Analise Experimental do Comportamento

February 23, 2019 | Author: Raphael Lopes Csl | Category: Behaviorism, Ciência, Knowledge, Theory, Psicologia e ciência cognitiva
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Analise Eperimental...

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ANÁLISE EXPERIMENTAL DO COMPORTAMENTO

autora DENISE AMORIM RODRIGUES

1ª edição SESES rio de janeiro

2017

Conselho editorial

roberto paes e luciana varga

Autora do original

denise amorim rodrigues

Projeto editorial

roberto paes

Coordenação de produção

luciana varga varga , paula r. de a. machado e aline karina

rabello paulo vitor bastos

Projeto gráfico Diagramação

bfs media bfs media

Revisão linguística

Revisão de conteúdo Imagem de capa

fernanda gonçalves da silva

master3d | shutterstock.com

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2017. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) R696a Rodrigues, Denise Amorim

Análise experimental do comportamento. / Denise Amorim Rodrigues. Rio de Janeiro: SESES, SESES, 2017. 80 p: il. isbn: 978-85-5548-461-2

1. Comportamento. 2. Análise. I. SESES. SESES. II. Estácio.. cdd 150

Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063

Sumário Prefácio

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1. Um modelo científico do comportamen comportamento to

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Pressupostos e Metodologia Científica O Nascimento da Psicologia como disciplina científica O Behaviorismo Metodológico O Behaviorismo Radical

2. Análise experimental do comportamento

8 11 14 15

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Definição de análise experimental do comportamento

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Eventos ambientais e eventos comportamentais

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A análise funcional do comportamento Exemplo de análise funcional: análise funcional da fobia social

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Aspectos éticos da análise experimental do comportamento

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3. A realização de experimentos em Psicologia

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Realização de experimentos básicos

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As etapas de um experimento

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Delineamento experimental

43

Delineamentos entre grupos e delineamentos de sujeito único

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A experimentação animal

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Comissões de ética no uso de animais

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O uso do rato virtual em experimentos de psicologia

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4. Aplicações práticas da análise do comportamento

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Contextos de aplicação da análise comportamental A análise do comportamento na Educação A análise do comportamento nas Organizações A análise do comportamento na Clínica

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O papel das pesquisas na produção e desenvolvimento do conhecimento científico em psicologia

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Prefácio  A metodologia científica é o estudo de como os pesquisadores realizam seus estudos utilizando o método científico. A Psicologia foi se transformando, ao longo do tempo, em uma ciência. Neste sentido, o objeto de estudo da análise experimental é o comportamento, sendo este compreendido como resultante das interações entre o indivíduo e seu entorno. Nos seres humanos, considera-se nesta análise não apenas a experiência pública, os comportamentos observáveis, mas também o mundo privado do sujeito, o qual é acessado apenas pelo indivíduo (suas emoções, desejos e preocupações) e relatado ao mundo externo por diversos meios, da fala sistemática à arte. O mundo privado é entendido, por alguns, como a subjetividade humana. Para a análise do comportamento, explicar significa estabelecer relações entre eventos. Assim, o comportamento visível e os eventos psicológicos não- observáveis devem ser compreendidos através de suas relações com os eventos externos. Como método de estudo, a experimentação é fundamental para produzir conhecimento e ela tem três objetivos: estabelecimento de relações causais, compreensão de fenômenos e promoção de aplicações práticas. Assim sendo, o objetivo essencial de um experimento é estabelecer relações causais entre eventos. A realização de um experimento é um processo complexo no qual o experimentador percorre várias etapas relacionadas. Estas etapas não devem ser entendidas como uma sequência rígida de passos, mas como um conjunto flexível de ações. O objetivo essencial de um experimento é estabelecer relações entre eventos, de forma que se possa prever o surgimento dos mesmos no futuro. Na experimentação pode-se utilizar tanto sujeitos humanos como animais para criar modelos teóricos de compreensão do comportamento. Para os psicólogos, analistas do comportamento, independentemente de onde desenvolvam sua atividade e de qual seja ela (ensino, pesquisa, administração, prática clínica, etc.), todo comportamento possui uma função e a busca da compreensão desta função seria a principal finalidade da análise funcional do comportamento. A análise do comportamento pode ser utilizada em diversas áreas, em especial a educação, as organizações e a clínica.

 Ao longo deste material didático, os capítulos que se seguem terão como ob jetivos: situar historicamente o surgimento da análise experimental do comportamento, bem como suas bases teóricas principais. Em seguida serão estabelecidas as diretrizes básicas de uma pesquisa experimental em Psicologia. E, finalmente, serão estabelecidas possíveis áreas de aplicação deste tipo de pesquisa. Bons estudos!

1 Um modelo científico do comportamento

Um modelo científico do comportamento O presente capítulo objetiva incitar a curiosidade sobre o tema proposto, organizar o assunto a ser tratado e orientar a aprendizagem. Funciona também como um pequeno resumo do que será estudado, ressaltando os pontos mais importantes da aula.

OBJETIVOS Estabelecer o contexto presente na época do surgimento da ciência e do método científico; Enumerar algumas das fontes filosóficas que influenciaram o surgimento da visão científica nos tempos modernos; Expor sucintamente o cenário presente na época do surgimento da ciência da Psicologia; Enumerar os teóricos da Psicologia que deram início à tradição científica na Psicologia. •







Pressupostos e Metodologia Científica Podemos inicialmente definir a Metodologia Científica como um conjunto de abordagens, técnicas e processos utilizados pela ciência para formular e resolver problemas de aquisição objetiva do conhecimento, de uma maneira sistemática. O conhecimento científico surgiu no século XVII no ocidente. A separação, tão comum hoje, entre filosofia e ciência não existia antes deste momento. Entretanto, podemos afirmar que existem algumas características que, de uma maneira geral, delimitam o campo da ciência. Em primeiro lugar, a ciência não é imediatista, não se contenta com informações superficiais sobre um aspecto da realidade, mesmo que esta informação seja útil de alguma maneira. A ciência pretende ser crítica, busca julgar a correção de suas próprias produções. O conhecimento científico se caracteriza como uma procura das possíveis causas de um acontecimento. Busca compreender ou explicar a realidade apresentando os fatores que determinam a existência de um evento. Uma vez obtido este conhecimento, deve-se garantir sua capacidade de ser generalizado, sua validade, em outras situações. A divulgação dos resultados também é uma marca fundamental da ciência moderna. Trata-se da garantia de que o conhecimento está sendo colocado em discussão e que qualquer outro cientista pode ter acesso a ele. capítulo 1 •

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 A ciência moderna não se pretende dogmática. Ao relatar seus resultados, o cientista deve também contar como chegou a eles, qual caminho seguiu para alcançá-los. Trata-se, pois, da apresentação do que se chama de método científico. O método, em ciência, não se reduz a uma apresentação dos passos de uma pesquisa. Não é, portanto, apenas a descrição dos procedimentos, dos caminhos traçados pelo pesquisador para a obtenção de determinados resultados. Quando se fala em método, busca-se explicitar quais são os motivos pelos quais o pesquisador escolheu determinados caminhos e não outros. São estes motivos que determinam a escolha de certa forma de fazer ciência. Neste sentido, a questão do método é teórica, uma vez que se refere aos pressupostos que fundamentam o modo de pesquisar, pressupostos estes que, como o próprio termo sugere, são anteriores à coleta de informações na realidade. Existem, genericamente, dois termos envolvidos na produção do conhecimento: o homem (que se propõe a conhecer algo) e o aspecto da realidade a ser conhecido. A discussão do papel do sujeito é central para se compreender a ciência, uma vez que se refere à forma como o cientista deve se comportar para produzir conhecimento, e, assim, revela pressupostos subjacentes a toda pesquisa. Na história da epistemologia (disciplina que toma as ciências como objeto de investigação) surgiram três perspectivas a respeito da relação entre cientista e seu objeto de estudo. A primeira - chamada de empirismo – supõe a primazia do objeto em relação ao sujeito, isto é, o conhecimento deve ser produzido a partir da forma como a realidade se apresenta ao cientista. Neste quadro, o papel do sujeito é passivo, dado que a fonte principal do conhecimento está no objeto. A segunda perspectiva – chamada de racionalismo – aponta a primazia do sujeito em relação ao objeto, uma vez que toma a razão, isto é, a capacidade humana de pensar, avaliar e estabelecer relações entre determinados elementos, como fonte principal do conhecimento. Assim, por exemplo, a ideia de causa estaria situada na razão e seria a partir dela que se poderia produzir um conhecimento seguro da realidade.  A terceira posição sobre o papel do pesquisador na produção do conhecimento – o interacionismo – afirma que o conhecimento é produzido na interação entre sujeito e objeto. Nesta perspectiva, os produtos da ciência seriam os resultados das inter-relações que mantemos com a realidade, a partir de nossas práticas sociais. Sendo a ciência uma prática social, seus produtos não estariam destituídos de pressupostos dados, sobretudo pela cultura ou ideologia predominante num determinado período histórico. As verdades da ciência seriam, pois, fundamentalmente históricas e, portanto, nunca neutras. Nesta posição, quando se fala na impossibilidade de um conhecimento independente do sujeito, não se capítulo 1 •

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está pressupondo ou afirmando a inexistência de uma realidade a ser conhecida. O que se coloca em questão é o pressuposto de que seu acesso possa (e deva) ser feito independentemente das condições biológicas, culturais, sociais, e até econômicas, que constituem seu produtor, isto é, o cientista. Assim, a ideia de neutralidade científica, por exemplo, não se enquadra na perspectiva interacionista, uma vez que pressupõe um cientista purificado das condições que determinam a sua própria existência como homem e pesquisador.  A ciência é determinada pelas condições históricas das quais faz parte. Não é por acaso que o produtor do conhecimento é tomado, desde o início da epistemologia, como um sujeito racional e livre, capaz de, por si só, elaborar pressupostos para a ciência, inclusive os metafísicos (para Kant, apud Japiassú e Marcondes,1990, é metafísico aquilo que se oculta por trás da natureza, e a torna possível). Tal sujeito, com a sua pretensão de autonomia, é uma das maiores invenções da modernidade, contexto no qual surge a ciência. Por sua vez, o conhecimento científico e seus produtos determinam mudanças na vida social de forma tal que, atrelados a determinações socioeconômicas, passam a constituir novas formas de vida e de relações entre os homens. A chamada revolução tecnológica – a microinformática – dos nossos dias é um bom exemplo desse poder de interferência da ciência nos assuntos humanos. Um outro aspecto importante da ciência é o princípio da falseabilidade Karl Popper, que se refere à possibilidade de uma teoria poder ser refutada. Isto quer dizer que o fato de uma teoria não poder ser submetida a testes que a refutem não é uma prova de sua veracidade. Ao contrário, a testagem de uma teoria deve implicar em condições similares de se poder confirmá-la ou refutá-la, ou, podemos correr o risco de estar falando de dogmas e não de teorias. Assim, os testes empíricos de uma teoria devem ser uma tentativa genuína de refutá-la. Sobre Kant, vemos, em Japiassú e Marcondes (1990) que: Sua principal contribuição consiste na formulação da noção de falseabilidade como critério fundamental para a caracterização das teorias científicas [...] Assim, para Popper, é a possibilidade de falsificar uma hipótese científica que permite a correção e o desenvolvimento das teorias científicas, e em última análise o progresso da ciência, embora nenhuma teoria possa jamais ser fundamentada de forma conclusiva.

Evidentemente existem teorias que são mais passíveis de serem refutadas do que outras, e esta pode ser considerada uma característica negativa destas últimas que devemos nos esforçar para superarmos. Um exemplo deste último tipo de teoria irrefutável é a astrologia, onde qualquer aspecto que de alguma forma refute capítulo 1 •

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suas conclusões é explicado pela própria teoria e utilizado como justificativa que confirma a sua própria existência.

Figura 1.1 – Karl Popper. Disponível em: .

FALSEABILIDADE

FALSIFICABILIDADE

Falseabilidade é a tentativa de refutar as teorias propostas. Remete ao aspecto mais marcante de sua epistemologia: o princípio de falsificabilidade como critério de demarcação.

Falsificabilidade é o critério metodológico de cientificabilidade. Para objetivar resultados, se constrói uma teoria em que se tenta falsificar o que possa ser refutada. É o verdadeiro critério que divide o científico do não científico.

Figura 1.2 – Falseabilidade e falsificabilidade. Disponível em: .

O Nascimento da Psicologia como disciplina científica Costuma-se afirmar que o nascimento da Psicologia como ciência deveu-se ao trabalho de Wilhelm Wundt (1832-1920), visto na figura 1.3, que criou o primeiro projeto de Psicologia como ciência independente, além de fundar o primeiro Laboratório de Psicologia. Segundo ele, o objeto de estudo da Psicologia deveria capítulo 1 •

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ser a experiência subjetiva imediata, ou a experiência tal como o sujeito a vive antes de se pôr a pensar sobre ela, antes de comunicá-la, antes de conhecê-la. E para abordar este objeto, o melhor método deveria ser o método experimental, cujo objetivo seria exatamente o de pesquisar os processos elementares da vida mental; os elementos da experiência imediata. Segundo Wundt, para se entender a subjetividade precisaríamos nos aproximar das ciências naturais e as ciências culturais. Neste sentido, ele lançou mão do método introspectivo que seria, na essência, a auto-observação realizada pelo sujeito de pesquisa (figura 1.4).

Figura 1.3 – Disponível em: . Objeto de estudo: consciência WUNDT

Sensações Sentimentos

Método de estudo: método introspectivo Objetivo: dar um estatuto de ciência à psicologia

Figura 1.4 – A abordagem de Wundt.

capítulo 1 •

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Defendendo um ponto de vista diferente, o behaviorismo argumenta que a vida mental é vivida uma invenção. Segundo Skinner (2006), visto na figura 1.5, pensar é comportar-se. O equívoco consiste em localizar o comportamento na mente. Porque os estados mentais não são possíveis de serem observados, devemos nos concentrar na observação do comportamento. Sobre isso, Skinner (2006) nos diz que “[...] não podemos medir sensações e percepções enquanto tais, mas podemos medir a capacidade que uma pessoa tem de discriminar estímulos; assim, pode-se reduzir o conceito de sensação ou de percepção à operação de discriminação.” O conhecimento não é estático na mente do ser; o meio permite e estimula a rememoração daquilo que viveu e aprendeu por repetição e treinamento. A mente é produto das relações do sujeito no mundo físico. O behaviorismo caracteriza-se por ser uma teoria que evita tratar conceitos relacionados aos estados mentais, desde uma perspectiva introspectiva ou subjetivista. Segundo essa doutrina, os estados mentais são construções lógicas formadas por disposições comportamentais. Por adotar essa postura empírica, o behaviorismo pôde ser associado ao positivismo lógico, corrente filosófica para a qual os acontecimentos mentais não deveriam ser alvo de uma ciência natural, por serem fatos "inobserváveis", do ponto de vista científico. Todavia, esses pioneiros admitiam a existência de fatos mentais, apesar de não os considerarem em suas pesquisas, o que proporcionava a especulação sobre um dualismo mente-corpo. O behaviorismo propõe restaurar a introspecção dentro dos limites daquilo que pode ser observado dentro da pele humana. Nesse sentido, busca observar o corpo e sua interação com o meio ambiente, equilibrando os acontecimentos externos antecedentes e os ocorridos no mundo privado, interno de cada um.  A influência cultural é assim admitida como um dos aspectos importantes da interpretação comportamental e todos os termos mentalistas são traduzidos na linguagem behaviorista. O vocabulário mental é considerado algo que pode ser superado com o esclarecimento do papel do meio ambiente, devendo ser admitido apenas como uma linguagem popular a ser superada com a divulgação adequada das conclusões científicas. O vocabulário técnico não deve ser esquecido quando a discussão assume ares mais precisos e a transição da psicologia popular para o behaviorismo é uma mudança histórica a ser efetuada.  Apesar de se apresentar como uma oposição às correntes dominantes na psicologia, o behaviorismo foi criado com base em muitas das posições defendidas por aquelas mesmas correntes que, de uma certa forma, criaram as condições favoráveis para o seu desenvolvimento. Assim, o comportamento, para Watson, é interpretado em termos físicos, determinados a priori. Ele se opunha à ideia de capítulo 1 •

