A Idade Moderna

October 9, 2017 | Author: Eliane Alfredo | Category: State (Polity), Pedagogy, High Middle Ages, Sociology, Citizenship
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A Idade moderna – século XV ao século XVIII - é um ciclo histórico que tem características profundamente diferentes do período anterior, a Idade Média. Com a modernidade, prepara-se primeiro o declínio, depois o desaparecimento daquela sociedade de ordens (clero, nobreza e povo) que tinha sido característica da Idade Média. Aquela sociedade, que de certa maneira negava o exercício das liberdades individuais para, ao contrário, valorizar os grandes sistemas coletivos: a Igreja e o Império1. É importante relembrar das aulas de história, que a individualidade é exercida na antiguidade, mas em parte da Idade Média, esse conceito desaparece. Tudo gira em torno do coletivo. A chegada da modernidade se apresenta, portanto, como uma revolução em muitos campos: geográfico, econômico, político, social, ideológico, cultural e também pedagógico. Como revolução geográfica, a modernidade vai deslocar o eixo da história do Mediterrâneo para o Atlântico. Do oriente para o ocidente. E com os descobrimentos e a colonização de novas terras, cria-se a possibilidade de contatos bastante estreitos entre diferentes áreas do mundo. Diferentes povos, etnias, culturas, entre diferentes modelos antropológicos, como o contacto do europeu com o índio, por exemplo. Do ponto de vista econômico, esta revolução pôs fim ao modelo feudal, com seu sistema econômico fechado, baseado na agricultura, para impulsionar uma economia de intercâmbio, baseada na mercadoria e no dinheiro. Nasce o sistema capitalista, que já vinha se desenvolvendo desde meados da Idade Média. Como revolução política, a modernidade tem como centro o nascimento do estado Moderno, que é um Estado centralizado, controlado pelo rei em todas as suas funções. O Estado Absolutista. Como revolução social, promove a formação e afirmação de uma nova classe: a burguesia, que nasce nos centros urbanos e promove um novo processo econômico – o capitalismo – assim como determina uma nova concepção de mundo e novas relações de poder. Evidentemente, tudo isso irá implicar também numa revolução na educação e na pedagogia. Agora, a formação do homem acompanha novos caminhos sociais, orienta-se segundo novos valores, estabelece, enfim, novos modelos. Acontece uma radical virada pedagógica que segue percursos muito diferentes daqueles empreendidos pela era cristã, destinado a formar o homem para Deus. Mudam-se, assim, os fins da educação. Esta educação terá por objetivo formar um individuo ativo e produtivo na sociedade. Mas vão mudar também os meios educativos. Embora a família e a Igreja permaneçam instituições formativas, a escola ocupará um lugar cada vez mais central para o desenvolvimento da sociedade moderna.

Com a modernidade, nasce a pedagogia como ciência. Como saber de formação humana. Mas nasce também uma pedagogia social que se reconhece como parte integrante do processo da sociedade em seu conjunto, na qual ela irá desempenhar uma função insubstituível e cada vez mais central: formar o homem-cidadão. Na modernidade, enfim, a pedagogia e a educação se renovam, configurando-se como saber e como prática para poder responder de maneira condizente à passagem do mundo antigo para o mundo moderno. 1

No caso aqui, o Império Romano.

Duas instituições educativas irão sofrer uma profunda redefinição e reorganização na Modernidade: a família e a escola. Ambas as instituições serão cada vez mais centrais na experiência formativa dos indivíduos e também na reprodução da sociedade, tanto no aspecto cultural como no aspecto profissional. A criança, que na idade média permaneceu à margem do grupo familiar, terá o seu espaço social na família. Cria-se um modelo de formação para a criança, privatizado e familiar. Cria-se um saber pedagógico, médico, psicológico da infância, que nasce em virtude dos cuidados familiares e da própria redefinição da família como instituição educativa da criança, que agora passa a ser o centro-motor da vida familiar. E é aqui que nasce o sentimento moderno de família esse sentimento que todos nós conhecemos É preciso, no entanto, pensar na educação como um projeto de civilização em curso nas sociedades ocidentais a partir do século XV e sua consolidação nos séculos XIX e XX. E o que significa isso? Significa dizer que a educação era encarada como a melhor forma de “moldar” os indivíduos e assim construir a sociedade adequada à época. Com valores e comportamentos determinados. Muitos1 podem ter sido os motivos que justificam esse estado de coisas. Contudo, o crescente processo de expansão da educação esteve intimamente ligado: •

A organização e à evolução do Estado Moderno;



As divergências religiosas;



Ao avanço da urbanização;



As alterações econômicas e a diversificação das classes sociais que essas alterações produziram;



O desenvolvimento das ciências e as mudanças no comportamento humano, rumo a um comportamento civilizado, caracterizado principalmente pelo aparecimento do capitalismo e pela conseqüente racionalização do pensamento e autocontrole

