Análise de Poemas Da Mensagem

January 16, 2018 | Author: Gil Teixeira | Category: Portugal, Sea, Poetry, Age Of Discovery, Spirit
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MESNAGEM...

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Análise do poema "Infante" O poema “Infante” enquadra-se na segunda parte de Mensagem, consagrada ao tema “Possessio Maris”, ou seja, a posse do mar. O título do poema, “Infante”, poderia estar a referir-se ao Infante D. Henrique, mas parece-nos que a referência, puramente simbólica, é ao nascimento, ou pelo menos ao começo de algo, à juventude. Além do mais, Pessoa já se referia ao “outro infante”, na primeira parte da Mensagem. É o “Infante”, por isso mesmo, o relato de como tudo começa, do início da obra. Note-se que aqui “obra”, deve ser entendida no sentido estrito da palavra, como acção, bem como no sentido lato e ocultista, como processo alquímico, que compreende diversos passos até ao seu final. Se por um lado Pessoa se refere ao inicio da aventura marítima, ele não se refere apenas a isso, pois esse mesmo inicio, se bem que é apenas um episódio, é, pelo menos para ele, simbólico de um processo muito maior, de um Destino feito história de Portugal. Talvez Pessoa se refira mesmo ao nascimento do Império, pois ele diz, no fim da primeira quadra: “Sagrou-te e foste desvendando a espuma”: Mas é certo que o princípio do poema nos diz que Portugal, ao construir o Império, é movido como instrumento de uma vontade maior. É “Deus que quer”, não o homem. É a vontade de Deus, ou se quisermos o Destino, que guia as acções dos marinheiros e dos estrategas. Foi Deus também que quis que a Terra finalmente fosse uma, tanto porque foi um Português que primeiro a navegou por inteiro – Fernão de Magalhães, bem como portugueses a uniram descobrindo novos continentes. De facto o descobrimento do Brasil (descobrimento e não descoberta, como hoje se entende, ou talvez mesmo achamento, como dizem os brasileiros, pois a terra já lá estava e era habitada), une pelo mar a velha Europa à novíssima América de Colombo. Sagrado Infante, o Império podia crescer, ser Rei. De facto na quadra seguinte se observa a descrição do crescimento do Império. A “orla branca” da espuma é revolta de “ilha em continente”, pelas naus nacionais. Até que finalmente, viagem cumprida a Terra fosse “de repente redonda”, porque finalmente totalmente percorrida pelos olhos humanos. A última quadra, mais soturna, adianta a morte ao próprio Infante. Note-se a ironia subjacente, que na história ainda curta que era do Império já Pessoa lhe desenhe a morte, fale no seu final. Porque, em verdade, o Império morreu mesmo antes de se cumprir, morreu Infante, porque nunca se poderia cumprir como coisa material. Pessoa defende um Império Maior, um Império Espiritual, verdadeiro Império, se quisermos. Por isso, este Império ficou Infante, por se cumprir, à espera que se cumpra o Império Espiritual que será, esse sim, eterno. “Cumpriu-se o Mar e o Império se desfez”, diz Pessoa. Era esta a primeira missão cometida por Deus a Portugal, desvendar o mundo, e ela chegou ao seu termo. Mas falta ainda tudo. Falta “cumprirse Portugal”. Sabemos que Portugal era para Pessoa mais do que apenas a terra que se define dentro dos limites da fronteira, que Portugal para ele era língua, cultura, espírito e alma. Se ele diz que falta cumprir-se Portugal, ele quer dizer que falta cumprir-se o destino glorioso (e imaterial) da alma, já que se desfez o destino material do corpo. De facto é só na terceira parte da Mensagem que esse destino maior se desenha em mais fino pormenor. Encimado pela elocução latina Valete Fratres, esta terceira parte anuncia-nos um projecto de paz universal, fraternal, para a humanidade. Mas não um plano filosófico ou político, antes um plano espiritual e simbólico, que se vai revelar lentamente dentro de cada homem, de cada alma. Fraternidade achada na semelhança com Deus, é certo, mas também com a alma portuguesa, com a alma do verdadeiro povo escolhido, que ao contrário dos Judeus teve o seu mártir morto em guerra por Deus e Nação.

