A Fé Cristã Estudos Baseados No Breve Catecismo de Westminster Com Thomas Watson

February 11, 2017 | Author: nelson | Category: N/A
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A FE CRISTA Estudos baseados no Breve Catecismo de Westminster O clássico A Body o f Divinity de

Thomas Watson

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A Fé Crista A Fé Cristã - Estudos no Breve Catecismo de Westminster, por Thomas Watson O 2009 Editora Cultura Cristà. Publicado originalmente em 1692 como parte da obra A Body o f Divinity. 1" edição da Banner o f Truth Trust a partir da edição de 1890: 1958. Edição revisada da Banner: 1965. São reservados todos os direitos desta tradução. I* edição - 2009 —3.000 exemplares Conselho Editorial Ageu Cirilo de Magalhães, Jr. Alderi Souza de Matos André Luis Ramos Cláudio Marra (Presidente) Fernando Hamilton Costa Francisco Solano Portela Neto Mauro Fernando Meister Tarcizio José Freitas de Carvalho Valdeci da Silva Santos Produção Editorial Tradução Trinity Traduções e Produções S/C Ltda Revisão Charles Marcelino da Silva Wilton de Lima Edna Guimarães Editoração Rissato Capa Osiris C. Rangel Rodrigues

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Watson, Thomas A fé cristã, estudos baseados no breve catecismo de Westminster / Thomas Watson; traduzido por Trinity Traduções e Publicações S/C. _ São Paulo: Cultura Cristã, 2009 368 p.: 16x23cm Tradução A Body o f divinity ISBN 978-85-7622-290-3 I. Fé cristã 2. Doutrina I. Título 234.1 CDD

CÊ CDITORfl CULTURA CRISTÃ R. Miguel Teles Jr., 394 - Cambuci - SP 15040-040 - Caixa Postal 15.136 Fone (011) 3207-7099 - Fax (011) 3279-1255 www.editoraculturacrista.com.br Superintendente: Haveraldo Ferreira Vargas Editor: Cláudio Antônio Batista Marra

Sumário Biografia de Thomas W atson...................................................................................

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I. Preâmbulo - Firmes e fundamentados na f é ...................................................... 1. É dever dos cristãos se firmarem na doutrina........................................... 2. É dever dos cristãos se fundamentarem na doutrina...............................

15 15 18

II. Primeira Parte - O Homem e as Sagradas Escrituras....................................

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A. O fim principal do hom em ........................................................................... 1. Glorificar a Deus para sempre............................................................. 2. Deleitar-se em Deus para sem pre....................................................... B. As Sagradas Escrituras.................................................................................. 1. A autoridade das Escrituras Sagradas................................................ 2. As Escrituras canônicas são a regra com pleta.................................. 3. O escopo principal e o fim da Escritura............................................ 4. A legítima interpretação das Escrituras.............................................

21 21 37 43 43 48 48 49

III. Segunda Parte - Deus, seu Ser e seus decretos.............................................

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A. O ser de D eu s.................................................................................................. 1. A existência de D eu s............................................................................. 2. Deus é Espírito...................................................................................... 3. Que tipo de Espírito é Deus?............................................................... B. O conhecimento de D e u s............................................................................. 1. A grandeza do conhecimento de D eu s............................................... 2. A natureza do conhecimento de D e u s ............................................... 3. A infinitude do conhecimento de D eu s.............................................. C. A eternidade de D e u s .................................................................................... 1. O que é a eternidade de D eu s.............................................................. D. A imutabilidade de D eus.............................................................................. 1. Deus é imutável em sua natureza....................................................... 2. Deus é imutável em seu decreto......................................................... E. A sabedoria de D eus...................................................................................... 1. A infinita inteligência de D e u s ........................................................... 2. O trabalho de Deus é perfeito.............................................................. F. O poder de D eu s............................................................................................. 1. Deus tem direito soberano e autoridade sobre o hom em ............... 2. A autoridade e o poder de Deus são infinitos................................... 3. Deus limita o uso de seu poder segundo sua vontade.................... G. A santidade de D e u s...................................................................................... 1. A natureza da santidade de D eu s........................................................ 2. A santidade de Deus em seus ele ito s.................................................

57 57 64 69 74 74 75 76 81 81 86 86 90 92 93 93 99 99 100 102 105 105 108

H. A justiça de D e u s .......................................................................................... ........111 1. O que é a justiça de D eu s? ..........................................................................111 2. Onde identificamos a justiça de D e u s? .....................................................112 3. Deus é justo ao permitir que o ímpio prospere?............................. ........113 4. Deus é justo ao permitir que o justo sofra aflições?...................... ........114 5. Deus é justo ao salvar uns e punir outros?....................................... ........115 I..A misericórdia de D e u s..........................................................................................117 1. Particularidades da misericórdia de D eu s........................................ ........118 2. A natureza da misericórdia de D e u s.................................................. ........121 J. A verdade de D e u s......................................................................................... ........125 1. Deus é a verdade............................................................................................125 2. A verdade de D eu s................................................................................ ....... 125 L. A unidade de D eus......................................................................................... ........130 1. Há somente uma causa primeira......................................................... ........130 2. Há somente um ser infinito......................................................................... 131 3. Há somente um poder onipotente.............................................................. 131 M. A Trindade............................................................................................................. 135 1. A unidade na Trindade................................................................................. 136 2. A Trindade na unidade................................................................................. 136 N. A criação.................................................................................................................140 1. A feitura do m undo............................................................................... ....... 141 2. O adorno do m undo.............................................................................. ....... 142 3. Razões para a criação do m undo............................................................... 143 O. A providência de D eu s......................................................................................... 147 1. A realidade da providência de D eu s.................................................. ....... 147 2. A definição de providência de D eu s.................................................. ....... 147 3. O alcance da providência de D e u s............................................................ 148 4. Objeções à doutrina da providência de D eu s.......................................... 150 5. Proposições sobre a providência de D eu s........................................ ....... 152 IV. Terceira Parte - O pecado e a queda....................................................................... 157 A. O pacto das ob ra s......................................................................................... ....... 157 1. O pacto das obras feito com Adão e toda a humanidade...................... 157 2. Características do pacto feito com A dão.......................................... ....... 158 B. O pecado................................................................................................................ 162 1. Quanto ao pecado em geral................................................................. ....... 162 2. Quanto à odiosidade do p ecad o......................................................... ....... 162 C. O pecado de A dão......................................................................................... ....... 167 1. Nossos primeiros pais caíram de seu glorioso estado de inocência 167 2. O pecado pelo qual nossos primeiros pais caíram foi comer do fruto proibido........................................................................................ ....... 169 D. O pecado origin al......................................................................................... ....... 173 1. No pecado original há algo exclusivo e algo absoluto................... ....... 174 2. Algumas características do pecado original..................................... ....... 175 E. A desgraça do homem no pecado....................................................................... 180

1. Particularmente...................................................................................... ...... 180 2. Absolutamente....................................................................................... ...... 180 V. Quarta Parte - O pacto da graça e seu m ediador.................................................. 187 A. O pacto da graça.................................................................................................. 187 1. Qual é o novo pacto?............................................................................ ...... 187 2. Quais nomes são dados a esse pacto?............................................... ...... 187 3. Por que Deus deveria fazer um pacto conosco?.............................. ...... 188 4. Os dois pactos, da graça e das obras, são diferentes?.................... ...... 188 5. Qual é a condição do pacto da graça?............................................... ...... 189 B. Cristo, o mediador do p a c to .............................................................................. 194 1. A pessoa do mediador do pacto.......................................................... ...... 196 2. A graça do mediador do pacto................................................................... 197 C. O ofício profético de Cristo............................................................................... 200 1. Como Cristo ensina?............................................................................. ...... 200 2. Quais são as lições que Cristo ensina?.............................................. ...... 201 3. Como o ensino de Cristo difere de outros ensinos?.............................. 201 D. O ofício sacerdotal de Cristo............................................................................. 206 1, Em seu oficio sacerdotal. Cristo satisfaz a le i........................................ 207 2. Em seu ofício sacerdotal, Cristo intercede por n ó s............................... 212 E. O ofício real de Cristo................................................................................... ...... 222 1. Cristo é rei em relação a seu p o v o ........................................................... 223 2. Cristo é rei em relação a seus inim igos............................................. ...... 224 F. A humilhação de Cristo em sua encarnação.................................................... 227 G. A exaltação de C risto.................................................................................... ...... 239 1. Em que sentido Deus exaltou a Cristo?................................................... 239 2. De quantas maneiras Cristo foi exaltado?........................................ ...... 239 H. Cristo, o redentor................................................................................................. 245 1. Cristo comprou nossa redenção.......................................................... ......245 VI. Quinta Parte - A Redenção e sua aplicação..........................................................251 A. F é ..................................................................................................................... ......251 1. A natureza da fé salvadora................................................................... ......251 2. A operação da fé salvadora.................................................................. ......253 3. A preciosidade da fé salvadora........................................................... ......253 4. A justificação na fé salvadora....................................................................254 B. Vocação e fic a z ............................................................................................... ......257 C. Justificação............................................................................................................263 1. Definição de justificação..................................................................... ......264 2. Características da justificação...................................................................266 D. A a d o çã o ......................................................................................................... ......269 E. A santificação................................................................................................. ......278 1. O que é santificação?............................................................................ ......279 2. Quais são as falsificações da santificação?...................................... ......281

3. Onde se vê a necessidade da santificação?...................................... ...... 283 4. Quais são os sinais da santificação?.................................................. ...... 284 F. A certeza.......................................................................................................... ...... 289 1. Definição de certeza da santificação................................................. ...... 290 2. A diferença entre certeza e presunção............................................... ...... 291 3. Deve-se procurar essa certeza................................................................... 292 4. Firmando-se nessa certeza................................................................... ...... 297 G A p a z ....................................................................................................................... 301 H. A alegria.......................................................................................................... ...... 307 I..O crescimento na graça........................................................................................ 314 J. A perseverança................................................................................................ ...... 320 1. Ao dizer que os crentes perseveram, admitimos qu e:.................... ...... 321 2. Por quais meios os cristãos perseveram?......................................... ...... 322 3. Argumentos para provar a perseverança dos santos.............................. 323 4. Respondendo a algumas das objeções dos arminianos........................ 325 VII. Sexta Parte - A morte e o último d ia ....................................................................333 A. A morte do justo................................................................................................... 333 1. A vida do cristão é C risto.................................................................... ......333 2. A morte do cristão é lu c r o ................................................................... ......334 B. O privilégio do crente na morte.................................................................. ......339 1. Os cristãos recebem benefícios em sua morte........................................339 2. Os cristãos são unidos a Cristo em sua m orte........................................343 3. Os cristãos têm suas almas glorificadas em sua morte................... ......344 C. A ressurreição................................................................................................. ......350 1. Os justos terão seus corpos glorificados.................................................350 2. Os justos serão justificados publicam ente....................................... ......356

N otas............................................................................................................................. ......363 índice R em issivo..............................................................................................................368

D igitalizado por : Jo g o is2 0 0 6

BIOGRAFIA DE

THOMAS WATSON Compilada por C. H. Spurgeon

A Body o f Divinity [em nossa edição, A Fé Cristã - Estudos baseados no Breve Catecismo de Westminster] é uma das mais preciosas e inigualáveis obras dos puritanos. Todos os que tiveram contato com esta obra sabem muito bem disso. Watson foi um dos escritores mais objetivos, profundos, sugestivos e elucidativos dentre os célebres teólogos que fizeram da era puritana o período dourado da literatura evangélica. Há uma união muito feliz entre a boa doutrina, a profunda experiência e a sabedoria prática evidentes em todas as suas obras. Este livro é, mais que todos os outros, útil aos alunos e aos ministros. Em bora Thom as Watson tenha escrito m uitos livros preciosos, comparativamente pouco se sabe de sua pessoa. Nem mesmo as datas de seu nascimento e morte são conhecidas.1 Seus escritos são suas melhores memórias. Ele talvez não precisasse de outras e, portanto, a providência evitou o desnecessário. Não devemos tentar descobrir sua ascendência e, como fazem os antiquários, encontrar uma famosa família Wat, à qual esteja ligado, cujo filho se destacou nas cruzadas ou em qualquer empreendimento insano. E de pouca importância se teve ou não sangue azul correndo em suas veias, pois sabemos que foi de semente real redimido pelo Senhor. Alguns homens são seus próprios ancestrais e, pelo que sabemos, a genealogia de Thomas Watson não lhe atribuiu fama, mas todo o seu brilho provém de suas realizações. Teve a felicidade de ser educado no Emmanuel College, em Cambridge, que naqueles dias merecia ser chamada de a escola dos santos, a grande mãe que alimentou eruditos evangélicos. No Register and Chronicle de Kennet (vol. 1, págs. 933,934) encontra-se uma lista de 87 nomes de ministros puritanos, incluindo-se muitos famosos e queridos pregadores e comentaristas como: Anth. Burgess, W. Jenkyn, Ralph Venning, Thomas Brooks, T. White, Samuel Slater, Thomas Watson, John Rowe, Dr. W. Bates, Stephen Chamock, Samuel Clarke, Nathaniel Vincent, Dr. John Collings, William Bridge, Samuel Hildersam e Adoniram Bifield. Após cada nome havia um comentário que dizia: “A maioria destes homens é mencionada na lista dos sofredores a favor do não-conformismo e aparece no rol dos alunos matriculados no Emmanuel College. Apesar de serem muitos, sem dúvida são da mesma sociedade que produziu pregadores no contexto das infelizes mudanças de 1641”,2 etc. Na margem da introdução do livro se encontra a seguinte observação: “Não é impróprio observar quantos jovens

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Estudos baseados no Breve Catecism o de Westminster

estudantes, de ambas as universidades, ficaram desanimados em virtude do preconceito de seus diretores e tutores. Por isso, somente Emmanuel College, em Cambridge, produziu mais puritanos e não-conformistas que, talvez, todas as outras sete faculdades ou academias em qualquer uma das universidades”. Um fato como esse deveria direcionar as orações de todos os crentes a favor dos nossos seminários e dos nossos discípulos, pois da maneira como essas instituições são conduzidas dependerá, diante de Deus, o futuro bem-estar de nossas igrejas. O seminário Pastors’ College, que publica esta obra para o uso de seus alunos, pede insistentemente as orações intercessoras dos santos. Não nos surpreende descobrir que Thomas Watson desfrutou a boa reputação de ser o aluno mais aplicado enquanto estudava em Cambridge. Os grandes autores puritanos devem ter sido muito ativos na universidade, ou nunca teriam se tornado inigualáveis m estres em Israel. O aluno consciente é aquele que muito provavelmente se tomará um pregador de sucesso. Após completar seu curso com honras, Watson se tornou reitor da paróquia de St. Stephen, em Walbrook, onde, no coração de Londres, exerceu fielmente o ofício de pastor por quase dezesseis anos, com grande diligência e devoção. Felizes foram os cidadãos que receberam regularmente as m inistrações tão instrutivas e espirituais de Watson. A igreja estava constantemente cheia, pois a fama e a popularidade do pregador eram merecidamente grandes. Envolvendo-se com seu rebanho, cheio de santo zelo pelo destino eterno dele, os anos passaram com muitas alegrias enquanto crescia o respeito por parte de todos os que o conheciam. Calamy,3em seu memorial não-conformista, diz o seguinte de Watson: Ele era tão conhecido na cidade por sua piedade e disposição em ajudar que, embora fosse afamado no Friendly Debate,4 levou para a sepultura o respeito geral de todas as pessoas sérias. Era um homem culto, um pregador popular, mas sensato (se assim podemos julgá-lo por seus escritos), e conspícuo no dom da oração. Sobre com o gostava de orar, segue-se um fato que será prova suficiente. Uma vez, em um dia de palestra, antes de acontecer o Ato de Bartolomeu,5 ficou sabendo que o bispo Richardson veio ouvi-lo na igreja de St. Stephen. O bispo ficou muito satisfeito com seu sermão, mas especialm ente com sua oração ao final, de maneira que o seguiu a fim de lhe agradecer e pedir uma cópia de sua oração. Em resposta, o Sr. Watson disse: “Não posso te dar o que me pedes, pois não escrevo minhas orações. Não é algo estudado, mas espontâneo, pro re nata, com o D eus me capacitou, de todo o meu coração e sentim ento” . O bom bispo foi embora pensativo pelo fato de um homem poder orar daquela maneira extemporaneamente.

Biografia de Thomas Watson

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Entretanto, a mão que outrora oprimira a igreja se estendia novamente para afligir alguns dos santos. Os mais cultos, santos e zelosos do clero da Igreja da Inglaterra descobriram que o ato da uniform idade não lhes permitiria manter suas consciências puras e seus estilos de vida, por isso se submeteram a perder tudo por causa de Cristo. Thomas Watson não hesitou em relação ao caminho que deveria seguir. Não era um faccioso inimigo da realeza, nem um republicano vermelho, nem mesmo um homem da quinta monarquia. Na verdade, havia sido muito leal à casa de Stuart nos dias do Cromwell. Havia protestado contra a execução do rei e se unido ao plano de Love para conduzir Charles II ao trono. Embora tivesse tudo isso a seu favor, era um puritano e, portanto, não deveria ser tolerado pelos espíritos ressentidos que dominavam o governo da época. Quaisquer que tenham sido as sementes de discórdia semeadas na trágica história do Ato de Bartolomeu, ele não guardou rancor. Mas os resultados finais estavam cheios do inimaginável. A compreensão pode ter atrapalhado a verdade. Os direitos da coroa do rei Jesus poderiam ter sofrido de falta de advogados se os monarcas e os sacerdotes tivessem sido mais tolerantes. Da maneira como aconteceu, homens bons foram forçados a uma posição mais verdadeira do que aquela que, por outro lado, ocupavam, e o começo de uma reforma real estava inaugurado. A partir desse começo sofredor houve muito progresso. A cada dia, a causa dos excluídos empurrava e forçava os adversários em direção à beira do precipício, pois abaixo devem cair todos os levantes contra o reino de Deus. Com muitas lágrimas e lamentos, a congregação de St. Stephen viu seu pastor ser arrancado de seu rebanho. Com corações doloridos ouviram suas palavras de despedida. Ele mesmo falando como quem está de luto do que mais deleitava seu coração, sofrendo com alegria a perda de todas as coisas, despediu-se deles e saiu “sem saber aonde ia” . Na coleção Sermões de Despedida, há três sermões do Sr. Watson. Dois foram pregados no dia 17 de agosto e o terceiro na terça-feira seguinte. O primeiro deles, pregado um pouco antes do meio-dia, foi baseado no evangelho de João 13.34: “Novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos o u tro s...” . O serm ão enfoca m uito do esp írito do evangelho, particularmente ao recomendar amor aos inimigos e perseguidores. O segundo sermão, pregado à tarde, foi baseado em 2 Coríntios 7.1: “Tendo, pois, ó am ados, tais prom essas, purifiquem o-nos de toda im pureza, tanto da carne com o do espírito, aperfeiçoando a nossa santidade no tem or de Deus” . Na prim eira parte do sermão, ele insiste muito nas “ ... ardentes afeições de um bom m inistro do evangelho para com seu povo” .

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A fé cristã - Estudos baseados no Breve Catecismo de Westminster

Watson termina essa primeira parte assim: Eu exerci meu m inistério com v o cês por quase d ezesseis anos. E me regozijo e agradeço a Deus por não ter o direito de dizer de vocês que quanto mais vos amei, menos fui amado. Recebi muitos sinais que demonstram o amor de vocês. Ao passo que outras igrejas tenham mais membros que a nossa, entretanto, eu acredito que nenhuma tem tão forte afeição. Tenho observado com muita satisfação a reverente atenção que vocês têm à palavra pregada. E esta luz alegra vocês, não por um breve momento, mas até o dia de hoje. Tenho observado em vocês o zelo contra o erro em momentos críticos, e a unidade e a harmonia que vocês têm. Essa é a honra de vocês. Se for necessária uma interrupção de meu ministério nesta igreja, visto que não seja permitido pregar para vós novamente, contudo não deixarei de amá-los e orar por vocês. Porém, por que deve haver algum a interrupção? Onde está o crim e? A lg u n s, de fato, dizem que so m o s d eslea is e rebeldes. Am ados, m inhas atitudes e sofrim entos por Sua M ajestade são de conhecim ento de m uitos. N o entanto, devem os ir para o céu com elo g io s e críticas. E é bom que possam os chegar à glória, m esm o que lutem os contra baionetas. Eu me esforçarei para ainda mostrar a sinceridade de meu amor por vocês. Não prometerei que outra vez pregarei para essa igreja, nem direi o contrário. Desejo ser guiado pelo fio de prata da Palavra de Deus e sua providência. Meu coração é vosso. Há, com o vós sabeis, uma expressão neste últim o Ato de U niform idade dizendo: “que possamos, em breve, ser com o que naturalmente mortos”. Se eu devo morrer, vou deixar algum legado a vocês.

A seguir, deixou uma lista com vinte orientações admiráveis, dignas do exame fervoroso de cada cristão. A conclusão das orientações foi a seguinte: Rogo a vocês que as guardem com o as muitas jóias no cofre dos corações. Carreguem-nas por onde forem, serão um antídoto para guardar vocês do pecado e um m eio de preservar o zelo da chama da piedade sobre o altar dos corações de vocês. Ainda tenho muito a dizer, mas não sei se Deus me dará outra oportunidade. Minhas forças se extinguem quase de todo. Rogo a vocês que essas coisas produzam uma grande marca em vossas almas. Meditem no que foi dito e o Senhor dará entendimento em todas as coisas.

O último discurso, em 19 de agosto, foi baseado em Isaías 3.10,11: “ Dizei aos justos que bem lhes irá; porque comerão do fruto das suas ações. Ai do perverso! Mal lhe irá; porque a sua paga será o que as suas próprias mãos fizeram” .

Biografia de Thomas Watson

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Após sua saída, Watson pregou esporadicamente onde pudesse fazêlo em segurança. Multas e prisões foram insuficientes para fechar a boca das testemunhas de Jesus. Em barracões, cozinhas, casas de fazendas, vales e florestas, os poucos fiéis se reuniam para ouvir a mensagem de vida eterna. Sem dúvida alguma, as pequenas assembléias secretas eram boas ocasiões para as mentes piedosas: a Palavra do Senhor era preciosa naqueles dias. Pão comido em secreto é proverbialmente doce e a Palavra de Deus na perseguição é especialmente deliciosa. Não podemos imaginar a alegria que antecedia aquelas reuniões ou as m em órias inesquecíveis que permaneciam por muito tempo depois que acabavam. Após o grande incêndio de 1666, quando igrejas foram queimadas, o Sr. Watson e outros nâo-conformistas prepararam grandes salas para os que desejavam se reunir. Em um tem po de tolerância, em 1672, ele conseguiu uma licença para usar uma grande sala na Crosby House, no lado leste da rua Bishopsgate, que pertencia a Sir John Langham (um nãoconformista). Foi uma circunstância em que o digno nobre favoreceu a causa da não-con form idade e que tão distinta câmara estava à sua disposição. Ali, Watson pregou por vários anos. O Rev. Stephen Chamock, B.D. tomouse seu pastor auxiliar na Sala Crosby, em 1675, e continuou até sua morte em 1680. Dois ótimos pastores para o rebanho. Homens assim, com dons e graças tão extraordinários, dificilmente, se é que isso ocorreu alguma vez, uniram-se em um único pastorado. Ambos se propuseram a escrever um livro sobre fé cristã, e o volume piedoso sobre Os Atributos Divinos foi a primeira pedra colocada pelo pastor Chamock numa estrutura colossal que conseguiu completar. Watson foi mais modesto na tentativa de escrever, e este volume mostra como teve sucesso. Thomas Watson, depois de um tempo, voltou a Essex, onde morreu repentinamente em seu quarto enquanto orava. Morreu por volta dos anos de 1689 ou 1690. A data de seu nascimento e a de sua morte não são mencionadas em lugar algum. Na b io g ra fia do C o ro n el Jam es G a rd in e r há um a cita ç ã o impressionante: Em julho de 1719, um sábado, ele havia passado o com eço da noite com companhias agradáveis. Dentre elas havia uma senhora casada com quem com binou um encontro am oroso secreto à m eia-noite. A reunião de am igos acabou às 23 horas e então, enquanto aguardava dar meia-noite, foi para seu quarto esperar o tedioso tempo passar. Aconteceu que ele pegou um livro religioso, que sua boa mãe ou tia havia colocado em sua sacola. O livro se chamava O Soldado Cristão, escrito pelo Sr. Watson. Pensando, pelo título, que iria achar algumas frases espiritualizadas de sua profissão que pudessem fazê-lo rir,

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A f é cristã - Estudos baseados no Breve C atecism o d e Westminster

com eçou a lê-lo. Enquanto aquele livro estava em suas mãos, uma im pressão v e io sobre sua m ente que resultou em uma série de conseqüências muito importantes. De repente, pensou ter visto um brilho incomum de luz cair sobre o livro enquanto o estava lendo e, ao levantar seus olhos, descobriu, para sua perplexidade extrema, que diante dele estava suspensa no ar uma representação de Jesus Cristo na cruz, rodeado de glória. Ficou impressionado com o se uma voz lhe dissesse: “Pecador, eu sofri isto por ti e assim me retribuis?” Ele afundou na cadeira e ficou algum tempo sem ação. Então, levantou-se com os sentimentos confusos, andou de um lado para o outro em seu quarto até quase cair pela incom um surpresa e agonia no coração. Isso continuou até outubro do ano seguinte, quando suas ansiedades foram transformadas em alegria indizível.

O Sr. Watson publicou vários livros sobre assuntos práticos e úteis, dentre eles podemos citar os mais importantes: Three treatises: 1. The Christians Charter; 2. The Art o f Divine Contentment; 3. A Discourse o f Meditation, ao qual foram acrescentados vários sermões em 1660. Esse volume contém, além dos três tratados, G o d ’s Anatomy upon Man s Heart, The Saint s Delight, A Christian on Earth still in Heaven, Christ s Loveliness, The Upright Man s Character and Crown, The One Thing Necessary, The Holy Longing', ou, The Saint s Desire to be with Christ, Beatitudes', ou, A D iscourse upon part o f C hrist’s Famous Sermon upon the Mount, 1660, A Body o f Practical Divinity, etc., além de alguns sermões: A Divine Cordial, The Holy Eucharist, Heaven taken by Storm, etc. Porém, sua obra principal foi A Body o f Divinity,6 uma coleção de 176 sermões sobre o Breve Catecismo da Assembléia de Westminster, que só apareceu depois de sua morte. Esse livro foi publicado em um volume, em 1692, e acompanhava uma descrição do autor feita por Stuart, além de um prefácio recom endatório feito pelo rev. William Lorimer e 25 outros ministros de destaque da época. Por muitos anos, esse volume continuou a ensinar teologia ao povo comum e ainda pode ser encontrado em cabanas pobres da Escócia. O Rev. George Rogers, diretor do The Pastor’s College, foi quem cuidadosamente organizou o lançamento desta edição atual e escreveu uma nota para nós: Não conheço outra obra com tanto material para sermão dentro da mesma área. Em Howe, Chamock e Owen geralmente lemos bastante antes de fechar o livro e elaborar um sermão, mas Watson nos ensina a cortar o caminho. Tudo que diz pode ser usado, por isso, penso, seria uma obra de grande valor para todos os nossos alunos que exercem o ministério pastoral. Foi para benefício deles, suponho, que foi feita a reedição. Vários sermões selecionados, que geralmente são relacionados

Biografia de Thomas Watson

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a esta obra, não aparecem aqui, mas aparecerão na obra completa de suas obras na série feita por Nichol. Este é um trabalho distinto e com pleto em si. Todas as edições existentes que já verificam os estão cheias de erros e im perfeições. Esta edição foi retificada, não inteiramente, mas conforme o esperado. Nenhuma mudança de posição foi feita, mas cada detalhe do que o autor quis dizer foi cautelosam ente mantido. O estilo foi modernizado sem que deturpasse suas características. Sentenças longas foram divididas em duas ou três, quando possível, sem ferir a clareza ou força da sig n ifica çã o . Palavras ob soletas foram substituídas por m odernas. C ita çõ es latinas foram restauradas à form a correta, conform e suas fontes foram confirmadas, e as divisões de assuntos foram organizadas com mais lógica. O todo ficou m ais legível e, conseqüentem ente, mais atrativo e inteligível, que em nossa opinião sobrepuja todas as supostas vantagens que poderiam se levantar na perpetuação de crueldades e vulgaridades (da linguagem ) dos tempos passados conform e parecem agora para nós. Ao se popularizar obras antigas, multiplica-se os leitores de tais obras e suas mensagens podem ser mais rapidamente apreendidas.

I. PREÂMBULO FIRMES E FUNDAMENTADOS NA FÉ

“ ... se é que permaneceis na fé, alicerçados e firmes...” (Cl 1.23).

Considerando que, no próximo domingo, iniciarei uma instrução na doutrina com a igreja, toma-se útil um sermão introdutório para mostrar a vocês quanto é necessário ao cristão ser bem instruído nos fundamentos da religião, “se é que permaneceis na fé, alicerçados e firmes...” . Este serm ão está dividido em duas partes: 1. E dever dos cristãos se firm arem na doutrina, e 2. E dever dos cristãos se fundam entarem na doutrina. 1. É dever dos cristãos se firmarem na doutrina É obrigação dos cristãos serem firmes na doutrina da fé. O apóstolo afirma: “Ora, o Deus de toda a graça..., ele mesmo vos há de aperfeiçoar, firmar, fortificar e fundamentar” (1 Pe 5.10). Essas palavras ensinam que os cristãos não devem ser semelhantes aos meteoros no céu, mas como as estrelas fixas. O apóstolo Judas fala sobre “estrelas errantes” (Jd 13). São chamadas estrelas errantes porque, como Aristóteles7 diz: “elas vão para cima e para baixo vagueando por várias partes do céu; e por não serem feitas do mate­ rial celeste do qual as estrelas fixas são, mas apenas uma emanação dele, essas estrelas geralmente caem na terra”.8 Assim são aqueles que não são firmes na fé. Uma hora ou outra, eles farão como as estrelas cadentes, p erderão a firm eza e v ag u earão de uma a outra o p in ião . A girão impetuosamente à semelhança da tribo de Rúben (Gn 49.4); como um navio sem lastro, levado por qualquer vento de doutrina. O francês Leodore Beza (1519-1603), sucessor de Cal vino, escreve sobre Belfectius de quem a religião mudava como a lua. Os arianos,’ por sua vez, a cada ano mudavam a sua fé. Pessoas assim não são pilares no templo de Deus, mas caniços movidos para todas as direções. O apóstolo chama tal atitude de “heresias destruidoras” (2Pe 2.1). Uma pessoa pode ir para o inferno tanto por heresia quanto por adultério. Não ser firme na fé é querer julgamento. Se as mentes deles não fossem volúveis, não mudariam tão rápido de opinião. A razão de tal atitude é a falta de substância. Como penas sopradas para todos os lados, assim também são os cristãos sem fé.

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Como disse Cipriano:10 “O trigo que não é ajuntado, o vento sopra como palha” . Portanto, são comparados às crianças: “para que não mais sejamos como meninos, agitados de um lado para outro...” (E f 4.14). As crianças são volúveis, às vezes se comportam de um modo e às vezes de outro. Nada lhes agrada por muito tempo. Por isso, cristãos que não são firmes, são infantis. As verdades que abraçam em um momento rejeitam noutro. As vezes gostam da religião protestante, mas logo se agradam dos papistas. /. O propósito da pregação é conduzir à firm eza na religião O grande propósito da pregação da Palavra é conduzir à firmeza na fé. Efésios 4.11,12,14 diz: “E ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas e outros para pastores e mestres, com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo... para que não mais sejamos como meninos...” . A Palavra de Deus é chamada de martelo (Jr 23.29). Cada pancada do martelo serve para firmar os pregos na madeira, assim a palavra do pregador serve para firmar o ouvinte mais e mais em Cristo. Os pregadores se desgastam para fortalecer e firmar o crente. E este é o grande propósito da pregação: não somente iluminar, mas edificar almas; não somente guiar no caminho certo, mas manter no caminho. Então, se você não for firmado, não atingiu o propósito de Deus que concedeu a você a instrução. 2. Firmar-se na f é é uma honra e uma qualidade do cristão Firmar-se na fé é tanto uma honra para os cristãos quanto uma qualidade. E sua qualidade. Quando o leite fica firme, vira nata; o cristão zeloso pela verdade andará em comunhão com Deus. A honra do cristão são as cãs: “Coroa de honra são as cãs, quando se acham no caminho da justiça” (Pv 16.31). É maravilhoso ver um discípulo idoso, ver cabelos prateados enfeitados com virtudes de ouro. 3. Aqueles que não são firm es na f é nunca sofrerão peto reino de Deus Aqueles que não são firmados na fé nunca poderão sofrer por ela. Céticos jam ais experimentam o martírio. Aqueles que não estão firmes, estão em suspense. Quando pensam nas alegrias do céu se entregam ao evangelho, mas quando pensam nas perseguições, o abandonam. Cristãos que não são firmes não levam em consideração o que é melhor, mas o que é mais seguro. Tertuliano" diz que “o apóstata parece colocar Deus e Satanás em uma balança e, depois de pesar ambos, prefere servir ao maligno. Proclama-o como o melhor mestre e, neste sentido, ‘expõe Cristo à ignomínia’” (Hb 6.6). Ele nunca sofrerá pela verdade, mas será como,

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um soldado que deixa sua farda e corre para o lado do inimigo. Lutará do lado do maligno por lucro. 4. Não ser firm e n a fé é provocar a Deus Dar-se à verdade e depois se desviar traz mal-estar sobre o evangelho, e isso não ficará sem punição. “Tomaram atrás e se portaram aleivosamente como seus pais; desviaram-se como um arco enganoso... Deus ouviu isso, e se indignou, e sobremodo se aborreceu de Israel” (SI 78.57,59). O apóstata cai repentinamente na boca do demônio. 5. Não ser firm e na religião impede o crescimento na vida cristã Caso você não seja firme na fé, nunca crescerá. Somos ordenados a crescer “naquele que é a cabeça, Cristo” (E f 4.15). Contudo, se não estamos firmados, não há crescimento: “a planta que é constantemente transplantada, nunca cresce” . Quem não é firme não pode crescer na piedade, como um osso do corpo não pode crescer se estiver fora da junta. 6. Firmar-se na religião para resistir àqueles que tentam nos abalar Há uma grande necessidade de ser firme em razão de tantas coisas que existem para nos abalar. Os sedutores estão por toda parte. E o trabalho deles é afastar as pessoas dos princípios da fé: “Isto que vos acabo de escrever é acerca dos que vos procuram enganar” (U o 2.26). Os enganadores são agentes do maligno; são os grandes bandidos que tentam nos tirar da verdade. Eles têm línguas de prata que podem semear coisas más. Eles são astuciosos em induzir ao erro (E f 4.14). A palavra grega para astúcia, em Efésios 4.14, provém do jogo de dados. Há os que jogam dados e o fazem para vantagem própria. Sedutores são impostores, podem jogar um dado. Podem dissimular e distorcer a verdade enganando os outros. Sedutores enganam pelo uso inteligente das palavras. Romanos 16.18 diz: “ ... com suaves palavras e lisonjas, enganam o coração dos incautos”. Eles apresentam frases elegantes, uma linguagem bajuladora com a qual atacam o caráter do mais fraco. Outra astúcia dos sedutores é sua pretensa piedade extraordinária, de m aneira que m uita gente os adm ira e corrobora suas doutrinas. Parecem homens zelosos, santos e divinamente inspirados, mas simulam novas revelações. Uma terceira enganação por parte dos sedutores é seu trabalho para difamar e anular mestres da boa ortodoxia. Ofuscam aqueles que trazem a verdade, como a fumaça negra que escurece a luz do céu. Difamam outros para que sejam mais admirados. Assim os falsos mestres depreciaram Paulo, a fim de serem o centro das atenções (G1 4.17).

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A quarta enganação por parte dos sedutores é sua pregação da doutrina da liberdade. Como se o homem estivesse livre da lei moral, da regra e do castigo, e Cristo tenha feito tudo por eles e não precisassem fazer mais nada. Transformam a doutrina da livre graça em uma porta para toda licenciosidade. Outra maneira usada pelos enganadores é o estrem ecimento dos cristãos por meio da perseguição (2Tm 3.12). O evangelho é uma rosa que não pode ser arrancada sem espinhos. O legado que Cristo deixou em herança é a CRUZ. Enquanto houver o diabo e um homem da iniqüidade no mundo, não espere a isenção de problemas. Muitos são os que caem na hora da perseguição. Apocalipse 12.3,4 fala sobre “um dragão, grande, vermelho, com sete cabeças, dez chifres e, nas cabeças, sete diademas. A sua cauda arrastava a terça parte das estrelas do céu...” . O dragão vermelho, por seu poder e sutileza, arrastou estrelas, ou destacados mestres, que pareciam brilhar como estrelas no firmamento da igreja. Não estar firmado no bem é o pecado dos demônios (Jd 6). São chamados “estrelas da alva” (Jó 38.7), mas são “estrelas cadentes”. Eram santos, mas mudaram. À semelhança de um navio que naufragou, eles, quando suas velas (corações) se incharam de orgulho, foram derrubados (lT m 3.6). Com a inconstância, os homens imitam anjos caídos. O diabo foi o primeiro apóstata. Os filhos de Sião devem ser como o monte Sião, que não se abala. 2. É dever dos cristãos se fu n d am en tarem na d o u trin a A segunda proposição ensina que a melhor maneira de os cristãos estarem firmes é se fundamentar bem. O texto bíblico diz: “se é que permaneceis na fé, alicerçados e firmes” . A palavra grega traduzida por alicerçados é uma metáfora que se refere a uma construção cujo alicerce está bem colocado. Assim, os cristãos devem se fundamentar nos pontos essenciais da fé e ter seu alicerce bem colocado. Preciso esclarecer algumas coisas em relação a essa fundamentação. I. Devemos nos fundam entar no conhecimento das coisas elementares Em Hebreus 5.12, o apóstolo12 fala de “princípios elementares dos oráculos de Deus”. Em todas as artes e ciências, na lógica, na física, na matemática, há alguns conhecimentos prévios, algumas regras e princípios que devem necessariamente ser apreendidos para a prática daquelas artes. No estudo teológico, os princípios elementares devem ser os primeiros a ser fundamentados. O conhecimento das bases e dos princípios da fé é muitíssimo útil, por algumas razões que apresentarei agora. i. Essa fundam entação ajuda a servir a Deus adequadam ente. Sem o conhecimento dos fundamentos da religião não poderemos servir a Deus

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adequadamente. Nunca poderemos adorar a Deus de maneira aceitável, a menos que o adoremos regularmente. E como podemos fazer isso se somos ignorantes quanto às regras e aos elementos da fé cristã? Devemos oferecer a Deus um “culto racional” (Rm 12.1), mas se não entendemos as bases da fé, como pode ser um culto racional? ii. Essa fu n dam en tação é útil para en riq u ecer nossa m ente. O conhecim ento dos fundamentos da fé enriquece muito a mente do cristão. É uma lâmpada para nossos pés, dirige-nos durante todo o curso do Cristianismo, como o olho dirige o corpo. O conhecimento das coisas elementares é uma chave de ouro que abre os principais mistérios da fé. Dá-nos um sistem a com pleto e um corpo da teologia, exatam ente esquematizado em todos os seus delineamentos e cores vivas. Ajuda-nos a entender muitas das dificuldades que ocorrem na leitura da Palavra. Ajudanos a desenvolver muitos pontos entrelaçados nas Escrituras. iii. Essa fundamentação nos equipa para resistir aos adversários. Ela nos fornece uma arma em provações. Ela nos equipa com uma armadura resistente, e nos arma para lutar contra os adversários da verdade. iv. Essa fundamentação é a semente da qual a graça é gerada. É a semente da fé (SI 9.10). E a raiz do amor, “... estando vós arraigados e alicerçados em amor” (E f 3.17). O amor aos princípios leva à formação de um cristão completo. 2. Devemos ser fundamentados para permanecer firm es Buscar nossa fundamentação é a melhor maneira de permanecermos firmes: "... alicerçados e firmes ...”. Uma árvore bem firme deve ser uma árvore bem enraizada, para sermos bem firmes na religião precisamos estar enraizados em seus princípios. Lemos em Plutarco13 sobre um homem que cuidava de um cadáver. O cadáver não ficava em pé. Então aquele homem disse: “E necessário haver alguma coisa por dentro” . Assim, para que possamos ficar em pé em momentos difíceis, deve haver um princípio de conhecimento dentro de nós. Primeiramente, alicerçados e, então, firmes. Para que um navio não vire, é necessário que tenha sua âncora baixada. O conhecimento dos princípios é para a alma como a âncora para o navio: ele a segura firme no meio de ondas vivas do erro, ou dos ventos violentos da perseguição. Primeiramente, alicerçados e, depois, firmes. A

p l ic a ç õ e s

Primeira aplicação: aí está a razão por que tantas pessoas são instáveis, prontas a abraçar qualquer opinião nova e se vestirem da religião da última moda. A razão é não estarem alicerçadas. Vejam só como o apóstolo Pedro alinha essas duas características ao fazer menção de “ignorantes e instáveis”

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(2Pe 3.16). Da maneira como são ignorantes quanto aos aspectos principais da teologia, são instáveis. Como o corpo não pode ser forte tendo apenas tendões atrofiados, também o cristão que tem falta dos fundamentos do conhecimento não pode ser forte na fé, pois são os tendões que o fortalecem e o firmam em pé. Segunda aplicação: vejam a grande necessidade que há da construção das bases principais da fé por meio da instrução doutrinária, para que a opinião mais fraca possa ser instruída no conhecimento da verdade e fortalecida no amor a ela. Doutrinar é a melhor maneira para alicerçar e firmar as pessoas. Eu temo que muito mais benefícios não são produzidos por meio da pregação pelo fato de os temas principais e os artigos da fé não serem explicados de uma maneira doutrinária. Doutrinar é lançar a base (Hb 6.1). Pregar e não ensinar doutrinariamente é construir sem fundamento. Essa maneira de doutrinar não é uma novidade, ela vem desde os tempos apostólicos. A igreja primitiva tinha suas formas de catecismo, como as seguintes frases pressupõem: um “padrão das sãs palavras” (2Tm 1.13) e “os princípios elementares dos oráculos de Deus” (Hb 5.12). A igreja tinha seus catechumenoi (alunos), como Grócio14 e Erasmo15 observam. Muitos dos pais da igreja, como Fulgêncio, Austin, Teodoreto, Lactâncio e outros, escreveram a favor do ensino doutrinário.16 Deus fez a instrução na fé se suceder muito bem. Assim, lançando as bases da religião de modo doutrinário, os cristãos foram muito bem instruídos e maravilhosamente edificados na fé cristã, a tal ponto de Julião, o apóstata, vendo o grande sucesso da instrução na fé, ter desprezado todas as escolas, bibliotecas e o ensino dos jovens. Por isso, meu propósito é (com a bênção de Deus) com eçar este trabalho de doutrinamento no próximo dia de Sabbath,* à tarde. Eu farei desse propósito meu maior esforço a fim de lançar as bases e fundamentos da religião de maneira doutrinária. Se eu for impedido de fazê-lo por hom ens, ou levado p ela m orte, esp ero que D eus lev an te o u tro s trabalhadores da vinha entre vós, que possam aperfeiçoar o trabalho que estou começando agora.

II. PRIMEIRA PARTE O HOMEM E AS SAGRADAS ESCRITURAS

P e r g u n t a s 1 jç 2

A. O _FIM

PRINCIPAL DO HOM EM

PERGUNTA 1: Q ual é o fim principal do hom em ? RESPOSTA: O fim principal do homem é glorificar a Deus e deleitarse nele para sempre. Nessa pergunta são apresentadas duas finalidades específicas para a vida: A. A glorificação de Deus, e B J satisfação com Deus. 1. G lorificar a Deus p ara sem pre A Bíblia diz: “para que em todas as coisas seja Deus glorificado” (1 Pe 4.11). A glória de Deus é o fio de prata que deve estar presente em todas as nossas ações: “ ... quer comais, quer bebais, ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus” (1 Co 10.31). No mundo natural e nas coisas artificiais, tudo coopera para uma finalidade. Portanto, o homem, sendo uma criatura racional, deve propor uma finalidade para si mesmo, a qual deveria ser exaltar Deus no mundo. A finalidade de sua existência é mais importante que a própria vida. A grande verdade já nos foi apresentada e nos afirma que a finalidade da existência de todo homem deveria ser glorificar a Deus. Glorificar a Deus diz respeito a todas as pessoas da Trindade. Diz respeito a Deus, o Pai, que nos deu vida; Deus, o Filho, que entregou sua vida por nós; e Deus, o Espírito Santo, que produz uma nova vida em nós. Devemos dar glória a toda a Trindade. a. O que é a glória de Deus? Quando falamos da glória de Deus, a melhor abordagem é a seguinte pergunta: o que se entende por glória de Deus? A glória de Deus pode ser considerada de duas maneiras: a glória que Deus tem em si mesmo, a sua glória intrínseca, e a glória que é atribuída a Deus, com a qual suas criaturas se empenham para glorificá-lo. i. A glória intrínseca de Deus. A glória intrínseca de Deus é algo essencial à divindade, assim como a luz o é para o sol. Ele é chamado o “Deus da glória” (At 7.2). A glória é o brilho da deidade, ela é tão natural à divindade que Deus não é Deus sem ela.

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A honra tributada por suas criaturas não é essencial a seu ser. Um rei é um homem comum quando está sem seus paramentos, sua coroa e suas roupas reais, porém a glória de Deus é parte essencial de seu ser, de maneira que não pode ser Deus sem ela. A própria existência de Deus está posta em sua glória. A glória de Deus não pode receber nenhum acréscimo porque é infinita. E o que Deus é de mais afável, e o que ele não reparte com ninguém. Em suas Escrituras ele diz: A minha glória, não a dou a outrem” (Is 48.11). Deus dá bênçãos temporais a seus filhos como a sabedoria, a riqueza e a honra e ele também proporciona a eles bênçãos espirituais como sua graça, seu amor e o seu céu; mas sua glória essencial ele não compartilha com ninguém. O rei, faraó, deu a José um dos seus anéis e uma corrente de ouro, mas não repartiu com ele seu trono: somente no trono eu serei maior do que tu” (Gn 41.40). Deus fará muito por seu povo, dará a eles a herança, colocará neles uma porção da glória de Cristo, como mediador, mas não repartirá sua glória essencial, assentado em seu “trono” ele “será maior” . ii. A glória trib u ta d a a Deus. A glória que Deus recebe é a que suas criaturas se empenham para lhe dar. As Escrituras ensinam: “Tributai ao S k n h o r a glória devida ao seu nome” (lC r 16.29); e ainda “ ... glorificai a Deus no vosso corpo” (IC o 6.20). A glória que tributamos a Deus de nada valerá se não exaltarmos seu nome no mundo e não o magnificarmos diante dos outros: “ ... será Cristo engrandecido no meu corpo” (Fp 1.20). b. O que é glorificar a Deus?

G lo rificar a D eus co n siste de qu atro atitu d es: a. A p reciação ; b. A doração; c. Afeição; e d. Sujeição. Elas são nossas obrigações para com o reino dos céus. i. A preciação. Glorificar a Deus é colocá-lo no lugar mais alto de nossos pensamentos e tê-lo em uma venerável estima: “tu, porém, S i-nhor , és o Altíssimo eternamente” (SI 92.8), e “ ... tu és sobremodo elevado acima de todos os deuses” (SI 97.9). Em Deus estão reunidos todos os bens que transmitem admiração e felicidade. Nele há uma constelação de todas as bem-aventuranças. Ele é prima causa, a origem e a fonte do ser, que lança glória sobre a criatura. G lorificam os a Deus quando som os adm iradores dele. Quando admiramos seus atributos, que são os fachos de luz em que a natureza divina se manifesta, e quando admiramos suas promessas, as quais são o pacto da graça e da arca espiritual em que a pérola preciosa está escondida. A obra dos seus dedos (SI 8.3) são os nobres resultados de seu poder e de sua sabedoria na criação do mundo. Glorificar a Deus é ter pensamentos que o

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apreciam; é estimá-lo incomparavelmente; é procurar por diamantes somente nele, a rocha. ii. A doração. Glorificar a Deus consiste em adoração. “Tributai ao S e n h o r a glória devida ao seu nome, adorai o S e n h o r na beleza da santidade” (S I 29.2). A adoração pode ser entendida de dois modos. Primeiramente, pode ser uma reverência civil que conferimos às pessoas de honra. “Então, se levantou Abraão e se inclinou diante do povo da terra, diante dos filhos de Hete” (Gn 23.7). A piedade não é inimiga da cortesia. Ela pode ser tam bém a adoração que se dá a D eus com o sua prerrogativa real: “ inclinaram-se e adoraram o S e n h o r , com o rosto em terra” (Ne 8.6). Deus é muito zeloso quanto a essa adoração divina. E a menina de seus olhos e a pérola de sua coroa. Deus protege sua glória, como fez com a árvore da vida, usando querubins e uma espada flamejante, de maneira que nenhum homem pudesse se aproximar e a violar. A adoração divina deve ser da maneira como Deus mesmo a designou ou, então, será o oferecimento de um fogo estranho (Lv 10.1). Deus mandou Moisés construir um tabemáculo segundo o modelo que lhe foi mostrado no monte (Ex 25.40). Não poderia deixar nada de fora nem acrescentar nada. Sendo Deus tão exato e atencioso em relação ao lugar de adoração, quanto mais sério em relação à adoração. Certamente, nesse particular, tudo deve ser de acordo com o padrão prescrito em sua Palavra. iii. Afeição. Esta é a parte da glória que oferecemos a Deus, que se considera glorificado quando é amado: “Amarás, pois, o S e n h o r , teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força” (Dt 6.5). Manifestamos amor de duas maneiras distintas. Ele pode ser o amor de concupiscência, ou o amor-próprio. Esse é o amor que temos por outra pessoa porque ela nos fez algum bem. Pode-se dizer que um ímpio ama a Deus porque Deus lhe deu uma boa colheita ou uma boa produção de vinho. Isso é, acima de qualquer coisa, amar a bênção de Deus e não amar a Deus. Ele pode ser também o amor que nos faz bem, como o amor entre amigos. Quando amamos a Deus com essa afeição, amamos a Deus de fato. O coração está posto em Deus, como o coração de um homem está posto em seu tesouro. Esse amor é exuberante, não é aplicado como em contagotas, mas como uma fonte. Ele é superlativo, ou seja, nós oferecemos a Deus o melhor de nosso amor, “a flor de farinha” do nosso amor. A esposa diz assim: “ ... eu te daria a beber vinho aromático e mosto das minhas romãs” (Ct 8.2). Se a esposa tinha um vinho mais saboroso e mais aromático guardado em sua casa, o esposo deveria usufruir dele. Também Cristo deve participar do melhor de nosso amor. Deve-se amar

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intensa e ardentemente. Verdadeiros santos são serafins, pois queimam de santo amor por Deus. A esposa estava desfalecida de amor, ou “doente de amor” (Ct 2.5). Então, amar a Deus é glorificá-lo. Deus, a melhor de nossas felicidades, deve ter o melhor de nossas afeições. iv. Sujeição. A sujeição acontece quando nos dedicamos a Deus e nos apresentamos prontos para seu serviço. É assim que os anjos no céu o glorificam. Eles esperam diante de seu trono e estão prontos para receber uma missão da parte dele. Por isso, eles são representados pelos querubins com suas asas abertas para m ostrar quão rápidos são para obedecer. Glorificamos a Deus quando somos devotados ao seu serviço, quando nossa mente estuda para servi-lo, nossa língua clama por seu serviço e nossas mãos assistem a seus filhos. Os homens sábios que procuraram Cristo não somente dobraram seus joelhos diante dele, mas levaram a ele ouro e mirra (Mt 2.11). Assim, devemos não somente dobrar nossos joelhos e adorar a Deus, mas lhe oferecer o presente de nossa obediência sincera. Glorificamos a Deus quando o servimos livremente e de boa vontade: “teu servo irá e pelejará contra o filisteu” (1 Sm 17.32). Um bom cristão é como o Sol, que além de irradiar calor circula a Terra. Assim, aquele que glorifica a Deus não tem somente suas afeições aquecidas com o amor a Deus, mas também realiza suas obras e se move com vigor na esfera da obediência. c. Por que devemos glorificar a Deus? i. Porque Deus é o d o ad o r de nossa vida. Deus nos dá a vida, o salmista diz: “... foi ele quem nos fez...” (SI 100.3). Consideramos um grande ato de bondade alguém poupar nossa vida, então, quão maior é a bondade de Deus que nos dá a vida. Nosso respirar vem dele. Ele nos dá a vida com todo o seu conforto. Ele nos dá saúde, que é o tempero para nosso viver. Ele nos dá o alimento, que é o óleo que abastece a lâmpada da vida. Se tudo que recebemos vem de sua bondade, não seria razoável glorificá-lo? Não deveríamos viver para ele, pois vivemos por meio dele? Como está registrado em Romanos 11.36: “Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas”. Tudo que temos vem completamente dele, tudo que temos é por meio de sua graça e, portanto, para ele devem ser todas as coisas. E o versículo de Romanos termina assim: “A ele, pois, a glória eternamente. Amém”. Deus não é somente nosso benfeitor, mas a fonte da qual viemos, como os rios que provêm do mar e esvaziam seus prateados cursos d ’água no mar novamente. ii. Porque Deus fez todas as coisas p a ra sua glória. “O S e n h o r fez todas as coisas para determinados fins...” (Pv 16.4), isto é, para sua glória. Assim como um rei tem direito de se apropriar de qualquer produção feita

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em seu reino, Deus também se glorificará em todas as coisas. Ele se glorificará nos ímpios; e caso eles não o glorifiquem, Deus se glorificará sobre eles. "... serei glorificado em Faraó...” (Êx 14.17). Porém, Deus criou especialmente os fiéis para sua glória. Eles são instrumentos vivos de seu louvor: “... ao povo que formei para mim, para celebrar o meu louvor” (Is 43.21). É verdade que eles não podem acrescentar nada à sua glória, mas podem exaltá-lo. Também não podem levantá-lo ao céu, mas podem levantá-lo na estima de outros sobre a terra. Deus adotou os santos em sua família e os fez um sacerdócio real, a fim de proclamarem as virtudes daquele que os chamou (1 Pe 2.9). iii. Porque a glória de Deus é valiosa e sublim e. A glória de Deus tem seu valor intrínseco e excelso. Ela transcende os pensamentos dos homens e as línguas dos anjos. A glória de Deus é seu tesouro, todas as suas riquezas residem nela, como disse Mica: “Como, pois, me perguntais: Que é o que tens?” (Jz 18.24). A glória de Deus é mais valiosa que o céu e mais valiosa que a salvação da alma de todos os homens. É melhor que os reinos sejam derrubados, os homens e os anjos sejam aniquilados, do que Deus perder uma jóia de sua coroa, um raio de luz de sua glória. iv. P orque todas as c ria tu ras glorificam a Deus. Todas as criaturas inferiores e superiores aos homens glorificam a Deus. Diante disso, como podemos ficar imóveis? Toda criação glorificará a Deus, exceto o homem? Se for assim, é uma pena que o homem tenha sido criado. As criaturas inferiores ao homem glorificam a Deus, isto é, as criaturas inanimadas e os céus glorificam a Deus: “Os céus proclamam a glória de Deus” (SI 19.1). A minuciosa construção do céu manifesta a glória de seu Criador. É manifesta no belo firmamento, pintado de azul e tons de azul, no qual o poder e a sabedoria de Deus podem ser vistos claramente. “Os céus proclamam...”, no qual podemos ver a glória de Deus resplandecendo no Sol e cintilando nas estrelas. Observe a atmosfera e os pássaros que gorjeiam suas músicas entoando hinos de louvor a Deus. Cada uma das feras glorifica a Deus: “Os animais do campo me glorificarão” (Is 43.20). As criaturas superiores aos homens glorificam a Deus. Os anjos “são espíritos ministradores” (Hb 1.14). Eles permanecem diante do trono de Deus e apresentam riquezas gloriosas ao tesouro do céu. Certamente, o homem deveria ser muito mais diligente quanto à glória de Deus do que os anjos, pois Deus o honrou acima deles, haja vista que Cristo tomou sobre si a natureza humana e não a dos anjos. Embora, quanto à criação, Deus o tenha feito menor que os anjos (Hb 2.7), quanto à redenção, Deus colocou os homens acima dos anjos. Deus casou o homem consigo mesmo, porém os anjos são amigos de Cristo, não a sua esposa. Cobriu-nos com uma túnica

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púrpura de retidão, que é uma retidão superior à dos anjos (2Co 5.21). Por isso, visto que os anjos glorificam a Deus, muito mais nós, que somos dignificados com honra superior aos espíritos angelicais. v. Porque todas as nossas esperanças dependem dele. Devemos dar glória a Deus porque todas as nossas esperanças dependem dele. O salmista afirma: “Tu és a minha esperança” (SI 39.7) e “ ... porque dele vem a minha esperança” (SI 62.5). Esperamos um reino da parte dele. Uma criança que é de boa natureza honrará seus pais ao esperar tudo o que necessita deles: “Todas as minhas fontes são em ti” (SI 87.7). As fontes prateadas da graça e as fontes douradas da glória estão nele. d. De quantas maneiras podemos glorificar a Deus?

i. G lorifícam os a Deus desejando som ente a sua glória. Deus é glorificado quando se busca somente a sua glória. Uma coisa é promover a glória de Deus, outra é desejá-la. Deus deve ser o alvo principal de todas as atitudes. Assim foi com Cristo: Eu não procuro a minha própria glória, mas a glória de quem me enviou (Jo 8.50 e 7.18). O hipócrita observa tendenciosamente, pois olha mais para a própria glória do que para a de Deus. Nosso Salvador, desmascarando essa hipocrisia, faz uma admoestação contra eles: “Quando, pois, deres esmola, não toques trombeta...” (Mt 6.2). Pois, se um estranho perguntasse o motivo do som da trombeta, a resposta seria: “ Darão uma esmola aos pobres” . Com essa atitude, não davam esmolas, mas as vendiam pela honra e o aplauso esperando receber a glória dos homens. A atenção dos homens era o vento que soprava as velas de suas caridades. Realmente “já receberam a recompensa” (Mt 6.2). O hipócrita era aquele que ao fazer a quitação de uma dívida escrevia: “totalmente pago”. Crisóstomo17 diz que a vangloria é uma das melhores redes do diabo para laçar os homens. E Cipriano diz: “A quem Satanás não pôde vencer pela intemperança, venceu-o pelo orgulho e pela vangloria” . E necessário ter muito cuidado com a auto-adoração. Procure somente a glória de Deus. Eis alguns conselhos para esse agir: Primeiro, prefira a glória de Deus acima de todas as outras coisas. Acima do respeito, das posses e dos relacionamentos. Quando a glória de Deus com petir com essas coisas, deverem os preferir a glória de Deus. Se relacionam entos se interpuserem em nossa caminhada para o céu deveremos pular sobre eles ou pisá-los. Em casos extremos, é como se um filho deixasse de ser filho ou esquecesse de que é filho de seu pai. Deve-se desconhecer seu pai ou sua mãe na causa de Deus: “ ... aquele que disse a seu pai e à sua mãe: nunca os vi; e não conheceu a seus irmãos” (Dt 33.9). Isto é procurar a glória de Deus.

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Em segundo lugar, procuramos a glória de Deus quando nos alegramos pelo fato de que ela está se realizando, embora se oponha à nossa própria glória. Oraremos assim: sinto-me contente em ser um perdedor se o Senhor for o vencedor; em ter menos riqueza, se tenho mais graça e Deus mais glória. Que seja o alimento ou o sofrimento físico se tu és quem me dás. Desejo, Senhor, o melhor para sua glória. Nosso querido Salvador disse: “ ... não seja como eu quero, e sim como tu queres” (Mt 26.39). Se Deus recebesse glória maior por meio do sofrimento de Jesus, este estaria contente em sofrer. “Pai, glorifica o teu nome” (Jo 12.28). E, por fim, procuramos a glória de Deus quando nos contentamos em que outros brilhem mais do que nós por seus dons e suas honras, para que a glória de Deus cresça. O homem que tem Deus em seu coração e a glória dele como perspectiva deseja a exaltação do Senhor, e, seja essa exaltação por meio de quem for escolhido por Deus para fazê-lo, nela se alegrará. “Alguns, efetivamente, proclamam a Cristo por inveja e porfia... Todavia, que importa? Uma vez que Cristo, de qualquer modo, está sendo pregado... também com isto me regozijo, sim, sempre me regozijarei” (Fp 1.15,18). Aqueles falsos mestres pregavam a Cristo por inveja. Eles tiveram inveja de Paulo que reunia multidões. Eles afirmavam ser melhores que Paulo nos dons e afugentaram alguns dos ouvintes dos apóstolos. No entanto, Paulo diz que Cristo foi pregado e Deus recebeu a glória, por isso, se alegra. Que minha luz se apague, se o sol da retidão não brilhar. ii. G lorificam os a Deus confessando sinceram ente nosso pecado. Nós glorificamos a Deus quando fazemos uma confissão sincera de nossos pecados. O ladrão da cruz desonrou a Deus em sua vida, mas em sua morte glorificou a Deus pela confissão do seu pecado: “recebemos o castigo que os nossos atos merecem” (Lc 23.41). Aquele homem reconheceu que merecia não só a crucificação, mas a perdição. “Filho meu, dá glória ao S e n h o r ... e declara-me, agora, o que fizeste; não mo ocultes” (Js 7.19). Uma confissão humilde exalta a Deus. Quanto engrandecimento é atribuído à graça de Deus quando ela honra aqueles que merecem ser condenados. Desculpas e falsidades em relação ao pecado envergonham a Deus. Adão negou que havia experimentado do fruto proibido e, em vez de uma confissão plena, culpou a Deus: “A mulher que me deste por esposa, ela me deu da árvore, e eu comi” (Gn 3.12). Em outras palavras, se você não tivesse me dado essa m ulher para me ten tar eu não teria pecado. A confissão glorifica a Deus, porque realça o caráter de Deus, nela se reconhece que ele é santo e reto, faça o que fizer. Neemias defende a retidão de Deus: “tu és justo em tudo quanto tem vindo sobre nós” (Ne 9.33). A confissão é sincera quando é voluntária, e não forçada. O filho pródigo

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reconheceu seu pecado diante de seu pai: “Pai, pequei contra o céu e diante de ti” (Lc 15.18). iii. Glorificamos a Deus crendo em sua salvação. Nós glorificamos a Deus pela nossa fé. Abraão “pela fé, se fortaleceu, dando glória a Deus” (Rm 4.20). A incredulidade afronta a Deus, fazendo dele um mentiroso: “Aquele que não dá crédito a Deus o faz mentiroso” (U o 5.10). Mas, a fé tributa glória a Deus, “certifica que Deus é verdadeiro” (Jo 3.33). Aquele que crê segue em direção à misericórdia e à verdade, como se elas fossem um altar de refúgio. Ele se resguarda nas promessas e confia tudo que tem nas mãos de Deus: “Nas tuas mãos, entrego o meu espírito” (SI 31.5). Essa é uma excelente maneira de dar glória a Deus. Deus honra a fé porque a fé honra a Deus. E uma grande coisa confiar em uma pessoa de todo o coração e colocar vidas e bens em suas mãos; isso é um sinal de que temos grande estima por ele. Três homens glorificaram a Deus ao crer: “Se o nosso Deus, a quem servimos, quer livrar-nos, ele nos livrará...” (Dn 3.17). A fé sabe que não há causas impossíveis para Deus, e confiará nele onde não pode percebê-lo. iv. Glorificamos a Deus cuidando de sua glória. Nós glorificamos a Deus quando somos zelosos por sua glória. Deus estima a sua glória como a menina dos seus olhos. Uma criança inocente chora ao ver uma desgraça acontecida com seu pai: “... as injúrias dos que te ultrajam caem sobre mim” (SI 69.9). É como se fôssemos ultrajados quando ouvimos Deus ser ultrajado e quando a glória de Deus sofre, é como se nós sofrêssemos. Isso é ter cuidado com sua glória. v. Glorificamos a Deus frutificando em seu reino. Nós glorificamos a Deus pela nossa frutificação. “Nisto é glorificado meu Pai, em que deis muito fruto” (Jo 15.8). Assim como ser infrutífero desonra a Deus, ser frutífero o honra: “ ... cheios do fruto de justiça, o qual é mediante Jesus Cristo, para a glória e louvor de Deus” (Fp 1.11). Não devemos ser como aquela figueira descrita no evangelho, que tinha somente folhas, mas devemos ser como o abacateiro que está constantemente brotando ou amadurecendo e nunca fica sem fruto. Não é somente a profissão de fé que glorifica a Deus, mas os frutos também. Ele espera que o glorifiquemos desta maneira: “Quem planta a vinha e não come do seu fruto?” (IC o 9.7). Arvores na floresta podem ser infrutíferas, mas árvores no pomar são frutíferas. Devemos dar frutos de amor e de boas obras: “Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as nossas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus” (Mt 5.16). A fé santifica nossas obras e as obras testificam nossa fé. Fazer o bem aos outros, sendo os olhos do cego e os pés do aleijado, glorifica muito a Deus. Assim Cristo glorificou ao seu

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Pai: “o qual andou por toda a parte, fazendo o bem e curando a todos os oprimidos do diabo” (At 10.38). Quando somos frutíferos, somos justos aos olhos de Deus: “ O S e n h o r te chamou de oliveira verde, formosa por seus deliciosos frutos” (Jr 11.16). Devemos dar muito fruto, a quantidade de frutos glorifica a Deus: “Nisto é glorificado meu Pai, em que deis muito fruto” (Jo 15.8). Temos a figura bíblica em que os seios da esposa são comparados a cachos de uvas para mostrar quão fértil ela era (Ct 7.7). Embora a dispensação mínima da graça nos dê a salvação, ela não tributará alta glória a Deus. Não foi uma fagulha de amor que Cristo confiou a Maria, mas muito amor. “Ela muito amou” (Lc 7.47). vi. Glorificamos a Deus nos contentando com nossas circunstâncias. Nós glorificamos a Deus quando estamos contentes no estado em que sua providência nos colocou. Nós damos glória a Deus por sua sabedoria quando descansamos satisfeitos com o que ele estabeleceu para nós. Assim Paulo glorificou a Deus. O Senhor lançou-o em uma grande quantidade de situações diferentes em relação a qualquer homem, “ ... em prisões;... em perigos de morte...” (2Co 11.23), mesmo assim ele aprendeu a estar contente. Paulo pôde velejar tanto na tempestade quanto na calmaria; podia ser qualquer coisa que Deus quisesse que fosse; até mesmo em fartura ou em necessidade (Fp 4.13). Um bom cristão argumenta assim: “foi Deus quem me colocou nesta posição; ele poderia ter me colocado numa situação mais alta, se quisesse, mas seria uma armadilha para mim. O que ele faz é por sabedoria e por amor, portanto ficarei satisfeito com minha condição” . Certamente, tal atitude glorifica bastante a Deus. Deus fica muito honrado com um cristão assim. Deus diz a respeito deste servo: “Aqui está alguém segundo o meu próprio coração, deixe-me fazer o que eu desejo com ele, eu não ouvirei nenhum murmúrio e ele ficará contente”. Isto mostra abundância de graça. Quando a graça é abundante, não há grande vantagem em se contentar, mas quando a graça se contradiz pelas circunstâncias inconvenientes, então se contentar é algo glorioso. Quando uma pessoa se contenta por estar no céu não causa admiração, mas quando se contenta sob a cruz é uma atitude de um verdadeiro cristão. As necessidades de tal cristão glorificam a Deus, pois ele mostra ao mundo que, embora tenha pouca comida em sua despensa, possui o suficiente em Deus para que o faça contente. Ele diz como Davi: “ O S e n h o r é a porção da minha herança e o meu cálice; tu és o arrimo da minha sorte” (SI 16.5). vii. Glorificamos a Deus desenvolvendo nossa salvação. A glória de Deus e o nosso bem estão intimamente ligados. Nós o glorificamos ao

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promover nossa própria salvação. É uma glória para Deus ter multidões de convertidos. No entanto, o seu desígnio gracioso se destaca e sua misericórdia é glorificada enquanto nós desenvolvemos a nossa salvação, visto que estamos honrando a Deus. Quão grande encorajamento é servir a Deus sabendo que, enquanto ouvimos a Deus e oramos, glorificamos a ele. Enquanto estou promovendo minha própria glória no céu, estou aumentando a glória de Deus. Seria um encorajamento para alguém ouvir seu príncipe dizer assim: “você me honrará e agradará muito se for para aquela mina de ouro e cavar o máximo de ouro que puder levar”. E Deus diz: “vá até as ordenanças e pegue o máximo de graça que puder, cave o máximo de salvação que puder e quanto mais feliz você estiver, mais eu ficarei glorificado” . v iii. G lorificam o s a D eus viven d o som en te para ele. Nós glorificamos a Deus quando vivemos para ele. O apóstolo diz: “E ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si mesmos, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou” (2Co 5.15). “Porque, se vivemos, para o Senhor vivemos” (Rm 14.8). O mamonita vive para seu dinheiro, o epicurista vive para sua barriga. O propósito da vida de um pecador é satisfazer o desejo da carne. Nós, porém, glorificamos a Deus quando vivemos para ele. Vivemos para Deus quando vivemos para servi-lo e nos oferecemos totalmente a ele. O Senhor nos enviou ao mundo como um mercador envia seu agente além dos mares para negociar em seu lugar. Vivemos para Deus quando agenciamos seus interesses e propagamos seu evangelho. Deus deu um talento para cada homem e quando alguém não o embrulha e guarda, mas o desenvolve para Deus, esse alguém vive para ele. Quando um mestre em uma família, pelo conselho e o bom exemplo, trabalha para levar seus servos a Cristo; quando um ministro se desgasta para ganhar almas para Cristo e fazer que a coroa floresça sobre a cabeça de Cristo; quando o magistrado não usa a espada em vão, mas trabalha para eliminar o pecado e suprimir o vício; isto é viver para Deus e glorificá-lo: “também agora, será Cristo engrandecido no meu corpo, quer pela vida, quer pela morte” (Fp 1.20). Paulo tinha três desejos e eram todos a respeito de Cristo. Que ele pudesse ser encontrado em Cristo, estar com Cristo e magnificar Cristo. ix. Glorificamos a Deus andando em alegria. Nós glorificamos a Deus quando andamos em alegria. Deus é glorificado quando o mundo vê um cristão que tem algo em seu interior, que pode fazê-lo alegre nos piores momentos; que pode capacitá-lo à semelhança de um rouxinol que canta mesmo com um espinho em seu peito.

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O povo de Deus possui uma fundamentação para sua alegria. Ele é justificado e adotado, e essa graça produz paz interior e faz brotar música dele quaisquer que sejam as tempestades (2Co 1.4; ITs 1.6). Há fundamento para uma grande alegria se levarmos em consideração o que Cristo realizou por nós com seu sangue e executou em nós por meio de seu Espírito. E essa alegria glorifica a Deus. Quando o servo está desanimado e triste sua insatisfação recai sobre o seu mestre. Quer dizer que o servo tem sido tratado de maneira dura e seu mestre não lhe dá o que é apropriado. Da mesma maneira, quando o povo de Deus anda cabisbaixo, demonstra que não serve a um Deus bom, ou está arrependido de servi-lo, o que desonra a Deus. Assim como os pecados do ímpio trazem escândalo ao evangelho, também a tristeza do filho de Deus: “Servi ao S e n h o r com alegria” (S I 100.2). Servir a ele não o glorifica, a menos que seja com alegria. Uma aparência alegre do cristão glorifica a Deus. A religião não elimina nossa alegria, mas a refina. Não quebra nossa harpa, mas a afina e faz a música mais doce. x. Glorificamos a Deus defendendo suas verdades. Nós glorificamos a Deus quando defendemos suas verdades. Muito da glória de Deus está em sua verdade. Deus nos confiou sua verdade como um mestre confia ao seu servo sua bolsa de dinheiro para guardá-la. Não temos uma jóia mais cara para confiar a Deus do que nossas almas, nem Deus tem uma jóia mais cara para confiar a nós do que sua verdade. A verdade é uma luz brilhante que vem de Deus. Muito de sua glória está em sua verdade. Quando somos defensores da verdade glorificamos a Deus: “ ... exortando-vos a batalhardes, diligentemente, pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos” (Jd 3). A palavra grega “batalhar” significa uma grande contenda pela própria terra, como alguém que luta por sua terra buscando os direitos para que ela não lhe seja tomada; assim deveríamos lutar pela verdade. Se houvesse mais dessa santa batalha, Deus teria mais glória. Alguns lutam com muita intensidade por bagatelas e cerimônias, mas não pela verdade. Deveríamos considerar aquele que luta mais por uma fábula do que por sua herança, por uma caixa de moedas do que por seu próprio nome, como alguém imprudente. xi. G lorificam os a Deus louvando seu nome. Nós glorificamos a Deus quando louvamos seu nome. A doxologia ou o louvor é uma obra que exalta a Deus: “O que me oferece sacrifício de ações de graças, esse me glorificará” (S I 50.23). As palavras hebraicas bara (criar) e barak (louvar) são bem semelhantes porque a finalidade da criação é louvar a Deus. Davi foi chamado o doce cantor de Israel e seu louvor a Deus foi chamado glorificação a Deus: “Dar-te-ei graças, S e n h o r , Deus meu, de todo o coração

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e glorificarei para sempre o teu nome” (SI 86.12). Embora nada possa ser acrescido à glória essencial de Deus, o louvor o exalta aos olhos dos outros. Q uando louvam os a D eus, espalham os a sua fam a e seu renom e, apresentamos os troféus de sua excelência. Os anjos o glorificam desse modo; eles são os coristas do céu e proclamam seus louvores. Louvar a Deus é um dos atos mais sublimes e mais puros da religião. Na oração nós agimos como homens e no louvor como anjos. Os crentes são chamados “santuário de Deus” (IC o 3.16). Quando nossas línguas louvam, então os órgãos no templo espiritual de Deus soam. Que pena Deus não receber mais glória da nossa parte dessa maneira. Muitos estão cheios de murmúrio e de descontentamento e dificilmente dão glórias a Deus ao louvá-lo como o seu nome merece. Lemos sobre os santos com harpas em suas mãos, os emblemas do louvor. Muitos têm lágrimas em seus olhos e reclamações em suas bocas, mas poucos têm harpas em suas mãos e glorificam e louvam a Deus. H onrem os a Deus dessa maneira. O louvor é uma obrigação que devemos a Deus: enquanto Deus renova nossas bênçãos, devemos renovar nossa devoção. xii. G lorificam os a Deus zelando p o r seu nome. Nós glorificamos a Deus ao ser zelosos por seu nome. “Finéias... desviou a minha ira... pois estava animado com o meu zelo” (Nm 25.11). O zelo é um sentimento misto, uma composição de amor e ira; leva adiante nosso amor por Deus e nossa ira contra o pecado em um grau intenso. O zelo é impaciente quando Deus é desonrado. Um cristão queima com zelo, leva uma desonra feita a Deus como se fosse pior do que feita a si mesmo: não podes suportar homens maus...” (Ap 2.2). Nosso salvador, Cristo, glorifica assim seu Pai. Sendo batizado com um espírito de zelo, expulsou os mercadores do templo: “O zelo da tua casa me consumirá” (Jo 2.14-17). xiii. Glorificamos a Deus buscando sua glória na vida civil e natural. Nós glorificamos a Deus quando sua glória é nossa perspectiva em nossas vidas civis e naturais. Em nossas ações naturais ao comer e beber: “Portanto, quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus” (IC o 10.31). Uma pessoa boa guarda a regra máxima da temperança. Ela come carne como um remédio para curar o desgaste natu­ ral para que fique bem, com a força que ganha, para o serviço de Deus. Faz de sua comida não um combustível para a malícia, mas auxílio para o dever. Ao comprar e vender, fazemos tudo para a glória de Deus. O ímpio vive com o ganho injusto, pelo uso de balanças enganosas como em Oséias 12.7: “têm nas mãos balança enganosa” e assim, enquanto os homens fazem seus pesos mais leves, fazem seus pecados mais pesados. Inflacionam a mercadoria, no lugar de 40 escrevem 50, no lugar de 50, 40; outras vezes

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dobram o preço do valor de uma mercadoria. Nós compramos e vendemos para a glória de Deus quando observamos aquela máxima de ouro: “Por isso, também me esforço por ter sempre consciência pura diante de Deus e dos homens” (At 24.16). Nós glorificamos a Deus quando ele é nosso objetivo em todas as nossas atitudes naturais e civis e não fazemos nada que possa manchar a fé cristã. xiv. Glorificamos a Deus trabalhando para trazer outros para ele. Nós glorificamos a Deus quando trabalhamos para trazer outros ao seu reino. Ao procurar converter outros, fazendo deles instrumentos da glória de Deus. Deveríamos ser tanto diamantes quanto magneto: diamantes pelo lustre da graça e magneto pela virtude atraente em conduzir outros para Cristo: “meus filhos, por quem, de novo, sofro as dores de parto, até ser Cristo formado em vós” (G1 4.19). Uma grande maneira de glorificar a Deus é arrombar as prisões do diabo e libertar homens do poder de Satanás para Deus. xv. Glorificamos a Deus sofrendo por ele e selando o evangelho com nosso sangue. Nós glorificamos muito a Deus quando sofremos por sua causa e selamos o evangelho com nosso sangue. “ ... quando, porém, fores velho, estenderás as mãos, e outro te cingirá e te levará para onde não queres. Disse isto para significar com que gênero de morte Pedro havia de glorificar a Deus” (Jo 21.18,19). A glória de Deus brilha nas cinzas de seus mártires: “Por isso, glorificai ao S e n h o r no Oriente” 18 (Is 2 4 . 1 5 ) . Micaías esteve na prisão, Isaías foi cerrado ao meio, Paulo decapitado, Lucas enforcado numa oliveira; assim eles, pela morte, glorificaram a Deus. Os sofrimentos dos santos da igreja primitiva honraram a Deus e fizeram o evangelho famoso no mundo. O que poderia se dizer? Veja que bom mestre eles servem e como o amam a ponto de arriscarem a perda de tudo em seu serviço. A glória do reino de Cristo não se levanta em pompa e grandiosidade mundana como a de outros reis, mas é vista nos sofrimentos alegres de seu povo. Os santos do passado “não amaram a própria vida” (Ap 12.11). Eles abraçaram tormentos como muitos abraçaram coroas. Deus nos capacita a glorificá-lo quando nos chama. Muitos oram: “passa de mim este cálice”, mas poucos oram: “seja feita a tua vontade” . xvi. Glorificam os a Deus lhe rendendo glória em tudo o que fazemos. Nós glorificamos a Deus quando lhe damos glória em tudo o que fazemos. Quando Herodes fez um discurso e o povo gritou, dizendo: “é a voz de um deus, não de um hom em ”, ele tomou a glória para si mesmo. O texto diz: “No mesmo instante, um anjo do Senhor o feriu, por ele não ter dado glória a D eus” (At 12.23). Nós glorificam os a D eus quando

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sacrificamos o louvor e a glória de tudo para Deus. O apóstolo diz:"... trabalhei muito mais do que todos eles” (IC o 15.10), tais palavras parecem um discurso cheio de orgulho, mas ele tira a coroa da própria cabeça e a coloca sobre a cabeça da graça: “Mas, pela graça de Deus, sou o que sou” . Como Joabe, quando lutou contra Rabá, que pediu ao rei Davi que pudesse carregar a coroa da vitória (2Sm 12.28), assim um cristão, quando consegue poder sobre qualquer corrupção ou tentação, chama por Cristo para que ele possa carregar a coroa da vitória. Como a lagarta quando tece seu impressionante trabalho se esconde sob a seda e não é vista, da mesma maneira quando fazemos algo digno de louvor devemos nos esconder sob o véu da humildade e transferir a glória de tudo o que fizemos para Deus. Como Constantino,19 que costumava escrever o nome de Cristo sobre sua porta, também deveríamos escrever o nome de Cristo sobre nossas responsabilidades. Que ele vista as vestimentas de louvor. xvii. Glorificamos a Deus em uma vida santificada. Nós glorificamos a Deus por meio de uma vida santa. Uma vida má desonra a Deus: “Vós, porém, sois... nação santa... a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (1 Pe 2.9); “ ... o nome de Deus é blasfem ado entre os gentios...” (Rm 2.24). Epifânio20 diz: “a frouxidão de alguns cristãos em sua época, fez que muitos dos gentios se afastassem da companhia dele, e não eram atraídos para ouvir seus sermões”, por meio de nossa conversa bíblica precisa glorificamos a Deus. Embora a obra principal da religião esteja localizada no coração, mesmo assim nossa luz deve brilhar de tal maneira que outros possam contemplá-la. A segurança de um prédio é a fundação, mas a glória dele está na fachada; assim, a beleza da fé está na conversação. Quando os santos são chamados jóias, lançam um brilho cintilante de santidade nos olhos do mundo, então eles andam como Cristo andou (1 Jo 2.6). Quando vivem como se tivessem visto o Senhor com os próprios olhos e estado com ele no monte, enfeitam a religião e trazem ganhos e glória para a coroa do céu. A

p l ic a ç õ e s

Primeira aplicação: este assunto nos mostra que nosso objetivo prin­ cipal não deveria ser obter grandes propriedades nem acumular tesouros sobre a terra; atitudes que revelam o estado de degeneração do ser humano desde a queda. As vezes, os homens nunca alcançam uma propriedade, nem conseguem os alim entos que desejam ; ou mesm o quando eles conseguem: qual é o tesouro deles? Têm aquilo que não enche o coração, assim como o sopro de um marinheiro não empurra as velas do navio.

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Passam seu tempo, como Israel, ajuntando palha, e não se lembram que o fim da vida é glorificar a Deus: “que proveito lhe vem de haver trabalhado para o vento?” (Ec 5.16). Essas coisas logo se vão. Segunda aplicação: esse assunto nos mostra também haver algumas atitudes que são reprováveis, bem como aqueles que as praticam. Vejamos: 1. Tornam-se reprováveis aqueles que não dão glória a Deus, aqueles que não respondem ao fim de sua criação; aqueles cujo tempo não é tempo vivido, mas um tempo perdido; aqueles que são como a madeira da vinha (Ez 15.2). A queles cujas vidas são, com o diz São B ernardo,21 “ou pecaminosas ou áridas. Um peso inútil sobre a terra”. Deus um dia fará a mesma pergunta que o rei Assuero fez: “Que honras e distinções se deram a Mordecai?” (Et 6.3). Que honras foram dadas a mim? Que ganhos de glória você trouxe para meu tesouro? Não há ninguém neste auditório a quem Deus não tenha privilegiado com a capacidade de glorificá-lo. A saúde que ele nos dá, a posição social, as propriedades, a graça, tudo isto são oportunidades colocadas em nossas mãos para glorificá-lo. E, tenho certeza, ele irá pedir conta, para saber o que você fez com as bênçãos que lhe confiou. Que glória demos a ele? A parábola dos talentos, na qual os homens com cinco talentos e dois talentos são levados a prestar contas, evidentemente mostra que Deus nos chamará a uma específica prestação de contas para saber como negociamos seus talentos e que glória tributamos a ele. Que triste será para aqueles que escondem seus talentos embrulhados, que não dão glória nenhuma a Deus. “E o servo inútil lançai para fora nas trevas” (Mt 25.30). Não é suficiente você dizer que não desonrou a Deus e que não viveu em práticas de pecados graves; pois a questão será: que bem você fez? Que glória você rendeu a Deus? Não é suficiente ao servo da vinha não machucar alguém nela, não quebrar árvores ou destruir suas cercas, pois se ele não serve na vinha perde seu pagamento. Da mesma maneira, se você não fizer o bem onde estiver, não glorificará a Deus e perderá seu pagamento: não terá salvação. Pense nisto, todos vocês que vivem sem servi-lo. Cristo amaldiçoou a figueira infrutífera. 2. Tornam-se reprováveis aqueles que estão bem longe de dar glórias a Deus, a tal ponto de roubarem a glória de Deus: “Roubará o homem a Deus? Todavia vós me roubais?” (Ml 3.8). Roubam a Deus, sim, aqueles que tomam a glória devida a Deus para si mesmos roubam a Deus. i. Se compram uma propriedade atribuem tudo à própria inteligência e esforço, colocam a coroa sobre as próprias cabeças, não considerando que “Antes, te lembrarás do S e n h o r , teu Deus, porque é ele o que te dá força para adquirires riquezas” (Dt 8.18).

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ii. Se prestam qualquer serviço à religião, fazem-no para a própria glória: “...para serem vistos dos homens” (Mt 6.5). Fazem o que fazem para se colocarem num patamar para os outros admirarem e canonizarem. O óleo da vangloria alimenta suas lâmpadas. Quantos que pelo som do aplauso popular já seguiram para o inferno. Aqueles a quem o diabo não pode destruir pela temperança, destrói pela vangloria. 3. Tomam-se reprováveis aqueles que lutam contra a glória de Deus: “para que não sejais, porventura, achados lutando contra Deus” (At 5.39). Aqueles que se opõem a qualquer circunstância em que a glória de Deus seja promovida lutam contra ela. Promove-se bastante a glória de Deus por meio da pregação da Palavra, que é seu motor segundo o qual converte almas. Aqueles que impedem a pregação da Palavra lutam contra a glória de Deus: “a ponto de nos impedirem de falar a gentios para que estes sejam salvos” (lT s 2.16). Dioclesiano,22 que promoveu a décima perseguição contra os cristãos, proibiu encontros da igreja e fez que os templos dos cristãos fossem derrubados. Aqueles que põem obstáculos à pregação, assim como os filisteus que taparam os poços, esses tapam o poço da água da vida. Eles levam embora o médico que poderia curar as almas enfermas pelo pecado. Ministros são luzes (Mt 5.14) e somente os ladrões odeiam a luz. Eles atacam diretamente a glória de Deus, e que prestação de contas darão a Deus quando cobrar o sangue das almas dos homens que está sobre eles? “Ai de vós, intérpretes da lei! Porque tomastes a chave da ciência; contudo, vós mesmos não entrastes e impedistes os que estavam entrando” (Lc 11.52). Se há justiça no céu ou fogo no inferno, não sairão sem punição. Terceira aplicação: por meio desse tema também somos exortados. Vejamos algumas exortações. Exortados a que cada um de nós, onde estamos, façamos à ação prin­ cipal e o propósito de tudo glorificar a Deus. 1. Deixe-me falar aos magistrados. Deus colocou muita glória sobre eles: “eu disse: sois deuses” (SI 82.6), e não glorificarão a Deus que colocou tanta glória sobre eles? 2. Quanto aos pastores. Eles deveriam estudar a fim de promover a glória de Deus. Deus lhes confiou duas coisas muito preciosas, sua verdade e as almas de seu povo. Ministros, pela virtude do ofício, devem glorificar a Deus. Devem glorificá-lo pelo labor na palavra e na doutrina: “Conjurote, perante Deus e Cristo Jesus, que há de julgar vivos e mortos, pela sua manifestação e pelo seu reino: prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina” (2Tm 4.1,2). Agostinho tinha um desejo, que Cristo em sua vinda o encontrasse orando ou pregando.

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Pastores devem glorificar a Deus em seus zelos e suas santidades. Os sacerdotes sobre a lei, antes de servirem no altar, lavavam-se na pia; assim, aqueles que servem na casa de Deus deveriam primeiro ser lavados dos grandes pecados na pia do arrependimento. E uma realidade penosa e vergonhosa pensar naqueles que se chamam pastores, mas que em vez de darem glória a Deus o desonram (2Cr 11.15). Suas vidas, assim como suas doutrinas, são heterodoxias e não estão livres dos pecados que reprovam em outros. O servo de Plutarco23 o censurou, dizendo: “ele escreveu um livro contra a ira, et ipse mihi irasciíur, mas cai numa paixão de ira comigo”. Assim é o ministro que prega contra a bebedeira, mas ele mesmo é um bêbado; prega contra palavrões, mas ele mesmo fala palavrões. 3. Agora aos chefes de famílias. Eles devem glorificar a Deus, devem acostumar seus filhos e servos com o conhecimento do Senhor. Suas casas deveriam ser pequenas igrejas: “ Porque eu o escolhi para que ordene a seus filhos e a sua casa depois dele, a fim de que guardem o caminho do S e n h o r ” (Gn 18.19). Vocês que são mestres têm uma responsabilidade com as almas. Pela falta das rédeas da disciplina familiar, a juventude vive sem domínio. C

onclusã o

Seria um grande conforto na hora da morte pensar que glorificamos a Deus em nossas vidas. Foi o consolo de Cristo antes de sua morte: “Eu te glorifiquei na terra” (Jo 17.4). Na hora da morte, tudo o que consola você nesta vida acabará. Pensar em quão rico você é e em quais prazeres teve nesta terra será algo incapaz de consolá-lo, constituindo um tormento ainda maior. Que benefício trará a alguém uma propriedade destruída? Por outro lado, quão grande será o consolo e a paz trazidos à alma pela consciência tranqüila em ter glorificado a Deus nesta terra. Como isto o fará até mesmo ansiar pela morte, pois o servo que trabalhou o dia inteiro na vinha deseja que a noite venha, quando receberá seu pagamento. Como aqueles que viveram sem dar glórias a Deus podem pensar que morrer é um consolo? Não podem esperar uma colheita em que não semearam uma semente. Como podem esperar glória de Deus, pois nunca deram glória a ele? Que horror será a morte deles. O verme da consciência consumirá suas almas antes que os vermes consumam seus corpos. Quando glorificamos a Deus, ele glorifica nossas almas para sempre. Ao promover a glória de Deus aumentamos a nossa própria: ao glorificar a Deus, iremos finalmente ao abençoado deleite nele. 2. Deleitar-se em Deus para sempre O fim principal do homem é se deleitar em Deus para sempre: “quem mais tenho eu no céu?” (SI 73.25). Isto é, o que há no céu que eu desejo

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usufruir além de ti? O deleitar-se em Deus se apresenta em duas partes: a primeira é nesta vida e a outra na vida por vir. 1. Deleitar-se em Deus nesta vida E muito bom usufruir as ordenanças de Deus, mas usufruir a presença de Deus nas ordenanças é o desejo incessante do coração agraciado: “Assim, eu te contemplo no santuário, para ver a tua força e a tua glória” (SI 63.2). Usufruímos esse doce deleite em Deus nas seguintes circunstâncias: quando sentimos seu Espírito cooperando nas ordenanças e destilando graça sobre nossos corações; quando por meio da Palavra o Espírito vitaliza e aumenta as afeições: “Porventura, não nos ardia o coração” (Lc 24.32); quando o Espírito transforma o coração deixando uma marca de santidade sobre ele e “... somos transformados de glória em glória” (2Co 3.18); quando o Espírito revive o coração com consolo, vem com sua unção e com seu selo e derrama o amor de Deus em abundância no coração (Rm 5.5). “Ora, a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo” (1 Jo 1.3). Na Palavra, ouvimos a voz de Deus, no sacramento temos seu beijo. O coração ser aquecido e inflamado em uma tarefa é resposta de Deus a nosso pedido de devoção. As doces comunicações do Espírito de Deus são os primeiros frutos de glória. Cristo já retirou seu véu e mostrou sua face amigável, agora conduz o crente para o salão do banquete e lhe dá do vinho aromático de seu amor para beber. Ele tocou o coração e o fez pular de alegria. Como é doce usufruir Deus. O crente tem, nas ordenanças, divinos êxtases de alegria e transfigurações da alma, a tal ponto de ser elevado acima do mundo e desprezar todas as coisas aqui embaixo. A

p l ic a ç õ e s

Primeira aplicação: ter o deleite de Deus nesta vida é assim tão doce? Quão maus são aqueles que preferem se deleitar em suas malícias em lugar de Deus, conforme dito no texto: “... nos últimos dias, virão escamecedores com seus escárnios, andando segundo as próprias paixões” (2Pe 3.3). O desejo da carne, o desejo do olho e o orgulho da vida é a trindade que eles adoram (U o 2.16). A malícia é um desejo ou impulso descontrolado que provoca na alma aquilo que é maligno. Existem a malícia vingativa e a malícia deliberada. A malícia, como um calor febril, incendeia a alma. Aristóteles chama a malícia sensual de algo cruel, porque qualquer malícia é violenta, e a razão e a consciência não podem ser ouvidas. Essas malícias obcecam e brutalizam o homem: “A sensualidade, o vinho e o mosto tiram o entendimento” (Os 4.11). Tiram o entendimento de tudo que é bom. Quantos estabelecem como objetivo de suas vidas não se deleitar em Deus, mas usufruir as próprias

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malícias. São como aquele cardeal que disse: “que se mantivesse a posição de cardeal de Paris, ele se contentaria em perder sua parte no paraíso” . A malícia primeiramente encanta com o prazer e, depois, vem o dardo fa­ tal: “até que a flecha lhe atravesse o coração” (Pv 7.23). Isto poderia ser como uma espada flamejante que detém os homens no caminho de seus desejos carnais. Quem por um pingo de prazer beberia um mar de ira? Segunda aplicação: que seja nosso grande interesse usufruir a doce presença de Deus em suas ordenanças. Usufruir a comunhão espiritual com Deus é um enigma e um mistério para a maioria das pessoas. Aqueles que ficam ao redor da corte não falam com o rei. Podemos nos aproximar de Deus em suas ordenanças e ficar perto da corte do céu, mas mesmo assim não usufruir a comunhão com Deus. Podemos ter a letra e não o Espírito, o sinal visível sem a graça invisível. Isto significa usufruir Deus de maneira errada, deveríamos essencialmente contemplar: “A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo” (SI 42.2). O que é todo nosso usufruir mundano sem o usufruir Deus? O que vale usufruir uma boa saúde e ser como um guerreiro mas não usufruir Deus? “Ando de luto, sem a luz do sol” (Jó 30.28), esta é a verdade que podemos afirmar a respeito de qualquer criatura que não se deleita em Deus, pois anda de luto, sem a luz do sol. Nosso grande propósito deveria ser não somente ter as ordenanças divinas, mas o Deus das ordenanças. O usufruir a doce presença de Deus neste mundo é a maior alegria da vida: é uma colméia cheia de mel, uma casa de riquezas, uma fonte de prazer (SI 36.8,9). Quanto mais alto a laverca voa, mais doce canta: e quanto mais alto nós voamos pelas asas da fé, mais usufruímos Deus. O coração se inflama na oração e na meditação. Que grande alegria e paz há em crer. Não é confortável estar no céu? Aquele que usufrui muito Deus nesta vida leva o céu com ele. Que isto seja o que principalmente desejamos: usufruir Deus em suas ordenanças. O usufruir a doce presença de Deus aqui é uma séria intenção de usufruí-lo no céu. Essa convicção nos leva a considerar o segundo aspecto que é usufruir Deus na vida futura. 2. Deleitar-se em Deus na vida futura O fim principal do homem é usufruir Deus para sempre. Antes de entrarmos plenamente na presença de Deus no céu, há um estágio preliminar que o antecede, isto é, estarmos em um estado de graça. Devemos nos conformar com ele em graça antes de ter comunhão com ele em glória. Graça e glória estão ligadas em uma corrente. A graça precede a glória como a estrela da manhã introduz o Sol. Deus nos qualificará e nos deixará apropriados para um estado de bênção. Bebedices e palavrões não são apropriados para usufruirmos Deus em glória; o Senhor não colocará tais

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víboras em sua intimidade. Somente aquele que é “puro de coração verá a Deus”. Devemos primeiramente ser, como a filha do rei, gloriosos por dentro, antes de sermos vestidos com as roupas de glória. Como o rei Assuero fez que as virgens fossem purificadas, e ungidas, e fossem perfumadas, e, depois, se apresentassem diante do rei (Et 2.12), assim nós devemos ter a unção de Deus e sermos perfumados com as graças do Espírito, aqueles perfumes aromáticos, e, então, nos apresentarmos perante o rei do céu. Sendo assim divinamente qualificados pela graça seremos levados ao monte santo e usufruiremos Deus para sempre. O que é usufruir Deus para sempre, senão ser colocado em um estado de alegria? Assim como o corpo não pode ter vida, senão em comunhão com a alma, assim a alma não pode ter bênção, a não ser em comunhão imediata com Deus. Deus é o bem maior; portanto, usufruir dele é a maior felicidade. Ele é “um bem no qual estão todos os bens”. As grandes qualidades da criatura são limitadas. Uma pessoa pode ter saúde, mas não beleza, conhecimento, mas não descendentes, riquezas, mas não sabedoria; mas em Deus estão contidas todas as qualidades. Ele é bom, completo para a alma, um sol, uma porção, uma fonte de salvação; em quem permanece “toda a plenitude” (Cl 1.19). Deus é um bem sem misturas. Não há nada nesta vida sem uma mistura. Para cada gota de mel há uma gota de fel. Salomão, que se dedicou a encontrar a pedra filosofal e a buscar a felicidade neste mundo, não encontrou nada senão vaidade e perplexidade (Ec 1.2). Deus é perfeito, a quintessência do bom. Ele é doce em flor. Deus é o bem satisfatório. A alma clama que tem o suficiente: “ Eu, porém, na justiça contemplarei a tua face” (SI 17.15). Então, que o sedento seja levado a um oceano de pura água e se satisfaça. Se há o suficiente em Deus para satisfazer os anjos, haverá também o suficiente para nos satisfazer. A alma é finita, mas Deus é infinito. Embora Deus seja um bem que satisfaça, ele não excede. Alegrias renovadas jorram continuamente de sua face. Deus é ardentemente desejado pelas almas glorificadas, mesmo após milhões de anos, como foi desde o início. Há uma realização em Deus que satisfaz e ao mesmo tempo é doce o suficiente para que a alma ainda o deseje. D eus é um bem d elicio so . Este que é o bem p rin cip al deve impressionar a alma com prazer. Há nele um prazer arrebatador e o supra-sumo da alegria. Existe uma doçura na pessoa de Deus que alegra, ou melhor, que arrebata a alma: o amor de Deus goteja tal suavidade infinita na alma assim como é inexprimível e cheio de glória. Há muito prazer em Deus ainda que o vejamos somente pela fé (lP e 1.8), imagine como será alegre vê-lo face a face. Se os santos encontraram tanto prazer em Deus

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enquanto estavam sofrendo, quanta alegria e prazer terão quando forem coroados. Se as chamas são camas de rosas, o que será deitar no colo de Jesus. Que cama de rosas isso será. Deus é um bem superlativo, ele é melhor que qualquer coisa que se possa com parar a ele. Ele é m elhor que a saúde, as riquezas e a honra. As demais coisas sustentam a vida, ele dá a vida. Quem compararia alguma coisa a Deus? Quem pesaria uma pena em comparação com uma montanha de ouro? Deus excede a todas as coisas, é mais infinito que o sol em relação à luz de uma vela. Deus é um bem eterno. Ele é “Ancião de dias”, porém nunca envelhece, nem se desgasta (Dn 7.9). A alegria que ele dá é eterna, a coroa nunca se desfaz (lP e 5.4). A alma glorificada sempre será consolada em Deus, celebrando o seu am or e banhando-se na luz de sua face. Nós lemos sobre o rio de prazer na mão direita de Deus; mas será que com o passar do tempo não secará? A bsolutam ente. Há uma fonte na base que a alimenta: “ Pois em ti está o manancial da vida” (SI 36.9). Assim, Deus é o bem maior e o usufruir Deus para sempre é a maior felicidade que a alma é capaz de experimentar. A

p l ic a ç õ e s

Primeira aplicação: que a finalidade principal de nosso viver seja usufruir esse bem maior na vida por vir. Agostinho registra 288 opiniões entre filósofos sobre a felicidade, mas todas elas foram insuficientes. O ponto mais alto que uma alma pode alcançar é usufruir Deus para sempre. É o usufruir Deus que faz o céu: “estaremos para sempre com o Senhor” (1 Ts 4.17). A alma se agita como a agulha de uma bússola e nunca descansa até que chegue a Deus. A fim de descrever esse excelente estado de uma alma glorificada que usufrui Deus, podemos considerar que: 1. Não deve ser entendido de uma maneira sensual: não devemos imaginar quaisquer prazeres carnais no céu. Os turcos, no Alcorão, falam de um paraíso de prazer em que há riquezas em abundância e vinho tinto servido em cálices dourados. Os epicuristas desta era gostariam de tal céu quando morressem. Embora o estado de glória seja comparado a uma festa adornada com pérolas e com pedras preciosas, essas metáforas são somente auxílio para nossa fé para nos mostrar que há alegria abundante e felicidade nos mais altos céus; mas não são prazeres carnais, porém espirituais. Nossa alegria será na perfeição da santidade, em ver a face pura de Cristo, em sentir o amor de Deus, em conversar com os seres celestiais; tudo isso será glorioso para a alma que receberá infinitamente de todos os prazeres celestiais.

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2. D everem os ter um sentim ento vivido desse estado glorioso. Por exem plo, uma pessoa num estado letárgico, embora esteja viva, encontrase ao mesmo tempo sã e morta, porque não está sensível à vida ao seu redor nem tem qualquer prazer em sua vida. Os cristãos, porém, devem ter um sentimento vivido e imediato do prazer infinito que vem de se deleitar em Deus. Nós deveríamos saber o que é ser feliz; e deveríamos refletir alegremente sobre a nossa dignidade e a nossa felicidade; deveríamos saborear cada pedacinho dessa doçura e cada gota desse prazer que fluem de Deus. 3. Devemos ser capacitados a levar uma am ostra dessa glória. Não suportaríam os toda essa glória nesta vida terrena, seria muito para nós, assim como um olho fraco não pode contemplar o Sol. Mas, Deus nos capacitará para a glória; nossas almas serão tão celestiais e tão perfeitas em santidade que elas serão capazes de usufruir a bendita contemplação de Deus. M oisés viu a glória de Deus pela fissura da rocha (Êx 33.22). De nossa abençoada rocha, Cristo, nós contemplaremos a Deus. 4. Esse usufruir Deus será mais uma pura contemplação dele. Alguns perguntam se usufruir Deus será somente pela contemplação. Isto não será tudo, senão m etade do céu. H averá um D eus de am or, uma co n d escen d ên cia nele, um sab o rear de sua d o çu ra; não som ente observação, mas detenção. Há uma observação: “para que vejam a minha glória que me conferiste” (Jo 17.24) e há uma detenção: “ Eu lhes tenho transmitido a glória que me tens dado” (Jo 17.22). A glória não somente será revelada a nós, porém em nós: “a glória a ser revelada em nós” (Rm 8.18). Contemplar a glória de Deus é a glória revelada para nós; mas compartilhar sua glória é a glória revelada em nós. Assim como a esponja suga o vinho, nós sugaremos a glória. 5. Não há nenhuma interrupção nesse estado de glória. Não teremos a presença gloriosa de Deus somente em alguns momentos especiais, mas co ntinuam ente estarem o s em sua p resen ça, co n tin u am en te sob o arrebatamento divino da alegria. Não haverá sequer um minuto no céu em que uma alma glorificada possa dizer que não usufrui felicidade. As fontes de glória não são como as de água, que costumam acabar, de maneira a não termos uma gota sequer delas. As fontes e as alegrias celestiais estão continuamente fluindo. Deveríamos desprezar este vale de lágrimas onde estamos agora em troca do monte da transfiguração. Com que ardor os cristãos deveriam desejar usufruir totalmente Deus no paraíso. Ao ter uma idéia da terra da promessa, precisamos paciência para estar contentes em viver aqui um pouco mais. Segunda aplicação: que isto seja um incentivo ao dever. Como deveríamos ser diligentes e zelosos em glorificar a Deus, de maneira a finalmente usufruir dele. Se Tully, Demóstenes34 e Platão,25 que tinham a

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razão um pouquinho iluminada pela qual vislumbravam grandes coisas, imaginaram um “Campos Elíseos” e a felicidade depois desta vida, e que eram necessárias dores hercúleas para disso usufruir, quanto mais deveriam os cristãos, que têm a luz das Escrituras pela qual ver, estimularem-se de maneira a se ater à fruição eterna de Deus e da glória eterna. Se alguma coisa pudesse nos tirar de nossa cama de preguiça para servir a Deus com toda a nossa força, deveria ser a esperança do nosso usufruir Deus para sempre, o que está próximo. O que fez Paulo tão ativo na esfera da religião? “Trabalhei muito mais do que todos eles” (IC o 15.10). Sua obediência não se moveu devagar, como o sol no relógio solar; mas rápido, como a luz que vem do sol. Por que ele era tão zeloso em glorificar a Deus, senão pelo fato de finalmente centrar e realizar-se nele? “Estaremos para sempre com o Senhor” (1 Ts 4.17). Terceira aplicação: que isto console o piedoso diante de todos os sofrimentos presentes que ele sente. Tu reclamas, cristão, não usufruis a ti mesmo, temes ansiedade, a necessidade te deixa perplexo; durante o dia não podes usufruir paz, durante a noite não usufruis sono; não usufruis os confortos da tua vida. Que isto te reviva, que em breve usufruirás Deus e, então, terás mais do que podes pedir ou pensar; terás a alegria dos anjos, glória sem fim ou intervalos. Nós nunca nos realizaremos totalmente até que usufruamos Deus eternamente. B. As

S agradas E

s c r it u r a s

PERGUNTA 2: Que regra Deus nos deu para nos orientar na maneira de o glorificar e deleitar-se nele? RESPOSTA: A Palavra de Deus, que se acha nas Escrituras do Antigo e Novo Testamentos, é a única regra para nos orientar na maneira de glorificá-lo e deleitar-se nele. “Toda a Escritura é inspirada por Deus...” (2Tm 3.16). Escritura quer dizer o Livro sagrado de Deus. Foi dado por inspiração divina, isto é, as Escrituras não são um artifício do cérebro humano, mas são divinas em sua origem. A imagem de Diana era venerada pelos efésios porque supunham que caíra de Júpiter (At 19.35), as Sagradas Escrituras devem ser muito reverenciadas e bastante consideradas porque temos a certeza que vieram do céu (2Pe 1.21). Os dois Testamentos são os dois lábios pelos quais Deus nos falou. 1. A autoridade das E scritu ras S agradas a. Como se evidencia a autoridade das Escrituras? Podemos estabelecer uma pergunta: Como se evidencia que as Escrituras têm uma autoridade divina nelas impressa? Porque o Antigo e o

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Novo Testamentos são a base de toda nossa fé, e se a divindade das Escrituras não puder ser provada, a base sobre a qual nós construímos nossa fé é vã. Devo, então, abraçar o desafio de provar essa grande verdade que afirma as Escrituras, de fato, Palavra de Deus. Fico pensando: de onde mais as Escrituras poderiam vir, senão de Deus? Homens maus não poderiam ser seus autores. Suas mentes poderiam compor linhas tão santas? Fariam declarações tão severas contra o pecado? Homens bons também não poderiam ser os autores. Poderiam escrever de maneira tão afinada? Ou, quem sabe, poderiam usar sua agilidade para falsificar o nome de Deus usando o “Assim diz o Senhor” em um livro de autoria de homens? Também, nenhum anjo no céu poderia ser o autor delas, porque os anjos investigam e pesquisam nas profundezas dos mistérios do evangelho (lP e 1.12), o que implica ignorância de algumas partes das Escrituras. Portanto, não poderiam ser autores de um livro que eles mesmos não compreendem completamente. E mais, que anjo no céu teria a ousadia de ser tão arrogante em agir como se fosse Deus e dizer: “eu crio” (Is 65.17), “Eu, o S e n h o r , falei” (Nm 14.35)? Assim, fica evidente que a origem das Escrituras é sagrada, que não poderia vir de outro senão do próprio Deus. Além do consenso harmonioso de todas as partes da Escritura, há sete argumentos convincentes que podem patenteá-la como sendo a Palavra de Deus. i. As E sc ritu ra s relatam um am plo período histórico. Em sua antiguidade, as Escrituras são uma obra de caráter antigo. Os cabelos brancos delas a fazem venerável. Nenhuma história humana existente vai tão longe quanto o dilúvio de Noé, mas as Sagradas Escrituras relatam assuntos reais desde o começo do mundo e relatam sobre coisas até mesmo anteriores à existência de tudo. Encaixam-se com a regra de Tertuliano: “O que é mais antigo, deve ser recebido como mais sagrado e autêntico” . ii. As E s c ritu ra s fo ram p re s e rv a d a s de m odo s o b re n a tu ra l. Podemos saber que as Escrituras são a Palavra de Deus por meio de sua preservação miraculosa no decorrer dos anos. As Sagradas Escrituras são as jóias mais caras que Cristo nos deixou e que a igreja de Deus preservou como registros públicos do céu, de maneira que não foram perdidos. A Palavra de Deus nunca teve inimigos à altura para extirpá-la, se isso fosse possível. Inimigos se levantaram com leis contra as Escrituras, como fez faraó para com as parteiras decretando que matassem os filhos das hebréias estrangulando-os no parto. Deus, porém, preservou esse Livro inviolável até hoje. O demônio e seus agentes têm soprado para ver se apagam a luz das Escrituras, mas não têm conseguido apagá-la, um sinal evidente de que elas vêm do céu.