das atitudes. E por que isso? Para o trabalho, ou melhor, para o tipo de organização social e do trabalho que o capitalismo exigia. Como falamos na unidade I, uma grande inovação surgida em fins da Idade Média foi a organização e a multiplicação do Colégio, como lugar de formação de letrados. Pois bem. É importante destacar que os colégios instituíram uma nova forma escolar e esta forma estava integrada aos processos de racionalização de que falamos acima. Esse novo modelo supunha a existência de uma nova organização do espaço físico, ou seja, com prédios próprios, construídos para este fim. Isso mesmo! Antes dessa época, não existiam prédios construídos com a finalidade de se tornar escolas. A partir daí, não só se inaugurou essa nova tendência, como também os prédios passaram a ter uma arquitetura apropriada para aquele fim. Com dependências especializadas, com alunos divididos em classes estabelecidas conforme o nível do seu saber e idade aproximada, assim como os colégios dos dias atuais. Além disso, a gradação escolar exigiu também uma nova organização do tempo escolar. Isso significou dividir os dias em horários, estabelecer tarefas prefixadas e organizar os meses de acordo com os conteúdos a serem ministrados num determinado tempo, no fim do qual os alunos deveriam prestar exames. O rigor dos colégios no controle administrativo e na organização pedagógica, contudo, aos poucos produziu uma dimensão disciplinar que contrariava a liberdade usufruída pelos escolares e pelos mestres cooperados na época medieval. Lembram-se dos mestres e alunos na universitas? As modificações implicadas nessa nova organização integraram as reformulações sociais e políticas ocorridas entre os séculos XVI e XVII, das quais já falamos. Data do século XVI um grande Cisma (dissidência) da Igreja conhecido como o movimento de Reforma e Contra-Reforma religiosa, católicos e protestantes. Embora com formas diferentes de devoção religiosa, tanto os protestantes quanto os católicos tinham na educação e na escola suportes fundamentais. Já na esfera política, o poder feudal apresentava sinais de crise desde o século XIV e crescia o movimento em favor de Estados centrados na figura dos reis – os Estados Nacionais Absolutistas. Portanto, as mudanças políticas dessa época tiveram especial influência nas concepções de educação e no aumento dos colégios. Entre os séculos XVI e XVIII vai se enfatizar a idéia de riqueza como virtude e fonte de prestigio, o que acabou sendo reforçado pelo aparecimento de novos objetos e produtos de ostentação e diferenciação social. Assim, ter conhecimento, em outras palavras,

saber, se torna um importante diferencial para se ter prestigio na sociedade. Também a noção de publico e privado vai se modificar significativamente. Philippe Áries, um importante historiador francês, destaca o impacto da crescente alfabetização dos membros importantes da sociedade. Isso mesmo! Naquela época, mesmo sendo pessoa “importante”, destacada na sociedade, não significava que se soubesse ler e escrever. Alguns sabiam, mas muitos nobres e senhores feudais eram analfabetos. Para os alfabetizados, contudo, a difusão da imprensa tornou o ato de ler e escrever cada vez mais individual, tanto pela leitura silenciosa, como pela escrita de diários, cartas entre outros. 1

Pessoal, vamos pensar novamente na questão dos Fins da Educação, ou seja, a educação em todos os tempos se organizou de acordo com as necessidades da sociedade daquela época especifica. As mudanças brevemente apontadas permitem compreender que os séculos XVI, XVII e XVIII foram marcados por uma intensa busca de conhecimento e de novos saberes. Isso significou que o aprendizado ganhou um papel de destaque e uma importância talvez nunca vista. A sociedade tornou-se mais heterogênea e os mecanismos de diferenciação entre as pessoas se ampliaram: riqueza, poder político, prestigio social e conhecimento são os novos elementos de distinção. Observe-se que na Idade Média isso praticamente não existia e por duas razões: primeira porque o feudalismo, o sistema econômico da época, pelas suas características não abria espaço para isso. Segundo porque a Igreja, leia-se católica, condenava principalmente o lucro e a ostentação. Aliás, a condenação do lucro, entre outras coisas importantes, foi um dos muitos motivos da reforma protestante. Devido a esta diversidade social que agora existia, era impossível qualquer unanimidade em torno de propostas educacionais, organização de escolas e discussões pedagógicas, mas é possível identificar algumas predominâncias: os colégios jesuítas e os colégios protestantes, a pedagogia humanista, a crise nas universidades e os poucos empreendimentos em favor da educação dos pobres. O desenvolvimento da chamada pedagogia humanista, no entanto, deixou claro os limites das praticas educacionais em vigor, mas não houve uniformidade na sua elaboração, principalmente devido às diferentes óticas religiosas de alguns desses humanistas e às concepções leigas partilhadas por outros. Entretanto, importa enfatizar que os humanistas irão propor um modelo educacional mais adequado às necessidades da época, modificando o desinteresse pela alfabetização da população pobre, a restrição ao ensino do latim, a não-valorização da língua mãe, a negligência quanto aos saberes do quadrivium (geometria, aritmética, astronomia e musica) e a falta de currículos, incentivando os estudos das ciências em geral, com

destaque para as matemáticas, as artes e a estética, além da formação profissional. Estimula-se a competição e a premiação uma didática adequada, entre outros. Uma unanimidade entre os pedagogos humanistas foi a ampliação dos pública como incentivos à aprendizagem e ao estabelecimento de relações civilizadas entre mestres e alunos. O que se pretendia era uma educação cujas bases fossem o autocontrole e a autodisciplina. Novamente lembro a vocês: ambos têm tudo a ver com as exigências do sistema econômico vigente e da nova sociedAs formas escolares da época se caracterizavam por regras disciplinares que embasavam a busca de uma educação moral – e essa vigilância de certa maneira se estende a toda a população, mesmo que com fins e objetivos diferentes. Embora a escolaridade só se estenda ao todo social ao longo do século XIX1, é possível identificar algumas iniciativas para a educação dos pobres. Nos países protestantes, a formação religiosa era mais liberal porque partia da livre consulta dos textos bíblicos e admitia a leitura na língua mãe. Algumas ações também ocorreram nos países católicos, embora mais voltadas para a caridade do que para o combate à ignorância, como predominava entre os protestantes. Tais escolas, evidentemente, não se dirigiam para o público dos colégios, mas para a formação moral do futuro trabalhador a de que estavase constituindo. Nos países protestantes a alfabetização se estendeu para meninos e meninas, assumida pelas autoridades municipais. Entre os representantes da pedagogia protestante, podemos destacar Martinho Lutero, Melanchton e João Calvino, que partilhavam a idéia de que a língua materna deveria ser a base da educação, embora também favoráveis ao estudo do grego, do latim e do hebraico, além da literatura dos clássicos, traduzidos para o vernáculo. E como se processou o desenvolvimento dos colégios e das universidades nos países católicos? Na Europa, diferentes ordens religiosas disputaram entre si a clientela dos colégios, a saber: a burguesia e a nobreza. Entretanto, o grande marco do ensino nas sociedades católicas foram os colégios jesuítas. Eles tiveram no centro da Igreja contrareformada e estimularam a cultura geral erudita2, integrando a pedagogia humanista ao espírito da cristandade, enquanto favoreciam distinções sociais e formavam jovens na moral cristã. Esses colégios se afirmaram como propedêuticos aos estudos superiores de teologia, medicina e direito. 1

