, excluídos da gestão de negócios os actos contrários à lei, ordem pública, ou ofensivos dos bons costumes, por tal representar uma conduta proibida ao dominus, bem como aqueles em que não seja possível a substituição do dominus, por nesse aspecto não haver utilidade para este na intervenção do gestor.

42

Não será, assim, gestão de negócios, uma conduta omissa.

ii) Alienidade do negócio Existem duas categorias, relativamente à alienidade que o negócio pode assumir. Assim, existem duas categorias de alienidade: A dos negócios objectivamente alheios, que corresponde às situações em que a gestão de negócios implica uma ingerência na esfera jurídica do animus. Como exemplo seria o caso de alguém resolver reparar o muro da casa do seu vizinho, que se encontrava em perigo de ruína. Nesta actuação, efectua uma ingerência no direito de propriedade do vizinho, sendo, assim, o negócio objectivamente alheio; A dos negócios subjectivamente alheios, que corresponde às situações em que o gestor não efectua qualquer ingerência numa esfera jurídica alheia, mas em que é possível visualizar, a partir da sua intenção, que pretende actuar para outrem. Assim, por exemplo, alguém arremeta uma colecção de selos para o amigo. Neste caso, a alienidade do negócio só se determina a partir do momento em que se conhece a intenção do gestor, por não ser possível essa atribuição em termos objectivos da pertença do negócio a outrem, i.e., por não se conseguir afirnar, objectivamente, que o negócio é para outra pessoa). 2- Exigência que se faça no interesse e por conta do dominus A) Utilidade da gestão Como visto, pela letra da lei (art. 464.º), exige-se que a gestão seja feita por conta e no interesse do dominus. A este respeito, consideram GALVÃO TELLES, ANTUNES VARELA, ALMEIDA COSTA, e RUI DE ALARCÃO que se refere exclusivamente à intenção de gestão. Por outra banda, MENEZES CORDEIRO43 afirma que não se abrange apenas a intenção de gestão (animus aliena negotia gerendi), mas também a utilidade da gestão (utilier). Efectivamente, a tutela dos interesses do dominus exige que não se possa considerar atribuída ao gestor a possibilidade de exercer a gestão quando não existir nenhuma utilidade na intervenção realizada pelo gestor.

Quanto ao momento de determinação da utilidade na prestação, apontamse, genericamente, dfois critérios: - Utilier coeptum, no qual se determina no momento da sua assunção, como ocorre com o BGB alemão44 no Codice italiano45; -Utilier gestum, critério pelo qual é determinada a utilidade no momento conclusão, tal como seguido no Código Civil francês46 O Código Civil português adoptou pelo critério do utilier coeptum, por o considerar como pressuposto inicial da obrigação, como se vê no art. 464.º. Mas, porém, em que termos deve ser entendida a utilidade inicial da gestão? A resposta, segundo MENEZES LEITÃO, parece resultar do art. 340.º/3, que só considera licitas as intervenções se estas se dão de acordo com o interesse do lesado, e de acordo com a sua vontade presumível. Assim, se não preencher estes requisitos, não poderá ser qualificada como gestão de negócios, por ausência do requisito da utilidade. B) Intenção de gestão A norma do art. 464.º, ao referir que a gestão tem que ser feita por conta do dono do negócio, vem exigir uma intenção específica do gestor de actuar para outrem, sem o que não se verificará gestão de negócios, como confirmado pelo art. 472.º, que firma que quando o gestor actua desconhecendo a alienidade do negócio, não se aplica o regime da gestão de negócios. Essa intenção é, normalmente, denominada como animus alienda negotia gerendi. Actualmente, o animus deve ser entendido apenas como a intenção de atribuir os efeitos do negócio a outrem, ou seja, a isenção do gestor de que os resultados da sua actuação, quer em termos de benefícios, quer em termos de prejuízos, não se destinem a ele, mas sim ao dono do negócio. 3- Falta de autorização

44 45

43

Tal como PESSOA JORGE e MENEZES LEITÃO.

