A Republica Consentida Maria t c Mello (2)

April 28, 2017 | Author: gurgel2k | Category: N/A
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livro da maria tereza chaves de mello...

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M aria Tereza Chaves de Mello

A República Consentida Culliiia denioc;rálica e científi(ía do filial do Império

FALTARAM AS PAGINAS 144, 145!

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Edur

FGV

ISBN — '■)78-83-22S-0(i 15-6 C o p y rig h l (or si mesma da imensa repercussão — primeiro na capital, depois em todo o país - dos acontecimentos que envolveram a conlerência de Silva Jardim na Scxúedade Francesa de Ginástica no dia 30 de de­ zembro de 1888. Em duas palestras — uma a 23, outra a 30 de dezembro — o pi'opagandista pretendeu responder aos "argumentos republicanos" que joa. |uim Nabuco contestava no mesmo jornal. |á eram, então, contumazes os ataques da Guarda Negra aos rneetiii^s e a Ilersonalidades republicanas. Essa entidade fora criada após o 13 de Maio para

' liste te xto de c u ltu ra p o lítica valeu-se sobrem aneira da tese de J. Haberm as (1986) •obre a co n stru çã o da esfera p ú b lic a , on de , segundo o filó s o fo , passa a o co rre r o uso p u b lic o da ra z ã o p o r pessoas p riv a d a s para tra ta r de assu ntos g e ra is, g ra ças à .u iio n o m iza çã o de setores sociais c u ltiv a d o s em relação ao poder. N o entanto, se, p o r um lado, pode-se assistir, na crise da M o n a rq u ia b ra sile ira , a uma intcUigcnlsia que pugna pela p u b lic iz a ç ã o do debate, p o r o u tro , é d ifíc il im a gin á-la conn) c o n s titu tiv a lie Lima o rd e m burguesa, c o n ira lu a l e capitalista. l ’o r isso, u tiliz e i os p rin c íp io s de I l.iberm .is io m resL'i vas, ila m lo p re h 'ré iu i.i a e \p iv s s ,io "espaço p iib lii i>", de .lic p ç .io UI.lis

re s lril.i, em v e / de "e s le i.i iiiiN u .i"

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A R e p u b lica c o n s e n t i d a

defender a princesa Isabel e as instituições. Hra composta por libertos e capoei­ ras e, cie fato, agredia e ameaçava republicanos com atitudes provocacioras, vivancio a Monarc^uia, dando "morras" ou perpetrando mesmo atos violentos, o que provocava constantes tumultos nas ruas. Dizia-se que fora idealizada por jersé do Patrocínicr após sua adesão ao monarcjuismo. No dia 23, testemunhou Silva Jardim (1891:226): Ao sairmos dessa conferência, assistida pela fina flor da sociedade fluminense, um grupo de pretos perfidamente inspirados, correu sobre mim com a intenção de agredir-me. Um punhado do valentes amigos populares impediu-os de me atingirem. Barata Ribeiro e Chagas Lobato iam-se sacrificando (...).

O anúncio da conferência do dia 30 foi acompanhado de boatos de toda a ordem: a Cfuarda Nt'gra impc'diria sua realização, provocaria grandc's distúrbios e Silva jardim seria assassinado no salão. Membros do Partido Republicano instaram com o propagandista para que cancelasse o evento, enquanto os mais exaltados ofereceram-lhe proteção. Mas a ameviça era tal (]iie não achavam casa para se apresentar. Todas recusavam por medode reprc‘sálias. O PoUtcmun, por exemplo, foi ameaçado de incêndio. Por fim, alugaram a sala da Sociedade IVancesa eJe dinástica. () poeta e jornalista Medeiros e Albuquerque publicou no Novidades — periódico que fazia campanha republicana e que tinha como reda­ tor-chefe Alcindo diLianabara —, no qual colaborava, os boatos correntes e dos quais fora certificado por um empregado da polícia.' Tal estratégia tirou do governo qualquer possibilidade de argumentar posteriormente ignorância so­ bre a ocorrência de distúrbios que exigissem providências prévias de proteção policial. A conferência estava marcada para as 12 horas, mas desde cedo as cercanias da travessa da Barreira (hoje, rua Silva Jardim) passou a ser freqüentada por negros empunhando cacetes e navalhas, ameaçando os passantes e obrigandoos a dar "vivas à Monarquia”. Assegura Medeiros e Albuquerque (1982:87) que "a travessa da Barreira estava literalmente apinhada de uma turbamalta san­ guinária e ululante". Hm conseqüência, apesar de as conferências de Silva Jar­ dim atraírem multidões de 2 mil a 3 mil ouvintes, esta teve um público diminuto. O palestrante, homem de reconhecida coragem e especial tino para a propa­ ganda, fez questão de atravessar sozinho a rua, já lotada de gente, sendo recebi­ do no salão sob aplausos. No fundo do recinto, homens de cor comunicavam-se com pessoas das galerias e, pouco tempo depois de ter se iniciado a conferência, apartes e tumultos fizeram o orador pedir silêncio. Um negro foi postar-se, en­ tão, por trás de Jardim, o que obrigou um de seus dcfensori's a si' colar nele, segundo o relato de O Paísr

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Algum tempo depois, muitos dos agitadores deixaram o salão e começou uma grande balbúrdia do lado de fora. No interior, após a advertência "aí vêm ulcsl", ouviram-se tiros. Cirande parte dos espectadores fugiu pelos fundos do K l mto, enquanto outros sc postaram à porta, gritando s/oçr«n.s republicanos e, 11Hsmo feridos, continuaram combatendo. Dos telhados voavam telhas, arran' .idas e arremessadas contra os atacantes. Do lado de fora, a (iuarda Negra K l uava e avançava sem qualquer intervenção da tropa de cavalaria, cujas ‘ lu heiras davam para o largo de São Francisco. Viram alguns que um policial iiiMiflava os negros. Das janelas vizinhas projéteis de toda espécie eram atira( ) conflito durou cerca de uma hora, e Fvaristo de Moraes (1985:21 ) relata que impressionou muitíssimo a calma de Silva jardim durante a disputa". De fato, Ii.iquele ambiente conflagrado, o orador manteve-se destacado no alto da tribuII, I empunhancio o revólver que comprara pela manhã. O tumulto sé) serenou com a chegada de um delegado, que garantiu a I,opes 111 >\ão - que, na entrada, fora recebido com "morras" desferidos da praça o Iml role da situação. A conferência foi, então, retomada, por insistência da plaii 1,1, do ponto em que havia sido interrompida. No final, quando já sé) havia no ilao cerca de .50 pessoas, o dr. Teixeira de Sou/.a ainda atendia aos feridos, no ' |iie não teve o auxílio do colega Barata Ribeiro, d ireta mente i-ngajado na luta. Na saída, o comissário de polícia pediu qui' os republicanos evitassem deiII a academia pela porta da frente e em bando, e ofereceu proteção aos i|ue ' |iiisessem acompanhá-lo pela rua do havradio. Lopes Trovão, "que sempre foi iiiiiilo medroso, aceitou a proteção policial",^ como diminui Medeiros e Mhuquerque, mas Silva Jardim a recusou e, ao lado de Barata Ribeiro, Medeiros I Albuquerque, Anacleto"’ e uma outra pessoa, capitaneou o grupo que desceu a I II , 1, seguido de muito povo simpatizante.'’ Em suas memórias, comenta o proI Mi;andista: "Todos os olhares dos pretos convergiam sobre mim. Eram olhares 11II iosos. Eu fitava-os sereno e continuava o meu caminho".^ Adentrando o Rocio (hoje, praça Tiradentes), onde se postavam soldados da ' , IV.liaria, ouviu-se: "Morra Silva jardim! Morra Barata! Abaixo a República! \ i\’.i a Monarejuia!". E do meio da multidão surgiram negros armados, que ■i\ .inçaram sobre o grupo republicano, gritando: "mata, mata!". Ao que reagiu l''.||■.lta Ribeiro, mostrando-se a si mesmo e ao orador. O povo então se afastou ii-meroso e um oficial da polícia dispersou a Guarda Negra, segundo o relato do |i'in.ilisla de Novidades, que comenta em suas memórias: "Do que nunca me I■■,c|uei i foi do olhar de profundo espanto com que os negros se voltaram para o "lu i.il". Esl.ivam, então, na rua do Teatro. O que quis notificar Medeiros e \ll iui|ucn|iie ( IãS2:8‘'f) é qui' o espanto dos atacantes linha razão de si'r, porque

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A Republica consent ida

eles tinhcim sido "recrutados e incitados pela polícia para dar cabo de Silva Jardim". A procissão continuou pela rua do Ouvidor. No Café I.ondres, ficou Silva fardim com alguns amigos. Mais farde, acompanhado teão-somente por popula­ res, foi aguardar o bonde que o levaria a Santa Teresa, onde morava, l.opes Trovão foi voluntariamente t'scoltado por dois militares.’' Um grupo de negros postado defrc>nte do jornal Ciilíuir do Rio, ile José cHo 1’atrocínio, dirigiu-se para oCafé Londres, que fechou suas portas. Dali, à noite, retirou-se Barata Ribeiro para sua residência, noCatete. Novos boatos davam conta de que as moradias dele e de Jardim seriam atacadas, enquanto "hordas de desordeiros" percorriam as ruas agred indo os transeuntes. C om "morras ao Barata" e "abaixo a República", pedradas foram desfechadas contra a casa do médico durante a madrugada. Silva Jardim lanijou em O País, a 6 de janeiro, sua "Carta política ao país e ao Partido Republicano", contando sua versãrr dos acontecimentos, pelos quais culpava a polícia, o Ministério da Justiça e a "falsa regente". Deu à conferência um lugar de marco inaugural da grande lufa no "único redufo da Monarquia", c]Lie era a cidade do Ric) de Janeiro, mas da qual não descria e contava ganhá-la para a causa republicana, porque era preciso ser vitorioso aí para que o novo regime vingasse. Para tanto estava disposto a dar a vida: " v i ;nc i k o u m o k k i k " passou a ser seu lema. Lema pelo qual assumia abertamente uma opção revolu­ cionária, em contraposição à atitude moderada da direção do partido. E continua em seu arrazoado: o povo pedia as reformas — uma "revolução governamental" —, obra que a Monarquia era incapaz de realizar. Cabia, então, a "revolução, que é a reforma popular". E a revolução brasileira devia esfalar no ano de 1889: "O castelo fl uminense deve cair no ano excepcional em que caiu no pó dos tempos a fortaleza de Paris!"'* Nos relatos que tomaram a imprensa no começo de 1889, insistiu-se, em alguns casos, cm desqualificar os republicanos por terem fugido quando ataca­ dos. A coluna republicana de O País atribuiu a notícia a "agentes do sr. Ferreira Viana", o ministro da Justiça, que, segundo o que correra de boca em boca, assistira ao desenrolar do tumulto do morro de Santo Antônio, onde residia."’ O articulista afirmava ter tido notícia de que, tendo um republicano pedido à polí­ cia para impor a ordem, ouvira dela que recebera instruções para só atuar após a conferência. Quanto à fuga de ouvintes, defende a coluna: "o efetivo das conferências políticas é composto de massa heterogênea". E a classifica entre indiferentes, curiosos e adeptos. Estes últimos, no entanto, resistiram."

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() primeiro número da Rcviíita llustrndti do 1889 foi quase todo tomado por ■I«inentários e notícias dos fatos ocorridos a 30 de dezembro. Em sua parte ilus11 ada, o conflito é narrado nas páginas centrais: pessoas correndo pelos telha' li >s, projéteis sendo arremessados de prédios vizinhos, vultos armados nas jaiichis. Também nas ruas aparecem indivíduos portando armas. Uma senhora . (>bre protetoramente com o pré>prio corpo uma criança. Em outra cena, registras lojistas que não se submeteram à decisão dos revoltosos tiveram seus estabet i imentos apedrejados. A balbúrdia foi de tal ordem que exigiu a intervenção Ile tropas da cavalaria. Muito interessante é o comentário da Revista, do dia 18 Ile novembro, para a percepção dos novos sinais que a rua vinha emitindo: "De Ioda essa bernarda, concluímos que, para se obter alguma coisa do governo cm I'eiiefício público, é preciso fazer chinfrim. Pois viva a chinfrinada!" Em outubro de 1888, Silva jardim foi chamado por comerciários para apoiál( )s cm sua luta pelo descanso semanal. Nessa conferência, realizada no Teatro ' >. Pedro de Alcântara, a convite da Associação dos Empregados do Comércio, l.irdim (1978:214-231) defendeu a conciliação entre o capital e o trabalho, mas o que importa aqui é uma observação sua: "os processos que empregam [os . omerdários] são os de que usam as classes intelectuais mais elevadas, a tribu­ na e a imprensa, isto é, os meios empregados para uma modificação social qual.|iier (...)". Em março de 1889, a Rexnsta registrou a "enorme quantidade de povo" que •issistiu a um comício de Lopes Trovão no largo da Lapa. Uma vez disperso pela I'olícia, o povo o acompanhou até a rua do Ouvidor, onde a repressão foi ainda II la ior. No dia seguinte, houve um desfile na mesma rua, com pessoas portando 1 artazes onde se lia "água", "limpeza", "socorro", "desinfetantes", pois que a l.illa d'água fora o motivo do meeting. Rui Barbosa escreveu sobre a questão iliversos e extensos artigos no D/iíno de Notíeias, propondo soluçõe.s, mas tam­ bém se b.ileuilo contra irio educara a sociedade na idéia de que ordem e civilização eram termos intrinsecamente interligados. Hra, pois, com picrplexidade que se assistia a tais ocorrências. Na coluna "Boletim Republicano” de (d País, de 24 de julho de 1889, Saldanha Marinho notificava; Ainda ontem a cidade inteira foi testemunha de um espetáculo boçal e bárbaro, que nos envergonha perante a mais atrasada civilização. Imperiais marinheiros, capitaneando conhecida malta de capoeiras e mal­ feitores, percorreram a rua do Ouvidor, de navalha em punho, dando vivas à monarquia e morras aos republicanos.

Para comemorar o centenário da Revolução Francesa, os republicanos pre­ pararam grandes festas. Um grupo deles, formado por estuciantes, concentrou-

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so defronte ao Club Tiradentes e, em seguida, marchou para o Parlamento, onde lora programada uma sessão especial. Na rua do Ouvidor, deram gritos de viva .1 República, sendo reprimidos pela cavalaria da polícia, com a ajuda da Cuarda Negra. Hsta tentou acertar l.opes Trovão, que os capitaneava. Itoram ouvidos li rose pessoas ficaram feridas. A Gazchuic Nolíciiis tomou o depoimento de dois dos feridos. Um deles disse ao jornal que estava "no Café Brasil quando ouviu gritos de viva à República e, chegando à porta, deu ele um viva à Monarquia, sendo nessa ocasião agredido por alunos da Rscola Militar, e agarrando-o um deles disse para os companheiros: 'Mata esti-diabo', recebenilo nesse momento 0 ferimento C|ue apresenta". T ambém o outro ferido confirmou que os tiros ti­ nham partido "de um grupo d e //owcírs //;í ;/»us, entre o s quais se acha vam alguns estudantes da liscola Militar".'" Tendo assistido ao tumulto da janela rle seu (ornal, viu-o diferentemente Rui Barbosa; Cerca do 1res horas da tarde, percorria a rua do Ouvidor, cm direção ao mar, um troço do maltrapilhos, entoando vivas à monarquia c ao partido liberal. (...) O conflito era inevitável, ante a persistência do estímulo irritan­ te: a jactância insolente da mazorca protegida o a indiferença da força policial. Os sítios mais transitados da cidade estiveram sob o domínio das patas da cavalaria policial

Não seria demais insistir no escândalo provocado por es.sa subversão, palaVra aqui tomada no seu sentido mais literal e dessa forma sentida pela socieda­ de, pela "boa sociedade": destruir o que estava assente, confundir, perturbar completa mente, d esord en ar.A versão da civilização brasileira construída pe­ los "saquaremas" estava sendo desmontada pelo alto, isto é, o governo do hstackréque se valia da ralé para manter a ordem. Uma confusão dos mundos, que se quis estanques, para dar forma ao Império; o mundo do governo, o mundo do 1 rabalho e o mundo da desordem. Mas, dentro deles, era possível estabelecer-se, apesar da inferioridade do mundo do trabalho, dois compartimentos separados ptTa civilização: o mundo da ordem e o da desordem, hste último não tinha lugar no edifício imperial, escapava ao controle dos governos — do listado ou (la Casa —, exprimindo, portanto, a perigosa anarquia. A mistura desses mundos era sentida como escandalosa, como uma confu­ são desorganizadora de critérios de pensamento. É o que explica a profusão de lextos do período que reverberam esses fatos subversivos. A Revista ilustrada, de .10 de agosto de 1885, em tom de indignada surpresa, condena agitações e assassinatos provocados por capangas do Partido Conservador, "o partido da or­ dem". Pode-.se, então, dimension.ir o c.]uarito foi conspurcada tão intensa luta não cabia ser literário e tomando posição; "jornalismo é ação". F,m artigo do dia 17 de julho de O Puis, no entanto, seu redator-chefe eximiu o Partido Republicano de qualquer responsabilidade no atentado, dizendo que sua meta era "a con­ quista moral dessa maioria da opinião — fonte donde se derivam todtrsc» direi­ tos e todas as delegações". Nessa linha de defesa, mas expondo uma impressão mais geral, escreveu Rui Barbosa; "Se há interessados, neste país, em evitar crimes políticos são os partidos adiantados, os espíritos adiantados, cujas con­ vicções amadurecem dia a dia no exame desinteressado da evolução nacio­ nal".'"’ As proibições provocaram protestos indignados. No "Boletim republicano" da edição de 21 de julho de ü /-’«ís, insurge-se Saldanha Marinho; "cavilosa arma de guerra contra os republicanos". Na Revista Ilustrada, conclui-se; "Vê-se que é sempre o mesmo sistema; de fingir que se dá liberdade, c[ue se reconhecem direitos e, por linhas travessas, mandam suprimir as garantias dos cidadãos".-"’ Outra vez foi Rui Barbosa quem expressou a opinião mais generalizada; "os vivas à república são uma forma natural, decente, pacífica de expressão do p e n sa m en to ".E , indignado com os atentados da Guarda Negra, escreveu um contundente libelo no dia 25 sob o título “A lição do atentado". Nele fica claro que a questão da desordem, trocados os sinais, muito impressionava a opinião pública. Atente-se, ademais, para o fato de que os meetiii;^s c manifestações polí­ ticas na praça pública eram, ao contrário, t'nlendidos tomo um ilin-ilo, uma

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1‘xprossão da libt^rdadc. Para clarificar essa posição c preciso, pois, melhor

iiomeá-la como "arruaça mercenária e boçal", distinguindo o legal da ilegalidaIle "licenciada" justamente por aqueles que deveriam ser os guardiões da ordem pública. Vejamos o texto; 0 que se quer, pois, abafar não é a desordem: é a idéia republicana, que 0 ministério, incapaz de combatê-la pela reforma, supõe eliminar pela

asfixia. Licença franca à arruaça mercenária e boçal, para se embebedar em entusiasmo pelo rei e anavalhar a pele aos democratas. 0 banzé e a capoeiragem continuam a ser instrumentos do governo. (...) banir a oposição democrática da legalidade, tornar a legalidade elás­ tica até o crime a favor da monarquia.

Vdi se formando a idéia de que o governo é o responsável pela agitação mais perigosa nas ruas, graças ao recurso permanente aos capoeiras ns os ctrnservadores e.sclarecidos, aliando o trono ,1 ma/.orca?"*“ Lm 20 de julhc) de 18S9, em decorrência do atentado sofrido pelo imperador, preparou-se um desagravo no Teatro L). Redro II. O barão de Jaceguay puxou \ivas, "que foram calorosamente correspondidos", segundo ( ) /'afs. O mesmo ndato nos conta que, quando passou o préstito, ouviu-se um baixo murmúrio: viva a que não se completou porque a pessoa que o emitia teve sua boca 1,1 pad a. Mas não apenas fatos políticos provocavam grandes aglomerações nas ruas. \ú'zes havia que também assim era saudada a chegada de políticos queridrrs, somo o regresso de Joaquim Nabuco, em setembro de 1887, de Londres, onde estivera como correspondente de Cl /Ws. Ou a volta de Lopes Trovão em novem­ bro de 1888. Quando o navio que o trazia apontou na baía, os alunos da Escola Militar acenaram efusivamente. Impedidos de comparecer ao desembarque, aprrv \eitaram a hora da saída para dar vivas ao orador e morras ao comandante.^“' Quando do retorno de d. Pedro II, em agosto de 1888, a cidade engalanou-se. ( )s bondes desde muito cedo já passavam lotados. Exclamou a Revista Ilustrada: "a cidade está em júbilo", e acrescentou: "podendo-se dizer que o imperador .itravessou a cidade em meio de um viva uníssono e de uma ininterrupta salva de palmas"."’ As vésperas de sua chegada, no entanto. Silva Jardim fez uma Ionferência no Teatro I aicinda para contrapor republicanos e monarquistas que disputavam vivas d,i (ilaléia. Petiiii ele então ás si'nhoras pri'senh's qui- subis­ sem ao pah o para (|ue, ilianle delas, tvdesse "o odio da monari|iii.i". M.is ,i

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A República consentida

agitação tornou-se mais violenta c o orador teve que ser protegido. Quintino, Ubaldino do Amaral e Aristides Lobo foram socorrer um aluno da líscola Militar que fora agredido e que teve de ser atendido por Barata Ribeiro. Dos agitadores se destacaram os "Reis", apelido pelo qual eram conhecidos os filhos do conde de Matozinhos, irmão cio proprietário de O Pais. Na saída, como de costume, o préstito seguiu pela rua cio Ouvidor, onde o orador fez com c]ue a multidão aclamasse os jerrnais. Alguns republicantrs intentaram quebrar os coretos preparacit)s por com erciante para a revepção ao imperador. Os discursos continua­ ram na rua, onde também tomaram a palavra Valentim Magalhãt‘s e Sampaio Terraz, c'ste com um verbo rt'volucionãrio." Nos dois anos finais do Império, a tônica foi a intensa politização da socie­ dade da Corte. Palestras, mcctin^s, comícios — pela Abolição ou pela Repúbli­ ca , tudo acompanhado por espíritos exaltados e por intensa repressão poli­ cial. Rui Barbosa nos faz um retrato vivaz em seu artigo de 23 de julho de 1889: Tudo fiscalizado, tudo regulado, tudo proibido - salvo a mazorca que de navalha a lampejar em punho rondava anteontem a rua do Ouvidor, em clamor entusiástico de vivas à coroa com agentes policiais, que assisti­ am, na impassibilidade de cúmplices, a este espetáculo Ignóbil. ( ...)

(...) a covardia oficial, que, incapaz de arrostar os tribunais, quer dar na rua, com as armas da capoeiragem, as suas batalhas contra a democra­ cia da palavra."’^

A partir de 1886, outro assunto candente ganhou a esfera pública, tornandose objeto de debates acalorados, que toldaram a imagem do governo graças à estratégia de sua divulgação insistente pelas folhas republicanas ou simpati­ zantes: a Questão Militar." O jornal A Pcílcnicão, do Rio Grande do Sul, foi desde o início o porta-voz da insatisfação da caserna. Na Corte, (0 País e, a partir de 1889, também o Diário dc Notícias, de Rui Barbosa, estenderam esse ruído. A indisposição dos militares com o governo imperial já era antiga. Costumase datá-la de fins da Guerra do Paraguai, quando eles se perceberam como uma categoria social — ou "classe", como se apresentavam na época. Lssa consciên­ cia identitária foi grandemente reforçada com a Questão Militar. Lnquanto os rebentos da elite ingressavam nas faculdades de direito e de med icina, nas academias militares se alistavam os filhos de militares, mas tam­ bém os das famílias menos abastadas e os das províncias decadentes. Acontece que os militares desprezavam os "casacas" — como eles designa­ vam pejorativamente os bacharéis —, qiu' rt'sponsabilizavam pelo s escrav ocratas para uma aversão ao regim.e, o que lhe pareceu ser um ponto de vista "conciliante e moderado". Há uma dose de cálculo até no seu sincero abolicionismo. Falando das festas que se deram em Santos pela libertação dos escravos, descreve: "Foi um delírio descie 13 de maio até o fim do mês, delírio de que participei, por sinceridade mediata e imediata, por entusiasmo e por pcalítica", " querendo identificar o trono com a escravidão. Também por cálculo, pela percepção do poder das imagens, foi que, mesmo tendo sido atingido o palco onde discursava, em Paraíba do Sul, com uma pe­ drada vánda de fora, sem interromper o discurso, se postou de costas para a janela aberta. Há outras notícias de provas de seu destemor cjuando da conferên­ cia de 30 de dezembro de 1888. Por isso também buscava ser afável e ameno com as esposas dos republica­ nos que o abrigavam em suas casas, para "tirar-lhes o susto que lhes possa inspirar o meu nome, que começa a ser muito conhecido como o de um agitador", certamente cônscio da capacidade de divulgação delas. Essa preocupação lhe advinha do fato de a imaginação popular o supor alto, forte, muito mais velho e "um homem perigoso! me chamavam muitos".^" Também na Cevrte fez grande sucesso. Suas conferências atraíam grande pú­ blico. Delas se fizeram folhetos com até 4 mil exemplares de tiragem. E eram reproduzidas em vários jornais da capital e do país. Por isso, cuidava de sua imagem: Não me deixava tornar demasiado familiar com o público, nem o conser­ vava a grande distância. (...) Não freqüentava demasiado, nem evitava sistematicamente os lugares públicos. Procurava ganhar simpatias popu­ lares, sem perder as das classes conservadoras. Trajava-me sempre de preto, sempre do mesmo feitio. (...) Estava convicto que não bastava ser, mas é preciso também parecer (...). Aspirava aproxi­ mar-me do tipo do agitador moderado, frio, calmo e estudado. (...).

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Procurava estar à altura do meu compromisso e portanto estudava-me nos menores atos como quem tinha uma grande responsabilidade.”

Sabia que a forma de ganhar as lutas na sociedade de massas exigia a propa­ ganda muito mais do que as armas; Era preciso redobrar os esforços, eis tudo. E, depois, tinha-se em verdade passado o tempo das revoluções feitas somente à força da espada ou à força do dinheiro: o essencial era preparar a opinião pública; e com alguns níqueis no bolso para estradas de ferro, e com uma garganta para discur­ sos. também se podia abrir caminho para a República. Creio que me reconheci com alguns níqueis no bolso, e com uma garganta.’®

Por isso Jardim tinha como primordial a retcrmada das conferências republi­ canas populares que haviam desaparecido com Lopes Trovão, mormente para um povo tão afeito à oralidade: “o povo brasileiro gosta muito de discursos".” Entendia, como ficou visto acima, que para o advento da Repriblica era preciso preparar essa nova força política: a opinião pública.®“ Ele percebeu bem que só a Corte — "o foco da vida brasileira"®' — daria divulgação nacional ao projeto republicano e para ela se transferiu com a famí­ lia em 1888. Entendeu, outrossim, a importância capital da imprensa, à qual se dedicou. Escreveu na prestigiada e muito lida Gazeta de Notícias, que transcreveu algumas de suas conferências. Quando sentiu a ameaça que podiam represen­ tar os artigos de Joaquim Nabuco em O País, por indicação de Saldanha Mari­ nho, assumiu com Julio Diniz a direção da coluna republicana do mesmo jornal, antes ocupada por Aristides Lobo. Extravasou, ademais, o debate jornalístico para o púlpito dos teatros, mediante conferências. Ainda no mesmo ano, escre­ veu no Mequetrefe e no Grito do Povo. Para divulgar sua primeira conferência em Santos, como o funcionário do correio receasse passar o telegrama, valeu-se do telégrafo submarino. Se Silva Jardim foi especialmente sensível à importância da nova fonte de publicização, a esfera pública, sabendo como manipulá-la, sem tanta perspicá­ cia, mas igualmente ciente da novidade, outros a buscaram ou deram mostras dessa percepção. Segundo Olavo Bilac (1996:891): "(...) o melhor meio de con­ quistar uma praça é estar dentro dela, ganhando-a pela brandura e pela astúcia, para possuí-la sem batalha..." Até Deodoro teria pensado em valer-se desse instrumento para impedir a substituição das tropas pela Guarda Nacional, que, segundo se dizia, seria a intenção de Ouro Preto. Teria ameaçado o marechal com um novo golpe de 7 de abril de 1831, levando ministros ã praça pública e entregando-se em seguida ao povo para ser julgado.

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Quando se estabeleceu na Corte, Lúcio de Mendonça fundou, com Valentim Magalhães, o jornal O Escândalo, ]á chamativ'o no próprio nome. No editorial do orimeiro número, esclareceu as propostas e a linha dc'> periódico, que não pre:endia transigir com a mentira, nem dobrar a espinha. E terminou conclamando 0 público "do alto da sua importância coletiva". Na assembléia do Partido Republicano, em 1873, Quintino pediu a concen:ração dos esforços da propaganda na imprensa porque "a publicidade deve ser .=nossa força".'*"’ No Diário de Notícias, além de Rui Barbc')sa, Antonio Azeredo, óastão Bousquet, Lopes Trovão, Aristides Lobo, Medeiros e Albuquerque usa. am da palavra para atacar os últimos governos monárquicos. A abolição foi apressada por força da opinião pública, doufrinada e insuflaaa por discursos no Parlamento, por artigos nos jornais, ilustrações em revistas, :omícios em praça pública, ruidosas conferências em featros, também aprovei­ tados para a encenaçâca de peças antiescra\'istas. Castro Alves foi recuperado. Associações, grêmios, scaciedades emancipadoras foram criadas pelo país afora. A campanha ganhou a ju\'entude acadêmica e militar e despertou a inteligência nacional. Essas entid ad es coletivas congrega\ am geralm ente com batentes .’.bolicionistas e republicanos. Athcas Damasceno (1956:208) contou que quanáo, em 1884, as sociedades dramáticas abolicicanistas foram fechadas em Porto Alegre, noveas grêmios políticcas foram abertos sob cadisfarce de sociedades lite­ rárias: "São rapazes que, disseminados pelos diferentes grêmios culturais de Porto Alegre, cuidam muito menos de pcaesias e ficção do que de atear fogo no naiol da meanarquia, ceam o morrão espevitado de emancipaçãca dos escravos".

A DEMOCRATIZAÇÃO PELA RUA Rua do Ouvidor: a amplificação do discurso Cabe destacar eque muito da possibilidade de divulgação do que ocorria na década foi efeifo da cenfralidade da Corfe durante o Império. O que nela aconte­ cia repercutia no país e quem quisesse publicidade, prestígio ou posição políti­ ca, social, literária devia freqúentá-la.*‘ Disso sabia Silva Jardim, como vimos. Ele percebia com clareza eque, para cima revolução republicana ter êxito, devia se dar no Rio. E escreveu: "As revolu­ ções feitas no interior do país abortaram todas. O Rio de Janeiro monoqaolizou a cida nacional". Como entendia ele esse meanopólio? Explica: "a possibilidade de abarcar a \dda nacional num só golqae de vista! Poder conversar durante a inanhã com um amigo do Rio Grande do Sul e jantar à tarde com outro do Pará!".""'

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A R e p ú b lica c o n s e n lid a

Em Filosofia no Brasil, obra publicada em 1878, reclamava Silvio Romero (1969:113): "O Brasil é o Rio de Janeiro, dizem os insensatos, incapazes de com­ preender o espírito de uma nação, e c]ue o enclausuram nas vitrines da Rua do Ouvidor". O protagonista do romance O Mulato manifestava interesse em des­ pachar rapidamente os assuntos que o haviam trazido ao Maranhão para retornar logo ã Corte, Justificava-lhe a pressa uma alta figura da sociedade local: "O Rica de Janeiro é o Brasil".'^" Nas palavras de Romero fica a indicação de que, se a vida nacional se con­ centrava na Corte, a vida desta se espremia na rua do Ouvidor. Uma rua pouco extensa, estreita, mal calçada, mas que recolhia, em pequena parte de seu per­ curso — no quadrilátero formado pelas ruas Gonçalves Dias, Ourives, Uruguaiana e largo de São Francisco —, toda a movimentação política, social e literária (e grande parte da comercial) da cidade do Rio de Janeiro e, por extensãca, do país. Essa especialidade, essa originalidade histórica das décadas finais do século XIX no Brasil havia c|ue derivar em consec|üências também únicas: a repercussão nacional de idéias, projetos e debates daquela quadra histórica atra\'és da concentração espacial. Conhecida em todo o país letrado porc]ue cenário — e por vezos personagem — de rcrmances, folhetins, crônicas e artigos, decepcionava, de início, o forastei­ ro c|ue a respeifo dela fazia idéias grandiosas. Assim a descreve Valentim Maga­ lhães (1888:126): no quanto varia e se modifica a fisionomia dessa pobre rua, elevada do pé pra mão ao honroso posto de grande artéria da civilização do Brasil. Ela em geral é triste como um beco. Apertada entre as velhas casas desi­ guais, esquisitas, atarracadas, mal recebe a luz, e não tem a alegria dos carros. Além disso — tão suja!