A escolaridade só se estende ao todo social no século XIX, na Europa! No Brasil, isso ocorre (parcialmente) no século XX. 2

Cultura Erudita é instrução, conhecimento ou cultura variada,

adquiridos especialmente por meio da leitura (Dicionário Houaiss)

Os jesuítas fundaram diferentes tipos de colégios, conforme a origem social dos estudantes. No entanto, todos eles eram regidos pelo mesmo regulamento: o Ratio Studiorum Desse plano de estudos constavam desde a regulamentação dos estudos e da vida no colégio até a disciplina, mas a ênfase estava no método de ensino. Diferentemente do que ocorria antes, o novo método fazia largo uso da escrita. Toda a aula tinha uma parte destinada aos exercícios escritos e à redação. Outra ênfase era a retórica. As escolas jesuítas permitiram certa homogeneização cultural das elites. Além da formação de turmas por faixa etária e da designação de um professor especifico para cada turma, outras materialidades ajudaram a unificar o processo de formação: o uso recorrente da escrita, como vimos, a composição de textos, o uso de livros impressos e a promoção anual dos alunos, com distinção e prêmios. Observe-se que os colégios jesuítas representavam espaços de disseminação de conhecimento que contribuíam para estabelecer distinção social e com isso atender às exigências das novas formas de civilidade. Contudo, a formação em humanidades reforçava a separação entre o trabalho intelectual e o trabalho manual e com isso ajudava a estabelecer diferenciações sociais, embora também preparasse para o ingresso nas universidades e abrisse portas para a carreira jurídica e administrativa. Entretanto, faltou às escolas jesuítas proporcionar a seus alunos uma formação mais pragmática, o que ficou muito claro quando estas escolas foram fechadas no século XVIII. Em meados do século XVIII os colégios jesuítas foram fechados pela imposição das monarquias, entre outras razões, pela disputa política em torno do monopólio da educação. Os representantes da companhia de Jesus foram expulsos de Portugal, do Brasil, da França e da Espanha e as elites políticas e intelectuais defendiam a idéia de que a educação moral e cientifica deveria ser privilégio do Estado, sobretudo pela necessidade de formar os quadros administrativos do governo. Nessa época, expandiu-se o movimento intelectual denominado iluminismo, que entre tantas outras propostas, apresentava a necessidade de laicização do ensino, ou seja, o ensino não religioso e da educação escolar como elemento essencial de desenvolvimento da civilização. Era a necessidade de associar razão e progresso No final do século XVIII e início do século XIX, assiste-se ao declínio das monarquias absolutistas, a separação do Estado e da Igreja e a instalação de governos constitucionais, além de mudanças econômicas tecnológicas e culturais. Nesse contexto, situa-se a contribuição de um dos maiores críticos da Igreja, do Absolutismo, dos colégios e da sociedade de maneira geral: o filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau, cujas idéias tiveram significativa influencia na pedagogia do século XIX.

1

E o que era a retórica? A arte de bem falar... a arte da eloqüência, a arte de bem argumentar; arte da oratória (Dicionário Houaiss).

Brasil Colônia e Império Como vocês perceberam, até aqui só falamos de Europa. Por quê? Porque as nossas referências em termos sociais e pedagógicos vêm da Europa. É de lá que herdamos nossa cultura. E é de lá que veio o nosso modelo escolar. Quando os portugueses chegaram ao Brasil, trouxeram consigo na bagagem toda uma estrutura social, política, religiosa e pedagógica entre outras coisas. No início da colonização, na primeira metade do século XVI em Portugal, Igreja e Estado estão unidos por interesse comum, que são ainda medievais (tardios medievais, como disse Alfredo Bosi). Portanto, há de se considerar em primeiro lugar, que a educação Os principais agentes da educação na colônia foram os jesuítas, até serem expulsos por Marques de Pombal em 1759. É preciso considerar que a associação entre a colonização portuguesa e as iniciativas missionárias da Igreja, serviu tanto aos interesses econômicos e políticos de Portugal quanto às estratégias do Vaticano para impedir a propagação do protestantismo no novo mundo. Os jesuítas foram o mais importante grupo religioso na manutenção dos princípios da reação católica ao protestantismonesse período foi exclusivamente baseada nos valores e conteúdos vigentes em Portugal.

O documento que oficializou esta mudança foi o “Alvará Régio” de 1759, no qual se extinguem todas as Escolas reguladas pelo método dos jesuítas e se estabelece um novo regime administrativo, o cargo de Diretor de Estudos e a nomeação de professores régios de Gramática Latina, de grego e retórica. Assim, as denominações “aula”, “aula regia” “escola” e “cadeira” designavam um mesmo modelo: estudos avulsos ministrados por um professor régio – isto é, autorizado e nomeado pelo rei. Somente no século XIX, com a criação dos liceus e de novos colégios, retoma-se a reunião dos estudos, que convive por um bom tempo com a estrutura de aulas avulsas. Voltando aos jesuítas antes de serem expulsos, a ação desses religiosos distinguia-se por ser eminentemente prática, não contemplativa. Introduzir-se no mundo foi uma referencia básica de suas ações. Embora com um objetivo bastante explícito – o de viver em Cristo e ganhar o mundo para Cristo – suas intenções se voltaram para a necessidade de conhecer o outro para converter e não apenas a mera pregação. De acordo com as orientações do Ratio Studiorum, o

