Análise - poemas III parte - O Encoberto
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3.ª Parte da obra Mensagem “O Encoberto” “Pax in Excelsis” ( “Paz nas Alturas”)
1.º momento – Os Símbolos
1.º - D. Sebastião; 2.º - O Quinto Império; 3.º - O Desejado; 4.º - As Ilhas Afortunadas; 5.º - O Encoberto.
2.º momento – Os Avisos
1.º - O Bandarra; 2.º - António Vieira; 3.º - “Screvo meu livro à beira-mágoa”.
3.º momento – Os Tempos
1.º - Noite; 2.º - Tormenta; 3.º - Calma; 4.º - Antemanhã; 5.º - Nevoeiro.
“O Quinto Império” (pág. 157) Tema: uma Nova Era
Aspectos a destacar na leitura do poema: Nas duas primeiras estrofes, retomando a linha ideológica que vem afirmando desde a 1.ª parte
da obra, o Poeta faz a apologia do sonho, que evita a mediocridade de viver e favorece a grandeza da alma, facto que, por sua vez, possibilita os grandes feitos; Na 3.ª estrofe, reflectindo sobre a história, a passagem do tempo, volta a salientar que a
insatisfação constante é motor do impulso que conduz à felicidade, entendida como uma vida plenamente realizada; O Poeta sonhador, que já leu a história do passado, volta-se para o futuro (4.ª e 5.ª estrofes):
– passados os 4 impérios que a tradição estabeleceu, com base no sonho de Nabucodonosor *, e da qual F. Pessoa diverge, surgirá o Quinto Império: a Idade Perfeita, a Eterna Luz, a Paz Universal. É clara a influência da Bíblia sobre Fernando Pessoa; – O advento do Quinto Império apenas se concretizará com o regresso de D. Sebastião; qual Fénix, fará surgir das cinzas o Império Universal, cuja cabeça será a Pátria Lusitana. (Retoma o poema “O dos Castelos”, fortificando, assim, a unidade da obra); – Fernando Pessoa conhecia a Bíblia e, por isso, apresenta D. Sebastião como um símile de Cristo, morto e ressuscitado;
* O profeta Daniel interpretou o sonho do rei Nabucodonosor, de uma enorme estátua com cabeça de ouro fino, o peito e os braços de prata, o ventre e as ancas de bronze e as pernas metade de ferro e metade de barro, destruída por uma pedra que logo se transformou numa alta montanha enchendo toda a terra, desta maneira: “Tu é que és a cabeça de ouro. Depois de ti surgirá um outro reino menor do que o teu; e depois um terceiro reino, o de bronze, que dominará toda a terra. Um quarto reino será forte como o ferro, vindo a esmagar todos os outros, mas sendo de ferro e de argila, não se aguentará para sempre. A pedra que destrói os quatro metais ou quatro reinos simboliza o reino que o Deus do Céu fará aparecer, um reino que jamais será destruído e cuja soberania nunca passará a outro povo.” Daniel, 2, 24-45. Camões n’ Os Lusíadas (I, 24), e o P. António Vieira, em História do Futuro, seguem a distribuição dos reinos feita por Daniel, atribuindo a Portugal o Quinto Império, enquanto o profeta o atribuía a Israel. “ A esperança do Quinto Império, tal e qual em Portugal a sonhamos e concebemos, não se ajusta, por Natureza, ao que a tradição figura como o sentido da interpretação dada por Daniel ao sonho de Nabucodonosor. Nessa figuração tradicional, é este o seguimento dos impérios: o Primeiro é o da Babilónia, o Segundo o Medo-Persa, o Terceiro o da Grécia, o Quarto o de Roma, ficando o Quinto, como sempre, duvidoso. Nesse esquema, porém, que é de impérios materiais, o último é plausivelmente entendido como sendo o Império de Inglaterra. (...) Não é bem assim, no esquema português. Esse, sendo espiritual, em vez de partir, como naquela tradição, do Império material da Babilónia, parte, antes, com a civilização em que vivemos, do Império espiritual da Grécia, origem do que espiritualmente somos. E, sendo esse o Primeiro Império, o Segundo é o de Roma. O Terceiro o da Cristandade, e o Quarto o da Europa, isto é, da Europa laica depois da Renascença. Aqui o Quinto Império terá que ser outro que o Inglês, porque terá de ser de outra ordem. Nós o atribuímos a Portugal, para quem o esperamos.” Fernando Pessoa, Obra Poética e em Prosa, vol. III, pp. 711-712