Em A capital federal, em suas "impressões de um sertanejo", o personagem Anselmo — codinome do próprio autor. Coelho Neto — exclama surpreso para o tio, que, orgulhoso, o levara a conhecer a rua: "Um beco!", porque pensava que ela tivesse "largueza, muita largueza". Perguntado sobre a impressão que lhe causara a rua, revela: "Uma desilusão". E conclui: "perdoa-me avenida da ele­ gância e do espírito fluminense, não passas de uma viela atarracada".“*' Mas era nessa rua apertada cque pulsava a vida do país. Ela recebia de fora as idéias e as modas, e as refletia e transmitia para todos os cantos do nosso territó­ rio. E como o tio explica a Anselmo o "segredo" da rua, que "é o centrer da vida nacional", a grandeza na sua pequenez: Todos os grandes fatos da nossa política e da nossa literatura derivam da rua do Ouvidor — eia é o estuário que recebe todas as correntes, o centro

N o o lh o d a rua

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para onde convergem todas as forças ativas da naçao e donde se escoa a seiva intelectual. (...)

(...) A meu ver a nossa forma de governo é a rua do Ouvidor, a nossa religião é a rua do Ouvidor — as constituições, os figurinos e os atos de fé saem desse beco. Isto é a pia lustral que consagra os fatos e os homens. (...) Para imortalizar um homem só o sufrágio coletivo, e a urna está aqui. (...) 0 caminho da glória é este, Anselmo.®®

Nessa rua e em suas adjacências estavm a grande imprensa; o jornal do Commercio, o Diário de Notícias, O País, a Gazeta de Notícias, como também ali já haviam tido suas sedes a República e A Reforma. Suas redações serviam de pcmto de encontro para políticos, literatos, intelectuais, jornalistas e pessoas gradas, embora Silva Jarciim nisso distinguisse uma ciifcrenciação entre São Paulo e Rio de Janeircr. Segundo o propagandista, o centro da ativicdade intelectual dos paulistas eram as livrarias e os escritórios cios jornais, enquanto para os fluminenses ele "tem sede nos cafés".®® Aquela rua era também o enciereço de hotéis destacados, como o Ravot, que tomava c|uase todo o quarteirão da Uruguaiana acr largo de Sãcr Francisco, e à direita de cquem viesse por ele, o Frères Provençaux e o Europa. Nela estavam os restaurantes Renaissance, Louvre e o Chinês, com seus almoços de quatro pra­ tos a 600 réis apenas. E principalmente os cafés e confeitarias, que recolhiam, em burburinho, a vida elegante, boêmia e literária cia cidacie: o Java, na esquina do largo cie São Francisco, o Deroche, com seus famosos sorvetes, o Castelões, o Pascoal, o Cailtau e o Café Londres, redutca cios republicanos, para espantcr de Silva Jarciim. Traçando o perfil dos adeptos cio republicanismo no Rio de Janei­ ro, incluiu ele em sua lista "os desclassificados", ou seja, "os freqüentadores sistemáticos de cafés, eivacios cie um espírito de indisciplina e de crítica a tudo e a todos".®" Coelho Neto dividiu-os pelas ciisputas literárias: o Castelões, um "centro intelectual", era cr preferido dos românticos, nele pontificando e tendo "escritó­ rio" o mais popular cios boêmios da época, Paula Ney, que ali chegava por volta das 10:30 cia manhã, verificava a corresponciência e escrevia artigos para dois jornais. Era frec|üentacio também por políticos, jornalistas e músicos. Dele disse França Junior (1926:17); "é a imprensa no meio cia rua; o cérebro do Rio de Janeiro". No Cailtau, reuniam-se os naturalistas, ficando o Pascoal com os parnasianos e o Deroche, já decadente, com os simbolistas."' O Pascoal era tam­ bém um ponto de encontro de jornalistas.

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A R ep ú b lica c o n s e n tid a

A Ouvidor era ainda a rua das principais livrarias e editoras; a Laemmert, a Faro & Lino — com sua rocia cie discussões sobre prtmomes, ct^mo gracejava Coelho Neto, na qual Valentim defendia os clássicos contra os nacionalistas sectários de Alencar — e a destacada Garnier, um "casebre de aspecto som­ b rio ",- onde o velho dono passava o dia, no seu escuro corredor, recebendo a fina flor da nossa literatura, ávida por sua eleição para a edição dc seus roman­ ces ou poemas. Intelectual e frívola, a rua ditava a mocia em suas kqas elegantes. Da alfaiataria Ratmier, na esquina com rua Uruguaiana, saíam rapazes e senhores enfarpelados c]ue atraíam os olhares femininos e proseavam sobre os bailes, o teafro lírico e formavam "os pares do cotillon dos grandes saraus".'” Já a Madame Lambert servia às senhoras chiques — inclusive a imperatriz —, que frec]üentavam os cabeleireiros Roux e Desmarais. Mas a loja mais procurada era o magazine Notre Dame de Paris. O Gôndolo & Laboriau, o Mappin & Webb cru os irmãos Farani, este na esquina da rua dos Ourives e distinguido pelo brilho das suas vitrines, aparelhavam de jóias as belas. Outro ponto de encontro eram as charutarias, as papelarias, como a M. e Mme. Bouvoir, e principalmente os armarinhos, c^ue recebiam as damas da Corte em busca de aviamentos para os seus vestiders de baile, assim como as moças humildes, que se satisfaziam com adereços mais simples. Segundo França Junior (1926:18-19), o Armarinho do Godinho recebia genfe do Catete e da Gamboa, e esse cerngraçamento de "dois povos (...) muito tem contribuído para o progresso do Rio de Janeiro", referindo-se ao gosto. Assim é que "quem quiser saber dos hábitos, gostos, tendências, profissões, política e até da idade de qualquer indi­ víduo, consulte a Icrja c|ue ele freqüenta na rua do Ouvidor". Por esse beco sujo que resumia a vida nacional transitavam capitalistas, políticos, jornalistas, literatos, damas da sociedade, funcionários públicos, mas também cocottes, moças do subúrbio, moleques vendedores de jornais, comerci­ antes, caixeiros, empregados, operários e os famosos boêmios. Essa democratização do mais importante espaço público da cidade, da Cor­ te, talvez ateste, mais que tudo, a valorizaçãci da rua na década de 1880, porque nela se exibiam as mulheres da boa sociedade. A Casa fora para a rua e, nela, embora sem se misfurar, esbarrava com a ralé, mas também com políticos grados e com a cidade das letras. A rua agora tinha até "adoradores", como revelou Valentim Magalhães. Sua fisionomia variava no correr do dia. Coletando as observações de França Junior, Valentim Magalhães e Coelhe:» Neto,” pode-se surpreendê-la desde a madrugada, por volta das quatro horas, c^uando por ela passavam aqueles que iam abastecer a cidade com suas carroças de legumes, verduras, frutas, ovc;>s.

N o olho da rua

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pães e jornais. Coelho Neto afirmava que, nesse horário, era usual ver-se algum rebanho descer a rua em direção à praia do Peixe. As seis horas, chegavam os cozinheiros com seus cestos de compras e tam­ bém o carroção do lixo, que, segundo Coelho Neto, limpava as casas e sujava a rua, enquanto os caixeiros varriam as lojas. França Junior fala dos passageiros silenciosos e muito vermelhos que vinham lendo nos bondes de Botafogo: eram os ingleses e alemães. Nessa hora, vacas leiteiras seguiam o seu caminho, o que "dá à rua o tom ridículo de viela de aldeia". *'^Também era o momento do desfile de "sujeitos magros e a m a r e l o s d e "anêmicos",'’" que voltavam do banho de mar, das duchas do Firas. Passavam depois as donas-de-casa mais simples, que iam se abastecer, as costureiras, que chegavam para as oficinas, os moleques pregoeiros e os caixei­ ros. As oito horas, era a vez dos funcionários públicos e, às nove, dos estudantes. A partir cias 10 horas, a rua ia adquirindo sua fisionomia polida, com a chegada dos patrões, dos capitalistas, com seus "ventres apostólicos" e "botinas rinchadeiras", dos profissionais liberais, todos já almoçados: "é o muiado burguês que a ocupa (...) vão digerindo o seu jornal e o seu almoço Ao meio-dia começava o desfile das elegantes. As lojas se enchiam, c:>sboatos circulavam. Descreve Valentim: A gente é outra. Chegam os primeiros adoradores [da rua]. Os bondes começam a despejar (...) a melhor água dos arrabaldes fidal­ gos. Vão chegando os b/asés, os ricos, os ociosos, os célebres. (...)

Emergem subitamente co c o tte s , picando a onda serena e honesta da burguesia (...). (...)

0 Brasil... que digo? — o mundo está neste becoP’”

Coelho Neto (1924:110) acentuava essa mistura de gentes que tomava a rua até as cinco da tarde: "A desfilada — a elegância, o espírito, o trabalho, o vício, a miséria. O Rio manda a sua embaixada diurna que passa em promiscuidade fantástica (...)". Depois das cinco, o povo da rua se recolhia: as mulheres com seus embrulhos tomavam o bonde de Botafogo, os operários deixavam os arsenais e as fábricas. Os funcionários públicos já haviam terminado seu expediente às três horas e circulavam ainda um tempo pela rua. Todos ganhavam suas casas para o jantar

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A R f p ú b l i e r t t(MisciiUd;>

na hora ena que os atores vinham almogueses já raros se debruçavam "sobre a leitura dos jornais do dia, amarrotados por muitos olhos e muitas mãcís e cober­ tos de manchas amareladas, cheirando a café". A noite, era a vc'z, dos bilhares. A rua era povoada, então, pelos "bilontras, cabulas, capoeiras, capadócios, caftens, cambistas, secretas, bate-carteiras"."" O ambiente reanimava-se na hora dos espetáculos, quando as rcdaçcães dos jornais fervilhavam de atividade. Nas suas portas discutiam-se as notícias do dia. Os cafés ficavam então cheios desse outro público. Nos sábados, a rua mantinha sua agitação frenética. Assim a retratou Mt'deirose Albuquerque (1982:71-72): 0 que ela era nesses dias [entre 1884-1889], do largo de São Francisco até a rua do Ourives, não se pode hoje avaliar. Todas as comunicações da cidade para aí se dirigiam (...). A circulação inteira da cidade convergia assim para aí e daí radiava. ( . .. )

Aos sábados, a rua do Ouvidor parecia uma igreja em dia de festa. Podese dizer que não se circulava livremente. Não havia quase espaços deso­ cupados.

já no domingo, sua fisionomia toda se modificava, "perde o chic", vestindo "a saloia". Depois dos carroções de lixo, vinha o desfile do cestos — os "bichos

No o lh o

da rua

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(k' cozinha" — e as "baratas de igreja" com seus terços c as "horas marianas". lí Valentim continua sua descrição: "Passam depois as famílias que vão 'à praça' I>u voltam dela, acompanhadas de criados ou 'ganhadores' carregados de enor­ mes cestos pantagruélicos. (...) Magotes de marinheiros (...) passeiam a sua hnicii. Ikirgueses pançudo.s, donos de casas comerciais vão com as mulheres e as filhas \isitar os confrades aos arrabaldes". Assim era a rua do Ouvidor, a pequena grande artéria da vida nacional, por I)iide perambulava lodo o tipo de gente; vitrine da moda, das idéias, dos aconteI imentos; lugar de exibição cios talentos, da boêmia, cias celebriciacies. lira um l.imbor cujo eco .se ouvia em todo o país. O que nela acontecia, quem nela se I >rojetasse, ganhava visibilidacie nacional, lí como freqüentá-la .se fez um hábito diário, como nos ciisse o cronista da Revista Ilustrada, ela era um espevialíssimo lugar de solidariedade" das figuras da sociedade, da política, das letras e das linanças. lixplica França Junior (1926:649-650 e 17): "O Rio de Janeiro, pocic'-se dizer sem hipérbole, resumc'-se na rua do Ouvidor. (...) Nos baik-s, nos teatros, lios passeios, por toda a parte encontram-se sempre as mesmas caras". F aconsc'Ihava: "Quem quiser que uma mentira ou um dito maligno percorra com rapidev lietrica toda a cidacie, nada mais tem a tazercjuc' trximadamentc' 2t)0‘X>de 1872 a 1890, enc]uanto os profi.ssionais liberais pas.saram cie 2..18.'! a 7.1.3.8 entre essas datas. A ciciacie cio Rio de Janc-iro licierava igualmente o .setor cias financias, por ■'(■diar o banco cio Brasil, a maior Bolsa de Valorc's cio país e as principais casas bancárias nacionais e c'strangeiras. A nova c'strutura prociutiva do cc'iitrociinamico cio capitalismo, ocorricia por volta de 1870, resultou, entre- cHitros fatorc-s, numa ampliacjão cios rc-cursos de capital para investimento e em superprociig'õc's crcánicas como a c]ue levou à ( .rande Depressão, iniciada em 187.8. Em cic-corrência, operou-se uma intensa evasão cie capitais europeus para as áreas fieriféricas, em busca preferencial­ mente de empréstimos governamentais, mas também cie aplicac;õc>s em infra1'strutura de transportes e comunicação, além cio incremento dc- indústrias extrativas e de beneficiamento de matérias-primas. Esse influxo cie capitais foi acompanhado da exportaçãci cie costume-s e paIIrão de vicia europeus. O conjunto ciesse novo cenário cic-sestabilizou as rc'giõc‘S I-eriféricas ao sistema, do que se ressentiu espc-cialmente a América I atina. No Brasil, tais fatos provocaram a instalação cie ferrovias, a melhoria cios I xirtos cio Rio cie Janeiro e Santos e cia.s comunicações. O comércio foi impulsio­ nado pela crc-scente demanda européia de matérias-primas e pelo aumento cias 1niportaçcõcs. Esse novo quadro c-conômico e financeiro abalaria o regime impc'nal, incapaz cie responder ou cie se aciaptar às exigências cie um progre-sso i.ifiido."’'’ A partir de 1886, o país parecia ter saído da crise cambial que o assolava (h'sde 1875, crise dinamizada pela sc-ca de 1877/78. Tratava-se de uma euforia s e m base sustentável, visto c]ue o afrouxamento se devia ao aporte de capital ( slrangeiro de empréstimo, um cm 1886 e outro em 1888. Os últimos três anos da Monarquia assistiram a uma explosão de novas companhias industriais c coMu-rciais, com ativação da Bolsa e elevação do capital dos bancos. O aum ento do valor das exportações e a pressão provocada pelo .ivsalariamento em decorrência da progressiva libertação dos c-scravos levaram título "A imprensa revolucionária no Brasil", um anônimo — que, singularmente, se assina "O Povo" — repreende Quintino Bocaiuva por recebimento de supostas benesses do governo. Comenta o missivústa o surpreen­ dente crescimento da imprensa "extra-oficial ou independente". Enquanto os jornais crficiais não mantinham mais um só órgão na imprensa, diz ele, os inde­ pendentes contavam com periódicos diários como a Gazela de Notícias e a Gazeta da Tarde e ainda outros: Pátria, Corsário, Tagarela, Revolução, Comhate. Esses, ex­ plica, não eram escritos pelos "filhotes da Coroa ou do Governo" e tinham ten­ dências republicanas mais cru menos francas ou escancaradas. E observa; "Pa­ rece que a atmosfera social está saturada de um iniasma revolucionário'' e a única forma de prevenir a sua explosão iminente, segundo a carta, é distribuindo títulos, pastas e privilégios. Entretanto, conclui a epístola, nada poderá suspen­ der "a ação dinâmica da civilização do século X IX ".'“ Essa ação é a matéria do segundo capítulo.

N o o l h o d a r iia

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NOTAS 1 A lb u q u e rq u e , 1982:87. O m e m o ria lis ta \ iu em tais in co n fid ê n cia s grande u tilid a d e , posto que p re v e n iu as pessoas para que fossem arm adas. Ele m esm o le\ ou "d u a s caixas de balas e u m excelente S m ith & W esson" (p. 87). 2 N os dias 5 e 6 de ja n e iro de 1889, a colun a re p ub lica na do jo rn a l descreveu os fatos o c o rrid o s d u ra n te a conferência e nas ruas sob o títu lo "R etificaçã o h is tó ric a ". A n a rra tiv a dos a co ntecim ento s re la tiv o s à con ferên cia de S ilva ja r d im segue esse relato com intro m issõe s, avisadas, de ou tra s testem unhas. As citações que no corp o d o texto estão sem nota fo ra m retira da s dos a rtig os de O País. 3 M ed eiro s e A lb u q u e rq u e (1982:88) d iz que sua tarefa — e de a lgu ns o u tro s — era ca rre g a r se g u id a m e n te os r e \ó l\e r e s e, p o r u m a fresta da ja ne la, a tira r a esmo contra a m u ltid ã o , e co n clu i: "d as cem balas que eu le vava fiq u e i apenas com c in ­ co...". 4 A p u d A lb u q u e rq u e , 1982:88. 3 A na cle to de Freitas era u m negro a d ep to de Silva Jard im "q u e se batia p o r ele nas ruas c o n tra a G uarda N e g ra " (M oraes, 1985:20). Em suas m em ó rias, o p ro p a g a n d ista tam bém se refere a A na cle to . 6 M ed eiro s e A lb u q u e rq u e (1982:88-89) a firm a que se m ais pessoas não acom panlraram Silva J a rd im foi p o rq u e ele não o p e rm itiu . O que ele c^jueria m esm o era sair so zin h o , ale g a n d o que era o a l\ o da G u a rd a N e g ra e que não q u e ria , p o r isso, cokrcar ou tra s vid a s em p e rig o. 7 Ja rd im , 1891:233. 8 M e d e iro s e A lb u q u e rq u e relata que a pjolícia fez de tu d o para que S ilva Jardim tomasse um carro, o que ele recusou alegando que era seu h á bito seg uir para casa de bonde. Em co n tra ste com a v a le n tia d o seu íd o lo , o jo rn a lis ta tin h a reticê ncias q u a n to a Eopes T ro vã o , que, p o r sua vez, era a d m ira d o p o r m u ito s e, em geral, m ais bem aceito d o que J a rd im nos m eios n ã o -a ti\ istas. 9 Jard im , 1978:319-320, 322, 327, 328, resprectivamente. 10 Escrtn endo anos depsois, M e d e iro s e A lb u q u e rq u e rem e m ora o m o m e n to em que, a co m pa nha nd o u m dele gad o do G o \ erno Prox is ó rio que ia e fe tu ar algum as p r i­ sões em 18 de d e zem b ro de 1889, cpuando h o u \'e um arre m ed o de co n tra g o lp e não m u ito bem esclarecido, esteve ele no C o n v e n to de Santo A n tó n io , onde re sid ia Ferreira V iana, para le v á -lo às grades. D epois de tecer interessantes considerações sobre o caráter d o e x -m in is tro , transcrex e o d iá lo g o que tive ra m . Ferreira Viana alegou que os re p u b lica n o s não tin h a m razão para g u a rd a r-lh e ran cor ou a n tipa tia. O m e m o ria lis ta re tru co u com um a n e ga tiva, le m b ra n d o -lh e os acontecim entos de 30 de de ze m b ro de 1888. A rg u m e n to u então M e d e iro s e A lb u q u e rq u e que estivera, nacpuele d ia , na travessa da B arreira "ce rcado da m alta de assassinos que V. Exa. in c ito u co n tra os re p u b lic a n o s " e que dacpuela m esm a janela, onde se encontrava

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ele a p o ia d o no m o m e n to , d e v e ria ter F erreira V ia n a , naquela ocasião p re té rita , assistido "à execução de suas o rd e n s ", ü e x -m in is tro m ostrou-se espantado, asse g u ra n d o que a q u ilo fora um a ca lú n ia (1982:125). 11 O P a rtid o R epublicano.

O Paí^, 6 jan.

1889.

12 L ib e rd a d e de im prensa. Rcvisln lliislraclii, 5 jan. 1889. 13 Rcvltila Ihisiradn, 9 jan. 1880. 14 A p u d Sodré, 1966:266. 15 Sobre a R evolta d o V in té m , ve r especialm ente Ciraham , S. L., 1980. 16 A p u d Sodré, 1966:237. 17 O p e rió d ic o , e d ita d o na cid ad e s u l-m in e ira de C a m pa nha , teve a rtig os re p ro d u z i­ dos nos jo rn a is cariocas Globo (de Q u in tin o bo caiuva), Ciizcln da Tindc (de José do P atrocínio) e Ciizcla dc Nolícias (de Ferreira de A ra ú jo ), assim com o no Província de

São l’iwlo (de Rangel Pestana) e no gaúcho Pcdcrnção (d i‘ Jú lio de C a stiiho s, Assis brasil e R a m iro barcelos), sendo cita d o no Senado p o r C ris tia n o O to n i. José M u rilo de C a rv a lh o (1991:70), re fe rin d o -se ã Revolta d o V in té m , fala de uma " m u ltid ã o de mais de cin co m il pessoas". 18 A gota d 'á g u a e N ova fase? (M en do nça, 1905:88 e 90-91, respectivam ente). 19 O poder público (Corrêa, 1883:169). 20 A p u d C o n ra d , 1975:319. 21 Os escravocratas, em bora entendes.sem que o g o v e rn o se im iscuía n u m d ire ito .senhorial, v ira m na m edida um a pá de cal na escravidão no bra sil, posto que, sem a pu n içã o e xe m p la r, não haveria m eio de conter os escravos nas fazendas. 22 M em b ros de d ife ren te s g ru p o s .sociais se fizeram caifazes, especialm ente os estu­ dantes de d ire ito , entre os qu ais se destacou Raul P om péia, que exigia dos re p u b li­ canos coerência com suas crenças. 23 A vid a p o lític a . Rcvisla Ilustrada, 9 ju n . 1888. 24 C o elh o N e to , 1985:257. 25 A p u d M a tto s, 1994:126, n. 93. 26 Segui aq u i a in te rpre ta ção já clássica de lim a r R. de M a tto s (1994:103-121), que t r a d u z iu

a c o n fig u r a ç ã o d o s is te m a im p e r ia l b r a s ile ir o m o n ta d o p e lo s

"sa q u a re m a s", referindo-se aos "trê s m u n d o s": d o g o ve rn o , do tra b a lh o e da de ­ sordem . O p rim e iro deles ficava de sdo brad o, q u a n to ao p ú b lic o e ao p riv a d o , no g o ve rn o d o E stado e no g o ve rn o da Casa. O ú ltim o se d is tin g u ia dos d o is p rim e i­ ros, ne g a tiva m e n te , pe lo c rité rio da civilização. 27 V iva à ra in h a ! (Barbosa, 1947, t. 2, p. 65).

'S O u .in tiis n u m .i só (Barbosa, 1947, t. 6, p. 167). 'O A n a rq u ia pelo rei (Barbosa, 1947, t. 3, p. 403). U) A p u d C astro, 1995:154, g rifo m eu. '.I l-nxadadas na coroa (Barbosa, 1947, t. 4, p. 1,50). V2 O efin ição d o ve rb o "s u b v e rte r" em C a lda s A u le te (I94H, v. 4): " d e s tru ir (o que está assente), a rru in a r; d e rru b a r; c o n fu n d ir; p e rfu rb a r c o m p le ta m e n te ; tra n s to rn a r; desordenar. Î3 H o la n d a , 1985:3,56. 14 O im p e ra d o r (Barbosa, 1947, t. 4, p, 173-174). 15 Ib id ., t. 4, p. 174. 16 14 de ju lh o . Rcoiala lliiulnuhi, 20 ju l. 1889. 17 R odam ontadas (Barbt)sa, 1947, t. 4, p, 224). 18 T ro n o e ma/,orca (Barbosa, 1947, t. 2, p. 78). 19 C astro, 1995:146. S ilva Jard im , em suas Memórias, descreve a elusão p o p u la r com a volta d o grande o ra d o r, ms d o re fo rm ism o . 47 Para estas e o u tra s intcMvssantes informars de funcie)nárie)s públiee)s e]uase de>braram. De-fende e) historiadeer e]ue e> pe)ve) brasileire) nãe) ce)rrespe)ndia à idéia libera l de) "cidadãe) ative)", pe)liticam ente e)rgani/ade), mas elue era capaz de grande in ic ia tiv a para e)utre)s fins (1991, cap. 5).

(>4 Paula N ey, fig u ra maieer ela be)êmia de)s anos 1880, percebia a im pe)rlância da pânelega para o pe)ve). F.m re)ela de amige)s, explica: "S u p rim a m o carnaval e e) je)ge), e este p.iis irá à g a rra , d e sm a n te la d o " (A p u d Ce)elhe) Nete), 1929:93). f)5 Trata-se’ ele’ um ele’taihe ela dc'scrie,'ãe) de um préstíle) carnavalesce) e]ue aparece' na

Rcoisli! Ilu^lniihl ele’ I I de levereire) de’ 188,3. (i() Lim Jose M urile) de’ Carvalhe) (1991: |43), há um testemunhe) e)pe)sfe). Fie faz referê n­ cia ao inglês C harle’s D ent, a e]uem muite) impressi))ne)u a e’ne)rmi’ m ultidãe) e]ue’ ace)mpar)hou aejuele carn ava l chuve).se> ele 1884. (>7 Creãnicas fluminen.ses. Rrcislu llufitriuin, 29 fev. 1884. ()8 Creãnicas flu m in e n s e s . Rcvisln Ihislrmin, I I têv. 1883. Fssa insatisfae;ãe) ce)m a pe)litizae;ãe) de) carn ava l form a uma le)nga tradie^ãe). Fm () Globo de 8 de feve-reire) de 2003, recl,)m ava Olave) de Carvaihe), e-m sua ee)luna: "Tem pers atrás, a aperteerse a n u a l de) caers a in d a se ap rese ntava cerme) terlice inelcua, palhae;ada a ssu m id a . Rncampada pela prerpaganda ideerlelgica, torne)u-se pretensiersa, arrergante, auterritária: e]uis ser levada a série) cerrne) alta m ensagem me)ral, perrtaderra da 'be)a nerva' traziela pe)r Fênin, Mae) e Fadei. O e'nrede) da Beija-Flerr é a exterie)riza(,’ãe) pe)pulare.sca da 'tee)le>gia da libertaçãe)'". Ne) de sfile de 2003, Criste) e Satanás trercariam tirers ne) meie) da avenida cerme) alegerria à situação de violência v iv id a pela cidade. ()9 Páginas da histelria.

jornal do RrasU,

13 fev. 2003.

70 A p u d Castre), 1995:84. / I Creãnica flu m in e n se .

Revista lluslnnla,

13 ago. 1881.

72 O s argum enteis sustentaders serbre e) p rin c ip ie ) da "e rralidad e" de) peive) b ra sile iro seguem as indicaçeães d e F u iz Cersta L im a em seu ensaie) .seibre e) "sistem a in te le c tu ­ al brasileire)", incluíde) em Dispersa dniiaiida. Fala e) auteir que, e n tre neis, rege a "c u ltu ra ela auelitivielade’", e|ue laz os eliscursers ceaivenee-re-m muite) mais pe-la re-le') rie a elo e|ue’ |)e’la ele’n io n s liaçao i.u ional.

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A Republica consentida

73 E xem plos m ais concretos no cap. 3. 74 Jard im , 1891:59. 75 Ibid ., p. 90. 76 Ib id ., p. 84 e 120. 77 Ib id ., p. 113. 78 Ib id ., p. 92-93. 79 Ib id ., p .l2 . COelh(> N eto conta-nos um fato que lhe foi tra n s m itid o p o r l ’,uila Ney. A pós um a g ra n d e festa a b o licio n ista no Teatro S. 1’e d ro , re tiro u -se ele para a alcova aco m pa nha dt) de um a rap arig a, a "c ig a n in h a " que, nestas circunstâncias, p e d iu -lh e um discurso . D iz ele que, em tom veem ente, laUtu sobre as coisas as mais d is p a ra ­ tadas, mas que ela "o u v i.i-m e fascinada, c]uieta com o tim a serpente d ia n te de p s ilo " (p. 98). 80 Ib id ., p. 10. 81 Ibid ., p. 18. 82 Mendt>n(;a, 1905:342. 83 A p u d S ilv a , E., 1986:409. 84 M achado N e to (1973:63) d i / i]Lie das 60 person alida des lite rá ria s que pesquisou, do is tei'(;os delas vive ra m no Rio de ja n e iro .seus antrs de p le n itu d e . 85 Ja rilim , 1891:246 e 160, respectivam ente. 86 A zeve do , 1998:35. 8 7 C o e lh o N e to , 1924:70, 65 e 67, re s p e c tiv a m e n te . N o p re fá c it) à 3“' e d iç ã o de O M ulato, A lu ís it) A ze ve d t) d e cla ra qu e seu liv r o de e stréia já não p e rte n cia m ais a n e n h u m a p ro v ín c ia , "m a s s im ao p iib lic o d o R io de ja n e iro , a q u e m d e v o tu d o " (p. 11). 88 C oelht) N e ti), 1924:70-72. 89 Jard im , 1891:246. 90 Ib id .,

p .

181.

91 C o elh o N e to , 1929:32. 92 Ib id ., p. 42. 93 França ju n io r , 1926:15. 94 França J u n io r na crôn ica "B o n d s " (1926), V a le n tim M ag alhãe s em O u v id o r " (1888) e Crrelho N e to em 95 M agalhães, 1888:126.

A capital federa! (1924).

“Demoiselle

N o o lh o d a rua

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'(■ I raru;« Ju n io r, I926;148. ' ( o d h o N eto, 1924;110. M agalhães, 1888:128 e 127, respectivam ente. I b id , p. 128-130. li>0 lnformaeta e à estrita educação religiosa c]ue recebera, deseiahando assim seu perfil quando entrara para a academia: romântico em literatura, conservador e católi­ co. Entretanto, dizia o crítico, em contato com o meio estudantil, Raimundo passou a viver em conflito com aquela educação "teológico-metafísica": "o po­ bre rapaz trazia um inferno na cabeça".'

N

Nesse embate com um meio de "livres-pensadores, iconoclastas e rebeldes",^ fez-se ele um combatente que veio a engrossar a geração de renovadores da inteligência nacional, geração profundamente interessada e engajada nas ques­ tões pátrias e na qual se deve incluir a leva de políticos cjue desde 1868 questio­ nava a Monarquia e/ou suas ações.' Mas, que imagens sagradas os rebeldes iconoclastas queriam derrubar? Va­ mos pedir a um contemporâneo que responda a essa indagação, o c|ue ele faz não sem um certo exagero: Até 1868 0 catolicismo reinante não tinha sofrido nestas plagas o mais ieve abalo; a filosofia espiritualista, católica e eclética a mais insignífican-

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A k r | i n l i l u .1 ( o i i

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te oposição; a autoridade das instituições monárquicas o menor ataque sério por qualquer classe do povo; a instituição servil e os direitos tradicio­ nais do feudalismo prático dos grandes proprietários a mais indireta opugnação; o romantismo, com os seus doces, enganosos e encantado­ res cismares, a mais apagada desavença reatora.'’

Catolicismo, ecletismr), romantismo, escravidão, regime de privilégios, pres­ tígio das instituições — eis os pilares da Monarquia no Brasil. Contra esses alicerces, semearam os livres-pensadores uma nova cultura, pelo impulso de um "movimento subterrâneo, que vinha de longe","' Saudando a vitória da ciên­ cia e da liberdade com a proclamação da República, o artigo "Báginas cor-derosa", da edição de 7 de de/.embro de 1889 da Rcvishi sc pergunta como foi possível tão súbita mudança, para responefer: "Obscuramente, todos nós tínhamos, dia a dia, lavrado o seio fecundo da ferra da América com o arado do pensamento (...)"• liste capítulo trata desse "pensamento", que Sílvio qualificou como o "bando de idéias novas". Idéias que vieram de longe, de firra, do exterior, e penetraram no subterrâneo da alma com a graça sedutora de um sorriso intruso, para se usar — e melhor se entender — uma imagem do prólogo. Vamos surpreender tais idéias, entretanto, em sua aplicação prática como ferramiMitas para pensar as questões nacionais que se punham no contexto da década de 1880. Necessário se fa/., porém, uma pequena notícia sobre suas linhas mestras.

