ALENCAR, Gedeon Protestantismo Tupiniquim 53 100

June 24, 2019 | Author: PriscilaRupp | Category: Batistas, Igreja Católica, Max Weber, Pentecostalismo, Brasil
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ALENCAR, Gedeon. Protestantismo tupiniquim, pg. 53-100...

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Protestantismo Tupiniquim

Gedeon Alencar 

A rte Editorial

São Paulo / 2007

Capítulo IV

'

 A Democracia Brasileira tem * uma “Marca Batista”?

O protestantismo tem alguma contribuição concreta e visível ao país? Alguma marca, como a religiãa católica, indígena ou cultos afro? Se tiver, por que isto é tão pouco notado? Basta  pe ns ar em du as áre as: mú sic a clássic a e alfa betiza ção. Em tod as as orquestras sinfônicas deste pa ís temos evangélicos e, se a taxa de alfabetização brasileira fosse medida em uma de nossas igrejas, mesmo n as mais periféricas, seria q uase zero. O qúe filmes como Central do Brasil, Orfeu, Cidade de Deus, Deus é Brasileiro, Carandiru  (e, também O  Aut o da Compadecida,  se considerarmos o papagaio do Chicó, que se "converteu" ao protestantismo),  Am are lo Ma nga, Con tra Todos   têm em comum? Em todos eles existem personagens evangélicos. Coadjuvantes, mas presentes. Repetindo um chavão: cinema é metáfora. Então, o que significa esta metáfora sobre o protestantismo? Não me atrevo a decifrála,' mas arrisco um palpite: no Brasil ninguém escreve, fala,  pes qu is a ou fi lm a so br e po br es, fa ve la do s e m arg in ai s sem tropeçar com evangélicos. Isto é bom ou ruim? Talvez as duas coisas. No primeiro momento fomos totalmente marginalizados, agora estamos nos tornando coadjuvantes. Pelo menos na cul tura 66, pois na política já som os (?) ato r principal. 66 “Gilberto Freyre afirmou que a influênci a protestante nas letras ou em qualquer das artes nacionais foi nula ou, quando muito (o que considera uma limitação), manifestouse no campo m enos criador da gramática e da filol ogia” (Waldo César, 1973:8).

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Teologicamente democratas?

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 Antes da democra cia brasileira, existiam os batistas.

Existem três sistemas de gestão eclesiólógica67: a episcopal, que se caracteriza pela pessoa do bispo e/ou papa; o tipo  presbiteriano , que se caracteriza pela presença de um grupo eleito de presbíteros ou líderes; e, por fim, a categoria congregacional, que se caracteriza pela liderança não de uma pessoa ou grupo, mas pela autonomia do mesmo. Ou seja, em tese, o sistema episcopal é monárquico; o presbiteriano, aristocrata; o congregacional, democrático. Parodiando, se democracia é o  po de r do po vo exercid o po r ele, um a igr eja bat ist a é co mpo sta e dirigida pela própria. Em tese. Historicamente, os episcopais (católicos e anglicanos) foram çnais propensos a regimes monárquicos; os presbiterianos umbilicalmente ligados ao nascimento e consolidação da aristocracia burguesa, e os.congregacionais (batistas), no náscedouro dos movimentos sociais resultantes da Reforma Protestante, são filhos e causadores da democracia moderna. Qu teologicamente, em sua literalidade, o tal do "sacerdócio universal dos crentes". Não existe um sacerdote para dirigi-lo (episcopal) ou mesmo representá-lo (presbiteriano). Os camponeses alemães acreditaram tanto nesta teoria que quiseram  pô r em práti ca, ma s h av ia alg un s príncip es no me io do cam inh o sendo abençoados por Lutero. Mas, como diriam os companheiros, a luta continua! Ressalvas: no século XVI, a monarquia era, por natureza, absolutista e não democrata, assim como a aristocracia. Hoje, não é necessariamente assim. Inglaterra, Suécia, Arábia Saudita e Burundi são exemplos de monarquias democratas e ditaduras despóticas. É simplismo, portanto, reduzir os conceitos: episcopal-monarquia-não democracia; idem, b atista-povodemocracia. Hoje temos anglicanos anti-monarqu ia e democratas (a Inglaterra anglicana é melhor prova disto) e batistas antidemocratas. A direita americana que o diga. 67Sistema de ges tão ou natureza teológica da eclésia? Iss o é assunto de ciência política ou de teologia? Agrupamento Místico ou Gmpo Social? 54

 No Brasil, de sd e 188268, em pleno Im pério de D. Pe dro II, os  ba tis tas - ho m en s, mulhe res , jove ns e velho s, bran co s, pre tos, mulatos, mamelucos, empresários, operários, agricultores, analfabetos, doutores, pobres e ritos - exercem a "democracia  pl en a" qu an do a pa rtic ip aç ão po lítica da pop ula çã o é pífia. Apen as hom ens letrad os vot avam 69. >  No final do sécu lo XIX, tem os, no Brasil, três den om ina çõe s representativas: presbiteriana, metodista-e batista. Excluo da análise a luterana, pois é uma igreja étnica. A presbiteriana fez opção pela elite. Boanerges Ribeiro (1981), em seu livro "Protestantismo e cultura", analisando o primeiro jomal evangélico,  Im prensa Evangé lica,  fundado em 1864, diz que a  pro du ção é "e ndere çad a às elites". O pro jeto excl usivo é d edica do à educação (Gomes, 2000). Educação tecnológica (Wèber), pois se o povo saísse da ignorância (analfabetismo, religiosidade po pular,  baixa tecn ologia = catolicismo) enc ont rari a, no pro tes tantismo , a modernidade e o progresso. Daria, então, para conciliar? Difícil, até porque, como diz Niebuhr (1992:33-34), "o presbiterianismo, desde seus primórdios, fracassou na satisfação das necessidades religiosas ou éticas do povo, é evidente. Com o calvinismo em toda parte, ele suspeitava do homem comum. (...) O  pre sb ite ria nism o era int ele ctu alista , auto rit ári o e aris tocrático ". E seria muito complicado para senhores e escravos, ambos  pre d es ti n ad os, fa la re m em ig u ald ad e. W eb er , fa la n d o do s calvinistas, usa as seguintes expressões: "aristocracia espiritual" (85), "aristocracia dos eleitos" (93). Não deixa de ser uma boa  pe rg un ta : qu ais as (in )com pa tib ili da de s en tre pr ed es tina çã o e democracia? Isso explica, em parte, a dificuldade que os  presbiter ian os tiv era m em ad eri r à lu ta em prol da em anc ipa ção dos escravos no EUA (Paiva, 2003:89). 68Os anglicanos chegaram em 1810, os luteranos em 1823, os congregacionais em 1855, os presbiterianos em 1859, os episcopais em 1890. ACongregação Cristado Brasil e Assembléia de Deus, em 1910 e 1911, respectivamente. 69A s mulheres só entram no processo eleitoral a partir de 1932. Em 1940, a taxa de analfabetismo brasileiro era de 56,2% (Fausto, 1992:393,570) , 55

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A Igreja Metodista nasceu com caráter evangelístico arminianista de, em tese, alcançar todos em todos os lugares. Antianglicana, antiestatal, é, no primeiro m omento, u ma quebra de status na conservadora sociedade inglesa, portanto, antiaristocrata. Como nos ensina Weber, todo grupo religioso nasce efervescente, iconoclasta, carismático, mas no decorrer do tempo se burocratiza. Neste processo de institucionalização, se "episcopaliza". Talvez, no século XIX, tenha sido a igreja mais. afetada pela questão da èscravatu ra, algo, aliás, que "di vidiu todas as denom inações" (Reily, 1993:38). Sua ênfase na santid ade pessoal terminou por exacerbar o pecado social e não suas conseqtiênciaá (Niebuhr, 1992:48). No Brasil é quantitativamente insignificante. Resta, então, a Igreja Batista para influenciar este país. A Igreja Batista, por su a tradição dem ocrática, sua autonom ia eclesial, sua organização social de efetiva participação de seus ntembros poderia - e deveria - ter produzido alguma m arca na democracia brasileira? Esta denominação teve e ainda tem uma forte expressão nos EUA. É inegável a importância dessa denominação pa ra a construção da dem ocracia americana. Muito mais do qu e um a igreja batista, o "estilo batista", ou a autonom ia local da cidade e Estado, se torna parâmetro da Federação Am ericana 70. Mas me recu so, nes te texto, a fazer com parações entre Brasil e EUA. Essa síndrome Brasil & EUA é um paralelo que mu itos já fizeram e há um a vasta literatu ra sobre a questão, desde Freyre e Holanda71. A mim neste momento não interessa, até porque creio que isso é muito mais prob lema que solução. O desafio é pensar a Igreja Batista Brasileira, sem pensar nos EUA, até o pde isto for possív el72. Muito se fala na influência das CEB's (Comunidades Eclesiais de Base) no processo dem ocrático, na articulaç ão das bases sociais  pa ra um a leitu ra bíb lica co m prom etida com a realid ad e e, po r  70Dentre uma vasta literatura sobre o assunto basta lembrar do clás sico  A De mo cra cia  Ame rican a,  de AToc queville, em que ele chama atenção para o caráter associativista comunitário da nação americana, onde as denominações eram registradas como “associações”. Bellah (1999) fala explicitamente da influência batistana democracia americana, dentre outros. 71 Casa Grande e Senzala,  publicado em 1933 e  Ra íze s d o B rasi l,   em 1936 72DaMatta (1997), Sachs (88), Souza (99), dentre outros tratam desta questão. 56

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fim, no exercício da democracia num a terra em que a democracia "é um lamentável mal-entend ido", como assinala Sergio Buarque de Holanda. Ora, mas enquanto as CEB's fazem isto a partir da décadá de 1970, há cem anos a Igreja Batista já fazia - senão exatamente, algo parecido. Vejamos, num país em que as mulheres não votavam, pouquíssimas estudavam ou trabalhavam, as mulheres membros de Igrejas Batistas desde o século XIX já-participam de assembléias para decidir o destino da su a   cong regação 73. Por que, e ntão, esse pro tagon ism o democrático nãõ os acompanhou na alteração da sociedade  brasile ira ? Pentecostalismo das massas & comissão política

 No séc ulo XX, ob riga to ria m en te, é necessá rio se pe ns ar no  pe nte co st al is m o. Prá tica re li gio sa que nu nca qui s m u d ár o mundo, mas sair dele. Excluo de minha análise a Congregação Cristã do Brasil, pois ela nasce como uma igreja étnica, ultracalvinista e absolutamente apolítica. Poderia ser  perfe ita mente justi fic ada pe la p roi biç ão aos est ran geiro s d e atu ar  pol iticam ent e. N a Co ngreg ação, se ag rava po r serem italianos.  N o en ta n to , os it a li an o s - fa sci sta s ou an arq u is ta s - sã o componentes fundamentais no nascimento do sindicalismo  brasil eiro . Resta, ent ão, a As sem blé ia de Deus. Segundo dados parciais do Censo 2000, a Igreja Assembléia de Deus te m oito m ilhões e cem mi l mem bros, 'ou 31 % dos vinte e seis milhões de evangélicos no Brasil. É a maior denominação  pr ot es ta nt e brasile ira , Co mo igreja in stituc io na l, pe rd e ap en as  pa ra a C atólica. Nascid a em Belém do Pará, em 1911, a pa rti r d a dissidência em uma Igreja Batista, foi fundada por dois imigrantes suecos, Gunnar Vingren e Daniel' Berg. Em duas décadas alcançou o país, acompanhando o processo migratório norte-nordestino, causado, naquele momento, pela crise da 73A P esquisa Nov o Nasc imen to  (Fernandes, 1998:63-64, especialmente tabelas 21 e 22) chama atenção ao fato de que 53% dos evangélicos participam de alguma atividade administrativa de sua igreja. E os batistas são os campeões com 66% de presença. 57

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 bo rr ac ha (F au sto, 1999). Sem lig aç õe s es tr an ge ir as co mo as demais denominações protestantes, e, portanto, sem financiamento e estratégia de um a matriz, a Assembléia de Deus nasceu brasileira   (Alencar, 2000). Até porque em 1911, a Igreja Católica celebrava missas em latim, as igrejas Luterana e Adventista, cultos em alemão, e a Igreja Anglicana e todas as demais denominações protestantes num "teologuês" anglosaxônico. Até mesmo a única igreja pentecostal da época, a Congregação Cristã do Brasil, celebrava seus cultos em italiano. Periférica, simples e marginal, cresceu entre pobres. Ela não optou pelos pobres. Ela é uma igreja de pobres. Portanto, na marginalidade. Categorização que, pelo viés marxista, apenas comprovava a "alienação religiosa". No entanto, esta natureza de pobre e simples sempre foi vista internamente como "marca da escolha divina". Como disse o apóstolo Paulo: "Deus escolheu as coisas fracas deste mu ndo para co nfundir as fortes; as cousas humildes, e as desprezadas, e aquelas que não são, para reduzir a nada as que são". Texto muito repetido pelos assembleianos, este discurso, para consumo interno, é por demais convincente e satisfatório. E isto, ao longo dos anos, reforçou sobremaneira sua militância aguerrida. Sua síndrome de marginal. "Quando o cabra vira crente, vira logo cidadão. Ergue a cabeça, até parece que tem estudo!" Esta é uma frase síntese,  prof eri da po r u m agric ultor , n a pesq uisà da antro pó loga Reg ina  N ov ae s (1 97 9.1 36 ), em q u e el a d efi n e a co n v ers ão de assembleianos cortadores de cana, no interior do Pernambuco, como "dignidade recomposta apesar da deterioração visível de suas condições de vida". Pena q ue "os escolhidos de Deus" (este é o titulo de seu livro) não transformem esta "dignidade recomposta" em modelo de vida para todos os assembleianos no país inteiro, mas é proposta de um grupo isolado. ' No venta anos depois, a Assembléia de Deus não é mais a mesma - ou pelo menos a liderança. Grande, poderosa, rica, "a maior do país" agora quer dar as cartas, principalmente, na  polític a. Mas chega com atras o e pa tin an do mu ito . Cr iou um a Comissão Política para "orientar" seus membros. Qual o poder  58

