Analise do texto felicidade clandestina.docx

March 3, 2018 | Author: Mônica Simoes de Almeida | Category: Short Stories, Thought, Psychology & Cognitive Science, Time, Books
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Analise do texto (quanto à temática, à estetica e à tensão texto-contexto)

Uma das características das obras de Clarice Lispector se dá para um fluxo da consciência. Despreza o enredo lógico, as peripécias, a trama episódica. Misturam, na maioria das vezes, narradores diversos, espécies de alter-egos da autora. A entronização literária de Clarice Lispector ocorre junto com o início do Terceiro Tempo do Modernismo (1945-1970). Trata-se de um período muito criativo, de experimentalismos e pesquisa estética. O conto “Felicidade Clandestina” é um dos 25 que compõe o livro que tem por título o nome do conto, escrito por Clarice Lispector, e publicado em 1971, redigido em primeira pessoa, retrata momentos da infância da autora. A felicidade almejada pela menina no conto está a todo o momento subordinada a oportunidade de acesso ao livro. Por estar em busca de algo que a complete, essa felicidade se torna clandestina a partir do momento que ela deseja ter o que não possui, permitindo que a outra menina a manipule. Conto de fundo autobiográfico, em que a narradora relembra sua infância no Recife, ela era apaixonada pela leitura, mas, por ser de família pobre, suas condições financeiras não eram suficientes para comprar livros, então ela vivia pedindo-os emprestados para uma menina que era filha do dono de uma livraria. Essa menina não gostava de ler, era gorda, baixa, sardenta, enfim, de aparência esteticamente feia, se sentia inferior as outras meninas. Essa foi a felicidade clandestina da menina. Fazia questão de “esquecer” que estava com o livro para depois ter a “surpresa” de achá-lo. “Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com seu amante.” Neste conto, Lispector dá ênfase, de forma subliminar, ao amor pela leitura e ao apego, que aos olhos da massa se torna exagerado. Para aquela menina se tornara uma semelhança de uma mulher com seu amante. Uma das técnicas mais empregadas nesses contos é a da narrativa em fluxo de consciência, que é uma tentativa de representação dos processos mentais das personagens. Esse tipo de narrativa não possui uma estrutura sequencial, uma vez que o pensamento não se expressa de uma forma ordenada. Dessa forma, seria como se o autor não tivesse controle sobre a personagem e a deixasse entregue a seus próprios pensamentos e divagações. Assim, dentro desse processo de associação de ideias e pensamentos desconexos, em um dado momento a personagem passa por um momento de epifania, que é uma súbita revelação

ou compreensão de algo. Ao passar por esse momento de epifania, a personagem descobre a essência de algo que muda sua visão de mundo ou sua própria vida. Através desses momentos de epifania, personagens que poderiam ser considerados sem relevância alguma aos olhos da sociedade ganham profundidade psicológica e existencial.

Fragmentos de infância, descoberta do mundo pelo olhar curioso, perplexo e profundo da criança-escritora Clarice Lispector, a menina ucraniana que descobriu no Recife a felicidade clandestina, tornando-se uma das maiores escritoras brasileiras de todos os tempos. “Felicidade clandestina” Nesta crônica a narradora em primeira pessoa conta sua primeira experiência com um livro. Porém, este livro é de uma menina má que o oferece emprestado para a narradora, mas sempre inventa uma desculpa para não entregar o livro a ela. Até que a mãe da menina má descobre isso e entrega o livro para a narradora, que passa a saborear o livro como se fosse um amante. Esta crônica tem um cunho autobiográfico, como comprovou a própria irmã da escritora

dizendo

que

se

lembra

da

“menina

má”.

O ponto central desse texto é o conceito de “felicidade”. Nele, a escritora parece se questionar “afinal, o que é felicidade?”. A menina presente na crônica parece conhecer bem o dito popular “felicidade é bom, mas dura pouco”, uma vez que ela se utiliza de todas as formas para prolongar seu sentimento de felicidade. Uma vez que ela ganhou permissão para ficar com o livro pelo tempo que desejasse, ela o deixa no quarto e finge esquecer que o possui, só para se redescobrir possuidora dele. Dessa forma, sua felicidade aparece como um sentimento “clandestino”, já que nem ela mesma pode se conscientizar de sua própria felicidade para que esse sentimento não acabe. Concluísse, portanto, que a felicidade deve ser descoberta a todos os momentos e nas coisas mais simples.

