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August 2, 2017 | Author: Giuliana Matiuzzi Seerig | Category: Linguistics, Science, Psychology & Cognitive Science, Cognition, Epistemology
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Análise do Discurso no Brasil: notas à sua história por Maria Cristina Leandro Ferreira

- 20/06/2006

Pensando no tema... O tema proposto para essa mesa-redonda, em Uberlândia, me levou a pensar no meu próprio percurso na Análise do Discurso, a revisitar com prazer certos cenários e a relembrar como se apresentaram as resistências iniciais, os primeiros estranhamentos com certas noções até então sedimentadas, e também o entusiasmo e a excitação com a entrada na teoria. É interessante essa possibilidade aberta pela organização do II SEMAD, pois nos leva a um exercício de contar e recontar a história da Análise do Discurso, e assim fazendo é uma forma também de falarmos da nossa própria história e de ir alterando e modificando aquilo que nos determina, imprimindo, enfim, a nossa feição e o espaço de singularização que a teoria permite. Pensar um pouco a complexidade dessa „experiência‟ que é a nossa relação com a Análise do Discurso e os efeitos que ela vem produzindo entre nós é o que pretendo esboçar aqui com o presente texto. A Análise do Discurso no Brasil, hoje Falar sobre a história da Análise do Discurso (AD) no Brasil exige, antes, um momento de suspensão, que nos leve a desviar o olhar do espaço particular de nossa própria prática e buscar compreender o espaço mais geral da teoria e como ela vem se constituindo e consolidando entre nós. Penso que não é demasia considerar que a AD brasileira já tem uma história consistente, que vem sendo construída há cerca de 30 anos e que já se estende por vários quadrantes do território. O marco inicial dessa história se dá em Campinas, em torno da figura de Eni Orlandi, em fins da década de 70, e vai depois ganhando corpo e se institucionalizando através dos docentes e pesquisadores que, formados, retornam a suas origens e iniciam a organizar seus próprios grupos de pesquisa. Num breve levantamento hoje, constatamos que já dispomos de um bom número de opções para programas de doutorado nessa linha de pesquisa, como reflexo desse desenvolvimento qualificado que a área vem apresentando. Lembro que quando iniciei os preparativos para fazer minha formação, no final dos anos 80, se quisesse sair do meu Estado para trabalhar com AD, as opções eram mínimas...UNICAMP, USP..., e não muito mais que isso. O quadro atual é bem outro. Temos vários grupos de pesquisa em estudos do discurso, vários GEPADs, em atividade, espalhados pelo Brasil, (vou controlar minha vontade de enumerá-los porque certamente iria deixar algum de fora e ferir suscetibilidades), há várias teses e dissertações de excelente qualidade sendo produzidas e um número razoável, ainda que não suficiente, de publicações sobre o campo teórico. A área vem sabendo construir também uma história de encontros nacionais específicos (iniciativa fundamental que devemos lutar para manter, em que pesem as dificuldades sabidas que envolvem organizar eventos científicos), que se inicia com o GT de Análise do Discurso da ANPOLL, e ganha continuidade agora com o Seminário de Estudos em Análise de Discurso (SEAD), em Porto Alegre, o SEMAD, aqui em Uberlândia, e outros tantos sempre bem-vindos. Do ponto de vista do ensino da AD, ela também ganha espaço, se expandindo, além da pósgraduação, onde se deu sua entrada inicial, aos currículos de graduação, tanto de licenciatura, quanto de bacharelado. E esse é um observatório privilegiado para se perceber e analisar as reações que a disciplina provoca nos iniciantes. Particularmente, eu vivencio essa experiência, a cada ano, desde 2000, ao oferecer a disciplina de Introdução à Análise do Discurso, em caráter eletivo, aos alunos do Curso de Letras da UFRGS. É comum recebermos alunos de outros cursos (geralmente, ciências sociais, jornalismo, fonoaudiologia, psicologia, pedagogia, direito...) que chegam , com curiosidade, por já terem lido ou ouvido falar sobre essa tal análise de discurso. Constato que as reações que ela provoca vão desde a rejeição, sob argumento de que „é muito difícil‟, „mexe com muitas áreas‟ (o que leva quase sempre a um número expressivo de desistências), até o fascínio completo que leva à adesão mais entusiasmada, que faz ver a AD em todas as situações mais prosaicas do cotidiano. O saldo desse balanço é que dificilmente os alunos ficam indiferentes à disciplina, sem serem tocados por ela. Com afeto ou sem afeto, o fato é que ela afeta!

