análise dos poemas da mensagem

January 14, 2019 | Author: Daniela Lopes | Category: Portugal, Sea, God, Poetry, Spirit
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Análise do Poema "Mar Português" Ó mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal! Por te cruzarmos, quantas mães choraram, Quantos filhos em vão rezaram! Quantas noivas ficaram por casar Para que fosses nosso, ó mar! Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma não é pequena. Quem quer passar além do Bojador Tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele é que espelhou o céu. Escrito a 9 de Junho de 1935, seis meses antes da morte de Fernando Pessoa, este poema tem uma importância eminentemente esotérica. Foi neste âmbito que a análise será feita, recorrendo a um texto de Dalila Pereira da Costa, publicado publicado em 1978. Como bem indica esta pessoana de renome, o poema «Mar Português» surge na continuação do que é a Mensagem. No entanto, e se tal for possível, é ainda mais hermético do que aquela, porque se na Mensagem se invoca o Mar Português ainda físico da conquista e depois lentamente transcendental do espírito, no poema «Mar Português» a invocação é já plenamente transcendental, focada na importância da obra do próprio Fernando Pessoa num futuro renascer da alma nacional. Identificam-se temas comuns entre este poema e a Mensagem. Mensagem. Nomeadamente a referência ao mar simultaneamente espelho e abismo, onde a alma se s e perde no sonho e depois do sonho se reflecte num projecto de futuro esplendoroso porque plenamente plenamente espiritual e desligado da terra. Há o reconhecimento que nada mais há a buscar no mar físico, mas que resta a exploração do mar espiritual, onde Pessoa quer ser empossado argonauta, porque é atr avés da poesia, da linguagem do inefável, que se podem podem descobrir os mistério da alma e da vida, escondidos à visão normal dos homens. Um primeiro ciclo exauriu-se: o da descoberta do mar. Um novo ciclo se anuncia: a segunda vinda, a descoberta da alma, do mar espiritual. É a água, o elemento água, a paz, a solidão, a reflexão, o contínuo movimento de renovação e desafio que permite a revelação da profecia. É a água que simboliza a latência do sonho, a água nua, despida e apenas espelho ou abismo, que mostra e que esconde. Combinação proibida de opostos, como a própria poesia, que se por um lado comunica, nada diz de imediato, mas antes quer provocar em quem a lê a reflexão mais profunda ou a reflexão mais imediata, o abismo e o espelho. O mar, o sonho e a poesia são os três elementos que Dalila Pereira da Costa indica como sendo os vectores essenciais da alma portuguesa. Não interessa a ambição, mas o sonho, não interessa o destino, mas a viagem, não importa nada que se acabe na sua própria realização, porque nada que se consuma inteiramente pode ser eterna. Portugal, pátria à beira água é também pátria à «beira-mágua». O sofrimento e a dor marcam a viagem ás ilhas afortunadas da alma, porque nenhuma grande descoberta se faz sem sacrifício de monta e relevo. Esta alquimia, processo de integração dos desejos mais profundos e íntimos do ser, liga o desejo à metafísica de o realizar na carne. Dalila relembra, e bem, Jung, na sua análise do subsconsciente como meio de alcançar a ligação entre os dois mundos, porque ténue terreno terreno de fracas co nsistências e certezas palpáveis, senão pela intuição. Pessoa foi mais longe, ao desdobrar-se em quatro (Caeiro, Campos, Reis e Soares) fez a chamada quadratura do circulo, antigo esquema alquímico em que o Eu permanece no centro, permeado pelo mediador, pelo Logos. O apocalipse do fim aparece em Pessoa como revelação de uma verdade interior, reservada a quem empreenda a viagem sem destino que é perder-se de si mesmo. O começar na nova aurora neste Império Espiritual é algo mais do que a presença diáfana de um vasto território dominado por uma só língua e um só povo, antes um horizonte sem fim em que se atinge a irmandade dos homens, a paz in excelsis intemporal e imperfeita apenas por não ser ainda de Deus, mas encimada por um desejo incompleto de se realizar sempre no futuro.