As Sagradas Escrituras

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A igreja de Deus, em todas as revoluções e mudanças, não somente guardou as Escrituras para que não se perdessem, mas as preservou da depravação. A letra das Escrituras foi preservada na língua original sem qualquer corrupção. As Escrituras não foram corrompidas antes da vinda de Cristo, pois se assim fosse, Cristo não teria mandado os judeus pesquisarem nas Escrituras. Ele disse: “Examinai as Escrituras” . Cristo sabia que aquelas fontes sagradas não estavam contaminadas com tendências humanas. iii. O conteúdo das E sc ritu ra s é d ivinam ente in spirado. Que as Escrituras são a Palavra de Deus se verifica pelo material contido nela. O mistério da Escritura é de tão difícil compreensão e profundeza que nenhum homem ou anjo poderia conhecê-la se não fosse divinamente revelada. Quem poderia conceber que o Eterno deveria nascer; que aquele que troveja nos céus deveria chorar em um berço; que aquele que governa as estrelas deveria amamentar no peito; que o Príncipe da Vida deveria morrer; que o Senhor da Glória deveria ser envergonhado; e que o pecado deveria ser punido completamente, mas perdoado com pletamente? Quem poderia conceber tal mistério se as Escrituras não tivessem sido reveladas a nós? E, em relação à doutrina da ressurreição, que o mesmo corpo moído em milhares de pedaços pudesse levantar o mesmo corpo individual, como se fosse uma criação, não uma ressurreição. Como tal enigma, acima de toda explicação humana, poderia ser conhecido se as Escrituras não fizessem uma revelação dele? O material das Escrituras é tão cheio de bondade, de justiça e de santidade que não poderia ter sido inspirado por mais ninguém, a não ser Deus. A santidade dele mostra que é de Deus. As Escrituras são comparadas à prata refinada sete vezes (SI 12.6). O Livro de Deus não tem errata em si; é um raio do sol da justiça, um fluxo cristalino de água da fonte da vida. Todas as leis e decretos humanos tiveram suas corrupções, mas a Palavra de Deus sequer tem uma manchinha, é de um esplendor astronômico: “ Puríssima é a tua palavra” (SI 119.140), como o vinho das uvas, que não é misturado ou adulterado. E tão puro que purifica tudo o mais: “Santifica-os na verdade” (Jo 17.17). As Escrituras exigem santidade de maneira que nenhum livro o faz: comanda-nos a viver “sensata, justa e piedosamente” (Tt 2.12). Viver de maneira sensata em atos de temperança; de maneira justa em atos de justiça; de maneira piedosa em atos de zelo e de devoção. Ela nos recomenda o que é “puro... amável de boa fama” (Fp 4.8). Essa espada do Espírito corta a prática imoral (E f 6.17). De cima da torre das Escrituras é lançado uma mó na cabeça do pecado. As Escrituras são a lei real que comanda as ações e as afeições; conecta o coração ao bom comportamento. Onde tal santidade

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será encontrada se não for escavada dessa mina sagrada? Quem poderia ser o autor de um livro assim, a não ser o próprio Deus? iv. As Escrituras apresentam profecias sobrenaturais. Que as Escrituras são a Palavra de Deus é evidente por suas predições. Profetiza coisas que acontecerão, mostra a voz de Deus falando nela: foi predita pelo profeta: “Eis que a virgem conceberá” (Is 7.14), e, “será morto o Ungido” (Dn 9.26). As Escrituras prevêem coisas que acontecerão muitas eras e séculos mais tarde; por exemplo, quanto tempo Israel serviria na fornalha de ferro e até o dia exato de sua libertação: “Aconteceu que, ao cabo dos quatrocentos e trinta anos, nesse mesmo dia, todas as hostes do S k n iio r saíram da terra do Egito” (Êx 12.41). Esta predição de coisas futuras, meramente contingentes, e não dependentes de causas naturais, é uma demonstração clara de sua origem divina. v. As Escrituras apresentam narrativas imparciais. A imparcialidade daqueles homens de Deus que escreveram as Escrituras, que não deixaram de reconhecer as próprias falhas. Quem escreveria uma história maculando a própria face ao registrar coisas a seu respeito que poderiam manchar sua reputação? Moisés registra a própria impaciência quando bateu na rocha, e nos diz que por causa daquilo não poderia entrar na terra prometida. Davi relata o próprio adultério e assassinato, que aparecem como um borrão em seu brasão nas eras futuras. Pedro relata a própria covardia ao negar Cristo. Jonas apresenta as próprias paixões: “é razoável a minha ira até a morte”. Certamente, se suas penas não fossem guiadas pela própria mão de Deus, nunca teriam escrito o que refletiria desonra para eles mesmos. Geralmente o homem esconde suas culpas e não as publica para o mundo, mas as penas dos homens das Sagradas Escrituras obscurecem os próprios nomes. Tiram toda a glória deles mesmos e a dão para Deus. vi. A ação renovadora das Escrituras sobre os homens. O grande poder e eficácia que a Palavra teve sobre as almas e as consciências dos homens. Mudou seus corações. Alguns, ao lerem a Escritura se transformaram em outros homens, foram feitos santos e graciosos. Ler outros livros pode aquecer o coração, mas ler a Bíblia transforma. A Palavra foi copiada em seus corações e se tomaram cartas de Cristo, de maneira que os outros pudessem ler Cristo neles: “estando já manifestos como carta de Cristo, produzida pelo nosso ministério, escrita não com tinta, mas pelo Espírito do Deus vivente” (2Co 3.3). Caso um selo fosse comprimido sobre uma pedra de mármore e deixasse uma impressão sobre o mármore, haveria uma estranha virtude nesse selo. Assim, quando o selo da Palavra deixa uma impressão celestial de graça sobre o coração, tem de haver um poder atuando com a Palavra, um poder divino.

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As Escrituras confortaram o coração dos crentes. Quando os cristãos se sentaram à beira dos rios chorando, a Palavra caiu como mel e suavemente os reanimou. O conforto maior do cristão sai dessa fonte de salvação: “a fim de que, pela paciência e pela consolação das Escrituras, tenhamos esperança” (Rm 15.4). Quando uma pobre alma está quase desmaiando, nada a conforta, mas as Escrituras a tonificam. Quando doente, a Palavra reanimou a alma: “ Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós eterno peso de glória, acima de toda comparação” (2Co 4.17). Quando a alma foi abandonada, a Palavra pingou como óleo dourado de alegria: “O Senhor não rejeitará para sempre” (Lm 3.31). Ele pode mudar sua providência, não seu propósito. Ele pode ter o olhar de um inimigo, mas tem o coração de um pai. Assim, a Palavra tem um poder em si para confortar um coração: “O que me consola na minha angústia é isto: que a tua palavra me vivifica” (SI 119.50). Como o álcool é transmitido pelas artérias do corpo, assim o consolo divino é transmitido pelas promessas da Palavra. As Escrituras, com um poder estimulante e consolador em si, mostram claramente que vem de Deus quem colocou o leite da consolação nessas fontes. vii. As E scritu ras são confirm adas p o r m ilagres. Os milagres pelos quais as Escrituras são confirmadas. Milagres foram realizados por Moisés, Elias e Cristo, e continuaram muitos anos depois pelos apóstolos para confirmar a veracidade das Escrituras Sagradas. Assim como suportes são colocados debaixo de tonéis de vinhos mais fracos, da mesma maneira esses milagres foram colocados sob a frágil fé dos homens, de modo que, se não acreditassem nos escritos da Palavra, poderiam crer nos milagres. Lemos sobre Deus dividindo as águas, fazendo um caminho no mar para seu povo atravessar, um machado boiando, azeite aumentando nas vasilhas, Cristo transformando água em vinho, a cura do cego e a ressurreição do morto. Assim, Deus colocou um selo de verdade e divindade nas Escrituras pelos milagres. b. De quem provém a autoridade das Escrituras? Os papistas não podem negar que a Escritura é divina e sagrada. Porém, afirmam que, com respeito a nós, ela recebe sua autoridade divina da igreja. E para provar isso citam as Escrituras de 1 Timóteo 3.15, em que se diz da igreja ser o fundamento e a coluna da verdade. De fato, a igreja é a coluna da verdade, mas não significa que as Escrituras recebem sua autoridade da igreja. A proclamação do rei é afixada na coluna, a coluna segura o aviso de maneira que todos possam ler, mas a proclamação não recebe sua autoridade da coluna, mas do rei. Assim, a igreja segura as Escrituras abertas, mas estas não recebem sua autoridade

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da igreja, mas de Deus. Se a Palavra de Deus for divina meramente porque a igreja a segura aberta, então concluiremos que nossa fé deve ser colocada sobre a igreja e não sobre a Palavra, o que contrariaria os ensinos do apóstolo: “edifícados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas” (E f 2.20). 2. As Escrituras canônicas são a regra completa a. Por que as Escrituras são chamadas canônicas? Todos os livros da Bíblia são da mesma autoridade divina? Nem todos, apenas aqueles que chamamos canônicos. Seguindo-se a essa, surge outra pergunta: Por que as Escrituras são chamadas canônicas? Porque a Palavra é uma regra de fé, um cânon para dirigir nossas vidas. A Palavra é o juiz das controvérsias e a rocha da infalibilidade. Somente deve ser recebido como verdade aquilo que concorda com as Escrituras, como transcrito no original. Todas as máximas na teologia devem ser levadas ao teste das Escrituras, assim como todas as medidas são comparadas ao padrão. b. As Escrituras são a regra de f é e prática? As Escrituras são um cânon perfeito e completo, contendo nele todas as coisas necessárias para a salvação: “e que, desde a infância, sabes as sagradas letras, que podem tornar-te sábio para a salvação” (2Tm 3.15). Ela mostra o Credenda, o que devemos crer; e a Agenda, o que devemos praticar. Dá-nos um exato modelo da religião e nos instrui perfeitamente nas profundezas de Deus. Os papistas, portanto, tomam-se culpados por si mesmos, pois apóiam as Escrituras com suas tradições, as quais consideram iguais às Escrituras. O Concilio de Trento diz que as tradições da Igreja de Roma devem ser recebidas com a mesma devoção que as Escrituras. Logo, colocam-se a si mesmos sob maldição: “ Se alguém lhe fizer qualquer acréscimo, Deus lhe acrescentará os flagelos escritos neste livro” (Ap 22.18). 3. O escopo principal e o fim da Escritura Pode-se levantar a seguinte questão: Qual é o escopo principal e o fim da Escritura? Revelar o caminho da salvação. As Escrituras fazem uma clara descoberta de Cristo: “estes, porém, foram registrados para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome” (Jo 20.31). O propósito da Palavra é ser um teste pelo qual nossa graça deve ser testada, uma bóia de demarcação marítima para nos mostrar que rochas devem ser evitadas. A Palavra deve sublimar e saciar nossas afeições. Deve ser diretiva e consoladora, deve soprar na direção da terra prometida.

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4 . A legítima interpretação das Escrituras a. Quem deveria ter o poder para interpretar as Escrituras? Os papistas afirmam que é da igreja tal poder. Se perguntarmos a eles quem é a igreja, dirão que é o papa, que é o cabeça dela, e que ele é infalível. É o que diz Bellarmino.26 Porém, essa afirmação é falsa porque muitos dos papas foram ignorantes e depravados, como afirma Platina, que escreveu sobre a vida dos papas. O papa Libério era um ariano, e o papa João XII negou a imortalidade da alma. Portanto, os papas não são apropriados intérpretes das Escrituras. Então, quem é? As Escrituras devem ser seu próprio intérprete, ou melhor, o Espírito que fala nelas. Nada pode cortar o diamante senão o diamante; nada pode interpretar as Escrituras, senão as Escrituras. O sol se revela melhor por meio dos próprios raios; as Escrituras interpretam-se a si mesmas para o entendimento. Mas a questão feita aqui se refere aos textos complicados das Escrituras, em que o cristão fraco corre o risco de atravessar além de seus limites. Quem deve interpretar esses textos mais difíceis? A igreja de Deus apontou alguns expoentes e intérpretes das Escrituras, portanto deu dons aos homens. Vários pastores de igrejas, como constelações brilhantes, dão luz a textos obscuros das Escrituras: “Porque os lábios dos sacerdotes devem guardar o conhecimento, e da sua boca devem os homens procurar a instrução” (Ml 2.7). b. Mas isso significaria colocar nossa f é sobre homens? Não devemos aceitar nada como verdade se não estiver de acordo com a Palavra. Assim como Deus deu a seus ministros dons para interpretar textos obscuros, da mesma maneira deu a seu povo muito do espírito de discernimento para que possam dizer (ao menos nas coisas relativas à salvação) o que está de acordo com as Escrituras, e o que não está: “a outro, profecia; a outro, discernimento de espíritos” (IC o 12.10). Deus proveu seu povo com tal medida de sabedoria e ponderação que pode discernir entre a verdade e o erro, julgar o que é bom e o que é espúrio: “Ora, estes de Beréia... receberam a palavra com toda a avidez, examinando as Escrituras todos os dias para ver se as coisas eram , de fato, assim ” (At 17.11). Eles verificavam a doutrina que ouviam para ver se estava de acordo com as Escrituras, embora Paulo e Silas fossem seus mestres (2Tm 3.16). A

p l ic a ç õ e s

Primeira aplicação: veja a maravilhosa bondade de Deus, que, apesar da luz da natureza, nos confiou às Sagradas Escrituras. O não-convertido

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está envolvido na ignorância todos “ ignoram seus preceitos” (SI 147.20). Ele tem os oráculos das Sibilas, mas não os escritos de Moisés e dos apóstolos. Quantos vivem na região da morte, onde essa estrela brilhante das Escrituras nunca aparece. Nós temos esse Livro bendito vindo de Deus para resolver todas as nossas dúvidas, para nos indicar um modo de vida: “ Donde procede, Senhor, que estás para manifestar-te a nós e não ao mundo?” (Jo 14.22). Deus, dando-nos sua Palavra escrita para ser nosso guia, retira todas as desculpas dos homens. Nenhum homem pode dizer: “eu fiz errado por falta de luz”, pois Deus deu sua Palavra como lâmpada para os pés, portanto se alguém errou, o fez de livre e de espontânea vontade. Nenhum homem pode dizer: “se eu soubesse a vontade de Deus, teria obedecido” . E indesculpável, pois Deus deu uma regra pela qual se basear, escreveu sua lei com o próprio dedo, portanto se não o obedeceram não há desculpas. Se um mestre deixa sua mente por escrito com seu servo e lhe diz que obra quer que faça e o servo negligencia a obra, tal servo não tem desculpas: “mas, agora, não têm desculpa do seu pecado” (Jo 15.22). Segunda aplicação: se toda a Escritura é de inspiração divina, então alguns são reprovados. 1. Reprovam-se os papistas, que tiram uma parte das Escrituras, cortando um pedaço da moeda do reino do céu. Eliminam o segundo mandamento de seus catecismos, porque fala contra imagens. É comum entre eles, ao encontrar um ensinamento indesejável nas Escrituras, colocar uma máscara sobre aquela matéria ou, se tal ato não resolver, fazer de conta que é algo espúrio. Eles são como Ananias, que escondeu parte do dinheiro (At 5.2). Eles escondem parte das Escrituras do povo. É uma grande afronta contra Deus apagar e ocultar qualquer parte de sua Palavra, o que nos leva a sofrer as imprecações de Apocalipse 22.19: “e, se alguém tirar qualquer coisa das palavras do livro desta profecia, Deus tirará sua parte da árvore da vida, da cidade santa e das coisas que se acham escritas neste livro”. 2. Reprovam-se os antinomianos, uma vez que toda a Escritura é de inspiração divina, porque põem de lado o Antigo Testamento como se fosse inútil e ultrapassado, chamando aqueles que o adotam de cristãos do Antigo Testam ento. Deus estam pou sua m ajestade divina sobre am bos os Testamentos, e até que alguém possa me mostrar onde Deus repeliu o Antigo, continua com força. Os dois Testamentos são dois poços de salvação. Os antinomianos tapam um desses poços, secam uma das fontes de nutrição que saem das Escrituras. Há muito evangelho no Antigo Testamento. Os consolos no evangelho no Novo Testamento provêm do Antigo. A grande promessa do Messias está no Antigo Testamento: “uma virgem conceberá e dará à luz a um filho”. E digo mais, a lei moral, em algumas partes dela, é discurso do

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evangelho: “eu sou o Senhor teu Deus”, aqui está o puro vinho do evangelho. O grande alvará dos santos, em que Deus promete “aspergir água pura sobre eles e colocar seu Espírito dentro deles” é encontrado principalmente no Antigo Testamento (Ez 36.25,26). Então, quem elimina o Antigo Testa­ mento faz como Sansão que empurrou as colunas, elimina as colunas do consolo do cristão. 3. Reprovam-se os entusiastas, que, fingindo ter o Espírito, põem de lado toda a Bíblia e dizem que as Escrituras são letras mortas, vivendo acima delas. Como são atrevidas tais pessoas. Até que estejamos acima do pecado, não estaremos acima das Escrituras. Nenhum homem fale de uma revelação do Espírito, senão sob suspeita de ser um impostor. O Espírito de Deus age regularmente na Palavra e pela Palavra. E, aquele que forja uma nova luz, que esteja acima ou que seja contrário à Palavra, viola tanto a si mesmo quanto ao Espírito: sua luz é tomada emprestada daquele que transforma a si mesmo em um anjo de luz. 4. Reprovam -se também os que dim inuem as Escrituras; como aqueles que podem passar semanas e meses sem ler a Palavra. Colocam-na de lado como se fosse uma armadura enferrujada, preferem ler uma novela ou um romance em detrimento das Escrituras. Os assuntos pesados da lei são para eles insignificantes. Quanta gente consegue ficar olhando suas faces no espelho durante toda a manhã, mas seus olhos começam a doer quando olham para uma Bíblia. Os ímpios morrem por falta das Escrituras, e outros por desprezá-las. Aqueles que desprezam seu guia certamente se dão mal. Colocam rédeas sobre o pescoço de suas malícias, mas nunca usam o freio das Escrituras para checá-las, assim são levados ao inferno e nunca param. 5. Reprovam-se os ofensores das Escrituras. Aqueles que enlameiam e que envenenam essa fonte pura e cristalina com seus enganos corruptos e que torcem a Escritura (2Pe 3.16). A palavra grega para deturpar (versão R.A.) significa torcer. Por não comparar Escrituras com Escrituras, interpretamnas erroneamente. Assim, os antinomianos torcem a Escritura. Lendo Números 23.21: “Não viu iniqüidade em Jacó”, inferem que o povo de Deus pode tomar a liberdade de pecar, pois Deus não vê pecado neles. É verdade, Deus não vê o pecado em seu povo com o olho da vingança, mas vê com o olho da observação. Não vê pecado neles, de maneira a condená-los, mas vê a ponto de ficar irado e severamente puni-los. Davi não descobriu isso quando clamou por seus ossos quebrados? Dessa mesma maneira os arminianos torcem a Escritura. Lendo, por exemplo, João 5.40: “Contudo, não quereis vir a mim”, vêem o livre-arbítrio. Esse texto mostra como Deus permite termos vida, como pode permitir aos

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pecadores fazer mais do que fazem, multiplicando os talentos que deu a eles; mas não prova o poder do livre-arbítrio, pois é contrário à Escritura em João 6.44: “Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o trouxer” . Torcem o texto com tanta força que sai até sangue dele, não comparam a Escritura. Outros torcem as Escrituras zombando delas. Quando estão tristes, pegam a Escritura como se fosse um alaúde ou menestrel para tocar, e assim expulsam o espírito triste. Fazem como um beberrão cuja história eu li, que, após ter bebido, chamou alguns de seus amigos, dizendo: “Dê-nos de seu óleo, pois nossas lâmpadas se apagaram”. Só quando estão com medo de Deus é que dão atenção à Palavra. Eusébio27 nos conta de alguém que pegou uma parte das Escrituras para fazer uma brincadeira, mas foi possuído de loucura e saiu correndo. Há um dito de Lutero28 que diz assim: “quem Deus pretende destruir, deixa brincar com as Escrituras”. Terceira aplicação: já que a Escritura é de inspiração divina, então devemos ser exortados. 1. Somos exortados a estudar a Escritura. E uma cópia da vontade de Deus. Sejam homens da Escritura, cristãos da Bíblia. Tertuliano disse assim: “eu adoro a totalidade da Escritura”. No Livro de Deus estão espalhadas muitas verdades assim como pérolas. O apóstolo João diz: “Examinais as Escrituras” (Jo 5.39). Examine como se estivessem procurando um veio de prata. Esse Livro abençoado encherá sua mente de conhecimento e seu coração de graça. Deus escreveu as duas tábuas com os próprios dedos e, se sofreu dores para escrevê-las, também temos de sofrer dores para lê-las. Apoio era poderoso nas Escrituras (At 18.24). A Palavra é nossa Magna Charta para o céu. Podemos ser ignorantes quanto a nosso dever? “ Habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo” (Cl 3.16). A memória deve ser caderno de anotações em que a Palavra é escrita. Há majestade cintilando em cada linha da Escritura, por exemplo: “quem é este que vem de Edom, de Bozra, com vestes de vivas cores, que é glorioso em sua vestidura, que marcha na plenitude da sua força? Sou eu que falo em justiça, poderoso para salvar” (Is 63.1). Aqui se vê um alto e magnifícente estilo. Que anjo poderia falar dessa maneira? Junius foi convertido ao ler um versículo de João, contemplou a majestade nele além de toda retórica humana. Há uma melodia nas Escrituras. Ela é a harpa abençoada que expulsa a tristeza do espírito. Ouça um pouquinho dessa harpa: “Fiel é a palavra e digna de toda aceitação: que Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores” (1 Tm 1.15). Jesus não tomou somente nossa forma carnal, mas nossos pecados. “Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei” (Mt 11.28). Quão doce essa harpa das Escrituras soa.

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que música celestial toca aos ouvidos de um pecador cansado, especialmente quando o dedo do Espírito de Deus toca esse instrumento. Há divindade na Escritura, ela contém a substância e a essência da religião. E uma rocha de diamantes, um mistério de piedade. Os lábios das Escrituras têm graça derram ada neles. As Escrituras falam de fé, de autonegação e de todas as graças que, como uma corrente de pérolas, adornam um cristão. Incitam à santidade, tratam de outro mundo, dão uma visão da eternidade. Então, examine as Escrituras. Tome a Palavra sua grande conhecida. Se eu tivesse a língua dos anjos, não poderia expressar a excelência da Escritura suficientemente. Elas são os óculos espirituais por meio dos quais contemplamos a glória de Deus, são a árvore da vida, o oráculo de sabedoria, a regra de comportamentos, a semente celestial da qual a nova criatura é formada (Tg 1.18). “Os dois Testamentos”, diz Agostinho, “são os dois seios nos quais todo cristão deve sugar, para que obtenha alim ento espiritual” . As folhas da árvore da vida eram para a cura (Ap 22.2), da mesma maneira, as folhas santas das Escrituras são para cura de nossas almas. As Escrituras são benéficas para todas as coisas. Se estivermos desolados, nelas está o vinho aromático que alegra um coração pesaroso; se somos perseguidos por Satanás, nelas está a espada do Espírito para resisti-lo; se estamos doentes com a lepra do pecado, nelas estão as águas do santuário, tanto para limpar quanto para curar, por tudo isso, então, exam inai as E scrituras. Não há perigo em provar dessa árvore do conhecimento. Havia uma penalidade anteriormente colocada que não podíam os provar da árv o re do conhecim ento: “ m as da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gn 2.17). Não há perigo em tomar o fruto dessa árvore das Escrituras Sagradas. Se não comermos dessa árvore do conhecimento, certamente morreremos. Então, leia as Escrituras. Pode chegar uma época em que as Escrituras nos sejam proibidas. Leia a Bíblia com reverência. Pense sobre cada linha em que Deus está falando com você. A arca onde a lei foi colocada era revestida com puro ouro, era carregada com barras, os levitas não podiam tocá-la (Êx 25.14). Para quê era isso, senão para reverenciar a lei? Leia com seriedade, pois é uma questão de vida ou morte. Pela Palavra somos testados: a consciência e as Escrituras são os parâmetros pelos quais Deus irá se basear ao nos julgar. Leia a Palavra com apreciação. Sacie seu coração com a Palavra, vá até ela para buscar fogo: “Porventura, não nos ardia o coração?” (Lc 24.32). Empenhe-se de maneira que a Palavra não seja somente uma lâmpada para orientar, mas um fogo para aquecer.

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Leia as Escrituras não somente como uma história, mas como uma carta de amor enviada por Deus, que pode afetar os corações. Ore para que o mesmo Espírito que escreveu a Palavra possa assisti-lo ao lê-la; que o Espírito de Deus lhe mostre as coisas maravilhosas de sua lei: “aproxima-te desse carro”, disse Deus a Filipe, “acompanha-o” (At 8.29). Assim, quando o Espírito de Deus se une com o carro de sua Palavra se torna eficaz. 2. Considere-se exortado a valorizar a Palavra escrita (Jo 23.12). Davi valorizou a Palavra mais que o ouro. O que teriam os mártires dado por uma folha da Bíblia. A Palavra é o campo onde Cristo, a pérola valorosa, está escondido. Nessa mina sagrada nós cavamos, não por um pedaço de ouro, mas por um peso de glória. As Escrituras são colírios sagrados ou ungüentos para nos iluminar: “porque o m andamento é lâmpada, e a instrução, luz” (Pv 6.23). As Escrituras são o plano e a bússola pelos quais velejamos para a nova Jerusalém. É um remédio estimulante soberano para todas as fraquezas. O que são as promessas, além de água da vida para renovar espíritos desanimados? É o pecado que incomoda? Aqui está um remédio da Escritura: “se prevalecem as nossas transgressões, tu no-las perdoas” (SI 65.3). São aflições externas que o agitam? Nelas está o remédio: “na sua angústia eu estarei com ele” (SI 91.15), não somente para olhar, mas para apoiar. Assim como o maná foi colocado na arca, as promessas são colocadas na arca das Escrituras. As Escrituras nos farão sábios. A sabedoria é maior do que rubis: “por meio dos teus preceitos, consigo entendimento” (SI 119.104). O que fez Eva desejar a árvore do conhecimento? Era uma “árvore desejável para dar entendimento” (Gn 3.6). As Escrituras ensinam o homem a se conhecer, revelam os desígnios e estratagemas de Satanás (2Co 2.11), “podem tomarte sábio para a salvação” (2Tm 3.15). Então, valorize muito as Escrituras. Li a respeito da rainha Elizabete, que em sua coroação recebeu uma Bíblia de presente com ambas as mãos e a beijou, colocou contra seu peito e disse que aquele livro sempre foi sua maior alegria. 3. Você é exortado a crer nas Escrituras, porque elas são de divina inspiração. Os romanos, a fim de darem crédito às suas leis, diziam que haviam sido inspirados pelos deuses de Roma. Dê credibilidade à Palavra. Ela é soprada da boca do próprio Deus. Se não for assim, a profanação dos homens cresce, pois não crêem na Escritura: “quem creu em nossa pregação?” (Is 53.1). Você creu nos galardões gloriosos de que as Escrituras falam, senão não se esforçaria para ter certeza de sua eleição? Você acreditou nos tormentos do inferno de que a Escritura fala? Não lhe fez suar frio e provocou um temor no coração por causa do pecado? Porém, as pessoas

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são em parte ateístas, dão pouco crédito à Palavra, portanto são muito ímpias e atraem sombras escuras em suas vidas. Aprenda a compreender a Escritura, faça que seu coração trabalhe para uma firme crença nela. Alguns acham que se Deus enviasse um anjo do céu e declarasse o que pensa, acreditariam nele. Ou, se enviasse alguém do inferno e pregasse sobre os tormentos do inferno em chamas, acreditariam nele. Porém, “se não ouvem a Moisés e aos profetas, tampouco se deixarão persuadir, ainda que ressuscite alguém dentre os mortos” (Lc 16.31). Deus é sábio e entende que a maneira mais apropriada para se fazer conhecido a nós é pela escrita. E aqueles que não forem convencidos pela Palavra serão julgados pela Palavra. A crença nas Escrituras é de grande importância. Ela nos capacitará a resistir à tentação: “a palavra de Deus permanece em vós, e tendes vencido o Maligno” (1 Jo 2.14). Ela nos conduz em nossa santificação, portanto a santificação do espírito e a crença na verdade estão colocadas juntas (2Ts 2.13). Se a palavra escrita não for crida é como escrever na água, não faz nenhuma marca. 4. Sinta-se exortado também a amar a Palavra escrita: “quanto amo a tua lei!” (SI 119.97). Agostinho disse assim: “ Senhor, que as Sagradas Escrituras sejam meu puro deleite”. Crisóstomo compara as Escrituras a um jardim, cada uma das verdades é uma flor perfumosa que devemos colher e carregar, não somente em nosso peito, mas em nosso coração. Davi considerava a Palavra de Deus “mais doce do que o mel e o destilar dos favos” (SI 19.10). Há algo nas Escrituras que produz deleite. Mostranos o caminho das riquezas: Deuteronômio 28.5, Provérbios 3.10; a vida longa: Salmo 34.12; e um reino: Hebreus 12.28. Sendo assim, que possamos contar as horas utilizadas na leitura das Sagradas Escrituras como as horas mais doces. Que digamos como o profeta: “Achadas as tuas palavras, logo as comi; as tuas palavras me foram gozo e alegria para o coração” (Jr 15.16). 5. Além disso, somos exortados a nos conformar às Escrituras. Que nossas vidas sejam guiadas segundo as Escrituras. Que a Bíblia possa ser vista impressa em nossas vidas. Faça o que a Palavra manda. Obediência é uma excelente maneira de ensinar a Bíblia: “andarei na tua verdade” (SI 86.11). Deixe que a Palavra seja o relógio de sol pelo qual você acerta a sua vida. Que bem fazemos se o que falamos e se nossas ações não são conforme as Escrituras? Que vantagem tem um carpinteiro que deixa o metro no bolso e nunca faz uso dele para medir e esquadrinhar seu trabalho? Também nós, que vantagem temos se não usamos a Palavra e se não regemos nossas vidas por ela? Quantas pessoas se transformam e se desviam da regra. A Palavra ensina a ser sóbrio e teinperante, mas eles são bêbados. Ela ensina a ser puro e santo, mas eles são profanos. Desviam-se completamente da regra. Que desonra é para a religião que hom ens vivam em contradição com as Escrituras.

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A Palavra é chamada “lâmpada para os meus pés” (SI 119.105). Não é somente uma luz para os nossos olhos, para corrigir nossa visão, mas para nossos pés para corrigir nosso andar. Que tenhamos conversas bíblicas. 6. Somos exortados a lutar pelas Escrituras. Embora não devamos ser de espírito contencioso, devemos lutar pela Palavra de Deus. Essa jóia é muito preciosa para ser abandonada: “guarda-a porque ela é a tua vida” (Pv 4.13). As Escrituras são cercadas pelos inimigos; hereges lutam contra ela. Portanto, devemos batalhar “diligentemente pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos” (Jd 3). As Escrituras são nosso livro de evidências do céu. Devemos abandonar nossas evidências? Os santos do passado eram tanto defensores quanto mártires da verdade. Eles estavam firmes nas Escrituras, apesar da perda de suas vidas. 7. Outra exortação que recebemos é sermos agradecidos a Deus pelas Escrituras. Que grande misericórdia de Deus, pois não somente nos dá a conhecer sua vontade, mas a deu por escrito. No passado, Deus revelou seus pensamentos por intermédio de visões, mas a Palavra escrita é uma maneira mais clara de conhecer o pensamento de Deus: “ora, esta voz, vinda do céu, nós a ouvimos quando estávamos com ele no monte santo. Temos assim tanto mais confirmada a palavra profética” (2Pe 1.18,19). Cuidado, o diabo é um imitador de Deus e pode se transformar em um anjo de luz. Pode enganar com falsas revelações. Uma vez ouvi falar de alguém que teve uma revelação de Deus para sacrificar seu filho, como Abraão teve. Então, seguindo aquele impulso do maligno, matou seu filho. Assim, Satanás engana as pessoas com ilusões, em vez de revelações divinas. Portanto, devemos ser agradecidos a Deus por revelar seu pensamento a nós por escrito. Não somos deixados em um suspense duvidoso de maneira a não saber no que crer, mas temos uma regra infalível pela qual nos basear. As Escrituras são nossa estrela polar para nos dirigir ao céu, mostra-nos cada passo que temos de tomar. Quando andamos de maneira errada, nos instrui. Quando fazemos o certo, nos conforta. E uma questão de gratidão que as Escrituras foram feitas inteligíveis ao serem traduzidas. 8. Finalmente, somos exortados a adorar a graça distinta de Deus. Você deve adorá-la caso tenha sentido o poder e a autoridade da Palavra sobre sua consciência e se pode dizer como Davi: “a tua palavra me vivifica” (SI 119.50). Cristão, dê graças a Deus por ter dado sua Palavra para ser uma regra de santidade, mas também um princípio de santidade. Dê graças a Deus que não somente escreveu sua Palavra, mas a selou sobre seu coração e a fez eficaz. Você pode dizer que ela é de inspiração divina, pois sentiu a operação viva dela. Que maravilhosa graça. Deus enviou sua Palavra e com ela o curou, de maneira que curou você e não outros. As mesmas Escrituras que para outros é uma letra morta, para você devem ser sinônimo de vida.

III. SEGUNDA PARTE D

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PERGUNTA 3: Qual é o ensino principal das Escrituras? RESPOSTA: As Escrituras nos ensinam principalmente o que o homem deve crer a respeito de Deus e qual dever Deus requer do homem. PERGUNTA 4: Quem é Deus? RESPOSTA: Deus é um Espírito infinito, eterno e imutável em seu ser, sabedoria, poder, santidade, justiça, bondade e verdade. Nessas perguntas, aprendemos sobre o ser de Deus, implicitamente, que há um Deus; explicitamente, que ele é um Espírito; e, em terceiro lugar, que tipo de Espírito Deus é? 1. A existência de Deus A pergunta: quem é Deus? subentende a existência de Deus. A crença na essência de Deus é o fundamento da adoração em todas as religiões: “porquanto é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe” (Hb 11.6). Deve haver uma causa primeira pela qual tudo existe. Pelas seguintes razões podemos reconhecer a existência de Deus. a. Pelo livro da natureza A noção de uma deidade está impressa no coração do homem bem como é demonstrada pela luz da natureza. Acho difícil um homem ser naturalmente ateu. Ele pode desejar que Deus não exista e pode lutar contra uma deidade, mas não pode em sã consciência crer que não há Deus. A menos que sua consciência esteja cauterizada pelo acúmulo de pecado e, por esse mesmo motivo, encontre-se em um estado tão grande de letargia que já tenha atingido seu senso e sua razão. b. Pelas obras de Deus Sabemos que há um Deus por meio de suas obras. Isso é evidência tão clara da existência de uma deidade que a maioria dos ateístas, quando considera essas obras, tem sido forçada a aceitar a existência de um criador sábio e supremo de todas as coisas, como aconteceu com Galeno29 e outros.

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Vamos iniciar pela criação do tecido glorioso do céu e da terra. É claro que houve um arquiteto ou causa primeira, pois o mundo não poderia criar a si mesmo. Quem penduraria a terra sobre o nada a não ser o grande Deus? Quem poderia fornecer tal riqueza de aparatos para os céus? E as gloriosas constelações? E o firmamento enfeitado com luzes tão cintilantes? Vemos a glória de Deus brilhando no sol e cintilando nas estrelas. Quem poderia dar a roupagem à terra, cobri-la com grama e milho, adorná-la com flores, enriquecê-la com ouro? Somente Deus (Jó 38.4). Quem, além de Deus, poderia ter feito a doce música nos céus, ajuntando os anjos em harmo­ nia entoando louvores ao seu criador? “Quando as estrelas da alva, juntas, alegremente cantavam, e rejubilavam todos os filhos de Deus?” (Jó 38.7). Se um homem fosse para um país longínquo onde visse edifícios bem altos, ele nunca imaginaria que esses edifícios foram construídos por si mesmos, mas suporia que algum poder maior os construiu. Imaginar que a obra da criação não foi estruturada por Deus é como se entendêssemos uma curiosa paisagem desenhada por um lápis sem a mão de um artista. “Deus... fez o mundo e tudo que nele existe” (At 17.24). Criar é algo próprio da deidade. O sábio governo de todas as coisas manifesta a existência de Deus. Deus é o grande superintendente do mundo, ele tem o cetro dourado do governo em sua mão, guiando todas as coisas regular e harmoniosamente ao seu devido fim. Qual pessoa, ao contemplar a providência, necessita ser forçada a reconhecer a existência de Deus? A providência é a rainha e a governanta do mundo; é a mão que gira a roda de toda a criação; ela dá a velocidade certa ao Sol e os limites aos oceanos. Se Deus não guiasse o mundo, as coisas entrariam em desordem e confusão. Quando alguém olha para um relógio e vê o movimento das engrenagens, o bater do martelo, os pêndulos balançando diria que algum artífice o fez. Da mesma maneira, temos de reconhecer a existência de um Deus que sabiamente ordena e governa todas essas coisas quando vemos a excelente ordem e harmonia no universo: o Sol, esse grande astro que irradia luz e calor para o mundo, sem o qual o mundo seria somente uma sepultura ou uma prisão; os rios, com seus fluxos prateados de água que refresca os corpos dos homens e evita a seca; todas as criaturas agindo conforme sua natureza e mantendo seus devidos limites. Quem poderia organizar esse grande exército de criaturas em seus diversos postos e esquadrões e mantê-los em marcha constante a não ser aquele cujo nome é O SENHOR DOS EXÉRCITOS? Da mesma maneira como Deus sabiamente dispõe todas as coisas no regimento das criaturas por meio de seu poder, também as sustenta. Se Deus suspendesse ou tirasse sua influência só um pouquinho, as rodas da criação sairiam do lugar e seu eixo se quebraria em pedaços. Todo movimento,

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dizem os filósofos, vem de alguma coisa que é imóvel. Os elementos, por exemplo, são movidos pela influência e o movimento dos corpos celestiais, o Sol e a Lua, e estes são movidos por uma esfera superior chamada Primum M obile. Se alguém p erg u n tasse quem m ove a ó rb ita su p erio r ou primeiramente moveu os planetas, a resposta só poderia ser: o próprio Deus. O homem é um microcosmo ou um mundo menor. A excelência da estrutura e disposição de seu corpo é algo produzido de modo inteligente como que um tricotar: “no oculto fui formado e entretecido como nas profundezas da terra” (SI 139.15). Esse corpo é equipado com uma alma nobre. Quem além de Deus poderia fazer tal união de substâncias diferentes como carne e espírito? Em Deus nós vivemos, nos movemos e existimos. A movimentação precisa de cada parte do corpo aponta para a existência de Deus. Podemos ver algo dele no brilho do olho. Se o porta-jóias, que é o corpo, foi tão bem trabalhado, o que dizer da jó ia que está dentro dele? A alma tem um brilho celestial em si, como disse Damasceno:30 “é um diamante colocado em um anel de barro”. Quão nobres são as faculdades com as quais a alma é adornada. O entendimento, a vontade, as afeições são um espelho da Trindade, como diz Platão. O material da alma é espiritual, é uma chama divina acesa pelo céu. Ser espiritual é ser imortal, como observa Scaliger:31 “ ... a alma não envelhece”, ela vive para sempre. Quem poderia criar uma alma enobrecida com propriedades angelicais tão raras, a não ser Deus? Nós devemos dizer como o salmista: “foi ele quem nos fez, e dele somos” (SI 100.3). c. Pela nossa consciência A consciência é prova da deidade, ela é uma representante e uma delegada de Deus. A consciência é uma testemunha da deidade. Se não houvesse uma Bíblia para nos dizer que há um Deus, a consciência o faria. A consciência, como diz o apóstolo: “mutuamente acusando-se ou defen­ dendo-se” (Rm 2.15), age de acordo com um tribunal superior. A consciência natural, livre dos grandes pecados, desculpa-se. Quando alguém pratica ações virtuosas, vive temperante e retamente, observa o grande mandamento fazendo aos outros o que gostaria que fosse feito a ele, então a consciência, aprovando suas ações, diz: “muito bem!” Como é natural a uma abelha produzir mel, o é à consciência, natural do ímpio acusá-lo. Quando os homens agem contra a luz, sentem peso de consciência. Sêneca32disse: “Que coisa. Parece que um escorpião se esconde dentro de mim”. Quando alguém peca contra a consciência, é como se ela cuspisse fogo no rosto da pessoa, enchendo-a de vergonha e horror. Quando o pecador vê a escrita manuscrita na parede da consciência, seu semblante se transtorna. Muitos já se enforcaram para silenciar suas consciências.

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O im perador Tibério, um homem sanguinário, sentiu o golpe de sua consciência. Foi tão perseguido com essa fúria que disse ao senado que sofria a morte diariamente. O que poderia colocar a consciência de um hom em em tal agonia, além da im p ressão da d eid ad e e o futuro enfrentamento de seu tribunal? Aqueles que se colocam acima das leis humanas estão sujeitos às verificações de suas próprias consciências. Podese notar isso claramente, pois quanto mais perto o ímpio se aproxima da morte, mais atemorizado fica. De onde vem isso a não ser da apreensão do juízo que se aproxima? A alma, sendo sensível quanto à sua natureza imortal, treme diante daquele que nunca cessa de viver e, portanto, nunca cessará de punir. d. Pela religião universal A existência de um Deus é algo que se verifica no consenso das nações, na consagração universal e nas orações de todos os homens. Tully disse o seguinte: “nenhuma nação é tão bárbara a ponto de não acreditar que existe um Deus”. Embora o pagão não adore o verdadeiro Deus, adora um deus. Eles montam um altar ao “Deus desconhecido” (At 17.23). Sabiam que um deus deveria ser adorado, embora não soubessem qual deus deveriam adorar. Alguns adoraram Júpiter, outros, Netuno e outros, Marte. Em lugar de não adorar nada, adoraram alguma coisa. e. Pelas predições infalíveis Que há um Deus se verifica por sua previsão das coisas futuras. Aquele que pode prever coisas que certamente acontecerão, é o verdadeiro Deus. Deus previu que uma virgem conceberia e prefixou o tempo em que o Messias deveria ser morto (Dn 9.26). Ele previu o cativeiro dos judeus na Babilônia e quem seria o libertador deles (Is 45.1). O próprio Deus usa desse argumento para provar que ele é o verdadeiro Deus e que todos os deuses dos pagãos são invenções nulas (Is 41.23). Tertuliano dizia que predizer coisas possíveis de acontecer, que não dependem de causas naturais, é algo peculiar à deidade. f. Pelo seu poder soberano Que há um Deus se verifica por meio de seu poder ilim itado e sua soberania. Aquele que age e ninguém o impede é o verdadeiro Deus. Pode fazer como quiser: “agindo eu, quem o impedirá?” ( Is 43.13). Nada pode interromper sua ação senão algum poder superior, mas não há poder acima de Deus. Todo poder que existe, existe por ele, portanto todo poder está submisso a ele: “o teu braço é armado de poder” (SI 89.13). Ele enxerga os desígnios que os hom ens têm contra ele e os impede.

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Ele enlouquece os adivinhadores (Is 44.25). Ele recolhe o espírito dos príncipes; acalm a o mar, faz o leviatã parar, am arra o dem ônio em correntes. Deus age de acordo com o que lhe agrada, faz o que é de sua vontade. “Agindo eu, quem impedirá?” g. Pela existência dos demônios Existem demônios, portanto existe um Deus. Os ateus não podem negar que existam demônios e, portanto, devem admitir a existência de Deus. Lemos a respeito de m uitos que foram possuídos pelo demônio. Os demônios são chamados na Escritura de “cabeludos”, porque geralmente apareciam na forma de bodes ou de um sátiro.33 Em seu livro, Deprobatione spirituum, Gerson34 nos conta como Satanás apareceu com uma aparência gloriosa a um homem santo, professando ser de Cristo, e o velho homem respondeu: “não desejo ver meu Salvador aqui neste deserto, é suficiente pra mim vê-lo no céu” . Então, se há um demônio, há um Deus. Sócrates, um pagão, quando foi acusado em sua morte, confessou que, de fato, como pensara, havia um malus genius, um espírito maligno, então certamente haveria um espírito bom. A

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Primeira aplicação: visto que Deus existe, reprovam-se os tolos ateístas que o negam. Epicúrio negou que havia uma providência, dizendo que todas as coisas aconteciam por acaso. Afirmar a não-existência de um Deus toma o homem a criatura mais ímpia que existe, sendo pior que um ladrão que leva nossas mercadorias, pois o ateísta nos toma nosso Deus: “levaram o meu Senhor” (Jo 20.13). Então podemos dizer dos ateístas que levariam nosso Deus de nós, aquele em quem toda nossa esperança e consolo estão colocados, conforme o salmista: “Diz o insensato no seu coração: não há Deus” (SI 14.1). Ele não se atreve a falar com a língua, mas o faz em seu coração, esse é o seu desejo. E certo que ninguém pode ser um ateísta especulativo: “Até os demônios crêem e tremem” (Tg 2.19). Li a respeito de um homem chamado Arthur, um ateu professo, que, quando estava perto de morrer, clamou que estava perdido. Embora haja poucos que dizem que não há Deus, muitos o negam em suas ações: “o negam por suas obras” (Tt 1.16). Cícero35 disse a respeito de Epicúrio: “... em suas palavras tanto nega a existência dos deuses quanto permite que eles existam” . O mundo é cheio de ateísmo prático; a maioria das pessoas vive com o se não acreditasse em Deus. Elas se atreveriam a mentir, defraudar, ser impuras, se acreditassem que há um Deus que lhes pediria conta? Se um índio, que nunca ouviu falar de Deus, viesse até nossa sociedade e não tivéssem os nenhum a maneira para

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convencê-lo a respeito da deidade senão por meio da vida dos homens de nossa era, certamente ele questionaria se existe ou não um Deus. Ele diria: “eu não me arriscaria em afirmar que existam deuses”. Segunda aplicação: afirmar a existência de um Deus é dizer que ele tratará justamente e dará galardões justos aos homens. As coisas parecem acontecer no mundo de maneira muito inadequada, pois os ímpios florescem (SI 73.3). Aqueles que tentam a Deus escapam (Ml 3.15). O cacho de uvas madura é esprimido nos copos desses homens e, enquanto isso, os piedosos, que choraram pelo pecado e serviram a Deus, são afligidos: “Por pão tenho comido cinza e misturado com lágrimas a minha bebida” (SI 102.9). Homens malignos usufruem tudo que é bom e homens bons sofrem todo o mal. Porém, afirmar a existência de Deus é dizer que ele retribuirá justamente aos homens: “Não fará justiça o Juiz de toda a terra?” (Gn 18.25). Os ofensores devem ser punidos. O dia da morte e da destruição do pecador está próximo: “Rir-se-á dele o Senhor, pois vê estar-se aproximando o seu dia” (SI 37.13). Enquanto existir o inferno, o ímpio será bastante punido; e, enquanto houver eternidade, os ímpios ficarão confinados nele; e Deus recompensará em abundância o serviço fiel de seu povo. Eles receberão suas roupas brancas e suas coroas: “ Então, se dirá: Na verdade, há recompensa para o justo; há um Deus, com efeito, que julga na terra” (SI 58.11). Porque Deus é Deus, ele dará galardões gloriosos ao seu povo. Terceira aplicação: afirmar que há um Deus é dizer da tristeza de todos aqueles que têm esse Deus contra eles. Deus vive eternamente para se vingar deles: “estarão fortes as tuas mãos, nos dias em que eu vier a tratar contigo?” (Ez 22.14). Os ímpios são os que infringem o sábado de Deus e se opõem aos seus santos massacrando essas jóias no pó. Aqueles que vivem em contradição à Palavra de Deus atraem a majestade infinita do céu contra eles; e quão triste será o fim deles. “Se eu afiar a minha espada reluzente, e a minha mão exercitar o juízo, tomarei vingança contra os meus adversários e retribuirei aos que me odeiam. Embriagarei as minhas setas de sangue” (Dt 32.41,42). Se é tão terrível ouvir o leão rugir, pior ainda será quando ele começar a partir sua presa: “Considerai, pois, nisto, vós que vos esqueceis de Deus, para que não vos despedace, sem haver quem vos livre” (SI 50.22). Caso os homens pensassem a respeito disso, não continuariam em pecado. Deveríam os atrair o grande Deus contra nós? Deus golpeia lentamente, mas de maneira pesada: “Tens braço como Deus ou podes trovejar com a voz como ele o faz?” (Jó 40.9). Podes tu despedaçar como ele? Deus é o melhor amigo, mas o pior inimigo. Se ele pode ver os homens em suas sepulturas, quão longe pode lançá-los? “Quem conhece

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o poder da tua ira?” (SI 90.11). Que pessoas tolas, pois por uma gota de prazer bebem o mar de ira. Paracelso fala a respeito de um frenesi que alguns têm que fará que morram dançando; assim, pecadores vão dançando para o inferno. Quarta aplicação', afirmar a existência de Deus é crer firmemente neste grande artigo de nosso Credo Apostólico. Que religião pode haver nos homens, se não crêem em Deus? “Aquele que se aproxima de Deus deve crer que ele existe.” Adorar a Deus e orar a ele e não crer que ele existe é escarnecê-lo bastante e desprezá-lo. Creia que Deus é o único e verdadeiro Deus, um Deus como revelado em sua Palavra. “Amas a justiça e odeias a iniqüidade” (SI 45.7). A crença real em uma deidade dá vida a toda adoração religiosa. Quanto mais acreditamos na verdade e infinitude de Deus, tanto mais santos e angélicos somos em nossas vidas. Quer estejamos sozinhos ou acompanhados, Deus nos vê. Ele é o que sonda os corações. A crença nesta onisciência de Deus nos fará viver sempre sob os olhos dele: “O S f.n h o r , tenho-o sempre à minha presença” (S I 16.8). A crença em uma deidade é uma rédea para o pecado e um estímulo ao dever. Dá asas à oração e óleo à lâmpada de nossa devoção. A crença em uma deidade gera dependência de Deus em todas as nossas dificuldades e nossas emergências: “Eu sou o Deus Todo-poderoso” (Gn 17.1). Ele é um Deus que pode suprir todas as suas necessidades, afastar todos os seus temores, resolver todas as suas dúvidas, vencer todas as suas tentações. O poderoso braço de Deus nunca se encolherá. Ele pode derramar sua misericórdia sobre nós e, portanto, pode nos ajudar, ao mesmo tempo em que não se torna devedor de algum a coisa em relação à criatura. Se acreditam os que há um Deus, devemos confiar em sua providência a tal ponto de não usarmos quaisquer meios indiretos; não deveríamos correr em direção ao pecado para nos livrar dos problemas: “Porventura, não há Deus em Israel, para irdes consultar Baal-Zebube, deus de Ecrom ?” (2Rs 1.3). Quando os homens correm para artimanhas pecaminosas é porque não crêem que exista um Deus, ou que ele seja todo suficiente. Quinta aplicação', saber que há um Deus faz que nos esforcemos em nosso interesse por ele: “ Este é Deus, o nosso Deus” (SI 48.14). Desde a queda perdemos a semelhança de Deus e a comunhão com ele. Vamos trabalhar para recuperar o interesse perdido e pronunciar este shibolete “Deus meu” (SI 43.5). Consola pouco saber que há um Deus, a menos que ele seja o nosso Deus. Deus se oferece a nós para ser nosso Deus: “serei o seu Deus” (Jr 31.33). A fé agarra a oferta e se apropria de Deus, ela faz que todas as coisas existentes nele para nós sejam nossas. Que sua sabedoria seja nossa, para nos ensinar. Que sua santidade seja nossa, para nos santificar.

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Que o seu Espírito seja nosso, para nos consolar. Que sua misericórdia seja nossa, para nos salvar. Ser capaz de dizer que Deus é meu é muito mais do que possuir todas as minas de ouro e de prata. Sexta aplicação: afirmar a existência de Deus nos leva a servi-lo e adorá-lo como Deus. Em Romanos 1.21, vemos uma acusação contra algumas pessoas a esse respeito: “não o glorificaram como Deus”. Oremos a ele como Deus. Oremos com fervor: “muito pode, por sua eficácia, a súplica do justo” (Tg 5.16). Isto é tanto o fogo quanto o incenso. Sem fer­ vor não há oração. Amemos a Deus como Deus: “Amarás, pois, o S e n h o r teu Deus, de todo o teu coração” (Dt 6.5). Amar a Deus de todo o coração é lhe dar prioridade em nosso amor, deixá-lo ter o melhor de nossas afeições. É amá-lo não somente de maneira apreciativa, mas intensamente, isto é, quanto nós pudermos. Assim como o raio de sol unido e concentrado por meio de uma lente de vidro queima, também nossas afeições deveriam estar unidas de maneira que nosso amor por Deus fosse mais ardente. Obedeçamos-lhe como Deus. Todas as criaturas o obedecem, as estrelas lutam suas batalhas, o vento e o mar o obedecem (Mc 4.41). O homem, acima de tudo, deveria obedecer a Deus, pois ele o qualificou com a razão. Ele é Deus e tem soberania sobre nós, portanto, como recebemos vida dele, devemos receber uma lei da parte dele e nos submeter à sua vontade em todas as coisas. Isto significa beijá-lo com um beijo de lealdade e glorificá-lo como Deus. 2. Deus é Espírito Em segundo lugar, aprendem os explicitam ente sobre o ser de D eus que ele é Espírito: “Deus é espírito” (Jo 4.24). Deus é essentia spiritualissima (Zanchi).36 a. O que significa dizer que Deus é Espírito? Por um espírito queremos dizer que Deus é uma substância não mate­ rial e uma essência sem misturas, sutil e pura, que não é composto de corpo e alma e que não tem o prolongamento anatômico das partes de um corpo. O corpo é algo com mistura. A essência de Deus é muito espiritual e por isso muito nobre e excelente. Os espíritos do vinho (o álcool) são o que há de mais refinado no vinho. b. Em quê Deus se difere de outros espíritos? Devemos distinguir entre os espíritos. Primeiramente, dos anjos que também são espíritos. Os anjos são criados, Deus é um Espírito não criado. Os anjos são finitos e capazes de ser aniquilados. O mesmo poder que os criou é capaz de reduzi-los a nada, Deus, porém, é um Espírito infinito. Os anjos são espíritos limitados, não podem estar em dois lugares ao mesmo

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tempo, mas são limitados a um lugar. Deus é um Espírito imenso e está em todos os lugares ao mesmo tempo. Os anjos, embora espíritos, são espíritos ministradores (Hb 1.13,14). Embora sejam espíritos, são servos. Deus é um Espírito superexcelente, o Deus dos espíritos (Ap 22.6). Além disso, a alma é um espírito: “o espírito volte a Deus, que o deu” (Ec 12.7). c. Como Deus, sendo um Espírito, difere da alma? Serveto37 e Osiander38 pensavam que a alma, por ser algo infundido, transmitia ao homem a mesma substância e o mesmo espírito de Deus. Essa é uma opinião absurda, pois a essência de Deus é incomunicável. Quando se diz que a alma é um espírito, significa que Deus a fez inteligível e imprimiu nela sua semelhança, mas não sua essência. d. Em que sentido somos co-participantes da natureza divina? Porém, não se diz que somos co-participantes da natureza divina? Por natureza divina queremos dizer qualidades divinas (2Pe 1.4). Somos coparticipantes da natureza divina não por identidade ou união com a essência divina, mas por uma transformação à semelhança divina. Assim se vê como Deus se distingue de outros espíritos, anjos e almas dos homens. Ele é um Espírito de excelência transcendente, o “ Deus dos espíritos” (Ap 22.6). e. Como se explicam asfiguras humanas dadas a Deus nas Escrituras? Contrários a isso, Vorstius39 e os antropomorfistas afirmam que nas Escrituras figuras e form as humanas são atribuídas a Deus. E dito que ele tem olhos e mãos. E contrário à natureza de um espírito ter uma substância corpórea: “Apalpai-me e verificai, porque um espírito não tem carne nem ossos, como vedes que eu tenho" (Lc 24.39). Partes do corpo são atribuídas a Deus não estritamente, mas metaforicamente e em um sentido emprestado. Pela mão direita do Senhor se quer dizer seu poder. Com olhos do Senhor se quer dizer sua sabedoria. O fato de Deus ser um Espírito e não ser composto de formas ou substâncias físicas se toma claro tendo em vista que um corpo é algo visível, ao passo que Deus é invisível. Portanto, ele é um Espírito, “a quem homem algum jam ais viu, nem é capaz de ver” (lT m 6.16). Um corpo é limitado espacialmente, só pode estar em um lugar de cada vez, mas Deus está em todos os lugares ao mesmo tempo, portanto ele é um Espírito (SI 139.7,8). O centro de Deus está em todo lugar e sua silhueta em nenhum lugar. Um corpo é composto de partes integrais e pode ser desintegrado; mas Deus não pode ser desintegrado, não pode ter fim e é de onde todas as coisas têm seu começo. Então, claramente se vê que Deus é um Espírito, o que se acrescenta à perfeição de sua natureza.

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Primeira aplicação: se Deus é um Espírito, então ele não pode ser atingido. Ele não pode sofrer ferimento. Homens ímpios levantam suas bandeiras e organizam suas forças contra Deus, e dizem que lutam contra Deus (At 5.39). Qual a vantagem nessa luta? Que mal podem fazer contra a deidade? Deus é um Espírito e, portanto, não pode sofrer qualquer sinal de dano. Os ímpios podem imaginar o mal contra o Senhor: “Que pensais vós contra o S f n h o r ? ” (Na 1.9). Mas Deus sendo um Espírito é impenetrável. O ímpio pode encobrir a glória divina, mas não pode tocar sua essência. Deus pode machucar seus inimigos, mas eles não podem lhe fazer o mesmo. Juliano40 pôde lançar sua adaga ao ar contra o céu, mas não poderia tocar a deidade. Deus é um espírito invisível. Como pode o ímpio, com todas as suas forças, machucá-lo se não pode vê-lo? Todas as tentativas do ímpio contra Deus são tolas e vãs. “Os reis da terra se levantam, e os príncipes conspiram contra o S e n h o r ... Ri-se aquele que habita nos céus; o S e n h o r zomba deles” (SI 2.2,4). Ele é Espírito, pode machucá-los, porém não pode ser tocado. Segunda aplicação: se Deus é um Espírito, a tolice dos papistas está exposta, pois o adoram por intermédio de figuras e de imagens. Sendo Deus um espírito, não podemos fazer qualquer imagem para representá-lo: “Então, o S e n h o r v o s falou do meio do fogo; a voz das palavras ouvistes; porém, além da voz, não vistes aparência nenhuma” (Dt 4.12). Deus é espírito imperceptível, logo não pode ser distinguido. Como, então, se pode fazer qualquer descrição dele? “Com quem comparareis a Deus? Ou que coisa semelhante confrontareis com ele?” (Is 40.18). Como alguém pode pintar a deidade? Podemos fazer a imagem de quem nunca vimos? Não vistes aparência nenhuma. Deus é um Espírito. É tolice se empreender em fazer uma pintura da alma, porque é algo espiritual, ou uma pintura dos anjos, porque são espíritos. Em relação a isso, alguém pode acrescentar: Não são os anjos na Escritura representados pelo querubim? Distinguimos “a imagem da pessoa e a imagem que representa o ofício”. Os querubins não representavam as pessoas dos anjos, mas seus ofícios. Os querubins tinham asas para mostrar a suavidade dos anjos em cumprir seus ofícios. Se não podemos pintar as almas nem as pessoas dos anjos, porque são espíritos, muito menos podemos fazer uma imagem ou pintura de Deus, que é infinito e o Pai dos espíritos. Deus é também um Espírito onipresente, ele está presente em todos os lugares: “Ocultar-se-ia alguém em esconderijos, de modo que eu não o veja? - diz o S e n h o r ; porventura, não encho eu os céus e a terra? - diz o S e n h o r ” (Jr 23.24). Portanto, estando presente em todos os lugares, é um

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absurdo adorá-lo por intermédio de uma imagem. Não seria uma coisa tola se ajoelhar diante da pintura do rei quando ele está presente? Da mesma maneira, adorar uma imagem de Deus quando o próprio Deus está presente também é. Ainda alguém perguntará: Como então poderemos conceber Deus como um Espírito, se não podemos fazer uma imagem ou descrição dele? Devemos concebê-lo espiritualmente, em seus atributos: sua santidade, sua justiça e sua bondade que são os meios pelos quais a natureza divina se manifesta. Podemos concebê-lo como ele é em Cristo: “Ele é a imagem do Deus invisível” (Cl 1.15). Aponte os olhos da fé para Cristo como Deus-homem. Em Cristo vemos algum brilho da glória divina, nele está a semelhança exata de todas as qualidades de seu Pai. A sabedoria, o amor e a santidade de Deus Pai são refletidos em Cristo: “quem me vê a mim vê o Pai” (Jo 14.9). Terceira aplicação: se Deus é um Espírito, mostra-nos que quanto mais crescermos espiritualmente, mais nos pareceremos com ele. Como o espiritual e o terreno se relacionam? (Fp 3.19). As coisas terrenas são as altas montanhas, mamíferos ou tartarugas que vivem na terra. Que semelhança há entre um coração terreno e aquele que é Espírito? Quanto mais espiritual alguém é, tanto mais se assemelha a Deus. f O que é ser espiritual? É ser refinado e elevado, ter o coração fixo no céu, pensar em Deus e em sua glória e ser carregado para cima numa carruagem de fogo do amor de Deus. “... quem mais tenho eu no céu?” (SI 73.25), o que Beza parafraseia assim: “Que a terra se vá! Ah! se eu estivesse no céu contigo!” Um cristão, que é retirado dessas coisas terrenas, como os espíritos (álcool) são retirados do vinho, tem uma alma espiritual nobre e se assemelha muito àquele que é Espírito. Quarta aplicação: a adoração que Deus requer de nós, e que lhe é a mais aceitável, é uma adoração espiritual: “ Importa que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade” (Jo 4.24). Uma adoração espiritual é uma adoração pura. Embora Deus receba o culto de nossos corpos, nossos olhos e mãos levantados para testificar a outros a reverência que temos por sua glória e majestade, ele deve receber a adoração principalmente de nossa alma: “glorificai a Deus no vosso corpo” (IC o 6.20). Uma adoração espiritual de Deus o valoriza muito, pois chega perto de sua própria natureza que é espiritual. g. O que é adorar a Deus em espírito?

i. Adorar a Deus em espírito é adorá-lo sem cerimônias. As cerimônias da lei, que o próprio Deus ordenou, são, em nossos tempos, nulas e

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ultrapassadas. Quando Cristo veio, as sombras se foram e, portanto, os apóstolos chamam as cerimônias da lei de rituais carnais (Hb 9.10). Se não podemos usar aquelas cerimônias judias que Deus uma vez determinou, então não podemos usar aquelas que ele nunca determinou. ii. A d o rar a Deus em espírito é adorá-lo com fé no sangue do Messias (Hb 10.19). Adorá-lo com maiores zelo e intensidade da alma. “... as nossas dozes tribos, servindo a Deus fervorosamente de noite e de dia” (At 26.7); vemos a intensidade dessa adoração não somente em sua constância, mas também em sua urgência. Isso é adorar a Deus em espírito. Quanto mais espiritual um culto for, tanto mais próximo se torna de Deus, que é um Espírito, e mais excelente esse culto será. A parte espiritual do culto é a gordura do sacrifício: é a alm a e a essência da religião. As maiores riquezas do coração são espirituais e as melhores obrigações são aquelas de natureza espiritual. Deus é Espírito e deverá ser adorado em espírito; não é a pompa da adoração que Deus aceita, mas a pureza. Arrependimento não são as penitências externas afligidas ao corpo, como a penitência, o jejum e os flagelos corporais, mas consiste no sacrifício de um coração quebrantado. Ação de graças não se caracteriza na música da igreja, na melodia ou em um órgão, porém em fazer melodia no coração do Senhor (Ef 5.19). Oração não é afinar a voz em uma confissão sem coração ou contar as pedras de um rosário, mas consiste em expressar sofrimento e lamento (Rm 8.26). Quando o fogo do fervor é colocado no incenso da oração, sobe como um aroma suave. A verdadeira água benta não é aquela que o papa asperge, mas é a destilada do olho penitente. A adoração espiritual agrada muito a Deus, que é Espírito. “São estes que o Pai procura para seus adoradores” (Jo 4.23), para lhes mostrar a sua grande aceitação e como se agrada com uma adoração espiritual. Essa é a carne sacrificial agradável que Deus ama. Quão poucos se importam com isso, pois oferecem mais refugos que essências; acham que é suficiente apresentar suas obrigações cumpridas, mas não seus corações; o que faz Deus renunciar os próprios cultos que ele mesmo determinou (Is 1.12; Ez 33.31). Vamos, então, dar a Deus uma adoração espiritual, pois é a mais apropriada à sua natureza. Um elixir soberano cheio de virtude pode ser dado em poucas gotas; assim uma pequena oração, se for feita com o coração e o espírito, pode ter muita virtude e eficácia em si. O publicano fez uma oração curta: “Ó Deus, sê propício a mim, pecador!” (Lc 18.13), mas foi cheia de vida e de espírito, veio do coração, portanto foi aceita. Quinta aplicação: vamos orar a Deus para que, como um Espírito, possa nos dar de seu Espírito. A essência de Deus é incomunicável, mas não as operações, a presença e as influências de seu Espírito. Quando o sol

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brilha em uma sala, não é o corpo do sol que está ali, mas a luz, o calor e a influência dele. Deus fez uma promessa de seu Espírito: “ ... porei dentro de vós o meu Espírito” (Ez 36.27). Transforme as promessas em orações: “Senhor, tu que és Espírito, dá-me de teu Espírito. Eu, carne, imploro teu Espírito, a iluminação, a santificação e o enchimento do teu Espírito”. Melanchton41 orou assim: “ Senhor, inflama minha alma com teu Santo Espírito”. Quão necessário é o Espírito de Deus. Sem ele, não podemos fazer nenhuma obra de maneira vivida. Quando esse vento sopra em nossas velas, movemo-nos suavemente em direção ao céu. Oremos, portanto, para que Deus nos dê uma porção de seu Espírito (Ml 2.15), de maneira que possamos nos mover com mais vigor na esfera da religião. Sexta aplicação: assim como Deus é Espírito, os galardões que oferece são espirituais. As principais bênçãos que ele nos dá, nesta vida, são bênçãos espirituais (E f 1.3), e não ouro e prata; ao nos dar Cristo, seu amor, enchenos com graça. Da mesma maneira os galardões principais que nos dá após esta vida são espirituais, “a imarcescível coroa da glória” (1 Pe 5.4). Coroas terrenas se desfazem, mas a coroa do crente é imortal, pois é espiritual, uma coroa que nunca se apaga. “ É impossível”, diz Joseph Scaliger, “para o que é espiritual estar sujeito à mudança ou à corrupção”. Isto pode consolar um cristão diante de suas lutas e seus sofrimentos; ele se oferece a si mesmo para Deus e tem pouco ou nenhum prêmio nesta vida, mas lembre-se: Deus, que é Espírito, dará galardões espirituais, a visão de sua face no céu, as roupas brancas e o peso de glória. Que o serviço de Deus não seja um peso, mas pense no prêmio espiritual: uma coroa de glória que não se desfaz. 3. Que tipo de Espírito é Deus? a. Deus é Espírito onipresente Ele é infinito. Todos os seres criados são finitos. Embora o atributo da infinidade seja aplicado a todos os atributos de Deus - ele é infinitamente misericordioso, infinitamente sábio, infinitamente santo - no entanto, a infinitude se aplica mais à onipresença de Deus. A onipresença de Deus. A palavra grega para “infinito” significa “sem limites ou barreiras”. Deus não está confinado a nenhum lugar, ele é infinito e, por isso, está presente em todos os lugares ao mesmo tempo. Seu centro é em todos os lugares. Agostinho disse assim: “o ser de Deus não é confinado ou excluído de qualquer lugar”. “Eis que os céus e até o céu dos céus não te podem conter” (1 Rs 8.27). Os muçulmanos constroem seus templos com o teto aberto para mostrar que Deus não pode ficar confinado dentro deles, porque sua presença está em todos os lugares. A essência de Deus não é limitada às regiões celestes nem ao globo terrestre, mas está em todos os lugares.

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Os filósofos dizem a respeito da alma que ela “está em todas as partes do corpo”, está no olho, no coração, no pé; podemos dizer também de Deus que sua essência está em todo lugar. Seus limites estão no céu, na terra e no mar e estão em todos os lugares de seu circuito ao mesmo tempo. “ Isto é ser infinito.” Deus, que cerca todas as coisas, não é cercado por nada. Ele determina os limites do mar, H ue usque, “até aqui deve ir, não além” . Ele determina os limites dos anjos. Eles, como os querubins, movem-se e param conforme suas ordens (Ez 10.16), mas ele é infinito, sem limites. Aquele que pode medir os céus e pesar a terra em balança tem de ser infinito (Is 40.22). Vorstius defende que Deus está em todos os lugares ao mesmo tempo, mas não em relação à sua essência; mas em sua virtude e influência: assim como o corpo do sol está no céu e somente envia seus raios e influências para a terra, ou como um rei que está em todos os lugares de seu reino, autoritativamente, por meio de seu poder de autoridade, mas pessoalmente está em seu trono. Deus, que é infinito, está em todos os lugares ao mesmo tempo, não somente por sua influência, mas por sua essência; pois, se sua essência enche todos os lugares, então ele tem de estar ali pessoalmente: “Porventura, não encho eu os céus e a terra?” (Jr 23.24). Porém, nas Escrituras, Deus não diz que o céu é seu trono? (Is 66.1) Também é dito que um coração humilde é seu trono (Is 57.15). O coração humilde é seu trono em relação à sua presença graciosa, e o céu é seu trono em relação à sua presença gloriosa. Contudo, nenhum desses tronos o manterá, pois o céu dos céus não pode contê-lo. b. Deus é Espírito puro Mas se Deus é infinito em todos os lugares, está em lugares impuros e se mistura à impureza? Embora Deus esteja em todos os lugares, no coração de um pecador pela sua sondagem, e no inferno por sua justiça, mesmo assim não se mistura com a impureza ou recebe qualquer mancha do maligno. Agostinho disse assim: “a natureza divina não se mistura com a matéria criada, nem é contaminada por suas impurezas”. Assim como o Sol brilhando em um lugar degradado não se contamina ou tem sua beleza manchada, ou como Cristo entre os pecadores não foi contaminado, mas, ao contrário, sua liderança foi um antídoto eficiente contra a infecção. Deus tem de ser infinito em todos os lugares ao mesmo tempo, não somente em relação à simplicidade e à pureza de sua natureza, mas com respeito a seu poder. Sendo tão glorioso, quem pode limitá-lo ou determinar um distrito para o qual andar? É como se um pingo d ’água pudesse limitar o oceano ou uma estrela limitar o Sol.

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O ser de Deus A

p l ic a ç õ e s

Primeira aplicação: isso condena os papistas porque fazem outras coisas infinitas além de Deus. Entendem que o corpo de Cristo está em muitos lugares ao mesmo tempo, que está no céu e no pão e no vinho do sacramento. Embora Cristo, sendo Deus infinito, esteja em todos os lugares ao mesmo tempo, como homem ele não está. Quando estava na terra, sua humanidade não estava no céu, embora sua deidade estivesse. Agora ele está no céu, sua personalidade não está na terra, embora sua divindade esteja. A respeito de Cristo as Escrituras dizem: “um corpo me formaste” (Hb 10.5). Esse corpo não pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo, pois não seria corpo, mas um espírito. O corpo de Cristo no céu, embora glorificado, não é deificado. O corpo de Cristo não seria infinito, neste caso deveria ser, se estivesse tanto no céu quanto no pão e no vinho pela transubstanciação. Segunda aplicação: se Deus é infinito, está presente em todos os lugares ao mesmo tempo, então, é certo que governa todas as coisas em sua própria pessoa, e não precisa de representantes ou de delegados para ajudálo a lev ar av an te o seu g o v ern o . Ele está em to d o s os lu g ares instantaneamente e administra todas as questões tanto da terra quanto dos céus. Um rei não pode estar em todos os lugares de seu reino pessoalmente, portanto está obrigado a governar utilizando representantes e auxiliares que geralmente pervertem a justiça. Mas Deus, sendo infinito, não precisa de representantes, está presente em todos os lugares, vê todas as coisas com os próprios olhos e ouve tudo com seus próprios ouvidos. Ele está em todos os lugares em sua própria pessoa, portanto é apropriado para julgar o mundo. Fará o que é correto para com todos. Terceira aplicação: Deus é infinito por sua onipresença, então veja a grandeza e a imensidão de sua divina majestade. Quão grandioso é o Deus que servimos. “Teu, S e n h o r , é o poder, a grandeza, a honra, a vitória e a majestade; porque teu é tudo quanto há nos céus e na terra” (1 Cr 29.11). As Escrituras apresentam muito bem a grandeza de sua glória, a qual é infinita em todos os lugares. Ele transcende nossas concepções fracas; como pode nosso entendimento finito compreender aquele que é infinito? Ele está infinitamente acima de todos os nossos louvores: “Bendito seja o nome da tua glória, que ultrapassa todo bendizer e louvor” (Ne 9.5). Pobre do homem que não é nada, quando pensamos na infinitude de Deus. Como as estrelas desaparecem quando do nascer do sol, assim um homem encolhe até o nada quando a majestade infinita brilha em sua glória. “ Eis que as nações são consideradas por ele como um pingo que cai de um balde e como um grão de pó na balança” (Is 40.15). Quão pequeninos pingos nós somos. Os ímpios pensaram que haviam adorado Júpiter suficientemente quando o

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chamaram de grande Júpiter. De que grande majestade é Deus, que enche todos os lugares ao mesmo tempo (SI 150.2). Quarta aplicação: se Deus é infinito, enchendo o céu e a terra, veja que grande porção os santos têm. Eles têm por sua porção aquele que é infinito. Sua grandeza é uma grandeza infinita e ele é infinitamente doce, assim como infinitamente completo. Se uma fonte estiver repleta de vinho, nela haverá uma grande doçura, mas ainda é finita. Mas Deus é uma grandeza, ele é doce e é infinito. Ele é infinitamente completo de beleza e de amor. Suas riquezas são cham adas inalcançáveis porque são infinitas (E f 3.8). A m plie seus pensamentos quanto puder, mesmo assim ainda haverá algo em Deus que o excede; pois ele é uma grandeza infinita. E dito dele que é abundante para nós acima de tudo o que podemos pedir (E f 3.20). O que pode um espírito ambicioso pedir? Pode pedir coroas e reinos, milhões de mundos? Mas Deus pode dar mais do que podemos pedir ou pensar porque ele é infinito. Nós podemos pensar que toda a poeira se transformasse em prata, que todas as flores se convertessem em rubis, e toda a areia do mar em diamantes; mesmo assim Deus poderia nos dar mais do que pensamos porque ele é infinito. Quão ricos são aqueles que têm o Deus infinito por sua porção. O poderoso Davi diz: “O S f.n iio r é a porção da minha herança e o meu cálice; tu és o arrimo da minha sorte. Caem-me as divisas em lugares amenos, é mui linda a minha herança” (SI 16.5,6). Podemos fazer como as abelhas, que vão de flor em flor, mas nunca terem os total satisfação até que encontremos o Deus infinito. Jacó disse: “tenho fartura”, no hebraico “eu tenho tudo”, porque tinha o Deus infinito por sua porção (Gn 33.11). Deus, sendo de grandeza infinita, não deixa que os seus herdeiros do céu tenham qualquer necessidade. Embora haja milhões de anjos e de santos, que têm uma parte nas riquezas de Deus, mesmo assim ele tem para todos, pois é infinito. Embora mil homens contemplem o Sol, há luz suficiente para todos eles. Não haverá baldes suficientes para o mar, visto que existe água suficiente para enchê-los todos. Um exército inumerável de santos e de anjos se enche da grandeza de Deus, no entanto, Deus, sendo infinito, tem o suficiente para satisfazê-los. Deus tem o suficiente para dar a todos os seus herdeiros. Não pode haver falta naquele que é infinito. Quinta aplicação: se Deus é infinito, ele enche todos os lugares e está presente em todos os lugares. Isso é triste para o ímpio: Deus é seu inimigo e não pode escapar nem fugir dele, pois está em todos os lugares. Nunca estarão longe de sua vista nem fora de seu alcance: “a tua mão alcançará todos os teus inimigos” (SI 21.8). Em que cavernas ou matas podem os homens se esconder onde Deus não os encontre? Podem ir aonde quiserem, mas ali ele

O ser d e Deus

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está presente: “para onde fugirei da tua face?” (SI 139.7). Se alguém deve a outra pessoa, pode fugir de seu credor indo para outra cidade, onde não possa ser encontrado. “Mas quem fugirá da tua presença?” Deus é infinito, está em todos os lugares; assim encontrará seus inimigos e os punirá. Neste ponto, alguém pode argumentar o seguinte: Mas não está escrito que Caim fugiu de sua presença? (Gn 4.16) O significado desse texto é que Caim saiu da igreja de Deus, na qual estavam os sinais visíveis da presença de Deus que, de uma maneira especial, manifestavam sua doce presença ao seu povo. Contudo, Caim não poderia sair da vista de Deus, pois Deus, sendo infinito, está em todos os lugares. Os pecadores não podem fugir de uma consciência acusatória nem de um Deus vingador. Sexta aplicação: se Deus está presente em todos os lugares, então um cristão andar com Deus não é algo impossível. Deus não está somente no céu, mas também na terra (Is 66.1). O céu é seu trono, lá ele se assenta. A terra é o estrado de seus pés, aqui ele apóia seus pés. Deus está presente em todos os lugares, portanto podemos andar com Deus: “andou Enoque com Deus” (Gn 5.22). Se Deus estivesse confinado no céu, uma alma temerosa poderia pensar: “como posso eu conversar com Deus, como posso andar com aquele que vive na região superior?” Porém, Deus não está confinado no céu, ele é onipresente, está acima de nós e ao mesmo tempo ao nosso redor, perto de nós (At 17.27). Ele não está longe da assem bléia dos santos: “ Deus assiste na congregação divina” (SI 82.1). Ele está presente entre nós e em cada um de nós, de maneira que podemos andar com Deus aqui na terra. No céu os santos descansam com ele, na terra andam com ele. Andar com Deus é andar pela fé. A Palavra diz para nos aproximarmos de Deus (Hb 10.22) e vê-lo: “permaneceu firme como quem vê aquele que é invisível” (Hb 11.27). Ter comunhão com ele: “a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo” (U o 1.3). Assim, podemos dar uma volta com ele todos os dias pela fé. Não andar com Deus é desdenhá-lo. S e um rei está presente, continuar fazendo uma tarefa sem parar é desdenhá-lo, negligenciá-lo. Não há uma caminhada neste mundo tão doce quanto a caminhada com Deus: “anda... na luz da tua presença” (SI 89.15). “Cantarão os caminhos do S f.n h o r ” (SI 138.5). E como andar entre canteiros de temperos que exalam uma fragrância perfumosa. Sétima aplicação: se Deus é infinito em sua gloriosa essência, aprenda a admirar o que você não pode compreender. Os anjos vestem um véu, cobrem suas faces como que adorando essa majestade infinita (Is 6.2). Elias se enrolou em um manto quando a glória de Deus passou por ele. Admire o que você não pode compreender: “porventura, desvendarás os arcanos de Deus ou penetrarás até à perfeição do Todo-poderoso?” (Jó 11.7).

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Neste mundo, vemos alguns raios de sua glória, nós o vemos no espelho da criação, nós o vemos em sua imagem que brilha nos santos; mas quem pode penetrar toda sua glória essencial? Que anjo pode medir esse colosso? “ Porventura, desvendarás os arcanos de D eus?” Ele é infinito. Não podemos penetrar sua infinita perfeição, assim como alguém no topo da montanha mais alta não pode tocar o firmamento ou pegar uma estrela em sua mão. Tenha pensamentos admiráveis a respeito de Deus. Adore a realidade que você não pode compreender. Há muitos mistérios na natureza que não podemos compreender: o mar é mais profundo que a terra, mas não a afoga; o Nilo deve transbordar no verão, quando, pelo curso da natureza, as águas estão mais baixas; uma criança se desenvolve misteriosamente no ventre materno (Ec 11.5). Se essas coisas nos impressionam o mistério infinito da deidade transcendente impressionará muito mais os grandes intelectuais. Pergunte ao geômetra se ele pode, com o compasso, medir a largura da terra. Quão incapazes somos nós de medir as perfeições infinitas de Deus. No céu veremos Deus claramente, mas não totalmente, pois ele é infinito. Ele se comunicará conosco de acordo com a grandeza de nosso vaso, mas não de acordo com a imensidão de sua natureza. Adore o que você não pode compreender. Se Deus é infinito em todos os lugares, não o limitemos: “agravaram o Santo de Israel” (SI 78.41). Confinar Deus dentro do estreito compasso de nossa razão é limitá-lo. A razão cogita que Deus deve seguir uma direção para realizar algo, caso contrário tal coisa nunca acontecerá. Isso é limitar Deus à nossa razão. Ele é infinito, seus caminhos vão além do que se pode compreender (Rm 11.33). Sobre a salvação da igreja, quando se determina um tempo ou se prescreve um método, limita-se Deus. Deus salvará Sião, mas o fará livremente. Ele não estará preso a um lugar, a um tempo ou a um instrumento que o limite, pois se assim não fosse, não seria infinito. Deus seguirá seu próprio cam inho, ele agirá e confundirá a razão, trab alh ará pelas improbabilidades, salvará de tal maneira que pensaríamos que destruiria. Ele age como ele mesm o, como um Deus que trabalha de maneira maravilhosamente infinita. B. O

CO N H ECIM EN TO DE DEJUS

1. A grandeza do conhecimento de Deus “O S e n h o r é o Deus da sabedoria e pesa todos os feitos na balança” (IS m 2.3). Coisas gloriosas são ditas a respeito de Deus: ele transcende nossos pensamentos e os louvores dos anjos. A glória de Deus se apresenta

O conhecim ento de Deus

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principalmente em seus atributos, que são vários raios pelos quais a natureza divina se irradia. Entre outras de suas qualidades manifestas, que não são menores que qualquer delas, o Senhor é um Deus de conhecimento, ou, como no origi­ nal hebraico: “um Deus de conhecimentos”. Pelo espelho brilhante de sua própria essência Deus tem a idéia completa e o conhecimento total de tudo. O mundo é para ele um corpo transparente. Ele faz a anatomia do coração: “sou aquele que sonda mentes e corações” (Ap 2.23). As nuvens não são coberturas e a noite não é uma cortina que se coloca entre nós e sua visão: “até as próprias trevas não te serão escuras: as trevas e a luz são a mesma coisa” (S I 139.12). Não há uma palavra que cochichemos que Deus não ouça: “ainda a palavra me não chegou á língua, e tu, S e n h o r , já a conheces toda” (SI 139.4). Não há um pensamento mais sutil que venha à nossa mente e que Deus não conheça: “ porque conheço as suas obras e os seus pensamentos” (Is 66.18). Os pensamentos soam tão alto nos ouvidos de Deus como as palavras aos nossos ouvidos. Todas as nossas ações, embora sutilmente elaboradas e secretamente comunicadas, são visíveis aos olhos do Onisciente: “conheço as suas obras” (Is 66.18). Acã escondeu a capa babilônica enterrando-a, mas Deus a trouxe à luz (Js 7.21). A estátua de Minerva foi desenhada com cores tão impressionantes e detalhada com tanta vivacidade que em qualquer lugar que alguém se posicionasse o olhar de Minerva estava fixo nele. Assim, em qualquer lugar que estivermos, os olhos de Deus estarão sobre nós: “tens tu notícia do equilíbrio das nuvens e das m aravilhas daquele que é perfeito em conhecimento?” (Jó 37.16). 2. A natureza do conhecim ento de Deus Deus sabe, em suas contingências, todas as coisas que são possíveis de se conhecer. Ele profetizou a saída de Israel da Babilônia e a concepção virginal da mãe do Messias. Por meio desse conhecimento, o Senhor prova a verdade de sua deidade contra os deuses-ídolos: “Anuncia-nos as coisas que ainda hão de vir, para que saibamos que sois deuses” (Is 41.23). A perfeição do conhecimento de Deus é básica. Ele é a origem, o padrão e o protótipo de todo o conhecimento; os outros tomam o conhecimento emprestado dele. Os anjos acendem suas lâmpadas na sua gloriosa luz. O conhecimento de Deus é puro e não se contamina com o objeto conhecido. Embora Deus conheça o pecado, odeia e pune o pecado. Nenhum mal pode se misturar ou se incorporar a seu conhecimento, assim como o Sol não pode ficar impuro com os vapores que se levantam da terra. O conhecimento de Deus é simples, não apresenta dificuldade. Nós estudamos e procuramos o conhecimento: “se buscares a sabedoria como a

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prata e como a tesouros escondidos a procurares” (Pv 2.4). A lâmpada do conhecimento de Deus é tão infinitamente brilhante que todas as coisas são inteligíveis para ele. O conhecim ento de Deus é infalível, pois não há erro em seu conhecimento. O conhecimento humano está sujeito a erro. Um médico pode errar em relação à causa de uma doença, mas o conhecimento de Deus é sem erro, ele não pode se enganar, nem ser enganado. Ele não pode se enganar porque é a verdade, nem ser enganado porque é a sabedoria. O conhecim ento de Deus é instantâneo. Nosso conhecim ento é sucessivo, uma coisa depois da outra. Nós argumentamos de o efeito para a causa. Deus sabe coisas do passado, do presente e do futuro de uma só vez; estão todas diante dele em uma perspectiva integral. O conhecim ento de Deus é retentivo. Ele nunca perde o seu conhecimento, ele tem reminiscentia, assim como intelligentia; ele lembra assim com o entende. M uitas co isas fogem à nossa m ente, mas o conhecimento de Deus é eternizado. Coisas que aconteceram há mil anos são tão novas para ele como se tivessem acontecido há um minuto. Assim ele é perfeito em conhecimento. 3. A infinitude do conhecimento de Deus Em relação ao conhecimento de Deus se levanta a seguinte pergunta: Porém, a Bíblia diz assim sobre Deus: “descerei e verei se, de fato, o que têm praticado corresponde a esse clamor que é vindo até mim; e, se assim não é, sabê-lo-ei” (Gn 18.21). A menção de um clamor não significa a ignorância de Deus em relação aos acontecimentos. Nessa passagem, o Senhor fala como um juiz que primeiro examinará a causa que está diante dele, para então declarar a sentença. Quando ele está diante de uma tarefa de justiça não está com pressa, como se não se importasse onde batesse, mas vai diretamente con­ tra os ofensores: “farei do juízo a régua e da justiça, o prumo” (Is 28.17). Outro texto que se cita é: “As iniqüidades de Efraim estão atadas... seu pecado está armazenado” (Os 13.12). Isso não significa que seu pecado está escondido de Deus, mas que está guardado, isto é, registrado e armazenado para o dia do juízo. Esse é o significado que fica claro pelas palavras anteriores, “sua iniqüidade está atada” . A semelhança de um secretário de tribunal que organiza as acusações dos malfeitores em um arquivo e no julgamento traz as acusações e as lê no tribunal, assim Deus ata os pecados dos homens em um arquivo que abrirá no dia do julgamento quando todos os pecados serão trazidos à luz, diante dos homens e dos anjos. Deus é infinito em conhecimento. Ele só pode ser assim, pois aquele que dá vida deve ter uma clareza a respeito dela: “O que fez o ouvido, acaso,

O conhecimento de Deus

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não ouvirá? E o que formou os olhos será que não enxerga?” (SI 94.9). Aquele que faz um relógio ou um m otor sabe todos os detalhes de funcionamento deles. Deus, que fez o coração, conhece todos os seus movimentos. Ele é cheio de olhos, como as rodas de Ezequiel e, como disse Agostinho: “Deus é todo olho”. Tem de ser assim, pois ele é o “Juiz de toda a terra” (Gn 18.25). Há tantas causas para serem trazidas diante dele e tantas pessoas para serem julgadas que ele tem de ter um conhecimento perfeito ou não poderia fazer justiça. Um juiz comum não pode prosseguir sem júri, o júri deve pesquisar a causa e dar o veredicto, mas Deus pode julgar sem um júri. Ele conhece todas as coisas em si mesmas e de si mesmas e não necessita de testemunhas para informá-lo. Um juiz julga somente questões de fato, mas Deus julga o coração. Ele não somente julga ações malignas, mas desígnios malignos, ele vê a traição do coração e a pune. A p l ic a ç õ e s

Primeira aplicação: Deus é infinito em conhecimento? Ele é luz e nele não há trevas? Então, quão afastados de Deus são aqueles que estão nas trevas, sem luz, que são destituídos de conhecimento, como os índios que nunca ouviram de Deus. E, entre nós, quantos são piores que os pagãos batizados? Esses necessitam buscar os rudimentos dos oráculos de Deus. É uma realidade triste o fato de que depois de o sol do evangelho brilhar por tanto tempo em nosso horizonte o véu esteja até hoje sobre seus corações. Tais pessoas estão emaranhadas em ignorância e não podem dar a Deus um culto racional (Rm 12.1). A ignorância é o que alim enta a impiedade. Os estudiosos dizem: todo pecado está fundamentado na ignorância. “ ... avançam de m alícia em m alícia e não me conhecem , diz o S e n h o r ” (Jr 9.3). Onde a ignorância reina no entendimento, a malícia enfurece nas afeições: “não é bom proceder sem refletir” (Pv 19.2). Tal pessoa não tem fé nem temor: ela não tem fé, pois o conhecimento vai iluminando a frente da fé. “ Em ti, pois, confiam os que conhecem o teu nome” ( S I 9.10). Um homem não pode crer sem conhecer, assim como o olho não pode ver sem a luz. Não pode ter o temor de Deus, pois como pode temê-lo se não o conhece? Cobrir o rosto de Hamã era um presságio triste de morte. Quando as mentes das pessoas são cobertas com ignorância é como o cobrir da face, que é um presságio fatal de destruição. Segunda aplicação: se Deus é um Deus de conhecimento, então como vê a tolice da hipocrisia? Melanchton disse assim: “os hipócritas não fazem o bem, meramente aparentam fazê-lo” . Eles encenam muito bem aos homens, mas não cuidam quão mau sejam seus próprios corações. Vivem em pecado secreto: “e diz: como sabe Deus?” (SI 73.11). “Deus se esqueceu, virou o rosto e não verá isto nunca” (SI 10.11). Todavia, o Salmo 147.5 diz

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que “o seu entendimento não se pode medir”. Ele tem uma janela pela qual olha para dentro do coração dos homens. Tem a chave para o coração; contempla todas as obras pecaminosas dos espíritos dos homens, como contemplamos as abelhas trabalhando em suas colméias dentro de uma caixa de vidro. Ele vê em secreto (Mt 6.4). Como um comerciante dá entrada de débitos em seu livro, assim Deus o faz em seu diário com nossos pecados. A esposa de Jeroboão se disfarçou de tal maneira que o profeta não a reconhecesse, mas ele a reconheceu: “por que finges assim?” (1 Rs 14.6). O hipócrita pensa se dar bem e enganar a Deus, mas Deus o desmascarará. “Deus há de trazer a juízo todas as obras, até as que estão escondidas, quer sejam boas, quer sejam m ás” (Ec 12.14). “Porquanto fizeram loucuras em Israel, cometeram adultérios com as mulheres de seus companheiros e anunciaram falsamente em meu nome palavras que não lhes mandei dizer: eu o sei e sou testemunha disso, diz o S i-n h o r ” (Jr 29.23). Mas o hipócrita espera maquiar seu pecado fazendo-o parecer agradável aos olhos. Absalão mascarou sua traição fingindo que fosse um voto religioso. Judas camuflou sua inveja de Cristo e sua cobiça com uma falsa caridade aos pobres (Jo 12.5). Jeú faz da religião um estribo para seus propósitos ambiciosos (2Rs 10.16,17). Mas Deus vê por meio das folhas da figueira. Pode ver uma pedra de jade sob enfeites dourados. “Nem se encobre a sua iniqüidade aos meus olhos” (Jr 16.17). Aquele que tudo vê punirá adequadamente. Terceira aplicação: Deus é assim tão infinito em conhecimento? Então, deveríamos sempre nos sentir sob seu olhar onisciente. Sêneca disse assim: “Assim devemos viver, como se estivéssemos sempre sendo completamente observados”. Vamos pensar sempre em consonância com a perspectiva de Davi: “O S i-n h o r , tenho-o sempre à minha presença” (SI 16.8). Sêneca aconselhou Lucilius: “seja o que for que esteja fazendo sempre imagine algumas personalidades importantes de Roma diante de você, assim não fará nada desonroso” . A consideração da onisciência de Deus previne m uitos pecados. O olhar dos homens nos refreia de pecar, e não o faria muito mais os olhos de Deus? “ Então, disse o rei: Acaso teria ele querido forçar a rainha perante mim, na minha casa?” (Et 7.8). Pecaremos à vista de nosso juiz? Falaria em vão os homens se considerassem Deus sobre eles? Latimer42 prestou atenção a cada palavra no exame que fez, quando ouviu uma pena escrevendo atrás dos quadros. Assim, quem se importaria com as palavras senão quem se lembra que Deus ouve e que sua pena está escrevendo no céu? Os homens iriam atrás de sacrifícios estranhos se cressem que Deus está olhando suas impiedades e os fará sofrer no inferno por isso? Defraudariam em suas

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negociações e usariam pesos falsos se pensassem que Deus está olhando? Pois, ao usar pesos mais leves fariam sua condenação mais pesada. Ver-nos debaixo do olhar onisciente de Deus produziria reverência na adoração a ele. Deus vê a estrutura e o andamento de nossos corações quando vamos até ele. Como isso chamaria a atenção de nossos pensamentos distraídos? Como nos animaria e trabalharia nosso espírito? Nos faria acender o incenso. “As nossas doze tribos, servindo a Deus fervorosamente de noite e de dia” (At 26.7), com o maior zelo e intensidade de espírito. Pensar que Deus está aqui acrescentaria asas à oração e óleo à chama de nossa devoção. Quarta aplicação: o conhecimento de Deus é infinito? Então, estude a sinceridade, seja o que você for. Deus vê o coração (1 Sm 16.7). O homem julga o coração pelas ações, Deus julga as ações pelo coração. Se o coração for sincero, Deus verá a fé e ajudará o que está em falta. Asa teve suas manchas, mas seu coração era reto diante de Deus (2Cr 15.17). Sinceridade em um cristão é como a castidade em uma esposa. Apresentando várias desculpas, muitos caem nesse particular. A sinceridade torna nossas obras aceitáveis, à semelhança da resina que perfuma o linho quando aplicada nele. Como disse Jeú a Jonadabe: “Tens tu sincero o coração para comigo, como o meu o é para contigo? Respondeu Jonadabe: Tenho. Então, se tens, dá-me a mão. Jonadabe deu-lhe a mão; e Jeú fê-lo subir consigo ao carro” (2Rs 10.15). Assim, quando Deus vê a retidão em nosso coração, o amor com o qual o amamos e o desejo com que buscamos a sua glória, ele nos diz para que o entreguemos nossas orações e lágrimas e que subiremos com ele em sua carruagem de glória. A sinceridade toma nossas obras valiosas, e Deus não lançará fora essa riqueza mesmo que ele espere algo a mais de nós. Deus é onisciente e seu olhar enxerga o coração? Use o cinto da verdade sobre você e nunca o tire. Quinta aplicação: Deus é um Deus de conhecimento infinito? Então encontramos consolo para os santos em particular e para a igreja em geral. O conhecimento infinito de Deus dá consolo aos santos. No caso da devoção particular, o cristão deve separar horas para Deus. Os pensamentos dos cristãos devem correr para Deus como se fosse seu tesouro pessoal. Deus está ciente de cada bom pensamento. “Havia um memorial escrito diante dele para os que temem ao S e n h o r e para os que se lembram do seu nome” (Ml 3.16). Entra no teu quarto e, fechada a porta, orarás a teu Pai, que está em secreto, pois ele ouve cada suspiro e gemido. “A minha ansiedade não te é oculta” (SI 38.9). Ágüe a semente de tua oração com lágrimas. “Recolheste as minhas lágrimas no teu odre” (S I 56.8). Quando os segredos de todos os corações forem revelados, Deus fará menção honrosa

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do zelo e da devoção de seu povo e ele mesmo será o arauto de seus louvores. “Cada um receberá o seu louvor da parte de Deus” ( ICo 4.5). A infinitude do conhecimento de Deus é um consolo no caso dos santos não terem um conhecimento claro de si mesmos. Encontram tanta corrupção que julgam não ter graça. “Se é assim, por que vivo eu?” (Gn 25.22). Se eu tenho graça, por que meu coração está num corpo tão mortal e terreno? Então, lembre-se que Deus tem conhecimento infinito. Ele pode descobrir graça onde você não pode. Ele pode ver graça escondida sob a corrupção como as estrelas podem estar escondidas atrás das nuvens. Deus pode ver santidade em você, mesmo sendo aquela que você não consegue discernir. Ele pode descobrir a flor da graça em você, mesmo coberta por ervas daninhas. “Porquanto se achou nele coisa boa para com o S e n h o r ” (IR s 14.13). Deus vê coisas boas em seu povo mesmo quando ele não pode ver nada de bom em si mesmo. E, embora condenados por si mesmos. Deus lhes dará absolvição. E um consolo com respeito a injúrias pessoais. E destino dos santos sofrer. Se a cabeça foi coroada com espinhos, os pés não devem caminhar sobre rosas. O verdadeiro purgatório para os santos é nesta vida, mas o consolo deles é que Deus vê o que se faz de errado com eles. A menina de seus olhos está sendo tocada, não a sentiria? Paulo foi surrado por mãos cruéis: “fui três vezes fustigado com varas” (2Co 11.25). Como se o filho do rei fosse surrado pelo escravo. Deus viu. “Conheço-lhe o sofrimento” (Êx 3.7). O ímpio faz feridas nas costas dos santos e então derrama vinagre, mas Deus toma nota da crueldade. Os crentes são partes do corpo místico de Cristo, por isso, a cada gota de sangue derramada de um santo, Deus acrescenta uma gota de ira em seu cálice. O conhecim ento infinito de Deus dá consolo à igreja de Deus. Se Deus é um Deus de conhecimento, então ele vê todas as armações dos inimigos contra Sião e pode frustrá-las. O ímpio é sutil porque tomou emprestadas suas habilidades da velha serpente. Eles cavam profundamente para esconder seus planos de Deus, mas Deus os vê e pode facilmente contra-atacá-los. O dragão é descrito em Apocalipse 12.3 como tendo sete cabeças para mostrar como trama contra a igreja. Mas, Deus é descrito com sete olhos em Zacarias 3.9, para mostrar que Deus vê todas as tramas e estratagemas dos inimigos e que pode superá-los quando eles agem orgulhosamente. “Venha”, disse faraó, “usemos de astúcia para com ele” (Êx 1.10). Faraó nunca agiu tão tolamente, apesar de pensar estar sendo sábio. “Na vigília da manhã, o S e n h o r , na coluna de fogo e de nuvem, viu o acampamento dos egípcios e alvorotou o acampamento dos egípcios” (Êx 14.24). Como isso pode consolar a igreja de Deus em seu estado militante. E como o suco na vinha. O Senhor vê atentamente os concílios e

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A eternidade de Deus

as combinações do inimigo. Ele os vê se preparando e pode acabar com eles em seu próprio acampamento. C. A E TE R NIDADE

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DEUS

1. O que é a eternidade de Deus O próximo atributo afirma que “Deus é eterno”. “De eternidade a eternidade, tu és Deus” (SI 90.2). Os eruditos destacam o termo aevun et aeternum para explicar a noção de eternidade. O ser se divide em três partes: 1. Aquele que tem um começo e terá um fim, como todas as criaturas sensíveis, as feras, as aves, os peixes, estes, quando morrem, são destruídos e voltam ao pó. O ser deles termina com o fim de suas vidas. 2. Aquele que tem um começo, mas não terá um fim, como os anjos e as almas dos homens, que são eternos e que permanecem para sempre. 3. Aquele que não tem nem início, nem fim, o que é próprio somente de Deus. Ele é de eternidade a eternidade. Este é o título de Deus e uma jóia de sua coroa. Ele é chamado o “Rei eterno” (lT m 1.17). Jeová43 é uma palavra que representa apropriadamente a eternidade de Deus, uma palavra tão temível que os judeus receavam pronunciá-la ou lê-la, a tal ponto de usarem os títulos Adonai ou Senhor em seu lugar. Jeová compreende o tempo passado, presente e futuro. “Aquele que é, que era e que há de vir” (Ap 1.8) interpreta a palavra Jeová, como se segue. Aquele que é significa que ele subsiste em si mesmo, tendo um ser puro e independente. Aquele que era significa que, antes do tempo, havia somente ele, e não há como pesquisar nos registros da eternidade. Aquele que há de vir significa que seu reino não tem fim. Sua coroa não tem sucessores. “O Deus, o teu trono subsiste pelos séculos dos séculos” (Hb 1.8, versão RC). A repetição da palavra ratifica a certeza, como a repetição do sonho do faraó. Provarei que somente Deus poderia ser eterno, ou seja, sem começo. Os anjos não poderiam ser eternos, pois eles são criaturas, embora espíritos. Eles foram criados e, portanto, seu começo pode ser conhecido. Sua antiguidade pode ser pesquisada. Se fosse perguntado quando foram criados, alguns responderiam que foi antes de existir o mundo, mas não foi, pois tudo que existia antes do tempo era eterno. A origem dos anjos é tão antiga quanto o começo do mundo. Entende-se que os anjos foram criados no dia em que os céus foram feitos. “Quando as estrelas da alva, juntas, alegremente cantavam, e rejubilavam todos os filhos de Deus” (Jó 38.7). Jerônimo,44 Gregório45 e o venerável Beda46entendiam assim, que quando Deus colocou a pedra fundamental do mundo, os anjos criados cantaram hinos de alegria e de louvor. Ser eterno é próprio somente de Deus porque ele não teve um

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começo. Ele é o Alfa e o Omega, o primeiro e o último (Ap 1.8). Nenhuma criatura pode dizer de si mesma ser o Alfa, isto é somente uma flor na coroa do céu. “Eu Sou o q u e S o u ” ( Ê x 3.14), isto é, ele existe desde a eternidade e por toda a eternidade. A p l ic a ç õ e s

Primeira aplicação: aqui está um trovão e um relâmpago para o ímpio. Deus é eterno, portanto os tormentos do ímpio são eternos. Deus vive para sempre e pelo tempo que viver punirá o condenado. A conseqüência deve ser como a da escrita na parede: “as juntas dos seus lombos se relaxaram, e os seus joelhos batiam um no outro” (Dn 5.6). O pecador peca com liberdade, quebra a lei de Deus como uma fera selvagem que estoura a cerca e entra em pasto proibido. O pecador peca insaciavelmente, o mais rápido que pode (Ef 4.19). Mas lembre-se, um dos nomes de Deus é Eterno e, conquanto seja eterno, tem tempo suficiente para tratar de todos os seus inimigos. Para fazer os pecadores tremerem. Que pensem nestas três coisas: os tormentos do condenado são ininterruptos, são puros e são eternos. Os tormentos dos condenados são ininterruptos. Suas dores devem ser agudas e pungentes, sem alívio. O fogo não deverá se apaziguar ou cessar. “E não têm descanso algum, nem de dia nem de noite” (Ap 14.11). É com o alguém co lo cad o num a m áq u in a de estic a r, que estica continuamente, que não tem descanso. A ira de Deus é comparada a um ribeiro de enxofre (Is 30.33). Por que um ribeiro? Porque um ribeiro corre sem cessar, a ira de Deus flui assim como um ribeiro que manda água sem cessar. Nas dores desta vida há abatimento e alívio. A febre passa, uma convulsão vem, mas passa e o paciente fica tranqüilo. Contudo, as dores do inferno são na mais alta intensidade e na pior violência. A alma condenada nunca dirá que está mais tranqüila que antes. Os tormentos dos condenados são sem misturas. O inferno é um lugar de pura justiça. Nesta vida, Deus, quando irado, lembra-se da misericórdia e mistura compaixão com sofrimento, à semelhança da tribo de Aser, cujos sapatos eram de ferro, porém, imersos no azeite (Dt 33.25). A aflição é o sapato de ferro, mas a misericórdia está misturada com a aflição. Mas, os tormentos do condenado não têm mistura alguma. “ Esse beberá do vinho da cólera de Deus, preparado sem mistura, do cálice da sua ira” (Ap 14.10). Nenhuma mistura de misericórdia. Contudo, o cálice da ira também está cheio de mistura. “Porque na mão do S e n h o r há um cálice cujo vinho espuma, cheio de mistura, dele dá a beber; servem-no, até às escórias, todos os ímpios da terra” ( S I 75.8). O livro de Apocalipse diz que é sem mistura e no salmo diz que não. O cálice é cheio de mistura no que se refere aos ingredientes que o fazem amargo. O bicho, o fogo, a maldição de Deus são

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ingredientes hostis. O cálice é m isturado e, ao m esm o tem po, puro. N ão haverá nada que possa produzir consolo, nenhum a m istura de misericórdia, por isso é sem mistura. Na oferta de ciúmes (Nm 5.15), nenhum azeite era adicionado, da mesma maneira nos tormentos do condenado, não há azeite de misericórdia para fazer cessar seus sofrimentos. Os tormentos dos condenados são eternos. Os prazeres do pecado só duram um período, mas os tormentos do ímpio são para sempre. Pecadores têm uma alegria passageira, mas uma longa retribuição. O rígenes47 erroneamente pensou que após mil anos o condenado deveria ser liberto de suas misérias, porém o verme, o fogo e a prisão são eternos. “A fumaça de seu tormento sobe pelos séculos dos séculos” (Ap 14.11). Próspero48 (da Aquitânia) disse assim: “Os tormentos do inferno punem continuamente, nunca terminam” . A eternidade é um mar sem fundo e sem praias. Depois de milhões de anos, não há sequer um minuto desperdiçado na eternidade. O condenado deve ser queimado para sempre, mas nunca consumido, sempre morrendo, mas nunca morto. “Os homens buscarão a morte e não a acharão” (Ap 9.6). O fogo do inferno é um fogo que multidões de lágrimas não o saciarão, uma grande quantidade de tempo não o findará. O frasco da ira de Deus sempre gotejará sobre o pecador. Conquanto Deus seja eterno, vive para se vingar do ímpio. Oh! eternidade! Eternidade, quem pode medi-la? Os marinheiros têm suas sondas para medir as profundezas do mar, mas que linha ou que sonda usaremos para medir a profundeza da eternidade? O sopro do Senhor alimenta o lago infernal (Is 30.33). Onde encontraremos bombas d ’água ou baldes para apagar tal fogo? Oh! eternidade! Se toda a massa da terra e do mar fosse transformada em areia, e todo o ar até o céu estrelado fosse areia, e um pequeno pássaro viesse a cada mil anos e apanhasse com o bico a décima parte de um grão de toda essa imensidão de areia, seriam necessários inúmeros anos até que a imensidão de areia fosse toda transportada. Porém, se ao final de todo esse tempo, o pecador pudesse sair do inferno, haveria alguma esperança, mas a palavra “sempre” quebra o coração. “A fumaça de seu tormento sobe pelos séculos dos séculos.” Que terror é isso para o ímpio, o suficiente para fazê-lo suar frio e pensar. Conquanto Deus seja eterno, vive para se vingar do ímpio. Aqui pode ser feita uma pergunta: Por que um pecado que é cometido por pouco tempo deve ser punido eternamente? Devemos entender como Agostinho que “os julgamentos de Deus sobre o ímpio podem ser secretos, mas nunca injustos” . A razão pela qual um pecado cometido em um curto espaço de tempo é eternamente punido é que cada pecado é cometido

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contra a infinita essência, e nada menos que a punição eterna pode satisfazê-lo. Se a traição contra a pessoa de um rei, que é sagrada, é punida com o confisco e a morte, muito mais contra a coroa e a dignidade de Deus, que é de uma natureza infinita e cheia de ira contra o pecado. Não pode ser satisfeita com menos que a punição eterna. Segunda aplicação: a certeza da eternidade de Deus consola o fiel. Deus é eterno, portanto vive para sempre para galardoar o fiel. “A vida eterna aos que, perseverando em fazer o bem, procuram glória, honra e incorruptibilidade” (Rm 2.7). O povo de Deus nesse texto está numa situação de sofrimento. “Que me esperam cadeias e tribulações” (At 20.23). O ímpio está vestido de púrpura e se farta com delícias, enquanto o fiel sofre. Cabras escalam altas montanhas, enquanto ovelhas de Cristo estão no vale da matança. Porém, aqui está o consolo, Deus é eterno e preparou recom pensas eternas para os santos. No céu há prazeres puros, doçura abundante. A vida “eterna” é a coroa e o zênite da felicidade do céu (1 Jo 3.15). Se houvesse a mínima suspeita de que essa glória pudesse cessar ou obscurecer, ela amargaria. Contudo, a glória é eterna. Que anjo poderia medir a eternidade? “Eterno peso de glória” (2Co 4.17). Os santos se banharão nos rios do prazer divino, rios que nunca secarão. “Na tua destra, delícias perpetuamente” (SI 16.11). Isso representa o Elá (Deus maravilhoso em hebraico), a tendência superior na retórica do apóstolo. “ Estaremos para sempre com o Senhor” (lT s 4.17). Haverá paz sem problemas, tranqüilidade sem dor, glória sem fim, “estaremos para sempre com o Senhor”. Que isso console os santos em todos os seus problemas: as suas tribulações são passageiras, mas o galardão é eterno. A eternidade faz o céu ser céu, é o diamante no anel. Dia abençoado, que não terá noite. A luz da glória nascerá sobre a alma e nunca se porá. Abençoada primavera, que não terá outono ou queda de folhas. Os imperadores romanos tinham três coroas sobre suas cabeças, a primeira de ferro, a segunda de prata e a terceira de ouro, da mesma maneira o Senhor coloca três coroas sobre seus filhos: graça, consolo e glória. A coroa da glória é eterna: “R ecebereis a im arcescível coroa de glória” (1 Pe 5.4). O ímpio terá um verme que nunca morre e o fiel uma coroa que nunca se desfaz. Quão estim ulante à virtude deve ser esse consolo. Deveríamos ser dispostos a trabalhar para Deus. Embora nada tenhamos aqui, Deus tem tempo suficiente para galardoar seu povo. A coroa da eternidade será colocada sobre suas cabeças. Terceira aplicação: esta certeza também nos exorta a estudar a respeito da eternidade. Nossos pensamentos deveriam se ocupar principalmente com a eternidade. Todos nós desejamos o presente, algo que possa agradar os

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sentidos. Se pudéssemos ter vivido, como disse Agostinho, desde a infância do mundo até a velhice do mundo, como seria? O que é o tempo em comparação à eternidade? Assim como o mundo é um pequeno ponto no céu, assim é o tempo, nem um raro minuto em relação à eternidade. E o que é a pobre vida que se vai tão rápido? Pense na eternidade. Irmãos, todos os dias estamos viajando para a eternidade, e quer acordemos ou durmamos, estamos em uma jornada. Alguns estão às portas da eternidade. Estudem a brevidade da vida e o comprimento da eternidade. Em especial, pense sobre a eternidade de Deus e a eternidade da alma. Pense na eternidade de Deus. Ele é Ancião de Dias, que era antes de todo o tempo. Há uma descrição figurada de Deus em Daniel 7.9: “O Ancião de dias se assentou; sua veste era branca como a neve, e os cabelos da cabeça, como a pura lã” . A veste branca com a qual estava vestido significa sua majestade. Seu cabelo, como pura lã, significa sua santidade e Ancião de Dias significa sua eternidade. Pensar na eternidade de Deus deveria nos levar a ter altos pensamentos de ado ração em relação a ele. Em g eral, som os p ro p en so s a ter pensamentos ruins e irreverentes a respeito de Deus. “Pensavas que eu era teu igual” (SI 50.21), tão fraco e mortal, porém se pensarmos na eternidade de Deus, quando todo nosso poder cessa, veremos que ele é Rei eterno, sua coroa prospera para sempre, pode nos fazer feliz ou infeliz para sempre, isto nos leva a ter altos pensamentos de adoração para com Deus. “Os vinte e quatro anciãos prostrar-se-ão diante daquele que se encontra sentado no trono, adorarão o que vive pelos séculos dos séculos e depositarão as suas coroas diante do trono” (Ap 4.10). Os anciãos se prostram diante daquele que está no trono, significando pela postura que não são dignos de se sentar na presença de Deus. Eles se prostram e adoram aquele que vive para sempre e sempre, agem como se fossem beijar seus pés. Eles colocam suas coroas diante do trono, depositam suas honras ante seus pés. Assim, mostram uma adoração humilde à essência eterna. Meditar na eternidade de Deus nos fará adorar aquilo que não podemos alcançar. Pensemos na eternidade da alma. Assim como Deus é eterno, nos fez eternos. Somos criaturas que nunca morrem. Logo entraremos num estado eterno, seja de felicidade ou de miséria. Pensemos seriamente sobre isso. Diga assim: “Oh! minha alma, qual dessas duas eternidades será sua porção? Logo partirei e para onde irei, para qual das eternidades: glória ou miséria?” Uma séria meditação sobre o estado eterno em que passaremos mexerá muito conosco. 1. Pensar nos tormentos eternos é um bom antídoto contra o pecado O pecado tenta com seus prazeres, mas quando pensamos sobre a eternidade somos serenados do calor da malícia. Será que devo, pelo prazer breve do

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pecado, agüentar a dor eterna? O pecado, como aqueles gafanhotos, libertos com o toque da quinta trombeta (Ap 9.7), parece ter em sua cabeça uma coroa de ouro, mas tem uma cauda como a do escorpião (Ap 9.10) e um aguilhão nele que nunca pode ser extraído. Devemos nos aventurar em sofrer a ira eterna? O pecado cometido é tão doce a ponto de sofrermos o inferno amargo para sempre? Esse pensamento nos faria fugir do pecado, como Moisés da serpente. 2. Pensar seriamente na felicidade eterna nos apartaria das coisas mundanas, as quais são apenas bens terrestres diante da eternidade. Rapidamente se vão, saúdam-nos e se despedem de nós. Porém, entrarei num estado eterno, espero viver com aquele que é eterno. O que é o mundo para mim? Para aqueles em pé sobre os Alpes, as grandes cidades de C am pânia são pequeninas aos olhos. A ssim , para os que têm seus pensamentos fixos no estado eterno após esta vida todas essas coisas parecem como nada aos olhos. O que é a glória deste inundo? Pobre e desprezível comparada com um peso eterno de glória. 3. Pensar seriamente no estado eterno, seja de felicidade ou miséria, teria uma poderosa influência sobre o que quer que pegássemos às mãos. Toda obra que fazem os pro m o v e um a e te rn id a d e ab en ç o ad a ou amaldiçoada. Toda boa ação nos coloca um passo mais perto da felicidade eterna. Cada má ação nos coloca a um passo mais próximo do sofrimento eterno. Quanta influência devem ter nossos pensamentos a respeito da eternidade sobre nossas responsabilidades religiosas. Deveriam nos fazer executá-las com toda a nossa força. Responsabilidades bem executadas elevam o cristão mais alto em direção ao céu e o colocam um passo mais próximo da abençoada eternidade. D. A IMUTABILIDADE

DF. D f.ü S

O próximo atributo é a imutabilidade de Deus. “Porque eu, o S e n h o r , não mudo” (Ml 3.6). Sobre a imutabilidade de Deus podemos dizer que Deus é imutável em sua natureza e que Deus é imutável em seu decreto. 1. Deus é im utável em sua natureza Podemos considerar os seguintes pontos na imutabilidade da natureza de Deus. a. Não há mudança em seu brilho O brilho de Deus não se ofusca. Sua essência brilha com um resplendor fixo. “ Em quem não pode existir variação ou sombra de mudança” (Tg 1.17). “Tu, porém, és sempre o mesmo” (SI 102.27). Todas as coisas criadas são cheias de mudanças repentinas. Príncipes e imperadores são sujeitos a

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mudança. Sesóstris, um príncipe egípcio, tendo subjugado diversos reis em guerras, fez que seus cavalos fossem substituídos pelos reis conquistados e os fazia imitar os cavalos, como se pretendesse que comessem grama, semelhantemente ao que Deus fez com o rei Nabucodonosor. A coroa tem muitos sucessores. Reinos têm seus eclipses e convulsões. O que aconteceu com a glória de Atenas? Da pomposa Tróia restou o ditado: hoje cresce milho onde um dia estava Tróia. Embora reinos tenham a cabeça de ouro, seus pés são de barro. Os céus mudarão. “Todos eles envelhecerão como um vestido, como roupa os mudarás, e serão mudados” (SI 102.26). Os céus são os registros mais antigos, nos quais Deus escreveu sua glória com um raio de luz, mas mesmo assim eles mudarão. Embora particularmente não ache que devam ser destruídos até sua substância, ainda assim eles serão mudados em relação às suas qualidades. Derreterão com o calor fervente e, assim, serão mais refinados e purificados (2Pe 3.12). Assim os céus serão mudados, mas aquele que habita nos céus não. “ Em quem não pode existir variação ou sombra de mudança.” Os melhores santos têm seus eclipses e mudanças. Observe um cristão em sua vida espiritual, ele é cheio de variação. Ainda que a semente da graça não morra, sua beleza e atividade geralmente diminuem. Um cristão tem recaídas na religião. As vezes sua fé está num nível alto, às vezes muito baixo. Às vezes seu amor arde, outras vezes é como fogo de brasas, perde seu primeiro amor. Como foi forte o estado de graça de Davi certa vez. “O meu Deus, o meu rochedo em que me refugio; o meu escudo, a força da minha salvação” (2Sm 22.3). Outras vezes disse: “ Um dia perecerei nas mãos de Saul”. Que cristão pode dizer que não encontra mudanças em seu estado de graça a ponto do arco de sua fé nunca dobrar, as cordas de sua viola nunca afrouxarem? Certamente nunca conheceremos cristãos assim até que nos encontremos com eles no céu. Mas Deus é sem sombra de variação. Os anjos foram sujeitos a mudança; foram criados santos, mas mutáveis: “... anjos, os que não guardaram o seu estado original” (Jd 6). Essas estrelas matinais do céu eram estrelas cadentes. Mas a glória de Deus brilha com um fulgor fixo. Em Deus não há nada que se parece com mudança, para melhor ou pior. Nem para melhor, porque então não seria perfeito. Nem para pior, pois cessaria de ser perfeito. Ele é imutavelmente santo, imutavelmente bom; não há sombra de variação nele. b. Não há mudança na encarnação Neste ponto, alguém pode apresentar a seguinte indagação: Mas quando Cristo, que é Deus, assumiu a natureza humana, houve uma mudança em Deus.