A nível lexical são de notar as conotações lexicais: “casa” e “lar”, nos versos “Triste de quem vive em casa / Contente com seu lar”, significam, no
poema, o espaço do conformismo, da acomodação a uma determinada situação, que se opõe à elevação do ser humano e à sua realização, encarada como uma forma de cumprir a sua obra em direcção a um Destino maior e universal; “asa”, no verso “Sem que um sonho, no erguer de asa”, conota a ideia de ascensão, ligada ao
sonho; “a brasa”, no verso “Faça até mais rubra a brasa”, (brasa da lareira) adquire um valor que se
prende com a conotação de lar, no poema, isto é, de conformismo; a metáfora, presente no último verso da 2.ª estrofe, enaltece a capacidade de sonhar, pois a ausência
de sonho conduz à morte; a oposição semântica, ao nível verbal (“Eras sobre eras se somem / No tempo em que eras vem”),
sugere a ideia de um tempo que se escoa, para dar lugar a uma era futura, fruto do sonho humano e do seu aperfeiçoamento; o oxímoro presente nos versos “Que as forças cegas se domem / Pela visão que a alma tem”: as
“forças cegas” conceptualizam o aspecto físico humano, por oposição ao seu estigma espiritual, simbolizado na “alma”, que ilumina o que, no Homem, é material e perene – é esse o significado do adjectivo “cegas”, que se opõe ao substantivo “visão”, conotado com a luz; o substantivo “noite” adquire, neste poema, um valor particularmente importante. A noite remete,
neste contexto, para o CAOS, do qual nascerá a ORDEM, “o dia claro”, isto é, o momento da chegada do Quinto Império está simbolicamente de acordo com a estrutura global da Mensagem: o renascimento só é possível após a morte e esse renascimento atinge 2 dimensões – a humana e a temporal.
Valor da Pontuação:
Ponto Final – predominam, no poema, as frases terminadas por ponto final. Servem para transmitir uma constatação;
Ponto de Exclamação – no final da 1.ª e 3.ª estrofes, o ponto de exclamação funciona como um convite ao sonho, isto é, ao reconhecimento da possibilidade ascensional do indivíduo;
Ponto de Interrogação – a interrogação final instaura a hora da mudança e propõe a reflexão em relação ao percurso iniciático a percorrer pelo ser humano, de modo a atingir essa idade que há-de vir: a era do Quinto Império.
Ideologia do Poema:
Oposição a uma nova sociedade estagnada, dominada por valores caducos e tentativa de renovação cultural;
Passado e presente como eras de transição para um novo tempo – crença enraizada em conhecimentos esotéricos e ligada às profecias do Padre António Vieira e às de Bandarra, segundo as quais Portugal seria o núcleo de união dos povos;
Mito de D. Sebastião: simbolicamente o regresso de D. Sebastião associa-se a um tempo de renovação e de regeneração;
Recriação do mito do Paraíso Perdido, como símbolo da comunhão entre o Homem e a Vontade Divina;
Reminiscência de um passado histórico glorioso (os Descobrimentos Portugueses) como antecipação paradigmática de um tempo futuro, a realizar divinamente – as acções dos navegadores portugueses são encaradas como sinais proféticos.