Análise do poema "ocidente"

Com duas mãos- o Acto e o DestinoDesvendámos. No mesmo gesto, ao céu Uma ergue o facho trémulo e divino E a outra afasta o véu. Fosse a hora que haver ou a que havia  A mão que ao Occidente o véu rasgou, Foi alma a Sciencia e corpo a Ousadia Da mão que desvendou. Fosse Acaso ou Vontade, ou Temporal  A mão que ergueu o facho que luziu, Foi Deus a alma e o corpo Portugal Da mão que o conduziu. Antes

de analisar o poema em questão, há que recordar que a Mensagem é um poema nacional, uma versão moderna e espiritualista dos Lusíadas, nas palavras do eminente estudioso de Pessoa, António Quadros. A Mensagem é um poema trinitário, à maneira cristã, mas imbuído de uma interpretação mística e paraclética, onde o Encoberto recebe a unção do Espírito Santo apenas para se revelar como o eterno Logos, o Intermediário secreto para entender o significado de Deus para o Homem. Sendo um poema trinitário, dividido em 3 partes, a Mensagem é também um poema dialéctico, em que cada parte contribui para a seguinte, perseguindo uma síntese Hegeliana na sua leitura final. O poema "Ocidente" inclui-se na segunda parte - Mar Português - onde Pessoa justifica de certo modo a proposta feita na primeira parte - Brasão. A proposta era a de uma nação que iria trazer novos mundos ao mundo, sobretudo o nascer de um Império Espiritual, baseado na unidade de todos os homens em Cristo simbólico, feito civilização, construído sabedoria e intelecto. A Mensagem foi um meio também de Pessoa expressar a sua mágoa em palavras, uma mágoa de quem abandonou o país na sua juventude para, regressando, encontrar dentro de si um patriotismo de tais dimensões que quase parecia impossível de traduzir em sentimento, muito menos em letras no papel. Pessoa vê Portugal como o rosto com que o Ocidente fita o futuro e o passado. E foi por providência divina (v. o poema "O Infante") que Portugal desvendou, "com duas mãos - o Acto e o Destino" (v. poema "Ocidente"). O facho que uma mão ergue, é a luz que de Portugal emana e que pretende iluminar o que antes era trevas - o Destino - enquanto outra - o Acto - afasta o véu, que separou desde sempre o querer de Deus e a ignorância do Homem. o Acto foi a coragem de descobrir e o Destino a força que o permitiu. A coragem e a força são interdependentes, como uma cobra que morde a própria cauda e na força centrífuga potencia o futuro. Foram estas mãos portuguesas que "rasgaram o véu" à Europa. A mão predestinada, "apoiada pela ciência e pela ousadia". Embora grande importância tenha tido essa mão que luziu, a mão do facho que iluminou, humana e por isso "Acaso", "Vontade", ou apenas "Temporal", nenhuma importância teria sem a vontade de Deus em a dirigir como "alma", sendo o "corpo" Portugal. O que é um corpo sem alma, senão uma massa informe, sem destino? Foi Deus que esculpiu no corpo o seu destino e o guiou sem que este tomasse noção do perigo. Foi Deus a alma de Portugal na sua missão. A mão que rasgou o véu, era já uma mão de "Certeza", "Determinação" e grau "Intemporal". Este destino não é no entanto história de Portugal, mas o seu interrompido prólogo (nas palavras de A gostinho da Silva em "Um Fernando Pessoa"). Não é a importância de possuir o mar (possessio maris quer dizer posse e não propriedade do mar, e por isso é efémera e passageira), mas a preciosidade de ter encetado a busca, sem ligar ao medo, porque instrumento de uma vontade superior, prostrada na glória de mostrar que o mar é sempre o mesmo e toda a descoberta é imperial se feita passando além da dor. Portugal foi a cara com que a Europa enfrentou esse destino, foi a face do Ocidente perante o abismo. Mas sendo o agente, foi também instrumento, dividido nas duas mãos, com a luz que alumiava e o destino que rasgava o véu. Completo em corpo e alma, mas dividido em Homem e em Deus. Só para mostrar o significado vão de possuir e o significado altíssimo de buscar. Buscar que também é esperar em símbolo e superar o vazio da aparente ausência de Destino".