46

No seu artigo 683.º No seu art. 2031.º No seu art. 1375.º

O último pressuposto da gestão de negócios é a falta de autorização, o que pressupõe a não aplicação do instituto sempre que exista alguma relação específica entre gester e dominus, que legitime a sua intervenção com base num critério distinto da simples utilidade para o dominus da sua intervenção. Assim, o gestor não poderá recorrer à gestão de negócios se estiver autorizado ou vinculado por negócio jurídico a exercer a sua intervenção, ou ainda se a lei lhe impuser um dever específico de exercer a gestão.47

ANTUNES VARELA:

5.2. – Deveres do gestor para com o dominus O art. 465.º refere-se aos deveres do gestor para com o dono do negócio, sendo mencionada no art. 466.º a constituição do gestor em responsabilidade para com o dominus. Assim, estão interligados, porque o não cumprimento dos deveres leva à sua responsabilização (?). Estas normas levantam algumas questões. 1ª: Determinar se o gestor tem algum dever para com o dominus de prosseguir a gestão, a partir do momento em que a inicia, isto porque o art. 466.º/1 responsabiliza o gestor pelos danos causados pela interrupção injustificada da gestão. Esta dúvida ocorre porque os Códigos francês e italiano consagram expressamente este dever, ao contrário do nosso, que, nesse âmbito, é omisso. VAZ SERRA: O gestor é, em princípio, livre de abandonar a gestão no momento que entender, só não o podendo fazer se esse abandono fosse provocar ao dominus danos que ele não teria sem a efectivação da gestão. MENEZES CORDEIRO: Entende que não é indirectamente consagrado na lei um dever de continuar a exercer a gestão, uma vez que este seria susceptível de execução espeficia e o 466.º/1 apenas permite uma indemnização pelos danos causados, posição com a qual MENEZES LEITÃO também concorda.

Nos termos do art. 465.º/al. a), o gestor tem o dever de efectuar a gestão em conformidade com o interesse e vontade, real ou presumível, do dono do negócio. Este dever relaciona-se com o do utilier, e corresponde à obrigação de manter a utilidade durante todo o tempo que venha a ser exercida. A referência ao interesse é relativa à utilidade objectiva, sendo a vontade a utilidade subjectiva que o dominus faz dessa actividade. Esta norma suscita problemas interpretativos, sendo que um dlees é o do caso de contradição entre interesse e vontade do dominus ou, como se viu, contradição entre utilidade objectiva e subjectiva. GALVÃO TELLES e MENEZES CORDEIRO consideram que, nesse caso, o gestor deverá abster-se de agir. Quanto a VAZ SERRA e RIBEIRO MENDES, consideram que o gestor não deverá prosseguir a gestão, por contrariar o interesse objectivo do dominus, mesmo que este esteja de acordo com o seu interesse subjectivo (!). Art. 465.º/al. b): O gestor tem o dever de avisar o dominus, logo que possível, que assumiu a gestão. Este dever tem uma natureza semelhante aos deveres acessórios de informação. A sua função não é, contudo, a de tranquilizar o dominus, mas antes atribuir a este uma última hipótese de manter a situação no seu controlo, ainda que indirecto, quer proibindo a gestão, quer atribuindo mandato a quem a assumiu. Daí que em principio o gestor deva aguardar pela decisão do dominus após feito o acto. Contudo, o incumprimento desse dever de aviso não exclui o direito ao gestor a ser reembolsado de despesas, nos termos do art. 468.º/1,

47

Tratando-se de deveres genéricos de respeito, ou penais de auxílio, MENEZES LEITÃO considera que a a sua existência não possa excluir a aplicação do regime da gestão de negócios.