CIÊNCIA E EVOLUÇÃO: “O ARADO DO PENSAMENTO” O ecletismo, filosofia espiritualista na vertente de Victor Cousin, ganhou h>ros de filosofia oficial na primeira metade do século XIX no Brasil, com ela se combinando, em casamento harmonioso, o romantismo. Ií não só: era uma filo­ sofia que, na França de Luís Felipe, se chamou de "espiritualismo" e se tornou "uma aliada afetuosa e indispensável cfa religião".'’ Hessa influência se esten­ deu ainda, entre nós, até o final do século XIX, pela ação de professores. Paralelamente a esse oficialismo oficioso, e mais antigo do que ele, o racionalismo da Ilustração teve forte penetração em nossa elite (inclusive no imperador), parte da qual a fora beber na própria Furopa. O anticlericalismo dos dirigentes brasileiros foi fato notório até mesmo porque o baixo nível intelectual dos nossos padres e uma religião toda exterior, afeita mais ãs pompas do rito e às repercussões sensíveis da fé — misturada a crendices —, não seriam de mol­ de a impressioná-los. Roque Spencer Maciel de Barros deu à Geração 70 o epíteto de "a Ilustração brasileira". Sob a égide do cientificismo, a intdligentsia nacional quis valer-se da m/ão como guia único e seguro da reconstrução do Fstadoe da sociedade pátrios.

o sorriso da in tru sa

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'eles expurgando a tradição de hierarquias fundadas sobre o privilégio e a ;aduca união trono-altar, para fundá-los sobre a ciência, a propulsora eficaz do erogressco. Assim é que o campo era fértil para a difusão do positivismo junto à mtelectualidade brasileira, eiacantoancio o ecletismo. Não estou falando da ade-ão integral acos princípios de Ccrmte, mas de uma disposição mental aos seus métodos de análise cicr real: um positivismo heterodoxo. Da renovação intelectual da segmida metade do século XIX brasileiro, coube .=,0 positivismo a introdução de pelo menos duas idéias mestras; a evolução

escalonada da história e o cientificismo. As revoluções liberais e o romantismo já haviam habituader o pensamento ;’.acional à idéia de progresso. Essa idéia ganhou com Comte conteúdo histórico :om uma filosofia de mais fácil assimilação do que a astuciosa trajetória hegeliana áa razão. Martins Junior, que a Revista dizia ser um nome que "honra a geração :noderna", ressaltando que, apesar de não ter saído da província de Pernambuco, é conhecido em todo o país pelas suas poesias, jornais e pelas idéias avança­ das que professa",' versejou: Também o mar da História está sujeito às leis Imutáveis, fatais, que a natureza fez Desde a elaboração do Cosmos, do universo, Quando o poema da vida apenas tinha um verso.®

Segundo o filósofo francês, o espírito humano percorreu três momentos, no indivíduo e na história; o teológico ou fictício, o metafísicer ou abstrato, e cd cienlífico ou persitivo. No primeiro, preciominou a imaginação na interrogação sobre as causas primeiras, cujas respostas foram cnccantradas na intcrvcnçãca arbitrá­ ria de forças divinas. Foi a fase do "Estado teológico-militar", cjue vigorou até tins da Idade Média. Quando as explicações passaram a ser buscadas através de abstrações imanentes ao objeto — o que se teria dado a partir da Reforma —, o espírito humano montou "Estaders metafísico-jurídicos". Nessa progressão, chegou-se ao "Estado científico-industrial", no momentci em que a inteligência, restrita agora a seu campo próprio, abandonou as investigações sobre os abso­ lutos e as origens dos fenômenos. O Estado positivo, superando mesmo, no seu entender, a democracia parlamentar, ainda metafísica, seria uma sociocracia autoritária. Entendendo por "positivo" o dado da experiência. Comte rechaçou a metafísica e o idealismo, advogando o princípio de que só se pode conhecer os fenômenos pela razão e pela observação que neles investiga não suas causas primeiras, mas suas leis e relações. E o conhecimento do relativo contraposto à inc|uirição do absoluto, sendo a filosofia a sistematização de todas as ciências.

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A República consentida

Numa polêmica com o bispo d. Macedo Costa, cie que trataremos adiante, Lauro Sociré (1997:166) demonstra exata compreensão da filosofia positivisfa: É esta uma interpretação que a filosofia positiva coloca onde há um fenô­ meno por explicar. 0 que é ela então? A renúncia da cognição do absoluto; a eliminação do sobrenatural, o corolário natural do princípio da relativi­ dade do conhecimento humano. Aceitar este princípio é ipso fa c to renunciar ã tentativa sobre o desconhe­ cido, 0 não-condicionado. Se é uma verdade solidamente estabelecida pela ciência, que só pode conhecer o relativo, o fenomenal, o particular, o que fica sendo a filosofia? Ainda uma explicação do Universo; mas uma explicação positiva, pelo conhecimento das leis naturais que regem os fenômenos. Há relações invariáveis entre os fenômenos ligados pela lei da causalidade universal, onde a teologia colocava uma vontade e a metafísica uma entidade vaga e misteriosa.

Para a Geração 70, o cientificismo, filosoficamente apoiado, libertava a in­ teligência de fantasias religiosas e de abstrações mócuas para dar conta e impri­ mir velocidade ao progresso tecnológico capitalista. No seu longuíssimo poe­ ma, Martins Junior (1881:53-54) resumiu assim seu ideário: O século tem no dorso o estado positivo. Esse estado, essa fase é como um largo crivo Feito pela razão na consciência humana. Por onde agora jorra a onda soberana Da verdade moderna. O solo do Real. Ficaram para trás Os mistérios, o vago, as fantasias vãs Que tanto haviam Já desfigurado a Ciência, E hasteou-se a bandeira, enfim, da Experiência, Sobre a férrea muralha impávida do estudo! Agora essa bandeira é que domina tudo.

A atração exercida pelo positivismo estava no fato de este lidar com toda a gama do conhecimento, tendo respostas para todas as inquietações e vicissitu­ des do cotidiano. O filósofo de Montpellier inovou na inclusão do estudo positi­ vo dos fatos sociais, fundando a sociologia. Se nesse ramo de pesquisa a experi­ mentação se mostrava de difícil uso, cabia ao cientista valer-se do método comparativo e histórico para conhecer as leis que regem a sociedade. Dividiu ele essa ciência em "estática social" — a ordem —, que investiga a organização da

o so rriso d a in tru sa

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sociedade através de seus órgãos e funções, e em "dinâmica social", na qual entra a teoria do progresso social. Entendendo a sociologia como a totalização do saber, classificou as ciências do mais simples e indeterminado (a matemáti­ ca) ao mais complexo e específico (a sociologia). No final da vida, Comfe propers a criação cie uma religião da humanidacie, religião não-feísfa que substituía os santos pelo culto aos grandes vultos da história. Poucos de seus adeptos, no entanto, acermpanharam esse seu desvio religioso. Enquanto, por exemplo, seu discípulo Pierre Lafitte manteve-se fiel à orfocioxia, a maioria se separou, só aceifando sua filosofia "científica", como Liftré e John Stuart Mill. No Brasil, funciou-se em 1876 uma associação positivista da equal participou Benjamin Constant. Dois de seus mais destacados membrers, Miguel Lemos e Raimundo Teixeira Mendes, ex-alunos da Esccrla Politécnica, foram estudar em Paris. Mendes logo retornou e transformou a associaçãcr em Sociedade Positivista do Rio de janeiro, filiada à direção de Laffite. Miguel Lemos chegou ao Brasil em 1881 e, pior sua vez, transfigurou a socie­ dade em Apostolado e Igreja Positivista do Brasil. Com essa marcada orientação religiosa, dela se afastou grande prarte de seus antigos membros, como Benjamin Constant. Em 1883, a igreja rompeu com Laffite. Os positivistas brasileiros se destacaram pelo compromisso e engajamento nas questões nacionais, que procuraram deslindar à luz daquela filosofia. Opi­ naram sobre todos os assuntos paolêmicos do momento e, contrariamente aos ensinamentos do mestre, muitos deles participaram ativa e concretamente das lutas peia abolição e pela Repaública. O p^ositivismo "científico" ganhou enorme espaço nas escolas Politécnica e Militar. Entre os prrofessores desta distinguiuse Benjamin Constant, reequisitado pelo próprio imperador para administrar aulas às suas filhas e, mais tarde, aos piríncipes. No âmbito daquelas academias, a adesão à idéia de República — uma "política racional", segundo Comte — já era muito expressiva. O qsrograma da Igreja Positivista, desenvolvido por Teixeira Mendes em Pá­ tria Brasileira (1881), compaõe-se de três pontos básicos: a) lutar paela transforma­ ção política do país de Impaério em Repiública; b) preparar a sepiaração de Igreja e Estado, mediante a instituição do casamentc'i civil e da secularização dos cemitériers; c) comqaletar a obra de emancipação dos escravos. ' O positivismo não representava, piorém, a única base filosófica da renovação infelectual do final do século XIX. Mesmo um dos pirmeipais discípulos de Comte no Brasil dizia ter sofrido fambém outras influências: (...) foi 0 antagonismo entre a Igreja Católica e as minhas aspirações republicanas o fator preponderante da minha emancipação intelectual.

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A R e p ú b lica c o n s e n tid a

(...) Secundariamente, influiu para o mesmo fim a leitura de algumas páginas dos P rim e iro s p rin cíp io s, de Herbert Spencer (...).’°

O cvolucionismo bebido não só em Spencer como em Haeckel — e, para outrcrs, também em Noiré e Hartmann — vulgarizou, no Brasil, as descobertas de Lamarck e, especialmente, as de Darwin." E nisso teve especial atuação a Escola de Recife, através da qual Tc:>bias Barreto entusiasmou a juventude do Norte, vindo seus discípulos a ter papael ativo e de destaque na renov^ação men­ tal do último quarto do Oitocentos brasileiro. Professor em lena, Haeckel, descde a década de 1860, adcrfou o monismo como princípio orientador da sua filosofia. O monismo — a absorção dos enfes num único ser, material ou espirifual — serviu de princípio para o filósofo afacar a teoria criacionista crisfã, respaldado pelo ambiente positivisfa de explicação do mundo através de causas naturais e da idéia de progresso. A vicia, por essa via, se faz uma propnriedade físico-cjuímica e evolui a partir da mènera, primeiro organismo unicelular, de geração espontânea. E famosa sua afirmação de que "a ontogênese é uma recapifulação abreviada e acelerada da filogênese". O realismo monista rechaça qualquer concepção idealisfa do mundo porcjue esfa só o conhece afravés do senfimenfo ou da revelação. Contra ela, opõe o método cia ciência positiva e tem a Igreja como inimiga cia civilização, ridicularizandcr seus dogmas e instituições. O cristianismo, assim, deveria ser substituídc:) pekr culto ã ciência, c|ue, deixada livre, seria a grancie indutora do progresso. Martins Junior (1881:51) refere-se ao "novo deus (...)/ A quem a nossa idade apelidou de ciência". O monismo de Haeckel funde ciência e filosofia e só aceifa a experiência e a razão como insfrumentos do conhecimento." Adofa a seleção natural e a luta da espécie como as leis fundamentais da evolução. E ainda Martins Junior (1881:29, 61) c|uem declara: "Eu sirvo a esse princípio: — a Evolução". Mais adiante explicita melhor essa sua adesão: "Buscando demonstrar pela transformação/ A origem das espécies; crendo na seleção: / Crendo na lei geral da lufa na exisfência". Se o filósofo de lena feve maior penetração no Norte do país, o evoiucionismo de Herbert Spencer ombreou com o positivismo a ascendência sobre o pensa­ mento brasileiro no final do século XIX. Também sobre o pressuposfo rc:)mântico do progresso constante da história e de que as evoluções singulares ocorrem dentro de um grande processo universal de mudança. Spencer deu ao evoiucionismo uma forma filosófica, alcançando grande fama. Insistindo igualmente na tese da incognoscibilidade da realidade última, diferia, no entanfo, pela aceifação do fafo de que o absoluto está na consciência

o sorriso da intrusa

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e no senso comum — embora como mistérico — e de que os fenômencts são dele manifestações. Argumentava que só é possível se conhecer a relação entre as coisas e não elas próprias, Todo o conhecimento é relativo e condicionado e, como Comte, entendia a filoscrfia como o conhecimento pelo maior grau de gene­ ralidade. Spencer distinguiu leis de evolução, pelas quais a mudança se opera por diferenciação do mais sinaples ao mais complexo, do uniforme ao heterogêneo, do indefinido e indeterminado ao definido e determinado. Essas leis tanto expli­ cam os organismos naturais quanto os sociais, sendo a evolução um processo infinito porque, por efeito de agentes externos, os estados de equilíbrio não se mantêm, ocorrendo a dissolução. Uma tecttrla cíclica, mas progressista, cia histó­ ria em eternos retornos de evolução e dissolução. Em sua concepção organicista da sociedade — que fala em aparelhos, órgãos e funções nutritivas, distributivas e reguladoras —, uma verdadeira biologia do organismo social, a evolução se dá da homogeneidade à heterogeneidade. Mas as etapas não podem ser apressarias por reformas bruscas ou por revoluções. Dessa forma, escalona ele as duas etapas da evolução social sob a pressão da sobrevivência do mais forte e da seleção natural: do regime militar ao industrial. No primeiro, cmde predomina o poder do Estado, mais conta a ciefesa da nação do que a cios indivíduos. No estágio avançado, sobressaem-se a ativiciade livre e independente, a cooperação e a divisão cio trabalho. Supõe, inclusive, no futu­ ro, a existência de uma federação pacífica dos povos pelo desenvolvimento cio espírito altruístico. Tais convicções fizeram de Spencer um paladino do libera­ lismo político e econômico, que teve grande difusão nos Estados Unidos.

ANTICLERICALISMO E ATEÍSMO: “A CIÊNCIA ELIMINOU DEUS” Sobre o livro inaugural de Raimundo Corrêa, Primeiros sonhos, escrito em 1879 e de teor ainda romântico, os críticos se perguntam o que exatamente o bardo quis dizer com seu poema A idéia nova, pois que não a ciefine: 0 cérebro febril da ardente juventude É unn vulcão também — a luz da Nova Idéia Há de romper de lá em súbita explosão!^^

Desde já, fiquemos com quatro indicações: a) o órgão de inspiração poética é agora cr cérebrcr (e não mais o coração); b) a "idéia nova" se liga a sensação de velocidade (rompimento súbito); c) a "idéia nova" rompe "de lá”, ou seja, apóiase em algo cque está longe (espacialmcnte?); d) a explosão é luz e fogcr, que des­ trói, mas ilumina. Do cérebro, portanto, passa a vir a inspiração e a luz, cru melhcrr, der cérebro brota a luz (da razão, da ciência), que é a inspiraçãcr.

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A R ep ú b lica c o n s e n ü d a

Ciência significava também, ceamo vimcas, a compreensão positiva da socie­ dade e do Estado, com a inovação do reccanhecimento de sua historicidade. Isso, no nível da experiência nacional, significava dizer, desde logo, cjue as explica­ ções teológicas eram mistificações próprias da infância da humanidade, que as crenças religiosas haviam embotado o espírito, cegando a razão, que agora, livre dessas vendas, podia, enfim, ver claro. Aquela cegueira chamavam "fanatismo" ou "velho preconceito", termos que enfatizam a falta ou a obliteração cia razão. As imagens de Tcófilo Dias são fortes; A força, que ao porvir o Grande-Ser conduz, A implacável ciência, a eterna deicida. Vertendo nova seiva à árvore da vida, Arrancou-lhe a raiz de onde surgiste, oh cruz! (...)

0 pensamento audaz, esquadrinhando os mundos. Calcinou, sulco a sulco, os germens infecundos Da divina semente, estéril e vazia. (...)

—Já não existe um Deus (...).’^

A dicotomia escuridão-luz era recurso freqüente na erratória e na literatura dessa época. Em outro poema, diz o mesmo Teófilo Dias: "Avulta mais c mais a sombra do teu cetro,/ A medida ejue aumenta a luz da Consciência".'" Em versos deciicados a Silva Jardim, declama Lúcio de Mendonça: "Assim te so­ nho, ó terra dos meus pais,/ Desafrontada desta noite escura,/ Gigante alegre ao sol cJos ideais". Ou, já em 1889, quando a "hora se aproxima": "Em pávido refluxo, a noite vai-se embora/ Ante a enchente de luz que o espaço todo inva­ de"."" A idéia é de cjue o "velho preconceito" valera-se historicamente das monar­ quias para manter os povos na ignorância, embrutecidos pelos padres, que se locupletaram sob o manto dos reis. Mas esse triste quadro estava com os dias contados porque sobre ele se abateria a força aniquiladora do fogo, o ímpeto da história; Enquanto do Futuro o archote incendiário Não vem incinerar os báculos e os cetros; E repelir não vem o lôbrego cenário Trono e Igreja — estes dois pavorosos espectros; Enquanto, em chusma, os reis e os padres foragidos. Nao vao em debandada

o sorriso da intrusa

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(...)

Estás no teu direito [enquanto o “velho preconceito não desaparecer”], Ó Fanatismo! E estás no teu direito, ó trono! E, ambos continuais o férreo jugo a impor Enquanto ele não chega, esse rubro, espantoso E formidável Dia.^^

O recurso ao zoomorfismo era um expediente fácil de divulgação cie idéias que a Revista utilizou frequentemente. Quando da discussão sobre a conversão das propriedades da Igreja em apólices, em abril de 1884, o letreiro da ilustração de um alto clérigo com cara de burro foi: "Queixar-se ao bispo é o mesmo que queixar-se a um irracional".'* Certamente de grande penetração popular para o descredenciamento .social da Igreja eram as sátiras burlescas dos "carros de crítica", que sempre compu­ nham os préstitos carnavalescos. A Revista Uiistrada, de 29 de fevereiro de 1884, reproduziu um deles: uma caricata procissão de padres no carnaval de Niterói de 1884 (ver ilustração 4). Ilustra çã o 4

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Atos Damasceno registrou um desses carros — o da Sociedade dos Venezianos — no carnaval de 1875 de Porto Alegre. A frente dele ia um batedor, distribuindo uma "profissão de fé" do grupo onde se lia: Eles não crêem no poder do Papa Nem dos padrecos —Jesuítas vis (...)

102

A República conscmidrt

Eles não créem nas visões dantescas (...) Nem na mais negra excomunhão atroz.’’’

A explicação sobre n relação trono-altar era bem clara para Francisco Cu­ nha.^" Referindo-se à encíclica Syllabus, escreveu esse jornalista garicho que a religião servia para manter a obediência dos pobres e "alimentar o sentimento de inferioridade e serviência das massas". Para ele, "o catolicismo sustenta um páreo impossível com a civilização".'’' Alguns dos membros da (.leração 70 se declaravam abertamente ateus, como Medeiros e Albuc]uerc][ueou 1’ontoura Xavier, por exemplo. Fm suas memórias, Albuquerque (1982:36) relata como, ainda estudante, aprendera em Fisboa as "idéias novas" e assim se posiciona: "Mais tarde, cheguei ao meu firme, ao meu sólido, ao meu inabalável ateísmo No prólogcr às Caiins scriíiiicjns (1885), J úlio Ribeiro, já famoso por sua Gramática, confe.s.sa: "(...) não tenho religião e não tenho partido. Sou ateu e sou republicano intransigente". Fm A conquista, Coe­ lho Neto (1985:181) diz, que Fortuno, personagem que representa o poeta Cuimartães Passos, se declara ateu. A avó da heroína de ( ) mulato, de Aluísio Azeve­ do (1998:119), reclama: "Meu caro senhor Mundico, hoj'em dia já não se acredita em coisa alguma!... (...) Isto vai, mas, é tudo caminhando para uma república!". t) agnosticismo e o anticlericalismo foram características do pensamento da Ceração 7(1. Até os que se mantiveram católicos, como I .úcio de Mendonça, acre­ ditavam ser nefasta e retardatária do progre.s.so a ação dos padres: Blasfemavas feroz contra o Progresso: Que foi 93? foi um possesso, Crivado de pecados; A Liberdade, um sonho sedicioso; A Ciência, uma cínica atrevida

Ou ainda neste outro poema com o mesmo tema: Nossa palavra [da Igreja], hostil ao século que passa, (...)

Padres, havemos de ter uns motes muito sábios; — Ordem, Religião, Família, Propriedade (...)

Cadeia com Rousseau! Voltaire para o canil! (...)

Ao ouvido à mulher falar baixinho vamos.”’

Rui Barbosa fez a tradução de Ü Papa e o Concílio. Parodiando Guerr.r J unqueiro, Valentim Magalhães escreveu A velhice da madre eterna. Com Martins Junior, Clóvis Bevilacqua traduziu o livro de Jules Soury, jesiis e os Pvanpellios,

o sorriso da intrusa

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t|ue dava uma explicação naturalista à pregação de Cristo; obra de um fanático como decorrência de uma doença nervosa. Aníbal Falcãtr' provocou celeuma com a publicação de uma novela anticatólica na Kcvi$ta Brasileira. Duarte José de Melo Fitada deu sua versão de os Amores de Pio IX por um camarista do papa. () mulato, de Aluísio Azevedo, publicado em 1881, recebeu acirradas críticas da Igreja por seu anticlericalismo.^'^ Juntamente com o abolicioni.smo, a campanha anticlerical era outrrr mote da Revista Ilustrada. Fm sua "Crônica fluminense" de 23 de abril de 1881, valendose da sátira, revelou suas crtnvicções; "(...) nem creio na mácula universal, só |H)rque D. I’va se deixou tentar pela serpente. (...) condenados a cozinhar como um pato no grande forno das chamas elernas". Pcdêmica mais séria, com um dos lados valendo-se de argumentos científitns,se deu entre l.auroSodré’’' e o bispo Macedo Costa (1881),-' tendo cada um tomo trincheira, respectivamente, os jornais A Província do Pará e Boa Nozm, o orgão ultramontanode Belém. A sustentação positivista eevolucionista de Lauro e n ili/.ação antiga escavados de .sob montões de ruínas". Sé>cabería ao catolicis­ mo, no seu entender, "tlesaparecer do plano social por inútil e imprestável". L IM>1 isso que, assim como Teófilo Dias, também o nosso jovem militar proclama\,i: "A ciência eliminou Deus".-' As narrativas bíblicas, como histórias infantis, não suportavam o crivo das IK>\as descobertas. Lntendia o jovem militar t]ue "na falta de argumentos rtxrorreis ■los doestos e às injúrias. Nós não costumamos argumentar assim".'“ Mas sua Hc Ia inação mais forte,xomo de tantos outros membros de sua geração, dizia 11 ".lieiIo à estratégia católica de ofender os cientistas, as suas teorias, os seus I 'Inu ipios políticos e os fatos históricos que lhes eram caros, sustentados nas ,11L eriências de Pio IX, que, na encíclica Syllabus, condenara os excessos do ii.iiiir.ilismo, do racionalismo, eos perigos das teorias modernas. Vejamos esse 1 '■l•mplo:

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A U r p u h l t r . i ( o iiM n l u i. i

0 vosso mito do paraíso desfez-se assim. Quisestes ser uns entes à parte, feitos à imagem de Deus. E vos decorastes com o título pomposo de rei da criação. (...). A ciência provou o vazio de vossas pretensões e a nulidade de vossas crenças. Atacaram-vos pela biologia e pela psicologia. Obrigaram-vos a capitular. O transformisme tentou decifrar o vosso passado e provar a vossa origem. Amaldiçoastes Lamarck e maldissestes Darwin e Haeckel. E viveis a sonhar com a blasfêmia e o insulto da ciência. Não quereis, por modo nenhum, que entre os vossos longínquos ascendentes figurem parentes do gorila c do chimpanzé.^’’

O verbo "blasfemar" foi por eles usado em situações para nós inusitadas: era a igreja que blasfemava cotitra a ciência. A ocorrência é interessante, posto que n ã o há discrepância semântica. Caldas Aulete assim define a blasfêmia: "Pala­ vras que ultrajam a divindade, a religião. // (Por exag.) Palavras ofensivas e insultantes contra uma pessoa ou um objeto digno de respeito. Proposição ab­ surda, contra-senso". No exagero da aplicação do termo tem-se um indicador especialíssimo do lugar ocupado pela ciência naquela geração: era objeto de culto, de respeito quasi' divino, pelo que sua não-adoração revela-se um contrasenso. Na polêmica também aparecia outro dado recorrente das inquietações da intelectualidade,a "influência delc'téria" — comodizia PauroSodré- da Igre­ ja, através da enorme receptividade que os padres tinham junto às crianças e às mulheres. Nisso viam um dos grandes obstáculos ao progresso nacional. Recla­ mava Sodré (1997:102): Pesais de um modo lamentável sobre a educação da mocidade, e influís assim desgraçadamente sobre o futuro. Tendes o lar doméstico, tendes o púlpito e tendes o confessionário! É uma campanha terrível. Protege-vos a hereditariedade, que fixa as crenças do passado. Há de ser o resultado de uma luta terrível o arrancar essas ervas daninhas enraizadas na consciência. Sois o culpado da anarquia que avassala a sociedade hodierna. Incapazes de orientá-la servis para obstruir-lhe a marcha. Sois um vento tempestuoso. (...) Sois hoje uma coisa inútil, per­ feitamente Inútil. Explorais a ignorância. E é fértil a vossa colheita. Tendes as vossas velhas superstições.

Essa tradicional ascendência sobre a sociedade servia de argumento para a Boa Nova: "A Igreja, que saiu triunfante de combates tão formidávei.s, há de esmagar com muito mais facilidade essas ondas de positivismo que ora se insur­ gem contra o seu rochedo".’^

l ) S O I I l' .i ) I {. I I Ml 1

Numa tentativa de mostrar a superioridade dos argumentos positivistas, c]uis Lauro Sodré contrastá-los com a forma nada científica de defesa da Igreja: "Quero vulgarizar o vosso mocio de argumenfação". Mas, aí, talvez a vantagem tenha ficado com o lado religioso, pelo menos para os leitores menos ilustrados e sempre mais afeitos à linguagem romântica. As armas mais tradicionais da Igreja podiam ser tecidas de material menos duro, a palavra, pela qual fez fama de grande orador d. Macedo Cosfa. Senão vejamos: Com efeito, quando em noite serena vamos su lca n d o as águas mansas dos nossos rios, e nos pomos a olhar para a imensa abóbada dos céus, e lá vemos aquelas nebulosas, aquelas constelações, aqueles planetas c seus satélites, aquela infinidade de mundos a refulgirem, cada qual mais brilhante, e descrevendo com exatidão geométrica suas harmoniosas órbitas nos espaços sem limites, sentimos a nossa alma toda embevecerse na contemplação de tão magnífico espetáculo. Ao contemplarmos, ao admirarmos tanta estupenda maravilha, uma comoção a um tempo forte e deliciosa nos abala até o íntimo, nos transporta e por um movimento espontâneo, por um impulso natural do nosso coração, somos levados a reconhecer que essa formosa obra teve um autor, que esse autor é deus! " Contra tal lirism o, se enraivecia o positivista: "Convi'ncei-vos: não há lugar para essa linguagem vã no terreno em que lK)je se discute. De nada valem os vo.s.sos palavrões os vossos «inátemas. Descei ao terreno seguro ila experiên­ cia". Lauro elogiava o ímpeto de perpetuação da Igreja, mas não duvidava da vitória final da ciência: "Laço-vos justiça ne.ssa causa. 1 utastes como gigantes. Mas tivestes de curvar a cerviz, ao espírito do século. Abateram-vos, hum ilharam -vos"."

ANTI-ROMANTISMO: “UMA ATITUDE GERAL DIANTE DA VIDA” A década de 1880 distinguiu-se pela grande atividade da inteligência: os jornais se multiplicaram e ampliaram seu público; a Rroista lliistnulíi bateu um recorde latino-americano com 4 mil as.sinaturas; conferências abolicionista e republicanas enchiam auditórios entusiasmados; a mocidade militar participa­ va ativamente dos debates nacionais; polêmicas literárias ou teóricas disputa­ vam mentes apaixonadas. Tudo foi submetido à crítica, que, vivendo seu mo­ mento maior, ganhou foros de gênero literário. As instituições perderam sua sacralidade c se tornaram objeto de debates e até de chacotas. Lm 1881, apareceram O mulato, de Aluísio Azevedo, Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, Visões de hoje, de Martins Junior, e o poema Idílios modernos, de João Ribeiro. Lm 1888, saíram do prekr Poesias, de Olavo

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Búac, A airnc, de Júlio Ribeiro, O ateneu, d c Raul P om p cia ,c I listória da literatiini brasileira, de Sílvio Romero. Parte dessas obras já ganhara antes espaço nos jornais sob a forma de folhetins ou artigos. Nessa batida, a produção literária aumentou significativamente e diversifi­ cou-se, incorporando a mentalidade cientificista — a "idéia nova". Lúcia MiguelPereira (1973:57) registrou o efeito dessa inovação: "Patenteadas as suas raízes filos(Sficase sociológicas, a literatura comoque ganhou o respeito dos outros e a consciência do seu valor. P, não só isso como também a maior repercussão do i]ue escreviam animava os escritores". P.m Casa de pensão, de 1884, Aluísio Aze­ vedo (s.d.: 113) revelou esse novo ambiente, criandr> esse diálogo entre dois dos pensionistas: Amélia afetou um sobressaltinho, e olhou para ele que, procurando dis­ farçar o mal efeito de sua proposição, citou Le Bon. — O doutor então acha que o histerismo se pode curar com o casamen­ to?... perguntou Lúcia da direita. — Parece, minha senhora, a dar crédito aos fisiologistas.,,

C lamrrres foram levantados contra o subjetivismo excessivo, as idealizações descoladas da realidade, fato do ter recebido três ciistinções consecutivas, o que, até então, nunca ocorrei ,i naquela academia, fato que foi noticiacto na Gazeta de Notícias. Ainda estudante, publicou, em 1875, pela Garnler, Alvoradas, e ingressou na rextação do Província de São Paulo, mantendo sua colaboração em A República e em outros jornais de Minas e São Paulo. Já formado, advogou em São Gonçalo do Sapucaí, onde também colaborou — e depois dirigiu — o jornal Colombo, da vizinha cidade mineira de Campanha, boi nesse jornal que, na linguagem desa brida que se tornou uma de suas marcas, exerceu sua principal atividade propa gandística pela República. Os artigos que nele escreveu foram reunidos em 1905 no livro A caminho. Assis Brasil, que veio a ser um dos mais im portantes teóricos do republicanismo brasileiro, quando entrou para a faculdade revelou a Lúcio que "seu nome ainda |era] guardado pela veneração de todos”.'’- Nas folhas do Coloiidw, publicou em folhetim seu romance O marido da adúltera, editado em 1882 com o subtítulo de "crônica fluminense". Lsse livro causou polêmica e recebeu a atenção crítica de Urbano Duarte e Carlos de 1,aet. Lm 1885, passou a advogarem Valença, onde fundou o Clube Republicano e de onde escreveu para A Semana, de Valentim Magalhães, que o fez membro de júri de concursos literários do jornal, juntamente com Machadt) de Assis e Luiz Delfino, entre outros. Hlembrado nas dedicatórias de Urbano Duarte, Lilinto de Almeida, Raimundo Corrêa, Valentim Magalhães e por muitos outros nomes da cultura brasileira do momento. Realizando um desejo há tempos acalentado, enfim, em 1888, transferiu-se para a Corte e, junto com Valentim Magalhães — que não tinha mais A Semana —, lançou a publicação de um panfleto político, O Escândalo, no qual ambos se declararam republicanos e socialistas.’’’ Passou também a compor a redação de O País e do jornal do Brasil. Logo que chegou ao Rio se fez centro de controvérsias. No dia 6 de maio de 1889, compareceu ao Teatro Pedro 11, com Quintino Bocaiúva e Ubaldino do Amaral, para assistir a um espetáculo em benefício das vítimas da febre amarela em Campinas, espetáculo que contou com a presença ilustre da princesa Isabel. Lúcio distribuiu pela platéia seu poema O pesadelo, dediçado a Lopes Trovão, no qual gravou a figura real com epítetos tais como os de "beata imbecil", "hipócri­ ta", enquanto transferia para a cidade de Santos o título de "redentora". Na tal poesia, podia-se ler versos como estes: No paço imperial diz-se, atrás das cortinas: Louvado seja Deus, está morta Campinas.

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Aquilo era uma praga, o diabo, o coraçao Do republicanismo e da revolução.

Em 1889, publicou Esboços c perfis, uma reunião de crônicas e contos — c^ue se esgotou e teve 2'' edição em 1902, tendo sido traduzido para o alemão em 1897—, e seu principal livro de poesias. Vergastas, que inclui Alvoradas, sob o título de Musa cívica, e seus poemas sociais que viriam, mais tardo, a constituir Visões do abismo, distribuído pelo jornal O País. Nesse mesmo ano, seu irmão quis de nervo levá-lo para os Estados Unidos, mas como Lúcio pressentisse a proximidade da República, preferiu aqui ficar. Também montou, na cidade de Cristina, onde ficara sua família, um Clube Re­ publicano. Na República exerceu importantes cargos públicers, sendo, por influência de Campos Sales, nomeado ministro der Supremo Tribunal Federal. Manteve, entre­ tanto, sua atividade jornalística e tornou-se um freqüentador da Revista Brasilei­ ra, de onde, com Medeirers e Albuejuerque, fundou a Academia Brasileira de Letras, em 1896. Pode-se dizer que teve contato e foi admirado por cjuase todos os políticos, jornalistas e literatos de destaque de sua época. No final da vida, hemiplégico e ejuase cego, escreveu sua última carta, dirigida a Machado de Assis, dizendo-lhe que pediria que lhe lessem o Memorial de Aires. Merrreu em 1909, junto ao irmão, também cego, na casa de quem viveu seus últimos dias, a seu pedido. Serbre seu temperamento, entre tantos testemunhos, talvez resuma-o melhor este de Afonso Celso: "Um meigo, um sentimental, um incapaz de fazer mal a alguém, pregan­ do em prosa e em verso, sustentando em público as mais audazes doutri­ nas, as piores vinditas contra os propagadores do trono e do altar". A e sté tica m od ern a"'’ cien tificizan te encontrou no rom ance seu desaguadouro mais rico. A escola naturalista teve seus princípios elabo­ rados por Zola numa reação ao romantismo. Críticos da época, como Araripe Junior e José Veríssimo, protestaram contra a subserviência bra­ sileira à fórmula européia, afirmando c]ue, em relação acr romantismo, a cópia, agora, fora mais acentuada. Lendo-se, porém, a produção natura­ lista brasileira, deve-se por certo relativizar essas afirmações. A parte sua curta duração — o "episódio naturalista", como o denominou Nel­ son Werneck Sodré — , cabe acrescentar observações desse teor: nem mesmo correspondeu [a escola naturalista no Brasil] a um rompi­ mento pronunciado com as formulações românticas. Continuou o roman­ tismo a sua existência, embora sob outras formas, e o próprio naturalis­ mo não ficou imune ao filtro romântico. Como a escola a que pretendeu

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suceder, o naturalismo foi também mais do que um processo literário, uma atitude geral diante da vida, uma posição.

