Amor Esponsal - Maria Emmir Oquendo Nogueira

May 10, 2019 | Author: Pablo Villalpando | Category: Love, Prayer, Saint, Jesus, Francis Of Assisi
Share Embed Donate


Short Description

Amor Esponsal - Maria Emmir Oquendo Nogueira...

Description

Maria Emmir Oquendo Nogueira

AMOR ESPONSAL

2

COORDENAÇÃO GERAL

João Edson Oliveira Queiroz COORDENAÇÃO EDITORIAL

Carol de Castro REVISÃO

Amanda dos Reis Cividini Maria Lidijane Pinheiro do Nascimento Monique Linhares Theresa Emígdio de Castro CAPA

Leonardo Biondo IMAGEM DA CAPA

Femme en marche, de Père Teilhard de Chardin DIAGRAMAÇÃO

Vivianne Alves de Sousa

EDIÇÕES SHALOM

Estrada de Aquiraz – Lagoa do Junco CEP: 61.700-000 – Aquiraz/CE Tel.: (0xx85) 3308.7465/ 7402 www.edi ww w.edicoesshalom coesshalom.c .com.br om.br | comercialedi comercialedicoes@c coes@comshal omshalom.org om.org Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer   sistema ou banco de dados sem permissão permissão escrita da Editora. E ditora. ISBN: ISBN: 978-85-7784-207-0 978-85-7784-207- 0 1° Edição: 2017 © EDIÇÕES SHALOM, Aquiraz, Brasil, 2017.

3

 Amor Esponsal: chama vi va que inflama i nflama e purifica puri fica o coração, capacitando-o a aderir, incondicionalmente e com vigor, à bemaventurada vontade do Pai. Moysés Azevedo Filho Carta à Comunidade 2005

4

À Mari, que, por amor à vocação, insistiu, rezou e acreditou.

5

Introdução Escrever sobre o Escrito  Amor Esponsal  foi   foi um desafio adiado muitas vezes, por anos seguidos. Em primeiro lugar, pela óbvia incapacidade de tocar no mais precioso núcleo de nossa vocação, no seu cerne. Em segundo lugar, porque era preciso encontrar o tempo certo, o tempo de Deus, e nós aguardávamos o seu sinal. Ele veio de modo inesperado: através de uma aguda visão de minha infidelidade e incapacidade de vivê-lo, uma verdadeira e dolorosa crise provocada pelo Espírito da Verdade, que nos faz enxergar o quanto não vivemos nossa vocação, nosso chamado, o quanto não correspondemos ao amor do Esposo por nós. Segundo o próprio Escrito, o reconhecimento de nossas faltas é o primeiro passo em direção ao amor esponsal. Resolvi, então, mergulhar de cabeça nesta aventura, na certeza de que outros virão e estudarão o texto com maior base de estudo e pesquisa. O objetivo, aqui, aliás, não é fazer estudos teológicos ou de espiritualidade sobre o texto, mas ajudar cada um de nós a compreendê-lo melhor, saber do que o fundador está falando para poder segui-lo como discípulo neste que é o ponto mais importante de nossa vocação. Concluí o estudo “oracional” com algumas certezas:  A Encíclica  Deus Caritas Est   é um sinal de Deus de que é tempo de estudarmos melhor o Escrito Amor Esponsal  e  e fornece-nos chaves preciosas para este estudo.   Se fosse escrito em outra época, este Escrito poderia muito bem entitular-se “de como amar a Deus e ao irmão segundo o carisma Shalom”.  Ainda nos falta um longo caminho de oração e estudo para apreendermos o que nos quis dizer o fundador.  É realmente, unicamente através do Espírito Santo, que este amor pode ser vivido  por nós. É importante ressaltar que esta é a minha forma pessoal e oracional de ler e entender o Escrito, como alguém que esteve próximo ao fundador na época em que foi escrito e nos anos seguintes. Se Deus quiser, muitos outros ainda escreverão sobre este assunto a  partirr de vári  parti vários os outros ângulos ângulos e visões, o que será grande enriqueci enriquecimento mento para todos. Assim, mais que como mestra (o que, certamente, seria presunção), é como uma mãe sentada no chão arrodeada por seus filhos, que quero escrever: partilhando vivências, contando histórias, dando exemplos, desencavando lembranças. 6

Para entender o Escrito Creio necessitarmos de alguns dados históricos importantes para entendermos melhor  este Escrito:   Quando ele foi feito, estávamos em meio a uma crise de identidade. Não havia espiritualidade firmada em nosso meio, exceto a da RCC, e fazia-se necessária uma definição de espiritualidade, uma vez que as pessoas esmoreciam no louvor, na oração, na unidade com o fundador.  Nosso fundador tinha, na época, 25 anos, o que me enche de perplexidade e louvor  a Deus cada vez que leio o texto. Tamanha sabedoria e profundidade não podem vir da imaginação ou experiência de um jovem de 25 anos, cujas áreas de estudo haviam sido geologia e fisioterapia. Tudo isso, e mais a intensidade e profundidade do texto, e a maneira como ele faz vibrar nosso coração, testemunha: de fato, este é o texto-cerne de nossa vocação, de fato, nele fala a voz de Deus, de fato, nossa vocação vem de Deus.   Temos em mãos uma profecia em todos os sentidos. No sentido histórico, na  perspectiva  perspecti va da vi vida da espiritual espiritual e consagrada, consagrada, o texto é uma seta que aponta e corre, ligeira,  para pel peloo menos vi vinte nte e cin cinco co anos adi adiante ante na hi históri stóriaa da Igreja do mundo intei nteiro. ro. Hoje constata-se com facilidade que a Nova Evangelização, tão sonhada pelos últimos papas, será posta em prática por uma geração de apaixonados por Jesus. Uma geração de almas esposas que dá a vida para fazer amado seu Esposo!   Nosso principal Escrito, entretanto, não é um escrito linear. Não tem propósitos didáticos, mas é uma “explosão” do coração do fundador e, como tinha de ser, no nosso caso, um coração jovem, apaixonado, ousado, cheio de parresia. Isso fará sua leitura menos fácil, mas certamente mais fascinante. Não estaremos seguindo os caminhos de uma cabeça presunçosa e imaginativa, mas as aventuras de um modesto coração perdido de amor.   A linguagem deixa entrever um homem de Deus profundamente humilde, mas em tudo intenso. Intenso em sua paixão, em seus adjetivos, em suas explicações, em sua forma de arrumar o texto. Queria ensinar aos seus discípulos, sim, mas queria fazê-lo  pelaa via do amor que dei  pel deixxa transparecer na intensidade intensidade de sua ex expressão. pressão.

Quando a lembrança ensina Coube a mim o privilégio imenso de “datilografar” este e os outros Escritos e as Regras1. Humildemente, o Moysés dizia: “Você vai datilografando e vai marcando aquilo que achar que poderá ser modificado. Depois, agente conversa sobre cada coisa”. Digamos que em cada dez observações, ele acolhia 1/25. “Que tal dividir este  parágrafo?  parág rafo? Tem doi doiss assuntos di diferentes”, ferentes”, di disse sse eu, por ex exempl emplo, o, sobre o parágrafo 4. “Não... quero isso tudo junto, para entenderem que o nosso chamado é consumir nossas 7

vidas através do amor integral e por Ele”. Eram dois aspectos do parágrafo imenso e, no  bom portug português, uês, fi ficaria caria mel melhor hor se fosse di divi vidi dido. do. No entanto, eu log ogoo entenderi entenderiaa que o  português  portug uês é uma coi coisa, sa, reg regiido por reg regras ras cl claras, aras, fei feitas tas pel pelaa lóg ógiica humana ao lo long ngoo de séculos e que o “moysesês” é outra coisa, regido por regras lançadas com a fundação da comunidade, que é melhor respeitar para não se arriscar a mudar o sentido impresso pelo coração de Deus e do fundador. Hoje, ao estudar a hermenêutica dos fundadores, tomo conhecimento de como cada  palavra,  pal avra, cada ex expressão, pressão, cada neol neolog ogiismo é preci precioso oso para o conheci conhecimento mento do “espíri “espírito to do fundador”. Dou, então, graças a Deus por, em todas as vezes exceto uma, ter deixado de lado os purismos da língua em favor das inspirações da linguagem do fundador, que revela seu espírito. Louvo a Deus, também, por estar viva para contar a história.

A tran transcrição scrição do texto te xto Em vistas de uma nova publicação dos Escritos, e para facilitar nosso trabalho, o Escrito Escri to será edi editado tado a seg segui uirr com uma numeração só sua. Deus nos socorra em nossa fraqueza e nos ajude a tocar com todo respeito e entender  melhor o precioso cerne de nossa vocação.

8

Amor Esponsal 1. Gostaria, se isto fosse possível, de transpor para este papel o que se passa neste momento em meu interior acerca do Amor Esponsal. Sei que somente o Espírito Santo, o Inflamador das Almas, pode realizar este amor em nós. Por isto, antes de abordarmos o assunto, peçamos que o Espírito aja em cada coração que deseje compreender compr eender este chamado. 2. “O Amor não é amado!”. Era este o brado de Francisco de Assis que chegou a nossos corações e os tocou. Ao procurarmos corresponder, encontramos o caminho e a verdade expressos por Santa Teresa D’Ávila quando diz “Só Deus basta”. 3. Inspirados por estas verdades expressas pelos santos baluartes de nossa vocação (Francisco de Assis e Teresa D’Ávila) nossos corações se abriram ao Espírito Santo que começou a trabalhar em nossas almas e levá-las ao cerne de nossa vocação: o mor Esponsal a Nosso Senhor Jesus Cristo. 4. Não poderá jamais existir a verdadeira Paz nas almas dos homens e no mundo se esta Paz não estiver embasada em um amor incondicional a Jesus Cristo, pois aí nasce o Shalom de Deus. Aí está também aquilo a que fomos chamados: a entregar, consumir  nossas vidas neste amor. No amor que busca cada vez mais o esquecimento de si, de  sua própria vontade, de seus próprios interesses, de sua própria vida e que, cada vez mais inflamado de amor pelo Amado, busca somente a Ele, a vontade Dele, os interesses Dele, a vida Dele, a obra Dele. 5. Em seu infinito amor o Pai quis escolher almas esposas para Seu Divino Filho e ara isto não escolheu as melhores, as mais belas, mas, a fim de manifestar a sua lória e seu poder, resolveu escolher as mais pecadoras, as mais fracas, os vasos de argila, para aí realizar Sua grande obra. Toda a glória pertence, assim, Àquele que nelas tudo realizou. 6. Chamados que fomos a termos nossas almas escolhidas para serem esposas do Senhor, precisamos reconhecer que somos os menores, os mais fracos, os mais ecadores, miseráveis, até, e que nenhum mérito possuímos por nós próprios. Nosso lugar é o da Pecadora e o de Maria de Betânia - aos pés Daquele que tanto nos amou e escolheu, movido unicamente por sua imensa Misericórdia. 7. Não é difícil percebermos esta realidade. Basta olharmos de onde o Senhor nos tirou quando tocou nossas almas e nos chamou para segui-Lo e reconhecermos em nosso dia a dia a nossa total incapacidade de, por nós próprios, sermos fiéis à Sua voz. 8. Como esta realidade contrasta com Seu amor eterno e paciente por cada um de 9

nós, com sua misericórdia estendendo-se ao longo de nossas vidas, com Seu amor e Sua escolha irrevogável pelos nossos corações! Que fazer, ó Senhor, a não ser amar-Te erdidamente! Entregarmo-nos a Ti com toda a nossa fraqueza e, apesar dela, nos consumirmos de amor por Ti e sermos servos de Teu Reino? 9. Nosso coração só pode ter gratidão ao Senhor, gratidão eterna e unir todo o nosso ser para corresponder a este Amor Perfeito com que Ele nos ama! E só há uma maneira de corresponder: amando, consumindo-se de amor por Aquele que tanto nos amou! 10. Nosso amor, porém, é imperfeito. Como responder a este sublime chamado? Somente clamando ao Espírito de Amor para que inflame nossas almas e nos impulsione a este Amor Infinito. Ao nosso clamor este Espírito virá e impulsionará nossas almas, nossas orações, nossos corações. 11. Um coração inflamado por este amor tudo realiza, a tudo se dispõe. Inflamados or este imenso amor os santos caminharam, os mártires entregaram suas vidas e também nós desejamos prosseguir. Nosso alvo é a santidade, não por presunção, mas or vocação, pois todos os homens a isto são chamados. Queremos ser santos não por  nossos méritos, mas confiando inteiramente na graça de Deus. Queremos ser santos não para nós próprios, mas para Deus. Queremos ser santos porque sabemos que a  santidade é a veste nupcial que nos permiti permitirá rá entrar para celebrarmos nossas bodas com o Cordeiro. Ansiamos pela santidade e faremos de tudo instrumento para este fim, orque sabemos que Aquele que nos ama e que é amado por nossos corações anseia or isto muito mais que nós! O Amor Esponsal é meio e fim para a santidade. 12. Neste caminho de Amor Esponsal e santidade, o Senhor nos dá um modelo:  Francisco de Assis. Como o Senhor deu a Francisco um coração amante e despojado assim também Ele no-lo quer dar. Por outro lado, o Senhor nos dá um caminho a  seguir: o de Santa Teresa D’Ávila. O caminho de oração, de inti intimidade midade com o seu Senhor, de união íntima com o Amado é caminho também para nossas almas. 13. Por serem modelo e caminho, estes dois santos, de uma maneira particular, se tornam padroeiros de nossa vocação, colunas em nosso caminho, intercessores no céu, modelos a quem nossos corações devem imitar. 14. Na Comunidade, a espiritualidade do Amor Esponsal será fomentada pelo estudo da vida e dos escritos de São Francisco de Assis e Santa Teresa D’Ávila, buscando através deles vivenciar, dentro de nossa vocação, o amor que ardia em seus corações. 15. Junto a eles está a Rainha da Paz, como Maria se intitula nas aparições de edjugorje, na Iugoslávia. Antes mesmo de conhecer o conteúdo de sua mensagem nestas aparições, Deus já colocava em meu coração que a Rainha da Paz tinha muito a nos falar. Foi grata a surpresa de ver enunciado em sua mensagem o muito que Deus á colocara em nossa vocação. Apeguemo-nos profunda e verdadeiramente Àquela que é a Esposa do Espírito Santo e imploremos sua intercessão para que Ele gere em 10

nossos corações o Amor Esponsal a seu Filho Jesus. 16. Na Obra Shalom, o Amor Esponsal não se acha caracterizado somente pela vocação celibatária. Não! Todos são chamados a possuí-lo, todos são almas esposas de esus. Todos devem buscar ser as virgens prudentes que esperam o momento das úpcias, mantendo acesa a chama do amor em suas lâmpadas. Leigos, sacerdotes, celibatários, jovens, crianças, homens, mulheres, casados, todos são, no Shalom, chamados a assim amarem a nosso Rei e Senhor e, cada vez mais inflamados por este amor, na sede pela oração (união com o Amado) e no serviço (fazendo a vontade do mado), a deixarem o Espírito impulsionar sua vocação e suas vidas. O sinal do Amor   Esponsal é possuir um coração i nflamado de amor por Jesus Cristo e sempr sempree desejar  mais, pois quando se ama assim, sempre se considera pouco e sempre se anseia amar  mais, mais, mais... 17. A vida de união íntima com Jesus através da oração é a fonte para o desabrochar e o amadurecimento deste Amor Esponsal. Não pode haver Amor Esponsal   sem que diari diariamente amente procuremos procuremos nos encontrar com o Amado e ganharmos bom tempo em Sua companhia, em adoração, louvor e escuta. A oração pessoal é a ocasião em que o Senhor vem edificar esta obra de amor em nós. A contemplação do Amado é o ardim que o Espírito Santo encontra para semear e colher estas rosas de amor. Por  isto, repito, todos os que possuem a vocação Shalom devem estar conscientes que é uma vocação fundamentada na oração, que este Amor Esponsal deve inflamar as almas e que a fonte deste amor se encontra no caminho da oração, no pleno sentido da alavra: pessoal, diária, contemplativa, parada com Deus, aos moldes de Santa Teresa  D’Ávila. 18. O Reconhecimento de nossas faltas e o arrependimento são fontes de alimento deste amor, pois quanto mais percebemos o quanto não merecemos o amor de Deus, mais nosso coração se inflama de gratidão Àquele que misericordiosamente nos ama tanto. 19. Louvor e a adoração são as formas mais plenas de, na oração, transbordar este mor Esponsal a Jesus, pois a gratidão é a única linguagem que estas almas sabem alar. 20. Ser amantes da Santíssima Vontade do Pai e ter toda a diligência para descobrila e cumpri-la é a forma mais plena de, na vida, transbordar este amor, obedecendo ielmente à voz do Amado. Descobriremos esta Vontade tanto mais claramente quanto mais desenvolvermos nossa escuta ao Senhor. Digo escuta no sentido pleno da palavra: escuta de Deus em nossa oração, em Sua Palavra, nas moções do Espírito, no silêncio interior onde se ouve a voz de Deus. 21. A voz do Amado é reconhecida pela alma que O busca, que tem intimidade com  Ele na oração. Sem uma ver verdadeira, dadeira, fiel e autêntica vida de oração diári diáriaa é impossível reconhecermos a voz Daquele que muitas coisas nos quer falar e corremos o risco de, surdos à Sua voz, chamar às nossas paixões, à nossa carne, aos nossos planos 11

essoais e à nossa vontade própria, de voz de Deus. 22. Esta é uma armadilha sutil que o inimigo das almas usa para afastá-las do caminho da salvação. A única maneira de lutarmos contra tudo isto é não procurando mais ver as coisas como “homem natural” (ICor 2,13-16) mas como o “homem espiritual” as vê, e só poderemos ter esta visão mergulhando na contemplação, em intimidade com o Amado. Através desta intimidade poderemos conhecer, ouvir, discernir e amar esta Santa Vontade. Sermos amantes da vontade de Deus todos os momentos de nosso dia e de nossa vida é descobrir e beber da fonte da Paz e da  Felicidade.  Felici dade. 23. Outra maneira que o Senhor nos convida a amá-Lo é tudo fazendo por amor a  Ele: nossos trabalhos, nossas atitudes, tudo por Ele. 24. É anseio do Coração do Amado que nos dediquemos a dar provas de amor uns ara com os outros. O amor ao irmão é uma maneira concreta de mostrarmos o quanto amamos o nosso Amado, amando aquele a quem tanto Ele ama e por quem Ele deu a  sua própria vida. Como não dar a vida por aqueles por quem o Amado a deu? É  vontade do Senhor que transbordemos este amor sobre aqueles que Ele ama. O Senhor  quer de nós para com eles o perdão, mansidão, paciência, generosidade, bondade, alegria, dedicação, amor, serviço. O Senhor deseja que demos aquilo que Ele nos dá e isto não nos empobrecerá, mas, pelo contrário, nos enriquecerá aos olhos Daquele que nos ama. 25. Devemos enxergar nos irmãos excelente oportunidade de darmos provas de amor  a nosso Rei. Aceitando as suas ofensas, ouvindo os seus queixumes, amando os que não são amados, perdoando os que são difíceis de perdoar, vivendo o Seu Amor, de maneira especial com os que mais necessitam Dele, estaremos vivendo nossa vocação que é Vocação de amor, por amor e para o Amor. 26. O caminho do Amor Esponsal é ainda o desapego. É necessário desapegarmonos de tudo, de nós mesmos, das pessoas, das coisas, de nosso futuro, de nossas ideias, de busca de poder, de busca de satisfação, para nos apegarmos somente a Deus, pois tudo passa e somente Ele permanece. Enquanto possuirmos uma só coisa ou pessoa, o mor de Deus não será pleno em nós; não poderemos voar em Seu amor, pois a posse esa e nos impede de alçar o livre voo dos filhos de Deus. 27. O louvor, a adoração, a busca e fidelidade à Santíssima Vontade de Deus, o amor ao irmão e o desapego, eis o que Deus anseia de nós, eis ao que Ele nos chama, a nossa vocação. Conceda-nos o Senhor a infinita graça de vivê-la.

12

PARTE I

A EXPERI EXPERIÊNC ÊNCIA IA FUNDAM FUNDAMENT ENTAL AL

13

CAPÍTULO I

Conversa Conversa em família família Como me falta o tempo para este tipo de pesquisa, terei de confiar-me em minha memória para recontar a história do Amor Esponsal entre nós. Quando o Moysés apresentou os Escritos aos que caminhavam com ele, alguns logo  perceberam não ser aquel aquelee o seu chamado e, em sua liberdade e reti retidão dão de consci consciência, ência, afastaram-se da comunidade que se formava. Para os que permaneceram, o termo novo – “Amor Esponsal” – logo foi incorporado às músicas, às orações pessoais e comunitárias, ao vocabulário de cada dia, às formações  pessoaiss e comuni  pessoai comunitári tárias. as. Queri Queriaa saber se al algguém era Shalo Shalom? m? Era só veri verifi ficar car o “termômetro do amor esponsal”. O comentário era: “Já viu fulano? É Shalom demais, não é? Ave Maria! O amor esponsal dele é impressionante! Já “viu ele” rezando? Dá gosto de ver! É um apaixonamento... só ele e Jesus!” Estava decretado aquele ali era “Shalom para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque”.  Naturalmente,  Natural mente, o termo não foi absorvido em toda a sua profundi profundidade dade desde o in iníci ício. o. Para ser bem franca, acho que teremos ainda uma longa caminhada para compreendê-lo em sua plenitude. No começo, os rapazes tinham um pouco de dificuldade, pois não lhes soava bem ser “esposa” de Jesus, ainda que fosse “alma esposa”. É que o primeiro conceito absorvido foi muito ligado ao Cântico dos Cânticos, segundo a espiritualidade católica tradicional, ainda com um cunho um pouco romântico, no sentido conjugal. Isso era representado e cantado em dança e música, em prosa e poesia e era visível a inadaptação dos rapazes ao novo conceito. O único que não parecia ter problema nenhum era o Moysés, o que era facilmente explicável pelo fato de ele ter recebido de Deus o conceito original, fundante, profético. Depois desta época, fomos absorvendo um pouco mais do que era este amor esponsal que Deus nos havia dado. Veio o inesquecível tempo da radicalidade evangélica, acompanhada de Francisco, da forte influência da oração de Teresa, do amor esponsal e o amor ao não-amável. Era como se Deus permitisse que pegássemos este ou aquele trecho, em preparação do dia em que pudéssemos entender o Amor Esponsal  como   como um todo. Sei que este dia ainda não chegou, mas juntos, através deste livro, poderemos “dar  uma mãozi m ãozinha”. nha”.

14

CAPÍTULO II

A evidência da graça nova  Nos três pri primeiros meiros parágrafos do Escri Escrito, to, o Moysés dei deixxa transparecer o momento especial de iluminação interior que o preenche e o itinerário espiritual que percorreu – ou,  peloo menos, parte del  pel dele. e. P odemos facil facilmente mente imag magiiná-lo em Quel Queluz, uz, para onde o P e. Jonas, em sua intuição paternal e experiente, o levara e lhe pedira para colocar no papel tudo o que havia em seu coração. Sozinho, sem ter com quem partilhar o que lhe fazia Deus, a não ser o próprio papel (não havia celulares nem era fácil o telefone, na época), expressa sua incapacidade diante da grandeza da graça: 1. Gostaria, se isto fosse possível, de transpor para este papel o que se passa neste momento em meu interior acerca do Amor Esponsal. Sei que somente o Espírito Santo, o Inflamador das Almas pode realizar este amor em nós. Por isto, antes de abordarmos o assunto, peçamos que o Espírito aja em cada coração que deseje compreender este chamado. “Bem que eu gostaria, se isso fosse possível, mas não é. E não estou me referindo à minha limitação humana, mas ao fato de que a ninguém isso é possível, a não ser ao Espírito Santo em Pessoa.” Acima de toda dificuldade, o que nosso fundador esforça-se por passar é a experiência  pessoal da graça por ex excelênci celênciaa do carisma, a graça fundante de nossa vocação. Estamos diante do “nascimento” espiritual do elemento mais importante de nossa história, descrito em pouquíssimas palavras: o que se passa neste momento em meu interior acerca do mor Esponsal. Comparo este momento a uma anunciação, uma experiência espiritual profunda, exclusiva do fundador, da qual sempre participaremos como discípulos e a qual, por mais desejo que ele tenha de transmitir, caberá somente ao Espírito conceder aos que o Senhor escolheu para serem Shal Shalom. om. Aprende-se logo que o Moysés não fala de uma ideia, nem de um sentimento, mas de uma graça daquelas intransferíveis, da ordem da identidade de cada pessoa, da ordem da eleição. Não é possível transpor este tipo de graça para o papel nem para lugar nenhum. Há que vivê-la, experimentá-la, neste caso, deixar que o próprio Espírito provoque um “incêndio” em nosso interior e exterior. Por vezes, pego-me a matutar se faz parte da famosa  Paciênci  Paciênciaa Históri Histórica ca  nosso tempo de acolhida do que seja esta graça. Pelos traços da história, parece-me que o Moysés a recebeu e descreveu de uma forma impressionante para seus 25 anos e para o  peso de profeci profeciaa que ela traz, mas que, em sua humani humanidade, dade, a foi vi vivendo vendo mais ou 15

menos no mesmo compasso da comunidade, embora apenas no que era perceptível, pois o tesouro que guardava dentro de si não poderia jamais deixar de agir nele: é o cerne da vocação! Ao meu ver, acontecimentos dos últimos onze anos foram colocando nosso fundador  no único lugar onde as almas esposas realmente desposam o amado: a cruz. Como consequência, agora estamos, todos nós, mais prontos para segui-lo como discípulos do amor esponsal a Nosso Senhor Jesus Cristo, como ele gosta de dizer.

Pre Pre cioso Desli Des lizz e de Lingu Linguagem agem Acompanhe comigo: o fundador diz que gostaria de transpor para o papel o que se assa neste momento em meu interior acerca do Amor Esponsal . Na frase seguinte, sem querer, diz o que se passa: o Espírito inflama sua alma e realiza este amor nele. Por isso, creio ser este o momento de “encarnação”, em termos de cerne do Carisma. Nosso fundador não passava por uma experiência no nível de sentimentos: o Espírito realizava o amor esponsal nele. É momento de anunciação, semelhante ao de Maria que, ao dizer  sim, tem o Verbo encarnado em si. Só Deus poderia nos dizer com precisão se o termo mais adequado é “anunciação”. Seja como for, o “sim” foi dito e a obra foi realizada no interior do fundador. Ele reconhece que el ela: a:  vem de Deus  só pode ser realizada por Deus  o ultrapassa Isso significa, para os estudiosos, que “o coração”, “o cerne”, “o centro”, “o mais importante”, “o que caracteriza” o carisma lhe havia sido dado. Estava, por assim dizer, definido o principal do rosto do novo carisma: o belo rosto do amor esponsal.

Um pedido de oração que não pode ser descuidado Ao dar-se conta de sua incapacidade diante da graça fundante, o Moysés faz um  pedido  pedi do para sempre e para todos: ore! El Elee não pede que oremos para compreender o texto – o que já seria muita coisa. Pede que oremos para que o Espírito aja e nos dê a experiência que deu a ele. Pede que oremos para que as nossas almas fiquem inflamadas de amor esponsal. Somente com esta experiência a nível pessoal, poderemos compreender nosso chamado. E, deixe-se claro: o chamado a que se refere não é o “chamado Shalom”, mas o “chamado ao amor esponsal”, cerne mais central do que é ser  Shalom. Esta é uma oração que não devemos descurar. Oração feita em momento de fundação, em momento de efusão especial do Espírito, oração de um fundador em favor de todos os seus discípulos em todos os tempos. Não podemos, de forma nenhuma, jamais em 16

nossas vidas, passar por esta frase sem parar e orar bem especificamente para que o Espírito Santo nos encha de amor esponsal. É esta a oração do fundador. É assim que nos unimos a ela! E, pelo que tenho visto na história da Igreja, quando um fundador faz uma oração deste tipo (veja-se São Luis Grignon de Montfort, São Bento) Deus já a tem escutado de antemão. Vem, então, Santo Espírito de Deus, quebra toda barreira dos nossos corações e inflama-nos inteiros, coração, alma, corpo, apostolado, vocação, vida profissional, vida familiar, sim, inflama-nos todos inteiros com o fogo do amor esponsal para que sejamos Shalom no mais profundo do nosso ser, para que sejamos inflamadores de outras almas, cheios do fogo, da parresia, da entrega e união incondicional a Nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.

17

CAPÍTULO III

O itinerário novo Os parágrafos 2 e 3 narram o itinerário espiritual do nosso fundador com relação ao amor esponsal e trazem um caminho, no mínimo, inesperado. Com razão: vinho novo em odres novos... Eis o primeiro deles: 2. “O Amor não é amado!”. Era este o brado de Francisco de Assis que chegou aos nossos corações e os tocou. Ao procurarmos corresponder, encontramos o caminho e a verdade expressos por Santa Teresa D’Ávila quando diz “Só Deus basta”. Algumas pessoas muito estudadas costumam me perguntar como conseguimos unir  Francisco e Teresa. No começo, ou eu engasgava, ou dava explicações quilométricas (daquelas que a gente dá quando não sabe a resposta). De tanto me perguntarem, fui matutar e pesquisar e achei a resposta exatamente nesses dois parágrafos. Hoje, quando alguém fica surpreso diante desta “junção”, eu simplesmente respondo: foi uma experiência do fundador com relação a eles e o amor esponsal. Garanto. Funciona direitinho. Não perguntam mais nada. Não sei bem se é respeito ou é falta de entendimento. Mas, confesso que fico toda orgulhosa do nosso “segredo profético”. Quem tiver ouvidos para ouvir...

“O Amor não é amado!”  Na seg segunda unda metade dos anos 70, era grande a popul populari aridade dade de São Franci F rancisco sco entre e ntre os ovens de Fortaleza. Sua entrega, sua radicalidade, seu amor à pobreza impressionavam os nossos jovens e, de maneira especial, marcaram o Moysés. Lembro-me de ter trazido de Assis para ele o primeiro crucifixo de São Damião, que jamais havia visto em Fortaleza. Lembro-me, também, como era pobre a nossa literatura sobre o Poverelo. Pequenos livros sem muita importância precederam, com suas informações absolutamente básicas, o “Irmão de Assis” e o filme “Irmão Sol, Irmã Lua”, assistido  peloo Moysés sabe Deus quantas vezes.  pel Os jovens se impressionavam com Francisco nu na praça, com sua convivência com os leprosos, com sua tenacidade em reconstruir São Damião, com a perseguição aos seus  primeiros  pri meiros discípul discípulos, os, entre eles, naturalmente, Clara. Ao Moysés, porém, e somente a ele - que eu saiba - impressionou o essencial da espiritualidade de Francisco: “O amor ao Amado”, a dor porque “O Amor não é amado!” e seu brado solitário pelas colinas e ruelas de Assis. Segundo suas próprias palavras, este brado – não grito, não apelo, mas brado, quase 18

como um urro vindo do profundo do coração, quase como um pedido de socorro –  chegou ao seu coração e o tocou. Lembro-me de ter questionado porque não utilizava um verbo só, como: “tocou nossos corações”, porque, segundo minha lógica, se havia tocado é porque havia chegado. Resposta da lógica do moysesês: “Não. São dois momentos diferentes. Pri P rimeiro, meiro, chegou. Depois, Depois, tocou. Pode P ode deixar deixar os doi doiss aí”. Graças ao bom Deus obedeci, pondo em risco, pela milésima vez, meu diploma em Letras. Hoje, posso dizer aliviada: foi preservado o itinerário espiritual. Claro que “chegar” é uma coisa e “tocar” é outra! Há todo um caminho de meditação e oração entre a mensagem que chega e o momento em que ela toca. Primeiramente, veio a notícia, talvez no filme, Francisco a correr e chorar, colina abaixo, bradando que o amor não era amado. Depois, a oração, a meditação, o remoer  da cena, e, no momento de Deus, o toque no coração. Como se tratava de um processo  profundo, long ongo, o, mi mill vezes pensado, exi exiggia uma resposta que, no nosso caso, é surpreendente em sua mais alta intensidade. A resposta para o brado de Francisco – oh, lógica de Deus! – para o nosso fundador e, através dele, para nós foi... Teresa! Quatrocentos anos separam os dois santos, que vivem em culturas diversas, épocas completamente diferentes, espiritualidades aparentemente opostas no sentido da clausura estrita e a liberdade de percorrer os campos a evangelizar. Como pode Teresa ser  resposta para Francisco? Como o Espírito Santo fez esta união e a chamou Shalom? Vale a pena reler o texto:  Ao pr procurarmos ocurarmos corr corresponder esponder,, encontramos o caminho e a verd verdade ade expr expressos essos por  Santa Teresa D’Ávila quando diz “Só Deus basta”. Coloquemos em bom português: o brado de Francisco de que “O Amor não é amado” chegou ao meu coração, tocou-o e eu procurei corresponder àquilo que se transformava em uma inquietação divina em mim. A correspondência veio através de Santa Teresa quando diz que “Só Deus Basta!” Convenhamos: sem a graça de Deus e sem a ajuda da história do fundador e da fundação, fica difícil entender. Entretanto, esta é uma das chaves mais importantes para o entendimento de nossa espiritualidade. Dou graças a Deus por estar ainda viva e por  trazer em boa memória a explicação que o Moysés repetiu pelo menos duas vezes antes que eu entendesse, há vinte e dois anos.

Do Amor que não é amado ao Amor que basta Pela narrativa do Moysés, é evidente que o brado de Francisco iniciou em seu coração um processo de inquieta busca. O que significa, afinal, o Amor não ser amado? Por que as pessoas não amam quem as ama tanto? Como fazer com que aquele amor que alcançou, tocou e transformou, gratuitamente, um jovem tão comum como ele, também alcance, toque e transforme outras pessoas? E nosso fundador uniu-se, por obra do Espírito Santo, à profunda dor de Francisco ao constatar que Deus, a resposta para o 19

homem, o Deus de amor, única resposta para sua busca de felicidade, era desconhecido e desamado pela maioria. O coração do fundador foi tocado pelo que ele hoje chama de “sadia inquietação” ou, mais recentemente, “dor”, “compaixão” pela humanidade que desconhece Jesus ou é indiferente a Ele. O brado “O Amor não é Amado” é a raiz histórica de nossa parresia. Unido ao de Francisco e de tantos outros santos evangelizadores, nosso fundador foi selado com a graça da parresia e da profunda compaixão pelos que não conhecem Jesus. É fácil imaginar, tomando-se por base, em especial, o Escrito “Carta à Comunidade 2005”, a dor do jovem de 25 anos, imerso no meio estudantil universitário nos portais da era do secularismo, do ateísmo prático, dos idealismos materialistas, do póscristianismo,diante do crescente desconhecimento do Senhor. Inquieto por esta compaixão incompreensível, diante de quem tanto amou o homem, encontrou a resposta ao mesmo tempo pessoal e comunitária: “Só Deus Basta”. Não adianta procurar felicidade em outras coisas: Deus é a resposta. Só Deus basta! De nada serve confiar nos homens, no dinheiro, nas próprias ideias, nas ideologias, nos ideais, nos valores da autossuficiência: só Deus é a resposta. Só Deus basta! 2 “O amor não é amado porque não sabem que só Deus basta!” A partir desta experiência, eminentemente pessoal do fundador, estava formado o axioma do “nosso” amor esponsal e sua consequente e imanente parresia: existimos para amar de forma incondicional e total o amor que não é amado. Em primeiro lugar, estando com ele na oração, como Teresa e Francisco. A partir de nossa entrega total de vida, como Francisco e Teresa, anunciar com audácia que só Ele basta, que tudo o mais é perda, que só Ele é digno de ser amado e que somente o amor incondicional a Ele nos bastará, nos santificará, nos fará felizes. São estas as primeiras e para sempre as mais preciosas pedras do “amor esponsal Shalom”, de sua espiritualidade: a junção, no mais profundo do coração do fundador, do amor esponsal a Jesus de Francisco e Teresa, iluminados pela experiência única do amor  Esponsal que somente o Espírito pode dar. É o que ele mesmo narra no parágrafo 3: 3. Inspirados por estas verdades expressas pelos santos baluartes de nossa vocação (Francisco de Assis e Teresa D’Ávila) nossos corações se abriram ao Espírito Santo que começou a trabalhar em nossas almas e levá-las ao cerne de nossa vocação: o mor Esponsal a Nosso Senhor Jesus Cristo. Os santos baluartes o mantiveram alerta, na escuta de Deus, inspirado, de coração aberto às novidades do Espírito de Deus que, sem grande dificuldade, conduziu sua alma ao ponto mais central, mais vital, mais importante da vocação Shalom: o amor esponsal a osso Senhor Jesus Cristo em sua forma Shalom. Inspirado em Francisco, em Teresa, na radicalidade da RCC, mas inteiramente original como Shalom, conforme veremos no decorrer do Escrito. Deus acabava de nos presentear com nossa espiritualidade; a espiritualidade original e única do carisma Shalom. Bendito seja! 20

Louvado seja o Senhor por sua infinita e insondável sabedoria, que dista da nossa como a terra do céu! Louvado seja o Senhor por nossa magnífica vocação, cuja fundação podemos acompanhar passo a passo pelo que nos deixou escrito nosso fundador e, como discípulos, suplicar ao Espírito Santo que nos dê e aprofunde esta mesma experiência e que nos livre de nem de leve menosprezá-la, não lhe dando o devido valor de um presente que veio do céu e que de forma nenhuma poderia ser  articulado aqui na terra.

