A Grande Aventura Masculina

March 6, 2017 | Author: Julio Rodrigues | Category: N/A
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John Eldredge

8^iXe[\ Xm\ekliX dXjZlc`eX Como encontrar seu coração selvagem e descobrir uma vida de desafios e emoções

Tradução de Emirson Justino

Rio de Janeiro 2007

Título original The way of the wild heart – a map for the masculine journey Copyright © 2006 by John Eldredge Edição original por Thomas Nelson, Inc. Todos os direitos reservados. Copyright da tradução © Thomas Nelson Brasil, 2007. Supervisão editorial Nataniel dos Santos Gomes Assistente editorial Clarisse de Athayde Costa Cintra Tradução Emirson Justino Capa Valter Botosso Jr. Copidesque Joel Macedo Revisão Margarida Seltmann / Magda de Oliveira Carlos Cascardo Projeto gráfico e diagramação Julio Fado Todas as citações foram tiradas da NVI — Nova Versão Internacional da Sociedade Bíblica Internacional, salvo indicação em contrário.

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ E39e0 Eldredge, John A grande aventura masculina: como encontrar seu coração selvagem e descobrir uma vida de desafios e emoções/John Eldredge; [tradução Emirson Justino]. - Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2007. Tradução de: The way of the wild heart ISBN 978-85-6030-339-7 1. Homens. 2. Masculinidade. I. Título. 07-2056.

CDD: 248.842 CDU: 248.151

Todos os direitos reservados à Thomas Nelson Brasil Rua Nova Jerusalém, 345 – Bonsucesso Rio de Janeiro – RJ – CEP 21402-325 Tel.: (21) 3882-8200 – Fax: (21) 3882-8212 / 3882-8313 www.thomasnelson.com.br

Para Pop

Sumário

Introdução

9

CAPÍTULO 1 A jornada masculina

15

CAPÍTULO 2 Filho verdadeiro de um pai verdadeiro

37

CAPÍTULO 3 Infância

57

CAPÍTULO 4 Criando o Filho Amado

77

CAPÍTULO 5 Caubói

98

CAPÍTULO 6 Criando o caubói

114

CAPÍTULO 7 O ano de Sam

140

CAPÍTULO 8 Guerreiro

162

CAPÍTULO 9 Criando o Guerreiro

183

CAPÍTULO 10 Amante

207

CAPÍTULO 11 Cultivando o Amante

228

CAPÍTULO 12 Rei

249

CAPÍTULO 13 Criando o Rei

268

CAPÍTULO 14 Sábio

291

CAPÍTULO 15 Sejamos intencionais

311

Epílogo

337

Agradecimentos

341

Com que alegria eu a trataria como se tratam filhos... J e r e m i a s 3:19

 

Introdução

Uma das experiências mais impressionantes que já vivi como homem aconteceu no início de um dia de verão no Alasca. Minha família e eu estávamos andando de caiaque junto às baleias corcundas no Icy Strait e resolvemos parar para o almoço numa praia da ilha Chichagof. Nosso guia perguntou se gostaríamos de fazer uma excursão pelo interior da ilha, até uma clareira onde os ursos pardos vinham se alimentar. Ficamos muito animados com o convite. Depois de uma caminhada de vinte minutos por entre uma floresta de abetos, chegamos a uma campina aberta com cerca de quatrocentos metros de comprimento. Por ser meio-dia e estar quente, não havia nenhum urso para ser visto. “Estão dormindo agora, até o final da tarde. Eles voltarão somente à noite”, disse ele. “Vem cá, quero mostrar uma coisa.” A campina era, na verdade, quase como um pântano, com uma vegetação rasteira e dura com cerca de cinqüenta centímetros de altura, apoiada por baixo por uma camada de uns vinte centímetros de musgo e turfa. Era bastante difícil caminhar por ali. Nosso guia nos levou a uma trilha onde se via algo semelhante a enormes pegadas, separadas por meio metro entre elas, pressionadas sobre o musgo e, assim, criando um caminho. “É uma trilha demarcada”, disse ele. Era uma trilha criada pelas pegadas dos ursos. “É muito 

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provável que ela exista há séculos. Os ursos usam este caminho desde que chegaram à ilha. Os filhotes seguem os mais velhos, colocando os pés exatamente onde os ursos adultos caminham. É assim que eles aprendem a cruzar este lugar.” Comecei a caminhar por aquela trilha demarcada, pisando os lugares firmes e já castigados por onde os ursos têm caminhado há séculos. Não sei direito como descrever a experiência, mas, por alguma razão, a palavra sagrado me vem à mente. Uma trilha antiga e assustadora no meio de um lugar selvagem e bravio. Eu estava seguindo um caminho já confirmado, criado por aqueles mais fortes e mais preparados do que eu para estar naquele lugar. Embora eu soubesse que não pertencia àquele lugar, estava maravilhado diante dele; poderia seguir o caminho por muito, muito tempo. Isso despertou em mim um anseio profundo e ancestral. Este é um livro que mostra como alguém se torna homem e, ainda mais importante para nossa necessidade, como se tornar um homem. Não existe incumbência mais perigosa do que essa coisa de “tornar-se homem”, algo cheio de perigos, falsificações e desastres. É a Grande Prova da vida de qualquer homem, realizada com o passar do tempo, diante da qual todo macho jovem ou adulto se vê. Contudo, existem alguns que encontram seu caminho. Nossa perigosa jornada tornou-se ainda mais difícil porque vivemos em um tempo em que há muito pouca orientação. Um tempo com muito poucos pais para nos mostrar o caminho. Como homens, precisamos desesperadamente de alguma coisa semelhante àquela trilha demarcada na ilha Chichagof. Não se trata de mais regras, de uma outra lista de princípios ou fórmulas novas. Trata-se de um caminho seguro, marcado por homens durante séculos antes de nós. Creio que podemos encontrá-lo. O que você tem em mãos, neste livro, é um mapa. Ele faz uma análise dos estágios da jornada masculina, cobrindo desde a infância até a velhice. Não é um livro de psicologia clínica, nem um manual de educação infantil. Não estou qualificado para escrever esse 10