5. “Mar Português" Escrito a 9 de Junho de 1935, seis meses antes da morte de Fernando Pessoa, este poema tem uma importância eminentemente esotérica. Foi neste âmbito que a análise será feita, recorrendo a um texto de Dalila Pereira da Costa, publicado em 1978. Como bem indica esta pessoana de renome, o poema «Mar Português» surge na continuação do que é a Mensagem. No entanto, e se tal for possível, é ainda mais hermético do que aquela, porque se na Mensagem se invoca o Mar Português ainda físico da conquista e depois lentamente transcendental do espírito, no poema «Mar Português» a invocação é já plenamente transcendental, focada na importância da obra do próprio Fernando Pessoa num futuro renascer da alma nacional. Identificam-se temas comuns entre este poema e a Mensagem. Nomeadamente a referência ao mar simultaneamente espelho e abismo, onde a alma se perde no sonho e depois do sonho se reflecte num projecto de futuro esplendoroso porque plenamente espiritual e desligado da terra. Há o reconhecimento que nada mais há a buscar no mar físico, mas que resta a exploração do mar espiritual, onde Pessoa quer ser empossado argonauta, porque é através da poesia, da linguagem do inefável, que se podem descobrir os mistério da alma e da vida, escondidos à visão normal dos homens. Um primeiro ciclo exauriu-se: o da descoberta do mar. Um novo ciclo se anuncia: a segunda vinda, a descoberta da alma, do mar espiritual. É a água, o elemento água, a paz, a solidão, a reflexão, o contínuo movimento de renovação e desafio que permite a revelação da profecia. É a água que simboliza a latência do sonho, a água nua, despida e apenas espelho ou abismo, que mostra e que esconde. Combinação proibida de opostos, como a própria poesia, que se por um lado comunica, nada diz de imediato, mas antes quer provocar em quem a lê a reflexão mais profunda ou a reflexão mais imediata, o abismo e o espelho. O mar, o sonho e a poesia são os três elementos que Dalila Pereira da Costa indica como sendo os vectores essenciais da alma portuguesa. Não interessa a ambição, mas o sonho, não interessa o destino, mas a viagem, não importa nada que se acabe na sua própria realização, porque nada que se consuma inteiramente pode ser eterna. Portugal, pátria à beira água é também pátria à «beira-mágoa». O sofrimento e a dor marcam a viagem ás ilhas afortunadas da alma, porque nenhuma grande descoberta se faz sem sacrifício de monta e relevo. Esta alquimia, processo de integração dos desejos mais profundos e íntimos do ser, liga o desejo à metafísica de o realizar na carne. Dalila relembra, e bem, Jung, na sua análise do subconsciente como meio de alcançar a ligação entre os dois mundos, porque ténue terreno de fracas consistências e certezas palpáveis, senão pela intuição. Pessoa foi mais longe, ao desdobrar-se em quatro (Caeiro, Campos, Reis e Soares) fez a chamada quadratura do círculo, antigo esquema alquímico em que o Eu permanece no centro, permeado pelo mediador, pelo Logos. O apocalipse do fim aparece em Pessoa como revelação de uma verdade interior, reservada a quem empreenda a viagem sem destino que é perder-se de si mesmo. O começar na nova aurora neste Império Espiritual é algo mais do que a presença diáfana de um vasto território dominado por uma só língua e um só povo, antes um horizonte sem fim em que se atinge a irmandade dos homens, a paz in excelsis intemporal e imperfeita apenas por não ser ainda de Deus, mas encimada por um desejo incompleto de se realizar sempre no futuro. Escrito a 9 de Junho de 1935, seis meses antes da morte de Fernando Pessoa, este poema tem uma importância eminentemente esotérica. Foi neste âmbito que a análise será feita, recorrendo a um texto de Dalila Pereira da Costa, publicado em 1978.