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e efeito que a Com issão Política da AD e su as pretensas diretrizes têm para seus membros? O mesm o que um comunicado da CNBB  par a os catól ico s: nen hum . É m er o di sc ur so . Uma te nta ti va canhestra de uma liderança que há muito tempo foi atropelada e ultrapassada pela dinâmica do grupo, mas ainda não percebeu. Ou não quer perceber. Insiste, porém, em (tentar) faturar  politi cam ent e. Na pe sq ui sa re alizad a em 1994, pe lo ISER no Rio de Janeiro, encontramos os seguintes percentuais entre os assembleianos: 37% votam em candidatos evangélicos, 43% que tenham boas idéias políticas e 19% em qu em traga melhorias. A Comissão Política é uma p ropos ta da CGADB - Convenção Geral da Assembléia de Deus no Brasil. Convenção Geral no  pap el, po rq ue a A D é u m cong lomera do de Mi nis térios (grup os de igrejas autônomas e semi-autônomas) dispersos, diversos e, em alguns lugares, divergentes. Qual o ponto comum que as ADs têm no Brasil? O nome, apenas. AD é formada hoje por um a sériq,de grupos díspares que não têm nenh um contato entre si. Há divergências inconciliáveis, lutas de poder viscerais. Notese bem: nunca hou ve um a dissidência na AD no Brasil por algum a questão teo lógica ou algo similar. Toda s as crises, lutas e divisões na AD do Brasil foram lutas de poder (Alencar, 2000). Pergunte a um çaiólico quem é o presidente da CNBB. Pergunte a um assembleiano quem é o presidente d a CGADB. E nem precisa ir ao interior do Amazonas, na periferia de São Paulo se encontrará um assembleiano militante, há anos servindo na igreja e que não sabe quem é o presidente da denominação e não te m conh ecimen to d a Com issão Política74. E mesm o que este membro quisesse, obedientemente, seguir suas diretrizes nunca tomaria conhecimento das mesmas. Elas são publicadas na  Revista Obreiro, e no jo rnal oficial, o Mensageiro da Paz.  Este último com uma tiragem de cem mil exemplares para oito milhões de membros. . , Qual a marca da AD? Ela sempre foi uma igreja feita de gente que está próxima de gente; de povo que é povo para o próprio 74Constatei isso pessoalmente em uma AD em Ribeirão Pires, na grande São Paulo. 59

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 pov o. É mig ra nte cu id an do de mi gr an te, fa velado cu idan do de favelado, pobre falando para pobre. Expandiu-se sem dinheiro do exterior, por isso nunca acumulou patrimônio. Nasceu pobre e permaneceu assim durante décadas. Aliás, esta foi a natureza do pentecostalismo: coisa de pobre. Nascido entre negros (desnecessário dizer, pobres) foi perseguido pelas denominações tradicionais e Igreja Católica, muito mais por racismo (a mesma razão da perseguição aos cultos afro) do que por razões teológicas. Mas cresceu. Cresceu muito e alcançou outras classes. "Todas as igrejas dos pobres cedo ou tarde se transformam em igrejas de classe média" (Nieburh, 1992:41). A liderança assembleiana está sendo acua da pela atuação da Igreja Universal do Reino de Deus. E é esta "iurdinização" do neopentecostalismo que está dando a  pauta. Princ ipa lmente, na políti ca. Afinal,' se a Igreja Católica fez opção pelos pobres, os pobres fizeram opção pelo pentecostalismo. Já o neopentecostalismo fez opção pelos empresários! A AD, de forma prática, tem alguma contribuição à democracia brasileira - até porque, em sua origem, é congregacional? Nas Ditaduras do Estado Novo e Militar, em 1964, não se pronunciou a favor ou contra. Isto aconteceu muito mais por sua natureza marginal do que por opção ideológica, mas, convenhamos, qualquer grupo calado numa ditadura é contado a favor. Esta igreja só acordo u na Constituinte de 1986, lutando em prol do nome de Deus no preâmbulo. Posteriormente, alguns de seus deputados se destacam na CPI dos Anões do Orçamento/ como acusados e cassados. Em 2004, elegeu 22 deputados federais. Resta esperar.  A democracia brasileira tem uma “ marca batista” ?

Por que, então, cobrar da Igreja Batista uma contribuição concreta à democracia brasileira, se não é encontrada nas demais igrejas evangélicas? Porque este é único grupo que advoga para si a natureza democrática.  Então a pergunta é: este protagonismo democrático alterou a sociedade brasileira? Apresentarei, a seguir, algumas hipóteses sobre esta questão. Algumas são observações minhas; outras da leitura do clássico 6o

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Ética Protestante e o "Espírit o" do Capitalismo  (Weber, 2004), capítulo segundo A idéia de profissão do Protestantismo Ascético,   ponto 1 Os Fundamentos Religiosos da Ascese Intramundana,   onde Max Weber analisa as "seitas batistas". Muito do que será colocado a seguir, poderia ser aplicado a quase todas as denominações evangélicas, o próprio W eber cham a atenção a isto (138), mesmo que sua análise seja específica das chamadas "seitas batistas". E antes de prosseguir, precisamos entender seu conceito de "seita" e "igreja". A aplicação weberiana se dá, primeiro, num a conotação  políti ca, e, se gu nd o, sociológica.  Naturalmente os batistas sempre repudiaram a designação de "seita". (...) Em nossa terminologia, entretanto, elesformam uma "seita", não apenas porque lhes falta qualquer   relação com o Estado. (...) tal comunidade só podia ser organizada v oluntariamente como uma seita e não compulsoriamente como uma Igreja (Weber, 2004:242-3, nota 173, grifos nossos). Igreja é um agrupamento tradicional ligado ao Estado; seita é um grupo voluntário, aguerrido, sectário, exclusivo e, invariável, de contestação. Weber, quando se refere à Igreja, fala da Católica, Anglicana e Luterana - todas igrejas estatais. As seitas são, portanto, os grupos de contestação não ligados às Igrejas Estatais. Como dirá Troeltsch, "se nasce na igreja e se adere à seita". Igreja, portanto, é um estado de acomodação social até porque é beneficiada pela mesma. Seita é grupo separatista que se recusa a concessões e opta pelo isolamento. 1. A democracia batista é uma farsa. Diversas vezes tenho ouvido esta acusação nos meios evangélicos. O sistema congregacionâl é mise-en-scéne   em que a igreja vota democraticamente  no que o pastor (ou a família influente da Igreja) quer75. Não creio que, de forma genérica, seja tãó simples assim. Até porque existem democracias e democracias,  be m com o ba tis tas e batistas . Igrejas como a Cat ólic a e AD, em seu "episcop alismo vitalício"76, dentre outras, ne m tentam 75Bastian (1 994:123 -130), inc lui os batistas, em sua análise do caráter personalístico do protestantismo. 76E sta é a típica estrutura eclesia l assem bleiana (Alencar, 2000) , apesar do Pr. José Wellington dizer que é a AD é congregacional (Revista Eclésia, 51, fev/2000). 6i

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disfarçar. A "revelação" é dada exclusivamente ao "dono" da Igreja e vamos em frente. A Inquisição existe, inclusive, para lembrar isto. Nada é discutido, conversado, avaliado ou votado. O pacote está pronto. Única opção: obedecer.  N um a igre ja co ng re ga ci on al , po r m ai s que te nh a al gu m a manipulação (e sempre terá, pois pode ser congregação de  ba tistas , ma s nã o é de anjos), no mínim o exi ste a po ssibili da de de todo s falarem . Ex pressa r a opinião. D iscutir. V otar77. Ou, como dirão alguns, manobrar. O uvi de um líder batista a seguinte expressão: democracia representativa mimética. 2. O modelo social é o passado e não o presente.  A estrita alienação do mundo, ou seja, de todo intercurso desnecessário com pessoas leigas, juntamente com a mais estrita bibliocracia, no sentido de se tomar a vida das primeiras gerações de cristãos como modeloforam os resultados para as primeiras comunidades batistas, este princípio de alienação do mundo nunca desapareceu inteiramente, enquanto permaneceu vivo o velho espírito (Weber, 2004:132). Isto, aliás, poderia ser dito de diversas outras denominações evangélicas. O modelo, em tese, é o da Igreja Primitiva. O comunismo cristão dos primeiros séculos vem embalsamado em utopismo e muito sonho. E pára. No jogo entre saudosismo e atuação, o placar fica de 10 x 0.

3.  A exacerbação do indivídu o. Apesar dos batistas serem herdeiros do liberalismo inglês (Locke), por causa da influência americana, sua fé é subjetiva com valores pré-modernos. A pretensa "celebração do indivíduo", com o ser social autônomo e construtor de uma sociedade democrática, dá lugar a uma religiosidade de fins individuais. Esta é a síntese da tese de Israel Belo Azevedo (1996). Penso que é pouco como explicação, apesar do respeito que nutro pelo autor citado. Há muitas outras questões. Mesmo 77Essa é a síntese da tese de doutorado em sociologia de Alesandre Brasil Fonseca, defendida recentemente na USP. Apesar de ter assistido sua defesa não tiv e acesso ao seu texto. Apesar desta simplificação, espero estar fazendo justiça a seu trabalho.

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eleita como a questão fundamental, como se explicar a  pa rti cip aç ão ba tis ta em ou tros luga re s e pe río dos? Particularmente creio que a participação de batistas e assembleianos nas Ligas Camponesas Nordestinas, nas décadas de 1950 e 1960, foi um ac idente de percurs o e não um a alteração da caminhada dessas igrejas. Cartaxo Rolim (1995) identifica no  pr otes ta ntism o br asile iro (su a an álise é m ais pa rtic ul ar men te do  pe nte costa lismo ) alg o qu e ele ch am a de "m en ta lid ad e sac ral"; a religião apolítica dos brancos americanos. Fica a pergunta: se nossa versão protestante de pentecostal e batista fosse dos negros americanos teríamos outra postura? Os batistas, no Brasil, não produziram nem um movimento social ou qualquer personagem parecido com um Martin Luther King. Por quê? Por outro lado, os cinco deputados federais do PT são todos ba tista s78. Isto significa o quê? N ão c usta lem brar, como fez Niebuhr, que a propensão para o martírio dos grupos sectários não resiste à segunda e terceira geração. Nisto, aliás, está a diferença entre os neopetistas e a Heloisa Helena. 4. A separação entre Igreja & Estado se tomou Igreja & Sociedade. Uma vez que estas comunidades (batistas) nada queriam ter a ver com os poderes políticos e com seu procedimento, disto visi velmente resultou a penetração ascética na vida profissional (...) Toda a sutil e consciente racionalidade da conduta batista foi assim orientada para vocações apolíticas (Weber, 2004:136-139). A marca de nascimento do movimento batista era a ênfase na separação entre Igreja e Estado. Historicamente uns dos grupos mais batalhadores da autonomia da sociedade civil foram os batistas79. Aliás, nesse ideal é qu e es tá sua orige m e existência. Reforma Protestante é um grito de liberdade contra a corrupção da Igreja (Estatal) Católica, e para aprimorar esta liberdade surg iram a Igrejq .Anglicana, na Ing laterra, e Lu terana na 78 Gilmar Machado (MG), Henrique Afon so (A C), Walter Pinheiro (BA), Wasny (DF), Zicç Brozeado (AC). 79S ei que historicamente isto é simplismo. Há muitas questões políticas, econômicas e teológicas envolvidas nisso. N ão poss o aprofundar todas as nuances. Fica o registro.

