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DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
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I - INTRODUÇÃO: NOÇÃO DE DIP PROFESSOR BAPTISTA MACHADO I – LIMITES À EFICÁCIA DA LEI NO ESPAÇO As normas jurídicas são normas de conduta e têm o seu âmbito de eficácia limitado pelo factor tempo e espaço: •
Limitação pelo Factor Tempo: as normas de conduta não podem ter a pretensão de regular os factos que se passaram antes da sua entrada em vigor
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Limitação pelo Factor Espaço: as normas de conduta não podem ter a pretensão de regular os factos que se passaram ou passam sem qualquer contacto com o Estado que as edita.
Sendo um pressuposto fundamental da existência do Direito, como ordem implantada na vida humana de relação, a expectativa dos indivíduos na continuidade e estabilidade das suas relações jurídicas ou direitos, há que respeitar os direitos adquiridos ou situações jurídicas constituídas à sombra da lei eficaz (leia-se a lei dentro de cujo âmbito de eficácia o direito foi adquirido ou a situação jurídica se constitui). Tendo em consideração a construção do Direito Intertemporal, por um lado, sobre o Princípio da Não Retroactividade das Leis, e por outro lado, sobre o respeito das situações jurídicas preexistentes criadas sob o império da lei antiga, o ponto de partida do DIP assenta em dois pilares fundamentais: • •
A Regra da Não Transactividade das Leis Princípio do Reconhecimento das Situações Jurídicas Constituídas no Âmbito da Eficácia Duma Lei Estrangeira
PRINCÍPIO DA NÃO RETROACTIVIDADE DAS LEIS vs PRINCÍPIO DA NÃO TRANSACTIVIDADE DAS LEIS PRINCÍPIO DA NÃO RETROACTIVIDADE DAS LEIS
PRINCÍPIO DA NÃO TRANSACTIVIDADE DAS LEIS
A lei nova não se aplica aos factos passados nem aos efeitos desses factos produzidos antes da sua entrada em vigor, mas apenas aos factos futuros
Nenhuma lei (a lei do foro ou qualquer outra) aplica-se a factos que não se encontrem em contacto com ela.
Critério Básico do Direito de Conflitos de leis (quer do tempo quer do espaço): critério da localização dos factos (a localização no tempo para o Direito Intertemporal e a localização no espaço para o DIP). Tanto o Direito Intertemporal como o DIP são Direitos de Conexão: a conexão dos factos com os sistemas jurídicos é que constitui o dado determinante (facto jurídico) básico da aplicabilidade dos mesmos sistemas jurídicos. Regra Básica do Direito de Conflitos: a quaisquer factos aplicam-se as leis – e só se aplicam as leis – que com eles se achem em contacto.
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Esta fórmula dá-nos, simultaneamente, o âmbito de eficácia possível de qualquer lei: toda a lei, como regra de dever ser ou regra possível de conduta, tem limites espácio temporais no seu âmbito de eficácia. II – SITUAÇÕES PURAMENTE INTERNAS, SITUAÇÕES RELATIVAMENTE INTERNACIONAIS E SITUAÇÕES ABSOLUTAMENTE INTERNACIONAIS. NECESSIDADE DA REGRA DE CONFLITOS Situação Puramente Interna: uma relação jurídica, através de qualquer dos seus elementos (sujeitos, objecto, facto jurídico) encontra-se em contacto apenas com o sistema jurídico português. Nestes casos, ao órgão português de aplicação do direito não se põe qualquer problema de determinação da lei estadual aplicável: esta lei háde ser necessariamente a lei portuguesa. Exemplo: um contrato de mútuo celebrado em Portugal, entre dois portugueses, para ser executado em Portugal. Situação Relativamente Internacionais ou Puramente Internos Relativamente a um Estado Estrangeiro: uma relação jurídica encontra-se em contacto apenas com um determinado sistema jurídico estrangeiro. Nestes casos, ao órgão português de aplicação do direito se colocam problemas de DIP: o sistema jurídico português deve ou não ver o seu âmbito de aplicabilidade limitado no espaço? Se sim, qual a atitude a adoptar perantre os factos que transcendem o seu âmbito espacial de aplicabilidade? Por força do Princípio Universal de Direito, importa respeitar os direitos adquiridos e garantir a continuidade da vida jurídica dos indivíduos, tutelando as suas naturais expectativas. Deste modo, o juiz do foro deve em tais casos aplicar o direito estrangeiro. Em casos deste tipo, o problema da escolha da lei aplicável não se coloca: a situação está em contacto com um só sistema jurídico e só este sistema jurídico pode ser aplicado. Exemplo: um contrato de venda concluído entre dois japoneses no Japão, sobre coisa situada em território japonês, onde as obrigações dos contratantes devem ser cumpridas). Situação Absolutamente Internacional: uma relação jurídica encontra-se em contacto com vários sistemas jurídicos. Nestes casos, além dos problemas referidos na situação anterior, coloca-se o problema de determinação da lei aplicável (‘’choice of law’’), uma vez que são duas ou mais as leis em contacto com a situação. Aqui, os factos a regular inserem-se nas esferas de eficácia de várias leis, temos várias leis ‘’interessadas’’ na situação, entre as quais, enquanto leis potencialmente aplicáveis, estabelece-se um concurso que importa dirimir. É necessária uma Regra de Conflitos que venha resolver este concurso, determinando qual das leis ‘’interessadas’’ é a lei efectivamente aplicável. Exemplo: um comerciante português, estabelecido no Porto, conclui em Inglaterra um contrato de venda de vinho do Porto com um comerciante inglês, estabelecido em Londres. Em suma: no DIP é necessário o seguinte: • • •
O Recurso a um Princípio paralelo ao da Teoria do Facto Passado O Recurso ao Princípio do Reconhecimento dos Direitos Adquiridos Intervenção de uma Regra de Conflitos Na terceira situação
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Na primeira e segunda situação
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DIP vs Direito Transitório DIP
Direito Transitório
Ao lado da conexão dos factos através do lugar da sua verificação, há que atender ainda à sede das pessoas e à situação das coisas como outros tantos elementos de conexão da maior relevância.
Pressupõe já resolvido o problema de conflitos de leis no espaço e assenta no pressuposto de que a sede das pessoas e a situação das coisas se mantêm as mesmas
III – OBJECTO E DENOMINAÇÃO DO DIP OBJECTO DO DIP: situações da vida jurídica privada internacional, ou seja os factos suceptíveis de relevância jurídico-privada que têm contacto com mais de um sistema jurídico (casos absolutamente internacionais) ou que se passaram dentro do âmbito de eficácia de uma (e uma só) lei estrangeira. São as trocas internacionais (comércio internacional) e as correntes migratórias entre os Estados (deslocações das pessoas) que estão na origem de todos ou quase todos os problemas de DIP. Este ramo do direito que s eocupa dos conflitos de leis no espaço tem recebido, desde os estatutários holandeses e alemãs, a designação de conflito de leis. IV – CONSTITUIÇÃO E CONTEÚDO DAS RELAÇÕES OU SITUAÇÕES JURÍDICAS Uma distinção fundamental, quer em Direito Transitório quer em DIP, assenta em na distinção entre constituição, por um lado, e conteúdo ou efeitos, por outro lado, das relações jurídicas. Embora no Direito das Obrigações tal distinção não tenha praticamente quase nenhum interesse, uma vez que o conteúdo ou os efeitos da situação jurídica são desde logo modelados pelso respectivos factos constitutivos, quer em Direito da Família, quer em Direitos Reais, o conteúdo do direito ou situação jurídico é total ou prevalentemente fixado pela lei tendo em conta, não os factos constitutivos, mas certos princípios fundamentais que informam o regime básico das pessoas e dos bens. Nas situações pessoais e reais podem ser diferentes as leis aplicáveis respectivamente à constituição e ao conteúdo das situações jurídicas. Exemplo: se dois espanhóis casam em Espanha e mais tarde, por qualquer razão, a validade do seu casamento tem de ser apreciada pelos tribunais portugueses, estes não poderão deixar de decidir quanto à validade e à existência da relação jurídica matrimonial por aplicação da lei espanhola: quando a relação se constituiu, os factos constitutivos só tinham contacto com o sistema espanhol. Pela lei espanhola será regulado o conteúdo da relação matrimonial (direitos e deveres dos cônjuges), enquanto os cônjuges mantiverem a nacionalidade espanhola e tiverem em Espanha o seu domicílio. Se eles, porém, vierem a mudar de nacionalidade, o conteúdo da relação matrimonial passará a ser regido pela sua nova lei pessoal, mas eventuais problemas quanto à constituição da relação matrimonial continuar-se-á a resolver em face da lei espanhola. V – MODOS POSSÍVEIS DE REGULAR AS RELAÇÕES DE COMÉRCIO PRIVADO INTERNACIONAL
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Modo1: Em geral, para resolver os problemas de DIP recorre-se ao processo próprio do Direito de Conflitos: em vez de se resolver directamente tais problemas mediante disposições legislativas próprias, designa-se a lei interna por aplicação da qual eles hão-de ser resolvidos. As disposições de Direito de Conflitos são constituídas por regras de carácter formal, regras de remissão ou de reconhecimento, e não por regras de regulamentação material. Exemplo: se um português compra em Paris um imóvel sito em Amesterdam, (1) a sua capacidade de contratar é regida pela lei portuguesa; (2) a forma do contrato é regida pela lei francesa, (3) a validade substancial do contrato e os seus efeitos pela lei escolhida pelas partes, (4) a transferência da propriedade é regida pela lei holandesa. Modo2: Um outro modo de regular as relações internacionais de caractér privado, segundo Robert Ago, seria o de um direito material especial, próprio delas, à semelhança do ius gentium romano. As normas materias estrangeiras chamadas através das regras de conflito seriam recibidas na ordem jurídica do Estado do Foro, ficando a constituir aí, ao lado das normas materiais deste Estado, o direito especial das relações jurídicas privadas externas. O legislador, em vez de criar directamente todo um sistema particular de direito material, recorre a normas indirectas para chegar à mesma solução.
⇓ Crítica do Prof. João Baptista Machado: esta posição corresponde a uma visão errada do DIP enquanto Direito de Conflitos. O problema básico do Direito de Conflitos nunca poderá ser resolvido através de normas de direito material, por mais especializadas que seja a disciplina por elas previstas, desde que se trate de normas de direito estadual (postas por um só Estado). Só um verdadeiro direito material uniforme, comum a vários Estados, e concebido para regular certas relações de comércio internacional em contacto com esses Estados, é susceptível, não de substituir o Direito de Conflitos, mas de fazer desaparecer o problema que este tem por objecto. Isto pelo menos enquanto as normas de direito privado uniforme forem uniformente interpretadas e aplicadas nos vários Estados em que está em vigor a convenção internacional que estabelece o regime uniforme. Mas um direito de fonte estadual nunca poderá expulsar ou substituir o Direito de Conflitos. As regras de direito material vêem o seu âmbito de eficácia necessariamente delimitado no espaço e no tempo, pelo que as regras de direito material externo concebidas à maneira do ius gentium romano para substituir o Direito de Conflitos também continuariam a postular um Direito de Conflitos que lhes definisse o seu âmbito de eficácia.
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Em matéria de Direito Intertemporal, o legislador recorre por vezes a disposições transitórias: normas materiais que, pela via da adaptação e do compromisso entre os dois sistemas regulam certas situações jurídicas anteriores, que subsistem à data da entrada em vigor da nova lei, por uma forma especial.
⇓ Um procedimento semelhante pode suceder em DIP, mas para tal será necessário que as regras materiais destinadas a regular certas situações de caracter internacional vejam o seu âmbito de aplicação restringido aquele círculo de situações que tenham uma conexão relevante com o Estado do Foro, de modo a entender-se que ainda se acham dentro do âmbito de eficácia da lei deste Estado. Deste modo, tais regras materiais poderão valer como regras de conduta, apenas se verificando que o seu âmbito especial de aplicação é definido por outra ou outras conexões que não aquelas que definem o âmbito de aplicação das normas de direito comum. VI – PRIMEIRA NOÇÃO DE REGRA DE CONFLITOS O processo normalmente adoptado pelo DIP para regular as relações do comércio privado internacional é o processo próprio do Direito de Conflitos: em vez de regular directa ou materialmente a relação, adopta o processo indirecto consistente em determinar a lei ou as leis que a hão-de reger. a determinação da lei CASOS RELATIVAMENTE INTERNACIONAIS: reguladora/competente/aplicável decorre por vezes directa e imediatamente da regra/princípio básico do Direito dos Conflitos, ou seja a regra segundo a qual a quaisquer factos só deve aplicar-se uma lei que com eles esteja em contacto. CASOS ABSOLUTAMENTE INTERNACIONAIS: é preciso recorrer a uma específica regra de conflitos que nos diga qual das leis interessadas é a lei aplicável/competente. Esta Regra de Conflitos destaca ou privilegia um dos contactos ou conexões, determinando como aplicável a lei para a qual essa conexão aponte. Simplesmente a conexão privilegiada será, ora uma, ora outra, conforme o domínio ou matéria jurídica em causa: •
Questão de Estatuto Pessoal (capacidade, relações de família, etc.): dar-se-á preferência a uma conexão pessoal (a nacionalidade ou a residência habitual das pessoas interessadas)
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Questão Relativa à Forma dos Actos Jurídicos: dar-se-á primacial relevância à conexão ‘’lugar ou realização do acto’’
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Questão Relativa à Constituição ou Transferência de Direitos Reais: prevalecerá a conexão ‘’lugar da situação da coisa’’, etc.
Elementos Fundamentais que constituem uma Regra de Conflitos: •
Conceito-Quadro: aquele que define o domínio ou matéria jurídica em questão;
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Elemento de Conexão: aquele que designa o elemento de conexão relevante dentro de tal domínio
A uma mesma situação ou relação poderão ser aplicáveis várias leis (exemplo: ser uma lei aplicável à forma e outra à substância do acto), desde que se trate de questões ou problemas jurídicos distintos. Excluí-se a aplicação cumulativa de várias leis (aplicação de regras jurídicas diferentes à mesma questão de direito), a fim de evitar contradições normativas. VII – A ‘’LEX FORI’’ COMO LEI DO PROCESSO O processo seguido perante os tribunais portugueses é regulado pela lei portuguesa, ainda que ao fundo da causa se aplique uma lei estrangeira. Ou seja, as leis relativas ao formalismo ou rito processual não causam nenhum problema de conflito de leis, uma vez que não afectam os direitos substanciais das partes: são de aplicação imediata e territorial. Uma vez que há leis sobre a prova que simultaneamente afectam o fundo ou substância do direito, repercutindo-se sobre a própria viabilidade deste e que, por isso, pelo menos para efeitos de conflitos de leis no tempo e no espaço, devem considerarse como pertinentes ao direito substantivo, e não ao direito processual, é necessário distinguir duas espécies de leis relativas às provas: •
Leis de Direito Probatório Formal: referem-se propriamente à actividade do juiz, dos peritos ou das partes no decurso do processo;
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Leis de Direito Probatório Material: nesta categoria inserem-se as leis que decidem sobre a admissibilidade deste ou daquele meio de prova (exigência ou não de prova pré constituída, etc.), sobre o ónus da prova e sobre as presunções legais
Às questões de direito reguladas por este tipo de normas não se aplica a lex fori enquanto lex fori (enquanto lei reguladora do processo), mas a lei ou leis competentes para regular o fundo da coisa. Ou seja, aplica-se a lei reguladora da forma dos actos, a lei reguladora da relação jurídica em litigio ou a lei que regula os actos ou factos aos quais vai ligada a presunção legal.
A competência da lex fori enquanto pura lei de processo não depende de qualquer conexão particular que ligue a situação jurídica em lítigio ao Estado do Foro: basta que um tribunal deste Estado seja chamado a decidir, ou seja basta que se verifique um pressuposto da competência internacional da jurisdição desse Estado e que esta seja posta de facto em movimento. Note-se que os fundamentos da competência jurisdicional do Estado Português não coincidem de modo algum com os fundamentos da sua competência legislativa: se os tribunais do Estado do foro apenas decidissem os casos que estão sob a alçada do direito material deste Estado (coincidência da competência jurisdicional com a competência legislativa), nunca esses tribunais seriam chamados a aplicar direito estrangeiro.
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VIII – O DIP E O ‘’DIREITO DOS ESTRANGEIROS’’ DIREITO DOS ESTRANGEIROS: conjunto de regras materiais que reservam para os estrangeiros um tratamento diferente daquele que o direito local confere aos nacionais. De resto, em regra, os estrangeiros são equiparados aos nacionais quanto ao gozo de direitos privados (art. 14º/1 CC). Só assim não será quando exista disposição legal em contrário, sendo que tal disposição constituirá uma norma de direito dos estrangeiros, ou quando se verifique o pressuposto mencionado no art. 14º/2 CC. Princípios que regem a capacidade de gozo de direitos dos estrangeiros em Portugal, no domínio do Direito Privado: •
PRINCÍPIO DA EQUIPARAÇÃO: os estrangeiros, pelo facto de o serem, não vêem a sua capacidade de gozo de direitos restringida em Portugal. Nos termos do art. 14º/1 CC os estrangeiros são equiparados aos nacionais, mas tal não significa que eles tenham precisamente os mesmos direitos que os portugueses. Em concreto, podem ter mais ou menos, tudo dependendo da lei aplicável/competente para atribuir o direito. Este princípio apenas significa que a qualidade de estrangeiro não é, em regra, motivo para restrições à sua capacidade de gozo de direitos.
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PRINCÍPIO DA RECIPROCIDADE: este princípio só funciona quando o estrangeiro pretende exercer em Portugal um direito que o respectivo Estado nacional reconhece aos seus súbitos, ou a estes e aos súbitos de outros Estados com os quais mantenha relações particulares, mas recusa aos portugueses em igualdade de circunstâncias, só porque estes são estrangeiros ou porque são portugueses. Tem de existir um tratamento discriminatório dos portugueses, fundado na simples circunstâncias de estes serem portugueses ou serem estrangeiros. É evidente que podem ser reconhediso aos estrangeiros em Portugal direitos que o respectivo Estado não reconheça, desde que este não reconhecimento não tenha caracter discriminatório.
Deste modo o direito dos estrangeiros é constituído pelo conjunto das regras materiais de direito interno (disposições legais em contrário a que se refere o art. 14º/1 CC) que dão aos estrangeiros um tratamento diferente (e menos favorável) do que é reservado aos nacionais. No fundo, trata-se de regras discriminatórias que estabelecem para as pessoas (singulares ou colectivas) estrangeiras específicas incapacidades de gozo relativamente a certos e determinados direitos. Essas regras apenas se preocupam com a determinação dos direitos e faculdades de que os estrangeiros não gozam entre nós e não dos direitos e faculdades de que eles possam porventura usufruir por força da lei aplicável (tal é um problema de Direito de Conflitos). É evidente que essas regrais materiais discriminatórias são sempre aplicáveis, independentemente de a regra de Direito de Conflitos considerar ou não competente o direito interno português para regular a relação jurídica em causa. Exemplos de restrição à capacidade de gozo de direitos dos estrangeiros: (1) embarcações estrangeiras não podem exercer a pesca em águas territoriais portuguesas; (2) quanto aos direitos políticos, vigora o princípio da sua recusa aos estrangeiros (art. 15. CRP), etc.
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Em suma, o Direito dos Estrangeiros incluem-se: • •
As normas que restringem a capacidade dos estrangeiros enquanto tais em matérias de direito privado; As normas de direito público que se referem à condição dos estrangeiros (normas de direito constituticional, de direito administrativo, etc.)
IX – AUTONOMIA DO PROBLEMA DO RECONHECIMENTO DOS DIREITOS ADQUIRIDOS MACHADO VILLELA (defensor da autonomia do problema do reconhecimento dos direitos adquiridos): O problema do reconhecimento dos direitos adquiridos seria um problema cientificamente autónomo em face do problema dos conflitos de leis. •
Nos CASOS PURAMENTE NACIONAIS, ou seja nas hipóteses em que o direito ou situação jurídica se constituiu num momento em que os correspondentes factos constitutivos se achavam em contacto com um só Estado, teríamos, um puro problema de reconhecimento de direitos adquiridos, não existindo qualquer problema de conflitos de leis.
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Nos CASOS COM CARÁCTER INTERNACIONAL OU PLURILOCALIZADO AO TEMPO DA SUA CONSTITUIÇÃO, teríamos, ainda primordialmente, um problema de reconhecimento de direitos adquiridos, não surgindo o problema de conflitos de leis senão num segundo momento e no papel subordinado de simples elemento de resolução daquele primeiro problema.
DOUTRINA MODERNA E SUA CRÍTICA À POSIÇÃO DE MACHADO VILELLA •
CRÍTICA1: A doutrina de MACHADO VILELLA dizia apenas que deve fazer-se aplicação daquele lei que a regra de conflitos do foro manda aplicar
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CRÍTICA2: A doutrina de MACHADO VILELLA dá à Teoria dos Direitos Adquiridos uma versão infecunda e que envolve, tal como esta teoria, um círculo vicioso
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CRÍTICA3: Está em causa em qualquer das mencionadas hipóteses, mesmo naquela em que se trata de situações ditas puramente nacionais, sempre um problema de conflito de leis.
Maria Luísa Lobo – 2012/2013
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POSIÇÃO DO PROF. BAPTISTA MACHADO (não concorda com as críticas anteriores) •
PRIMEIRA DIVERGÊNCIA (caso em que a situação jurídica que se trata de reconhecer no Estado do Foro é uma situação puramente interna em relação a um Estado Estrangeiro, ou seja, uma situação cujos factos constitutivos, no momento da criação do direito, estavam em contacto com um só país)
DOUTRINA MODERNA: Mesmo neste tipo de situações, estamos face a um problema de conflito de leis, uma vez que, s etal problema não se põe no momento da constituição do direito ou da situação jurídica, ele já se levanta no momento em que é solicitado o reconhecimento extraterritorial desse direito. É que, neste momento, a situação jurídica entra em contacto com um ordenamento jurídico diferente, com o ordenamento do Estado em que se pede o seu reconhecimento, sendo que aos órgãos de aplicação do direito deste Estado apresenta-se a questão de saber qual o sistema de normas que deverá aplicar-se, pois que só o direito criado à sombra da lei competente poderá ser reconhecimento. Tal consubstância um problema de conflito de leis, a resolver pelas regras de conflitos do Estado do foro. MACHADO VILELLA: Neste tipo de casos, nunca se poderá dizer que o conflito aparece no momento da execução, dando-se um conflito de execução, pois a lei do país do tribunal nunca poderia aplicar-se, como lei competente, a um facto que, ao verificar-se, não tinha com ela relação alguma. Só poderia aplicar-se retroactivamente, o que seria contrário aos princípios elementares do direito. Nestes casos, só há uma coisa a verificar-se: é se o direito adquirido em país estrangeiro deve ou não ser reconhecido. PROF. BAPTISTA MACHADO SOBRE A POSIÇÃO DE MACHADO VILELLA: O que este último pretende dizer é que, evidentemente, só entre as leis em contacto com os factos se estabelece em princípio um concurco ou conflito de leis, a resolver mediante uma regra de conflitos. Qualquer lei que não tem conexão com os factos, vê-se desde logo excluída do círculo de leis potencialmente aplicáveis. A posição de MACHADO VILELLA está correcta tendo em consideração o Princípio Universal de Direito (princípio básico do DIP) segundo o qual as normas jurídicas, como regras de conduta que são, só devem ser aplicadas quando os indíviduos podem contar com a sua aplicação e tomá-las como normas orientadoras da sua conduta, e consequentemente só podem ser aplicadas àqueles factos com os quais elas tenham uma conexão temporal e espacial. Só assim poderá assegurar-se um mínimo de respeito pelas expectativas legítimas dos indíviduos e garantir aquele mínimo de estabilidade à sua vida jurídica que constitui um pressuposto básico da experiência e da existência do direito como uma ordem implantada na vida humana da relação. É a este princípio básico do DIP, que MACHADO VILELLA designa inapropriamente como o Princípio do Reconhecimento dos Direitos Adquiridos. Só dentro do círculo de leis que a prévia aplicação de tal princípio permite considerar como potencialmente aplicável é que intervêm, posteriormente as regras de conflitos.
Maria Luísa Lobo – 2012/2013
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SEGUNDA DIVERGÊNCIA
DOUTRINA MODERNA: A Teoria dos Direitos Adquiridos cai num circulos inextricabilis, pois que, para se saber se existe um direito adquirido, há que determinar primeiro a lei competente para atribuir tal direito. Ora, tal supõe a prévia intervenção duma regra de conflitos que nos indique essa lei. Logo, sendo o direito adquirido um posterius relativamente à actuação da regra de conflitos, não pode ser simultaneamente um prius. Segundo SAVIGNY, para reconhecer os direitos adquiridos, é preciso saber primeiro segundo que direito local devemos apreciar a sua aquisição; o problema da determinação da lei aplicável é anterior ao da existência do direito adquirido e não pode, portanto, ser explicado por este. Se apenas é reconhecido o direito que foi regularmente adquirido segundo a lei indicada como competente pela regra de conflitos do foro, é desta regra que depende o reconhecimento de tal direito, e não da aplicação de um pretenso princípio do respeito dos direitos adquiridos. MACHADO VILELLA: Na hipotese de a relação jurídica ser ao mesmo tempo estrangeira e internacional, há dois problemas a resolver: um problema de reconhecimento de direitos adquiridos em país estrangeiro e um problema de conflitos de leis. Ao tribunal aparece nesse caso a questão de saber se tal relação jurídica deve ser reconhecida e, assente em princípio que o deve ser, vai verificar se está nas condições de o ser, entrando no número dessas condições a conformidade com a lei competente para a regular segundo as regras de conflitos do Estado de reconhecimento. O problema de conflitos de leis aparece então como simples elemento de resolução do problema de reconhecimento dos direitos adquiridos. Se, em princípio, se não se estabelecesse a regra do reconhecimento dos direitos adquiridos em país estrangeiro, escusado era saber se o conflito de leis que se dera na aquisição do direito foi ou não bem resolvido. POSIÇÃO DO PROF. BAPTISTA MACHADO SOBRE A POSIÇÃO DE MACHADO VILELLA: Para MACHADO VILELLA não é a regra de conflitos que está na origem do reconhecimento dos direitos adquiridos, mas pelo contário, o recurso à regra de conflitos só se justifica e se impõe porque uma regra anterior a ela estabeleceu como princípio o respeito dos direitos adquiridos. O princípio do reconhecimento dos direitos adquiridos é que constitui o prius, intervindo as regras de conflitos numa função subordinada e auxiliar, com vista à realização ou concretização desse princípio, num segundo momento lógico e normológico. Ou seja, é necessário distinguir entre o Direito de Conflitos e Regras de Conflitos: MACHADO VILELLA não afirma que o princípio do reconhecimento dos direitos adquiridos represneta o fundamento da Regra de Conflitos, mas sustenta que ele constitui uma regra basilar e autónoma, que actua de per si, directamente. Dentro do campo já delimitado por esta regra basilar, segundo a qual a quaisquer factos só pode ser aplicáveis as leis que com eles se achem em contacto, é que intervém, num segundo momento, a Regra de Conflitos.
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ESCOLA NOVA (DOUTRINA MODERNA) vs ESCOLA VELHA (MACHADO VILELLA)
ESCOLA NOVA: imbuída da perspectiva savigniana pura, entende a Regra de Conflitos como um ponto de partida absoluto, em que é ela que dá começo à procura da lei aplicável, é dela e só dela que dependete a determinação desta lei. ESCOLA VELHA: entende que é num princípio paralelo ao da irretroactividade das leis que está o ponto de partida radical e o primeito motor do DIP, não competindo a Regra de Conflitos senão um lugar subordinado e secundário, qual seja o de uma pura regra de conflitos: o duma regra destinada a resolver o concurso entre as leis que, por aplicação daquele primeiro princípio e por força dele, nos possam aparecer como simultaneamente aplicáveis. Deste modo, se da aplicação daquele princípio, resulta que só uma lei se apresenta como aplicável, a Regra de Conflitos não tem sequer ocasião de intervir e o problema de DIP resolve-se sem que haja que recorrer a ela. Tal sucede em pelo menos dois casos: (1) no caso de se estar face a uma situação puramente interna (estrangeira ou não), (2) no caso duma situação internacional ou plurilocalizada em que as várias leis em contacto com essa situação estão de acordo sobre qual delas é a lei aplicável. CRÍTICA DO PROF. BAPTISTA MACHADO FACE À TESE DA ESCOLA VELHA: A fórmula do respeito dos direitos adquiridos, entendida à letra, mostra-se inadequada, uma vez que o que está em causa é o reconhecimento da lei em contacto com os factos, a qual é competente para decidir tanto sobre a relevância como sobre a irrelevância destes. Além disso, a regra básica do DIP, segundo a qual a quaisquer factos se devem apenas aplicar a lei ou leis que com eles se achem em contacto, não deixa ainda assim de funcionar também no caso em que a relação jurídica, sendo internacional, se constituiu no território do Estado onde é apreciada (caso este que MACHADO VILELLA entende como sendo um problema de conflito de leis puro). A doutrina de MACHADO VILELLA aponta decididamente para uma construção do DIP em que a Regra de Conflitos tem desde logo uma funçºão subordinada e secundária: não é esta que dá começo à procura da lei aplicável, como pretende a tradição pós savigniana da Escola Nova. Não, ela apenas se limita ao papel instrumental, mas necessário, de coadjuvar a realização de um princípio universal de direito paralelo ao da irretroactividade das leis. Deste modo, o título primário de competência das várias leis, ou da sua atendibilidade, decorre, por força de tal princípio, da circunstância de tais leis se acharem em contacto com os factos dos quais deriva ou se pretende fazer derivar um certo direito CRÍTICA DO PROF. BAPTISTA MACHADO FACE À TESE DA ESCOLHA NOVA: Não quis tal doutrina reconhecer à Regra de Conflitos o estatuto mais modesto que o referido ponto de vista que lhe outrogava, e meteu por outro rumo, insistindo em tomar aquela Regra de Conflitos como o ponto de partida radical do DIP e em que não ver o Direito de Conflitos senão como a soma das Regras de Conflitos. Tal conduziu a uma enorme confusão, ao cepticismo e empirismo metodológico que reinam na teoria do DIP dos nossos dias, caindo no expediente absurdo de recorrer a super normas de conflitos a fim de pôr um limite ao âmbito de aplicação das Regras de Conflitos do foro que ela, irreflectidamente, começara por alcandorar à posição de um ponto de partida absoluto.
