Agnes Chauveau & Philippe Tetart (Orgs) - Questoes Para A Historia Do Presente.pdf

February 14, 2019 | Author: Gabriel Valença | Category: Historiography, Ciência, Philosophical Science, Science (General), Science And Technology
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Editora da Unlvarsidade do Sagrado Coraçlo

Rua Irmã Arminda, 10-50 17044-160 - Bauru - SP Tel.: (014) 235-7111 - Fax: (014) 235-7219 e-mail: [email protected]

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C397q  Chauveau, Agnès Questões para a história do presente / Agnès Chauveau, Philippe Tétart; Tradução Ilka Ilka Stern Cohen._   _ Ba uru , SP: EDUSC, 1999

 __ (Coleção História) 132 p.; 21 cm. __ 

m á r io .

07 Questões para a História do presente „/por Agnès Chauveau e Philippe Tétart Pode-se fazer uma história do presente? por Jean-Pie rre Rioux

-**51 -**51 O retorn o do político - por René Rémond  —  61 Marxismo e comunismo na história recente - por Jean-Jacqu es Becker 

73 Ideologia, tempo e história - por JeanFrançois Sirinelli

ISBN 85-86259-99-3 1. História -Filosof ia. I. Tétart , Philippe. D. D. Título. Hl. Série

 — 93 A visão dos outros: um medievalista diante do presente - por Jacques Le Goff 

CDD 901

ISBN 2-87027-458-0 (original) Copyright O 1992 Editions complexe Copyright  © de d e tradu ção 1999 EDUSC EDUSC

— 103 103 Questões para as fontes do presente - por  Robert Frank 

Tradução realizada a partir da Ia edição 1992. DireltOl exclusivos de  publi caçã o e m l íngu a p ort ugu esa para o Brasil adquiridos pela adquiridos  pela

—119 Entre história e jornalismo - por JeanPierre Rioux

EDITORA DA UNIVERSIDADE DO SAGRADO CORAÇÃO Rua Irmã Arminda, 10-50 CEP 17044-160 - Caixa Postal, 511 Fone (014) 235-7111 Fax (014) 235-7219  / r / / / ) Bauru - SP e-mail: [email protected]  â â é ?

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127 Conclusão - por Serge Bernstein e Pierre Milza

capítulo 1

QUESTÕES PARA A HISTÓRIA DO PRESENTE  po r Ag nès CHAUV EAU e P hil ipp e TÉTART

* Seria vão tentarmos nos tomar nosso próprio historia dor: o historiador é também criatura histórica  Jean Pau l Sartre1

O imediatismo do trabalho histórico diante da história a acontecer, do fato, a presença ainda prenhe dos fatos no que chamamos de história imediata, de história próxima ou de história do presente, colocam num erosos problem as metodológicos, epistemológicos e, em certos aspectos, deontológicos. Em sua relação com a história, na sua maneira de fazer história - de fazer a história - o homem, o ci dadão, intervêm como o cientista. Qual é então a par te de "verdade" não histórica? Qual pode ser a na  tureza da deformação da análise e que elementos con correm para esta deformação? Quais são os jogos de influência entre os climas ideológicos e os contextos históricos? Qual é sua parte de responsabilidade na emergência e na afirmação dos movimentos históricos e historiográficos? Enfim, há um a responsabilidade do historiador em seu papel cada vez mais valorizado de comentarista do presente ou do imediato?

1In Situations II, Gallimard, 1964, p. 41.

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Tais são as questões às quais os historiadores aqui reunidos tentarão responder e que permitirão abrir pistas a fim de apreen der a epistemologia da his tória do p resente2. Questionar a história do presente de maneira exaustiva exigiria, entretanto, um verdadeiro aprofun damento comparativo das diferentes vias de pesquisa  pr óp rio s à epi ste mo log ia, à h ist ori ogr afi a ou à m et od o logia de nossa especialidade. Para ser completo, seria  poi s nec es sár io de te rm in ar um pr oj eto ma is va sto qu e aproximasse e confrontasse testemunhos e análises mu ito numerosos de historiadores - um corpo tem áti co e arquivístico representativo. Tal estudo deman da ria igualmente a intervenção de não-historiadores,  poi s as coisa s nã o po de m ser des cri tas so m en te de se u interior. Enfim, seria necessário considerar o indivi dualismo metodológico de cada historiador, particularismos das escolas, dimensão extranacional.  Nã o é est a no ssa in ten çã o e es ta co ntr ibu içã o constitui uma afinação visando fazer o historiador pro gredir na com preensão e na prática de sua disciplina. O objetivo deste estudo não é, antes de tudo, o de lhe fornecer um instrumento teórico, mas o de propor-lhe uma percepção renovada da história do presente. Além disso, esse deveria permitir melhor mensurar a  pr es en ça do hi st or ia do r e m seu tem po , ass im com o as conseqüências dessa relação, qu e nós declinaríamos de modo interrogativo: climas ideológicos, modas historiográficas, culturais, orientações científicas.

2 Sob esta fórmula não exclusiva, agrupamos a his tória imediata, a história próxima e a história do  presente.

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O ATESTADO HISTORIOGRÁFICO Comecemos por debruçar-nos sobre a historio grafia e a genealogia da história do presente. Dois ei xos determinam esta primeira observação: de um lado a dimensão epistemológica e metodológica, de outro o aspecto historiográfico, universitário e social da afir mação do presente. Para o primeiro ponto, é inevitável constatar que, no fim dos anos 70, a investigação metodológica e epistemológica voltou-se essencialmente para o es tudo d a Nova História, herdeira dos  Anna les   de Lucien Febvre e Marc Bloch. Se tomarmos as três obras fun damentais que balizam essa interrogação: Faire de VHistoire  em 1974,  La nouvelle histoire   em 1978 e  La teli er de Vhistoire   em 1982, veremos que o presente nelas é quase inexiste nte3. Por que essa ausência? Pensamos que primeira me nte essas diferentes obras são o trabalho de medievalistas e modernistas que se interessaram sobretudo  po r s eu s p ró pr ios cam po s. Ma s, an te s diss o, se m dú vi  da é preciso considerar o próprio procedimento da História nova. Considerando as estruturas duráveis como mais reais e mais determinantes que os aciden tes de conjuntura, os fenômenos de longa duração como mais decisivos do que os movimentos de curto alcance, erodindo a cadeia factual com o propósito de 3 Faire de l’histoire,  sob a direção de Pierre Nora e Jacques Le Goff, très volumes, Gallimard, 1974 [edi ção brasileira pela Livraria Francisco Alves Editora, Rio de Janeiro, 1976. N. do T.] ;  La nouvelle histoire, sob a direção de Jacques Le Goff, Retz, 1978 (nova edição, Complexe, 1988) ;  L'atelier de l ’histoire, François Furet, Flammarion, 1982.

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substituí-la pelo sentido econôm ico e social do tempo, essa "escola" histórica ignorou freqüentemente o con temporâneo, a fortiori o presen te e imediato. Mas o problema ultrapassa largamente o dos tempos históricos. Questão de hegemonia ou exclusi vamente de escolas? Incompreensão ou desinteresse? Todos esses elementos puderam contribuir para a si tuação de ruptura entre o presente e a escola históri ca dominante, além de que, durante os anos 70, o do mínio da história do presente era, sem dúvida, muito novo, ou muito pouco cristalizado no plano editorial,  po r ex em pl o, pa ra ir co nt ra esse es tad o de fat o. Entre tanto, os pais dos Ann ales  tinham dado um lugar particular ao imediato, ao presente e mesmo ao  pol ític o. Ma rc Bl och esc revi a: in co m pr ee ns ão do  pa ssa do na sc e afi na l da ig no rân ci a do pr es en te ." Quanto a Lucien Febvre, num curso intitulado "A His tória na vida contemporânea", / ele afirmava que "a análise do presente" podia d ar "a régua e o compasso" à pesquisa histórica4. Os Annales d'Histoire économique et sociale faziam eco a essa análise. No curso dos anos 30, encontra-s e aí um a série de artigos tratand o da evolução política da Alem anha e do fascismo europeu. Assim, em 1934, aparecia um artigo de Borkenau: "Fascisme et syndicalisme". Nessa ocasião, Febvre es crevia a Bloch: "Eu adociquei algumas fórmulas para não assustar a casa editora (alusões a Arm and Collin). De resto ele (o artigo) não é nem um pouco brilhante mas evid entem ente mu ito atual"5. Este exemplo, ao

4 Peter Schõttler,  Lucie Varga. Les autorités invisibles, Cerf, 1992, p. 101. O curso teve lugar no Collège de France na primavera de 1936. 5 Peter Scottler, ibid., p. 29.

mesmo tempo em que mostra a parcela de descon fiança com relação ao estudo do presente, revela bem o interesse que então se voltava para as lições de uma história do presente. Foi, portanto, a despeito de um interesse inicial convicto que a Nova História ignorou o presente, deixando-o "sob controle"- para retomar a expressão de René Rémond. Essa ignorância conheceu ainda notá  veis exceções, pois foi no próprio interior da citadela, com o acordo e a participação de Pierre Nora e Jacques Le Goff, que tiveram lugar duas reflexões es senciais sobre o presen te. Provas disso são o artigo de Pierre Nora , "Le retour de l'événement", páginas ca  pit ais pü bl ica da s em Faire de VHistoire, e o capítulo de Jean Lacouture: *L' Histoire immédiate", p áginas sim  ból ica s pu bl ica da s em  La Nouvelle Histoire   (que consti tuem o único ensaio sobre a noção de imediato). As sim, em 1978, às vésperas do nascime nto do Institut d'Histoire du Temps Présent e do Institut d'Histoire Moderne et Contemporaine, só dois artigos notórios tinham sido publicados. Nesse mesmo ano, em seu  pre fác io a  La Nouvelle Histoire,   e à época em que ocu  pa va co m R en é R ém on d o nú cl eo da com iss ão qu e discutia a c riação do IHTP, Jacques Le Goff reafirmava , entretanto, que a história do presente é freqüente mente melhor feita pelos sociólogos, politólogos, al guns grandes jornalistas, do que pelos historiadores. Em decorrência dessa divisão bastante parado xal, evitou-se largamente a problemática do presente e há um desequilíbrio entre o estudo dos tempos his tóricos em geral e o do nosso tempo e das questões que lhe são inerentes. Há mais ou menos quinze anos, entretanto, essa ignorância recuou de modo singular e a aproxi mação se efetua por meio de um a interrogação meto 

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dológica e historiográfica tomada comum : o interesse  pe las m en ta lid ad es , pe lo po lít ico e p el o cu lt ur al tr an s cendend o as sociabilidades dos historiadores6. Com efeito, num movimento que não se pode dissociar dos "retornos" (retorno do fato, retorno do  pol íti co) , em erg ia um a pr eo cu pa çã o cr es ce nt e co m o estudo do passado próximo e com o imediato7. Ora, esse movim ento finca raízes bem antes destes anos 80. O pós-guerra e os anos 50 tinham enterrado duas as sociações consideradas, desde os anos 20, como pro fundamente antinômicas: História e imediato, História e presente8. Trata-se pois de um movimento em pro 6 Uma transcendência que devemos igualmente aproximar da complementaridade cada vez mais marcada e voluntária da história, da sociologia, da  politologia ainda que a incom preens ão de princípio  persista freq üente ment e. 7 O que não significa retorno à história política posi tivista, o u u m retrocesso. 8 Não se deve, no entanto, fazer disso uma regra. As sim, a  Histoire de France contemporaine,  editada por Larousse em 1916 cobre o período 1871 /1913. A exem  plo de outras obras, an terio res ou não, lê-se no pre  fácio: "A história contemporânea é, como se disse muitas vezes, aquela que menos conhecemos. Os fa tos que lhe darão no futuro sua fisionomia destacamse confusamente, primeiro do caos de informações contraditórias e tendenciosas, e é lentamente, à luz dos documentos dos arquivos, que aparecem distin tamente as idéias mestras nas quais se inspiraram os homens de Estado e as caraterísticas da sociedade na qual eles viveram. Um autor de boa fé pode, entre tanto, expor os acontecimentos contemporâneos tal como lhe parecem e, sem pretender fazer uma obra  pur ame nte objetiva, ter a pre ocupaç ão const ante de não ferir qualquer convicção."

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fundidade, não de uma atitude científica pontual; até essa época , o interesse pelo tempo próximo nã o tinh a sido traduzido pela afirmação de um novo campo científico. Podem-se fixar algumas referências cronológi cas representativas dessa dupla afirmação do imediato e do presente. Depois que muitos universitários e in telectuais inauguraram o costume das análises ime diatas na imprensa, no centro dessa abundância de re vistas e periódicos do pós-guerra, foi a vez da Univer sidade de patente ar o presente. No meio dos anos 50, o trabalho inovador de René Rémond sobre as direi tas, por mais isolado que fosse, recebia uma acolhida favorável e emblemática. Sabe-se, aliás, qua l é o papel de René Rém ond na promoção e na defesa da história do presente. Em 1963, Jean Lacouture lançav a a coleção " A História imediata" enquanto se tomava o hábito de es tender a pesquisa contemporânea aos anos muito pró ximos (particularmente os anos 30 e o pós-guerra).  No de co rr er dos an os 70, a his tor iog raf ia do pe río do  po st er io r a 1945 se de sd ob rav a à m ed id a qu e alg un s dos talentos marcantes da história do político e do  pr es en te ac ab av am sua s tes es. En fim , em 1978 , o CNRS decidia a criação do IHTP e do IHMC, concreti zando assim o caminho percorrido e as novas aspira ções, as novas necessidades.