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Alemanha e demais países nórdicos. Contra a antiga Igreja Estatal, novas estatais. Os anabatistas - o PSTU da época? - queriam romper com toda e qualquer ligação com o poder estatal. Absoluta separação da igreja - autônoma, local, congregacional - em relação ao Estado. Ora, nessa luta criou-se um abismo entre este agrupamento voluntário (com características sectárias) e a sociedade em sua totalidade. Pois, se em sua origem os anabatistas protestavam com armas e dando a vida na guerra em prol, inclusive, da democracia e de uma reforma agrária, hoje os batistas americanos boicotam a  Disne y World,  em protesto contra o  Dia Gay.   É avanço ou retrocesso que o  Mi ck ey M ou st  tenhá menos batistas em sua companhia? Se formos identificar, no entanto, uma figura símbolo da luta  pel os dir eit os civis no séc ulo XX» o nom e d o P as tor M aftin Lu ther King é inquestionável. Militante por ser pastor batista ou por ser negro? Entre nós, porém, nada parecido aconteceu. E, pelo andar da carruagem, não vai acontecer. 5. O escatologismo milenarista.  N es se pon to há em pa te ab so lu to co m o pen te cos ta li sm o assembleiano, e talvez esta seja a questão mais facilmente  jus tifica da. O pentec ostal ism o mod er no su rg e no fin al do séc ulo XIX e se consolida nas primeiras décadas do século XX. Período áureo entre a I e II Guerra Mundial com o perigo nuclear rondando como espectro. A soteriologia de cada grupo religioso determina sua visão de mundo, é a síntese de outro texto clássico de Weber (1996b). Ou seja, se creio que o mundo será destruído irreversivelmente e nada poderá, ou deverá mudar, no que alguns chamam de "teologia do quanto pior melhor", por que tentar alterá-lo? Algumfe democracia, nenhuma democracia ou total ditadura faz alguma diferença? Não. A mansão no céu, sim. 6. Yes, nós temos batistas: modelo de vida americano.  N ão te m os ne st e m om en to , ai nd a, um a "s oc ie da de civil" organizada, algo já presente na sociedade americana analisada 64

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 po r Tocqueville. No entanto , al gu ns mo vim en tos socia is, de sde o século XIX, já aconteceram no Brasil, como, por exemplo, a Proclamação da República e Abolição dos Escravos. Mas, como dizem, estes movimentos não foram produzidos e  pr otag on iz ad os pe la po pu laçã o orga niza da ; ,e tu do nã o pa ssou de uma acomodação da elite. E isto, de alguma forma, reforça minha suspeita. A Igreja Batista, se não tem nenhum acordo com a elite também não está na liderança protagonizadora dos m ovimentos sociais. O que, então, justificaria sua postura alheia ao mundo  bra si le ir o ? Seu m ode lo é o e st il o de v id a do m is si on ári o americano. Neste caso, na sua totalidade branco, classe média, escolarizado, com postura asséptica de militância política. Para uma igreja que está se formando na zona urbana com sintomas de classe média é um casamento ideal. Antes de acusar a Igreja Batista desse adesismo e deslumbramento com os EUA é bom lembrar, como bem frisa Sodré (1976), que esta síndrome acontece em todo o país, em diversas aéreas, principalmente no cinema. 7.  A fun ção da igreja não é, afinal,   em-direitar o mundo? De Pedro Álvares Cabral a Frei Beto, a Igreja Católica sempre esteve ao lado do poder. O Núncio Apostólico que o diga. A  prim eira mis sa, as capit anias he re ditária s, o pa dr oa do , o Cristo Redentor, a Catedral em Brasília, sem esquecer do imoralíssimo laudêmio servem de atestado. Há alguns Helders Câmaras de  pla ntã o pr otes tand o junto ao pú bli co e n ão realizan do ne nh um a alteração interna. Protestante não protesta, prega; não reivindica, ora; não faz greve de fome, jejua; não d istribuí panfle to, evangeliza; não faz passeata, marcha para Jesus. Até nota, mas nos "indicados  po r De us" qu e, coinc ide nte me nte , são afi lha dos do pasto r. A Igreja Evangélica, na me sma escola da católica, não é nad a diferente. Desde os "acatólicos súditos da Rainha", em 1810, até o bispo Rodrigues, todos deram aprovação ao Governo. Os que não deram foi porque o Governo não pediu, por absoluta desimportância dos mesmos. Mas estavam disponíveis. Era o

P r o t e s t a n t i s mo

Tupiniquim

Gal. Figueiredo chamar que o Pr. Faninni batia continência80.' Idem para demais pastores. Fernando Collor foi eleito pelos evangélicos (Pierucci, 1996)81 e, em ple no impeachment,  ainda continuava tendo apoio da maioria. Também tivemos nossos Helders Câmaras, obviamente menores sem nenhuma visibilidade na mídia. E, como o Outro, também não efetuaram alteração interna. A esquerda tam bém contribuiu muito. Seu discurso anárquico, de contestação da auto ridade, de liberação sexuaV luta de classes, tem muitas incompatibilidades com a pauta das igrejas. Qual de no ssas editoras evangélicas publicou as obras d e Willian Wilberforce (abolicionista inglês), Abraham Kuyper, Martin Luther King ou Desmund Tutu? Estes dois últimos, inclusive,  pr em ia do s com o N obel da Pa z e só sab em os de sua s existências  pe la im pr en sa sec ular . Ziel Mac ha do (1997:109) cham a ate nçã o  pa ra o fato de qu e a o bra evangelístic a d e Finn ey n os é con hec ida, mas sua obra de dimensão social foi "esquecida". ' O texto do Ziel, a começar pelo título, é muito otimista; talvez  pe la da ta em qu e foi pr od uz id o (1997). At ua lm en te, na era póscaiofabiana, pós-teologia integral, a maré está mais para uma atuação corpora ti vista. Basta o lhar os, nom es do M anifesto de Apoio ao Lula no segundo turno. Pastores que, em eleições  pa ss ad as , sa ta ni za ra m -n o, ag or a na ce rtez a da eleiç ão co m a esquerda se tomando governo, o apóiam. O que não faz o poder de concessão de rádios e TVs. Surpresa? Nenhuma. Govemo, seja ele qual for, deve ser apoiado e em-direitado. Modernos, superamos inclusive aquele texto em que Deus separará alguns à direita e outros à esquerda. É   m uito poderosa esta igreja brasileira. Ninguém mais está à direita ou esquerda, todos estão mesmo é diante do Trono.

A D e m o c r a c i a B r a s il e i r a

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Ba t i s t a ”?

8. Democracia seletiva.  As igrejas da burguesia tenderam a aceitar algum tipo de governo representativo que garanta a liberdade e a responsabilidade individuais, mas que também levante barreiras contra os abusos da democraciaplena (Niebuhr, 1992.61). Será que é viável lutarmos por um grupo definitivamente democrático em todos seus aspectos? E se a patuléia levar a sério a possibilidade de democracia plena de fato, como ficam as hierarquias de poder? Como é que fica uma família batista, em que na Assembléia Ordinária da Igreja, todos votam  pa rita riam en te em toda s as qu es tões da cong rega çã o, mas em casa... Então, convenhamos que, em algumas questões ou territórios, deve-se ter votos paritários, noutras nem tanto. Pode-se numa assembléia congregacional até decidir-se qual o  pa sto r e seu salári o, ma s o t exto do serm ão ele escolhe. Ou §eja, a igreja não escolhe o texto do sermão, mas o sermão. Em Cristo, não há judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem macho nem fêmea. .

, Onde está a paridade, cara pálida? Se ainda somos um m undo racista, xenófobo, sexista, classista, elitista, preconceituoso? E isto não é "privilégio" da Igreja Batista, da AD ou da sociedade  bra sile ira. O m un do é ass im. Se mp re foi. Con tin ua rá sen do. Alguém lembra a história em que deveríamos mu dar o m undo com os valores de Cristo? Mas isto é outra história. E outro texto.

80Jimmy Carter, em sua v isita ao Brasil, e vitou se encontrar com lideranças batistas pelo apoio que elas davam a ditadura militar (Freston, 1993:62 ). 81Esp ecialmente o cap. 8 , 0 Envo lvim ento d os Pe nte cos tais na Ele içã o de Col lor , pp. 193-210, trata da questão. 66

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Capítulo V

 A Construção do WASP82 Tupiniquim

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A religião só poderáfala r ao povo de nossa época se conseguir dizer uma  palavra transcendente e, portanto, julgadora e transformadora.  De outra forma, não será mais do que mera colaboradora do que se aceita comumente, serva da opinião pública, exercendo posições de tirania tão terríveis como as de qualquer ou tro tifano. M as se nossa religião puder  transcender tudo isto, em que direção deverá se mover?   (Tillich, 1992:204, grifo nosso). O cenário não p oderia ser .melhor: um prog ram a83 24 horas no ar em prol de crianças deficientes, com transmissão nacional em diversos canais reunindo os principais personagens do cenário político, jornalístico, artístico. Então a contribuição evangélica também se faz presente. O Grupo  Di vina Inspiração, liderado por um jogador de futebol e doublé de cantor gospel se apresenta. Mas a câmera insiste em focalizar a Carla Perez, seminua, sambando e cantarolando a música do grupo, que no refrão diz o seguinte: "o homem carnal vive o que vê, o homem, espiritual erê no que não vê!".   Sintomático, nãó? Pode-se ter leituras diferentes deste episódio: 1. Otimista: o evangelho de fato venceu neste país, pois hoje nada mais pode acontecer sem que a presença evangélica se faça sentir, seja no cenário político, atlético, artístico ou empresarial; 2. Pessimista: o evangelho vulgarizou-se tanto que a presença não faz nenhum a 82A expressão wasp - branco, anglo saxôn io, protestante, é um paradigma da cultura branca/protestante norteamericana. Seu uso p ode ser visto com ofensa ou elo gio ao que pretendemos estabelecer como o ethos da cultura protestante brasileira. 83Teleton em 1999.

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diferença porque foi cooptado pelo mu ndo /"in dú stria cultural"84.  N em Weber ne m Batisd e im ag in ar am o gr au de "r ot in iz aç ãod o carisma" ou "domesticação do sagrado" que os protestantes  br as ile iro s co ns eg ui ra m atingir. 1. A histórica (não) relação da cultura brasileira com o protestantism o. A relação entre evangelho e cultura brasileira é conflituosa. Serve de consólo saber que isto não é um problema tupiniquim mal resolvido por incompetência, mas durante séculos isto tem sido grav e e emblemá tico em toda s as cultu ras85. A começar pe la Igreja Primitiva nos Atos dos Apóstolos. A estada de Pedro na casa de Cornélio, contra sua própria vontade, é paradigm ática. Ele não quer iri porque sua cultura racista (religiosa) lhe proíbe contato com "gentios", e, apesar da revelação, suas primeiras palavras são de "justjficativa" (negativa) e não de mensagem propositiva do evangelho. Como o Espírito Santo sabia que ele jamais faria um apelo de salvação à platéia, manifestou-se e não o deixou terminar sua mensagem. Pedro retom a calado e não divulga sua incursão cultura l suspeita. a)  A cultu ra da negação.  Tornamos-nos conhecidos pelo que somos p roibid os86. Sabemos, po r nossa tradição , d que não  pod em os fa ze r, do que nã o pode m os part ic ip ar, o qu e nã o  po de mos com er, bebe r etc. - me sm o que , às vez es, nã o sai bamo s exatamente o porquê. O protestantismo brasileiro, e também latinoamericano, são essencialmente anticatólicos, pois os missionários protestantes tiveram que lutar com muita  pe rs eg uiçã o po r um espa ço na cu ltur a lat ina , já es tab elec ida e nascida do encontro da indígena, portuguesa e afro. Aqui temos 84Expressão, cunhada pelos teóricos da Es cola de Frankfurt, em 1947, em publicação chamada  Di alé tic a do llumin istno.   De inspiração marxista, esta teoria fez uma critica ao capitalismo pela mercantilização do lazer. (Adorno, 1999) 85Há inúmeros trabalhos - prós e contra - sobre esta problemática, principalmente em missiologia. Como obra síntese, remeto a  Evan gelh o e Cult ura -  vol. 3 - Série Lausanne, Abu Editora e Visão Mundial, SP, 1985. 86Cf. Gondim (1998),  É proib ido - o que a Bíbli a permi te e a Igr eja pro íbe  (Ed. Mundo Cristão). O livro originalmente se chamaria “Usos e Costumes na Igreja”,   mas, estrategicamente a editora mudou de nome, isto, é óbvio, lhe aumentou o sucesso. 70

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um imbróglio sem tamanho: a motivação dos portugueses colonizadores é levar a mensagem do evangelho para salvar culturas pagãs (na visão católica, a indígena e, posteriormente, a afro), mas os missionários evangélicos têm o mesmo objetivo. E, paia estes, culturas p agãs são a indígena, a afro - e a católica. Uma nega a outra, que é negada pela seguinte. "É   por isso que os primeiros convertidos no Brasil passaram a "não viver",  p o rq u e ro m p e ra m co m a c u lt u ra. P assa ra m a se r pess oas "estranhas " (Mendonça, 1997:100). "O rompim ento com ag endas • e praxes do catolicismo romano é tão radical e irreversível que a suspensão da com unhão evangélica raram ente leva o fiel punido de volta às velhas práticas" (Ribeiro, 1981:159). Com esta performance, todo o ethos protestante  foi construído em termos de negação da sexualidade, da atuação política, da  pa rti cipa çã o a rtístic a, do inc en tiv o a o la zer , da vi da na soc ied ad e  brasi le ir a . Com o diz F e rn an d es (19 77) , o p ro te sta n te te m  pre conc eit o de ser social; se r social é ser "m ur tdan o". O cha vão repetido é: "Não somos deste mundo". A conversão é, objetiva e subjetivamente, incentivada e requerida em demonstração de aversão "às coisas do murtdo" e total separação do tudo o que  po ssa pa rece r m un da no . O protestante não quer transformar o mundo, quer sair dele (César, 1973:28). E, se a música é imoral, a arte apelativa, o cinema desaconselhável, a literatura não-edificante, é porque tudo que é produ zido no m undo tem a mancha do pecado. Enfim,  pr od uç ão do pe ca do pa ra co nsum o de pecadores. Uma vez que o homem é criatura de Deus, parte de sua cultura é rica em beleza e bondade. Pelo fato de o homem ter caído, toda a sua cultura (usos e costumes) está manchada pelo pecado e parte dela é de inspiração demoníaca. Parágrafo 10° do Pacto de Lausanne. O Pacto de Lausanne é um documento teológico, portanto tem uma natureza dogmática. Ser contra o etnocentrismo da evangelização colonialista é ótimo, mas como delimitar o que seja "inspiração" diabólica? É fácil ser coptra o que, em tese, todos são: sacrifício cultual de crianças e viúvas, mutilação de

