A Jurisidição.act
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1. JURISDIÇÃO*.
A análise das funções do Estado moderno está associada à doutrina expendida na clássica obra de Montesquieu o Espírito das Leis sobre a separação de poderes. Embora esta encontre antecedentes na Politica de Aristóteles e tenha t enha sido teorizada por Locke em Tratado do Governo Civil , foi com Montesquieu que a doutrina ganhou a repercussão que a transformou numa das mais célebres doutrinas políticas de todos os tempos1. A separação de poderes consiste basicamente em distinguir as 3 funções básicas do Estado: a legislativa, a administrativa (ou executiva) e a jurisdicional 2. A análise etimológica do vocábulo jurisdição indica a presença de duas palavras latinas: Juris que significa Direito e dicere que é dição ou dizer. Fazendo a agregação das palavras ficamos com a ideia de que jurisdição tem que ver com "dizer o direito. Na senda deste raciocínio, e aprofundando-o aprofundando-o um pouco pouco mais, pode-se dizer dizer que jurisdição é uma função do Estado através da qual o direito objectivo intervém na composição dos conflitos de interesses, com o fim de resguardar a paz social e o império da lei3. Pode-se também entender como uma actividade complementar da legislação, conduzindo esta de simples potência a verdadeiro acto 4, ou ainda, a função do Estado, desempenhada pelos tribunais, de compor os litígios, impondo a aceitação dos respectivos interesses e vencendo para isso todas as resistências5.
A Constituição da República de Moçambique (CRM) proclama os tribunais como órgão órgão de soberania (art. 133°). 133°). Acrescenta Acrescenta ainda que os órgãos de soberania assentam nos princípios de separação e interdependência de poderes consagrados na Constituição (art. 134°). Em adição, o artigo 212° do citado diploma legal que tem como epígrafe função jurisdicional , reza o seguinte:
1 J.E. Carreira Alvim,
Teoria Geral do Processo, 13ª Edição, Revista, ampliada e atualizada, Editora Forense, Rio de Janeiro, 2010, p. 45. 2 Ibidem, p. 45. 3 Ibidem, pp. 46 e 47. 4 Cândida da Silva Antunes Pires, Lições de Processo Civil I , Universidade de Macau, 2005, p. 40. 5 João de Castro Mendes, Direito Processual Civil , 1° Vol, Revisto e actualizado, p.119.
"1. Os tribunais têm como objectivo garantir e reforçar a legalidade como factor de estabilidade jurídica, garantir o respeito pelas leis, assegurar os direitos e liberdades dos cidadãos, assim como os interesses jurídicos dos diferentes órgãos e entidades com existência legal .
2. Os tribunais penalizam as violações da legalidade e decidem pleitos de acordo com o estabelecido na lei .
3. Podem ser ser definidos por por lei mecanismos mecanismos institucionais e processuais processuais de articulação articulação entre tribunais e demais instâncias de composição de interesses e de resolução de conflitos."
Daqui se infere que o meio normal de composição dos litígios na nossa ordem jurídica é concretizado através do recurso a órgãos órgãos de soberania para isso vocacionados vocacionados que são os tribunais. Dai se assacam algumas características da função jurisdicional ou jurisdição: (a) Assegurar o respeito pelas leis e garantir e reforçar a legalidade; (b)
assegurar os direitos e liberdades dos cidadãos e os interesses jurídicos das pessoas colectivas e (c) penalizar as violações da legalidade de acordo com o estabelecido na lei. A Professora Cândida Pires atribui à função jurisdicional uma finalidade imediata ou directa e outra mediata ou indirecta. Directamente visa a realização dos interesses dos sujeitos jurídicos que, protegidos por determinado comando legal, estão em determinado momento impossibilitados de os satisfazerem pela via extrajudicial. Indirectamente pressupõe a reposição do direito objectivo na sua trajectória tr ajectória normal 6. Por aqui percebe-se que a jurisdição é uma actividade complementar da legislativa, cuja existência seria dispensável se todos os preceitos legais fossem voluntáriamente cumpridos 7. Com a jurisdição jurisdição o Estado garante a sua autoridade autoridade de legislador e assegura as consequências práticas enunciadas enunciadas pelas normas de direito 8. Deste modo, para os tribunais a lei não representa um limite, mas o fim das função jurisdicional, o objecto da sua actividade institucional. Configura o escopo visado que é o de assegurar a realização do direito subjectivo e o respeito pelos comandos contidos nas respectivas r espectivas normas 9.