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POSIÇÃO DO PROF. BAPTISTA MACHADO (CONCLUSÃO): embora adira à substância da doutrina de MACHADO VILELLA, tal não significa que aceite a sua tese, segundo a qual o problema do reconhecimento dos direitos adquiridos é um problema cientificamente autónomo em face do problema do conflito de leis. O PROF. BAPTISTA MACHADO aceita que o Direito de Conflitos não se confunde com o conjunto das Regras de Conflitos, que ele não é a soma destas regras. Contudo, discorda de MACHADO VILELLA quando este afirma que nas hipóteses em que a relação jurídica, sendo internacional, se constitui no território do Estado do foro, está-se face a um problema de conflito de leis puro. Embora seja certo que nestes casos não pode pôrse um problema de reconhecimento de um direito adquirido (duma situação jurídica já constituída), visto que se está justamente no momento da criação ou constituição do direito, isto não obsta a que funcione também aí o princípio de que se deve fazer aplicação da lei ou leis em contacto com os factos. E é este princípio que, em nosso entender, constitui a base do DIP. O mais que se pode dizer é que, neste tipo de hipóteses, a lei do foro é sempre uma das leis em contacto com a situação, uma das leis interessadas. Por outro lado, nas hipoteses em que se está face a uma situação puramente interna em relação a um Estado estrangeiro, não é (ou não é apenas) da intervenção de um específico princípio do reconhecimento dos direitos adquiridos que se trata, mas da intervenção da regra básica (regra da não transconexão). Se tivermos de concluir que afinal o direito ou a situação jurídica se não constituiu regularmente em face da única lei aplicável, a solução é a mesma do ponto de vista do Direito de Conflitos: aplica-se essa lei, e conclui-se que tal direito (tal situação jurídica) não se constituiu ou se não constituiu com validade e eficácia plenas. A JUSTIÇA DO DIP I – O FACTO OPERATIVO E A CONSEQUÊNCIA JURÍDICA DO DIP. JUSTIÇA MATERIAL E JUSTIÇA CONFLITUAL CONSEQUÊNCIA JURÍDICA PRÓPRIA DO DIREITO DE CONFLITOS: Tal traduz-se na aplicabilidade duma determinada ordem jurídica estadual à resolução de certa questão jurídica concreta de direito privado material. Trata-se duma consequênca jurídica sui generis a que só por transposição de sentido podemos aplicar a designação de consequência jurídica, visto ela, diferentemente do que acontece com a de Direito Material, não operar directamente e de per si alteraçoes no domínio das situações jurídicas concretas (ou seja, efeitos constitutivos, modificativos ou extintivos de relações ou situações jurídicas).
⇓ Qual o facto operativo dessa consequência jurídica sui generis? Em princípio, pelos menos, o Direito de Conflitos abstrai do tipo ou natureza dos factos a regular, para atender apenas à sua concreta localização (no tempo e no espaço). Pelo dominio de aplicabilidade de dado sistema jurídico entende-se o conjunto dos factos concretos que, sob este ou aquele aspecto, lhe compete disciplinar. Se o quisessemos descrever através de uma fórmula geral não poderíamos recorrer a conceitos descritivos de tipos de factos: os factos de qualquer tipo podem cair ou não no âmbito de aplicabilidade daquele sistema, conforme a concreta localização deles.
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Exemplo: a regra segundo a qual aos factos passados se aplica a lei antiga utiliza um conceito (‘’factos passados’’) que se refere a uma classe de factos concretos caracterizados pela sua identidade de localização (no passado), que não pelo seu tipo. Enquanto que a norma jurídica corrente no Direito Material descreve na sua hipótese factos típicos, verificados os quais se segue a estatuição ou consequência jurídica, os elemetos de facto relevantes para o Direito de Conflitos não podem ser os mesmos que revelam para fins de Direito Material: este reporta-se a factos típicos da vida, ao passo que aquele atende à concreta localização dos mesmos factos, no tempo ou no espaço. A regra básica do Direito de Conflitos reporta-se à localização concreta do facto ou relação da vida. Contudo, nas hipóteses em que o elemento de conexão não é fornecido pela localização directa do facto ou relação, mas pela sua localização indirecta, ou seja, pela conexão existente entre um dado elemento da situação de facto e dado sistema jurídico (exemplo: nacionalidade ou domícilio das partes, etc.), a regra básica de conflitos de leis continua a reportar-se àqueles factos concretos que, por se acharem integrados na situação que está ligada àquele sistema por um dos seus elementos, com ela se devem entender conjuntamente ‘’localizados’’ no domínio de aplicabilidade de tal sistema. Ou seja, o facto operativo da consequência de Direito de Conflitos é o elemento de conexão: o Direito de Conflitos é um direito de conexão e a função de conexão é a função típica da norma de DIP. Deste modo, a conexão concreta é o facto que produz a dita consequência de Direito de Conflitos. Não se trata de um facto jurídico como qualquer outro, pelo que o seue efeito não se traduz numa alteração das situações jurídicas subjectivas (constituição, modificação ou extinção duma relação jurídica), mas apenas na determinação do sistema normativo pelo qual se deverá determinar o efeito jurídico do facto ou situação de facto em causa. Dupla Circunstância que caracteriza o tipo de Justiça próprio do Direito de Conflitos e o seu modo de actuação: •
Por um lado, depende a consequência jurídica, não dos factos como tais, mas da sua localização;
•
Por outro lado, consiste essa consequência jurídica, não numa alteração no mundo das situações jurídica subjectivas originada pelos factos de cuja localização se trata, mas na atribuição da competência para regular esses factos a um dado sistema de normas
⇓ Daqui resultam dois importantes corolários: •
Corolário1: a valoração jurídico material dos factos da vida não é como o Direito de Conflitos, mas como a lei por ele designada como competente:
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Direito de Conflitos e Direito Material situam-se em planos distintos, e aquele deve abstrair, em princípio, das soluções dadas por este aos casos da vida. Corolário2: o Direito de Conflitos, não tendo a ver com a valorações de justiça material, só pode propor-se um escopo de justiça formal, consistente fundamentalmente em promover o reconhecimento dos conteúdos de justiça material que impregnam os casos da vida imersos em ordenamentos jurídicos diferentes do ordenamento do foro, a fim de salvaguardar as naturais expectativas dos particulares e realizar os valores básicos da certeza e segurança jurídicas.
ZWEIGERT: Com estes valores se cha intimamente conexo, no domínio do DIP, o ideal da harmonia ou uniformida de decisões (nos diferentes Estados). O Princípio da harmonia de decisões representa o elemento distintivo da justiça no domínio do DIP: assim como na teoria do caso julgado, no terreno do processo, a segurança e a paz jurídicas são em princípio valores mais altos que o da justiça da decisão, assim também a justiça própria do DIP surge fundamentalmente incorporada no princípio da harmonia de decisões, ao qual vai inerente o relevante pensamento da previsibilidade. Deste modo, o escopo do mínimo de conflitos sobreleva, em DIP, ao da justiça do caso concreto. II – INTERESSES QUE INSPIRAM AS SOLUÇÕES DE DIP KEGEL: ao lado da justiça de direito material, importa pôr a noção de justiça de DIP, ou seja sempre que é aplicado direito estrangeiro, a justiça de direito internacional sobrepõe-se à justiça de direito privado material. Note-se que se a justiça de DIP é diferente da do direito material, também os interesses devem ser diferentes, uma vez que a justiça que se procura no DIP exige uma valoração dos interesses, tal como exige qualquer outra decisão jurídica. Existem três ordens de interesses: • • •
Os interesses das partes Os interesses do tráfico ou comércio jurídico Os interesses de ordem (que se exprimem nos princípios da harmonia interna e da harmonia internacional das decisões)
Como excepções ou limites à justiça própria do DIP, promovida pelos ditos interesses, KEGEL refere o princípio da ordem pública e os interesses polícitos e económicos do Estado. WENGLER: nem a natureza específica da relação, nem o fim visado pela norma material aplicada, nem a qualidade de Estado dotado de competência mais forte, nem o respeito da expectativa das partes relativamente à lei aplicável podem ser considerados princípios gerais para efeitos de escolha do elemento de conexão em todos os casos em que uma relação tem conexões com mais de um território, embora uma ou outra destas ideias possa estar por detrás duma determinada regra de conflitos. Mas parece que há pelo menos um outro princípio orientador para todos os casos de conflitos. Trata-se da ideia de que uma relação social deve ser adjudicada pelas regras de conflitos à lei de um estado por tal maneira que seja assegurada tanto quanto possível a uniformidade quanto à determinação da lei aplicável por parte de todos os países. Trata-se do princípio do minímo de conflitos ou da harmonia de decisões. Deste princípio o autor deduz, como directiva válida de iure condendo e
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bem assim no preenchimento das lacunas, que se deve dar preferencia aos elementos de conexão mais frequentemente utilizados nas leis dos outros países; deduz ainda certas soluções do problema da referência por parte do DIP do foro à lei de um Estado onde vigoravam diferentes legislações, assim como o princípio da igualdade de tratamento da lex fori e das leis estrangeiras. No mesmo critério do minimo de conflitos filia a regra de quem principio se deve evitar a aplicação duma lei diferente a cada questão parcial, procurando, antes, estabelecer a lei aplicavel a uma questao jurídica como um todo ou, quando tal não seja possível, submetendo a questão parcial que se apresente como preliminar à lei mandada aplicar pelo DIP da lei reguladora da questão central. Na mesma ideia se fundaria ainda a conveniência de aplicar à questão prévia a lei designada pelo DIP do ordenamento competente para a questão principal. QUADRI, BEITTI, SPERTUTI E CONDORELLI: encontraram o fundamento prático e a razão de ser no DIP na tutela da natural expectativa dos destinatários dos comandos jurídicos e assinalaram-lhe por escopo assegurar a continuidade e uniformidade da vida jurídica dos sujeitos assim como a harmonia entre os ordenamentos jurídicos. BARILE (no mesmo sentido que os autores anteriores): o princípio da harmonia internacional de decisões constitui o próprio fundamento substancial do DIP. A uniformidade de regulamentação das relações jurídicas constitui a verdadeira razão de ser imanente a qualquer sistema de DIP, o princípio informador quer da elaboração das modernas normas de direito internacional privado quer da sua interpretação, bem como o único fim que os Estados se propõem com a adopção dum sistema de direito internacional privado, a única função lógico histórica das normas deste direito e, portanto, aquela função que nos permite determinar a verdadeira natureza de tais normas. De acordo com tal princípio substancial do DIP deverão as normas deste ser interpretadas e as suas lacunas preenchidas. BROGGINI (quanto ao paralelismo entre o DIP e o Direito Transitório): a manifestação mais significativa desse paralelismo é a que diz respeito à questão do fundamento das normas de conflito. Nos últimos tempos insiste-se cada vez mais na ideia de harmonia de decisões como meio de expressão dos interesses de ordem (segurança jurídica, harmonia jurídica) do Estado no direito internacional privado. Através desta máxima dá-se expressão ao escopo ou intenção central de toda a norma de conflitos (seja ela temporal, material ou interlocal): garantir a continuidade e unidade das valorações dentro dos ordenamentos jurídicos e entre os ordenamentos jurídicos. São precisamente estes interesses, estes valores que se ordenam mais a justiça formal do que a justiça material, que a tradicional teoria dos direitos adquiridos visa prosseguir. PROF. FERRER CORREIA: Indica como principais interesses a considerar na resolução dos conflitos de leis os seguintes: • • • • • •
Interesses Individuais Interesses Gerais do Tráfico Princípio da Harmonia Jurídica Internacional (supremo ideal do DIP) Princípio da Harmonia Interna Princípio da Efectividade ou do Estado da Melhor Competência Princípio da Igualdade de Tratamento do Direito do Foro e dos Direitos Estrangeiros
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Princípio do Favor Negotii Princípio do Respeito dos Direitos Adquiridos
A finalidade primária do Direito de Conflitos, tanto no tempo como no espaço, é a tutela da natural expectativa dos indíviduso (das partes interessadas em dadas situações jurídicas e de terceiros), a estabilidade e uniformidade de regulamentação das situações jurídicas subjectivas. No DIP importa resolver o concurso entre as leis interessadas, ou seja, importa optar por uma das várias leis em contacto com a situação, quando seja esse o caso. Coloca-se o problema da escolha da conexão preferível, a qual deverá variar conforme a matéria jurídica em causa. Para efeitos desta escolha, há que atendcer à natural expectativa das partes e de terceiros e consequentemente, à estabilidade e unifmordade de regulamentação das situações jurídicas e, em certa medida, ao interesse geral da colectividade. Há-de optar-se pela conexão que melhor sirva estes interesses, e essa deve ser, em geral, a conexão mais significativa ou mais eficaz, pois tal será a conexão à qual mais natural e legitimamente se referirá a expectativa dos indivíduos directa ou indirectamente interessados na situação jurídica e ao mesmo tempo aquela à volta da qual com maior probabilidade se alcancará uma harmonia de soluções entre as leis interessadas ou pelo menos se logrará um mínimo de conflitos. ESTATUTO DAS OBRIGAÇÕES AUTÓNOMAS
ESTATUTOS PESSOAL E REAL
Nas obrigações, enquanto situações jurídicas relativas que são, acha-se exclusivamente ou quase exclusivamente em causa o interesse das partes.
No domínio das situações jurídicas absolutas do estatuto pessoal e do estatuto real tem grande relebo, ao lado do interesse das partes, o interesse de terceiros e o interesse geral da comunidade jurídica.
Deverá preferir-se a conexão que melhor corresponda à expectativa das partes e essa será, em regra, uma conexão directamente ligada aos factos ou actos a que elas vinculam a sua expectativa.
Deverá preferir-se uma conexão directamente ligada às pessoas ou às coisas, com vista a uma melhor tutela não só do interesse das partes, mas também dos interesses de terceiros e dos interesses gerais da comunidade jurídica em que a pessoa ou a coisa mais enraizadamente se integram.
De entre os critérios parece ser de destacar o da harmonia internacional de decisões (para o PROF. FERRER CORREIA constitui o deial supremo do DIP e para WENGLER constitui o único princípio de DIP verdadeiramente geral, por ser o único aplicável em todas as hipóteses de conflitos). PROF. BAPTISTA MACHADO: A posição privilegiada do Princípio da Harmonia Internacional de Decisões assenta no facto de ele se achar intimamente conexo com aquele interesse que constitui a própria raiz do DIP, lhe define a teleologia intrinseca ou determina a internção essencial: o interesse da segurança e certeza jurídicas. Deste modo, o Princípio da Harmonia Jurídica, sendo embora um princípio de justiça formal,
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não é um princípio puramente forma e abstracto cuja mecânica operação seja susceptivel de justificar resultados contrários ao próprio interesse que o inspira. Exemplo: não será lícito invocar o Princíoio da Harmonia Jurídica para justificar a observância de disposições de direito transitório (as cláusulas de retroactividade) da lei declarada aplicável. Embora o respeito dessas disposições favoreça decididamente a harmonia jurídica deve rejeitar-se tal solução quando ela conduza à aplicação da actual lex causae a factos com os quais esta lei não teve nenhum contacto, por ter entrado em vigor posteriormente à verificação destes. Caso contrário, teríamos que o Princípio da Harmonia de decisões, actuando como fórmula vazia, serviria afinal para justificar o sacrificio do próprio interesse em que se inspira: o interesse da segurança jurídica. Importará ainda, com idêntico fundamento, sujeitar a intervenção do referido princípio a outras restrições, nomeadamente em matéria de reenvio. O DIP E O DIREITO INTERTEMPORAL I – POSIÇÃO ADOPTADA À regra básica do Direito Transitório, segundo a qual a qualquer facto se aplica, em princípio, a lei do tempo da sua verificação, corresponde em DIP, a regra básica segundo a qual a qualquer facto só deve aplicar-se, em princípio, uma lei que com ele esteja em contacto. Ou seja, ao Princípio da Não Retroactividade no Direito Transitório corresponde o Princípio da Não Transactividade no DIP. O interesse ou valor fundamental que ambos os ramos de Direito de Conflitos visam tutelar é o interesse na segurança e certeza jurídicas. Ambos visam garantir a uniformidade e continuidade das situações jurídicas subjectivas e a tutela das naturais expectativas dos indivíduos; ambos têm a sua última razão de ser no facto de anorma jurídica ser basicamente uma norma de conduta (norma que visa impor e orientar as condutas), pelo que ambos assentam à partida no princípio universal de direito segundo o qual qualquer lei só deve aplicar-se aos factos que com ela estejam em contacto. Deste modo, parece ser de sustentar um completo paralelismo/identidade entre os princípios fundamentais dos dois direitos de conflitos, princípios esses com base nos quais é competente, por via de regra, e salvo disposição expressa, a lei do tempo e, respectivamente, a lei do espaço em que se verificaram os factos jurídicos. Parece inteiramente viável uma teoria geral do Direito de Conflitos, ou uma parte geral comum aos dois ramos deste direito. Contudo é necessário distinguir no DIP o problema fundamental de Direito dos Conflitos e o problema derivado dos concursos de leis aplicáveis, que as especificas regras de conflitos têm por missão resolver. Este segundo problema é privativo do DIP e por isso no Direito Transitório não há lugar para normas correspondentes às especificas Regras de Conflitos de DIP. Não é liquído que, no Direito Transitório, os princípios fundamentais nos conduzem desde logo e sempre à aplicação duma única lei (lei antiga ou nova) não havendo que optar, como no DIP, entre a lex patriae, a lex domicilii e a lex loci? Tendo as soluções de DIP precedência sobre as de Direito Transitório, as regras deste direito funcionam já dentro das coordenadas traçadas por aquele e, portanto, não se lhes
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depara já o problema de decidir entre leis estaduais diversas que simultaneamente se achem em contacto com os factos a regular. Da Teoria ou Parte Geral do Direito de Conflitos, comum ao DIP e ao Direito Transitório, deve ser excluída a teoria da Regra de Conflitos de DIP. Quer os autores favoráveis à tese da analogia intrinseca entre estes dois ramos do Direito de Conflitos, quer os seus opositores, insistem (grande erro!) em estabelecer um paralelismo entre a aplicação da lei nova e aplicação da lez fori, por um lado, e a aplicação da lei antiga e a aplicação da lei estrangeira, por outro lado. À aplicação da lei nova no Direito Transitório corresponderia a aplicação da lex fori no DIP, e à aplicação da lei antiga naquele corresponderia a aplicação da lei estrangeira neste.A referida correspondência, na maioria das vezes, é quebrada pelo que existem divergências fundamentais entre aqueles dois direitos de conflitos. Exemplo1: No Direito Transitório, o estado e capacidade estão sujeitos ao efeito imediato da lei nova, ao passo que, no DIP, estas matérias são regidas pela lei nacional e não pela lex fori; os direitos reais sobre imóveis dependem no primeiro da lei nova, ao passo que no segundo estão sujeitos à lex rei sitae, e não lex fori. Esquece-se que no Direito Transitório a lei nova é aplicável ao conteúdo das situações jurídicas pessoais e reais criadas sob a lei anterior, não a título de lez temporis fori, mas a título de actual lei reguladora da condição jurídica das pessoas e das coisas, pelo mesmo título, portanto, por que no DIP se aplicam, respectivamente a lex patriae e a lex rei sitae. Tudo se passa acolá como se houvesse uma mudança do estatuto pessoal ou do estado real, por se ter deslocado a sede das pessoas ou a situação das coisas. Exemplo2: Ao passo que o tempus regit actum tem, em Direito Transitório, um sentido amplo, levando a aplicar a factos passados tanto as normas da lei antiga sobre a forma dos actos jurídicos como as normas da mesma lei relativas aos requisitos de fundo dos ditos actos, a locus regit actuem, no DIP, visa apenas questões de forma. A lei antiga é aplicável aos actos jurídicos passados, tanto no seu aspecto formal como no seu aspecto substancial, porque ela é ao mesmo tempo o estatuto pessoal, o estatuto real e o estatuto obrigacional no momento em que tais actos são praticados. Em suma, aceite a analogia intrínseca entre os dois ramos do Direito de Conflitos, nada obsta a que as soluções achadas para um deles possam ser transpostas analogicamente, com as devidas adaptações, para o domínio do outro.
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II - ESTRUTURA E FUNÇÃO DA REGRA DE CONFLITOS PROF. BAPTISTA MACHADO 1. ELEMENTOS ESTRUTURAIS DA REGRA DE CONFLITOS I - DESENHO GERAL DA REGRA DE COFLITOS O DIP enquanto Direito de Conflitos limita-se a indicar-nos as ordens juridicas estaduais que hão-de reger as relações privadas internacionais, sendo que tal alcanca-se sobretudo através da Regra de Conflitos que destaca um elemento (ELEMENTO DE CONEXÃO) da situação do facto susceptível de apontar para um, e apenas para uma, das leis em concurso (leis interessadas). Note-se que as regras de conflitos são várias em obediência ao PRINCÍPIO DA ESPECIALIZAÇÃO (cada Regra de Conflitos adjudica à lei apontada por uma determinada conexão (exemplo: à lei do lugar da celebração do negócio) uma determinada tarefa normativa, uma determinada matéria ou sector de regulamentação (exemplo: a forma, a questão da validade formal do negócio). CONCEITO QUADRO: conceito que na Regra de Conflitos designa a matéria, questão jurídica ou sector normativo relativamente ao qual é decisivo o elemento de conexão por essa mesma regra escolhido. Em suma, os elementos que se destacam na estrutura da regra de conflitos são dois: (1) o elemento de conexão e (2) conceito quadro. Exemplo: art- 45º/1 CC ‘’A responsabilidade extracontratual (…) é regulada pela lei do Estado onde decorreu a principal actividade causadora do prejuízo’’: • •
CONCEITO QUADRO; a responsabilidade extracontratual ELEMENTO DE CONEXAO: lugar do facto danoso
II – O ELEMENTO DE CONEXÃO: ESPÉCIES O elemento de conexão é o que representa o elemento da situação de facto a que se pode imputar a consequência juridica específica do Direito de Conflitos. É atraves dele e com fundamento nele que se opera a designação do direito aplicável à questão ou problema juridico suscitado pela situação de facto. As conexões consistem fundamentalmente nas relações ou ligações existentes entre as pessoas, os objectos e os factos, por um lado, e as ordens jurídicas estaduais, por outro lado. ENUMERAÇÃO DOS ELEMENTOS DE CONEXÃO: • •
A nacionalidade duma pessoa, o seu domicílio, a sua residência habitual, a sua residência simples a sede duma pessoa colectiva; A situação de uma coisa (lex rei sitae)
•
O lugar da prática de um facto (facto já realizado)
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O lugar do cumprimento de uma obrigação (facto que deve ser realizado naquele lugar)
•
A convenção das partes sobre a lei aplicável (é a prórpia vontade das partes que cria – embora não arbitrariamente) a conexão com a lei competente), por força do Princípio da Autonomia Privada, válido no dominio dos contratos
•
O lugar onde o processo decorre (para efeitos meramente processuais)
•
O nexo de interligação com uma outra relação jurídica
Em suma: os elementos de conexão potencialmente relevantes para efeitos de DIP podem ser de dois tipos: • •
PESSOAIS: referem-se aos sujeitos da relação REAIS: referem-se ao objecto ou aos factos.
Os elementos de conexão podem ainda consistir: •
EM DADOS DE NATUREZA PURAMENTE FACTUAL (conexões factuais: lugar da situação da coisa ou da prática do facto)
•
EM DADOS NORMATIVOS (conexões jurídicas: nacionalidade duma pessoa, o lugar do cumprimento de uma obrigação, etc.)
III – UNIDADE E PLURALIDADE DE CONEXÕES A Regra de Conflitos pode ser de conexão/coligação simples ou única e de conexão complexa. NORMA DE CONFLITOS DE CONEXÃO SIMPLES: é aquela que contém um único elemento de conexão e, portanto, se limita a referir uma única lei aplicável. Exemplo: art. 30º CC NORMA DE CONFLITOS DE CONEXÃO COMPLEXA OU MÚLTIPLA: são todas aquelas que contenham mais do que uma conexão. Podem assumir diversas modalidades: •
NORMA DE CONFLITOS DE COLIGAÇÃO COMPLEXA SUBSIDIÁRIA: as conexões operam sucessivamente; sempre que designe duas ou mais ordens jurídicas como competentes, mas em termos de uma das conexões (a secundária) só funcionar na falta ou impossibilidade de determinação da principal. Exemplo: art. 52º CC
•
NORMA DE CONFLITOS DE COLIGAÇÃO COMPLEXA ALTERNATIVA: as conexões operam alternativamente; sempre que a norma de conflitos prevê
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várias conexões como igualmente possíveis e legítimas podendo um determinado resultado ser obtido com fundamento na lei referenciada por qualquer delas. Exemplo: art. 65º/1 CC este artigo visa claramente promover a validade formal das disposições mortis causa, utilizando o processo da coligação alternativa, declarando tais disposições como válidas, quanto à forma, desde que qualquer das leis mencionadas as considere como tais. •
NORMA DE CONFLITOS DE COLIGAÇÃO COMPLEXA CUMULATIVA: as conexões operam cumulativamente; é aquela que se traduz na efectiva aplicação simultânea de dois ou mais direitos a uma única questão jurídica. Há aplicação cumulativa propriamente dita quando as leis designadas como competentes para a mesma questão jurídica que concorrem em plano de igualdade são ambas (ou todas) competentes a título primário, de modo tal que certos efeitos jurídicos só se produzem quando sejam simultaneamente reconhecidos pelas leis em concurso.
FUNÇÃO NEGATIVA DA CUMULAÇÃO: afastar a consequência jurídica que, sendo estatuída por uma das leis, o não seja também pela outra. Deste prisma, a cumulação propriamente dita exerce uma função oposta à da coligação alternativa.
Exemplo: art. 60º/1 CC: a lei aplicável à constituição da filiação adoptiva é a lei pessoal do adoptante ou adoptantes; art. 60º/3 CC: a adopção não é permitida se a lei competente para regular as relações entre o adoptando e os seus progenitores não conhecer o instituto da adopção, ou não o admitir em relação a quem se encontre na situação do adoptando sempre que esteja em causa a validade e eficácia de um acto constitutivo, a aplicação comulativa traduz-se em aplicar a ordem juridica mais rigorosa, ou seja, aquela que exija o maior número de requisitos para a validade do mesmo acto
≠ CUMULAÇÃO DE CONEXÕES: uma determinada lei só é aplicável quando vários elementos de conexão apontam simultaneamente para ela, ou seja ser essa lei a lei nacional de ambos os cônjuges (art. 52º CC), ser a lei do país em que o interessado é nacional e onde tem o domicilio, etc.
≠ APLICAÇÃO COMBINADA/ACOPLADA DE VÁRIAS ORDENS JURÍDICAS: verifica-se sempre que os vários pressupostos de uma e mesma consequência jurídica devam ser apreciados por leis diferentes. Tal sucede com os pressupostos da válida celebração do casamento entre individuos de nacionalidade diferente: os impedimentos que afectem cada um dos nubentes serão apreciados pela respectiva lei nacional (art. 49º CC). Nestes casos, a aplicação cumulativa
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propriamente dita dificultaria imenso a produção da consequência jurídica pretendida, pois cada circunstância relevante teria de ser apreciada por duas ordens jurídicas diferentes. Exemplo: se a noiva ainda não tem capacidade nupcial segundo a lei nacional do noivo, mas a tem segundo a própria lei nacional, o casamento poderá ser validamente celebrado, ao passo que, na hipotese de cumulação, subsistiria um impedimento matrimonial. IV – DETERMINAÇÃO DOS ELEMENTOS DE CONEXÃO NO TEMPO: CONEXÕES VARIÁVEIS OU MÓVEIS E INVARIÁVEIS OU FIXAS Os elementos, de acordo com a sua natureza, podem ser de dois tipos: •
FIXOS NO TEMPO OU INVARIÁVEIS: lugar da situação dos imóveis, o lugar da realização de um acto jurídico e o lugar da prática de um acto ilícito
•
MUTÁVEIS OU MÓVEIS: a nacionalidade, o domicílio, a residência, o lugar da situação de um móvel, a vontade das partes e a sede da pessoa colectiva.
Sempre que a coligação da norma se faz através de uma conexão mutável, é importante concretizar o momento temporal em que essa conexão deve ocorrer a fim de que o respectivo preceito adquira suficiente precisão. Dos factores de conexão que foram referidos, apenas o lugar da situação dos imóveis é insusceptível de ser deslocada por obra dos interessados. Todos os restantes são disponíveis, ou seja, susceptíveis, em princípio, de ser situados ou transferidos pelas partes. Na sua maioria, os elementos de conexão não são susceptíveis de deslocamento ou transferência (intencional ou acidental) após o nascimento da relação, sendo precisados simultaneamente no tempo e no espaço (a nacionalidade que determina a lei aplicável à sucessão é a nacionalidade do de cuius no momento da morte; os elementos de localização objectiva de um contrato são os existentes ao tempo da celebração do mesmo contrato, etc.), uma vez que apresentam um caracter de instantaneidade (tal como o lugar da realização de um acto jurídico ou o lugar da prática de um facto ilícito). PROBLEMAS DERIVADOS DA MOBILIDADE DOS ELEMENTOS DE CONEXÃO Os elementos de conexão utilizados pelas normas de conflitos que se referem ao conteúdo das situações jurídicas pessoais e reais são abstractamente constantes, mas eles podem ser concretamente modificados por facto posterior ao nascimento da situação jurídica em causa. Tal modificação dos elementos de conexão conduz à competência sucessiva de diferentes leis estaduais para regular o conteúdo da mesma situação jurídica. Maria Luísa Lobo – 2012/2013
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CONFLITOS MÓVEIS: combinação dos factores tempo no espaço que provoca conflitos; fenómeno de mudança ou sucessão de estatutos, o que conduz à aplicação de critérios idênticos aos que se aplicam em matéria de sucessão de leis no tempo. A mobilidade ou transferibilidade do elemento de conexão confere aos interessados a possibilidade de escolher a lei aplicável à relação jurídica, de atribuir competência à lei que considerem mais favorável, ‘’situado’’ ou deslocado propositadamente o factor de conexão. V – O CONCEITO-QUADRO E O SEU OBJECTO CONCEITO-QUADRO: circunscreve a questão ou matéria jurídica específica para a qual a Regra de Conflitos aponta a conexão decisiva e, mediante esta, a lei competente. Tal conceito aparece expresso, em regra, pela fórmula designativa de um dos grandes capítulos ou institutos do sistema do direito privado (‘’estado e capacidade’’, ‘’relações de família’’, ‘’sucessões por morte’’, ‘’direitos reais’’, ‘’obrigações’’, etc) recebendo tambem a designação de CONCEITO SISTEMÁTICO. CONCEPÇÕES ACERCA DO CONTEÚDO DA CATEGORIA DE CONEXÃO (OBJECTO IMEDIATO DA SUA REFERÊNCIA): •
CONCEPÇÃO1: O conceito quadro designaria a relação jurídica
•
CONCEPÇÃO2: O conceito quadro referer-se directamente a uma relação jurídica a uma relação ou situação da vista, ou seja, a puros factos ainda não juridicamente qualificados.