6. "O Mostrengo" O poema "O Mostrengo" enquadra-se na segunda parte de Mensagem: O Mar Português. A segunda parte, por sua vez, está encimada pela elocução latina possessio maris (posse do mar). Na segunda parte de Mensagem, Fernando Pessoa expressa a nobreza dos actos, que acompanhou a nobreza da intenção, revelada na primeira parte. Sempre considerada como impregnada de um sentido de épico eminentemente racionalista e intelectual, a Mensagem encontra na sua segunda parte alguns dos episódios mais descritivos e emocionais. No seu todo é, sem dúvida, uma obra simbólica e obscura, atravessada por um sentimento negro de exaustiva análise e frustração por um futuro ainda por acontecer. No entanto, tratando-se do episódio do Mostrengo, a análise é diferenciada. Pessoa parece querer por momentos desafiar Camões, alvo de comentários menos elogiosos por parte de Pessoa em alguns momentos da sua vida, e comparativamente elaborar um momento de grande força dramática e menor força simbólica. Assim analisa Jacinto do Prado Coelho o Mostrengo: “«O Mostrengo» opõe dramaticamente, em decassílabos sonoros com um refrão cuja força épica aumenta de estrofe para estrofe («El-Rei D. João Segundo!»), a decisão do marinheiro português, instrumento inflexível da vontade do rei, à indignação do ser «imundo e grosso» que sai, escorrendo medos, das profundezas do mar: «Aqui ao leme sou mais do que eu: / sou um povo que quer um mar que é teu!»). excepcionalmente, o poeta, sob a sugestão do Adamastor, empunha a «tuba canora e belicosa» (…) Assim, em versos de densidade poética e sugestão rítmica insuperáveis, Fernando Pessoa, comunicando-se, foi também o intérprete comovido da História nacional”. “O Mostrengo”, um poema originalmente escrito em 1918 (Pessoa tinha então 30 anos) é menos sombrio e hermético que outros que viriam a constituir a Mensagem, que também originalmente se deveria chamar Portugal. Isto deve-se a uma desilusão crescente em Pessoa, que se em 1912 na sua primeira experiência como escritor/crítico clama por um Super-Camões e por um renascimento da psique nacional, mais tarde vês que nem Sidónio Pais, nem a Ditadura Militar que se lhe segue surgem como soluções para tal. Torna-se progressivamente mais escura e hermética a linguagem de Pessoa, embrenhada num messianismo que ele vê difícil de se cumprir senão pelos mistérios de uma fé no regresso de uma nobreza já estranha aos seus contemporâneos. Pode considerar-se que o poeta se mantém um ingénuo. Que embora sinta profundamente o seu nacionalismo, mais profundamente até porque esteve longe de Portugal e sentiu longe o que era realmente a saudade de um passado mais tranquilo do que aquele que vivia, ele é inocente quando pretende uma revolução pelo espírito, quando pretende enunciar os princípios em que basearia uma nova civilização e esperasse essa realidade. Considerando-se um «nacionalista místico», essa revolução teria de ser sempre em bases espirituais e é assim que ele as invoca. “O Mostrengo”, embora reduzido em simbolismo – parece-me apenas uma aproximação a um tema de Camões, e uma aproximação lírica não-simbólica ao tema da acção dos homens – tem, ainda assim, algo de simbólico na presença do número três. Três foram os heterónimos principais (ou heterónimos únicos, desenvolvidos, pois Bernardo Soares é um pseudónimo e só Alexander Search teria eventualmente dimensão de heterónimo mas nunca foi desenvolvido enquanto tal pelo poeta), três são as estrofes de “O Mostrengo” e três um número que paira sobre o poema, como uma sombra de misticismo, como que dizendo que mesmo nas puras acções de coragem há a presença do divino ou pelo menos do conhecimento oculto. Isto significa que mesmo na mais simples das acções há desígnio e destino, que nunca pode ser negado, quer no homem, quer na natureza. O pobre homem do leme ou o Mostrengo são armas sensíveis de um poder maior do que eles mesmos, ou até do que o destino de ambos

