Análise do poema ceifeira

September 29, 2017 | Author: Isabel Silva | Category: Poetry, Grammatical Tense, Thought, Linguistics, Psychology & Cognitive Science
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Análise do poema Ela canta, pobre ceifeira Divisão em partes e seu desenvolvimento − 1ª parte (estrofes 1, 2 e 3) → descrição da ceifeira e do seu canto, canto instintivamente alegre, em que surge já a perspetiva do poeta (o que anula a objetividade que esta descrição poderia ter): o canto da ceifeira era «alegre» («canto de ave», com «curvas de enredo suave») porque «talvez» ela se julgasse feliz, mas ela era «pobre» e a sua voz era «cheia / de (…) anónima viuvez». Por isso, ouvi-la alegra e entristece: alegra se atendermos às razões instintivas da ceifeira («como se tivesse / mais razões para canta que a vida»), entristece se a virmos na perspetiva total do poeta («pobre ceifeira», «no campo e na lida»). − 2ª parte (estrofes 4, 5 e 6) → parte mais subjetiva, em que o poeta exprime a sua emoção perante a canção inconscientemente alegre da ceifeira. Esta 2ª parte subdivide-se em 2 momentos: − 1º: o poeta lança um apelo à ceifeira para que continue a cantar a sua canção inconsciente, porque esta emoção o obriga a pensar e a desejar ser ela, sem deixar de ser ele → aspiração ao impossível (porque ter a consciência da inconsciência é deixar de ser inconsciente); − 2º: ciente dessa impossibilidade, o poeta lança uma apóstrofe ao céu, ao campo, à canção, personificados, pedindo-lhes que entrem dentro dele, o transformem na sombra deles e o levem para sempre. ⇓ paradoxo de Pessoa: tendo-se servido tanto da inteligência, sentiu-se sempre um torturado por ser um ser pensante → dor de pensar. Daí a sua aspiração pela alegre inconsciência da ceifeira. Forma − tempo verbal predominante: o presente, que sugere o deslizar da imagem da ceifeira e do seu suave canto na imaginação do poeta → sugestão de passagem lenta do tempo, acomodada à meditação do poeta (realçada pelo uso da perifrástica e do gerúndio); − na 2ª parte do poema, predomínio do imperativo, para traduzir o apelo do poeta; − há mais adjetivos na 1ª parte dado ser essencialmente descritiva; na 2ª, predominam os substantivos, pronomes e verbos, de harmonia com a função apelativa da linguagem aí presente; a repetição do verbo cantar (7 vezes), do substantivo voz e canção, o uso do verbo ouvir no infinitivo, põem a sensação auditiva no âmago emocional do poeta. − o vocabulário de todo o poema é simples, mas o poeta soube carregar de sentidos subtilmente sugestivos as palavras mais simples: − expressividade dos adjetivos pobre e feliz; − os pares antitéticos pobre/feliz e alegre/anónima; − expressividade do advérbio talvez, que evidencia amarga ironia; − o adjetivo alegre em «a tua alegre inconsciência», que aponta para a parcialidade do conhecimento que a ceifeira tinha da sua vida e que está carregado de amarga ironia (o poeta desejava a inconsciência da ceifeira por esta ser para ela a única causa da sua alegria); − a subtil expressividade do adjetivo leve («a vossa sombra leve»), sugerindo a leveza, a quase imaterialidade desta visão-sonho que o poeta teve da pobre ceifeira. → comparações: «a sua voz ondula como um canto de ave» aponta não apenas para a suavidade da voz, mas também para o lado instintivo, inconsciente que tem a alegria da sua voz; «no ar limpo como um limiar» acentua a pureza do ar, do céu em que o poeta imagina a voz da ceifeira volteando (a pureza da voz da ceifeira projeta-se no ambiente em que se propaga); → metáforas: «sua voz ondula», como se ela enchesse o ar e este fosse o mar; «na sua voz há o campo e a lida», como se o perfume do campo e a agitação do seu trabalho enchessem a sua voz; «E há curvas no enredo suave do som», a sugerir a deliciosa melodia da sua canção; «derrama no meu coração a tua incerta voz ondeando», como se a sua voz fosse um líquido de que o poeta queria ser alagado; «A ciência pesa tanto», ciência aqui sinónima de dor de pensar, de ser consciente. − Aspeto formal: poema composto por seis quadras em versos octossílabos. O esquema rimático de todas as quadras é ABAB e a rima é cruzada. Professora Isabel Silva Documento redigido de acordo com o Novo Acordo Ortográfico

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