A Teologia Do Corpo de João Paulo II

April 27, 2019 | Author: Pedro H | Category: Celibacy, Priest, Love, Saint, Jesus
Share Embed Donate


Short Description

Download A Teologia Do Corpo de João Paulo II...

Description

A Teologia do Corpo de João Paulo II Jesus Cristo é a concretização perfeita do casamento de Deus com a humanidade,  prefigurada no Livro do Gênesis, com Adão e Eva antes do pecado, e consumada no Livro do Apocalise com as núpcias do Cordeiro. Esta é a intuição básica do BemAventurado Papa João Paulo II apresentada em sua Teologia do Corpo. O Bem-Aventurado Papa João Paulo II deu continuidade à tradição iniciada pelo Papa Pio IX, em 1870, com as chamadas Audiências Gerais. Elas acontecem desde então, às quartas feiras, e são um modo de o Sumo Pontífice relacionar-se mais de perto com os  peregrinos. Nelas são proferidas as chamadas "catequeses". "catequeses". Enquanto ainda era cardeal, o Papa João Paulo II iniciou a escrita de um livro que acabou não sendo nem terminado nem publico, justamente por sua eleição. Tal livro, intitulado "Homem e Mulher Ele o Criou", teve seus capítulos apresentados durante as Audiências Gerais do ano de 1979 até 1984. Foram 129 catequeses a respeito da chamada Teologia do Corpo, que jogou a luz do Evangelho sobre a confusão moderna que se instalou sobre o relacionamento entre homem e mulher. O Papa conseguiu apresentar a sexualidade humana de maneira fiel ao ensinamento da Igreja e, ao mesmo tempo, nova. A tradição foi apresentada de um modo que o mesmo homem atual consegue entender. Em 1985 foram publicadas 133 catequeses, pois algumas não haviam sido  pronunciadas em público. A edição italiana foi publicada em português pela EDUSC, em 2005. No entanto, os textos do Papa, por serem bastante profundos, necessitam de uma espécie de "tradução", ou seja, postos numa linguagem mais simples. Um bom subsídio  para iniciantes é o livro livro de Christopher Christopher West, "Teologia do Corpo para Principiantes: Principiantes: uma introdução básica à revolução sexual por João Paulo II", Editora Myrian, 2008. Outra obra que será utilizada neste curso é o comentário do próprio Christopher West às Catequeses, intitulado "Theology of the Body Explained (Revised): A Commentary on John Paul's "Man and Woman He Created Them". O Romano Pontífice afirma que "o corpo, de fato, e só ele, é c apaz de tornar visível o que é invisível: o espiritual e o divino. Foi criado para transferir para a realidade visível do mundo o mistério oculto desde a eternidade em Deus e assim ser sinal d´Ele."(19,4)[01] d´Ele."(19,4)[01] Esta é a intuição básica de toda sua teologia. Segundo ele, a observação do ser humano em sua integridade permite enxergar algo de Deus. Da mesma forma, observando como Deus Se revelou em Jesus Cristo é  possível entender - no Deus que se fez carne - algo do ser humano. Esta circularidade divina revelada no homem e do homem que se revela no Deus que se encarnou - teologia e antropologia que se fecundam mutuamente -está contida no Capítulo 2 do Gênesis: E o Senhor Deus disse: "Não é bom que o homem esteja só. Vou fazer-lhe uma auxiliar que lhe corresponda". Então o Senhor Deus formou da terra todos os animais selvagens e todas as aves do céu, e apresentou-os ao homem para ver como os chamaria; cada ser vivo teria o nome que o homem lhe desse. E o homem deu nome a todos os animais domésticos, a todas as aves do céu e a todos os animais selvagens, mas não

encontrou uma auxiliar que lhe correspondesse. Então o Senhor Deus fez vir sobre o homem um profundo sono, e ele adormeceu. Tirou-lhe uma das costelas e fechou o lugar com carne. Depois, da costela tirada do homem, o Senhor Deus formou a mulher a apresentou-a ao homem. E o homem exclamou: "Desta vez sim, é osso dos meus ossos e carne da minha carne! Ela será chamada „humana‟ porque p orque do homem foi tirada". (Gên 2, 18-23) Esta belíssima poesia - a primeira de amor - foi proclamada antes do pecado  primeiro. A união de Adão e de Eva no Paraíso, antes de o projeto de Deus ser distorcido  pela desobediência, logo no início da Bíblia, reflete um outro enlace narrado no último Livro, as núpcias do Cordeiro, o casamento entre Deus e o homem. É interessante notar o desejo de Deus em unir-se à humanidade. O ser humano foi feito para este casamento último. É por isso que nenhum homem ou mulher encontrará em seu companheiro aqui na Terra o preenchimento do coração,  porque somente em Deus será será saciado o anseio do coração coração humano. O namoro ou o casamento não podem ser empecilhos para a aproximação com Deus. O relacionamento de amor honesto, casto, de doação deve ser um trampolim para o Divino e o desejo que se sente pelo sexo oposto deve refletir a busca pela verdadeira felicidade que, como já foi dito, somente será saciada em Deus. Justamente por causa disso é que o homem peca. O Diabo se apropria do instinto natural de todo ser humano pela sexualidade e a perverte. Os homens passam, então, a  procurar no sexo um "deus alternativo". alternativo". E este casamento encontra sua plenitude na pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele é a união entre Deus e a humanidade, numa só pessoa. E é por isso que o Papa João Paulo II diz: "Pelo fato de o Verbo de Deus ter se feito carne, o corpo entrou pela porta  principal na teologia."(23,4) teologia."(23,4) Além desta preciosa intuição básica, o Papa João Paulo II apresenta, em sua Teologia do Corpo, um método entusiasmante. O universo filosófico-teológico a que ele  pertencia era riquíssimo e é importante deixar claro, ao menos para os estudantes de Filosofia, o quanto se pode extrair dela. É possível elencar três chaves de leitura: 1. Estudou Santo Tomás de Aquino no Angelicum em Roma, portanto, foi um tomista que usou o Aquinate para entender São João da Cruz e a espiritualidade carmelitana. 2. Além de tomista, João Paulo II foi adepto do "personalismo", portanto, cria no conceito de "pessoa" e na relacionalidade presente na substância do ser humano. 3. Tomista e personalista, João Paulo II foi também adepto da "fenomenologia", ou seja, corrente contrária ao positivismo que tem seu ponto de partida nas experiência pessoais, extinguindo, portanto, a separação entre o sujeito e o objeto.  Na próxima aula será apresentado apresentado o primeiro ciclo de Catequeses. Referências

[01] As catequeses serão indicadas pelo seu número e parágrafos correspondentes. P.ex.: Catequese

"No princípio não era assim"