Felicidade clandestina (Conto da obra Felicidade clandestina), de Clarice Lispector Share on twitter Share on facebook Share on orkut Share on email More Sharing Services

Versão para impressão Neste

conto

a

narradora

recorda

sua

infância

no

Recife.

A introdução do conto apresenta as duas protagonistas da narrativa, salientando os aspectos negativos de uma, que serão bem mais evidentes que os da outra: “Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme...”

Mas, apesar de todos esses defeitos, ela era agraciada com algo que a tornava privilegiada: “possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria”. E isto a tornava superior a todas suas amigas. A outra que apesar de ser como as demais meninas: “bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres”, não tem acesso aos livros. Por isso, ela, que é a narradora em 1ª pessoa, relata a sua experiência de amá-los e não poder desfrutá-los. Em relação a esse comportamento da menina que lhe dava cartões postais da livraria do pai, a narradora era indignada: “ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas”. Por entender que possuir livros significava ter poder sobre os que não tinham, a filha do dono da livraria, resolveu que às outras não daria esse gostinho de querer mudar esta situação. Pois é preciso entender que para essas meninas leitoras o seu adentramento na ambiente dos livros seria uma opção pela liberdade “a ponto de entendê-lo enquanto relação amorosa”. Essa menina era mesmo cruel e com a narradora exerceu com calma ferocidade o seu sadismo, tanto que a pobre nem percebia, tal era a sua ânsia de ler: “continuava a implorar-lhe emprestado os livros que ela não lia”. Até que chegou o dia em que começou a exercer sobre a outra uma tortura chinesa, a informou que possuía As Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato, que para esta “era um livro grosso, *...+, era um livro para se ficar vivendo, comendo-o, dormindo-o”. para a nossa narradora, os livros lhe davam “um lar permanente”, e um lar que ele “podia habitar exatamente como queria, a qualquer momento.” Porém, para ela, o livro estava longe de suas posses. Então, foi logo pedindo emprestado o tal, a outra pediu que passasse por sua casa no dia seguinte e ela o emprestaria. Para a narradora, o livro é o objeto do seu desejo e para este não há limites: “Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança da alegria: eu não vivia, eu nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam”. Ao chegar o tão esperado dia seguinte, foi à casa da outra “literalmente correndo”. Mal sabia a ingênua menina que a colega tinha um plano diabólico. A dona do livro, quando a narradora chegou até sua casa e pediu-o, disse que o havia emprestado à outra menina, que ela voltasse no dia seguinte. Ficou boquiaberta, mas seu desejo era tal que, a esperança invadiu novamente seu ser e ela andou pelas ruas pulando, sonhando: “guiava-me a promessa do livro”. No dia seguinte, outra desculpa, o livro ainda não havia sido devolvido. E assim se seguiram os dias. O terror por não ter o livro para ler e a outra se divertindo em alimentar uma esperança era uma cena digna de pena: “eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer”. Então todos os dias, invariavelmente, ela passava na casa e o livro não aparecia, sob a alegação de que já fora emprestado. Esse suplício durou muito tempo. A sua relação com o livro é tal, que todo esse sofrimento começou a afetar o seu físico: “eu, que não era dada a olheiras,

