Antropologia Cultural
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An t r roo p poo l loogia a CC u l t t u r ra a l
PRISCILA REZENDE
Priscila Rezende
Edição revisada
IESDE Brasil S.A. Curitiba 2012
© 2006-2008 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ __________________________________________________________________________________ R358a Rezende, Priscila Antropologia cultural / Priscila Rezende. - 1.ed., rev. - Curitiba, PR : IESDE Brasil, 2012. 112p. : 28 cm Inclui bibliografa
ISBN 978-85-387-3082-8 1. Etnologia. 2. Etnologia - Brasil. 3. Antropologia. 4. Etnocentrismo. I. Inteligência Educacional e Sistemas de Ensino. II. Título. 12-6550.
CDD: 306 CDU: 316
10.09.12 24.09.12 038986 __________________________________________________________________________________
Capa: IESDE Brasil S.A. Imagem da capa: Shutterstock
Todos os direitos reservados.
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Sumário Introdução aos estudos antropológicos | 7 Delimitações da Antropologia Cultural | 7 Trabalho: atividade humana | 8 Cultura: definição | 8
Principais acepções do termo Cultura | 15 Cultura material | 15 Cultura imaterial | 16 Exemplo de cultura imaterial (crenças) | 16 Cultura real (ação e pensamento) | 19 Cultura ideal (filosofia correta em termos teóricos) | 20 Endoculturação | 20 Aculturação | 20 Subcultura | 20 Sincretismo cultural | 20 Raça | 21 Etnia | 21 Relativismo cultural | 21 Etnocentrismo | 21
Mito: elemento da cultura | 25 Mitologia nórdica | 26 Folclore | 26 Psicologia social | 27
A questão do outro | 33 A conquista da América | 33 Colombo: o observador da natureza | 34 Colombo e os indígenas | 34 A conquista da Cidade do México | 35 A comunicação como arma do dominador | 36
A conquista da América e as formas de dominação espanhola | 41 Os espanhóis e os signos | 41 A escravidão gerada pelo colonialismo | 42 O indígena como o “alien” (estranho) para os espanhóis | 43 Diego Durán e a cultura asteca | 43 Bernardino de Sahagún | 44 Onde estava o povo civilizado? | 45
Conquista do Brasil: historiografia e educação | 49 O conflito entre indígenas e portugueses | 49 A conquista e a proteção da “Nova Terra” | 50 A história dominante nos livros didáticos | 51 O educador e o ensino crítico | 52
O enfrentamento dos mundos | 57 A chegada do europeu na “Ilha Brasil” | 57 Fontes oficiais | 59 A Carta, de Pero Vaz de Caminha | 60
Composição étnica do Brasil | 67 Os brasilíndios | 67 Os afro-brasileiros | 68
Os neobrasileiros | 75 Que país é esse? | 75 O mito da democracia racial | 77
Cultura nacional e identidade | 83 A busca da identidade nacional na década de 1920 | 83 A configuração da nação | 84 A história do Brasil e os livros didáticos | 85 O modernismo e a identidade brasileira | 86
A intolerância gerada pelo etnocentrismo | 93 Nazismo: um breve relato | 93 A figura de Hitler | 96
Subculturas | 101 Tribos urbanas | 101
Referências | 109
Apresentação “Como o ser humano um dia fez uma pergunta sobre si mesmo, tornou-se o mais ininteligível dos seres.” (Clarice Lispector) Este livro de Antropologia Cultural foi organizado para que você aluno tivesse acesso aos principais conceitos da área como cultura, processo de humanização, inserção do indivíduo no grupo social, dominados e dominantes, as matrizes étnicas formadoras do povo brasileiro, relativismo, intolerância e etnocentrismo. Elaborado para proporcionar um ensino moderno, dinâmico e atualizado, o livro foi composto por aulas baseadas em diversos referenciais teóricos atuantes nas Ciências Humanas, envolvendo esferas amplas das Ciências Sociais, História e Educação. A escolha de referenciais teóricos que atuam em diversas áreas foi proposital, posto que não podemos entender a complexidade humana, objeto de estudo da Antropologia, se não perscrutarmos as potencialidades, comportamentos, mentalidades dos seres humanos. Assim sendo, todas as áreas de conhecimento precisam se unir, cada uma dentro do seu limite de investigação, para que seja possível compreendermos melhor este grande e enigmático “quebra cabeça” que somos todos nós. Portanto, podemos afirmar que este livro é interdisciplinar, pois proporciona o diálogo com diversas áreas do conhecimento. No plano didático, a principal preocupação foi a de despertar a participação de você aluno na reflexão sobre os assuntos discutidos. Nesse sentido, o livro traz textos complementares e questões reflexivas sobre os assuntos abordados
em cada aula. Além disso, há indicações bibliográficas importantes, para que você possa se aprofundar nos estudos e buscar outras fontes para o seu aprimoramento intelectual. Espero que você, por meio da reflexão antropológica, amplie sua consciência de que todos nós seres humanos estamos unidos, embora tenhamos maneiras diferentes de viver. Aprender com o diferente é aceitá-lo e amá-lo incondicionalmente. Somente assim poderemos vencer a intolerância que é fruto do desconhecimento.
Introdução aos estudos antropológicos Priscila Rezende*
Delimitações da Antropologia Cultural A palavra Antropologia deriva do grego άνθρωπος – anthropos, ( homem / pessoa ) e λόγος (logos – razão / pensamento). A Antropologia analisa as características biológicas, culturais e sociais dos seres humanos. Por ser um estudo muito complexo iremos privilegiar, nesse curso, o aspecto cultural. A Antropologia Cultural é o estudo do comportamento do ser humano, das crenças religiosas e dos sistemas simbólicos. Podemos definir a Antropologia Cultural como uma possibilidade de compreendermos quem somos por intermédio da observação atenta do comportamento do outro. O outro deixa de ser visto como um indivíduo ameaçador/estapafúrdio que não tem nada para acrescentar, ou seja, o “alien”. Esse olhar diferenciado possibilita uma mudança muito relevante, posto que o outro passa a ser visto como alguém que possui hábitos, costumes e valores diferentes que os nossos e justamente por este motivo pode ensinar muitas coisas para nós, assim sendo, o outro é o “ Alter ” (diferente) e não o “alien” (estranho). A Antropologia Cultural analisa a essência humana e o que determinados grupos sociais criam historicamente. Entendemos que o homem é onto-societário, ou seja, ele é um ser social, portanto, ele aprende sempre com outros indivíduos. Assim, o ser humano ao utilizar suas inúmeras habilidades e competências perscruta a sua realidade e tenta explicar a mesma.
Mestre em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Especialista em História, Sociedade e Cultura pela PUC-SP. Bacharel e licenciada em História pela Universidade Cidade de São Paulo (UNICID).
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Quando descobrimos que somos essencialmente coletivos, percebemos que o individualismo exacerbado que existe atualmente em nossa sociedade foi algo historicamente construído, ou seja, o ser humano não possui uma essência solitária, mas ele precisa do outro para poder sobreviver. Entretanto se não fôssemos inseridos em nenhum grupo social desde o nosso nascimento poderíamos aprender a falar, andar e gesticular? Será que existe a possibilidade de iniciarmos o processo de humanização de uma forma isolada de um grupo social? Temos características e hábitos essencialmente humanos porque fomos inseridos em um grupo social e aprendemos a reconhecer determinados símbolos, expressar os nossos sentimentos como chorar, rir etc.
Trabalho: atividade humana O que distingue os homens dos animais é a nossa capacidade de pensar e utilizar a nossa inteligência para sanar as nossas vicissitudes por meio do trabalho. O conceito trabalho é, na maioria das vezes, entendido como algo penoso que fazemos para ganhar um salário no fim do mês e assim continuarmos sobrevivendo. No entanto, essa conceituação (criada pelos economistas do século XIX) não explica a complexidade desse conceito. Trabalho é toda ação humana sensível com valor de uso, ou seja, todo ser humano trabalha quando desempenha qualquer ação que acontece na realidade (escola, casa, igreja) com uma finalidade. O lazer é considerado um trabalho, pois, quando alguém vai ao parque já está realizando uma atividade que tem um objetivo que pode ser diversão, entretenimento ou descanso. Assim sendo, a capacidade que o homem tem de raciocinar está intrinsecamente ligada à capacidade que ele tem de trabalhar e são essas potencialidades humanas que nos diferenciam dos outros animais. O ser humano sempre trabalhou, ou seja, transformou a natureza para atender as suas necessidades. Por intermédio da sua inteligência e da capacidade que tem para criar, a espécie humana evoluiu e continuará evoluindo.
Cultura: definição Outro conceito que vamos trabalhar nesse curso é o de Cultura. O que é cultura? Essa não é uma pergunta fácil, pois, ainda hoje, entre os antropólogos, há diversas definições para esse conceito. Será que todos possuem cultura? Você tem cultura? Muitas vezes ouvimos falar que uma determinada pessoa tem cultura por ter lido muito livros ou por ter conhecimento apurado na área artística. Também já ouvimos falar de manifestações culturais que são relacionadas ao folclore, crenças, danças, lendas de uma determinada região. E um termo muito difundido atualmente é o de cultura de massa que faz referência ao cinema, televisão, rádio etc. Observaram como é difícil definir Cultura? Edward Burnett Tylor.
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O primeiro intelectual a formular um conceito de cultura foi Edward B. Tylor (1871) em sua obra Cultura Primitiva. Para Tylor o conceito cultura engloba todas as coisas e acontecimentos relativos ao homem. Já para Ralph . y t i s Linton (1936), a cultura “consiste na soma total de ideias, re r e v i n ações emocionais condicionadas a padrões de comporta U e t mento habitual que seus membros adquiriram por meio da a t S a i instrução ou imitação e de que todos, em maior ou menor n r o f i grau, participam” (LINTON, 1965, p. 17-20) l a Franz Boas.
Franz Boas (1938) entende cultura como “a totalidade das reações e atividades mentais e físicas que caracterizam o comportamento dos indivíduos que compõem um grupo social [...]” (BOAS,1964, Malinowski. p. 166)
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Malinowski (1944) define cultura como “o todo global consistente de implementos e bens de consumo, de cartas constitucionais para os vários agrupamentos sociais, de ideias e ofícios humanos, de crenças e costumes.” ( MALINOWSKI, 1962, p. 43) Como vimos, são várias definições acerca da cultura, e podemos perceber que elas variam com o passar do tempo: para Tylor, Linton, Boas e Malinowski cultura é o conjunto de ideias; para Kroeber e Kluckhohn, Beals e Hoijer cultura é abstração do comportamento; para Keesing e Foster cultura é comportamento aprendido. Leslie A. White apresenta uma abordagem diferenciada: cultura, segundo ele, deve ser vista não como comportamento, mas em si mesma, fora do organismo social. White, Foster e outros entendem cultura como elementos materiais e não materiais. A definição de Geertz propõe a cultura como um “mecanismo de controle” do comportamento (MARCONI; PRESSOTTO, 1989, p. 42-43). O elemento fundamental das preocupações com cultura foi a constatação da variedade de modos de vida entre povos e nações. No final do século XV e início do XVI os europeus começaram a buscar novos mercados, ou seja, lugares onde pudessem explorar as riquezas naturais e levá-las consigo. Os portugueses conquistaram o Brasil e tiverem contato com os nativos e a mesma coisa aconteceu com os espanhóis quando conquistaram outras áreas da América. Os povos encontrados pelos europeus tinham hábitos, costumes e valores muito diferentes dos que eram aceitos na Europa, então era necessário conhecer as especificidades dessas culturas para explorar os nativos com mais facilidade. Há alguns séculos atrás essa dificuldade de definir cultura já existia e intelectuais na Alemanha no século XVIII tentaram definir o que seria esse conceito. Há uma explicação para isso: a Alemanha, neste momento, era uma nação dividida em várias unidades políticas. Discutir cultura era relevante, porque poderia corroborar para a criação de um sentimento de identidade entre os alemães na ausência de uma unidade política. Assim, os alemães poderiam identificar um modo de vida comum para todos que pertenciam àquela nação. Embora existam várias definições para o termo cultura, duas concepções são mais discutidas e aceitas: :: cultura são todos os aspectos de uma realidade social; :: cultura é o conhecimento, ideias e crenças de um povo.
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Vamos englobar essas duas concepções para definir qual conceito de cultura iremos utilizar neste curso. Cultura, portanto, será entendida por nós como a variedade de modos de vida, crenças, hábitos, valores e práticas de diversos povos. Assim, o termo cultura também pode ser entendido como modo de produção já que ambos significam o jeito de ser de uma determinada sociedade e o que ela produz. Aprendemos que o ser humano é coletivo e que necessita do grupo para dar início ao seu processo de humanização e que, por meio do trabalho e da sua capacidade de pensar modifica a natureza para sanar as suas necessidades. Além disso, cria códigos de comunicação que são utilizados pelo grupo ao qual pertence. A história nos mostra inúmeras culturas, ou seja, modos de vida. Ao analisarmos, por exemplo, os rituais dos maias, civilização mesoamericana pré-colombiana com uma existência de 3 000 anos, podemos perceber que essa civilização realizava alguns rituais, entre eles o sacrifício humano. Os espanhóis criticaram a crença dos maias com base na doutrina da Igreja Cristã e disseram que tinham por missão ensinar a religião “certa” para os “primitivos”. Para os espanhóis, esses rituais eram selvagens e demoníacos: [...] Colombo age como se entre as duas ações se estabelecesse um certo equilíbrio: os espanhóis dão a religião e tomam o ouro. Porém além de a troca ser bastante assimétrica, e não necessariamente interessante para a outra parte, as implicações desses dois atos se opõem. Propagar a religião significa que os índios são considerados como iguais (diante de Deus). E se eles não quiserem entregar suas riquezas? Então será preciso subjugá-los, militar e politicamente, para poder tomá-las à força; em outras palavras, colocá-los, agora do ponto de vista humano, numa posição de desigualdade (de inferioridade). ( TODOROV, 1999, p. 53)
Assim, criticamos a cultura do outro partindo do pressuposto de que a nossa cultura é a correta. Por não querermos compreender o outro, que é visto como o “alien” (estranho), cometemos um pré-conceito, ou seja, julgamos antes de conhecermos algo ou alguém. Essa postura é muito perigosa, pois gera intolerância. Os maias faziam rituais em favor do grupo, ou seja, o sacrifício humano era uma entrega para o bem-estar coletivo, segundo as suas crenças. Os espanhóis supervalorizaram a cultura europeia e rejeitaram a cultura dos indígenas. Essa rejeição resultou em assassinatos, exploração e crueldades das mais diversas cometidas contra os povos conquistados: [...] Os espanhóis cometeram crueldades inauditas, cortando as mãos, os braços, as pernas, cortando os seios das mulheres, jogando-as em lagos profundos, e golpeando com estoque as crianças, porque não eram tão rápidas quanto as mães. E se os que traziam coleira em torno do pescoço ficassem doentes ou não caminhassem tão rapidamente quanto seus companheiros, cortavam-lhes a cabeça, para não terem de parar e soltá-los. (TODOROV, 1999, p. 169)
Esses exemplos mostram o quão nocivo é pensar que o seu modo de vida (valores, crenças, ideologias, práticas etc.) é o único correto e que o outro sempre está errado. É o caso, por exemplo, quando nós ocidentais julgamos a cultura oriental, especificamente do árabe muçulmano. As mulheres ocidentais criticam a forma como as mulheres árabes muçulmanas se vestem, ou seja, cobertas como uma burca deixando, muitas vezes, só os olhos à vista. As mulheres árabes muçulmanas, por outro lado, criticam a postura das mulheres ocidentais, pois, segundo elas, as mulheres do ocidente preocupam-se em demasia com a estética do corpo e sofrem por causa desta busca desenfreada ao corpo perfeito passando por inúmeras cirurgias como lipoaspiração, inserção de próteses mamárias etc. Veja o choque cultural! Não podemos julgar culturas, pois cada grupo social constrói seu jeito de viver de acordo com o que acha certo, assim devemos apenas buscar compreender as diversidades culturais e respeitá-las acima de tudo. Portanto, somente através da tolerância podemos construir um mundo melhor onde todos terão direito de expressar suas verdades.
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Texto complementar As meninas-lobo Na Índia, onde os casos de menino-lobo foram relativamente numerosos, descobriram-se, em 1920, duas crianças, Amala e Kamala, vivendo no meio de uma família de lobos. A primeira tinha um ano e meio e veio a morrer um ano mais tarde. Kamala, de oito anos de idade, viveu até 1929. Não tinham nada de humano e seu comportamento era exatamente semelhante àquele de seus irmãos lobos.
Amala e Kamala.
Elas caminhavam de quatro patas apoiando-se sobre os joelhos e cotovelos para os pequenos trajetos e sobre as mãos e os pés para os trajetos longos e rápidos. Eram incapazes de permanecer de pé. Só se alimentavam de carne crua ou podre, comiam e bebiam como os animais, lançando a cabeça para a frente e lambendo os líquidos. Na instituição onde foram recolhidas, passavam o dia acabrunhadas e prostradas numa sombra; eram ativas e ruidosas durante a noite, procurando fugir e uivando como lobos. Nunca choraram ou riram. Kamala viveu durante oito anos na instituição que a acolheu, humanizando-se lentamente. Ela necessitou de seis anos para aprender a andar e pouco antes de morrer só tinha um vocabulário de 50 palavras. Atitudes afetivas foram aparecendo aos poucos.
Kamala.
Ela chorou pela primeira vez por ocasião da morte de Amala e se apegou lentamente às pessoas que cuidaram dela e às outras crianças com as quais conviveu.
A sua inteligência permitiu-lhe comunicar-se com outros por gestos, inicialmente, e depois por palavras de um vocabulário rudimentar, aprendendo a executar ordens simples. (B. Reymond. Le développement social de l’enfant et de l’adolescent. Bruxelas: Dessart, 1965, p.12-14)
Atividades 1.
Como podemos definir a Antropologia Cultural?
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2.
O ser humano pode iniciar o seu processo de humanização sozinho?
3.
Explique o comentário a seguir: “Uma aranha executa operações que se assemelham às manipulações do tecelão, e a construção das colmeias pelas abelhas poderia envergonhar, por sua perfeição a um mestre de obras. Mas há algo em que o pior mestre de obras é superior à melhor abelha, e é o fato de que, antes de executar a construção, ele a projeta em seu cérebro.” (Karl Marx)
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Gabarito 1.
Podemos definir a Antropologia Cultural como uma possibilidade de compreendermos quem somos por intermédio da observação atenta do comportamento do outro.
2.
Não. O texto “Meninas Lobos” nos mostra que Amala e Kamala por não terem sido inseridas num grupo social e terem sido criadas por lobos não apresentavam características do comportamento humano e possuíam hábitos semelhantes daqueles animais selvagens.
3.
O texto ratifica que o ser humano utiliza a sua inteligência para criar e não faz como os insetos e animais que reproduzem mecanicamente o mesmo comportamento.
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Principais acepções do termo Cultura O conceito cultura1 varia muito na sua essência, no tempo e no espaço. Tylor, Linton, Boas e Malinwski consideram a cultura como ideias. Para Kroeber e Kluckhohn, Beals e Hoijer cultura é abstração do comportamento. Keesing e Foster a definem como comportamento aprendido. Leslie A. White afirma que a cultura deve ser vista em si mesma, fora do organismo humano. Leslie A. White e Foster inserem no conceito de cultura os elementos materiais e não materiais de cultura. Geertz propõe a cultura como um “mecanismo de controle” do comportamento. Essas definições divergentes permitem que aprendamos cultura por meio de seus diversos nexos constitutivos: A cultura, portanto, pode ser analisada, ao mesmo tempo, sob vários enfoques: ideias (conhecimento e filosofia); crenças (religião e superstição); valores (ideologia e moral); normas (costumes e leis); atitudes (preconceito e respeito ao próximo); padrões de conduta (monogamia, tabu); abstração do comportamento (símbolos e compromissos); instituições (família e sistemas econômicos); técnicas (artes e habilidades) e artefatos (machado de pedra, telefone). (MARCONI; PRESSOTO, 1989, p. 44)
Segundo Leslie A. White cultura situa-se no tempo e no espaço e pode ser classificada em “intraorgânica” (conceitos, crenças, atitudes, emoções, etc.); “interorgânica” (interação social entre os seres humanos) e “extraorgânica” (objetos materiais, ou seja, localizada fora de organimos humanos). Para os antropólogos cultura consiste em ideias (concepções mentais de coisas abstradas ou concretas – crenças religiosas, míticas, científicas etc.); abstrações (aquilo que se encontra no campo das ideias, da mente – acontecimentos não observáveis, não concretos, não sensível) e comportamento (modo de viver comum de um determinado grupo humano).
Cultura material São coisas materiais, concretas, que foram criadas pelo ser humano com uma finalidade. São, por exemplo, vestuários, arco e flechas, vasos, talheres, alimentos, habitações etc. 1 Referenciais teóricos dessa aula: Maria de Andrade Marconi e Zélia Maria Neves Pressoto.
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Principais acepções do termo Cultura
Cultura imaterial São elementos não concretos da cultura como valores, hábitos, crenças, potencialidades, normas, valores, significados etc.
Exemplo de cultura imaterial (crenças) A morte é o lastro da maioria das crenças e superstições. Não existe incógnita maior do que a morte. Nas crenças ela é relatada como algo sobrenatural e temido. Ela representa uma sentença eterna. Os povos da antiguidade como, por exemplo, os egípcios; acreditavam que o indivíduo ao morrer dormiria até o dia do julgamento final. Na mitologia egípcia, Anúbis, o deus mais popular e venerado quarenta e cinco séculos antes de Cristo, era filho de Osíris e de Néftis, sua irmã. Anúbis instituirá, segundo a mitologia, uma espécie de culto aos mortos, através de ritos funerários e embalsamamento, pois o corpo deveria estar intacto para abrigar a alma que retornaria no dia do julgamento decisivo. Anúbis estava presente em todas as celebrações funerárias, e dirigia todos os detalhes das homenagens dirigidas ao falecido. Todos os indivíduos, independente da riqueza que possuíam, teriam por direito sagrado uma morada física. Ou seja, um sepulcro, fosse este, uma pirâmide real, cova simples, mastaba rica etc. Quem fosse contra esta regra seria amaldiçoado pelas mãos de Anúbis. O bem e o mal são as forças antagônicas que decidem o destino das almas. Na mitologia egípcia, o julgamento das almas era feito por Osíris, pai de Anúbis. Osíris possuía uma balança de ouro onde se pesava as obras do réu. Vemos a relevância da morte nas concepções de crenças. Passaram-se muitos séculos, para que, em Roma fosse estabelecida após vários fatores, a religião cristã. Na religião cristã também existe um juiz e guardião das almas. Refiro-me, a São Miguel Arcanjo, que como Anúbis na crença egípcia, também guarda e, diante de Deus, apresenta as almas pesando em sua balança os atos das mesmas. Se as obras más pesarem mais que as boas, esta alma padecerá no inferno, sofrendo eternamente os flagelos que serão impostos pelo senhor do abismo negro, ou seja, o demônio. Algumas crenças pregam que as almas voltam ao mundo físico, ou ficam vagando, para pagarem os males que fizeram. Desta maneira, surgem várias concepções ao respeito. As superstições que englobam o sobrenatural são tão infindas que seria impossível relatar todas elas “nesta vida”. Em Mariana, cidade de Minas Gerais, por exemplo, o sobrenatural faz parte do imaginário dos moradores. Dizem até, que os espectros que vivem na cidade, são mais numerosos que os moradores vivos. As superstições se proliferam, como sinal de proteção e aviso ao seres vivos. Citarei algumas superstições dos moradores do local. Vejamos. “Botar feijoada no fogo, à noite, é preciso antes botar sal. Pois, o sal protege o caldeirão das almas que foram assassinadas com arma de fogo indo, desta maneira, lavar suas enfermidades no caldeirão, azedando toda a feijoada”. “Para o pai e a mãe não falecerem, o filho não deve pentear os cabelos à noite”. “Quando o espelho quebra sem nenhum motivo, uma pessoa da casa morrerá dentro de poucos dias”. “Jamais olhe seu reflexo nas águas de um rio, pois o diabo vem e lhe rouba a alma, e você morrerá na beira do mesmo.”
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“O espírito comparece diante de São Miguel, e tomando este a sua balança, coloca na concha as obras boas e na outra as obras más, e profere seu julgamento em face da superioridade do peso das mesmas, quem for salvo vai junto a Jesus, quem passou por um pouquinho, vai para o purgatório, para se purificar, e quem foi ruim demais, não tem jeito, essa alma vai para junto do ‘encardido’ no inferno.” “Se o morto ficar com o corpo mole é porque a alma dele vai voltar para buscar alguém da casa em que morava. Quando o falecido morre de olho arregalado, a primeira pessoa que fitá-lo morrerá junto dele”. “A criança que morre antes de ser amamentada é um serafim.2 Entretanto, se esta tiver sido amamentada e depois falecer, comparecerá ao purgatório para vomitar o leite que tomou na terra.” “Quando entra besouro preto em casa é sinal de morte breve.” “Quando a coruja (Matinta-Pereira) canta é sinal que morrerá alguém naquela mesma noite”. “Deve lavar os sapatos quando chega de um cemitério, pois, se ele entrar em casa e levar a terra do cemitério nos sapatos, uma legião de almas irá buscar o descuidado”. “Colocar na criança o mesmo nome do pai, um dos dois morrerá logo”. “Ouvir chamar pelo nome, fora de casa, sem saber quem foi não se deve responder; pois a morte chama e leva quem responde”. “Quando morre uma pessoa devem-se abrir todas as portas da casa para a alma sair. A casa não deve ser fechada antes do sétimo dia, pois este é o tempo para se arrebentar as vísceras do defunto. Depois disto, a alma dele sai de dentro da casa e vai para a morada dos mortos”. “Quando uma procissão para em frente a uma casa é sinal que ali morrerá uma pessoa em breve”. “Quando a pessoa sente um tremor ou um calafrio é sinal de que a mor te está do lado dela e quer levar sua alma para o além”. “Quando uma pessoa cobrir o corpo do defunto com terra, deve pedir ao mesmo, que lhe arran je um bom lugar no além. Se ele for para um bom lugar, com certeza, estará bem quem pede; se for para uma mal lugar, azarado é aquele quem pediu.” “Quem amanhece com a boca salivosa e amarga é por ter comido mingau das almas.” “Um clarão ou pontos luminosos vistos do nada, é aviso das almas amigas para não fazer o que o indivíduo estiver pensando no momento.” “O fantasma se tornará cada vez mais visível, para quem tem medo”. “As almas de tradição antiga nunca aparecem para pessoa nua. Pois elas exigem respeito e compostura.” “O espelho não reflete a imagem do corpo da pessoa, porém, é a sua alma que se torna visível”. “O diabo fica atrás do espelho, por isso, não se deve olhar no espelho nas horas abertas, ou seja, meio dia, seis da tarde e meia noite. Se o indivíduo for descuidado poderá ter sua alma roubada. “ 2 É comumente aceito como a primeira posição na hierarquia celestial dos anjos, sendo os que estão mais próximos de Deus. A palavra hebraica Saraf ( ) significa “queimar” ou “incendiar”, talvez uma alusão a tradições bíblicas onde Deus é comparado a um “fogo” ou mesmo “fogo consumidor”. A referência bíblica para “serafim” está em Isaías 6:1-2. Extraído do site .