Efeitos de sentidos da Análise do Discurso Por que será que isso se passa com a AD? Seria uma particularidade do seu quadro teórico? Seria o modo como se deu sua inserção nos estudos da linguagem no Brasil? Seria por conta da personalidade forte de certos analistas...? Na verdade, nosso campo teórico é bem singular, nossas análises retomam, provocam e instigam diferenças e contradições em áreas contíguas (não só) e os analistas de discurso costumam ser bastante enfáticos e inflamados ao falar da teoria. Mesmo assim, ainda hoje, com quase 30 anos de história, não é nada fácil tentar explicar o que fazemos para quem é de fora e mais difícil ainda, às vezes, tentar fazê-lo para quem é de dentro, por razões bem distintas, como vocês conseguem bem compreender. Eu tenho, em principio, três opções de resposta quando me perguntam o que eu faço: por estar lotada num departamento de letras clássicas e vernáculas, posso dizer que lido com língua portuguesa; dependendo do interlocutor posso ampliar um pouco mais e dizer que faço lingüística, ou então, resposta mais radical, digo logo que minha área é análise de discurso e ...seja lá o que Deus quiser! O mais interessante é que as três respostas não são excludentes, mas vão produzir efeitos de sentido bem distintos. Dia desses arrisquei e respondi a alguém de fora, que nunca havia ouvido falar em AD, um acadêmico de estatística, qual era minha área de pesquisa. Ele fez um olhar pensativo e disparou... ”ah...é aquilo que vemos na escola, o discurso direto, indireto ...” Confesso que a tentação foi responder: “sim, direto, indireto, transverso, opaco, heterogêneo...” Mas optei pelo caminho mais difícil que foi „tentar destrinchar‟ de que discurso me ocupava. Quem somos nós? O que torna assim tão difícil e complexo falar do que fazemos e do que somos? Não haveria uma resposta única para essa questão; podemos, quando muito, fazer algumas tentativas sempre parciais de abordagem Comecemos com os conceitos que compõem nosso dispositivo teórico e nos permitem descrever e mapear essa experiência no campo do discurso. E vou selecionar dez deles. A própria escolha desses 10 conceitos é um gesto de leitura particular meu enquanto analista e que, certamente, irá se distinguir da seleção feita por outros pares. Assim temos, a língua, o sujeito, a história, a ideologia, o interdiscurso, as formações discursivas(FDs), a heterogeneidade, o acontecimento, o sentido e o próprio discurso, conceito que foi sempre, como dizia Maldidier, alvo de uma busca incessante para Pêcheux. Esses conceitos todos, de modo geral, não surgem com a AD, mas provêm de outras áreas, no intervalo das quais a Análise do Discurso foi compondo seu aparato. Isso leva, então, a que se faça invariavelmente um longo caminho dando conta do que a Análise do Discurso não é, até chegarmos a tentar positivar o que ela é. Por que isso? É um preço a pagar por termos fronteiras porosas, que não se constituem em barreiras, ainda que isso não deva significar que estamos dentro de uma “zona franca”... Daí serem comuns expressões do tipo: a lingua da AD não é a língua da lingüística, ou, o sujeito da AD não é o mesmo sujeito da psicanálise, ou a ideologia na AD não é a concepção marxista de ocultação da realidade...e por aí vai... Acontece ainda que esses conceitos todos têm um valor operacional na teoria e passam a significar de modo singular pela apropriação que cada analista faz deles e pela forma como os mobiliza em cada prática de análise. A teoria nesse aspecto encontra-se sempre em xeque, tendo seus limites redefinidos e reconfigurados, testados e discutidos pela atividade de seus analistas. Faço aqui uma parada para observar que não se costuma refletir muito sobre o sujeito-analista. Nossa reflexão, em geral, recai sobre o outro sujeito, o sujeito discursivo ( o constructo teórico). Mas como se dá a formação desse sujeito-analista, como ele se situa no campo teórico e como se inscreve, que afinidades estabelece com outros analistas e como ele contribui com a teoria pelo modo como se dá a sua entrada ? As diferenças no campo da Análise do Discurso Essa reflexão traz desdobramentos interessantes se pensarmos no modo como e por onde a AD foi se constituindo no país. Sabemos que a designação Análise de Discurso é um termo guarda-chuva que não abriga uma única vertente teórica. (Interessante que o termo „guardachuva‟, em princípio, também serve para nos proteger (será?) do „mau-tempo‟ e dos trovões que por vezes ressoam nesse espaço teórico). E até dentro da „mesma‟ linha teórica‟, como é essa da chamada linha francesa na vertente pecheutiana, a diferença está instalada. E por