•
PROF. BAPTISTA MACHADO: não parece viável este modo de conceber as coisas, pois uma relação jurídica apenas surge com base num ordenamento jurídico material determinado, ordenamento esse que a norma de conflitos trata justamente de individualizar.
PROF. BAPTISTA MACHADO: esta concepção não parece de aceitar, uma vez que à mesma situação de facto podem corresponder problemas ou questões juridicas de vária natureza, e a cada um desses problemas ou questões uma norma de conflitos diferente. Exemplo: o facto ‘’morte de uma pessoa’’ pode ser relevante para efeitos sucessórios, para efeitos de responsabilidade civil, etc,
CONCEPÇÃO3: A norma de conflitos referiria no seu conceito-quadro uma questão jurídica privada.
PROF. BAPTISTA MACHADO & OUTROS AUTORES: uma questão jurídica determinada só se põe em face de um ordenamento jurídico
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determinado, uma vez que diferentes ordenamentos podem ver na mesma situação de facto questões jurídicas diferentes. •
CONCEPÇÃO4: O conceito-quadro designa e circunscreve um certo grupo, classe ou categoria de normas materiais. Suposta uma situação da vida coligada, a aplicabilidade das normas que nesse ordenamento regulam tal situação depende de elas terem certas natureza ou pertencerem a certa categoria: a categoria que corresponde a tal conexão ou título de chamamento. Seriam as normas materiais que constituiram o objecto de apreciação para o juízo de aplicabilidade da norma de conflitos, e que formariam, o conteudo ou objecto do conceito quadro.
•
POSIÇÃO DO PROF. BAPTISTA MACHADO: o conceito-quadro da Regra de Conflitos não circunscreve pressupostos de facto, não recorta elementos ou dados de facto juridicamente relevantes; é antes à norma material aplicável (e só a ela) que compete dizer quais são os factos juridicamente relevantes. Tanto mais que a definição dos elementos de facto jurídico materialmente relevantes depende de um juízo de valor jurídico material (constitui parte integrante da regulamentação jurídico material) que só à lei material competente cabe proferir. Deste modo, o conceito-quadro não se refere a factos. É importante ter por assente que a Regra de Conflitos destina-se a resolver um concurso de leis, pelo que as normas deste tipo, tal como as regras sobre antinomias, são regras de segundo grau que não nos dizem quais são os factos materialmente relevantes, mas qual das normas antinómicas (qual das duas ou mais normas se referem à mesma questão de direito) deve prevalecer sobre a outra: são normas sobre normas. Por sua vez, o conceito-quadro duma Regra de Conflitos serve para designar ou circunscrever o tipo de matérias ou de questões juridicas dentro do qual é relevante ou decisivo para a fixação da lei competente o elemento de conexão a que a mesma Regra de Conflitos se refere. Ou seja, há-de reportar-se a essas matérias ou questões juridicas; háde visar aquela categoria de normas materiais que respondem a tais questões jurídicas, para significar que, da lei apontada pela conexão em causa, e com fundamento em tal conexão ou título de chamemento, só as normas dessa categoria são aplicáveis. Não signfica isto que o Direito de Conflitos e as Regras de Conflitos não se refiram e apliquem a factos: esses factos são as situações da vida privada internacional em que estão presentes os elementos de conexão previstos por aquelas regras. Estes elementos de conexão é que se reportam a dados de facto (ainda quando a conexão seja um dado normativo, como o vínculo da nacionalidade, essa dado é assumido como um quid facti) e, portanto, os conceitos que os designam hão-de aplicar-se a factos.
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2. FUNÇÃO BILATERAL DA REGRA DE CONFLITOS I – ESTADO DA QUESTÃO Tem-se colocado a questão de saber se a Regra de Conflitos tem uma função unilateral ou bilateral: •
FUNÇÃO UNILATERAL: compete-lhe definir apenas o âmbito de aplicação do ordenamento material do foro, ou compete-lhe apenas determinar a aplicação de direitos estrangeiros, mas não do do foro.
•
FUNÇÃO BILATERAL: cabe-LHE determinar tanto a aplicação de direitos estrangeiros como a aplicação do ordenamento material do foro.
DOUTRINA DEFENSORA DA FUNÇÃO DUPLTA/POSIÇÃO BILATERALISTA DA REGRA DE CONFLITOS: é necessário distinguir duas variantes •
PARTE DESTA DOUTRINA/CONCEPÇÃO TRADICIONAL: A Regra de Conflitos refere-se tanto ao ordenamento do foro como aos ordenamentos estrangeiros, podendo determinar, já a aplicabilidade de normas daquele ordenamento, já a aplicabilidade de normas de qualquer outro ordenamento, conforme o que for designado através do seu elemento de conexão.
•
RESTANTE PARTE DESTA DOUTRINA: A Regra de Conflitos poderia na verdade designar como aplicáveis tanto o ordenamento do foro como um qualquer ordenamento estrangeiros, mas pelo que respeita àquela sua primeira função, ela só interviria, determinado a aplicabilidade da lex materialis fori, nas hipoteses em que houvesse elementos de estraneidade (hipoteses de comercio juridico internacional) e não nos casos puramente internos em que a lei do foro seria aplicável directamente ou per si.
DOUTRINA DEFENSORA DA FUNÇÃO ÚNICA/POSIÇÃO UNILATERALISTA DA REGRA DE CONFLITOS: é necessário distinguir duas variantes •
TESE UNILATERALISTA EXTROVERSA: a única função da Regra de Conflitos é a de chamar, para a regulamentação dos factos da vida jurídica externna, um determinado ordenamento estrangeiro, pelo que só indirectamente (leia-se pelo facto de, através da designação do direito estrangeiro como competente, ela vir a estabelecer uma excepção ao princípio geral da aplicabilidade da lei material do foro no âmbito territorial do respectivo Estado) ela delimitaria o âmbito de aplicação da lei interna.
Esta tese assenta na concepção de AGO, segundo a qual a função própria das normas de DIP é inserir direito estrangeiro no ordenamento interno. A seu ver, a concepção bilateralista tem de socorrer-se duma artificiosa superfetação lógica, ao subordinar a aplicação do direito
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interno à prévia intervenção duma norma de DIP. Se a designação de um ordenamento estrangeiro por parte de uma norma de DIP se compreende, porque serve para tornar aplicáveis pelo juiz do foro normas que de outro modo o não seriam, já nenhum significado pode ter a designação, por parte de uma norma de DIP, do próprio ordenamento de que ela faz parte •
TESE UNILATERALISTA INTROVERSA (tese unilateralista mais difundida e que tem encontrado maior número de defensores): a única função da Regra de Conflitos seria a de delimitar o âmbito de aplicação do ordenamento material interno.
Os defensores desta tese invocam contra a tese bilateralista que (1) ela se vê forçada a conferir ao legislador estadual (das normas de DIP) o papel de um legislador supra-estadual, e que (2) coloca num mesmo plano, como equivalentes, o direito material do foro e os direitos estrangeiros.
II – POSIÇÃO DO PROF. BAPTISTA MACHADO Em primeiro lugar é necessário salientar que para este autor, REGRA DE CONFLITOS consiste numa norma destinada a dirimir concursos entre leis ja previamente determinadas como potencialmente aplicáveis. Em segundo o autor adere à posição de que a norma de conflitos têm uma função bilateral, defendendo a sua segunda variante, a qual podemos dizer porque concepção moderna (em oposição à concepção clássica da tese bilateral). A norma de DIP, na opinião de EDOARDO VITTA com o qual o PROF. BAPTISTA MACHADO concorda, só intervém quando exista a possibilidade de escolha entre vários ordenamentos, quer entre vários ordenamentos estrangeiros, quer entre um ou vários ordenamentos estrangeiros e o ordenamento português. A Regra de Conflitos não tem que intervir, quer nos casos puramente internos relativamente ao Estado do Foro, quer nos casos puramente internos relativamente a um Estado estrangeiro (casos relativamente internacionais): em qualquer destes casos, a lei competente é directamente determinada pelo princípio básico do Direito de Conflitos é este princípio básico, enquanto princípio universal de direito, que confere às diferentes leis estaduais uma competência de princípio (ou potencial) para regular determinados factos (os factos que com elas estejam em contacto). A Regra de Conflitos nada mais faz que dirimir o concurso entre as leis designadas como potencialmente aplicáveis, por esse princípio universal de direito. CRÍTICA DO PROF. BAPTISTA MACHADO FACE ÀS OBJECÇÕES QUE OS UNILATERALISTAS FAZEM À POSIÇÃO BILATERALISTA Não é verdade que a tese bilateralista implica a usurpação de uma autoridade supra estadual por parte do legislador estadual das Regras de Conflito de DIP: não são estas Maria Luísa Lobo – 2012/2013
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Regras de Conflito positivas que repartem a competência entre os diversos Estados, dizendo a cada um quais os limites do seu ordenamento jurídico. Essa tarefa é desempenhada, antes, pelo princípio universal de direito, subjacente a todos os sistemas nacionais de DIP. As Regras de Conflitos limitam-se simplesmente a desempenhar a função subordinada, mas necessária, de dirimir concursos entre várias leis potencialmente aplicáveis. É verdade que a concepção bilateralista coloca em pé de igualdade o direito material do foro e os direitos estrangeiros. Mas fá-lo unicamente para efeitos de resolução de concursos entre aquele e estes, nas hipoteses em que a situação da vida esteja em contacto com um e outros. O critério para a resolução dos sitos concursos deve ser em princípio o mesmo (igualdade de tratamento do direito do foro e dos direitos estrangeiros). Mas isto não significa de forma alguma que as normas de direito material do foro careçam duma espécie de confirmação por parte das normas de DIP do mesmo foro para poderem ser aplicadas. A tese unilateralista dita introversa, na sua versão mais elaborada e corrente, ao afirmar que a Regra de Conflitos, como norma unilateral tem por função exclusiva delimitar o dominio de aplicação das normas materiais do foro, integra as hispoteses destas normas materiais, confunde Direito Material e Direito de Conflitos e nega a autonomia das Regras de Conflitos. O Direito Material e o Direito de Conflitos situamse em planos diversos, obdecem a criterios de justiça distintos e destacam como relevantes elementos ou aspectos diferentes da realidade de facto. Contra a tese unilateralista de AGO vale dizer que ela assenta numa concepção da função da Regra de Conflitos que, confundido esta com uma nroma material de remissão ad aliud ius, igualmente implica uma negação da autonomia do direito de conflitos em face do direito material. Podem existir, num sistema de Regras de Conflitos bilaterais, Regras de Conflitos unilaterais que, em certas hipoteses, apenas curem da aplicação do direito do foro, como por exemplo sucede no art. 28º/1 e 2 CC (‘’excepção de interesse nacional’’). Pode ainda existir regras de conflitos bilaterais imperfeitas, sendo aquelas que, referindo-se apenas a situações que mantenham com o Estado do foro uma dada conexão (e não a todas as situações, incluindo aquelas que não tenham com o dito Estado aquela ou até qualquer conexão) só para essas determinam a lei aplicável, podendo esta ser a lei do foro ou uma lei estrangeira, conforme a que for apontada por uma outra conexão, considerada decisiva.
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PROF. FERRER CORREIA TEORIA DAS NORMAS DE CONFLITOS I – FUNÇÃO E REGRAS DE CONFLITOS. REGRAS DE CONFLITOS BILATERAIS E UNILATERAIS NORMA PARADIGMÁTICA DO MODELO TRADICIONAL DA REGRA DE CONFLITOS NORMA BILATERAL: indica a lei competente para dirimir qualquer questão jurídica concreta que seja subsumivel à respectiva categoria conflitual, pouco importante que essa lei seja a do pais onde o problema se levanta ou uma lei estrangeira Ao sistema da bilateralidade opoe-se o sistema da unilateralidade: a norma de conflitos unilateral propoe-se apenas a delimitar o dominio de aplicação das leis materiais do ordenamento onde vigora. Ex: as questoes do ambito do estado e da capacidade das pessoas serao resolvidas pelo direito frances, desde que se refiram a cidadaos franceses, mesmo que domiciliados em pais estrangeiro (codigo frances art. 3/3) CASO INTERMÉDIO – normas imperfeitamente bilaterais: normas que determinam tanto a aplicaçao do direito local como a de leis estrangeiras, mas que no entanto nao se ocupam senao de certos casos caracterizados pela existencia de determinados elementos que os relacionam com a vida juridica do estado do foro. Ex: se um dos nubentes for alemao, o casamento sera regulado quanto a acada um dos nuventes segundo as leis do estado a que pertença. O mesmo se observara quanto aos estrangeiros que celebrem o seu casamento na alemanha semelhante na parte da forma do art. 51/1 e 2 Por vezes as normas unilaterais, onde existam, sao tidas na pratica por meras disposiçoes incompletas, pelo que se torna possivel, se nao necessario integrar as lacunas do sistema atraves da sua extensao analogica, isto é, convertendo-as em normas bilaterais pratica ha muito seguida pelos tribunais alemaes face as numerosas regras unilaterais da primitiva EGBGB VERDADEIRO SISTEMA DA UNILATERALIDADE – 2 CAMINHOS 1. Fazer apelo a um pretenso principio conforme o qual o legislador interno nao teria poderes senao para delimitar a esfera de competencia das suas proprias leis. Este caminho entronca na teoria que ve no chamado conflito de leis um conflito de soberanias e no DIP um sistema de normas tendendentes a coordenar as diferentes soberanias estatais, antes que um conjunto de regras visando a resoluçao em termos razoaveis das questoes decorrentes das relaçoes privadas internacionais – BM A outra teoria enferma um erro fundamental: quando o estado aplica uma lei estrangeira, é a propria soberania estrangeira que se faz valer – e reciprocamente, que a soberania nacional nao pode exercer-se senão atraves da aplicaçao do direito nacional. A verdade é que a soberania nao pode exercer-se senao mediante o emprego de certos Maria Luísa Lobo – 2012/2013
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mecanismos de coerçao sobre as pessoas ou as coisas e logo evidente que no territorio de certo estado so a soberania desse estado se pode tornar efectiva. A soberania nao se manifesta tanto no acto de criar a lei como no poder de a fazer observar. A aplicaçao duma norma estrangeira nunca poe em jogo senao a soberania territorial. O DIP nao pode conceber-se como um sistema de principios ou normas visando a resoluçao de conflitos de soberanias. 2. QUADRI: a aplicabilidade de uma norma estrangeira nao pode resultar senao de uma regra de conflitos a que ela pertence ou seja da vontade de aplicaçao desse sistema a situaçao controvertida. Para que uma lei estrangeira se torne aplicavel in foro hao de mostrar-se verificas as duas condiçoes: - situaçao sub judice nao esteja ligada a lex fori atraves do elemento de conexão que esta lei considera decisivo no sector em causa - entre a mesma situaçao e a lei estrangeira exista precisamente a relaçao que essa lei requer a fim de se reputar competente. É so atraves do cumprimento desta dupla condiçao que o sistema estrangeiro se torna aplicavel in foro e nao por direito proprio, senao em vvirtude de um pp geral a que se podera dar o nome de pp de adaptaçao da ordem do estado as ordens estrangeiras. Principio este que o estado aceita exactamente porque considera importante assegurar a continuidade da vida juridica internacional dos individuos, ou, se se quiser, a harmonia juridica internacional. VANTAGENS DO SISTEMA UNILATERAL FACE AO BILATERAL O sistema do unilateralismo desdobra-se em duas preposições: - nao estando em causa a competencia do direito local, ha que aplicar a situaçao controvertida o direito que se julgar competente para reger - jamais deve decidir-se um caso pelas disposiçoes de uma lei que o nao inclua no seu ambito de aplicaçao Ex: se uma situaçao A estiver em contacto com as leis B,C e D e só a ultima se lhe considerar aplicavel, a aceitaçao universal do sistema da unilateralidade garantira que sera esta a lei reputada competente por qualquer tribunal de qualquer estado, e desde logo no estado B e C. A uniformidade da valoraçao da referida relaçao juridica estara assegurada. Deste modo, nao se pode dizer que o sistema da unilateralidade conduz melhor à harmonia juridica internacional em vez do da bilateralidade? Nao, e alem disso possui grandes desvantagens:
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DESVANTAGENS DO UNILATERALISMO - SITUAÇAO DE CUMULO JURIDICO (duas leis estrangeiras se declaram simultaneamente aplicaveis a mesma factualidade concreta) – como resolver? SOLUÇAO TRADICIONAL: optar por um dos sistemas ou por uma das normas em conflito. Mas é necessario determinar o criterio e ai começam as duvidas. - criterio substancialista: comparar os resultados a que nos levassem no caso de especie as diversas regulamentaçoes materiais em causa: aplicaria seria aquele que atendendo a natureza da questao posta permitisse a soluçao mais razoavel. Fora de questao devido ao seu casuismo. - melhor solução: elaborar para este tipo de situaçoes normas de conflitos especiais -normas que operassem a escolha da lei em funçao do resultado - normas que utilizassem o metodo tradicional da conexão espacial Quadri recusa este caminho: ia-se buscar a lei a qual situaçao concreta esteja ligada pelo vinculo mais forte e mais significativo - SITUAÇÃO DE LACUNA/VÁCUO JURÍDICO (nenhum dos sistemas com os quais uma situaçao dada se encontra em contacto, considera este contacto suficientemente forte para justificar a aplicaçao do direito material) É certo que a ausencia de uma norma nao significa logo uma lacuna. WENGLER exemplo da clausula ouro: um contrato em que se estipulou a clausula de ouro e que esta em contacto com 3 estados. Todos eles proibem a clausula de ouro na sua legislaçao interna e todos tem disposiçoes legais sobre a conexão que deve estar presente a fim de que a referida proibiçao se torne aplicavel. Imagine-se que a conexao existente entre o contrato em questao e cada um daqueles estados nao é desse tipo: nao é de molde a determinar em qualquer deles a aplicaçao da citada proibiçao legal. Nenhum prejuizo advira de a clausula ser julgada valida nesses estados, bem como em quaiquer outros onde a questao se levante. A força vinculativa da estipulaçao advira da lei ao abrigo da qual o contrato se tornou perfeito e que normalmente permitira as partes que ajuntem aos seus contratos as condiçoes e clausulas que bem lhes parecerem, desde que nao proibidas legalmente, Mas ha casos em que existe uma verdadeira lacuna: DE NOVA – uma vez verificada a ausencia de toda a disposiçao relativa ao nosso problema, tentar-se-ia sair do impasse atraves da criaçao de uma regra especial, regra tanto quanto possivel conforme ao sentido daquele sistema juridico que tenha com o caso vertente a conexao mais estreita. Tal soluçao afectaria gravemente a certeza do direito.
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II – ESTRUTURA DA REGRA DE CONFLITOS. OS ELEMENTOS ESTRUTURAIS DA NORMA A cada regra de conflitos cabe delimitar um sector ou materia juridica, uma questao ou nucleo de questoes de direito, e indicar, de entre os elementos da factualidade concreta, aquele por intermedio do qual se ha de apurar a lei aplicavel a tal dominio. A norma de conflitos é constituida por 3 partes: - objecto de conexão: (aquilo que se conexiona com determinada lei: a lei que no caso concreto for designada pelo elemento de conexão da norma) é definido por meio de um conceito tecnico juridico, o chamado conceito quadro da regra de conflitos. É no ambito traçado para tal conceito que opera a conexao escolhida pela norma, sendo esta conexao representada por um elemento ou circunstancia da factualidade concreta. - elemento de conexão: cabe a tarefa de localizar a situaçao juridica num espaço legislativo determinado: de a situar pelo que toca a valoraçao de tal ou tal dos seusaspectos ou perfis no quadro de um certo sistema de direito - consequencia juridica: declaraçao de aplicabilidade de preceitos juridico materiais da lei que for designada pelo elemento de conexao. Note-se que a uma norma de conflitos nao corresponde uma unica consequencia mas tantas quantos os ordenamentos existentes. PRINCIPAIS QUESTÕES QUE O ELEMENTO DE CONEXÃO LEVANTA 1. conflito de conexoes ou sistemas de normas de conflitos 2. criterio a que devera obedecer a escolha do factor de conexão Os interesses a cuja satisfaçao o dio vai dirigindo aconselham por vezes o recurso a duas ou mais conexões para uma só matéria. CONEXÃO MULTIPLA ALTERNATIVA: quando o que rleeva é garantir a validade de um acto, proteger certas liberdades ou facilitar a constituiçao ou a extinçao de certa situaçao juridica. Das leis indicadas sera escolhida aquela que conduza na especie ao resultado tido a priori mais justo. Por vezes a alternativa desaparece para dar lugar a competencia exclusiva de uma das leis designadas, quanso se de o caso de esta lei formular certas exigencias (ex: art. 65º/2) COMPETENCIA CUMULATIVA: subordinar a produçao de certo evento juridico ao acordo de duas leis, ou seja, a satisfaçao dos requisitos estabelecidos em cada uma delas, sito com vista a evitar a criaçao de situaçoes que nao possam aspirar ao reconhecimento num dos estados com elas mais estreitamente conexos. Visa-se a harmonia juridica internacional. Segundo BATIFFOL este sistema promete mais do que dá: promete aplicar cumulativamente as duas leis em presença, para ao fim e ao cabo aplicar apenas uma delas – a mais rigorosa e restritiva.
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APLICAÇAO DISTRIBUTIVA DE DUAS LEIS: tambem se trata de fazer apreciar por dois sistemas juridicos as condiçoes de validade do mesmo acto, porem em termos de a materia ser entre eles repartida conforme determinado criterio. Pode estabelecer-se que a capacidade para contrair casamento se avalia quanto a cada um dos futuros conjuges, pela respectiva lei nacional. Mas a este respeito pode haver certos impedimentos matrimoniais que assumem o caracter de bilateralidade: art. 1601º/ al. c) proibiçao do casamento ao cidadao portugues ja casado + declara inabil todo o nacional para contrair casamento com qualquer estrangeiro ainda legalmente casado segundo o ponto de vista do dto pt, posto que a lei nacional desse estrangeiro, por hipotese um muculmano, admita bigamia. CONEXOES SUBSIDIARIAS – previndo a hipotese de faltar o elemento exigido em factor primario de conexoes (ex: nacionalidade comum), a norma de conflitos designa o elemento sucedâneo a que em tal hipotese havera que recorrer (rhabitual). Destina-se a facilitar uma situaçao de impasse. Relevancia do elemento de conexao escolhido pela norma de conflitos é por vezes colcoada sob determinada condição: é possivel que uma lei seja declarada aplicavel sob condiçao de ela propria se considerar competente REENVIO. Harmonia juridica internacional.
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III - QUALIFICAÇÃO
PROF. FERRER CORREIA O CONCEITO QUADRO E O PROBLEMA DA QUALIFICAÇÃO
É por meio de conceitos técnicos que as regras de conflitos definem e delimitam o respectivo campo de aplicação, isto é, o espaço ou a área jurídica em que o elemento de conexão da norma é chamado a operar. Os conceitos técnicos são aptos a incorporar uma multiplicidade de conteúdos jurídicos, sendo conceitos quadro: a sua extensão é muito variável, uma vez que alguns designam uma das grandes divisões clássicas do sistema de direito privado (ex: direito das obrigações ou direitos reais) e outros referem-se aos negócios jurídicos em geral, a um aspecto isolado da sua regulamentação (ex: forma externa) ou ainda a determinado instituto (ex: filiação, divórcio..). INTERPRETAÇÃO DOS CONCEITO QUADRO Esta questão não se colocaria se se tratasse de meros conceitos descritivos ou de facto, sendo que, neste caso, tudo se resumiria em descrever as situações factuais contidas na previsão normativa e depois, face ao caso concreto, em subsumi-lo à categoria apropriada do direito de conflitos. Contudo, as coisas na realidade não são assim existindo várias teorias que se debruçam sobre a temática da qualificação: i.
TEORIA DA QUALIFICAÇÃO DA LEX FORI (TESE TRADICIONAL): a determinação do conteúdo dos conceitos quadro obtém-se recorrendo ao direito material da ordem jurídica local. Os conteúdos subsumíveis ao conceito quadro de dada norma de conflitos seriam preciasamento os que correspondem a esse mesmo conceito enquanto conceito próprio do sistema de regras materiais da lei do foro.
ii.
TEORIA DE RABEL: esta teoria apoia-se na necessidade de construir e interpretar a norma de conflitos em função dos vários sistemas jurídicos cuja aplicação ela é susceptível de desencadear. Na interpretação das regras de conflitos é necessário recorrer ao direito comparado, sendo que só pelo método da comparação jurídica é possível apurar o conteúdo dos conceitos utilizados pela norma de DIP.
PROF. FERRER CORREIA: não se pode negar a importância do direito comparado no âmbito do direito de conflitos: o DIP é por natureza um direito aberto a todas as instituições e conteúdos jurídicos conhecidos no mundo e a sua perspectiva forçosamente transcende os horizontes do sistema jurídico interno. Maria Luísa Lobo – 2012/2013
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Deste modo, é necessário o recurso ao direito comparado, no momento da aplicação das normas de conflitos e da subsunção aos respectivos conceitos quadro dos conteúdos juridicos que se oferecem. Contudo, o professor duvida que seja necessário propugnar a via comparatista no que toca ao momento da definição in abstracto dos conceitos quadro, sendo tal uma tarefa muito dificil: mesmo que fosse possivel ao interprete conhecer todas as leis existentes no momento em que é chamado a executar a sua tarefa, ser-lhe-ia d e todo impossivel prever as mudanças futuras do respectivo conteúdo. Além de mais, o conceito quadro deverá ser tomado em termos latos de modo a poder abranger uma série indeterminada de preceitos e de institutos jurídico materiais. Quando formula as normas que integram o sistema de regras de conflitos, o legislador deve proceder em termos de a cada matéria ficar a corresponder a conexão mais adequada, em função dos interesses que em cada um desses vários sectores devam considerar-se prevalecentes. A interpretação de toda a norma de conflitos só pode ser realizada atravez de uma interpretação teleológica. Devido ao facto de o DIP ter a sua intencionalidade e a sua justiça própria, a interpretação das suas normas e dos respectivos conceitos quadro tem de ser realizada com uma certa autonomia: pertencendo a norma de conflitos à lex fori, a esta lei tem de pertencer tambem a sua interpretação, só que por lex fori não se podde entender aqui a lex materialis, senão a lex formalis, ou seja o direito internacional privado dessa lei o mesmo conceito pode assumir conteúdos diversos consoante o contexto normativo em que se situa, consoante o fim da norma de que é elemento constitutivo. Em suma, um conceito quadro abrange todos os intitutos ou conteudos juridicos, quer de direito nacional quer de direito estrangeiro, aos quais convenha, segundo a ratio leges, o tipo de conexão adoptado pela regra de conflitos que utiliza o mesmo conceito. O problema da qualificação assume a sua verdadeira importância no momento de aplicação da norma, ou seja no momento em que se averigua se dado instituto ou preceito do ordenamento designado por uma regra de conflitos da lex fori pode subsumir-se à categoria normativa visada por essa regra. À lex fori compete decidir se os preceiros considerados correspondem na verdade ao tipo visado na regra de conflitos, mas é à lex causae que se vai pesquisar as caracteristicas das normas materiais potencialmente aplicaveis ao caso concreto. O problema central da qualificação reside na definição do objecto desta (leia-se o quid a subsumir-se ao conceito quadro). Por seu lado, o problema do objecto da qualificaçã é o problema do objecto da própria norma de conflitos. A regra de conflitos destina-se a coordenar os diversos sistemas jurídicos conexos com a situação da vida a regular, de modo a evitar que leis diferentes, inspiradas em princípios distintos e/ou contraditórios, sejam eventaualmente chamadas a decidir a mesma questão de direito. A norma de conflitos individualiza um instituo ou matéria
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jurídica, recorta uma questão ou núcleo de questões de direito, que religa à lei designada por certo elemento de conexão. São os preceitos materiais do ordenamento potencialmente aplicável que dão resposta ao tipo de questões visadas pela regra de conflitos em causa: da lei designada pela norma de conflitos só podem considerar-se aplicáveis os preceitos correspondentes à categoria definida e delimitada pelo respectivo conceito quadro, isto é, uma lei nunca é convocada na totalidade das suas regras materiais, mas a norma de conflitos da lex fori recorta no sistema a que se refere um sector determinado e localiza nele a competência atribuida a esse mesmo sistema. Quanto à natureza do objecto do conceito quadro: •
Uma parte da doutrina entende que objecto do conceito quadro é constituido por uma matéria, questão ou conjunto de questões de direito;
•
Outra parte da doutrina entende que o objecto do conceito quadro é constituido por preceitos materiais, ou seja, os preceitos que num dado sistema jurídico, se destinam precisamente a dar solução a essas questões.