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Essas são algumas das inúmeras superstições que são narradas pelos moradores de Mariana. Esses mineiros possuem um profundo respeito em relação à morte. Todos participam dos velórios que ocorrem na cidade. Mesmo se o falecido era apenas conhecido de vista. Uma tradição muito interessante na cidade, é que em todos os velórios deve ser servido às pessoas pão com salame e café. Servir refeições nos velórios é uma tradição antiga que pertencia aos deveres domésticos em Roma, Grécia e Egito. Foram os colonizadores portugueses que trouxeram este costume para o Brasil, poucas regiões possuem esse costume atualmente, porém, os deveres domésticos de Mariana continuam. Existem histórias muito interessantes que são narradas em relação à mor te em Mariana. Contarei duas fascinantes: [ “Havia um fazendeiro muito rico, possuía muitos bens e era dono, de uma extensa boiada. Gostava muito de cuidar de seus animais. Tudo para ele era motivo de festa, e não cansava de narrar aos seus amigos a sua valentia em encarar o boi, e pegá-lo pelo chifre. Um dia este fazendeiro resolveu se consultar com uma cartomante que havia chegado na cidade. Ele queria que ela lhe previsse seu futuro, ela porém, negava-se em falar. Ele, por sua vez, insistia. Até que a cartomante, olhou-lhe nos olhos e disse: – ”Tu vais morrer com uma chifrada de boi”. Ele ficou muito assustado e comprou uma casa na cidade, deixando que seus empregados cuidassem do gado. Passaram-se muitos anos, e o fazendeiro, junto com sua família, foi passar um fim de semana na sua fazenda. Ele pediu a um de seus empregados para matar um boi e trazê-lo para assar. Chamou todos os seus amigos. O boi estava esticado em cima de uma mesa grande, ainda com os chifres. O fazendeiro estava correndo de um lado para o outro para servir as bebidas aos seus convidados. Quando de repente, o pobre do fazendeiro escorrega no capim e cai direto sobre os chifres do boi. Os chifres ultrapassaram o seu corpo e este, obviamente, morreu na hora” ]. Esta é uma história muito interessante, que mostra a impossibilidade de fugir da morte. Out ra história muito curiosa é a da comadre morte. Vejamos: [ “ Um homem e sua mulher estavam a conversar, lamentando profundamente a fatalidade da morte. – Se eu arranjasse um meio de ser amigo da morte, – dizia o marido, – talvez assim eu não teria medo dela. – Isso você consegue facilmente, – replicou-lhe a mulher, – basta para tanto, que você a convide para madrinha de nosso filho, que deve ser batizado na outra semana. E certamente ela não lhe recusará nenhum favor, qualquer que seja. A Morte foi convidada e veio. Após a cerimônia e acabada a festa, já se ia retirando, quando o compadre aproximou-se, e assim disse: – Comadre Morte, como há muita gente no mundo para a senhora levar embora, eu espero e desejo que a senhora nunca venha me buscar. Replicou-lhe a Morte: – Isso que vos me pede eu não posso fazer. De Deus eu sou mandada, e quando recebo ordens de aqui buscar alguém, não tenho remédio senão obedecer. Em todo caso, farei por ti tudo o que estiver ao meu alcance, comprometendo-me lhe avisar oito dias antes de vossa morte para que possa lidar melhor com as emoções. Vários anos se passaram, até que chegou por fim, a vez de vir fazer-lhe a Morte a visita fatal. – Boa noite compadre! – disse ela, o dia da visita chegou. Recebi ordens para vir buscá-lo daqui oito dias, hoje aqui venho somente para lhe dar este aviso. – Ah, comadre! – exclamou o homem, – você voltou muito depressa! Agora que eu vou indo muito bem em meus negócios; acho que houve um erro lá nos documentos do além. Daqui uns poucos anos poderei me tornar um homem muito rico. Tenha piedade, comadre! E leve um indivíduo desiludido da vida em meu lugar. – Sinto deveras, – replicou lhe a Morte; – mas, agora preciso cumprir ordens, e não posso deixá-lo aqui neste mundo. Agora preciso ir, digo-lhe que me verás daqui oito dias, até logo!
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Passaram-se os tão desesperados oito dias. O homem, andava angustiado e certo de que desta vez não escaparia. A sua mulher, porém, traçou um plano, que decidiram logo pôr em prática. Havia na casa um velho escravo, o qual era encarregado de cuidar dos afazeres da cozinha. Então, o casal, decidiu usar este pobre homem. Fizeram com que o escravo vestisse as roupas do seu senhor e mandaram-no, em seguida, para a cidade. Por sua vez, o dono, tingindo o rosto de preto, ficou muito parecido com o seu velho escravo. A comadre Morte, conforme havia prometido, retornou na noite do oitavo dia. – Ah, comadre! – indagou a mulher, – meu marido não esperava mais o vosso regresso hoje, em vista disso, ele foi à cidade tratar dos negócios... Decerto, voltará muito tarde. A Morte ficou furiosa e replicou-lhe: – Eu não esperava que o compadre ia me aprontar uma desta... Que desrespeito! Deus já me chamou a atenção... Agora terei que levar outra pessoa no lugar de seu marido. Ouço ruídos, quem se encontra nos fundos da casa? A mulher então se desesperou, pois ela pensou que a Morte iria até à cidade procurar o seu marido. Dominando as suas emoções, a mulher ‘calmamente’ respondeu-lhe: – Aqui em casa encontra-se somente um negro velho que cuida dos afazeres da cozinha. Estou muito embaraçada com a senhora por causa desta situação, assenta-se um pouco, e tente ficar mais calma, comadre! – Não posso me demorar,– retrucou-lhe a Morte, – tenho uma lista bem grande de almas que te rão que me acompanhar. Levarei comigo qualquer outra pessoa. Nesse caso... Poderá ir no lugar do compadre o negro velho! A comadre morte se dirigiu rapidamente à cozinha, lá encontro aquele homem a fingir que cuidava do jantar. Antes que a mulher proferisse alguma palavra, a Morte ergueu sua foice fatal e deu-lha na cabeça do homem. A mulher estende seus braços e acolheu seu marido que morreu com o rosto tingido de preto” ]. Estas duas histórias fazem parte das inúmeras narrações da cidade de Mariana. Através das superstições que foram observadas, os costumes, tradições e comportamentos condicionados pelas crenças, percebemos a relevância da observação destas práticas, para se conhecer as peculiaridades de uma determinada sociedade.
Cultura real (ação e pensamento) A cultura real só pode ser percebida parcialmente, posto que ela representa aquilo que todos os membros de uma sociedade praticam ou pensam nas suas tarefas cotidianas. A cultura real é subjetiva, por este motivo, os estudiosos da cultura não podem ter uma única visão da realidade, pois a mesma é apresentada de diversas maneiras de acordo com o ponto de vista de cada indivíduo.
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Principais acepções do termo Cultura
Cultura ideal (filosofia correta em termos teóricos) Representa um conjunto de comportamentos que são propagados como corretos, perfeitos, no entanto, na prática não são seguidos por todos os membros de um grupo social.
Endoculturação É a aprendizagem e estabilidade de uma cultura, ou seja, cada indivíduo recebe as crenças, os modos de vida da sociedade a que pertence, o comportamento, hábitos e valores. A sociedade controla os atos, comportamentos e atitudes de seus membros.
Aculturação É a fusão duas culturas diferentes, ou seja, dois grupos que entraram em contato. Esse contato, quando contínuo, engendra alterações nos padrões de cultura de ambos os grupos. Paulatinamente, essas culturas fundem-se e formam uma sociedade e cultura nova.
Subcultura É um meio peculiar de vida de um grupo menor dentro de uma sociedade maior. Exemplo: a cultura do Nordeste brasileiro; a cultura do vodu na Jamaica; skinheads; punks; emocore etc.
Sincretismo cultural É a fusão de dois elementos culturais análogos (práticas e crenças), de culturas diferentes ou não. Exemplo: a cultura africana que entra em contato com a cultura cristã.
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Raça A palavra raça foi introduzida há aproximadamente 200 anos nos estudos científicos. No entanto, pouco se sabe sobre a sua origem. Etimologicamente a palavra raça viria de “ radix”, palavra latina que quer dizer raiz ou tronco. Em vários estudos a palavra raça tem sido empregada para fazer referência a indivíduos que são identificados como pertencentes a um determinado grupo. Assim sendo, são indivíduos que pertencem a uma mesma linhagem ancestral e possuem os mesmos hábitos, ideais, crenças, costumes e tradições. A palavra raça, entretanto, tem uma conotação muito mais ampla. Cientificamente ela significa o que é único biologicamente. Assim, não existem subdivisões raciais quando falamos em seres humanos, pois, neste caso, só existe uma raça que nos distingue dos outros animais, ou seja, a raça humana.
Etnia É um grupo de seres humanos unidos por um fator comum (língua, religião, costumes, valores, nacionalidade) e possuem afinidades culturais e históricas.
Relativismo cultural Mostra as particularidades de cada modo de vida. Os indivíduos possuem modos de vida específicos adquiridos pela endoculturação. Assim, possuem suas próprias ideologias e costumes: Toda a cultura é considerada como configuração saudável para os indivíduos que a praticam. Todos os povos formulam juízos em relação aos modos de vida diferentes dos seus. Por isso, o relativismo cultural não concorda com a ideia de normas e valores absolutos e defende o pressuposto de que as avaliações devem ser sempre relativas à própria cultura onde surgem. (MARCONI; PRESSOTO, 1989, p. 51)
Exemplo: a figa é utilizada por algumas pessoas como um amuleto da sorte. No entanto, para os antigos romanos ela significava uma relação sexual.
Etnocentrismo É a supervalorização da própria cultura em detrimento das demais. O etnocentrismo gerou e ainda gera muita intolerância, preconceito e discriminação. Quando julgamos a cultura do outro, entendemos que a nossa cultura é a única correta e que o outro precisa modificar-se e seguir os nossos “ideais
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Principais acepções do termo Cultura
perfeitos”. O nazismo é um exemplo de etnocentrismo, posto que os alemães supervalorizaram a sua cultura e afirmavam pertencer a uma “raça pura”, assim, praticaram atrocidades contra todos aqueles que não pertenciam ao mesmo modelo de perfeição que eles. Inúmeros judeus foram assassinados em campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial, vítimas dessa intolerância.
Texto complementar Religião e Cultura Popular: estudo de festas populares e do sincretismo religioso (FERRETE, 2008)
Sincretismo Sincretismo é palavra para muitos considerada maldita, que provoca mal-estar em muitos ambientes e autores. Diversos pesquisadores evitam mencioná-la considerando seu sentido negativo, como sinônimo de mistura confusa de elementos diferentes, ou imposição do evolucionismo e do colonialismo. O Dicionário de Aurélio Buarque de Holanda apresenta cinco sentidos desta palavra. O primeiro deles como “reunião dos vários Estados da Ilha de Creta contra o adversário comum”. Como explica Canevacci (1996, p. 15): “Dizia-se que, de fato, os cretenses, sempre dispostos a uma briga entre si, se aliavam quando um inimigo externo aparecia.” Segundo o antropólogo holandês André Droogers (1989) o termo sincretismo possui duplo sentido. É usado com significado objetivo, neutro e descritivo, de mistura de religiões, e com significado subjetivo que inclui a avaliação de tal mistura. Devido a essa avaliação muitos propõem a abolição do termo. Droogers informa que o termo sincretismo sofreu mudanças de significado com o tempo e que a distinção entre a definição objetiva e subjetiva tem raízes históricas. Na Antiguidade significava junção de forças opostas em face ao inimigo comum, de acordo com o primitivo sentido político apresentado pelo Dicionário do Aurélio. A partir do século XVII, tomou caráter negativo, passando a referir-se à reconciliação ilegítima de pontos de vista teológicos opostos, ou heresia contra a verdadeira religião. Hoje no Brasil este sentido encontra-se muito difundido. Embora alguns não admitam, todas as religiões são sincréticas, pois representam o resultado de grandes sínteses integrando elementos de várias procedências que formam um novo todo. No Brasil, quando se fala em religiões afro-brasileiras pensa-se imediatamente em sincretismo, como “ ‘aglomerado indigesto’ de ritos e mitos, ou como ‘bricolagem’ no sentido de mosaico as vezes incoerente de elementos de origens diversas.” (POLLAK-ELTZ, 1996, p. 13). Costuma-se atribuir também o termo sincretismo em nosso país, quase que exclusivamente ao catolicismo popular e às religiões afro-brasileiras. Mas o sincretismo está presente tanto na umbanda e em outras tradições religiosas africanas, quanto no catolicismo primitivo ou atual, popular ou erudito, como em qualquer religião.
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Consideramos que o sincretismo pode ser visto como característica do fenômeno religioso. Isto não implica desmerecer nenhuma religião, mas em constatar que, como os demais elementos de uma cultura, a religião constitui uma síntese integradora, englobando conteúdos de diversas origens. Tal fato não diminui mas engrandece o domínio da religião, como ponto de encontro e de convergência entre tradições distintas. No campo das religiões afro-brasileiras, diversos dirigentes e militantes, sobretudo os mais intelectualizados, tendem atualmente a seguir a estratégia de condenar o sincretismo. Esta atitude defendida por alguns há tempos, difundiu-se entre nós principalmente após a realização, em 1983 na Bahia, da II Conferência Mundial da Tradição dos Orixás e Cultura. Desde então alguns líderes bastante conhecidos das religiões afro-brasileiras passaram a condenar o sincretismo afro-católico, afirmando não ser hoje mais necessário disfarçar as crenças africanas por trás de uma máscara colonial católica [...]
Atividades 1.
O que é cultura para o estudioso Leslie A. White?
2.
O que é subcultura? Dê exemplos.
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3.
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Principais acepções do termo Cultura
O que é etnocentrismo?
Gabarito 1.
Orientação: segundo Leslie A. White cultura encontra-se no tempo e no espaço e estão classificadas em “intraorgânica” (conceitos, crenças, atitudes, emoções etc.); “interorgânica” (interação social entre os seres humanos) e “extraorgânica” (objetos materiais, ou seja, localizada fora de organismos humanos).
2.
Orientação: é um meio peculiar de vida de um grupo menor dentro de uma sociedade maior. exemplos: a cultura do nordeste brasileiro; a cultura do vodu na Jamaica; skinheads; punks; emocore etc.
3.
Orientação: é a supervalorização da própria cultura em detrimento das demais.
Mito: elemento da cultura A superioridade do mito sobre a explicação científica é que ele lida com sentimentos opostos, representações irracionais, é o próprio discurso da contradição. Monique Augras
O homem desde sua origem tenta explicar situações que ocorrem ao seu redor. Eis a contumácia da humanidade. Ou seja, saber o fundamento da sua existência, como ocorreu a criação do mundo, o que é a vida e a morte. Questões não muito fáceis de serem respondidas. Porém, de certo modo, o homem inventa maneiras de explicar fatos abstratos, partindo do obséquio a ajudar o seu grupo social fazendo com que aceitem, através destas explicações, situações ainda sem respostas. Estou me referindo a lendas, mitos, contos que são inventados pelo homem que busca, desta maneira, uma explicação “mágica”, para concluir um fato real. Nas narrações de diversos mitos são encontrados: feitos heroicos, milagres, castigos, amores, lutas etc. Nos mitos encontram-se as experiências de vida de uma determinada sociedade em uma determinada época. É a busca de uma intimidade interior, através da capacidade que o homem tem de criar e cultivar o que há de comum no seio de toda humanidade. Ou seja, não explicar fatos de uma forma racionalmente analítica, contudo, entender o sentido genuíno do existir. Há um acervo de mitologias, umas muito conhecidas, outras nem tanto; o importante, no entanto, é que todas elas implicam no social, criando padrões de comportamento de uma certa sociedade. Podemos citar, como exemplo, a sociedade da antiga Grécia. A mitologia grega, uma das mais afamadas, mostra em seus contos, deuses poderosos, porém, envoltos em imper feições humanas. Ora, os poetas ao escreverem os mitos gregos quiseram retratar, sem culpa alguma, que até mesmo os seres aparentemente perfeitos, possuem limites e desejos como o homem. Creio que os mitos gregos até hoje são muito aceitos por descreverem essas imperfeições. O que é imperfeito causa amor. O que quero dizer é que, a ideia de pecado, cria no homem mazelas pungentes, e faz com que se sinta culpado por atender seus anseios e desejos. Descrever seres especiais, porém imperfeitos, ressalta a ideia que falhar é próprio dos seres “racionalmente pensantes”, notar isto, faz com que nos sintamos menos culpados de nossos “terríveis” pecados.
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Mito: elemento da cultura
Mitologia nórdica A mitologia retrata a realidade de um certo grupo. Na mitologia nórdica essa realidade é bem notável. Os povos denominados bárbaros eram guerreiros por excelência, seus deuses eram fortes e os ajudavam nas batalhas. Na mitologia nórdica, Odin é o mais poderoso de todos os deuses. Vejamos o que essa mitologia mostra da realidade dos povos bárbaros: O Valhala, na mitologia nórdica e escandinava era a habitação dos deuses e dos heróis mortos em combate. Estava situado no Paraíso escandinavo. Ali os heróis mortos combatiam todos os dias, mas ao meio dia ressuscitavam, cicatrizando também todas as feridas dos combatentes. Ajudados pelas Valquírias, eles se lavavam em hidromel, que brotava dos úberes da cabra Heidrum. A seguir participavam de um lauto banquete presidido por Odin, durante o qual, as Valquírias serviam aos heróis hidromel e cerveja, dentro de crânios de inimigos mortos por ele. As Valquírias que quer dizer “que escolhem os mortos” eram nove louras, virgens guerreiras, auxiliares de Odin, companheiras de combate. Sobrevoavam os campos de batalhas, cavalgando em lindos corcéis, usavam elmo e portavam lança e escudo. Escolhiam e transportavam os heróis mortos para o Valhala [...] 1
Observando a mitologia nórdica, percebe-se que a essência das suas narrações é a realidade em que viviam os povos bárbaros. Estes viviam nos combates entre distintas tribos e acreditavam que numa vida após a morte, onde, se porventura tivessem morrido honrosamente, podiam desfrutar dos regozi jos da recompensa de Odin. O que busco mostrar é que todo mito vem carregado de uma essência real de um certo grupo. Entendendo a função principal do mito, podemos partir para os saberes que o invocam. Ou seja, crenças, danças e tradições. Enfim, o folclore de um determinado grupo social.
Folclore A palavra folclore foi usada pela primeira vez pelo arqueólogo inglês William John Thoms (Londres-1846). Ele solicitou apoio à revista The Athenaeun, no sentido de se fazerem pesquisas para se conhecer os costumes, as crenças e os hábitos das diversas regiões da Inglaterra. Essa carta foi publicada em 22 de agosto de 1846, daí esta data para se comemorar o dia do folclore até os nossos dias. Folclore vem de Folk-Lore que quer dizer, literalmente, “povo-conhecimento”. William John Thoms sugeriu esta denominação, substituindo as expressões usadas por alguns eruditos da época William Thoms. como “antiguidades populares” e “literatura popular”. Atualmente, considera-se relevante o registro das crenças, costumes, hábitos, cerimônias, músicas, superstições etc., não como “antiguidades do povo” (expressão que veicula uma ideia de primitivismo), mas como conhecimentos adquiridos por um grupo social: é a sabedoria do povo desagrilhoada de qualquer intenção erudita.2 O folclore é o conjunto de mitos, ritos, crenças religiosas, danças, linguagem, música, artesanato etc. Folclore, portanto, vai muito além da ideia de tradição popular; ele está associado à vida do povo, à sua disposição de criar e recriar algo. Não é somente as celebrações populares, mas o lastro da vida co1 Mitologia Nórdica: Disponível em: < www.luaecia.hpg.ig.com.br/cultura_e_curiosidades/89/_pri_index.htm >. Acesso em 8 set. 2007. 2 As influências e o significado do folclore se encontram perfeitamente abordados nas obras de ALMEIDA, Renato ( Inteligência do Folclore. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Ed. Americana, 1974 ); BRANDÃO, Carlos Rodrigues ( O Que é Folclore. 10ª. ed. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1982); CHRISTENSEN, Erwin. O. (Arte Popular e Folclore. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1934); FERNANDES, Florestan ( O Folclore em Questão. 2ª. ed. São Paulo: Ed.Hucitec, 1989) e MÔNICA, Laura Della (Manual do Folclore. 2ª. ed. São Paulo: Ed. Edart, 1982).
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tidiana de um determinado grupo. O folclore é uma criação subjetiva; entretanto, sua reprodução tende a ser coletivizada. Ele perdura de uma geração a outra, portanto, também é reconhecido como tradição e não modismo. É uma identidade do modo de vida de uma determinada classe produtora de sua própria cultura. O folclore tem sua representação nas tradições e crenças populares expressas de diversas maneiras. É denominado folclore algo que tenha origem anônima, algo que ninguém sabe quem criou. Além disso não deve possuir cronologia alguma; sendo divulgado e praticado por um grande número de pessoas ao longo do tempo. É o caso dos provérbios, por exemplo. O Brasil é o berço de um riquíssimo acervo folclórico, personificado em crenças, culinária, linguagem, danças regionais etc. Ele é formado por distintas etnias que foram protagonistas da nossa formação; o negro, os ameríndios e o branco europeu. Cada um destes grupos possuía diferentes crenças, saberes, tradições, religião, costumes etc. Com esta amálgama de culturas, eis que surge o incomensurável saber do povo brasileiro. O estudo das diferentes culturas é assaz relevante, pois ele possibilita conhecer as práticas e costumes específicos de uma determinada sociedade.
Psicologia social A psicologia social é uma ramificação da psicologia que estuda a influência do ambiente social no comportamento dos indivíduos. É comprovado que o ser humano sofre influências dos estímulos sociais que o rodeiam e o condicionam. A psicologia social compartilha área de estudo com a sociologia e a antropologia cultural. Entretanto, elas se diferem: o sociólogo estuda os grupos sociais e as instituições, o antropólogo estuda as diversas culturas humanas e o psicólogo social analisa como os grupos sociais, as instituições e a cultura afetam o comportamento do indivíduo. Segundo os psicólogos sociais as crenças influenciam de uma forma significativa, o behaviorismo (comportamento) humano. As pessoas de um determinado grupo conservam crenças semelhantes, relacionando-se e agindo socialmente, trabalhando coletivamente em favor de intenções conectadas a essas crenças. O indivíduo, para ser aceito em um determinado grupo, tende ser acrítico. Ou seja, não analisar os fatos racionalmente, porém dar-lhes crédito, por mais irracional que sejam. Se acaso um indivíduo não compartilhar crenças semelhantes às do grupo social em que está inserido, os membros integrantes deste grupo se unirão para persuadi-lo, de modo que ele mude de opinião e se ajuste à opinião coletiva. A maioria das pessoas respondem do mesmo modo que o resto do grupo. São submetidas às opiniões coletivizadas, desta forma, evitam ser tratadas com desprezo por serem exceção. Chegam ao ponto de praticar persuasão subjetiva para se convencerem de ter visto o que o resto do grupo aparentemente vê. Para a persuasão coletiva dá-se o nome de sugestão. Ou seja, a influência exercida sobre uma pessoa, de modo que ela aceite uma ideologia, crença e atitudes comuns. Entretanto, o indivíduo adota uma crença vigente, contribuindo pessoalmente com seus métodos carregados de emoção. Por este motivo, ao entrevistar pessoas de um mesmo grupo, tratando de um mesmo assunto, verifica-se uma carga subjetiva que distingue e faz com que as narrações se tornem mais vívidas.
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Situações não comprovadas cientificamente podem obter alguma credibilidade? Será que existe poder de cura nas crenças? Para responder essas questões, vamos analisar a curiosa medicina d os excretos: O negro nem sempre tinha a saúde cuidada pelo seu senhor. Daí lançar mão de tudo que se dizia então favorável aos males do corpo. A medicina dos excretos dominava as senzalas [...] A falta de médico e farmácia era absoluta [...] De modo que então, mais que agora, o escravo tinha de voltar-se para os remédios que a própria experiênci a aconselhava como ótimos. Assim é que os doentes de olhos, quando não se serviam de cuspo, se utilizavam da própria urina para lavá-los de manhãzinha. As inchações eram curadas com e mplastos de fezes de vaca, enquanto o sezão desaparecia com o purgante de ‘batata, cabeça de negro e urina de menino macho’. Se eram as dores de estômago e fígado, tinham lá sua receita: urina de dois dias, fermentada, além de um pouco de água morna para temperar [...] Quando acontecia uma pessoa sofrer luxação a velha escrava vinha com um novelo de linha e uma agulha, colocando-os sobre o lugar descon juntado. Então fingia coser atravessando a agulha no novelo em diversos sentidos, benzendo-se e dizendo em voz baixa: ‘o que coso eu? carne quebrada, nervos tortos, já desconjuntado, atufá’. Botava um unguento no qual entrava urina de menino e azeite de dendê. Essa operação de carne quebrada se f az ainda com ligeiras modificações [...] 3
Observando os métodos citados, percebe-se o quanto as crenças influenciam no psicológico das pessoas. Todos esses procedimentos não são comprovados cientificamente. Entretanto, era uma forma encontrada pelos negros escravos para a cura de suas enfermidades. Ora, se a medicina dos excretos não possui nenhuma comprovação científica de cura, eis que o psicológico possui um papel fundamental neste caso. Acreditar que benzeduras prosseguidas por libações de urina, ou, emplastos com fezes de animais curam, é sanar doenças por meio desta crença, e não por tais ocorrências. Veja o quanto as crenças podem influenciar o psicológico das pessoas. Alterando, desta maneira, comportamentos. A crença em superstições é algo que realmente influencia ações no modo de vida das pessoas. Fazer um gesto, usar um objeto para a realização de um desejo, ou até mesmo, para evitar desgraças são práticas comuns para qualquer supersticioso. Ao observar práticas supersticiosas, conclui-se que não possuem fundamento científico nenhum. Pois, o uso de um objeto não trará mais ou menos sorte para alguém. Porém, esta prática pode obter um resultado positivo. Por exemplo, pessoas inseguras ao realizarem uma entrevista de trabalho, podem ficar muito nervosas e acabam tendo um resultado ruim. No entanto, ao acreditarem que existe algum poder no objeto que levam consigo, por exemplo, uma figa, um dente de alho etc., elas se sentem protegidas e, até mesmo, mais seguras no que fazem. Desta maneira, não é o pseudopoder do objeto que lhes atribui confiança. Porém, essas pessoas, inconscientemente, trabalham a mente, convencendo o psicológico de que não há mais o que temer, pois a falsa confiança, conscientemente, se encontra no objeto, todavia, ela sempre esteve na mente desta pessoa, somente não foi subjetivamente trabalhada. As pessoas, igualmente, que acreditam em duendes precisam praticar um ritual para que o ser mágico lhes indique riqueza. Segundo estas pessoas, os duendes exigem que lhes deem maçãs grandes e vermelhas, assim sendo, a pessoa que cuidar dessa exigência sem falhar, saberá onde se encontra um grande tesouro. No antigo Testamento pode-se observar as atitudes do povo hebreu, em relação a sua crença. Para obterem proteção de Deus, eram necessárias oferendas realizadas por inúmeros rituais. Vamos observar esses procedimentos realizados pelos hebreus para obterem proteção de Deus, Êxodo XXIX; 37: [ “Eis o que sacrificarás sobre o altar: dois cordeiros de um ano cada dia perpetuamente. Oferecerás um 3 VIDAL, Ademar (2000). A estranha medicina dos excretos. Costumes e práticas do negro. In. CARNEIRO, Edison. Antologia do negro brasileiro. Jornal Jangada Brasil [On-line]. Disponível em: . Acesso em: 4 set. 2007.
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desses cordeiros pela manhã e o outro entre as duas tardes [...] Isto é um sacrifício de agradável odor consumido pelo fogo em honra do senhor[...]” ] Conclui-se, então, que as crenças condicionam ações concretas que afetarão diretamente no modo de vida dos indivíduos que se apegam às mesmas. Assim, as crenças de um determinado grupo social pertencem à Cultura Imaterial e revelam traços psicológicos, históricos e culturais de uma sociedade.
