A Frenologia e a Fisiognomonia

May 5, 2017 | Author: jbonezzi | Category: N/A
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A Frenologia e a Fisiognomonia Revista Espírita, julho de 1860

A frenologia é a ciência que trata das funções atribuídas a cada parte do cérebro. O doutor Gall, fundador desta ciência, pensou que, uma vez que o cérebro é o ponto onde chegam todas as sensações, e de onde partem todas as manifestações das faculdades intelectuais e morais, cada uma das faculdades primitivas deve ter aí seu órgão especial. Seu sistema consiste, pois, na localização das faculdades. O desenvolvimento de cada parte cerebral, compelindo ao desenvolvimento do envoltório ósseo, e aí produzindo protuberâncias, disso concluiu que, do exame dessas protuberâncias, poder-se-ia deduzir a predominância de tal ou tal faculdade, e daí o caráter ou as aptidões do indivíduo; daí, também, o nome de cranioscopia dado a esta ciência, com a diferença de que a frenologia tem por objeto tudo o que concerne às atribuições do cérebro, ao passo que a cranioscopia se limita às induções tiradas da inspeção do crânio; em uma palavra, Gall fez, a respeito do crânio e do cérebro, o que Laváter fez para os traços da fisionomia. Não temos a discutir aqui o mérito dessa ciência, nem examinar se ela é verdadeira ou exagerada em todas as suas conseqüências; ela é, porém, alternativamente defendida e criticada por homens de um alto valor científico; se certos detalhes são ainda hipotéticos, ela não repousa menos sobre um princípio incontestável, o das funções gerais do cérebro, e sobre as relações existentes entre o desenvolvimento e a atrofia desse órgão e as manifestações intelectuais. O que é de nossa alçada, é o estudo de suas conseqüências psicológicas. Das relações que existem entre o desenvolvimento do cérebro e a manifestação de certas faculdades, alguns sábios concluíram que os órgãos cerebrais são a própria fonte das faculdades, doutrina que não é outra senão a do materialismo, porque tende à negação do princípio inteligente estranho à matéria; faz do homem, por conseqüência, uma máquina sem livre arbítrio e sem responsabilidade de seus atos, uma vez que poderia sempre atirar as suas faltas sobre a sua organização, e que haveria injustiça em punir faltas que não dependeu dele cometer. Podese abalar com as conseqüências de semelhante teoria, e ter-se-ia razão; seria necessário, por isso, proscrever a frenologia? Não, mas examinar o que ela poderia ter de verdadeiro ou de falso nessa maneira de encarar a coisa; ora, esse exame prova que as atribuições do cérebro em geral, e mesmo a localização das faculdades, podem perfeitamente se conciliar com o Espiritualismo, o mais severo, que nela encontra mesmo a explicação de certos fatos. Admitamos por um instante, a título de

hipótese querendo-se, a existência de um órgão especial para o instinto musical; suponhamos, por outro lado, como nos ensina a Doutrina Espírita, que um Espírito, cuja existência é bem anterior ao seu corpo, e chega com a faculdade musical muito desenvolvida, essa faculdade se exercerá naturalmente, sobre o órgão correspondente, e impelirá para o seu desenvolvimento como o exercício de um membro aumenta o volume dos músculos. Na infância, o sistema ósseo oferecendo pouca resistência, o crânio sofre a influência do movimento expansivo da massa cerebral; assim, o desenvolvimento do crânio é produzido peto desenvolvimento do cérebro, como o desenvolvimento do cérebro é produzido pelo da faculdade; a faculdade é a causa primeira; o estado do cérebro é um efeito consecutivo; sem a faculdade, o órgão não existiria, ou não seria senão rudimentar. Encarada sob este ponto, a frenologia não tem, como se vê, nada de contrário à moral, porque deixa ao homem toda a sua responsabilidade, e nós acrescentamos que essa teoria, ao mesmo tempo, está conforme a lógica e a observação dos fatos. Objetam com os casos bem conhecidos em que a influência do organismo sobre a manifestação das faculdades é incontestável, como os da loucura e da idiotia, mas a questão é fácil de resolver. Vêem-se, todos os dias, homens inteligentes tomarem-se loucos; o que isso prova? Um homem muito forte pode quebrar a perna, e então ele não pode mais andar; ora, a vontade de andar não está na perna, mas em seu cérebro; somente essa vontade está paralisada pela impossibilidade que tem de movimentar a perna. No louco, o órgão que servia às manifestações do pensamento estando desequilibrado, por uma causa física qualquer, o pensamento não pode mais se manifestar de um modo regular; ele erra a torto e a direito fazendo o que chamamos de extravagâncias; mas a sua integridade não é menor, e a prova aí está, é que se o órgão pode ser restabelecido, o pensamento retorna, como o movimento da perna que está melhorada. O pensamento não existe, pois, mais no cérebro que na caixa óssea do crânio; o cérebro é o instrumento do pensamento como o olho é o instrumento da visão, e o crânio é a superfície sólida que se molda sobre os movimentos do instrumento; se o instrumento está deteriorado, a manifestação não mais ocorre, absolutamente como, quando se perdeu um olho, não se pode mais ver. Mas ocorre, algumas vezes, que a parada da livre manifestação do pensamento não é devida a uma causa acidental, como na loucura; a constituição primitiva dos órgãos pode oferecer, ao Espírito, desde o nascimento, um obstáculo do qual toda a sua atividade não pode triunfar; é o que ocorre quando os órgãos estão atrofiados, ou