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que as pessoas são responsáveis por suas ações. Ele acreditava que a ciência, como o behaviorismo, deveria preparar as pessoas para compreenderem os princípios que regem seu comportamento. Por outro lado, Watson acreditava que o meio exercia um papel fundamental na formação do comportamento, apesar de não negar a importância das características herdadas, que, para ele, seriam universais e semelhantes. Porém, acreditava que o meio atuava sobre estas estruturas herdadas geneticamente. Com esta visão, ele enfatizou e deu base à compreensão da grande variedade de comportamentos humanos. O Behaviorismo Metodológico

 Watson propôs que o behaviorismo, tal como ele o via, deveria seguir os seguintes postulados: O comportamento é composto por elementos, ou respostas, e pode ser analisado por métodos científicos, naturais e objetivos; O comportamento é composto por secreções glandulares e movimentos musculares; Todo estímulo físico elicia uma resposta. Assim, todo comportamento segue um determinismo causa-efeito; Os processos conscientes se existem, não podem ser estudados cientificamente e, portanto, devem ser ignorados. •







Com relação a processos cognitivos, como o pensamento, Watson alega que este consistiria em tendências a movimentos musculares e secreções glandulares que não poderiam ser observados diretamente, que foram sendo inibidos, mas que ainda se mantêm de forma implícita. Segundo Matos (1999), a posição de Watson inclui: Estudar o comportamento por si mesmo; Opor-se ao Mentalismo e ignorar fenômenos, como consciência, sentimentos e estados mentais;  Aderir ao evolucionismo biológico e estudar tanto o comportamento humano quanto o animal, considerando este último mais fundamental;  Adotar o determinismo materialístico; Usar procedimentos objetivos na coleta de dados, rejeitando a introspecção; Realizar experimentação controlada; Realizar testes de hipótese, de preferência com grupo controle; Observar consensualmente; •















capítulo 1 •

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Evitar a tentação de recorrer ao sistema nervoso para explicar o comportamento, mas estudar atentamente a ação dos órgãos periféricos, dos órgãos sensoriais, dos músculos e das glândulas. •

 Watson, em seu manifesto sobre o behaviorismo, definiu sua posição como se vê em Marx e Hillis (1974): A psicologia, tal como o behaviorista a vê, é um ramo puramente objetivo e experimental da ciência natural. A sua finalidade teórica é a previsão e o controle do comportamento. A introspecção não constitui uma parte essencial dos seus métodos [...]. Em seus esforços para obter um esquema unitário da resposta animal, o behaviorista não reconhece a existência de qualquer linha divisória entre o homem e o bruto. O comportamento do homem, com todo seu refinamento e complexidade, forma apenas uma parte do esquema total de investigação do behaviorista.... Parece ter chegado o momento em que a psicologia terá de se descartar de toda e qualquer referência à consciência; em que já não necessita iludir-se a si própria, acreditando que o seu objeto de observação são os estados mentais.

Portanto, para o behaviorismo, o seu objeto de estudo primordial é o comportamento porque o mesmo é observável, e, então, pode ser medido de maneira ob jetiva e com a utilização do método científico (semelhante às outras ciências) pelos estudiosos do comportamento. Esta é a essência do Behaviorismo Metodológico. O Behaviorismo Radical

O behaviorismo radical pode ser considerado um caso especial da filosofia da ciência, a filosofia da ciência do comportamento humano, que busca compreender questões humanas, como comportamento, cultura, e outros, dentro do modelo de aprendizagem por consequências, e rejeitando o uso de variáveis não físicas. Um behaviorista radical defende que as diferentes explicações sobre o comportamento humano deveriam ser estabelecidas com base em evidências refutáveis, e não em especulações abstratas. O behaviorismo radical foi concebido em experimentos realizados sob o rigor da produção de conhecimento científico. Desenvolvido dentro de um laboratório, em condições controladas, é um método passível de reaplicação. Parafraseando Matos (1999), observemos as frases abaixo: 1. Eu estou digitando um texto. 2. Eu estou com sono. 3. Eu estou almoçando. capítulo 1 •

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Para os behavioristas, em suas vertentes metodológica e radical, as frases 1 e 3 referem-se a comportamentos  observáveis, sendo por isto passíveis de serem medidos cientificamente, seja em sua frequência, intensidade, ou alguma outra dimensão. Já a frase 2 se refere a um conteúdo interno, não observável, não podendo ser medido, a menos que ele possa ser transformado em comportamentos observáveis, como: vou me deitar e fechar os olhos. Assim sendo, esta frase não implica num comportamento passível de ser objeto de estudo científico. De acordo com o próprio Skinner (1978, p.45): A objeção aos estados interiores não é a de que eles não existem, mas de que não são relevantes para uma análise funcional. Não é possível dar conta do comportamento de nenhum sistema enquanto permanecermos inteiramente dentro dele; finalmente será preciso buscar forças que operam sobre o organismo agindo de fora.    G    R    O  .    A    I    D    E    M    I    K    I    W     |    T    I    B    B    A    R    Y    L    L    I    S    ©

Figura 1.5 – Burrhus Frederic Skinner.

Para Skinner, o Behaviorismo Radical seria a filosofia de sua Ciência do Comportamento e perguntas como “Seria tal ciência possível e necessária?”, “Poderia tratar de todos os aspectos da natureza humana?”, “Como descrever a origem e a natureza dos eventos psicológicos?” e semelhantes seriam respondidas por essa filosofia (Carvalho Neto, 2002). Para o Behaviorismo Radical, o ser humano é parte do mundo natural, como os elementos da natureza e, portanto, interage no ambiente, em vez de sobre este, sendo parte interativa do ambiente, como afirma Chiesa (1994) apud de-Farias (2010).

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É muito importante notar que Skinner, com o Behaviorismo Radical, resolve o antigo problema mente-corpo, pois, de seu ponto de vista, as leis que descrevem o comportamento público do homem são as mesmas que descrevem seus comportamentos privados, como pensar, sentir, imaginar, sonhar, fantasiar ou raciocinar (de-Farias, 2010). O próprio Skinner apresenta uma visão abrangente e bastante explicativa do Behaviorismo Radical (Skinner, 1974 apud de-Farias, 2010): A afirmação de que os behavioristas negam a existência de sentimentos, sensações, ideias e outros traços da vida mental precisa ser bem esclarecida. O behaviorismo metodológico (de Watson) e algumas versões do positivismo lógico excluíam os acontecimentos privados porque não era possível um acordo público acerca de sua validade. A introspecção não podia ser aceita como uma prática científica, e a psicologia de gente como Wilhelm Wundt e Edward B. Titchener era atacada por isso. O behaviorismo radical, todavia, adota uma linha diferente. Não nega a possibilidade da auto-observação ou do autoconhecimento ou sua possível utilidade, mas questiona a natureza daquilo que é sentido ou observado e, portanto, conhecido. Restaura a introspecção, mas não aquilo que os filósofos e os psicólogos introspectivos acreditavam "esperar", e suscita o problema de quanto do nosso corpo podemos realmente observar (...). O mentalismo, ao fornecer uma aparente explicação alternativa, mantinha a atenção afastada dos acontecimentos externos antecedentes que poderiam explicar o comportamento. O Behaviorismo Metodológico fez exatamente o contrário: com haver-se exclusivamente com os acontecimentos externos antecedentes, desviou a atenção da auto-observação e do autoconhecimento. O Behaviorismo Radical restabelece um certo tipo de equilíbrio. Não insiste na verdade por consenso e pode; por isso, considerar os acontecimentos ocorridos no mundo privado dentro da pele. Não considera tais acontecimentos inobserváveis e não os descarta como subjetivos. Simplesmente questiona a natureza do objeto observado e a fidedignidade das observações.

RESUMO A metodologia científica é o estudo de como os pesquisadores realizam seus trabalhos utilizando o método científico ao abordarem os diversos temas das ciências. A Psicologia foi se transformando, ao longo do tempo, em uma ciência e, neste sentido, vários psicólogos, considerados clássicos, tentaram estabelecer qual deveria ser o objeto de estudo da Psicologia e qual o método que a mesma deveria utilizar.

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No quadro a seguir reproduzimos as considerações de Oliveira (2003, p. 37-41) e Galliano (1986, p. 18-20), sobre as formas de conhecimento:

CONHECIMENTO VULGAR OU POPULAR

É utilizado por meio do senso comum, geralmente passado de geração em geração, disseminado pela cultura baseada na imitação e experiência pessoal; é empregado pela experiência pessoal do dia-a-dia, sem crítica.

CONHECIMENTO FILOSÓFICO

Não é passível de observações sensoriais, utiliza o método racional, no qual prevalece o método dedutivo antecedendo a experiência; não exige comparação experimental, mas coerência lógica, a fim de procurar conclusões sobre o universo e as indagações do espírito humano.

CONHECIMENTO RELIGIOSO OU TEOLÓGICO

É incontestável em suas verdades, por tratar de revelações divinas; não é colocado à prova e nem pode ser verificado.

CONHECIMENTO CIENTÍFICO

Por meio da ciência, busca um conhecimento sistematizado dos fenômenos, obtido segundo determinado método, que aponta a verdade dos fatos experimentados e sua aplicação prática. O conhecimento científico pode ser: contingente (hipóteses traduzem resultado através da experimentação); sistemático (procedimento ordenado forma um sistema encadeado de ideias); verificável (afirmações podem ser comprovadas); falível (novas proposições podem mudar as teorias existentes).

ATIVIDADES Leia os textos abaixo com atenção e após a leitura de cada um, indique seu grau de concordância com o mesmo, usando uma escala de 0 a 2. Use: 2 para indicar concordância plena; 1 para concordância parcial; 0 para desacordo total. Justifique o grau atribuído. Texto 1 - Normalmente os cientistas não estão muito preocupados em negar uma teoria, mas sim em comprovar as teorias existentes. Se o resultado aparecer depressa, ótimo. Caso contrário, o cientista lutará com os seus instrumentos e as suas equações até que, se for possível, obtenha resultados conformes com a teoria adotada pela comunidade científica a que

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pertence. A comunidade científica é conservadora. Somente em casos muito especiais uma teoria aceita por longo tempo é abandonada e substituída por outra. Em geral, as novidades que não se enquadram nas teorias vigentes tendem a ser rejeitadas pelos cientistas. Só é considerado como ciência aquilo que os cientistas aceitam por consenso. Texto 2 - A necessidade de uma experiência científica é identificada pela teoria antes de ser descoberta pela observação. Ou seja, a experimentação depende de uma elaboração teórica anterior. Deste modo, o pensamento científico é, ao mesmo tempo, racionalista e realista, pois a prova científica se afirma tanto no raciocínio como na experiência. O cientista deve desconfiar das experiências imediatas, refletir sobre os conceitos iniciais, contestar as ideias evidentes. Ou seja, o conhecimento científico se estabelece a partir de uma ruptura com o senso comum. E o progresso das ciências exige ruptura com os conhecimentos anteriores. Texto 3 - A ciência possui valor, não porque a experiência demonstre as ideias científicas, mas porque fatos experimentais podem falsear proposições científicas. As ideias científicas não podem ser provadas por fatos experimentais, mas estes fatos podem mostrar que as proposições científicas estão erradas. Esta é a característica de todo o conhecimento científico: nunca se pode provar que ele é verdadeiro, mas às vezes, podemos provar que ele não é verdadeiro. Sempre existe a possibilidade de se provar que uma teoria estabelecida está errada, mas nunca podemos provar que ela é correta. Assim, a ciência evolui através de refutações. À medida que se vai provando que algumas ideias são falsas, obtém-se uma nova teoria, ou a antiga é aperfeiçoada. Referência: Borges (1996, p. 75)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BORGES, R.M.R. Em Debate: Cientificidade e Educação em Ciências. Porto Alegre: SE/CECIRS, 1996. CARVALHO NETO, M. B. Análise do comportamento: behaviorismo radical, análise experimental do comportamento e análise aplicada do comportamento. Interação em

Psicologia, Belém do Pará, 6 (1), p.13-18, jan./jun. 2002. Farias, A. K.C. R. & colaboradores.  Análise comportamental clínica: aspectos teóricos e estudos de caso. Porto Alegre: Artmed, 2010. GALLIANO, A. G. O método científico: teoria e prática. São Paulo: Harbra, 1986. Japiassú, H.; Marcondes, D. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990. Marx, M. H.; Hillix, W.A. Sistemas e Teorias em Psicologia. São Paulo: Cultrix, 1974.

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Matos M. A. O behaviorismo metodológico e suas relações com o mentalismo e o behaviorismo radical. Em R. A. Banaco (Org.). Sobre comportamento e cognição. São Paulo: Santo André, 1999.

MOREIRA, M. B.; MEDEIROS, C. A. Princípios básicos de análise do comportamento. Brasília: Artmed, 2007. OLIVEIRA, S. L. Tratado de metodologia

científica: projetos

de pesquisa, TGI, TCC, monografias,

dissertações e teses. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002. SKINNER, B. F. A psicologia pode ser uma ciência da mente? Revista Brasileira de Análise do Comportamento, São João Del-Rei, 6(1), p.111-119, 2010. SKINNER, B. F. Ciência e comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes, 1978.

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2 Análise experimental do comportamento

Análise experimental do comportamento O presente capítulo objetiva incitar a curiosidade sobre o tema proposto, organizar o assunto a ser tratado e orientar a aprendizagem. Funciona também como um pequeno resumo do que será estudado, ressaltando os pontos mais importantes da aula.

OBJETIVOS •





Expor uma definição de Análise Experimental do Comportamento; Diferenciar Análise Experimental e Análise Funcional do Comportamento; Discutir os aspectos éticos envolvidos nas pesquisas em Psicologia.

Definição de análise experimental do comportamento  A análise experimental do comportamento busca a explicação do comportamento de um sujeito (ou organismo) com base na descrição das relações que tal comportamento mantém com outros comportamentos, presentes ou passados. O que define a análise do comportamento é essa investigação dos efeitos (consequências) cumulativos (dimensão histórica) de contingências ou interações (antecedentes passados ou atuais) sobre o desempenho atual do organismo. Vejamos exemplos dos efeitos de contingências sobre o comportamento de uma pessoa e as consequências do comportamento: Se decido deixar meu guarda-chuva em casa em um dia chuvoso (contingência), então talvez tome chuva (consequência). Ver figura 2.1. Se sempre estou no ponto do ônibus antes de sua chegada (contingência), quase nunca me atraso para a Faculdade (consequência). Ver figura 2.2. •



capítulo 2 •

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   M    O    C  .    E    L    I    F    E    U    G    R    O    M     |    A    N    I    D    E    M    D    ©

Figura 2.1 –    M    O    C  .    Y    A    B    A    X    I    P    ©

Figura 2.2 –

O objeto de estudo da análise experimental do comportamento é o comportamento de organismos, sendo este o produto das interações entre o organismo e seu meio. No caso de seres humanos, considera-se não somente o mundo público, formado por comportamentos observáveis por todos, mas também o mundo privado do sujeito, o qual é vivenciado apenas pelo indivíduo (como suas emoções, desejos e preocupações) e relatado ao mundo externo por diversos meios, da fala sistemática à arte. O mundo privado é entendido, por alguns, como a subjetividade humana.  A análise científica do comportamento começa pelo isolamento das partes simples de um evento complexo, de modo que essas partes possam ser melhor compreendidas, com o auxílio de experimentos. Os resultados dos experimentos podem ser verificados independentemente, repetidos por outros analistas, e suas conclusões podem ser confrontadas com os dados registrados, para confirmação de sua validade. Assim, fazer análise do comportamento é determinar as

capítulo 2 •

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características/dimensões da ocasião em que o comportamento ocorre, identificar as propriedades públicas e privadas da ação e definir as mudanças produzidas pela emissão das respostas (no ambiente, no organismo). A essa tríade chama-se contingência tríplice, a unidade funcional da análise do comportamento (figura 2.3).