Introdução

tipo de livro. Além do mais, acho que eles são muito difíceis de ler. São pesados e enfadonhos. O que você lembra dos seus estudos de psicologia no ensino médio ou na faculdade? Mas eu amo mapas. Assim como a maioria dos homens. Mapas são divertidos porque apresentam a planta de uma região, mas ainda lhe obrigam a tomar decisões sobre a caminhada no terreno. O mapa é um guia, não uma fórmula. Ele oferece liberdade. Ele não lhe diz a velocidade em que você está caminhando, muito embora você saiba que, quando as curvas de nível ficam cada vez mais próximas, você está se aproximando de um precipício e vai precisar corrigir sua rota. Ele não diz por que as montanhas estão ali nem a idade da floresta. O mapa diz apenas como chegar aonde você pretende ir. Estou plenamente consciente das deficiências de um livro. Certamente haverá aqueles que dirão: “Mas ele não abordou aquele assunto.” Você escolhe seu tema preferido: desenvolvimento moral, disciplina ou qualquer outro. O mapa não pode responder a todas as perguntas que uma pessoa pode ter. E somente o viajante, aquele que quer conhecer o caminho, tem o privilégio de recebê-lo. Aqueles que vão fazer a jornada masculina ganharão muito ao seguir o mapa. Aqueles que querem criticá-lo encontrarão razões para isso, e permanecerão em casa. Ele também é um relatório de campo. É um relato sobre a jornada masculina, extraído principalmente de dentro, feito por um homem que busca cura, restauração e maturidade, por um pai que está fazendo o melhor para oferecer a seus filhos. Assim, este livro segue em duas linhas paralelas: ele fala primeiramente aos homens e sobre sua jornada, mas também fala àqueles que estão educando meninos e aos que estão trabalhando com homens. Uma palavra às mães: este livro será de grande ajuda para vocês que criam meninos e para vocês que estão aprendendo a amar filhos adultos (e o pai deles). Depois que escrevi este livro, a revista Newsweek fez uma reportagem de capa sobre “a crise dos meninos”, referindo-se especificamente ao fato de que os meninos estão fican11

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do atrás das meninas na escola, além de terem muitas dificuldades. O autor diz: “Um menino sem uma figura paterna é como um explorador sem um mapa.” É realmente um alívio perceber que você, mãe, não pode ser tudo para seu filho, nem mesmo aquilo de que ele mais necessita. Ele precisa de uma figura paterna. Você já sabe disso e a esperança oferecida aqui é que essas coisas podem ser encontradas. Quanto a você, calhou de você ser uma mulher e a mãe de seu menino. Você pode buscar para seus filhos as experiências que descrevo aqui na companhia de homens, quer seja um grupo de jovens ou grupo de escoteiros, ou mesmo um homem que possa chegar e suprir aquilo que é necessário. É comum eu ficar pensando naquelas longas passagens encontradas na Bíblia onde vemos uma enorme lista de homens como “filho de fulano, que era filho de sicrano”. Você encontrará muitas dessas listas nas Escrituras e em várias outras obras da literatura antiga. Talvez esses relatos revelem alguma coisa que ainda não percebemos — uma visão paterna do mundo sustentada por aqueles que as escreveram e compartilhada por aqueles que viriam a ler essas listas. Talvez eles tenham visto no legado pai-filho o mais importante dos legados, o de que conhecer o pai de um homem era, em grande parte, conhecer o próprio homem. Então, se você voltar um pouco para dar uma olhada, verá que o Deus da Bíblia é retratado como o grande Pai — não basicamente como mãe, nem simplesmente como Criador — mas como Pai. Isso nos abre um novo horizonte. Como você vê, o mundo no qual vivemos perdeu alguma coisa vital, alguma coisa fundamental para entender a vida e o lugar de um homem nela. O tempo em que vivemos, como disse o profeta social Alexander Mitcherlie, é um tempo sem pai. Entendo isso de duas maneiras. Primeiramente, a maioria dos homens e dos meninos não tem um pai real disponível para guiá-los por entre as florestas da jornada masculina e eles, como a maioria de nós, são homens inacabados e sem pai. Ou meninos. Ou meninos em corpo 12

Introdução

de homem. Mas há um significado mais profundo para a frase “um tempo sem pai”. Nossa maneira de olhar para o mundo mudou. Tanto como sociedade quanto até mesmo como igreja, não vivemos mais com uma visão paterna do mundo, uma visão centralizada na presença de um pai amoroso e forte profundamente engajado em nossa vida, a quem podemos nos voltar a qualquer momento em busca de orientação, conforto e da provisão de que necessitamos. Esta é realmente uma ocasião para esperança, porque a vida que você conheceu como homem não deve ser assim. Existe um outro caminho. Um caminho traçado por séculos por homens que vieram antes de nós. Uma trilha demarcada. Existe um Pai pronto para nos mostrar esse caminho e nos ajudar a segui-lo.   l

13

CAPÍTULO 1

A jornada masculina

Ponham-se nas encruzilhadas e olhem; perguntem pelos caminhos antigos, perguntem pelo bom caminho. Sigam-no e acharão descanso. J e r e m i a s 6:16

 

Eu só estava tentando consertar o sistema de irrigação. Um serviço de encanador bastante simples. O rapaz que veio drenar o sistema e pressurizá-lo para o inverno me disse, ainda no outono, que havia uma rachadura na “válvula principal” e que seria melhor substituir aquele negócio antes que colocasse água de volta no sistema para o próximo verão. Os últimos dias tinham sido bastante quentes — quase 35 graus, o que é uma temperatura nada comum para o Colorado no mês de maio — e eu sabia que seria melhor fazer a água fluir logo pelo meu jardim, caso contrário ele se tornaria o caminho para o deserto de Gobi. Eu estava ansioso para dar início ao projeto. Na verdade, gosto de realizar tarefas ao ar livre na maior parte do tempo, desfrutar do sentimento de ter triunfado sobre alguma pequena adversidade, restaurar o bem-estar

Capítulo

um

ao meu domínio. Traços de Adão, eu suponho — coisas como cuidar, cultivar, submeter, tudo isso. Desconectei a grande válvula de bronze do sistema na parte que se ligava à casa e fui à loja de material hidráulico para comprar uma nova. — Preciso de uma igual a esta — disse eu ao rapaz atrás do balcão. ­— Ela se chama válvula de redução — respondeu ele, com um toque de superioridade. Bem, eu não sabia disso. Sou amador. Todavia, estou pronto para começar. Válvula na mão, eu voltei para casa para iniciar o projeto. Um novo desafio estava diante de mim: soldar um pedaço de cano de cobre em uma conexão que levava água da casa para o irrigador, com a pressão reduzida pela válvula que eu tinha nas mãos. Parecia simples. Eu até mesmo segui as instruções que vieram com o maçarico que comprara. (De modo geral, seguir instruções é algo que faço apenas quando a dificuldade assumiu a proporção de um acidente numa pista de corrida, mas aquilo era um terreno novo para mim, a válvula custou caro e eu não estava disposto a estragar tudo). Para ser franco, não consegui fazer aquilo, não consegui fazer a solda na junta de modo a evitar vazamentos. Então, de repente, eu estava bravo. Tenho de confessar que eu costumava ficar bravo com qualquer coisa e, na adolescência, ficava tão irado que fazia buracos nas paredes de gesso do meu quarto, além de chutar e quebrar portas finas. Mas o tempo tem o seu efeito de amadurecimento e, pela graça de Deus, também existe a influência santificadora do Espírito, e minha ira diante daquele problema me surpreendeu. Eu me senti... desproporcional diante da questão que tinha em mãos. Não consigo soldar um cano. “E daí? Nunca fiz isso antes. Dá um tempo.” Mas, exatamente naquele momento, eu não estava sendo controlado pela razão e, muito bravo, corri para dentro de casa em busca de alguma ajuda. 16