Texto complementar O popular e sua cultura (MORENO DE MELO, 2008)
Para tratar da questão da cultura popular é preciso de início saber que se está lidando com um termo esquivo, dado a muitas definições e repleto de ambiguidades. Tentaremos, portanto, circunscrever essa expressão de modo a não deixá-la demasiadamente ampla e vaga. Se fôssemos tomar como definição o que dizem os verbetes dos dicionários, pelo menos em suas primeiras acepções, correríamos o risco de não avançarmos muito. Isso porque tanto no Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa como no Dicionário Eletrônico Houaiss de Língua Portuguesa, encontramos primeiramente a ideia de povo enquanto totalidade de um território ou de uma região. Somente na sexta acepção do primeiro e na oitava do segundo encontramos a ideia de que “povo” se refere a uma determinada parte do conjunto total de participantes de uma sociedade. Assim conceitua o segundo dicionário mencionado: “conjunto dos cidadãos de um país, excluindo-se os dirigentes e a elite econômica”. Há nessa perspectiva a conceituação de popular por oposição, ou ainda, pela sua negativa. Cultura popular seria então um conjunto de práticas culturais levadas a cabo pelos estratos inferiores, pelas camadas mais baixas de uma determinada sociedade. [...]
Atividades 1.
Por que é importante o estudo dos mitos?
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2.
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Leia o texto abaixo com atenção:
O Valhala, na mitologia nórdica e escandinava era a habitação dos deuses e dos heróis mortos em combate. Estava situado no Paraíso escandinavo. Ali os heróis mortos combatiam todos os dias, mas ao meio dia ressuscitavam, cicatrizando também todas as feridas dos combatentes. Ajudados pelas Valquírias, eles se lavavam em hidromel, que brotava dos úberes da cabra Heidrum. A seguir participavam de um lauto banquete presidido por Odin, durante o qual, as Valquírias serviam aos heróis hidromel e cerveja, dentro de crânios de inimigos mortos por ele. As Valquírias que quer dizer “que escolhem os mortos” eram nove louras, virgens guerreiras, auxiliares de Odin, companheiras de combate. Sobrevoavam os campos de batalhas, cavalgando em lindos corcéis, usavam elmo e portavam lança e escudo. Escolhiam e transportavam os heróis mortos para o Valhala [...] (Mitologia Nórdica. Disponível em: . Acesso em: 8 ago. 2007.)
Segundo o texto o que revela a mitologia nórdica?
3.
Explique o que é folclore.
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Gabarito 1.
Orientação: nos mitos encontram-se as experiências de vida de uma determinada sociedade em uma determinada época. É a busca de uma intimidade interior, através da capacidade que o homem tem em criar e cultivar o que há de comum no seio de toda humanidade. Ou seja, não explicar fatos de uma forma racionalmente analítica, contudo, entender o sentido genuíno do existir.
2.
Orientação: observando a mitologia nórdica, percebe-se que a essência das suas narrações é a realidade que viviam os povos bárbaros. Estes viviam nos combates entre distintas tribos. E acreditavam que numa vida após a morte, onde, se porventura tivessem morrido honrosamente, podiam desfrutar dos regozijos da recompensa de Odin. O que busco, é mostrar que todo mito vem carregado de uma essência real de um certo grupo. Entendendo a função principal do mito, podemos partir para os saberes que o invocam. Ou seja, crenças, danças e tradições. Enfim, o folclore de um determinado grupo social.
3.
Orientação: o folclore é o conjunto de mitos, ritos, crenças religiosas, danças, linguagem, música, artesanato etc. Folclore, atualmente, vai muito além da ideia de tradição popular; ele está associado à vida do povo, à sua disposição de criar e recriar algo. Não é somente as celebrações populares, porém é o lastro da vida cotidiana de um determinado grupo. O folclore é uma criação subjetiva; entretanto, sua reprodução tende a ser coletivizada. Ele perdura de uma geração a outra, portanto, ele também é reconhecido como tradição e não modismo. É uma identidade do modo de vida de uma determinada classe produtora de sua própria cultura.
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Mito: elemento da cultura
A questão do outro A conquista da América Tzvetan Todorov, filósofo e linguista búlgaro radicado na França desde 1963 em Paris, fez um estudo muito interessante sobre a conquista da América por intermédio do olhar não do dominador (europeu) e sim do dominado (indígena). O estudo de Todorov trata da conquista da América no século XVI, ou seja, os cem anos que seguem a primeira viagem de Colombo. Delimita-se também um local – a região do Caribe e do México (mesoamérica). Sua pesquisa procura mostrar o confronto de culturas entre i ndígenas e espanhóis. Todorov ressalta a coragem que Colombo teve em enfrentar algo latente aos olhos dos europeus. Muitas eram as crenças, naquela época, concernentes aos mistérios infindos do mar. No entanto, este homem intrépido se lançou ao mar com o intento de “descobrir” novas terras e, assim, encontrar ouro para a realeza. Ora, Colombo usa deste álibi para conseguir patrocínio para a viagem; haja vista que seu plano seria impossível sem estes grandes investimentos. A nobreza, no entanto, não investiria em algo que não lhe trouxesse lucro, neste caso, Colombo procura convencer aos nobres de que haveria um lugar abundante em ouro que esperava para ser descoberto. A persuasão de Colombo soava como um canto mavioso aos ouvidos da nobreza, suscitando um enaltecimento ambicioso geral. Desta maneira, Colombo conseguiu o investimento que esperava para lançar-se a procura de novas terras. Durante as suas viagens, Colombo escreveu aos nobres dando a entender que estava muito próximo da descoberta de riquezas. Claramente estes manuscritos de Colombo eram dissimulados, pois não descreviam a verdadeira situação. Ou seja, quando Colombo escrevia dando esperanças à nobreza, a mesma continuava investindo na sua aventura. Digo aventura, pois segundo Todorov, para Colombo não era o ouro que importava, porém, a capacidade de conhecer situações da natureza que poderiam ser instigantes. Acima deste espírito aventureiro, Colombo se intitulava enviado de Deus. Portanto, a sua suposta missão era propagar a religião católica ao mundo todo. Vejamos: [...] A expansão do cristianismo é muito mais importante para Colombo do que o ouro, e ele se explicou sobre isso, principalmente numa carta destinada ao papa [...] Portanto, seu objetivo é: ‘Espero em Nosso Senhor poder propagar seu santo nome e seu evangelho no Universo. ( TODOROV, 1999, p. 11)
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A questão do outro
Colombo: o observador da natureza O objetivo religioso de Colombo era fazer uma Cruzada, para que assim pudesse levar o cristianismo no mundo todo e acabar com as heresias. Ora, a ideia de implantar uma Cruzada nesta época já era obsoleta, porém, para Colombo era sua missão. No entanto, algo mais começava a chamar a atenção de Colombo: a natureza. A natureza trazia regozijo para Colombo e fazia com que este se sentisse intérprete de seus desígnios. A natureza pura fazia com que Colombo imaginasse que ali existisse seres diferentes como: ciclopes, homens com cauda e focinho de Cristovão Colombo. cachorro etc. Os escritos de Colombo revelam que ele era mais paciente quando observava a natureza do que quando tentava compreender os indígenas. Seus manuscritos descrevem minuciosamente tudo o que havia na terra “descoberta”. Mosén Jaume Ferrer, um dos correspondentes de Colombo havia escrito em 1495 que as regiões muito quentes com habitantes negros e onde se encontram muitos papagaios, era local de riquezas inexauríveis, desta maneira, Colombo não se cansava em descrever nos seus manuscritos estes fatores naturais da “nova terra”. As terras que Colombo encontrava já tinham nomes naturais, no entanto, ele não se importava com isso e fazia questão de nomeá-las novamente. Isto também era uma forma de se apossar destes locais. Até os indígenas eram renomeados por Colombo. O primeiro gesto de Colombo quando entrou em contato com as terras “descobertas” foi a declaração segundo a qual elas passariam a fazer parte do reino da Espanha.
Colombo e os indígenas Colombo não aceitava a cultura dos povos que viviam nas “terras descobertas”, por este motivo, não considerava os hábitos, costumes, crenças e língua dos indígenas. O desprezo pelos indígenas era exacerbado, tanto que Colombo nem procurava compreendê-los. Podemos perceber que os manuscritos de Colombo falam dos indígenas porque simplesmente faziam parte da paisagem. Suas menções sobre eles aparecem sempre no meio de anotações sobre a natureza. A imagem que Colombo nos dá dos indígenas era basicamente física, ou seja, descreve seus belos corpos, rostos etc. Os indígenas e espanhóis não se comunicavam verbalmente, porém, trocavam objetos entre si. Colombo se divertia com esta situação dizendo que os indígenas davam tudo por nada. Isto porque os espanhóis só lhes concediam “bugigangas” sem valor nenhum. O sentimento de superioridade fez com que Colombo proibisse essas trocas. No entanto, o próprio Colombo continuou oferecendo “presentes” para os indígenas, sem mencionar que foi ele mesmo que ensinou os indígenas a apreciarem e exigirem tais “presentes”. Os costumes eram distintos, os indígenas viviam em comunidade, ou seja, tudo era de todos. Os espanhóis, por sua vez, viviam numa sociedade individualista, calcada na acumulação de riquezas; estas diferenças causaram embates entre eles.
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A conquista da América teve para os espanhóis como justificativa principal a referência aos cristãos que vieram para o “Novo Mundo” imbuídos da religião, levando em troca, ouro e riquezas. Colombo age como se entre as duas ações se estabelecesse um certo equilíbrio: os espanhóis dão a religião e tomam o ouro. Se os indígenas se recusassem a entregar o ouro, seriam subjugados militar e politicamente, numa posição de seres inferiores. Nota-se que esta relação não era nem um pouco equilibrada e sim precursora de grande desigualdade. Encontra-se aí o germe da ideologia escravagista. Os primeiros contatos já revelavam o interesse dos espanhóis em escravizar os nativos das “terras descobertas”, pois julgavam serem eles inferiores. No espírito de Colombo, fé e escravidão estavam intrinsecamente ligadas. A história da conquista da América foi marcada pela recusa da alteridade humana. Colombo e seus homens não reconheceram a identidade indígena e se opuseram a tudo que não era da cultura deles.
A conquista da Cidade do México Colombo abriu caminhos para outras conquistas por intermédio de outros conquistadores. A conquista da cidade do México, feita por Cortez1 e sua tripulação revela ainda mais a intolerância dos espanhóis. A expedição de Cortez em 1519 foi a terceira que chegou à costa mexicana. Ela era composta de algumas centenas de homens. Cortez se submeteu à Coroa Espanhola e foi em nome do rei da Espanha que decidiu explorar a Cidade do México. Após algum tempo estabelecido na cidade dos astecas (os mexicas), para consolidar seu poder sobre eles, Cortez prendeu o soberano asteca – Montezuma. Começou, então, a dominação pelos meios mais torpes. Montezuma morreu provavelmente apunhalado por seus carcereiros espanhóis. Os sucessores de Montezuma travaram uma batalha feroz contra os espanhóis. Como os espanhóis sendo tão poucos conseguiram dominar uma população tão numerosa? Cortez usou de todos os artifícios para conseguir a vitória. Primeiramente ele percebeu o descontentamento de muitos povos conquistados pelos astecas que deveriam pagar impostos a eles. Desta maneira, Cortez fomentou lutas internas entre facções rivais e conseguiu o apoio de muitos indígenas que vão lutar ao lado deles contra os mexicas. Os espanhóis dominaram os mexicas e impuseram suas normas. Queimaram os livros dos mexicas para apagar a religião deles e destruíram seus monumentos. Cortez e seus homens foram incapazes de perceber a importância e riqueza da cultura asteca. Os mexicas foram pressionados para aceitarem a religião e os hábitos europeus tidos como “civilizados”. Outro fator significativo para a dominação dos astecas foi a utilização de armas de fogo desconhecidas pelos indígenas. Além disso, os espanhóis trouxeram consigo uma arma muito mais devastadora que é a bacteriológica. A varíola, por exemplo, matou milhares de indígenas. Observemos que além destes fatores que propiciaram a vitória dos espanhóis há outro muito valioso e eficaz para os espanhóis: decodificar a cultura asteca para dominá-la e destruí-la. 1 Hernán Cortés ou Fernando Cortez, como é mais conhecido em português, (1485-1547) (Hernando ou Fernando Cortés durante sua vida, que assinava suas cartas Fernán Cortés) conquistou o território do México a favor da coroa espanhola. http://pt.wikipedia.org/wiki/Hern%C3%A1n_ Cort%C3%A9s (Acesso em: 15 jan 2008)
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A comunicação como arma do dominador Os indígenas e os espanhóis não falavam a mesma língua. Cortez se preocupava em interpretar o que eles diziam e faziam em relação aos rituais que realizavam para que assim pudesse ter domínio maior sobre eles. Os mexicas buscavam em todo momento interpretar as diversas mensagens para obterem respostas sejam elas do presente ou do futuro. As adivinhações eram praticadas pelos sacerdotes que eram muito respeitados. Vejamos como os rituais eram relevantes para os astecas: [...] Os astecas dispõem de um calendário religioso composto de treze meses com duração de vinte dias, cada um desses dias possui um caráter próprio, propício ou nefasto, que é transmitido aos atos realizados nesse dia e, principalmente, às pessoas que nele nasceram. Saber a data do nascimento de alguém é conhecer o seu destino; por isso, assim que nasce uma criança, procura-se o intérprete profissional, que é, ao mesmo tempo, o sacerdote da comunidade. (TODOROV, 1999, p. 76)
Calendário asteca.
Desta maneira se entende claramente que os mexicas preservavam sua religião e ritos que pareciam ser inexauríveis. Os sacerdotes decidiam, por meio dos rituais de adivinhação, a sorte do indivíduo. Entretanto, não era um acontecimento subjetivo em si, mas conectado com a sorte de toda coletividade que convivia com o consulente. As obrigações com o grupo eram mais importantes que a relação com os laços familiares. Desta forma, quando alguém era entregue para ser sacrificado isto era feito para o bem-estar do grupo. Na sociedade asteca existiam distinções hierárquicas. Montezuma I codificou as leis de sua sociedade já no século XVI. Entre outras leis a mais importante era a distinção hierárquica feita pelas vestes e adornos. Vejamos: “[...] As insígnias, as roupas, os adornos que alguém tem ou não o direito de usar, o tipo de casa apropriado para cada camada da população [...] (TODOROV, 1999, p. 81). Percebe-se que os símbolos eram importantes para Montezuma e, consequentemente, para todos os mexicas. Montezuma colhia toda as informações necessárias para a paz na cidade do México. Trabalhavam para ele uma espécie de “espiões” que lhe informavam sobre os atos dos povos inimigos. No entanto, quando os espanhóis invadiram a cidade do México, os informantes de Montezuma ficaram atônitos, pois o comportamento deles era muito imprevisível que chegou a abalar todo o sistema de comunicação e os astecas não conseguiram decodificar essas informações para Montezuma. Você caro leitor certamente percebeu o quanto os astecas eram evoluídos em vários âmbitos como a organização do grupo, religião e até mesmo a retórica. Os mexicas admiravam a arte do bem falar, tanto que no Estado asteca existiam duas espécies de escola, uma onde se preparavam para o ofício de guerreiros e a outra onde saíam os sacerdotes, os juízes e os dignatários reais que ensinavam aos meninos a retórica. A associação entre o poder e o domínio da língua é claramente marcada entre os astecas. A fala privilegiada pelos astecas é a fala ritual. A ausência da escrita é um elemento importante que explica a importância da fala para os mexicas. Os desenhos estilizados, os pictogramas usados pelos astecas, não são um grau inferior da escrita, pois registram a experiência e não a linguagem. Os rituais que os astecas faziam ajudaram os espanhóis a identificar a hierarquização da sociedade mexicas e como esta se organizava. Os adornos e as vestes que os astecas usavam para diferenciar as castas de cada indivíduo orientaram Cortez, que facilmente distinguiu os chefes e guerreiros astecas, capturando e matando-os para poder dominá-los. Portanto, havia uma diferença muito significativa entre a comunicação dos espanhóis e os astecas e isso, de certa forma, beneficiou os espanhóis.
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Texto complementar A civilização mexica (asteca) (WIKIPÉDIA, 2008)
Com o declínio da civilização tolteca ocorreu a fragmentação política no Vale do México. Neste novo jogo político de sucessão ao trono tolteca apareceram os mexica. Tratavam-se, também eles, de um orgulhoso povo do deserto, um de entre sete grupos que antes se autodenominavam astecas, tendo mudado o seu nome após anos de migração. Uma vez que não eram originários do Vale do México, foram inicialmente vistos como rudes e pouco refinados perante os olhos da civilização Nahua. Através de astuciosas manobras políticas e ferozes capacidades de luta, conseguiram um verdadeiro feito: tornaram-se governantes do México liderando a Tripla Aliança (que incluía duas outras cidades astecas, Texcoco e Tlacopan). . Em 1400 os mexicas governavam grande parte do México central (enquanto os yaquis, coras e apaches controlavam áreas consideráveis dos desertos do norte), tendo subjugado a maioria dos outros estados regionais na década de 1470. No seu auge, 100 000 mexica presidiam a um rico império que contava com cerca de 10 milhões de pessoas (quase metade dos 24 milhões que então habitavam o México). O nome moderno México tem a sua origem no nome do grupo dominante da Tripla Aliança Asteca, os Mexicas . Templo Asteca.
o t o h p k c o t s I
O termo asteca é um não nome, sendo uma invenção de um inglês (Lord Kinsborough) e de um euro-americano de nome William Prescott. Os verdadeiros nomes utilizados pelos indígenas eram nahua ou mexica. Nem mesmo os espanhóis lhes chamavam astecas (ainda que asteca não fosse usado pelos mexicas, é derivado da sua língua, o nahuatl, referindo-se à sua terra natal no norte, Aztlan). Entre os mexicas (um dos grupos astecas), a educação era obrigatória para os homens, independentemente da sua classe social. Existiam dois tipos de escolas: as telpochcalli (para estudos práticos e miltares) e as calmecac (para estudos avançados de escrita, astronomia, estadismo, teologia etc.). A sua capital, Tenochtitlan, estava situada na zona da moderna Cidade do México. Em 1519 a capital dos mexicas era a maior cidade da América com uma população que rondava os 100 000 habitantes (em jeito de comparação, em 1519 Londres tinha 80 000 habitantes e Paris tinha 250 000). Os mexicas deixaram uma marca profunda e duradoura na cultura mexicana perceptível ainda hoje. Muito do que é considerado como cultura mexicana deriva desta civilização mexica: topônimos, gastronomia, arte, vestuário, simbologia e mesmo a identidade mexicana que a ela foi buscar o nome. Durante grande parte da sua história, a maioria da população mexicana teve um modo de vida urbano: cidades, vilas e aldeias. Apenas uma fracção da população era tribal e nômade. A maioria
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das pessoas vivia em povoamentos permanentes, baseados na agricultura e identificados com uma cultura urbana, em oposição a uma cultura tribal. O méxico é desde há muito uma terra urbana, fato graficamente refletido nos escritos dos espanhóis que os encontraram [...]
Atividades 1.
Por que podemos dizer que os espanhóis foram etnocentristas?
2.
Quais foram os artifícios utilizados por Cortez para dominar os astecas? Explique cada um deles.
3.
Explique, segundo as informações que você já possui sobre a sociedade asteca a afirmação: “Os mexicas admiravam a arte do bem falar”
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Gabarito 1.
Orientação: o aluno deverá responder que os espanhóis supervalorizaram a sua cultura em detrimento da dos astecas.
2.
Orientação: o aluno deverá elencar os artifícios e explicá-los. Os artifícios são: fomentar lutas internas entre os mexicas e outros povos, queimar os livros dos mexicas para apagar a religião deles e destruir seus monumentos, tinham as armas de fogo e ainda causaram várias epidemias que mataram milhares de indígenas e decodificaram os costumes e signos dos astecas.
3.
Orientação: no Estado asteca existiam duas espécies de escola, uma onde se preparavam para o ofício de guerreiros e a outra onde saíam os sacerdotes, os juízes e os dignatários reais que ensinavam aos meninos a retórica. A fala privilegiada pelos astecas é a fala ritual. A associação entre o poder e o Colombo na época da colonização espanhola pela América domínio da língua é claramente marcada entre os astecas.
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A conquista da América e as formas de dominação espanhola Os espanhóis e os signos Os espanhóis ao conquistarem a cidade do México procuraram formas para dominar mais facilmente os astecas. Eles não se importavam em aceitar a cultura dos astecas, pois, afirmavam que estes eram selvagens e sem “cultura”. Para o colonizador Hernán Cortés ou Fernando Cortez e seus homens o que importava era coletar a maior quantidade possível de ouro. Cortez para conseguir mais ouro procurava entender os rituais astecas para dominá-los facilmente. Sua expedição se iniciou na busca de informações. Para isto, consegue a ajuda de um espanhol que vivia junto com os indígenas, Jerônimo de Aguilhar. Aguilhar era componente de expedições anteriores a de Cortez, além da língua espanhola falava a língua dos maias. A segunda personagem essencial para que Cortez pudesse coletar o maior número de informações possível sobre os astecas foi Malinche. Malinche era uma mulher asteca que tinha sido vendida para os maias. Ela falava também a língua dos astecas. Cortez falava para Aguilhar que traduzia para Malinche que, por sua vez, se dirigia para o interlocutor asteca. Malinche, aos poucos, aprendeu a língua espanhola e ajudou Cortez ensinando-o tudo sobre o povo asteca, o que facilitou muito a sua conquista. Foi definitivamente graças ao domínio dos signos dos homens que Cortez garantiu seu controle sobre a antiga confederação asteca. A compreensão da cultura asteca para Cortez não fez com que ele simpatizasse por ela, pelo contrário, suscitou nele um desejo de aniquilação da mesma.
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Para Cortez os indígenas não tinham direito a nada e a escravidão era vista por ele como uma forma de obter grandes lucros. Como os indígenas eram considerados mercadorias e não sujeitos, deveriam se submeter espontaneamente ou pela força. O tomar leva a destruir. Assim milhões de indígenas foram exterminados de formas macabras, por este motivo, podemos falar que foi um genocídio. As causas da diminuição da população indígena executada pelos espanhóis, segundo o autor Tzvetan Todorov, são três. Vejamos cada uma delas: Fernando Cortez. :: Por assassinato direto, durante as guerras ou fora delas: número elevado, mas relativamente pequeno; responsabilidade direta. :: Devido a maus-tratos: número mais elevado; responsabilidade (ligeiramente) menos direta. :: Por doença pelo “choque microbiano”: a maior parte da população; responsabilidade difusa e indireta (TODOROV, 1999, p. 159).
Os espanhóis submetiam os indígenas aos mais tortuosos métodos. Cortavam-lhes as mãos, as pernas, os braços, os seios das mulheres etc., eles eram mutilados e depois friamente assassinados. Os espanhóis faziam isso para que os indígenas ficassem com medo de tamanha crueldade e os levasse até o suposto esconderijo dos tesouros, ou seja, o lugar que tinha ouro e pedras preciosas. De qualquer modo, o desejo de enriquecer não pode explicar esse comportamento sanguinário dos espanhóis. Vejamos o que diz Todorov acerca deste fato: “É tudo como se os espanhóis encontrassem um prazer intrínseco na crueldade, no fato de exercer poder sobre os outros, na demonstração de sua capacidade de dar a morte.” (1999, p. 170). Para os espanhóis os indígenas eram seres inferiores que estavam a meio caminho entre os homens e os animais. Isto justifica a submissão que deveriam mostrar diante dos “civilizados” espanhóis. Se os povos indígenas recusassem a conceder seus territórios aos espanhóis estariam desobedecendo a “lei” da igreja que visava catequizar e destruir tudo o que era “pagão” e, deste modo, seriam dignos da escravidão. Os espanhóis se intitulavam juízes dos mexicas, afirma Todorov: Os espanhóis, à diferença dos índios, não são unicamente parte, mas também juízes, já que são eles que escolhem os critérios segundo os quais o julgamento será pronunciado; decidem, por exemplo, que o sacrifício humano diz respeito à tirania, mas o massacre não. (TODOROV, 1999, p. 179)
Os indígenas, para os espanhóis, eram vistos como animais selvagens, ou seja, eram seres animados, porém, não possuíam alma, assim, eram dignos de submissão. Esta foi a mesma justificativa dada pelos europeus quando escravizaram os negros.
A escravidão gerada pelo colonialismo O cristianismo foi o elemento principal para rotular àqueles que o seguiam, segundo a igreja católica, como superiores e àqueles que o desconhecia como inferiores. Os espanhóis se sentiam superiores também por serem cristãos e terem os sacramentos da igreja. Eles se autorreconheciam como instrumentos para a salvação dos indígenas por livrá-los da “barbárie” e das “heresias”.
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Frei Bartolomé de las Casas nasceu em Sevilha em 1474, foi um frade dominicano, cronista, teólogo, bispo de Chiapas (México), considerado o primeiro sacerdote ordenado na América. Ele vai “defender” os indígenas em nome do cristianismo. No entanto, a libertação do indígena não foi cogitada por ele. Las Casas tinha uma teoria um tanto quanto curiosa, para ele os indígenas não precisavam ser bons cristãos, mas deveriam agir como se fossem. Isto porque, ser cristão era sinônimo de ser “civilizado”. Os espanhóis queriam transformar os mexicas com referência nos moldes europeus. No entanto, nunca perguntaram aos mexicas se eles queriam seus modelos, simplesmente os impuseram, aí reside a violência cultural.
O indígena como o “alien” (estranho) para os espanhóis O “descobrir” está relacionado a terras e não aos homens que nela habitam. Isto explica a razão pela qual os espanhóis não buscavam depreender os costumes e as crenças dos nativos. Para os espanhóis os mexicas é que tinham que compreender a cultura europeia, pois esta era superior. A prova de inferioridade destes povos, segundo os espanhóis, eram os sacrifícios executados em alguns rituais astecas. Para os espanhóis, a crença dos astecas era um culto ao demônio, ou seja, o inimigo de Deus na religião cristã católica. Desta maneira, eles, os espanhóis, incorporaram o papel de “guerreiros” em defesa da fé cristã contra as “heresias” do mundo. Os conquistadores não viam os indígenas como eles realmente eram, porém, os viam como eles queriam que fossem. Ou seja, seres que estavam prontos para abraçar a religião, hábitos e costumes europeus. Os espanhóis, sejam eles padres ou não, nunca quiseram entender o que pensavam ou o que sentiam os indígenas. O mais importante para eles era encontrar riquezas e usar os nativos como mercadoria escrava. Assim podiam ascender socialmente na sociedade europeia. Alguns espanhóis escreveram livros para criticar e abominar as práticas dos mexicas. Os conquistadores espanhóis, nunca se identificaram completamente com seus costumes. Desta maneira, a intolerância era a base da relação entre espanhóis e mexicas.
Diego Durán e a cultura asteca Diego Durán nasceu na Espanha por volta de 1537, mas diferente de muitos outros personagens marcantes dessa época, foi viver no México quando tinha de cinco para seis anos de idade. A experiência de Diego Durán foi interessante, pois esta resultou numa compreensão interna da cultura indígena que não foi igualada por ninguém do século XVI.
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Pouco antes de morrer em 1588, Durán redigiu uma Historia de las Indias de Nueva España e Isla de La Tierra Firme. Esta obra foi redigida por ele entre 1576 a 1581. Diego Durán era dominicano, a convivência e a intimidade com a cultura indígena foi o ponto sine qua non para o cumprimento de seu objetivo, ou seja, propagar a religião cristã. Para conseguir isso, Durán perscrutou minuciosamente as práticas “pagãs” dos astecas, assim poderia questioná-las e destruí-las. Segundo Todorov, o que mais irritava Durán era o sincretismo incorporado na religião cristã pelos indígenas. Vejamos: O que mais irrita Durán é que os índios consigam inserir segmentos de sua antiga religião no seio das práticas religiosas cristãs. O sincretismo é um sacrilégio, e é a este combate específico que se atém a obra de Durán [...] Durán chega a se perguntar se os que vão à missa na catedral da Cidade do México não o fazem, na verdade, para poder adorar os antigos deuses, já que suas representações na pedra foram usadas para construir o templo cristão: as colunas da catedral, nessa época, repousam sobre serpentes emplumadas! (TODOROV, 1999, p. 248-249)
Durán abominava o sincretismo religioso, entretanto, ele próprio nas sua obra ressalta as semelhanças que, segundo ele, haviam entre a religião cristã e as crenças dos astecas. Hipoteticamente, Durán aponta duas explicações para essas supostas semelhanças: os indígenas já haviam tido contato com outros pregadores cristãos antes dele ou, e esta é a mais improvável das hipóteses, o demônio os havia persuadido para executarem os ritos católicos em sua honra. Durán não suportava essa dúvida e em seu livro afirma que os astecas eram uma das tribos perdidas de Israel. Ao escrever a história do povo asteca, Durán incorporou nela valores pessoais e relatou os fatos de acordo com o que ele achava que deveria ser registrado e até inventou muitas coisas. Portanto, sua obra precisa ser criticamente analisada, pois não representa os valores do povo asteca.