SITUAÇÃO

RESPOSTAS

 

CONSEQUÊNCIAS

Figura 2.3 – Contingência Tríplice.

Sendo mais técnicos, diríamos que a análise experimental do comportamento se baseia na identificação de relações funcionais, na identificação e descrição do efeito comportamental, na busca de relações ordenadas entre variáveis ambientais e a ação de um organismo, na formulação de predições confiáveis baseadas nas descrições dessas relações e na produção controlada de efeitos previsíveis (Galvão e Barros, 2001). Como se vê em Todorov (2007): A análise experimental do comportamento utiliza-se de contingências e de relações funcionais como instrumentos para o estudo de interações organismo-ambiente. O experimentador manipula contingências em busca de relações funcionais e das condições (variáveis de contexto) nas quais podem ser observadas. Um sistema de relações funcionais constituirá uma teoria útil se vier acompanhado de especificações de onde e quando, no ambiente externo, as variáveis de contexto devem ser encontradas.

Frente à variedade de teorias psicológicas sobre o comportamento humano, como comprovar a validade de uma teoria? A resposta que dão Moreira e Medeiros (2007) é que o modo de comprovar a "veracidade" de uma teoria é testando-a em laboratório, onde há controle das situações criadas para avaliar as teorias, apresentaremos várias atividades que podem ser desenvolvidas em laboratório para o estudo da análise experimental do comportamento. O objeto de estudo da análise do comportamento é o comportamento, sendo este o produto da relação entre o organismo e seu meio. Considera-se também o mundo privado do sujeito, e não somente o público, este último, aquele observável por todos. O mundo privado, sentido apenas pelo indivíduo e relatado ao mundo externo pelos mais diversos meios, da fala sistemática à arte, pode ser entendido, por outras abordagens, como a subjetividade humana.

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Os analistas do comportamento procuram explicar a ocorrência dos eventos comportamentais verificando que relações esses eventos mantêm com as alterações nos eventos ambientais com os quais o organismo em questão mantém intercâmbio. Nesse contexto: 1) uma parte da atividade que é tida em outras áreas como atividade mental, para os analistas do comportamento pode ser considerada enquanto processamento cerebral, fisiológico, e, portanto, deve ser estudado pela neuropsicologia; 2) outra parte pode ser analisada enquanto eventos encobertos (acessíveis apenas para o sujeito “onde” eles ocorrem). Quando faço um cálculo “de cabeça” ou “mentalmente”, estou me comportando tanto quanto se tivesse feito esse cálculo de maneira aberta a outros observadores, usando papel e caneta. Isso quer dizer que, mesmo quando pensamos algo ou cantarolamos uma música de maneira inaudível para os outros, estamos nos comportando e este comportamento não tem uma natureza diferente de outros comportamentos observáveis para os outros, eles diferem apenas em relação à possibilidade de acesso a observação. Neste caso, enquanto comportamento, os fenômenos psicológicos encobertos não explicam o comportamento visível, mas precisam também ser explicados. Sobre essa questão, De Rose (1999) afirmou que: Infelizmente, em nossa cultura, inventou-se, para explicar a ocorrência de comportamentos encobertos, uma entidade imaterial denominada mente. Esta noção nos levou a perder de vista o fato de que comportamentos encobertos são operantes (ou seja, são explicáveis como parte de um conjunto de ações que alteram o ambiente e também podem ser entendidos como eventos comportamentais que mantêm intercâmbio com eventos ambientais) do mesmo modo que os comportamentos visíveis. Esta entidade inventada, que denominamos mente, passou a ser tomada como explicação dos comportamentos visíveis e, deste modo, as causas reais destes comportamentos têm passado desapercebidas.

Para os analistas do comportamento, explicar significa estabelecer relações entre eventos. Assim, tanto o comportamento visível quanto os eventos psicológicos não observáveis devem ser compreendidos através de suas relações com os eventos ambientais. Por falar nisso, por que será que você está lendo este texto agora? Se você se empenhar um pouco em responder a essa pergunta provavelmente poderá identificar algumas relações entre o que você está fazendo e eventos ambientais antecedentes e consequentes. Em outras palavras, você estará iniciando uma análise de seu próprio comportamento.

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 Analisar o comportamento é, portanto, selecionar um desempenho de um organismo em particular e procurar suas relações com o ambiente imediato (físico e social), levando em consideração variáveis históricas, como por exemplo a “experiência” que o organismo já teve com aquele tipo de situação em particular e com situações similares. Ao analisarmos o comportamento é, portanto, fundamental identificar as interações que ocorrem, num determinado período de tempo, entre um organismo e seu ambiente. A palavra  interação é muito importante aqui porque estamos falando de uma dupla influência: mudanças no ambiente produzindo mudanças de comportamento e o comportamento dos organismos produzindo mudanças no ambiente que podem repercutir sobre o comportamento. Assim, o comportamento de um organismo não só é afetado por alterações que ocorrem nesse ambiente, mas também altera as condições do ambiente.

Eventos ambientais e eventos comportamentais  As duas classes mais amplas de eventos de interesse da análise do comportamento são a classe dos eventos ambientais e a classe dos eventos comportamentais. Os eventos ambientais são as alterações que ocorrem no ambiente. O escurecimento ou iluminação de uma sala, som de uma campainha, o cheiro de uma flor, pessoas trabalhando, uma dor de cabeça são exemplos de eventos ambientais. Eles antecedem e/ou seguem os eventos comportamentais no tempo e no espaço. Os eventos comportamentais são as ações promovidas pelo organismo cujo comportamento estamos analisando/observando; são os eventos comportamentais que nós queremos explicar. Um mesmo evento pode ser considerado ambiental ou comportamental, dependendo de qual organismo (sujeito) está sob análise. Para que fique mais claro, considere o seguinte exemplo. “Um grupo de colegas de classe estava reunido em frente ao Laboratório de Psicologia. Pedro contou uma piada. Todos riram ruidosamente.” Se estivermos analisando o comportamento de Pedro, podemos dizer que o grupo reunido é um evento ambiental (antecedente) ao evento comportamental “contar uma piada”, e que os risos são um evento ambiental (consequente) ao evento comportamental promovido por Pedro. Se resolvermos analisar o comportamento de outro membro do grupo, a piada contada por Pedro passa a ser um evento ambiental antecedente ao evento comportamental “rir”, promovido por todos os membros do grupo.

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Perceba, contudo, que há uma parte dos eventos ambientais que afetam o comportamento do sujeito que estamos analisando e outra parte que não afeta. Por exemplo, este texto é provavelmente o evento ambiental que mais está afetando o seu comportamento agora. Neste momento, entretanto, o sinal de trânsito da esquina da sua casa está vermelho. Esse evento ambiental não está tendo qualquer efeito sobre o seu comportamento. Aos eventos ambientais que efetivamente estão mantendo intercâmbio com o comportamento do sujeito sob análise damos o nome de “estímulos”. Não há eventos ambientais visuais que afetem o comportamento de um cego, por exemplo. Podemos dizer que o comportamento do cego não é afetado por estímulos visuais. Contudo, há uma diversidade muito grande de eventos ambientais auditivos, táteis, olfativos e gustativos que podem funcionar como estímulo para ele. Para a análise científica do comportamento os eventos podem ser classificados em função da sua localização, em função da sua disponibilidade à observação ou, quanto à sua natureza. Quanto à sua localização, os eventos podem ser externos ou internos, conforme ocorram dentro ou fora do corpo do indivíduo cujo comportamento está em estudo. É possível que um exemplo seja esclarecedor. “Considere o comportamento de Mariana.” Ela está tomando remédios para gastrite, de acordo com uma receita médica. Às cinco horas da tarde, o despertador tocou (evento ambiental antecedente externo). Ela, então, tomou um comprimido (evento comportamental) e sua mãe a elogiou pelo autocuidado (evento ambiental consequente externo).Juliana também está fazendo um tratamento para gastrite, mas frequentemente deixa de tomar os remédios na hora certa. Um dia, ela estava assistindo a um filme na TV quando de alguma maneira detectou excesso de acidez no seu estômago (evento ambiental antecedente interno). Ela tomou o remédio (evento comportamental) e a acidez começou a diminuir e finalmente acabou (evento ambiental consequente interno). Observe, contudo que, apesar da acidez estomacal ser um evento interno ela é acessível a outros observadores através de uma endoscopia, por exemplo. Esse detalhe é importante para compreender o próximo item deste texto. Quanto ao acesso à observação, os eventos podem ser públicos, quando mais de um observador pode ter acesso a eles, ou privados, quando não podem ser observados por outros. Apesar do dentista poder observar o nervo inflamado no dente de Maria, apenas Maria pode experimentar a dor decorrente da inflamação. A dor de dente de Maria é, portanto, um evento ambiental privado. Eventos comportamentais podem ser públicos e privados também. Podemos, por exemplo,

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falar em silêncio de tal maneira que ninguém possa ter acesso a essa nossa ação (evento comportamental privado). É possível que mais um exemplo seja útil. “Dona Maria experimentou um conjunto de reações emocionais que podemos resumir sob o nome de ansiedade quando o barco em que viajava para Macapá balançou intensamente (evento ambiental).” Esse evento ambiental, o balançar do barco, provocou um conjunto de eventos comportamentais do qual uma parte eram privados, as respostas de ansiedade, as quais, por sua vez, também tinham propriedades de estímulo (uma vez que Dona Maria podia interagir com esse evento, a ansiedade). E assim o fez. Ela rezou em silêncio (evento comportamental privado). Aos poucos a ansiedade foi passando (evento ambiental privado). Vale ressaltar que, de acordo com essas definições que você acaba de conhecer, “público” não corresponde a “externo” e nem “privado” corresponde a “interno”. Existem eventos internos que sãopublicamente observáveis e eventos externos que dificilmente podem ser observados. Uma alteração na taxa cardíaca, apesar de ser normalmente sentida apenas pelo indivíduo no qual ela ocorreu, pode ser observada por outro indivíduo, através do ouvido encostado no tórax, ou colocando o polegar sobre o pulso (retorne também ao exemplo da acidez estomacal, acima apresentado). Hoje existem técnicas de registro da atividade cerebral que permitem a observação de que partes do cérebro ficam mais ativas quando certas atividades são executadas. Dessa forma, mesmo o pensamento, nossa atividade mais privativa, já pode, de certa forma, ser acompanhado, apesar de ainda não poder ser considerada um evento público. É evidente que o que se observa é a atividade de certas partes do cérebro, não o pensamento propriamente dito, da mesma forma que ocorre com a dor de dentes, que ela mesma não pode ser vista, mas sim a inflamação correspondente. Quanto à natureza, os eventos podem ser físicos ou sociais. Assim, a função dos eventos sobre o comportamento pode decorrer estritamente de suas características físicas ou pode decorrer de aspectos sociais e culturais envolvidos no evento em questão. Se um golpe atinge alguém, a reação imediata resulta das características físicas do golpe: se for uma rasteira a pessoa pode levar um tombo, se for um murro na barriga a pessoa pode se curvar para a frente e perder a respiração por algum tempo. Assim, às vezes nos interessa a relação das propriedades físicas intrínsecas dos eventos ambientais com o comportamento. Um outro exemplo de evento cujo efeito sobre o comportamento pode decorrer de suas características físicas é o escurecimento ou iluminação da sala de aula, quando estamos interessados em evidenciar a função da luminosidade, intrínseca da energia luminosa, sobre o comportamento (como os movimentos dos músculos da íris, abrindo e capítulo 2 •

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fechando a pupila). O som da campainha de um telefone pode, também, afetar o comportamento em função de suas características físicas, quando, por exemplo, nos ajuda a nos orientar no escuro. O ruído de um motor, um relâmpago, o perfume de uma flor são também eventos cujas características físicas afetam, ou podem afetar, o comportamento. Mas também é possível que o efeito dos eventos sobre o comportamento resulte não apenas de suas propriedades físicas, mas também do “significado” que esse evento tem num contexto histórico e cultural, ou seja, alguns eventos podem exercer funções sociais. Os eventos sociais são uma categoria de eventos físicos que são produzidos pelo comportamento de outras pessoas (que não o sujeito sob análise) e cujo efeito sobre o comportamento do sujeito não resulta apenas de suas propriedades físicas, mas de convenções estabelecidas pelos grupos sociais. Uma luz de sinal de trânsito, vermelha, não impede os carros de prosseguirem por sua intensidade (ou por qualquer outra propriedade física intrínseca), mas por convenção social. Assim, não é qualquer propriedade física da luz vermelha que impede os carros numa esquina sinalizada, mas sim as contingências socialmente estabelecidas. Apesar da luz ser um evento físico como qualquer outro, o que faz os motoristas pararem seus carros na presença desse evento é um conjunto de convenções que compõem as regras de trânsito. Veja outro exemplo: uma professora se aproxima de um grupo de crianças e diz: "Quem quer ouvir uma história?". As crianças saem pulando e gritando: "Eu! Eu! Eu!". Podemos considerar que o efeito do “ruído vocal” da professora sobre o comportamento das crianças (elas pularam e gritaram) resultou do significado que aquele ruído assumiu num contexto linguístico convencionado pela sociedade. A energia despendida pela professora para emitir a frase foi ínfima, e não explica, sozinha, o fato das crianças saírem pulando e gritando. A função do evento "Quem quer ouvir uma história?" decorre da história de interação dos indivíduos na sociedade em que vivem, e não apenas da energia intrínseca desse evento. Os eventos sociais são, portanto, um tipo especial de eventos físicos. Para encerrar, vamos a mais dois exemplos: a incidência de raios solares sobre a pele das pessoas pode ser um evento ambiental que tem efeito sobre o comportamento das pessoas que estão à espera de um ônibus em um ponto de parada. Esse evento ambiental pode determinar que algumas pessoas se abriguem. Os aspectos estritamente físicos da incidência dos raios solares sobre a pele das pessoas são suficientes para explicar porque elas se abrigam. Estamos falando de um evento físico simplesmente. Consideremos agora o comportamento do motorista do ônibus. Ele está conduzindo o veículo por uma via, quando um pedestre, parado em um ponto de ônibus, estende o braço horizontalmente e faz capítulo 2 •

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sinal em direção ao ônibus. O motorista para o ônibus. Neste caso, o sinal feito pelo pedestre é que foi o evento antecedente que determinou que o motorista parasse o ônibus. Entretanto, os aspectos estritamente físicos do gesto do pedestre não explicam porque o motorista parou o ônibus. Se você não considerasse que “por trás” daquele gesto do pedestre há uma convenção social jamais seria possível explicar porque o motorista parou o ônibus. O sinal do pedestre é um evento físico social para o motorista.  As medidas feitas no laboratório nos permitem detectar, em condições controladas, processos comportamentais, ou seja, relações entre variáveis ambientais especificadas e os comportamentos dos organismos. Entretanto, em condições normais, essas relações são mais complexas, com muitas variáveis e processos interagindo simultaneamente, de forma que o conhecimento dos processos básicos (muitas vezes obtido em estudos feitos em laboratório) é importante para a interpretação das situações complexas da vida comum, apesar deste grau de imprecisão.

 A análise funcional do comportamento

CINCO PASSOS BÁSICOS PARA A REALIZAÇÃO DE UMA ANÁLISE FUNCIONAL DO COMPORTAMENTO. Definir precisamente o comportamento de interesse. 2. Identificar e descrever o efeito comportamental. 3. Identificar relações ordenadas entre variáveis ambientais e o comportamento de interesse. Identificar relações entre o comportamento interesse e outros comportamentos existentes. 4. Formular predições sobre os efeitos de manipulações dessas variáveis e desses outros comportamentos sobre o comportamento de interesse. 5. Testar essas predicações. 1.

Disponível em: .