sentia as olheiras se cavando sob os meus olhos espantados”. Tudo isso porque o ato da leitura para ela era uma necessidade, padecia com o não-ler, tinha uma fome que precisava ser saciada, pela chance que a outra poderia lhe dar, ao emprestar-lhe o livro tão esperado. Chegou finalmente o dia da redenção da narradora, quando todos seus males seriam sarados. Certo dia, a mãe da colega cruel interveio na conversa das duas e descobriu que sua filha estava enganando a outra menina: “mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler!” Para a narradora foi impossível descrever-nos o que sucedeu assim que recebeu o livro na mão. Ela só lembrava que “o segurava firme com as duas mãos, comprimindo contra o peito.” Imaginamos que agiu assim por temer que algo ou alguém a separasse dele. Esqueceu até mesmo quanto tempo levou até chegar à casa. Porém, isso não importava, o que valia a pena era sentir que o livro estava com ela: “meu peito estava quente, meu coração pensativo”. Isso indica um sentido diferente para a leitura. Para o leitor do conto, a menina que tanto queria o livro ao conseguir possuí-lo, devorá-lo-ia em pouco tempo. Mas não foi isso o que aconteceu. Ela chegou em casa e não começou a ler: “fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter”. Algum tempo depois, leu algumas partes, que considerou maravilhosas, fechou-o novamente, indo fazer outras coisas, fingia que não sabia onde guardava o livro, achava-o, lia novamente. Essa foi a felicidade clandestina da menina. Fazia questão de “esquecer” que estava com o livro para depois ter a “surpresa” de achá-lo. A narradora “criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade”. A felicidade em ter acesso aos livros, à leitura, que para ela era clandestina, pois não possuía livros e nem condições financeiras que possibilitassem um maior contato com eles. Esta “felicidade clandestina” significa que ela está muito feliz por realizar algo para ela ilegal, pois o fato de possuir um livro, era, muitas vezes, na sociedade antiga, um privilégio dos mais favorecidos economicamente e continua sendo até hoje. Assim, podemos afirmar que a personagem narradora quebrou os paradigmas dessa diferença social, e por isso, cometeu grave delito, com sua insistência e amor aos livros. Conseguiu ter acesso ao seu objeto desejado. Ao realizar algo proibido, a narradora sabe que deveria ter orgulho, pois conseguiu alcançar seu objetivo, e pudor, pois poderia perder o que conseguiu, além disso, estava vivendo no ar. Agora ela “não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu ‘amante’”.

A literatura de Clarice é marcada pela transgressão, ruptura e inquietação diante da automatização que amortece a vida. A autora aproximou-se do indizível, daquilo que a palavra não representa, na tentativa de capturar o agora, mesmo tendo consciência de seu óbvio fracasso. Clarice buscou a reprodução do “instante-já” do pensamento.

Segundo Affonso Romano de Sant’Anna, as obras de Clarice, em geral, percorrem quatro etapas: 1. Personagem disposta em determinada situação cotidiana 2. Prepara-se um evento que é pressentido discretamente pela personagem. 3. Ocorre o evento que “ilumina” (epifania) a vida da personagem. 4. Ocorre o desfecho em que a vida da personagem é revista.

Clarice Lispector - Estilo. Clarice desenvolveu um estilo literário ímpar. Com livros marcados por singularidades e inovações lingüísticas, a escritora encabeça a lista dos que mais incorporaram traços inéditos à literatura nacional. A ficção clariceana se concentra nas regiões mais profundas do inconsciente, ficando em segundo plano o meio externo, pois quase tudo se resume à mente das próprias personagens. Portanto, Lispector é o principal nome de uma tendência intimista em nossa literatura. O ser, o estar no mundo, o intimismo formavam o eixo principal de questionamentos tecidos em seus romances introspectivos. Não centra sua obra no social, no romance engajado, mas sim no indivíduo e suas mais íntimas aflições, reproduzindo pensamentos das personagens. Artifício largamente utilizado por James Joyce, Proust e, sobretudo, Virgínia Woolf [indico ao lado livro da escritora inglesa], o fluxo da consciência marca indelevelmente a literatura de Clarice. Tal aspecto consiste em explorar a temática psicológica de modo tão profundo que o assunto nunca é completamente explorado, ou seja, as diversas possibilidades de análise psicológicas e a complexividade da temática contribuem para a inesgotabilidade do assunto.O fluxo da consciência indefine as fronteiras entre a voz do narrador e a das personagens, de modo que reminiscências, desejos, falas e ações se misturam na narrativa num jorro desarticulado, descontínuo que tem essa desordem representada por uma estrutura sintática caótica. Assim, o pensamento simplesmente flui livremente, pois as personagens não pensam de maneira ordenada, mas sim de maneira conturbada e desconexa. Portanto, é a espontaneidade da representação do pensamento das personagens que caracteriza o caos de tal marca literária. O monólogo interior é outro artifício utilizado por Clarice que contribui para a construção da atmosfera introspectiva. Essa técnica consiste em reproduzir o pensamento da personagem que se dirige a si mesmo, ou seja, é como se o “eu” falasse pra si próprio. Registra-se, portanto, o mergulho no mundo interior da personagem que revela suas próprias emoções, devaneios, impressões, dúvidas, enfim, sua verdade interior diante do contexto que lhe é posto. Muitos críticos afirmam que Clarice Lispector é a pioneira no emprego da epifania na prosa brasileira. “No sentido literário, a "epifania" é um momento privilegiado de revelação, quando acontece um evento ou incidente que "ilumina" a vida da personagem.” Assim, pode-se dizer que nos textos de Lispector, o objetivo maior é o

