A Redescoberta de Luiza

December 24, 2022 | Author: Anonymous | Category: N/A
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A redescoberta de Luiza

Cantora que há 40 anos lançou parceria de Dori Caymmi e Edu Lobo com arranjos do mestre Moacir Santos lembra encontros com craques da bossa e outras turmas Tárik de Souza Leonardo Rozário Luiza hoje, em seu apartamento, no Arpoador, e na capa do disco solo, de 1964: 'Minha casa era como a de Nara Leão, cheia de músicos' Lançado no pacotão natalino de 40 discos da BMG (em processo de fusão com a Sony) o espantoso - e único - disco solo da cantora bossanovista Luiza, que leva seu nome, com arranjos do maestro Moacir Santos, gravado em 1964, foi uma surpresa para a própria.

- Ninguém me avisou nada, só fui saber quando vi a foto na coluna Supersônicas - conta a ex professora, hoje orientadora de estudos nas áreas de português e matemática. A mineira de Belo Horizonte Luiza Silveira da Fonseca, radicada no Rio desde os 2 anos, diz nunca ter recebido nada pelo disco. Ainda circulou por um tempo no meio musical antes de casar-se com o compositor e produtor Ronaldo Cysne, com quem teve dois filhos: Bruno, autor da trilha para o filme O duelo, do Anima Mundi, e Marcelo, que trabalha na Globosat. Atualmente separada, morando no apartamento da mãe em Ipanema, onde foi criada, Luiza se diz ''livre, leve e solta'' para voltar ao cenário musical. - Adoro cantar - avisa. Renega sua performance no único LP gravado - ''não conseguiram captar direito a minha voz e hoje ela está mais encorpada e sensual'' - e garante estar em muito melhor forma vocal. Cita a jazzista Sarah Vaughan, que conheceu numa de suas vindas ao Brasil. Ao confessar que tinha todos os discos dela do início da carreira, recebeu a recomendação: ''Então, não ouça!'' Criticando a forma como seu disco foi tratado na coluna Supersônicas (''ali dá a entender que eu não merecia aquela produção''), a bem-humorada e falante Luiza rebobina as credenciais que a levaram, aos 22 anos, em 1964, a gravar uma raríssima parceria dos iniciantes Dori Caymmi e Edu (ainda Eduardo) Lobo, Meu caminho, além de recém-compostas pérolas da dupla Chico Feitosa e Marcos Vasconcellos (Meu comportamento, Abandono), Marcos e Paulo Sérgio Valle (Passa por mim, Pensa e Deus brasileiro, com os jovens Milton Nascimento e Wagner Tiso e mais Moacir Santos no coro), Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli (Você, Mar, amar). - Minha casa era como o apartamento da Nara Leão, só que de uma geração mais nova. Vivia cheia de músicos: o Dori Caymmi, o Silvio Cesar, o Geraldo Vespar. A Elis Regina ia muito lá. Ficávamos brincando de cantar em italiano, francês. Quando ela foi defender Arrastão, do Edu Lobo, no Festival da Excelsior, em 1965, estava muito nervosa. Fomos vê-la no Guarujá e eu ainda emprestei meu casaco para ela. Foi na minha casa que o Marcos e o Paulo Sérgio Valle começaram aapresentou namorar suas primeiras mulheres. Claudio protegia os conterrâneos mineiros à turma o Wagner Tiso eOo cantor Bituca Luiz (Milton Nascimento). O meu pai era gerente do eBanco

 

do Estado de Minas, que virou Bemge. Adorava música mas não queria que eu fosse profissional. Quando gravei o disco e comecei a fazer show, ele se recusou a ir assistir. Tinha acabado de sair o disco de estréia da cantora Wanda Sá, outra bela loura, produzido por seu ex-professor de violão Roberto Menescal com arranjos de Eumir Deodato, e a debutante Luiza teve uma recepção à altura da possível rival. - Eu comecei pelo fim. O Roberto Jorge, que produziu o disco, ainda era um garoto, mas exigiu o melhor pra mim. Só que eu era um tanto displicente, não pensava em viver da música nem tinha aquela gana de palco, de aparecer. Quando fui tirar o tom para gravar, disseram que o si bemol ficaria bom e eu aceitei, embora meu timbre fosse mais próximo do da Julie London, que eu imitava. Nem sabia da enorme importância do Moacir Santos. Disco lançado, Luiza saía pelas lojas pedindo que ele fosse exposto nas vitrines. E ainda ligou para o líder de audiência nas rádios da época, o programa Músicas na passarela (''lindas músicas desfilando para você escolher a sua favorita, vote somente pela cor, à medida que for ouvindo, vá telefonando'', impostava o locutor Humberto Reis). Não para pedir que tocassem o single de trabalho, Sem ter por quê (Amaury Tristão/ Roberto Jorge), mas para trocar a cor usada para nomear a música. De laranja, para sua preferida, turquesa. Capitaneado por Nara Leão, João do Vale e Zé Keti, o show Opinião abalava os alicerces da recéminstalada ditadura com um discurso engajado. Partidários da arte pela arte, Roberto Jorge levou Luiza, Antonio Adolfo, Chico Feitosa e Marcos Valle a uma temporada de um mês no teatro Princesa Isabel, no show Reação. Hoje Luiza acha que o nome, quase uma confissão de reacionarismo, foi muito mal escolhido. - Na verdade, tinha A resposta, dos irmãos Valle (''falar de povo morando de frente pro mar/ não vai fazer ninguém melhorar''), mas a turma era mais a favor da música romântica que contra a esquerda. Prova disso é que mais adiante, participando de alguns discos dos festivais da canção, além de O mergulhador, de Menescal, acabou convocada a interpretar América, uma ode a ''Che'' Guevara. A composição é de Cesar Roldão Vieira, o notório panfletário da concorrente a outro festival, Sem Deus com a família, resposta às marchas da classe média pró-militares no poder. Luiza atuou ainda em outro movimento, o Musicanossa, de oposição velada ao nascente tropicalismo, que lançou quatro discos em 1968 por gravadoras diferentes. - A gente lotava o teatro Santa Rosa em Ipanema. Iam minha irmã Magda, cantora, Rildo Hora, Beth Carvalho, Taiguara - lembra ela, que gravou uma música do futuro marido, Ronaldo Cysne (Boa noite), conhecido no evento. Luiza garante nunca ter pensado em fazer carreira musical, mas, por certo, uma reunião com o  produtor Milton Miranda, manda-chuva da então Odeon Odeon (hoje EMI) foi decisiva para a desistência definitiva. - A cantora Márcia tinha acabado de ser lançada em São Paulo e estava arrebentando. O Milton Miranda disse que eu tinha talento e a gravadora iria investir uma nota preta em mim. Mas eu não seria mais minha própria dona. Teria de fazer show onde eles mandassem. Hoje no Amazonas, amanhã no Chuí. Eu tenho um ouvido desgraçado, tocava acordeom, piano, fiz teoria musical em Conservatório. Mas como nunca me senti um produto, não assinei o contrato. http://300discos.wordpress.com/2010/01/10/zl20-luiza-luiza-1964/

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