O importante para o argumento foi essa nova visão do homem como um produto de forças externas, onde a vontade parece não ter lugar. O fato é que a escola diminuía a interc^enção do autor, exigia observação rigorosa — quiçá “científica" — da sociedade, que pretendia descrever com objetividade, sem sentimentalismos e idealizações. Como foi perce­ bido na época: o espírito crítico invadia todos os setores do pensamento. As diretrizes naturalistas chegaram tarde ao Brasil. Aqui, sofremos mais o impacto de Eça de Queirós com o seu O primo BasíUo (1878), cuja repercussão no Brasil foi maior do que em Portugal, chegando-se mesmo a se notificar a existên­ cia ac|ui cie um "basilismcr", O pioneirismo do naturalismo no Brasil é questão que não interessa, até pcrrc|ue os romances cie Inglês de Souza, O caenulista (1879) e O coronel sangrado (1877) tiveram pouquíssimos leitores e não ousaram como O mulato (1881), de Aluísio Aze\'edo. Contudo, também nesse caso, não estamos diante de uma obra intchramente enquadrável nos cânernes da nova escola. Em O mulato, a influên­ cia maior é de Eça, e o romance apresenta muitas situações românticas. Mas inovava nos temas — questões racial, religiosa e social — e provocou grande celeuma nos meios intelectuais. Ficou ccmhecida e muito foi repetida a expres­ são com a qual o crítico Urbano Duarte, em O Globo, o anunciava: "Romancista ao norte!". Aluísio publicou o romance em sua terra natal, o Maranhão, onde foi aspera­ mente criticado no jornal A Civilização, na edição de 23 de julho de 1881. No prefácio à 3"' edição, pela Garnier, o autor relembrou como aquele periódico o apresentou: “Está aí um rcrmance realista, o primeiro pepincr que brota no Bra­ sil". Em seguida, pejou Aluísio de "audácia" e "ignorância" e, como conselho, recomendou-lhe que se dedicasse à lavoura. O fato é que a primeira edição do romance logo se esgotou. Revela-nos José Veríssimo (1929:351); Não obstante a sua procedência provinciana, teve 0 m u la to o mais sim­ pático acolhimento do Rio de Janeiro e do país em geral. A novidade um pouco escandalosa que trazia, ajudada demais do cansaço da fórmula romântica, foi grata ao nosso paladar enfastiado do romanesco dos nos­ sos novelistas, e pouco apurada para saborear as finas iguarias do Braz Cubas,

de Machado de Assis, publicado em 1881.

Entretanto, para sobreviver no Rio de Janeiro, Aluísio, na década de 1880, escrevia preferencialmente folhetins românticos para os jornais e parcerias de peças popularescas com o irmão, Artur Azevedo, o que o impediu de realizar

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seu sonho, revelado ao periódico A Semana: uma obra cíclica, nos moldes dos Rougon-Macquart de Zola, e que teria o título geral de Brasileiros antigos e moder­ nos, para dar um panorama do Brasil de 1820 a 1887. Mas, nesse período, publi­ cou ainda, nos moldes naturalistas. Casa de pensão (1884), baseado em caso real e que teve três edições esgotadas, e O homem (1887), seguindo, neste último, muito mais de perto as pegadas de Zola, para empreender, enfim, em 1890, o seu romance naturalista mais acabado, O cortiço. Trazendo à cena personagens e situações desconhecidas e escandalosas, muito diferentes dos protagonistas de José de Alencar, Joaquim Manuel de Macedo ou mesmo de Machado de Assis, cada romance de Aluísio era aguarda­ do com curiosidade e provocava, inevitavelmente, grandes celeumas e notas nos jornais. Tal exposição garantiu para ele uma situação inédita na época, como disse Brito Broca (1991:122): pôde ele viver só da literatura até 1896, quando foi nomeado vice-cônsul em Vigo. Provocou escândalo ainda maior o li\ ro de Júlio Ribeiro, A carne, saído em 1888. Mais criteriosamente dentro dos padrões da escola de Zola, muito mais desabusado do que os romances de Aluísio, trazia a assinatura de um nome consagrado como gramático e conhecido pelo republicanismo militante através da atividade jornalística, onde se destacaram as Cartas sertanejas e Procelária."^ O romance de Júlio Ribeiro foi objeto de polêmica entre ele e o padre Sena Freitas, polêmica vazada em pretensões "científicas" de história natural e gra­ mática, o que evidencia o fato de que, na época, só o timbre da ciência dava \alidade intelectual. De qualquer maneira, essa obra, sem valor literário maior, provocou grande interesse. O sucesso dos livrcrs naturalistas se deveu em parte a uma produção de segunda categoria, de finalidade meramente comercial, que explora\'a o atrativo pela "leitura livre", pela "leitura para homens", ao custo da bagatela cáe 600 ■- • gC) reis.' Cabe ainda notificar que José Veríssimo acolheu O ateneu, cáe Raul Pompéia, saído no mesmo ano de 1888, entre os romances naturalistas brasileiros.'’*' E o caso de Machado de Assis, inclassificável, mas que, desde Memórias póstumas de Brás Cubas (1881), abandonou o veio romântico e passou a traçar perfis e situações "realistas" da sociedade brasileira. Como lembra Lúcia Miguel-Pereira (1973:57 e 105), foi no ambiente intelectual da década do 1880 que Ma­ chado encontrou, tardiamente, sua vocação. E afirma: "O seu universo é, em última análise, construído de acordo com o pensamento científico do século dezenove". Vejamos a apreciação geral sobre o naturalismo brasileiro por quem viveu seu impacto, registrando, portanto, mesmo sem o querer explicitamente, a re­

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percussão que teve o movimento no universo letrado brasileiro do final do Oitocentos; 0 principal demérito da receita zolista, já, sem nenhum ingrediente novo, aviada em Portugal por Eça de Queirós e agora no Brasil por Aluísio de Azevedo, era a vulgarização da arte que em si mesmo trazia. Os seus assuntos prediletos, o seu objeto, os seus temas, os seus processos, a sua estética, tudo nele estava ao alcance de toda a gente, que se deliciava com se dar ares de entender literatura discutindo de livros que traziam todas as vulgaridades da vida ordinária e se lhe compraziam na descrição minudenciosa. Foi também o que fez efêmero o naturalismo. Já moribun­ do em França quando aqui nascia. Não seria, porém, justo contestar-lhe o bom serviço prestado, tanto aqui como lá, às letras. Ele trouxe à nossa ficção mais Justo sentimento da realidade, arte mais perfeita da sua figuração, maior interesse humano, inteligência mais clara dos fenômenos sociais e da alma individual, ex­ pressão mais apurada, em suma, uma representação menos defeituosa da nossa vida, que pretendia definir.®^

Ora, toda essa nova produção era objeto de acirradas discussões na impren­ sa, revelando, outrossim, uma mudança de público e de gosto, graças à extensão da camada ilustrada do país, em decorrência da expansão econômica e educacio­ nal desde meados do século. As camadas médias cia população e os setores da elite marginalizados estavam todos imbuídos das novas idéias e participavam ativamente dos debates da vida nacional. Tal foi a cultura cque tomou conta da mentalidade sem que para isso fosse necessária a leitura dos grandes teóricos "para sentir, mais clara ou confusamente, que a razão dominava o sentimento, e os critérios objetivos se deviam sobrepor aos subjetivos. (...) convergem [as fic­ ções] (...) para uma posição realista, que, se nem sempre foi conseguida, repre­ sentou um ideal comum (...)".'’’ O romance romântico destinava-se preferencialmente às mulheres, principal público leitor, seguicio dos estudantes, para ocupar seus lazeres. A essa cliente­ la, que alterava seus hábitos e comportamento, cúeram se acrescentar novos leitores, que exigiam outros temas ou novo tratamento de velhos e eternos assun­ tos. Assim descreve Lúcia Miguel-Pereira (1973:26): Com 0 advento do naturalismo, porém, tudo mudou. Passando a ser ex­ perimental e, portanto, científico, o romance adquiriu a todos os olhos importância e dignidade, deixou de representar um passatempo da cate­ goria dos bordados. Já não se precisava reger pelas preferências e melin­ dres femininos. E o sexo, que dantes fora banido das narrativas, entrou a

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ocupar uma posição exagerada, refletindo talvez uma mudança de ponto de vista em relação às mulheres. 0 determinismo biológico então em voga e as lições de Charcot sobre a histeria transformaram, efetivamente, em fêmeas os antigos anjos. Os estudos de temperamento desbancaram os casos puramente — nos dois sentidos — sentimentais. Ao mesmo tem­ po que penetrava na fisiologia com Aluísio Azevedo e seus companheiros, e na psicologia com Machado de Assis, que por conseguinte rompia com os preconceitos a que se prendera, sofria a ficção outra grande mudança. De rural que fora sobretudo até então, tornava-se predominantemente citadina. Movimento sem dúvida relacionado com a decadência da lavou­ ra em conseqüência da Abolição, e com o prestígio crescente das cida­ des. Para serem “brasileiros” não precisavam mais os romances recorrer à “cor local”, já que, ainda vivendo à européia, iam adquirindo feição mais nítida própria à sociedade.

O que interessa fixar, especialmente, é que a literatura realista teve seu cam00 de exposição atra\'és da imprensa. Na Gazeta de Notícias colaboraram: Ma­

chado de Assis, Olavo Bilac, Coelho Neto, Guimarães Passos, Raul Pompéia. Em A Semana: Machado de Assis, Alberto de Oliveira, Aluísio e Artur Azevedo, Filinto de Almeida, Luís Murat, Urbano Duarte, além do seu diretor, Valentim Magalhães. A Cidade das Letras vivia quase que exclusivamente da imprensa, onde se fazia conhecida e onde estampava, por vezes, suas produções. A Gazeta de Notícias — e graças a seu exemplo bem-sucedido, também a Gidade do Rio, o Novidades e, em São Paulo, o Diário Mercantil e a Província de São Paulo — passou a remunerar bem a contribuição literária. Foi essa perspectiva que levou talentos literários a abandonarem cursos superiores na tentativa sonhada de viver das letras. Assim é que jornais e revistas literárias deixaram as faculdacies. Lm São Paulo, o jornal mais literário era o Diário Mercantil, c|ue recebia a colaboração de Júlio Ribeiro, Olavo Bilac, Sena Freitas, Teófilo Dias, Augusto Lima e de escrito­ res portugueses. As eciitoras, pela exigüidacie de público — que, entretanto, cresceu na segun­ da metade do século XIX —, tinham uma atividade muito acanhada. Lia-se diretamente em francês ou em edições portuguesas cjue publicavam, com grande freqüência, obras brasileiras. Nesse caso, era comum aos nossos autores paga­ rem a edição do próprio bolso ou entregarem seus manuscritos gratuitamente. Adolfo Caminha, em Gartas literárias, dá disso um testemunho quando diz cjue não se incomodava muito com o quanto o editor Lhe oferecesse por uma obra sua. O que lhe interessava mesmo é que fosse ela publicacáa. Nca mais, cerntinuaria a

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viver feliz, indiferente a essa exploração, percorrendo os cafés, a rua do Ouvidor e os jornais. Mas reclamava do “monopólio (...) ganância e desenfreada ambição dos editores".*’’ Livros aqui impressos eram exceções. A pouca sofisticação gráfica permitia mais a publicação de almanaques e opúsculos, c|ue, aliás, eram uma importante via de difusão de icdéias. Dessa forma, apareceram libelos e panfletos de alta tiragem. Da relação das editoras brasileiras mais prestigiadas de\’e constar a Casa LaemmerCfundada em 1838, cdue se tornaria famosa por sua folhinha e, princi­ palmente, por seu almanaque, que continuou a ser editado para além da vida da própria editora. Seus livros eram impressos na Alemanha, enquanto as outras livrarias valiam-se da França ou de Portugal. Dos autores pertinentes ao nosso período ocuparam as suas páginas Machado de Assis, Valentim Magalhães e Coelho Neto. Entretanto, a que de maior prestígio desfrutou, naquela época, foi a Livraria J3. L. Garnier, sigla que era então traduzida, por brincadeira, como "bom ladrão Garnier". Uma casa acanhada, escura, situada à rua do Ouvidor, mas cjue reu­ nia a nata da literatura nacional nos seus corredores, vindo a formar uma das “panelinhas" literárias da época em torno de Machado de Assis. Coelho Neto (1929;56) assim descreveu a loja e seu dono: casebre de aspecto ruinoso, achaparrado, poento, com o soalho frouxo, mole que nem palhada, o teto ensafenado a teias de aranha, tão escuro para o fundo que nem se distinguiam os vultos que por lá andavam err cuscuvilhice bibliófila e entre eles a figura rabínica do velho editor, pigarrento, sempre de brim pardo, barrete seboso, aturando pelos cantos em rebusca de avaro, a sacudir brochuras, limpando-as à manga dc paletó.

No início de século XX, como marca de sua prcqeção, a Garnier inaugurou novo e majestoso prédio. Foi ela a principal editora da segunda metade do sécu­ lo XIX. Ter uma obra por ela impressa era a consagração literária por todos almejada. Nesse rol estiveram: José de Alencar, Joaquim Manuel de Macedo Joaquim Nabuco, Machado de Assis, Aluísio Azevmdo, Graça Aranha, João Ri­ beiro, Olavo Bilac. Mas também a impressão que deixou em escritores contempo­ râneos foi a de sua ganância de lucro. Adolfo Caminha diz que o que o editor fez pela literatura brasileira foi-lhe altamente recompensado em termos financeiros "Que o digam Machado de Assis e Aluísio Azevedo".*’* A Livraria Francisco Alves era malvista por literatos e intelectuais por dedicar-se especialmente aos livros didáticos e por seu sucesso financeiro, já que

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chegou a cobrir 90% da indústria do livro no Brasil. A editora manciava impri­ mir seus livros em Paris, como aliás também o fazia a Garnier. Teve, no entanto, atuação importante, por dar chance a autores nacionais que, sem ela, não teriam suas obras estampadas. Descartancio casos posteriores, cite-se O ateneu, de Raul Pompéia. Os autores mais editados foram: Machado de Assis, Aluísio Azevedo, Valentim Magalhães, Gonzaga Duque e Coelho Neto. Olavo Bllac, Luis Murat, Alberto de Oliveira, Raimundo Corrêa, B. Lopes e Guimarães Passos foram os poetas mais populares. O público foi conquistado para a literatura através dos folhetins, os maiores atrativos dos jornais. Chegou a ser um hábito nacional reunir os membros da família para ouvir a leitura deles e de romances, haja vista o analfabetismo da maioria da população brasileira de então. As revistas literárias completaram a ação divulgadora da nossa literatura na época. A mais importante delas foi a Revista Brasileira, que teve sua segunda fase entre 1879 e 1881, sob a direção de Nicolau Midosi.‘’' Em 1885, como já vimos, Valentim Magalhães fundou o importante semaná­ rio A 'tBemaua, que reunia em suas páginas uma pléiade respeitável de destaca­ dos escritores: Machado de Assis, Olavo Bilac, Raimundo Corrêa, Alberto de Oliveira, Fontoura Xavier, Filinto de Almeida, Aluísio Azevedo, Tmiz Delfino,' Júlia Lopes. Contra essa "igrejinha", em 1886, apareceu também com destaque A Vida Moderna, impressa na Laemmert e dirigida por Artur Azevedo e Luís Murat. A eles se juntaram Moreira Sampaio, Guimarães Passos, Araripe Junior, Raul Pcimpéia, Alberto Torres, Rodrigo Otávio, Coelho Neto e outros, quase todos do grupo republicano e abolicionista de José do Patrocínio. A animosidade de A Vida Moderna com A Semana foi retratada em A conquista: "Aqui é assim — só têm talento os de um certo grupo da rua do Ouvidor. Ali estão os romancistas criadores, os poetas incomparáveis, os mestres da crítica... Uma súcia de bes­ tas que vive num elogio recíproco".' '' Conta ainda Coelho Neto, no mesmo rcrmance, que, certa feita, se depara­ ram num café os dois grupos literários e travaram uma batalha de poemas até às cinco e meia da tarde. A disputa entre as duas revistas parece ter sido vencida pelo semanário de Valentim, se levarmos em conta sua maior dura­ ção. Numa conversa com Coelho Neto, Valentim Magalhães revelou ter perce­ bido a importância desse embate. Disse-lhe o crítico que, diferentemente do que podia ele pensar, sentira muito o desaparecimento de A Vida Moderna e explicou, com grande lucidez, suas razões:

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Senti e muito, não só como escritor que preza as boas letras, mas tam­ bém como proprietário de jornal, porque o público, interessado na polê­ mica, buscava com ansiedade A S em ana e a leitura Já ia se tornando um hábito. Nós estávamos criando o leitor.®'

Mas o principal mecanismo de compensação pela pobreza editorial foi mes­ mo, na segunda metade der século XIX, o jornal. O certo é que os jornais davam espaço à literatura nacional, com a publicação de romances — sob a forma de folhetins —, poesias, notas sobre as publicações, colunas especializadas e, ain­ da, empregando o pessoal das letras. É bem verdade que os periódicos estrita­ mente literários tinham pouco público. José de Alencar, em polêmica com Joa­ quim Nabuco, retrucou a um leitor, dizendo-lhe: "cumpre-se declarar que referia-me à imprensa literária [que], além de efêmera, sempre restrita a um pe­ queno círculo, não influi na opinião"."® Outro fato importante, já tratado com cáestaque no primeiro capítulo, foi o prestígio social que adquiriram jornalistas e, grande novidade, também os escri­ tores, que se tornaram vedetes. O que quero frisar aqui é a intensa atividade política daqueles que usavam da palavra escrita ou da oratória e que a maioria deles era republicana e abolicionista. Foi nos jornais que mais se empregaram os homens de letras, especialmente na Gazeta de Notícias e no Cidade do Rio, de José do Patrocínio. Como disse Olavo Bilac: "é o único meio [de o] escritor se fazer ler","" isto porque a imprensa criou um público intelectual. Esse público ia ao jornal em busca do seu cronista, do seu poeta, do folhetim ou do seu jornalista preferider. Nela se deram as famosas I polêmicas, acompanhadas com tal paixão que ganharam foros de gênero literá­ rio. Os maiores polemistas da época foram Sílvio Romero, Carlos de Laet e Medeiros e Albuquerque. Com uma linguagem de combate, a polêmica reforçou o oralismo e montou um auditório especial."" O cientificismo impunha interpretações deterministas da sociedade. Se pude detectar sua influência sobre o romance naturalista, com mais ênfase ainda orientou ele a crítica mc:>derna, introduzida entre nós pela Geração 70. Crítica passou a ser sinônimcú de método científico, de objetividade, até mes­ mo de filosofia ou teoria do conhecimento, além de uma disciplina literária Neste último campo, era vista como uma maneira de se aplicar, no estudo da literatura, as grandes descobertas científicas do tempo. Esse caminho to: palmilhado, em nosso recorte temporal, por Artur Orlando, Araripe Junior e principalmente, por Sílvio Romero, partícipes todos, num sentido amplo, da Escola de Recife, além de José Veríssimo. A crítica moderna nada tem a ver com

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a romântica, retórica, uma regra do bom gosto/' Segundo Lúcia Miguel-Pereira (1973:59 e 57), a crítica moderna emprestou dignidade às letras, pois "pela pri­ meira vez se sentiram os escritores apoiados em algo de sólido". Vejamos mais daramente esse ponto; nos últimos vinte anos do século passado [século XIX], as letras se reves­ tiram de uma dignidade e de um prestígio talvez sem precedentes entre nós. Fato que se deverá porventura em parte à introdução da crítica tal como a entendera Tobias Barreto. Sílvio Romero e José Veríssimo, feita com bases científicas, e já não impressionista como fora no período ro­ mântico.

Tal como em outros setores, também nesse caso as "idéias novas" serviram para pensar o Brasil e sugerir bases concretas para a sua adequação à civilizaçãoi Para colocar o país no "nível do século" era necessário renovar — ou supri­ mir — as instituições monárquicas, o que significava atingir o seu sistema sim­ bólico através da cultura. Foi nes.se sentido que se deu o repúdio ao romantismo, ao ecletismo, ao clericalismo, ao ensino retórico e jesuítico. E que se criaram outras narrativas da nação. Nesse ambiente combativo em que se deu a amplia­ ção da esfera pública, tudo foi submetido à crítica, palavra que emprestava dig­ nidade a qualquer discurso. -------------• No panorama europeu, a questão da nacionalidade ganhava contornos no\'os com a emergência de Estados-nações, a disputa por mercados e a acumula­ ção capitalista pelas burguesias laacionais. Na América, se o problema nacional já se colocara com a independência, cabia agora situar seus países na divisão internacional do trabalho, num esforço tenaz pela suplantação do atraso. O certo é que, em todo o século XIX, a inteligência brasileira esteve voltada para a definição cia nossa identidade, ora percebida como absoluta originaliciade, ora como uma derivação especial da civilização européia. Flora Süssekinci (1982) chegou mesmo a enxergar na ncassa produção naturalista uma estratégia do mes­ mo intento crítico, fazendo-se a literatura um documento da nacionalidade. Para se ter uma abrangência dos posicionamentos da Geração 70 — que dialogaram com a concepção aleiacariana da nação brasileira —, vamos desta­ car suas vertentes liberal e cientificista. No primeiro caso, os recursos de de­ monstração perdem ser cerlhidos na polêmica entre ]oac|uim Nabuco e José dc Alencar, vazada através de artigos semanais no jornal O Globo, em 1875. Não por acaso, José de Alencar foi o alvo preferencial dos ataques, pois cjue fora, através do sucesso verdadeiramente nacional de seus romances, um prec; so artífice da visão oficial sobre a nossa identidade — visão que conir UNHA sistema simbólico do Império.

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Ao épico neoclássico A Confederação dos Tninoios (1857), de Gonçalves de Magalhães, contrapôs José de Alencar, em desafio, no mesmo ano, O guarani. Para ele, a narrativa da nação devia tomar a forma moderna do romance e guar­ dar verossimilhança pelo recurso à descrição de paisagens pátrias, dos costu­ mes sociais e de fatos históricos, arcabouços sólidos para os vôos da imaginação criadciira. Como um sinal dos tempos, quase 20 anos após a publicação de O guarani, o drama de Alencar, O jesuíta, apresentado no Teatro São Luís, em setembro de 1875, foi recebido com indiferença e frieza pela platéia da Corte. Poucos dias depois, apareceu em O Globo um folhetim de Joac|uim Nabuco, sem assinatura, desfazendo da forma antiquada da peça e notificando seu insucesso. Em res­ posta, o dramaturgo denegriu o público fluminense. Nabuco resolveu, então, escrever uma série de artigos — sempre rebatidos por Alencar — sobre a c:>bra do mais consagrado dos autores nacionais. Essa polêmica teve grande repercussão e, à parte toda uma crítica às idealizações românticas que falseavam personagens e sifuações, especialmenfe no que se refere ao índio brasileiro, sobressaiu, para os fins desta pesquisa, a disputa por duas interpretações da nação. Para Alencar, a Corte não era o loeus da nacionalidade. Ao contrário, seu cosmopolitismo desgostava dos temas nacionais e do patriotismo, haja vista que era "portuguesa na máxima parte". E assim a caracterizava: "Mas os brasi­ leiros da corte não se comovem com essas futilidades patrióticas; são positivos c sobretudo cosmopolitas, gostam do estrangeiro, do francês, do italianc:», do espa­ nhol, cio árabe, de tudcr, menos do que é nacional. Isso apenas serve para elei­ ções". Na opinião do grande romancista, a pcrpulação da Corte era, ao invés, ana­ crônica e bárbara, mesmo a "sociedade fina", que era "uma seleção, mas uma seleção de Darwin, e muifo próxima do tipo primitivo, estjava] ainda muito símia". Para ele, o fator do progresser era o povo brasileiro. Brasilidade e civilizaçãcr estavam, ao contrário, no interior, nos sertanejos. A nação, porém, ainda não amadurecera, por não ter cernstituído um "eu próprio", infenso à imitação es­ trangeira. Cabia, pois, criar um povo e uma tradição que conciliasse as culturas aborígines e a européia no rumo de uma civilização americana. Defendendo a aufenficidade do profagonisfa de sua peça criticada, explicava Alencar: Sua terra natal, esta terra que ele admira e estremece ainda está deserta É necessário criar-lhe um povo, sem o qual nunca ela poderá ser livre e respeitada. Nesse desígnio, sobranceiro aos preconceitos de seu tempo concebe o audaz projeto de chamar as raças perseguidas da velha Euro­ pa, e oferecer-lhes uma pátria onde se regenerem. Por outro lado conta

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com a catequese para atrair selvagens, e dar-lhes em vez da vida nômade a liberdade e a civilização.

Em Joaquim Nabuco, Alencar via o protótipo do homem da Corte, a quintes­ sência cio cosmopolitismo, escrevendo num português afrancesacio. Também õle era anacrônico como a população da capital: seu lusitanismo fazia a literatu'a brasileira começar no medievo português e no seu prenome "o Brasil não fica sendo mais do que um mero apêndice". Reclamava da "ladainha antibrasileira" do seu crítico, ladainha que não surtiria efeito sobre ele, um "americano de raiz e fé". Já a tônica da crítica de Nabuco estava no falseamento da realidade brasilei­ ra descrita nos romances alencarianos. Não se fazia com eles uma literatura da verdade objetiva: "nada há de sólido no que ele descreve, de verdadeiro no que ele conta". Nem a sociedade: "essa comédia dc costumes [Demônio familiar] não eonta a vida da nossa sociedade (...) sem mesmo ter o mérito cia verdade". Nem .r natureza americana, nem o nosso índio: A natureza americana, porém, não está em seu livro [Ira ce m a ] (...) não há uma página de que se pudesse fazer um quadro (...). Os índios em Iracem a, em U birajara e no G uarani, não são verdadeiros selvagens. A humanidade para chegar do estado em que ainda hoje achamse os nossos selvagens do interior, ao de nossa civilização moderna, atra­ vessou milhares de anos. 0 Sr. J. de Alencar suprime esse longo período, e faz do seu selvagem um homem, muitas vezes superior ao de nossa raça. Os índios pensam e sentem, como nós, e falam melhor, como se fossem todos poetas. Onde existe essa raça?

Sem entrar no mérito da crítica de Nabuco, é bom atentar para: a) os posses­ sivos (os "nossos selvagens" e os "seus índios", a "nossa civilização", a "nossa raça") ; b) o caráter informado nas teorias evolucionistas e racistas das suas objeções; c) o apelo pela estética da verdade. Essa literatura, portanto, não merecia, para o crítico, o epíteto de brasileira, como então se queria, porque não espelhava a nossa sociedade, "a vida civilizaeJa do nosso país, os elementos eJe poesia c|ue pode ter em si a raça européia que o povoou e que, pela ação lenta do meio exterior, já tornou-se verdadeiramente americana". E acrescentaria em outro trecho: "Ncês somos brasileiros, não so­ mos guaranis; a língua que falamos é ainda a portuguesa".'- Eis, pois, onde Nabuco encontrava a nossa identidade: nosso destincr seria europeia é não ame­ ricano. Lembremo-nos de que Alencar era um homem ainda ligado aos temas da indepenciência: origens e tradições. Criava um passado povoado de índios no­

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bres, fortes e virtuosos. O presente era de conciliação entre aborígines e euro­ peus, oncie não havia lugar para os negros escravos. Como disse Angela Alonso (1996:139-162), uma estudiosa desse embate, para ele, a soberania vinha do povo, mas era expressa pelo imperador, e não representada por uma sociedade política. Essa polêmica se inscreve, pois, no momento de liquidação da "política de conciliação", quando questões como a extensão da cidadania entram na agenda política por força da luta abolicionista e das disputas ideológicas na Eurcapa. E esse era outro ponto de objeção de Joaquim Nabuco: "ele [José de Alencar) acha a escravidão poética, eu aborreço tudo o que a lembra". Pode-se dizer que sua objeção era a de que a literatura de Alencar escondia o país real. O romancis­ ta buscava escapar pela ironia, dizendo que a escravidão era um fato da vida brasileira e que, portanto, a arte de\'ia retratá-la e que se isso aborrecia Nabuce era porque ele se aborrecia de seu país. Ressaltava que na sua vida política ja deixara diversas vezes clara sua posição sobre o problema escraver, que via como um mal que se extinguiria por si. Defendia-se com a afirmação de que sei: intento era o de "mostrar os inconvenientes da domesticidade escrava". Como pontos menores da polêmica, mas que interessam ao argumento, cabe ressaltar, primeiro, o esforço de Alencar cm se mostrar atualizado com as no\ ateorias científicas porque, certamente, submetia-se a um contexto em que, sen elas, nenhuma produção podia arvorar algum valor aos olhos de um públic; renovado, com gosto distinto daquele dc suas platéias femininas. Mas tambén era claro o desagrado de Nabuco com a permanência do prestígio daquele aute: romântico — enquanto, de viés, destacava a importância da imprensa: "O Sr. de Alencar, tanto como outro qualquer escritor, depende da crítica, e a impren?i daria uma prova real do nosso adiantamento, se estudasse as obras do aute : popular em vez de tanto incensar-lhe o nome"."' Como importante reforço a es>.= observação, seria o caso de lembrar que, na Revista Ilustrada, o Brasil era repre­ sentado por um índica, símbolo facilmente absorvido pelo público. O posicionamento cosmopolita de Joaquim Nabuco, no entanto, não esgota , pensamento da Geração 70 sobre a identidade nacional. Naqueles anos, o amb ente era bafejado pelo otimismo evcalucionista, graças ao qual as sociedadehumanas se escalonavam da barbárie à civilização, com passagem pela selvageria, nrma percurso mexorável. Ou de outra forma, na filosofia monista de Haecke. pela c[ual a ontogênese é um resumo apressado da filogênese. A essa positividac se acrescentava a confiança iluminista na perfectibilidade humana. A década seguinte à polêmica Nabuco-Alencar foi mais desejosamente anrromântica e cientificista. Acontece que, juntamente com o capitalismo imper;.lista e como sua justificação última, ganharam corpo teorias raciais que se i_ gou serem cientificamente respaldadas. Delas derivou uma inescapá .

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negatividade sobre as oportunidades das nações compostas por raças inferioNesse contexto, a intelectualidade brasileira, sempre atenta ao c|ue se passavà no mrmdo desenvolvido — onde a América do Norte, anglo-saxã, dava entra­ da —, foi sacudida por uma sensação de atraso. Foi tanto o que lhe armou o espírito num clamor por progresso, desgostosa da "inércia" que o regime impri­ mia à sociedade. Geração cosmopolita, queria adequar o país à civilização. Acontece que o segmento ilustrado da sociedade não se via como bárbaro e, .icostumado à toada romântica e à propaganda oficial — e mesmo legendária — 'Obre a grandeza e a riqueza do país, tudo somado ao efeito produzido pelo desenvolvimento yankee, tinha uma "consciência amena do atraso"."^ Figura exemplar nesse terreno, Sílvio Romero praticava a crítica moderna e escrevia para esse público ilustrado e vexado com o atraso brasileiro. E assim foi que se redesenhou a identidade nacional. Além de inovar com estudos sobre o folclore e a prociução popular brasileira — na cqual encontrou, junto com a por­ tuguesa, uma poderosa influência negra —, fez ele do mestiço o distintivo da oeculiaridade nacional. Sob influência alemã, estabeleceu uma relação de suoordinação fechada entre literatura e nacionalidade, posto que naquela está o esforço de um povo para se pensar a si mesmo. O empenho cie Sílvio foi fazer do mestiço uma categoria intermediária, mas não impeditiva, do avanço civilizacional. Se, por um lado, é graças a ele que o branco pôde se adaptar aos trópicos, também é no progressivo desaparecimento de índios e negros — por diferentes formas de extinção —, que, de um povo mestiço, chegaremos a constituir, em certo prazo, uma sociedade branca. Atento às condicionantes da vida social e do fenômeno literário que Taine ■solou na sua tríade — meio, raça, momento —, Sílvio pensava dever estendê-la, no caso brasileiro, para incorporar o fator "imitação estrangeira", em função da nossa peculiar situação colonial. Diferentemente do crítico francês, deu ele mai­ or ênfase à ação do homem sobre aqueles fatores. Sílvio via a nação brasileira .ainda não constituída porque não ostentava um "eu prcáprio" livre da imitação estrangeira, afirmação que nos remete a José de Alencar. O crítico sergipano deixou sua marca interpretativa na ênfase que deu ao rator raça, introduzindo o critério étnico no estudo da cultura brasileira. Na matriz européia, a literatura deixara de ser vista como uma criação espontânea do "gênio" para ser percebieda como um "produto" de fatores externos que condicionavam as decisões cio artista. O escritor era, assim — e isso muito acen­ tuava Sílvio —, um fruto da cultura, Esta, por sua vez, era um produto da raça, do meio, das tradições e da imitação estrangeira. Entretanto, Romero tudo sub­ metia à lei maior da evolução transformista.

