A Soma de Todos Os Afetos

August 25, 2022 | Author: Anonymous | Category: N/A
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Você está fazendo f azendo o teu possível possí vel ou o teu melhor? –  por  por Mario Sergio Cortella Por Mario Sergio Cortella  

 Não é o melhor melhor do mundo. É o teu melhor na condição condição que você tem enquanto não não tem condições melhores para fazer melhor ainda. Pergunto de novo, mas não responda ainda, você está fazendo o teu possível ou o teu melhor? Porque se você ou eu podendo fazer o meu melhor, me contento com o possível, eu caio num lugar perigoso chamado ‘mediocridade’. Uma pessoa medíocre é aquela que é morna. Que está na média. Que não é quente e nem fria. Lembra quando você chegava da escola com o boletim escrito: 6,0 em português, 5,5 em matemática, 4,0 em história… e você dizia: ‘deu pra passar’. Medíocre –  ’Deixa, eu toco a minha vida’ –  Isso  Isso é mediocridade. Porque uma pessoa medíocre é aquela que  podendo fazer fazer o seu melhor ssee contenta em fazer só possíve possível.l. Mediocridade é falta de capricho. Capricho é você fazer o teu melhor nnaa condição que você tem. Exemplo: minha mãe e eu moramos na mesma rua em São Paulo e às vezes na casa dela por volta de cinco da tarde e ela me olha e pergunta: ‘você ainda eu nãopasso almoçou, né?’ –  e  e completa –  espera  espera aí que eu vou fazer um negocinho pra você. Ela poderia fazer qualquer coisa, mas faz um talharim, com azeite. Depois corta um tomate cereja e coloca por cima. Isso é capricho.

Eu no Paraná, quantas vezes, caipira, ia até a roça visitar alguém que morava numa casa de pau-a-pique e via o chão de terra todo varrido –  capricho:  capricho: fazer o melhor na condição que tem enquanto não tem condição de fazer melhor ainda para não ser medíocre. Na roça eu pedia para tomar um gole d’água e a mulher pegava uma carequinha de alumínio toda amassada, mas muito bem areada –   passava passava areia em volta. ‘Ah, mas já é  pobre mesmo’ –  Êpa  Êpa –  É  É pobre, mas é limpinho. Tem gente que é pobre e limpinho l impinho não

é. Isso é medíocre. Tem gente que é medíocre e sua obra é medíocre: ‘ah, mas do jeito que me pagam; mas eu não tenho condição…’. Há pessoas que em nome da condição, degradam a ação. Ao

invés de ter um trabalho que é concomitante, luta para melhorar as condições e vai fazendo o seu melhor com aquelas que tem.  _________________  _____________ ____

“Padre, eu sou gay.”  “Vá se arrumar para ir à Missa”. Eu recebia essa ordem todo domingo nos tempos de

criança no interior da Paraíba. Aos sete anos de idade, um colega da escola me chamou de uma palavra estranha. E fiquei com dúvidas. “Professora, o que é gay?”.

Desconcertada, Desconcerta da, minha professora me respondeu que era uma pessoa que fazia a família

 

sofrer e que iria para o inferno. Naquele dia, voltei para casa em silêncio. Antes de dormir, no escuro do meu quarto, lágrimas escorriam pelo meu rosto enquanto eu rezava o Pai Nosso, pedindo a Deus para ir para o Céu.  Na catequese, catequese, aprendi que toda pessoa deveria confess confessar ar os pecad pecados os perante um padre, padre,  pelo menos uma vez ao ano, para para apagar os erros cometidos. Re Recebi cebi uma folha com uma lista de atitudes para que pudesse fazer um exame de consciência antes da confissão. Naquela fila das crianças, tentava compreender a lógica das perguntas descritas no questionário: Desobedeci aos meus pais ou à professora? Pratiquei alguma superstição? E assim foram longos anos de confissões com os padres. Entretanto, o medo daquela palavra velada aprisionava a minha identidade. Até que um dia comecei a frequentar uma comunidade católica e senti a necessidade de desabafar com o padre novo. Após o relato do segredo, a orientação: “Você deverá seguir a castidade e não poderá se relacionar com nenhuma pessoa ao longo da vida.” Eu saí

daquela sala com a sensação amarga de ter usado um colírio para dilatar a pupila. Meu mundo se tornou cinza a partir daquele instante. O nó na garganta me fez sentir que eu veria todos meus amigos constituindo famílias, menos eu. E assim segui a vida. Passei anos sem me relacionar afetivamente com nenhuma pessoa, resumindo-me apenas ao curso de Direito, família, vida em Igreja e amizades que construí. Apesar da orientação que castrou minhasempre afetividade, não banco abandonei a Igreja. Comecei frequentar outra paróquia. Sentava-me no último e baixava a cabeça paraa rezar. Em um domingo de verão dentro do meu outono eterno, escutei o padre falar sobre Jesus de uma forma diferente. Acuado, sem me sentir preparado para conversar sobre as angústias que sentia com algum amigo, decidi me confessar com o Padre João. -Padre, eu sou diferente dos outros meninos. Lembra aquele dia em que você falou dos leprosos que viviam dentro de uma caverna na época de Jesus? É assim que me sinto. Dentro de uma caverna, condenado a uma vida de solidão. Essa situação se acentua quando vou passar férias no interior. Observo o olhar de julgamento das pessoas e sinto o meu corpo sem forças, como se alguém tivesse roubado os meus ossos. Sinto vergonha de ser quem sou.  –  Thiago,  Thiago, você conhece a música Geni, do Chico

Buarque? Geni era dona das suas vontades e desejos, e isso incomodava as pessoas. O refrão demonstra o pensamento do  povo da cidade: “Joga pedra na Geni! Joga pedra na Geni! Ela é boa de apanhar, ela é  boa de cuspir, ela dá para qualquer um. Maldita Geni!”  A música também conta que, um dia, um Zepelim—sentido figurado do Cangaceiro—  surgiu na cidade com a intenção de destruir tudo. Mas quando viu Ge ni, resolveu que

mudaria de ideia, caso ela dormisse com ele naquela noite. Foi aí que as autoridades  pediram, suplicaram: “Vai com ele! Vai, Geni! Você pode nos salvar. Você vai nos redimir.” Neste momento, a personagem deixa de ser a “vilã” para se torna r a salvadora.

