Antologia Do Esquecimento: Manifesto Da Mulher Futurista
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ARS POETICA
quinta-feira, 16 de julho de 2009
MANIFESTO DA MULHER FUTURISTA Valentine de Saint-Point (n. 1875 – m. 1953), pseudónimo de Anna Jeanne Valentine Marianne Desglans de Cessiat-Vercell, foi literalmente uma mulher dos sete instrumentos. Poeta – a primeira colectânea, intitulada Poémes de la Mer et du Soleil , surgiu em 1905 -, romancista, ensaísta, dramaturga, pintora, coreógrafa, entre outras actividades que seria exaustivo enumerar, foi também uma voz inconformada do movimento futurista francês. Em 1912 lançou o Manifesto da mulher futurista, seguindo-se-lhe, um ano depois, o
Manifesto futurista da Luxúria. Se o primeiro surge como resposta declarada à misoginia de Filippo Tommaso Tommaso Marinetti (n. 1876 – m. 1944), militante fascista italiano que ficou para a história como papa do Futurismo, o segundo tem por alvo mais abrangente a moral cristã, à qual devemos, entre outras pesadas heranças, a ideia da mulher como representação bestial da luxúria, um dos sete pecados capitais, pecados capitais, que urge domesticar. domesticar. Com alvos destes, é fácil adivinhar o fim reservado à fundadora fundad ora dos «dramas ideiistas». Após três relações falhadas e uma dedicação total à escrita, refugia-se em Espanha, partindo posteriormente para os Estados Unidos. Já em Marrocos, converte-se ao Islamismo. Instala-se no Cairo, onde virá a falecer só e miseravelmente. Em 1947, um jornalista anónimo anunciava prematuramente a morte de Valentine. Valentine. Fê-lo nestes termos: «Percorrendo «Percorrendo o simples trajecto da sua vida sentimental, é muito pouco dizer-se que Valentine de Saint-Point foi uma mulher independente. (
) Numa altura em que as
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mulheres podiam quando muito aspirar à categoria de poetisas (de Louise Labé a Anna de Noailles, digamos, para resumir alguns séculos de história), Valentine não
Esquecimento é uma palavra-órgão do corpofialho e daí a insónia, porque a insónia resulta do terror do sono onde não haja mais nada para esquecer. Não haver nada para esquecer é igual a perder o corpo. É como não haver mais álcool pra beber ou cigarros pra fumar, quase tão mau como, por exemplo, ter uma obra ou conquistar a santidade. Rui Costa
hesita em praticar todos os géneros literários (poesia, romance, crítica) e até em invadir o domínio artístico: teatro, pintura e gravura (expõe nomeadamente no Salão dos Independentes), e sobretudo a dança (
). Os seus maiores inimigos, embora
SINALÉTICAS
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nem sempre directamente nomeados – mas haveria necessidade? – são a moral (ou
Antologia do Esquecimento (86) Esquecimento (86)
a hipocrisia) burguesa e a moral cristã» (pp. cristã» (pp. 19-22).
Arquivo de Factos (110) Factos (110)
Desenterrado pela musculatura sempre atenta da &etc, o Manifesto da Mulher Futurista (Abril de 2009) volta a aparecer, agora acompanhado por uma introdução de Fernando
Banco Alimentar (99) (99) Cinematógrafo (266) Cinematógrafo (266)
Cabral Martins e vários outros textos de interesse inquestionável, dos quais se destacam o
Extravaganza (23) Extravaganza (23)
Manifesto Futurista da Luxúria e alguns breves ensaios sobre as intenções da autora no
Garatujas (81) Garatujas (81)
domínio das artes performativas. Interroga-se o introdutor sobre como ler, hoje, estes
Ilhas Desertas (234) Desertas (234)
textos. Mais dados ao amorfismo do que à virilidade, talvez os possíveis leitores deste pequeno grande livro venham a manifestar aquela ambivalência que caracteriza os actuais amantes de uma literatura erigida à margem das convenções. Refiro-me a um certo
Imaginação de Van Zeller (535) (535) Leituras (404) Leituras (404)
deslumbramento deslumbramento que experimenta todo aquele que tem a felicidade de encontrar no texto a
Livro de estilo (131) estilo (131)
força que não procura, ou da qual de desvia, em vida. No fundo, a hipocrisia que outrora
Microbiologia (30) Microbiologia (30)
se pretendia atingida não dista muito da mesma hipocrisia que hoje acaba ferida nos seus
Micróbios (482) Micróbios (482)
recalcamentos mais dolorosos. Educados para a servidão, muito poucos serão aqueles http://universosdesfeitos-insonia.blogspot.com.br/2009/07/manifesto-da-mulher-futurista.html
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que estão dispostos a hipotecar o seu bem-estar (material e moral) em nome de uma liberdade, de uma autonomia, de uma independência das quais podemos esperar pouco mais do que o desconforto da solidão.
Os mestres e as criaturas novas (367) Provocações (83) Rui Costa (52)
O primeiro parágrafo do Manifesto da Mulher Futurista é bastante claro: «A Humanidade é
Séc. XX - 00 (17)
medíocre. A maioria das mulheres não é nem superior nem inferior à maioria dos
Séc. XX - 10 (17)
homens. Ambos são iguais. Ambos merecem o mesmo desprezo»
(p. 27).
Séc. XX - 20 (16)
Alimentemos a esperança de, no final, escaparmos à mediocridade da maioria podendo as
Séc. XX - 30 (16)
nossas acções certificar-nos a superioridade moral dessa minoria que ainda julgamos existir por, aqui e acolá, irmos encontrando focos de resistência que nos levam a tal.
Séc. XX - 40 (16)
Nenhum manifesto escapa, obviamente, a contradições inerentes a toda e qualquer
Séc. XX - 50 (16)
tomada de posição. Tomar posição, optar, é antes de mais assumir uma certa
Séc. XX - 60 (16)
convergência na contradição, a qual não deve ser levada à letra de incoerência. Incoerente
Séc. XX - 70 (16)
é o hipócrita, contraditório é o humano, demasiado humano. Super-homens são tão raros
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em morte quanto impossíveis em vida.
Spleen (102)
Os manifestos de Valentine, pretendendo libertar um género específico de amarras
Um Homem Com Frio (44)
historicamente determinadas por modelos civilizacionais sempre erigidos sob a égide de
Universos Desfeitos (243)
uma suposta palavra divina, não se livram das suas próprias imposições. Impõem uma
Versões (164)
renovação que transcenda estereótipos políticos - «O Feminismo é um erro político. O
Volta ao mundo em poesia (30)
Feminismo é um erro cerebral da mulher, erro que o seu instinto reconhecerá» (p. 31) -, impõem uma voz cruel, violenta, viril contra o Sentimentalismo, impõem a energia do Desejo contra os «sinistros trapos românticos»: «A luxúria é uma força porque, finalmente, jamais conduz à sensaboria do definitivo e à segurança que dá o
ARQUIVO ARQUIVO
apaziguador sentimentalismo» (p. 40). No fundo, desenterrar estes textos é mais um gesto de luta contra a hipocrisia que ainda hoje refreia quem por confessa ingenuidade tenderíamos a julgar mais livres e menos superficiais. Faz-se a história da humanidade também de excepções, ostracizadas e deixadas na penumbra até que alguém volte a torná-las apaixonadamente vivas, «pois haverá sempre espíritos insubmissos que preferirão às belas estradas os caminhos pitorescos e incertos» (pp. 56-57).
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Escrito para o Rascunho. Publicada por hmbf à(s) 17:06 Etiquetas: Leituras
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