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Tal como muitos homens em nossa cultura — homens solitários que não têm um pai por perto a quem perguntar como fazer isso ou aquilo, nem sequer outros homens, além de ser muito orgulhoso para perguntar aos homens da redondeza — fui para a internet, encontrei alguns daqueles sites que explicam como vencer os problemas do encanamento doméstico e assisti a um pequeno vídeo sobre como soldar canos de cobre. Eu me senti... esquisito. Estava tentando bancar o encanador e consertar meu próprio irrigador, mas não conseguia; não havia nenhum homem por perto para me mostrar como fazê-lo; assim, estou assistindo a um pequeno vídeo engraçadinho sobre um problema mecânico e me sentindo como se tivesse dez anos de idade. Um desenho animado para um homem que, na verdade, é um menino. Armado da informação e de não muita confiança, voltei e tentei de novo. Outro fracasso. No final do primeiro assalto da luta, simplesmente me sentia um idiota. Agora, me sentia um idiota destinado ao fracasso. Estava fervendo. Conselheiro e escritor por profissão e intuição, quase sempre vejo minha vida interior como uma parte separada de mim. Caramba, diz essa parte separada de mim. Dê uma olhada nisso. Por que você está tão chateado? Vou contar-lhe por que estou chateado. Há duas razões para isso. Primeiramente, estou chateado porque não há ninguém aqui para me mostrar como fazer isso. Por que é que eu sempre tenho de imaginar esse negócio sozinho? Tenho certeza de que, se algum cara que soubesse o que faz estivesse aqui, ele teria dado uma olhada no projeto e me diria de pronto o que eu estava fazendo errado e, mais importante, como fazer certo. Juntos, daríamos conta do problema bem rápido; meu jardim seria salvo e uma parte qualquer da minha alma se sentiria melhor. Também estou chateado porque não posso fazer isso sozinho; estou furioso porque preciso de ajuda. Há muito tempo resolvi viver sem precisar de ajuda, decidido a descobrir as coisas sozinho. É uma declaração terrível e muito comum, feita por homens órfãos que 17

Capítulo

um

se vêem como meninos sozinhos na vida e decidem que realmente não existe ninguém para ajudar, que os homens não são nada confiáveis, de modo que você deve se virar sozinho. Também estou chateado com Deus; por que as coisas têm de ser tão difíceis? Eu sei — isso tudo é muito por causa de uma simples tentativa fracassada de consertar meu irrigador, mas poderia estar relacionado a uma dúzia de outras situações. Pagar as contas. Conversar com meu filho de 16 anos sobre namoro. Comprar um carro. Comprar uma casa. Mudar de carreira. Qualquer situação na qual sou chamado a agir como homem e que, quando estou diante dela, tenho imediatamente aquela sensação de não sei como isso vai acabar. Estou sozinho. Eu é que tenho que encontrar a saída. De uma coisa, porém, eu tenho certeza: sei que não estou sozinho nesse sentimento de solidão. A maioria dos caras que já encontrei se sente assim em algum momento. Minha história não termina ali. Precisava abandonar aquele projeto e voltar a trabalhar, deixando maçarico, cano e ferramentas na varanda, todos protegidos de uma chuva misericordiosa — misericordiosa porque poderia ter-se passado muito tempo até que eu descobrisse como tudo aquilo funcionava, o que significaria a morte do meu jardim. Eu precisava dar um telefonema importante às 4 da tarde e, assim, programei o despertador para não perder a hora. Fiz a chamada, mas não percebi que o despertador não havia tocado. Isso aconteceu às 4 horas da manhã do dia seguinte. (Não prestei atenção naquele pequeno “a.m.” aceso perto dos dígitos quando programei aquela coisa.) Fui para a cama sem uma solução da minha cabeça ou de qualquer outro lugar e, então, pimba! Fui sacudido de um sono profundo às 4 horas da manhã para encarar o problema e todas as minhas incertezas. Tóim! De repente, fui atingido por este pensamento: faça direito. Esta talvez seja a declaração de princípios ou a força que impele a minha vida adulta: você está sozinho neste mundo e é melhor ficar esperto porque não há espaço para erro; portanto, Faça Direito! 18

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O observador distante dentro de mim diz: puxa, isso é impressionante. Você descobriu a pólvora. Quer dizer, caramba — essa é a declaração da sua vida e você nunca colocou isso em palavras. E agora, aqui está; você sabe a que isso tudo está ligado, não sabe? Deitado ali no escuro do meu quarto, com Stasi, minha esposa, dormindo profundamente ao meu lado, o sistema de irrigação quebrado do outro lado da janela sobre minha cabeça, eu sei a que isso se refere. Refere-se à falta de um pai.

Homens

inacabados

  Um menino tem muito o que aprender em sua jornada para se tornar um homem e ele se torna um homem somente por meio da intervenção ativa de seu pai e da companhia de outros homens. Isso não pode acontecer de outra maneira. Para se tornar um homem — e para saber que precisa se tornar um homem — o menino precisa ter um guia, um pai que mostrará como consertar uma bicicleta, como lançar a vara de pescar, como chamar uma menina, como conseguir emprego e todas as muitas coisas que um menino enfrentará em sua jornada para se tornar um homem. É preciso entender uma coisa: a masculinidade é concedida. Um menino aprende quem ele é e do que ele é feito a partir de um homem (ou da companhia de homens). Isso não pode ser aprendido em nenhum outro lugar. Não pode ser aprendido com outros meninos, e não pode ser aprendido a partir do mundo das mulheres. “A maneira tradicional de criar filhos”, nota Robert Bly, “que perdurou por milhares e milhares de anos, é de pais e filhos vivendo próximos — perigosamente próximos — enquanto o pai ensina ao filho um negócio: talvez agricultura, carpintaria, fundição ou alfaiataria”. Quando eu era jovem, meu pai me levava para pescar bem cedo nas manhãs de sábado. Passávamos horas juntos lá fora, num lago ou num rio, tentando fisgar os peixes. Mas o peixe nunca foi realmente o importante. O que eu mais gostava era sua presença, sua atenção e seu prazer em mim. Eu gostava de vê-lo me ensinando 19