Segundo o PROF. FERRER CORREIA não existe qualquer diferença essencial entre as duas concepções: concebendo-se o conceito quadro da norma de conflitos como a enunciação de uma questão de direito, a resolver pelo sistema que apresente com a situação da vida a regular a conexão mais significativa, deve admitir-se ser a solução dada aquele problema por tal sistema jurídico que a regra de conflitos se refere a que se obtem a partir de certos preceitos materiais do mesmo sistema juridico. PROBLEMA CENTRAL DA QUALIFICAÇÃO: averiguar quais são, de entre os preceiros materiais do ordenamento designado por certa norma de conflitos, os correspondentes à categoria definida pelo conceito quadro dessa norma, ou seja, determinar se dado instituto ou preceito do referido ordenamento pode ser subsumido a tal categoria. É necessário atender ao conteudo e função dos preceitos em causa, enquadrando-os, sempre, no seio do seu ordenamento jurídico. DOUTRINA PORTUGUESA QUANTO AO PROBLEMA DA QUALIFICAÇÃO A qualificação tem por objecto preceitos jurídicos materiais. O problema da qualificação consiste em averiguar se uma norma ou um conjunto de normas de uma hipotetica lex causae, atentas as caracteristicas que reveste nessa lei, entra na categoria de conexão de uma regra de conflitos da lex fori. Tendo em atenção o art. 15º imaginemos o seguinte exemplo: 1. Perante um sistema de direito, X, e uma norma, Y deste sistema, norma em que uma das partes se baseia para enunciar a sua pretensão (para afirmar que Maria Luísa Lobo – 2012/2013
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determinada consequência jurídica se verificou), vai começar-se por considerar aquele sistema como hipoteticamente aplicável ao caso em análise; 2. De seguida irá-se averiguar se a norma Y, considerados o seu conteúdo e escopo, corresponde realmente à categoria de conexão de uma determinada regra de conflitos da lex fori; 3. Quanto à regra de conflitos da lex fori, esta será aquela de que se partiu para julgar hipoteticamente aplicável o sistema de direito em questão. 4. Chegando à conclusão que as caracteristicas do tipo ou da categoria de conexão da referida norma de conflitos se encontram com efeito reproduzidas na disposição material Y, declara-se tal disposição aplicável à situação jurídica concreta. Caso não se chegue a tal conclusão ocorrerá a inaplicabilidade do sistema de direito X. A posição adoptada pelo CC quanto a esta matéria afasta-se da teoria do recurso ao ponto de visto do direito material da lex fori para resolver o problema da qualificação, isto é, segundo a concepção clássica para se clegar à determinação da regra de conflitos aplicável, haveria que começar por subemter a situação jurídica concreta às disposições do direito interno do foro a que caberia solucionar a questão sub judice, se a lex fori fosse, no caso, a lei aplicável. Deste modo, o legislador português afastou-se da concepção clássica, não o considerando necessário nem conforme com o Princípio da Igualdade – razões: i.
DESNECESSIDADE: toda a situação da vida internacional contém em si mesma os seus pontos de contacto, as suas conexões, e traça por si mesma o circulo das leis interessadas. É de presumir, à partida, que todas elas tenham dalgum modo impregnado os factos, influenciando as partes, gerando expectativas – não existe à partida razão para excluir qualquer delas deste juizo liminar.
ii.
PRÍNCIPIO DA IGUALDADE: segundo este princípio, as condições que decidem da aplicabilidade no caso da lei estrangeira sejam as mesmas que determinariam (se fosse caso disso) a aplicação da lex fori. Por exemplo, se a legislação X regulamenta a promessa de casamento como uma instituição quase familiar, é forçoso inclui-la, para efeitos da aplicação dessa lei, na categoria de conexão do sistema de DIP do foro indicada pelo nome ‘’direito da família ou relações jurídicas quase familiares’’. Além de mais, este é o único caminho que permitirá alcançar a harmnoa jurídica entre as diversas legislações consideradas no caso.
Atendenendo ao método de qualificação seguido no CC importa esclarecer que a denominada qualificação primária ou de primeiro grau é um mecanismo inútil, ou seja, rejeita-se a teoria clássica em qualquer das suas modalidades. Maria Luísa Lobo – 2012/2013
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TEORIA CLÁSSICA – MODALIDADES vs POSIÇÃO ADOPTADA NO CC I – MODALIDADES DA TEORIA CLÁSSICA 1. TEORIA DE ROBERTSON: no processo de qualificação é necessário distinguir duas operações, sendo que: •
A primeira qualificação incide sobre a situação de facto que dá origem à questão ou controvérsia jurídica. O problema que aqui se levanta é o da subsunção da factualidade sub judice a uma categoria abstracta da lei – a uma das categorias do direito de conflitos do foro – em ordem à determinação do ordenamento competente. Em regra, é da propria lex fori que depende a solução deste problema.
•
A segunda qualificação é uma qualificação de normas. A qualificação primária tornou possivel a individualização da lei ou leis aplicáveis aos diferentes aspectos da situação litigiosa. Agora é necessário averiguar se uma norma particular ou um conjunto de normas do sistema ou de um dos sistemas designados como competentes pertence ou nao à ordem de questões que a regra de conflitos do foro deferiu a esse mesmo sistema. Tal definição compete ao próprio sistema jurídico de que faz parte o preceito ou grupo de preceitos em causa.
ANÁLISE DESTA TEORIA: a teoria exposta só difere da posição adoptada no CC quanto à qualificação primária que entre nós não é seguida. Para ROBERTSON nós só utilizamos a qualificação secundária, uma vez que a regra de conflitos determinada já foi apurada em momento anterior. Contudo, para este autor, o conhecimento de qual seja a regra de conflitos aplicável ao caso supõe que se tenha previamente qualificado a situação factual que se apresenta ao juiz, isto é, que se tenha previamente operado a sua subsunção a uma das categorias do direito conflitual do foro (qualificação primária). Qualificados os factos está definida a norma de conflitos apropriada ao caso e da legislação competente. 2. TEORIA ADOPTADA POR ANZILOTTI, FEDOZZI E ROBERTO AGO: a questão da qualificação desdobra-se em dois problemas: •
Em primeiro lugar, enquanto problema de interpretação da norma de DIP, é necessário averiguar quais as relações da vida que a regra de conflitos pretende designar atraves de uma determinada qualificação jurídica. Essas relações são precisamente aquelas que, se não fosse a circunstância de se apresentarem como estranhas à vida jurídica local, encontrariam a sua disciplina nas normas substanciais do ordenamento do foro que atribuem qualificação às hipoteses que contemplam.
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Em segundo lugar, uma vez que se encontra já determinada a regra de conflitos aplicável ao caso e encontrada a lei competente, resta averiguar que regulamentação deirva dessa lei para a relação concreta. Deste modo é necessário qualificar de novo esta relação; e como o problema que se levanta agora é relativo à interpretação e aplicação de normas do sistema jurídico estrangeiro indicado como aplicável pelo DIP do foro, nenhuma dúvida se que é a luz desse sistema que cumpre resolvê-lo.
Esta Teoria é designadada pela TEORIA DA DUPLA QUALIFICAÇÃO Esta Teoria, ao contrário da TEORIA DEFENDIDA POR ROBERTSON, não tem por função localizar a competência atribuida a uma lei em determinado capitulo ou sector do sistema (não tem uma função limitativa), dirigindo-se apenas à pesquida das normas que na lei designada regulam os tipos de situações em que se enquadre a situação concreta. POSIÇÃO DO PROF. FERRER CORREIA QUANTO À TEORIA DA DUPLA QUALIFICAÇÃO: esta visão das coisas não é correcta; sendo o sentido da regra de conflitos o de cometer certas função normativa a determinada lei, só podem logicamente reputar-se abrangidas no seu âmbito normas que no respectivo sistema jurídico estiverem precisamente vinculadas a tal função. Definida uma lei como competente quanto a determinado sector ou matéria jurídia, seria de todo incongruente tomar dessa lei e aplicar ao caso nromas que, em razão da natureza das necessidade sociais a que principalmente se dirigem, são incluidas ai em diferente sector do sistema. QUALIFICAÇÃO DE COMPETÊNCIA: segundo AGO o problema da qualificação de competência consiste em averiguar a que situações da vida quer a regra de conflitos referir-se mediante o emprego de determinada noção jurídica e que a questão se resolve recorrendo às normas substanciais da lex fori que utilizam o mesmo conceito para delimitar a esfera de relações que pretendem disciplinar. Para este autor, as normas de conflitos são exclusivamente destinadas a definir o campo de aplicação de sistemas jurídicos estrangeiros. Deste modo, e para este autor, o DIP seria uma disciplina jurídica especial instituída para aquelas relações que, por estranhas à vida interna do Estado, não seria adequado submeter ao ordenamento local. Por sua vez, para o PROF. FERRER CORREIA, o DIP é o conjunto de critérios normativos através dos quais se há-de apurar em qualquer hipotese de conflito ou concurso de leis qual deverá ser aplicada. A aplicação dos preceitos materiais do ordenamento nacional tambem esta dependente da intervenção de uma norma de DIP. Salvo tratando-se de relação puramente interna. Esta concepção foi seguida pelo nosso legislador e por essa razão as normas do Código de 1966 são rigorosamente bilaterais, ou seja, são normas de conflitos que se propoem delimitar tanto o campo de aplicação das leis estrangeiuras como o ambito ou esfera de competencia do proprio direito Maria Luísa Lobo – 2012/2013
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nacional. O legislador ao seguir o caminho da formulação de regras de conflitos bilaterais inspira-se no princípio da paridade de tratamento, ou seja, na ideia de que os factores que decidem da aplicação da suas prórpias leis hão-de ser também os que desencadeiam a aplicação das leis dos outros Estados. Toda a norma de conlitos bilaterais pode decompor-se em tantas regras unilaterais, obtidas por desintegração da sintese que a norma bilateral representa, é a que determina a aplicabilidade da própria lex fori. Sendo a norma de conflitos real uma unica, parece evidente que os factores que nessa regra unilateral decidem da aplicação dos preceitos da lex fori terão de ser os mesmos que cobram relvo na moldura das outras regras unilaterais em que se desdobra a norma de conflitos considerada. É a aplicabilidade dos preceitos materais da lei do foro a determinada situaçãoi da vida que depende unicamente do facto de os preceitos em causa tomados pelo que estatuem e pelo escopo que visam estatuir desse modo cairem dentro do ambito traçado pela regra de conflitos que se conexiona a relaçao sub judice com tal ordenamento. A partidade de tratamento justifica-se ainda por uma questão de justiça, isto é, é justo que o DIP coloque os diferentes sistemas jurídicos em pé de igualdade. II – POSIÇÃO ADOPTADA NO CC A doutrina seguida pelo CC assegura de imediato a aplicação ao caso concreto de todos os preceitos da lei declarada competente que se relacionem de modo essencial, pelo conteúdo, fins e conexões sistemáticas, com a matéria ou a questão de direito em causa, rejeitando, simultaneamente qualquer norma situada além da fronteir traçada pela regra de conflitos. Ou seja, a referência da norma de DIP a uma lei (a lei do foro ou outra) não abrange a totalidade das suas disposições, dirigindo-se apenas às que possam subsumir-se (dado o seu conteúdo, escopo, etc) na categoria normativa da regra de conflitos. Só a doutrina seguida pelo CC respeita o princípio da paridade de tratamento, uma vez que só ela se mantem fiel à ideia de que os factores determinantes da aplicabilidade das leis estrangeiras deverão ser os mesmos que decidem da aplicação das nossas próprias leis. Toda a qualificação lege fori, uma vez que probilegia esta lei obrigando a subsumir ao seu sistema de regras materiais a questão de direito em causa a fim de chegar à identificação da regra de conflitos aplicável, lesa manifestamente o princípio da igualdade de tratamento. CONFLITOS POSITIVOS E NEGATIVOS DE QUALIFICAÇÕES Quando existe uma situação em que se verifica a concorrência de preceitos materiais de leis diferentes, convicadas a títulos também diferentes, para regular o mesmo caso, ou o mesmo aspecto do caso estamos face a um conflito positivo de qualificações/cúmulo jurídico; por outro lado podemos tambem estar face a uma situação em que existe uma ausência de normas aplicáveis o que consubstância um conflito negativo de qualificações/vácuo jurídico. Maria Luísa Lobo – 2012/2013
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O CC não consagradou nenhuma solução quanto a esta aspecto e a doutrina diverge. Na opinião do PROF. FERRER CORREIA a solução passara por tentar definir uma relação de hierarquia entre as questões conflituantes. Tal passará pelo sacrífico de uma das regras de conflito em presença e à não aplicação do sistema jurídico por ela indicado, sendo o critério usado fundamentalmente o dos fins a que as várias normas de conflitos vão apontadas, o dos interesses que elas intentam servir. CONFLITO ENTRE QUALIFICAÇÃO FORMA E A QUALIFICAÇÃO SUBSTÂNCIA: aplicando o critério dos interesses a este caso, os conflitos deste tipo resolvem-se sem grande dificuldade, dando primazia à qualificação substância e à norma de conflitos relativa aos requisitos de fundo do acto jurídico: basta atender aos fins a que se dirige a criação de uma conexão especial para a forma externa dos negócios jurídicos. Dada a natureza unitária do negócio, o que estaria em princípio indicado era submetê-lo no conjunto dos seus aspectos – validade intrinseca, requisitos de forma e efeitos – a uma única lei, mas, em muitos casos, é dificil aos interessados apurar com rigor, no pais onde se encontram e onde pretendem celebrar o negocio juridico, a lei aplicavel à substância do acto ou as formalidades prescritas por essa lei, podendo ainda ocorrer que tais formalidades sejam impraticaveis em tal pais. Deste modo, se na celebração do negócio se deu cumprimento à lex loci, mas deixou de se observar a forma que a lex causae prescreve, sob pena de nulidade, ainda que o acto seja praticado no estrangeiro, o preceito da lex causae prevalece. CASO BÁRTOLO (caso estudado por BARTIN): tratava-se de um testamento ologravo feito por um holandes em França. • •
O Direito Frances admite o testamento olografo; O CC holandes não o considerava válida esta forma de testar nem atribua qualquer valor aos testamentos olografos de nacionais holandeses feitos no estrangeiros
Para BARTIN tudo dependia da qualificação atribuida à adminissibilidade do testamento olografo e à norma do CC holandes que não lhe atribua qualquer valor. Para BARTIN seria competente a lei francesa e o testamento seria válido. Contudo, o PROF. FERRER CORREIA tratava-se de um conflito entre duas normas de DIP, ou seja entre a norma do sistema jurídico frances que consagrando o principio locus regist actuam reinvindica para este sistema plena competencia no ambito da forma dos negocios juridicos, e a norma do CC holandes que em materia testamentária introduz certo desvio aquele principio, a favor da lei nacional do testador, sempre que esta seja a lei holandesa.
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CONFLITO ENTRE A QUALIFICAÇÃO REAL E UMA QUALIFICAÇÃO PESSOAL: neste caso a qualificação pessoal terá de ceder, essencialmente porque a ligação da coisa ao Estado territorial é muito mais forte do que a do individuo ao Estado nacional. O estado nacional nenhum poder efectivo tem sobre coisas situadas em territorio estrangeiro, e a efectividade das decisões dos seus tribunais em relação a tais coisas depende, toda inteira, da cooperação que lhes queiram prestar as autoridades do Estado territorial. Segundo uma parte da doutrina, esta concepção justifica uma norma de conflitos especial que consagre o abadono da competência da lex patriae em favor da lex rei sitae, relativamente a bens imóveis situados num pais cujo DIP estenda esta ultima regra mesmo a instituições juridicas de cunho vincadamente pessoal. Deste modo, estamos face ao aproveitamento do principio da maior proximidade para resolver uma das formas mais tipicas do conflito de qualificações. Analisemos agora a caracterização do direito do Estado a assenhorear-se, em certos termos, da sheranças abertas por óbito dos particulares: •
TEORIA PRIVATÍSTICA: há paises em que se define esse direito como de natureza sucessória, ou seja, o Estado, quando chamado a recolher uma herança por falta de sucessores testamentários e legítimos, intervem ele proprio na qualidade de herdeiro.
•
TEORIA DOMINANTE EM FRANÇA E INGLATERRA: esse direito estadual é um direito público, um direito de natureza real.
CONFLITOS NEGATIVOS: só existe um verdadeiro problema quando exista uma autêncica lacuna de regulamentação segundo o ponto de vista da lex fori, isto é, quando a não aplicação das duas leis em principio aplicaveis produza um resultado claramente insatisfatorio. Muitas vezes o conflito é apenas aparente, porque aos preceitos em causa uma das leis interessadas pode vir a caber a qualificação correspondente aquela que poe em movimento a norma de DIP que designa essa lei como aplicável.
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IV - REENVIO PROF. FERRER CORREIA OS CONFLITOS DE SISTEMAS DE DIP I – DIFERENTES ABORDAGENS DO PROBLEMA Um dos problemas a que nos conduz o elemento de conexão da regra de DIP é o do conflito de conexões (deriva da diversidade dos factores de conexão adoptados nos vários sistemas de direito para a mesma matéria jurídica). À partida a questão poderia ser considerada de duas perspectivas, ou seja de uma perspectiva unilateral que não merece a nossa adesão, e uma perspectiva bilateral. De acordo com a perspectiva bileteral, a norma bilateral ou multilaral presta-se muito especialmente a originar o fenómeno do conflito de sistemas de DIP, tendo, na verdade, essa norma por função designar a lei aplicável a toda e qualquer questão jurídica dimanada de uma situação da vida internacional e reflexamente delimitar o âmbito de competência das diferentes ordens jurídicas estaduais. Os conflitos de sistemas podem ser de duas categorias: •
CONFLITO POSITIVO: duas ou mais legislações simultaneamente aplicáveis à mesma questão jurídica concreta;
•
CONFLITO NEGATIVO: nenhuma das leis com as quais a situação a regular se acha em contacto pretende discipliná-la. Este tipo de conflitos deu origem à TEORIA DA DEVOLUÇÃO OU DO REENVIO.
consideram-se
Quer o conflito positivo quer o conflito negativo levanta a questão de saber se o tribunal deve aplicar invariabelmente o seu próprio sistema de conflitos. Existem várias abordagens/concepções quanto ao assunto: i.
NEUMANN & GABBA (fins do séc. XIX e inicio do séc. XX)
Trata-se da criação de um super-direito internacional privado em que existiria a adopção por cada Estado de duas categorias ou dois escalões de regras de conflitos: as normas de escalão superior destinar-se-iam a seleccionar o Estado competente para as diversas matérias jurídicas, segundo critérios derivados das coisas ou da sede das relações. A esse estado competiria designar, através da regra de um escalão inferir, a lei aplicável ao caso de espécie. Evidentemente esta perspectiva não vingou, uma vez que para funcionar seria necessário que as regras de conflitos de segundo grau fossem adoptadas por todos os Estados (tal acordo não existe e nem é de esperar que venha a existir).
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ii.
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ERNEST FRANKENSTEIN (período entre as duas guerras)
Retomou a concepção de NEUMANN & GABBA propondo um sistema em que avukta a ideia de um tríptico de conexões: conexões primárias, secundárias e falsas. •
CONEXÕES PRIMÁRIAS: são postuladas pela própria ideia de direito e portanto válidas a priori; a sua validade é independnete de qualquer sorte de consagração legislativa. Há unicamente duas conexões deste tipo (1) uma para as pessoas e (2) outra para as coisas.
As pessoas estão sujeitas ao direito em vigor na sua comunidade nacional; a lei chamada a regular as relações inter individuais será a lei da nacionalidade dos respectivos sujeitos. Todo o individuo tem o seu proprio direito, o direito da comunidade a que pertence: direito com o qual ele se identifica, para cuja formação concorre (ao menos potencialmente), à luz de cujos preceitos pode valorar a sua conduta. A competência da lei nacional não advem de uma regra de conflitos da lex fori, mas sim, trata-se de uma competencia dada a priori, que deocrre da verdade cientifica de que todo o homem pertence ao ordenamento juridico do seu estado nacional.
As coisas estão sujeitas ao direito vigente no Estado da situação; a lei reguladora dos direitos sobre as coisas será a lex rei sitae. A competencia da lex rei sitae radica na ideia a priori de que as coisas estão sujeitas ao poder juridico do Estado em cujo territorio se acham situadas.
•
CONEXÕES SECUNDÁRIAS: uma vez estabelecidas pelo Estado primariamente competente, são dotadas do mesmo valor universal das conexões primárias.
•
CONEXÕES FALSAS: conexões eventualmente estabelecidas por outro estado; a aplicabilidade de uma lei diferente da lex patriae (quanto às pessoas) ou da lex rei sitar (quanto aos direitos sobre as coisas) advem de uma conexão estabelecida por outro ordenamento; tal conexão não sendo um acto conforme ao direito só poderá ser eficaz no território onde o respectivo Estado exercer a sua soberania.
Contudo, esta concepção é muito semelhante à defendida por NEUMANN & GABBA: os dois princípios básicos da teoria frankensteiniana (ligação das pessoas ao Estado nacional e sujeição das coidas ao Estado da situação) equivalem para efeitos práticos às normas de escalão superior ou de super direito internacional privado.
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CRÍTICAS À TEORIA DE FRANKENSTEIN •
A ideia de que o direito procede da convicção jurídica popular pode conduzir a um sistema de formação predominantemente consuetudinário. Sabe-se a escassa importância que um tal direito assume nos Estados modernos. O que está na mente de todo o individuo é apenas uma ideia incerta e vaga acerca do que é realmente ajustado ao interesse colectivo, acerca do que deve ser o direito aqui e agora. O próprio FRANKENSTEIN reconhece que nos estados modernos é impossivel afirmar que todo o preceito de direito corresponde à convicção jurídica do povo: o que pena é que nenhum preceito poderá manter-se por muito tempo contra essa mesma convicção jurídica.
•
FRANKENSTEIN supoe que o direito de um Estado, brotando da convicção jurídica popular, tem por únicos destinatários os cidadãos desse estado, não sendo licito impô-lo aos membros de comunidades estaduais estranhas (para os quais não valeria como direito). Contra tal visão existe o espirito do nosso tempo: tempo marcado por um certo comopolitismo, por uma atitude de abertura rasgada ao reconhecimento de valores juridicos recebidos e consagrados em ordenamentos estrangeiros. Tempo de circulação de homens, de ideias, de tecnologias, de conceitos. Aquele que, sob a pressão de factores económicos ou movido por outros interesses, elege domicio longe da patria, adapta-se muito mais facilmente do que outrora às formas de vida, aos usos e costumes, às realidades jurídicas que s elhe deparam no país adoptivo. O seu verdadeio interesse está em ser ele sujeito ai a um tratamento e a um estatuto o mais possivel identicos aos dos nacionais, em ser ele ai o mais possivel equiparado aos cidadaos. Ser olhado e tratado o menos possivel como um estrangeiro na terra onde vive.
•
FRANKENSTEIN ignora as ponderosas razões sociais, económicas e polícias que nos países de forte corrente imigratória fazem flectir a balança, nas matérias do foro pessoal, para o princípio do domicilio. Esses paises, empenhados em promover a rapida assimilação dos imigrantes, conscios de que a aceitação da nacionalidade como factor de conexão básico seria fonte de graves embaraços na pratica judiciária e quase equivaleria a uma renuncia à unidade de legislaçao, nao vao desistir das vantagens que lhes proporciona a regra do domicilio
iii.
FRANCESCAKIS – DOUTRINA DA AUTOLIMITAÇÃO ESPACIAL DAS REGRAS DE CONFLITOS DA LEX FORI
É na perspectiva do conflito de sistemas de DIP que este autor se coloca desde o inicio: ‘’assimo como falamos de conflitos de leis quando as leis internas em caus atêm um conteudo diferente, assim tambem deveriamos falar de conflitos entre as regras de
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conflitos’’ quando as regras de conflitos em causa são diferentes. Mais genericamente poderiamos falar de conflitos de sistemas de DIP’’. Para resolver estes conflitos deveria aceitar-se a ideia de que o dominio de aplicação das regras de conexão de um sistema jurídico não é ilimitado; deveria admitir-se a existencia de duas categorias de relações multinacionais: as primeiras seriam aquelas que nao tendo embora com o sistema frances o contacto elevado por este sistema ao papel de elemento de conexão, todavia apresentam com eles outros contactos – perante tais situações, a lex fori seria admitida a fazer valer o seu proprio ponto de vista, podendo pois submetê-las à lei designada pela sua norma de conflitos bilaterais. Contudo, o memso já não se poderia dizer quanto às situaçoes definitivamente constituidas em pais estrangeiro e num momento em que se encontravam totalm ente desligadas da ordem juridica do foro. Estas situaçoes estariam fora da alçada das regras de conflito francesas. CRÍTICAS À TEORIA DE FRANCESCAKIS •
Segundo FRANCESCAKIS o que justifica a aplicabilidade do sistema de conflitos do foro é o interesse da ordem juridica francesa em vigiar estreitamente as situações que têm com o sistema frances, não aquele contacto que constitui para este sistema o elemento de conexão relevante, mas outros contactos. Segundo este autor imagine-se a situações em que ‘’estrangeiros domiciliados em França foram divorciar-se no seu estado nacional. Este divorcio deveria escapar ao controlo do sistema frances de conflitos de leis, quando é certo que os interessados se encontravam efectivamente integrados pelo seu domicilio na vida francesa?’’. A tal responde QUADRI: se é de acautelar o referido interesse do ordenamento juridico frances que se trata, temos de convir que ele estaria suficientemente tutelado atraves da excepçao da ordem publica internacional.
•
As normas de conflito não têm como principal escopo outro que não seja o de resolver um conflito de leis: eliminar uma situação de concorrencia ou de concurso entre preceitos materiais procedentes de ordenamentos distintos. Não são elas normas de conduta, normas que s eproponham como fim principal influenciar o comportamento dos individuos, determinando-os a agir deste ou daquele modo ou a abster-se de certos actos. Onde quer que surha um conflito de leis, deve encontrar-se uma norma que permita resolve-lo. Não é possivel deduzir da essencia destas normas quaisquer limites à sua aplicação espacial.
•
Constitui proposição errónea a de que o sistema juridico nacional nao tem interesse em ver aplicadas as suas normas de DIP a situação que não tenham com ele qualquer conexão, ou uma conexão estreita. Nada prova que os criterios de conexão pelo legislador adoptados não sejam apropriados para designar a lex conveniens nos casos que não tenham uma ligação significativa com o direito do foro e em virtude deste simples facto.
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Seria proventura justo e razoável reconhecer toda a situação validamente criada no estrangeiro, só pelo facto de se ter constituido ao abrigo de uma lei que se reputa competente – desde que a situação nao estivesse por qualquer forma conectada, ao tempo da sua constituição, com o ordenamento local? Para o PROF. FERRER CORREIA tal acarreta muitas reservas: é bem possivel que a conexão existente entre a situaçao a reconhecer e a lei estrangeira se mostre claramente insuficiente . apreciado o caso da perspectiva do direito de conflitos do foro – para justificar a competencia da referida lei. Muito bem se comprrende a tendencia para atribuir a uma situaçao juridica estrangeira os efeitos que lhe cabem segundo a lei que presidiu à sua criaçao – desde que esta lei funde a sua competencia num titulo aceitavel. Não se deve admitir sem previo controlo os criterios da lei estrangeira.
II – DO REENVIO Estamos agora face a um problema que surge do facto de a legislação estrangeira designada pelo DIP do foro para ragular certa questão jurídica não se considerar aplicável e antes ‘’remeter’’ para outra ordem jurídica. EXEMPLO1 – A ordem jurídica indicada pelo DIP do foro devolve ou retorna a competência à própria lex fori L1 L2 L2 L1
• • • • •
Cidadão Brasileiro Domicilio em Portugal Morre em Portugal Lei reguladora da sucessão: lei brasileira DIP brasileiro – considera a lei portuguesa aplicável
EXEMPLO 2 – A ordem jurídica indicada pelo DIP do foro transmite ou endossa a competência a uma terceira legislação L1 L2 L2 L3 • • •
De Cuius: cidadão dinamarques Domicilio: Itália Lex Fori (portuguesa): manda aplicar à sucessão a lei dinamarquesa (lex patriae)
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Lex Patriae (lei dinamarquesa): defere a questão à lei do último domicilio do de cuius (Itália)
ORIGEM DO PROBLEMA – CASO FORGO (julgado definitivamente em 1882) • • • • •
Forgo – cidadão da Baviera Forgo – vivera longa vida em França Frogo – faleceu em França sem testamento Sucessão – valores mobiliários existentes em França Apareceram a habilitar-se à sucessão certos parentes colaterais afastados, que de facto herdariam segundo a lei vigente na Baviera, mas não segundo a lei francesa, que segundo esta os bens seriam para o Estado
A primeira fase do processo terminou com a decisão de que a lei aplicável era a lei bábara (lei do domicilio de origem do de cuius), uma vez que o hereditando não tinha chegado a adquirir um domicilio legal em França. Por iniciativa da Administration des Domaines discutiu-se se o direito bávaro não deveria aplicar-se na sua totalidade, mais concretamente, sobre se a primeir anorma desta legislação, que se impunha reconhecer e acatar, não era a que devolveria, em matéria de sucessão mobiliária, para a lei do domicilio de facto ou residência habitual do autor da herança, a qual vinha a ser, no caso, a lei francesa decisão do Court de Cassation. Imagine-se que a lei estrangeira designada pelo DIP do foro designa por seu turno para regular o caso a própria lei do foro. 3 ATITUDES POSSÍVEIS FACE A ESTE CONFLITO NEGATIVO DE REGRAS DE CONFLITOS 1. ATITUDE FAVORÁVEL AO REENVIO COMO PRINCÍPIO GERAL TEORIA DO CARACTER GLOBAL: é a atitude dos partidários da doutrina da devolução ou do reenvio, doutrina que que defende que a referencia da norma de conflitos do foro à lei estrangeira tem caracter global; 2. ATITUDE ABSOLUTAMENTE CONDENATÓRIA DO REENVIO TEORIA DA REFERÊNCIA MATERIAL: é a atitude dos que interpretam toda a referência da norma de conflitos à lei estrangeira como pura vocação do direito material dessa lei 3. ATITUDE CONDENATÓRIA DO PRINCÍPIO, MAS FAVORÁVEL AO REENVIO COM UM ALCANCE LIMITADO: é a posição moderna, defendida nomeadamente pela doutrina alemã; reconhecendo-se que o reenvio pode levar
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em muitos casos a resultados justos, adopta-se a ideia tão somente na medida do necessário para se atingirem tais resultados. TEORIA DA REFERÊNCIA MATERIAL Em primeiro lugar é necessário considerar que em toda a legislação existem duas zonas ou camadas: uma mais superficial composta pelas normas de conflitos e outra mais profunda formada pelas regras propriamente ordenadoras da vida social (direito material). EXEMPLO1: quando a regra de conflitos determina que ‘’as sucessões por morte são regidas pela lei nacional do hereditando’’ tal significa que os tribunais locais resolverão os problemas levantados pela sucessão mortis causa de um estrangeiro tal que eles seriam resolvidos por um juíz do estado nacional do de cuis, na hipotese de se não suscitar qualquer conflito de leis. EXEMPLO2: sucessão mortis causa de um brasileiro que faleceu domiciliado em Portugal a lei competente, segundo a norma de conflitos do foro, seria a lei brasileira. Como está referencia à lei brasileira passa sem se deter atraves da primeira camada deste sistema jurídico (norma de conflitos e por conseguinte a norma que remete para a lex domicilii) para atingir a sua região medular, que é onde se localiza, com outras a instituição das sucessão, serão os princípios do direito sucessório brasileiro que os tribunais portugueses deverão aplicar. ARGUMENTOS POSITIVOS QUANDO À TEORIA DA REFERÊNCIA MATERIAL •
FUNÇÃO DAS NORMAS DE CONFLITOS: historicamente, o DIP nasceu para assinalar a lei acpliável às relações plurilocalizadas, conectadas com dois ou mais sistemas legislativos. O DIP constituiu-se para assinalar a cada uma dessas relações que a sua lei reguladora e naturalmente a mesma lei em toda a parte. Se o DIP nasceu com este sentido ou esta aspiração de universalidade seria uma contradição admitir que as suas normas tivessem surgido marcadas do selo de uma referência a outras normas com idêntica função mas de sentido diverso.