apresentam uma resistência insuperável; tal é o caso do idiota. ( Espírito está como aprisionado, e sofre desse constrangimento, mas não pensa menos como Espírito, tanto quanto o prisioneiro sob os ferrolhos. O estudo das manifestações do Espírito de pessoas vivas, pela evocação, lança uma grande luz sobre os fenômenos psicológicos; isolando-se o Espírito da matéria, prova-se, pelos fatos, que os órgãos não são a causa das faculdades, mas simples instrumentos com a ajuda dos quais as faculdades se manifestam, com mais ou menos de liberdade e de precisão; que, freqüentemente, são como os abafadores que amortecem as manifestações, o que explica a maior liberdade do Espírito, uma vez desligado da matéria. Na idéia materialista, o que é um idiota? Nada; apenas um ser humano; segundo a Doutrina Espírita, é um ser dotado de razão como todo o mundo, mas enfermo de nascença pelo cérebro, como outros o são por outros membros. Esta doutrina, em reabilitando-o, não é mais moral, mais humana, que aquela que dele faz um ser de refugo? Não é mais consolador, para um pai, que tem a infelicidade de ver uma tal criança, pensar que esse envoltório imperfeito encerra uma alma pensante? Àqueles que, sem serem materialistas, não admitem a pluralidade das existências, perguntamos o que é a alma do idiota? Se a alma é formada ao mesmo tempo que o corpo, por que Deus cria seres assim desfavorecidos? Qual será a sua sorte futura? Admiti, ao contrário, uma sucessão de existências, e tudo se explica segundo a justiça, o idiotismo pode ser uma punição ou uma prova, e, em todos os casos, não é senão um incidente na vida do Espírito; isso não é maior, mais digno da justiça de Deus, que supor que Deus criou um ser abortado para a eternidade? Lancemos, agora, um golpe de vista sobre a fisiognomonia. Esta ciência está fundada sobre o princípio incontestável de que é o pensamento que põe em jogo os órgãos, que imprime aos músculos certos movimentos; de onde se segue que, estudando-se as relações dos movimentos aparentes com o pensamento, desses movimentos que se vêem pode-se deduzir o pensamento que não se vê; assim é que não se enganará quanto à intenção daquele que faz um gesto ameaçador ou amigável; que se reconhecerá pelo modo de andar o homem apressado daquele que não o é. De todos os músculos, os mais móveis são os da face; freqüentemente, ali se refletem, até as nuanças, os mais delicados pensamentos; por isso se disse, com razão, que o rosto é o espelho da alma. Pela freqüência de certas sensações, os músculos contraem o hábito dos movimentos correspondentes, e acabam por formar-lhe a ruga; a forma exterior se modifica, assim, pelas impressões da alma, de onde se segue que, dessa forma, algumas vezes, pode-se deduzir essas