6 Cândida
da Silva Antunes Pires, Lições de Processo Civil I , pp. 40 e 41. Teoria Geral do Processo, p. 14. 8 Ibidem, p. 14. 9 Cândida da Silva Antunes Pires, Lições de Processo Civil I , p. 41. 7 J.E. Carreira Alvim,
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Assim, para que um litígio possa ser solucionado, em regra carece de ser dirigido a um órgão do Estado com função jurisdicional (ou revestido de jurisdição) 10. A jurisdição não se automovimenta, não actua oficiosamente. Precisa de ser provocada - só se movimenta por iniciativa do interessado na sua intervenção. Seja, um tribunal não pode iniciar a composição de um litígio sponte sua , precisa de ser accionado por alguém, através de fórmulas processuais processuais próprias. 1.1. A jurisdição comum ou ordinária e as jurisdições especiais.
Se a jurisdição está vocacionada garantir a concretização prática das normas do direito e se o direito substantivo divide-se em vários ramos por necessidades de especialização, especialização, torna-se evidente que a justa composição de litígios em cada um desses ramos de direito substativo pode implicar a intervenção de um sector específico da organização jurisdicional 11. Dito de outro modo, a ocorrência de conflitos que carecem de ser compostos no contexto de uma àrea especializada do direito ( v.g. Direito do Trabalho) pode implicar a intevenção de um tribunal especializado naquela mesma àrea (v.g. Tribunal do Trabalho). Cabe então distinguir num primeiro momento jurisidição ordinária ou comum da jurisdição especial. A jurisdição ordinária ou comum é exercida pelos tribunais judiciais que, de acordo com a nossa Constituição, são tribunais comuns em matéria cívil e criminal e exercem a jurisdição em todas as àreas não atribuidas a outras ordens jurisdicionais
(art. 223°/4 CRM) . O legislador constitucional reservou para os tribunais judiciais, detentores da jurisdição comum ou ordinária, uma função de "vala comum" dos litígios, atribuindo-lhes a jurisdição para todos casos que não estiverem especialmente atribuidos a uma jurisdição especial. Outrossim, a jurisdição comum é o repositório dos preceitos processuais subsidiários a que que se recorrerá para completar a cobertura cobertura jurídica de outros ramos da função jurisdicional 12 Por outro lado, as jurisdições especiais especiais consagradas consagradas na Constituição Constituição são: Os tribunais administrativos [art. 223°/1-b) e 2 CRM], os tribunais tribunais de trabalho, trabalho, fiscais, aduaneiros, arbitrais, maritimos e comunitários. comunitários. Há que incluir neste leque das das jurisdições especiais o Conselho Constitucional, órgão de soberania ao qual compete 10 Tomás
Timbane, Lições de Processo Civil I , Escolar Editora, Maputo, 2010. 11Cândida da Silva Antunes Pires, Lições de Processo Civil I , p. 43 12 Cândida da Silva Antunes Pires, Lições de Processo Civil I , p. 44. 3
especialmente administrar justiça em matérias jurídico-constitucionais (art. 241/1 CRM). Este órgão, embora não tenha a denominação de tribunal, é um verdadeiro tribunal, visto que também é um órgão de soberania que exerce função jurisdicional em matéria especializada, a matéria jurídico-constitucional. Quando exista um litígio, há que primeiro apurar se o mesmo é atribuível a alguma juridição especializada. Caso não seja, a solução do litígio é da competência dos jurisdição ordinária ou comum. Salvo se tiver natureza Civil ou Criminal que será directamente atribuído à jurisdição comum. Ainda ao nível das jurisdições jurisdições especiais, especiais, podem ser constituidos tribunais militares para julgar crimes de natureza estritamente militar. apenas durante a vigência de estado de guerra (art. 224° CRM). 1.2. O juízo arbitral.