OS

VETORES DE UMA AFIRMAÇÃO

Essa cronologia e essas observações historiográficas muito breves mascaram vários fatores conjuga dos que favoreceram a afirmação depois a expansão da história do presente.

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 Ness e pro ces so, o es tu do do pol ític o, o re to rn o da história política tiveram e têm ainda um papel aglutinador e dinâmico. Entretanto, o presente e o imediato não podem nem devem limitar-se à história renovada do político, mesmo que esta aja como um agente dinamizador9. Antes de tudo,^a história é mutável, e não se  po de lim ita r a in te rr og aç ão so br e o pr es en te so m en te aos campos, aos métodos, às teorias do político. jQualquer obra sobre o político e a história política não  po de tr az er se nã o re sp ost as par cia is. Ou en tã o ser ia necessário considerar, num movimento extensivo, que o político é a chave de tudo; mas se ele é dete r minante, a transcendência é tal entre os campos so cial, econômico, intelectual, cultural, que não nos po deríamos prender às referências epistemológicas e metodológicas propostas por um só entre eles. Deve-se, no en tanto, pond erar esse julgamento na medida em que é verdade que a história política aparece como ponto de partida e de ligação desse fe nômeno de transcendência. Aliás, em numerosas abordagens de historiadores, o político leva ao cultu ral, à opinião, etc.; inversame nte, o econôm ico e o so cial podem determinar um desvio para o político, que aglutina o presente. Cada campo conexo guarda, en tretanto , sua autono m ia.10Mais simplesmente, não se deve esquecer que os historiadores do político consti tuíram a vangua rda da história do presente. 9 Cf. René Rémond. Pour une histoire politique.  Seuil, 1998, pp. 7-31. [edição brasileira pela Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 1996.N. do T.] Ver igualmente a contribuição do mesmo autor nesta obra. 10 Cf. René Rémond, ibid., p. 25.

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O retorno do político desempenhou, pois, cien tifica e intelectualmente, um papel essencial na afir mação da história do presente. Se deixamos aqui em suspenso a história do imediato, é porque ela nos pa rece antes de tudo tributária dos dois outros fatores que determinaram o desabrochar da história do pre sente: o impacto "de geração" e o fenômeno concomi tante de demanda social. O primeiro ponto é um elemento fundamental na evolução historiográfica e científica que acabamos de descrever. Como mostrava recentemente JeanPierre Rioux , a afirmação da história do presente é um fenôm eno de geração11. Quer nos coloqu emos do lado de uma história imediata para os jornalistas, politólogos, sociólogos, ou do lado da história do p resen  te para os historiadores e alguns outros especialistas, nota-se um efeito "de geração" muito nítido. Um fa tor é comum às diferentes profissões: o impacto dos acontecimentos deste último século sobre os homens e sobre sua vontade de "reagir", isto é, de tenta r expli car o presente. Mas pode-se também determinar fa tores próprios a cada profissão. Para os jornalistas, adiantaremos, entre outras razões, o papel da decom  pos içã o da im pr en sa no s an os 30 e o su bs eq üe nt e de  sejo de propor, desde 1945, um comentário m ais rigo roso do presente, do imediato. Para os historiadores, trata-se, sobretudo, como dizíamos acima, da germi nação de um pressuposto metodológico maior: a his tória não é somente o estudo do passado, ela também  po de ser, co m um m en or re cu o e m ét od os pa rt ic ul a res, o estudo do presente. 11 Cf. Jean-Pie rre Rioux, pp. 192-204 in  Histoire et  médias. Journalisme et journalistes français 1950/1990 ; sob a direçâo de Marc Martin, Albin Michel, 1990.

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Essa evolução induz uma novidade essencial que não se pode omitir na observação da história do  pr es en te : a co nc or dâ nc ia cro no lóg ica en tr e a "ba na lização" dos estudos tratando do período posterior a 1945 e o fato de que hoje os historiadores não" se re cusam mais a trabalhar sobre os acontecimentos que  pu de ra m vive r. Essa sin gu la rid ad e no s lev a a ref let ir sobre a natureza dessa  presença física  do historiador em seu tempo  e no seu tema.   Essa questão nos ajuda na de finição da história do presente e, integrando uma di men são "da geração", permite antes de tudo refletir um percurso científico no tempo. Por enqu anto, lem   br em os qu e essa co nc or dâ nc ia co rr es po nd e ao fe nô  meno científico, historiográfico e institucional cujos contornos traçamos. Esta apresentação seria subjetiva, porque leva ria diretamente ao cientista ou ao jornalista, ao co mentarista, se não abordássemos em último lugar a dimensão social da afirmação da história do presente. Pois ela determinou também a evolução histórica, ao mesmo tempo que é um dos fatores de definição da noção de geração de historiadores. Esta questão de mandaria um estudo específico e nós nos restringire mos a algumas observações sobre ela. Hoje em dia, a história do presente e do im edia to é traduzida por uma vasta produção editorial, jorna lística e por uma difusão que ultrapassa os meios ex clusivamente universitários.|No momento este desen volvimento corresponde à progressão dos gêneros his tóricos que estudamos.»Assim, o crescimento editorial não data de ontem. vEla tamb ém deita raízes nos anos 50, no momento em que a situação nacional e interna cional demandava esclarecimentos.VNão nos demora remos sobre as razões desta simetria entre produção histórica e demanda social, mas devemos ao menos

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observar que, nesse processo, o aumento e a acelera ção da comunicação, a renovação progressiva da im  pr en sa e da ediç ão, a ele vaç ão do nív el de es tu do e a força dos engajamentos ideológicos, morais, dos anos 50-60, tiveram um papel determinante. A demanda social é, portanto, um vetor cen tral./ Se nos restringirmos a uma observação sobre os anos 80, vemos o extraordinário desabrochar das coleções de bolso. Algumas ja tem valor de referen cia: Seuil, Complexe, Champs-Flammarion, FolioGallimard. Elas consagram, às vezes, coleções inteiras ao presente. Nesse ponto, a evolução desde as cole ções Idées-NRF ou Kioske-Colin, duas das grandes coleções dos anos 60, é marcante tanto na forma quanto no fundo. Podemos também mencion ar os múltiplos manuais universitários e escolares que tra  zem a menção "de 1945 a nossos dias", lema dos pro gramas de ensino. Notaremos de outro lado a publi cação cada vez mais freqüente das atas de coló quios,fenômeno em plena expansão, revelador da vi talidade simultânea da oferta e da demanda. A este respeito, a publicaçao quase sistematica dos trabalhos do IHTP é significativa. Enfim, não nos devemos es quecer das coleções como "UHistoire immédiate", "UUnivers historique"... Na verdade, nenhuma das grandes editoras ignora esse fenômeno. Enfim, é pre  ciso citar algumas revistas: VIngtième Siècle, Les Cahiers de V IHTP , e para um público mais amplo, UHistoire ^  No qu e co nc er ne ma is es pe cif ica me nte à hi st ó ria imediata, nota-se a multiplicação das edições de compilação de artigos (Le Monde),   de números espe ciais de sem anários12sobre tal aco ntecimento, presen12 Nos quais se encontram lado a lado universitários,  jornalis tas e intele ctuais.

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te ou imediato, como a publicação de obras de histo riadores ou não-historiadores sobre os problemas cru ciais desses anos. Enfim, não se pode negligenciar a dimensão ra diofônica, cin ema tográfic a13, ma s sobretu do televisi va14, dessa presen ça da hist ória do p resen te. i

O INÍCIO DE UMA REFLEXÃO Em vinte anos, portanto, a história do presente se impôs, e desde o fim dos anos 70, uma reflexão m e todológica e epistemológica foi naturalmente em pr ee en di da . Po de -se le m br ar es pe ci al m en te a jo rn a da dos correspondentes departamentais do IHTP, em 1980, consagrada aos Tempos Atuais. Lembre-se igualmente um seminário dirigido por François Bédarida na Ecole des Hautes Études en Sciences sociales. E para coroar esta curta lista, devemos lem  br ar a ex ist ên ci a do  Dictionnaire des Sciences Historiques dirigido por André Burguières, a única obra a consa grar algumas páginas - de comprimento desigual - aos objetos de nosso estudo: Presente, História Imediata, História Política. Estas balizas não representam a totalidade das contribuições coletivas ou individuais que ajudam a compreensão ou a definição da história do presente e 13 Dois filmes acabam de sair consecutivamente,  La guerre sans nom  de Bertrand Tavernier e Patrick

Rotman, que se constitui de depoimentos sobre a guerra da Argélia (o livro aparece simultaneamente  pela Seuil),  Diên Bien Phû  de Pierre Schoendorfer. 14 Pensamos particularmente em  Histoires Parallèles, apresentado por Marc Ferro no canal Sete.

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haveria ma téria para pesquisa nesta história da epistemologia, bem como na história da evolução historiográfica. Mas, no final das contas, contin uamo s sem munição. Para o presente, não dispomos de um a refe rência como Faire de VHistoire. O mérito principal dessa obra é o de ter baliza do o terreno da maneira mais exaustiva possível, pres tando assim um eminente serviço aos historiadores de todos os períodos; é de ter, além disso, aberto a porta ao contemporâneo, abrindo um espaço para o político e para o concei to de fato15. En treta nto, esse balanço aparecia isolado num estudo voltado antes de tudo  pa ra os te m po s m od er no s e m ed iev ais . | Hoje em dia, só Pour une histoire politique  pode respond er à expectativa dos historiadores do presente, j Mesmo se essas respostas permanecem parciais como vimos, é quase a única baliza historiográfica e epistemológica desses dez últimos anos. Por causa dis so, a obra figura como finalização no processo de afir mação da história do político - e por extensão da his tória do presente - ao mesmo tem po em que marca a  pa rt id a d e um a av en tu ra cie ntí fic a q ue co nq ui st ou daí em diante sua carta de nobreza. Convém, portanto, considerá-lo como um texto fundador. Mas no que concerne diretamente à história do imediato, só nos resta contemplar o deserto que a nós se oferece. Não há instrumento de referência, tudo está po r fazer. O estudo historiográfico, metodológico e epistemológico dos tempos atuais está apenas desbravado.  Nã o p od em os fica r ni sso . A h is tó ri a d o i m ed ia to e a do 15 Jacques Julliard, "La politique", in Faire de l'histoire, Gallimard, 1974, tomo 2.; Pierre Nora, "Le retour de l'événement", ibid.,  tomo 1.

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 pr es en te de m an da m um a def ini çã o m ais pre cis a, em seu próprio funcionamento, a fim de ser melho r per cebidas, individualmente, e uma em relação à outra.

D O EMBARAÇO SEMÂNTICO À LEGITIMIDADE CIENTÍFICA A questão prévia a esta epistemologia da histó ria dos tempos atuais é dupla, uma vez que concerne ao mesmo tempo à pertinência da terminologia usual e à legitimidade científica das histórias das quais falamos. História do presente, história próxima, história imediata: estas três locuções não fazem referência às mesmas cronologias. Entretanto, esses três tempos históricos pertencem ao campo do "muito contemp o râneo", o do século XX amp utado de seu primeiro terço. Sob muitos aspectos, as questões que se colo cam a um são válidas para os outros dois, porque a contração cronológica, o tipo de arquivos e a nature za dos objetos, dos campos fundam um só e mesmo tema. Antes de tudo o problema concerne também à conformidade das expressões e ao valor real de cada gênero. Ele se situa mesmo numa interpelação mais embaraçosa para nós: o próximo, o presente e o ime diato são indistintamente objetos de história? A história imediata é a que mais suscita descon fiança, pois é a que parece engendrar o maior parado xo fazendo rimar dois termos contraditórios: imediato e história.   Pode-se falar de uma história do imediato? Essa história é legítima? O fator cronológico não é nem suficiente, nem satisfatório para embasar uma definição de história

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imediata. Percebe-se a dificuldade quando se quer es  pec ific ar com pre cis ão o esp aço cro nol óg ico qu e cob re o imediato. E, caso se faça uma escolha, ela logo pare  ce arbitrária. A noção é obstinadamente fluida: algu mas horas? algumas semanas? alguns anos? Parece que pode ser tudo isso ao mesmo tempo. Em compensação, sabemos que o princípio des sa literatura não é em nada particular aos últimos anos, nem mesmo a este século: sempre existiram análises judiciosas escritas no calor do acontecimento ou antes que seu eco se atenuasse. Mas não é um sofisma dizer: escritos no calor do acontecimento  ? Para ser fundamentada, a análise, mes m o a minima,  implica "tempo" necessário à consulta e à síntese dos docum entos logo disponíveis. Por conse qüência, porque o ato de escrita e análise imprim e um certo recuo em relação ao acontecimento, a leitu ra imediata pertence ao presente antes que ao imedia to em sua definição primitiva de instante. Além disso, todos os que se exercitam na histó ria imediata, jornalistas, historiadores, politólogos, so ciólogos, tendem espontaneamente a se colocar, em graus diversos, na horizontalidade cronológica e não na verticalidade sincrônica da análise pontual, verda deiramente imediata, porque tal não é o método his tórico, porque o próprio público espera um esboço do futuro e um esclarecimento do presente pela "rever  be ra çã o his tór ica ". Se nos restrin girm os a essa visão das coisas, a história imediata não existe, e não passa de conse qüência de uma manipulação lingüística fundada numa antinomia. Mais precisamente, o estudo do jornalismo his tórico é instrutivo, porque a história do imediato foi