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Com base nesses pressupostos, Sílvio avaliava os escritores pelo seu "quantum de brasilidade", ou seja, pela representatividade quanto à sua cultu­ ra c à sua época. É conhecida sua assertiva: "Tudo quanto há contribuído para a diferenciação nacional deve ser estudado e a medida dcú mérito dos escritores é este critério novo".’’ Como bem percebeu seu principal estudioso, Romero foi o mais livre dos deterministas por fazer da "teoria do valor" — que é um elemento subjetivo — o traço característico da sua crítica. Foi mais um historiador da literatura do que um crítico literário, estudancio mais o "processo" do que a "obra".’‘’ Na aplicação de sua teoria, mostrou a artificialidade da inferpretação ro­ mântica, porque o índio não foi o fator primcrrdial da nossa cultura e caráter. Neles feriam pesado muito mais a influência do negro. Mais do que essa observação, audaciosa para o ambiente racista da época entendia que o estudo da identidade nacional estava ainda por ser feito, por­ que ela não era lusa, africana ou indígena — influências estrangeiras. Nossa realidade era mestiça tanto do ponter cie vista físico quanto do cultural. Nãc aceitava, pois, o recurso de camuflagem da nossa mesfiçagem que o indianisme representou. Acontece, no entanto, que, segundo os critérios "científicos" da época, as fréraças formadoras do povo brasileiro — e, por extensão, da nossa cultura — erair inferiores. Mas foi o mestiço, tido por aqueles critérios como um degenerado, . fator facilitador da adaptação do branco aers trópicos. Sílvio não entendia mestiço como uma soma de raças, mas como uma crutra raça, a raça brasileir.súmula cia nossa originalidade e base serbre a qual se daria a vitória cio branc: através da miscigenação, conseqüente de uma desejaria imigração européia par o Brasil. Assim sendo, o mestiço, tipo intermediário, era a condição de nosingresso na civilização. Sílvio Romero tem um lugar ímpar no pensamento social brasileiro. Inar gurou o critéricv etnográfico no estucio cia nossa cultura, na qual v^alorizc. pioneiramente, a produção popular. Entencieu a centralidacie do papel do r gro e fez do mestiço — o fator por excelência cia identidacie nacional — u:r categoria de análise numa interpretação de longeva tradição no pensam er' brasileiro.

IMAGENS DO PROGRESSO O século XIX foi chamado "o século da luz" tal a impressão que a d e s c o b c , da eletricidade provocou sobre os contemporânecvs, impressão também mani:-.ta entre nós. Vimos já como imagens de luz são recorrentes na poética p v qualificar a razão, a civilização, a liberdade... e também o progresser.

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Coelho Neto descreveu o encantamento de um jovem provinciano com o Rio de Janeiro desde a sua chegada, quando saltou na gare iluminada: "senti des­ lumbramento tal c]ue tive de fechar os olhos. Se eu saía de uma sombra sonolenta para esse plenilúnio de j abloskoff! Seu tio, homem de posses, costumava leválo à tarde à Confeitaria Pascoal. Em meio à impressão causada pela agitação da casa, pela presença de literatos, políticos e de homens de negócio, com suas conversas cultas ou muito informadas, o autor, a certa altura, fez essa observa­ ção singela: "Do teto pendiam lâmpadas elétricas". Mais adiante, aparece a ligaçãcr entre luz, razão e progresso. Referindo-se a um amigo ilustrado, conclui: "porque a Luz é a ciência".’’ Nc:i Segundo Reinado, as festas públicas do Rio de Janeiro exibiam sempre iluminação especial, garantia do seu atrativo e sucesso. Foi o que notificou Fran­ ça Junior (1926:122): "Conceber o Rio de Janeiro em festa sem luminárias fora absurdo tãc") grande como supor uma eleição regular sem polícia e cabeças que­ bradas". A associação enfre luz e progresso fica explícita em belo texto de Raul Pompéia, quando descreve sua chegada ao Rio de Janeiro, em 1884, vindo de São Paulo, uma viagem no tempo através dos sinais de luz: Era de se apreciar a entrada dos campos para a civilização, marcando-se a metamorfose dos cenários da noite exterior pelo progresso da Ilumina­ ção. Primeiro, o clarão rápido de fogueiras de rancho selvagem, que passavam ao passar do trem. Raras luzes dispersas, depois, de melhores vivendas. Luzes de azeite. Depois, as chamas entrevistas fulgiam mais vivas e mais límpidas. Luzes de querosene. Aparecia em seguida o gás-globo dos lam­ piões das ruas do Engenho Novo, muito mais claro. Aparecia o gás, o belo gás Holman de outrora, cristalino e cintilante! E por esta viagem através da luz, sentia-se crescer, no coração, uma espécie de entusiasmo que a vertigem de turbilhão do comboio ainda mais aumentava. A luz anuncia­ va a grande cidade a chegar, tão grande, tão animada para quem vinha das saudades provincianas! Até que chegava o almejado termo. A Estação Central, com a rutilação branco-pérola dos seus imensos globos Jabloskoff, que concluíam, por um último deslumbramento, a expectativa de mais luz a que se vinha disposto pela progressão brilhante dos panoramas da beira da estrada; exibindo, para o contraste da selva apenas deixada, a vida intensa da grande capital, no resumo do mais impetuoso dos quadros, o movimen­ to enorme da vasta gare, sob a luz elétrica, como uma apoteose da civilização.^®

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A outra impressão de progresso estava ligada à sensação de velocidade c|ue o desenvolvimento dos transportes no século XIX proporcionou aos contempo­ râneos. As “Crônicas fluminenses" do número de 26 de março de 1882 da Rcvistíi Ilustrada unem as duas grandes descobertas como os índices maiores da mar­ ca distintiva da época: "O nosso século, o século científico, o século das invenções, tem desccrberto maravilhas: suprimiu as distâncias com a eletricida­ de (...). É preciso andar, correr, voar: e anda-se a vapor". A sensação da acelera­ ção toma todos os aspectos da vida, influindo na concepção mesmo da história. Foi o que Martins Junior (1881:28) bem registrou, como vimos, ao pontificar: “Por isso a Hisfória vai veloz como uma seta/ Atrás do seu futuro, atrás do seu destino". O objeto cjue mais fortemente concretizava tal sensação era o trem. Observa­ dor dos costumes. França Junior (1926:155) via na sua chegada o esfacelamento de todo um mundo antigo: "no dia em cjue o guincho da locomotiva ecoou nas florestas deste vasto torrão, lá se foi a roça dos nossos avós, e a poesia cobriu-se dolufo". Mas foi na Revista Ilustrada que, pela exaustiva repetição das imagens, os meios de transportes se fizeram os logotipos do progresso/atraso. Entre inú­ meros exemplos, ao correr da década de 1880, cabe destacar o protesto contra o descaso dos políticos e do imperador através de uma charge em que o rei aparece montado num caracol e o Parlamento transfigurado numa tartaruga, o todo encimado pelos dizeres: “Aqui repousa o progresso político e social do Império. Povo, orai por ele!" (ver ilustração 5). No ano anterior, sob o texto: “Imagem fiel da nossa afividade na estrada do progresso", vê-se um trem pu­ xado por bois. Para reclamar das mudanças de atitude do Partido Liberal, este foi representado, antes de assumir o poder, dentro de uma locomotiva e, quando nele apeado, sobre um burro. Na campanha em que a Revista se engajou pela libertação dos escravos, os avanços da sociedade ou do governo são ilustrados na mesma chave simbólica. No número de 22 de junho de 1884, por exemplo, o conselheiro Dantas dirige uma locomotiva chamada “Abolição", cujo motor é o “progresso" (ver ilustra­ ção 6). Já a Lei Saraiva-Cotegipe de 28 de setembro de 1885 vai montada num burrinho, enquanto passa o trem do progresser abolicionista. A charge de 14 de abril de 1888 reduz os termos à sua expressão mais simples e direta: o progresso é um trem, o atraso um carro de boi. Mas vejamos como a sensibilidade do poeta fez uso dessa mesma imagem para perceber a dimensão simbólica do seu objefo:

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Ilustração 5

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Da penedia o dorso se espedaça Acelera-se o rio espavorido, Abrem o seio escuro bipartido A seiva e o monte; o trem de ferro passa... Sibila e corre a máquina; esvoaça Dos pássaros o bando foragido; Bufa 0 monstro e do bojo enegrecido Golfa rolos de túrbida fumaça... Rijo, forte e veloz; é uma Idéia Condensada em metal, em ferro espesso; Não recua, não cai, não titubeia; E voa, e rasga, o luminoso ingresso O ramo arteriai, a grossa veia Por onde corre o sangue do Progresso.®“

No dia-a-dia, entretanto, foi o bonde que melhor simbolizou a sensação de mudanças no cotidiano através da aceleração do ritmo da vida e do progresso democrático. Vale lembrar que França Junior (1926;145) registrou, através dele, uma marcante alteração de costumes em relação à liberdade da mulher: "o bond revolucicrnou a família". Essa mesma impressão a Revista Ilustrada registrou nas suas "Crônicas fluminenses" de 1“ de abril de 1882: "O bond nivelou todos no mesmo progres­ so, sexos e gerarcjuias". E diante do bond elétrico, na edição de 21 de abril de 1888 exclamou: "Oh Progresso!". A auto-imagem dos contemporâneos em relação a sua época era, portanto, de grandeza. Vejamos essa declaração: Século dezenove! (...) (...)

As tuas criações, teus túneis, teu vapor. Tuas forjas, tua eletricidade Tua filosofia e tua heroicidade. Ó século imortal, ó século em que a conquista, A guerra, as religiões e as velhas monarquias Têm tombado no chão nojentas como harpias.

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REPUBLICA COMO CIÊNCIA E EVOLUÇÃO; “A RAZÃO E O EUTURO” Este livro foi introduzido por uma parábola criada por um destacado articu­ lista da Revista Ilustrada. Nela, o casamento da Independência com a Abolição seria a consumação do grande desejo nacional, o de uma serdedade liberal. Mas a imagem mais parece significar a união entre Estado e povo: a independência deu origem ao Estado brasileiro, enquanto a abolição integrou a massa dele afastada. Um consórcio tão auspicioso que gerou progresso e paz. Se assim é por que, eirtão, seriam perigosas as insídias da política-sogra? Por que seria ela tão atrativa como um sorridente convite? Se a sogra mente, trai — a perfídia —, se instaura a desavença entre o pove:» e o seu Estado, apelando para distorções da realidade, como aquela t|ue transfigura paz em despotismes, por que seu aceno é tão chamativo? Antes de tentarmos entender a perigessa atração c]ue a exacerbação política de 1889 colocou barulhentamente nas ruas, vamos trazer à baila uma outra interpretação sobre o lugar da abolição no prcscesso histórico da nação brasilei­ ra. Em seu longes poema Fiat Libertas, dedicado a Quintino Bocaiúva, Euiz Delfrno enche suas estrofes com a luz da liberdade para saudar o 13 de Maio. Mas também reclama de uma perfídia; não é correto ver a emancipação dos escravess comes es fim glorioso da estrada da liberdade brasileira. O casamento se daria quandes a noiva se cobrisse cesm o barrete frígio, como extravasa: Ao ver que não há mais na pátria um só escravo... Ouço um grande rumor, ouço o rumor de um bravo, (...)

Mas... somos nós de todo um povo americano, Livre com o o condor, grande, com o o oceano?

0

escravo negro extinto, ergueu-se o escravo branco;

(...)

É cedo! É cedo pois; deixa a cama de rosas: Do teu sumo direito, ó pátria, inda não gozas...

E a idéia do trono que hoje se venera; Não é a redenção, não é nova era.

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Dirias, ó liberdade, ó ídolo que adoro, (...) Então, como hoje. em nova e louca efervescência Far-se-á de uma vez só a nossa independência. Teremos a liberdade inteira de uma vez... E em todo o continente americano um bravo, Como o de hoje soou — libertado do escravo. Amanhã soará — libertado dos reis...”"

Que essa interpretação se tornou corrente em certos meios”'' — a de que era preciso agora libertar os brancos do despotismo monárquico — mostra-nos outro texto indignado da Rezustíi Uustrndn. Entendendo-a como uma estratégia dos escravistas desilucTidos, o periódico cria um diálogo fictício para tentar esvmziar seus argumentos. Assim, um interlocutor imaginário debate com um "republicano de 14 de maio" e o interpela com o protesto de que os brancos já gozavam de liberdade. Responde o escravocrata; "E. Mas com a monarquia o povo continua escravo. Viva a república, porque, então, cada um pode fazer o que quiser". Rebate, então, o opositor com a crítica de que os libertacTores devmriam ter se lembrado disso no ministério Cotegipe, mas que, agora, que "a monarquia se tornou popular e querida", já é tarde. Admoesta contra uma revolução "excêntrica" e reclama; "há mentecapters, que andam entusiasma­ dos com issc:> Já ao final do ano de 1888, o retorno do herói da Revolta do Vintém, Lopes Trovão, foi saudado. A Abolição refomara um lugar no processo histórico; as­ sentado o Estado liberal brasileiro — nas suas vertentes política e social —, estava desfeito cr nó que acorrentava o país ao passado. Colocava-se, agora, a pátria na estrada do século, cujas setas apontavam na direção da civilização e do progresso. Talvez estivesse subentendido que, sob outra direção, a revolução — ou seja, a República — .se purgaria de "excentricidades", fazendo-se nacio­ nal. Senão, vejamos; Hoje 0 caminho glorioso que terá de seguir esta grande nação está des­ bastado do último tropeço do despotismo. Numa pátria onde só há cida­ dãos pode-se sonhar com todos os progressos e todos os esplendores de uma civilização ofuscante. (...). Todas as idéias, todas as opiniões são respeitáveis e úteis, quando as guiam um coração patriótico como o de Lopes Trovão (...). Nada receamos dessas índoles generosas e ardentes em que o amor da liberdade é uma religião.””

o sovriso d a in tr u s a

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Fica claro, no entanto, que, passado o namoro com a Monarquia — apcás a queda do gabinete joão Alfredo —, a Revista também assumia a interpretação do percurso que da Abolição leva à República, mas pelo viés aberto pela democra­ cia. E assim que, proclamada a República, entendia, ela também, que se comple­ tava um ciclo: "restava a coroação [a República] de conquistas do progresso [Independência e Abolição]".'^" Vale anotar que o mesmo articulista que vira na abolição o casamento da Monarquia com o povo era o que, agora, como Luiz Delfino e os republicanc^is, entendia a proclamação da República como o fecho exitoso de um caminlio, o da democratização do país. O Partido Republicano se dizia "o partido mais antigo" cio Brasil e vinha inventando uma tradição c|ue lançava raízes nas lutas liberais da Colônia, na Revolução de 1817 e no desígnio da Regência. Nesse sentido, a grande perfídia fora a rendição à opcacr monárquica, alienígena — não americana —, na cons­ trução do Estado brasileiro. Silva Jardim (1891:88), descrc\'endo as festas pela Abolição em Santos, diz que elas haviam terminado "com um estrondoso viva à república (...) depois de um discurso em que relembrava o trabalho dos mártires e mostrava que a obra nãca estava acabada (...)". A Proclamação, nessa linha interpretativa, significou um salto civilizadonal, integrando o país à América e à modernidade (ao progresso), disso dando teste­ munho a forma pacífica como ela se fez. O mesmo artigo da Revista Ilustrada que fala da proclamação como coroação de conquistas anteriores, termina se van­ gloriando: "Nãcr há página igual na história da humanidade: sem derramamen­ to de sangue".'^’ Essa solução incruenta seria gabada mesmo pelos crpositores do regime. Existiría, assim, uma tradição americana de liberdade que, entre nós, inicia­ da com a independência (ou com seus movimentos precursores), só teria sua completude com a instalação da República. Quando quis homenagear o "Quin­ ze de novembro de Oitenta e Nove", Luiz Delfino dedicou seu poema ao "Brasil novo" e à "América". Essa associação entre liberdade e América já estava tão intrerjetada que se tornou tema corriqueiro. Erança Junior (1926:287), em uma de suas crônicas, usou essa imagem: "Era solteiro, e por conseguinte livre como os Estados Unidos". Quando, em 1879, Lúcio de Mendonça (1905:72-73) assumiu a direção do jornal Colombo, folha republicana, no seu dizer o "mais adiantader partido naci­ onal", proclamou a grandeza de sua tarefa: "Não pode ser, não há de ser balda­ da a pregação da República na terra da Inconfidência, glorioso início que lhe foi o batismo cívico, a sagração revolucionária".

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Cirande marco dessa trajetória, a Abdicarão toi uma grande d,it1 M' . i I < I l I I I I I II -1

No dospacht> di> Clovorno Provisório comunicando à lamili.t real ,i docisiu) oliiv ociosterro, instou-se que cia aceitasse a vontade nacional, como d. Pedro I iu)7deabril. ’' Comentando um incidente ocorrido em Minas, Rui Barbosa (1947, I 2, p. 71) assim o interpreta: As garrafas da Laje de Muriaé em abril de 1889 renovam as garrafadas da Corte em março de 1831, que pressagiaram o fim desastroso do pri­ meiro reinado. É como o eco das vésperas de uma revolução, anuncian­ do, talvez as vésperas de outra, se a côroa for surda aos sinais do tempo.

Tiradentes foi o grande herói recuperado para corporificar a tradição repu­ blicana. A Revista Ilustrada reclamou que ele ainda não tivesse uma estátua.'’^ Na comemoração do 94" aniversário de sua morte, fez Quintino seu elogio histórico, ilizendo ter ele lutado pela "forma de governo filha da América". Comparando o herói a O isto, um mártir, "vítima propiciadora da idéia republicana no Brasil, o precursor da idéia que hoje oferece embate às instituições caducas do passa­ do", estabeleceu uma relação efe continuidade entre Tiradentes e a "minoria resistente" dos republicanos, que cmam os "herdeiros e suce.ssores do legado tradicional que aquela nobre figura representa". '' Luiz llelfino escreveu três poemas sc>breTiradentes, tema quc' também com­ põe um dos momentos poéticos de Pontoura Xavier em Opalas. Poi este igual­ mente o assunto do primeiro artigo de Silva jardim, ainda estudante do prepa­ ratório. Pm 1882, l .úcio de Mendonça reclamava: "P revoltante a baixeza com que alguns escritores pátrios, os historiadores do Instituto, têm deprimido a generosa tentativa do 1’recursor". T, centra suas baterias especialmente sobre "o mais apregoado desses historiadores", que desdenhava o "martirológio republicano", fazendo uma descrição física antipática de Tiradentes e indi­ cando como características de sua personalidade a indiscrição e a loucura, que fizeram dele "um forjador de planos aéreos". 1,úcio criticou a História da Conjuração Mineira, na qual Joaquim Norberto de Souza e Silva apontava Tiradentes como "louco, leviano, fanfarrão e fanático". Buscou em seguida, pelo ridículo, diminuir a possível repercussão dessa opinião, dizendo que desse historiador só se poderia esperar essa interpretação, pois ela era bem adequada a quem descrevia, na mesma obra, um milagre da Virgem num tom de seriedade. P concluiu: "Vá, entretanto, sorrindo o descendente da fanática idiota [d. Maria I]; também há de chegar a vez da gargalhada do povo. Rirá melhor o que rir por último".''’ Dedicada a jeraquim Serra, Raimundo Corrêa (1883) escreveu a poesia A cabeça de Tira-dentes. Martins Junior (1881:32 e 36) enfileirou a tradição históri­ ca: "A raça de valentes/ Que já no k'u país produziu Tira-dentes,/ Produziu BadaróeNetoeCanabarro". P m.iis .uli.mte: "Olha: o Caráter foi-se, a Heroicidadt'

13 6

A República co n scn lid a

voou/ Para o túmulo onde jaz Caneca, o honrado avc)/ Que junto a Miguelinho e Pedro Ivo dorme". A partir da década de 1870, sob pressão do contexto internacional, foi sc instalando entre nós uma incômoda sensação de atraso, o c|ue impeliu a formu­ lação de novas narrativas nacionais, buscando-se em outras fontc's uma tradi­ ção brasileira que contradissesse a letargia imperial. Nesse sentido, foi a heroicidade dos movimentos precursores, a dos d ias da independência e ainda aquela outra do período regencial e de suas revoltas, que foi resgatada. Com essa energia e ímpeto de mudança é c]ue se queria escrita a narrativa da nação. Os republicanos - C|ue se proclamavam "o partido mais antigo do Brasil" construíram, com e.ssas linhas, um relato do republicanismo do povo brasileiro. República era, por vezt's, completar a obra liberal iniciada na Prança, "por­ cine o século c]ue se sc-guiu à Revolução Francesa devia ser o século da República Universal".'’' No manifesto ao Partido Republicano que o elegera seu chefe em maio de 1889, lembrou Quintino Bocaiúva: Unitário ou federal, este regime [republicano] pressupõe o governo do povo pelo povo. A soberania nacional como a única fonte de poderes legítimos; o sufrágio universal como instrumento pelo qual a vontade do povo se pode manifestar, tais são os dois fundam entos do regime; institucional republicano, cuja síntese é universalmente expressa por este glorioso lema; liberdade, igualdade, fraternidade.“

Hssa relação entre república e liberdade estava também em Si Iva Jardim, que, comentando o sucesso de seus empreendimentos no Norte do país, relatou (1891:386): "Acompanhado pela multidão numa explosão de aplausos ao grau de evangelizador da Liberdade Brasileira (.. )". Também Teófilo Dias, ao escre ver Profecia (dedicada a Raimundo Corrêa), via anunciar-se o dia da "liberda de brasileira", recorrendcí a imagens que falavam do progresso científico do mundo: E 0 tufão popular (...) (...)

Como um incêndio enorme, há de varrer nas asas Do solo americano o trono e a realeza. E então vereis. Senhor, se a mente bem me alcança, Que estes filhos do povo, heróicos e clementes, Para não desonrar com o sangue de Bragança

o sorriso ria inirusa

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A terra que bebeu o sangue a Tiradentes, (...)

Vereis que vos darão um exemplo sublime! — A vós, que lhes cingis ao livre pulso o ferro, Hão de vos apontar, vos perdoando o crime, Em vez do cadafalso, a senda do desterro.

Só no final da década se pôde distinguir, com clareza, um republicano de um liberal avani;ado. A imagem da libenlade aparecia com freqiiência nos “carros de idéias" dos préstitos carnavalescos. A alegoria de 1884 que s.iudava o destemor de Francisco Nascimento, o jangadeiro cearense que se recustru a embarcar e.scravos, ti'azia sobre os cabelos uma corrra com o nome da província liberta (ver ilustração 7),'’" Fm 1888, após a abolição, uma mulher altiva, U>ndo a cabeça ornadlo barrete frígio, expulsa fa­ zendeiros que trazem a bandeira da "República com indenização" — uma alusão aos "republicanos do 14 de m aio" — , o que mostra a distância deles em relação ao puro ideal republicano (ver ilustração 8).'”

Ilustração 7

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Advogava Francisco Cunha (1914:211): Se a causa republicana dependesse unicamente da lógica e da convicção dos homens, ela já estaria ganha em todo o mundo civilizado e não esta­ ríamos a perder tempo e a gastar esforços para provar uma verdade axiomática. Estamos, os apóstolos da liberdade, condenados a demonstrar que a luz ilumina.

Ilustração 8

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Nos momentos finais do Império, sob o impacto do discurso de Benjamin Constant na recepção aos oficiais chilenos, os alunos da Rscola Militar lhe en­ tregaram uma mensagem que terminava com o seguinte pedido: "Mestre, sede nosso guia em busca da terra da promissão — o solo da liberdade!".'” Pela intercalação. França Junior (1926:154) acabou por mostrar a força da associação referida: "O meu ideal sem ser republicano era a liberdade sem limites". Em seu poema de saudação à República, o Quinze de novembro de Oilentn c hlove, l.uiz Delfino parece parodiar, em certo momento, o Castro Alves do Niwio negreiro, pois o país já não precisava "arrancar esse pendão d o s ,iir‘s":

o sorriso da inirusa

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Assim rompe uma estrela a Colombo, (...)

Outro mundo aparece a Cabral; Assim surge essa nova bandeira De repente por terras e mares... Dize aos povos, por onde passares, Que és de um povo já livro o fanal.

Se a liberdade podia ser defendida como um atributo da Monarquia brasilei­ ra, o mesmo não se dava com a democracia, palavra que ganhou uma inescapável conotação social."’'’ Resultado de firmes convicções e como recurso de .sobrevivência do regime, joaquim Nabucoe Rui Barbrrsa batalharam por uma monarquia democrática c' feciera ti va, embora me pareça t]ueo termo ctemoeracia não tinha para eles exata­ mente o mesmo conteúdo, apesar de ententlerem igualmente que ele continha uma necessária idéia de liberdade. Hm Rui, democracia era uma extensãcr do liberalismo, ou si'ja, uma amplia­ ção tanto da representação quanto ttas liberdades. Distinguia ele a di-moeracia liberal da democracia socialista, porcjue se centrava esta no princípio da igual­ dade absoluta, princípio que rejeitava. Nesse sentido, não via ele qualquer obstáculo à aproximação entri' os termos Monarquia e República. Num artigo de 5 de abril de 1889, no üiiírio dc Noticiiis — sintomaticamente intitulado "Nossa democracia" — explicava: "Os qiK‘ se es­ candalizam com o caráter democrático que pretendemos imprimir à monarquia esquecem-se de que, no mundo contemporâneo, a distinção entre monarquia e república é apenas acidental"."’’ Sua formidável campanha no Diário dc Notícins foi justamente para que a Monarquia brasileira se tornasse democrática, o que nacjuele exato momento significava implementar, por fim, as reformas requeridas — especialmente a federação— e respeitar o legítimo direito de reunião dos republicanos, porque a Monarquia "há de mostrar-se tão compatível com a democracia, tão capaz de liberdade quanto a república, se não quer que esta acabe varrendo-a do conti­ nente republicano"."’* Também esse artigo trazia o sugestivo título de "Liberda­ de ou República". Mas a proposta de uma "monarquia democrática" c mais antiga em Rui. Rara defendê-la pronunciou, na Câmara, um famoso discurso, cm 1879, quando das discussões sobre a reforma eleitoral. Contra sua oração se levantaram indigluulos os republicanos, indign.ição i|ue pode bt-m ser aquilatada pela exclamaçao de I ,U( iu de Menilonç.i, para quem n,u]uel povo atravc's de seus rc'prc'scmtantc’s, princípio realizável pela Monarquia brasileira, posto cjue na sua cjuase totalirlade o país ('ra composto de pessoas sem privilégios."' já Rui Barbosa, pesando sua conotação social, detendeu .1 tlemocmcia liberal, racional e natural, tendo em vista a desigualdade natural entre os homens, ou seja, bateu-se por uma "igual­ dade conforme à democracia não socialista"."' Embora, em 1879,1 .úcio de Mendonça (1905:7.8) tenha dito ser o socialismc' a .ibsorção do indivíduo pelo Estado, também ele, talvez, tenha adotado a noção mais comum, cpie o entendia como o igualitarismo sem rc'striçóc's. Na revista 1'scdiidnlo, publicada em 1888 — em colaboração com Valentim Magalhães ele se rotulava de "socialista republicano". Fontoura Xavier também assim se tlefinia, devido ao seu "gratule amor social"." ' Lopes Trovão entendia que a r|ueda da Monarquia seria a eliminação di'* obstáculo para a implantação do socialismo."'’ Nc'ssas ciisposições políticas, muitas vezes a República era vista como uma forma temporária e propícia para a implantação do socialismo. Cm carta escrita a Evaristo de Moraes, em 1918, hope's Trovão elogiou a luta deste último em favor do proletariado, distinguindo a sua intuição de "que a república não é um fim, mas um meio para a solução dos problemas sociais"."' Muito mais explíci­ to foi Lúcio de Mendonça, que, escrevendo já na República, afirmou: 0 que eu sou, definitivamente, 0 que sempre fui e declarei ser, desde que me entendo nestas altas coisas, é um franco, radical, irredulivol socialis­ ta, aceitando a atual forma do governo como uma

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ainda

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para o suicídio". Isto porque "o reinado da monarquia está condenado irreme diavelmente". Ainda acadêmico, em i 8 6 1 ,1’rança J unior escrev'eu a peça Meia hora de cinifi mo. Na cena X, o personagem Trindade erguia um brinde: "Vou arrematar este brinde, senhores, bebendo à saúde daquelas idéias que mais se harmonizam com o estado de perfectibilidade c civilização dos povos: à saúde das idéias republicanas!".'^'’ Acreditavam os membros da Geração 70 que democracia e república eram termos intercambiáveis e inscritos na ('volução humana. Isto é bem claro em huclides da Cunha (1944:41), que explicitou a noção de que elas eram uma derivação da própria ciência: "Pois bem; a política do século XÍX chama-se democracia (...) para revesti-la da fortaleza, da lógica ini]uebrantável de uma dedução científica (...) por fim, o republicanismo não vencerá, convencerá (...)". A Revisia lliistnuín também designava a república como "a filha da ciência".'-^ O Diário de Notícias publicou, em 17 de julho de 1889, um estudo de Sílvio Romero sobre "As três formas principais da organização republicana". Nele aparece igual­ mente a inescapável marcha da História, que consagra, na contempi>raneidade, o momento da inserção política e social do "4" listado", expressão em voga de que se valeu o autor, hra, pois, inevitável que o Brasil se incluísse nessa teleologia. Sua argumentação era incisiva: A ninguém é dado mais iludir-se sobre as aspirações republicanas do povo Brasileiro. Presenciamos uma evolução irresistível. A marcha ascendente das cama­ das populares, sua fatal tendência a superar as velhas instituições da monarquia, da nobreza militar, da cleresia e da própria classe média, é um desses postulados da história universal, que só a fanáticos ou a igno­ rantes é dado desconhecer. Não se trata de saber aqui se é um bem ou é um mal; afirma-se que é fato inevitável (...) termo necessário da evolução total da humanidade. (...)

Ora, 0 ritmo social é hoje para a democracia, sem a menor sombra de dúvida. (...)

Onde a democratização for completa na ordem social, a forma republica­ na, sua natural expressão na ordem política

Os republicanos brasileiros fizeram do desenvolvimento do Chile e da Ar­ gentina a bandeira de comparação entre república e monarquia. Ainda na década de 1870, Francisco Cunha, apontando o progresso argentino, valeu-se des-

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s,i estratégia: "Rssa prt'ciosa faculdade do nosso espírito — a cornpara(,;é mais o poder, mas sim, o i>o o i :k i’iiSSOAi ". Sc'rvindo-se de um vocabulário e argumentação bebidos em outras fontes, os republicanos passaram a insistir na idéia da irresponsabilidade do Poder Mo­ derador, postt>que inimputãvi‘l. Usavam a expressão "poder irresp(.>nsável".' A Revista, parafraseando Benjamin Constant, anunciou: "nosso regime, re­ presentando a Coroa a chave de todos os poderes".** Kui Barbosa, sob o signifi­ cativo título "Representantes de quê?" (1947, t. 6, p. 26), escreveu, em setembro de 1889, um artigo em que trazia, através de imagens, uma impressão usual: "Por isso, se lhe erguerdes as casacas |dos deputados], não raro, por baixo, lhe encontrareis as librés". Hesitante quanto à melhor avaliação da ação de d. Pedro no tocante à aboli­ ção — o que confunde até autores modernos — reclamava a Revista, paradoxal­ mente, cia não-ingerência do Poder Moderador —, o que, em outros contextos, era percebido como "imperialismo" — para acabar definitivamente com o cati­ veiro escravo.*' A prática desdizia o discurso. Havia momentos, no entanto, em que d. Ped ro parecia sujeitar-se às vontades alheias. A mais típica dessas situações cra, sem dúvida, a abertura das sessões anuais do Parlamento. Mas os contemporâneos não se deixavam enganar por esse ritual. Pm 9 de maio de 1884, por exemplo, a ilustração da Revista fez do imperador um boneco dc marionete, enquanto o texto dizia c^ue também lhe serviria a vestimenta de um moleque de recado. E concluiu: "Essas são as falas do trono, mas o rei se vinga sentando-se sobre os ministros". Por tais razões, entendia-se ejue se as reformas não andavam, era portjue d. Pedro não as queria. Mesmo o revezamento do poder era percebido como estratégia do imperante brasileiro. Era assim que se entendia muitas vezes que, ao entregar o encargo de

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reformas propostas pelo Partido Liberal a políticos conservadores, o que ele visava realmentc era o esvaziamento daquele partido. Hsse esdrúxulo e parailo xal processo — o de as reformas liberais serem feitas por conservadores — er,i motivo de perplexidade para os contemporâneos. Era fato muito comentado, submetido a debates judiciosos ou mesmo tratado de forma jocosa, como n,i sátira dramática de IVança junior. Caiu o niiriiíitcrio, encenada com grande suces­ so em 1883. Afinal, quase todo o encaminhamento da libertaçcão dos escravos foi feito sob ministérios conservadores: a extinção do tráfico, a lei do Ventre Livre c', por fim, a própria aboliçãt). Lm 29 de abril de 1885, diz a Rcx)i^ta: "No Senado tem-se falado muito em revolução. E uma atualidade. O dilema de 1878 está com uma das pontas nas mãos dos liberais que clamam: reforma! L com a outra na dos cons('rvadorcs que berram: revolução!". Lra convicção generalizada que a única perspectiva de progresso para o país estava na execução das reformas liberais. Sem elas, "como a 'nau do Estado' não solta as velas jdas reformas liberais], o país só desliza".'" Um corolário da crítica ao poder pessoal de d. Pedro 11 era o aulicismo que cercava o palácio, o que era tido como resultado de uma das características do temperamento do monarca. Ainda sob o impacto da Revolta do Vintém, a Revista Ilustrada constatou, nt) seu número de 13 de maio de 1880: "há muito que se formou em volta do trono um círculo vicioso de homens maleáveis e dóceis". A distribuição de cargos, benessc's e concessões aplacavam a frustração da elite não dirigente. A d isputa por indicações era acirrada, porque o governo era (í grande empregador, o que fazia do emprego um instrumento de cooptação. Em sua viagem ao Norte do país para contrabalançar a propaganda monárquica do conded'Eu, Silva Jardim (1891:378) deu disso testemunho: em Pernambuco, um homem do povo lhe relatou que um amigo seu lhe declarara que se não fosse por esperar um emprego que dependia do governo, se passaria para o lado republi­ cano. Por outro lado, o favoritismo era gerador de escândalos de corrupção. A Revista Ilustrada esmerou-se em denunciar negociatas e furtos do erário público. O conde d 'Eu foi personagem de freqüência assíd ua em insinuações ou ataques diretos. No caso do roubo das jóias da imperatriz, a Revista, de 26 de março de 1882, trouxe desenhada uma côroa envolta em véus, encimando a frase: "A opinião pública enxerga um poder envolvido nesse negócio". Francisco Cunha (1914:829) exagerou: "o mais forte esteio da monarquia do Brasil é o saque aos cofres públicos".