O Papa João Paulo II notou que não é somente verdade que o homem individualmente falando é imagem de Deus, mas que também a diversidade de homem e mulher, de alguma forma, é imagem de Deus. Existe nela uma bondade originária e, se hoje o relacionamento entre homem e mulher é conflitivo, não era assim no princípio. O Catecismo da Igreja Católica identifica com clareza a causa dessa desordem: Segundo a fé, essa desordem que dolorosamente constatamos não vem da natureza do homem e da mulher, nem da natureza de suas relações, mas do pecado. Tendo sido uma ruptura com Deus, o primeiro pecado tem, como primeira consequência, a ruptura da comunhão original do homem e da mulher. Suas relações começaram a ser deformadas  por acusações recíprocas, sua atração mútua, dom do próprio Criador, transforma-se em relações de dominação e de cobiça; a bela vocação do homem e da mulher para ser fecundos, multiplicar-se e sujeitar a terra é onerada pelas dores de parto e pelo suor do ganha-pão. (1607) Quando Deus fez a mulher, não a retirou da cabeça do homem, para que ela  pudesse sentir-se superior a ele, nem dos pés, para ele pudesse pensar o mesmo. Ele tirou da costela, do lado, o que significa uma igual dignidade entre eles. Portanto, quando o casal, unido em sagrado matrimônio, mantém relação sexual, esta deve ser de "iguais", não deve haver um dominador, um dominado; um senhor, um escravo. Tais práticas levam o casal para longe do projeto inicial de Deus. Nesse sentido, o Papa João Paulo II diz: Por este motivo pode-se dizer com certeza que o primeiro capítulo do Gênesis se constituiu um ponto inexpugnável de referência e a base sólida para uma metafísica e também para uma antropologia e uma ética, segundo a qual «ens et bonum convertuntur» . Sem dúvida, tudo isto tem significado próprio, também para a teologia e sobretudo para a teologia do corpo. (2,5) O princípio "o ser e o bom se convertem", interpenetram-se, ou seja, se uma coisa é, então ela é boa e se é má, ela é má enquanto não é. Deus não criou o mal, ele não tem entidade, é uma desordem no ser, um vazio que causa desordem. Logo, se o desejo é de ter um relacionamento bom é preciso mergulhar numa reflexão naquilo que é o ser das coisas. Quando a Igreja "proíbe" algo, ela não está arbitrariamente determinando algo, mas, ao contrário, ela está jogando uma luz sobre o que é bom para o ser. A verdade está no ser e não na convenção. Assim, a Bíblia fornece um conhecimento do que era o  projeto originário de Deus para o ser humano. Portanto, Jesus está dizendo que no princípio o relacionamento entre homem e mulher não era desordenado e que, na raiz do ser homem e do ser mulher existe uma harmonia. Se esta se perdeu foi por causa da "dureza dos vossos corações".

O primeiro ciclo de catequeses proferidas por São João Paulo II a respeito da Teologia do Corpo versou sobre a análise de uma palavra extraída do versículo 8, do capítulo 19, do Evangelho de São Mateus, quando Jesus diz: "Mas não foi assim desde o princípio." O Papa se põe, ao longo de 23 catequeses, a analisar qual era o projeto inicial de Deus, como Ele pensou a criação. Antes de mais nada é preciso entender o contexto em que Jesus pronunciou a  palavra. Vejamos a passagem completa: Alguns fariseus aproximaram-se de Jesus e, para experimentá-lo, perguntaram: "É  permitido ao homem despedir sua mulher por qualquer motivo?" Ele respondeu: "Nunca lestes que o Criador, desde o princípio, os fez homem e mulher e disse: 'Por isso, o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e os dois formarão uma só carne'? De modo que eles já não são dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, o homem não separe". Perguntaram: "Como então Moisés mandou dar atestado de divórcio e despedir a mulher?" Jesus respondeu: "Moisés permitiu despedir a mulher, por causa da dureza do vosso coração. Mas não foi assim desde o princípio. Ora, eu vos digo: quem despede sua mulher - fora o c aso de união ilícita - e se casa com outra, comete adultério." (Mt 19, 3-9) Jesus cita frases oriundas dos dois relatos sobre a criação encontrados no Livro do Gênesis. Do primeiro relato extraiu a frase "E ele os fez homem e mulher" e do segundo "os dois formarão uma só carne". Ora, esta realidade de que Deus criou homem e mulher e de que ambos se unirão foi pervertida pelo pecado original, que se reflete quando Jesus diz: "Moisés permitiu despedir a mulher, por causa da dureza do vosso coração." Portanto, Nosso Senhor está a dizer que existe algo de errado c om a humanidade. Trata-se de uma doença espiritual chamada esclerocardia, uma desordem no modo humano de amar. Ao analisar com profundidade qual era o projeto inicial de Deus, o Papa J oão Paulo II começa por esmiuçar o primeiro relato da Criação. Nele, Deus apresenta a criação do homem e da mulher com uma profundidade teológica maior que no outro relato. Vejamos: Deus disse: "Façamos o ser humano à nossa imagem e segundo nossa semelhança,  para que domine sobre os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todos os animais selvagens e todos os animais que se movem pelo chão". Deus criou o ser humano à sua imagem, à imagem de Deus o criou. Homem e mulher ele os criou. E Deus os abençoou e lhes disse: "Sede fecundos e multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a! Dominai sobre os peixes do mar, as avés do céu e todos os animais que se movem pelo chão". Deus disse: "Eis que vos dou, sobre toda a terra, todas as plantas que dão semente e todas as árvores que produzem seu fruto com sua semente, para vos servirem de As experiências originais do ser humano alimento. E a todos os animais da terra, a todas as aves do céu e a todos os animais que se O Papa João Paulo II, em sua “Teologia do Corpo”, analisa as três experiências movem pelo chão, eu lhes dou todos os vegetais para alimento". E assim se fez. E Deus originais do ser humano: solidão, comunhão e nudez, visando descobrir qual era o projeto viu tudo quanto havia feito, e era muito bom. Houve uma tarde e uma manhã: o sexto dia. inicial de Deus para o homem e a mulher.