•
CARACTER INTERNACIONAL, PELO SEU OBJECTO, DAS REGRAS DE CONFLITOS NACIONAIS: as regras de conflitos legislam sobre matéria propria do direito internacional, sendo apenas por insuficiência da organização jurídica internacional que o Estado formula as mesmas regras, as quais representam, para ele e para os seus tribunais, o verdadeiro direito internacional. Se os principios de DIP adoptados por um estado têm de considerar-se como aqueles que seriam sancionados por um legislador realmente internacional e portanto como os verdadeiros principios do DIP em harmonia com o modo de ser da comunidade dos Estados, seria absurdo que o juiz de um estado pudesse reconhecer e aplicar preceitos de direito internacional formulados por outros estados, como seria absurdo e ate
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incompreensivel a a aplicação de principios diferentes dos definidos por um legislador internacional. •
A doutrina da referencia à lei de direito interno é a que melhor de harmoniza com o pensamento modelador de toda a norma de conflitos. Por exemplo, a regra que diz que o estado e a capacidade da pessoa são regidos pela lei da sua nação corresponde tem inerente uma certa ideia de justiça.
TEORIA DA REFERÊNCIA GLOBAL A referência da lex fori à lei estrangeira tem em consideração toda a unidade dos seus preceitos, tanto de direito material como conflitual. ‘’RAMOS DA TEORIA DA REFERÊNCIA GLOBAL’’ i. ii.
TEORIA CLÁSSICA – DOUTRINA DA DEVOLUÇÃO SIMPLES TEORIA DO REENVIO TOTAL OU DA DEVOLUÇÃO DUPLA
i.
TEORIA CLÁSSICA – DOUTRINA DA DEVOLUÇÃO SIMPLES
Esta teoria consagra duas soluções: • •
Retorno: se L2 devolve para L1 aplicar-se-á L1 Transmissão de Competência: se L2 remete para L3 aplicar-se-á L3
ARGUMENTOS A FAVOR DESTA TEORIA •
Ideia de unidade do todo formado pelo direito material e de conflitos. O ordenamento jurídico é um todo de regras materiais e de preceitos sobre a aplicação das leis. Se o direito de conflitos do foro remete determinado caso para uma legislação A e esta o sujeita por seu turno à legislação B, a resolução desse caso pelo direito material de A não constituiria uma aplicação desta ordem jurídica, mas antes a sua violação.
Contudo, o argumento é falacioso: ele só teria valor se se conseguisse provar a unidade substancial das duas espécies de normas jurídicas, as de regulamentação e as de conflitos. Sendo o direito material de um qualquer estado absolutamente inseparável das regras de competência legislativa sancionadas por esse mesmo estado, se o ordenamento estadual designado se reputa incompetente existem duas soluções: (1) há-de passar-se directamente à legislação por ele declarada aplicável (teoria do reenvio) ou (2) terá em todo o caso de procurar-se por outro caminho a solução ao problema. Assim o exige o respeito da soberania estrangeira, ou seja como todos os estados são iguais e devem respeitar-se uns aos outros, não pode haver competência imposta. Contudo, o problema que o DIP se propoe resolver não é um problema de respeito e coordenação de soberanias, mas sim o de definir para os diferentes tipos de situações Maria Luísa Lobo – 2012/2013
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doc omercio juridico internacional a lei que mais convenha a cada um. Deste modo, não faz necessariamente ao caso que o juizo do legislador estrangeiro coincida com o do legislador local. OBJECÇÃO DO CÍRCULO VICIOSO: a teoria da referência global, quando aplicada e desenvolvida segunda a sua própria lógica, nega-se rotundamente a si mesma, pois conduz por força a situações de autêntico circulo vicioso. Se a teoria é verdadeira para as regras de conflitos do sistema de onde se parte (lex fori), verdadeira há-de ser tambem para as regras de conflitos da lei que elas mandam aplicar. Se a referência da norma de confltios do foro à legislação do estado nacional do individuo não pode deixar de abranger a nova referência desta legislação à lex fori, tambem esta ultima designação terá de incluir a regra que remete para a lei nacional. Estariamos portanto condenados a passar continuadamente da lei nacional para a lex fori e desta para aquela. O mesmo se diga na hipotese de transmissão de competência: imagine-se que por obtido de um cidadao dinamarque, cujo ultimo domicilio foi em Londres e que deixou bens imoveis em Italia, se procede ao inventario em Portugal. Para se saber o direito sucessorio aplicavel é necessário atender que a lex fori manda aplicar a lei dinamarquesa, esta remete para a lex domicili, a lex domicilii designa como competente a lex rei sitae. Como o direito de conflitos italiano, do mesmo modo que o portugues, considera aplicavel a lei nacional, eis-nos de novo no ponto de partida, condenados a refazer, passo a passo o caminho ja precorrido. •
Esta teoria apoia-se ainda no argumento da uniformidade de julgados ou da harmonia jurídica internacional: se remetendo L2 para L1 (ou L3) os tribunais locais resolverem o caso segundo os principios de direito interno de L1 (ou de L3), é claro e seguro que a sua decisão será identica à que seria proferida por um juiz do estado a que L2 pertence.
Deste modo a justiça da causa deixara de depender do lugar da propositura da acçao, o que é excelente. Contudo, a doutrina em exame só em casos muito contados se poderá realizar Ac. STJ 28-X-952 No acórdão, Allard, cidadão frances, faleceu em Portugal com testamento, deixando bens no nosso país. No inventário a que se procedeu, discutiu-se se a mãe do falecido (mae ilegitima) tinha direitos de herdeira legitimaria. Entendeu-se que, sendo a sucessão regulada pela lei francesa, mas remetendo esta para o direito portugues haveria que aceitar a devolução e o caso foi julgado em harmonia com os principio do nosso CC. Se a questao se tivesse levantado em França muito provavelmente os tribunais franceses teriam considerado aplicavel a lei do seu pais, por aceitarem tambem eles o reenvio da lei da situaçao ou da lei do ultimo domicilio para a lex patriae. Conclui-se, deste modo, que o Supremo fez uma aplicaçao injustificavel do principio da harmonia juridica da doutrina da devolução. A unica maneira de o tribunal portugues resolver o problema do mesmo modo que resolveria um tribunal frances Maria Luísa Lobo – 2012/2013
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teria sido eles aplicar o direito sucessorio nacional do testador, negando, pois a vocação sucessoria ex lege da mae ilegitima do autor da herança. Deste modo é forçoso concluir que a teoria do reenvio na sua formulaçao tradicional nao consegue atingir, a não ser esporadicamente, o objectivo pratico que se propoe: a uniformidade de julgados, a harmonia juridica. Para que o reenvio conduza à harmonia juridica na hipotese do retorno é indispensavel que a referencia da L2 a L1 seja uma referencia material é indispensavel que o direito conflitual de L2 não admita ele proprio o reenvio. Tal critica extende-se tambem à transmissão da competencia: do simples facto de L2 remeter para L3 nao pode deduzirse, com absoluta segurança, que seja esta lei aplicavel ao caso segundo o DIP de L2. É possivel que L3 remeta por seu turno para L2 •
Há sempre vantagem, sob o ponto de vista do interessa da boa administração da justiça, em aplicarem os juizes o seu proprio direito, unico em que naturalmente sao versados, unico que eles poderão interpretar e aplicar sem forttes probabilidades de desacerto.
Como é evidente esta razao se foss evalida só o seria para a hipotese de retorno: se L2 devolve para L1 deverá sempre aplicar-se o direito interno de L1. É assim que a teoria da devoluçao tem sido compreendida pelos tribunais de todos os paises que a seguem (com excepção de Inglaterra). É bom sem duvida que os tribunais possam aplicar as suas proprias leis, mas é melhor ainda que eles apliquem às situações da vida internacional a legislação que em melhores condiçoes estivcer de intervir, olhando o problema pelo prisma dos interesses que o direito de conflitos intenta satisfazer. ii.
TEORIA DO REENVIO TOTAL OU DA DEVOLUÇÃO DUPLA
A teoria do reenvio total é a seguida pelos tribunais ingleses. A sua ideia básica é que a referencia das normas de conflitos do foro a determinada lei estrangeira impoe aos tribunais locais o dever de julgarem a causa tal como ela seria provavelmente julgada no Estado onde essa lei vigora. O direito frances manda regular a sucessão imobiliária mortis causa pela lex rei sitae; o direito portugues pela lei nacional do hereditando que lei aplicar em Portugal à sucessão de um frances que deixou alguns predios na cidade de Lisboa? A lei francesa, sem duvida, pois os tribunais gauleses, se fossem eles a decidir, aceitariam o reenvio da lex situs para a lex patriae. Esta portanto assegurada atraves do duplo reenvio a uniformização de julgados, a harmonia juridica. Quando a lei estrangeira remeter a decisao do caso para uma terceira legislação tambem se alcançara a harmonia juridica. Imagine-se um cidadão frances falecido em Portugal possuia bens imoveis em Italia. O direito frances endossa a competencia ao italiano, mas aceita o reendosso que este lhe ofereceu. Logo, será pelas regras do Codigo frances que em Portugal se devera resolver o litigio. Maria Luísa Lobo – 2012/2013
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Conforme os casos os tribunais locais deverão observar um só ou um duplo reenvio: •
Um reenvio duplo sempre que a lei estrangeiura ordene ela propria a devoluçao, seja ela propria informada pelo principio da referencia global;
•
Um reenvio unico quando a lei estrangeira designada pela lex fori, ao referir-se a outro sistema juridico entenda referir-se apenas as disposiçoes do direito interno desse sistema
No Caso In Re Ross, em que se punha o problema da medida da liberdade de testar de uma testadora inglesa domiciliada em Itália, o tribunal ingles aplicou as regras de direito interno britanico, ja que no estado do domicilio (Itália) a referencia à lei do estado nacional (inglaterra) era interpretada pelos tribunais como restrita do direito material. Esta teoria merece a seguinte critica: é uma teoria falsa, na medida em que não pode ser generalizada a todos os estados. O juiz portugues pretenderia determinar a medida da liberdade de testar (restrita a bens mobiliários) de um ingles com domicilio em Portugal precisamente como o faria um juiz britanico se a questao se pusesse em inglaterra. Mas, se efectivamente a questao se suscitasse neste pais, os tribunais de la haveriam de a querer solucionar tambem como se estivessem administrando a justiça em Portugal. TEORIA/DOUTRINA QUE, PARTINDO DA TEORIA DA REFERÊNCIA MATERIAL, ACEITA A DEVOLUÇÃO COM UM ALCANCE LIMITADO. REENVIO E HARMONIA JURÍDICA INTERNACIONAL O reenvio não é uma teoria das normas de conflitos, mas pode ser utilizado como técnica, isto é, se o soubermos manejas poderá ser um instrumento de notável utilizada, desde logo como meio de ralizar a harmonia jurídica. Qual a medida em que o reenvio pode efectivamente contribuir para a harmonia jurídica internacional? várias hipoteses: 1. HIPOTESE – RETORNO DIRECTO O reenvio só instrumento apto a realizar a harmonia jurídica se a lei estrangeira (L2), ao remeter para a lex fori (por exemplo a titulo de lex domicilii) o fizer para o direito interno local. Isto só pode acontecer se a lei reenviante for uma das legislações anti devolucionistas existentes, como a brasileira, a grega e a dinamarquesa. EXEMPLO: sucessão por morte de um brasileiro domiciliado em Portugal. Como a lex patriae ao remeter para lex domicilii entende referir-se apenas ao direito interno deste sistema jurídico, a aceitação do reenvio irá permitir aos tribunais portugueses julgar como julgariam os do estado nacional do interessado, se fossem estes a decidir.
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Se a referência de L2 a L1 for uma referência material o retorno ou devolução será meio idóneo para realizar a harmonia jurídica. Casos em que tal não é possível: •
Quando a lei estrangeira adopta a doutrina da devolução simples (a referência de L2 a L1 é uma referência global) o reenvio não doncudz à harmonia jurídica, antes pelo contrário. No caso da sucessão Allard, o STJ tinha um só caminho a seguir se verdadeiramente quisesse respeitar o DIP da lei nacional do de cuius: aplicar o direito sucessório frances. Aceitando a devolução, o STJ não deu ao caso a solução que provavelmente lhe seria dada em França, se o processo corresse nesse pais.
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Quando a lei estrangeira adopta o princípio do reenvio integral, sendo tal só possivel em Inglaterra (a referência de L2 a L1 é uma referência global na vertente de devolução dupla) num acórdão do STJ DE 4 – xii – 936 tratava-se de uma acção de investigação da paternidade ilegitima proposta por um portugues contra o filho legitimo e universal herdeiro de um cidadão ingles, originário de Gibraltar, que falecera domiciliado no nosso pais. Considerando que o direito interno ingles ignora a filiação ilegitima como relaçao juridico familiar, as instanciais haviam decidido que a acção era inviavel. Contudo, o STJ argumentado com o reenvio da lei nacional para a lei do ultimo domicilio do ivestigando, julgou no sentido da admissibilidade da acção. O reenvio não é nesta situaçao instrumento necessario para se alcançar a harmonia juridica internacional, ou seja, para se chegar em Portugal à mesma soluçao a que se chgearia no ambito daquela ordem juridica a que a regra de conflitos local atribui competencia. L2 adopta o principio da dupla devolução e isto quer dizer que os tribunais britanicos pretendem julgar quaisquer questoes relativas ao estatuto pessoal de subitod desse estado domiciliados no estrangeiro – e portanto em Portugal – do mesmo modo como elas seriam julgadas por um tribunal do pais do domicilio. Esta harmonia estara sempre necessariamente assegurada quer eles se orientem para a teoria da referencia da lei ao direito interno quer resolvam optar pela teoria do reenvio.
2. HIPOTESE – TRANSMISSÃO DA COMPETÊNCIA Imagine-se que L2 transmite a competência a L3 e esta aceita é evidente que graças ao reenvio, a harmonia juridica entre os unicos estados interessados será uma realidade. No caso LEO RAAPE dois suiços, tio e sobrinha, casaram em Moscovo, depois de informados pelo consul do seu pais de que o seu parentescto nao constitua impedimento, visto que o DIP suiço remetia nesta materia para a lex fori actus e a lei russa permitia o matrimonio entre colateriais do 3 grau. Se os conjuges transferirem posteriormente o seu domicilio para Portugal e um deles intentar aqui uma acçao anulatoria do matrimonio invocando a norma que no CC suiço considera impedimento o parentescto no 3º grau da linha colateral, a procedencia desta acçao seria chocante: os Maria Luísa Lobo – 2012/2013
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interessados celebraram o casamento com a plena concordância das duas unicas legislações a que razoavelmente podiam e deviam nessa ocasiao considerar-se sujeitos. Alem disso, Portugal é um pais que só de modo secundário está interessado no assunto, visto que ao tempo da constituiçao da situação juridica em causa nenhuma conexão tinham as partes com o ordenamento portugues. Imagine-se agora que a L3 só aceita a competencia que lhe é reconhecida por L2 atraves do mecanismo do reenvio. Se L3 não aceita a competencia, é porque retorna a L2 ou endossa a L4 ou de novo à lex fori. Mas essa referencia a L2 ou a L4 ou a L1 pode ser uma referencia global e se o for é muito possivel que, ao fim e ao cabo, L3 venha a considerar-se aplicavel o que consubstancia o caso anterior. Se um cidadão brasileiro domiciliado na Alemanha morre em Lisboa onde deixa bens mobiliários. A lei nacional remete para a do domicilio, que lhe devolve a competencia. Mas como DIP alemão admite o reenvio simples, eis que a hipotese se transmuda num verdadeiro caso de aceitação pela lei alemã da competencia que é consignada pela brasileira. Quer na Alemanha quer no Brasil a sucessão seria regida pelas disposições alemãs. Um brasileiro domiciliado em Moscovo comproiu determinado objecto na Dinamarca. Litiga-se em Portugfal acerca da capacidade desse individuo para celebrar o referido contrato. A lei brasileira (L2) é competente segundo a lex fori e transmite a competencia ao direito civil russo (L3) que a endossa ao direito dinamarques (L4) esta referencia de L3 L4 é uma referencia global. Como a lei dinamarquesa devolve para a lei do domicilio, o direito russo acaba deste modo pode se considerar aplicavel. E sendo a referencia da lei brasileira à lei do domicilio uma referencia simplesmente material, nenhuma duvida sobre se seria esta a soluçao tambem seguida no brasil. Do mesmo modo a adoptaria um tribunal dinamarques, visto a Dinamarca nao reconhecer o reenvio. Deste modo, nos casos de retorno e nos casos de transmissao de competencia o reenvio é meio proprio para nos fazer alcançar a harmonia juridica internacional. Este resultado será obtido sempre que remetendo a lei estrangeira (L2) para outra lei se de o caso de todos os sistemas juridicos em contacto com a situação a regular designarem um deles como aplicavel. 3. HIPOTESE – RETORNO INDIRECTO Imagine-se que o retorno à lex fori é ordenado por uma lei que não a L2 – soluções? •
M. WOLFF: remetendo a L3 para L1 aplicar-se-á sempre o direito material de L1. O reenvio é sempre vantajoso desde que conduza à aplicação da lei do foro.
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PROF. FERRER CORREIA: apenas será utilizado o reenvio na medida em que ele puder efectivamente contribuir para se alcançar a harmonia jurídica. A aplicação de L1 só deverá ter-se por justificada no caso de verificação
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cumulativa de duas condições (1) ser a referência de L2 a L3 uma referencia global (2) ser a referência de L3 a L1 material
EXEMPLO: dois estrangeiros, domiciliados em Portugal, casam-se na Dinamarca. Em Portugal coloca-se o problema da validade do matrimonio. Segundo o DIP da lex fori, a lei aplicavel é a lei nacional que, por seu turno, remete para a dinamarquesa (lex loci actus) atraves de uma referencia global. O DIP dinamarques declara aplicavel a lei portuguesa como lex domicilli e esta referencia é uma referencia material, ou seja, tanto os tribunais nacionais como os tribunais dinamarqueses aplicariam no caso o direito interno portugues. REENVIO OCULTO Nas matérias de estatuto pessoal não existem no DIP ingles normas de designação da lei aplicação, mas apenas normas de conflitos de jurisdições ou competencia internacional. Nestes termos, se um caso britanico pretende divorciar-se em Portugal, pais onde esta domiciliado, o tribunal portugues nao pode reportar-se ao direito ingles, por nao haver ai regra de conflitos que o declare aplicavel nem tao pouco aparentemente ao sistema juridico portugues que nao é o estado nacional e para o qual nao devolve o dip britanico. No entanto na inglaterra entende-se que o tribunal competente aplica nesta materia a lex fori. Basta admitir que o direito ingles atraves da bilateralização da sua regra de conflitos de jurisdiçao (que atribui competencia em primeira linha ao tribunal ingles, como foro do domicilio das partes) considera competente na materia os tribunais portugueses. CONCLUSÕES O reenvio não pode ser considerado um princípio geral de DIP, mas também não deve ser afastado por completo podendo ser usado como técnica. Antes do Código actual a corrente predominante na doutrina portuguesa era contrária ao reenvio. O código de seabra não continha nenhuma disposição quanto ao reenvio. Mas mesmo antes do codigo actual ja o principio do reenvio tinha sido abertamente acolhido na nossa ordem juridica, em virtude da recepção de textos de fonte convencional que o consagravam, sendo que em todos estes textos se atribui competencia, em certos casos, à lei nacional dos interessados, mas ressalvando-se sempre a hipotese de esta lei declarar competente a de um outro pais: •
Art. 1º da Convenção de Haia de 12 de Junho de 1902 – o direito de contrair casamento é regulado pela lei nacional de cada um dos futuros conjuges, a nao ser que uma das disposiçoes dessa lei se refira expressamente a outra lei
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Art. 2º da Convenção de Genebra de 7 de Junho de 1930 – conflitos de leis em materia de letras e livranças
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Art. 2º da Convenção de Genebra de 19 de Março de 1931 – conflitos de leis em materia de cheques
No Codigo 1966 rejeitou-se toda a ideia de aplicaçao sistematica do reenvio, quer na forma de reenvio simples quer na forma de reenvio duplo – tal ideia encontra-se consagrada no art. 16º: repudio + ambito em que o reenvio deve actuar A ideia de harmonia juridica internacional foi a fonte de inspiraçao do legislador portugues nas normas de reenvio consagradas no CC: 1. REENVIO DE PRIMEIRO GRAU OU DE RETORNO – ART. 18º/1 O direito material da lex fori só se torna aplicavel se a norma de conflitos da lei estrangeira para ele devolver precisamente – art. 18º/1. Se a norma de conflitos, que reenvia para a lei do foro, pertencer a um sistema juridico como o brasileiro ou o dinamarques, nao ha duvida de que é o direito interno portugues aquele que o tribunal deve aplicar sendo certo que nenhum dos referidos sistemas admite o reenvio, a aplicaçao aos factos controvertidos dos preceitos do direito interno portugues permitira alcançar em Portugal o mesmo resultado a que se chegaria na Dinamarca ou no Brasil. Assim não o será se o DIP da lei estrangeira em questão consagrar em termos gerais o reenvio de primeiro grau: no caso ALLARD só a aplicaçao da lei francesa constituiria soluçao conforme com aquela que os tribunais franceses teriam adoptado no mesmo caso. Sempre que a referencia da norma de conflitos estrangeira à lei portuguesa seja uma referencia global (uma referencia que abranja as proprias regras de conflitos do direito portugues) o reenvio nao promove, senão que impede a uniformidade de valoraçao da situaçao sub judice o que é motivo de sobra para o rejeitar. Em tal hipotese havera unicamente que aplicar as disposiçoes materiais do sistema indicado pelo DIP do foro. O mesmo deverá dizer-se do caso em que a lei, que devolve para a lex fori, seja um sistema inspirado pelo principio do reenvio total ou do duplo reenvio, sendo que neste caso, o reenvio nao é propriamente um obstaculo à harmonia juridica mas apenas nao é um meio necessario para se atingir esse fim. Quanto ao retorno, isto é, quando a norma de conflitos da lei designada pelo DIP do foro remete para uma terceira legislação, devolvendo esta a competência à lex fori, o reenvio é de aceitar nos termos do art. 18º/1 e tendo em vista a sua ratio leges (Harmonia Juridica) quando se cumpram cumulativamente as duas condições seguintes:
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Aceitação do reenvio de segundo grau ou transmissão de competencia por parte do sistema designado pelo DIP local
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Designação da lex fori por parte da terceira legislação em causa atraves de uma referencia de caracter material (referencia de puro direito interno da lei indicada). 2. REENVIO DE SEGUNDO GRAU OU TRANSMISSÃO DE COMPETÊNCIA – ART. 17º/1
O art. 17º/1 subordina a uma clara condição a aceitação do reenvio da lei designad apela regra de conflitos portuguesa para outro sistema jurídico: a condição de que este terceiro sistema se repute competente. Se a terceira lei chamada ao caso não se considerar aplicável … Soluções? •
Se essa lei retornar a competência à que foi designada pela norma de conflitos do foro, o problema extingue-se ou porque (1) esta legislação acaba por considerar-se aplicavel e existira harmonia das soluções ou porque (2) de toda a maneira importara aplica-la uma vez que se nao pode considerar satisfeita a condiçao de que dependia a aplicabilidade da outra
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Se a terceira legislação designar uma quarta surge ai uma hipotese de reenvio em cadeia (embora nao esteja expressamente prevista no art. 17º/1 em principio nada obstara contra)
Sempre que entre as diferentes leis em contacto com a situaçao a regular se registo acordo quanto à competencia d euma delas, será necessariamente essa a lei a aplicar. RESTRIÇÕES AO REENVIO NO ÂMBITO DO ESTATUTO PESSOAL: na prespectiva do legislador portugues existe um conjunto de matérias que, pela natureza eminentemente pessoal que revestem, devem ser governadas por uma lei que os individuos possam olhar como a sua lei à qual possam considerar-se ligados por algum vinculo verdadeiramente substancial e permanente. Nos termos do art. 18º/2 existe um regresso à lex fori prescrito pela norma de conflitos da lei pessoal, sendo só de admitir em duas situações: •
Na hipotese de o interessado ter a residencia habitual em territorio portugues o reenvio produz como unico efeito a substituiçao da lei do domicilio à lei nacional, sendo certo que tanto a competencia daquela como a desta representam soluçoes justas e praticamente equivalentes do problema da lei pessoal;
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Na hipotese de a lei da sua residencia habitual remeter para o nosso direito interno a excepçao à aplicação da lei pessoal justifica-se pelo acordo
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verificado entre os dois sistemas juridicos precipalmente interessados nas questoes do estatuto pessoal: a lex patriae e a lex domicilii. Nas restantes hipoteses possiveis de retorno deve entender-se que o reenvio é sempre rejeitado. A definiçao do estatuto pessoal por uma lei diferente tanto da lex patriae como da lex domicilii constitui, em principio, ma soluçao que só mostivos especiais podem levar a aceitar. Nos termos do art. 17º/2 consagra-se, com referencia ao reenvio de segundo grau/transmissão de competência nas hipoteses de competencia da lei pessoal que a terceira legislação não será aplicavel: • •
Se o interessado residir habitualmente em territorio portugues Se o interessado residir num pais cujo direito de conflitos devolva, na especie, para a lei interna do seu estado nacional
EXPLICAÇÃO DESTAS RESTRIÇÕES: em matéria de estatuto pessoal a escolha de uma lei diferente tanto da lex patriae como da lex domicilii constitui uma má soluçao. Soluçao que só se aceitara se nela convierem a lex patriae e a lei indicada pela regra de conflitos da lex patriae por uma razao de harmonia juridica. Imagine-se que o interessado tem a sua residencia em Portugal e que a lex patriae designa como aplicável a lex loci, a qual se reputa competente. O art. 17º/2 manda aplicar aqui o direito interno da lei nacional. Esta soluçao tera garantida a sua eficacia no estado local que (como estado do domicilio) é um daqueles mais fortemente ligados à relação constituenda ou controvertida e logo nao haveria grande vantagem em renunciar na hipotese a aplicaçao da lei pessoal. Em consideração analoga se identifica a 2º restrição do art. 17º/2: imagine-se que a lex patriae remete para a lex loci actus, que esta lei se considera competente, mas que a lei da residencia habitual ou dos interessados reenvia por seu turno para a do estado da respectiva nacionalidade. A lex patriae é justamente a lei tida por competente num dos estados mais fortemente interessados na situaçao, o estado do domicilio. Imagine-se que a lex patriae (A) designa como aplicavel a lex rei sitae (B). B não se julga competente. Por seu turno, a lex domicilii (C) manda aplicar tambem a lei B. Atendendo ao art. 16º e 17º/1 deveria aplicar-se-à sucessão a lei nacional, contudo, o PROF. FERRER CORREIA indica como solução aquela que atende ao respeito do acordo entre os dois sistemas que merecem a qualificação de sistemas primariamente interessados, ou seja a lex patriae e a lex domicilii, sempre que esteja em causa materia pertencente ao ambito do estatuto pessoal. Esta solução, embora não se retire directamente das normas do CC ajusta-se prefeitamente aos seus principios. A restrição ao reenvio enunciada no art. 17º/2 deixa de valer, sempre que a lei indicada pela norma de conflitos da lex patriae for a da situação de um imóvel e esta lei se Maria Luísa Lobo – 2012/2013
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reputar competente, desde que se trata de algumas das materias enunciadas no art. 17º/3. Suponha-se que a lei reguladora da sucessão por morte de um subito britanico falecido em Portugal onde estava domiciliado e que deixou bens imoveis situados em França. Perante a norma do art. 17º/3 a lei do estado nacional do de cuius (art. 62º) remete para a da situaçao dos imoveis e que esta lei se considera competene é pelo direito sucessório frances que o tribunal local tem de resolver a questao. O art. 17º/3 constitui uma manifestaçao indirecta da doutrina dita da competencia mais proximida ou da maior proximidade. CONEXÕES FAVORÁVEIS E CONTRÁRIAS AO REENVIO: esta segunda ordem de restrições ao reenvio decorre da ideia de quem nem todas as regras do DIP encaradas à luz dos seus fins especificos são com ele compativeis. No entanto tal ideia existe apenas no art. 19º/2: não havera reenvio quando a lei estrangeira aplicavel o for por força da vontade das partes contratantes. A ratio do art. 19º/2 assenta no facto de se a lei por estas designada remeter para outra, essa transmissão de competencia ou esse retorno não releva. Nao é crivel que os contraentes tenham utilizado a referencia a determinada lei tão somente como meio de aludirem ao direito material por essa mesma lei declarado aplicavel. E se excepcionalmente for de aceitar que as partes quiseram na verdade referir-se ao direito material competente segundo a regra de conflitos da lei por estas designada, certo será entao esse o direito aplicavel, ma sunicamente porque foi ele o direito escolhido, ano em virtude de qualquer reenvio da lei estiipulada para outra lei. Aquela regra de conflitos intervira apenas como facto, cuja consideração se torna necessaria a fim de que à vontade das partes possa atribuir-se o verdadeiro conteudo e alcance. A norma que confere competencia em materia de forma externa dos negocios juridicos, à lei do lugar da celebração é de molde a excluir todo o entendimento conforme ao principio do reenvio. FAVOR NEGOTTI COMO FUNDAMENTO AUTÓNOMO DO REENVIO: é uma questao pertinente saber se o favor negotti poderá fundamentar só por si, independentemente da harmonia internacional, o reenvio. Ou seja, deverá o reenvio admitir-se só por isso que ele se apresenta como meio necessario para assegurar a determinado negocio juridico a sua validade ou eficacia? •
Para alguns autores entendem que se deve adoptar o reenvio como processo de promover a validade ou eficacia de um negocio que doutro modo seria invalido ou ineficaz
•
PROF. FERRER CORREIA: seria preferivel examinar o problema no quadro de cada tipo negocial e só admitir o reenvio pelo fundamento indicado naqueles dominios em que o interesse na conservação do negocio juridico se faça sentir com especial intensidade.
