ABC Do Socialismo

April 30, 2024 | Author: Anonymous | Category: N/A
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O ABCs do Socialismo foi produzido como uma colaboração entre a Verso Books e a Jacobinmagazine, publicada on-line e trimestralmente para mais de 15.000 assinantes. Se você estiver interessado nas ideias deste livro, participe de um grupo de leitura Jacobin em mais de setenta cidades em todo o mundo. Visite www.jacobinmag.com/reading-groups/ para mais detalhes.

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First published by Verso 2016 © Jacobin Foundation Ltd. All rights reserved The moral rights of the authors have been asserted Verso UK: 6 Meard Street, London W1F 0EG US: 20 Jay Street, Suite 1010, Brooklyn, NY 11201 Verso is the imprint of New Left Books ISBN-13: 978-1-78478-726-4 ASIN: B01N5NY4T0 (English Edition) British Library Cataloguing in Publication Data A catalog record for this book is available from the British Library Library of Congress Cataloging-in-Publication Data A catalog record for this book is available from the Library of Congress Typeset in Antwerp by A2-Type Printed in the US by Sheridan Press

Entre centenas de outros, este livro foi possível pela generosidade de: Saki Bailey Danny Bates John Erganian Marshall Mayer David Mehan Mark Ó Dochartaigh Brian Skiffington Frederick Sperounis Francis Tseng Nathan Zimmerman Agradecimentos especiais Fund’ ([email protected])

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Education

[Nota de Tradução: Em abril de 2016 a Revista Jacobin lançou um especial introdutório à várias questões relacionadas ao Socialismo como uma resposta ao enorme crescimento do interesse por informações sobre esses temas, principalmente com a campanha presidencial de Bernie Sanders nos EUA e sua repercussão entre os jovens]. Tradução de: Everton Lourenço e disponível em: https://ominhocario.wordpress.com/os-abcs-dosocialismo/#abcs [Nota de organização: Todo o conteúdo deste livro digital (organizado e formatado em EPUB e AZW3), traduzido de ‘The ABCs of Socialism’ para o português brasileiro, foi originalmente disponibilizado no site ‘O Minhocário’].

O Minhocário

SOBRE OS AUTORES

Nicole Aschoff é a editora-chefe da Jacobin e autora de ‘The New Prophets of Capital’. Alyssa Battistoni é editora da Jacobin e estudante de PhD em Ciência Política na Universidade de Yale. Jonah Birch é estudante de graduação em Sociologia na Universidade de New York e editor colaborador da Jacobin. Vivek Chibber é professor de Sociologia na Universidade de New York. Seu livro mais recente é ‘Postcolonial Theory and the Specter of Capital’. Danny Katch é colaborador do ‘Socialist Workerand’ e autor de ‘Socialism ... Seriously’. Chris Maisano é editor colaborador da Jacobin e membro de um sindicato em New York. Nivedita Majumdar é professora associada de Inglês na Faculdade John Jay. Ela é a secretária do ‘Professional Staff Congress’, do corpo docente e do sindicato da CUNY. Michael A. McCarthy é professor assistente de Sociologia na Universidade Marquette.

Joseph M. Schwartz é o vice-presidente nacional dos ‘Democratic Socialists of America’ e professor de Ciência Política na Universidade Temple. Bhaskar Sunkara é editor e editor fundador da Jacobin. Keeanga-Yamahtta Taylor é professora assistente no ‘Center for African American Studies’ da Universidade de Princeton e autora de ‘From #BlackLivesMatter to Black Liberation’. Adaner Usmani é estudante de graduação na Universidade de New York e no conselho da ‘New Politics’. Erik Olin Wright é professor de Sociologia na Universidade de Wisconsin-Madison. Seu último livro é ‘Alternatives to Capitalism: Proposals for a Democratic Economy’.

Os ABCs do Socialismo EDITADO POR Bhaskar Sunkara ILUSTRADO POR Phil Wrigglesworth

O PAÍS JÁ NÃO É MEIO SOCIALISTA? Não, Socialismo não é só sobre mais governo – é sobre propriedade e controle democráticos.

ABCs do Socialismo – Parte 1 por Chris Maisano, na Revista Jacobin, abril de 2016 Chris Maisano é editor colaborador da Jacobin e membro de um sindicato em New York.

[Nota de tradução: o texto usa exemplos sobre a política, governo e programas governamentais dos EUA, mas é muito simples fazer os paralelos para a realidade brasileira ou de qualquer outro país]. Se você passa algum tempo em redes sociais, provavelmente já deu de cara com memes pretendendo mostrar o quanto os Estados Unidos já são socialistas, listando toda uma série de programas governamentais, serviços e agências. Há muitas variações sobre esse tema, mas o meu favorito lista [1] não menos que 55 programas alegadamente socialistas que só têm em comum o fato de que é o Tio Sam quem os executa. Alguns atendem diretamente necessidades sociais e envolvem alguma medida de redistribuição de renda (bibliotecas públicas, programas de bemestar social, programas de reforço alimentar, previdência, vales-alimentação

[2]). Alguns parecem jogados no meio sem nenhuma boa razão (Alertas sobre desaparecidos? [3] A Casa Branca?). Outros são atividades operacionais básicas que qualquer governo moderno, independentemente de sua orientação ideológica, executaria (o Censo, os departamentos de bombeiros, remoção de lixo e neve, esgotos, iluminação pública). E outros ainda envolvem o vasto aparato de coerção e força (os departamentos de polícia, o FBI, a CIA, as Forças Armadas, as cortes de Justiça, prisões, etc.). Com todas as virtudes de Bernie Sanders, sua campanha para presidente tem apenas engrossado a névoa de confusão ideológica. Em uma parada de campanha no ano passado, ele endossou o pensamento por trás dos mais simplistas desses memes: “Quando você vai a uma biblioteca pública, quando você liga para os bombeiros ou o departamento de polícia, para o que você pensa que está ligando? Estas são instituições socialistas.” Por essa lógica qualquer tipo de projeto coletivo mantido por impostos e realizado através de ação governamental é Socialismo. Não é difícil ver o problema com essa linha de raciocínio. Em um país tão profundamente e reflexivamente antiestatista como os Estados Unidos, a identificação de ‘Socialismo’ com ‘governo’ é talvez a pior estratégia retórica que a Esquerda poderia adotar. “Gosta do DMV? [4] Então você vai amar o Socialismo!” não é um slogan que vai converter muita gente. Mais importante, misturar toda ação governamental com Socialismo nos força a defender muitas das formas de ação estatal mais censuráveis [5], incluindo aquelas que nós preferiríamos abolir em uma sociedade livre e justa. Uma coisa é identificar bibliotecas públicas com Socialismo. Elas operam de acordo com princípios democráticos de acesso e distribuição, fornecendo serviços para todos, independente da capacidade de cada um para pagar. Elas seriam uma das instituições mais importantes em qualquer sociedade socialista digna do nome. Mas incluir a polícia é uma coisa bem diferente. Se as forças responsáveis por matar Sandra Bland, Eric Garner, e Rekia Boyd exemplificam o Socialismo em ação, então nenhuma pessoa que deseja liberdade e justiça deveria ser socialista.

A ideia de que qualquer ação governamental é sinônimo de Socialismo tem implicações políticas e estratégicas enormes. Afinal de contas, se o nosso país já fosse pelo menos parcialmente socialista, então tudo o que nós teríamos de fazer seria continuar expandindo gradativamente o governo. Nós não precisaríamos mudar o propósito de nenhum programa existente, nem reformar as estruturas administrativas das agências governamentais. E por que todos esses programas alegadamente socialistas foram conquistados sem desafiar fundamentalmente a propriedade privada, não haveria necessidade de uma confrontação decisiva com os proprietários de Capital e seus aliados políticos. Tudo o que nós teríamos de fazer seria eleger políticos simpatizantes para cargos públicos e deixar que eles legislassem o nosso caminho para ainda mais Socialismo. Acadêmicos que vivem de estudar política muitas vezes caem nessa armadilha. Ao simplesmente olhar o tamanho do governo em termos de gastos gerais, muitos argumentam que os EUA estão se tornando cada vez mais socialistas, quer a gente queira ou não. Em sua visão as principais reformas sociais vão acontecer de qualquer maneira, com uma multidão passiva vindo apoiar esses programas de sucesso apenas depois que eles tenham sido legislados por políticos e implementados por burocratas. O investimento governamental em programas sociais e outras atividades pode muito bem aumentar nas próximas décadas por causa do envelhecimento da população, a crise climática, e outros desenvolvimentos. Mas o volume absoluto [6] de gastos nos diz muito pouco sobre a valência política da ação governamental. Questões chaves sobre aquela atividade estatal sempre precisam ser levantadas: ela reforça ou enfraquece o poder daqueles que possuem capital? Ela aumenta a nossa subordinação à Disciplina do Mercado [7] ou nos oferece mais liberdade de suas demandas?

Tem havido um certo número de iniciativas governamentais de largaescala desde os anos 80, mesmo durante períodos de dominância política dos Republicanos [8]. Mas muitos dos maiores programas das últimas décadas não fazem nada para fortalecer o poder dos trabalhadores. O “Earned Income Tax Credit” (EITC) tem trazido um alívio muito necessitado pelos trabalhadores pobres, mas também serve como um subsídio indireto para empregadores de baixo-salário. O “Medicare Part D” oferece subsídios para aposentados com baixa renda, mas é amplamente reconhecido como um presente custoso para a indústria farmacêutica. O Obamacare tem aumentado a cobertura por convênios de saúde, parcialmente através da (contestada [9]) expansão do Medicaid. Mas o mandato individual serve apenas para aprofundar a mercantilização [10], adicionando milhões de estadunidenses no sistema de saúde privado, movido pelo lucro. O plano de estímulo de 2009 provavelmente salvou o país de outra Grande Depressão, mas foi inadequado para a escala da crise e pesou na direção de cortes de impostos para negócios que simplesmente embolsaram o dinheiro ao invés de contratar novos trabalhadores. A lista segue em frente. Por que isso acontece? Primeiro, os ricos e poderosos investem pesado em atividades políticas para promover seus interesses e bloquear reformas progressistas. No final do ano passado, as contribuições de apenas 158 famílias [11] e das companhias que elas possuem (atordoantes 176 milhões de dólares) compunham cerca da metade de todo o financiamento da corrida presidencial de 2016. Através de seus gastos políticos e da influência que isso compra, eles têm sido capazes de moldar os impostos e outras políticas para seu próprio benefício, uma vantagem reforçada por decisões judiciais favoráveis (como por exemplo o caso Citizens United [12]) e atividades de lobby. De acordo com um famoso estudo de 2014 por dois cientistas políticos [13], a dominação política dos ricos é agora tão pronunciada que

os cidadãos médios exercem “cerca de zero” influência sobre a elaboração de políticas governamentais. As classes média e alta também mantém os postos mais importantes no governo, sejam eleitos ou indicados. Eles compartilham de um conjunto comum de ideias e valores que tendem a proteger o Status Quo e reprimir qualquer desafio maior ao sistema, particularmente aqueles vindos da classe trabalhadora e da Esquerda. Estas formas diretas de influência não são o único jeito pelo qual interesses poderosos moldam a ação governamental. Afinal de contas, governos dependem de um nível minimamente robusto de atividade econômica para financiar a si mesmos. A receita fiscal e o financiamento da dívida com que contam os governos estão diretamente relacionados com o estado da economia capitalista e suas taxas de crescimento e lucratividade. Se o nível da atividade econômica encolhe – talvez por que os capitalistas estão descontentes sobre uma nova legislação que beneficia os trabalhadores – o Estado se encontrará cada vez mais em dificuldade para financiar as suas atividades. Isso, por sua vez, leva a uma queda em sua legitimidade e em seus níveis de apoio popular. Como a atividade econômica é significantemente determinada pelas decisões de investimento de capitalistas privados, essas forças podem essencialmente vetar políticas governamentais que eles pensam ser contra seus interesses [14]. Frequentemente, se os capitalistas não são induzidos a fazer investimentos através de subsídios de negócios e outros incentivos, eles simplesmente se recusarão a investir. Consequentemente, existe uma forte tendência para os políticos e burocratas alinharem suas decisões políticas com os interesses dos capitalistas no setor privado. Preservar a “confiança dos negócios” é uma restrição fundamental na formação de políticas, e é uma das principais razões por que a ação governamental é tão frequentemente favorável aos interesses capitalistas. É assim também que eles conseguem misturar os

seus próprios interesses com um maior interesse “público” ou “nacional” – sob um sistema capitalista, existe alguma verdade em suas reivindicações. Na ausência de organização popular e militância, a ação governamental fará muito pouco para alterar o equilíbrio de poder para longe do Capital e na direção do Trabalho, ou para reduzir a submissão ao Mercado ao invés de aprofundá-la. Enquanto as estruturas fundamentais da Economia permanecerem as mesmas, a ação do Estado beneficiará desproporcionalmente os interesses capitalistas às custas de todo o resto da população. Isso não significa que reformas progressistas nunca podem ser conquistadas sob o Capitalismo, ou que o governo é completamente imune à pressão pública. Entretanto, tais reformas só têm sido conquistadas com o apoio de lutas de massa em ação direta contra os empregadores. Simplesmente eleger políticos para o gabinete ou assistir o governo se expandir por seu próprio ímpeto nunca foi e nunca será suficiente. Poder econômico é poder político, e sob o Capitalismo os proprietários de Capital sempre terão a capacidade de debilitar a democracia popular – não importa quem esteja no Congresso ou na Casa Branca. Conquistar o poder governamental e usá-lo para quebrar o domínio da classe capitalista é uma condição necessária para iniciar a transição para o Socialismo. Um governo conduzido por um partido socialista (ou uma coalizão de partidos de Esquerda e da Classe-Trabalhadora) se moveria para trazer as principais indústrias e empresas da economia sob alguma forma de controle social. Mas só isso não seria suficiente. As experiências amargas do século XX nos ensinaram que o Socialismo não vai promover a causa da liberdade humana se as estruturas políticas e administrativas do governo não forem democratizadas por completo. Aqui é onde a contínua mobilização popular fora (e, se necessário, contra) estruturas políticas formais se torna absolutamente crucial. Para

resistir à inevitável reação das forças capitalistas e conservadoras, uma transição socialista precisaria atrair apoio popular massivo e participação direta nos assuntos do governo. Isso ocasionaria não apenas a criação de corpos democráticos diretos que substituíssem ou complementassem instituições representativas como o Congresso, mas também um exame dramático das agências estatais e das estruturas administrativas. Tal expansão de poder popular seria necessária tanto para expulsar o pessoal comprometido com o velho regime como para transformar as burocracias frequentemente alienantes e repressivas que atualmente administram os serviços públicos.

Escolas públicas, departamentos de bem-estar social, agências de planejamento, cortes, e todas as outras agências governamentais convidariam os trabalhadores e beneficiários para participar no projeto e na implementação desses serviços. Sindicatos do setor público poderiam

exercer um papel chave nesse esforço, organizando tanto os fornecedores quanto os usuários de serviços públicos para transformar radicalmente as estruturas administrativas do governo. Apenas sob estas condições a atividade governamental seria sinônimo de Socialismo Democrático. Ao invés de colocar um conceito abstrato de “governo” contra as forças do Capital, nós deveríamos começar o árduo trabalho de conceber e construir novas instituições que possam fazer um governo do povo, pelo povo e para o povo uma realidade.

PELO MENOS O CAPITALISMO É LIVRE E DEMOCRÁTICO, NÉ? Pode parecer que é assim, mas Liberdade e Democracia genuínas não são compatíveis com o Capitalismo.

ABCs do Socialismo – Parte 2 por Erik Olin Wright, na Revista Jacobin, abril de 2016 Erik Olin Wright é professor de Sociologia na Universidade de WisconsinMadison. Seu último livro é ‘Alternatives to Capitalism: Proposals for a Democratic Economy’.

Nos Estados Unidos, muitos tomam como certo que Liberdade e Democracia estão inseparavelmente conectadas com Capitalismo. Milton Friedman, em seu livro “Capitalismo e Liberdade”, chegou a defender que o Capitalismo era uma condição necessária para ambos. É certamente verdade que a aparição [15] e a propagação do Capitalismo trouxe consigo uma tremenda expansão das liberdades individuais e, eventualmente, de lutas populares por formas mais democráticas de organização política. Sendo assim, a afirmação de que o Capitalismo obstrui fundamentalmente tanto a Liberdade quanto a Democracia vai soar estranha para muitos. Dizer que o Capitalismo restringe o florescimento desses valores não é argumentar que o Capitalismo tem corrido contra a Liberdade e a Democracia em todas as circunstâncias. Em vez disso, significa que através do funcionamento de seus processos mais básicos, o Capitalismo gera uma

deficiência severa de Liberdade e Democracia que ele nunca pode remediar. O Capitalismo promoveu o aparecimento de certas formas limitadas de Liberdade e Democracia, mas impôs um teto baixo impedindo novas realizações para elas. No centro destes valores está a autodeterminação: a crença de que as pessoas deveriam ser capazes de decidir as condições de suas próprias vidas o máximo possível. Quando uma ação de uma pessoa afeta apenas aquela pessoa, então ele ou ela deve ser capaz de se envolver nessa atividade sem pedir permissão de ninguém mais. Este é o contexto da Liberdade. Mas quando uma ação afeta as vidas de outros, então estas outras pessoas devem ter voz nessa atividade também. Este é o contexto da Democracia. Em ambos, a preocupação suprema é que as pessoas mantenham tanto controle quanto for possível sobre as formas que suas vidas vão tomar. Na prática, virtualmente cada escolha que uma pessoa faz vai ter algum efeito em outras. É impossível todo mundo contribuir com cada decisão que diz respeito a eles, e qualquer sistema social que insistisse numa participação democrática tão abrangente iria impor um fardo insuportável sobre as pessoas. O que nós precisamos, portanto, é de um conjunto de regras para distinguir entre as questões da Liberdade e aquelas da Democracia. Em nossa sociedade, tal distinção é normalmente feita com referência aos limites entre as esferas privada e pública. Não há nada natural ou espontâneo sobre essa linha entre o privado e o público; ela é forjada e mantida por processos sociais. As tarefas ocasionadas por esses processos são complexas e muitas vezes contraditórias. O Estado reforça vigorosamente alguns limites entre o público e o privado, e deixa outros para serem acolhidos ou dissolvidos como normas sociais. Muitas vezes o limite entre público e privado permanece vago. Em uma sociedade completamente democrática, o limite em si seria objeto de deliberação democrática.

O Capitalismo constrói a fronteira entre as esferas pública e privada de um jeito que restringe a realização da verdadeira liberdade individual e reduz o escopo de uma democracia significativa. Há cinco caminhos em que isso fica claro de imediato. 1. “TRABALHE OU MORRA DE FOME” NÃO É

LIBERDADE O Capitalismo se baseia na acumulação privada de riqueza e na busca de renda através do mercado. As desigualdades econômicas que resultam dessas atividades “privadas” são intrínsecas ao Capitalismo e criam desigualdades no que o filósofo Philippe van Parijs chama de “Liberdade Real.” Independentemente do que mais a gente queira dizer com “Liberdade”, ela precisa incluir a capacidade de dizer “não”. Uma pessoa rica pode decidir livremente por não trabalhar em troca de um salário; uma pessoa pobre sem meios de subsistência independentes não pode fazer o mesmo tão facilmente. Mas o valor da Liberdade vai além disso. É também a capacidade de agir positivamente nos planos de vida de alguém – escolher não só a resposta, mas a pergunta também. Os filhos de pais ricos podem entrar em estágios não-remunerados, apenas para progredir com suas carreiras [16]; os filhos de pais pobres não podem. O Capitalismo priva muita gente de Liberdade real nesse sentido. A miséria em meio a abundância existe por causa de uma equação direta entre recursos materiais e os recursos necessários para autodeterminação.

2. OS CAPITALISTAS DECIDEM A maneira em que a fronteira entre as esferas pública e privada é desenhada no Capitalismo exclui decisões cruciais, que afetam quantidades enorme de pessoas, do controle democrático. Talvez o direito mais fundamental que acompanha a propriedade privada de Capital seja o direito a decidir investir e desinvestir estritamente baseado em seu autointeresse. A decisão de uma corporação de mover sua produção de um local para outro é um assunto privado, apesar de ter um impacto radical nas vidas de todo mundo em ambos os lugares. Mesmo se alguém defender que essa concentração de poder em mãos privadas é necessária para a alocação eficiente de recursos, a exclusão desse tipo de decisão de controles democráticos dizima, sem nenhuma dúvida, a capacidade de autodeterminação de todos, exceto de proprietários de Capital. 3. DAS OITO ÀS CINCO É TIRANIA As empresas capitalistas tem a permissão para serem organizadas como ditaduras no ambiente de trabalho. Um componente essencial do poder de um proprietário de um negócio é o direito de dizer aos empregados o que fazer. Essa é a base do contrato de trabalho: quem procura o emprego concorda em seguir as ordens do empregador em troca de um salário. É claro, um empregador também é livre para garantir aos trabalhadores uma autonomia considerável, e em algumas situações esta é a forma de organizar o trabalho que maximiza os lucros. Mas tal autonomia é dada ou negada ao bel prazer do dono. Nenhum conceito robusto de autodeterminação permitiria que a autonomia dependesse das preferências de elites. Um defensor do Capitalismo poderia responder que um trabalhador que não gosta do comando do chefe pode sempre se demitir. Mas como por definição falta aos trabalhadores meios independentes de subsistência, se eles se demitirem terão de procurar por um novo emprego e, na medida que

os empregos disponíveis estão em firmas capitalistas, eles ainda serão objeto das ordens de um chefe. 4. OS GOVERNOS TÊM DE ESTAR À SERVIÇO DOS

INTERESSES DE CAPITALISTAS PRIVADOS O controle privado sobre as principais decisões de investimento cria uma pressão constante sobre as autoridades públicas para ordenar leis favoráveis aos interesses dos capitalistas. A ameaça do desinvestimento e da mobilidade do Capital está sempre no pano de fundo de discussões de políticas públicas, e assim os políticos, não importa a orientação ideológica, são forçados a se preocupar em sustentar um “bom clima para os negócios.” [17] Valores democráticos são vazios enquanto uma classe de cidadãos tem prioridade sobre todos os demais. 5. AS ELITES CONTROLAM O SISTEMA POLÍTICO Finalmente, as pessoas ricas têm um maior acesso do que os outros ao poder político. Esse é o caso em todas as democracias capitalistas, mesmo que a desigualdade de poder político baseada na riqueza seja muito maior em alguns países do que em outros. Os mecanismos específicos para esse acesso mais fácil são muito variados: contribuições para campanhas políticas; financiamento de esforços de lobby; contatos sociais na elite de vários tipos; subornos e outras formas de corrupção. Nos Estados Unidos não são apenas indivíduos ricos, mas também corporações capitalistas, que não encontram nenhuma restrição significativa em sua capacidade de usar recursos privados para propósitos políticos. Este

acesso diferencial ao poder político esvazia o princípio mais básico de Democracia.

