Alexandre o Neill Poeta

February 15, 2023 | Author: Anonymous | Category: N/A
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  ALEXANDRE O'NEILL (Alexandre Manuel Vahía de Castro O'Neill) poeta, publicitário Nasceu: 19 de Dezembro de 1924 Local: Lisboa – PT Faleceu: 21 de Agosto de 1986 Local: Lisboa - PT

A poesia de Alexandre O'Neill concilia uma atitude de vanguarda (surrealismo e experiências próximas do concretismo) — que se manifesta no caráter lúdico do seu jogo com as palavras, no seu bestiário, que evidencia o lado surreal do real, ou nos típicos «inventários» surrealistas — com a influência da tradição literária (de autores como Nicolau Tolentino e o abade de Jazente, por exemplo). Os seus textos caracterizam-se por uma intensa sátira a Portugal e aos portugueses, destruindo a imagem de um proletariado heróico criada pelo neo-realismo, a que contrapõe a vida mesquinha, a dor do quotidiano, vista, no entanto, sem dramatismos, ironicamente, numa alternância entre a constatação do absurdo da vida e o humor como única forma de se lhe opor. Temas como a solidão, o amor, o sonho, a passagem do tempo ou a morte, conduzem ao medo (veja-se «O Poema Pouco Original do Medo», com a sua figuração simbólica do rato) e/ou à revolta, de que o homem só poderá libertar-se através do humor, contrabalançado por vezes por um tom discretamente sentimental, revelador de um certo desespero perante o marasmo do país — «meu remorso, meu remorso de todos nós». Este humor é, muitas vezes, manifestado numa linguagem que parodia discursos estereotipados, como os discursos oficiais ou publicitários, ou que reflete a própria organização social, pela integração nela operada do calão, da gíria, de lugares-comuns pequeno-burgueses, de onomatopéias ou de neologismos inventados pelo autor.

A poesia de Alexandre O'Neill concilia uma atitude de vanguarda (surrealismo e experiências próximas do concretismo) — que se manifesta no caráter lúdico do seu jogo com as palavras, no seu bestiário, que evidencia o lado surreal do real, ou nos típicos «inventários» surrealistas — com a influência da tradição literária (de autores como Nicolau Tolentino e o abade de Jazente, por exemplo). Os seus textos caracterizam-se por uma intensa sátira a Portugal e aos portugueses, destruindo a imagem de um proletariado heróico criada pelo neo-realismo, a que contrapõe a vida mesquinha, a dor do quotidiano, vista no entanto sem dramatismos, ironicamente, numa alternância entre a constatação do absurdo da vida e o humor como única forma de se lhe opor. Temas como a solidão, o amor, o sonho, a passagem do tempo ou a morte, conduzem ao medo (veja-se «O Poema Pouco Original do Medo», com a sua figuração simbólica do rato) e/ou à revolta, de que o homem só poderá libertar-se através do humor, contrabalançado por vezes por um tom discretamente

 

sentimental, revelador de um certo desespero perante o marasmo do país remorso de todos nós».

—  «meu

remorso, meu

Este humor é, muitas vezes, manifestado numa linguagem que parodia discursos estereotipados, como os discursos oficiais ou publicitários, ou que reflete a própria organização social, pela integração nela operada do calão, da gíria, de lugares-comuns pequeno-burgueses, de onomatopéias ou de neologismos inventados pelo autor. Fonte: http://www.luso-poemas.net

 

A BILHA 

1 Bilha: forma que se casa Com o meu coração, A dar-me, simples, a asa, Como um menino a mão! Bilha que serve, mesa, e espera, sobre na a tolha, Que a gente sinta a beleza de quem trabalha... Bilha: donzela que dançou, Dançou tanto de roda, E na «pose» que me agrada, De repente ficou! 2 Bilha só para ver... Parece uma rapariga Que ninguém quer, A mostrar a barriga! Bilha: mais bela por servir, Por nem sempre conter, por se poder Partir... Bilha que trabalha, que serve, Que se enche e esvazia Com a água e com a sede De cada dia! 3 Serás, bilha, só a terna Parede feminina Entre o espaço que te cerca E o espaço que te anima? Mas da própria condição de só deveres conter Água para beber Se forma o teu coração! © ALEXANDRE O′NEILL 