A Constituição da República prevê no artigo 212° in fine, referente à função jurisdicional, a possibilidade de se existirem "demais instâncias de composição de interesses e de resolução de conflitos" . O uso do advérbio "demais" indicia indicia claramente
que existem ou podem existir outros órgãos, distintos dos tribunais, autorizados a resolver conflitos. Inicialmente, a abordagem do tema jurisdição parece sugerir que só os tribunais tri bunais estaduais devem resolver conflitos de interesses ou reolver litígios. Porém, as partes podem recorrer a tribunais arbitrais, para os mesmos fins, quando quando tenham estabelecido estabelecido pactos privativos ou atributivos de jurisdição. jurisdição. No contexto dos chamados meios alternativos de resolução de conflitos, alternativos aos tribunais estaduais, surge a possibilidade das partes em conflitos poderem submeter a " solução de todos ou de alguns dos seus litígios ao regime da arbitragem, mediante convenção expressa de arbitragem " [art. 4/1 da Lei n° 11/99 de
8 de Julho, vulgo Lei da Arbitragem (LA)]. A convenção de arbitragem pode ter por objecto qualquer conflito actual, ainda que já tenha sido interposta acção no tribunal judicial em qualquer fase do processo, passando a designar-se ao acordo por compromisso arbitral, ou em qualquer litígio eventual emergente de uma determinada relação jurídica contratual ou extracontratual, designando-se designando-se por cláusula compromissória (art. 4/2 LA). Podem sujeitar-se à arbitragem ou aos tribunais arbitrais conflitos de qualquer natureza, salvo: 4
Os que por lei especial devam ser submetidos com exclusividade aos tribunais judiciais [art. 5/2-a) LA].
Os que respeitem a direitos indisponíveis [art. 5/2-b) LA]. Por aqui percebe-se que o Estado não tem o monopólio do exercício da função
jurisdicional, podendo a resolução de conflitos ser dirimida por um juízo j uízo arbitral, ou até mesmo por via de outros meios alternativos como a concliação e a Mediação igualmente reguladas pela Lei n° 11/99, de 8 de Julho 13. 1.3. A jurisdição contenciosa e a jurisdição voluntária: breves considerações.
Normalmente, uma acção judicial pressupõe um conflito de interesse , um litígio entre as respectivas partes. É a necessidade de resolver esse litígio que fundamenta o recurso à via judicial. O autor pede o reconhecimento judicial da sua pretensão, através da procedência da acção e o reú, opondo-se, defenderá a sua absolvição. O tribunal compõe o conflito de interesses através da sentença respectiva. Os processos que seguem este arquétipo são os chamados processos de jurisdição litigiosa ou contenciosa14. Porém, há determinadas acções que não visam resolver um conflito de interesses, mas regular um interesse comum de ambas partes. Apesar do interesse comum, o mesmo é perspectivado de modo diverso pelas partes 15. É o caso da acção de regulação do poder paternal em que se define a guarda dos menores, o respectivo regime de visitas e as prestações alimentícias. O que está em causa não é um conflito, mas os melhores interesses do menor que ambos progenitores querem ver salvaguardados, mas sobre o qual tem perspectivas e posições distintas 16. Estes processos de jurisdição voluntária caracterizam-se pela ausência de conflito ou litígio17, em contraposição à jursidição contenciosa, que implica a existência de um conflito de interesses entre as partes 18.
13 Tomás
Timbane, Lições de Processo Civil I , p. 48. 14 António Montalvão Machado e Paulo Pimenta, O Novo Processo Civil, 12ª Edição, Almedina, Coimbra, 2010, p. 65. 15António Montalvão Machado e Paulo Pimenta,
O Novo Processo Civil, p. 65.
16 Ibidem,
p. 65. 17 Ibidem, p. 65. 18 Tomás Timbane, Lições de Processo Civil I , p. 54. 5
Os processos de jurisdição voluntária, devido às suas especiais características, são agrupados num capítulo próprio do Código do Processo Civil (Capítulo XVII), e são sempre, quanto à forma, processos especiais - v.g. Conversão da Separação em Divórcio ( art. 1.417° CPC), Reconciliação dos Conjuges Separados (art. 1.418° CPC), Verificação Judicial de Gravidez (art. 1.446° CPC), etc. Nos processos de jurisdição jurisdição voluntária o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna (art. 1.410° CPC). O juiz pode recorrer à equidade para tomar a decisão. Neste domínio opera com vigor o princípio da livre actividade inquisitória do juiz, na medida em que este pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar inquéritos e recolher informações que considerar convenientes (art. 1.409°/1 CPC). Neste tipo de processos, a resolução não tem força de caso julgado, pois o interessado poderá poderá a todo o tempo tempo solicitar a alteração alteração da decisão, decisão, sem prejuízo evidentemente dos efeitos já produzidos (art. 1.411°/1 CPC). Estas decisões não possum o carácter de de inalterabilidade ou irrevogabilidade como nas sentenças dos processos de jurisdição contenciosa. contenciosa. Outrossim, da resolução proferida não há recurso (art. 1.411°/2 CPC). * Apontamentos compilados por Admiro Cumbe (docente da disciplina de
Processo Civil ).
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