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A inais chocante figuração sobre o assunto foi a que ocupou as páginas rentrais da Revista no seu número de 12 de maio de 1883, tendo por título "TeaIro político", ou seja, a fala do trono. Veja-se o texto dc uma narrativa ilustrada; Como sempre, coube a S.M. a primeira cantata (...). S.M. esteve, como mandam as instituições que felizmente nos regem, constitucionalmente ridícuio. Nós que andamos por entre os bastidores, tivemos a ocasião de ver de perto o manto imperial. É uma lástima [aparece todo rasgado]! 0 constitucional manto acha-se tão esburacado que já não pode encobrir o Poder irresponsável [d. Pedro figurado de costas]. Por isso vê-se o trono abrigar famintas e áulicas ratazanas e outras coisas que (...) não deveria ver [um cupido flechando o coração do Imperador]. Não admira pois que S.M. tenha assinado a patota monstro Duvivier [o rei aparece com os olhos vendados]. 0 folheto publicado por Saldanha Marinho veio derra­ mar luz sobre o mais vergonhoso atentado, até hoje cometido, contra a primeira companhia de bonds do Brasil [o imperador carrega um saco de 400 mil contos para a condessa de Lages]. Uma carta do senador Otaviano, publicada no tal folheto, descobre a coroa [é retirado um véu de sobre a coroa] e dá a entender que ela é o quartel general das ratazanas copacabanenses [o escândalo que acompanhou a extensão das linhas de bondes para Copacabana]. O conde d’Eu também meteu a mão na cumbuca. Que este caísse... vá. Mas o seu augusto e imperial sogro que já é... velho! (Ver ilustrações 10 e 11.)

hm 1884, referíndo-se ao funcionalismo público, Lúcio de Mendonça (1905:283) verbalizou uma opinião corrente; "é ele numeroso, caro e os emprega­ dos são ociosos". E acrescentou; "enorme massa de consciências aniquiladas, de bocas famintas, de cérebros atrofiados, de espinhas curvas". No levantamento que fez dc manifestações antimonárquicas de monarquis­ tas brasileiros, no segundo capítulo de seu livro sobre a queda do Império, Evaristo de Moraes transcreveu parte dc um discurso efe Silveira Martins, pro­ nunciado a 16 de maio dc 1876, no Teatro Fênix Dramática. Nele, o senacior liberal usava argumentos novos de crítica, próprios da Geração 70, ou seja, reclamava do descaso pelo talento e pelo mérito: Os grandes empregos públicos estão reservados, ou para seduzir ho­ mens importantes nas duas casas do Parlamento, ou para dotar as filhas e regalar os filhos dos magnatas, ou para recompensar a dedica­ ção dos validos, e daí vem que só por um acaso feliz pode uma província ter um administrador capaz. Estudo, inteligência, trabalho, mérito nada valem.

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Ilustração 10

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Bvidcncia-sc nesse discurso uma crítica que se tornou contumaz na nova geração. Lúcio de Mendonça (1914:311) explicitou: “o privilégio, sob as formas mais odiosas, é a substância da monarquia". O regime do privilégio enfraquecia a nação, atirando-a na inércia — para usar um termo recorrente na época — , demonstrando descaso pelo progresso c amolecendo o caráter. No famoso dis­ curso em que o conservador Ferreira Viana cognominou d. Pedro de "César

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. .irk'.ito", denunciava ele: "O Imperador estragou as forças vivas do Pais" pori|ue "a monarquia é pródiga, injusta e governa o País pela corrupção e pela violência".'^ O apelido dado ao imperador e a expressão "forças vivas do país" passaram a frequentar repetidamente a imprensa.

Ilustração 11

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A República consentida

Nessa toacia, clamava-se contra o preterimento de candidatos mais bem sele­ cionados para cargos públicos. Causou indignação a não-nomeação de Martins Iunior para uma cátedra da Faculdade de Direito do Recife, até porque o episó­ dio repetiu-se três vezes, não deixando dúvidas quanto aos critérios e métodos dos governos imperiais. Tinha o candidato contra si uma acentuada militância republicana. Advertiu a Revista na ocasião: “É assim que as instituiçTx's criam os formidáveis adversários".'" Também Rui IJarbosa escreveu no Diário de Notíeiíis, de 24 de agosto de 1889, artigo indignado, explicitando que o preterimento de Martins Junior devia-.se ao fato de ser ele republicano." li voltou à carga um mês depois: "continua, no ensino superior, a preterição das superioridades, friamente imoladas pelo governo ao patronato". ' ' O jornal 0 1’aís, de 3 de julho de 1888, advertindo que "Martins Junior |era] um nome quase desconhecido no sul", reclamou igualmente da injustiça, o que dá a dimensão dr> quanto esse caso escandalizou a elite intelectual da Corte, onde, como tudo leva a crer, era o poeta jornalista pernambucano bem conhecido. Dos escândalos não e.scaparam nem mesmo chefes de governo. Sinimbu foi acusado de envolvimento e.scuso com o Banco Nacional, Cotegipe com um con­ trabando de popelines e até João Alfredo teve seu nome citado no "caso I,oyos"."' Significativamente, a Revista Ilustrada, que tanto apoia ra esse gabinete que fez a Abolição, no ano seguinte definiu assim o termo "loiada": "Capadoçagemnos negócios públicos, ou seja, escandalosos favoritismos de ministros a parentes, amigos e correligionários".'^ Na sua campanha através da imprensa. Rui Bar­ bosa afirmou que "cada passo de defesa do governo no escândalo Loio é um esforço para sair do lamaçal, firmando-se na lama".'" Ou mais contundente: "(...) como ora se está dando, em circunstâncias, que autorizassem a hipóte.se de um pacto entre a coroa e a corrupção administrativa de um gabinete". Coerente com essa mesma linha de atuação política era a prática das conde­ corações que visavam compensar notáveis sem cargos públicos ou agradecer dedicações. No final do regime, principalmente depois da Abolição, houve uma verdadeira enxurrada de condecorações. Daquela data até a proclamação d,i República foram concedidos 180 títulos de nobreza, o que foi objeto de chacotas na imprensa e nas ruas. Rui Barbosa, no Diário de Notícias, se pronunciou contm essa "aristocracia castrada para formar sopranos e contraltos de uma corte ser vil" 20 jqp Parlamento, um deputado entendia "o sistema de concessões como um meio de conservar o regime que ternos".^' O corolário do "imperialismo" de d. Pedro II foi a sensação de vazio de potk-t que tomou a sociedade a partir de sua doença, quando, por acréscimo, desconf ia va-se da competência da regente. Com a viagem de d. Pedro II ã Furopa em bus( a de cura para sua diabetes, , Revista Ilustrada, de IS de abril dc 1887, i-ec lamoii: "natia ac’onicx’e oomue o Imnerador'esl.i dc«‘ntr■ I ' mnlii >ii>i >in>ii .■u/'

A bela paz domestica vai por água abaixo

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Os republicanos avolumaram o fato, dando a entender que o imperador per­ dia progressivamente sua capacidade mental. Dermeval da Fonseca, como cor­ respondente da Gazeta dc Notícias, acompanhou o imperadcir à Furopa, de lá mandando notícias sobre o cstacio de saúde de d. Pedro. Nelas eram evidentes as insinuações de demência. O que a propaganda republicana buscava infiltrar era a idéia de que, sem o poder pessoa I, o “espírito do regi me" ficava atingido. O termo "anarquia" voltou a freqüentaros periódicos. A sensação geral era que a Monarquia estava com os dias contados; ou a tragédia do uma anarquia — o que por si só tinha o condão de reavivar antigos e perenes temores — ou o governo da princesa carola, festeira, melômana, in­ competente e tutelada pelo marido estrangeiro, personagem bem pouco amado pelos brasileiros. A Revista Ilustrada usou cia galhofa: "nos povos latinos, o po­ der moderador de saias não tem provado bem. Orleans tem paixão pela música, sentimento religioso exaltacio, grancie inexperiência de negc')cios".-‘ Fm suas conferências. Silva Jardim fazia longas dissertações scibre os bragança e os Orleans e efiminuía a princesa. A primeira delas, rcxilizacla em Santos, teve como objetivo acivertir para o perigo do Terceiro Reinado. Como estratégia, expôs um quadro de degeneração da família Bragança e dos defei­ tos recorrentes nos Orleans. Fsse histórico foi acrescido da incapacictacle da regente. Mais tarde, em outras oportunidades, repetiría os temas expostos nes­ sa ocasião. Suas teses se resumiam aos seguintes itens: o rei estava "inutiliza­ do para o governo"; o pouco desenvolvimento havido no país durante sua gestão fora obra de forças espontâneas da nação; o monarca herdara do pai "os germens da política reacionária", possibilitando esperanças de opressão; i)s Bragança eram "uma família decaefente e condenada pela fatalidade das leis naturais"; a herdeira "não possui absolutamente qualidacies cie governo"; "famílias privilegiadas" cia Furopa que foram "ciesalojadas pelo novo espírito filosófico e político do século" tentavam ainda assentar-se sobre tronos, como ('ra o caso dos Orleans. Ccámeçou o propaganclista o seu discurso descrevendo os sinais de "insânia" ilo imperacior, sinais que o fizeram perder o prestígicá perante o país. Em um tom mais alto, fechou ele assim seu longo parágrafo: "rei louco é rei morto!...". Fmboi',i a ciência ainda não tivesse sobre o assunto uma conclusãcá definitiva, afirmou ele c|ue não se aconselhava o casamento contínuo dentro de grupos fechados. I). Maria morrera louca. Advertia, então: "cidadãos, cuidado! A lei da hereditariedacie é uma lei fatal. Cuidado com os descencientes de loucos! Cidadãos, os IH)vos não se governam pela loucura dcis reis!". Assim é que os Brag.mça, con liuía, estavam condenaefos não só pela fatalidade hisbirií .1 como l.imbem pela l.ilalid.ide n.iliiral.

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Quanto a d. Isabel, "é-lhe primeiro e original obstáculo o seu sexo", bmboi a houvesse exceções na história, tal não era o caso da "nossa infantil princesa". Com seu espírito fraco se submefia ao marido. Vivia reclusa em "inocentes sa­ raus burgueses", tendo por leitura "gentis livrinhos de missa". Não tinha pro­ priamente um fanatismo religioso, mas uma cievoção "toda de sacristia (...) per­ tence ao clericalismo". Portanto, não era competente para gerir o listado brasileiro, mormente em momento tão difícil. E nes.se diapasão resumia, sob risos e aplausos, o que seria a obra dessa rainha: 0 que eu creio, sim, é que do governo da Regente fique o apuro das belasartes de segunda mão, a perfeição dos concertos, o entusiasmo pelo bailado e pelo piano, os versos de balas de estalo, a indústria dos gela­ dos, o progresso das modistas e dos alfaiates, e a consagração do recitativo como princípio moderador do sistema constitucional,^^

Em seguida, fez uma narrativa desairosa da família Orleans, terminando por afirmar que o conde d'Eu queria ser o imperador do Brasil. Que caracterísficas de personalidade lhe atribuiu? "Papista, clerical, intolerante, belicoso e atrevi­ do, procurando resolver as questões pela força cie sua c>spada". Daí emendou o discurso com a Eei tia Evoluçãcr, que subsfituiu "crenças fictícias por concep­ ções reais". lí para escapar do perigtr do "orleanismo", da "ambição do cernde d'IÍLi", tinha-se que confiar "na grande alma popular para ctrnfer o estadrr de coisas futuras", assim como no Exército. E t'sse norte progrcvssista já estava na tradição brasileira de liberdade. O que se impunha, ptris, era que o povo se reunisse "em nwctin^s, em assembléias populares".-' Outro alvo de críticas ao rc'gime era a centralização administrativa. Ponto antigo da pauta liberal, a ciescentralização era uma estratégia de reforço dos perderes locais, a alma dtr Alo Adicitrnal de 1834, que foi tcrtalmente subvertido pela interpretação de 1840. A c|uestão ficou submersa para reaparecer em 1870 com trs argumentos de Tavares Bastos em A Pnn’íncia, onde este contestou o visconde de Uruguai.-" O Partido Republicano, no mesmo ano, fez dtr federalismo sua principal bandeira retormisfa, sob o dístictr: "cenfralização — desmembramento, descentralização — unidade". Em São Paulo importantes vozes repercutiram em prol de uma "pátria paulista". Províncias decadentes do Norte manifestaram descontenta­ mento. Até mesmo monarquistas perceberam a urgência tia descentralização para a perpetuidade do regime. Uma Monarquia federativa foi a proposta de Joaquim Nabuco e Rui Barbosa, após a Abolição. Em 5 de outubro de 1889, Júlio Verim, o articulista político da Revista Ilustra­ da, lembrou que a Corte "não é positivamente o Brasil". E admoestou: "o estado tio povo brasileiro, vítima de séculos de cativeiro e de centra 1ização, chega a ser

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11 .igico". Sem a federalizaçào da Monarquia seria então melhor para as provín1 las que eJas se separassem, "para o progresso e a liberdade", em vez de se

manterem unidas, "para o despotismo e a miséria". O debate sobre o federalismo voltou com fori;a no final do Império. Era uma bandeira do Partido Republicano que monarquistas buscaram tirar de suas mãos. Tanto Rui quanto Nabuco viam nela a salvação ou pelo menos a prorro­ gação do regime monárquico no brasil. A seção "Campo neutro", de O País, .ilertou que a autonomia das províncias era a mais importante reforma para "defer o passo à idéia republicana e vencê-la". Quatro dias depois voltou à carga com mais ênfase: "Fundar a monarquia popular de 13 de Maio sobre a .lutonomia das províncias é torná-la intangível como o símbolo augusto da unidade da pátria".^'’ Aliás, foi a não-inscrição da federação no programa de Ouro Preto que fez o redator do Diário dc Notícias revusar o convite para com­ por seu gabinete. Entre muitas outras de suas considerações a respeito, cito um jogo de palavras, de força persuasiva: "Ou a monarquia f.iz a federação, ou o federalismo faz a república".-^ Como Nabuco, Rui entendia que com uma monarquia liberal e federalizada, o anseio republicano estaria satisfeito, as­ sim como a inserção americana do país. Além disso, dessa forma se faria a educação republicana e democrática do brasil.’”

As eleições e a representação Um assunto que ocupou os jornais e que deu motivo a seguidas figurações gráficas na Rcvisla Ilustrada foi a crítica aos métodos empregados para se garan­ tir a vitciria do governo nas eleições e os critérios de representação nacional. O Cé)digo de 1842 entregou a fiscalização das eleições aos delegados, todos nomeados pelo Executivo. O pleito se realizava em igrejas e cabia ao juiz, nomea­ do pelo impierador, dirimir as pendências. Apesar desse controle do poder cen­ tral, as eleições transcorriam debaixo de violência, quando os chefes locais des­ tacavam "cabras" — e capoeiras, na Corte — para amedrontar os votantes. Também eram freqüentes a compra de votos e a fraude nas apurações. Em última instância, os resultados deviam ainda ser confirmados. Mas a liberalidade de d. Pedro II era incensada mesmo pelos segmentos que, p)ontualmente, reclamavam de atos repressivos. O tom maior das críticas ficava por confa do recurso à escória social, aos capoeiras, aos vadios, pela polícia. Essa gente atuava especialmente nos períodos de eleição e na repressão aos comícios. As imagens da Revista Ilustrada eram contundentes. Em sua edição de 3 de julho de 1880, os dois partidos aparecem como figuras ameaçadoras de "ca­ bras" empunhando facas e revólveres, enquanto o texto ironizava: "o povo sobe-

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rano exercendo a sua soberania" (ver ilustração 12). No ano seguinte, em 29 de outubro, imagens semelhantes foram completadas por pessoas nas ruas decl.i rando haver recebido dinheiro de candidatos.

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A fama dos capoeiras já correra o país. Em Casa dc pansão, Aluísio Azevedo (s.d.:41) fe/ o protagonista revelar que, "no Maranhão, falavam com tanto as­ sombro dos gatunos da Corte! — os tais capoeiras!". Eles moravam e agiam no centro da cidade velha e eram afeitos a bebedeiras, furtos, vadiagem, desordens e violências. Atemorizavam os cidadãos. Com esses métodos, só muito dificilmente podia o governo perder as elei­ ções, permitindo, aqui, a existência do fenômeno de câmaras unânimes. Mas quando havia reversão, aconteciam as "derrubadas", ou seja, os vencedores trocavam por asseclas seus os detentores dos cargos burocráticos. Esse amesquinhamento da representação nacional esteve sempre no crivo de críticas ao sistema montado pelos "saquaremas", e os próprios conservadores percebiam a necessidade de ampliar a cidadania.

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I' m 1878, d. Pedro compôs um gabinete com a missão de redigir um projeto de Ictorma eleitoral. A idéia era melhorar a representação mediante melhores vo­ lantes. Isso significava questionar o voto do analfabeto. Por outro lado, visava ,1 atender aos apelos por eleições diretas como um instrumento de moralização ilo pleito. Mas as propostas não deviam mexer no espírito da Constituição, o (|Lie implicava a manutenção do censo. Já vimos que tanto conservadores quanlo liberais não estavam dispostos a perder seus privilégios e monopólios. A reforma, pois, não devia questionar a extensão da participação popular, mas lão-somente a moralização das eleições. Uma discussão se impôs: a do voto dos não-católicos, potenciais eleitores qualificados. Pra uma discussão de agrado dos liberais - - Saldanha Marinho ã frente —, que pugnavam pela abolição da união trono-altar no brasil. Uma anti­ ga reclamação que pedia um Pstado laico. Também a restrição do voto dos anal­ fabetos sofreu duras críticas porque, como instavam alguns liberais — não to­ dos —, sem o cidadão ágrafo o colégio eleitoral seria incrivelmente diminuído e não-representativo da opinião pública. José Bonifácio, o moço, gastou na defesa da inclusão dos analfabetos seu excepcional dom deoratória. lira acompanhado por Silveira Martins, Saldanha Marinho e pelo jovem deputado Joaquim Nabuco. Suas preleções enchiam as galerias do Parlamento e seus ecos eram sentidos nas ruas. Mesmo assim, o projeto restritivo passou na Câmara com ampla maioria. O entusiasmo da Rcniistn com o projeto — especialmente porque ele tocava na questão do voto de acatólicos — era prudente. A experiência lhe mostrara que não se podia esperar mudanças muito radicais no país. Nas páginas cen­ trais de seu número de 10 de abril de 1880 fez a narrativa ilustrada do encaminhameirto da reforma nas casas legislativas. No primeiro quadro, o projeto é apresentado, sob olhares repreensivos de senadores, padres e magistrados, enquanto outro personagem, significativamente, comenta: "Vai além dos meus desejos. É tão ultralibéral que parece até republicano". Na sequência, o projeto vai sendo retocado pela Câmara e pelo imperador e sai do Senado com uma forma irreconhecível (ver ilustrações 1 3 e l4 ). A posição de certos republicanos podia ser realmente radical. Francisco Cunha (1914:551) afirmou na ocasião que "eleição livre e monarquia são dois termos em antinomia, incapazes de acomodar nesta forma de governo". Sua argumentação se sustentava em uma contradição inelutável: qualquer reforma seria prejudicial à Monarquia. No limite de pressão, o regime trapaceava. Era como se deixasse de coxear com a perna direita para coxear com a esquerda.

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Ilustração 13

A reforma eleitoral foi uma vitória do gabinete Saraiva, em 1881. Estabele­ cia eleições diretas com voto censitário, não-obrigatório, de alfabetizados, mas incluindo os não-católicos. Entretanto, as exigências para a comprovação de renda se tornaram muito severas. Lúcio de Mendonça (1905:129 e 276) acusou:

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Ilustração 14

"uma lei eleitoral perfeita mente digna desta solene empulhação chamada mo­ narquia constitucional representativa". Ou ainda: a opinião nacional, "que já foi mais do cjue é", reclamou uma reforma democrática, mas os liberais sujcitaram-na a tantas modificações que fizeram uma "obra conservadora".

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Pelo monos, a primeira cleiçcão após a aprovação da lei foi a de maior lisura da história do Império, dando maioria aos liberais e entrada a três republicanos na Câmara. A Rexnsta, ciestacando as inovações, comentou: "Os capoeiras, tris tes pela paz das eleições, consolaram-se quebranclo tipografias e fazendo das suas aos gritos de viva S.M. o imperador". Mas as práticas de coaçtão retomadas voltaram a garantir os resultados desi'jados. No último ano do Império, nosso conhecido Júlio Verim usou os termos "leileão", "cabala eleitoral", "meios ilícitos, "uso do tesouro" para se referir às eleições de agosto de 1889.

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MONARQUIA: UMA COMPARAÇÃO DESIGUAL

Não como estratégia partidariamente definida, mas como uma atuação de fatr), no final dos anos 1880 foi a totalidade, o regime monárquico como tal, qui‘ recebeu um tratamento crítico bipolar pela propaganda republicana. Pôs-se, então, em confrontação um par antitético: monarquia ivrsuíi república, ondeo último elemento apresenta o primeiro de maneira que aquele não se reconhece.^’ Além disso, valendo-se igualmente de uma linguagem retirada das idéias novas, o|ue dominavam o panorama intelectual desde a década de 1870, os mo­ narquistas acabaram por fragilizar sua posição, começando a perder a guerra ideológica e simbólica quando uma outra semântica passou a dar conta da realidade. O uso ca assim ilação do léxico eda semântica do adversário levaram à superação do símbolo antigo. Já no início da década de 1880, Lúcio de Mendonça (1905:86) descredendava a monarquia a partir de pressupostos não habituais;" Ií podemos afirmar que se a monarquia por ignorância (...) ainda tem adeptos (...)". Apoiar a monarquia signi­ ficava, pois, desconhecimento, desconhecimento das leis da evolução. A "Coluna republicana" do Diário dc Notícias, de 29 de julho de 1889, transcreveu um artigo do Província dc São Paulo que, sob uma epígrafe de Darwin, quis mostrar o atraso do regime monárquico, pois perr ele só poderia optar quem "se orgulha[sse] de pensar como pensavam os súditos do faraó". Evaristo de Moraes (1985:45) citou um discurso dc Silveira Martins em que o senador referia-se a um regime cm que o soberano só reinava como "ficção" e tachava os reis europeus de "irresponsáveis" — termos e semântica novos. Com o avanço da década, frustradas as reformas, a crítica passou a visar não os aspectos pontuais do regime, mas sua legitimidade e principalmente seu "oportunismo".'^' A Revolta do Vintém produziu um considerável desgaste na imagem do regime e do imperador. Mas, em 1882, Lúcio de Mendonça ainda via uma adesão popular que era preciso desmontar, como comentou: "O povo

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■imarrada à "escravidão" e a outra à "monarquia", o quadro encimado pelos di/eres; "poder pessoal" (ver ilustração 15).

Ilustração 15

Na Casa de pensão de madame Brizard, um dos pensionistas "não aceita emprego nenhum do atual governo, e espera a ocasião de 'pegar numa espingar­ da c fuzilar as velhas instituições de seu miserando país'". Outros só se referiam "aos homens do poder com palavrões brutais e desabridos". A população das pensões era composta, em boa parte, de pessoas que haviam perdido posições sociais, engrossando o exército dos marginalizados e, portanto, "através dos cerrados negrumes daquela miséria e daquele ressentimento, nada enxergam de bom e de legítimo [no regime]".

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I3uscando justificar a discutida e intrigante atitude de Floriano Peixoto no dia cia proclamação da República, Pvaristo de Moraes — c]ue a presenciou sustentou que o prestigiado militar não quis derramar sangue inutilmente "n.i defesa improfícua de um governo impopular e de um regime cm manifesta deca dência"." P fato assente c|ue Ouro Preto não encontrou quem se dispusesse ,i defender o regime nac^uele momento dramático. Segundo Silva jardim, o que o animou ao combate foi o fato de que "a opinião pública quase geral do país perdera a confiança no tro n o ".P o i ele que mais .se valeu do par antônimo assimétrico como estratégia de persuasão. Introduziu a conferência já citada, "A pátria em perigo", com a afirmação de c]ue duas cerrrentes de elementos opostos se debatiam na nação: as traciições egoístas, aristocrá­ ticas, do privilégio, o espírito de retrogradação, contra os fortes, os novos, os elementos populares efe paz, trabalho, liberdade, fraternictade, progresso e or­ dem, c]ue eram representados pelas pessoas ali reunidas."' Pm outra conferência com o mesmo título foi pela dicotomia c]ue a iniciou: tí'ologia e monarquia 'ocrsiis ciência e república."" Na primeira de suas conferên­ cias realizadas no Rio cte Janeiro, cm junho de 1889, opôs o regime do privilégio, de casta, do passado, ao governo da opinião, do futuro, ligado à tradição brasi­ leira e americana.'” A estratégia persuasiva de explorar uma oposição assimétrica comparativa entre as duas formas de gt)vcrno constitui a estrutura dos capítulos iniciais de seu compêndio sobre o rc‘gime republicano, no que copia o Catecismo republicano, de Alberto Salles, e A República federativa, de Assis Brasil. Buscou escrevê-lo em linguagem simples, como declarou, já que visava a doutrinação da massa. Em 1889, esse livro já estava na 13'' edição e havia sido publicado em diversos jornais do país. Assim é que ã soberania de uma única pessoa, opôs a soberania popular; ao privilégio, a opmião pública (a nação); a um senlior hereditário, um chefe eleito; a um mona rca inviolável, sagrado e irresponsável, um chefe violável, profano e responsável; a um regime que tutela a sua população infantilizada, um outro de um povo emancipado. E concluía dc'ssa forma singela: "Monar­ quia, ruim; República boa: quanto mais Monarquia, mais atraso; quanto mais República, mais progresso"."“' Também sob a forma do apelo emocional. Jardim se valeu da estrutura dicotômica. Ameaçado de morte, realizou a conferência de 30 de dezembro de 1888 na Sociedade Erancesa de Ginástica, onde, desde o início, foi aparteado seguidamente, sofrendo o discurso repetidas interrupções. Na primeira delas, quando da platéia alguém alardeou o talento de Joaquim Nabuco, o propagan­ dista retomou logo a palavra para desafiar a quem fosse, com ou sem falento, a defender a Monarquia, a se dispor a "viver pela monarquia como eu me dispo­ nho aqui a defender a República, a morrer pela República".'*"

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lím sou "Manifesto à província da Ifahia", transcrito na Gazeta de Notícias, l.ilou de um cfuelo entre a tirania e a liberdade." líscrevendo uma serie cie arti;’,os para a coluna "Política republicana” do mesmo jc;)rnal, explicou que seu mluitü ao viajar com o conde d'Pu para o Norte do país foi tentar fazer com c^uc a presença de um agitacior republicano ao lado do pretendente ao trono plantajsse] no cc'rebro popular as duas teses de monarc]uia e de república cm li:ta constante".'De fundamental importância foi um artigo de Rui barbosa, logo no início de sua atuação no Diário de Notícias, em 1889. Avisando que ainda não se bandeara para o lacio republicano, advertia, entretanto, que a monarquia deveria ser ca­ paz cie sustentar uma comparação com a república e não reprimir a propagan­ da. O texto já tinha no seu título uma declaração cie princípios: "Liberdade ou República". Apesar cie longa, a citação c' importante para se ter idéia cios tormos daquele ciebate e cia força que já adcpiirira a idéia republicana: Sustentamos que a propaganda republicana é legítima, legal, benfajeza, e gloriosa. Sua legitimidade nasce da pureza do seu patriotismo; sua legalidade, da natureza de uma constituição, que se declara a si mesma reformável, em todas as suas instituições, pela soberania nacional; sua utilidade, da ação reconstituinte, que as lutas ardentes pela democracia vêm exercer numa sociedade apodrecida pela inércia; sua glória, da filiação, que a liga pelo entusiasmo aos magníficos modelos contemporâ­ neos desse regime peculiarmente americano. Se não suporta o contato destas opiniões, o embate destes movimentos, a monarquia não é digna de existir. Há de mostrar-se tão compatível com a democracia, tão capaz da liberda­ de, quanto a república, se não quer que esta acabe varrendo-a do conti­ nente republicano. Há de defender-se, opondo aos seus inimigos o cará­ ter dos seus estadistas, a amplitude das suas reformas, a distensibilidade das suas instituições. (...)

Mas não se iludam: a monarquia de bandeira branca não se nacionalizará na América. Se quiser cortesãos, e não cidadãos, a dinastia está perdida.^^

A mesma preocupação tinha Joaquim Nabuco. Fazendo de sua coluna, "Cam­ po neutro", em O País, uma tribuna em defesa da Monarquia, advertia para o perigo de não se acreditar na força do republicanismo. Também nesse caso, é relevante dar-lhe inteira voz: Mas a realidade é outra: a realidade é que o partido republicano é uma força que ninguém pode mais destruir, e à qual é preciso que a monarquia

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oponha pelo menos a fé em si mesma. (...). Para fazer frente ao movimcn to republicano (...) é preciso uma política que possa ser oposta à república com probabilidade de prevalecer sobre ela na opinião independente e patriótica do país. Sem essa política, está visto que a república não terá competidor. (...). Depois de ter ganhado as províncias do sul, onde está quase triunfante, ela ganharia com facilidade as do norte, hereditariamente democráticas.

I Vancisoo Cunha (1914:226-228), fazcMido um baiana-o do regime monárquico no Brasil, negou-lhe qualquer benefício, mesmo o da tão propalada paz interna. Para ele, "uma miragem à qual nossos pais sacrificaram a república". Nem garantiu ele a paz externa. A situa iiM -i i l i< l. (

rodou diversas edições extras e recebeu durante bastante tempo solicitações das províncias por maiores esclarecimentos e detalhamento da ocorrência, além de telegramas de solidariedade. O retorno de d. Pedro II ao país cm 1888 deu ensejo a uma aclamação geral: desde muito cedo os bondes desceram apinhados de gente para a cidade engalanada, segundo descrição da Revista, que, na edição de 25 de agosto, afir­ mou: "podendo-se dizer que o imperador atravessou a cidade em meio do um viva uníssono e de uma ininterrupta salva de palmas. (...) a cidade está em júbilo". Mas também é certo que o monarca sofria enxt)valho dos opositores, que se valiam para tanto de um vocabulário malcriado e, freqüentemente, grosseiro. Por outro lado, essa liberdade da imprensa era, com justiça, muito incensada. P polêmico o quanto os contemporâneos sentiam como real essa liberalidade. Pm variados tipos de textos há regulares reclamações sobre certas censuras veladas, indignação com casos de empastelamento e agressõc's policiais a jor­ nais, assim como muito se criticava os "a pedido" oficiosos nos jornais favorá­ veis ao governo. De forma jocosa, ou vazado numa terminologia agressiva e contundente, fezse na década de 1880 a dessacralização da figura do imperador. P como ele era a Coroa, o que se atirava à sua face ri'spingava na Monarc]uia. Sua fama de.sábio, fiUSsofo, astrôiK)mo, artista, poeta, estudioso servia tam­ bém de mote para debocht's. Pra comum — como nos carros carnavalescos — representá-lo de luneta observando as estrelas. Já era de praxe textos, aberta ou veladamente críticos, serem iniciados com os termos "nosso sapientíssimo e imperial senhor" ou "o sábio universal, o memória prodigiosa, o fino políti­ co".^" Na edição de 13 de janeiro de 1883, a Revista noticiou que "os sábios astrônomos de Paris já [haviam recebido] telegramas do mais sábio dos reis sobre a passagem de Vénus". Pm geral, era visto como um homem bondoso e simples. Mesmo a língua ferina de I .úcio de Mendonça amenizou pelos adjetivos a substancialidade do abominável poder pessoal de d. Pedro. Num de seus poemas, caracterizou-o como "Cialígula jogral", como "tirano bonachão".'' A mesma imagem nos deu a Revista: "Sua majestade é um príncipe bonachão". Pm 1886, sendo d. Pedro bem recebido quando de uma de suas viagens pelo país, disso que "o povo, em geral, mostra-se muito monarquista".''’ Na Revista registrou-se uma discordância com os traços de personalidade revelados no retrato de d. Pedro feito por Décio Vilares. Não gostou da figura orgulhosa, recolhida e sombria porque, para ele, o imperador não era tristonho

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nem pensador. St' nao tivesse o pesodoeai>;o, s «t í . i s assumindo um tom mais crítico, no qual «> que aparecia era um desinteresse pela c«‘>isa pública. lím 7 de abril de 1883, d. Pedro foi retratad«) com um Cuide de vo\/age caindo do c«ilo devido ao seu estado de .sonolência, lendo-se na legenda: "o Todo Poderoso cuja indiferença para os negéx'ios sérios do país o povo começa a notar". F.m 28 de julho de 1885, mostrancio o rei à janela, de luneta, reclamava: "a monarquia se ocupa com o que se passa no mundo da lua". ( ) tom da imprensa oposicionista era mais duro. Indignado com a morosida­ de das reformas e o descuido para com os interesses mais imediatos do país. Lúcio de Mendonça exagera alegando que do ano anterior "fica-nos a impres­ são de quem contempla o sono pesacio de um imbi'cil, sacudido às vezes pelas garras do pesadelo: pesada imerbilidade preguiçosa, entrecortada de rara agita­ ção en ferm a".’ A essa figura sonolenta sucederiam, ao final da década, as insinuações de demência. Pm 18 de maio de 1889, a Revista passou a desconfiança de que, cm relação aos boatos sobre o "miolo mole", "il y a quelque chose là". O uso da expres­ são francesa revela talvez certa timidez ou auto-exigênda de recato para tratar do assunto. Atos de desrespeito ao imperador eram notícia. O redator de um jornal cató­ lico se vangloriava de não mais cumprimentar o imperador. O diretor do Liceu

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de Artes e Ofícios só recebia S.M. "em completo dcbniillc: a gravata desatada, chinelo de tapete etc., em sinal de pouco caso". O imperador era vítima conln maz, sem direito de defesa, das brincadeiras dos carros carnavalescos.’’ lissa imagem momesca lembra, aliás, um poema de Fontoura Xavier, que ficou famo st> na época, no qual d. Peciro é tratado de "régio saltimbanco". Fscrevendo seu livro de memórias já no século XX, Medeiros e Albuquerque pode ser tomado como intérprete de outra vertente de análise do caráter e da personalidade de d. Pedro II, neste caso nada lisonjeira. Realmente, no final da década de 1880, os retratos do imperador eram mais sombrios do que lumino sos. Contrário à Monarquia, o jornalista e poeta buscou desfazer as aludidas qualidades do rei, acreditando que, na realidade, o imperador era "um charla­ tão hipócrita”. li reproduziu no seu livro (1982:95) um argumento c]ue se tornou comum: No entanto — caso assombroso — os que possuíam esse incrível museu de perfeições [os membros da família real] não as defendiam, quando eram diariamente atacadas e no dia em que a Revolução varreu fora, espanou, atirou longe toda essa coleção de admiráveis maravilhas, nin­ guém se levantou para defendê-la. Ninguém absolutamente.