Capítulo

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como fazer, mostrando o caminho. É desse jeito que você coloca a linha. É assim que você prende o anzol. Se você vir um grupo de homens falando sobre seus pais, ouvirá este desejo fundamental do coração de um homem. “Meu pai costumava me levar com ele para o campo.” “Meu pai me ensinou como jogar bola na rua.” “Aprendi a construir casas com meu pai.” Quaisquer que sejam os detalhes, quando um homem fala do maior dom que seu pai lhe deu — se é que seu pai lhe deu alguma coisa que seja digna de lembrança — sempre foi a demonstração da masculinidade. Isso é essencial, pois a vida vai testar vocês, meus irmãos. Tal qual um navio no mar, vocês serão testados, e as tempestades revelarão os pontos fracos que, como homens, vocês têm. Ela já está fazendo isso. De que outra maneira você explicaria a raiva que sente, o medo, a vulnerabilidade a certas tentações? Por que você não pode se casar com aquela garota? Mas, uma vez casado, por que não consegue lidar com as emoções dela? Por que você não descobriu qual é o sentido da sua vida? Por que as crises financeiras fazem com que você fique desesperado ou deprimido? Você sabe do que estou falando. Assim, nossa abordagem básica da vida se resume a isto: permanecemos naquilo com o que conseguimos lidar e nos desviamos de todas as outras coisas. Nós nos envolvemos naquilo que sentimos que podemos ou que devemos — como no trabalho — e nos afastamos daquilo que temos certeza de que não daremos conta, como as águas profundas do relacionamento com nossa esposa ou nossos filhos, além de nossa espiritualidade. Veja, o que temos hoje é um mundo de homens não iniciados. Homens parciais. Meninos, em sua maior parte, caminhando por aí em corpo de homem, com trabalho de homem e famílias, finanças e responsabilidades. A concessão da masculinidade nunca foi completada, se é que ela até mesmo começou. O menino nunca passou pelo processo de iniciação masculina. É por isso que muitos de nós são Homens Inacabados e, portanto, incapazes de verdadeiramente viver como homens em qualquer situação que a vida nos jogue. Incapazes 20

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de passar aos nossos filhos e filhas aquilo que precisam para se tornarem, eles próprios, homens e mulheres plenos e santos. Ao mesmo tempo, há aqueles meninos, jovens e homens da nossa idade, ao nosso redor, que têm profundas necessidades: estão desesperados por alguém que lhes mostre o caminho. O que significa ser homem? Será que eu sou homem? O que eu deveria fazer nessa ou naquela situação? Esses meninos estão se transformando em homens sem firmeza porque as questões fundamentais de sua alma não foram respondidas, ou a resposta foi ruim. Eles se transformam em homens que agem, mas suas ações não estão fundamentadas em força, sabedoria e bondade genuínas. Não existe ninguém para lhes mostrar o caminho. A iniciação masculina é uma jornada, um processo, uma verdadeira busca, uma história que se desenrola com o passar do tempo. Pode ser um acontecimento lindo e poderoso experimentar uma bênção ou um ritual, ouvir palavras ministradas a nós em cerimônia de algum tipo. Aqueles momentos podem ser pontos decisivos em nossa vida. Mas são apenas momentos, e momentos, como você bem sabe, passam rapidamente e são engolidos no rio do tempo. Precisamos mais do que um momento, um evento. Precisamos de um processo, uma jornada, uma história épica de muitas experiências entrelaçadas, construídas umas sobre as outras numa progressão. Precisamos de iniciação. Precisamos de um Guia.

A d ota d o

como filho na beira do rio

  Mudei-me para o Colorado em agosto de 1991. Houve muitas razões envolvidas nessa saída de Los Angeles: um emprego, um tiroteio numa escola, uma fuga da aparentemente infindável sufocação de asfalto e fumaça, os enormes shopping centers de Los Angeles. Por trás disso tudo, porém, estava um desejo mais forte de ir para as montanhas e para locais mais abertos, estar ao alcance da natureza. Eu não conseguia articular isso naquela época, mas minha alma 21

Capítulo

um

estava clamando por retomar a jornada masculina que senti ser abortada no início da adolescência. Juntamente com tudo isso, queria aprender a pescar com vara. Quando era jovem, meu pai eu e pescávamos juntos e esta é a lembrança mais querida que tenho dele. Primeiramente, ele me ensinou a pescar com minhoca presa num flutuador para só depois me ensinar a usar a vara com molinete. Meu pai não gostava muito de pescar com carretilha, mas eu queria pescar assim. Quando tinha mais ou menos 25 anos, comprei uma vara com molinete e comecei a tentar aprender sozinho — um padrão pelo qual, infelizmente, tenho aprendido a maioria das coisas na minha vida. É comum falarmos de um homem que é bem-sucedido nessas coisas como o self made man. Esse termo normalmente é usado com admiração, mas o fato é que deveríamos dizer isso com o mesmo tom que usamos para os entes queridos que já se foram, ou ao se referir a um homem que perdeu um braço —, ou seja, com tristeza e arrependimento. O que o termo realmente significa é “um homem órfão que tenta conduzir sozinho uma parte de sua vida”. Vamos voltar à pescaria. Quando chegamos ao Colorado, fiquei sabendo de um local do rio South Platte que tinha a fama de ser o sonho de qualquer pescador de vara. A “Milha Milagrosa” já não tinha o apelo de outras épocas, mas ainda era um lugar para onde iam os melhores pescadores e, assim, também fui para lá. É uma grande área do rio que flui numa planície entre dois reservatórios. As margens são baixas e amplas, com apenas um pouco de vegetação aqui e ali — um bom lugar para um novato aprender a jogar a isca. Fiquei uma boa parte da manhã no rio, vendo uma enorme quantidade de trutas ao meu redor, mas sem conseguir pegar uma sequer. Toda vez que olhava para cima do rio, lá estava aquele cara, com a vara totalmente curvada, rindo e gritando de alegria por pegar outro peixe enorme e colocá-lo em sua rede. Em um primeiro momento, eu o invejei. Depois, comecei a odiá-lo. Finalmente, optei pela humildade e quis observá-lo por um instante, tentando aprender como ele estava fazendo. 22