 A análise funcional do comportamento, diferentemente da análise experimental do comportamento, ocorre em situações do cotidiano, onde o comportamento do indivíduo em questão não está submetido a procedimentos experimentais para fins de pesquisa. Em geral, a análise funcional do comportamento tem como ob jetivo propor estratégias de mudanças do comportamento alvo, visando diminuir as dificuldades experimentadas pelo indivíduo. Haynes e O´Brien (1990) definem capítulo 2 •

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análise funcional do comportamento como “a identificação de relações relevantes, controláveis, causais e funcionais aplicáveis a um conjunto específico de comportamentos-alvo para um cliente individual” (p.654).  Assim, embora um problema possa ser relatado por um indivíduo, um grupo ou uma organização, em qualquer destes casos, é possível realizar uma análise funcional do comportamento, e o procedimento é o mesmo: decidir qual informação coletar, delinear o problema, decidir que ações proceder e avaliar as mudanças. Identificar um comportamento significa compreender sua função, que pode variar de um indivíduo para outro, entre situações e no tempo. De forma geral, as funções dizem respeito à obtenção de estímulos prazerosos ou à evitação de estímulos aversivos. Em relação à análise funcional, podem ser destacadas as seguintes características: a) são mais probabilísticas que deterministas; b) são transitórias e podem variar com o tempo (por exemplo, as variáveis relacionadas ao início de um problema podem não ser aquelas relacionadas a seu desenvolvimento posterior ou manutenção atual); c) são não excludentes, ou seja, a relação entre duas variáveis não impede a relação entre essas e outras variáveis; d) podem ser de nível macro (como etnia ou classe social) ou de nível micro (como frequência de criticismo social); e) requerem que as variáveis causais sempre precedam o evento causado; esta é uma condição necessária, mas não suficiente para causalidade; f ) eventos privados podem entrar na análise funcional em diferentes vias: podem ser o comportamento-alvo, podem ser antecedentes ou podem ser consequentes; g) identificar as variáveis que atualmente causam um problema clínico pode ser muito difícil, já que no ambiente natural há muitas outras variáveis que estão correlacionadas com a causa verdadeira; h) podem ter limites; uma importante limitação é que relações funcionais são difíceis de serem comprovadas. Gresswell e Hollin (1992) fazem distinção entre análise funcional idiográfica (a análise de casos individuais) e nomotética (análise funcional de uma categoria diagnóstica, como a exemplo análise funcional da depressão). A essas duas categorias, podemos adicionar outras duas: análise funcional de processos psicológicos (como imitação, desenvolvimento infantil, entre outros) e análise funcional de sistemas complexos (como organizações, ambiente terapêutico, prisões). capítulo 2 •

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Quando se vai proceder à analise funcional de um comportamento, de todas as informações que se tem sobre a vida atual e passada do indivíduo, tem-se que selecionar aquelas variáveis que parecem ter relação causal com o comportamento analisado e, na verdade, somente se tem certeza da escolha das variáveis corretas após sua manipulação. Num primeiro momento as relações estabelecidas são meramente hipotéticas.  Além de especificar o comportamento-alvo, uma análise funcional adequada deve: a) especificar os comportamentos substitutos, ou seja, os comportamentos adaptativos que podem ser efetivos em servir àquela mesma função; b) especificar em termos funcionais as consequências que mantêm o comportamento-alvo (podem incluir tanto reforço positivo como negativo); c) especificar as contingências que têm falhado em manter a resposta adaptativa (pode ser que a pessoa nunca tenha aprendido comportamento apropriado; que o comportamento apropriado tenha uma frágil história de aprendizagem; ou que atualmente haja pouco reforço ou haja punição para a resposta adaptativa). Exemplo de análise funcional: análise funcional da fobia social Definição de Fobia Social de acordo com o DSM-V (p.242): “Medo ou

ansiedade acentuados acerca de uma ou mais situações sociais em que o indivíduo é exposto a possível avaliação por outras pessoas. Exemplos incluem interações sociais (p. ex., manter uma conversa, encontrar pessoas que não são familiares), ser observado (p. ex., comendo ou bebendo) e situações de desempenho diante de outros (p. ex., proferir palestras). ”  Análise Funcional: “As variáveis externas, das quais o comportamento é função, dão margem ao que pode ser chamado de análise causal ou funcional. Tentamos prever e controlar o comportamento de um organismo individual. Esta é a nossa ‘variável dependente’ - o efeito para o qual procuramos causa. Nossas ‘variáveis independentes’ - as causas do comportamento - são as condições externas das quais o comportamento é função. Relações entre as duas - as ‘relações de causa e efeito’ no comportamento - são as leis de uma ciência. ” (Skinner, 1994)

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Esquema SD  R  SR , onde: SD (situação social, percepção dos sinais de ansiedade), R  (evitação/ fuga) e SR  (diminuição temporária da ansiedade). Contingências que favorecem o surgimento da fobia social: a) restrições de oportunidades de experiências em diferentes grupos cul-

turais devido à pobreza (Luthar & Zigler, 1991) ou a normas e valores da subcultura grupal (grupos fechados) que dificultam os contatos sociais). b) Relações familiares empobrecidas, com pais agressivos ou pouco empáticos que fornecem modelos inapropriados de interações (Eisenberg et al., 1991); c) Dificuldades para resolver problemas (Arón & Milicic, 1994); d) Práticas parentais que premiam dependência e obediência e que punem ou restringem iniciativas de contato social pela criança (Del Prette & Del Prette, 2001). e) Presença de dificuldades nas habilidades sociais. Contingências punitivas:

Quais foram os eventos punitivos na história de vida familiar e social do meu cliente? SD  R  SR  As situações sociais se tornaram SD (antecedentes) para SR- (consequências) críticas, humilhação, julgamento, retaliação, etc. 9

Intervenções: Treino de Habilidades Sociais (THS): Reformulação de conceito; Relaxamento progressivo; Dessensibilização sistemática; Ensaio comportamental.

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Aspectos éticos da análise experimental do comportamento No Brasil, os aspectos éticos envolvidos em atividades de pesquisa que envolvam seres humanos são regulados pelas Diretrizes e Normas de Pesquisa em Seres Humanos, através da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, estabelecida em outubro de 1996. Entretanto, novas resoluções estão sendo elaboradas para tratar de áreas temáticas especiais. O objetivo maior da avaliação ética de projetos de pesquisa é garantir os seguintes princípios básicos:

PRINCÍPIO DA NÃO MALEFICIÊNCIA

O pesquisador tem o dever de não causar mal e/ou danos ao indivíduo.

PRINCÍPIO DA BENEFICÊNCIA

o pesquisador deve contribuir para o bem-estar dos indivíduos, avaliando a utilidade de seus atos, e pesando os riscos e custos.

PRINCÍPIO DO RESPEITO À AUTONOMIA

O pesquisador deve atuar no sentido de preservar os direitos fundamentais do homem, principalmente seu direito a ter seus pontos de vista, opiniões e convicções.

PRINCÍPIO DA JUSTIÇA

O pesquisador deve garantir aos indivíduos garantias de igualdade de direitos e de liberdade de expressão.

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Na defesa destes princípios devem ser incluídas todas as pessoas que possam vir a ter alguma relação com a pesquisa, seja o participante da pesquisa, o pesquisador, o trabalhador das áreas onde a mesma se desenvolve e, em última análise, a sociedade como um todo. A avaliação ética de um projeto de pesquisa na área da saúde baseia-se, pelo menos, em quatro pontos fundamentais: na qualificação da equipe de pesquisadores e do próprio projeto; na avaliação da relação risco-benefício; no consentimento informado e na avaliação prévia por um Comitê de Ética.  A qualificação da equipe de pesquisadores deve avaliar a competência dos seus membros para planejar, executar e divulgar adequadamente um projeto de pesquisa. A adequação metodológica do projeto de pesquisa é fundamental. Um projeto inadequado acarreta riscos e custos sem que seus resultados possam ser utilizados, devido a deficiências no método. Devem ser esgotadas todas as possibilidades de obter dados por outros meios, utilizando simulações, animais, culturas de células, antes de utilizar seres humanos. Os pesquisadores devem dar garantias de que os dados serão utilizados apenas para fins científicos, preservando a privacidade e a confidencialidade. Na avaliação da relação risco benefício entram em jogo tanto o princípio da não maleficência como o da beneficência. O dano irreparável ou a possibilidade de morte, decorrente do projeto, impedem a realização do mesmo. Caso o risco real exceder ao previsto o projeto deve ser interrompido e revisto. Os projetos podem ser caracterizados tanto pelo risco quanto pelo benefício. A classificação pode basear-se na não maleficência, utilizando o risco associado aos procedimentos (risco mínimo e risco maior que o mínimo). O critério da beneficência, quando utilizado, avalia se o indivíduo terá ou não ganhos terapêuticos com o estudo (projetos clínicos ou não clínicos). O mais adequado, desde ponto de vista moral, seria permitir que as pesquisas fossem realizadas apenas quando houvesse indiferença por parte do pesquisador frente às alternativas a serem oferecidas aos participantes. A indiferença moral possibilita a realização de uma ação, mas não é nem obrigatória (Bem) nem proibida (Mal). Resumindo, em estudos comparativos, sempre que uma das alternativas tiver um benefício maior que as demais, ela deve se tornar obrigatória. Da mesma forma, sempre que um procedimento tiver comprovadamente um risco maior que o outro, ele fica proibido de ser mantido neste projeto de pesquisa.  A obtenção de consentimento informado de todos os indivíduos pesquisados é um dever moral do pesquisador. O consentimento informado é um meio de garantir a voluntariedade dos participantes, isto é, busca preservar a autonomia de todos os participantes. Desta forma, o consentimento informado deve ser livre capítulo 2 •

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e voluntário, pressupondo-se que o indivíduo esteja plenamente capaz para exercer a sua vontade. A existência de uma relação de dependência pode invalidar o consentimento, neste grupo incluem-se os alunos, os militares, os funcionários de hospitais, membros de congregações religiosas e os presidiários. Nestes casos deve haver um cuidado especial para evitar a possibilidade de coerção. O processo de consentimento informado deve fornecer informações completas, incluindo os riscos e desconfortos, os benefícios e os procedimentos que serão executados. A sua redação deve ser adequada ao nível de compreensão dos indivíduos. É sempre registrado em um documento por escrito, denominado de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, de acordo com a Resolução 196/96, que deve ter sua redação aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa. O fundamental é manter a característica do consentimento informado ser um processo, e não apenas um evento, uma assinatura de um documento. O consentimento informado deve ser visto como uma garantia de que a participação é efetivamente voluntária. Se ela aceitar deve ser merecedora de elogios, mas se negar a sua participação não é passível de qualquer censura ou desaprovação. O último ponto fundamental é a avaliação prévia por um Comitê de Ética em Pesquisa independente. Neste Comitê devem participar pesquisadores de reconhecida competência, além de representantes da comunidade. Deve ser garantida a participação de homens e mulheres. O Comitê deve avaliar os aspectos éticos do projeto de pesquisa assim como a integridade e a qualificação da equipe de pesquisadores.

LEITURA Termo de consentimento livre e esclarecido

Sua colaboração é importante e necessária para o desenvolvimento da pesquisa, porém sua participação é voluntária. Título do Projeto de Pesquisa Declaração de Idade: Eu declaro que tenho mais que 18 anos e que participarei por livre vontade do projeto de pesquisa conduzido pelo (a) pesquisador (a) ... Objetivo (s) do Projeto de Pesquisa Procedimentos: Riscos e benefícios: Riscos da pesquisa segundo a Res. 466/2012 - II. 22 – “Possibilidade de danos à dimensão física, psíquica, moral, intelectual, social, cultural ou espiritual do ser

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humano, em qualquer pesquisa e dela decorrente;” Benefícios da pesquisa II. 4 – “Proveito direto ou indireto, imediato ou posterior, auferido pelo participante e/ou sua comunidade em decorrência de sua participação na pesquisa;” 5) Considerando os riscos apontados acima, tomamos os seguintes cuidados para sua minimização: a) Será garantido o anonimato e o sigilo das informações, além da utilização dos resultados exclusivamente para fins científicos; b) Você poderá solicitar informações ou esclarecimentos sobre o andamento da pesquisa em qualquer momento com o pesquisador responsável; c) Sua participação não é obrigatória, podendo retirar-se do estudo ou não permitir a utilização dos dados em qualquer momento da pesquisa; d) Sendo um participante voluntário, você não terá nenhum pagamento e/ou despesa referente à sua participação no estudo; e) Os materiais utilizados para coleta de dados serão armazenados por 5 (cinco) anos, após descartados, conforme preconizado pela Resolução CNS nº. 466 de 12 de dezembro de 2012 Eu, ..... , como voluntário da pesquisa, afirmo que fui devidamente informado e esclarecido sobre a finalidade e objetivos desta pesquisa, bem como sobre a utilização das informações exclusivamente para fins científicos. Meu nome não será divulgado de forma nenhuma e terei a opção de retirar meu consentimento a qualquer momento. E declaro também, ter recebido uma cópia do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Local, data. Assinatura do participante da pesquisa Identificação dos responsáveis pelo estudo

RESUMO A análise experimental refere-se à análise de comportamentos emitidos em situações de pesquisas experimentais. Já a análise funcional do comportamento refere-se à análise de comportamentos que ocorrem na vida cotidiana. Em ambas o ponto de vista teórico utilizado é o defendido por Skinner. Em qualquer tipo de pesquisa científica, é importante que uma série de aspectos éticos sejam levados em consideração. Estes aspectos já se encontram definidos em resoluções específicas.

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ATIVIDADES Avalie a situação abaixo e preencha o quadro abaixo relacionando antecedente/comportamento/consequente. Maria é sobrinha de Paula. Todas as vezes que Paula chega à casa de Maria, primeiro ela entra e depois entrega sua carteira com os cartões de banco para Maria brincar. Maria, quando vê a carteira de dinheiro da sua mãe pergunta: Cadê tia Paula, mamãe? A tia de Maria Paula foi morar 3 anos na Espanha e nunca mais elas tiveram o contato. Todas as vezes que elas se falavam era pelo computador ou por e-mail. Maria deixou de associar a carteira a tia Paula.

ANTECEDENTE

COMPORTAMENTO

CONSEQUENTE

Caso clínico n°1 identificação:  D, 22 a., 2°ano de Administração, solteira, mora só com

os pais. Queixa: Muito medo do futuro -- "Não sei o que vou fazer". Indecisa, insegura -- "Tenho

medo de ficar sozinha em casa; medo de dormir sozinha". "Estou desligada, desatenta, desinteressada das coisas". Mãe e pai estão muito preocupados com ela, pois há +/- 1 ano está assim. Relacionamento com a família: Considera ter um bom relacionamento com os pais, que dão tudo a ela. Se dá melhor com a mãe (43a) que é alegre e expansiva. Seu pai (49a) é muito fechado, não é muito afetivo e ela tem muito respeito por ele. Ele se dava melhor com sua irmã (24a) que é falecida. Pais ficaram e ainda estão muito abalados com a morte da primeira filha, e agora estão muito preocupados com a cliente. A irmã da cliente faleceu há 1 ano (em 1988), e a família passou por um momento difícil. A irmã (segundo a cliente) era o "centro da casa". Ela trazia todas as notícias, e trabalhava com o pai na empresa que o pai possui. Era o "braço direito do pai". Dados das entrevistas: Infância feliz no geral. Foi aluna regular, não era boa em matérias decorativas. Repetiu duas vezes a 6ª. série. Em nov/88 terminou um noivado. Foi difícil, pois gostava muito dele, mas brigavam muito. Nas entrevistas fala muito de seus medos que a angustiam: toda noite lembra da irmã, reza muito. Lembra do que aconteceu com ela e diz

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que "a hora de dormir é horrível". Sempre tem esses pensamentos. Muitas vezes sonha com a irmã. Tem medo de barulhos à noite, imagina que alguém vai matá-la ou matar seus pais (a irmã foi assassinada por ladrão). Lembrar que não tem mais a irmã dá muita tristeza, sente muito sua falta. Quando sente medo acende a luz, liga o som, tranca a porta. Chora muito -está pior há 2 meses -- sente-se muito triste e muito quieta, sem vontade de fazer as coisas. Não entende o que sente agora, pois sempre foi muito alegre, falante, "a alegria da casa". Sempre foi carinhosa e brincalhona com os pais. Quando a irmã morreu, ela queria animá-los para que não ficassem tão tristes, mas agora não consegue e não sabe o que fazer. Levantamento de hipóteses e formulação comportamental

Antecedentes: 1. Pensar na morte da irmã (na hora de dormir) S. cognitivos 2. Barulhos à noite na casa (na hora de dormir) S. do ambiente 3. Ver tristeza dos pais (S afetivos do ambiente e cognitivos). Consequentes:

Respostas de ansiedade  chorar, rezar (motoras), medo de ficar só, medo do futuro, de morrer, da morte dos pais, ser morta, dormir só (cognitivas). Respostas de evitação ativa (esquiva da ansiedade) -- acender luz, ligar som, trancar porta, rezar. Consequência da Resposta: Depressão (desatenção, desligamento) e Indecisão. Formulação comportamental: A cliente parece evidenciar início de DEPRESSÃO por não conseguir mais lidar eficientemente com sua ansiedade em relação à perda da irmã e às consequências afetivas desta perda para ela e para sua família. Seus comportamentos de desatenção, desligamento e insegurança. Terapia: Trabalhar com a perda da irmã e suas consequências afetivas para ela e para a dinâmica familiar. Trabalhar sua autoimagem, autoestima e sua necessidade de sempre corresponder às expectativas familiares. Trabalhar sua insegurança e diminuição da assertividade e repertório social. Disponível em: . * Inserir data de acesso

01. Comente a análise feita acima.

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REFERÊNCIAS American Psychiatric Association. Manual Diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM5. Porto Alegre: Artmed, 2014. ARÓN, A. M.; MILICIC, N. Viver com os outros: programa de desenvolvimento de habilidades sociais. Campinas: Editorial Psy II, 1994.