análise do poema "o mostrengo"

mostrengo que está no fim do mar Na noite de breu ergueu-se a voar; À roda da nau voou três vezes, Voou três vezes a chiar, E disse: ³Quem é que ousou entrar Nas minhas cavernas que não desvendo, Meus tectos negros do fim do mundo?´  E o homem do leme disse, tremendo:  ³El-Rei D. João Segundo!´  O

 ³De quem são as velas onde me roço? De quem as quilhas que vejo e ouço?´  Disse o mostrengo, e rodou três vezes, Três vezes rodou imundo e grosso,  ³Quem vem poder o que eu só posso, Que moro onde nunca ninguém me visse E escorro os medos do mar sem fundo?´  E o homem do leme tremeu e disse:  ³El-Rei D. João Segundo!´  Três vezes do leme as mãos ergueu, Três vezes ao leme as reprendeu, E disse no fim de tremer três vezes:  ³Aqui ao leme sou mais do que eu: Sou um povo que quer o mar que é teu; E mais que o mostrengo, que me a alma teme E roda nas trevas do fim do mundo, Manda a vontade, que me ata ao leme, De El-Rei D. João Segundo!´  O poema "O Mostrengo" enquadra-se na segunda parte de Mensagem: O Mar Português. A segunda parte, por sua vez, está encimada pela elocução latina  possessio maris (posse do mar). Na segunda parte de Mensagem, Fernando Pessoa expressa a nobreza dos actos, que acompanhou a nobreza da intenção, revelada na primeira parte. Sempre considerada como impregnada de um sentido de épico eminentemente racionalista e intelectual, a Mensagem encontra na sua segunda parte alguns dos episódios mais descritivos e emocionais. No seu todo é, sem dúvida, uma obra simbólica e obscura, atravessada por um sentimento negro de exaustiva análise e frustração por um futuro ainda por acontecer. No entanto, tratando-se do episódio do Mostrengo, a análise é diferenciada. Pessoa parece querer por momentos desafiar Camões, alvo de comentários menos elogiosos por parte de Pessoa em alguns momentos da sua vida, e comparativamente elaborar um momento de grande força dramática e menor força simbólica. Assim analisa Jacinto do Prado Coelho o Mostrengo: «O Mostrengo» o põ e dramaticamente , em decassílabos sonoros com um refrão cuja força é pica aumenta de estrofe  p ara estrofe («El-Rei D. João Segundo!»), a decisão do marinheiro  português, instrumento inflexível da vontade do rei, à indignação do ser «imundo e grosso» que sai, escorrendo medos, das  profundezas do mar: «Aqui ao leme sou mais do que eu: / sou um  p ovo que quer um mar que é teu!»). exce pcionalmente, o  poeta, sob a sugestão do Adamastor, em punha a «tuba canora e belicosa» () Assim, em versos de densidade  poética e sugestão rítmica insu peráveis, Fernando Pessoa, comunicando-se, foi também o intér  prete comovido da História nacional . O Mostrengo, um poema originalmente escrito em 1918 (Pessoa tem então 30 anos) é

