A Gente É Da Hora - Homens Negros e Masculinidade Por Bell Hooks PDF
February 3, 2024 | Author: Anonymous | Category: N/A
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A gente é da hora1: Homens Negros e Masculinidade Prefácio sobre homens negros: Não acredite na hype
Quando mulheres se juntam e falam sobre homens, as notícias quase sempre são pessimistas. Quando se especifica o tópico e o foco passa a ser os homens negros, as notícias são ainda piores. Apesar dos avanços dos direitos civis em nossa nação, o movimento feminista e a liberdade sexual, quando se destaca os homens brancos a mensagem é, geralmente, que estes continuam travados e que, enquanto, um grupo, ainda não estão envolvidos com seu tempo. O influente jornalista negro Ellis Cose pouco ajuda a acabar com a imagem que se tem da masculinidade negra em seu recente livro The Envy of the World: On Being a Black Man in America (A inveja do Mundo: Sobre ser um homem negro na América). Ainda assim, seu livro obteve larga atenção em comparação a outros trabalhos recentes focados na masculinidade negra. Identificando homens negros como “um grupo a parte” em seu prefácio, Cose afirma: Muitos de nós estão perdidos nesta América do século vinte e um. Nós estamos menos certos de nosso lugar no mundo do que estavam nossos predecessores, por parte é por conta de nossas opções, nossas possibilidades de escolhas são maiores que as deles. Então ficamos presos em um paradoxo. Nós sabemos, admitindo abertamente ou não, que em diversos aspectos estamos melhores do que eles jamais estariam. Este é um momento, afinal, em que um Afro americano pode ser secretário de Estado e, possivelmente, até mesmo presidente. As antigas barreiras que nos bloqueavam todos os passos finalmente caíram – ou estão abertas o suficiente para permitir que alguns de nós passem. Apesar de estar tudo estar nosso alcance, coletivamente e individualmente, para alcançar um alto nível de sucesso que jamais foi imaginado por nossos antepassados, muitos de nós estão condenados a falhar. Enquanto Cose identifica diversas problemáticas, ele também não oferece nenhuma visão de como os homens negros podem ter criado um novo e diferente auto-conceito. O capítulo final, intitulado “Twelve Things You Must Know to Survive and Thrive in America,” (Doze coisas que você precisa saber para sobreviver e progredir na America) apresenta suas “novas regras mundiais,” sua chave de sucesso para sobrevivência, ou os “mandamentos” de Cose, ou se você preferir “Duras verdades desta nova era”. Suas duras verdades são, no máximo, conselhos de senso comum sobre como viver em um mundo com as piores banalidades. O autor busca encorajar homens negros a pararem de reclamar, parar de culpar outros por seus sofrimentos, parar de pedir ajuda e se afastarem de amigos tóxicos. A dura verdade número 11 declara “Mesmo que você precise fingir, demonstre alguma fé em você mesmo.” Cose concluiseu livro com a seguinte retratação “Este volume se preocupa 1
O título da obra vem do poema “We Real Cool” escrito por Gwendolyn Brooks, em 1960. A autora ganhou o Pulitzer de poema com a obra “Annie Allen” em maio de 1950.
pouco como sistema, propositalmente, se preocupa pouco com a necessidade de grandes mudanças sociais, e mais com o pessoal, com algumas coisas que você talvez queira considerar enquanto descobre como viver sua vida”. The Envy of The World é uma análise dos problemas do homem negro que desaponta exatamente porque Cose falha na tentativa de fazer conexões pessoais, tudo o que está acontecendo no dia-a-dia dos homens negros, sobre política e os movimentos progressistas por justiça social que oferecem estratégias teóricas e práticas que podem ser usadas para melhorar o bem-estar emocional dos homens negros e aumentar suas chances de viver de forma completa e bem vivida. Apesar de ser extremamente apelativo quanto à masculinidade negra em seu último capítulo, a linguagem utilizada por Cose em seu livro é a de um observador imparcial. O livro parte de uma visão vaga sobre a masculinidade negra, o que indica que seus leitores não têm ideia alguma sobre como é a experiência do homem negro. Mesmo a escolha do título, retirado do romance Sula, escrito por Toni Morrison, insinua que o público masculino não-negro está olhando através de suas lentes invejosas. O livro de Cose deixa claro a estes leitores, em específico, que não há nenhuma necessidade de alimentar esta inveja. No romance, uma mulher negra castiga um homem negro por ter sugerido que este não recebia atenção o bastante. Ela diz: Digo, não entendo porque tanto barulho sobre isso. Digo, todo mundo te ama. Homens brancos amam você. Eles gastam tanto tempo se preocupando com seu pênis que esquecem os próprios