impressões, como do gesto se pode deduzir o pensamento. Tal é o princípio geral da arte ou, querendo-se, da ciência fisiognomônica; esse princípio é verdadeiro; não só porque se apóia sobre uma base racional, mas está confirmado pela observação, e Laváter tem a glória, senão de tê-lo descoberto, ao menos de tê-lo desenvolvido e formulado em corpo de doutrina. Infelizmente, Laváter caiu num defeito comum à maioria dos autores de sistemas, e ó que, de um princípio verdadeiro em certos aspectos, concluem numa aplicação universal, e, no seu entusiasmo por descobrir uma verdade, vêem-na por toda a parte: aí está o exagero e, freqüentemente, o ridículo. Não temos que examinar aqui o sistema de Laváter em seus detalhes; diremos somente que tanto é conseqüente remontar do físico ao moral por certos sinais exteriores, quanto ó ilógico atribuir um sentido qualquer às formas ou sinais sobre os quais o pensamento não pode ter nenhuma ação. É a falsa aplicação de um princípio verdadeiro que o tem, freqüentemente, relegado à classe de crenças supersticiosas, e que faz confundir, na mesma reprovação, aqueles que vêem justo e que aqueles que exageram. Diremos, entretanto, para ser justo, que a falta, freqüentemente, está menos no mestre que nos discípulos, que, em sua admiração fanática e irrefletida, algumas vezes, estendem as conseqüências de um princípio além dos limites do possível. Se examinarmos agora essa ciência nas suas relações com o Espiritismo, teremos a combater várias induções errôneas que dela se poderiam tirar. Entre as relações fisiognomônicas, uma há, sobretudo, sobre a qual a imaginação freqüentemente se exerce, que é a semelhança de certas pessoas com certos animais; tentemos, pois, procurar-lhe a causa. A semelhança física resulta, entre parentes, da consangüinidade que transmite, de um a outro, as partículas orgânicas semelhantes, porque o corpo procede do corpo; mas não poderia vir ao pensamento de ninguém supor que aquele que se assemelha a um gato, por exemplo, tem sangue de gato nas veias; ela tem, pois, uma outra fonte. Primeiro, ela pode ser fortuita e sem significação alguma, e é o caso mais comum. Entretanto, além da semelhança física, nota-se, algumas vezes, analogia de inclinações; isso poderia se explicar pela mesma causa que modifica os traços da fisionomia; se um Espírito, ainda atrasado, conserva alguns traços dos instintos do animal, seu caráter, como homem, carregará os seus traços, e as paixões que o agitam poderão dar, a esses traços, alguma coisa que lembre vagamente as do animal, do qual tem os instintos; mas esses traços se apagam à medida que o Espírito se depura e que o homem avança no caminho da perfeição.

Seria, pois, aqui, o Espírito que imprimiria a sua marca na fisionomia; mas da semelhança de instintos seria absurdo concluir que o homem que tem os do gato possa ser a encarnação do Espírito de um gato. O Espiritismo, longe de ensinar uma semelhante teoria, dela sempre demonstrou o ridículo e a impossibilidade. Nota-se, é verdade, uma gradação contínua na série animal; mas entre o animal e o homem há solução de continuidade; ora, admitindo-se mesmo, o que não é senão um sistema, que o Espírito tenha passado por todos os graus da escala animal, antes de chegar ao homem, haveria sempre, de um ao outro, uma interrupção que não existiria se o Espírito do animal pudesse se encarnar diretamente no corpo do homem. Se assim fora, entre os Espíritos errantes haveria Espíritos de animais, como há Espíritos humanos, o que não tem lugar. Sem entrar no exame aprofundado dessa questão, que discutiremos mais tarde, dizemos, segundo os Espíritos, que estão nisso de acordo com a observação dos fatos, que nenhum homem é a encarnação do Espírito de um animal. Os instintos animais do homem prendem-se à imperfeição de seu próprio Espírito ainda não depurado, e que, sob a influência da matéria, dá a preponderância às necessidades físicas sobre as necessidades morais e o senso moral, não ainda suficientemente desenvolvido. Sendo as mesmas as necessidades físicas no homem e no animal, disso resulta, necessariamente, que, até naquilo que o senso moral haja estabelecido um contrapeso, pode aí haver, entre eles, uma certa analogia de instintos; mas aí se detém a paridade; o senso moral, que não existe num, que germina primeiro e cresce sem cessar no outro, estabelece entre eles a verdadeira linha de demarcação. Uma outra indução, não menos errada, é tirada do princípio da pluralidade das existências. De sua semelhança com certos personagens, há os que concluem poderem ter sido esses personagens; ora, pelo que precede, é fácil demonstrar-lhes que aí não está senão uma idéia quimérica.. Como dissemos, as relações consangüíneas podem produzir uma semelhança de formas, mas não está aqui o caso, e Esopo pôde, mais tarde, ser um homem muito bonito, e Sócrates um forte e belo jovem; assim, quando não há filiação corpórea, não se pode ver senão uma semelhança fortuita, porque não há nenhuma necessidade, para o Espírito, de habitar corpos semelhantes, e em se tomando um novo corpo não lhe traz nenhuma parcela do antigo. Entretanto, segundo o que dissemos acima, do caráter que as paixões podem imprimir aos traços, poder-se-ia pensar que, se um Espírito não progrediu sensivelmente, ele retorna com as mesmas inclinações, e poderá ter sobre o seu rosto idêntica expressão; isso é exato, mas seria no máximo

um ar de família, e daí a uma semelhança real há muita distância. Esse caso, de resto, deve ser excepcional, porque é raro que o Espírito não venha, numa outra existência, com as disposições sensivelmente modificadas. Assim, dos sinais fisionômicos não se pode tirar nenhum indício de existências precedentes; não se pode encontrá-los senão no caráter moral, nas idéias instintivas e intuitivas, nos pendores inatos, naqueles que não são o fato da educação, assim como na natureza das expiações que se sofre; e ainda isso não poderia indicar senão o gênero de existência, o caráter que se deveria ter, tendo-se em conta o progresso e não a individualidade. (Ver O Livro dos Espíritos, números 216 e 217).

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