Alimentar os turistas também com cultura
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ALIMENTAR OS TURISTAS TAMBÉM COM CULTURA Cláudia Rebelo Escola Superior Agrária de Coimbra
Introdução A gastronomia é uma componente importante da oferta de um destino turístico, pois todos os turistas necessitam de se alimentar. Podendo tratar-se da principal motivação ou de uma simples necessidade, a gastronomia pode ter um elevado peso no consumo efectuado pelos turistas. A alimentação dos povos está fortemente ligada à história e às tradições culturais de toda uma comunidade e contribui para o estabelecimento de relações entre o consumidor turístico e o produto final. Para a indústria do turismo, a gastronomia é uma forte componente da imagem e da capacidade de atracção de um destino e pode ser o principal factor de motivação para os turistas, surgindo o turismo gastronómico, internacionalmente denominado, Food Tourism (Hall e Mitchel 2001). Nesta comunicação aborda-se a gastronomia nos seguintes aspectos: 1. 2. 3. 4.
elemento da cultura local que os turistas consomem; componente importante para o desenvolvimento económico e agrícola local; vector integrante da promoção turística; turismo gastronómico
Será também focada a relação entre produtores e pequenos estabelecimentos de restauração e alojamento, a venda directa aos turistas, e a importância da actividade agrícola. Antes de abordar a gastronomia na óptica dos aspectos atrás enunciados, é necessário ter em consideração que: -
esta constitui uma componente importante da oferta de um destino turístico, pois todos os turistas necessitam de se alimentar; Senão, vejamos: a restauração não serve só os turistas, aliás, em sentido lato e salvo raras excepções, serve em primeiro lugar os residentes no entanto, considera-se que a actividade turística não pode existir sem estas infraestruturas essenciais à satisfação das necessidades básicas dos turistas e, por isso, é considerada uma infraestrutura turística (Cunha, 2002);
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pode tratar-se da principal motivação de viagem e selecção do destino por parte do turista ou de uma simples necessidade; a não ser uma realidade, o que seria feito dos festivais de gastronomia que proliferam pelo país e que tendem a crescer face ao sucesso já comprovado?
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pode ter um elevado peso no consumo efectuado pelos turistas, dado que se trata de gastronomia tradicional, confeccionada com matérias primas nacionais e tradicionais, desde o couvert até ao digestivo, passando pelo vinho e deliciosas sobremesas.
Face ao exposto, a gastronomia tradicional deve ser conservada de forma a valorizar a cultura, a agricultura portuguesa e o turismo. Mas, como falar de gastronomia sem primeiro fazer uma abordagem a alguns conceitos? A gastronomia é: - “amor excessivo de iguarias; prazer da mesa” (Costa, J.A. Melo, A.S., Dicionário de Língua Portuguesa - Dicionário Editora, 1991, 6ª ed., Porto Editora). - “arte de preparar iguarias, de forma a proporcionar prazer a quem come” ou “arte de comer bem, de saber apreciar os prazeres da mesa e de saborear os alimentos com deleite, com prazer” (Dicionário de Língua Portuguesa Contemporânea, 2001, Academia das Ciências de Lisboa e Editorial Verbo). Por outro lado, Gastrónomo é a “pessoa que conhece e pratica a arte de bem cozinhar; pessoa que sabe apreciar os prazeres da boa mesa e que possui uma refinada capacidade de apreciação e avaliação culinária” (Dicionário de Língua Portuguesa Contemporânea, 2001, Academia das Ciências de Lisboa e Editorial Verbo) Revistos os conceitos parte-se então para a questão central deste trabalho que é a abordagem da gastronomia em quatro aspectos: 1. Parte da cultura local que os turistas consomem A alimentação dos povos está fortemente ligada à história e às tradições culturais de toda uma comunidade e, por esse motivo, não pode deixar de ser parte integrante da cultura local, tal como todo o património literário português que é uma fonte de informação para historiadores e curiosos em matéria de investigação gastronómica. Vários historiadores têm-se dedicado ao estudo da gastronomia (pesquisa de referências a pratos nacionais, restaurantes frequentados) nas obras de escritores como Eça de Queirós, Almeida Garrett e Fernando Pessoa. A gastronomia de um povo traduz toda uma herança cultural que se prende com factores como: - o clima; - a situação geográfica; - as especificidades dos solos; - a história; - a situação político-social da região e do mundo em diferentes épocas.