O grande legado do Papa João Paulo II foi a sua “Teologia do Corpo”, dividida ao todo em seis grandes ciclos de Catequeses. O primeiro vai até a 23ª e recebeu o título de “No princípio”. Conforme visto na aula anterior, a frase basilar do primeiro ciclo foi: “Disse Jesus: “No princípio não era assim” (Mt 19,3 e Mc 10,2). Ora, se a realidade atual do sexo entre homem e mulher não é do jeito que Deus pensou no início, como era então? Para responder essa indagação, Papa João Paulo II parte da análise do relacionamento entre homem e mulher antes do pecado original. Iniciando as reflexões, apresenta no primeiro ciclo três pontos fundamentais: a solidão originária, a comunhão originária e a nudez originária, que são chamadas por ele de “experiências originais do ser humano”, ou seja, estavam no início e hoje não estão ou se apresentam de maneira deformada. Christopher West diz: João Paulo lança um olhar animador sobre as estórias da criação. (...) Embora não tenhamos uma experiência direta do estado de total inocência do primeiro homem e da  primeira mulher, o Papa afirma que em cada um de nós existe um “eco” do começo. As experiências originais - diz ele - “estão sempre na raiz de toda experiência humana (...). Encontram-se tão efetivamente entrelaçadas com as coisas ordinárias da vida, que geralmente nos passa despercebido o seu caráter extraordinário”. [01] O homem é sozinho. Mas, não se trata tão somente de um estar sem mulher. Do versículo “Não é bom que o homem esteja só.” (Gên 2,18), o Papa “extrai um sentido mais profundo”[02], pois, segundo ele, “Adão nos represen ta a todos, (...) pois é a única criatura corpórea feita à imagem e semelhança de Deus. Como homem, está sozinho no mundo visível como uma pessoa”[03]. E continua dizendo que Adão “procurou uma auxiliar entre os animais e não a encontrou”, porque era difer ente. A diferença entre Adão e os animais aos quais nomeara é que ele possuía a liberdade, uma vez que “não é determinado por sua instintividade”. Os animais não possuem alma, por isso não têm também liberdade e, sem ela, são incapazes de amar. São escravos de se us instintos. O homem, por sua vez, reconhece na mulher - ossos dos seus ossos, carne de sua carne - que não está mais só, pois completam-se mutuamente. Embora continuem ainda “sozinhos” no mundo, no sentido de que suas almas anseiam por Deus, recon hecem-se um no outro. West explica que Adão foi dotado de uma capacidade para amar, advinda da liberdade com que Deus o dotou: Em sua solidão, o primeiro homem percebe que sua origem, sua vocação e seu destino é o amor. Percebe que, diferentemente dos animais, é convidado a entrar em “aliança de amor” com o próprio Deus. É esta união de amor com Deus que, mais do que qualquer outra coisa, define sua “solidão”. Ao experimentar esse amor, com todo o seu ser anseia por partilhá-lo com outra pessoa igual a ele. (...) É na solidão, portanto, que Adão descobre sua dupla vocação: amar a Deus e amar ao próximo.[04] Esta solidão que “é algo espiritual, no entanto, é experimentada corporalmente. (...) E podemos também dizer, [que] o corpo expressa a liberdade da pessoa, ou, pelo menos,  para isso é destinado.”[05] Assim, o homem é livre para dizer sim ou não ao convite feito.

Portanto, como o homem é “pessoa”, dotado de liberdade, capaz de amar, Deus o chama para o amor, para amar, para relacionar-se. Ele é convidado a sair de si na direção do outro, pois é isso precisamente o que o faz “pessoa”. Diz West que “a liberdade é concedida para amar. Ela pode levar à destruição e à divisão, mas sua finalidade é dar vida e criar unidade.” [06] Assim, a solidão originária que está no homem é uma marca que está em seu ser.  Não passará porque não existe mulher que possa saciar o seu coração, da mesma forma que não existe homem que possa saciar o coração dela. Isso ocorre porque a solidão originária do homem aponta para Deus. Essa afirmação que pode ser observada por qualquer um que olhe para dentro de si mesmo, encontra eco nas palavras de Santo Agostinho: “Criaste -nos para vós e o nosso coração está inquieto enquanto não repousa em vós.” É por isso que a experiência da solidão originária deve ser um trampolim para a comunhão e para o a mor. O homem é relação de comunhão e de amor, isso o define. Por isso Adão exclamou  jubiloso quando viu a mulher: “Desta vez sim, é osso dos meus ossos e carne da minha carne!”, porque Deus fez a mulher da mesma natureza que a sua. Sendo assim, ambos são chamados a estarem em comunhão. Christopher West explica que: A criação da mulher a partir de um osso de Adão é uma forma figurada de expressar que ambos, homem e mulher, participam da mesma humanidade. Ambos são  pessoas feitas à imagem de Deus. Ambos estão “sozinhos” no mundo, pois são diferentes dos animais (solidão original); mas ambos são chamados a viver numa aliança de amor. [07] “Osso dos meus ossos e carne da minha carne” (Gn 2,23) pode ser considerada a  primeira poesia de amor. É um canto de amor. Mas, de que modo a mulher completa o homem? Como se dá a comunhão entre ambos? A resposta pode até parecer estranha, mas é certo que entre os seres humanos só há comunhão e encontro pessoal de fato quando duas solidões se encontram sem pretender uma saciar a solidão do outro. Comunhão é diferente da simples união, pois quando algo é “uno”, ele não está necessariamente em comunhão com outra coisa, pois não existe relacionalidade com nada. É é a partir dos dois necessários para que haja comunhão - sem que um queira “fagocitar” o outro - que pode existir a “comunhão”. No entanto, nas relações interpessoais há uma tendência doentia de dominação, em que um se torna objeto, coisa. West explica que : O tornar-se “uma só carne”, (...), não consiste apenas na união de dois corpos (como no caso de animais); é “uma expressão „sacramental‟ que corresponde à comunhão de pessoas”. Lembre-se aqui o que dissemos sobre a “sacramentalidade” do corpo. Ele torna visível o mistério invisível de Deus, que é em si mesmo uma eterna comunhão de Pessoas; de Deus que em si mesmo é amor. [08] Portanto, o Papa JPII fala sobre a unidade originária, ou seja, de como a comunhão e a solidão se completam mutuamente. Homem e mulher se tornam uma só carne quando se unem e tal união não implica em que os dois corpos desapareçam. Pela observação