Bernardino de Sahagún Bernadino de Sahagún nasceu na Espanha em 1499. Quando adolescente estudou na Universidade de Salamanca e, posteriormente, ingressou na ordem dos franciscanos. Em 1529 chegou ao México onde permaneceu até sua morte em 1590. Sahagún aprendeu a língua nahuatl e tornou-se professor de gramática latina no Colégio de Tlatelolco desde a sua fundação em 1536. Para facilitar a expansão do cristianismo, Sahagún se propôs a descrever em detalhes a antiga religião dos mexicanos. Ao escrever sua obra, Sahagún desejava preservar a cultura nahuatl. Ele opta pela fidelidade integral, já que reproduz os discursos que ouviu, e acrescenta sua tradução em vez de substituí-los por ela. Entretanto, Sahagún intervinha com seus valores nos textos de seu livro. Desta forma, “corrigia” os costumes astecas dizendo ser eles “pagãos” Bernardino de Sahagún. e condenáveis aos olhos de Deus. Sobre a obra de Bernadino de Sahagún diz o autor Tzvetan Todorov: [...] Pode-se dizer que, a partir dos discursos dos astecas, Sahagún produziu um livro; ora, o livro é, nesse contexto, uma categoria europeia. E, no entanto, o objetivo inicial é invertido: Sahagún tinha partido da ideia de utilizar o saber dos índios para contribuir na propagação da cultura dos europeus; e acabou por colocar seu próprio saber a serviço da preservação da cultura indígena [...] ( TODOROV, 1999, p. 288)
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Onde estava o povo civilizado? O que mais chama a atenção na obra do autor Tzvetan Todorov é a clareza com que expõe tanto os prismas europeus quanto as concepções indígenas no processo de conquista espanhola do território americano. O autor nos demonstra como o etnocentrismo (supervalorização de uma cultura em detrimento da outra) foi regra por parte dos europeus e resultou na destruição de muitas culturas locais. De que maneira os colonizadores espanhóis poderiam reivindicar para si o título de civilizados? Será que era civilizado queimar pessoas inocentes na fogueira da “santa” inquisição? Será que era civilizado mutilar um outro ser humano cortando-lhe orelhas, braços, dedos, seios das mulheres e, muitas vezes, cortando com a espada o ventre de uma indígena grávida? Não seriam estes atos exemplos claros da mais pura “barbárie” e “selvageria”? Por que é tão difícil aceitar e compreender o diferente? Que tipo de igualdade e amor mútuo os colonizadores europeus queriam passar por meio do cristianismo aos indígenas? Este pseudoamor ao próximo dos espanhóis violentou mulheres, mutilou adultos e crianças e assassinou milhares de indígenas. Os indígenas estavam satisfeitos com seus modos, crenças e costumes, assim, não precisavam sofrer tamanha violência cultural e física para serem considerados “seres civilizados”. Infelizmente os eurocentristas ainda não são capazes de perceber a cultura do resto do mundo, onde se constituíram povos distintos com suas especificidades. Salve a América Latina e seus povos que tanto sofreram e sofrem por causa da ganância alheia!
Texto complementar A sociedade asteca (FIGUEIREDO, 2008)
A sociedade asteca estava dividida de uma maneira curiosa e um pouco diferente da das sociedades europeias que lhe foram contemporâneas. Se desenhássemos uma pirâmide dela, teríamos sete divisões: no topo estariam os governantes, compostos pelo Tlatocan, pelos três maiores sacerdotes e pelos dois governantes; depois viriam os grandes dignatários e os altos sacerdotes; abaixo estariam as elites dos Calpulli (bairros, formados por membros do mesmo clã); abaixo destes estariam, num mesmo patamar, as duas castas (imóveis) da sociedade asteca: os Pochtecas (comerciantes) e os Toltecas (artesãos); abaixo destes estavam os moradores livres e proprietários de terras dos Calpulli, ou seja, o povo; abaixo do povo, havia um número cada vez maior de servos, ou seja, cidadãos que haviam perdido suas terras por dívidas, tendo se convertido em servos de outros, mas ainda assim livres, os servos trabalhavam por dinheiro, se assemelhando a trabalhadores assalariados; abaixo dos servos estava o estamento (por ter pouca mobilidade social) dos escravos, estes, apesar de serem utilizados como força de trabalho, não tinham nesta a sua principal função, pois eram destinados ao sacrifício, havia duas
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maneiras de alguém se converter em escravo: a primeira era também a mais comum, ou seja, os vencidos nas guerras, mas a segunda, apesar de pouco usual, também existia, e eram as dívidas, ou seja, quando alguém que já havia perdido suas terras e se convertido num servo se endividava, tinha que vender a própria liberdade para pagar a dívida, se convertendo num escravo. Quando cito classes, castas e estamentos, pressuponho que o leitor esteja compreendendo o que digo, mas para aqueles que não estiverem familiarizados com os termos, aqui vão suas definições: uma sociedade de classes é como a sociedade brasileira, ou seja, onde todos os cidadãos, independentemente de condição social, classe, ou qualquer outra coisa, são iguais perante a lei, sendo assim, é totalmente possível a ascensão (ou o declínio) social, dependendo unicamente das oportunidades e do esforço do indivíduo para que isso aconteça; já numa sociedade de estamentos, os homens não são iguais perante a lei, apenas perante os deuses, sendo, portanto passíveis de salvação, no entanto sua condição (geralmente determinada pelo nascimento, o que não é o caso no único estamento asteca) só pode ser mudada (ou seja, ocorrer elevação ou declínio social) devido a um fato muito inusitado, como o casamento com alguém de outra casta, ou um ato de extrema bravura, um exemplo de sociedade de estamentos (ou estamental) era a sociedade da Europa Medieval; numa sociedade de castas, as pessoas são diferentes em tudo, tanto perante a lei, quanto perante os deuses, sendo assim, não há nenhuma mobilidade social, o nascimento determina a posição do indivíduo na sociedade e não há nada que possa mudar isso, nem para melhor, nem para pior, um exemplo de sociedade de castas é a Índia. Agora que compreendemos os conceitos utilizados, podemos continuar com a análise da sociedade asteca. Tratava-se de uma sociedade de classes, pois exceto pelas duas castas e pelo único estamento, a mobilidade social só dependia do esforço de cada um. Mas espere, você deve estar se perguntando, todos nós sabemos que para ascender socialmente, a única maneira é estudando, frequentando a escola e assim, tendo a possibilidade de crescer na vida, certo? Certo. Então, como os astecas faziam para ascenderem socialmente? Da mesma maneira que nós. Deixe-me explicar. Em cada Calpulli, e existiam quatro, havia uma escola denominada Telpochcalli, para ela, as crianças (tanto homens quanto mulheres) iam ao completarem oito anos. Lá, tanto meninos quanto meninas aprendiam o básico da escrita asteca e as tradições de seus clãs, porém, a outra metade do ensino era dividida, pois as meninas aprendiam a tecer, a costurar, a cozinhar e a cuidar de crianças, enquanto os meninos aprendiam a guerrear. Aos 21 anos, tanto meninos quanto meninas abandonavam a escola e estavam formados, os meninos tornavam-se guerreiros (sendo assim, todos os homens livres de Tenochtitlán eram guerreiros), e as meninas iam se casar. Geralmente o homem se casava mais tarde, por volta dos 25 anos. A poligamia masculina era permitida, mas não muito difundida, ao que parece apenas alguns poucos homens muito ricos tinham mais que uma esposa [...] (Disponível em: . Acesso em: 25 jan. 2008.) Danilo José Figueiredo é professor de ensino fundamental e médio. Bacharel em História e Mestrando em História Social (com pesquisa na área de História Antiga) pela USP.
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Atividades 1.
Cortez para conseguir mais ouro procurava entender os rituais astecas para dominá-los facilmente. Sua expedição se iniciou na busca de informações. Explique como ele conseguiu essas informações.
2.
Explique a expressão “o tomar leva a destruir” em relação a colonização asteca.
3.
Por que podemos afirmar que os colonizadores Diego Durán e Bernardino de Sahagún não escreveram obras que expressavam a cultura asteca?
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Gabarito 1.
Orientação: o aluno deverá explicar como Cortez conseguiu decodificar a cultura asteca para dominá-la, ou seja, as informações que ele conseguiu, por intermédio da Malinche e também por intermédio da sua observação atenta, sobre a hierarquização da sociedade asteca que podia ser identificada por meio dos símbolos, vestes e rituais dos astecas.
2.
Orientação: milhões de indígenas foram exterminados por meio de formas macabras, por este motivo, podemos falar que foi um genocídio.
3.
Orientação: porque elas são exacerbadamente tendenciosas e eurocêntricas. As obras servem para criticar a cultura asteca e não têm a intenção de compreendê-la.
Conquista do Brasil: historiografia e educação O conflito entre indígenas e portugueses O povo tupi não teve tempo para criar uma espécie de confederação como os astecas e nem um Império como os incas, por exemplo. Isso porque houve a conquista da “Ilha Brasil” pelos europeus. Os portugueses chegaram em 1500 e esse fato mudou exacerbadamente a realidade dessas várias tribos indígenas que ali viviam. O conflito entre indígenas e portugueses se deu em vários campos. Os principais são: biótico, ecológico e econômico-social. No campo biótico os portugueses trouxeram consigo várias patologias que eram desconhecidas pelos indígenas como o sarampo, escorbuto, gripe, varíola etc. Essas doenças causaram grandes epidemias e chegaram a devastar tribos inteiras. Os portugueses quando notaram a facilidade que os indígenas tinham para contrair essas doenças, começaram a provocá-las de propósito deixando uma peça de roupa de alguém que estava com sarampo, por exemplo, próxima à aldeia e, desta forma, algum indígena a encontrava e vestia a peça, assim, logo ele se contaminava e contaminava também o resto de sua tribo. No campo ecológico os portugueses devastaram florestas inteiras para extrair o pau-brasil (madeira de coloração avermelhada que era utilizada para tingir roupas na Europa e para construir naus). Quando os europeus chegaram no Brasil eles não encontraram o Eldorado esperado. Na mentalidade europeia dessa época havia a crença do Eldorado, ou seja, uma terra exótica feita de ouro guardada por lindas mulheres amazonas. Pelo contrário, eles encontraram uma terra coberta de vegetação e os nativos (verdadeiros donos da terra). No campo econômico e social, pela mercantilização das relações de produção, que articulou os novos mundos ao velho mundo europeu como provedores de gêneros exóticos, cativos e ouro e pela exploração e escravização do índio (RIBEIRO, 2000).
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A conquista e a proteção da “Nova Terra” A Coroa Portuguesa nem preocupou-se com essa conquista no primeiro momento, posto que essa nova terra não oferecia o que os portugueses mais queriam que era ouro e prata. No entanto, outras nações estavam interessadas nessa nova terra e os portugueses para não perdê -la deveriam povoá-la o mais rápido possível. Considerando a necessidade da historiografia resgatar a dinâmica processual que gesta determinadas características nas formações históricas, se faz necessária a análise da tentativa de proteção da “nova terra”. Os primeiros “soldados” chegaram ao Brasil com o governador-geral Tomé de Souza em 1548 com o intuito de controlar os domínios da Coroa Portuguesa. A preocupação em salvaguardar a terra conquistada por Portugal da ambição de outras nações europeias fez com que o governador-geral estabelecesse um regimento que visava suprir a escassez de homens para a proteção da “nova terra”. Desta forma, o regimento de 1548 estipulava o recrutamento entre os moradores que au- Tomé de Souza. xiliariam os soldados. Outra iniciativa tomada pela Coroa Portuguesa foi armar a população das colônias. O “alvará das armas” de 1569 tornava obrigatória a posse de armas pelos homens livres. Na tentativa de organizar esses homens que auxiliavam os soldados, foi criado pela Coroa o Regimento Geral das Ordenanças de 1570. O serviço das ordenanças organizava a população segundo o corte social existente. A nobreza era contra o recrutamento e não queria participar das ordenanças, mesmo em seus escalões mais elevados: No Brasil, com uma hierarquia social que se forjava na presença determinante do escravismo, o corte social proposto pelas ordenanças era uma oportunidade justamente de afirmação social e de construção dessas diferenças entre os homens livres (PUNTONI, 2004, p. 45). As ordenanças abarcavam muitos indígenas, pois estes eram exímios conhecedores da terra e já tinham familiaridade com a arte da guerra. Como a presença do indígena era sine qua non na força auxiliar de defesa da terra, em 1611 uma lei criou as chamadas Companhias para o recrutamento dos indígenas. O posto de dirigente das Companhias era ocupado por pessoas abastadas indicadas pelo governador-geral, que deviam fazer o juramento de fidelidade à Coroa Portuguesa, o que possibilitou maior dominação da população indígena. Ao longo de todo este período, o critério para o preenchimento de cargos superiores nas ordenanças não era calcado nos conhecimentos especializados ou técnicos. Somente no reinado de Dom Pedro II é que ocorre uma paulatina formação do exército profissional que sofreu influências de estrangeiros como o Conde D’Eu, francês. Este momento representou a profissionalização e um grande aumento do contingente do exército brasileiro. Cond D’Eu. No entanto, os primórdios da formação do exército brasileiro têm sido indicados pelos autores na época em que Dom João organizou o seu novo gabinete 1 em terra brasileira, no qual, para a pasta dos Negócios estrangeiros e da Guerra foi designado D. Rodrigo de Souza Coutinho, Conde de Linhares, que se tornou praticamente o primeiro ministro da Guerra no Brasil. Esta pasta abrangia também as atribuições referentes aos negócios estrangeiros do Reino. No entanto, até a chegada da Corte Portuguesa no Brasil, a administração do exército ficava centrada na metrópole. 1 Negócios do Reino – D. Fernando José de Portugal e Castro (depois marquês de Aguiar). – Negócios estrangeiros e da Guerra – D. Rodrigo de Souza Coutinho (Conde de Linhares). – Negócios da Marinha e Ultramar – D. João Rodrigues de Sá e Menezes (Visconde, depois Conde de Anadia)
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A citação de Oliveira Lima deixa explícita a precariedade das tropas no Brasil: os soldados faziam exercício somente uma vez por mês e, além de andar sempre em atraso o pagamento dos soldados, eram tão mal remunerados que precisavam, para se poderem manter e às famílias, trabalhar noutros misteres, dividindo os seus lucros com os oficiais, os quais, a troco da espórtula, fechavam os olhos à vil irregularidade de serem, os soldados do Rei ao mesmo tempo sapateiros, pescadores etc. (LOPES; TORRES; 1947, p. 33) Essa situação era realmente preocupante para D. João que contava com a possibilidade de uma efetiva defesa por parte das forças armadas em caso de perigo e risco de invasão, particularmente em decorrência da conjuntura europeia às voltas com o “des-equilíbrio” entre aquelas nações, cuja solução só será encetada no Congresso de Viena em 1815.
A história dominante nos livros didáticos Acredito que você já estudou em História a chamada “Descoberta do Brasil”. No entanto, os livros didáticos traziam informações reduzidas e ocultavam muita coisa. Atualmente com a chamada “História Renovada” temos acesso às informações que passaram a ser veiculadas nas escolas e livros didáticos após a ditadura militar no Brasil, que durou vinte e um anos (1964-1985) que calou muitos intelectuais e obrigou as escolas a passarem um conteúdo patriótico e positivista que narrava os feitos dos chamados “heróis” (Pedro Álvares Cabral; Princesa Isabel; D. Pedro II etc.), como se o povo nunca tivesse participado da História do Brasil. Essas concepções integram um tipo de historiografia que perpassa desde os primeiros autores que resgatam a história do Brasil, até por volta da década de 1950, constituindo-se assim nossa “história oficial”. Tal historiografia é muito difundida in- Pedro Álvares Cabral. fluenciando uma dada leitura de nossa realidade que se popularizou por meio dos livros didáticos. Na obra “O saber histórico em sala de aula” Circe Bittencourt discute as concepções e caracterização do livro didático, instrumento que muito corroborou para a ratificação da presença dos “heróis” na história brasileira. Bittencourt afirma que o livro didático propaga um “sistema de valores”, “de uma ideologia”, “de uma cultura”.2 Foi comprovado por intermédio de pesquisas que por muito tempo os livros didáticos transmitiram: “estereótipos e valores dos grupos dominantes” (BITTENCOURT , 2002). A história factual é herança deste “nacionalismo oficial” em que o Estado executa, desde o início, uma política consciente de proteção dos seus interesses. Desta maneira, os líderes nacionalistas, muitas vezes, são os que projetam sistemas civis, militares, culturais e educacionais em nome da nação. Há vários sentidos para a palavra ideologia. Em sentido amplo ideologia é uma ciência da formação das ideias; tratado das ideias em abstrato; sistema de ideias. Um conjunto articulado de ideias, valores, opiniões, crenças etc., que expressam e reforçam as relações que conferem unidade a determinado grupo social (classe, partido político, seita religiosa etc.) seja qual for o grau de consciência que disso tenham seus portadores. Sistema de ideias dogmaticamente organizado como um instrumento de luta política. Conjunto de ideias próprias de um grupo, de uma época, e que traduzem uma situação histórica. Etimologicamente ideologia vem do grego [idéa] que quer dizer aparência, princípio, ideia, ideograma. Segundo Marilena Chaui, a ideologia tem como função camuflar as diferenças entre as classes sociais e proporcionar aos integrantes da sociedade o sentimento da identidade social que propõe uma unidade, por padronizar interesses particulares que são anunciados como objetivos comuns da nação: 2 “Assim, o papel do livro didático na vida escolar pode ser o de instrumento de reprodução de ideologias e do saber oficial imposto por determinados setores do poder e pelo Estado [...]” (BITTENCOURT, 2002, p. 73)
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A ideologia é um conjunto lógico, sistemático e coerente de representações (ideias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar e como devem pensar, o que devem valorizar e como devem valorizar, o que devem sentir e como devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer. Ela é, portanto, um corpo explicativo (representações) e prático (normas, regras, preceitos) de caráter prescritivo, normativo, regulador, cuja função é dar aos membros de uma sociedade dividida em classes uma explicação racional para as diferenças sociais, políticas e culturais, sem jamais atribuir tais diferenças à divisão da sociedade em classes, a partir das divisões na esfera da produção [...] encontrando certos referenciais identificadores de todos e para todos, como por exemplo, a Humanidade, a Liberdade, a Igualdade, a Nação, ou o Estado. (CHAUI, 1980, p. 113)
O educador e o ensino crítico Atualmente fala-se muito sobre a educação calcada na crítica, no ensino não propedêutico 3 e tradicional, mas no ensino humanista e voltado para o lúdico, a motivação, construção e criatividade. O educador busca conhecer a proposta pedagógica que a escola onde leciona segue, no entanto, ele mesmo [educador] não sabe bem ao certo quais são os objetivos da disciplina que ministra e qual tipo de formação é melhor para os seus alunos. O educador luta para não reproduzir o discurso excludente e preconceituoso que a cultura de massa veicula e se frustra ao perceber que muitas vezes os meios de comunicação são muito mais atraentes que suas aulas, ele sabe que toda essa criação da mídia serve para iludir e não alimentar a sabedoria do seu aluno. O educador da área de História, por exemplo, sofre com o conteúdo extenso e com os rótulos dados por algumas pessoas que pensam que a disciplina de História serve apenas para ensinar datas comemorativas e ressaltar nomes de militares, estrategistas, políticos etc., ou seja, a história feita por heróis. Legado de uma historiografia que privilegiou os grupos dominantes e minoritários de uma determinada época e excluiu os agentes transformadores (camponeses, indígenas, escravos, mulheres etc.). O papel do educador em sala de aula é, portanto, desmistificar a ideia de que existem heróis que lutam sempre pela maioria e que os ditos indivíduos comuns não têm capacidade de transformação por possuírem uma natureza passiva e condicionada. Portanto, o historiador precisa esclarecer aos seus alunos que eles também são agentes da história e que eles podem transformar a realidade em que vivem. Entretanto, houve uma inversão de valores na educação quando o Brasil na década de 1960 adotou os padrões mecanicistas dos EUA, ou seja, a fragmentação do conhecimento, a análise hermeneuta e superficial do mundo e a negação da análise imanente das fontes utilizadas pelos educadores em sala de aula. A educação fracassara por ser culpada de um estupendo erro categórico, segundo John Dewey4: ela confundia os produtos finais prontos e refinados da investigação com o tema bruto e não polido da mesma e tentava fazer com que os alunos aprendessem as soluções ao invés de investigarem os problemas e envolverem-se nos questionamentos por si mesmos. Do mesmo modo que os cientistas empregam o método científico para a exploração de situações problemáticas, assim deveriam fazer os alunos, 3 Ensino fragmentado voltado apenas para o vestibular. 4 John Dewey graduou-se pela Universidade do Vermont em 1879 e exerceu as funções de professor do secundário durante dois anos, tempo em que desenvolveu um profundo intersse por Filosofia. Em Setembro de 1882 deixou o ensino e retornou à universidade para estudar Filosofia, na Universidade Johns Hopkins, onde obteve o doutoramento. Dewey exerceu a função de professor de Filosofia na Universidade de Michigan, onde ensinou a partir de Setembro de 1884. Três anos mais tarde (1887), publicava o seu primeiro livro, Psychology, onde propunha um sistema filosófico que conjugava a estudo científico da psicologia com a filosofia idealista alemã. Para ele o indivíduo somente passa a ser um conceito significante quando considerado parte inerente de sua sociedade – enquanto esta nenhum significado possui, se for considerada à parte, longe da participação de seus membros individuais. Retirado de: http://pt.wikipedia.org/wiki/John_Dewey. Acesso em: 30 jan 2008.
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caso quisessem aprender a pensar sozinhos. Ao contrário disso, pedimos a eles que estudassem os resultados finais daquilo que os cientistas descobriram; desprezamos o processo e fixamos nossa atenção sobre o produto. Quando os problemas não são explorados em primeiro lugar, nenhum interesse ou motivação é criado, e aquilo que continuamos chamando de educação é uma charada e um simulacro. Dewey não tinha a menor dúvida de que o que deveria acontecer dentro da sala de aula é que se pensasse – um pensamento independente, imaginativo e rico. O caminho por ele proposto – e nesse ponto alguns de seus seguidores o abandonaram – é o que processo educativo na sala de aula deveria tomar como modelo o processo da investigação científica. Portanto, é necessário que ocorra a construção de conhecimento e não a reprodução do mesmo. O educador que quer formar pessoas críticas precisa fazer a análise ontológica dos conceitos com os seus educandos e trabalhar com atividades lúdicas que propiciam o educando a criar e saber lidar com a sua sensibilidade. Estas atividades são: dramatizações, música, literatura, viagens imaginárias, danças, jogos etc. Além disso, o educador precisa trabalhar com a pesquisa em sala de aula para que o educando possa construir o seu próprio conhecimento. A ausência da pesquisa em sala de aula é muito grave, pois não possibilita ao educando fazer a sua própria análise de um determinado objeto de estudo e, assim sendo, somente reproduz aquilo que o educador disse em sala de aula. O educando, desta forma, não é formado para ser um indivíduo crítico. É a ideia de Louis Alhusser que infelizmente ainda impera na mente de muitos educadores, ou seja, a impossibilidade de transformação por intermédio dos conceitos trabalhados em sala de aula já que os educadores são “obrigados” a propagar o discurso de uma classe minoritária e dominante. O preocupante é que muitos educadores tornam os seus educandos em indivíduos passivos e negam que eles são agentes transformadores.
Texto complementar A verdadeira dívida externa. Fala do cacique Guaicaipuro Cautémoc numa reunião com chefes de Estado da Comunidade Europeia (MÍDIA INDEPENDENTE, 2008)
Eu, Guaicaipuro Cautémoc, descendente dos que povoaram a américa há 40 mil anos, vim aqui encontrar os que nos encontraram há apenas 500 anos. O irmão advogado europeu me explica que aqui toda dívida deve ser paga, ainda que para isso se tenha que vender seres humanos ou países inteiros. Pois bem! Eu também tenho dívidas a cobrar. Consta no arquivo das Índias Ocidentais que entre os anos de 1503 e 1660, chegaram à Europa 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata vindos da minha terra!... Espoliação?... Seria o mesmo que dizer que o capitalismo deslanchou graças à inundação da Europa pelos metais preciosos arrancados de minha terra!
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Vamos considerar que esse ouro e essa prata foram o primeiro de muitos empréstimos amigáveis que fizemos à Europa. Prefiro crer que nós, índios, fizemos um empréstimo a vocês, europeus. Ao comemorar o quinto centenário desse empréstimo, nos perguntamos se vocês usaram racional e responsavelmente os fundos que lhes adiantamos. Lamentamos dizer que não. Vocês dilapidaram esse dinheiro em armadas invencíveis, terceiros reichs e outras formas de extermínio mútuo. E acabaram ocupados pelas tropas da OTAN. Vocês foram incapazes de acabar com o capital e deixar de depender das matérias primas e da energia barata que arrancam do terceiro mundo. Por isso, meus senhores da Europa, eu, Guaicaipuro Cautémoc, me sinto obrigado a cobrar o empréstimo que tão generosamente lhes concedemos há 500 anos. E os juros. Queremos apenas a devolução dos metais preciosos, mais 10 por cento sobre 500 anos. Lamento dizer, mas a dívida europeia para conosco, índios, pesa mais que o planeta terra!... E vejam que calculamos isso em ouro e prata. Não consideramos o sangue derramado de nossos ancestrais! Sei que vocês não têm esse dinheiro, porque não souberam gerar riquezas com nosso generoso empréstimo! Mas há sempre uma saída: entreguem-nos a Europa inteira, como primeira prestação de sua dívida histórica! (Disponível em: Acesso em: 6 dez. 2008.)
Atividades 1.
O conflito entre indígenas e portugueses se deu em vários campos. Os principais são: biótico, ecológico e econômico social. Explique cada um deles.
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2.
Quais foram as medida tomadas pela Coroa Portuguesa para a proteção da “nova terra”? terra”?
3.
Na sua opinião o livro didático pode distorcer muitos fatos da História do Brasil, principalmente do Brasil Colônia?
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Gabarito 1.
Orientação: no campo biótico os portugueses trouxeram consigo várias patologias que eram desconhecidas pelos indígenas como o sarampo, escorbuto, gripe, varíola etc. Essas doenças causaram grandes epidemias e chegaram a devastar tribos inteiras. A inserção do açúcar, trazida pelos europeus e consumida pelos indígenas, fez com que os indígenas tivessem cárie e morressem por causa disso. No campo ecológico, os portugueses devastaram florestas inteiras para extrair o pau-brasil (madeira de coloração avermelhada que era utilizada para tingir roupas na Europa e para construir naus).
2.
Orientação: os primeiros “soldados” chegaram ao Brasil com o governador-geral Tomé de Souza em 1548 com o intuito de controlar os domínios da Coroa Portuguesa. Desta forma, o regimento de 1548 estipulava o recrutamento entre os moradores que auxiliariam os soldados. Outra iniciativa tomada pela Coroa Portuguesa foi armar a população das colônias. O “alvará das armas” de 1569 tornava obrigatória a posse de armas pelos homens livres. Na tentativa de organizar esses homens que auxiliavam os soldados, foi criado pela Coroa o Regimento Geral das Ordenanças de 1570. O serviço das ordenanças organizava a população segundo o corte social existente.
3.
Orientação: sim, pois os livros didáticos por muito tempo expressaram os valores da classe dominante e a função principal era destruir a ideia de que todos fazem a história e sim apenas alguns privilegiados que pertenciam às elites de um determinado momento histórico.