21

CAPÍTULO IV

Finalmente, o postulado O parágrafo 4 assemelha-se a uma barreira de açude que explode sem ter o que a contenha e dá-nos, finalmente, o postulado inteiro, resultado evidente de uma explosão –  talvez um pouco dolorida – do coração do fundador que, finalmente, consegue passar  (quase) tudo o que quereria dizer naquele momento. Em seu interior, ficaria ainda água  plácida  pl ácida reservada a ir vazando, di discreta, screta, a fi fim m de mol molhar, har, ao long ongoo do tempo, as sementes espalhadas pelas águas da explosão que necessitariam germinar no tempo de Deus. Leiamos o texto-explosão. Vejamos como ele “explode” em seu ritmo, em sua  pontuação, em sua veemência e certeza inabal nabalável ável a nos sustentar ao long ongoo dos sécul séculos, os, enquanto existir Vocação Shalom: 4. Não poderá jamais existir a verdadeira Paz nas almas dos homens e no mundo se esta Paz não estiver embasada em um amor incondicional a Jesus Cristo, pois aí nasce o Shalom de Deus. Aí está também aquilo a que fomos chamados: a entregar, consumir  nossas vidas neste amor. No amor que busca cada vez mais o esquecimento de si, de  sua própria vontade, de seus próprios interesses, de sua própria vida e que, cada vez mais inflamado de amor pelo Amado, busca somente a Ele, a vontade Dele, os interesses Dele, a vida Dele, a obra Dele.

Seis Tesouros em uma frase A frase:  Não poderá jamais exi existir stir a ver verdadeira dadeira Paz nas almas dos homens e no mundo se esta Paz não estiver embasada em um amor incondicional a Jesus Cristo, pois aí nasce o Shalom de Deus. Os tesouros:  não + jamais  Paz (verdadeira Paz)  nas almas dos homens e no mundo  embasada  um amor incondicional a Jesus Cristo  pois aí nasce o Shalom de Deus

Não + Jamais 22

O Moysés certamente é intenso na expressão de sua espiritualidade quando ora pessoal ou comunitariamente. No entanto, é extremamente contido em suas expressões ao escrever, em especial no que diz respeito aos advérbios. Consciente de que tudo o que escreve tem um peso que ultrapassa sua pessoa e o momento em que é escrito, tenho-o visto ter especial cuidado com a escrita. Desta forma, ao estudar a sua linguagem (e um dos nossos filhos precisará fazê-lo em profundidade no futuro) verifica-se que a ele é inusitado recorrer a advérbios de grande veemência, do tipo “jamais”, exceto quando são realmente necessários. Esta veemência inusitada adquire especial significado quando, ao datilografar o texto, insisti em corrigir o português meio atravessado (não + jamais) e ele não me permitiu. Isso só acrescenta ênfase máxima em se tratando de “moysesês”. Ele não disse “Jamais  poderá ex exiisti stirr a verdadei verdadeira ra P az... az...”, ”, mas fez questão de di dizer, zer, mesmo sabendo não ser o melhor português: “Não poderá jamais existir...” Ênfase sobre ênfase, desnecessário, redundante e até contraditório se formos aplicar as rígidas regras da gramática. Essencial, ainda pouco enfático, não contraditório, nem redundante, mas afirmativa de alta importância na linguagem do nosso fundador.  Não poderá jamais exi existir stir a ver verdadeira dadeira Paz nas almas dos homens e no mundo se esta Paz não estiver embasada em um amor incondicional a Jesus Cristo, pois aí nasce o Shalom de Deus. Este contexto empresta importância especial ao advérbio “jamais” e lhe dá a importância de um dos tesouros de nossa espiritualidade. Em nossas vidas pessoais, amais  encontraremos a paz fora do amor incondicional a Jesus Cristo. Em nossa evangelização,  jamais   teremos sucesso se não levarmos às pessoas a verdadeira paz embasada no amor incondicional a Jesus Cristo. Em nossas missões, entre os pagãos ou entre os ateus, não teremos  jamais   como propor outra solução ou outra paz a não ser  aquela embasada no amor incondicional a Jesus Cristo. Seja pessoal ou vocacionalmente, seja apostólica ou eclesialmente, precisamos saber, crer, viver, proclamar, com vida e com palavras, que não poderá  jamais  EXISTIR outra  paz que não seja embasada no amor incondici incondicional onal a Jesus Cristo. Veja bem: o Moysés afirma, sem meias palavras – pelo contrário, com excesso delas –  que toda outra paz que nos for proposta a nível pessoal, vocacional, eclesial, mundial, missionário, será mentirosa, uma farsa, fruto da imaginação ou da tentação, uma fantasia, pois não existe nenhuma outra paz, e não  poderá  jamais  existir, a não ser a única que existe: a paz embasada no amor incondicional a Jesus Cristo. Temos um parâmetro bem claro, bem nítido do que seja a paz e a felicidade, para cada um de nós e para todas as pessoas do mundo: o amor incondicional a Nosso Senhor  Jesus Cristo. Esta afirmação, evidentemente, não vem apenas de uma insistência do nosso fundador – longe dele e de todos nós este tipo de coisa – mas tem bases evangélicas sólidas, encontra suas raízes nos mestres da espiritualidade católica e seus fundamentos no magistério da Igreja. 23

O amor esponsal foi – e será sempre – o legado espiritual mais importante do fundador   para nós e para a humanidade, descrito à sua manei maneira, ra, conforme sua ex experi periência ência pessoal, pessoal, a ser transmitida a nós, seus discípulos. Sua base evangélica, seus fundamentos na Tradição e no Magistério, são incontestáveis e nisto consiste o nosso tesouro do não + amais: a paz só se encontra no amor incondicional a Jesus Cristo! Afora isso, não há  paz, não há Shalom.

Paz (verdadeira paz)  Não custa reler o texto para entender melhor:  Não poderá jamais exi existir stir a ver verdadeira dadeira Paz nas almas dos homens e no mundo se esta Paz não estiver embasada em um amor incondicional a Jesus Cristo, pois aí nasce o Shalom de Deus. Dizendo de uma maneira mais direta, teríamos: “A verdadeira paz tem por base o amor incondicional a Jesus Cristo, origem do Shalom de Deus”.  Na época em que o tex texto to foi escri escrito, to, havi haviaa vári várias as propostas de paz, ou de camin caminhos hos  para a paz: a iog ogaa era a pri princi ncipal pal.. Junto com el ela, a, as pi pirâmi râmides, des, os cri cristai stais, s, a medit meditação ação transcendental, o poder do pensamento positivo, o PRH 3 e as primeiras manifestações da ew Age. Também aqui, como em quase tudo o mais, o Carisma é profético, audacioso, ousado, novo, cheio da força do Espírito. Como teremos outras oportunidades para falar da paz,  passemos ao próximo próximo tesouro dessa frase.

Nas almas dos homens e no mundo Ao lermos os Escritos do nosso fundador, encontraremos este binômio quase como um refrão. Ultimamente, ele tem acrescentado “coração dos homens, humanidade e Igreja”. Como crê que a paz, como anúncio e doação da salvação plena  (cf. ECCSh, 1), será instaurada no coração do homem, de cada homem, e, a partir daí será instaurada no mundo (cf. Escrito Shalom) e que, por fim, conquistará os espaços da sociedade como pleno louvor (cf. Histórico, 6 a 8), sente a necessidade de colocar lado a lado, inúmeras vezes, expressões que deixem bem claro este itinerário misterioso (que foi, de resto, o que aconteceu com ele próprio): coração do homem e, daí, para o mundo, a sociedade, o fazer humano. Com este esclarecimento, releiamos o parágrafo:  Não poderá jamais exi existir stir a ver verdadeira dadeira Paz nas almas dos homens e no mundo se esta Paz não estiver embasada em um amor incondicional a Jesus Cristo, pois aí nasce o Shalom de Deus.

Embasada 24

Aqui houve outra discussão semântica de dar inveja ao Movimento Modernista Brasileiro. Minha opção era por “enraizada”, mas, novamente, graças a Deus, perdi, por  uma razão mais referente à botânica e à engenharia que à semântica. O argumento do Moysés era que, se o fruto é o Shalom de Deus, a raiz não podia ser a paz, mas o  próprioo Cristo.  própri Abandonamos, então, a palavra “enraizada” e tentamos outra: “fundamentada”, “alicerçada”. Nenhuma servia. Tinha que ser “embasada”, pois referia-se mais diretamente a ter como base construída não por mãos humanas (como o caso dos fundamentos ou alicerces), mas pelo Espírito de Deus, conforme diz a Palavra em 1 Pd 2,4ss:  Jesus Cristo é a pedra viva, rej rejei eitada tada pelos homens, escolhida e estimada por   Deus; por i sso, apr aproximando-vos oximando-vos dele, também vós, como pedras vi vivas, vas, entrais na construção de um templo espiritual e formais um sacerdócio santo, que oferece  sacrifícios  sacrifíci os espiri espirituais, tuais, agradáveis a Deus por meio mei o de Jesus Cristo. Cri sto. Pois na Escritura Escri tura  se lê: Vede, ponho em Sião uma pedra angular angular,, escolhida, pr preciosa, eciosa, quem se apoiar  nela não fracassará. Ficou o “embasada”, e agora você, discípulo do Moysés, sabe o porquê: a base da verdadeira paz não é construída por mãos ou artifícios humanos, por teorias que falam de Deus, até exaltam Jesus e usam o seu Nome, mas não têm sua base construída pela ação da graça do Espírito Santo. Com estas novas informações, podemos parafrasear a frase, conscientes de que, com isso, a estamos empobrecendo um pouco:  Não poderá jamais exi existir stir a ver verdadeira dadeira Paz nas almas dos homens e no mundo se esta Paz não for   construída em nós pelo próprio Espírito Santo de Deus, que utiliza Cristo como pedra angular, para construir o edifício espiritual que é a Igreja e é o único que verdadeiramente pode embasar nossas vidas em um amor incondicional a Jesus Cristo, pois aí nasce o Shalom de Deus. Quanta riqueza, Senhor, por trás de uma só expressão que tu inspiras!

Um amor incondicional a Jesus Cristo Outra discussão, mas esta foi rápida: “Por que não colocar “o” amor incondicional a Jesus Cristo”?, perguntei, no mínimo, corajosa. “Porque quero enfatizar que cada um, inspirado pelo Espírito, terá sua própria forma de amar a Jesus incondicionalmente”. Calada Cal ada por resposta. Fomos adi adiante. ante. Temos aqui um detalhe importante. Ainda inseguro quanto ao sentido de alguns termos, embora muito firme no que queria dizer e como queria fazê-lo, o termo “amor  esponsal”, em um primeiro momento de nossa espiritualidade, referiu-se primordialmente a “um amor incondicional a Jesus Cristo”. O amor esponsal, como sinônimo de amor de unidade, será insinuado inúmeras vezes, inclusive neste mesmo parágrafo 4, como veremos adiante, mas somente vários anos depois trará, claramente, o sentido de 25

unidade, a ser expresso nos Estatutos, no Escrito Carta à Comunidade e, pouco antes, no Capítulo Geral de 2003, no documento sobre Vida Comunitária. Para deixar claro: no Escrito Amor Esponsal, temos, já, a noção de amor esponsal como amor de unidade plena a Jesus Cristo, o Esposo da Igreja. Tal certeza, embora  profunda e cl clara, ara, exp expressa-se ressa-se ai ainda nda de forma indi ndireta, reta, através da express expressão ão um amor  incondicional a Jesus Cristo  e da forma mais profunda do amor esponsal, que é a unidade entre a própria vontade e a santa vontade de Deus, como veremos adiante. Desta forma, não se utiliza no Escrito o termo “união”, para descrever o amor esponsal entre Jesus e nós, mas utilizam-se várias outras formas de dizer a mesma coisa. Tudo isso, porém, não é sem razão. Qualquer dicionário de espiritualidade que consultemos, descreverá o amor esponsal como o amor de união entre Jesus e a sua Igreja, uma vez que este a desposou com sua morte e ressurreição. Esta é sua definição geral e tradicional. Esta definição, como já dissemos, está expressa de várias formas no Escrito  Amor Esponsal . Porém, explícita, clara, definida, nítida, transparente, indubitável, está a definição de como se manifesta este amor esponsal para nós, Shalom, de forma original e constitutiva de nossa espiritualidade:  como  c omo incondi incondicional cional;;  como resultado da misericórdia gratuita de Deus;  para todos, indistintamente;  como fogo ardente;  como amor inflamado cujo maior anseio é amar o Amado;   como fogo, cuja maior prova de amor ao amado, é o incêndio do mundo com o mesmo fogo de amor. Isto é unidade plena com a vontade de Deus, cujo Filho veio trazer o fogo do amor à terra e o que mais deseja é que ele se espalhe por todo o mundo 4. Conclui-se, assim, facilmente, que o belíssimo amor esponsal de uma santa ordem religiosa, que permanece a vida inteira reclusa e o dia inteiro em contemplação e união a Jesus, o Esposo de suas almas, participando do mistério de sua Encarnação, vida pública, Paixão, morte, Ressurreição, presença Eucarística, será, em toda a sua autenticidade, amor esponsal e tem, com a mais absoluta certeza, sua missão de salvação do mundo. ão viverá, porém, o amor esponsal como somos chamados a viver em nossa espiritualidade. O Moysés poderia ter enfatizado, logo no início, a característica da unidade plena das vontades? Claro que sim. Porém, nosso fundador é tudo, exceto um teórico, graças a Deus. Deste modo, foi-lhe dado primeiramente viver, como experiência pessoal fundante, as facetas do amor esponsal e só depois descrevê-las. Desta forma, a questão da vontade de Deus na vocação Shalom – importantíssima – fica mais restrita ao final do Escrito  e a algumas passagens do Obra Nova. mor Esponsal  e 26

Certamente vale a pena “garimpar” nos Escritos e história da vocação e do fundador a forma de vivermos a vontade de Deus na vocação Shalom.

Pois aí nasce o Shalom de Deus Tenho descoberto que, infelizmente, não dá para gritar em papel. Nem os concretistas conseguiram. Tentei fazer Nossa Senhora gritar de louvor na Anunciação, no  Filho de  Deus, Menino Meni no Meu. Não deu certo. Agora, novamente, se pudesse, se tivesse aprendido, gritaria de louvor e gratidão, de adoração e ação de graças ao escrever esta frase tão característica do amor esponsal Shalom e só dele: O Shalom de Deus nasce de um amor incondicional a Jesus Cristo! Para nós, Shalom, não há outra fonte, outra nascente, outra mina, outro nascedouro: o Shalom nasce de um amor pessoal e incondicional a Jesus Cristo. Pronto. Sem isso, não há Shalom, não há a única paz para o coração do homem e para o mundo. Simples assim! Você ama a Jesus Cristo incondicionalmente? Para o que der e vier? Custe o que custar? Radical como precise ser? É assim que você o ama? Então, do seu ser, brotam os “rios de Água Viva” (cf. Jo 4) que são o Shalom de Deus, os arroios que correrão pela estepe para construir um povo novo para Deus 5. Você ama a Jesus Cristo sob certas condições? Dependendo da ocasião? Dependendo de como se esteja sentindo? Dependendo do que vá custar? Desde que não haja tanto exagero ou radicalidade? É assim que você o ama? Então, de seu ser, infelizmente, não  brotarão os ri rios os de ág água ua vi viva va que são o própri próprioo Jesus, o Shal Shalom om de Deus. Você poderá até trazer o sinal sobre o peito, pode ter feito seus compromissos definitivos, pode estar  em uma missão longínqua, mas, infelizmente, não conhece ou esqueceu de viver o amor  esponsal aos moldes do Shalom, pois ele nasce do amor incondicional a Jesus Cristo. Sobre a radicalidade, como fruto de sua experiência pessoal com Deus, escreve-nos o Moysés na Carta à Comunidade:  Lembro-me  Lembr o-me aqui da minha mi nha experiência experi ência de Deus que logo me conduziu conduzi u à grande sede de Sua Palavra, da oração e dos sacramentos. Através do meu encontro pessoal com esus Cristo e com a experiência da efusão do Espírito, outra coisa não queria a não  ser Deus. Somente Ele podia saciar as aspirações mais pr profundas ofundas do meu coração. A  sede de Deus e a amizade com Ele cresciam na minha mi nha vida. vi da. Deus nos ajude! Deus tenha misericórdia de nós! O Espírito aja em nosso coração e nos dê uma renovada experiência do amor esponsal como vivido pelo fundador e segundo a espiritualidade de nossa vocação.  Não poderá jamais exi existir stir a ver verdadeira dadeira Paz nas almas dos homens e no mundo se esta Paz não estiver embasada em um amor incondicional a Jesus Cristo, pois aí nasce o Shalom de Deus. 27

PARTE II

A RESPOSTA

28

CAPÍTULO V

Aquilo a que fomos chamados “Aí aonde, Moysés? Aí o quê? É preciso deixar claro. Fomos chamados a algo, objeto indireto, mas “aí” é adjunto adverbial. É um advérbio, um lugar, não um substantivo, uma coisa que responde ao que fomos chamados, entende?” “Entendo, sim. Mas quando digo “Aí”, quero englobar tudo. Quero me referir ao amor  incondicional a Jesus Cristo, que é a nascente do Shalom de Deus, mas quero falar  também de Jesus Cristo. Esse “Aí” refere-se aos dois. Quero falar das duas coisas ao mesmo tempo, entende?”  Não. Não entendi entendia. a. Mas já havi haviaa aprendi aprendido do a obedecer às lei eiss espi espiri rituai tuaiss e da inspiração que regiam o moysesês e aquiesci, esperando o tempo em que pudesse  partillhar com você que este “Aí está também” refere-se não somente a Jesus Cri  parti Cristo, sto, o “lugar” onde se dá o amor esponsal, mas também ao amor incondicional a Jesus Cristo, nascente desta paz que é uma Pessoa e a quem os Escritos chamarão mais tarde de Shalom do Pai . Assim, com a evolução da linguagem e do entendimento, acabamos ficando com duas expressões: “Shalom de Deus”, que é a paz e, mais tarde, “Shalom do Pai”, que referese a Jesus, a paz como uma Pessoa (cf. Escrito Shalom). Fico feliz de poder explicá-lo agora, para que entendamos melhor o restante da “explosão” do parágrafo 4. Nesta  perspectiva,  perspecti va, leiamos leiamos o texto: 4. Não poderá jamais existir a verdadeira Paz nas almas dos homens e no mundo se esta Paz não estiver embasada em um amor incondicional a Jesus Cristo, pois aí nasce o Shalom de Deus. Aí está também aquilo a que fomos chamados. Ocorre, ainda, um fenômeno semântico importante: o sujeito da frase seguinte “aquilo a que fomos chamados” vai introduzir uma lista do que seja o amor esponsal e este amor  aqui definido, “encontra-se”, “está” também “aí”, isto é, no amor incondicional a Jesus Cristo, na própria Pessoa de Jesus Cristo e, em terceiro lugar, no “aquilo” que o  parágrafo  parág rafo descreve no tex texto to que se seg segue: ue: (Aquilo a que fomos chamados) a entregar, consumir nossas vidas neste amor. No amor que busca cada vez mais o esquecimento de si, de sua própria vontade, de seus róprios interesses, de sua própria vida e que, cada vez mais inflamado de amor pelo mado busca somente a Ele, a vontade Dele, os interesses Dele, a vida Dele, a obra  Dele. Portanto, aí onde nasce o Shalom de Deus, isto é, no amor incondicional a Jesus Cristo, mas também em Jesus Cristo, reside aquilo a que fomos chamados e que 29

detalhamos abaixo, repetindo alguns termos propositalmente, para que você tenha uma visão clara da velocidade da linguagem que o Moysés escolheu usar e da intensidade dos termos que escolheu. Somos chamados a:  entregar nossas vidas neste amor – não “a este amor”, como seria o “correto”, mas “neste” amor, pois “entregar”, aqui, é um sinônimo de “consumir”, mas em um grau inferior.  consumir nossas vidas neste amor – primeira alusão que o Moysés faz à vida como tomada pelo fogo de amor esponsal que, de vários modos, consome-a por dentro e por  fora, como veremos. Em que amor somos chamados a nos consumir?  no amor incondicional a Jesus Cristo;   no amor que consome nossas vidas, como o fogo consome o combustível a seu alcance;  no amor que busca cada vez mais o esquecimento de si (da pessoa que se consome de amor);   no amor que busca cada vez mais o esquecimento de  sua própria vontade (da vontade da pessoa que se consome de amor);   no amor que busca cada vez mais o esquecimento de  seus próprios interesses (interesses da pessoa que se consome de amor); » Atenção para a mudança crucial que o Moysés fará no texto agora:  no amor cada vez mais inflamado  pelo amor ao Amado. » A partir daqui, o verbo consumir será substituído pelo “inflamar”. O verbo “consumir” foi sempre usado na voz ativa: “nós entregamos, consumimos nossas vidas”. A partir daqui, o Moysés passa a usar a voz passiva; “inflamado de amor pelo Amado”, isto é “(sendo) cada vez mais inflamado de amor pelo Amado”. É uma mudança substancial, crucial. Como se, ao longo do itinerário de amor, fossemos tomados pelo fogo deste mesmo amor que “passa ao comando”. Não mais nos consumimos de amor, mas  somos inflamados pelo amor. Trajetória de forma nenhuma diferente daquela proposta por São João da Cruz 6 , que compara a chama viva do amor  de Deus, aceso em uma alma, a uma chama que a toma e a une a si, deixando-a sem outro domínio sobre si mesma, senão desejar deixar-se queimar e unir-se ao fogo que a consome e com o qual se confunde. O Espírito Santo não inspiraria duas coisas diferentes sobre um mesmo assunto, ainda que com 500 anos de distância histórica, não é verdade? 30

Revendo: até o parágrafo 6, éramos chamados a nos consumirmos de  amor  incondicional a Jesus Cristo. A partir do parágrafo 7, somos inflamados pelo amor ao Amado. O que era ativo é agora passivo. O que tinha controle sobre si agora é só entrega. Vejamos ejamos:: • no amor que, cada vez mais inflamado pelo amor ao amado, busca somente a Ele;  busca a vontade dele;  busca os interesses dele;  busca a vida dele;  busca a obra dele.  Não há mais “eu”. Só há El Ele. e. O amor esponsal Shal Shalom, om, que tem como pri primei meira ra característica o amor incondicional a Jesus Cristo – que se consome por Ele, que se esquece de si, de sua própria vontade, interesses e vida – uma vez deixando-se inflamar  inteiramente, passa a ser o amor esponsal “tradicional”, de unidade ao amor de Deus, com Ele é uma só coisa, uma só vontade, um só interesse, uma só vida, uma só ação. É assim que o amor esponsal Shalom, que se inicia e se inflama como amor incondicional, torna-se o amor esponsal que se une ao Esposo pelo fogo de amor que age e se entrega. E estas palavras, no “amor esponsal aos moldes Shalom”, serão cruciais no entendimento deste Escrito e de nossa espiritualidade. Entregar a vida, consumir a vida, deixar inflamar a vida de amor. Eis nosso chamado, revelado não somente neste Escrito, mas na linguagem do nosso fundador, transparência de sua intuição, janela para sua alma.

31

CAPÍTULO VI

A Deus toda a glória Depois de termos acompanhado a experiência espiritual fundante do Moysés com relação ao amor esponsal nos quatro primeiros parágrafos, chegamos, com alegria, a um dos textos mais conhecidos e mais belos deste Escrito: o parágrafo 5, conhecido como o “parágrafo da primazia da graça”, ou o “parágrafo da misericórdia”. 5. Em seu infinito amor o Pai quis escolher almas esposas para Seu Divino Filho e ara isto não escolheu as melhores, as mais belas, mas, a fim de manifestar a sua lória e seu poder, resolveu escolher as mais pecadoras, as mais fracas, os vasos de argila, para aí realizar Sua grande obra. Toda a glória pertence, assim, Àquele que nelas tudo realizou.

Escolha de Amor  Neste parág parágrafo rafo ri riquíssi quíssimo, mo, o pri primei meiro ro assunto de que o Moysés fal falaa é um dos temas centrais desta “Parte II”: o mistério da livre escolha de Deus por nós. Em inúmeras  passagens  passag ens do Evang Evangel elho ho e das cartas de P aul auloo e Pe Pedro, dro, fi fica ca clara esta mi misteri steriosa osa e misericordiosa escolha de Deus, que elege e chama quem quer como quer e quando quer, na inteira liberdade do seu Senhorio e sua Sabedoria 7. Lembro-me o quanto este mistério nos fascinava no início. Nossas noites de consagração eram noites especiais, preparadas por retiros sérios, nas quais as mulheres iam de saia e os homens com sua melhor roupa em sinal de gratidão, respeito e solenidade pela consciência da eleição e escolha de amor da parte de Deus. Muitos sequer iam trabalhar. Era um dia especial: o dia em que cada um, livre e alegremente, respondia seu “sim” à eleição misteriosa que o Pai havia feito por sua alma, como se dizia na época, para ser alma esposa de Jesus, seu Filho, isto é, para consagrar-se a Ele: amá-lo incondicionalmente e unir-se a Ele em amor de esposa, amá-lo de forma incondicional e para sempre. Tau novinho no pescoço, brincávamos uns com os outros dizendo algo como: “Parabéns, alma esposa”. A escolha livre e amorosa de Deus era muito viva em nós, era causa de imensa gratidão e alegria. Éramos eleitos e ficávamos todos orgulhosos e felizes por isso.

Esposas para o Filho O texto não trata somente do amor gratuito de Deus. Evoca, também, a tradição udaica milenar segundo a qual o pai tinha por obrigação procurar uma esposa de sua  parentelaa para seu filho.  parentel filho. Foi assim assim que fizeram, dentre outros, Abraão com Isaac e Tobi Tobitt 32

com Tobias. Como sabemos, as esposas escolhidas tornavam-se “prometidas” e, sendo da mesma raça e parentela, destinavam-se a formar um povo novo, razão pela qual uma eventual infertilidade era sinal de maldição de Deus. Indiretamente, o Moysés compara o Pai do céu a patriarcas que buscam esposas ideais  para seus fil filhos. hos. Além de ser uma referência aos patri patriarcas arcas do Anti ntigo go Testamento, é também uma referência às várias bodas dos Evangelhos, que prefiguram ou simbolizam a união plena com Deus no céu: as Virgens Prudentes e As Bodas do Cordeiro, às quais o Moysés se referirá diretamente; os convidados para as bodas; as Bodas de Caná. Ao lermos este Escrito, em unidade com Obra Nova, veremos que o povo novo que Deus quer formar, um povo para sua glória, inicia-se com a eleição destas almas esposas, conforme a tradição bíblica. O Pai não busca esposas ao léu. Busca esposas para o seu Filho, isto é, para “dar continuidade à sua descendência”, para formar este povo novo enraizado na oração profunda, inflamado de amor ao Filho, amando-o incondicionalmente. São estas as qualidades das esposas buscadas para a fundação de um povo novo, que cantará os feitos de Deus! Desta forma, meu irmão, minha irmã, você e eu fomos eleitos escolhidos pelo próprio Pai, não para nós mesmos, nem por nós mesmos, mas para darmos origem a um povo novo na Igreja, para construirmos a “civilização do amor” sonhada por Paulo VI e João Paulo II. Fomos escolhidos para gerar um povo novo, para desbravar novos caminhos com um novo e inflamado amor a Deus. Além disso, nosso fundador deixa claro que o Pai quis, decidiu, resolveu, com um livre ato de sua vontade, escolher . Não somos frutos do acaso, fomos intencionalmente criados com esta vocação, para esta esponsalidade, com a missão de formar este povo. ão somos esposas de qualquer um. Somos esposas do Filho de Deus. O Pai do céu não nos escolheu pra nos unimos a um qualquer, mas ao seu Filho e, nele, a si mesmo! Isso não é coisa pouca!

As melhores e mais belas não foram escolhidas Cada vez que rezo com este texto, me vem a comparação com a passagem dos convidados para as Bodas, que deram desculpas diversas para não comparecer e o dono da casa, irritado, mandou os servos pelos caminhos a arrebanhar os coxos, aleijados, cegos, mudos, surdos, enfermos, para tomarem seus lugares no banquete 8. O que aconteceu conosco foi exatamente o oposto, não somente do que pensa o mundo – que teria escolhido os melhores – mas também desta parábola! Deus não chamou primeiramente os mais dignos e, na falta destes, chamou os estropiados. Nada disso! O que aconteceu conosco é exatamente o Shalom, a plenitude da Salvação 9: Deus escolheu exata e primeiramente os mais fracos, os mais pecadores, os vasos de argila. É que nosso Esposo, na plenitude da Salvação, isto é, como Shalom, veio exatamente para os doentes que precisavam de médico e os perdidos que precisavam de salvação. Que 33

lógica haveria em uma vocação que anuncia e ministra a  plenitude da Salvação trazida elo Messias ser formada por pessoas sadias e perfeitas em sua missão de salvar? Salvar  de quê? Salvar quem não precisa de salvação? Como anunciar e ministrar a plenitude da Salvação sem a termos experimentado primeiro? Que convicção vivencial nos  preencheria?  preencheri a? Parece-me ainda não termos entendido bem o artigo 1 dos Estatutos:  Ao encontrar os discípulos no Cenáculo, Jesus Ressuscitado disse-lhes: “Paz a vós ou, simplesmente, Shalom! Em Jesus, esta saudação é uma real comunicação da Paz, ou seja, de toda  sorte de bênçãos espiri espirituais tuais e materiai materiais, s, a felici felicidade dade perfeita que o Messias nos traz.  É,enfim,  É,enfi m, o anúncio e a doação da salvação plena. Com facilidade deduz-se deste texto que as almas esposas, a quem Jesus anuncia a paz, são pessoas necessitadas de salvação  plena  pl ena e não cheias dela. dela. Deus, o Pai do Esposo, criou-nos Shalom. E o fato de termos sido criados Shalom,  por mis misericordi ericordiosa osa el elei eição ção de Deus, não é um atestado de perfeição. Mui Muito to pel peloo contrário. É um atestado de fraqueza, pecado, fragilidade. É, porém, uma garantia de misericórdia: nossa imperfeição é um atestado de que fomos escolhidos por Deus. Deus, o Pai do Esposo, fez -nos Shalom desde sempre. E isto é manifestação do seu  poder,, si  poder sinôni nônimo mo de mi miseri sericórdi córdia! a! Deus, o P ai do Esposo, que desde toda a eterni eternidade dade havia decidido comunicar ao mundo o carisma Shalom, moldou-nos pessoalmente, como Pai amoroso, e, embora, como Pai, veja-nos belos, sabe bem de que material somos feitos.

Deus tem o direito Deus me perdoe, mas já vi gente indignada, considerando-se usada por Deus, em um raciocínio mais ou menos assim: “Deus me cria ruim assim só para manifestar o poder  dele! Isso é sadismo!”. Claro que esta pessoa não entendeu nada. Leiamos o texto:  Em seu infi infinito nito amor o Pai quis escolher almas esposas para Seu Div Divino ino Filho e ara isto não escolheu as melhores, as mais belas, mas, a fim de manifestar a sua lória e seu poder, resolveu escolher as mais pecadoras, as mais fracas, os vasos de argila, para aí realizar Sua grande obra. Toda a glória pertence, assim, Àquele que nelas tudo realizou. O Pai escolhe por amor, para salvar. Deus não cria nada “ruim”, nada “mau”. Nós é que escolhemos estes caminhos de afastamento de Deus que nos leva a ter atos ou  pensamentos “maus”. O Pai, P ai, entretanto, por amor, escolhe exatamente os que mai m aiss estão necessitados. Em primeiro lugar, é um direito seu, escolher quem quer. Em segundo lugar, esta escolha é movida pelo seu amor divino. Em terceiro lugar, é a escolha característica de nossa vocação, o Shalom da salvação plena. Em quarto lugar, ninguém, a não ser Deus, 34

é bom, santo, perfeito. Em quinto lugar, esta escolha, quando correspondida por nós, salva, sal va, santi santifi fica, ca, cura, liberta. Sejamos gratos a quem tanto nos ama! ama ! O parágrafo 5 serve para nós de proteção através dos séculos. Se sou Shalom, não sou apenas pecador, mas dentre os pecadores, sou o mais pecador . Se o Pai me criou Shalom, não me criou apenas fraco, mas o mais fraco. Este fato é constitutivo da identidade de minha vocação e, portanto, de minha identidade. Se o levar a sério – como devo – estarei imune à vaidade, ao orgulho, ao pensar que sou eu quem faço alguma coisa. Estarei também a meditar continuamente na misericórdia de Deus para comigo e não me deixarei morder pela sempre injusta vaidade.  Não há dúvi dúvida da de que este parágrafo é fruto de uma exp experiênci eriênciaa pessoal e espiritual espiritual do fundador. Ao receber de Deus esta inspiração, falava, naturalmente, de todos nós. Deus á o preparava para não esperar grandes perfeições dos seus discípulos. No entanto, falava de si mesmo, em primeiro lugar. Garanto e testemunho que embora ele seja o homem humilde que eu conheço, nunca foi de falar de humildade ou de “fazer-se de humilde”. É daquele time que, humilhado, deixa que lhe arranquem a barba fio por fio sem abrir a boca 10. Apenas reza. Ao observá-lo assim, só podemos concluir que ele sabe que é o mais pecador, o mais fraco, o vaso de argila. Assim, não se arvora em exigir direitos, pois sabe que aquele que é infinitamente maior que ele abdicou dos seus direitos por amor 11. Nestes 24 anos, sua atitude foi sempre rezar e calar. Este é o time dos verdadeiros humildes, para o qual o Pai nos quer recrutar. Temos, além de Jesus, um mestre excepcional em nosso fundador. Aprendamos, de uma vez por todas, que as almas esposas são, necessariamente, como o Esposo, humildes, humílimas. Creio que só Deus sabe e nos pode convencer do quanto isso é importante. Uma autêntica alma esposa é, entre outras coisas, humílima, como o Esposo. Esvaziada de si como Ele, totalmente entregue ao Pai como Ele. Como ele, testemunha da misericórdia do Pai. Evangelizadora pela misericórdia, como Ele. Não foi Ele quem, voluntariamente, por amor a nós e amorosa obediência ao Pai se fez o mais fraco dentre os fracos? Não foi ele quem assumiu todos  os pecados da humanidade, tornando-se, assim, a escória, o maldito, alguém sobre quem todos os pecados dos mais pecadores foram postos? Não foi ele quem se fez vaso de argila ao unir-se à nossa carne e, depois,  passar pel pelaa P ai aixxão e Morte, rompendo-se, seg segundo undo os P adres da Ig Igreja, reja, e dei deixxando escorrer o seu perfume? Como uma alma esposa poderia querer agir ou ser diferente do Esposo?

35

CAPÍTULO VII

Minoridade Minoridade Franciscana e Minoridade Shalom Conhecemos, todos, o que se chama de “minoridade franciscana”. Baseia-se no seguinte fioretti: São Francisco gostava de contar ao Irmão Leão que Deus havia  percorrido  percorri do a terra intei nteira ra a procurar o pi pior or e o mais pecador dentre os homens e, tendo encontrado Francisco, o havia escolhido para iniciar o Franciscanismo. Dessa forma, não havia o menor perigo de alguém pensar que a Obra Franciscana era dele, mas teria certeza de que era de Deus. Esta característica da espiritualidade franciscana, sem dúvida, influenciou o Moysés e talvez tenha influenciado os parágrafos 5 a 10, que podem ser chamados dos “parágrafos da minoridade Shalom”.  No entanto, naqui naquillo que poderíamos chamar de “nossa min minori oridade”, dade”, há características que não encontramos na de Francisco. Veja:  O Moysés não fala que o Pai procurava pessoas quaisquer, mas esposas para o Seu Divino Filho, e isso faz uma grande diferença, como acabamos de ver.  O Pai, não busca um só que seja o pior, o menor, mas todo um grupo de pessoas com estas característi características. cas.  O que motiva o Pai e o faz querer encontrar as almas são os esponsais do seu Filho.   O Pai escolhe estas almas para salvá-las, para santificá-las diante da consequência de amor e gratidão delas em relação a Ele.   A glória e o poder do Pai, manifestados na escolha dos piores, é exatamente a  pleni  pl enitude tude da sal salvação, vação, o Shalo Shalom m que somos chamados a manifest manifestar ar ao mundo. Não era esse o caso de Francisco, que relacionava sua escolha a que não restasse a menor dúvida de que a “obra” seria de Deus. Se queremos um ponto em comum sobre a abordagem de Francisco e a do Moysés, esta será sem dúvida, a certeza de todos – inclusive de ambos – de que a “Obra” é de Deus e não deles ou nossa. Este famoso parágrafo traz vários traços de uma experiência pessoal profunda de  pequenez, de mi minori noridade. dade. Creio que, sem esta exp experiênci eriênciaa de esvazi esvaziamento, amento, de minoridade, especialmente se levarmos em conta seu contexto familiar, o Moysés não teria como ter fundado o Shalom nem ter apreendido e vivido nossa espiritualidade como 36

experiência pessoal de fundação a ser transmitida. Da forma como as coisas são, podemos, ouvi-lo rezar, sincero: “A ti, Pai, todo louvor! A ti, toda glória! Tu fazes tudo! Tudo é teu! Tudo vem de ti! Esta “obra” é tua, Pai! Esta vocação é tua! Este povo é teu, Pai de amor e de bondade!” e dizer um sincero e aliviado “Amém”. A minoridade, porém, não é mais que um caminho, um atestado, uma metáfora. O que faz uma alma ser esposa de Jesus, como vimos, não é sua minoridade, mas seu absoluto convencimento dela, pela vivência da humildade.