Após ela ceder à vontade do Cangaceiro e ele ir embora, todos voltaram a humilhá-la como antes, esquecendo que, por causa dela, a cidade não foi destruída.

 

 –  O  O que quero dizer com isso, Thiago, é que você também é Geni. As pessoas sempre vão te julgar—você vivendo a sua afetividade ou não. Você tem todo direito de ter um

relacionamento. Infelizmente, as pessoas possuem uma leitura muito reducionista e insensata da Bíblia. Jesus veio para abraçar pessoas como você. Deus é amor e Ele não condiciona sua vida a um discurso opressor como muitas pessoas  propagam. Ele quer a sua felicida felicidade de plena. A minha intuição fala que você está com com início de depressão, e eu vou te ajudar a sair dessa caverna. Eu olho nos seus olhos e sinto o coração machucado por tantas coisas que você já escutou ao longo da vida. Quero te ajudar a desatar os nós e a retirar as pedras das mãos de outras pessoas, assim assim como Jesus fez com Maria Madalena. Vou acompanhar e orientar você a partir de agora. Aquelas palavras me atravessaram como um feixe de luz solar. Senti a presença de Deus olhando para mim e aceitando toda minha singularidade. Acredito que uma das piores sensaçõess que um ser humano pode carregar ao longo da vida é a de não se sentir sensaçõe merecedor do olhar de uma pessoa. Era assim que eu me sentia em relação à Deus. No instante em que escutei aquelas palavras, ele me abraçou e eu liberei anos de dor em forma de choro entalado na garganta. A partir desse dia, eu comecei a enxergar a luz fora da caverna. Mudei-me para Porto Alegre. Comecei a viver uma reconciliação com a minha identidade religiosa e afetiva. A etapa de aceitação começou a acontecer. Eu passei a sentir coragem de levantar a cabeça e ser olhado por Deus com olhos de amor. Acredito que, na vida, cada pessoa  precisa encontrar encontrar um porto para se sentir seguro e, sobretudo, sobretudo, para vviver iver de forma transparente e alegre. Porto Alegre celebrou o começo de uma nova história. O processo de acompanhamento e empoderamento com o Padre João foi decisivo para formação do homem que me tornei. t ornei. Considero-me um privilegiado e uma exceção,  porque sei que que existem muitos men meninos inos e meninas que vivem isola isolados dos em cavernas cavernas sentindo a angústia da diferença através da falta de acolhimento das famílias, igrejas e escolas. Quantas pessoas pessoas tiveram a oportunidade de ser orientadas de uma forma madura e acolhedora como eu fui? Cinco anos se passaram desde quando Padre João me acolheu pela primeira vez. Nosso último encontro aconteceu em uma missa, um dia antes de mais uma mudança de cidade. Fui pedir a sua bênção. Lá estava eu no último banco da Igreja, ao lado do meu namorado. No momento da comunhão, comunhão, ele desceu do altar e foi até o meu lugar para me dar a Eucaristia. Esse ato simples de significado profundo me fez sentir o que Padre Fábio de Melo diz: “O que me fascina em Jesus não é sua capacidade de ressuscitar os mortos, de curar os cegos, os paralíticos. O que me fascina Nele é sua capacidade e coragem de dizer que Deus é Pai. Um Pai que tem preferência pelos piores homens e mulheres deste mundo. Um Pai que ama os que não merecem ser amados, que abraça os que não merecem ser abraçados e que escolhe os que não merecem ser escolhidos. Um Pai que quebra as regras aos nos desconsertar desconsert ar com seu amor tão surpreendente.”    No final daquela daquela missa, meus olhos brilhavam com lág lágrimas rimas de gratidão por ter Padre João como meu melhor amigo. O seu abraço me tirou da caverna da solidão. após, falei para ele que estava escrevendo meu e que seria s eriaganha dedicado aLogo ele. “Obrigado por propagar amor de uma forma tãoprimeiro corajosa.livro O sacerdócio

 

mais sentido quando tenho oportunidade de mudar o curso da vida de histórias como a sua.” Essa frase marcou nosso último últi mo abraço. Hoje eu acordei com uma ligação no meio

da madrugada, que me trazia uma dura notícia: Padre João se tornou eterno. Me levantei da cama, olhei para o Céu e lembrei le mbrei de um trecho de Ariano Suassuna, “ele encontrou se com o único mal irremediável, aquilo que é marca de nosso estranho destino sobre a Terra.”  Tenho certeza que ele não me deixou. Ele agora vive dentro de mim e é para ele que eu dedico cada palavra da minha existência comprometida com um despertar de uma nova consciência.. Hoje eu entro novamente naquele quarto escuro do interior do sertão e consciência abraço aquele menino assustado, para dizer que tudo vai ficar fi car bem. Hoje eu rezo r ezo para que cada pessoa possa assumir o compromisso de abrir mão de jogar pedras para acolher a história de cada pessoa necessitada de um abraço.

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