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adolescentes ou prostituição cultual: Mas, temos diversas outras mahifestações sociais que, para alguns é de "inspiração" demoníaca e para outros apenas cultural. Conquanto dogma da teologia evangélica (que não é o caso de discutir aqui, ainda mais com a problemática "inspiração demoníaca"), sociologicamente a pergunta é: se a produção cultural mundana é de "inspiração demoníaca", então o mundo evangélico tem sua própria produção? Há algo, no mínimo, evangélico underground ? Sim e não. Cinema zero87, artes plásticas zero88, teatro zero89, literatura há alg uma coisa e na música mu ita produção. M esmo assim, nossa literatura, ainda é um tanto "esotérica" - lida apenas por um grupo de "iniciados". Num universo de milhões de membros, qual livro no Brasil que já vendeu mais de um'milhão de exemplos, salvo raras excessões? No mun do evangélico, qualquer livro que ultrapasse a casa de 10 mil exemplares é considerado best-seller.   Resultado: a produção artística evangélica é, lamentavelmente, um tanto "confidencial" - só conhece quem faz. Um bom exemplo da influência afro é a música "Canto da Cidade", interpretada por Daniela Mercury. Sucesso nacional, fez milhões de brasileiros dançar e cantar. Dentre as frases da música há umá que diz: "eu vou -para o Candomblé pela cidade". 87 “Cabra marcado para morrer”,  um film e de Cláudio Coutinho, talvez seja o único filme feito no Brasil sobre evangéli cos. C onta a extraordinária/falida participação dos batistas e assembleianos nas Ligas Camponesas abortadas pelo Golpe de 1964. Não há nenhum livro de história de uma dessas denominações que se reporte a esse fato. 88Existem muitos livros, galerias, esculturas, museus de arte católica e afro. Nenhum protestante. 89A pe ça “O pagador de promessas”, de Dias Gomes, escrita em 1960, já foi realizada no teatro, cinema ( Palm a de Our o  em Cannes em 1962), peça radiofônica, minissérie de TV è ópera. É um símbolo do sincretismo afro-católico. A peça tem catolicismo, umbanda, prostituição, levante popular, corrupção policial, capoeira, agricultor, traição. Quando algo parecido acontece no mundo evangélico? Seria injusto não fazer um registro para o enorme esfor ço que alguns têm feito em relação ao teatro no meio protestante. Há diversos livros, cursos e até mesmo um encontro nacional. Já assisti aqui em São Paulo até mesmo uma peça evangélica num teatro secular com tudo o que teatro deve ter: cenografia, iluminação, direção, texto e bons atores. No m ais é o amadorismo de sempre. Mas a minha questão é: qual peça evangélica que deixou marca na cultura brasileira? Ainda não foi feita. 72

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Duas perguntas: 1. a música apesar de cantada e dançada pelas multidões em horá rio nobre na TV, arrastou, como conseqüência, milhões de pessoas para o Candomblé? 2. Qual música gospel/ evangélica já teve a mesma repercussão? É interessante como no meio protestante foram sacralizadas algumas man ifestações artísticas (música90 e literatura), mas satanizadas  outras (dança, moda, cinema). Aqui fica patente a dificuldade que o protestante tem de lidar com o corpo (dança,  pint ur a, es cu ltu ra ) e su a dis po siç ão (ap ena s) pa ra as coi sas do "espírito" (poesia, música, literatura). "O  Império das Festas e as Festas do Império",  capítulo décimo do extraordinário livro da antropóloga Lilian Schwarcz (1998), é uma minuciosa descrição da s procissões e festas cívicas religiosas da época de D. Pedro II. Ela reproduz textos de estrangeiros que, na época, estavam trabalhando ou apenas visitando o país. Invariavelmente as descrições são pejorativas, racistas e reprovativas, pois as festas "beiram o ridículo". Em tempo: as descrições são de missionários protestantes, dentre eles Henry Koster, que chegou ao Brasil em 1809, e Daniel K idder, que esteve aqui entre 1836 até 1842. N ada mu ito diferente da visão de Lutero (1989:289), em sua recomendação à nobreza alemã, que deveria suprimir as festas, feriados e romarias para que assim o povo tivesse mais tempo para trabalhar. A festividade popular  pr om ov e a ale gria, alegria co mbin a com be bida , be bida comb ina com licenciosidade. Então, para o protestante, tanto na época como agora, é mais conveniente proibir que correr o risco. .  b)  A cultura da acomodação91. A   Reforma Protestante proclama a liberdade individual, o "sacerdócio universal dos crentes" (Lutero) e é, juntam ente com outros processos sociais, causadora da modernidade. Ora, esta liberdade individual vem substituir a tutela religiosa medieval que mantinha o homem preso, mas 90 Pinheiro, 1998. 91 A expressão cunhada por Leon ildo C ampos (1999:375), m as também tematizada ainda em 1973, por Procópio Carmago (1973:145): “ O Protestantismo passa  pref ere nci alm ent e a ad ota r ati tud es de ma ior aco mod açã o ao “eth os ” cat ólic o  pre dom inam ent e n a c ultu ra bras ilei ra" . 73

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comodamente lhe dava segurança, lhe dava respostas, decidia  po r ele e, era, po rta nto, resp on sá ve l e cu lp ad a po r se us atos. O confessionário, a penitência e a indulgência lhe aliviam a alma. O protestantismo, na perspectiva weberiana, "desencantou o mundo". O homem agora é livre e só. Essa propensão racional protestante (Weber) se identificando como a "religião do livro", na expressão de Bastide, com doutrinas, credos e instituições explicadas para o homem, aten de a necessidade deste novo ser moderno: o mundo conforme sua imagem e semelhança. A racionalidade moderna exige, o  pr ot es ta nt ism o te m 92. Daí a produção teológica é "socialmente condicionada"(Richa rdson, 1958:34)93, as instituiçõ es at rela das ao po der; à  prátic a rel igios a co nd ize nte com o status,   o ritmo - do branco/ rico/hegemônico - é sacramentado. Entre mortos, feridos e convertidos, o Ocidente se "cristianiza", a América Latina é colonizada (para glória de Deus), e o Brasil é o maior (?) país católico do mu ndo, o maior (?) país espírita do mun do e o maior (?) país pentecostal do mundo.' c)  A cult ura da assim ila çã o. A   pergunta é difícil de ser respond ida: a Igreja Evangélica assimilou a TV ou foi a TV quem assimilou a Igreja Evangélica? Parece que ambas se decifraram. Ou inversamente à lógica da esfinge, que se não é decifrada é devorada, ambas estão se devorando. Essa antropofagia mútua, como no casó do grupo de pagode gospel Divina Inspiração, também pode ser vista de formas distintas.  Neg ativam en te, a TV f olc lorizo u a I greja , o u p ejo rat ivam en te, só a focaliza para divulgar seus erros. A imprensa faz alarde

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sensacionalista quan do um crente rouba , pa stor principa lmente 94. Positivamente, a igreja (que tem dinheiro) se prom ove na telinha. A igreja é poderosa para avançar em qualquer espaço e ninguém  po de im pe dir95. E stá se co ns truind o a versão brasile ira do wasp tupiniquim. É o jeito de ser evangélico brasileiro. A título de registro, até 1999, no sábado pela manhã na Manchete havia o Programa M ovime nto Pentecostal, realizado pela maior denominação evangélica do país e, logo após, o Conexão Gospel  produzido por uma gravadora. Um representava o discurso secular de uma instituição com milhões de adeptos e  pr op os ta de eva ngelizaç ão; o o utr o, um a estra tégia de mar ke tin g  p a ra v e n d e r se u s a rti sta s. Q u a l, p o rta n to , a d if e re n ç a e similaridade entre os dois? E mais, tem alguma importância esta (in)diferença? A evangelização/artistas da denominação/ gravadora afinal não é uma prestação de serviço/produto que está sendo colocado no mercado à procura de fiéis/ consumidores? • Um problema grave: o telespectador não-evangélico consegue diferenciar? • Mais grave ainda: algum telespectador não-èvangélico assiste a esses programas? 2. “Camalização gospel": o protestan tismo brasileiro produzi ndo cultura. Tillich, na obra já citada, desenvolve um conceito chamado "princípio protestante" que, de maneira simplificada, pode ser explicado como a capacidade que o protestantismo tem - ou teria - de se renovar sempre que um determinado grupo se institucionaliza. Há sempre uma "santa" insurgência ou uma "efervescência sagrada" que não se deixa domar. Como não sou

92Tillich (1992) diz que, dentre outras, esta é uma das causas do su cesso da psicaná lise nos países protestantes: 1. O rigorismo moral que lhe aflige com a culpa e 2. a ênfase na religião do indivíduo. Durkheim (1964) também explora a questão do maior número de suicíd ios entre protestantes.que católicos, cf. O suicídio  (1964). E sobre a ética e racionalidade individual o con hecido livro de Max Weber, A éti ca  pro tes tan te e o e spí rit o do capi tali smo  (2004). 93 O docetismo teoló gico é contemporâneo do dualismo filosófico . A doutrina dos “Dois Re inos” junto com a disputa de poder da Igreja versus Estado, e a “teologia da prosperidade”, surgem nos tempos de neoliberalismos ec onômicos. Coincidên cia ou “produção socialmente condicionada”?

94A “esperança” é que se tome comum, como ficou o caso de deputados evangélicos, pois ai já não teria tanta divulgação assim; d eixa de ser fator jornalístico. 95Por mais boa vontade que se tenha em relação a esta teoria positiva, é difícil entender (?), como demonstração de força da Igreja Evangélica, por que ela não ocupa os horários nobres em canais camp eões de audiência?

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teólogo, não preciso definir teologicamente o que venha a ser isso. Penso (sociologicamente) algo que se insurge dentro do rotineiro ou institucionál e provoca alterações de rota. Certo ou errado, não devo qualificar. Como diria Weber, é o carisma se rotinizando. Roberto DaMatta (1990), em Carnavais, Malandros e Heróis, explica o Brasil a partir de um conceito que ele chama de triâng ulo ritual. Na sua teoria ele estabelece dois tipos de ritos: o rito de reforço e o rito de inversão.   O primeiro, organicamente, serve de ( r e ) o í d e n a m e n t o d o m u n d o , ( r e ) a f i r m a ç ã o d ó p o d e r , da autoridade, dentro da formalidade e com seus atores bem definidos. O segundo, o da inversão, é o espaço da informalidade , da "suspe nsão ética". Num extrem o está o Desfile Militar de Sete de Setembro e n'outro o Carnaval. O carnaval promovendo a igua ldade e a supressão de fronteiras, e as festas cívicas e religiosas promovendo sua  glorificação e manu tenção. (...) Os rituais religiosos partem de Igrejas e locais sagrados,  pretendendo ordenar o mundo de acordo com os valores que ali são articulados como os màis básicos (1997:82,83, grifo nosso). Usando este referencial teórico, elaborei, apesar dos riscos, uma analogia.  No triângulo ritual protestante,  os desfiles do Dia da Bíblia correspondem à versão militar do Sete de Setembro, as festas internas às procissões e festàs de padroeiros católicos, e o Carnaval à  March a para Jesus. Há encontros e desencontros nessa analogia, mas valem muito pelo que dizem ou deixam de dizer. a) As  procissões versus desfiles do Dia da Bíblia.  A Igreja Católica é a "dona " do país, as procissões (uma inva são do espaço público),  po rtan to, re af irmam su a hege mon ia e seu po de rio . Ac rescen tese que, quanto menor a cidade, maior será a importância dessa manifestação: 1) na cidadezin ha nun ca acontece nada significativo e que transtorne sua normalidade; 2) a procissão sairá ou termin ará no "centro d a cidade" - n a Igreja Matriz. A localização da igreja não é mera coincidência. Também não é coincidência que ela tenha perdido importância numa cidadg grande. Em São Paulo, por exemplo, a Avenida Paulista (símbolo do poder  76

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O TRIÂNGULO RITUAL PROTESTANTE