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 pr im ei ro m ar ca da pe lo selo jo rn al íst ico . De ce rta m a neira, ela é mesmo filha da imprensa. De fato, foram a pressão jornalística e a demanda social conjugadas que impuseram o princípio da história imediata a par  tir da metade dos anos 50. A vida política francesa sob a IV República é n o tavelmente caprichosa; no mesmo m omento, os múl tiplos aspectos da guerra fria fornecem temas volumo sos, candentes e pertinazes. Pela intensidade dos en gajamentos inerentes à situação de precariedade polí tica, diplomática e militar, pela elevação do nível de estudo, o período se prestava, pois, ao desenvolvi men to de um a literatura cujo papel devia ser o de es clarecer a nação sobre a instabilidade governamental, sobre as guerras, sobre a descolonização, sobre as ten  sões internacionais. Mas esta afirmação é igualmente inseparável dos progressos audio-visuais, da acelera ção da com unicação , do vigor da edição. Enfim, esse  pe río do é t am bé m o de um a du pl a co nf irm aç ão ed it o rial e universitária: a da ciência política e da sociologia que reclamavam, ambas, uma maior capacidade de análise do presente. De fato, o procedimento da história imediata é mais parecido com as técnicas jornalísticas do que com as da ciência histórica. Os fatores conjugados que lhe deram nascimento não resultam, em primeiro lugar, do princípio inicial da história: o recuo, o desprendi mento com relação ao fato. Isto não implica , aliás, que a história imediata seja exclusivamente determi nada por essas técnicas e que não seja tributária da  pe sq ui sa cie ntí fic a . Da mesma forma ela é determinada pelo estatu to dos homens que inauguraram de m aneira perene o recurso à história imediata. Dois nomes vêm natura l  __ 

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mente à memória, Jean Lacouture, autor de  L'Egypte en mouvement   (1956), do (Le) Maroc à l'épreuve em 1958, Charles André Julien, autor de  L’ Afr ique du  Nord en marche,  publicado em 1972, depois de ter sido co-signatário (com Charles Albert Ageron) de uma  Histoire de l ’Algérie contemporaine,   publicada em 1964, apenas dois anos depois do acordo de Evian. De Jean Lacouture, pode-se dizer que é um jornalista-historiador. De Charles André Julien, diremos que é historiador-jornalista. Encontramos aqui essa mestiçagem metodológica. Mas como o nota JeanPierre Rioux, nem por isso há confusão de gêneros. Acontece que a ambivalência ou a ambigüidade que nasce dessa interseção leva a pensar a história imedia ta como um gênero híbrido. Essa ambivalência, no en tanto, não é própria das obras dos anos 50-60, e esse hibridismo se encontra em outras mais recentes. Assim em 1991, Solange e Christian Gras escre vem uma  Histoire de la première République miterrandienne16. Eles têm acesso aos arquivos de Mauroy e Fabius; eles têm a possibilidade de constituir arquivos orais interro gando alguns "figurões" políticos; enfim, eles compulsam os dossiês de imprensa. Mas nun ca eles dta m suas fontes, suas  provas,  exceto aquelas que já foram publicadas. Como distinguir, então, a parcela das informações tiradas dos arquivos daquela nascida do boato, de suas próprias hipóteses ou do pré-julgamento? Problema tanto mais complicado pelo fato de que Christian Gras não é s omen  te historiador e testemunha do período: ele foi também seu ator como memb ro do gabinete Mauroy. No limite,

16 Robert Laffont, 1991.

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tanto na forma q uanto no conteúdo, a obra não se distin gue daquelas que a tinham precedido e cujos autores eram jorna listas17. O problema se coloca em termos análogos para Charles-André Julien. Ele foi conselheiro da Union Française, mem bro da SFIO, anticolonialista convicto, colaborador do  Monde,   e, na ocasião, associado a pu  bli caç ões be m m ar ca da s à es qu er da co m o France Observateur.  Se sua  Histoire du Maroc  permanece ainda como referência, se ela resistiu ao tempo, como diz Jean-François Sirinelli, acontece que, escrita no curso dos acontecimentos, na época do fechamento progres sivo do Marrocos, ela comporta necessariamente um certo número de falhas, esquecimentos voluntários ou não , devidos a pressões exteriores ou não, devidos, eventualmente, à pressão do tempo e ao desecadear dos acontecimentos que vai sempre mais rápido do que o historiador.  No exe rcí cio da hi st ór ia im ed iat a, est e nã o é muito mais livre do que o jornalista. Estes exemplos  pe rm it em col oca r be m o pr ob le m a da na tu re za e do grau de legitimidade científica desta história. Vista como objeto, a história do imediato é tes temunho. Este é seu valor intrínseco. Esse testemu nho pode tomar a forma de uma análise que, hierar quizando um a primeira vez as questões, os fatos, for nece conjuntamente arquivos, depoimentos, pistas de  pe sq ui sa e esb oço s de in te rp re ta çã o. Ai nd a qu e m a n  tenha um aspecto científico, a história do imediato  pe rm an ec e pr in ci pa lm en te um a m at ér ia pa ra ref le -

17 Por exemplo Pierre Favier, Michel Martin Roland,

 La décennie Miterrand,  Le Seuil, Paris, 1990.

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xão, como todas as histórias, é verdade, mas ao preço de uma releitura18. Esta análise formulada no calor da hora, que seja a obra de um historiador reputado, de um jor na lista experiente, e mesm o se o público pôde referir-se a ela (imediatamente ou mais tarde), deve ser consi derada antes de tudo como testemunh o, como objeto histórico. A qualidade dos autor es e a realidade da d e manda social não estão em causa, mas não são fatores de cientificidade. Certamente, aquele que escreve his tória imediata é testemunha e historiador (enquanto (d)escreve a história), ele nunca ignora o rigor cientí fico. Mas ele é igualmente ator, está em relação direta com seu tema. Ele pode ser passivo ou ativo, neutro ou engajado, e sua obra pode se tom ar tomada de po  sição ideológica, moral, benevolente ou combativa. E se seu trabalho adota a forma de uma observação 18 Sobre este pont o, as opini ões de um jo rnali sta historiador e de um historiador-jornalista concor dam. Jean-Raymond Tournoux escreve: “A   História escrita pelos contemporâneos é polêmica. Mas esse livro não tem a intenção de escrever toda a História de alguns acontecimentos; em compensação, sem alimentar controvérsias partidárias, ele espera trazer,  para o futu ro, uma contribu ição p or me io de depoi  mentos, de documentos, de precisões." In Carnets secrets de la politique, Plon, 1958, p. 1. Jacques Julliard confidencia a propósito de seu papel de cronista no  Nouvel Observateur: “(...) Para além do jornal, supos to de refletir o presente imediato em sua diversidade  barroca, cabe-lhe fazer as primeiras seleções, em   pre ende r essa prime ira organização da atualidade, destinada a torná-la legível a nossos contemporâ neos, antes que a História por sua vez opere suas es colhas". In Chroniques du septième jour, Le Seuil,1991,  p. 9.

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científica rigorosa, de uma dedução dos fatos procu rando a maior neutralidade, esta, nós bem o sabemos, não é menos objeto da história do que a leitura dos fa tos através de um prisma ideológico, filosófico, moral ou religioso.  Ni ng ué m esc ap a a es ta lei do gê ne ro . Re dig ind o  Létr ange défaite   em 1939, Marc Bloch é historiador, observador perspicaz19. Mas ele é igu almen te te stem u nha e ator e apesar da clarividência de suas análises, imprime, como qualquer outro, esperanças e inquie tações de seu tempo sobretudo porque não está ins truído pelo fut uro .   O mesmo ocorre quando a história imediata é estudo ou avaliação da realidade. Na biblio grafia esquelética indispensável ao estudo das dissi dências socialistas da IV República, o n úm ero especial de Temps Modernes  sobre as Novas Esquerdas, publica do na primavera de 1955, é central. Mas, apesar da  pr eo cu pa çã o com a ob jet iv ida de e d o va lo r da rev ist a, a redação de Jean-Paul Sartre estava, bem mais que outras, ancorada em seu tempo, implicada nos deba tes contemporâneos20. Voltado para seu tempo, insuficiente ou incom  pl et am en te pr ov id o do re cu rs o ne ce ssá rio pa ra da r a tal fato, a tal crise, seu verdadeiro valor, o docum ento de história imediata deve ser lido com distância. No li mite, entretanto, a dimensão analítica ou prospectiva 19 Uétrange défaite, Edition Franc Tireur, 1946. 20 Quando essa subjetividade não é reconhecida de imediato por um autor no trabalho exemplar. "Nós nos ocupamos constantemen te com nossa época; fal ta-nos qualquer recuo ou perspectiva; corramos o risco de nos enganar." Conclusão de Maurice Nadeau no prefácio de  Le Roman français depuis la guerre, Gallimard, 1963, 1970 (reedição, Le Passeur. 1992).

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das obras (ou dos "últimos" capítulos) de historiado res, sociólogos, politólogos ou de jornalistas especialis tas no presente é talvez mais justa do que a dos sim  ple s "cr oni sta s", na m ed id a em qu e, pr ec is am en te , o ato histórico consiste em pôr a história em perspecti va depois de ter re tirado desta os aspectos factuais que são apenas sua trama. Apesar de sua imperfeição, de sua inexatidão virtual, a história imediata tem um a função social. Ela é o complemento da história do presente. Ambas for mam um todo. As duas são vetores da legibilidade do  pr es en te pa ra um pú bli co am pl iad o e sol ici tan te: a história do imediato como a historia do presente res  po nd em a essa de m an da . E nt re ta nt o, essa co ns ta taç ão não se deve prestar a confusões. Certamente, há uni dade cronológica com a história do presente. Certa mente, há uma demanda multiforme e uma resposta. Mas é preciso definitivamente distinguir o que se apu ra de uma verdadeira pesquisa histórica daquilo que não faz parte inteiramente desta: a história do imedia to pertence a essa segunda categoria. O debate terminológico é menos caloroso no que tange às duas outras expressões corren teme nte empregadas: História Próxima, História do Presente. Alguns confessam sua preferência pela primeira, ou tros defendem, ou mais simplesmente, utilizam a se gunda. Aqui as sensibilidades pessoais prevalecem so  br e a es co lha se m ân tic a. Af ina l de con tas , po uc o im   po rt a qu e a hi st ór ia pr óx im a lev e va nt ag em se gu nd o alguns, sobre os últimos trinta anos, e que a história do presente englobe, segundo outros pontos de vista, os cinqüenta ou sessenta últimos anos. As duas fun cionam de um m esmo modo, definem-se por caracte rísticas comuns: a natureza dos arquivos e sua forma de acessibilidade, a natureza dos métodos, o círculo

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dos historiadores, a continuidade cronológica num sé culo. As duas possuem, além disso, o recuo necessário  pa ra de sa pa ix on ar a ab or da ge m cie ntíf ica . A locução "história do presente" é, entretanto, a mais corrente, a mais reconhecida, aquela que se utiliza por convenção. O próprio nome do Institut d'Histoire du Temps Présen t traduz essa generalização. Generalização fixada porque o valor científico dessa história é doravante incontestável. Mas nosso tema não se contenta com um sim  ple s at es ta do his tor iog ráf ico , edi tor ial , soci al ou u n i versitário, pois, se o balanço respondesse apenas à exi gência científica, ele não teria razão de ser: a história do prese nte deu p rovas de sua distinção21. Convém,  po rt an to , qu e no s vo lte m os pa ra o hi st or ia do r pa ra tentar especificar critérios de definição diferentes da queles da própria ciência. Antes de ser analista, o historiador é homem, cidadão, ator ou espectador, e há alguns anos, tanto em seus escritos como em seus cursos, ele reivindica ou reconhece cada vez mais seu próprio pertencimento à história, - e esse olhar que n ão foi necessariam en te o do historiador, mas talvez o do inocente ou da tes temunha, engajado ou não. O estudo da história do  pr es en te , a in te rro ga çã o epi ste mo ló gic a sob re se u va  lor, não dizem respeito ao questionamento de sua existência social ou científica, nem à pertinência de sua denominação, mas a seu próprio funcionamento, como testemu nham as linhas seguintes:

21 Ver a contribuição de Jean-Pierre Rioux, "Peut-on faire une histoire du temps présent? "

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"O autor destas linhas confessa que em 1944, aos cinco anos de idade, son hava prazerosamente diante das vitrines vazias das confeitarias, mas que em 1958, estudando em Paris, ele acreditava ter o que dizer contra essa guerra da Argélia que marcou dolo rosamente a entrada de sua geração na política. No ajuste de contas, lembranças felizes perturbaram-no. Ele não mais importunará seu leitor com eles, mas esse espectro de emoções o impede de almejar uma objetividade cuja fragilidade e equívoco a prática da históri a lhe revelou ."22 "Para terminar, permitiremos ao aut or falar - uma vez só - de si mesmo. A geração à qual eu pertenço ouviu apenas ecos longínquos e já abafados do segundo conflito mundial e seu despertar também não se dá, cronologicamente, sob o signo da Argélia. Por isso, essa geração de historiadores tem uma relação com o  passado pré- quinta -repúb lica sem paixões, o q ue não quer dizer sem convicções. De resto, a corporação de historiadores não esperou essa nova extração de pes quisadores para calcular e demonstrar que era possí vel fazer uma história do tempo próximo oferecendo todas as garantias de rigor e seriedade. Então, por que essa declaração de princípio? De fato, por essa razão evidente mas que é preciso relembrar mais uma vez: a história dos intelectuais é, em essência, uma histó ria de forte teor ideológico, ainda mais se se pode ler nela em filigrana uma relato das grandes paixões francesas. Também o pesquisador, se baixa a guarda no exercício de seu ofício, arrisca-se, consciente ou inconscientemente, a ceder seu lugar ao moralista. (...) Nem por isso o perigo deve proibir uma reflexão(...) Uma história serena não significa uma histó ria asséptica(...): assumir a subjetividade é meio cami nho andado para con trolá-la" 23. 22 Jean-Pierre Rioux, in  La France de la IV. République, Seuil, tomo 1,1980. 23 Jean-François Sirinelli,  Intellectuels et passions  françaises,  Fayard, 1991.