Análise do poema “Horizonte” Mensagem, na sua estruturação tripartida, representa as três fases da pátria e da vida: nascimento, crescimento e morte. A esta simbolicamente alia-se a ideia da ressurreição, a sugerir a ideia mítica do eterno retorno. Nesse sentido, o poeta, ao conceber a colectânea, pretendeu decerto revelar-nos que tudo se pode recomeçar sempre de novo. Não poderemos é esmorecer e deixar de acreditar nas potencialidades que nos caracterizam, seja como pessoas, seja como pátria. Tendo em conta a sua integração na estrutura interna da Mensagem, o poema “Horizonte” é o segundo do “Mar Português”, localizando-se entre “O Infante”, consagrado por Deus para dar sequência à predestinação do povo português e o “Padrão”, que passa a assinalar a nossa presença e da Cristandade nas terras descobertas. Integra-se na parte referente aos descobrimentos (segunda parte da estrutura interna do livro, correspondente à vida e simbolicamente aliada ao verbo “crescer”), que materializam o sonho marítimo do “Infante” e do povo que ele representa, na sua ânsia do desconhecido e concretizado na aventura marítima que fez de Portugal um império. O tema central é a descoberta ou o contacto com terras longínquas, mas também a viagem que representa o desvendar do sonho. Quanto ao assunto e desenvolvimento lógico, em termos estruturais, pode-se afirmar que o poema apresenta duas partes intimamente ligadas e complementares. A primeira integra as duas estrofes iniciais, remetendo mais directamente para a temática das descobertas. A segunda, mais explicativa e até conclusiva, apresenta uma visão interpretativa da materialização do sonho, como um impulso necessário para o desconhecido e a referência à respectiva recompensa. A parte inicial inclui as duas primeiras estrofes e pode resumir-se na ideia do domínio português dos mares. A primeira estrofe diz respeito à viagem que iniciou a ultrapassagem dos medos do desconhecido (“Ó mar anterior a nós”) e que deu origem à expansão com as “naus da iniciação”. A segunda corresponde já à visão de um mundo novo, com a descrição do espaço descoberto e progressivamente visualizado, pois no “desembarcar, há aves, flores”. Pode-se dizer que a aventura dos portugueses, representada no pronome “nós” desencadeou a partição do mar em dois. Primeiro surge o “mar anterior a nós”, que era desconhecido e provocava “medos”. No entanto, debaixo desses medos encerrava-se já o sonho de atingir espaços por descobrir, cheios de “coral e praias e arvoredos”. Depois, com as “naus da iniciação” o oculto foi progressivamente desvendado, ultrapassando-se “a noite a cerração”. Enfrentaram-se os perigos do mar, com as suas “tormentas” e o “mistério” que as envolvia. As descobertas tornaram-se realidade e surgiu o mar que se “Abria em flor”, mostrando o “Sul sidério”. A linguagem confirma o que se vai defendendo. Na verdade, os verbos da primeira estrofe encontramse no pretérito imperfeito do indicativo (“tinham”, “abria”, “ ‘Splendia”), sugerindo a ideia da duração e continuidade dos medos que durante muito tempo permaneceram até que foram “desvendados a noite e a cerração”. Além disso, o uso das maiúsculas e até a grafia de “’splendia” parecem exprimir a ideia da novidade que as descobertas iam originando. Por outro lado, é notória a passagem da “linha severa da longínqua costa”, em que o adjectivo anteposto traduz a ideia da distância e indefinição. Mostra que as terras se foram visualizando de forma progressiva, como se confirma a seguir, quer com a referência ao “longe” que “nada tinha”, quer com a materialização dos nomes concretos “sons e cores (…) aves, flores”, que já indiciam o contacto directo e efectivo com a nova terra descoberta. A nível estilístico, nota-se a presença da sinestesia em “sons e cores”, enriquecida ainda pela enumeração que encerra nos nomes concretos “aves, flores”. Nesta segunda estrofe é usada a técnica cinematográfica da aproximação progressiva, bem ilustrada pela passagem da “longínqua costa” para a “encosta” que “se aproxima”, com passagem para “mais perto”, onde depois se “abre” “a terra”, tornando-se possível desembarcar. Neste momento o tempo verbal é o presente do indicativo ( “aproxima”, “ergue-se”), que permite uma visualização mais realista e impressionista da do ambiente retratado. Parece que ao leitor é possível assistir ao desembarque em tempo real.