Foram os recursos disponíveis que “ditaram” a possível combinação de matérias primas, sua confecção e métodos de conservação que originaram todo o manancial de receitas tradicionais portuguesas. Exemplos “vivos” destas condicionantes em Portugal são pratos ou produtos como: - as Tripas à Moda do Porto; - os Enchidos, destacando-se a Alheira dado esta ter resultado de um subterfúgio dos novos cristãos para escaparem às fogueiras da inquisição, e outros. No caso português, quando falamos de gastronomia não podemos esquecer uma componente essencial da nossa história, que são os descobrimentos. Na gastronomia portuguesa é usual encontrar matérias primas inicialmente originárias dos locais, onde o povo português esteve, como é o caso do arroz, da batata (veio substituir o uso da castanha), do café, do bacalhau, da canela, etc.. A título de conclusão, podemos dizer que Gastronomia Tradicional é a arte de criar receitas através da combinação de matérias primas tradicionais, com hábitos locais, vivências históricas e heranças culturais. 2. Componente importante para o desenvolvimento económico e agrícola local A gastronomia tradicional, como o seu próprio nome sugere, implica o consumo de matérias primas tradicionais. A certificação do receituário tradicional português, tendo sempre em conta que as receitas são confeccionadas com produtos agrícolas tradicionais portugueses, contribuirá para o seu desenvolvimento, divulgação e preservação. Por outro lado, a produção agrícola local induz a criação de postos de trabalho, gerando mais rendimentos em locais muitas vezes carenciados e permitindo a fixação da população ao mundo rural. Outro importante instrumento de desenvolvimento local é o turismo em espaço rural. Esta modalidade de hospedagem tem também um importante papel na afirmação da gastronomia dado que: - recorre a produtos tradicionais; - permite o contacto dos turistas com os produtos no seu local de produção; - cria mais um meio de escoamento desses produtos; - estabelece um contacto directo entre o produtor e o consumidor final (o turista). A gastronomia tradicional e as práticas turísticas associadas fomentam a cultura de produtos tradicionais, proporcionam o escoamento de produtos agrícolas, geram emprego, a nível local, contribuem para o desenvolvimento económico,
ajudam a combater a desertificação das regiões menos favorecidas e potenciam e complementam os recursos existentes. 3. Vector da promoção turística A gastronomia tradicional portuguesa permite aumentar e diversificar o leque da oferta turística devendo ser aproveitada e trabalhada em termos promocionais dado que pode influenciar o turista na escolha do destino. Existem técnicas e produtos específicos de confecção de alimentos que podem constituir motivação principal da actividade turística (interna ou externa). Para a indústria do turismo, a gastronomia é uma forte componente da imagem e da capacidade de atracção de um destino e pode ser o principal factor de motivação para os turistas. Para que a gastronomia actue como vector da promoção turística, terá que ser desenvolvido um conjunto de acções, nomeadamente: - transmitir aos turistas as origens e meios de confeccionar os pratos tradicionais; - relacionar a gastronomia com a história e cultura portuguesa; - criar a possibilidade de se estabelecer contacto entre o turista, consumidor final, e o produtor; - dar a possibilidade aos operadores turísticos, agentes de viagens e líderes de opinião de saborearem a genuína gastronomia portuguesa, através da realização de: - visitas a restaurantes e outros estabelecimentos hoteleiros e de restauração; - mostras e provas gastronómicas; - motras e provas de produtos certificados. 4. Turismo gastronómico A gastronomia tradicional foi declarada como um bem imaterial do património cultural de Portugal, através da Resolução do Conselho de Ministros nº 96/2000 de 26/7. A definição de gastronomia nacional consta também deste instrumento legislativo e é a seguinte: “O receituário tradicional português, assente, designadamente, em matérias primas de fauna e flora utilizadas ao nível nacional, regional ou local, bem como em produtos agro-alimentares produzidos em Portugal, e que, pelas suas características próprias revele interesse do ponto de vista histórico, etnográfico,