Tem que continuar até que o negócio chegue a bom termo, ou o dominues tenha o poder de continuar a gestão por si mesmo. Pensamos que a razão está com MENEZES CORDEIRO/MENEZES LEITÃO. Efectivamente, não existe essa consagração, dado que a lei se limita a indemnizar o gestor pelos danos que causar com a interrupção injustificada. O que a lei consagra, sim, é um dever específico de protecção do dominus, e não um direito de crédito a exigir a continuação da gestão, ao contrário, como se viu, do ordenamento francês e italiano.

podendo apenas atribuir ao dominus um direito de indemnização pelos danos causados. Art. 465.º/als. c) e d): Estas alíneas estipulam o dever do gestor prestar contas findo o negócio, ou interrompida a gestão, ou quando o dominus as exigir, bem como de prestar as informações necessárias relativas à gestão, per si. São, aliás, disposições comuns a todos os casos de administração de negócios, como se vê nos artigos 1161.º/c) e d), 1944.º e 1971.º) Art. 465.º, alínea e): O gestor tem o dever de entregar ao dominus tudo o que tenha recebido de terceiros no exercício da gestão, ou o saldo das respectivas contas, com juros legais. Corresponde ao núcleo essencial da actio negotorium gestio directa, permitindo ao dominus exercer o dominium negotium. Efectivamente, a partir do momento em que o negócio pertence ao dominus, todos os efeitos dele devem ser-lhe atribuídos, adquirindo ele um direito de crédito sobre o gestor com esse objecto. Havendo pluralidade de gestores, e verificando-se uma actuação conjunta, as suas obrigações são solidárias para com o dono do negócio, nos termos do art. 467.º. 5.3.- Responsabilidade do gestor (art.466.º) Este artigo vem prever que o gestor é responsável tanto pelos danos que causar com culpa como com a injustificável interrupção da gestão, sendo que se consideram a sua conduta como culposa sempre que agir em desconformidade com o interesse ou vontade, real ou presumível, do dominus. Quanto a esta norma, existem divergências doutrinárias: GALVÃO TELLES: O desrespeito não envolve só de per si a culpa, representando o facto objectivo da violação da obrigação do gestor, tendo de ser acrescido o requisito subjectivo da culpa, embora esta seja presumida, nos termos do art. 799.º/1. Para este autor, a culpa terá que ser apreciada em conformidade com a diligência bónus pater famílias, ou do bom pai de família, de acordo com o caso. Esta diligência está prevista no

art. 487.º/2. MENEZES LEITÃO também defende esta tese: Não se vê o porquê de alterar o regime normal da diligência; o carácter meritório pode, contudo, servir para moderar a indemnização (art. 494.º). Já ANTUNES VARELA e RIBEIRO DE FARIA consideram que não deve ser exigido um padrão superior àquele que o gestor é capaz, dado que se trata de uma actuação altruísta e espontânea, onde seria inadequado utilizar o critério geral bónus pater família, dado que para o dominus a intervenção de um gestor menos diligente sempre é preferível a que os seus negócios fiquem simplesmente ao abandono. ALMEIDA COSTA, numa posição intermédia, defende que não deverá ser exigida uma diligência superior àquela que o gestor coloca nos seus próprios negócios. No entanto, recorrer-se-á a uma diligência bónus pater família sempre que é exercida por um profissional. 5.4.- Deveres do dominus para com o gestor Estes deveres variam conforme o tipo de gestão. Assim, se estiver em causa uma gestão regular, que significa que foi exercida em conformidade com o interesse e vontade, real ou presumível, do dominus, o gestor tem direito a ser reembolsado de todas as despesas suportadas e indemnizado pelos prejuízos que haja sofrido (468.º/1). Não existe uma exigência de que as despesas sejam essenciais, bastando, portanto, que o gestor fundamente que as tenha considerado como tal. Isto leva à situação em que o dominus poderá, por vezes, ser forçado a indemnizar despesas com as quais objectivamente não beneficiou. A função deste dever é, como se vê, permitir ao gestor ficar imune das despesas e prejuízos que lhe tenha causado a gestão. Por outro lado, não é atribuída ao gestor qualquer renumeração pela sua actuação, a menos que seja a sua actividade profissional (art. 470.º): a atribuição de renumeração tornaria a actividade exercida pelo gestor interessada, o que frustraria, ou melhor, iria contra o espírito do instituto. MENEZES LEITÃO considera esta situação pouco compatível com a realidade actual, onde está, de facto, enraizada a ideia de que qualquer