Estas consequências são endêmicas ao Capitalismo como um sistema econômico. Isso não significa que elas não possam às vezes serem mitigadas em sociedades capitalistas. Em diferentes tempos e lugares, muitas políticas foram construídas para compensar pela deformação da Liberdade e da Democracia sob o Capitalismo. Restrições públicas podem ser impostas sobre o investimento privado de forma a enfraquecer o rígido limite entre público e privado; um forte setor público e formas ativas de investimento estatal podem diminuir a ameaça da mobilidade de Capital; restrições no uso de riqueza privada em eleições e o financiamento público de campanhas políticas podem reduzir o acesso privilegiado dos ricos ao poder político; leis trabalhistas podem fortalecer o poder político coletivo dos trabalhadores tanto na arena política quanto no espaço de trabalho; e uma ampla variedade de políticas de BemEstar Social podem aumentar a Liberdade verdadeira daqueles sem acesso a riqueza privada.

Quando as condições políticas são as certas, os aspectos antidemocráticos e de embaraço à Liberdade do Capitalismo podem ser aliviados, mas não podem ser eliminados. Domar o Capitalismo desta forma tem sido o objetivo central das políticas defendidas por socialistas dentro de economias capitalistas mundo à fora. Mas se a Liberdade e a Democracia devem ser realizadas por completo, o Capitalismo não deve ser meramente domado. Ele precisa ser superado.

O SOCIALISMO SOA BEM NA TEORIA, MAS A NATUREZA HUMANA NÃO O TORNA IMPOSSÍVEL DE SE REALIZAR? Nossa natureza compartilhada na verdade nos ajuda a construir e definir os valores de uma sociedade mais justa.

ABCs do Socialismo – Parte 3 por Adaner Usmani & Bhaskar Sunkara, na Revista Jacobin, abril de 2016 Adaner Usmani é estudante de graduação na Universidade de New York e no conselho da ‘New Politics’. Bhaskar Sunkara é editor e editor fundador da Jacobin.

“Bom na teoria, ruim na prática.” Quem declara interesse no Socialismo e na ideia de uma sociedade sem exploração e hierarquia recebe frequentemente essa resposta desdenhosa. Legal, o conceito soa bem, mas as pessoas não são muito gentis, certo? O Capitalismo não é mais adequado à natureza humana – uma natureza dominada por competitividade e corrupção? Socialistas não acreditam nesses lugares-comuns. Eles não veem a História como uma mera crônica de crueldade e egoísmo. Eles também veem incontáveis atos de empatia, reciprocidade e amor. As pessoas são complexas: elas fazem coisas indescritíveis, mas também se envolvem em atos notáveis de bondade e, mesmo em situações difíceis, mostram profunda consideração pelos outros. Isso não significa que nós somos “elásticos” – que não existe algo como uma “natureza humana.” Progressistas às vezes fazem essa afirmação,

muitas vezes discutindo com aqueles que veem pessoas como máquinas de “maximização de utilidade” [18] que andam e falam. Apesar da boa intenção, essa acusação vai longe demais. Por pelo menos duas razões, socialistas estão comprometidos com a visão de que todos os humanos compartilham alguns interesses importantes. A primeira é moral. As acusações dos socialistas sobre como as sociedades de hoje falham em prover necessidades básicas como comida e abrigo em um mundo de abundância, ou bloqueiam o desenvolvimento de pessoas presas em empregos ingratos, fatigantes e mal pagos, estão baseadas em uma crença central (declarada ou não) sobre os impulsos e interesses que animam as pessoas em todos os lugares. Nossa indignação com que se negue a indivíduos o direito de ter vidas livres e satisfatórias está ancorada na ideia de que as pessoas são inerentemente criativas e curiosas, e que o Capitalismo muito frequentemente asfixia estas qualidades. Para simplificar, nós lutamos por um mundo mais livre e mais satisfatório por que todo mundo, em todos os lugares, se preocupa com sua liberdade e satisfação. Mas esta não é a única razão por que socialistas se interessam pelas motivações universais da humanidade. Ter um conceito de “natureza humana” também nos ajuda a encontrar sentido no mundo que nos rodeia. E nos ajudando a interpretar o mundo, ele auxilia em nossos esforços para rralo também. Em um trecho famoso Marx diz que “a história de todas as sociedades até aqui tem sido a história da luta de classes.” [19] Resistência à exploração e opressão é uma constante através da História – é tão parte da natureza humana quanto competitividade, ou ganância. O mundo que nos cerca está cheio de exemplos de pessoas defendendo suas vidas e dignidade. E enquanto estruturas sociais podem moldar e restringir a ação individual, não existem estruturas que passem o rolo compressor sobre direitos e liberdades das pessoas sem despertar resistência.

É claro, a história de “todas as sociedades até aqui” é também uma coleção de relatos de passividade e mesmo aquiescência. A ação coletiva de massa contra a exploração e opressão é rara. Se humanos por todos os lados estão comprometidos com a defesa de seus interesses individuais, por que nós não resistimos mais? Bem, a visão de que todas as pessoas têm incentivos para exigir liberdade e satisfação não implica que elas sempre terão a capacidade para fazer isso. Mudar o mundo não é uma tarefa fácil. Sob condições normais, os riscos associados com agir coletivamente muitas vezes parecem esmagadores. Por exemplo, trabalhadores que escolhem se associar a um sindicato ou entrar em greve para melhorar suas condições de trabalho podem despertar perseguições por seus chefes ou mesmo perder seus empregos. A ação coletiva [20] requer que muitos indivíduos diferentes decidam assumir esses riscos juntos, então não é surpreendente que isso seja incomum e mesmo que dure pouco. Colocando de outra maneira, socialistas não acreditam que a ausência de movimentos de massa seja um sinal de que as pessoas em geral não tenham desejos inerentes de contra-atacar, ou pior, que elas nem mesmo reconhecem quais são seus interesses. Ao invés disso, protestos são incomuns porque as pessoas são espertas. Elas sabem que no atual momento político a mudança é uma esperança distante e arriscada, então elas desenvolvem outras estratégias para se virar.

Mas às vezes as pessoas se levantam e assumem riscos. Elas se organizam e constroem movimentos progressistas populares. A história está repleta de exemplos [21] de pessoas lutando contra a exploração, e uma de nossas principais tarefas como socialistas é apoiar esses movimentos, para ajudar a fazer da ação coletiva uma escolha viável para ainda mais pessoas. Nesse esforço – e na luta para definir os valores de uma sociedade mais justa – nós seremos auxiliados, não atrapalhados, pela nossa natureza compartilhada.

OS RICOS NÃO MERECEM FICAR COM A MAIOR PARTE DO SEU DINHEIRO? A riqueza é criada socialmente – a redistribuição apenas permite que mais pessoas aproveitem os frutos do seu trabalho.

ABCs do Socialismo – Parte 4 por Michael A. McCarthy, na Revista Jacobin, abril de 2016 Michael A. McCarthy é professor assistente de Sociologia na Universidade Marquette.

Magnatas da tecnologia, artistas e apresentadores adorados, e atletas brilhantes quase sempre surgem em discussões acaloradas sobre impostos. Você não gosta do seu iPod? E do Harry Potter? Economistas neoliberais defendem que figuras como Steve Jobs, J. K. Rowling, LeBron James deveriam ganhar mais dinheiro que o resto de nós. Afinal de contas, nós – os consumidores – somos quem compra seus produtos. Seu pagamento mais alto criaria o incentivo necessário para o trabalho duro e a inovação dos quais mesmo os mais preguiçosos entre nós se beneficiam. Apesar de bem intuitiva, essa visão não se sustenta. Defensores de baixos impostos sobre os ricos deliberadamente escolhem exemplos das áreas de tecnologia e entretenimento, sugerindo que as elites são grandes inovadores, realmente talhados de uma madeira diferente dos outros. Mas uma olhada de relance na lista dos maiores CEOs nos Estados Unidos nos conta uma história diferente. O executivo mais bem pago é David Zaslav, da Discovery Communications, que recebeu mais de 150 milhões de dólares

em 2014. Sua grande contribuição para a obra humana? Ajudar a veicular “Honey Boo Boo”. A maioria das pessoas entende isso e acredita que os ricos deveriam pagar mais impostos. De acordo com uma pesquisa da Gallup de 2015, 62% acreditam que as pessoas de renda mais alta são “muito pouco” taxados, enquanto apenas 25% acham que elas pagam a sua “justa parte”. 69% acreditam que as corporações não são taxadas o bastante, enquanto apenas 16% estavam satisfeitos com as taxas atuais. Mas a justificação socialista para os impostos se baseia em uma visão – não muito capturada em pesquisas de opinião – sobre como a riqueza capitalista é realmente criada. Para explorar essa visão, precisamos primeiro entender o que são os impostos e o que não-socialistas pensam sobre eles. A política fiscal faz duas coisas em uma sociedade capitalista. Primeiro, ela determina qual parcela do total do “bolo econômico” será gerenciada pelo público, na forma de receita governamental, e quanto sobrará para o uso de atores privados como indivíduos e corporações. Segundo ela estipula como aquela parcela pública é dividida entre as necessidades e desejos concorrentes de indivíduos, organizações e corporações. A primeira é sobre controle de recursos, enquanto a segunda é uma questão de alocação. Mesmo quando um governo toma uma alta receita, ele não a aplica necessariamente para fins progressistas. Apenas considere os enormes benefícios que fluem para as corporações através de subsídios ou Pesquisa e Desenvolvimento financiada pelo Estado [22], e fica fácil de ver como os governos podem redistribuir para cima, para baixo ou horizontalmente. Em uma economia capitalista, onde recursos produtivos permanecem como propriedade privada, socialistas demandam que uma porção significativa do produto social seja controlada publicamente e redistribuída para baixo democraticamente.

Entretanto, nos Estados Unidos hoje, a visão libertariana [23] de que “imposto é roubo” se infiltrou tão fundo nas concepções cotidianas de propriedade que mesmo aqueles que defendem impostos progressivos muitas vezes aceitam a premissa de que existem ganhos pré-impostos que as pessoas recebem e que deveriam possuir por completo. Mesmo o credo progressista [24] de que todos precisam “fazer sua parte justa” está baseada na ideia implícita de que os trabalhadores e o Capital pagam impostos, semelhantemente, por causa de uma obrigação cívica de abrir mão de uma parte do que é deles para a melhora da Sociedade. Pelos mesmos motivos, libertarianos defendem que se o ganho préimpostos é o produto direto do próprio esforço de uma pessoa ou corporação, ele deveria ser deles para que o usem como bem entenderem. Nessa visão, mesmo se o governo decidiu democraticamente cobrar dos ricos uma taxa mais alta, a cobrança de impostos permanece fundamentalmente injusta. Na formulação extrema do filósofo político libertariano Robert Nozick, “taxação de ganhos do trabalho é comparável a trabalho forçado.” Esse ponto de vista tem sido corretamente criticado por progressistas. Mas socialistas não deveriam cair de volta no critério comum progressista para a taxação: de que a capacidade de pagar de uma pessoa ou corporação deveria determinar a quantidade que eles deveriam pagar. Essa justificativa familiar circula mesmo entre esquerdistas, que ouvem nela um eco do ditado “de cada um segundo suas habilidades, a cada um segundo suas necessidades.” [25] Essa perspectiva sugere uma de duas coisas, ambas incorretas. Primeiro, que impostos são um tipo de “mal necessário” para aqueles que estão sendo taxados. Mesmo que os ganhos pré-impostos [26] de uma pessoa ou corporação sejam o resultado de seu próprio trabalho, seria mais prático para a Sociedade taxar parte desses ganhos para propósitos públicos do que rrad-los sob controle privado. Ou, alternativamente, que taxar mais os ricos seria só uma questão de sermos justos. Ambas visões nos deixam

presos de volta no matagal libertariano [27] – uma política fiscal dessas não invade os direitos do indivíduo? Então a justeza deveria atravessar os Direitos Individuais? E em última instância o argumento socialista para alta taxação progressiva não viola os direitos do indivíduo também? Por que os socialistas odeiam tanto a Liberdade? A visão socialista de redistribuição dentro de uma sociedade capitalista precisa rejeitar uma premissa importante presente em quase todos os debates sobre impostos: que a renda pré-impostos é algo recebido unicamente pelo esforço individual e possuído privadamente antes do Estado intervir e tomar parte dele. Uma vez que rompemos com essa fantasia libertariana, fica fácil de perceber que as rendas individuais e corporativas são possibilitadas apenas através de ação estatal financiada pelos impostos. A Economia capitalista não é autorregulável. A primeira pré-condição para que as empresas possam lucrar são Direitos de Propriedade garantidos pelo Estado, que dão a algumas pessoas a posse e o controle sobre recursos produtivos, enquanto exclui outras. A segunda, que os governos precisam gerenciar os mercados de trabalho para ajudar garantir que as necessidades das empresas sobre habilidades sejam supridas. Os Estados fazem isso estabelecendo políticas de imigração e educacionais. Todos os Estados Capitalistas também tentam mitigar os riscos do mercado de trabalho, seja o risco de escassez de trabalhadores para as empresas ou desemprego para os trabalhadores. Terceiro, a maioria dos capitalistas querem que os Estados façam cumprir leis antimonopólio, contratuais, criminais, de propriedade e de Direito Penal, pois isso torna as interações no mercado mais previsíveis e confiáveis. E finalmente, a Economia Capitalista precisa de uma infraestrutura funcionando. Mesmo a maioria dos libertarianos defendem que o controle estatal sobre o suprimento de dinheiro e as taxas de juros é necessário para estimular ou desacelerar o crescimento quando a Economia precisa. Tudo isso é feito com impostos. Resumindo, a própria noção de renda ou lucros pré-impostos é um truque de contabilidade. A renda de

uma pessoa ou os lucros de uma corporação são em parte o resultado do governo coletando impostos e criando ativamente as condições sob as quais eles foram capazes de ganhar dinheiro, em primeiro lugar. Nesta estrutura, “taxar os ricos” não é meramente um grito de rancor ou uma demanda pelo que é justo. O argumento socialista por taxação e redistribuição progressiva é construído a partir de três fatores básicos de como o Capitalismo funciona. Primeiro, como acabamos de explorar, renda pessoal e lucros corporativos não são simplesmente o resultado de trabalho individual e competição entre negócios – ao invés disso, eles são parte de um produto social mais abrangente. A renda total gerada em uma sociedade capitalista é o resultado de um esforço social coletivo, tornado possível por uma arquitetura social e legal específica, e canalizado através tanto de instituições de financiamento público e instituições de controle e financiamento privados. Segundo a desigualdade de classes que resulta da geração desse produto social é relativa. Capitalistas são capazes de acumular enormes quantias de riqueza apenas por que os trabalhadores não podem. Tudo sendo igual, as empresas podem subir seus lucros na proporção inversa aos custos de trabalho que elas pagam. A condição para essa relação é, novamente, política – e mantida através da receita dos impostos. As empresas confiam nos Estados para fazer cumprir os direitos de propriedade e os contratos que mantém a posse sobre os recursos produtivos da sociedade – seus “Meios de Produção” – nas mãos de bem poucos. Como um resultado, no Capitalismo, a maioria das pessoas trabalha para outras; elas não contratam outras para trabalhar para elas. E capitalistas empregam trabalhadores apenas quando acreditam que os esforços desses trabalhadores farão a empresa ganhar mais dinheiro do que eles receberão como salário – o contrário seria suicídio de mercado. É claro, trabalho duro, astúcia e sorte podem dar a alguns trabalhadores a possibilidade de se tornar capitalistas. Mas a estrutura básica do Capitalismo, em que um pequeno número de pessoas possui a

maior parte dos ativos produtivos, garante que a vasta maioria das pessoas (na melhor das hipóteses) gastará sua vida recebendo salários, mas nunca lucros. A taxação fornece um remédio parcial para a desigualdade estrutural e essencial da sociedade capitalista. Terceiro, a redistribuição através de taxação [28] é uma forma de estender a liberdade individual – não de reduzi-la, como afirmam os libertarianos. A Liberdade, de acordo com o teórico Isaiah Berlin, tem uma composição dupla. Por um lado, existe a Liberdade Negativa, a ausência de coerção ou o “livre de” que é a marca da maioria das concepções comuns de Liberdade nos Estados Unidos hoje. No que diz respeito à coerção, impostos financiam uma variedade de provisões públicas que oferecem aos cidadãos alguma medida de liberdade da tirania privada das empresas. Elas formam a base inteira do aparato estatal que, em uma sociedade capitalista, é a única força cujo poder excede o da classe capitalista como um todo. Sem leis proibindo a escravidão, escritas por legislaturas e aplicadas em cortes sustentadas pelos cofres públicos, pessoas seriam compelidas pela ameaça de violência ou da fome a trabalhar em troca de dinheiro nenhum. Sem regulações, como aquelas que demandam pelo menos uma segurança mínima no ambiente de trabalho ou aquelas que obrigam a administração a se envolver em negociações coletivas, os trabalhadores perderiam o pouco de voz que têm sobre como o seu trabalho está organizado. No contexto da política fiscal, porém, a Liberdade Positiva também importa. Liberdade Positiva é a “habilidade de” – a capacidade de fazer coisas, e a possibilidade de escolher objetivos e fazer o esforço para radicálos. Tal liberdade requer recursos. Em sociedades capitalistas com baixos níveis de redistribuição, a Liberdade Positiva é um jogo de soma-zero [29] em que alguns poucos desfrutam muitíssimo dessas habilidades às custas de muitos outros. Uma política fiscal que divide o produto social de uma maneira que permite que algumas pessoas vivam em opulência enquanto outras mal conseguem pagar as contas ou sobreviver, não pode se gabar por promover Liberdade. O sistema público de educação, por exemplo, que

oferece aos cidadãos a oportunidade de desenvolver conhecimento e habilidades na busca de suas ambições coletivas e individuais, é um alicerce de Liberdade Positiva que só pode ser sustentado por taxação. Em uma sociedade verdadeiramente socialista, a combinação de igualdades política e econômica ofereceria a todos um grau bem maior tanto de Liberdade Negativa quanto de Liberdade Positiva do que a que eles desfrutam sob o Capitalismo. Até que tornemos aquele mundo real, a redistribuição progressiva através de impostos é tanto uma maneira de compensar desigualdades estruturais, como a forma primária em que podemos expandir e estender a Liberdade para tantas pessoas quanto for possível.

Mas nós estamos seguindo na direção errada. Durante as últimas décadas, os ganhos financeiros de uma crescente produtividade do trabalho têm fluído primariamente para o topo, enquanto as taxas de impostos sobre

os altos escalões têm sido baixadas drasticamente e agora se aproximam de níveis anteriores ao New Deal. Mesmo um aumento modesto na carga total de impostos sobre o 1% mais rico para uma taxa de 45%, muito menor do que seus níveis no pós-guerra, geraria 275 bilhões de dólares adicionais de receita. Isso é muito mais do que os 47 bilhões necessários para fazer todas as Faculdades e Universidades Públicas gratuitas. Tais aumentos ainda seguem um longo caminho na direção da geração da receita necessária para financiar um sistema de saúde universal [30], aumentar os benefícios de segurança social, e reconstruir nossa infraestrutura em desintegração. A maioria concordaria que todos merecemos viver em uma sociedade onde recebemos o que merecemos, onde somos livres, e temos a possibilidade de sermos criativos e alcançarmos nosso potencial. Por menos glamuroso que isso possa parecer, a taxação redistributiva é um passo nessa direção. Os ricos não ‘mereceram’ a sua riqueza – eles estão apenas aproveitando dela por nós.

OS SOCIALISTAS VÃO LEVAR OS MEUS DISCOS DO CALYPSO? Socialistas querem um mundo sem Propriedade Privada, não sem Propriedade Pessoal. Você pode guardar seus discos.

ABCs do Socialismo – Parte 5 por Bhaskar Sunkara, na Revista Jacobin, abril de 2016 Bhaskar Sunkara é editor e editor fundador da Jacobin.