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Caso a natureza divina tivesse sido convertida em humana, ou a humana em divina, teria havido uma mudança, mas não foi assim que aconteceu. A natureza humana era distinta da divina. Portanto, não houve mudança. Uma nuvem sobre o sol não muda o corpo solar, assim, embora a natureza divina fosse coberta com a humana, isso não a mudou. c. Não há mudança em sua existência Não há um tempo determinado para sua existência: “O único que possui imortalidade” (lT m 6.16). Deus não pode morrer. Uma essência infinita não pode ser mudada para uma fmita. Deus é infinito. Ele é eterno, por isso não é mortal. Ser eterno e mortal é uma contradição. A p l ic a ç õ e s

Primeira aplicação: veja a excelência da natureza divina em sua imutabilidade. Essa é a glória da divindade. Mutabilidade denota fraqueza, o que não há em Deus, que é “o mesmo e o será para sempre” (Hb 13.8). Os homens são inconstantes e mutáveis, como Rúben, “impetuoso como a água” (Gn 49.4). São mutáveis em seus princípios. Se seus semblantes se alteram rapidam ente como suas opiniões, não se pode conhecê-los. Os homens são mutáveis em suas decisões, mudam como o vento que sopra para o leste, de repente muda para o oeste. Decidem ser virtuosos, mas logo se arrependem de suas decisões. Suas mentes são como o pulso de um homem doente, mudam a cada meia hora. Um dos apóstolos compara o homem às ondas do mar e às estrelas errantes (Jd 13). Não são pilares no templo de Deus, mas juncos. Outros são mutáveis em suas amizades. Rapidamente amam e rapidamente odeiam. As vezes somos íntimos deles, então nos afastam de seu favor. Mudam como o camaleão, em várias cores, mas Deus é imutável. Segunda aplicação: veja a vaidade da criatura. Há mudanças em tudo, mas não em Deus. “Somente vaidade são os homens plebeus; falsidade, os de fina estirpe” (SI 62.9). Esperamos mais das criaturas do que Deus colocou nelas. Há dois males nas criaturas: prometem mais do que podem cumprir e nos decepcionam quando mais precisam os delas. Há decepção na hum anidade. Um homem deseja seu m ilho m oído, m as a água falta. O marinheiro vai viajar e o vento não sopra, ou o contrário. Um depende do outro para o pagamento de uma promessa e falha, e é como um pé fora da junta. Quem procuraria estabilidade na criatura vã? E como construir casas na areia, onde o mar alcança e faz enchente. A criatura é fiel a nada mais que decepção, é constante somente nos desapontamentos. Não há surpresa maior nas mudanças aqui embaixo que ver a Lua se vestindo de uma nova forma e figura. Espere encontrar mudanças em tudo, mas não em Deus.

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Terceira aplicação: consolo ao fiel. 1. Em casos de perdas. Se uma propriedade for quase totalmente desvalorizada, se amigos forem perdidos pela morte, se houver um eclipse duplo, o consolo é que Deus é imutável. Podemos perder essas coisas, mas não perdemos Deus. Ele nunca morre. Quando a figueira e a oliveira não produziram, Deus não falhou: “Exulto no Deus da minha salvação” (Hc 3.18). As flores do jardim morrem, mas a porção do homem permanece. Coisas exteriores morrem e mudam, mas “ainda que a minha carne e o meu coração desfaleçam, Deus é a fortaleza do meu coração e a minha herança para sempre” (SI 73.26). 2. Em caso de tristeza de espírito. Deus parece lançar a alma no abandono, como em Cântico 5.6: “ele se retirara e tinha ido embora”, mas é imutável. E imutável em seu amor. Pode mudar seu semblante, mas não seu coração. “Com amor eterno eu te amei” (Jr 31.3). Amor eterno é a palavra olam, no hebraico. Se o amor eletivo de Deus se acender sobre uma alma, nunca se apagará. “Porque os montes se retirarão, e os outeiros serão removidos; mas a minha m isericórdia não se apartará de ti, e a aliança da minha paz não será removida, diz o S e n h o r , que se com padece de ti” (Is 54.10). O amor de Deus é mais forte que as montanhas. Seu amor por Cristo é imutável, por isso nunca cessará de amar os crentes, assim como não cessará de amar a Cristo. Quarta aplicação: quanto à exortação Tenha interesse no Deus imutável, então você será como uma rocha no mar, imóvel no meio de todas as mudanças. Como posso ter parte no Deus im utável? Ao ter uma mudança segundo os padrões divinos. “ Mas vós vos lavastes, mas fostes santificados” (IC o 6.11). Assim somos mudados das trevas para a luz, mudados de tal maneira como se outra alma vivesse no mesmo corpo. Por meio dessa mudança, damos provas de nosso interesse no Deus imutável. Confie que somente Deus é imutável. “Afastai-vos, pois, do homem” (Is 2.22). Pare de confiar no junco e confie na Rocha Eterna. Aquele que é fortificado em Deus pela fé está a salvo de todas as mudanças. Ele é como um barco amarrado a uma rocha irremovível. Quem confia em Deus, confia naquele que não pode decepcioná-lo. Ele é imutável. “De maneira alguma te deixarei, nunca jam ais te abandonarei” (Hb 13.5). A saúde pode nos abandonar, assim como as riquezas, os amigos, mas Deus diz que não nos abandonará, seu poder nos sustentará, seu Espírito nos santificará, sua misericórdia nos salvará. Ele nunca nos deixará. Confie nesse Deus imutável. Deus é zeloso em relação a duas coisas: nosso amor e nossa confiança. Zela quanto ao nosso amor, para que não amemos a criatura mais que a ele,

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e deixa isso bem claro. E zela quanto à nossa confiança, para que não coloquemos mais confiança em nós mesmos que nele, pois se assim o fizermos, mostrará que confiar em nós mesmos não é seguro. Consolos externos nos são dados como alimento para nos refazer, não como muletas para nos apoiar. Se fizermos da criatura um ídolo, Deus envergonhará a quem confiamos. Confie no Deus imortal. Como a pomba de Noé, não temos lugar para apoiar nossas almas, até que cheguemos à arca do Deus imutável. “Os que confiam no S e n h o r são como o monte Sião, que não se abala, firme para sempre” (S I 125.1). 2. Deus é imutável em seu decreto a. A imutabilidade do decreto de Deus é fru to de sua onisciência Aquilo que Deus decretou desde a eternidade é imutável. “O meu conselho permanecerá de pé” (Is 46.10). O conselho eterno de Deus, ou seu decreto, é imutável. Se ele mudasse seu decreto, seria por uma falha de sabedoria ou previsão, pois essa é a razão pela qual os homens mudam seus propósitos. Os homens enxergam algo só depois que acontece, porque não vêem previamente. Esta, porém, não pode ser a causa pela qual Deus deveria alterar seu decreto, pois seu conhecimento é perfeito, ele vê todas as coisas numa inteira perspectiva diante de si. b. A imutabilidade do decreto de Deus e a aplicação de suas sentenças Porém, não é dito que Deus se arrependeu? Parece ter havido uma mudança em seu decreto em Jonas 3.10: “Deus se arrependeu do mal que tinha dito lhes faria e não o fez” . O arrependim ento é atribuído a Deus figurativam ente. “ Deus não é homem para que minta, nem filho de homem para que se arrependa” (Nm 23.19). Pode haver mudança na obra de Deus, mas não em sua vontade. Pode desejar uma mudança, mas não pode mudar sua vontade. “Deus pode mudar sua sentença, mas não seu decreto.” Um rei pode sentenciar um malfeitor a quem pretende salvar, assim Deus ameaçou destruir Nínive, mas com o arrependimento do povo Deus a poupou (Jn 3.10). Ali, Deus mudou sua sentença, não seu decreto. Era o que tinha depositado em seu propósito desde a eternidade. c. A imutabilidade do decreto de Deus prevê os meios para a salvação Mas se o decreto de Deus é imutável e não pode voltar atrás, para que servem os meios em relação aos fin s já determinados? Nossos esforços em relação à salvação não podem alterar seu decreto. O decreto de Deus não afeta meu esforço, pois aquele que decretou minha salvação decretou-a no uso dos meios e, se eu negligenciar os meios,

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condeno a mim mesmo. Homem nenhum raciocina assim: Deus decretou quanto tempo vou viver, então não usarei de nenhum meio para preservar minha vida, não comerei nem beberei. Deus decretou o tempo de minha vida considerando o uso dos meios, assim decretou minha salvação considerando o uso da Palavra e da oração. Como um homem que rejeita comida mata a si mesmo, assim aquele que recusa desenvolver sua salvação destrói a si mesmo. Os vasos de misericórdia foram preparados de antemão (Rm 9.23). Como são preparados, senão ao serem santificados? Isso só pode ocorrer por intermédio de meios. Portanto, que o decreto de Deus não nos tire de empreendimentos santos. Dr. Preston diz algo muito bom: “Tens tu um coração para orar a Deus? É um sinal que nenhum decreto de ira foi promulgado contra ti”. A

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Primeira aplicação: se o decreto de Deus é eterno e imutável, então Deus não elege com base na previsão de nossa fé como os arminianos defendem. “E ainda não eram os gêmeos nascidos, nem tinham praticado o bem ou o mal (para que o propósito de Deus, quanto à eleição, prevalecesse, não por obras, mas por aquele que chama)... Como está escrito: Amei Jacó, porém me aborreci de Esaú” (Rm 9.11 e 13). Não somos eleitos pela nossa santidade, mas para a santidade (E f 1.4). Se não somos justificados por nossa fé, muito menos somos eleitos pela nossa fé. Não somos justificados pela fé, somos justificados por meio da fé como um instrumento (E f 2.8), mas não por fé como uma causa. Assim, se não somos justificados por fé, então muito menos somos eleitos pela fé. O decreto da eleição é eterno e imutável e, portanto, não depende da previsão da fé. “E creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna” (At 13.48). Não foram eleitos porque creram, mas creram porque foram eleitos. Segunda aplicação: se o decreto de Deus é imutável, dá consolo em duas situações. 1. Em relação à providência de Deus para com sua igreja. Estamos prontos para lutar contra a providência se as coisas não acontecem conforme nosso desejo. Lembre-se que a obra de Deus continua e nada acontece senão o que ele determinou desde a eternidade. 2. Deus decretou problemas para o bem da igreja. Os problemas da igreja de Deus são como as águas agitadas pelo anjo, as quais serviam para curar seu povo (Jo 5.4). Ele decretou problemas para a igreja: “Fogo está em Sião e ... fornalha, em Jerusalém” (Is 31.9). As engrenagens de um relógio se movem cruzando uma com a outra, mas todas dão movimento ao relógio, assim as engrenagens da providência geralm ente se movem cruzando nossos desejos, mas mesmo assim levam a cabo o decreto imutável

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de Deus. “Muitos serão purificados” (Dn 12.10). Deus permite que as águas da aflição sejam derramadas sobre seu povo para purificá-lo. Portanto, não murmuremos com a maneira de Deus, sua obra continua, nada ocorre senão o que ele decretou sabiam ente desde a eternidade. Todas as coisas promoverão o desígnio de Deus e cumprirão seu decreto. Terceira aplicação: consolo ao crente com respeito à sua salvação. “ Entretanto, o firme fundamento de Deus perm anece, tendo este selo: O Senhor conhece os que lhe pertencem” (2Tm 2.19). O conselho de Deus quanto à eleição é imutável. Uma vez eleito, eleito para sempre. “ De modo nenhum apagarei seu nome do livro da vida” (Ap 3.5). O livro do decreto de Deus não contém errata, não há rasuras. Uma vez justificados, nunca mais sem justificação. “Meus olhos não vêem em mim arrependimento algum” (Os 13.14). Deus nunca se arrepende de seu amor eletivo. “Amou-os até ao fim” (Jo 13.1). Portanto, se você é um crente, seja consolado com a imutabilidade do decreto de Deus. Quarta aplicação: para concluir com uma palavra ao ímpio, que marcha furiosamente contra Deus e seu povo, que saiba que o decreto de Deus é imutável. Deus não alterará o seu decreto, nem será quebrado. Ainda que resistam à vontade de Deus, mesmo assim a cumprem. Há uma vontade de Deus dividida em duas: “a vontade do preceito de Deus e de seu decreto” . Ainda que o ímpio resista à vontade do preceito de Deus, cumpre a vontade de seu decreto permissivo. Judas traiu Cristo, Pilatos o condenou, os soldados o crucificaram. Ainda que resistam à vontade dos preceitos de Deus, cumprem a vontade de seu decreto permissivo (At 4.28). Deus manda os ímpios fazerem algo e eles fazem exatamente o contrário. Um exemplo disso é o mandamento da guarda do dia de descanso - ou o dia de sábado; o que eles constantem ente profanam . A inda que desobedeçam a seu mandamento, cumprem seu decreto permissivo. Se uma pessoa armar duas redes, uma de seda e outra de ferro, a de seda pode se romper, mas a de ferro não. Assim, enquanto as pessoas quebram as redes de seda dos mandamentos de Deus, são pegas na rede de ferro de seu decreto. Enquanto se sentam de costas para os preceitos de Deus, estão de frente para seus decretos. Os decretos que permitem seus pecados, os punem pelos pecados permitidos. E. A SABEDORIA

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O próximo atributo é a sabedoria de Deus, que é uma das mais brilhantes características de Deus. “Ele é sábio de coração” (Jó 9.4). O coração é a cadeira da sabedoria. Pineda49 disse o seguinte: Para os hebreus, o coração é o lugar da sabedoria. “Os homens sensatos dir-me-ão” (Jó 34.34). Deus é sábio no coração, isto é, ele é o mais sábio. Só Deus é sábio; ele possui toda a sabedoria, portanto é chamado “Deus único” (1 Tm 1.17). Todos os tesouros

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de sabedoria estão guardados com ele, nenhuma criatura pode ter sabedoria se Deus não quiser lhe dar de seu tesouro. Deus é perfeitamente sábio, não há defeito em sua sabedoria. Os homens podem ser sábios em algumas coisas, mas em outras apresentam imprudência e fraqueza. Porém, Deus é o exemplo e o padrão de sabedoria, e o padrão deve ser perfeito (Mt 5.48). A sabedoria de Deus aparece em duas coisas: em sua infinita inteligência e em seu trabalho perfeito. 1. A infinita inteligência de Deus Ele conhece os mais profundos segredos (Dn 2.28). Ele conhece os pensamentos, que são as coisas mais confusas que há. “Porque é ele quem... declara ao homem qual é o seu pensamento” (Am 4.13). Mesmo que o pecado seja politicamente tramado, Deus retirará todas as máscaras e os disfarces e conhecerá todos os corações. Ele conhece todas as possibilidades futuras e já avista de antemão, pois todas as coisas estão diante dele em uma perspectiva clara. 2. O trabalho de Deus é perfeito Ele é sábio de coração e sua sabedoria está em suas obras. Essas obras de Deus estão encadernadas em três grandes volumes, nos quais podemos ler sua sabedoria. a. A sabedoria de Deus se manifesta na obra da criação A criação é tanto um monumento do poder de Deus quanto um espelho em que podemos ver sua sabedoria. Ninguém, a não ser um Deus sábio, poderia de maneira tão intrigante elaborar o mundo. Observe a terra enfeitada com uma variedade de flores, tanto para beleza quanto para fragrância. Observe o céu enfeitado com luzes. Podemos ver a sabedoria gloriosa de Deus cintilando no sol e brilhando nas estrelas. A sabedoria de Deus é vista em organizar e em ordenar tudo no seu próprio lugar e esfera. Se o sol fosse colocado mais abaixo nos queimaria, se fosse mais alto, não nos aqueceria com seus raios. A sabedoria de Deus é vista ao determinar as estações do ano: “Verão e inverno, tu os fizeste” (SI 74.17). Se sempre fosse verão, o calor nos torraria. Se sempre fosse inverno, o frio nos mataria. A sabedoria de Deus é vista na variação do escuro e do claro. Se sempre fosse noite, não haveria trabalho. Se sempre fosse dia, não haveria descanso. A sabedoria é vista na mistura dos elementos, como a terra com o mar. Se tudo fosse mar, teríamos falta de pão. Se tudo fosse terra, teríamos falta de água. A sabedoria de Deus é vista na preparação e amadurecimento das frutas da terra, no vento e no frio que preparam as frutas e no sol e chuva que as amadurecem. A sabedoria de Deus é vista nos

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limites do mar, sabiamente o idealizando. Embora o mar seja mais alto que a terra em muitos lugares, mesmo assim nâo inunda a terra. Assim, falamos como o salmista: “Que variedade, S e n h o r , nas tuas obras! Todas com sabedoria as fizeste” (SI 104.24). Não há nada mais a ser visto, a não ser milagres de sabedoria. A sabedoria de Deus é vista na organização das coisas na estrutura social, de maneira que um tem necessidade do outro. O pobre precisa do dinheiro do homem rico e o rico precisa do trabalho do homem pobre. Deus faz que um negócio dependa de outro, que uma pessoa seja útil para outra, que o amor mútuo seja preservado. b. A sabedoria de Deus brilha na obra da redenção

i. A sabedoria do plano pelo qual o pecador é salvo. Esta é a obraprima da sabedoria divina: a elaboração de uma conjunção bem-sucedida entre o pecado do homem e a justiça de Deus. Podemos gritar com o apóstolo: “Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria quanto do conhecimento de Deus!” (Rm 11.33). Tal intervenção da sabedoria divina impressionou homens e anjos. Se Deus tivesse nos dado condições de encontrar a salvação quando estávamos perdidos, não teríamos inteligência suficiente para idealizar, nem coração para desejar o que a sabedoria infinita de Deus proporcionou a nós. A misericórdia tem uma estratégia para salvar os pecadores e não permitir que a justiça de Deus seja ofendida. “Seria uma pena”, diz a misericórdia, “que tão nobre criatura como o homem fosse criado para ser desfeito, no entanto, a justiça de Deus não pode ser ofendida”. Em quê, então, se encontraria uma saída? Os anjos não poderiam satisfazer a ofensa feita à justiça de Deus, nem é apropriado que uma natureza pecasse e outra sofresse em seu lugar. O que fazer então? O homem estará perdido para sempre? Bem, enquanto a misericórdia estava debatendo consigo mesma o que fazer para o resgate do homem caído, a sabedoria de Deus entrou em cena e a decisão foi profetizada: tome-se Deus em homem: a segunda pessoa da Trindade seja encarnada e sofredora. E, assim, para preencher os requisitos era apropriado que fosse homem e para garantir a salvação era apropriado que fosse Deus. Então, a justiça ficaria satisfeita e o homem salvo. Oh! profundidade das riquezas da sabedoria de Deus, que dessa maneira fez que a justiça e a misericórdia se beijassem! Grande é este mistério, Deus “foi manifestado na carne” ( lTm 3.16). Que sabedoria, o fato de que Cristo foi feito pecado, mas não conheceu pecado algum, de modo que Deus pudesse condenar o pecado e salvar o pecador. Quão grande foi a sabedoria que encontrou uma saída de salvação.

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ii. A sabedoria do instrumento pelo qual o pecador é salvo. O meio pelo qual a salvação é aplicada destaca a sabedoria de Deus; pelo que a salvação deveria ser pela fé, não por obras. Fé é uma graça humilde, conduz tudo para Cristo; é um adorador da graça, quando a graça avança, Deus é glorificado; sua mais alta sabedoria exalta sua glória. iii. A sabedoria da maneira em que a fé trabalha. A maneira de a fé operar declara a sabedoria de Deus. Ela é ativada pela palavra pregada. “A fé vem pela pregação” (Rm 10.17). Quão fraco é o sopro de uma pessoa para converter uma alma? E como soprar nos ouvidos de um homem morto. Isso é tolice aos olhos do mundo, mas o Senhor ama mostrar sua sabedoria por intermédio daquilo que parece tolice: “Deus escolheu as coisas loucas do mundo para envergonhar os sábios” ( ICo 1.27). Por quê? “A fim de que ninguém se vanglorie na presença de Deus” (IC o 1.29). Se Deus usasse o ministério de anjos para converter, então deveríamos estar prontos para dar glória aos anjos, honrá-los com a honra que pertence a Deus. Porém, quando Deus utiliza instrumentos fracos, homens que têm paixões semelhantes às nossas, e os usa para converter outros, então claramente percebe-se que o poder é de Deus. “Temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus e não de nós” (2Co 4.7). Nisto a sabedoria de Deus é vista, para que ninguém se vanglorie em sua presença. c. A sabedoria de Deus aparece nas obras de sua providência Deus m anifesta sua sabedoria de m aneira m aravilhosa na sua providência. Todo ato providencial de Deus tem misericórdia ou algo m aravilhoso envolto em si. A sabedoria de Deus em suas obras de providência aparece quando: i. Deus aplica sua providência por meios insignificantes. Ao efetuar grandes realizações por intermédio de meios insignificantemente pequenos, a sabedoria de Deus nas obras da providência se toma notória. Ele curou os israelitas picados por serpentes com uma serpente de bronze. Se algum antídoto soberano fosse usado ou se o bálsamo de Gileade fosse utilizado haveria cura do mesmo modo. Porém, o que havia na serpente de bronze? Era somente uma imagem, nem mesmo era um remédio para ser aplicado sobre a ferida, no entanto, os israelitas deveriam somente olhar para ela. Porém, isso operou a cura. Quanto menor a probabilidade no instrumento, maior será o destaque da sabedoria de Deus. ii. Deus aplica sua providência em situações adversas. Percebe-se a sabedoria de Deus quando ele faz sua obra por meio do que aos olhos dos homens parece totalmente contrário. Deus pretendia prosperar José e fazer que todos os seus irmãos se prostrassem diante dele. Mas, quais caminhos Deus usou? Primeiramente José é lançado em um poço, depois vendido

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para o Egito, depois lançado em prisão (Gn 39.20). Por meio de sua prisão, Deus fez caminho para seu desenvolvimento. Se Deus o salvasse de uma maneira comum, não mostraria tanto sua sabedoria. Mas quando ele age estranhamente e salva de uma maneira que pensávamos levar à destruição, sua sabedoria brilha de um modo mais evidente. Deus faria Israel vitorioso, mas que caminho tomaria? Ele diminui o exército de Gideão: “ Disse o S e n h o r a Gideão: É demais o povo que está contigo” (Jz 7.2). Ele reduz um exército de 230 mil homens para 300 homens e, ao tirar os meios de vitória, faz Israel vitorioso. Deus tinha o propósito de tirar seu povo do Egito e toma um curso estranho para proceder a seu propósito. Ele faz que os corações dos egípcios odeiem seu povo: “Mudou-lhes o coração para que odiassem o seu povo” (SI 105.25). Quanto mais odiavam e oprimiam Israel, mais Deus mandava pragas para os egípcios, e, assim, se alegravam mais em deixar Israel ir (Êx 12.33). Os egípcios agiram com insistência sobre Israel para que os enviassem para fora do Egito depressa. Deus pensou em salvar Jonas quando foi lançado ao mar e permitiu que um peixe o engolisse, assim o levou até a praia. Deus salvou Paulo e todos que com ele estavam, mas o navio tinha de ser despedaçado, a tripulação alcançou a praia agarrada aos pedaços de madeira do barco (At 27.44). Quanto à igreja, Deus geralmente age por meios contraditórios e faz que o inimigo faça seu trabalho. Deus pode dar uma pancada reta com uma vara torta. Geralmente fez sua igreja crescer e florescer por meio da perseguição. “As chuvas de sangue fez dela mais frutífera”, disse Juliano. “Eia, usemos de astúcia para com ele, para que não se multiplique” (Êx 1.10), e a maneira que reagiram para oprimi-los acabou levando o povo a se multiplicar. “Mas, quanto mais os afligiam, tanto mais se multiplicavam” (Êx 1.12), assim como a terra que quanto mais é moída, melhor produção dá. Os apóstolos foram espalhados pela perseguição e a maneira como fo­ ram dispersos se assemelha à semente espalhada na terra; caíram aqui e ali, e, assim, os cristãos pregaram o evangelho e produziram convertidos diariamente. Paulo foi colocado na prisão e sua prisão foi o meio para espalhar o evangelho (Fp 1.12). iii. Deus aplica sua providência mudando o mal em bem. A sabedoria de Deus é vista quando transforma os males mais terríveis em algo bom para seus filhos. Como vários ingredientes venenosos sabiamente misturados pela habilidade do farmacêutico fazem uma droga soberana, assim Deus faz que as aflições mais ameaçadoras de morte cooperem para o bem de seus filhos. Ele os purifica e os prepara para o céu (2Co 4.17). O gelo duro precipita as flores da primavera da glória. O Deus sábio, por uma química

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divina, transforma aflições em algo revigorante. Faz que seu povo seja vencedor por meio das perdas que transformam suas cruzes em bênçãos. iv. Deus aplica sua providência apesar dos pecados dos homens. A sabedoria de Deus é vista nisto, que os pecados dos homens levam avante a obra de Deus, ainda que ele não toque em seus pecados. O Senhor permite o pecado, mas não o aprova. Ele tem a mão na ação na qual o pecado está, mas não no pecado da ação. Percebe-se isso na crucificação de Cristo, ao passo que os homens agiram por meios naturais, Deus contribuiu. Se Deus não tivesse dado vida e respiração aos judeus, eles não teriam crucificado Jesus, entretanto, sendo um ato pecaminoso, Deus o aborreceu. Um músico pode tocar uma harpa desafinada, o músico é que causa o som, mas o som estridente e a dissonância vêm da própria harpa. Assim, a motivação natu­ ral dos homens vem de Deus, mas suas atitudes pecaminosas vêm deles mesmos. Quando um homem cavalga em um cavalo manco, a cavalgada é a causa da maneira como o cavalo vai, mas o defeito físico é do cavalo. Da mesma maneira é a sabedoria de Deus, os pecados dos homens levam avante a obra dele, ainda que não tenha sua mão nos pecados. v. Deus aplica sua providência socorrendo os desesperados. A sabedoria de Deus é vista no auxílio a casos de desespero. Deus ama mostrar sua sabedoria quando o auxílio humano e a sabedoria humana falham. Alguns advogados amam labutar com a exatidão e as dificuldades da lei para mostrar como sabem lidar com ela. A sabedoria de Deus nunca se perde, mas quando as providências são obscuras, então a estrela da manhã da libertação aparece. “A quem se lembrou de nós em nosso abatimento” (SI 136.23). As vezes Deus derrete os espíritos de seus inimigos (Js 2.24). As vezes Deus lhes proporciona outra coisa para fazer, o que parece um descanso para eles, como fez com Saul quando estava perseguindo Davi. “Os filisteus estão na terra.” “No monte, Deus será visto.” Quando a igreja parece estar sobre o altar, sua paz e sua liberdade prontas para serem sacrificadas, então o anjo vem e segura a mão em que está o cutelo. vi. Deus aplica sua providência confundindo a sabedoria dos inimigos. A sabedoria de Deus é vista quando ridiculariza homens sábios e quando faz a sabedoria deles o meio para vencê-los. Aitofel tinha uma regra importante: “O conselho que Aitofel dava, naqueles dias, era como resposta de Deus a uma consulta” (2Sm 16.23), mas ele consultou para sua própria vergonha. “Transtornes em loucura o conselho de Aitofel” (2Sm 15.31). “Ele apanha os sábios na sua própria astúcia” (Jó 5.13), isto é, quando pensam que estão agindo sabiamente, Deus não somente os frustra, mas os apanha. As armadilhas que armam para os outros são as que pegam eles mesmos. “Na cova que fizeram, no laço que esconderam,

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prendeu-se-lhes o pé” (SI 9.15). Deus gosta m uito de contrariar os politiqueiros, faz uso da própria sagacidade deles para desfazê-los, e pendura Amã em sua própria forca. A

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Primeira aplicação: adore a sabedoria de Deus. É uma profundeza infinita, os anjos não podem perscrutar. “Quão inescrutáveis os seus caminhos” (Rm 11.33). Devemos adorar e também descansar na sabedoria de Deus. Deus vê qual condição é a m elhor para nós. Se crerm os na sabedoria de Deus, ela nos manterá longe do murmúrio. Descanse na sabedoria de Deus nas seguintes circunstâncias. 1. Na falta de conselho espiritual. Deus é sábio, ele entende ser bom que, às vezes, estejamos sem consolo. Talvez devêssemos ser elevados com amplitudes espirituais, como Paulo em suas revelações (2Co 12.7). E duro ter o coração desanimado por conta do muito consolo. Deus entende que a humilhação é melhor para nós que a alegria. E melhor ter falta de consolo e ser humilde que ter consolo e ser orgulhoso. 2. Na falta de força física. Quando necessitar de força física, descanse na sabedoria de Deus. Ele vê o que é melhor. Talvez quanto menos saúde, mais graça. Quanto mais fraco o corpo, mais forte a fé. “Mesmo que o nosso homem exterior se corrompa, contudo, o nosso homem interior se renova de dia em dia” (2Co 4.16). Havia em Roma duas árvores loureiras, quando uma secava, a outra florescia. O homem exterior é renovado. Quando Deus chacoalha a árvore do corpo, está juntando os frutos de justiça (Hb 12.11). A doença é uma flecha de Deus para eliminar o pus do pecado (Is 27.9). 3. Quanto às providências de Deus para com sua igreja. Quando nos perguntamos o que Deus está fazendo conosco e ficamos desesperados, precisamos descansar na sabedoria de Deus. Ele sabe o melhor que tem a fazer. “As tuas pegadas não se conheceram” (SI 77.19, RC). Confie nele onde não pode descobrir suas pegadas. Deus é o máximo em seu caminho quando pensamos que está o máximo fora do caminho. Quando pensamos que a igreja de Deus está na sepultura, como já esteve, e há uma lápide sobre ela, sua sabedoria pode mover a pedra da sepultura. “Ei-lo aí galgando os montes, pulando sobre outeiros” (Ct 2.8). Ou seu poder pode remover a montanha, ou sua sabedoria sabe como pular sobre ela. 4. Na falta de bens materiais. Em caso de estarmos numa posição baixa no mundo, com pouco óleo em nossos jarros, vamos descansar na sabedoria de Deus. Ele vê de uma maneira melhor, tudo o que está acontecendo é para curar o orgulho e a intemperança. Deus sabia que se sua propriedade não fosse perdida, sua alma seria. Deus viu que as riquezas seriam uma armadilha em seu caminho (lT m 6.9). É sua preocupação se Deus o tem prevenido de

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uma armadilha? Deus fará sua vida rica em fé. O que faltar na vida temporal será acrescentado na espiritual. Deus lhe dará mais de seu amor. Você tem poucas propriedades, mas Deus o fará forte em certeza. Descanse na sabedoria de Deus. Ele separará a melhor parte para você. 5. No caso da perda de amigos queridos, uma esposa, criança, esposo, vamos descansar satisfeitos na sabedoria de Deus. Deus os leva embora porque terá mais de nosso amor. Ele quebra essas muletas para que possamos viver mais sobre ele pela fé. Deus nos ensinará a andar sem muletas. Segunda aplicação: se Deus é infinitamente sábio, vamos até ele à procura de sabedoria como Salomão fez. “Dá, pois, ao teu servo coração compreensivo... Estas palavras agradaram ao Senhor” (lR s 3.9,10). Isto é um encorajamento para nós: “Se, porém, um de vós necessita de sabedoria, peça a Deus, que a todos dá liberalmente” (Tg 1.5). A sabedoria está em Deus “como na fonte” . Sua sabedoria é compartilhada e não se enfraquece. Seu estoque não se esvazia ao dar. Vá, então, até Deus pedindo: “Senhor, acenda a minha lâmpada e em tua luz verei a luz. Dá-me sabedoria para conhecer a falácia do meu coração e as sutilezas da antiga serpente, a fim de andar zelosamente em relação a mim mesmo, religiosamente para contigo, e prudentemente para com os outros. Guia-me por teu conselho e então me receba na glória” . F. O

po d er de

D

eus

O próximo atributo é o poder de Deus. “Se se trata da força do poderoso, ele dirá: Eis-me aqui” (Jó 9.19). Nesse capítulo está uma descrição magnificente do poder de Deus. “A força do poderoso.” A palavra hebraica para força significa uma conquista, a força que prevalece. “Ele é forte.” Nesta expressão utiliza-se o grau superlativo, isto é, ele é o mais forte. Ele é chamado El-shaddai, Deus todo poderoso (Gn 17.1). Seu poder está nisto: que pode fazer qualquer coisa que seja possível. As coisas divinas se distinguem entre autoridade e poder. Deus tem ambas. I. Deus tem direito soberano e autoridade sobre o homem Ele pode fazer o que quiser com suas criaturas. Quem poderá discutir com ele? Quem pedirá a ele uma razão por seus feitos? “Todos os moradores da terra são por ele reputados em nada; e, segundo a sua vontade, ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que fazes?” (Dn 4.35). Deus se assenta para julgar na corte suprema; ele chama os monarcas da terra para julgamento e não tem de dar uma razão de seus procedimentos. “Deus é o juiz; a um abate, a outro exalta” (SI 75.7). Ele tem a salvação e a perdição em suas mãos. Ele tem a chave da justiça consigo para prender quem desejar na prisão

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terrível do inferno e tem a chave da misericórdia em sua mão para abrir a porta dos céus para quem ele desejar. O nome gravado em suas vestes é: “Rei dos reis e Senhor dos senhores” (Ap 19.16). Ele se apresenta como o Senhor soberano, quem pode lhe pedir satisfação? “Farei toda a minha vontade” (Is 46.10). O mundo é o bispado de Deus, não faria o que quisesse em seus domínios? Foi ele quem fez o rei Nabucodonosor comer grama e lançou no inferno os anjos que pecaram. Foi ele quem quebrou a cabeça do império babilônico. “Como caístes do céu, ó estrela da manhã, filho da alva! Como fostes lançado por terra, tu que debilitavas as nações!” (Is 14.12). “Até aqui virás e não mais adiante, e aqui se quebrará o orgulho das tuas ondas?” (Jó 38.11). Deus é o monarca supremo e todo o poder reside originalm ente nele. “Não há autoridade que não proceda de Deus” (Rm 13.1). Os reis possuem coroa por causa dele: “Por meu intermédio, reinam os reis” (Pv 8.15). 2. A autoridade e o poder de Deus são infinitos O que é a autoridade sem poder? “Ele é ... grande em poder” (Jó 9.4). Esse poder de Deus é manifesto:

a, O poder de Deus é manifesto na obra da criação Para criar se requer poder infinito. O mundo inteiro não pode criar um mosquito. O poder de Deus na criação é evidente, pois não precisou de instrumentos para seu trabalho, ele trabalhou sem ferramentas e não precisou de alguma matéria com que trabalhar, ele criou a matéria e então trabalhou nela. Deus trabalha sem labutar, “Falou e tudo se fez” (SI 33.9).

h. O poder de Deus é manifesto na conversão de almas O mesmo poder que atrai o pecador a Deus é o que conduziu Cristo para fora da sepultura e o levou ao céu (E f 1.19). Um grande poder é manifestado na conversão, maior que o manifestado na criação. Quando Deus fez o mundo não encontrou oposição. Não tinha nada para ajudá-lo nem tinha nada para atrapalhá-lo, mas quando converte um pecador, encontra oposição. Satanás se opõe a Deus, também o coração do homem se opõe a Deus; pois o pecador está irado em relação à graça que o pode converter. O mundo foi “obra dos teus dedos” (SI 8.3). A conversão é o trabalho de “seu braço” (Lc 1.51). Na criação, Deus operou somente um milagre, ele pronunciou sua palavra; mas, na conversão, Deus executa muitos milagres. O cego vê, o morto é ressuscitado, o surdo ouve a voz do Filho de Deus. Quão infinito é o poder de Jeová. Ante o seu cetro, os anjos se cobriam e se prostravam, os reis lançavam suas coroas aos seus pés. “ Porque o Senhor, o S e n h o r dos

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Exércitos, é o que toca a terra, e ela se derrete” (Am 9.5). “Quem move a terra para fora do seu lugar, cujas colunas estrem ecem ” (Jó 9.6). Um terremoto faz que a terra trema sobre seus pilares, mas Deus pode remover a terra de seu centro. Ele pode fazer o que quiser, seu poder é tão grande quanto sua vontade. Se o poder dos homens fosse tão grande quanto suas vontades, quão terríveis seriam as coisas que fariam no mundo. O poder de Deus é de igual extensão à sua vontade. Com uma palavra pode remover as rodas e quebrar o eixo da criação. Ele pode fazer “mais do que ... pensam os” (E f 3.20). Ele pode parar os agentes naturais. Ele calou as bocas dos leões; fez o fogo não queimar; fez as águas ficarem em pé como dois montes; ele fez que o Sol retornasse 10 graus no relógio solar de Acaz (Is 38.8). Quem pode apresentar onipotência? “Ele quebranta o orgulho dos príncipes” (SI 76.12). Ele contra-ataca seus inimigos abaixando suas bandeiras e suas faixas de orgulho, ridicularizando seus conselhos, quebrando suas forças; e tudo isso faz facilmente com um movimento de sua mão, “pelo sopro de sua boca” (SI 33.6; Is 40.24). Um olhar, um lance de seus olhos é o necessário para que Deus destrua seus inimigos: “Na vigília da m anhã, o S e n h o r , na coluna de fogo e de nuvem , viu o acampam ento dos egípcios e alvorotou o acam pam ento dos egípcios” (Ex 14.24). Quem pode pará-lo em sua marcha? Deus comanda e todas as criaturas no céu e na terra obedecem a suas ordens. Xerxes, o monarca persa, lançou correntes ao mar e as ondas as engoliram como se estivesse acorrentado às águas, mas quando Deus fala, o vento e o mar lhe obedecem. Se falar somente uma palavra, as estrelas brigam em seus cursos contra Sisera. Se ele bater o pé, um exército de anjos imediatamente se apresentará para a batalha. O que o poder do onipotente não pode fazer? “O S e n h o r é homem de guerra” (Êx 1 5 .3 ) “O teu braço é armado de poder” (S I 8 9 . 1 3 ) . O poder de Deus é “a força da sua glória” (Cl 1.11). É um poder irresistível. “Pois quem jamais resistiu à sua vontade?” (Rm 9.19). Contestálo é como se os espinhos se organizassem em marcha de batalha contra o fogo, ou, como se uma criança sensível lutasse com um arcanjo. Se o pecador for pego na rede de ferro de Deus, não há escapatória. “Nenhum há que possa livrar alguém das minhas mãos” (Is 43.13). O poder de Deus é inexaurível, nunca passa ou se desgasta. Os homens, enquanto exercitam suas forças, se enfraquecem, mas Deus tem uma eterna renovação de força em si mesmo (Is 2 6 .4 ) . Embora Deus gaste suas flechas contra seus inimigos, mesmo assim não gasta sua força (Dt 3 2 .2 3 ) . “O S e n h o r , o Criador dos fins da terra, nem se cansa, nem se fatiga” (Is 4 0 . 2 8 ) .

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3. Deus limita o uso de seu poder segundo sua vontade Deus não fa z todas as coisas porque ele não pode negar a si mesmo. Embora Deus possa fazer todas as coisas, não pode fazer aquilo que manche a sua glória. Ele não pode pecar, não pode fazer aquilo que implica numa contradição. Ser um Deus da verdade e ainda negar a si mesmo é uma contradição. A

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Primeira aplicação: se Deus é infinito em poder, temos de temê-lo. Tememos aqueles que estão no poder. “Não temereis a mim? - Diz o S e n h o r ; não tremereis diante de mim...?” (Jr 5.22). Ele tem o poder de lançar as nossas almas e os nossos corpos no inferno. “Quem conhece o poder da tua ira?” (SI 90.11). O mesmo sopro que nos fez pode acabar conosco. “A sua cólera se derrama como fogo, e as rochas são por ele demolidas” (Na 1.6). Salomão disse assim: “Porque a palavra do rei tem autoridade suprema” (Ec 8.4), muito mais a Palavra de Deus. Temamos esse poderoso Deus. O temor de Deus eliminará todos os outros temores. Segunda aplicação: veja a condição deplorável dos homens ímpios porque o poder de Deus não lhes é favorável, mas está contra eles. 1. O poder de Deus não é favorável aos ímpios. Eles não têm união com Deus, portanto não têm garantia em reclamar seu poder. Seu poder não os alivia. Ele tem poder para perdoar pecados, mas não manifestará o seu poder para com o pecador impenitente. O poder de Deus é a asa de uma águia, para carregar os santos para o céu. O ímpio, porém, que privilégio tem? Um homem carrega seu filho nos braços sobre um córrego perigoso, mas não carregará um inimigo. O poder de Deus não age para ajudar aqueles que lutam contra ele. Quando sofrimentos vêm sobre os ímpios, não têm nada para ajudá-los, são como um navio em uma tempestade sem o piloto e dirigindo-se às rochas. 2. O poder de Deus está contra o ímpio. O poder de Deus não será o escudo para defesa do pecador, mas uma espada a feri-lo. O poder de Deus atará o pecador em cadeias. Seu poder serve para vingar o mal feito à sua misericórdia. Ele será o poderoso para acabar com o pecador. Então, em que condição está cada um dos descrentes? O poder de Deus está contra eles e “horrível coisa é cair nas mãos do Deus vivo” (Hb 10.31). Terceira aplicação: reprovam-se aqueles que não crêem no poder de Deus. Dizemos não questionar o poder de Deus, mas sim sua vontade. Porém, na verdade é o seu poder que questionam os. “A caso, haveria coisa demasiadamente maravilhosa para mim?” (Jr 32.27). Nós nos tomamos temerosos com a descrença, como se o braço poderoso de Deus estivesse

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encolhido e não pudesse ajudar em casos de desespero. Se o poder de um rei for tomado, ele é destronado; elimine, em sua mente, o poder do Senhor e ele deixará de ser Deus. Quantas vezes agimos dessa maneira. Israel não questionou o poder de Deus? “Pode, acaso, Deus preparar-nos mesa no deserto?” (SI 78.19). Pensavam que o deserto era um lugar apropriado para fazer covas e não armar uma mesa. Marta não duvidou do poder de Cristo? “Senhor, já cheira mal, porque já é de quatro dias” (Jo 11.39). Se Cristo estivesse lá enquanto Lázaro estava doente, ou quando estava à beira da morte, Marta não questionaria que pudesse reanimá-lo, mas estava morto e na cova por quatro dias e agora ela parece questionar seu poder. Cristo tinha mais dificuldade para ressuscitar a fé de Marta que o seu irmão morto. Moisés, mesmo sendo um homem santo, limitou o poder de Deus por meio da descrença: “Respondeu Moisés: seiscentos mil homens de pé é este povo no meio do qual estou; e tu disseste: dar-lhes-ei carne, e a comerão um mês inteiro” (Nm 11.21). Isto é uma grande afronta contra Deus: negar seu poder. Que homens duvidam do poder de Deus é algo que se vê por meio de caminhos indiretos; não defraudariam em seus negócios, não usariam falsos pesos, se cressem no poder que providencia para eles. Os homens se apóiam mais em causas secundárias do que em Deus. “Caiu Asa doente dos pés; a sua doença era em extremo grave; contudo, na sua enfermidade não recorreu ao S e n h o r , mas confiou nos médicos” (2Cr 16.12). Quarta aplicação: se Deus é infinito em poder, vamos evitar endurecer nossos corações contra ele. “Quem porfiou com ele e teve paz?” (Jó 9.4). Jó envia um desafio a todas as criaturas no céu e na terra. Quem já se levantou contra Deus e saiu vencedor? O fato de alguém se arriscar em qualquer pecado significa endurecer seu coração contra Deus e declarar guerra contra o céu. Que esta pessoa se lembre que Deus é o El-Shaddai, o poderoso; e será muito duro para com aqueles que se opõem a ele. “Ou tens braço como Deus ou podes trovejar com a voz como ele o faz” (Jó 40.9). Todos aqueles que não se curvarem diante de seu cetro dourado serão quebrados com sua vara de ferro. O imperador romano Júlio endureceu seu coração contra Deus, opôs-se diante da sua face; mas o que ele conseguiu? Ele prosperou? Sendo ferido na batalha lançou seu sangue para o ar e disse a Cristo: “Ó Galileu, tu vencestes! Eu reconheço teu poder, cujo nome e verdade me opus” . Será que o tolo pode contender com o sábio; a fraqueza com o poder; o finito com o infinito? Livre-se de endurecer seu coração contra Deus. Ele pode enviar legiões de anjos para vingar sua causa. E melhor se encontrar com Deus com lágrimas nos olhos do que com armas nas mãos. Pode-se convencê-lo mais rapidamente por meio do arrependimento do que da resistência.

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Quinta aplicação: interesse-se em Deus e então esse glorioso poder será dispensado a você. Deus distribuirá com mãos estendidas e manifestará todo o poder para o bem de seu povo: “O S e n h o r dos Exércitos é o Deus de Israel, é Deus para Israel” (lC r 17.24). A força do poder de Deus é apoio e consolo maravilhosos para o crente. Era o enigma de Sansão: “Do forte saiu doçura” (Jz 14.14). Assim, do atributo do poder de Deus, que é sua força, saiu doçura. Isso é consolador em vários casos. 1. Em caso de forte corrupção. Meus pecados, diz um filho de Deus, são poderosos. Não tenho poder contra esse exército que se levanta contra mim. Eu oro e humilho minha alma por meio do jejum, mas meus pecados novamente me atingem. Será que você crê no poder de Deus? O Deus poderoso pode vencer sua grande corrupção e ainda que o pecado seja muito forte para você não o será para Deus. Ele pode amaciar corações duros e restaurar os mortos. “Acaso para o S e n h o r há coisa demasiadamente difícil?” (Gn 18.14). Coloque seu poder em ação por meio da fé e da oração. Diga: Senhor, não honra a ti o inimigo ter vitória tão grande dentro de mim, quebre a cabeça desse leviatã! Aba Pai, todas as coisas são possíveis para ti. 2. Em caso de forte tentação. Satanás é chamado de homem forte, mas lembre do poder de Deus. Cristo é chamado “o leão da tribo de Judá”, ele amassou a cabeça da serpente na cruz. Satanás é um inimigo acorrentado e vencido. Miguel é mais forte que o dragão. 3. Em caso de instabilidade na fé. Quando estamos com fraqueza na graça e temor de cair. Eu oro, mas não consigo exprimir fortes sentimentos. Eu creio, mas a minha fé balança e treme. Será que Deus não pode fortalecer o fraco? “O poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, mais me gloriarei nas fraquezas, para que sobre mim repouse o poder de Cristo” (2Co 12.9). Temo que não vá agüentar. Cristão, acredita no poder de Deus? Deus não preservou a graça até aqui? Não poderá preparar um Ebenézer para você? Deus sustentou a graça em você até agora como um farol em meio ao grande oceano e será que não poderá m antê-la mais? “ Sois guardados pelo poder de Deus” (1 Pe 1.5). A misericórdia de Deus nos perdoa, mas seu poder nos preserva. Aquele que pelo seu poder mantém as estrelas, de maneira que não caiam de suas órbitas, mantém nossa graça para que não caia e não seja aniquilada. 4. Em caso de circunstâncias de privações. Deus pode multiplicar o óleo na botija e miraculosamente pode multiplicar mantimentos. Será que o provedor para os pássaros do ar não pode prover para seus filhos? Será que aquele que veste os lírios do campo não vestiria seus cordeirinhos? 5. Consolo em relação à ressurreição. Parece difícil crer que os corpos dos homens, depois de serem comidos por vermes, devorados pelas bestas

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e peixes ou consumidos pelas chamas, levantariam-se novamente. Porém, se cremos no poder de Deus, nada é de admirar. O que é mais difícil, criar ou ressuscitar os mortos? Aquele que pode fazer o corpo a partir do nada também pode restaurá-lo em todas as suas partes, mesmo quando degenerado e misturado com outras substâncias. “Isto é impossível aos homens, mas para Deus tudo é possível” (Mt 19.26). Se acreditarmos no primeiro artigo do credo apostólico em que se afirma que Deus é todo-poderoso, facilmente acreditaremos no outro que fala da ressurreição do corpo. Deus pode ressuscitar os mortos por causa do seu poder e por causa de sua verdade. 6. E um consolo em relação á igreja de Deus. Ele pode salvá-la e libertála quando está em sofrimento. Os inimigos têm poder em suas mãos, mas a ira de Deus os prenderá (SI 76.10). Ele pode tanto limitar o poder do inimigo como confundi-lo. “Se Deus é por nós, quem será contra nós?” Deus pode criar alegria para Jerusalém (Is 65.18). A igreja, em Ezequiel, é comparada a ossos secos, mas Deus fez o espírito entrar neles e viveram (Ez 37.10). O navio da igreja pode ser lançado de um lado para o outro, porque há pecado nele, mas não será afundado, pois Cristo está nele (SI 46.5). Deus in medio. Todos os sofrimentos da igreja ajudarão a promover sua libertação. GL A SANTIDADE

DF. D E U S

1. A natureza da santidade de Deus O próxim o atributo é a santidade de Deus. “ Quem é com o tu, glorifícado em santidade?” (Êx 15.11). A santidade é a jóia mais brilhante de sua coroa. E o nome pelo qual Deus é conhecido: “Santo e tremendo é o seu nome” (SI 111.9), “O Santo” (Jó 6.10). Serafins cantam: “Santo, santo, santo é o S e n h o r dos Exércitos” (Is 6.3). Seu poder faz dele poderoso, sua santidade faz dele glorioso. A santidade de Deus consiste em seu perfeito amor justo e em se aborrecer do mal: “Tu és tão puro de olhos, que não podes ver o mal” (Hc 1.13). a. A santidade de Deus é intrínseca Ele é santo em sua natureza. Seu ser é feito de santidade, assim como a luz é da essência do Sol. Ele é santo em sua Palavra. A Palavra leva um selo de sua santidade sobre si, como a cera levava a impressão do selo.50 “Puríssima é a tua palavra” (SI 119.140), ela é comparada à prata refinada sete vezes (SI 12.6). Cada linha da Palavra transpira santidade e estimula à santidade. Deus é santo em suas atitudes. Tudo que ele faz é santo; não pode agir diferentemente daquilo que é; não pode fazer injustiça, assim como o Sol não pode negar sua luz. “Justo é o S e n h o r ... em todas as suas obras” (SI 145.17).51

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b. A santidade de Deus é primária Ele é a origem e o padrão de santidade. A santidade começou com ele que é o Ancião de dias. c. A santidade de Deus é eficiente Ele é a causa de tudo o que é santo nos outros. “Toda boa dádiva e todo dom perfeito são lá do alto” (Tg 1.17). Ele fez os anjos santos. Ele infundiu toda a santidade na natureza humana de Cristo. Toda a santidade que temos é somente um fio cristalino dessa fonte. Recebemos toda a nossa santidade de Deus. Assim como as luzes do santuário foram acesas pela lâmpada do meio, assim toda a santidade dos outros é uma lâmpada acesa do céu. “ Eu sou o S e n h o r , que vos santifico” (Lv 20.8). Deus não é somente um padrão de santidade, mas o princípio da santidade: suas fontes alimentam todas as nossas cisternas, ele goteja seu santo óleo da graça sobre nós. d. A santidade de Deus é transcendente “Não há santo como o S e n h o r ” ( 1S m 2.2). Nenhum anjo no céu pode medir a santidade de Deus. O mais alto serafim é muito baixo em estatura para medir esse colosso; a santidade de Deus ultrapassa a santidade dos santos ou dos anjos. i. A santidade de Deus é superior à dos santos. É uma santidade pura. A santidade dos santos é como o ouro na forma bruta, imperfeito; a humildade deles é manchada com orgulho; aquele que tem mais fé necessita de oração: “Senhor, me ajuda na minha falta de fé” . Porém, a santidade de Deus é pura como o vinho da uva; não tem o mínimo traço ou mancha de impureza misturada nela. E uma santidade imutável. Embora os santos não possam perder suas vestes brancas de santidade, pois a semente de Deus permanece neles, podem perder alguns graus dessa santidade. “Tenho, porém, contra ti que abandonaste o teu primeiro amor” (Ap 2.4). A graça não pode morrer, ainda que sua chama possa se apagar. A santidade nos santos é sujeita ao declínio, mas a santidade em Deus é imutável; ele nunca perde uma gota sequer de sua santidade. Deus não pode ter mais santidade porque ele é perfeitamente santo; assim, não pode ter menos santidade, pois é perfeitam ente santo. N ão pode ter m enos santidade, pois é imutavelmente santo. ii. A santidade de Deus é superior à dos anjos. A santidade nos anjos é som ente uma qualidade que pode ser perdida, com o vemos nos anjos caídos. M as, a santidade em Deus é sua essência, ele é totalm ente santo, e como não pode perder sua deidade, não pode perder sua santidade.

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A santidade de Deus

e. A santidade de Deus é imanente Alguém poderia levantar a seguinte questão: Mas não compartilha o segredo de todos os pecados dos homens? Como pode observar suas impurezas e não ser contaminado? Deus vê todos os pecados dos homens, mas não é contaminado com eles, assim como o Sol não é contaminado com os vapores que se levantam da terra. Deus vê o pecado, mas não como um patrão que o aprova, mas como um juiz que o julga. A

p l ic a ç õ e s

Primeira aplicação: Deus é assim tão infinitamente santo? Então, veja como o pecado é distinto dele. O pecado é algo impuro, exageradamente mau (Rm 1.23). O pecado é chamado de abominação (Dt 7.25). Deus não se mistura com o mal; o pecado não se mistura com o bem. O pecado é o espírito e a essência do mal; ele transforma o bem em mal; ele deflorou o solo virgem fazendo que ficasse vermelho de culpa e escuro de sujeira. O pecado é chamado de violação (Js 7.11). Não é de surpreender, portanto, que Deus odeia o pecado, pois é muito distinto dele, muito contrário a ele. O pecado fere sua santidade fazendo tudo que pode para contrariar a Deus. Se o pecado tivesse tal poder, Deus não seria mais Deus. Segunda aplicação: Deus é o santo e a sua santidade é sua glória? Quão ímpios são aqueles que odeiam a santidade. Como o abutre odeia perfumes, tais pessoas odeiam o doce perfume da santidade nos santos; seus corações se levantam contra a santidade como o estômago de uma pessoa ojeriza determinado prato. Não há maior sinal da devoção de uma pessoa ao inferno que odiar alguém naquilo que mais se parece com Deus. Muitos desprezam a santidade, desprezando a glória da deidade, daquele que é “glorioso em santidade” . O desprezo da santidade é visto no ridicularizar dela. Não é triste que os homens ridicularizem aquilo que os salvaria? Certam ente o paciente que ridiculariza o m édico morrerá. Ridicularizar a graça do Espírito se assemelha a desprezar o Espírito que dá graça. O desprezado Ismael foi lançado fora da casa de Abraão (Gn 21.9). Quem despreza a santidade será lançado fora do céu. Terceira aplicação: Deus é assim tão infinitamente santo? Então vamos nos emprenhar em imitá-lo em sua santidade. “Sede santos, porque eu sou santo” (1 Pe 1.16). Há uma santidade dupla; uma santidade de equabilidade e uma santidade de similitude. A santidade de equabilidade não é atingível por homem ou anjo. Quem pode ser santo igual a Deus? Quem pode ser santo como ele? Mas, há uma santidade de similitude que devemos desejar. Isso significa ter alguma analogia ou alguma semelhança à santidade de

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Deus em nós, ser como ele em santidade tanto quanto pudermos. Embora uma vela não dê tanta luz quanto o Sol, mesmo assim se assemelha a ele. Devemos imitar a Deus na santidade. 2. A santidade de Deus em seus eleitos a. O que é a santidade dos eleitos Esta aplicação nos leva a uma pergunta: Se devemos ser como Deus em santidade, em que consiste nossa santidade? Em duas coisas: em nossa adequação em relação à natureza de Deus e em nossa sujeição à sua vontade. Nossa santidade consiste em nossa adequação para com a natureza de Deus. Pois os santos são participantes da natureza divina, o que não significa ser participante de sua essência, mas de sua imagem (2Pe 1.4). Nisto está a santidade dos santos, quando são a imagem viva de Deus. Eles carregam a imagem da humildade divina em Cristo, de sua misericórdia, de sua celestial idade; de sua apreciação dos valores celestiais, de sua disposição para Deus e de amar o que Deus ama e odiar o que ele odeia. Nossa santidade consiste também em nossa sujeição à vontade de Deus. Assim como a natureza de Deus é o padrão de santidade, assim sua vontade é a regra de santidade. A nossa santidade tem relevo quando fazemos sua vontade (At 13.22) e quando suportamos sua vontade (Mq 7.9); ou seja, quando o que ele sabiamente nos inflige, de bom grado, nós o sofremos. Nossa grande perspectiva deveria ser nos assemelhar a Deus em santidade. Nossa santidade deveria ser qualificada como a santidade de Deus; assim como sua santidade é real, a nossa também deveria ser. “Justiça e retidão procedentes da verdade” (E f 4.24). Não deveria ser uma imagem de santidade, mas vida; não como os templos egípcios, embelezados, mas sem pureza. Deveria ser como o templo de Salomão, dourado por dentro: “Toda formosura é a filha do Rei no interior do palácio; a sua vestidura é recamada de ouro” (SI 45.13). b. O valor da santidade dos eleitos A fim de fazer você se assemelhar a Deus em santidade, gostaria que considerasse o valor da santidade dos eleitos: i. A dignidade que se aplica aos santos. Quão ilustre cada pessoa santa é. E como um vidro limpo em que alguns dos raios da santidade de Deus brilham. Lemos que Arão vestiu suas roupas para glória e beleza (Êx 28.2). Quando vestimos a roupa bordada de santidade é para glória e beleza. Um bom cristão é avermelhado, pois foi aspergido com o sangue de Cristo; e branco, pois foi adornado com santidade. Assim como o diamante

A santidade de D eus

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está para um anel, está a santidade para a alma; a qual, como Crisóstomo diz, “aqueles que a opõem só podem admirá-la”. ii. A grandeza do propósito da santificação. É um grande propósito que Deus executa no mundo fazer uma pessoa à sua semelhança em santidade. O que são os respingos das ordenanças senão gotejos de justiça sobre nós para nos fazer santos? Para quê servem as promessas senão para encorajar à santidade? Para que o Espírito foi enviado ao mundo senão para nos ungir com a santa unção? (1 Jo 2.20). Para que servem todas as aflições senão para nos fazer participantes da santidade de Deus? (Hb 12.10). Para que servem as misericórdias senão para nos atrair à santidade? Qual é a finalidade da morte de Cristo senão que seu sangue pudesse nos purificar em nossa falta de santidade? “O qual a si mesmo se deu por nós, a fim de rem ir-nos de toda iniqüidade, e purificar para si m esm o um povo exclusivamente seu” (Tt 2.14). Assim, se não somos santos, crucificamos o grande propósito de Deus no mundo. iii. Nossa santidade atrai o coração de Deus. A santidade é a imagem de Deus e ele não pode fazer outra coisa senão amar sua imagem onde a vê. Um rei ama ver sua efígie sobre uma moeda. “Amas a justiça” (SI 45.7). E onde a justiça cresce, senão em um coração santo? “Chamar-te-ão MinhaDelicia ... porque o S e n h o r se delicia em ti” (Is 62.4). Foi sua santidade que atraiu o amor de Deus a ela. “Chamar-vos-ão Povo Santo” (Is 62.12). Deus valoriza alguém não pelo nascimento rico, mas pela santidade pessoal. iv. A santidade distingue os cristãos no mundo. A santidade é a única coisa que nos distingue dos ímpios. O povo de Deus tem seu selo sobre si. “ Entretanto, o firme fundamento de Deus permanece, tendo este selo: O Senhor conhece os que lhe pertencem. E mais: Aparte-se da injustiça todo aquele que professa o nome do Senhor” (2Tm 2.19). O povo de Deus é selado com um selo duplo: a eleição: “O Senhor conhece aqueles que são seus” e a santificação: “Afaste-se da injustiça todo aquele que professa o nome do Senhor”. Como um nobre é reconhecido por outra pessoa pela sua estrela prateada; como uma mulher virtuosa é diferenciada de uma prostituta por sua castidade; assim a santidade é reconhecida entre os homens. Todos os que são de Deus têm Cristo por seu capitão e a santidade é a cor branca que vestem (Hb 2.10). v. A santidade é a honra dos cristãos. A santidade e a honra são colocadas juntas (lT s 4.4). A dignidade cam inha com a santificação. “Aquele que nos ama e, pelo seu sangue nos libertou dos nossos pecados, e nos constituiu reino, sacerdotes para o seu Deus e Pai” (Ap 1.5). Quando somos lavados e feitos santos, então somos reino e sacerdotes para Deus. Os santos são chamados vasos de honra; são chamados jóias pelo brilho

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de sua santidade, pelo enchimento com o vinho do Espírito. Isso faz deles anjos terrenos. vi. A santidade nos dá ousadia diante de Deus. “Se afastares a injustiça da tua tenda... levantarás o teu rosto para Deus” (Jó 22.23 e 26). Levantar a face é um símbolo de ousadia. Nada pode nos envergonhar tanto ao nos aproximar de Deus quanto o pecado. Um homem ímpio pode levantar suas mãos na oração, mas não pode levantar sua face. Quando Adão perdeu sua santidade, perdeu sua confiança, escondeu-se. Porém, a pessoa santa vai até Deus como uma criança vai até seu pai; sua consciência não o censura com a possibilidade de qualquer pecado, portanto pode ir ousadamente ao trono da graça e ter a misericórdia para ajudá-lo em tempo de necessidade (Hb 4.16). vii. A santidade traz paz aos cristãos. O pecado levanta uma tem pestade na consciência: onde há pecado, há tum ulto. “ Para os perversos, diz o meu Deus, não há paz” (Is 57.21). Justiça e paz são colocadas juntas. A santidade é a raiz que sustenta esse doce fruto da paz. A retidão e a paz se beijam. viii. A santidade conduz o cristão ao céu. Ela é a estrada do céu do Rei. “E ali haverá bom caminho, caminho que se chamará o Caminho Santo” (Is 35.8). Havia em Roma o templo da virtude e o da honra, e todos deveriam passar pelo templo da virtude para chegar ao templo da honra; assim, devemos ir do templo da santidade para o templo do céu. A glória começa na virtude. “Nos chamou para a sua própria glória e virtude” (2Pe 1.3). A felicidade não é nada mais que a essência da santidade; a santidade é a glória militante e a felicidade a santidade triunfante. c. Como os eleitos devem buscar santidade O que devemos fa zer para nos assemelharmos a Deus em santidade? Ou como devemos buscar nossa santidade? i. Buscando refúgio em Cristo. Busque socorro no sangue de Cristo pela fé. Isso é o lavar da alma. As purificações da lei eram tipos e emblemas disso (1 Jo 1.7). A Palavra é o espelho que mostra nossas manchas e o sangue de Cristo é uma fonte para lavá-las. ii. Pedindo um coração santo. Orando a Deus lhe pedindo um coração santo. “Cria em mim, ó Deus, um coração puro” (SI 51.10). Derramem o coração diante de Deus e digam: “ Senhor, meu coração está cheio de lepra, contamina tudo que toca. Senhor, eu não posso viver com tal coração, pois não posso te honrar; nem morrer com tal coração, pois não poderei te ver. Cria em mim um coração puro, envia-me o teu Espírito, refina-me e purifica-me, para que eu possa ser um templo apropriado para ti, ó santo Deus, habitar”.

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A ju stiç a de D eus

iii. A ndando na com panhia dos santos. “Quem anda com os sábios será sábio” (Pv 13.20). Fique no meio dos temperos e terá o cheiro deles. A associação produz a assimilação. Nada tem maior poder e energia para efetivar a santidade do que a comunhão dos santos. H. A j u s t i ç a

de

D eus

O próximo atributo é a justiça de Deus. Todos os atributos de Deus são idênticos e os mesmos em sua essência. Embora tenha vários atributos pelos quais se faz conhecido a nós, tem só uma essência. Uma árvore de cedro pode ter vários galhos, mas é um cedro. Assim, há vários atributos de Deus pelos quais o compreendemos, mas somente uma essência completa. Então, com respeito à justiça de Deus: “É justo e reto” (Dt 32.4); “Não o podemos alcançar; ele é grande em poder, porém não perverte o juízo e a plenitude da justiça” (Jó 37.23). Diz-se que Deus habita na justiça: “Justiça e direito são o fundamento do teu trono” (SI 89.14). Em Deus, poder e justiça se encontram. O poder segura o cetro e a justiça mantém o equilíbrio. 1. O que é a justiça de Deus? “Justiça significa dar a cada um o que merece.” A justiça de Deus é a retidão de sua natureza, aquilo pelo qual faz o que é reto e de igual medida. “ E não pagará ele ao homem segundo as suas obras?” (Pv 24.12). Deus é um juiz imparcial. Ele julga a causa. Os homens geralmente julgam a pessoa, mas não a causa. Isso não é justiça, mas malícia. “Descerei e verei se, de fato, o que têm praticado corresponde a esse clamor que é vindo até mim” (Gn 18.21). Quando o Senhor está diante de um ato punitivo, pesa as coisas na balança, não pune de qualquer maneira; não age desordenadamente, mas de maneira lógica contra os ofensores. Em relação à justiça de Deus, devo apresentar as seis seguintes posições: a. A justiça de Deus é santa Deus só pode ser ju sto . Sua san tid ad e é a causa de sua ju stiç a . A santidade não permitirá que faça outra coisa senão o que é justo. b. A justiça de Deus é o padrão de justiça A vontade de Deus é a suprema regra de justiça; é o padrão de eqüidade. Sua vontade é sábia e boa. Deus deseja somente o que é justo e, portanto, é justo porque deseja ser. c. A justiça é natural ao ser de Deus Deus faz justiça voluntariam ente. A justiça flui de sua natureza. Os homens podem agir injustamente, pois são forçados ou subornados.

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A vontade de Deus nunca será subornada, por causa de sua justiça. Não pode ser forçado, por causa de seu poder. Ele pratica a justiça por amor à justiça: “Amas ajustiça” (SI 45.7). d. A justiça de Deus é perfeita Ajustiça é a perfeição da natureza divina. Aristóteles disse: “A justiça engloba em si todas as virtudes” . Dizer que Deus é justo é dizer que é tudo o que há de excelente: as perfeições se encontram nele como linhas convergem para um centro. Ele não é somente justo, mas a própria justiça. e. A justiça de Deus é exata Deus nunca cometeu nem nunca cometerá o mínimo erro em relação às suas criaturas. Ajustiça de Deus já foi distorcida, mas nunca distorceu. Deus não segue de acordo com o rigor da lei, ele alivia sua severidade. Pode infligir penas mais pesadas do que impõe: “Nos tens castigado menos do que merecem as nossas iniqüidades” (Ed 9.13). As misericórdias para conosco são mais do que merecemos, e nossas punições são menos do que merecemos. f A justiça de Deus é definitiva A justiça de Deus é tal que não é apropriado para qualquer homem ou anjo censurá-lo ou exigir uma razão por suas ações. Deus não tem só a autoridade do seu lado, mas a eqüidade. “Farei do juízo a régua e da justiça, o prumo” (Is 28.17). É algo inferior a ele, dar razão para nós de seus procedimentos. Qual destes dois é mais apropriado prevalecer, ajustiça de Deus ou a razão humana? “Quem és tu, ó homem, para discutires com Deus?!” (Rm 9.20). A linha de prumo de nossa razão é muito curta para compreender a profundidade da justiça de Deus. “Quão insondáveis são os seus juízos” (Rm 11.33). Devemos adorar aju stiça de Deus mesmo onde não vemos razão para tal. 2. Onde identificamos a justiça de Deus? A justiça de Deus corre em dois canais. Ela é vista em duas coisas: na distribuição de prêmios e de punições. a. A justiça de Deus é vista na premiação dos justos Deus premia o virtuoso. “Na verdade, há recompensa para o justo” (SI 58.11). Os santos não devem servi-lo sem recompensa, ele recompensará os clamores e as lágrimas; embora os justos possam ser derrotados por causa dele, não serão derrotados por ele. “Porque Deus não é injusto para ficar esquecido do vosso trabalho e do amor que evidenciastes para com o seu nome” (Hb 6.10). Ele nos dá um prêmio, não porque mereçamos, mas porque nos prometeu.

A justiça de Deus

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b. A justiça de Deus é vista na punição dos ímpios Ele é justo em punir os ofensores. Por que Deus é justo em punir os pecadores? i. Porque Deus pune os pecadores baseado em uma lei. “Onde não há lei, também não há transgressão” (Rm 4.15). Mas Deus deu uma lei aos homens e eles a quebraram, portanto os pune justamente. ii. Porque Deus pune os pecadores fundam entado em provas concretas. Ele é justo em punir os ímpios, pois nunca os pune senão depois de obter prova e evidência. Que maior evidência há do que a própria consciência de uma pessoa como testemunha contra si. Não há nada que Deus lance sobre um pecador que a consciência não sele como verdade. A

p l ic a ç õ e s

Primeira aplicação: veja aqui mais uma flor da coroa de Deus: ele é justo e reto. Ele é exemplo e padrão de justiça. 3. Deus é justo ao permitir que o ímpio prospere? Como fica a prosperidade do ímpio neste mundo em relação à justiça de Deus? “Por que prospera o caminho dos perversos, e vivem em paz todos os que procedem perfidamente?” (Jr 12.1). Tal dúvida tem sido uma grande pedra de tropeço e tem levado muitos a questionar a justiça de Deus. Os que são mais pecaminosos são mais poderosos. Diógenes,52 quando viu o ladrão Harpalus prosperando, disse: “E certo que Deus jogou fora o governo do mundo e não se importa como as coisas acontecem aqui embaixo” . Deus se relaciona com a prosperidade do ímpio das seguintes maneiras: a. Usando-a como instrumento de sua vontade Os ímpios, às vezes, podem ser instrumentos da obra de Deus. Embora não tenham em vista a glória de Deus, podem promovê-la. Ciro (Ed 1.7) foi um instrumento na construção do templo de Deus em Jerusalém. Deus permite que esses prosperem sob as asas de quem seu povo é protegido. Deus não fica em débito com homem algum. “Tomara houvesse entre vós quem feche as portas, para que não acendêsseis, debalde, o fogo do meu altar” (Ml 1.10). b. Usando-a para torná-los ainda mais indesculpáveis Deus permite que os homens pequem e prosperem de maneira que fiquem ainda mais indesculpáveis. “Dei-lhe tempo para se arrependesse... da sua prostituição” (Ap 2.21). Deus adia o julgam ento, estica suas misericórdias para com os pecadores e, se não se arrependem, sua paciência

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será testemunha contra eles e sua justiça será mais clara na condenação deles. “Serás tido por justo no teu falar e puro no teu julgar” (SI 51.4). c. Usando-a para destacar ainda mais sua justiça Deus nem sempre deixa o ímpio prosperar em seu pecado. Alguns ímpios, Deus pune abertamente, para que sua justiça seja observada. “Fazse conhecido o S enhor, pelo juízo que executa” (SI 9.16), isto é, sua justiça faz homens caírem no ato do pecado. Assim fez com Zimri e Cozbi no ato da impureza. d. Usando-a para encher plenamente o cálice de sua ira Quando Deus permite que os homens prosperem um pouco em seus pecados, o cálice de sua ira está sempre enchendo, sua espada está sempre afiada: e embora Deus possa evitar os homens por um pouco, a demora em agir não é perdão. Quanto mais Deus demorar em tomar uma atitude, mais pesado será no final. Enquanto existir a eternidade, Deus tem tempo o suficiente para lidar com seus inimigos. A justiça pode ser como um leão adormecido, mas o leão acordará e rugirá sobre o pecador. Nero, Júlio e Caim já não se depararam com a justiça de Deus? 4. Deus é justo ao permitir que o justo sofra aflições? Mas o próprio povo de Deus sofre muitas aflições, são injuriados e perseguidos. “Pois de contínuo sou afligido e cada manhã, castigado” (SI 73.14). Como isso se relaciona com a justiça de Deus? a. As aflições dos santos são motivadas por suas falhas Neste particular, é verdadeira a regra de Agostinho: “Os caminhos de Deus, no julgar, são às vezes secretos, mas nunca injustos”. O Senhor nunca aflige seu povo sem uma causa, assim não é injusto. Há coisas boas nos filhos de Deus, por isso os ímpios os afligem. Há coisas ruins nos ímpios, por isso Deus os aflige. Os próprios filhos de Deus têm suas manchas: “Acaso, não sois vós mesmos culpados contra o S e n h o r , vosso Deus?” (2Cr 28.10). Será que esses diamantes espirituais não têm falhas? Não lemos a respeito das manchas nos filhos de Deus? (Dt 32.5). Não são culpados de muito orgulho, da disposição de condenar e de criticar, de paixão e de mundanidade? Embora, por meio de suas profissões de fé, assemelhem-se aos pássaros do paraíso, voando alto e se alimentando com o orvalho do céu, mesmo assim, à semelhança da serpente, lambem o pó. Os pecados dos filhos de Deus provocam mais que os dos ímpios. “Viu isto o S e n h o r e os desprezou, por

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causa da provocação de seus filhos e suas filhas” (Dt 32.19). Os pecados dos ímpios traspassam o lado de Jesus, os dos filhos de Deus ferem seu coração. Portanto, será que Deus não é justo em todos os males que faz recair sobre eles? “De todas as famílias da terra, somente a vós outros vos escolhi; portanto, eu vos punirei por todas as vossas iniqüidades” (Am 3.2). Sem dúvida, serão punidos antes e mais duramente que os outros. b. As aflições dos justos têm uma finalidade suprema Os sofrimentos e as dificuldades dos justos são para refiná-los e purificá-los. A fornalha de Deus está em Sião (Is 31.9). Há qualquer injustiça da parte de Deus em colocar seu ouro na fornalha para purificá-lo? Há qualquer injustiça da parte de Deus em afligir seu povo, em fazê-lo participante de sua santidade? (Hb 12.10). O que mais a fidelidade de Deus proclama, senão tomar tal curso para com seus filhos para fazê-los melhor? “Com fidelidade me afligiste” (SI 119.75). c. As aflições dos justos revelam a misericórdia de Deus Há qualquer injustiça da parte de Deus em aplicar uma punição menor para prevenir uma maior? Os filhos de Deus não são merecedores do inferno. Há qualquer injustiça da parte de Deus em usar a vara, onde mereciam o escorpião? O pai é injusto quando somente corrige seu filho que merecia ser deserdado? Deus lida tão favoravelmente com seus filhos que põe somente absinto no cálice deles, quando poderia pôr fogo e enxofre, logo deveriam agradecer a misericórdia de Deus, em vez de reclamar de sua justiça. 5. Deus é justo ao salvar uns e punir outros? Há qualquer injustiça da parte de Deus em salvar uns e desprezar outros, sendo que todos são igualmente culpados por natureza? Por que não tida com todos da mesma maneira? “ Há injustiça da parte de Deus? De modo nenhum ” (Rm 9.14). “Perverteria o Todo-poderoso ajustiça?” (Jó 8.3). a. Deus é soberanamente livre em suas decisões Deus não tem de dar justificativas de suas atitudes às suas criaturas. Assim como não se pode dizer para um rei: “Que fazes?” (Ec 8.4), muito menos para Deus. Isto é o suficiente, Deus é o Senhor supremo, tem um poder soberano sobre suas criaturas, portanto não pode fazer injustiça. “Ou não tem o oleiro direito sobre a massa, para do mesmo barro fazer um vaso para honra e outro, para desonra?” (Rm 9.21). Deus tem liberdade em si para salvar um e não outro, e sua justiça não é culpada ou manchada.

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Se dois homens lhe deverem dinheiro, você pode, sem qualquer injustiça, cobrar de um e esquecer a dívida do outro. Se dois m alfeitores são condenados à morte, o rei pode perdoar um e não o outro. Ele não é injusto se deixar um sofrer, porque quebrou a lei, e o outro salvar, usando sua prerrogativa real de perdoar. b. O ímpio é totalmente culpado p o r suas decisões Embora uns sejam salvos e outros pereçam, não há injustiça da parte de Deus, pois quem se perde é culpado por isso. “A tua ruína, ó Israel, vem de ti, e só de mim, o teu socorro” (Os 13.9). Deus oferece graça e os pecadores a rejeitam. Deus é obrigado a dar graça? Se um cirurgião tenta curar a ferida de alguém e esse alguém não é curado, o cirurgião é obrigado a curá-lo? “Clamei, e vós recusastes” (Pv 1.24). “Israel não me atendeu” (SI 81.11). Deus não é obrigado a impor suas misericórdias sobre os homens. Se recusarem livrem ente a oferta da graça, seus pecados devem ser considerados como a causa de sua perdição, não a justiça de Deus. Segunda aplicação: veja a diferença entre Deus e grande parte do mundo, que é injusta. 1. Em seus tribunais de magistratura pervertem a justiça. “Decretam leis injustas” (Is 10.1). A palavra hebraica que se refere à toga de um juiz significa prevaricação, engano ou injustiça, que geralmente é mais verdade em relação ao juiz que à toga. De que vale uma boa lei sem um bom juiz? A injustiça se apóia em duas coisas: ou não punir onde há falta, ou punir onde não há falta. 2. Os homens são injustos em seus negócios. Isto é, eles usam pesos falsos. “Tem nas mãos balança enganosa” (Os 12.7). É triste ter a Bíblia em uma das mãos e pesos falsos em outra. Os homens são injustos em seus negócios na adulteração de produtos, quando grãos ruins são misturados com grãos bons e vendidos como grãos puros: “O teu licor se misturou com água” (Is 1.22). Não posso crer em quem não é bom da primeira vez, que o será na segunda. Quem é filho de Deus não pode ser injusto. Embora Deus não deseje que sejamos onipotentes como ele é, deseja que sejamos tão justos quanto ele. Terceira aplicação : imite a Deus na justiça. Que o grande mandamento de Cristo seja observado: “Tudo quanto, pois, quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles” (Mt 7.12). Você não quer ser enganado por eles, então não os engane. Antes, sofra o engano, mas não engane. “Por que não sofreis, antes, o dano?” (IC o 6.7). Seja exemplar na justiça. Que a justiça seja um omamento em você: “Eu me cobria de justiça, e esta me servia de veste” (Jó 29.14). Ela era veste em sua beleza graciosa. E Jó diz que se vestia dela e que estava vestido com justiça. Um juiz veste

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sua toga e à noite a retira, mas Jó vestiu ajustiça de tal maneira que não a tirou até à morte, ficou vestido para sempre. Não devemos tirar essa veste de justiça até que deitemos nosso tabemáculo. Se você tem algo de Deus em você, será como ele. Com cada ação injusta você se nega a ser um cristão, mancha a glória de sua profissão de fé. Gentios se levantarão em juízo contra você. Assim como o Sol pode alterar seu curso, também Deus poderá deixar de fazer justiça. Quarta aplicação: se Deus é justo, haverá um dia de julgamento. Agora as coisas estão sem rumo, o pecado é crescente, os santos são enganados, geralmente são lançados em uma causa justa, não encontram justiça aqui, a justiça se transforma em amargura, mas o dia se aproxima quando Deus endireitará todas as coisas. Deus fará justiça a todo homem, coroará o justo e condenará o ímpio: “Porquanto estabeleceu um dia” (At 17.31). Se Deus é um Deus justo, se vingará. Deus deu uma lei aos homens pela qual viveriam e eles a quebraram. Tem de haver um dia para a execução dos ofensores. Uma lei não executada é como uma adaga de madeira, que só serve para ser vista. No último dia, a espada de Deus será desembainhada contra os ofensores, então sua justiça será revelada diante de todo o mundo: “Há de julgar o mundo com justiça” (At 17.31). “Não fará justiça o Juiz de toda a terra?” (Gn 18.25). O ímpio beberá um mar de ira, mas não experimentará um gole de injustiça. Naquele dia toda boca se calará e a justiça de Deus será totalmente executada apesar de todas as reclamações e clamores de homens injustos. Quinta aplicação: consolo ao verdadeiro penitente. Como Deus é um Deus justo, perdoará. Se o homem reconhece seu pecado, Deus o poupa. “Se confessarmos os nossos pecados ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados” (U o 1.9). Ele não é só misericordioso, mas justo. Por que ele é justo? Porque prometeu perdoar (Pv 28.13). Se o seu coração se separou do pecado, você pode clamar pela misericórdia e justiça de Deus para o perdão de seu pecado. Mostre-lhe sua mão e o selo e não poderá rejeitá-lo. I. A M IS E R IC Ó R DIA

DE D f.U S

O s e g u in te a trib u to é a b o n d ad e ou a m is e ric ó rd ia de D eus. A misericórdia é o resultado e o efeito da bondade de Deus (SI 33.5). Então, este é o próxim o atributo, a bondade ou a m isericórdia de Deus. O mais estudado dos ímpios pensou que deu ao deus Júpiter dois caracteres dourados quando o intitularam: bom e grande. Tudo isto se encontra em D eus: b o n d a d e e g ra n d e za , m a je s ta d e e m ise ric ó rd ia . D eus é essencialmente bom em si mesmo e relativamente bom para conosco. Esses dois atributos são colocados juntos no Salmo 119.68: “tu és bom e

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fazes o bem ” . Essa bondade relativa não é nada m ais do que sua misericórdia, que é uma propensão inata em Deus para piedade e socorro àqueles que estão na miséria. 1. Particularidades da misericórdia de Deus Com respeito à misericórdia de Deus, devo apresentar estas doze particularidades: a. As Escrituras apresentam a misericórdia de Deus E o grande desígnio de a Escritura apresentar Deus como misericordioso. É um marco para atrair pecadores a ele: “ S e n h o r , S e n h o r Deus compassivo, clemente e longânimo e grande em misericórdia” (Êx 34.6). Nesse texto das Escrituras, encontramos seis expressões que apresentam a misericórdia de Deus. E uma que apresenta a sua justiça: “que não inocenta o culpado” (Êx 34.7). “Pois a tua misericórdia se eleva até aos céus”; “e a tua fidelidade, para além das nuvens” (SI 57.10 e SI 108.4). Deus é representado por meio de um rei cujo trono é rodeado por um arco-íris (Ap 4.3). O arco-íris era um emblema de misericórdia (Gn 9.9-17). A Escritura representa Deus em vestimentas brancas de misericórdia com mais freqüência do que em vestimentas sujas de sangue. Descreve Deus com seu cetro dourado com mais freqüência do que com sua vara de ferro. b. Deus se compraz em aplicar sua misericórdia Deus é mais inclinado à misericórdia do que à ira. A misericórdia é seu atributo querido, no qual mais tem prazer (Mq 7.18). A misericórdia agrada a Deus. Crisóstomo diz que é agradável para uma mãe amamentar seu filho em seus seios; da mesma maneira para Deus é agradável seus filhos sorverem da fonte de sua misericórdia. “Não há indignação em mim” (ls 27.4), isto é, ele não tem prazer nisso. Os atos de severidade são forçados para Deus, ele não aflige de bom grado (Lm 3.33). A abelha dá o mel naturalmente, só pica quando é provocada. Assim, também, Deus somente pune quando não pode mais agüentar: “O S e n h o r já não podia por mais tempo sofrer a maldade das vossas obras” (Jr 44.22). A misericórdia é a mão direita de Deus, que é a mais usada; infligir punição é chamado sua obra estranha (Is 28.21). Ele não está acostumado a punir. Quando Deus acabava com o orgulho de uma nação, era dito que alugara uma navalha, como se não tivesse a própria navalha: “Naquele dia, rapar-te-á o Senhor com uma navalha alugada do outro lado do rio” (Is 7.20). “O S e n h o r é misericordioso e compassivo; longânimo e assaz benigno” (Sl 103.8), “abundante em benignidade” (Sl 86.5).

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c. A misericórdia de Deus pode ser vista em todas as circunstâncias Não há nada além da misericórdia nele. Quando a igreja estava cativa, clam ou: “ As m isericórdias do S e n h o r são a causa de não serm os consumidos” (Lm 3.22). Geógrafos escrevem a respeito de Siracusa, na Sicília, que é situada onde o Sol nunca se perde de vista. Em todas as nossas aflições podemos ver algum brilho do sol da misericórdia. Problemas externos e internos não virem até nós conjuntamente é misericórdia. d. A misericórdia de Deus apazigua todos os seus outros atributos Ela adoça todos os demais atributos dele. A santidade de Deus e a sua justiça sem a misericórdia seriam terríveis. Quando a água esteve amarga e Israel não pôde beber, Moisés lançou um galho de árvore nas águas, então foram adoçadas. Como seriam amargos e terríveis os outros atributos de Deus se a misericórdia não os adoçasse. A misericórdia faz que o poder de Deus trabalhe para nos ajudar; faz que sua justiça se torne nossa amiga; vinga nossas lutas. e. A misericórdia de Deus é uma pérola valiosa em sua coroa A misericórdia de Deus é uma das pérolas mais orientais de sua coroa, faz sua deidade parecer amigável e amável. Quando Moisés disse para Deus “rogo-te que me mostre a tua glória”, o Senhor lhe respondeu: “Farei passar toda a minha bondade diante de ti e te proclamarei o nome do S e n h o r ; terei misericórdia” (Ex 33.19). A misericórdia de Deus é sua glória. Sua santidade faz dele ilustre; sua misericórdia faz que seja favorável. f. Os ímpios também experimentam a misericórdia de Deus Até mesmo aquele que não aprova a misericórdia de Deus experimenta dela. Assim como os que lutam contra a m isericórdia a experimentam. O ímpio recebe algumas migalhas da mesa da misericórdia: “O S e n h o r é bom para todos” ( S l 145.9). Gotas adocicadas se encontram tanto no espinheiro quanto na rosa. O alcance da misericórdia de Deus é imenso. A cabeça do faraó estava coroada, embora seu coração estivesse endurecido. g. A misericórdia de Deus é derramada abundantemente no pacto A misericórdia que vem a nós em um pacto é a mais doce que há. Pela misericórdia Deus deu a chuva a Israel, o pão em abundância, a paz e a vitória sobre seus inimigos (Lv 26.4-6), mas foi a misericórdia ainda maior que fez Deus ser o Deus deles (Lv 26.12). Ter saúde é uma misericórdia, mas ter Cristo e a salvação é misericórdia ainda maior. É como o diamante em um anel, que dá ao anel um brilho ainda maior.

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h. Deus não se cansa de aplicar sua misericórdia sobre seus filhos Um ato de misericórdia faz que Deus realize outro. O ser humano diz assim: “já mostrei bondade, portanto não me perturbe mais”. Porém, porque Deus mostra a misericórdia, está sempre pronto a mostrar mais misericórdia. Sua misericórdia na eleição faz que justifique, adote, glorifique; um ato de misericórdia faz que Deus realize outros. O amor de um pai para com seu filho faz que ele sempre dê mais amor. /. A misericórdia humana se fundam enta na divina Toda misericórdia na criatura é derivada de Deus e é somente uma gota desse oceano. A misericórdia e a piedade que uma mãe tem para com seu filho vêm de Deus. Aquele que põe leite no peito da mãe, põe compaixão em seu coração. Deus é chamado “Pai de misericórdias” (2Co 1.3), porque ele produz todas as misericórdias no mundo. Deus colocou bondade na criatura, então, quanta bondade há nele que é o Pai de misericórdias. j. A misericórdia de Deus deve produzir humildade nos eleitos Assim como a misericórdia de Deus faz os santos felizes, da mesma maneira deveria fazê-los humildes. A misericórdia não é o fruto de nossa bondade, mas o fruto da bondade de Deus. A misericórdia é dádiva que Deus concede. Aquele que vive sobre a dádiva da misericórdia de Deus não tem por que ser orgulhoso. “ Se for justo, não ouso levantar a cabeça” (Jó 10.15): toda minha retidão é conseqüência da misericórdia de Deus, portanto serei humilde e não levantarei minha cabeça. /. A misericórdia adia a execução imediata da justiça de Deus Pecadores continuam ente provocam D eus, que diz: “ a m inha indignação será mui grande” (Ez 38.18). Qual a razão de Deus não prender e condenar os pecadores agora? Não que Deus não possa fazê-lo, pois está arm a d o com o n ip o tê n c ia , m as é p o r c a u sa de su a m is e ric ó rd ia . A misericórdia produz uma amortização para o pecador e pára o rápido processo de ju stiça. D eus, por sua bondade, conduz pecadores ao arrependimento. m. A misericórdia de Deus é terrível testemunha contra o ímpio É terrível ter a misericórdia como testemunha contra qualquer pessoa. Foi algo triste com Hamã quando a rainha o acusou (Et 7.6). Assim será quando essa rainha de misericórdia se levantar contra uma pessoa e o acusar. Somente a m isericórdia salva o pecador; como é triste, então, ter a misericórdia como inimiga. Se a misericórdia for um acusador, quem será

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nosso advogado? O pecador nunca escapa do inferno quando a misericórdia prepara a acusação. Até aqui, falei a vocês sobre alguns tipos de misericórdia, como a misericórdia preventiva, a previdente, a que supre, a que guia, a misericórdia que aceita, a curativa, a revigorante, a que apoia, a misericórdia que perdoa, a que corrige, a que conforta, a que liberta, a que coroa. Eu discursarei a respeito de cada uma delas a seguir. 2. A natureza da misericórdia de Deus Também quero destacar as seguintes qualificações ou propriedades da misericórdia de Deus: a. A misericórdia de Deus é gratuita Determinar mérito é destruir a misericórdia. Nada pode merecer a misericórdia, porque nosso sangue está contaminado. Nada pode forçar a misericórdia. Podemos forçar Deus a nos punir, mas não a nos amar. “ Eu de mim mesmo os amarei” (Os 14.4). Cada gomo da corrente da salvação é moldado e tecido com a graça gratuita. A eleição é de graça. Nos escolheu “segundo o beneplácito de sua vontade” (E f 1.4). A justificação é gratuita: “sendo justificados gratuitam ente” (Rm 3.24). A salvação é de graça: “segundo sua misericórdia, ele nos salvou” (Tt 3.5). Não diga “eu sou indigno”, pois a misericórdia é gratuita. Se Deus fosse mostrar a misericórdia somente àqueles que são dignos, não mostraria nada a ninguém. b. A misericórdia de Deus é infinita A misericórdia de Deus é superabundante, é infinita. “Pois tu, Senhor, és bom e compassivo; abundante em benignidade” (SI 86.5); “rico em misericórdia” (Ef2.4); ele tem multidão de misericórdias (SI 51.1). O jarro da ira goteja, mas a fonte de misericórdia corre. O Sol não é tão cheio de luz, como Deus é de misericórdia. Deus tem misericórdias pela manhã: “renovamse cada m anhã” (Lm 3.23). Ele tem m isericórdias noturnas: “à noite comigo está o seu cântico” (SI 42.8). Deus derrama misericórdia sob o céu, a qual experimentamos; e na vida eterna, a qual esperamos. c. A misericórdia de Deus é eterna “A misericórdia do S e n h o r é de eternidade a eternidade” (SI 103.17). “Sua misericórdia dura para sempre” é uma frase repetida 26 vezes no Salmo 136. As almas dos abençoados serão banhadas nesse doce e agradável oceano da misericórdia de Deus. A ira de Deus para com seus filhos dura somente um pouco: “não... conserva para sempre a sua ira” (SI 103.9). Enquanto ele for D eus, m ostrará m isericó rd ia. A ssim com o sua m ise ricó rd ia é superabundante, também é abundante para sempre.