O Caso especial dos Vasos de Argila O simbolismo dos vasos de argila é tão rico nas Sagradas Escrituras e tão importante  para entendermos o parág parágrafo rafo 5, que nos deteremos um pouco mais no assunto. Algumas características dos vasos de argila na Palavra nos ajudam a entender melhor  quem somos. Não somente vasos de argila, mas vasos de argila Shalom. No nosso texto a expressão refere-se, naturalmente, à fragilidade das almas esposas, não ao seu pecado. Somos fracos, mas de uma fraqueza “especial”. Somos fracos como vasos de argila, que humildemente se abandonam ao que Deus quiser fazer deles. Que vasos são estes segundo a Palavra?   São feitos pelas mãos do oleiro, ao qual o próprio Deus se compara em várias  passagens.  passag ens.  Têm tão pouco valor que, caso não saiam conforme o oleiro deseja, são quebrados e os cacos jogados fora sem nenhuma pena ou perda 12.  São vendidos aos montes e a preços baixíssimos nos mercados populares.   Servem tanto para objetivos nobres (guardar documentos, escritos, tesouros, dinheiro, óleo, água) quanto para objetivos menos nobres (como urinóis, por exemplo). Seu uso depende inteiramente da decisão do seu proprietário.  São Paulo faz a comparação à qual o Moysés alude diretamente. Somos vasos de argila que guardam o precioso tesouro da salvação plena, o Shalom. 13 A principal característica dos vasos de argila, como você deve ter percebido neste e outros exemplos conhecidos, é sua “disposição” a qualquer tipo de serventia e a qualquer  duração da mesma. Neste sentido, podem ser comparados ao servo inútil do Evangelho, que não fez mais que sua obrigação, servindo ao Senhor como Ele desejou e não conforme sua nobreza, beleza, atributos ou vontade. Sua principal característica é a humildade. Por isso, servem para tudo: são humildes.

Aí  37

Mais uma vez, o Moysés, vai ser específico em seu vocabulário e vai escolher  novamente o advérbio “aí” – desta vez, graças a Deus, referindo-se a um só sujeito! Não diz que o Pai escolhe as almas mais fracas para através delas  realizar sua grande obra. Isso as faria correr o risco de pensarem que a obra é delas  e não mais seriam almas esposas. Estari Estariaa tudo estrag estragado! ado! O que ele afirma é que o Pai as escolheu para aí   realizar sua grande obra. O sentido não é que os vasos de argila vão ser transformados por Deus em sofisticados e valiosos vasos de porcelana ou alabastro. Eles vão continuar a ser vasos de argila, cada vez mais gastos e trincados. Abrigado em seu interior, porém, unido a eles através do amor  esponsal e através de sua fraqueza e pouca valia, Ele, o tesouro que neles habita ( “aí” ), realiza sua grande obra.  Nosso fundador refere-se, natural naturalmente, mente, à “obra” que vem anunci anunciando ando desde o Escrito precedente. Uma Obra Nova, a formação de um povo novo, uma obra inteiramente realizada por Deus apesar de nossa fraqueza, pela mera presença dele em nós e a ação radical, amorosa, cheia de parresia que realiza porque está unido a nós e nós a Ele. Mais uma vez fica bem claro e explícito: a Obra é de Deus, o trabalho é de Deus, a  primazia  pri mazia é da graça de Deus, a gló lória ria é del dele, e, invi nvisível sível e Rei da Gl Glóri ória, a, não dos fracos vasos visíveis e sem valia. Quando meditamos sobre isso, fica muitíssimo mais evidente a misericórdia de Deus  para conosco! Deus não preci precisa sa de nós! O que faz, ao nos escol escolher, her, não é nos usar, é nos amar!

O dono da glória 1984. Não chegávamos nem a 50 pessoas. Nossa organização era ínfima. As finanças frágeis, as dívidas, muitas. Acumulavam-se as críticas, julgamentos, incompreensões,  previsões  previ sões exteriores exteriores de fracasso para a comunidade nascente. O fundador, entretanto, em sua fé inabalável, via o que ninguém enxergava, pensava diferente dos nossos não  poucos críti críticos, cos, previ previaa uma grande obra, uma Obra Nova, uma obra de Deus. Vislumbrava uma obra que daria glória a Deus, à qual já se referira no Histórico 14. Uma Obra cuja glória não pertenceria a homens, pois os ultrapassaria. O mesmo Moysés muitas vezes nos disse, com convicção e espanto nos olhos: “Nossa missão é maior que nós. Nossa missão nos ultrapassa!” A glória não pertence aos vasos de argila. A glória pertence, sempre, a Deus. E Deus é, sempre, amorosa glória.

A Primazia da Graça Outro dado de nossa espiritualidade, explícito no parágrafo 5, é a primazia da graça. 38

Em Obra Nova, por um outro aspecto, mais ligado à ascese, esta primazia é, já, insinuada. A graça tem a primazia na espiritualidade, na vocação e na comunidade Shalom. Não são os nossos méritos, nem nossas forças, nem nossas decisões, muito menos nossa inteligência, capacidade, virtudes ou santidade. Somos fracos vasos de argila. A graça de Deus, porém, tudo pode. A graça tem primazia sobre tudo o que somos, temos, sabemos ou pensamos. A graça vem em primeiro lugar. Vem antes de qualquer outra coisa, antes de nós mesmos, de nossa vontade ou planos. A primazia da graça está intrinsecamente ligada à minoridade e à absoluta necessidade de humildade em nossa vocação. Somos os menores, somos os piores. E nosso Esposo é a Perfeição. Ele é a fonte da graça, Ele nos dá, misericordiosamente, toda graça. Quanto menores, quanto mais humildes e indefesos, mais a graça agirá em nós, como ensina Santa Teresinha. Quanto mais entregues, mais livremente a graça poderá fluir. Quanto mais abandonados, mais ela ganhará espaço, quanto mais de Deus formos, mais Ele será nosso. Quanto menos quisermos realizar nossa própria obra, mais Ele poderá realizar a sua. Este não seria um perfil das decisões e atitudes do Moysés diante de tantíssimas situações si tuações que vi vivemos vemos nestes 24 anos? A minoridade em nossa vocação não está ligada a um complexo de inferioridade, nem a um conformismo com o pecado. Está ligada à humildade, à primazia da graça e à glória de Deus. Embora comecem a ser descritas em Obra Nova, ganham, em  Amor Esponsal ,  por assi assim m di dizer zer “di “direit reitos os de esposa”. A mi minori noridade dade é uma de nossas formas de nos unirmos ao Rei da Glória, ao Esposo da Glória e dizer: tua é a graça. Age! Teu é o poder, usa-o como quiseres! Teus somos nós, faze de nós o que quiseres, como o oleiro ao vaso de argila. O quanto tudo isso é diferente de algumas interpretações que, ao longo dos anos, foise dando a esta passagem! Como é belo percebermos, finalmente, que, quando somos fracos é que somos fortes 15, quando vazios, cheios, quando menores e piores os mais aptos a refletir a glória de Deus, que vivemos para implantar. 16 É a primazia da graça, o reconhecimento do incomparável poder divino, o amor esponsal do nada que deseja unirse ao Tudo por amor a Ele, para a glória dele. Para isso demos nossas vidas, para isso fomos eleitas almas esposas: para a glória do nosso Esposo, não para a nossa. Para a sua alegria, que é também a nossa. Para que o mundo reconheça a sua grandeza e veja a nossa pequenez a proclamar a primazia da graça, da Glória de Deus. A Graça de Deus que tudo vence, a Graça em que podemos confiar, a Graça que é nossa salvação. É com esta Graça que contamos e contaremos sempre.

Graça e Mise Miseri ricórd córdia ia Logo se vê que se precisa de um livro inteiro para se falar da primazia da graça em nossa vocação. Precisaríamos, também, de muito, muito espaço para contarmos as inúmeras vezes em que vimos nosso fundador jogar-se, diríamos, até, loucamente, nos 39

 braços da graça de Deus, movi movido do pela fé. Si Sim, m, porque, sem a fé, não se abrem as portas da graça. Deus nos dará outras oportunidades para estudarmos mais esta característica da identidade de nossa vocação. Por enquanto, estas pequenas pinceladas e o testemunho espantoso da ação da fé e da Graça na vida do fundador e na nossa história, unidos com o segredo da “minoridade shalom”, ensinam-nos que, para nós, graça, glória e misericórdia se confundem. Para nós, Shalom, a primazia da graça significa mais que a  primazia  pri mazia do poder poder,, mais que a pri primazia mazia da intervenção mi miraculo raculosa sa de Deus. Si Siggni nifi fica ca a  primazia  pri mazia da misericórdi misericórdia. a. Isso se vê no espírito do nosso fundador, ao longo dos anos cada vez mais mergulhado neste mistério do “Pai de Amor e de Bondade” e de “Nosso Senhor Jesus Cristo”. Isso se vê em muitos de nós. Precisa, entretanto, crescer cada vez mais para tornar-se visível em todos. Se evangelizamos o século XXI, segundo João Paulo II, é pela misericórdia,  pelaa pri  pel primazia mazia da mi misericórd sericórdiia que o evang evangeli elizamos. zamos. Isso nem sequer se compreende se não suplicarmos de Deus a graça da humildade, se não formos profundamente convencidos de que somos, de fato, os menores, os piores, os mais pecadores, os vasos de argila. Se há um aspecto da vocação que é absolutamente imprescindível ser vivido, este é, sem dúvida, o espírito dos parágrafos 5 a 10 em toda a sua profundidade. Isso significa “briga feia” contra o orgulho durante toda a nossa vida, mas, se nos “apossarmos” da minoridade que nos foi garantida por graça, significa vitória certa, através, possivelmente, das humilhações que geram a humildade, mas também a vitória. Para a glória da Trindade.

40

CAPÍTULO VIII

O segredo para sermos os menores Como um caçador em busca de um tesouro, leiamos os próximos quatro parágrafos cavando o nosso: “Segundo a espiritualidade Shalom, qual o segredo para sermos, realmente, real mente, pequenos?” 6.Chamados que fomos a termos nossas almas escolhidas para serem esposas do Senhor, precisamos reconhecer que somos os menores, os mais fracos, os mais ecadores, miseráveis, até, e que nenhum mérito possuímos por nós próprios. Nosso lugar é o da Pecadora e o de Maria de Betânia – aos pés Daquele que tanto nos amou e escolheu movido unicamente por sua imensa Misericórdia. 7.Não é difícil percebermos esta realidade. Basta olharmos de onde o Senhor nos tirou quando tocou nossas almas e nos chamou para segui-Lo e reconhecermos em nosso dia a dia a nossa total incapacidade de, por nós próprios, sermos fiéis à Sua voz. 8.Como esta realidade contrasta com Seu amor eterno e paciente por cada um de nós, com sua misericórdia estendendo-se ao longo de nossas vidas, com Seu amor e Sua escolha irrevogável pelos nossos corações! Que fazer, ó Senhor, a não ser amar-Te erdidamente! Entregarmo-nos a Ti com toda a nossa fraqueza e, apesar dela, nos consumirmos de amor por Ti e sermos servos de Teu Reino? 9.Nosso coração só pode ter gratidão ao Senhor, gratidão eterna, e unir todo o nosso ser para corresponder a este Amor Perfeito com que Ele nos ama! E só há uma maneira de corresponder: amando, consumindo-se de amor por Aquele que tanto nos amou! 10. Nosso amor, porém, é imperfeito. Como responder a este sublime chamado? Somente clamando ao Espírito de Amor para que inflame nossas almas e nos impulsione a este Amor Infinito. Ao nosso clamor este Espírito virá e impulsionará nossas almas, nossas orações, nossos corações. Se você leu com cuidado, buscando, em oração, o segredo para a nossa minoridade, te-lo-á encontrado, certamente:  Reconhecimento e Gratidão Grati dão Estas duas palavras não são, nem de longe, sinônimos neste contexto. O reconhecimento é de quem nós somos. A gratidão é por nos ter o Senhor escolhido, apesar de sermos quem somos. Sigamos o roteiro proposto pelo fundador: 41

Parágrafo 5 – O Pai elege esposas para seu Divino Filho e não elege as melhores ou as mais belas, pelo contrário. Parágrafo 5 – O Pai precisa de almas humildes para unir-se ao seu Filho. Parágrafo 6 – A Esposa ouve o chamado, reconhece a grandeza de sua eleição, sua vocação e enxerga sua pequenez. Cresce mais ainda na humildade. Parágrafo 7 – Além de reconhecer sua pequenez e inutilidade, a esposa reconhece também sua incapacidade para, pelo menos, ser fiel ao chamado. Mais um passo para a humildade. Parágrafo 8 – Repete-se o sentimento de Francisco: “Quem és Tu, Senhor, e quem sou eu!”; e sua angústia: como corresponder? Este é, afinal, o sentimento de fundo dos humildes: como corresponder ao amor de Deus? Parágrafo 9 – Gratidão é a resposta de amor das almas esposas, as almas humildes. Parágrafo 10 – Fecha-se o ciclo: o Espírito Santo e só Ele pode nos impulsionar ao amor esponsal nossas almas, orações, corações. Só Ele pode mudar o orgulho em humildade e nos preparar para as Bodas!

Reconhecimento Reconhecimento de que somos os menores, os mais fracos, os mais pecadores, miseráveis, até, e que nenhum mérito possuímos por nós próprios. Isso, meu irmão, era um verdadeiro disparate, um escândalo, uma afirmação insana no pensamento dos anos 80. Seja por uma adesão à ideia do homem “intrinsecamente bom” de Carl Rogers, seja  por um retorno fi fillosófi osófico co ao beau-sauvage  como fruto de uma má interpretação ou aplicação inadequada do Vaticano II, seja pela moral secularizada que começava a se impor, alguém, em sã consciência, reconhecer-se pequeno, fraco, miserável ou sem mérito era sinônimo de medievalismo doentio que não combinava, em nada, com o “Jesus Christ Superstar” que se tentava passar para os jovens, ou o “Cristo Che Guevara” proposto aos mais politizados. Se hoje, após tantos anos de vocação, com as correções de rumo feitas por João Paulo II, uma de nossas maiores dificuldades pessoais e comunitárias reside exatamente neste reconhecimento sincero e feliz de que somos os menores, os mais fracos, os mais  pecadores, os mi miserávei seráveiss e sem nenhum mérito por nós própri próprios, os, imag magin inee o que significavam estas palavras e a mera proposta deste reconhecimento naquela época! Bastaria a coragem de convidar a este reconhecimento, para comprovar-se que aquele ovem de 25 anos ou era um louco retrógrado, ou alguém com coragem suficiente para ir  contra a corrente do pensamento dos homens e falar em nome de Deus.

Gratidão Gratidão e humildade se supõem. O orgulhoso, o vaidoso, só sabe ser grato a si 42

mesmo, ainda que se apelide de Deus. O humilde sabe exclamar: O que fazer, ó Senhor, a não ser amar-Te perdidamente! Entregarmo-nos a Ti com toda a nossa fraqueza e, apesar dela, nos consumirmos de amor por Ti e sermos servos do Teu Reino? Com todo o respeito que lhe devo, irmão querido, pelo que temos estudado até agora, a meu ver, nossa falta de entusiasmo, graça, fogo, entrega, parresia, amor esponsal, vem do fato de não aderirmos à seguinte frase do parágrafo 7:  Não é difíci difícill percebermos esta realidade. Basta olharmos de onde o Senhor nos tirou quando tocou nossas almas e nos chamou para segui-Lo. Sinceramente, sincerissimamente, será que conseguimos enxergar de onde o Senhor  nos tirou quando tocou nossas almas e nos chamou para segui-lo? Será que não fizemos, muitos de nós, uma “caminhada automática”: seminário de vida, grupo de oração, vocacional, comunidade e nem mais nos lembramos de onde o Senhor nos tirou? Será que alguns de nós não nos considerávamos “até bonzinhos”, sem grandes problemas, sem infernizar a vida de ninguém? O Moysés afirma, com toda razão, que a gratidão nascerá quando percebermos de onde o Senhor nos tirou. Mas, será que percebemos? Ou, por outra, será que Ele realmente nos tirou de uma situação espiritual perigosa, desagradável, ou continuamos nela? Sentimo-nos salvos por Ele ao ponto de nos entregarmos em gratidão? E quanto à incapacidade de, por nós próprios, sermos fiéis à Sua voz? Temos tempo  para parar, orar orar,, fazer um ex exame ame de consci consciênci ênciaa e reconhecer esta incapaci ncapacidade? dade? Em uma palavra, será que nos sentimos pecadores? Será que temos consciência de que somos pecadores, os mais pecadores?  Não é di difíci fícill concluir concluir que também o parágrafo 7 é fruto de uma experi experiênci ênciaa espi espiri ritual tual  pessoal do fundador fundador,, que marcou sua al alma ma para sempre e que, pel pelaa transmi transmissão ssão do carisma e por ser intrínseco à identidade do mesmo, deve ser, igualmente, uma experiência nossa, de cada um de nós, seus discípulos. Supliquemos, com coragem, ao Senhor, esta experiência concreta, esta consciência de nossa miséria, pecado, pequenez, fraqueza. É o único caminho para crescer na humildade. O único caminho para reconhecermos quem nós somos e quem é Deus. O único caminho para nos unirmos ao Humílimo através do amor esponsal.

43

CAPÍTULO IX

O segredo para sermos os menores Você já teve a sensação de aproximar-se inexoravelmente de algo que preferia evitar? Pois esta é a sensação que tenho ao chegar a este capítulo. Deus vai empurrando, o Escrito vai empurrando, a oração vai empurrando e, de tanto empurra-empurra, ou você faz o que tem de fazer, o que Deus quer – espera-se! – ou tudo o que fez morre e perde o sentido. Foi assim que chegamos ao “segredo dos segredos” para ser realmente  pequeno, mi miserável serável,, vaso de argi argilla. Ou melho melhor, r, não somente para ser ser,, mas para transpor  a maior das barreiras: quer querer er ser, ser, determinar-se a ser ! Por que, meu Deus, por que, por que, mesmo com tanta evidência de todos os  benefícios  benefíci os eternos que isso nos traz, não queremos, ou queremos, mas resi resisti stimos mos a ser   pequenos? P or que nos incomodam tanto os parágrafos 5 a 10 do escri escrito to  Amor   Esponsal ? Por que, por vezes, sequer os entendemos adequadamente? Responder que é o pecado, o orgulho, a soberba, a altivez, o amor exagerado a si mesmo, o apego à própria imagem, a meu ver, não é a resposta completa. É apenas a mais fácil. A resposta mais completa – e mais dolorosa! – é: porque ainda não amamos Jesus como deveríamos amá-lo. Vamos lá! Vamos respirar fundo e retomar o parágrafo 10 que aparentemente, mas apenas aparentemente, fecha o ciclo da segunda parte: 10. Nosso amor, porém, é imperfeito. Como responder a este sublime chamado? Somente clamando ao Espírito de Amor para que inflame nossas almas e nos impulsione a este amor infinito. Ao nosso clamor, este Espírito virá e impulsionará nossas almas, nossas orações, nossos corações. Como se diz na linguagem popular, o Moysés “não conta pitaco”. Vai direto ao assunto. O amor de Deus é perfeito e infinito. Nosso amor é imperfeito. É essa nossa  primeira  pri meira chave de leitura. leitura. Veja Veja bem:  Somos chamados a ser almas esposas.  Para isso, precisamos reconhecer que somos os menores, os piores, os mais fracos, os mais pecadores, os miseráveis, miseráveis, os sem-mérito.  Segundo o Moysés, para que nos convencermos de quem somos, bastaria vermos de onde o Senhor nos tirou, mas a evidência mostra que muitos poucos somos capazes de fazer isso, pelo menos por mais de vinte e quatro horas. Realmente, o problema é que não amamos Jesus o suficiente para desejarmos ser  muito, muito pequenos. Nosso amor é imperfeito. Precisamos do Espírito de Amor para 44

inflamar nossas almas e nos impulsionar a este amor infinito. Ao nosso clamor sincero, garante o fundador – e é verdade! – Ele virá.  No pri primei meiro ro parágrafo deste Escri Escrito, to, nosso fundador pede que cl clamemos amemos ao Espíri Espírito to Santo. Aqui, pede que clamemos ao Espírito de Amor. Naturalmente, é o mesmo Espírito, a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade. No entanto, quando o invocamos como Espírito de Amor, invocamo-lo como o Amor da Trindade, como o único que nos  pode fazer desejar nos esvazi esvaziarmos armos de nós mesmos e sermos pequenos, os menores, os ínfimos, por amor a Jesus.

O segredo da Kénosis de Amor Sabemos, fartamente, que as relações entre as Pessoas da Trindade se baseiam no esvaziar-se inteiramente de si (a kénosis) e acolher a outra Pessoa inteiramente 17. Sabemos também, que isso é obra do Espírito de Amor. É Ele, o Amor da Trindade, que faz o Pai esvaziar-se inteiramente de si no Filho e o Filho, acolhendo o Pai, entregar-se inteiramente a Ele, em louvor e sem reservas. É este, o Espírito de Amor, que devemos invocar se queremos desejar ser pequenos e sê-lo de fato. Foi este Espírito de Amor que levou Jesus a assumir nossa natureza, nosso  pecado e nossa morte, uni unindo-se ndo-se a nós em tudo o que nos separava de Deus. Nosso Esposo esvaziou-se inteiramente de sua divindade e de sua humanidade. Sobrecarregouse, como diz São Paulo, com os nossos pecados, morreu a nossa morte, assumiu a nossa natureza, desceu aos infernos que nos estavam reservados. “Assumiu nosso destino concreto com o sofrimento, a morte, o inferno, em solidariedade com todos os homens”18.  Não é estranho que, tendo o Esposo assumi assumido do nossa fraqueza, pequenez, mis miséria, éria, não-mérito, vaso de argila, pecado, minoridade, nós próprios resistamos em assumi-los? ão é estranho que resistamos ao que é óbvio: para sermos almas esposas do Esvaziado necessitamos – e é uma necessidade de amor! – nos unirmos a Ele através deste mesmo esvaziamento, esta kénosis de nós mesmos, inflamados e impulsionados pelo mesmo Espírito de Amor, por amor a Ele? Às vezes, examinando minha própria consciência, tenho a terrível sensação de que não conheço meu pecado o suficiente para ver até que ponto meu Esposo se abaixou. Enquanto eu não enxergar o tamanho do meu pecado, não vou contemplar e me unir  amorosamente à amplitude do esvaziamento de meu Esposo. Enquanto eu considerar  que o homicida mais sanguinário e frio recluso na prisão de segurança máxima é mais  pecador do que eu, não conseg consegui uirei rei contemplar contemplar o esvaziamento do Esposo e, com El Ele, e, o da Trindade, em meu favor e em favor da humanidade inteira. Por outro lado, sei que só “conhecerei” de que “altura” abaixou-se o Esposo quando vir, a um só tempo, o abismo do meu pecado, a perfeição do Seu Amor e a glória de que se esvaziou enquanto “Verbo” para, através de sua obediência até o sacrifício de si 45

mesmo, voltar a receber do Pai a glória como Cordeiro. Enquanto isso não acontecer, obviamente, também eu não conseguirei unir-me, maravilhada, a este ato supremo de amor que se concretiza na cruz e Ressurreição. Vou me agarrar alegremente ao Ressuscitado, em Jo 20, sem sequer reparar que Ele passou  pelaa cruz. Vou querer uni  pel unir-me r-me ao Ressusci Ressuscitado tado sem que eu mesma passe pel pelaa kénosi kénosiss total da cruz. Jamais, jamais vou conseguir. O caminho do amor esponsal ao Ressuscitado que passou pela cruz passa, como o Esposo, por tudo, da kénosis da Encarnação à kénosis da cruz e “re-glorificação” – dele e nossa – da Ressurreição, até os esponsais com o Cordeiro.  Nosso amor é imperfeito, imperfeito, di dizz o Moysés. P ara ser perfei perfeito, to, precis precisaa de todo o aux auxíl íliio do Espírito de Amor, aquele que, na Trindade, é o inflamador e impulsionador da kénosis. Aquele que abre os nossos olhos para que vejamos e compreendamos o Verbo, luz do mundo, como Ele realmente é e não como queremos que seja. Para ser perfeito –   pasme! – nosso amor preci precisa sa ser total totalmente mente esvaziado de si pelo Espírito Espírito de Amor Amor,, como é o de Jesus, como é o do Pai, como é o do próprio Espírito. Jesus nunca viveu fora deste contexto trinitário 19. Preciso suplicar ao Espírito de Amor: “Esvazia-me do amor humano, imperfeito, e enche-me do amor divino, perfeito. Faz isso, mesmo que eu esperneie, mesmo que minha carne grite, mesmo que eu blasfeme, mesmo que me sinta morrer. Esvazia-me do meu amor humano que, em sua imperfeição, inclui, necessariamente, um amor a mim mesmo tão tremendo, imenso e sutil que não consigo vê-lo, que se torna maior que a cruz de Cristo, que se torna maior do que a verdade, que abafa a kénosis amorosa do Verbo, a entrega incondicional do Esposo. Ah, Santo Espírito de Amor, salva-me! Não  permitas  permi tas que eu seja al alma ma esposa só da boca para fora. Não permit permitas as que eu rejei rejeite te o esvaziamento de mim mesmo por amor a Jesus. Não permitas que eu não queira ser o menor, o mais miserável, o mais pecador, o mais fraco, o vaso de argila! Recusar isso seria recusar a identificação mais visceral com aquele que se fez tudo isso para que o Shalom, a plenitude da Salvação, fosse ministrada, por seu mistério ao mundo. Como  posso ser tão duro, Espíri Espírito to de Amor, Amor, como posso ser tão autossuficiente, autossuficiente, tão apai apaixxonado  por mi mim m mesmo que ai ainda nda pretenda ser Shalo Shalom m sem abraçar a kénosi kénosiss do Esposo e, nele, a da Trindade, que trouxe ao mundo a salvação plena? Como posso querer ser  Shalom negando o essencial da esponsalidade a Jesus Cristo, que esvaziou-se de sua grandeza e de quem o Pai e o Espírito se esvaziaram na Encarnação, Paixão e cruz em nosso favor?” Você entende? Sem o fazer-se nada do Verbo, não há salvação, não há Shalom. Sem o fazer-se nada da esposa do Verbo, não há Shalom. Simples assim! Sem a kénosis do Verbo, sem sua kénosis na Encarnação, assumindo nosso nada; sem a sua kénosis na cruz, matando em si nosso pecado; sem a devolução da glória, pelo Pai, na Ressurreição, não existiria Shalom . Querer ser Shalom sem querer ser pequeno, como dizem os parágrafos 5 a 10, é um grande, lamentável engano. Um erro crasso, uma 46

fantasia espiritual. A perda do primeiro, o primeirinho degrau para a plenitude da Salvação que se chama Shalom 20, a cuja vivência fomos chamados, não como espectadores, não como operários, mas como almas esposas, unidas em tudo ao Esposo.  Nosso amor é, ai ainda, nda, imperfeit mperfeito. o. Não entendemos ai ainda nda o que a Tri Trindade ndade fez por nós. ão entendemos ainda o que o Filho fez por nós. Não entendemos ainda a que amor  somos chamados. Não entendemos ainda o que é a Salvação. Não entendemos ainda o que é desejar, com todas as nossas forças, pelo poder do Espírito do Amor, participar  mística e concretamente, do mesmo esvaziamento, da mesma kénosis do Esposo. Como ainda não o entendemos – e isso é graça dada na oração – ainda não o desejamos com todas as nossas forças, de todo coração e com toda a vontade. Nosso amor é, ainda, imperfeito. Por isso, não desejamos ser pequenos; por isso, não entendemos os  parágrafos  parág rafos 5 a 10. Por isso, preci precisamos samos do Amor Di Divi vino no para vi viver ver pl plenamente enamente nossa vocação. Clamemos com todas as nossas forças, que, ao nosso clamor, o Espírito de Amor  inflame nossas almas e nos impulsione a este Amor infinito e perfeito! Que desejemos, como o Esposo, por puro amor, sermos os mais fracos, miseráveis, até. Como nosso Esposo crucificado foi reconhecido como “maldito” pela Lei judaica, desejemos ardentemente ser, pelo menos, “miseráveis” pela Lei do Amor, para que, pelo menos imperfeitissimamente, nos assemelhemos, ainda que um pouquinho, a Ele.

47

CAPÍTULO X

O conselho conselho de Bento XVI  Reconhecimento e gratidão  continuam a ser dois dos segredos, dados por nosso fundador, para nos inflamar de amor esponsal. O amor a si mesmo e o desejo de ser  grande, ou a resistência a querer ser e fazer-se pequeno, é o maior bloqueio para ambos. Peço perdão por insistir, mas como sou “desse jeitinho aí”, talvez alguém mais seja. Por  isso, aventuro-me a sair brevemente do Escrito em si e falar um pouco sobre o caminho oferecido por Bento XVI. Para aquelas pessoas que insistem em desposar o Ressuscitado e esquecer de sua kénosis na cruz, o Santo Padre dá um caminho muito próximo, diria, até, complementar, ao nosso Jo 20, 19ss: o caminho da contemplação do Traspassado. Como o nosso fundador, ele insiste que é da contemplação do lado aberto de Cristo que brota o amor  que nos é dado como dom. Leiamos: 7. (...) Quem quer dar amor, deve ele mesmo recebê-lo em dom. Certamente, o homem pode — como nos diz o Senhor — tornar-se uma fonte donde correm rios de água viva (cf. Jo 7, 37-38); mas, para se tornar semelhante fonte, deve ele mesmo beber  incessantemente da fonte primeira e originária que é Jesus Cristo, de cujo coração traspassado brota o amor de Deus (cf. Jo 19, 34). 21 Diz-nos o texto citado por Bento XVI: Os judeus temeram que os corpos ficassem na cruz durante o sábado, porque já era a Preparação e esse sábado era particularmente solene. Rogaram a Pilatos que se lhes quebrassem as pernas e fossem retirados. Vieram os soldados e quebraram as pernas do primeiro e do outro, que com ele foram crucificados. Chegando, porém, a Jesus, como o vissem já morto, não lhe quebraram as pernas,mas um dos soldados abriu-lhe o lado com uma lança e, imediatamente, saiu sangue e água. (Jo 19, 31-34) Unindo o Santo Padre ao nosso fundador, que dizem a mesma coisa, a partir de textos diferentes, fico a pensar se não nos ajudaria, em nosso difícil processo de kénosis, contemplar  Aquele que traspassamos  e seu dom de amor, seu dom de si mesmo, seu dom da Igreja, seu dom dos sacramentos de nossa salvação. Ao verter sangue e água, segundo os Padres da Igreja, Jesus esvazia-se ao máximo imaginável e entrega o seu Espírito Santo, o mesmo Espírito de Amor que nos ensinará a desejar e a ser pequenos. Segundo os Padres, é o Vaso que se quebra e derrama sobre toda a humanidade, de todos os tempos, o seu Espírito Santo. Contemplar esta realidade, segundo Bento XVI,  é receber o amor em dom. Deus sabe o quanto necessitamos deste dom que inclui em si a Trindade inteira e que nos impulsionará ao amor Esponsal, que 48

transformará nosso amor imperfeito em amor mais parecido com o do Esposo! Pessoalmente, faz-me um bem imenso contemplar Jo 19,34 e, em seguida, Jo 20,19. E, embora não seja exemplo de amor para ninguém, vou compreendendo aos poucos a conexão entre a kénosis do Traspassamento e a kénosis do Ressuscitado que passou pela cruz. Bento XVI vem-nos ajudar a unir melhor ainda estes dois momentos e a entender o que quer dizer nosso fundador quando diz que, na chaga gloriosa do lado de Jesus contemplamos a intimidade da Trindade. Veja o que nos diz o Santo Padre: 19. «Se vês a caridade, vês a Trindade» — escrevia Santo Agostinho. [11] Ao longo das reflexões anteriores, pudemos fixar o nosso olhar no Trespassado (cf. Jo 19,37; Zc 12,10), reconhecendo o desígnio do Pai que, movido pelo amor (cf. Jo 3,16), enviou o  Filho unigêni unigênito to ao mundo para redimi edimirr o homem. Quando morr morreu eu na cruz, Jesus —  como indica o evangelista — «entregou o Espírito» (cf. Jo 19,30), prelúdio daquele dom do Espírito Santo que Ele havia de realizar depois da ressurreição (cf. Jo 20,22).  Desse modo, se realizaria realizari a a pr promessa omessa dos «rios de água viva» que, graças à efusão do  Espírito, haviam de emanar do coração dos crentes (cf. Jo 7,38-39). De fato, o Espírito Espíri to é aquela força interior que harmoniza seus corações com o coração de Cristo(...).22 Ao contemplarmos a morte e o traspassamento de Cristo, contemplamos, como comenta Frei Raniero Cantalamessa, em Vida sob o Senhorio de Cristo, a kénosis da Trindade: o Pai que entrega o Filho à morte na mão dos homens, o Filho que, além de fazer a entrega de si mesmo, “entrega o seu Espírito”, faz sua kénosis do Espírito de Amor sobre toda a humanidade. Esta kénosis torna-se visível no sangue e água que orram do seu lado. Em Jo 20,19, contemplamos, mais uma vez, a intimidade das relações trinitárias, relações da mais perfeita caridade. O Pai faz a kénosis do Filho Ressuscitado, sentado à sua direita, na glória que lhe devolvera depois de sua kénosis da Encarnação à cruz. O Filho, que faz sua kénosis da intimidade trinitária e se dá aos discípulos e a Tomé em seu corpo ressuscitado e glorioso, dá o seu Espírito aos discípulos, mandando que façam a kénosis que Ele mesmo fez: “Assim como o Pai me enviou, eu vos envio”: vazios de si mesmos, cheios do Espírito Santo, cheios de amor esponsal e parresia foram enviados ao mundo. Duas kénosis de amor da Trindade, ambas contempladas apenas por João, mas  provavelmente  provavel mente também por Mari Mariaa e Mari Mariaa de Mag Magdal dala. a. Duas manei maneiras ras de contemplarmos a caridade, a intimidade das relações da Trindade, “vendo a caridade, vendo a Trindade”. Duas formas de suplicarmos ao Espírito de Amor que transforme nosso amor imperfeito em amor infinito, aos moldes das relações da Trindade que contemplamos e que se resume em Kénosis. Abraçaremos, então, o Ressuscitado que  passou pela cruz, na qual qual,, neste texto belíssi belíssimo mo de Bento XV XVI... I... (...) cumpre-se aquele virar-se de Deus contra si próprio, com o qual Ele Se entrega 49

ara levantar o homem e salvá-lo — o amor na sua forma mais radical. O olhar fixo no lado trespassado de Cristo, de que fala João (cf. 19, 37), compreende o que serviu de ponto de partida a esta Carta Encíclica: “Deus é amor” (1 Jo 4, 8). É lá que esta verdade pode ser contemplada. E começando de lá, pretende-se agora definir em que consiste o amor. A partir daquele olhar, o cristão encontra o caminho do seu viver e amar. Que o Santo Espírito de Amor opere isso em nós. Que Ele nos ajude a nos virar  contra nós próprios, no decretar a morte ao nosso amor próprio. Que Ele nos ajude a nos entregar inteiramente e compreender, segundo a mente e o coração de Cristo e da Trindade que, muito embora a Encarnação tenha sido destinada à morte de cruz, é a cruz que nos salva. Muito embora o Ressuscitado seja belo de ser anunciado e contemplado, é da cruz que nos vem o amor esponsal. Nosso Esposo, o Ressuscitado, passou pela cruz e aí nos ensinou a radicalidade do amor- kénosis que vive no relacionamento da Trindade.