“Imagine”, o single icônico de John Lennon lançado em 1971, pede aos ouvintes que visualizem um mundo sem posses, sem ganância ou fome, em que os tesouros da Terra são compartilhados por toda a humanidade. Não é surpreendente que a canção tenha se tornado um hino para gerações de sonhadores, mas ela também captura algo sobre a visão socialista – o poderoso desejo de colocar um fim na miséria e na opressão, e ajudar cada pessoa a atingir o seu potencial mais completo. Mas o quadro pintado pela canção de Lennon pode ser um pouco preocupante para aqueles de nós que não querem um mundo sem posses pessoais – um tipo de comuna global onde nós somos forçados a vestir braceletes de cânhamo e compartilhar os nossos discos do Calypso. [31] Felizmente, os socialistas não estão interessados em coletivizar a sua música. Não por que a gente não ame Calypso. Nós simplesmente não queremos um mundo sem Propriedade Pessoal – as coisas feitas para

consumo individual. Ao invés disso, socialistas lutam por uma sociedade sem Propriedade Privada – as coisas que dão às pessoas que as possuem poder sobre aquelas que não possuem. O poder criado pela propriedade privada está expresso mais claramente no mercado de trabalho, onde proprietários de negócios decidem quem merece um emprego e quem não merece, e são capazes de impor condições de trabalho que, se fossem dadas alternativas justas, pessoas comuns iriam recusar. E apesar dos trabalhadores fazerem a maior parte do verdadeiro trabalho em um emprego, os proprietários tem a voz unilateral sobre como os lucros serão divididos e não compensam os trabalhadores por todo o valor que eles produzem. Socialistas chamam esse fenômeno de exploração. A exploração não é singular ao Capitalismo. Ela aparece em qualquer sociedade de classes, e simplesmente significa que algumas pessoas são compelidas a trabalhar sob a direção de, e para o benefício de outras. Comparado com sistemas de escravidão ou servidão, as dificuldades que muitos trabalhadores encaram hoje são menos imediatamente óbvias. Na maioria dos países eles têm proteções legais reais e podem cobrir necessidades básicas – um resultado de batalhas vencidas pelos movimentos de trabalhadores [32] para limitar o escopo e a intensidade de exploração. Mas a exploração sempre é apenas mitigada no Capitalismo, nunca eliminada. Considere este exemplo (admitidamente abstrato): Digamos que você está sendo pago 15 dólares por hora por um proprietário em uma firma estável e lucrável. Você tem trabalhado lá por cinco anos, e você dedica a ela cerca de 60 horas por semana. Não importa com que se parece seu trabalho – se é fácil ou fatigante, tedioso ou excitante – uma coisa é certa: seu trabalho está produzindo mais (provavelmente muito mais) que 15 dólares por hora para o seu chefe. Essa

diferença persistente entre o que você produz e o que você recebe de volta é exploração – uma fonte chave de lucros e riqueza no Capitalismo. E, é claro, com o seu salário você é forçado a comprar todas as coisas necessárias para uma boa vida – moradia, convênio de saúde, creche, educação superior – que são também mercadorias, produzidas por outros trabalhadores que também não são completamente remunerados por seus esforços. Mudar radicalmente as coisas significaria levar embora a fonte do poder dos capitalistas: a posse privada da propriedade. Em uma sociedade socialista – mesmo uma em que mercados fossem mantidos em esferas como a de bens de consumo [33] – você e seus companheiros trabalhadores não passariam o dia fazendo outras pessoas ricas. Você receberia muito mais do valor que você produzisse. Isso poderia se traduzir em mais conforto material, ou, alternativamente, na possibilidade de decidir trabalhar menos sem perder compensação, para que você pudesse fazer algum curso ou adotar um hobby. Isso pode parecer um sonho, mas é inteiramente plausível. Trabalhadores em todos os níveis de projeto, produção, e entrega sabem como fazer as coisas de que a sociedade precisa – eles as fazem todos os dias [34]. Eles podem fazer funcionar seus ambientes de trabalho coletivamente, cortando fora o intermediário que possui a propriedade privada. De fato, o controle democrático sobre nossos ambientes de trabalho e as outras instituições que dão forma às nossas comunidades é a chave para acabar com a exploração.

Essa é a visão socialista: abolir a propriedade privada das coisas de que todos nós precisamos e usamos – fábricas, bancos, escritórios, recursos naturais, utilitários, infraestrutura de comunicação e transporte – e substituílos por propriedade social, rebaixando assim o poder das elites de reservar para si riqueza e poder. E esse é também o apelo ético do Socialismo: um mundo onde as pessoas não tentem controlar as outras para ganhos pessoais, mas ao invés disso cooperem para que todo mundo possa florescer. Como propriedade pessoal, você pode manter seus discos do Calypso. De fato, em uma sociedade livre das destrutivas explosões econômicas endêmicas ao Capitalismo, com mais segurança de emprego [35], e necessidades removidas da esfera do mercado, sua coleção de discos estaria livre de perigo por que você não precisaria penhorá-la pra arranjar dinheiro para o aluguel. Esse é o Socialismo em poucas palavras: menos John Lennon, mais Calypso.

O SOCIALISMO NÃO TERMINA SEMPRE EM DITADURA? O Socialismo é muitas vezes misturado com autoritarismo. Mas historicamente, socialistas têm estado entre os defensores mais convictos da Democracia.

ABCs do Socialismo – Parte 6 por Joseph M. Schwartz, na Revista Jacobin, abril de 2016 Joseph M. Schwartz é o vice-presidente nacional dos ‘Democratic Socialists of America’ e professor de Ciência Política na Universidade Temple.

Uma geração de estadunidenses foi ensinada que a Guerra Fria foi disputada entre a “Liberdade” e a “Tirania”, com o resultado decisivamente vencido a favor do Capitalismo Democrático. O Socialismo, em todas as cores e formas, estava amarrado com os crimes da União Soviética e destinado à pilha de lixo das ideias ruins. Ainda assim, muitos socialistas foram oponentes consistentes do autoritarismo tanto nas variedades de Esquerda quanto de Direita. O próprio Marx entendia que apenas pelo poder de seus números democráticos os trabalhadores poderiam criar uma sociedade socialista. Para esse fim, O Manifesto Comunista termina com um chamado de clarim para os trabalhadores vencerem a batalha pela democracia contra as forças aristocráticas e reacionárias [36]. Legiões de socialistas seguiram esse caminho, defendendo ardentemente direitos políticos e civis, enquanto também lutavam para

democratizar o controle sobre a vida econômica e cultural através de direitos sociais expandidos e democracia no ambiente de trabalho. Apesar da afirmação comum de que “Capitalismo igual a Democracia”, os próprios capitalistas, na ausência de pressões de uma classe trabalhadora organizada, nunca apoiaram reformas democráticas. Enquanto o sufrágio universal para homens brancos chegou nos Estados Unidos no período Jacksoniano [37], socialistas europeus tiveram de lutar até o final do século 19 contra regimes capitalistas autoritários na Alemanha, França, Itália, e outros lugares para alcançar o voto para a classe trabalhadora e para os homens pobres. Os socialistas ganharam apoio popular como os mais consistentes apoiadores do sufrágio universal masculino – e eventualmente, feminino – assim como o direito legal de formar sindicatos e outras associações voluntárias. Socialistas e seus aliados no movimento trabalhista também entenderam faz tempo que pessoas em um estado horrível de necessidade não podem ser pessoas livres. Assim, a tradição socialista é popularmente identificada fora dos Estados Unidos com a conquista da provisão pública de educação, saúde, creches e aposentadorias; e dentro dos Estados Unidos por apoiar muitas destas lutas. Para muitos socialistas, o suporte às reformas democráticas era incondicional; mas eles também acreditavam que o poder de classe necessário para restringir o poder do Capital precisava ser aprofundado para que os trabalhadores pudessem controlar completamente seus destinos sociais e econômicos. Enquanto criticam o Capitalismo como antidemocrático, socialistas democráticos tem se oposto consistentemente a governos autoritários que se clamam socialistas. Revolucionários como Rosa Luxemburgo e Victor Serge criticaram o governo soviético desde o início por banir partidos de oposição, eliminar experimentos em democracia no ambiente de trabalho e falhar em abraçar o pluralismo político e as liberdades civis. Se o Estado possui os meios de produção, a questão permanece: quão democrático é o Estado? Como Luxemburgo escreveu em seu panfleto de 1918 [38] sobre a Revolução Russa:

“Sem eleições gerais, sem liberdade de imprensa, liberdade de expressão, liberdade de associação, sem a livre batalha de opiniões, a vida em cada instituição pública definha, se torna uma caricatura de si mesma, e a burocracia se eleva como o único fator decisivo.” Luxemburgo entendeu que a Comuna de Paris de 1871 [39], o breve experimento em democracia radical ao qual Marx e Engels se referiram como um verdadeiro governo da classe trabalhadora, tinha múltiplos partidos políticos em seu conselho municipal, sendo que apenas um estava filiado à Associação Internacional dos Trabalhadores, de Marx. Fiéis a estes valores, socialistas, dissidentes comunistas, e sindicalistas independentes lideraram as rebeliões democráticas contra a liderança comunista na Alemanha Oriental em 1953, Hungria em 1956, e Polônia em 1956, 1968 e 1980. Socialistas democráticos também lideraram o breve, mas extraordinário experimento do “Socialismo com uma face humana” sob o governo Dubček na Tchecoslováquia em 1968. Todas estas rebeliões foram esmagadas por tanques soviéticos. A queda da União Soviética, porém, dificilmente significou que a democracia foi conquistada. Socialistas rejeitam a afirmação de que a democracia capitalista é completamente democrática [40]. De fato, os ricos têm abandonado seu compromisso até mesmo com uma democracia básica quando se sentem ameaçados por movimentos de trabalhadores. A análise de Marx no 18 de Brumário [41] do apoio dos capitalistas franceses para o golpe de Luís Napoleão contra a Segunda República Francesa antecipa de forma arrepiante o apoio posterior ao Fascismo nos anos 30. Em ambos os casos, uma pequena-burguesia declinante, uma classe-média sitiada, e elites agrárias tradicionais ganharam o suporte dos capitalistas para frustrar a crescente militância da classe trabalhadora para derrubar governos democráticos.

Os regimes autoritários dos anos 70 e 80 na América Latina, da mesma forma, se basearam em apoio corporativo de natureza similar. Muito do prestígio da Esquerda europeia no pós-guerra e da Esquerda latinoamericana atual vem deles terem sido os mais consistentes oponentes do Fascismo. Os movimentos socialistas e anticoloniais do Século 20 entendiam que os objetivos democráticos revolucionários de Igualdade, Liberdade e Fraternidade nunca seriam realizados se um poder econômico desigual pudesse ser transformado em poder político e se os trabalhadores fossem dominados pelo Capital. Socialistas lutam por democracia econômica por causa da crença radicalmente democrática de que “o que afeta a todos deveria ser decidido por todos.” O argumento capitalista de que a escolha individual no mercado equivale a Liberdade mascara a realidade de que o Capitalismo é um sistema antidemocrático em que a maioria das pessoas gasta a maior parte da vida sendo “mandada” por alguém. Corporações são formas de ditaduras hierárquicas, já que aqueles que trabalham nelas não tem voz em como eles produzem, no que eles produzem, e em como os lucros que eles criam são utilizados. Democratas radicais acreditam que autoridade obrigatória (não apenas a lei, mas também o poder de determinar a divisão do trabalho na empresa) só é válida se cada membro da instituição afetado por suas práticas tem uma voz igual na tomada daquelas decisões. Democratizar uma economia complexa provavelmente tomaria uma variedade de formas institucionais, variando de propriedades dos trabalhadores e cooperativas, até propriedade estatal de instituições financeiras e monopólios naturais (tais como telecomunicações e energia) – assim como também regulações internacionais de padrões de trabalho e ambientais. A estrutura geral da Economia seria determinada através de políticas democráticas e não por burocratas estatais. Mas a questão permanece: como

se mover para além da oligarquia capitalista rumo a democracia socialista? Pelo final dos anos 70, muitos socialistas democráticos reconheciam que a lucratividade corporativa tinha sido espremida pelas restrições que os movimentos trabalhistas, feministas, ambientalistas e antirracistas dos anos 60 haviam imposto sobre o Capital. Eles entendiam que os capitalistas iriam retaliar através de mobilização política, terceirizações e “greves de capital” [42]. Assim, por toda a Europa, socialistas pressionaram por reformas que pretendiam conquistar um controle público maior sobre os investimentos. O movimento trabalhista sueco abraçou o “Plano Meidner” [43], um programa que taxaria os lucros corporativos por um período de 25 anos para criar a propriedade pública das principais empresas. Uma coalizão socialista/comunista que elegeu François Mitterrand [44] para a presidência da França em 1981 nacionalizou 30% da indústria francesa e melhorou radicalmente os direitos de negociação coletiva. Em resposta, os Capitais franceses e suecos investiram no estrangeiro ao invés de em seus países, criando uma recessão que interrompeu estes promissores movimentos na direção do Socialismo democrático. As políticas de Thatcher e Reagan, que inauguraram mais de trinta anos de dessindicalização e cortes para a rede de segurança, confirmaram a previsão da Esquerda de que ou os socialistas avançariam para além do Estado de Bem-Estar Social para o controle democrático sobre o Capital ou o poder capitalista erodiria os ganhos da Social-democracia do Pós-Guerra [45]. Hoje, socialistas por todo o mundo encaram o assustador desafio sobre como reconstruir o poder político da classe trabalhadora com força suficiente para derrotar o consenso tanto dos conservadores quanto dos Social-Democratas de “terceira-via” [46] em favor da austeridade ditada pelas corporações. Mas e os muitos governos no mundo em desenvolvimento que ainda chamam a si mesmos de socialistas, particularmente os Estados-de-umpartido-só? De muitas maneiras, Estados comunistas de um-partido-só tem mais em comum com os antigos Estados autoritários capitalistas “Desenvolvimentistas” – como a Prússia (hoje parte da Alemanha) e o

Japão no final do século 19, e a Coreia do Sul e Taiwan no pós-guerra – do que com a visão do Socialismo Democrático. Estes governos priorizaram a industrialização liderada pelo Estado acima dos direitos democráticos, particularmente aqueles de um movimento trabalhista independente. Nem Marx nem o Socialismo europeu clássico anteciparam que partidos socialistas revolucionários tomariam o poder mais facilmente em sociedades autocráticas, predominantemente agrárias. Em parte, estes partidos se baseavam em uma nascente classe trabalhadora radicalizada pela exploração nas mãos de Capital Estrangeiro. Mas na China e na Rússia, os comunistas também chegaram ao poder por que a aristocracia e os senhores da guerra falharam em defender seus povos contra invasão – os exércitos de camponeses derrotados queriam paz e terra. A tradição marxista não tinha muito a dizer sobre como sociedades predominantemente agrárias e póscoloniais poderiam se desenvolver de uma maneira igualitária e democrática. O que a História nos conta é que tentar forçar camponeses que acabaram de receber terras privadas por revolucionários comunistas, de volta para fazendas estatais coletivas resulta em guerras civis brutais que retrocedem os desenvolvimentos econômicos por décadas. Reformas econômicas contemporâneas na China, Vietnã e Cuba favorecem uma Economia de Mercado mista com um papel significante para o Capital estrangeiro e camponeses proprietários de terras. Mas elites de um-partido-só instituindo estes experimentos em pluralismo econômico tem quase sempre reprimido defensores de pluralismo político, liberdades civis e direitos trabalhistas. Apesar do assédio estatal contínuo, as crescentes lutas trabalhistas independentes em locais como China e Vietnã [47] podem reviver o papel da classe trabalhadora na promoção da democracia. É naqueles movimentos, não em governos autocráticos, que os socialistas colocam a sua solidariedade. É claro, existe também uma rica história de experimentos em Socialismo Democrático no mundo em desenvolvimento, variando do governo da Unidade Popular de Salvador Allende no Chile nos anos 70 até os primeiros anos do governo de Michael Manley na Jamaica na mesma

década. A “Onda Rosa” latino-americana na Bolívia, Venezuela, Equador e Brasil hoje representa diversos experimentos em desenvolvimento democrático – embora suas políticas de governo dependam mais da redistribuição de ganhos de exportação de produtos primários (também conhecidos como “commodities”) do que na reestruturação das relações de poder econômico. Mas o governo dos Estados Unidos e interesses capitalistas globais trabalham consistentemente para minar mesmo estes esforços modestos em democracia econômica. A CIA e a Inteligência Britânica derrubaram o governo democraticamente eleito de Mohammad Mosaddegh no Irã em 1954 quando ele nacionalizou a British Oil. O FMI e o Banco Mundial cortaram o crédito para o Chile e a CIA ajudou ativamente no brutal golpe militar de Augusto Pinochet naquele país. De forma parecida, os Estados Unidos conspiraram com o FMI para estrangular a economia jamaicana na Era Manley.

A hostilidade capitalista com governos mesmo moderadamente reformistas no mundo em desenvolvimento não conhece limites. Os EUA derrubaram violentamente o governo de Jacobo Árbenz na Guatemala em 1954 e a presidência de Juan Bosch na República Dominicana em 1965 por que eles favoreceram modestas reformas agrárias. Para estudantes de História, a questão deveria ser não se o Socialismo necessariamente leva a ditadura, mas se um movimento socialista revivido pode superar a natureza oligárquica e antidemocrática do Capitalismo. [48]

O SOCIALISMO NÃO É SÓ UM CONCEITO OCIDENTAL? O Socialismo não é eurocêntrico por que a lógica do Capital é universal – e a resistência a ela também.

ABCs do Socialismo – Parte 7 por Nivedita Majumdar, na Revista Jacobin, abril de 2016 Nivedita Majumdar é professora associada de Inglês na Faculdade John Jay. Ela é a secretária do ‘Professional Staff Congress’, do corpo docente e do sindicato da CUNY.

O Socialismo está no ar. Ele voltou para os Estados Unidos com a crise econômica de 2008, que tornou a natureza ativamente exploradora do Capitalismo clara para uma nova geração, e que desencadeou lutas para desafiar a austeridade e a atordoante desigualdade de rendas. Ativistas em uma série de movimentos ajudaram a criar o ambiente em que um candidato presidencial poderia falar sobre Socialismo em um palco nacional. Mesmo que ele não seja a mais radical das figuras, Bernie Sanders, que abertamente se identifica como um socialista, está atraindo dezenas de milhares para sua campanha, superando as expectativas de todo mundo. Não é surpresa, então, que a ideia de Socialismo também esteja encarando um contra-ataque pesado – e não apenas da Direita. Dentro da Esquerda mesmo, existe a suspeita de um ideal que muitos veem como

unicamente focado em questões econômicas e distante de outros sofrimentos cotidianos, especialmente aqueles das pessoas negras. A evocação específica da Social-democracia escandinava por Sanders tem suscitado críticas que endossam um tipo de “excepcionalismo nórdico” que é hostil com a diversidade. Tais ataques mesmo às versões mais dóceis de Socialismo são nutridos, especialmente em campi universitários, por suposições teóricas que veem o Marxismo e muitos de seus descendentes como irremediavelmente eurocêntricos [49]. A premissa subjacente nestas linhas de ataque relacionadas é que o Socialismo, uma ideologia supostamente ocidental (e branca), mesmo que capaz de lidar com injustiças econômicas, permanece incapaz de conversar com as experiências de opressão e discriminação vividas no Sul Global, e em grupos oprimidos em outros lugares. Existe alguma validade nessas críticas? O ideal socialista repousa sobre a crença de que os trabalhadores por todo o mundo sofrem nas mãos de capitalistas e que compartilham um interesse comum em resistir à exploração. Dizer que isso é uma ideia estritamente ocidental seria novidade para os mais de 1100 trabalhadores têxteis em Dhaka, no Bangladesh, que foram mortos em abril de 2013 quando a construção da fábrica Rana Plaza em que eles estavam trabalhando colapsou sobre eles [50]. O prédio havia sido declarado um risco de segurança, mas os empregadores forçaram que eles continuassem lá sob ameaça de demissão. Dois anos depois do colapso da fábrica, o Human Rights Watch (“Observatório de Direitos Humanos”) conduziu um estudo detalhado das práticas industriais em Bangladesh. Eles encontraram por toda a área industrial severas retaliações contra o trabalho organizado, que é a garantia efetiva contra condições de trabalho arriscadas e salários terríveis. Para parar atividades sindicais, proprietários de fábricas rotineiramente levaram em frente perversas campanhas de intimidação e retaliação contra os trabalhadores, a maioria deles mulheres. A tentativa de trabalhadores de iniciar organização leva não apenas à perda de seus empregos, mas muitas vezes a serem colocados em uma lista negra de todo o setor.