social ou técnico, evidenciando valores de memória, antiguidade, autenticidade, singularidade ou exemplaridade.” Esse diploma faz uma série de considerações e define competências para cada uma das entidades envolvidas. O enquadramento legal é o seguinte: - Resolução do Conselho de Ministros nº 94/2000 de 26/07- considera a gastronomia portuguesa como um bem imaterial integrante do património cultural de Portugal - Resolução do Conselho de Ministros nº 169/2000 de 19/12- institucionaliza a entidade responsável pelo levantamento e qualificação do património gastronómico nacional, a Comissão Nacional de Gastronomia - Portaria 312/2002 de 22/03- cria uma base de dados designada "Gastronomia, Património Natural“ que inclui o receituário classificado e produtos agroalimentares qualificados - Portaria 1333/2002 de 08/10- Estabelece o regulamento dos concursos a realizar pela CNG Complementarmente às disposições dos diplomas legais, há que: - certificar as receitas e os produtos tradicionais, criando um “logótipo” de garantia de qualidade; - certificar restaurantes, produtores, e outros agentes envolvidos, com o “logótipo” supra citado; - criar rotas gastronómicas; - promover eventos gastronómicos temáticos, de maior ou menor duração (feiras, fins-de-semana, quinzenas, etc.); - compilar e publicar algumas das receitas tradicionais e relacioná-las, sempre que possível, com factos históricos, curiosidades e referências existentes em grandes obras de literatura Turismo gastronómico, internacionalmente denominado, Food Tourism (Hall e Mitchel 2001) será um turismo que consiste no contacto directo com os produtores, atravé da: - visita a festivais de gastronomia; - procura de restaurantes de cozinha típica de uma região que emprega os produtos tradicionais como matéria prima para a confecção dos pratos;
É também pertinente alertar para o facto de que a gastronomia como produto turístico reúne as seguintes componentes: - autonomia; - riqueza e diversidade; - qualidade; - utilização de produtos regionais e locais; - a fidelidade e o regresso; - a cultura e a amizade; - dirige-se aos turistas e residentes locais (Sampaio, F., 2001) Resta ainda salientar a importância do turismo gastronómico para toda a indústria turística: - atenuar a sazonalidade; - atrair pessoas que irão recorrer a outros serviços, dinamizando a economia local; - criar a necessidade de infraestruturas complementares, potenciando o desenvolvimento de um novo destino turístico. Não podemos deixar de fazer um conjunto de sugestões/ recomendações que consideramos pertinente para o desenvolvimento do Turismo gastronómico: Motivar a população local a valorizar mais a sua herança gastronómica; Estudar, em cada região, a herança gastronómica; Dar a conhecer aos turistas a gastronomia local através de: Brochuras com inserção de fotografias e curiosidades sobre a confecção dos pratos tradicionais, a par com o património natural e construído; Ementas ou cardápios próprios dos restaurantes com informação relativa à forma como os pratos são preparados; Guias locais que incluam na sua actividade a apresentação da gastronomia tradicional, curiosidades sobre algumas receitas e indicação de restaurantes Promover e divulgar a gastronomia tradicional, por entidades “credenciadas” da FERECA, ARESP, Associação de Hotéis de Portugal, as entidades públicas do sector através da organização de eventos gastronómicos Bibliografia: BARRETO, Ronaldo Lopes Pontes, SENRA, Asdrubal Vieira, “A Gastronomia e o Turismo- Interfaces da gastronomia” in: Moraes, A.P. Quartim de Turismo: Como aprender, como ensinar. São Paulo: Editora Senac, 2001
Cunha, L., (2001), Introdução ao Turismo, 1ª ed., Lisboa, Editorial Verbo Douglas, N, Douglas N, Derrett, R, (2001), Special Interest Tourism: context and cases, 1ª ed., John Wiley & Sons Australia, Ltd Goes, M.A., Descobrimentos e Gastronomia Portuguesa, Fundação Calouste Gulbenkian Modesto, M.L, Cozinha Regional Portuguesa, Ed. Verbo O Turismo no Alto Minho, Boletim nº 3, Região de Turismo do Alto Minho Resolução do Conselho de Ministros nº 96/2000 de 26 de Julho Ribeiro, Orlando, (1986), Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico, 4ª Ed, Livraria Sá da Costa Editora Sampaio, Francisco, (1999), Roteiro “Em Busca de uma Gastronomia Perdida”, 2ª Ed., Região de Turismo do Alto Minho Sampaio, Francisco e outros, XII Congresso de Gastronomia do Alto Minho- I International Gastronomy Congress, “Por uma Dieta Atlântica (…) com Sabores a Mar”, (2001), Região de Turismo do Alto Minho SOEIRO, Ana (2002) “Sabores Tradicionais Portugueses - Origens e Saberes Reconhecidos”, in Ministério da Agricultura e do Desenvolvimento Rural e das Pescas. Guia de Produtos de Qualidade, Almada, Ligalu, Edições Lda, 2002
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