objetivo da educação seria o de promover a integração harmoniosa dos súditos de Deus e do reino para com seus legítimos superiores. Tal harmonia deveria se estabelecer pela servidão livre e não pela obediência cega. Para aproximarem sua cultura da cultura dos indígenas, por exemplo, os jesuítas produziram estratégias pedagógicas nada convencionais. Os padres combinaram escrita, expressão corporal, oralidade nas ações educativas, chegando até mesmo a aprender o idioma dos índios, especialmente o tupi-guarani, idioma mais falado na costa brasileira. O marco inaugural e prioritário das atividades jesuítas foi, em meados do século XVI, a construção de igrejas, aldeamentos e colégios. Os colégios coloniais constituíram a base administrativa das atividades dos religiosos. Além de bibliotecas, os colégios possuíam oficinas, enfermarias e boticas e prestavam assistência à população em geral. As Igrejas e os colégios fundados pelos jesuítas foram as primeiras referencias de urbanidade da civilização cristã ocidental. Entretanto, outros modelos educacionais, além do jesuíta também marcaram presença no período colonial. Existiram outros espaços e formas de educação e socialização. Dentre seus agentes se destacaram outras ordens religiosas, bispado, governo geral, corporações, irmandades, confrarias e sociedades literárias. Apesar da hegemonia dos jesuítas, foram os franciscanos os primeiros religiosos a se instalarem no Brasil. A primeira missa, inclusive, foi rezada por um integrante dessa ordem. No século XVII, os franciscanos inauguraram no Rio de Janeiro o convento de Santo Antonio, que oferecia estudos superiores de teologia moral e filosofia. Havia ainda os seminários criados pelo bispado – internatos destinados ao clero e à educação dos órfãos e dos filhos dos colonizadores que se multiplicaram no século XVIII. Até a instalação dos seminários, os filhos dos moradores locais recebiam lições em aulas domésticas ocasionais ou eram enviados para os colégios em outras capitanias ou até mesmo em Portugal. Existiam ainda modelos educacionais não vinculados à Igreja ou ao Estado. Professores ou padres mestres costumavam ensinar na residência dos alunos e em suas próprias casas, em aulas muitas vezes abertas ao publico. No entanto, foi somente no século XIX nos países da Europa central, que se criou uma correspondência entre a idéia de construção de Estado-Nação e a montagem do sistema público de ensino. Historicamente, na visão dos pesquisadores do tema, no quadro das revoluções modernas (Revolução Industrial, Revolução Francesa e Revolução Americana), as orientações que se imprimiram à educação

responderam a problemas específicos da ordem social de cada um desses países. Em alguns países europeus, a universalização do ensino básico foi um instrumento de superação de diferenças locais, remanescentes do feudalismo. No caso brasileiro, é importante observar que o processo de encampamento da estrutura educacional pelo Estado foi iniciado ainda no período colonial, sob a autoridade da monarquia portuguesa. E esteve em sintonia com as reformas iluministas em desenvolvimento nas outras sociedades ocidentais. Em 1822, com a independência do Brasil e a vigência da monarquia constitucional, a disseminação da escola pública integrava um projeto de construção da nação, combinando pressupostos iluministas com o ideário liberal, ainda que num contexto escravocrata. (Veiga, 2007) Ao mesmo tempo em que buscava governar, o Estado revalidava e estabelecia hierarquias e distinções sociais marcadas pela criação de instituições educacionais destinadas a públicos distintos, como foi o caso do Imperial Colégio Pedro II no Rio de Janeiro e dos cursos superiores de medicina e de direito, por exemplo. Estas instituições foram erigidas para a formação das elites afinadas ao projeto civilizatório do Império e para a constituição de quadros para o governo do Estado.

Para o conjunto de cidadãos e súditos do Império, a instrução elementar, por meio das escolas públicas de primeiras letras, era considerada um dos mecanismos fundamentais para a constituição de laços de identidades para a “formação do povo brasileiro”. A criação de aulas públicas, escolas, liceus, colégios, instituições de ensino primário, secundário e superior relacionavam-se às preocupações com a “formação do povo brasileiro” e as intenções políticas mais amplas de construção da nacionalidade e dos espaços públicos. Portanto, observemos que a construção de uma nacionalidade brasileira, nasce ainda no império. Por esta razão, a instrução surgiu como um dos direitos fundamentais de garantia individual dos cidadãos brasileiros, estabelecido pela Constituição outorgada em 1824. “A instrução primária era garantida a todos os cidadãos”. Seguindo as diretrizes liberais que estabeleceram o direito à instrução como uma das garantias de liberdade e de igualdade entre os cidadãos, a Constituição imperial de 1824 definia a abrangência e os limites de cidadania. Conseqüentemente, definia também o direito à educação escolar. É importante destacar que houve lutas e protestos em torno das definições de cidadania imposta pela Constituição de 1824, inclusive entre negros e mestiços. O Período Regencial (18311840), na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, assistiu a

proliferação de pasquins (jornal que não tem repercussão) exaltados e radicais, os quais lutavam pela igualdade de direitos entre os cidadãos brasileiros, independentemente de origem étnica. De acordo com a hierarquia e as distinções entre os cidadãos, o direito à instrução primária, garantida pela constituição dos membros da sociedade política, foi sendo estabelecido no decorrer dos oitocentos1, com base no processo de construção das leis educacionais e dos sistemas de instrução pública das províncias. Contudo, os escravos como não-cidadãos, eram expressamente excluídos das políticas de instrução oficial. Ao longo do século XIX, o desenvolvimento da escolarização na sociedade brasileira pode ser observado por meio de diversos mecanismos articulados, tais como: a) a criação de uma legislação escolar e política educacional; b) a constituição de um aparato técnico e burocrático de inspeção e controle dos serviços de instrução para recrutar e empregar, criar uma rede de poder e saber e desenvolver uma economia política da educação; c) a produção de dados estatísticos para conhecer e produzir representações sobre o próprio Estado e a sua população, elementos fundamentais para a governabilidade moderna. Historiadores da educação têm observado que a partir de 1830, em várias localidades do país, houve intensas discussões sobre a implantação das escolas públicas elementares, assim como debates sobre a pertinência ou não de se escolarizar crianças, negros, índios, mulheres, em um momento em que se procurava afirmar a necessidade da escola. Necessidade essa que foi se consolidando a partir da presença estatal, que instituiu, aos poucos, a obrigatoriedade da instrução elementar, através do estabelecimento de normas, nas quais ficam claras as relações entre os processos de estruturação do Estado e a educação escolar. Ou seja, também aqui do outro lado do Atlântico, a escola aparece como elemento principal na construção do Estado. Um bom exemplo disso é que em algumas províncias do Império a instrução elementar foi regulamentada por leis provinciais, sobretudo após o ato adicional de 1834, que atribuiu às Províncias a autonomia de legislar, organizar e fiscalizar o ensino primário e o secundário. Em que pese o predomínio e a coexistência de múltiplas formas de educação (familiar, religiosa, artesanal, profissional, entre outras) ter sido característica da formação social brasileira no decorrer de todo os Oitocentos, pesquisas recentes têm apontado que a idéia de educar e