No outro lado do globo, em abril de 2015, o Walmart fechou 5 de suas lojas, demitindo 2200 trabalhadores com apenas algumas horas de aviso. Enquanto que a razão afirmada para os fechamentos fosse “reparos de encanamento,” foi uma ação de retaliação contra trabalhadores tentando se organizar por um salário mínimo e melhores condições de trabalho. Walmart, onde os trabalhadores recentemente entraram em greve de fome em protesto aos salários de pobreza, é o maior empregador de negros, hispânicos e mulheres dos Estados Unidos. É eurocêntrico afirmar que os trabalhadores de vestuário senegaleses têm tanto em jogo na luta por seus direitos econômicos – por uma vida decente e segurança de emprego – quanto os trabalhadores demitidos das lojas estadunidenses do Walmart? Certamente os administradores e proprietários de fábricas bengaleses não pensam assim. Eles não estão menos preocupados e nem menos hostis à ideia de trabalhadores se organizando do que estão os administradores do Walmart. Capitalistas por todo lado veem os trabalhadores como uma fonte de lucro. Em um sistema guiado apenas pela motivação do lucro, existe pouco incentivo para endereçar as necessidades dos trabalhadores além do que ditar o Mercado. E as leis do Mercado, não importa o que afirmem os economistas neoclássicos, não são justas ou imparciais. O poder econômico e político superior do Capital garante que as leis do Mercado estejam invariavelmente em seu favor. Em ambos os contextos, porém, uma análise socialista aponta para outra realidade em jogo. Contra todas as possibilidades, trabalhadores invariavelmente contra-atacam. Mas é sempre uma batalha agonizante, com o Capital usando cada arma em seu arsenal para esmagar a resistência dos trabalhadores. Os métodos cruéis dos chefes incluem intimidação física quando eles podem sair impunes, como em Bangladesh, e jogadas mais polidas, como fechar lojas inteiras, como nos Estados Unidos. Para o Trabalho, o resultado das batalhas é sempre arriscado e imprevisível por

que o Capital retalha contra a dissidência a cada passo. Mas o Capital não pode estar completamente à vontade, por que a exploração por todo lado faz nascer resistência. O Socialismo não é eurocêntrico por que a lógica do Capital é universal – e a resistência a ela também [51]. Especificidades culturais podem dar forma a alguns detalhes da operação do Capital diferentemente nos Estados Unidos e em Bangladesh, na França e na Nicarágua, mas elas não alteram sua priorização fundamental do Lucro sobre as Pessoas. É por isso que, por mais de 100 anos, muitos dos mais poderosos e extensos movimentos sociais no Sul Global tem sido inspirado nos ideais socialistas. Não importa as suas diferenças, líderes tão diversos como Mao TséTung na China, Kwame Nkrumah em Gana, Walter Rodney na Guyana, Chris Hani na África do Sul, Amílcar Cabral em Guiné-Bissau, M. N. Roy na Índia e Che Guevara pela América Latina viram o Socialismo como uma teoria e prática não menos relevante em sua experiência do que foi para os sindicalistas Europeus. E sim, estes revolucionários também encararam oponentes que repudiaram suas causas como uma teoria Ocidental, inapropriada para as realidades Orientais: os líderes da Direita religiosa, as classes de proprietários de terra, e outras elites econômicas. O crime do Capitalismo é que ele força a vasta maioria da população a permanecer preocupada com questões básicas de nutrição, moradia, saúde e aquisição de habilidades. Ele deixa pouco tempo para incentivar a comunidade e a criatividade que os humanos almejam. Na manhã fatídica do colapso de Rana Plaza, trabalhadores estavam relutantes de entrar no prédio. Grandes rachaduras haviam aparecido nas paredes da fábrica e inspetores tinham declarado o prédio uma ameaça. Mas a administração forçou os trabalhadores a começar a trabalhar. Uma mãe devastada depois lembrou que sua filha de 18 anos, que morreu no colapso, havia sido ameaçada com a perda do pagamento do mês inteiro se escolhesse não trabalhar aquele dia. Essa é uma forma específica de

desumanização, nascida da privação e da impotência e familiar para trabalhadores em todas as partes do mundo, que são forçados a escolher entre seu sustento e sua segurança. O Socialismo identifica a fonte de tal desumanização – a propriedade privada dos meios de produção e a exploração – e as rejeita.

O Capitalismo não apenas oprime os trabalhadores no chão de fábrica. Ele cria toda uma cultura em que a lógica da opressão e competição se tornam senso-comum. Ele coloca as pessoas contra as outras e contra sua própria humanidade. Como o personagem de Franz Kafka em A Metamorfose, Gregor Samsa, as pessoas são alienadas de sua própria natureza humana, isolados dos outros seres humanos, e torturados pela perda de tudo o que poderia ser possível. Não há nada eurocêntrico em rejeitar a lógica destrutiva do Capital e lutar por um mundo melhor para substituí-lo. É a escolha genuinamente

universal e humana.

E SOBRE O RACISMO? OS SOCIALISTAS NÃO SE IMPORTAM SÓ COM CLASSE? Na verdade, acreditamos que a luta contra o Racismo é central para desfazer o poder da classe dominante.

ABCs do Socialismo – Parte 8 por Keeanga-Yamahtta Taylor, na Revista Jacobin, abril de 2016 Keeanga-Yamahtta Taylor é professora assistente no ‘Center for African American Studies’ da Universidade de Princeton e autora de ‘From #BlackLivesMatter to Black Liberation’.

Por mais de um ano, o movimento “Black Lives Matter” (“Vidas Negras Importam”) tem tomado os Estados Unidos. O slogan central do movimento é um simples e declarativo reconhecimento de humanidade negra em uma sociedade assolada por desigualdades econômicas e sociais que são experimentadas desproporcionalmente por afro-estadunidenses. O movimento é relativamente novo, mas o racismo que o gerou não é. Por cada barômetro na sociedade estadunidense – saúde, educação, emprego, pobreza – afro-estadunidenses estão em situação pior. Representantes eleitos de todo o espectro político muitas vezes culpam essas disparidades na ausência de “responsabilidade pessoal” ou as veem como um fenômeno cultural [52] particular aos afro-estadunidenses. Na realidade, a desigualdade racial tem sido produzida amplamente por políticas de governo e instituições privadas que não apenas

empobrecem afro-estadunidenses, criminalizam.

mas

também

os

demonizam

e

Ainda assim, o racismo não é simplesmente um produto de políticas públicas errantes ou mesmo de atitudes individuais de pessoas brancas racistas – e entender as raízes do racismo na sociedade estadunidense é crítico para rradica-lo. Fazer políticas públicas melhores e banir comportamento discriminatório por indivíduos ou instituições não vai resolver. E enquanto existe uma necessidade séria por ação governamental para banir práticas que ameaçam grupos inteiros de pessoas, estas estratégias falham em compreender a escala e a profundidade da desigualdade racial nos Estados Unidos. Para entender por que os EUA parecem tão resistentes à igualdade racial, temos de olhar além de representantes eleitos ou mesmo daqueles que prosperam à partir de discriminação racial no setor privado. Temos de dar uma olhada na forma com que a sociedade estadunidense está organizada sob o Capitalismo.

DIVIDIR E GOVERNAR O Capitalismo é um sistema econômico baseado na exploração dos muitos pelos poucos. Por causa da brutal desigualdade que ele produz, o Capitalismo depende de várias ferramentas políticas, sociais e ideológicas para racionalizar aquela desigualdade enquanto simultaneamente divide a maioria, que teria todo o interesse em se unir para resistir a isso. Como o 1% mais rico mantém seu controle desproporcional da riqueza e dos recursos na sociedade estadunidense? Por um processo de ‘dividir para governar’. O racismo é apenas uma entre muitas opressões que pretendem servir a este propósito. Por exemplo, o racismo estadunidense se desenvolveu sob um regime de escravidão como uma justificação para a escravização de africanos em uma época em que o mundo estava celebrando os conceitos de isenção, liberdade e autodeterminação. A desumanização e sujeição das pessoas negras tinha de ser racionalizada neste momento de novas possibilidades políticas. Mas o objetivo central era preservar a instituição da escravidão e as enormes riquezas que ela produzia. Como Karl Marx reconheceu: “Escravidão direta é tanto um pivô da indústria burguesa quanto maquinário, créditos, etc. Sem escravidão você não tem algodão; sem algodão você não tem a indústria moderna. É a escravidão que deu às colônias seu valor; são as colônias que criaram o comércio mundial e é o comércio mundial que é

precondição para a indústria de larga-escala. Assim, Escravidão é uma categoria econômica da maior importância.” Marx também identificava a centralidade do trabalho escravo africano na gênese do Capitalismo quando ele escreveu que “a descoberta de ouro e prata na América, a extirpação, escravização e sepultamento em minas da população aborígene, o início da conquista e do saque das Índias Orientais, a transformação da África em um viveiro para caça comercial de peles negras, sinalizaram a rósea aurora da era de produção capitalista.” As necessidades de mão-de-obra pelo Capital apenas poderiam explicar como o racismo funcionava sob o Capitalismo. A desumanização literal [53] de africanos por causa do trabalho era usada para justificar seu tratamento cruel e seu status depreciado nos EUA. Sua desumanização não acabou simplesmente quando a escravidão foi abolida; ao invés disso, a marca de inferioridade estigmatizando a pele negra seguiu rumo a emancipação e estabeleceu as bases para a cidadania de segunda-classe que afro-estadunidenses experienciaram por quase cem anos após a escravidão. O rebaixamento de negros também tornou os afro-estadunidenses mais vulneráveis à coerção e manipulação econômica – não apenas “antinegrismo”. Coerção e manipulação estavam baseadas nas demandas econômicas em evolução do Capital, mas seu impacto agitava muito além do reino econômico. Pessoas negras estavam despojadas de seu direito ao voto, sujeitas a violência arbitrária, e travadas em trabalho servil e mal pago. Esta era a economia política do racismo estadunidense. Havia outra consequência do racismo e da estigmatização de negros. Afro-estadunidenses estavam tão completamente banidos da vida social, civil e política que era virtualmente impossível para a vasta maioria de

brancos pobres e da classe trabalhadora mesmo conceber se unir com negros e desafiar o poder e a autoridade da panelinha branca dominante. Marx reconheceu esta divisão básica dentro da classe trabalhadora quando observou que “nos Estados Unidos da América, cada movimento independente de trabalhadores estava paralisado enquanto a escravidão desfigurava uma parte da República. Os trabalhadores não podem emancipar a si mesmos na pele branca enquanto a negra é marcada.” Marx compreendeu a dinâmica moderna do racismo como um meio pelo qual trabalhadores que teriam interesses objetivos em comum podiam também se tornar inimigos mortais por causa de ideias nacionalistas e racistas subjetivas – mas mesmo assim, reais. Observando as tensões entre trabalhadores irlandeses e ingleses, Marx escreveu: “Cada centro comercial e industrial na Inglaterra possui uma classe trabalhadora dividida em dois campos hostis, proletários ingleses e proletários irlandeses. O trabalhador inglês comum odeia o irlandês como um competidor que baixa seu padrão de vida. Em relação ao trabalhador irlandês ele sente a si mesmo como um membro de uma nação dominante e então transforma a si mesmo em uma ferramenta de aristocratas e capitalistas de seu país contra a Irlanda… Este antagonismo é mantido vivo artificialmente e intensificado pela imprensa, o púlpito, os jornais de piada, em resumo, por todos os meios à disposição das classes dominantes. Este antagonismo é o segredo da impotência da classetrabalhadora inglesa, apesar de sua organização. É o segredo pelo qual o capitalista mantém seu poder. E aquela classe está totalmente ciente disso.” Para socialistas nos EUA, reconhecer a centralidade do racismo em dividir a classe que tem o poder real para desfazer o Capitalismo tem

tipicamente significado que socialistas têm estado pesadamente envolvidos em campanhas e movimentos sociais para acabar com o racismo. Mas dentro da tradição socialista, muitos têm também argumentado que como os afro-estadunidenses e a maioria de outros não-brancos são desproporcionalmente pobres e de classe-trabalhadora, campanhas que miram terminar com a desigualdade econômica iriam, sozinhas, encerrar a sua opressão. Esta posição ignora como o racismo constitui sua própria base para a opressão de pessoas não-brancas. Negros comuns e outras minorias nãobrancas são oprimidos não apenas por causa de sua pobreza, mas também por causa de suas identidades raciais ou étnicas. Também não há correlação direta entre expansão econômica ou condições econômicas melhoradas e uma queda na desigualdade racial. Na realidade, a discriminação racial muitas vezes previne afro-estadunidenses e outros de acessar completamente os frutos da expansão econômica. Afinal de contas, a insurgência negra dos anos 60 coincidiu com a economia robusta e pujante dos anos 60 – os negros estavam se rebelando porque estavam trancados fora da abundância estadunidense. Olhar para o racismo como apenas um resultado secundário da desigualdade econômica ignora as formas com que o racismo existe como uma força independente que causa estragos nas vidas de todos os afro-estadunidenses. A luta contra o racismo [54] regularmente intercepta lutas por igualdade econômica, mas o racismo não se expressa apenas sobre questões econômicas. Lutas antirracistas também tomam lugar em resposta às crises sociais que comunidades negras experienciam, incluindo lutas contra a perseguição e discriminação [55]; brutalidade policial; desigualdade educacional, de saúde e de moradia; encarceramento em massa e outros aspectos do sistema de “justiça criminal”.

Estas lutas contra a desigualdade racial são críticas, tanto para melhorar as vidas de afro-estadunidenses e outras minorias raciais e étnicas no aqui-e-agora, e para demonstrar para pessoas brancas comuns o impacto destrutivo do racismo nas vidas de pessoas não-brancas. Conquistar brancos comuns para um programa antirracista é um componente chave para construir um movimento de massa genuíno e unificado capaz de desafiar o Capital. Unidade não pode ser atingida sugerindo que pessoas negras deveriam minimizar o papel do racismo em nossa sociedade para não alienar brancos – enquanto se focando apenas na luta “mais importante” contra a desigualdade econômica. É por isso que agrupamentos multirraciais de socialistas têm sempre participado nas lutas contra o Racismo. Isso foi particularmente verdade ao longo do século XX, enquanto afro-estadunidenses se tornaram uma população mais urbana em constante conflito e competição com nativos e brancos imigrantes por empregos, moradia e escolas. Conflitos violentos entre negros e brancos de classe-trabalhadora sublinham o quanto a divisão racial destruiu os laços de solidariedade necessários para coletivamente desafiar patrões, senhores de terra e representantes eleitos. Os Socialistas desempenharam papéis chave nas campanhas contra o linchamento e o racismo no sistema judiciário e criminal, como na campanha dos “Garotos de Scottsboro” nos anos 30, quando nove jovens afro-estadunidenses foram acusados de estuprar duas mulheres brancas em Scottsboro, Alabama. A progressista “Associação Nacional Para o Avanço das Pessoas ‘De Cor’” (NAACP [56]) estava relutante em assumir o caso, mas os julgamentos de Scottsboro se tornaram uma prioridade para o Partido Comunista e sua afiliada Liga de Defesa Internacional. Uma parte da campanha envolveu correr o país com as mães dos garotos e depois o mundo para chamar atenção e despertar apoio para seu caso. Ada Wright – mãe de dois dos garotos – viajou 16 países em 6 meses em 1932 para contar a história de seus filhos. Como ela estava viajando

com conhecidos comunistas, ela foi frequentemente impedida de falar. Na Tchecoslováquia ela foi acusada de ser uma comunista e presa por 3 dias, antes de ser expulsa do país. Socialistas estiveram envolvidos nos impulsos de sindicalização entre afro-estadunidenses e foram centrais para as campanhas de direitos civis no Norte, Sul e no Oeste para afro-estadunidenses e outras minorias oprimidas. Este engajamento explica por que muitos afro-estadunidenses gravitaram em torno de políticas socialistas [57] ao longo de suas vidas – socialistas têm sempre articulado umas visões de sociedade que poderiam garantir liberdade negra genuína. No final dos anos 60, mesmo figuras como Martin Luther King Jr [58] estavam descrevendo um tipo de visão socialista de futuro. Em uma apresentação de 1966 para um encontro de sua organização “Conferência de Liderança Cristã do Sul” [59], King comentou: “Nós precisamos encarar honestamente o fato de que o movimento precisa lidar com a questão da reestruturação completa da sociedade estadunidense. Existem 40 milhões de pessoas pobres aqui. E um dia nós devemos fazer a pergunta, ‘Por que existem 40 milhões de pessoas pobres nos Estados Unidos da América?’ E quando você começa a fazer essa pergunta, você está levantando questões sobre o sistema econômico, sobre uma distribuição mais ampla de riqueza. Quando você faz essa pergunta, você começa a questionar a Economia Capitalista….” ‘A quem pertence o petróleo?’ Você começa a perguntar, ‘A quem pertence o minério de ferro?’ Você começa a perguntar, ‘Por que as pessoas precisam pagar contas de água em um mundo que é dois terços água?’ Estas são questões que precisam ser feitas.”

Enquanto os movimentos continuaram a se radicalizar, grupos como os Panteras Negras e a Liga de Trabalhadores Negros Revolucionários seguiram na tradição de Malcom X quando vincularam a opressão negra diretamente ao Capitalismo. Os Panteras e a Liga foram mais longe do que Malcom ao tentar construir organizações socialistas para o propósito específico de organizar negros da classe trabalhadora para lutar por um futuro socialista. Hoje o desafio para socialistas não é diferente: estar centralmente envolvidos nas lutas contra o racismo enquanto também lutando por um mundo baseado em necessidades humanas, não em lucro.

O SOCIALISMO E O FEMINISMO NÃO ENTRAM ÀS VEZES EM CONFLITO? Em última análise, os objetivos do Feminismo radical e do Socialismo são os mesmos – Justiça e Igualdade para todas as pessoas.

ABCs do Socialismo – Parte 9 por Nicole Aschoff, na Revista Jacobin, abril de 2016 Nicole Aschoff é a editora-chefe da Jacobin e autora de ‘The New Prophets of Capital’.

Socialismo e feminismo têm uma relação longa, e por vezes pesada. Socialistas são muitas vezes acusados de enfatizarem demais a questão de classe – de colocar a divisão estrutural entre aqueles que precisam trabalhar em troca de um salário para sobreviver e aqueles que possuem os meios de produção no centro de cada análise. Até pior, eles ignoram ou inferiorizam o quão centrais outros fatores – como sexismo, racismo ou homofobia – são na formação de hierarquias de poder. Ou eles admitem a importância destas normas e práticas negativas, mas defendem que elas somente poderão ser extirpadas depois que a gente se livrar do Capitalismo. Ao mesmo tempo, socialistas acusam feministas hegemônicas de se focar demais em direitos individuais ao invés da luta coletiva, e ignorar as divisões estruturais entre as mulheres. Eles acusam as feministas hegemônicas de se alinharem com projetos políticos burgueses [60] que diminuem a capacidade de ação de mulheres trabalhadoras, ou de pressionar

por demandas de classe média que ignoram as necessidades e desejos de mulheres pobres, tanto no Norte Global quanto no Sul. Estes debates são antigos e datam da metade do século XIX e da Primeira Internacional, e giram em torno de questões políticas profundas sobre poder e as contradições da sociedade capitalista. Turvando ainda mais as águas está a forma com que as políticas do feminismo são complicadas pela natureza histórica do Capitalismo – a forma como o sexismo está integrado tanto no processo de lucro quanto no de reprodução do sistema capitalista como um todo é dinâmico. Este dinamismo é muito aparente hoje, quando uma mulher candidata à presidência, Hillary Clinton, é a principal escolha entre os milionários estadunidenses. Mas a divisão entre Socialismo e Feminismo é, em definitivo, desnecessária.

POR QUE SOCIALISTAS DEVERIAM SER FEMINISTAS A opressão às mulheres, tanto na sociedade dos EUA quanto globalmente, é multidimensional – divisões de gênero nas esferas política, econômica e social sublinham porque, para nos libertar das tiranias do Capital, os socialistas precisam ser também feministas. A possibilidade de uma mulher finalmente se tornar presidenta dos EUA joga luz sobre a rígida falta de lideranças femininas, tanto nos EUA quanto ao redor do mundo. Apesar de mulheres poderosas como Angela Merkel, Christine LeGarde, Janet Yellen e Dilma Rousseff, o equilíbrio de gênero nos mundos político e corporativo permanece altamente enviesado. Apenas 4% dos CEOs nas empresas da Fortune 500 são mulheres e a maioria das mesas diretoras de corporações têm poucos membros femininos, quando têm algum.