momento da epifania: por meio de uma espécie de revelação (o que se dá por meio de um fato inusitado), a personagem descobre que vive num mundo absurdo, causando um desequilíbrio interior que, por sua vez, provocará uma mudança radical na vida da personagem. É também peculiaridade da autora a construção de frases inconclusas e outros desvios da sintaxe convencional, além da criação de alguns neologismos. Clarice não adota o padrão da gramática normativa, pois tem na valorização da expressividade do texto a regra primordial de sua literatura. Assim, as frases não são feitas com o rigor gramatical e coerente, mas sim com o primor e o viço da expressão artística. Enfim, podando os excessos e desconsiderando os modismos, Clarice figura entre os melhores escritores da Literatura Brasileira. Heitor Nogueira. Postado por Heitor Nogueira às 12:53 http://esteticaliteraria.blogspot.com.br/2009/01/clarice-lispector-estilo.html

OS ASPECTOS DO (PÓS) MODERNISMO PRESENTE NO CONTO: FELICIDADE CLANDESTINA Maria

Paixão

da

Cruz¹

[email protected]

Resumo: O presente artigo propõe uma análise do conto Felicidade Clandestina cuja autora é Clarice Lispector, buscando identificar os aspectos da estética literária na qual o mesmo está inserido. O estudo do corpus está dividido em introdução, revisão literária feita à luz das teorias modernistasanálise do conto e considerações finais.

Palavras chaves: Pós-modernismo. Conto. Felicidade Clandestina.

Abstract: This paper proposes an analysis of the short story Happiness Clandestine whose author is Clarice Lispector, seeking to identify aspects of literary aesthetics in which it is inserted. The study of the corpus is divided into introduction, literature review made in light of modernist

theories,

analysis

Keywords: Postmodernism. Tale. Clandestine happiness.

1. Introdução

and

final

tale.

O conto em estudo é um dos 25 que compõe o livro, também, intitulado "Felicidade Clandestina", escrito por Clarice Lispector, e publicado em 1971, redigido em primeira pessoa, retrata momentos da infância da autora.

Tal como o modernismo que buscara mostrar a verdadeira face do ser humano, quebrar paradigmas, o conto apresenta temáticas que evidenciam o caráter, ou a falta deste, na vida das pessoas. Em primeiro plano encontra-se a felicidade almejada pela menina no conto, porém como o próprio título sugere trata-se de uma felicidade clandestina. Devido ao fato da garota estar em busca de algo que a complete, essa felicidade se torna clandestina a partir do momento que ela deseja ter o que não possui, ou seja, aquilo pertencente ao outro. É a partir dessa temática que outras vão se agregando, a exemplo, a inveja, o ciúme, vingança, dentre outras.

O conto esta pautado na história de uma garota que era apaixonada por livros, porém sua condição financeira não lhe possibilitava comprar livros. Por isso , ela v iv ia pedindo livros em prestados a um a colega que era filha de do no de um a livraria, já que essa colega não valorizava a leitura e, ainda se sentia inferior às outras, inclusive à narradora. Certo dia, a filha do livreiro informou à narradora que podia emprestar-lhe “As Reinações de Narizinho”, de Monteiro Lobato, mas que fosse buscá -lo em sua casa. A menina passou a sonhar com o livro dia após dia. Mal sabia a ingênua menina que a colega queria vingar-se. Todos os dias, ela passava na casa e o livro não aparecia, sob a alegação de que já fora emprestado. Esse suplício durou muito tempo. Até que, certo dia, a mãe da colega cruel interveio na co nversa das duas e percebeu a atitude da filha; então , emprestou o livro à sonhadora por quanto tempo desejasse. Essa foi à felicidade clandestina da menina. Fazia questão de “ esquecer” que estava com o liv ro para depo is ter a “ surpresa” de achá -lo. “Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com seu amante.”

A contribuição da obra de Clarice Lispector na Literatura Brasileira está, sobretudo na produção de um romance introspectivo, raridade entre nossa produção literária. Para compreensão de suas obras, é necessário do leitor um mínimo de preparo psicológico, já que o

primeiro contato com a obra pode causar certo estranhamento no leitor, no entanto, é possível reconhecer em sua escrita, indefinível, uma mistura de prosa, confissão, discursos internos e poesia. Assim, é perceptível que em Felicidade Clandestina há um forte cunho psicológico, na qual as duas Personagens principais estão intrinsecamente envolvidas.