pênis...E as mulheres brancas? Elas te procuram em todas as esquinas da face da terra, se tocam por você embaixo de suas camas...Mulheres de cor não cuidam de sua saúde só para que fiquem sob seus cuidados. Até mesmo as crianças, brancas e negras, garotos e garotas – ficam tristes por você não gostar delas. E se isso não for o bastante, você se ama. Ninguém no mundo se ama mais do que homens negros...Me parece que o mundo tem inveja de você. Utilizando da agradável palavra “amor”, é possível fazer uma análise em que o que está sendo descrito não é amor, mas desejo. Talvez, o que os homens negros estejam pedindo é que o mundo entenda que inveja e desejo não tem nenhuma conexão com amor. A verdade, infelizmente, é que há uma cultura de não amor para homens negros, eles não são amados por homens brancos, mulheres brancas, mulheres negras, nem por crianças. A maioria dos homens negros, especificamente, não amam a si mesmos. Como eles poderiam, como poderiam esperar amor estando rodeados por tanta inveja, desejo e ódio? Homens negros em uma sociedade capitalista, patriarcal, imperialista e branca são temidos, mas não são amados. É obvio que parte disto vem da cultura de dominação, confundindo desejo e amor. Através de vínculos sadomasoquistas, a cultura de dominação transforma o desejo, que é desprezo, e o faz tomar a forma de carinho e amor. Se os homens negros fossem amados, eles poderiam ter uma esperança de vida, não estariam presos, enjaulados ou confinados, poderiam se imaginar além deste confinamento. Estando de fato, ou não, dentro de uma prisão, praticamente todos os homens negros nos Estados Unidos da América foi forçado, em algum momento de sua vida, a esconder seus sentimentos. Impedidos de se expressar como queriam, tendo que reprimir e conter seu medo
de ser atacado, esquartejado e destruído. Homens negros vivem, constantemente, em uma prisão mental, incapazes de achar o caminho para fora. Em uma sociedade patriarcal, todos os homens aprendem que seu papel é o da restrição e do confinamento. Porém, quando raça e classe são adicionadas ao debate, junto com o patriarcado, os homens negros enfrentam imposições ainda piores da identidade masculina patriarcal. Vistos como animais, brutos, naturalmente estupradores e assassinos, assim os homens negros são representados, sem qualquer pudor. Poucas foram as alterações desse estereótipo. Como consequência, estes homens se tornam vítimas desses estereótipos, que foram construídos no século dezenove, mas persiste no imaginativo dos cidadãos desta nação ainda nos dias de hoje. Os homens negros que fogem desta caracterização são raros, pois o preço da visibilidade neste mundo contemporâneo de supremacia branca é que estes homens negros se mantenham caracterizados no estereótipo. Dentro da construção da individualidade do homem negro dentro de uma sociedade branca, capitalista e patriarcal, está a imagem de um bruto, selvagem, insensível, primitivo e desprovido de inteligência. Os estereótipos sobre a natureza da masculinidade negra se continuam a pré-determinar as identidades que homens negros tentam construir para si mesmos. A subcultura de homens negros que começaram a emergir como militantes antirracistas assustaram a América branca racista. Enquanto os homens negros eram vistos como selvagens incapazes de emergir de sua natureza animal, continuavam a ser vistos como uma ameaça facilmente contida. Foi o homem negro buscando libertação das correntes do imperialismo branco, capitalista e patriarcal quem teve que ser exterminado. Essa potencial rebeldia do homem negro revolucionário, líder do povo, não podia ser admitida nem podia florescer. Malcolm X, mais que qualquer outro homem negro que tenha alcançado poder nesta nação, recusou fortemente que sua identidade fosse definida por um sistema racial, de gênero e dominação das classes. Ele foi o exemplo que os jovens negros seguiram, nos anos sessenta, enquanto batalhávamos para educar os nossos para que tivessem uma consciência crítica do mundo. Nós prestamos bastante atenção às palavras de Malcolm, recebendo sua permissão para que nos libertássemos, para que libertássemos o homem negro por todos os meios necessários. Não há qualquer menção a Malcolm X nas discussões sobre a identidade do homem negro de Ellis Cose. Os anos de luta do poder negro é marcado, para Cose, pelo assassinato de Fred Hampton. Ele lembra “Para mim, a execução disse muito sobre o valor da vida homem negro na América, como as pessoas justificam, facilmente, sua extinção. Mas também fala muito sobre medo; medo da justificada ira dos jovens homens negros; medo do poder que possuem; borbulhando dentro do sistema, dentro dos corações alienados daqueles que são desprovidos”. Esta