O enfrentamento dos mundos A chegada do europeu na “Ilha Brasil” Para os indígenas a chegada do europeu foi algo extremamente danoso. Havia uma curiosidade muito grande em torno de quem eram aqueles homens que vieram do mar. Será que eram deuses? Eram pacíficos ou ferozes? Eram amigos ou inimigos? Na concepção mítica dos indígenas os europeus podiam ser enviados do deus Sol – Maíra. Assim provavelmente, provavelment e, eram pessoas generosas. Isto porque, na cultura indígena tudo era de todos, não havia na tribo quem mandava ou explorava seus semelhantes. O indígena não obedecia ordens. Inclusive para o índio seria muito estranho, até mesmo engraçado, alguém lhe dizer o que deve fazer e como fazer. fazer. Na tribo indígena todos desempenham uma função e todos elas são importantes. Há o respeito mútuo e eles se reconhecem como indivíduos onto-societários, ou seja, seres coletivos que não vivem apenas para sanarem as suas vicissitudes, e sim para atender as necessidades do grupo (ausência do individualismo exacerbado). O indígena parece pertencer a dimensões diferentes concomitantemente concomitantemente,, ou seja, o mundo espiritual e físico. Para o indígena as coisas materiais estão concatenadas à esfera espiritual. É como se fosse uma extensão desta última. Sabe-se que o mito e as crenças são formas fantásticas de explicação da realidade, isto posto, podemos entender a crença dos indígenas em espíritos da natureza. Os indígenas interagem a todo momento com a natureza e perscrutam os seus mistérios. Por este motivo, acreditam que no mundo natural há uma força mágica e invisível que rege com perfeição e harmonia tudo o que existe. Podemos observar que a mitologia indígena é composta pelo deus Sol, espírito das águas, espírito das florestas, espírito dos animais etc. O mais interessante nisso tudo é que há uma interação direta entre o indígena e essas forças.
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O cacique, o homem mais velho da tribo, é considerado sábio e, por este motivo, representa uma espécie de energúmeno1 que recebe os ensinamentos dos espíritos. Ele empresta o seu corpo para que esses espíritos o utilizem para a cura, conselhos e rituais. É relevante dizer que o cacique é bastante respeitado, no entanto, não é o líder maior da tribo que manda em tudo e em todos ou que explora seus semelhantes. Ele tem a sua função como sábio e conselheiro. Quando havia alguma cizânia entre membros da tribo, o cacique tentava apaziguar a situação por intermédio de seus conselhos e assim resolver o prélio. Entretanto, muitas vezes, os indígenas ignoravam as palavras do velho conselheiro e resolviam as suas querelas sozinhos. Portanto, podemos perceber que não há alguém que manda ou que seja mais importante em uma tribo indígena e sim uma verdadeira comunidade onde todos desempenham sua função em favor do grupo. A maioria das pessoas lembra das antigas cartilhas e livros escolares que mostravam o europeu como um herói e o indígena como selvagem. As ilustrações dos livros didáticos mostram os europeus muito bem vestidos, bonitos e limpos descendo de suas naus e os indígenas nus, confusos como crianças assustadas assistindo a cena. A história dominante omitiu por muito tempo fatos importantes e reais que iremos discutir agora. A viagem em naus de Portugal ao Brasil demorava muitos meses e os alimentos eram escassos, desta forma, não havia comida nem água para todos. Os banhos eram raros, posto que, o costume de tomar banho diariamente herdamos dos indígenas e não dos europeus. Dentro das naus não havia um local específico para a higiene pessoal e nem para as necessidades fisiológicas. Assim, os portugueses deviam jogar no mar as fezes e urina. Por causa da alimentação precária e da falta de higiene muitos homens adoeciam antes de chegar na “Ilha Brasil”. A principal doença era o escorbuto que tem como primeiros sintomas hemorragias nas gengivas, inchaço, dores nas articulações, feridas que não cicatrizam e pouca segurança na fixação dos dentes. É provocada por carências graves de vitamina C na dieta. Essa d oença, muitas vezes, obrigava os companheiros do enfermo cortar-lhe a língua para minorar o sofrimento que ele passava. Você, caro leitor, pode imaginar como esses homens desceram de suas naus aqui na “Ilha Brasil”? Será que as ilustrações mostram a verdade? Vejamos uma ilustração muito utilizada em livros didáticos:
Oscar Pereira da Silva. Desembarque de Cabral em Porto Seguro. Museu Paulista, SP.
1 Energúmeno: palavra que significa fanático, possesso.
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Agora sabemos que essa representação não revela plenamente a realidade, pois de acordo com as situações vividas pelos portugueses durante a longa viagem, seria impossível que eles se apresentassem da forma que a ilustração mostra. Os portugueses desceram de suas naus sujos, fétidos, pois não faziam a higiene básica pessoal; doentes, magros, com barbas longas e, por causa do escorbuto, muitas vezes com as línguas cortadas, a gengiva sangrando e sem dentes. Agora temos um cenário em nossa mente digno de que qualquer filme de terror. Não é à toa que os indígenas temeram esse aspecto animalesco dos portugueses assim que os viram. Por outro lado, os portugueses assim que avistaram os indígenas ficaram deslumbrados com a beleza dos corpos dos mesmos. Agora, caro leitor, se você soubesse dessa verdade e sua professora do ensino fundamental pedisse para você representar a chegada dos portugueses ao Brasil quem você gostaria de ser: o indígena ou o português?
Fontes oficiais Ao estudarmos a história temos que analisar minuciosamente as fontes deixadas e perscrutarmos o que foi dito e o que está nas entrelinhas. Quando trabalhamos com documentos oficiais a interpretação precisa ser ainda mais cuidadosa A análise de fontes oficiais foi considerada pela historiografia, durante um longo período, praticamente a única fonte válida para o historiador. Criticada profundamente a partir da década de 1980 pelo papel que a análise destas fontes cumpria (o de resgatar a realidade social apenas do ponto de vista dos protagonistas que ditavam as normas e as regras advindas do Estado/governo, não dando visibilidade aos sujeitos comuns), esta documentação passa a ser menos visitada pelos historiadores que buscam novos temas, novas abordagens. 2 Por outro lado, a historiografia que resgata a história do Brasil tem sido escrita por grupos dominantes e neste sentido precisa ser lida com muita criticidade, posto que é extremamente tendenciosa. Essas fontes são “encharcadas” de patriotismo e feitos heroicos e, obviamente, têm características extremamente positivistas3 (dados, nomes, inexistência de uma narração processual – história linear etc.).
2 “Inúmeros textos tratam destas questões, possibilitando, inclusive, uma nova distinção entre a historiografia francesa e a inglesa. Enquanto na historiografia francesa é mais comum encontrarmos abordagens cujos fundamentos se encontram na antropologia, a historiografia inglesa, representada aqui por E.P. Thompson, resgata a experiência enquanto construção da história e, neste sentido, aproxima-se de Marx, para o qual são as ações dos indivíduo que constroem a história.” LE GOFF, Jacques, História e Memória, São Paulo: Ed. UNICAMP, 1990 3 Pode-se qualificar como traços do ‘espírito positivo’: o apego ao documento (‘pas de document, pas d’histoire’), o esforço obsessivo em separar o falso do verdadeiro; o medo de se enganar sobre as fontes; a dúvida metódica, que muitas vezes se torna sistemática e impede a interpretação; o culto do fato histórico, que é dado, ’bruto’, nos documentos. (REIS, 1996)
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A chegada do portugueses no Brasil foi analisada pelos historiadores por meio da carta de Pero Vaz de Caminha. 4 Se lermos a carta sem fazer uma análise imanente/crítica, podemos ratificar preconceitos como: os portugueses trouxeram a civilização para os indígenas; os indígenas eram ingênuos e não sabiam apreciar as coisas boas que os portugueses deram a eles como vinho e pão etc. Assim seria feita uma interpretação superficial e errônea que confirmaria o etnocentrismo, ou melhor, o eurocentrismo (supervalorização da cultura europeia em detrimento das outras culturas, neste caso, a cultura indígena). Vamos analisar partes da carta de Pero Vaz de Caminha:
A Carta, de Pero Vaz de Caminha5 Senhor, posto que o Capitão-mor desta Vossa frota, e assim os outros capitães escrevam a Vossa Alteza a notícia do achamento desta Vossa terra nova, que se agora nesta navegação achou, não deixarei de também dar disso minha conta a Vossa Alteza, assim como eu melhor puder, ainda que – para o bem contar e falar – o saiba pior que todos fazer! [...] E assim seguimos nosso caminho, por este mar de longo, até que terça-feira das Oitavas de Páscoa, que foram 21 dias de abril, topamos alguns sinais de terra, estando da dita Ilha – segundo os pilotos diziam, obra de 660 ou 670 léguas – os quais eram muita quantidade de ervas compridas, a que os mareantes chamam botelho, e assim mesmo outras a que dão o nome de rabo-de-asno. E quarta-feira seguinte, pela manhã, topamos aves a que chamam furabuchos. Neste mesmo dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra! A saber, primeiramente de um grande monte, muito alto e redondo; e de outras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes ar voredos; ao qual monte alto o capitão pôs o nome de O Monte Pascoal e à terra A Terra de Vera Cruz! [...]
Carta de Pero Vaz de Caminha.
E dali avistamos homens que andavam pela praia, uns sete ou oito, segundo disseram os navios pequenos que chegaram primeiro. Então lançamos fora os batéis e esquifes. E logo vieram todos os capitães das naus a esta nau do Capitão-mor. E ali falaram. E o Capitão mandou em terra a Nicolau Coelho para ver aquele rio. E tanto que ele começou a ir-se para lá, acudiram pela praia homens aos dois e aos três, de maneira que, quando o batel chegou à boca do rio, já lá estavam dezoito ou vinte. Pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Traziam arcos nas mãos, e suas setas. Vinham todos rijamente em direção ao batel. E Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os depuseram. Mas não pôde
4 Pouco se sabe sobre a vida de Pero Vaz de Caminha. Sabe-se ao certo que ele era filho de Vasco Fernandes de Caminha, cavaleiro do duque de Bragança e que provavelmente ele nasceu na cidade do Porto. Casou-se com dona Catarina e dessa união nasceu a filha Isabel. Em 1476 substitui o pai na função de mestre da balança da Casa da Moeda. Logo depois dedicou-se ao comércio e, em seguida, é designado escrivão da feitoria de Calicute, na Índia, de onde segue com Cabral, em 1500, a caminho do Brasil. Nessa viagem escreve a carta de nascimento do Brasil ao rei Dom Manuel, datada de 1° de maio de 1500. Essa carta, considerada o mais importante documento relativo ao descobrimento do Brasil, ficou guardada nos arquivos da Torre do Tombo por mais de três séculos, sendo divulgada pela primeira vez em 1817, no livro Corografia Brasileira, escrito pelo padre Aires do Casal. Ainda em 1500, Caminha segue com Cabral para a Índia e morre, no dia 15/12/1500, durante um assalto dos mouros à feitoria de Calicute. (http://www.mundocultural.com.br/index.asp? Acesso em: 24 dez. 2007) 5 Edição de base: Carta a El Rei D. Manuel, Dominus, São Paulo, 1963.
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deles haver fala nem entendimento que aproveitasse, por o mar quebrar na costa. Somente arremessou-lhe um barrete vermelho e uma carapuça de linho que levava na cabeça, e um sombreiro preto. E um deles lhe arremessou um sombreiro de penas de ave, compridas, com uma copazinha de penas vermelhas e pardas, como de papagaio. E outro lhe deu um ramal grande de continhas brancas, miúdas que querem parecer de aljôfar, as quais peças creio que o Capitão manda a Vossa Alteza. E com isto se volveu às naus por ser tarde e não poder haver deles mais fala, por causa do mar. [...] A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Nem fazem mais caso de encobrir ou deixar de encobrir suas vergonhas do que de mostrar a cara. Acerca disso são de grande inocência. Ambos traziam o beiço de baixo furado e metido nele um osso verdadeiro, de comprimento de uma mão travessa, e da grossura de um fuso de algodão, agudo na ponta como um furador. Metem-nos pela parte de dentro do beiço; e a parte que lhes fica entre o beiço e os dentes é feita a modo de roque de xadrez. E trazem-no ali encaixado de sorte que não os magoa, nem lhes põe estorvo estor vo no falar, nem no comer e beber. Os cabelos deles são corredios. E andavam tosquiados, de tosquia alta antes do que sobre-pente, de boa grandeza, rapados todavia por cima das orelhas. E um deles trazia por baixo da solapa, de fonte a fonte, na parte detrás, uma espécie de cabeleira, de penas de ave amarela, que seria do comprimento de um coto, mui basta e mui cerrada, que lhe cobria o toutiço e as orelhas. E andava pegada aos c abelos, pena por pena, com uma confeição branda como, de maneira tal que a cabeleira era mui redonda e mui basta, e mui igual, i gual, e não fazia míngua mais lavagem para a levantar. O Capitão, quando eles vieram, estava sentado em uma cadeira, aos pés uma alcatifa por estrado; e bem vestido, com um colar de ouro, mui grande, ao pescoço. E Sancho de Tovar, Tovar, e Simão de Miranda, e Nicolau Coelho, e Aires Corrêa, e nós outros que aqui na nau com ele íamos, í amos, sentados no chão, nessa alcatifa. Acenderam-se tochas. E eles entraram. Mas nem sinal de cortesia cor tesia fizeram, nem de falar ao Capitão; nem a alguém. Todavia um deles fitou o colar do Capitão, e começou a fazer acenos com a mão em direção à terra, e depois para o colar, como se quisesse dizer-nos que havia ouro na terra. E também olhou para um castiçal de prata e assim mesmo acenava para a terra e novamente para o castiçal, como se lá também houvesse prata! Mostraram-lhes um papagaio pardo que o Capitão traz consigo; tomaram-no logo na mão e acenaram para a terra, como se os houvesse ali. Mostraram-lhes um carneiro; não fizeram caso dele. Mostraram-lhes uma galinha; quase tiveram medo dela, e não lhe queriam pôr a mão. Depois lhe pegaram, mas como espantados. Deram-lhes ali de comer: pão e peixe cozido, confeitos, fartéis, mel, figos passados. Não quiseram comer daquilo quase nada; e se provavam alguma coisa, logo a lançavam fora. Trouxeram-lhes Troux eram-lhes vinho em uma taça; mal lhe puseram a boca; não gostaram dele nada, nem quiseram mais. Trouxeram-lhes água em uma albarrada, provaram cada um o seu bochecho, mas não beberam; apenas lavaram as boTrouxeram-lhes cas e lançaram-na fora. Viu um deles umas contas de rosário, brancas; fez sinal que lhas dessem, e folgou muito com elas, e lançou-as ao pescoço; e depois tirou-as e meteu-as em volta do braço, e acenava para a terra e novamente para as contas e para o colar do Capitão, como se dariam ouro por aquilo. Beijo as mãos de Vossa Alteza. Deste Porto Seguro, da Vossa Ilha de Vera Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500. Pero Vaz de Caminha.
Se analisarmos criticamente esse pequeno trecho da carta de Pero Vaz de Caminha poderemos perceber que a preocupação máxima dos portugueses era encontrar ouro na “nova terra”. Os indígenas são retratados na carta como seres que não têm vergonha e desconhecem as normas de cortesia. É muito interessante quando Pero Vaz de Caminha diz que os indígenas mostraram-lhes um papagaio pardo que o Capitão trazia consigo; e tomaram-no logo na mão e acenaram para a terra, como se os houvesse ali. Ora, se não fizermos uma análise imanente desta fala não iremos compreender o porquê do papagaio. Segundo a crença europeia a existência de papagaios em algum lugar
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confirmava que ali tinha ouro, e é por este motivo que Caminha faz questão de falar dos papagaios em várias partes da carta. Outra parte intrigante da carta é que os indígenas não aceitaram os alimentos que os portugueses lhes ofereceram: Deram-lhes ali de comer: pão e peixe cozido, confeitos, fartéis, mel, figos passados. Não quiseram comer daquilo quase nada; e se provavam alguma coisa, logo a lançavam fora. Trouxeram-lhes Troux eram-lhes vinho em uma taça; mal lhe puseram a boca; não gostaram dele nada, nem quiseram mais. Trouxeram-lhes água em uma albarrada, provaram cada um o seu bochecho, mas não beberam; apenas lavaram as boTrouxeram-lhes cas e lançaram-na fora. (PERO VAZ DE CAMINHA)
Muitas pessoas quando leem esta parte da carta acham realmente que os indígenas não sabiam apreciar as coisas boas. No entanto, hoje sabe-se que os indígenas cuspiram esses alimentos, porque estavam estragados, posto que, estavam muitos meses dentro das naus e não puderam ser conservados. Nesta aula discutimos o choque cultural entre portugueses e indígenas assim que os portugueses chegaram ao Brasil. Certamente que a chegada dos portugueses ao Brasil foi para o indígena algo terrível, pois tribos inteiras foram devastadas, podemos afirmar sem dúvida nenhuma que a conquista do Brasil simboliza um verdadeiro genocídio dos povos que já viviam na “Ilha Brasil”. Brasil”.
Texto compleme complementar ntar O preconceito secreto (LOPES, 2008)
Faz parte das culturas humanas a existência de pré-noções que filtram o olhar das pessoas. Isto permite chamar as coisas pelos nomes que as sociedades convencionaram como os adequados. Ver objetos e situações suscita igualmente a formação de ideias. Estas juntam o que se vê ao que antes havia consolidado na mente humana no que se refere ao que se está contemplando. Estes elementos formam a consciência, no que tange às suas relações com o mundo externo. Em algumas situações, as pré-noções transformam-se em preconceitos, no sentido do turvamento negativo da compreensão do que está se observando. Quando isto ocorre, a visão das pessoas não considera as características do que é visto como o mais significativo. Ao contrário, a percepção prévia, isto é, o preconceito é o que manda, pouco importando o que está na frente do observador. Alguns indícios presumíveis, a partir da óptica do preconceito, são suficientes para que se teça toda uma explicação. A cor de uma pessoa, por exemplo, pode indicar sua culpabilidade a priori . Os objetos e situações observadas servem, apenas, como estímulo para reforçar as ideias acreditadas previamente. Nem toda a pré-noção é um preconceito preconceito,, apesar da origem similar destas expressões idiomáticas relativas ao modo como os seres humanos veem o
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mundo e a si próprios. A maior parte das primeiras são construções desenvolvidas em todas as culturas, aperfeiçoadas e repassadas de geração em geração. Há quem chame isto de protótipos de percepção, que equivaleria a um complexo mecanismo cognitivo que permite reconhecer objetos e situações e desenvolver, a partir disto, os comportamentos que seriam mais adequados. São preconceitos, quando ocorre o turvamento citado. Quando se vê um carro em corrida desabalada e se é urbano, treinado para o perigo do trânsito, procura-se, quase instintivamente, alguma proteção. Os protótipos de percepção indicam como agir em várias situações, bem como em inúmeras inter faces dos indivíduos com a vida social. Desde criança, aprende-se a conviver com a vida dos homens e a natureza, de acordo com as pré-noções adquiridas, que estão sempre em processo de mutação. Elas podem ser ou não preconceituosas. Os preconceitos implicam implicam a negação do real observado ou a sua substituição por uma imagem distorcida. Por isto, eles estão no campo das ideologias que permeiam as culturas. As culturas têm fortes elementos ideológicos, por mais que não possam ser integralmente confundidas com as ideologias políticas, religiosas e sociais em vigor. Os preconceitos têm, por isso, esta dupla origem: estão vinculados às visões de mundo compartilhadas contextualmente e, ao mesmo tempo, provêm do lastro histórico-cultural de cada sociedade. As culturas humanas abrangem as pré-noções acumuladas imemorialmente sobre qualquer atividade e concepção humana, incluindo, portanto, os saberes e fazeres de todos os povos e suas interconexões civilizatórias. Fazem parte das mesmas, os preconceitos de época. Estes são tipos de pré-noções singulares que podem ser vivas ou letárgicas [...]
Atividades 1.
Explique o choque cultural entre indígenas e europeus.
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2.
Por que os livros didáticos precisam ser analisados de uma forma crítica, principalmente, quando usam ilustrações que mostram os portugueses como heróis descendo de suas naus e os indígenas como selvagens?
3.
Faça uma análise crítica do trecho a seguir da carta de Pero Vaz de Caminha: [...] Pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Traziam arcos nas mãos, e suas setas. Vinham todos rijamente em direção ao batel. E Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os depuseram. Mas não pôde deles haver fala nem entendimento que aproveitasse, por o mar quebrar na costa. Somente arremessou-lhe um barrete vermelho e uma carapuça de linho que levava na cabeça, e um sombreiro preto. E um deles lhe arremessou um sombreiro de penas de ave, compridas, com uma copazinha de penas vermelhas e pardas, como de papagaio. E outro lhe deu um ramal grande de continhas brancas, miúdas que querem parecer de aljôfar, as quais peças creio que o Capitão manda a Vossa Alteza. E com isto se volveu às naus por ser tarde e não poder haver deles mais fala, por causa do mar [...]
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Gabarito 1.
Orientação: o aluno deverá explicar especificidades, qual era a visão qu e os europeus tiveram dos indígenas e vice-versa.
2.
Orientação: o aluno deverá contextualizar essa representação com a realidade da conquista do Brasil que foi discutida nesta aula.
3.
Orientação: o aluno deverá interpretar esse trecho e contextualizá-lo. Mostrar o preconceito que existe nas palavras de Caminha concernente aos indígenas.
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Composição étnica do Brasil Os brasilíndios Uma das características mais difundidas e evidentes do Brasil é sua pluralidade étnica. Contudo esta particularidade que identifica o povo brasileiro não era fator de concordância no período de ocupação e expansão do domínio português no território brasileiro, até porque a formação de um povo brasileiro se deveu à fusão paulatina dos elementos culturais do branco europeu, dos povos nativos do Brasil e dos povos africanos. Um gênero humano muito importante na constituição do Brasil é obra dos brasilíndios ou mamelucos – denominação de Darcy Ribeiro para caracterizar os filhos gerados por pais brancos, de maioria portuguesa, com mulheres índias – que expandiram o domínio português na América. A miscigenação se difundiu mais na região que compreende São Paulo, devido à carência de recursos materiais. São Paulo se constituía de uma pequena vila alçada no planalto, e isso motivou os portugueses à buscar alternativas econômicas como o apresamento de índios, que estreitou o contato com os povos nativos. Os portugueses buscavam no interior, adentrando nas matas a “mercadoria” que estava ao seu alcance, os índios, para seu próprio uso e para venda, eram um enorme contingente nativo, que deveriam suprir as necessidades dos colonizadores, e que eram renovados em pouco tempo, pois o trabalho forçado limitava a vida útil nas atividades que lhes eram designadas; índios que abriam roças, caçavam, pescavam, cozinhavam, produziam todos os alimentos que necessitavam, além de carregar as peças de carga nas incursões de captura de seus pares. A miscigenação fez com que os filhos desta nova relação geradora dos brasilíndios seguissem os passos dos colonizadores, avançando para regiões mais longínquas em busca de tribos escravizáveis, que se tornavam cada vez mais escassas nas proximidades costeiras. Para isso os portugueses contavam com brasilíndios e índios cativos para organizar grupos imensos que se deslocavam a pé, descalços nas bandeiras ou remando as canoas nas monções: A expansão para oeste não encontrou resistência de outros poderes coloniais. A exploração do interior ficou entregue a bandos de portugueses armados, que iam para oeste capturar índios e procurar metais preciosos. Esses bandeirantes, cujas expedições partiam originalmente da região litorânea da atual cidade de São Paulo, foram os primeiros exploradores do Brasil interior e tornaram-se heróis de muito folclore e mitificação pela elite paulista do século XX. (SKIDMORE, 2000, p. 26)
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Os bandeirantes sondavam o caminho, procurando aldeias indígenas ou missões de padres jesuítas que utilizavam vastos suprimentos de mão de obra indígena para trabalhar nos ranchos por eles dirigidos, os jesuítas ajudaram a subjugar os povos nativos e estabelecer a religião cristã, além de estabelecerem uma forma padrão de linguagem tupi que inicialmente era mais falada do que o próprio português. Os brasilíndios foram chamados de mamelucos pelos jesuítas espanhóis que ficavam horrorizados com a brutalidade que eles – os mamelucos – investiam na captura e trato dos nativos, grupo o qual tinham ligação, contudo negavam identificação. Os jesuítas espanhóis fizeram tal relação com a gênese do termo, que se referia ao grupo de escravos que os árabes, no oriente, tomavam para que os servissem como criados obedientes: Seriam janízaros, se prometessem fazer-se ágeis cavaleiros de guerra, ou xipaios, se covardes e ser vissem melhor para policiais e espiões. Castrados, serviam como eunucos nos haréns, senão tivessem outro mérito. Mas podiam alcançar a alta condição de mameluco se revelassem talento para o mando e a suserania islâmica sobre a gente de que foram tirados. (RIBEIRO, 2000, p. 107)
Tal denominação demonstra também o ressentimento dos jesuítas espanhóis que tinham suas missões no território espanhol assaltadas pelos bandeirantes paulistas, que utilizavam o conhecimento milenar dos nativos associada à resistência dos brasilíndios. Os brasilíndios ou mamelucos acabaram sofrendo duas rejeições. A dos pais com o qual queriam se identificar, mas eram vistos como impuros (quando do sexo masculino, aproveitavam-nos para o trabalho braçal, desprezado pelos europeus e, quando adultos eram integrados às bandeiras, em que muitos deles conseguiam “prosperar”). Outra rejeição se dava pelo lado materno, pois pela cultura indígena quem nasce era filho do pai, ficando a mãe incumbida de gerar a criança, deste modo o filho era rejeitado, o mameluco se via numa terra de ninguém, diante deste mosaico estava se constituindo uma identidade nova e brasileira. Utilizavam uma língua comum, o tupi, tinham sua própria visão de mundo, dominavam uma tecnologia apropriada a sua condição de vida rústica e adaptação à floresta tropical. A expansão portuguesa somada às praticas econômicas que utilizavam os nativos como mão de obra e até como “produto”, resultou em exploração e recursos e dos povos indígenas; a difusão do bandeirantismo associada a uma imagem heroica e desbravadora, sobrepondo-se às suas investidas predatórias; contudo a construção de um elemento importante e novo para a compreensão da nossa própria identidade, os brasilíndios.
Os afro-brasileiros A verdadeira imigração ilegal Francisco Adolfo Varnhagen (1816-1878) era amigo pessoal de D. Pedro II e escreveu a primeira obra historiográfica brasileira (1854), tormando-se, portanto, o fundador da história do Brasil com posições explícitas: sua obra História Geral do Brasil defendeu um Brasil português, pois, segundo Varnhagen, os portugueses tiveram a missão divina de “civilizar” a nação brasileira o grande mal que ocorreu foi a
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presença negra. Além disso, exaltou a repressão das revoltas que ocorreram em território brasileiro e idolatrou a figura de D. Pedro II. Gilberto de Mello Freyre (1900-1987), autor de Casa Grande & Senzala, fez um reelogio à colonização e justificou a conquista e ocupação portuguesa do Brasil. Não lastimou a presença negra; os negros, segundo ele, só vieram ao Brasil, pois, os indígenas eram preguiçosos e, diferente deles, os negros trabalhavam felizes. Para Freyre, no Brasil inexistia o racismo. 1 A população de origem africana tem sua presença marcada no Brasil desde a primeira metade do século XVI, já na década de 1530, os portugueses aperceberam que a população indígena não poderia fornecer mão de obra suficiente para a coleta da madeira brasileira e o cultivo da cana-de-açúcar por um período prolongado, eles se voltaram para a obtenção de escravos da África ocidental: Os africanos que eram capturados e enviados ao Brasil colonial vinham de diversas regiões da África central e do sudoeste. Essas regiões abrigavam amplas diferenças linguísticas e culturais, trazendo muitas diferentes tradições africanas. Essas diferenças podem ainda ser percebidas, por exemplo, nas variações de práticas religiosas afro-brasileiras no Brasil atual. No século XVII a fonte principal eram de Angola e o Congo; no século XVIII eram da Costa de Mina e a Enseada de Benin. (SKIDMORE, 2000, p. 33)
Tendo em vista a diversidade linguística e cultural dos contingentes introduzidos no Brasil, os colonizadores valiam-se das diferenças étnicas e em alguns casos da hostilidade originada na África, que algumas tribos nutriam, para dificultar a formação de núcleos solidários entre os africanos, pois em um primeiro momento as diferenças particulares os desagregavam, porém a condição de escravos e a motivação por liberdade pode identificar e unir qualquer grupo humano, e assim foi. Era comum a mistura entre diversos grupos africanos no momento do transporte por meio dos navios negreiros ou tumbeiros, a fim de diluir os grupos considerados “perigosos” ou mais resistentes. O mesmo ocorria quando eram trazidos para as fazendas de cana no Brasil. Apesar das circunstâncias tão adversas, foram logo assimilando a língua com a qual os capatazes gritavam as ordens, utilizado esta ferramenta para comunicar-se entre si. Além de fator unificador, acabaram conseguindo difundir a língua portuguesa pelo Brasil, e como é de se esperar introduzindo elementos africanos que se somaram às incorporações indígenas de outrora. O aportuguesamento linguístico no Brasil e a influência cultural variada se concentraram nas áreas onde as populações africanas estavam mais presentes, que foram o nordeste açucareiro e as zonas de mineração mais ao centro do Brasil.