Globalmente, 90% dos Chefes de Estado são homens, e no Fórum Econômico Mundial de 2015 apenas 17% dos 2500 representantes eram mulheres, enquanto 2013 marcou a primeira vez que as mulheres conquistaram 20 cadeiras no Senado dos EUA. Diferente de muitos países, as mulheres nos Estados Unidos possuem, a grosso modo, direitos igualitários e proteção legal, além de tanto acesso à educação, nutrição e cuidados de saúde quanto os homens. Mas as divisões de gênero são aparentes através da sociedade. As mulheres se saem melhor que os homens na educação superior, mas elas não atingem níveis comparáveis de sucesso ou riqueza e permanecem estereotipadas e sub-representadas na mídia popular. Ataques aos direitos reprodutivos femininos [61] continuam sem diminuir e, depois de uma longa e contínua queda nos anos 90, as taxas de violência contra as mulheres não se movem desde 2005. Ao mesmo tempo, decisões sobre como balancear a vida doméstica e de trabalho, diante de custos sempre crescentes de moradia e cuidado infantil, são tão difíceis quanto sempre foram. Nos 50 anos desde a passagem do Ato de Pagamento Igualitário de 1963 as mulheres penetraram na força de trabalho em massa; hoje 60% das mulheres trabalham fora de casa. Mães solteiras e casadas têm mais chance de trabalhar, incluindo 57% de mães de crianças de menos de 1 ano. Mas mulheres que trabalham em jornada completa ainda ganham apenas 81% do que os homens ganham – um número inflado pelo declínio mais rápido nos salários de homens nos últimos anos (com exceção dos que possuem diploma superior) nos anos recentes. Diferenças de pagamento são comparáveis às divisões de gênero no trabalho. Os setores de varejo, serviços e alimentação – o centro do crescimento de novos empregos – são dominados por mulheres, e a

feminização do trabalho de “assistência” é ainda mais pronunciado. Apesar de ganhos recentes, como a extensão do Ato de Padrões Justos de Trabalho aos trabalhadores domésticos, trabalho de assistência [62] ainda é visto como trabalho de mulher e subvalorizado. Números desproporcionais de empregos de cuidados são contingentes, pagam pouco e onde humilhações, assédio, agressões sexuais e roubo de salário são comuns. Em adição a estas diferenças claras entre as experiências de homens e mulheres nos EUA, existem efeitos mais perversos e de longo alcance do sexismo. Feministas como bell hooks argumentam que o sexismo e o racismo impregnam todos os cantos da sociedade e que narrativas dominantes de poder glorificam visões de vida brancas e heteronormativas. Desde o nascimento, meninos e meninas são tratados diferentemente e estereótipos de gênero são introduzidos em casa, na escola, e na vida cotidiana e perpetuados através das vidas das mulheres, dando forma às suas identidades e escolhas de vida. O sexismo também exerce um papel menos óbvio, mas crítico, na criação de lucros. Desde o começo, o Capitalismo tem dependido de trabalho não-pago fora do mercado de trabalho (principalmente no lar) que provê ingredientes essenciais para a acumulação de capital: trabalhadores – que precisam ser criados, vestidos, alimentados, socializados e amados. Este trabalho não-pago é altamente marcado pelo gênero. Enquanto mais homens tomam parte nas tarefas domésticas e na educação infantil do que no passado, a reprodução social ainda recai primariamente sobre as mulheres, de quem se espera que carreguem nos ombros o fardo mais pesado no trabalho doméstico. A maioria das mulheres também faz trabalho pago fora de casa, tornando o seu trabalho em casa um “segundo turno.” Desta forma, mulheres são duplamente oprimidas – exploradas no espaço de trabalho e não-reconhecidas como trabalhadoras na reprodução social da força de trabalho.

POR QUE FEMINISTAS DEVERIAM SER SOCIALISTAS Estas divisões de gênero que atravessam as classes e persistem – nas esferas política, econômica e social – dão combustível ao ponto de vista feminista dominante de que o sexismo é uma coisa separada do Capitalismo, algo com que precisamos lidar separadamente. Através de numerosas ondas de luta feminista, ativistas tem perseguido uma variedade de estratégias no combate ao sexismo e a divisões de gênero. Hoje, feministas hegemônicas gravitam rumo a um foco em colocar a mulher no poder – tanto na esfera política quanto econômica – como um caminho para resolver a série de problemas que as mulheres encaram, tais como desigualdade salarial, violência, equilíbrio entre vida e trabalho e socialização sexista. Eminentes porta-vozes femininas [63] como Sheryl Sandberg, Hillary Clinton, Anne-Marie Slaughter e muitas outras defendem esta estratégia feminista de “tomada de poder.” Sandberg – uma das mais influentes defensoras desta estratégia – argumenta que as mulheres precisam parar de ter medo e começar a “desbaratar o status quo.” Se elas fizerem isso, ela acredita que esta geração pode diminuir a lacuna de lideranças e, ao fazer isso, tornar o mundo um lugar melhor para todas as mulheres. O impulso do argumento de tomada de poder é que se as mulheres estivessem no poder elas, diferente dos homens, iriam dar conta de implementar políticas que beneficiariam mulheres e aquela divisão de gênero que atravessa classes nas esferas econômica, política e cultural somente será eliminada se as mulheres mantiverem um número de posições de liderança igual ao dos homens. A ênfase em avanços individuais como o caminho para atingir os objetivos do Feminismo não é nova, e tem sido criticada por numerosas

feministas, incluindo Charlotte Bunch e Susan Faludi, que questionam a noção de solidariedade entre irmãs como um remédio para divisões de gênero muito enraizadas. Como Faludi diz, “Você não pode mudar o mundo para as mulheres apenas inserindo rostos femininos no topo de um sistema intacto de poder social e econômico.” Feministas-socialistas como Johanna Brenner também apontam para como o feminismo hegemônico encobre tensões profundas entre mulheres: “Nós podemos generosamente caracterizar como ambivalentes as relações entre mulheres da classe trabalhadora/pobres e as mulheres profissionais de classe média cujos trabalhos são erguer e regular aqueles que vêm a serem definidos como problemáticos – os pobres, os não-saudáveis, os que não se encaixam culturalmente, os sexualmente não-conformistas, os pouco-educados. Estas tensões de classe vazam nas políticas feministas, enquanto feministas de classe-média afirmam representar as mulheres trabalhadoras.” Então, enquanto é certamente necessário reconhecer o quão dividida por gênero a sociedade contemporânea permanece, também é necessário manter os olhos abertos sobre como superar essas divisões e, igualmente importante, reconhecer as limitações de um Feminismo que não desafia o Capitalismo. O Capital se alimenta sobre normas existentes de sexismo, compondo a natureza exploradora do trabalho assalariado. Quando as ambições e desejos das mulheres são silenciados ou subvalorizados, é mais fácil de tomar vantagem delas. O sexismo é parte da caixa de ferramentas da companhia, permitindo às empresas pagar menos para as mulheres – particularmente negras – e discriminá-las de outras maneiras. Mas mesmo se nós extirparmos o sexismo, as contradições inerentes ao Capitalismo vão persistir. É importante e necessário que as mulheres

assumam posições de poder, mas apenas isso não vai mudar a divisão fundamental entre trabalhadores e proprietários – entre mulheres no topo e mulheres na base. Não vai mudar o fato de que a maioria das mulheres se encontra em empregos precários, de baixo salário, que representam uma barreira bem maior ao avanço e a uma vida confortável que o sexismo na esfera econômica ou política. Não vai mudar o poder da busca pelo lucro e a compulsão das companhias por dar aos trabalhadoras e trabalhadores tão pouco quanto às normas econômicas, sociais e culturais permitirem. É claro, a sociedade não é redutível a relações salariais e as divisões de gênero são reais e persistentes. Levar a questão de classe a sério significa ancorar a opressão feminina dentro das condições materiais em que elas vivem e trabalham, enquanto reconhecendo o papel do sexismo na formação das vidas das mulheres tanto no trabalho quanto em casa. O movimento feminista – tanto sua encarnação de “Bem-Estar Social” quanto a radical contemporânea – tem tido ganhos significativos. O desafio agora é duplo: defender essas duras vitórias e tornar possível a todas as mulheres realmente aproveitá-las; e pressionar adiante por demandas novas e concretas que lidem com as relações complexas entre o sexismo e a busca por lucro. Não há resposta simples sobre como atingir estes objetivos gêmeos. No passado, mulheres tiveram os maiores ganhos ao lutar tanto por direitos das mulheres quanto direitos dos trabalhadores simultaneamente – ligando a luta contra o sexismo à luta contra o Capital. Como Eileen Boris e Anelise Orleck argumentam, durante os anos 70 e 80 “feministas sindicalistas ajudaram a revitalizar o movimento das mulheres que deflagrou novas demandas de direitos femininos em casa, no trabalho e dentro de sindicatos.” Aeromoças, trabalhadoras do setor têxtil, da igreja e domésticas desafiaram os movimentos sindicais dominados por homens (uma mulher não sentou na mesa executiva da AFL-CIO até os anos 80) e no processo forjaram um novo Feminismo, mais expansivo.

Mulheres sindicalistas criaram um novo campo de possibilidades ao demandar não apenas salários mais altos e oportunidades iguais, mas também creches, escalas de trabalho flexíveis, licença-maternidade, e outros ganhos normalmente negligenciados e subvalorizados por seus irmãos sindicalistas. Esta é a direção em que tanto socialistas e Feministas deveriam estar se orientando – rumo a lutas e demandas que desafiem tanto as tendências do Capital quanto às normas arraigadas do sexismo que estão enraizadas tão fundo sob o Capitalismo. Lutas e demandas que atingem isso são concretas e estão atualmente sendo travadas. Por exemplo, a luta por um sistema público e gratuito de saúde [64] – que proveria cuidados de Saúde como um Direito para toda pessoa, do berço ao túmulo, independentemente de sua capacidade de pagar – é uma demanda que mina ambos o sexismo e o poder do Capital de controlar e reprimir a ação trabalhadora. Há muitas outras demandas concretas de curto-prazo que misturam os objetivos do Feminismo e do Socialismo também, incluindo Educação Superior gratuita [65], creches gratuitas, e uma Renda Básica Universal combinados com uma rede robusta de segurança social. Estas reformas estabeleceriam as bases para objetivos mais radicais que iriam longe na extirpação do sexismo, da exploração e da mercantilização da vida social. Por exemplo, projetos para aumentar o controle coletivo e democrático sobre instituições centrais para nossas vidas em casa, na escola ou no trabalho – escolas, bancos, espaços de trabalho, prefeituras, agências estatais e locais – dariam a todas as mulheres e homens mais poder, autonomia e a possibilidade de uma vida melhor.

Esta estratégia anticapitalista é uma que contém a possibilidade de mudanças radicais de que as mulheres precisam. Em última análise, os objetivos do Feminismo radical e do Socialismo são os mesmos – justiça e igualdade para todas as pessoas, não simplesmente oportunidades iguais para as mulheres ou participação igual por mulheres em um sistema injusto.

UM MUNDO SOCIALISTA NÃO SIGNIFICARIA SÓ UMA CRISE AMBIENTAL MAIOR AINDA? Sob o Socialismo, nós tomaríamos decisões sobre o uso de recursos democraticamente, levando em consideração necessidades e valores humanos, ao invés da maximização dos lucros.

ABCs do Socialismo – Parte 10 por Alyssa Battistoni, na Revista Jacobin, abril de 2016 Alyssa Battistoni é editora da Jacobin e estudante de PhD em Ciência Política na Universidade de Yale.

O Capitalismo está espalhando destruição sobre o mundo em que vivemos. A mudança climática ameaça alterar nosso planeta para além do reconhecível, inundando cidades e vilas costeiras, intensificando secas e ondas de calor e fortalecendo climas extremos. Os efeitos mais nocivos, é claro, estão caindo sobre as pessoas pobres do mundo. A sobrepesca tem empurrado pescadores para o ponto de colapso; suprimentos de água doce são escassos em regiões que abrigam metade da população mundial; fazendas de cultivo industrial com uso intensivo de fertilizantes tem exaurido de nutrientes as terras agrícolas; florestas tem sido demolidas em níveis atordoantes para abrir caminho para agricultura comercial e ranchos de gado; as taxas de extinção se comparam com aquelas de apocalipses pré-históricos induzidos por meteoros. Estes não são problemas que podem ser resolvidos como se trocássemos uma lâmpada. A atividade humana tem transformado [66] o

planeta inteiro de formas que estão agora ameaçando o jeito em que o habitamos – alguns de nós muito, muito mais do que outros. Mas se você apontar que não é a “Humanidade” em abstrato, mas o Capitalismo que deveríamos responsabilizar, ouvirá uma réplica familiar: “O Socialismo é mau para o meio-ambiente também!” A produção na União Soviética também se baseava em combustíveis fósseis, degradou terras agrícolas, poluiu rios e desflorestou vastas extensões. É verdade que o histórico ambiental das URSSs não inspira muita confiança. Mas isso não significa que o Capitalismo pode resolver nossos problemas ambientais, como declaram empreendedores verde-claro, ou que a sociedade industrial moderna precisa ser abandonada por completo, como alguns ambientalistas verde-escuro iriam sugerir. O Capitalismo pode certamente sobreviver a condições ambientais se agravando, pelo menos por um tempo – mas ele vai sobreviver sob condições de um “ecoapartheid” cada vez maior, com segurança e conforto para os ricos e uma escassez crescente para o Resto. Assim, o sonho socialista do Século XX de maximizar a produção na busca de abundância e igualdade parece cada vez mais insustentável. Marxistas afirmavam que o Comunismo surgiria em meio a condições póscapitalistas de superabundância: uma vez que os motores do Capitalismo estivessem rugindo, eles poderiam ser tomados e colocados para beneficiar a todos. Mas esses motores não podem mais funcionar às custas de combustíveis fósseis, e o Capitalismo consumista contemporâneo não é a abundância que tínhamos em mente. Nós precisamos não apenas tomar os meios de produção, mas transformá-los. Nós também precisamos de uma visão de futuro diferente da que tem sido levada adiante pela Esquerda mais recentemente. O Esquerdismo ambiental ultimamente tem tendido a uma posição um tanto anarquista que desconfia da produção de larga escala e do poder concentrado, sejam eles privados ou públicos. Isso não deveria surpreender

– como os problemas ambientais são tão específicos em diferentes localidades, eles frequentemente despertam soluções locais de pequenaescala. Mas a mudança climática e outras crises ambientais surgindo de sistemas globais de produção e consumo são questões sistêmicas de Economia Política; lidar com elas vai requerer mais do que bolsas de práticas alternativas. E problemas ambientais não respeitam fronteiras políticas: a interdependência ecológica é outra lembrança de que a Sustentabilidade só virá através de uma Solidariedade Global. A qual futuro o Socialismo do Século XXI deve aspirar? Como podemos atingir uma sociedade justa sem dependermos de combustíveis fósseis ou exacerbarmos outras formas de destruição ambiental? Ao buscar uma resposta, os socialistas deveriam olhar para as tradições socialistas-feministas preocupadas com o trabalho que faz a vida “vivível”. Socialistas-feministas têm há muito chamado atenção para o serviço de reprodução social – as atividades necessárias para reabastecer trabalhadores assalariados tanto individualmente como através de gerações, tais como educação, cuidados à infância, trabalho doméstico e preparação de comida. Lutas sobre a reprodução social tem se focado em demandas e possibilidades da vida fora da fábrica, e elas tem muito para nos ensinar sobre organizar novas formas de viver. Nós também precisamos valorizar o trabalho de reprodução ecológica – reconhecer que a atividade dos Ecossistemas mantém a Terra viável para a vida humana, e cuidar delas de acordo. Enquanto alguns socialistas aspiram a uma superabundância de tudo para todos, ambientalistas tendem a apontar o excesso de consumo como um culpado primário da degradação ambiental. Mas nem todo consumo é equivalente. O Capitalismo depende de insumos baratos na forma de trabalho e recursos naturais para fazer os seus produtos baratos. Como resultado, o sistema consistentemente força para baixo tanto os custos quanto os padrões ambientais e trabalhistas. Produtos baratos não são necessariamente ruins, mas eles não deveriam vir às custas das pessoas trabalhadoras e dos Ecossistemas. O objetivo de uma sociedade socialista

não é reprimir o consumo popular, mas criar uma sociedade que enfatize a qualidade de vida sobre a quantidade de coisas. Nós precisamos encontrar caminhos para viver luxuriosamente, mas também levemente [67], esteticamente ao invés de asceticamente. Ao invés de um ciclo sem fim de trabalho e compras, a vida em um futuro socialista de baixo-carbono seria orientada em torno de atividades que tornam a vida bela e completa mas requerem um consumo de recursos menos intensivo: ler livros, ensinar, aprender, fazer música, ver espetáculos, dançar, praticar esportes, ir ao parque, fazer caminhadas, gastar tempo com os outros. Uma robusta provisão de bens públicos torna possível aproveitar luxúrias comunais enquanto formas de consumo privado de desperdício decrescente. Isso significa moradia pública acessível para todos; sistemas de transporte extensivos e gratuitos tanto dentro como entre cidades para que as pessoas possam andar por aí sem possuir um carro; parques e jardins espaçosos que ofereçam uma pausa da vida diária; suporte para artes e cultura de uma variedade de formas; e espaços abundantes para educação pública e de uso recreativo, como bibliotecas, quadras de basquete e teatros. As cidades são muitas vezes vendidas como uma parte chave de futuros verdes por conta de sua densidade eficiente em energia. Mas cidades verdes requerem mais do que apenas planejamento urbano e altos edifícios. O Socialismo precisa reclamar a cidade como um espaço para de luta e solidariedade na busca de necessidades e desejos – providenciar recursos públicos como uma maneira de emancipar e ajudar a florescer, e insistir em espaços públicos como lugares de beleza e prazer. Os capitalistas prometem que a tecnologia vai nos salvar dos problemas ambientais. Soluções tecnológicas não são uma panaceia, mas também não podemos renunciar à tecnologia e deixá-la apenas para capitalistas de risco: projetos socialistas utópicos têm há muito tempo imaginado um mundo melhor construído da combinação de habilidades de humanos, natureza e tecnologia. E uma variedade de tecnologias atuais, desde fontes de energia limpa até biotecnologia, prometem ser parte de um futuro mais sustentável. Mas enquanto elas forem controladas de forma

privada, produzidas apenas quando lucráveis, e acessíveis apenas para aqueles que podem pagar, seu potencial será explorado apenas como servir aos capitalistas. Uma sociedade socialista daria suporte a pesquisas sobre problemas cujas soluções não são lucráveis e garantir que as tecnologias resultantes fossem usadas para benefício público. Energia [68], em particular, é de central importância – o uso de energia responde por metade de todas as emissões de carbono e subjaz a vida moderna em cada ponto. Tecnologias de energia renovável, e energia solar em particular, prometem fontes abundantes de energia limpa. Mas enquanto a energia solar é frequentemente vendida como inerentemente de pequena-escala e democrática, companhias privadas estão também montando usinas solares gigantes, se posicionando como o conduíte para um futuro de energia limpa. Enquanto isso, a desregulação e privatização de empresas de energia elétrica na era Neoliberal tem aleijado a habilidade pública de construir a nova infraestrutura interconectada que tornaria possível uma transição maior para uma energia-limpa. Uma sociedade socialista poderia escolher quais fontes de energia usar e quão rápido uma transição deveria ocorrer a partir do conhecimento sobre os benefícios ambientais, de saúde e as necessidades sociais, ao invés de margens de lucro. Nós poderíamos produzir energia limpa em larga escala e construir a infraestrutura necessária para torná-la disponível e acessível a todos. Ao mesmo tempo, novas tecnologias não se constituem em progresso por si mesmas, apesar das falas autocongratulatórias das companhias de tecnologia. Novos equipamentos eletrônicos médicos, por exemplo, nem sempre se traduzem em melhores cuidados; iPads não se traduzem em melhor educação – de fato, o oposto é muito frequentemente o caso. Uma sociedade socialista tomaria decisões sobre produção e implementação de novas tecnologias baseada em objetivos escolhidos democraticamente, ao invés de produzir e consumir de maneira desperdiçadora para garantir a lucratividade de várias indústrias. Nós poderíamos garantir que todos tivessem acesso a eletricidade limpa e barata, por exemplo, antes de devotar recursos para fazer brinquedos eletrônicos para os ricos.

Ainda haveriam atividades extrativistas, usinas de energia de largaescala e fábricas industriais em um socialismo sustentável. Algumas dessas serão desagradáveis de se ver; algumas vão gerar distúrbios em ecossistemas locais. Mas ao invés de despejar os danos da produção moderna sobre as pessoas com menos poder para resistir a eles – tais como trabalhadores, comunidades negras e indígenas – nós faremos decisões conscientes sobre quais danos nós vamos aceitar e onde e como eles vão se materializar, priorizando as perspectivas e necessidades daqueles que tem sofrido a tempo demais por eles. Nós poderíamos tratar paisagens de trabalho como mais do que áreas destruídas e reconhecer que a presença de maquinaria e indústria não precisam significar devastação. Poderíamos pagar os custos de minimizar o dano ambiental ao invés de pegar atalhos para derrotar os competidores. O Capitalismo começou através do fechamento de recursos públicos e comunais para benefício privado e despossuindo seus antigos usuários. A propriedade coletiva dos meios de produção deveria incluir a propriedade coletiva da terra, dos oceanos e da atmosfera. Isso significaria não apenas compartilhar os recursos que esses espaços geram, mas decidir juntos como eles deveriam ser usados. Uma sociedade socialista poderia usar o conhecimento científico sobre a capacidade ecológica para administrar e regular o uso daqueles espaços ao invés de ceder aos caprichos da indústria: nós escutaríamos os 98% de cientistas que dizem que a mudança climática antropogênica está acontecendo, por exemplo, ao invés das mentiras de lobistas das companhias de combustíveis fósseis. Sob o Socialismo, nós tomaríamos decisões sobre o uso de recursos democraticamente, em relação a necessidades e valores humanos ao invés de maximizar o lucro. Um socialismo ecologicamente sustentável [69] não é sobre preservar um conceito idealizado de uma natureza primitiva e intocada. É sobre escolher o mundo que fazemos e em que vivemos, e sobre reconhecer que compartilhamos esse mundo com outras espécies além dos humanos. Um mundo em que se possa viver é um

mundo em que todo mundo possa ter uma boa vida, ao invés de apenas se virar para se sustentar.

Esse mundo vai precisar de florestas tanto quanto de fábricas, refúgios selvagens tanto quando de cidades. Nós buscaremos prover as pessoas de bons trabalhos, mas também trabalharemos menos; nós pensaremos sobre quais trabalhos realmente precisam serem feitos ao invés de criar trabalhos apenas para manter pessoas empregadas. Nós escolheremos manter alguns espaços livres de uso humano óbvio, e proteger espaços para a vida selvagem enquanto também tornando possível para as pessoas escapar da vida na cidade para gastar algum tempo em Ecossistemas restaurados. Nós teremos como alvo produzir o bastante para que todo mundo tenha vidas ricas e completas, ao invés de esperar pela remota possibilidade de acumular riquezas privadas. Com nossas necessidades satisfeitas, poderemos realizar nosso potencial humano no

contexto de relações sociais sem pressa com outros humanos e outras espécies, com o bastante para todos e tempo para o que quisermos.