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A f é cristã - Estudos baseados no Breve Catecism o de Westminster A p l ic a ç õ e s

Primeira aplicação: devemos olhar para Deus em nossa oração não o imaginando em suas vestimentas de justiça, mas vestido com um arco-íris cheio de misericórdia e clemência. Dê asas à oração. Quando Jesus Cristo subiu ao céu, o que fez que subisse para lá com alegria foi: “eu vou para meu Pai” . Então, o que deveria fazer nossos corações cheios de alegria é que estamos indo ao Pai de misericórdia, que se assenta no trono de graça. Apresente-se diante dele com confiança em sua misericórdia, à semelhança de alguém que se aproxima de uma lareira acesa, sem duvidar, sabendo que irá se esquentar nela. Segunda aplicação: creia em sua misericórdia. “Confio na misericórdia de Deus para todo o sempre” (Sl 52.8). A misericórdia de Deus é uma fonte aberta. Apresente o balde de sua fé debaixo dela e beba dessa fonte de salvação. Há um encorajamento maior à fé que a misericórdia de Deus? Deus considera sua glória ao espalhar perdão, deseja que pecadores toquem o cetro dourado de sua misericórdia e vivam. Esse desejo de mostrar a misericórdia aparece de duas maneiras: 1. Ao convidar pecadores a vir e se apropriar de sua misericórdia. “Aquele que tem sede venha, e quem quiser receba de graça a água da vida” (Ap 22.17). A misericórdia deseja pecadores, até mesmo se ajoelha para eles. Seria estranho para um príncipe im plorar a um homem condenado a aceitar o perdão. Deus diz: “pobre pecador, sofri para amálo, deixe-me salvá-lo” . 2. Ao se alegrar quando pecadores agarram a sua misericórdia. O que melhora em Deus se nós recebemos ou não sua misericórdia? Será que uma fonte sai ganhando quando bebem dela? Mas, a bondade de Deus é assim, se alegra na salvação de pecadores e se regozija quando sua misericórdia é aceita. Quando o filho pródigo voltou para a casa do pai, o pai ficou contente e deu uma festa para expressar sua alegria, assim, Deus se alegra quando um pobre pecador volta e se agarra em sua misericórdia. Que grande encorajam ento encontram os aqui para crer em Deus. Ele é um Deus perdoador (Ne 9.17). A misericórdia o agrada (Mq 7.18). Nada mais nos prejudica do que a descrença. A descrença faz a misericórdia de Deus parar de fluir. Fecha a porta das profundezas de Deus e tapa o fluxo do sangue que emana das feridas de Cristo, de maneira que nenhuma virtude curativa saia dele. “E não fez ali muitos milagres, por causa da incredulidade deles” (Mt 13.58). Por que você não acredita na misericórdia de Deus? Os seus pecados desencorajam você? A misericórdia de Deus pode perdoar grandes pecados, apesar de serem grandes (Sl 25.11). O mar cobre as rochas assim como a areia. Alguns que pensavam em crucificar Cristo encontraram

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misericórdia. Quanto dista os céus da terra, a misericórdia de Deus está acima de nossos pecados (Is 55.9). O que nos inclina a acreditar, a não ser a misericórdia de Deus? Terceira aplicação: cuidado para não abusar da misericórdia de Deus. Não sugue veneno da doce flor da misericórdia de Deus. Não pense que pelo fato de Deus ser misericordioso você vai poder continuar pecando, isso é fazer da misericórdia o seu inimigo. Ninguém podia tocar a arca senão os sacerdotes, que por seu ofício eram mais santos. Da mesma maneira ninguém pode tocar a arca da misericórdia de Deus senão aqueles decididos em serem santos. Pecar porque superabunda a misericórdia é uma lógica satânica. Aquele que peca por causa da misericórdia é como alguém que machuca sua cabeça porque existe um curativo. Aquele que peca por causa da misericórdia de Deus terá um julgamento sem misericórdia. O abuso da m isericórdia se transform a em fúria. “Terei paz, ainda que ande na perversidade do meu coração, para acrescentar à sede a bebedice. O S e n h o r não lhe quererá perdoar; antes, fumegará a ira do S e n h o r e o seu zelo sobre tal homem, e toda maldição escrita neste livro jazerá sobre ele; e o S e n h o r lhe apagará o nome de debaixo do céu” (Dt 2 9 . 1 9 , 2 0 ) . Nada é mais doce que a misericórdia quando é aperfeiçoada; nada é mais terrível quando insultada; assim como nada é mais frio que o chumbo quando tirado da mina, e é mais quente quando aquecido. Nada é mais sem corte que o ferro, porém nada é mais afiado quando amolado. “A misericórdia do S e n h o r é de eternidade a eternidade, sobre os que o temem” (S I 1 0 3 .1 7 ) . A misericórdia não é para aqueles que pecam e não temem, mas para aqueles que temem e não pecam. A misericórdia de Deus é uma misericórdia santa, quando ela perdoa, cura. O que devemos fa zer para nos direcionar à misericórdia de Deus? 1. Seja sensível às suas necessidades. Veja quanto você necessita de perdão e da misericórdia salvadora. Enxergue-se como um órfao: “por ti o órfão alcançará misericórdia” (Os 14.3). Deus confere dons de misericórdia somente àqueles que estão necessitados. Esvazie-se de toda opinião de valor próprio. Deus derrama o óleo dourado da misericórdia em vasos vazios. 2. Peça a Deus misericórdia. “Compadece-te de mim, ó Deus” (SI 51.1). Não me ponha junto das misericórdias comuns que os réprobos podem ter; não me dê somente bolotas, mas pérolas; não me dê somente a misericórdia para me alimentar e me vestir, mas misericórdia para me salvar. Dê-me a nata de tuas misericórdias. Senhor! Que eu tenha misericórdia e bondade: “E te coroa de graça e misericórdia” (SI 103.4). Dê-me misericórdia como fala o seu amor eletivo à minha alma. Ore por misericórdia! Deus tem tesouros de misericórdia e a oração é a chave que abre esses tesouros. E, na

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oração, tenha certeza de carregar C risto em seus braços, pois toda misericórdia vem por meio dele. “Tomou, pois, Samuel um cordeiro que ainda mamava” (IS m 7.9); carregue o cordeiro, Cristo, em seus braços, vá em seu nome, apresente seus méritos, diga: “Senhor! Aqui está o sangue de Cristo, que é o preço do meu perdão. Senhor! M ostre-me misericórdia, porque Cristo a com prou” . Em bora Deus possa nos recusar quando buscamos misericórdia em nosso próprio nome, não fará quando formos em nome de Cristo. Alegue a expiação de Cristo e esse será um argumento que Deus não poderá negar. A

p l ic a ç ã o

Aqueles que encontraram misericórdias são exortados a três coisas: Ia. Ficar sobregerizim, a montanha da bênção e do louvor. Não somente ouviram que o rei do céu é misericordioso, mas descobriram por si mesmos. O favo de mel da misericórdia de Deus pingou sobre eles. Quando na necessidade, a misericórdia os sustenta, quando estavam próximos da morte, a misericórdia os levantou do leito de enfermidades; quando cobertos por culpa, a misericórdia os perdoou. “Bendize, ó minha alma, ao S enhor , e tudo o que há em mim bendiga ao seu santo nome” (Sl 103.1). Os vasos devem transbordar com louvores. “A mim, que, noutro tempo, era blasfemo, e perseguidor, e inso len te. M as o b tiv e m ise ric ó rd ia ” (lT m 1.13). Fui agraciado com misericórdia como o mar transborda e quebra os bancos de areia, da mesma maneira a misericórdia de Deus quebrou os bancos de areia do meu pecado e a misericórdia docemente fluiu para a minha alma. Vocês que têm sido monumento da misericórdia de Deus deveriam ser trombetas de louvores; vocês que experimentaram que o Senhor é gracioso, digam aos outros que experiências vocês tiveram com a misericórdia de Deus para encorajá-los a buscá-lo por sua misericórdia. “Vinde, ouvi, vós que temeis a Deus, e vos contarei o que tem ele feito por minha alm a” (Sl 66.16). Quando meu coração se achou morto, o Espírito de Deus veio sobre mim com poder e o sopro desse vento fez que as flores secas do meu estado de graça revivessem. Ó, diga aos outros sobre a bondade de Deus, de maneira que estimule outros a louvá-lo, e que faça os louvores de Deus vivos mesmo quando você estiver morto! 2a. Ame a Deus. A misericórdia deveria ser a atração do amor. “Eu te amo, ó S enhor , força minha” (Sl 18.1). A palavra hebraica para amor significa “amor que sai das entranhas”. A justiça de Deus pode fazer que o temamos, mas sua misericórdia faz que o amemos. Se a misericórdia não produzir amor, o que produzirá? Nós devemos amar a Deus por ele nos dar comida, e ainda mais por nos dar graça; pela misericórdia protetora e muito mais pela m isericórdia salvadora. Não há coração de pedra que a

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misericórdia de Deus não enterneça com o amor. “Eu odiaria minha própria alma se não a encontrasse amando a Deus”, disse Agostinho. 3a. Imitar a Deus na demonstração da misericórdia. Assim como Deus é o Pai da misericórdia, devemos mostrar que somos seus filhos ao ser como ele. Ambrósio53 disse: “o resumo e a definição de religião é: seja rico em obras de misericórdia, seja uma ajuda aos corpos e almas dos outros. Espalhe sementes douradas; que a lâmpada de sua profissão de fé seja cheia com o óleo da caridade. Seja m isericordioso em dar e perdoar. Seja misericordioso como seu Pai celestial é misericordioso” . J . A VERDADE

l)E D EUS

O atributo seguinte é a verdade de Deus. “Deus é fidelidade, e não há nele injustiça, é justo e reto” (Dt 32.4). “Pois a tua misericórdia se eleva até aos céus e a tua fidelidade, até às nuvens” (SI 57.10). “Mas tu, Senhor, és... grande em misericórdia” (SI 86.15). 1. Deus é a verdade Ele é a verdade em sentido físico. Verdadeiro em seu ser: ele tem uma subsistência real e dá existência aos outros. Ele é a verdade no sentido moral. Ele é a verdade sem erros e sem engano. Deus é o padrão e o protótipo da verdade. Não há nada verdadeiro, senão o que está em Deus ou vem de Deus. 2. A verdade de Deus Entende-se por verdade de Deus sua veracidade em fazer suas promessas se realizarem. “ ... nem uma só palavra falhou de todas as suas boas promessas” (1 Rs 8.56). A promessa é o compromisso de Deus; a verdade de Deus é o seu selo colocado em seu compromisso. Há duas coisas a serem observadas nas promessas de Deus para nosso consolo: a. O poder de Deus para cumprir suas promessas O poder de Deus é o atributo pelo qual é capaz de cumprir suas promessas. Deus prometeu subjugar nossa corrupção. “Pisará aos pés as nossas iniqüidades” (Mq 7.19). Um crente pode dizer que sua corrupção é tão forte que está certo de que nunca a conseguirá controlar. Abraão olhou para o poder de Deus “convicto de que ele era poderoso para cumprir o que prometera” (Rm 4.21). Ele creu que Deus, que fez o mundo, poderia fazer que seios secos dessem leite. É uma prerrogativa da fé, que não há nada difícil para Deus. Aquele que tirou água da rocha é capaz de cumprir todas as suas promessas.

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b. A verdade de Deus presente em suas promessas A verdade de Deus é o selo colocado sobre a promessa. “Na esperança da vida eterna que o Deus que não pode mentir prometeu antes dos tempos eternos” (Tt 1.2). Vida eterna, aí esta a doçura da promessa: Deus, que não pode mentir, certifica a promessa. A misericórdia faz a promessa, a verdade a cumpre. As providências de Deus são certas, mas suas promessas são as “santas e fiéis promessas feitas a Davi” (At 13.34). “Não é homem, para que se arrependa” (ISm 15.29). A palavra de um príncipe nem sempre pode ser crida, mas a promessa de Deus é inviolável. A verdade de Deus é uma das jóias mais ricas de sua coroa e ele a penhorou em uma promessa. “Não está assim com Deus a minha casa? Pois estabeleceu comigo uma aliança eterna, em tudo bem definida e segura” (2Sm 23.5). Embora minha casa não esteja bem, isto é, embora eu falhe muito em relação à pureza perfeita requerida pelo Senhor, mesmo assim ele fez comigo uma aliança eterna, na qual me perdoaria, me adotaria e me glorificaria. Essa aliança é completa e segura. “Os elementos se derreterão com o calor fervente”, mas esse pacto continua firme e inviolável, sendo selado com a verdade de Deus. Deus acrescentou à sua palavra seu juramento, no qual empenhou o seu ser, sua vida e sua justiça para tornar a promessa boa (Hb 6.17). Se Deus quebrasse sua promessa conosco, assim como quebramos nossos votos com ele, seria muito triste, mas sua verdade está engajada em sua promessa, portanto, é como a lei dos medos e persas, que não pode ser alterada. Crisóstomo disse assim: “não devemos confiar em nossos sentidos tanto quanto nas promessas” . Nossos sentidos podem falhar, mas a promessa não, se for construída sobre a verdade de Deus. Deus não enganará a fé de seu povo, não, ele não pode. “Deus, que não pode mentir, prometeu” certificá-la com sua deidade. A Bíblia descreve Deus como abundante em fidelidade, ou verdade (Êx 34.6). O que significa isso? Significa que se Deus fez uma promessa de misericórdia para seu povo, não falhará em sua palavra, ele será melhor que sua palavra. Ele geralmente fará mais do que disse, nunca menos, ele é abundante em verdade. i. A dem ora de Deus não im plica que ele negará cu m p rir suas prom essas. O Senhor pode, às vezes, demorar em cumprir uma promessa, m as ele não a negará. Ele pode dem o rar na execução da prom essa. A prom essa de Deus pode ficar um bom tempo como uma semente debaixo do chão, mas finalmente brotará. Ele prometeu livrar Israel da fornalha de ferro, mas essa promessa esteve em aberto por 400 anos antes de se realizar. Simeão recebeu a promessa que não morreria “antes de ver o Cristo do Senhor” (Lc 2.26). Demorou em acontecer, mas um pouco antes de sua

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morte viu de fato o Cristo. Embora Deus atrase a promessa, não a negará. Depois que fez a confirmação, no tempo oportuno o dinheiro será pago. ii. A mudança na promessa não implica que Deus não a cumprirá. Deus pode mudar sua promessa, mas não pode quebrá-la. As vezes, Deus muda uma promessa material para uma espiritual. “O S enhor dará o que é bom” (SI 85.12); o que não pode ser cumprido em um sentido temporal, mas espiritual. Deus pode permitir que o cristão seja frustrado materialmente, mas ele o recompensará espiritualmente. Se ele não aumentar o que há na despensa e no estoque, dará aumento de fé e de paz interior. Aqui ele muda a sua promessa, mas não a quebra, dá o que é melhor. Se um homem promete me pagar na moeda de meu país e me paga numa moeda melhor, como ouro, não quebra sua promessa. “Mas jamais retirarei dele a minha bondade, nem desmentirei a minha fidelidade” (SI 89.33). Em hebraico é usada a palavra mentir. c. A verdade das promessas na salvação dos eleitos i. Deus não mente ao dizer que todos serão salvos. No que consiste a verdade de Deus que todos serão salvos, mas que alguns perecerão? 1 Timóteo 2.4. Agostinho entende que isso não se refere a cada uma das pessoas individualmente, mas alguns de todos os tipos serão salvos. Assim como na arca, quando Deus salvou todas as criaturas vivas, no entanto, não foram cada pássaro ou peixe salvos, pois muitos pereceram no dilúvio. Mas todos, isto é, alguns de cada espécie foram salvos, então Deus salvará todos, isto é, alguns de todas as nações. ii. Deus não mente ao dizer que Cristo morreu por todos. Ê dito que Cristo morreu por todos. “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!” (Jo 1.29). Como isso se alinha com a verdade de Deus, pois alguns são vasos de ira? (Rm 9.22). Antes de tudo, devem os qualificar o term o mundo. O mundo é considerado em termos limitados, em relação ao mundo dos eleitos; ou em termos amplos, os eleitos e os rejeitados. “Cristo tira o pecado do mundo”, isto é, o mundo dos eleitos. E depois, devemos qualificar Cristo morrendo pelo mundo. Cristo morreu suficientemente por todos, mas não eficazmente. Há o valor e a virtude do sangue de Cristo. O sangue de Cristo tem valor suficiente para redimir o mundo todo, mas sua virtude é aplicada somente para os que crêem. O sangue de Cristo é meritório para todos, mas não é eficaz. Nem todos são salvos, pois alguns deixam de lado a salvação, como em Atos 13.46, e difamam o sangue de Cristo, profanando-o (Hb 10.29).

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Primeira aplicação: a verdade de Deus é uma grande coluna para a nossa fé. Se ele não fosse um Deus da verdade, como poderíamos crer nele? Nossa fé foi concebida, mas ele é a própria verdade e nenhuma palavra que falou pode cair por terra. “A verdade é o objeto da confiança.” A verdade de Deus é uma pedra irremovível na qual podemos arriscar nossa salvação (ls 59.15). “A verdade falha.” A verdade na terra falha, mas não a verdade no céu. Assim como Deus pode cessar de ser Deus, sua verdade pode cessar de ser verdade. Deus disse coisas como: “Bom é o S enhor para os que esperam por ele” (Lm 3.25), e “eu vos aliviarei” (Mt 11.28). Aqui está uma âncora segura em que se pode confiar, ele não mudará qualquer coisa que saiu de seus lábios. A fé celestial publicada é enfocada para os crentes. Podemos ter melhor segurança? Toda a terra se sustenta na Palavra do poder de Deus, nossa fé não deveria se sustentar na Palavra da verdade de Deus? Onde mais poderíamos depositar nossa fé, a não ser sobre a fidelidade de Deus? Não há mais nada para se crer a não ser na verdade de Deus. Confiar em nós mesmos é construir sobre areia movediça, mas a verdade de Deus é uma coluna de ouro na qual a fé pode se apoiar. Deus não pode negar a si mesmo: “se somos infiéis, ele permanece fiel, pois de maneira nenhuma pode negar-se a si mesmo” (2Tm 2.13). Não crer na veracidade de Deus é afrontá-lo. “Aquele que não dá crédito a Deus o faz mentiroso” (1 Jo 5.10). Uma pessoa honrada não pode ser mais afrontada ou provocada do que quando não crêem nela. Quem nega a verdade de Deus faz da sua promessa uma falsidade. Pode haver maior afronta para com Deus? Segunda aplicação: se Deus é um Deus da verdade, é verdadeiro para com suas ameaças. Suas ameaças são um rolo com pressor contra os pecadores. Deus ameaçou partir “a cabeça dos seus inimigos e o cabeludo crânio do que anda nos seus próprios delitos” (Sl 68.21). Ele ameaçou julgar os adúlteros (Hb 13.4). Ameaçou vingança sobre o malicioso (Sl 10.14). “Fará chover sobre os perversos brasas de fogo e enxofre, e vento abrasador será parte do seu cálice” (Sl 11.6). Deus é tão verdadeiro em relação às suas ameaças quanto às suas promessas. Para mostrar sua verdade, executou suas ameaças e permitiu que seus raios de julgamento caíssem sobre os pecadores nesta vida. Ele golpeou Herodes no ato de seu orgulho. Ele puniu blasfemadores. Olímpio, um bispo ariano, reprovou e blasfemou contra a Trindade santa e imediatamente um raio caiu do céu sobre ele e o consumiu. Temamos as ameaças, que não as soframos. Terceira aplicação: Deus é um Deus da verdade? Sejamos como Deus. 1. Devemos ser verdadeiros em nossas palavras. Quando Pitágoras54 foi questionado sobre o que poderia tom ar os homens semelhantes a Deus,

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ele respondeu: “quando falam a verdade, se assem elham a D eus” . Um homem que irá para o céu tem a seguinte característica: “De coração, fala a verdade” (SI 15.2). 1. A verdade em palavras é oposta a mentir. “Por isso, deixando a mentira, fale cada um a verdade com o seu próximo” (E f 4.25). Mentir é falar algo em lugar da verdade quando se sabe que é uma falsidade. O mentiroso se opõe muito a Deus. Há, como diz Agostinho, dois tipos de mentira. Uma mentira oficiosa, quando um homem diz uma mentira para seu lucro; como, quando um negociante diz que seu produto custou tanto, quando talvez não lhe custasse nem a metade. Aquele que mente em seu negócio, mentirá no inferno. Uma mentira de chacota, quando alguém diz uma mentira por prazer, para alegrar os outros. Esse irá sorrindo para o inferno. “[O diabo] é mentiroso e pai da mentira” (Jo 8.44). Ele enganou nossos primeiros pais com uma mentira. Alguns são tão ímpios que não somente falam uma mentira, mas juram por ela. Esses lançarão uma maldição sobre si mesmos se esta inverdade não for verdade. Li a história de uma mulher, Anne Avarie, que em 1575, quando estava numa loja, jurou que havia pagado as m ercadorias que pegou sob pena de, caso contrário, sofrer a morte. Ela caiu no chão sem fala imediatamente e morreu. Não é apropriado que um mentiroso viva em comunidade. A mentira faz perder toda a sociedade e opõe os homens. Como se pode conversar com alguém quando não se pode acreditar no que diz? A mentira deixa o homem fora do céu. “Fora ficam os cães... e todo aquele que ama e pratica a mentira” (Ap 22.15). Mentir é um grande pecado, pior ainda é ensinar uma mentira. “O profeta que ensina a mentira é a cauda” (Is 9.15). Quem amplia o erro ensina mentiras, espalha a praga, não somente prejudica a si mesmo, mas ajuda a prejudicar os outros. ii. A verdade em palavras é oposta ao fingimento. O coração e a língua devem caminhar juntos, assim como a sombra no relógio solar. Falar bem para alguém sem sinceridade não é melhor que uma mentira. “Suas palavras eram m ais brandas que o azeite; contudo, eram espadas desembainhadas” (SI 55.21). Alguns têm a arte de bajular e de odiar. Jerônimo, falando sobre os arianos, diz: “Eles fingiram amizade, beijaram minhas mãos, mas planejaram ciladas contra mim” . “O homem que Iisonjeia a seu próximo, arma-lhe uma rede aos passos” (Pv 29.5). Veneno cruel pode ser escondido sob doce mel. Falsidade na amizade é uma mentira. Falsificar uma amizade é pior que falsificar dinheiro. 2. Devemos ser verdadeiros em nossa profissão de fé. Que as ações combinem com as palavras. “E vos revistais do novo homem, criado segundo

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Deus, em justiça e retidão procedentes da verdade” (E f 4.24). Hipocrisia na religião é uma mentira. O hipócrita é como uma face num espelho, vê-se a face, mas não a verdadeira. Mostra santidade, mas não há verdade nela. Efraim fingiu ser quem não era e o que Deus diz dele? “Efraim me cercou por meio de mentiras” (Os 11.12). Por meio de uma mentira em nossas palavras negamos a verdade; por meio de uma mentira em nossa profissão de fé nós a desgraçamos. Não ser para com Deus o que professamos é dizer uma mentira, o que as Escrituras dizem ser blasfêmia. “Conheço... a blasfêmia dos que a si mesmos se declaram judeus e não são” (Ap 2.9). Eu vos rogo que vos empenheis para ser como Deus. Ele é um Deus da verdade. Ele pode tanto desistir de sua deidade quanto de sua verdade. Seja como Deus, seja verdadeiro em suas palavras, seja verdadeiro em sua profissão de fé. Filhos de Deus são filhos que não mentem (Is 63.8). Quando Deus vê “verdade nas partes internas” e “ lábios em que não há duplicidade”, ele vê a própria imagem, o que atrai seu coração em nossa direção. Semelhança produz amor. L. A UNIDADE

DE D E U S

PERGUNTA 5: Há mais do que um Deus? RESPOSTA: Há somente um Deus, o Deus vivo e verdadeiro. Já foi provado que Deus existe e que aqueles incrédulos da veracidade de sua essência sofrerão a severidade de sua ira. “Ouve, Israel, o S enhor , nosso Deus, é o único S enhor ” (Dt 6.4). Ele é “o único Deus”. Deuteronômio 4.39 diz: “Por isso, hoje, saberás e refletirás no teu coração que só o S enhor é Deus em cima no céu e embaixo na terra; nenhum outro há”. “Deus justo e Salvador não há além de mim” (Is 45.21). Há muitos deuses nominais. Reis representam Deus; seus cetros reais são emblemas de seu poder e de sua autoridade. Juizes são tomados por deuses. “Eu disse: sois deuses” (Sl 82.6), isto é, assentados no lugar de Deus para exercerem a justiça; contudo são deuses mortos. “Todavia, como homens, morrereis” (v. 7). “Porque, ainda que há também alguns que se chamem deuses... todavia, para nós há um só Deus” (IC o 8.5,6). 1. Há somente uma causa primeira Há somente uma causa prim eira que tem existência em si mesma, e da qual todos os outros seres dependem. Como nos céus, o prim um mo­ bile move todos os outros orbes, assim Deus dá vida e movimento a tudo que existe. Não pode haver senão um único Deus, pois há somente uma causa primeira.

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2. Há somente um ser infinito Há somente um ser infinito e, por essa razão, há somente um Deus. Não pode haver dois infinitos. “Diz o S bnhor , porventura, não encho eu os céus e a terra?” (Jr 23.24). Se há um infinito, preenchendo todos os lugares ao mesmo tempo, como pode haver qualquer espaço para que outro infinito subsista? 3. Há somente um poder onipotente Caso houvesse dois onipotentes, então deveríamos sempre esperar uma competição entre eles: o que um poder fizesse, o outro, sendo igual, se colocaria em oposição e, então, todas as coisas estariam em confusão. Se um navio tivesse dois timoneiros de igual poder, um haveria de querer sempre contradizer o outro; quando um quisesse navegar, o outro iria querer lançar âncora; haveria confusão e o navio afundaria. A ordem e a harmonia no mundo, ou o governo constante e uniforme de todas as coisas, são um argumento claro de que há somente um Onipotente, um Deus que governa tudo. “Eu sou o primeiro e eu sou o último, e além de mim não há Deus” (Is 44.6). A

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Primeira aplicação'. 1. Se há somente um Deus, então isso exclui todos os outros deuses. Alguns alegaram que havia dois deuses, como os valentinianos; outros disseram que havia muitos deuses, como os politeístas. Os persas cultuavam o Sol; os egípcios, o leão e o elefante; os gregos prestavam culto a Júpiter. “Errais, não conhecendo as Escrituras” (Mt 22.29). A fé desses homens é uma fábula. “ Deus lhes manda a operação do erro, para darem crédito à mentira, a fim de serem julgados todos quantos não deram crédito à verdade” (2Ts 2.11,12). 2. Se há somente um Deus, então pode haver somente uma verdadeira religião no mundo. “Um só Senhor, uma só fé” (E f 4.5). Se houvesse muitos deuses, então haveria muitas religiões, cada Deus sendo adorado à sua maneira; porém, se há somente um Deus, há somente uma religião; um só Senhor, uma só fé. Muitos dizem que podem ser salvos em qualquer religião. Porém, é absurdo imaginar que Deus, que é Um em essência, iria indicar várias religiões pelas quais seria cultuado. E perigoso se estabelecer numa falsa religião, tanto quanto se estabelecer em um falso deus. Há muitas maneiras de ir para o inferno; os homens podem ir para lá por qualquer caminho de sua imaginação, porém, há somente um caminho para o céu, a saber, fé e santidade. Não há outro modo de ser salvo a não ser esse. Como há somente um Deus, há somente uma religião verdadeira.

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3. Se há somente um Deus, então há somente um a quem é preciso agradar acima de todos, e esse é Deus. Se houvesse diversos deuses, seria difícil agradá-los. Um ordenaria uma coisa, outro ordenaria o contrário, e agradar a dois m estres opostos é im possível. Há som ente um Deus. Por conseguinte, temos somente um a quem agradar. Como em um reino há somente um rei, todos buscam se colocar sob suas boas graças (Pv 19.6), assim há somente um verdadeiro Deus e nossa tarefa principal é agradá-lo. Assegure-se de agradar a Deus, não importa a quem mais você desagrade. Essa foi a sabedoria de Enoque. Ele obteve esse testemunho antes de ser trasladado, que havia “agradado a Deus” (Hb 11.5). O que implica esse agradar a Deus? Podemos responder que: i. Agradamos a Deus quando acatamos sua vontade. A comida e a bebida de Cristo foram fazer a vontade do Pai (Jo 4.34) e, assim, ele o agradou (Mt 3.17). Uma voz veio do céu, dizendo: “Este é o meu Filho am ado, em quem me com prazo” . E vontade de Deus que sejam os santificados (1 Ts 4.3). Quando nos ornamos de santidade, as nossas vidas são como Bíblias ambulantes. Isso está de acordo com a vontade de Deus e o agrada. ii. Agradamos a Deus quando fazemos a obra que ele nos designa. “Consumando a obra que me confiaste para fazer”, a saber, “minha obra mediadora” (Jo 17.4). Muitos terminam sua vida sem terminar sua obra. O trabalho que Deus talhou para nós é observar as duas tábuas da lei. Na primeira, estão nossas obrigações para com Deus; na segunda, nossas obrigações para com o próximo. Os que fazem da moralidade a parte prin­ cipal e única da religião colocam a segunda tábua diante da primeira; mais ainda, jogam fora a primeira tábua. Se a prudência, a justiça e a temperança fossem suficientes para salvar, quem precisaria da primeira tábua? Assim nossa adoração a Deus será, aos poucos, deixada de lado. Porém, aquelas duas tábuas, as quais Deus juntou, homem nenhum pode separar. iii. Agradamos a Deus quando dedicamos nossos corações a lhe dar o melhor de tudo. Abel deu a Deus a gordura da oferta (Gn 4.4.). Domiciano55 não queria sua imagem esculpida em madeira ou em ferro, mas em ouro. Agradamos a Deus quando o servimos com amor, com fervor e com alegria. Estes são serviços de ouro. Porém, há somente um Deus e, portanto, há somente um a quem temos de primeiramente agradar, ou seja, Deus. iv. Se há somente um Deus, então não devemos orar a nenhum outro, senão a esse único Deus. Os papistas oram aos santos e aos anjos. Primeiramente, eles oram aos santos. Um escritor católico diz: “quando oram os aos santos que já m orreram , eles ficam sensibilizados, com compaixão e intercedem por nós diante Deus, da mesma maneira que os

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discípulos fizeram pela mulher cananita: ‘Despede-a, pois vem clamando atrás de nós’ “ (Mt 15.23). Os santos que já estão no céu não conhecem nossas necessidades; e mesmo que conhecessem, não temos autorização para orar a eles. “Abraão não nos conhece” (Is 63.16). A oração é uma parte do culto divino, o qual deve ser prestado somente a Deus. Em segundo lugar, eles oram aos anjos. A adoração aos anjos é proibida (Cl 2.18,19). No texto de Romanos 10.14 está claro que não devemos orar aos anjos: “Como, porém, invocarão aquele em quem não creram?” Não devemos orar a ninguém, somente em quem cremos; então, uma vez que não cremos em nenhum anjo, não devemos orar a eles. Há somente um Deus, e é pecado invocar alguém além dele. v. Se há somente um Deus, que é “sobre todos” (E f 4.6), então ele deve ser amado sobre tudo. Devemos amá-lo com um amor de apreciação; colocar sobre ele nossa mais alta estima, pois ele é a única fonte de existência e de contentamento. Devemos amá-lo com um amor de desvanecimento. Tomás de Aquino56 disse que os “esforços do amante para agradar ao amado é amor”. Nosso amor pelas outras coisas deve ser menos intenso, de modo que algumas gotas de amor podem correr em direção à criatura, mas o caudal deve correr em direção a Deus. A criatura pode ter o leite de nosso amor, mas devemos guardar a nata para Deus. Aquele que é sobre todas as coisas deve ser amado sobre todas as coisas. “Quem mais tenho eu no céu? Não há outro em quem eu me compraza na terra” (SI 73.25). Segunda aplicação: sobre a advertência. Se há somente um Deus, então vamos tomar cuidado para não estabelecer mais deuses. “Muitas serão as penas dos que trocam o S enhor por outros deuses; não oferecerei as suas libações de sangue, e os meus lábios não pronunciarão o seu nome” (SI 16.4). Deus é um Deus cium ento e não suportará que tenham os outros deuses. É fácil relacionar a idolatria com a criatura. 1. Alguns fazem do prazer um deus. “Mais amigos dos prazeres que amigos de Deus” (2Tm 3.4). Fazemos um deus de qualquer coisa que amemos mais que a Deus. 2. Outros fazem do dinheiro o seu deus. O homem cobiçoso adora a imagem de ouro, portanto é chamado de idólatra (E f 5.5.). Aquilo em que um homem confia é seu deus; ele faz da cunha de ouro sua esperança; faz do dinheiro seu criador, seu redentor e seu consolador. Seu dinheiro é seu criador: se ele tem dinheiro, pensa que foi criado por ele. O dinheiro é seu redentor: se estiver em perigo, confia que seu dinheiro vai salvá-lo. E seu consolador: a qualquer tempo em que estiver triste, a harpa dourada expulsa o espírito maligno; portanto, o dinheiro é seu deus. Deus criou o homem do pó da terra e o homem fez do pó da terra um deus.

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3. Outros fazem de seus filhos deuses, colocando-os no lugar de Deus, fazendo que os levem. Se você se apóia pesadamente sobre um vidro, ele se quebra; do mesm o modo eles quebram seus filhos por se apoiarem pesadamente sobre eles. 4. Outros fazem um deus do próprio ventre. “O deus deles é o ven­ tre” (Fp 3.19). Clemente de Alexandria escreve sobre um peixe que tem seu coração no ventre: um emblema dos epicureus, cujo coração está no ventre, que não se preocupam com nada além de satisfazer seu apetite sensual. Adoram os confortos domésticos: seu ventre é seu deus e a isso eles deitam ofertas de bebidas. Os homens criam muitos deuses. O apóstolo nomeia a trindade do homem iníquo: “a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida” (1 Jo 2.16). A concupiscência da carne é o prazer; a concupiscência dos olhos, o dinheiro; e a soberba da vida, a fama. Cuidado com isso. Qualquer coisa que você endeusar e pôr em lugar de Deus lhe trará um espinheiro e dele virá fogo que lhe devorará (Jz 9.15). Terceira aplicação: sobre a reprovação. Se o Senhor Jeová é o único Deus, ele reprova aqueles que renunciam ao verdadeiro Deus, ou seja, aqueles que buscam os espíritos dos familiares mortos, algo muito praticado entre aqueles que se chamam de cristãos. É um pecado condenado pela lei de Deus. “Não se achará entre ti... quem consulte os mortos” (Dt 18.10,11). Como isso é comum. Se as pessoas perdem algum de seus bens, consultam feiticeiros para reavê-lo. Isso não é nada mais que consultar o diabo! Renunciam a Deus e ao batismo. O quê? Por havermos perdido nossos bens também vamos perder nossas almas? “Assim diz o S enhor : Porventura, não há Deus em Israel, para que mandes consultar Baal-Zebube, deus de Ecrom?” (2Rs 1.6). Assim, não é por pensar que não há Deus no céu que você pede conselhos ao diabo? Se alguém for culpado nesse pecado, arrependa-se profundam ente por ter renunciado ao verdadeiro Deus. E melhor perder todos os bens do que permitir, novamente, a ajuda do diabo. Quarta aplicação: sobre a exortação. 1. Como há somente um Deus, como Deus é um, deixemos que os que o servem sejam um. Esta foi a sincera oração de Cristo: “a fim de que todos sejam um” (Jo 17.21). i. Os cristãos deveriam ser um no discernimento. O apóstolo exorta a que todos tenham uma mesma disposição mental (1 Co 1.10). Como é triste ver a religião usando um casaco de várias cores, ver cristãos de tantas opiniões diferentes e agindo de tantas maneiras diferentes. É Satanás quem mostra esse joio de divisão (Mt 13.39). Primeiro, ele separa os homens de Deus e, depois, separa-os uns dos outros.

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ii. Os cristãos deveriam ser um no amor. Eles deveriam ter um só coração. “Da multidão dos que creram era um o coração e a alma” (At 4.32). Como na música, embora haja várias cordas na harpa todas tocam uma doce har­ monia; assim, embora haja muitos cristãos, todos deveriam estar em doce harmonia de amor entre si. Há somente um Deus e aqueles que o servem devem ser um. Não há nada que traduza a fé cristã de maneira mais amável ou que atraia maior número de convertidos do que ver os professos da fé unidos entre si com os laços do amor. “Como é bom e agradável viverem unidos os irmãos!” (SI 133.1). E como o doce orvalho do Hermom e a perfumada unção sobre a cabeça de Arão. Se Deus é um, permitamos que todos que o professam tenham uma só mente e um só coração e, então, cumpram a oração de Cristo: “a fim de que todos sejam um”. 2. Se há somente um Deus, vamos trabalhar para tornar claro o emblema de que esse Deus é nosso. “Este é Deus, o nosso Deus” (SI 48.14). Qual consolo há em ouvir que há um Deus e que ele é único, a menos que ele seja nosso? O que é a divindade sem usufruto? Vamos trabalhar para tomar claro o seu emblema sobre nós. Implore ao Espírito Santo. O Espírito trabalha pela fé. Pela fé somos um com Cristo, e por meio de Cristo temos Deus como nosso Deus e, assim, toda a sua gloriosa plenitude está sobre nós por um ato de doação. Quinta aplicação', sobre a gratidão. Só o fato de conhecer o Deus verdadeiro já é um grande motivo para sermos gratos. Outros não o conhecem. Alguns seguem a Maomé. Muitos adoram o demônio; acendemlhe velas, para que ele não os machuque. Os que não conhecem o verdadeiro Deus andarão no inferno aos trambolhões, na escuridão. Sejamos gratos por ter nascido em um lugar onde a luz do evangelho brilha. Conhecer o verdadeiro Deus é mais que possuir minas de ouro, ou montanhas de diamantes, ou ilhas de especiarias; especialmente se Deus, de maneira salvadora, revelou-se a nós; se ele já nos deu olhos para ver a luz; se conhecemos Deus a ponto de sermos conhecidos por ele, para amá-lo e crer nele (Mt 11.25). Jamais poderemos ser suficientemente gratos a Deus, que não se revelou aos sábios e aos prudentes do mundo, mas se revelou a nós. M. A T

r in d a d e

PERGUNTA 6: Quantas pessoas existem na Trindade? RESPOSTA: Três pessoas, porém, um só Deus. “Pois há três que dão testemunho [no céu: o Pai, a Palavra e o Espírito Santo; e estes três são um]” (U o 5.7). Deus é somente um, ainda que haja três pessoas distintas existindo numa única divindade. Esse é um mistério sagrado, que a luz dentro do

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homem jamais poderá descobrir. Assim como as duas naturezas em Cristo, que é uma única pessoa, causam espanto, também as três pessoas da Trindade que são somente um Deus. Isto é muito profundo: Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo - não três deuses, mas somente um Deus. As três pessoas na bendita Trindade são distintas, mas não divididas: três substâncias, mas somente uma essência. E um enigma divino, no qual um forma três e três formam um. Nossos pensamentos limitados não podem compreender a Trindade mais que uma casca de noz pode conter toda a água do mar. Deixeme demonstrar isso por meio de uma analogia: na massa do Sol há a substância do Sol, há os raios solares e há o calor. Os raios são gerados pela massa solar e o calor provém tanto do Sol como dos raios. Porém esses três, embora diferentes, não se dividem: todos os três formam um único Sol. Assim acontece na bendita Trindade: o Filho é gerado pelo Pai, o Espírito Santo provém de ambos: embora sejam três pessoas distintas, são um único Deus. Primeiro, vamos falar sobre a unidade na Trindade, depois, da Trindade na unidade. 1. A unidade na Trindade Sobre a unidade na Trindade podemos dizer que a unidade das pessoas na divindade consiste de duas coisas: a. A igualdade da essência Na Trindade há unidade na essência. As três pessoas são da mesma natureza e substância divinas. Assim, “não há hierarquia na divindade”, ou seja, uma pessoa não é mais Deus que a outra. b. A unidade da inerência A unidade das pessoas na divindade consiste na sua mútua inerência, ou sua existência no conjunto. As três pessoas são tão unidade que uma pessoa é na outra e com a outra. “Como és tu, ó Pai, em mim e eu em ti” (Jo 17.21). 2. A Trindade na unidade a. A primeira pessoa na Trindade é Deus, o Pai Ele é chamado de primeira pessoa, quanto à ordem, não quanto à dignidade: pois Deus Pai não tem uma perfeição fundamental que as outras pessoas não tenham; ele não é mais sábio, mais santo, mais poderoso que as outras pessoas. E uma prioridade, não uma superioridade. b. A segunda pessoa na Trindade é Jesus Cristo, o Filho Jesus é gerado pelo Pai antes dos tempos eternos. “Desde a eternidade fui estabelecido, desde o princípio, antes do começo da terra. Antes de haver

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abismos, eu nasci, e antes ainda de haver fontes carregadas de águas. Antes que os montes fossem firmados, antes de haver outeiros, eu nasci” (Pv 8.2325).57 Esse texto das Escrituras apresenta a geração eterna do Filho de Deus. A segunda pessoa da Trindade, que é Jeová, tomou-se nosso Jesus. As Escrituras o chamam de Renovo de Davi (Jr 23.5), e posso chamá-lo de escol da nossa natureza. “E, por meio dele, todo o que crê éjustificado” (At 13.39). c. A terceira pessoa na Trindade é o Espirito Santo O Espirito Santo procede do Pai e do Filho, cujo trabalho é iluminar a mente e inflamar impulsos santificados. A essência do Espírito está no céu e em todo lugar, mas sua influência opera no coração dos que crêem. Esse é o bendito Espírito, que nos dá a santa unção (1 Jo 2.20). Embora Cristo nos tome merecedores da graça, é o Espírito Santo que trabalha em nós. Embora Cristo tenha feito a aquisição, é o Espírito Santo que dá a garantia, selandonos para o dia da redenção. Dessa maneira, falei sobre as três pessoas. Em Mateus 3.16,17, podese observar a prova da Trindade: “Batizado Jesus, saiu logo da água, e eis que se lhe abriram os céus, e viu o Espírito de Deus descendo como pomba, vindo sobre ele. E eis uma voz dos céus, que dizia: Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo” . Aqui, temos os três nomes dados às três pessoas. O que falou com uma voz vinda do céu era Deus Pai; o que foi batizado no Jordão era Deus Filho; o que desceu na forma de pomba foi Deus Espírito Santo. Assim, demonstrei a unidade da essência e a Trindade das pessoas. A

p l ic a ç õ e s

Primeira aplicação: refutações. 1. Os judeus e os turcos refutam a idéia da Trindade, pois crêem somente na primeira pessoa da divindade. Jogando fora a distinção das pessoas na Trindade, destrói-se a redenção do homem. Como Deus Pai, uma vez ofendido pelo pecado do homem, será apaziguado sem um mediador? Esse mediador é Cristo, que faz nossa reconciliação. Cristo, uma vez tendo morrido e espargido seu sangue, como aplicaria esse sangue, a não ser pelo Espírito Santo? Portanto, se não houver três pessoas na divindade, a salvação do homem não pode ser completada; se não houver uma segunda pessoa na Trindade, não há redentor; se não houver uma terceira pessoa, não há consolador e, assim, é retirada a tábua de salvação que nos leva ao céu. 2. A idéia da Trindade refuta a opinião execrável dos socinianos,58 que negam a divindade do Senhor Jesus, fazendo dele somente uma criatura de um grau mais alto. Como os católicos escondem o segundo mandamento, o

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mesmo fazem os socinianos com a segunda pessoa da Trindade. Se se opor às partes de Cristo é pecado, o que será se opor ao próprio Cristo? Jesus Cristo é co-igual a Deus Pai. Ele não julgava como usurpação ser igual a Deus (Fp 2.6). Jesus é coeterno com Deus Pai: “Desde a eternidade fui estabelecida” (Pv 8.23). Se não for assim, houve, então, um tempo em que Deus não teria um Filho e, portanto, ele não seria Pai. Mas, não somente isso, houve um tempo no qual Deus estava despido de sua glória, porque Cristo “é o resplendor da glória... do seu Ser” (Hb 1.3). Ele é co-fundamental com Deus Pai. A divindade se sustenta em Cristo: “Porquanto, nele, habita, corporalmente, toda a plenitude da Divindade” (Cl 2.9). Ou seja, não somente Cristo estava com Deus antes do princípio, mas ele era Deus. João 1.1 e 1 Timóteo 3.16: “Foi manifestado na carne” . O título de Senhor, tão freqüentemente dado a Cristo, no Novo Testamento, corresponde ao título de Jeová, no Antigo Testamento (Dt 6.5; Mt 22.37). Cristo tem coetemidade e co-substancialidade com seu Pai: “ Eu e o Pai somos um” (Jo 10.30). Seria blasfêmia um anjo falar de tal modo. Além de provarmos a divindade de Cristo, considere também: i. Os gloriosos e incomunicáveis atributos de Deus Pai são atribuídos a Cristo - Deus Pai é onipotente? Também o é Jesus Cristo. Ele é Todopoderoso (Ap 1.8) e criador (Cl 1.16). Deus Pai é infinitamente imenso, preenchendo todos os lugares (Jr 23.24)? Jesus Cristo também é. Enquanto Cristo estava sobre a terra, em presença corpórea, estava também, ao mesmo tempo, no seio do Pai, em presença divina (Jo 3.13). ii. As mesm as prerrogativas régias que pertencem a D eus Pai pertencem, também, a Cristo. Deus Pai determina absolvição? Esta é a parte mais nobre da coroa de Cristo: “Estão perdoados os teus pecados” (Mt 9.2). Cristo não somente perdoa o pecado como fazem os ministros59 (por meio de um poder que lhes é delegado divinamente), ele o faz por seu próprio poder e por sua própria autoridade. É Deus o objeto adequado da fé? D eve-se crer nele? Da m esm a m aneira com seu Filho (Jo 14.1). A adoração pertence a Deus Pai? Também pertence ao Filho. “E todos os anjos de Deus o adorem” (Hb 1.6). Quão sacrílegos, então, foram os socinianos, que tiraram de Cristo sua divindade, o mais fino adorno de sua coroa. Aqueles que negam que Cristo é Deus interpretam mal as Escrituras ou, então, pior que isso, negam que elas sejam a Palavra de Deus. 3. O ensino escriturístico da Trindade refuta os arianos,60 que negam a divindade do Espírito Santo. A divindade eterna se sustenta no Espírito Santo. “Ele vos guiará a toda a verdade” (Jo 16.13). Cristo não está falando de um atributo, mas de uma pessoa.

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A divindade se sustenta na pessoa do Santo Espírito, e essa verdade se evidencia nisto: o Espírito, que distribui os diversos dons, chama-se o mesmo Senhor e o mesmo Deus (IC o 12.5,6). As Escrituras afirmam que o pior pecado e o pecado imperdoável é aquele cometido contra a divindade que existe no Espírito Santo (Mt 12.32). O enorme poder de Deus se manifesta pelo Espírito Santo, uma vez que é este que modifica os corações dos hom ens. O diabo q u eria que C risto p ro v asse sua d iv in d ad e pela transformação de pedras em pães, mas o Espírito Santo mostrou sua divindade ao transformar pedras em carne: “Tirarei de vós o coração de pedra e vos darei coração de carne” (Ez 36.26). Mais ainda, o poder e a divindade do Espírito Santo apareceram ao se realizar a gloriosa concepção de nosso Senhor Jesus Cristo. A sombra real do Espírito Santo fez que uma virgem concebesse (Lc 1.35). O Espírito Santo opera milagres que transcendem a esfera da natureza, como erguer da morte (Rm 8.11). A ele pertence a adoração divina; nossas almas e nossos corpos são templos do Espírito Santo (1 Co 6.19,20), nos quais ele deve ser adorado. Somos batizados no nome do Espírito Santo, portanto, devemos crer em sua divindade ou renunciar ao batismo em seu nome. Penso que teria sido melhor para tais homens não terem ouvido tanto a respeito da existência do Espírito Santo (At 19.2), do que negar sua deidade. Aqueles que, intencional e prontamente, apagam a terceira pessoa terão seus nomes apagados do livro da vida. Segunda aplicação: exortação. 1. Creia nesta doutrina da Trindade de pessoas em uma unidade de essência. A Trindade é simplesmente um objeto de fé; a linha de prumo da razão é muito curta para penetrar esse mistério; porém, onde a razão não pode atravessar a pé, a fé pode nadar. Há algumas verdades na religião que podem ser demonstradas pela razão (como a verdade que há um Deus), mas a Trindade de pessoas numa unidade de essência é completamente sobrenatural e deve ser aceita pela fé. Essa doutrina sagrada não vai de encontro à razão, mas coloca-se acima dela. Aqueles filósofos iluminados, que podiam encontrar as causas das coisas e discursar sobre a magnitude e a influência das estrelas, sobre a natureza dos minerais, não puderam jam ais, nem por intermédio de suas buscas mais profundas, desvendar o mistério da Trindade. Ela é uma revelação divina e deve ser adorada com uma crença humilde. Não podemos ser bons cristãos sem uma firme crença na Trindade. Como podemos orar a Deus Pai se não no nome de Cristo e pela ajuda do Espírito? Como crer na gloriosa Trindade? Como são abomináveis os Quakers que, usando o nome de cristãos, menosprezam e renunciam a Jesus Cristo.

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Ouvi de alguns Quakers o seguinte: “Negamos a pessoa daquele a quem vocês chamam Cristo, e afirmamos que aqueles que esperam serem sal­ vos por tal Cristo, sem obras, serão condenados nessa fé”. Poderia o próprio diabo proferir blasfêmia pior? Eles arrancam toda a religião pela raiz e jogam fora a pedra de alicerce, sobre a qual se ergue a esperança de nossa salvação. 2. Se há um Deus subsistindo em três pessoas, então devemos dar a mesma reverência a todas as pessoas da Trindade. Não há mais ou menos na Trindade; o Pai não é mais Deus que o Filho ou que o Espírito Santo. Há uma ordem na divindade, mas não uma gradação; uma pessoa não detém a maioridade ou a supereminência sobre outra; portanto, devemos dar igual adoração a todas as pessoas. “A fim de que todos honrem o Filho do modo por que honram o Pai” (Jo 5.23). Adore a unidade na Trindade. 3. Obedeça a todas as pessoas na bendita Trindade, porque todas são Deus. Obedeça a Deus Pai. O próprio Cristo, enquanto homem, obedeceu a Deus Pai (Jo 4.34), e nós ainda mais devemos obedecer (Dt 27.10). Obedeça a Deus Filho. “Beijai o Filho para que se não irrite” (SI 2.12). Beije-o com o beijo da obediência. Os mandamentos de Cristo não são penosos (1 Jo 5.3). Qualquer coisa que ele nos ordene é para nosso interesse e benefício. Então, beije o Filho. Por que os anciãos depositaram suas coroas aos pés de Cristo e se prostraram diante do Cordeiro (Ap 4.10,11)? Para testificar sua sujeição a Cristo e professar sua prontidão em servi-lo e obedecê-lo. Obedeça a Deus Espírito Santo. Nossos espíritos são soprados para dentro de nós pelo glorioso Espírito. “O Espírito de Deus me fez” (Jó 33.4). Nossos espíritos são adornados pelo bendito Espírito. Toda a graça é uma centelha divina acesa no espírito pelo Espírito Santo. Mais ainda, o Espírito de Deus santificou a natureza humana de Cristo e a uniu à divina e qualificou o homem Cristo para ser nosso mediador. Bem, então, essa terceira pessoa na Trindade, o Espírito Santo, merece ser obedecida, porque ele é Deus e é digno desse tributo de reverência e obediência de nossa parte. N. A CRIA ÇÃO PERGUNTA 7: Quais são os decretos de Deus? RESPOSTA: Os decretos de Deus são seu propósito eterno, de acordo com o plano de sua vontade, por meio dos quais, para sua própria glória, ele preordenou todas as coisas que acontecerão. Já falei alguma coisa a respeito dos decretos de Deus em minha exposição do atributo da imutabilidade de Deus. Ele é imutável em sua essência e é imutável em seus desígnios; seu plano permanecerá. Ele designa

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o fim de todas as coisas e o executa por sua providência; devo, portanto, prosseguir na execução de seus desígnios. PERGUNTA 9: A próxima pergunta é: Qual é a obra da criação? RESPOSTA: É Deus criando todas as coisas a partir do nada, pela palavra de seu poder. Gênesis 1.1: “No princípio, criou Deus os céus e a terra”. É glorioso contemplar a criação, além de ser um estudo agradável e proveitoso. Pensa-se que quando Isaque saiu ao campo para meditar foi para estar em contato com o livro da criação. A criação é a Bíblia do homem pagão, a cartilha do lavrador, os óculos de perspectiva do viajante, pelos quais ele vê uma representação das infinitas excelências que há em Deus. A criação é um grande volume, no qual as obras de Deus estão unidas. Nesse volume há três grandes folhas: céu, terra e mar. O autor da criação é Deus, como está no texto: “ Deus criou” . O mundo foi criado no tempo, e não podia ser desde a eternidade, como pensava Aristóteles. O mundo precisou de um construtor e não poderia ter feito a si mesmo. Se alguém for para um país distante e lá vir edifícios grandiosos, jamais irá imaginar que eles se construíram a si próprios, mas que houve um artífice que levantou tais estruturas tão vistosas. Do mesmo modo, este grande sistema que é o mundo não poderia criar a si mesmo, foi necessário um construtor, e este é Deus. “No início, Deus criou.” Imaginar que a obra da criação não foi moldada pelo Senhor Jeová é como se concebêssemos uma paisagem singular sendo desenhada sem a mão de um artista. “O Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe” (At 17.24). Na obra da criação há duas coisas a serem consideradas: 1. A feitura', 2. Os adornos. 1. A feitura do mundo Aqui, vamos considerar: a. Deus fe z o mundo sem nenhum material preexistente Essa é a diferença entre geração e criação. Na geração há material adequado à disposição, ou seja, algum tipo de material para se trabalhar a partir dele; porém, na criação, não há material preexistente. Deus trouxe toda essa construção de mundo maravilhosa do ventre do nada. Nosso começo foi do nada. Alguns se orgulham de seu nascimento e de sua descendência; mas quão pouco eles têm para se jactar, os que vieram do nada. h. Deus fe z o mundo com uma palavra Quando Salomão construiu o templo, precisou de muitos trabalhadores e todos eles tinham ferramentas com que trabalhar. Porém, Deus lavrou

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sem ferramentas. “Os céus por sua palavra se fizeram” (SI 33.6). Os discípulos se maravilharam de que Cristo pudesse acalmar o mar com uma palavra, mas foi necessária somente uma palavra para fazer o mar acalmar. c. Deus fe z o mundo em perfeição Ele fez todas as coisas muito boas (Gn 1.31), sem nenhum defeito ou deformidade. A criação emergiu das mãos de Deus como uma peça exata; estava passada a limpo, sem rasura, escrita pelos próprios dedos de Deus (SI 8.3). Sua obra foi perfeita. 2. O adorno do m undo Deus fez essa grande massa compacta, sem forma ou ordem e, então, tomou-a bela. Ele dividiu o mar e a terra, cobriu a terra de flores, de árvores com frutos, mas o que é a beleza quando está encoberta? Portanto, para que pudéssemos contemplar essa glória, Deus fez a luz. Os céus resplandeceram com o Sol, com a Lua e com as estrelas. Dessa maneira, a beleza do mundo podia ser contemplada e admirada. Deus, na criação, começou com coisas menos nobres e excelentes, como rochas e vegetais; depois criou as criaturas racionais: os anjos e os homens. O hom em é a peça m ais ex traordinária da criação. Ele é um microcosmo, um mundo em miniatura. O homem foi feito com ponderação e com planejamento. Diz a Bíblia: “Façamos o homem” (Gn 1.26). E comum os artífices serem mais cuidadosos que o normal quando estão prestes a fazer sua obra-prima. O homem devia ser a obra-prima deste mundo visível, portanto, Deus se aconselhou sobre a feitura de peça tão incomum. Um conselho solene das pessoas sagradas da Trindade foi convocado: “Façamos o homem à nossa imagem”. Na moeda do rei é estampada sua própria imagem ou efígie; do mesmo modo, Deus estampou sua imagem no homem, e fez dele participante de muitas das qualidades divinas. Falarei um pouco sobre o corpo do homem e sobre a alma do homem. a. As partes do corpo do homem i. A cabeça, a p arte arquitetonicam ente mais excelente. É a fonte das disposições e o lugar da razão. Na natureza a cabeça é a melhor parte, porém o coração a excede em graça. ii. Os olhos são a beleza da face. Brilham e refulgem como um pequeno sol no corpo. Os olhos ocasionam muito pecado e, portanto, podem trazer lágrimas. iii. O ouvido é o can al pelo q u al o conhecim ento é tra n sm itid o . É melhor perder nossa vista que nossa audição, porque a fé vem pelo ouvir (Rm 10.17,). Ter um ouvido aberto para Deus é a melhor jóia.

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iv. A língua é a glória do homem. Davi chama a língua de sua glória (Sl 16.9), porque ela é um instrum ento para declarar a glória de Deus. O espírito, no começo, era como uma harpa afinada para louvar a Deus e a língua fazia a melodia. Deus nos deu dois ouvidos, mas uma só língua, para nos mostrar que devemos ser prontos para ouvir, mas tardios para falar. Deus colocou uma cerca dupla diante da língua: os dentes e os lábios, para nos ensinar a ser cuidadosos em não ofender com nossa língua. v. O coração é um a p arte nobre e o órgão da vida b. A alma do homem Isto é o homem do homem. O homem, com relação à sua alma, tem parte com os anjos. Mais ainda, como diz Platão, o entendimento, a vontade e a consciência são um espelho que remete à Trindade. A alma é o diamante no anel, é um vaso de honra; o próprio Deus se serve desse vaso. E uma centelha do brilho celestial, diz Damasceno. Davi admirou a estrutura extraordinária e a feitura de seu corpo: “por modo assombrosamente maravilhoso me formaste... entretecido como nas profundezas da terra” (Sl 139.14,15). Se o porta-jóias foi tão maravilhosamente formado, o que dizer da jóia? Quão magnificamente foi entretecida a alma. Desta maneira se pode ver quão gloriosa é a obra da criação, especialmente o homem, que é a epitome do mundo. 3. Razões p ara a criação do m undo Uma pergunta se toma pertinente aqui: Por que Deus fe z o mundo? Podemos responder negativamente e positivamente. a. Negativamente Ele não fez para si mesmo, pois sendo infinito, não precisava dele. Ele era feliz em cogitar sobre as próprias excelências e perfeições sublimes antes que o mundo existisse. Deus não criou o mundo para ser uma mansão em que residiria perpetuamente. O céu é sua morada (Jo 14.2). O mundo é somente um corredor para a eternidade; o mundo é para nós como o deserto para Israel, não um descanso, mas uma jo rn ad a para chegar a Canaã. O mundo é um camarim para adornar nossas almas, não um lugar onde ficaremos para sempre. O apóstolo nos fala sobre o funeral do mundo: “Os elementos se desfarão abrasados; também a terra e as obras que nela existem serão atingidas” (2Pe 3.10). b. Positivamente Deus fez o mundo para revelar a própria glória. O mundo é um espelho pelo qual podemos ver o poder e a bondade de Deus refletidos. “Os céus

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proclamam a glória de Deus” (SI 19.1). O mundo é como uma curiosa peça de tapeçaria, na qual podemos ver a habilidade e a sabedoria daquele que a fez. A

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Primeira aplicação: Deus criou o mundo? Então considere o seguinte: 1. Deus é o criador do mundo, isso deve nos convencer da realidade de sua divindade. Criar é próprio de um Deus (At 17.24). Platão se convenceu da existência de um Deus quando viu que nada no mundo poderia fazer uma mosca. Assim, Deus prova ser o verdadeiro Deus, distinguindo-se dos ídolos (Jr 10.11). Está escrito na língua dos caldeus: “Assim lhes direis: Os deuses que não fizeram os céus e a terra, e as nações não podem suportar a sua indignação” . Quem pode criar, senão Deus? A criação é suficiente para convencer o pagão de que há um Deus. Há dois livros pelos quais Deus julgará e condenará o idólatra, a saber, o livro da consciência - “mostram a norma da lei gravada no seu coração” (Rm 2.15) - e o livro da criação “Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas” (Rm 1.20). O mundo está cheio de emblemas e de hieróglifos. Toda estrela no céu e toda ave que voa nos ares são testemunhas contra o pagão. Uma criatura não pode criar a si mesma. 2. O fato de Deus criar é um poderoso pináculo da fé. Ele, que fez todas as coisas com uma palavra, o que não poderá fazer? Ele pode criar força na fraqueza; pode criar um suprimento para as nossas necessidades. Que questão louca foi aquela suscitada entre os israelitas no deserto: “ Pode, acaso, Deus preparar-nos mesa no deserto?” (SI 78.19). Aquele que fez o mundo não pode fazer muito mais? “O nosso socorro está em o nome do S enhor , criador do céu e da terra” (SI 124.8). Espere por socorro nesse Deus, que fez o céu e a terra. Assim como a obra da criação é um monumento do poder de Deus, da mesma maneira é um suporte para a fé. Está o teu coração pesado? Ele pode, com uma palavra, criar leveza. Está sujo? Ele pode criar pureza. “Cria em mim, ó Deus, um coração puro” (SI 51.10). Está a igreja de Deus fraca? Ele pode criar alegria para Jerusalém (Is 65.18). Não há pilar mais dourado para a fé do que se firmar sobre um poder criador. 3. Deus fez este mundo cheio de beleza e de glória, tudo muito bom? Então, que coisa nociva é o pecado, que colocou em desordem toda a criação. O pecado eclipsou a beleza, deixou amarga a doçura e arruinou a harmonia do mundo. Como esse fel é amargo, pois uma gota pôde tom ar amargo um mar inteiro. O pecado trouxe tormento e tomou vão o mundo, sim, uma

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maldição. Deus amaldiçoou a terra por causa do homem (Gn 3). Houve muitos frutos da maldição, veja alguns: i. A fadiga no sustento. “Em fadigas obterás dela [da terra] o sustento” (v. 17). “Em fadigas” deve ser entendido em todos os problemas e cuidados desta vida. ii. A pena no trabalho. “No suor do rosto comerás o teu pão” (v. 19). Na inocência, Adão cultivava a terra, pois não devia viver ociosamente; porém, era mais um prazer que um trabalho. Esse arado era sem labuta. O sustento com fadiga e o suor da fronte vieram após o pecado. iii. A desordem na natureza. “ Ela [a terra] produzirá também cardos e abrolhos” (v. 18). Durante o período da inocência a terra produzia cardos, qual motivo de após a queda serem considerados uma punição? E provável que a terra produzisse cardos, porque quando Deus terminou a criação não produziu outras espécies ou outros tipos de coisa. Porém, o significado é que, agora, depois do pecado, a terra produziria cardos de maneira mais abundante e, também, que eles seriam danosos e sufocariam o trigo, pois a qualidade de serem nocivos não estava neles antes. Desde a queda, todos os confortos desta vida têm um espinho e um cardo neles. iv. A expulsão do paraíso. O quarto fruto da maldição foi a expulsão do homem do paraíso. “E, expulso o homem...” (v. 24). No princípio, Deus colocou o homem no paraíso como numa casa recém-decorada, como um rei em seu palácio. “Dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela terra” (Gn 1.28). O fato de Deus expulsar Adão do paraíso significou seu destronamento e o seu banimento significou que ele devia procurar um paraíso celestial e ainda melhor. v. A maldição da morte. Um quinto fruto da maldição foi a morte. “Ao pó tomarás” (v. 19). A morte não era natural para Adão, mas veio após o pecado. Josefo61 é de opinião que o homem devia morrer, embora devesse ter um longo período de anos acrescen tad o à sua vida; porém , é inquestionável que a morte cresceu da raiz do pecado, como diz o apóstolo: “e pelo pecado, a morte” (Rm 5.12). Portanto, veja que coisa amaldiçoada é o pecado, que trouxe tantas maldições sobre a criação. Se não odiarmos o pecado por sua deformidade, então odiemo-lo por causa das maldições que traz. 4. Deus fez este mundo glorioso? Ele fez tudo bom? Havia na criatura tanta beleza e doçura? Então, quanta doçura há em Deus? “A causa é sempre mais nobre que o efeito.” Pense por si só: há muita excelência em casa e em propriedades? Então, quanto mais há em Deus, que as fez. Há beleza numa rosa? Quanta beleza, então, há em Cristo, a Rosa de Sarom. O azeite dá brilho ao rosto? (Sl 104.15) Como, então, não deve brilhar o semblante

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de Deus. O vinho alegra o coração? Quanta virtude há no verdadeiro vinho. O fruto do jardim é doce? Como são deliciosos os frutos do Espírito. Uma mina de ouro é preciosa? Quão precioso é aquele que fundou a mina. Quão precioso é Cristo, em quem estão escondidos todos os tesouros? (Cl 2.3). Deveríamos ascender da criatura para o Criador. Se há algum conforto aqui neste mundo, quanto mais há em Deus, que fez todas essas coisas. Como é irracional que tenhamos mais prazer no mundo que naquele que o fez. Os nossos corações deveriam estar assentados em Deus e deveríamos estar com ele, em quem há infinitamente mais doçura que em qualquer outra criatura! Segunda aplicação: sobre a exortação. 1. Deus criou o mundo? Vamos, sabiamente, observar as obras da criação. Deus não nos deu somente o livro das Escrituras para ler, mas, também, o livro da criação. Olhe para cima, para os céus, porque eles mostram muito da glória de Deus. O Sol doura o mundo com seus raios brilhantes. Observe as estrelas, o movimento regular delas em suas órbitas, a magnitude, a luz e a influência. Podemos ver a glória de Deus brilhando no Sol e cintilando nas estrelas. Olhe para o mar, e veja as maravilhas de Deus na profundeza (SI 107.24). Olhe para o ar, onde os pássaros entoam melodias de louvor ao Criador. Olhe para a terra, onde podemos nos admirar com a natureza dos minerais, o poder da magnetita, a virtude das ervas. Veja a terra adornada com flores, como uma noiva. Todas essas coisas são efeitos gloriosos do poder de Deus. Ele bordou a criação com pontos singulares, de maneira que observemos sua sabedoria e sua bondade, e lhe rendamos o louvor que lhe é devido. “Que variedade, S hnhor, nas tuas obras! Todas com sabedoria as fizeste” (SI 104.24). 2. Deus criou todas as coisas? Vamos obedecer nosso Criador. Somos dele por direito de criação, pois devemos nossa existência a ele. Se alguém nos sustenta, sentimo-nos impelidos a servi-lo; muito mais deveríamos servir e obedecer a Deus, que nos dá vida. “Pois nele vivemos e nos movemos” (At 17.28). Deus fez as coisas para serviço do homem: o cereal para nutrição, os animais do campo para benefício, os pássaros para a música, o homem deveria estar a serviço de Deus. Os rios vêm do mar e tornam para ele. Tudo o que temos vem de Deus. Vamos honrar nosso Criador e viver para ele, que nos fez. 3. Deus fez nossos corpos do pó e o pó do nada? Vamos reprimir o orgulho. Quando Deus admoestou Adão, usou esta expressão: “pois dela [da terra] foste formado” (Gn 3.19). Por que és orgulhoso, tu que és pó e cinza? Foste formado de metal ordinário. “Uma vez que tu és humilde, por que não caminhas humildemente?” (Bernard). Davi escreveu: “por modo assombrosamente maravilhoso me formaste” (SI 139.14). Tu, que foste maravilhosamente

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formado, deves ser grato; tendo sido feito do pó, deves te manter humilde. Se tu és belo, isso nada mais é que terra colorida. Teu corpo não é mais que ar e poeira misturados, e este pó voltará ao pó. Quando o Senhor disse que os juizes eram deuses (Sl 82.6), receando que se ensoberbecessem, disse-lhes que eram deuses mortais: “como homens, morrereis” (v. 7). 4. Deus criou nossas almas segundo sua imagem, mas a perdemos? Não vamos ter descanso enquanto não formos restaurados à imagem de Deus. Agora somos a imagem do diabo no orgulho, na malícia e na inveja. Vamos ter restaurada a imagem de Deus, que consiste no conhecimento e na retidão (Cl 3.10; E f 4.24). A graça é nossa maior beleza, ela nos faz semelhantes a Deus e aos anjos. Como o Sol é para o mundo, assim é a santidade para a alma. Vamos a Deus para que ele repare sua imagem em nós. Senhor, tu que uma vez me fizeste, faz-me outra vez; o pecado tem desfigurado tua imagem em mim, então, Senhor, desenha-a novamente com a caneta do Santo Espírito. O . A PRO VIDÊNCIA DE D E U S

PERGUNTA 11: Quais são as obras da providência de Deus? RESPOSTA: As obras da p ro v id ên cia de D eus são seus atos máximos de santidade, de sabedoria e seu poder para governar suas criaturas e suas ações. Cristo diz a respeito da obra da providência de Deus: “Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também” (Jo 5.17). Deus descansou da obra da criação, não criou mais nenhuma espécie de coisas. “Descansou nesse dia de toda a sua obra que tinha feito” (Gn 2.2). Portanto, esse deve ser o significado das obras da providência: “M eu Pai trabalha e eu trabalho” . “O seu reino domina sobre tudo” (Sl 103.19); isto é, seu reino providencial. Para esclarecer esse ponto, é preciso primeiramente mostrar que há uma providência; em seguida definir o que seja essa providência; e depois,formular alguns conceitos ou proposições a respeito da providência de Deus. 1. A realidade da providência de Deus Há uma providência. Não há o que se chama destino cego, mas há uma providência que guia e governa o mundo. “A sorte se lança no regaço, mas do S enhor procede toda decisão” (Pv 16.33). 2. A definição de providência de Deus O que é essa providência? Minha resposta: a providência é a ordenação de Deus sobre todas as causas e conseqüências das coisas, segundo o conselho de sua vontade, para sua própria glória.

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a. A providência se distingue dos decretos de Deus Chamo de providência a ordenação de Deus sobre as coisas para fazer distinção entre isso e seus decretos. Os decretos de Deus ordenam as coisas que acontecerão. A providência de Deus as determina. b. A providência se conforma ao conselho de Deus Chamo de providência a ordenação das coisas segundo o conselho da vontade de Deus. c. A providência visa à glorificação de Deus Deus comanda todos os eventos, segundo o conselho de sua vontade, para sua glória, que é o fim maior de todos os seus atos e o ponto em que todas as linhas de providência se encontram. A providência de Deus é Regina m u n d i- lla rainha e governante do mundo”; é o olho que vê, a mão que gira todas as engrenagens do universo. Deus não é como um artesão que constrói uma casa e, então, deixa-a; antes é como um piloto que conduz o navio de toda a criação. 3. O alcance da providência de Deus Podemos apresentar a seguinte proposição acerca da providência de Deus: ela está presente em tudo na vida dos homens, isto é, todos os lugares, todas as pessoas e todos os acontecimentos. a. A providência de Deus alcança todos os lugares “Acaso sou Deus apenas de perto, diz o S enhor , e não também de longe?” (Jr 23.23). O alcance da providência de Deus é imenso, ela alcança o céu, a terra e o mar. “Os que, tomando navios, descem aos mares... esses vêem as obras do S enhor ” (SI 107.23,24). Pois bem, que o mar, que é maior que a terra, não a inunde é uma maravilha da providência. O profeta Jonas viu as maravilhas de Deus nas profundezas, quando o grande peixe que o engoliu depois o deixou a salvo na praia. b. A providência de Deus alcança todas as pessoas Ela alcança especialmente as pessoas devotas que, de maneira espe­ cial, procuram conhecê-la. Deus tem cuidado de cada santo em particular, como se não houvesse mais ninguém de quem cuidar. “Porque ele tem cuidado de vós” (1 Pe 5.7), isto é, o eleito de maneira especial. “Eis que os olhos do S enhor estão sobre os que o temem, sobre os que esperam na sua misericórdia... e, no tempo da fome, conservar-lhes a vida” (SI 33.18,19). Deus, por seu providencial cuidado, defende seu povo dos perigos e coloca

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anjos protetores ao seu redor (Sl 34.7). A providência de Deus preserva os ossos dos santos (Sl 34.20), recolhe no odre suas lágrimas (Sl 56.8), fortalece-os na sua fraqueza (Hb 11.34), e supre todas as suas necessidades (Sl 23.5). Assim, a providência supre maravilhosamente as necessidades dos eleitos. Quando os protestantes em Rochelle foram sitiados pelo rei da França, Deus, por sua providência, mandou um grande número de pequenos peixes para alim entá-los, como nunca tinham visto antes naquele porto. Da mesma maneira o corvo, aquela criatura desnaturada (que dificilmente alimenta a própria prole), providencialmente trouxe sustento ao profeta Elias (lR s 17.6). Veja o caso de Maria que, gerando e dando à luz ao Messias, ajudou a enriquecer o mundo, ainda que ela mesma fosse muito pobre. Um pouco depois de ter nascido o bebê, foi alertada pelo anjo para que fugisse para o Egito (Mt 2.13), no entanto, não tinha recursos suficientes para levar seus pertences àquela terra; porém, observe como Deus, antecipadamente, provê: em sua providência, ele envia os magos, desde o oriente, os quais levaram presentes caros, como o ouro, a mirra e o incenso, que presentearam Cristo. Assim, Maria teve o suficiente para custear suas despesas no Egito. Os filhos de Deus, às vezes, não sabem como são alimentados, sabem somente que a providência os alim entou. “Verdadeiramente serás alim entado” (Sl 37.3, RC). Se Deus vai dar um reino a seus filhos, quando morrerem, não lhes negará o pão de cada dia enquanto viverem. c. A providência de Deus alcança todos os acontecimentos Ou seja, ela alcança todos os negócios e ocorrências no mundo. Não há nada que se mova no mundo que Deus não tenha, por sua providência, ordenado. Há honra na exaltação do homem? (Sl 75.7). A um ele abate, a outro exalta. O sucesso e a vitória na batalha são resultados da providência. Saul tinha a vitória, mas Deus deu a salvação (ISm 11.13). O fato de que dentre todas as virgens trazidas à presença do rei só Ester tenha achado graça diante de seus olhos, não teria acontecido sem a providência especial de Deus. Por causa disso o Senhor salvou os judeus que estavam destinados à destruição. A providência atinge as mínimas coisas: dos pássaros às formigas. A providência alimenta os filhotes dos corvos, quando a mãe os abandona e não mais lhes providencia comida (Sl 147.9). A providência atinge até mesmo os cabelos de nossa cabeça. “Até os cabelos todos da cabeça estão contados” (Mt 10.30). Certamente, a providência atinge todos os lugares, todas as pessoas, todas as ocorrências e todos os negócios.

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4. Objeções à d o u trin a da providência de Deus Há, porém, duas objeções contra essa doutrina: a. As desordens do mundo contradizem a providência de Deus A primeira objeção pode ser apresentada assim: Alguns dizem que há muitas coisas no mundo feitas de maneira desordenada ou irregular e que, com certeza, a providência de Deus não está nessas coisas. Sim, as coisas que nos parecem irregulares Deus faz uso delas para a própria glória. Suponha que você esteja na oficina de um mecânico vendo os vários tipos de ferramentas, algumas torcidas, algumas curvas, outras em forma de gancho. Você reprovaria todas essas ferramentas por não parecerem bonitas? O m ecânico usa todas elas para fazer seu trabalho. O mesmo acontece com as providências de Deus: elas nos parecem muito tortuosas e bastante estranhas, mas ainda assim levam avante a obra de Deus. Posso esclarecer isso com dois casos em particular: i. A hum ildade e a aflição dos piedosos. Às vezes, o povo de Deus é humilde. Parece errado que aqueles que são os melhores estejam na condição mais humilde, mas há mais sabedoria nessa providência, como: Em primeiro lugar, pense que talvez os corações dos piedosos se exaltem com as riquezas ou com o sucesso. Então, Deus envia uma providência humilhante para afligi-los e lapidá-los. Melhor é o prejuízo que os faz humildes do que o sucesso que os toma orgulhosos. Também pense que se os piedosos não fossem, às vezes, afligidos, sofrendo um eclipse em seu aparente bem -estar, como suas virtudes poderiam ser vistas, especialmente a fé e a paciência? Se o Sol estivesse sem pre brilhando, não veríam os as estrelas; da m esm a m aneira, se tivéssemos somente prosperidade, seria difícil perceber a fé do homem em ação. Dessa maneira, podemos ver que as providências de Deus são sábias e harmoniosas, embora, para nós, pareçam estranhas e tortuosas. ii. A prosperidade e a segurança dos ímpios. Eis o outro caso: a prosperidade do ímpio. Isso parece muito errado. Porém, Deus, em sua providência, considera bom que, algumas vezes, os piores dos homens sejam exaltados e que eles façam uma parte da obra de Deus, embora ela seja oposta à vontade deles (Is 10.7). A vontade de Deus não depende de homem algum. Algumas vezes, ele usa o ímpio para proteger e defender sua igreja; e, outras vezes, para refiná-la e purificá-la. “ [Tu] o fundaste para servir de disciplina” (Hc 1.12). Como disse o profeta: tu ordenaste o ímpio para corrigir teus filhos. Na verdade, como bem disse Agostinho: “ Somos devedores aos ímpios, os quais, contra a própria vontade, fazem-nos bons” . Como o trigo é devedor ao mangual para ser debulhado de suas palhas, ou o ferro é devedor à lima para ficar brilhante, assim os piedosos são devedores

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ao ímpio que, embora contra sua vontade, aviva e refina suas virtudes. Portanto, se o ímpio executa a própria obra de Deus, embora contra sua vontade, ele não os deixará em desvantagem por causa disso, antes os exaltará no mundo e lhes dará uma taça cheia de confortos terrenos. Dessa m aneira, pode-se ver que as providências são sábias e harmoniosas, embora nos pareçam estranhas e tortuosas. b. A providência torna Deus participante do pecado dos homens Outros, porém, podem dizer que se Deus regula todas as coisas que estão em desavença, ele tem parte nos pecados dos homens. Minha resposta para isso é: não, de jeito nenhum. Deus não tem parte alguma no pecado do homem. Deus não pode agir contrariamente à sua própria natureza, ele não pode cometer nenhum ato pecaminoso, do mesmo modo que não se pode mandar o Sol escurecer. Devemos ser atenciosos a dois pontos neste momento: por um lado, precisamos ter cuidado para não afirmar que Deus é ignorante quanto aos pecados dos homens e, por outro lado, precisamos ter cuidado para não afirmar que Deus tem parte nos pecados dos homens. E possível que Deus seja o autor e o vingador do pecado? É possível que Deus fizesse uma lei contra o pecado e, então, tomasse parte na quebra dessa lei? Deus, em sua providência, perm ite os pecados dos homens. “O qual, nas gerações passadas, perm itiu que todos os povos andassem nos seus próprios caminhos” (At 14.16). Deus permitiu o pecado deles, o que jam ais faria se não pudesse trazer algo de bom disso. Caso o pecado não tivesse sido permitido, a justiça de Deus na punição e sua graça no perdão ao pecado também não teriam sido permitidas. O Senhor se agrada em permiti-las, mas não tem parte com o pecado. Mas, não está escrito que Deus endureceu o coração do faraó? Isso é mais do que simplesmente perm itir o pecado. Deus não incute a maldade no homem. Ele retira a influência de sua graça e, então, o coração se endurece por si só; assim como quando se retira a luz, a escuridão preenche o ambiente. Assim, nesse caso, seria um absurdo dizer que a luz escureceu o ambiente. E, você irá observar que faraó endureceu o próprio coração (Êx 8.15). Deus não é a causa de nenhum pecado do homem. É verdade que Deus é responsável pela ação em que o pecado está, mas não é responsável pelo pecado da ação. Um homem pode tocar um instrumento desafinado, mas a desafinação é por si mesma. Do mesmo modo, os atos dos homens, enquanto naturais, procedem de Deus; porém, quando pecaminosos, procedem dos próprios homens, e Deus não tem parte neles. Como anteriormente disse: a providência de Deus alcança todos os lugares, todas as pessoas e todas as ocorrências.

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5. Proposições sobre a providência de Deus Agora, além da anterior, estabeleceremos mais algumas proposições sobre a providência de Deus. a. A providência divina é predeterminada, mesmo que para nós pareça casualidade Uma segunda proposição é que essas providências, que para nós são eventuais e acidentais, são predeterminadas pelo Senhor. A queda de uma telha sobre a cabeça de alguém e o surgimento de um incêndio, o que nos parecem casuais, são, na verdade, ordenados pela providência de Deus. Tem-se um claro exemplo disso em 1 Reis 22.34: “Então, um homem entesou o arco e, atirando ao acaso, feriu o rei de Israel por entre as juntas da sua armadura” . Esse acidente foi casual para o homem que entesou o arco, mas era divinamente ordenado pela providência de Deus. A providência de Deus dirigiu a flecha para que atingisse o alvo. As coisas que parecem acidentais, ou por acaso, são os canais dos decretos de D eus e a interpretação da sua vontade. b. A providência divina deve ser considerada, mas não deve se tornar uma regra para nossas ações Devemos considerar a providência de Deus em todos os aspectos de nossa vida, mas não devemos agir como que esperando apenas por ela. “Quem é sábio atente para essas cousas” (SI 107.43). É bom observar a providência, mas não devemos fazer dela nossa regra de vida. A providência é um diário do cristão, mas não sua Bíblia. As vezes, um motivo ruim predomina e se estabelece, porém, não deve ser apreciado por predominar. Não devemos pensar o melhor de algo que é pecado, simplesmente porque é bem-sucedido. Tais fatos não devem se tomar regra para o direcionamento de nossas ações. c. A providência divina é irresistível, nada há que im peça sua realização Não há no caminho da providência de Deus nada que a embarace. Quando chegou o tempo da soltura de José, a prisão não mais pôde detê-lo. “O rei mandou soltá-lo” (SI 105.20). Quando Deus satisfez os judeus com liberdade de religião, Ciro, pela providência, baixou uma proclamação encorajando-os a irem a Jerusalém para construir o templo e adorar a Deus (Ed 1.2,3). Se Deus pretendia defender e proteger a pessoa de Jeremias no cativeiro, o próprio rei da Babilônia iria alimentar o profeta e dar ordens para que nada lhe faltasse (Jr 39.11,12).

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d. A providência divina é plena de confiança, mesmo quando todas as circunstâncias parecem contrárias Deve-se confiar em Deus quando suas providências parecem contrárias às suas promessas. Deus prometeu dar a coroa a Davi, fazê-lo rei. Porém, a providência caminhava em direção contrária a essa promessa. Davi foi perseguido por Saul e ficou em perigo de morte, porém era dever de Davi confiar em Deus. Por favor, note que o Senhor, por interm édio das providências da cruz, sempre cumpre sua promessa. Deus prometeu a Paulo a vida de todos aqueles que estavam com ele no navio; mas, a providência de Deus parecia contrária a essa promessa, pois os ventos sopravam e o navio rachou e partiu-se em pedaços. E foi assim que o Senhor cumpriu sua promessa: boiando sobre os pedaços do navio, eles chegaram a salvo na praia. Confie em Deus quando as providências parecem contrárias às promessas. e. As p rovidência s de D eus são um conjunto de vicissitudes, são entrelaçadas Na vida futura não haverá misturas: no inferno só haverá amargura, no céu, somente doçura. Porém, nesta vida, as providências de Deus são misturadas, há nelas tanto algo doce como algo amargo. As providências são como a coluna de nuvem de Israel, que conduzia o povo em sua marcha, que era escura de um lado e tinha luz do outro. Na arca estavam a vara e o maná, assim são as providências de Deus para seus filhos: há algo da vara e algo do maná. Dessa maneira, podemos falar, como Davi: “Cantarei a bondade e a justiça” (SI 101.1). Quando José estava na prisão, estava do lado escuro da nuvem; mas Deus estava com José, era o lado luminoso da nuvem. Os sapatos de Aser eram de bronze, mas seus pés eram banhados em azeite (Dt 33.24). Portanto, a aflição é o sapato de bronze que aperta, mas há graça misturada à aflição, por isso os pés estão banhados em azeite. / A mesma ação, se vier da providência de Deus, pode ser boa; mas se vier dos homens pode ser pecado Por exemplo, José vendido ao Egito por seus irmãos foi pecado, muito perverso, foi o fruto da inveja deles. Porém, como ato da providência de Deus foi bom porque, por causa disso, Jacó e toda a sua família foram preservados no Egito. Outro exemplo é a maldição de Simei sobre Davi. Simei am aldiçoou Davi, e isso foi perverso e pecam inoso, pois foi conseqüência de sua malícia. Porém, como sua maldição foi ordenada pela providência de Deus, foi um ato da justiça do Senhor para punir Davi e humilhá-lo por seu adultério e assassinato. A crucificação, como vinda dos judeus, foi um ato de ódio e de maldade contra Cristo. A traição de Judas

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foi um ato de cobiça. Porém, como cada um desses acontecimentos foi, também, um ato da providência de Cristo, então havia bondade neles. A morte de Cristo foi um ato do amor de Deus pelo mundo. Desse modo, penso ter deixado clara a doutrina da providência de Deus nessas várias perspectivas. Agora, vou explicar algo sobre como aplicá-la. A

p l ic a ç õ e s

Primeira aplicação: uma exortação em cada ponto em particular: 1. Tenha a providência de Deus em grande apreço. A providência de Deus mantém toda a criação em seus eixos, ou tudo o mais seria rapidamente dissolvido e o eixo principal se quebraria. Se a providência de Deus fosse retirada só por um momento, as criaturas se desintegrariam e voltariam ao seu primeiro nada. Sem essa sábia providência de Deus haveria ansiedade e confusão no mundo inteiro, do mesmo modo que um exército quando é derrotado e desbaratado. A providência de Deus infunde conforto e virtude em tudo que gostamos. Nossas roupas não nos aqueceriam e nossa comida não nos alimentaria sem a providência especial de Deus. Tudo isso não merece que admiremos a providência? 2. A prenda calm am ente a se su b m eter à d iv in a pro v id ên cia. N ão m urm ure diante das coisas que são organizadas pela sabedoria divina. Não podemos encontrar falhas nas obras da providência assim como não podemos encontrar falhas nas obras da criação. E pecado tanto se queixar da providência de Deus quanto negá-la. Se os homens não agirem como gostaríamos que agissem, Deus os fará agir como ele quer. Sua providência é sua roda-mestra, que faz girar todas as rodas menores, e, no final, a glória de Deus será revelada em todas as coisas. “Emudeço, e não abro os meus lábios porque tu fizeste isso” (Sl 39.9). Pode ser que pensemos, às vezes, que poderíamos organizar melhor as coisas se tivéssemos o governo do mundo em nossas mãos. Porém, se fôssemos deixados à nossa própria escolha, teríamos escolhido aquilo que nos faria mal. Davi desejava fervorosamente que seu filho, que fora fruto de seu pecado, vivesse, mas se aquela criança tivesse vivido, seria um monumento perpétuo à sua vergonha. Contentemos-nos que Deus governe o mundo, aprendamos a aquiescer a sua vontade e a nos submeter à sua providência. Alguma aflição lhe sucedeu? Lembre-se de que Deus vê que isso é adequado para você, ou não lhe teria sobrevindo. Suas roupas não servem tão bem para você quanto as cruzes que Deus permite carregar. A providência de Deus pode, às vezes, ser secreta, mas sempre é sábia. E, embora não nos calemos diante da desonra que Deus permite passarmos, ainda devemos aprender a estar calados sob o descontentamento que nos dá. 3. Todo cristão deve crer que a providência de Deus coopera, no final, para seu bem. As providências de Deus são, por vezes, obscuras, nossos olhos

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ficam turvos e mal podemos apresentar o significado delas. Porém, quando não podemos peneirar a providência, vamos crer que ela coopera para o bem do eleito (Rm 8.28). As engrenagens num relógio parecem se mover ao contrário uma da outra, mas elas ajudam no movimento do relógio, fazendo soar o alarme. Assim, as providências de Deus parecem engrenagens contrárias, mas todas juntas cooperam para o bem do eleito. A picada numa veia, por si só, é má e dolorosa, mas como ela previne de uma febre e promove a saúde do paciente, é boa. Assim, a aflição por si só não é alegre, mas penosa. Porém, o Senhor a transforma no bem de seus santos. A pobreza deixará à míngua os pecados deles, e as aflições os prepararão para o reino. Portanto, cristãos, creiam que Deus os ama e que realizará as providências mais opostas para promover sua glória e o bem dos seus. 4. Creia que a providência é um antídoto contra o medo extremo de que as coisas que acontecem não são ordenadas pelo decreto de Deus e por sua providência. Às vezes tememos o que acontecerá quando os homens tiverem ido longe em suas ações. Porém, não vamos piorar as coisas por causa de nosso medo. Os homens são limitados em seu poder, e não podem fazer crescer nem um cabelo sem que a providência de Deus o permita. Deus pode deixar que o exército de Senaqueribe marche em direção a Jerusalém, mas não atirará nenhuma seta contra ela. “Então, saiu o Anjo do S enhor e feriu no arraial dos assírios a cento e oitenta e cinco mil” (Is 37.36). Quando Israel estava cercado, entre faraó e o mar Vermelho, sem dúvida alguns corações começaram a tremer, e consideraram-se homens mortos. Porém, a providência o havia ordenado, e o mar foi uma passagem segura para Israel e um sepulcro para faraó e todas as suas hostes. 5. Permita que a misericórdia providencial de Deus gere gratidão. Somos mantidos vivos pela ação maravilhosa da providência. A providência faz que nossas roupas nos agasalhem, que nossas refeições nos alimentem. Somos alimentados todos os dias da cesta de esmolas da providência de Deus. Se temos a saúde e uma propriedade, não é por nossa diligência, mas pela providência de Deus. “Antes, te lembrarás do S enhor , teu Deus, porque ele é o que te dá força para adquirires riquezas” (Dt 8.18). Em especial, se formos um pouco além, devemos ser gratos por ter nascido e crescido numa terra evangélica, e que vivemos num lugar onde brilha o sol da justiça, o que é um sinal da providência. Por que não nascemos num lugar onde prevalece o paganismo? Devemos ser gratos porque Cristo se fez conhecido a nós e nos tocou com seu Espírito. De onde vem isso? Vem da miraculosa providência de Deus, que é o efeito de sua graça imerecida. S eg u n d a a p lic a ç ã o : c o n fo rto com re sp e ito à ig reja de D eus. A providência de Deus alcança a igreja de uma maneira mais especial.

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“Naquele dia, dirá o S enhor : Cantai a vinha deliciosa!” (Is 27.2). Deus rega a vinha com suas bênçãos e a vigia por sua providência: “De noite e de dia eu cuidarei dela” (v.3). Quem pensa em arruinar totalmente a igreja, deve fazêlo num momento quando não seja dia nem noite, porque o Senhor a guarda, por sua providência, noite e dia. Quão miraculosas foram as aplicações de providência sobre Israel. Deus os conduziu por uma coluna de fogo, deu-lhes maná do céu e água da rocha. Deus, por sua providência, preserva sua igreja no meio dos inimigos. Uma centelha permanece viva no oceano, ou um novilho entre os lobos. Deus salva sua igreja de maneira assombrosa: 1. Concedendo graça inesperada à sua igreja, quando ela parece prestes a cair. “Quando o S enhor restaurou a sorte de Sião, ficamos como quem sonha” (SI 126.1). Como foi assombroso Deus levantar a rainha Ester para preservar os judeus quando Hamã tinha uma autorização sangrenta para executá-los? 2. Salvando-a pela maneira na qual pensamos que ele irá destruí-la. Deus, às vezes, trabalha por contrários. Ele levanta sua igreja ao deixá-la enfraquecida. O sangue dos mártires regou a igreja e a tomou mais frutífera. Êxodo 1.12: “Mas, quanto mais os afligiam, tanto mais se multiplicavam”. A igreja é como aquela planta de que fala Gregório Nazianzeno, que vive ao morrer e cresce pela poda. 3. Fazendo até mesmo seu inimigo executar sua obra. Quando o povo de Amom, de Moabe e do monte Seir vieram contra Judá, Deus os dispôs uns contra os outros. “Porque os filhos de Amom e de Moabe se levantaram contra os moradores do monte Seir, para os destruir e exterminar; e, tendo eles dado cabo dos moradores de Seir, ajudaram uns aos outros a destruir-se” (2Cr 20.23). Na poeira da traição ele fez dos traiçoeiros seus próprios traidores. Deus pode fazer sua obra pela mão dos inimigos. Deus fez os egípcios despacharem o povo de Israel carregado de jó ias (Êx 12.36). A igreja é a menina dos olhos de Deus, e a pálpebra de sua providência diariamente a cobre e a defende. Terceira aplicação: note que pode haver muito tempo até que o grande mistério da providência de Deus nos seja revelado. Agora, mal sabemos o que fazer da providência de Deus e estamos prontos a censurar o que não entendemos. Porém, no céu, veremos quanto todas as suas providências (doenças, perdas, sofrimentos) contribuíram para nossa salvação. Aqui vemos somente peças obscuras da providência de Deus e é impossível julgar sua obra por pedaços. Porém, quando chegarmos ao céu e virmos o corpo inteiro e o retrato de sua providência em cores vibrantes, será glorioso contem plá-lo. Então, verem os como todas as providências de Deus contribuíram no cumprimento de suas promessas. Não há providência, mas devemos ver um milagre ou uma graça nisso.

IV. TERCEIRA PARTE O PECADO E A QUEDA

P

erguntas

A. O

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12 14 15 16,19

PACTO DAS OBRAS

PERGUNTA 12: Q ual ato especial da providência Deus exerceu p ara com o homem no estado em que fora criado? RESPOSTA: Quando Deus criou o homem, fez com ele um pacto de vida, sob a condição de obediência perfeita, proibindo-o de comer da árvore do conhecimento, sob pena de morte. A esse respeito, consulte Gênesis 2.16,17: “E o S enhor Deus lhe deu esta ordem: De toda árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás”. O assunto do nosso próximo estudo é esse pacto das obras. 1. O pacto das obras feito com Adão e toda a hum anidade Esse pacto fo i feito com Adão e toda a humanidade, pois Adão era uma pessoa pública e representativa de todo o mundo. a. As razões do pacto Por que Deus fe z um pacto com Adão e sua posteridade na inocência? Podemos responder com duas afirmativas: i. P ara m o strar sua soberania sobre nós. Somos suas criaturas e, como o grande monarca do céu e da terra, ele podia nos impor seus termos de aliança. ii. P ara unir o homem a si mesmo. Deus fez um pacto com Adão para uni-lo firmemente a si, como o próprio Deus se uniu a Adão. Adão estava ligado a ele por um pacto. b. A natureza do pacto Qua! era o pacto? Deus ordenou a Adão que não comesse da árvore do conhecimento; porém, deu-lhe permissão para comer de todas as outras árvores do jardim. Deus não estabeleceu nenhum limite às alegrias de Adão naquele jardim, no entanto advertiu: “Não se meta com esta árvore do conhecim ento” . Deus agiu assim com Adão porque queria testar sua

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obediência. Assim como faraó fez de José governador de seu reino, dandolhe o próprio anel e um colar de ouro, mas dizendo: “somente no trono eu serei maior do que tu” (Gn 41.40), da mesma maneira Deus agiu com Adão. Deus deu ao homem uma jóia reluzente: o conhecimento, e colocou sobre ele o manto da justiça original. Porém, Deus disse que não tocasse na árvore do conhecimento, pois seria ambicionar onisciência. Adão tinha capacidade de cumprir essa lei porque tinha a cópia da lei de Deus escrita em seu coração. Esse pacto de obras trazia urna promessa e uma ameaça: i. A promessa do pacto dizia: “faça isso e viva”. Caso o homem a tivesse mantido, provavelmente não morreria, mas seria confirmado nesse paraíso de modo ainda melhor. ii. A ameaça do pacto dizia: “certamente morrerás” ; no hebraico: “na morte morrerás”, ou seja, morrerás tanto natural como eternamente, a menos que algo seja feito para sua restauração. c. A onisciência de Deus no pacto Por que Deus deu esse mandamento a Adão, sabendo de antemão que Adão o iria transgredir? 1. A falta de Adão consiste em que ele não cumpriu a lei de Deus. Deus o proveu de graça para lidar com a situação, mas, pela própria negligência, Adão falhou. ii. A falta de Adão não seria razão suficiente para que Deus não lhe desse mandamentos. O fato de saber antecipadamente que Adão transgrediria sua lei não foi razão suficiente para que Deus não lhe desse nenhum mandamento; pois, pela mesma razão, ele deu aos homens sua Palavra escrita, para ser uma regra de fé e prática, embora já soubesse que alguns não creriam e outros, ainda, a profanariam. Por acaso não se devem fazer leis na terra porque alguns não as cumprirão? iii. A falta de Adão seria transformada em bem por meio do envio de Cristo. Embora Deus previsse que Adão quebraria o mandamento, ele sabia como transformar isso num bem, enviando Cristo. Com a quebra do primeiro pacto, ele sabia como estabelecer um segundo pacto que é bem melhor. 2. Características do pacto feito com Adão Com relação ao primeiro pacto, o pacto das obras, considere estas quatro coisas: a. O valor das obras no pacto das obras Nesse primeiro pacto, o pacto das obras, as boas obras eram exigidas para a pureza: “faça isso e viva” . A realização das obras era a base e a condição para a justificação do homem (G13.12). No pacto da graça, também

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há exigência de boas obras por parte dos homens, uma vez que é-nos ordenado desenvolver nossa salvação e ser ricos em boas obras. Porém, as obras, no pacto da graça, não são exigidas sob o mesmo princípio que o é no primeiro pacto com Adão. As obras não são requeridas para a nossa justificação, mas como testemunho de nosso amor por Deus; não como a causa de nossa salvação, mas com o uma evidência de nossa adoção. As obras são exigidas no pacto da graça, mas não pela nossa própria força, mas pela força de outro: “Deus é quem efetua em vós” (Fp 2.13). Como o professor que guia a mão da criança ao ajudá-la a traçar as letras de maneira que por fim os traços produzidos sejam a própria caligrafia do mestre, e não da criança; assim também a nossa obediência, que não é tanto nossa obra, mas sim a cooperação do Espírito. b. A obediência requerida no pacto das obras O pacto das obras era muito severo. Deus requereu de Adão e de toda a humanidade obediência pessoal perfeita e perpétua. i. Perfeita obediência. Adão deveria fazer todas as coisas escritas no “livro da lei”, não podia falhar nem no conteúdo nem na forma (G1 3.10). Adão deveria corresponder à lei moral em toda a sua extensão, andando exatamente de acordo com ela, como o mostrador de um relógio de sol in d ica as h o ras com a luz. Um ú n ico p en sa m e n to p e c a m in o so comprometeria o pacto. ii. Obediência pessoal. Adão não deveria fazer sua obra por um agente, ou ter um fiador; devia cumpri-la pessoalmente. iii. Obediência perpétua. Ele deveria permanecer em todas as coisas escritas “no livro da lei” (G1 3.10). Assim, a lei era muito severa. Não havia misericórdia na hipótese de uma falha. c. A instabilidade do pacto das obras O pacto das obras não se erigiu em bases m uito firm es e, por conseguinte, inevitavelmente deixava os homens cheios de temores e de dúvidas. O pacto das obras repousava sobre a força da justiça inerente do homem que, embora fosse perfeita na inocência, ainda era passível de alteração. Adão foi criado santo, porém mutável, com poder de se manter em pé ou de cair. Ele tinha uma provisão de justiça original com a qual ingressou no mundo, mas não tinha a segurança de que não falharia. Ele era seu próprio condutor e podia se conduzir corretam ente no tempo da inocência; porém, não tinha certeza de que podia se lançar contra a rocha da tentação, com sua posteridade, e não naufragar. O pacto das obras naturalmente deixou temores e dúvidas no coração de Adão, e ele não tinha nada que lhe assegurasse que não cairia desse estado glorioso.

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d. As conseqüências da quebra do pacto Com o pacto das obras quebrado pelo pecado, a condição do homem se tomou muito deplorável e desesperadora. Ele foi deixado em sua própria desesperança; não havia espaço para o arrependimento; a justiça de Deus fora ofendida e dispusera todos os outros atributos divinos contra o homem. Quando Adão perdeu sua justiça, perdeu sua âncora de esperança e sua coroa; não havia uma saída que desse alívio, a menos que Deus a encontrasse, o que era algo inimaginável tanto para o homem quanto para os anjos. A

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Primeira aplicação: 1. Veja a condescendência de Deus, que teve prazer em se rebaixar tanto para fazer um pacto conosco. O fato de o Deus da glória fazer um pacto com o pó e com as cinzas; o fato de se unir a nós, dando-nos vida, no caso de obediência; o fato de pactuar conosco foi sinal de amizade e ato régio de favor. 2. Veja em que condição gloriosa se encontrava o homem quando Deus fez um pacto com ele. O homem estava no jardim de Deus que, em razão de seu deleite, era chamado de paraíso (Gn 2.8). Ele tinha à sua escolha todas as árvores, menos uma; possuía todos os tipos de pedra preciosa, de metais puros, de magníficos cedros; era um rei sobre o trono e toda a criação lhe devia obediência. Como no sonho de José, todos os feixes de seus irmãos se inclinavam perante o seu. O homem, na inocência, tinha todos os tipos de prazer que arrebatariam seus sentidos em deleite, como razões que o levariam a servir e adorar seu Criador. Ele era cheio de santidade. O paraíso era tão adornado de frutos como a alma de Adão era cheia de graça. Ele era a moeda na qual Deus havia estampado sua imagem viva. A luz cintilava em seu entendimento, de maneira que o homem era como um anjo terreno, e suas vontades e seus afetos eram ordenados em harmonia com a vontade de Deus. Adão era um modelo perfeito de santidade. Tinha profunda comunhão com Deus e conversava com ele como um súdito preferido conversa com seu rei. Ele conhecia a mente de Deus, bem como seu coração. Não se alegrava somente com a luz do sol no paraíso, mas com a luz da face de Deus. Essa era a condição de Adão quando Deus fez um pacto com ele; porém não durou muito, porque “o homem não permanece em sua ostentação” (SI 49.12). Sua boca se encheu d ’água ao ver o fruto proibido, e desde então nós choramos. 3. A prendemos com a queda de Adão quão incapazes somos de nos manter por nossa própria força. Se o próprio Adão, em seu estado de integridade, não conseguiu se m anter em pé, com o poderem os nós,

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quando as com portas de nossa justiça original foram quebradas? Se a natureza purificada não subsistiu, como, então, poderíam os nós, com a natureza corrom pida? Precisam os de mais força que a nossa própria para nos manter em pé. 4. Veja em que triste condição se encontram todos os incrédulos e os impenitentes. Enquanto continuarem em seus pecados, continuam sob a maldição do primeiro pacto. A fé nos dá direito à misericórdia do segundo pacto. Porém, enquanto os homens estiverem debaixo do poder de seus pecados, também estão sob a maldição do primeiro pacto e, se morrerem nessa condição, estarão condenados pela eternidade. 5. Veja a maravilhosa bondade de Deus, que, quando o homem quebrou o primeiro pacto, teve prazer em fazer um novo pacto com esse mesmo homem. Isso pode ser chamado de pacto da graça, pois é tão resplandecente de promessas como o céu é de estrelas. Quando os anjos, aqueles espíritos gloriosos, caíram. Deus não fez com eles um novo pacto para ser novamente seu Deus, mas deixou que aqueles vasos brilhantes ficassem quebrados; porém, o Senhor fez um segundo pacto conosco, melhor que o primeiro (Hb 8.6). Ele é melhor porque é mais seguro, porque é feito em Cristo e não pode ser anulado. Cristo empregou seu poder para manter todo o que crê. No primeiro pacto tínhamos o poder de nos manter em pé; no segundo, a impossibilidade de uma queda (lP e 1.5). 6. Qualquer um que busque a justiça e a salvação por meio do poder da própria vontade, ou por meio da bondade inerente à sua natureza, ou por suas virtudes e os próprios méritos, como os socinianos e os papistas, está sob o pacto das obras. Não se submete à justiça da fé, portanto, está obrigado a guardar toda a lei e, se falhar, está condenado. O pacto da graça funciona como uma corte judicial para socorrer o pecador e ajudar ao que caiu no primeiro pacto. Ele diz: “Crê no Senhor Jesus e serás salvo”, porém, o que se basear na própria justiça inerente, em suas virtudes e em seus méritos cai, debaixo do primeiro pacto das obras, e se encontra num estado de perdição. Segunda aplicação: vamos nos esforçar pela fé para entrar no segundo pacto, o da graça e, então, a maldição do primeiro pacto será eliminada por Cristo. Se nos tomamos herdeiros do pacto da graça, estamos numa situação melhor que outrora. Adão se firmou nas próprias pernas e, por conseguinte, caiu. Nós nos firmamos na força de Cristo. Sob o primeiro pacto, a justiça de Deus, como um vingador de sangue, nos persegue. Porém, se entramos no segundo pacto, estamos na cidade de refúgio, estamos salvos, e a justiça de Deus vem em paz em nossa direção.

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B.O

PECADO

PERGUNTA 14: O que é pecado? RESPOSTA: Pecado é qualquer falta de conformidade com a lei de Deus, ou a sua transgressão: “Pecado é a transgressão da lei” (1 Jo 3.4). 1. Quanto ao pecado em geral Quanto ao pecado em geral, podemos fazer algumas observações: a. O pecado é uma transgressão ou violação A palavra latina transgredior, transgredir, significa ultrapassar os limites. A lei moral deve nos manter dentro dos limites do dever. Pecado é ir além desses nossos limites. b. O pecado é contrário à perfeita lei de Deus A lei de Deus não é a lei de um príncipe menor, mas de Jeová, aquele que dá as leis tanto aos anjos como aos homens. É uma lei justa, santa e boa (Rm 7.12). Ela é justa, não havendo nela nada inadequado; é santa, não se encontrando nela nada impuro; é boa, não contendo nada prejudicial. Portanto, não há razão para ser quebrada, assim como um animal, estando num lugar de gordas pastagens, não iria romper a cerca ou saltar para um deserto ou para um pântano. 2. Quanto à odiosidade do pecado Vou m ostrar que coisa odiosa e execrável é o pecado. Ele é a complexidade de todo o mal; é o espírito do mal destilado. A Escritura o chama de “coisas condenadas” (Js 7.13). É comparado ao veneno das serpentes e ao mau cheiro dos sepulcros. O apóstolo usa, para o pecado, a expressão “ sobrem aneira m aligno” (Rm 7.13) ou, com o no grego, “hiperbolicamente pecaminoso” . O diabo pode pintar o pecado com o vermelho vivo do prazer e do lucro, pode fazê-lo parecer com o belo; mas devo arrancar a pintura, de modo que você veja a feia face do pecado. Nossa tendência é ter pensamentos triviais sobre o pecado dizendo dele como Ló a respeito de Zoar: “porventura não é pequena?” (Gn 19.20). Porém, para se perceber quão grande é um pecado maligno, considere estas quatro explanações a seguir: a. A origem diabólica do pecado A origem do pecado, seja de onde vier, é diabólica. Ele traz seu pedi­ gree do inferno; o pecado é do diabo: “Aquele que pratica o pecado procede do diabo” (U o 3.8). Satanás foi o primeiro protagonista do pecado, o primeiro tentador a pecar. O pecado é o primogênito do diabo.