fala se encaixa bem à narrativa conservativa de Cose, ele esquece o debate de homens negros que corajosamente decolonizaram suas mentes e construíram identidades na resistência que transcenderam estereótipo. Estes homens negros, como W.E.B. DuBois e Malcolm X, não viam sucesso ou falha em termos de saúde ou fama. Seus legados tiveram pouco impacto aos homens negros da contemporaneidade pois estes entraram em combate direto contra o sistema; eles não estavam tentando fazer este sistema funcionar para eles. Individualmente, os homens negros radicais entenderam que o imperialismo dos supremacistas brancos, o capitalismo e o patriarcado estão interligados ao sistema de dominação que nunca empodera o homem negro completamente. Neste momento, este sistema está simbolicamente linchando muitos homens negros, enforcando suas vidas ao tornar
impossível que aprendam o básico sobre leitura e escrita na infância; através, também, da promoção de um sistema de livre iniciativa que funciona muito bem para poucos; a falta de emprego generalizada e através da constante sedução psicológica fatal dos comportamentos patriarcais masculinos. Qualquer um que alegue estar preocupado com o destino dos homens negros nos Estados Unidos da América que não fala sobre a necessidade de radicalização de suas consciências para combater o patriarcado para que possam sobreviver e florescer, compactua com o atual sistema que mantém o homem negro no mesmo lugar, psicologicamente aprisionado, excluído. Hoje em dia deveria ser obvio, para qualquer escritor e pensador, falar que a primeira ameaça genocida, a força que coloca em perigo a vida masculina negra, é o patriarcado masculino. Por mais de trinta anos, um dos aspectos da minha visão político-ativista tem sido trabalhar para educar a sociedade sobre os impactos do patriarcado e do sexismo nas vidas do povo negro. Como uma voz das políticas voltadas ao feminismo, tenho constantemente chamado atenção para que homens critiquem o patriarcado e se envolvam com a libertação masculina. Em um ensaio escrito a mais de dez anos atrás, chamado “Reconstructing Black Masculinity” (“Reconstruindo a masculinidade negra”), sugeri que “nós podemos acabar com a ameaça que o patriarcado masculino impõe sobre os homens negros e podemos criar uma vida sustentada sob a visão de reconstrução da masculinidade negra que possa proporcionar aos homens negros uma forma de salvar suas vidas e de seus irmãos e irmãs em dificuldade”. Apesar deste ensaio e outros ensaios similares de Michele Wallace, Gary Lemons, Essex Hemphill e outros que falam sobre feminismo, não temos conseguido influenciar a generalização que escrevem sobre masculinidade negra e continuam empurrando uma noção de que todos os homens negros precisam, para sobreviver, precisam se tornar patriarcas melhores. O meio público se recusar a encarar a realidade da condição dos homens negros, jovens e mais velhos, só piora com o conluio daqueles que expressão preocupação de forma oportunista e joga todos os problemas sobre a masculinidade negra enquanto se recusam a contar a verdade sobre como devemos mudar essa situação. Conservadores e radicais parecem gostar de falar mais sobre as dificuldades do homem negro do que pensar em estratégias de resistência que poderiam oferecer uma esperança e alternativas significativas. Nós, mulheres negras e homens negros, que falamos constantemente, educamos para que haja consciência crítica em diversas comunidades negras, sobre patriarcado e sexismo, raramente recebemos atenção da sociedade quando discutimos a crise na masculinidade negra. Nossos escritos não são mencionados em livros conservadores que tratam sobre a masculinidade negra. No entanto, quando eu vou ensinar e lecionar em algumas comunidades negras, os homens negros de todas as classes estão entre o público. Escutando estes homens, eu escuto e compartilho suas preocupações sobre como homens negros estão perdendo o chão, como suas dificuldades estão se agravando. Não importa o quanto nós chamemos a atenção para a crise da masculinidade negra, continuamos sem resposta coletiva. Um sentimento de desespero ameaça aniquilar nossa capacidade coletiva de criar uma intervenção positiva a favor do homem negro. Existe um sentimento geral de desânimo entre os nossos, um sentimento de “homens negros simplesmente não entendem”. Com certeza muitos homens que conheço não parecem entender. Meu pai, aos 80 anos, se mantém comprometido com o pensamento e ações patriarcais, isto o mantém isolado emocionalmente daqueles que ele ama. Apesar do seu