DEL PRETTE, ZAP; DEL PRETTE, A. Habilidades sociais e educação: Pesquisa e atuação em psicologia escolar/educacional. Psicologia escolar e educacional: saúde e qualidade de vida, p. 11341, 2001. EISENBERG, N. et al. Prosocial development in adolescence: A longitudinal study. Developmental psychology, v. 27, n. 5, p. 849, 1991.

GALVÃO, O. F.; BARROS, R. S. Curso de Introdução à Análise Experimental do Comportamento. Belém do Pará: Copymarket.com, 2001. GRESSWELL, D. M.; HOLLIN, C. R. Towards a new methodology for making sense of case material: An illustrative case involving attempted multiple murder. Criminal Behaviour and Mental Health, 1992. HAYNES, S. N.; O'BRIEN, W. H. Functional analysis in behavior therapy. Clinical Psychology Review, v. 10, n. 6, p. 649-668, 1990. LUTHAR, S. S.; ZIGLER, E. Vulnerability and competence: a review of research on resilience in childhood. American journal of Orthopsychiatry, v. 61, n. 1, p. 6, 1991. ROSE, J. C. O que é comportamento? In: BANACO, R. A. Sobre Comportamento e Cognição: Aspectos teóricos, metodológicos e de formação em Análise do Comportamento e Terapia Cognitivista. Santo André: ARBytes, 1999. SKINNER, B. F. Eventos privados em uma ciência natural. JC Todorov e R. Azzi (Trad.), Ciência e comportamento humano, p. 247-271, 1994.

TODOROV, J. C. A Psicologia como o estudo de interações. Psicologia. Teoria e pesquisa, v. 23, p. 57-61, 2007.

capítulo 2 •

40

3 A realização de experimentos em Psicologia

A realização de experimentos em Psicologia O presente capítulo objetiva trazer informações acerca dos primeiros experimentos feitos em Psicologia, bem como mostrar, sucintamente, que tipos de estudos são propostos atualmente quando se fala em Análise Experimental do Comportamento. Funciona, também, como um pequeno resumo do que será estudado, ressaltando os pontos mais importantes da aula.

OBJETIVOS • Propor uma reflexão acerca da realização de experimentos em Psicologia; • Examinar as várias etapas do experimento em Psicologia; • Esclarecer os dois principais delineamentos de pesquisa utilizados em Psicologia Experimental;

• Explorar a ideia da experimentação animal no campo da Psicologia Experimental.

Realização de experimentos básicos  A experimentação é um modo fundamental de produzir conhecimento no mundo contemporâneo e ela tem três objetivos: o estabelecimento de relações causais, a compreensão de fenômenos e a promoção de aplicações práticas. O objetivo essencial de um experimento é estabelecer relações causais entre eventos, relações sistemáticas entre variáveis. Na experimentação, dividem-se estas variáveis em pelo menos duas categorias principais: as variáveis independentes (VIs) e as variáveis dependentes (VDs). As VIs são aquelas manipuladas pelo pesquisador, que está interessado em seus efeitos. As VDs são aspectos/dimensões do fenômeno de interesse, são as variáveis que o pesquisador mede em busca dos efeitos das VIs. Aqui, vê-se uma característica fundamental dos experimentos: a manipulação de variáveis. Para estabelecer com clareza a relação entre VIs e VDs, o controle experimental é imprescindível. É necessário o manejo adequado tanto das VIs quanto das VDs e de todos os fatores que possam interferir nos efeitos das primeiras sobre as últimas – tais fatores (eles mesmos mais variáveis) são chamados de variáveis estranhas (VEs) (Johnston & Pennypacker, 1993). Em um estudo sobre o tratamento da ansiedade, por exemplo, as conclusões sobre a eficácia de um novo medicamento (VI) capítulo 3

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sobre comportamentos considerados ansiosos (VDs) deveriam levar em conta a possibilidade de que outras variáveis, como fazer psicoterapia ou fazer exercícios físicos (VEs) possam afetar os resultados. Portanto, a tarefa que um cientista se propõe ao fazer um experimento exige cuidados e planejamento. A partir de suposições sobre as variáveis que constituem um fenômeno de seu interesse (VDs), o experimentador deve planejar como medir esse fenômeno, como manipular as condições que têm função em sua determinação (VIs) e como diminuir ou, pelo menos, isolar os efeitos de outras condições que podem afetar o fenômeno de interesse, mas que não se pode ou não se pretende manipular (VEs).

As etapas de um experimento  A realização de um experimento é um processo complexo no qual o experimentador percorre várias etapas inter-relacionadas. Estas etapas não devem ser entendidas como momentos predeterminados envolvendo uma sequência rígida de passos, mas como uma divisão pedagógica de um conjunto flexível de ações.  A partir da definição de uma pergunta experimental (o que se busca aprender com o experimento), o experimentador deve considerar: 1. Como o (s) fenômeno (s) em estudo será (ão) medido (s), garantindo a validade e a confiabilidade dessas medidas; 2. Como as condições experimentais e controle serão arranjadas para permitir comparações entre elas (delineamento experimental); 3. Como os dados (as medidas obtidas) serão analisados, e 4. Que conclusões são possíveis a partir dos resultados. Nenhuma dessas etapas pode ser compreendida isoladamente, já que todas as decisões tomadas pelo pesquisador ao longo do planejamento e execução de um experimento dependem umas das outras. Apesar da interdependência das etapas de um experimento, o que se pretende aqui é possibilitar uma visão geral da fase de delineamento experimental.

Delineamento experimental Todo experimento envolve duas condições básicas: condição controle (ou linha de base) e condição experimental. A condição controle é aquela na qual a VI não está presente. Ela permite avaliar os efeitos de todas as variáveis, que não a VI, capítulo 3

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sobre a VD. A condição experimental, por sua vez, é aquela na qual a VI está presente. Assim, é necessário que haja no experimento pelo menos as duas condições citadas acima que difiram apenas quanto à presença da VI. Mantendo todas as variáveis constantes entre as duas condições e variando apenas a VI, o experimentador está em posição favorável para concluir se as possíveis mudanças medidas são frutos de sua manipulação. Por esta razão, é extremamente importante que o experimentador conheça as características, as possibilidades (os pontos fortes) e os limites (os pontos fracos) dos delineamentos experimentais em geral e dos delineamentos experimentais que planeja. Dito de outra forma, delinear um experimento é decidir sobre: 1. Quantos sujeitos serão utilizados; 2. Quantas serão as condições (controle e experimental) utilizadas; 3. Quando, por quanto tempo e em que ordem as condições serão introduzidas; e 4. Quando e quantas vezes as medidas de interesse serão realizadas.

PLANOS EXPERIMENTAIS • Planos experimentais puros. 1: pré-teste-pós-teste e grupo de controle A O x O – grupo experimental A O O – grupo de controle Características:

• Os sujeitos são selecionados e distribuídos aleatoriamente por um grupo experimental e por um grupo de controle; • A ambos os grupos é administrado um pré-teste relativo à variável dependente; • O grupo experimental é sujeito a um tratamento novo ou não tradicional; • A ambos os grupos é administrado um pós teste.

Disponível em: .

Delineamentos entre grupos e delineamentos de sujeito único Os dois principais tipos de delineamentos experimentais são os de sujeito único (ou intrassujeitos) e os delineamentos entre grupos (ou entre sujeitos). A abordagem mais tradicionalmente utilizada na Psicologia e nas Ciências Sociais é a que emprega delineamentos entre grupos. Nestes delineamentos os efeitos de uma condição experimental são avaliados pela comparação entre diferentes grupos de sujeitos, submetidos, cada um dos grupos, a diferentes condições. capítulo 3

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Nos delineamentos entre grupos cada sujeito é exposto a apenas uma das condições do experimento. Além disso, todos os sujeitos de um grupo são expostos às condições por um mesmo período de tempo. Finalmente, as medidas de interesse costumam ser realizadas poucas vezes para cada sujeito e, de modo geral, envolvem o agrupamento dos dados relativos aos sujeitos que compõem cada grupo (pela obtenção de médias, desvios padrão, ou porcentagens de sujeitos que atingem certo critério). A comparação entre os resultados dos grupos, muitas vezes envolve o uso de instrumentos da estatística inferencial, como testes para avaliar a fidedignidade estatística dos dados e a significação das diferenças encontradas entre os grupos (Johnston & Pennypacker, 1993). Em um exemplo bem simples, um novo medicamento poderia ser testado pela distribuição aleatória de sujeitos em dois grupos. Um grupo recebe o medicamento (condição experimental) e o outro grupo recebe apenas um placebo (condição controle). Os sintomas da doença-alvo são medidos apenas duas vezes: antes e depois dos respectivos tratamentos. Os resultados obtidos em cada grupo são então estatisticamente comparados entre si para avaliar a eficácia do medicamento. Se os sintomas tiverem uma redução estatisticamente significativa no grupo que recebeu o medicamento, a redução poderia ser atribuída ao medicamento. Outra abordagem experimental é o delineamento de sujeito único. Sua utilização no estudo do comportamento humano tem sido defendida por diversos pesquisadores (Johnston & Pennypacker, 1993; Matos, 1990). Entre os argumentos a apoiar sua utilização destaca-se o fato do comportamento ser um fenômeno característico de organismos individuais, que interagem de maneira única com o mundo – dois indivíduos nunca se comportam da mesma maneira. Argumenta-se também que cálculos que agregam resultados, como médias de desempenhos de grupos de indivíduos, não representam corretamente o desempenho de nenhum dos seus membros, pois raramente um sujeito se comporta exatamente como essa média. Os delineamentos de sujeito único têm como característica principal tratar os sujeitos individualmente. Neste modelo de delineamento, os sujeitos são expostos a uma série de condições, mensurando-se repetidamente o desempenho do organismo e verificando-se se há uma relação ordenada entre as condições manipuladas no experimento e as alterações nessas medidas (Matos, 1990). Diferentemente dos delineamentos intergrupos, um mesmo sujeito é submetido a todas as condições do experimento e as observações são realizadas.

capítulo 3

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A experimentação animal Um aspecto que deve ser citado é que a "experimentação animal" pode se referir ao estudo em animais para um maior conhecimento deles próprios, e possíveis aplicações na própria saúde e bem-estar dos animais, tal como ocorre especialmente no campo da medicina veterinária. No entanto, de forma mais frequente, os animais são utilizados como "modelos", a fim de que se obtenha conhecimento e possíveis benefícios para a espécie humana. Esse tipo de pesquisa biomédica é que será constantemente o foco principal das críticas, tanto em seus aspectos morais quanto científicos.  As diferentes formas de utilização de animais que se enquadram no campo da "experimentação" atualmente podem ser divididas nas seguintes categorias (Rollin, 1998: 414-415):     A     S     I    A     C     U     I     S     Q      Á     S     E     B     P

Biológica, comportamental ou psicológica. Refere-se à formulação e testagem de hipóteses sobre questões teóricas fundamentais, tais como, a natureza da duplicação do DNA, a atividade mitocondrial, as funções cerebrais, o mecanismo de aprendizagem, enfim, com pouca consideração para o efeito prático dessa pesquisa.

    A     A     S     I    D     A     U     C     Q     I     L     S     P     E     A     P

Biomédica e psicológica. Formulação e testes de hipóteses sobre doenças, disfunções, defeitos genéticos, etc., as quais, se não tem, necessariamente, consequências imediatas para o tratamento de doenças, são pelo menos vistas como diretamente relacionadas a essas consequências.

Comissões de ética no uso de animais

Disponível em: . capítulo 3

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Um dos instrumentos de controle que mais tem crescido em diversos países são as comissões de ética no uso de animais, geralmente estabelecidas no âmbito das instituições científicas, embora deva ser observado que o papel desempenhado por essas comissões veio se modificando ao longo do tempo. O primeiro comitê institucional do qual se têm notícia foi estabelecido na Universidade de Harvard em 1907, composto por cientistas envolvidos com experimentos em animais. Naquele momento, a principal preocupação dos pesquisadores era tentar resolver o problema da escassez de animais, embora um dos seus membros tenha sugerido que deveria haver alguma forma de controle sobre a vivissecção (Rowan, 1990: 19). Os comitês passaram a se tornar um fórum para tentar resolver os conflitos envolvendo essas diversas questões. A atuação dos comitês veio a ser realmente estabelecida nos EUA, a partir da década de 80, devido à crescente pressão social sobre o uso de animais, e, simultaneamente, ao surgimento da obrigatoriedade legal em 1985. A partir de então, universidades, instituições de pesquisa e relacionadas à produção comercial estabeleceram o que nos EUA ficou conhecido como IACUCS (I nstitutional Animal Care and Use Committees ), agora não apenas a fim de serem revistos os parâmetros referentes aos cuidados e à criação dos animais, mas também ao uso do animal, isto é, a adequação da proposta dos procedimentos a serem efetuados em um protocolo experimental, e também com a missão de aprovar ou desaprovar qualquer propósito de uso de animais (Lukas & Podolsky, 1999). Embora apresentem grande variedade, o papel desses comitês pode ser resumido da seguinte forma: "assegurar que os animais sob a sua supervisão estejam sendo mantidos e utilizados de uma forma humanitária" (Podolsky, 1999). No Brasil, as comissões de ética no uso de animais vão surgir especialmente na década de 90, tendo sido identificada a existência delas em apenas 14 instituições em todo o país, embora não exista um cadastro nacional e nenhuma forma de regulamentação vigente no momento (Chaves, 2000). Esses comitês, de forma geral, representam uma estrutura nova nas instituições. No entanto, segundo Forsman (1998), o aspecto mais significativo relacionado a essas comissões é o fato de que elas viabilizaram a "experimentação animal como uma questão de reformas práticas, ao invés de uma questão revolucionária, do tipo ‘total abolição’ ou ‘total aceitação’ de tudo".