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Fiquei a uma distância razoável na margem do rio, para não dar a impressão de que queria usurpar seu lugar preferido, e senteime para observar. Ele sabia que eu estava ali e, depois de jogar a vara duas ou três vezes e pegar outro peixe, virou-se para mim e disse: — Chegue mais. Esqueci seu nome, mas ele me disse que era instrutor profissional de pesca e que, nos dias de folga, aquele era o lugar onde mais gostava de pescar. Perguntou-me como eu estava me saindo e eu respondi: — Nada bem. — Deixe-me ver seu equipamento — disse ele. Passei a ele a minha vara. —Ahn... bem, antes de mais nada, sua linha é muito curta. Antes que eu pudesse me desculpar por ser um completo estúpido em termos de pescaria, ele sacou uma tesoura e destruiu completamente minha linha. Colocou então uma outra linha com tal velocidade e habilidade que eu fiquei sem fala. — Que iscas você está usando? — perguntou ele. — Estas — disse eu, envergonhado, já sabendo que elas eram as iscas erradas, porque chegara à conclusão de que estava fazendo tudo errado. Educadamente, ele não fez nenhum comentário sobre minhas iscas e apenas disse: — Aqui, nesta época do ano, você precisa usar estas aqui — e tirou de seu colete umas moscas pequenas e as deu para mim. Colocou uma na minha vara e começou a me mostrar como pescar naquele lugar. — Vem comigo, bem atrás de mim. Se o pescador é destro, o instrutor normalmente se coloca do seu lado esquerdo para não levar um golpe no ouvido ou na cabeça. — Olha, a maioria das pessoas usa um golpe certeiro para lançar a isca para baixo da superfície — fiquei alegre porque sabia pelo menos isso; já tinha lido em um livro. — Mas isso não vai ajudar muito. Você vai descobrir que está só perdendo tempo. 23

Capítulo

um

O sucesso da pesca com vara reside em muitas sutilezas, e a principal delas é sua habilidade em apresentar a isca de maneira natural ao peixe, o que significa que ela corre correnteza abaixo igual a comida real que os peixes vêem todo dia — sem um puxão ou movimento contrário à velocidade e à direção da corrente. — O segredo é usar duas, até três iscas. Desse jeito — disse ele. Depois de cerca de dez minutos de instrução, ele saiu da água para me ver, do mesmo modo como um pai que ensina seu filho a pegar uma bola dá alguns passos para trás para ver como o garoto está se movimentando. Fisguei uma truta e fiquei com ela nas mãos. Ele então voltou para a água para me mostrar como soltá-la. — Normalmente eu beijo as minhas no focinho. Superstição. Ele beijou aquela grande truta perto dos olhos e a soltou na água fria. — Divirta-se — disse ele, e, sem olhar para trás, desceu o rio até o local onde eu estava pescando anteriormente e começou a pegar peixes ali, um atrás do outro. Eu também fisguei. Embora aquilo tenha me deixado feliz, havia uma satisfação mais profunda em minha alma enquanto eu estava no rio, pescando bem. Alguma necessidade primitiva fora tocada, e bem tocada. Quando estava voltando para casa, sabia que aquele presente viera de Deus, que ele havia cuidado de mim como filho por meio daquele homem.  

Iniciação   Não fomos criados para descobrir sozinhos como é a vida. Deus deseja ser nosso pai. A verdade é que ele já tem sido nosso pai há bastante tempo — nós simplesmente não conseguimos enxergar isso. Ele deseja ser nosso pai muito mais intimamente, mas precisamos estar numa postura de recebê-lo. O que está em questão é uma nova maneira de enxergar, uma reorientação fundamental na maneira de olharmos a vida e no modo como vemos nossa situação nela. 24

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Primeiramente, admitimos que somos homens inacabados, parciais, que somos meninos por dentro e precisamos de uma iniciação. Em muitos e muitos aspectos. Segundo, deixamos de lado nossa independência, a maneira como enfrentamos a vida ou como nos afastamos dela; esse pode ser um dos caminhos mais básicos e talvez mais críticos dos quais um homem se arrepende. Eu digo “arrepende” porque nossa abordagem em relação à vida está baseada na convicção de que Deus, na maior parte do tempo, não aparece muito. Entendo de onde veio a convicção, luto contra ela constantemente, mas fico parado — isso é falta de fé, não é? Devemos estar dispostos a assumir o enorme risco de abrir nosso coração para a possibilidade de que Deus esteja nos iniciando como homens, talvez nas próprias coisas em que achávamos que ele tinha nos abandonado. Nós nos abrimos para receber o cuidado de pai. Tenho de admitir que isso não vem facilmente. Esse tipo de desconfiança fundamental é alguma coisa que aprendemos no curso de nossos dias, baseados naquela desconfiança fundamental em Deus que herdamos de Adão. Fazer a mudança parece embaraçoso. Como diz Gerald May, quanto mais nos acostumamos a buscar vida longe de Deus, mais “anormal e estressante” parece “buscar a Deus diretamente”. Especialmente como Pai, como alguém que nos trata como a filhos. Mas vale a pena fazer isso. Vale a pena. Vale a pena permitir que sejamos tratados como filhos, aceitar que essa nova maneira de viver vai exigir a criação de um certo hábito e firmarmos a posição de que faremos o que for necessário para nos acostumar a ela. O que estou sugerindo aqui é a reavaliação da maneira pela qual olhamos para nossa vida como homens, bem como da maneira como enxergamos nosso relacionamento com Deus. Também quero ajudar você a reavaliar a maneira como você se relaciona com outros homens, e, especialmente vocês, pais, que estão pensando em como educar meninos. A reavaliação começa quando vemos que a vida de um homem é um processo de iniciação rumo à verdadeira masculinidade. É uma série de estágios nos quais penetramos e pelos quais 25

Capítulo

um

progredimos. Em relação a Deus, creio que aquilo que ele está mais fundamentalmente interessado em fazer em qualquer ponto da vida de um menino ou de um homem é iniciá-lo. Desse modo, muito do que interpretamos erroneamente como sendo confusão, provação ou atrapalhação de nossa parte é, de fato, a ação de pai executada por Deus sobre nós, fazendo-nos passar por alguma coisa com o objetivo de nos fortalecer, de nos curar ou de destruir alguma coisa não santa que esteja em nós. Em outras palavras, uma iniciação, uma aventura tipicamente masculina.