Por fim, Albuquerque (1982:106) enfrentou a "lenda que posteriormente se procurou espalhar, e em ejue muita genlt' acredita, de que o Imperador era ou adorado ou, pelo menos, mui to estimado". Garantia elet]ueela "nada tjinhaj de verdadeiro". Aquele que a lenda diz ter sido "cercado de uma verdadeira adora­ ção popular" não teve por si "nem um gato pingado". O testemunho provavelmente tendencioso de Silva Jardim nos dá, por exem­ plo, outra versão .sobre a recepção ao imperaefor quando de seu retorno da Furopa. Diz ele que, no dia seguinte, o que o espantou foi surpreender o "olhar silencioso, frio, inquiridor" do povo. Acrescenta ainda que, logo que o carro do monarca passou, a mocidade dos cafés prorrompeu em vivas à república, a Saldanha Marinho, a Quintino, a Silva jardim e a Popes Trovão. F conclui: "Donde, em face do monarca enfermo, nota-se apatia indiferente do maior nú­ mero, politicamente cretinizado".”’ Silva Jardim, em discurso público, assim fez o retrato do imperador: "Nature­ za essen cialm en te m edíocre, in telig ên cia fraca, caráter irreso lu to, sentimentalidade estreita". Rebateu, em seguida, todas as propaladas qualida­ des de d. Pedro II para terminar dizendo que a arma que melhor manejava era a corrupção. Quanto à sua sabedoria, descreveu-a como a "indigesta memorização de retalhos de erudição científica".Fortem ente abalado com a agressão que sofreu da Guarda Negra em sua fa mosa conferência de 30 de dezembro de 1888, quando escreveu sua "Carta política", no início de janeiro de 1889 subiu o tom

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i]Lianto à caracterização do monarca. Passou a qualificá-lo de "o comodista, o Iledantocrata, o imprevidente, o retrógrado, o cético, o corruptor, o fraco, o hipócrita, o minuciomaníaco, o demente, que apodrece, apodrecendo a Pátria".^“ De qualquer maneira, é significative^ que tenha taxado a popularidade tie d. Pedro de "usurpada e passageira",'"' o que significa que a reconhecia. O que me parece mais veraz é que o imperador fosse benquisto pelo povo, provavelmente em função de sua figura veneranda de pai, ou melhor, de avô. No entanto, a grande agricultura retirou-lhe o apoio quando o sistema deixou de lhe garantir seu monopólio e, ademais, interferiu substancialmente nas relações dentro da Casa. Contudo, até mesmo republicanos indignaram-se com o atenta­ do do dia 16 de julho de 1889. Rui Barbosa traduziu a indignação geral da "imprensa independente" quando reclamou das insinuações de um crime polí­ tico porque isso seria "não conhecer o sentimento nacional em relação à pessoa de Sua Majestade". P terminou incisive': "O país inteiro está de guarda à vida do Imperador".”*’ Mas, graças em grande parte à propaganda republicana, no final de» período a desconfiança quanto a sua capacidade mental tornou-se geral. P o Terceiro Reinado, positivamente, nãe' era do agrado de praticamente ninguém. Quando da viagem do príncipe consorte ao Nc'rte, na indesejada companhia de Silva Jardim, Rui comentou: "Circunstâncias, que toda gente sabe entre nós, envol­ vem hoje a família imperial na mais desastrosa impopularidade; eesta concentra-se intensamente sobre o nome d(' sr. Cc'nde d'Pu".”' Três dias depois, afir­ mou: "Ninguém já se ilude sobre a perpetuidade da realeza entre né's; e bem poucos, se ainda os há, são os que seriamente contam com o terceiro reinado". Indignado com a mudança de atitude dos liberais após a volta ao poder em 1889, lembrou o jornal ista os termos com os quais, da Assembleia de Pernambuco, eles qualificaram o conde cTPu: "escroc", "corticeiro", "especulador ignóbil (...) capaz de vender no balcão da sua usura o torrãc' nativo da esposa coroada".”’ Pvaristo de Moraes (1985:12) exprimiu com mais perspicácia o que seria, na­ quela fase, o sentimento mais generalizado em relação ao imperador: "Havia — é indiscutível — alguma consideração para com o velho Monarca, tido por sábio e generoso. Mas essa consideração ia, já, degenerando em piedade, sentimento que não basta para garantir tronos vacilantes". A veracidade da extensão dt'sse senti­ mento pode ser medida pela análise de Silva Jardim (1978:254): "A piedade não se fará covardia". I’oi da generalizada percepção de que o monarca estava "de miolo mole" que se valeu Benjamin Constant para convencer Deodoro na celebre reunião na casa deste no dia 11 de novembro de 1889. Alegou que "o velho já não regula", que não mais governava, estando o palácio entregue aos áulicos. Aos que o prt'cura-

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vam, diz-se que o marechal insistia na sua afeição pelo imperador; "não deseja va desgostá-lo nem vexá-lo. Mas se é forçoso, paciência"/' Teria mesmoexpres sadoo desejo de carregar o caixão do velho monarca. A filha cie Benjamin, em suas reminiscências, revela que d. Pedro teria mani festado o desejo de falar a seu pai, quando foi decretado o exílio da família real. Diz ela que Benjamin não aceitou o apelo do monarca "porque ficaria muito comovicfo"."'' Aliás a programação do embarque para a madrugada c tida como estratégia cfos vencedores, que temiam a possibilidade de uma reação adversa de populares ou de correligionários da Monarquia. I; bastante conhecido o belo texto cie Raul Pompéia em c^ue descreve a partida da família real. Pxtremamente expressiva foi a interpretação de Quintino Bocaiuva, c»mmaio de1888,sobreaschancc'sdesubstituiçãodo rc'gime. bmcartaa Rangel Pestana, o líder maior do partido referiu-se ao apego do povo brasileiro ao monarca e ao fato de ser, portanto, necessário aguardar sua ausência porque, sem ele, as pes­ soas se sentiriam liberadas. Assim expêxs suas iciéias; "A monarquia não tem raízes entre nós. tá prestígio do imperador moribuncio pode atrasar a nossa causa por muitos anos; porém, morto ele, a emancipação das consciências se fará mais depressa do que a emancipação dos escravos"."'’ A apreciação de Quintino é perspicaz; a desafeição ao regime não atingia a pessoa do imperador. T.t

( li istn nos dois anos finais do Império, escreveu no dia 8 de setembro um artigo comemorativo da independência "Sete de setembro" —, no qual analisa: sempre houve plena liberdade no país, a culpa da escravidão deveria ser atribuída aos partidos, não aos homens de 1822 nem à Constituição, que instituiu uma nação livre, com igualdade perante a lei, diante da qual toda pessoa nascida no Brasil era considerada seu cidadão. Todos os artigos da Carta Magna haviam tentado pôr fora da lei a escravidão, haja vista a abolição do açoite. No mesmo mês, no dia 29, destacou aquele órgão da imprensa a entrega da comenda pontifícia, a "rosa de ouro", à princesa com a "aclamação do povo". Mas certa mente de impacto mais expressivo foi a capa de 28 de julho, que retra­ tava um grupo de negros depositando flores num altar erguido à princesa, altar encimado pelo título "A Rc*dentora". Do grupo se destacava uma mãe ensinan­ do o filho a homenagear d. l.sabel (ver ilustração 17).

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A inidativci real pela Abolição obscureceu o fato difundido do que a liberta­ ção dos escravos era uma bandeira do republicanismo. Embora saibamos da limidez do Manifesto de 1870 quanto à “questão servil",*'^ da adesão de alguns i-scra vocratas àquele ideário — especialmente os agricultores pa ulistas — , para .1 opinião pública, abolição e república eram "idéias avançadas" que se conju­ gavam, ou melhor, que não pod ia m ficar separadas. Imaginava-se que todo re­ publicano fosse, por princípio, abolicionista. Em sua famosa conferência dt* 30 de dezembro de 1888, Silva Jardim (1978:294) lembrou que “o ri-publicano era claramente considerado um abolicionista". A fttrtt' presença de republicanos na campanha, as declaraçéK>s antiescravistas de jornalistas, literatos, intelectuais, pelo menos simpatizantes do republicanismo, davam ensejo a essa impressão generalizada. A lista de personagens públicos que podiam ser incluídos nt'ssa imagem é bastante grande. Eiquemos com os nomes de dois líderes do movimento: José do Eatrocínio e João Qapp. Desde o início da década, das tribunas das conferências pt>pulares no Rio de Janeiro, republicanos se pronunciaram vivamente contra a escravidão e se inscreveram como membros de associações abolicionistas. Os period icr)s que mais se bateram pela libertação dos escravos tinham simpatia pelo republicanismo ou eram vistos como tais: a Gazeta de Notíeias, a Gazeta da Tarde, O País, a Revista Ilustrada. Quintino Bocaiúva — criticado dentro do partido por Patrocínio por sua posição pouco definida — , na "Circular aos srs. eleitores do 1" Distrito do Município Neutro", de 1" de dezembro de 1885, declarou: “Sou também abolicionista na mais genuína expressão deste qua­ lificativo"."' Muitos republicanos exigiam que a Abolição antecedesse a República. Eúcio de Mendonça (1905:230), em 1882, disse que se o Partido Liberal fizesse a “refor­ ma do elemento servil" como prometia, "ter|ia| feito obra maior do que a de todos os governos que tem havido nessa terra".'" Em agosto de 1884, pubi icou interes­ santíssimo artigo, que foi reproduzido na Gazeta de Campinas e comentado no Província de São Paido. Nele, proclamou sua total adesão ao abolicionismo, mas não por ser republicano e, sim, em decorrência de sua condição de cidadão. Entendia como “vergonhosa" a demora na solução da questão, que absolvería o país "dessa longa e tremenda culpa". De qualquer maneira, para ele, o republicanismo era um "promotor do abolicionismo", o que não impedia que existissem pessoas movidas pelo amor à liberdade nos dois partidos imperiais, embora raras. Por isso, exigia a intervenção do imperador, que tinha atitude “nobre, generosa e humanitária". E terminava de forma incisiva: seria um mau agouro para a República brasileira se a Monarquia caísse por uma revolução “ateada pelo escravismo", porque, nesse caso, ela teria sido implantada “por uma obra da injustiça”.'"’

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Entretanto, a adesão de escravocratas ao republicanismo — por má^oa, sen sação de traição ou por vingança — manchou a áurea de idealismo que revesli.i aquele princípio político. A campanha da Revista contra os chamados "republicanos de 14 do maio" foi intensíssima, usando para tanto de todos os seus recursos persuasivos. Al guns republicanos nunca deixaram de gozar da boa apreciação dela, como Saldanha Marinho, por sua luta pela total sccularização do Estado, o que o levou a ter grande participação na "Questão Religiosa"; Lopes IVovão, o ines quecível herói da Revolta do Vintém, visto como um prócer da liberdade, "índole generosa e ardente em que o amor da liberdade é religião".'"’ Mas o mais admira­ do era Quintino Bocaiuva, cujo jornal teve papel ativo no movimento. Era quaseimpossível seu noine aparecer naquele periódico sem receber qualificações como: "imaculada honestidade", "firmeza de suas crenças", "hc>mem de bem”, "brilhantismodoseu talento", "cometa da imprensa".''' Outros também merece­ ram elogios. Como a lista seria extensa, citemos Rangel Pestana, "um dos pri­ meiros jornalistas brasileiros, caráter sério e moderado", e Martins Junior, um "nome que honra a geração moderna".''" A Revista reverenciava a grandeza da idéia republicana e, ecoando um senti­ mento generalizado da época, tinha a Erança como paradigma da liberdade e da civilização. Acontecia ainda haver uma verdadeira adoração pela Revolução Erancesa, aqui comemorada todos os anos. Efeméride que não passava desper­ cebida por quase nenhum periódico. A "marselhesa" acompanhava quase que obrigatoriamente todas as manifestações liberais de rua e, muito especial mente, as de teor republicano. Na edição de 16 de julho de 1881, o periódico transcreveu uma frase que Machado de Assis copiara de um historiador italiano e que fora publicada no jornal Rio de Janeiro. A importância a ela atribuída é sintomático da irmandade de um sentimento que extravasava as fronteiras nacionais. Repetiu Machado: "todo homem tem duas pátrias — a sua e a França". E acrescentou o periódico: "A festa de hoje [o 14 de Julho] é a da nossa própria família, a família da civilização e da liberdade". Certamente, foi por ver grandeza na idéia republicana que a Revista não deixou de repudiar todas as atitudes de republicanos que entravam em contra­ dição com seus princípios ou com supostas posturas que aquela posição política deveria impor. A Revista distinguia o "republicano sincero" o via com bons olhos a estratégia "oportunista". Insistia mesmo no fato de que Gambetta conse­ guira chegar à República, na França, com uma minoria. Mas o mais importante pa ra ela era dar aval a todos os atos liberais. Por isso "também jamais combate­ remos uma reforma democrática, uma conquista da liberdade, só porque não

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\ portunismo, lembrando que Clambetta se unira na França a monarquistas "para extrair uma república". Fra um exemplo a ser considerado: "1’ara republicano ganhar tem que se aliar com quem estiver mais perto de suas idéias. (...) os republicanos animem a sua idéia a descer das regiões lunáticas, para vir habitar essa terra que precisa dela, como de pão para a boca". Fntretanto, o fato e que muito desgostou a Kervsfíí o "oportunismo" usando-se o termo aqui na mesma acepção que vinha sendo dada pelo periérdico dos republicanos que aceitaram a adesão dos proprietários escravocratas, que, a partir do 13 de Maio, se desligaram da Monarquia. Suas matérias, seus termos, suas ilustrações foram, então, retumbantes; "seria vergonhoso para o brasil que o movimento republicano aqui proviesse da libertação dos escravos". A união de republicanos sinceros com "esses despeitados os suja". Atitudes suspeitas do partido eram lembradas: seus jornais estampavam anúncios de escravos fugidos, advogados republicanos defendiam escravocratas, houve conchavo com o governo C’otegipe e muito mais. Naquele momento, por exemplo, não se pro­ nunciavam sobre a questão da indenização."*' Concluía que se era para não se escolher os meios dc* ação "então é melhor ficarimis como i-starnos" porque "de­ mocracia e escravismo são coisas que não combinam"."" O efeito visual de personagens de chapéu-chi le'"’ em conversas, ou em situa­ ções escusas, com pessoas portando barrete frígio era de forte valor simbólico. Nas eleições de abril de 1888, sob o título "A grande pescaria eleitoral", o barco "Abolição" vai carregado de muitos peixes "de todos os tamanhos e cores polí­ ticas", para I erreira Viana, enquanto o "República" só consegue pequenas "sardinhas republicanas e baiacus negreiros", para Quintino. For isso se devia fa­ zer, de agora em diante, de Tiradentes um mártir da República e não da Monarquia. Quanto a Quintino não precisava ele de se submeter a tais humilha­ ções, não precisava ele do Parlamento, porque tinha outra tribuna: a de O País."” Na ilustração de 2 de junho do mesmo ano, lavradores trocam seus chapéuschile pelo barrete frígio, enquanto são apresentados os "novos cidadãos" — os negrew. Nas páginas centrais do número de 16 de junho, Saldanha Marinho conversa com um sujeito de chapéu-chile, que lhe recomenda que, estando os

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lav^radores despeitados com a Monart]uira então "uma boa ocasi.io para lançar a rede", apesar de as águas serem "turvas" e o fundo "de lodo". No quadro seguinte, lavradores e bacharéis da roça vociferam contra a Monarquia. O texto ironiza; "Quem sabe eles supõem que a República [uma mulher de bar rete frígio] é que vai engraxar-lhe a bota? Que grandes pândegos!" (ver ilustra ção 18).

Ilustração 18

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Mais contundente foi um quadro de 21 de julho que mostrava Cotegipe so­ nhando em passar o projeto da indenização. Ornado com um barrete frígio, era carregado nos ombros do povo e proclamado presidente, carregando a bandeira "República e Escravidão". Acontece cjue a Revista se tornara uma fervorosa propagandista do governo João Alfredo c incomodava-lhe qualc[uer ato que pudesse desestabilizá-lo. As­ sim, quando estourou uma agitação republicana em São Paulo, ela a classificou como "um sarampo republicano, que a liberdade dos escravos fez aparecer na pele dos que não podem tragar o 13 de maio". Porque a Revista não se confor­ mava: se o governo estava "fazendo política adiantada (...), por que o partido rt>publicano aumentou e agita-se"? Perguntava-se de onde tinha vindo "essa

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lc'j;i.i() t|ui' la/, manifestos a na ri|uistas com erros de gramática e que os assina de >ni/ [referência os positivistas ortodoxos]". A eles se juntavam "as classes para■alas (...), que vêm nos ensurdecer com sua marselhesa do socialismo, da anar­ quia e da guerra civil". Mas como "o país está prcíspero", o "Zé Povinho" daqui I.iria como o dos Pstados Unidos, que surpreendeu os escravistas do Sul quando estes já cantavam vitória: "Aqui acontecerá o mesmo".“’“’ Com o advento do ano de 1889, mas antes da ascensão do gabinete Ouro I’reto, a continuação e mesmo a exacerbação do clima de agitação política deses­ peravam a Revista, o que vimos particularmente com a parábola de introdução u seu ataque qualificando o movimento republicano de "plutocracia infrene". A ele se contrapunha a "ver­ dadeira democracia brasileira, que é o povo de pé no chão". Jardim debateu-se em busca de defesas. Esforçou-sc por mostrar a presença de proletários em seus comícios. Esgrimiu teses como as de que o conceito dc'3" Estado não servia mais para definir a categoria "povo". Povo, agora, éramos "tt)dos nós". Mas encerrou seus argumentos dc maneira consistente; se havia poucas pessoas do 3 "Estado em seus mcetinf^s, isso se devia ao fato de que, no brasil, ele "sempre foi pequena parte em todas as nossas agitações políticas"."" A certa altura, nessa mesma conferência, bradou com vcxmiência, sendo aplaudido prolongadamente de pé, enquanto senhoras acenavam com lenços: "O abolicionismo que se desvia para a monarquia é a mais vil escravidão e a mais indigna cscravocracia!".''' Em resposta a um discurso de Joaquim Nabuco proferido na Câmara em 22 de setembro de 1888 — e publicado no Correio do Povo em 21 de outubro de 1889 —, Jardim reuniu uma conferência-/?/ccf/HÇ na noite do mesmo dia. Começou repetindo uma frase de efeito que fazia sucesso; "Não, os republicanos que pertencem à classe agrícola não são republicanos, como ainda hoje se afirmou, por causa da abolição da escravidão; e sim, como o elucidou um eminente com­ panheiro nosso, depois da abolição da escravidão", qi crendo com isso dizer.

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piov.ivolmonte, quo, iipós publicanos"."'’ Rebatendo teses de que a Revista parecia destacada porta-voz. Rui advogou que a lei de 13 de maio não fora obra de nenhum partido, nem da Coroa, mas uma conqu ista p o p u lar."" Quanto à adesão dos escravocratas ao republicanismo, garantiu que "essa contribuição não o desmerece" e que "se a agitação republicana fosse só obra do despeito, a monarquia não teria o que temer". Nesse artigo, com o significativo título de "Origens republicanas" (1947, t. 1,p. 136-144), explicou: Pintar o movimento republicano, que agita a opinião nas províncias mais viris do império, um fruto do ódio negreiro é levantar o mais clamoroso de todos os falsos testemunhos à história política do país. Os abusos de que a monarquia viveu, de que fez tradição, e que, afinal, a impopularizaram são a verdadeira nascente dessa reação vigorosa, que encontra os mais sérios pontos de apoio na consciência ofendida da nação. Não descobrindo outra mácula que irrogar a essa agitação, seus inimigos 0 que fazem, é confessar a própria impotência e a seriedade daquele

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0 fermento republicano cresce com espantosa rapidez [em Minas Ge­ rais]. (...) não merece [Minas que recebeu d. Pedro I “com dobres definado”] a gratuita afronta de a supormos bandeada contra as instituições por baixas ganâncias do escravismo. S. Paulo, o Rio Grande do Sul, o Rio de Janeiro, a corte, o Recife estão superiores à injúria, que passa sobre a propaganda republicana para ir ferir no rosto os melhores sentimentos da população brasileira.

Mas a e até mesino alguns republicanos, achavam que a República podia esperar a Abolição. Raul do Valle, articulista daquele pc-riódico, citou o pernambucano Martins Junior, que, com suas "idéias avançadas", recomenda­ va o voto no monarquista Joaquim Nabuco."' ( Jutro ponto de prestígio pa ra o regime, em 1888, ft>i a setisaçãr) tie prosperida­ de que a política emissionista do governo provocou. A Revi^tn insistia em que, diferentemente do mau agouro dos que temiam a Abolição, o país estava "próspe­ ro, feliz e indiferente a esses baixos mane'jos"."’^Acreditava-se mesmo que, com a Abolição, se repetiria aqui o fenômeno norte-americano de prosperidade após a (iuerra de Secessão. O gabinete João Alfredo conseguiu um vultoso empréstimo externo, que revelou sua eficácia no aumento da circulaçãoe do crédito bancário. Nesse clima de euforia econômica, assumiu CJuro Preto, que converteu parte da dívida externa e, confiante na estabilidade do câmbio, concedeu faculdade emissora sobre lastro ouro a bancos do Rio e São PauK). O capital das sociedades anônimas elevou-se enormemente de maio de 1888 a novembro de 1889.0 plano de reformas financeiras do último gabinete deveria se fechar com empréstimos do Tesouro à lavoura, o que a proclamação da República impediu. A paridade cambial foi sempre tida, no Império, como um termômetro de saúde financeira, embora, na realidade, nem ela nem a facilidade de crédito possam expressar a verdadeira vitalidade econômica de um país. Da euforia dos anos finais do Império caiu-se na armadilha do "encilhamento" durante a República. De qualquer maneira, a impressão generalizada era a de prosperidade. A rapidez com que se abriam negócios novos e se faziam fortunas, no entanto, causava estranheza e até mesmo indignação e apreensão em alguns, que chega­ vam a comparar o país a uma banca de jogo. No final de 1888, em pouco tempo houve um conflito em São Paulo, uma moção do Club Militar, "que muitos consideram uma exorbitância", e um con­ fronto com Deodoro. Como no caso do incidente com Puclides da Cunha na Hscola M ilitar,'tam b ém aqui a Revista minimizou os problemas, pois não via "questão militar possível" porque o governo era bom. Diante dessa agitação, o articulista pedia calma, porque tudo ia bem: os capitais estrangeiros afluíam.

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.issim como os imigr.mlcs c "mil indústrias novas sc‘ c-sl.thcUs |i.nn |no |)ais”. I! concluía; "H um quadro novo c deslumbrante. Quem cjuerera somhi e((mi .i queda doconservador João Alfredo, disse-lhe que a rc'públic,i j,i se lorn.ii .i mr\ i

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tável. O que devia fazer o monarca, na sua opinião, era promover a federac^ão e, em seguida, abdicar da Coroa, entregando-a ao Parlamento. Rui, como já vimos, via na institucionalização da federação a única forma de “dilatar os dias il.i realeza”. Com a recusa do imperador, o jornalista falou em “monarquia suic i c ta ".'D ia n te do programa do novo gabinete, ameaçou: sairá “antes do que se propunha a revolução republicana"."’ A Revista analisou os erros do governo, dizendo que o Partido Liberal, com seus auxílios à lavoura, se juntava ao Conservador, “ficando finalmcnte o pais dividido em dois partidos, o monarquista e o republicano, o que era bem preciso e constituía já assinalado triunfo para esfe". No enlanto, o dinheiro destinado a comprar consciências teria "um resultado oposto“.'" Segundo o periódico, o poder não linha "apoio popular". Só membros já tradicionais do Partido Libe­ ral, com Nabuco e Rui à frente, pedindo pela federação, tinham "talento para impressionar a opinião pública".' *' O que se registrou nos dois últimos anos da Monarquia foi a intensa politização da sociedade da Corte. Com a apresentação do programa de Ouro Preto e dos fatos ocorridos na Câmara, Rui exclamou: "O aspecto da capital é inenarrável. (...). As ruas borbulham cie alvorerto. A política invadiu todos os colóquios, emudc'ceu tocias as preocupaçõc's. Não se crê no que se acredita".' ^ De acordo com a Revista, pelas ruas se ouviam grandes argumentaçõc's para defender ora o ministério conservador, ora o liberal, ou o triunfo republicano. Sua redamação nos esclarece sobre os temas corric]ueiros das conversas cie rua e das confeitarias. Assim descrevia oambienteem seu número de 18de maio de 1889: “política na rua, nas conversações, nos bondes e até nas cozinhas! Ne­ nhuma preocupação pela literatura, pelas artes, pelcT movimento científico, pela polífica c'strangeira. (...) A rua cio Ouvidor, com esta saturação, está quase inabitável...". A adc'sãü maciça da opinião pública à Abolição fez com que poucos ainda tivessem a coragem de se dc>clarar c>scravistas. De c]ualquer maneira, aquele foi um movimento que teve um caráter rcrmântico, idealista, humanitário. Agora, o quec'stava nas ruas era a propaganda republicana, movimento intrinsecamente político, para derrubar não um governe^ mas o regime*, para afastar não um presidente de Conselho, mas para ciestronar o velho imperador. Com o monarca incapaz, de um ladc:> da trincheira, e a virulência da campa­ nha republicana que tinha em Silva Jardim seu tambor maior, de outro, a sensa­ ção era de anarquia. A palavra aparecia constantemente, mas com sentidos diferentes. Para a Revista, a anarquia se tornara um partido, e o mais forte do país, cindindo os monárquicos c "agora se aninhou no partido republicano". A confusão estava instalada: "ninguém mais se entende em política", em função de um "fermento dissolvente" que apa eceu em 14 de maio. Portanto, anarquia.

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Ilossf caso, significa confusão de espírito e agitação: "Uma corrente tumultuosa ik'adesões se dirigiu para o lado republicano, por c5dio à coroa (...), asfixiando o iiieal puro desses grupos, o dando a todos uma tendência anarquista". Não cra , l l \ t

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o p ro jo to lib c m l. C) p o d e r aincentravín-se, de Fato, nas in s titu iç õ e s vitalícias: o Sena­ d o e o C onselho de lista d o . O que é in d is c u tív e l é que os m e m b ro s da burr>cracia de Rstado, em geral, fo rm a v a m um co rp o hom ogêneo de pessoas m u tu a m e n te so c ia li­ zadas, pelo tre in a m e n to e pela educaçtão s u p e rio r (C a rva lh o , J. M ., 2003). Os conser­ vadores abocanharam o E xecu tivo seg u id a m e n te p o r 26 anos, de 1848 a 1878, salvo nos q u a tro anos d o p e río d o " lig u e ir o " , nr> qu a l estiveram presentes de certa fo rm a p o r m eio de sua dissidência. 3 A p u d I lo lan da , 1085, t. 2, v. 5, p. 256. 4 Do P artid o C o n s e rv a d o r saiu uma di.ssidência — com N a b u co de A ra u jo , Zacarias de Coes, S in im b u , Saraiva e Paranaguá

que se u n iu à ala m oderada do P a rtid o

Libe ral para fo rm a r a Liga Progressista em 1862. A ssu m iu esta o gabinete com uma pa uta tím id a de reh rrm as. Em 1868, os "e m p e rra d o s " d o P a rtid o C o n s e rv a d o r retorn ara m ao po de r. Os " lig u e iro s " passaram então para o P a rtid o Liberal, que se c in d iu em P a rtid o L ibe ral Radical e N o v o P a rtid o lib e r a l. Sua ala m oderada. For­ m ada pelos lib e ra is histó rico s e os di.ssidentes con.servadores, fo rm a ra m o C lu b da Reform a, em 1868, núcleo do no vo P a rtid o lib e ra l. O p ro g ra m a deste foi um a lu ta contra o "a b s o lu tis m o ", isto é, contra o p re d o m ín io d o E xecu tivo, pela aboliç.ão d o l\) d e r M o d e ra d o r, extin ção g ra d u a l da escravidão e a m p lia ç ã o da representação. Para eles, a situa ção vive n cia d a pe lo país po d ia ser re s u m id a no d ile m a : "O u a R e fo rm , 1 ou a R e volu ção ". A ala m ais ra d ica l do I’.ir tid o L ib e ra l fo rm o u o C lu b Radical, que tro u x e de volta ao debate p o lític o o p ro g ra m a lib e ia l da Regência: federação, abolição , supressão do C o n se lh o de Estado, dr) P oder M o d e ra d o r, da C u a rd a N acional e da vita lic ie d a d e d o Senado, eleiçãt) para presidentes de p ro v ín ­ cia e cargos na po lícia , vo to d ire to , e n sin o liv re , lib e rd a d e de c u lto , justiça in d e p e n ­ d e n te e p ro ib iç ã o de se o c u p a r, s im u lta n e a m e n te , c a rg o s p ú b lic o s e e le tiv o s (Brasilien.se, 1979:,36-37). 5 "Q u e stã o " era um te rm o usual naquela c o n ju n tu ra p trr im ita ç ã o da te rm in o k ;g ia em voga na E uropa, onde se tratava , p o r exe m plo, da Q ue stã o d o O riente. M esm o a.ssuntos banais recebiam essa con fig u ra çã o . Ealava-se em "q ue stã o s a n itá ria ", em "questão do o u ro " (com referência ao pa d rã o m etálico), em "q ue stã o o p e rá ria " e até m esm o na "q u e stã o dos vin h o s d o P o rto ". 6 A p u d I lo lan da , 1985:75. 7 Para a teoria re p u b lica n a do século X IX séi havia duas Formas de governo: a m o n a r­ qu ia e a república. Pela estratégia c o m p a ra tiv a , in sistia m em c]ue toda mt>narquia era absoluta, p o rq u e repousada na fig u ra d o rei, declarada sagrada, in v io lá v e l e in im p u tá v e l. Esta ú ltim a característica era b ra n d id a freqú en te m en te pelos re p u b li­ canos para d e m o n s tra r a su p e rio rid a d e da opção deles, ou seja, o chefe de Estado, na m on arq uia , além de h e re d itá rio , era "irre s p o n s á v e l". E xplicava Assis Brasil (1888:25): " O rei é irresponsáv'el p o rq u e o rei não p o de com eter crim es, aind a que os com eta, supõe-se que não com eteu p o rq u e o rei é um a ricçÃo, — sim b o liz a a le i". 8 Ex-política. Rcoista Ilustrada, 15 m ar. 1887.