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b. A natureza maligna do pecado O pecado é maligno em sua natureza. Considere o seguinte em relação a ele: i. O pecado é algo que corrompe. O pecado não é somente uma apostasia, mas uma corrupção. E para o espírito como a ferrugem para o ouro, e como uma mancha para a beleza. Ele deixa a alma rubra com a culpa e negra com a torpeza. O pecado, nas Escrituras, é comparado a uma “coisa imunda” (Is 30.22) e a uma “chaga do seu coração” (lR s 8.38). As vestes sujas de Josué, com as quais se apresentou diante do anjo, eram nada mais que um tipo e um hieróglifo do pecado (Zc 3.3). O pecado tem desonrado a imagem de Deus, além de macular o brilho precioso da alma. Ele faz Deus abominar o pecador (Zc 11.8) e quando um pecador percebe seu pecado ele abomina a si próprio (Ez 20.43). O pecado verte veneno em nossas boas obras e infecta nossas orações. O sumo sacerdote deveria fazer a expiação dos pecados no altar, tipificando que nossos cultos mais sagrados precisam de Cristo para expiá-los (Êx 29.36). As obrigações da religião, por si mesmas, são boas, porém o pecado as corrompe, assim como a água mais pura é contaminada ao correr sobre um solo barrento. Se o leproso, sob a lei, tocasse o altar, não ficaria limpo, mas ele teria profanado o altar. O apóstolo chama o pecado de “ impureza, tanto da carne como do espírito” (2Co 7.1). O pecado imprime a imagem do diabo no homem. A malícia é o olho do diabo; a hipocrisia, seus pés fétidos. Ele transforma o homem em um diabo: “Não vos escolhi eu em número de doze? Contudo, um de vós é diabo” (Jo 6.70). ii. O pecado entristece o Espírito. O pecado entristece o Espírito de Deus: “E não entristeçais o Espírito de Deus” (E f 4.30). Entristecer é mais do que enraivecer. Como o Espírito pode dizer que está entristecido? Porque, sabendo que ele é Deus, não pode estar sujeito a nenhuma paixão. Isso é uma metáfora. O pecado entristece o Espírito porque é uma injúria causada ao Espírito, este não a recebe bondosamente e, por assim dizer, deposita-a no coração. Isso não é mais que entristecer o Espírito? O Espírito Santo desceu na forma de uma pomba e o pecado causou o lamento dessa pomba abençoada. Ainda que fosse somente um anjo, não deveríamos entristecê-lo, m uito m enos o E spírito de Deus. N ão é lam entável entristecermos nosso Consolador? iii. O pecado é rebeldia contra Deus. É um ato rebelde contra o C riador, um cam inhar em direção oposta ao céu: “ Se... andardes contrariamente comigo” (Lv 26.27). Um pecador tripudia sobre a lei de Deus, contraria a sua vontade, faz tudo que pode para afrontar, sim, para

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ofender a Deus. A palavra hebraica para pecado, pasha, significa rebelião. Em todo pecado existe um cerne de rebeldia: “Antes, certamente toda a palavra que saiu da nossa boca, isto é, queimaremos incenso à Rainha dos Céus... temos feito” (Jr 44.17). O pecado atenta contra a verdadeira divindade: o pecado é o hipotético assassino de Deus. O pecado não só gostaria de desentronizar Deus, mas de desdivinizá-lo. Se o pecador pudesse fazê-lo, Deus não seria mais Deus. iv. O pecado é um ato cruel de falsidade. O pecado é um ato de falsidade e de crueldade. Deus alimenta o pecador, mantém os demônios longe dele, realiza nele milagres com misericórdia. Porém, o pecador não somente esquece as misericórdias de Deus como, ainda, as condena. Ele é o que há de pior para a misericórdia, como Absalão que, na condição de filho de Davi, havia beijado o pai, obtendo, assim, seu favor, e planejou traí-lo (2Sm 15.10). Como a mula, que escoiceia a própria mãe após mamar o leite: “É assim a tua fidelidade para com o teu amigo?” (2Sm 16.17). Deus pode repreender o pecador. “Dei-te”, ele pode dizer, “saúde, força e posição; mas retribuíste mal por bem, feriste-me com minhas próprias misericórdias; é esta a tua fidelidade para com teu amigo? Dei-te vida para que pecasses? Dei-te recompensas para que servisses ao diabo?” v. O pecado é uma doença terrível. O pecado é uma doença: “Toda a cabeça está doente” (Is 1.5). Alguns estão doentes de orgulho, outros de luxúria, outros de inveja. O pecado causa indisposição à parte intelectual, é como uma lepra na cabeça, ele envenena os órgãos vitais: Porque a consciência deles está corrompida (Tt 1.15). Acontece com o pecador o mesmo que com uma pessoa doente: seu paladar fica indisposto: as coisas mais doces têm sabor amargo. A expressão “mais doces do que o mel” (SI 19.10) tem sabor amargo para ele, troca “o doce, por amargo” (Is 5.20). Isso é uma doença e nada pode curá-la, a não ser o sangue do médico (Jesus). vi. O pecado é uma coisa irracional. Ele não somente faz o homem agir perversamente, mas também loucamente. É absurdo e irracional preferir o menos ao mais, os prazeres da vida aos rios de prazeres à mão direita de Deus perpetuamente. Não é irracional perder o céu pela satisfação da luxúria? Como Lisímaco,62 que perdeu um reino por causa de um gole d ’água. Não é irracional contentar um inimigo? No pecado, fazemos tudo isso. Quando a luxúria ou a ira imprudente queimam na alma, o próprio Satanás se aquece nessas chamas. Os pecados dos homens são um banquete para o diabo. vii. O pecado é algo doloroso. Custa muito trabalho aos homens andar atrás de seus pecados. Como se cansam servindo ao diabo. “Cansam-se de praticar a iniqüidade” (Jr 9.5). Quanta dor Judas teve de suportar por sua traição. Ele vai ao sumo sacerdote, depois segue atrás do bando de soldados,

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e, então, finalmente volta ao jardim. Crisóstomo diz: “A virtude é mais suave que o vício”. É mais doloroso para alguns seguirem após os próprios pecados do que, para outros, adorarem a Deus. Enquanto sofre dores de parto com seu pecado, o pecador dá à luz com pesar, como dito em Tito 3.3: “escravos de toda a sorte de paixões”. Não têm prazer, mas servem. Por quê? Não só por causa da escravidão do pecado, mas também pelo grande labor, é isso que significa “escravos de toda a sorte de paixões”. Muitos homens vão para o inferno com o suor da testa. viii. O pecado é odiado por Deus. Pecado é a única coisa contra a qual Deus tem antipatia. Deus não odeia o homem porque ele é pobre ou desprezado no mundo, da mesma maneira como não podemos odiar nosso amigo porque ele está doente. Porém, o que aguça o ódio de Deus é o pecado. “N ão façais esta coisa abom inável que ab o rreço ” (Jr 44.4). E, certam ente, se o pecador morrer sob a ira de Deus, não será admitido nas mansões celestiais. Deus deixará o homem viver com ele, este a quem abomina? Deus jam ais colocará uma víbora em seu colo. As penas da águia não se misturarão com as penas de outras aves; da mesma maneira, Deus não se misturará ou se associará com um pecador. Até que o pecado seja tirado, não há como chegar onde Deus está. c. O preço pago pelo pecado Observe a perversidade do pecado no preço pago por ele. Foi necessário o sangue de Deus para expiá-lo. “Ó homem” - disse Agostinho, “considera a magnitude do teu pecado pela magnitude do preço pago por ele”. Todos os príncipes na terra, ou anjos no céu, não poderiam satisfazer o pecado, mas somente Cristo. Mais ainda, a obediência ativa de Cristo não foi suficiente para a expiação do pecado, ele teve de sofrer sobre a cruz porque sem derram am ento de sangue não há rem issão (Hb 9.22). Que coisa am aldiçoada é o pecado, tan to que C risto p reciso u m o rrer por ele. A perv ersid ad e do pecado não pode ser vista nas centenas de pessoas que foram amaldiçoadas por ele, mas no fato de que, por ele, Cristo morreu. d. Os trágicos efeitos do pecado O pecado é maligno em seus efeitos. Considere o seguinte: i. O pecado nos fez decair de nossa honra. Rúben, por causa de um incesto, perdeu sua dignidade; embora fosse o primogênito, não poderia ser o mais excelente (Gn 49.4). Deus nos fez à sua imagem, um pouco menor que os anjos; porém, o pecado nos degradou. Antes de pecar, Adão era como um arauto fardado que levava um brasão: todos o reverenciavam porque vestia a farda com o brasão do rei. Porém, bastou retirar o brasão e ele foi desprezado: ninguém lhe dava mais atenção. O pecado fez isto:

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arrancou nossa capa de inocência e, então, nos rebaixou, transformou nossa glória em vergonha: “Depois, se levantará em seu lugar um homem vil” (Dn 11.21). Essas palavras foram ditas a respeito de Antíoco Epifanio,63 um rei cujo nom e significa ilustre, até que o pecado o degradou, transformando-o numa pessoa vil. ii. O pecado perturba a paz do espírito. Tudo o que desonra, transtorna. Como um veneno tortura as entranhas, deteriora o sangue, assim o pecado age no espírito (Is 57.21). O pecado produz receio e temores no coração e o “medo produz tormento” (1 Jo 4.18). O pecado gera espasmos de pesar na consciência. Judas estava tão aterrorizado com culpa e com horror que se enforcou para aquietar a consciência. E não foi desejando ser curado do mal que se jogou no inferno em busca de alívio? iii. O pecado produz perversidade. O pecado produz todo o tipo de perversidade mundana: “Jerusalém pecou gravemente; por isso, se tomou repugnante” (Lm 1.8). É o cavalo de Tróia, que tem a espada, a fome e a pestilência em seu ventre. O pecado é como um carvão, que não só escurece, mas queima. O pecado cria todas as aflições; põe pedregulhos em nosso pão, amargor em nosso cálice. O pecado apodrece o nome, destrói a posição, enterra os relacionamentos. O pecado arremessa o rolo voador das maldições de Deus sobre uma família, sobre um reino (Zc 5.4). E o que se diz do imperador Focas,64 que tendo construído um muro fortíssimo ao redor de sua cidade, ouviu uma voz dizendo: “Há pecado na cidade, e isso destruirá o muro” . iv. O pecado traz condenação eterna. Pecado não arrependido traz a condenação eterna. O cancro que se desenvolve na rosa é a causa de sua morte; as corrupções que se desenvolvem na alma dos homens são a causa de sua condenação. O pecado, sem arrependimento, traz a “segunda morte”, que é “a morte sempre agonizante”, conforme Bernardo (Ap 20.14). O prazer do pecado se transformará, no final, em pesar, como o livro que o profeta comeu, doce na boca, mas amargo no ventre (Ez 3.3; Ap 10.9). O pecado traz a cólera de Deus, e qual balde ou aparato pode apagar tal fogo? “Onde não lhes morre o verme, nem o fogo se apaga” (Mc 9.44). A

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Primeira aplicação: observe quão mortífero é um pecado maligno, e como é surpreendente que alguém possa amá-lo. “Até quando... amareis a vaidade?” (Sl 4.2). “Embora eles olhem para outros deuses e amem bolos de passas” (Os 3.1). O pecado é uma iguaria da qual os homens não conseguem se abster, embora lhes faça mal. Quem lavaria uma pocilga com água de rosas? Que lástima que uma afeição tão doce como o amor seja colocada sobre uma coisa tão imunda como o pecado. O homem ama

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o pecado, mesmo que o lhe cause uma ferroada na consciência e lhe traga uma maldição. Um pecador é aquele que mais se autocontradiz; por causa de seu pecado nega a si mesmo uma parte no céu. Segunda aplicação: faça outra coisa em vez de pecar. Odeie o pecado. Há mais malignidade no menor pecado que na maior possessão maligna que pode se manifestar para nós. O arminho prefere morrer a sujar sua linda pelagem. Há mais malignidade numa gota de pecado que num mar de aflição. A aflição é apenas um rasgão num casaco, já o pecado é como uma pontada no coração. Na aflição há algo de bom - nesse leão há algum mel. “Foi-me bom ter eu passado pela aflição” (SI 119.71). Agostinho disse: “A aflição é o malhar de Deus para debulhar nossas cascas; não para consumir, mas para refinar” . Não há nada de bom no pecado, ele é o espírito e a quintessência do mal. O pecado é pior que o inferno, pois as dores do inferno são um fardo somente para a criatura; porém, o pecado é um fardo para Deus. Terceira a p lica çã o : o pecado é um mal m uito grande! Então, deveríamos ser gratos a Deus, se retirou nosso pecado. “Eis que tenho feito que passe de ti a tua iniqüidade” (Zc 3.4). Se você fosse portador de uma doença, praga ou hidropisia quão agradecido seria se ficasse curado. Mais ainda quanto a ficar livre do pecado. Deus tira a culpa do pecado com a graça perdoadora; o poder do pecado, com a graça mortificadora. Agradeça porque essa doença não “é para morte” ; porque Deus transformou sua natureza e, pelo enxerto em Cristo, fez de você um participante da doçura da oliveira; porque o pecado, embora viva, não reina; porque o mais velho serve ao mais novo: o pecado (o mais velho) serve à graça (a mais nova). C. O

pecado de

A

dão

PERGUNTA 15: Qual foi o pecado pelo qual nossos primeiros pais caíram do estado em que foram criados? RESPOSTA: Foi o pecado de comer do fruto proibido. “[Ela] tomoulhe do fruto e comeu e deu também ao marido” (Gn 3.6). Esse ato deliberado contra a vontade de Deus implica que: 1. nossos primeiros pais caíram de seu glorioso estado de inocência', e que 2. o pecado pelo qual caíram fo i comer do fru to proibido. 1. Nossos primeiros pais caíram de seu glorioso estado de inocência “Deus fez o homem reto, mas ele se meteu em muitas astúcias” (Ec 7.29). Adão era perfeitamente santo, tinha retidão de mente e liberdade de escolha para o bem. Porém, sua mente ficou enferma até o ponto de inventar a própria morte e a nossa; ele elaborou muitas astúcias.

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a. A queda de Adão foi voluntária Ele tinha o poder de não pecar. O livre-arbítrio era suficiente como escudo para repelir a tentação. O diabo não poderia tê-lo forçado, a menos que Adão tivesse consentido. Satanás era somente um pretendente ao namoro, e não um rei que pode obrigar ao casamento. Porém, Adão jogou fora o próprio poder e se submeteu ao engodo do pecado, como um jovem valente que, em um só lance, perde seus vastos domínios. Adão tinha vastos domínios, ele era senhor do mundo: “Dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela terra” (Gn 1.28). Porém, ele perdeu tudo de uma só vez. Assim que pecou, perdeu o paraíso. b. A queda de Adão fo i súbita Ele não podia continuar mais em sua majestade real. Alguém pode levantar a seguinte questão: Quanto tempo Adão ficou no paraíso antes de cair? Tostado65 diz que ele caiu no dia seguinte. Pererio, por sua vez, que ele caiu no oitavo dia após sua criação. A opinião mais provável e mais aceita é que ele caiu no mesmo dia em que foi criado. Era a idéia de Irineu,66 de Cirilo,67 de Epifanio e muitos outros. As razões que os levam a assim acreditar são as seguintes: i. Porque é dito que S atanás é um hom icida “ desde o princípio” (Jo 8.44). Agora, quem ele matou? Não os anjos abençoados, pois não po­ dia tocá-los; nem os anjos amaldiçoados, porque esses já haviam destruído a si mesmos. Como, então, Satanás era um homicida desde o princípio? Assim que caiu. Satanás começou a tentar a humanidade para o pecado. Era uma tentação homicida. Por isso, parece que Adão não ficou muito tempo no paraíso: logo após a criação do homem o diabo veio sobre ele, matando-o por sua tentação. ii. P o rq u e A dão ain d a não h av ia com ido d a á rv o re d a vida. “ ... assim , que não estenda a mão, e tom e tam bém da árvore da vida, e coma, e viva eternamente. O S enhor Deus, por isso, o lançou fora do jardim do Éden” (Gn 3.22,23). Porque essa árvore da vida tinha um dos frutos mais preferíveis do jardim e estava colocada no meio do paraíso, assim teria sido a primeira a ser experimentada se a serpente não o tivesse enganado com a árvore do conhecimento. Portanto, concluo que Adão caiu no próprio dia de sua criação porque ele ainda não havia provado da árvore da vida, a árvore que mais lhe saltava aos olhos, com frutos muito deliciosos crescendo nela. iii. P o rq u e o hom em não p e rm a n e c e em sua o s te n ta ç ã o ” ( S1 49.12). Os rabinos lêem assim: “Adão, estando em um estado de honra,

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não permaneceu nem por uma noite”. A palavra hebraica para permanecer significa “estar ou guardar por toda a noite” . Adão, portanto, ao que parece, não permaneceu nem uma noite no paraíso. A

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Primeira aplicação: da súbita queda de Adão, aprenda sobre a fraqueza da natureza humana. Adão, num estado de integridade, rapidam ente apostatou de Deus, bem depressa perdeu as vestes de inocência e a glória do paraíso. Se nossa natureza, nas melhores condições possíveis, é tão fraca, como é agora, que temos piores condições? Se Adão não pôde se manter quando era perfeitamente reto, quão incapazes somos de nos manter, uma vez que o pecado eliminou a segurança de nossa retidão original. Se a natureza pura não conseguiu se manter, como o conseguirá a natureza corrompida? Se Adão, em poucas horas, pecou e saiu do paraíso, quão rápido, nós, pelo nosso pecado, jogamo-nos no inferno, uma vez que não temos outro poder senão o nosso próprio. Porém, Deus põe seus braços eternos por baixo de nós (Dt 33.27). Segunda aplicação: da súbita queda de Adão, aprenda quão lastimável é para o homem ser deixado à própria mercê. Adão caiu quando deixado por sua conta. Então, o que aconteceria a nós, quão rápido cairíamos se Deus nos deixasse sozinhos! Um homem sem a graça de Deus, deixado à própria mercê, é como um navio numa tempestade, sem piloto ou âncora, pronto para se chocar contra qualquer rocha. Ore a Deus assim: “Senhor, não me deixe por minha conta. Se Adão caiu tão rápido, ele que tinha poder, quão depressa não cairei, uma vez que não tenho nenhum poder!” Oh! Que Deus se apresse com sua mão e com seu escudo! Meu “poder se aperfeiçoa na fraqueza” (2Co 12.9). 2. O pecado pelo qual nossos prim eiros pais caíram foi com er do fruto proibido Então, considerem-se duas coisas: a. A ocasião em que isso ocorreu fo i a tentação da serpente O diabo rastejou para dentro da serpente e falou por intermédio dela, como o anjo na mula de Balaão. Observe a sutileza e a crueldade de Satanás na tentação. Seus ardis são piores que seus dardos. i. A su tileza de S a ta n á s na te n ta ç ã o . Podem os percebê-la em suas ações. Primeiramente, Satanás se comportou como um impostor. Em todo o tempo este foi o comportamento, tentando por meio de mentiras. A primeira m entira: “ É certo que não m orrereis” (Gn 3.4). A segunda mentira:

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Que Deus realmente cobiçava a felicidade de nossos primeiros pais. “Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se vos abrirão os olhos” (v. 5), em outras palavras, Deus lhes proíbe essa árvore porque cobiça sua felicidade. A terceira mentira: Que, desse modo, eles seriam feitos deuses: “e, como Deus” (v. 5). Aí estava a sutileza dele em tentar. O diabo foi, primeiramente, um mentiroso e, depois, um homicida. Em segundo lugar, Satanás se lançou sobre nossos primeiros pais muito rapidamente, antes que fossem confirmados em sua obediência. Os anjos, no céu, são totalmente confirmados em santidade. São chamados de estrelas da manhã (Jó 38.7), são estrelas fixas. Porém, nossos primeiros pais não foram confirmados em sua obediência, não se estabeleceram na órbita da santidade. Embora tivessem a possibilidade de se manter, não tinham a impossibilidade da queda. Eram santos, porém mutáveis. Esta foi a sutileza de Satanás: tentar nossos primeiros pais antes que fossem provados em sua obediência. Em terceiro lugar, a sutileza de Satanás na tentação estava no fa to de que elefoi primeiramente sobre Eva, pois a julgava menos capaz de resistir. Satanás rompeu a cerca onde ela era mais fraca. Ele sabia que a tentação podia ser mais insinuante com ela. Um soldado experiente, quando está prestes a assaltar ou tomar um castelo, observa cuidadosamente onde há uma brecha, ou por onde pode entrar mais facilm ente. Satanás fez exatamente isso com o vaso mais fraco. Ele primeiro tentou Eva porque sabia que, se pudesse, por uma vez, prevalecer contra ela, facilmente ela atrairia seu marido. Veja o que disse a esposa de Jó: “Amaldiçoa a Deus e morre” (Jó 2.9). Agripina envenenou o imperador Cômodo com vinho num copo perfumado. Um copo perfumado, dado a ele pela própria esposa, não levantava suspeitas. Satanás sabia que a tentação chegando a Adão por meio de sua mulher seria mais eficaz e não levantaria suspeitas. Que tristeza. Alguns relacionamentos experimentam tentações. Uma esposa pode ser uma víbora quando dissuade seu marido de seus deveres ou o induz ao mal. “Acabe, que se vendeu para fazer o que era mau perante o S enhor , porque Jezabel, sua mulher, o instigava” (1 Rs 21.25). Ela soprou as brasas e fez o pecado dele queimar ainda mais. A astúcia de Satanás estava no fato de tentar Adão por meio de sua mulher. Ele considerou que ela o atrairia para o pecado. E, por último, a sutileza de Satanás na tentação estava no fa to de violentar a f é de Eva. Ele a persuadiu de que Deus não falava a verdade: “E certo que não morrereis” (Gn 3.4). Esta foi a obra-prima de Satanás: enfraquecer a fé de Eva. Quando a abalou, levando-a à desconfiança, ela “se rendeu”, e logo estendeu sua mão ao diabo.

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ii. A cru eld ad e de S atan ás na tentação. Assim que Adão fosse investido em toda a sua glória, o diabo, cruelmente, como estivesse presente no dia da coroação de Adão, o destronaria e colocaria o próprio Adão e toda a sua posteridade sob maldição. Veja que Satanás não nutre amor pela humanidade, tem uma antipatia implacável contra nós, e antipatias não podem jam ais ser reconciliadas. Porém, já falamos o suficiente sobre a ocasião do pecado de Adão ou sobre ele ser tentado pela serpente. b. O pecado em si fo i “comer do fruto proibido ” Isso foi verdadeiram ente horrendo, o que se mostra de três modos: a respeito da pessoa que o cometeu; a com plicação do pecado; e o efeito abominável. i. Foi v e rd a d e ira m e n te h o rre n d o a resp eito da pessoa que o com eteu. Adão possuía dons excelentes e nobres: era iluminado com conhecimento e embelezado com santidade; era ciente de seu dever e lhe era fácil não só obedecer como, também, conhecer o comando de Deus. Ele podia escolher entre pecar ou não; ainda assim, intencionalmente comeu da árvore proibida. ii. Foi verdadeiram ente horrendo em razão da com plicação do pecado de Adão. Em que esse pecado é tão grande? Não fo i nada além de pegar um fruto numa árvore. Qual o grande problema em arrancar umfruto? Porque foi contra um Deus infinito. Foi um pecado vultoso; havia muita coisa enganosa nele. Como Cícero fala a respeito do parricida: “ E o que é culpado, comete muitos pecados num só” . Da mesma maneira, havia muitos pecados naquele único pecado de Adão. Era um pecado barrigudo, uma corrente com muitos elos. Havia dez pecados nele: Primeiro, a incredulidade. Nossos primeiros pais não creram que as palavras ditas por Deus eram a verdade. Deus disse: “morrerão no dia em que comerem daquela árvore”. Eles creram que não morreriam, não puderam se convencer de que um fruto tão atraente tivesse a morte à sua porta. Portanto, pela incredulidade, fizeram de Deus um mentiroso; não somente isso, o que foi pior, preferiram crer no diabo a crer em Deus. Segundo, a ingratidão. Que é a epitome de todo pecado. O pecado de Adão foi cometido no meio do paraíso. Deus o havia enriquecido com uma variedade de misericórdias; havia estampado sua própria imagem sobre ele; havia feito dele senhor do mundo; deu-lhe todas as árvores do jardim para comer (exceto uma) e ele pega justamente da proibida. Isso foi muita ingratidão. Foi como uma mancha na lã que a torna vermelha. Quando os olhos de Adão foram abertos, e ele viu o que havia feito, é claro que ficou envergonhado e se escondeu. Como poderia ele, que havia pecado no meio do paraíso, olhar Deus face a face e não ficar enrubescido?

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Terceiro, o desagrado. Não tivesse ele ficado descontente nunca teria buscado alterar sua condição. Adão, alguém pode pensar, tinha o suficiente, diferia somente um pouco dos anjos, tinha as vestes da pureza sobre si e a glória do paraíso como coroa. Ainda assim, não estava contente. Tinha de ter mais: queria estar acima das outras criaturas. Quão longe estava o coração de Adão, tanto que um mundo inteiro não poderia saciá-lo. Quarto, o orgulho, na medida em que queria ser como Deus. Essa criatura, recentemente saída do pó, agora aspirava pela divindade. “Sim, vamos ser como deuses”, disse Satanás, e Adão realmente esperava ser. Ele supôs que a árvore do conhecimento abriria seus olhos, fazendo-o onisciente. Porém, por querer ir tão alto, caiu. Quinto, a desobediência. Deus disse: “Desta árvore não comerás”; mas ele comeu dela, embora isso lhe custasse a vida. A desobediência é um pecado contra a eqüidade. E certo que sirvamos a quem nos sustenta. Deus dava a Adão seu sustento, portanto nada mais certo que ele dar a Deus sua fidelidade. Como Deus poderia suportar ver suas leis sendo esmagadas em sua própria face? Isso o fez colocar uma espada flamejante à entrada do jardim. Sexto, a curiosidade. Ele se intrometeu com algo que estava fora de sua alçada, que não lhe pertencia. Deus feriu os homens de Bete-Semes porque olharam dentro da arca ( ISm 6.19). Adão queria se intrometer nos segredos de Deus e provar do que lhe era proibido. Sétimo, a libertinagem. Embora Adão tivesse todas as outras árvores à sua escolha, ainda assim seu paladar se tornou atrevido. Israel agiu da mesma maneira. Deus lhes enviou o maná, a com ida dos anjos, mas ansiavam por codornizes. Não era suficiente que Deus lhes suprisse as necessidades, era preciso que satisfizesse suas concupiscências. Adão não tinha necessidade, tinha desejo. Então, seu paladar atrevido se entregou ao fruto proibido. Oitavo, a profanação. A árvore do conhecimento não era de Adão. Ainda assim, ele tomou seu fruto e, de maneira profana, furtou Deus de seu direito. Foi considerado um grande crime quando Harpalo roubou o templo, levando os vasos de prata. O mesmo aconteceu com Adão, por furtar o fruto da árvore que Deus, peculiarmente, separou para si. Profanação é um roubo duplo. Nono, o homicídio. Adão era uma pessoa pública e sua posteridade estava implicada e envolvida com ele. Ele, pelo pecado, de uma só vez teria destruído toda a sua posteridade, caso a livre graça não tivesse se interposto. Se o sangue de Abel gritou tão alto aos ouvidos de Deus: “A voz do sangue de teu irmão clama da terra a mim” (Gn 4.10), quão alto não terá sido o bramido de toda a posteridade de Adão clamando por vingança.

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Décimo, a arrogância. Adão abusou da misericórdia de Deus; abençoou a si mesmo, dizendo que teria paz. Pensou que, embora tivesse transgredido, não morreria, que logo Deus reverteria seu decreto e ele não seria punido. Foi uma grande presunção. Que pecado horrendo foi a quebra do pacto por parte de Adão. Um único pecado pode conter muitos pecados em si. Podemos ter pensamentos supérfluos sobre o pecado e considerá-los como um único. Porém, quantos pecados há no pecado de Adão. Oh! tenha cuidado com qualquer pecado! Como em um único volume pode haver muitos trabalhos compilados, assim pode haver muitos pecados em um só. iii. Foi v e rd a d e ira m e n te h o rre n d o p o r c a u sa de seu efeito abom inável. Corrompeu a natureza humana. Quão poderoso é o veneno que, aplicando-se apenas uma gota, pode contaminar um oceano inteiro. E quão m ortal foi o pecado de A dão, que pôde en v en en ar toda a humanidade e lhe trazer uma maldição, até que fosse tirada por aquele que se fez maldição por nós. D . O PECA DO O R IG IN A L

P E R G U N T A 16: A h u m a n id a d e in te ir a ca iu n a p r im e ir a transgressão de Adão? RESPOSTA: Tendo sido o pacto feito com Adão, e não somente com ele mesmo, mas com sua posteridade, toda a humanidade pecou e caiu juntamente em sua primeira transgressão. “Por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram” (Rm 5.12). Adão era um representante: enquanto ele estivesse em pé, nós estaríamos; se ele caísse, nós cairíamos. Nós pecamos em Adão, assim está no texto: “ ... porque todos pecaram” . Adão era o cabeça da humanidade e, uma vez culpado, nós somos culpados. Como os filhos de um traidor têm o sangue manchado. Agostinho diz: “Todos nós pecamos em Adão, pois somos parte de Adão”. Pode-se levantar a seguinte pergunta: Se quando Adão caiu, toda a humanidade caiu com ele, por que quando um anjo caiu, nem todos caíram? O caso não é o mesmo. Os anjos não tinham relação uns com os outros. São chamados de estrelas da manhã: as estrelas não dependem umas das outras. Conosco, entretanto, foi diferente: éramos da carne de Adão, como um filho é parte do pai, éramos parte de Adão. Portanto, quando ele pecou, nós pecamos.

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Ou então perguntamos: Como o pecado de Adão se torna nosso pecado? Respondemos com as seguintes afirmações: a. O pecado de Adão é nosso por imputação Os pelagianos do passado sustentavam que a transgressão de Adão é danosa para a posteridade somente por imitação, não por imputação. Porém, o texto “em quem todos pecaram” refuta essa idéia. b. O pecado de Adão é nosso por propagação Não somente a culpa do pecado de Adão nos é imputada, mas, também, a depravação e a corrupção de sua natureza nos são transmitidas, como um veneno é levado da fonte à cisterna. Isso é o que chamamos de pecado original. “Em pecado me concebeu minha mãe” (Sl 51.5). A lepra de Adão se apega a nós como a lepra de Naamã se apegou em Geazi (2Rs 5.27). Essa concupiscência original é chamada de: i. O “ velho hom em ” (E f 4.22). Diz-se velho homem não por ser fraco, como geralmente são os idosos, mas por causa de sua longa permanência e por sua deformidade. Na idade avançada, a beleza se perde. Da mesma maneira, o pecado original é o velho homem, pois ele fez murchar a nossa beleza e nos faz deformados aos olhos de Deus. ii. A “ lei do pecado” (Rm 7.25). O pecado original tem o poder da lei que vincula a vítima à sujeição. A necessidade dos homens faz o que o pecado quer quando os homens têm ambos, o amor do pecado para atraílos e a lei do pecado para forçá-los, assim precisam, necessariamente, fazer o que o pecado lhes reserva. 1. No pecado original há algo exclusivo e algo absoluto a. Algo exclusivo A falta de justiça que deveria ser nossa. Perdemos aquela excelente e aprimorada estrutura da alma que um dia tivemos. O pecado eliminou a estabilidade da pureza original, sobre a qual repousava a nossa força. b. Algo absoluto O pecado original contaminou e corrompeu nossa natureza virginal. O envenenamento dos mananciais causou morte entre os romanos, o pecado original envenenou o manancial de nossa natureza, tomou beleza em lepra, transformou o brilho límpido de nossa alma em escuridão. O pecado original se tomou co-natural para nós. O homem natural não pode fazer outra coisa senão pecar. Embora não tenha sido dado a ele esse direito ou maus exemplos para serem imitados, ainda assim há no

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homem um princípio inato e não pode se abster de pecar (2Pe 2.14). Aquele que não pode parar de pecar é como um cavalo coxo que não pode trotar sem mancar. No pecado original há: 1. Uma aversão ao bem. O homem tem o desejo de ser feliz, ainda que se oponha ao que promoveria sua felicidade. Ele tem repugnância à santidade, odeia ser corrigido. Desde que caímos da presença de Deus, não temos nos preocupado em voltar para ele. ii. Uma inclinação p ara o mal. Se, como dizem os seguidores de Pelágio,68 há tanta bondade em nós desde a queda, por que não há tanta propensão para o bem como há para o mal? Nossa experiência demonstra que a inclinação natural da alma é para o que é mau. O próprio ímpio, à luz da natureza, percebeu isso. Hierocles,69 o filósofo, disse: “pecar é algo que foi enxertado em nós pela natureza” . Os homens brincam com o pecado como brincam com o mel na boca. Eles bebem “a iniqüidade como água” (Jó 15.16). Como um hidrópico, que tem sede e nunca se satisfaz, eles têm em si uma espécie de seca que os faz sedentos pelo pecado. Ainda que estejam cansados de pecar, continuam pecando: “ ... se entregaram... para cometerem toda sorte de impureza” (E f 4.19). Como o homem que con­ tinua seu jogo, mesmo estando cansado, tem prazer nele e não pode deixálo (Jr 9.5). Embora Deus tenha colocado tantas espadas flamejantes no caminho para deter os homens em seu pecado, eles permanecem nele, demonstrando que grande apetite eles têm pelo fruto proibido. 2. Algumas características do pecado original Dado que podem os ver além da natureza do pecado original, consideremos algumas de suas características: a. A universalidade do pecado original

Como um veneno, ele tem se espalhado por todas as partes e todas as potencialidades da alma: “Toda a cabeça está doente, e todo o coração, enfermo” (Is 1.5). Como um paciente doente, que não tem nada sadio: seu fígado está inchado, seus pés estão gangrenados, seus pulm ões estão deteriorados. Assim está nosso espírito, tão infectado e tão gangrenado, até que Cristo, que fez um remédio com seu sangue, nos cure. i. O pecado original perverteu o intelecto. Como na criação, “havia trevas sobre a face do abism o” (Gn 1.2), o m esm o sucede com o entendimento: a escuridão está sobre a face desse abismo. Assim como há sal em cada gota d ’água do oceano, amargor em cada galho do absinto, assim há pecado em toda faculdade humana. A mente está escurecida, por isso sabem os pouco de Deus. Desde que Adão com eu da árvore do conhecimento e seus olhos foram abertos, perdemos nossa faculdade de ver.

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Além da ignorância da mente, há erro e engano; não fazemos um julgamento honesto das coisas, trocamos o amargo pelo doce, e vice-versa (Is 5.20). Mais ainda, há muito orgulho, arrogância e preconceito, além de muito racio cín io carnal: “ A té quando ho sp ed arás co n tig o os teus m aus pensamentos?” (Jr 4.14). ii. O p ecad o o rig in a l corrom p eu o co ra çã o . O co ração é extremamente perverso (Jr 17.9). É um pequeno inferno. No coração há legiões de concupiscências, de obstinação, de infidelidade, de hipocrisia e de comoções pecaminosas que, à semelhança do mar, agitam-se com ira e com vingança: “o coração dos homens está cheio de maldade, nele há desvarios enquanto vivem” (Ec 9.3). O coração é a oficina do diabo, em que toda a maldade é planejada. iii. O pecado original corrompeu a vontade. A desobediência é o trono da rebelião. O pecador contraria a vontade de Deus para cumprir a sua própria. “Queimaremos incenso à Rainha dos Céus” (Jr 44.17). Há, na vontade, uma inimizade enraizada contra a santidade; é como um tendão de aço que recusa se dobrar diante de Deus. Onde está, então, a liberdade da vontade, pois está cheia não somente de indisposição, mas de oposição ao que é espiritual? iv. O pecado original corrompeu os afetos. Estes, como as cordas de uma harpa, estão desafinados. Eles são as pequenas engrenagens, levadas com força pela vontade, a engrenagem principal. N ossos afetos se estabelecem sobre alicerces errados. Nosso amor está alicerçado sobre o pecado, nossa alegria sobre a criatura. Nossos afetos são tão naturais como o apetite de um homem doente, que deseja coisas que lhe são prejudiciais e nocivas; febril, ele pede vinho. Temos luxúria em lugar de santos anseios. b. A aderência do pecado original Ele adere em nós como o negror à pele do etíope, de tal modo que não podemos nos livrar dele. Paulo pôde sacudir a víbora de sua mão, mas não foi capaz de se livrar dessa corrupção engendrada. Pode ser comparada à figueira brava crescendo pela parede, que mesmo com as raízes arrancadas ainda brota pelas pequenas fibras nas juntas dos tijolos e que não sumirá até a parede ser destroçada. A concupiscência original não é como um convidado que passa a noite, mas um morador: “o pecado que habita em mim” (Rm 7.17). O pecado é “um espírito maligno” que nos persegue aonde quer que vamos: “os cananeus persistiam em habitar nessa terra” (Js 17.12). c. O pecado original põe obstáculo à adoração O pecado nos atrasa e atrapalha no exercício da adoração a Deus. De onde vêm toda essa apatia e falta de vida na religião? É o fruto do pecado

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original. Isso é o que nos faz adormecer nos deveres: “Porque não faço o bem que prefiro” (Rm 7.19). O pecado é comparado a um peso (Hb 12.1). Um homem que tem pesos amarrados às suas pernas não pode correr rapidamente. E como aquele peixe, de que Plínio fala, uma lampreia marítima, que se gruda à quilha do navio e atrapalha seu deslocamento ao navegar. d. O pecado original mostra sua fo rça repentinamente Embora esteja latente na alma, o pecado original é como uma fonte subterrânea, que sempre explode inesperadamente. Cristão, creia que o mal que está no teu coração pode romper repentinamente, caso Deus permita. Veja o caso de Hazael, que disse: “Pois que é teu servo, este cão, para fazer tão grandes coisas?” (2Rs 8.13), ele não podia acreditar que tinha tal raiz de amargura em seu coração, tanto que seria capaz de rasgar o ventre de mulheres grávidas. E teu servo um cão? Sim, e ainda pior que um cão, quando a corrupção original dentro de nós é provocada. Se alguém tivesse dito a Pedro: “Pedro, dentro de algumas horas você vai negar Cristo”, ele teria dito: “E teu servo um cão?” Porém, que impressionante. Pedro não conhecia o próprio coração, nem por quanto tempo aquela depravação prevaleceria sobre ele. O mar pode estar calmo e até parecer límpido, mas quando o vento sopra, ele esbraveja e espuma. Assim é o teu coração, embora agora ele pareça bom, quando a tentação sopra, como o pecado original se revela, ele te faz espumar com concupiscência e com cólera. Quem pensaria encontrar adultério em Davi, bebedeira em Noé e blasfêmia em Jó? Se Deus deixasse o homem por si mesmo, quão rápido e escandalosamente o pecado original romperia nos homens mais santos da terra. e. O pecado se envolve no crente O pecado original se mistura e se incorpora em nossas obrigações e em nossas virtudes. i. Com nossas obrigações. Assim como a mão paralítica ou entrevada não pode se mover sem tremer por causa da falta de vigor em seus músculos, nós também não podemos realizar nenhum ato santo sem pecar pela falta de um princípio de justiça original em nós. Como qualquer coisa que o leproso tocava se tomava impura, assim é o pecado original, é como a lepra: ele contamina nossas orações e nossas lágrimas. Não conseguimos escrever sem manchar. Embora eu não diga que as obrigações sagradas e as boas obras do regenerado são pecados, porque isso seria uma acusação contra o Espírito de Cristo pelo qual somos lapidados, ainda assim digo que as melhores obras do piedoso têm pecado aderido a elas. O sangue de Cristo sozinho faz a expiação pelas nossas boas obras.

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ii. Com nossas virtudes. Há algo de incredulidade misturado à fé, indiferença com o zelo, orgulho com humildade. Assim como pulmões fracos causam asma ou respiração deficiente, assim a depravação original infectou nossos corações, de modo que nossas virtudes respiram muito debilmente. f. O pecado original é um fo rte princípio ativo Ele não descansa, mas está sempre nos incitando e nos provocando a fazer o mal, é um morador bastante inquieto. “Pois não faço o que prefiro, e sim o que detesto” (Rm 7.15). Como Paulo chegou a se sentir assim? O pecado original o irritava e o movia nesse sentido. O pecado original é como o mercúrio, sempre em movimento. Quando estamos dormindo, o pecado está acordado na imaginação. O pecado original põe a cabeça m aquinando e as mãos executando o mal. Ele tem um princípio de inquietação, não de tranqüilidade, como o pulso, sempre batendo. g. O pecado origina! é a causa de todo pecado realizado Ele é o combustível do pecado, é o útero em que os pecados realizados são concebidos. Dele vêm os homicídios, os adultérios, os roubos. Embora os pecados atuais de fato sejam mais escandalosos, o pecado original é mais abominável; pois a causa é maior que o efeito. h. Ele não é perfeitamente curado nesta vida

Conquanto a graça subjugue o pecado, ainda assim ela não o remove totalmente. Apesar de sermos como Cristo, possuindo as primícias do Espírito, ainda assim não somos semelhantes a ele, conservando restos da carne. Há duas nações no útero. O pecado original é como aquela árvore, em Daniel 4.23, cujos galhos foram cortados, mas a cepa, com as raízes, foi deixada. A despeito de o Espírito ainda estar enfraquecido e cortando fora o pecado no piedoso, contudo, a raiz do pecado original ainda fica. E como o mar que, pelo menos nesta vida, não secará. Por que Deus deixou a corrupção original em nós após a regeneração? Ele p o d eria ter nos lib erta d o dela, se quisesse. Boa perg u n ta, a que respondo: i. P ara m o strar o poder de sua graça. Ele deixou o pecado em nós para mostrar o poder de sua graça no crente mais fraco. A graça há de prevalecer contra a torrente de corrupção. De onde vem essa certeza? A corrupção é nossa, mas a graça é de Deus. ii. P ara m otivar à expectativa do céu. Deus deixou a corrupção origi­ nal para nos fazer almejar o céu, onde não haverá pecado para corromper, nem mal para tentar. Quando Elias foi elevado ao céu, seu manto caiu. Assim, quando os anjos nos carregarem para o céu, este manto de pecado

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também cairá. Nunca mais nos queixaremos de uma dor de cabeça ou de um coração duvidoso. A

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Primeira aplicação: o pecado original está disseminado entre nós e nos é inerente enquanto vivermos, isso refuta a posição dos libertinos e dos quakers que dizem que não temos pecado. Eles sustentam a perfeição e exibem muito orgulho e ignorância, porém, vemos as sementes do pecado original, mesmo no melhor deles. “Não há homem justo sobre a terra que faça o bem e que não peque” (Ec 7.20). E Paulo reclamava de um “corpo desta morte” (Rm 7.24). Embora a graça purifique a natureza, ela não a aperfeiçoa. O apóstolo não diz aos crentes que seu “velho homem foi crucificado” (Rm 6.6), e que eles estavam “ mortos para o pecado” (Rm 6.11)? E de fato eles estão mortos, veja: 1. Eles estão mortos espiritualmente para o pecado. Eles estão mortos tanto para a culpa como para o poder. O amor ao pecado é crucificado. 2. Eles estão legalmente mortos para o pecado. Como um homem sentenciado à morte está morto na lei, os crentes estão legalmente mortos para o pecado. Há uma sentença de morte declarada contra o pecado. Ele deve morrer e ir para o sepulcro. Porém, no presente, o pecado tem sua vida prorrogada. N ada além da m orte do corpo pode nos libertar completamente do corpo dessa morte. Segunda aplicação: levem os a sério o pecado original e nos humilhemos profundamente por causa dele. Ele se apega a nós como uma doença, é um princípio ativo em nós, levando-nos ao mal. O pecado origi­ nal é pior que o pecado de fato; a fonte é maior que o arroio. Alguns pensam que, enquanto são cidadãos, eles são bons o suficiente. Que pena, a natureza está envenenada. Um rio pode ter lindos ribeiros, mas, no fundo, ser cheio de parasitas. Tu tens sobre ti um inferno, nada podes fazer quanto à tua desonra; teu coração, como solo lamacento, contamina a mais pura água que verte sobre ele. Conquanto seja regenerado, ainda permanece muito do velho no novo homem. Quanto o pecado original nos humilha. Essa é uma razão pela qual Deus deixou o pecado original em nós, para que tivesse um espinho para nos admoestar. Como o bispo de Alexandria, depois que o povo tinha abraçado o cristianismo, destruiu todos os ídolos deles menos um, para que, à vista daquele ídolo, eles tivessem aversão a si mesmos pela idolatria anterior. Da mesma maneira, Deus deixou o pecado original para abaixar as plumas do orgulho. Sob as nossas asas prateadas de graça se encontram pés pecadores. Terceira aplicação: deixemos essa percepção nos fazer buscar ajuda diariamente do céu. Peça que o sangue de Cristo lave a culpa do pecado,

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que o seu Espírito mortifíque o poder do pecado, peça por outros níveis de graça: embora a graça não faça o pecado desaparecer, pelo menos ela o impede de reinar. Embora a graça não possa expulsar o pecado, pode repelilo. E, para nosso consolo, nas áreas em que a graça trava um combate contra o pecado, a morte nos proporcionará uma vitória. Quarta aplicação: deixemos o pecado original nos fazer caminhar com corações vigilantes e cautelosos. O pecado de nossa natureza é como um leão adormecido cuja raiva é despertada pela mínima coisa. Ainda que o pecado de nossa natureza pareça quieto e repouse como o fogo escondido sob as brasas, basta revolver somente um pouquinho e sentir o pequeno sopro da tentação que ele se inflama rapidamente e se propaga em maldades escandalosas. E por isso que precisamos sempre caminhar com vigilância. “O que, porém, vos digo a todos: vigiai!” (Mc 13.37). Um coração peregrino precisa de um olhar vigilante. E. A

DESGRAÇA DO HOM EM NO PECADO

PERGUNTA 19: Qual é a desgraça desse estado em que o homem caiu? RESPOSTA: Toda a humanidade, por sua queda, perdeu a comunhão com Deus, todos estão sob sua ira e sua maldição e, então, são responsáveis por todas as desgraças da vida, pela própria morte e o sofrimento eterno no inferno. “E éramos, por natureza, filhos da ira” (E f 2.3). Adão legou um quinhão infeliz para sua posteridade: pecado e desgraça. Já consideramos a primeira parte, o pecado original. Vamos, agora, considerar a desgraça desse estado. Naquele, consideramos a ofensa da humanidade', neste, vamos considerar o sofrimento da humanidade. A desgraça resultante do pecado original é dupla: 1. Particularmente Por esse primeiro pecado hereditário, perdemos a comunhão com Deus. Adão era íntimo de Deus, seu favorito, porém, o pecado nos colocou fora do âmbito desse favor. Quando perdemos a imagem de Deus, perdemos seu relacionamento conosco. Ao banir Adão do paraíso, Deus, de maneira figurada, mostrou como o pecado nos afasta de seu amor e seu favor. 2. Absolutamente Em quatro aspectos: 1. Sob o poder de Satanás; 2. Herdeiros da ira de Deus; 3. Sujeitos a todas as desgraças desta vida; e 4. Abandonados ao inferno e à condenação eterna.

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a. Sob o poder de Satanás A primeira desgraça é que, pela natureza, estamos “sob o poder de Satanás”, que é chamado de “o príncipe da potestade do ar” (E f 2.2). Antes da queda, o homem era um cidadão livre, agora é um escravo; antes, um rei em seu trono, agora, está em grilhões. A quem o homem está escravizado? Aquele que é seu inimigo. Isso tom ava pior o cativeiro de Israel. “ Sobre eles dominaram os que os odiavam” (SI 106.41). Pelo pecado somos escravizados a Satanás, inimigo da humanidade, que escreve todas as suas leis com sangue. Os pecadores, antes da conversão, estão sob as ordens de Satanás; como o asno está sob o comando do condutor, assim ele conduz todos que labutam pelo mal. Assim que Satanás tenta, eles obedecem. Como o navio está sob o comando do piloto, que o guia pelos caminhos que quiser, assim é o pecador sob o comando de Satanás: e este sempre conduz o navio para o inferno. O maligno dirige todos os poderes e todas as faculdades do pecador. i. S atanás dirige o entendim ento. Ele cega os homens com ignorância e, depois, dirige-os. Como os filisteus arrancaram os olhos de Sansão e, assim, o amarraram, Satanás pode fazer o que quiser com um homem ignorante, uma vez que ele não enxerga o erro em seu caminho, o mal pode guiá-lo a qualquer pecado. Você pode guiar um cego para onde quiser, pois todo o pecado está fundamentado na ignorância. ii. S atanás dirige a vontade. Embora ele não possa obrigar, pode, pela tentação, atrair. “Vós sois do diabo, que é vosso pai, e quereis satisfazerlhe os desejos” (Jo 8.44). Ele toma os corações, e estes, passam a lhe obedecer. “Queimaremos incenso à Rainha dos Céus” (Jr 44.17). Quando o mal instiga um pecador com a tentação, ele irá atropelar e quebrar todas as leis de Deus, de maneira a obedecer Satanás. Onde está, então, o livrearbítrio, quando Satanás exerce tal poder sobre a vontade? “ E quereis satisfazer-lhe os desejos.” Não há uma só parte do corpo que não esteja a serviço do mal: a cabeça planeja o pecado, as mãos o executam, os pés correm para executar a tarefa do maligno. Cícero dizia: “A escravidão é odiosa para um espírito nobre” . Satanás é o pior tirano. A crueldade de um canibal ou de Nero é nada para ele. Outros tiranos governaram sobre o corpo, ele governa sobre a consciência. Outros tiranos mostraram alguma misericórdia para com seus escravos: ainda que trabalhassem nas galés, eles lhes davam carne, davam-lhes horas de descanso. Satanás é um tirano impiedoso: não dá descanso. Quanto pesar Judas suportou. O diabo não lhe deu nenhum descanso até que traísse Cristo e, depois, encharcasse as mãos em seu próprio sangue.

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Primeira aplicação: veja nossa desgraça causada pelo pecado origi­ nal, escravizados a Satanás. Efésios 2.2 diz que Satanás atua absolutamente nos filhos da desobediência. Que triste praga é para um pecador estar a serviço do mal. Exatamente como um escravo, se os senhores mandam que cave nas minas, quebre pedras nas pedreiras ou puxe os remos, ele tem de obedecer, não ousa recusar. Se o diabo manda que um homem minta ou roube, ele não se recusa e, o que é pior, voluntariamente obedece a esse tirano. Outros escravos são forçados contra sua vontade: “os filhos de Is­ rael gemiam sob a servidão” (Êx 2.23). Os pecadores, porém, estão dispostos a serem escravos, não escolhem a liberdade, mas beijam seus grilhões. Segunda aplicação: trabalhemos para sair dessa condição deplorável na qual o pecado nos afunda, saindo debaixo do poder de Satanás. Se qualquer um de seus filhos fosse feito escravo, você daria grandes so­ mas de dinheiro para resgatar sua liberdade. Quando, então, suas almas estão escravizadas, não devem os lutar para libertá-las? Prom ova o evangelho. O evangelho proclama alegria para os cativos. O pecado prende os homens, porém o evangelho os liberta. A pregação de Paulo era “para lhes abrires os olhos e os converteres das trevas para a luz e da potestade de Satanás para Deus” (At 26.18). A estrela do evangelho guia a Cristo e, se tiverem Cristo, então serão livres, embora não da existência do pecado, mas da tirania de Satanás. “Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres” (Jo 8.36). Vocês desejam ser reis para reinarem no céu e vão deixar que Satanás reine em vocês? Não pensem em ser reis quando morrerem e escravos enquanto viverem. A coroa de glória é dos vencedores, não dos cativos. Então, saia da jurisdição de Satanás, deixe que seus grilhões de pecado sejam eliminados pelo arrependimento. b. Herdeiros da ira de Deus “ Éramos por natureza filhos da ira.” A explanação que Tertuliano faz dessa passagem está errada, pois ele entende a expressão “filhos da ira” de maneira subjetiva, ou seja, sujeitos à ira e à cólera, transgressores freqüentes na irascível faculdade de um espírito irado. Por “filhos da ira”, o apóstolo, passivam ente, quer dizer herdeiros da ira, expostos à cólera de Deus. O Senhor, no passado, foi um amigo, porém, o pecado quebrou os laços de amizade. Agora, o sorriso de Deus se transformou numa carranca. Julgados no tribunal, fomos feitos filhos da ira. “Quem conhece o poder da tua ira?” (Sl 90.11). “Como o bramido do leão, assim é a indignação do rei” (Pv 19.12). Como o coração de Hamã não deve ter tremido, quando o rei, enfurecido, levantou-se durante o banquete (Et 7.7).

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A ira de Deus, todavia, é infinita, outras iras são somente fagulhas: em Deus, a ira não é passional, como em nós; é, antes, uma ação da santa vontade de Deus, pela qual ele execra o pecado e decreta a sua punição. Essa ira é muito triste e é ela que acirra a aflição desta vida, como quando vem a doença, atendendo à cólera de Deus, e a consciência entra em agonia. A mistura do fogo com a saraiva deixa a situação mais terrível (Êx 9.24). Portanto, a mistura da ira de Deus com a aflição produz algo torturante: é um cravo a mais no jugo. A ira de Deus, mesmo só ameaçadora (como o aguaceiro suspenso nas nuvens) fazia as orelhas de Eli tinirem; o que dizer, então, de quando a ira é efetuada? E terrível quando o rei avalia e censura um traidor, mas, é muito mais terrível quando ele o manda para o cavalete ou para ser moído na roda. “Quem conhece o poder da ira de Deus?” Enquanto formos filhos da ira não podem os fazer nada com as promessas, elas são como a árvore da vida, produzindo muitos tipos de fruto, mas da qual não temos o direito de tirar nem uma só folha. “Filhos da ira” (Ef 2.3), “estranhos às alianças da promessa” (E f 2.12). As promessas são como uma fonte selada. Enquanto estivermos no estado natural, não vemos nada a não ser a espada flamejante, como diz o apóstolo: “Pelo contrário, certa expectação horrível de juízo e fogo vingador” (Hb 10.27). Enquanto formos filhos da ira, estam os todos “debaixo da m aldição” (G1 3.10). Como o pecador pode comer e beber estando em tal condição? E como Dâmocles,70 no banquete, que ao sentar para a refeição principal tinha uma espada sobre sua cabeça, pendurada somente por um fio, por isso não podia comer. Assim é a espada da ira e da maldição de Deus, suspensa a todo o tempo sobre o pecador. Lemos sobre um rolo voador, cheio de maldições (Zc 5.3). Um rolo com maldições vai contra cada pessoa que vive e morre em pecado. A maldição de Deus arruina tudo por onde passa. Há uma maldição sobre o nome do pecador, uma maldição sobre sua alma, uma maldição sobre seu estado e sobre sua posteridade, uma maldição sobre a lei. E muito triste se tudo o que o homem comer se transformar em veneno; assim, o pecador come e bebe a própria condenação à mesa de Deus. E assim antes da conversão. Como o amor de Deus transforma qualquer coisa amarga em doce, do mesmo modo a maldição de Deus transforma tudo o que for doce em amargo. A

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Observe nossa desgraça por causa da queda. “Herdeiros da ira.” É esse um estado em que devemos descansar? Se um homem ficar sob a ira do rei não irá se esforçar para se reintegrar a seu favor? Fujamos da ira de Deus. E para onde podemos fugir, senão para Jesus Cristo? Não existe nada mais que nos proteja da ira de Deus. “Jesus, que nos livra da ira vindoura” (1 Ts 1.10).

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c. Sujeitos a todas as desgraças desta vida Sujeitos a todas as desgraças que se pode conhecer. Todas as aflições que incidem sobre a vida do homem são frutos amargos do pecado original. O pecado de Adão sujeitou a criação à vaidade (Rm 8.20). Nenhum prazer terreno preenche o coração vaidoso das criaturas. Ou preenche? Assim como a respiração do marinheiro não preenche as velas de um navio: “Na pleni­ tude de sua abastança, ver-se-á angustiado” (Jó 20.22). Há algo faltando e continuamente faltando. O coração é sempre hidrópico, sedento, nunca satisfeito. Salomão colocou todas as criaturas num cadinho, e quando lhe extraiu o espírito e a quintessência, não havia nada, a não ser espuma, tudo era vaidade (Ec 1.2). Mais ainda, é uma vaidade irritante, não somente um vazio, mas um amargor. Nossa vida é trabalho e suor, entramos no mundo com choro e dele saímos com gemido (Sl 90.10). Muitos já disseram que não viveriam novamente suas vidas, pois elas tiveram em si mais água que vinho. Mais água de lágrimas do que vinho de alegria. Agostinho disse assim: “Uma vida longa nada mais é que um longo tormento” . E Jó disse: “Mas o homem nasce para o enfado” (Jó 5.7). Ninguém nasce herdeiro da terra, mas herdeiro das aflições. Assim como não se separa o chumbo de um peso de balança, assim é com as aflições do homem. Nesta vida, as perturbações não acabam, apenas mudam. A aflição são os vermes que crescem na matéria pútrida do pecado. De onde vêm todos os nossos temores, senão do pecado? “O medo produz tormento” (1 Jo 4.18). O medo é o calafrio da alma, faz que ela trema. Alguns temem a privação; outros, os perigos; alguns temem a perda de relacionamentos; se nos regozijamos, é com temor. De onde vêm todas as nossas esperanças frustradas, senão do pecado? Para onde olhamos em busca de conforto, encontramos uma cruz; quando esperamos por mel, experimentamos absinto. Por que a terra está tão cheia de violência e por que o perverso oprime “aquele que é mais justo do que ele?” (Hc 1.13). De onde vêm tanto engano nos negócios, tanta falsidade nos relacionam entos? De onde vêm a desobediência das crianças e a idéia de que a vara da autoridade dos pais é como uma espada a lhes traspassar os corações? De onde vem a infidelidade dos servos para com seus senhores? O apóstolo fala de alguns que acolheram anjos em suas casas (Hb 13.2), porém, quão freqüentemente, em lugar de acolherem anjos, são acolhidos demônios. De onde vêm as insubordinações e as divisões dentro de um reino? “Naqueles tempos, não havia paz nem para os que saíam nem para os que entravam” (2Cr 15.5). Tudo isso não passa do cerne rançoso do fruto que nossos primeiros pais comeram, o fruto do pecado original.

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Além disso, todas as deformidades e as doenças do corpo, as febres, as convulsões, o catarro, tudo procede do pecado: fome e uma nova safra de febres oprimiram a terra. Nunca houve uma pedra nos rins que não tivesse sido, primeiro, uma pedra no coração. Sim, a morte do corpo é o fruto e o resultado do pecado original. “Entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte” (Rm 5.12). Adão era condicionalmente imortal, se não tivesse pecado. O pecado cavou a cova de Adão. A morte é terrível para a espécie. Luís, rei da França, proibiu a qualquer um que entrasse em sua corte de mencionar a palavra morte. Os socinianos dizem que a morte vem somente das enfermidades da constituição. Porém, o apóstolo diz: o pecado introduziu a morte no mundo e, pelo pecado, veio a morte. Certamente, se Adão não tivesse comido da árvore do conhecimento, não teria morrido. “No dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gn 2.17), isso implica que, se Adão não tivesse comido, não teria morrido. Então, veja a desgraça que se seguiu ao pecado original. O pecado dissolve a harmonia e a boa temperatura do corpo, além de quebrá-lo em pedaços. d. Abandonados ao inferno e à condenação eterna O pecado original sem arrependim ento subm ete ao inferno e à condenação. Essa é a segunda morte (Ap 20.14). Há duas coisas aqui: i. A punição da perda. A alma é banida da bem-aventurada presença de Deus, em cuja presença há abundância de alegria. ii. A punição da sensibilidade. O pecador sente o frasco quente da ira de Deus. Ela é penetrante, contínua (Jo 3.36) e está guardada (2Pe 2.17). Se, quando a fúria de Deus é acesa um pouco e uma ou duas faíscas voam até a consciência do homem já é tão terrível, o que dizer quando Deus revolver tudo em sua fúria? No inferno há o verme e o fogo (Mc 9.44). O inferno é a intensificação e a ênfase da desgraça; é onde há julgamento sem misericórdia. Quantas chamas de ira, que mar de vingança, que rios de enxofre estão vertidos sobre o condenado. Bellarmino é da opinião de que um vislumbre do fogo do inferno seria suficiente para transformar em cristão o mais patife dos pecadores. Então, viva como um ermitão: uma vida mais mortificada. Diante disso, qualquer fogo é meramente uma descrição: “agüentá-lo seria intolerável, evitá-lo seria impossível” . E esses tormentos do inferno são eternos, não há tempo determinado para eles. “Naqueles dias, os homens buscarão a morte e não a acharão” (Ap 9.6). Orígenes imaginou um regato ardente no qual as almas dos pecadores eram purgadas depois desta vida para, então, passarem para o céu, porém ele estava equivocado, o inferno é para sempre. O sopro do Senhor inflama esse fogo; e onde en contrarem o s bo m b eiro s ou baldes para ex tin g u i-lo ?

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“A fumaça do seu tormento sobe pelos séculos dos séculos, e não têm descanso algum, nem de dia nem de noite” (Ap 14.11). Tudo isso em razão do pecado original. A

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Primeira aplicação: quanto pesar deveríamos ter a respeito desse primitivo pecado original que tem criado tantas desgraças. Que mel pode ser tirado desse leão? Que uvas podemos colher desse espinheiro? Ele coloca o céu e a terra contra nós. Ao mesmo tempo em que escolhemos esse espinheiro como mestre, dele sai o fogo que nos devora. Segunda aplicação: todos os crentes estão ligados a Cristo, que os libertou da desgraça a que o pecado os havia exposto. “No qual temos a redenção, pelo seu sangue” (Ef 1.7). O pecado trouxe aflição e uma maldição sobre o mundo: Cristo santificou a aflição e removeu a maldição. Mais ainda, ele não somente libertou os crentes do tormento, mas alcançou para eles uma coroa de glória e de imortalidade. “Ora, logo que o Supremo Pastor se manifestar, recebereis a imarcescível coroa da glória” (lP e 5.4).

V. QUARTA PARTE O PACTO DA GRAÇA E SEU MEDIADOR

P

e rguntas

A. O

20, 25, 26, 27, 28, 30 PACTO DA G RAÇA

PERGUNTA 20: Deus deixou toda a hum anidade perecer no estado de m iséria e de pecado? RESPOSTA: Não! Ele fez um pacto de graça para libertar o eleito daquele estado e trazê-lo a um estado de graça por intermédio de um Redentor. “Convosco farei uma aliança perpétua” (Is 55.3). O homem foi lançado em um labirinto de miséria por sua queda e não tem recursos para se recuperar, então Deus se agradou em fazer um novo pacto com ele e restaurálo à vida por intermédio de um Redentor. A principal proposição que eu defenderei é: há um novo pacto ratificado entre Deus e o eleito. Sobre ela, podemos perguntar: 1. Q ual é o novo pacto? É um pacto formal, um acordo feito entre Deus e o homem caído, em que o Senhor se responsabiliza em ser nosso Deus e em fazer-nos seu povo. 2. Q uais nomes são dados a esse pacto? a. E chamado aliança de paz Em Ezequiel 37.26 está escrito: “... farei com eles aliança de paz”, esse pacto é chamado assim, pois sela a reconciliação entre Deus e os pecadores humildes. Antes desse pacto, não havia nada além de inimizade. Deus não nos amava, pois uma criatura que ofende não pode ser amada por um Deus santo. E nós não o amávamos, pois um Deus que condena não pode ser amado por uma criatura culpada. Então, havia guerra de ambos os lados, porém Deus encontrou uma maneira no novo pacto para reconciliar as partes conflitantes, então o pacto foi apropriadamente chamado de aliança de paz. b. E chamado de pacto da graça

Esse nome é apropriado a esse pacto pelas seguintes razões: i. Porque esse pacto foi dado pela graça. Quando anulamos o primeiro pacto, Deus quis fazer um novo pacto, visto que nós mesmos nos lançamos

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fora da comunhão com ele. O pacto da graça é uma tábua flutuando depois de um naufrágio. Quão grandiosa é a graça de Deus. Ele trata com pecadores e coloca sua sabedoria e sua misericórdia em ação para trazer rebeldes à participação no pacto. ii. P orque é um acordo real gracioso. O pacto é um acordo que foi todo construído em termos da graça: “ lançastes para trás de ti todos os meus pecados” (Is 38.17); “eu, de mim mesmo os amarei” (Os 14.4). Ele colocaria em nós uma vontade pára aceitar a misericórdia do pacto e também nos daria força para cumprir as condições do pacto (Ez 36.27). Tudo isso é pura graça. 3. P or que Deus deveria fazer um pacto conosco? O pacto se baseia em indulgência, no favor e na consideração a nós. Um tirano não faria um pacto com escravos, não lhes m ostraria tal respeito. Ao entrar em um pacto conosco para ser nosso Deus, ele põe sobre nós dignidade. Um pacto é uma nota de distinção entre o povo de Deus e os pagãos: “Estabelecerei contigo uma aliança eterna” (Ez 16.60). Quando o Senhor disse que faria um pacto com Abraão, ele caiu com o rosto no chão como que m aravilhado com a glória de Deus que lhe favoreceu (Gn 17.2). Deus faz um pacto conosco para nos comprometermos com ele, como citado em Ezequiel. E a “disciplina da aliança” (Ez 20.37). Deus sabe que temos corações instáveis, portanto fez um pacto para nos comprometer. E uma im piedade horrenda se afastar de Deus, m uito m aior após o estabelecimento do pacto. Se uma freira virgem, que fizera o voto de se dedicar à religião, fosse deflorada, os romanos a queimariam viva. E um perjúrio se afastar de Deus após um pacto solene. 4. Os dois pactos, da graça e das obras, são diferentes? Em que sentido o pacto da graça é diferente do primeiro pacto que fo ra feito com Adão? a. Os termos do primeiro pacto eram mais estreitos e severos

i. A m ínim a falha invalidaria o prim eiro pacto. Uma mínima falha faria que o pacto com Adão se anulasse e ficasse inválido, porém muitas falhas não anulam o pacto da graça. Eu concordo que o menor pecado é uma violação do pacto, mas não o anula e cancela. Pode haver muitas falhas no relacionamento conjugal, mas nenhuma das falhas quebra o laço do casamento. Seria triste se todas as vezes que quebrássemos o pacto com Deus ele quebrasse o pacto conosco também. Deus não tomará vantagem nas falhas, porém na “ira se lembrará da misericórdia”.

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ii. A q u eb ra do prim eiro pacto não proporcionava um a saída ao p ecador, pois todas as portas que davam esperança estavam fechadas. O novo pacto proporciona uma saída ao pecador: cria espaço para o arrependimento e providencia um mediador: “Jesus, o Mediador da nova aliança” (Hb 12.24). b. O primeiro pacto se apóia totalmente nas “obras ”, o segundo se apòia na f é (Rm 4.5). Quanto a isso, alguém poderia levantar a seguinte indagação: Mas não são requeridas obras no pacto da graça? Sim. “Fiel é esta palavra, e quero que, no tocante a estas coisas, faças afirmação, confiadamente, para que os que têm crido em Deus sejam solícitos na prática de boas obras” (Tt 3.8). Contudo, o pacto da graça não requer obras da mesma maneira que o pacto das obras. No primeiro pacto, as obras eram requeridas como condição de vida. No segundo pacto, as obras são requeridas somente como sinais de vida. No primeiro pacto, as obras eram requeridas como base da salvação, no segundo, elas são requeridas como evidências de nosso amor por Deus. No primeiro pacto, as obras eram requeridas para justificação de nossas pessoas, no novo pacto, as obras são manifestações da graça em nós. 5. Q ual é a condição do pacto da graça? A condição principal é a fé. Segue-se a pergunta: Por que a f é é a condição do novo pacto acima de qualquer virtude? Para excluir qualquer glória na criatura. A fé é uma virtude humilde. Se o arrependimento e as obras fossem a condição do pacto, podia-se dizer: “a minha retidão que me salvou”. Mas, como a fé é a condição do novo pacto, onde está a ostentação? A fé procede totalmente de Cristo e dá toda a glória a Cristo, é a mais humilde das virtudes. Deus determinou essa virtude como condição do pacto. Se a fé é a condição do pacto da graça, exclui desesperados pecadores presunçosos do pacto. Eles dizem que há um pacto da graça e que serão salvos, mas não há acordos sem condições. A condição do pacto é a fé. Se não houver fé, não há ligações com o pacto, assim como não há ligações entre um estrangeiro e um fazendeiro do campo no que diz respeito aos acordos relativos à cidade. A

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Primeira aplicação: quanto à informação. Veja a maravilhosa bondade de Deus em pactuar conosco. Ele não fez um pacto com os anjos quando caíram. Foi muita complacência da parte de Deus em pactuar conosco

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quando num estado de inocência, muito mais quando estávamos num estado de inimizade. Nesse pacto da graça, podemos ver o puro amor de Deus e a obra profunda a favor dos pecadores. Esse é um pacto conjugal: “diz o S e n h o r ; porque eu sou o vosso esposo” (Jr 3.14). No novo pacto, Deus faz um esforço especial a nosso favor, e o que mais ele pode dar? Ele nos dá suas promessas, e que melhor segurança podemos ter? Segunda aplicação: quanto ao julgamento, há três características que apresentamos nesse pacto que temos com Deus: 1. O povo do pacto de Deus é um povo humilde. “Cingi-vos todos de humildade” (lP e 5.5). O povo de Deus considera os outros melhores que eles mesmos; eles se encolhem até chegarem a nada em seus pensamentos (Fp 2.3). Davi clama: “mas eu sou verme e não homem” (SI 22.6). Embora fosse um santo, embora fosse um rei, era verme. Quando o rosto de Moisés brilhou, ele o cobriu com um véu. Quando o povo de Deus brilha na graça, é coberto com o véu da humildade. O orgulho não faz parte do pacto, pois “ Deus resiste aos soberbos” (1 Pe 5.5), e certamente tais pessoas não fazem parte do pacto com Deus. 2. Um povo em um pacto com Deus é um povo obediente. Embora não possam servir a Deus perfeitamente, servem-no obedientemente. Não servem a Deus de má vontade em seu pouco tempo de adoração. Não hesitam ou murmuram nos sofrimentos; atravessam mares e desertos se Deus pedir. “ A p re se n ta r-se -á v o lu n ta ria m e n te o teu p o v o ” (SI 110.3). Essa espontaneidade e essa obediência provêm do poder atrativo do Espírito de Deus: o Espírito não força, mas ele atrai a vontade suavemente. E essa obediência na religião faz que todo nosso culto seja aceitável. Deus às vezes aceita a boa vontade sem a obra, mas nunca a obra sem boa vontade ou obediência. 3. O povo do pacto de Deus é um povo consagrado, tem a santidade do Senhor escrita nele: “porque tu és povo santo ao S e n h o r , teu Deus” (Dt 7.6). O povo do pacto é um povo separado do mundo, santificado pelo Espírito. Os sacerdotes da lei não deveriam somente se lavar na grande pia, mas eram vestidos com uma gloriosa vestimenta (Ex 28.2). Aquilo acontecia para mostrar que o povo de Deus não era somente lavado dos pecados, mas adornado com santidade de coração. Não levavam somente o nome de Deus, mas sua imagem. Tamerlane recusou um pote de ouro quando percebeu que não levava o selo de seu pai nele, m as o selo rom ano. A santidade é o selo de Deus, se ele não vê seu selo sobre nós, não nos tem por seu povo do pacto. Terceira aplicação: quanto à exortação. Todos quantos estão fora do pacto lutem para entrar nele e ter Deus como seu Deus. Como foram felizes

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aqueles do mundo antigo que tiveram a arca. Quão diligentes deveríamos ser para entrar na arca do pacto. Considere o seguinte: 1. A miséria daqueles que vivem e morrem fora do pacto com Deus. Eles não têm para onde ir na hora do sofrimento. Quando suas consciências acusam, quando a doença se aproxima (que é somente uma precursora que evidencia a aproximação da morte), então o que farão? Para onde fugirão? Olharão para Cristo em busca de ajuda? Ele é o mediador somente para os que estão no pacto. Como estarão cheios de horror e de desespero. E serão como Saul, quando disse: “os filisteus guerreiam contra mim, e Deus se desviou de mim, e já não me responde” (ISm 28.15). Até que se esteja no pacto com Deus, não há misericórdia. O propiciatório foi colocado sobre a arca e não era maior que a arca para mostrar que a misericórdia de Deus não vai além do pacto. 2. A excelência do pacto da graça. É um pacto melhor do que aquele feito com Adão, primeiramente porque é mais amigável e propício. As obras rejeitadas no primeiro pacto são aceitas no segundo. Aqui, Deus aceita a boa vontade em lugar do que o homem faz (2Co 8.12). A sinceridade é coroada no pacto da graça. Ainda que fracos, Deus nos fortalece; ainda que destituídos, Deus certamente nos aceita. Em segundo lugar, é um pacto melhor porque é mais garantido: “pois estabeleceu comigo uma aliança eterna, em tudo bem definida e segura” (2Sm 23.5). O primeiro pacto não era firme, se apoiava sobre a base instável das obras. Adão nem chegou a acumular retidão para que pudesse barganhar e já quebrou o pacto. Porém, o pacto da graça é seguro, é confirmado pelo decreto de Deus e se apóia sobre dois poderosos pilares: o juram ento de Deus e o sangue de Cristo. Em terceiro lugar, tem melhores privilégios. O pacto da graça traz preferência. A nossa natureza é agora mais nobre, somos colocados numa posição mais alta de glória que na inocência, somos promovidos para sentar no trono de Cristo (Ap 3.21). Somos, pela virtude do pacto da graça, aproximados numa posição mais perto que os anjos. Eles são amigos dele, nós sua esposa. D eus deseja pactuar. C o n v id a e clam a por seus embaixadores, para que sejam reconciliados. Por quê? Porque deseja pactuar. Alguém pode dizer: Eu gostaria muito de entrar nesse pacto com Deus, mas fu i um grande pecador e temo que Deus não me admita no pacto. Quando você reconhece seus pecados e fica contrariado por causa deles, Deus faz um pacto com você. “Me deste trabalho com os teus pecados e me cansaste com as tuas iniqüidades. Eu, eu mesmo, sou o que apago as tuas transgressões, por amor de mim e dos teus pecados não me lembro” (Is 4 3 .2 4 ,2 5 ). A ssim com o o m ar cobre g ran d es rochas, o pacto

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misericordioso de Deus cobre grandes pecados. Alguns dos judeus que crucificaram Cristo tiveram seus pecados lavados em seu sangue. Outro pode dizer: Mas eu não sou digno de que Deus me admita no pacto. Ora, nunca passou pela mente de Deus fazer um novo pacto com base nos termos de valor. Se Deus tivesse decidido mostrar misericórdia só para os que têm dignidade, então não mostraria a misericórdia para ninguém. Mas é projeto de Deus, no novo pacto, promover as riquezas da graça para nos amar com liberdade; e mesmo sem dignidade própria, nos aceitar por meio da dignidade de Cristo. Portanto, não permitamos que a falta de dignidade ou valor nos desanime, não é a falta de dignidade ou valor que exclui alguém do pacto, mas a falta de vontade. O que devemos fa zer para entrar nesse pacto com Deus? 1. Buscar a Deus em oração. “Peçam a compaixão do Senhor”, disse Agostinho. Digam: “ Senhor, seja meu Deus no pacto”. O Senhor fez uma promessa expressa, que quando orássemos a ele o pacto seria ratificado, ele seria nosso Deus e nós seu povo: “ela invocará o meu nome, e eu a ouvirei; direi: é meu povo, e ela dirá: o S e n h o r é meu Deus” (Zc 13.9). A oração deve ser convincente, devemos orar como pretendentes desejosos, decididos a não ser negados. 2. Para estar no pacto com Deus é preciso quebrar o pacto com o pecado. Antes de acontecer um pacto conjugal deve haver um divórcio: “Se é de todo o vosso coração que voltais ao S e n h o r , tirai dentre vós os deuses estranhos e os astarotes” ( ISm 7.3). Os astarotes são os seus deuses femininos. Entraria um rei em um pacto com um homem que tem ligação com seus inimigos? 3. Para entrar no acordo do pacto é necessário fé no sangue do pacto. O sangue de Jesus é o sangue de expiação. Creia nesse sangue e estará seguramente guardado na misericórdia de Deus: “fostes aproximados pelo sangue de Cristo” (E f 2.13). Quarta aplicação: quanto ao conforto daqueles que podem entender que seus interesses estão em um pacto com Deus. 1. Quem está no pacto com Deus tem todos os seus pecados perdoados O perdão é a coroa da misericórdia: “ele é quem perdoa todas as tuas iniqüidades... e te coroa de graça e misericórdia” (SI 103.3,4). Isto é uma ramificação do pacto: “eu serei o seu Deus... perdoarei as suas iniqüidades e dos seus pecados jamais me lembrarei” (Jr 31.33,34). Com o perdão dos pecados cessa toda a ira. Como é terrível quando uma fagulha da ira de Deus voa para a consciência do homem. Mas com o perdão do pecado não há mais ira. Deus não aparece mais no fogo ou no terremoto; mas coberto com um arco-íris cheio de misericórdia.

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2. Todas as suas misericórdias temporais são fruto do pacto. Os ímpios têm misericórdia pela providência, não por virtude de um pacto, pela permissão de Deus, não por seu amor. Mas todos os que estão no pacto têm suas misericórdias adoçadas com o amor de Deus e nadam nas misericórdias pelo sangue de Cristo. Assim como Naamã disse a Geasi: “Sê servido tomar dois talentos” (2Rs 5.23), da mesma maneira Deus diz àqueles que estão no pacto, para tomarem dois talentos: a saúde e Cristo. As riquezas e meu amor, a carne de cervo e também a bênção. Tome dois talentos. 3. Você pode, em todas as ocasiões, lançar mão do pacto. Se você estiver sendo perseguido por tentação, lance mão do pacto. “ Senhor, prometeste ferir Satanás debaixo dos meus pés; deixarás teu filho sofrer e ficar assim tão preocupado? Elim ina o leão ru gidor.” Q uando em necessidade, lance mão do pacto: Senhor, disseste: “nada me faltará” . Tu me salvas do inferno e por que não me salvarias da necessidade? Deste­ me um reino e me negarias o pão diário? 4. No pacto, todas as coisas cooperam para o bem (Sl 25.10). Não som ente os caminhos dourados, mas seus caminhos ensangüentados são para o bem. Todo vento da providência soprará um filho de Deus para mais perto do céu. A aflição humilhará e purificará (Hb 12.10). Deus destila sua salvação do remédio mais amargo. As aflições se somam à glória dos santos. Quanto mais o diamante é cortado, mais brilha; quanto mais pesada a cruz dos santos, mais pesada a coroa. 5. Caso você tenha estado no pacto uma vez, então estará para sempre. O texto chama o pacto de uma “aliança eterna” . Aqueles que estão no pacto são eleitos e o amor eletivo de Deus é imutável. “Farei com eles aliança eterna, segundo a qual não deixarei de lhes fazer o bem; e porei o meu temor no seu coração, para que nunca se apartem de mim” (Jr 32.40). Deus amará os santos de tal maneira que não os abandonará; e os santos temerão a Deus de tal maneira que não o abandonarão. E um pacto de eternidade. Tem de ser assim. Com quem esse pacto não é feito? Não é feito com os crentes que não estão unidos e enxertados a Cristo! Cristo é o cabeça, eles o corpo (Ef 1.22,23). É uma união próxima, uma união como aquela entre o Deus Pai e Cristo. “A fim de que todos sejam um; e como és tu, ó Pai, em mim e eu em ti, também sejam eles em nós” (Jo 17.21). Agora, a união entre Cristo e os santos, que é tão inseparável, nunca poderá ser dissolvida, o pacto nunca poderá ser anulado. Podemos morrer firmados nesse consolo. 6. Você está em um pacto com Deus e está indo para Deus. Que leito de morte gracioso. A morte quebra a união entre o corpo e a alma, mas aperfeiçoa a união entre Cristo e a alma. Isso tem feito que os santos desejem a morte, assim como a noiva o dia do casamento (Fp 1.23). “Guia-me,

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Senhor, para aquela glória”, disse alguém. “Contemplei como que por meio de um vidro escuro.” Quinta aplicação: quanto à direção. A fim de mostrar como se deve andar. Vocês, que têm experimentado da misericórdia do pacto, devem viver como povo do pacto com Deus. Vocês são diferentes dos outros com respeito à dignidade, sejam também com respeito ao comportamento. 1. Amem esse Deus. O amor de Deus para com vocês exige amor. É um amor gratuito. Por que será que Deus passou perto de outros e tomou vocês para fazerem parte da liga de sua amizade? Na lei, Deus passou pelo leão e a águia, e escolheu a pomba. Da mesma maneira, ele passa pelo nobre e o poderoso. E o amor completo. Quando Deus os toma em seu pacto, vocês são seu Hephzibah (Is 62.4), seu prazer está em vocês, ele lhes dá a chave de todo o seu tesouro, ele os enche de pérolas, prepara o céu e a terra diante de vocês. Ele dá muitas uvas pelo caminho, e diz: “Filho, tudo que eu tenho é seu”. Isso tudo não exige amor? Quem pode pisar nessas brasas quentes e não sentir o coração queimar por Deus? 2. Ande de maneira santa. O pacto fez de vocês uma nação real, portanto sejam um povo santo. Brilhem como luzes no inundo, vivam como anjos terrestres. Deus os tomou em seu pacto para que com ele tivessem comunhão. O que é que mantém a comunhão com Deus, senão a santidade? 3. Sejam agradecidos (SI 103.1). Deus é seu Deus no pacto. Ele fez mais por vocês do que se tivesse feito vocês andarem pelos lugares mais altos da terra e tivesse lhes dado coroas e cetros. Tomem o copo da salvação, dêem graças a Deus. A eternidade será muito curta para louválo. Músicos adoram tocar suas músicas onde a acústica torna o som mais alto, Deus ama mostrar suas misericórdias onde ele pode ter os mais altos louvores. Vocês que têm recompensas de anjos, façam obras de anjos. C om ecem o trab a lh o do lo u v o r aq u i, aq u ilo que esp eram fazer constantemente no céu. B. C

r is t o

,

o m e d ia d o r d o p a c t o

“Jesus, o Mediador da nova aliança” (Hb 12.24). Jesus Cristo é a soma e a essência do evangelho. Ele é a maravilha dos anjos, a felicidade e o triunfo dos santos. O nome de Cristo é doce, é música aos ouvidos, mel na boca, calor no coração. Vou abrir mão do contexto e falar daquilo que cumpre nosso atual propósito. Tendo falado sobre o pacto da graça, agora vou falar sobre o m ediador do pacto e o restaurador dos perdidos pecadores: “Jesus, o Mediador da nova aliança”. Há vários nomes e títulos na Escritura dados a Cristo como o grande restaurador da humanidade:

Cristo, o mediador do pacto

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i. C risto é cham ado de Salvador: e lhe porás o nome de Jesus” (Mt 1.21). A palavra hebraica para Jesus significa salvador. Quem ele salva do inferno, ele salva do pecado. Onde Cristo é o Salvador, ele é santificador. “ ... ele salvará o seu povo dos pecados deles” (Mt 1.21). Não há outro salvador: “e não há salvação em nenhum outro” (At 4.12). Assim como havia somente uma arca para salvar o mundo do afogamento, há só um Jesus para salvar os pecadores da perdição. Assim como Noemi disse para suas noras: “tenho eu ainda no ventre filhos, para que vos sejam por maridos?” (Rt 1.11). Da mesma maneira, tem Deus qualquer filho no ven­ tre de seu decreto eterno, para ser salvador para nós, além de Cristo? “Onde se achará a sabedoria? ... O abismo diz: ela não está em mim; e o mar diz: Não está comigo” (Jó 28.12,14). Onde se encontra a salvação? O anjo diz: “não está em mim” ; a mortalidade diz: “não está em mim” . A ordenança diz: “não está em mim”. Cristo sozinho é a boa fonte de vida. A ordenança é o cano de ligação que leva à salvação, mas Cristo é a fonte que a alimenta. “Não há salvação em nenhum outro.” ii. C risto é cham ado de R edentor: “virá o Redentor a Sião” (Is 59.20). Alguns entendem que se refere a Ciro, outros a um anjo, mas a maioria dos doutores judeus antigos entendia que se referia a Cristo, o Redentor do eleito. “O meu Redentor vive” (Jó 19.25). A palavra hebraica para redentor significa alguém que tem um relacionamento muito próximo e tem o direito de redimir uma dívida. Assim, Cristo está perto de nós, é nosso irmão mais velho, portanto tem o maior direito em nos redimir. iii. C risto é ch am ad o de M ed iad o r: No texto básico, Cristo é chamado de Mediador: “Jesus, o M ediador da nova aliança” (Hb 12.24). A palavra grega para M ediador significa uma pessoa do meio, alguém que preenche a brecha entre duas partes que estão em desacordo. Deus e nós estamos separados pelo pecado, Cristo intermedia entre nós e se torna árbitro entre nós. Ele nos reconcilia com Deus pelo seu sangue, portanto ele é chamado o M ediador da nova aliança. Não há nenhuma maneira de haver comunhão e relacionamento entre Deus e o homem, a não ser com e por meio de um mediador. Cristo retira a inimizade entre nós e Deus, e aplaca sua ira, e então faz a paz. Cristo não é um M ediador somente da reconciliação, mas também da intercessão: “porque Cristo não entrou em santuário feito por mãos, figura do verdadeiro, porém no mesmo céu, para comparecer, agora, por nós, diante de Deus” (Hb 9.24). Quando o sacerdote matava o sacrifício, o levava com o sangue diante do altar e do propiciatório e mostrava para o Senhor. Hoje, em Cristo, nosso Mediador abençoado, considere duas coisas: I. Sua pessoa. II. Sua graça.

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1. A pessoa do mediador do pacto Sua pessoa é amigável. Ele é todo amor e todo beleza. Ele é a figura de seu Pai, “a expressão exata do seu Ser” (Hb 1.3.). Pense no seguinte: a. A pessoa de Cristo em duas naturezas i. Olhe para sua natureza humana encarnada. Os valentianos negavam sua natureza humana, mas João 1.14 diz: “e o Verbo se fez carne” . Isso é dito do Cristo, o Messias prometido. Cristo tomou a forma humana, a mesma natureza com a qual o pecador pode sofrer, e “o Verbo se fez carne”, de maneira que pelo vidro de sua humanidade pudéssemos olhar para Deus. Por que Cristo é chamado de Verbo? Porque assim como a palavra é intérprete da mente e revela o que está dentro do peito de um homem, assim Jesus Cristo revela a mente do Pai para nós a respeito das grandes questões de nossa salvação (Jo 1.18). Se não fosse pela humanidade de Cristo, a visão da deidade seria terrível para nós, mas por meio da carne de Cristo podemos olhar para Deus sem terror. Cristo tomou a forma de nossa carne para que pudesse saber como ter misericórdia de nós. Ele sabe o que é ser fraco, ser cheio de sofrimento e ser tentado, “pois ele conhece a nossa estrutura” (SI 103.14). Ele tomou a forma humana para que pudesse enobrecer nossa natureza humana com honra, como disse Agostinho. Quando Cristo se uniu à nossa carne, exaltou-a acima da natureza angelical. ii. Olhe para a natureza divina de Cristo. Cristo pode ser comparado apropriadamente com a escada de Jacó, que ia da terra até o céu (Gn 28.12). A natureza humana de Cristo era o pé da escada, que só se apoiava na terra; sua natureza divina era o topo da escada, que atingia o céu. Como isso é um grande artigo de nossa fé, devo ampliá-lo. Eu sei que os arianos, socinianos e ebionitas71 tiram a melhor jóia da coroa de Cristo, ou seja, sua divindade. Porém, o Credo Apostólico,72 o Credo Niceno73 e o Credo Atanasiano afirmam a deidade de Cristo, assim como as igrejas de Helvétia, Boêmia, Wittemberg, Transilvânia, etc., apóiam totalmente a divindade. Por outro lado, as Escrituras são claras sobre o assunto, ele é chamado “Deus Forte” (Is 9.6). “Nele, habita corporalmente toda a plenitude da Divindade” (Cl 2.9). Ele é da mesma natureza e mesma essência que o Pai. Atanásio74 e Crisóstomo pensam assim. Deus, o Pai, é chamado Poderoso? Cristo também é: “O Todo-poderoso” (Ap 1.8). Deus, o Pai, é o que sonda corações? Cristo também: “ele mesmo sabia o que era a natureza humana” (Jo 2.25). Deus Pai é onipresente? Cristo também o é: “O Filho do homem [que está no céu]” (Jo 3.13). Cristo como Deus estava no céu, como homem estava sobre a terra.

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Cristo é eterno? Cristo é o Pai eterno (Is 9.6), o que pode ser apresentado contra os hereges cerintianos,75 que negavam a preexistência da divindade de Cristo e defendiam que Cristo não existiu até que foi concebido de Maria. A adoração divina pertence à primeira pessoa da Trindade? Ela também pertence a Cristo (Jo 5.23): “e todos os anjos de Deus o adorem” (Hb 1.6). A criação é algo próprio da deidade? Isto é uma das flores da coroa de Cristo: “pois, nele, foram criadas todas as coisas” (Cl 1.16). A invocação é algo apropriado à deidade? Isto é dado a Cristo: “e apedrejavam Estêvão, que invocava e dizia: Senhor Jesus, recebe o meu espírito!” (At 7.59). Descansar e confiar são coisas peculiares a Deus o Pai? Isto também se refere a Cristo: “credes em Deus, crede também em mim” (Jo 14.1). Cristo tem de ser Deus, não somente pela razão de apoiar a natureza humana para que não naufrague sobre a ira de Deus, mas também para dar valor de peso aos seus sofrimentos. Cristo sendo Deus, sua morte e paixão são meritórias. O sangue de Cristo é chamado o sangue de Deus, em Atos 20.28, porque a pessoa que foi oferecida em sacrifício foi Deus, assim como o homem. Isso é um apoio invencível aos cristãos; foi Deus quem foi ofendido e foi Deus quem foi satisfeito. Assim, a pessoa de Cristo está nas duas naturezas. b. As duas naturezas de Cristo em uma pessoa Pense nas duas naturezas de Cristo em uma pessoa, Deus-homem: “Aquele que foi manifestado na carne” (lT m 3.16). Cristo tinha uma substância dupla, a divina e a humana, mas não uma subsistência dupla. Eram duas naturezas, mas só um Cristo. Um broto pode ser enxertado em outra árvore, uma pereira em uma macieira, por exemplo. Porém, embora dêem frutos diferentes, provêm de uma só árvore. Da mesma maneira, a humanidade de Cristo está unida à deidade de um modo inefável, mas apesar de duas naturezas, são uma só pessoa. Essa união das duas naturezas em Cristo não é uma transmutação, a natureza divina transformada em humana, ou a humana transformada em divina. Não é uma mistura, como se as duas naturezas fossem combinadas como vinho e água, mas ambas as naturezas de Cristo permanecem distintas. São distintas, mas não fazem duas pessoas distintas, mas uma só pessoa. A natureza humana não é Deus, mas uma com Deus. 2. A graça do mediador do pacto Veja Cristo, nosso Mediador, em suas graças. Essas graças são como o doce sabor de seu ungüento que faz que a igreja o ame. Cristo, nosso Mediador bendito, é “cheio de graça e de verdade” (Jo 1.14). Ele teve a

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unção do Espírito sem medida (Jo 3.34). A graça em Cristo é de tal maneira mais preeminente e gloriosa que em qualquer dos santos. i. Jesus Cristo tem perfeição em toda graça (Cl 1.19). O nosso Mediador é um arranjo, uma loja, um depósito de todos os tesouros celestiais, uma plenitude. Nenhum santo na terra tem isso. Um santo pode se destacar em uma graça, mas não em todas. Abraão foi preeminente na fé, Moisés na humildade, mas Cristo é preeminente em cada uma das graças. ii. Há uma plenitude infalível de graça em Cristo. A graça nos santos às vezes regride às vezes floresce, nunca está no mesmo grau ou proporção. Uma vez a fé de Davi estava forte, outra vez tão fraca e sem vigor que era difícil sentir qualquer vida nele. “Eu disse na minha pressa: estou excluído da tua presença” (SI 31.22). Mas a graça em Cristo é uma plenitude infalível, nunca se abate, nem um grau sequer. Ele nunca perde uma gota de sua santidade. A bênção profética dada a José pode muito bem ser aplicada a Cristo: “Os frecheiros lhe dão amargura, atiram contra ele e o aborrecem”. Homens e demônios atiram nele, mas sua graça permanece com total vigor e força, pois “seu arco, porém, permanece firme” (Gn 49.23,24). iii. A graça em Cristo é comunicativa. A sua graça é para nós. O óleo santo do Espírito foi derramado na cabeça do bendito Arão para que pudesse descer em sua barba e nos alcançasse. Os santos não têm graça para conferir a outros. Quando as virgens néscias quiseram comprar óleo das virgens vizinhas, dizendo: “Dai-nos do vosso azeite, porque as nossas lâmpadas estão-se apagando” (Mt 25.8), as virgens sábias responderam: “Não! Para que não nos falte a nós e a vós outras”. Os santos não têm sobra para dar para os outros, mas Cristo difunde sua graça para outros. A graça nos santos é como água em um vaso, a graça em Cristo é como água na fonte. “Porque todos nós temos recebido da sua plenitude, e graça sobre graça” (Jo 1.16). Coloque um copo debaixo de um funil e ele será cheio pelo funil gota a gota, da mesma maneira, os santos recebem as gotas e as influências da graça de Cristo destilada sobre eles constantemente. Quão consolador é essa verdade para os que não têm graça ou estão com o estoque baixo. Podem buscar Cristo, o Mediador, como um tesouro de graça: Senhor, sou indigente, mas para onde devo carregar meu vaso vazio, senão para a fonte transbordante? “Todas as minhas fontes são em ti” (SI 87.7). Sou culpado e tu tens sangue para me perdoar. Estou contaminado e tu tens graça para me lavar. Estou doente de morte e tu tens o bálsamo de Gileade para me curar. José abriu todos os estoques de milho: Cristo é nosso José, aquele que abre todos os tesouros e estoques de graça e a comunica para nós. Ele não é somente doce como um favo de mel, mas goteja como um favo de mel. Em Cristo, nosso Mediador, há uma abundância e plenitude de graça.

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Cristo deseja que nos acheguemos a ele em busca de graça, à semelhança de uma mãe que tem seus seios já feridos de amamentar, mas ama alimentar neles seu filho. A p l ic a ç õ e s

Primeira aplicação: admire a glória desse Mediador. Ele é Deushomem, ele é essencialmente glorioso com o Pai. Todos os judeus que viram Cristo na carne não viram sua deidade. Todos os que viram o homem não viram o Messias. O templo de Salomão era decorado por dentro com ouro. Quando os viajantes passavam, viam o lado de fora do templo, mas somente os sacerdotes viram a glória que brilhou dentro do templo. Da mesma maneira, somente os crentes, que foram feitos sacerdotes diante de Deus, vêem o interior glorioso de Cristo, a deidade brilhando por meio da humanidade (Ap 1.16). Segunda aplicação: se Cristo é o Deus-homem em uma só pessoa, então olhemos somente para Jesus Cristo para sermos salvos. Deve haver alguma coisa na deidade em que firmemos nossa esperança. Em Cristo, a deidade e a humanidade estão hipostaticamente unidas. Se pudéssemos chorar rios de lágrimas, ou substituir Moisés no monte, ou se fôssemos perfeitos moralistas tocando na lei inculpavelmente, ou se pudéssemos alcançar o mais alto grau de santificação desta terra, nada disso nos salvaria se não olhássemos para os méritos daquele que é Deus. Nossa perfeita santidade no céu não é a causa de nossa salvação, mas sim a retidão de Jesus Cristo. Paulo corria nesta direção, como que para os chifres do altar: “e ser achado nele, não tendo justiça própria que procede de lei” (Fp 3.9). É verdade que podem os olhar para as nossas graças como evidência da salvação, mas somente para o sangue de Cristo como a sua causa. Na época do dilúvio, de Noé, todos os que confiaram nos altos montes e montanhas se afogaram. “Olhando para Jesus”, olhando de tal maneira que creiamos nele a fim de que Cristo não seja unido somente à nossa natureza, mas às nossas pessoas (Hb 12.2). “Para que, crendo tenhais vida em seu nome” (Jo 20.31). Terceira aplicação: Jesus Cristo é homem e Deus em uma só pessoa? Relacionar-se proximamente com a maior pessoa que já existiu é algo que revela a dignidade dos crentes, pois “nele, habita, corporalmente, toda a plenitude da Divindade” (Cl 2.9). Que coisa indizivelmente confortante. As duas naturezas de Cristo estão casadas, a divina e a humana. Então, tudo que qualquer das naturezas puder fazer pelo crente, fará. Em sua natureza humana ora por eles, em sua natureza divina os favorece. Quarta aplicação: admire o amor de Cristo, nosso Mediador. Ele se humilhou e tomou nossa carne e nos redimiu. Os crentes deveriam pôr

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Cristo em seus peitos, como as esposas o fazem: “O meu amado é para mim um saquitel de mirra, posto entre os meus seios” (Ct 1.13). Diz-se de Inácio76 que o nom e de Jesus foi encontrado escrito em seu coração. O mesmo deveria ser percebido em todos os santos, deveriam ter Jesus Cristo escrito em seus corações. C O

O F ÍC IO PR O FÉ TIC O DE C R IS T O

teu Deus, te suscitará um profeta " (Dt 18.15). Depois de falar sobre a pessoa de Cristo, vamos falar dos ofícios de Cristo. Os ofícios são: profético, sacerdotal e real. “O Senhor, teu Deus, te suscitará um profeta.” É a profecia em relação a Cristo e seu ministério profético. Há vários nomes dados a Cristo para qualificá-lo como profeta. Ele é chamado “o Conselheiro” em Isaías 9 .6 . “O Mensageiro do Pacto aparece somente em Cristo”, disse Fagius.77 “O Anjo da Aliança” (Ml 3 .1 ) . “Uma lâmpada” ( 2 S m 2 2 .1 9 ) . “Estrela da manhã” (Ap 2 2 . 1 6 ) . Jesus Cristo é o grande profeta de sua igreja. A m ulher sam aritana supôs corretam ente (Jo 4 . 1 9 ) . Ele é o melhor mestre, valida todos os outros ensinamentos: “Então, lhes abriu o entendimento” (Lc 2 4 . 4 5 ) . Ele não somente abriu as Escrituras, mas abriu o entendimento dos que o ouviam. Ele ensina o que é útil: “Eu sou o S e n h o r , o teu Deus, que te ensina o que é útil” (Is 4 8 . 1 7 ) . “O S e n h o r ,

1. Como Cristo ensina? a. Externamente pela mediação de sua Palavra Cristo nos ensina por intermédio de sua Palavra: “ Lâmpada para os meus pés é a tua palavra” (Sl 119.105). Quem imagina ter uma luz ou revelação acima da Palavra, ou contrário a ela, nunca recebeu ensinamentos de Cristo (Is 8.20). b. Internamente pela ação do Espírito Santo Cristo ensina pela ação do Espírito Santo. Cristo nos ensina os mistérios sagrados por meio do Espírito (Jo 16.13). O mundo não conhece essas coisas: “Ora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las” ( ICo 2.14). Tais pessoas não sabem o que é ser transformado pela renovação da mente (Rm 12.2) ou o que é a ação interna do Espírito. Essas coisas são enigmas e paradoxos para eles. Podem ter mais entendimento das coisas do mundo do que um crente, mas não enxergam as profundezas de Deus. Um suíno pode ver uma noz debaixo de uma árvore, mas não consegue ver uma estrela. Aquele que aprende de Cristo vê os segredos do reino dos céus.

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2. Quais são as lições que Cristo ensina? Ele nos ensina a ver dentro de nossos próprios corações. Tome, por exemplo, as mentes mais afiadas, os principais políticos, que entendem os mistérios do Estado. Eles não conhecem o mistério de seus próprios corações, pois não acreditam no mal que está neles. “Pois que é teu servo, este cão?” (2Rs 8.13). Como disse Agostinho: “O coração é uma grande profundeza que não é facilmente mensurada”. Porém, quando Cristo ensina, remove a veia de ignorância e acende uma luz no próprio coração do homem. E, agora que esse homem vê um conglomerado de vãos pensamentos em sua mente, envergonha-se de ver como o pecado se mistura com suas atividades, suas estrelas se misturam com as nuvens. Então, esse homem ora como Agostinho para que Deus o livre de si mesmo. A segunda lição que Cristo ensina é a vaidade da criatura. O homem natural escolhe sua felicidade neste mundo e adora uma imagem feita de ouro, porém aquele que Cristo ungiu com seu colírio tem um espírito de discernimento. E, então, ele pode discernir o que a criatura verdadeiramente é, e pode ver o vazio e a insatisfação em que ela está e quão distante dos padrões de uma alma nascida do céu ela se encontra. Salomão colocou todas as criaturas em um destilador e quando foi extrair o espírito e a essência delas descobriu que tudo era vaidade (Ec 2.11). O apóstolo coloca de maneira diferente, pois ele chama a vaidade de aparência ou de manifestação, que não tem bondade intrínseca (IC o 7.31). A terceira lição é a primazia do que ainda não se pode contemplar. Cristo dá à alma uma visão da glória, uma antecipação da eternidade. “Não atentando nós nas coisas que se vêem, mas nas que se não vêem; porque as que se vêem são temporais, e as que se não vêem são eternas” (2Co 4.18). Moisés viu aquele que é “ invisível” (Hb 11.27). Os patriarcas viram um país melhor, o céu, onde há anjos alegres, rios de prazer, e a flor da alegria totalmente madura e desabrochada (Hb 11.16). 3. Como o ensino de Cristo difere de outros ensinos? De várias maneiras, ressalto as seguintes: a. Cristo ensina o coração Outros podem ensinar o ouvido, mas Cristo o coração. “O Senhor lhe abriu o coração” (At 16.14). Todos os despenseiros da Palavra de Deus podem dar somente conhecimento, Cristo dá graça. Aqueles podem iluminar a verdade, Cristo dá o amor da verdade. Os despenseiros podem ensinar em quê acreditar, Cristo ensina como acreditar.

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b. Cristo nos fa z sentir o sabor da Palavra Ministros podem preparar o alimento que é a Palavra de Deus diante de nós e fatiá-lo para nós, mas somente Cristo pode fazer que saboreemos o alimento da Palavra: “Se é que já tendes a experiência de que o Senhor é bondoso” ( lP e 2.3, RC). “ Oh! Provai e vede que o S e n h o r ó bom ” ( S I 34.8). Uma coisa é ouvir a verdade pregada, outra é prová-la. Uma coisa é ler uma promessa, outra é prová-la. Davi provou da Palavra: “Não me aparto dos teus juízos, pois tu me ensinas. Quão doces são as tuas palavras a meu paladar! Mais que o mel à minha boca” (S I 119.102,103). O apóstolo chama isso de o sabor do conhecimento (2Co 2.14). A luz do conhecimento é uma coisa, o sabor é outra. Cristo nos faz provar o sabor de sua Palavra. c. Quando Cristo ensina nos fa z obedecer Outros podem instruir, mas não podem ordenar à obediência. Ensinam a ser humildes, mas os homens continuam orgulhosos. O profeta denunciou o povo de Judá, mas eles não ouviram. Disseram: “Queimaremos incenso à Rainha dos Céus, e lhe ofereceremos libações, como nós, nossos pais, nossos reis e nossos príncipes temos feito” (Jr 44.17). Os homens estão como que vestidos de uma armadura tão grossa a ponto de a espada da Palavra não penetrá-la, mas quando Cristo ensina, remove essa obstinação; pois ele não somente informa sobre a condenação, mas dirige a vontade. Não somente vem com a luz de sua Palavra, mas com a vara de sua força. Faz o pecador teimoso se render a ele. Sua graça é irresistível. d. Cristo ensina facilm ente Os outros ensinam com dificuldade. Têm dificuldade em encontrar uma verdade e inculcá-la. “ Porque é preceito sobre preceito, preceito e mais preceito; regra sobre regra” (Is 28.10). Algumas pessoas podem ensinar durante toda a vida e seus ensinos não impressionarem a ninguém. Reclamam, dizendo: “debalde tenho trabalhado, inútil e vãmente gastei as minhas forças” (Is 49.4). Elas araram em rochas, mas Cristo, o grande profeta, ensina com facilidade. Ele pode converter com um simples toque de seu Espírito. Ele pode dizer: “ Haja luz”, com uma palavra pode transmitir graça. e. Cristo torna os homens desejosos de aprender Os homens podem ensinar uns aos outros, mas podem não querer aprender. “Os loucos desprezam a sabedoria e o ensino” (Pv 1.7). Eles ficam irados diante da Palavra. Assim como um paciente fica irado com um médico quando lhe traz um estimulante, assim são os homens em relação

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à própria salvação. Mas Cristo faz de seu povo um povo voluntário (Sl 110.3). Seu povo valoriza o conhecimento e o pendura como uma jóia em seus ouvidos. Os que Cristo ensina dizem como Isaías: “Vinde, e subamos ao monte do S e n h o r e à casa do Deus de Jacó, para que nos ensine os seus caminhos, e andemos pelas suas veredas” (Is 2.3). Também dirão: “Agora, pois, estamos todos aqui, na presença de Deus, prontos para ouvir tudo o que foi ordenado da parte do Senhor” (At 10.33). f. Quando Cristo ensina, ele não só ilumina, mas anima Ele ensina de tal maneira que sacia. “Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará nas trevas; pelo contrário, terá a luz da vida” (Jo 8.12). Somos mortos por natureza, portanto inapropriados para o ensino. Quem faria um discurso para um morto? Porém, Cristo os ensina que estão mortos. Ele lhes dá a luz da vida. Assim como quando Lázaro estava morto, Cristo lhe disse: “Venha para fora” . Cristo fez o morto ouvir e Lázaro veio para fora. Assim também fala à alma morta: “Venha para fora do túmulo da descrença” e a alma ouve a voz de Cristo e sai. Ele é a luz da vida. Os filósofos dizem que o calor e a luz aumentam conjuntamente. Quando Cristo vem com sua luz, o calor da vida espiritual vem junto. A

p l ic a ç õ e s

Primeira aplicação: quanto à informação. 1. Veja aqui um argumento da divindade de Cristo. Se ele não fosse Deus, nunca poderia conhecer a mente de Deus, ou revelar a nós os segredos dos céus, os quais são os mistérios mais profundos e que nenhum homem nem anjo poderia descobrir. Quem além de Deus pode ungir os olhos do cego e dar, além de luz, a visão? Quem além dele, que tem a chave de Davi, pode abrir o coração? Quem além de Deus pode dobrar a dura cerviz da vontade? Somente aquele que é Deus pode iluminar a consciência e fazer o coração de pedra sangrar. 2. Veja só que abundância e que plenitude de sabedoria que há em Cristo. Ele é o grande doutor de sua igreja e dá conhecimento salvador a todos os eleitos. O corpo solar necessita estar cheio de claridade e de brilho com os quais ilumina todo o mundo, Cristo é a grande luminária, nele estão escondidos todos os tesouros do conhecimento (Cl 2.3). A lâmpada central do santuário dava luz a todas as outras lâmpadas, da mesma maneira, Cristo difunde sua luz gloriosa aos outros. Podemos adm irar os ensinos de Aristóteles e Platão, mas não se comparam à luz que está em Cristo, do qual flui a sabedoria infinita em que tanto os homens como anjos acendem suas lâmpadas.