instruir a população livre por meio de instituições escolares adquiriu consistência no âmbito das províncias e do Estado imperial. Na província do Rio de Janeiro, desde 1835, o governo procurou regulamentar a instrução pública. A criação da Escola Normal em Niterói (então capital da Província), para a formação de professores primários, foi uma das primeiras medidas tomadas. O processo de construção das formas de educação escolar no Brasil do século XIX não foi uniforme, nem indiferenciado ou continuo o que resultou na desigualdade de condições educacionais entre as Províncias, na profusão de reformas e na complexidade de normas então produzidas. Este processo também não se resumiu à ação do Estado, na medida em que houve a participação das famílias e parcelas da população local, seja por meio de criação de escolas ou apoiando os mestres particulares, seja pelas demandas encaminhadas aos poderes públicos, contendo queixas e reclamações sobre as condições materiais das escolas ou sobre os professores e seu trabalho docente (Veiga, 1999). A difusão de saberes elementares, da cultura escrita e as disputas pelo acesso às escolas, permaneciam latentes em uma sociedade marcada pela diversidade de culturas regionais e locais. A construção do Brasil e dos brasileiros, ao contrário do que normalmente se divulga nos manuais clássicos de História, foi objeto de lutas e confrontos entre projetos políticos distintos e de tensões entre sonhos, caminhos possíveis e formas plurais de nação e da educação brasileira. (Gondra e Schueler, 2008) E para finalizar, vale lembrar Ângela de Castro Gomes (2002), quando diz que a grande dificuldade colocada para os historiadores da educação quanto à realização de um balanço preciso sobre a situação educacional, no Império e mesmo na Republica, reside na desigualdade e na diversidade historicamente construída no ensino brasileiro. Cada província ou estado da federação apresenta singularidades significativas nos processos de construção dos sistemas, normas e redes de ensino primário e secundário. Pessoal, peço desculpas, mas a história é longa. O processo educacional também. Para vocês, futuros professores, tais conhecimentos são muito importantes, não só para compreender como chegamos até aqui, que mecanismo nos regeu desde a colonização até os nossos dias, mas acima de tudo para que nos situemos historicamente. Para termos noção do que somos e porque somos. Isso, talvez, seja o aspecto mais importante dessa disciplina. Dispostos a viajar mais um pouquinho? Escolhi um texto, bastante recente, que faz parte de um livro organizado por um autor de quem gosto muito, Dermeval Saviani. E este mesmo autor, num dos capítulos do livro, faz uma síntese do século XX no Brasil que me

parece perfeita para o entendimento da educação em nosso país nesse período. Vamos lá? Diz esse autor que o século XX será lembrado no futuro como o período da história da humanidade que alcançou grandes conquistas tecnológicas que se reverteram num novo modo de viver para parcelas privilegiadas da população e, paradoxalmente, na falta dessas mesmas conquistas para a maior parte dos seres humanos. Foi também no “longo século XX”, como ele o denomina, que ocorreram as transformações mais decisivas no nosso país nos planos econômico, político, social, cultural e educacional. Na história da educação brasileira, a periodização mais frequentemente adotada guiava-se pelo parâmetro político, abordando-se assim a educação no perídio colonial, no Império e na República. Atualmente se desenvolve uma tendência de se buscar a periodização centrada não mais nos aspectos externos, mas naqueles internos ao processo educativo. Neste sentido, se nos guiarmos pelos aspectos internos, poderíamos considerar como marco inicial da história da educação brasileira a chegada dos jesuítas em 1549.

Tem início aí o primeiro período, que se estende até 1759, quando os jesuítas foram expulsos pelo Marquês de Pombal. O ensino jesuíta então implantado, já que contava com incentivo e subsidio da coroa portuguesa, poderia ser entendido como a nova versão da “educação pública religiosa” (Saviani, 2006). Entretanto, se o ensino ministrado pelos jesuítas podia ser considerado como público por ser mantido com recursos públicos e pelo seu caráter de ensino coletivo, ele certamente não preenchia os demais critérios. Isso porque, tanto as condições matérias como as pedagógicas, normas disciplinares, entre outras, se encontravam sob controle da ordem jesuíta, portanto, sob domínio privado. O período seguinte, por sua vez, (pedagogia pombalina 1759-1827) correspondia aos primeiros ensaios para se instituir uma escola pública estatal. Pelo alvará de 28 de junho de 1759, determinou-se o fechamento dos colégios jesuítas, instituindo-se as “Aulas Régias” a serem mantidas pela Coroa. Para isso foi criado, em 1772, o “subsidio literário”1. As reformas pombalinas contrapõem-se às idéias religiosas e, com base nas idéias laicas inspiradas no iluminismo, instituem o privilégio do Estado em matéria de ilustração, surgindo assim o que Saviani chama de sua versão de “educação pública estatal”. Embora também neste caso, a responsabilidade do Estado se limitava apenas ao pagamento do salário do professor e às diretrizes curriculares da matéria a ser ensinada.