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9 José M u r ilo de C a rv a lh o (2(103:234) chu a ali-nc^ào para esse pa rad oxo, re le riii do-se à n m b ig ü id a d e dos re fo rm is ta s brasileiros, que, ao m esm o tem po que exij',i am a d im in u iç ã o da in te rfe rên cia d o Hstado, da cen fra lização , a exfinção d o 1’o ile i M o d e ra d o r, re co rria m a ele para a ab olição da escra vid ão, para a im ig ra çã o , p.n.i contratos de tra b a lh o , crédih)s agrícolas ou proteção à in d ú s tria . 10 Revista Ilustrada, 19 ago. 1882. 11 A p u d M oraes, 1985:44. 12 A p u d M oraes, 1985:46. 13 Pequenos ecr)s. Revista ilustrada, 29 set. 1888. 14 Faculdade d o Recife (Barbosa, 1947, t. 5, p. 250). 15 Fischio! (Ib id ., t. 6, p. 99). 16 A falência d o Banct) N acional em 1879 foi declarada fra u d u le n ta , mas o processo contra S in im b u foi engavetado sob a alegação do d ire ito d o senador a fo ro p r iv ile ­ giado. Fim 1877, o barão de C o te g ip e foi acusado de ter .sociedade cr)in um con fe­ rente da alfâ nd eg a in d ic ia d o n u m co n tra b a n d o de po pe lin es. Hm 1888,

g o ve rn o

foi acusado de transação fabuU)sam ente lu cra tiva com a firm a Hoyos, cujo chefe era lig a d o à fa m ília do presidente d o conselho. Por isso m esm o, o m in isté rir) caiu em 1" de ju lh o de 1889. 17 Harpas

à

meia vo lta . Revista Ilustrada, T I ju l. 1889.

18 A p it)r (Barbo.sa, 1947, t. 2, p. 13). 19 A m oléstia d o im p e ra d o r (Ib id ., t. 3, p. 136). 20 A p u d Sodré, 1966:274. 21 Sc‘ara in g ra ta . Reidsta Ilustrada, 21 set. 1889. 22 Lispécie de cn in ica s. Revista Ilustrada, 12 m>v. 1887. 23 A pátria em p e rig o (Jardim , 1978:71). A s citaçiães a nteriores foram retiradas da p. 48. 24 A idéia de q u e um g o ve rn o de d. Isabel s ig n ifica ria um re to rn o ao ab.solutism o, ao cerceam ento das liberdades, em fu n çã o das tendências d o conde d'H u estava d ifu n ­ d id a . C o n tra esse p e rig o. Rui Barbosa encetou sua cam panha d e m o lid o ra no

de Notícias.

Diário

A lia v a ao a d ve n to d o T e rce iro R einado as repressões po liciais: "p o rq u e

os nossr)s con cid adã os estão ca in d o , fe rid o s pelas balas de q u a d rilh a s in su fla d a s com a senha d o terceiro re in a d o " (V iv a à rainha, Barbosa, 1947, t. 2, p. 66). T am bé m através desse m o n a rq u ista se re fo rça ra m as teses cx>rrentes que e n v o lv ia m a m o ­ léstia d o im p e ra d o r. E xplicava ele q u e degradações físicas eram fatos triv ia is nas fam ília s reinantes, especialm ente na portuguesa. P o rta n to , a ascendência im p e ria l b ra sile ira estava fa m ilia riz a d a "c o m o am a rgo d e stin o da lo u c u ra " (A m oléstia d o im p e ra d o r, Barbosa, 1947, t. 3, p. 161).

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25 lim A l ’nn’iiicln, l a v a rfs Baslos de fe n d e u a descentralização a d m in is tra tiv a con tra as teses expostas p o r P a iilin o José Soares de Sousa, o visco n d e de U ru g u a i, um dos próceres da "1 'rin d a d e Saqüarem a", no seu

F.nsaio sobre o direito administrativo,

de

1862, onde ad vog a a excelência da ce n tra liza çã o p o lític o -a d m in is tra tiv a do m rid e lo im p e ria l b ra s ile iro . 26 C a m po n e u tro (N a b u co , O País, 20 e 24 nov. 1888, respectivam ente). 27 Federação (Barbosa, 1947, t. 7, p. 55). 28 Cíampo n e u tro (N a b u co , O Pais, 20

24 nov. 1888).

29 Criãnicas flum ine nses. Rcvisla ilustrada, 30 set. 1881. 30 Os pares a n tô n im o s assim étricos são de g ra n d e efeito re tórico. A teoria sobre eles é uma preciosa c o n trib u iç ã o de R. K ose lleck à h istó ria dos conceitos. A o vo cá b u lo "m o n a rq u ia ", os re p ub lica no s p ro c u ra ra m exilar noções com o de-spotismo, a b so lu ­ tism o , atraso, irre s p o n s a b ilid a d e , c o rru p ç ã o etc. já a p a la v ra " re p ú b lic a " tin h a com o term os lim ítro fe s dem ocracia, fe d e ra lism o , ig u a ld a d e , talento, m é rito , p ro gre.sso, cid a d a n ia , am e rican ism o . O s ju lg a m e n to s d u a lista s lib e ra m e lim ita m as experiências e exp ectativa s p o rqu e se situ a m num a perspc'ctiva histórica. A c]uestão fu n d a m e n ta l é que a o p e ra tiv id a d e d o conceito de re p ú b lica deu a extensão do v a lo r sem ântico de representação da re a lid a d e que o te rm o c o n tin h a (K oselleck, 1990, parte 3, cap. I). 31 "O p o rtu n is m o " na d o u trin a de C o m te s ig n ific a saber pr-sar o m o m e n to s o c io ló g i­ co para m udanças nei essárias — p o rq u e e xig id a s pela socic'dade nu m d e te rm in a d o estãgio social da e vo lu çã o — ntra a Mr>narquia (Jardim , 1978:274). 53 As reform a s im p e ria is (C unha, 1914:551). .54 Apão lib e ra l (Ib id ., p. 487). 55 Ação de m o crá tica (Ib id ., p. 491). 56 N unca s e rviu . Revista Ilustrada, 6 ju l. 1889. 57 lár. José M a rc e lin o de S ou /a, e x-d e p u ta d o do 12*-’ D is trito {Diário de Notícias, 20 ago. 1889). ,58 F se a M o n a rq u ia ncão quiser? (Barbt)sa, 1947, t. 2, p. 223). .59 O d ire ito de re u n iã o (Ib id ., t. 1, p. 99). 60 A República pela M o n a rq u ia (M en do nça, 1905:17). 61 A M o n a rq u ia dem ocrática (M e n d o n ça , 1905:28). O e p íte to de h e rm a fro d ita d a d o à M o n a rq u ia co n stitu cio n a l baseia-se na idéia de que só há duas form as de g o vern o: a M o n a rq u ia ou a República, te n d o cada uma delas seu lu g a r na histó ria . A M o n a r­ quia rep rese ntativa ou "te m p e ra d a " seria uma form a tra n s itó ria , um d e gra u in te r­ m e d iá rio da evo lu ção entre o a b so lu tism o — inerente ao regim e m o n á rq u ic o — e a R epública. 62 "T reze de m a io ", a rtig o p u b lic a d o na Gazeta de Notícias, de 13 de m aio de 1889 (Jardim , 1978:353-3.54). 63 S oldado em g u a rd a (ib id ., p. 239). 64 U tiliz o a q u i os term os que R ui Barbosa a d otou para d e fe n d e r a va lid a d e co n te m ­ porânea d o re g im e m o n á rq u ico , desde que optasse ele pela dem ocracia, c o n fo rm e

A hcla paz doincslica vai poi apna al>ai\o

’ l'i

c ita d o no c a p ítu lo 2 deste liv ro ; "b astava um a im a ge m , um sin ,tl, um a form a, uma som bra vã, u m s im u la c ro ". 65 A situação (M e n d o n ça , 1905:232). 66 A revo lu ção de Paris (C unha, I ’., 1914:187). 67 O rg a n ize m o -n o s (Ib id ., p. 197). 68 A p u d 1lo la n d a , 1985:257. 69 M arlin.s, 1977, v. 4, p. 2,57. 70 Revista lliisiradn, 30 set. 1882 i' 14 tev. 1880. 71 A um ticiuuütr do huficrio (M en do nça, 1889). 72 Rcoi^tu Uuílrada, I I m ar. 1882 e 15 ju l. 1886, respectivam ente. 7.3 C rô n ica s flu m in e n s e s . Rroi^lu lluslindn, 26 m a io 1883. lissa fam a, e n tre ta n to , m a n ­ teve-se até o fim . lim m a io de 1889, R u i barbosa (1947, t. .3, p. 135) re s u m iu a atuação d o m onarca; "C o rro m p e r os carai ti-res, as corporaçrães, as classes era a sua especialidade, e v ita n d o embates e m ares revolU )s". 74 M endonça, 1905:279. O a u to r ,se reteria ano ile 1883. 75 Rcídsiu lluslniílíi, 7 fev. 1880, .30 no\'. 188,3, 11 teve 188 3 1 * 29 tev. 1884, respectivam ente. 76 A cefalia governam enl< il (|i o único local que assistiu a esse tipo de manifestação. No vale do Paraíba, uma comissão de libertos pediu, em abril de 1889, o apoio de Rui Barbos.) para denunciar o nãocumprimento da legislação do Fundo de Fm.mcipação de 1871, i|ue destinava parte do imposto à "educação dos filhos dos libertos". F a.ssim terminav.t a missiva: "Para lugir do gr.inde perigo que corremos por falta de instrução, vimos pedi-la para nossres filhos e para que eli‘s não ergam mão assassina para abater aqueles que querem a República, que é liberdade, igualdade e fraternidade" (Flávio Go­ mes, 1'olfia dc S. Paulo, 23 nov. 2003. Gaderno Mais!). I 17 Rcoísta lliisirada, 1 set. 1888. 118 A república do despeito. Rcoísta lliisiradn, 8 de/.. 1888 119 Quando de uma visita do ministro da Guerra à Fscola Militar, em novembrr) de 1888, Huclides da Cunha "saiu da forma .sem licença e atirou ao chão a carabina e o sabre-baioneta, depois de o haver procurado quebrar" (conforme a notificação oficial retirada de Castro, 1995:147). Para contornar a situação, ele foi levado à enfermaria da escola, alegando-se oficialmente que seu .ito fora efeito de um excesso de estudos. Mas, em seguida, foi preso e expulsr) da escola. Passou então a escrever no Província dc São Paulo, numa seção intitulada "Questões sociais", onde publicou importantes artigos do caráter republicano e socialista. Retornou depois ao Rio de Janeiro para formar-se como engenheiro. O incidente de sua rebeldia na Fscola Militar foi descrito na Gazeta de Nolícias e comentado em outros órgãos da imprensa. 120 Calma. Revista Ilustrada, 8 dez. 1888 121 Reflitamos. Revista Ilustrada, 15 dez. 1888. 122 Aurora. Revista Ilustrada, 5 jan. 1889. 123 Apud Carv.tlho, J. M., 1991:31.

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A República conscnlitla

124 Nova fase? (Mendoin;a, 1905:91). 125 Carta política ao pais e ao Partido Republicano (Jardim, 1978:325 e 327). 126 Cartas ao Zé Povinho. Revista Ilustrada, 27 jul. 1889. 127 Apud Silva, 11., 1972:499. 128 De maio a abril (Barbosa, 1947, t. 6, p. 268). 129 A política. Revista Ilustrada,

5

out. 1889.

130 Seara ingrata, de Fomé jr., publicado na Revista Ilustrada, 21 .set. 1889. 131 A soluc;cão Saraiva (Barbosa, 1947, t. 3, p. 220). 132 O novo gabinete (Ibid., p. 228). 133 Nunca serviu. Revista Ilustrada, 6 jul. 1889. 134 Dissidência do talenU). Revista Ilustrada, 22 jun. 1889. 135 O ministérir) (Barbosa, 1947, t. 3, p. 243). 136 A anarequia. Revista Ilustrada, 1 jun. 1889. 137 O direito de reunião (Barbo.sa, 1947, t. 1, p. 69). 138 Reagir pela vida (Ibid., p. 47). 139 Cartas ao Zé Povinho. Revista Ilustrada, 27 jul. 1889. 140 A política. Revista Ilustrada, 25 maio 1889. 141 As eleipões. R eú sta Ilustrada, 7 set. 1889. 142 Nossos ídoli>s (Barbosa, 1947, t. 1, p. 340-341). 143 Instituições e príncipes (Ibid., t. 2, p. 210). 144 Plano contra a pátria (Ibid., t. 8, p. 82). 145 Introdução de Hermes Lima (Barbosa, 1947, t. 8, p. XIV). 146 Seara ingrata. Revista iiuslrada, 21 set. 1889. 147 Cartas ao Zé Povinho. Revista Ilustrada, 31 ago. 1889. 148 O Exército banido da lei (Barbosa, 1947, t. 8, p. 106-107). 149 Como há dez anos. Revista Ilustrada, 28 set. 1889. 150 Eléú Pontes, apud Sodré, N. W., 1966:276. 151 Discurso do Sr. Dr. C. Garcia (Jardim, 1978:75). 152 Segundo A. Comte, a França tinha para os povos latinos um papel de Republica central, destinada que estava, por sua maior espiritualidade, a ser a alavancailor a da civilização futura de fraternidade universal.

A bela paz tiomesliea vai por agua abaixo

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153 A apropriar^ao da teoria revolucionária de A. Comte e as citagões do parágrafo anterior estão em "A pátria em perigo" (Jardim, 1978:85). 154 Todas as cita(;ões relativas à conceprjão de Silva Jardim sobre a revolu(,ão foram extraídas de sua conferência "Salvação da pátria" (ibid., p. 135-139). 155 Ibid., p. 137. A idéia de que a compressão politica era a responsável pela revolu­ ção tinha adesões num espectro mais amplo do que o dos positivistas. Sem se valer da noção ile "oportunismo" social, também Rui Barbosa advertiu "que as revoluções são a terminaçãr) normal, o corolário humano, a reparação necessá­ ria e a justa sanção do desprrtismo". Ver Responsabilidade dos reis (Barbo.sa, 1947, t. 2, p. 121). li de forma mais alarmante, perguntava: "I lerdeira des.sa situação |da agitação provocada pela repressão] quem o será? (...) Sua alteza, ou a repiibliética. Em seu poema Consórcio maldito/ se aincia se figura a nação na chave do paren­ tesco, trata-scç porém, de um casamento sem nenhum ponto de convergência com a parábola da Revista Ilustrada. Para Lúcio, entre o Estado e o povo a relação é cie exploração, de desprezo o de fingimento. A "perfídia" ciue há aejui é traição porc]ue o desejo do esposo-Estado se dirige à Igreja. Mas, se em 1888 a Revista falou em união, não foi assim que ela percebeu a repressão à Revolta do Vintém. Naquela ocasião, levantou um protesto contr.i "o cordão sanitário entre o povo e a coroa" que a polícia estabelecera, interpe­ lando "Sua Majestade", que "decerto não sabe é que a nação não se personifica nos lisonjeiros da corte". Acontecia que aquele governo estava "divorciado da opinião pelos seus desmandos".^ Eis aí outro termo — divórcio — que remete igualmente à idéia de casamento para enunciar, entretanto, uma comunidade moderna: a nação. Ora, também é de divórcio que fala Silva Jardim na sua "Carta política acT país e ao Partido Republicano": um "divórcicr entre a monarquia e a nossa sociedade". Mas o termo nesse caso já é só uma figura de estilo, pois ele explica logo em seguida: "divórcio do teologismo". Portanto, o que se coloca é que não há mais lugar par.i um sentimento de pertença que possa se dirigir a reinos dinásticos. Isso era uma fase ultrapassada pela História. As mudanças na família, muito particularmente nas urbanas, e mais especi almente nas da Corte, são evidentes. Disso se dão conta os folhetinistas, como

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ITança Junior, e os literatos, como Machado cie Assis, para citar um único exem­ ple'). Lc')nge ciela já está a figura do paterfamilias onipotente, das mulheres aprisio­ nadas no lar, dos filhos sem vcmtade e expresscão própria. Enfim, está se forman­ do o individualismo burguês que já pretendeenfrentar opoder do listado. O episódio da Abolição peãs em confronto duas correntes interpretativas: à mãe redentora se opôs a imagem de uma libertação arrancada pelos próprios escravos — ou pela pressão da opinião contra o pai de "miolo mole". Se a sogra elemento sem laços consangüíneos com a família — atrapalha a paz domés­ tica na narrativa da Revista, de outro lado o genro, feito detestável pela propa­ ganda republicana, abalou "todas as conscic'^ncias", na interpretação de Olivei­ ra Vianna.' A cultura democrática e científica foi assimilada especialmente pelos margi­ nalizados ilustrados: intelectuais, políticos, literatos,jornalistase... militarc's. A lealdade delc'S não podia se orientar para esse Estado, para c-sse reino dinástico, o que se revela na dispe^sição de deixar a situação de súditos para vivera pleni­ tude adulta de cidadãos. A cultura democrática e científica no llrasil ptmsou a igualdade como o nãoprivilégio, imaginando uma socic'dade sem hierarquia. Tal igualdade devia fun­ damentar a soberania do Estado. líssa substituição de valores e símbolos, de linguagem e ile semântica aponta para uma "crise de direção". O regime mantém sua dominação, mas vai perden­ do a dirc'çâo. Esse o assunto do presente livro. E é na rua que essa crise se manifcsta agudamente. E onde ela aparece e circula. A rua, o mundo da desordem, o não-lugar do sistema, atrai para o seu espaço público e "ouvidor" a Casa e o governo. Nela perambulam as mulheres e as crianças da Casa; nela os políticos são saudados ou rejeitados. O Parlamen­ to se mostra sensível à rua, à opinião pública. A rua se torna o território livre e igual, a expressão da nação, onde todas as classes — inclusive os escravos -..dividem um espaço comum. A rua é sentida como o locus da representação verdadeira, da soberania crítica, emitindo sinais ambíguos do um tempo de transição. Ela ainda é estreita e suja, por ela passam escravos, vadios e prostitutas. Cedo cia manhã, os caixeiros limpam suas lojas e sujam a rua, por onde já passaram os "tigres" com os dejetos das casas. Mas logo vêm os ventres largos, os estudantes, os operários, os funcionários públicos. Mais tarde, as senhoras e os senhores grados. No começo da tarde tudo se con­ funde, a opinião fervilha, correm os boatos, as fofocas e a crítica, no exato mo­ mento em que os boêmios fazem sua entrada triunfal de celebridades maiores, expondo em suas pessoas admiradas a ambigüidade inteira de um tempo de transição, lí ainda à noite, perambulam escroques, mas também a cultura dos teatros e das reciações dos jornais.

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A República consentida

A República desfilou na rua. Uma vez proclamada a República (ou deposto o gabinete Ouro Preto), os militares — acompanhados já de d\ns — percorrem parte da cidade e adentram a rua do Ouvidor, onde são saudados por discursos das janelas dos jornais — nos quais distinguiram-se Silva Jardim, Aristides Lobo e José do 1’atrocínio —, e se dirigem para o Arsenal de Marinha. A presença de Quintiní) Bocaiuva entre Doodoro e Benjamin Constant esclarecia a natureza do fato ocorrido para boa parte da população ali aglomerada,’’ Terminado o desfile militar, pela cidade grupos festejavam a República personificada em notórias figuras do movimento e da propaganda. Diz Aristide's Lobo que o povo "assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava", pensando tratar-se de uma parada militar. O golpe militar foi uma surpresa geral porque resultou de uma conspiração secreta. Mas completa o jornalista republicano: "Oentusiasmo veio depois, veio mesmo lentamente, quebrando o enleio dos espíritos". Laia ele, pois, de surpre­ sa, de perplexidade, mas também - - e isso a historiografia costuma não trans­ crever - - em reação entusiástica. Pode-se arguir com a extensão do período de tempo que o advérbio "lentamente" quis significar. De qualcjuer maneira, esta­ ria ele se referindo ao mesmo dia 15 de novembro, quando escreveu seu artigr) impressionista para o Diário Popular de São Paulo. Para respaldar a idéia de surpresa pode-se trazer bestializados mais ilustres. Silva Jardim, segundo testemunho ancinimo, jantava com amigos no Hotel do Globo na noite de 14 de novt'mbro, quando Alfredo Madureira trouxe a notícia de que se preparava uma revoluçãcr. Ao ser notificado de que Quintino Bocaiuva estaria à frente dela. Jardim expôs sua incredulidade: "Não havia de ser com Quintino o Campos Sales quefaríamos jamais a república",'’ já que sustentavam estes a tese cvolucionista. H o propagandista escandiu a palavra; H-V-O-L-U Ç-À-O. Aliás, a pompa do Baile da Ilha Fiscal, no dia 9 de novembro, tem sido argumento frequentemente citado para mostrar a inadvertência da situação em que se vivia. Entretanto, no mesmo dia, no Club Militar, uma assembléia grandemente acrescida por filiações de última hora — na sua maioria de ele mentos da "mcrcidade militar — decide dar carta branca a Benjamin e, poucos dias depois, sob "pactos de sangue", juram, aqueles moços, segui-lo. A mesma incredulidade pode ser a explicação para a estranha reação ilc d. Pedro II no dia 15 de novembro. Ante a insistência para que convocasse o Conselho de Estado, repetia: "mais tarde".^ No dia 16, passa a manhã lemlo ■ (lt> suas revistas científicas.

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Mas o mais surpreendente sinal de surpresa deve ficar por conta do artigo inacabado de Rui Barbosa. A nc^tícia o colheu em casa, quancio redigia o editori­ al do dia para o Diário dc Notícioí^.*^ Mas, quando a historiografia insiste na bestialização do povo, não é à inevi­ tável surpresa que se refere. O que está subentendido é a não-participação popcjlar na proclamação, como sinal da actesão do povo à Monarquia. Por volta das três horas da tarde, incomodadas com a falta de um ato oficial de instituição da República, um grupo de pessoas foi buscar uma bandeira no Club Republicano Lopes Trovão esc dirigiu à Câmara Municipal, onde se regis­ trou a Proclam ação e se redigiu uma m oção d o "povo" que foi encaminhada a Deodoro. Dessa manifestação participaram republicanr)s históricos como Silva Jardim, Lopes Trovão, Aníbal Falcão, por exemplo, mas estiveram também pre­ sentes os boêmios José do Patrocínio, Olavo Bilac, Parcial Mallet, pelo menos. No entanto, como previra Joaquim Nabuco, lá não c'stavam os "pés no chão". Se não foi um cortejo fúnebreç foi um cortejo de cartolas. A c]Liestão está em se inferir daí a acic'são cio povo mais humilde à Monarcjuia. Ora, contra a Proclamação não se levantaram nem o povo nem os monarc]uistas. Medeiros e Albuc^uerc^ue debocha: o rc'gime não teve por si "nem um gato pinga­ do". Raul Pompéia dc'sereve, ele sim, uma cena fúnebre: a partida da família real. Oliveira Vianna se ressente: d. ÍVdro II partiu em silêncio e só.' L, no entanto, nac]uela época, o regime havia readc]uiricio populariciacie com a aparente prospericiacic cio país desde 1886 e, muito particularmente descie 1888, com a Abolição. Ora, a historiografia costuma assimilara Proclamação ao 13 cie Maio, fazendo da viteíria republicana uma obra do ciespeito de escravocratas. Oliveira Viana, que por tanto tempo molciou essas interpretações, diz c]ue o Império caiu no dia 13 de maio dc 1888. Mais apropriada parece ser a incerteza de Sérgio Buarc|ue de Holanda: "Em vez de dizer c|ue a república veio por causa do 13 de Maio, também .se poderia dizer c^ucuda se impôs apensar do 13 de Maio".'" O povo cio Rio cie Janeiro assistiu a Proclamação bestializado, sim, porque surpreso. Mais exatamente porque, como já dissera Afonso Celso junior no céle­ bre discurso na sessão da Câmara dos Deputacios cie 6 de junho de 1888, em parte transcrito aqui, "o povo é, quando muito, indiferente à forma de governo". No artigo "The fali crf derm Pedro", dc 16 de dezembro de 1889, o correspondente do Nea> York Times comenta que ninguém parecia muito empolgado no dia da proclamação: "there were no demonstration o f wild joy. The people, as a rule, were rather constrained and looked and acted in a dazed, apathetic way "'^ Mais aguda percepção é a cie Machado de Assis. Releia-se em Psaú e jaeó o capíhilo "Manhã dc‘ 1.9". Na noile anierior, o conselheiro Aires voliara laide

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A Republica consentida

para casa. Mesmo assim, despertara muito cedo, às 5:40 da madrugada. Resolve espairecer pelas ruas c às 7:30 estava no Passeio Público. Repara que as poucas pessoas presentes tinham atitudes inusitadas: falavam entre si e de pé. Aos seus ouvidos chegaram "palavras soltas, Dcodoro, batalhões, campo, ministério etc.". Logo o grupo se dispersou "não sem algum epíteto de louvor, uns ao governo, outros ao exército". Suspeitancio tio que ocorrera, dirige-se o conselheiro ao largo da Carioca, onde, entre "gente parada, caras de espanto", ncão conseguiu ainda obter notícias tiaras. Na rua do Ouvidor, no entanto, soube que os milita­ res haviam feito uma "revolut;ão". Ouviu descri(;ões de marcha. O cocheiro que o trouxe de volta para casa "falou de uma revolução", de ministros mortos e presos, assim como do imperador que descia de Petrópolis. No cocheiro tudo o que repara Aires é que a palavra lhe "saía deliciosa de novidade". Chegando em casa, confirma as notícias que seu criado obtivera, retificando o saldo de víti­ mas: um ministro ferido. L retoma igualmente sua vida e seus afa/.eres, enquan­ to dois pequeníssimos capítulos depois. Custódio, o kijista, troca a tabuleta do seu estabelecí mento. Se o enigmático Machado pretendeu descrever os sentimentos daquele dia, foi às rejeições, mas também às adesões ao novo regime, que se referiu. Custódio preocupou-se em reformar a tabuleta com o nome do seu estabelecimento comer­ cial, a qual estampava a palavra "Império". O pintor fez ver ao comerciante que aquela madeira já não aceitava mais tinta e que, embora não se pudesse ver "cá debaixo", estava ela carcomida de bicho. L observou ele que pintura nova em madeira velha não valia nada. Dispôs-se a fazer outra, que "ia durar pelo resto de nossa vida". Ao que retrucou Custódio: "A outra também durava; bastava só avivar as letras". Reforma ou revolução? Vejamos a interpretação que iam fazendo pessoas de outra categoria social, ainda segundo Machado de Assis. Santos, o pai dos gêmeos Pedro e Paulo, expõe o temor que o acometeu naquele dia, mas diz que logo se tranqüilizou porque "a rua estava quieta". Dos amigos que vieram à sua casa, "ninguém sabia se a vitória do movimento era um bem, se um mal, apenas que era um fato". Também a Revista Ilustrada, que no artigo do dia 16 proclama a República "em plena paz, no meio do regozijo popular", retrata o "aspecto inabalável" da rua do Ouvidor nos dias 15,16 e 17 na "Crônica do chic", publicada em 14 de dezembro. Ali se pode ler:"(...) a não ser a passagem das forças e a maior anima­ ção das pessoas, dir-se-ia nada ter acontecido". Para Tomé Junior, seu autor, seria essa calmaria uma demonstração da preparação do país para a República, "tão geral (...) o consenso a essa reforma, tão unânime as adesões que ela obtevix que a rua do Ouvidor, onde toda a nossa vida e todas as nossas preocupações se refletem com intensidade, não perdeu absolutamente o seu caráter de ponto de reunião, e teatro do chic nacional". I’az então essa judiciosa observação: nem as

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mulheres, que temem as agitações de rua, deixaram de a frequentar. A Casa, pois, foi também indiferente à mudança de regime. O bestializado-indiferente nos fala de conformismo. Conformar é "dar for­ ma, modelar"." Conformismo, resignação a uma forma. A forma da cultura democrática e científica que já ganhara os espíritos na década de 1880. A Repú­ blica era entendida como o regime democrático de governo, também "a filha da ciência", o regime político da América, uma fatalidade histórica. Resignar-se, pois, diante da fatalidade. Talvez tenha sido isso que nos quis dizer nosso escri­ tor maior quando registrou essa observação de Santos naquele dia ao percorrer o largo do Machado; "havia espanto, mas não havia propriamente susto".''' A bestializaçãt) do povo, correspondeu a beslialização conformada dos mo­ narquistas. Vimos como republicanos percebiam a República como a última das refor­ mas. Hm sua narrativa sobre a formação da nacionalidade brasileira — Dii IndcpcmiOucia à Rcpíihlicn —, Euclides da Cunha diz que a alternativa da dissidência liberal, "reforma ou revolução", veio fora do tempo, já que as tfuas palavras não marcavam mais uma alternativa, ao contrarit>, se conjugavam: rcTorma e revolu­ ção. Diz também que o Harticfo Republicano, "para vencer, tinha a força das novas aspirações sociais tão vigorosas que .se refletiam nos prérprios partidos monárquicos, talhados em dissidências (...)". h conclui: "Depois disto a Repú­ blica não podia ser uma surpresa, inexplicável estribilho dos que enfermam da nostalgia desse passado brilhante (...)". Opinião de um republicano convicto — convencido pela ciência , mas c]ue não rechaçava a obra da Monarquia. Pelo contrário, dava-lhe a glória da consti­ tuição da unidade nacional. O que crê ele é c]ue "o impulso tonificador da filoso­ fia contemporânea", que se compêrs com "uma aspiração antiga", sem encontrar o obstáculo de uma tradição monárquica, "removeram, naturalmente, sem ruído — no espaço de uma manhã —, um trono que encontraram...". Ho que nos faz recordar a explicação dada pela Kívistii para a "transfiguração de um povo da noite para o dia". Hoi assim que ela o fez: "Obscuramente, tocios nós tínhamos, dia a dia, lavrado o seio fecundo da terra da América com o arado do pensamen­ to A historiografia que privilegia a versão do bestializado desvaloriza o que a década de 1880 valorizou: a rua. Ou melhor: desqualificar a proclamação da República é desqualificar a política feita na rua, é não seguir a advertência de Euclides de não confundir a República "com a bela parada de 15 de novem­ bro".'" A República já estava na forma da difundida cultura democrática o científi­ ca, consci(>nte ou inconscientemente. Uma população confommdci. Assim é pos­

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A República conscmida

sível pôr o ponto final nessa narrativa com as mesmas palavras com que Euclides fechou a sua; A REVOLUÇÃO JÁ ESTAVA FEITA.

NOTAS 1 E. Kenan em seu texto já clássico "Qu'cat-cc qu'une nnlion?" percebe a importância do esquecimento na tundaijno de uma nação; "Ora, a essência cie uma nação é que todos os indivíduos tenham muito em comum, mas também que todos tenham e.squecido muitas coisas" (Renan, 1997). 2 O poema de Lúcio de Mendonça está na seção "República vcrtni^ Monarquia; uma comparação desigual" cio capítulo 3.

3 Revietn llusíriuia, 9 e 7 jan. 1880, rc'spc'ctivamente. 4 Lm O oaiso do Império, Oliveira Vianna (1990:157) analisa; "os republicanos (...) exploraram essa situação do príncipe consorte [sua falta total de popularidade] como o supremo argumento, o mais impressionante, contra o 3" Império — e com ele abalaram todas as consciências (...)". .5 Num testemunho ao C on rio du Noite, em 16 de outubro de 1939, Augusto Malta afirma que a presença de Quintino convenceu a muitos que acorreram ao Campo de Santana na manhã do dia 15 de novembro de 1889 — entre os quais estava ele mesmo — de c]ue se tratava de um movimento republicano. O testemunho, entre outros, nos lembra que já entre os batalhões perfilhados na praça havia civis (apud Silva, L., 1986:94). 6 Apud Silva, F.., 1986:76. 7 i'c)do o relato do ciiie se passou no palácio nos dias 15 e 16 de novembro está na carta do conde d'Eu à condessa de Barrai e Pedra Branca, escrita a bordo dr> Aliif’ouu, que levou a família real para São Vicente. Rm carta anterior, refere-se ele às preparações para uma recepçãr) que, junto com a esposa, ofereceriam aos chilenos no dia 16 em sua residência. Quando por volta da hora do almoço do dia 15, entre 9;30 e 10 horas da manhã, recebeu a notícia de que tropas estavam estacionadas defronte ao Minis­ tério da Cuerra, tendo à frente Deodoro e Bocaiuva, exclamou; "en ce cas (...) la monarchie est fin ie" . Dirigindo-se ao palácio imperial, por mar, a o avistar a carrua­ gem de d. Pedro na altura da praia de Santa Luzia, pensa tratar-se já do "presidente da nova República" e não é sem pingar duas exclamações que reproduz as palavras tranqüilizadt)ras de Saraiva ao imperador, já tarde da noite de 15, para que ficasse tranquilo que o caso nãr) duraria. As corre.spondências do conde estão reproduzidas em Silva, H., 1972:.509-539. 8 O artigo foi interrompido nc> meio de uma fra.se e com letra diferente, revelando o nervosismo do auR)r. Explicou Rui que fora avisado por telefone que o campo da

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Aclamíição estava ocupado por tropas t> que o barão de Ladário fora fvrkio. F.sse artigo foi encontrado em 1945 (ver explicaçiies em Barbosa, 1947, t. 8 , p. 152). 9 Cfliveira Vianna, 1990:169. 10 I U)landa, 1985, t. 2, v. 5, p. 287. 11 Apiid Castro, 1995:192. 12 Machado de A.ssis, 1997:124-126. 13 lbid.,p. 100, 135e 138, respectivamente, lembremo-nos do artigo di'Sílvio Komero, piiblicado no D/ár/a dc Noticiüs de 17 de julho de 1889 e transcrito, em parte, no capítulo 2: "Ncão se trata de saber aqui se é um biw ou um mal |a a.scen.são das camadas populares|; afirma-se que é um fato inevitável (...)". 14 Machado, 1977, v. 1. 15 Machado de Assis,

1 9 9 7 : 1 ,3 5 ,

16 1’áginas cor-de-rosa. RcvisUi Ihislrnda, 7 dez. 1889. I7C unha, 1.., I9 4 4 ;i 8 q, 19|,

195 ^I97e

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