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O uso do rato virtual em experimentos de psicologia “Sniffy Pro - O Rato Virtual” é um programa de computador que tem como proposta servir de recurso didático aplicado ao ensino introdutório de Análise Experimental do Comportamento, em especial às atividades práticas normalmente desenvolvidas em laboratório de condicionamento operante, as quais empregam ratos como sujeitos e caixas de Skinner como equipamento experimental. Ao iniciar o Sniffy , o programa visualiza um rato virtual em um compartimento especial denominado de caixa operante, que contém uma barra para treinar o rato a pressioná-la para obter alimentos e água, além de outros estímulos. A inicialização do Sniffy  acontece através de configurações e parâmetros no menu do programa, em que podem ser configurados os estágios do experimento de condicionamento clássico através de intervalos de tempo pré-programados para o envio de estímulo para obter uma resposta do rato virtual. O programa Sniffy Pro permite que o pesquisador prepare e execute uma grande variedade de experimentos de condicionamentos clássico e operante, e lhe permite colher e dispor dados de uma maneira que simula o modo como os psicólogos trabalham em seus laboratórios. Além disso, em razão de o programa simular e mostrar simultaneamente alguns dos processos psicológicos que os psicólogos acreditam ser empregados pelos animais (e pelas pessoas), o Sniffy Pro apresenta alguns aspectos da aprendizagem que o pesquisador não poderia observar caso estivesse trabalhando com um animal vivo. Podem-se observar vários comportamentos no programa Sniffy . Inicialmente, o ratinho repete inúmeros movimentos na câmera operante. Os movimentos são comuns a um rato. Esses movimentos são: andar para frente, coçar o nariz, subir na parte da frente da caixa, andar para trás, ir ao dispensador de comida, cheirar o chão, andar para o lado esquerdo da caixa, andar para o lado direito da caixa e ficar em pé na parte de trás da caixa. Estes movimentos repetem-se por várias vezes, porém quando uma luz ou som é introduzido, o rato pode pressionar manualmente a alavanca de liberação de comida para poder se alimentar. Em outro momento, pode-se iniciar a modelagem do comportamento do Sniffy   através de apresentações repetidas do estímulo condicionado, um pouco antes do estímulo incondicionado. Como consequência desses pareamentos repetidos de estímulo, o estímulo condicionado adquire gradualmente a capacidade de eliciar uma nova resposta aprendida, denominada resposta condicionada. Usualmente – mas não sempre – a resposta condicionada se parece com o estímulo incondicionado, no sentido de que o estímulo condicionado é formado por certos componentes do

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estímulo incondicionado. Ao final desse experimento, o rato já está condicionado a que, todas as vezes que a luz ou som é acionado, ele acione a alavanca para obter o alimento. Em termos de possibilidades apresentadas pelo programa, o Sniffy  pode simular os seguintes tipos de aprendizagem: Condicionamento Clássico e Operante : •





 Aquisição, extinção, recuperação espontânea; Habituação, condicionamento de primeira e segundas ordens; Reforço, modelagem, punição.

Disponível

em:

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RESUMO A experimentação é um modo fundamental de produzir conhecimento e ela tem três objetivos: estabelecimento de relações causais, compreensão de fenômenos e promoção de aplicações práticas. O objetivo essencial de um experimento é estabelecer relações entre eventos, de forma a podermos prever o surgimento dos mesmos no futuro. Na experimentação podemos utilizar tanto sujeitos humanos como animais para criar modelos teóricos de compreensão do comportamento.

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ATIVIDADES 01. Toda vez que o cão Rex recebia um biscoito ele oferecia espontaneamente a pata. Achando este comportamento muito divertido e o interpretando como sinal de gratidão, seu dono insistentemente dava os biscoitos ao seu cachorro. Depois de determinado tempo, Rex não mais ofereceu a sua pata. Levando em consideração esta breve exposição, dentre as respostas abaixo, selecione aquela, que melhor conceitua a situação do ponto de vista dos conceitos da análise experimental do comportamento. a)

Fuga

b) Generalização c)

d) Frustração e) Imitação

Habituação

02. Em um procedimento experimental, pesquisadores colocaram voluntários dentro de uma sala. Neste local um som de caráter aversivo era liberado, por exemplo, uma mulher gritando, dentre outros, em intervalos irregulares sem que o participante pudesse prever temporalmente quando o estímulo aversivo seria liberado. O comportamento observado foi característico de grandes sustos. Após algumas exposições alguns participantes não mais apresentaram o comportamento característico de susto. Dentre os conceitos abaixo, qual melhor expressa o fenômeno do ponto de vista da análise experimental do comportamento. a) Sensibilização

d)

aprendizagem serial

b) Eliciação

e)

aprendizagem Vicariante

c)

Fuga

03. Avalie o experimento abaixo e assinale a alternativa que melhor representa a situação apresentada. Maria é sobrinha de Paula. Todas as vezes que Paula chega à casa de Maria, primeiro ela entra e depois entrega sua carteira com os cartões de banco para Maria brincar. Maria, quando vê a carteira de dinheiro da sua mãe pergunta: Cadê tia Paula, mamãe? A tia de Maria, Paula, foi morar 3 anos na Espanha e nunca mais elas tiveram o contato. Todas as vezes que elas se falavam eram pelo computador ou por e-mail. Maria deixou de associar a

carteira à tia Paula. a) Aquisição

d) Exposição

b) Associação

e) Extinção

c)

Bloqueio

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04. Indique a resposta e consequência que está analisando e identifique os esquemas de reforçamento em cada um dos exemplos a seguir. a)

A cada duas idas de Marcinho às aulas de recuperação, sua mãe faz seu prato predileto, camarão com catupiry. Marcinho está indo mais vezes, embora a sua mãe não tenha contado a ele essa “relação”.

R: _________________ C: _________________ Esquema:  _________________ b) Ir à caixa de correio ver se o carteiro deixou a correspondência. Ele normalmente passa

entre 9 e 10 horas. R: _________________ C: _________________ Esquema:  _________________ c)

Caio estava aprontando todas e parecia que era pela atenção. Sua mãe resolveu dar

atenção de tempos em tempos a Caio, independente do que ele estivesse fazendo. R: _________________ C: _________________ Esquema:  _________________ d)

Cal estava aprontando todas e parecia que era pela atenção. Sua mãe resolveu dar aten-

ção quando ele estivesse se engajando em comportamentos diferentes de fazer arte. R: _________________ C: _________________ Esquema:  _________________ e) Brincar em um parque de diversão, ora no trem fantasma, ora na montanha russa.

R: _________________ C: _________________ Esquema:  _________________ f)

Willian é escritor e tem um contrato em que recebe a cada 10 matérias escritas para o Jornal.

R: _________________ C: _________________ Esquema:  _________________ g) O reforçamento (biscoitos) ocorre contingente à resposta de pressionar um botão,

algumas vezes, após intervalos de 2 min, e outras após emissão de 50 respostas, sem sinalização.

R: _________________ C: _________________ Esquema:  _________________ h) Pombo que recebe ração ao bicar a chave somente após 5 segundos da última bicada. R: _________________ C: _________________ Esquema:  _________________ i)

Helena vende enciclopédias. Bate de porta em porta em várias casas todos os dias. R: _________________ C: _________________ Esquema:  _________________

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 j)

Joana realiza os desejos de seu filho em média a cada cinco vezes que ele pede, dependendo de sua paciência no dia.

R: _________________ C: _________________ Esquema:  _________________ k)

Sempre que Joana realiza os desejos de seu filho, ela fica livre de seu choro. R: _________________ C: _________________ Esquema:  _________________

l)

Paulo é lavador de carros. A cada carro que lava ganha R$ 10,00. R: _________________ C: _________________ Esquema:  _________________

m) Em média, a cada 10 carros que Paulo lava, ele ganha R$ 5,00 de gorjeta.

R: _________________ C: _________________ Esquema:  _________________ n) Paulo tem uma cliente muito generosa na gorjeta. Como ela chega pontualmente às

8:50 no estacionamento, Paulo fica olhando toda hora para ver se ela está estacionando o carro.

R: _________________ C: _________________ Esquema:  _________________

REFERÊNCIAS Chaves, C. C. (2000). Situação atual das comissões de ética no uso de animais em atividade no Brasil. Monografia de Conclusão de Curso, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro.

Forsman, B., 1998. Animal Ethics Committees (Sweden). In: Encyclopedia of Animal Rights and Animal Welfare (M. Bekoff & C. A Meaney, eds), pp. 31-32, Westport: Greenwood Press.

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Rowan, A.N. Section IV. Ethical Review and the Animal Care and Use Committee. In: A Special Supplement: Animals, Science and Ethics (S. Donnelley & K. Nolan, eds.), Hastings Center Report,

v.20, p.19-24, 1990.

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capítulo 3

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4 Aplicações práticas da análise do comportamento

Aplicações práticas da análise do comportamento O presente capítulo objetiva trazer informações acerca das possíveis áreas de aplicação da análise experimental do comportamento, citando exemplos destas, a fim de traçar um panorama da prática do psicólogo analista do comportamento

OBJETIVOS • Identificar os diversos contextos possíveis de aplicação da análise experimental do comportamento; • Especificar os três contextos escolhidos para a aplicação da análise experimental do comportamento.

Contextos de aplicação da análise comportamental De acordo com Costa e Marinho (2002), interpretar um comportamento significa compreender sua função, que pode variar de um indivíduo a outro, entre situações e no tempo. De forma geral, as funções dizem respeito à obtenção de estímulos prazerosos ou à evitação de estímulos aversivos. O papel do psicólogo neste contexto é estabelecer as relações existentes entre as variáveis e o comportamento em questão. Para os psicólogos, analistas do comportamento, independentemente de onde desenvolvam sua atividade e de qual seja ela (ensino, pesquisa, administração, prática clínica, etc.), a análise funcional ocupa um ponto central.  Assim, se partimos do pressuposto de que todo comportamento possui uma função dentro do repertório comportamental de um indivíduo, a busca da compreensão desta função seria a principal finalidade da análise funcional do comportamento. No sentido exposto até o momento, a análise do comportamento pode ser utilizada em diversas áreas, a saber: Educação; Organizações; Clínica. •





capítulo 4

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A análise do comportamento na Educação

Disponível em: .

Entendemos que existam, pelo menos, três categorias de contribuições da  Análise do Comportamento para a Educação: 1. Contribuições da filosofia Behaviorista Radical; 2. Forma com que a Análise do Comportamento interpreta certos problemas educacionais ou responde a questões como “qual o papel do professor?”, e a descrição e aplicação de princípios do comportamento ao contexto educacional; 3. Propostas sistematizadas de ensino de base comportamental. Deve-se lembrar que o objetivo último da educação é o desenvolvimento de comportamentos que serão vantajosos no futuro. Isso envolve ensinar comportamentos como autocontrole, resolução de problemas e tomada de decisão, os quais devem dar chances ao indivíduo de contribuir com a sobrevivência de sua cultura. Uma decorrência dessa forma de explicar o comportamento é de que conhecer o aluno nas suas facilidades e dificuldades exige a análise de seus comportamentos, ao longo de uma história de aprendizagem, em termos das condições sob as quais

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a pessoa se comporta e as consequências que produz. De nada adianta analisar o desempenho médio dos alunos em sala de aula. Cada aluno deve ser avaliado individualmente, e o planejamento de ensino deve ser, tanto quanto possível, flexível para atender às necessidades individuais. Um dos papéis cruciais do professor envolve criar condições que facilitem e garantam aprendizagem. A sua função primordial é ensinar. Ensinar é um processo comportamental complexo, que não se refere a um único comportamento.  Ao contrário, ensinar é um termo amplo que designa uma categoria de comportamentos que caracterizam o que um professor faz sob determinadas circunstâncias e os efeitos que produz. O aspecto mais crítico no processo comportamental chamado ensinar, e que o caracteriza, é o efeito do que o professor faz. Esse efeito deve ser a aprendizagem do aluno.  Aprender refere-se ao que acontece com o aluno em decorrência da ação do professor de ensinar. A mudança de comportamento do aluno (alteração de suas relações com o meio) é o que, fundamentalmente, evidencia aprendizagem. O conceito de comportamento aprendido diz respeito à aquisição ou o processo pelo qual se adquire certo comportamento; trata-se de uma mudança relativamente permanente naquilo que a pessoa é capaz de fazer. Assim, quando o aluno enfrenta uma situação-problema que não é capaz de resolver e o procedimento de ensino do professor faz com que ele passe a ser capaz de solucioná-la, isso é o que evidencia a ocorrência de aprendizagem. Se o aluno persiste não conseguindo solucionar um problema é porque o ensino não ocorreu, já que ensinar envolve a ação do professor e a aprendizagem do aluno. Dessa definição deduz-se que ensinar e aprender são dois processos interdependentes. Dessa perspectiva, o aluno não é passivo. É esperado que ele se disponha a realizar as atividades propostas pelo professor e que, ao estabelecer contato com materiais e procedimentos de ensino, se comporte em relação a eles. São as mudanças (ou não) no comportamento do aluno em relação aos procedimentos de ensino que deverão indicar ao professor se seus métodos estão sendo efetivos ou não. Se o aluno se recusar a participar do processo de ensino, ficará muito difícil para o professor conseguir manejar esta situação em sala de aula, exceto se o problema estiver exclusivamente na relação professor-aluno ou no uso de algum tipo de material. Nas demais situações, a colaboração dos pais, coordenadores pedagógicos e do psicólogo escolar será essencial para levar o aluno a participar das aulas, de modo que o professor possa, a partir disso, começar seu trabalho.

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Uma decorrência lógica do que foi exposto é que o professor deve ter noção clara do que pretende ensinar. Sem isso, não há como verificar se houve aprendizagem e, portanto, não há como dizer que algo foi ensinado. Ensinar exige planejamento e tomada de decisões. O primeiro passo é identificar e descrever com clareza e precisão o que será ensinado. Significa especificar os comportamentos que o aluno deve ser capaz de apresentar ao final do ensino e os critérios que serão utilizados para atestar que o aluno de fato aprendeu. Para falar sobre esses objetivos, um conceito que pode ser empregado é o de comportamento-objetivo. Esse conceito indica que o ensino deve ser planejado com base na definição de comportamentos que constituirão os objetivos a serem alcançados por meio do ensino. Com base nesta definição é que conteúdos específicos (o que será ensinado) e recursos (por que meios será realizado o ensino) poderão ser identificados. Fundamentado nesta decisão inicial, é possível identificar quais os comportamentos básicos ou pré-requisitos para o alcance do comportamento final que se pretende ensinar. Essa análise dará origem à delimitação de diversos comportamentos mais básicos, que deverão ser ordenados numa sequência do mais simples ao mais complexo. A hierarquia de ensino é importante para garantir a adesão do aluno ao longo do processo de ensino-aprendizagem porque comportamentos mais simples são mais fáceis de aprender e, inclusive, podem até já fazer parte do repertório do aluno. O próximo passo é conhecer o máximo possível sobre o aluno: a) Qual seu repertório acadêmico e de interação social (ou seja, o que ele  já sabe fazer), sobretudo, em relação ao que se pretende ensinar; b) Do que ele gosta e que pode ser usado como reforçador; c) Qual o contexto social em que está inserido e quais as situações-problema que se espera que consiga resolver etc. Porém, não basta conhecer o aluno no início do período letivo. É preciso registrar e monitorar seu desenvolvimento ao longo de todo o processo de ensino. Todas essas informações ajudarão no planejamento do material de ensino e das contingências de reforçamento. É importante notar que, na perspectiva comportamental, o trabalho do professor é focado e direcionado pelas necessidades do aluno. Assim, é preciso conhecer de forma clara: a) Quem deve ser ensinado; b) O que deve ser ensinado;

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Com que finalidade isso deve ser ensinado; d) Quanto deve ser ensinado (qual o nível de competência que se espera que o estudante possua) e e) Como deve ser ensinado. c)