direta do corpo de um homem já se pode notar o quanto é incompleto e o modo pelo qual é justamente o corpo da mulher que o completa. O terceiro ponto é a nudez originária. O Papa João Paulo II, de maneira corajosa, ensina que essa “é precisamente a chave para compreender o plano original de Deus para a vida humana”.[09] Deus procura pelo homem no Jardim, chama- o e, então, o homem responde: “Ouvi teu ruído no jardim. Fiquei com medo, porque estava nu, e escondi- me.” (Gên 3,10) Ora, uma das consequências do pecado original é justamente a percepção aguda da própria nudez como algo negativo. Intuitivamente, o Papa João Paulo II diz, então, que a nudez originária não era negativa, portanto, Deus criou o homem para viver nu. Pode parecer espantoso, mas, diante disso, a conclusão é de que as roupa são usadas por causa do pecado original. Por outro lado, já não é mais possível ao homem viver nu, como se estivesse no paraíso. Não se trata de uma apologia ao naturalismo. Mas, é inegável que no projeto original de Deus havia uma nudez e ela era inocente. Por quê? Diz o Papa que, naquela realidade originária, a mulher não sentia necessidade de esconder o próprio corpo, pois não havia perigo do homem tratá-la como objeto. Tome essa experiência de medo (vergonha) diante de outra pessoa e, dando-lhe meia- volta, chegamos à experiência da nudez de Adão e Eva sem sentirem a menor vergonha. A luxúria (desejo sexual para satisfação própria) ainda não tinha penetrado no coração humano. Daqui porque nossos primeiros pais não sentiram necessidade de autodefesa na presença do outro, simplesmente por que o outro não representava nenhuma ameaça à sua dignidade. Como se expressa poeticamente o Papa, eles “se olham e se conhecem” com toda paz do olhar interior. Esse “olhar interior” indica não apenas a  presença de um corpo, e sim de um corpo que revela um mistério pessoal e espiritual. Eles viram o plano de amor de Deus (teologia) como que gravado em seus corpos nus, e isto era exatamente o que desejavam: amar como Deus ama, em e através de seus corpos. E não existe medo (vergonha) no amor. “O perfeito amor lança fora o temor.” [10]  No projeto inicial de Deus também não havia a idolatria. Ora, o corpo humano é uma imagem e, como tal, pode ser ícone ou ídolo. Ícone é uma janela que se abre para Deus. Para Adão, o corpo de Eva era c omo que um ícone que o levava para o Infinito que é Deus. Todavia, com o pecado original, a imagem que antes era ícone torna-se ídolo. O ídolo é a imagem que toma o lugar de Deus. É uma realidade opaca, fechada, na qual o homem deixa de olhar para Deus e se concentra somente na mulher. Na realidade originária, o homem podia enxergar a mulher e ver que ela o levava para Deus. Hoje, por causa do pecado original, essa visão se tornou muito difícil, mas grandes santos chegaram nesse estágio. Uma famosa história contida nos ditos Padres do Deserto conta que um grupo de monges certa vez se deparou com uma prostituta no caminho. Viraram seus rostos para não verem a nudez da mulher. Menos o monge mais santo. Este chorou e exclamou, olhando fixamente para a mulher: “Vejam como Deus é grande. Vejam com que am or ele fez suas criaturas.” Este é o Adão, este é o homem originário, esta é a nudez originária.

O corpo humano possui um significado esponsal, de união, em que já é aqui na Terra um sacramento da união que o homem precisa ter com Deus e que terá, de fato, na eternidade. Segundo o Papa: A nudez sem envergonhar-se mostra que o primeiro casal participou da mesma visão de Deus. Eles conheceram a sua bondade. Conheceram o glorioso plano de amor traçado por Deus. Viram-no escrito em seus corpos e o experimentaram na atração mútua. Com o surgimento do pecado, porém, perdemos essa gloriosa visão. Mas não esqueça que “Jesus veio restaurar a criação na sua pureza original”. Claro, isso só se completará no céu; no entanto, através da graça da redenção, podemos começar a conquistar ainda nesta vida o que se perdeu. [11] O Gênesis fala do Apocalipse. O casamento de Adão e Eva fala do casamento de Deus com a humanidade. O primeiro casamento aponta para o segundo e esta é a realidade da Teologia do Corpo. Referências

1.WEST, Christopher, “Teologia do Corpo para principiantes - Uma introdução básica à revolução sexual por João Paulo II”, Editora Myrian, 2008, pág. 36 2.idem 3.ibidem

Cristo apela ao coração humano Por causa do pecado original, a sexualidade humana precisa ser redimida. Em Jesus, o domínio soberbo sobre o corpo é quebrado por Sua entrega sacrifical: “Isto é meu corpo, que é dado por vós”. A escravidão do pecado é transformada na liberdade do amor e é instituída uma nova ética: a do coração.  No segundo ciclo de catequeses sobre a Teologia do Corpo, São João Paulo II fala sobre o projeto da redenção para a sexualidade humana. Enquanto o primeiro ciclo estava voltado para a Criação, o segundo olha mais atentamente para a Redenção. Como ponto de partida para sua reflexão, o Papa recorre às palavras de Jesus: “Ouvistes que foi dito: „Não c ometerás adultério‟. Ora, eu vos digo: todo aquele que olhar  para uma mulher com o desejo de possuí-la, já cometeu adultério com ela em seu coração” (Mt 5, 27-28). Com isso, Jesus traz um novo conceito de adultério. Não se trata mais, como no Antigo Testamento, de simplesmente deitar-se com a mulher do próximo. Agora, um novo ethos é posto, é instituída a ética do coração: não basta não praticar o ato externo pecaminoso; é preciso amar, verdadeiramente. Antes de entender como a sexualidade humana é redimida, é preciso olhar como está o coração do homem após o pecado original. No diálogo entre a serpente e a mulher (cf. Gn 3, 1ss), que antecede a queda, Eva, ao invés de receber gratuitamente de Deus a  participação em Sua vida, procura apropriar-se desse dom, tomá-lo para si. A Escritura diz que “a mulher viu que seria bom comer da árvore, pois era atraente para os olhos e desejável para obter conhecimento. Colheu o fruto, comeu dele e o deu ao marido a seu lado, que também comeu” (Gn 3, 6). A expressão grega utilizada pelo Autor Sagrado neste trecho é a mesma que Ele usa para dizer que Cristo, “existindo em forma divina,

não se apegou ao ser igual a Deus, mas despojou-se, assumindo a forma de escravo e tornando-se semelhante ao ser humano” (Fl 2, 6-7). A palavra “ ἁρπαγμὸ ν” (lêse: arpagmón ) significa isto: uma realidade que foi tomada, arrebatada com violência, algo de que se tomou posse. O projeto de Deus para a humanidade era que esta fosse Sua esposa. É por isto que o diálogo antes da queda acontece com a mulher: porque ela é, na relação conjugal, o  polo passivo. Eva representa a humanidade passiva diante de Deus, a humanidade que recebe d‟Ele a existência, a vida, a felicidade e todo s os dons. Não se fala, por certo, de uma passividade inerte, mas de uma “receptividade de comunhão”. Como em uma valsa, em que a mulher é conduzida pelo homem, mas responde sensivelmente aos seus movimentos, a humanidade (na figura de Eva) foi chamada por Deus não só a receber o Seu amor, mas também a respondê-lo. A resposta da humanidade, no entanto, é a ingratidão do pecado. O homem, enganado pela serpente e desacreditado do amor de Deus, passa a tratar Deus como um inimigo: “Quando ouviram o ruído do Se nhor Deus, que passeava pelo jardim à brisa da tarde, o homem e a mulher esconderam-se do Senhor Deus no meio das árvores do  jardim” (Gn 3, 8). A atitude de Adão e Eva de ocultar -se é a postura de quem vê aproximar-se seu inimigo. Além da desordem na relação com Deus, no entanto, o  primeiro homem experimenta uma disfunção também na forma como se relaciona com sua companheira: ele quer tratá-la como objeto, quer usá-la para obter gratificação sexual. A mulher, em compensação, quer usar o homem para obter gratificação emocional. Então, a sexualidade precisa ser redimida, principalmente na vida matrimonial.  Não é porque uma pessoa se casa que ela está autorizada a usar seu cônjuge para sua satisfação pessoal. Por isso, é preciso um caminho, uma mudança: da situação de desordem causada pelo pecado original para a pureza de coração. Esse caminho é árduo,  pois há uma malícia no homem contra a qual ele deve lutar incessantemente, até atingir a  pureza de coração, sem a qual não veremos a Deus (cf. Mt 5, 8).  Nesse caminho, homens e mulheres devem tomar precauções mútuas. Estas devem cuidar-se com relação ao seu corpo. Por conta do pecado, as mulheres tendem a querer tornar-se objetos, em troca de compensação afetiva. Para mudar essa realidade, é preciso que ela cultive a virtude da modéstia, cobrindo o seu corpo com um véu, não por ele ser mau ou impuro, mas justamente por ele ser santo. Os homens, por sua vez, devem refrear a paixão desordenada  –   que não é instinto natural  –   de tratar sua companheira como objeto de seu domínio. Para isso, é importante que ele tenha sempre em mente a sua alma. Também é importante que o homem vigie o seu olhar. Pela culpa original, o homem é um voyeur , seu prazer está em ver. Não sem razão a pornografia, que é uma “escravidão do olhar”, é um pecado eminentemente masculino. Por fim, tanto o homem quanto a mulher devem ser testemunhas do primado de Deus em suas vidas. A relação desordenada entre eles, baseada no modelo senhor e escravo, somente será superada quando existir para os dois um senhor de verdade, que é Deus.