50

CAPÍTULO XI

O caso de seis mulheres mulheres e dois homens  Nossa trajetóri trajetóriaa hi históri stórica ca de amor esponsal passa por sei seiss mul mulheres. heres. Duas del delas as estão no parágrafo 6: 6. Chamados que fomos a termos nossas almas escolhidas para serem esposas do Senhor, precisamos reconhecer que somos os menores, os mais fracos, os mais ecadores, miseráveis, até, e que nenhum mérito possuímos por nós próprios. Nosso lugar é o da Pecadora e o de Maria de Betânia – aos pés Daquele que tanto nos amou e escolheu movido unicamente por sua imensa Misericórdia. É interessante perceber que o Moysés poderia ter falado dessas duas mulheres em vários outros parágrafos do Escrito: nos parágrafos 11, 12, 17, 18, 19, 20, no mínimo. Ele as quis associar, entretanto, à humildade essencial para que alguém seja alma esposa. A terceira mulher, aparece no parágrafo 15, é a Rainha da Paz, de quem falaremos depois. A quarta, é Santa Teresa D’Ávila, que aparece em vários parágrafos. Mas, e a quinta, quem é? A quinta não está nos Escritos, mas na Tradição. Como você sabe, em uma comunidade, temos o Estatutos, os Escritos do Fundador, o Espírito do Fundador e a Tradição. Esta é formada por momentos, que se vai vivendo ao longo da história e que se vão incorporando à nossa maneira de ser. Um exemplo: o voltar-se para a Virgem Maria no cântico final em nossas capelas. Isso não está escrito em lugar nenhum. Nem nas Regras históricas, nem nos Estatutos, nem nos Escritos. Alguém começou a fazê-lo e seu gesto tornou-se tradição. O mesmo se pode dizer do Moysés voltar-se para o ícone da Virgem Maria no final das adorações, nos encontros. É uma tradição não escrita. Há tradições que acabam por ser escritas. Por exemplo: até os Estatutos de 1998, não estava escrito em nenhum lugar que os ícones faziam parte de nossa espiritualidade e nossa oração. Fazíamos isso espontaneamente. No caso dos ícones, aliás, ao que eu saiba, fomos nós quem começamos, dentro da tradição latina, a utilizá-los em nossas capelas e celebrações de forma mais pública, aqui no Brasil. Hoje, estão por toda parte. Os Estatutos de 1998 já falam, claramente do uso dos ícones. Neste momento, eles deixaram de ser tradição para ser norma. A quinta mulher, como dizia, encontra-se na Tradição. Logo que entramos em contato com o Escrito Amor Esponsal, não me lembro bem nem como nem por que, passamos a associar a alma esposa com a esposa do Cântico dos Cânticos. Influência dos escritos de Santa Teresa? Da espiritualidade tradicional da Igreja? Do cântico “Ma toute belle”, dos Focolare? Da noiva preparada pelo Cordeiro para as bodas? Não saberia dizer. 51

Sei dizer bem que, em um entendimento ainda bastante primitivo do que significa o amor esponsal para nós (e olha que estava escrito!) nós, as mulheres, víamos-nos vestidas de noiva, “sem rugas e sem mancha”, após as árduas e perigosas “buscas pelo nosso amado noite afora”. Os homens, meio constrangidos, tentavam enquadrar-se neste modelo e davam o melhor de si para cantar com convicção “Nas bodas do Cordeiro, eu irei cantar, irei celebrar, com meu Deus, meu Senhor, e lá irei inflamar meu coração de amor, pois a Jesus, eu me entreguei. Aleluia! Jesus Cristo é o noivo! Aleluia! Vou com Ele me casar...”, ou, mais difícil para eles, ainda: “Vem, formosa e bela, vem ao meu ardim...” Esta associação da tradição com a noiva/esposa do Cântico dos Cânticos tem imenso fundamento. É um retrato da espiritualidade tradicional da busca incansável da alma por  seu amado e deste por ela. Ambos se buscam, em meio a espancamentos e perigos noturnos, ambos se encontram para depois perder-se novamente e novamente se  buscarem, até que se unam nas bodas do capítul capítuloo 7.  No início início do relacionamento, relacionamento, chamam seu amor dodim, sinal do amor ainda inseguro e de uma procura ainda indeterminada 23. Finalmente, no capítulo 7, com as bodas, dá-se a  pacifi  paci ficação cação da esposa, que passa a chamar-se Sul Sulami amita ta ( Shalomit ), ), a Pacificada e a  palavra  pal avra dodim é substituída por ahabà24 , indicativa de um amor maduro, que não busca a si próprio, mas o cuidado do outro. Bento XVI vai-nos ser de imensa ajuda no conhecimento do amadurecimento do amor  esponsal de nossa alma esposa Sulamita no parágrafo 6 de sua Encíclica  Deus é Amor . O que aconteceu conosco, graças a Deus, foi um amadurecimento semelhante. Do amor esponsal romântico, que supunha por vezes, mais o conceito de conjugalidade (amor entre marido e mulher) do que de esponsalidade (amor de unidade, de comunhão, de kénosis, de esposo, mas que não supõe a união conjugal), o Espírito nos foi ensinando o que era a busca, o que era “a noite”, o que era “a saída na solidão em busca do amado”. Foi-nos ensinando, em outras palavras, a dança de maanaim25   e nós fomos descobrindo, nas dobras do manto, as joias próprias do amor esponsal em nossa vocação26. São Bernardo de Claraval, Santa Teresa, São João da Cruz, entre tantos outros místicos e mestres espirituais, encontraram nos Cantares a expressão de seu amor  esponsal, desejoso de unidade total com o amado e o segredo para se transformarem das ovens com pele tostada pelo sol,na Sulamita pacificada pelas purificações, pelas kénosis,  pelaa união de amor com o seu Senhor.  pel

A Pecadora  Não consigo consigo imagi imaginar quantas dezenas de arti artiggos foram escri escritos, tos, só na Revista Shalom Maná, sobre Lucas 7, 36-50, a passagem da Pecadora em nossa espiritualidade 27. Para contextualizá-la no Escrito, vale a pena tomar sua Bíblia, ler a passagem e, logo depois, o 52

 parágrafo 6:  parágrafo 6. Chamados que fomos a termos nossas almas escolhidas para serem esposas do Senhor, precisamos reconhecer que somos os menores, os mais fracos, os mais ecadores, miseráveis, até, e que nenhum mérito possuímos por nós próprios. Nosso lugar é o da Pecadora e o de Maria de Betânia – aos pés Daquele que tanto nos amou e escolheu movido unicamente por sua imensa Misericórdia. Quem conhece o estilo do Moysés e o modo como ele arruma suas ideias e palavras, saberá que ele faz aqui uma referência cruzada, ou seja, não é por acaso que a Pecadora é mencionada antes. Ela está próxima das suas características: reconhece que é a menor, a mais fraca, a mais pecadora, a miserável, miserável, a sem-méritos por si própria. O texto bíblico nos mostra sem arrodeios que ela é uma “mulher pecadora”, isto é,  prostituída,  prosti tuída, pecadora públ pública. ica. O Moysés faz o mesmo ao col colocá-la ocá-la como símbol símboloo dos nossos pecados.  No texto bíbli bíblico, el ela, a, que segundo o Escrito seria qualifi qualificada cada como vaso de arg argiila, leva consigo um verdadeiro tesouro para a cultura da época: perfume caro em vaso de alabastro. Em ambos os textos, a Pecadora coloca-se “aos pés” de Jesus. No texto bíblico, ela se coloca “por trás” dos seus pés e chora, provavelmente de arrependimento por seus  pecados, cometendo a infâmi nfâmiaa (uma vez que era pecadora e, portanto, impura) e a desrespeitosa ousadia (uma vez que Jesus era o Rabi convidado para o banquete) de molhá-los com suas lágrimas e enxugá-los com seus cabelos 28. Esta mulher, pecadora pública, não tem jeito, não tem esperança, mas coloca-se como Rute, a sexta mulher de nossa história: como uma esposa que depende unicamente da misericórdia do esposo.

A Pret Pretee nde nte  Noemi, sua sogra, disse-lhe: “Minha filha, é pr preci eciso so que eu te assegur asseguree uma existência tranquila, para que sejas feliz. Esse Booz, nosso parente, cujas servas  seguiste, deverá joeirar esta tar tarde de a cevada de sua eira. Lava-te, unge-te, põe tuas melhores vestes e desce à eira, mas não te deixes reconhecer por ele antes que ele tenha acabado de comer. Quando for dormir, observa o lugar em que dorme. Entra, então, levanta a cobertura de seus pés e deita-te. Ele mesmo te dirá o que deves fazer”. “Farei, disse Rute, tudo o que me indicas.”  Ela desceu à eira e fez tudo o que sua sogra lhe tinha recomendado. Booz comeu e bebeu, e o seu coração tornou-se alegre; depois disso foi e deitou-se junto de um monte de feixes. Rute aproximou-se de mansinho, afastou a cobertura de seus pés e deitou-se também. Pelo meio da noite o homem despertou espavorido; voltou-se e viu uma mulher deitada a seus pés. “Quem és tu?” disse-lhe ele. – “Eu sou Rute, tua  serva, respondeu ela. Estende o teu manto sobr sobree a tua serva, por porque que tens o direito de 53

resgate”.29  Naturalmente  Natural mente os costumes mudam com o tempo. Não temos como di dizer zer se, na época de Jesus, Rute ter-se-ia deitado aos pés de Booz para dar-lhe a saber seu direito e dever  de casar-se com ela. A história de Rute, porém, era fartamente conhecida de todos os contemporâneos de Jesus. Assim, A Pecadora, além de todas as outras ousadias, teve a audácia de, como Rute, observar onde Jesus se sentaria. Como ela, teve a coragem de aproximar-se de mansinho e colocar-se em um lugar (por trás) no qual Jesus, como acontecera a Booz, não a poderia ver facilmente. A Pecadora, levada pela graça e pelo amor, ousou ocupar um lugar de esposa. A “impura”, julgada por todos, acusada por todos, cujos pecados eram conhecidos de todos, reconheceu  os seus pecados à luz da misericórdia que emanava de Jesus e, certamente trêmula e com medo, ousou confiar nele, ofertando-se sem malícia, mas lembrando-lhe do seu direito e “dever” de misericórdia, como Rute com Booz. A Pecadora, tanto no Escrito como em Lucas, reconhece  o seu nada, sua fraqueza, sua miséria, seu pecado, arrepende-se e tem uma atitude de perdão. À Rute, Booz disse: “Deus te abençoe, minha filha. Esta tua última bondade vale mais que a primeira, porque não buscaste jovens, pobres ou ricos.” À Pecadora, Jesus diz: “Perdoados te são os  pecados.(...)  pecados.(.. .) Tua fé te sal salvou”. vou”. Cada um a seu modo e em seu contex contexto, to, tanto Jesus como Booz haviam acabado de acolher uma esposa.  Na nossa irmã, a P ecadora, encontramos, além do reconheci reconhecimento mento dos inúmeros  pecados e fé, imensa fé, incomensurável confi confiança ança em Jesus. Sua fé, sua confi confiança ança a salvaram. O que lhe importava não era apresentar-se diante de Jesus sem pecados. Interessava-lhe mais colocar-se aos pés de Jesus com todos os seus pecados 30. A mesma humildade que a faz reconhecer os seus pecados e expor-se à humilhação pública, leva-a a unir-se a Jesus em plena confiança em sua misericórdia. Quem não é humilde, não confia, não se abandona, não se expõe, não conhece a misericórdia que, da parte de Deus, é o alimento do amor esponsal.

Maria de Betânia Ainda lembrados de que estamos lendo um texto do Moysés, se tomarmos a referência cruzada, veremos que Maria de Betânia, embora tenha em comum com a Pecadora, estar aos pés de Jesus, está “mais perto” do seguinte texto:  Nosso lugar é o da Pecadora e o de Maria de Betânia – aos pés Daquele que tanto nos amou e escolheu movido unicamente por sua imensa Misericórdia. Maria de Betânia estava, como sabemos, aos pés do Senhor e o escutava, enquanto Marta, sua irmã, se ocupava da faxina da casa. Se a Pecadora simboliza, em nossos Escritos, o reconhecimento  da própria pequenez e do próprio pecado; Maria de Betânia simboliza não só a oração, segundo a exegese tradicional, mas também aquela que se põe no lugar da esposa e expressa a  gratidão  àquele que a amou e escolheu movido 54

unicamente por sua imensa Misericórdia. Sabemos que os exegetas se dividem sobre estas duas mulheres. Para alguns, a Maria de Magdala, a pecadora de quem Jesus teria expulsado sete demônios, é a mesma Maria de Betânia, irmã de Lázaro. Para outros, são duas mulheres diferentes. Para nós, não faz diferença. O que importa neste texto são seus postulados básicos.   Para ter amor esponsal a Jesus, é preciso reconhecer-se pequeno e pecador e colocar-se arrependido a seus pés, no lugar da esposa humilde que deseja ser desposada.   Para ter amor esponsal a Jesus, é preciso ser cheio de gratidão por sua imensa misericórdia e, ainda uma vez, colocar-se a seus pés, no lugar da esposa humilde que deseja ser desposada.  Para ter amor esponsal a Jesus, é preciso orar, estar com Ele a sós, aos seus pés, oferecendo-lhe seu tempo e seu coração, como uma esposa apaixonada e humilde que deseja ser desposada.  Para ter amor esponsal a Jesus, é preciso confiar inteiramente em sua misericórdia e não em nós mesmos e esperar receber esta imensa graça aos seus pés, como uma esposa humilde que deseja ser desposada e que sabe ser a misericórdia o alimento do amor  esponsal no coração de Jesus, o Esposo. Reconhecimento e gratidão, dois dos segredos para o amor esponsal ensinados por  nosso fundador. E o segredo que ele revela juntamente com Bento XVI, o segredo dos segredos? Bem, este, quem o testemunha, pelo menos que se saiba, são dois homens da Bíblia.

Os dois homens O que foi testemunha deste fato, o atesta (e seu testemunho é digno de fé, e ele sabe que diz a verdade), a fim de que vós creiais. (Jo 19,35). João, o evangelista, é o homem que contemplou o segredo do amor da Trindade no traspassamento do peito de Jesus, o mesmo contra o qual havia encostado sua cabeça na noite anterior. Na contemplação deste traspassamento, conforme já comentamos, conheceu o relacionamento íntimo da Trindade em sua eterna kénosis de amor. João descobriu o segredo dos segredos do amor esponsal.  Introduz  Intr oduz aqui o teu dedo, e vê as minhas mãos. Põe a tua mão no meu lado. Não  sejas incrédulo, i ncrédulo, mas homem de fé. (Jo 20,27) O outro homem, naturalmente, foi Tomé. Temos, novamente, o contraste que atesta a misericórdia como alimento do amor esponsal no coração de Jesus: João, o discípulo amado, e Tomé, o incrédulo, o individualista, o intolerante, o teimoso. Este, aliás, ainda que pecador, teve acesso físico ainda mais profundo do que João, como a Pecadora,  possivel  possi velmente, mente, tenha ti tido do mai maiss que Mari Mariaa de Betânia, até esta ung ungiir Jesus para seu 55

sepultamento, em Jo 12. Dois homens, seis mulheres, três segredos para o amor esponsal: reconhecimento dos  próprios  própri os pecados, grati ratidão dão pel pelaa miseri misericórdi córdia, a, contempl contemplação ação das relações intratri ntratrini nitári tárias. as. Com qual dentre eles nos identificamos mais? Quem, dentre eles, poderá nos ajudar mais no céu?

56

CAPÍTULO XII

Quem não tem jeito Estes seis parágrafos da Parte II são tão ricos, que não se chega nunca ao fim. Deixeme falar-lhe, ainda, da “turminha” que acha que não tem jeito, que nunca vai viver este amor, que prefere desistir da vocação a vivê-la mal (cuidado, isso tem um cheirinho de orgulho...), que acha ter discernido errado sua vocação, que crê ter perdido todo o tempo investido, todo o esforço, toda a vida doada. Vejamos o que diz o fundador a estas pessoas:  É verdade. Você é incapaz de, por você próprio, ser fiel à voz de Deus que o chama (n. 7)   Sua realidade de incapacidade contrasta imensamente com o amor eterno  de Deus  por você (n. 8)  O amor de Deus é  paciente (n. 8)  A misericórdia de Deus se estende  ao longo de nossas vidas (n. 8)  A escolha de Deus é irrevogável (n. 8) Se formos comentar um pouco cada um desses itens, veremos que:   O erro de interpretação aqui diz respeito ao conceito de incapacidade. Ninguém, nem você nem nenhuma outra pessoa humana, é capaz de corresponder, por si mesmo ao amor de Deus. No entanto, Deus é incapaz de não nos amar e nos auxiliar de todas as formas para que nos unamos a Ele em amor.   Quanto mais incapaz você se vir, mais Deus se derramará sobre você em amor, misericórdia e auxílio. Quanto mais capaz você se considerar, menos Ele terá como socorrê-lo. O amor de Deus por você é eterno, imutável, nunca acabará. Jamais nada que você faça poderá acabar este amor eterno e perfeito. O amor dos homens arrefece diante do pecado do irmão. O de Deus inflama-se em misericórdia.   O Moysés fala muito da “Paciência Histórica”, da paciência de Deus inserida em nossa história. Mesmo antes de Bento XVI declarar que a paciência de Deus salvou o homem, nosso fundador já afirmava que Deus não desiste de nós. Ele é paciente. É “especialista” em paciência histórica e paciência para com os que acham que não têm eito. É muito capaz de esperar o tempo que for preciso para que você entenda que não tem de ser capaz de corresponder ao seu amor, mas, pelo contrário, tem que saber-se incapaz de fazê-lo. 57

 Parece somente mais uma expressão adverbial, mas este ao longo de nossas vidas faz toda a diferença, pois engloba, irrevogavelmente, da concepção à vida eterna. Não deixaremos de existir quando morrermos. Continuaremos a ser nós mesmos e, ainda aí, na eternidade, a misericórdia de Deus se estende sobre nós ao longo das nossas vidas, desde sempre e para sempre, para sempre, para sempre.  Ensina-nos a Palavra que os dons de Deus são irrevogáveis31 . A eleição de Deus  por alg alguém, uém, dando-l dando-lhe he uma vocação, é um dos mai maiores ores dons que podemos receber de suas mãos. Em bom português, isso significa que Deus em nenhuma hipótese desistirá de você, ainda que você o abandone, ainda que não o queira, ainda que o ofenda, ainda que o renegue, ainda que o traia. Ele, em sua paciência e amor eterno, não desistirá de você. Uma das coisas que mais impressiona a quem convive mais de perto com o Moysés é sua quase teimosia em não desistir das pessoas. No lugar dele, por exemplo, eu já teria desistido de mim mil vezes. Ele, porém, não desiste. Dir-se-ia que, ao acolher do Senhor  a graça do amor esponsal, acolheu, também, evidentemente, muitas das suas características. Ele realmente crê na escolha irrevogável de Deus pelas pessoas, por mais que estas “aprontem”. Ele, de fato, se entristece muitíssimo quando alguém, ainda que trabalhoso, “desiste”. Ele, de fato, fica aguardando a sua reintegração. A impressão que se tem é que, em seu entender, a irrevogável escolha de Deus é também sua escolha irrevogável e que, as características positivas ou menos positivas das pessoas são meros detalhes, cobertos pela misericórdia de Deus e facilmente corrigíveis por sua eterna  paciênci  paci ência. a. Crer que a eleição de Deus por nós é irrevogável, é essencial. Ainda que isso nos humilhe, ainda que quiséssemos corresponder com amor menos imperfeito, ainda que doa ao nosso orgulho a insistência do Amor Perfeito de Deus, crer que sua eleição é irrevogável, é absolutamente fundamental. Ainda que nos aconteçam coisas muito desagradáveis na vocação, a humildade pede que não apontemos os outros, mas a nós mesmos. No entanto, se ao apontarmos a nós mesmos, ainda assim verificarmos de forma objetiva as fraquezas dos irmãos, ou injustiças e julgamentos, cabe a nós confiarmos no amor perfeito de Deus e em sua escolha, eleição irrevogável  por   por nós. Nossa vocação é para sempre! O amor esponsal é  para sempre. Partilho com você uma reflexão bastante íntima, feita há algum tempo atrás, exatamente sobre esta eleição irrevogável de Deus que, longe de ser aprisionamento, é alegria e libertação. Pedro e Tomé acreditaram neste tipo de eleição, embora estivessem errados e viram, no fim, a vitória da misericórdia e que, afinal, “a paciência tudo alcança”. Paulo,Tiago e muitos outros, tiveram, também sua eleição provada e, também eles testemunharam a vitória da misericórdia e o “ciúme zeloso” de Deus por aqueles que Ele elege. Judas, não esperou, não acreditou ser eleito por esta escolha irrevogável: não usufruiu dela nem da misericórdia. Deixou-se levar por si mesmo e por seus próprios 58

 pensamentos, esqueci esquecido do de que o seu amor am or e o amor de todo homem é imperfeito. imperfeito. O de Deus, porém, é perfeito. Eis, abaixo, em forma de anotações, minha partilha, na esperança que o ajude:  Minha vocação não é minha. É de Deus.  Não me foi imposta. Nem por Deus, nem por ninguém. Foi-me pr proposta, oposta, ofer oferecida ecida ratuitamente, como um caminho.  Ela é a forma singular de vive viverr um carisma novo para este tempo da Igr Igreja. eja. Tem, ortanto, uma missão que me ultrapassa, uma missão eclesial, uma missão com o alcance da eternidade. O Senhor me elegeu para esta vocação e, como seus dons são irrevogáveis, não desistirá de mim. Preciso, como Teresa ensinou, ficar quieta e esperar. É preciso confiar e ter paciência.  Ela é um convite para que eu me entr entregue egue a mim mesma a Deus e pr propõe opõe uma maneira singular para que eu e meus irmãos vivamos esta entrega.  Esta maneira singular de seguir a Cristo não é invenção de homens, mas de Deus. Os Escritos, os Estatutos foram inspirados por Deus a um homem, mas não vêm de um homem e sim, do Espírito de Deus. O convite que o Senhor me fez inclui, necessariamente, a adesão de vida ao espírito do fundador expresso nos Estatutos, nos Escritos e na Tradição. Sou inteiramente livre ara aderir ou não a eles com minha vida e escolho a adesão incondicional. Sendo minha vocação coisa do céu, coisa de Deus e não de homens, é como coisa do céu, como coisa de Deus e não de homens que ela deverá ser vivida.  Não quer queroo vive viverr uma coisa do céu como se fosse coisa minha. Isso a desvirtuari desvirtuaria. a. Quero viver uma coisa do céu com os critérios do céu, que são os seus; não com os da terra, que são os meus.  Não quer queroo entender algo que partiu e, constantemente parte, da “mente” da Trindade como se partisse da minha. Quero entender e ler a vocação com a “mente” da Trindade, que é o Espírito Santo.  Não quero me utili utilizar zar de medidas humanas para medir o que é celeste. As coisas coi sas do céu se medem com as medidas do céu e recebem as recompensas do céu. As coisas da terra se medem com as medidas da terra e recebem as recompensas da terra. Se meço e vivo minha vocação com as medidas da terra, que vocação terei? Seria melhor chamá-la de ideologia ou idealismo. Estes, sim, são medidos conforme a terra. Se meço e vivo minha vocação com as medidas do céu, que bela, mas sofrida vocação terei!  As medidas medi das do céu são a fé absoluta, a esperança que não vaci vacila, la, a caridade cari dade a toda rova. 59

 As medidas da terra são as que invento e partem da pouca fé, pouca esperança, ouca caridade ou ignorância de que a vocação vem do céu e é irrevogável. Daí a dificuldade em obedecer, em ser pobre, em ser casto.  Realmente, posso encarar minha vocação como coisa da terra ou como coisa do céu. Como coisa da cabeça de homens ou da “mente” da Trindade. Como coisa a ser  ulgada com os critérios do céu ou segundo as medidas da terra. Isso fará toda a diferença.

60

PARTE III

SANTOS SANTOS E MÁR M ÁRTIRES TIRES

61

CAPÍTULO XIII

Tudo! Um coração inflamado por este amor, tudo realiza, a tudo se dispõe . Na intensidade característica do espírito do nosso fundador, não é de estranharmos a repetição da  palavra  pal avra “tudo”. Um levantamento do vocabul vocabulári árioo de seus escrit escritos os dar-nos-i dar-nos-iaa uma noção interessante deste coração intensamente apaixonado por Deus. Enquanto, os mais qualificados não procedem a mais este “dever de casa” para nossos filhos “doutos”, deliciemo-nos com a intensidade do amor expresso no parágrafo 11. 11. Um coração inflamado por este amor tudo realiza, a tudo se dispõe. Inflamados or este imenso amor os santos caminharam, os mártires entregaram suas vidas e também nós desejamos prosseguir. Nosso alvo é a santidade, não por presunção, mas or vocação, pois todos os homens a isto são chamados. Queremos ser santos não por  nossos méritos, mas confiando inteiramente na graça de Deus. Queremos ser santos não para nós próprios, mas para Deus. Queremos ser santos porque sabemos que a  santidade é a veste nupcial que nos permiti permitirá rá entrar para celebrarmos nossas bodas com o Cordeiro. Ansiamos pela santidade e faremos de tudo instrumento para este fim, orque sabemos que Aquele que nos ama e que é amado por nossos corações anseia or isto muito mais que nós! O Amor Esponsal é meio e fim para a santidade. Inflamado! Coração inflamado! Sede das decisões mais profundas do homem 32, inflamado! Irrequieto. Incontido. Incontrolado. Incontrolável. Indomável. Apressado. Ardente. Ardoroso. Amoroso. Corajoso. Disposto a tudo. Determinado. Decidido. Consciente do que deseja. Centrado no Esposo. Inflamado. Em chamas. Que solta fagulhas. Capaz de queimar. Capaz de iluminar. Capaz de consumir. Capaz de soltar centelhas. Capaz de incendiar. Imenso. Perfeito. Fascinador. Fascinante. Transformador. Transformante. Avassalador. Purificador. Santificador. Santificante. Os dois parágrafos acima trazem algumas das características do fogo do amor  esponsal, iniciado e mantido pelo Inflamador das Almas, o Espírito Santo. O parágrafo 11 descreve os efeitos deste fogo em uma pessoa: Um coração inflamado por este amor tudo realiza, a tudo se dispõe. Eis a radicalidade absoluta, a medida de entrega provocada por este amor que inflama o coração do Esposo em sua unidade com o homem e com a Trindade. A palavra é tudo: a tudo se dispõe. Tanto à vida quanto à morte, tanto à tristeza quanto à alegria, tanto ao sofrimento quanto ao gozo. Tudo  realiza: mesmo o que não sabe, mesmo o que não pode, mesmo o que não 62

conseguiria humanamente. É absolutamente espantoso o nível de radicalidade, de exigência, de força, de poder divino deste amor. Os dois tudo desta frase, complementados por realiza e dispõe, são espantosamente coerentes e complementares dos parágrafos 5 e 6 quando dizem: as mais fracas, as mais  pecadoras, os vasos de argi argilla, os menores, os mais fracos, os mai maiss pecadores, miseráveis, até, sem nenhum mérito. Que terrível decepção teríamos se, depois de nos convencermos de que, de fato, somos os menores, nos víssemos capazes de fazer  alguma coisa! Que decepção ter suplicado ao Espírito de Verdade a graça da humildade  para alguns alguns parágrafos, depois nos vermos cheios de nós mesmos!  Nada di disso! sso! O tex texto to é absol absolutamente utamente coerente em sua lóg ógiica: estes mai maiss fracos e mais miseráveis têm seu diferencial em seu coração inflamado de amor. Como seu Esposo, enfim, que em sua kénosis se fez fraco em tudo, exceto no pecado, realizou a salvação  porque seu coração estava uni unido do ao do Pa Paii, infl nflamado amado do amor de kénosi kénosiss incondi ncondicio cional nal que vive a Trindade. Sim, somos os mais miseráveis, mas nosso coração, inflamado de amor esponsal que queima as fibras do nosso teimoso orgulho, tudo realiza, a tudo se dispõe. Especialmente o que está muito acima dele, especialmente aquilo de que é incapaz. Vem-me à memória, novamente, a visão do final dos anos 1970, começo dos 80, do rapazinho magrelo a tocar sua flauta. A obra, que o personagem nem se interessava muito em observar, jazia em ruínas por toda parte. Seu coração, porém, pertencia a outro mundo e ele tocava em constante louvor, tocava, tocava 33  e tudo o que lhe teria sido impossível mudar, mudava.  Nada somos. Nada podemos. Cremos, porém, na Primazi Primaziaa da Graça. Cremos que o Inflamador das Almas inflama nosso coração e o seu poder amoroso tudo realiza em um coração que a tudo se dispõe. Para entendermos melhor, o Moysés dá exemplos claros dos santos e dos mártires:  Inflamados por este imenso amor os santos caminharam, os mártires entr entregaram egaram  suas vidas. vi das. Recebemos, como dom constitutivo do nosso carisma, o amor esponsal. O mesmo amor que forjou santos e mártires! Nosso fundador não fala de mestres e doutores, de apóstolos e profetas, como talvez fosse de se esperar se estivesse inspirado em Coríntios ou Efésios. 34  Fala de santos e mártires. Sem desprezar aqueles, deixa claro nosso chamado para sermos como estes, forjados pelas chamas do amor esponsal. A seguir, não deixa por menos: (...) também nós desejamos prosseguir. Nosso alvo é a santidade, não por presunção, mas por vocação, pois todos os homens a isto são chamados. Também nós desejamos prosseguir rumo à santidade inflamados de Amor Esponsal. ossa meta é a santidade. Mas o que é a santidade para imperfeitos como nós? O que 63

significa santidade para nós, que, por definição, somos os piores, os mais pecadores?

Santidade dos piores Para os piores, para aqueles, como nós - que têm como fato constitutivo do nosso carisma sermos os menores e miseráveis, os vasos de argila - a santidade fundamentada no amor esponsal, que é o cerne de nossa vocação e de nossa espiritualidade, são: o reconhecimento de quem nós somos e de quem Deus é e a absoluta confiança em sua misericórdia, doada à humanidade pela Trindade através da contemplação do coração aberto de Jesus. Segundo os místicos, como São João da Cruz e Santa Teresa de Jesus, a alma esposa se santifica pelo poder do Espírito que a queima como um fogo e que a aperfeiçoa queimando-a em um amor cada vez mais purificado e esquecido de si e, por este amor  esponsal – e não por natureza – unindo ela ao Esposo. É o amor esponsal que, unindo cada vez mais perfeitamente a alma esposa ao Esposo, santifica-a, fazendo-a uma com Ele.  Não há, portanto, na espi espiri ritual tualiidade do amor esponsal esponsal,, lug ugar ar para moral moraliismos do ti tipo po “ser perfeito”, no sentido de “não ter imperfeições”, ou “não pecar”. Se não há lugar   para esta hi hipocri pocrisi siaa ou presunção na espi espirit ritual ualiidade do amor esponsal em geral, mui muito to menos haverá para almas esposas da vocação Shalom. Para nós, santidade é reconhecimento de nosso pecado, mergulho na misericórdia, união com o amor trinitário através do Esposo, cujo lado aberto nos dá acesso a seus segredos relacionais de kénosis e imensa gratidão por nos ter elevado, de tão miseráveis, a eleição tão alta. Daí a coerência da frase:  Inflamados por este imenso amor (... (...)) nós desejamos rosseguir. Nosso alvo é a santidade. Isso é: nosso objetivo é nos unirmos e nos entregarmos, por amor confiante e entregue, ao nosso Esposo misericordioso de forma incondicional e, por Ele, por sua ação, sermos feitos com Ele um só, uma vez que só Ele é santo. A coerência continua em seu complemento: não por presunção, mas por vocação. ossa vocação tem por cerne o amor esponsal a Jesus Cristo. Este amor nos inflama, une-nos ao Esposo e assim nos santifica. Ao amarmos incondicional e ardentemente o Esposo, somos santificados por Ele, por vocação; não por nossos méritos, não por nós mesmos – o que seria presunção, mas por vocação, isto é, pelo amor esponsal, que é meio de santificação e, em seu ápice, a própria santificação. A este ponto, tenho de fazer uma confissão aos meus irmãos. Ainda sem entender a  profundidade  profundi dade deste Escri Escrito to (vamos levar décadas para entendê-l entendê-la) a) e temendo uma má interpretação, sugerimos ao Moysés acrescentar a frase: “pois todos os homens a isto são chamados”. Hoje, vemos que a frase não somente é desnecessária, como “enfraquece” o que o fundador deseja dizer. Não somos chamados à santidade porque todos os homens o são, mas sim porque, tendo uma vocação de cuja identidade o amor esponsal é 64

constitutivo, somos pela própria identidade de nosso carisma, chamados à santidade que resulta do amor esponsal e é a sua plenitude. Assim, nossa santidade jamais poderia advir  de nós próprios ou de nossos méritos, isto é, por presunção – somos os menores, os  piores,  pi ores, os miserávei miseráveis, s, por identi dentidade dade vocaci vocacional onal!! Nossa santi santidade, dade, baseada na vi vivênci vênciaa do amor esponsal, só pode advir do Esposo, cujo amor esponsal por nós é inflamado  pelaa mi  pel miseri sericórdi córdiaa e que nos santi santifi fica ca por fid fideli elidade dade a si mesmo m esmo e à vocação à qual nos chamou. O Moysés me daria um imenso presente se retirasse este aposto da frase original, que ficaria, então:  Nosso alvo é a santidade, não por presunção, mas por vocação. A frase seguinte sintetiza o que dissemos acima sobre a santidade para quem tem o amor esponsal como cerne da espiritualidade, e item constitutivo da identidade do carisma: Queremos ser santos não por nossos méritos, mas confiando inteiramente na graça de Deus.  Não por nossos mérito méritos, s, porque isso seri seriaa impossível para quem é o pi pior or e o mais  pecador,, mas  pecador ma s confiando na Graça, na misericórdi misericórdiaa de Deus, no Esposo.

Uma surpresa A seguir, uma boa surpresa. Uma bela surpresa. Algo em que a grande maioria das  pessoas jamais pensa: Queremos ser santos não para nós próprios, mas para Deus. Com sinceridade, você já havia pensado nisso antes de ler esta frase? A razão para eu querer ser santo, não sou eu mesmo, mas Deus! Não é óbvio? Não é incrível que não  pensemos sempre exatamente assim? Muitas vezes, queremos ser santos para nós próprios. Para sermos felizes, para irmos  para o céu, para sermos importantes, para vermos a Deus, para conhecermos Jesus, para vermos a Trindade, para vermos Maria, para darmos uma ajuda aos que ficaram por  aqui. Tantas coisas! Mas todas, infelizmente, centradas em nós próprios. É coerência profunda com a humildade da alma esposa, descrita aqui, que jamais  passe pel pelaa cabeça de um “Shalo “Shalomit mita”, a”, sequer a possi possibi billidade, de querer ser santo – ou querer qualquer outra coisa que seja! – para si mesmo. Tudo é de Deus, tudo é para Deus, tudo vem de Deus, tudo vai para Deus, eu sou de Deus, meu desejo de santidade, como tudo o mais, não é para mim, mas para Deus! Em sua última visita ao Brasil, João Paulo II, disse que nosso país precisava de santos. Será que temos tão poucos ou somos tão poucos porque ainda não entendemos que só se é verdadeiramente santo quando se é santo para Deus? Para a sua Glória? Para a sua exaltação, para o seu louvor? Quanta coerência, igualmente, entre esta afirmação e a precedente: não por presunção, 65

mas por vocação, por chamado de Deus, para Deus! Que o Esposo nos ajude!

66

CAPÍTULO XIV

As Bodas Bodas com co m o Cordeiro Cordeiro Somos almas esposas, cujo maior desejo é alegrar o Esposo. Por isso, para Ele, para alegrá-lo e glorificá-lo, para vivermos a plenitude da salvação que é o Shalom, queremos ser santos. Ansiamos pelas bodas definitivas que acontecerão no céu. O texto abaixo é um dos três ou quatro, em todos Escritos que temos até hoje, nos quais o Moysés utiliza uma referência escatológica clara35: Queremos ser santos porque sabemos que a santidade é a veste nupcial que nos ermitirá entrar para celebrarmos nossas bodas com o Cordeiro.  Nossa exp experiênci eriênciaa fundante, como cari carisma, sma, em termos de P alav alavra, ra, é com o Ressuscitado que passou pela cruz, segundo Jo 20,19. Nesta passagem encontra-se o tripé da vocação, a comunicação da paz, sua missão na Igreja e no mundo, o amor  esponsal, a “obra nova”, a parresia. Talvez ainda precisemos compreender que o Ressuscitado que passou pela cruz é o mesmo Cordeiro que desposará as almas esposas no céu. A referência escatológica remete-nos a um novo encontro, pelo qual precisamos ansiar.

