ANÁLISE DO SONETO
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Tanto de meu estado me acho incerto Tanto de meu estado me acho incerto, Que em vivo ardor tremendo estou de frio; Sem causa, juntamente choro e rio; O mundo todo abarco e nada aperto. É tudo quanto sinto um desconcerto; Da alma um fogo me sai, da vista um rio; Agora espero, agora desconfio, Agora desvario, agora acerto. Estando em terra, chego ao Céu voando; Nu~a hora acho mil anos, e é de jeito Que em mil anos não posso achar u~a hora. Se me pergunta alguém porque assim ando, Respondo que não sei; porém suspeito Que só porque vos vi, minha Senhora.
Luís Vaz de Camões
ANÁLISE DO SONETO Para a melhor análise deste soneto é necessário considerar, primeiramente, seu aspecto formal em relação ao conteúdo, ou seja, no que a forma contribui para o significado do poema. Assim, pode-se dizer primeiramente que é formado por 14 versos decassílabos, divididos em 2 quartetos e 2 tercetos. São decassílabos heroicos, pois possuem o icto (acento) na 6ª e 10ª sílaba “Tan/to/de/meu/ es/ta/do/mea/choin/cer/to”. Possui rimas externas (incerto/aperto) e internas (desconfio/desvario). As rimas são interpoladas e emparelhadas, seguindo o seguinte esquema métrico: ABBABAABCDECDE. Rimas ricas quanto à fonética (frio/rio) e à morfologia (desconcerto/acerto), assim como pobres fonética (incerto/aperto) e morfologicamente (ando/voando). Os poemas camonianos são cheios de repetições, seja de uma ideia, uma palavra ou um som. Neste soneto, a repetição dos fonemas nasais caracteriza o “aflautamento”, expressando o choro, o sofrimento do eu-lírico “Tanto de meu estado me acho incerto, / Que
em vivo ardor tremendo estou de frio / Sem causa, juntamente choro e rio / O mundo todo abarco e nada aperto”. Há ainda em todo o soneto os fonemas oclusivos “t” e “k”, que indicam problemas, obstáculos. “Tanto de meu estado me acho incerto / Que em vivo ardor tremendo estou de frio”; “É tudo quanto sinto um desconcerto”. E ainda pode-se perceber que a maior parte do poema é construído com vogais do fechamento, indicando o sofrimento. Em um momento, porém, aparece a vogal aberta /a/, em que o eu-lírico expressa emoções como a saudade e o contentamento em relembrar de sua amada: “Que só porque vos vi, minha Senhora”. Neste verso antes do vocativo há um truncamento causado pelos fonemas consonantais oclusivos, contrastando com os sons nasais, as vogais abertas e a sibilante em “minha Senhora”. O soneto expressa o sofrimento do eu-lírico devido ao seu amor por uma moça, que ao vê-la, faz surgir em sua alma sentimentos contrários “Sem causa, juntamente choro e rio”. Por isso há o uso de consoantes oclusivas, nasalização e vogais do fechamento, existe no interior do eu-lírico uma profunda dor, que se faz presente nestas características formais. Toda sua amargura, porém, é colocada em palavras de forma muito sutil e delicada. Quando o eu-lírico diz “da vista um rio”, é uma forma delicada e bela para dizer que ele chora, o que se constitui também uma metáfora. O Idealismo Platônico, a divisão entre os dois mundos, o natural e o ideal, entre os dois planos, o sensível e o inteligível, está muito bem expresso neste soneto no seguinte verso: “Estando em terra, chego ao Céu voando”. Admite-se que só é possível alcançar o ideal através do pensamento, por isso, estando em terra, o eu-lírico alcança o Céu ideal. Nesta mesma diretriz de platonismo encontra-se a mulher deste soneto. A mulher é representada pela “Senhora”, ela é todas e nenhuma em particular, pois pertence ao mundo das idéias. A partir das mulheres que amou, Camões faz um retrato da Mulher ideal, que não é uma em específico e por isso está em maiúsculo. Neste soneto não há como provar com contundência que existiu uma relação entre o eu-lírico e sua amada, para que se diga que exista o amor sob o viés carnal. Talvez no verso “Da alma um fogo me sai, da vista um rio”, este “fogo” poderia remeter ao amor sensual, mas não há como ter certeza. A melhor leitura seria do amor espiritual, platônico, em que o eu-lírico apenas contempla sua amada a partir da memória. E quando se fala em recordar da moça, puxa-se um gancho com a temática da saudade, tão presente nos poemas camonianos. Desta forma, aparece a memória contemplativa, em que é necessário elaborar o pensamento diante de algo, exige esforço mental. Pode-se perceber que o soneto é composto por verbos no Presente do Indicativo (acho, choro, rio, sinto, espero, desconfio, suspeito) e por verbos no Gerúndio (tremendo, ando,
voando) e só no último verso aparece um verbo no Pretérito Perfeito do Indicativo (vi). A partir disto, depreende-se que o estado de conflito em que o eu-lírico se encontra no momento presente e as ações que ele comete, são causadas por um acontecimento passado, que é ter visto a sua “Senhora”: “Se me pergunta alguém porque assim ando, / Respondo que não sei; porém suspeito / Que só porque vos vi, minha Senhora”. Ainda pode-se falar que durante o poema, o eu-lírico faz a disseminação, ou seja, ele argumenta sobre como se sente nas três primeiras estrofes para no final dizer o porquê se sente desta forma, fazendo, assim, a recolha. O conflito entre os dois mundos (o sensível e o ideal) gera um impasse no eu-lírico, uma angústia que se expressa em paradoxos: “Que em vivo ardor tremendo estou de frio”. Ora, ninguém que esteja com calor vai tremer de frio. É porque suas palavras vão além, são metáforas construídas acerca da constante luta interior pelo que é terreno (o ardor, que é a carne, os desejos) e pelo que é sublime (o mundo ideal). Toda essa tortura interior (o ardor somado à saudade) faz com que este soneto tenha também características maneiristas. Uma das características que mais se ressalta é a subjetividade assim como o desconcerto do mundo que pode ser visto neste verso: “É tudo quanto sinto um desconcerto”. A subjetividade se dá pela eclosão dos sentimentos do próprio “eu” que fala no poema. O pessimismo, o conflito entre o que se pensa e o que se sente, o desequilíbrio e a imperfeição também são marcas do Maneirismo. Há ainda no soneto, uma característica chamada intensidade, que é marcada por substantivos ou adjetivos de expressão absoluta. Está presente no verso “O mundo todo abarco”.
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