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3. Veja a miséria do homem natural. O homem, antes de Cristo se tom ar seu profeta, está envolvido na ignorância e na escuridão. Os homens não conhecem pela perspectiva santa correta, não conhecem nada como deveriam conhecer (IC o 8.2) e isso é triste. Homens no escuro não podem discernir cores, da mesma maneira no estado natural não podem discernir moralidade e graça, misturam uma com a outra e confundem a nuvem com o próprio Deus. No escuro, a grande beleza se toma oculta. Mesmo havendo raras flores no jardim e pinturas valiosas no quarto, quando estão no escuro sua beleza está velada. Assim, mesmo que haja tamanha transcendência na beleza de Cristo, como os anjos se maravilham dela, o homem no estado natural não vê beleza alguma. Quem é Cristo para ele? Ou o céu? Há um véu sobre seu coração. Um homem no escuro está em perigo a cada passo que dá, assim também o homem em estado natural está em perigo a cada passo que dá. A cada passo que dá está em perigo de cair no inferno. O pecador não regenerado se encontra em um estado deplorável antes de ser ensinado por Cristo, ele está pior que alguém na escuridão natural, visto que esta aterroriza, veja o exemplo de Abrão que “ ... ao pôr-do-sol, caiu profundo sono sobre Abrão, e grande pavor e cerradas trevas o acometeram” (Gn 15.12). Por outro lado, a escuridão espiritual não é acompanhada com o horror e os homens não temem diante de sua condição. Ao contrário, eles apreciam muito a condição em que estão: “os homens amaram mais as trevas do que a luz” (Jo 3.19). Essa é a condição triste deles, até que Jesus Cristo venha como um profeta e os ensine e os conduza das trevas para a luz, do poder de Satanás para Deus. 4 . Veja a condição feliz dos filhos de Deus. Eles têm Cristo como seu profeta: “Todos os teus filhos serão ensinados do S e n h o r ” (Is 5 4 . 1 3 ) ; “Mas vós sois dele, em Cristo Jesus, o qual se nos tornou, da parte de Deus, sabedoria” (IC o 1 .3 0 ) . Uma pessoa não pode ver por meio dos olhos de outra, mas os crentes vêem por meio dos olhos de Cristo: “Em sua luz eles vêem a luz”. Cristo lhes dá a luz da graça e a luz da glória. Segunda aplicação: tenha Cristo como seu profeta. Ele ensina de maneira salvadora. Ele é um intérprete entre milhares, ele pode desfazer situações que confundem até aos anjos. Se Cristo não nos ensinar, não aprenderemos nenhuma lição. Se Cristo não for feito sabedoria em nós, jamais seremos sábios em relação à salvação. Alguém poderia perguntar o seguinte: O que devo fa zer para ter Cristo como meu mestre? Deve seguir os seguintes conselhos: 1. Enxergue a necessidade do ensino de Cristo. Não podemos enxergar nosso caminho sem essa estrela da manhã. Alguns falam muito a respeito da luz da razão, mas o diâmetro da razão é muito estreito para comportar as

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profundezas de Deus. A luz da razão não ajudará um homem a crer, assim como a luz de uma vela não o ajudará a entender. Um homem não pode alcançar a Cristo naturalmente, assim como uma criança não pode chegar ao topo das pirâmides ou uma ema voar até as estrelas. Percebamos a necessidade da unção e do ensinamento de Cristo em Apocalipse 3.18. 2. Busque Cristo para que o ensine. “Guia-me na tua verdade e ensiname” (Sl 25.5). Assim com um dos discípulos disse: “ Senhor, ensina-nos a orar” (Lc 11.1), da mesma maneira diga: “ Senhor, ensina-me o que é útil. Que a sua luz seja minha lâmpada, ó grande profeta da igreja. Dê-me um espírito de sabedoria e de revelação para que eu possa ver as coisas de outra maneira, diferente de como tenho visto; Ensina-me na palavra a ouvir tua voz e no sacramento a discernir teu corpo” . “Ilumina-me os olhos” (Sl 13.3). Aquele que tem seu púlpito no céu converte as almas, disse Agostinho. 3. Sejamos encorajados a ir a nosso grande Profeta. Eis alguns encorajamentos para que possamos ir até nosso grande Profeta: Primeiro, considere que Jesus Cristo está muito desejoso de nos ensinar. Por que entrou para o ministério, a não ser para ensinar os mistérios do céu? “Percorria Jesus toda a Galiléia, ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do reino e curando toda sorte de doenças e enfermidades entre o povo” (Mt 4.23). Por que tomou sobre si o oficio profético? Por que Cristo estava tão irado a ponto de guardar a chave do conhecimento? (Lc 11.52). Por que Cristo foi ungido com o Espírito sem medida, a não ser para que pudesse nos ungir com conhecimento? O conhecimento está para Cristo como o leite no peito está para uma criança. Então, vamos até Cristo em busca de conhecimento. Ninguém no evangelho buscou a Cristo para enxergar, mas ele restaurou a visão. Certamente Cristo está muito mais disposto a operar uma cura em uma alma cega que sobre um corpo cego. Segundo, considere também que não existe uma pessoa tão ignorante que Cristo não possa ensiná-la. Nem todos serão especialistas em Cristo; mas ninguém é tão ignorante que Cristo não possa fazer dele um bom erudito. Mesmo aqueles que são ignorantes e de pouco conhecimento, Cristo os ensina a tal ponto de ficarem sabendo mais que os grandes sábios do mundo. É o que diz Agostinho: “os homens ignorantes se levantam e chegam até o céu”. Conhecem as verdades de Cristo mais que os grandes e os admiráveis rabinos. Quanto mais ignorantes, a habilidade de Cristo é maior para os ensinar. Cristo se alegra em ensinar o ignorante para obter mais glória ainda: “Então, se abrirão os olhos dos cegos, e se desimpedirão os ouvidos dos surdos” (Is 35.5). Quem ensinaria um cego ou um surdo? Porém, tais alunos surdos, Cristo os ensina. Aqueles que são cegados pela ignorância verão os mistérios do evangelho e os surdos serão desimpedidos.

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Terceiro, espere pelos meios de graça que Cristo nos deixou indicados em sua Palavra. Embora Cristo ensine por intermédio de seu Espírito, ensina também pelo uso das ordenanças. Espere na frente dos portões da sabedoria. Ministros são mestres de Cristo. “Pastores e mestres” (E f 4.11). Lemos sobre cântaros e tochas dentro dos cântaros (Jz 7.16). Os ministros são vasos terrenos, mas esses cântaros têm tochas dentro deles para iluminar almas para o céu. Cristo fala conosco do céu, mas seus ministros são seus embaixadores, como o rei fala por meio de seus embaixadores (Hb 12.25). Quem deixa de se alimentar nos peitos das ordenanças dificilmente prospera. Não amadurece a mente, nem desenvolve os pés. A palavra pregada é a voz de Cristo na boca do ministro. Aqueles que se recusam a ouvir Cristo falando, Cristo se recusará a ouvi-los quando falarem em seus leitos de morte. E quarto, se você tem os ensinos de Cristo, ande de acordo com o conhecimento que já tem. Use seu pequeno conhecimento bem e Cristo o ensinará mais. “Se alguém quiser fazer a vontade dele, conhecerá a respeito da doutrina, se ela é de Deus ou se eu falo por mim mesmo” (Jo 7.17). Quando um mestre vê seu servo melhorar um pouco seu patrimônio, lhe dá mais para negociar. Terceira aplicação', se você recebeu o ensino salvador de Cristo, seja agradecido. É uma honra ter Deus por seu mestre. Ele lhe ensinar e não a outros, é uma questão de admiração e felicitação. Muitos são ignorantes. Não foram ensinados por Deus, não têm seu Espírito para santificá-los, apesar de terem a Palavra de Cristo para iluminá-los e ter ensino interno assim como o externo. Deixe Cristo derramar a unção celestial de seu Espírito, para que você possa ver como é dito em João 9.25: “Eu era cego e agora vejo”, isso é algo que produz muita gratidão a Cristo, que tem revelado os segredos íntimos de seu Pai. “Ninguém jam ais viu a Deus; o Deus unigênito, que está no seio do Pai, é quem o revelou” (Jo 1.18). Se Alexandre se considerava tão obrigado e devedor de Aristóteles pela instrução filosófica que recebeu dele, muito mais somos devedores de Jesus Cristo, esse grande profeta, por nos abrir os propósitos eternos de seu amor e nos revelar os mistérios do reino do céu. D.

O O F ÍC IO SACERDOTAL DE C R IS T O

PERGUNTA 25: Como Cristo executa o ofício de sacerdote? RESPOSTA: Ao se oferecer uma vez por todas como sacrifício para satisfazer a justiça divina e nos reconciliar com Deus e ao interceder continuamente por nós. “Agora, porém, ao se cumprirem os tempos, se manifestou uma vez por todas, para aniquilar pelo sacrifício de si mesmo, o pecado” (Hb 9.26).

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a. Quais são as partes do oficio sacerdotal de Cristo? O ofício sacerdotal de C risto tem duas partes: sua satisfação e sua intercessão. 1. Em seu ofício sacerdotal, C risto satisfaz a lei Essa satisfação consiste em sua obediência, e pode ser duplamente considerada: i. Sua obediência ativa. “Assim, nos convém cumprir toda ajustiça” (Mt 3.15). Cristo fez tudo que a lei requeria; sua vida santa era um comentário perfeito sobre a lei de Deus, e ele obedeceu a lei por nós. ii. Sua obediência passiva. Nossa culpa foi transferida e imputada a Cristo que sofreu a penalidade que nós deveríamos sofrer. Eliminou o pecado pelo sacrifício de si mesmo. O cordeiro pascal ferido é um tipo de Cristo que foi oferecido em sacrifício por nós. O pecado não poderia ter sido eliminado sem sangue: “Sem derramamento de sangue, não há remissão” (Hb 9.22). Cristo não era só um cordeiro sem mancha, mas um cordeiro morto. b. Por que havia a necessidade de um sacerdote? Era necessário um árbitro, um mediador entre a criatura culpada e um Deus santo. c. Como Cristo pôde sofrer sendo Deus? Cristo só sofreu em sua natureza humana. Mas, se somente a natureza humana sofreu, como esse sofrimento pôde satisfazer o pecado? A natureza humana foi unida à divina: a humana sofreu e a divina satisfez. A divindade de Cristo suportou a natureza humana para que não fraquejasse e atribuísse virtude aos seus sofrimentos. O altar santifica o que é oferecido sobre ele (Mt 23.19). O altar da natureza divina de Cristo santifica o sacrifício de sua morte e o faz de um valor incalculavelmente valioso. d. Em que a grandeza dos sofrimentos de Cristo aparece? i. Nos sofrim entos de seu corpo. Ele sofreu verdadeiramente, não somente na aparência. O apóstolo chama isso de a morte de cruz (Fp 2.8). Cícero, ao falar sobre esse tipo de morte, diz: “Como posso descrever o ser levantado em uma cruz?” Embora fosse um grande orador, não tinha palavras para expressar a morte de cruz de Cristo. Só o pensar nessa morte fez que Cristo suasse gotas de sangue quando estava no jardim (Lc 22.44). Foi uma morte vergonhosa, dolorosa e maldita. Cristo sofreu em todos os seus sentidos. Seus olhos contemplaram duas tristezas: seus inimigos o insultando e sua mãe chorando. Seus ouvidos se encheram da reprovação do povo:

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“Salvou os outros, a si mesmo não pode salvar-se” (Mt 27.42). Seu olfato foi ofendido quando cuspiram em sua face. Seu paladar foi atingido quando lhe deram fel e vinagre para beber. Seus sentimentos foram atingidos quando sua cabeça foi perfurada com espinhos e suas mãos e seus pés com pregos. Todo o seu corpo era uma grande ferida. Essa margarida branca estava morta e a pintaram de púrpura. ii. Nos sofrim entos de sua alm a. Ele foi moído na prensa de uvas da ira de seu Pai. Isso causou aquelas palavras que gritou em desabafo na cruz: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparastes?” Cristo sofreu um eclipse duplo na cruz, um eclipse do Sol e um eclipse da luz da face de Deus. Quão terrível foi sua agonia. Os evangelistas usam três expressões para nos apresentar essa agonia: “Começou a sentir-se tomado de pavor e de angústia” . “ Então, lhes disse: a minha alma está profundamente triste até a morte” (Mc 14.33; Mt 26.38). Cristo sentiu as dores do inferno em sua alma, embora não estando no inferno, porém equivalentemente. e. Por que Cristo sofreu? Certamente não foi para proveito próprio. “Será morto o Ungido e já não estará” (Dn 9.26; Is 53.6), fez isso por nós. Um homem peca, outro recebe a punição. Ele sofreu para que pudesse satisfazer a justiça de Deus por nós. Nós, por nossos pecados, contrariamos infinitamente a Deus e, por isso, podíamos derramar rios de lágrimas oferecendo a Deus milhões de holocaustos que nunca apaziguaríamos a sua ira. Portanto, Cristo deveria morrer, para que a justiça de Deus pudesse ser satisfeita. Há um debate caloroso entre os teólogos sobre a possibilidade de Deus ter perdoado o pecado livremente, mas sem um sacrifício. Não se discute o que Deus poderia ter feito quando resolveu satisfazer a lei e salvar o homem por meio tanto da justiça quanto da misericórdia, no entanto, foi necessário que Cristo apresentasse sua vida como um sacrifício: i. P ara cu m p rir as predições da E scritu ra. “Assim está escrito que o Cristo havia de padecer e ressuscitar dentre os mortos no terceiro dia” (Lc 24.46). ii. P ara nos conduzir favoravelm ente a Deus. Uma coisa é um traidor ser perdoado, outra é ser feito um favorito. O sangue de Jesus não é chamado somente de sacrifício, pelo qual Deus é apaziguado, mas também de propiciação, pela qual Deus se toma gracioso e amigável para conosco. Cristo é nosso propiciatório, de onde Deus nos dá respostas pacíficas. iii. P ara selar o testam ento com seu sangue. Cristo morreu para que pudesse realizar seu último desejo e fazer um testamento com seu sangue. Há muitos legados que Cristo deixou aos crentes, os quais seriam todos nulos e inválidos se não tivesse morrido. Sua morte confirmou o testa­

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mento (Hb 9.16). Um testamento se efetiva depois que alguém está morto. A missão do Espírito, as promessas, os legados não estavam valendo até que Cristo fosse morto, mas Cristo, pelo seu sangue, os selou e os crentes podem se apropriar deles. iv. P a ra co m p ra r p ara nós m ansões gloriosas. Portanto, o céu não é chamado somente uma promessa, mas “resgate de sua propriedade” (Ef 1.14). Cristo morreu para nossa promoção, sofreu para que pudéssemos reinar, ficou pendurado na cruz para que pudéssemos nos assentar no trono. O céu foi silenciado, pois a cruz de Cristo é a escada pela qual nós subimos ao céu. Sua crucificação é nossa coroação. A

p l ic a ç õ e s

Primeira aplicação: no sacrifício sangrento de Cristo, veja a natureza horrenda do pecado. O pecado, é verdade, foi odiado, porque baniu Adão do paraíso e lançou alguns anjos no inferno. Entretanto, o que é mais horrível no pecado é que, por causa dele, Cristo encobriu sua glória e verteu seu sangue. Devemos olhar para o pecado com indignação e persegui-lo com o santo desejo de destruí-lo, derramando o sangue daqueles pecados que derramaram o sangue de Cristo. A visão do roupão ensangüentado de César estimulou os romanos contra aqueles que o assassinaram. A visão do corpo ensangüentado de Cristo deveria nos mover contra o pecado. Não sejamos solidários com os inimigos, que não seja nossa alegria aquilo que fez de Cristo um homem de dores. Segunda aplicação'. Cristo é nosso sacerdote sacrificado? Veja a misericórdia e ajustiça de Deus manifestas. Eu posso dizer como o apóstolo: “Considerai, pois, a bondade e a severidade de Deus” (Rm 11.22). 1. A bondade de Deus ao apresentar um sacrifício. Se Cristo não tivesse sofrido sobre a cruz, nós ficaríamos no inferno para sempre satisfazendo a justiça de Deus. 2. A severidade de Deus. Embora fosse seu Filho, o Filho de seu amor, estava com nossos pecados imputados nele, por isso, Deus não o poupou e sua ira ascendeu contra ele (Rm 8.32). Se Deus foi assim tão severo com o próprio Filho, quão terrível será, um dia, para com seus inimigos. Aqueles que morrem sem se arrepender sentirão a mesma ira que Cristo sentiu sobre si. E, por não conseguirem suportá-la totalmente de uma só vez, portanto, sofrerão eternamente. Terceira aplicação: Cristo é nosso sacerdote, aquele que foi sacrificado por nós? Então veja a afeição solidária de C risto por nós pecadores. “ A cruz” , diz Agostinho, “foi um púlpito no qual Cristo pregou seu amor ao mundo”. O fato de Cristo morrer foi mais terrível do que se todos os

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anjos tivessem sido eliminados. E isto, especialmente pelo fato de Cristo ter morrido como malfeitor suportando todo o peso do pecado de todos os homens sobre si e ter morrido por seus inimigos (Rm 5.10). A planta Melissa chora sua preciosa lágrima curativa para curar quem se corta e se fere, assim Cristo derramou seu sangue para curar aqueles que o crucificaram. Ele morreu voluntariamente. Isso é chamado o oferecimento do corpo de Jesus (Hb 10.10). Embora seus sofrimentos fossem tão grandes que o fizessem suspirar, chorar e sangrar, nunca poderiam fazê-lo se arrepender. “Ele verá o fruto do penoso trabalho de sua alma e ficará satisfeito” (Is 53.11). Cristo teve um duro trabalho na cruz, mas não se arrependeu disso, ao contrário, sabia que seu suor e seu sangue seriam bem aplicados porque enxergava a redenção trazida ao mundo. Que amor maravilhoso e infinito o de Cristo. Um amor que transmite conhecimento. Um amor que nenhum homem ou anjo pode compreender totalmente (E f 3.19). Devemos ser sensibilizados com esse amor. Se Saul foi tão sensibilizado com a bondade de Davi ao poupar sua vida, imagine só como seremos sensibilizados com a bondade de Cristo em dar sua vida por nós. Na morte e na paixão de Cristo, as próprias rochas se despedaçaram : “Fenderam -se as rochas” (Mt 27.51); não ser afetado com o amor de Cristo e sua morte é ter coração mais duro que uma rocha. Q uarta aplicaçã o : C risto é nosso sacrifício? Então vejam os a excelência de seu sacrifício. 1. O sacrifício de Cristo é perfeito. “Porque, com uma única oferta, aperfeiçoou para sempre quantos estão sendo santificados” (Hb 10.14). Portanto, como são ímpios os papistas ao nivelar seus méritos e as orações dos santos ao sacrifício de Cristo. Eles oferecem Cristo diariamente na missa, como se o seu sacrifício na cruz fosse imperfeito. Isto é uma blasfêmia contra o ofício sacerdotal de Cristo. 2 .0 sacrifício de Cristo é meritório. Ele não somente morreu para nos dar exemplo, mas para nos dar a salvação. Sendo Deus e homem, a pessoa de Cristo ao sofrer conferiu virtude a esse sofrimento. Nossos pecados fo­ ram expiados e Deus apaziguado. Não demorou o mensageiro dizer: “Urias também morreu”. A ira de Davi foi pacificada (2Sm 11.21). Não demorou que Cristo morresse e a ira de Deus fosse apaziguada. 3. O sacrifício de Cristo é benéfico. De dentro do leão morto Sansão tirou mel. O sacrifício procura justificação de nossas pessoas, aceitação de nosso serviço, acesso a Deus com ousadia e entrada no lugar santo do céu (Hb 10.19). Ao lado de Cristo, um caminho ao céu se apresenta aberto para nós. Israel passou pelo mar Vermelho até Canaã, então, pelo mar Vermelho do sangue de Cristo nós entramos na Canaã celestial.

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Quinta aplicação: 1. Apliquemos esse sangue de Cristo. Toda virtude de um remédio está em sua aplicação, um remédio pode até ser feito do sangue de Cristo, mas não curará, a menos que seja aplicado pela fé. Assim como o fogo é para o químico, assim é a fé para o cristão. O químico não pode fazer nada sem fogo, assim não há nada realizado sem fé. A fé toma o sacrifício de Cristo nosso: “Cristo Jesus, meu Senhor” (Fp 3.8). Não é o ouro na mina que enriquece, mas o ouro na mão. A fé é a mão que recebe os méritos dourados de Cristo. Não é um tônico no vidro que refresca o espírito, mas um tônico bebido. “Pela fé nós bebemos o sangue de Cristo”, disse Cipriano. A fé abre o orifício das feridas de Cristo e bebe o precioso remédio de seu sangue. Sem fé o próprio Cristo não nos ajuda. 2. Amemos o Salvador ensangüentado e mostremos nosso amor a Cristo ao estar prontos a sofrer por ele. Muitos se regozijam do sofrimento de Cristo por eles, mas não sonham em sofrer por ele. José sonhou com seu destaque sobre seus irmãos, mas não com seu aprisionamento. Cristo foi um sacrifício? Ele carregou a ira de Deus por nós? Nós deveríamos suportar a ira do homem por causa dele. A morte de Cristo foi voluntária: “Eis aqui estou, para fazer, ó Deus, a tua vontade” (Hb 10.7). “Tenho, porém, um batismo com o qual hei de ser batizado; e quanto me angustio até que o mesmo se realize!” (Lc 12.50). Cristo chama seu sofrimento de batismo, seria batizado (como foi) em seu próprio sangue. E como ele desejava aquele momento. “Como me angustio até que o mesmo se realize” . Assim, sejamos desejosos de sofrer por Cristo, pois ele retirou o veneno e o aguilhão dos sofrimentos dos santos. Não há ira em seu cálice. Cristo pode fazer nossos sofrimentos suaves. Assim como havia óleo misturado na oferta de paz, assim Deus pode misturar óleo da alegria com nossos sofrimentos. “O som de minha corrente é doce música aos meus ouvidos”, disse o grão-duque de Hesse. A vida deve ser entregue rapidamente. O que seria entregá-la quanto antes, como sacrifício a Cristo, como um selo de sinceridade e um compromisso de gratidão. Sexta aplicação: este sacrifício do sangue de Cristo pode nos confortar infinitamente. Este é o sangue da expiação. “A cruz de Cristo é a válvula de escape”, disse Calvino. O escape é a fonte de nosso consolo. 1. Esse sangue nos consola em caso de culpa. A alma diz: “Meus pecados me atormentam, porém o sangue de Cristo foi derramado para remissão do pecado” (Mt 26.28). Vejamos nossos pecados colocados sobre Cristo e, então, não serão mais nossos, mas dele. 2. Esse sangue conforta no caso de contaminação. O sangue de Cristo é um sangue purificador e curativo. E curativo, pois “ Pelas suas pisaduras

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fomos sarados” (Is 53.5). Ele é o melhor remédio, cura a distância. Embora Cristo esteja no céu, podemos sentir a virtude de seu sangue curando nossas questões ensangüentadas. Ele é purificador. E comparado a uma fonte de água (Zc 13.1). A palavra é um espelho que mostra nossas manchas e o sangue de Cristo é uma fonte para lavá-las; transforma a lepra em pureza: “O sangue de Jesus... nos purifica de todo pecado” (U o 1.7). Há de fato uma mancha tão suja que o sangue de Cristo não lava, é o pecado contra o Espírito Santo. Não que não haja virtude suficiente no sangue de Cristo para lavar, porém aquele que comete esse pecado não será lavado, essa pessoa desprezou o sangue de Cristo e tripudia sobre ele (Hb 10.29). Assim vemos que tônico forte é o sangue de Cristo, é a âncora de nossa fé, a fonte de nossa alegria, a coroa de nossos desejos e o único apoio tanto na vida quanto na morte. Em todos os nossos medos, que nos consolemos com o sacrifício propiciatório do sangue de Cristo. Cristo morreu tanto como alguém que compra, quanto como alguém que conquista. Como alguém que compra em relação a Deus, tendo obtido nossa salvação pelo seu sangue. E como um conquistador em relação a Satanás, pois a cruz é sua carruagem triunfante que conduziu o inferno e a morte cativos. Sétima aplicação: louvado seja Deus por esse precioso sacrifício da morte de Cristo. “Bendize, ó minha alma, ao S e n h o r ” (Sl 103.1). Por que Davi o louva? Pois, da cova redime a vida (Sl 103.4). Cristo se deu por nós como oferta pelo pecado. Façamos o mesmo como oferta de gratidão. Se um homem perdoa o débito de outro, não será agradecido? Quão profundamente estamos obrigados diante de Cristo que nos redimiu do in­ ferno e da condenação. “ E entoavam novo cântico, dizendo: Digno és de tomar o livro e de abrir-lhe os selos, porque foste morto e com o teu sangue compraste para Deus os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação” (Ap 5.9). Que nossos corações e línguas se unam em concerto para louvar a Deus e mostremos gratidão a Cristo por meio de nossos frutos. Que frutifiquemos como plantas aromáticas os frutos da humildade, do zelo e das boas obras. E assim que se vive diante dele, aquele que morreu por nós (2Co 5.15). Os homens sábios não somente adoraram a Cristo, mas o presentearam com ouro, incenso e mirra (Mt 2.11). Apresentemos frutos de retidão para Cristo, que são para a glória e o louvor de Deus. 2. Em seu ofício sacerdotal, Cristo intercede por nós “Também intercede por nós” (Rm 8.34). Quando Arão entrava no lugar santo, seus sinos soavam. Quando Cristo entrou no céu, sua intercessão fez um melodioso som aos ouvidos de Deus. Embora Cristo tenha sido exaltado na glória, não colocou de lado sua compaixão, mas ainda se importa com seu corpo místico. Assim como José se importou com seu pai e seus irmãos

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quando foi promovido à corte, Cristo “também intercede por nós”. Inter­ ceder significa fazer um pedido a favor de outro. Cristo é o grande Mestre de pedidos no céu. “Cristo é o sacerdote universal do Pai”, disse Tertuliano. a. Quais são as qualificações de nosso intercessor? i. O nosso intercessor é santo. “Com efeito, nos convinha um sumo sacerdote como este, santo, inculpável, sem mácula, separado dos pecadores e feito mais alto do que os céus” (Hb 7.26); “Aquele que não conheceu pecado” (2Co 5.21). Ele conheceu o pecado em seu peso, não em seu ato. Era um requisito, quanto àquele que eliminaria os pecados dos outros, que fosse sem pecado. A santidade é uma das pedras preciosas que brilham no peitoral de nosso sumo sacerdote. ii. Nosso intercessor é fiel. “Por isso mesmo, convinha que, em todas as coisas, se tomasse semelhante aos irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote nas coisas referentes a Deus” (Hb 2.17). Moisés foi fiel como servo, Cristo como Filho (Hb 3.5). Ele não se esquece de qualquer causa que tem de defender, nem usa qualquer truque na alegação. Um advogado comum pode deixar alguma palavra de fora que venha atrapalhar o cliente ou que é contra o cliente dependendo do incentivo financeiro que recebeu de ambos os lados. Mas Cristo é fiel à causa que ele defende. Podemos deixar nossos problemas com ele, podemos confiar nossas vidas e nossas almas em suas mãos. iii. Nosso intercessor nunca m orre. Durante o tempo em que durou o ofício dos sacerdotes no período da lei, os sacerdotes morriam: “São impedidos pela morte de continuar” (Hb 7.23). Mas Cristo vive “sempre para interceder por eles” (Hb 7.25). Cristo não tem sucessor em seu sacerdócio. b. Por quem Cristo intercede? Não intercede por todos, mas pelos eleitos (Jó 17.9). A eficácia da oração de Cristo alcança tanto quanto a eficácia de seu sangue, mas seu sangue foi derramado somente pelos eleitos, portanto suas orações alcançam somente eles. O sumo sacerdote entrava no santuário com os nomes das doze tribos sobre seu peitoral. Cristo entra no céu com os nomes dos eleitos em seu peito. Cristo intercede pelos crentes mais fracos e por todos os pecados dos crentes (Jo 17.20). Na lei havia alguns pecados pelos quais o sumo sacerdote não deveria oferecer sacrifício, nem orar: “ Mas a pessoa que fizer alguma coisa atrevidamente... será eliminada do meio do seu povo” (Nm 15.30). O sacerdote pode oferecer orações pelos pecados de ignorância, mas não de presunção. Porém, a intercessão de Cristo se estende a todos os pecadores dentre os eleitos. Veja como foi sanguinário o pecado de Davi, mas não o exclui da intercessão de Cristo.

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c. O que Cristo fa z na obra de intercessão? i. C risto apresenta o m érito do seu sangue ao Pai e, na virtude desse preço pago, clama por misericórdia. O sumo sacerdote era, portanto, um tipo de Cristo. Cada sacerdote deveria fazer quatro coisas: matar os animais da oferta; entrar com o sangue no Santo dos santos; aspergir o sangue no propiciatório; e acender o incenso e com a fumaça dele formar uma nuvem que ficasse por cima do propiciatório. Assim era feita a expiação (Lv 16.11-16). O sumo sacerdote Jesus correspondeu exatamente ao seu tipo. Ele foi oferecido em sacrifício, o que corresponde à morte do animal. Ele vai ao céu, o que corresponde à ida do sacerdote ao Santo dos santos. Ele asperge seu sangue diante de seu Pai, o que corresponde à ação do sacerdote de espargir o sangue sobre o propiciatório, e, então, Jesus inter­ cede junto ao Pai, seu sangue se torna propício aos pecadores, o que corresponde à nuvem de incenso subindo. E por essas intercessões Deus é apaziguado, o que corresponde à expiação feita pelo sacerdote. ii. C risto responde a todas as acusações levantadas co n tra o eleito. Ele as responde por meio de sua intercessão. Quando pecamos, Satanás nos acusa diante de Deus e a consciência nos acusa diante de nós mesmos. Mas Cristo, pela sua intercessão, responde a todas essas acusações: “Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? E Deus quem os justifica. Quem os condenará?” (Rm 8.33,34). Quando Esculus foi acusado de impiedade, seu irmão o defendeu e mostrou aos magistrados como ele havia perdido sua mão no serviço ao Estado, assim obteve seu perdão. Da mesma maneira, quando Satanás acusa os santos, ou quando a justiça de Deus pesa alguma coisa contra eles, Cristo mostra as próprias feridas e pela virtude de seu sofrimento de sangue sacia todas as exigências e desafios da lei e con­ tra-ataca todas as acusações de Satanás. iii. C risto, com sua intercessão, pede absolvição. “Senhor”, ele diz, “permita que o pecador seja absolvido da culpa” . Nesse sentido, ele é chamado de advogado (1 Jo 2.1). Ele requer que o pecador seja liberto no tribunal. Um advogado difere muito de um orador. O orador usa a retórica para persuadir e entreter o juiz com o intuito de que mostre misericórdia a alguém. Um advogado diz ao juiz o que é a lei. Assim, Cristo aparece no céu como um advogado, ele representa o que seja a lei. Quando ajustiça de Deus abre o livro de débitos, Cristo abre o livro da lei. “Senhor”, diz ele, “tu és um Deus justo e não será apaziguado sem sangue. Eis aqui o sangue derramado, portanto é justo conceder perdão a essa criatura aflita”. Quando a lei é satisfeita, o pecador deve ser absolvido. Por meio do pedido de Cristo, Deus estende sua mão a fim de perdoar o pecador.

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d. De que maneira Cristo intercede? i. Cristo intercede por nós gratuitamente. Ele defende nossa causa no céu sem cobrar nada. Um advogado comum cobrará sua taxa e, às vezes, até suborno, mas Cristo não é um mercenário. Quantas causas ele defende todos os dias no céu e não cobra nada. Assim como Cristo apresentou sua vida livremente, da mesma maneira intercede (Jo 10.15-18). ii. Cristo intercede por nós com muita afeição. Ele está tão sensível à nossa situação como se fosse sua própria situação. “Porque não temos sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas” (Hb 4.15). Ele nos defende como uma mãe cujo coração sensibilizado defenderia junto a um juiz o filho que está para ser condenado. Quanto se afligiria essa mãe? Quanto choraria clamando diante do juiz por misericórdia? Assim, o Senhor Jesus está cheio de simpatia e de bondade de maneira que é um sumo sacerdote misericordioso (Hb 2.17). Embora sua paixão seja coisa do passado, sua compaixão não é. Um advogado comum não é afetado pela causa que defende, nem se importa muito com os resultados. O que motiva um advogado a defender é o seu lucro, não a afeição, mas Cristo intercede cheio de sentimento. O que faz Cristo interceder com afeição é a própria causa pela qual luta. Ele derramou seu sangue para comprar vida e salvação para os eleitos, e se não fossem salvos ele perderia sua compra. iii. Cristo intercede por nós eficazmente. E uma intercessão que prevalece. Cristo nunca perdeu qualquer causa que defendeu, nunca foi reprovado. A intercessão de Cristo tem de ser eficaz se considerarmos as quatro seguintes características: Primeira, a excelência de sua pessoa. Se a oração de um santo é tão forte para com Deus como a oração de Moisés, que segurou a mão de Deus: “Agora, pois, deixa-me” (Êx 32.10). E, a oração de Jacó, que como um príncipe prevaleceu diante de Deus (Gn 32.28). E, quando Elias orou os céus abriram e fecharam (Tg 5.17). Então, imagine o que é a oração de Cristo. Ele é o Filho de Deus, o Filho em quem Deus se alegra (Mt 3.17). O que um pai não daria a um filho? “Aliás, eu sabia que sempre me ouves” (Jo 11.42). Se Deus pudesse esquecer que Cristo era um sacerdote, nunca esqueceria que ele é seu Filho. Segunda, Cristo ora pelo que seu Pai tem em mente para dar. Há somente uma vontade entre Cristo e seu Pai. Cristo ora: “Santifica-os na verdade” e “esta é a vontade de Deus, a vossa santificação” ( lTs 4.3). Assim, Cristo ora pelo que o Pai tem em mente para dar, logo ele será bem- sucedido em seus pedidos. Terceira, Cristo ora pelo que tem poder para dar. Ele ora como homem pelo que tem poder para dar como Deus. “Pai, a minha vontade” (Jo 17.24).

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Quando ele fala Pai, ora como um homem. Quando ele diz a minha vontade, fala como Deus. E muito confortador para um crente que se encontra desanimado na oração e que dificilmente consegue orar por si mesmo saber que a oração de Cristo no céu é forte e poderosa. Embora Deus possa recusar uma oração que venha de nós, jam ais recusará aquela que vem de Cristo. E quarta, a intercessão de Cristo está sempre disponível. O povo de Deus incorre em pecados diariamente e, além disso, às vezes cai em grandes pecados. Com isso, Deus é provocado e sua justiça está pronta para ser executada contra o pecador, mas a intercessão de Cristo entra em ação imediatamente. Jesus preenche diariamente as brechas entre Deus e nós, pois ele apresenta os méritos de seu sangue ao Pai a fim de pacificá-lo. Quando a ira de Deus com eçou a se m anifestar sobre Israel, Arão prontamente apareceu com seu incensário e ofereceu o incenso, e a praga foi interrompida (Nm 16.47). Então, tão logo um dos filhos de Deus ofenda seu Pai, Deus fica irado, mas imediatamente Cristo se apresenta e intercede por ele. “ Pai”, ele diz, “é o meu filho que o ofendeu”. Conquanto tenha esquecido de suas obrigações, não perdeu a coragem: “Tenha misericórdia dele e desvie sua ira dele” . A intercessão de Cristo está sempre disponível e quando o crente realiza a menor falha, ele se levanta e intercede a favor dele no céu. e. Quais são os frutos da intercessão de Cristo? i. A nossa justificação. Na justificação acontecem duas coisas: a culpa é remida e ajustiça é imputada: “ S e n h o r , Justiça Nossa” (Jr 33.16). Nós não somos somente considerados justos assim como os anjos, mas como Cristo, visto que temos suas vestimentas colocadas sobre nós (2Co 5.21). Porém, de que maneira somos justificados? Por meio da intercessão de Cristo (Rm 8.33,34). “ Senhor”, diz Cristo, “estas são as pessoas pelas quais eu morri, olhe para elas como se não tivessem pecado e as considere justas”. ii. A unção do Espírito. “ E vós possuis unção que vem do Santo” (U o 2.20). Esta unção não é nada mais que a santificação trabalhada no coração, pela qual o Espírito faz de nós participantes da natureza divina (2Pe 1.4). Alguns comentam sobre uma pedra filosofal, supondo que tem uma grande propriedade, pois quando toca o metal transforma-o em ouro. Tal propriedade tem o Espírito de Deus sobre a alma, quando a toca, coloca a natureza divina na alma. Faz que seja santa e se assemelhe a Deus. A obra santificadora do Espírito é fruto da intercessão de Cristo. “O Espírito até aquele momento não fora dado, porque Jesus não havia sido ainda glorificado” (Jo 7.39). Cristo, glorificado e assentado no trono celestial, ora ao Pai e o Pai envia o Espírito que derrama a unção santa sobre o eleito.

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iii. A purificação de nossas obras de santidade. É obra de Cristo no céu não somente apresentar nossas próprias orações a seu Pai, mas ele repete nossas orações. “Veio outro anjo e ficou de pé junto ao altar, com um incensário de ouro, e foi-lhe dado muito incenso para oferecê-lo com as orações de todos os santos sobre o altar de ouro que se acha diante do trono” (Ap 8.3). Esse anjo era Cristo, ele toma o incensário de ouro de seus méritos e põe nossas orações dentro, e com o incenso de sua intercessão faz nossas orações subirem como um perfume suave ao céu. Observa-se isso em Levítico: “Assim, fará expiação pelo santuário” (Lv 16.16). Mostrar que nossas obrigações santas necessitavam de expiação foi uma constante na lei. Nossas melhores ações são misturadas com corrupção, pois procedem de nós, assim como o vinho que tem o sabor do barril. “Mas todos nós somos como o imundo e todas as nossas justiças, como trapo da imundícia” (Is 64.6). Mas Cristo purifica e dá sabor a essas ações, misturando-as ao cheiro suave de sua intercessão, assim, Deus as aceita e as coroa. O que seria de nossas obras sem um sumo sacerdote? A intercessão de Cristo está para nossas orações como a palha está para um soprador. Assim, Cristo sopra nossa palha que está misturada com nossas orações. iv. Acesso com ousadia ao trono da graça (Hb 4.16). Temos um grande sumo sacerdote nos céus, apresentemo-nos com ousadia no trono da graça. Temos um amigo no tribunal que fala bem de nós e acompanha nossa causa no céu. Que isso nos anime e encoraje em nossas orações. Não pensemos que é muita ousadia para nós, pecadores, alcançarmos o perdão e que seremos recusados, pois tal pensamento certamente será uma modéstia pecaminosa. Se nos apresentássemos em nosso próprio nome na oração seria uma presunção, mas Cristo intercede por nós na força e na eficácia de seu sangue. Ter medo de se achegar a Deus em oração é uma desonra à intercessão de Cristo. v. Enviando o C onsolador. “E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador” (Jo 14.16). O conforto do Espírito é distinto de sua unção. Nesse conforto, ele nos apresenta seu consolo suave, muito mais doce que o mel, um maná do pote dourado. Uma gota desse consolo celestial é suficiente para adoçar um mar de sofrimento mundano. É chamado “o penhor do Espírito”. O penhor nos assegura a soma total de alguma coisa (2Co 1.22). O Espírito nos dá o penhor do céu em nossa mão. De onde vem essa obra confortante do Espírito? Vem da intercessão de Cristo. vi. P erseverança na graça. “Guarda-os em teu nome, que me deste, para que eles sejam um, assim como nós” (Jo 17.11). Não é a nossa oração, a nossa vigilância ou a nossa graça que nos mantêm, mas é o cuidado e a manutenção de Deus. Ele é quem nos segura para que não caiamos. Qual a razão pela qual Deus nos preserva? Provém da intercessão de Cristo:

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“Pai santo, guarda-os” (Jo 17.11). A oração de Cristo por Pedro é a cópia de sua oração que acontece agora no céu: “ Eu, porém, roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça” (Lc 22.32). A fé de Pedro desfaleceu em alguns aspectos quando ele negou C risto, m as C risto orou para que não desfalecesse totalmente. Os santos perseveram em crer, porque Cristo persevera em orar. vii. Absolvição no dia do julgam ento. Cristo julgará o mundo. “E o Pai a ninguém julga, mas ao Filho confiou todo julgamento” (Jo 5.22). Aqueles pelos quais Cristo orou, ele absolverá quando se sentar no banco do julgamento. Cristo condenará aqueles pelos quais orou? Os crentes são a sua esposa. Ele condenaria a própria esposa? A

p l ic a ç õ e s

Primeira aplicação: quanto à instrução. 1. Veja aqui a constância do amor de Cristo para com o eleito. Ele não somente morreu por eles, mas intercede por eles no céu. Quando Cristo morreu, não parou de amar. Ele está agora trabalhando nos céus para os santos, ele carrega o nome dos santos em seu peitoral e nunca deixará de orar até que aquela oração seja respondida. “Pai, a minha vontade é que onde eu estou, estejam também comigo os que me deste” (Jo 17.24). 2. Veja a razão pela qual as orações dos santos são tão poderosas junto a Deus. Jacó, como um anjo, prevaleceu para com Deus. A oração de Moisés segurou as mãos de Deus. Por meio de suas orações ele segurou Deus como que com algemas. Disse o Senhor a Moisés: “Deixa-me” (Êx 32.10). Como pode ser isso? É a oração de Cristo no céu que tom a as orações dos santos tão eficazes. A natureza divina de Cristo é o altar no qual ele oferece nossas orações e, assim, elas prevalecem. A oração, como vem dos santos, é fraca e lenta, mas quando uma flecha da oração de um santo é colocada no arco da intercessão de Cristo, acerta o trono da graça. 3. M ostra que quando um cristão ora deve fix ar seus olhos principalmente na intercessão de Cristo. Devemos olhar para o propiciatório, mas esperar pela misericórdia na intercessão de Cristo. Lemos em Levítico 16 que Arão fez expiação pelo incenso, assim como pelo sangue. Então, devemos olhar para a nuvem de incenso, isto é, a intercessão de Cristo. Cristão, olhe para o seu advogado, aquele a quem Deus não pode negar nada. Uma palavra da boca de Cristo vale mais que se todos os anjos do céu estivessem clamando a seu favor. Se alguém tivesse uma questão no tribu­ nal e um advogado habilidoso estivesse lidando com a causa, seria algo muito encorajador. Cristo está no tribunal falando a nosso favor (Hb 9.24) e tem grande poder no céu, o que deveria nos encorajar muito a olhar para

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ele e esperar a audiência em oração. Podemos de fato ter medo de oferecer nossas petições se Cristo não as oferecesse para nós. 4. A condição triste de um descrente. Não tem ninguém no céu para falar a seu favor. “É por eles que eu rogo; não rogo pelo mundo” (Jo 17.9). Ter a porta do céu fechada é não ter a oração de Cristo por nós. Cristo intercede pelos santos como a rainha Ester fez pelos judeus quando estavam para ser destruídos. “Se perante ti, ó rei, achei favor, e se bem parecer ao rei, dê-se-me por minha petição a minha vida, e, pelo meu desejo, a vida de meu povo” (Et 7.3). Quando o diabo mostra a sujeira dos pecados dos justos, Cristo mostra o vermelho de suas feridas. Como é triste a condição daquele homem por quem Cristo não orará, também daquele contra quem ele orará. A rainha Ester fez um pedido contra Hamã, cuja face foi coberta e, depois, foi levado para a execução (Et 7.8). E triste quando a lei está contra o pecador e sua consciência, ou o juiz ou qualquer amigo não fala a seu favor. Não há outra saída, senão que o carcereiro leve o prisioneiro. 5. Cristo intercede, então não precisam os de outros intercessores. A Igreja de Roma faz distinção entre m ediadores da redenção e da intercessão, e diz: os anjos não nos redimem, mas intercedem por nós e então devemos orar a eles. Mas somente Cristo pode interceder por nós oficialmente. Deus o consagrou como sumo sacerdote. “Tu és sacerdote para sempre” (Hb 5.6). Cristo intercede pela virtude de seu mérito na virtude de seu sangue. Ele apresenta seus méritos para seu Pai, mas os anjos não têm méritos para apresentar a Deus e, portanto, não podem ser intercessores por nós. Quem quer que seja nosso advogado, deve ser nossa propiciação para apaziguar Deus. “Temos Advogado junto ao Pai” (U o 2.1) “e ele é a propiciação dpelos nossos pecados” (1 Jo 2.2). Os anjos não podem ser nossa propiciação nem nossos advogados. Segunda aplicação: quanto ao julgamento. Como saberemos que Cristo intercede por nós? Aqueles que não oram por si mesmos têm pouca base para saber que Cristo ora por eles. Bem, como nós sabemos? 1. Se Cristo está orando por nós, seu Espírito está orando em nós. “E, porque vós sois filhos, enviou Deus ao nosso coração o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai!” (G1 4.6). O Espírito nos ajuda com gemidos inexprimíveis, não somente com dons, mas com gemidos (Rm 8.26). Não precisamos subir até aos céus para ver se o Sol está lá, podemos ver a beleza dele na terra. Da mesma maneira, não precisamos ir até os céus para ver se Cristo está lá intercedendo por nós, mas olhemos para dentro de nossos corações, se estão saciados e inflamados em oração e podemos clamar Aba, Pai. Pela intercessão do Espírito dentro de nós, podemos saber que Cristo está intercedendo lá em cima por nós.

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2. Fomos dados a Cristo, por isso ele intercede por nós. “E por eles que eu rogo... aqueles que me deste" (Jo 17.9). Uma coisa é Cristo ter sido dado por nós, outra é nós termos sido dados a Cristo. Como sabemos disso? Se você é um crente, então foi alguém dado a Cristo e ele ora por você. Fé é um ato de reclinar. Nós descansamos em Cristo assim como as pedras em um prédio descansam sobre a pedra angu­ lar. A fé se lança nos braços de Cristo. Diz assim: “Cristo é meu sacerdote, seu sangue é meu sacrifício, sua natureza divina é meu altar e, nessa confiança, eu descanso” . Esse tipo de fé pode ser percebido por intermédio de seus efeitos, pois é uma obra purificada e voluntária. Purifica o coração, que é a obra purificada. A obra voluntária produz um desejo de presentear tudo a Cristo, ela apresenta todas as suas possibilidades, todo seu amor a Cristo. Aqueles que crêem são dados a Cristo e têm parte em sua oração: “Não rogo somente por estes, mas também por aqueles que vierem a crer em mim, por intermédio de sua palavra” (Jo 17.20). Terceira aplicação: quanto à exortação. Ela nos im pulsiona a várias tarefas: 1. Visto que Cristo se apresenta a nosso favor no céu, então devemos nos apresentar a favor dele na terra. Cristo não tem vergonha de carregar nossos nomes em seu peito. Deveríamos ter vergonha de sua verdade? Ele lida com nossa causa, não deveríamos nos levantar a favor de sua causa? Que argumento forte a favor de nos levantarmos pela honra de Cristo em tempos de apostasia. Cristo está intercedendo por nós. Ele apresenta nossos nomes no céu, não deveríamos professar seu nome na terra? 2. Cristo apresenta todo o seu interesse por nós no trono da graça, assim devemos apresentar todo o nosso interesse por ele. “Será Cristo engrandecido no meu corpo” (Fp 1.20). Que os teus talentos sejam para a glória de Deus. Ninguém tem algum talento que possa trocar pela glória de Deus, nem um ensino ou um bem material. Prefira a glória de Deus. Invista e se desgaste para ele e por ele. Que o seu coração estude para Cristo, suas mãos trabalhem para ele, sua língua fale para ele. Se Cristo é nosso advogado no céu, deveríamos ser agentes dele na terra, cada um em sua área deveria agir fortemente a seu favor. 3. Creia nessa gloriosa intercessão de Cristo, pois agora intercede por nós. Creia que por sua causa Deus nos aceitará, como diz o texto: “ Intercede por nós” . Se não cremos, desonramos a intercessão de Cristo. Se um pobre pecador não pode chegar a Cristo como seu sumo sacerdote, crendo em sua intercessão, então nós, cristãos, estamos em uma condição pior sob o evangelho que os judeus que estavam sob a lei? Quando pecavam tinham um sumo sacerdote para fazer a expiação; não deveríamos ter nosso sumo sacerdote? Cristo não é nosso Arão, que apresenta seu sangue

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e seu incenso no propiciatório? Olhe com fé para a intercessão de Cristo. Cristo não somente orou por seus discípulos e seus apóstolos, mas pelos mais fracos dos crentes. 4. Ame seu intercessor. “Se alguém não ama o Senhor, seja anátema” (IC o 16.22). A bondade convida ao amor. Você tem um amigo no tribunal, alguém que quando você for questionado por delinqüência ou por dívida apelará ao juiz a seu favor e o livrará de seus problemas. Você não amaria esse amigo? Quantas vezes Satanás apresenta suas acusações contra nós no tribunal? Contudo, Cristo está à mão direita do juiz, ele se senta com o Pai para interceder por nós e promover a paz para nós. Então, quanto nossos corações deveriam estar inflamados com o amor de Cristo. Bernardo disse assim: “Ame-o com um amor sincero e superlativo acima de bens materiais e relacionamentos, mais que suas posses e sua família” . Nosso ardor de amor deveria ser como um fogo no altar, que nunca se apaga (Lv 6.13). Quarta aplicação: quanto ao consolo para os crentes. Cristo está trabalhando por você no céu, intercedendo por você. Isso é segurança mesmo nas seguintes dúvidas: /. Temo que Cristo não interceda por mim. Pois sou um pecador, será que Cristo intercederia por mim? “Pelos transgressores intercedeu” (Is 53.12). Cristo teve o seu lado aberto por você. Não abriria sua boca a seu favor? 2. Mas eu ofendi meu sumo sacerdote ao desconfiar de seu sangue, abusar de seu amor e fa zer seu Espírito sofrer. Será que orará p o r mim assim mesmo? Quem de nós nunca pensou assim: Cristo sofreu por um descrente? Não desanime, você tem parte na oração de Cristo. “Toda a congregação dos filhos de Israel murmurou contra Moisés e contra Arão” (Nm 16.41). Mas, embora pecassem contra seu sumo sacerdote, Arão correu para o meio do povo com seu incensário e “pôs-se em pé entre os mortos e os vivos” (Nm 16.48). Se havia tanta coragem em Arão, que era um tipo de Cristo, muito mais coragem está em Cristo, que orará por aqueles que pecaram contra seu sumo sacerdote. Ele não orou por aqueles que o crucificaram? “Pai, perdoa-lhes.” 3. Mas eu sou indigno, o que eu sou para que Cristo interceda por mim ? A obra de intercessão de Cristo é uma obra da graça. A oração de Cristo por nós vem de sua misericórdia por nós. Além de olhar para a nossa dignidade, olha também para a nossa necessidade. 4. Mas sou perseguido por muitas tentações. Ele intercederá por mim? Embora Satanás tente, Cristo ora e Satanás será subjugado. Você pode perder uma batalha, mas não a vitória. Cristo ora para que sua fé não desfaleça, portanto, cristão, diga: “Por que estás abatida, ó minha alma?”

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Cristo intercede. O homem é quem peca, Deus é quem ora. A palavra grega para advogado significa consolador. É um consolo soberano o fato de que Cristo intercede por nós. E . O O FÍC IO REAL DE C R IS T O

PERGUNTA 26: Como Cristo executa o ofício de rei? RESPOSTA: Ao nos submeter a si mesmo, governando e nos defen­ dendo, limitando e vencendo todos os seus e os nossos inimigos. Vamos considerar agora o ofício real de Cristo. “Tem no seu manto e na coxa um nome inscrito: REI DOS REIS E SENHOR DOS SENHORES” (Ap 19.16). Jesus Cristo é reconhecidamente poderoso, ele é um rei. 1. Ele tem um título real: “Alto, o Sublime” (Is 57.15). 2. Ele tem uma insígnia de realeza, uma coroa é o símbolo do poder real. Ele tem sua coroa (Ap 6.2). Tem uma espada: “Cinge a espada no teu flanco” (Sl 45.3). Ele tem um cetro, “Cetro de eqüidade é o cetro do seu reino” (Hb 1.8). 3. Ele tem um brasão. O leão está inserido em seu brasão: “O Leão da tribo de Judá” (Ap 5.5). O texto diz que “ele é Rei dos reis” . Ele tem uma preeminência sobre todos os outros reis e é chamado de “O Soberano dos reis da terra” (Ap 1.5). Ele tem de ser assim mesmo, pois Por seu intermédio, reinam os reis e os príncipes decretam justiça (Pv 8.15). Os outros reis garantem suas coroas pela concessão imediata deste grande Rei. Cristo rivaliza constantemente com todos os outros príncipes na sucessão, porém ele está acima de todos eles, tem o trono mais elevado, o domínio mais amplo e a posse mais duradoura. “O teu trono, ó Deus, é para todo o sempre” (Hb 1.8). Ele tem muitos herdeiros, mas nenhum sucessor. Ele pode muito bem ser chamado “Rei dos reis”, pois tem um poder ilimitado. O poder de outros reis é limitado, mas o poder de Cristo é ilimitado: “Tudo quanto aprouve ao S e n h o r , ele o fez, nos céus e na terra, no mar e em todos os abismos” (Sl 135.6). O poder de Cristo é tão amplo quanto sua vontade. Os anjos fazem juramentos diante dele: “E todos os anjos de Deus o adorem” (Hb 1.6). Como Cristo veio a ser rei? Não foi por usurpação, mas legalmente. Ele tem sua coroa por sua posição no céu. Deus, o Pai, decretou que fosse rei: “Eu, porém, constituí o meu Rei sobre o meu santo monte Sião. Proclamarei o decreto” (Sl 2.6,7). Deus o ungiu e selou para seu ofício real: “Deus, o Pai, o confirmou com o seu selo” (Jo 6.27). Deus colocou a coroa sobre sua cabeça. Em que sentido Cristo é rei? Em dois sentidos. 1. Em relação a seu povo; e 2. Em relação a seus inimigos.

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1. C risto é rei em relação a seu povo a. Cristo é rei para governar seu povo Foi feita uma profecia sobre Cristo antes de ele nascer: “E tu, Belém, terra de Judá, não és de modo algum a menor entre as principais de Judá; porque de ti sairá o Guia que há de apascentar a meu povo, Israel” (Mt 2.6). É algo inútil para um rei ter uma coroa em sua cabeça se não tem um cetro em sua mão para reinar. Onde Cristo reina como rei? Seu reino é espiritual. Ele reina nos corações dos hom ens. Ele coloca seu trono onde nenhum rei pode colocar. Ele reina sobre a vontade e as afeiçõ es, seu poder ata a consciência; ele subjuga as luxúrias dos homens: “ Pisará aos pés as nossas iniqüidades” (M q 7.19). Por meio de que Cristo reina? Pela lei e pelo amor. i. C risto reina pela lei. A lei é uma das flores da coroa para regular as leis. Cristo, como rei, faz leis e governa por meio de suas leis, como a lei da fé: “Creia no Senhor Jesus” . A lei da santidade: “Tomai-vos santos também vós mesmos em todo o vosso procedimento” (1 Pe 1.15). Muitos admitiriam Cristo como advogado para defendê-los, mas nem todos o considerariam rei para governar sobre eles. ii. C risto reina pelo am or. Ele é um rei cheio de misericórdia e de clemência. Ele tem um cetro em suas mãos e um ramo de oliveira da paz em sua boca. Embora seja o Leão da tribo de Judá por sua majestade, também é o Cordeiro de Deus em relação à sua mansidão. A vara de seu reino tem mel na extremidade. Ele espalha seu amor am plamente nos corações daqueles que lhe são sujeitos; ele os govema com promessas assim como com preceitos. Dessa maneira faz que todos os que lhe são sujeitos se tomem voluntários, que tenham o desejo de lhe pagar tributo: “Apresentar-se-á voluntariamente o teu povo” (SI 110.3). b. Cristo é um rei para defender seu povo Assim como Cristo tem um cetro para reinar sobre seu povo, tem um escudo para defendê-lo. “Porém tu, S k n h o r , és o meu escudo” (SI 3 . 3 ) . Quando Antíoco se irou furiosamente contra os judeus, levou embora os vasos da casa do Senhor e colocou um ídolo no templo. Um grande príncipe, chamado Miguel, levantou-se para defendê-los (Dn 12.1). Cristo preserva sua igreja como um rebanho de ovelhas entre os lobos. O fato de o mar ser mais alto que a terra e não a inundar é um mistério. Da mesma maneira, o ímpio que é muito mais alto que a igreja, em poder, e não a devora, se dá pelo fato de Cristo ter esta inscrição sobre sua vestimenta e sua coxa: REI d o s r e is . “Não fosse o S e n h o r , que esteve ao nosso lado... quando os homens

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se levantaram contra nós, e nos teriam engolido vivos” (Sl 124.2,3). Diz-se que os leões dormem pouco ou não dormem. Isso é verdade em relação ao Leão da tribo de Judá, ele nunca cochila ou dorme, mas vigia sua igreja para defendê-la. “Cantai a vinha deliciosa! Eu, o S e n h o r , a vigio e a cada momento a regarei; para que ninguém lhe faça dano, de noite e de dia eu cuidarei dela” (Is 27.2,3). Se os inimigos destroem a igreja, não deve ser de noite nem de dia, pois Cristo a guarda de dia e de noite. Dizse de Cristo que carrega sua igreja, assim como a águia faz com seus filhotes sobre suas asas (Êx 19.4). A flecha atinge primeiramente a águia e depois machuca os filhotes, tem de atravessar suas asas. Os inimigos primeiro devem abater Cristo para que depois possam destruir sua igreja. Se o vento estiver agitado e as tempestades bravas, a igreja quase coberta com as ondas, mesmo assim Cristo está no barco da igreja e não há perigo de naufrágio. Cristo, sendo rei, não somente defenderá sua igreja, mas também a libertará. “O Senhor me assistiu e... fui libertado da boca do leão” (2Tm 4.17), referindo-se a Nero. “O S e n h o r efetuou grande livramento” (lC r 11.14). Às vezes é dito que Cristo ordena o livramento (Sl 44.4). Às vezes é dito que produz salvação (Is 45.8). Cristo, como rei, ordena a libertação e, como Deus, cria a libertação. A libertação virá em seu tempo: “eu, o S e n h o r , a seu tempo farei isso prontamente” (Is 60.22). Em que tempo esse rei libertará seu povo? Quando os corações de seu povo estiverem mais humildes, quando suas orações forem mais fervorosas, quando sua fé for mais forte, quando suas forças forem mais fracas, quando seus inimigos forem mais altos, então, é o momento de Cristo apresentar seu poder real para libertação (Is 33.2, 8,9). c. Cristo é um rei que galardoa seu povo Nada é em vão no serviço a esse rei. Ele premia seus servos nesta vida. Ele lhes dá paz interior e alegria, também lhes concede cachos de uvas pelo caminho e muitas vezes riquezas e honras: “porque tem a promessa da vida que agora é e da que há de ser” (lT m 4.8). Essas coisas são, por assim dizer, como os véus dos santos. Mas o grande galardão há de vir: “Eterno peso de glória” (2Co 4.17). Cristo faz de todos os seus servos príncipes: “Sê fiel até a morte, e dar-te-ei a coroa da vida” (Ap 2.10). Essa coroa será cheia de jóias e nunca será perdida (lP e 5.4). 2. Cristo é rei em relação a seus inimigos Cristo reina sobre seus inimigos para subjugá-los e vencê-los. Ele derruba o orgulho deles, ridiculariza suas regras e restringe sua maldade. A pedra tirada de uma montanha sem o auxílio das mãos, que feriu a

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estátua, era um emblema do poder monárquico de Cristo vencendo e triunfando sobre seus inimigos (Dn 2.34), diz Agostinho. Cristo fará de seus inimigos o estrado para seus pés ( S I 110.1). Ele pode destruí-los facilmente: “ S e n h o r , além de ti não há quem possa socorrer” (2Cr 14.11). Deus pode vencer por meio de meios fracos e até sem eles. Ele pode fazer os inimigos destruírem a si mesmos. Ele colocou os persas contra os gregos e os filhos de Amom ajudaram na destruição uns dos outros (2Cr 20.23). Assim, Cristo é rei no que concerne a acabar com os inimigos de sua igreja. E grandioso e consolador para a igreja de Deus no meio de todas as armações do inimigo saber que “Cristo é rei” . Ele não só pode amarrar os inimigos, mas acabar com eles. A igreja tem mais ao seu lado do que contra ela, ela tem o Emanuel ao seu lado, o grande rei diante de quem todo joelho se dobrará. Cristo é chamado “Homem de guerra” (Êx 15.3). Ele compreende toda a política de cavaleiros, ele é descrito com sete olhos e sete chifres (Ap 5.6). Os sete olhos servem para discernir as conspirações de seus inimigos e os sete chifres servem para empurrar e provocar seus inimigos. Cristo é descrito com uma coroa e um arco. “Vi, então, e eis seu cavaleiro com um arco; e foi-lhe dada uma coroa; e ele saiu vencendo e para vencer” (Ap 6.2). A coroa é uma insígnia de seu ofício real e o arco serve para atirar em seus inimigos até que morram. Cristo é descrito vestindo um manto tinto de sangue (Ap 19.13). Ele tem um cetro dourado para reinar sobre seu povo, mas uma vara de ferro para quebrar seus inimigos: “Os dez chifres que vistes são dez reis, os quais ainda não receberam reino, mas recebem autoridade como reis, com a besta durante uma hora. Pelejarão eles contra o Cordeiro e o Cordeiro os vencerá, pois é o Senhor dos senhores e o Rei dos reis” (Ap 17.12,14). Os inimigos podem levantar seu estandarte, mas Cristo levantará seus troféus no fim: “Então, o anjo passou a sua foice na terra, e vindimou a videira da terra, e lançou-a no grande lagar da cólera de Deus. E o lagar foi pisado fora da cidade, e correu sangue do lagar até aos freios dos cavalos, numa extensão de mil e seiscentos estádios” (Ap 14.19,20). Os inimigos de Cristo serão como cachos de uvas maduras lançadas na prensa da ira de Deus, e serão amassados por Cristo até que seu sangue escorra. Cristo finalmente sairá vencedor e todos os seus inimigos serão colocados debaixo de seus pés. “Estou contente que Cristo reine, se assim não fosse eu me desesperaria”, disse Myconius78 em uma carta a Calvino.

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A f é cristã - Estudos baseados no Breve C atecism o d e Westminster A p l ic a ç õ e s

Primeira aplicação: 1. Não é desprezível servir a Cristo. Ele é rei e não há nenhuma desonra em estar a serviço de um rei. Alguns estão prontos a reprovar os santos por causa de sua piedade, no entanto, esses santos servem ao Senhor Cristo, aquele que tem esta inscrição sobre sua veste: REI d o s r e i s . Teodósio79 entendeu que era uma grande honra ser servo de Cristo, mais do que ser o soberano de um império. Os servos de Cristo são chamados vasos de honra (2Tm 2.21); nação santa (1 Pe 2.9). Servir a Cristo os enobrece com dignidade, é uma grande honra servir a Cristo, mais do que ter reis nos servindo. 2. Sendo Cristo rei, isso nos diz que todas as questões serão um dia trazidas diante dele. Cristo tem o poder da vida e da morte em suas mãos: “E o Pai a ninguém julga, mas ao Filho confiou todo julgamento” (Jo 5.22). Aquele que um dia ficou pendurado numa cruz se sentará no banco dos juizes. Reis deverão vir diante dele para serem julgados, aqueles que uma vez sentaram em tronos deverão aparecer diante do tribunal de acusação. Deus confiou todo o julgamento ao Filho, o julgamento do Filho é da corte suprema. Se esse rei condenar os homens não há apelação a qualquer instância superior. 3. Quando somos confundidos pela corrupção, devemos ir até Cristo, pois ele é rei. Deseje-o por seus poderes reais para subjugar nossas corrupções, para acorrentar esses reis com cadeias (Sl 149.8). Somos aptos para dizer de nossos pecados: “Estes filhos de Zeruia serão muito fortes para nós”. Nunca venceremos esse orgulho e essa infidelidade, mas devemos ir a Cristo, ele é rei. Embora nossa luxúria seja muito forte, não é para Cristo, pois por meio de seu espírito ele pode quebrar o poder do pecado. Quando Josué havia conquistado cinco reis, fez seus servos pisarem nos pescoços daqueles reis. Da mesma maneira, Cristo pode e fará que nossos pés pisem nossas luxúrias. Segunda aplicação: Cristo é Rei dos reis? Que todos os grandes estejam atentos à maneira como empregam seu poder contra ele. O poder que têm é dado por Cristo, e se esse poder for usado para oprimir seu reino e suas ordenanças, sofrerão grandemente. Deus colocou a chave do governo sobre os ombros de Cristo (Is 9.6). Opor-se a Cristo em seu ofício real é como se os espinhos se organizassem em batalha contra o fogo, ou uma criança lutasse contra um arcanjo. A espada de Cristo em sua coxa é capaz de vencer todas as suas lutas. Não é bom provocar um leão. Que ninguém provoque o Leão da tribo de Judá de quem os olhos são como chama de fogo e por quem “rochas são por ele demolidas” (Na 1.6), ele é aquele que “quebranta o orgulho dos príncipes” (Sl 76.12).

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Terceira aplicação: sendo Cristo um grande rei, submeta-se a ele. Não diga como os judeus: “Nós não temos outro rei além de César”, outro rei além de nossa luxúria. Fazer isso é escolher o espinheiro para governar sobre você e do espinheiro sai fogo que consome (Jz 9.15). Submeta-se a Cristo voluntariamente. Todos os demônios do inferno se submetem a Cristo, mas isso acontece contra a vontade deles, eles são seus escravos, não seus servos. Submeta-se com alegria à pessoa de Cristo e a suas leis. Muitos têm Cristo por seu salvador, mas não por seu príncipe. Aqueles que não têm Cristo como seu rei para sobre eles reinar nunca terão o seu sangue para salvá-los. Obedeça a todos os comandos reais de Cristo, se ele ordena amor, humildade, boas obras, seja como uma agulha que aponta para o rumo que a magnetita atrai. Quarta aplicação', sendo Cristo rei, então, os que uma vez estiveram sob o poder e a tirania de Satanás, admirem a graça de Deus. De escravos, Cristo fez servos de seu reino. Cristo não precisava de servos, ele tem legiões de anjos lhe ministrando, mas em seu amor ele honrou alguém como você ao fazê-lo seu servo. Quanto tempo se passou até que Cristo pôde prevalecer com você para que estivesse sob sua bandeira? Quanta oposição ele enfrentou para que um dia vestisse vestimentas coloridas de príncipe? Finalmente, a graça onipotente venceu você. Quando Pedro estava dormindo entre dois soldados, um anjo veio e quebrou suas cadeias (At 12.7), do mesmo modo, quando estava dormindo nos braços do diabo, Cristo, por seu espírito, despedaçou seu coração e fez as cadeias do pecado se partirem. Assim, fez de você um súdito de seu reino. Admire a graça. Você, que é um súdito de Cristo e agora está certo de reinar com ele para sempre. F. A HU M ILHAÇÃO

DF. C RISTO EM SUA ENCARNAÇÃO

“Grande é o mistério da piedade: aquele que foi manifestado na carne” (lT m 3.16). PERGUNTA 27: Em quê consistiu a humilhação de Cristo? RESPOSTA: No fato de nascer, e nascer numa condição humilde, feito sob a lei, sofrer as misérias desta vida, a ira de Deus e a maldita morte da cruz. A humilhação de Cristo consistiu em sua encarnação, ele assumiu a forma humana e nasceu. Cristo se fez carne de verdade, não foi a imagem de um corpo como os maniqueus erroneamente defendiam, mas um corpo verdadeiro. Portanto, é dito dele que foi feito de uma mulher (G14.4). Assim como o pão é feito de trigo e o vinho de uvas, assim Cristo foi feito de uma mulher: seu corpo foi parte da carne e da substância da virgem. Isto é um mistério glorioso: “Deus se manifestou em carne”. Na criação, o homem foi feito à imagem de Deus, na encarnação Deus foi feito à imagem do homem.

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a. Como Cristo se tornou carne? Foi por meio de uma designação especial do Pai. “Vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher” (G1 4.4). Deus, o Pai, de maneira especial designou que Cristo fosse encarnado; o que mostra quão necessário é um chamado antes de nos envolvermos em qualquer atividade de peso e de importância. Agir sem um chamado é agir sem a bênção de Deus. Cristo não teria se encarnado e realizado sua obra mediadora até que recebesse um chamado. “Deus enviou seu Filho nascido de mulher.” b. Havia outra maneira para restaurar o homem caído além de Deus se tornar em carne? Não devemos perguntar sobre as razões da vontade de Deus, é perigoso bisbilhotar dentro da arca de Deus. Não devemos discutir, mas adorar. O Deus sábio entendeu ser o melhor caminho para nossa redenção a encarnação de Cristo. Não era apropriado para qualquer outro satisfazer a justiça de Deus senão um homem. Contudo, nem um homem poderia fazêlo senão Deus. Portanto, Cristo, sendo tanto Deus quanto homem, era o mais apropriado para passar por essa obra da redenção. c. Por que Cristo nasceu de uma mulher? i. Para cumprir a promessa. Deus desejava cumprir a promessa em Gênesis 3.15: “Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar”. ii. Para desfazer a reprovação. Cristo nasceu de uma mulher para que pudesse desfazer a reprovação adquirida pela mulher ao ser seduzida pela serpente. Cristo, ao tomar sua carne de uma mulher, honrou seu gênero, isto é, num primeiro momento a mulher fez que o homem pecasse, agora, para fazer emendas, ela deveria lhe trazer um salvador. d. Por que Cristo nasceu de uma virgem? i. Por causa da decência. Somente Deus teria escolhido uma donzela para ser a mãe de Jesus, somente uma donzela poderia dar à luz ao filho de Deus. ii. Por necessidade. Cristo deveria ser sumo sacerdote, o mais puro e santo. Se ele fosse nascido conforme o curso natural da natureza, teria sido contaminado, pois todo descendente de Adão tinha uma mancha de pecado, mas “a substância de Cristo tinha de se manter pura e imaculada”, por isso nasceu de uma virgem. iii. Para corresponder ao tipo. Melquisedeque foi um tipo de Cristo, de quem é dito ser “sem pai e sem mãe”. Cristo, nascido de uma virgem, correspondia ao tipo. Ele era sem um pai e sem uma mãe, sem mãe porque era Deus, sem pai porque foi concebido pelo Espírito Santo.

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e. O que significou o poder do Espírito Santo envolvendo a virgem com a sua sombra? Basil80 diz que foi a bênção do Espírito Santo na carne da virgem em que Cristo foi formado. Porém, há outro mistério nisso. O Espírito Santo, tendo estruturado Cristo no útero da virgem, o fez de maneira maravilhosa, unindo a natureza humana de Cristo à divina e assim de ambos fez uma pessoa. Isso é um mistério que os anjos olham com adoração. / Quando Cristo fo i encarnado? Na plenitude do tempo. “Vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei” (G14.4). Por pleni­ tude do tempo nós devemos entender: é o que disseram Ambrósio, Lutero e Comélio A. Lapide:81 o tempo determinado que Deus havia preparado. Porém, particularmente, essa plenitude do tempo foi quando todas as profecias da vinda do Messias se cumpriram e todas as sombras legais e figuras, que tipificavam o Messias, deixaram de vigorar. Isso pode nos confortarem relação à igreja de Deus, que embora no presente não vejamos essa paz e pureza na igreja que desejaríamos, na plenitude do tempo, quando o tempo de Deus vier e a misericórdia estiver preparada, a libertação acontecerá e Deus virá cavalgando em carruagens de salvação. g. Por que Jesus Cristo se fe z carne? i. A causa prim eira e a causa im pulsiva foram a graça. Foi por causa do amor em Deus que o Pai enviou Cristo e o amor em Cristo o levou a se encarnar. O amor foi o motivo intrínseco. Cristo é Deus homem porque ele é alguém que ama o homem. Cristo veio motivado pela misericórdia e pela indulgência para conosco. Agostinho disse: “Não os nossos méritos, mas nossa miséria” fez que Cristo se encarnasse. A encarnação de Cristo foi um plano da graça e um puro propósito de amor. O próprio Deus, embora Todo-poderoso, foi comovido com o amor. A encarnação de Cristo não é nada mais além do amor coberto com carne. Assim como Cristo, assumindo nossa natureza humana, foi uma obra de arte da sabedoria, também foi um monumento da graça. ii. C risto tom ou nossa carn e sobre si p a ra que levasse nossos pecados sobre si. Ele era, como diz Lutero: “o maior dos pecadores”, tendo o peso dos pecados do mundo todo sobre si. Ele tomou sobre si nossa carne para que pudesse levar nossos pecados e assim apaziguar a ira de Deus. iii. P ara nos to rn a r aceitáveis diante de Deus. Cristo tomou nossa carne para que pudesse fazer a natureza humana parecer amável para com Deus e a natureza divina amável para o homem.

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Primeiro, a fim de que pudesse fazer a natureza humana amável para com Deus. Com a nossa queda diante de Deus, nossa natureza se tomou odiosa para com ele; nenhum verme é tão horrendo para conosco como a natureza humana o é para Deus. A nossa natureza virginal se tornou pecaminosa, está como carne cheia de pus ou inflamada, nojenta para se contemplar. Foi algo tão horrendo para Deus que ele não poderia ficar olhando para nós. Quando Cristo toma nossa carne, faz esta natureza humana parecer amável para Deus. Assim como o Sol brilha no vidro e irradia uma clara luz, também Cristo, ao ser revestido com a nossa carne, faz a natureza humana brilhar e parecer amigável aos olhos de Deus. Segundo, assim como Cristo, ao se vestir com nossa carne, faz a natureza humana se parecer amável para Deus, da mesma maneira faz a natureza divina parecer amável para o homem. A deidade pura é terrível para ser contemplada, não poderíamos vê-la e viver; mas quando Cristo se vestiu com nossa carne, tomou a natureza divina mais amistosa e mais agradável a nós. Não precisamos ter medo de olhar para Deus por meio da natureza humana de Cristo. Era um costume antigo entre os pastores se vestirem com pele de ovelhas para serem mais agradáveis às ovelhas; também Cristo se vestiu com nossa carne para que a natureza divina fosse mais agradável para nós. A natureza humana é um vidro pelo qual podemos ver o amor, a sabedoria e a glória de Deus claramente representados para nós. Pela lanterna da humanidade de Cristo podemos contemplar a luz da deidade. Quando Cristo se encarnou, retirou o terror da contemplação da deidade e a tomou agradável para nós. iv. P ara prom over a aproxim ação entre Deus e o homem. Jesus Cristo se uniu ao homem “a fim de que o homem pudesse se aproximar mais de Deus”. Deus era, antes, um inimigo para conosco por causa do pecado, mas, quando tomou nossa cam e, mediou a nosso favor e nos apresenta favoravelmente diante de Deus. Podemos fazer uma comparação, imaginemos que um rei esteja furioso com um de seus servos, o filho do rei se casa com a filha desse servo, então, o filho do rei faz uma mediação entre o servo e o rei, levando o rei a ser favorável novamente a seu servo. Logo, quando Deus, o Pai, estava furioso conosco, Cristo se casou com nossa natureza e agora media por nós com seu Pai e nos apresenta como amigos novamente e Deus olha para nós com favor. Assim como Joabe defendeu Absalão e o apresentou ao rei Davi e este o beijou, também Jesus Cristo nos apresenta no amor e no favor de Deus. Portanto, pode muito bem ser chamado pacificador ao tomar nossa came sobre si, pois assim fez paz entre nós e seu Pai.

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p l ic a ç õ e s

Primeira aplicação: quanto à instrução: 1. Veja aqui, como através de um vidro, o amor infinito de Deus o Pai. Quando nos perdeu para o pecado, Deus, nas riquezas de sua graça, enviou seu Filho nascido de uma mulher para nos redimir. Contemple o amor infinito de Cristo porque decidiu se condescender ao tomar nossa carne. Certamente, os anjos teriam desprezado a idéia de tomar nossa carne; teria sido uma desconsideração para eles. Que rei desejaria vestir pano de saco sobre suas roupas douradas? Mas Cristo não desdenhou em tomar nossa carne. Quão grande é o amor de Cristo. Se Cristo não tivesse sido feito carne, teríamos sido feitos uma maldição; se ele não tivesse se encarnado, teríamos sido encarcerados e estaríamos para sempre na prisão. Um anjo, por sua vez, poderia muito bem ser proclamador dessas novas de grande alegria na encarnação de Cristo: “Eis aqui vos trago boa-nova de grande alegria, que o será para todo o povo: é que hoje vos nasceu, na cidade de Davi, o Salva­ dor, que é Cristo, o Senhor” (Lc 2.10,11). O am or de Cristo, ao ser encarcerado, se destacará mais se considerarmos: i. De onde C risto veio. Ele veio do céu e de um lugar muito rico no céu, do seio de seu Pai, uma colméia de doçura. ii. P ara quem C risto veio. Veio para seus amigos? Não. Ele veio para hom ens pecadores, os quais haviam m anchado sua im agem e desprezado seu amor: homens que se rebelaram. Cristo, porém, veio para o homem, resolvido a vencer a obstinação pela bondade. Visto que Cristo viria a favor de alguém, por que não veio pelos anjos que caíram? “Pois ele, evidentemente, não socorre anjos, mas socorre a descendência de Abraão” (Hb 2.16). Os anjos têm uma origem mais nobre, são criaturas mais inteligentes, são mais capacitados para o serviço. Por isso, contemple o amor de Cristo, que não veio para os anjos caídos, mas para a humanidade. Das várias maravilhas da magnetita, uma coisa que se verifica é que não atrai ouro ou pérolas, mas os despreza. A magnetita atrai o ferro, um dos mais inferiores metais. Assim, Cristo deixa os anjos de fora, aqueles espíritos nobres - o ouro e a pérola, e vai até o homem, o metal inferior, pobre e cheio de pecado, e o atrai ao seu abraço. iii. De que m an eira ele veio. Ele não veio com a majestade de um rei, acompanhado de seus guarda-costas, mas veio pobre. Não veio como o herdeiro do céu, mas como alguém de descendência inferior. O lugar que nasceu era pobre, não a cidade real de Jerusalém, mas Belém, um lugar pobre e obscuro. Ele nasceu em uma estalagem, uma manjedoura foi o seu berço, as teias de aranha suas cortinas, os anim ais seus companheiros. Veio de uma descendência de pais pobres. Podia-se pensar

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que se Cristo viesse ao mundo, deveria vir de uma rainha ou de alguma personalidade honrada para que tivesse descendência nobre, mas ele veio de pais humildes. O fato de seus pais serem pobres se verifica pela oferta que fizeram: “Um par de rolas ou dois pom binhos” (Lc 2.24), que geralmente era a oferta do pobre (Lv 12.8). Cristo era tão pobre que quando queria dinheiro era obrigado a fazer um milagre para consegui-lo (M t 17.27). Quando Jesus morreu, não deixou um testam ento. Ele veio ao mundo pobre. iv. P or que ele veio. Ele veio a fim de se encarnar e nos redimir para que pudesse nos investir em seu reino. Ele era pobre e nos fez ricos (2Co 8.9). Ele nasceu de uma virgem para que pudesse nascer de Deus. Ele tomou nossa carne para que pudesse nos dar seu Espírito. Ele se deitou numa manjedoura para que pudesse descansar no paraíso. Ele desceu do céu para que pudesse nos levar ao céu. E tudo isso foi por amor. Se os nossos corações não forem como rochas, esse amor de Cristo nos constrangerá. O amor de Cristo excede todo o entendimento (E f 3.19). 2. Veja que maravilhosa humildade a de Cristo. Cristo se fez carne. “Oh! que santa humildade o Filho de Deus descer no ventre de Maria!”, disse Agostinho. Oh! que humildade infinita o fato de Cristo se vestir com nossa carne, um pedaço desta terra onde andamos! Cristo se vestir com nossa carne foi um dos aspectos mais difíceis de sua humilhação. Ele se humilhou muito mais ao nascer do útero de uma virgem que ao ficar pendurado na cruz. O homem Cristo morrer já seria muito, mas Deus se tomar homem foi a maravilha da humilhação: “tomando-se em semelhança de homens” (Fp 2.7). Cristo se encarnar foi uma humilhação maior do que os anjos se tomarem vermes. A carne de Cristo é chamada de véu em Hebreus 10.20. “Pelo véu, isto é, pela sua came.” Ao vestir nossa came, Cristo colocou um véu sobre sua glória. Ter se tomado came, aquele que era igual a Deus: veja que humilhação. “Pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus” (Fp 2.6). Ele estava em pé de igualdade com Deus, era da mesma essência e da mesma substância com seu Pai, assim como Agostinho, Cirilo e o Concilio de Nicéia expressaram. Porém, apesar de tudo, ele tomou a nossa came. Ele se despiu das vestimentas de sua glória e se cobriu com os trapos de nossa humanidade. Se Salomão achou im pressionante Deus habitar no templo que era enriquecido e enfeitado com ouro, ainda mais nós, ficaríamos impressionados pelo fato de Deus habitar a natureza humana frágil e fraca. Ainda maior humilhação é que Cristo não somente tomou nossa came, mas o fez na pior situação, sob desgraça. Como um servo que voltaria a vestir uma farda mesmo sendo deposto por alta traição. Apesar de tudo

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isso ele tom ou as enferm idades de nossa carne. Há dois tipos de enfermidade: o pecado sem dor e a dor sem pecado. A primeira dessas en ferm id ad es C risto não tom ou so b re si, que foi a en ferm id ad e pecaminosa, que é ser invejoso ou ambicioso. Mas ele tomou sobre si as enfermidades dolorosas como: (i) a fome. Ele se aproximou de uma figueira e ia comer de seu fruto (Mt 21.18,19). (ii) O cansaço. Sentou-se no poço de Jacó para descansar (Jo 4.6). (iii) O sofrimento. “A minha alma está profundamente triste até à morte” (Mt 26.38). Era um sofrimento dirigido pela razão e não afetado pela paixão. (iv) O medo. “Tendo sido ouvido por causa da sua piedade” (Hb 5.7). Um grau ainda maior da humilhação de Cristo foi que ele não só encarnou, mas foi feito à semelhança da carne pecadora: “Aquele que não conheceu o pecado, ele o fez pecado por nós” (2Co 5.21). Ele era como um pecador, pois tinha todo o pecado sobre si, embora pecado algum houvesse nele: “Foi contado com os transgressores” (Is 53.12). Aquele que foi contado entre as pessoas da Trindade, agora foi “oferecido uma vez para sempre para tirar os pecados de muitos” (Hb 9.28). Esse foi o grau mais baixo da humilhação de Cristo, pois Cristo ser considerado como pecador era o maior grau de humilhação. Cristo, que não suportou o pecado dos anjos, deveria suportar o pecado imputado a ele, o que é a mais impressionante humilhação de todas. De tudo isso, aprenda a ser humilde. Depois de ver Cristo se humilhar, você ainda é orgulhoso? Um santo humilde é que é a imagem de Cristo. Cristãos, não sejam orgulhosos. Você tem uma propriedade? Não seja orgulhoso. A terra onde caminha é mais rica do que você. Ela tem minas de ouro e prata em seu seio. Você tem beleza? Não seja orgulhoso. E somente ar e poeira misturados. Você tem habilidades e talentos? Seja humilde. Lúcifer tem mais conhecimento do que você. Você tem graça? Seja humilde. Isso que você tem não é próprio, é emprestado. Não seria uma tolice ficar orgulhoso de um anel que é emprestado? (IC o 4.7). Você tem mais pecado do que graça, mais manchas do que beleza. Olhe para Cristo, esse raro padrão, e seja humilde. E algo estranho ver Deus se humilhando e o homem se exaltando, ver um Salvador humilde e um pecador orgulhoso. Deus odeia a mera aparência do orgulho. Ele não receberá mel no sacrifício (Lv 2.11). O fermento é amargo, então por que a ausência do mel? Porque quando o mel é misturado com a farinha, ou o mingau, faz que a massa cresça e inche, portanto o mel não deve fazer parte. Deus odeia a aparência do pecado do orgulho; é melhor carecer de talentos e do consolo do Espírito que da

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humildade. “Se Deus não poupou os anjos quando ficaram orgulhosos, poupará você que é somente pó e podridão?”, disse Agostinho. 3. C ontem ple um enigm a sagrado ou um paradoxo. “D eus se manifestou na carne.” O fato de o homem ser feito à imagem de Deus é algo maravilhoso, mas Deus ser feito à imagem do homem é ainda mais impressionante. Que o Ancião de dias nascesse, que aquele que troveja nos céus tivesse de chorar em um berço, que aquele que reina e governa as estrelas tivesse de sugar o peito, que uma virgem concebesse, que Cristo viesse de uma mulher que ele mesmo criou, que o galho pudesse dar vida à vinha, que a mãe fosse mais jovem que o filho em seus braços e a criança em seu ventre maior que a mãe; que a natureza humana não fosse Deus, mas uma com Deus; isso tudo não é somente “espantoso, mas também miraculoso”. Cristo se encarnar é um mistério que nunca entenderemos totalmente até que cheguemos ao céu, quando nossa razão se aclarará assim como nosso amor se aperfeiçoará. 4. Por isso, aprenda que “Deus se manifestou na carne”, Cristo nasceu de uma virgem, algo não somente estranho em sua essência, mas quase impensável. Aprenda que não há impossíveis para Deus. Deus pode fazer acontecer coisas que estão acima da possibilidade natural realizar, coisas como o machado boiar, a rocha brotar água e o fogo sugar a água nas calhas (lR s 18.38). É natural a água consumir o fogo, mas o fogo consumir a água é impossível no curso da natureza, mas Deus pode fazer acontecer tudo isso. “Acaso, haveria coisa demasiadamente maravilhosa para mim?” (Jr 32.27). “ S e isto for maravilhoso aos olhos do restante deste povo naqueles dias, será também m aravilhoso aos meus olhos? - diz o S e n h o r dos Exércitos” (Zc 8.6). Como Deus se uniria em nossa carne? E impossível para nós, mas não para Deus. Ele pode fazer o que transcende à razão e excede à fé. Ele não poderia ser nosso Deus se não pudesse fazer mais do que podemos pensar (E f 3.20). Ele pode reconciliar inimigos. Nós nos desanimamos diante daquilo que parece impossível para nós. Como nos entristecemos dentro de nós quando as coisas não fazem sentido. Somos como aquele rei que disse: “ Ainda que o S e n h o r fizesse jan elas no céu, poderia suceder isso?” (2Rs 7.2). Era uma época de fome. Uma medida de trigo, que era uma boa parte de um bushel, deveria ser vendida por um xequel, metade de uma onça de prata. Como poderia ser aquilo? Assim, quando as coisas estão confusas ou estranhas, o próprio povo de Deus questiona como poderá alcançar sucesso. Moisés, que era um homem de Deus, e uma das estrelas mais brilhantes que já cintilaram no firmamento da igreja de Deus, ficou desanimado diante das impossibilidades. “Respondeu Moisés: Seiscentos mil homens de pé é este povo no meio do qual estou; e tu disseste: Dar-lhes-ei

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carne, e a comerão um mês inteiro. Matar-se-ão para eles rebanhos de ovelhas e de gados que lhes bastem? Ou se ajuntarão para eles todos os peixes do mar que lhes bastem?” (Nm 11.21,22). Como se ele dissesse claramente que não podia ver como o povo de Israel, sendo tão numeroso, poderia ser alimentado por um mês. “Porém o S e n h o r respondeu a Moisés: ter-se-ia encurtado a mão do S e n h o r ? ” (Nm 11.23). Deus fez Isaque nascer de um útero am ortecido, o M essias saiu de um ventre de uma virgem . O que ele não pode fazer? Descansemos sobre os braços do poder de Deus e acreditemos nele, no meio de aparentes impossibilidades. Lembre-se: “Não há impossíveis para Deus”. Ele pode subjugar um coração orgulhoso, pode ressuscitar uma igreja morta. Cristo nasceu de uma virgem. O Deus que opera maravilhas foi quem fez isso e pode vencer as maiores aparentes impossibilidades aos nossos olhos. Segunda aplicação: quanto à exortação. 1. O fato de Cristo tomar nossa carne e ter nascido de uma virgem deve nos estimular a que seja espiritualmente nascido em nossos corações. Que bem será para nós Cristo ter nascido no mundo, a menos que nasça em nossos corações e que se una às nossas pessoas? Não se impressione de lhe dizer que Cristo deve nascer em seus corações. “Até ser Cristo formado em vós” (G1 4.19). Agora, pois, verifique se Cristo nasceu em seus corações. Como saberem os se de fa to Cristo nasceu em nossos corações? Há arrependim ento antes do nascimento? Da mesma maneira antes de C risto nascer no coração há arrependim ento. A rrependim entos de consciência e de profundas convicções. “Compungiu-se-lhes o coração” (At 2.37). Eu considero que, no novo nascimento, alguns recebem mais, outros menos, nem todos têm arrependim entos em que passem por sofrimento e por humilhação, mas todos têm arrependimentos. Se Cristo nasceu em seu coração, você foi profundamente afligido pelo pecado. Cristo nunca nasce em um coração sem arrependimento. Muitos agradecem a Deus por não ter tido nenhum incômodo do espírito, sempre estiveram sossegados, o que é um sinal de que Cristo não foi ainda formado neles. Quando Cristo nasceu no mundo ele se fez carne. Se Cristo nascer no coração, faz desse coração um coração de carne (Ez 36.26). O seu coração é de carne? Antes era um coração rochoso e não se abria para Deus, nem se impressionava com a Palavra dele; ele era uma substância dura que não se sensibilizava ao ser tocado. Agora é cheio de carne, é suave como a cera derretida para receber o selo do Espírito. Este é um sinal de que Cristo nasceu em nossos corações, quando os corações são de carne, quando se derretem em lágrimas e em amor. Algo muito bom é que Cristo foi feito carne, mas não só isso, pois nos deu um coração de carne.

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Assim como Cristo foi concebido no útero de uma virgem, assim também pode nascer em você. Seu coração é virgem com respeito à sinceridade e à santidade. Você já foi purificado por ter amado o pecado? Se Cristo nascer em seu coração, ele se toma semelhante ao Santo dos santos. Se o seu coração for poluído com o forte amor ao pecado, nunca pense que Cristo nasceu nele, Cristo nunca mais se deitará em um estábulo. Se ele nasceu em seu coração, ele está consagrado pelo Espírito Santo. Quando Cristo nascer em seu coração, então você se assemelhará a um recém-nascido. Você tem vida, pois a fé é o órgão vital da alma. “E esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus” (G1 2.20). Há um apetite: “Desejai ardentemente, como crianças recém-nascidas, o genuíno leite espiritual” ( lPe 2.2). A palavra é como um leite materno que é puro, doce e nutritivo. A alma em que Cristo é formado deseja este leite materno. Bernardo, em um de seus solilóquios, conforta a si mesmo lembrando que certamente teve o novo nascimento nele, pois percebeu em seu coração um forte suspiro e sede para com Deus. Depois que Cristo nasce no coração, há um movimento violento: há uma luta para se entrar na porta estreita e um esforço para entrar no reino de Deus (M t 11.12). Por esse motivo sabemos que Cristo é formado em nós. Esse é o único consolo, que assim como Cristo nasceu no mundo, da mesma maneira nasça em nossos corações. Assim como foi unido à nossa came, do mesmo modo é unido à nossa pessoa. 2. Assim como Cristo foi feito a nossa imagem, labutemos para ser conforme sua imagem. Quando Cristo se encarnou foi feito como nós, labutemos para ser feitos como ele. Há cinco coisas nas quais devemos nos esforçar para ser como Cristo: i. Sejam os como C risto em relação a sua disposição. Ele tinha uma disposição muito agradável. Cristo é “o deleite da humanidade”, muito acima de Tito Vespasiano.82 Cristo convida pecadores a virem até ele. Ele tem entranhas para sentir misericórdia de nós, alimentos para nos alimentar, asas para nos cobrir. Ele nunca feriria nosso coração, mas só usaria misericórdia. Cristo foi feito a nossa semelhança? Então, sejamos como ele em doçura de disposição; não sejamos de um espírito moroso. O seguinte foi dito de Nabal: “Ele é filho de Belial, e não há quem lhe possa falar” (1 Sm 25.17). Alguns são tão bárbaros como se fossem amigos de avestruz, são cheios de ira e respiram nada mais que vingança, ou são como aqueles homens no evangelho: “Endemoninhados, saindo dentre os sepulcros, e a tal ponto furiosos, que ninguém podia passar por aquele caminho” (Mt 8.28). Sejamos como Cristo na mansidão e na doçura. Oremos por nossos inimigos e os vençamos pelo amor. A bondade de Davi derreteu o coração de Saul (1 Sm 24.16). Um coração congelado será derretido com o fogo do amor.

A humilhação de Cristo em sua encarnação

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ii. Sejamos como Cristo na graça. Ele foi como nós na carne, sejamos como ele na graça. Devemos nos esforçar para ser com o Cristo em hum ildade: “ A si mesm o se hum ilhou” (Fp 2.8). Ele abandonou as vestimentas reluzentes de sua glória para ser vestido com os trapos de nossa humanidade. Que humildade maravilhosa. Sejamos como Cristo nessa graça. “Humilhação”, diz Bernardo, “é um desprezo da própria excelência”, um tipo de auto-aniquilação. Essa é a glória de um cristão. Aos olhos de Deus, nunca somos tão atraentes, a não ser quando somos sujos aos nossos próprios olhos. Sejamos assim como Cristo. A religião verdadeira é imitar a Cristo. De fato, é maravilhoso ser humilde, olhar dentro de nós, para baixo de nós, acima de nós. Quando olhamos dentro de nós, vemos nossos pecados como que no espelho da consciência: luxúria, inveja e paixões. Nossos pecados são como vermes rastejando para dentro de nossas almas: “Quantas culpas e pecados tenho eu?” (Jó 13.23). Nossos pecados são como a areia do mar, como as rochas do mar são pesados. Agostinho declara: “O meu coração, que é o templo de Deus, está poluído com o pecado” . Quando olhamos ao nosso redor, vemos algo que pode nos tornar humildes. Vemos outros cristãos se sobressaindo em relação a nós com seus dons e graças, assim como o Sol se destaca em relação às estrelas. Outras pessoas são agraciadas com frutos, talvez tenhamos aqui e ali uma frutinha crescendo que manifeste adequadamente o que somos (Is 17.6). Quando olhamos abaixo de nós, vemos alguma coisa que pode nos fazer humildes. Podemos ver a terra de onde viemos. A terra é o elemento mais vil que há: Eram mais vis que a terra (Jó 30.8).83 Você que mostra sua insígnia e refulge seu brasão, olhe bem qual é a sua origem. Você é formado somente por cinzas ambulantes. Por que você é tão orgulhoso? O que foi Adão? O filho do pó da terra. E o que é o pó? O filho do nada. Quando olhamos acima de nós, também vemos algo que pode nos fazer humildes. Olhando para o céu se vê Deus resistindo ao orgulhoso. Deus persegue o orgulhoso para se vingar. O homem orgulhoso é o alvo no qual Deus atira e nunca erra. Deus lançou o orgulhoso Lúcifer para fora do céu. Ele tirou o orgulhoso Nabucodonosor de seu trono e o fez comer grama (Dn 4.25). Sejamos como Cristo na humildade. iii. C risto tom ou nossa carne? Ele foi feito como nós? Sejamos como ele no zelo: “O zelo da tua casa me consumirá” (Jo 2.17). Ele foi zeloso quando tentaram desonrar seu Pai. Sejamos também como Cristo nisto, zelosos para com a verdade e a glória de Deus que são as duas pérolas orientais da coroa do céu. O zelo é tão necessário para o cristão quanto o sal ou o fogo do altar para o sacrifício. O zelo sem a prudência é insensatez, prudência sem zelo é covardia. Sem o zelo nossos serviços não são aceitáveis

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a Deus. O zelo é como a resina para os fios do violino, sem os quais o músico não produz a música. iv. Seja como C risto em relação ao desprezo ao m undo. Quando Cristo tomou nossa carne não veio no orgulho dela, não veio de uma descendência imediata de reis e de nobres, mas de uma parentela simples. Cristo não tinha ambição de títulos ou de honra. Ele os declinou com a grandeza mundana na mesma intensidade que outros os buscam. Quando poderia se fazer rei, ele o recusou. Ele preferiu cavalgar nas costas de um burro que ser levado em uma carruagem, preferiu ser pendurado numa cruz de madeira que usar uma coroa dourada. Ele rejeitou a pompa e a glória do inundo. Ele abriu mão de assuntos seculares: “Quem me constituiu juiz?” (Lc 12.14). Sua obra não era arbitrar em questões da lei, veio ao mundo não para ser um magistrado, mas um redentor. Ele era como uma estrela em uma órbita mais alta, importava-se somente com o céu. Cristo foi feito como nós? Sejamos como ele, apegados aos céus e não ao mundo. Não sejamos ambiciosos de honras e de vantagens do mundo. Não compremos o mundo com a perda da boa consciência. Que sábio gostaria de perder a sua alma para ficar rico? Quem jogaria sua alma no inferno a fim de construir uma propriedade? Seja como Cristo em um santo desprezo do mundo. v. Seja como C risto em suas conversas. Cristo se encarnou? Ele foi feito como nós? Sejamos como ele na santidade de vida. Nenhuma tentação poderia pegá-lo: “Aí vem o príncipe do mundo; e ele nada tem em mim” (Jo 14.30). A tentação para Cristo era como uma fagulha sobre um pilar de mármore que desaparece rapidamente. “A vida de Cristo”, diz Crisóstomo, “era mais brilhante do que os raios do Sol” . Sejamos como ele nisto: “ Segundo é santo aquele que vos chamou, tomai-vos santos também vós mesmos em todo o vosso procedimento” (lP e 1.15). Agostinho dizia que nós não temos de ser como Cristo no exercício dos milagres, mas na vida santa. Um cristão deveria ser tanto uma magnetita quanto um diamante. Uma magnetita ao atrair outros para Cristo, um diamante ao emitir uma luz brilhante de santidade em sua vida. Sejamos justos em nossos negócios, verdadeiros em nossas promessas, devotos em nossa adoração, sem mancha em nossas vidas a tal ponto de sermos figuras ambulantes de Cristo. Assim como Cristo foi feito à nossa sem elhança, lutem os para ser feitos à semelhança dele. 3. Jesus Cristo foi desonrado por nós, tomou nossa carne, que era uma diminuição para ele, e misturou a poeira com o ouro; se ele desonrou a si mesmo a nosso favor, desejemos então ser desonrados para ele. Se o mundo nos reprova por causa de Cristo e lança lama em nosso nome, suportemos com paciência. Os apóstolos saíram do Sinédrio “regozijando-se por terem sido considerados dignos de sofrer afrontas por esse Nome” (At 5.41).

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A exaltação de Cristo

Eles se sentiram cheios de graça por serem difamados por Cristo. Veja aqui um belo dito de Agostinho: “A quele que recebe a alcunha de santo, acrescenta ao seu galardão”; enquanto o crédito deles parece cada vez menor e mais leve, a coroa deles estará mais pesada. Cristo ficou feliz em ser humilhado e desonrado por nós, tom ar nossa carne quando estava em desgraça? Não pensemos muito para ser desonrados por Cristo. Digamos como Davi: “Ainda mais desprezível me farei e me humilharei aos meus olhos” (2Sm 6.22). Se servir meu Senhor Cristo e guardar minha consciência pura é ser vil, eu serei ainda mais vil. Terceira aplicação', quanto ao consolo. Jesus Cristo, tomando nossa carne, enobreceu nossa natureza. Nossa natureza está agora investida com maiores realezas e privilégios do que no tempo da inocência. Antes, no tempo da inocência, fomos feitos à imagem de Deus, mas agora, Cristo assumindo nossa natureza, fomos unidos em Cristo a Deus. Nossa natureza é mais nobre que a natureza dos anjos. Quando Cristo tomou nossa carne, fez-nos mais próximos dele do que dos anjos. Os anjos são seus amigos, os crentes são carne de sua carne, seus membros (E f 5.30 e 1.23). A mesma glória que foi colocada sobre a natureza humana de Cristo será colocada sobre os crentes. G. A EXALTAÇÃO

DE C R IS T O

“Pelo que também Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de todo nome” (Fp 2.9). Já falamos da humilhação de Cristo, falaremos agora de sua exaltação. Antes, você viu o sol da justiça no eclipse, agora você o verá saindo do eclipse e brilhando em toda sua glória. “Pelo que também Deus o exaltou”, disse Ambrósio, ou seja, “acima de toda a exaltação”. PERGUNTA 28: No que consiste a exaltação de Cristo? RESPOSTA: A exaltação de Cristo consiste em sua ressurreição dos mortos, em sua subida ao céu e no assentar-se à mão direita de Deus Pai. 1. Em que sentido Deus exaltou a Cristo? Não foi com respeito à sua deidade, pois nela Cristo não pode ser exaltado mais alto do que é. Assim como em sua humilhação, a deidade não foi rebaixada, também em sua exaltação a deidade não é aumentada, mas Cristo é exaltado como Mediador, sua natureza humana é exaltada. 2. De quantas maneiras Cristo foi exaltado? Ele foi exaltado de cinco maneiras a. Em seus títulos; b. Em seu oficio; c. Em sua ascensão; d. Em sua p o siçã o à m ão direita de D eus; e e. Ao constituí-lo ju iz do mundo. Veremos todas elas:

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a. Deus exaltou Cristo em seus títulos i. Ele foi exaltado para ser Senhor (At 19.17): “O nome do Senhor Jesus era engrandecido”. Ele é Senhor com respeito à sua soberania; pois ele é Senhor sobre os anjos e os homens: “Toda a autoridade me foi dada” (Mt 28.18). Cristo tem três chaves em suas mãos: a chave da morte, para abrir as sepulturas dos homens na ressurreição; a chave do céu, para abrir o reino do céu para quem ele quiser; e a chave do inferno, para trancar o condenado naquela terrível prisão (Ap 1.18). Diante do Senhor todo joelho deve se dobrar: “para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho” (Fp 2.10). Nome é colocado aqui em relação à pessoa, ao santo Jesus, ao cetro da divina pessoa todo joelho se dobrará. Dobrar-se é colocado em relação à sujeição. Todos devem se submeter a ele como filhos ou cativos, submeter-se a ele como Senhor ou juiz. “Beijai o Filho” com um beijo de amor e lealdade (SI 2.12). Não devemos somente nos lançar aos braços de Cristo para ser salvos por ele, mas devemos nos lançar aos seus pés para servi-lo. ii. Cristo é exaltado para ser um príncipe. “Nesse tempo, se levantará Miguel, o grande príncipe” (Dn 12.1). Alguns pensam que ele era um anjo criado, mas era o anjo do pacto. Ele é um grande príncipe “O Soberano dos reis da terra” (Ap 1.5). Seguram suas coroas pela imediata consideração com ele. Seu trono está acima das estrelas, ele tem anjos e arcanjos como seus servos. Assim, ele é exaltado em seus títulos de honra. b. Deus exaltou Cristo em seu oficio Deus honrou a Cristo para ser o Salvador do mundo. “Deus, porém, com a sua destra, o exaltou a Príncipe e Salvador” (At 5.31). Foi uma grande honra para Moisés ser um salvador temporário, mas o que é ser o Salvador de almas? Cristo é chamado poderosa salvação (Lc 1.69). Ele salva do pecado (Mt 1.21), da ira(lT s 1.10). Salvar é uma flor que pertence somente à sua coroa: “E não há salvação em nenhum outro” (At 4.12). Quão grandiosa foi essa honra para Cristo. Ela fez os céus se encherem de louvores dos santos. Eles cantam aleluias para Cristo, seu Salvador. “E entoavam novo cântico, dizendo: Digno és de tomar o livro e de abrir-lhe os selos, porque foste morto e com o teu sangue compraste para Deus os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação” (Ap 5.9). c. Deus exaltou Cristo em sua ascensão Cristo subiu, logo está exaltado. Agostinho diz: “Alguns, como os hermianos, eram da opinião que o corpo de Cristo subiu para a órbita solar”. Mas as Escrituras dizem claramente que ele subiu ao céu (Lc 24.51 e Ef 4.10). “Acima de todos os céus”, portanto acima do firmamento. Ele subiu na

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parte mais alta do céu visível, que Paulo chama de terceiro céu. Com respeito à ascensão de Cristo, duas coisas devem ser observadas: i. A m aneira de sua ascensão. Quando Cristo subiu, ele abençoou seus discípulos: “Então, os levou para Betânia e, erguendo as mãos, os abençoou. Aconteceu que, enquanto os abençoava, ia se retirando deles, sendo elevado para o céu” (Lc 24.50,51). Ele não deixou casas e terras para seus discípulos, mas sua bênção. Ele subiu como um vencedor, triunfantemente: “Subiste às alturas, levaste cativo o cativeiro” (Sl 68.18). Ele triunfou sobre o pecado, sobre o inferno e sobre a morte e o seu triunfo é o triunfo do crente. Ele venceu o pecado e o inferno para cada crente. ii. O fruto da ascensão de C risto. Sua ascensão ao céu causou a descida do Espírito Santo em nossos corações: “Quando ele subiu às alturas, levou cativo o cativeiro e concedeu dons aos homens” (Ef 4.8). Ao subir às nuvens, com sua carruagem triunfante, ele deu o dom do Espírito a nós, assim como um rei em sua coroação entrega presentes liberalmente aos seus favoritos. d. Deus exaltou Cristo quando o recebeu à sua direita “De fato, o Senhor Jesus, depois de ter-lhes falado, foi recebido no céu e assentou-se à destra de Deus” (Mc 16.19). “Ressuscitando-o dentre os mortos e fazendo-o sentar à sua direita nos lugares celestiais, acima de todo principado, e potestade, e poder, e domínio, e de todo nome” (Ef 1.20,21). O que significa Cristo se sentar à mão direita de Deus? Deus não tem mão direita ou esquerda, pois é Espírito, não tem partes físicas, mas é uma metáfora tomada da corte real, quando os reis se agradavam de seus favoritos ao colocá-los próximos de si mesmos e ao deixá-los à mão direita. Salomão mandou pôr uma cadeira para sua mãe, e ela se assentou à sua mão direita ( lRs 2.19). Assim, Cristo se assentar à direita de Deus significa estar no lugar próximo a Deus, o Pai, em dignidade e em honra. A natureza humana de Cristo, pessoalmente unida à divina, está agora assentada no trono real no céu e é adorada até pelos anjos. Pela virtude da união pessoal da natureza humana de Cristo com a divina, há uma comunicação de toda a glória da deidade de Cristo que a sua natureza humana é capaz de dar. Não que a humanidade de Cristo tenha avançado a uma posição igual com a deidade, mas a natureza divina, ao se unir com a humana, a glorificou maravilhosamente, embora não a deifícasse. Cristo como mediador está cheio de toda a majestade e toda a honra que ultrapassa toda compreensão das hostes mais altas dos anjos. Em sua humilhação desceu tão baixo que não podia ir mais baixo e em sua exaltação ascendeu a uma altura que não é possível ir mais alto. Em sua ressurreição

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foi exaltado acima da sepultura, em sua ascensão ele foi exaltado acima dos céus estrelados e da atmosfera, ao se assentar à mão direita de Deus foi exaltado além dos mais altos céus: “Subiu acima de todos os céus” (E f 4.10). e. Deus exaltou Cristo ao constituí-lo ju iz de todo o mundo “E o Pai a ninguém julga, mas ao Filho confiou todo o julgamento” (Jo 5.22). No dia do julgamento, Cristo será exaltado sobremaneira: “Quando vier na glória de seu Pai com os santos anjos” (Mc 8.38). Ele vestirá as mesmas roupas bordadas de majestade como o Pai e virá com todos os seus santos anjos (Mt 25.31). Aquele que foi conduzido ao julgamento por um bando de soldados será servido por um regimento de anjos. Cristo julgará seus julgadores, julgará Pilatos que o condenou. Reis deverão deixar seus tronos e vir até esse julgamento. Essa será a mais alta corte de tribunal para julgamento que jamais existiu, onde não haverá mais apelação. A p l ic a ç õ e s

Primeira aplicação: quanto à informação: 1. Veja o estado diferente de Cristo na terra e no céu. Quanta mudança na perspectiva. Quando estava na terra, ele dormiu em uma manjedoura, agora se senta em um trono. Antes, foi odiado e injuriado pelos homens, agora é adorado por anjos. Antes, seu nome fora reprovado, agora “Deus o exaltou sobrem aneira e lhe deu o nome que está acima de todo nom e” (Fp 2.9). Antes, ele veio na forma de um servo, e como servo se apresentou com sua bacia e toalha lavando os pés dos discípulos (Jo 13.4,5), Agora ele está revestido de vestimentas reais e os reis da terra apresentam suas coroas diante dele. Na terra ele era um homem de dores, agora ele é ungido com o óleo da alegria. Na terra aconteceu sua crucificação, agora sua coroação. Antes, seu Pai o desamparou, agora o colocou à sua mão direita. Antes, parecia não ter beleza nem formosura (Is 53.2), agora está no brilho da glória de seu Pai (Hb 1.3). Que grandes mudanças ocorreram. Exalte o nome de Deus. 2. Cristo foi humilhado primeiro e depois exaltado? Então, aprenda que “o caminho da verdadeira honra é a humildade”. “O que se humilha será exaltado” (Lc 14.11). O mundo olha para a humildade como se fosse algo desprezível, mas é a maneira que leva à honra. O caminho para se levantar é cair, o caminho para subir é descer. A humildade nos exalta em nosso âmago e nos exalta a um trono mais alto no céu. “Portanto, aquele que se humilhar como esta criança, esse é o maior no reino dos céus” (Mt 18.4). Ele terá um grau maior de glória na humilhação. 3. Cristo prim eiro sofreu, depois foi exaltado. Veja aqui que os sofrimentos devem vir antes que a glória. Muitos desejam ser glorificados

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com Cristo, mas não se alegram em sofrer por ele: “ Se perseveramos, também com ele reinaremos” (2Tm 2.12). O ímpio primeiramente reina e depois sofre, o justo primeiro sofre depois reina. Não há outra maneira de chegar a Constantinopla senão pelo estreito; não há outro caminho para o céu, a não ser pelo sofrimento; não há outro caminho para a coroa, além da cruz. A Jerusalém celestial é uma cidade agradável, nela há estradas de ouro, portões de pérola, mas devemos viajar por uma estrada empoeirada até ela, com muitas lutas e sofrimentos. Devemos entrar na glória como Cristo entrou. Ele primeiramente sofreu vergonha e morte e depois foi exaltado e assentou-se à direita de Deus. Segunda aplicação: quanto ao consolo: 1. Cristo, tão altamente exaltado, enobreceu nossa natureza, coroou-a com glória e a elevou acima dos anjos e dos arcanjos. Embora, como um homem, tenha sido feito um pouco menor que os anjos (Hb 2.9), como natureza humana foi unido à divina e está à mão direita de Deus. Também a natureza humana está acima dos anjos. Se Deus dignificou assim nossa natureza, que vergonha para nós reduzi-la. Deus exaltou a natureza humana acima dos anjos, mas um bêbado a reduz abaixo dos animais. 2. A chave do governo é colocada sobre os ombros de Cristo ao ser exaltado à mão direita de Deus. Ele governa todos os assuntos do mundo para sua própria glória. Será que Cristo, tão altamente assentado e com todo o poder no céu e na terra, não cuidaria de seus eleitos e não tomaria as mais impressionantes providências para o bem de sua igreja? Em um relógio, as engrenagens se movem uma contra a outra, mas todas fazem o relógio funcionar, assim é Cristo à direita do Pai, fará que todas as providências bem encaixadas contribuam para a salvação de sua igreja. 3. Podemos ter certeza que Cristo terminou a obra da redenção do homem porque ele está à mão direita de Deus. “Jesus, porém, tendo oferecido, para sempre, um único sacrifício pelos pecados, assentou-se à destra de Deus” (Hb 10.12). Se Cristo não expiasse totalmente o pecado e satisfizesse a lei de Deus não teria se sentado à mão direita de Deus, ainda estaria no sepulcro, mas agora está exaltado na glória, que é o sinal evidente que ele fez e sofreu tudo que lhe foi requerido para operar nossa redenção. 4. Embora Jesus Cristo esteja tão altamente exaltado na glória, não esqueceu de nós na terra. Alguns, quando elevados a lugares de honra, esquecem seus amigos. O copeiro-chefe foi reintegrado em seu cargo e esqueceu do pobre José que estava na prisão, mas não é assim com Cristo. Conquanto esteja exaltado em tamanha glória no céu, não esqueceu dos seus santos na terra. Nosso sumo sacerdote tem todos os nomes e as necessidades de seu povo escritos em seu peitoral. Você é tentado? Ainda que Cristo esteja na glória, ele sabe como mostrar misericórdia e ajudar: “Porque não temos

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sumo sacerdote que não possa compadecer-se nossas fraquezas” (Hb 4.15). Você sofre por causa do pecado? C risto, ainda que num estado de glorificação, ouve seus suspiros e recolhe suas lágrimas. 5. Cristo, exaltado à mão direita de Deus, é um consolo para os crentes, pois um dia serão exaltados a esse lugar de glória onde ele está. A exaltação de Cristo é nossa exaltação. Ele orou por isso: “Pai, a minha vontade é que onde estou, estejam também comigo os que me deste” (Jo 17.24). E é dito que ele foi antes “preparar um lugar” para os crentes (Jo 14.2). Cristo é chamado a cabeça e a igreja é chamada o corpo (E f 1.22,23). Se a cabeça é exaltada á honra, o corpo místico deverá ser exaltado também. Tão certo quanto Cristo foi exaltado acim a de todos os céus, certam ente ele estabelecerá os crentes em toda essa glória na qual sua natureza humana está adornada (Jo 17.22). Como aqui ele põe sua graça sobre os santos, em breve colocará sua glória sobre eles. Isso é um consolo para os cristãos mais pobres. Talvez você não tenha uma casa para se proteger, mesmo assim pode olhar para o céu e dizer: “Lá está minha casa, lá está meu país. Eu já tomei posse do céu em minha cabeça, Cristo. Ele se senta lá e não demorará até que eu me sente lá com ele. Ele está sobre o trono da glória e eu tenho sua palavra quanto a isto, que eu me assentarei no trono com ele” (Ap 3.21). Terceira aplicação: quanto à exortação. Deus exaltou altamente a Cristo? Vamos trabalhar para exaltá-lo. Vamos exaltar a pessoa e as verdades de Cristo. 1. Vamos exaltar Cristo em nossos corações. Crer nele, adorá-lo e amá-lo. Não podemos levantá-lo mais alto no céu, mas podemos fazê-lo em nossos corações. Vamos exaltá-lo com nossos lábios, louvemos a Cristo. Nossos corpos são o templo do Espírito Santo, nossas línguas devem ser os órgãos nesses templos. Ao louvar e ao elogiar Cristo, nós o exaltamos em relação aos outros. Exaltemos a Cristo em nossas vidas ao viver vidas santas, pois isto é a religião verdadeira, quando homens lutam para viver vidas sem manchas. Nenhuma doxologia e louvores em todo o mundo exaltam tanto a Cristo como uma vida santa. Isto faz Cristo notável e o eleva de fato, quando seus seguidores andam de maneira digna dele. 2. Exaltemos as verdades de Cristo. Bucholcerus, em sua cronologia, relata sobre os nobres da Polônia, os quais, nos tempos em que o evangelho era lido, colocavam suas mãos sobre suas espadas, afirmando que estavam prontos para defender o evangelho com o risco das próprias vidas. Exaltemos as verdades de Cristo, guardemos as verdades de Cristo quanto ao erro, guardemos a doutrina da graça contra o mérito, guardemos a deidade de Cristo contra o socianismo.