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SOLUÇÃO DO CC: aceitou a referida directiva na hipotese de a invalidade do negocio resultar da declaçao negocial obedecer nao à lei do pais onde esta foi emitida, mas à do estado para que remete a norma de conflitos daquele sistema, a declaraçao é valida. Trata-se de facilitar a contratação. Art. 19º e 65º/1
FAVOR NEGOTTI COMO LIMITE AO REENVIO: atendendo ao art. 19º/1, se do reenvio reusltar a invalidade ou ineficacia de um negocio juridico que seria valido ou eficaz em face da lei indicada pelo DIP portugues, é esta a lei que se aplica e assim ficara salva a eficacia do acto. A ratio leges do art. 19º/1 assenta em que se os interessados realizaram o negocio juridico em conformidade com as disposiçoes de um sistema de direito material que é, na espécie, o declarado competente pela regra de conflitos do foro e for de crer que eles se orientariam precisamente por esta norma de conflitos, entao nao seria justo frustar a confiança que depositaram na validade do acto. O art. 19º/1 nao indica as circunstancias em que se poderá admitir que os interessados se norteraram pela regra de conflitos portuguesas, mas na opinião do PROF. FERRER CORREIA essa conclusão é de aceitar em virtude do só facto de aordem juridica portuguesa ser uma daquelas com as quais a relaçao estava em contacto ao tempo em que se constituiu. Tal consubstancia uma autentico pressuposto da aplicaçao do art. 19º/1: se ele nao se verificar em concreto, o proceito torna-se inaplicavel, deixa de haver razao especial do ponto de vista do nosso ordenamento para tutelar as expectativas das partes. Note-se que a norma do art. 19º/1 segundo o seu escopo nao se refere ao momento da celebraçao do negocio juridico, mas pressupoe uma situaçao ja constituida, um facto consumado.
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V - O PRINCÍPIO DA MAIOR PROXIMIDADE
PROF. FERRER CORREIA Foi ZITELMANN quem formulou a doutrina da maior proximidade: sendo um conjunto de bens e direitos concebido unitariamente pela lei mais apropriada para o reger, há no entanto que distrair da universalidade todos aqueles elementos que a ela não pertençam, segundo o estatuto próprio de cada um. A lex fori concebe determinado conjunto de bens e direitos unitariamente e por isso manda-o regular por uma única lei (a lei pessoal de cuius) que comunga na mesma ideia. No entanto, alguns elementos da universalidade estão sujeitos, de facto, a uma ordem jurídca (a do estado da respectiva situação) que não perfilha a referida concepção unitária. A lei pessoal abdica da sua competência perante a competência mais forte da lei da situação. ACEPÇÕES POSSÍVEIS DO PRINCÍPIO DA MAIOR PROXIMIDADE i.
LEXALD E KEGEL (acepção mais restrita): a lei reguladora de um património cederá a sua competência à do Estado da situação de coisas certas e determinadas, na medida em que estas coisas estiverem sujeitas nesse estado (por motivos de política económica ou semelhantes) a um regime especial de direito material.
ii.
DOUTRINA ALEMÃ QUANTO AO SEU ART. 28º: as normas referentes às relações patrimoniais dos conjuges, às relações entre pais e filhos legitimos, às sucessões por morte e ao reenvio não sao aplicaveis a objectos que não se encontrem situados no territorio do Estado cujas leis são competentes por força daqueles preceitos e que, segundo as leis do Estado da situação, estejam sujeitos a disposições especiais. A lei definida como aplicável a certa universalidade de bens abdica da sua competencia em favor da lei da situação de alguns desses bens (imóveis), não só no caso acima mas tambem no caso em que a lex rei sitae se considera exclusivamente aplicavel pelo que respeita a tais bens. Ou seja, são dois os casos em que deve aceitar-se que a lei normalmente aplicável abdique em favor da lei da situação: •
Quando a lei da situação submete certos elementos do patrimonio a um regime especial de direito material;
•
Quando a lex rei sitaer organiza para os bens imoveis uma regulamentação especial de DIP.
Só se dará aplicação à lex rei sitae na medida em que esta s econsidere competente por esse titulo, isto é, se a lex rei sitae se considera aplicavel, nao como tal, mas como lei do domicilio do hereditando por exemplo, a lei designada pelo DIP do foro para regular toda a situação continuara sendo a unica competente. Maria Luísa Lobo – 2012/2013
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POSIÇÃO DO PROF. FERRER CORREIA i.
QUANTO À PRIMEIRA ACEPÇÃO: parece aconselhada por fortes razões: nos casos em que ela pretende abranger a competência da lei ex rei sitae não existe qualquer duvida quanto à sua aplicabilidade, uma vez que ai trata-se de patrimonios dentro dum patrimonio, de bens separados dentro do patrimonio geral a que pertencem, bem unificados pela sua afectação a determinado escopo, de onde deocrre que lhes seja aplicavel um regime juridico especial. Reconhecer, como é devido, a premencia dessas razões, ou seja das ponderosas razões de politica social e economica que estão na sua base, é admitir implicitamente a aplicabilidade das normas por elas insipiradas, normas essas que são, no pais a que pertencem, de aplicação imediata necessária ou imediata, reconhecendo-se nessa medida a competencia da lex rei sitae.
ii.
QUANDO À SEGUNDA ACEPÇÃO: esta acepção merece graves reparos. O fundamento da doutrina consiste na consideração de que, se os tribunais locais decidem um pleito hereditário, um problema de relações patrimoniais entre conjuges à luz da lei pessoal, ignorando os preceitos da lei do estado da situação dos bens imoveis ou de alguns deles, e esta lei se considera exclusivamente aplicavel na materia, aquela decisao estara antecipadamente condenada a nao passar de letra morte. Em que outro estado, senao o da situaçao dos imobiliários, tende a referida decisão a produzir os seus efeitos uteis? Normalmente, a sua eficácia dependerá, portanto, do seu reconhecimento naquele estado. Mas esse reconhecimento, por seu turno, exigirá em regra que a sentença tenha feito aplicação dos preceitos da lex rei sitae. Esta argumentação está longe de ser decisiva: pode muito bem acontecer que o estado da situação reserve de um modo exclusivo para os seus tribunais a competencia jurisdicional na materia. Pode ocorrer que o referido estado nao sujeite em geral o reconhecimento das decisões de tribunais estrangeiros à condição de nelas se ter aplicado a lei competente segundo o DIP local. Não deveria ser necessário que a lex rei sitae se repute competente justamente a esse titulo: deveria bastar o mero facto de ela se reputar competente no caso concreto. Se a lei da situação nao pretende aplicar-se, antes o seu DIP remete o problema para outra lei, essa outra lei é que deveria ser aplicada.
Em suma, o professor considera mais adequada a primeira acepção: devido às razões que se encontram na sua base, estas conduzem ao entendimento de que os tribunais locais devetão trocar a perspectiva do seu direito de conflitos pela lei do estado da situação, no caso de se apurar uma tal mudança de perspectiva é condição ao mesmo tempo necessária e suficiente para asseguar às suas decisões pleno reconhecimento no referido Estado e, portanto, para lhes garantir aquela efectividade sem a qual as decisões judiciais perdem o seu sentido. O CC de 1966 não contém qualquer norma que directamente estatua tal princípio, mas tando o art. 17º/3 como o art. 47º são manifestações de tal. Maria Luísa Lobo – 2012/2013
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VI - REFERÊNCIA DA NORMA DE CONFLITOS A UM ORDENAMENTO JURÍDICO PLURILEGISLATIVO
PROF. FERRER CORREIA ANÁLISE DO ART. 20º CC 1. Quando a lei chamada a intervir a título de lei pessoal for a um Estado em que coexistam diferentes sistemas jurídicos locais, a concretização do elemento de conexão (a nacionalidade) far-se-á recorrendo ao direito interlocal do Estado Estrangeiro 2. (…) na sua falta ao DIP e se nem puder resolver-se a questão, considerase como lei pessoal do individuo a da sua residência habitual 3. Não há realmente que fazer qualquer destriça consoante a natureza do elemento de conexão decisivo. A mesma localização da relação controvertida num ponto determinado do territorio do estado plurilegislativo operada pela norma de DIP da lex fori não fornece per si nem directa nem indirectamente qualquer criterio util para a escolha de um dos direitos particulares em vigor nesse estado. A lei aplicavel á relação juridica é por hipotese a lex loci actus: sabe-se qual é no caso o lugar da celebração do negocio mas como não pode dizer-se que nesse lugar vigora com exclusão de todos os demais, um desses sistemas particulares a referencia da norma de conflitos fori à lei daquele lugar deixa subsistir a questao de saber qual é o direito material aplicavel à relaçao controvertida: neste caso sera o que for designado pelas normas de direito interpessoal do Estado estrangeiro cuja legislação estiver em causa; e se acaso não for de todo possivel determinar o conteudo dessas normas, irá se recorrer à soluçao que prevalecer na pratica. Imagine-se que no sistema jurídico complexo designado como aplicável não se encontram normas delimitadoras da competência de cada um dos diferentes sistemas jurídicos regionais: em primeiro lugar recorrer-se-á ao DIP central do referido sistema jurídico se o houver e em seguida às regras de conflitos de leis contidas nos diferentes domínios legislativos locais. É de presumir que, na falta de normas especificamente destinadas a dirimir os conflitos internos, os tribunais do Estado em questão apliquem nessa matéria, por analogia, os princípios de DIO consagrados na sua lei.
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SOLUÇÃO DO ANTEPROJECTO DE 1951: a ideia central era que a solução do problema tem de procurar-se sempre no âmbito do sistema jurídico que for concretamente designado pelo factor de conexão nacionalidade. Se o estado do ordenamento jurídico complexo for um estado federal e um estado que reconheça, além da nacionalidade federal, ainda a nacionalidade de cada um dos estados federados, deverá julgar-se competente a lei do estado membro de que o interessado for nacional. Depois vinham o critério do domicilio actual e do ultimo domicilio do sujeito no territorio do seu estado nacional: o criterio seria o da maior ligação relativa da pessoa a um desses sistemas. Na falta de domicilio actual no territorio deveria recorrer-se ao ultimo domicilio do sujeito nesse mesmo estado. SOLUÇÃO DO CC: em principio, o problema pertence ao sistema juridico que pretendemos aplicar e deve resolver-se de acordo com os criterios que ele mesmo forneça. Na hipotese de falharem sucessivamente os dois expedientes descritos no art. 20º/1 e 20º/2 Iparte irá se desistir de resolver a questão pela lei nacional do interessado, e trocar-se-á a perspectiva desse sistema jurídico pela lei da residência habitual. Tudo se passa nos casos em que a lex patriae se mostra impotente para resolver o problema que ela propria gerou como se o interessado não tivesse nacionalidade ou como se a nacionalidade dele fosse de averiguação impossivel. A regra constante no art. 20º/2 II parte aplica-se tanto no caso da pessoa que reside habitualmente no Estado de que é nacional como no daquela que sempre residiu ou pelo menos reside agora em pais estrangeiro. Os princípios expostos aplicam-se apenas ao caso em que o sistema juridico complexo deisgnado como competente o seja a titulo de lei nacionao do individuo: a razão de o art. 20º aludir apenas a esta hipotese justifica-se pelo facto que não sendo este o caso a situação apresenta-se em termos muito diferentes. Isto é, o que decide agora da competencia das leis do estado estrangeiro é uma conexao de caracter territorial, pelo que será competente o sistema em vigor no lugar onde s everificou ou onde se situa o elemento de conexão decisivo. PROF. BAPTISTA MACHADO Pode acontecer que, no Estado cuja legislação determinámos como aplicável vigorem: i.
direitos diferentes para os diferentes sectores do território desse Estado – CONFLITOS INTERLOCAIS •
A divisão legislativa territorial respeita apenas às normas materais, mas há uniformidade legislativa no plano do direito intrerlocal e no plano do DIP.
Polónia, dividida em cinco regiões legislativas, depois de as leis de 1926 terem unificado tanto o direito interlocal como o DIP
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•
ii.
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França, depois de a Alsácia-Lorena ter sido nela integrada, após a primeira guerra mundial: após 1921, o DIP francês passou a vigorar também nesta região, ao mesmo tempo que se criou um direito interlocal unitário
Espanha, onde, ao lado do CC de 1889, vigora em certas provincias (Catalunha, Aragão. Navarra, parte da Biscais e Baleares) um direito foral próprio, pois o referido CC regula unitariamente o DIP e o direito interlocal
A divisão legislativa territorial verifica-se não só no plano das regras materiais, mas também no plano das regras de conflitos.
EUA: cada Estado da União (e ainda o District of Columbia) tem o seu direito material próprio e, além disso, o seu próprio direito de conflitos que vigora, quer como direito interlocal, quer como DIP.
Reino Unido (Inglaterra, Escócia, Irlanda do Norte, Ilhas do Canal, Ilha de Man e Colónias)
Outros países anglo saxónicos
direitos em diferentes momentos – CONFLITOS INTERTEMPORAIS, SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO
O direito intertemporal desse ordenamento é necessariamente unitário: o juiz do foro deve fazer aplicação do direito intertemporal da lei designada como competente. Terão de ser exceptuados pelo menos os casos em que a nova lei estrangeira pretende aplicarse retroactivamente, pois nenhum sentido faria aplicar certa lei estrangeira com vista a respeitar as expectativas dos inidivuos, a continuidade das suas situações jurídicas ou os direitos adquiridos para, em ultimo termo, por efeito da aplicação retroactiva da nova estrangeira sacrificar radicalmente os mesmos interesses que nos levaram a declarar competente aquele ordenamento estadual iii.
direitos para diferentes grupos de pessoas – CONFLITOS INTERPESSOAIS
O direito privado pode variar, dentro do mesmo ordenamento estadual, conforme a comunidade religiosa, a etnia ou casta a que as pessoas pertencem. Sucede em vários países islâmicos (Síria, Líbano, Líbia), na India e no Paquistão. Existem conflitos interpessoais quando pessoas pertencentes a grupos diferentes são partes na mesma relação jurídica (ex: casam entre si). Estes conflitos têm que ser necessariamente resolvidos pelo próprio ordenamento estadual que estabelece a Maria Luísa Lobo – 2012/2013
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diversidade de regimes jurídicos. O problema que se põe ao juiz do foro quando tem de aplicar um destes sistemas plurilegislativos parece-nos ser extremamente simples: ele deve aplicar as normas materiais do estado designado pela sua regra de conflitos. Ao aplicar estas normas, porém, terá que ter evidentemente em conta o seu ambito pessoal de aplicação. Logo, terá que verificar qual o grupo a que a pessoa pertence ao fazer aplicação do direito material designado como competente. Deste modo, conclui-se que, a diversidade legislativa dentro do mesmo Estado levanta problemas sobretudo quando é de caracter territorial ou regional. Tais problemas poderiam resolver-se por uma das duas seguintes vias, embora não esteja demonstrado que qualquer destas soluções se imponha a priori como a única defensável: i.
deixar inteiramente a decisão ao direito estrangeiro designado pelo nosso DIP
ii.
decidir tanto quanto possível por aplicação dos princípios ou critérios do nosso DIP
A doutrina dominante costuma distinguir entre: i.
conexão da regra de conflitos da lex fori que designa o sistema plurilegislativo aponta directamente para um luger determinado, ou seja, existindo uma ligação entre a pessoa, o facto ou o objecto a um determinado lugar. A regra de conflitos do foro designa sem mais o direito vigente no lugar para onde aponta a conexão (1) lex loci actus (2) lex rei sitae (3) lex loci delicti
ii.
conexão representa uma ligação com um Estado. (1) nacionalidade (vinculo politico com determinado estado) Neste segundo caso haverá ainda que distinguir se no ordenamento do estado plurilegislativo existam ou não normas de conflitos de direito inter regional ou de DIP comuns às várias circunscrições legislativas: •
SIM – o problema resolve-se fazendo aplicação dessas disposições unitárias do direito de conflitos estrangeiro
•
NÃO – terá de regressar-se ao DIP do foro e construir a partir dela a solução. E depois? Uns autores sugerem que se recorra imediatamente a uma regra de conflitos subsidiária, entendendo que tudo sedeve passar como se não fosse possível determinar a nacionalidade do interessado
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Outros autores defendem que se construam critérios subsidiários capazes de determinar apenas um dos sistemas regionais vigentes dentro do estado nacional. Em primeiro lugar atende-se à nacionalidade de cada um dos estados federados – quando se trate de um estado federal e, além da nacionalidade federal, se reconheça ainda um vinculo de nacionalidade estadual. Em segundo lugar, na falta do critério da nacionalidade, recorrer-se-ia, sucessiva e subsidiariamente, ao domicilio actual num dos territorios do estado em causa, ao ultimo domicilio num desses territorios (se o interessado se acha agora domiciliado noutro pais). Em terceiro lugar, faltando o criterio da nacionalidade e do domicilio, aplicar-se-ia o direito vigente na capital do estado plurilegislativo. Orientação designada e seguida por uma lei sueca Orientação que esteve na base do Anteprojecto de 1951 do PROF. FERRER CORREIA ART. 20º CC ANTEPROJECTO DE 1951: considerou-se que a orientação aqui seguida além de complexa era um tanto arbitrária numa da suas soluções (aplicar o direito vigente na capital do país), não sendo totalmente justificável. •
O vínculo da subnacionalidade que liga a pessoa a um dos Estados federados tem em geral um reduzido significado jurídico e pesa bem pouco no âmbito dos interessados. Além de que, em regra, a nacionalidade particular de um dos Estados federados estará ligada ao domicilio nesse Estado, e, nos casos em que isso não se verifica, essa nacionalidade particular dilui-se quase por completo em face da nacionalidade federal, sobretudo se o interessado tem o seu domicilio em pais estrangeiro.
•
Devia ser considerada a importância fundamental da lex domicilii em matéria de estatuto pessoal. A aplicação da lez patriae não é nenhum imperativo categórico, sendo antes o resultado duma das opções necessárias entre duas conexões, ambas fundamentalmente válidas e legítimas em matéria de estatuto pessoal.
•
Este problema apresenta certas semelhanças face ao art. 23º/2 em que se consagra que perante a impossibilidade de determinar com segurança o conteúdo das normas materiais da lex patriae aplicáveis ao caso, haverá que recorrer a uma regra de conflitos subsidiária.
ART. 20º/1 – estabelece-se como princípio básico o princípio segundo o qual, designada a lei de um estado plurilegislativo em razão da nacionalidade de certa Maria Luísa Lobo – 2012/2013
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pessoa, é o direito interno desse estado que fixa em cada caso o sistema legislativo local aplicável. ART. 20º/2 I PARTE– as normas do direito interno desse Estado que importa aplicar para determinar o sistema legislativo local competente são as normas do direito interlocal unitário e na falta destas as normas do DIP unitário do mesmo estado. ART. 20º/2 II PARTE – se os critérios anteriores não funcionarem considera-se como lei pessoal do interessado a lei da sua residência habitual (tal verifica-se quando não exista no Estado plurilegislativo um direito interlocal ou um DIP unificado). ART. 20º/3 – quando a legislação designada como competente for territorialmente unitária, mas com sistemas de normas diferentes para os diferentes grupos de pessoas, deve-se atender ao estabelecido nessa legislação quanto ao conflito de sistemas. Pode nem haver propriamente um conflito, pois pode tratar-se duma relação jurídica entre pessoas do mesmo grupo. Neste caso, é evidente que o julgador portugues, ao aplicar as proprias normas materiais estrangeiras, terá que ter em conta o âmbito pessoal de aplicação estas normas e, portanto, aplicará este ou aquele sistema de normas materiais, conforme o cidadão estrangeiro em causa seja, por exemplo, um judeu, um muçulmano ou cristão. Assim, se se trata da validade de um casamento celebrado em Beirute entre um muçulmano e uma judia, ambos sirios, aplicará o direito sirio. Mas aplicará quanto ao homem o direito sirio islamico e quanto à mulher o direito sirio judeu. Além disso, terá em conta qualquer normas (material ou de conflitos) que porventura se refira especialmente aos casamentos mistos deste tipo.
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VI - ORDEM PÚBLICA INTERNACIONAL
PROF. FERRER CORREIA ORDEM PÚBLICA INTERNA: conjunto de todas as normas que, num dado sistema jurídico, revestem natureza imperativa. A aplicabilidade em concreto dessas normas supoe ou uma relação puramente interna ou uma relação internacional dependente desse ordenamento segundo as respectivas regras de conflitos de leis ou segundo a respectiva norma de extensão. ORDEM PÚBLICA INTERNACIONAL: enquanto a ordem pública interna restringe a liberdade individual, a ordem pública internacional limita a aplicabilidade das leis estrangeiras. •
SAVIGNY (meados do séc. XIX): aludia a uma comunidade de direito entre os povos, que seria a base e o pressuposto da aplicação extraterritorial das leis.
•
RAAPE: todo o reenvio para uma legislação estrangeira implica um salto para o desconhecido.
Cada Estado tem naturalmente os seus valores juridicos fundamentais, sendo que a preservação desses valores e a tutela desses interesses exigem que a todo o acto de atribuição de competência a um ordenamento jurídico estrangeiro vá anexa uma ressalva: a lei definida como competente não será aplicada na medida em que essa aplicação venha lesar algum princípio ou valor básico do ordenamento nacional, tido por inderrogável, ou algum interesse de precípua grandeza da comunidade local. Tal consubstancia a ressalva, reserva ou excepção da ordem pública. MODOS DE CONCEBER A ORDEM PÚBLICA INTERNACIONAL •
DOUTRINA ACTUALMENTE DOMINANTE DESCENDENTE DE SAVIGNY: a ordem pública reveste o caracter de uma excepção ou limite à aplicabilidade da lei normalmente competente. A ordem pública internacional a aplicação a determinada relação da vida das normas que, no sistema jurídico definido por competente pelo DIP do foro, são chamados a reger as questões daquela categoria, e isto porque a aplicação dessas normas daria em resultador a surgir de uma situação manifestamente intolerada pelas concepções ético jurídicos reinantes na colectividade, ou lesiva de interesses fundamentais do Estado. O efeito caracteristico da ordem pública consiste no afastamento do regime legal normalmente aplicavel aos factos sub judice, em razão da natureza do resultado a que em concreto a sua aplicação daria lugar.
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MANCINI, WEISS E PILLET: a ordem pública é o conceito que engloba as leis pertencentes a determinada categoria, as leis territoriais. Segundo PILLET são territoriais (=aplicação geral no território do estado respectivo) todas as leis de garantia social. A ordem pública deixa de funcionar como excepção à aplicação de uma lei previamente definida como competente, mas a lei de ordem pública, quando se aplica e se se aplica, é por sei a lei de competência normal para regular o caso.
PROF. FERRER CORREIA – ORDEM PÚBLICA EM SENTIDO NEGATIVO: a solução mais correcta assenta na ordem pública ser considerada como é indicado na primeira concepção, ou seja na vertente da doutrina dominante. Não se trata, em princípio, de excluir genericamente a intervenção de quaisquer leis estrangeiras em determinado sector do direito privado local, mas apenas de recusar a aplicação a certos factos concretos de certos preceitos jurídico materiais em razão do seu conteudo concreto. A ordem pública é um problema privativo da fase de aplicação das normas jurídicas e como só poode dar-se aplicação a normas de uma lei que previamente se tenha definido como competente, logo, a intervenção da ordem pública pressupoe a aplicabilidade da lei de que se trata segundo as regras de conflito do foro. A ordem pública funciona como um impedimento à aplicação da lei competente. Contudo, não pode negar-se a existencia de zonas de regulamentação particularmente sensíveis, onde se requeiram outras formas, mais eficientes, de preservação dos valores jurídicos nacionais: tratar-se-ia ai de definir, atraves de regras de conflitos especiais (de caracter unilateral), certos tipos de conexão entre as situações da vida e o ordenamento do foro que decidiriam da exclusiva aplicabilidade deste ordenamento. Tais regras de conflitos, que são raras (chamadas de cláusulas especiais de ordem pública) deparamse em certas leis estrangeiras. Por vezes, a prde, pública internacional é invocada como meio de defesa de uma política legislativa que não visa a tutela daqueles valores mas que é adoptada por motivos de oportunidade. ORDEM PÚBLICA POSITIVA. NORMAS DE APLICAÇÃO IMEDIATA: ha´no direito material de todos os países normas cujo escopo é tão importante que a sua violação aparece como algo insuportável. Deste modo, essas normas são portadoras de uma vontade de aplicação geral. Seriam elas as verdadeiras leis de ordem pública. CARACTERISTICAS DA ORDEM PÚBLICA i. ii. iii. iv.
Excepcionalidade Imprecisão Actualidade Caracter nacional ou relativo a um sistema jurídico determinado
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O conteúdo da noção de prde, pública internacional é forçosamente impreciso e vago. Ordem pública é um conceito indeterminado, um conceito que não pode definir-se pelo conteúdo, mas apenas pela sua função enquanto expediente que permite evitar que situações jurídicas dependentes de um direito estrangeiro e incompatíveis com postulados basilares do direito nacional venham inserir-se na ordem sócio jurídica do Estado do foro e fiquem a polui-la. Trata-se de comparar os reusltados da aplicação de duas leis (a lei normalmente competente e a lex fori) a um mesmo caso, de apreciar as consequencias na ordem sócio jurídico do foro da aplicação da primeira dessas leis e de emitir um juizo de valor concreto ou sobre algo concreto. A ordem pública não é uma medida objectiva para aferir a compatibilidade concreta da norma estrangeira com os princípios fundamentais do direito nacional, mas a decisão de não aplicar as leis estrangeiras é alguma coisa que joga essencialmente com avaliações subjectivas do juiz, com a representação que na mente deste se forme acerca do sentimento jurídico dominante na colectividade e das reacções desse sentimento à constituição ou reconhecimento do efeito jurídico que se tem em vista. Por outro lado, a ordem pública internacional é função de concepções que hão-de vigorar no proprio pais onde a questão se poe (ela varia no espaço), que hão-de vigorar na propria ocasião do julgamento: esta caracteristica da actualidade da ordem pública internacional é admitida pela doutrina quase de modo pacifico. Na verdade, tal caracteristica deduz-se da propria noção de ordme pública: se por eçla se trata de defender valores precipuos do direito nacional, não se compreenderia que o juiz fosse autorizado a por em xeque a justiça do DIP em nome de concepções já abandonadas. NECESSIDADE DE BALIZAR O CAMPO DE ACTUAÇÃO DA ORDME PÚBLICA Trata-se da compatibilidade com as concepções ético jurídicas fundamentais da lex fori da situação que adviria da aplicação da lei estrangeira aos factos em causa – esta ideia encontra-se consagrada no art. 22º/1. Exige-se que entre a factualidade sub judicie e o ordenamento do foro interceda um nexo suficientemente forte para justificar a não aplicação da norma estrangeira em princípio aplicável. A justiça de uma lei é tão somente uma justiça relativa, isto é, relativa a um lugar e a um tempo determinado, uma justiça espacio temporalmente condicionada. TEORIA DO EFEITO ATENUADO DA INTERVENÇÃO DA CLÁUSULA DE ORDEM PÚBLICA Segundo PIERRA MAYER a excepção de ordem pública intervirá se tratar, quer da criação no Estado do foro, atraves de uma sentença constitutiva, de uma relação jurídica (divorcio, adopção), quer do reconhecimento de uma relação já criada no mesmo Estado. A ordem pública não intervirá em regra quando a relação tiver sido constituida no estrangeiro.
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FUNÇÃO PROIBITIVA (IMPEDITIVA) E PERMISSA (POSITIVA) DA ORDEM PÚBLICA FUNÇÃO PROIBITIVA/IMPEDITIVA: a ordem pública pode intervir de modo a evitar a constituição ou o reconhecimento em Portugal de uma relação sujeita a um direito estrangeito; a ordem pública impede a produção de um efeito jurídico que à face da lei competente deveria produzir-se. FUNÇÃO PERMISSIVA/POSITIVA: a ordem pública pode intervir de modo a permitir a constituição no país de uma situação jurídica que a lei estrangeira aplicável por si não autorizaria; a ordem pública actuou positivamente, permitindo a celebração de um acto ou a produção de um efeito jurídico que à sombra da lei competente não seriam possíveis. Contudo, note-se, que o efeito directo da ordem pública é sempre impeditivo: consiste sempre na exclusão de um preceito do sistema jurídico declarado competente pelo DIP do foro. CONSEQUÊNCIAS DA INTERVENÇÃO DA ORDEM PÚBLICA A ordem pública tem sempre por consequencia o afastamento de uma norma ou conjun to de normas da lei que o DIP do foro qualifica como competente, pelo que a não aplicação dessas normas traz consigo o não reconhecimento (e não a nulidade!) ou a impossibilidade de realização do acto para que se requer a tutela jurídica. A exclusão da norma de direito estrangeiro pode conduzir à formação de uma lacuna como resolver? •
AGO: terá de se recorrer à lex fori uma vez que excluida a lei estrangeira competente, a lex fori torna-se ipso facto.
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Por vezes o caso fica resolvido por completo com a simples não aplicação do preceito estrangeiro contrário à ordem pública nacional;
Nos casos em que existe uma verdadeira lacuna, é desejável que se resolva o problema no quadro ainda da lei designada como competente, naturalmente mediante recurso a outras normas dessa lei.