menos sombrio e hermético que outros que viriam a constituir a Mensagem, que também originalmente se deveria chamar Portugal. Isto deve-se a uma desilusão crescente em Pessoa, que se em 1912 na sua primeira experiência como escritor/crítico clama por um Super-Camões e por um renascimento da psique nacional, mais tarde vês que nem Sidónio Pais, nem a Ditadura Militar que se lhe segue surgem como soluções para t al. Torna-se progressivamente mais escura e hermética a linguagem de Pessoa, embrenhada num messianismo que ele vê difícil de se cumprir senão pelos mistérios de uma fé no regresso de uma nobreza já estranha aos seus contemporâneos. Pode considerar-se que o poeta se mantém um ingénuo. Que embora sinta prof undamente o seu nacionalismo, mais profundamente até porque esteve longe de Portugal e sentiu longe o que era realmente a saudade de um passado mais tranquilo do que aquele que vivia, ele é inocente quando pretende uma revolução pelo espírito, quando pretende enunciar os princípios em que basearia uma nova civilização e esperasse essa realidade. Considerando-se um «nacionalista místico», essa revolução teria de ser sempre em bases espirituais e é assim que ele as invoca.

O Mostrengo, embora reduzido em simbolismo  parece-me apenas uma aproximação a um tema de Camões, e uma aproximação lírica não-simbólica ao tema da acção dos homens  tem, ainda assim, algo de simbólico na presença do número três. Três foram os heterónimos principais (ou heterónimos únicos, desenvolvidos, pois Bernardo Soares é um pseudónimo e só Alexander Search teria eventualmente dimensão de heterónimo mas nunca foi desenvolvido enquanto tal pelo poeta), três são as estrofes de O Mostrengo e três um número que paira sobre o poema, como uma sombra de misticismo, como que dizendo que mesmo nas puras acções de coragem há a presença do divino ou pelo menos do conhecimento oculto. Isto significa que mesmo na mais simples das acções há desígnio e destino, que nunca pode ser negado, quer no homem, quer na natureza. O pobre homem do leme ou o Mostrengo são armas sensíveis de um poder maior do que eles mesmos, ou até do que o destino de ambos.

análise do poema "as il has afortunadas"

Que voz vem no som das ondas Que não é a voz do mar? É a voz de alguem que nos falla, Mas que, se escutamos, cala, Por ter havido escutar. E só se, meio dormindo, Sem saber de ouvir ouvimos, Que ella nos diz a esperança A que, como uma criança Dormente, a dormir sorrimos. São ilhas afortunadas, São terras sem ter logar, Onde o Rei mora esperando. Mas, se vamos dispertando, Cala a voz, e ha só o mar. Como já foi dito no fórum, a propósito de diversas interpretações de outras partes de A Mensagem, esta divide-se em três partes. Remeto a análise desta divisão para essas respostas, para não me repetir. O Poema que refere,  As Ilhas Afortunadas, encontra-se na terceira parte do livro de Fernando Pessoa. Encontra-se porém num momento sebástico (usando as palavras do ilustre pessoano, António Quadros, em Poesia e Filosofia do Mito Sebastianista). Sendo certo que a questão Sebastianista foi longamente debatida ao longo da história nacional, pessoa enquadra-se nela enquanto um poeta-profeta, que embora admita o regresso físico do rei perdido (chega a  justificar tal regresso pela teoria da metempsicose, ou transmigração das almas), faz essa justificação através da única linguagem que a pode entender  a poesia. Consciente da riqueza do subconsciente nacional, Pessoa ergue D. Sebastião a mais do que um mito, fazendo da sua figura a base real e verdadeira de uma religião nacional  O Sebastianismo. Ele diz, nas suas páginas mais intimas, que devíamos trocar Fátima por Trancoso (onde nasceu o profeta Bandarra, umas das vozes que profetizou o regresso do rei) e trocar também o mito judeu de Jesus pela realidade nacional de Sebastião. Após desenhar na primeira parte da Mensagem a figura do rei, príncipe mártir, traído pela sua ambição, mas o quinto mártir, e por isso ungido de sagrado significado futuro, na segunda parte, as acções dos marinheiros aparecem como que por obra e graça da intervenção divina, no que António Quadros denomina como sendo uma visão providencial da história, em que esta se dá a conhecer, quando ainda oculta, no milagre, na r evelação e no mito. É a terceira parte já totalmente destinada ao Encoberto, a El-Rei D. Sebastião feito já mito. No primeiro dos símbolos, o rei morre mas é divinizado pela sua morte heróica. No segundo símbolo Pessoa fala da sua visão do Quinto Império (remeto aqui para as análises feitas já no fórum sobre este assunto). O advento do Quinto Império, o Império do Espírito, encontra evidentes similitudes com a ressurreição de Jesus Cristo, porque se espera o regresso de alguém feito mito, depois do seu martírio e morte. No terceiro símbolo, D. Sebastião já é O Desejado, caminho para a nova religião, Galaaz, ou o revelador do Santo Graal escondido, que trará essa nova esperança a um povo perdido. O quarto símbolo, sobre o qual me questiona no seu pedido, falando das Ilhas Afortunadas, remete para o inconsciente, para fora do plano do mito, onde apenas esperanças infundadas e vagas residem: São ilhas afortunadas, são terras sem ter lugar, Onde o Rei mora esperando, Mas, se vamos despertando, Cala a voz, e há só o mar . Ou seja, a esperança nas ilhas afortunadas, onde um rei mora esperando, se vamos despertando, se acordarmos de as sonhar, cala a voz, e há só o mar, cala-se a esperança e resta o nada que é o sonho depois dele acordarmos. Finalmente, no quinto símbolo, a Religião do Encoberto ocupa o lugar da religião cristã, sendo as referências à rosa, referências herméticas à sociedade secreta dos rosa-crucianos.