Cristo, o redentor

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A verdade é a pérola mais oriental na coroa de Cristo. Lutemos pela verdade assim como alguém luta por uma grande soma de dinheiro, para que não seja tomada das mãos. Cristo é exaltado quando exaltamos suas verdades onde sua glória está envolvida. H. C

r is t o

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o redentor

PERGUNTA 30: Com o o Espírito aplica em nós a redenção comprada por Cristo? RESPOSTA: O Espírito aplica em nós a redenção comprada por Cristo ao operar a fé em nós e, portanto, nos unindo a Cristo em nosso chamado. Nessa resposta há duas coisas. A primeira: implica que Cristo é o glorioso comprador de nossa redenção, “a redenção comprada por Cristo”, e a segunda: é declarado que o Espírito aplica em nós essa redenção comprada pela operação da fé em nós. Neste estudo, verei a primeira afirmação, no próximo, verei a segunda. 1. Cristo comprou nossa redenção O que está implícito é que Jesus Cristo é o glorioso comprador de nossa redenção. A doutrina que afirma nossa redenção adquirida por Jesus Cristo é gloriosa, é o centro e a essência do evangelho, na qual todo o consolo dos cristãos se apóia. A obra da criação foi tremenda, porém maior ainda é a obra da redenção. Custou mais para nos redimir que para nos fazer. Para nos fazer foi necessária a palavra falada, para nos redimir foi necessário o derramamento do sangue. A criação foi obra dos dedos de Deus (Sl 8.3). A redenção é obra de seus braços (Lc 1.51). “Entrou no Santo dos Santos, uma vez por todas, tendo obtido eterna redenção” (Hb 9.12). Cristo comprar a redenção para nós quer dizer que nossos pecados nos endividaram e nos colocaram um preço. Jerônimo dizia que se não houvesse algum tipo de hipoteca, não haveria necessidade de redenção. Então, enquanto hipotecados e vendidos pelo pecado, Cristo comprou nossa redenção. Ele tinha o maior direito de nos redimir, pois é nosso parente. A palavra hebraica para Redentor, Goel, significa um parente, alguém que é do mesmo sangue. Na antiga lei o parente mais próximo deveria redimir a terra de seu irmão (Rt 4.4). Assim, Cristo, sendo o parente próximo a nós, “carne de nossa carne”, era o mais apropriado para nos redimir. a. Como Cristo nos redime? Pelo próprio sangue precioso: “No qual temos a redenção, pelo seu sangue” (E f 1.7). Entre os romanos, era necessário para o resgate apresentar o preço equivalente ao prisioneiro. Neste sentido, Cristo é um Redentor,

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ele pagou o preço. Nunca houve um preço pago assim para libertar prisioneiros. “Porque fostes comprados por preço” (1 Co 6.20), o preço foi seu sangue. A Escritura diz que “Pelo seu próprio sangue, entrou no Santo dos Santos, uma vez por todas, tendo obtido eterna redenção” (Hb 9.12). Esse sangue, sendo sangue da pessoa que era Deus e também homem, é um preço suficiente para o resgate de milhões. b. Do que Cristo nos redime? Cristo nos redime do pecado. Ser redimido da escravidão é uma grande misericórdia, mas infinitamente maior é ser redimido do pecado. Não há nada que possa ferir tanto a alma do que o pecado, não é a aflição que machuca a alma, assim como o calor faz o ouro mais puro, mas o pecado danifica a alma. Cristo nos redime do pecado: “Agora, porém, ao se cumprirem os tempos, se manifestou uma vez por todas, para aniquilar, pelo sacrifício de si mesmo, o pecado” (Hb 9.26). c. Como Cristo nos redime do pecado? Mas como somos redimidos do pecado? Não vemos corrupção agindo no regenerado, muito orgulho e paixão não mortificada? A redenção é tanto iniciada quanto finalizada perfeitamente. O pecado não pode permanecer com a redenção perfeita, mas aqui ela somente começou e o pecado pode prevalecer com a redenção imperfeita. Pode haver alguma escuridão no ar quando o Sol nasce, mas não quando o Sol está ao meio-dia. Quando a nossa redenção está no começo, pode haver pecado, mas não quando está perfeita na glória. d. Em que sentido Cristo redimiu pessoas justificadas do pecado? i. C risto nos redim iu da culpa do pecado, em bora não da m ancha. A culpa é o que amarra a pessoa para a punição. Agora, Cristo redimiu pessoas justificadas da culpa do pecado, ele anulou seus débitos. Cristo diz à justiça de Deus como Paulo a Filemom: “E, se algum dano te fez ou se te deve alguma coisa, lança tudo em minha conta” (Fm 18). ii. C risto nos redim iu do p oder e da direção do pecado, mas não de sua presença. Uma pessoa justificada é redimida do poder e da direção do pecado, embora não de sua presença. O pecado pode se agitar em um filho de Deus, mas não reinar. A lascívia se agitou em Davi e o medo em Pedro, mas não reinaram. Eles se recuperaram por meio do arrependimento: “Porque o pecado não terá domínio sobre vós” (Rm 6.14). O pecado vive em um filho de Deus, mas foi deposto do trono. Ele vive não como um rei, mas como um cativo.

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iii. O crente é redimido da m aldição do pecado: “Cristo no resgatou da maldição da lei, fazendo-se ele próprio maldição em nosso lugar” (G1 3.13). Cristo disse a seu Pai como Rebeca disse a Jacó: “Sobre mim, a maldição. Que a bênção seja sobre eles, mas sobre mim a maldição”. E agora, não há condenação para os crentes (Rm 8.1). Um não-crente tem uma condenação dupla. Uma que vem da lei que ele transgrediu, e outra do evangelho que ele desprezou. Mas Cristo nos redimiu dessa maldição, nos tirou do poder do inferno e da perdição. e. Para o que Cristo nos redimiu? Ele nos redim iu para uma herança gloriosa: “ Para uma herança incorruptível, sem mácula, imarcescível, reservada nos céus para vós outros” (lP e 1.4). i. Para uma herança. Cristo não somente nos redimiu da prisão, mas nos redimiu para um estado de felicidade, para uma herança. O céu não é um arrendamento que logo vence seu contrato, mas uma herança. E uma herança gloriosa. O céu é chamado uma herança em luz (Cl 1.12). A luz enfeita e cobre o mundo. O que seria do mundo sem a luz, a não ser uma prisão? A herança celestial é irradiada com a luz. Cristo, como um sol perpétuo, ilumina o céu com seus raios (Ap 21.23). ii. Para uma herança incorruptível. A herança não se acaba ou se desfaz. Os consolos terrenos são ilustrados pelo tabernáculo que foi passageiro, mas o céu é demonstrado pelo templo, que era fixo e permanente, construído com pedra e coberto com ouro. Essa é a glória da herança celes­ tial, ela é incorruptível. A eternidade está escrita sobre a fachada do templo. iii. Para uma herança imaculada. A palavra grega para imaculada se refere a uma pedra preciosa chamada amiantus, que não pode ser manchada. No céu é assim, nada pode ser manchado por nada. Não há pecado lá para ofuscar sua pureza. A santidade e a resistência às manchas são comparadas ao puro ouro, à safira e à esmeralda (Ap 21.19). “A safira tem uma virtude”, diz Plínio, “preservar a castidade, a esmeralda tira o veneno”. Esses são os emblemas vividos do céu que mostram a santidade dele. Não há calor de lascívia, nem veneno de malícia, somente espíritos virgens e puros habitam nele. iv. Para uma herança imarcescível. A palavra grega é o nome de uma flor, amarantus, que permanece por um longo tempo verde e fresca, como escreveu Clemente84 de Alexandria. Assim é a herança celestial, não perde o brilho de sua cor, mas mantém sua frescura e o verde da eternidade. A beleza dela não se vai. Para essa herança gloriosa que Cristo nos redimiu, uma herança que não pode ser totalmente descrita ou apresentada por todas

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as luzes do céu, ainda que todas as estrelas fossem um sol. O que é o diamante em um anel, assim é a glória dessa herança, é a visão eterna e a realização do Deus abençoado. A visão de Deus será algo m uito encantador e arrebatador. A presença do rei dá significado à corte. “Haveremos de vê-lo como ele é” (1 Jo 3.2). E confortável ver Deus se apresentando pela treliça de uma ordenança, vê-lo na Palavra e no sacramento. Os mártires achavam bom vê-lo em uma prisão. Já pensou o que é vê-lo na glória brilhando dez mil vezes mais que o Sol. E não somente vê-lo, mas apreciá-lo para sempre. Agostinho dizia que a fé em si mesma não é capaz de com preender totalm ente esse prêmio. Todas essas bênçãos Cristo as com prou pela redenção que há em seu sangue. A

p l ic a ç õ e s

Primeira aplicação: quanto à instrução. 1. Veja em que condição terrivelmente deplorável nos colocamos por causa do pecado. Nós pecamos e por ele nos escravizamos, de maneira que precisávamos de Cristo para comprar nossa redenção. “A escravidão é a pior condição” diz Cícero. Aqueles que agora são prisioneiros em Argel pensam assim . Porém, por causa do pecado, estam os num a escravidão pior, escravizados por Satanás, um tirano sem misericórdia, que tem prazer na perdição das almas. Nessa condição estávamos quando Cristo veio e nos redimiu. 2. Veja nisso, como através de um vidro transparente, o amor de Cristo aos eleitos. Ele veio para redimi-los e morreu intencionalmente por eles. Não foi um grande amor o filho de um rei pagar uma grande soma de dinheiro para redimir um cativo? Porém, estar contente em ser um prisioneiro em sua posição e morrer por seu resgate, isso foi uma questão maravilhosa. Jesus Cristo fez tudo isso, ele declarou seu amor em letras escritas com sangue. Falar algo bom para Deus a nosso favor Cristo estaria fazendo muito, mas sabia que não era suficiente para nos redimir. Embora a palavra falada fize sse o m undo, não p o d eria red im ir um p ecad o r: “ sem derramamento de sangue, não há remissão” (Hb 9.22). Segunda aplicação: quanto ao julgamento. Se Cristo veio para comprar nossa redenção, então vamos ver se somos as pessoas a quem Cristo redimiu da culpa e maldição do pecado. Essa é uma verificação necessária, pois vou lhe dizer que há determinado número de pessoas a quem Cristo redimiu. Pecadores, digam que Cristo é um redentor e serão salvos por ele. Queridos, Cristo não veio para redimir todos, pois isso derrubaria os decretos de Deus. A redenção não é tão ampla como a criação. Eu tenho certeza que há mérito suficiente no sangue de Cristo para salvar todos, mas há uma diferença entre suficiência e eficiência. O sangue de Cristo é um preço suficiente

Cristo, o redentor

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para todos, mas é eficiente somente para aqueles que crêem. Um curativo pode ter virtude soberana em si para curar qualquer ferida, mas não cura a não ser que seja aplicado sobre a ferida. Se nem todos têm o benefício da redenção de Cristo, mas somente alguns, então é necessário perguntar às nossas almas: estamos incluídos no número daqueles que são redimidos por Cristo ou não? Como podemos saber se somos redimidos? 1. Aqueles que são redimidos são reconciliados com Deus. A inimizade é retirada. Suas sentenças são sancionadas, suas vontades se inclinam ao bem (Cl 1.21). Aqueles que não estão reconciliados com Deus o odeiam e odeiam seu povo (como a vinha e o laurel têm uma antipatia entre si), aqueles que fazem tudo o que podem para ir contra a santidade são redim idos? Os não-reconciliados são redim idos? Cristo com prou o cancelamento da pena para eles, mas um pecador pode ter o cancelamento da pena, sem ser aplicada nele, e mesmo assim ir para o inferno (Jo 5.6). 2. Aqueles que foram redimidos por Cristo foram redimidos do mundo. “O qual se entregou a si mesmo pelos nossos pecados, para nos desarraigar deste mundo perverso, segundo a vontade de nosso Deus e Pai” (G1 1.4). Aqueles que foram redimidos por Cristo ressuscitam com Cristo (Cl 3.1). Como pássaros que descem ao chão para pegar uma pequena semente e imediatamente içam vôo, da mesma maneira um redimido do Senhor usa o mundo e pega os consolos legais dele, mas seus corações estão longe dessas coisas, por isso sobem aos céus. Eles vivem aqui, mas seus interesses estão lá em cima. Aqueles por quem Cristo morreu estão “mortos para o mundo”, para as honras do mundo, para os lucros e as vantagens. O que devemos pensar daqueles que dizem que são redimidos do Senhor, mas são amantes do mundo? São como as tribos que desejaram ter sua porção do lado de cá de Canaã. “ Se preocupam com as coisas terrenas” (Fp 3.19). Eles rebaixam suas almas para construir uma propriedade. Eles não são redimidos por Cristo, pois não são redimidos do mundo. Terceira aplicação: quanto ao consolo daqueles que são redimidos. Você é feliz porque a porção da graça caiu sobre você. Você esteve uma vez na prisão do diabo, mas foi liberto dessa prisão. Uma vez foi acorrentado pelo pecado, mas Deus começou a quebrar suas correntes e o libertou do poder do pecado e da maldição dele. Quão grande é esse consolo. Há algum consolo em Cristo? O consolo é este. Há algum doce fruto crescendo na promessa? Você pode colher tal fruto. Há privilégios gloriosos no evangelho? Eles são: a união, a justificação, a adoção e a coroação. Há alguma glória no céu? Em breve você beberá daquele rio de prazer. Você tem consolos temporais? Eles são sinais e nunca são suficientes. A refeição no barril é somente uma refeição, e o desejo da comida que os anjos comem, Deus

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preparou para você. Como se pode ser consolado em todas as aflições m undanas em bora a figueira não floresça! A m orte perdeu seu poder: a m orte se vai pela morte de Cristo. A morte o carregará até seu Redentor. Não tenha medo de morrer, pois não pode ser perfeitamente feliz a não ser morrendo. Quarta aplicação: quanto à exortação. Quando chegar a hora em que você tiver uma redenção perfeita e completa no céu, um júbilo eterno, quando será livre não somente do poder, mas da presença do pecado. Aqui na terra o crente é como um prisioneiro que fugiu da prisão, mas caminha com um grilhão em sua perna. Quando a bandeira da glória for apresentada sobre você, você será como os anjos de Deus, nunca mais terá um pensamento pecaminoso sequer, nenhuma dor ou sofrimento, dor de cabeça ou coração duvidoso. Você verá a face de Cristo e se deitará para sempre em seus braços, você verá como José o viu (Gn 41.14). Eles o tiraram apressadamente do calabouço e então ele pôde se barbear. Deram-lhe roupas novas para se apresentar ao faraó. Deseje esse momento quando tirará suas roupas de prisão e mudará sua roupa e vestirá uma roupa de glória. Deseje isso! Ao mesmo tempo esteja contente em esperar por essa redenção gloriosa e completa, quando você será mais feliz do que pode desejar, quando terá o que “nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração humano”.

VI. QUINTA PARTE A REDENÇÃO

P

E SUA APLICAÇÃO

erguntas

3 1 ,3 3 ,3 6

A. FÉ “Esse viver que agora tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus” (G1 2.20). Neste estudo, pretendo continuar a resposta à questão anterior afirmando que o Espírito aplica em nós a redenção comprada por Cristo e, com isso, iniciar uma nova seção do Breve Catecismo sobre a aplicação da redenção aos cristãos. O Espírito aplica em nós a redenção comprada por Cristo ao operar a fé em nós. Cristo é a glória e a fé nele mesmo, o consolo do evangelho. 1. A natureza da fé salvadora a. Tipos diferentes de fé Podemos separá-las em quatro grupos distintos: i. A fé h istó rica ou dogm ática, que significa crer nas verdades reveladas na Palavra, por causa da autoridade divina. ii. A fé tem porária, que dura por algum tempo e então se vai: “Mas não tem raiz em si mesmo, sendo, antes, de pouca duração” (Mt 13.21). Uma fé temporária é como a planta da história de Jonas, que cresceu du­ rante a noite e depois secou (Jn 4.10). iii. A fé m iraculosa é aquela que foi dada aos apóstolos para operar milagres a fim de confirmar o evangelho. Judas teve essa fé, ele expulsava demônios, mas foi lançado ao demônio. iv. A fé justificadora. É a “fé no poder de Deus”, é a jóia pendurada somente sobre o eleito (Cl 2.12). b. A f é justificadora Eu a demonstrarei da seguinte maneira, primeiro o que ela não é e, depois, o que ela é: i. O que a fé ju stificad o ra não é. Não é um mero reconhecimento que Cristo é Salvador. Deve haver um reconhecimento, mas isso não é suficiente para justificar. Os demônios reconhecem a divindade de Cristo: “Que temos nós contigo, ó Filho de Deus!” (Mt 8.29). Pode haver a aceitação

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da verdade divina, porém, mesmo assim, pode não haver obra da graça no coração. Muitos concordam em seus julgamentos que o pecado é uma coisa maligna, mas continuam pecando, pois suas corrupções são mais fortes que suas convicções. Reconhecem que Cristo é excelente, pechincham a pérola, mas não a compram. ii. O que é um a fé justificadora. A verdadeira féjustificadora consiste de três coisas: Primeiramente, há a auto-renúncia. Fé significa “sair para fora” do eu, de nossos méritos e enxergar que não temos direitos próprios: “Não tendo justiça própria” (Fp 3.9). É um fio partido, no qual a alma não pode se apoiar. Arrependimento e fé são graças humildes. Pelo arrependimento, uma pessoa abomina a si mesma, pela fé, a mesma pessoa se desloca do seu eu. O povo de Israel saindo do Egito pode nos dar uma comparação. O povo, ao ver faraó e suas carruagens o perseguindo e se aproximando de sua retaguarda, ao mesmo tempo em que diante deles estava o Mar Vermelho pronto para devorá-los, entristeceu-se. Da mesma maneira, o pecador olha para trás e vê ajustiça de Deus o perseguindo por causa do pecado e diante dele está o inferno pronto para devorá-lo. E, nessa condição desesperadora, não vendo nada em si mesmo para ajudá-lo, o homem perecerá a menos que possa encontrar ajuda em algum lugar. Em segundo lugar há a confiança. A alma se lança sobre Jesus Cristo. A fé é depositada na pessoa de Cristo. A fé crê na promessa, pois tal promessa é a própria pessoa de Cristo. Figuradamente podemos dizer: assim como a esposa “ ... vem encostada ao seu marido...” (Ct 8.5). Descreve-se a fé como crer em o nome de seu Filho, Jesus Cristo” (1 Jo 3.23), isto é, em sua pessoa. A promessa é como um porta-jóias, Cristo é a jóia dentro dele, o qual a fé envolve. A promessa é somente o prato, Cristo é a comida no prato, que alimenta a fé. A fé se apóia na pessoa de Cristo “crucificado”. A fé se gloria na cruz de Cristo (G1 6.14). Olhar para Cristo coroado com todas as excelências provoca admiração e assombro, mas olhar para Cristo como o ensangüentado e a ponto de morrer é o verdadeiro objeto de nossa fé. A fé é, portanto, chamada fé “no seu sangue” (Rm 3.25). Em terceiro há a apropriação, ou aplicação de Cristo em nós mesmos. Um remédio, embora seja muito eficaz, se não for administrado não fará nenhum bem. Um curativo pode ser feito com o próprio sangue de Cristo, mas não curará, a menos que seja aplicado pela fé. O sangue de Cristo, sem a fé em Deus, não salva. Quando aplicamos esse conceito a Cristo, o chamamos de receber a Cristo (Jo 1.12). A mão que recebe ouro enriquece. Assim também a mão da fé recebendo os méritos dourados de Cristo com a salvação nos enriquece.



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2. A operação da fé salvadora a. Como a f é é trabalhada? Pela ação do bendito Espírito Santo de Deus, que é cham ado o “Espírito da graça”, porque ele é a fonte de toda a graça (Zc 12.10). A fé é a obra principal que o Espírito de Deus opera no coração do homem. Ao fazer o mundo, Deus disse uma palavra, mas ao operar a fé ele estende seu braço (Lc 1.51). O ato de o E sp írito trab a lh ar a fé é cham ado: “a suprema grandeza do seu poder” (E f 1.19). Foi uma ação de poder supremo exercida na ressurreição de Cristo, visto que tamanho obstáculo estava diante dele: eram “os pecados de todo o mundo” . Mesmo assim ele foi ressuscitado pelo Espírito. O mesmo poder é exercitado pelo Espírito de Deus ao operar a fé. O Espírito ilumina a mente e subjuga a vontade. A vontade se com para a uma fo rtaleza que resiste a D eus. O espírito conquista a fortaleza com uma doce violência, ou melhor, ele a transforma fazendo que o pecador deseje Cristo de qualquer maneira, que seja governado por ele, assim como salvo por ele. 3. A preciosidade da fé salvadora Em que consiste a preciosidade da fé ? Podemos responder com as seguintes afirmativas: a. Em ser a principal graça evangélica Ela é a prim eira de todas as graças. Assim como ouro entre os metais, é a fé entre as graças. Clem ente de Alexandria chama as outras graças de filhas da fé. No céu, o am or será a graça principal, mas, enquanto estam os aqui, o am or deve dar lugar à fé. O am or toma posse da glória, mas a fé dá um título a ela. O am or é a graça coroada no céu, mas a fé é a graça conquistadora na terra. “ Esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé” (U o 5.4). b. Em influenciar e fa zer funcionar as demais graças Nenhuma graça entra em funcionamento até que a fé esteja a postos. Assim como um fabricante de roupas que põe um pobre para trabalhar fazendo funcionar o tear, assim a fé põe a esperança para funcionar. O herdeiro de uma propriedade deve crer no que diz o testamento quanto ao direito de sucessão da propriedade, antes que possa ter esperança de possuí-la. A fé crê no que diz o testamento da glória e, depois, a esperança aguarda pela herança apresentada nele. Se a fé não alimentar a lâmpada da esperança com óleo, logo se apagará; a fé põe o amor em ação: “A fé que atua pelo amor” (G1 5.6). Crer na misericórdia e no mérito de Cristo faz

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que uma chama de amor se acenda. A fé põe a paciência em ação: “Vos tomeis... imitadores daqueles que, pela fé e pela longanimidade, herdam as promessas” (Hb 6.12). A fé crê nos prêmios gloriosos dados por suportar o sofrim ento. Isso faz a alma paciente no sofrim ento. Assim , a fé é a engrenagem mestra, faz que todas as outras graças funcionem. c. A f é é a graça que Deus honra justificar e salvar Assim, de fato ela é uma “fé preciosa”, como o apóstolo a chama (2Pe 1.1). As outras graças ajudam a santificar, mas é a fé que justifica: “Justificados, pois, mediante a fé” (Rm 5.1). O arrependimento ou o amor não justificam, mas a fé justifica. 4. A justificação na fé salvadora Como a f é justifica? Observe o seguinte: a. Ela justifica pelos méritos de Cristo A fé não justifica na qualidade de obra, pois se assim fosse faria de nossa fé um cristo. Mas, a fé justifica quando se apega a algo, isto é, aos méritos de Cristo. Se um homem tivesse uma pedra preciosa em um anel que o desse valor, diríamos que o anel é valioso, mas não é o anel, é a pedra preciosa no anel que o valoriza. Assim a fé salva e justifica, mas não é qualquer virtude inerente na fé, mas quando ela se apega em Cristo é que justifica. b. Ela não justifica exercitando a graça A fé não justifica quando exercita a graça. Não podemos negar que a fé revigora todas as graças, dá força e vida a todas elas, mas a fé não justifica se baseando nessa noção. A fé opera pelo amor, mas não justifica da mesma maneira que opera pelo amor, mas ao passo que aplica os méritos de Cristo. a. Ela justifica por causa do propósito de Deus Por que a f é salva e justifica mais que qualquer graça? Porque Deus determinou essa graça para justificar. Ele o fez porque a fé é uma graça que tira o homem de si mesmo e dá toda a honra a Cristo e sua graça: “Pela fé se fortaleceu, dando glória a Deus” (Rm 4.20). Portanto, Deus atribuiu essa honra à fé para fazê-la salvadora e ju stific a d o ra . O selo do rei tom a a moeda corrente, se ele puser seu selo sobre o couro ou sobre a prata fará que se torne de valor, assim também Deus pôs sua sanção que é o selo de sua autoridade sobre a fé e a instituiu, fazendo-a justificadora e salvadora.



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b. Ela justifica porque torna um com Cristo (E f 3 .17) A fé é uma graça incorporadora, ou seja, ela nos desposa com Cristo, pois nos enxerta e nos une à pessoa de Cristo. Outras graças nos fazem à semelhança de Cristo, a fé nos faz membros de Cristo. A

p l ic a ç õ e s

Primeira aplicação: quanto à exortação. Vamos acima de tudo agir por fé: “embraçando sempre o escudo da fé” (E f 6.16). A fé será mais útil para nós do que qualquer graça. Assim como no caso da serpente levantada por Moisés no deserto, os olhos foram mais úteis aos israelitas que outras partes do corpo, fossem um braço forte ou um pé veloz. Foram os olhos que fitaram a serpente de bronze que os curou. Não é o conhecimento - mesmo que como o dos anjos - nem o arrependimento - mesmo que possamos derramar rios de lágrimas - que poderá nos justificar. Mas, somente a fé, quando olhamos para Cristo: “Sem fé é impossível agradar a Deus” (Hb 11.6). Se não o agradamos ao crer nele, ele não nos agradará em nos salvar. A fé é a condição do pacto da graça: sem fé, sem pacto. Sem pacto não há esperança (E f 2.12). Segunda aplicação: quanto ao julgamento. 1. Verifiquemos se temos fé. Há algo que se parece com fé e não é fé, assim como uma pedra de bristol se parece com um diamante e não é. Algumas plantas têm a mesma folha que outras, mas o botânico pode distingui-las pela raiz e pelo sabor. A fé pode parecer verdadeira, mas se distingue pelos frutos. Sejamos sérios quanto ao julgamento de nossa fé. Muito depende de nossa fé, pois se nossa fé não for boa, nada de bom vem de nós, até mesmo nossas obras e nossas graças são impuras. 2. Como então saberemos qual é a fé verdadeira? Pelos seus efeitos nobres: i. A fé direciona a C risto. Ela é uma graça motivadora que vem de Cristo e deposita alto valor em Cristo: “Para vós outros, portanto, os que credes, é a preciosidade” (lP e 2.7). Paulo conhecia Cristo muito bem: “Não vi Jesus, nosso Senhor?” (1 Co 9.1). Ele viu Cristo com seus olhos físicos durante uma visão quando fora levado ao terceiro céu e também o viu com os olhos da fé na santa ceia. Portanto ele conhecia Cristo muito bem. E veja como ele designa todas as coisas em comparação a ele: “Sim, deveras considero tudo como perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; por amor do qual perdi todas as coisas e as considero como refugo, para conseguir Cristo” (Fp 3.8). Temos nós uma auto-estima em relação a Cristo? Estaríamos dispostos em partir um pedaço de nosso ouro em troca da pérola preciosa? Gregório Nazianzeno deu graças a Deus porque tinha algo a perder por causa de Cristo.

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ii. A fé é um a graça p urificadora. “Conservando o mistério da fé com a consciência limpa” (1 Tm 3.9). A fé é para a alma como o fogo para os metais: refina e purifica. A moralidade pode lavar o lado de fora, a fé, o de dentro: “Purificando-lhes pela fé o coração” (At 15.9). A fé faz do coração uma sacristia ou um santo dos santos. A fé é uma graça virgem que não foi corrompida, que embora não elimine o pecado, elimina o amor ao pecado. Examine seu coração para ver se é uma fonte suja, de onde sai a lama e a sujeira do orgulho e da inveja. Se houver legiões de luxúrias em sua alma, não há fé. A fé é uma planta celestial que não crescerá em um solo impuro. iii. A fé é um a graça obediente. “Para a obediência por fé” (Rm 16.26). A fé molda nossa vontade conforme a vontade de Deus. A fé re­ sponde ao chamado de Deus. Se Deus convoca à fé, mesmo que seja um sacrifício, a fé obedece: “Pela fé Abraão, quando chamado, obedeceu” (Hb 11.8). A fé não é uma graça imóvel que fica contemplando a Cristo o tempo todo, ela, com suas mãos, trabalha por ele. A fé não somente crê na promessa de Deus, mas obedece suas ordens. N ão som ente ter conhecim ento evidenciará que alguém é crente, o diabo tem conhecimento, mas lhe falta obediência e isso faz dele um demônio. A verdadeira obediência em fé é uma obediência alegre. As ordens de Deus não são pesadas. Você é obediente? Você obedece com alegria? Você olha para as ordens de Deus como um peso ou um privilégio? Você as vê como uma corrente de ferro em sua perna ou como uma corrente de ouro ao redor do seu pescoço? iv. A fé é um a graça assem elhadora. Ela muda a alma à imagem do objeto, fazendo-a semelhante a Cristo. Todos os que olharam para Cristo com um olhar de fé foram feitos à sua semelhança. Uma pessoa deformada pode olhar um objeto bonito e não se tomar bonita, mas quando se olha pela fé para Cristo, o homem é transformado e se toma à sua semelhança. Olhar para o Cristo ensangüentado faz o coração se sensibilizar, olhar para um Cristo santo causa santidade de coração. Olhar para um Cristo humilde faz a alma se humilhar. Assim como o camaleão muda sua cor dependendo do que olha, assim a fé, olhando para Cristo, muda o cristão à semelhança de Cristo. v. A verdadeira fé cresce. Todas as coisas vivas crescem: “De fé em fé” (Rm 1.17). 3. Como podemos avaliar o crescimento da fé? O crescimento da fé é julgado pela força. Podemos fazer agora o que não podíamos fazer antes? Quando alguém se toma adulto pode fazer coisas que não fazia quando era criança. Pode carregar um peso mais pesado, portanto pode suportar cruzes com mais paciência. O crescimento da fé é visto pelo maior favor em realizar as boas obras. Nós colocamos brasas no incensário e, conseqüentemente, aumenta a chama

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Vocação eficaz

do amor a Deus. Quando uma maçã cresceu totalmente, cresceu também na sua doçura. Assim, faça obras em amor e doçura resultando num melhor sabor. 4. Mas eu temo que não tenha fé. Devemos distinguir entre fraqueza de fé e não ter fé. A fraqueza de fé é um fato real. Uma planta ferida é fraca, mas como Cristo ela não quebra. Embora sua fé seja fraca, não desanime. i. Uma fé fraca pode receber um C risto forte. A mão fraca pode amarrar o nó em um casamento, tanto quanto a mão forte. Um olho fraco pôde ver a serpente de bronze. A mulher no evangelho tocou as vestes de Cristo e recebeu de sua virtude. Foi um toque de fé. ii. A prom essa não é feita p a ra um a fé forte, m as p a ra um a fé verdadeira. A promessa não diz que aquele que tiver uma fé gigante pode remover montanhas, ou aquele que fechar a boca de leões será salvo, mas diz que todo aquele que crê será salvo, embora tenha uma fé pequena. Ainda que C risto, às vezes, desaprove uma fé fraca, m esm o assim não a desencoraja, ele faz promessas (Mt 5.3). iii. Uma fé fra c a pode se r fru tífe ra . As coisas mais fracas se multiplicam muito. A vinha é uma planta fraca, mas é frutífera. Cristãos fracos podem ter afeições fortes. Quão forte é o primeiro amor, que vem logo após a primeira semeadura da fé. iv. Uma fé fraca pode ser crescente. Sementes brotam aos poucos. Primeiramente vem a pétala, depois o sabugo, depois os caroços de milho cobrem totalm ente o sabugo. Portanto, não fique desanim ado. Deus, aquele que nos recebe sabendo que temos uma fé fraca, não nos recusará (Rm 14.1). Um crente fraco é um membro de Cristo, e embora Cristo elimine membros podres de seu corpo, não elimina membros fracos. B.

V

o c a ç ã o f. f i c a z

“... e aos que chamou” (Rm 8.30). PERGUNTA 3 1 : 0 que é vocação eficaz?

RESPOSTA: E uma obra graciosa do Espírito que nos leva a abraçar Cristo livremente da maneira como nos é oferecido no evangelho. Nesse versículo se encontra a corrente dourada da salvação. A corrente é com posta de quatro elos, um deles é a vocação. “E aos que cham ou.” A vocação é “outra criação”, a primeira ressurreição. Há uma vocação dupla: 1. uma vocação externa e 2. uma vocação interna. 1. A vocação externa: é aquela que diz respeito à oferta da graça aos pecadores convidando-os a vir e aceitar Cristo e a salvação. “Muitos são chamados, mas poucos escolhidos” (Mt 20.16). Essa vocação mostra aos homens o que devem fazer para ser salvos e faz deles indesculpáveis no caso de desobediência.

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2. A vocação intema: Deus, com a oferta de graça, opera a graça. Por essa vocação, o coração é renovado e a vontade é eficazmente dirigida para se abraçar a Cristo. A vocação externa leva as pessoas para uma profissão de fé em Cristo, a intema para a posse de Cristo. a. Quais são os meios dessa vocação eficaz? Toda a criação tem uma voz que nos chama. Os céus nos chamam a contemplar a glória de Deus (SI 19.1). A nossa consciência também nos chama. O julgamento de Deus nos chama ao arrependimento. “Ouvi, ó tribos” (Mq 6.9). Porém, nem toda voz que nos chama nos leva à conversão. Há dois meios de nosso chamado ser eficaz: i. O cham ado é eficaz pela “ pregação da P ala v ra”. Esse é o soar da trombeta prateada de Deus aos ouvidos das pessoas. Deus não fala por um oráculo, ele chama por seus ministros. Samuel pensou ter ouvido a voz de Eli, mas era a voz de Deus (1 Sm 3.6). Talvez você pense que seja somente o ministro falando pela Palavra, no entanto é o próprio Deus que fala por meio dele. Por isso se diz que Cristo fala a nós do céu (Hb 12.25). Como ele fala se não pelos seus ministros? Um rei fala pelos seus embaixadores. Saiba que, em cada sermão pregado, Deus chama você. Recusar a mensagem que levamos é recusar o próprio Deus. ii. O cham ado é eficaz pela ação do Espírito Santo. O outro meio da nossa vocação ser eficaz é pelo Espírito Santo. O ministério da Palavra é o canal ou o instrumento, e quando o Espírito Santo sopra, mudanças ocorrem nos corações das pessoas. O Espírito vem com a chave e abre a porta: “Certa mulher, chamada Lídia... o Senhor lhe abriu o coração” (At 16.14). b. De onde Deus chama os homens? i. Ele os cham a p ara fora do pecado. Ele chama os homens para fora de sua ignorância e de sua descrença (lP e 1.14). Naturalmente, o entendimento humano está envolto em trevas. Deus chama os homens das trevas para a luz, como que se estivéssemos num calabouço e fôssemos chamados para ver a luz do Sol (E f 5.8). ii. Ele os ch am a p a ra longe do perigo. Assim como os anjos chamaram Ló para sair de Sodoma, quando estava prestes a chover fogo, Deus chama seu povo do fogo e da condenação do inferno e de todas aquelas maldições a que estavam expostos. iii. Ele os cham a p ara fora do m undo. Assim como Cristo chamou Mateus da coletoria de impostos: “Eles não são do mundo” (Jo 17.16). Aqueles que são divinamente chamados não são nativos do mundo, mas peregrinos. Eles não se conformam ao mundo nem seguem suas maneiras pecaminosas. Eles não são do mundo. Embora vivam aqui, seus negócios

Vocação eficaz

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são celestiais. O mundo é um lugar onde o trono de Satanás está (Ap 2.13). E um palco onde o pecado encena todos os dias. Os que são chamados estão no mundo, mas não são dele. c. Para o quê Deus chama os homens? i. Deus cham a os hom ens p a ra a santidade. “Porquanto Deus não nos chamou para a impureza, e sim para a santificação” (1 Ts 4.7). A santidade é o uniforme, ou a estrela prateada, que o crente usa. Eles são “santo povo” de Deus (Is 63.18). O chamado de Deus é ungido com o óleo consagrado do Espírito: “E vós possuis unção que vem do Santo” (U o 2.20). ii. Deus cham a os hom ens p a ra a glória. Como se uma pessoa fosse chamada para fora de uma prisão para se sentar em um trono. “Deus, que vos chama para o seu reino e glória” (1 Ts 2.12). Aqueles que Deus chama, coroa com um peso de glória (2Co 4.17). A palavra hebraica para glória, kabod, significa pondus em latim, um peso. O peso de glória aumenta o valor, quanto mais pesado for o ouro, de maior valor. Essa glória não é passageira, mas permanente, um peso eterno. É mais fácil experimentá-la do que expressá-la. d. Qual a causa da vocação eficaz? O amor eletivo de Deus. “ E aos que predestinou, a esses também chamou” (Rm 8.30). A eleição é a causa originária de nossa vocação. Ele não vocaciona alguns para esse chamado celestial porque são mais valorosos que outros, visto que estamos todos em nosso sangue (Ez 16.6). Que valor há em nós? Que valor havia em Maria Madalena, de quem foram expulsos sete demônios? Que valor havia nos coríntios quando Deus começou a chamá-los por seu evangelho? Eram fomicadores, efeminados, idólatras. “Tais fostes alguns de vós; mas vós vos lavastes” (IC o 6.11). Antes da vocação eficaz não éramos somente pessoas “ fracas” (Rm 5.6), mas “inimigos” de Deus (Cl 1.21). A base da vocação é a eleição. e. Quais são as qualificações dessa vocação?

i. A vocação eficaz é um cham ado poderoso. “As palavras de Deus são obras”, disse Lutero. Deus, ao chamar um pecador a si mesmo, exercita um infinito poder. Ele não somente se utiliza de sua voz, mas também de seu braço. O apóstolo fala da suprema grandeza de seu poder, que ele exercita para com aqueles que crêem (E f 1.19). Deus cavalga conquistando na carruagem de seu evangelho. Ele conquista o orgulhoso de coração. Ele muda a vontade, mesmo encastelada em uma muralha fortificada, de modo que ela ceda lugar e se submeta à sua graça. Ele faz o coração de pedra sangrar. Quão poderosa é essa vocação.

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Por que, então, os arminianos falam sobre uma persuasão moral, na qual Deus, ao converter um pecador, só persuade moralmente e nada mais? Seria o caso em que Deus apresentaria suas promessas aos homens para instigá-los ao bem, ao passo que suas ameaças servissem apenas para detêlos de fazer o mal, seria somente isso? As persuasões morais sozinhas não são suficientes para uma vocação eficaz. Como a proposição pura das promessas e das ameaças pode converter uma alma? Isto não acrescenta nada ao novo nascimento nem ao poder que ressuscitou Cristo da morte. Deus não somente persuade, mas também capacita (Ez 36.27). Se a conversão fosse somente persuadir moralmente, isto é, apresentar o bem e o mal diante dos homens, então Deus não usaria tanto poder para salvar os homens nem o diabo o usaria para destruí-los. Satanás não somente apresenta a tentação diante dos homens, mas coopera com suas tentações. Por isso, diz-se dele que “atua nos filhos da desobediência” (E f 2.2). “A palavra grega para atuar significa imperar”, disse Camerário.85 Esse é o poder que Satanás tem para levar homens ao pecado. Então, o poder de Deus na conversão não deveria ser mais que o de Satanás na sedução? A vocação eficaz é grande e poderosa. Deus atua com uma energia divina, ou melhor, com um tipo de onipotência. É uma vocação poderosa a tal ponto que a vontade do homem não tem poder suficiente para resistir. ii. A vocação eficaz é um cham ado superior. “Prossigo para o alvo para o prêmio da soberana vocação de Deus” (Fp 3.14). E um chamado superior, primeiramente porque somos chamados a exercícios superiores da vida cristã: ser crucificado para o mundo, viver pela fé, fazer trabalho de anjos, amar a Deus, ser membros vivos de seu louvor, manter comunhão com o Pai e com o Filho (U o 1.3). Além disso, é um chamado superior porque somos chamados a altos privilégios: adoção e justificação; para sermos reis e sacerdotes para com Deus. Somos chamados à comunhão dos anjos, para sermos co-herdeiros com Cristo (Hb 12.22; Rm 8.17). Os que são chamados são candidatos ao céu, são príncipes em todas as terras, embora príncipes disfarçados (SI 45.16). Por fim, é um chamado superior porque é um chamado imutável, “porque os dons e a vocação de Deus são irrevogáveis” (Rm 11.29), isto é, aqueles dons que fluem da eleição (como a vocação e a justificação) são irrevogáveis. Deus se arrependeu de ter chamado Saul para ser um rei, mas nunca se arrepende de chamar um pecador para ser um santo. A

p l ic a ç õ e s

Primeira aplicação: veja a necessidade de um chamado eficaz. Uma pessoa não pode entrar no céu sem ter esse chamado. Primeiramente, devemos ser chamados antes de ser glorificados (Rm 8.30). Uma pessoa

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que não foi chamada não pode alegar nada na Bíblia, além das ameaças. Uma pessoa no estado natural não é apropriada para o céu, assim como uma pessoa suja e vestida com trapos não está apropriada para entrar na presença de um rei. Uma pessoa em seu estado natural é alguém que odeia a Deus. Será apropriada para o céu? (Rm 1.30). Deus daria ao inimigo acesso à sua intimidade? Segunda aplicação: verificando se fomos eficazmente vocacionados. Podemos saber se fomos chamados por meio das coisas antecedentes ao chamado e pelos resultados do chamado. 1. Pelas coisas antecedentes. Antes de acontecer esse chamado eficaz, uma obra de humilhação acontece na alma. A pessoa é convencida do pecado, vê que é um pecador e nada mais que um pecador. O solo novo de seu coração é lavrado (Jr 4.3). Como o fazendeiro que sulca a terra e lança a semente, assim Deus, pela obra convincente da lei, quebra o coração do pecador e o prepara para receber as sementes da graça. Os que nunca foram convencidos, nunca foram chamados. “ Ele... convencerá o mundo do pecado” (Jo 16.8). O convencimento é o primeiro passo na conversão. 2. Pelos resultados, que são dois: Primeiro, quem é chamado de maneira salvadora responde ao chamado de Deus. Quando Deus chamou Samuel, ele respondeu: “Fala, porque o teu servo ouve” (IS m 3.10). Quando Deus lhe chama para um ato de adoração, você corre em resposta a seu chamado? “Não fui desobediente à visão celestial” (At 26.19). Quando Deus nos chama a nos posicionar contrariam ente ao sangue e à carne somos em tudo obedientes à sua voz. Uma obediência verdadeira é como uma agulha que aponta para a direção que a magnetita atrai. A queles que são surdos ao cham ado de Deus revelam que não são chamados pela graça. Segundo, além disso, aquele que é eficazmente chamado fecha seu ouvido para todos os outros chamados que podem tirá-lo da direção divina. Assim como Deus tem seu chamado, há também aqueles que chamam em contrário. Satanás chama pela tentação, pela luxúria e pelas companhias malignas. Mas, assim como a víbora deixa de ouvir a voz do encantador, assim todo o que é eficazmente chamado deixa de ouvir todos os encantos da carne e do maligno. Terceira aplicação: quanto ao consolo para os que são chamados por Deus. Este chamado evidencia a eleição. “E aos que predestinou, a esses também chamou” (Rm 8.30). A eleição é a causa de nossa vocação e a vocação é o sinal de nossa eleição. A eleição é o primeiro elo da corrente dourada da salvação, a vocação é o segundo. Quem tem o segundo elo da corrente tem certeza do primeiro. Assim como pela corrente de água somos conduzidos até a fonte, pelo coração chegamos à eleição. O chamado é a

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sinceridade e o compromisso da glória. “Deus vos escolheu desde o princípio para a salvação, pela santificação” (2Ts 2.13). Podemos ler a respeito do amor predestinador de Deus na obra da graça em nosso coração. Quarta aplicação', que aqueles que são chamados sejam agradecidos a Deus pela bênção indizível. Sejam agradecidos a todas as pessoas da Trindade, à misericórdia do Pai, aos méritos do Filho e à eficácia do Espírito. A fim de fazer de alguém agradecido é preciso considerar que, enquanto ofensor, Deus o chamou. Quando Deus não precisava de ninguém, tinha m ilhões de santos glorificados e de anjos para louvá-lo. Leve em consideração o que você era antes de ser chamado. Você estava em seus pecados. Quando Deus chamou Paulo, encontrou-o perseguindo. Quando Deus chamou Mateus, encontrou-o na coletoria; Quando chamou Zaqueu, encontrou-o perseguindo suas luxúrias, quando Saul foi chamado para ser rei, estava atrás de jumentos. Deus nos chamou quando estávamos mais envolvidos no pecado. Admire seu amor e exalte seus louvores. Digo novamente, Deus, ao passar por outros e chamar você, demonstrou muita misericórdia. “ Sim, ó Pai, porque assim foi do teu agrado” (M t 11.26). O fato de Deus deixar de lado pessoas sábias e nobres, pessoas de disposição mais doce, pessoas mais perceptíveis, de menos vícios e permitir que a porção da graça caia sobre alguém com o eu e com o você é uma impressionante demonstração de amor. Para Samuel foi um grande favor o fato de Deus chamá-lo e se revelar a ele deixando Eli, que fora sacerdote e juiz em Israel (1 Sm 3.6). Da mesma maneira, Deus chamar você, um pecador infame, e deixar de lado outros de melhor condição social e moral mais elevada exige altos louvores. Como Deus governa as nuvens fazendo chover em um lugar e não em outro, da mesma maneira, em um sermão, abre o coração de um enquanto outro é tão sensibilizado por ele quanto um homem surdo pelo som da música. Nesse chamado eletivo de Deus, a bandeira de sua graça está exibida e os troféus de seu louvor erigidos. Elias e Eliseu estavam andando juntos, de repente apareceu uma carruagem de fogo e levou Elias para o céu, mas Eliseu foi deixado. A graça se demonstrará infinita quando dois estiverem andando juntos - esposo e esposa, pai e filho - e Deus chamar um pela sua graça e deixar o outro, levar um em uma carruagem triunfante para o céu, mas deixar o outro perecendo eternamente. Aqueles que são chamados pelo amor eletivo de Deus deveriam ficar muito impressionados. Deveriam transbordar de alegria por serem os vasos de misericórdia. Deveriam se levantar no Monte Gerizim louvando e exaltando a Deus. Então, comecem o trabalho do céu aqui. Aqueles que são padrões de misericórdia deveriam ser anunciadores do louvor. Assim, Paulo, quando chamado por Deus, e vendo quão devedor era em relação à graça, ficou muito admirado e agradecido (lT m 1.12).

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Quinta aplicação: uma palavra aos chamados. Andem de modo digno do grande chamado: “Rogo-vos, pois, eu, o prisioneiro no Senhor, que andeis de modo digno da vocação a que fostes chamados” (Ef 4.1) em dois aspectos. 1. Ande cheio de compaixão. Tenha misericórdia daqueles que ainda não foram chamados. Você tem um filho, sua esposa, seus servos que Deus ainda não chamou? Chore por suas almas mortas. Estão em seu próprio sangue, “sob o poder de Satanás”. Sim, tenha bastante misericórdia deles. Que os pecados deles o incomodem mais que os próprios sofrimentos pessoais. Se você tem dó de um boi ou de um jumento que se perde, não deveria ter misericórdia de uma alma que se desvia? Mostre sua piedade por meio de sua misericórdia. 2. Ande de maneira santa. Vocês têm um santo chamado (2Tm 1.9), somos chamados para ser santos (Rm 1.7). Mostrem sua vocação pelas conversas embasadas na Palavra. As flores não são mais cheirosas que as ervas daninhas? Aqueles que são enobrecidos com a graça não deveriam ter uma fragrância maior que aqueles que são pecadores? “Segundo é santo aquele que vos chamou, tomai-vos santos também vós mesmos em todo o vosso procedimento” (lP e 1.15). Não desonre seu elevado chamado por qualquer maneira repugnante. Quando Antígono86 estava a caminho para se contaminar com mulheres, alguém lhe disse: “você é filho de rei” . Lembre-se também de sua dignidade: “Você é chamado por Deus, da linhagem real do céu” . Não faça coisas indignas de um chamado honrável. Cipião Africano87 recusou um abraço de uma prostituta porque era o general de um exército. Odeie todos os movimentos do pecado por causa do elevado chamado. Não é apropriado para os vocacionados de Deus fazer como os outros. Embora alguns dos judeus bebessem vinho, tal liberdade não era apropriada para os nazireus que tinham um voto de santidade e haviam prometido abstinência. Ainda que os pagãos e os cristãos nominais tomem liberdade no pecado, não é apropriado para aqueles que foram chamados para fora do mundo, e cuja marca da eleição está sobre eles. Vocês são pessoas consagradas, seus corpos são o templo do Espírito Santo. Seus corpos deveriam ser uma sacristia ou o Santo dos santos. C. J

u s t if ic a ç ã o

“Sendo justificados gratuitamente, por sua graça” (Rm 3.24). PERGUNTA 33: O que é justificação? RESPOSTA: É um ato da livre graça de Deus em que ele perdoa todos os nossos pecados e nos aceita como justos em sua presença, mas apenas por meio da retidão de Cristo imputada a nós e recebida somente pela fé.

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Justificação é a própria estrutura e o pilar do cristianismo. Um erro sobre a justificação é algo perigoso, como um defeito em uma fundação. A justificação dada por Cristo é a fonte da água da vida. Ter veneno doutrinário vazando nessa fonte é algo terrível. Lutero disse o seguinte: “Após sua morte, a doutrina da justificação seria corrompida” . Nestes últimos dias, os arminianos e socinianos lançaram uma mosca morta na embalagem desse precioso óleo. Eu vou me aplicar em seguir a estrela das Escrituras para esclarecer essa doutrina misteriosa. 1. Definição de justificação a. O que quer dizer justificação? E uma palavra emprestada dos tribunais. Refere-se a uma pessoa acusada que é declarada justa e publicamente absolvida. Quando Deus justifica uma pessoa, declara a pessoa justa e olha para ela como se não tivesse pecado. b. Qual a fonte da justificação? A causa, ou o motivo interior que a estimula ou a base da justificação é a livre graça de Deus: “Sendo justificados livremente por sua graça” . Ambrósio, expondo sobre a justificação, diz que ela não é “da graça produzida internamente por nós, mas da livre graça de Deus”. A primeira engrenagem que põe todo o restante em funcionamento é o amor e o favor de Deus, assim como um rei livremente perdoa um delinqüente. A justificação é uma misericórdia provinda das entranhas da livre graça. Deus não nos justifica porque temos valor, mas ao nos justificar nos faz de grande valor. c. Qual é o fundam ento pelo qual o pecador é justificado? O fundam ento de nossa ju stificação é a satisfação que Cristo proporciona às exigências de Deus Pai. Pode-se perguntar: “Como se relacionam a justiça e a santidade de Deus quando ele nos declara inocentes visto que somos culpados?” A resposta é: “Quando Cristo satisfez nossas faltas, Deus pôde, em eqüidade e em justiça, declarar-nos justos”. É uma coisa justa um credor perdoar alguém que deve uma grande quantia quando ela é paga por um fiador. d. A satisfação obtida por Cristo tem mérito suficiente para justificar? Sim, plenamente na natureza divina de Cristo. Como homem, Cristo sofreu, como Deus, satisfez. Pela morte e pelos méritos de Cristo, a justiça de Deus foi mais abundantemente satisfeita do que se tivéssemos sofrido as dores do inferno para sempre.

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e. Qual é o método de nossa justificação? Pela imputação da justiça de Cristo em nós: “Será este o seu nome, com que será chamado: S enhor , Justiça Nossa” (Jr 23.6). “Mas vós sois dele, em Cristo Jesus, o qual se nos tomou, da parte de Deus, sabedoria, e justiça” (IC o 1.30). Essa justiça de Cristo, que nos justifica, é melhor que a dos anjos, pois ajustiça deles é das criaturas e essa é de Deus. f. Qual é o meio ou instrumento de nossa justificação? O instrumento é a fé. “Justificados... mediante a fé” (Rm 5.1). A dignidade não está na fé como uma graça, mas de modo relativo, ao passo que se apega aos méritos de Cristo. g. Qual é a causa eficiente de nossa justificação? Toda a Trindade, visto que todas as pessoas da bendita Trindade participam da justificação de um pecador: Deus, o Pai, justifica: “E Deus quem os justifica” (Rm 8.33). Deus, o Filho, justifica: “E, por meio dele, todo o que crê é justificado” (At 13.39). Deus, o Santo Espírito, justifica: “Mas fostes justificados em o nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus” (IC o 6.11). Deus, o Pai, justifica ao nos declarar retos; Deus, o Filho, justifica ao impor sobre nós sua justiça; e Deus, o Espírito Santo, justifica ao clarificar nossa justificação e nos selar até o dia da redenção. h. Qual é o propósito de nossa justificação?

i. A glorificação etern a de Deus A finalidade é que Deus herde louvores: “Para louvor da glória de sua graça” (E f 1.6). Pela justificação, Deus levanta os etemos troféus de sua própria honra. Quanto o pecador justificado proclamará o amor de Deus e levará os céus a ressoarem com os louvores ao nome do Senhor. ii. A glorificação etern a do justificado. O fim de nossa justificação é que a pessoa justificada herde a glória. “Aos que chamou, a esses também justificou” (Rm 8.30). Deus, quando justifica, não somente absolve a alma culpada, mas dignifica. Como José, que não foi somente solto da prisão, mas feito senhor do reino, a justi ficação é coroada com a glorificação. i. Nós somos justificados desde a eternidade? i. A sen ten ça de con d en ação . Não somos justificados desde a eternidade, pois por natureza estam os debaixo de uma sentença de condenação (Jo 3.18). Nunca poderíamos ter sido condenados, se fôssemos justificados desde a eternidade. ii. A restrição da justificação. A Escritura restringe a justificação àqueles que crêem e se arrependem: “Arrependei-vos, pois, e convertei-vos para serem

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cancelados os vossos pecados” (At 3.19). Portanto, seus pecados não fo­ ram cancelados e suas pessoas não foram ju stific a d a s até que se arrependessem . Em bora Deus não nos justifique por causa de nosso arrependimento, também não o faz sem ele. Os antinominianos defendem erroneamente que somos justificados desde a eternidade. Essa doutrina é uma chave que abre a porta para toda licenciosidade; pois quais pecados eles evitam com eter, desde que defendem estar justificados quer se arrependam ou não? 2. Características da justificação Antes de chegar às aplicações, vou apresentar quatro máximas ou posições sobre a justificação. a. A justificação confere um beneficio real à pessoa justificada A absolvição e a anulação da dívida pela virtude da satisfação feita pelo redentor são um benefício real conferido ao devedor. A veste de justiça e a coroa de justiça são benefícios reais. b. Todos os crentes são justificados da mesma maneira A justificação não se aplica mais a alguns do que a outros. Embora haja graus na graça, não é assim na justificação. Ninguém é mais justificado que outro. O mais fraco dos crentes é totalmente justificado, assim como o mais forte. Maria Madalena foi tão justificada quanto Maria, mãe de Jesus. Isso pode ser algo estimulante para um crente fraco. Ainda que alguém tenha somente um pouquinho de fé, é verdadeiramente justificado conforme aquele que tem alta estatura na fé em Cristo. c. A quem Deus justifica, ele também santifica “ Mas fostes santificados, mas fostes ju stific a d o s” (IC o 6.11). Os papistas caluniam os protestantes dizendo afirmarem que homens que continuam no pecado são homens justificados. No entanto, todos os escritores protestantes afirmam que a justiça imputada para justificação e a justiça inerente para a santificação devem estar inseparavelmente unidas. A santidade, de fato, não é a causa de nossa santificação, mas é acessória. Com o o calo r do Sol não é a cau sa de sua luz, m as é um acessó rio . E absurdo imaginar que Deus justificaria uma pessoa e que ela ainda permaneceria no pecado, se Deus justificasse uma pessoa e não a santificasse, justificaria um povo que não poderia ser glorificado. Um Deus santo não pode receber um pecador em sua comunhão. O metal é primeiramente refinado e, depois, o selo do rei é colocado sobre ele. A alma é primeiramente refinada com a santidade e, depois, Deus coloca seu selo real de sua justificação sobre ela.

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d. A justificação é permanentemente fixa, nunca pode ser perdida Os arminianos defendem uma apostasia da justificação. Hoje são justificados, amanhã não são. Hoje você é um Pedro, amanhã um Judas. Hoje é um membro de Cristo, amanhã um pedaço de Satanás. Essa é uma doutrina muito desconfortável. Pessoas justificadas podem cair de degraus da graça, podem abandonar o primeiro amor, perdem o favor de Deus por um tempo, mas não perdem sua justificação. Se eles são justificados, são eleitos e nunca mais cairão de sua justificação, assim como de sua eleição. Se eles são justificados, têm união com Cristo. Pode um membro de Cristo ficar separado? Se uma pessoa justificada puder cair de Cristo, todos podem; e então Cristo seria uma cabeça sem um corpo. A

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Primeira aplicação: veja, portanto, que não há nada em nós que possa nos justificar, mas somente algo externo a nós. Não há qualquer retidão inerente, mas completamente imputada. Podemos procurar por uma estrela na terra, assim como podemos procurar por justificação em nossa própria retidão. Os papistas dizem que somos justificados pelas obras, mas o apóstolo contradiz isso, dizendo: “Não de obras, para que ninguém se glorie” (Ef 2.9). Os papistas dizem: “As obras feitas por um homem não regenerado de fato não podem justificá-lo, mas obras feitas por um homem regenerado podem justificá-lo” . Isso é falso e pode ser provado tanto por um exemplo quanto pela razão. 1. Pelo exemplo: Abraão era um homem regenerado, mas não era justificado pelas obras, mas pela fé. Abraão “creu em Deus, e isso lhe foi imputado para justiça” (Rm 4.3). 2. Pela razão: como as obras podem nos justificar, visto que nos contaminam? “Todas as nossas justiças, como trapo da imundícia” (Is 64.6). Boas obras não são como um guia que precede a justificação, mas um servo que a segue. Mas o apóstolo Tiago não diz que Abraão fo i justificado pelas obras? A resposta é fácil. As obras declaram que somos retos diante dos homens, mas não fazem o mesmo diante de Deus. As obras são evidências de nossa justificação, não a causa. O único termo gravado sobre a bandeja dourada de Cristo, nosso sumo sacerdote, deve ser: O S enhor é nossa justiça . Segunda aplicação: quanto à exortação. 1. Adore a sabedoria e a bondade infinitas de Deus, o qual encontrou um caminho para nos justificar “pela graça rica e pelo sangue precioso”. Nós estávamos totalmente envolvidos na culpa, nenhum de nós poderia afirmar não sou culpado. Sendo culpados, estávamos sob a sentença de morte.

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Contudo, o próprio juiz encontrou um caminho pelo qual nos justificaria e o próprio credor criou uma maneira de a dívida ser paga sem afligir o devedor, isso deveria nos encher de espanto e de amor. Os anjos admiram o mistério da graça apresentado por essa nova maneira de justificar e de salvar o homem perdido (1 Pe 1.12). Não deveríamos nos admirar, nós que somos os maiores interessados nisso, e a quem os benefícios são devolvidos? Não deveríamos clamar com o apóstolo: “Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus!” 2. Lute por esse alto privilégio que é a justificação. Há um bálsamo em Gileade, Cristo derramou seu sangue como o preço de nossa justificação e ofereceu a si mesmo e todos os seus méritos para nós, para nos justificar. Ele nos convida para ir até ele. Ele prometeu dar seu Espírito, capacitandonos a fazer o que nos é requerido. Por que, então, os pecadores não buscam esse grande privilégio da justificação? Por que morrem de fome no meio da abundância? Por que perecem quando há um remédio para salvar? Não podemos pensar que esteja tão distraído aquele a quem é oferecido o perdão (e isso apenas por reconhecer a sua falta) e a promessa de restauração, a ponto de sugerir ao príncipe que guarde o perdão para si mesmo. Essa pessoa, agindo desse modo, mostrando seu amor às suas cadeias e ao cativeiro, não deveria morrer? Quem negligencia a justificação oferecida livremente por Cristo no evangelho é uma pessoa obcecada. O amor de Cristo é insignificante? Claro que não! A sua alma e o céu não valem nada? Claro que valem! Olhe para a justificação pelo sangue de Cristo. Leve em consideração a necessidade de ser justificado. Se não somos justificados, não somos glorificados. “Aos que justificou, a esses também glorificou” (Rm 8.30). Aquele que age ilegalmente e tem todas as suas mercadorias confiscadas deve ser trazido diante do príncipe e ser favorecido por ele antes que sejam restaurados os seus direitos e a sua liberdade. Assim, devemos ter nossos pecados perdoados e ser levados diante do favor de Deus pela justificação, antes de sermos restaurados à liberdade de filhos de Deus e ter direito à felicidade que foi perdida em Adão. Leve em consideração a utilidade e o benefício da justificação. Pela justificação nós apreciamos paz em nossa consciência, uma jóia muito rica que qualquer príncipe usa em sua coroa. “Justificados, pois, mediante a fé temos paz com Deus” (Rm 5.1). A paz pode suavizar todas as nossas aflições e transformar nosso fel em vinho. Quão feliz é uma pessoa justificada que tem o poder de Deus para guardá-la e a paz de Deus para confortá-la. A paz fluindo da justificação é um antídoto contra o medo da morte e do inferno. “É Deus quem os justifica. Quem os condenará?” (Rm 8.33,34). Portanto, trabalhe por essa justificação dada por Cristo. Esse privilégio é obtido pela fé em Cristo. “E, por meio dele, todo o que crê é justificado de

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todas as coisas” (At 13.39). “A quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação, mediante a fé” (Rm 3.25). A fé nos une a Cristo e, unidos à pessoa dele, compartilhamos seus méritos e a gloriosa salvação que vem dele. Terceira aplicação: consolo ao justificado. 1. É um consolo no caso de fraquezas. Quão imperfeitos são os crentes. Eles são falhos em toda obra, mas embora devam se humilhar diante de suas imperfeições, não devem perder a esperança. Eles não são justificados por suas obras, mas pela retidão de Cristo. Suas obras são misturadas com o pecado, mas ajustiça que os justifica é perfeita. 2. Consolo em caso de duras críticas. O mundo critica o povo de Deus como se fossem orgulhosos e hipócritas - os problemáticos de Israel, mas embora os homens censurem e condenem os crentes, Deus os justificou. E, porque já os justificou, assim também no dia do julgamento os justificará publicamente e os declarará justos diante dos homens e dos anjos. Deus é tão justo e tão santo juiz que, tendo justificado uma vez seu povo, nunca os condenará. Pilatos justificou Cristo, dizendo: “Não encontro culpa nele”, mas depois disso o condenou. Porém, Deus, ao justificar publicamente seus santos, nunca os condenará, pois “aos que justificou, também glorificou”. D.

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“Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que crêem no seu nome” (Jo 1.12). Depois de falar dos grandes aspectos da fé e da justificação, chegamos à doutrina da adoção. A qualificação das pessoas adotadas é feita assim: “A todos quantos o receberam” . Receber quer dizer crer, como está claro pelas últimas palavras: “Aos que crêem em seu nom e” . A especificação do privilégio é: “Deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus” . A palavra grega para poder, exousia, significa dignidade e prerrogativa. Ele os dignificou ao torná-los filhos de Deus. A nossa filiação difere da de Cristo. Ele é o Filho de Deus pela geração eterna, o filho desde a eternidade. Por outro lado, a nossa filiação é pela criação e pela adoção. Pela criação “ Porque dele também somos geração” (At 17.28). Isso não é um privilégio, pois os homens podem ter Deus por seu Pai pela criação e ainda assim ter Satanás por pai pelo pecado. Nossa filiação também é por adoção: “ Deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus” . A adoção tem dois aspectos. Um aspecto externo e corporativo: aqueles que vivem em uma igreja visível e fazem uma profissão de fé a Deus são seus filhos. “Ao passo que os filhos do reino serão lançados para fora” (Mt 8.12).

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Outro, o aspecto real e gracioso, os favoritos de Deus são os seus filhos, herdeiros da glória. a. Particularidades sobre a adoção Antes de ir para as perguntas, gostaria de apresentar três posições acerca da adoção: i. A adoção inclui todas as nações A primeira adoção foi direcionada ao povo judeu, que sozinho foi transplantado na oliveira verdadeira e foi dignificado com privilégios gloriosos. “São israelitas. Pertence-lhes a adoção e também a glória” (Rm 9.4). Mas, agora, na época do evangelho, o pacto é ampliado e os gentios crentes pertencem à mesma linha de comunicação e têm direito aos privilégios de adoção assim como os judeus. “Pelo contrário, em qualquer nação, aquele que o teme e faz o que é justo lhe é aceitável” (At 10.35). ii. A adoção inclui am bos os sexos, fem inino e masculino “Serei vosso pai, e vós sereis para mim filhos e filhas” (2Co 6.18). Li que em alguns países, as mulheres são excluídas da suprema dignidade, como a lei sálica88 na França, em que nenhuma mulher pode herdar uma coroa. Mas, quanto aos privilégios espirituais, as mulheres são como os homens. Todas as almas, de ambos os sexos, têm direito à adoção e buscam a Deus como a um pai. “Serei vosso Pai, e vós sereis para mim filhos e filhas, diz o Senhor Todo-poderoso.” iii. A adoção é um ato da p u ra graça “Nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade” (E f 1.5). A adoção é uma misericórdia proveniente das entranhas da graça. Todos, por natureza, são estranhos, portanto não têm direito à filiação. Deus se agrada de adotar um e não o u tro , fazer de um vaso de g ló ria e de o u tro vaso de ira. O h erd eiro adotado pode gritar: “ Senhor, como é que te revelastes a mim e não ao mundo?” b. O que é essa filiação ou adoção? E trazer uma pessoa estranha ao relacionamento de filho e de herdeiro, como Moisés foi adotado como filho da filha de faraó (Êx 2.10) e Ester foi adotada como filha de seu primo Mordecai (Et 2.7). Assim, Deus nos adota na família do céu e ao nos adotar faz duas coisas: i. Deus nos enobrece com seu nome. Aquele que é adotado carrega o nome de quem o adota. “Gravarei também sobre ele o nome do meu Deus” (Ap 3.12). ii. Deus nos consagra com seu Espírito. Aquele que Deus adota, ele também unge. Aquele que ele faz filho, faz santo. Quando um homem adota

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uma criança por seu filho e seu herdeiro, pode colocar seu nome naquela criança, mas não pode colocar sua disposição nela. Se a criança for de uma natureza rústica e morosa, o pai não pode alterá-la, mas aquele que Deus adota, também santifica. Deus não somente dá um novo nome, mas uma nova natureza (2Pe 1.4). Ele transforma o lobo em um cordeiro, faz o coração humilde e gracioso, opera tal mudança como se outra alma fosse colocada no mesmo corpo. c. De quaI estado Deus nos toma quando nos adota? Ele nos alcança de um estado de pecado e de miséria. A filha do faraó pegou Moisés do cesto que estava flutuando na água e o adotou como seu filho. Deus não nos tomou da água, mas envoltos em nosso próprio sangue e nos adotou (Ez 16.6). Ele nos adotou da escravidão: é uma misericórdia redimir um escravo, mais ainda adotá-lo. d. Para o quê Deus nos adota? i. Deus nos adota p a ra um estado de excelência. Foi uma operação grandiosa de Deus tomar um pouco de pó e fazer uma estrela; algo maior ainda é pegar um pedaço de barro coberto pelo pecado e adotá-lo como seu herdeiro. ii. Deus nos adota p ara um estado de liberdade. A adoção é um estado de liberdade, quando um escravo é adotado é feito um homem livre. “De sorte que já não és escravo, porém filho” (G1 4.7). Em que sentido um filho adotivo de Deus é livre? Ele não é livre para fazer o que quiser, mas livre do domínio do pecado, da tirania de Satanás e da maldição da lei. Ele é livre no modo de adoração. Ele tem o Espírito de liberdade da parte de Deus, que faz dele livre e alegre no serviço de Deus, ele é alegre “na minha Casa de Oração” (Is 56.7). iii. Deus nos ad o ta p a ra um estado de dignidade. Ele nos faz herdeiros da promessa e nos coloca numa posição de honra. “Visto que foste precioso aos meus olhos, digno de honra” (Is 43.4). O adotado é um tesouro de Deus (Ex 19.5); sua jóia (Ml 3.17); seu primogênito (Hb 12.23). Os adotados têm anjos como protetores (Hb 1.14). Eles são de sangue real do céu (1 Jo 3.9). As Escrituras apresentam a armadura espiritual deles: têm um brasão ou um escudo, às vezes, um leão para encorajar (Pv 28.1). As vezes, a pomba que simboliza a mansidão (Ct 2.14), às vezes, a águia que simboliza o vôo (Is 40.31). Por esses símbolos, percebemos o escudo da dignidade dado aos adotados. iv. Deus nos adota p ara sermos sua herança. O que é a honra sem herança? “Vosso Pai se agradou em dar-vos o seu reino” (Lc 12.32). Ser filho de Deus não é algo desprezível. Reprovar os santos é o mesmo que aconteceu

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com Simei quando reprovou Davi que estava se tornando rei. A adoção culmina em coroação. O reino que Deus dá a seus filhos adotivos e herdeiros excede todas as monarquias terrenas, veja em quê: Primeiro, excede nas riquezas: “As doze portas são doze pérolas, e cada uma dessas portas, de uma só pérola. A praça da cidade é de ouro puro, como vidro transparente” (Ap 21.21). Segundo, excede na tranqüilidade. E pacífico, a margarida branca da paz é a melhor flor na coroa do príncipe. A paz é melhor que inúmeros triunfos. Nenhuma briga em casa, ou invasão do estrangeiro, barulho de tambores ou canhões, mas o som de harpas tocando (Ap 14.2). Terceiro, excede na estabilidade. Outros reinos são corruptos, embora tenham cabeça de ouro, têm pé de barro. Porém, o reino em que os santos são adotados segue paralelamente com a eternidade. E um reino que não pode ser abalado (Hb 12.28). Os herdeiros do céu reinam para sempre (Ap 22.5). e. Qual é a causa orgânica ou instrumental da adoção? A fé nos envolve no privilégio da adoção: “Pois todos vós sois filhos de Deus mediante a fé em Cristo Jesus” (G13.26). Antes de a fé ser operada, somos espiritualm ente ilegítim os, Deus não se envolve conosco na qualidade de filhos de sua graça. O não-crente pode cham ar Deus de juiz, mas não de pai. A fé é a graça filiadora, confere a nós o título de filhos e nos dá o direito à herança. f. Por que a f é é instrumento de adoção acima de outra graça? A fé é uma graça saciadora, é a artéria vital da alma: “O justo viverá pela sua fé” (Hc 2.4). A vida nos faz aptos para a adoção, crianças mortas nunca são adotadas. Faz de nós irmãos de Cristo, logo, Deus vem a ser nosso Pai. A

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Primeira aplicação: 1. Veja o maravilhoso amor de Deus em nos fazer seus filhos. Platão deu graças a Deus que o fez um homem, e não só isso, mas que o fez um filósofo. Porém, infinitamente maior é o fato de Deus nos investir com a prerrogativa de filhos. O amor de Deus nos alimenta, mas vai além para nos adotar: “Vede que grande amor lhes tem concedido o Pai, a ponto de sermos chamados filhos de Deus!” (1 Jo 3.1). É uma contemplação maravilhosa. A maravilha do amor de Deus em nos adotar aparecerá ainda mais se considerarmos estas seis coisas: i. Deus nos adotou quando tinha seu p ró p rio Filho. Os homens adotam porque querem crianças e desejam ter alguém que leve seu nome,

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mas Deus nos adotou quando tinha seu próprio Filho, o Senhor Jesus. É um amor maravilhoso. Cristo é chamado “Filho do seu amor” (Cl 1.13). Seu Filho é mais digno que os anjos: “Tendo se tomado tão superior aos anjos quanto herdou mais excelente nome do que eles” (Hb 1.4). Mesmo Deus tendo seu próprio Filho, o qual lhe era mais do que suficiente, nos adotou e que maravilhoso amor em nos adotar. Nós precisávamos de um Pai, mas ele não precisava de filhos. ii. Pense no que éramos antes de Deus nos adotar. Éramos muito deformados. Um homem dificilmente adotará como seu herdeiro aquele que é problemático ou imoral, antes adotará aquele que tem índole. Mordecai adotou Ester porque ela era bela. Quando estávamos em nosso sangue, Deus nos adotou. “Passando eu por junto de ti, vi-te a revolver-te no teu sangue... era tempo de amores” (Ez 16.6,8). Deus não nos adotou quando estávamos cobertos com jóias de santidade e tínhamos a glória dos anjos sobre nós, mas quando éramos tingidos como o carvão e enfermos como os leprosos, então foi que ele nos amou. iii. Deus pagou um alto preço para nos adotar. Quando os homens adotam, eles fazem somente um acordo e tudo é efetivado, mas quando Deus adota, ele investe muito alto, ele trabalhou com sua sabedoria descobrindo uma maneira de nos adotar. Não foi coisa fácil fazer herdeiros da ira se transformarem em herdeiros da promessa. Quando Deus descobriu uma maneira de nos adotar, não foi algo fácil. Nossa adoção foi comprada por um alto preço, pois quando Deus estava prestes a nos fazer filhos e herdeiros, não poderia selar o acordo a não ser pelo sangue de seu próprio Filho. Aqui está a maravilha do amor de Deus em nos adotar, ele investiu tudo isso para realizar a adoção. iv. Deus adota aqueles que por natureza são seus inimigos. Se um homem adota alguém como seu herdeiro, não adotará seu inimigo mortal. Mas Deus nos adotou não somente quando éramos estranhos, mas inimigos. Isso é a maravilha de seu amor. Deus perdoar seus inimigos seria muito, mas adotá-los como seus herdeiros deixa os anjos do céu maravilhados. v. Deus tomou um grande número daqueles que eram da família do diabo e os adotou na família do céu. É dito de Cristo que trouxe muitos filhos para a glória (Hb 2.10). Os homens geralmente adotam um herdeiro, mas Deus resolveu aumentar sua família, ele conduziu muitos filhos à glória. A adoção por parte de Deus de milhões de pessoas é a maravilha de seu amor. Se somente um fosse adotado, todos nós nos desesperaríamos, mas ele conduz muitos filhos à glória, o que abre uma porta à esperança. vi. Deus nos conferiu grande honra ao nos adotar. Davi entendeu que era uma grande coisa ser o genro de um rei (ISm 18.18). Mas, que honra é sermos filhos do grande Deus. Muito mais honra Deus colocou

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sobre nós ao nos adotar, muito mais magnificou seu amor para conosco. Que honra Deus nos colocar tão perto dele na aliança, filhos de Deus, o Pai, membros de Deus, o Filho, templos de Deus, o Santo Espírito. Ele nos fez como os anjos (Mt 22.30), na verdade, de alguma maneira, superiores a anjos. Tudo isso proclama a maravilha do amor de Deus em nos adotar. 2. Veja a triste condição daqueles que vivem e morrem na descrença. Eles não são filhos de Deus: “Todos quantos o receberam deu-lhes o poder de serem feitos filhos de D eus, a saber os que crêem no seu nom e” . A ausência de fé é igual à ausência de filiação. Os descrentes não têm sinal de filiação, não conhecem a Deus. Todos os filhos de Deus conhecem o seu Pai, mas o ímpio não o conhece: “Avançam de malícia em malícia e não me conhecem, diz o S enhor ” (Jr 9.3). Os descrentes estão mortos nos delitos e pecados (Ef 2.1). Deus não tem filhos mortos. Quem não é filho não tem direito à herança. Segunda aplicação: verifique se você é adotado. Todo o mundo está dividido em dois grupos, os filhos de Deus e os herdeiros do inferno: “Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus” (Jo 1.12). Coloquemo-nos em teste. Uma das coisas que não caracterizam que somos filhos adotados é o fato de sermos filhos de pais crentes. Os judeus se orgulhavam de ser da semente de Abraão e pensavam ser bons porque vieram de tal linhagem santa. Mas a adoção não vem pelo sangue. Muitos pais crentes têm filhos ímpios. Abraão teve Ismael. Isaque teve Esaú. A boa semente de milho semeada produz grãos ressecados, da mesma maneira aquele que é santo pode ter filhos que não são santos. Como disse Jerônimo: “não somos nascidos filhos” . Não somos filhos de Deus pelo fato de sermos nascidos de pais crentes, mas pela adoção e pela graça. Então, vamos verificar se somos filhos adotivos de Deus. 1. O primeiro sinal da adoção é a obediência. Um filho obedece a seu pai: “E pus diante dos filhos da casa dos recabitas taças cheias de vinho e copos e lhes disse: Bebei vinho. Mas eles disseram: não beberemos vinho” (Jr 35.5,6). Então, quando Deus diz para não beber no copo encantado do pecado, um filho adotado diz: “Meu Pai celestial me ordenou e eu não beberei”. Uma alma graciosa não somente crê na promessa de Deus, mas obedece a seus mandamentos. A obediência de um filho verdadeiro deve ser regular, o que implica cinco coisas: i. A obediência v erd ad eira deve seguir a regra correta. Obediência deve ter como regra a Palavra, pois este é o fundamento: “A lei e ao testemunho!” (Is 8.20). Se nossa obediência não estiver de acordo com a Palavra, será uma oferta de fogo estranho, nos adoraremos e Deus nos dirá: “Quem requereu isto das tuas mãos?” O apóstolo condena a adoração

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prestada humildemente a anjos (Cl 2.18) e os judeus se diziam relutantes em ir a Deus diretamente, pois seria mais humilde se prostrar diante dos anjos, desejando que fossem mediadores para com Deus. Nesses dois exemplos, temos uma demonstração de humildade na adoração a anjos, entretanto era algo abominável porque não havia a Palavra de Deus validando tal ato. Não era uma obediência, mas uma idolatria. A obediência de filhos é aquela que condiz com a vontade revelada do Pai. ii. A obediência verdadeira deve ser iniciada pelo princípio correto, que é o princípio nobre da fé: “Para a obediência por fé” (Rm 16.26). “Todas as obras aceitáveis procedem da fé”, disse Agostinho. Uma macieira brava pode dar frutas agradáveis aos olhos, mas são amargas porque provêm de uma raiz que não é boa. Uma pessoa de boa conduta pode obedecer externamente a Deus, o que aos olhos dos outros pode parecer glorioso, mas sua obediência é amarga, porque não provém da raiz doce e agradável da fé. O filho de Deus lhe obedece pela fé e, com isso aprimorando seu serviço, toma-se agradável, além de muito mais aprazível. “Pela fé, Abel ofereceu a Deus mais excelente sacrifício do que Caim” (Hb 11.4). iii. A obediência verdadeira deve ser para fin alid ade correta. A finalidade determina o valor da obra. A finalidade da obediência é a glorificação de Deus. O que tem estragado muitos dos serviços gloriosos é o fato de que a finalidade estava equivocada. “Quando, pois, deres esmola, não toques trombetas diante de ti, como fazem os hipócritas, nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens” (Mt 6.2). As boas obras deveriam brilhar, não queimar. “E ainda que eu distribua todos os meus bens entre os pobres e ainda que entregue o meu próprio corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me aproveitará” (1 Co 13.3). Devo dizer o mesmo quanto a um objetivo sincero. Se nem sempre eu obedeço e não tenho um objetivo sincero, de nada me aproveitará. A obediência verdadeira contempla Deus em todas as coisas: “Será Cristo engrandecido” (Fp 1.20). Embora um filho de Deus erre o alvo, mesmo assim está olhando para o alvo certo. iv. A obediência verdadeira deve ser uniforme. Um filho de Deus tem consciência de um mandamento, assim como de outro. Todas as coisas feitas para Deus devem ser feitas com o mesmo zelo. Todos os mandamentos de Deus têm o mesmo selo da autoridade divina sobre eles. Se eu obedeço a um preceito porque meu Pai celestial me mandou, pela mesma razão devo obedecer todos os outros. Assim como o sangue corre por todas as veias do corpo e o sol no firmamento percorre todos os signos do zodíaco, a obediência verdadeira de um filho de Deus segue tanto a primeira tábua quanto a segunda da Lei. “Então, não terei do que me envergonhar, quando considerarem todos os Seus mandamentos” (SI 119.6). Obedecer a Deus

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em algumas coisas na vida cristã e não em outras revela um coração doente, como o de Esaú que obedeceu a seu pai ao lhe buscar carne de caça, mas não agiu da mesma maneira em questões superiores, como na escolha de sua esposa. Obediência de filho aponta para cada um dos mandamentos de Deus, assim como a agulha aponta na direção da magnetita. Se Deus nos chama para fazer coisas que para nós são como a cruz, se somos filhos, mesmo assim obedeceremos nosso Pai. Essa exigência de plena obediência nos leva a uma pergunta: Quem pode obedecer a Deus em todas as coisas? Podemos responder que: conquanto um herdeiro adotivo do céu não possa obedecer todos os preceitos perfeitamente, ele o faz zelosamente. Ele atesta cada mandamento: “Ora, se faço o que não quero, consinto com a lei, que é boa” (Rm 7.16). Ele se alegra em cada um dos mandamentos: “Q uanto am o a tua lei!” (Sl 119.97). Seu desejo é obedecer cada mandamento. “Tomara sejam firmes os meus passos, para que eu observe os teus preceitos” (Sl 119.5). Quando ele falha, olha para o sangue de Cristo para que corrija seus defeitos. Essa é uma obediência zelosa que, ainda que não seja para satisfação, é para aceitação. v. A obediência v erd ad eira deve ser constante: “Bem-aventurados os que guardam a retidão e o que pratica a justiça em todo tempo” (Sl 106.3). A obediência de filho não é como uma figura para se colorir, que logo está acabada, mas é como a corrente sangüínea que sempre continua, é como fogo no altar, sempre queimando (Lv 6.13). 2. O segundo sinal da adoção é o ato de amar a presença de nosso Pai. O filho que ama seu pai, nunca está tão bem quanto quando perto dele. Somos filhos? Amamos a presença de Deus em suas ordenanças? Na oração, falamos com Deus, na pregação de sua Palavra ele fala conosco. Como os filhos de Deus se alegram em ouvir a voz do Pai. “Eu te busco ansiosamente; a minha alma tem sede de ti... A ssim , eu te contem plo no santuário” (Sl 63.1,2). Aqueles que desprezam as ordenanças não são filhos de Deus, porque não se importam em estar em sua presença: “retirou-se Caim da presença do S knhor ” (Gn 4.16). Não que ele pudesse sair da presença de Deus, mas o significado é: Caim saiu da igreja e do meio do povo de Deus, onde o Senhor deu sinais visíveis de sua presença. 3. O terceiro sinal da adoção é ter a direção do Espírito de Deus: “Pois todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus” (Rm 8.14). Não é suficiente o filho ter a vida, pois é necessário que ele seja conduzido em cada passo por quem o nutre, logo, o filho adotivo deve tanto ser nascido de Deus quanto ter a direção do Espírito para conduzi-lo em uma vida de santidade. “Eu ensinei a andar a Efraim; tomei-os nos meus braços” (Os 11.3). Da maneira como Israel foi conduzido pela coluna

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de fogo, também os filhos de Deus são conduzidos pelo Espírito. Os adotados precisam do Espírito de Deus para conduzi-los, pois podem ir para o erro. A carne se inclina para o pecado, o entendimento e a consciência são o guia da vontade, pois a vontade é ditadora e rebelde, portanto, os filhos de Deus necessitam do Espírito para enxergar a corrupção e guiá-los no caminho certo. Assim como os ímpios são conduzidos pelo espírito maligno - o espírito de Satanás conduziu Herodes ao incesto, Acabe a assassinar, Judas a trair - então, o bom Espírito conduz os filhos de Deus a ações virtuosas. Percebemos muitas falsificações dessa ação do Espírito por parte dos homens, por isso afirmo que alguns fanáticos fingem ser conduzidos pelo Espirito, mas isso é uma mentira. Pois o direcionamento do Espírito concorda com a Palavra. Fanáticos deixam a Palavra de lado: “A tua Palavra é a verdade” (Jo 17.17), “O E spírito da verdade... vos guiará a toda a verd ad e” (Jo 16.13). O ensino da Palavra e a condução do Espírito andam juntos. 4. O quarto sinal da adoção é o amor por todos os filhos de Deus: “Amai os irmãos” (1 Pe 2.17). Temos afeições pelos filhos de Deus, embora tenham algumas enfermidades. Há manchas nos filhos de Deus (Dt 32.5), mas devemos amar a bela face da santidade, ainda que haja uma cicatriz nela. Se somos adotivos, amamos o bem que vimos nos filhos de Deus: admiramos seus talentos, suportamos suas imprudências. Se não podemos amá-los porque têm algumas falhas, como podemos pensar que Deus nos ama? Podemos exigir uma exceção? Esses são os sinais por meio dos quais conhecemos nossa adoção. Terceira aplicação: alegre-se nos benefícios da adoção. Então, vamos responder à pergunta: Quais são os benefícios que osfilhos de Deus recebem? 1. Eles recebem grandes privilégios. Os filhos do rei têm grandes privilégios e liberdades. Eles não pagam tributos (Mt 17.25). Os filhos de Deus são pessoas privilegiadas, têm o privilégio de nada os causar dano: “ E nada, absolutam ente, vos causará dano” (Lc 10.19). Podem ser machucados, mas não feridos: “Nenhum mal te sucederá” (SI 91.10). Deus não diz que nenhuma aflição sucederá a seus filhos, mas que nenhum mal. O dano e o veneno são eliminados. A aflição para o ímpio contém o mal, faz dele pior ainda, faz que fale mal e blasfeme: “Com efeito, os homens se queimaram com o intenso calor, e blasfemaram o nome de Deus” (Ap 16.9). Mas, nenhum mal sucederá a um filho de Deus, ele se torna melhor por meio da aflição (Hb 12.10). O forno, o ouro mais puro. Mais uma vez, nenhum mal sucederá ao adotado, pois não há nenhum a condenação: “E Deus quem o justifica. Quem os condenará?” (Rm 8.33,34). Que abençoado privilégio é este: ser livre do aguilhão da aflição e da maldição da lei. Que bela condição é esta: na qual nada pode nos fazer dano. Quando o dragão envenenou a água, o unicórnio com seu chifre extraiu e sugou o

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veneno, assim Jesus Cristo sugou todo o veneno da aflição, de maneira que não pode danificar os santos. 2. O segundo benefício, se somos adotados, é que temos interesse em todas as promessas. As promessas são o maná que alimenta os filhos: “Aos herdeiros da promessa” (Hb 6.17). As promessas são verdadeiras. A verdade de Deus, que é a pérola mais brilhante em sua coroa, está penhorada em uma promessa. As promessas são apropriadas, como plantas medicinais, não há doença que não tenha uma planta para curá-la. Na noite escura do abandono, Deus prom eteu ser um sol, na tentação, esm agar Satanás (Rm 16.20). O pecado prevalece? Deus prometeu eliminar seu poder real (Rm 6.14). Que grande consolo celestial é destilado das promessas. Mas quem tem direito a elas? Só os crentes são herdeiros da promessa. Não há uma promessa sequer na Bíblia que um crente possa dizer que não é dele. Quarta aplicação: exalte e engrandeça a misericórdia de Deus, pois o adotou em sua família. Fez de escravos seus filhos e de herdeiros do in­ ferno seus herdeiros da promessa. A adoção é um dom gratuito. Deu-lhes poder, ou dignidade, para se tomarem filhos de Deus. Assim como uma fibra prateada atravessa uma peça de tecido, assim a graça atravessa todo o privilégio da adoção. A adoção é uma misericórdia maior do que a que Adão teve no paraíso. Ele era um filho pela criação, mas aqui há uma filiação superior pela adoção. Para que sejamos agradecidos, pensemos que na adoção civil há valor e excelência na pessoa a ser adotada, mas em nós não há valor, nem beleza, nem descendência, nem virtude. Nada em nós move o coração de Deus para nos dar a prerrogativa da filiação. Temos o suficiente em nós para mover Deus a nos corrigir, mas nada a fim de que nos adote, portanto exaltemos a graça. Comecemos a obra de anjos aqui, louvemos aquele que tem nos abençoado fazendo de nós seus filhos e filhas. E. A SANTIFICAÇÃO “Pois esta é a vontade de Deus: a vossa santificação” (lT s 4.3). A palavra santificação significa consagrar e separar para um uso santo. Portanto, aqueles que são separados do mundo são pessoas santificadas e separadas para o serviço de Deus. A santificação tem um aspecto particular e um positivo. O aspecto particular se refere à purificação do pecado. O pecado é comparado ao fermento que azeda, à lepra que danifica. A santificação purifica do “velho fermento” (IC o 5.7). Embora a santificação não tire a vida, elimina o amor ao pecado. O aspecto positivo é a purificação espiritual da alma. Isso é chamado na Escritura de renovação da mente (Rm 12.2), e nos toma “co-participantes da natureza divina” (2Pe 1.4). Os sacerdotes na lei não eram somente lavados

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em uma grande bacia, mas enfeitados com aparatos gloriosos (Êx 28.2). Desse modo, a santificação não lava somente do pecado, mas enfeita com a pureza. 1. O que é santificação? É um princípio da obra da graça salvadora pela qual o coração se toma santo e é feito segundo o coração de Deus. Uma pessoa santificada não somente carrega o nome de Deus, mas sua imagem restaurada em Cristo. Ao falar sobre a natureza da santificação, apontarei as sete posições seguintes: a. A santificação é algo sobrenatural, pois é aplicada divinamente Somos naturalmente contaminados e para nos purificar Deus decide agir: “Pois eu, o Senhor que vos santifico” (Lv 21 .8 ). Ervas daninhas crescem sozinhas, flores são plantadas. A santificação é uma flor plantada pelo Espírito, portanto é chamada “santificação do Espírito” (IP e 1.2). b. A santificação é algo intrínseco porque se localiza no coração É chamado “o homem interior do coração” (lP e 3.4). O orvalho umedece a folha, a seiva está oculta na raiz, assim é a religião de alguns que consiste som ente de coisas ex tern as, mas a san tificação está profundamente enraizada na alma: “Eis que te comprazes na verdade no íntimo e no recôndito me fazes conhecer a sabedoria” (SI 51.6). c. A santificação é algo extensivo, pois se espalha pelo homem todo “O mesmo Deus da paz vos santifique em tudo” ( lTs 5.23). A corrupção original contaminou todas as faculdades do homem: “sua cabeça inteira está doente e todo seu coração sofre”, nele não há nada de bom, então, visto que todo o sangue está corrompido, a santificação atinge a alma toda. Depois da queda, houve ignorância na mente, mas na santificação somos “luz no Senhor” (E f 5.8). Depois da queda, a vontade foi depravada, não houve mais força para fazer o bem, ao contrário, houve obstinação para o mal. Na santificação, há uma graciosa flexibilidade na vontade, a qual se toma um símbolo e se amolda à vontade de Deus. Depois da queda, as afeições foram redirecionadas a coisas erradas, na santificação, tudo é posto em ordem e harmonia: sofre-se por causa do pecado, ama-se a Deus, se alegra com o céu. Logo, a santificação se espalha tanto quanto a corrupção original, ela toma a alma toda: “o Deus da paz o santifique inteiramente”. Não se toma uma pessoa santificada que seja boa em algumas áreas, mas alguém totalmente santificado. Portanto, nas Escrituras, a graça é chamada de “novo homem”, não apenas um novo olho ou uma nova língua, mas um

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“novo homem” (Cl 3.10). Um bom cristão, ainda que pareça santificado apenas em algumas partes, é santificado integralmente. d. A santificação é algo intenso e ardente Suas qualidades ardem dentro do crente: “Fervorosos de espírito” (Rm 12.11). A santificação não é algo morto, mas inflamado com zelo. Nós chamamos a água de quente quando está no terceiro ou quarto grau, assim é aquele cuja fé é aquecida em alguns graus e seu coração ferve no amor de Deus. e. A santificação é algo belo A nossa santificação faz Deus e os anjos se encantarem conosco: “Com santos ornamentos” (Sl 110.3). Como o Sol é para o mundo, assim é a santificação para a alma, bela e brilhante aos olhos de Deus. O que faz Deus alegre deveria nos fazer também. A santidade é a jóia mais brilhante da divindade: “Quem é como tu, glorificado em santidade?” (Êx 15.11). A santificação é o primeiro fruto do Espírito, é o céu começando na alma. A santificação e a glória diferem somente em grau: a santificação é a glória em forma de semente e a glória é a santificação em forma de flor. A santidade é a base da felicidade. f. A santificação é algo durável “ O que permanece nele é a divina sem ente” (U o 3.9). Quem é verdadeiram ente santificado não pode cair desse estado. De fato, a santidade de aparência pode ser perdida, as cores podem desbotar, a santificação pode sofrer um eclipse: “abandonaste o teu primeiro amor” (Ap 2.4). A verdadeira santificação é um desabrochar da eternidade: “ A unção que dele recebestes permanece em vós” (1 Jo 2.27). Aquele que é verdadeiramente santificado não pode mais cair, assim como os anjos que estão fixos em suas órbitas celestiais. g. A santificação é algo progressivo Ela vai crescendo e crescendo, é comparável a uma semente que cresce: primeiro aparece a espiga, depois os caroços, então o milho maduro na espiga. Aqueles que já estão santificados podem ser ainda mais santificados (2Co 7.1). A justificação não admite graus, um crente não pode ser mais eleito ou mais justificado do que já é, mas pode ser mais santificado do que é. A santificação ainda está se desenvolvendo, como o sol da manhã que vai brilhando mais e mais até o meio-dia. O conhecimento vai aumentando, a fé também (Cl 1.10; 2Co 10.15). Um cristão está continuamente crescendo em sua estatura espiritual. Não acontece conosco o que aconteceu com

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Cristo, que recebeu o Espírito sem medida, pois Cristo não poderia ser mais santo do que ele era. Nós recebemos do Espírito somente em medidas que podem gradativamente ir aumentando nossa graça. Como Apeles89que, mesmo após terminar de desenhar seu quadro, teve seu trabalho aperfeiçoado e corrigido. A imagem de Deus é desenhada imperfeitamente em nós, portanto ainda a remendamos ou corrigimos para desenhá-la com cores mais vivas. A santificação é progressiva. Se ela não cresce é porque não está viva. Assim se vê a natureza da santificação. 2. Quais são as falsificações da santificação? Há coisas que parecem santificação, mas não são. a. A primeira imitação da santificação é a virtude moral Ser justo, tem perante, de bom com portam ento, não ter a fama manchada com um escândalo vergonhoso é bom, mas não é o suficiente, não é santificação. Um campo florido é diferente de um jardim. Pagãos se apegaram à moralidade, como Catão, Sócrates e Aristides.90A boa educação é somente uma natureza refinada, não há nada de Cristo nela, o coração pode ser impuro e abominável. Debaixo dessas folhas de boa educação, o verme da descrença pode estar escondido. Uma pessoa virtuosa tem uma antipatia secreta contra a graça, odeia o vício e também a graça tanto quanto o vício. A serpente tem uma bela cor, mas pica. Uma pessoa enfeitada e alimentada com uma virtude moral pode ter um afeto secreto contra a santidade. Os estóicos, que eram os principais pagãos moralistas, foram os inimigos implacáveis de Paulo (At 17.18). b. A segunda imitação da santificação é a devoção supersticiosa Isso é abundante no papado. As adorações, as imagens, os altares, as vestimentas e a água benta, coisas que eu entendo como frenesi religioso, e que estão longe da santificação. Nada disso acrescenta nenhum bem intrínseco ao homem, não faz o homem melhor. Se as purificações e as lavagens da lei, que eram orientações do próprio Deus, não fizeram daqueles que as praticaram mais santos, e os sacerdotes que vestiram vestimentas santas e tiveram óleo derramado sobre si só eram santos com a unção do Espírito, então, certamente, as inovações supersticiosas na religião, que Deus nunca orientou, não podem contribuir para qualquer santidade dos homens. Uma santidade supersticiosa não custa muito, não há nada do coração nela. Se santidade fosse dizer orações com uso de um rosário, curvarse diante de uma imagem, benzer-se com água benta, e tudo aquilo que é requerido daqueles que crêem nessas coisas para salvação, então o inferno estaria vazio, ninguém entraria lá.

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c. A terceira imitação da santificação é a hipocrisia Hipocrisia é fingir uma santidade que se não tem. Assim como um cometa pode brilhar e se parecer com uma estrela ou como um lustre pode brilhar em seu lugar a tal ponto de ofuscar os olhos dos que o contemplam. “Tendo forma de piedade, negando-lhe, entretanto, o poder” (2Tm 3.5). São lâmpadas sem óleo, sepulcros caiados como os templos egípcios que eram bonitos do lado de fora, mas dentro havia todo tipo de podridão. O apóstolo fala da santidade verdadeira em Efésios 4.24, implicando que há uma santidade que é espúria e fingida. “Tens nome de que vives e estás morto” (Ap 3.1), são como quadros e estátuas destituídas de um princípio vital: “Nuvens sem água” (Jd 12). Fingem estar cheios do Espírito, mas são nuvens vazias. Isso mostra a santificação como uma auto-alucinação. Quem pega o cobre no lugar do ouro engana a si mesmo. Os santos mais falsos enganam os outros enquanto vivem, mas enganam a si mesmos quando morrem. Fingir a santidade quando não há nenhum a é uma coisa vã. Que vantagens levaram as virgens néscias que tinham lâmpadas fulgurantes quando precisaram de azeite? Qual é a utilidade de uma lâmpada sem o azeite da graça salvadora? Que consolo uma demonstração de santidade trará no final? Será que algo pintado com a cor de ouro pode enriquecer? A pintura de água pode refrescar aquele que está com sede? Ou a santidade imaginária será um sofrimento na hora da morte? Não se deve acomodar com uma pretensa santificação. Muitos navios que tinham o nome de Esperança, Triunfo e Vigilante foram lançados contra as rochas, assim, muitos que tiveram o nome de santos foram lançados no inferno. d. A quarta imitação da santificação é a graça suprimida Isso acontece quando os homens se abstêm do vício, embora não o odeiem. O lema de um pecador pode ser assim: “Eu estaria disposto, mas não tenho coragem”. O cão só pensa no osso, mas tem medo do bastão, assim os homens têm a mente para a luxúria, mas suas consciências se posicionam como aquele anjo com uma espada flamejante e, assim, ela os amedronta: eles têm a mente para a vingança, mas o medo do inferno é como um freio de cavalo que os adverte. Não há mudança de coração, o pecado é freado, mas não exterminado. Um leão pode estar enjaulado, mas ainda é um leão. e. A quinta falsificação da santificação é a graça comum É uma obra tênue e passageira do Espírito, mas que não ajuda na conversão. Há um pouco de luz em um julgam ento, mas não o é para a humilhação pessoal. Alguns têm peso na consciência, mas não acordam.