DESFILE DO DIA DA BÍBLIA

FESTAS INTERNAS

MARCHA P ARA JESUS

espaço público

espaço privado dos templo s

espaço público

rito diurno

rito noturno

rito diurno

ritual de ordenamento; não reivindicatório

idem

idem

celebra ção de um livro

celebração de uma efemeridade

celebração d a...?

povo e autoridades juntos mas separados

idem

povoe autoridades misturados

uniformização, roupa adequada

uniformização, roupa adequada

sem padronização, qualquer roupa

histórico

histórico

centralidade no andar e cantar

centralidade no falar e cantar

centralidade no cantar e dançar

contingência gestual

contingência gestual

incontingência gestual

' modism o importado '

econômico) tem muito mais importância. Nela acontecem atualmente grandes manifestações artísticas, políticas e econômicas. Nenhuma religiosa. E isto não é coincidência. Os evangélicos, minoria marginal, não têm platéia e razão  pa ra de sfi lar de m on str an do po de r, po rq ue nã o tê m po de r. N o entànto, ensaiaram alguma forma de desfile. Tímidos e esteticamente pobres, eles se iniciam em 1948, na primeira celebração do  Dia da Bíblia   e nascimento da SBB - Sociedade Bíblica-do Brasil96. Mas note-se bem, o desfile do  Dia da Bí blia   é ordeiro, exclusivista, dividido em pelotões (lembra alguma correlação?), não reivindicatório, não-contestador e absolutamente "racionalista e asséptico": é a celebração de um livro! N ada mais. Pois se até então o protestantismo brasileiro manteve essa cara anglo-saxônica ou de american way oflife,  e estava longe da típica esculhambação brasileira, agora temos a  Marcha para Jesus - ou  Jesus day,  já que estamos falando do gospel. 96Revista “A Bíblia no Brasil”, n° I, janeiro-março de!949, SBB, Rio de Janeiro. 77

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3)  A pasteurização  gospel: "s erva da opinião pública?"   (Tillich). No Canta Rio  de 1999, que eu assisti, "o maior festival de música gospel", segundo os organizadores, uma rep órter sai entrevistando os participantes (diversos dizem já terem participado dos festivais anteriores) e nenh um deles sabe conceituar o que venha ser música gospel.   Daí, coincidentemente, a repórter encontra o diretor' produtor-musical-gospeZ e ele explica. Ou tenta. Por qu e não avi sou antes, cara pálida, então é isto? Uma mistura de demagogia oportunista com amadorismo artístico? São músicas inspiradas por D eus? Aceita a "inspiração divina" , quem é que vai ser responsabilizado pela mediocridade m usical e a imbecilização das letrinhas? (e nada de falar de conteúdo teológico porque é pedir muito). Se os grupos mundanos(?) têm apelação pomô-musical (se você notou, não existe mais música com duplo sentido, agora elas têm sentido explícito), as evangélicas têm uma apelação simplista-musical. O que é mais  peca mi noso? Vale citar um trecho longo de Adorno (1999:90) escrito em 1938:  Regressivo é, contudo, também o papel que desempenha a atual música de massas na psicologia de suas vítimas. Estes ouvinte s não somente são desviados do que é mais importante, mas confirmados na sua necessidade neurótica, independente de como suas capacidades musicais se comportam em relação à cultura especificadamente musical de etapas sociais anteriores. A sua adesão entusiasta às musicas de sucesso e aos bens de cultura depravados enquadra-se no mesmo quadro de sintomas dos rostos, de que já não se sabe sefoi o film e que os tirou da realidade, ou a realidade do filme; (...) junta mente com o esporte e o cinema, a música de massas e o novo tipo de audição contribuem para tomar  impossível o abandono da situação infant il geral. Adorno está se referindo à produção artística pós-guerra que desempenhará um papel fundamental de alíviç» para o caos de sua época, no entanto, vendo o "estado infantil (1999:89) presente vêse que sua crítica ainda é pertinente. As músicas são assim porque as pessoas gostam ou as pessoas gostam porqu e só isto é produzido? 78

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Adorno e Horkheimer se escandalizaram com a perversão que o capitalismo efetuou na arte e no lazer. O que diríamos sobre o que aconteceu com o "louvor a Deus"? Mas por que exigir da.música gospel   uma instrumentalidade de Bach, Handell ou letra de Camões ou Cecília Meireles? Este preciosismo de exigência clássica pode ser mero pedantismo, até porque muito do que hoje é considerado clássico na música e poesia, quando, foi produzido não passava de algo absolutamente popular Mozart e Sheakespeare que o digam. Castelo Forte,   de Lutero, era música popular de sua época e foi entendida por todos, mesmo os analfabetos. Samba, originalmente, era música do morro, de negro e pobre, e foi rejeitada pelas igrejas  pr ot es ta nt es 97, m ui to mais p or racism o q ue po r r az õe s te ológ icas. Tocar atabaque jamais foi aceito por sua identificação com a macumba, mas toca-se no piano as músicas de Mozart, sem lembrar que ele, bêbado, compunha nos prostíbulos, rodeado de meretrizes.  A "carlaperenização" da cultu ra brasileira: o simulacro que-virou 4) modelo. Lembro de um jornalista português fazendo a cobertura do Carnaval de 98 falando que tinha feito Uma reportagem sobre a Tiazinha, mas não estava conseguindo explicar sua "importância"  pa ra se us pa tríc ios, ora poi s. E nó s br as ile iros , ai nd a temos a ousadia de contarmos piadas de português! Por que programas.como Ratinho, Gugu e Linha Direta são campeões de audiência? Porque a população gosta de sangue e sexo. Patologicamente deslumbra-se com a miséria. O mercado dita a programação. Por que as gravadoras produzem o que está aí? Porque há público consumidor. Estamos tendo uma "carlaperenização" da cultura brasileira? Nada contra a pessoa, mas ela, ou muito mais seu estilo, se torna " parad igm a cultural".  N o ma scu lin o, o id ea l é o j og ad or de fut eb ol - en qu an to Ge túl io saiu da vida para entrar na história, os jogadores saíram da escola para entrar na riqueza. Semi-analfabetos, mas ricos; não 97Aubreé (1996) chama atenção para o fato de que os protestantes rejeitam os instru mentos de percussão, o que, na sua,opinião, é a base de nos sa musicalidade. 79

Prot estanti smo

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leram um só livro, mas a imprensa fala deles diariamente; não, carregam malas, mas cartões de crédito. Ora, se a fina flor de vips, globetes, chiques & famosos, numa caricatura neocolonialista chamada Credicard Hall, "a maior casa de espetáculo da América Latina", vaia as duas vacas sagradas da MPB, João Gilberto e Caetano Veloso, não se pode exigir nada dos rappers do Carandiru. Razões teológicas e/o u espirituais? Aceito a inspiração divina, o desejo de evangelizar, a vocação levita, a rçnún cia à profissão  par a a de dic ação ao minist ério do lou vor, mas o mer ca do nã o conta? (Gondim, 1998) Isto é um modelo de simulacro. É o fantasma que vira realidade. Naquele estilo: vale a pena ver de novo. Algo que os teólogos chamam de "contextualização"; os cientistas sociais de "aculturação" ou "sincretismo"; os crentes mais espirituais de "mundanização"; os crentes mais modernos de "estratégias gospel", e u estou chamando de "carlaperenização da cultura  br as ile ir a" . Retornando a Tillich, qual palavra transcendente, julgadora e transformadora   há no gospel   hoje? Isso também poderia ser  p e rg u n ta n d o , p o r exem plo , p a ra as m e n sag e n s, p a ra os congressos, para as denominações, inclusive? Considerações finais ou o exercício filosófico (irresponsável) de apenas fazer perguntas: 1, O que incomoda afinal em ver a Carla Perez sambando e cantarolando a música gospel? É a ambigüidade de não saber se o protestantismo venceu (marcando presença em rede nacional) ou se foi vencido (a música evangélica sendo consumida como qualquer produto)? E bpm não ser apressado em acusar a música - só a música - de ter sido profanada neste "mercado de bens simbólicos" (Bourdieu), porque mensagens, livros, até mesmo "bênçãos" são vendid as ao gosto do freguês. Mas como diz a música "O homem carnal vive o que vê..."; 2. Estamos vivendo na cultura do simulacro. Antes se dizia:  par ec e, mas nã o é. O fe no m eno ló gi co ti nh a val or ap en as aparente. Hoje o aparente tem força de real; tem validade e 8o

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legalidade. Atualmen te, o que parece é. Pois, valorativamente, não precisa ser em integridade e /o u totalidade, basta parecer. Parecer é real, é verdadeiro. Portanto, a "carlaperenização" não apenas parece, é. O que está sendo mostrado como evangélico/cultural, não apenas parece evangélico, é evangélico. Porque se não for, é o que existe de mais hipócrita do mundo, ou èntão o "verdadeiro evangelho" está escondido (?). O que não livra da catástrofe igualmente. 3. Há diversos textos de teólogos e cientistas sociais condenand o (por razões diferentes) o sincretismo do chamado neopentecostalismo. É de "inspiração demoníaca" o uso de folha de arruda, sal grosso, atabaque, mas não a música de Mozart ou Tchaikovsky? 4. Em 1982, por ocasião do  Rock in Rio,  houve uma campanha de oração no Brasil contra o evento. Na sua terceira versão em 2001, um grupo gospel,   Oficina G3, participou da abertura. Quem assimilou quem?

Capítu lo VI

Neopentecostalismo e sua  Adequação Cultural

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 A igreja âe crente, a loja de umbanda e a academia de musculação são os três símbolos metropolitanos da civilização brasileira. Reginaldo Prandi (1991:259)  Assim , se no Natal vamos sempre à Missa do Galo, no dia 31 de dezembro vamos todos à praia vestidos de branco, festejar nosso orixá ou receber bons fluidos da atmosfera de esperança que lá se  forma. Somos todos mentirosos? Claro que não! Somos, isso sim,  profundamente religiosos. DaM atta (1987:117)

É fácil, muito fácil mesmo, criticar o neopentecostalismo por seu sincretismo e suas práticas culturais religiosas modernas, como se todos os demais segmentos cristãos fossem absolutamente "puros". A religião cristã não é originalmente "pura", pois é deriva da do judaísmo e com grande influência da cultura helénica (Green, 1998, Kee, 1983 e Boff, 1982). Portanto, tudo não passa de um processo de adequação cultural, ou como a missiõlogia denomina, "contextualização do evangelho". A questão grave e profunda é: por que podemos contextualizar valores culturais judaicos, anglo-saxônicos, norteamerica nos (de ricos, brancos, do wasp),  mas não de africanos, indígenas, nordestinos (de pobres)? Para Lutero, foi fácil "contextualizar" o evangelho para  benefí cio dos pr íncipe s ale mã es, mas im possível fa ze r o me sm o  pa ra os ca mpo ne se s98. Como fo ra m plen am en te co nd en áv eis o sincretismo e a "perversão" dos pentecostais, no início do século XX, em m isturar neg ros e brancos p ara as celebrações. Pior ainda: 98Algo, aliás, què Weber (1998:348) percebe na combinação entre luteranismõ e o, poder principesco. (

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com mulheres na liderança. Enfim, errado apenas o sincretismo dos outros. Atenção: aqui o que não estou dizendo é mais importante do que o que estou dizendo. Explico. Não estou dizendo, nem insinuando, que o cristianismo não é a revelação vinda de Deus. Estou afirmando (lembra da história do anão nos ombros de gigantes?), junto com diversos autores, bem m ais importantes que eu, que o cristianismo recebeu - e recebe ainda hoje - influências culturais em todas as épocas e lugares. A hipótese central deste capítulo é que o neopentecostalismo é a expressão mais brasileira dó protestantismo. Aviso aos navegantes: não estou afirmando que o neopéntecostalismo está certo ou errado. Afirmo apenas que, pelas características apontadas a seguir (algo que evidentemente, não esgota o assunto), ele é a expressão que mais se aculturou. Ou de outra forma, o neopentecostalismo é o espaço religioso onde o potencial secularizante do protesta ntism o" se manifestou com maior força. Poderia ser diferente? 1. Crescimento numérico. É mais "adequado" e por isso cresceu mais que as outras expressões religiosas? Neste caso, os cultos afros deveriam também ter crescido, no mínimo, em paridade com o pentecostalismo. Peter Fry (1975) faz um a pe rgun ta crucial em "Duas respostas à aflição: Umbanda e Pentecostalismo"   - ambas as manifestações religiosas são respostas, mas por que uma  pessoa é at ra íd a po r um a e po r ou tr a não, ou po r qu e ad er e a esta e não àquela? Todas as análises sobre o pentecostalismo, desde a década de 1960, justificam seu crescimento como resultado do processo de urbanização, industrialização e anomia social (Souza, 1969).  No en tanto, isso ta m bé m po de ria se rv ir com o exp licação pa ra o crescimento, menor e/ou maior, dos cultos‘afros. As 99 Sobre o potencial secularizante do protestantismo, remeto aos clás sicos de Peter Berger,  A c ons tru ção s oc ial d a r eal ida de  (1978) e O dossel sagrado - elementos  pa ra uma teo ria soc iol ógi ca da rel igiã o   (1985). Uma visão filosófica do tema encontra-s e em Tamas (199 9), particularmente o cap. IV. . 84