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Essas advertências falam por si. Devemos, en tretanto, completá-las a fim de compreender bem o sentido e as causas desta reivindicação pessoal  - reivindi cação que toca várias gerações de historiadores asso ciados no estudo do presente.  Não de ix a de ser sig nif ica tiv o qu e Je an -P ie rr e Rioux e Jean-François Sirinelli, nascidos respectiva mente em 1939 e 1944, tenham a necessidade de (se)  pô r e m al er ta co nt ra os efe ito s da su bje tiv ida de , p ois é  pre cis o re co nh ec er qu e es ta at itu de ca rac ter iza um a certa geração. Certam ente, eles não viveram os m es mos eventos, as mesmas tensões históricas e o dizem. Entretanto, tanto um quanto o outro, porque traba lham com as elites, com a sociedade e a cultu ra de sua  pr óp ria épo ca, po rq ue fa ze m pa rt e da ge ra çã o de hi s toriadores que emancipou os campos históricos, que descobriu suas armadilhas, associam-se e insistem de liberadamente sobre as eventuais deformações, sobre as dissimulações de uma história do presente. Isto não quer dizer que outros não tenham tido essa intuição que permanece um princípio fundamental da hones tidade intelectual. \ Mas esta interrogação está ligada a duas outras novidades: o crescimento e a reputação da história cultural e intelectual, e a moda da ego-história, que  pertencem,  ambas, antes de tudo, a esta geração de his toriadores. Hoje em dia, a mistura das idéias, dos m é todos, dos campos e das gerações (os autores reu nidos aqui nasceram entre 1919 e 1965) é tal que este alerta contra a subjetividade dos historiadores se generalizou. É, portanto, indispensável refletir em termos de  presença do histori ador em seu tema   - presença direta ou indireta no tempo, presença intelectual, moral, filosó fica, ou mais simplesmente psicológica e física.

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Se não se devem subestimar os fatores de defi nição anexos ou cone xos da história, especialmente os que pudemos evocar nestas páginas, permanece o fato de que a observação da relação física entre o historia dor e seu tema, o historiador e seu tempo, mostra que a definição de história do presente passa principal mente pela referência de uma nova relação entre o cientista e seu cam po de investigação. Essa imersão do historiador do presente em seu tema distingue-se, parece-nos, da relação natural que todo historiador tem com seu tema, seja ela passional ou não. Jamais um medievalista ou um m odenista po derá "viver" o que descreve. Ele deve recompor uma realidade que lhe escapa fisicamente. Não é senão no  pr es en te , po r re ve rb er aç ão de su a rel aç ão no pr es en  te, que ele pode (re)conhecer ou imaginar aquilo de que fala investindo-o de u ma presen ça física "real" . A metáfora histórica nasce da associação entre ima gens do presen te e representaçõe s do passado. Sobre este ponto, Jacques Le Goff faz uma relação demons trativa entre a representação da guerra medieval e seu valor de realidade ilustrada, encarnada pela guerra contemporânea. Uma outra questão se coloca no próprio interior da família de historiadores do presente. Os pesquisado res nascidos no meio dos anos 60 têm a m esma percep  ção do acontecimento que seus mestres, a mesma rela ção física ou intelectual com o pre sente? Se não é este o caso, isto induz a evoluções fundamen tais? Sobre a forma, nada há de novo. Como nossos antecessores, nós funcionamos com uma memória dupla: direta/indireta, mesmo que ela seja cada vez mais deformante e ativada por causa do desenvolvi mento incessante da comunicação e da comemoração.

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Pode-se, no entanto, pensar que é uma falsa si militude, pois nós não conhecemos a crise aberta,  vive mos no mito de acontecimentos e engajamentos en cerrados24. Nada há em comu m e ntre a crise econô mi ca difusa dos anos 70-80 e as crises abertas dos anos 50-60. Esta diferença é decisiva quand o a conjugamos com dois fenômenos novos, correspondendo, desta vez, a nossa memória direta: o não-acontecimento e o recuo das grandes mitologias revolucionárias ou utopistas. Pierre Nora definia magistralmente "o acontecimento-monstro". Mas, para nosa geração, essa mons truosidade parece ser paradoxalmente responsável por uma banalização do fato, tornado repetitivo, derreado e sem substância. Por sua onipresença audio-visual,  po r seu ca rá te r un iv er sa l e i ns ta nt ân eo , po rq ue se p o deria finalmente apelar para seu caráter de normalida de, o acontecimen to se esvazia. Nós temos u ma relação física com a história em movimento, mas ela não está mais carregada - cumulada - das mesmas representa ções nem das mesmas esperanças que há vinte ou trin ta anos porque, justamente, a história avançou.  Ne sta evo luç ão , o re cu o dos ide ali sm os e o des 'iocamento do político para uma política de gestão (econômica, social, ecológica, ética, humanitária...) desempenham um papel central. Mesmo se ele é por tador de uma grande violência ou de uma simbólica histórica impressionante (Tchernobil, queda do muro de Berlim, morte de Ceaucescu, guerra do Golfo,  pu ts ch co nt ra Go rba tch ev, êx od o do s alb an ese s, de s mem bramento da URSS), o acontecimento não é m ais

Investido do mesmo valor. O que não significa de modo algum, aliás, que nós não estejamos presentes a esses acontecimentos, ao contrário. Encontra-se essa ambivalência na ação hum a nitária: consciência ou implicação moral de um lado,  ba na liz açã o e ges tão in st itu ci on al da ca tás tro fe de outro.  Nã o se tra ta , po rt an to , de dis cu tir o va lo r re al dos fatos na história, mas sua percepç ão e as condições históricas nas e pelas quais eles são percebidos. A presença do historiador em seu tempo evolui,  po rt an to , em fu nç ão da pr óp ri a his tór ia. Nã o há na da de novo nisso. Em compensação, a evolução da rela ção com o acontecimento, a mutação dos engajam en tos ou não-engajamentos intelectuais e políticos mar cam um a ruptura com as gerações precedentes de his toriadores. O contexto não é mais o mesmo. Isso ex  plica , tal ve z, o de sej o de ne ut ra lid ad e e de re co lh i mento cada vez mais marcado das novas gerações: re colhimento, neutralidade que se traduzem freqüente mente em termos de pessimismo, de desinteresse ou de resignação, mas que cientificamente, seriam os fru tos do encontro entre as lições epistemológicas da his tória do presente e a evolução do contexto histórico e da percepção imediata da história.  Na ho ra em qu e a qu es tã o cu ltu ra l se so br ep õe  po r v eze s à qu es tã o pol ític a, co ns ta ta -se qu e a h is tó ria adota também um modo de análise centrado sobre a noção de cultura; e que a nova geração de historiado res do presente se atém primeiro a uma explicação sócio-cultural,enquanto que no seu início, seus anteces sores favoreceram em primeiro lugar o político.

24 Pensamos em particular na crise argelina, em maio de 1958, mais ainda em maio de 1968.

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UWVERSIDADE^FEDERALDEUSERUn DR OJDÍJQteC^

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Q uais eixos de pesquisa ? Se nos ativermos à ordem que adotamos nesta apresentação, o historiador e sua disciplina   constituem um prim eiro eixo de pesquisa, e a história do p rese n te deve ser estudada por meio de três temas: os novos  pr ob le ma s, os n ov os ca mp os e as no va s a pr es en taç õe s. Esta observação da renovação metodológica permiti ria definir precisamente a disciplina e apreender sua natureza substituindo-a no concerto das diferentes histórias. E para ser completo, seria necessário fazer um estudo dos lugares de sociabilidade dessa história a fim de avaliar a natureza da sensibilidade comum aos historiadores desse período. Definitivamente, tudo volta a colocar a questão da existência e da definição de um a "escola" histórica. E ainda aqui, qualquer resposta comporta seu corolá rio de interrogações. Por que a história política não se afiipiou abertamente como um a escola? Por que e como os diferentes direcionamentos históricos se aproximam e se enriquecem? Há, hoje, um desejo de homog eneização do m étodo em história25? Ora, para responder a essas questões, é preciso abrir outros caminhos além da historiografia, da me todologia, da sociabilidade, e devemos abordar o pro  bl em a do  percurso histórico. Como e por que se faz história do presente? Como nos tornamos historiadores do presente? Quem 25 E além, num percurso fixado na antropologia, no sentido etimológico do termo, um desejo de homo geneização, de interdisciplinaridade real entre as "ciências irmãs": história, sociologia, etnografia, sociologia.

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é o historiador diante de seu tem po? Quais são as con seqüências dessa presença do historiador em seu tem  po, e po r i sso me sm o, o qu e ele es tá pr op en so a es tu  dar, com recuo ou no instante?  Nes se do m ín io, a co nt rib ui çã o da eg o-h ist óri a, a vontade crescente de integrá-la como fator causal  pod e ser de gr an de aju da . A re ivi nd ica ção do bl oq ue io  pes soa l tr ad uz um a no va et ap a na s pos sib ilid ade s de Interpretação. E se na origem, a ego-história não é e x clusivamente feito dos especialistas em contemporâ nea- inaugurada que foi pelos medievalistas e moder nistas - nem por isso ela se torna menos importante  pa ra nó s. Ma s ne ssa ob ser vaç ão do pe rc ur so dos hi s toriadores, é necessário igualmente interrogar orien tações historiográficas e climas ideológicos. Ego-história, "atmosfera" e orientações historio  gráficas misturam-se no processo de pesquisa e de identificação do autor com seu tema. Jean-François Sirinelli mostra como um clima ideológico pode d eter minar as orientações historiográficas. No mesmo senti do, Jean-Jacques Becker alerta para os perigos de um a história que cederia ao peso do acontecimento rejei tando objetos históricos considerados moribundos. Uma vez que o problema da disciplina coloca a questão da relação entre o historiador e seu tema, mas também da relação entre o historiador e seu tempo, qualquer resposta seria incompleta se esquecesse o historiador, a história e a sociedade. Quer seja em sua relação com a testemunha, com o arquivo oral, o que mostra Robert Prank, quer seja na sua relação com o público, com o jornalismo, como nos descreve Jean-Pierre Rioux, o historiador é cada vez mais parte integrante do contemporâneo  po rq ue a for ça da hi st ór ia pas sad ist a, fa ctu al e h ist or i-

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cista se esfumaça diante de uma demanda social insis tente, resolutamente ancorada no presente e no modo "interpretativo". Em sua intervenção pública, a histó ria, como a medicina ou a ciência da ecologia, é um fator de compreensão do presente e vetor de opinião  pa ra o co rpo soc ial. Co nv ém , po rt an to , sa be r co mo e  po r qu e ess a re la çã o en tr e a ciê nc ia e a soc ied ade funciona. Como se percebe, a interrogação sobre a histó ria do presente toca "um pouco de tudo". Ela é histó rica por essência, daí a dificuldade, e até mesmo o pe rigo, de separar uma visão da outra. Quer se analisem os objetos, as formas, o método o u os objetivos da his tória; quer se observe a disciplina, ou percurso ou a função social, devem-se explorar os terreno s limítro fes e conceber uma reflexão geral sobre a história do  pr es en te , sob re o h ist ori ad or . O historiador deve, pois, abstrair-se o mais completamente possível das interferências da ideolo gia e da subjetividade, estudando-as e procurando apreender verdadeiramente seu objeto além de uma acepção puramente histórica. A epistemologia da his tória do presente consiste, portanto, em interrogar a história a fim de propor novos dados que aum entarão sua capacidade de explicitação   e de sug est ão26. Pôr em 26 Orientação bibliográfia suscinta ... Gilles Deleuze e Félix Guattari, Qu'est-ce que la philosophie?, Éditions de Minuit, 1991, p. I l l sq.; Reinhart Kosseleck,  Le  fut ur passé. Contribution à la sémantiq ue des temps historiques,  Éditions de l'EHESS, 1990, p. 19 sq.; Alain Testart, Éssai d'épistémologie,  Christian Bourgois,