vezes dentro da mesma „casa‟ é onde há mais intolerância onde a crítica é mais ácida e contundente... Essa diferença dentro do mesmo âmbito teórico nem sempre é fácil de administrar. Mas é um traço da potência da teoria que não convém se perder. Aí está, talvez, em parte, uma das razões pelas quais a AD não se esvaziou no Brasil, como ocorreu na França. Aqui ela se mostra pulsante, sem medo de incorporar novas materialidades, e sem estacionar nas questões e querelas que marcaram sua origem européia. Até porque temos as nossas próprias que já nos mantêm bem ocupados. Diria que no Brasil estamos construindo a “aventura do discurso” a múltiplas vozes, como resultado de uma empreitada coletiva, que, por vezes, faz ecoar aqui e ali dissintonias, desconfortos...mas sem que isso chegue a surpreender ou perturbar. Afinal, os analistas de discurso não poderíamos mesmo cair na ilusão de convivermos em „universos logicamente estabilizados‟ de que nos falava Michel Pêcheux. E por falar em Michel Pêcheux, no Brasil, a Análise do Discurso, pelo menos aquela à qual me filio, construiu seu percurso, sem apagar o lugar singular do fundador, mas sem também sufocar as formulações próprias e as posições singulares dos analistas de discurso brasileiros. Talvez pudesse resumir essa relação da AD no Brasil com Michel Pêcheux dizendo que aqui mantemos a fidelidade teórica sem que isso implique submissão à teoria. O fascínio da rede discursiva Os analistas de discurso dispõem, então, de um aparato téorico complexo, composto por conceitos que se articulam engenhosamente na famosa „rede‟ do discurso, aquela composta de fios e furos operando com igual relevo; contam com um dispositivo analítico sólido, sem ser engessado, que ganha vitalidade ao ser mobilizado nas análises, e conseguem, assim, a partir dos materiais e arquivos selecionados, produzir gestos de leitura muito particulares. Não seria impróprio, portanto, afirmar que além de termos uma teria fortemente fundamentada, temos uma prática consistente em relação dialética com a teoria e não fechamos as perspectivas materiais de nosso objetos discursivos. Disso tudo decorre o interesse de várias áreas das ciências humanas (se é que existe uma ciência „desumana‟) pelo „método da AD‟, como se ele fosse descartável da teoria e pudesse circular com autonomia. Ocorre que esse método não é „modelo‟ para a compreensão e interpretação dos discursos; ele não existe pronto, préfabricado, nem aceita „encomendas‟. Ele precisa ser a cada procedimento de análise, construído, trabalhado, em parceria indissociável com a teoria crítica onde é forjado. Esse cuidado- quase vigilância- com a apropriação imprópria da teoria é uma tarefa que cabe a cada analista assumir, sob pena do barateamento e da diluição do campo teórico, reduzido a uma visada metodológica. E isso se faz pela força do exemplo, com o trabalho consistente, qualificado de cada analista de discurso. O lado da militância... Vejamos agora outro ponto interessante da história da Análise do Discurso e que tem a ver com a circulação de seus saberes na sociedade. A AD é uma disciplina de conhecimento sobre a linguagem que permite alterar, modificar a experiência e, eventualmente, a ação e o comportamento das pessoas. E isso a faz, em muitos casos, uma disciplina nitidamente de intervenção no meio social, político e histórico. Esse foi, aliás, o traço que a caracterizou na França quando de sua fundação. Ao considerar o discurso - enquanto objeto sócio-histórico- e privilegiar discursos do campo político, Pêcheux e seu grupo, na fase inicial de implantação da teoria, valeram-se da AD como bandeira, como verdadeiro „cavalo de Tróia‟, como disse Paul Henry, no campo das ciências sociais positivistas da época. Essa era, então, uma estratégia de militância declarada, sem escamoteamentos. Aqui entre nós, a conjuntura foi outra, é outra... Nossas filiações institucionais são diferenciadas e os desdobramentos e alianças foram se fazendo, sobretudo, no espaço acadêmico, como lugar privilegiado do embate com as disciplinas vizinhas e, entre elas, com destaque, a lingüística. Lembro que quando comecei a me interessar pela Análise do Discurso e fui iniciar meus estudos de doutorado no Instituto de Estudos da Linguagem da UNICAMP, no final dos anos 80, conversei com um experiente e prestigiado lingüista de lá, lingüista „puro‟, para não dizer „duro‟, sobre minha área de eleição. E lembro ainda da resposta: “Análise do Discurso... ah... aquela que trabalha com discurso político, ideologia...isso não tem a ver com lingüística.” Não me animei a estender a conversa, ou tentar „salvar‟ minha teoria, até porque senti um esfriamento de parte do mestre, e uma certa decepção com minha escolha. Entendi bem depois que esse era o sentimento que a área causava nas pessoas de fora, e não totalmente sem razão. Talvez seja o caso de perguntar-