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manifestações afro, particularmente a umbanda e o candomblé, também são .fenômenos urbanos (Prandi, 1991). Uma explicação repetida por diversos autores para aceitação social urbana do candomblé é sua falta de exigência de membresia e compromisso religioso dos adeptos, aliás "consumidores" (Prandi, 1991). Mas isso também poderia ser a causa do, crescimento do n eopentecostalismo n o Brasil: uma religião liberal nos costumes, com espaços eticamente mais elásticos, onde a classe média, que ironicamente é também a mais atraída para o Candomblé, pode se sentir "bem" sem o policiamento típico das igrejas pentecostais e o conservadorismo das chamadas igrejas tradicionais (Campos, 1999; Mariano, 1999). Por que o pentecostalismo, antes religião de pobres, negros e marginais periféricos, agora atinge a classe média? Porque a classe méd ia só olha para cima. Anódina, que r a todo custo subir na vida, transpondo seu estado intermediário para um superior. Quer riqueza e poder, daí carimbar o passaporte para a  Revista Caras, Miami, o Céu (?). O filósofo Renato Jan ine (2000), em seu livro  A Sociedade contra o social,  diz que o brasileiro está sempre sonhando com a "sorte grande"; e nasce dessa mentalidade mágica imediatista a dificuldade da ação social e construção de um espaço público. Somos persistentemente messiânicos. Estamos sempre à espera de um milagre; em suma, a questão brasileira é a "necessidade de laicização" (Couto, 2000:80). 2 . 0 neopentecostalismo é a cara do Brasil sincrético.  Fr esto n (1995), em sua palestra no  I Congresso da AEV B   em Brasília, onde a temática do dia era ética, fez uma grave denúncia de que, em ríome do crescimento, adesão de diversos grupos e enriquecimento dos mesmos, estava se pondo em risco o próprio movimento. Daí, ele inventou a roda: quanto mais a igreja cresce, mais ela fica parecida com a sociedade na qual está inserida. Básico. Ricardo Mariano (1998), num texto presunçosamente "profético", insinua que o protestantismo que está crescendo e se tornando hegemônico, perdeu as marcas originais se aculturando de tal forma que deixou de ser "protestantismo". 85

P r o t e s t a n t i s mo

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Bobagem. Este protestantismo, ou seja lá o nome que sé dê ao mesmo, é nossa construção possível. Nem melhor nem pior do que nós mesmos, mas a nossa cara. Independente do juízo de valor que se faça dessa expressão religiosa chamada  pentecostalismo moderno,  ela é o que existe de mais entranháv el na cultura brasileira. Mal ou bem é um a designação teológica (muito acostumada a dogmatismo e juízo) de que estamos longe. Apesar do caráter antiafro do neopentecostalismo, ou mais  pa rticul ar m en te de algu m as igre jas, é e sta expr essão q ue re sgata os instrumentos de percussão. As igrejas tradicionais sempre tiveram total desconexão musical com o Brasil. Música "sacra"  pa ra essas, se m pr e foi ap en as o qu e vi nh a da Eur op a e EUA. Posteriormente, o pentecostalismo também se manteve longe da música brasileira. A Congregação Cristã tem um "purismo" de permitir apenas instrumentos clássicos e a AD optou pela "Banda de Música", numa versão militarizada do evangelho. Portanto, toda nossa riqueza de instrumentos de percussão sempre foi "satanizada" por todas as expressões protestantes. Aubré (1996:85) cham a atenção pa ra isso, inclusive, por ser "um a das bases da originalidade musical brasileira". Mas o neopentecostalismo, atualmente, com seus grupos de pagode e similares, resgatou a percussão. Chegou às minhas mãos um convite que é um primor de inculturação:  Arraial Gospel; com forró, fogueira, tapioca, baião de dois, bolo de milho, fogos e uma quadrilha. Não pude participar e minha principal curiosidade ficou no ar: tinha simpatia na fogueira? A Igreja Católica que se cuide, pois os evangélicos pelo Brasil inteiro aderiram às Festas Juninas, aliás, uma AD, no Rio de Janeiro, originalmente, neste período realiza a "Festa Jesuína"! Festas Juninas são manifestações culturais que juntam a religiosidade católica, daí os santos celebrados, com nossas origens agrícolas; são celebrações de agradecimento aos santos  pe la s sa fr as . N est e ca so , q u a nd o re ali za da s em am bie nte s urbanos seculares elas já perdem seu caráter sacro e agrícola. Como, então, evangélicos podem realizar tais celebrações? Podem ter músicas, comidas típicas, danças, brincadeiras, correio 86

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do amor. Mas o limite é tênue. O casamento matuto "precisa" ter algo de transgressor. A noiva deye estar grávida, o noivo deve fugir ou ter outra mulher, o padre bêbado, o delegado subornável. Aliás, toda a brincadeira, não só da quadrilha, só tem graça exatamente por seu caráter transgressor. Tudo bem que, dependendo, do ambiente, é fácil montar uma quadrilha, mas isso é outra história. Talvez o neopentecostalismo esteja criando o samba do teólogo doido, pois, em tese, toda religiosidade sincrética é tolerante, menos ela. Ela é antiafro. Freud explica (desculpem, mas o chavão é inevitável). Você odeia è acusa no outro o que lhe é mais caro. Ultrapassando este psicologismo barato, talvez como W eber analisa em seu clássico Ética protestante e o "espírito"  do capitalismo,  as conseqüências das posturas religiosas nem sempre se concretizam nas suas motivações originais. As "afinidades eletivas" provocam resultados não necessariamente esperados e causam uma boa confusão, tanto interna como externa. Externa porque se tipifica como um grupo que antes sofria perseguição religiosa, mas agora rico e poderoso efetua a  pe rs eg ui çã o ao ri di cu la ri za r as de m ai s ex pr es sõ es re lig iosa s. Identificar teologicamente determinadas entidades como demônios é uma coisa, expor as pessoas na televisão relatando  pr ob le mas pessoais de seus ca samen tos ou de su a se xu alidad e é outra bem diferente. Desde menino, em minha vida de assembleiano, vi possessão e expulsão de demônios, m as a regra na AD é: demônio manifesto é expulso, sem nenhum show ou exposição de pessoas. A confusão interna se dá porque o neopentecostalisrrío usa os mesmos elementos dos cultos afro. Ora, o objetivo é a desqualificação, mas na med ida em q ue se usa esses elementos sal grosso, folha de arruda -, admite-se, no mínimo, que eles têm a lgum pod er. Então, ironicamente, isso serve de legitimação. Além de, absurdamente, ser uma apropriação indébita. É como se descobríssemos que um terreiro de candomblé realiza santa ceia, ou usa textos de Calvino e Lutero em suas celebrações. 87

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Samba, futebol e carnaval.   Mesmo de forma estereotipada, 3. esse trinômio é marca registrada desse "país tropical abençoado  po r De us" (D aM atta, 1990, 1997: Ortiz, 1985). DaM atta chega , inclusive, a falar do trinômio "um band a, futebol e caranval" como matriz brasileira - e porque não: "pentecostalismo, futebol e carnaval"? Já que o trinômio brasileiro é be m flexível, se fala em "samba, futebol e cerveja", "cerveja, futebol e mulher" etc. Poderíamos especular que, para algumas denominações  bra sileir as, po de ria ser: " Maçon aria, educação e li turg ia ", "Música, reunião e Tio Sam".  Esta não é umá obra de ficção, qualquer semelhanç a com pessoa s e / ou instituições não é mera coincidência. Pergunta-se: quais afinidades eletivas (Weber) teria o  pr ot es ta nt is m o com o sa mba , fu te bo l e o ca rn av al? At é en tã o nenhuma, mas agora com o neopentecostalismo, começa a ter.  Nos anos 70, a brasilidadefoi concebida, como estando ancorada numa república de malandros na qual o carnaval ocuparia a posição culminan te. Esta rica interpretação antropológica nos proporciona entreve r a carnavalização da existência como uma marca básica do nosso imaginá rio, no qual a festa, como a ritualização do social, se inscreve de modo  fundamental (Birman, 2001:146, grifo no original).

É necessário cuidado para não ter preconceito positivo ou negativo em relação a essas realidades. No início d.o século, o  pe ntec ostalis mo é a lvo de m ui to pre conc eit o, ta nto p elas de mais igrejas evangélicas como pela academia e as razões não eram, como se podia esperar, teológicas ou científicas, mas racistas. Pentecostalismo é uma manifestação religiosa de negro e pobre,' nasce entre ex-escravos, algo bem próximo da perseguição efetuada aos grupos afros, tanto no Brasil como em demais  paí ses . Sam ba, futeb ol e c ar na va l ta mbé m j á foi coisa de po br e e negro. "Malandros" nos morros do Rio de Janeiro eram chegados ao samba, a elite gostava de música clássica - algo muito próximo ao que acontecia nas igrejas tradicionais. A diferença é que o país se atualizou, o morro desceu e tomou os estádios, as gravadoras e a avenida. Os protestantes, clássicos e

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reacionários, continuam cantando Mozart virando nariz p ara o samba e satanizando o carnaval. 4.  A Marcha para Jesus: "carnavalização  gospel". A Marcha é-a cara do neopentecostalismo moderno: desordenada, lúdica, diversificada, liberal nos costumes (bem ao contrário da ordenação do desfile do  Dia da Bíblia),  não precisa afirmar alguma coisa. A Marcha seria um rito de reforço ou rito de inversão ? Na teoria teológica (a Marcha se propõe à evangelização) seria um rito de reforço,   mas na sua prática festiva e liberal como se apresenta, se inserem características de inversão:  pode tudo e cabem todos. Está mais para Carnaval do que desfile de Sete de Setembro. O que é a  Marcha para Jesus ? É a  Marcha PAR A Jesus, é óbvio. A favor de que e/ou contra o quê? É melhor não pedir razões teológicas, porque "a galera está a fim de louvar". Entendeu? Inclusivista, nela cabem todos (todas as denominações que queiram participar), de qualquer forma (roupa social,  be rm ud a, bon é) e se m n en hu m estilo. À " im ag em e sem elh ança" do participante: cada um montando seu "kit evangélico" (Amorese, 1995). Como ela foi instrumentalizada por um a denominação (para  benef íci o pr óp rio, ob viam en te), as de m ai s tê m di ficu ld ad e de aderir ou se envolver. Mas não temos certeza de que outra, em seu lugar, faria diferente. Talvez instrumentalizasse diferente. Resultado: a Marcha se tomou demonstração de força dé um grupo e, neste caso, passa a ser  Marcha pára Jesus. Já que a  Marcha é   ambígua, e pode parecer exagero falarmos em câma valização, o que dizer dos assum idos desfiles de Escolas de Samba evangélicos? Ora, procissão e desfile combinam no ordenamento,  e ordenamento combina com religião. Já carnaval evangélico é, por natureza, uma contradição em termos. Até  po rq ue o ca rn av al ev an gé lic o é de um am ad or ism o sing ular . Paupérrimo. Um pastiche mal engendrado, porque precisa ser igual - para concorrer - sendo diferente; pois quanto mais conseguir ser carnaval mais deixará de ser evangélico. Quanto mais autêntico carnaval pior para ele, pois ficará próximo do real carnaval, e perde sua razão "evangelística" de ser. Se for  89

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 pa ra brincar o carnaval   (note o verbo associado automaticamente ao carnaval, algo para que DaMatta chama atenção, 1990:67),  por qu e brinc ar(!) de evangelizar(sz'c) no ca rn av al ? N ão seria uma tentativa suicida? DaMatta diz que o carnaval "é a glorificação das coisas que ocorrem da cintur a para baixo"   (1990:96, grifo no original). Mas não há no protestantismo nenhuma "teologia da cintura para baixo"; toda teologia é cerebral, para ser pensada e realizada racionalmente. Da "cintura para baixo" há, dentre outras coisâs, sexo, mas este está na categoria da negação. Sexo é "apenas" uma atividade normal no casamento, e "glorificação" só para coisas espirituais. Pelo sim, pelo não, a tentativa evangélica de "brincar/ evangelizar" no carnaval é uma demonstração concreta da adesão cultural. Neste caso, o protestantismo em nada altera (não há juízo nesta palavra, estamos usando alterar   no Sentido de modificar)  a cultura, mas apenas assimila. Richardson Halverson, capelão do Senado americano, disse:  No início, a igreja era um grupo de homens e mulheres centrados no Cristo vivo. Então, a igreja chegou à Grécia e tomou-se uma filosofia.  Depois, chegou até Roma e tomou-se um a instituição. Em seguida, à Europa, e tomou-se uma cultura. E finalmente, chegou à América,e tornou-se business. Aqui, do lado de baixo do Equador, onde não existe pecado, ela se tornou a "Igreja Cristã do Jeitinho". Pergunta-se: essa adequação cultural é de "inspiração" diabólica ou o "princípio  pro te st ante " ti llic hi ano re ss urg in do e al te ra ndo as m atr iz es  br as ile ira s?  Adeq uaçã o da teologia do corpo.  Nunca houve antes algum 5. grupo pr otestante que, oficialmente em seus órgãos de imprensa, falasse positivamente do lazer ou dos cosméticos, numa postura hedonista - daí o. ineditismo da Folha Universal100.  Prandi diz 100Devo esta observação a socióloga Maria das Dores que, numa exposição oral na USP, em 1998, chamou a,atenção para esta questão. Aliás, sua fala era uma analogia entre a Folha Univ ersa l, da IURD, e o Me nsa geir o da Paz , da Assembléia de Deus. O primeiro como modelo de liberalismo, o outro, conservadorismo. A  Folh a  “in centiva” o  Men sag eiro  “condena”. Na medida em que, a  Fol ha   ensina o uso de cosmétic os, dá conselh os sobre vestidos e roupa de praia, o Me nsa geir o  jamais fala 9°