Observe-se que, nos primeiros passos do nosso sistema de ensino, o Estado deixava a cargo do próprio professor as condições materiais para poder ensinar. A escola era geralmente sua própria casa, assim como também os recursos pedagógicos usados para as aulas. O professor, nomeado pelo rei, como vimos, sempre depois de prestar concurso público, tinha uma imensa responsabilidade nas mãos. Ele conduzia uma turma formada por alunos de diversas faixas de idade e pagava por isso, pois precisava mantê-los. À primeira vista, a criação das “Aulas Régias” parece ter sido um retrocesso em relação ao ensino jesuítico, que já mantinha turmas graduadas, ou seja, separadas por idade e por nível de conhecimento. 1

Este imposto destinava-se a custear as reformas no campo da instrução promovidas pelo Marques de Pombal, substituindo, como imposto único, todas as colectas que tinham sido lançadas para fazer face às despesas com a instrução pública. Após a proclamação da independência em 1822, uma escola pública nacional poderia ter decorrido da aprovação da Lei das Escolas de Primeiras Letras, em 1827, mas isso acabou não acontecendo. O Ato Adicional de 18341 colocou as escolas primárias e secundárias sob a responsabilidade das províncias. Isso, sem dúvidas, acabou por adiar um projeto de escola pública nacional. Ao longo do século XX, o poder público foi normatizando pela via legal os mecanismos de criação, organização e funcionamento de escolas que, por esse aspecto, adquiriram o caráter de instrução pública. Mas, de fato, essas escolas continuavam em espaços privados, a saber, as próprias casas dos professores.(Abaixo: currículo das primeiras letras)

Foi somente com a proclamação da Republica, ainda sob a égide dos estados federados2, que a escola pública, entendida em sentido próprio fez-se presente na história da educação brasileira. É a partir daí que o poder público assume a tarefa de organizar e manter integralmente as escolas, tendo como objetivo a difusão do ensino a toda a população. Essa tarefa materializou-se na instituição da escola graduada a partir de 1890 no Estado de São Paulo de onde se irradiou para todo o país. Eram os famosos Grupos Escolares. Saviani pondera que de fato, no âmbito dos estados, a tentativa mais avançada em direção a um verdadeiro sistema de educação, no início do regime republicano foi aquela que se deu no Estado de São Paulo. Ali se procurou preencher os requisitos básicos necessários para a organização dos serviços educacionais na forma de sistema3. Ora, a reforma da instrução pública paulista, implementada entre 1890 e 1896, pioneira na organização do ensino primário na forma de grupos escolares, procurou preencher requisitos importantes nessa direção. Tratava-se de uma reforma geral que instituiu o Conselho Superior de

Instrução Pública, a Diretoria Geral e os Inspetores de distrito, abrangendo os ensinos primário, normal, secundário e superior. Embora essa reforma paulista não tenha chegado a se consolidar, a tendência que ela representava acabou por se impor, tornando-se referencia para os demais estados ao longo da primeira república. Logo após 1930, foi criado o Ministério da Educação e Saúde Pública. A educação começava a ser reconhecida inclusive no plano institucional, como uma questão nacional. Na sequência tivemos uma série de medidas relativas à educação, de alcance nacional: em 1931 as Reforma do então Ministro Francisco Campos; em 1932 o lançamento do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova4, fruto da elaboração de um grupo de intelectuais que apontava na direção da construção de um sistema nacional de educação; a constituinte de 1934 que colocava a exigência de fixação das diretrizes da educação nacional e elaboração de um plano nacional de educação; as leis orgânicas do ensino, um conjunto de reformas promulgadas entre 1942 e 1946 por iniciativa de Gustavo Capanema, ministro da educação do Estado Novo, o que vale dizer, do presidente Getulio Vargas. Em consequência da Constituição de 1946, que determinou à União a tarefa de fixar diretrizes e bases da educação nacional, formulou-se em 1947, um projeto que, após uma série de reveses, veio converter-se na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), promulgada em dezembro de 1961. Esta lei que sofreu modificações substantivas em 1968 e em 1971 foi substituída pela atual LDB, promulgada em dezembro de 19969 1

Em agosto de 1834, foi aprovado pelos liberais, o chamado Ato Adicional. Por meio deste dispositivo legal foram realizadas significativas reformas no texto constitucional. Entre as mudanças, atribuíram-se às Províncias a criação e a manutenção do ensino primário. 2

Dá-se o nome de Federação ou Estado federal a um Estado composto por diversas entidades territoriais autônomas dotadas de governo próprio, geralmente conhecidas como "estados”. 3

Sistema de ensino é uma expressão que compreende uma rede de escolas e sua estrutura de sustentação. O sistema escolar é um sistema aberto, que tem por objetivo proporcionar educação. Na verdade, a educação que o sistema escolar oferece caracteriza-se por ser intencional e sistemática, diferentemente daquela que o indivíduo geralmente obtém fora da escola, que quase sempre é informal e assistemática. O sistema escolar é um subsistema do sistema social. Geralmente o sistema escolar produz dentro de si as condições da sociedade.