Nessa perspectiva, o conto, será analisado à luz das teorias do pós-modernismo deliberadas por BOSI (1994), BRANDÃO (1996), GOTLIB (2001), SANTOS (2006), dentre outros que estarão embasando a fundamentação teórica do presente artigo.

2.2

A estética Pós-moderna

No Brasil o modernismo tem como marco simbólico a Semana de Arte Moderna realizada na cidade de São Paulo em 1922. Foi um movimento de grande importância para a literatura no país e é considerado um divisor de águas na história da cultura brasileira.

Segundo Santos (2006, p. 39) “Enquanto o modernismo lutava pelo máximo de forma e originalidade, os pós-modernistas querem a destruição de forma romance.” Assim, é plausível afirmar que os pós-modernistas não estavam mais preocupados com a representação realista da realidade. Como ratifica Santos (2006, p. 39) “Na literatura pós-moderna não é para se acreditar no que está sendo dito, não é um retrato da realidade, mas um jogo com a própria literatura, suas formas a serem destruídas, sua história a ser retomada de maneira irônica e alegre.”

Os pós- modernistas não pretendiam necessariamente uma ruptura com as conquistas do modernismo, mas a geração de 45 caracterizou-se essencialmente pelas pesquisas em torno da linguagem.

2.3

Clarice Lispector: uma escrita inovadora

1[4]Clarice Lispector (1926-1977) é um dos três principais nomes da geração de 45 e uma das principais expressões da ficção brasileira de todos os tempos. Lispector nasceu na Ucrânia, vindo ainda recém-nascida com seus pais para o Pernambuco, inicialmente, e depois para o Rio de Janeiro. Quando publicou sua primeira obra, Perto do coração selvagem (1944), a escritora provocou verdadeiro espanto na crítica e no público. A crítica reconheceu o talento da jovem escritora (então com 17 anos), mas apontou-lhe inúmeras falhas, sobretudo de construção.

Clarice Lispector, na verdade, introduzira em nossa literatura novas técnicas de expressão, que obrigavam a uma revisão de critérios avaliativos. Um dos aspectos inovador da autora é o fluxo de consciência, uma espécie mais radical do que a introspecção psicológica. O fluxo de consciência quebra esses limites espaços-temporais que tornam a obra verossímil. Por meio dele, passado e presente, realidade e desejo se misturam.

O ponto de partida da literatura de Clarice Lispector é o da experiência pessoal da mulher e o seu ambiente familiar. Contudo, a escritora extrapola os limites desse universo. Seus temas são essencialmente humanos e universais, como as relações o eu e o outro, a falsidade das relações humanas, a condição social da mulher, o esvaziamento das relações familiares e, sobretudo, a própria linguagem – única forma de comunicação.

3. Análise do conto

O conto em estudo, como já foi mencionado, está inserido num livro também intitulado “Felicidade clandestina”, de Clarice Lispector. A história é narrada pela própria personagem, na qual recorda sua infância no Recife, o que deixa subtender que a personagem pode ou não ser a própria autora. Uma vez que é, também, uma das características da escrita de Lispector, como afirma Moisés (2001, p. 340) “Clarice Lispector fala sempre de si própria. Talvez não estranhe que o fizesse, já que os cronistas não raro empregam a primeira pessoa do singular, para tecer reminiscências ou narrar fatos do cotidiano.” Analisando por essa vertente cabe ao leitor não se preocupar em saber se a autora está falando de um fato que ocorrera na sua infância ou se é apenas mais uma das suas criações, uma obra fictícia. Ao leitor importará apenas saber que se trata de um narrador-personagem.

Em Felicidade Clandestina o tempo não é evidenciado, quando começa nem quando termina, pois não existe um marco com datas, porém segue uma sequência linear na qual, apenas se passam dias e dias. O foco narrativo está centrado na personagem principal, a protagonista narra sua história reportando-se às demais personagens ao longo de sua participação. Uma característica inovadora, pois a autora não menciona o nome de nenhum personagem, há apenas a referência da garrota que gostava de ler, a protagonista, e a filha do dono da livraria, a antagonista. Até certo ponto do conto

a

história

se

desenvolve

somente

entre

as

duas

personagens

mencionadas, mas no final do conto surge uma terceira personagem, a mãe da menina perversa, essa terceira aparece como uma forma de resolver o impasse entre as jovens.