Quem é o Cordeiro Quem é este Cordeiro, com quem celebraremos nossas bodas no céu? Quem é este Esposo para quem queremos ser santos, não por presunção, mas por vocação? Como é o Esposo a quem devemos, como esposa, unir-nos pela semelhança de amor? Como é este Esposo a quem devemos amar e nos entregar incondicionalmente?  Na Pa Pallavra há inúmeras referências ao cordei cordeiro ro como prefig prefiguração uração de Jesus em sua Paixão e sacrifício na cruz e algumas claras referências a Jesus como o Cordeiro de Deus. O Antigo Testamento fala do cordeiro sem defeito, macho, de um ano, a ser ofertado em sacrifício na passagem (Páscoa) dos judeus 36, em sua saída do Egito. Isaías e Jeremias37  referem-se, profeticamente, ao Cordeiro a ser oferecido em sacrifício pela nossa passagem do pecado e da morte para a salvação e a vida. Falam do manso cordeiro levado ao matadouro sem fazer ruído e profetizam o tempo de paz messiânica –  Shalom – quando o “lobo e o cordeiro habitarão e pastarão juntos”.  Na Bíbl Bíbliia, a fi figu gura ra a que se refere como o esposo por excel excelênci ênciaa do Cordei Cordeiro, ro, é, sem nenhuma dúvida, João Batista. Não somente nós, como outros irmãos, temos um sentimento ainda um pouco difuso, mas real, de que há uma ligação profunda e profética 67

entre nosso carisma e a vocação de João Batista.

O Cordeiro e o Precursor  Este foi o testemunho de João, quando os judeus lhe enviaram de Jerusalém  sacerdotes  sacer dotes e levitas para per perguntar-lhe: guntar-lhe: “Quem és tu?” Ele fez esta declaração que confirmou sem hesitar: “Eu não sou o Cristo” – “Pois, então, quem és?”, erguntaram-lhe eles. “És tu Elias?” Disse ele: “Não o sou.” – “És tu o profeta?” Ele respondeu: “Não.” Perguntaram-lhe de novo: “Dize-nos, afinal, quem és, para que ossamos dar uma resposta aos que nos enviara. Que dizes de ti mesmo?” Ele respondeu: “Eu sou a voz que clama no deserto: Endireitai o caminho do Senhor, como disse o profeta Isaías” (40,3). Alguns dos emissários eram fariseus. Continuaram a erguntar-lhe: “Como, pois, batizas, se tu não és o Cristo, nem Elias, nem o rofeta?”João respondeu: “Eu batizo com água, mas no meio de vós está quem vós não conheceis. Esse é quem vem depois de mim; e eu não sou digno de lhe desatar a correia do calçado.” (...)  No dia seguinte, João vi viuu Jesus que vinha a ele e disse: “Eis o Cor Cordeiro deiro de Deus, que tira o pecado do mundo. É este de quem eu disse: Depois de mim virá um homem, que me é superior, porque existe antes de mim. Eu não o conhecia, mas, se vim batizar  em água, é para que ele se torne conhecido em Israel.” (João havia declarado: “Vi o  Espírito descer do céu em forma de uma pomba e repousar sobr sobree ele.”) Eu não o conhecia, mas aquele que me mandou batizar em água disse-me: ‘Sobre quem vires descer e repousar o Espírito, este é quem batiza no Espírito Santo’. Eu o vi e dou testemunho de que ele é o Filho de Deus.38 João Batista é a figura acabada da alma esposa do Cordeiro, que somos chamados a ser. De seu comportamento e palavras, podemos retirar ensinamentos para nós sobre como seria a santidade da alma esposa que tem prontas as vestes nupciais para celebrar  suas bodas com o Cordeiro. Por um lado, é, para nós, testemunha de alma esposa. Por  outro, as coincidências entre nossa identidade e missão e a dele são impressionantes!   João Batista é chamado para preparar o caminho para o Senhor. Também nós, somos chamados a, pela pregação e testemunho, preparar o caminho pelo qual o Senhor  atingirá e transformará os corações.   É pela graça da misericórdia de Deus que João Batista, como nós, é transformado  peloo Esposo e, posteri  pel posteriormente, ormente, o anunci anunciaa a todos os que o buscam, mesmo sem o saber.  João Batista, como nós, é chamado a anunciar aquele que dirigirá nossos passos no caminho da paz. 39   João Batista conhece muito claramente quem ele é e qual a sua missão. Também nós, pelos Escritos, Estatutos, Tradição, história e espírito do fundador, podemos saber   bem claramente quem nós somos e qual nossa missão, missão, sempre encai encaixxada na vocação que 68

o Senhor nos deu, pois ela é nossa identidade mais profunda.   João Batista acolhe sua missão com alegria e humildade, encaixado naquilo que Deus o criou para ser, em sua vocação pessoal e única, com humildade, sem inquietações, com tranquilidade, em paz.  João Batista é capaz de perceber, acolher e dizer, segundo as características da alma esposa de nossa vocação, quem é Deus e quem é ele (Eu batizo com água, mas no meio de vós está quem vós não conheceis (...) e eu não sou digno de lhe desatar a correia do calçado). Mais tarde, diria: Convém que ele cresça e eu desapareça. Não caberia bem em sua boca o “somos os menores”?   João é, certamente, um homem de oração, que reconhece o Cordeiro (que,  provavelmente  provavel mente não vi viaa desde sua infânci nfância, a, poi pois, s, seg segundo undo a tradi tradição, ção, recol recolheu-se heu-se ai ainda nda criança ao deserto para viver na penitência e oração) e o aponta sem hesitação: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo. É este de quem eu disse: Depois de mim virá um homem, que me é superior, porque existe antes de mim. Eu não o conhecia, mas, se vim batizar em água, e para que ele se torne conhecido em Israel.”  João aceitou o desafio do deserto. Silêncio, solidão, contemplação, intimidade com a Trindade, intercessão para que se aplaine o caminho do Senhor. Durante trinta e três anos, viveu a espera do Esposo, o silêncio expectante daquele que era o sentido de sua vida, aquele para quem vivia. Ele conheceu muito bem a importância da intercessão e sacrifício para aplainar os caminhos do Senhor 40 aos quais também somos chamados.  Como sabemos, pelos textos acima e por toda a vida do Batista, sua evangelização era absolutamente explícita e, por ela e por sua vida, preparava os caminhos do Senhor.   Sabemos, também, que, em seu anúncio radical da verdade, não tinha medo de ninguém e enfrentou o poder tirânico de Herodes e Herodíades, o que lhe viria a causar a morte. Como alma esposa, estava disposto a dar tudo, até a vida, por amor ao Esposo e à sua missão de doar o Shalom, a salvação plena, à humanidade. Neste tempo em que estamos penetrando em terras adversas ao cristianismo, sabemos o quanto teremos de vencer o medo por amor a nosso Esposo. O quanto teremos que, muitas vezes, clamar  no deserto sem que ninguém nos ouça e como parecerá, muitas vezes, inútil nossa  pregação.  preg ação. Sabemos que poderemos encontrar Herodíades sob vári vários os di disfarces. sfarces. A alma esposa, como João, ainda que não veja fruto em seu apostolado, ainda que saiba sua vida estar em perigo, jamais abandonará aquele a quem entregou sua vida.   A Palavra refere-se a João como “Lâmpada”: “Ele era uma lâmpada ardente”, consciente de que deveria desaparecer na vinda do Sol. 41   João Batista, como nós, é chamado a ajudar a preparar um povo novo, povo favorável e aberto à vinda do Senhor: Qualquer um que deve crer no Cristo Jesus necessita, antes, que o espírito e a virtude de João venham em sua alma e preparem ara o Senhor um povo perfeito (...)Até hoje, o espírito e a virtude de João precedem o dvento do Senhor Salvador”42 69

 Este homem de oração e de intimidade profunda com a Trindade – que ele teve o  privi  pri villégi égioo de ver mani manifestar-se festar-se – conseg consegui uiaa entender Jesus Cri Cristo sto em sua “real “realid idade ade de vida e de relação trinitárias” e não como um deus isolado que visita a terra. Este homem de oração profunda era íntimo do Pai, que lhe falou do Espírito e, com o Pai e o Espírito, aguardava, na pregação ousada, na parresia, no silêncio do deserto, na  penitênci  peni tênciaa e oração, a mani manifestação festação do Cordei Cordeiro. ro. Cordei Cordeiro ro de Deus. Era este o nome  peloo qual chamava  pel chama va o Esposo! Havi Haviaa entendi entendido do que el elee havi havia-se a-se encarnado com vi vistas stas ao ao sacrifício da cruz, que esta era a razão de sua vinda: a salvação plena da humanidade, a ser elevada à ressurreição para a eternidade.   A razão da vida de João é o Esposo. Esta deve ser também a nossa. Sua vida é ura referência a Jesus. Não tem outra razão de existir. Assim como Maria só existe ara ser a mãe de Deus, João vive para ser seu precursor. Ele existe para Ele, em vista dele, por causa dele e por Ele. O único objetivo de sua existência: preparar um povo que o acolha!43 Quanto haveria, ainda, a dizer das semelhanças entre o esposo do Cordeiro e nós, sua missão e a nossa, vinte e um séculos depois, quando, em sua misericórdia, o Senhor  suscita uma vocação de almas esposas para endireitarem seus caminhos e prepararem um  povo novo pel peloo anúnci anúncioo ex expl plíci ícito to e audacio audacioso, so, pel pelaa doação total de vi vida, da, por um amor  ardente, apaixonado e sedento de santidade em busca da veste nupcial que dará entrada  para as bodas tão esperadas! No entanto, este não é nosso assunto aqui aqui.. P or enquanto,  basta que sai saibamos bamos o bási básico co sobre João Batis Batista, ta, model modeloo de alma esposa, aquel aquelee que apontou sem titubear o Cordeiro que, em seu coração, já conhecia tão bem:  Eis o Cordeiro! Eis o Esposo! Eis Ei s Aquele que tira o pecado do mundo! Segui-O! Segui -O!

O que tira o pecado do mundo Somos chamados a ser almas esposas daquele que tira o pecado do mundo. Quando lemos, no Histórico da Obra 44, que somos chamados a lutar contra o pecado – nosso e do mundo – e vemos este tema repetir-se em Obra Nova e Shalom, percebemos o quanto devemos, como esposas, amar e contemplar este Cordeiro que tira o pecado do mundo pelo sacrifício de si próprio. Se somos chamados a ser almas esposas deste Cordeiro, precisamos valorizar, em nossa espiritualidade, o chamado ao sacrifício de nós  próprios,  própri os, a fim de nos unirmos ao sacrifício sacrifício do Cordei Cordeiro. ro. Foi pelo pelo sacrifício sacrifício de si que Ele tirou o pecado do mundo. Será, igualmente, pelo sacrifício de nós mesmos (nos atos de caridade e humildade do dia a dia, nas renúncias por amor) que participaremos de seu sacrifício que tira o pecado do mundo, naquilo que pertence à Igreja, sua esposa, completar o que faltou à sua cruz e, sendo nós almas esposas por vocação, pertence especialmente a nós complementar. Conhecemos bem Jesus, o Filho do Deus Vivo, o Verbo Encarnado. Conhecemos, oramos e contemplamos a Ele como Ressuscitado que passou pela cruz. Porém, 70

enquanto não mergulharmos, como João Batista, no mistério do Cordeiro vitorioso, enquanto não o contemplarmos como João Evangelista, faltar-nos-á a dimensão escatológica dos esponsais eternos com Ele. Quando percebi este fato, comecei a orar mais frequentemente contemplando o Cordeiro. Os frutos mais imediatos foram o crescimento da sede de santidade e desejo de céu que, hoje em dia, andam tão desvanecidos, mesmo no meio de nós. Contemplar o Cordeiro (sacrificado-ressuscitado-glorificado por amor) em sua morada celeste restaura em nós o entendimento do nosso chamado, de nossa missão, do nosso destino e do imenso amor da Trindade por este Cordeiro, imolado e glorioso, e por nós, suas esposas. É uma experiência importantíssima para o entendimento do amor esponsal e sua vivência.

A Eucaristia O Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo, mergulha-nos no mistério da Eucaristia, na qual o Cordeiro é oferecido e se oferece em ação de graças, e na qual, com o Esposo as almas esposas se fazem vítimas de holocausto, desposando-o em seu sacrifício oferecido pela humanidade. Também na Eucaristia, as almas esposas permitem que o Esposo lhes prepare sua veste nupcial que permitirá sua entrada no Banquete das Bodas, enquanto o desposam misticamente através da Santa Comunhão. Cada Eucaristia, para as almas esposas, é uma boda antecipada que prepara e prefigura a unidade plena de amor por pura misericórdia, a ser celebrada no céu e, ao mesmo tempo, já celebrada no céu e na terra.

Cordeiro, o Esposo do Apocalipse Embora Paulo e Pedro, em suas cartas, falem-nos ainda do nosso Esposo como Cordeiro imolado, as referências mais preciosas para que o conheçamos melhor estão em Apocalipse, o livro das bodas das almas esposas:  Eu vi também na mão direita do que estava assentado no trono, um livro escrito or dentro e por fora, selado com sete selos. Vi então um anjo vigoroso, que clamava em alta voz: “Quem é digno de abrir o livro e desatar os seus selos?” Mas ninguém, nem no céu, nem na terra, nem debaixo da terra, podia abrir o livro ou examiná-lo. Eu chorava muito porque ninguém fora achado digno de abrir o livro e examiná-lo. Então um dos Anciãos me falou: “Não chores! O leão da tribo de Judá, o descendente de  Davi, achou meio mei o de abrir o livro e os sete selos.” Eu vi no meio mei o do trono, dos quatro animais e no meio dos Anciãos um Cordeiro de pé, como que imolado. Tinha sete chifres e sete olhos (que são os sete espíritos de Deus enviados por toda a terra). Veio e recebeu o livro da mão direita do que se assentava no trono. Quando recebeu o livro, os quatro animais e os vinte e quatro anciãos prostraram-se diante do Cordeiro, tendo cada um uma cítara e taças de ouro cheias de perfume (que são as orações dos santos). 71

Cantavam um cântico novo, dizendo: “Tu és digno de receber o livro e de abrir-lhe os  selos, por porque que foste imolado e resgataste para Deus, ao preço de teu sangue, homens de toda tribo, língua, povo e raça; e dele fizeste para nosso Deus um reino de sacerdotes que reinam sobre a terra.”  Na minha mi nha visão vi são ouvi também ao redor do tr trono, ono, dos animais ani mais e dos anciãos, a voz de muitos anjos em número de miríades de miríades e de milhares de milhares, bradando em alta voz: “Digno é o Cordeiro imolado de receber o poder, a riqueza, a sabedoria, a força, a glória, a honra e o louvor.” E todas as criaturas que estão no céu, na terra, debaixo da terra e no mar, e tudo que contêm, eu as ouvi clamar: “Aquele que se assenta no trono e ao Cordeiro, louvor, honra, glória e poder pelos séculos dos  séculos.” E os quatr quatroo animai animaiss dizi diziam; am; “Amém!” Os anciãos pr prostravam-se ostravam-se e adoravam.45 Este texto tem muito a nos ensinar sobre o nosso Esposo. Somos chamados a ser  almas esposas do Ressuscitado que passou pela cruz, como sabemos. Porém, quando o Escrito nos remete ao Cordeiro, apontam para nós as Escrituras como fonte da glória inimaginável que este Ressuscitado goza no céu. Nossas bodas serão celebradas com este Cordeiro glorioso, este Rei que, por fim, glorificará também sua Esposa, a Igreja e, nela, todos nós. Ao falar do Cordeiro, o Apocalipse mostra aos seus pés, em reconhecimento de sua glória, todos os anjos e santos, a cantar “Digno!”, como tantas vezes cantamos, sem nos apercebermos que é ao Esposo-Cordeiro que o fazemos. Os anjos e santos fazem companhia a nós, a Maria de Betânia, à Pecadora! Este Cordeiro recebe do Pai – aquele que está assentado no trono – todo poder, toda riqueza, toda a sabedoria, a força, a glória, a honra e o louvor de que se havia esvaziado na Encarnação e na cruz. O Apocalipse, em trechos semelhantes a este, abre uma janela  pelaa qual entrevemos a glóri  pel glóriaa do Ressuscitado no céu e os esposais do Cordeiro Cordeiro conosco. Em 1981, tempo em que Deus nos dava graças especiais em vista ao início da Obra, o Senhor me deu, durante uma adoração da qual participavam o Moysés e alguns dos  primeiros,  pri meiros, a seg segui uinte nte vi visão, são, bastante pri primit mitiv iva, a, mas si siggni nifi ficati cativa va para todos nós: O Ostensório, com a Eucaristia, exposto para a adoração; uma cruz de ouro (De ouro, Senhor? Perguntei e Ele disse: “Sim, provada pelo fogo”), uma espada de fogo, uma chave antiga e do tipo rebordada, como a de São Pedro diante de sua Basílica (que eu amais havia visto) e um pequeno livro de prata, revestido de pedras preciosas, echado. Na época, o discernimento sobre a visão foi pessoal. Hoje, vinte e cinco anos depois, vê-se que em cada figura há uma alusão ao Cordeiro e à sua Esposa, a Igreja. O Capítulo 6, do Apocalipse, retrata os que não estão preparados para as bodas e  pedem aos montes e aos rochedos: Caí sobre nós e escondei-nos da face daquele que está sentado no trono e da ira do Cordeiro, porque chegou o grande dia da sua ira, e quem poderá subsistir?  Esta passagem nos lembra o julgamento a ser feito segundo o amor com que amamos a Deus e aos nossos irmãos. Haveria almas eleitas entre os não 72

 preparados? Haveria escolhi escolhidos? dos? Vamos a outra passagem importante para conhecermos melhor aquele com quem estamos nos preparando para celebrar as Bodas:  Depois disso, vi uma grande multidão que ninguém podia contar contar,, de toda nação, tribo, povo e língua: conservavam-se de pé diante do trono e diante do Cordeiro, de vestes brancas e palmas na mão, e bradavam em alta voz: “A salvação é obra de nosso  Deus, que está assentado no tr trono, ono, e do Cor Cordeiro.” deiro.” E todos os anjos estavam e stavam ao redor  do trono, dos anciãos e dos quatro animais; prostravam-se de face em terra diante do trono e adoravam a Deus, dizendo: “Amém, louvor, glória, sabedoria, ação de graças, honra, poder e força ao nosso Deus pelos séculos dos séculos! Amém! (...) Estes são os  sobrevive  sobr eviventes ntes da grande tribulação; lavaram as suas vestes e as alvejaram no sangue do Cordeiro. (...) Aquele que está sentado no trono os abrigará em sua tenda. Já não terão fome, nem sede, nem o sol ou calor algum os abrasará, porque o Cordeiro, que está no meio do trono, será o seu pastor e os levará às fontes das águas vivas; e Deus enxugará toda lágrima de seus olhos”46 . Seremos abrigados na tenda do Senhor. Não teremos fome nem sede, não seremos abrasados pelo calor, o Cordeiro será nosso pastor e nos levará às fontes de água viva e Ele mesmo enxugará toda lágrima de nossos olhos. Estaremos prontos, com nossas vestes e palmas, para os esposais. Não precisaremos mais de luz para nos iluminar,  porque El Elee será a nossa lu luz, z, veremos sua face e seu nome estará em nossas frontes47.Teremos vencido não por nossos méritos, mas por causa do Cordeiro 48 e nosso nome estará escrito no livro da vida do Cordeiro 49. Então, ouviremos com os que estavam com as vestes nupciais: (...) como que um imenso coro que cantava: “Aleluia! A nosso Deus a salvação, a lória e o poder, porque os seus juízos são verdadeiros e justos. Ele executou a grande rostituta, que corrompia a terra com a sua prostituição, e pediu-lhe contas do sangue dos seus servos”. Depois, recomeçaram: Aleluia! Sua fumaça sobe pelos séculos dos  séculos.” Então, os vinte e quatr quatroo anciãos e os quatr quatroo animai animaiss pr prostraram-se ostraram-se e adoraram a Deus que se assenta no trono, dizendo: “Amém! Aleluia!”  Do trono saiu uma voz que dizia: di zia: “Cantai ao nosso Deus, vós todos, seus servos que o temeis, pequenos e grandes”. Nisso ouvi como que um imenso coro, sonoro como o ruído de grandes águas e como o ribombar de possantes trovões, que cantava: “Aleluia! Eis que reina o Senhor, nosso Deus, o Dominador! Alegremo-nos e exultemos e demos-lhe glória, porque se aproximam as núpcias do Cordeiro, sua esposa está reparada. Foi-lhe dado revestir-se de linho puríssimo e resplandecente.” (...)  Ele me diz, então: “Escr “Escreve: eve: Felizes os convidados para a ceia das núpcias do Cordeiro”50 . Fizemos questão de copiar os textos mais importantes do Apocalipse porque, ao nosso ver, falta-nos a visão do céu. Mesmo quando falamos do Esposo, do Ressuscitado que 73

 passou pela cruz, raramente nos lembramos de que Ele é o Cordeiro, imol imolado ado e glori orioso, oso, com quem vamos contrair núpcias para gozar eternamente de seu amor sem nenhuma sombra dos males desta terra. Que o Santo Espírito nos convença que, chamados à santidade, somos chamados ao céu, para onde devem voltar-se nossos olhares e corações. Falta-nos, por vezes, o entendimento da glória a que somos chamados e a santidade que nos espera, não por nossos méritos, mas pela misericórdia que escolheu os piores  para santificar santificar com seu amor e sua imolação imolação por nós. Deus nos dê a graça de entendermos o valor da cruz de Cristo e do Cordeiro! Deus nos dê a graça de ansiarmos pela santidade. Que ela não seja uma consequência que Deus “tem por obrigação” nos dar – por que, então, não a receberemos – mas uma constante ânsia e súplica do nosso coração de mais fraco, de mais pecador, de miserável. Que o Senhor nos leve a perceber que ela não é uma vivência “como aqui na terra”, mas imensamente superior e mais feliz, infinitamente mais alta, pura e bela, iluminada pelo “Sol da nossa alma” 51, o enxugador de nossas lágrimas, nossa alegria eterna.

74

CAPÍTULO XV

Meio e fim Amor Esponsal e anseio pela santidade  Ansiamos pela santidade e far faremos emos de tudo instrumento para este fim, por porque que  sabemos que Aquele que nos ama e que é amado por nossos corações anseia por isto muito mais que nós! O Amor Esponsal é meio e fim para a santidade. Poderíamos dizer que todo o parágrafo 11 é dedicado ao céu e à santidade. Ambos os assuntos não estavam nada em moda no início dos anos 80, no Brasil, quando o Moysés o escreveu. Indiferente às correntes de pensamento da época, o parágrafo é uma exaltação da santidade e do anseio pelo céu que traz traços de originalidade característicos de nossa vocação, uma vez que o maior desejo da alma esposa é unir-se completa e eternamente ao Esposo, o Cordeiro. Santidade e céu. Dois assuntos que, novamente, estão fora de moda, no início deste século XXI. Duas razões pelas quais, na ânsia de unir-se ao Cordeiro, nós, as almas inflamadas de amor esponsal, deveremos estar mais e mais dispostas a tudo realizar por  amor ao amado, para deixarmo-nos santificar por Ele. Dói um pouco ver que, diante de um parágrafo tão pungente sobre a santidade, o céu, as bodas com o Cordeiro, ainda falemos tão pouco de santidade e, quem sabe, ainda a  busquemos tão pouco. Ou, pi pior or,, ain ainda da a confundamos com uma “obra” nossa e previ prevista sta e não uma surpresa imprevisivelmente nova e bela de Deus só para nós; ou uma santidade para nós e não para Deus, o Cordeiro, o Esposo. Diz nosso fundador:  Ansiamos pela santidade  – ele usa, aqui, o presente do indicativo. Isto é, ansiar   pelaa santidade é uma ação normal  pel normal,, corriqueira, corriqueira, em nós.  Faremos  Far emos de tudo instrumento para este fim  – nos Estatutos temos, claramente, instruções detalhadas sobre como fazer de tudo instrumento para a santidade: trabalho,  profissão,  profi ssão, estudos, apostol apostolado, ado, lazeres, vi vida da em famíli família, a, vi vida da comuni comunitári tária, a, toda e qualquer atividade. Esta é uma característica bastante nítida de nosso enquadramento como leigos para a santificação no mundo e a santificação do mundo, segundo o Vaticano II.   Aqui vem a parte mais bela e surpreendente, a ternura do amor esponsal vivido tanto pela alma esposa quanto pelo Esposo:  porque sabemos que Aquele que nos ama e que é amado por nossos corações anseia por isto muito mais que nós!  Fica aqui bem 75

clara a mão dupla característica do amor entre os esposos: queremos ser santos porque é isso o que Deus mais quer, aquilo pelo que Ele mais anseia e anseia com intensidade muito maior que nós. É uma outra forma de dizer o que já ficou claro anteriormente: queremos ser santos para Deus, não para nós. Nossa motivação é, sempre, o Cordeiro, o Esposo.

A Santidade é única para cada pessoa Aqui, uma breve partilha pessoal: por vezes, percebo que as pessoas são tão indiferentes à sede pela santidade e ao céu porque os veem como um “material de carregação”. O céu mais lhes parece um “depósito confortável” de milhões de pessoas que conviverão com Deus.  No entanto, não é assi assim! m! O mesmo Cordei Cordeiro ro que enx enxug ugará ará pessoal pessoalmente mente toda lágri lágrima ma do nosso rosto, o mesmo que nos preparará pessoal e individualmente para nos desposar, o mesmo que, segundo São João da Cruz, elevar-nos-á, conceder-nos-á um relacionamento pessoal, único, desejado por Ele e pela Trindade desde toda a eternidade. Será imensa sua alegria quando nos puder desposar pessoalmente, um a um, de uma forma única, pessoal, irrepetível, como únicos e irrepetíveis fomos criados por seu amor. Como seria possível que, o Deus que nos criou para si, que nos criou únicos e para uma santidade que só nós poderíamos receber dele e viver, poderia nos desposar “em conjunto” ou de forma impessoal, sem um amor pessoal, apaixonado, individual,  profundissi  profundi ssimamente mamente alegre alegre por poder tornar-se nosso Esposo? O Cordeiro, segundo o próprio Apocalipse nos indica, receberá a cada um de nós, a você e a mim, refulgente de alegria, felicíssimo por termos correspondido ao seu amor, exultante de alegria por estarmos com as vestes apropriadas, a nos dar o nome conhecido só Dele, o nome íntimo entre os esposos, feliz por viver com cada um de nós a esponsalidade eterna pela qual Ele ansiou, mais que nós, por toda a nossa vida, pela eternidade inteira.  Nosso rel relacion acionamento amento com o Cordei Cordeiro, ro, nosso Esposo, aquel aquelee que assumi assumiuu nossa humanidade, será belo, indescritível, caloroso, terno, amoroso, cheio de gratidão de ambos os lados. A santidade e a vida no céu não nos despersonalizam. Pelo contrário, fazem-nos únicos, fazem-nos o que realmente somos, o que fomos criados para ser. Felicidade íntima, indescritível, pessoal, com o Cordeiro de Deus, o Esposo.

O Amor Esponsal é meio e fim para a santidade Esta é uma das frases mais importantes em nossa espiritualidade sobre o amor  esponsal. Uma de suas características é que ele é ativo, irrequieto, intenso, desejoso de dar-se mais, de forma vivencial e concreta. Nossa contemplação explode em amor  esponsal ativo, totalmente entregue, radical, incondicional ao amado. Desta forma, ele é meio para a santidade. Quanto mais intensa e perfeitamente vivermos o amor esponsal 76

em seu incêndio, que tudo alcança e transforma em nós e fora de nós, mais alegraremos o amado, mais seremos o que Ele nos criou para ser, mais seremos santos e viveremos a intimidade com o Cordeiro. Por outro lado, o amor esponsal é também a finalidade e o sentido de nossas vidas, especialmente quando o olhamos como união plena de amor ao amado, unidade no amor  Trinitário que, em Cristo está ao nosso alcance. Vivermos plenamente o amor Esponsal ao qual somos chamados e para o qual fomos criados, é sermos santos. João Paulo II afirmava que, se encontrasse um religioso que vivesse plenamente suas regras, canonizá-lo-ia em vida. Não somos religiosos, mas nos comprometemos a viver  nossa espiritualidade e nossos Estatutos. Assim, a mesma regra se aplica a nós. Pe. Felipe Prévost, que me dirigiu espiritualmente durante alguns anos, costumava dizer: “Há algo no homem que resiste a orar”. Penso que poderíamos dizer, também, que “há algo no homem que resiste a ser santo”. Talvez, porque saibamos que é preciso a semente cair na terra e morrer. Talvez, porque tenhamos fantasias românticas sobre santidade; talvez, porque não pensemos o suficiente no céu e no Cordeiro. Seja lá como for, é preciso  fazer morr morrer er o que é velho em nós52   para ansiar, com todas as nossas forças, a santidade pela qual o amado anseia para nós, mais intensamente que nós mesmos, e que é colhida aos seus pés, na humildade e pequenez da alma esposa que não é digna sequer de desatar suas sandálias e deseja, acima de tudo, que Ele cresça e ela desapareça para um dia serem, finalmente, unidos em um só amor, no céu. um dia serem, finalmente, unidos em um só amor, no céu.

77

PARTE IV

OS BALUARTES

78

CAPÍTULO XVI

Os Baluartes Baluartes Após narrar, sem esta intenção, seu itinerário para a experiência do amor esponsal, após defini-lo teologicamente – também sem esta intenção – nosso fundador volta ao tema dos baluartes, que havia apenas citado na primeira parte. 12.Neste caminho de Amor Esponsal e santidade, o Senhor nos dá um modelo:  Francisco de Assis. Como o Senhor deu a Francisco um coração amante e despojado, assim também Ele no-lo quer dar. Por outro lado, o Senhor nos dá um caminho a  seguir: o de Santa Teresa D’Ávila. O caminho de oração, de inti intimidade midade com o seu Senhor, de união íntima com o Amado é caminho também para nossas almas. 13. Por serem modelo e caminho, estes dois santos, de uma maneira particular, se tornam padroeiros de nossa vocação, colunas em nosso caminho, intercessores no céu, modelos a quem nossos corações devem imitar. 14. Na Comunidade, a espiritualidade do Amor Esponsal será fomentada pelo estudo da vida e dos escritos de São Francisco de Assis e Santa Teresa D’Ávila, buscando através deles vivenciar, dentro de nossa vocação, o amor que ardia em seus corações. O Moysés deixa logo, bem claro, o que para nós será o mais importante em Francisco e Teresa: partilhar com eles a vivência, segundo nossa vocação, do amor que ardia em seus corações. É importantíssimo termos isso em mente: o amor a Jesus Esposo, que cada um viveu ao seu modo é nosso maior interesse e fonte de inspiração, sem esquecermos o que é específico do nosso carisma. O Moysés fala de um modelo: Francisco; e de um caminho: Teresa. Ambos amigos íntimos de Deus, ambos inflamados de amor esponsal, ambos santos que consumiram suas vidas inteiramente no amor a Deus e à Sua vontade. Quando estava datilografando este texto dos Escritos, perguntei ao Moysés: “Por que caminho e modelo?” A resposta veio rápida: modelo porque nosso objetivo é ter um coração amante e despojado. Caminho porque o único que conheço para ter um coração assim é o da oração contemplativa, profunda, comprometida, diária, contínua, como a de Teresa.  No úl últi timo mo Escri Escrito to – Carta à Comuni Comunidade dade 2005 – faz-nos, sobre o assunto da oração, um apelo pungente, inspirado em Bento XVI: “Que nós, que começamos como amigos do Senhor, não terminemos como servos seus”. Fixemo-nos no nosso modelo, Francisco, e sigamos o caminho de Teresa, para evitar  79

ser apenas “operários”, “trabalhadores” do Senhor, ainda que muito bons, e não mais seus amigos.

É o Senhor quem nos dá  No parág parágrafo rafo 12, coerente com a pri primazi maziaa da graça e com a nossa santi santifi ficação cação que é operada pelo Senhor, nosso fundador repete três vezes o verbo “dar” e, em uma quarta vez, acrescenta algo mais que também Ele nos dá:  Um model modelo, o, Francisco.  Um coração amante e despojado, como o dele.  Um caminho,Teresa.  A oração para as nossas almas, como a dela. Fica claro, assim, que para o nosso fundador, também a oração é graça, assim como o amor esponsal e o despojamento. E esta graça – que é dada a tantos quantos a desejem –  é-nos dada como constitutiva da vocação. Quem tem a vocação Shalom, tem também a graça do coração amante e despojado de Francisco e a oração como trato de íntima amizade com o Senhor, como a de Teresa. Lembro-me de ter sugerido a palavra “apaixonado” ao invés de “amante”. A resposta do Moysés é que não convinha, pois a palavra “apaixonado” dava a noção de algo que  poderiaa ser forte, mas passag  poderi passagei eiro, ro, enquanto a pal palavra avra “amante” denotava maio maior  r  constância. Fico a pensar que, se realmente, somos convencidos de que o Amor Esponsal (com seu despojamento e humildade intrínsecos, como vemos neste Escrito) e a oração contemplativa são constitutivos da identidade do nosso carisma e vocação, são também como um “direito gratuito” que recebemos de Deus. Deveríamos pedir, suplicar muito maiss frequentemente estas graças, contando recebê-las mai recebê-las.. Em um pronunciamento para o Governo Geral, no início de 2006, o Moysés disse o seguinte sobre o arrefecimento no amor esponsal (e, consequentemente na oração e no louvor):  Pe. Letel é um dos maiores especiali especialistas stas em espiri espiritualidade tualidade no mundo.  Perguntaram-lhe:  Per guntaram-lhe: “Qual é a maior causa das crises da vida consagrada?” Ele respondeu: “Só há uma causa: o arrefecimento do amor esponsal”. Só existe esta causa. Quando começamos a arrefecer o amor esponsal a Cristo, todas as outras questões começam a se levantar. Todos os desafios podem ser resolvidos se estamos alimentando ou deixando Deus alimentar o amor esponsal. Pedimos frequentemente ao Senhor esta grande graça, o cerne de nossa vocação? Como Francisco e Teresa colocamo-lo no centro de nossa vida espiritual? 80

Ensina-nos a orar  Não há dúvi dúvida da de que precisamos estudar, estudar, ai ainda, nda, mui muitíssi tíssimo mo sobre Teresa e Franci Francisco, sco, uma vez que neles e no que é próprio do nosso carisma se fundamenta nossa formação no amor esponsal.  No entanto, sabemos bem que uma vocação que vive da primazia primazia da graça é chamada, c hamada, em primeiro lugar, a lançar-se naquilo que é no seu centro: o Amor Esponsal a Jesus Cristo, fundamentado na oração profunda, intensa, inflamada de amor. Juntamente com esta vivência indispensável, vêm os estudos. O Moysés gosta de citar sempre a passagem em que os discípulos, vendo Jesus rezar,  pediram-lhe  pedi ram-lhe que os ensi ensinasse nasse a orar 53. Talvez para surpresa deles, Jesus ensinou-lhes o Pai Nosso e algumas regras preciosas sobre como o Pai sempre atende a oração. No  parecer do Moysés, a forma de Jesus orar, seu sembl semblante ante e postura denotavam alg algoo misterioso e maravilhoso sobre a oração e os discípulos queriam aquilo que Ele tinha. Queriam que Jesus lhes ensinasse como João havia ensinado seus discípulos. Só que isso era impossível. Por mais maravilhoso que fosse o relacionamento de João com o Pai, o de Jesus era único: era puro amor. Em seu livro  E vós quem dizei dizeiss que sou?54   nosso fundador conta como o próprio Senhor lhe ensinou a orar. No meu caso, tive de aprender segundo a Lectio e Teresa D’Ávila. D’Ávil a. Você Você também tamb ém encontrará encon trará a maneira ma neira que o Senhor tem para p ara você. você . É preciso prec iso somente pedir, crer, confiar e estar pronto para receber. O Senhor, em fidelidade à sua Palavra e ao nosso carisma, o atenderá quanto a este que é o cerne de sua vocação.

A in interces te rcessão são dos baluarte baluartess O parágrafo 13 nos fala que Francisco e Teresa são nossos intercessores no céu. É interessante ver que muitos de nós nem sempre recorremos aos nossos baluartes. Notase, mesmo, a necessidade de crescermos em intimidade com eles. Conto-lhes como, durante alguns meses, eles me ajudaram a rezar. Estava em uma época de grande frieza na oração, tentações e dificuldades de todo jeito. Resolvi, então, recorrer ao seguinte “truque” de intercessão: pedi que Santa Teresa ficasse de um lado e São Francisco do outro e que os anjos me cercassem. Que todos juntos me ajudassem a rezar. Fiz isso todos os dias durante o tempo que necessitei. Notei, não somente um crescimento em minha oração, mas também uma mudança no uso dos carismas, uma mudança evidente no dom de línguas e muito maior facilidade de silenciar diante de Deus. A partir daí – isso foi por volta de 1994 – sempre que estou em dificuldades em minha vida de oração, peço a intercessão dos dois, citando o parágrafo 12, pedindo um coração amante e despojado e a amizade com Deus. Sempre funciona. Outra coisa, que funciona muito, é reler a vida destes santos nas fontes confiáveis 81

(Livro da Vida e Tomás de Celano). É como se houvesse uma re-ligação espiritual instantânea. Deixo à Providência Divina estudos mais profundos sobre estes dois baluartes que, sem dúvida, precisam ser, antes de tudo, mais amados, mais admirados, mais imitados e, depois melhor estudados.