Mas, como fazer isso, se o homem sente medo de Deus? “E a Palavra se fez carne e veio morar entre nós” (Jo 1, 14). Com a sua vida, Cristo proclama: “Não acreditas que Deus te ama? Permite-me então mostrar-te quanto Deus te ama.  Não acreditas que Deus é dom? Isto é meu corpo, que é dado por vós (cf. Lc 22, 19). Pensas que Deus deseja privar-te da vida? Derramarei meu sangue até a última gota, a fim de que o sangue da minha vida te dê a vida em abundância (cf. Jo 10, 10). Pensavas que Deus era um tirano, um senhor de escravos? Vou tomar a forma de escravo (cf. Fil 2, 7) e me colocar „sob teu domínio‟ para mostrar -te que Deus não deseja „dominar -te‟ (cf. Mt 20, 28). Pensavas que Deus te açoitaria, se lhes desses oportunidade? Quero deixar-me açoitar por ti, para mostrar-te que Deus não tem a menor intenção de te açoitar. Não vim  para te condenar, mas para te salvar (cf. Jo 3, 17). Não vim para te escravizar, mas para te libertar (cf. Gl 5, 1). Deixa de lado a tua incredulidade. Arrepende-te e crê na boa nova (cf. Mc 1, 15).” [1] Dentro da Redenção, está a chave para a liberdade e ela se chama “amor”. Enquanto o Antigo Testamento nos deu a Lei, Jesus Cristo trouxe-nos o amor, por meio do qual os mandamentos deixam de ser um fardo. Quem se entregou voluntariamente por amor não vê dificuldades em cumprir leis ordenando que não se ofenda o objeto amado,  já que a última coisa que o ser amante quer é ver aquele que ama ofendido. Se nós amarmos, se respondermos ao amor de Deus com generosidade, isso nos tornará livres, porque não somente estaremos cumprindo o Decálogo, mas também daremos um passo a mais, convertendo o nosso coração ao amor de Deus e tornando-nos livres. No amor, deixamos de ser escravos. E é para esta liberdade que Cristo nos libertou (cf. Gl 5, 1). Referências

1.WEST, Christopher. Teologia do Corpo para principiantes - Uma introdução básica à revolução sexual por João Paulo II . Porto Alegre: Editora Myrian, 2008. p. 58

O celibato por amor ao reino dos céus Os três primeiros ciclos de catequeses de São João Paulo visam responder à  pergunta: O que é a sexualidade humana? Neste quarto ciclo que se inicia, surge uma outra questão: Como viver a sexualidade? O Papa continua a leitura do capítulo 19 de Mateus, iniciada no primeiro painel do tríptico. Ao ser questionado por fariseus, que O queriam por à prova, Jesus responde, mas sua resposta suscita uma reação nos discípulos e enseja outra resposta do Mestre: Seus discípulos disseram-lhe: Se tal é a condição do homem a respeito da mulher, é melhor não se casar! Respondeu ele: Nem todos são capazes de compreender o sentido desta palavra, mas somente aqueles a quem foi dado. Porque há eunucos que o são desde o ventre de suas mães, há eunucos tornados tais pelas mãos dos homens e há eunucos que a si mesmos se fizeram eunucos por amor do Reino dos céus. Quem puder compreender, compreenda.[01] É justamente a resposta de Jesus que o Papa usa para iniciar esse quarto ciclo, em que abordará a questão da vocação do ser humano. Ele diz que “a revelação cristã

reconhece duas formas específicas de realização completa da vocação do amor do ser humano: matrimônio e virgindade ou celibato”[02]. E continua dizendo que “tanto uma quanto a outra, em sua forma própria, representa a realização da verdade mais profunda a respeito de o homem ter sido criado à imagem de Deus”[03]. Neste primeiro momento, abordará o celibato. Existem homens, como bem frisou Nosso Senhor Jesus Cristo, que são fisicamente incapazes de ter relações sexuais: os “eunucos”. E Ele diz que estão divididos em três categorias: a primeira, daqueles acometidos por um problema genético - nasceram assim; a segunda, daqueles que foram castrados (antigamente era comum um rei mandar castrar o escravo escolhido para cuidar das esposas reais) e, por fim, a terceira, daqueles que assim se fizeram por causa dos Reino dos Céus. O celibato por amor a Deus ilumina de forma extraordinária o matrimônio, pois recorda aos esposos que a finalidade de cada um é a vida eterna, o casamento eterno com Deus. Juntos, o casal deve caminhar rumo ao seu objetivo, sem colocar um no outro a razão da felicidade, pois isso seria destruidor para ambos. O sacerdote, por sua vez, à luz do matrimônio, deve se recordar que está despojado de si mesmo em função do outro, como um esposo deve ser. Por isso o celibato é uma grande riqueza da Igreja e aboli-lo seria, de certa forma, destruir o matrimônio, pois é ele que lança luz e recorda a verdadeira finalidade do ser humano: contemplar Deus face a face. É bom lembrar que foi num mundo pagão que o celibato cristão surgiu. Os  primeiros celibatários eram vistos como pessoas pervertidas e foram acusados de inúmeras depravações. Na medida, porém, que o mundo foi sendo convertido, também o celibato foi sendo entendido como dom de Deus. Portanto, ter fé é um pré-requisito para se entender a sua grandeza. Daí a importância do Anúncio: é preciso que as pessoas sejam convertidas para compreenderem. O celibato possui três características muito importantes que lhe dão o sentido e a eficácia: 1. ele é livre; 2. ele é sobrenatural; 3. ele é místico. Todas elas demandam uma  profunda vida espiritual, sem a qual perde toda a sua razão de ser e pode se tornar até mesmo fonte de doença psicológica, afetiva e espiritual. A liberdade é a primeira característica do celibato. Ora, na Igreja existem dois tipos de pessoas: aquelas que tem a vocação divina para o matrimônio e aquelas que tem a vocação divina para o celibato. O que existe no mundo hoje é uma crise de ambas as vocações. Se faltam vocações sacerdotais, faltam também matrimoniais. Há uma escassez visível de homens vocacionados para o casamento, para serem pais de família, esposos fiéis. A solução para as duas crises não é abolir o celibato dos padres, mas fazer com que todos vivam suas próprias vocações de maneira plena. Sendo Igreja de modo coerente,  pois uma comunidade tem tantas vocações quanto a sua conversão merece. Uma comunidade não convertida não tem vocações. Por isso, quanto antes a mentalidade mundana for deixada de lado mais vocações