1991, especialmente pp. 75-92, pp. 105-110; G. Gadoffre, Certitudes et incertitudes de l’histoire,  PUF, 1987.

questão a história do presente não é antes de tudo louvar sua capacidade explicativa. Não é defender e Ilustrar uma nova maneira de história, é ao contrário ol)servá-la e pô-la em dúvida para melhor conhecer seu funciona men to e assegurar-se de sua validade - de sua capacidade heurística. Agnès Chauveau Philippe Tétart (Centre d'Histoire de l'Europe du vingtième siècle)

capitulo 2

PODE-SE FAZER UMA HISTÖRIA DO PRESENTE?  pb r Je an -P ie rre RIOUX

Antes de adiantar uma argumentação que po deria tornar plausível uma resposta positiva a esta qu estão, é preciso estar de acordo acerca desta noção,  a prior i  desconcertante, de história "do presen te"1. Pois não se trata nem do "período" último de um recorte do passado para uso escolar e universitário, nem de um conceito de substituição por tempos de crise da temporalidade nas nossas sociedades invadidas pelo efêmero, nem mesmo de um paradigma regulador no caos das ciências sociais. Uma história dita do pre sen te participa de fato mais ou menos de todos esses vo cábulos. Houve, não duvidemos disso, uma boa parte de bricolage  na sua construção, enquanto que aqueles que a questionam não depuseram as armas. Na Fran ça, a questão se estabeleceu no finzinho da década de 1970, qua ndo o CNRS, sem fazer alarde, criou um la   bo ra tó rio , o In st it ut d'H ist oir e du Tem ps Pr és en t, cuj a missão, precisamente, consistia em refletir ativamente sobre a noção, conduzindo pesquisas específicas que resumiriam o movimento. Ela não parou de agitar os espíritos, e o dito Instituto nunca esteve resguardado das atribulações. 1 Uma primeira versão desse tjixto foi publicada em

 Historical Reflections. Réfléxions historiques,  1991, vol.

17, n. 3, alfred University, Nova York, p. 297-305.

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A formulação mais brutal da questão, aquela que suporta a carga epistemológica mais forte, é evi dentemente esta: pode o presente ser objeto de histó ria? Como de fato inscrever um presente fugaz na construção, ou reconstrução, necessariamente temp o ral ou retroativa , que elabora o historiador confron tando suas hipóteses de trabalho com a dura realida de da documentação e do arquivo recebidos? Avan çando um pouco a reflexão, percebe-se que essa dú  vida remete a uma inquietação propriamente filosófi ca: o presente tem sua chance diante de uma longa duração que parece ser - toda a obra de um Fernand Braudel foi construída em cima desse "parece" - a verdadeira modulação e a respiração vital do devir humano? Por falta, sem dúvida, de ter recebido como seus colegas anglo-saxões, alemães ou italianos, uma for mação filosófica suficiente, os historiadores franceses contornaram com bastante frieza essa provocação e lhe dão muito freqüentemente uma resposta de or dem mais metodológica do que epistemológica ou m e tafísica. É verdade que um grande nome os ajuda a ul trapassar sua deficiência conceituai oferecendo-lhes o aval do bom Pai: o de Tocqueville, que enga stou so be rb am en te co m o s e s abe , o t em po cu rto da de m oc ra  cia, na França e na América, no tempo longo dos An tigos Regimes. Graças a ele, os acontecimento s inau di tos e os messianismos datados que tecem um p resen te entraram nesse jogo do distinguo   entre rupturas e continuidades ao qual o historiador francês se entrega com avidez e que, mais freqüentemente, faz as vezes de bagagem diante de qualquer novidade desconcer tante. Não nos espantaremos, pois, por vê-lo tratar tão à vontade a história do presente ao mesmo tempo como o término de uma periodização e a fina película

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cronológica que deseja apenas espessar-se, mas tamliérn como um momento particularmente favorável à observação da ação do tempo passado sobre o presen lc e, enfim, como uma perm uta tangível entre m em ó ria c acontecimento.

A PROXIMIDADE E A INTELIGIBILIDADE O argumento mais freqüente invocado contra essa história é o da proximidade. A objeção, de fato, é forte. Como traduzir em termos de duração um pre sente, por definição, efêmero? Presente esse cuja pro dução, além disso, é cada vez mais, ao longo do sécu  lo XX, fenômeno atual, cujos delineamentos são con fundidos nesse turbilhão denso e indistinto de mensa gens, nesse imenso rumor mundializado de um "atual" triturado, amassado, transformado sem tré gua, sob o triplo efeito da mediatização do acontecido, da ideologização do ato e dos efeitos de moda na nos sa apreensão de um curso da história? Se nosso pre sente é doravante u m a sucessão de flashes, de delírios  pa rti dá rio s e d e jo gos de esp elh os , co mo sai r d ele pa ra erigi-lo, em objeto de investigação histórica? Ainda mais que o próprio historiador, acrescen te-se, imerso em seu tempo, também oscila no curso da correnteza, mergulha nessa confusão de aconteci mentos sem hierarquia nem causas aparentes e toma a sopa do dia no noticiário da TV. E se ele quiser se li vrar da onda? Logo será grande nele a tentação de simplificar seu curso p ela aplicação de algum a filoso fia curta que secará esse real desorientad or no fogo de seu voluntarismo. A armadilha assim está montada: entre a marulhagem indistinta e a simplificação abusi va, a inteligibilidade não teria nenhuma chance.

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Admitindo mesmo que algum clarão pudesse advir de uma navegação ao acaso, no entremeio des ses recifes, a ausência de fontes completas e de docu mentos confiáveis tornaria muito vã qualqu er tentati va exploratória, acrescentam os céticos. Impõe-se, en tão, a conclusão, adocicada ou sentenciosa de acordo com o humor do detrator: que o historiador abando ne a partida, que ceda lugar aos jornalistas seriamen te documentados que produzem desde os anos 1960 uma "história imediata" sem pretensões supérfluas e mode lada por um T ournoux ou u m Lac outure2; que se contente em ler haja o que hou ver e reun ir entre eles, como materiais para uma história em gestação que ele deveria modelar, a produçã o dos sociólogos retrospec tivos, politólogos de geometria variável, economistas ruminando suas imprevisões ou etnólogos repatriados de seus longínquos rincões.

A BUSCA DE IDENTIDADE De fato, essa desistência não resolveria nada. É, pois, a própria sociedade que im pulsiona o historia  dor a não desistir, que lhe sugere não tropeçar diante do obstáculo da proximidade e até mesmo utilizá-lo  pa ra m el ho r salt ar. Visto qu e at or es e te st em un ha s, humildes ou não, não esperaram mais mu ito tempo e dizem alto e claro, como mostra a proliferação de de  po im en to s em livr os, qu e nã o pr et en de m de ix ar con 2 Ver em particular Jean Lacouture,  De Gaulle,  Paris, Le Seuil, 3 vols., 1984-1986. Sobre essa "história imediata e, mais geralmente, sobre a ligação entre história do tempo presente e jornalismo, ver JeanPierre Rioux, "Entre histoire et journalisme", infra.

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mimlr suas forças e tornar insípidas suas lembranças rtirllando privar de sentido sua experiência. Alguns Ali queimam etapas, seja produzindo uma palavra incdlatizável e logo consumível, seja fazendo-se a si incsinos de historiadores por sua con ta e risco (leia-se,  por ex em plo , a feliz em pr ei ta da de Da nie l Co rdi er a  pro pó sit o de Je an M ou li n3).  Nã o se tr at a m ais aq ui , pe rc eb e-s e b em , de um a versão atualizada desse gosto generalizado pela histó ria ou desse ativismo das raízes, das genealogias e das celebrações patrimoniais que atacaram nossas socie dades às vésperas de um fim de século4. É antes de u m vivo desejo de identidade que nasce essa ambição de uma história atenta ao presente, cuja originalidade será ser escrita sob o olhar dos atores e cuja vocação desabrochará no balanço das temerosas especificidades do século XX. Ela será uma espécie de evangelho eterno para vivos, cujo historiador podera ser o após tolo; um depoim ento de boa qualidade científica sobre esse estranho sentimento próprio de nosso tempo, Inédito na torrente do tempo e que atrapalha tão fre qüentemente nossos contemporâneos: a consciência, dolorosa ou exaltante, de ter sido, por bem ou por mal, tomados, triturados e designados por uma histó ria catastrófica cujo curso eles jamais dominaram .

3 Daniel Cordelier,  Jean Moul in. L'inc onnu du Panthéon,  Paris, Jean-Claude Lattès, 2 vols., publica dos, 1989. 4 Ver sobre esse ponto Jean-Pierre Rioux, "L'émoi  patrim onial", em  Le Temps de la réflexion,  VI, Paris, Gallimard, 1985, pp. 39-48 e, para uma comparação com antes de 1901, Chronique d ’une fin de siècle. France, 1889-1900,  Paris, Le Seuil, 1991.

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I

Duas guerras e duas crises mundiais, uma des colonização e uma gue rra fria, duas partilhas do mu n do, em 1919 e em 1945, espetacularmente arrumadas nos anos 1930 e no alvorecer dos anos 1990, subver sões tecnológicas inauditas e u m progresso galopante: é muito, com efeito, no espaço em que ma l cabem três gerações cuja expectativa de vida, aliás, aumentou sensivelmente. Assim, como estranhar que, tendo mudado para tantos vivos a relação existencial com a história - sem falar do peso inquisitório dos milhões de mortos -, o desejo de um relato linear resumido e de uma investigação explicativa da aventura tenha atin gido as consciências ?

A RECUSA DO

EFÊMERO

E essa preocupação com uma relação fiel e com a coleta do dossiê é redobrada, com todos os efeitos da rapidez adquirida pela ação generalizada da mídia, por uma espécie de vontade comovente de lutar contra uma massificação das efemérides que mantêm uma te merária amnésia n as nossas sociedades. "Aceleração da história", mundialização das questões, imediatismo de uma informação torrencial vertendo "seqüências" que fazem as vezes de acontecimentos: esses lugares co mu ns do analista apressado do século XX excitam in contestavelmente um desejo de conhecimento instan  tâneo, nutrem uma inquietação surda em que se mis turam nostalgia das "belles-époques", reação de defesa diante do futuro, necessidade de continuidades marca das e sede de identidade coletiva ou nacional. A pres são social traduz assim no presente, tranfere para o  pr es en te , a fó rm ul a cél ebr e qu e M ich ele t apl ica va ao  pas sad o: " Eles pre cis am de um Éd ipo qu e lhe s exp li-

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Ijur seu próprio enigma, cujo sentido não perceberam, »|iu* lhes ensine o que queriam dizer suas palavras, »r\!N aios, que não co mp reen deram . Eles precisa m de UIM Promete u, e que no fogo que ele roubou , as vozes íjllc* flutuavam geladas no ar se revoltem, transfor mem-se num som, ponham-se a falar.(...) Só então os Itiortos se resignarão à sepultura". Essa recusa do efêm ero, esta necessidade de dar KCiUldo enquanto não se acredita mais nem no pro gresso linear, acompanham-se também de uma necesnliladc de transmitir com urgência esta experiência embrionária e muito pouco loquaz às novas gerações que, também elas, virgens de qualquer memória ajui zada, arriscam-se a ser levadas no turbilhão e às quais o "mocismo" ambiente renega ainda mais qualquer capacidade de fidelidade histórica. Não ressaltamos o  ba st an te , m e pa rec e, o q ua nt o no ssa s soc ied ade s r ec o meçam com essa propensão a declinar mais uma vez os grandes fatos de um presente memorável que in ventou a Atenas de Heródoto ou de Tucídides. Desde 1959 os estudantes colegiais da França deviam estudar o mun do até 1945 e, desde 1983, os programas de his tória das classes de terceiro colegial e de último ano dos liceus levam a investigação "até nossos dias" , sem que esta decisão de acender os fogos do presente nos  jov ens esp íri tos po ss a se r o fr ut o de um a pr es sã o co r  po ra tiv a dos pro fes so res (a nte s sac ud ido s p or essa n o  vidade, e até mesmo hostis a uma nov a mudanç a dos  pro gr am as de úl tim o an o em 198 9, qu e am pl ia a p a r te da história próxima): o sistema educacional, a pre ço talvez de sua desarrumação interna e de sua inca  pa cid ad e a tu al de hi er ar qu iz ar val ore s e con cei tos , h o  mologou, sem reagir, uma ambição social que circula va na atmosfera.