OS SOCIALISTAS SÃO PACIFISTAS? ALGUMAS GUERRAS NÃO SÃO JUSTIFICADAS? Socialistas querem erradicar a guerra por que ela é brutal e irracional. Mas nós pensamos que existe uma diferença entre a violência dos oprimidos e a dos opressores.

ABCs do Socialismo – Parte 11 por Jonah Birch, na Revista Jacobin, abril de 2016 Jonah Birch é estudante de graduação em Sociologia na Universidade de New York e editor colaborador da Jacobin.

Em junho de 1918, Eugene Debs fez um discurso que o colocaria na prisão. Falando em Canton, Ohio, o líder do Partido Socialista denunciou o presidente Woodrow Wilson e a Primeira Guerra Mundial para a qual ele guiou os Estados Unidos. Para Debs, a matança em massa que havia assolado toda a Europa por quatro anos sangrentos era um conflito travado em nome dos interesses dos capitalistas, mas combatido por trabalhadores. Em cada país era o rico quem havia declarado guerra e se mantinha lucrando à partir dela; mas eram os pobres quem eram enviados para lutar e morrer aos milhões. Isso, Debs disse à sua audiência, era como sempre foi, enquanto exércitos têm sido enviados para batalharem uns aos outros em nome de reis ou países. “As Guerras através da história têm sido travadas para conquista e pilhagem,” ele disse. “A classe dominante tem sempre declarado as guerras; a classe dominada tem sempre lutado as batalhas. A

classe dominante tem tido tudo a ganhar e nada a perder, enquanto a classe dominada tem tido nada a ganhar e tudo a perder – especialmente suas vidas.” A mensagem de Debs aos trabalhadores era simples: seu inimigo não eram as pessoas da Alemanha, os soldados da classe trabalhadora que estavam sendo embarcados para assassinar; eram os dominadores, em ambos os lados, que ordenaram suas tropas rumo a batalha. Eram os capitalistas e seus representantes nos governos Estadunidense e Alemão, cuja riqueza e poder lhes deu controle sobre os destinos de milhões. O discurso de Debs foi demais para as autoridades nos Estados Unidos – eles os prenderam sob uma nova lei de restrição da liberdade de expressão, o Ato de Espionagem de 1917, e o sentenciaram a dez anos de prisão. Notavelmente, nas eleições de 1920, Debs concorreu para presidente na cédula socialista enquanto permanecia em uma penitenciária federal em Atlanta, e ainda conseguiu conquistar quase 1 milhão de votos.

TORNANDO O MUNDO SEGURO PARA O CAPITALISMO No exemplo de Debs, podemos ver as principais ideias que têm sustentado a abordagem do movimento socialista para a questão da guerra. Socialistas têm sempre visto a propensão do Capitalismo para guerras de conquista e pilhagem como a expressão definitiva da brutalidade do sistema. Na organização da violência de Estado em uma escala sem precedentes, nós vemos a tendência do Capitalismo de subordinar as necessidades humanas à lógica do lucro e do poder. No intervalo entre a promessa de igualdade democrática e a realidade da opressão de classe que a guerra expressa, vemos a injustiça fundamental que define nossa ordem social.

Sob o Capitalismo, a exploração ocorre na maior parte do tempo através do mercado. É a relação contratual ostensivamente não-coercitiva entre trabalhadores e empregadores que mascara as desigualdades de classe mais profundas subjacentes. Mas o poder de fazer a guerra dos Estados Capitalistas ainda é essencial para o funcionamento saudável do sistema. Capitalistas em países como Estados Unidos ainda dependem dos militares de seus próprios governos, tanto para fazer cumprir “as regras do jogo” na Economia Global e para ajudá-los a competir mais eficientemente contra outras Classes dirigentes. Contra esse estado de coisas, os socialistas apoiam a organização de movimentos de massa contra as guerras travadas por nosso governo [70]. Nós participamos [71] na luta contra restrições à liberdade de expressão e outros direitos democráticos que inevitavelmente acompanham essas guerras. Contra os chamados por “unidade nacional”, nós lutamos por solidariedade internacional e organização de classe mais forte para lutar pelos interesses dos trabalhadores. No longo prazo, esperamos traduzir estes movimentos em uma luta mais ampla por uma transformação radical da Sociedade ao longo de linhas democráticas. Em nenhum lugar essa abordagem é mais importante do que nos Estados Unidos [72] – o mais poderoso país capitalista do mundo. Hoje, os EUA gastam mais com seus militares do que os próximos 7 países que mais gastam nisso combinados. Nosso governo tem cerca de 800 bases militares no estrangeiro. Soldados estadunidenses ou tropas aliadas estão presentes em cada região do globo. No último século e meio, o Estado Estadunidense tem travado guerras brutais em nome de um império crescente, desde a guerra hispanoamericana de 1898 até as recentes invasões do Afeganistão e Iraque. Interveio de novo e de novo na África, Ásia, América Latina para proteger os interesses dos negócios e chutar os movimentos que pudessem ameaçar seu controle sobre recursos-chave ou minar a estabilidade do sistema global capitalista.

Frequentemente estas aventuras foram descritas como sendo necessárias para trazer liberdade e democracia para países oprimidos, ou para proteger cidadãos estadunidenses do perigo. O registro histórico, entretanto, conta uma história diferente. Mesmo na época da Guerra Hispano-Americana de 1898, considerada por muitos como sendo a alvorada do imperialismo estadunidense moderno, o governo estadunidense estava invadindo Cuba, Porto Rico e as Filipinas em nome da libertação de seus povos do jugo do colonialismo espanhol. Quando, depois da vitória ter sido assegurada, Washington decidiu fazer daqueles três territórios protetorados estadunidenses (ou, no caso de Porto Rico, uma colônia por completo), eles garantiram que tinham apenas as intenções mais benevolentes. E quando os residentes desses países levaram essas promessas de liberdade e democracia muito literalmente, os Estados Unidos decidiram que não tinham escolha além de esmagar as lutas por independência que emergiram. Nas Filipinas, uma insurreição nacionalista que irrompeu em 1899 foi suprimida às custas de várias centenas de milhares de vidas filipinas. Em cada guerra entre aquela época e agora o padrão tem sido o mesmo. O governo estadunidense entrou na Primeira Guerra Mundial em 1917 (depois que Wilson venceu as eleições de 1916 na base de suas promessas antiguerra) para “tornar o mundo seguro para a democracia,” enquanto enviava Marines por toda a América Latina na defesa dos interesses econômicos e políticos do Capital. Lutou a Segunda Guerra Mundial para “livrar o mundo da tirania,” mas gastou os anos do pós-guerra manipulando eleições na Itália, patrocinando uma perversa guerra civil na Grécia e escorando o xá do Irã. Enviou milhões para o túmulo na Coréia e no Sudeste Asiático para “salvar” as pessoas de lá do Comunismo, enquanto instalava ditaduras brutais tanto no Vietnã do Sul quanto na Coreia do Sul. Enquanto isso, os decisores políticos dos EUA secretamente organizaram a derrubada de governos populares e democráticos por todo o mundo – desde Mohammad Mosaddegh no Irã, passando por Patrice Lumumba no Congo e Salvador Allende no Chile.

Para justificar estas campanhas, os oficiais estadunidenses têm muitas vezes recorrido ao perverso racismo. O General William Westmoreland uma vez justificou a brutalidade das forças que ele liderava no Vietnã dizendo que “os orientais não colocam o mesmo valor na vida como faz um ocidental… Nós valorizamos a vida e a dignidade humana. Eles não se importam com a vida e a dignidade humana.” A cada turno o governo estadunidense tem mostrado [73] seu compromisso com a democracia e a liberdade no estrangeiro como sendo tão superficial quanto o seu compromisso com a igualdade em casa. Vez após outra, tem provado que seu temor pelo controle democrático sobre os recursos do mundo corre mais fundo que sua retórica pró-Democracia. Como Henry Kissinger, que serviu como um consultor em políticas estrangeiras a três presidentes, disse dos esforços da administração de Nixon para tombar o governo socialista eleito no Chile, “não vejo por que nós devemos ficar parados e assistir um país se tornar comunista por causa da irresponsabilidade de seu próprio povo.” O mesmo se deu nos anos 80 nas tentativas de minar os governos esquerdistas na pequena Nicarágua e na menor ainda Granada. Mais recentemente, esse padrão tem se repetido no Oriente Médio – agora o campo de batalha central para os EUA e seus competidores imperiais, por causa de seu papel como o centro da produção global de petróleo. Se as guerras no Iraque e no Afeganistão foram inicialmente justificadas como necessárias para defender vidas estadunidenses, destruir a Al-Qaeda, e erradicar o terrorismo, elas não atingiram nenhum desses objetivos. Nem resultaram em governos democráticos em nenhum desses países. Ao contrário, as centenas de milhares de vidas perdidas nestas guerras apenas desestabilizaram a região e intensificaram as divisões sectárias. Ao invés de dar suporte a movimentos democráticos, os EUA têm apoiado regimes ditatoriais no Egito e no Bahrein, e ajudado a fortalecer as

monarquias mais cruéis e reacionárias na Arábia Saudita e nos Emirados Árabes Unidos. Os Estados Unidos têm também permitido a Israel escalar sua violência diária (com assaltos semirregulares de matança em massa em Gaza), ocupação e expansão de assentamentos às custas de palestinos. E têm assistido enquanto os lados em enfrentamento na guerra civil síria têm dirigido um massacre que afogou as lutas sírias por democracia no sangue de centenas de milhares de seus cidadãos. Dados o escopo e a escala da violência imperial estadunidense, é crucial que os socialistas nos Estados Unidos se opunham às intervenções militares de seu governo. Tal posição é necessária para qualquer solidariedade genuína da classe trabalhadora. Toda vez que o governo dos EUA explode uma festa de casamento afegã ou ajuda a proteger um esquadrão da morte no Iraque; toda vez que ele envia alguém para apodrecer em uma prisão no Afeganistão ou na Baía de Guantánamo; toda vez que ele permite que a CIA torture um prisioneiro; torna a solidariedade de classe através das fronteiras mais remota. Por que trabalhadores em outros países deveriam se aliar àqueles nos EUA, em nome de quem eles são bombardeados e ocupados? Na medida em que estadunidenses compram o nacionalismo que inevitavelmente segue as maquinações estrangeiras de seu governo, tornam a emergência de um movimento de classe contra a opressão e a exploração impossíveis. Enquanto isso, a posição dos trabalhadores estadunidenses apenas se deteriora mais. Quando centenas de bilhões de dólares são gastos atacando países ao redor do globo, não estão disponíveis para programas de BemEstar Social que poderiam ajudar aqueles em casa. O desperdício de sangue e recursos, o racismo, e os levantes reacionários que acompanham as guerras no estrangeiro ricocheteiam para detrimento dos trabalhadores nos EUA. Em um tempo em que milhões de estadunidenses estão sofrendo com

o desemprego e a pobreza, os mais de $2 trilhões gastos na invasão e ocupação do Iraque parecem cada vez mais obscenos. Tudo isso significa que o movimento trabalhista estadunidense tem um incentivo material para se opor os desejos de guerra de seu próprio governo. É por esta razão que os socialistas pensam que um movimento internacional da classe trabalhadora contra a guerra e o imperialismo não é apenas necessário, mas também possível.

O INIMIGO EM CASA Entretanto, se socialistas em um país como os EUA se opõem às guerras travadas por seus governos, não significa que eles são pacifistas. – ou seja, que eles se opõem a todas as guerras ou tem uma posição baseada em princípios contra qualquer tipo de violência. A questão é quem está travando a guerra e em nome de quais interesses e políticas. Como o teórico militar do século XIX Carl von Clausewitz disse, “Guerra é a continuação da política por outros meios.” Clausewitz queria dizer que para entender o caráter de uma dada guerra, você tem de entender quem estava lutando e por quais propósitos. É claro, Clausewitz, um general prussiano nas guerras napoleônicas, não era bem um radical de Esquerda, mas seu ponto básico é um importante para os socialistas compreenderem. O movimento socialista quer erradicar a guerra por que ela é brutal e irracional – um desperdício de vida humana e recursos sociais que produz uma devastação enorme. Mas em um mundo cheio de exploração e opressão, é preciso diferenciar entre a violência daqueles lutando para manter a injustiça e aqueles lutando contra a injustiça.

Uma pessoa não pode, por exemplo, misturar a violência do apartheid sul-africano com aquela dos elementos armados do Congresso Nacional Africano de Nelson Mandela. O mesmo vale para a violência dos militares estadunidenses na Guerra do Vietnã – uma guerra que eventualmente matou 3.5 milhões de pessoas – e aquela da Frente de Libertação Nacional Vietnamita, que lutou para libertar o Vietnã da dominação estadunidense e francesa. Para o movimento socialista, a máxima de Clausewitz aponta para a necessidade de pesar qualquer guerra na base dos interesses a que ela serve. Não é coincidência que socialistas como Marx e Engels apoiaram a União na Guerra Civil estadunidense, reconhecendo que apesar da fala de Lincoln de que sua intenção era reunir o país sem acabar com a escravidão, uma guerra [74] contra os Confederados se tornaria necessariamente uma guerra contra a classe dos proprietários das plantations [75]. De fato, como Lincoln – que nos anos 1840 se opôs à Guerra Mexicana-Estadunidense por que a via como um esforço para expandir a escravidão para novos territórios – veio a reconhecer, o Norte só poderia ter sucesso mobilizando os escravos em uma batalha por sua própria liberdade. Nada disso é para sugerir que os Socialistas possuem uma abordagem puramente instrumental para com a violência – que nós pensamos, como tão comumente afirmam, que “os fins justificam os meios.” Em nossos esforços para atingir o tipo de mudança que procuramos, a violência só pode minar a nossa causa no longo prazo; nós nunca podemos esperar igualar a capacidade para a violência do Estado Capitalista, e nosso movimento somente será enfraquecido enquanto a luta pelo Socialismo for transformada de um conflito social e político em um militar. Também não apoiamos necessariamente governos apenas por que acontece deles estarem em conflito com o nosso: não perdoamos a violência imperial, por exemplo, da Rússia e da China apenas por que eles estão ocasionalmente discordando dos nossos próprios dominadores.

Mais fundamentalmente, é importante deixar claro que nosso suporte por grupos lutando contra sua opressão, nas mãos do governo dos EUA ou de qualquer outro, não significa que seremos sempre acríticos com essas forças. Alguém precisa apenas olhar para os níveis crescentes de desigualdade e a penetração cada vez maior do Capitalismo Global na África do Sul desde a queda do Apartheid, ou no Vietnã desde a libertação, para ver que mesmo lutas vitoriosas não precisam produzir um resultado realmente justo. De fato, enquanto expressam solidariedade com movimentos desafiando a opressão, os socialistas precisam estar dispostos a criticar aqueles que travam estas lutas, sempre que necessário – seja esta crítica feita em termos políticos, estratégicos ou mesmo morais. Mas também não tratamos todos os lados em um conflito particular como se eles fossem o mesmo. Acima de tudo, nós nos opomos ao papel de nosso próprio governo na propagação de guerras, ou na expansão de sua influência militar e política, às custas das classes trabalhadoras do mundo. Como o revolucionário alemão Karl Liebknecht colocou em seu discurso durante a Primeira Guerra Mundial, nós entendemos que “o principal inimigo está em casa.” Sobre esta base, nós esperamos forjar um movimento internacional que possa não apenas desafiar uma intervenção imperial específica, mas que possa representar uma ameaça às próprias fundações de um sistema que cria guerra e violência de massa numa escala sem-precedentes na História.

ALÉM DO IMPERIALISMO Hoje, a Esquerda é fraca demais para atingir esse objetivo. Nos Estados Unidos, o movimento trabalhista carece de capacidade para atividade sustentada contra a guerra. Mas o que o exemplo de Eugene Debs nos mostra é que existe uma longa história de oposição radical ao imperialismo [76] da qual nós podemos tirar esperança e inspiração.

A tradição anti-imperialista de Esquerda sobreviveu depois que o próprio Debs morreu. Se ela perdeu força durante os anos de Guerra Fria de repressão macartista após a Segunda Guerra Mundial, ela reviveu durante os anos 60 e 70. Figuras como Martin Luther King Jr. se tornaram vozes cada vez mais críticas da Guerra do Vietnã. Mesmo que ele seja frequentemente pintado como um moralista anódino, um precursor para o liberalismo multicultural, King foi na verdade um visionário cuja política se tornou cada vez mais radical em conjunto com o movimento que ele liderava. Nada expressava melhor esse radicalismo crescente do que sua decisão de se opor publicamente à Guerra do Vietnã – um movimento que mesmo seus conselheiros mais próximos recomendaram que ele não fizesse por causa de suas potenciais consequências políticas. Ignorando seus conselhos, em 4 de abril de 1967, exatamente um ano antes de seu assassinato, King proferiu o discurso mais controverso de sua carreira. Falando para a Igreja Riverside de Nova Iorque, ele se abriu contra a Guerra do Vietnã e cobrou a administração de Johnson para que parasse sua campanha de bombardeio sem precedentes e iniciasse a retirada de meio milhão de tropas estadunidenses do Sudeste Asiático. Denunciando a “loucura” da política da administração Democrata, King se focou na incrível brutalidade que as pessoas comuns no Vietnã encaravam nas mãos dos militares estadunidenses. “Eles devem ver os estadunidenses como estranhos libertadores,” ele concluiu, quando essa suposta libertação envolvia apoiar governos corruptos e antidemocráticos, destruir vilas inteiras, desflorestar o interior com napalm e Agente Laranja, e matar mulheres, crianças e idosos. Uma estimativa conservadora das mortes civis geradas pela guerra é de 2 milhões, apenas entre Sul-Vietnamitas, de uma população de 19 milhões. Uma taxa análoga de baixas civis nos Estados Unidos hoje seria próxima de 33 milhões.

E sobre os soldados estadunidenses, na maioria esmagadora das vezes jovens tirados de comunidades rurais indigentes e guetos urbanos segregados? Notando o número desproporcional de afro-estadunidenses que haviam sido enviados para matar e morrer nos pântanos do Vietnã, King castigava a administração por “tirar os jovens negros que tinham sido acorrentados pela nossa sociedade e os enviar 8000 milhas para longe, para garantir liberdades no Sudeste Asiático que eles não haviam encontrado em Georgia ou no Harlem Leste. King apontou que as esperanças de um esforço real para combater a pobreza nos EUA que haviam sido inspiradas pelo programa da “Grande Sociedade” de Johnson haviam sido destruídas pela escalada no Vietnã. Uma campanha genuína para erradicar a pobreza em casa seria impossível, ele havia concluído, “enquanto as aventuras como no Vietnã continuarem a sugar homens e talentos e dinheiro como um demoníaco tubo de sucção de destruição.” Dado tudo isso, King disse que não poderia mais ficar em silêncio, apesar da forte pressão de seus supostos aliados na administração Johnson para evitar a crítica pública da política do governo para o Vietnã. Comparando a escala incrível de violência no Vietnã com a relativamente pequena destruição causada por uma série de revoltas que estouraram em muitas cidades grandes dos EUA – que haviam causado muita gritaria na mídia sobre a ameaça representada por “extremistas negros” – King descreveu sua percepção de “que eu não poderia nunca mais levantar minha voz contra a violência dos oprimidos nos guetos sem ter primeiro falado claramente do maior fornecedor de violência no mundo hoje: meu próprio governo.” Alguns dias depois, ele marchou em um protesto de massa contra a guerra no Central Park em Nova Iorque. O discurso de King, conhecido pela posteridade como “Além do Vietnã,” fez com que ele ganhasse a ira mesmo de figuras antes simpatizantes no establishment progressista. Ele foi desconvidado de uma visita planejada com Johnson na Casa Branca. Um dos conselheiros do

presidente escreveu privadamente que King havia “feito sua jogada com os ‘comunas’” [77]. Enquanto isso, ele foi atacado em editoriais que apareceram no dia seguinte em 168 jornais de maior circulação. O New York Times escreveu que sua denúncia da guerra era “um desperdício e autodestrutiva.” O Washington Post fez ainda melhor, dizendo que King “diminuiu sua utilidade para sua causa, seu país e seu povo.” O que King veio a entender [78] foi que o racismo e a desigualdade dentro do país, e a guerra no exterior, estavam interligados. Este reconhecimento o colocou em desacordo com seus antigos apoiadores progressistas, cujas vontades de desafiar o status quo acabaram – como é tão comum para o establishment progressista – quando a posição dos EUA como o maior poder imperial mundial entrou em questão.

Assim, ao confrontar estas questões e desafiar seus antigos amigos, King estava lidando com um conjunto de problemas que qualquer

movimento social de massa que faça sérios avanços nos EUA vai ter de encarar, uma hora ou outra: você não pode falar sobre mudança social em seu país enquanto ignora a carnificina gerada pela política externa estadunidense. Para a Esquerda dos EUA, e especialmente qualquer futuro movimento socialista por aqui, essa é uma lição a ser aprendida.

POR QUE OS SOCIALISTAS FALAM TANTO SOBRE TRABALHADORES? Os trabalhadores estão no coração do sistema capitalista. E é por isso que eles estão no centro da política socialista.