 pobres, viver a fé, tudo isso haverá de contribuir para novas e verdadeiras vocações, tanto matrimoniais quanto sacerdotais. A Igreja, por sua vez, chama ao sacerdócio os jovens que possuem vocação para o celibato. É a primeira vocação. Quando um jovem se decide a Igreja o separa e o direciona para a posição correta. Uns podem se tornar monges, outros religiosos, outros sacerdotes. A vocação ao celibato, portanto, precede a vocação sacerdotal, pois na primeira a escolha é livre e pessoal, já na segunda depende de um chamado da Igreja. Ninguém tem direito de ser ordenado padre. Por ser livre, o celibato é também sobrenatural. Por isso, ele é totalmente incompreensível para aqueles que não têm fé. Esse é um dos fatores da crise atual. Não crer na ação de Deus, em sua presença, em seu poder de transformar e capacitar o ser humano para o voo rumo ao céu, faz com que não se creia igualmente na possibilidade da vivência do celibato. O celibato tem a ver com a vida espiritual, por isso não é possível que um padre, uma religiosa, um religioso viva sem oração, sem muita oração. Mesmo com uma vida apostólica é preciso ter oração, até para ter algo a oferecer aos irmãos. Não é possível viver o celibato sem a graça do Espírito Santo. Os grandes santos e doutores da Igreja concordam que na vida espiritual existem ao menos três grandes fases: a purgativa, a iluminativa e a unitiva. [04] A primeira é quando a pessoa deixa para trás os grandes pecados, os mortais. Depois de muita penitência e oração, ela entra na segunda fase, mais próxima de Deus e, por fim, a terceira, quando está quase que totalmente configurada a Cristo. Os mesmos santos atestam que na fase iluminativa a sexualidade é vivida de forma mais serena. Os problemas das outras fases são superados, embora sempre exista a tentação e a possibilidade real de se cometer o pecado. No entanto, para eles é claro que a  pessoa passa a viver a própria sexualidade de forma mais pacífica e que até mesmo as manifestações físicas se arrefecem. Os seminários foram criados justamente para fazer com que aqueles com vocação divina para o celibato passem pela via purgativa e adentrem à iluminativa, já com a sexualidade ordenada para a vida sacerdotal. Diante da profundidade das três características, pode-se compreender também que o problema da pedofilia não está no celibato, mas que reside na sexualidade desordenada, não purificada, tanto do celibatário quanto do casa do. Abolir o celibato, portanto, não é a solução para a pedofilia, mas sim, a cura da sexualidade por meio de um aprofundamento na vida espiritual, na via purgativa. Assim, a luta do celibatário vivendo uma vida ascética e mística deve ser uma luz que ilumina o esposo e o estimula a viver também de forma plena o seu próprio chamado. Referências

1.Evangelho de São Mateus 19, 12

2.WEST, Christopher, Teologia do Corpo para principiantes: Uma introdução básica à revolução sexual por João Paulo II, Ed. Myrian, Porto Alegre, 2008, pag. 79-89. 3.idem 4.Santa Teresa de Jesus, São João da Cruz, Santo Tomás de Aquino.

O sacramento primordial O quinto ciclo de catequeses de São João Paulo é essencial para a Teologia do Corpo porque aborda justamente o sacramento do Matrimônio cristão. Muitos estranharam o fato de que a questão do celibato tenha vindo primeiro. É simples: a doação de si mesmo por amor ao reino dos Céus, sinaliza que a humanidade tem por finalidade um outro casamento, o qual será vivido na eternidade: o casamento entre Cristo e a Igreja, que o Livro do Apocalipse chama de “ as núpcias do Cordeiro”. Todavia, o matrimônio não é entendido como sendo um sacramento por todos. A denominação luterana, por exemplo, alega que, como os sacramentos são sinais instituídos por Nosso Senhor Jesus, o matrimônio não se encaixaria neles pelo simples fato de existir antes da Encarnação, ou seja, não foi instituído por Cristo. Os católicos,  porém, crêem que o matrimônio natural (de fato, anterior ao advento do Senhor) foi elevado por Deus à condição de sacramento. São João Paulo escolheu como fundamento  bíblico para esta afirmação o texto da Carta de São Paulo aos Efésios 5, 21 e seguintes: Sejam submissos uns aos outros no temor a Cristo. Mulheres, sejam submissas a seus maridos, como ao Senhor. De fato, o marido é a cabeça da sua esposa, assim como Cristo, salvador do Corpo, é a cabeça da Igreja. E assim como a Igreja está submissa a Cristo, assim também as mulheres sejam submissas em tudo a seus maridos. Maridos, amem suas mulheres, como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela; assim, ele a  purificou com o banho de água e a santificou pela Palavra,para apresentar a si mesmo uma Igreja gloriosa, sem mancha nem ruga ou qualquer outro defeito, mas santa e imaculada. Portanto, os maridos devem amar suas mulheres como a seus próprios corpos. Quem ama sua mulher, está amando a si mesmo. Ninguém odeia a sua própria carne; pelo contrário, a nutre e dela cuida, como Cristo faz com a igreja, porque somos membros do corpo dele. Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher, e os dois serão uma só carne. Esse mistério é grande: eu me refiro a Cristo e à Igreja. Portanto, cada um de vocês ame a sua mulher como a si mesmo, e a mulher respeite o seu marido. (Ef 5, 21-33) São Paulo descreve o relacionamento de um casal, homem e mulher, esposo e esposa, porém, no final, afirmará que aquela descrição, na verdade, refere-se a Cristo e à Igreja. A palavra mistério, em latim, quer dizer “sacramento” e é justamente o uso deslocado dessa palavra que possibilita ao Papa João Paulo II afirmar que o matrimônio é um sacramento primordial, ou seja, quando se diz que homem e mulher se tornarão uma só carne (desde o Gênesis, há que se contar), na verdade, se está também falando do relacionamento entre Cristo e a Igreja, quando todos serão um só corpo. Passa-se da ordem natural para a ordem sobrenatural.