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O "Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova", datado de 1932, consolidava a visão de um segmento da elite intelectual que, embora com diferentes posições ideológicas, vislumbrava a possibilidade de interferir na organização da sociedade brasileira do ponto de vista da educação. Redigido por varios intelectuais, entre os quais Anísio Teixeira, Afrânio Peixoto, Lourenço Filho, Roquette Pinto, Delgado de Carvalho, Hermes Lima e Cecília Meireles. Ao ser lançado, em meio ao processo de reordenação política resultante da Revolução de 30, o documento se tornou o marco inaugural do projeto de renovação educacional do país. Em rápidas pinceladas, podemos distinguir 3 períodos distintos na educação ao longo do século XX brasileiro, do ponto de vista da escola pública. As primeiras foram as escolas graduadas1 do final do império (1890-1930). Em 1892 empreende-se a reforma geral da instrução pública paulista. Embora ela abrangesse a totalidade da instrução pública, seu centro localizava-se na escola primária e a grande inovação constitui-se nos grupos escolares. Na estrutura anterior, as escolas das primeiras letras (escolas primárias- também chamadas de classes isoladas ou avulsas), ou seja, uma escola nada mais era que uma classe regida por um professor, que ministrava o ensino elementar a um grupo de alunos em níveis ou estágios diferentes de aprendizagem. E foram estas escolas isoladas que, uma vez reunidas, foram substituídas pelos grupos escolares. Entretanto, diferentemente das escolas isoladas, que não eram seriadas, os grupos escolares eram. Por isso, estes grupos eram também chamados de escolas graduadas. De acordo com uma importante estudiosa do assunto, Rosa Fátima de Souza (1998), a concepção difundida na época poderia se resumir na questão dos mestres e dos métodos de ensino. Portanto este foi o fator principal que determinou a decisão de, em São Paulo, começar a reforma justamente pela escola normal em 1890. Caetano de Campos, então diretor da Escola Normal de São Paulo, toma a iniciativa e elabora com Rangel Pestana o decreto de março de 1890, inspirando-se em países como a Alemanha, Suíça e Estados Unidos. Sua convicção era de que antes de reformar a Instrução Pública do Estado, se deveria instalar escolas-modelo de 2º e 3º graus, anexas à Escola Normal. Em conseqüência é criada a Escola-Modelo, anexa à Escola Normal de São Paulo como um órgão de demonstração metodológica, composta por duas classes, uma feminina e outra masculina. Caetano de Campos era um entusiasta do método intuitivo2 e sua essência, a “lição das coisas” e por ele se guiou na organização das escolas-modelo e dos grupos escolares. O segundo período (1931-1961) foi o de Regulamentação nacional do ensino e o ideário pedagógico renovador. Embora tenha havido outras expressões do ideário renovador, tomemos como marco o Manifesto

dos Pioneiros da Escola Nova3 . Este Manifesto, mais do que um instrumento em defesa dos princípios da Escola Nova, defendeu a escola pública. Observe-se que na Europa, as iniciativas que integraram o movimento da escola nova, se deram no âmbito das escolas privadas e não públicas, ficando à margem dos sistemas públicos de ensino Estudos demonstram que este rico legado foi um divisor de águas na historia da educação brasileira, pois interferiu na periodização da nossa história educacional, fornecendo novos valores para determinadas idéias e propiciando algumas realizações no campo educacional. Talvez o principal motivo para isto seja que este Manifesto, entre outras tantas razões, provocou tensões políticas em grupos divergentes, como os católicos por exemplo, e essas discussões acabaram por influenciar o texto final da Constituição de 1934, cujo art. 150 estabeleceu como competência da União “fixar o plano nacional de educação, compreensivo do ensino de todos os graus e ramos, comuns e especializados; e coordenar e fiscalizar a sua execução em todo o território nacional.” Ou seja, a Constituição de 1934 estabeleceu como competência privativa da União, “traçar as diretrizes da educação nacional”. No âmbito dos ministérios, pode-se dizer que enquanto Francisco Campos (1931-1934) se concentrou no ensino superior, secundário e comercial, Gustavo Capanema (1934-1945) nas leis orgânicas, começou pelo ensino industrial, depois o secundário e atingindo na seqüência os ensinos comercial, normal, primário e agrícola. Embora por este caminho todo o arcabouço da educação tenha sido afetado, prevalecia ainda o mecanismo de se recorrer a reformas parciais, fazendo falta um plano de conjunto que permitisse a ordenação unificada da educação nacional em seu todo. Essa exigência manifestou-se com a promulgação da nova Constituição Federal de setembro de 1946, que definiu como privativa da União a competência para “fixar as diretrizes e bases da educação nacional”. Sob a gestão do Ministro Clemente Mariani, constituiu-se uma comissão de professores de diferentes tendências para que se cumprisse esse dispositivo e a partir do trabalho preliminar da comissão encaminhouse ao presidente da República para ser submetido à apreciação do Congresso Nacional, um projeto que após longa e tumultuada tramitação se converteu na primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), promulgada em dezembro de 1961. O terceiro período, de 1961 a 1996, foi o de unificação normativa da educação nacional e a concepção produtivista da escola4 . Expressando a supremacia do movimento renovador, aquele que defendia os preceitos da Escola Nova, a década de 60 foi uma época de intensa experimentação educativa. Além dos colégios de aplicação

que se consolidaram neste período surgiram também os ginásios vocacionais5 . Além disso, deu-se grande impulso à renovação do ensino de matemática e ciências, colocando em ebulição o campo da pedagogia. Contudo, esta década não deixou de assinalar o esgotamento do modelo renovador, o que se evidenciou pelo fato de que as experiências feitas até então se encerraram no final dos anos de 1960, época em que foram fechados o Centro Brasileiro de Pesquisa Educacional (CBPE) e os Centros Regionais a ele ligados, obras de Anísio Teixeira, grande intelectual e educador, ligado ao movimento renovador. As funções essenciais das pesquisas desenvolvidas no Centro Brasileiro de Pesquisas eram a de fornecer elementos exatos para o planejamento de política educacional eficaz para o país e, também, reforçar a construção do que ele chamava de nova “mentalidade educacional do magistério nacional”.