Um negócio chamado escravidão O tráfico de escravos tornou-se uma indústria muito rentável, atividade que trazia imensos lucros para a metrópole portuguesa, ao contrário do apresamento de índios que ocorria sem intermediação de Portugal. Os índios utilizados na área de cultivo de cana no Nordeste escasseavam-se conforme morriam de doenças contagiosas e maus-tratos, os portugueses então capturavam novos índios para manter a produtividade, mas a captura de índios nas proximidades litorâneas tornava-se dificultosa, pois era necessário que se adentrasse cada vez mais em direção ao interior em busca de novas tribos, além de terem que entrar em contato com tribos arredias. 1 Gilberto Freyre sustentava a existência de uma democracia racial no Brasil; assim, pregava a inexistência do preconceito e das diferenças étnicas.
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Em 1580 os portugueses importavam mais de dois mil escravos africanos por ano para trabalhar nas plantações de açúcar do Nordeste brasileiro, número crescente até 1850. Dados assustadores se pararmos para pensar que esta imigração acontecia de forma extremamente violenta desde a captura dos integrantes de tribos africanas diversas, até sua chegada ao Brasil, condição que piorava com o t rabalho forçado somado a requintes de crueldade que eram vistos como disciplinadores. Essa era a lógica do escravismo, que fora gerado por meio da violência, e que só conseguia se manter utilizando-se da vigilância intensiva e da punição ostensiva: Apresado aos quinze anos em sua terra, como se fosse uma caça apanhada em uma armadilha, ele era arrastado pelo pombeiro – mercador africano de escravos – para a praia onde seria resgatado em troca de tabaco, aguardente e bugigangas. Dali partia em comboios, pescoço atado a pescoço com outros negros, numa corda puxada até o porto e o tumbeiro.2 Metido no navio, era deitado no meio de cem outros para ocupar, por meios e meio, o exíguo espaço do seu tamanho, mal comendo, mal cagando ali mesmo, no meio da fedentina mais hedionda. Escapando vivo à travessia, caia no outro mercado, no lado de cá, onde era examinado como um cavalo magro. Avaliado pelos dentes, pela grossura dos tornozelos e dos punhos era arrematado. (RIBEIRO, 2000, p. 119)
Os africanos assim como os índios resistiam à opressão de seus senhores de diversas maneiras. Utilizavam-se da sabotagem, quebrando os equipamentos da produção, alguns indivíduos ao se verem longe de sua terra, sem família, em um ambiente estranho e hostil, acabavam cometendo o suicídio, muitas mulheres para não gerar filhos que herdariam a escravidão e indiferenças provocavam o aborto. Mesmo com toda a vigilância os trabalhadores em regime de escravidão também escapavam para o interior, alguns grupos formavam comuni- Quilombo – Espaço Professor Itaboraí Velasco do Nascimento. dades subsistentes composta por escravos fugidos, nos chamados quilombos.
. z u r C y e l l s e W e o i l ú J s e d e p í r u E
O quilombo mais famoso foi o assentamento fortificado de Palmares, localizado no atual estado de Alagoas, que sobreviveu por décadas, incomodando as autoridades que viam neste tipo de comunidade uma ameaça e incentivo à fuga de novos escravos. Os quilombos se tornaram um importante elemento de resistência à opressão: Os quilombos, ou seja, estabelecimentos de negros que escapavam da escravidão pela fuga e recompunham no Brasil formas de organização social semelhantes às africanas, existiam às centenas no Brasil colonial. Palmares – uma rede de povoados situada em uma região situada em uma região que hoje corresponde em parte ao estado de Alagoas, com vários milhares de habitantes... Formado no início do século XVII, resistiu aos ataques de portugueses e holandeses por quase cem anos, vindo a sucumbir, em 1695, às tropas sob o comando de Domingos Jorge Velho. (FAUSTO, 2001, p. 52)
As formas de resistência dos africanos e afro-brasileiros não conseguiram colocar fim imediato à exploração compulsória do trabalho escravo, contudo as manifestações individuais logo resultaram em organizações coletivas de luta que gestaram a destruição do próprio sistema que os subjugou. A nós que recebemos várias heranças como a diversidade étnica, a pluralidade cultural, e o exemplo de resistência, também temos o rastro da escravidão e intolerância. Cabe a nós utilizarmos os elementos que acharmos convenientes e continuar construindo a nossa história: 2 Nome dado aos navios que transportavam os escravos. Recebiam esta denominação pelo alto índice de mortalidade entre os ocupantes que eram trazidos em péssimas condições.
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A mais terrível de nossas heranças é esta de levar sempre conosco a cicatriz de torturador impressa na alma e pronta a explodir na brutalidade racista e classista. Ela que i ncandesce, ainda hoje, em tanta autoridade brasileira predisposta a torturar, seviciar e machucar os pobres que lhes caem às mãos. Ela, porém, provocando crescente indignação nos dará forças, amanhã, para conter os processos e criar aqui uma sociedade solidária. (RIBEIRO, 2000, p. 120)
Texto complementar Colônias de povoamento e exploração (KARNAL, 1990)
Uma das mais tradicionais “verdades didáticas” [...] descreve colônias de exploração e colônias de povoamento. As colônias de exploração, é claro, seriam as ibéricas. Como diz o nome, as áreas colonizadas por Portugal e Espanha existiriam apenas para enriquecer as metrópoles. Nesse tipo de colônia, as pessoas sairiam da Europa apenas para enriquecer e voltar ao país de origem. [...] O oposto das colônias de exploração seriam as de povoamento. Para essas, as pessoas iriam não para enriquecer e voltar, mas para morar na nova terra. Logo, sua atitude não seria predatória, mas preocupada com o desenvolvimento local. Isso explicaria o grande desenvolvimento de áreas anglo-saxônicas, como os EUA e o Canadá [...] Vamos aos fatos. [...] A colonização ibérica foi, em quase todos os sentidos, mais organizada, plane jada e metódica do que a anglo-saxônica. [...] Na verdade, só podemos falar em projeto colonial nas áreas portuguesa e espanhola. Só nelas houve preocupação constante e sistemática quanto às questões da América. [...] Portugal e Espanha mandavam para a América, na época da conquista, alguns de seus membros mais ilustres e preparados. [...] Nem de longe podemos afirmar que semelhante fenômeno tenha ocorrido na fase da conquista da América inglesa. [...] A solidez das cidades coloniais espanholas, seus traçados urbanos e suas pesadas cosntruções não são harmônicas com um projeto de exploração imediata. As pessoas que falam desses “ideais” de enriquecimento fácil parecem imaginar que um espanhol cobiçoso embarcava num avião em Sevilha e, ho ras depois, desembarcava na América. [...] A ideia tradicional de um grupo seleto de colonos ingleses altamente instruídos e com capitais abundantes é uma generalização incorreta. [...] Nesse grande contingente, embrião do que seriam os EUA, misturam-se inúmeros tipos de colonos: aventureiros, órfãos, membros de seitas religiosas, mulheres sem posses, crianças raptadas, negros africanos, degredados, comerciantes e nobres.
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Atividades 1.
Faça uma síntese do que seriam os chamados brasilíndios.
2.
Qual era a tese defendida por Varnhagen?
3.
Explique o trecho a seguir: “O tráfico de escravos se tornou uma indústria muito rentável, atividade que trazia imensos lucros para a metrópole portuguesa, ao contrário do apresamento de índios que ocorria sem intermediação de Portugal”.
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Gabarito 1.
Orientação: o aluno deverá explicar que os brasilíndios eram os filhos de portugueses com índias e, por este motivo, não eram aceitos por nenhum desses grupos, ou seja, eles não eram reconhecidos como brancos europeus nem como índios. Assim, eles procuraram uma identidade – o brasileiro.
2.
Orientação: segundo Varnhagen, os portugueses tiveram a missão divina de “civilizar” a nação brasileira e o grande mal que ocorreu foi a presença negra. Além disso, exaltou a repressão das revoltas que ocorreram em território brasileiro e idolatrou a figura de D. Pedro II.
3.
Orientação: os índios utilizados na área de cultivo de cana no Nordeste escasseavam-se conforme morriam de doenças contagiosas e maus-tratos, os portugueses então capturavam novos índios para manter a produtividade, mas a captura de índios nas proximidades litorâneas tornava-se dificultosa, pois era necessário que se adentrasse cada vez mais em direção ao interior em busca de novas tribos, além de terem que entrar em contato com tribos arredias.
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Os neobrasileiros Que país é esse? O brasilíndio como o afro-brasileiro existiam numa terra de ninguém, etnicamente falando, e é a partir dessa carência essencial, para livrar-se da ninguendade de não índios, não europeus e não negros, que eles se veem forçados a criar a sua própria identidade étnica: a brasileira. (RIBEIRO, 2000, p. 131)
Se fôssemos definir o termo brasileiro com base em qualquer dicionário, teríamos uma breve referência como se tratando de uma pessoa natural ou habitante do Brasil, contudo, temos uma problemática, porque os habitantes originais do território que conhecemos como Brasil, nem sequer reconhecia esse nome como legítimo. Os nativos, assim como os africanos, trazidos à força, identificavam-se com a etnia de que eram oriundos; os filhos de portugueses nascidos no Brasil denominavam-se luso-brasileiros, estabelecendo relação direta com a metrópole. Portanto, a formação de um povo brasileiro seria construída inicialmente a partir do contato conflituoso desses três elementos. O primeiro brasileiro a se entender como tal foi o mameluco, esse brasilíndio, mestiço na carne e culturalmente, não podia se identificar com seus ancestrais nativos, que o rejeitavam, nem com sua matriz portuguesa, que o desprezava. Logo suas características, a língua tupi, sua visão de mundo, o domínio da tecnologia apropriada à sua condição de vida rústica e adaptação à floresta tropical, estavam desenvolvendo um novo gênero humano: o brasileiro, elemento que receberia gradativamente contribuição dos africanos e afro-brasileiros. O que daria em parte a identificação aos novos brasileiros seria a expansão dos núcleos populacionais, que liberou parte da população das atividades de subsistência, incorporando atividades especializadas e o sistema produtivo que se integraria à economia mundial. Por um longo período, os núcleos populacionais coloniais neobrasileiros exibiam uma aparência com predominância de traços indígenas sobrepondo-se às características negras ou europeias, além dos costumes: modo como moravam, comiam e se comunicavam. O tupi cumpre inicialmente a função de língua de comunicação dos portugueses com os nativos, introduzida pelos jesuítas objetivando a “civilização” deles, tornando-se posteriormente a língua materna dos mamelucos.
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A difusão da língua portuguesa como língua predominante no Brasil só se fez evidente no decorrer do século XVIII, nas áreas onde a economia era mais dinâmica e o emprego de escravos africanos era utilizado em larga escala, como na região Nordeste e mais ao centro do Brasil. O fato de a língua portuguesa ter se difundido de maneira mais rápida está intrinsecamente ligado à presença do elemento africano que fora obrigado a executar os trabalhos nas fazendas, minas ou em atividades de ganho nos núcleos populacionais, sob o mando de senhores ou capatazes que utilizavam a língua portuguesa, esta sobrepondo-se aos diversos dialetos falados pelos escravos que eram trazidos de d iferentes localidades da África. A associação da nova língua não foi incorporada integralmente, ao passo que as influências indígenas foram sendo implementadas e a contribuição africana também foi acrescentada, pois termos de origem africana e tupi se fazem presentes até hoje. Havia inclusive uma denominação diferenciada entre os escravos de origem africana de acordo com sua intimidade com a língua portuguesa: Só através de um esforço ingente e continuado, o negro escravo iria reconstruindo suas virtualidades de ser cultural pelo convívio de africanos de diversas procedências com a gente da terra. Previamente incorporado à protoetnia brasileira, que o iniciaria num corpo de novas compreensões mais amplo e mais satisfatório. O negro transita, assim, da condição de boçal – preso ainda à cultura autóctone e só capaz de estabelecer uma comunicação primária com os demais integrantes do novo contorno social – à condição de ladino – já mais integrado à nova sociedade e à nova cultura. Esse negro boçal , que ainda não falava o português ou só falava um português muito trôpego, era entretanto perfeitamente capaz de desempenhar as tarefas mais pesadas e ordinárias na divisão do trabalho do engenho ou da mina. (RIBEIRO, 2000, p. 116)
Os africanos, mesmo tendo que se adaptar ao ambiente estranho, à imposição linguística, ao modo de produção e de tecnologia local, esforçaram-se, mesmo contrariando os colonizadores, para preservar seus saberes milenares, suas crenças, a culinária e suas influências rítmicas e musicais. Dessa forma, uma nova identidade estava sendo construída, uma cultura de retalhos, e o Brasil foi se configurando, a partir de milhões de pessoas desencontradas, fundindo-as geneticamente e culturalmente: Um persistente esforço de sua própria imagem e consciência como correspondentes a uma entidade étnico-cultural nova, é que surge, pouco a pouco, e ganha a brasilianidade. É bem que ela só tenha se fixado quando a sociedade local se enriqueceu, com contribuições maciças de descendentes dos contingentes africanos, já totalmente desafricanizados pela mó aculturativa da escravidão. Esses mulatos ou eram brasileiros ou não eram nada, já que a identificação com o índio, com o africano ou com o brasilíndio era impossível. Além de propagar o português como língua corrente, esses mulatos somados aos mamelucos, formaram logo a maioria da população que passaria, mesmo contra sua vontade, a ser vista e tida como a gente brasileira. (RIBEIRO, 2000, p. 128)
O reconhecimento como brasileiros parte mais pela estranheza relacionada ao povo português do que com sua identificação como membro de uma nova comunidade sociocultural. De um novo povo, feito de grupos milenares e somado às diferenças, surge a originalidade brasileira. Com tanta diversidade, grupos subjugados e repressão, não é fácil compreender como um país extenso e com tantos conflitos manteve-se unificado e não se fragmentou, como a América colonial espanhola, que originou diversos países que, em sua maioria, se formou por meio de revoltas locais. Será que o nosso país é realmente harmonioso? Podemos perceber que os movimentos de resistência marcaram a história do Brasil, mas a repressão e o comando político e administrativo, regado a muita violência, foram elementos importantes para a concentração do Brasil e exclusividade da exploração de Portugal.
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O mito da democracia racial A historiografia brasileira expressou a necessidade de se buscar uma identidade para o Brasil, no entanto, essa identidade foi delineada, na maioria das vezes, pela óptica eurocêntrica. Tais concepções integram um tipo de historiografia que perpassa, desde os primeiros autores que resgatam a história do Brasil, até por volta da década de 1950, constituindo-se assim nossa “história oficial”. Tal historiografia é muito difundida ainda hoje. O alemão Karl Phillip Von Martius, cuja monografia foi publicada em 1845, afirmou que a história do Brasil deveria se resumir em: exaltação da história de Portugal1; patriotismo, história do Brasil isenta de revoltas e resistências;2 indígenas deveriam ser retratados como perdedores e os negros como não pertencentes à formação étnica da nação brasileira e o Brasil deveria continuar como império português.3 Enfim, o Brasil monárquico, católico e branco, que não queria ser republicano. Por causa da relação entre as três matrizes étnicas: indígena, europeia e africana, criou-se um simulacro de que tal fusão tivesse gerado uma identidade nova, supostamente harmoniosa. Nasceu assim o “mito da democracia racial”. Segundo Gilberto Freyre (1947), o colonizador português tinha experiências anteriores à colonização do Brasil com povos mercadores, aproximando assim seus laços culturais e étnicos, “Os portugueses seriam menos preconceituosos que outros povos europeus concernente aos africanos, em parte por longa exposição de Portugal aos mouros de peles escuras que eram representantes de alta cultura” (SKIDMORE, 2000, p. 32). A teoria sobre a suposta democracia racial de Freyre sustenta que a desigualdade social no Brasil não se relaciona à discriminação racial, mas é resultado das diferenças de classe. Vejamos alguns pontos da tese defendida por Gilberto Freyre: ”[...] Como os negros brasileiros desfrutaram mobilidade social e oportunidades de expressão cultural, não desenvolveram uma consciência de serem negros da mesma forma que seus congêneres norte-americanos” (FREYRE, 1947, p. 154). Segundo Freyre, não havia uma definição clara do que era ser negro, já que a pessoa que não fosse aparentemente negra era considerada branca. Assim sendo, no Brasil, os negros estavam desaparecendo, sendo incorporados aos brancos. Portanto, como afirmou Freyre, a miscigenação era a possível solução contra o racismo. A teoria de Freyre foi questionada, anos depois, por um grupo de cientistas sociais. Estes demonstraram que no Brasil sempre houve discriminação em relação aos negros, mesmo que esse preconceito não tenha sido declarado abertamente, os negros de uma forma ou de outra acabam sendo segregados. Esses cientistas sociais demonstraram, através de dados precisos, que a grande maioria dos negros não ascendeu na escala social por causa da discriminação. 1 Conceito de predestinação; os portugueses são vistos, segundo essa concepção, como aqueles que vieram pregar a salvação para os povos pagãos e, dessa forma, trazer seus hábitos e costumes “civilizados”.
2 Descreveu um Brasil harmônico, livre de qualquer revolta ou resistência; uma espécie de “Éden” no mundo. 3 Ideia contrária das outras nações latino-americanas. A monarquia, para elas, era o sinal de atraso e exploração. O Brasil, em contrapartida, acreditava que só alcançaria seu desenvolvimento se continuasse monárquico.
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A discriminação do negro tornou-se evidente e constatada cientificamente, assim sendo, a democracia racial tornou-se um mito no Brasil. Ora, muitos não aceitaram essa nomenclatura – mito da democracia racial – e acusaram os cientistas de inventarem um problema racial que era inexistente na sociedade brasileira. Essa postura é explicável: a elite branca brasileira temia a conscientização e a formação de um movimento negro no Brasil. Os dados do censo oficial desde 1950, já demonstravam o mito da democracia racial no Brasil: [...] Estas estatísticas, por exemplo, classificam cerca de 25% como mulato e 11% como negra. Mas as estatísticas referentes ao atendimento escolar de nível primário revelaram uma distribuição dramaticamente adversa. Apenas 10% dos alunos eram mulatos e somente 4% negros. E nos estabelecimentos de nível secundário e superior o número de mulatos e negros era ainda menor, somente 4% dos estudantes das escolas secundárias eram mulatos e menos de 1% eram negros. Nas universidades, apenas 2% eram mulatos, e somente cerca de um quarto de 1% eram negros [...]. (COSTA, 1999, p. 369)
Assim posto, a discriminação racial sempre existiu na sociedade brasileira e o “mito da democracia racial” serviu para camuflar os problemas sociais reais existentes em nossa nação. Ora, tal realidade integra a estrutura do governo, e dadas as características ainda agrárias de nossa sociedade, configura-se a organização de um poder que adquire cada vez mais visibilidade no cenário político nacional. Assim, desde o momento em que se consolidava a aliança entre a burguesia agrária e o poder monárquico, até a ruptura, com a república, observa-se o movimento conservador de nosso desenvolvimento. Pois, desde o momento da Proclamação da República, consolida-se a dinâmica que vai se perpetuar nesse país: a aliança da burguesia com os militares para proceder às reformas “pelo alto”, isto é, isolando e controlando as forças sociais que, no caso brasileiro, advinham de um sistema escravocrata dos mais excludentes e em uma condição conjuntural de alterações drásticas em termos de sua mobilidade social, dada a recém extinção desse regime.
Texto complementar Miscigenação não leva à democracia racial, diz sociólogo Ronaldo Sales diz que mistura criou hierarquias de cor e que harmonia racial é aparente
(GLYCERIO, 2007)
De São Paulo – A miscigenação no Brasil não leva à democracia racial porque, na prática, não cria uma categoria homogênea de mestiços, mas, sim, uma hierarquia de subcategorias pela qual quanto mais perto um indivíduo estiver da “matriz branca”, maiores são suas chances de inclusão social, afirma o sociólogo Ronaldo Sales, da Fundação Joaquim Nabuco, de Recife. “A miscigenação não é construtora de homogeneidade, ao contrário do que alguns acreditaram durante décadas e uns ainda acreditam. Na verdade, você cria uma espécie de graduação de cor e de características físicas, e a partir disso você diferencia os grupos”, disse Sales, autor da polê-
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mica tese de doutorado “Raça e Justiça – O mito da democracia racial e o racismo institucional no fluxo de justiça”. Por outro lado, argumenta, o conceito de miscigenação no Brasil é usado para validar o mito da democracia racial, tirando dos movimentos negros os argumentos para denunciar o racismo. Mais do que isso: em uma sociedade em que, em tese, não existe raça, racistas são aqueles que falam do racismo. “É como se o movimento negro fosse racista porque traz o debate para a esfera pública”, disse o sociólogo à BBC Brasil [...].
Atividades 1.
Por que o chamado mameluco foi o primeiro brasileiro a se entender como tal?
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2.
Explique a afirmação: “O reconhecimento como brasileiros parte mais pela estranheza relacionada ao povo português do que com sua identificação como membro de uma nova comunidade sociocultural. De um novo povo, feito de grupos milenares e somado às diferenças, surge a originalidade brasileira”.
3.
Por que não podemos afirmar que o Brasil é um país harmonioso, ou seja, isento de conflitos?
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Gabarito 1.
Orientação: o mameluco não podia se identificar com seus ancestrais nativos, que o rejeitavam, nem com sua matriz portuguesa, que o desprezava. Logo suas características, a língua tupi, sua visão de mundo, o domínio da tecnologia apropriada a sua condição de vida rústica e adaptação à floresta tropical, estavam desenvolvendo um novo gênero humano: o brasileiro, elemento que receberia gradativamente contribuição dos africanos e afro-brasileiros.
2.
Orientação: o aluno deverá perceber que as matrizes étnicas que formam o povo brasileiro tentaram manter sua cultura. Essas especificidades culturais são dos portugueses, indígenas e africanos que formaram a cultura brasileira.
3.
Orientação: seria interessante viver em harmonia, contudo esse termo significa ausência de conflitos e como podemos perceber, conflitos eram e são abundantes até hoje no Brasil. Os movimentos de resistência marcaram a história do Brasil, mas a repressão e o comando político e administrativo, regado a muita violência, foram elementos importantes para a concentração do Brasil e exclusividade de exploração de Portugal.
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Cultura nacional e identidade A busca da identidade nacional na década de 1920 Nós temos que dar ao Brasil o que ele não tem e que por isso até agora não viveu, nós temos que dar uma alma ao Brasil e para isso todo sacrifício é grandioso, é sublime. E nos dá felicidade. Mário de Andrade
Esta aula pretende compreender o debate sobre a busca de uma suposta identidade cultural brasileira na década de 1920. O campo da cultura é ressaltado pois está intrinsecamente ligado às transformações políticas e sociais da época. Assim, muitas vezes, o discurso nacionalista utilizou-se, e ainda utiliza-se, de uma falsa unissonância cultural com o intuito de fazer com que os interesses de um grupo minoritário se tornem interesses de toda a nação. Os grupos de intelectuais modernistas propagaram, principalmente de 1920 a 1930, o ideário nacionalista que pretendia criar ou “redescobrir” as raízes e tradições brasileiras. Estes intelectuais, portanto, se “vestiram” da missão de dar uma identidade ao Brasil e o nacionalismo passou a ser o foco das discussões e das obras criadas pelos mesmos. Algumas pesquisas analisaram propostas específicas do movimento modernista. Entre essas pesquisas está a de Alexandre Ventura que, em sua dissertação de mestrado, discutiu o projeto do Brasil moderno que foi pensado pelos modernistas paulistas por meio de viagens por eles realizadas a Minas Gerais: “Meu trabalho sobre a viagem a Minas procura compreender o que era o ‘viver o moderno’ e o ‘ser moderno’ para aqueles intelectuais modernistas” (VENTURA, 2000, p. 14). Outro trabalho recente que traz a abordagem de um Brasil moderno é a dissertação de mestrado de Glaucia Ribeiro que fez uma análise da modernidade brasileira proposta pelo intelectual Antônio de Alcântara Machado, com enfoque na cidade de São Paulo, a partir das obras e viagens realizadas por este intelectual. O trabalho citado analisa principalmente a obra deste autor: Pathé-Baby . A análise desta
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obra literária explicou o projeto que o autor buscava: “Para expor seu projeto de modernidade, o autor fez algumas opções. Essas escolhas não foram aleatórias e expressavam, antes de tudo, a maneira como Alcântara Machado via a cidade” (LIMA, 2001, p. 19). Os trabalhos citados trazem importantes informações sobre o movimento modernista no Brasil. Esta aula apresenta a proposta do modernismo: o debate sobre uma suposta identidade cultural brasileira. Iremos discutir essa proposta por intermédio das correspondências de Carlos Drummond de Andrade e Mário de Andrade, dois intelectuais modernistas. Assim, a peculiaridade deste estudo é utilizar-se de cartas pessoais que trazem informações complexas sobre os interesses dos grupos de intelectuais modernistas, para analisar o projeto de nacionalismo, no âmbito cultural, pensado por eles. Esta aula será relevante ao mostrar, por intermédio das cartas que serão analisadas em suas especificidades, que no processo histórico o ideário de uma suposta identidade nacional, quase sempre, foi traçado por grupos minoritários que se utilizaram do saber, na maioria das vezes, como instrumento de poder e dominação, como é notado nas palavras de Drummond na carta do dia 22 de novembro de 1924: E por outro lado, estou quase a afirmar que uma certa classe de espíritos, de formação e educação nitidamente universalistas, tem solene direito de sobrepor as suas conveniências mentais às dessa mesma confusa e anônima cambada de bestas. Monstruoso? Será antes humano. Espero que não veja nessas palavras a intenção de criar uma oligarquia intelectual, ou qualquer coisa parecida com um clã ou um mandarinato das letras. Não. Estamos, se não me engano, em dias largamente democráticos, em que nenhuma aristocracia é possível, mesmo a da inteligência. Quis apenas justificar a posição em que se encontram muitas criaturas honestas, inteligentes e cultas, em face de apertado dilema: nacionalismo ou universalismo. O nacionalismo convém às massas, o universalismo convém às elites (repito: não se trata de clã). E se muitos dos que constituem as elites são inadaptáveis, por um vício de conformação íntima, à primeira solução, que podemos fazer senão aceitar esse vício, que em nada os desabona? (DRUMMOND DE ANDRADE, 2003, p. 60)
Ora, Carlos Drummond de Andrade deixa explícito que o debate sobre o nacionalismo e universalismo existia dentro dos grupos intelectuais e estes intelectuais eram, segundo Drummond: “Criaturas honestas, inteligentes e cultas” que discutiam as decisões que, segundo ele, o Brasil deveria tomar para fazer parte do “movimento universal”. Mesmo diante da negação de Drummond, tratava-se, indiscutivelmente, de um “mandarinato das letras”.