Os

estágios

  Se eu fosse rascunhar para você a jornada masculina em traços bastante amplos, creio que é assim que se revelaria, ou melhor, como ela deveria se revelar: Infância, Caubói, Guerreiro, Amante, Rei e Sábio. Tudo isso acontecendo em cerca de 80 anos, com uma década a mais ou a menos. Agora deixe-me ser rápido e acrescentar que ninguém pode estabelecer uma idade exata para cada estágio. Eles se sobrepõem, e há aspectos de cada estágio em outros. Observe um menino durante uma tarde (uma ótima idéia, principalmente se já faz algum tempo que você deixou de ser garoto) e você verá o Guerreiro, o Caubói e o Rei. Mas ele é um menino, e é como menino que deve viver aqueles anos. Um grande dano será causado se pedirmos ao garoto que se torne Rei muito cedo, como é o caso quando um pai abandona sua família, saindo pela porta com as palavras de despedida “você agora é o homem da casa”. Uma coisa cruel a fazer, e uma ainda mais cruel a dizer, pois o menino ainda não se tornou homem e nem mesmo aprendeu as lições da infância e da vida de homem. Ele ainda não foi Guerreiro nem Amante, e de modo algum está pronto para se tornar Rei. Quando pedimos tal atitude dele, isso se torna uma ferida semelhante a uma maldição, pois ele é instantaneamente privado 26

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de sua infância e lhe é solicitado que pule estágios da maturidade masculina que nenhum homem pode desprezar. Existe um caminho que deve ser seguido. Existe um Caminho, não uma fórmula. Um Caminho. Cada estágio tem suas lições a serem aprendidas, e em cada estágio pode se ser ferido, abreviado, deixando o homem em crescimento com uma alma não desenvolvida. Depois ficamos perguntando por que ele se dobra repentinamente quando tem 45 anos, tal qual uma árvore tombada no jardim depois de uma noite de vento forte. Analisando com mais detalhe, descobrimos que suas raízes não estavam fincadas numa profundidade suficientemente grande na terra, ou que talvez estivessem podres por dentro, enfraquecidas por uma doença ou pela seca. É isso o que vemos por dentro dos homens inacabados. Para começar, temos a Infância, uma época de deslumbramento e exploração. É a época do Forte Apache e das histórias em quadrinhos, de girinos e pirulitos. Do “Era uma vez um gato maltês. Tocava piano, falava francês”, como dizia a velha rima. Acima de tudo isso, é o tempo de ser o Filho Amado, a menina dos olhos de seu pai. Um tempo de afirmação. Embora eu mantenha minha premissa lançada em Coração Selvagem — a de que todo homem compartilha da mesma pergunta fundamental, e que essa pergunta é mais ou menos assim: “Tenho aquilo de que preciso?” — creio que essa pergunta é muito mais urgente para o estágio do Caubói e os posteriores. Antes e abaixo dessa pergunta e da busca de um homem por validação reside uma necessidade mais profunda: saber que ele é valorizado, que se tem prazer nele, que ele é o Filho Amado. É a nossa necessidade do amor de pai. O estágio do Caubói vem a seguir, mais ou menos na adolescência (a idade de 13 anos parece ser o momento da transição), prosseguindo até os 19 ou 20 e poucos anos. É a época de aprender as lições do campo, um tempo de grandes aventuras e provas, e também um tempo de trabalho duro. O jovem homem aprende a caçar, a jogar uma bola com efeito ou domar um cavalo. É nessa fase 27

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que ele consegue seu primeiro carro e, com ele, um horizonte aberto. Ele vai para a floresta sozinho ou com alguns poucos amigos, viaja para a Europa, vira guarda ou bombeiro florestal. Um tempo de ousadia e perigo, tempo de aprender que ele, de fato, tem aquilo de que precisa. Em algum momento no final da adolescência surge o jovem Guerreiro, e essa fase dura até os 30 anos. Mais uma vez, os estágios se sobrepõem e existe algum aspecto de cada um deles em cada fase da vida de um homem. Tenha seis ou sessenta anos, um homem sempre será um Guerreiro, pois ele é a imagem de um Deus guerreiro (veja Êxodo 15:3). Mas também há um momento na vida de um homem quando um desses estágios é proeminente. O Guerreiro encontra uma causa e, espera-se, um rei. Ele vai para a escola de direito ou para o campo missionário. Ele se depara face a face com o mal e aprende a derrotá-lo. O jovem guerreiro aprende os rigores da disciplina, especialmente aquela disciplina interior e a resolução de espírito que você vê em Jesus, que se opõe “firme como uma dura rocha” (Isaías 50:7) e que não pode ser dissuadido de sua missão. Ele pode entrar para a Marinha ou tornar-se professor de matemática numa escola de periferia, lutando pelos corações dos jovens. O fato de ele descobrir uma missão é crucial e é ainda mais importante que ele aprenda a lutar contra o reino das trevas. A passividade e a masculinidade são mutuamente exclusivas, fundamentalmente diferentes uma da outra. Para ser homem, ele deve aprender a viver com coragem, a agir, e a lutar. Tipicamente esse é o momento em que ele também se torna Amante, embora seria melhor para ele e para ela se, antes disso, ele vivesse um tempo como Guerreiro. Como descrevi em Coração Selvagem, muitos homens jovens não encontram a resposta à sua pergunta quando são jovens Caubóis e, tal qual um guerreiro inseguro, eles não têm uma missão para a vida deles. Eles terminam deixando tudo para a mulher, esperando encontrar nela a validação e a razão para viver (uma busca profundamente infrutífera, como muitos homens 28

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entendem hoje). Um Amante vem para oferecer sua força a uma mulher, não para obtê-la dela. Mas a época do Amante não está basicamente relacionada com uma mulher. É a época quando um homem jovem descobre o Caminho do Coração — momento em que ele entende que a poesia e a paixão estão muito mais perto da verdade do que a mera razão e proposição. Ele desperta para a beleza, para a vida. Ele descobre a música e a literatura; tal qual o jovem Davi, ele se torna romântico e isso leva sua vida espiritual a um nível completamente novo. O serviço para Deus só é suplantado pela intimidade com Deus. Depois — e somente depois — ele está pronto para tornar-se Rei, pronto para governar um reino. A crise de liderança em nossas igrejas, nos negócios e no governo deve-se em grande parte a este dilema: os homens receberam poder, mas estão despreparados para lidar com ele. O tempo de governar é um enorme teste de caráter, pois o rei será duramente provado ao usar sua influência com humildade, para benefício de outros. Aquilo que chamamos de crise da meia-idade normalmente é caracterizado por um homem que possui uma certa quantidade de dinheiro e influência e usa isso para voltar e recuperar aquilo que perdeu como Filho Amado (ele compra brinquedos para si) ou como caubói (ele sai em aventuras). Ele é um homem não desenvolvido, não iniciado. O verdadeiro Rei adquire autoridade e sabe que o privilégio não é para conseguir coisas para o seu conforto. Ele pode ser escolhido para ser presidente de uma empresa ou comandante de uma divisão; ele pode tornar-se o pastor titular de uma igreja ou o técnico de futebol de um time. Este é o tempo de governar sobre um reino. Espera-se que ele reúna em torno de si uma companhia de jovens guerreiros, pois ele é agora um pai para os homens mais jovens. Finalmente, temos o Sábio, o pai de cabelos grisalhos, com riqueza de conhecimento e experiência, cuja missão agora é aconselhar os outros. Seu reino pode encolher — os filhos saíram de casa, o que permite que se mude para uma casa menor. Ele sai de seu posto de presidente, o seu sustento passa a vir de uma poupança 29