Um ponto interessante que vale resaltar é a descrição feita ao iniciar o conto, pois a autora opta em relatar as características da antagonista e não da protagonista. Assim, a narradora-personagem descreve os aspectos físicos. “Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme; enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas.” (p. 312) A menina ruiva e gorducha exercia a sua maldade sobre a protagonista do conto, projetando o seu sadismo fazendo-a ir todos os

dias à sua casa numa esperança vã de conseguir o livro. O que evidencia as seguintes citações:

A linguagem utilizada no conto é objetiva, porém, é possível encontrar algumas metáforas no desenrolar do texto. O que pode ser confirmado na seguinte passagem: “Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.” (p. 312) Neste conto, Clarice opta por utilizar diálogos indiretos, resumindo as falas das personagens na forma narrativa, pois não há os elementos de marcação de fala dos personagens, os dois pontos e o travessão, que indicam quando alguém está falando. A exemplo da citação: “Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria.” (p. 312) O espaço é u m a j u n ç ã o d o psicológico, pois descreve mais as emoções e sentimentos da protagonista, e também, um espaço físico, no qual é representado pelas ruas do Recife. Como ratifica a citação: Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas. Atrás escrevia com letra bordadíssima palavras como "data natalícia" e "saudade”. (p.312)

O clímax do conto acontece quando a garota finalmente recebe o livro. Ele é marcado pelo êxtase da narradora e sua felicidade clandestina. Clandestina por ela ter em mãos algo que não é seu, mas que mesmo assim lhe trás trazer.

Como já foi mencionado, o conto apresenta traços psicológicos de ambas às personagens. Segundo Brandão (1996, p. 09)

A psicanálise, por sua vez, tem servido de suporte teórico a diversas questões da literatura. Sem dúvida há uma critica literária que se afirma como psicanalítica e que, no Brasil, avança cada vez mais, mostrando um enorme interesse pelos conceitos advindos da psicanálise. (BRANDÃO, 1996, p. 09)

Em todo desenrolar da história nota-se que a autora enfatiza os traços psicológicos das personagens: “Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para

eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra.” (p.313)

Nesse fragmento é pertinente salientar que há entre essas jovens uma relação sadomasoquista, pois existe um desejo, da antagonista, de fazer alguém sofrer, e como a citação acima nos mostra, a protagonista também percebe esse jogo, mas não faz nada para mudar a situação, pois mesmo sabendo das reais intenções da “colega”, fazê-la sofrer, a menina insiste na busca do tão sonhado livro.

Mediante a última frase do conto “Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.” (p. 314) é possível subtender que a protagonista não estava interessada, apenas, em ler um livro, no caso “As reinações de narizinho”. Este era o desejo material, mas o que se pode perceber a partir das descrições das personagens aqui já mencionadas, é que a protagonista possuía desejo por aquilo que não era seu, ou seja, aquilo pertencente ao outro. Como pode ser notado no fragmento: Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. (p. 314)

A citação acima revela que não se trata somente do desejo de ler um livro, pois quando chega em casa a menina não ler imediatamente o livro, pelo contrário, ela escondia o livro para depois ter o prazer de encontrá-lo. Dessa forma nota-se que o desejo era apenas de conquistar o objeto e não de tê-lo como seu. Como mostra o fragmento “Valia mais do que me dar o livro: "pelo tempo que eu quisesse" é tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.” (p. 313)

As citações acima nos remetem a possibilidade de uma personificação do livro, no qual o desejo não estaria no objeto, o livro, mas sim num homem. Nota-se que os vocábulos empregados na fala da personagem (Meu peito estava quente, meu coração pensativo/ em êxtase puríssimo) não condizem com o perfil de idade da garota, pois,

através das descrições apresentadas no início do conto trata-se de meninas saindo da infância e entrando na pré-adolescência.

Considerações finais Mediante a análise apresentada, bem como, as teorias mencionadas pode-se inferir que o conto Felicidade Clandestina trás em sua composição aspectos do pósmodernismo, a exemplo, a inovação em relação à linguagem, a descrição mínima de personagens, o uso de espaço mais psicológico do que físico, dentre outros.

A autora revela uma intrigante tentativa de investigar as camadas mais densas da consciência humana na procura de compreender o sentido da existência. Através de uma aparente linguagem simples, a escritora mergulha numa análise psicológica do ser humano, revelando assim uma permanente preocupação em alcançar a verdade escondida na aparente simplicidade das palavras.

2[1] G

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