nos agora, mais de 20 anos dessa conversa, como andamos em relação ao discurso político e à lingüística? O político e o ideológico na AD do Brasil Certamente, na AD, ainda se trabalha com discursos políticos, pois a cena política é um lugar discursivo fértil para se observar as denegações, o non-sense, as descontinuidades e o movimento das posições-sujeito. Recentemente ainda saíram alguns bons trabalhos nessa linha, mas acredito que não é mais a impressão geral (exceto para os que insistem em continuar desconhecendo) de que ela só trabalhe com isso. Quanto à ideologia ela não desapareceu do nosso mapa epistemológico, evidentemente, pois isso é da ordem do impossível, mas a noção vem sendo, a partir de Althusser, e por influências bastante produtivas da interface com outras áreas, ressignificada. Michel Pêcheux mesmo já sinalizava nessa direção, ao se interessar pelas brechas que se abrem nas falhas do ritual de interpelação e permitem alcançar o sujeito e a língua naquilo que lhes é mais próprio: o sonho, o ato falho, o lapso, o witz..., formações essas que deixam irromper equivocidades de várias ordens.. As distintas materialidades A AD no/do Brasil trabalha hoje com materialidades discursivas das mais diversas, que vão desde os discursos institucionalizados até aqueles do cotidiano, podendo com isso abarcar o discurso religioso, indígena, dos movimentos sociais, midiático, pedagógico, questões de gênero, o discurso do corpo e das corporalidades, o discurso dos esquizofrênicos, dos afásicos e por aí segue essa lista meramente exemplificativa, já que não há como nem por que tentar ser exaustivo nessa mera enumeração. E não se detém exclusivamente na linguagem verbal (nas questões da escrita e da oralidade). A imagem, de modo geral, os cartazes, fotografias, charges, pichações e grafites ganham cada vez mais espaço entre os analistas de discurso. E já temos também nesse aspecto bons trabalhos publicados e sendo desenvolvidos por distintos grupos de pesquisa no país. Não se pode deixar de mencionar igualmente as novas linguagens que começam a aparecer como objeto de investigação mais recente, relacionadas ao computador e à internet e que nos forçam a rever noções até então clássicas na teoria como autoria, efeito-sujeito, memória, hiperlíngua... Em todas essas distintas materialidades o acesso se faz pelo fragmento, pelo resíduo, pelo que sobra e pelo que falta...pelo que escapa ao simbólico, pelo que toca o real da língua e o real do sujeito. Enfim, há uma gama imensa de possibilidades, que atestam a potencialidade e o vigor do aparato téorico-analítico do campo do discurso. A relação com a Lingüística: uma questão mal resolvida E a Lingüística, como ficou nesse quadro atual? Como vem se dando nossa relação com essa influente vizinha? Poderia dizer que continua tensa e sujeita a controvérsias de toda ordem...E diria também que a famosa frase de Courtine, que para ser analista de discurso é preciso ser lingüista e deixar de sê-lo, mantém sua vigência e validade. É essa particularidade que nos distingue...senão estaríamos atuando em algum dos ramos de lingüística aplicada ou em teoria e análise lingüística, que, aliás, já é o que somos induzidos a fazer pelo CNPq, CAPES e quetais. Dessa forma, podemos dizer em relação a essa vizinha, com a qual as relações não são lá quase sempre muito amistosas, que há contato mas não pertencimento. E isso vale para os dois lados. A AD não está „contida‟, não é parte da Lingüística, em que pese trabalhar com a língua, como base material. E uma das razões é que a própria noção de língua nos distingue e nos faz constituir um recorte disciplinar diferente da lingüística. O modo como a Análise do Discurso de linha francesa ( evito usar a expressão „escola francesa‟) [1] trabalha com a língua, como estrutura simbólica que comporta o não- sistematizado ( o furo, a falha); com o sujeito, como ser-em-falta, efeito dessa estrutura de linguagem, sendo ao mesmo tempo sujeito do desejo e da ideologia; e com o discurso, como materialidade lingüística e histórica, que incorpora a exterioridade não como complemento, mas como elemento constituinte, representa um modo único e próprio da forma como a AD compõe o seu tabuleiro, escolhe suas peças principais e arma seu jogo no campo da linguagem. E nesse jogo é preciso encontrar um meio de, sem sair dele, descobrir os seus furos, driblar as regras e buscar um espaço entre a