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O BOM SENSO DO ARTESÃO É um mal ou um bem ? O debate não está fe chado, mas não faltam argumentos para resolvê-lo ousadamente num sentido positivo.Afinal de contas, os programas escolares editados por Victor Duruy em 1865 paravam no limiar do ano...1863 e os de 1902 davam conta ousadamente do Caso Dreyfus, enqu an to o último volume da grande  Histoire de la France  diri gida por Ernest Lavisse, publicado em 1923 por Cha r les Seignobos, integrava sem partidarismos a guerra de 1914-1918. Como não sentir além disso que uma reflexão histórica sobre o presente pode ajudar as ge rações que crescem a combater a atemporalidade con temporânea, a medir o pleno efeito destas fontes ori ginais, sonoras e em imagens, que as mídias fabricam, \ a relativizar o hino à novidade tão comum ente entoa —* do, a s e d esf az er des se im ed ia tis m o v ivi do qu e ap ris io  na a consciência histórica como a folha de plástico "protege" no congelador um alimento que não se consome? A história do presente, como vemos, naceu sem dúvida bem mais de uma impaciência social do que de um imperativo historiográfico, pelo menos na França. E os historiadores do recente , nadando na indolência conceptual assinalada há pouco, mas bastante bem ga rantidos sobre suas retaguardas sociais, fizeram bonito, no final das contas, martelando o bom senso do velho artesão, metodologicamente pouco sofisticado mas  pa ss av elm en te pe rc uc ien te : o ar gu m en to da "fa lta de recuo" não se sustenta, dizem eles, pois é o próprio his toriador, desempacotando sua caixa de instrumentos e experimentando suas hipóteses de trabalho, que cria sempre, em todos os lugares e por todo o tempo , o fa-

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inoso "recuo" 5. A ambição científica constrói, a boa dislAncla, o seu objeto de estudo, m étodos de investigação

lilNlórica acertados desde Langlois e Seignobos aneste*|(im propriamente a carne de um presente alarmado, o questionamento rigoroso apazigua a desordem parti dária. Em poucas palavras: a construção de um relato histórico hierarquizará, pois, tanto a perestróika gorluilcheviana quanto a decomposição do império carolíngeo, tanto os "anos Miterrand" quanto a magistra tura de Monsieu r Fallières. r, '■■■ '■ n (L>, ',(>

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ATUALIDADE DO TEMPO

Somos instados a não sorrir diante de tanta can dura anunciada por esses modestos pioneiros de Clio atualizada. Pois a história do presente, experimentada hoje a partir dessa argumentação considerada bem simples, contribui, no entanto, para colocar questões  ba sta nt e te m er ár ia s à dis cip lin a hi stó ric a in te ir a . "Tudo o que é importante é repetido", dizia outrora Ernest Labrousse. E meio século de combates dos  Ann ales   para apreender o repetitivo significativo,

5 Também não nos esqueçamos que foram os histo riadores do político que sempre estiveram na van guarda da história do tempo presente. Sobre sua con tribuição, ver René Rémond (org.), Pour une histoire  politique,  Paris, Le Seuil, 1988. 6 Sobre estas, ver o ensaio de mise en forme histórica  pontual, "Les années Miterrand (1981-1991), UHistoire, n. 143, abril de 1991,  que compararemos utilmente com um puro trabalho de jornalistas, Pierre Favier e Michel-Martin Roland,  La décennie Miterrand, 1. Les ruptures,  Paris, Le Seuil, 1990.

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 pa ra af ir m ar a sér ie qu an ti fic ad a co mo via re al da in  teligibilidade, para anunciar a longa duração portado ra do sentido oculto, forjou uma espécie de consenso débil que o estudo do presente bem que poderia atro  pel ar. Pois a lo ng a du ra çã o br au de li an a ad ici on a determinismos geográficos, socio-econômicos ou antro  pol ógi cos ne m se m pr e da nd o a ch av e de su a hi er ar  quização, porque perseverou na idéia de que o sólido era perdurável e de que a apreensão das economias, das sociedades e das civilizações bastava para esclare cer uma leitura da história. Ora o presente, examinado sob o microscópio do historiador, faz brotar da proximidade ambiente um conjunto de argumentos mais ideal, mais cultural e mais individual, uma outra composição hierarquiza da do tempo, em que a ação combinada da personali dade (a do grande líder, tanto daquele que decide como do vencido), do acontecimento (esta "esfinge" dizia Edgar Morin7, fruto ilegítimo do capricho dos fa tos e do escândalo da mídia) e do narrativ o (a crônica massificada de um acontecido repetidamente provo cando indivíduos cada vez menos agregados) põe em dúvida o valor operatório e explicativo de um quanti ficado maciço e de uma repetição considerada com pr ob at ór ia , um e o ut ro be m en cr av ad os de sd e os an os 1930 nas boas velhas infra-estruturas do esquema marxiano, senão marxista.

7 Num número pioneiro da revista Communication, 18, 1972. Ver além disso Pierre Nora, *Le retour de 1événement , em Jacques Le Goff e Pierre Nora (org.) Faire de l'histoire,  Paris, Gallimard, 1974 pp 210-228.

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 Nós viv em os no re to rn o do rec ita tiv o, do de s contínuo, do factual, do pessoal e do idealizado, num nénilo XX que, no entanto, proclamou tão forte a marcha forçada do progresso, a construção acelerada do homem novo, a densificação inelutável dos fenô menos e a inflexibilidade da lei do número: este para doxo está no bojo de uma história do presente, ele dá a ela uma singular aptidão para a provocação retros  pec tiv a s ob re o t ra ba lh o do hi st or ia do r e à d es co ns tru Çclo das filosofias da históri a mu ito apressadas. Essa história, de outro lado, torna tão jubilatória e tão cientificamente oportuna a exploração de um segundo paradoxo do presente, que ilumina toda a configuração do tempo humano: o imbricamento constante, cruel e alimentador ao mesmo tempo, do  pas sad o co m o pr es en te (in clu siv e sob a fo rm a de traumas, no choque de grandes eventos-datadores como as guerras mundiais, de recalque ou de balbucios da memória coletiva a propósito das guerras de descolonização, por exemplo), o trabalho do luto como condição necessária para um apaziguamento ou uma hierarquização de um presente invasivo, a ênfa se da representação do passado como parte integrante do imediato. Uma vez que ela observa tão comoda mente a presença ativa do tempo na nossa construção do contemporâneo, ela contribui sem dúvida assim  pa ra m el ho r col oca r a ve lh a qu es tã o do se nti do , no mo me nto em que desabam as visões do curso das coisas. Essa história, de fato, por ser feita com testem u nhas vivas e fontes proteiformes, porque é levada a desconstruir o fato histórico sob a pressão dos meios de com unicação, po rque globaliza e unifica sob o fogo das representações tanto quanto das ações, pode aju dar a distinguir talvez de forma mais útil do que nun

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ca o verdadeiro do falso. Pois se ela tem como missão, como toda história digna deste nome, mostrar a evi dência científica das verdades materiais diante do es quecimento, da amnésia ou do delírio ideológico, (pensemos, por exemplo, nos que negam as câmaras de gás), ela sem dúvida está mais apta a explicar do que a verdade estatística da enumeração, da qual so mos tão apreciadores; ela não evita ver em ação a ver dade psicológica da intenção, a humilde verdade do  pl aus íve l, a for ça da qu es tã o da m em ór ia so bre o cu r so do tempo. Um vibrato do inacabado que anima repentina men te todo um passado, um presente pouco a pouco aliviado de seu autismo, uma inteligibilidade perse guida fora de alamedas percorridas: é um pouco isto, a história do presente.

Jean-Pierre Rioux

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capítulo 3

O RETORNO DO POLÍTICO  po r Re né RÉM OND

 Nã o ins ist ire i em de m on st ra r qu e o po lít ico , os fenômenos assim chamados, retomaram, na história contemporânea, e particularmente naquela do pre sente, ainda com umente chamada de história imedia ta, Um lugar que eles tinha m perdido . Admite-se, hoje em dia, que o político também pode ser um objeto de conhecimento científico assim como um fator de ex pl ic aç ãa de ou tr os fat os al ém de si m es mo . B as i^ po r.tanto observar e considerar que é incontestável. Cita: rei dois exemplos. Primeiro a recente entrevista entre Jacques Le Goff e Pierre Lepape em que se coloca logo a questão: "Mas a crise da Nova História expressou-se , também pôr um certo núm ero de retornos, retorno da história-relato, da biografia, do acontecimento, mas sobretudo da história política" que tinha sido ma nti da sob controle pelos  An nal es   em proveito da história econômica e social. Outro exemplo: a longa entrevis ta publicada pelo UExpress  em 6 de fevereiro de 1992, com Georges Duby, ele também medievalista. Seu in terlocutor lhe diz, a propósito da Nova história: "Con fesse que- ela conheceu também um sério revés. Por interessar-se pelas profundidades e pelos detalhes" - o que não é a mesma coisa, a questão me parece con fundir duas orde ns de realidade - "vocês acabar am por negligenciar os próprios acontecimentos". E G. Duby responde: "É verdade, é por isso que há uns d ez anos

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voltamos ao relato político". As questões são quase tão significativas qu anto as respostas, elas atestam a idéia recebida de que o político voltou. Outros exemplos ainda? No volume de François Furet da grande  Histoire de la France  da Hachette, a sociedade está qua se totalmente ausente: essa história é política, quase  pol íti ca de m ais pa ra m eu gos to, e eu pl ei te ar ia um re  torno da história da sociedade. Emmanuel Le Roy Ladurie organiza também seu volume em torno do Estado, isto é, da fina ponta, da cúpula do político. Há,  po rt an to , um a in ve rs ão da s rela çõe s, co nv er sã o no sentido geométrico da palavra, senão reliogioso e intelectual.  Nã o m e de m or ar ei de ma is em re tr aç ar po r qu e  pr oc ess o op er ou -s e essa rev ers ão , em qu ais ci rc un s tâncias nem por que a história política tinha caído no descrédito até tornar-se o alvo e o símbolo da história obsoleta e desusada. Também não me demorarei mais sobre as razões e as influências que favoreceram a re versão dessa tendência. Sobre este ponto, remeto-os ao livro Pour un e histoire politique,   onde tentei decifrar as razões do fenômeno. É um bom exemplo das m u danças que intervêm na atmosfera . Várias observa ções de Jean-François Sirinelli trazem elementos de resposta a esta qu estão e a existência desse livro cole tivo me permitirá ser breve. Penso ser mais útil refletir sobre o significado dessa reversão, sobre seu alcance, também sobre seus limites. Pois receio que este sucesso repouse sobre um mal-entendido e que implique muitos equívocos. Dessa presunção encontrarei provas nas respostas que Georges Duby deu a seu interlocutor. Jean-Jacques Becker colocava a questão da dependência do histo riador e de sua pesquisa em relação aos fenômenos de modas. Não há fenômeno de moda? Algumas reu-

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ulões inesperadas levam-no s a question ar sobre a  pre car ied ad e do fe nô m en o, se nã o o fu nd am os na ra  zão, se descuidamos de inscrevê-lo num a reflexão que seja fundamental.  j Em primeiro lugar desfaçamos a confusão entre história próxima e história política. Muito freqüente mente misturamos as duas porque os mesmos histo riadores militaram pelas duas causas. Mas as duas não coincidem. O interesse pelo político não é   próprio da história recente e o político não esta exclusivamente ligado à proximidade no tempo. Certamente, cabe  pe rg un ta r se o pol íti co, n a su a con sis tên cia e em seu s modos de intervenção, não evoluiu bastante no de correr das eras para pedir diferentes abordagens se gundo os períodos. Está bem claro que, desde que o governo é um governo de opinião, o político apresen ta aspectos bem diferentes daqueles dos tempos em que a decisão era atributo de um pequeno número. Sofc o Antigo Regime, é o domínio do secreto, en quanto que em princípio, na democracia, ela faz par te do espaço público. Só isso já introduz diferenças singulares na abordagem. M as acontece que o político não está ligado à brevidade do prazo que separa o his toriador dos acontecimentos sobre os quais ele pousa seu olhar. De resto, os historiadores da A ntigüidade e da Idade Média contribuíram enorm emen te para o re torno do político. Uma parte da pesquisa de Claude  Nic ole t tr at a do po lít ico e da cid ad an ia na Re púb lic a romana. E Claude Nicolet não deixa de ser um histo riador do contemporâneo, um a vez que desenvolveu uma reflexão sobre a idéia republicana, a fundação da República e sua filosofia inspiradora. Da mesma for ma, em história medieval, Bernard Guenée contribuiu  pa ra ch am ar a at en çã o sob re o fe nô m en o do Es tad o. Adiantávamos o nome de Philippe Contamine a pro-

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* episódio da revolução de 1830 na França [N. do T.]