Passando à segunda parte do poema, agora o que está em causa é a definição e clarificação do sentido do sonho. Daí até a preferência por nomes de carácter abstracto (“formas”, “distância”, “esperança”, “vontade”), apesar de os versos seguintes voltaram a centrar-se numa longa enumeração de realidades concretas, em forma de polissíndeto “A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte”. No verso inicial desta última estrofe começa por se explicar que “O sonho é ver as formas invisíveis”. Depois, há referências à “linha fria do horizonte” (ligada ao título), mas também se apresenta “A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte”, que completa a materialização dos centros de atenção a que já se aludiu na estrofe anterior no momento do desembarque. Deste modo, pode concluir-se que foi através do sonho, impelido pelos “Movimentos da esperança e da vontade” que os portugueses conseguiram a sua maior glória nos mares, pois rasgaram o “Horizonte” e foram os primeiros a ultrapassar os limites que os “medos” impunham. Foi fundamental para essa tão significativa aventura a intervenção do “sonho”, metaforicamente ligado ao significado dos verbos “ver” e “buscar”, ambos no infinitivo, a sugerir uma caminhada longa, possivelmente complexa, mas igualmente compensadora. Na verdade, foi também ele que permitiu imaginar as “formas invisíveis”, inicialmente situadas numa “distância imprecisa”, mas foi também pelo “sonho”, concretizado na viagem arriscada das descobertas que se tornou possível a recompensa dos “beijos merecidos da verdade”. O “Sonho”, aliado de forma magistral à vontade divina e à obra humana no verso “Deus quer, o homem sonha a obra nasce”, já presente no “Infante”, é assim determinante em tudo o que de mais significativo os Portugueses conseguiram. É um tema recorrente em toda a Mensagem e naturalmente neste poema não poderia deixar de ser mencionado. Na verdade, Fernando Pessoa conhecia bem o espírito dos Portugueses, mas pressentia o enfraquecimento da nossa capacidade de sonhar. Teve então de insistir nessa crença que faz dos homens vulgares verdadeiros heróis. Quis de novo sublinhar a ideia de que é por essa idealidade onírica que se caminha para as utopias. Poderão outros chamar a isso “loucura” (veja-se o poema “D. Sebastião, Rei de Portugal”). O sujeito poético prova nesta composição que não o é, como não foi também a capacidade de risco que derrotou D. Sebastião em Alcácer-Quibir. É que também ele tinha a “loucura” de querer “grandeza”. Só que, a alguns marinheiros a “Sorte” ou o destino protegeram-nos e avançaram no “Horizonte”. O mesmo não terá sido facilitado a D. Sebastião. Porém o mito mantém-se vivo. Só teremos a necessidade de o renovar, de continuar a ter fé na sua concretização, ou seja, a acreditar em nós próprios, nas nossas potencialidades oníricas, e a empreender o esforço necessário para que elas se concretizem, como aconteceu com as nossas descobertas. Simbolismo Este poema, como já se foi revelando, é bastante sugestivo a nível do simbolismo. Em primeiro lugar, o próprio título “Horizonte” remete de imediato para a ideia do espaço ilimitado e longínquo, espaço cujo limite é o próprio sonho e que de forma mais concreta representa as terras distantes a que os Portugueses chegaram por mar de forma pioneira. O advérbio “longe” e o adjectivo cognato “longínquo” representam a metáfora do desconhecido, que sempre parece ter atraído o povo português, talvez pela sua intensa proximidade ao mar e pela atracção que sempre as ondas provocaram, com o seu marulhar simultaneamente assustador e misterioso. Já no desembarcar das naus, todos os elementos que captaram a atenção dos observadores contém também alguma carga simbólica: “a árvore” é a renovação, o crescimento, a vida; “a praia” simboliza a liberdade, os horizontes mais amplos; “a flor” pode ser vista como sinal de amor, beleza e harmonia; “a ave”, pela sua ligação aos céus aparece como símbolo do mundo divino e “ a fonte” representa a origem da vida, o regresso às origens, e também o retorno ao nosso próprio mundo. A “linha severa da longínqua costa”, aliada à “noite” e à “cerração” é ainda sinal dos “medos” que durante séculos amedrontaram aqueles que se arriscaram nos mares, mas o contacto directo com os “sons e flores” das terras descobertas funciona já como uma sinfonia de felicidade possibilitada ligação às terras descobertas e pisadas pela primeira vez. As “naus da iniciação”, para além do sentido exotérico de descoberta, de ritual de introdução num universo desconhecido, são igualmente o símbolo da segurança que permitiu a travessia dos mares, a observação desse fantástico mundo de grandiosidade e beleza. Permitiram alcançar a recompensa