liberdade e a coação, entre o fechamento do sistema e os pontos por onde ele se deixa romper. O papel do analista Falemos um pouco, então, desse jogador. E para fazer isso voltemos à figura do analista. Diria que ser analista de discurso no Brasil hoje significa ser singular no meio de uma pluralidade, significa a persistência e a resistência em demarcar os limites e as especificidades do quadro teórico, não deixando banalizar nossos conceitos nem diluir nossos procedimentos de análise sob a forma de modelos úteis de aplicação imediata. E significa também manter sempre em vigência a noção de ruptura, que é a marca original da teoria e que está na base de muitos dos conceitos com os quais ela opera e que a faz resistir às evidências da significação. Mas significa também, e isso particularmente me seduz no momento, manter relações estreitas, íntimas, de interface com áreas afins. (Relações íntimas, mas cada um em sua casa, se é que me entendem bem...) A zona de fronteira do discurso As fronteiras do nosso território delimitam o campo teórico, mas também permitem o contato e aproximação com campos vizinhos; são fronteiras rarefeitas que funcionam como limites e não como limitações. A esse respeito, acho oportuno trazer o registro de Régine Robin Robin, [2], historiadora do grupo de Pêcheux, que afirma que a Análise do Discurso atuava nos limites dos grandes recortes disciplinares como “um dentro/fora de forma inquieta”, não como disciplina auxiliar nem como campo autônomo. Esse traço oscilante de dentro/fora, avesso/direito faz lembrar a figura da Fita de Moebius, topologia que nos é trazida pela Psicanálise, e que serve bem para representar o modo como a AD lida aqui no Brasil, ainda hoje, com o paradoxo de sua própria constituição (e que está estampada em feliz achado na capa do livro do I SEAD). [3] No que diz respeito às zonas de contato mais afins com o campo do discurso venho observando com interesse uma aproximação produtiva da Análise do Discurso com a Psicanálise, que tem rendido resultados bastante alentadores. O ponto que mais me agrada nesse diálogo é que ele, sendo fértil e concernente, propicia que retornemos à nossa teoria com um olhar mais arguto, com uma escuta mais fina sobre nossos objetos. No último SEAD, em Porto Alegre, tivemos uma presença expressiva de psicanalistas refletindo sobre noções que nos dizem muito de perto, como sujeito e ideologia, e aqui nesse Seminário também constato o mesmo interesse. Voltando ao começo Essas são algumas notas que trago para refletirmos sobre a história da Análise do Discurso no Brasil. Em 30 anos muita coisa mudou.... a AD ganhou adeptos, expandiu-se significativamente, tem forte presença institucional, atrai o interesse de outras áreas... Algumas marcas, contudo, ainda persistem, não se desfizeram de todo... A Análise do Discurso perdeu um tanto de seu caráter revolucionário, diluiu-se o traço intervencionista, mas preserva sua face aguda questionadora, seu viés corrosivo, capaz de provocar desconcertos, instabilidades, resistências... Fechando com a falta O que falta ainda à AD do Brasil? A propósito, de falta, Freud dizia que a nossa relação com o mundo não se dá por intermédio dos objetos, mas pela falta deles. Talvez o que marque a presença da AD e sua relação entre nós seja precisamente a falta que a constitui e o que ela traz de mais próprio. O que falta, então, à AD continua a fazer enigma para mim e no vácuo dessa decifração seguimos buscando respostas. Deixo apenas, ao final, a expressão de um desejo... Que procuremos, cada um em nossos grupos e instituições, não nos fechar em „feudos‟, mas, sim, desconfiar dos consensos e das unanimidades, e só assim poderemos aspirar vida longa à análise do discurso!

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