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Nessas escolas praticava-se o ensino seriado (por série) nas quais os alunos eram distribuídos homogeneamente, de acordo com seu saber e faixa etária, sob a orientação de um só professor. 2

O método intuitivo surgiu na Alemanha no final do século XVIII pela iniciativa de Basedow, Campe e, sobretudo de Pestalozzi. Consistia na valorização da intuição como fundamento de todo o conhecimento, isto é, a compreensão de que a aquisição dos conhecimentos decorria dos sentidos e da observação. Difundiu-se amplamente na Europa na segunda metade do século XIX, quando o movimento de renovação pedagógica entrou em sua fase ativa, tornando-se a nova tendência norteadora do ensino, especialmente do ensino primário. 3

Escola Nova é um dos nomes dados a um movimento de renovação do ensino que foi especialmente forte na Europa, na América e no Brasil, na primeira metade do século XX . "Escola Ativa" ou "Escola Progressiva" são termos mais apropriados para descrever esse movimento que, apesar de muito criticado, ainda pode ter muitas idéias interessantes a nos oferecer. Os primeiros grandes inspiradores da Escola Nova foram o escritor Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e os pedagogos Heinrich Pestalozzi (1746-1827) e Freidrich Fröebel (1782-1852). O grande nome do movimento na América foi o filósofo e pedagogo John Dewey (1859-1952). 4

Unificar a escola através de normas, leis. Concepção reprodutivista, Trata-se da concepção de educação como fator de reprodução social, a qual reconhece a educação escolar como o meio pelo qual ocorre a

reprodução da sociedade. Essa concepção , elaborada nos anos 60 e 70 por vários teóricos , enfatiza que o sistema educacional consegue reproduzir as relações sociais de produção da sociedade capitalista. Nela, a escola é vista como veículo do sistema econômico. 5

Ginásio Vocacional foi uma forma de ginásio criado no âmbito do modelo educacional que vigorou no estado de São Paulo de 1961 a 1969. Os Ginásios Vocacionais tinham muitas propostas inovadoras para a época (hoje comuns em escolas particulares), como estudos do meio, trabalhos em grupo, salas ambiente, interdisciplinaridade e a exploração de temas transversais. Sob a égide do regime militar de 1964, desencadeou-se um processo de reorientação geral do ensino no país. Em 1961, foi criado por iniciativa de um grupo de empresários o IPES, Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais. Este Instituto funcionou como um verdadeiro partido ideológico que, segundo alguns estudiosos, teve papel decisivo na deflagração do Golpe Militar de 1964. E neste mesmo ano, nos meses de agosto, setembro, outubro e novembro o IPES dedicou-se à preparação de um “simpósio sobre a reforma da educação” realizado em dezembro de 1964. Em continuidade com esta iniciativa, o IPES organizou, em colaboração com a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, um fórum de educação, denominado de “a educação que nos convém” (IEPES/GB, 1969). Paralelamente a estes eventos que trouxeram vários subsídios às reformas do ensino, o governo procedeu à assinatura dos acordos MEC-Usaid1 , mediante os quais o Ministério da Educação do Brasil, estabelecia mecanismo de cooperação com a agencia dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional, visando reformular aspectos específicos do ensino brasileiro. Ocorre que a nova situação instaurada com o golpe militar exigia adequação que implicava em mudanças na legislação educacional. Mas o governo militar não considerou necessário modificá-la totalmente mediante a aprovação de uma nova lei de diretrizes e bases da educação nacional. Isso porque, já que o golpe visava garantir à continuidade da ordem socioeconômica que havia sido considerada ameaçada no quadro político do presidente deposto em março de 1964, João Goulart, as diretrizes gerais da educação em vigor, não precisavam ser alteradas. Bastava ajustar a organização do ensino à nova situação. Este ajuste foi feito pela Lei 5.540/68, que reformulou o ensino superior, e pela Lei 5692/71, que alterou os ensinos primário e médio, modificando sua denominação para ensinos de primeiro e segundo graus. Com a abertura política e uma nova Constituição promulgada em 1988, manteve-se o dispositivo que atribui à União, em caráter privativo, a competência para fixar as diretrizes e bases para a educação nacional. Em conseqüência, deu-se inicio à elaboração da nova LDB, 9.394, que fixou as novas diretrizes da educação nacional. Nesse novo quadro jurídico, a competência das três instâncias do regime federativo em matéria de educação ficou mais claramente estabelecida: Aos

municípios cabe a responsabilidade pela educação infantil, assumindo também em conjunto com o estado a que pertencem o ensino fundamental. Aos estados, a lei destinou a responsabilidade pelo ensino médio e, em conjunto com os seus municípios, o ensino fundamental. À União cabe coordenar e articular os sistemas exercendo função normativa, redistributivas e supletivas em relação a outras instancias. Cabe-lhe ainda, estabelecer as diretrizes para os currículos de todos os níveis de ensino e avaliar o rendimento escolar tanto dos alunos como das instituições, abrangendo todos os níveis e todas as instancias responsáveis pelo ensino. Curiosamente, a nova LDB não especificou a instancia que se responsabilizaria pela manutenção do ensino superior, já que esta atribuição não está explicita na definição de responsabilidades da União, diferentemente da educação infantil, ensino fundamental e ensino médio, cuja manutenção esta explicitamente referida como atribuição dos estados e Distrito Federal e dos municípios. O autor conclui que, no decorrer do século XX, o Brasil passou por um atendimento educacional de pequenas proporções, próprio de um país predominantemente rural, para serviços educacionais em grande escala, acompanhando o incremento populacional e o crescimento econômico que o conduziu a altas taxas de urbanização e industrialização. Relativamente à trajetória do século XX representou, do ponto de vista quantitativo, um significativo avanço no campo educacional. Historicamente, a emergência dos estados nacionais do decorrer do século XIX foi acompanhada da implantação dos sistemas nacionais de ensino nos diferentes países como via para a erradicação do analfabetismo e universalização da instrução popular. O Brasil foi retardando estas iniciativas e com isso, foi acumulando um déficit histórico em contraste com os países que instalaram os respectivos sistemas nacionais de ensino. Considerando, sobretudo, que o Brasil sequer chegou a universalizar a escola elementar, assim a conclusão a que se chega é que o grande desafio que ainda se impõe para o Brasil em termos educacionais ao ingressar no século XXI, nos vem do século XIX. Trata-se da tarefa de organizar o ensino fundamental e, por esse caminho, erradicar o analfabetismo.

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