SOLUÇÃO DO CC – ART. 22º/2: na hipotese de lacuna, só se recorre à lei portuguesa se na legislação estrangeira competente se não encontrarem nromas apropriadas, isto é, se a partir dessa legislação não conseguir descobrir-se uma solução que seja adequada ao caso, uma solução que não se aparte muito da que a ordem pública forçou a recusar, ou que de toda a maneira dela se afaste menos do que a resultante dos princípios do direito portugues. Maria Luísa Lobo – 2012/2013
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PROF. BAPTISTA MACHADO ORDEM PÚBLICA INTERNA E ORDEM PÚBLICA INTERNACIONAL Frequentemente o legislador recorre a conceitos indeterminados ou a cláusulas gerais (boa fé, bons costumes, justa causa, diligência de um bom pai de família), permitindo tomar em conta circunstâncias particulares do caso, transferindo para o juiz a tarefa de concretizar a disposição legal no momento da sua aplicação, permitindo adaptar o direito à modificação das circunstancias decorrentes da evolução social histórica e permite tomar em conta regras e valores extra juridicos. Os sectores do direito em que vigoram as clausulas abertas são sectores abertos, isto é, abertos à consideração das particularidades do caso, abertos à consideração de valores e máximas extrajuridicos, abertos à evolução das concepções sociais e da técnica. Dentro das cláusulas gerais merece especial atenção a ordem pública estando consagrada: •
No direito interno no art. 280º: costumam-se considerar como de ordem pública interna aquelas normas e princípios juridicos absolutamente imperativos que formam os quadros fundamentais do sistema, sobre eles se aliecerçando a ordem económico social, pelo que são, como tais, inderrogáveis pela vontade dos inviduos.
•
No DIP no art. 22º
MALAURIE: a ordem pública consubstância-se no bom funcionamento das instituições indispensáveis à colectividade. Representa o sector piloto do sistema. Todavia, despeito dos princípios basilares do sistema jurídico constituirem as linhas de resistência e as coordenadas básicas da ordem jurídica interna, a verdade é que em numerosas situações de natureza internacional eles deixam de operar, por isso que o DIP local manda aplicar a tais situações leis estrangeiras, de conteúdo vario e desconhecido. Ou seja, certas relações que, enquanto relações de ordem interna, estariam subordinadas a disposições de ordem pública da lei portuguesa, são por força do nosso DIP submetidas a leis estrangeiras, porventura dominadas por princípios diferentes ou até opostos. Toda a ordem jurídica está orientada para determinado ideal de justiça, satisfaz determinados postulados sociais, políticos e económicos, e todo o estado tem um interesse elementar na conservação da harmonia interna e na manutenção da pureza das concepções nacionais basilares, em impedir ‘’a miscegenação com concepções fundamentalmente heterogenas’’.
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Por um lado sabemos que a designação de uma lei estrangeira para regular determinada relação jurídica não significa que essa relação não possa manter conexões mais ou menos estreitas com o Estado do foro e que atravez dessas ligações, uma situação efectivamente moldada pelo direito estrangeiro pode ser um elemento estranho e perturbador no corpo da ordem jurídica social do foro. Por outro lado, aquele voto de confiança que o direito de conflitos concede aos legisladores estrangeiros vai certamente condicionado, mesmo que a situação a julgar não tenha qualquer ligação efectiva com a lex fori, ao pressuposto de que esses legisladores não ditarão normas ofensivas dos mais elementares princípios de justiça. BATIFFOL: o próprio DIP está ainda sob o comando daquela concepção mais elementar de justiça que gerou as linhas de rum essenciais da ordem jurídica global (incluindo as normas de direito de conflitos) e à qual nenhuma lei pode renunciar sem negar a si própria. O juiz precisa de ter à sua disposição um meio que lhe permita percludir a aplicação de uma norma de direito estrangeiro, quando dessa aplicação resulte uma intolerável ofensa da harmonia jurídica material interna ou uma contradição flagrante com os princípios fundamentais que informam a sua ordem jurídica. Esse meio ou expediente é a excepção de ordem pública internacional ou reserva da ordem pública. CONCLUSÕES i.
Há normas e princípios de ordem pública interna que o não são de ordem pública internacional;
ii.
A origem do problema da ordem pública internacional reside na carência de uma genuína comunidade jurídica internacional, pois, se todos os estados estivessem subordinados aos mesmos princípios ético jurídicos fundamentais, é evidente que tal problema não iria surgir
iii.
A ordem pública internacional funciona por via de excepção, desencadeando o seu efeito no momento da aplicação da lei estrangeira designada, ao contacto com as combinações impares e imprevisiveis das circunstancias do caso com o teor da norma estrangeira a aplicar.
CONCEPÇÃO APRIORÍSTICA E CONCEPÇÃO APOSTERIORÍSTICA DA ORDEM PÚBLICA PROF. BAPTISTA MACHADO (CONCEPÇÃO APOSTERIORÍSTICA): a excepção ou a reserva da ordem pública internacional assenta na reserva que vai implicita em toda a remissão que o DIP opera para os direitos estrangeiros, reserva essa que se destina a impedir que a aplicaçao de uma norma estrangeira conduza, no caso concreto, a um resultado intolerável. Trata-se de uma cláusula ou princípio geral, equiparável às
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formulas da boa fé a do abuso de direito na ordem jurídica material interna e é comum a todos os ordenamentos jurídicos. Tal reserva visa afastar o direito estrangeiro de cuja aplicação ao caso resultaria uma lesão grave para boa harmonia e equilibrio da nossa ordem jurídica, ou ofensa dos seus pressupostos mais essenciais, significando a sua intervenção uma excepção à aplicação da ordem jurídica designada como competente. DOUTRINA DOS PAÍSES LATINOS – FRANCESES E ITALIANOS (CONCEPÇÃO APRIORÍSTICA): a ordem pública internacional consubstancia-se numa qualidade inerente a determinadas normas materiais do foro, que postularia a extensão do dominio de aplicação destas mesmo a hipoteses ligadas por certos elementos de conexão a ordenamentos estrangeiros, em derrogação a normas de conflitos gerais porventura existentes no sistema. Tais normas materiais seriam as leis ou regras de ordem pública internacional. Esta orientação vem da doutrina francesa desde PILLET para quem as leis de ordem pública eram as leis de garantia social, as quais teriam competência territorial e valor extraterritorial. Seriam leis de competência absolutamente normal. Os tribunais locais, quando chamados a aplicar as leis da ordem pública dimanadas do seu próprio legislador a uma relação ligada a sistema jurídico estrangeiro por algum dos seus elementos, fá-lo-iam porque essas leis postulam de per si uma aplicação geral: seriam leis de competência territorial, leis gerais para todos os individuos e todas as situações jurídicas. Contudo, hoje os melhores tratadistas, mesmo os latinos, já abandonaram esta posição (com excepção de QUADRI que se mantém fiel à ideia de que a ordem pública internacional não é juridicamente um limite à aplicação do direito estrangeiro, sendo pelo contrário, a própria esfera de vigor excepcionalmente amplo de alguns princípios da lex fori). Admite-se em regra a possibilidade de, em certos dominios juridicos mais sensiveis, se elaborarem regras de conflitos unilaterais (cláusulas especiais de ordem pública), pelo recurso a elementos especiais de conexão com o ordenamento do foro, na escolha dos quais encontrariam expressão as particulares concepções ético jurídicas, económicas ou religiosas desse ordenamento. Tais regras de conflitos unilaterais é que conduziriam sempre à aplicação da lei do foro, qualquer que fosse o conteúdo da lei estrangeira que, na ausência delas, seria a competente. Quanto a tais normas de conflitos, sim, é que se poderia falar de uma preclusão a priori da aplicação da lei estrangeira. Tais normas de conflitos unilaterais encontrar-se-iam implicitas em muitas leis ou normas que contendem com a salvaguarda da organização política, social ou económica do estado do foro, leis essas que poderiam ser por isso mesmod esignadas como leis de aplicação imediata ou necessária no sentido de que se subtraem às regras normais de direito de conflitos.
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Estão fora do âmbito do problema especifico da ordem pública internacional as leis politicas, as leis penais, as leis de policia e segurança, bem como as leis monetárias e fiscais, enfim, todas as leis de direito publico, já que o primeiro pressuposto do recurso aquele expediente é que se esteja em presença de um caso de competência normal da lei estrangeira designada pelo nosso dip. CRITÉRIOS GERAIS DE DELIMITAÇÃO DA ORDEM PÚBLICA O perigo inerente à excepção de ordem pública reside na sua indefinição e na consequente possibilidade de se fazer dela um uso excessivo. O problema não se resolve com uma definição pois a ordem pública é indefinável conceitualmente, como indefinivel é o estilo ou a alma de uma ordem jurídica. Deste modo, a noção de ordem pública não é univoca, se bem que seja a sua função. Deste modo, quando se trata de fixar o conteudo da reserva ou excepção de ordem pública todos os criterios propostos falham ou se relevam insatisfatórios, embora todos possuam uma parcela de verdade, mas nenhum sendo decisivo: i.
CRITÉRIO DA NATUREZA DOS INTERESSES OFENDIDOS (MANCINI) – a ordem pública intervem sempre que a aplicação da norma estrangeira possa envolver ofensa dos interesses superiores do estado ou da comunidade local. •
ii.
CRITÉRIO DO GRAU DE DIVERGÊNCIA – a aplicação do direito estrangeiro será precludida sempre que, entre as disposições aplicáveis desse direito e as disposições correspondentes da lex fori, exista divergência essencial. •
iii.
PROBLEMA: falta apurar quais são esses intereses superiores intangíveis, como podem ser lesados e qual o grau de lesão que ainda ainda consentem em nome do princípio da justiça de DIP
PROBLEMA: é verdade que somente quando exista e seja essencial tal divergência deverá intervir a excepção de ordem pública, mas há casos em que existe tal divergência, mas o problema da ordem pública não se põe. Qual o critério para determinar a essencialidade?
CRITÉRIO DA IMPERATIVIDADE – serão de ordem pública as disposições rigorosamente imperativas do sistema jurídico local. •
PROBLEMA: nem todas as normas da lex fori absolutamente imperativas são normas de ordem pública internacional.
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PROF. BAPTISTA MACHADO E SINTESE DOS CRITÉRIOS REFERIDOS Será recusada a aplicação da lei estrangeira competente sempre que ela contenha uma regulamentação essencialmente divergente da consagrada em disposições correspondentes da lex fori, quando estas disposições sejam inspiradas pelos interesses gerais da comunidade e sejam, por isso mesmo, rigorosamente imperativas. Tais caracteritiscas pertencem não só as normas de ordem pública intenacional como às normas de ordem pública intena, sendo que nem todas as normas de ordem pública interna são normas de ordem pública internacional: as normas que exigem para a validade de certos negócios jurídicos a forma autêntica, visando garantir a segurança do tráfico jurídico e sendo, pois, de ordem pública interna, não impedem que se aplique em DIP, na generalidade dos casos, a regra locus regis actus. Para que possa ou deva intervir a excepção de ordem pública internacional, será necessário que as disposições de direito privado da lex fori divergentes das da lei estrangeira normalmente aplicável sejam fundadas em razões de ordem ecónimica, ético religiosa ou política. Mas este critério tem apenas um valor de aproximação e não pretende mais que forneceder uma orientação ao juiz. Ao juiz competirá, em face de cada caso concreto e socorrendo-se do seu senso jurídico, apurar se a plicação da lei estrangeira considerada competente importaria na hipotese um resultado intoleravel quer do ponto de vista do sentimento etico juridico (bons costumes), quer do ponto de vista dos principios fundamentais do direito portugues. TERMOS EM QUE DEVE CIRCUNSCREVER-SE A ORDEM INTERNACIONAL – PRESSUPOSTOS DA SUA INTERVENÇÃO
PÚBLICA
DOUTRINA DOMINANTE: a excepção ou reserva de ordem pública encontra-se limitada na sua intervenção pelo facto de o juiz a não poder fazer valer senão quando uma ligação estadual de intensidade primária torne efectiva a dissonância entre a lex fori e a lei estrangeira. KAHN defende a existência de uma conexão com o Estado local. Segundo NIEDERER a questão da exigência ou não exigência de uma conexão do caso com a lei do foro depende em última análise de se identificar o objecto tutelado pela norma pública, os princípios e ideiais da própria ordem pública, com o conceito de uma justiça absoluta em si ou com o conceito de uma justiça apenas relativa. Deste modo, é somente dada essa conexão com a lex fori seja ela qual for, que o caso virá a ter impacto no ordenamento da lex fori, enquanto ordem jurídica efectiva. A intensidade da ordem pública determinada pela divergência encontre as concepções de justiça material fori e as da lei estrangeira, seria tanto maior quanto mais forte fosse a ligação do caso com o estado do foro, o que provocaria uma compressão ou uma expansão do conceito de ordem pública, uma variação do seu grau de incidência, conforme a situação concreta. De todo o modo, para a ordem pública intervir será sempre necessário que o direito estrangeiro aplicável atropele grosseiramente a concepção de justiça de direito material, tal como o Estado do foro a entende.
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No caso de divergências abissais entre as duas ordens jurídicas materiais, isto é, no caso de leis estrangeiras que abalem o mais profundo do sentimento jurídico interno por entrarem em conflito com os principios fundamentais da ordem jurídica nacional considerados como inamoniveis e imutáveis, como patrimonio intangivel de que compartilha uma comunidade cultural, neste caso há que renunciar à exigência da referida ligação com o estado do foro. O simples facto de um tribunal interno ser chamado a aplicar tais normas seria pressuposto suficiente para fazer intervir a excepção da ordem pública. É exemplo de tal situação por exemplo a negação de direitos fundamentais aos nazis na Alemanhã nazi. O princípio que manda reconhecer capacidade jurídica a todos os seres humanos, assim como o princípio da igualdade de todos perante a lei e o respeito pelos direitos fundamentais da pessoa humana são princípios juridicos que nos consideramos como expressão de uma justiça absoluta. A primeira função da ordem pública é defender o direito natural ou os ideiais de justiça comuns às nações civilizadas. Deste modo, o conteudo da lei estrangeira competente não é, em geral, só por si decisivo para fazer entrar em jogo a excepção de ordem pública: serão antes as circunstâncias ou os resultados da aplicação dessa lei ao caso concreto, os factos decisivos do seu afastamento por uma razão de ordem pública entre essas circunstâncias se contranto um elemento de conexão com o estado do foro, a maior parte das vezes. Também não se encontra excluida a hipotese de dever afastar-se em razão da ordem pública internacional, a aplicação duma lei cujo conteudo em nada contradiz os principios juridicos do foro, por essa aplicação conduzir a resultados chocantes no caso em apreço, em virtude de uma complexa e anormal combinação de circunsctâncias. Depois de estabelecida a incompatbilidade abstracta (referida ao conteudo da lei estrangeira), será necessário estabelecer uma incompatibilidade concreta, ou seja, determinar se a intensidade da ligação da relação considerada à ordem jurídica do foro, ou outras circunstancias do caso, justificam a intervenção da reserva de ordem pública. É a aplicação ao caso concreto da lei extrangeira que há-de revelar a chocante contradição com as concepções ético jurídicas que têm curso na ordem do foro e assim justificar a intervenção da reserva de ordem pública – ART. 22º/1 CARACTERISTICAS DA ORDEM PÚBLICA A ordem pública tem um caracter de excepção (à aplicação da lei normalmente aplicável), intervindo a posteriori. Dado o caracter contingente e concretopor que a ordem pública, em regra se determina e a afirmação do princípio de justiça do DIP, postulado pelos interesses que serve este direito, a ordem pública não poderá deixar de intervir em geral por via de excepção, como um elemento perturbador do sistema, um mal necessário, que, como tal, se deverá reduzir ao mínimo. A ordem pública tem um caracter de actualidade: este remédio é função da concepção que domina no pais do foro no momento do processo. O visto que o juiz do foro dá no Maria Luísa Lobo – 2012/2013
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dia do julgamento à lei estrangeira designada como competente, deve ser concedido segundo as exigências ético jurídicas contemporaneas do litigio. Entende-se que, se uma situação jurídica se contituiu validamente no estrangeiro de acordco com a lei que é aplicável, o facto de a intervenção da ordem pública opor à sua efectivação no Estado do foro não significa que ela seja ferida de nulidade: ela é simplesmente afectada de ineficácia, na direcção visada ou in totum, relativamente ao actual ordenamento jurídico do foro. A ordem pública reveste um caracter de remedio ou valvula de segunça que opera no momento da decisão, mas tal não significa que o facto de se tratar de uma relação já constituida ou de um direito adquirido não exerça o seu peso na balança de precisão da ordem pública: em matéria de reconhecimento no Estado do foro de efeitos de situações jurídicas constituidas no estrangeiro, a intervenção da ordem publica, se bem que não deva ser excluida, em principio, tem um efeito atenuado, quer dizer, só se manifesta nos casos mais graves. Exemplo: embora a nossa ordem pública se oponha ao casamento poligâmico, talvez já não deva levantar obstáculo a que uma das mulheres de um estrangeiro, casada regularmente no seu país de origem, possa exigir alimentos do marido ou se habilite como sua herdeira. Pode mesmo entender-se que, em casos destes, o que violaria a ordem pública seria o próprio facto da constituição ou da extinção da situação juridica em Portugal, de modo que, se esse facto teve lugar no estrangeiro, a nossa ordem pública não foi propriamente afectada. AGO: a ordem pública do estado do foro apenas se opõe à aplicação neste estado de critérios normativos estrangeiros cuja aplicabilidade decorre duma regra de conflitos, mas já nada tema ver com aquelas outras normas que fornecem à norma aplicavel um dos seus pressupostos de facto. Exemplo: determinação dos direitos sucessórios do filho de um muçulmano polígamo: •
A norma de dip da lex fori insere no ordenamento interno, para regular a questão, a norma relativa à sucessão da lei nacional do de cuius, norma segundo a qual serão atribuidos determinados direitos aos filhos legítimos,
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Para saber o que entende a norma por filhos legitimos será necessario recorrer a outras normas do mesmo ordenamento estrangeiro e particularmente aquele que regulam a filiação legitima e a validade do matrimonio poligamico
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Note-se que a referencia a outras normas do ordenamento estrangeiro, diferentes daquelas para que remete a regra de conflitos, mais não é do que um elemento do processo de interpretação da norma estrangeira sobre as sucessões. Tal não constitui de modo algum uma regulamentação da relação de filiação ou da relação matrimonial na ordem juridica interna, e não implica qualquer insersão em tal ordenamento das normas estrangeiras relativas aquelas relações.
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AGO está se a referir as hipoteses de questão previa ou de referencia pressuponente, em que as normas estrangeiras relativas a uma situação juridica prejudicial ou condicionante não são objecto de chamamento por parte da regra de conflitos, mas apenas são consideradas, no processo de aplicação da norma material chamada por esta regra, enquanto fornecessem o dado ou pressuposto a que a dita norma material aplicanda se reporta na sua hipotese legal. Como tais normas relativas à situação prejudicial não são aplicadas no estado do foro, a ordem publica deste estado nao é por elas afectada. EFEITOS & FUNÇÕES DA ORDEM PÚBLICA
EFEITO (PRIMÁRIO) NEGATIVO OU IMPEDITIVO
Traduz-se, sempre, em afastar a aplicação do preceito estrangeiro em princípio aplicável.
FUNÇÃO PROIBITIVA OU NEGATIVA
A ordem pública impede a constituição ou extinção duma situação permitida pela lei competente.
FUNÇÃO PERMISSIVA OU POSITIVA
Recusamos a aplicar uma norma estrangeira que estabeleça como impedimento à celebração do casamento a diversidade de raças ou de religiões. Admite-se a celebração do casamento em Portugal, apesar de a lei pessoal dos nubentes não o permitir.
CONSEQUÊNCIAS DA INTERVENÇÃO DA ORDEM PÚBLICA Toda a acção preclusiva da ordem pública incide directa e unicamente sobre os efeitos jurídicos que, para o caso, defluem da lei estrangeira, não sobre esta lei em si mesma. Afastado o efeito chocante que a lei estrangeira tenderia a produzir, deu-se satisfaçao de um postulado da ordem local, neutralizando-se a disposição da lei estrangeira, na medida em que se excluir aquele seu efeito. A ordem pública por si exige apenas a preclusão daquele resultado intolerável. Os autores em geral referem que a amputação produzida na lei estrangeira pelo afastamento da norma lesiva da ordem pública do foro pode abrir uma lacuna que necessite de preenchimento e interrogam-se sobre qual seja a lei que deverá preencher a lacuna.
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CONCEPÇÃO APRIORÍTISCA DA ORDEM PUBLICA (ITALIANOS): apenas à lex fori compete preencher o váculo deixado pelo agastamento do direito estrangeiro competente. A ordem pública não desempenha o simples papel de uma excepção, sendo a sua função conduzir sempre à aplicação da lex fori em questões que respeitem a determinados sectores jurídicos e que estejam particularmente vinculadas a princípios estruturais que são autênticas linhas de resistência da ordem jurídica do foro. Não existe verdadeiramente um problema: o direito civil nacional tem uma validade geral e o direito de conflitos constituir um direito excepcional para as relações privadas internacionais. Se a excepção não pode funcionar deve regressar-se automaticamente à regra.
•
CONCEPÇÃO APOSTERIORÍSTICA DA ORDEM PÚBLICA (ALEMÃES E PROF. BAPTISTA MACHADO): a ordem pública tem a função de uma excepção e, por isso, a sua actuação deve ser limitada ao máximo. As lacunas abertas pela cláusula geral de reserva deverão ser colmatadas, sempre que possível a partir do ordenamento jurídico em princípio aplicável.
Entre os raros casos de autênticas lacunas provocadas pela evicção da lei competente são de mencionar os seguintes: i.
O crédito objecto do pleito estava submetido à lei suiça, a qual decreta a imprescritibilidade para créditos daquele tipo. A imprescritibilidade de um crédito repugna à ordem pública alemã. Afastada a norma da lei suiça, surge a necessidade de estabelecer o prazo prescricional a aplicar. O Supremo Tribunal Alemão preencheu essa lacuna pelo recurso às disposições suiças sobre prazos de prescrição. Contudo, nada obstaria a aplicar-se um prazo mais longo de prescrição, eventualmente contido na lei alemã: não se ofenderia a ordem pública alemão e obter-se-ia um resultado mais próximo da valoração jurídico material da lei suiça-
ii.
Declarada nula uma cláusula de certos contrato por contrária à ordem pública portuguesa e afastada, assim, quanto a esse ponto, a solução que da lex contractus resultava, a que lei competirá decidir se, uma vez considerada sem efeito tal cláusula, a convenção deve sobreviver quanto às restantes (redução do negócio jurídico) ou ser anulada in toto? A lei contratual competirá resolver o problema.
Em suma: parece de aceitar o principio do minimo de dano causado à lei estrangeira, ou seja, sendo afastada por força da ordem pública a aplicação de uma regra especial da lei estrangeira, deve em princípio recorrer-se à correspondente disposição geral da mesma legislação, apenas se recorrendo à lex fori no caso de a aplicação da lei estranngeira ser de todo inviável – ART. 22º/2.
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VIII - FRAUDE À LEI
PROF. FERRER CORREIA FRAUDE À LEI EM DIP: consiste am alguém iludir a competência da lei de aplicação normal, a fim de afastar um preceito de direito material dessa lei (preceito rigorosamente imperativo) substituindo-lhe outra lei onde tal preceito, que não convém às partes ou a uma delas, não existe – elemento subjectivo da fraude. A intenção fraudelenta é levada a cabo atraves de uma adequada manipulação da regra de conflitos, normalmente do factor de conexão – elemento objectivo da fraude, a qual pressupoe que possa depender da vontade dos interessados fixar a conexão relevante à medida das suas conveniências. É a nacionalidade o elemento de conexão normalmente usado. CASO BEAUFFREMONT: a princesa de Beauffremont vivia em França, na segunda metade do séc. XIX, judicialmente separada do marido. Os conjuges eram ambos franceses e naquele tempo o divórcio não exista ainda em França. Mas a princesa queria divorciar-se para desposar o princípe Bibesco. Foi então aconselhada a naturzalizar-se num ducado alemão, onde a separação de pessoas e bens equivalia a um divórcio. Como a lei desse ducado passou a ser nova lei nacional da princesa segundo a regra de conflitos francesa, o expediente permitiu à interessada contrair imediatamente segundo casamento, que aliás não foi reconhecido em França, em virtude da fraude que esteve na sua naturalização. O objecto da fraude foi a norma de conflitos que deisgnava como aplicável no caso a lei francesa e o instrumento da fraude a norma de que considera aplicável a lei a que a interessada pretendia acolher-se. A fraude verifica-se devido ao fim visado com a manobra e não com a pura e simples alteração do elemento de conexão da regra de conflitos. Na verdade, ninguem pode ser privado do direito de mudar de nacionalidade, desde que o individuo proceda com o intento sério de aceitar as consequencias mais essenciais da condição de nacional do estado da naturalização. No caso da princesa, ela não revelou tal intenção interessando-lhe apenas contrair segundo casamento com o principe Bibesco. Não pode considerar-se haver fraude no caso de uma pessoa colectiva cujos fundadores deliberarem fixar-lhe a sede em determinado país unicamente para beenficiar de menos severa legilslaçao desse pais relativamente à daquele onde a sociedade se propoe exercer a sua principal actividade. Isto colocando a hipotese de ser uma deliberação séria de um asede real. Por este dominio, a fraude só será de considerar nas hipoteses de internacionalização artificial da pessoa colectiva: dá-se à pessoa colectiva, puramente interna, cor ou caracter internacional atraves da simples fixação da respectiva sede em pais estrangeiro.
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SANÇÃO À FRAUDE À LEI: existe um regresso ao estado de coisas a que o fraudelento pretende evadir-se, com a concomitante ineficácia da situação que ele visou criar. A princesa de Beauffremont continuou casada com o anterior marido, sendo totalmente ineficaz o segundo casamento. Além disso a naturalização alemã foir ignorada pelos tribunais franceses, que consideraram ter a princesa de Beauffrmont continuado a ser francesa. PROF. BAPTISTA MACHADO Sendo função norma do direito de conflitos ir ao encontro das necessidades próprias do comércio jurídico internacional, regular as situações intenacionais, tendo em conta a sua condição de situações não pertecentes à vida jurídica interna, poderão as partes, ‘’internacionalizando’’ artificialmente a sua ‘’situação’’ aproveitar-se das normas de conflitos para beneficiarem da aplicação da lei que lhes for mais vantajosa? KEGEL: A fraude à lei representa um procedimento pelo qual um particular realiza por forma inusitada um tipo legal em vez de outro a fim de provocar a consequência jurídica daquele, em vez deste. ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA FRAUDE À LEI: NORMA FRAUDADA: regra jurídica que é objecto de fraude, ou seja, a norma a cujo imperativo se procura escapar.
i.
O objecto da fraude à lei em DIP é constituido por aquela norma cujo imperativo viria a ser frustado se a manobra fraudatória resultasse. Tratasse daquela norma de conflitos (ou parte dela) que manda aplicar o direito material a que o fraudante, em último termo, pretende subtrair-se. O fim dessa norma de conflitos não será afectado na medida em que o não seja também o fim da norma material a cuja aplicação o fraudante quis escapar. EXEMPLO: Quando o legislador submete o divórcio à lei nacional dos cônjuges, a esta norma está subjacente o intuito de situar os individuos, para efeitos da regulamentação de uma importante relação de familia, na ambiência daquela ordem jurídica com a qual eles têm mais afinidade, por sob ela terem formado a sua personalidade e sob ela viverem. Acresce que o legislador pouco interesse terá em regular segundo a sua ordem jurídica nacional as relações de família dos estrangeiros. •
Estes pressupostos já não se verificam se um nacional adquire uma cidadania estrangeira provisória com o intuito de se divórcio, iludindo a proibição do divórcio da sua lei nacional, sem de resto alterar, no minimo que seja, as suas condições de vida.
•
Se os cõnjuges realizam a mesma manobra fraudatória na suposição errada de que o seu direito nacional não lhes permite o divórcio, quando tal é permitido, não se pode dizer que há fraude à lei. O fim da norma de conflitos fraudada não
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é frustrado, uma vez que não é aplicado à situação um direito substancialmente diferente daquele a que se pretendeu fugir. ii.
NORMA-INSTRUMENTO: regra jurídica a cuja protecção o fraudante;
Utilização de uma regra jurídica, como instrumento da fraude, a fim de assegurar o resultado que a norma fraudada não permite. Tal regra é, no DIP, a norma de conflitos que indica como aplicável aquele direito que melhor se conforma com os intuitos do fraudante. Esta regra, através das manobrar fraudatórias, é desviada do seu fim normal, por tal forma que o uso que as partes dela fazem representa antes um abuso. iii.
ACTIVIDADE FRAUDATÓRIA: pela qual o fraudante procura modelar artificiosamente uma situação coberta por esta segunda regra
A actividade fraudatória há-de traduzir-se no emprego de meios eficazes para consecução do fim visado pelas partes: o desencadeamento da consequência jurídica da norma instrumento e conexamente o da consequência jurídica da norma ou normas da lei estrangeira que se pretende ver aplicadas. Não se pode falar em fraude (relevante) à lei se, por exemplo, a mudança de domicilio for simplesmente simulada ou aparente, ou seja, se as partes adquiriram um domicilio estrangeiro sem que tivessem deixado de residir no pais do foro, pois nem se estará verificado o pressuposto da norma instrumento. iv.
INTENÇÃO FRAUDATÓRIA/ANIMUS FRAUDANDI
Só a fraude intencional tem aptidão bastante para provocar uma perturbação social capaz de desencadear medidas repressivas, de que só ela é de molde a fazer perigar a autoridade e valor imperativo da lei, por ser uma manipulação consciente da mesa lei. Se alguém se vai casar no estrangeiro somente para dar nas vistas e não para se subtrair à forma matrimonial da lei portuguesa não haverá fraude à lei. CONCEPÇÕES QUANTO À ADMISSIBILIDADE DA FRAUDE À LEI EM DIP i.
AUTORES QUE ADMITEM A RELEVÂNCIA DA FRAUDE À LEI EM DIP
A fraude à lei não passaria de um simples caso de aplicação, em DIP, da noção geral de fraude à lei. A única diferença assentava no facto de que aqui a fuga à lei imperativa operava através de um meio específico: modelação artificiosa dos pressupostos factuais ou jurídicos de que depende a designação da lei aplicável. A actuação fraudatória consistiria na fuga de um ordem jurídica para outra, em vez de consistir na fuga de uma norma ou instituto jurídico para outro dentro de uma e mesma ordem jurídica. Entende-se vulgarmente que há fraude à lei em DIP quando os interessados no intuito de escaparem à aplicação de um preceito material de certa legislação, criam o elemento de conexão que tornará aplicável uma outra ordem jurídica, mais favorável aos seus
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interesses. Tal pressupõe a possibilidade de as conexões relevantes no direito conflitual poderem ser modeladas por acção das partes. Deste modo, segundo a concepção dominante, a fraude à lei em DIP traduzir-se-ia na figa a uma certa norma material interna (a norma fraudada). A actividade fraudatória das partes incidiria sobre a modelação do factor de conexão de uma norma de conflitos, à qual caberia o papel de norma intrumental da fraude. ii.