82

CAPÍTULO XVII

Rainha da Paz, Esposa do Espírito Lembremo-nos de que na época em que foi escrito “Amor Esponsal” estávamos em 1984 e que as comunicações não eram imediatas como hoje, especialmente quando vinham de um país da Europa Comunista, como a Iugoslávia. Assim, embora as aparições de Medjugorje tenham começado em 1981, somente em 1983 começou-se a ouvir algo de mais concreto sobre elas e só por volta de 1985 tínhamos acesso às mensagens da Virgem. Estas informações nos ajudam a compreender o profetismo do  parágrafo  parág rafo 15 e vi visual sualiizar melh melhor or o quadro geral do que o Senhor queri queriaa fazer no  pontificado  ponti ficado de João P aul auloo II, de quem um dos maiores apel apelos os sempre foi “oração” e “Rosário”: 15. Junto a eles está a Rainha da Paz, como Maria se intitula nas aparições de edjugorje, na Iugoslávia. Antes mesmo de conhecer o conteúdo de sua mensagem nestas aparições, Deus já colocava em meu coração que a Rainha da Paz tinha muito a nos falar. Foi grata a surpresa de ver enunciado em sua mensagem o muito que Deus á colocara em nossa vocação. Apeguemo-nos profunda e verdadeiramente Àquela que é a Esposa do Espírito Santo e imploremos sua intercessão para que Ele gere em nossos corações o Amor Esponsal a seu Filho Jesus. Como sabemos, o pedido mais constante e veemente da Rainha da Paz é: “orai, orai, orai” e “fazei penitência”. No dia 31 de agosto de 1982, a Rainha da Paz faz uma revelação que muito nos ajudará a entender a função da oração em nossa vocação:  Não disponho di sponho de todas as graças. Recebo de Deus o que obtenho através da oração.  Deus coloca intei inteira ra confiança em mim. Particularmente, pr protejo otejo aqueles que se consagraram a mim55 . Assim como não queremos ser santos para nós mesmos, mas para Deus; assim como toda nossa ação, pensamentos, apostolado, não é para nós mesmos, mas para Deus; assim também, nossa oração não é para nós mesmos, mas para Deus e, se somos consagrados a Maria, para que ela as utilize segundo a vontade de Deus e o bem das almas. Fiquei impressionada quando compreendi esta realidade ao fazer a consagração a ossa Senhora segundo o método de São Luis Grignon de Montfort: ela precisa de nossa oração e nosso sacrifício para ajudar as pessoas na terra e no purgatório! Fiquei mais impressionada ainda, quando li a mensagem transcrita acima, cheia de 83

humildade:  Recebo de Deus o que obtenho através da oração. Sem dúvida, a oração dela e a dos outros! É como se a Rainha do céu e da terra estivesse esmolando nossa oração! É também como se a Rainha da Paz fosse implantar a paz no mundo e nos corações, através das nossas orações e sacrifícios e isso se encaixa perfeitamente com a nossa vocação desde os seus primórdios. A luta contra o pecado pelo anúncio, oração, sacrifício, entrega de vida! Não é nada à toa que o Moysés declara:  Foi grata a surpr surpresa esa de ver enunciado em sua mensagem o muito que Deus já colocara em nossa vocação. Como é belo ver a coerência de Deus na condução de sua Igreja, na preparação da Esposa do seu Filho! Como enche nosso coração de gratidão saber que nada ocorre por  acaso e que nossa vocação está inserida em um contexto eclesial misterioso, muito além do nosso entendimento!

O dia em que os muros caíram Creio ser oportuno contar algo que nos aconteceu em 1985. Estávamos os cinco ou seis membros da Comunidade de Vida em nossa oração comunitária, que acontecia às 14:30, e o Senhor nos deu uma estranha visualização: uma imagem de Nossa Senhora, de roupas acinzentadas, com o véu passando por cima do braço dobrado. Achando estranho, pedimos discernimento aos irmãos, pois era uma imagem totalmente desconhecida. Logo após, a ponta do manto foi recolhida por seu outro braço, de modo a formar-se como que um largo U sobre o qual apareceram centenas de pequenas casas. Então, o Senhor falou: “Espalhem-se! Quebrem os muros! Eu os criei para o mundo inteiro! Não tenham medo! Espal Espalhem-se!” hem-se!” O discernimento foi que o Senhor nos mandaria mundo afora e que, como já dizia o Moysés, nossa vocação era universal, não era só nossa, não era só para nós. No entanto, ainda saímos da oração com aquela sensação estranha de não sabermos qual era aquela imagem tão diferente de Nossa Senhora. Ao sairmos da capela, já nos arcos, em direção às nossas vassouras e pás para fazer a faxina, o Maurício, um dos rapazes do grupo do Colégio Cearense, autor de “Nos deixai alerta para amar”, veio em nossa direção muito animado, com um santinho na mão: “Ei, vocês sabiam que Nossa Senhora está aparecendo na Iugoslávia? Olha aqui a imagem dela! Tem o título de Rainha da Paz!” Bastava um breve olhar para reconhecermos a imagem que havíamos visto em nossa visualização. O mesmo véu “diferente”, o mesmo braço dobrado, a mesma cor das vestes, a mesma expressão. Tínhamos sido visitados pela Rainha da Paz! Alguns dias depois, sem saber do ocorrido, o então ecônomo, João Bosco, mandou derrubar os muros do Shalom, sem pedir permissão a ninguém. Ficamos todos surpresos ao chegar para a oração. Era um sinal. Os muros haviam caído. Agora era partir para a missão, o que de fato veio a acontecer em breves viagens missionárias e em 84

estabelecimento de casas missionárias alguns anos depois. Hoje, espalhados pelo mundo inteiro, sabemos que era verdadeira a profecia e que nossa vocação é, de fato, universal, para todos os povos, línguas e nações.

Esposa do Espírito Sendo uma comunidade carismática de louvor, não poderíamos ter outra intercessora, que não a Esposa do Espírito. No entanto, isso seria muito pouco para definir esta devoção mariana em nossa vocação. Ela foi aquela que disse “sim”, sempre, à vontade de Deus, como uma perfeita alma esposa. Foi, também, aquela que entregou-se a Ele, sem restrições, como somos chamados a nos entregar. Ela uniu-se ao seu Filho em corpo, sangue, alma e divindade ao unir-se ao Espírito, como somos chamados a nos unir na Eucaristia. Foi ainda aquela que levou o Espírito a Isabel e João Batista e o atraiu em Pentecostes. Também nós somos chamados a levar e ministrar o Espírito pelo batismo no Espírito Santo e a clamar continuamente para que se mantenha aceso o Novo Pentecostes e se instaure em breve o Pentecostes de Amor. Nós, como ela, somos chamados a levar a todos, apressadamente, a experiência com a presença de Jesus vivo. Como ela, somos chamados a contemplar e levar a experiência com o Ressuscitado que passou pela cruz. Dos títulos de Maria em nossa vocação, a Esposa do Espírito é o que mais de perto se refere ao amor esponsal, uma vez que é Ele quem o acende nas almas e quem as faz ansiar por este amor e entregar-se a ele. Afirma o Moysés que “junto com eles – Francisco e Teresa – está a Rainha da Paz”. a verdade, ao unir Francisco, Teresa, a Rainha da Paz e a Esposa do Espírito, nosso fundador nos está dizendo quem são aqueles que, no céu, são nosso socorro na vida de oração e como somos chamados a, pela oração e penitência, ajudar à Rainha da Paz a construí-la, como fez o Papa, consagrado a ela segundo Grignon de Montfort, e que teve sua doce companhia enquanto durou seu pontificado. O Moysés na sua Carta à Comunidade 2005, faz-nos um apelo e indica o caminho de aria como meio para encontrar o caminho da paz: Como filhos que precisam do afeto e cuidados da Mãe, a ela recorramos cada dia da nossa vida. Por meio dela mergulhemos mais intensamente no mistério de Cristo, recebendo a graça de, por meio do caminho de Maria, encontrar o caminho da Paz. Que nossos baluartes e ela nos ajudem a sermos fiéis à oração e orantes ministros da  paz, almas esposas do P rínci ríncipe pe da P az. Amém.

85

PARTE V

A PROFECIA

86

CAPÍTU CAPÍTULO XVIII XVII I

Para todos!  Atarefa do pr  Atarefa profeta ofeta é a de ser testemunha do Deus invi invisível sível e i naudível, mostrado através da própria experiência pessoal, isso é, através do que ele produz na vida de quem se serve como instrumento. (...) O profeta é alguém que tem familiaridade com  Deus e, por isso mesmo, é capaz de escutar sua voz e per perceber ceber sua pr presença esença na história. Uma presença experimentada antes de tudo na própria existência da qual   Deus se serve para fazer instrumento de revelação da sua Palavra. Na históri históriaa dos rofetas aparece, continuamente, esta ligação entre vida e mensagem a ser  comunicada. Deus se revela através das palavras que faz o profeta dizer e, ao mesmo tempo, através da vida ou comportamento que lhe faz assumir. (...) Esta ligação tem especial importância porque mostra concretamente que a palavra de Deus é eficaz e cumpre o que diz: e cumpre antes de tudo naquele que a deve transmitir. (...) O profeta é, antes de tudo, um homem capaz de escutar a palavra de Deus, com um desejo apaixonado de fidelidade. Sua força deriva da fé e da prevalência da dimensão vertical da própria existência. (...) Acrescente-se que ele é um “pobre de espírito”, isto é, livre de esquemas pré-fabricados, disponível a mudanças, aberto a colher a “lógica de fundo” da aliança, além das configurações concretas que possam aprisioná-la. (...) Uma vez que a função “profética” da vida consagrada está diretamente ligada ao testemunho, é evidente que esse se exprimirá sobretudo através de propostas vitais.(...)  primeira função do profeta, enquanto ativamente presente na história, é a de ser a consciência crítica da Igreja e da sociedade nas questões do próprio tempo56 . Fiz questão de iniciar este capítulo com esta definição do Pigna sobre o profeta e a  profecia,  profeci a, não somente pel pelas as inúmeras profeci profecias as que temos vi visto sto no Escri Escrito to “A “Amor  mor  Esponsal”, como em função da que vamos ver neste capítulo. Quando se é testemunha, como fui, do que aconteceu e da extrema simplicidade como tudo se deu, aprende-se como Deus age com simplicidade nos corações simples e, como afirma afi rma o autor acima, através de um homem “pobre de espírito”, livre de esquemas préabricados disponível a mudanças, aberto a colher a “lógica de fundo” da aliança, além das configurações concretas que possam aprisioná-la. Diante de mim, havia um jovem de 25 anos, absolutamente apaixonado por Deus e imensamente livre. Entre nós, um papel manuscrito, riscado, rabiscado, mas, neste  parágrafo,  parág rafo, claro como a águ águaa mais transparente. Esforçava-me para ler e control controlar  ar  adequadamente meu espanto: 16. Na Obra Shalom o amor esponsal não se acha caracterizado somente pela vocação celibatária. Não! Todos são chamados a possuí-lo, todos são almas esposas de 87

esus. Todos devem buscar ser as virgens prudentes que esperam o momento das úpcias mantendo acesa a chama do amor em suas lâmpadas. Leigos, sacerdotes, celibatários, jovens, crianças, homens, mulheres, casados, todos são, no Shalom, chamados a assim amarem a nosso Rei e Senhor e cada vez mais inflamados por este amor, na sede pela oração (união com o Amado) e no serviço (fazendo a vontade do mado) a deixarem o Espírito impulsionar sua vocação e suas vidas. O sinal do Amor   Esponsal é possuir um coração i nflamado de amor por Jesus Cristo e sempr sempree desejar  mais, pois quando se ama assim, sempre se considera pouco e sempre se anseia amar  mais, mais, mais... Por um lado, tinha diante dos meus olhos uma imensa chave de ouro que abriria para mim a pesada porta de uma cadeia milenar e que me diria: “Sim! Você é casada, mas  pode ser santa! Você pode ser amig amigaa de Jesus! Você pode amar Jesus! Você pode ser, como as religiosas, alma esposa de Jesus! Você não é uma católica de segunda categoria que casou-se porque não resistiu à paixão! Você pode ser uma alma esposa, como as freiras do seu antigo colégio, como as santas que você admira!” Por outro lado, minha posição de “mais velha” e mais experiente da comunidade nascente me dizia: “Isso é uma loucura! A Igreja jamais vai aceitar uma coisa dessas! Onde já se viu? O amor esponsal, está claro em séculos de tradição, é para os virgens consagrados! Não deixe o Moysés colocar no Escrito uma loucura dessas!” Alegria que vira de cabeça para baixo o coração e a lógica em uma profecia libertadora? Ou dever de esclarecer uma loucura? O dever venceu. A alegria, infelizmente, “não era para gente como eu”, como havia aprendido nos meus anos de  pré-concíliio. Fi  pré-concíl F inal nalmente, mente, ponderei: “Moysés, isso é uma loucura! Não é assim que a Igreja pensa. Não é assim que está escrito. Não é assim que a Igreja vê. Amor esponsal é um termo muito alto, usado pelos místicos, não é para todos... Veja: até criança você coloca aqui...” “E por que não, se Deus quiser dar? No Shalom o amor esponsal é para todos, para todos. Não há como ser de outro jeito”. Eu sabia que ele estava certo. Certíssimo. Podia sentir em minha alma uma luz que varria tudo, que iluminava tudo, que me abria as portas para a santidade que eu julgava inacessível pelo simples fato de ser casada. Mesmo no Shalom, eu achava que meu papel era levar “os meninos” até começarem a comunidade e, depois, sumir. Nem sei dizer  quantas vezes chorei pensando nesta necessidade, a meu ver, imperiosa de que eu não continuasse com eles, fazendo-os “correr perigo” devido ao meu estado de vida. A luz que me invadia me dizia que o Moysés estava certo. A experiência alertava que  poderíamos ter séri sérios os problemas com o parág parágrafo rafo 16. Pa Para ra espanto meu, jamais tivemos! tivemos! Jamais alguém nos questionou sobre o amor esponsal ser para todos e, hoje, este é um conceito tão tranquilamente aceito por todos e tão utilizado por outras comunidades que de nós só pode subir a Deus louvor e gratidão. 88

Interessante notar como o parágrafo 16 traz, até hoje, a única vez em que nosso fundador utilizou este “Não!” solitário e enfático no meio de um parágrafo. Havia, de fato, uma fortíssima convicção em seu coração. Convicção, aliás, profundamente coerente com sua certeza de que nossa vocação é chamada a abrigar os três estados de vida como complementares entre si e como imagem do relacionamento intratrinitário e do Mistério da Igreja Esposa de Cristo.

Virgens Prudentes Impressiona muitíssimo o fato de o Moysés, pela primeira vez, associar as almas esposas que todos, todos, todos (assim ele diz no texto, três vezes) são chamados a ser, à  parábolaa das Virgens Prudentes,  parábol P rudentes, imagem tradicional tradicional da Ig Igreja reja que ora e vi viggia à espera do Esposo que não tarda. Ele acrescenta, porém, um dado belíssimo e essencial à exegese desta parábola. A Igreja não só ora, vigia e espera. A Igreja ama, vigia e espera. Segundo o texto, é o amor  que  que mantém acesa a chama das lâmpadas, não o estado de vida, nem o sexo, idade, ou consagração, mas o amor, o amor que se expressa em entrega incondicional de vida e intimidade com o Esposo! Dentro do contexto do Escrito, podemos perceber, também, além da visão escatológica que assume o amor 57, o discernimento espiritual que a intimidade do amor e oração gera nas almas esposas, independente de seu estado de vida, como se verá ainda neste Escrito e em Obra Nova, principalmente, embora não esteja ausente dos outros.  No contex contexto to in integ tegral ral do Escri Escrito to Amor Esponsal Esponsal,, as Virg rgens ens P rudentes da P al alavra avra não saíram para comprar óleo, porque o tinham através da oração e intimidade com Deus,  porque recebiam de Deus o amor que lhes forneci forneciaa o ól óleo eo para amarem e, assi assim, m, aumentarem sua quantidade 58. Mantenham acesas as chamas das lâmpadas e porque, da oração e do amor usufruíam o discernimento espiritual que indicava a proximidade da chegada do Esposo. São elas, além disso, em nossa vocação, a repetição da figura de João Batista, também ele lâmpada, também ele noivo, também ele orante, também ele capaz de discernir a  proxiimidad  prox midadee do Esposo. Como João Bati Batista, sta, a P arábol arábolaa das Virg rgens ens tem mui muito to a nos dizer sobre o amor esponsal e o relacionamento com o amado. O Moysés poderia ter  escolhido a figura romântica da Sulamita, do Cântico dos Cânticos. Não o fez: escolheu uma “comunidade de almas esposas” a esperar a vinda do Esposo-Cordeiro, tendo tido nos braços, através de João, Maria e Madalena, o Esposo esvaziado descido da cruz. Tinham, em seus corações, esta experiência pessoal mística com o Verbo de Deus encarnado que, tendo aprendido a obediência, passou pela cruz, ressuscitou e voltará como Cordei Cordeiro-Esposo. ro-Esposo. Todos devem buscar ser as virgens prudentes que esperam o momento das Núpcias mantendo acesa a chama do amor em suas lâmpadas. Leigos, sacerdotes, celibatários, ovens, crianças, homens, mulheres, casados, todos são, no Shalom, chamados a assim amarem a nosso Rei e Senhor e cada vez mais inflamados por este amor, na sede pela 89

oração (união com o Amado) e no serviço (fazendo a vontade do Amado) a deixarem o  Espírito impulsionar i mpulsionar sua vocação e suas vi vidas. das. “A assim amarem nosso Rei e Senhor”, isto é, a amarem com amor incondicional, de união, amor de esposo. O amor que o Moysés apresenta neste parágrafo fundamental, além de ter um cunho escatológico e eclesial evidentes, além de fundamentar a esponsalidade no amor e não no estado de vida, descreve- o como um amor crescente ao infinito: todos são chamados a amarem nosso Rei e Senhor com o amor esponsal, mas este amor deve:  Inflamá-los incessantemente e cada vez mais;  Aumentar neles a sede pela oração, que é a união com o amado (esta é a primeira vez que o texto se refere diretamente à oração como inflamadora do amor esponsal como união com Deus);  Levar, inexoravelmente, ao serviço;  Deixar o Espírito impulsionar sua vocação e suas vidas segundo a vontade de Deus, cuja voz, pela oração, são capazes de discernir e seguir (pela primeira vez o fundador se refere à vontade do amado). Além da profecia em si, este parágrafo oferece definições preciosíssimas, embora, infelizmente, sucintas:  Definição sobre oração profunda: união com o amado;  Definição do Amor Esponsal: fazer a vontade do amado;   Definição do Espírito como impulsionador da vocação e da vida. Conhecendo a linguagem do Moysés, sabemos que aqui, longe de desejar separar vocação e vida, o que ele deseja dizer é que as duas são a mesma coisa.  No final do parágrafo, vem uma descrição nova e bel belaa para reconhecermos o autênti autêntico co amor esponsal. Não só é aquele que nos abrasa, nem nossa entrega incondicional a Deus, aos seus planos, aos seus interesses, à sua vida, à sua vontade, como no parágrafo 4, mas: O sinal do Amor Esponsal é possuir um coração inflamado de amor por Jesus Cristo e sempre desejar mais, pois quando se ama assim, sempre se considera pouco e sempre  se anseia ansei a amar mais, mai s, mais, mai s, mais... mai s... Porém, mais do que apresentar aos seus discípulos uma definição de amor esponsal, o que ele queria dizer era: o sinal do amor esponsal não é este ou aquele estado de vida, mas é possuir um coração inflamado de amor e sempre desejar mais, pois quando se ama assim, independente de ser religioso ou leigo, homem ou mulher, casado ou solteiro, celibatário, idoso ou criança, sempre se considera pouco, sempre se anseia amar mais. 90

Este amor que mantém acesa a chama das virgens prudentes abre as portas para o amor  ao Esposo que vem e a quem se deseja dar sempre mais, mais e mais.  No di diaa em que di discuti scutimos mos este parág parágrafo, rafo, fal falamos amos sobre isso e esta frase foi a forma mais delicada e, ao mesmo tempo clara, de dizer, sem ferir a ninguém, que o que importa é o amor incondicional e insaciável do coração inflamado, que sempre considera pouco o que faz e jamais se fia no próprio estado de vida ou consagração para atribuir a si mesmo um amor que vem do céu para todos os que o clamam. Bendita profecia que tem aberto tantas portas e tantas almas! Bendito profeta que, sem presunção e com toda liberdade, ousou anunciá-la!

91

PARTE VI

VIDA ESPIRITUAL

92

CAPÍTULO XIX

União União íntima íntima com Jesus J esus  Nos parágrafos 17 a 19, o Moysés toca em três pi pillares da vi vida da espi espiri ritual tual da vocação Shalom, sempre tendo por referência o amor esponsal. Vale a pena ler aquilo que é a fonte do muito que tem sido escrito e pregado sobre estes assuntos.

Primeiro Pilar – a vida de união íntima com Jesus 17. A vida de união íntima com Jesus através da oração é a fonte para o desabrochar e o amadurecimento deste Amor Esponsal. Não pode haver Amor Esponsal   sem que diari diariamente amente procuremos procuremos nos encontrar com o Amado e ganharmos bom tempo em Sua companhia, em adoração, louvor e escuta. A oração pessoal é a ocasião em que o Senhor vem edificar esta obra de amor em nós. A contemplação do Amado é o ardim que o Espírito Santo encontra para semear e colher estas rosas de amor. Por  isto, repito, todos os que possuem a vocação Shalom devem estar conscientes que é uma vocação fundamentada na oração, que este Amor Esponsal deve inflamar as almas e que a fonte deste amor se encontra no caminho da oração, no pleno sentido da alavra: pessoal, diária, contemplativa, parada com Deus, aos moldes de Santa Teresa  D’Ávila. Quando este Escrito foi redigido, havia, em alguns setores eclesiais do Brasil, uma ideia generalizada de que quem se dedicava à oração era “alienado”. A taxação era imediata e algumas vezes, preconceituosa. Não havia interesse em saber se a pessoa ou grupo servia os pobres ou promovia a justiça social de alguma forma. Reza? É alienado! Hoje em dia, depois de uma Madre Teresa de Calcutá e um João Paulo II, a situação acima se torna anacrônica, quase inacreditável. No entanto, era a concepção da época. Este fato nos impedia de utilizar alguns termos e falar livremente de alguns assuntos. Falar dos pobres deixava-nos em situação difícil, pois se dizíamos que servir Jesus  pobre e no pobre era parte do nosso chamado, log ogoo seríamos compreendi compreendidos dos como  pessoas que não estavam, como se di dizi ziaa naquel naquelaa época, “em comunhão com o P lano de Pastoral Orgânica”, que trazia regras claras para servir-los segundo a “opção preferencial  pelos  pel os pobres”. Se, por prudênci prudência, a, apenas servíssemos os pobres, mas não fal falássemos ássemos sobre eles com veemência, invocando Amós, Isaías 58 e a justiça social, éramos tidos como alienados. No começo de uma caminhada, estes posicionamentos seriam, no mínimo, imprudentes. Por outro lado, utilizar termos como contemplação, contemplativa, oração contemplativa, pessoa, comunidade contemplativa, etc. era garimpar incompreensão 93

certa e perseguições veladas. Tínhamos que recorrer a termos equivalentes, embora não sinônimos: oração profunda, pessoa de oração, oração pessoal, união íntima, intimidade com Deus, etc. Esta contingência, bem nítida neste parágrafo 17, não nos prejudicou. Pelo contrário. Ajudou-nos a definir bem conceitos que o Senhor havia inspirado ao fundador. Além disso, acrescenta valor e coragem a algumas de suas afirmações, dado o contexto da época. Um exemplo é vermos que, após afirmar corajosa e profeticamente que o Amor  Esponsal é para todos, nosso fundador afirma, consequente e coerentemente, que a união íntima com Deus também é para todos os que a querem ter, independente de seu estado de vida, profissão, idade, etc.:  A vida de união íntima com Jesus através da oração é a fonte para o desabr desabrochar ochar e o amadurecimento deste Amor Esponsal. Mais ainda: afirma que esta oração deve ser diária, demorada, composta de louvor, adoração e escuta: três atividades que, necessariamente, levam tempo. Ora, isso era um espanto, na época, para os profissionais, os pais de família, os estudantes. Oração comprida era para religioso contemplativo e olhe lá. Para leigo, quando muito, a leitura de algumas orações a serem feitas diariamente, compiladas em livretos deste ou daquele movimento leigo. Isso se quisesse, pois o seu lugar era batalhando no mundo pelo direito e a justiça, em favor de uma situação política mais democrática (vivíamos, na época, o sistema ditatorial). Neste contexto, tem a coragem de afirmar nosso profeta:  Não pode haver Amor Esponsal sem que diariamente di ariamente pr procur ocuremos emos nos encontrar com o Amado e ganharmos bom tempo em Sua companhia, em adoração, louvor e escuta. Dizer isso a leigos – a todos – naquela época era falar uma linguagem que ia contra todas as correntes e a grande maioria das homilias, dos postulados, das propostas de libertação. Além da questão da alienação em si, além de falar de um “bom tempo”, isto é, um longo tempo separado para estar com o Senhor, falava em “sua companhia”, o que indicava que nosso fundador, contrariamente a muitos na época, acreditava que o Senhor  nos falava, nos ouvia, nos respondia, nos dirigia, enfim, que se podia ter uma experiência íntima e contínua com o Senhor Vivo e Ressuscitado e isso, no contexto eclesial em que vivíamos, era fortemente contestado. Passo a passo, cuidadosamente, o texto passa da noção de “oração” para a de “contemplação”. Começa reafirmando que esta obra de Amor Esponsal – que é para todos – é edificada pelo próprio Senhor em nós nos demorados momentos de intimidade, louvor, adoração, escuta, ou seja, oração pessoal diária. Depois, volta à ideia do “embasada” que vimos na Parte I. O Senhor constrói seu edifício espiritual “embasado” na vida de oração e amor esponsal.  A oração pessoal é a ocasião em que o Senhor vem edifi edificar car esta obra de amor em nós. Só depois deste primeiro passo, nosso fundador passa para o termo “contemplação”. 94

ós, que o conhecemos falando e escrevendo sobre o coração traspassado de Jesus como fonte de contemplação até estranhamos um pouco sua linguagem aqui, que – não fosse pela necessidade imposta pelo contexto da época – pareceria infantil e primitiva:  A contemplação do Amado é o jar jardim dim que o Espírito Santo encontra para semear e colher estas rosas de amor. É preciso dizer que, na época, quando se queria explicar o que era contemplação, a experiência da mesma entre os leigos era tão pouca que se utilizavam figuras como ardim, rosas, mar, conchas, areia, que nossos olhos contemplavam para o coração elevar-se para Deus. De qualquer forma, fica a mensagem: é preciso contemplar o Amado diária e demoradamente, com escuta, louvor e adoração. Neste colóquio pessoal, o Espírito semeia o amor. Como diríamos hoje, o Espírito comunica o amor da Trindade  para que uma vez amados, possamos amar, dei deixxando-o colher rosas, frutos do amor que Ele mesmo nos concedeu na contemplação. É isso que, em outras palavras, diz-nos hoje Bento XVI em Deus Caritas Est, 7.

Para quem é Shalom Sem criar outro parágrafo, como seria de praxe, uma vez que vai dirigir-se agora não mais a “todos”, mas somente a quem tem a vocação Shalom, o Moysés é peremptório ao nos falar sobre o assunto. A não divisão em parágrafos, apesar dos dois assuntos, indica, em sua linguagem, que o que foi dito para um grupo serve também para o grupo que se segue:  Por isto, repito, todos os que possuem a vocação Shalom devem estar conscientes que é uma vocação fundamentada na oração, que este Amor Esponsal deve inflamar as almas e que a fonte deste amor se encontra no caminho da oração, no pleno sentido da alavra: pessoal, diária, contemplativa, parada com Deus, aos moldes de Santa Teresa  D’Ávila. Ao vê-lo utilizar a palavra “repito”, naturalmente, fiz meu questionamento. O que é que ele estava repetindo, se ainda não tinha dito aquilo? O “moysesês” prevaleceu: “Falei, sim. Não falei diretamente, com estas palavras, mas durante todo o Escrito, não falei de outra coisa, só disso!” Se fosse português, com a lógica da língua, ao usar  “repito”, ele deveria, de fato, estar repetindo. Com o “moysesês”, porém, era diferente. Servia para dizer que o que não tinha sido falado diretamente era para ter sido entendido como se o tivesse sido 59. Pronto. Fim de discussão. O que importa é que todos os que ossuem a vocação Shalom devem estar conscientes de que:  É uma vocação fundamentada na oração, isto é, tem de rezar no mínimo durante uma hora todos os dias e fazer uma hora de estudo bíblico, como mandavam as Regras e, hoje, os Estatutos. Sem oração, não existe vocação Shalom. Naturalmente, pois, sem seu fundamento, sua base, ela ruiria primeiramente na vida de cada um que não reza e, depois na 95

comunidade como um todo. O Amor Esponsal deve inflamar as almas, ou então, não é vocação Shalom.  A fonte deste amor encontra-se na oração, não na fantasia, não nos sentimentos, não na boa vontade, não na dedicação ao apostolado, mas na oração.   A oração, para ser Shalom, precisa ser: pessoal, diária, contemplativa, parada com Deus, aos mol moldes des de Santa Teresa D´Ávi D´Ávilla.

Parada com Deus Amo esta expressão e tenho muita saudade dela. “Tem a cara exata” do Moysés aos 25 anos, querendo exprimir o inexprimível, querendo transmitir o intransmissível de sua experiência com Deus. É uma de minhas expressões prediletas no moysesês: oração  parada com Deus. Fui entender isso melhor quando, antes de me consagrar na comunidade, ele me colocou em um “noviciado” de três ou quatro meses, “parada com Deus” das 14 às 17 h, todos os dias, a rezar e ler Santa Teresa. Uma experiência única que me enche de saudade. O que é, afinal, “oração parada com Deus”? Não deixa de ser a “oração aos moldes de Teresa” ou, pelo menos, uma de suas características. Como já dissemos, não podíamos usar claramente e no contexto exclusivo de oração a palavra “contemplativa”. Assim, “aos moldes de Teresa” e “parada com Deus” são eufemismos para “contemplativa”. Tudo isso, porém, fez com que a famosa “oração aos moldes de Teresa” adquirisse, com o termo “parada com Deus”, algumas conotações típicas da oração Shalom, “parada com Deus”:   que dedica um bom tempo do dia à oração contemplativa e Lectio Divina (pelo menos 3 horas, no caso da Comunidade de Vida, 2 horas para a Comunidade de Aliança e entre 2 e 3 horas para a Aliança Residencial);  que dedica pelo menos um hora por semana para a adoração do Santíssimo;  que dedica um tempo do seu dia à oração do terço, muitos do Rosário;   que dedica “paradas” ao longo do dia para a Liturgia das Horas e oração comunitária;  que “pára”, por graça de Deus, o pensamento, as preocupações, as agitações do dia  para estar com Deus e reconhecer seu Senhorio e sua Glória; Glória;  que se abandona, em silêncio interior, diante do Santíssimo, a quem adora. Conhecendo a lógica da linguagem do Moysés, sabe-se facilmente que esta “parada” significa tanto “estar parado diante de Deus, dando tempo a Ele, deixando que Ele “aja” 96

e “tome o comando”, como “parar tudo o que se está fazendo” para dedicar-se a Deus, seu íntimo amigo. Aliás, estes dois significados, ele mesmo já nos explicou várias vezes. Sua tendência seria dizer: “Parada, ora. Parada, o que quer dizer parada?” Para ele é claro, muito claro. Para nós, é tão rico que precisa ser explicado nos detalhes, a fim de que não se percam nem em nossa vivência, nem ao longo do tempo.

97

CAPÍTULO XX

Da fonte ao transbordamento transbordamento Caso eu não esteja mais viva, um dos nossos filhos deverá dedicar-se a estudar, nos escritos do Moysés, a utilização do substantivo “fonte” e do verbo “transbordar” aplicado a pessoas e continentes e não aos conteúdos 60. Será um mergulho e tanto em nossa espiritualidade, pois o Moysés não os utiliza conforme a linguagem normal. Mas, quem sabe, Deus ainda me concede esta graça. Para o Moysés, a partir destes termos, o “shalomita” jamais é uma vertente, jamais é uma fonte, muito menos um reservatório, lago ou coisa parecida. Essas conotações, na nossa espiritualidade, seriam verdadeiros absurdos, anátemas. No entanto, o “shalomita”, transborda-se junto com tudo o que se  possa imagi imaginar: louvor louvor,, adoração, gratidão, gratidão, novo... novo. .. Vamos ler o texto, atentos à fonte e ao transbordar: 18. O reconhecimento de nossas faltas e o arrependimento são fontes de alimento deste amor, pois quanto mais percebemos o quanto não merecemos o amor de Deus, mais nosso coração se inflama de gratidão Àquele que misericordiosamente nos ama tanto. 19. Louvor e a adoração são as formas mais plenas de, na oração, transbordar este mor Esponsal a Jesus, pois a gratidão é a única linguagem que estas almas sabem alar. Queremos crescer no amor esponsal? Busquemos o velho segredo, aqui chamado de “fonte”: o reconhecimento de nossas faltas.   No mesmo nível que o reconhecimento, pela primeira vez, o Moysés fala de arrependimento.  Como não poderia deixar de ser, em nossa espiritualidade em que a alma esposa é humílima, o fruto do reconhecimento das faltas é o arrependimento e a gratidão, que  precisamos  preci samos clamar a Deus como graças especiais. especiais.  O Amor Esponsal a Jesus, é bebido da fonte do reconhecimento das próprias faltas, do consequente arrependimento e gratidão e transborda (atenção! Sem ser guardado, represado, mas imediatamente e como parte da pessoa) em louvor e adoração que, por  sua vez, são ligados à fonte anteriormente mencionada. Em resumo, para entendermos melhor:  Reconhecimento das próprias faltas; 98

 Arrependimento;  Gratidão;  Gratidão transbordante;  Louvor como linguagem deste transbordamento e do amor esponsal;  Adoração como linguagem da alma esposa. Como vimos, não há lugar para a auto-acusação. Não há lugar para a comiseração, muito menos para a murmuração, desilusão, decepção. A linguagem da alma esposa é sempre louvor e adoração. A escola para aprender esta linguagem é o reconhecimento das próprias faltas, o arrependimento e a gratidão, que explodem, “transbordam” em oração aos moldes Shalom, na linguagem da alma esposa. Juntamente com o parágrafo 17, os parágrafos 18 e 19 podem ser considerados conselhos pastorais práticos sobre a oração aos moldes Shalom.