análise do poema "infante"

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce Deus quis que a terra fosse toda uma, Que o mar unisse, já não separasse. Sagrou-te, e foste desvendando a espuma, E a orla branca foi de ilha em continente, Clareou, correndo, até ao fim do mundo, E viu-se a terra inteira, de repente, Surgir, redonda, do azul profundo. Quem te sagrou criou-te português. Do mar e nós em ti nos deu sinal. Cumpriu-se o mar, e o Império se desfez. Senhor, falta cumprir-se Portugal! O poema Infante enquadra-se na segunda parte de A Mensagem, consagrada ao tema Possessio Maris, ou seja, a posse do mar. O título do poema, Infante, poderia estar a referir-se ao Infante D. Henrique, mas parece-nos que a referência, puramente simbólica, é ao nascimento, ou pelo menos ao começo de algo, à juventude. Além do mais, Pessoa já se referia ao outro infante, na primeira parte da Mensagem. É o Infante, por isso mesmo, o relato de como tudo começa, do início da obra. Note-se que aqui obra, deve ser entendida no sentido estrito da palavra, como acção, bem como no sentido lato e ocultista, como processo alquímico, que compreende diversos passos até ao seu final. Se por um lado Pessoa se refere ao inicio da aventura marítima, ele não se refere apenas a isso, pois esse mesmo inicio, se bem que é apenas um episódio, é, pelo menos para ele, simbólico de um processo muito maior, de um Destino feito história de Portugal. Talvez Pessoa se refira mesmo ao nascimento do Império, pois ele diz, no fim da primeira quadra: Sagrou-te e foste desvendando a espuma: Mas é certo que o princípio do poema nos diz que Portugal, ao construir o Império, é movido como instrumento de uma vontade maior. É Deus que quer, não o homem. É a vontade de Deus, ou se quisermos o Destino, que guia as acções dos marinheiros e dos estrategas. Foi Deus também que quis que a Terra finalmente fosse uma, tanto porque foi um Português que primeiro a navegou por inteiro  Fernão de Magalhães, bem como portugueses a uniram descobrindo novos continentes. De facto o descobrimento do Brasil (descobrimento e não descoberta, como hoje se entende, ou talvez mesmo achamento, como dizem os brasileiros, pois a terra já lá estava e era habitada), une pelo mar a velha Europa à novíssima América de Colombo. Sagrado Infante, o Império podia crescer, ser Rei. De facto na quadra seguinte se observa a descrição do crescimento do Império. A orla branca da espuma é revolta de ilha em continente, pelas naus nacionais. Até que finalmente, viagem cumprida a Terra fosse de repente redonda, porque finalmente totalmente percorrida pelos olhos humanos. A última quadra, mais soturna, adianta a morte ao próprio Infante. Note-se a ironia subjacente, que na história ainda curta que era do Império já Pessoa lhe desenhe a morte, fale no seu final. Porque em verdade, o Império morreu mesmo antes de se cumprir, morreu Infante, porque nunca se poderia cumprir como coisa material. Pessoa defende um Império Maior, um Império Espiritual, verdadeiro Império, se quisermos. Por isso este Império ficou Infante, por se cumprir, à espera que se cumpra o Império Espiritual que será, esse sim, eterno. Cumpriu-se o Mar e o Império se desfez, diz Pessoa. Era esta a primeira missão cometida por Deus a Portugal, desvendar o mundo, e ela chegou ao seu termo. Mas falta ainda tudo. Falta cumprir-se Portugal. Sabemos que Portugal era para Pessoa mais do que apenas a terra que se define dentro dos limites da fronteira, que Portugal para ele era língua, cultura, espírito e alma. Se ele diz que falta cumprir-se Portugal, ele quer dizer que falta cumprir-se o destino glorioso (e imaterial) da alma, já que se desfez o destino material do corpo. De facto é só na terceira parte d'A Mensagem que esse destino maior se desenha em mais fino pormenor. Encimado pela elocução latina Valete Frates, esta terceira parte anuncia-nos um projecto de paz universal, fraternal, para a humanidade. Mas não um plano filosófico ou político, antes um plano espiritual e simbólico, que se vai revelar lentamente dentro de cada homem, de cada alma. Fraternidade achada na semelhança com Deus, é certo, mas também com a alma portuguesa, com a alma do verdadeiro povo escolhido, que ao contrário dos Judeus teve o seu mártir morto em guerra por Deus e Nação.