ABCs do Socialismo – Parte 12 por Vivek Chibber, na Revista Jacobin, abril de 2016 Vivek Chibber é professor de Sociologia na Universidade de New York. Seu livro mais recente é ‘Postcolonial Theory and the Specter of Capital’.

A maioria das pessoas sabe que os socialistas colocam a classe trabalhadora no centro de sua visão política. Mas por quê, exatamente? Quando faço essa pergunta a estudantes ou mesmo para ativistas, recebo toda uma variedade de respostas, mas a mais comum é sobre moral – socialistas acreditam que os trabalhadores sofrem demais sob o Capitalismo, fazendo seus apuros a questão mais importante para se focar. Agora é verdade, claro, que os trabalhadores encaram todo tipo de indignidades e privação material, e qualquer movimento por justiça social tem de tomar isso como uma questão central. Mas se isso é tudo, se esta é a única razão para que devamos nos focar em classes, o argumento desmorona muito facilmente. Afinal, há muitos grupos que sofrem indignidades e injustiças – minorias raciais, mulheres e pessoas com deficiência. Por que falar separadamente de trabalhadores? Por que não dizer apenas que todos os grupos marginais e oprimidos tem de estar no coração da estratégia socialista?

Ainda existe mais sobre por que se focar nas classes do que apenas o argumento moral. A razão para que os socialistas acreditem que a organização de classe tem de estar no centro de uma estratégia política viável [79] tem também a ver com dois fatores práticos: um diagnóstico de quais são as fontes de injustiças na Sociedade moderna, e um prognóstico de quais são as melhores alavancas para mudança numa direção mais progressista.

O CAPITALISMO NÃO VAI DAR CONTA Existem muitas coisas de que as pessoas precisam para terem vidas decentes. Mas dois itens são absolutamente essenciais. O primeiro é alguma garantia de segurança material – coisas como ter uma renda, moradia, e cuidados de saúde básicos. O segundo é ser livre de dominação social – se você está sob o controle de outra pessoa, se eles fazem muitas das decisões principais por você, então você está constantemente vulnerável ao abuso. Assim, em uma sociedade em que a maioria das pessoas não tem segurança no emprego, ou tem empregos mas não conseguem pagar suas contas, em que elas têm de se submeter ao controle de outras pessoas, em que elas não tem uma voz em como as leis e regulações são feitas – é impossível atingir justiça social. O Capitalismo é um sistema econômico que depende da privação da vasta maioria das pessoas dessas precondições essenciais para uma vida decente. Os trabalhadores aparecem para trabalhar todos os dias sabendo que eles têm pouca segurança no emprego; que eles são pagos o que os empregadores sentem que é consistente com a sua prioridade principal, que é conseguir lucros, não o bem-estar de seus empregados; eles trabalham em um ritmo e duração que é definido pelos seus chefes; e eles se submetem a estas condições, não por que eles queiram, mas por que para a maioria deles a alternativa a aceitá-las seria simplesmente não ter emprego algum. Este

não é um aspecto casual ou marginal do Capitalismo. É a característica definidora do sistema. O poder econômico e político está nas mãos dos capitalistas, cujo único objetivo é maximizar os lucros, o que significa que a condição dos trabalhadores é, na melhor das hipóteses, uma preocupação secundária para eles. E isso significa que o sistema é, em seu próprio núcleo, injusto.

SEGURANDO A ALAVANCA Segue que o primeiro passo para tornar a nossa sociedade mais humana e justa é reduzir a insegurança e a privação material nas vidas de tantas pessoas, e aumentar o escopo para a autodeterminação. Mas nós imediatamente damos de cara com um problema – a resistência política das elites. O poder não é distribuído igualmente no Capitalismo. Capitalistas decidem quem é contratado e despedido, e quem trabalha e por quanto tempo, não trabalhadores. Capitalistas também possuem o maior poder político, por que eles podem fazer coisas como lobby, financiar campanhas políticas, e dar suporte financeiro para partidos políticos. E como eles são os que se beneficiam do sistema, porque eles encorajariam mudanças nele, mudanças que inevitavelmente significam uma diminuição em seu poder e seu balanço financeiro? A resposta é que eles não encaram desafios gentilmente, e eles fazem o seu melhor para manter o status quo. Movimentos por reformas progressistas têm descoberto, vez após outra, que sempre que eles tentam pressionar por mudanças na direção de justiça, acabam indo de encontro ao poder do Capital. Quaisquer reformas que requeiram uma redistribuição de renda, ou que venham do governo como uma medida social – seja em cuidados de saúde, regulações ambientais, salários mínimos ou programas de emprego – são

rotineiramente opostos pelos ricos, por que quaisquer medidas dessas inevitavelmente significam uma redução em sua renda (na forma de impostos) ou em seus lucros. O que isso significa é que esforços por reformas progressistas precisam encontrar uma fonte de alavancagem, uma fonte de poder que possibilitará a eles superar a resistência da classe capitalista e seus serviçais políticos. A classe trabalhadora tem esse poder, por uma razão simples – os capitalistas só podem obter lucro se os trabalhadores aparecerem para trabalhar todos os dias, e se eles se recusam a colaborar, os lucros secam da noite para o dia. E se tem uma coisa que capta a atenção dos empregadores, é quando o dinheiro deixa de fluir. Ações como greves não tem apenas o potencial de colocar capitalistas específicos de joelhos, elas podem ter um impacto muito além, em camada após camada de outras instituições que diretamente ou indiretamente dependem deles – incluindo o governo. Esta habilidade de quebrar o sistema inteiro, apenas por se recusar a trabalhar, dá aos trabalhadores um tipo de alavanca que nenhum outro grupo na sociedade possui, exceto os próprios capitalistas. É por isso que, se mudanças sociais progressistas requerem superar a oposição capitalista – e nós já aprendemos por três séculos que elas requerem – então é de importância central organizar os trabalhadores para que eles possam usar esse poder. Os trabalhadores [80] são, portanto, não apenas um grupo social que é sistematicamente oprimido e explorado na sociedade moderna, eles são também o grupo que está melhor posicionado para gerar mudanças reais e extrair concessões do maior centro de poder – os banqueiros e industriais que controlam o sistema. Eles são o grupo que entra em contato com os capitalistas todos os dias e que estão presos em um conflito eterno com eles como parte de sua própria existência. Eles são o único grupo que precisa enfrentar o Capital se quiserem melhorar de vida. Não há uma força mais lógica para se organizar um movimento em torno.

E isso não é apenas uma teoria. Se olharmos de volta para as condições em que reformas de longo alcance têm sido passadas nos últimos cem anos, reformas que melhoraram as condições materiais dos pobres, ou que deram a eles mais direitos contra o mercado – elas foram invariavelmente baseadas na mobilização da classe trabalhadora. Isso é verdade não apenas sobre as medidas independentes de cor [81] do Estado de Bem-Estar Social, mas mesmo sobre fenômenos como os direitos civis e a luta pelo voto. Qualquer movimento que estende benefícios para os pobres, sejam eles negros ou brancos, homens ou mulheres, teve que se basear em uma mobilização das pessoas trabalhadoras. Isso foi tão verdade na Europa e no Sul Global quanto nos Estados Unidos. É este poder para extrair concessões reais do Capital que faz da Classe Trabalhadora tão importante para a estratégia política. É claro, o fato de que os trabalhadores também formam a maioria da população em cada sociedade capitalista e que eles são sistematicamente explorados apenas torna os seus apuros muito mais urgentes. Esta combinação de urgência moral e força estratégica é o porquê da política socialista se basear na classe trabalhadora.

[Nota de tradução: me parece fácil que o argumento nesse texto sobre a centralidade da luta do movimento trabalhista para a estratégia política seja interpretado como uma forma de tentar minimizar a importância de outras lutas contra estruturas de poder, controle e opressão como as lutas dos movimentos feministas, negros, lgbts, etc. Não é essa a minha intenção publicando este texto no blog, e, no meu entendimento, também não era a intenção do autor. Me parece que o ponto do argumento era a questão da “alavanca” de pressão nas mãos dos trabalhadores dentro da ordem capitalista, na possibilidade de parar a produção – e como para conquistar concessões reais do sistema de poder do Capital, mesmo para outras lutas, essa alavanca seria sempre central. Inclusive, o mesmo especial da revista Jacobin que apresentou este texto trazia dois artigos sobre as relações entre os movimentos socialista e feminista, e socialista e antirracista que não me parecem sugerir um desejo de minimizar essas outras lutas, muito pelo contrário].

O SOCIALISMO VAI SER CHATO? O Socialismo não é sobre induzir uma branda mediocridade. É sobre libertar o potencial criativo de todos.

ABCs do Socialismo – Parte 13 por Danny Katch, na Revista Jacobin, julho de 2015 Danny Katch é colaborador do ‘Socialist Workerand’ e autor de ‘Socialism ... Seriously’.

O ano era 2081, e todos eram finalmente iguais. Eles não eram iguais apenas diante de Deus e da lei. Eles eram iguais de todas as formas possíveis. Ninguém era mais inteligente que os outros. Ninguém era mais atraente que os outros. Ninguém era mais forte ou mais rápido que os outros. Toda essa igualdade se devia à 211ª, 212ª e 213ª Emendas à Constituição [82], e à incessante vigilância dos agentes de Compensação de Desvantagens dos Estados Unidos [83]. Esta não é a minha versão de 2081, mas a de Kurt Vonnegut nas primeiras linhas de “Harrison Bergeron” [84], um conto sobre um futuro em que todos são o mesmo. Pessoas atraentes são forçadas a usar máscaras, pessoas inteligentes usam fones nos ouvidos que regularmente distraem seus pensamentos com barulhos altos, e assim por diante. Como seria de se esperar com Vonnegut, existem alguns momentos sombriamente hilários – como em uma performance de balé em que os

dançarinos são contidos com pesos nas pernas – mas diferente da maioria de suas histórias, “Harrison Bergeron” é baseada em uma premissa reacionária: a Igualdade só poderia ser alcançada reduzindo os mais talentosos até as posições medíocres das massas. O Socialismo tem sido frequentemente retratado na ficção científica nesses termos de distopia cinzenta, que refletem a ambivalência que muitos artistas sentem em relação ao Capitalismo. Artistas frequentemente sentem repulsa pelos valores anti-humanos e pela cultura comercializada de sua sociedade, mas eles também estão cientes de que possuem um status único dentro dela que permite a eles expressar sua individualidade criativa – contanto que isso venda [85]. Eles temem que o Socialismo os privaria desse status e os reduziria ao nível de meros trabalhadores, por que eles são incapazes de imaginar um mundo que valorize e encoraje a expressão artística de todos os seus membros. É claro que tem outra razão para que as sociedades socialistas sejam imaginadas como sombrias e monótonas: a maioria das sociedades que se denominaram socialistas eram sombrias e monótonas. Pouco depois das revoluções no Leste Europeu que encerraram a dominação da União Soviética, os Rolling Stones fizeram um show lendário em Praga, em que eles foram saudados como heróis culturais [86]. O problema é que estamos falando de 1990, Mick e Keith já eram quase cinquentões, e fazia anos desde seu hit mais recente, uma música chamada “Harlem Shuffle” que era simplesmente horrível. Esqueça os livros censurados e as proibições de manifestações. Se você quer entender quão tediosa era a sociedade Stalinista, assista ao vídeo de “Harlem Shuffle” e então pense em uma das cidades mais frias da Europa perdendo a cabeça de alegria com a chance de ver aqueles caras. Será que realmente importa se o Socialismo for chato? Talvez pareça bobo, mesmo ofensivo, se preocupar com uma questão tão trivial comparada aos horrores que o Capitalismo inflige o tempo todo. Pense nos

perigos de furacões e incêndios cada vez maiores causados por mudanças climáticas, o trauma de perder seu lar ou seu emprego, ou a insegurança de não saber se o homem sentado ao seu lado te vê como o alvo para um encontro seguido de estupro. Nós gostamos de assistir filmes sobre o fim do mundo ou sobre pessoas enfrentando adversidades, mas em nossas vidas reais a maioria de nós prefere previsibilidade e rotina. A preocupação de que o Socialismo possa ser tedioso pode parecer o perfeito “problema de gente branca” ou “problema de primeiro mundo”, como a Internet gosta de dizer. [87] Claro que seria legal sumir com a pobreza, guerra e racismo..., ‘mas e se eu ficar entediado?’ Mas isso importa sim, claro, porque nós não queremos viver em uma sociedade sem criatividade e excitação, e também por que se essas coisas estão sendo sufocadas, então deve existir algum grupo ou classe no poder fazendo o sufocamento – pensem eles ou não que isso seja para o nosso próprio bem. Finalmente, se o Socialismo for banal e estático, nunca será capaz de substituir o Capitalismo, que pode ser apropriadamente chamado de muitos nomes desagradáveis, mas “tedioso” não é um deles.

O Capitalismo revolucionou o mundo muitas vezes nos últimos duzentos anos e mudou como pensamos, nos parecemos, comunicamos e trabalhamos. Apenas nas últimas décadas, este sistema se adaptou

rapidamente e efetivamente à onda global de protestos e greves nos anos 60 e 70: fábricas sindicalizadas foram fechadas e realocadas para outros cantos do mundo; o papel declarado do governo passou de “ajudar as pessoas” para “ajudar corporações a ajudar pessoas”; e finalmente todas essas mudanças e outras foram vendidas para nós como se fossem pelo que aqueles manifestantes estavam lutando o tempo todo – um mundo em que cada homem, mulher, e criança seja nascido com direitos iguais de comprar tantos smartphones e jeans rasgados de fábrica quanto eles queiram [88]. O Capitalismo pode se reinventar muito mais rápido que qualquer ordem econômica anterior. “Conservação dos velhos modos de produção em uma forma inalterada,” escreveram Marx e Engels no Manifesto Comunista [89], é “a primeira condição de existência de todas as classes industriais mais antigas. Constante revolução da produção, distúrbio ininterrupto de todas as condições sociais, eterna incerteza e agitação distinguem a época capitalista de todas as anteriores.” Enquanto sociedades de classe do passado tentavam desesperadamente manter o Status Quo, o Capitalismo prospera em derrubá-lo. O resultado é um mundo em constante movimento. O distrito industrial de ontem é a favela de hoje é o bairro hipster de amanhã. Tudo o que é sólido se desmancha no ar. Essa é outra linha do Manifesto e também o nome de um livro maravilhoso de Marshall Berman [90], que escreve que viver no Capitalismo moderno é “se encontrar em um ambiente que nos promete aventura, poder, alegria, crescimento, transformação de nós mesmos e do mundo – e ao mesmo tempo, que ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos.” Ainda assim a maior parte das nossas vidas está longe da excitação. Trabalhamos para chefes que querem que sejamos máquinas sem cérebro. Mesmo quando uma nova invenção legal chega ao nosso ambiente de trabalho, podemos contar com ela para uma hora dessas ser usada para nos forçar a fazer mais trabalho em menos tempo, o que pode despertar as paixões da administração, mas apenas encherá nossas vidas de mais labuta sem sentido.

Fora do trabalho é a mesma história. Escolas veem seu papel primário como “preparar para a carreira” [91], uma frase inofensiva que significa preparar as crianças para lidar com as merdas do trabalho. Mesmo as poucas horas que se supõem serem nossas são gastas na maioria lavando roupas, cozinhando, limpando, checando lições de casa, e todas as tarefas necessárias para nos prepararmos e às nossas famílias para o trabalho no dia seguinte. A maioria de nós apenas experimenta a excitação do Capitalismo como algo acontecendo em outro lugar: novos gadgets para os ricos, festas selvagens para celebridades, performances incríveis pra assistir do nosso sofá. Por outro lado, pelo menos a maior parte disso é melhor que “Harlem Shuffle”. Pior ainda, quando nós conseguimos tocar diretamente essa excitação, normalmente é por que estamos do lado de negócios dela. São os nossos empregos sendo substituídos por aquele incrível novo robô, nosso aluguel ficando caro demais depois que a bela torre de luxo foi construída do outro lado da rua. Adicionando insulto à injúria, nos dizem que se reclamamos estamos ficando no caminho do progresso. O sacrifício de indivíduos em nome do progresso social é dito como sendo um dos horrores do Socialismo, um mundo gerido por burocratas sem rosto e supostamente agindo em nome do bem comum. Mas existem muitos tomadores de decisões invisíveis e não-eleitos sob o Capitalismo, desde agentes de seguro de saúde que não nos conhecem mas que podem determinar se a nossa cirurgia é “necessária”, até fundações bancadas por bilionários que declaram escolas que eles nunca visitaram como sendo “fracassos” [92] O Socialismo também envolve muito de mudanças, perturbação, e mesmo caos; mas este caos, como Hal Draper pode ter dito, vem de baixo [93]. Durante a Revolução Russa, o governo de Soviétes liderado pelos

Bolcheviques removeu o casamento do controle da igreja um mês depois de tomar o poder, e permitiu casais se divorciarem ao pedido de qualquer dos parceiros. Estas leis mudaram dramaticamente as dinâmicas familiares e as vidas das mulheres, como evidenciado por algumas das canções que se tornaram populares em vilas russas. “Tempo havia em que meu esposo punhos e força usaria. Mas agora é tão carinhoso, pois teme que dele me divorciaria. Não temo mais meu esposo. Se não pudermos cooperar, Levarei meu caso à corte, e iremos nos separar.” É claro, o divórcio pode ser tão doloroso quanto libertador. Revoluções mostram tudo sob uma nova luz, dos nossos líderes aos nossos amados, que pode ser excitante ou excruciante. “Eventos gigantes,” escreveu Trotsky em um artigo de jornal de 1923, “desceram sobre a família em sua velha forma, a Guerra e Revolução. E atrás deles veio rastejando lentamente a toupeira subterrânea – o pensamento crítico, o estudo consciente e a avaliação das relações familiares e das formas de vida. Não espanta que este processo reaja na forma mais íntima e, assim, mais dolorosa nos relacionamentos familiares.” Em outro artigo, Trotsky descreveu a experiência diária na Rússia Revolucionária como “o processo pelo qual a vida diária para as massas trabalhadoras está sendo destruída e tornada nova.” Como o Capitalismo, estes primeiros passos em direção ao Socialismo ofereceram tanto a promessa de criação quanto a ameaça da destruição, mas com a diferença crucial de que as pessoas sobre as quais Trotsky escrevia executavam um papel ativo em determinar como seu mundo estava mudando.

Eles estavam longe de ter controle completo, especialmente sobre a pobreza em massa e a falta de instrução que o Tsar e a Guerra Mundial haviam relegados a eles. Mas mesmo nestas condições miseráveis, os anos entre a Revolução de Outubro e a consolidação final do poder de Stalin demonstraram a excitação de uma sociedade em que novas portas estão abertas para as classes majoritárias pela primeira vez. Houve uma explosão de arte e cultura. Pintores e escultores de ponta decoraram as praças públicas das cidades russas com sua arte futurista. Que fique registrado, Lenin odiava os futuristas, mas isso não impediu o governo de bancar seu jornal, “A Arte da Comuna”. Balés e teatros foram abertos para audiência de massa. Grupos culturais e comitês de trabalhadores se juntaram para trazer arte e treinamento artístico para as fábricas. O cineasta Sergei Eisenstein [94] ganhou renome internacional por suas técnicas inovadoras em seus filmes descrevendo a Revolução Russa. A tola premissa de “Harrison Bergeron” foi refutada. O Socialismo não considerou os artistas talentosos como uma ameaça à “igualdade” ou encontrou uma contradição entre apreciar artistas individuais e abrir as artes previamente elitistas para as massas de trabalhadores e peões. As possibilidades do Socialismo que o mundo vislumbrou na Rússia por poucos anos não foi um experimento estéril controlado por uma porção de teóricos, mas uma criação confusa e emocionante de dezenas de milhões de pessoas se agrupando rumo a uma forma diferente de gerir uma sociedade e de tratar uns aos outros, com todas as habilidades, impedimentos, e neuroses que elas haviam adquirido vivendo sob o Capitalismo, nas horríveis circunstâncias de um país pobre e rasgado pela guerra. Eles erraram de todas as formas, mas também mostraram que o Socialismo é uma possibilidade real, não um sonho utópico que não se encaixa com as necessidades de seres humanos reais. E a Sociedade para qual eles apontavam era um lugar onde Igualdade não significava baixar, mas aumentar o nível cultural e intelectual geral da sociedade. Nos muitos contos, filmes, e outras representações artísticas do Socialismo, há pouca

menção às taxas de divórcio subindo ou a debates acalorados sobre arte. A maioria delas imagina uma sociedade sem conflito, o que as faz parecerem tão horripilantes – incluindo as que pretendem promover o Socialismo. Um problema similar existe dentro de muitos movimentos de protesto hoje, em que alguns ativistas querem organizar movimentos e encontros em torno de um modelo de consenso [94] , que significa que quase todos os presentes têm de concordar em uma decisão para que ela passe. Consenso pode às vezes ser um meio efetivo de construir confiança entre pessoas que não se conhecem e que não confiam umas nas outras, especialmente por que a maioria das pessoas nesta sociedade supostamente democrática não tem praticamente nenhuma experiência de participação no processo democrático de discussão, debate, e então um voto majoritário. Quando organizadores veem consenso não como uma tática temporária, mas como um modelo para como a sociedade deve ser gerida, porém, há um problema. Eu quero viver em uma sociedade democrática com conflitos e discussões, onde as pessoas não tenham medo de defender o que acreditam e que não se sintam pressionadas a suavizar suas opiniões para que, quando um acordo seja atingido, nós possamos fingir que todos concordamos em primeiro lugar. Se sua defesa do Socialismo reside sobre a ideia de que as pessoas deixarão de entrar em discussões ou mesmo de ocasionalmente agir feito idiotas, você provavelmente deveria encontrar outra causa. O Socialismo não será criado, Lenin escreveu, com “material humano abstrato, ou com material humano especialmente preparado por nós, mas com o material humano relegado a nós pelo Capitalismo. Verdade, não será uma questão fácil, mas nenhuma outra abordagem para esta tarefa é séria o bastante para garantir discussão.” [95] Para ser um socialista efetivo, é extremamente útil gostar de seres humanos. Não da humanidade como um conceito, mas pessoas reais, suadas. Em “Tudo O Que é Sólido Se Desmancha No Ar” [96], Berman

conta uma história sobre Robert Moses, o famoso planejador urbano da cidade de Nova Iorque que aplainava bairros inteiros que ficavam no caminho dos pontos exatos em que ele visualizava suas novas rodovias. Moses, disse um amigo uma vez, “amava o público, mas não como pessoas.” Ele construiu parques, praias e rodovias para as massas usarem, mesmo detestando a maioria dos nova-iorquinos da classe trabalhadora que ele encontrava.