99

PARTE VII

A VONTADE DE DEUS E SEU DISCERNIMENTO

100

CAPÍTULO XXI

Amantes da Santíssima Vontade do Pai  No Escrito Amor Esponsal , esta é a segunda vez que o Moysés se refere à vontade do Pai. Fê-lo brevemente no parágrafo 4:  No amor que busca cada vez v ez mais o esquecimento de si, de sua própria própri a vontade, de  seus próprios i nter nteresses, esses, de sua própria vida e que cada vez mais inflamado de amor  elo Amado, busca somente a Ele, a vontade Dele, os interesses Dele, a vida Dele, a obra Dele. Como vemos, o contexto do parágrafo 4 é, ainda, do amor esponsal em sua incondicionalidade e entrega total ao amado. No parágrafo 20, depois de ter lançado as  bases teológi teológicas, vocaci vocacionai onaiss e pastorai pastoraiss para o amor esponsal esponsal,, nosso fundador cheg chegaa ao âmago do mesmo segundo a espiritualidade tradicional: a união de amor, ou a união das vontades61. Leiamos os três parágrafos como um bloco: 20. Ser amantes da santíssima vontade do Pai e ter toda a diligência para descobrila e cumpri-la é a forma mais plena de, na vida, transbordar este amor, obedecendo ielmente à voz do Amado. Descobriremos esta Vontade tanto mais claramente quanto mais desenvolvermos nossa escuta ao Senhor. Digo escuta no sentido pleno da palavra: escuta de Deus em nossa oração, em Sua Palavra, nas moções do Espírito, no silêncio interior onde se ouve a voz de Deus. 21. A voz do Amado é reconhecida pela alma que O busca e tem intimidade com Ele na oração. Sem uma verdadeira, fiel e autêntica vida de oração diária é impossível  reconhecermos a voz Daquele que muitas coisas nos quer falar e corremos o risco de,  surdos  sur dos à Sua voz, chamar às nossas paixões, à nossa carne, aos nossos planos pessoais e a nossa vontade própria, de voz de Deus. 22. Esta é uma armadilha sutil que o inimigo das almas usa para afastá-las do caminho da salvação. A única maneira de lutarmos contra tudo isto é não procurando mais ver as coisas como “homem natural” (1Cor2,13-16) mas como o “homem espiritual” as vê, e só poderemos ter esta visão mergulhando na contemplação, em intimidade com o Amado. Através desta intimidade poderemos conhecer, ouvir, discernir e amar esta Santa Vontade. Sermos amantes da vontade de Deus todos os momentos de nosso dia e de nossa vida é descobrir e beber da fonte da Paz e da  Felicidade.  Felici dade. Ler estes parágrafos e lembrar-se do que está escrito sobre a vontade de Deus em Obra Nova,  Pobr  Pobreza eza e Shalom, dá um desfalecimento. Uma estranha sensação de 101

respeito por estar diante de uma das características mais importantes do espírito do fundador e, ao mesmo tempo, uma sensação de ordem de Deus para que se garimpe este assunto nos Escritos e se escreva sobre isso. A alma esposa é a que não somente ama, mas é amante62 da Santíssima Vontade do  Pai . Vê-se facilmente que nosso fundador procurou elevar o mais alto possível a vontade do Pai, utilizando, inclusive, toda a expressão em letra maiúscula.

Na oração e na vida Dois parágrafos acima, o Moysés dizia que a forma mais plena de, pela oração   o amor esponsal a Jesus é o louvor, a adoração, a gratidão. Aqui, afirma que transbordar  o a forma mais plena de viver  o   o Amor Esponsal é obedecer fielmente à voz do amado: Ser amantes da Santíssima Vontade do Pai e ter toda a diligência para descobri-la e cumpri-la é a forma mais plena de, na vida, transbordar este amor, obedecendo ielmente à voz do Amado “Diligência” é uma das palavras preferidas do nosso fundador, tanto em sua linguagem escrita quanto falada. Significa zelo, atenção, doação de si, não poupar esforços, aplicarse inteiramente. Para o nosso fundador e nossa vocação, a vontade de Deus é algo muitíssimo sério, altíssimo, merecedora de todo respeito e veneração. A diligência, ou seja, sério empenho para descobrir a vontade de Deus e cumpri-la fielmente não é, na vida espiritual, uma brincadeira de pessoas volúveis e imaturas, mas o diferencial com relação a pessoas maduras e coerentes. Segundo o parágrafo 20, eis as provas de que, na vida, amamos a Deus com amor  esponsal:  Ser amante da Santíssima Vontade do Pai ;  Ter toda diligência para descobri-la;  Ter toda diligência para cumpri-la;  Obedecê-la fielmente. Para usarmos a linguagem clássica, estes passos não são outra coisa senão unirmos,  peloo amor e por amor e de forma perfei  pel perfeita, ta, nossa vontade à vontade de Deus, de forma que não haja senão uma única vontade, um único amor. Esta é a santidade das almas menores e piores, como nós, Shalom. Sobre sua experiência pessoal quanto à vontade de Deus, fala-nos o Moysés em sua Carta à Comunidade 2005: O conhecimento de Deus foi-me fazendo trilhar a via do autoconhecimento e esta me oi fazendo compreender que amar a Deus é deixar-me configurar à Sua Santa Vontade. 102

Como descobrir a vontade de Deus? Este será o assunto principal do Moysés no restante do parágrafo 20 e nos parágrafos 21 e 22. Eis o que nosso fundador nos aconselha a fazer: desenvolver a escuta ao Senhor.  Descobriremos esta Vontade tanto mais claramente quanto mais desenvolvermos nossa escuta ao Senhor. Concretamente, o que isso significa para nosso fundador:  Digo escuta no sentido pleno da palavra: escuta de Deus em nossa oração, em Sua  Palavra, nas moções do Espírito, no silêncio si lêncio interi interior or onde se ouve a voz de Deus. Eis a lista, que está aí há vinte anos:  Na oração;  Na Palavra;  Nas moções do Espírito;  No silêncio interior;  Na escuta. Retornamos ao sentido de oração como “parada com Deus”. É preciso tempo para escutar. É preciso não só deixar Deus falar, como também aprender a distinguir sua voz, e as “inflexões” espirituais da mesma. É preciso tempo para orar e meditar com a Palavra, fazendo nossa Lectio, nossa leitura oracional. É preciso um coração atento, que ore e louve sem cessar, um coração experimentado no uso dos carismas para perceber as moções do Espírito. É preciso parar, fazer religiosamente nossos retiros pessoais para atenção ao nosso interior, onde Deus habita. Infelizmente, é frequente ver todas essas orientações – e as que se seguem – ignoradas e, ainda assim, querermos ser almas esposas, querermos conhecer a vontade de Deus, como se a vivência da vocação fosse uma orientação vinda de homens e não de Deus. É inspirado por Ele que o Moysés inicia o parágrafo 21 de forma inequívoca:  A voz do Amado é reconhecida pela alma que O busca e tem inti intimidade midade com Ele na oração. É frequente encontrarmos pessoas em busca sincera de um discernimento espiritual sobre a vontade de Deus. São jovens que buscam discernir sua vocação e seu estado de vida, pessoas em busca de discernimento sobre sua vocação, formadores comunitários e responsáveis locais com casos desafiantes, membros dos Conselhos Locais em busca de luz, profissionais à procura de orientação segundo a vontade de Deus para suas decisões,  paiss de famíl  pai família ia em busca de deci decisões sões sobre a mel melhor hor conduta seg segundo undo a vontade de Deus, entre tantos outros. Tudo isso é muito bom. A ajuda do irmão que ora é, sem 103

dúvida nenhuma, essencial para um bom discernimento da vontade de Deus. No entanto, ela não é tudo e o Moysés deixa isso bem claro:

Deus quer nos falar muito mais coisas do qu que e stamos dispostos dispostos a ouvir! ouvir! Sem uma verdadeira, fiel e autêntica vida de oração diária é impossível  reconhecermos a voz Daquele que muitas coisas nos quer falar. Aqui se introduz um elemento importantíssimo. Deus nos quer falar muitas coisas. Sua voz não se restringe à resposta e às perguntas que lhe fazemos. Ele quer-nos falar  muito. O Moysés fala como Santa Teresa, que declara Deus ofender-se quando lhe  pedimos  pedi mos pouca coi coisa, sa, uma vez que El Elee é infi nfini nito to e, amando-nos imensamente, aleg alegra-se ra-se em dar-nos sempre muitas e grandes coisas. Lembra-se que, quando falamos das bodas com o Cordeiro, dissemos que estas bodas são pessoais, únicas, personalizadas, exclusivas, íntimas entre nós e Ele? Lembra-se de quando falamos da Sua alegria ao nos receber como esposas, prontas, preparadas, belas? Lembra-se de quando falamos que Ele se encherá de alegria e expressará todo o seu amor por nós de forma pessoal e íntima? Lembra-se de quando falamos que nós, muitas vezes, não nos damos conta desta realidade e restringimos nosso relacionamento com o Cordeiro como um relacionamento “de mutirão”, entre os escolhidos como se fosse um grupo impessoal? Pois bem, aqui corremos o risco de cair no mesmo erro da impersonalidade. Há coisas, muitas coisas, que, em sua intimidade de Esposo, o Cordeiro e o Espírito tem a dizer a nós, suas almas esposas, e a mais ninguém. Claro que alguém precisará, sempre, discernir conosco, mas há coisas que  só a nós  será dado “ouvir”, “escutar”, “saber”, “conhecer”. Coisas que fazem parte de nossa caminhada espiritual única, de nossa vivência única do amor esponsal por Jesus. Só nós, e mais ninguém, podemos viver este amor reservado a nós e a Ele. Só nós podemos ouvir e conhecer o que Ele tem reservado somente para nós. Se não o ouvirmos, ninguém mais o ouvirá, pois é a nós que Ele reservou para dizer: você entende? Entende como é imenso, belo, pessoal, apaixonado este amor do Esposo por você?

Distinguir a voz de Deus da nossa própria voz Tudo isso é muito belo, e é muito bom e importante ser lembrado. Porém, há o risco  para o qual o Moysés alerta, repetindo o que disse em Obra Nova: (Sem vida de oração autêntica, fiel e diária, não reconheceremos a voz de Deus) e corremos o risco de, surdos à Sua voz, chamar às nossas paixões, à nossa carne, aos nossos planos pessoais e a nossa vontade própria de voz de Deus. Todos nós, infelizmente, teríamos tristes histórias para contar das vezes que, sem vida 104

de oração autêntica, diária, fiel, acabamos chamando nossa própria voz, nossas paixões, nossa carne, nossos planos pessoais, nossa vontade própria de voz de Deus! Sem contarmos com a ajuda do formador pessoal – e, muitas vezes, sem obedecê-lo – a situação pode piorar muitíssimo. Não são poucas as pessoas que abandonam as células, o apostolado, a vida comunitária e por vezes a própria comunidade, por chamarem à  própriaa voz de voz de Deus.  própri Sobre isso, há exemplos bastante tristes na história da Igreja, como o de Judas, Orígenes, Lutero, Calvino e tantos outros menos conhecidos. Isso não quer dizer que todos os que tomam atitudes parecidas não ouviram a voz de Deus. Significa que, a falta de uma vida diária, autêntica, e fiel de oração e de um acompanhamento pessoal sério em busca da vontade de Deus são os caminhos mais arriscados para acabar sendo enganados pelo Inimigo e ainda achar que estamos cheios de razão. Se há uma voz que o Inimigo vai utilizar para nos confundir e nos fazer pensar que é a de Deus, esta é a nossa própria voz, a nossa própria vontade. O fruto é, quase sempre, o  pior  pi or possível. Continuando a falar sobre discernimento da vontade de Deus, é exatamente sobre o grande atrapalhador deste discernimento e o maior interessado em que ele não dê certo, que o Moysés nos alerta no parágrafo 22: 22. Esta é uma armadilha sutil que o inimigo das almas usa para afastá-las do caminho da salvação. A única maneira de lutarmos contra tudo isto é não procurando mais ver as coisas como “homem natural” (1Cor2,13-16) mas como o “homem espiritual” as vê, e só poderemos ter esta visão mergulhando na contemplação, em intimidade com o Amado. Através desta intimidade poderemos conhecer, ouvir, discernir e amar esta Santa Vontade. Sermos amantes da vontade de Deus todos os momentos de nosso dia e de nossa vida é descobrir e beber da fonte da Paz e da  Felicidade.  Felici dade. A que se refere o “esta” com que o Moysés começa a frase? A frase anterior é tão longa e rica de elementos que podemos perder o sentido fundamental do pronome “esta”. “Esta” refere-se à falta de uma vida de oração autêntica, fiel e diária, que traz todas as consequências enumeradas depois, inclusive a confusão entre a própria voz e a de Deus. Veja bem que nosso fundador fala em salvação. É, portanto, bem mais pesado do que se ele utilizasse a palavra vocação. Sem a vida autêntica de oração, o Inimigo pode, com facilidade, afastar-nos da salvação, pois sem a oração, passamos “a ver as coisas como ‘homem natural’’ e deixamos de vê-las como ‘homem espiritual’, isto é, homem de Deus, homem que reza, que tem intimidade com o Amado”. O alerta é bem claro: a grande e sutil armadilha que o Inimigo usa para nos afastar da vontade de Deus é nos roubar da vida de oração, pois assim passamos a ver as coisas como o homem natural, para o qual as coisas do mundo “não têm nada demais”, “são exagero” “radicais demais”, “injustiça das autoridades” 63. 105

São tantos os episódios que exemplificam este triste quadro na nossa vida e na vida dos nossos irmãos que é desnecessário dar exemplos. O interessante é que olhando para trás, a pessoa não saberá quando ou como passou a considerar todas as coisas não mais como o Espírito de Deus, mas segundo o espírito do mundo.

A voz de Deus e nossos afetos  Nossa experiênci experiênciaa de 24 anos 64 tem-nos ensinado que um ardil que o Inimigo mais usa  para que chamemos a voz de Deus de nossa voz são as frag fragil iliidades que trazemos em nossos afetos. Quantos temos visto em nosso meio que, após anos de uma opção livre, bem discernida e bem orada pela vocação, tendo dado frutos maravilhosos no apostolado e na vida fraterna, começam, “de repente”, a confundir-se acerca da vontade de Deus para eles. A vocação, sua vida, começa a ter importância cada vez menor diante do apelo interior  a suprir carências afetivas, preencher vazios deixados pela imaturidade humana e falta de autoconhecimento, corresponder a apaixonamentos, autoafirmar-se, “cuidar da própria vida”, voltar a caminhos já deixados para trás por livre amor a Deus e reconhecimento da  própriaa vocação.  própri  Na quase total totaliidade dos casos, além de ex expressi pressiva va falt faltaa de autoconheci autoconhecimento mento e maturidade, existem também contingências passageiras como stress, cansaço, solidão, excesso de trabalho.Ou ainda características de personalidade como dificuldade em expressar seus sentimentos e fatores ligados à hereditariedade. Começam a armar-se os planos e sonhos pessoais, e nós nos entretemos com eles, com tal intensidade, que depõem completamente o homem espiritual. Dão vitória ao homem carnal, que busca mais a si mesmo e sua própria vontade, mais à satisfação de suas carências, autoafirmação e sonhos do que à vontade de Deus. Ouve-se, então, pessoas que dizem ser “o tempo de cuidar de mim”, “o momento de cuidar de minha própria vida”, “o momento para pensar um pouco em mim”, “afinal, tanta gente saiu e é feliz”. Interessante como estas pessoas separam vocação e vida, como se fossem duas coisas diferentes. Não perceberem que não há distinção entre elas, assim como não existe distinção entre a identidade do carisma e a do vocacionado. Separam, em seus raciocínios já confusos, vida e vocação, identidade do carisma e identidade própria. Embora se possa experimentar certo alívio no momento em que se escolhe algo diferente da vontade de Deus, com o tempo as consequências se estabelecem, pois a ruptura dá-se a nível de identidade profunda e não de sentimentos ou emoções. O passo seguinte à confusão entre os próprios desejos e os de Deus é, em geral, fechar-se em um afeto, em uma pessoa, em um argumento, em uma opinião teimosa, em uma recusa a ouvir o outro, enfim, em si mesmo. É preciso um verdadeiro milagre, uma 106

intervenção de Deus para arrancar esta pessoa dessa situação de erro quanto ao direcionamento de sua vida segundo a vontade de Deus. Não há como alguém sair desta situação sem a oração dos irmãos e a dela mesma, ainda que esteja incipiente ou até nem exista mais. A união da própria vontade à vontade de Deus foi dura para Jesus no Getsêmani e é dura, muitíssimas vezes, para nós. O Senhor, por sua vez, nos faz passar por provas que  purifi  puri ficam cam nossa vontade e nosso amor a El Ele. e. Nestes momentos, fi fica ca cl claro aro que a maio maior  r   prova de amor a Deus e à vocação é aprender a obedi obediência ência que Jesus aprendeu ao abraçar a morte de cruz: “No entanto, seja feita, Pai, a vossa vontade e não a minha”. Por ser um dos graus mais altos da vida espiritual e do amor esponsal, esta “prova da vontade”, este unir a própria vontade à de Deus 65, ainda que com toda a dor do mundo, é, ao mesmo tempo, prova de toque da autenticidade do nosso amor a Deus e ao irmão e libertadora purificação para crescer neste mesmo amor. Por ser um chamado a um grau mais alto de amor e união a Deus, esta prova não ocorre, normalmente, nos primeiros anos de caminhada, mas surge depois de outras  provas venci vencidas. das. Uma vez ul ultrapassada trapassada a prova, este desejo do Esposo de uni unirr à del delee a nossa vontade entramos em um novo patamar de vida espiritual, nunca antes sonhado  por nós. Ing Ingressamos, ressamos, igual ualmente, mente, em novo nível de maturi maturidade dade humana, coerência, liberdade interior e imensa e indescritível paz. É como se amadurecêssemos em um “local” que só poderia ser amadurecido desta forma. Fico, por vezes, a me perguntar, se esta “prova da união de vontades” não é chave fundamental para conhecermos o Shalom que é Jesus, que é a plenitude do amor e a plenitude da salvação. Pelo que medito, ouço de Deus e verifico na vida das pessoas, a resposta é: “Sim, sem a menor sombra de dúvida”.

Como Como faz fa z e r a vontade vontade de Deus que que discern isce rnim imos os Uma vez discernida a vontade de Deus, uma vez tendo sido ouvida sua voz, como ser-lhe fiel? Foi para momentos como estes que nosso fundador nos deixou o trinômio: Coragem! Renúncia! Disposição! E acrescentou tantas vezes e de todas as maneiras possíveis: Oração! Oração! Oração! Ele nos alerta, em outras palavras, para o fato de a vida consagrada não ser uma brincadeira ou passatempo, e, a vontade de Deus ser algo tão sério que é sinônimo de amor no relacionamento intratrinitário e no nosso relacionamento com a Trindade: Amar a Deus é deixar-me dei xar-me configurar confi gurar à Sua Santa Vontade.66  Em especial as autoridades, cheias de responsabilidades, serviços, compromissos, são atingidas quando estão fracas na oração. A azáfama, o excesso de “coisas importantes que só eu posso fazer”, as deixa vulneráveis a cair no engodo do Inimigo que, sutilmente, as afasta da voz de Deus, da verdade, do amor esponsal que leva a tudo dar, inclusive a  própriaa vontade, ao amado, custe o que custar.  própri 107

 Nosso fundador foi provado em sua vontade, como se vê pel peloo tex texto to que transcreveremos a seguir. Os grifos são nossos: O conhecimento de Deus foi-me fazendo trilhar a via do autoconhecimento e esta me oi fazendo compreender que amar a Deus é deixar-me configurar à sua santa vontade.67  Vontade de Deus, caminho de plenitude da felicidade de nossa vida. Vontade de  Deus, mistério mi stério de cruz e ressurr essurrei eição, ção, de dor e alegria, de violênci violênciaa e paz. Vontade de  Deus, via pela qual o Espírito, Espíri to, em meio mei o às doçuras e exigênci exigências as do amor amor,, conduz cada essoa a dar seu Fiat (“Faça-se”) incondicional ao Pai. Foi assim com Cristo no  Batismo e no Getsemani. Getsemani . Quem não reza, não se conhece. Quem não se conhece, não tem como saber a diferença entre a própria voz e a de Deus. Insegura de si mesma, essa pessoa vai resistir  a deixar-se configurar à vontade de Deus e vai insistir em sua própria vontade. O Moysés enumera vários contrastes da vontade de Deus, que dói (como ele diz,  porque nossa carne “rang “range” e” contra el ela), a), mas m as liberta. liberta. Veja Veja só:   Mistério de cruz e ressurreição - pois é preciso morrer para a nossa vontade, crucificá-la na cruz de Cristo, a fim de com Ele ressurgir para ser o que Ele quer que sejamos.  Mistério de dor e de alegria – se cumprirmos a vontade de Deus é nosso maior ato de amor a Ele, como o foi a obediência de Cristo, descobriremos o verdadeiro amor: aquele que se esconde atrás da dor. “Para ser amor, tem que doer”, como disseram Madre Teresa e João Paulo II. Fazer a vontade de Deus, na maioria das vezes, dói. A recompensa, entretanto, é a alegri alegriaa da ressurrei ressurreição. ção.  Mistério de violência e paz – violência a nós mesmos, à nossa própria vontade para vivermos como ‘homens espirituais’ na paz que é Cristo, o Shalom do Pai, a plenitude do amor, que fez violência a si próprio para ser para nós a paz perdida pelo pecado. É impressionante a frase de Bento XVI em sua Encíclica  Deus é Amor , quando diz que, na  paixxão e morte de Cris  pai Cristo, to, “Deus se vol volta ta contra si mesmo”. É isso que o amor nos leva a fazer pelo bem do outro, por amor a Deus: voltarmo-nos contra nós mesmos, nossa carne, nosso homem natural, nossa vontade.  Mistérios de doçura e exigências do amor – doçuras da oração, da contemplação, da Eucaristia, da convivência com os irmãos e as exigências que cada uma destas “doçuras” esconde.   Via do Espírito para nos conduzir ao nosso ‘sim’ maduro e definitivo, não mais disposto a se deixar atrair por qualquer compensação pessoal, mas, pelo contrário, disposto a tudo entregar a Deus, especialmente as compensações pelas carências e imaturidades pessoais. Vontade de Deus, via de violência e de paz! Deus nos dê a graça desta violência, 108

 própria dos santos e dos mártires. Deus nos dê esta têmpera.  própria Bem-aventurados os violentos, cujo autoconhecimento, maturidade, convicção, confiança em Deus e amor a Ele e aos homens dá-lhes a vitória na “prova da união de vontades”! Bem-aventurados os violentos, os que não temem as exigências do amor, sua cruz e sua dor: estes sabem “pendurar-se em Deus”, lavaram suas vestes no sangue do Cordeiro, contam com sua graça para, mesmo na dor, viver sua santa vontade, felizes  por pagar qualquer qualquer preço. Estes têm a têmpera dos márti már tires. res.

Violência, Felicidade e Paz  Nosso fundador termi termina na o parág parágrafo rafo insi nsisti stindo ndo sobre a vi vida da de oração como ponto  básico  bási co in indi dispensável spensável para di discerni scernirr a vontade santíssi santíssima ma do P ai ai,, para amá-la e, nel nelaa encontrar a felicidade e a paz:  Através desta inti intimidade midade poder poderemos emos conhecer conhecer,, ouvir ouvir,, discerni discernirr e amar esta santa vontade. Sermos amantes da vontade de Deus todos os momentos de nosso dia e de nossa vida é descobrir e beber da fonte da Paz e da Felicidade. Surge aqui mais um postulado nítido de nossa espiritualidade: Ser amante da vontade de Deus todos os momentos do nosso dia e da nossa vida é descobrir e beber da fonte da Paz e da Felicidade. Explicando melhor:   Somos chamados a amar e fazer a vontade de Deus em todos os momentos do nosso dia (ver também parágrafo 23);   Somos chamados a amar e fazer a vontade de Deus em todos os momentos da nossa vida;  Fazer a vontade de Deus em todas as circunstâncias, por amor a Ele, é descobrir a fonte da paz e da felicidade;  Fazer a vontade de Deus em todas as circunstâncias, por amor a Ele, o Esposo, é  beber,, usufruir,  beber usufruir, da fonte da paz e da fel f eliici cidade; dade;  Ser feliz é amar e fazer a vontade de Deus custe o que custar, como uma boa alma esposa;  Esta vontade se descobre na oração fiel, diária, autêntica, profunda, durante a qual Deus tem muito a nos falar.  Na Carta à Comunidade 2005, baseado, como sempre, em sua experiência pessoal e na inspiração de Deus, o Moysés nos indica, ainda, Maria como caminho para discernir e fazer a vontade de Deus:  Assim também foi com Maria na Anunciação e aos pés da Cruz. Foi este mesmo ‘sim’ que conduziu Cristo à gloriosa ressurreição. Foi também este ‘sim’ que tornou aria Mãe de Deus, da Igreja e de toda a Nova Humanidade. Por isso, alguns santos, 109

de formas variadas, puderam dizer: “Vontade de Deus, meu paraíso.” Com eles odemos dizer: “Vontade de Deus, lugar seguro onde mora a plenitude da Paz. Aquela  Paz verdadeira, que nem o tempo nem as tribulações tri bulações desta vida vi da podem roubar”. Aí está, com simplicidade admirável, a maneira de discernir e amar a vontade de Deus na espiritualidade Shalom. É este o espírito do fundador, é este o caminho do nosso carisma.

110

PARTE VIII

AMOR AO IRMÃO

1111 11

CAPÍTULO XXII

Receber para dar OEscrito  Amor Esponsal   é, na realidade, um escrito sobre a vivência do amor e da santidade na Vocaçã Vocaçãoo Shalom. Ao longo longo dos anos, anos , sua compree c ompreensão nsão foi-se aprofundand apro fundandoo  pelaa vivência,  pel vivência, história, história, documentos da Igreja e palestras e escritos do próprio próprio fundador. Se tomarmos, por exemplo, a Encíclica  Deus Caritas Est   veremos não poucas coincidências entre seus ensinamentos e os do  Amor Esponsal . Outro documento fundamental foram os Estatutos, que delineiam, detalham, dão orientações pastorais e contextualizam o amor esponsal em nossa vocação no seu episódio fundante, Jo 20,19ss. Além deles, a Carta à Comunidade 2005  acrescenta, em poucas frases, chaves fundamentais para sua leitura. Digo isso logo na introdução deste capítulo devido à amplitude de seu conteúdo e ao que tem escrito em suas entrelinhas, mais facilmente legível para quem viveu sua elaboração el aboração diante das característi características cas históricas históricas que a cercaram. ce rcaram.

Amamos porque fomos amados A afirmação acima, que, a princípio, parece-nos tão óbvia, merece pelo menos uma visão histórica panorâmica. O primeiro a afirmá-la é São João, em sua I Carta, capítulo 4, onde nos diz:  Amamos por porque que Deus nos amou primei primeirro. Isto é, se não tivéssemos recebido de Deus o amor, não teríamos como amar, pois só Deus é amor e só Ele tem como doar amor. Todo amor vem Dele e de nenhuma outra fonte. João Paulo II dirá a mesma coisa em seu documento Mulieris Dignitatem, quando afirma que a mulher ama porque foi amada e Bento XVI corrobora o princípio bíblico ao afirmar: Quem quer dar amor, deve ele mesmo recebê-lo em dom. Certamente o ser  humano pode - como nos diz o Senhor – tornar-se uma fonte de onde correm rios de água viva (cf. Jo 7, 37-38); mas para tornar-se semelhante fonte, deve ele mesmo beber, incessantemente, da fonte primeira e originária que é Jesus Cristo, de cujo coração trespassado brota o amor de Deus (cf. Jo 19,34). 68 Os artigos 1 e 2 dos Estatutos mostram-nos Jesus como aquele que faz uma real comunicação  da paz e a doação  da salvação plena em Jo 20,19. Dele recebemos o amor, o Shalom de Deus, para ministrá-lo ao mundo. Ao longo dos Estatutos, assim como do Escrito  Amor Esponsal , como vimos, repete-se à exaustão a ideia: precisamos receber amor de Deus (ser discípulos da paz) para dar amor (como ministros da paz). De nós mesmos, somos os menores, os piores, não temos amor para dar, a não ser que o recebamos de Deus, fonte de todo amor e, portanto, de toda capacidade de amar. 112

Em sua Carta à Comunidade 2005, o Moysés também nos fala do amor recebido de Deus como dom do Espírito Santo a ser vivido segundo nossa vocação, que nos leva à  pleni  pl enitude tude do amor, isto é, à paz 69:  Este Espírito é derramado sobr sobree nós quando cremo cremoss no Cristo e deixamo-nos insuflar pelo seu sopro divino, através dos meios que na nossa vocação nos foram concedidos, até chegarmos à plenitude do Amor. Isso é, à Paz.

Shalom, Amor, Justiça Vale a pena um breve parêntese sobre o que nosso fundador vê como Shalom, amor e ustiça e como foi evoluindo em sua conceituação sobre estes termos. Sobre esses termos, como sobre outros temas, percebe-se nítida evolução dos conceitos que vão se aprofundando (sem, entretanto, se negarem) ao longo do tempo.  Nas pri primei meiras ras Regras, escri escritas tas em 1984, o Moysés defi define ne Shal Shalom om como P az, que  significa  signi fica saudação desejando todo o bem estar espiritual, espi ritual, físico, material e emocional, emoci onal, ou seja, a saudação de Jesus Cristo70 .  No Escrito Shalom, Shalom, de 1986, di diz: z:  Para o povo de Deus, que esperava ansiosamente a manifestação do Messias, a saudação Shalom era já como um anúncio da salvação. Quando se saudavam mutuamente com o ‘Shalom’, expressavam o desejo de toda a  sorte de bens espiri e spirituais tuais e físicos: físi cos: a felicidade feli cidade perfeita, a salvação que o Messias Messi as viria vi ria dar, a plenitude da PAZ. A verdadeira paz que não vem dos homens, mas de Deus. (...) esus, assim, é o próprio Shalom do Pai, Ele vem nos dar a perfeita felicidade, a  salvação. Ele é o Shalom que tanto os corações como o mundo necessitam. (... (...)) a paz da reconciliação com Deus, a paz da conversão, do voltar-se para Jesus, de reconhecêlo como Salvador e Senhor da humanidade, único caminho de verdadeira paz, da verdadeira justiça (o Evangelho), do verdadeiro amor 71 . Ao escrever os Estatutos em 1998, define Shalom da seguinte forma:  Em Jesus esta  saudação é uma real comunicação da Paz, ou seja, de toda sorte de bênçãos espirituais e materiais, a felicidade perfeita que o Messias nos traz. É, enfim, o anúncio e a doação da salvação plena. Assim, podemos dizer que Jesus é o Shalom do  Pai para o mundo, a verdadeira, plena e única úni ca paz que o homem pode ter ter..  Na Carta à Comunidade 2005, no texto transcrito acima, descreve o Shalom como a ‘plenitude do Amor’. Esta descrição o leva à comunhão antecipada com o espírito de Bento XVI em sua Encíclica  Deus é Amor , de janeiro de 2006.

O anseio do Coração de Deus A penúltima parte do Escrito  Amor Esponsal   fala-nos, exatamente, que é o amor ao nosso irmão a prova de que fomos amados por Deus, de que o amamos e o temos como Esposo. O Moysés parece percorrer o mesmo itinerário espiritual que São João, com 113

coincidências muito interessantes sobre conceitos como esponsalidade, Cordeiro, Bodas, Coração Traspassado, Pentecostes Joanino, amor ao irmão como prova de amor a  Deus, Bodas do Cor Cordeiro deiro72 . Diz o nosso Escrito: 24. É anseio do Coração do Amado que nos dediquemos a dar provas de amor uns ara com os outros. O amor ao irmão é uma maneira concreta de mostrarmos o quanto amamos o nosso Amado, amando aquele a quem tanto Ele ama e por quem Ele deu a  sua própria vida. Como não dar a vida por aqueles por quem o Amado a deu? É  vontade do Senhor que transbordemos este amor sobre aqueles que Ele ama. O Senhor  quer de nós para com eles o perdão, mansidão, paciência, generosidade, bondade, alegria, dedicação, amor, serviço. O Senhor deseja que demos aquilo que Ele nos dá e isto não nos empobrecerá, mas, pelo contrário, nos enriquecerá aos olhos Daquele que nos ama. 25. Devemos enxergar nos irmãos excelente oportunidade de darmos provas de amor  a nosso Rei. Aceitando as suas ofensas, ouvindo os seus queixumes, amando os que não são amados, perdoando os que são difíceis de perdoar, vivendo o Seu Amor, de maneira especial com os que mais necessitam Dele, estaremos vivendo nossa vocação que é Vocação de amor, por amor e para o Amor. Como já comentamos, vivíamos, no Brasil e em outros países da América Latina, em um contexto histórico de ditadura política e algumas dificuldades com relação à visão do  pobre, da justi justiça ça e da vi vida da de oração por alg alguns uns membros da Igreja ligados a certa Teologia da Libertação, que resistiam bastante à comunidade nascente que apresentava  propostas di diversas versas das suas. Bento XV XVII descreve de forma suci sucinta nta e bri brillhante esta situação histórica em  Deus Caritas Cari tas Est, n. 27 a 29. Este fato nos cerceou um pouco no nosso vocabulário e nossa tendência seria pensar  que nos cercearia também com relação à nossa visão do pobre. No entanto, quando estudamos a pessoa humana na visão do Carisma Shalom, percebemos que para nosso fundador, na realidade, o homem não está dividido em “categorias”. Para ele, a pessoa humana não deve ser considerada segundo sua classe social ou comportamento, mas segundo o fato de conhecer ou não Jesus Cristo. Toda e qualquer pessoa humana será infeliz enquanto não conhecer Jesus Cristo e feliz quando O conhecer. Mais uma vez Bento XVI virá corroborar o pensamento do nosso fundador:  A rimeira pobreza dos povos é não conhecer Cristo. Por isso, é preciso levar a encontrar Deus no rosto misericordioso de Cristo. (...) Por isso, a primeira contribuição que a Igreja oferece para o desenvolvimento do homem e dos povos não  se consubstancia em meios materiai materiaiss nem em soluções técnicas, mas no anúncio da verdade de Cristo que educa as consciências e ensina a autêntica dignidade da pessoa e do trabalho, promovendo a formação duma cultura que corresponda verdadeiramente a todas as exigências do homem73 . 114

Tanto o Santo Padre, em 2006, quanto nosso fundador, afirmam que a felicidade virá quando a pessoa humana acolher o anúncio explícito de Jesus e tiver uma experiência  pessoal com Ele passando, a partir daí, ao amor am or esponsal que é para todos e tornando-se um ministro deste amor esteja onde estiver, seja quem for. Para nossa vocação, o homem evangelizado é o que teve a experiência pessoal com Jesus Cristo, que o conhece e reconhece como Senhor, que passa a amá-lo como Esposo e, por amor a Ele, ama seu irmão, como fruto desta experiência e da formação subsequente a ela. Isso é a felicidade.  Nos Escri Escritos, tos, não encontramos referências a cl classes asses ou categ categori orias as de pessoas. Nos Estatutos, fala-se do socorro aos necessitados e aos que sofrem todo tipo de necessidade material e/ou espiritual. Isso, a nosso ver, advém muito mais do conceito do que se considera felicidade, amor e salvação plenos do que, propriamente, pressões ou  preconceitos  preconcei tos dos iníci nícios os da fundação. Nos primeiros primeiros tempos, com rel relação ação ao serviço aos  pobres, a práti prática ca do servi serviço ço aos pobres da forma como o fundador consi considerava derava dever  ser, pode ter sido mal interpretado o conceito do homem pleno como aquele que conhece Jesus nos impele a amar todo homem como a um irmão. Tomemos, sob este ponto de vista, o parágrafo 24. O irmão:  É alguém a quem nos devemos dedicar, dando provas concretas de amor.  É aquele a quem Jesus amou, dando sua própria vida.  É aquele a quem devemos dar nossa própria vida, em união com a doação de vida do Esposo.  É aquele sobre quem devemos transbordar o amor que o Esposo nos dá.  É aquele com relação a quem devemos viver as virtudes.  É aquele em quem devemos ver nosso Rei e dar-lhe provas do nosso amor  74 (cf. Mt 25). É nosso irmão, pobre ou rico, intelectual ou analfabeto, doente ou sadio, pecador ou santo, socialmente importante ou sem nenhum status social.