Com os objetivos estabelecidos e o ensino organizado de forma gradual, bem como de posse de dados sobre o repertório do aluno e sobre o que possui valor reforçador e aversivo para ele, é possível planejar como os materiais de ensino devem ser construídos e quais atividades podem ser utilizadas em sala de aula; ou seja, é possível planejar as contingências de reforço. O professor deve, ainda, selecionar condições antecedentes em relação às quais ele possa estar seguro de que o aluno está agindo adequadamente na atividade proposta. Situações demasiado complexas podem fazer com que ele preste atenção em detalhes irrelevantes ou fique confuso. Ao planejar suas aulas e durante sua realização, o professor deve criar muitas situações para que os alunos possam participar. A participação é essencial para que o professor tenha feedback imediato sobre o que, o quanto e como seus alunos estão aprendendo. Além disso, é uma oportunidade de reforçar os comportamentos esperados, isto é, que se aproximam dos objetivos traçados. Nessa condição, o professor pode reforçar imediatamente o comportamento após sua apresentação. A proximidade temporal entre uma resposta e a consequência que ela produz é crucial para o estabelecimento mais rápido e fidedigno de uma relação comportamental, o que significa aprendizado mais eficaz, eficiente e gratificante. Reforçar é essencial, mas o professor precisa tomar cuidado com o tipo de reforço que utiliza e com os comportamentos que são reforçados. No processo de ensino, o reforço deve ser condicionado à apresentação, pelo aluno, de comportamentos que se aproximem dos comportamentos-objetivo estabelecidos pelo professor, que precisa, então, ter critérios claros de reforçamento, de modo a fortalecer apenas demonstrações reais de aprendizado. No que diz respeito ao tipo de reforçador, é necessário ressaltar que reforço não é só nota, prêmio ou estrelinha colada no caderno. Essas são consequências artificiais/arbitrárias, pois são extrínsecas à situação de aprendizagem. Podem ser utilizadas no início da aprendizagem, mas não devem ser empregadas de tal forma que o aluno só estude para obter prêmios ou evitar reprovação. Portanto, ao definir os reforçadores, é importante cuidar para não empregar apenas (ou por longos períodos) reforçadores artificiais. É preciso desenvolver procedimento de ensino para realizar a transferência do controle do comportamento por reforçadores capítulo 4

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artificiais para reforçadores naturais. É essencial que o aluno se torne sensível a reforçadores naturais da situação de aprendizagem, tais como indicações de progresso na sua capacidade de resolver problemas ou entender o que está escrito num texto, confirmação de acerto, aprovação social, entre outros. A questão central do planejamento de contingências de reforço não reside somente na quantidade, mas na utilização efetiva e planejada pelo professor dos reforçadores que estão disponíveis no contexto de uma sala de aula. No que concerne a avaliações e erros, é importante que o professor esteja atento, por dois motivos: o erro indica ao professor que o seu procedimento de ensino não está sendo efetivo e que algo em seu planejamento de ensino precisa ser revisto. Concomitantemente, o erro deve servir de alerta ao professor, pois, quando acontece em grande quantidade, pode desmotivar o aluno, afastando-o dos estudos. A rigor, errar tem caráter aversivo e, portanto, isso pode diminuir a probabilidade de que o aluno continue apresentando os comportamentos que estão sendo consistentemente punidos.  Assim, resumidamente, os princípios mais importantes da análise do comportamento que são utilizados na educação são: a) Uso do controle positivo no lugar do aversivo; b) Conteúdo vai do simples ao complexo; c) Foco no domínio completo do material pelos estudantes; e d)  Avaliação frequente do desempenho do aluno. Por fim, deve ser ressaltado que a preocupação com a captação e aplicação de recursos públicos, tanto para oferecer melhores salários aos professores como para construir novas escolas e elaborar material didático, é fundamental para a melhoria da educação. A análise do comportamento nas Organizações

Quando falamos em Análise do Comportamento voltada às organizações nos deparamos com o termo Comportamento Organizacional, uma ferramenta fundamentada no Behaviorismo Radical que respalda os gestores em sua atuação no que cerne o gerenciamento nas empresas (Franceschini, 2009). Comportamento Organizacional é o estudo do comportamento humano no contexto organizacional, as interações do ser humano com esse contexto, e a própria organização.

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Em uma organização os indivíduos não trabalham sozinhos. Eles estão em contato constante uns com outros e com a organização de várias formas. Dessa forma, o estudo do comportamento organizacional deve considerar as formas as quais interagem o indivíduo e a organização.  Assim por que o funcionário emite a resposta faltar, atrasar, no contexto empresa? Qual a consequência que mantém essa resposta? Como se apresentam as relações com o trabalho, as pessoas envolvidas. Os objetivos individuais coincidem com os objetivos organizacionais? Quais as implicações do absenteísmo para a organização? Como a empresa pode atuar para a redução desse comportamento? Inúmeras variáveis e conceitos impactam as interações descritas, e esses fatores em conjunto podem complicar a habilidade dos gestores para entender e gerenciar as pessoas na organização. No entanto, é possível também através do gerenciamento do comportamento organizacional promover oportunidades únicas para o desenvolvimento pessoal e organizacional.  A análise do comportamento implica intervenções no comportamento dos colaboradores e suas relações de maneira a gerenciá-los a obtenção de objetivos organizacionais de forma humanizada, contextualizada e funcionalizada. O objeto de estudo de analistas do comportamento que atuam dentro de organizações empresariais é o comportamento organizacional. O operário herdou a capacidade de adaptar suas respostas em função das consequências, de forma que ele é capaz de aprender. Sua história pessoal moldou e aprimorou esta capacidade tornando-o mais ou menos sensível a determinados capítulo 4

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estímulos (por exemplo, ao seguimento de regras e instruções) e sua cultura agiu durante toda esta configuração, determinando suas relações sociais e hierárquicas (contato com seu patrão, sua família ou seus colegas), seus reforçadores condicionados (salário, emprego, segurança etc.) e as práticas empresariais vigentes (ex. linha ou esquema de produção sob um sistema capitalista). Qualquer análise funcional do comportamento deve compreender tanto o comportamento de indivíduos em organizações quanto o comportamento de organizações enquanto entidades funcionais. Em seu sentido mais amplo, uma organização é constituída por um grupo de pessoas que desempenha tarefas que resultam em um produto particular, de forma que toda organização será definida pelo que produz. A unidade de análise de um analista organizacional será o entrelaçamento formado pelo comportamento de múltiplos indivíduos e seus produtos. Nesta visão o contexto de trabalho é tomado como realidade natural e estável à qual o indivíduo deveria se adaptar. Ao psicólogo caberia uma intervenção técnica visando o bom funcionamento do sistema. Diante de um esquema descritivo de uma estrutura organizacional um analista do comportamento pode contribuir na identificação: de esquemas de reforçamento ou punição vigentes no ambiente de trabalho, das variáveis que controlam o comportamento dos trabalhadores ou das condições culturais e estratégicas que determinaram tal estrutura. Toda relação de trabalho é resultado da interação entre a história prévia dos trabalhadores com o ambiente, ambos permeados pela cultura. Logo, torna-se necessário analisar todos os componentes desta relação para planejar uma intervenção eficiente: organismo (trabalhador), ambiente (social e físico) e cultura (sociedade e momento histórico). Dentre as possibilidades de atuação de um analista comportamental, pode-se começar pela atividade de seleção das pessoas que atuarão em uma organização.  A partir do levantamento da história prévia dos candidatos é possível identificar aqueles cuja história prévia de reforçamentos eleve a probabilidade de emissão de comportamentos desejados para a posição. O planejamento das condições físicas do ambiente de trabalho e das contingências que controlarão as atividades do trabalhador tais como formas de remuneração, estruturas hierárquicas, planos de carreira etc. pode contribuir para aumentar a probabilidade de emissão de respostas desejadas em quaisquer indivíduos que ocupem aquela posição. Neste intento, é também importante ponderar os aspectos culturais que permeiam as relações de cada trabalhador com seu grupo social. A cultura empresarial irá determinar quais intervenções serão viáveis ou mais facilmente implementadas. capítulo 4

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É fundamental expandir o foco de análise para além do comportamento individual e no sentido do ambiente e da coletividade, inserindo o analista do comportamento no âmbito estratégico e político das organizações. Em termos empresariais, é muito mais interessante criar um ambiente que molde aqueles que estão dentro dele do que selecionar pessoas cujas histórias prévias apresentem as “atitudes" desejadas. Esta contribuição pode ser especialmente interessante a organizações nas quais a seleção profissional é realizada sob critérios não comportamentais, tais como empresas públicas (admissão por concurso) ou cargos que exijam elevada especificidade técnica. No contexto organizacional funcionários submetem-se a contingências de trabalho em função das consequências oriundas de inúmeros reforçadores como aprendizagem, status, salário, independência financeira, elogios, entre outros. Sendo assim, ao analisar as contingências que mantém cada indivíduo frequentando e desempenhando atividades nesse ambiente é possível atuar de maneira mais eficaz. A análise do comportamento na Clínica

Figura 4.1 – Disponível em: .

De acordo com Fonseca e Pacheco (2010) no contexto terapêutico, o foco da análise do comportamento é o comportamento do cliente e pode ser utilizada em diferentes momentos da terapia, tais como a avaliação, a intervenção e o processo capítulo 4

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de alta. No contexto clínico a descoberta das contingências em que o comportamento problema se instalou e de como ele é mantido, estão envolvidos três momentos da vida do cliente: 1. Sua história passada; 2. Seu comportamento atual; e 3. Sua relação com o psicoterapeuta. Os métodos utilizados neste processo são a observação e o relato verbal. Na terapia, o analista do comportamento deve manipular as contingências que estão presentes na vida do cliente, levando em consideração que as contingências mais importantes da vida do cliente estão fora da clínica. Dizer que o comportamento é fruto de contingências rompe com a dicotomia proposta pelo modelo médico, uma vez que se tanto o normal com o patológico são frutos de contingências, ambos podem ser alterados. A importância dada à análise do comportamento na prática clínica reside no fato dela permitir ao analista identificar o comportamento de interesse, especificar a frequência, descrever estímulo antecedente, resposta e consequência, hipotetizar a relação existente e testar a hipótese. A partir daí o analista do comportamento pode elaborar práticas de intervenção. Na prática clínica, o terapeuta nem sempre pode entrar em contato com a contingência, utilizando o relato do cliente para chegar aos dados que levariam à análise do comportamento. Mas é através dessa fala que o terapeuta pode descobrir qual o evento encoberto e se o cliente está se aproximando de eventos reforçadores positivos, negativos ou se está se distanciando deles (pistas do passado – da história de reforçamento e/ou punição, do presente e do futuro – probabilidade de o comportamento ocorrer no futuro).  A análise do comportamento não utiliza esse evento encoberto como causa do comportamento, mas sim como produto da contingência. Por isso, se um cliente trouxer um sonho na primeira sessão o analista não poderá traçar relações funcionais, já que ainda não tem dados da história de reforçamento do cliente.  Assim, a aplicação clínica da análise do comportamento não visa descrever todas as relações entre variáveis relevantes. Aquelas que apresentam magnitude insignificante e aquelas que não podem ser modificadas são excluídas para simplificar o quadro e para identificar aquelas variáveis que poderiam ser modificadas durante o tratamento. Nesse contexto, a análise é uma forma de avaliação que é orientada ao desenvolvimento de um tratamento adaptado individualmente. Pode, inclusive, ser vista como tratamento em si mesma ou como um componente deste.

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LEITURA Relato de Caso Clínico

COSTA, S. E. G. C. & MARINHO, M. L. Um modelo de apresentação de análise funcionais do comportamento. Estudos de Psicologia, PUC-Campinas, 13 (19), p. 43-54, setembro/dezembro 2002. A cliente, a qual chamaremos Ana, é do sexo feminino, 27 anos de idade na época da avaliação, segundo grau completo e nível socioeconômico médio; trabalhava como técnica de laboratório. Estava casada há dois anos e a queixa apresentada foi depressão. Procurou a clínica psicológica encaminhada pelo psiquiatra com quem fazia tratamento há um ano, período durante o qual vinha tomando antidepressivo. Filha mais velha da família, tinha uma irmã e um irmão, ambos também casados. O relacionamento com o pai, segundo ela, sempre fora difícil. Na adolescência, ele a expulsara de casa, alegando que não aceitava que ela saísse à noite com amigos. Por isso, Ana morou por dois anos com a avó em outra cidade. Sua mãe, segundo a cliente, nunca tomou nenhuma iniciativa em relação às atitudes do pai. Quando voltou a morar com os pais, Ana passou a frequentar um grupo de estudos bíblicos da religião Testemunhas de Jeová e fez várias amizades. Permaneceu nesse grupo por cinco anos e relatou que nesse período sentia-se muito bem. Considerava que o ideal seria casar-se com alguém do grupo; porém, envolveu-se com um rapaz que conheceu no trabalho e se casaram. O marido era da religião Católica e nunca participou das atividades da religião de Ana. Após casar-se, Ana foi reduzindo sua participação nas reuniões do grupo, até que parou de frequentá-las totalmente. Também, logo após seu matrimônio, ocorreu o falecimento de sua avó. São apresentadas, a seguir, as principais informações obtidas nas sessões iniciais de avaliação, com alguns comentários sobre seu possível efeito em alguns comportamentos (públicos e privados) apresentados por Ana. As queixas apresentadas por Ana ao início da terapia foram: desânimo, cansaço, dores no corpo, dificuldades para enfrentar os problemas do dia a dia e em fazer amizades, vontade de fugir e de dormir e elevada sensibilidade diante de acontecimentos ruins. Relatou desejo de mudar esse seu jeito de ser. A cliente relatou que devido às dores no corpo, não conseguia fazer os serviços de casa e, por isso, contava com a ajuda de sua mãe e de seu marido. Observou-se que Ana contava com um número reduzido de pessoas significativas em sua vida. A respeito disso, relatou que tinha apenas uma amiga íntima e acrescentou: ela (a avó) era a pessoa que mais me dava carinho. Meu pai e minha mãe nunca foram muito

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carinhosos e ela era. Ela me faz tanta falta! Se eu perder meu marido, em matéria de amor, eu não vou ter mais. A cliente apresentava verbalizações que indicavam sentir-se inferior às demais pessoas: (...) meu marido já vai terminar o mestrado, fazer doutorado e eu não fiz nem a graduação. Uma hora ele vai conhecer uma pessoa mais interessante, mais inteligente, mais estudiosa. Com o casamento, Ana pareceu estar em situação de conflito: consolidar a escolha entre frequentar o grupo bíblico sem o marido ou acompanhá-lo em suas reuniões sociais que lhe eram aversivas. Parece que as expectativas de Ana em relação ao casamento não foram nos primeiros dois anos. Segundo ela, o marido não demonstrava afeto, não ficava em casa a quantidade de tempo que ela gostaria, não tinham em sua rotina como realizar atividades conjuntas. Além disso, o marido continuou a manter a vida social que tinha quando solteiro, com festas nos fins de semana e encontros em bares para beber e conversar durante a semana. • Ana sofreu o que foi diagnosticado por um psiquiatra como uma forte crise depressiva no final do primeiro ano de casamento. Nesse período, ela tinha ideias de suicídio, não queria sair de casa e chorava frequentemente: eu me tranquei no banheiro uma vez, sentei no chão e comecei a chorar, chorar, chorar e ele (marido) arrebentou a porta. • Observou-se que a cliente, em geral, sentia-se inadequada em diversas situações, além de, às vezes, comportar-se de forma não assertiva. Ela, frequentemente, deixava de dar sua opinião, tinha medo de magoar as pessoas e, quando se posicionava, arrependia--se. • Ana mostrou-se muito preocupada quanto à normalidade/anormalidade de seus comportamentos: Gosto de assistir ‘A Bela Adormecida’, será que é normal? É normal a gente se preocupar (sobre a briga do irmão com o cunhado)? Análise do comportamento de frequentar um grupo de estudos bíblicos: Antecedentes

• História de desentendimento e de punição severa, por parte do pai, por sair para divertir-se; • Morar novamente com os pais; • Ter passado algum tempo afastada dos antigos amigos; • Interesse por assuntos religiosos; • Insatisfação com a religião Católica; • Oportunidade para conhecer um grupo de estudos bíblicos. Comportamento

Frequentar reuniões semanais de um grupo religioso.