A configuração da nação Grupos minoritários, a partir da configuração do Estado moderno, criaram as tradições que deveriam identificar toda a nação. Assim, Benedict Anderson defende que as nações nada mais são que comunidades imaginadas, ou seja, dentro de um determinado território há criações culturais que procuram delinear uma “identidade própria” de uma determinada comunidade nacional. O argumento que Anderson utiliza para defender que as nações são comunidades imaginadas, é que: “Nem mesmo os membros das menores nações jamais conhecerão a maioria de seus compatriotas, nem os encontrarão, nem sequer ouvirão falar de sua comunhão” (ANDERSON, 1989, p. 14)1. Anderson mostra alguns dos processos que criaram as comunidades imaginadas da nacionalidade como: o capitalismo editorial que possibilitou o surgimento de línguas vernáculas em detrimento do 1 O campo da cultura, como parte integrante da filosofia nacionalista, permeia a obra de Anderson e ele afirma que o sentimento de nacionalidade – essa sensação pessoal e cultural de pertencer a uma nação – acaba como aspecto secundário nas discussões sobre o nacionalismo. A questão principal levantada por Anderson é: o que faz as pessoas amarem e morrerem pela nação, bem como odiarem e matarem em seu nome?
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latim; o nacionalismo oficial – crescimento do Estado-nação – como meio de sustentar um ideário dinástico para submeter as revoltas populares; a fatalidade de fazer parte de uma nação e a imagem de unissonância contida nos símbolos nacionais. O “nacionalismo oficial”, portanto: [...] foi, desde o início, uma política consciente, de autoproteção, intimamente ligada à preservação dos interesses dinástico-imperiais [...] O único traço característico desse estilo de nacionalismo era, e é, ser ele oficial – isto é, algo que emana do Estado e que, antes e acima de tudo, serve aos interesses do Estado. (ANDERSON, 1989, p. 174)
A história factual é herança deste “nacionalismo oficial” em que o Estado executa, desde o início, uma política consciente de proteção aos seus interesses. Desta maneira, os líderes nacionalistas, muitas vezes, são os que projetam sistemas civis, militares, culturais e educacionais em nome da nação. Estudar o debate sobre o processo de construção de uma possível identidade cultural nacional brasileira é relevante, porque permite a observação do que ainda está latente na nossa história, ou seja, negar uma história oficial tida como “verdade absoluta”; uma história executada por “heróis”, sem nenhuma participação popular, isenta de quaisquer resistências, que exalta a cultura europeia e subestima as culturas indígena e africana. No caso do Brasil foi só após a independência em 1822 que a classe intelectual, ligada a Dom Pedro I, começou estudar as possibilidades para a construção de um caráter nacional na ânsia de definir quais seriam nossas tradições e heróis. A intenção era dar uma “alma” ao Brasil para tornar a população coesa e o território centralizado na figura do imperador: Procuraram“a alma brasileira” nos primórdios da nossa história, no índio ainda não “contaminado” pelos europeus e idealizado como “o bom selvagem”, e, como não era possível ignorar o colonizador nem reconhecer a qualidade humana do negro, ainda escravizado, constituíram o mito da essência cabocla de nossa brasilidade. (ALVES, 1997, p. 97)
A história do Brasil e os livros didáticos A história do Brasil, narrada pelos livros didáticos, quase sempre, ratificou o ideário europeu: os portugueses eram os desbravadores; os “predestinados”, aqueles que vieram pregar a salvação aos povos, os “civilizados’’; o indígena foi representado como um selvagem, omisso e “incivilizado” e o negro2 não passava de uma “mercadoria”, assim, não possuía sentimentos e não resistia à escravidão, pelo contrário, o escravo foi visto desde o início como um ser estoico. 3 Ora, ninguém se identifica com o mais fraco, ninguém quer ser “incivilizado” ou omisso, esses arquétipos, construídos ao longo de nossa história, fazem com que a nação exclua da sua formação os indígenas e os negros e adote os modelos europeus: O livro didático é um importante veículo portador de um sistema de valores, de uma ideologia, de uma cultura. Várias pesquisas demonstraram como textos e ilustrações de obras didáticas transmitem estereótipos e valores dos grupos dominantes, generalizando temas, como família, criança, etnia, de acordo com os preceitos da sociedade branca burguesa. (BITTENCOURT, 2002, p. 72)
2 Somente após a abolição da escravidão no Brasil em 1888, é que o negro passou a ser visto como elemento componente na formação étnica brasileira. Entretanto, a ideologia racista afirmou que a miscigenação com os negros fez do Brasil um país omisso e estagnado em relação ao progresso. 3 Piratininga Jr., 1991. Esta obra analisa as justificativas preconceituosas para a escravidão do negro. Uma dessas justificativas ratifica a descendência dos negros com Cam, filho de Noé, que denunciou aos irmãos que o pai, depois de ter se embriagado com vinho, aparecera nu. Noé, ciente do comentário, amaldiçoou-o, desejando que ele se tornasse “escravo dos escravos de seus irmãos”. O termo estoico aparece para lembrar destas explicações para a escravidão, ou seja, o negro, segundo estas justificativas, deveria aceitar a exploração como destino.
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Os livros didáticos serviram como base deste nacionalismo oficial, pois eles vêm sendo ut ilizados na aprendizagem como principal instrumento de trabalho dos educadores e dos educandos desde o século XIX. E a história narrada e ilustrada por eles sustenta o caráter heroico e missionário dos europeus: As ilustrações mais comuns sobre o passado da nação foram reproduzidas, por desenhistas ou por fotógrafos, de quadros históricos produzidos no final do século XIX. Dessa galeria de arte que os livros didáticos foram os principais divulgadores, dois quadros têm sido os mais reproduzidos desde o início do século: o 7 de setembro de 1822, de Pedro Américo, e A Primeira Missa no Brasil, de Vitor Meirelles de Lima. (BITTENCOURT, 2002, p. 77)
O modernismo e a identidade brasileira A historiografia brasileira, desde os seus primórdios tentou construir uma identidade nacional brasileira delineada pelos moldes europeus trazidos pelos portugueses, desta forma, a comunidade brasileira imaginada deveria ser um reflexo de Portugal. A preocupação ao estudar o debate sobre a identidade nacional brasileira na década de 1920, de bate este proferido pela intelligentsia brasileira nesta época, é procurar entender o sentimento de nacionalidade pensado por um grupo de jovens intelectuais que, “deslumbrado” com o progresso capitalista na Europa e descontente com a posição em que o Brasil se encontrava ainda como um país predominantemente agrário, propôs um movimento modernista que reivindicava a ruptura com os modelos antigos, a autonomia nas artes e na literatura e o “redescobrimento” das raízes brasileiras. Não se trata de um estudo sobre xenofobia4, xenofilia5 ou antropofagia6; porém, é um estudo que visa entender como os intelectuais modernistas desta época discutiram o caráter nacional brasileiro: que nação idealizavam? Qual era a importância da língua na formação nacional brasileira, segundo eles? Quais eram os objetivos do projeto nacional de descoberta do Brasil7 pensado por esses intelectuais acerca das caravanas modernistas8? O modernismo, o próprio nome já denota rupturas e alterações na ordem estabelecida, foi gerado no seio de uma sociedade em transformação. Em 1922 ocorreu no Teatro Municipal a chamada Semana de Arte Moderna nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro que representou o descontentamento dos intelectuais e artistas modernistas com qualquer tipo de passadismo: “Do quadro emergem ideologias em conflito o tradicionalismo agrário ajusta-se mal à mente dos centros urbanos”. (BOSI, 1991, p. 340). Logo, o modernismo foi fomentado pelas transformações ocorridas na década de 1920: Nos países de extração colonial, as elites, na ânsia de superar o subdesenvolvimento que as sufoca, dão às vezes passos largos no sentido de atualização literária: o que, afinal, deixa ver um hiato ainda maior entre as bases materiais da nação e as manifestações culturais de alguns grupos. É verdade que esse hiato, coberto quase sempre de arrancos pessoais, modas e palavras, não logra ferir senão na epiderme aquelas condições, que ficam como estavam, a reclamar uma cultura mais enraizada e participante. E o sentimento do contraste leva a um espinhoso vaivém de universalismo e nacionalismo, com toda a sua sequela de dogmas e anátemas. (BOSI, 1991, p. 342)
4 Negação dos estrangeiros. 5 Admiração aos estrangeirismos. 6 Devorar as influências estrangeiras para não ser por elas devorado. 7 Viagem de descoberta do Brasil; termo utilizado por Oswald de Andrade na viagem a Minas Gerais no decorrer de 1924. 8 Viagens que os intelectuais paulistas como Oswald de Andrade, Mário de Andrade, René Thiollier etc. fizeram pelos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e interior de São Paulo.
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Assim, os modernistas exaltaram a velocidade, a máquina e a vida urbana como fatores de ruptura com o atraso agrário e buscaram um caráter “totalmente nacional” que possibilitasse ao Brasil a sua definitiva independência como nação. Na década de 1920 ocorreu uma busca eloquente para formar uma identidade nacional. O momento era propício, pois a Primeira Guerra Mundial tornou explícita a condição de desigualdade que segregava o Brasil dos países industrializados: Os efeitos das aceleradas transformações técnicas da Segunda Revolução Industrial se faziam sentir, nas sociedades pe riféricas, como uma intensificação do sentimento da distância em face do mundo desenvolvido, mas também no interesse pelas nossas especificidades. A crise do pós-guerra afetava de maneira distinta as partes avançadas e atrasadas do mundo, mas, em ambos os casos, colocava-se em questão o papel do Estado no interior das economias nacionais como elemento chave de onde se esperava a reorganização da economia e da sociedade [...] (LORENZO; COSTA, 1997, p. 8)
O sentimento nacional se tornou, desta forma, um instrumento de defesa utilizado pela elite intelectual modernista adepta das inovações industriais e culturais do período contra a república que tinha se instituído no Brasil desde 15 de novembro de 1889. Esta não atendia seus objetivos “modernizantes”; o Brasil deveria deixar de ser dependente dos outros países, para isso era necessário uma república forte, entretanto, a chamada Primeira República no Brasil foi marcada pela incapacidade administrativa. Certamente a frase: “Essa não é a República dos meus sonhos”, 9 foi confirmada pelo grupo intelectual modernista da década de 1920: Esterilizados pela sua acomodação, os políticos e os partidos que se assenhoravam da situação tornaram-se alvos de violentas críticas por parte dos grupos intelectuais. Censurava-se-lhes a inocuidade política, o vazio ideológico, a corrupção e sobretudo pela incapacidade técnica e administrativa que os caracterizava. Não há, praticamente, partidos políticos no sentido clássico do conceito e esse foi um dos traços mais notáveis da Primeira República, porque não se mantinham interesses rigorosamente conflitantes nos meios políticos entre os grupos que sobrenadavam à sociedade. Não que não houvesse oposição, os próprios intelectuais a representavam com a máxima substância, mas ela foi simplesmente varrida da vida pública e dos meios oficiais para a margem e a miséria, sob o estigma de antissocial e perniciosa. (SEVCENKO, 1995, p. 87)
Esta indignação contra a organização política brasileira da época pode ser notada nas palavras de Carlos Drummond de Andrade em carta enviada a Mário de Andrade no dia 22 de novembro de 1924: Acho o Brasil infecto. Perdoe o desabafo, que a você, inteligência clara, não causará escândalo. O Brasil não tem atmosfera mental; não tem literatura; não tem arte, tem apenas uns políticos muito vagabundos e razoavelmente imbecis ou velhacos [...] O que nós todos queremos (o que, pelo menos, imagino que todos queiram) é obrigar este velho e imoralíssimo Brasil dos nossos dias a incorporar-se ao movimento universal das ideias. Ou, como diz Manuel Bandeira, “enquadrar”, situar a vida nacional no ambiente universal, procurando o equilíbrio evidentemente difícil, dada a evidênci a da desproporção. (DRUMMOND DE ANDRADE, 2003, p. 56)
Drummond expressou todo o seu descaso ao Brasil, porém, é importante observar que este descrédito se encontrou, sobretudo, na atmosfera cultural. É como se o Brasil não tivesse história ou produção cultural autônoma. Carlos Carlos Drummond de Drummond, nesta mesma carta do dia 22 de novembro de 1924, negou o nacio- Andrade. nalismo e afirmou que a única saída para o Brasil seria inserir-se no ambiente universal:
9 “Já precocemente, na época do Governo Provisório, Lopes Trovão, um dos próceres da campanha republicana, proclamava a sua desilusão: ‘Essa não é a República dos meus sonhos’. Conspurcado pelas adesões maciças e disputas canhestras pelo poder e cargos rendosos, o novo regime esvaziara rapidamente os sonhos que os seus arautos acumularam ao longo de três décadas [...]” (SEVCENKO, 1995, p. 85).
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Eu tenho que convencer-me a mim mesmo antes de convencer aos outros que devemos repudiar a experiência europeia. Bem pesadas as coisas, duvido se haverá vantagem em sacrificar-se espiritualmente a uma cambada de bestas como é a quase totalidade dos nossos irmãos brasileiros [...] (DRUMMOND DE ANDRADE, 2003, p. 59)
O descrédito à organização política do país fez com que o nacionalismo começasse vir à tona, eis as questões principais levantadas na época: o Brasil não é verdadeiramente uma nação e assim não resistirá às potências europeias, o Brasil ainda é uma criança em formação que deve ser sustentada com altas doses de nacionalismo. Desta forma, o Brasil se apresentava como um país totalmente dependente das nações já industrializadas. Deveu-se a isto a deficiência política administrativa na Primeira República e a economia brasileira predominantemente agrária. O descontentamento diante da dependência do Brasil fez com que grupos intelectuais modernistas discutissem a existência de tradições tipicamente nacionais que permitiriam aos brasileiros se apossarem verdadeiramente do país. Além do grupo modernista de São Paulo surgem os grupos modernistas regionais. Deles faziam parte: Carlos Drummond de Andrade, João Alphonsus, Pedro Nava, Martins de Almeida, Augusto Meyer, Raul Bopp e Luís da Câmara Cascudo, para citar apenas alguns nomes. Todos estes intelectuais traziam consigo uma ideologia política diferente, no entanto, todos participaram do debate sobre a construção de uma identidade nacional para o Brasil: [...] a elite intelectual apresentou-se, em diferentes momentos, investida da missão de revelar a verdadeira face da nação e de traçar as suas linhas de força para o futuro. O credenciamento para a tarefa proviria de uma suposta qualificação para desvendar as regras de funcionamento do social e desse modo formular, a partir de dados e critérios objetivos, políticas de ação. Tal direito sempre lhe apareceu algo evidente, que dispensava qualquer tentativa de justificação. (LUCA, 1999, p. 19)
Tanto as cartas de Mário de Andrade quanto as de Carlos Drummond, trazem um debate importante: o nacional versus o universalismo. Mário de Andrade tentou convencer a Carlos Drummond que se sacrificar para dar uma identidade ao Brasil era fundamental; Drummond exaltou, explicitamente nas suas primeiras cartas, o universalismo e, diferente de Mário de Andrade, desconfiava de um caráter nacional brasileiro. Mário de Andrade fez um apelo a Drummond na carta do dia 10 de novembro de 1924: [...] Você é uma sólida inteligência e já muito bem mobiliada... à francesa. Com toda a abundância do meu coração eu lhe digo que isso é uma pena. Eu sofro com isso. Carlos, devote-se ao Brasil, junto comigo. Apesar de todo ceticismo, apesar de todo pessimismo e apesar de todo o século 19, seja ingênuo, seja bobo, mas acredite que um sacrifício é lindo. O natural da mocidade é crer e muitos moços não creem. Que horror! Veja os moços modernos da Alemanha, da Inglaterra, da França, dos Estados Unidos, de toda a parte: eles creem, Carlos, e talvez sem que o façam conscientemente, se sacrificam. Nós temos que dar ao Brasil o que ele não tem e que por isso até agora não viveu, nós temos que dar uma alma ao Brasil e para isso todo sacrifício é grandioso, é sublime [...] (ANDRADE, 2003, p. 50)
Em 1925, Carlos Drummond afirmou a Mário de Andrade que aceitava se sacrificar pelo Brasil, no entanto, não deixou totalmente suas concepções anteriores. Carlos Drummond defendia o universalismo e tinha uma concepção pessimista diante de uma suposta identidade nacional brasileira. Mário de Andrade, em contrapartida, alimentou um nacionalismo que chegou a ser exacerbado. O que deve ser destacado é que, mais uma vez, um grupo minoritário discutiu um caráter que identificasse toda a comunidade imaginada, pois embora os modernistas discordassem em alguns pontos, o objetivo era comum: dar uma “alma” ao Brasil.
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Texto complementar Belo Horizonte, 22 novembro 1924. Querido Mário de Andrade
Obrigadíssimo pela sua carta, que me encheu de alegria, sim, de viva alegria, embora não concorde com muitas coisas que você aí deixou. Mas o prazer é o mesmo, com ou sem discussão. É absolutamente raro, no Brasil, uma pessoa ser tão gentil e atenciosa como você foi comigo. Assim, não me arrependo de lhe haver mandado o meu artigo sobre o finado Anatole France. Ele promoveu uma aproximação intelectual que me é muito preciosa. Agradeço-lhe ainda uma vez, prezado Mário. Mas, afinal, você foi injusto comigo, supondo-me livresco. Você não gostou do meu artigo. Apoiado. Entretanto, o meu artigo vale pela coragem com que foi escrito, e que não é pequena em um meio, como este em que vivo, Carlos Drummond de cretiníssimo. Estas coisas lhe são estranhas, porque você vive bem longe desse Andrade. lugarejo chamado Belo Horizonte. Você preferia que eu “dissesse asneiras, injustiças, maldades, mas asneiras moças, injustiças moças, maldades moças que nunca fizeram mal a quem sofre delas”. Ora, eu creio que não fiz outra coisa, e nisto fui terrivelmente sincero. Como todos os rapazes da minha geração, devo imenso a Anatole France, que me ensinou a duvidar, a sorrir e a não ser exigente com a vida. Atacando-o, cometi sobretudo uma injustiça, e, em grau menor, uma asneira e uma perversidade. Fiz o que se chama uma “tolice da juventude”. Ainda bem! Reconheço alguns defeitos que aponta no meu espírito. Não sou ainda suficientemente brasileiro. Mas, às vezes, me pergunto se vale a pena sê-lo. Pessoalmente, acho lastimável essa história de nascer entre paisagens incultas e sob céus pouco civilizados. Tenho uma estima bem medíocre pelo panorama brasileiro. Sou um mau cidadão, confesso. É que nasci em Minas, quando devera nascer (não veja cabotinismo nesta confissão, peço-lhe!) em Paris. O meio em que vivo me é estranho: sou um exilado. E isto não acontece comigo, apenas: “Eu sou um exilado, tu és um exilado, ele é um exilado” Sabe de uma coisa? Acho o Brasil infecto. Perdoe o desabafo, que a você, inteligência clara, não causará escândalo. Carta escrita por Carlos Drummond de Andrade. (SANTIAGO, Silviano, FROTA, Lélia Coelho. Carlos e Mário. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi. 2003.)
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Cultura nacional e identidade
Atividades 1.
Explique o trecho abaixo: “Os grupos de intelectuais modernistas propagaram, principalmente de 1920 a 1930, o ideário nacionalista que pretendia criar ou“redescobrir” as raízes e tradições brasileiras. Estes intelectuais, portanto, se “vestiram” da missão de dar uma identidade ao Brasil e o nacionalismo passou a ser o foco das discussões e das obras criadas pelos mesmos”.
2.
Explique o trecho abaixo: “[...] no processo histórico o ideário de uma suposta identidade nacional, quase sempre, foi traçado por grupos minoritários que se utilizaram do saber, na maioria das vezes, como instrumento de poder e dominação”.
3.
O autor Benedict Anderson defendeu a tese de que as nações nada mais são que comunidades imaginadas, explique essa afirmação.
Cultura nacional e identidade
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Gabarito 1.
Orientação: o aluno deverá responder que os grupos intelectuais buscaram uma identidade nacional para o Brasil e mais uma vez a população ficou fora desse processo.
2.
Orientação: o aluno deverá responder que o saber é um grande instrumento de dominação. A elite brasileira sempre utilizou-se do saber para persuadir a população por intermédio da propagação de interesses individuais como se fossem coletivos.
3.
Orientação: grupos minoritários, a partir da configuração do Estado moderno, criaram as tradições que deveriam identificar toda a nação. Assim, Benedict Anderson defende que dentro de um determinado território há criações culturais que procuram delinear uma “identidade própria” de uma determinada comunidade nacional. O argumento que Anderson utiliza para defender que as nações são comunidades imaginadas, é que: “Nem mesmo os membros das menores nações jamais conhecerão a maioria de seus compatriotas, nem os encontrarão, nem sequer ouvirão falar de sua comunhão” (ANDERSON, 1989, p. 14).
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A intolerância gerada pelo etnocentrismo Nazismo: um breve relato Observando a trajetória humana é perceptível que uma das maiores dificuldades d os seres humanos é de se relacionar socialmente, sabemos que é necessário o convívio em grupo para a manutenção e desenvolvimento do mesmo, porém antagonicamente, sentimos a necessidade de nos isolar, abdicar de tudo aquilo que nos é imposto, criar algo que se adeque perfeitamente aos nossos anseios. Esse antagonismo deve-se ao fato de não nos identificarmos, ou não tentar compreender um outro indivíduo, mesmo que este pertença ao grupo étnico comum, e seja integrante da mesma unidade, a humana, as diferenças devem ser vistas como diversidade cultural e não como um determinado estágio de uma suposta evolução. Se dentro do mesmo grupo étnico encontramos dificuldades de convivência, temos a crer que a aversão se eleve, quando tratamos de culturas totalmente distintas, em que a organização social, dogmas religiosos e aspectos físicos, são totalmente diferentes. Um exemplo de aversão enlouquecida ao diferente foi o racismo nazista que massacrou milhares de pessoas no período da Segunda Guerra Mundial. O nazismo tentou justificar as dificuldades econômicas, políticas e sociais da Alemanha relacionando-as à presença indesejada do outro ( judeus, ciganos, homossexuais etc.). Durante o período de 1888 a 1918, em que o reinado estava sob o comando de Imperador Guilherme II, a Alemanha passava por um grande crescimento econômico, acompanhado de notáveis produções artísticas e científicas que contribuíram para o sentimento de superioridade nacional. O sentimento nacionalista foi construído devido à herança de ideais prussianos de obediência, que colocava o indivíduo como uma marionete do Estado. Tais ideais eram refletidos tanto na educação formal, nas escolas, quanto na educação informal, no núcleo familiar. No princípio essa disciplina era característica das famílias de classe média, porém estes conceitos acabaram sendo incorporados pelos proletários.
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A intolerância gerada pelo etnocentrismo
A influência sobre a população era camuflada pelo patriotismo, e gradualmente uma boa parte da população abdicava de participação política formal, o que colaborou para que os planos expansionistas e excludentes tomassem força na Alemanha. Em novembro de 1918, após o fim da monarquia na Alemanha, entrava em vigor o novo regime republicano encabeçado pelo Partido Social Democrata. Friedrich Ebert é eleito presidente da república em eleições indiretas pela Assembleia Nacional, e Philipp Sheidemann nomeado chanceler: este era o cenário político da Alemanha no final da Primeira Guerra Mundial. Os dirigentes alemães assinaram com o bloco formando pelos aliados (França, Rússia e Inglaterra) o Armistício de Compíegne. Dessa forma confirmava-se a derrota alemã na Primeira Guerra Mundial, porém o acordo não teve preocupação de poupar a população das agressões causadas pela guerra, mas sim poupar o exército alemão. Pouco depois assinava-se o Tratado de Versalhes em 28/05/1919, que impunha a Alemanha cláusulas que reduziam sua área territorial e arrasou com sua economia, seria então nesse contexto que se desenvolveria o nazismo: O tratado de Versalhes, que tinha 200 páginas e 440 artigos fez com que a Alemanha perdesse cerca de 13,5% de seu território potencial econômico e quase 10% de sua população; estabeleceu que o exército não poderia ter mais de 100 000 homens entre oficiais e soldados e a marinha ficaria com 15 000. Não haveria Escola de Guerra, ficando também proibida a conscrição militar. (RIBEIRO,1991, p. 18)
Nessas condições, em 1919 foi fundado o Partido dos Trabalhadores Alemães, que tinha como objetivo uma política antissemita, anticomunista e o não cumprimento do tratado de Versalhes. Em 1919, Adolf Hitler se filiou ao partido, alcançando a liderança em 1920, com sua influência alicerçada Hitler lançou as bases que transformou Partido dos Trabalhadores Alemães no Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei) originando NAZI da primeira palavra. Em meio a queda da produção, ao desemprego, a inflação e alto custo de vida, os nazistas tentaram tomar o poder por meio de golpe de Estado em 1923. A ocupação pela França da região do Ruhr elevou a crise, o número de desempregados chegou a cinco milhões de pessoas e a inflação desvalorizou assustadoramente a moeda corrente alemã. Em novembro de 1923 Hitler liderou o Putsch de Munique (golpe), a tentativa fracassou, assim Hitler e outros líderes do levante foram presos e condenados à cinco anos de prisão, porém Hitler cumpriu apenas oito meses de pena. Durante o período de reclusão ele iniciou a composição de Mein Kampf , cujo conteúdo da obra se resume em raça e terra e era considerada como um livro sagrado para os nazistas. Após a tentativa de golpe a popularidade do partido ficou abalada, porém, com a agudização da crise econômica, tornavam-se cada vez mais oportuno os discursos de Hitler, em que exortava a união do povo em uma “Grande Alemanha”, incentivando o nacionalismo por meio de discursos inflamados, mesclando conservadorismo com “revolução”, habilidade oportunista essencial para que o partido nazista ascendesse em meio a crise política, econômica e social. No ano de 1925 a direita tentava somar suas forças, e uniu-se em torno da candidatura do marechal Haidenburg, que foi eleito. A união dos grupos da direita deveu-se à crescente popularidade do comunismo na Europa, que a pouco tempo havia presenciado uma revolução na Rússia em 1917. A crise
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econômica só fazia por aumentar a luta de classes e a aproximação do povo aos ideais comunistas, desta forma o partido nazista se camuflava em torno de um socialismo hitlerista. Em cima dos palanques Hitler pregava a igualdade entre os alemães, mas por trás das cortinas demonstrava que os homens são iguais, só que uns mais iguais que outros. Hitler acreditava que aqueles que conhecem a “verdade” deveriam liderar, e aqueles que não têm capacidade para assimilar as ideias em sua complexidade devem apenas obedecer e serem leais ao seu senhor. A seguir percebemos esta ideia claramente: Sou socialista, mas de um gênero de socialismo diferente [...] Eu fui um trabalhador dos mais comuns. Não toleraria que meu motorista comesse pior do que eu. Mas a vossa variedade de socialismo é apenas marxismo. A massa dos trabalhadores quer apenas pão e divertimento. Jamais compreenderão o sentido de um ideal e não podemos ter a esperança de conquistá-los para uma causa. ( BURON; GAUCHGOU, 1980, p. 105-106)
Até a quebra da bolsa de Nova York em outubro de 1929, a Alemanha estava conseguindo se restabelecer graças ao incentivo econômico internacional, que foi interrompido pela crise mundial, provocando um novo colapso na economia alemã e favoreceu a ascensão do partido nazista. O governo mostrava-se incapaz de solucionar a crise, fato que contribuiu para a polarização das forças políticas e o fortalecimento dos partidos comunista e nazista, este último financiado por industriais e banqueiros que temiam o crescimento do comunismo. Nas eleições de 1930, os nazistas tiveram um crescimento considerável no parlamento, que aumentava a influência nazista no poder. Além de seduzir a população, os nazistas contavam com grupos paramilitares financiados por industriais, que reprimiam toda manifestação política contraria às suas ideias. A SA – Tropas de Choque – e a SS – Tropas de Assalto – chegaram a somar cerca de 400 mil homens. Com gradual ascensão política do nazismo, Hitler em período de grande influência exigiu o cargo de chanceler. Consumava-se então a ascensão do nazismo ao poder formal na Alemanha. Ao conquistar o poder o nazismo começa a mostrar suas garras mais despóticas. O primeiro passo foi dissolver o parlamento, mas para isso seria preciso uma justificativa. Os nazistas então incendiaram o Reichstag (parlamento) atribuindo a culpa aos comunistas. Conseguiram então um pretexto para implantar a ditadura nacional-socialista, dissolver sindicatos, cassar o direito de greve, fechar jornais de oposição, estabelecer censura à imprensa e implantar um terror por intermédio das tropas paramilitares SA, SS e Gestapo (Polícia Política) que perseguiam a oposição, judeus e diversos grupos considerados inferiores. Com a morte do presidente Hindenburg, Hitler assumiu o título de führer (guia), acumulando as funções de presidente e chanceler. Nessas condições anunciou ao mundo a fundação do III Reich (Terceiro Império) alemão. Posteriormente, com uma guinada na economia, Hitler via no Lebensraun (Espaço Vital – necessidade de expansão territorial) um fator necessário e legítimo para o crescimento da Alemanha. Esse foi um dos primeiros passos para a eclosão da Primeira Guerra Mundial. Até o momento esta aula procurou abordar, mesmo que brevemente, o contexto político, econômico e social que a Alemanha estava inserida na primeira metade do século XX. A seguir se discute as manobras utilizadas por Hitler para influenciar boa parte do povo alemão.