prestação de serviços – e a gestão de negócios não deixa de o ser – é remunerada. Sendo a gestão irregular, o que ocorre quando não cumpre o exigido no art. 465.º/ a), o dominus responde apenas de acordo com as regras do enriquecimento sem causa (468.º/2). Este caso constitui uma modalidade de enriquecimento por despesas. 5.5.- Aprovação da gestão O art. 469.º prevê que a aprovação da gestão envolve a renúncia ao direito de indemnização pelos danos devidos à culpa do gestor, valendo como reconhecimento dos direitos que lhe competem. GALVÃO TELLES nota, a este respeito, que não ocorre uma renúncia à indemnização, mas antes o reconhecimento da regularidade da mesma e, portanto, torna-a insusceptível de constituir o gestor em responsabilidade. Efectivamente, a aprovação implica um juízo global, feito pelo dominus, relativamente à actuação do gestor, significando que esta (aprovação) a considera, em geral, conforme com o seu interesse e vontade. Uma vez emitida, deixa o dominus de poder considerar que, em certo caso, não foi cumprida, pelo que não pode exigir indemnização. 5.6.- Posição do dominus face a terceiros (art.471.º) Caso a gestão de negócios consista na mera prática de actos materiais, a situação mantém-se no âmbito das relações internas entre gestor e dominus. Contudo, se esta tiver consistido, antes, na prática de actos jurídicos, designadamente contratos, coloca-se o problema da posição do dono em face a terceiros, que celebram esses negócios com o gestor. A lei resolve esse problema no art. 471.º. Tem, assim, que se distinguir a actuação do gestor em nome do dominus (gestão representativa) e a actuação do gestor em nome próprio (gestão não representativa)

5.6.1.- Gestão representativa Prevista no art. 471.º/primeira parte. Nesta, a projecção na esfera do dominus dos efeitos dos negócios celebrados é realizada pelo mecanismo da representação. Contudo, para esta, é necessária, nos termos do art. 258.º, a atribuição de poderes representativos (procuração) e a invocação do nome do dono. Na gestão está, porém, pela sua própria natureza, excluída a execução de uma procuração, uma vez que a aplicação deste instituto pressupõe a ausência de qualquer autorização, como visto no art. 464.º. Daí que a atribuição de poderes só possa ser feita a posteriori, com eficácia, por um negócio distinto da procuração, que é a ratificação (art.268.º). Esta consiste num acto através do qual o dominus se aproveita dos efeitos jurídicos dos negócios celebrados pelo gestor em seu nome. Caso, contudo, não seja ratificado, não produzirá efeitos em relação ao dominus, por ausência de poderes representativos, nem ao gestor, por não ser em seu nome que o negócio foi celebrado. Existe, neste caso, um caso de ineficácia absoluta. Existe, a este respeito, a questão de perguntar o que sucede se uma das partes faz uma prestação, contando com a futura ratificação, por parte do dominus. Alguma doutrina pretende afirmar que se aplica o regime da nulidade, por se estar perante uma invalidade por falta de sujeito material o que legitimaria a restituição das prestações efectuadas, nos termos do art. 289.º. MENEZES LEITÃO considera, contudo, que a falta de uma declaração negocial acarreta a não celebração do negócio, sendo a restituição antes um caso de enriquecimento sem causa, por se realizar uma prestação com vista num efeito que, futuramente, não se verificou (art.473.º/2). Existe uma questão que diz respeito a estabelecer uma relação entre a aprovação e a ratificação da gestão de negócios. A maioria da doutrina48 defende que são actos completamente distintos, pelo que um envolve a realização de outro.

48

Na qual se incluem autores como ANTUNES VARELA, ALMEIDA COSTA, e RIBEIRO FARIA.