“Nevoeiro” (pág. 159) Tema: Falta de uma identidade. O poeta apresenta, neste poema, a sua visão de um Portugal sem identidade, de uma nação onde impera a indefinição. O título do poema “Nevoeiro” aponta para a impossibilidade de distinção das formas, ligando-se, metaforicamente, à ausência de definição: “Nem rei nem lei, nem paz nem guerra, / Define com perfil e ser” (...) “Ó Portugal, hoje és nevoeiro...” Mas é justamente a imagem do “nevoeiro” que nos permite antever o aparecimento de algo com tendência a uma definição cada vez maior. Esta metáfora liga-se, evidentemente, ao mito de D. Sebastião que, segundo o povo, reapareceria numa manhã de nevoeiro, para salvar o reino português da desgraça que o dominava: a perda da independência. O nevoeiro é, nesta perspectiva, aquilo que, no inconsciente colectivo do povo português, significava a substituição de uma fase da sua história por outra. Ao nevoeiro associa-se a revelação, a manifestação – neste caso, trata-se da realização de uma esperança. A consciência da fragmentação, isto é, da oposição entre um passado de glória e um presente que significa estagnação e perda, é assinalada pelo poeta como um estado de indiferenciação: “Ninguém sabe que coisa quer. / Ninguém conhece que alma tem, / Nem o que é mal nem o que é bem. / (...) / Tudo é disperso, nada é inteiro.” Contudo, a esperança de renascimento (mais uma vez associada, na sua dimensão essencial, ao mito sebastianista) não morreu e é em jeito de apelo que o poeta incita os portugueses a uma acção que os liberte de um tempo que, para eles, significou cisão e ruptura, de modo a que possam reencontrar a glória de outros tempos e, com ela, a sua própria alma, ou seja, a sua identidade nacional. É assim que, no último verso do poema, podemos ler: “É a Hora!”
Questões relacionadas com a linguagem (figuras de estilo e recursos morfossintácticos):
A repetição estrutural ao nível frásico, que intensifica a amargura da perda e a indefinição, aliada à passividade: “nem rei nem lei, nem paz nem guerra / (...) / Brilho sem luz e sem arder / (...) / nem o que é mal nem o que é bem”.
A anáfora, que aponta claramente para a falta de identidade: “Ninguém sabe que coisa quer / Ninguém conhece a alma que tem” e “Tudo é incerto e derradeiro / Tudo é disperso, nada é inteiro”.
O oxímoro condensa a ideia de oposição entre 2 épocas, em que o “fulgor” e o “brilho” dos acontecimentos têm significados diferentes: “(...) / Este fulgor baço da terra / (...) / Brilho sem luz e sem arder, / (...)”. ➩ O brilho não tem luz no presente, porque o prestígio da nação se dissipou.
A comparação enfatiza o oxímoro, numa associação entre a combustão de corpos mortos e a condição de Portugal no século XX, por oposição à sua glória no século XV. Este recurso estilístico opõe, assim, as ideias vida / morte, época áurea / período decadente na existência da nação portuguesa: “Brilho sem luz e sem arder / Como o que o fogo-fátuo encerra”.
Os substantivos funcionam como expressão de valores, inseridos em 2 esferas de significação distintas: Substantivos
Conotados positivamente, ligados à acção:
Relacionados com a Estabelecendo a oposição Remetendo para a esperança perda da independência passado/presente de regeneração do país
Rei Lei Paz (enquanto algo que se conquista) Guerra
Perfil Ser Alma Mal Bem
Fulgor (baço) Brilho (sem luz) Fogo-fátuo
Ânsia Nevoeiro Hora (o apelo do sujeito poético une-se aos desejos mais íntimos do povo português)
Os adjectivos remetem, igualmente, para a fragmentação da imagem nacional e para a dicotomia Passado/Presente: incerto derradeiro disperso (nada é) inteiro distante
A pontuação: – o ponto final serve a constatação. Aparece no final da 1.ª estrofe e torna-se constante na 2.ª estrofe, uma vez que o poeta refere evidências: a perda da identidade e da glória nacionais; – as reticências, no final da 2.ª estrofe, abrem a hipótese de regeneração: “Ó Portugal, hoje és nevoeiro...”; – o ponto de exclamação, no monóstico (“É a Hora!”), surge como um apelo à acção, aliandose à função apelativa da linguagem e ao desejo do poeta.
Ideologia do Poema:
➥
É de salientar, neste poema, a desagregação do império quatrocentista e a decadência moral do país, o que origina a passividade do povo português. Com este último poema da obra, a que se segue a expressão “Valete Fratres.”, que significa “Felicidades, irmãos” e que é utilizada como uma saudação maçónica, o poeta fecha a obra Mensagem, com um apelo à acção dos portugueses, à dinâmica que consistiria na conquista nacional. Esta conquista, por sua vez, significaria a oposição à ataraxia que caracterizava o indivíduo do século XX. Saliente-se, ainda, como evidente, neste poema, a associação entre o nevoeiro e D. Sebastião. É através dela que se instaura a esperança de uma nova era para Portugal.
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