Trata-se de um poema da segunda parte  Mar Port uguês  da Mensagem- colectânea de poemas de Fernando Pessoa, escrita entre 1913 e 1934, data da sua publicação. Nesta segunda parte da obra que nos propomos analisar abordam-se o esforço heróico na luta contra o Mar e a â nsia do Desconhecido. Aqui merecem especial atenção os navegadores que percorreram o mar em busca da imortalidade, cumprindo um dever individual e pátrio (realização terrestre de uma missão transcendente) Em termos formais, constatamos que o poema é constituído por três estrofes, de quatro versos (quadras). Quanto ao metro e ao ritmo os versos são regulares. Os versos são decassilábicos heróicos. Predomina o ritmo ternário, aparecendo também o binário. Este ritmo largamente repousado, convém a um discurso carregado de simbolismo. A rima é sempre cruzada, segundo o esquema rimático abab, cdcd, efef, permitindo que certas palavras chave do poema fiquem em posição de destaque, no fim dos versos, como nasce, uma, mundo, português, sinal, Portugal. O poema poderá dividir-se em três partes, tendo em conta o desenvolvimento do assunto: a primeira correspondendo apenas ao primeiro verso; a segunda parte desde ali até ao final da segunda estrofe e a terceira constituída pela última estrofe. Na primeira está contido uma afirmação tripartida de tipo axiomático ou aforístico Deus quer, o homem sonha, a obra nasce. Os três termos seguem-se segundo a ordem lógica causa-efeito, associando a cada agente a sua acção. Mas sem a vontade do primeiro nenhum dos outros se concretizaria. Se Deus não quisesse, o homem e não sonharia e a obra não nasceria. O sentido aforístico da afirmação tem valor universal.: o substantivo homem refere-se ao ser humano em geral e obra designa qualquer acção humana. Note-se o uso do presente perfeitamente em consonância com o discurso axiomático. A segunda parte poderá por sua vez subdividir-se em três momentos. A primeira subunidade diz respeito à apresentação da vontade de Deus e vai até sagrou-te. Deus quer a terra unida pelo mar. Note-se o projecto divino concretizado na rede semântica que aponta para essa união: uma, inteira, redonda, unisse, não separasse. Note-se o valor simbólico do verbo sagrou-te, sugerindo o Infante de Sagres e a escolha do Infante para uma missão divina. Além disso advém-lhe ainda grande força pelas suas conotações religiosas. O mar por sua vez é também simbólico do mistério e do desconhecido, daí o uso de expressões como desvendando a espuma (desfazendo o mistério). O segundo momento referir-se-á ao homem e vai até ao fim da primeira quadra. Aqui se desenvolve a ideia de que o homem sonha e põe em prática a vontade de Deus. No poema esse homem identifica-se com o Infante. Ele é o herói navegante em busca do caminho da imortalidade, cumprindo um dever individual e pátrio: a realização terrestre de uma missão transcendente. Por outro lado é também o herói em busca de um caminho de universalidade. Assim se  justifica o uso do