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A figura de Hitler Inicialmente iremos analisar o que a imagem de Hitler representava para o povo alemão. Hitler construiu a imagem de guia da nação, que simbolizava a ordem social e política. Em uma hierarquia o führer era o primeiro dos cidadãos e suas decisões deveriam ser obedecidas sem nenhuma contestação, pois ele era o representante de todo o povo, e seus desejos não eram apenas seus, mas a vontade do povo alemão. Desta forma Hitler passou a ser caracterizado como um salvador, o escolhido, a quem todos deveriam seguir e obedecer se quisessem se libertar, conquistar liberdade econômica e também afastar o comunismo e o judaísmo da Alemanha, para isso seria necessário unir o povo germânico e realizar uma “limpeza étnica”. Com essas atitudes Hitler conseguia um grande número de seguidores que se deixavam conduzir ao “final feliz”. Enfim, o redentor da nação, Hitler exaltava sua posição como se fosse um deus vivo (e todo deus que se preze merece uma série de rituais) criando assim um simbolismo em torno de sua imagem. Desta maneira Hitler afirmava sua posição de guia e fortalecia os vínculos de lealdade e amor para com ele. Dentro do misticismo nazista os gestos e símbolos tinham grande importância, pois seriam os vínculos constantes que afirmavam o nazismo. Entre estes ritos podemos citar o ato de esticar o braço direito acima do ombro com a mão espalmada, reverenciando o führer com a saudação Heil Hitler (Salve Hitler). Outro símbolo forte, era a suástica, considerado um símbolo mágico. Hitler justificava a utilização da suástica como símbolo da Alemanha nazista argumentando que ela representava a missão de lutar pelo triunfo do homem ariano: O símbolo mágico da suástica, de conhecida ancestralidade, uma espécie de cruz em movimento, sugere a energia, a luz, o caminho da perfeição [...], a cruz gramada portava um símbolo sexual que havia tomado, historicamente, diferentes significados; suas linhas demonstravam duas figuras enlaçadas, simulando um ato sexual – daí seu poder de excitação sobre as camadas profundas e inconscientes do psiquismo. (LENHARO, 1991, p. 40)
Outro elemento para incentivar a adesão das camadas populares a suas ideias deveu-se à propaganda nazista, a dirigida às massas e articulada de acordo com o sentimento das mesmas. A apelação sentimental era a preferida dos nazistas, por comover e ser de fácil assimilação, no entanto, propagandas que exigissem muita reflexão eram excluídas: Hitler considerava que há pelo menos dois pontos que merecem ser ressaltados, por sua importância: o primeiro diz respeito à própria visão de Hitler sobre o que veicular, levando em conta o que ele pensava sobre as condições médias do receptor a ser atingido. O segundo ponto diz respeito à técnica mesmo, que a níveis impressionantes de aproveitamento, tanto na etapa de preparação para o poder, quanto após sua conquista. A propaganda sempre deveria ser popular, dirigida às massas, desenvolvida de modo a levar em conta um nível de compreensão aos mais baixos. (LENHARO, 1991, p. 47)
Desta forma a propaganda interagia em um universo criado cheio de misticismo e ritos, os ingredientes perfeitos para que Hitler conseguisse o aval da maioria da população e os liderasse sem contestações.
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Texto complementar Nazismo (TERRA, 2008)
Regime político de caráter autoritário que se desenvolve na Alemanha durante as sucessivas crises da República de Weimar (1919-1933). Baseia-se na doutrina do nacional-socialismo, formulada por Adolf Hitler (1889-1945), que orienta o programa do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP). A essência da ideologia nazista encontra-se no livro de Hitler, Minha Luta (Mein Kampf). Nacionalista, defende o racismo e a superioridade da raça ariana; nega as instituições da democracia liberal e a revolução socialista; apoia o campesinato e o totalitarismo; e luta pelo expansionismo alemão. Ao final da Primeira Guerra Mundial, além de perder territórios para França, Polônia, Dinamarca e Bélgica, os alemães são obrigados pelo Tratado de Versalhes a pagar pesadas indenizações aos países vencedores. Essa penalidade faz crescer a dívida externa e compromete os investimentos internos, gerando falências, inflação e desemprego em massa. As tentativas frustradas de revolução socialista (1919, 1921 e 1923) e as sucessivas quedas de gabinetes de orientação social-democrata criam condições favoráveis ao surgimento e à expansão do nazismo no país. Utilizando-se de espetáculos de massa (comícios e desfiles) e dos meios de comunicação (jornais, revistas, rádio e cinema), o partido nazista consegue mobilizar a população por meio do apelo à ordem e ao revanchismo. Em 1933, Hitler chega ao poder pela via eleitoral, sendo nomeado primeiro-ministro com o apoio de nacionalistas, católicos e setores independentes. Com a morte do presidente Hindenburg (1934), Hitler torna-se chefe de governo (chanceler) e chefe de Estado (presidente). Interpreta o papel de führer, o guia do povo alemão, criando o 3.º Reich (Terceiro Império). Com poderes excepcionais, Hitler suprime todos os partidos políticos, exceto o nazista; dissolve os sindicatos; cassa o direito de greve; fecha os jornais de oposição e estabelece a censura à imprensa ; e, apoiando-se em organizações paramilitares, SA (guarda do Exército), SS ( guarda especial) e Gestapo (polícia política), implanta o terror com a perseguição aos judeus, dos sindicatos e dos políticos comunistas, socialistas e de outros partidos. O intervencionismo e a planificação econômica adotados por Hitler eliminam, no entanto, o desemprego e provocam o rápido desenvolvimento industrial, estimulando a indústria bélica e a edificação de obras públicas, além de impedir a retirada do capital estrangeiro do país. Esse crescimento deve-se em grande parte ao apoio dos grandes grupos alemães, como Krupp, Siemens e Bayer, a Adolf Hitler. Desrespeitando o Tratado de Versalhes, Hitler reinstitui o serviço militar obrigatório (1935), remilitariza o país e envia tanques e aviões para amparar as forças conservadoras do general Franco
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na Espanha, em 1936. Nesse mesmo ano, cria o Serviço para a Solução do Problema Judeu, sob a supervisão das SS, que se dedica ao extermínio sistemático dos judeus por meio da deportação para guetos ou campos de concentração. Anexa a Áustria (operação chamada, em alemão, de Anschluss) e a região dos Sudetos, na Tchecoslováquia (1938). Ao invadir a Polônia, em 1939, dá início à Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Terminado o conflito, instala-se na cidade alemã de Nuremberg um Tribunal Internacional para julgar os crimes de guerra cometidos pelos nazistas. Realizam-se 13 julgamentos entre 1945 e 1947. Juízes norte-americanos, britânicos, franceses e soviéticos, que representam as nações vitoriosas, condenam à morte 25 alemães, 20 à prisão perpétua e 97 a penas curtas de prisão. Absolvem 35 indiciados. Dos 21 principais líderes nazistas capturados, dez são executados por enforcamento em 16 de outubro de 1946. O marechal Hermann Goering suicida-se com veneno em sua cela, pouco antes do cumprimento da pena. (Disponível em: . Acesso em: 11 fev. 2008.)
Atividades 1.
Dê sua opinião sobre esse trecho:
Observando a trajetória humana é perceptível que uma das maiores dificuldades dos seres humanos é de se relacionar socialmente, sabemos que é necessário o convívio em grupo para a manutenção e desenvolvimento do mesmo, porém antagonicamente, sentimos a necessidade de nos isolar, abdicar tudo aquilo que nos é imposto, criar algo que se adeque perfeitamente aos nossos anseios. Esse antagonismo deve-se ao fato de não nos identificarmos, ou não tentar compreender um outro indivíduo, mesmo que este pertença ao grupo étnico comum, e seja integrante da mesma unidade, a humana, as diferenças devem ser vistas como diversidade cultural e não como um determinado estágio de uma suposta evolução.
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2.
Faça uma síntese sobre o nazismo.
3.
O que Hitler representava para o povo alemão?
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Gabarito 1.
Orientação: o aluno deverá responder que o ser humano, atualmente, tem dificuldade de se relacionar com outro, isto porque, o capitalismo representa o ápice do individualismo.
2.
Orientação: o aluno deverá contextualizar o período e o que representou o nazismo: a ascensão dos governos autoritários e totalitários, a intolerância com os estrangeiros – judeus – na Alemanha, o papel de Hitler como líder carismático e a baixa autoestima da Alemanha depois de sair derrotada da Primeira Guerra Mundial etc.
3.
Orientação: Hitler construiu a imagem de guia da nação, que simbolizava a ordem social e política. Em uma hierarquia o führer era o primeiro dos cidadãos, e suas decisões deveriam ser obedecidas sem nenhuma contestação, pois ele era o representante de todo o povo, e seus desejos não eram apenas seus, mas a vontade do povo alemão. Desta forma Hitler passou a ser caracterizado como um salvador, o escolhido a quem todos deveriam seguir e obedecer se quisessem se libertar, conquistar liberdade econômica e também afastar o comunismo e o judaísmo da Alemanha, para isso seria necessário unir o povo germânico e realizar uma “limpeza étnica”. Com essas atitudes Hitler conseguia um grande número de seguidores que se deixavam conduzir ao “final feliz”.
Subculturas Tribos urbanas Como exemplo de subcultura, iremos analisar um pouco do movimento punk e a gênese do movimento skinhead ; para isso, precisamos nos remeter à década de 1960 e analisar as transformações que estavam ocorrendo no âmbito conjuntural. Tais transformações abalaram conservadores e moralistas da sociedade; essa ruptura foi marcada por diversas modificações políticas, econômicas e sociais. Em meio a essas alterações conjunturais, começava-se a notar e distinguir-se das demais manifestações sociais grupos como skinheads e os punks, que estão intrinsecamente ligados por sua procedência operária. Em meio a tantos acontecimentos que marcaram a década de 1960, paulatinamente esse período tornou-se frustrante para os jovens de todo o mundo, devido às derrotas nas lutas políticas às quais muitos jovens estavam engajados, insatisfeitos com regimes ditatoriais e a política econômica adotada em diversos países: Nas suas andanças pelo mundo, Gabeira concluiu [...] aqui no Brasil. O objetivo direto era combater a ditadura militar e a meta para muitos, era o socialismo. Isso se vê nas palavras de ordem das passeatas. Na França, como se vê no episódio da ocupação da faculdade de Nanterre, estavam em jogo problemas ligados à ampliação das liberdades individuais, a ideia de que as moças deveriam ter acesso ao espaço dos rapazes [...] As palavras de ordem eram anarquistas, como “é proibido proibir” ou “a imaginação no poder” [...] Na Alemanha, onde 1968 foi forte, a característica era mais do que cultural – vinha dos fundos da sala de aula, se falava muito em uma “universidade crítica”, mais aberta, visava-se corrigir distorções na estrutura universitária, que vinham desde o nazismo. Nos Estados Unidos, 1968 colocava em marcha estudantes lutando contra a guerra do Vietnã, contra o militarismo, contra o racismo, e havia lutas das mulheres por mais liberdades, a questão dos hippies e outros grupos de jovens, sem falar do rock etc. (FAERMAN, 1998, p. 30)
Nesse período, a Inglaterra passava por uma crise econômica que abalou as estruturas internas do país, levando-o a modernizar sua indústria, procurando reverter o cenário caótico que estavam atravessando. Em meio a tantas modificações, o setor mais prejudicado foi o da classe operária, principalmente os jovens proletários que não conseguiam inserir-se no mercado de trabalho, dificultando assim seu meio de sobrevivência, que era essencialmente garantido pela venda de sua força de trabalho.
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Subculturas
A insatisfação dos jovens empobrecidos pela crise econômica resultou em diversas manifestações culturais, que geralmente eram representadas através da música, principalmente o rock, como o meio de protesto à situação que estavam enfrentando. Os skinheads destacaram-se pela vestimenta característica de operários por serem extremamente nacionalistas, e por sua atração pela violência, como fora notado, inicialmente, pela aproximação com os hooligans, espécie de torcida organizada que provocaram diversas confusões nos estádios ingleses durante a Copa do Mundo de 1966, realizada na Inglaterra. Nos anos 1970, os punks começaram a se destacar no cenário britânico utilizando vestimenta – “visual” – agressiva; a estética punk demonstrava a quebra dos padrões, procurando incomodar a passividade dos indivíduos, subvertendo a ordem social. Como já mencionamos, a Inglaterra atravessava uma crise econômica que, paulatinamente, se estendera pela década de 1970; dessa forma, os movimentos de resistência, representados pelos jovens proletários, tomavam força e difundiam ideias impulsionadas pela crise político-econômica, que se centrava na política neoliberal, como podemos perceber a seguir: [...] a segunda metade da década de 1970 foi marcada pela ascensão de Margareth Thatcher ao poder. Ao assumir o cargo de primeiro ministro, Thatcher procurou pôr em prática o “liberalismo econômico”, lançando um ataque vigoroso contra os sindicatos e as conquistas e benefícios proporcionados pela “democracia social”, apoiando-se, assim, num discurso conservador centrado em pontos como a defesa da autoridade, da ordem, da nação britânica e de suas tradições e valores. (COSTA, 2000, p. 32)
Os jovens, particularmente os de baixa renda, vão mostrar-se sensíveis a essa situação, enfrentando a dura realidade do desemprego, do ócio, da falta de perspectivas, do abandono do Estado, além das necessidades inerentes à condição juvenil, assim vão buscar um meio para canalizar sua revolta e desencanto. Um dos meios encontrados para canalizar as insatisfações foi manifestado pelo movimento punk , que demonstra sua crítica através da música, e gradualmente foi tomando força no decorrer dos anos 1970, tendo como precursora e principal representante a banda “Sex Pistols” liderada por Malcom McLaren. Este, também produtor da banda, percebeu a falta de perspectivas e o sentimento de descontentamento, fazendo com que o “ Sex Pistols” criasse um vínculo de identificação com os jovens através da música por ele veiculada: Nessa época, o empresário Malcom McLaren tirou partido desse clima social de desemprego, caos, niilismo, violência e amargura e lançou a banda “Sex Pistols”, que produziu uma verdadeira revolução no rock. A primeira apresentação ocorreu em novembro de 1975, e explosivamente, seus integrantes passaram a veicular uma crítica social violenta. Proclamando a anarquia e a luta contra o imperialismo e a sociedade de consumo, chocando a opinião pública por se expressarem violentamente através de palavrões, por agredirem-na com suas roupas negras, cheias de correntes e alfinetes, e por usarem a suástica nazista como símbolo da necessidade de destruição do sistema, dos falsos valores da liberdade da democracia. (COSTA, 2000, p. 33)
O cenário da crise, longe de ser passageiro, era intrínseco ao próprio sistema; percepção geradora de um pessimismo sem concessões. Cabe assinalar que o significado punk em inglês está associado a ideia de “coisa podre”, “abjeta”, ou ainda de “delinquente juvenil”. A intenção era trazer à tona todo lixo e mazelas produzidas pelo sistema, suas ruínas, provocando o máximo de impacto sobre a sociedade, demonstrando a ordem constituída através de pequenas transgressões, sobretudo no campo estético, simbólico e comportamental. Essa concepção está bem representada pela música de Gilberto Gil, “Punk da Periferia”. Consideremos este seguinte trecho:
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Das feridas que a pobreza cria eu sou o pus Sou o que de resto restaria dos urubus Pus por isso mesmo esse blusão carniça Fiz desse meu corpo esse make-up porcaria Quis trazer assim nossa desgraça à luz Sou um punk da periferia Sou da freguesia do Ó Ó, ó, ó, aqui prá você, sou da freguesia! [...] Transo lixo, curto porcaria, tenho dó Da esperança vã da minha tia, da vovó Esgotados os poderes da ciência Esgotada toda nossa paciência Eis que esta cidade é um esgoto só!
Nesse sentido, contrapondo-se ao estilo hippie, centrado na ideia de “paz e amor”, os jovens punks vão colocar, na ordem do dia, subversão da ordem social, tanto através da transgressão às normas sociais vigentes, quanto pela demonstração de uma violência simbólica, que procura incomodar a sólida passividade dos indivíduos. Contudo, se tal sentimento de revolta veiculado através desse novo estilo vai significar a possibilidade de expressão e divulgação da real condição de marginalização social à qual se viam submetidos milhares de jovens, também vai articular formas de diversão e lazer, sobretudo através da busca e vivência de novas sensações nos espaços urbanos. Portanto, podemos ressaltar que a manifestação punk não deve ser encarada exclusivamente como pura negatividade, na medida em que tal posicionamento representa um elemento importante na construção de uma identidade coletiva própria. O inconformismo frente ao cenário de caos e niilismo predominante vai sofrer os influxos dos conflitos existentes entre os diferentes grupos urbanos na Inglaterra, muitos de caráter marcadamente reacionário, como os skinheads e os hooligans. Diante desse fato, podemos perceber, naquele período, contradições visíveis que permeavam a atuação da juventude inglesa, em meio ao confronto entre valores tradicionais, contudo diferenciando-se em boa medida daqueles agrupamentos mais reacionários. Embora possamos encontrar grupos punks com forte influência nacionalista – próximas ao ideário skinhead – os punks irão adotar uma postura deliberadamente anarquista, contra o sistema.
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Essa aproximação da ideologia anarquista proporcionou uma paulatina intelectualização do grupo, que, por sua vez, corroborou uma crítica mais consistente com embasamento teórico, demonstrando compromisso não apenas de ressaltar os problemas reinantes na sociedade moderna, que tanto os incomodava e afetava, mas também de colaborar com propostas alternativas ampliando o leque de possibilidades de sociabilização e organização. A tendência de aproximação da teoria anarquista é observada no trabalho da jornalista Helena Salem: Nesse feixe de contradições, alguns punks também se intelectualizaram lendo clássicos da filosofia política anarquista, como Bakunin e Malatesta, defendendo o anarcosindicalismo e o anarquismo em geral, considerando-se apóstolos da contracultura. Eram anarcopunks, a vertente mais intelectualizada do movimento [...]. (SALEM, 1995, p. 40)
No Brasil, o movimento punk surgiu no final dos anos 1970, nos subúrbios de São Paulo e na região industrial do ABC, ou seja, a mesma base social proletária e marginalizada da ascendência britânica. O cenário econômico nacional vinha sofrendo uma desaceleração após o “milagre econômico” da ditadura militar brasileira, que caracterizou-se pelo extraordinário crescimento, e estendeu-se de 1969 a 1973, articulado com as taxas relativamente baixas da inflação. O impulso econômico deveu-se principalmente a empréstimos internacionais e o crescente investimento estrangeiro, principalmente da indústria automobilística e somado a esses elementos, a exportação que, diversificada entre produtos agrícolas e produtos industriais, ganharam espaço graças aos incentivos dados pelo governo. O período de grande entusiasmo econômico estava intrinsecamente articulado com o capital estrangeiro, proporcionando uma relação de excessiva dependência. Outro fator importante que tornou-se problemático, foi a necessidade, cada vez maior, de contar com produtos importados, sendo o mais importante o petróleo, a maior fonte de energia utilizada; porém, o elemento mais preocupante e falho da política nacional foi o descaso com o setor social que ficou à margem dos investimentos, houve uma desproporção enorme entre o avanço econômico e o incentivo a programas sociais, demonstrando a política do “capitalismo selvagem”. As contradições e desproporções foram chegando a limites inaceitáveis, e durante um período de crise conjuntural a tendência seria de agravamento das condições já precárias como podemos perceber: Durante os anos 1970, a economia capitalista passou por um sério período de retratação, agravamento pela elevação do preço do petróleo no mercado internacional. Essa situação afetou, sobretudo, os países situados na periferia do sistema capitalista, cuja economia subordina-se aos investimentos externos, à utilização de tecnologia estrangeira. [...] A recessão provocou a queda das exportações brasileiras e o aumento do preço dos importados necessários à continuidade da produção industrial. As vendas da indústria automobilística nacional, incluídas as exportações, caíram 23% no início de 1981. Várias empresas começaram a baixar a produção e demitir os empregados [...]. (RODRIGUES, 1992, p. 40-41)
Em meio à crise que se acentuava do decorrer dos anos 1980 no Brasil, a difusão do ideário punk tornava-se propícia, tendo em vista a marginalização dos jovens proletários, características semelhantes à dos jovens punks e skinheads ingleses. Inicialmente, as primeiras informações sobre os punks chegaram ao Brasil através de discos, de revistas especializadas, de jornal, enfim, da mídia em geral, no final da década de 1970, juntamente com as primeiras informações dos skinheads. O movimento punk se consolidou no cenário paulistano através da gravação do LP “O começo do fim do mundo” em referência ao festival de mesmo nome ocorrido no “SESC Fábrica Pompéia” em 1982. Dentro do movimento punk , que adentrava a década de 1980, começou a surgir rachas ideológicos em que se nota um descontentamento com a postura adotada por alguns adeptos do movimento. Entre esses rachas, surgem os skinheads brasileiros – denominando-se “carecas do subúrbio” – que pro-
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curavam dar uma conotação mais “séria” ao movimento, inicialmente ainda seguindo algumas características punk , porém adotando uma postura nacionalista e utilizando-se de um discurso antiburguês. Podemos perceber claramente as dissidências dentro do movimento punk : Os núcleos iniciais de “carecas do subúrbio” vão aparecer exatamente naquelas zonas da grande São Paulo que estavam envolvidas na famosa “guerra entre regiões”. Ao nível do discurso e através de ações e atitudes, começaram a construir o movimento “carecas do subúrbio” o qual se oporia àqueles que teriam “traído” a verdadeira identidade punk [...] os futuros carecas eram jovens pobres, proletarizados, e tinham que trabalhar para sobreviver, organizavam-se em gangues e autoafirmavam-se através da violência, estando mais próximos a muitas das características do punk no Brasil [...]. (COSTA, 2000, p. 70-71)
Texto complementar As tribos urbanas (SCHIO, 2008)
Rodeadas de códigos e normas, estudadas por sociólogos e psicólogos, mal-entendidas por muitos, crescendo e se multiplicando, mudando hábitos, costumes e práticas sociais, aí estão as tribos urbanas que podem ser caracterizadas como um fenômeno juvenil dos grandes centros e que, dia após dia, ampliam sua atuação e aumentam seus adeptos. Do que se trata? Estamos acostumados a ver jovens “normais” em nossas comunidades e/ou cidades. O máximo do diferente é alguém com um corte de cabelo não comum, ou com uma calça jeans toda rasgada, ou ainda, jovens com roupa de cor exótica e cheios de correntes, pulseiras, bótons, anéis etc. Isso não parece preocupar. No máximo, causa espanto e é motivo de gozação. Porém, por enquanto, essa atitude é característica de nossas cidades pequenas. Nos grandes centros urbanos (e o mundo se urbaniza cada vez mais), o diferente já se organiza, tem normas, leis, códigos, adeptos... Cedo ou tarde este fenômeno da juventude moderna chegará até nós. É importante que conheçamos as razões de tal fenômeno para sabermos agir diante dele. Punks, skinheads, rappers, white powers, clubbers, grunges, góticos, drag queens . Estes são apenas alguns grupamentos juvenis, chamados pelos sociólogos de “tribos urbanas”, encontrados diariamente nos grandes centros. As “drag queens”, tipo atualmente em destaque na mídia e considerado o mais exótico, são na verdade homens vestidos de mulher. Duas diferenças básicas as diferenciam dos travestis: não se prostituem nem modelam seus corpos com silicone ou hormônios. Ser drag significa dar vida a um personagem. Eles se preocupam com a moda, possuem uma linguagem específica e brincalhona, são irreverentes e apreciam os gêneros musicais contemporâneos. Podemos dizer que esse jeito, toda essa brincadeira, essa festa, característica das drag queens, vem como uma resposta a uma série de dificuldades sociais importantes.
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Os grunges, filhos legítimos da recessão mundial, nasceram em Seatle, nos Estados Unidos, e são caracterizados pela sua indumentária: bermudão abaixo dos joelhos, tênis sujos, barbichas, calças rasgadas etc. Eles transformaram o desleixo numa provocação aos “mauricinhos” e “patricinhas” (filhos de papai). Ainda existem outros, como os rockabillies, que amam o rock dos anos 1950 e usam enormes topetes; os góticos, que cultuam as sombras e adoram poesias românticas, além dos hippies, rastafaris, metaleiros etc. Há também as tribos pós- punk que são as mais temidas devido à sua agressividade. Entre elas estão os “carecas” (skinhead brasileiro) e os white powers (poder dos brancos). Ambas as tribos são racistas, têm tendências nazistas e detestam homossexuais. Atualmente os punks não são encontrados com facilidade, mas ainda existem alguns grupos. A origem de todas essas manifestações parece ser a contestação. A violência, a apatia, desleixo, a festa e a anarquia são as formas de contestação do mundo pós-moderno, dizem os sociólogos. [...]
Atividades 1.
Por que podemos afirmar que a década de 1960 tornou-se frustrante para os jovens que estavam engajados politicamente?
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2.
Explique as condições que engendraram o surgimento do movimento punk na Inglaterra.
3.
Explique como a letra da música a seguir mostra a insatisfação com a sociedade capitalista.
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Punk da Periferia Gilberto Gil
Das feridas que a pobreza cria eu sou o pus. Sou o que de resto restaria dos urubus Pus por isso mesmo esse blusão carniça Fiz desse meu corpo esse make-up porcaria Quis trazer assim nossa desgraça à luz Sou punk da periferia Sou da freguesia do Ó Ó, ó, ó, aqui prá você, eu sou da freguesia! [...] Transo lixo, curto porcaria, tenho dó Da esperança vã da minha tia, da vovó Esgotados os poderes da ciência Esgotada toda nossa paciência Eis que esta cidade é um esgoto só!
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Gabarito 1.
Orientação: em meio a tantos acontecimentos que marcaram a década de 1960, paulatinamente este período tornou-se frustrante para os jovens de todo o mundo devido às derrotas nas lutas políticas às quais muitos jovens estavam engajados, insatisfeitos com regimes ditatoriais e a política econômica adotada em diversos países.
2.
Orientação: a Inglaterra atravessava uma crise econômica que paulatinamente se estendera pela década de 1970, desta forma, os movimentos de resistência representada pelos jovens proletários tomavam força e difundiam suas ideias que foram impulsionadas pela crise político-econômica, que centrava-se na política neoliberal.
3.
Orientação: o aluno deverá responder que a música revela o resultado do consumo exacerbado e a frustração de quem não consegue acompanhar as exigências do capitalismo.
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