Portanto, a partir de Cristo, o matrimônio entre dois batizados passa a ter um caráter sacramental, pois eles recebem da Cruz - de onde brotam todas as graças - a graça santificante que faz com que possam ser doação mútua, e a fidelidade dos dois reflete a fidelidade de Cristo e da Igreja A compreensão deste capítulo de Efésios passa também pelo entendimento do que significa a submissão da mulher, mencionada pelo Apóstolo. Hoje em dia, o movimento feminista vem acusando a instituição do matrimônio como sendo a e scravidão da mulher. Alega que a esposa seria a escrava sexual do esposo e que estaria contra a sua vontade, sob o jugo do marido. Mas, é isto que a passagem que está dizendo? O versículo 21 afirma: “Sedes submissos uns aos outros no temor a Cristo”. O Papa João Paulo II aponta para um aspecto fundamental na compreensão do que significa “submissão”. No Antigo Testamento e em hebraico, quando se fala dos sete dons do Espírito Santo, na verdade, esses dons são seis. Isso ocorre porque a palavra “temor” aparece com dois significados diferentes. Piedade e temor, essas são as traduções usadas e, alerta o Papa, na hebraica, existe realmente o aspecto de piedade dentro do conceito de temor. Ora, dentro da família, a instituição familiar como tal, exige uma certa submissão mútua das pessoas sob a virtude da piedade (que é um aspecto do temor do Senhor). O mandamento do amor universal está em pleno vigor, ou seja, é preciso amar a todos os homens. Em relação às pessoas da própria família é preciso mais do que o amor caritas, é necessário a virtude da piedade, que consiste no reconhecimento do vínculo espiritual existente na família. As pessoas, então, passam a a mar não somente pelas razões naturais, mas por uma razão sobrenatural, que é Cristo. Quanto à submissão da mulher ao marido que aparece também em outras Cartas de São Paulo, é preciso fazer uma distinção entre a ordem natural e a sobrenatural, como ela seria sem o pecado original e como se tornou após o pecado. Para tanto é preciso adentrar no campo da política. Os grandes filósofos antigos Platão e Aristóteles, afirmam que existem três formas de se governar: monarquia (o governo de um), aristocracia (o governo de uma classe de  pessoas nobres) e a democracia (o governo de todos). Eles se questionaram qual seria a melhor forma. Talvez, influenciados pelo tempo presente, alguns ousariam responder que é a democracia, no entanto, os filósofos apontaram para outro regime. Disseram que, numa sociedade de pessoas virtuosas, o melhor governo, de fato, é a monarquia. Nesse caso, porém, a virtude seria um requisito e, existindo, esse grupo de  pessoas virtuosas, naturalmente haveria de procurar alguém ainda mais virtuoso que as governasse. E assim se daria o regime ideal. Contudo, existe um problema apontado pelos filósofos e também por Santo Tomás de Aquino em seu Comentário à Política de Aristóteles: numa sociedade pervertida (sem  pessoas virtuosas), a monarquia se transforma rapidamente em tirania. Portanto, na atual circunstância da socidade, não virtuosa, o melhor regime é mesmo a democracia. Como as pessoas são pecadoras, este regime faz com que um

 pecador limite o outro e, assim, ninguém prevalece. De todos os regimes ruins, a democracia é o menos pior. Pensando na realidade da família, Jesus fala sobre um exercício da autoridade completamente diferente daquele que é o exercício dos pagãos, não convertidos. Quando Ele fala sobre a autoridade diz: “Entre vós não será assim, o primeiro seja o servidor de todos”. Esta é a forma de se exercer a autoridade para Cristo: servindo.  Nesse sentido, ao marido se diz: “amai vossas mulheres…” ele é chamado a derramar seu sangue por ela e pelos filhos como Cristo derramou o Seu pela Igreja. A forma de se exercer a autoridade dentro da família, como se apresenta na Carta aos Efésios, dentro do contexto geral do exercício de autoridade no cristianismo é completamente diferente daquilo que seria uma tirania dos maridos sobre as mulheres.  Não se trata, é claro, de defender que o marido é o líder, chefe, o cabeça da família a qualquer preço e sob qualquer circunstância. Não. Assim como Santo Tomás admite que a monarquia é o projeto de Deus, mas não em qualquer situação, assim também acontece na realidade familiar. Deveria haver uma submissão da esposa ao marido, se este fosse realmente virtuoso. Isso tem um fundamento teológico e também natural. Infelizmente, a inegável superioridade física do homem que deveria ser para  protegê-la, ser um serviço, tornou-se uma tirania por causa do pecado original. Desse modo, o marido passou a exercer um despotismo sobre a mulher e os filhos que não tem fundamento na realidade das coisas. O esposo é, de fato, a cabeça da família, mas isso não é uma realidade absoluta, ela só se explica de estiver dentro da virtude. Portanto, a mulher e os filhos devem ser submissos ao marido, se este der a vida por ela e pelos filhos, como Cristo deu a vida Dele pela Igreja. Este é o sentido da submissão. São João Paulo dá um passo além quando ousa chamar o sacramento do matrimônio de primordial. Quando era jovem, antes mesmo de entrar no seminário, conheceu um leigo, um místico e que considerava como sendo um verdadeiro santo e foi apresentado ao pensamento de São João da Cruz. O jovem Karol chegou a aprender espanhol para poder estudar o grande santo carmelita que compara a alma com a esposa e Deus com o esposo, ou seja, fala s obre o amor esponsal. São João da Cruz aponta para uma intuição básica e fundamental: o amor, para o cristianismo, é um dom de si, ou seja, a doação de si mesmo é que constitui o amor. A  partir disso é que se vê o fundamento do que será o matrimônio: o casal irá se doar mutuamente. Ora, se o amor é dom de si e se Deus é amor, o que se percebe é que na Trindade essa doação mútua também existe. No plano natural, o matrimônio, no sobrenatural, a Trindade. Assim, o amor trinitário se encontra refletido na realidade do casal. O homem é imagem de Deus não somente de forma individual, mas também o casal o é. Este é o fundamento do matrimônio como sendo um verdadeiro sacramento.  Não somente a doação dos esposos, mas a prole, a realidade familiar, tudo contribui para São Paulo dizer: “é grande esse mistério”, que Deus realiza nos céus, desde todos os tempos e que criou um reflexo na Terra, um vestígio da Trindade no casal que se

ama. Portanto, a doação mútua, como ensina São João Paulo, é um grande trampolim para a espiritualidade.