AUTORES QUE AFASTAM O CONCEITO DE FRAUDE À LEI DO CAMPO DO DIP (NIERDERER)
FUNDAMENTOS •
Seria questionável a transposição do conceito de fraude à lei para DIP: é o próprio legislador que indica às partes o caminho através do qual estas podem escapar à aplicação das suas leis internas. O domínio de competência do direito imperativo interno é limitado através das normas de conflitos. Seria ilógico falar de fraude à lei imperativa interna quando essa mesma lei não é aplicável. Só poderia haver fraude desde que tal lei fosse aplicável. A solução conflitual, a determinação da esfera da aplicabilidade da lei interna, constituir um prius relativamente à possibilidade de violação (directa ou indirecta dessa lei).
•
Dificuldade de determinar, em certos casos, qual o direito fraudado. Os adeptos da relevância da fraude à lei em DIP de que tem de ser de antemão havida como única competente, pela própria natureza das coisas, uma ordem jurídica determinada. O órgão aplicador do direito terá de considerar como fraudada aquela ordem jurídica que se apresentaria como competente se as partes não tivessem montado a conexão fraudelenta, se elas não tivessem realizado a actividade fraudatória. Se tal em muitos casos não oferece dificuldades, noutros há em que ocorre o contrário sendo impossível decidir sobre qual haja sido fraudada: se um americano, um inglês e um francês, depois de haverem examinado as disposições pertinenentes das leis inglesa, francesa, suiça e italiana, decidem constituir uma sociedade anónima em Itália, com o intuito de escapar aos preceitos que regulam as sociedades por acções e aos preceitos de natureza fiscal vigentes nos outros países,m qual o direito fraudado: o americano, o inglês ou o francês?
•
A própria insegurança quanto aos efeitos a derivar da mesma fraude e a incerteza jurídica que provocaria a aplicação no direito de conflitos de uma cláusula geral repressiva da fraude à lei. É notável a insegurança que se verifica no dominio do DIP quanto às consequências da fraude à lei:
Alguns autores consideram que são nulas tanto as relações ou efeitos jurídicos visados através da fraude, como os outros efeitos das actuações fraudatórias (ex: seria nulo não só o divórcio obtido por aplicação do
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direito estrangeiro como ainda a própria aquisição da nacionalidade estrangeira como meio de tornar viável aquele fim)
Outros autores defendem que somente os efeitos jurídicos visados pelas partes (ex: o divórcio e já não a nacionalidade) seriam nulos.
Há ainda quem defenda que o juiz deverá sempre ater-se ao direito fraudado, limitando-se a excluir os efeitos por este proibidos ou a fazer actuar os efeitos por ele imperativamente estatuídos. NIEDERER: tanto os actos praticados com o fim de iludir a lei como o próprio efeito visado através da fraude devem ser reconhecidos no interesse da segurança jurídica, a não ser que o direito positivo da lex fori disponha expressamente outra coisa. No entanto, o fraudante não deverá receber protecção jurídica sempre que a actuação fraudatória implique simultaneamente um abuso do direito (ex: o fraudante adquire uma outra nacionalidade apenas para se eximir às obrigações contraídas através da venda da própria herença. Neste caso haverá abuso do direito, uma vez que o fraudante usa o seu direito de mudar de nacionalidade somente com o fim de prejudicar um terceiro).
KEGEL (OPINIÃO COM A QUAL O PROF. BAPTISTA MACHADO CONCORDA): a questão de saber se a fraude deve ou não ser reprimida é uma questão a por no plano da justiça do DIP, é uma questão de dirimir por interpretação das normas de conflitos. Face aos interesses que conduziram à conexão normal, pode, neste caso, em que um elemento de conexão foi realizado por forma anormal e apenas em razão da sua consequência jurídica própria (a aplicação de determinadas normas materiais), intervir impeditivamente a consideração do interesse da autoridade da ordem jurídica. O interesse da autoridade da ordem jurídica é mais exactamente o interesse da autoridade no nosso DIP. O objecto da fraude é aquela parte da norma de conflitos que remete para o ordenamento a cuja aplicação se pretende escapar. A regra instrumental da fraude é aquela outra parte da mesma norma de conflitos que designa o ordenamento cuja aplicabilidade se pretende provocar. Se a consequência jurídica verdadeira e própria de uma norma de conflitos é a aplicabilidade de uma legislação determinada, poderemos afirmar que a norma de conflitos designa a sua consequência jurídica por forma genérica e que são tantas as consequências jurídicas que logicamente se contém no esquema abstracto de uma norma de conflitos quantas as normas jurídicas existentes. Tendo por base nestes termos a norma de conflitos teriamos que a norma fraudada seria aquela que tem por consequêcia jurídica a aplicação da legislação A e a norma instrumental aquela cuja consequência jurídica consiste na aplicação do ordenamento B. Deste modo, dogmaticamente, é possível a construção da fraude à lei em DIP.
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AUTORES QUE DEFENDEM QUE A FRAUDE À LEI EM DIP SERIA UMA FORMA PARTICULAR DE VIOLAÇÃO DA ORDEM PÚBLICA
A teoria da fraude à lei em DIO careceria de autonomia, nada mais sendo que um caso particular de aplicação da teoria da ordem pública internacional. BARTIN: quer a teoria da ordem pública, quer a teoria da fraude à lei, produzem os mesmos resultados, com a única diferença de que: •
Enquanto o efeito da ordem pública é desencadeado pela perturbação social que produziria a aplicação da lei estrangeira em razão do seu conteúdo;
•
Na teoria da fraude à lei o mesmo efeito resulta da perturbação social que causaria tal aplicação em razão das circunstâncias de facto em que interviria.
HELEN BERTRAM: subordinando o conceito de fraude à lei ao conceito de ordem pública, concluiu na superficialidade do primeiro em DIP, sendo suficiente a teoria da ordem pública para satisfazer adequadamente os casos de fraude. CONSEQUÊNCIA DESTA TEORIA: irrelevância de toda a fruade que não vá dirigida contra uma disposição da lei interna do foro, pois a ordem pública, rigorosamente, só protege os interesses próprios da lex fori. ORDEM PÚBLICA INTERNACIONAL
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Limita-se a proteger o meio jurídico interno contra os efeitos nocivos que poderiam resultar da aplicação de uma lei estrangeira normalmente competente. O conteúdo da lei estrangeira em causa actua sempre, por si ou em combinação com as circunstâncias do caso, como factor determinante da intervenção da ordem pública.
O recurso à fraude à lei não é utilizado porque a aplicação da lei estrangeira seja inconciliável com as concepções jurídicas do foro, ou por qualquer razão que se ligue com o conteúdo do direito estrangeiro.
A justiça privada materail do foro sobrepõe-se à justiça própria do DIP: o direito material interno afirma a sua pretensão de validade internacional de um modo anómalo, por forma a quebrar (como verdadeira excepção) os quadros traçados pelo próprio direito de conflitos.
É apenas uma questão de justiça de DIP. Na hipotese de o direito iludido ser o direito interno do foro, a lei interna afirma a sua validade por um modo inteiramente normal, em consonância com o próprio direito de conflitos rectamente entendido.
Apenas protege os interesses da lex fori Além de proteger os interesses da lex fori, serve ainda para reprimir a chamada (RAAPE ‘’é uma questão doméstica’’) fraude à lei estrangeira. O problema da ordem pública só deve colocar-se depois de resolvido o da fraude à lei, pois, se houver fraude, verificar-se-á que a lei estrangeira aparentemente aplicável não é, afinal, a lei chamada pelo DIP, que ela não é a lei normalmente competente. iv.
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A fraude à lei em DIP traduz-se em defraudar-se o imperativo de uma norma material de certo ordenamento através da utilização – como instrumento – de uma norma de conflitos. A fraude à lei em DIP não de configura como fraude a uma norma de DIP. A norma de conflitos apenas desempenharia, no mecanismo da fraude, a função de norma instrumento. Objecto da fraude sê-lo ia sempre uma norma de direito interno. CONSEQUÊNCIAS DA FRAUDE À LEI A doutrina converge no sentido de que a sanção da fraude à lei se traduz na aplicação da norma cujo imperativo a manobra fraudelenta procurou ilidir. Os actos jurídicos realizados e os direitos adquiridos em fraude à lei do foro serão ineficazes neste ordenamento jurídico. A defesa da norma fraudada, a protecção do seu imperativo não exige mais do que isto. O juiz limitar-se-á a recusar os efeitos jurídico-privados que o fraudante através dela procurou obter e que estejam em desacordo com os efeitos previstos pela norma fraudada. Tal não significa que, por vezes, as situações constituídas ou os actos jurídicos praticados como meios de se fugir a uma lei e de conseguir o abrigo de outra não devam ser apreciados autonomamente ou de per si à luz da doutrina da fraude à lei, para o efeito de eventualmente serem havidos como ineficázes em razão da fraude: é possível que um Estado, por exemplo, cuja cidadania foi adquirida com o intuito fraudelento para efeitos de divórcio, considere essa aquisição como viciada de fraude e como tal inoperante. Nesta hipotese tratar-se-á de fraude a uma lei material e o fraudante teve desde logo a sua pretensão frustrada no plano do direito material, sendo que ele não consegue nem realizar um dos pressupostos necessários para haver fraude à lei no plano do DIP: a utilização de um meio juridicamente eficaz para o fim que tem em vista.
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IX - APLICAÇÃO DO DIREITO ESTRANGEIRO PROF. FERRER CORREIA O direito aplicável por força da norma de conflitos é o direito que realmente vigora num determinado país. É irrelevante o facto de o estado ou o governo estrangeiro não ser reconhecido no estado do foro. O direito estrangeiro é aplicado entre nós como direito – art. 348º/2 CC. ART. 348º/1 – àquele que invocar direito estrangeiro compete fazer a prova da sua existencia e conteudo, mas o tirbunal deve procurar oficiosamente obter o seu conhecimento. Para as partes trata-se de uma simples obrigação de meios. ART. 348º/2 – quanto à aplicação oficiosa da regra de conflitos no caso de nenhuma das partes ter invocado o direito estrangeiro. O objecto da regra de conflitos é promover a justiça do DIP, designando a lei que se considera mais apropriada, e não conferir aos individuos prerrogativas às quais eles seriam livres de renunciar. Esta atitude seria de molde a encorajar o forum shopping, isto é, a busca pelos particulares na ordem internacional de uma autoridade complacente – que seria a lex fori – a fim de obter o que não poderia ser obtido segundo a lei aplicavel. CONSEQUÊNCIAS DA FALTA DE PROVA DO DIREITO ESTRANGEIRO a) Uma primeira concepção seria aquela conforme a qual o tribunal deveria pronunciar non liquet. É inaceitável, uma vez que o juiz nao pode abster-se de julgar, a pretexto da falta ou obscuridade insanável da lei. b) Quando o conteudo geral da lei estrangeira for estabelecido, mas não um seu preceito particular, a lei estrangeira deve ser aplicada na medida em que o tribunal, segundo a sua apreciação, a considere provada. A causa será julgada contra a parte que fundamenta a sua pretensão justamente no preceito do direito estrangeiro cuja existência e conteúdo não puderam ser estabelecidos. Com efeito, é de presumir, neste caso, que a decisão de rejeitar a pretensão esteja de acordo com o sentido geral da lei estrangeira. c) Quando nenhum elemento de prova convincente tiver sido apresentado relativamente à lei estrangeira considerada no seu todo existem duas soluções: i.
O juiz decide contra a parte que não conseguiu provar o conteudo do direito estrangeiro. Esta solução é tão somente de aprovar na hipotese da al. b); quanto ao mais, ela estaria em oposição coma concepção do nosso sistema jurídico, segundo a qual o direito estrangeiro não é tratado como matéria de facto.
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O tribunal decide de conformidade com a lex fori, sendo esta aplicavel a titulo subsidiário. Contudo, nenhum argumento de fundo dá base a esta doutrina. O recurso sistemático à do foro, como lei subsidiariamente aplicavel ou em virtude da referida presunção de coincidencia, poderia conduzir a resultados que tudo indicasse não estarem de acordo com os preceitos da lei designada pela regra de conflitos do foro, como por exemplo no caso de a acção a julgar tender ao reconhecimento da legitima dos filhos do testador, sendo certo que da lei nacional do de cuius apenas se sabe que ela pertence ao grupo dos sistemas jurídicos dos países de common law. Esta solução parece estar em conflito com o art. 348º/3 que consagra que na impossibilidade de averiguar o conteudo do direito aplicavel, o tribunal recorrerá as regras de direito comum portugues. Contudo, é necessário confrontar o art. 348º/3 com o art. 23º/2 sendo que neste ultimo consagra-se que na impossibilidade de averiguar o conteudo da lei estrangeira aplicavel deve-se recorrer aquela que for subsidiariamente competente o que o art. 348º/3 quer dizer é que tornando-se impossivel averiguar o conteudo do direito estrangeiro que for competente em via principal ou subsidiaria, tera de apelar-se, em ultima instancia, para o direito comum portugues.
d) DOUTRINA ALEMÃ: não sendo possível averiguar o conteúdo do direito realmente vigente num determinado estado, deverá recorrer-se ao direito nele provavelmente vigente. Este criterio levara à aplicaçao do sistema que se tiver por mais chegado ao designado pela norma de conflitos do foro. É uma presunção legitima, mas no entanto, a mera circunstancia de dois sistemas jurídicos pertencerem à mesma familia, ou de um deles ter servido de modelo ao outro, pode nada querer dizer relativamente ao modo como um e outro proveem acerca de determinados aspectos da regulamentação legal de certo instituto. POSIÇÃO DO PROF. FERRER CORREIA: não sendo possível o conhecimento directo do direito estrangeiro impõe-se o recurso ás presunções, que são tambem um modo legitimo de provar: •
Se o tribunal não consegue estabelcer de modo preciso o conteudo das normas do direito estrangeiro relativas ao caso sub judice, mas consegue informar-se com segurança acerca dos principios gerais desse direito na materia em questão, deverá decidir o ponto litigioso de harmonia com tais principios;
•
Tudo que se conhece acerca do direito estrangeiro aplicavel é o facto de ele sido fundamentalmente influenciado por outro sistema juridico. A acção a julgar é uma acção de divorcio com fundamento em abadono do lar conjugar. No segundo sistema juridico (sistema juridico modelo), o divorcio só em admitido
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com base no adulterio. É de presumir que as normas da legislação competente s enão apartem muito desta linha de orientação e a acção de divorcio sera julgada improcedente, não devendo o juiz aqui recorrer aos preceitos da lei fori que autorizariam o divorcio. Deverá proceder-se em termos semelhantes sempre que a materia da causa, pela sua natureza, contenda directamente quer com linhas gerais do ordenamento juridico, quer com caracteristicas basicas da instituiçao em apreço, e não com simples aspectos particulares e por assim dizer insignificativos da regulamentação legal em causa. •
Outra relevante presunção a utilizar pelo tribunal é a de que, tendo-se operado no ordenamento estrangeiro quanto à materia sub judice uma alteração de regime e não possivel estabelecer directamente o conteudo da nova lei, a solução que era dada ao caso pela lei antiga continua a ser valida. Mas esta presunção cederá se a referida soluçao se não casar com o espirito (esse conhecido) da nova lei e bem assim na hipotese de se averigar que a lei nova veio estabelecer uma regulamentação inteiramente distinta da anteriormente vigente.
Deste modo, é arriscado guardar fidelidade ao sistema das presunções, isto é, ao proposito de averiguar por essa via o conteudo do direito estrangeiro – aquele direito provavelmente vigente no Estado cuja legislação se trata de aplicar. Parece que se deve adoptar o ponto de vista de que a conexão estabelecida pela norma de conflitos utilizada não nos permite atingir o alvo e procurar a solução do problema utilizando a conexão subsidiária daquele, se uma tal conexão subdiária estiver adrede prevista no direito conflitual do foro. Existem conexões que não tem sucedâneo, como a situação da cooisa que é uma conexão decisiva em matéria de direitos reais. Por outro lado, o proprio direito estrangeiro indicado pela conexão subdiária pode ser, ele tambem, de conteudo incerto. Em todos estes casos impoe-se a utilização da lex materialis fori não porque seja legitimo em geral admitir que as normas da lei estrangeira coincidem com as da lei do foro, senão apenas para se evitar uma denegação de justiça. ART. 23º/2 – estebelece que sendo impossivel determinar o conteudo do direito aplicavel, irá se recorrer imediatamente à lei que for designada pela conexão subdiária. Esta norma não excluir pela sua letra a legitimidade do recurso a presunção para se determinar o conteudo da lei aplicavel. Enquanto nao estiver estabelecida a impossibilidade de determinar, mesmo com o auxilio de presunções, o conteudo da lei designada como aplicavel pela norma de conflitos, não se verificará manifestamente ahipotese que condiciona a utilização de conexão subdiária. IMPOSSIBILIDADE DE DETERMINAÇÃO UTILIZADO PELAS REGRA DE CONFLITOS Maria Luísa Lobo – 2012/2013
DO
ELEMENTO
DE
CONEXÃO
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Tal problema resolve-se com recurso aos seguintes critérios: i.
Se nada se sabe de todo acerca da nacionalidade do interessado deverá utilizarse a conexão subsidiária em matéria de estatuto pessoal, isto é o domicilio das partes, vale o mesmo dizer que se presumem apatridas.
ii.
Quando a dúvida consiste apenas em saber qual de duas nacionalidades, certas e determinadas, é a do interessado, qual de dois países, certos e determinados, é o domicilio da parte a quem incumbe a prestação caracteristica do contrato irá se proceder nos mesmos termos indicados na al. anterior (conexão subsidiária) mas só depois de comprovadamente se averiguar que é impossivel determinar das duas referidas nacionalidades qual a mais provavel, ou qual o mais provavel lugar de domicilio da referida parte. Na verdade de um individuo é de certeza ou checo ou alemão, não faria sentido considerá-lo sem mais como apátrida – interpretação do art. 23º/2 II parte
Segundo DOLLE o juiz nacional tem de aplicar o direito estrangeiro como o juiz estrangeiro o faria – art. 23º/1. Há-de o tribunal portugues observar as concepções correntes sobre interpretação das leis na jurisprudência e doutrina do pais estrangeiro. Se o sentido da norma interpretadanda estiver fixado por uma jurisprudencia uniforme e constante, cumprir-lhe-á não se afastar dessa directiva uma vez que não lhe pertence corrigir ou melhorar o que a seu juizo foi errado ou imperfeito. Só quando a jurisprudencia estrangeira se apresentar dividida, caberá ao juiz nacional a sua liberdade de aplicaçao, mas essa liberdade será por ele exercida não com os meios e nos limites consentidos pelo seu proprio direito, mas antes integrá.lo nas concepções dominantes no clima do pais cuja lei s elhe pede que aplique. PROF. BAPTISTA MACHADO O direito estrangeiro chamado pelas normas de conflitos é aquele direito privado que efectivamente vigora no território de um determinado estado, não sendo necessário que as suas normas emanem directamente de fonte estadual: normas de direito canónico ou religioso vigentes em Portugal, Espanha, etc; normas de direito internacional recebidas no ordenamento estrangeiro designado como competente, assim como as normas jurídico privadas de comunidades supra estaduais (Comunidade Europeia do Carvão e do Aço) que vigorem nesse mesmo ordenamento. São igualmente aplicáveis, segundo a opinião comum, a título de normas do ordenamento do território ocupadado, aquelas aí postas em vigor pelas autoridades de ocupação, como as normas editadas por um governo exilado, relativamente aos respectivos subditos residentes no país do exilio enquanto direito vigente neste último país. É irrelevante o facto de um Estado, um governo ou uma aquisição territorial não serem internacionalmente reconhecidos, ou não o serem pelo Estado do foro: o que importa não é senão aplicar as regras de direito privado efectivamente vigentes no território que certo Estado ou governo domina de modo eficaz. O direito estrangeiro a ter em conta, para efeitos de aplicação no Estado do Foro, é aquele que for criado pelas Maria Luísa Lobo – 2012/2013
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respectivas fontes formais, isto é, através dos modos ou processos como tais reconhecidos pelo ordenamento respectivo. Se este ordenamento reconhece o costumo como fonte de direito, o tribunal local aplicará as regras consuetudinárias estrangeiras. Quanto à constitucionalidade das leis estrangeiras, o tribunal portugues poderá exercelo nos precisos termos em que o poderia fazer um tribunal do respectivo estado. Se o direito a aplicar for o de um dos EUA, o juiz poderá verificar a conformidade das norma aplicada com a constituição federal norte americana, mas já não será assim se o direito aplicado for o francês ou o suiço. A verificação da inconstitucionalidade de uma lei estrangeira não deverá em regra ser declarada senão quando os tribunais ou um sector bem representativo da doutrina do respectivo país estrangeiro se tenham pronunciado nesse sentido. INTERPRETAÇÃO DO DIREITO ESTRANGEIRO O juiz que aplica o direito estrangeiro há-de interpretá-lo de conformidade com a jurisprudência e doutrina dominante no país de origem (doutrina dominante e jurisprudência do Tribunal Internacional de Justiça). •
Em primeiro lugar são de observar as regras estrangeiras sobre interpretação. O juiz continental que aplica a satute law anglo saxonica deve ater-se a uma interpretação predominantemente gramatical e lógica, tal como é de uso nos países anglo saxónicos, renunciando à interpretação teleológica. Inversamente, o juiz anglo saxónico ao aplicar regras de direito continental deverá dar preferencia à interpretação teleológica sobre a interpretação logico gramatical.
•
A jurisprudencia e a doutrina estrangeiras devem ser observadas e seguidas com o mesmo respeito que no respectivo estado lhes for tributado. O juiz portugues só deverá afastar-se da interpretação usual no estado estrangeiro cujo direito aplica se tiver bons fundamentos para crer que essa interpretação, no caso sub judice, não é correcta. Como ponto de partida, há d epresumir que tal interpretação é exacta e dela não deve o juiz afastar-se sem necessidade e bons fundamentos. Enquanto na interpretação do próprio direito é se arquitecto, na interpretação do direito estrangeiro é se fotografo – GOLDSCHIMIDT
O facto de a mesma regra jurídica vigorar simultaneamente em varios paises não impede que a respectiva interpretação seja diferente de pais para pais: o CC frances no seu art. 970º manda datar um testamento olografo para que o acto seja valido. Tal norma foi transcrita de forma literal para o CC belga. Contudo, por interpretação do mesmo texto, o testamento olografo erroneamente datado é reputado nulo em França, mas havido como válido na Béliga. Em hipoteses desta natureza deve sempre ter-se em conta a interpretação que à regra aplicanda é dada na ordem jurídica que no caso for competente. Maria Luísa Lobo – 2012/2013
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JURISPRUDÊNCIA DIVIDIDA QUANTO À INTERPRETAÇÃO DE DETERMINADO PRECEITO: COMO DEVERÁ O JUIZ PROCEDER? i.
Uma interpretação inteiramente autónoma corre o risco de disvirtuar a norma aplicanda, dando a noções jurídicas estrangeiras, ao inseri-las nos quadros conceituais do direito local, um sentido que lhes não é adequado;
ii.
O juiz deverá se integrar, na medida do possivel, nas concepções juridicas proprias do direito aplicando, procurando sempre ater-se à interpretaçao que razoavelmente lhe apareça como aquela que virá a prevalecer na jurisprudencia do respectivo pais. Para tal basear-se-á eventualmente na opinião da doutrina dominante nesse pais, nas praticas correntes ou nas doutrinas estabelecidas em sistemas juridicos aparentados ou ainda nos principios gerais de direito – art. 23º/1
CONHECIMENTO E PROVA DO DIREITO ESTRANGEIRO Para decidir juridicamente um caso precisa o tribunal de conhecer duas coisas: • •
Os factos, em regra alegados e provadas pelas partes (princípio dispositivo) O direito, que deverá ser conhecido pelo tribunal, ou ser investigado e determinado por sua própria iniciativa (princípio da oficiosidade)
PAÍSES ANGLO SAXÓNICOS: o direito estrangeiro é tratado como um facto que tem de ser alegado e provado pelas partes. Contudo, esta prova, que deve ser feita principalmente atraves de peritos, não é actualmente apreciada pelo jurí (como a prova dos factos) mas pelo juiz. FRANÇA: os tribunais não aplicam por via de regra o direito estrangeiro oficiosamente, mas apenas quando as partes nele se baseiam. A prova é geralmente posta a cargo das partes. Continua, contudo, em aberto a discussão sobre o problema da aplicação ex officio do direito estrangeiro, bem como a questão de saber se é susceptivel de cassação a sentença que tenha violado esse direito. ALEMANHÃ: admite-se que o tribunal deve aplicar ex officio o direito estrangeiro e, na medida do possível, investigar por sua iniciativa o respectivo conteúdo. Em caso de necessidade, poderá exigir a prova deste conteúdo à parte que fundamenta a sua pretensão em tal direito. ORIENTAÇÃO DOMINANTE: o juiz deve conhecer e aplicar oficiosamente o direito estrangeiro, mas poderá exigir das partes a sua prova, sempre que tal se revele necessa´rio. A doutrina largamente dominante vota decididamente no sentido da aplicação ex officio do direito estrangeiro e da admissibilidade de um recurso de cassação ou revista para o Supremo Tribunal com fundamento em violação, falsa interpretação ou incorrecta aplicação de tal direito. Maria Luísa Lobo – 2012/2013
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ART. 348º/1 – embora a parte que invoca o direito estrangeiro deva produzir a prova da existência e do conteudo desse direito, deve porem o juiz, oficiosamente, servir-se dos meios ao seu alcance para obter o respectivo conhecimento. ART. 348º/2 – o juiz, sempre que lhe cumpra decidir com base em direito estrangeiro, deve conhecer e aplicar este ex officio, isto é, independentemente da sua invocação pelas partes. DESCONHECIMENTO DO CONTEÚDO DO DIREITO ESTRANGEIRO Quando não se consiga obter a prova do conteúdo do direito estrangeiro (não podendo dar-se o conteudo do direito estrangeiro como não provado logo à primeira duvida que se levante sobre tal): i.
há que ponderar a eventual necessidade de preencher uma lacuna no ordenamento estrangeiro. Em tal hipotese, não poderá dizer-se que o conteudo do direito estrangeiro pode ser determinado com toda a segurança.
ii.
Em segundo lugar, importa ter em mente que a certeza humana e especialmente a do juiz não passa de uma simples probabilidade, ou seja o juiz portugues que tem de aplicar o direito estrangeiro deverá contentar-se com uma prova do conteudo desse direito suficiente para formar a sua convicção. Entre duas soluções possiveis imputadas ao direito estrangeiro, optará naturalmente por aquela que se apresente como a mais provavel. Para formar esta convicção do juiz poderão contribuir certos:
•
Certos elementos de direito comparado (conhecimento do modelo legislativo que seguiu a legislação estrangeira cuja aplicação está em causa ou do conteudo de um dos direitos pertencentes à mesma familia ou grupo de leis)
•
Conhecimento de certos principios ou tradições juridicas que inspiram o direito aplicando.
Entre a falta de prova do direito estrangeiro e a sua prova plena flui uma série de graduações de probabilidade crescente: deverá presumir-se como sendo conteudo do direito estrangeiro aquele que tenha a seu favor uma probabilidade maior ou uma probabilidade suficiente. Não sendo sequer possivel determinar com suficiente probabilidade o conteudo da lei estrangeira sobre um determinado ponto de direito: •
Baseando-se nas regras objectivas sobre o ónus da prova, certa doutrina propõe que o tribunal deveria decidir contra aquela das partes cuja pretensão se fundamenta num direito estrangeiro cujo conteúdo não pode ser averiguado.
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PROF. BAPTISTA MACHADO: tal solução além de conduzir a resultados mais injustos do que a pura e simples aplicação da lex fori, parece não se compatibilizar com o sistema da nossa lei, em que nesta o direito estrangeiro não é tradado como matéria de facto, pelo que não faria sentido resolver o nosso problema por aplicação das regras sobre o ónus da alegação e da prova dos factos no processo.
ART. 23º/2: na impossibilidade de averiguar o conteúdo da lei estrangeira aplicável, recorrer-se-á à lei que for subsidiariamente competente. Procede-se como se não existisse (ou não se conseguisse determinar) a conexão utilizada pela nossa regra de conflitos, recorrendo-se a uma conexão subsidiária. Não se achando uma conexão subsidiária ou sendo impossivel averiguar o conteudo do direito estrangeiro atraves de tal, deverá aplicar-se o direito material da lex fori conforme resulta do art. 348º/3. Neste caso, sendo o direito aplicavel um direito estrangeiro designado por uma regra de DIP, a impossibilidade a que se refere esta norma só se verificará quando tambem o conteudo do direito subsdiariamente competente (se o houver) se revelar de averiguação impossivel
IMPOSSIBILIDADE DE DETERMINAÇÃO DA CONEXÃO RELEVANTE Estamos agora no âmbito das situações em que não é possível determinar com segurança se uma determinada conexão se verifica ou não (ex: se certo individuo é nacional de determinado estado ou apatrida). Nestes casos deverá começar-se por recorrer à regra da maior probabilidade. Tudo depende de os elementos de prova disponíveis serem ou não bastante para criar aquele grau de probabilidade considerado suficiente para as decisões humanas. Quando a dúvida respeita apenas à questão de saber em relação a qual de dois estados a conexão efectivamente se verifica, só muito raramente deixará de haver indicios ou circunstancias capazes de fazer presumir como bastante mais provavel uma das hipoteses postas em alternativa. Para os casos de se relevar impossivel determinar com suficiencia a probabilidade de facto ou de direito de que depende a designação da lei aplicação procede-se do mesmo modo que no caso de impossibilidade de averiguação de uma conexão subsidiária, ou seja deverá recorrer-se a uma subsidiária, sendo que se tal não for possível, aplica-se ao caso a lex fori.
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