que não político. Por exemplo, um crash econômico  po de se r um ev en to de pr im ei ra gra nd ez a: a qu in ta feira negra de 1929 é um tipo desses, tão delimitado no tempo quanto a queda de um governo - é um acontecimento não político. Ou ainda uma catástrofe natural: o terremoto de Lisboa - e sabemos quais fo ram as incidências sobre os movimentos de idéias, no debate sobre o mal - não foi político. E Tchernobyl, que teve um papel na queda do regime comunista, é um acidente tecnológico.O acontecimento não é, pois, somente político. Há também distinções que convém lembrar periodicamente para combater os amálgamas entre o político, o relato e o acontecimento. Na reali dade, o político, assim como o econômico ou o social, inscreve-se no curto, no médio e no longo prazo. De outro lado é preciso reavaliar o papel do acontecimento: se trabalhamos sobre um período cur to ou próxim o, somos levados a atribuir a ele um a par te mais impo rtante do qu e sobre períodos afastados em que, pela força das coisas, os relevos se esfumaçam, e em qu e o olh ar percebe conjuntos mais maciços e mais monum entais. Com preender bem o fato não é reduzilo a anedotá. É necessário distinguir as duas noções: o fato não é o acidente e não se limita à superfície das coisas; ele introduzLMjaossa visão a contingência e isto iraS'grande importância. O historiador do presenteie, necessariamente mais atento.aq.Mq,.£ s\ia exgetjgnjáa.  po de ser út il a t oâ os os h ist or iad or es aos qua is le m   bra o p eso da co nti ng ên cia na his tóri a- O his tori ado x é sempre tentado a. introduzir a posteriori,   no çle&enrjpJâr da história uma racionalidade, mesmo que ela não exista. Jean-Jacqu es Becker observava que o risco para o historiador do contemporâneo é que não há o aval da seqüência. Mas a contrario   os historiadores que tra  ba lh am em pe río do s so bre os qu ais se po de le gi tim a-

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complexa que todos os sistemas. Se nos interessamos  pel o p olí tico , é p or qu e ac red ita m os qu e a p ol iti ca ge m uma certa importância. Se não, por que perder tempo com ela? Já que é assim, mais vale observar a fonte de luz.do que seus reflexos. A lição da história também significou muito de monstrando que as pessoas, de Churchiü a Gorbatchev, podiam ter importância. Ela evidenciou também que fatores, que sistemas redutores apresentavam-se superestruturais, como as convicções, os sentimentos, o apego à liberdade, as crenças religiosas, o sent ime n to nacional, podiam ter um papel essencial. Uma das contribuições mais incontestáveis dos estudos de ciên cia política, em especial da sociologia eleitoral, foi a de mostrar que não havia correlação entre as posições de indivíduos na sociedade, seu estatuto sócio-profissional e suas escolhas políticas, suas convicções religio sas. Se uma certeza se impôs, é esta. Se há correlação, seria antes com as tradições de cultura, educação, do que com fatores sócio-econômicos. Tais constatações concorreram para fundam entar o retorno do político. Dito isso, o político não deve ser exclusivo. Ele não é sempre determinante e imutável. Deve-se evitar isolá-lo. Não se deve reconstituir, em proveito do. P olítico, a sacr alização da qual outros "fatore s se  be ne fic iar am . Se me perm item fazer um pou co de ego-história, se eu militei pela história do político, nã o me lim i tei a isso de mod o algum, e cheguei ali por outras vias. Retomando a excelente expressão de Nicholas Rousselier em sua defesa de tese: interessei-me pelos fatos  pol ític os "co m o ex pr es sã o de fat os cu ltu rai s" , com o revelador de coisas mais profundas. Foi a opinião que me levou ao político. Ela me inte ressou logo de início: meu primeiro tema de pesquisa foi o estudo da opi nião francesa sobre os Estados Unidos. Na época este

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tema desconcertou os professores aos quais o expus. Cheguei ao político pelo viés da opinião, da história das ideias, das ideias vivas e não das idéias estudadas como peças de anatomia. De onde a idéia, em 1950 de me interessar pelas direitas. A expressão "retorno do político" é discutível. Como o diz Jacques Le Goff: "A expressão retorno é ambígua, fala-se dela como do retorno a uma concep ção do passado que teria sido suprimida ou com primi da pela Nova História". A expressão é imprópria e além disso desastrosa: ela pode indu zir a idéia de que é uma volta atras, e portanto, uma regressão. Como se nós vivessemos num ciclo de dois tempos. Não é a mesma  pol ític a, ne m a m es m a hi stó ria polí tica , ne m a me sm a abordagem, nem inteiramente o mesmo objeto. É uma historia renovada. Foi isso que nós quisemos di zer em Pour une histoire polüique, que é um pouco um manifesto por uma nova história política, O prónrio Preciso ter  u m a d e f i n i ç a o ^ ^ p l a d e s t e , a in da m a is a m pl a d o W J ac q ue s L e Goff. " co m r e f e i ç ã o .  po de r . C er ta m en te o p od er é o p on to má xim o. Õ po er supremo, aquele que se exerce numa sociedade global, no interior de um território definido por fron teiras, dispondo do poder de coerção, definindo a regra com a lei e sancionand o as infrações, é o único poder que tem todos esses atributos. Mas há também a con quista e a contestação desse poder, e a relação do indi víduo com a sociedade global política - de onde o estu do de comportamentos, das escolhas, das convicções, das lembranças, da memória, da cultura. O-político toca a muitas outras coisas. Não é um fato isolado. Ele esta evidentemente em relação, também, com os gru po ss oc ia is e a s tra diç õe s do pe ns am en to .

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Último objeto de minha intervenção, o campo do político não é definido de uma vez por todas ele e mutável. Retomo o subtítulo da jornada: o político também de geometria variável , às vezes retrátil, as vezes extensivo. É verdadeiro nas cabeças e n a s mentalidades: politização - despolitização. É verdadeiro ta mbe m  pa ra os obj eto s: os pr ob le m as nã o sao os m es mo s,  pr ov av el m en te um a exp lic açã o da cris e qu e at rav es sa o político, e da desafeição que o atmge: tais objetos tradicionais do político deixam de ser questões políti cas e novos problemas se colocam. Hoje em dia o po lítico concerne a tudo o que toca a existencia indivi dual: o corpo, a vida, o nascimento, a mo rte. Teríamos imaginado, há somente meio século, que caberia ao legislador dar uma definição da morte? decidir se se  po de faz er com érc io de órg ãos ? Est as no va s qu es tõ es assustam os políticos. A sexualidade se torna uma questão, um debate político; o mesmo vale para a cul tura, a ética, a justiça. Vejamos o exemplo dos minis tros da Justiça. Era outrora uma funçao de confiança que se reservava a um homem político em fim de car reira. Hoje é um a função exposta: o ministro da Jus  tiça está constan teme nte sob o fogo da cnttca. Evo car a seqüência dos ministros: Peyrefitte, Badmter, Arpaillange, Chalandon, Nallet, equivale a evocar um calvárioI Por quê? Não é somente o efeito da polem i ca é que hoje em d ia a opinião dirige ao exercício da  ju st iç a e a su a in de pe nd ên ci a u m a at en ça o m ui to maior do que outrora. Assim, a política e mu tavel,^ o_ infprpsse que damos a ela expliça-se ^da_ co^ uB çao en tre a ev oluçã o d os fatos^e,a.dos i£ spíritos:_0_BSJÜ£0 i ^ r e ï e ^ S a n t o ' n a j o n g a d u ra çã o com o, m S & B S iS : ça. Ora, não há nad a que defina melhor affitçjgSS fiã histórica do que a percepção da dura ção e a distinçao

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♦•■êfîtTC o Qnp fi ra p A consagrar ao político ^ SOjá bastaria para de investigação do historiad o^ lm p°rtantc no cai»Po

René Rémond

capítulo 4

MARXISMO E COMUNISMO  NA HIS TÓRIA RE CE NT E  po r Je an -J ac qu es BECK ER 

Há quarenta anos os estudos de história eram balizados pelas obras da coleção "Peuples et Civilisations", a "Ha lphen et Sagnac", como se dizia. Os volumes do período da história moderna eram in titulados  La prépondérance espagnole [A preponderância espanhola], La prépondérance françatse [A preponderância  francesa], L a prépondérance anglaise [A prepond erância i n glesa].  Desde então esses títulos, em grande parte, de sapareceram. Em sua última edição,  La prépondé rance anglaise,  por exemplo, tornou-se  Le siècle des Lumiè res [0 século das luzes],   traduzindo as mudanças de enfo que do pensamento e o interesse dos historiadores... Foi assim também que a  La prépondérance françatse:  Luís XI V  de A. Saint-Léger e Philippe Sagnac tornouse  Luís XIV ,  depois  Luís X IV et son temps [Luís X IV e seu tempo]  sob a pena de Robert Mandrou. No entanto, esse esforço dos diretores do "Halphen e Sagnac" para tentar captar o que, num século, tinha sido o princi  pal , ou pe lo m en os o q ue lh es ha vi a p ar ec id o co mo tal na época em que construíam sua coleção, levou-me a  pe ns ar so br e o tí tu lo qu e po de ri a se r es co lhi do pa ra caracterizar o século XX daqui a algumas dezenas de anos ou daqui a vários séculos, se, então, autores su ficientemente arrojados se lançarem à edição de uma história geral da humanidade. O que lhes parecerá nesse momento na história do nosso século dever fo-

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cahzar a atenção das gerações futuras? A guerra o  pro gr ess o tec nol ógi co, a p rod igi os a ev ol uç ão da civi li zação material...? Parece-me que eles poderiam reter como titulo O século do comunismo. Não  que o comunis mo ten ha sido o único evento do século XX, mas foi tóZTrm   r tC T   a™ntecimento mais original, mais topico, e alem de tudo ele teve seu florescimento no começo do seculo e extinguiu-se com seu fim. Esta es  pé cie de un id ad e no te m po , est a re la tiv a br ev id ad e espantosa se comparamos, por exemplo, com os vinte séculos de cnstiamsmo - que permite a historiadores quas ^ fadI avaJiá-los? Quatro dificuldades pelo m e nos, podem ser enumeradas de saída

há menos de uma década por Pierre Goubert. Quan 7o a esta larga parte do século XX que eu vivi sinto-a sobretudo através de minhas lembranças, mmha? ^ a ções vivas e minhas duras análises; nunca tem che g^ do à idéia de escrever uma historia com elas, mesm 2 Quando de uma jornada de J t i tu t d'histoire du temps r * en^ ^ ^ 2 Í  A*  1q«8 sobre os intelectuais e a guerra da Argena, histori.dores presentes

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Complexe 1991). Sobre os problem as de geraçao, nemüto^me remeter em especial a um de meus arti gos sobre o tema, “Geração e historia pobüca. Vingtième siècle. Revue d'Histoire,  n. 22, abnl-junho de 1989.

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que com brevidade, e confesso compreender mal como outros ousaram, senão por vaidade, por interes se, ou por gosto pela facilidade"’. É o valor dos trabamos de historia do presente que dará uma resposta. Observemos somente que as supostas relações entre os climas ideológicos e as orien taçõe s historiográfic as nao sao apenas matéria para reflexão e para jornadas de estudos. Elas continuam a entabular processos e nutrir polemicas, processos, é verdade, cada vez mais raros e polemicas cada vez mais atenuadas. Uns e ou tros, no fim das contas, não constituem senão uma imagem retm iana daquilo que foi, no passado, o esta tuto - ou antes a ausência de estatuto - da história do  pr es en te 4. Ma s a ve rd ad eir a dif icu lda de, no qu e se re3 Pierre Goubert,  Initiation à Vhistoire de la France, Paris, Tallandier, 1984, p. 9. 4 Numa epoca - não tão longínqual - em que a his toria política, igualmente, sofria de um tal estatuto mcerto: ha menos de trinta anos, por exemplo, um relatorio publicado pelas edições do CNRS formulava um diagnostico segundo o qual 'a política não apare ce mais quase nada, nos trabalhos recentes consagra dos aos tempos modernos e contemporâneos, senão na analise do comportamento dos grupos sociais quando das grandes consultas eleitorais ou das mu danças de regime" e "praticamente desapareceu dos trabalh os relativos à Idad e Média "(Jean Glenisson em  La recherche historique en France de 1940 à 1965  Pans, Editions du CNRS, 1965,p. XXXVI.) Sobre essa concomitanaa entre a revivescência da história polí tica e o reconhecimento da história do presente permito-me remeter o leitor, em complemento ao pre sente texto, a minha contribuição - i e r etour du politique - Comment écrire l ‘histoire du temps présent  JR°.™a ^ de est udos em hom enag em a François Bedarida, 14 de maio de 1992, a publicar.

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fere ao estudo dessas relações, está provavelmen te em outro lugar. Ela reside na constatação de que ess asr ^ lações não são unívocas. Pode acontecer, de fato, que seiam as orientações historiográficas que, po r sua vez, modelam um clima ideológico ou ao menos con ri bu em pa ra m ol dá -l o. Assi m, a osc ilaç ao da hi st or io  grafia da Segunda G uerra mundial, no limiar dos anos 1970, era certamente em parte produto de um contex to5- mas essa oscilação, por sua vez, pesou so re um certo número de grandes debates cívicos e sociais da segundametade dos anos 1970- e desempenhou, assim, um papel na constituição de um contexto ideo lógico dessa década. _  Mesmo enumeradas essas dificuldades, e preci so seguir adiante. Retomando o enunciado proposto, "Ideologia, tempo e história", eu procederei em duas fases. Primeiro questionarei o papel do contexto histórico, do "tempo" do historiador, depois a influencia do clima ideológico. Teremos compreendido, a propo sição não recairá sobre o estatuto da historia do pre sente, objeto de uma outra contribuição, mas sobre as relações do historiador com seu presente.