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Consequência (reforço positivo )

• Ter um grupo de amigos; • Ir a festas; • Aprendizado de um conjunto de regras de comportamento. Consequência (reforço negativo)

• Redução dos conflitos com o pai. Análise do comportamento de ficar em casa enquanto o marido vai a reuniões sociais Regras (SD Verbais)

• É errado cometer exageros (bebida, comida, etc.); • É uma influência ruim manter contato com pessoas que não compartilham os mesmos valores morais que os meus; • Festas agradáveis são como as que eu frequentava com o grupo de amigos do estudo bíblico; • Homem casado não vai a festas sozinho. Antecedentes

• Oportunidade para sair com os colegas de profissão do marido. • Dificuldade de relacionamento interpessoal; • Desinformação sobre assuntos da área profissional do marido; • Medo de o marido conhecer outra mulher mais interessante; • Medo de o marido dirigir alcoolizado. Comportamento

• Ficar em casa Consequência (reforço negativo)

• Evita contato com pessoas com comportamento que ela desaprova; • Evita sentimentos de inadequação. Consequência Imediata (punição)

• Preocupação com o marido (álcool x direção; mulheres).

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Consequência Posterior (Punição)

• Briga violenta entre o casal; • Iminência de separação conjugal.

O papel das pesquisas na produção e desenvolvimento do conhecimento científico em psicologia O processo de tornar a Psicologia uma ciência foi extremamente demorado. Em 1879, Wundt estabeleceu o primeiro laboratório psicológico do mundo, possibilitando o estudo direto dos fenômenos mentais. No Brasil, o papel dos laboratórios experimentais também foi muito importante para a construção de uma Psicologia científica brasileira. No início deste século, a instauração de laboratórios experimentais proporcionou o desenvolvimento de pesquisas na área psicológica (Castro, 1999).  A pesquisa e a produção científica em Psicologia, como em qualquer área do conhecimento, está inserida num contexto acadêmico, vinculadas à formação profissional nas agências de formação universitária. Uma das áreas de maior interesse e produção em Psicologia é a Clínica. Pesquisas realizadas pelos órgãos oficiais de regulamentação da profissão, bem como pesquisas vinculadas aos cursos de pós-graduação, mostraram e mostram a área clínica como maior em interesse e satisfação profissional entre os pesquisados (CFP, 1988). Neste contexto, a investigação científica em psicologia clínica pode proporcionar um amadurecimento e um desenvolvimento das técnicas e dos procedimentos empregados nos tratamentos psicológicos, visando à saúde mental dos indivíduos. Quanto mais a área clínica se desenvolve e isso só é possível com o desenvolvimento de pesquisas na área, mais possibilidades de intervenção são descobertas. Sendo assim, a prática clínica pode e deve subsidiar a pesquisa em psicologia clínica que, por sua vez, subsidia a prática, estabelecendo-se um estreito laço entre esses dois aspectos, que se mostram, portanto, indissolúveis.  A Psicologia se edifica como um campo de saber que envolve, simultaneamente Tourinho,2003): a) Um esforço reflexivo sobre a natureza humana, seus problemas e suas possibilidades de realização em diferentes domínios da vida (social, material, intelectual, religioso etc.);

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Uma investigação cientificamente orientada para a descoberta de regularidades dos fenômenos psicológicos (um modo de tentar apreender as novas experiências sob a forma de enunciados que incorporam os requisitos empírico-racionais da emergente ciência); c) Uma profissão de ajuda, voltada para a solução de problemas humanos. b)

Ou seja, o campo psicológico se constitui historicamente como Filosofia, como ciência e como profissão. Pensar a Psicologia desse modo ajuda na tarefa de compreender seus desenvolvimentos em muitas direções e o conflito entre discursos que são concorrentes, mas nem sempre comparáveis. A análise do comportamento pretende ocupar o lugar da Psicologia porque entende que fenômenos psicológicos são fenômenos comportamentais. O conceito de comportamento, porém, é empregado por analistas do comportamento para abordar relações. Ele não designa o que um organismo faz, mas uma relação entre um organismo e o mundo à sua volta. Por essa razão, às vezes prefere-se falar de relações comportamentais. Assim, a proposta é a de interpretar os fenômenos psicológicos como fenômenos relacionais, em outras palavras, fenômenos que dizem respeito às relações dos organismos com o seu ambiente físico e social (especialmente o ambiente social, no caso do comportamento humano). O reconhecimento da multideterminação do comportamento levará o analista do comportamento a trabalhar com um determinismo probabilístico. Isso significa que é impossível lidar com todas as variáveis, das quais um comportamento é função; quando se lida com algumas daquelas variáveis pode-se apenas aumentar ou reduzir a probabilidade de um comportamento, mas não o determinar de modo absoluto. Para um analista do comportamento, todo comportamento humano é, em alguma medida, imprevisível, dado que o indivíduo possui uma história ambiental única e é sensível a muitas variáveis de seu ambiente físico e social. Na medida em que interpreta os fenômenos psicológicos como fenômenos relacionais, a produção de conhecimento na análise do comportamento estará voltada para a investigação de aspectos dessas relações. Dado o interesse em identificar regularidades nas relações organismo-ambiente, o método experimental é o recurso privilegiado para a investigação analíticocomportamental; é por meio do seu uso que a quase totalidade da pesquisa sobre processos comportamentais básicos se desenvolve. O emprego extensivo do método possivelmente motiva muitas das críticas dirigidas à área. Há dois fatos, porém, a observar. Primeiro, o método experimental não é o único utilizado por analistas do comportamento. Muitos problemas têm um grau de complexidade que os capítulo 4

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torna inacessíveis à investigação experimental. Além disso, há circunstâncias nas quais aspectos éticos impossibilitam o seu uso. Nesses contextos, os analistas do comportamento frequentemente se limitam à observação e descrição do comportamento ou à interpretação para lidar com fenômenos comportamentais. O segundo fato a observar é que não apenas a análise do comportamento, mas outras abordagens psicológicas fazem uso do método experimental, o que também não as torna propostas restritivas de investigação. Assim, as críticas dirigidas à pesquisa experimental em análise do comportamento parecem motivadas mais propriamente por outros fatores, como a pesquisa com organismos não humanos.

RESUMO Para os psicólogos, analistas do comportamento, independentemente de onde desenvoldesenv olvam sua atividade e de qual seja ela (ensino, pesquisa, administração, prática clínica, etc.), a análise funcional ocupa um ponto pon to central. Todo comportamento possui uma função e a busca da compreensão desta função seria a principal finalidade da análise funcional do comportamento. A análise do comportamento pode ser utilizada em diversas áreas, em especial a educação, as organizações e a clínica.

ATIVIDADES Exercício de análise de caso Caso 1: História da Dona Raquel (Extraído de Lombard-Platet, Watanabe, O.M. e Casse-

tari, L. Psicologia Experimental. 3. ed. São Paulo: Edicon). Caso clínico

Dona Raquel sempre foi dona de casa. Casada, um casal de filhos, só com o curso primário e uma vida econômica bastante difícil. O marido trabalha como porteiro em um prédio até às 14 horas e, muitas vezes, antes de ir para casa, passa no bar da esquina. Ele, nessas ocasiões, chega bêbado em casa, para a hora do jantar. Dona Raquel também teve uma infância complicada: um pai autoritário que achava que "lugar de mulher era dentro de casa". Assim, cada vez que ela ousava pedir a ele para sair, ele a esbofeteava e a insultava. Seus irmãos, homens, podiam pedir para sair e eram logo atendidos pelo pai. Mesmo se ela saísse até a padaria (por ex., enquanto o pai não estivesse em casa), ao voltar, ela logo ia se sentar no sofá, próximo da hora de sua chegada, para que ele não brigasse com ela. Além disso, ela ficava bordando panos de pratos para serem vendidos e isso dava grande satisfação ao pai, que a elogiava muito quando a via fazendo isso. Abandonou os estudos na quarta série. capítulo 4

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No início, quando ela tinha sete anos e estava na terceira série pedia auxílio aos irmãos para fazer as tarefas e eles ajudavam. Já na quarta série se pedisse colaboração deles, eles se recusavam terminantemente, ignorando-a a maior parte do tempo. Quando seu pai a via pedir ajuda, ele ainda berrava frases do tipo: "Eu tenho razão: mulher não é para estudar, elas são mesmo umas burras, devem ficar em casa", etc. Sua história não continuou muito feliz: executava sempre todos os afazes domésticos de modo adequado durante o dia e quando seu marido chegava bêbado em casa, lhe batia. Com o tempo, ela foi deixando de fazer seus afazeres domésticos tão caprichosamente como antes. Ela também tentava dialogar com o marido nessas ocasiões, mas ele a surrava ainda mais. Ela já desistiu de falar qualquer coisa nessas horas. Um outro problema está ocorrendo com Dona Raquel: assim que o marido e/ ou os filhos chegam em casa, ela começa a se queixar de dores de cabeça, nas pernas, diz que vai desmaiar, etc. De certo modo, todos acabam lhe dando uma certa atenção e a filha, se está próximo da hora do jantar, pede que ela se deite no sofá e serve o jantar para a família. Ela afirma que gostaria de se separar do marido. Não o faz e acaba cumprindo todas as suas determinações, dispensando-lhe um tratamento até carinhoso, para evitar que ele lhe bata. Ela não conversa com os filhos sobre a separação, só fala de assuntos banais diários. Isso evita que a critiquem por continuar "com essa vida". Além disso, ela acaba fazendo coisas para o marido, que aparentemente criticaríamos: ele chega já gritando em casa e pedindo para ela lhe servir "uma pinga". O que ela faz? Ela acaba servindo-lhe a pinga e deixando a garrafa (que ela havia escondido) sobre a mesa. Com isso, ele para de gritar e de ameaçá-la de surra. Ao mesmo tempo, nessas ocasiões, frente aos gritos e ameaças do marido bêbado, Dona Raquel sente seu coração disparar, começa a tremer e a suar. Ela relata que tem a sensação de que vai morrer. 01. Identifique no relato, os dados que fazem parte da história de vida passada de Dona Raquel. 02. Qual o procedimento envolvido quando Dona Raquel, na infância, pedia a seu pai para sair? Construa o paradigma completo desse procedimento e coloque os dados do caso. 03. Diga o nome do procedimento envolvido quando seus irmãos pediam ao pai para sair. Justifique porque é esse o procedimento envolvido com os irmãos, usando os termos técnicos.

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04. Ainda quando pequena qual o procedimento que mantinha o comportamento de "sentarse no sofá", próximo da hora de chegada do pai? Justifique sua resposta, usando os termos técnicos e diga também qual o nome técnico que recebe esse comportamento. 05. Quanto ao comportamento de "bordar panos de pratos para serem vendidos", qual o procedimento que mantinha esse comportamento? Por quê? 06. Quais as contingências que acabaram diminuindo a frequência do comportamento de "pedir ajuda aos irmãos nos deveres de casa”? Qual o procedimento usado pelos irmãos? 07. Além disso, para esse mesmo comportamento (pedir ajuda para os deveres de casa), quais as consequências oferecidas pelo pai? Qual o efeito delas sobre a frequência dessa resposta? Qual o procedimento que controlava essa resposta? 08. Em relação aos comportamentos de "executar os afazeres domésticos adequadamente" e "conversar com o marido, quando chegava bêbado", qual o estímulo consequente para esses comportamentos? Qual o nome técnico desse estímulo consequente? Qual o efeito obtido? E qual o nome técnico do procedimento envolvido? 09. Analise qual o procedimento envolvido no comportamento de "queixar-se de dores".• dores".• 10. O controle dos comportamentos de "cumprir todas determinações do marido" e "conversar sobre assuntos banais com os filhos" é mantido pelo mesmo tipo de procedimento. Qual é o nome técnico desse procedimento e explique, usando os termos técnicos e os dados do caso, porque esse procedimento mantém esses diferentes comportamentos. 11. Qual o nome técnico que recebem esses comportamentos e justifique sua resposta, usando os devidos termos técnicos. 12. Em relação aos comportamentos de "servir pinga e deixar a garrafa sobre a mesa", qual o procedimento envolvido (dê o nome técnico)? Dê o nome técnico do comportamento e  justifique sua resposta, usando usan do os termos técnicos. 13. "Ter "Ter taquicardia, tremer e suar" são que tipos de comportamentos? Você deve ser capaz de construir o paradigma completo referente a esses comportamentos, tentando mostrar uma possível associação que tenha havido com os estímulos eliciadores do mesmo.

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O que você fez em relação ao caso acima foi uma ANÁLISE FUNCIONAL, ou seja, você identificou as variáveis das quais os comportamentos são função. Ao fazer assim, identificase a contingência de três termos (a Tríplice Contingência == S antecedente, a Resposta e o S consequente) e toma-se mais viável uma intervenção a fim de se produzir mudanças necessárias nesses comportamentos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Castro, P. F. F. Reflexões em psicologia e ciência: uma análise da pesquisa aplicada à psicologia clínica. Psicologia: Teoria e Prática 1999, 1(1): 3-13. Conselho Federal de Psicologia. (1988). Quem é o Psicólogo Brasileiro? São Paulo. Edicon. Costa, S. E. G. C. & Marinho, M. L. Um modelo de apresentação de análise funcionais do comportamento. Estudos de Psicologia, PUC-Campinas, 13 (19), p. 43-54, setembro/dezembro

2002. Fonseca, P. F. & Pacheco, J. T. B. Análise funcional do comportamento na avaliação e terapia com crianças. Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn. Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 1-19.

Franceschini, A. Psicologia Organizacional e a Análise do Comportamento. TransForm. Psicol. (Online), São Paulo, v. 2, n. 2, p. 114-125, 2009. Henklain, M. H. O. & Carmo, J. S. Contribuições da análise do comportamento à educação: um convite ao diálogo. Cadernos de Pesquisa v.43, n149 704-723, 2013. Tourinho, E. Z. A Produção de Conhecimento em Psicologia: a análise do comportamento. Psicologia Ciência e Profissão, 2003, 23 (2), 30-41.

GABARITO Capítulo 4 01. Punição positiva. 02. Presença do pai pedir para sair apresentação de bofetada e insulto. 03. Reforçamento positivo. Porque Porque o caso indica que os irmãos continuam saindo, isto isto é, a resposta está sendo fortalecida, daí o consequente ser um reforço positivo e o procedimento o reforçamento positivo.

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04. Reforçamento negativo. Porque ao sentar-se no som ela está evitando a briga que o pai dela teria com ela, isto é, sua atitude evita um estímulo aversivo consequente o que reforça sua resposta. O comportamento chama-se esquiva. 05. Reforçamento positivo. Porque o elogio do pai tem uma chance de levar Raquel a continuar bordando panos de prato, isto é, de fortalecer esta resposta. O que parece, pelo descrito, que acaba acontecendo ("quando a via fazendo isso"). Dona Raquel borda vários panos. 06. A contingência é a não apresentação da colaboração dos irmãos para fazer a lição. O procedimento usado por eles é a extinção (porque antes eles colaboravam). 07. Berrar: "mulher não é para estudar", elas são mesmo umas burras, devem ficar em casa." O efeito é a diminuição na frequência da resposta de pedir ajuda. O procedimento é punição positiva. 08. Bater é o estímulo consequente apresentado pelo marido para o comportamento de "executar os afazeres domésticos" e surrar é o consequente para "conversar com o marido quando chegava bêbado". O nome do estímulo consequente é estímulo aversivo positivo. O efeito é a diminuição na frequência da resposta. O procedimento chama-se punição positiva.

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09. Reforçamento positivo. 10. Reforçamento negativo. Porque ao fazer assim, ela evita estímulos consequentes aversivos que são: "o marido lhe bater" e os "filhos lhe criticarem". Desta forma, ficam fortalecidas estas respostas: "cumprir as determinações do marido" e "falar com os filhos sobre assuntos banais", fazendo com que elas aumentem de frequência, tornando-as fortalecidas. 11. Comportamentos de esquiva (e não de fuga!) porque eles a ajudam a evitar, a que ela entre em contato com o estímulo aversivo. 12. Reforçamento negativo. Comportamento de fuga (e não esquiva!) porque o comportamento retira o organismo do contato direto com o estímulo aversivo. 13. São comportamentos respondentes porque organismo sem controle direto do indivíduo.

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