simbolicamente concretizada nos “beijos merecidos da Verdade”. Esta, por sua vez, representa a conquista dos valores eternos da espiritualidade, o sinal do “Quinto Império” que está ainda por realizar, mas de que este momento é já um grau de aproximação. Em síntese, “Horizonte” corresponde a um dos mais significativos momentos da grandeza a que as descobertas elevaram a capacidade do sonho português. No poema anterior mostrava-se que “Deus quis que a terra fosse toda uma”. Sugeria-se mesmo que foi pelo mar que a aventura se concretizou, após a predestinação representada na figura do “Infante”. Agora, o sonho vê-se claramente ilustrado na aproximação e no contacto directo com o solo descoberto. Pena é que o império construído se tenha desfeito. No entanto, se a fé se mantiver, talvez o “Quinto Império” venha ainda a concretizar-se e um novo “Horizonte” possa estar ao nosso alcance, apesar de ser, naturalmente, de um outro e bem diferenciado nível…. Poema "horizonte" e o canto IX d' Os lusíadas O poema “Horizonte” encontra-se na segunda parte de Mensagem, que tem o título de “Mar Português”. Pretende Fernando Pessoa, nesta segunda parte, falar da história dos Descobrimentos, de como a nobreza que ele descreveu na primeira parte (“Brasão”) agiu agora e como os seus actos tiveram importância, mas não esgotaram essa mesma nobreza. Pessoa – nas palavras de Agostinho da Silva em Um Fernando Pessoa – conta agora uma história em “Mar Português”, mas avisa desde logo no poema “Infante” que essa história não é a história de Portugal, mas “o seu interrompido prólogo”. “Horizonte” enquadra-se nesse “contar da história”. Neste poema de grande lirismo e beleza, Pessoa descreve o encantamento dos navegadores quando, ao aproximarem-se de desconhecidas costas, tornavam concreto o que antes era apenas abstracto (mistério). O descobrimento como revelação segue o tema geral de Mensagem, que é uma obra eminentemente intelectual, ocultista, simbólica. Em verdade, os navegadores não poderiam revelar conscientemente, porque não eram – crê-se – habilitados para tal, pois não eram “iniciados” nas artes ocultas que Pessoa tão bem domina. Se revelam, é então porque uma vontade superior os leva a tal e lhes controla o Destino. É caso para dizer que enquanto o iniciado compreende, o não iniciado cumpre. Confirma-se o que dissemos numa análise mais próxima do poema. “Ò mar anterior a nós” (os descobridores), “teus medos tinham coral (…)” mas “desvendadas a noite (…) as tempestades passadas e o mistério” (o desconhecido) “abria em flor o Longe” (o conhecimento) e o “Sul-sidério (re)splendia sobre as naus da iniciação”. De uma maneira mais ou menos hermética e fechada, o que Pessoa nos diz é: O mar anterior, o mar a que se referiam aqueles que o temiam por desconhecimento e medo, foi desvendado, tiraram-lhe a noite (o escuro representa o medo e o desconhecido), e, passando pelas dificuldades do caminho, revelou-se enfim o seu mistério. Abriu-se esse conhecimento quando para Sul as naus dos iniciados (involuntários, mas iniciados) viajaram. Lendo a segunda estrofe, há uma insistência no mesmo tema. “Linha severa da longínqua costa (…) ergue-se a encosta (…) onde era só, de longe abstracta linha”. O abstracto torna-se concreto, com a revelação do mistério. Toda a descrição se realiza em pleno na terceira estrofe onde Pessoa, aproveitando o balanço do raciocínio anterior, chega à conclusão que pode equiparar o sonho a ver essas “formas invisíveis da distância imprecisa” (a linha distante da costa) e “buscar na linha fria do horizonte a árvore, a praia (…) os beijos merecidos da Verdade”. A metáfora do sonho é de facto perfeita e o efeito poético pleno de oportunidade e equilíbrio. Mas temos de nos lembrar que se “os navegadores sonharam”, foi “Deus quem quis” (do poema “Infante”). O resumo de tudo isto dá-nos Dalila Pereira da Costa na sua obra O Esoterismo em Fernando Pessoa, Lello & Irmão Editores, página 180: “assim como a aventura espiritual do poeta seria um poema de iniciação, assim a foi a da sua pátria: as Descobertas. (…) Esta procura, estas preambulações através dum mar absoluto, são sempre em busca da verdade: num périplo iniciático, se obterá a sua possessão, por a desvendar num mistério. O navegante surge como um futuro iniciado: aquele que receberá a revelação, o que conhecerá e participará dum mistério. (…) Uma busca de gnóstico, onde a salvação se fará só através do conhecimento, da possessão da verdade. E é o fulgor da gnose, essa luz que resplendia nesse mar”.