Provas concretas de amor A maior prova de amor que podemos dar ao nosso irmão, nosso rei, é o Shalom do Pai, a salvação plena, o amor pleno. Em seguida, a prova concreta de amor a dar é aquela de que ele necessita. Jesus sempre foi muito claro e prático quanto a isso. Em Mt 25, fala que a quem tem fome, deve dar-se de comer, a quem tem sede, de beber, a quem está nu, vestimentas. Quando encontra a sogra de Pedro com febre, não lhe dá algo que ela não precise, mas a cura da febre. À filha de Jairo, morta, dá a vida. Aos endemoniados, dá a libertação. Aos cegos, a recuperação da vista. Ao servo do rico centurião, a saúde 75. 115

Com muita praticidade, disse que “um pai não daria um escorpião ao filho que lhe  pedisse  pedi sse um ovo ou uma serpente ao que lhe pedi pedisse sse um pei peixe”. xe”. O amor concreto dá ao irmão aquilo de que o irmão precisa, desde que fique bem estabelecido que a primeira necessidade de todo homem, de cada homem, é o encontro pessoal com Jesus Ressuscitado 76 ,pelo qual cada homem é amado por Deus e por seu irmão e passa a amar  o próximo. Os parágrafos 24 e 25 dão uma lista de atos bem concretos de amor: perdão, mansidão, paciência, generosidade, bondade, alegria, dedicação, amor, serviço, aceitação das ofensas, escuta dos queixumes, amor aos não amados, perdão aos difíceis de  perdoar..  perdoar Todo homem, pobre ou rico, necessita destas provas concretas segundo sua necessidade específica. Dentro de nossa espiritualidade, cabe a nós estarmos atentos a qual prova de amor necessita nosso irmão. Isso pode ir de um simples telefonema à doação de uma casa para ele morar, de uma hora de escuta fraterna a um ano de cuidados com sua enfermidade. De uma oração de cura interior a um ano de penitência  por sua libertação. Da ajuda para a passag passagem em de ôni ônibus bus à ajuda mensal para o medicamento medi camento de uso contínuo. O importante – importantíssimo! – é que o atendimento concreto a essas necessidades vem em segundo lugar. O mais importante, sua necessidade maior, é conhecer o amor de Deus em Jesus Ressuscitado através do nosso testemunho e do nosso amor. Em nenhum momento admite-se, neste Escrito ou em um outro, suprir as necessidades dos irmãos friamente, apenas como a satisfação de sua necessidade. Para nós, em primeiro lugar  vem o amor e a consequente evangelização do irmão, para que ele ame, pois cremos que, em qualquer circunstância, esta é sua necessidade maior até chegarmos (com ele) à lenitude do Amor. Isso é, à Paz. Foi exatamente esta visão da pessoa humana necessitada e nossa forma de amá-la e servi-la que nos levou a testemunhar no encontro de lançamento da encíclica  Deus Caritas Est 77 . Esta carta encíclica apresenta a mesma mentalidade e proposta do nosso modo de amar e servir o não amado, o necessitado, o pobre, o irmão, quem quer que ele seja:  Revela-se, assim, como possível, o amor ao próximo próxi mo no sentido enunciado por Jesus na Bíblia. Consiste precisamente, no fato de que eu amo, em Deus e com Deus, a essoa que não me agrada ou quem nem conheço sequer. Isso só é possível realizar-se a partir do encontro íntimo com Deus, um encontro que se tornou comunhão de vontade, chegando mesmo a tocar o sentimento78 .Então, aprendo a ver aquela pessoa á não somente com os meus olhos e sentimentos, mas segundo a perspectiva de Jesus Cristo. O seu amigo é meu amigo. Para além do aspecto exterior do outro, dou-me conta da sua expectativa interior de um gesto de amor, de atenção, que eu não lhe faço chegar somente através das organizações que disso se ocupam, aceitando-o, talvez por  necessidade política. Eu vejo com os olhos de Cristo e posso dar ao outro muito mais 116

do que as coisas externamente necessárias: posso dar-lhe o olhar de amor de que ele recisa. Aqui se vê a interação que é necessária entre o amor a Deus e o amor ao róximo, de que fala com tanta insistência a I Carta de João. Se, na minha vida, falta, totalmente, o contato com Deus, posso ver no outro, sempre e apenas, o outro e não consigo reconhecer nele a imagem divina. Mas se na minha vida negligencio completamente a atenção ao outro, importando-me apenas com ser “piedoso” e cumprir os seus “deveres religiosos”, então definha também a reação com Deus79 . O Santo Padre coloca, em palavras diretas e em outro estilo, o que nosso fundador  escreve no  Amor Esponsal . Este fato deve encher-nos de gratidão a Deus, que nos conduziu com tanta segurança e carinho, com tanta clareza e profundidade, com tanta  profeciaa apesar de sermos os piores.  profeci

No traspassado, o amor da Trindade, o amor integral ao irmão Bento XVI nos ensina a receber o amor de que precisamos para amar na contemplação do Traspassado, esvaziado, empobrecido, ferido, abandonado, não amado, sozinho. O Moysés faz-nos este mesmo convite a haurir amor através da contemplação do Ressuscitado que passou pela cruz, vitorioso, mas com suas marcas gloriosas. Em ambos os casos, contemplamos a Trindade que se faz pobre, que faz a kénosis de Jesus  por amor a nós. Contempl Contemplamos, amos, igual ualmente, mente, Jesus que se faz pobre, necessi necessitado, tado, e esvazia-se, faz sua kénosis de amor ao Pai e a nós. Jesus com seu lado aberto, quer no Traspassamento, quer na aparição como Ressuscitado, é aquele que se esvazia de si, do Espírito, do Pai, por amor a nós. Precisamos receber o Espírito Santo que Jesus nos dá, a fim de sermos enviados por Ele como o Pai o enviou: para os menores, os piores, os vasos de argila, os mais pecadores, os miseráveis, os necessitados de toda sorte, os carentes de pertença, de ajuda, de amor  concreto. Em ambas as passagens, o Espírito Santo nos é dado e, com Ele, a capacitação e a sede de amar o irmão como Jesus o amou: até a morte e integralmente. Estamos tão acostumados a repetir que Jesus nos amou até a morte – o que é a pura verdade – que esquecemos de refletir que o Senhor amou a cada irmão, também, integralmente, ao fazer-se homem como cada um de nós. O Escrito Amor Esponsal , em especial nos parágrafos que estamos estudando, além de não dividir homem em categorias ou classes, dá-nos um belo itinerário de amor integral a ele: perdão a quem é difícil de perdoar, mansidão, paciência, generosidade, bondade, alegria, dedicação, amor, serviço, o que o Senhor nos deu, a aceitação de suas ofensas, o acolhimento de seus queixumes, o amor a quem não é amado, o amor especial com os que mais precisam de Deus. Dificilmente encontraríamos uma lista tão completa de formas de amor ao homem. Bento XVI mais uma vez nos ajuda: 117

Toda a atividade da Igreja é manifestação de um amor que procura o bem integral  do ser humano: procura sua evangelização por meio da Palavra e dos Sacramentos, empreendimento apenas muitas vezes heróico nas suas realizações históricas; e rocura a sua promoção nos vários âmbitos da vida e da atividade humana. Portanto, é amor o serviço que a Igreja exerce para acorrer constantemente aos sofrimentos e às necessidades, mesmo materiais, dos seres humanos80 .  De fato, não é possível de modo algum separar a resposta às necessidades materiai materiaiss e sociais dos homens da satisfação das necessidades profundas do seu coração81 .

O não amado Somos chamados a amar o não amado. Esta é uma das afirmações mais conhecidas do Escrito Amor Amor Esponsal. Nossa vocação, como afirma o fundador fundador,, é Vocação de amor, or amor e para o amor . Haver, na terra, alguém não amado é, sem dúvida, a negação da salvação plena, da plenitude do amor, do Shalom, do amor que somos chamados a implantar no mundo. Isso não pode nos deixar em paz. Esta é uma das razões da universalidade de nossa vocação. Enquanto houver um não amado na terra, enquanto ouver alguém que desconheça o amor de Jesus, haverá necessidade de Shalom, vocação de amor, por amor e para o amor. A afirmação do Moysés de que somos uma vocação de amor, por amor e para o amor   exige de nós cuidado e atenção imensos. Somos chamados a amar a todos, mas somos chamados especialmente ( de maneira especial , como diz o texto) a amar os difíceis, os necessitados, os não amados. Estes são o alvo do nosso amor especial, conforme o tex texto. to.  Não sei o que nos trarão os tempos que hão de vi vir. r. Que ti tipo po de não amados, di difícei fíceiss e necessitados o egoísmo cruel da humanidade ainda é capaz de produzir. Hoje, temos verdadeiros contingentes de não amados que, por vezes, mudam de característica dependendo da cultura, do país, até da cidade ou bairro. Em geral, na nossa cultura, os não amados são os aditos de droga e álcool, os moradores de rua, as crianças abusadas sexualmente ou vítimas de violências várias, antes e depois do nascimento, os adolescentes prostituídos, os travestis, as esposas abandonadas, os filhos sem a presença e atenção dos pais, os prisioneiros, os enfermos em geral, os suicidas, as vítimas de enfermidades mentais e emocionais, os idosos abandonados. Em outros países, teremos os “filhos da guerra”, cujos pais faleceram, teremos os neuróticos de guerra, os mutilados  pelas  pel as mi minas, nas, os que perderam parentes em exp expllosões, os que foram interi nteriormente ormente mutilados pelo mau uso da sexualidade, os que têm ódio aos cristãos, os indiferentes a Deus e à fé. Esta é uma triste lista dos não amados que temos na nossa sociedade hoje. Todos, como sabemos, são Jesus em pessoa, como Ele mesmo afirma em Mt 25. São nosso rei, como diz o Moysés. A eles somos enviados. Não há como desviar nosso olhar destes não amados que nos cercam por todos os lados e são alvos especiais do amor concreto que 118

somos chamados a viver como prova de amor ao amado 82.

Adoração, louvor, escuta O que teria este trinômio, repetido três vezes no Escrito  Amor Esponsal   e inúmeras outras nos Estatutos a ver com o amor ao irmão? Certamente a resposta a esta pergunta é desnecessária. Desejo apenas registrar o quanto a adoração ao Santíssimo Sacramento tem sido para nós, desde os primeiros anos, fonte inexaurível de Amor Esponsal. Além desse registro, não posso deixar de colocar como Bento XVI corrobora com esta inspiração do nosso fundador, que afirma encontrarmos na adoração a fonte do amor  esponsal na qual bebemos para amar nosso irmão. Vejamos como nosso Papa nos confirma: Os santos hauriram a sua capacidade de amar o próximo, de modo sempre renovado, do seu encontro com o Senhor Eucarístico e, vice-versa, esse encontro anhou o seu realismo e profunda de precisamente no serviço deles aos outros. Amor a  Deus e amor ao próximo são inseparávei inseparáveis, s, constituem um único mandamento. Mas ambos vivem do amor preveniente com que Deus nos amou primeiro. Desse modo, já não se trata de um “mandamento” que do exterior nos impõe o impossível, mas de uma experiência do amor proporcionada do interior, um amor que, por sua natureza, deve ser ulteriormente comunicado aos outros. O amor cresce através do amor. O amor  é “divino” porque vem de Deus e nos une a Deus, e, através deste processo unificador, transforma-nos em um nós, que supera as nossas divisões e nos faz ser um só, até que, no fim, Deus seja “tudo em todos” (cf. 1Cor 15,28) 83 . Como não retornarmos ao segundo parágrafo deste Escrito e, contemplando a Eucaristia, a qual somos chamados a adorar, vermos em Jesus Eucarístico, tão entregue e esvaziado, todos os homens do mundo, necessitados do seu amor ainda tão desconhecido e bradarmos com Francisco que “O Amor não é amado!”? Como não vermos o Escrito em seu todo, afirmando-nos, peremptória e repetidamente que sem a oração, não existe amor? Como não entendermos que, sem a oração contemplativa, aos moldes de Teresa, parada com Deus, alimentada pelos Sacramentos,  pelaa vida fraterna e pelo apostolado,  pel apostolado, não há amor? Como não entender que só há um amor, que nos desposa e nos une a si para amá-lo cada vez mais intensamente, amando nosso irmão com a misteriosa graça que nos é dada  peloo seu coração aberto?  pel Como ainda ter dúvidas sobre qual nossa espiritualidade com relação à promoção do homem e serviço a todos os homens, especialmente os mais necessitados de amor? Deus seja louvado pela sabedoria do céu derramada em um “pequeno” fundador que, aos vinte e cinco anos, acolheu o que Deus lhe diria para sempre!

119

CAPÍTU CAPÍTULO XXIII XXII I

A frase esquecida esquec ida Existe, em nossos Escritos, uma “frase esquecida”, à qual dedico este capítulo na tentativa de preencher esta terrível e perigosa lacuna. Entre tantas frases do Escrito  Amor    que sabemos de cor e salteado, em meio a tantas belíssimas músicas feitas com  Esponsal  que trechos do Escrito, ficou esquecida uma de suas afirmativas principais, uma chave de leitura para o Escrito inteiro. Pior! Uma frase sem a que não temos como conhecer a identidade de nossa vocação, seu “nome” escondido nas entrelinhas. Leiamos o texto:  Aceitando as suas ofensas, ouvindo os seus queixumes, amando os que não são amados, perdoando os que são difíceis de perdoar, vivendo o Seu Amor, de maneira especial com os que mais necessitam Dele, estaremos vivendo nossa vocação que é Vocação de amor, por amor e para o Amor. A frase a que me refiro é: (...) nossa vocação é Vocação de amor, por amor e para o Amor. Quantas músicas já foram feitas sobre este tema? Quantas pregações você já ouviu sobre isso? Quantas vezes esta frase foi usada em sua formação pessoal e comunitária? Quantas vezes você a utilizou no sacramento da Reconciliação para explicar ao padre que não estava vivendo sua vocação? Após quase 20 anos dos primeiros Escritos, vimos como o pensamento do fundador  foi ficando claro em seus conceitos 84 até afirmar que Shalom é a plenitude do amor. Se formos analisar, este conceito está presente desde 1984, no parágrafo 25! É a indispensável vivência da caridade de Cristo inserida em seu mistério. Tal vivência, absolutamente necessária para os que se dispõem a seguir a Cristo em uma vocação é a  prova de toque de sua autenticidade. autenticidade. Além disso, Cristo, o Ressuscitado que passou pela cruz, ao nos dar a plenitude da salvação85, não nos daria a plenitude do amor 86 que é Ele mesmo, o Shalom do Pai, que é o “dar a vida pelo irmão” 87, o mandamento do amor, o novo mandamento, o amor  maior? Viria o Senhor Ressuscitado que passou pela cruz comunicar-nos um outro amor  que não fosse a sua caridade? Teria Ele se encarnado, morrido e ressuscitado para que continuássemos estagnados na noção de Shalom do Antigo Testamento?  Não nos damos suficiente suficiente conta desta frase. No entanto, este conceito fundamental de nossa vocação está aí, bem claro, desde 1984. Aos poucos, ao longo da história, foi sendo percebido pelo fundador, aprofundado, detalhado, vivido. Poderia –  surpreendentemente! – ser resumida assim: 120

 Amando os irmãos, especialmente os mais necessitados de Deus, estar estaremos emos vivendo nossa vocação que é Vocação de amor, por amor e para o Amor.

Entender melhor para melhor viver Ao ‘discutirmos’ esta frase do ponto de vista da ortografia, o Moysés fez questão de deixar duas maiúsculas em Vocação e Amor. A maiúscula em “Vocação”– logo depois da mesma palavra em minúscula! – serviria, segundo ele, para mostrar que estaríamos falando do nome de nossa vocação, de sua identidade:  somos Vocação de amor amor,, por  amor e para o Amor . Além deste detalhe, há a omissão proposital do artigo “uma”, feita a fim de reforçar o fato de que o fundador falava do nosso ‘nome’, de nossa identidade. Alguma vez já respondemos com esta definição da vocação a alguém que nos  pergunte:  perg unte: “O que é a vocação Shal Shalom?” om?” Ou será que fi ficamos camos sempre gagu aguejando ejando um  pouco acerca de paz, min minis istro tro da paz, di discípul scípuloo da paz, evang evangel eliização, etc.? Da próx próxiima vez, tente responder com esta frase. As pessoas entenderão com facilidade e estarão  preparadas para toda a ex expl pliicação que você lh lhes es dará sobre o concei conceito to de Shal Shalom. om. Di Diggalhes:  A vocação Shalom é uma vocação de amor amor,, por amor e para o Amor . Seu interlocutor perguntará: “Como assim?” E, neste momento, você poderá dizer tudo o que tem direito sobre o que é Shalom. Garanto que funciona. Quanto ao último “Amor”, com maiúscula, precisaremos recorrer mais uma vez ao dicionário de moysesês para entender:  Este é o “nome”, a identidade de nossa vocação.   Vivemos DE amor, isto é, do amor que o Ressuscitado que passou pela Cruz nos ministra e que acolhemos na contemplação para imediatamente partir para amar nosso irmão. Vivemos de amor recebido da Trindade e doado ao irmão.   Vivemos POR amor a este mesmo Ressuscitado, que dá sentido à nossa vida e,  portanto, à nossa vocação (vi (vida da e vocação são uma só coi coisa). sa). É seu amor contempl contemplado, ado, acolhido como discípulos e o amor ao irmão, como ministros da paz, que nos sustenta.  Vivemos, finalmente, PARA o Amor que, com letra maiúscula, designa que estamos falando de Deus, da Trindade que é amor e que é não somente nosso princípio, não somente o princípio de nossa vocação, não somente nosso sustento na graça, mas também nosso fim último.   Ao amarmos a Deus e ao irmão, estamos nos preparando PARA o encontro definitivo com o Cordeiro para celebrarmos nossas bodas.   Ao vivermos DE amor, POR amor, estamos vivendo automaticamente PARA o Amor, para a glória de quem nos amou primeiro e nos sustenta com sua própria vida trinitária. Se entendermos bem o que significa, na prática concreta do amor ao irmão,  ser  Vocação de amor, por amor e para o Amor , estaremos vivendo nossa vocação 121

 potencialiizada sobrenatural  potencial sobrenaturalmente mente pel pelaa caridade de Cris Cristo, to, o Shal Shalom om do P ai ai,, o Ressuscitado que passou pela cruz, de quem não podemos separar o amor do Pai e do Espírito, em quem contemplamos o amor da Trindade e que, pela primazia da graça, leva-nos a viver sua caridade, para a glória do Pai, no poder do Espírito Santo 88.

122

PARTE IX

NOSSA KÉNOSIS

123

CAPÍTULO XXIV

Eis a nossa Vocação Após a descrição do que é o amor esponsal na vocação Shalom, Vocação de amor, por  amor e para o amor , e dos conselhos pastorais para vivê-lo, nosso fundador fecha com chave de ouro seu Escrito, voltando ao “Só Deus Basta” do parágrafo 3 e lembrando-nos que, sem kénosis, sem esvaziamento, não há amor autêntico, não há amor que venha do Deus Trino cujo relacionamento íntimo é marcado pela kénosis e koinonia das três Pessoas.  Não é à toa que Bento XV XVII ci cita ta Santo Ago gosti stinho nho em  Deus Caritas Est : “Se vês a caridade vês a Trindade”. Não é à toa que nós, uma vocação de amor, por amor e para o Amor, procuramos refletir o relacionamento intratrinitário em nossa vida espiritual, fraterna, de apostolado e de estados de vida, como nos exemplificam fartamente os Estatutos. Não é à toa que seja com um parágrafo sobre a kénosis e seus frutos de união com Deus que nosso fundador encerre o Escrito mais importante de nossa vocação: 26. O caminho do Amor Esponsal é ainda o desapego. É necessário desapegarmonos de tudo, de nós mesmos, das pessoas, das coisas, de nosso futuro, de nossas ideias, de busca de poder, de busca de satisfação, para nos apegarmos somente a Deus, pois tudo passa e somente Ele permanece. Enquanto possuirmos uma só coisa ou pessoa, o mor de Deus não será pleno em nós; não poderemos voar em Seu amor, pois a posse esa e nos impede de alçar o livre voo dos filhos de Deus. Para nós, consagrados, fica logo bem claro do que está falando o fundador. Nosso caminho mais perfeito para o desapego, para a nossa kénosis como reflexo da Trindade é:  A pobreza de Cristo – de tudo, das coisas, de nosso futuro, de nossas ideias.  A obediência de Cristo – de nós mesmos, de busca de poder, de nosso futuro.  A castidade de Cristo – de busca de satisfação, das pessoas.  Nosso desapeg desapego, o, esvazi esvaziamento, amento, precis precisaa ser tão total como o da Tri Trindade ndade com rel relação ação a Cristo em sua Encarnação e Morte: não será total enquanto possuirmos uma só coisa ou pessoa, ainda que seja a nós mesmos. O amor de Deus, por sua vez, torna-se pleno em nós, como tornou-se pleno em Cristo, que esvaziou-se inteiramente para nos enriquecer 89. O amor de Deus só é pleno em quem é vazio de si, de tudo e de todos. Só estes conhecerão a fundo o amor  Esponsal e serão livres para alçar o livre voo dos filhos de Deus em favor da Igreja, da 124

humanidade e para a glória da Trindade. Não teria sido essa, ainda uma vez, a experiência espiritual do fundador, profeta livre cuja profecia, vinte e quatro anos depois, o Magistério confirma?  Nossa pal palavra avra fin final al seja a do fundador fundador,, com seu resumo pastoral da vi vivênci vênciaa do amor  esponsal. Quem o conhece bem, sabe que, quanto mais cedo passar da teoria à prática, melhor se sente. A teoria, o estudo, a análise, embora necessários e valiosos, o deixam, em geral, impaciente. Quanto antes partir da teologia para a pastoral, mais aliviado ficará. É, portanto, com sua palavra prática, pastoral, que encerramos nosso estudo tão rudimentar:

O louvor, a adoração, a busca e fidelidade à Santíssima Vontade de Deus, o amor ao irmão e o desapego, eis o que Deus anseia de nós, eis ao que Ele nos chama, eis a nossa vocação. Conceda-nos o Senhor a infinita graça de vivê-la.  Amém!

125

Bibliografia Azevedo Filho, Moysés Louro.  Escritos da Com Comunidade unidade Católica Shalom . Fortaleza: Shalom, Shal om, 2006. Azevedo Filho, Moysés Louro, Carta à Comunidade 2005 . Fortaleza: Shalom, 2006. Ange, Daniel.  Jean-Baptiste. Nouan-le-Fuzelier : Ed. Des Béatitudes, 2000. Santo Agostinho.  A Trindade Trindade. Col. Patrística. São Paulo: Paulus, 1995, 2ª edição. Bento XVI. Carta Encíclica Deus Caritas Est . São Paulo: Paulinas, 2006. A Friend of Medjugorge. Words from Heaven. Ed. Caritas of Birmingham. USA, 2003, 9ª edição. Balthasar, Urs Von. Pâq  Pâques ues le Mystère M ystère. Ed. CERF. Revista Shalom Maná, n. 152, Fevereiro de 2006.

126

Notas [1]. As “Regras” da Comunidade. Hoje documento histórico, substituídas pelos Estatutos e Escritos da Comunidade Católica Shalom. [2]. Lembro-me que, tendo o Moysés marcado uma visita a D. Aloísio para falar-lhe do que se estava passando no nosso meio, “veio-me à cabeça” telefonar-lhe antes que saísse e lhe pedir que falasse ao cardeal sobre a nossa espiritualidade. Qual espiritualidade deveríamos seguir? Ao falarem sobre isso, D. Aloísio nos mandou ler  Santa Teresa, o que, para nós, foi grande surpresa e desafio. Exatamente nesta época, eu estava a ler “Caminho de Perfeição” e procurava coragem para terminar o livro que me  pareciaa propor uma espi  pareci espirit ritual ualiidade tão acima de mi mim m mesma que eu não conseg consegui uiaa corresponder. Santa Teresa, desta forma, foi-nos dada pelo próprio cardeal, como sabemos, Doutor em Espiritualidade. [3]. PRH – Sigla para  Personalité et Rélations Humaines, proposta para relacionamentos humanos baseada em Carl Rogers, nascida na França no final dos anos 70 e fortemente condenada pelo Cardeal Suennes, da Bélgica, por centralizar a felicidade no homem e desvalorizar os estragos do pecado original [4]. Cf. Lc 12,49. [5]. Obra Nova. [6]. Na época, não conhecíamos profundamente São João da Cruz, o que viemos a fazer mais tarde, por paternal insistência de Frei Patrício Sciadini [7]. Cf. Rm 11,5; I Pe 1,2; I Pe 2,9 [8]. Mt 22,1-14. [9]. ECCSh,1 [10]. Is 53,7. [11]. Cf. Fl 2,6ss. [12]. Jr 8,4. [13]. 2 Cl 4,7 127

[14]. Histórico, 6 [15]. Cf. 2Cor12,10. [16]. Histórico, 6 e 7 [17]. Como estamos falando “em família” e sem nenhuma pretensão a não ser que compreendamos melhor o nosso chamado sublime, vamos evitar o uso dos termos “técnicos” sobre a Trindade. [18]. Balthasar, Urs Von, Paques, le Mystère, p. 23 [19]. Seria necessário que hoje, depois das longas experiências da história da teologia, tentar um aprofundamento teológico autêntico dos mistérios particulares da salvação em seu caráter concreto e encarnado, antes de mais nada sem perder de vista o contexto trinitário e, nele a obra de Jesus - sem perder de vista as relações no seio da Trindade que definem sua pessoa. (Urs. ( Urs.V Von Balthasar, Pâques, Pâ ques, le Mystère, p. 46). [20]. ECCSh, 1. [21]. Deus é Amor, 7 [22]. Deus é Amor, 19. [23]. Bento XVI, Deus é Amor, 6. [24]. Idem. [25]. Dança durante a celebração das Bodas entre os judeus. [26]. Para conhecê-la melhor, leia “Orando com o Cântico dos Cânticos”, da autora. [27]. Para conhecer melhor esta espiritualidade em nossa vocação, leia também “O Segredo da Madalena” da autora [28]. Para conhecer melhor a influência da Pecadora em nossa tradição, leia “A Mulher que Muito Amou”, no “O Segredo da Madalena”, ed. Shalom, da autora [29]. Rute 3,1-9. [30]. Poder-se-ia comparar também esta atitude com a de Rute, mas acabaríamos por  fugir do assunto. Faça-o você mesmo. É útil para crescer na humildade e no Amor  Esponsal [31]. Rom 11,29 [32]. Conotação bíblica de “coração”. [33]. Episódio relatado em “Louvor, Brasa-Vida”, da mesma autora. [34]. 1Cor 12, 28; Ef. 4, 11s. [35]. Há ainda a referência às Virgens Prudentes no mesmo Escrito e uma frase na introdução do Escrito Estado de Vida. [36]. Ex. 12,5. 128

[37]. Is 11,6; Is 53,7; Is 65,25; Jr 11,19 [38]. Jo 1,19-34. [39]. Cf. Lc 1,76-79 [40]. Cf. Is 40,1ss. [41]. Máximo de Turim, Hom. 65, pl 57, 385-388. [42]. Orígenes, Hom. In Lc IV. [43]. Ange, Daniel,  Jean Baptiste Bapti ste [44]. Histórico, 6 e 7. [45]. Ap 5 [46]. Ap 7,9-16. [47]. Cf. Ap 22. [48]. Cf. Ap 12,11. [49]. Cf. Ap 13,8. [50]. Ap 19,1-9. [51]. Referência à música “Jesus, tu és o Sol da minh´alma”, de autoria Célio Cavalcanti, composta nos primeiros tempos da vocação. [52]. Escri Escrito to Obra Nova. [53]. Lc 11,1-13. [54]. Azevedo, Moysés, Ed. Shalom, 2005. [55]. Words from Heaven,  Messeges of Our Lady fr from om Medjugorje, 2003, St. James Publishing [56]. Pigna, Arnaldo,  La Vita Religi Religiosa, osa, Teologia e Spiri Spiritualità tualità, ed. OCD, Roma, 1991, pp 361 a 363 [57]. Ao estudar outros escritos do Moysés pode-se ver com clareza e louvor uma “função escatológica” do amor, já presente no  Amor Esponsal , mas visível em  praticamente  prati camente todos os outros Escritos. Escritos. [58]. Cf.  Amor Esponsal , 24 [59]. Ainda que ao longo do livro tenhamos, aqui e ali, nos referido ao “moysesês” com algum humor, para deixar o livro mais leve, não podemos de forma nenhuma desprezar as regras desta linguagem. Não se trata de erros de português. Trata-se, de fato, de uma linguagem, com suas regras interiores próprias e originais. A linguagem utilizada por uma pessoa em geral reflete não somente o que ela pensa, mas a forma como ela pensa. Estudar a linguagem do fundador ajuda-nos, portanto, a compreender  sua “lógica interna”, sua forma de pensar, de encarar o mundo, os acontecimentos, o 129

carisma, a vocação e o relacionamento com Deus. Em não raros casos, ajuda-nos, igualmente, a entender sua forma de agir. [60]. Uma frase tradicional diria: “Fulano transbordou de alegria” ou “Ele encheu tanto o copo que a água transbordou”. O Moysés usa: “Para assim transbordar a paz” e jamais diz que a paz, ou a alegria,ou a felicidade ou outro sentimento ou virtude qualquer  transbordam. Além disso, não diz que “Fulano transbordou de paz”. Não admite esta expressão do português, pois não expressa o que ele quer dizer. É como se quisesse expressar que a pessoa “se transbordasse em paz, em alegria, etc.” e não admitisse que a  paz, al aleg egria, ria, amor ou outro senti sentimento mento qual qualquer quer pudessem transbordar  independentemente de alguém que se transbordasse com ele. É muito, muito interessante e inspirado e de grande valor espiritual o uso que nosso fundador faz deste verbo. Quando lhe fiz estas observações, na semana de falecimento de João Paulo II, em Roma, ele ficou muito admirado de não ser assim que todo mundo pensasse e me perguntou se eu tinha certeza de que ele utilizava o verbo diferente. Em seguida, disse que era para deixxar como estava, di dei diferente, ferente, mesmo [61]. Não posso afirmá-lo com toda certeza, mas, ao que eu saiba, o Moysés, nesta época, não tinha contato suficiente com a espiritualidade clássica da fé católica para ter,  pelaa lóg  pel ógiica ou conheci conhecimento, mento, cheg chegado ado a esta prog progressão. ressão. Ao meu ver ver,, pel peloo que me lembro e sei de sua vida neste tempo, conhecia o básico de Santa Teresa, sem nenhum estudo mais profundo. Isso só traz mais louvor e gratidão a nós, seus filhos e discípulos, que o vemos, em enorme esforço de expressão, “tentar passar para o papel” o caminho de amor esponsal que percorreu e que – importantíssimo! – foi percorrido do eros ao ágape, do amor inflamado e incondicional à adesão incondicional à vontade do Pai, que deve ser tão amada e buscada como a própria vida, ainda que a própria existência seja seu preço. Por graça, nosso fundador percorreu, em pouquíssimo tempo, intuitiva e vivencialmente, o percurso inteiro! Depois, claro, foi provado de várias formas em seu amor esponsal. O caminho, entretanto, foi inteiramente percorrido [62]. “amante” – tivemos a oportunidade de explicar este termo na linguagem do Moysés na parte sobre os Baluartes. Para ele, “ser amante” é ter um amor constante, firme, inabalável, eterno. Contrasta frontalmente com “ser/estar apaixonado” [63]. Para entender melhor, ver o Escrito Obra Nova. [64]. Conforme a primeira edição em 2006. [65]. Nunca é demais lembrar que para nós, a vontade de Deus se expressa pelos Estatutos e vivência da Vocação e sua espiritualidade, em unidade com o espírito do fundador e pela oração e diálogo com as autoridades [66]. Azevedo, Moysés, em Carta à Comunidade 2005. [67]. Veja como o Moysés utiliza, aqui, a voz passiva. Com isso, quer deixar claro que configurar-se à vontade de Deus é um trabalho da Graça em nós, que devemos nos “deixar “deix ar config configurar”. urar”. 130

[68]. Bento XVI,  Deus Caritas Est , n. 6. [69]. Esta é a primeira vez que o fundador utiliza “plenitude do Amor” em lugar de “plenitude da salvação”, como o ECCSh 1. O sentido é o mesmo, mas ressalta nossa vocação “de amor, por amor e para o amor” (AE, 25) [70]. Regras da Comunidade Shalom, 26. [71]. Escrito Shalom, 2 a 4. [72]. Sugiro aos meus filhos mais “letrados” que façam um estudo comparativo entre a teologia de São João e a nossa espiritualidade. [73]. Bento XVI, Mensagem para a Quaresma de 2006 [74]. Veja como é bela e precisa a linguagem do Moysés. Ele não utilizou a palavra “Rei”em nenhum outro texto do Amor Esponsal ou de outro Escrito da época. Faz questão de utilizá-la, entretanto, quando refere-se ao irmão. Devemos ver no irmão,  pobre ou ri rico, co, cul culto to ou incul nculto, to, ag agradável radável ou desag desagradável, radável, nosso Rei, que merece todas as homenagens e provas de amor! [75]. Segundo o modelo oferecido pela parábola do bom samaritano, a caridade cristã é, em primeiro lugar, simplesmente a resposta àquilo que, numa determinada situação, constitui a necessidade imediata: os famintos devem ser saciados, os nus vestidos, os doentes tratados para se curarem, os presos visitados, etc. (...) Relativamente ao serviço que as pessoas realizam em favor dos doentes, requer-se, antes de mais nada, a competênciaa profi competênci profissi ssional onal.(. .(...) ..) Pa Para ra tai taiss ag agentes, entes, al além ém da preparação profi profissi ssional onal,requer-se ,requer-se também, e sobretudo, a “formação do coração”: é preciso levá-los àquele encontro com Deus em Cristo que neles suscite o amor e abram seu íntimo ao outro de tal modo que,  para el eles,o es,o amor do próx próxiimo já não seja um mandamento, por assi assim m di dizer, zer, imposto de fora, mas uma consequência resultante da sua fé que se torna operativa pelo amor (cf. Gl5,6).” Bento XVI,  Deus Caritas Cari tas Est , n. 31 [76]. “Muitas vezes é precisamente a ausência de Deus a raiz mais profunda do sofrimento. Quem realiza a caridade em nome da Igreja, nunca procurará impor aos outros a fé da Igreja. Sabe que o amor, na sua pureza e gratuidade, é o melhor  testemunho do Deus em que acreditamos e pelo qual somos impelidos a amar.” Bento XVI, Deus Caritas Cari tas Est , n. 31. [77]. Moysés foi chamado a participar e nossa irmã Madalena Ponte a dar seu testemunho em janeiro de 2006, em Roma, no congresso que preparou o lançamento da encíclica Deus Caritas Est . [78]. Ao comparar a Encíclica e o Escrito, espanta-me ver que até a ordem de amadurecimento do Amor Esponsal é a mesma: união de vontades – amor ao não amado. [79]. Bento XVI,  Deus Caritas Est , 18 [80]. Bento XVI,  Deus Caritas Est , 20. 131

[81]. Bento XVI,  Mensagem para a Quaresma de 2006 . [82]. Em sua Carta à Comunidade 2005, o Moysés fala das raízes históricas daquilo que nós, como Shalom, consideramos o sofrimento de cada homem, de todo homem, indistintamente:  Ao penetrar no mistéri mistérioo do sofrimento humano, fui descobrindo que o maior de todos os sofrimentos do homem e a origem de tantos outros males é o desconhecimento de Cristo. Eu mesmo havia experimentado isto na minha juventude, quando buscava a felicidade sem saber onde encontrá-la. Em meio a esta busca, experimentei o encontro pessoal com Jesus. [83]. Bento XVI,  Deus Caritas Est , 19 [84]. Os livros que nos falam sobre o mistério dos fundadores, homens do Espírito, explicam-nos como os conceitos de uma espiritualidade e vocação vão ficando mais claros ao longo do tempo, seja porque o fundador, em sua humanidade, necessitará  passar por toda uma ação da graça para conhecê-l conhecê-los os em sua própria vida e da história história da vocação para conceituar melhor certos aspectos da espiritualidade e vocação; seja por   providênci  provi dênciaa de Deus, que nos leva a compreender Seus Se us mistérios mistérios pouco a pouco, no que consegui conseg uimos mos perceber em nossa fraqueza. [85]. ECCSh, 1. [86]. Carta à Comunidade, 2005. [87]. Cf. Jo 15, 13. [88]. Marcos Augusto Nobre, em seu artigo Que Tipo de Fé (Revista Shalom Maná n. 152, fevereiro 2006), fala-nos sobre a fé potencializada sobrenaturalmente através da caridade. É este mesmo princípio de salvação que potencializa sobrenaturalmente nossa vivência vocacional, dá-nos a força para vivê-la e dá sentido a tudo. [89]. Cf. 2 Cor8,9.

132

Table of Contents Amor Esponsal Expediente Introdução Amor Esponsal PARTE I Conversa em família A evidência da graça nova O itinerário novo Finalmente, o postulado PARTE II Aquilo a que fomos chamados A Deus toda a glória Minoridade O segredo para sermos os menores O segredo para sermos os menores O conselho de Bento XVI O caso de seis mulheres e dois homens Quem não tem jeito PARTE III Tudo! As Bodas com o Cordeiro Meio e fim PARTE IV Os Bal B aluartes uartes Rainha da Paz, Esposa do Espírito PARTE V Para todos todos!! PARTE VI União íntima com Jesus Da fonte ao transbordamento PARTE VII Amantes da Santíssima Vontade do Pai PARTE VIII Receber para dar  A frase esquecida PARTE IX Eis a nossa Vocação Bibliografia otas 133

134

Índice Amor Esponsal Expediente Introdução Amor Esponsal PARTE I

2 3 6 9 13

Conversa em família A evidência da graça nova O itinerário novo Finalmente, o postulado

14 15 18 22

PARTE II

28

Aquilo a que fomos chamados A Deus toda a glória Minoridade O segredo para sermos os menores O segredo para sermos os menores O conselho de Bento XVI O caso de seis mulheres e dois homens Quem não tem jeito

29 32 36 41 44 48 51 57

PARTE III

61

Tudo! As Bodas com o Cordeiro Meio e fim

62 67 75

PARTE IV

78

Os Baluartes Rainha da P az, Esposa do Espírito

79 83

PARTE V

86

P ara todos!

87

PARTE VI

92

União íntima com Jesus Da fonte ao transbordamento

93 98

PARTE VII

100 135

Amantes da Santíssima Vontade do P ai

101

PARTE VIII

111

Receber para dar A frase esquecida

112 120

PARTE IX

123

Eis a nossa Vocação

124

Bibliografia  Notas

126 127

136

View more...

Comments

Copyright ©2017 KUPDF Inc.
SUPPORT KUPDF