Há, porém, quem sustente, como os casos de PESSOA JORGE e, durante uma fase, GALVÃO TELLES, que a ratificação dos negócios celebrados implica uma aprovação tácita da gestão. Como bem nota MENEZES LEITÃO dever-se-á estabelecer claramente uma distinção e efeitos e funções dos dois actos em questão. A aprovação ocorre nas relações internas, sendo um juízo sobre toda a actuação global do gestor, e tem a função de lhe ceder um direito a reembolso ou indemnização. Já a ratificação ocorre nas relações com terceiros (!), nas quais se dirige, com a intenção de tornar eficaz em relação ao dominus os negócios com eles celebrados pelo gestor. Os requisitos de forma são diversos, uma vez que a aprovação não está sujeita a qualquer forma, podendo até ser tácita (219.º e 217.º), enquanto a ratificação está sujeita à forma exigida para a procuração, nos termos do art. 268.º/2, pelo que não existe, pela realização de uma figura, a realização tácita de outra. 5.6.2. – Gestão de negócios não representativa Prevista no art. 471.º/2ª parte. É aquela em que o gestor actua em nome próprio. Esta, por isso, totalmente excluída a hipótese de representação, por faltar a contemplatio domini, ou a afirmação de que se está a agir em nome de outrem, nem a posterior outorga de poderes representativos (ou ratificação) poderia tornar eficaz em relação ao dominus os negócios celebrados pelo gestor, em sua conta, mas no seu nome. Daí que o art. 471.º mande aplicar o regime do mandato sem representação (art.1180.º), segundo o qual, quando o gestor celebra o negócio em nome próprio, adquire os direitos e assume as obrigações dele derivadas, mesmo que as partes conhecem a sua qualidade de gestor, embora o normal seja ocorrer o inverso. Nesse caso, o gestor deverá transferir para o dominus, através de um negócio alienatório específico, os direitos que tenha adquirido no exercício da gestão (art. 1181.º/1), podendo o dominus cobrar directamente do terceiro os créditos constituídos a favor do gestor (1181.º/2). Quanto às obrigações contraídas pelo gestor, ou são assumidas pelo dominus através

da figura da assunção de dívidas (art.595.º) ou caber-lhe-á entregar ao gestor as quantias necessárias para a sua satisfação, nos termos do art. 1182.º. 5.7.- Gestão de negócios alheios julgados próprios e gestão imprópria O primeiro caso (gestão de negócios alheios julgados próprios) é previsto no art. 472.º, do qual resulta que a intenção de gestão é um dos elementos essenciais da gestão de negócios, sendo que, se ela faltar, o gestor não obtém os direitos atribuídos pelo art. 468.º/1, mesmo que a faça em conformidade com o interesse e vontade, real ou presumível do dono do negócio. Este responde apenas segundo as regras do enriquecimento sem causa (art. 479.º/1) ou segundo outro regime eventualmente aplicável, ficando assim sujeito à responsabilidade aquiliana se a ingerência na esfera do dominus for efectuada culposamente. A ausência do requisito da intenção da gestão (uma vez que não se sabe que é alheio) determina a sua exclusão deste regime. Contudo, a lei admite que o dono possa sujeitar a situação referida ao regime da gestão de negócios, se fizer a sua aprovação. Nesse caso, o gestor adquire, por força do art. 469.º, os direitos atribuídos no art. 468.º/1, sem que o dominus o possa sujeitar a qualquer responsabilidade, mas, em contrapartida, o dominus pode exercer contra o gestor qualquer das pretensões do art. 465.º, nomeadamente a prestação de contas e restituição de tudo o que foi obtido. Quanto à gestão imprópria, consiste na situação em que o gestor gere por conta própria um negócio que sabe ser alheio, não havendo, por isso, animus alienda negotia gerendi só que, não por falta de consciência da alienidade, mas antes por haver um animus depraendi. Quanto a isso, MENEZES LEITÃO defende que a solução mais adequada seria uma aplicação analógica do art. 472.º, dando a hipótese ao dominus de sujeitar a situação ao regime da gestão de negócios, através da aprovação. Caso não dê esta aprovação, aplicar-se-á o regime do enriquecimento por intervenção ou a responsabilidade civil. - FIM DO RESUMO-

View more...

Comments

Copyright ©2017 KUPDF Inc.
SUPPORT KUPDF