5 Cf. a obra de Henry Rousso apontada na nota seguinte; cf. tamb ém Jean-Pierre Azema, Vichy et la mémoire savante: quarante-cmq ans d'historiographie" in Vichy et les Français,  sob a di reção de Jean-Pierre Azéma e François Bedarida, com a colaboração de Denis Pechansky e Henry Rousso, Paris, Fayard, 1992, pp. 23-44. 6 Henry Rousso,  Le syndrome de Vichy. De 1944 à nos  jours,  2. ed.. Le Seuil, coleção "Points", 1990.

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O " TEMPO" DO HISTORIADOR

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/! O historiador trabalha sobre o passado, mesm o /que proximo, isto é, sobre o que está abolido. Não que ele conceba sua prática unicamente como uma espécie de   retorno das cinzas do passado a um presente ! que s,e ria totalmente desconectado daquele. Bem ao contrano, esse historiador, qualquer que seja sua es  pe cia lid ad e cro nol ógi ca, be be em se u pr es en te e, lo n8u f ensar que "é   de nenhum tempo e de país ne nh um ”, ele sabe que está ligado por múltiplas fibras a seu tempo e a comunidade à qual pertence . Podería mos, de sobra, multiplicar os exemplos. Limito-me aqui a constatação, significativa, do impacto da guer ra sobre a obra de grandes historiadores, trabalhando de resto, em domínios cronológicos afastados uns dos outros. Em dezembro de 1991, Philippe Contamine, quando da cerimônia de sua recepção no Instituto, as sinalava explicitamente em seu discurso que, perten cendo a geração da guerra da Argélia, e tendo servido na Argélia, esse episódio de sua vida tinha tido um  pe so na esc olh a d e se u te m a e s eu ca m po de est ud o: a guerra dos Cem Anos7. A correlação entre o historiaor e sua própria história - mesmo se esta só consti tui um parâmetro - é, portanto, real aqui, e o fato é

L ?hlIlP/ e C°ntamine' Guerre, Eta t et société à la fin du  Moyen Age. Etudes sur les armées des rois de France, 1337 1494, Paris, La Haye, Mouton, 1972, XXXVIII - 75 7  p Como síntese dos amplos e fecundos trabalhos de Philippe Contamine, poderemos reportar-nos a seus capítulos no tomo I da  Histoire militaire de la France  pubhca da sob su a dir eção (Paris, PUF, 1992).

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tanto mais notável quanto não diz respeito a um his toriador do presente, mas a um medievahsta . Outro exemplo, Antoine Prost, que, na intro dução de sua tese dedicada aos antigos combatentes na sociedade francesa do entre-guerras, diz também até que ponto sua participação na guerra da Argélia teve um papel em seu interese e depois na com preen são de um a ou tra geração do fogo5, aquela da G rande Guerra. No calor desse conflito, também, forjaram-se fortes reflexões de historiadores. Relendo, por exem  plo , a li ção in au gu ra l d e L uci en Fe bv re na Um ver sid a-

8 A primeira frase da introdução de sua tese j a evo cava por antífrase, "a experiên cia vivida : Se eu deixo de lado o essencial, ou seja, o papel das expe riências vividas, o peso dos problemas contemporâ neos, na origem desse livro coloca-se a leitura de  A arte militar e os exércitos na Idade Média na Europa e no Oriente Próximo "(Estado e sociedade..., ref. cit., p.

influência do livro de Ferdinand Lot não foi, portan to mais decisiva, de fato, que suas "expenenci as vi vidas" - sem dúvida Philippe Contamine pensa t am  bém na de seu pai Henry Contam ine, grande espe cialista em história militar e antigo combatente na Grande Guerra - nem mais decisiva que o impac to dos "problemas contemporâneos". 9 Antoine Prost,  Le anciens combatants et la societe  française 1914-1939,  vol. 1,  Histoire, Paris, Presse de la Fondation nationale des sciences politiques, 1977. A introdução ( Op. cit., p. 1) começa com estas palavras "É preciso confessá-lo? A idéia desta obra nasceu na Argélia". E o autor relata: "Por mais breve e limitada que tenha sido, minha experiência argelma me per mitiu imaginar o que foi, na sua rea idade vm da a guerra de 1914" (ibid.). A mesma palavra, portanto, que Philippe Contamine, "experiência".

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de de Estrasburg o no reinicio de 19 1910, comp reend ese melhor por que , dez anos mais tarde, e no decur so dos anos 1930, os  Ann ales   trouxeram um firme in teresse pela história de seu tempo. , . . A Portanto' um fato incontestável: o contexto historico influi sobre as orientações historiográficas, e isso quaisquer que sejam os períodos estudados. Mas as relações entre u m e outro n ão se restringem a tal intluencia. Tambem a observação desse contexto históri co ajuda o historiador na sua compreensão dos fenô menos que estuda. Permito-me, a esse respeito, intro duzir uma nota pessoal nesse texto. Para a preparação de min ha tese, eu trabalhei sobre os alunos dos cursos que preparam para a École Normale Supérieure e normalistas dos anos 1920, isto é, com jovens que eu pe gava com a idade de 18 a 20 anos e que seguia em seus engajamentos cívicos, no curso dos anos 1930 quando eles tinham entre 25 e 35 anos“. Ora, os onze anos de preparo dessa tese fizeram com que eu traba lhasse sobre esses jovens intelectuais qu ando tinha entrC 2a C? 6 an0S- Havia' P°rta nto, já uma concom itân cia de idade, observação em si banal se não se acres centa que essa tese foi preparada en tre 1974 el985  pe rí od o qu e viu su rgi r a pa rt ir de 197 9 um a "se gu nd a guerra fria". É a época em qu e a União Soviética pare ce ir de vento em popa, nas relações de força geoestrategicas (Jean-François Revel, Comment les démocraties 10 Lucien Febvre, "L'histoire dans le monde en rumes", aula de abertura do curso de história moder na na Universidade de Estrasburgo em 4 de dezem  bro de 1919, Revue de synthèse historique,   t. XXX n 88 fevereir o de 1920, pp. 1-15. ' ' ' 11 Jean-François Sirinelli, Génération intellectuelle Khagneux et normaliens dans l'entre-deux-guerres, Paris Fayard, 1988 (tese defendida em 1986).

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 finisse nt,19 83) ,   e em que a Europa do Oeste oscila en tre uma atitude de firmeza - instalaçao dos mísseis Pershing - e tentações de fraqueza. Ora, os jovens in telectuais sobre os quais eu trabalhava tmham sido, nos anos 1930, confrontados com a ascensao do fenomeno totalitário e com as provocaçoes hitlenanas. Diante desse duplo desafio, providos de um a especie de  ba ga gem ge né tic a pac ifis ta he rd ad a de seu s en ga ja  mentos da década precedente, eles se encontrarao di lacerados entre fidelidades tornadas contraditórias. Se gurame nte, o contexto histórico no qual eu circulava e a correspondência de idade com os atores estudados me ajudaram a compreender e perceber melhor a in tensidade dos importúnios aos quais foram submetidos esses atores.  Nes se i nv en tá ri o de rel açõ es en tr e co nt ex to hi s tórico e historiografia, a prática comemorativa é crudal. De certo modo ela é, de fato, um fenomeno de contexto histórico, uma vez que a decisão de come mo rar é um a decisão política. Ao mesm o tempo ela engendra, por indução, orientações histonograficas que podem, por sua vez, influir sobre o contexto cívi co, ou, pelo menos, contribuir para esclarece-lo. Na sua contribuição ao primeiro tomo das atas do coloquio internacional organizado em 1990 pelo Institut Charles d e Ga ulle12, Pierre Nora insistia na densid ade do fenômeno comemorativo em três ou quatro anos: milênio capetíngeo, bicentenário da revoiuçaoem 1989, centenário do general de Gaulle em  pr op ós ito des se ce nt en ár io , ele m os tra va ta m be m como um a reflexão histórica sobre o gaullismo, vivih-

12 Pierre Nora, "L'historien devant de Gaulle" em  De Gaulle en son siècle,  1.1.,  Dans la mémoire des hommes et  des peuples, Paris, La Documentation française - Pion, 1991, pp. 172-178.

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cada pela efervescência comemorativa, podia desem  bo ca r n u m "di agn ós tic o so bre a id en ti da de po lít ica da França e finalmente (em) uma m aneira nova de enca rar as relações dos franceses com o poder e su a própria representação, numa palavra, com seu passado, seus sonhos e sua memória". A comemoração, produto diferenciado - de uma história, pode estimular e reno var um a historiografia que por sua vez pode influen ciar na história ou, pelo menos, na representação que dela se fazem os franceses. O rastro de um aconteci mento ou o rastilho da ação de um h omem de Estado são amplificados pela comemoração e, assim reativa dos, podem agir de novo, indiretamente e por canais complexos, sobre a história de seu te mp o.13 Tudo o que expus acima demonstra, de um lado, que o papel do presente no ofício do historiador é inegável, mas que, de outro lado, as relações presente-historiografia não são unívocas. E, portanto, em vez de formular votos piedosos para que surja uma ciência histórica que, tal como um a pepita, poderia ser limpa da ganga lamacenta da história circunvizi nha - votos estes que estariam mais para o feitiço -, mais vale assumir o que chamamos comumente de subjetividade. A consciência dessa subjetividade per mite ao mesmo tempo freá-la - o historiador, insisti mos nisso, dominando seu "tempo" com seu "ofício", no sentido técnico do termo - e como vimos, utilizarse dela quando pode ajudar na reflexão histórica. Há,  po rt an to , de fat o, um a esp éci e de dia lét ica a m an te r com o contexto histórico.

13 Sobre a produção suscitada pelo centenário de De Gaulle, cf. o recenseamento ao mesmo tempo que a análise propostos por Oscar Rudelle, L'année De Gaulle en France", Tocqueville Review, 1992, a publicar.

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Com a condição, seguramente, de saber abs trair-se quando u m "tempo" mal dominado pelo his toriador leva ao risco de induzi-lo ao erro, falseando a  pe rs pe cti va . Ass im, no lim iar dos ano s 1950 , qu an do a direita francesa parecia uma corrente durável e, tal vez, definitivamente enfraquecida, René Rémond fa zia,’no mom ento de começar  La Droite en France,   esse esforço de abstração com relação à percepção comum da ma ior parte de seus con temp orâneo s14. E quando, em junho de 1951, a direita moderada obtém mais de uma centena de deputados na Assembléia e volta a ser um ator essencial do jogo político, é na con tra-corrente de uma outra opinião difundida, a do enterro defi nitivo da clivagem esquerda-direita, que ele precisará ir. Assim Jean-Jacques Servan Schreiber escrevia em 1953, a propósito dessa clivagem: "Fora os parlam en tares, mais ninguém compreende o que isto quer di zer. Na verdade, é um a língua morta" (Le Monde,  24 de  ja ne ir o de 195 3). O h is to ria do r é t am bé m aq ue le qu e, às vezes, não dá crédito automaticamente às crônicas de uma morte anunciada, sabendo por experiência que os fenôm enos históricos são, salvo fratura revolu  cionária ou militar, de forte inércia e, portanto, de combu stão lenta 15. Quan do o "tempo" no qua l ele cir14 A obra foi escrita "entre 1951 e 1953"(cf. o "Pre fácio da quarta edição",  Les droites en France,  Paris, Aubier, 1982, p. 9). 15 A observação continua válida para uma outra  Histoire des droites, minha e de Eric Vigne, coletiva, co meçada em 1987-1988, num momento em que nu merosos observadores concluíam pela provável co  bert ura do fosso entr e esque rda e d ireita (cf. sobre este ponto minha introdução geral no tomo I dessa  Histoire des droites en France,  a publicar, com os dois outros tomos, no outono de 1992 pela Gallimard).

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C c w p i g u r à ç õ e s id e o l ó g ic a s t e n d ê n c i a s   HISTORIOGRÁFICAS i d e o I ó Í o r Spe, í d 0 l T ° q u e s e i ns er em os cI ím as cias nJ L fe ' m em 'gualmente nas tendênr q ua la ue r i ^ T ^ * hÍSt0ri8rafia? A nte s m es mo sitiva Uma . , f gaçao' PeIa Wgica a resposta é po sitiva. Uma ideologia, com efeito, fornece uma grade inteleo bíida0dr Und°' SUStentada Por princípio de  pl tó a m e n í * P ° rt an t° t3m bé m' « p l íd ta ou im -

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Ideologias que impregnam uma sociedade e as nreo cupaçoes científicas do historiador. P  Na o d ese nv olv ere i, no en ta nt o, o ex em pl o t ón i co do marxismo, tratado, aliás, no decorrer desta ior  ~ Há * * « n t e . Z S ad a  Z ^ eS*"dOSemre uma ‘deologia em posição de forte r S S r ™ de,em r da • ‘ ^ 4 l« u d e “ s res ,o aküm â* “ his,OTM« « pedindo, de

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