Amar é tudo dar “Aimer   c´est tout donner”,

amar é tudo dar. Esta é a chave de leitura do matrimônio apresentada por São João Paulo. A entrega recíproca dos esposos, tendo como modelo Cristo que deu a si mesmo pela Igreja, é a linguagem acertada do amor e só nela pode alcançar a plenitude. O conteúdo do quinto ciclo de catequeses de São João Paulo a respeito da T eologia do Corpo é bastante denso e aborda a sacramentalidade do Matrimônio. A chave de leitura utilizada pelo Papa é a do  personalismo, mas isso não significa que ele tenha rejeitado a tomista; ele apenas optou por uma que fosse mais fácil para o homem moderno compreender. O personalismo é uma filosofia que enfatiza sobretudo a questão da relacionalidade. Portanto, dentro da perspectiva personalista, o corpo humano é apresentado por São João Paulo como um dom. Monsenhor Pascal Ide, especialista em Teologia do Corpo, escreveu a obra “Dans il Theologie du Corp” , em que afirma que se fosse possível resumir a apresentação de João Paulo II em uma frase, e sta seria: o dom é a verdade essencial do corpo. Tal perspectiva não é nova, ela remete ao triângulo de São João da Cruz demonstrado na aula passada: o ser humano é dom porque dom é amor e amor é dom. De forma sintética, a visão de São João da cruz sobre esse tema está bem definida num escrito de uma outra discípula dele: Santa Terezinha do Menino Jesus e da Sagrada Face. Em sua célebre poesia “Pourquoi je t´aime, ô Marie” (porque eu vos amo o Maria), ela profere a frase lapidar: “Aimer c´est tout donner et se donner soi même” (amar é tudo dar e dar-se a si mesmo). Dar a si mesmo, não de forma limitada, com reservas, não! é dar tudo que se tem, inclusive a si mesmo. Isto expressa de forma extraordinária a verdade sobre corpo humano, é preciso haver a doação mútua. Justamente por isso o Papa fala sobre a linguagem do corpo. Pois bem, o corpo fala e o que ele está dizendo? Para saber é preciso observar o Rito do Matrimônio e as palavras do consentimento matrimonial esclarecem o que é o matrimônio. Nas palavras do matrimônio eles se recebem, ou seja, há uma doação total entre o marido e a esposa. O Código de Direito Canônico fala de um comunhão para toda a vida. Por isso, toda relação sexual deveria acontecer dentro dessa linguagem matrimonial para não ser um ato mentiroso. Ora, numa relação sexual um corpo diz ao outro: “sou todo seu”, no entanto, numa relação fora do matrimônio isso é uma mentira, pois, ao final, cada um vai  para o seu canto. Na mesma linha, os anticoncepcionais impedem que o casal se una numa realidade eterna chamada filho. Como é possível haver verdade nisso? A linguagem do corpo tem sua chave de leitura no sacramento do matrimônio enquanto tal. Dentro disso, João Paulo II parte para dois textos bíblicos fundamentais: um

 No Antigo Testamento, a função dos profetas era combater os falsos deuses, levando o povo a afastar-se da idolatria. Para tanto, utilizavam justamente a linguagem matrimonial. Em Oseias, capítulo 1 e seguintes, é apresentado o casamento do profeta com uma prostituta e a sua fidelidade a ela, mesmo ela continuando a exercer seu ofício. Pois bem, esta fidelidade remete à fidelidade de Deus. Ele é o esposo fiel de uma esposa  prostituída, Israel. Ora, a linguagem profética do Antigo Testamento será elevada a sacramento no  Novo Testamento . A linguagem do corpo expressa no sacramento do matrimônio a fidelidade de Cristo à Igreja. Dentro disso, o Papa João Paulo apresente o segundo texto  basilar que está no livro do Cântico dos Cânticos no capítulo 4, versículo 12: “és um

misericórdia e salvação". Então ela se levantou, e os dois começaram a rezar, pedindo que Deus os protegesse. Eles diziam: "Bendito sejas tu, Deus de nossos antepassados, e  bendito seja o teu Nome para todo o sempre! Que o céu e tuas criaturas todas te bendigam  para todo o sempre. Tu criaste Adão e, como ajuda e apoio, criaste Eva, sua mulher, e dos dois nasceu a raça humana. Tu mesmo disseste: 'Não é bom que o homem fique só. Façamos para ele uma auxiliar que lhe seja semelhante'. Se eu me caso com minha prima, não é para satisfazer minha paixão. Eu me caso com reta intenção. Por favor, tem piedade de mim e dela e faze que juntos cheguemos à velhice". E os dois disseram juntos: "Amém! Amém!" Depois dormiram a noite inteira. (Tb 8, 4-10) A linguagem do amor apresentada por João Paulo II em sua Teologia do Corpo,  portanto, é a doação inteira e irrestrita de si mesmo em favor do outro. “Aimer c´est tout  jardim fechado, minha irmã e esposa. jardim fechado e fonte lacrada”. Pode parecer estranho que um marido chame a esposa de irmã, no entanto, isso donner”.  pode ser muito libertador para a mulher porque, de fato, ambos são iguais em dignidade. As mulheres se sentem bem como essa afirmação, mas os homens não se sentem à vontade, pois remete a a lgo incestuoso. Contudo, segundo o santo, é justamente a ideia de irmandade que liberta, porque o homem enquanto tal, por causa do pecado original, tem a tendência de tratar a mulher não como irmã, mas como sendo um objeto. Por isso é compreensível que o homem sinta dificuldade em sentir luxúria pela sua irmã, mas o segredo está aqui, pois o desejo sexual sadio do esposo pela esposa não pode ser luxúria. Trata-se de doação mútua por isso a mulher não pode ser objeto. No jardim secreto da esposa o homem só pode entrar com consentimento dela. Ela deve se doar. Isso contradiz frontalmente toda a visão feminista que olha para o matrimônio como sendo um campo de concentração. Não é. A realização do homem e da mulher está na mútua entrega um do outro: “Aimer c´est tout donner” , dar tudo e dar a si mesmo. A entrega é livre, por isso não é estupro. O ato conjugal faz com que a mulher, mesmo depois de casada, permaneça sempre um jardim fechado, hortus conclusus, pois permite o acesso na sua doação, na sua entrega, nada lhe é tirado, não é objeto de violência, mas  permanece senhora de si para se doar. O outro texto abordado por são João Paulo II está no livro de Tobias que mostra o quanto o matrimônio se torna uma linguagem também de vida e de morte. Referido livro apresenta uma realidade dramática de Sara, que já tinha tido vários maridos, os quais morriam na noite de núpcias pelas mãos do demônio Asmodeu. A situação era tão dramática que na noite do casamento, o sogro de Tobias, pai de Sara, abriu uma cova para enterrá-lo. Tobias sabia do perigo que o esperava e mesmo assim dispôs-se a entregar-se. Junto com Sara - “sua irmã” - levantam-se e fazem uma beracá ao Senhor e em seguida uma recordação das benesses do Senhor. E Tobias diz não é por luxúria que ele se casa, mas por reta intenção. É isso que o livra da morte (do demônio). Ele se dispõe a morrer, como Cristo morreu pela Igreja. Os outros tinham saído e fechado a porta do quarto. Tobias levantou-se e disse a

View more...

Comments

Copyright ©2017 KUPDF Inc.
SUPPORT KUPDF