sexismo e seu constante abuso e violência ter acabado com seu casamento de mais de cinquenta anos, ele mantém seu comprometimento com o patriarcalismo. Meu irmão, que conseguiu, em sua infância, subverter a dominação patriarcal estando consciente de suas emoções, continua empenhado em entender o ideal de masculinidade patriarcal, prejudicando as ações positivas em sua vida. Ele constantemente se sente confuso e desencorajado. E os homens negros que eu amei, como parceiros, sofreram os malefícios da dependência parental e a negligência emocional. Apesar de serem homens que trabalham duro, estarem financeiramente bem, sofrem emocionalmente. Todos os homens negros que amei se veem isolados, retirados de qualquer sentimento de solidariedade. Veem a maioria das lideranças masculinas negras como hipócritas e ineficazes, como oportunistas procurando alcançar o estrelato. Compartilham a ideia de Michele Wallace que “Quando você vê uma liderança negra refletida na grande mídia, o que você vê é uma equipe narcisista, os ridículos vagos e inadequados”. Quando o público pede a morte dos líderes negros, eu digo que os visionários radicais entre nós estão tentando e são capazes de nos liderar na direção da libertação, e que a maioria dessas pessoas são mulheres negras. Continuar com o pensamento sexista sobre a natureza da liderança cria um ponto cego que impede o povo negro de utilizar teorias e práticas de libertação, quando são oferecidas pelas mulheres negras. Percebendo isto, tenho tido a esperança, junto com outras colegas negras, que o individuo negro que se importa com as dificuldades do homem negro e que buscam compreender o pensamento feminista poderia fazer muito mais para alcançar um grupo de homens negros. Este trabalho não tem sido comunicativo. Toda vez que encontro um irmão de pensamento radical eu o encorajo a escrever, a compartilhar seus conhecimentos com outros. Muitos indivíduos negros que trabalham no campo acadêmico que tenta acabar com a violência contra mulheres e crianças especialistas em explicar a crise do homem negro e conseguem encontrar caminhos para uma recuperação destes, mas não conseguem entender que podem escrever. Não há nenhuma literatura anti-patriarcal falando diretamente para homens negros, como eles podem se educar sobre consciência negra, se guiando para um caminho de libertação. A ausência de trabalhos como este mantém a ideia de que homens negros não são levados a sério. Muitas literaturas surgem com despertar da resistência feminina negra, desafiando o sistema opressor que nos mantém exploradas e oprimidas enquanto grupo. Esta literatura tem ajudado as mulheres negras a se empoderar. Como autora e leitora destes trabalhos, eu sei que isto muda vidas para sempre. Tenho pensando constantemente sobre porque nenhuma literatura de resistência tenha surgido de homens negros, apesar de serem donos de revistas e editoras. A falha parece estar na falta de coletividade na radicalização por uma parte desses homens (a maioria dos homens negros poderosos na mídia são conservadores que apoiam o pensamento patriarcal). O carisma individual das lideranças masculinas negras que possuem um pensamento radical constantemente se tornam tão narcisistas sobre seu status único de homem negro diferente que falham em compartilhar as boas notícias com outros homens negros. Ou permitem ser cooptados – seduzidos – pela promessa de grandes recompensas econômicas e acesso ao poder da grande mídia que se tornam menos raciais em suas mensagens. Enquanto mulher negra que se importa com as dificuldades do homem negro, sinto que não posso mais esperar que os homens negros tenham a iniciativa para espalhar a palavra.
Esperei por dez anos. O sofrimento do homem negro se intensificou, nesses anos. Escrevendo este livro, espero contribuir com minha voz em um pequeno coral de vozes que falam em benefício da libertação do homem negro. Mulheres negras não podem falar por homens negros. Nós podemos falar com eles. E ao faze-lo, personificamos a prática da solidariedade, onde o diálogo é o alicerce do verdadeiro amor. Venho de uma infância em que meu amor pelo homem negro é marcado por um amor que muito desejei, mas que só me desprezou. Por sorte, Daddy Gus, meu avô, me deu o amor que meu coração precisava. Calma, carinho, gentileza, criatividade, um homem de silencio e paz, que me permitiu uma perspectiva da masculinidade negra contrária a norma patriarcal. Ele foi o primeiro homem negro radical da minha vida. Ele foi a base. Sempre me envolvendo em diálogos, sempre auxiliando meu desejo por conhecimento e sempre me encorajando a falar o que estivesse em minha mente, eu honro o compromisso entre nós, as lições sobre masculinidade negra e a colaboração feminina criada de forma mútua. Ele me ensinou a continuar dialogando com o homem negro, a continuar a obra do verdadeiro amor.
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