In No Reino da Dinamarca, 1958

 

A SACA DE ORELHAS  

Sentenças delirantes dum poeta para si próprio em tempo de cabeças pensantes 1 Não te ataques com os atacadores dos outros. Deixa a cada sapato a sua marcha e a sua direcção. 0 mesmo deves fazer com os açaimos. E com os botões. 2 Não te candidates, nem te demitas. Assiste. Mas não penses que vais rir impunemente a sessão inteira. Em todo o caso fica o mais perto possível da coxia. 3 Tira as rodas ao peixe congelado, mas sempre na tua mão. Depois, faz um berreiro. Quando tiveres bastante gente à tua volta, descongela a posta e oferece um bocado a cada um. 4 Não teum arrimes ideia de que sempre caixotetanto comàserradura à tuahaverá espera. Pode haver. Se houver, melhor... Esta deve ser a tua filosofia. 5 Tudo tem os seus trâmites, meu filho! Não faças brincos de cerejas sem te darem, primeiro, as orelhas. Era bom que esta fosse, de facto, a tua filosofia. 6 Perguntas-me o que deves fazer com a pedra que te puseram em cima da cabeça? Não penses no que fazer com. Cuida no que fazer da. É provável que te sintas logo muito melhor. Sai, então, de baixo da pedra. 7 Onde houver obras públicas não deponhas a tua obra. Poderias atrapalhar os trabalhos. Os de pedra sobre pedra, entenda-se. Mas dá sempre um "Bom dia!" ao pessoal do estaleiro. Uma palavra é, às vezes, a melhor argamassa. 8 Deves praticar os jogos de palavras, mas sempre com a modéstia do cientista que enxertou em si mesmo a perna da rã, e que enquanto não coaxa, coxeia.

 

Oxalá o consigas! (...) 11 Resume todas estas sentenças delirantes numa única sentença: Um escritor deve poder mostrar sempre a língua portuguesa © ALEXANDRE O′NEILL 

 A Saca de Orelhas, 1979

 

AMIGO

Mal nos conhecemos Inaugurámos a palavra «amigo». «Amigo» é um sorriso De boca em boca, Um olhar bem limpo, Uma casa, mesmo modesta, que se oferece, Um coração pronto a pulsar Na nossa mão! «Amigo» (recordam-se, vocês aí, Escrupulosos detritos?) «Amigo» é o contrário de inimigo! «Amigo» é o erro corrigido, Não o erro perseguido, explorado, É a verdade partilhada, praticada. «Amigo» é a solidão derrotada! «Amigo» é uma grande tarefa, Um trabalho sem fim, Um espaço útil, um tempo fértil, «Amigo» vai ser, é já uma grande festa! © ALEXANDRE O′NEILL  In No Reino da Dinamarca, 1958

 

HÁ PALAVRAS QUE NOS BEIJAM

Há palavras que nos beijam Como se tivessem boca. Palavras de amor, de esperança, De imenso amor, de esperança louca. Palavras nuas que beijas Quando a noite perde o rosto; Palavras que se recusam Aos muros do teu desgosto. De repente coloridas Entre palavras sem cor, Esperadas inesperadas Como a poesia ou o amor. (O nome de quem se ama Letra a letra revelado No mármore distraído No papel abandonado) Palavras que nos transportam Aonde a noite é mais forte, Ao silêncio dos amantes Abraçados contra a morte. © ALEXANDRE O′NEILL  In No Reino da Dinamarca, 1958

AO ROSTO VULGAR DOS DIAS Monstros e homens lado a lado, Não à margem, mas na própria vida. Absurdos monstros que circulam Quase honestamente. Homens atormentados, divididos, fracos. Homens fortes, unidos, temperados. Ao rosto vulgar dos dias, A vida cada vez mais corrente, As imagens regressam já experimentadas, Quotidianas, razoáveis, surpreendentes. Imaginar, primeiro, é ver. Imaginar é conhecer, portanto agir. © ALEXANDRE O´NEILL In Poesias Completas, 1981

 

 

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