artigo definido em O Infante e o homem, com valor universalizante. O Infante é o escolhido por Deus para concretizar o seu projecto. Isto confere-lhe um carácter divino, iniciático. Ele é aquele que sonha, que tem a visão e finalmente foi desvendando a espuma, ou seja realizou a obra. Pelo facto de ser português, a sua escolha para desempenhar uma missão transcendente, a sua divinização, a sua sagração é também a de todos os portugueses. Nesta parte aparece ainda a passagem do mistério para a luz em palavras e expressões como orla branca clareou (sair das sombras, revelar-se) já adivinhada na espuma(branca) da segunda parte e que se prolongará pelo surgir(sair das sombras, revelar-se) e pelo azul profundo (do mar imenso, do fundo do mistério). A terceira vai até ao final desta segunda parte e refere-se à obra e corresponde à revelação. Há no poema vários indícios de revelação  de repente, surgir, o azul profundo e na terceira estrofe sinal. A revelação é repentina, espectacular, miraculosa. Tal é sugerido pela expressão E viu-se a terra inteira, de repente,/ surgir , redonda, do azul profundo. Esta visão da terra sugere a ideia de que a obra dos portugueses é o realizar de um plano divino. O redondo, a esfera, é o símbolo da perfeição cósmica, da unidade, da obra completa e perfeita que Deus quis. Ao longo desta segunda parte o tempo verbal predominante é o pretérito perfeito que permite narrar os acontecimentos passados. Na terceira parte transpõe-se para o povo a glória do Infante. A conclusão é nítida  o povo português foi o eleito por Deus para esta façanha. Nesta estrofe temos um novo esquema hegeliano: o sonho cumpriu-se (tese), desfez-se (antítese) e deu lugar a um novo sonho (síntese). Este esquema dialéctico cíclico impõe o nascimento de um novo sonho, mas tal só se pode verificar se  o Senhor corresponder ao apelo que lhe é dirigido na frase exclamativa e em forma de vocativo Senhor, falta cumprir-se Portugal!. Teríamos assim uma nova vontade divina, um novo sonho e uma nova acção. Esta interpelação confere ao poema um pendor dramático, atendendo também em parte à tensão emocional da segunda estrofe com o surgimento mágico quase da terra redonda. Há aqui portanto um diálogo implícito entre o sujeito poético e Deus, o que acentua o carácter messiânico e misterioso do poema. Regressa-se nesta estrofe novamente ao presente o que se adequa à sucessão presente-passado-presente da dinâmica hegeliana. Após a primeira aventura gloriosa, sobreveio o desânimo. Por isso, é necessário o apelo em que o verbo falta acentua a urgência. Este último verso associado a todos os outros elementos simbólicos dá ao poema características simbolistas. O último verso sugere mais do que aquilo que afirma. Além disso os versos são curtos, estando também assim dentro da técnica simbolista. A afirmação deu sinal é a chave para o decifrar do mistério que já se vinha revelando desde há algum tempo.

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