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que os três símbolos me tropolitanos d a civilização brasileira sãó a "igreja de crente, a loja de u mba nda e a acade mia de aeróbica" (1996:259) na mais perfeita exemplificação do mundo moderno e hedonista. O prazer de viver bem consigo mesmo, em desfrute do corpo, da riqueza para benefício próprio, que na tradição  pur it an a se mpre foi ne ga da e co nd en ad a, ag or a é co mpo ne nte importante da teologia da prosperidade. Weber (1996:120) lembra a aversão que o ascetismo protestante tem pelo esporte, em sua valorização única do trabalho. No pe nteco stalism o, originai, este ideal ainda persiste: Simon Lungren, missionário sueco, lembra com orgulho que, ao se converter em 1916, abandonou o atletismo e jogou fora suas medalhas. Atualmente, esporte se tomou uma ferramenta evangelística. Mais que isso, temos hoje uma "teologia do corpo saudável"; um 'encontro, até então improvável da academia (de ginástica) com a igreja. Dia 8 de abril de 2001, domin go pela manhã, no Rio de Janeiro, 38 graus, fui ao culto na Catedral Mundial da Fé.  Um grandioso  pr éd io com ar co nd icion ad o, som ide al, be rçár io fu nc iona nd o, estacionamento em perfeito uso, orientadores em todas as portas dando informações e facilitando lugares. A platéia, masculina e feminina, de bermuda, chinelo de dedos, camiseta cavada, dançando e recebendo a benção - um ambiente confortável e libertário. Na mesma manhã, peguei um táxi correndo e fui à Assembléia de Deus, sede do Ministério de São Cristóvão - era a Santa Ceia Geral onde todas as igrejas e congregações do Ministério estavam reunidas. Casa lotada, todos os homens-

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sobre isto e quando cita é apenas para condenar o uso. Outra observação importan te é que a IURD, apesar de sua imensa membresia feminina, não tinha mulheres na . liderança, falando na TV ou es crevendo no jornal.' Enquanto nas publicações e programa de TV da AD (ela falava, na época, do programa  Movi ment o Pen tecost al), tinha mulheres escrevendo e apresentando. Pouco tempo depois, o programa da AD saiu do ar e nos programas da IURD e jornais, as. mulheres apareceram agora não apenas como “endemoninhadas”. Coincidência? Cheguei, posteriormente, a pergun tar para um bis po iurdiano se a igreja reconhecera isto, daí a oportunidade para as mulheres. Disse-me que as mulheres sempre tiveram o devido lugar na igreja e não seria por causa da crítica de uma soc iólog a que a IURD mudaria. Não tiro a razão do bispo, mas o aparecimento de mulheres (repito, não apenas possessas) na telinha iurdiana não deix a de ser um “atrativo” para sua imen sa clientela femin ina.

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obreiros de paletó e gravata, calor insuportável, e um desfile de avisos, cânticos de conjuntos, duetos, coral de senhoras, e  pa la vra s do s pas to re s - um am bi en te au st er o e co ns er va do r. Poderia exemplificar também com as liturgias das igrejas tradicionais: enfadonhas, repetitivas e completamente distantes da informalidade brasileira. Neste país de "rito frouxo", como  be m s intetiz a H ol an da (1999:151), e c om " av er sã o ao r itu alism o" , toda nossa pretensão de liturgia é simulacro anglo-saxônico. Resultado: nem somos autênticos protestantes latinos, nem austeros britânicos reverentes. Para um visitante de primeira viagem, qual reunião ele vai achar mais "confortável", na hipótese de um retomo?  N es se asp ecto , o n e o p e nte c o st a li sm o é e xpre ss ão m ai s aculturada que já tivemos neste país. A Igreja Universal é  par ad ig m a da cu ltura do self-service  religioso, do que Prandi chama de "religião pa ga" e prestação d e serviço religioso (1995). E se ela e~suas congêneres não chegam à "glorificação da cintura  pa ra baixo" (DaM atta ), se rv em com o leg itim açã o. Como exp licou o Pr. Wesley Bandeira, da Comunidade Sara a Nossa Terra: As pessoas têm idéia de que ser evangélico é fazer muitos sacrifícios.  Não há sacrifícios, é liberdade total. (...) A maior parte das igrejas . ■ prega, primeiro, a mudança de comportamento, depois promete o amor  de Deus. Aqui, é o contrário, Deus está em primeiro lugar e recebe todo mundo. Até porque Jesus vivia rodeado de ladrões e prostitutas101. Sabonetes, perfumes, óleos, músicas, são todos vendidos como qualque r outro p roduto . Então, o culto, a oração, a benção, idem. A questão é que se o cliente/fiel não ficar plenamente satisfeito com o "produ to", não poderá se dizer ludibriado po r "propaganda enganosa" e reclamar no Procon, Delegacia do Consumidor ou Conar. Então a criação de um "Procon Espiritual", como sugeriu o historiador Ziel Machado, numa  pa le str a no ICEC, ser ia uma . bo a pr ovidência. Esta seria, então, a razão porque vips,   ricos, famosos e emergentes estão aderindo? Já ouvi em um debate, alguém dizer  101R evista da Folha, 24 /06/01, p g. 20. 92

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que isto é marketing de artista em final de carreira para voltar à mídia com um "público de cabresto". Aderir à "indústria do testemunho" é a forma mais simples (?) de encher as burras de dinheiro. Penso que, isto é um julgamento muito grave que eu não me atrevo a fazer. Mas não podemos escapar do conceito de "religião como espetáculo". Tudo hoje é midiático e a vida é uma realidade imagética. Um reality show   com diversas cenas. Portanto - Deus me perdoe a blasfêmia -, o culto, o testemunho são apenas algumas das cenas. O corpo, sadio e feliz, é fundamental para implementação do show.  Perdão, do culto. E como esta adequação da teologia do corpo não tem limites, há na praça um CD gospel  chamado de "Bonde do Ungidão" uma paródia do Bonde do Tigrão. A música é igual, m uda apenas a letra. Como ouvi apenas o CD, fiquei curioso para saber como as "popozudas" e os "tigrões", devem fazer a coreografia "ungida". 6.  Indep endên cia inst ituc ional.  São igrejas que surgiram de form a autônoma, na maioria das vezes, como um projeto pessoal. Nem calvinistas, nem arminianistas, nem trinitarianistas, nem renovadas, nem pentecostais. Nenhuma dessas tradições ou talvez com uma mistureba a la Brasil de   todas elas. Algo assim teologicamente hermafrodita. Atenção: "projeto pessoal" não é indicado como menosprezo ou desqualificação, afinal nenhuma igreja nasceu como projeto do coração ou revelação expressa de Deus, apesar de algumas insistirem nesta falácia. Até as seculares, tradicionais e respeitáveis denominações nasceram - também - a partir de um  projeto, sonh o e o bra d e u m a pessoa . O u d ivisão. E vide nte mente, que o Zezinho da Vila Vintém que se atreve a fundar uma igreja é "herege", "rebelde", "divisionista do Corpo de Cristo", o que  jam ais diría mos de Luter o, Ca lvi no ou Wesley . A questão básica para essas novas igrejas é: como elas não têm tradição podem fazer qualquer coisa. Ouvi u m pastor batista americano dizer que há um provérbio entre eles que diz: "Qual a definição de eterno? Etemo é tudo o que começa numa igreja batista". 93

P r o t e s t a n t is m o

Tupiniquim

 N um a es ca la hie rá rq uic a, por ex em pl o, co mo a da Ig reja Presbiteriana, uma questão é discutida no Presbitério local, sobe' ao Sínodo e vai até o Supremo Concílio. E neste processo m uitos dogmas são lembrados, confissões Consultadas, muitas leis aplicadas e decide-se a partir da tradição  da Igreja. Numa1dessas igrejas mode rnas, o líder carismático (Weber) decide, "inspirado  po r D eus", e a coisa se realiz a. De u c erto ? Vira pa dr ão "sag ra do ". Modelo a ser imitado pelas concorrentes. Deu errado? Bate-se a  po eir a, e, n o próx im o mo men to, t em -se no va "revela ção". E n ão é mera coincidência que nesses tempos neoliberais tenhamos uma  pro d/üção des ca rt áve l de esp ir it uali dade, ou al go sim ila r. A indústria cultural mandou lembranças. Assistindo a um desses programas evangélicos na TV vi o apresentador convocar o povo para uma nova "campanha de oração da sexta-feira forte", da seguinte maneira: "Prestem atenção, nós vamos fazer uma coisa que ninguém fez! Ninguém fez ainda! O Missionário recebeu a revelação de Deus para u ngir o dedão do pé! Prestem atenção, ninguém fez isto! Venha para a Campanha nesta sêxta-feira forte...". Básico. Funcionou? Se já existisse o "Procon Espiritual" saberíamos. 7. Personalismo versus hierarquia.  No Brasil, casa/r ua e público/  pr iv ad o nã o são área s dis tin tas , ma s co mple me nta res - na pior acepção da pa lavra (DaMatta, 1990,1997). O limite entre o legal e o ilegal, o cidadão e o margirtal, a pessoa e o indivíduo, é nossa m aior "a traç ão", o u em po rtug uês claro, nosso "jeitinh o"102.  N es sa "d ia lé tica da m al an dr ag em ", na ex pr es sã o de A nton io Cândido, todos os valores são relativizados. Até onde isso contaminou o protestantismo? Será que as denominações - seculares e tradicionalistas também não foram atingidas pela síndrome do "sabe com quem está fala nd o? 103"   (DaMatta, 1990). Há muito personalismo ou 102Uma discussão da relação evangelho e o  jei tin ho  brasileiro é feita por Lourenço Stélio Rega, em  Dan do um jei to no jeiti nh o  (2000). Conquanto sua preocupação (dogmática) teológica seja exclusivamen te de condenação. Não há mérito, segundo Rega, nesta faceta cultural brasileira. 103Na dúvida de que isto aconteceu, veja a análise arrasadora que João Dias Araújo (1972) faz da Igreja Presbiteriana em  Inqu isiç ão s em fogue ira s. 94

 N e o p e n t e c o s t a l i s m o

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Sua

Ad e q u a ç ã o

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"liderança carismática" (Weber), que a despeito da tradição ou denominação, imprime sua idiossincrasia. Holanda diz que uma das características mais marcantes da cultura brasileira, além de nossa cordialidade,  é a "cultura da personalidade" (1999:32). Apenas perguntas: será'que a Presbiteriana seria a mesma sem a existência de José Ma nuel d a Conceição, Boanerges Ribeiro, Caio Fábio? A Assembléia de Deus sem o Emílio Conde, Paulo Macalão e José Wellington? A Batista seria a mesma sem o Fannini? A Betesda sem o Gondim? A Renascer sem o Estevan? Pois até a Igreja Católica no Brasil seria diferente se não fosse um P aulo Arns e um H élder Câmara. Lembremos que a cúpula da Igreja apoiou o golpe militar e continuaria apoiando se não fossem alguns acidentes e alguns "profetas desviados da trad ição "104. Idem pa ra grup os eva ngélicos.  N a As sem blé ia de De us, foi o "p ur ismo" de Em ilio Co nd e e o "nacionalismo" de Macalão que impediram-na de ter atuação  p o lí ti ca e est abele cer um a e str u tu ra ecl esi ás ti ca nacio nal,  po ssi bilit an do o surg im en to do "caciquis mo ", ocasiona ndo seu esfacelamento nos chamados "Ministérios" (Alencar, 2000). Na Batista, o apoio à ditadura se deu-pela conveniência do Fannini receber um a concessão de pro gram a de TV (Freston, 1993). Ora, se isto aconteceu em igrejas seculares com todo o peso da tradição para norteá-las, o que não poderia acontecer no "pentecostalismo autônomo?" Lutero é "maior" que a Igreja Luterana, Calvino é "maior" que a Presbiteriana, Wesley é "maior" que a Metodista. Assim como no Brasil, RR Soares é "maior" que a Igreja Internacional; Edir Macedo, "maior" que a Universal; Faninni, "maior" que a Batista, Gondim é "maior" que a Betesda, assim como Caio Fábio 104E ste discurso católico de apoio aos pobres e ser contra o governo está mais para acidente de percurso que sua própria natureza. Desd e Constantino, passando pelo fascismo na Itália, a ditadura do Estado No vo com Getúlio até os militares em 64 sempre teve apoio institucional da Igreja. A Catedral de Brasília, originalmente, foi construída ecumênica. A Igreja Católica a recebeu de “presente” e a tradição, a família e a propriedade agradecem penhoradamente. Hoje não é muito diferente - o Núnc io Apostólico que o diga. Há alguns grupos de plantão para reclamar e m asca rar a atuação ofi cial da Igreja. 95