O Canto IX d’ Os Lusíadas, conta do regresso dos Portuguesas da Índia, onde pelo caminho encontram a «Ilha dos Amores». A Ilha aparece como uma recompensa, mas também como símbolo de o povo Português de ter tornado, pelos seus feitos, igual aos deuses que agora os homenageiam de modo tão inesperado. A comparação possível entre este Canto IX e o poema “Horizonte” é a oposição quase total entre o que Camões considera a “Recompensa” e Pessoa considera a “Verdade”. Camões idealiza uma recompensa para os sentidos, um festim material, enquanto Pessoa quer algo mais alto e frio – a verdade do conhecimento oculto.

Análise do poema "Ocidente" Antes de analisar o poema em questão, há que recordar que Mensagem é um poema nacional, uma versão moderna e espiritualista dos Lusíadas, nas palavras do eminente estudioso de Pessoa, António Quadros. Mensagem é um poema trinitário, à maneira cristã, mas imbuído de uma interpretação mística e paraclética, onde o “Encoberto” recebe a unção do Espírito Santo apenas para se revelar como o eterno Logos, o Intermediário secreto para entender o significado de Deus para o Homem. Sendo um poema trinitário, dividido em 3 partes, Mensagem é também um poema dialéctico, em que cada parte contribui para a seguinte, perseguindo uma síntese Hegeliana na sua leitura final. O poema "Ocidente" inclui-se na segunda parte – “Mar Português” - onde Pessoa justifica de certo modo a proposta feita na primeira parte - Brasão. A proposta era a de uma nação que iria trazer novos mundos ao mundo, sobretudo o nascer de um Império Espiritual, baseado na unidade de todos os homens em Cristo simbólico, feito civilização, construído sabedoria e intelecto. Mensagem foi um meio também de Pessoa expressar a sua mágoa em palavras, uma mágoa de quem abandonou o país na sua juventude para, regressando, encontrar dentro de si um patriotismo de tais dimensões que quase parecia impossível de traduzir em sentimento, muito menos em letras no papel. Pessoa vê Portugal como o rosto com que o Ocidente fita o futuro e o passado. E foi por providência divina (v. o poema "O Infante") que Portugal desvendou, "com duas mãos - o Acto e o Destino" (v. poema "Ocidente"). O facho que uma mão ergue, é a luz que de Portugal emana e que pretende iluminar o que antes era trevas - o Destino - enquanto outra - o Acto - afasta o véu, que separou desde sempre o querer de Deus e a ignorância do Homem. O “Acto” foi a coragem de descobrir e o “Destino” a força que o permitiu. A coragem e a força são interdependentes, como uma cobra que morde a própria cauda e na força centrífuga potencia o futuro. Foram estas mãos portuguesas que "rasgaram o véu" à Europa. A mão predestinada, "apoiada pela ciência e pela ousadia". Embora grande importância tenha tido essa mão que luziu, a mão do facho que iluminou, humana e por isso "Acaso", "Vontade", ou apenas "Temporal", nenhuma importância teria sem a vontade de Deus em a dirigir como "alma", sendo o "corpo" Portugal. O que é um corpo sem alma, senão uma massa informe, sem destino? Foi Deus que esculpiu no corpo o seu destino e o guiou sem que este tomasse noção do perigo. Foi Deus a alma de Portugal na sua missão. A mão que rasgou o véu, era já uma mão de "Certeza", "Determinação" e grau "Intemporal". Este destino não é no entanto História de Portugal, mas o seu interrompido prólogo (nas palavras de Agostinho da Silva em "Um Fernando Pessoa"). Não é a importância de possuir o mar (“possessio maris” quer dizer posse e não propriedade do mar, e por isso é efémera e passageira), mas a preciosidade de ter encetado a busca, sem ligar ao medo, porque instrumento de uma vontade superior, prostrada na glória de mostrar que o mar é sempre o mesmo e toda a descoberta é imperial se feita passando além da dor. Portugal foi a cara com que a Europa enfrentou esse destino, foi a face do Ocidente perante o abismo. Mas sendo o agente, foi também instrumento, dividido nas duas mãos, com a luz que alumiava e o destino que rasgava o véu. Completo em corpo e alma, mas dividido em Homem e em Deus. Só para mostrar o significado vão de possuir e o significado altíssimo de buscar. Buscar que também é esperar em símbolo e superar o vazio da aparente ausência de Destino". Bibliografia: António Quadros, Fernando Pessoa, vida, personalidade e génio; Agostinho da Silva, Um Fernando Pessoa