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e de investimentos feitos durante o período em que era Rei. Mas sua influência precisa crescer. Esta não é a hora de arrumar as malas e mudar-se para uma casa de campo no interior: o reino precisa dele agora como o ancião junto aos portais. Ele pode de fato ser um presbítero (ancião) em sua igreja ou pode trabalhar na diretoria da área de educação. Seu tempo é gasto mentoreando homens mais jovens, especialmente Reis, como Merlim mentoreou Arthur, como Paulo mentoreou Timóteo. Em um tempo da vida quando a maioria dos homens sente que seu tempo já passou, este pode ser o período de sua maior contribuição. Deixe-me dizer outra vez que esses estágios estão todos presentes, em algum grau, em qualquer período da vida de um homem e todos eles se juntam para compor um homem completo e santo. O menino é praticamente um rei de um pequeno reino — seu quarto, a casa na árvore, a cabana que ele construiu secretamente no porão ou na floresta. O homem, embora seja agora um rei em um sentido muito mais sério, nunca deve perder a maravilha do menino, aquela condição de ser “jovem de coração”. Maturidade não é sinônimo de rigidez, de calcificação do coração. Como disse George MacDonald, “o menino deveria encerrar e manter, como sua própria vida, a criança que está em seu coração e nunca deixar que ela se vá... a criança não deve morrer, mas renascer para sempre”. Jesus falou isso quando disse que deveríamos ser como crianças se quiséssemos viver em seu reino (Mateus 18:3). Tendo dito isso, parece-me que cada um dos estágios — que podem ser chamados de arquétipos — domina em uma época, e isso por uma boa razão. Assim, falarei dos estágios em ambos os aspectos.

R e p r e s e n ta ç ã o

dos estágios

  Davi poderia ser a expressão bíblica definitiva da jornada masculina. Sua vida como homem é aparentemente digna de receber uma atenção especial, uma vez que Deus dedica mais de sessenta capítu30

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los de seu livro à vida de Davi, enquanto que a maioria dos outros homens tem sorte de receber um parágrafo ou dois. Quando nos encontramos com Davi, ele está no estágio do Caubói, um adolescente vivendo nos campos, cuidando dos rebanhos de sua família. Pensei em chamar esse estágio de estágio do Pastor, mas a palavra tem sido tão deturpada pelas imagens religiosas que ela passou a ter um sentido oposto ao da vida que realmente tinha. A imagem que temos de pastores está contaminada por figuras do natal, por pequenos bonecos encontrados em presépios ou, um pouco mais perto da minha idéia, por crianças da vizinhança se apresentando em peças na escola. Todas essas imagens são muito bonitas, mas os pastores de verdade são rudes. Pouco antes de sua passagem de Caubói para Guerreiro, Davi coloca-se no campo do exército de Israel, diante de seu rei, que tenta dissuadir o adolescente de um combate solitário contra um mercenário famoso (Golias). Davi diz: “Teu servo toma conta das ovelhas de seu pai. Quando aparece um leão ou um urso e leva uma ovelha do rebanho, eu vou atrás dele, dou-lhe golpes e livro a ovelha de sua boca. Quando se vira contra mim, eu o pego pela juba e lhe dou golpes até matá-lo” (1 Samuel 17:34,35). Aquelas experiências aconteceram durante o estágio do Caubói e nós vemos aqui como esse estágio pode ser rude e perigoso. Vemos também que ele aprendeu suas lições muito bem. Será que Davi chegou a ser o Filho Amado? É difícil dizer. Não temos nenhum registro de sua infância em si, embora de fato tenhamos duas outras informações que podem dizer alguma coisa. Ele era o mais jovem de oito meninos, o que pode ser bom ou ruim. De modo geral, o mais novo é a menina dos olhos do pai — como foram José e Benjamim. Mas quando você lê o livro de Salmos, não há dúvida de que Davi sabia que ele era o Filho Amado de Deus: seus poemas transbordam do tipo de confiança profunda no amor e no favor de Deus que apenas o Filho Amado pode expressar. Quanto ao Guerreiro, por acaso existe alguma dúvida de que Davi é quem estabelece o padrão desse estágio? “Saul matou milha31

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res, e Davi, dezenas de milhares”, cantavam as mulheres de Israel (1 Samuel 18:7). Ele certamente foi um amante — embora nossos pensamentos provavelmente voem direto para seu caso com BateSeba. Mas é de Davi que aprendemos que o estágio do Amante não é de modo algum algo ligado às mulheres: é sobre a vida do coração, a vida da beleza e da paixão e sobre um profundo romance com Deus, coisas que podem ser vistas em sua poesia. E, é claro, Davi foi literalmente um Rei. Você vê os estágios também na vida de Jesus. Certamente ele é o Filho Amado, tanto de seus pais quanto de Deus. O breve relato que temos sobre sua infância é sobre o momento em que Jesus desapareceu da caravana com a qual sua família estava viajando depois de saírem da festa da Páscoa em Jerusalém. É impressionante perceber que se passaram dois dias até que Maria e José percebessem que o menino não estava com eles — o que demonstra tanto uma enorme negligência dos pais (uma teoria que não é apoiada pelos outros fatos que conhecemos sobre a família) ou uma notável segurança e confiança no menino. Algo que está muito mais relacionado à nossa jornada neste livro é o pronunciamento de Deus Pai em relação a Jesus quando ele se levanta nas águas do Jordão: “Este é o meu Filho amado” (Mateus 3:17). A confiança que Jesus tem no amor de seu Pai, sua ousada e inquestionável intimidade, é a marca de sua vida, a explicação de tudo o mais. Esse homem sabe que seu Pai o ama demais. Eu colocaria os anos do Caubói da vida de Jesus na carpintaria, horas a fio ao lado de José, aprendendo com seu pai a lidar com madeira e todas as lições que tábuas e ferramentas manuais têm a ensinar a um jovem, um jeito maravilhoso de um adolescente passar aqueles anos. Aparentemente, ele também se sente bem no deserto, pois vai àquele lugar durante os anos do seu ministério para ser restaurado, para estar com um Deus, seu Pai. Ele entra na fase do Guerreiro quando dá início ao seu ministério, um período de três anos marcado por intensa batalha, que 32

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alcança o seu clímax quando ele derrota o maligno, garante nosso resgate da prisão das trevas e combate seu inimigo pela posse das chaves da morte e do inferno. No decorrer daqueles anos, também vemos um Amante apaixonado cortejando e conquistando o coração de sua Noiva. (É bom lembrar que o livro de Cântico dos Cânticos é de autoria do Espírito de Deus que, sem dúvida, é o maior Amante de todos os tempos.) Naturalmente, ele é Rei, Senhor agora dos céus e da terra, e um Rei Guerreiro que retornará trazendo a vitória final a seu povo e levando-o à era de ouro de seu reino. Sua vida terrena foi abreviada, mas mesmo assim vemos o Sábio na profundidade e no insight de seu ensinamento magistral. Naturalmente, ele é o nosso maravilhoso conselheiro mesmo agora.