P r o t e s t a n t i s mo

Tupiniquim

era "m aior" que a Presbiteriana105 (Essa, inclusive, foi uma ,das razões dos seus problemas). O temperamento centralizador de Caio Fábio não pode ser desconsiderado nesse processo. Como ele mesmo afirma: "não sou tirano, não sou despótico, dialogo, converso, mas quando eu me convenço de alguma coisa em alguma direção eu não tenho nenhitm  problema de to mar a decisão, assumir a responsabilida de e arcar com as conseqüências”.  Assim, quando seguro de suas decisões, à equipe .de Vinde   só restava obedecer-lhe e segui-lo, pois, como afirma um ex-assessor direto, "quando ele decide, está decidido”  (Fonseca, 1998:95, grifo no original). A igreja evangélica brasileira é uma instituição de grandes  pe rson ali da de s. O qu e há de er ra do nis to? Em tese na da . Aliáis, uma igreja que não tem uma figura carismática (e mais uma vèz é bom lembrar: o conceito não é da teologia pentecostal, mas da sociologia weberiana) não se desenvolve. Não cresce. Terá muita dificuldade de agregar pessoas em torno de idéias, estilos, tradição. E a liderança, seja lá qual for, é imprescindível para seu desenvolvimento. Por mais tradição secular que a Igreja Católica tenha, ela precisa do Papa, uma figura carismática essencial em seu agregamento. Ele, como qualquer outro líder religioso, é símbolo de tudo o que esta igreja quer e precisa ter. Idem para nossos pastores. Repito: isso, em si, nada tem de errado. Religião precisa, mais do que qualquer outro fenômerío, de símbolos. O problema é que alguns destes símbolos, além de representarem o ideal religioso do grupo, significam também outras coisas... Ora, se um ministério como o de Caio Fábio, que, durante algum tempo foi a grande referência evangélica, era  perso nalístico, qu an to ma is um a igr eja au tôno ma , sem tra diç ão , à imagem e semelhança de seu do no/fun dado r. São instituições,  po r conse qüê ncia, on de a pe rson alid ad e é ma is im po rta nt e qu e 'a hierarquia. O protestantismo, portanto, como DaMatta (1990:191) analisa a sociedade brasileira, é formado por  105 Uma análise da “liderança carismática” de Caio Fábio foi feita pelo soc iólogo Alexandre Brasil Fonseca (1998). 96

 N e o p e n t e c o s t a l i s m o

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A dequa ção

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"medalhões, aqueles que não nasceram, foram fundados". Por eles próprios. 8.  Big Brother Gospel.  De início, é bom lem brar: isto não é uma tara tupiniquim ou sintoma de nosso subdesenvolvimento cultural. É mania mundial. Aliás, mais uma peça da tal globalização. Idéia holandesa originálme nte, alastrou-se por este mundão como praga. Todos querem olhar pelo buraco da fechadura. É a curiosidade inerente da natureza humana. Portanto, esta briga entre Globo e SBT pelos direitos autorais (será que a briga não faz parte do marketing?) é apenas cena. Deveríamos, de fato, pagar royalties  para Eva, pois, na falta de comadres ou concorrentes, ficou a tricotar com a serpente. O fascínio que o outro - seja lá o que ou quem for - nos  p ro vo c a é in d is c u tí v e l. N u m psi colo gis m o bara to : so m os (a)traídos pelos erros de nossos semelhantes porque nos identificamos neles. Simples, adoramos condenar o que mais gostamos; de outra forma, somos extremamente severos com determinados errps. Dos outros. Adicione-se à esta espetacularização da natureza mórbida os interesses dos fabricantes de móveis, edredons (o tudo explícito aborta a fofoca), carros, produtos diversos numa disputa milionária na TV - e então o show  se completa. Quem é o grande  ben efi cia do, afin al? A re de de TV, os an un cia nte s, as cobaia s de artista, a patuléia assistente. Todos ganham (?). A rede de televisão e os anunciantes têm apenas um objetivo: faturar. É a lógica do quanto pior melhor. Eles, então, descobriram o mapa da mina: o melhor do pior! As cobaias que se prestam a isso estão (apenas) querendo uma oportunidade de aparecer. Pelado, vestido, tramando, dando rasteira e golpes, exibindo bíceps e nádegas. E daí? Se cada cria da ninhada humana tem direito a quinze minutos de fama, isto sendo em rede nacional por uma quarentena de dias, apenas valoriza o conjunto da obra. O "artista" se valoriza na hora de assinar o contrato e a publicação vende mais porque a "peça" já é conhecida. 97

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Já a patuléia telespectadora fica salivando como os cachorrinhos do Pavlov. Ensandecida, quer sangue, suor e lágrimas. E sexo. Porque pimenta nos olhos dos outros é ponto no Ibope. Se Roma tinha seus shows de gladiad otes e os medievais a queima dos hereges em pr aça pública, nós hoje temos os reality shows.  Charles Darwin deve estar batendo palmas, sua teoria da evolução está sendo confirmada. Não precisamos de estádios ou fogueiras para matar hereges' ou nos divertirmos. Somos modernos. Moderníssimos. Usamos internet, TV, sofisticadíssimos sistemas de comunicação; elegemos quem  p er de ou qu em ga nh a pór tele fo ne , em ai l e di ve rs os ou tr os  ba la ng an dã s ele trônicos. N a era da cib ern ética, no ssa tec nol ogi a a serviço do golpe, da trama, da rasteira no concorrente, da armação, do ciúme, da dissimulação, do falsear, da instrumentalização das amizades e das pessoas é bem superior. Evoluímos. E os cachorrinhos de Pavlov agradecem  pe nh or ad am en te . E pe ns ar qu e tu do isto aind a po de piorar ... Uma sugestão (apenas sugestão): que tal um big brother gospel? Convenhamos, nada mais gospel que o brother, e nada m ais brother  que o gospel; é a fome com a vontade de comer. Como diria o sábio artista Alexandre Frota: " Br ot he r , seria uma parada maneira!" O critério de seleção não seria a vulgarida de de bíceps e nádegas, mas, digamos, algo mais teológico: um calvinista, um arminianista, um pentecostal, um tradicional, um renovado, um unicista, um trinitarista, um ecumêmico, um gedozista. Seria uma boa oportunidade de sabermos, afinal, quem são os big e os chart brothers.  Realmente. Marketeiros a postos, patrocinadores é que não faltam: óleo sagrado, sal grosso santificado, rosa ungida. E as competições? Prefiro não falar, mas tenho diversas em mente. Daria uma audiência... Quadro "Os dois caminhos".   Um quadro muito antigo, 9. den om inad o de "Dois Ca min hos" 106, talvez a única repr esenta ção artística da época, e mesmo assim, rejeitada por muitas igrejas, 106O modelo que disponho não tem registro de editora nem data, me parece uma leitura iconográfica do livro “O Peregrino”, de John Bunyan (1628-88), até porque os desenhos são idênticos.

 N e o p e n t e c o s t a l i s m o

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A dequa ção

C u l t u r a l

é um bom exemplo da adeq uação cultural do neopentecostalismo.  N o ca m inho la rg o - o caminho da perdição  -, está o cinema, o teatro, o cassino, as festas, pessoas (muitas) bem vestidas com chapéus, luvas, casacos, cartolas, guarda-chuvas etc. Muitos enfeites. No jargão evangélico: muita vaidade. Muito espaço. Repetindo, o caminho é largo. Uma grande porta de entrada com uma faixa de Bem-Vindo. No prédio do teatro tem uma frase: "Profanação do domingo", uma das grandes ênfases de teologia em décadas passadas.  N o ou tro lado, no caminh o estre ito - o caminho da salvação -, templos, casas de oração, tendas, pessoas (poucas) vestidas sem ostentação, com muita simplicidade, nenhum sinal de festas ou "coisas mundanas". Nem precisa dizer que não há nenhum cinema, teatro ou jogo. do lado de cá. Ao lado de todos os  pr éd io s, ep isód ios e at itud es ex ist em ve rsícul os bíb licos par ã "fundamentar" a aprovação (caminho estreito), ou condenação (caminho largo), dos mesmos. Por mera especulação: como seria atualmente o quadro "Dois Caminhos"   em sua versão gospel? O cinema-, o teatro, a dança, as  be las ro up as , as fes tas , os m ui to s enfei tes, todo s m ud ara m de lado, estão (também) no "caminho estreito". Aliás, agora, por causa da multidão que aderiu, tiveram que "alargar" a estrada  pa ra cabe r ta nt a gente... D e for ma ic ono grá fic a, sejamos sinc eros, não dá para retratar atualmente o caminho largo e o estreito.  N ão há , pelo men os na estética, ne nh um a dif erença. Re ssa lva seja feita: o cassino não mudou de lado. Ainda. Foram as coisas qúe mudaram de lado ou foram as pessoas? Apesar de estarmos falando do neopentecostalismo, isso não atinge apenas este grupo. Nas chamadas igrejas tradicionais também houve mudança de costumes. Os jornais batista, metodistas e presbiterianos, nas primeiras décadas do Século XX, condenav am o cinematógrafo, o baile, a vaida de, o trabalho que fosse realizado no domingo - dia do Senhor - e tudo o que na época se considerava "mundano". Repito: as coisas mudaram de lado ou foram as pessoas? 99

P r o t e s t a n t i s mo

Tupiniquim

Em 1987, trabalhei como assessor de Recursos Humanos de uma rede de supermercados em Fortaleza, realizando entrevistas com novos funcionários. A éntrevista tinha um roteiro e uma das questões era sobre o lazer do candidato. Certa vez entrou em minha sala uma moça que, pelo cabelo e vestimentas, "adivinhei" que era assembleiana ou algo similar. Quando  per gu nt ei sob re laz er ela se as su sto u e re petiu : - Lazer? - Sim, eu respondi profissionalmente, mas já sabendo que aquilo não iria terminar bem. Como você preenche seu tempo de lazer? Quais são suas diversões? Segundo o questionário da entrevista: praia, cinema, tevê... ela interrompeu minha lista e respondeu secamente: - Eu não tenho lazer, eu sou crente!  No dia 22 de de ze mbr o de 2001, ap en as 14 anos depois, no  pro gr am a de TV Vitória em Cristo,  o pastor assembleiano Silas Malafaia fez uma longa reportagem no navio Esplendor dos Mares. Foi a divulgação de um "cruzeiro evangélico" peias praias nordestinas com direito a saunas, piscinas, salão de beleza, esportes e, segundo o pastor, "reuniões para deleite espiritual". Amém. Repito: as pessoas mudaram de lado ou foram as coisas? O gospel,  portanto, poderia ser acusado de estrangeirismo? Talvez pudéssemos resumir assim: - O primeiro grupo legalmente (imigração) não podia influenciar e não tentou; - O segundo (missão), pensava que podia e tentou apenas na educação; , - O terceiro (pentecostal), sabia que não devia e não tentou; - E o quarto (neopentecostal) acha que já conseguiu.

Capítulo VII



 A Instrumentalização do Poder 4 Divino: Analogia entre a Ética Neopentecostal e a Candomblecista1 1107

O espaço de interlocução que assim se estabeleceu entre os pentecostalismos (...) e os cultos de possessão  fa z parte do processo de construção e de transformação constante que sofrem tantos u ns quantos outros, na medida em que se encontram relacionados entre si diferentes formas ao longo dos anos. Birman (1996:93, grifo nosso)

Lembro-me como se fosse hoje: um artigo publicado no  Men sag eiro da Paz,   jornal oficial da Assembléia de Deus, fazia uma denúncia grave de que um cientista tinha comparado o  pe nt ec os ta lism o co m a um ba nd a. D ura nt e di as e m es es ou vi muitas pregações na igreja em que se vociferava contra esta  blasfê mia. Po ss iv el men te , pe la da ta , de ve te r sid o o ar tigo já citado de P eter Fry e G. Howe ,  Duas respostas à aflição: umbanda e  pentecostalism o,  pub licado em 1975. O jornalista assembleiano leu muito mal o artigo - se é que leu - pois a analogia do Fry nada tem de blasfematório, é apenas uma tentativa de explicação. Por que algumas pessoas optam pelo pentecostalismo, mas outras, nas me smas condições sociais, fazem outra opção? Aliás, mesmo sem ter este objetivo, o artigo termina por ser elogioso ao 107 Uma versão em espanhol -  La Inst rum enta lizac ión D el P od er Div ino: An alog ia entre la Ética Neopentecostal y la C andomblecista  (pgs. 159-1 74) - des te texto foi publicadaem 2003, em Concepción, Chile, pela Comunidade de Educación Teológica  Ecumên ica Latinoam erica y Car ibena -  CETELA e A sociación Teológica Ecumênica Del Tercer Mundo - AS ETT, como com pilação das palestras da Re d Latin oamer i can a de E stúd ios Pen teco ste s,  realizadas na Costa Rica.

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