Amar o público, mas não as pessoas é também uma característica de socialistas elitistas, cuja fé reside mais em planos de desenvolvimento quinquenais, plantas utópicas, ou em vencer futuras eleições do que nas maravilhas que centenas de milhões podem atingir quando são inspiradas e libertas. Por isso suas visões para o Socialismo são tão sem vida ou imaginação.

Em contraste, Marx, que é constantemente apresentado como um intelectual isolado, era uma pessoa barulhenta, conflituosa, divertida e apaixonada, que uma vez declarou que seu dito favorito era a máxima: “sou um ser humano, nada do que é humano me é estranho.” Acho difícil como um mundo gerido pela maioria dos seres humanos, com todos os nossos gloriosos e enfurecedores diferentes talentos, personalidades, loucuras e paixões poderia ser possivelmente chato.

NOTAS DE TRADUÇÃO

por Everton Lourenço, no site O Minhocário [1] Socialist Programs in the U.S.: https://s-media-cacheak0.pinimg.com/736x/3b/03/bb/3b03bb4c55f443f5f284d05281d756ee.jpg [2] No original, “public libraries, welfare, the WIC program, Social Security, food stamps”. [3] No original, “Amber alerts”. [4] O DMV é o departamento público responsável por liberar as carteiras de habilitação nos EUA. São vistos normalmente como extremamente burocráticos e não funcionais. [5] The Making of the American Police State: https://www.jacobinmag.com/2015/07/incarceration-capitalism-black-livesmatter/ [6] Federal Net Outlays as Percent of Gross Domestic Product: https://fred.stlouisfed.org/series/FYONGDA188S [7] Capitalism’s Gravediggers: https://www.jacobinmag.com/2014/12/capitalisms-gravediggers/ [8] Na política dos EUA, principalmente a partir do governo de Reagan nos anos 80, cada vez mais os Republicanos atacam a ideia de qualquer gasto público e defendem um governo cada vez menor, com menos responsabilidades e programas sociais. [9] Status of State Action on the Medicaid Expansion Decision: http://kff.org/health-reform/state-indicator/state-activity-around-expandingmedicaid-under-the-affordable-care-act/ [10] The Neoliberal Turn in American Health Care: https://www.jacobinmag.com/2014/04/the-neoliberal-turn-in-americanhealth-care/

[11] The Families Funding the 2016 Presidential Election: http://www.nytimes.com/interactive/2015/10/11/us/politics/2016presidential-election-super-pac-donors.html?_r=0 [12] O Citizens United foi uma decisão judicial que autorizou os gastos praticamente ilimitados de empresas em campanhas políticas através de entidades chamadas “Super PACs”. [13] Testing Theories of American Politics: Elites, Interest Groups, and Average Citizens: https://scholar.princeton.edu/sites/default/files/mgilens/files/gilens_and_pag e_2014_-testing_theories_of_american_politics.doc.pdf [14] The Business Veto: https://www.jacobinmag.com/2016/02/gude-thirdway-clinton-new-deal-reagan-democratic-party/ [15] The Origin of Capitalism: A Longer View: https://www.amazon.com/-/pt/Origin-Capitalism-Longer-Viewebook/dp/B01BM80SEQ/ref=tmm_kin_swatch_0? _encoding=UTF8&qid=&sr= [16] In the Name of Love: https://www.jacobinmag.com/2014/01/in-thename-of-love/ [17] Social Democracy’s Incomplete Legacy: https://www.jacobinmag.com/2013/11/an-incomplete-legacy/ [18] A ideia de “Maximização de Utilidade” é parte das teorias econômicas da linha “Neoclássica” segundo as quais o ser humano seria um agente capaz de procurar racionalmente, em todas as situações, o que é melhor para si, aumentando o seu prazer e/ou diminuindo o seu sofrimento. É muito comum a crítica a esse tipo de visão na Esquerda e na CentroEsquerda. Uma crítica simplificada a esse conceito de “atividades racionais” pode ser vista no capítulo 5, “Os personagens do drama: Quem são os atores econômicos?” do livro “Economia: Modo de Usar”, de HaJoon Chang. [N.M.] [19] O Manifesto do Partido Comunista – Karl Marx e Friedrich Engels – Capítulo 1.: https://www.marxists.org/portugues/marx/1848/ManifestoDoPartidoComun ista/cap1.htm [N.M.]

[20] Uniting the Dispossessed: https://www.jacobinmag.com/2015/07/palmer-marx-precarity-classstruggle/ [21] The Second American Revolution: https://www.jacobinmag.com/2015/03/eric-foner-interview-reconstructionslavery/ [22] Inovação Vermelha: https://ominhocario.wordpress.com/2015/07/27/inovacao-vermelha/ [23] Traduzi ‘libertarian’ como ‘libertariano’ ao invés de ‘libertário’ para manter clara a distinção entre a tradição libertária socialista e anarquista e o movimento de direita antiestatista. [24] No original, ‘liberal’. Como nos EUA esse termo muitas vezes tem mais a ver com o pensamento progressista do que com o pensamento ‘liberal’ que estamos acostumados, me pareceu melhor traduzir por ‘progressista’. [25] Karl Marx, “Crítica do Programa de Gotha”: https://www.marxists.org/portugues/marx/1875/gotha/gotha.htm#i1 [26] O debate sobre os impostos nos EUA é diferente do nosso, pois aqui temos uma camada a mais de injustiça tributária, já que a maioria dos nossos impostos são indiretos, e aplicados sobre os itens de consumo antes mesmo do consumo em si. Assim, a própria noção de renda ou ganhos prétaxação ou renda bruta pode soar um pouco estranha para nós. [27] The Limits of Libertarianism: https://www.jacobinmag.com/2014/07/the-limits-of-libertarianism/ [28] The Right to a Dignified Life: https://www.jacobinmag.com/2015/08/universal-basic-income-socialistlibertarian/ [29] The Truth About Finance: https://www.jacobinmag.com/2016/01/hillary-clinton-finance-reform-shorttermism-capitalism-stocks-buybacks/ [30] What Obamacare Can’t Do: https://www.jacobinmag.com/2016/02/gaffney-single-payer-sanders-

healthcare-obamacare-aca-clinton/ [31] No original todas as referências eram a discos de Kenny Loggings, um cantor que acredito ser meio desconhecido no Brasil. Optei por trocar por algum artista ou grupo brasileiro, daí as referências ao Calypso. O texto original falava em “você pode guardar sua música horrível”, e por muito tempo isso foi mantido aqui nesta postagem, mas optei por retirá-lo e trocar por “você pode guardar seus discos” porque me desagradava cada vez mais o juízo de valor e a possibilidade de elitismo vinculada a ele. [N.M.] [32] A Labor Movement That Takes Sides: https://www.jacobinmag.com/2015/09/black-lives-matter-labor-day-dyettstrike/ [33] Ver o debate em “Socialismo, Mercado, Planejamento e Democracia” [Seth Ackerman, John Quiggin, Tyler Zimmer, Jeff Moniker, Matthijs Krul, HumanaEsfera]: https://ominhocario.wordpress.com/2017/01/12/socialismo-mercadoplanejamento-e-democracia/ [34] Chasing Utopia: https://www.jacobinmag.com/2016/03/workerscontrol-coops-wright-wolff-alperovitz/ [35] Working for the Weekend: https://www.jacobinmag.com/2012/10/working-for-the-weekend-2/ [36] “Manifesto do Partido Comunista”, Karl Marx e Friedrich Engels – http://www.boitempoeditorial.com.br/v3/Titulos/visualizar/manifestocomunista ou https://www.marxists.org/portugues/marx/1848/ManifestoDoPartidoComu nista/cap4.htm [37] Período de governo de Andrew Jackson, sétimo presidente dos EUA (1829 – 1837). [38] A Revolução Russa: http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/2010/sugestao_leitur a/filosofia/texto_pdf/rosa_luxemburgo_revolucao_russa.pdf (pág. 94) ou https://www.marxists.org/archive/luxemburg/1918/russian-revolution/ [39] “A Guerra Civil na França”, Karl Marx: https://www.marxists.org/portugues/marx/1871/guerra_civil/

[40] Pelo Menos o Capitalismo é Livre e Democrático, né?: https://ominhocario.wordpress.com/2016/07/12/pelo-menos-o-capitalismoe-livre-e-democratico-ne/ [41] “O 18 de brumário de Luís Bonaparte”, Karl Marx: https://www.marxists.org/portugues/marx/1852/brumario/ [42] a recusa dos capitalistas em investir. [43] The Great Reformer: https://www.jacobinmag.com/2015/09/swedensocial-democracy-olaf-palme-assasination-reforms/ [44] The Many Lives of François Mitterrand: https://www.jacobinmag.com/2015/08/francois-mitterrand-socialist-partycommon-program-communist-pcf-1981-elections-austerity/ [45] Social Democracy’s Breaking Point: https://www.jacobinmag.com/2016/06/social-democracy-polanyi-greattransformation-welfare-state/ [46] Por décadas os partidos social-democratas europeus da “Terceira-Via” se colocavam como uma alternativa aos defensores do Capitalismo conservadores e aos Comunistas revolucionários. À partir da vitória do Neoliberalismo, primeiro com Thatcher e Reagan no final dos anos 70, muitos desses partidos passaram a adotar medidas neoliberais, num consenso com os conservadores que muitas vezes se diferenciava apenas na intensidade ou na “culpa” dos representantes dos partidos, mas mantendo a linha do “TINA”, como popularizado por Thatcher (“There Is No Alternative” – “Não há alternativa” ). Para uma boa introdução ao Neoliberalismo, recomendo ‘Para compreender o neoliberalismo além dos clichês’: http://outraspalavras.net/posts/para-compreender-oneoliberalismo-alem-dos-cliches/ [47] China in Revolt: https://www.jacobinmag.com/2012/08/china-inrevolt/ [48] O domínio violento dos EUA sobre a América Latina caracteriza o século XX, com uma série de intervenções abertas ou veladas e apoio a movimentos de desestabilização de governos anti-imperialistas ou vistos como problemas para os interesses estadunidenses, e mesmo de golpes civil-militares, liderados por elites conservadoras e militares fiéis aos EUA.

Assim, termos como “Repúblicas de Bananas”, “Doutrina Monroe” e “Política do Big Stick” são elementos centrais para se compreender esse aspecto da História da América (vale a pesquisa). Por muito tempo o papel dos EUA na conspiração, desestabilização e golpes na América Latina foi desacreditado por muita gente como questões de “Teoria da Conspiração” e “coisa de esquerdistas”, mas a ‘desclassificação’ (processo pelo qual documentos se tornam públicos) de documentos secretos nos EUA da CIA e do Departamento de Estado tem confirmado a sua participação em praticamente todos esses processos. O documentário “O Dia que Durou 21 Anos”, por exemplo, examina os documentos desclassificados que tratam da participação da embaixada dos EUA e da CIA na construção das condições para o Golpe de 64 no Brasil e no Golpe em si: https://youtu.be/RVnf3Ap7guQ. Outro ótimo documentário sobre esse período é “Jango – Como, Quando e Por Que se derruba um presidente”, de Sílvio Tendler: https://youtu.be/ZPDrHXuIUu4. E para ver que não estamos falando apenas de questões antigas, mas de uma política que em muitos sentidos continua funcionando, mesmo que de outras maneiras, vale a pena conferir o documentário “A Revolução não Será Televisionada”, sobre a tentativa de Golpe em 2002 na Venezuela: https://youtu.be/8Bs8t3GkgKA. Não são poucos os que identificam a participação dos EUA (através da CIA, Departamento de Estado e embaixada) em processos mais recentes de desestabilização de governos na América Latina, incluindo as tentativas de Golpes na Bolívia em 2008, no Equador em 2010, o Golpe militar clássico de 2009 em Honduras, e o novo tipo de Golpe, aplicado no Paraguai em 2012 e contra o Brasil de 2016. [49] How Does the Subaltern Speak?: https://www.jacobinmag.com/2013/04/how-does-the-subaltern-speak/ [50] After Rana Plaza: https://www.jacobinmag.com/2014/06/after-ranaplaza/ [51] Why We’re Marxists: https://www.jacobinmag.com/2014/07/whywere-marxists/ [52] The Poverty of Culture: https://www.jacobinmag.com/2014/09/thepoverty-of-culture/

[53] How Race is Conjured: https://www.jacobinmag.com/2015/06/karenbarbara-fields-racecraft-dolezal-racism/ [54] No original, “racial profiling”, ou seja, a atitude da parte da polícia de suspeitar, perseguir e/ou atacar alguém devido à cor da pele. [55] Taking Racism Seriously: https://www.jacobinmag.com/2015/08/black-lives-matter-racism-marxismcapitalism/ “A luta de classes muda as ideias e os preconceitos das pessoas e forja novos laços de solidariedade. Lutas da classe-trabalhadora tem desempenhado um papel central na conquista de trabalhadores brancos para a luta contra o racismo.” [56] No original, “National Association for the Advancement of Colored People (NAACP)”. [57] The Black Belt Communists: https://www.jacobinmag.com/2015/08/alabama-hammer-and-hoe-robinkelley-communist-party/ [58] Restoring King: https://www.jacobinmag.com/author/thomas-j-sugrue/ [59] No original, “Southern Christian Leadership Conference”. [60] Hillary Clinton’s Empowerment: https://www.jacobinmag.com/2015/03/hillary-clinton-womens-rightsfeminism/ [61] Abortion Without Apology: https://www.jacobinmag.com/2015/12/abortion-planned-parenthoodsupreme-court-womens-liberation/ [62] Caring in the City: https://www.jacobinmag.com/2014/10/caring-inthe-city/ “Mesmo em seu ponto alto, os Estados de Bem-Estar Social nórdicos nunca chegaram nem perto de realmente socializar o trabalho de cuidado – especialmente quando pensamos além da educação infantil para os muitos tipos de cuidados de que as pessoas precisam durante seu tempo de vida.”

[63] She Can’t Sleep No More: https://www.jacobinmag.com/2012/12/shecant-sleep-no-more/ [64] Os Estados Unidos não possuem nenhum sistema público e gratuíto como o SUS brasileiro ou sua inspiração, o NHS inglês. [65] Nos EUA mesmo as Universidades Públicas são pagas. [66] O Mito do Antropoceno: https://ominhocario.wordpress.com/2015/07/23/o-mito-do-antropoceno/ [67] Seize the Hamptons: https://www.jacobinmag.com/2014/10/seize-thehamptons/ [68] The Green Struggle: https://www.jacobinmag.com/2015/10/fossilfuels-renewables-capitalism/ [69] Alive in the Sunshine: https://www.jacobinmag.com/2014/01/alive-inthe-sunshine/ [70] No caso, dos Estados Unidos. [71] Students Into Soldiers: https://www.jacobinmag.com/2016/04/roryfanning-military-recruiters-rotc-chicago/ [72] Abolish the Military: https://www.jacobinmag.com/2015/11/veteransday-american-military-iraq-war-libya-vietnam/ [73] Nixon and the Cambodian Genocide: https://www.jacobinmag.com/2015/04/khmer-rouge-cambodian-genocideunited-states/ [74] The Burden of Atrocity: https://www.jacobinmag.com/2014/04/theburden-of-atrocity/ [75] Plantation: http://www.infoescola.com/historia/plantation/ [76] “Vietnam: The (Last) War the U.S. Lost”, Joe Allen – Haymarket Books – 2007. [77] No original, “thrown in his lot with the commies.” [78] The Evolution of Dr. King: https://www.jacobinmag.com/2016/01/martin-luther-king-socialist/

[79] Labor Law Won’t Save Us: https://www.jacobinmag.com/2015/01/unions-civil-right-strike-joe-burns/ “O movimento trabalhista não é apenas outro movimento social. Ele tem um papel especial: desafiar a fonte principal de poder na sociedade – a acumulação do Capital a partir do trabalho dos empregados.” [80] Why Class Matters: https://www.jacobinmag.com/2015/12/socialismmarxism-democracy-inequality-erik-olin-wright/ [81] No original “color-blind”, “cego para cores” ou “daltônico”. [82] No caso, da Constituição estadunidense. [83] “United States Handicapper General”, no original. [84] Em inglês: https://archive.org/stream/HarrisonBergeron/Harrison%20Bergeron_djvu.tx t e traduzido para português: http://fronteiraaberta.blogspot.com.br/2014/01/harrison-bergeron-e-umconto-de-kurt.html (desconheço o conteúdo do blog, apenas encontrei rapidamente a tradução através do Google). [85] Culture Isn’t Free: https://www.jacobinmag.com/2015/07/starvingartists-grizzly-bear-poverty-ubi/ [86] The Rolling Stones’ Czech Invasion: http://www.rollingstone.com/music/news/the-rolling-stones-czech-invasion19901004 [87] “white people problem”, no original. [88] Wendy's Commercial - Soviet Fashion Show: https://www.youtube.com/watch?v=5CaMUfxVJVQ [89] All That Is Solid Melts Into Air - The Experience of Modernity, Marshall Berman: http://www.versobooks.com/books/705-all-that-is-solidmelts-into-air [90] The Industrial Classroom: https://www.jacobinmag.com/2013/04/theindustrial-classroom/ e The Privatization of Childhood: https://www.jacobinmag.com/2015/09/children-testing-schools-educationreform-inequality/

[91] Chicago Says It Will Close 54 Public Schools: http://www.nytimes.com/2013/03/22/education/chicago-says-it-will-close54-public-schools.html [92] Las dos almas del socialismo, em espanhol: https://www.marxists.org/espanol/draper/1960.htm [93] Sergei M. Eisenstein (1898–1948): http://www.imdb.com/name/nm0001178/ [94] The Theology of Consensus: https://www.jacobinmag.com/2015/05/consensus-occupy-wall-streetgeneral-assembly/ [95] Os Revolucionários Devem Actuar nos Sindicatos Reacionários?: https://www.marxists.org/portugues/lenin/1920/esquerdismo/cap03.htm#VI [96] All That Is Solid Melts Into Air - The Experience of Modernity, Marshall Berman: http://www.versobooks.com/books/705-all-that-is-solidmelts-into-air

Table of Contents CRÉDITOS SOBRE OS AUTORES FOLHA DE ROSTO O PAÍS JÁ NÃO É MEIO SOCIALISTA? PELO MENOS O CAPITALISMO É LIVRE E DEMOCRÁTICO, NÉ? “TRABALHE OU MORRA DE FOME” NÃO É LIBERDADE OS CAPITALISTAS DECIDEM DAS OITO ÀS CINCO É TIRANIA OS GOVERNOS TÊM DE ESTAR À SERVIÇO DOS INTERESSES DE CAPITALISTAS PRIVADOS AS ELITES CONTROLAM O SISTEMA POLÍTICO O SOCIALISMO SOA BEM NA TEORIA, MAS A NATUREZA HUMANA NÃO O TORNA IMPOSSÍVEL DE SE REALIZAR? OS RICOS NÃO MERECEM FICAR COM A MAIOR PARTE DO SEU DINHEIRO? OS SOCIALISTAS VÃO LEVAR OS MEUS DISCOS DO CALYPSO? O SOCIALISMO NÃO TERMINA SEMPRE EM DITADURA? O SOCIALISMO NÃO É SÓ UM CONCEITO OCIDENTAL? E SOBRE O RACISMO? OS SOCIALISTAS NÃO SE IMPORTAM SÓ COM CLASSE? DIVIDIR E GOVERNAR O SOCIALISMO E O FEMINISMO NÃO ENTRAM ÀS VEZES EM CONFLITO? POR QUE SOCIALISTAS DEVERIAM SER FEMINISTAS POR QUE FEMINISTAS DEVERIAM SER SOCIALISTAS UM MUNDO SOCIALISTA NÃO SIGNIFICARIA SÓ UMA CRISE AMBIENTAL MAIOR AINDA? OS SOCIALISTAS SÃO PACIFISTAS? ALGUMAS GUERRAS NÃO SÃO JUSTIFICADAS? TORNANDO O MUNDO SEGURO PARA O CAPITALISMO O INIMIGO EM CASA ALÉM DO IMPERIALISMO

POR QUE OS SOCIALISTAS FALAM TANTO SOBRE TRABALHADORES? O CAPITALISMO NÃO VAI DAR CONTA SEGURANDO A ALAVANCA O SOCIALISMO VAI SER CHATO? NOTAS DE TRADUÇÃO

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