Análise de “Mar Português” Escrito a 9 de Junho de 1935, seis meses antes da morte de Fernando Pessoa, este poema tem uma importância eminentemente esotérica. Foi neste âmbito que a análise será feita, recorrendo a um texto de Dalila Pereira da Costa, publicado em 1978. Como bem indica esta pessoana de renome, o poema «Mar Português» surge na continuação do que é a Mensagem. No entanto, e se tal for possível, é ainda mais hermético do que aquela, porque se na Mensagem se invoca o Mar Português ainda físico da conquista e depois lentamente transcendental do espírito, no poema «Mar Português» a invocação é já plenamente transcendental, focada na importância da obra do próprio Fernando Pessoa num futuro renascer da alma nacional. Identificam-se temas comuns entre este poema e a Mensagem. Nomeadamente a referência ao mar simultaneamente espelho e abismo, onde a alma se perde no sonho e depois do sonho se reflecte num projecto de futuro esplendoroso porque plenamente espiritual e desligado da terra. Há o reconhecimento que nada mais há a buscar no mar físico, mas que resta a exploração do mar espiritual, onde Pessoa quer ser empossado argonauta, porque é através da poesia, da linguagem do inefável, que se podem descobrir os mistério da alma e da vida, escondidos à visão normal dos homens. Um primeiro ciclo exauriu-se: o da descoberta do mar. Um novo ciclo se anuncia: a segunda vinda, a descoberta da alma, do mar espiritual. É a água, o elemento água, a paz, a solidão, a reflexão, o contínuo movimento de renovação e desafio que permite a revelação da profecia. É a água que simboliza a latência do sonho, a água nua, despida e apenas espelho ou abismo, que mostra e que esconde. Combinação proibida de opostos, como a própria poesia, que se por um lado comunica, nada diz de imediato, mas antes quer provocar em quem a lê a reflexão mais profunda ou a reflexão mais imediata, o abismo e o espelho. O mar, o sonho e a poesia são os três elementos que Dalila Pereira da Costa indica como sendo os vectores essenciais da alma portuguesa. Não interessa a ambição, mas o sonho, não interessa o destino, mas a viagem, não importa nada que se acabe na sua própria realização, porque nada que se consuma inteiramente pode ser eterna. Portugal, pátria à beira água é também pátria à «beira-mágoa». O sofrimento e a dor marcam a viagem ás ilhas afortunadas da alma, porque nenhuma grande descoberta se faz sem sacrifício de monta e relevo. Esta alquimia, processo de integração dos desejos mais profundos e íntimos do ser, liga o desejo à metafísica de o realizar na carne. Dalila relembra, e bem, Jung, na sua análise do subsconsciente como meio de alcançar a ligação entre os dois mundos, porque ténue terreno de fracas consistências e certezas palpáveis, senão pela intuição. Pessoa foi mais longe, ao desdobrar-se em quatro (Caeiro, Campos, Reis e Soares) fez a chamada quadratura do círculo, antigo esquema alquímico em que o Eu permanece no centro, permeado pelo mediador, pelo Logos. O apocalipse do fim aparece em Pessoa como revelação de uma verdade interior, reservada a quem empreenda a viagem sem destino que é perder-se de si mesmo. O começar na nova aurora neste Império Espiritual é algo mais do que a presença diáfana de um vasto território dominado por uma só língua e um só povo, antes um horizonte sem fim em que se atinge a irmandade dos homens, a pax in excelsis intemporal e imperfeita apenas por não ser ainda de Deus, mas encimada por um desejo incompleto de se realizar sempre no futuro.

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