Você

encontrará os

estágios em todo lugar

  Agora que você tem um esboço dos Estágios da jornada masculina, você os verá em todas as grandes histórias. O Príncipe do Egito, baseado na vida de Moisés, é nosso primeiro exemplo. Quando a história se inicia, ele é o Filho Amado — mimado, sem dúvida, precisando passar para o estágio do Caubói —, mas sem dúvida um Filho Amado. Seus pais viram alguma coisa especial no bebê, e arriscaram sua vida para salvá-lo. Moisés é adotado na casa do faraó e é criado ali numa vida de privilégios. Ele entra na fase do Caubói no deserto, como pastor (que, como eu disse, era uma vida rude e exigente, cheia de perigos e aventuras). Então, a partir do chamado de Deus para libertar seu povo, ele se torna Guerreiro e, depois, Rei e Sábio dos israelitas enquanto eles empreendem sua jornada rumo à terra prometida. Considere também a trilogia de J. R. R. Tolkien, O Senhor dos Anéis. Cada um dos personagens principais é uma imagem de um ou vários estágios. Os hobbits — especialmente Frodo — são um 33

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retrato do Filho Amado. Passolargo é o supremo Caubói (um “Patrulheiro”, como é chamado, um título que você pode facilmente substituir por “Caubói” todas as vezes que falar sobre esse estágio). Depois, ele se torna o grande Guerreiro Aragorn, que se torna Rei. Gandalf é o Sábio. Olhando mais de perto, você também pode ver a jornada de um menino rumo à vida adulta de homem através da vida dos hobbits, cuja jornada-história assim o é. Quando encontramos os hobbits, eles estão vivendo o estágio do Filho Amado — cabelo encaracolado, bom coração, brincalhões —, sendo que o mundo de seu condado é um lugar seguro que eles estão livres para explorar. Quando pegam a estrada, entram no estágio do Caubói. Sim, eles têm uma missão, mas não avaliam plenamente sua gravidade. Num primeiro momento, é uma alegria estar na estrada, dormindo fora, vendo novos lugares, experimentando a vida além de um travesseiro de penas. Aragorn leva-os “ao ermo”, onde eles começam a ser fortalecidos, dormindo no chão, suportando um tempo difícil, perigos e longas caminhadas. Eles prosseguem, vindo a se tornar Guerreiros, aprendem a batalhar, sair à guerra. Os estágios também formam o roteiro do filme O Rei Leão. A cena de abertura anuncia a chegada de Simba, o filhote de leão. Ele é o Filho Amado do rei leão Mufasa e é claramente a menina de seus olhos. Mas sua juventude é antecipada pela repentina perda da inocência — como acontece com muitos meninos — e ele é introduzido no estágio do Caubói, pegando a estrada. Contudo, ele não possui nenhum Aragorn para guiá-lo, e seu tempo nesse estágio é corrompido por permanecer nele por muito tempo e por viver apenas para o hoje. Isso acontece a muitos jovens sem pai, que vivem numa aventura simplesmente pela aventura, andando de skate, surfando, recusando-se a crescer. Simba entra no estágio do Amante quando Nala o encontra na floresta e eles desfrutam de um idílio semelhante ao do Éden. Mas ele é um amante sem objetivo, como muitos jovens rapazes que não passaram primeiramente pelo estágio do Guerreiro, e Nala fica impaciente com ele, como muitas 34

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jovens ficam impacientes com os rapazes a quem amam, mas que não mostram sinais de se darem bem com sua vida. Felizmente para Simba e para o reino, é exatamente nessa situação que ele encontra um sábio — Rafiki, o velho babuíno — que o leva de volta ao pai, retorno esse que lhe confere sua verdadeira identidade e chamado. Ele é levado de volta a um mundo centrado no pai — a exata restauração de que precisamos. Para Simba, é tempo de completar sua jornada em direção à vida adulta, como Guerreiro e Rei. Ele volta para enfrentar seu inimigo, triunfa sobre o mal, assume o trono e dá início a uma nova era de ouro para o reino.

Iniciando

a expedição

  Essa é a nossa jornada da iniciação masculina. Mas não estamos acostumados a estágios de desenvolvimento em nossa cultura atual. Quem faz nosso café é outra pessoa. Não precisamos mais esperar que nossas fotos sejam reveladas — nem mesmo 1 hora —, pois agora temos câmeras digitais que nos mostram a imagem imediatamente. Não precisamos esperar para entrar em contato com alguém: podemos enviar um e-mail, um pager, chamá-la pelo celular ou enviar um torpedo. Não precisamos esperar anos até que nossa jaqueta de couro, nossa calça jeans ou nosso boné tenham a aparência de usados — eles já são comprados desse jeito agora, desbotados, lavados, rasgados. Características que podem ser compradas e usadas imediatamente. Mas Deus é um Deus de processo. Se você quer um carvalho, precisa começar com a semente. Se você quer uma Bíblia, bem, ele fez isso num período de mais de mil anos. Se você quer um homem, então deve começar com um menino. Deus ordenou os estágios do desenvolvimento masculino. Eles estão entremeados no tecido de nosso ser, assim como as leis da natureza estão mescladas no tecido da terra. De fato, aqueles que viveram mais perto da terra respeitaram e abraçaram os estágios século após século. Precisamos pensar neles 35

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como caminhos antigos. Nós perdemos contato com eles apenas recentemente — em troca de uma xícara de café light descafeinado, sem gordura trans. O resultado de termos abandonado a iniciação masculina é um mundo de homens inacabados e não iniciados. Mas não precisa ser assim. Não precisamos vagar no meio de um nevoeiro. Não precisamos viver sozinhos, lutando, amuados, inseguros, irados. Não precisamos descobrir a vida por nós mesmos. Existe um outro caminho. Independentemente de onde estejamos nessa jornada, nossa iniciação pode começar de fato. É muito melhor para nós — e para aqueles que têm que viver conosco, que olham para nós — descobrir os estágios e cumpri-los, viver de acordo com eles, criar nossos filhos de acordo com eles. O que nos leva de volta a nossa dificuldade: quem vai fazer isso por nós? l

 

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