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Parece santificação, mas não é. Os homens têm as convicções formadas neles, mas abrem mão dessa convicção, como o animal que, ao ser flechado, livra-se da flecha. Depois da convicção, os homens vão à casa da alegria, pegam a harpa para expulsar o espírito de tristeza e tudo morre e não se chega a nada. 3. O nde se vê a necessidade da santificação? Pode ser vista em seis coisas: a. Deus nos chamou para a santificação “Nos chamou para a sua própria glória e virtude” (2Pe 1.3). Ele nos chamou para a virtude, assim como para a glória. “Porquanto Deus não nos chamou para a impureza, e sim para a santificação” (lT s 4.7). Não temos um chamado para o pecado, podemos ser tentados, mas não há um chamado ao pecado. Não somos chamados para ser orgulhosos ou impuros, mas temos um chamado para a santidade. b. Sem a santificação não há evidência de nossa justificação A ju stificaç ão e a santificação cam inham ju n tas: “ m as fostes santificados, mas fostes justificados” (IC o 6.11). “Perdoas a iniqüidade” (Mq 7.18), há justificação. “Pisará aos pés as nossas iniqüidades” (Mq 7.19), há santificação. “Mas um dos soldados lhe abriu o lado com uma lança, e logo saiu sangue e água” (Jo 19.34), o sangue para a justificação e a água para a santificação. Aqueles que não têm a água que sai do lado de Jesus para os santificar nunca terão o sangue para os justificar. c. Sem a santificação nós não temos direito ao novo pacto O pacto da graça é nosso passaporte para o céu. O acordo do pacto é que Deus será nosso Deus. Mas, quem está interessado no pacto e pode exigir os benefícios dele? Somente as pessoas santificadas: “ Dar-vos-ei coração novo e porei dentro de vós espírito novo; tirarei de vós o coração de pedra e vos darei coração de carne” (Ez 36.26). Se uma pessoa faz um testamento, ninguém, além das pessoas listadas no testamento, pode exigir do testamento. Deus faz um testamento e uma aliança, mas ela é restringida e limitada àqueles que estão santificados, e é muita presunção de alguém que não está listado exigir algo do testamento. d. Não se vai ao céu sem a santificação “A santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hb 12.14). Deus é santo e não permitirá que uma criatura não santa se aproxime dele. Um rei não permitirá que um homem com ferimentos contaminados se aproxime de sua presença. O céu não é como a arca de Noé, onde as feras puras e

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impuras entraram. Nenhuma fera impura entrará na Arca Celestial, pois embora Deus permitisse que o ímpio vivesse por um tempo sobre a terra, nunca permitirá ser incomodado por tal escória. Aqueles que se alegram com a impiedade poderão ver Deus? Será que Deus permitirá tais víboras em seu seio? Sem a santificação ninguém verá o Senhor. Somente um olho limpo pode ver um objeto brilhante, somente um coração santo pode ver Deus em sua glória. Os pecadores podem ver Deus como um inimigo, não como um amigo. Podem ter uma visão amedrontadora dele, não uma visão bem-aventurada. Podem ver a espada flamejante, não o propiciatório. Então, se faz necessária a santificação. e. Sem a santificação todas as nossas boas obras estão contaminadas “Para os impuros e descrentes, nada é puro” (Tt 1.15). Na lei, se um homem ficasse impuro por tocar em um cadáver enquanto carregasse um pedaço de carne santa em seu alforje, a carne santa não o purificaria, mas seria contaminada por ele (Ag 2.12,13). Isso é um símbolo da contaminação de um pecador ao oferecer algo santo. Um estômago doente transforma a melhor comida em algo ruim, da mesma maneira um coração não santificado contam ina as orações, os sacram entos e as esmolas. Isso expressa a necessidade da santificação. A santificação faz nossas boas obras aceitáveis. Um coração santo é o altar no qual a oferta é santificada; se não para a satisfação, para a aceitação. f. Sem a santificação não se demonstra sinal da eleição A eleição é a causa de nossa salvação, a santificação é a evidência. A santificação é a marca na orelha da ovelha eleita de Cristo (2Ts 2.13). 4. Quais são os sinais da santificação? Primeiramente, aqueles que foram santificados podem se lembrar de um momento em que não eram santificados (Tt 3.3). Estávamos em nosso sangue, e Deus nos lavou com água e nos ungiu com óleo (Ez 16.9). Aquelas árvores de retidão que florescem e dão nozes podem se lembrar quando eram como a vara seca de Arão, sem nenhum florescimento de santidade. Uma alma santificada pode se lembrar de quando era estranha a Deus por causa de sua ignorância e sua vaidade e se lembrar de quando a graça plantou a flor da santidade nela. Um segundo sinal de santificação é a presença interior do Espírito: “O Espírito Santo que habita em nós” (2Tm 1.14). Assim como o espírito imundo habita no ímpio e o conduz ao orgulho, à luxúria e à vingança - o demônio entra nesses porcos (At 5.3) - o Espírito de Deus habita no eleito, sendo seu guia e seu consolador. O Espírito possui os santos. O Espírito de

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Deus santifica a imaginação, fazendo que produza pensamentos santos e santifica a vontade colocando novas tendências sobre ela, pelas quais é inclinada ao bem. Aquele que é santificado tem a influência do Espírito, embora não tenha a essência. O terceiro sinal da santificação é a antipatia em relação ao pecado (SI 119.104). Um hipócrita pode deixar o pecado, ainda que o ame, como uma serpente muda de pele, mas mantém seu veneno. Porém, uma pessoa santificada pode dizer que não deixa simplesmente o pecado, mas o abomina. Da maneira que há antipatias na natureza entre o vinho e o louro, assim também em uma alma santificada há uma antipatia santa contra o pecado; e antipatias não podem ser reconciliadas. Um homem tem uma antipatia contra o pecado, então só pode se opor a ele e procurar a destruição dele. Um quarto sinal da santificação é a maneira espiritual de realizar tarefas com o coração e com o princípio do amor. A alma santificada manifesta um amor pela oração e chama o dia do Senhor de deleitoso (Is 58.13). Uma pessoa pode ter dons admiráveis, pode falar como se fosse um anjo, mesmo assim pode ser camal nas coisas espirituais. Suas obras podem vir de um princípio não renovado, pode fazer as coisas sem deleite. Uma alma santificada adora a Deus em Espírito (1 Pe 2.5). Deus não julga nossas obras pela extensão delas, mas pelo amor em que são feitas. Um quinto sinal é uma vida bem organizada. “Tomai-vos santos também vós mesmos em todo o vosso procedimento” (1 Pe 1.15). Sempre que o coração é santificado, a vida também é. O templo era revestido de ouro por dentro assim como por fora. Assim como em uma moeda não há somente a imagem de dentro do anel do rei, mas sua inscrição também por fora, assim, onde há santificação não há somente a imagem de Deus no coração, mas uma inscrição de santidade escrita na vida. Alguns dizem ter um bom coração, mas suas vidas são bárbaras. “Há daqueles que são puros aos próprios olhos e que jamais foram lavados da sua imundícia” (Pv 30.12). Se a água for suja no balde, não pode ser limpa no poço. “Toda formosura é a filha do Rei no interior do palácio” (SI 45.13). Há uma santidade de coração: “A sua vestidura é recamada de ouro” (SI 45.13). Há uma santidade de vida. A graça é mais bela quando sua luz brilha de tal maneira que outras pessoas possam vê-la, isso adorna a vida cristã e convida a segui-la. Um sexto sinal da santificação é uma decisão perseverante. Aquele que é decidido a nunca deixar a sua santidade. Mesmo sendo reprovado pelos outros, ama a santidade ainda mais. Esborrife água no fogo, ele queima ainda mais. Tal pessoa diz como Davi, quando Mical o reprovou por dançar diante da arca: “Ainda mais desprezível me farei e me humilharei” (2Sm 6.22). Deixe que os outros o persigam por sua santidade, diga como Paulo: “Porém em nada considero a vida preciosa para mim mesmo” (At 20.24). Tal pessoa

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prefere a santidade à segurança, prefere manter sua consciência pura que sua pele inteira. Diz como Jó: “À minha justiça me apegarei e não a largarei” (Jó 27.6). Essa pessoa preferirá romper com sua vida que com sua consciência. A

p l ic a ç õ e s

Primeira aplicação: a principal coisa que um cristão deveria procurar é a santificação, pois ela é a única coisa necessária. A santificação é nossa mais pura aparência, nos faz como o céu, coberto com estrelas. E a nossa nobreza, pela qual somos nascidos de Deus e tomamos parte na natureza divina. É nossa riqueza, portanto comparada a carreiras de jóias e correntes de ouro (Ct 1.10). E nosso melhor certificado para o céu. Qual outra evidência temos para mostrar? Temos conhecimento? O diabo também tem. Professamos uma religião? Satanás geralmente aparecia com o manto de Samuel e se transformava em um anjo de luz. Porém, nosso certificado para o céu é a santificação. Ela é o primeiro fruto do Espírito, a única moeda que valerá no outro mundo. A santificação e a evidência do amor de Deus. Não conhecemos o amor de Deus pela saúde que nos dá, pelas riquezas e pelo sucesso, mas ao desenhar sua imagem de santificação em nós por meio do lápis do Espírito Santo. Que tristeza aqueles destituídos do princípio da santificação. Estão espiritualmente mortos (E f 2.1). Embora respirem, não vivem. A maioria do mundo permanece sem santificação: “O mundo inteiro jaz no Maligno” (U o 5.19), isto é, a maior parte dele. Muitos se nomeiam cristãos, mas destruíram com pletam ente a palavra santo. A lguns hom ens querem explicações racionais, o cristão quer graça. Ainda há algo pior, alguns mantêm tal posição de impiedade odiando e zombando da santificação. Eles a odeiam. Se for ruim desejá-la, pior é odiá-la. Eles abraçam a forma da religião, mas odeiam o poder. O urubu odeia odores agradáveis, o mesmo acontece com os ímpios que odeiam o perfume da santidade. Dizem zombeteiramente: “Este são os seus homens santos?” Zombar da santificação exige um alto grau de ateísm o e é um a m arca negra de rep ro v ação . O desprezível Ismael foi lançado fora da família de Abraão (Gn 21.9), aqueles que zombam da santidade serão privados do céu. Segunda aplicação: acima de todas as coisas persiga a santificação. Procure a graça mais do que o ouro: “Retém a instrução e não a largues; guarda-a, porque ela é a tua vida” (Pv 4.13). Em relação a esta aplicação, vamos responder a duas perguntas: Primeira pergunta: Quais são os principais incentivos à santificação? 1. É a vontade de Deus que sejamos santos, como diz o texto: “Pois esta é a vontade de Deus: a vossa santificação” . Como a Palavra de Deus

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deve ser regra, também deve ser a razão de nossas ações. Essa é a vontade de Deus, nossa santificação. Talvez não seja da vontade de Deus que sejamos ricos, mas é sua vontade que sejamos santos. A vontade de Deus é nossa garantia. 2. Jesus Cristo morreu para nossa santificação. Cristo morreu e derramou seu sangue para lavar nossa impureza. A cruz era tanto um altar quanto uma pia: “O qual a si mesmo se deu por nós, a fim de remir-nos de toda iniqüidade” (Tt 2.14). Se pudéssemos ser salvos sem a santidade, Cristo não precisava ter morrido. Cristo morreu não somente para nos salvar da ira, mas também do pecado. 3. A santificação nos leva a ser semelhantes a Deus. Este foi o pecado de Adão: desejar ser igual a Deus em onisciência, porém, devemos nos preocupar em ser semelhantes a Deus em santidade. Pode-se ver nitidamente a face em um bom espelho, pode-se ver algo de Deus em um coração santo. Nada divino pode ser visto em uma pessoa não santificada, porém se pode ver a imagem de Satanás. A inveja é o olho de Satanás, a hipocrisia seu pé, mas nada da imagem de Deus pode ser vista nelas. 4. A santificação é algo que Deus ama muito. Nenhum ornamento exterior, ou descendência importante ou grandeza deste mundo chama a atenção do amor de Deus, mas um coração cheio de santidade chama sua atenção. Cristo nunca admirou outras coisas senão a beleza da santidade. Ele desrespeitou a grande construção do templo, mas admirou a fé de uma mulher, à qual disse: “mulher, grande é a tua fé” (Mt 15.28). Assim como um rei se alegra em ver sua imagem cunhada em uma moeda, onde Deus vê sua imagem ele atribui seu amor. O Senhor tem dois tronos em que habita, um deles é o coração santo. 5. A santificação é a única coisa que nos toma visivelmente diferentes dos ímpios. O povo de Deus tem seu selo sobre ela: “Entretanto, o firme fundamento de Deus permanece, tendo este selo: O Senhor conhece os que lhe pertencem. E mais: Aparte-se da injustiça todo aquele que professa o nome do Senhor” (2Tm 2.19). O crente é selado com um selo duplo, um selo da eleição: “O Senhor conhece os que lhe pertencem”, e um selo da santificação: “Aparte-se da injustiça todo aquele que professa o nome do Senhor”. Este é o nome pelo qual o povo de Deus é conhecido: “Teu santo povo” (Is 63.18). Como a castidade distingue uma mulher virtuosa de uma prostituta, também a santificação distingue o povo de Deus de outros povos: “E vós possuis unção que vem do Santo” (U o 2.20). 6. E uma grande vergonha ter o nome de cristão e carecer de santidade, assim como ter o nome de mordomo e carecer de fidelidade; ou ter nome de virgem e carecer de virgindade. A religião é exposta à reprovação quando pessoas batizadas em nome de Cristo não são santas, quando têm os olhos

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cheios de lágrimas no domingo, mas nos dias de semana seus olhos estão cheios de adultério (2Pe 2.14). Ser devoto da mesa do Senhor como se estivesse pisando no céu e tão profano durante a semana como se tivesse saído do inferno. Ter nome de cristão e não ser santo é um escândalo para a religião e os caminhos de Deus ficam mal falados. 7. A santificação é apropriada para o céu. “Nos chamou para a sua própria glória e virtude” (2Pe 1.3). A glória é o trono e a santificação é o degrau pelo qual subimos até ele. Como é comum limpar primeiramente o vaso para depois pôr o vinho, Deus primeiro nos purifica pela santificação e, depois, derrama em nós o vinho da glória. Salomão foi primeiramente ungido com óleo e depois se tomou um rei (lR s 1.39). Primeiramente, Deus nos unge com o santo óleo de seu Espírito e, depois, coloca a coroa de felicidade sobre a nossa cabeça. A pureza de coração e a contemplação de Deus estão unidas (Mt 5.8). Segunda pergunta: Como a santificação pode ser alcançada? 1. Pelo contato com a Palavra de Deus: “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade” (Jo 17.17). A Palavra é tanto um espelho para nos mostrar as manchas de nossa alma quanto uma banheira para nos lavar. A palavra tem uma virtude transformadora em si, ela ilumina a mente e consagra o coração. 2. Tenha fé no sangue de Cristo. “Purificando-lhes pela fé o coração” (At 15.9). A mulher que tocou na vestimenta de Cristo, no evangelho, foi curada. Um toque de fé purifica. Nada pode ter mais força sobre o coração, para santificá-lo, que a fé. Se eu creio que Cristo e seus méritos são meus, como posso pecar contra ele? A fé da justificação faz isso em um sentido espiritual, ela é miraculosa, ela remove montanhas, as montanhas do orgulho, da luxúria e da inveja. A fé e o amor ao pecado são inconsistentes. 3. Viva pelo Espírito. Isso é chamado de “Santificação do Espírito” (2Ts 2.13). O Espírito santifica o coração como o relâmpago purifica o ar e o fogo refina metais. A ação do Espírito gera sua própria imagem em todo lugar. O Espírito imprime sua própria santidade no coração, como o carimbo imprime autenticidade sobre o documento. O Espírito de Deus em um homem perfuma com santidade e toma seu coração um mapa para o céu. 4. Associe-se com pessoas santificadas. Por meio de seus santos conselhos e exemplos, elas podem incentivar você a ser mais santo. Assim como a comunhão dos santos está em nosso Credo Apostólico, deveríamos também pensar a respeito de nossas companhias: “Quem anda com os sábios será sábio” (Pv 13.20). A associação produz assimilação. 5. Ore pedindo santificação. Jó propõe uma questão: “Quem da imundícia poderá tirar coisa pura?” (Jó 14.4). E a resposta é: Deus pode.

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De um coração imundo ele pode produzir graça. Façamos da oração de Davi a nossa oração: “Cria em mim, ó Deus, um coração puro” (SI 51.10). Apresente seu coração diante de Deus e diga: “ Senhor, meu coração não santificado contamina tudo o que toca. Não é conveniente que eu viva com tal coração, pois não posso honrar ao Senhor; nem morrer com tal coração, pois não poderei ver o Senhor. Cria em mim, ó Deus, um novo coração. Senhor, consagre meu coração e faça dele o teu templo e teus louvores serão entoados nele para sempre” . Terceira aplicação: Deus produziu algo puro de algo im puro? Ele santificou a sua vida? Use esta jóia da santificação com gratidão: “Dando graças ao Pai, que vos fez idôneos à parte que vos cabe da herança dos santos na luz” (Cl 1.12). Cristão, você pode se contaminar, mas não se santificar. Mas Deus o fez, ele não somente enjaulou o pecado, mas mudou a sua natureza e faz de você como a filha de um rei, cheio de glória por dentro. Ele colocou sobre você o brasão da santidade, embora possa ser atacado, nunca poderá ser derrotado. Alguém aqui está santificado? Deus fez mais por você do que por milhões, pois eles foram iluminados, mas não foram santificados. Ele fez mais por você que se tivesse feito de você o filho de um príncipe e que andasse nos lugares mais altos da terra. Você está santificado? O céu começou em você, a felicidade é a essência da santidade. Quão agradecido você deveria ser a Deus. Faça como aquele cego no evangelho depois que recebeu a visão de volta: “e seguia-o glorificando a Deus” (Lc 18.43). Faça o céu estremecer com louvores a Deus. F. A CERTEZA PERGUNTA 36: Quais são os benefícios que fluem da santificação? RESPOSTA: Os benefícios são a certeza do amor de Deus, a paz de consciência, a alegria no Espírito Santo, o aumento da graça e a perseverança até o fim. O primeiro benefício que resulta da santificação é a certeza do amor de Deus: “Por isso, irmãos, procurai, com diligência cada vez maior, confirm ar a vossa vocação e eleição” (2Pe 1.10). A santificação é a sem ente, a segurança é a flor que cresce da sem ente. A certeza é a conseqüência da santificação. Os antigos santos tinham esta certeza: “Ora, sabemos que o temos conhecido” (1 Jo 2.3). “Porque sei em quem tenho crido” (2Tm 1.12). Nesses versículos vemos a reação da fé e que o “Filho de Deus ... me am ou” (G1 2.20). Aqui vem os a fé florescendo em segurança. Ecolam padius,91 quando estava doente, apontou para seu coração, dizendo: “ ... aqui eu tenho luz o suficiente” querendo, nessas palavras, dizer que tinha consolo e segurança.

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a. Todas as pessoas santificadas têm certeza? Elas têm direito à certeza, eu presumo que todas têm, em algum grau, essa certeza antes de morrer. Mesmo que o consolo delas seja muito frágil e o espírito m uito fraco a ponto de não conseguirem expressar seu sentimento. Contudo, não posso afirm ar positivamente que todas têm segurança, em princípio, de sua santificação. Uma carta pode ser escrita, mas ainda não selada, da mesma maneira a graça pode ser escrita no coração e o Espírito ainda não a ter selado com a certeza. Deus age livremente e pode dar ou suspender a segurança conforme queira. Onde há a obra santifícadora do Espírito, ele pode reter a obra seladora a fim de manter a alma humilde ou para corrigir um modo descuidado de andar: como quando negligenciam os nossa vigilância espiritual, ou desenvolvem os uma negligência na obra, ou andamos em meio à nuvem da tribulação, ou apagamos as graças do Espírito, então Deus retém os consolos. E também, a fim de colocar uma diferença entre a terra e o céu. Eu prefiro falar disso para animar os corações do povo de Deus que está desanimado por não ter segurança. Você pode ter a água do Espírito derram ada em você na santificação, embora não tenha o óleo da alegria da certeza. Pode haver uma fé de união, não de evidência. Pode haver vida na raiz, quando não há fruto nos galhos para serem vistos. Assim é a fé no coração, quando não há o fruto da certeza. 1. Definição de certeza da santificação b. O que é certeza? Não é nenhuma voz audível ou falada, ou ainda trazida para nós com o auxílio de um anjo ou uma revelação. A certeza consiste de um silogismo prático no qual a Palavra de Deus tem o papel principal, a consciência tem um pequeno papel e o Espírito de Deus tem a conclusão. A Palavra de Deus diz que quem teme e ama a Deus é amado de Deus. Essa é a proposição principal, então a consciência faz o papel secundário, “mas eu temo e amo a Deus”, então, o Espírito faz a conclusão: “Portanto és amado de Deus”. Isso é o que o apóstolo chama de testificação: “o próprio Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus” (Rm 8.16). c. Ter certeza exclui as dúvidas? Quem tem a alma santificada tem aquilo que não deixa o coração afundar, que é possuir atração pelo Espírito a tal ponto de não trocá-lo pelos prêmios mais caros do mundo. Por outro lado, sua certeza, embora infalível, não é perfeita. Haverá algumas vezes trepidação, mas aquele que é santificado estará seguro em meio aos perigos e às dúvidas, assim como

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um barco está seguro no ancoradouro, ainda que seja balançado pelo vento. Se um cristão não tivesse dúvidas, não haveria nenhum a descrença nele. Se não tivesse dúvidas, não haveria diferença entre a graça militante e a graça triunfante. Não teve Davi, às vezes, seus altos e baixos? Como o marinheiro que, às vezes, grita: “eu vejo uma estrela” e, depois, grita novamente que não vê mais a estrela. Às vezes ouvimos de Davi: “Pois a tua benignidade, tenho-a perante os olhos” (SI 26.3). Em outras horas ele está perdido: “Que é feito, Senhor, das tuas benignidades de outrora” (SI 89.49). Pode acontecer de haver um eclipse na certeza do cristão a fim de tomá-lo desejoso pelo céu onde não haverá a mínima dúvida, onde a bandeira do amor de Deus sempre estará à mostra para a alma, onde a luz da face de Deus não terá nuvens e o Sol nunca se porá. No céu, os santos terão segurança ininterrupta e sempre estarão com o Senhor. 2. A diferença entre certeza e presunção d. Quais as diferenças entre certeza verdadeira e presunção? i. Elas se diferem no m étodo ou na m aneira de se aplicá-las. A segurança divina flui da humilhação pelo pecado. E não estou falando da medida da humilhação, mas da verdade. Em Palermo há plantações de cana que têm um suco adocicado. Uma alma humilhada pelo pecado é a cana moída de onde sai essa doce certeza. O Espírito de Deus é um espírito de prisão antes de ser um espírito de adoção, mas a presunção surge sem qualquer humilhação do Espírito. “Como é isso que a pudeste achar tão depressa, meu filho?” (Gn 27.20). O arado é o primeiro processo, depois a semente é lançada, o coração deve ser preparado pela humilhação e pelo arrependimento antes que Deus semeie a certeza. ii. A certeza nos torna atentos ao que pode aumentá-la ou diminuíla. A certeza verdadeira nos coloca atentos ao que pode fortalecê-la mais ou escurecê-la. Toma-nos temerosos em relação ao fruto proibido, sabendo que não podemos deixar nossa alma cair no pecado, pois podemos pecar contra nossa certeza. Mas, aquele que tem presunção não teme manchar suas vestimentas, essa pessoa é ousada no pecado: “Não é fato que agora mesmo tu me invocas, dizendo: Pai meu, tu és o amigo da minha mocidade? Conservarás para sempre a tua ira? Ou a reterás até ao fim? Sim, assim me falas, mas cometes maldade a mais não poder” (Jr 3.4,5). Balaão disse: “Meu Deus”, mas era um adivinho. Quem perambula pela noite provavelmente não tem dinheiro algum, não tem o que perder. Balaão não temia as obras das trevas, pois não tinha a jóia da certeza. Não tinha o que perder. iii. A verdadeira segurança é construída sobre as Escrituras. A Palavra diz: “O efeito da justiça será paz, e o fruto da justiça, repouso e

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segurança, para sempre” (Is 32.17). A segurança do cristão é construída sobre essa Palavra. Deus semeou a retidão em sua alma e essa semente produziu certeza, mas a presunção é algo espúrio, ela não tem as Escrituras em que se garantir, é como um testamento sem um selo e sem testemunhas, que é nulo e inválido perante a lei. A presunção deseja tanto o testemunho da Palavra quanto o selo do Espírito. iv. A segurança resultante da santificação mantém o coração sempre humilde. “Senhor”, diz a alma, “o que eu sou que, dentre tantos, os raios dourados do teu amor foram brilhar justamente sobre mim?” Paulo tinha a certeza. Ele era orgulhoso dessa jóia? “Não” dizia ele, “a mim, o menor de todos os santos” (E f 3.8). Quanto mais amor um cristão recebe de Deus, mais ele vê a si mesmo como um devedor da graça e o sentimento de sua dívida mantém o seu coração humilde, mas a presunção é fruto do orgulho. Quem sempre despreza os outros pensa que é melhor que eles: “Ó Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros, nem ainda como este publicano” (Lc 18.11). As penas voam, mas o ouro desce. Quem tem a certeza de ouro desce em humildade. 3. Deve-se procurar essa certeza e. O que pode nos estimular para procurarmos essa certeza? i. Saber que são doces e nobres os efeitos que produzem essa certeza Primeiramente, quão doce é o efeito que ela produz. Ela é o maná no pote dourado, a pedra branca, o vinho do paraíso que alegra o coração. Quão maravilhoso é o sorriso de Deus. O Sol é mais refrescante quando brilha do que quando está escondido em uma nuvem; é um prenúncio e uma antecipação da glória, e coloca o homem no céu antecipadamente. Ninguém pode saber como é deliciosa e encantadora, somente aqueles que já a experimentaram. Assim como ninguém pode saber como o mel é doce a não ser que o experimente. ii. Além disso, quão excelentes e nobres são os efeitos que ela produz, vejamos alguns. Primeiro, a certeza nos fará amar a Deus e louvá-lo. O amor é a alma da religião, a gordura do sacrifício. Quem pode amar a Deus a não ser quem tem certeza? O Sol refletindo seus raios sobre uma lupa leva a queimar tudo o que estiver ao redor, assim é a certeza (que é o reflexo do amor de Deus sobre a alma) que faz arder em amor a Deus. Paulo tinha certeza do amor de Cristo por ele - “Filho de Deus, que me amou” (G1 2.20). Como o seu coração ardia com esse amor. Ele valorizava e admirava somente a Cristo (Fp 3.8). Assim como Cristo foi amarrado à cruz, também estava amarrado ao coração de Paulo. Louvor é o tributo que pagamos à coroa do céu.

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Quem, senão aquele que tem certeza de sua justificação, pode louvar a Deus e lhe dar glória pelo que fez por ele? Será que um homem inconsciente ou tendo um colapso pode louvar a Deus porque ele está vivo? Será que um cristão que está tremendo de medo quanto à sua condição espiritual pode louvar a Deus pelo fato de ele ser eleito e justificado? Não. “Os vivos, somente os vivos, esses te louvam” (Is 38.19). Quem está revigorado com a certeza é alguém apropriado para ecoar louvores a Deus. Segundo, a certeza contagiará todas as demais alegrias da criatura; será como o açúcar para o vinho, o sentimento de quero mais; será a bênção que vem com a carne de caça. A culpa amarga nosso consolo, é como beber de um copo com absinto. Mas a certeza adoça toda a saúde. As certezas do amor de Deus são riquezas adocicadas, e com a certeza de um reino está a delícia. Um jantar de folhas verdes, com a certeza do amor de Deus, é algo sem preço. Terceiro, a certeza nos fará ativos e vivos no serviço a Deus; estimulará nossa oração e aguçará nossa obediência. Assim como a diligência produz a certeza, também a certeza produz a diligência. A certeza não produzirá (como dizem os papistas) auto-segurança na alma, mas zelo. A dúvida nos desanima no serviço de Deus, mas a certeza de seu favor produz a alegria: “A alegria do Senhor é a vossa força” (Ne 8 . 10 ). A certeza nos faz cavalgar para o céu, vamos como águias em santos serviços. A segurança é como o Espírito nas rodas de Ezequiel, as movia e as levantava. A fé nos fará caminhar, mas a certeza nos fará correr, pois jam ais pensaremos que podemos fazer o suficiente para Deus. A certeza será como as asas de um pássaro, será como os pesos de um relógio que fazem todas as engrenagens da obediência girar. Quarto, a certeza será um escudo dourado para vencer a tentação e ajudará a triunfar sobre ela. Há dois tipos de tentação que Satanás usa. 1. Satanás nos tenta para nos atrair em direção ao pecado, mas a certeza de nossa justificação fará essa tentação desaparecer. Nossa reação será: “Satanás, pecarei contra aquele que me amou e me lavou em seu sangue? Retomarei à impiedade depois que Deus pronunciou a paz? Enfraquecerei minha segurança, m achucarei m inha consciência, entristecerei meu consolador? Saia Satanás! Não tente mais”. 2. Satanás pode nos fazer questionar nosso interesse em Deus ao nos dizer que somos hipócritas e que Deus não nos ama. Bem, não há uma proteção contra essa tentação. Podemos reagir assim: “Satanás, um trabalho verdadeiro da graça ocorreu em meu coração e o selo do Espírito é minha testemunha e você diz que Deus não me ama? Agora sei que és um impostor, que procuras me fazer duvidoso sobre o que eu sinto” . Se a fé resiste ao diabo, a certeza o fará ir embora.

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Quinto, a certeza nos fará contentes, embora tenhamos pouca coisa no mundo. Aquele que tem o suficiente está contente. Aquele que tem a luz do Sol está contente, embora não tenha luz elétrica. Um homem que tem certeza da santificação tem o suficiente. Tal pessoa tem as riquezas dos méritos de Cristo, tem uma promessa de seu amor, um desejo de sua glória, está cheia da plenitude de Deus. Tem tudo e tendo tudo está contente: “O S enhor é a porção da minha herança... Caem-me as divisas em lugares amenos, é mui linda a minha herança” (Sl 16.5,6). A certeza aquietará o coração. A razão do descontentamento é que as pessoas não têm interesse em Deus ou não sabem em quem ter interesse. Paulo diz: Eu “sei em quem tenho crido” (2Tm 1.12). Ele tinha certeza do que estava interessado. E mais, “E ntristecidos, mas sem pre alegres” (2Co 6.10). Ele tinha contentamento. Obtenha certeza e você estará fora da murmuração, nunca mais estará descontente. Nada pode ser inapropriado quando se tem certeza. Deus é seu Deus. Você já perdeu um amigo? O Pai vive. Você já perdeu seu único filho? Deus deu seu único Filho. Você já teve falta de pão? Deus lhe deu o melhor do trigo, o pão da vida. Sua consolação já se foi? Ele tem o Consolador. Você já passou por tempestade no mar? Ele sabe mostrar o caminho para o porto seguro. Deus é sua porção e o céu é seu refúgio. Essa segurança dá um contentamento doce em qualquer situação. Sexto, a segurança apoiará o coração nos sofrimentos, fará o cristão suportar problemas com paciência e com alegria. Eu digo com paciência: “Com efeito, tendes necessidade de perseverança” (Hb 10.36). Há algumas carnes que são de difícil digestão e somente um bom estômago as processará. Assim, a aflição é uma carne difícil de ser digerida, mas a paciência como um bom estômago será capaz de digeri-la. E de onde vem a paciência, senão da certeza? “A tribulação produz perseverança ... porque o amor de Deus é derramado em nosso coração” com alegria (Rm 5.3,5). A segurança é como a lanterna de um marinheiro no convés, que dá luz numa noite escura. A segurança dá a luz do consolo na aflição. “Aceitastes com alegria o espólio dos vossos bens” (Hb 10.34). Ali havia certeza. Aquele que tem certeza pode se regozijar na tribulação, ele colhe uvas de espinheiros e tira mel de carcaças de leão. Latimer disse: “Quando me sinto sozinho e posso ter uma certeza profunda da condição de minha alma e sei que Deus é meu, posso rir diante de todos os meus problemas e nada pode me intimidar” . Sétimo, a segurança trará paz a uma consciência agitada. Aquele que tem uma consciência atribulada caminha como que no inferno, porém a segurança curará a agonia e aquietará a fúria da consciência. A consciência, que antes se tomou em uma serpente, é agora como uma abelha que tem

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mel em sua boca, fala só de paz. Tertuliano dizia que quando Deus é pacífico para conosco, então a nossa consciência está em paz. Se os céus estão quietos e não há agitação de ventos, o mar está calmo e quieto, então, se não há ira no coração de Deus, se a tempestade de sua ira não sopra, a consciência está quieta e serena. Oitavo, a segurança nos fortalecerá contra os medos da morte. Quem não tem segurança não pode morrer consolado, está em um suspense duvidoso sobre o que será dele depois da morte. Mas aquele que tem segurança tem uma passagem feliz e alegre para além deste mundo. Sabe que passou da morte para a vida, ele é levado bem depressa para o céu. Embora não se possa resistir à morte, pode-se vencê-la. f. O que deverão fa zer aqueles que não têm certeza? i. Lutem p a ra en co n trar a graça e a certeza. Quando o Sol nega a luz para a terra, pode exalar sua influência. Assim, quando Deus nega a luz de sua face, pode dar a influência de sua graça. Como podemos saber se temos a verdadeira obra da graça em nós e temos direito à certeza? Essa resposta será dada se pudermos resolver duas questões. A primeira delas é a seguinte: Temos grandes sentimentos em relação a Jesus Cristo? “Para vós outros, portanto, os que credes, é a preciosidade” (1 Pe 2.7). Em Cristo se encontram todo o deleite e toda a felicidade, nossos louvores não chegam à sua altura, é como espalhar uma lona sobre um pano dourado. Quão preciosos são seu sangue e seu incenso. Um pacifica a nossa consciência, o outro perfuma nossas orações. Podemos dizer que temos pensamentos preciosos sobre Cristo? Nós o estimamos como uma pérola de grande valor ou como a brilhante estrela da manhã? Entendemos que todos os prazeres terrenos são como estrume em comparação a Cristo? (Fp 3.8). Preferimos as piores coisas que possam vir de Cristo do que as melhores coisas do mundo? As reprovações de Cristo e não os elogios do mundo? (Hb 11.26). A segunda questão é a seguinte: O Espírito mora em nós? “O Espírito Santo que habita em nós” (2Tm 1.14). Ou ainda: Como podemos saber que temos a presença do Espírito Santo habitando em nós? Não é, às vezes, tendo bons sentimentos do Espírito fluindo em nós, pois ele pode operar em nós sem habitar. Mas, é pelo poder santificador do Espírito em nosso coração produzindo a natureza divina. Ele deixa em nós sua impressão, imprime sua imagem em nossa alma deixando em nós uma disposição santa. O Espírito enobrece e eleva o coração acima do mundo. Quando Nabucodonosor alcançou entendimento, não ficou mais entre os animais selvagens, mas retomou ao seu trono e tratou das questões do seu reino. Assim, quando o Espírito de Deus habita em uma pessoa, transporta

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seu coração acima das cosias visíveis, fazendo essa pessoa desejar coisas celestiais, ter sede de Cristo e de sua glória. Se pudermos achar isso, então teremos graça e direito à certeza. ii. Esperem p a ra receber a segurança. Se figuras estão gravadas no relógio de sol, espera-se somente um pouco até que o Sol brilhe, assim quando a graça é gravada no coração, está esperando um pouco até que brilhe o sol da certeza: “Aquele que crer não foge” (Is 28.16), essa pessoa permanecerá de acordo com as conveniências de Deus. Não diga que Deus o abandonou, que nunca levantará a luz de sua face para você, antes diga como a igreja: “Esperarei no S enhor , que esconde o seu rosto da casa de Jacó, e a ele aguardarei” (Is 8.17). Pense no seguinte: Primeiro, Deus aguardou a sua conversão, você não aguardará a sua consolação? Quanto tempo faz que ele procura persuadi-lo por meio de seu Espírito? Ele esperou até que sua cabeça ficasse cheia de orvalho, ele gritou: “Até quando ainda não te purificarás?” (Jr 13.27). Cristão, Deus esperou seu amor e você não pode esperar pelo amor dele? Segundo, a certeza é algo tão doce e tão precioso que vale a pena esperar, o preço dela está acima de rubis, não pode sequer ser avaliada em relação ao ouro de Ufir. A certeza do amor de Deus é o compromisso da eleição, o banquete dos anjos, pois que outra alegria eles têm? Como disse Mica: “que mais me resta?” (Jz 18.24). Então, quando Deus confirma a alma quanto aos seus propósitos eternos de amor, o que mais tem ele para dar? Aquele a quem Deus beija ele coroa. A certeza é o sorriso da face de Deus, uma olhada em nossa direção, um pedacinho do Maná escondido que é tão delicioso e doce. Tudo isso merece nossa espera. Terceiro, Deus nos deu uma promessa quanto a não esperarmos em vão: “Os que esperam em mim não serão envergonhados” (Is 49.23). Talvez Deus reserve essa graciosa certeza para um momento de desânimo, às vezes se guarda o melhor vinho para o final. A certeza será guardada como um ingrediente para adoçar o copo amargo da morte. Temos outra pergunta a responder quanto a esse aspecto: Como serão consoladas as almas solitárias que ficaram desanimadas pela fa lta de certeza? Respondemos: Primeiro, a falta de certeza não será um impedimento para o sucesso das orações dos santos. A vida de pecado é um obstáculo para nossa oração, mas a falta de certeza não é um obstáculo para a oração. Podemos nos achegar a Deus ainda que de maneira humilde e confiante. Um cristão pode até pensar que pelo fato de não ver a face sorridente de Deus, Deus não o ouve. Isto é um erro. “Eu disse na minha pressa: estou excluído da tua presença. Não obstante, ouviste a minha súplice voz, quando clamei por teu socorro” (Sl 31.22). Se derramarmos nossos gemidos ao céu, Deus

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ouvirá cada um deles e, embora não nos mostre sua face, nos emprestará seu ouvido. Segundo, a fé pode ser m ais forte quando a certeza é mais fraca. A m ulher de Canaã não tinha certeza, mas uma fé gloriosa: “O mulher, grande é a tua fé!” (Mt 15.28). Raquel era mais bonita, porém Lia era mais fértil. A certeza é mais bonita e agradável de ser contemplada, mas uma fé fértil é algo que Deus vê como o melhor para nós: “Bem-aventurados os que não viram e creram” (Jo 20.29). Terceiro, quando Deus está fora de nossa vista, não está fora do pacto: “Conservar-lhe-ei para sempre a minha graça e, firme com ele, a minha aliança” (SI 89.28). Ainda que uma esposa não veja o rosto de seu esposo por muitos anos, mesmo assim a relação de casamento permanece e ele voltará para ela após uma longa viagem. Deus pode ficar longe de uma alma solitária, mas o pacto permanece: “A aliança da minha paz não será removida” (Is 54.10). Alguns podem dizer: Mas essa promessa fo i feita aos judeus e não pertence a nós. Mas não é verdade, pois o versículo 17 diz assim: “Esta é a herança dos servos do S enhor ”. I sso se aplica a todos os servos de Deus, todos que agora vivem, assim como aqueles que viveram no tempo dos judeus. 4. Firm ando-se nessa certeza g. O que devemos fa zer para obter certeza? i. M antenha sua consciência p ura. Não deixe que a culpa se aloje numa consciência sem arrependimento. Deus não põe o selo do perdão antes do arrependimento. Ele não derramará o vinho da certeza em um vaso quebrado: “Aproximemo-nos, com sincero coração, em plena certeza de fé, tendo o coração purificado de má consciência e lavado o corpo com água pura” (Hb 10.22). A culpa corta as asas do consolo. Aquele que tem consciência de pecados ocultos não pode se aproximar de Deus com total segurança, não pode chamar Deus de pai, mas somente de juiz. Mantenha a consciência limpa como seus olhos, de maneira que nenhuma poeira do pecado caia neles. ii. Caso tenha certeza, estará exercitando a graça: “Exercita-te, pessoalmente, na piedade” (lT m 4.7). Os homens enriquecem com a negociação, então, negocie em graça para que cresça rico na certeza. Faça da sua eleição uma certeza. Como? “Associai com a vossa fé a virtude; com a virtude, o conhecimento” (2Pe 1.5). Mantenha a graça a postos, pois é a fé viva que floresce em certeza. Nenhum homem armaria uma grande vela em um pequeno barco, mas em um grande barco, assim Deus monta a vela da certeza no coração cheio da graça.

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iii. Tendo certeza, alegre-se com o Santo Espírito de Deus. Quando Davi tinha certeza, ele orava assim: “Não me repulses da tua presença, nem me retires o teu Santo Espírito” (Sl 51.11). Ele sabia que somente o Espírito poderia fazer que ele ouvisse a voz da alegria. O Espírito é o consolador que sela a certeza (2Co 1.22). Portanto, tire muito benefício do Espírito, não o entristeça. Assim como Noé abriu a arca para receber a pomba, também devemos abrir nossos corações para receber o Espírito, que é a pomba abençoada que traz um ramo de oliveira da segurança em sua boca. iv. Banhemo-nos nas piscinas das ordenanças e visitemos com freqüência a Palavra e o sacramento: “Leva-me à sala do banquete, e o seu estandarte sobre mim é o amor” (Ct 2.4). As ordenanças abençoadas são a sala do banquete onde Deus mostra a bandeira da certeza. O sacramento é a ordenança seladora. Cristo se fez conhecido aos seus discípulos no partir do pão. Assim, na santa ceia, no partir do pão, ele se faz conhecido a nós para ser nosso Deus e nossa porção. h. Como aqueles que têm certeza devem se comportar? i. Caso tenha certeza de sua justificação, não a despreze. É um ato de desprezo da certeza quando descuidamos das obrigações, como o músico que tem dinheiro e pára de tocar. Ao nos descuidarmos ou relaxarmos com o exercício da religião, entristecemos o Espírito e essa é uma maneira de ter um embargo sobre nossos consolos espirituais. Nós pervertemos a certeza quando ficamos orgulhosos e menos temerosos em relação ao pecado. Como pode ser isso? Um pai dá a certeza de seu amor ao seu filho e lhe diz que designará suas terras para ele, e o filho, por sua vez, se tomará imoral e dissoluto? Essa é a maneira de perder a afeição de seu pai e fazê-lo não lhe dar nada. Algo que agravou o pecado de Salomão foi que seu coração se desviou do Senhor depois que apareceu a ele duas vezes (1 Rs 11.9). E ruim para alguém pecar quando não se tem a certeza da santificação, mas é pior ainda para alguém pecar quando já se tem essa certeza. O Senhor selou seu amor com um beijo? Ele deixou uma promessa celestial em sua mão e você se vinga do Senhor? Você pecará com o maná em sua boca? Deus lhe deu doces favos da certeza para que você se alimentasse, e você lhe retribuirá com uvas bravas? Algo que agrada muito a Satanás é nos ver com falta de certeza ou a corrompendo. Nós corrompemos a certeza quando o pulso de nossas almas bate mais rápido em direção ao pecado e mais lento em relação ao serviço do Senhor. ii. Caso tenha certeza de sua ju stificação, adm ire a grande misericórdia de Deus. Você merecia que Deus lhe desse fel e vinagre para beber, mas ele fez o favo de mel de seu amor gotejar sobre você. Então, caia de joelhos e adore sua divindade. Diga ao Senhor quanto é curioso o

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fato de ele ter se manifestado a você e não a outros. Pois muitos que Deus ama como a menina de seus olhos ele os deixa em suspense e não dá a eles a certeza de seu amor. Embora lhes dê um novo nome, não lhes dá a pedra branca, embora tenham a semente da graça, não têm o óleo da alegria, embora tenham o Espírito Santo, o santificador, não têm o Espírito Santo como Consolador. “De que procede, Senhor, te manifestares a mim e fazeres teus raios dourados de certeza brilhar sobre minha alma? Adore a Deus quanto a isso. Essa obra será celestial.” iii. Caso tenha certeza de sua justificação, faça seu coração ad m irar o am or de Deus. Se Deus corrige é porque ama, muito mais quando ele dá certeza: “Amai o Senhor, v ó s todos os seus santos” (SI 31.23). Deus o levou até as fronteiras de Canaã, deu-lhe cachos de uva, coroou-o com favor, confirmou seu perdão sob o grande selo do céu? Como você pode ficar estagnado diante de tal fogo? Tome-se como serafim flamejante com o divino amor. Diga como Agostinho: “eu odiaria minha própria alma se não a encontrasse amando a Deus” . Dê a Deus o melhor, a essência de seu amor, e mostre tal amor ao se dispor a perder tudo por sua causa. iv. Caso tenha certeza de sua justificação, aum ente-a p a ra a glória de Deus. Primeiro, encorajando aqueles que ainda não se converteram. Diga-lhes quão doce é esse maná escondido, diga-lhes quão bom é o mestre que servem; diga-lhes que brisas você tem tido, diga-lhes que Deus tem levado você ao monte da mirra, às montanhas de plantas aromáticas. Diga-lhes que Deus lhe tem dado não somente uma antecipação do céu, mas um grande desejo por ele. Busque persuadir os pecadores, em nome do amor e da misericórdia de Deus, a que eles arrolem seus nomes na família de Deus e se lancem sobre ele a fim de serem salvos. Diga-lhes que Deus se encontrou com você e abriu os segredos da graça e deu a você a certeza da terra que emana as delícias infinitas que os olhos ainda não viram. Logo, ao dizer a outros o que Deus fez por sua alma, poderá levá-los a se apaixonar pelos caminhos de Deus e fazê-los se achegar ao cristianismo. Segundo, aumentando a certeza no consolo àqueles que não a têm. Seja como o bom samaritano e derrame o vinho e o óleo nas feridas. Você, que já possui essa certeza, está no porto seguro e convicto de sua felicidade, não pode esquecer aqueles que estão lutando contra as ondas da tentação e do desânimo e prestes a afundar. Solidarize-se com eles e faça o que puder para consolá-los enquanto estão nesse oceano profundo: “ Se som os confortados, é tam bém para o vosso co n fo rto ” (2Co 1.6). A experiência consoladora de um cristão sendo comunicada a outro deve reanim ar e apoiar um coração desanim ado. “N osso conforto” , diz o apóstolo, “é para vosso conforto” .

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Terceiro, desenvolvendo a certeza ao andar cada vez mais de maneira celestial. Quem tem um desejo pelo céu deve desprezar as coisas terrenas. Você tem alimento angelical, então não se torne uma serpente que come poeira o tempo todo. O ímpio só pensa em carne, vinho e orgias, mas você tem aquilo que é o melhor. Deus fez resplandecer a luz do rosto dele sobre você. Será que você desejará o mundo, quando foi alimentado com uvas e romãs da terra santa? Desejará os alhos e as cebolas do Egito? Vestido com o sol, trocará o mesmo pela lua e as estrelas acima de você? Deixe aqueles que não têm nada mais para se alimentar além de refugos correrem para o mundo. Você tem certeza do céu, isto não é suficiente? O reino não satisfará você? Aqueles que têm grande certeza deveriam viver acima do mundo. Quarto, desenvolvendo a certeza por meio de uma caminhada alegre. Pessoas condenadas é que andam cabisbaixas. Você não foi absolvido? Deus sorri para você? Então, anime-se. “Por que tanto emagreces, de dia para dia, ó filho do rei?” (2Sm 13.4). Você não é filho do rei? Deus não lhe assegurou sua adoção, e ainda está triste? A certeza deveria ser um antídoto contra todos os problemas. E se o mundo lhe odiar? Estará seguro que é um dos favoritos de Deus. E se houver pouco óleo na lata e for desprezado no mundo? Você é grande em certeza, por isso, alegre-se. Observe os pássaros, como cantam: cantam e gorjeiam, embora não saibam onde apanhar o próxim o alim ento. D everiam ficar tristes e desanim ados por ter o compromisso por parte de Deus lhes assegurando o pão de cada dia e seu amor lhes assegurando o céu? Certamente aqueles que têm certeza só podem ficar animados. v. C aso tenha certeza da salvação, p erm ita que ela o leve a desejar um estado glorificado. O trabalhador zeloso deseja receber tudo o que lhe foi prometido. A alma que experimentou quão doce o Senhor é deveria desejar um gozo completo dele no céu. Cristo colocou o anel da certeza em sua mão, assim se comprometeu como esposo. Como deveríamos desejar a ceia das bodas do Cordeiro (Ap 19.9). Então, cristão, pense: se numa olhadela no céu ver o sorriso da face de Deus é tão doce, o que será estar para sempre iluminado pelo sol da luz da sua face? Certamente você tem uma segurança de sua porção no céu, então só pode desejá-la. Fique contente de estar vivo, mas pronto a morrer. vi. Caso tenha certeza da sua justificação, cuide p a ra que não a perca. Mantenha a certeza, pois ela é a sua vida, seu bem e o consolo de sua vida. Guarde a certeza, primeiramente pela oração: “Continua a tua benignidade” (Sl 36.10). Senhor, mantenha a certeza; não retire de mim essa dádiva selada. Em segundo lugar, guarde a certeza pela humildade. O orgulho afasta Deus da alma. Quando você estiver com pouca certeza, humilhe-se. Paulo tinha certeza e foi batizado com o nome de principal dos

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pecadores (lT m 1.15). A jóia da segurança ficará mais bem guardada no armário de um coração humilde. G A

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“Graça e paz vos sejam multiplicadas.” 1Pe 1.2 Depois de falar do prim eiro fruto da santificação, a certeza, desejo prosseguir apresentando o segundo fruto que é a paz: “Que a paz vos seja m ultiplicada” . a. Quais são os vários tipos ou espécies de paz? A paz, nas Escrituras, é comparada a um rio que se divide em dois braços dourados (Is 66.12). i. Elas nos apresentam a paz exterior. Essa paz pode ser de dois níveis, a paz econômica ou paz na família e a paz política ou paz no Estado. A paz é o cuidado com a abundância: “ Estabeleceu a paz nas tuas fronteiras e te farta com o melhor do trigo” (Sl 147.14). Que agradável é quando as águas da morte começam a baixar e podemos ver as janelas de nossa arca se abrirem e a pomba voltar com um ramo de oliveira da paz. Podemos ter também a paz eclesiástica ou paz na igreja. Assim como a união da Trindade é o maior mistério no céu, a unidade na diversidade da igreja é a maior misericórdia na terra. A paz eclesiástica se levanta em oposição ao cisma e à perseguição. ii. Elas nos apresentam a paz espiritual. Essa paz pode ser dividida em vertentes: a paz nas regiões celestiais ou paz com Deus e a paz dentro de nós ou paz de consciência, que é superlativa. Outros tipos de paz podem ser duradouros, mas essas duas são para sempre. b. De onde vem essa paz? A Trindade é autora dessa paz. Deus o Pai é “O Deus da paz” ( lTs 5.23). Deus o Filho é o “Príncipe da Paz” (Is 9.6). A paz é o “Fruto do Espírito” (G1 5.22). i. Deus, o Pai, é o Deus da paz. Assim como é o Deus da ordem, também é o Deus da paz (1 Co 14.33; Fp 4.9). Esta era a ordem da bênção sacerdotal sobre o povo: “O S enhor sobre ti levante o rosto e te dê a paz” (Nm 6.26). ii. Deus, o Filho, é aquele que com pra a paz. Fez paz por meio de seu sangue: “ Havendo feito a paz pelo sangue da sua cruz” (Cl 1.20). A expiação que Arão fez pelo povo, quando entrou no Santo dos santos com sangue, era um tipo de Cristo, nosso sumo sacerdote, Cristo, que pelo seu sacrifício pacificou a ira de Deus, seu Pai, e fez expiação por nós. Cristo comprou nossa paz com alto preço, pois sua alma estava em agonia enquanto lutava para trazer paz ao mundo.

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iii. Deus, Espírito Santo, de quem a paz é fruto. Ele sela a paz na consciência. O Espírito esclarece a obra da graça no coração, e dessa obra surge a paz. Havia um poço de água próximo a Hagar, mas ela não o viu, portanto chorava. O cristão tem graça, mas não a enxerga, portanto chora. O Espírito age revelando esse poço de água ao cristão e capacitando a consciência a testemunhar a outros a existência da obra efetiva da graça e que, dessa obra, flui a paz à sua alma. A paz se processa da seguinte maneira: o Pai a decreta, o Filho a compra e o Espírito Santo a aplica. c. Aqueles que estão destituídos de graça podem ter paz? Não. A paz flui da santificação, mas os não-regenerados não têm nada com a paz: “Para os perversos, diz o meu Deus, não há paz” (Is 57.21). Eles podem ter uma trégua, mas não paz. Deus pode evitar o ímpio por um pouco e parar o som de seu canhão, mas embora possa haver trégua, não há paz. O ímpio pode ter algo que se pareça com a paz, mas não é. Pode não ter tem or e conhecim ento, mas há uma grande diferença entre uma consciência entorpecida e uma consciência pacificada: “Quando o valente, bem armado, guarda a sua própria casa, ficam em segurança todos os seus bens” (Lc 11.21). Essa é a paz do diabo, ele acalenta os homens no berço da segurança, mas insinuam enquanto estão no precipício do inferno. A aparente paz que um pecador tem não provém do conhecimento de sua felicidade, mas da ignorância do perigo que passa. d. Quais são os sinais de uma fa lsa paz? i. A falsa paz é a que tem muita confiança em si, ainda que essa confiança seja enganadora. O pecador não duvida da misericórdia de Deus e dessa confiança presunçosa procede quietude para sua mente. A mesma palavra no hebraico, cassai, significa tanto confiança como tolice. De fato, a confiança de um pecador é sua tolice. Como as virgens néscias estavam confiantes. ii. A falsa paz separa o que Deus já reuniu. Deus uniu a santidade e a paz, mas aquele que tem uma falsa paz separa as duas. Ele exige a paz, mas bane a santidade: “Terei paz, ainda que ande na perversidade do meu coração, para acrescentar à sede a bebedice” (Dt 29.19). O ímpio é inseguro e vão, e mesmo que agradeça a Deus por ter paz - em sua tola desilusão tenta extrair saúde do veneno, assim como paz do pecado. iii. A falsa paz não suporta ser testada. Uma mercadoria que não suporta a luz sinaliza ser de má qualidade. Um sinal de que um homem roubou mercadorias é não permitir que sua casa seja revistada. Uma falsa paz não suporta os testes da Palavra. A Palavra fala de uma obra humilde

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que refina a alma antes de receber a paz. A falsa paz não pode suportar ouvir isso. O mínimo problema abalará essa paz, terminará em desespero. Na falsa paz, a consciência fica adormecida; no entanto na morte, quando esse leão da consciência acordar, rugirá, ele será um terror para ela mesma e estará pronto para pôr mãos violentas sobre ela. e. Como podemos saber que a nossa paz é a verdadeira ? i. A verdadeira paz flui da união com Cristo. O implante ou o ramo deve primeiramente ser enxertado na árvore antes que possa receber a seiva ou o alimento dela. Também nós primeiramente devemos ser implantados em Cristo antes que possamos receber a paz dele. Temos paz? Pela santidade somos feitos como Cristo, quando cremos fomos unidos a ele, e estando em Cristo temos paz (Jo 16.33). ii. A verdadeira paz flui da sujeição a Cristo. Onde Cristo dá sua paz, estabelece seu governo no coração: “Para que se aumente o seu governo, e venha paz sem fim” (Is 9.7). Cristo é chamado de aquele que se assenta no trono (Zc 6.13). Cristo, como sacerdote, faz a paz, no entanto é um sacerdote sobre seu trono. Ele leva o coração à sujeição a si mesmo. Se Cristo é nossa paz, ele é nosso príncipe (ls 9.6). Quando Cristo pacifica a consciência, subjuga a luxúria. iii. A verdadeira paz vem depois dos problemas. Primeiramente, Deus liberta o espírito encarcerado, convence e humilha a alma e, depois, ele dá a paz. Muitos dizem que têm a paz, mas essa paz está antes da tempestade ou depois? A verdadeira paz acontece depois do problema. Primeiramente acontece um terremoto, depois o fogo e então vem a calmaria e a voz suave (l Rs 19.12). Quem nunca teve um ferimento talvez nunca tenha tido paz. Deus derrama o óleo dourado da paz em corações quebrados. f. Todas as pessoas santificadas têm essa paz? Elas têm o direito à paz, têm a base dela. A graça é a semente da paz e na hora certa se transformará em paz. Como os botões de uma árvore frutificam, o leite se torna creme. Têm a promessa da paz: “O S enhor abençoa com paz ao seu povo” (Sl 29.11). Podem ter paz com Deus, embora não tenham paz em suas próprias consciências. Têm o início da paz. Há uma paz secreta que o coração tem ao servir Deus, é como um batimento cardíaco que reaviva a alma e não a deixa desfalecer. g. Por que nem todos os crentes têm alegria plena e possuem paz?

Por que essa flo r da paz não está totalmente madura e completa? Alguns crentes podem não experimentar tal grau de paz, eis algumas razões para isso:

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1. O crente pode não aproveitar a paz por causa da fúria da tentação, conquanto o demônio não nos possa destruir, ele nos perturba. Ele argumenta contra nossa adoção, faz-nos perguntas sobre a obra da graça em nossos corações agitando as águas de nossa paz. Ele é como um enganador sutil, que, se não puder fazer nulo o direito que um homem tem a uma terra, fará que tenha muitos problemas legais. Se Satanás não nos pode fazer ímpios, nos fará inquietos. Ventos violentos fazem o mar agitado e bravio, também os ventos da tentação soprando atrapalham a paz de espírito e agitam a alma. 2. Além disso, o crente pode não aproveitar a paz por causa dos erros e das desilusões do pecado. O crente que passa por isso vê tanta corrupção que pensa que se houvesse graça não haveria tamanha obra de corrupção. Isso deveria estar longe de desencorajar os cristãos e de atrapalhar sua paz, muito menos de ser um argumento a esse respeito. Deixe-me fazer uma pergunta: Quando fo i que você sentiu o pecado? Nenhum homem pode sentir o pecado, a não ser pela graça. Um homem ímpio é insensível. Podese colocar um peso de cem quilos sobre um homem morto que ele não reclama. Por outro lado, estar sensível à corrupção é algo que vem de um princípio da graça (Rm 7.21). Novamente pergunto: quando é que há combate com o pecado, não é quando há uma vida na graça? (G1 5.17). Coisas mortas não podem lutar. Quando foi que os santos choraram pelo pecado? O que são essas lágrimas, a não ser sementes de fé? O nãoentendimento disso atrapalha a paz do cristão. 3. E, por fim, o crente não apreciará a paz se tiver preguiça em seu trabalho, pode abandonar o primeiro amor. Quando os cristãos esfriam seu ardor, Deus esfria sua paz. Quando as cordas de uma harpa são folgadas, a música se estraga, assim, se os cristãos relaxam no trabalho, estragam a doce música da paz em suas almas. Assim quando o fogo acaba, o frio aumenta. Ao passo que o fervor no trabalho diminui, nossa paz se esfria. A

p l ic a ç õ e s

Primeira aplicação: lute por essa bendita paz - paz com Deus e de consciência. A paz com nações vizinhas é algo doce. “A paz é melhor que inúmeros triunfos.” A palavra hebraica shalom, paz, engloba todas as bênçãos. É a glória de um rei. A coroa de um príncipe é mais bela quando está posta com uma margarida branca da paz do que quando está posta entre as rosas vermelhas do sangue da guerra. Quão doce é a paz da consciência. E uma fortaleza contra o inimigo (Fp 4.7). Ela o guardará como se você estivesse em um forte no qual se pode fazer provocação e afronta aos inimigos. E o pote de ouro e o maná. E o primeiro fruto do paraíso. É a música calma que quando falta deixa o cristão amedrontado e

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as ordenanças não o consolam. Ana subiu a Jerusalém para a festa, mas chorava e não comia (1 Sm 1.7). Assim, uma pobre alma deprimida vai até uma ordenança, mas não come do banquete, chora e não come. Não pode se consolar com bênçãos mundanas: saúde, propriedades, relacionamentos. Essa pessoa quer a paz interior, que deveria ser um tempero para suavizar seus sucessos. Então, trabalhe por essa bendita paz. Leve em consideração seus efeitos nobres e excelentes. 1. A paz dá ousadia diante do trono da graça. O peso na consciência corta as asas da oração, faz a face ficar vermelha e o coração entristecido, mas quando um cristão tem algumas apreensões reais quanto ao amor de Deus e o Espírito sussurra a paz, ele vai até Deus com ousadia, como uma criança ao seu pai: “A ti, S enhor , elevo a minha alma” (Sl 25.1). A alma de Davi já esteve currada: “Sinto-me encurvado e sobremodo abatido, ando de luto o dia todo” (Sl 38.6). Agora, o caso mudou, e ele levantará sua alma para Deus de um modo triunfante. Como isso aconteceu? Deus transmitiu paz à sua alma: “Pois a tua benignidade, tenho-a perante os olhos e tenho andado na tua verdade” (Sl 26.3). 2. Essa paz divina faz o coração arder com o amor a Cristo. A paz é o resultado do perdão. Quem tem o selo do perdão não pode fazer outra coisa senão amar o seu príncipe. Quão precioso é Cristo para a alma. Cristo é de fato precioso. A alma diz: “Como é doce essa rosa de Sarom. Cristo atravessou um mar de sangue e ira para comprar minha paz? Não somente fez a paz, mas a transmitiu a mim. Quanto essa segurança não fará meu coração ascender aos céus em uma carruagem de amor. Como eu deveria estar pronto a sofrer por Cristo!” 3. Essa paz sossega o coração atormentado: Esta será a nossa paz. “Quando a Assíria vier à nossa terra, e quando passar sobre os nossos palácios, levantaremos contra ela sete pastores e oito príncipes dentre os homens” (Mq 5.5). Os inimigos podem invadir nossos palácios, mas não tomar nossa paz. O homem Cristo será a paz. Quando a cabeça dói, o coração pode estar bem; e quando problemas mundanos nos atacam, nossa mente pode estar em paz e em sossego: “Em paz me deito e logo pego no sono” (Sl 4.8). Davi passou por um momento triste, ele estava fugindo de seu filho Absalão que queria matá-lo. Não foi um pequeno sofrimento pensar que o próprio filho poderia tirar sua vida e sua coroa. Davi chorou e cobriu sua cabeça (2Sm 15.30). Mesmo assim, naquele momento disse: “Em paz me deito e pego no sono”. Ele estava atribulado por causa de seu filho, mas tinha paz em sua consciência. Davi pôde dormir sobre um travesseiro suave de uma boa consciência. Essa é uma paz que vale a pena ter.

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Diante dessas bênçãos, alguém pode perguntar: O que devemos fa zer para conseguir essa bendita paz? Eis alguns passos: 1. Peçamos a Deus. Ele é o Deus da paz. Ele ataca o leão que ruge, ele acalma a agitação da consciência. Se pudéssemos chamar todos os anjos do céu, não poderiam enviar paz sem Deus. As estrelas não podem ter chance sem o Sol, nada pode ter vantagem em uma alma abandonada e escura, a não ser o Sol da Justiça. Assim como o deserto não pode aguar a si mesmo, mas permanece seco e árido até que as nuvens gotejem seu orvalho, também nossos corações não podem ter paz até que ele nos dê a paz e a faça gotejar sobre nós pelo seu Espírito. Portanto, ore: “Senhor, tu que és o Deus da paz, cria paz; tu que és o Príncipe da paz, ordene-a. Dê-me essa paz que acalma a turbulência, sim, mesmo o amargo cálice da morte” . 2. Para ter paz é preciso declarar guerra contra o pecado. O pecado é o Acã que nos causa problemas, o cavalo de Tróia. “Sucedeu que, vendo Jorão a Jeú, perguntou: Há paz, Jeú? Ele respondeu: Que paz, enquanto perduram as prostituições de tua mãe Jezabel e as suas muitas feitiçarias?” (2Rs 9.22). Que paz, se o pecado continua vivo! Para ter paz com Deus é necessário quebrar a ligação com o pecado, guerrear contra ele, pois é uma guerra muito justa. Deus proclamou, ou melhor, prometeu-nos vitória: “Porque o pecado não terá domínio sobre vós” (Rm 6.14). Não há outro caminho para a paz senão manter uma guerra contra o pecado. “Nossa paz é uma guerra contra o diabo”, disse Tertuliano. Quando Sansão matou o leão, mel saiu do leão. Assim, ao matar o pecado obtemos o mel da paz. 3. Vá ao sangue de Cristo à busca de paz. Alguns tentam colher paz de suas próprias justiças, não da de Cristo. Eles vão atrás de paz em suas próprias vidas santas, não na morte de Cristo. Se a consciência está atribulada, tentam acalmá-la com suas atividades. Essa não é a maneira certa para se alcançar a paz. Atitudes não devem ser negligenciadas, nem idolatradas. Olhe para o sangue aspergido (Hb 12.24). Aquele sangue de Cristo que pacificou Deus deve pacificar nossa consciência. O sangue de Cristo, sendo sugado pela fé, dá a paz: “Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo” (Rm 5.1). Nenhum bálsamo cura uma consciência ferida, somente o sangue de Cristo. 4. Ande perto de Deus. A paz flui da pureza: “ E, a todos quantos andarem de conformidade com esta regra, paz e misericórdia sejam sobre eles” (G1 6.16). No texto, graça e paz são colocadas juntas. Graça é a raiz e a paz é a flor. Assim como pingos de bálsamo destilados, a paz divina vem de um coração gracioso. Ande de maneira santa. O Espírito de Deus é um refinador antes de ser um consolador. Segunda aplicação: você, que tem essa paz, a paz que vem do alto, a paz interior, lute para m antê-la. Ela é uma jó ia preciosa, não a perca.

Notas

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85 C a m e rá rio , Jeoachim (1500-1574), teólogo e profundo conhecedor dos clássicos e das línguas clássicas. Foi am igo de M elanchton e professor em Nurem berg, posteriorm ente reorganizou a faculdade de T übingen sob ordens do Duque Ulrich de W ittem berg (N. do E.). 86 Possivelm ente Watson esteja se referindo a A ntígono G ó n a ta s (319-239 a.C.), rei da M acedonia entre 276-239 a.C. (N. do E.). 87 C ipiâo A fricano (236-183 a.C.), general no período da Segunda G uerra Púnica e estadista rom ano (N. do E.). “ O episódio citado por Watson se refere à coroação de Felipe VI de Volois (1293-1350) na França cm 1328. Eduardo 111 da Inglaterra tinha direito ao trono francês por via de Isabel de França, mas, com receio de perder sua independência, os franceses cercearam seu direito ao trono pela evocação dessa lei que impedia m ulheres ou descendentes por via feminina de assum irem o trono. Esse incidente culm inou na G uerra dos 100 anos. A origem da Lei Sálica (Lex Salica) rem onta ao séc. V (N. do E.). 89 Apeles de Cós, pintor famoso do IV século. Pouco se sabe a seu respeito, a não ser pelas informações obtidas na descrição feita por Plínio em sua H istória N atural. A alusão feita por Watson se refere a um episódio ocorrido entre dois pintores: Apeles e Protógenes, em que Protógenes aperfeiçoou um quadro feito por A peles e o enviou de volta a seu criador. A peles, para provar sua perícia ao colega, conseguiu aperfeiçoá-lo ainda mais em seus contornos e tons (N. do E.). 90 C a tã o , possivelm ente Watson se refira a M árcio Pórcio C atão (243-149 a.C.), estadista, erudito e censor rom ano (cargo político que visava à vigilância m oral dos cidadãos rom anos). Conhecido por sua austeridade e a elim inação dos senadores que considerava aquém da m oralidade exigida de um senador. S ó crates (470-399 a.C.), filósofo ateniense e um dos fundadores da atual filosofia ocidental. A ristid es (540-468 a.C.), estadista ateniense, ficou conhecido com o “o ju sto ” por sua dedicação e seu altruísm o para com a gestão pública (N. do E.). 91 Jo h a n n e s O e k o la m p a d , ou E colam padius (1482-1531) foi um teólogo suíço, hum anista e reform ador na Basiléia (N. do E.). K H eliogábalo, ou Sestio Vario Avito Bassian (203-222 d.C.). O últim o Im perador Rom ano da dinastia dos Severos. Conhecido por sua opulência e sua excentricidade, e tam bém por sua devassidão m oral (N. do E.). 93 A tlas - também cham ado A tlante - foi um dos titãs gregos, condenado por Zeus a suster o céu para sempre. Atlas foi o prim eiro rei da m ítica A tlântida (N. do E.). 94 G aspar Oleviano (1537-1587), reform ador holandês, com U rsino, escreveu o C atecism o de H eidelberg (N. do E.). 95 G re g ó rio de Nissa (Cesaréia. Capadócia: 330-395), teólogo e escritor cristão. Um dos pais da igreja e irmão de B asilio Magno, faz parte, com este e com Gregório Nazianzeno, dos assim denom inados grandes capadócios (N. do E.). 96 Isa ac C a sa u b o n (1559-1614) chegou a ser reconhecido com o a personalidade de m aior erudição na Europa em seu tem po, lecionou na academ ia de G enebra e na U niversidade de M ontpelier (N. do E.). 97 H einrich B ullinger (1504-1575) reform ador suíço, sucessor de Z w inglio na liderança da igreja de Zurique e no pastorado G ríism ancher (N. do E.). 98 G re g ó rio . o Grande, ou G regório N azianzeno (N. do E.). 99 E u ríp e d es (485-406 a.C.) foi um poeta trágico grego (N. do E.). 100 Rei H enry T u d o r ou H e n riq u e V II (1457-1509) (N. do E.). 101 P rom eteu. Na m itologia, era um titã grego. Em punição por dar aos hom ens o fogo, que era algo exclusivo dos deuses, Zeus o m andou acorrentar no cum e do M onte Cáucaso e todo dia um a águia vinha lhe com er o fígado que, em virtude da im ortalidade de Prom eteu, regenerava-se e no dia seguinte era devorado novam ente pela ave (N. do E.). 102 B oethius (c. 480-525 d.C.) foi um filósofo cristão (N. do E.). ,0’ E udóxio (408- 347 a.C.) filósofo grego e aluno na academ ia de Platão, na G récia, conhecido por suas grandes descobertas m atem áticas, tam bém era astrônom o (N. do E.).

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E triste ter a liga da paz nacional quebrada, mas é pior ter a paz da consciência quebrada. Preserve essa paz. Primeiramente, evite recaídas. Deus transmitiu paz? Não retome à vida de néscio (SI 85.8). Além de ingratidão, há tolices nas recaídas. Demorou a que Deus se reconciliasse e a brecha fosse tampada. Você apagará e anulará sua paz? Deus curou a ferida da consciência. Você a abrirá novamente? Você ferirá outra veia? Cortará uma nova artéria? Isso é de fato um retomo à impiedade. Que loucura é se misturar com aquele pecado que produzirá vermes na consciência. Em segundo lugar, purifique sua vida espiritual diariamente. Veja quais questões se colocam entre Deus e sua alma. “De noite indago o meu íntimo” (SI 77.6). Freqüentes indagações do pensamento fazem Deus e a consciência continuarem amigos. Faça com seu coração assim como você faz com seu relógio, limpe-o toda manhã por meio da oração e à noite examine para ver se o seu coração foi verdadeiro o dia todo, se as engrenagens de suas afeições se moveram suavemente em direção ao céu. Faça uma auto-análise todos os dias! Mantenha a auto-análise em dia, pois é o caminho para manter sua paz. H. A A LEG RIA “Mas o fruto do Espírito é: ... alegria” (G1 5.22). O terceiro fruto da justificação, da adoção e da santificação é a alegria no Espírito Santo. Alegria significa colocar a alma sobre o topo de um pináculo - é a nata do genuíno leite da Palavra. A alegria espiritual é uma paixão doce e prazerosa, ela provém do conhecimento e do sentimento de algo bom, pelo que a alma recebe suporte em problemas presentes e proteção contra medos futuros. i. A alegria é um a paixão prazerosa. É contrária ao sofrimento, que é uma perturbação da mente pela qual o coração fica perplexo e entristecido. A alegria é uma afeição agradável e doce que sossega a mente e que anima e consola o Espírito. ii. A alegria surge do sentim ento de algo bom. A alegria não é um impulso ou uma ostentação, mas é algo racional que surge de um sentimento de algo bom, como o sentimento do amor e do favor de Deus. A alegria é tão real que opera uma mudança repentina em uma pessoa e transforma o sofrimento em melodia. É semelhante à estação da primavera, em que o Sol surge em nosso horizonte e altera repentinamente a face do universo: os pássaros cantam, as flores aparecem, a figueira mostra seus frutos. Tudo parece se regozijar e eliminar seu sofrimento, como se estivesse reavivado com a influência doce do Sol. Assim, quando o Sol da Justiça nasce, muda repentinamente a alma que se regozija infinitamente com os raios dourados do amor de Deus.

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iii. A alegria dá suporte à alma que passa por problemas. A alegria impressiona e engole os problemas, leva o coração para um lugar acima dos problemas, como o óleo flutua sobre a água. iv. A alegria protege o coração contra temores futuros. A alegria é tanto um estimulante quanto um antídoto. É um estimulante que dá alívio imediato ao espírito quando está triste e é um antídoto que protege do medo de perigos que se aproximam: “Não temerei mal nenhum, porque tu estás comigo; o teu bordão e o teu cajado me consolam” (SI 23.4). a. Como essa alegria é produzida? i. Procede parcialmente da promessa. Como uma abelha se apóia no peito da flor e suga o açúcar, também a fé se apóia no peito de uma promessa e suga a essência da alegria: “Nos muitos cuidados que dentro em mim se multiplicam, as tuas consolações me alegram a alma” (SI 94.19). ii. Procede da ação do Espírito. O Espírito de Deus, que é chamado de “Consolador” (Jo 14.26), às vezes pinga esse óleo dourado da alegria dentro da alma. O Espírito sussurra ao crente quanto à remissão de seu pecado e espalha o amor de Deus por todo o coração, do qual fluem alegria e prazer infinitos (Rm 5.5). b. Quais são os momentos em que Deus dá essa alegria divina a seu povo? Há cinco momentos específicos, veja: i. Na Santa Ceia. A alma se aproxima de Cristo chorando no Sacra­ mento e Deus troca o choro por alegria. Os judeus tinham um costume em suas festas de derramar óleo sobre seus convidados e beijá-los. Na Comunhão, Deus geralmente derrama o óleo da alegria sobre os santos e os beija com beijos de seus lábios. Há duas g ran d es fin alid ad es no Sacram ento: O fortalecimento da fé e o florescimento da alegria. Nessa ordenança, Deus demonstra a bandeira de seu amor, os crentes não somente experimentam o pão sacramental, mas o maná escondido. Não significa que Deus sempre tem um encontro alegre com a alma. Ele pode dar aumento de graça quando não aumenta a alegria, mas geralmente derrama o óleo da alegria e dá à alma um selo particular de seu amor, assim como Cristo se fez conhecido no partir do pão. ii. Antes do sofrimento. Deus derrama sua alegria sobre seu povo antes de permiti-lo passar por sofrimento. “Na noite seguinte, o Senhor, pondo-se ao lado dele, disse: Coragem!” (At 23.11). Quando Deus estava a ponto de dar a Paulo um cálice de sangue para beber, ele o estimulou com alegria: “Porque, assim como os sofrimentos de Cristo se manifesta em grande medida a nosso favor, assim também a nossa consolação transbordam por meio de

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Cristo” (2Co 1.5). Isso transformou as chamas dos mártires em camas de rosas. Quando Estêvão estava sendo apedrejado, viu o céu aberto e o Sol da Justiça brilhou sobre a sua face. Deus adoça nossa amargura com açúcar. iii. Depois de conflitos. Após alguns conflitos difíceis com Satanás. Ele é o dragão vermelho que agita as águas, ele amedronta a alma, nos engana dizendo que não temos graça e que Deus não nos ama. Embora ele não possa manchar a evidência da graça, pode lançar uma nuvem diante dos olhos para não enxergá-la. Quando a alma é machucada com tentações, Deus consola e conforta o crente machucado ao lhe dar alegria a fim de confirmar o direito do cristão ao céu. Após os dardos inflamados de Satanás vem a pedra branca. Não há um bálsamo melhor para curar uma alma que foi tentada do que o óleo da alegria. Depois que Cristo foi tentado, “anjos... o serviram” (Mt 4.11). iv. Depois do abandono. O abandono é uma flecha envenenada que é atirada ao coração (Jó 6.4). Deus é chamado de fogo e de luz, a alma abandonada sente o fogo, mas não vê a luz, grita como Asafe: “Cessou perpetuamente a sua graça?” (Sl 77.8). Quando a alma está nessa situação e pronta para desmaiar em desespero, Deus brilha sobre ela dando uma visão de seu favor, transformando a sombra da morte em luz da manhã. Deus guarda seus estímulos para um momento de desânimo. A alegria depois do abandono é como a ressurreição depois da morte. v. Na hora da morte. Aqueles que por acaso não tiveram alegria em toda a vida, Deus põe esse açúcar no fundo do cálice, para fazer da morte uma experiência doce. Na última hora, quando todos os outros consolos já se foram, Deus envia o Consolador. E, quando não há mais fome, ele os alimenta com o maná escondido. Como o ímpio antes da morte tem algumas previsões do inferno e da ira em sua consciência, também o crente pressente o favor eterno de Deus. Embora algumas vezes suas doenças possam ser tais que seu espírito fica tão oprimido a ponto de não conseguir expressar o que sente. Jacó se deitou em uma pedra e teve a visão de uma escada e anjos subindo e descendo. Quando os santos se deitam para dormir o sono da morte, geralmente têm uma visão: eles vêem a luz da face de Deus e têm as evidências de seu amor seladas neles para sempre. c. Quais são as diferenças entre as alegrias mundanas e as espirituais? Saibam de uma coisa: os grãos da alegria espiritual são melhores que a colheita da alegria do mundo. i. Alegrias espirituais ajudam a nos tornar melhores e alegrias m undanas geralm en te nos fazem piores: “ Falei co n tig o na tua prosperidade, mas tu disseste: Não ouvirei” (Jr 22.21). Orgulho e luxúria são os dois vermes produzidos nos prazeres mundanos. “O vinho engana o

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coração”, pois é “o fomento da libido”, disse Agostinho, “O vinho e o mosto tiram o entendimento” (Os 4.11). Assim como Satanás entrou no pão, geralmente entra no cálice. Mas a alegria espiritual faz as pessoas melhores. É como um estimulante, que, como dizem os médicos, não somente alegra o coração, mas purifica o humor intoxicado. Assim, a alegria divina é um estimulante, que não somente consola, mas purifica. Faz um cristão mais santo, provoca uma antipatia pelo pecado, atribui força para realizar e para sofrer. “Aalegria do S enhor é a vossa força” (Ne 8.10). Assim como algumas cores não somente agradam aos olhos, mas fortalecem a vista, assim as alegrias de Deus não somente refrescam a alma, mas a fortalecem. ii. As alegrias espirituais são interiores, pois são alegrias do coração: “O vosso coração se alegrará” (Jo 16.22). Sêneca dizia que a verdadeira alegria está escondida internamente, enquanto que a alegria mundana fica do lado de fora, como o orvalho que umedece uma folha. Lemos a respeito daqueles que se alegram na aparência, que em grego significa na face (2Co 5.12). E uma alegria que não passa do rosto, pois não é interior, “No sorriso o coração está triste”. É como uma casa que tem uma fachada opulenta, mas todos seus quartos são melancólicos. A alegria espiritual está principalmente do lado de dentro: “O vosso coração se alegrará” . A alegria divina é como uma fonte de água que corre debaixo da terra. As pessoas podem ver os sofrimentos de um cristão, mas não enxergam sua alegria: “Da sua alegria não participará o estranho” (Pv 14.10). Sua alegria é um maná escondido do olhar do mundo. Ele ainda tem uma música que os outros não podem ouvir. O tutano fica no interior assim como a melhor alegria do coração. iii. As alegrias espirituais são mais doces que as outras. Elas são melhores que o mais puro vinho (Ct 1.2). São uma festa para o cristão, são o pote de ouro e o maná. São tão doces que fazem tudo o mais doce. Adoçam a saúde e a propriedade como água doce derramada sobre as flores, faz delas mais cheirosas e aromáticas. As alegrias divinas são tão deliciosas e arrebatadoras que tiram o desejo da nossa boca das delícias terrenas como quem tem bebido estimulantes e não vê doçura na água. Paulo experimentou as alegrias divinas, de maneira que seus lábios não tinham mais vontade de coisas mundanas. O mundo estava crucificado para ele, era como uma coisa morta, não podia encontrar doçura nele (G1 6.14). iv. As alegrias espirituais são mais puras porque não são temperadas com nenhum ingrediente amargo. A alegria do pecador é misturada com escórias, é cheia de amargura, de medo e de culpa. O lobo se alimenta alegremente dos seios de suas vítimas, assim ele bebe o leite misturado com sangue, mas a alegria espiritual não é manchada com culpa, é como um ribeirão

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cristalino, corre de maneira pura. É toda espiritual, é essência, é alegria e nada mais que alegria, é uma rosa sem espinhos, é mel sem cera. v. As alegrias espirituais são satisfatórias: “Pedi e recebereis, para que a vossa alegria seja completa” (Jo 16.24). As alegrias mundanas não podem encher o coração, como um pingo não pode encher uma cisterna. Podem agradar o paladar ou o gosto, o que Platão chama de imagens da alegria, mas não podem satisfazer a alma: “Os olhos não se fartam de ver, nem se enchem os ouvidos de ouvir” (Ec 1.8), mas as alegrias de Deus satisfazem: “As tuas consolações me alegram a alma” (Sl 94.19). Há muitas diferenças entre as alegrias espirituais e terrenas, assim como há diferenças entre um banquete que está servido e outro que está pintado em um quadro na parede. vi. As alegrias espirituais são mais fortes que as terrenas: “Forte alento” (Hb 6.18). As alegrias são de fato fortes, porque podem dar vigor a um coração cristão em lutas e em aflições. “Tendo recebido a palavra, posto que em meio de muita tribulação, com alegria do Espírito Santo” (ITs 1.6). São rosas que crescem no inverno, essas alegrias podem adoçar as águas de Mara. Quem tem essas alegrias pode colher uvas de espinheiros e tirar mel da carcaça de um leão: “Entristecidos, mas sempre alegres” (2Co 6.10). Na extremidade da vara o cristão experimenta o mel. vii. As alegrias espirituais não causam enfado. As outras alegrias, quando em excesso, geralmente causam desgaste, podemos nos exceder com elas. Muito mel causa náusea. Uma pessoa pode se cansar com o prazer, assim como com o trabalho. Xerxes ofereceu um prêmio àquele que pudesse encontrar algo novo que lhe desse alegria. Mas as alegrias de Deus, embora satisfaçam, nunca enjoam. Um pingo de alegria é doce, mas quanto mais desse vinho melhor. Quem bebe das alegrias do céu nunca enjoa, satisfazse sem se enjoar, pois continua desejando a alegria em que se satisfaz. viii. As alegrias espirituais são alegrias permanentes. As alegrias mundanas são passageiras. Aqueles que se coroam a si mesmos com botões de rosas e se banham em águas perfumadas de prazer podem ter alegrias que parecem doces, mas são passageiras. São com o m eteoros, que mostram seu brilho e sua luz repentina e depois desaparecem. As alegrias que os crentes têm são perm anentes. São flores da eternidade, um com prom isso e um desejo dos rios de prazer que correm do lado direito de Deus para sempre. d. Por que se deve lutar por essa alegria?

i. Porque a alegria espiritual é auto-existente. Isto é, ela pode existir na ausência de outras alegrias camais. Essa alegria não depende de coisas externas. Como os filósofos disseram quando os músicos vieram a eles:

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“Filósofos podem se alegrar sem música” . Assim, quem tem essa alegria pode ficar contente na ausência de alegrias carnais. Pode-se regozijar em Deus, na certeza da esperança da glória: “Ainda que a figueira não floresça” (Hc 3.17). A alegria espiritual pode andar sem muletas prateadas para suportá-la. A alegria espiritual está construída num patamar mais alto que as criaturas, está construída sobre o amor de Deus, sobre as promessas e sobre o sangue de Cristo. ii. Porque a alegria espiritual torna os deveres agradáveis. Ela conduz a alma entre os compromissos de maneira alegre, de modo que o dia do Senhor se torna algo agradável e a religião é uma recreação. O m edo e o sofrimento nos atrapalham de maneira a não nos deixar trabalhar, mas um cristão que serve a Deus ativamente o faz quando o serve com alegria. O óleo da alegria faz as rodas da obediência se moverem mais rapidamente. Como oraram mais fervorosamente aqueles que Deus encheu de alegrias na casa de oração (Is 56.7). iii. A alegria espiritual é chamada de reino de Deus. Isso é o que se lê em Romanos 14.17, pois ela nos faz sentir o gosto daquilo que os santos têm no reino de Deus. O que é o céu dos anjos, a não ser o sorriso da face de Deus, a percepção sensível e o sentimento daquelas alegrias que são infinitamente encantadoras e cheias de glória. A fim de nos encorajar e nos estimular a procurar tais alegrias, pense que Cristo morreu para comprar tais alegrias para seus santos. Ele foi um homem de dores para que os seus pudessem ser cheios de alegria. Ele orava para que os santos pudessem ter a alegria divina: “Mas, agora, vou para junto de ti e isto falo no mundo para que eles tenham o meu gozo completo em si mesmos” (Jo 17.13). Hoje, Cristo faz essa oração no céu, ele sabe que nós nunca o amamos tanto senão quando sentimos o seu amor. Isso pode nos encorajar a procurar essa alegria. Nós oramos a favor do que o próprio Cristo está orando quando oramos que sua alegria seja completa em nós. e. O que fa zer para obter essa alegria espiritual? Ande de maneira consistente e espiritual. Deus dá alegria depois de uma longa caminhada junto dele. i. Observe o seu tempo. Determ ine um mom ento todos os dias para Deus. ii. Sofra por causa do pecado. “O sofrimento é a semente”, como Basil diz: “de onde a flor da alegria espiritual brota” . “Tomarei a dar consolação, a saber, aos que dele choram” (Is 57.18). iii. Mantenha o livro da consciência bem escrito. Não ofusque a evidência da consciência nem por presunção. Uma boa consciência é a arca na qual Deus põe o maná escondido.

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A alegria

iv. O re a D eus f r e q ü e n te m e n te . O re com vida e com fervor. O mesmo Espírito que enche o coração com suspiros enche com alegrias. O mesmo Espírito que ilumina a oração sela a oração. Quando Ana orou, sua face não estava mais triste (IS m 1.18). Cristãos que oram têm muito relacionamento com Deus, nenhum deles carecerá dos segredos de seu amor, só os que se recusam a se corresponder com ele. Ao andar perto de Deus, apanhamos várias uvas pelo caminho, e elas fortalecem o desejo pela alegria futura, que será eterna. f. Como consolar quem carece de alegria? Os que andam em comunhão íntima com Deus têm mais alegria que os outros, por isso devem consolá-los. i. L em brando que a graça é a sem ente da alegria. A alegria inicial está na semente. “A luz (que é um sinônimo de alegria) difunde-se para o justo, e a alegria para os retos de coração” (Sl 97.11). A graça no coração é uma semente de alegria. Conquanto um cristão careça do sol, tem a estrela do dia em seu coração. ii. L em brando que o crente tem seu consolo em Deus. O crente tem um consolo de fato, ainda que não seja consolado como um rei. “Ele tem”, com o diz Tomás de A quino, “alegria em Deus, em bora não de D eus” . A alegria em Deus é o prazer da segurança que a alma tem em Deus: “Eu me alegrarei no S enhor ” (S l 104.34). Aquele que é verdadeiram ente agraciado é tão alegre a ponto de se consolar em Deus. Embora não possa dizer que Deus se alegre com ele, pode dizer que ele se alegra em Deus. iii. L e m b ra n d o q u e existe apoio, em b o ra não ten h a um consolo a rr e b a ta d o r. Tem o bastante para não deixar que afunde: “Tu me acudiste e alentaste a força de minha alm a” (Sl 138.3). Se um cristão não tem um braço de Deus para abraçá-lo, tem para suportá-lo. Assim, um cristão que anda com Deus tem algo que apóia seu coração para que não afunde. Não demora, o crente sabe disso, aquelas alegrias indizíveis e cheias de glória virão. A

p l ic a ç õ e s

Primeira aplicação: perceba que a religião não é algo melancólico, pois traz alegria. O fruto do Espírito é a alegria, que varia, mas não é destruída. Um cristão pobre que se alimenta de pão e água pode ter a alegria mais pura que grandes monarcas não têm. Embora tenha uma alimentação fraca, ele se alimenta de maneira intensa. Ele tem uma mesa preparada que vem do céu. Há uma comida angelical: o maná escondido. Às vezes experimenta doces arrebatamentos de alegria que causam júbilo de espírito. Ele tem aquilo que é mais fácil sentir que explicar (2Co 12.4).

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Segunda aplicação: se Deus dá tanta alegria nesta vida ao seu povo, imagine a gloriosa alegria que dará no céu. “Entra no gozo do teu senhor” (Mt 25.21). Aqui, a alegria começa a entrar em nós. Lá no céu, entraremos na alegria. Deus guarda seu melhor vinho para o final. Heliogábalo92 se banhou em doces águas perfumadas. Que alegria será quando a alma se banhar para sempre na fonte agradável e pura do amor de Deus. Que alegria será ver o brilho oriental da face de Cristo e receber os beijos dos lábios que derramam doce cheiro de mirra. “A noiva se alegrará no abraço de seu Senhor”, disse Agostinho. Pense que se um cacho de uvas aqui é tão doce, como será toda a produção. Tudo isso nos estimula a desejar aquele lugar onde o sofrimento não pode viver e a alegria não pode morrer. 1. O CRESCIM EN TO NA GRAÇA

“Antes, crescei na graça” (2Pe 3.18). A verdadeira graça é progressiva, a sua natureza a faz crescer e se espalhar. A graça é como a luz, prim eiram ente há o crepúsculo ou o amanhecer e, depois, o Sol brilha mais e mais até o meio-dia. Um bom cristão é como as árvores, as quais nunca param de crescer. Os santos não são somente comparados a estrelas por causa da sua luz, mas também a árvores por causa de seu crescimento (Is 61.3; Os 14.5). Um bom cristão não é como o sol de Ezequias que recuou, nem o sol de Josué que parou, mas está sempre avançando em santidade e crescendo com o crescimento que vem de Deus (IC o 3.6). a. De quantas maneiras se pode dizer que um cristão cresce na graça? i. O c ris tã o cresce no exercício d a g ra ç a . Sua lâm pada está queimando e brilhando, por isso lemos de uma esperança viva (lP e 1.3). Aqui está a atividade da graça. A igreja ora pelo sopro do Espírito, de maneira que o perfume dela se espalhe (Ct 4.16). ii. O cristão cresce de g rau em grau na graça. Ele vai de força em força, de um degrau da graça para outro (SI 84.7). Um santo vai de fé em fé (Rm 1.17). Seu amor é mais e mais abundante (Fp 1.9). b. Qual a maneira correta do crescimento cristão? i. C rescer menos aos p ró p rio s olhos: “Mas eu sou verme e não homem; opróbrio dos homens e desprezado do povo” (SI 22.6). A visão da corrupção e da ignorância leva um cristão a se apreciar cada vez menos, ele some aos próprios olhos. Jó se abominou no pó (Jó 42.6). E bom crescer quando se tem um conceito real de si mesmo. ii. C rescer sem pre proporcionalm ente. A maneira certa de crescer é proporcionalmente, crescer em uma graça tanto quanto nas outras (2Pe 1.5).

O crescim ento na g ra ça

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Crescer em conhecimento, mas não em humildade, amor ou boas obras não é um crescimento correto. Uma coisa pode inchar e não crescer, um homem pode ser inchado com o conhecim ento e não ter crescim ento espiritual. A maneira certa de crescer é a maneira uniforme, crescendo em uma graça e nas outras. Da mesma maneira como a beleza do corpo consiste na simetria de suas partes, em que nem somente a cabeça cresce, mas também os braços e o tronco, assim o crescimento espiritual é mais belo quando há simetria e proporção e cada graça prospera. iii. Crescer correspondentemente à necessidade. A maneira certa de crescer é quando um cristão tem uma graça apropriada para ser empregada em diversas ocasiões, quando as corrupções são fortes e ele tem graça capaz de combatê-las. Quando o peso é pesado e se tem paciência para suportálo, quando as tentações são terríveis e se tem fé para resisti-las. Assim a graça cresce da maneira certa. c. Por que dizemos que a verdadeira graça não pode deixar de crescer? i. Porque é natural à graça crescer. Ela é uma semente durável, a semente de Deus (1 Jo 3.9). Crescer é da natureza da semente. A graça não está no coração como se fosse uma pedra dentro da terra, mas como uma semente dentro da terra, por isso florescerá. Primeiramente aparece a folha, depois a espiga e os caroços de milho na espiga. ii. Por causa de sua doçura e sua excelência. Quem tem graça nunca se cansa dela, quer mais. O prazer que se tem na graça causa sede. A graça é a imagem de Deus e o cristão sabe que nunca pode ser totalmente como Deus. A graça inspira a paz. Um cristão, portanto, luta para crescer na graça para que possa crescer na paz. iii. Porque cresce em um crente implantado em Cristo. Aquele que é um broto implantado nessa nobre e generosa árvore só pode mesmo crescer. Cristo é tão cheio de seiva e de influência vivificante que faz todos que nele estão implantados crescerem frutíferos: “Sou como o cipreste verde; de mim procede o teu fruto” (Os 14.8). d. O que deve nos motivar ou incentivar a crescer na graça? i. O crescimento na graça é o propósito das ordenanças. A finalidade de uma pessoa investir dinheiro no solo, adubá-lo e molhá-lo não é para que se tome fértil? O leite da Palavra nos é dado para que possamos crescer com ele (1 Pe 2.2). A mesa do Senhor tem o propósito de nos alimentar espiritualmente e nos fazer crescer na graça. ii. O crescimento na graça é a melhor evidência de si mesmo. Aquilo que não tem vida não crescerá. Uma pintura não crescerá, uma estaca em um canteiro não crescerá, somente uma planta que tem vida vegetal crescerá. O crescimento na graça mostra vida na alma.

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iii. O crescimento na graça é a beleza de um cristão. Quanto mais uma criança cresce, mais adquire saúde e formosura, fica mais vistosa. Assim, quanto mais um cristão cresce na graça, mais sua aparência espiritual se destaca se tornando mais belo. A fé de Abraão era bela quando em seu período infantil, mas por último cresceu tão vigorosamente que Deus se apaixonou por sua fé e o coroou com a honra de ser o “pai da fé” . iv. Quanto mais crescemos na fé mais glorificamos a Deus. A glória de Deus é mais valorosa que a salvação de todas as almas dos homens. Este deveria ser o nosso desejo: levantar troféus da glória de Deus. Como fazer isso mais e mais a não ser crescendo na graça? “Nisto é glorificado meu Pai, em que deis muito fruto” (Jo 15.8). Embora uma pequenina dracma da graça seja suficiente para nos outorgar a salvação, em relação a Deus ela não lhe dará tanta glória, assim precisamos ser "... cheios do fruto de justiça, o qual é mediante Jesus Cristo, para a glória e louvor de Deus” (Fp 1.11). Recomenda-se a habilidade de um fazendeiro quando suas plantas crescem e produzem, logo é um louvor e honra a Deus quando somos bem-sucedidos na graça. v. Quanto mais crescermos na graça tanto mais Deus nos amará. Não é por isso que oramos? Q uanto mais crescim ento, tanto mais Deus nos amará. O fazendeiro ama suas plantas produtivas, o cristão produtivo é a “delícia de Deus” (Hephzibah, Is 62.4) ou a principal alegria de Deus. Cristo ama ver a vinha florescer e as romeiras darem flor (Ct 6.11). Ele aceita a verdade da graça, mas recomenda o crescimento na graça: “Em verdade vos afirmo que nem mesmo em Israel achei fé como esta” (Mt 8.10). Você será como o discípulo amado que deitou no peito de Cristo? Você diria que tem muito do amor de Cristo? Lute para ter mais crescimento, deixe que a fé floresça com boas obras e o amor aumente no zelo. vi. Precisamos crescer na graça, pois ainda há algo faltando em nossa fé (lT s 3.10). A graça ainda está em sua infância e sua minoridade, devem os ainda acrescentar centím etros em nossa estatura espiritual. Os apóstolos-disseram: “ Senhor: Aumenta-nos a fé!” (Lc 17.5). A graça se vê na fraqueza: “No presente, sou fraco, embora ungido rei” (2Sm 3.39). Então, embora sejamos ungidos com graça, somos fracos e precisamos alcançar graus mais altos de santidade. vii. O crescimento na graça impedirá o crescimento da corrupção. Quanto mais a saúde aumenta, tanto mais abate as infecções do corpo. Assim também é espiritualmente, quanto mais a humildade cresce, tanto mais o crescimento do orgulho é diminuído, quanto mais a pureza do coração cresce, tanto mais o fogo da luxúria é combatido. O crescimento de flores no jardim não impede o crescimento de ervas daninhas, mas o crescimento

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O crescim ento na graça

de flores da graça impede a corrupção de brotar. Algumas plantas, em razão de certas particularidades, não se desenvolvem junto a outras, assim acontece com a vinha e a pimenta, da mesma maneira, onde a graça cresce o pecado não se desenvolverá tão rapidamente. viii. Não podemos crescer demais em graça visto que nela não há excessos. O corpo pode crescer exageradam ente com o quando tem tendência, mas não acontece isto com a fé: “A vossa fé cresce sobremaneira” (2Ts 1.3). A fé crescia sobremaneira, mas não demais. Assim como um homem não pode ter saúde dem ais, também não pode ter graça de mais. A graça é a beleza da santidade (SI 110.3). Não podemos ter beleza espiritual demais. O único problema na morte será o fato de não termos crescido mais em graça. ix. Aqueles que não crescem na graça, regridem na graça. “Não avançar na vida cristã é regredir”, disse Bernardo. Não há uma estagnação na religião, ou avançamos ou regredimos. Se a fé não cresce, ou avançamos ou regredimos. Se a fé não cresce, a descrença crescerá. Se não cresce o interesse pelo céu, cresce a inveja. Uma pessoa que não aumenta seu estoque, o diminui. Se você não melhorar seu estoque de graça, seu estoque diminuirá. Os anjos na escada de Jacó estavam subindo ou descendo. Se você não sobe na religião, você desce. x. Quanto mais crescermos na graça mais floresceremos em giória. Ainda que cada um dos vasos de glória esteja cheio, alguns vasos estão mais cheios que outros. Aquele que ganhou dez minas foi feito governador sobre dez cidades (Lc 19.17). Aqueles que não crescem muito, embora não percam sua glória a diminuem. Se alguém for seguir o Cordeiro com roupas mais brancas e mais largas de glória que os outros, deverá brilhar mais em graça neste mundo. A

p l ic a ç ã o

Lamente a deficiência de crescimento. A religião em muitas pessoas cresceu somente em forma e em profissão de fé. Isso é crescer só as folhas e não o fruto. Muitos cristãos são como um corpo em relação à atrofia, não produzem. Eles não são nutridos pelos sermões que ouvem. Como os anjos que foram criados plenos, eles se alimentaram, mas não cresceram. É de suspeitar onde não há crescimento, pois falta um princípio vital. Alguns, em vez de crescerem para melhor, crescem para pior. Eles crescem mais terrenamente, mais profanamente (2Tm 3.13). Os homens maus ficarão cada vez piores. Muitos crescem na direção do inferno - crescem além da vergonha (Zc 3.5). Eles são como coisas molhadas que cada vez ficam mais apodrecidas.

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Neste ponto é importante fazermos uma pergunta: Como saberemos se estamos crescendo na graça? Para respondê-la, irei mostrar duas coisas: Ia.) Os sinais de que não estamos crescendo; 2a). Os sinais de que estamos crescendo. E, por fim, àqueles que perceberem que não estão crescendo, darei algumas orientações quanto ao que fa zer para crescer na graça e orientações de como consolar aqueles que não crescem na graça. I. Os sinais de que não estamos crescendo na graça. Quando apresentamos estes sinais estamos caindo da graça e nos desgastando espiritualmente. i. Quando tivermos perdido nosso apetite espiritual. Uma pessoa desgastada fisicamente não tem estômago para a carne como anteriormente. Talvez você cristão se lembre de quando sentiu fome e sede de justiça, de quando buscava as ordenanças à semelhança de alguém com o estômago vazio que vai a um banquete. Mas agora, ao contrário, Cristo não é tão valorizado, nem seus mandamentos tão amados. Isso é um triste presságio de que a graça está em declínio e que você está em um profundo desgaste espiritual. Foi um sinal de que Davi estava próximo de sua morte quando o cobriram com roupas e ele não se aqueceu (1 Rs 1.1). Logo, quando uma pessoa está coberta com as roupas quentes das ordenanças e mesmo assim não sente o calor da afeição para as coisas espirituais, é um sinal que ela está em declínio espiritual. ii. Q uando estiverm os crescendo mais em questões m undanas. Anteriormente, talvez, já estivemos em órbitas superiores, colocamos nossos corações nas coisas do alto e falamos a língua da Canaã Celestial, mas agora nossas mentes não ligam para o céu, nós cavamos o nosso consolo em fontes rotas e com Satanás perambulamos pela terra. E um sinal de que estamos descendo o monte rapidamente e nossa graça está se desgastando. É fácil dizer quando a natureza está se desfazendo e as pessoas estão próximas da morte, elas ficam cada vez mais encurvadas. Quando os corações das pessoas ficam mais encurvados para a terra, dificilmente podem se levantar para um pensamento celestial. Se a graça não morreu, está a ponto de morrer (Ap 3.2). iii. Quando estamos menos preocupados com o pecado. Houve um tempo em que o menor pecado nos fazia sofrer, como a simples queda de um pequeno cabelo nos olhos nos leva a lacrimejar, mas agora podemos digerir o pecado sem remorso. Houve um tempo em que nos chateava quando negligenciávamos a oração particular, agora podemos omitir a oração em família. Houve um tempo quando pensamentos vãos nos perturbavam, agora não nos perturbamos com práticas banais. Aqui se vê um triste declínio na

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religião e a verdadeira graça está muito longe de crescer e é difícil até sentir seu pulso. 2. Os sinais de nosso crescimento na graça. i. O primeiro sinal de nosso crescimento é ultrapassarmos nossas medidas anteriores da graça. Um sinal de que uma criança cresceu é visto quando suas roupas se perdem p o rq u e ficaram m enores. A quele conhecimento que nos servia agora não nos serve mais, pois temos uma visão mais profunda da religião, nossa luz é mais forte, nossa chama de amor é maior, então aí está um sinal de crescimento. Aquela adequação da graça que uma vez tivem os, agora não é m ais suficiente para nós. Ultrapassamos a nós mesmos. ii. Quando estamos mais firmemente enraizados na religião. “Nele radicados e edificados” (Cl 2.7). Quando as raízes se espalham, a árvore está crescendo. Quando estamos firmemente fortalecidos em Cristo, a tal ponto de não sermos derrubados com o sopro dos hereges, é um sinal abençoado de crescimento. Atanásio foi chamado de o Adamantino da igreja, pois era um homem firme que não poderia ser movido do amor à verdade. iii. Quando temos um coração mais espiritual. Primeiramente, quando somos mais espirituais em nossos princípios, quando rejeitamos o pecado por amor a Deus e pelo mal que faz à santidade de Deus. Em segundo lugar, quando somos mais espirituais em nossas afeições. Quando sofremos ao primeiro sinal de corrupção, por surgir alguns pensamentos vãos e por tudo o que está por trás disso. Não sofremos somente pela punição do pecado, mas pelo mal que nos traz. Não é somente um carvão que queima, mas que suja. E, por fim, quando somos espirituais na execução do serviço. Somos mais sérios, mais reverentes e mais fervorosos. Temos mais vida de oração e colocamos fogo no sacrifício: “ Fervorosos de Espírito” (Rm 12.11). Servimos Deus com mais amor e amadurecimento, o qual dá mais sabor às nossas atividades e faz que tudo saia melhor. iv. Quando a graça é afrontada pela oposição. O fogo, pelo princípio da antiperístase, queima mais na estação mais fria. A coragem de Pedro aumentou com a oposição do sumo sacerdote e dos governantes (At 4.8,11). O zelo dos mártires aumentou com a perseguição. Ali se viu graça de primeira magnitude. 3. O que devemos fa zer para crescer na graça? Algumas orientações para crescer nela: i. Preste atenção àquilo que impede o crescimento na graça. Coisas como o amor a vários pecados. O corpo pode lutar quando está com febre, como a graça pode lutar quando qualquer pecado é abraçado. ii. Use todos os meios para crescer na graça. Em primeiro lugar, “Exercita-te, pessoalmente, na piedade” (lT m 4.7). O corpo se desenvolve

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mais vigorosamente pelo exercício. Assim como o mercado financeiro toma as pessoas mais ricas, assim também quanto mais negociamos nossa fé nas promessas tanto mais ricos na fé crescemos. Em segundo lugar, para ser um cristão que cresce é preciso ser um cristão humilde. Observa-se que em alguns países, como a França, as melhores e maiores uvas são utilizadas para fazer vinho. Elas crescem nas vinhas que são mais inferiores. Da mesma maneira, os santos humildes crescem mais na graça: “Deus... aos humildes concede a sua graça” (1 Pe 5.5). Em terceiro lugar, ore a Deus por crescimento espiritual. Alguns oram para que cresçam em dons. E melhor crescer na graça do que em dons. Os dons são para ornamento, a graça é para alimento. Os dons edificam os outros, a graça nos confirma a salvação. Alguns oram para que possam enriquecer, mas um coração frutífero é melhor que uma bolsa cheia. Ore para que Deus faça você crescer na graça, ainda que seja pela aflição (Hb 12.10). A vinha cresce com a poda. A tesoura da poda de Deus serve para nos fazer crescer mais na graça. 4. E, por fim, oriento no modo em que devemos consolar aqueles que reclamam que não crescem na graça? Eles cometem um erro, pensam que não podem crescer, quando podem: “Uns se dizem ricos sem terem nada; outros se dizem pobres, sendo mui ricos” (Pv 13.7). A visão que os cristãos têm dos seus defeitos em relação à graça e a sede deles de grandes medidas da graça, os fazem pensar que não crescem quando estão crescendo. A quele que deseja uma grande propriedade, porque não tem tanto quanto deseja, pensa que é pobre, de fato, os cristãos deveriam buscar graça, mas não deveriam desprezar a graça que têm. Que os cristãos sejam gratos pelo mínimo crescimento. Se você não cresce tanto em certeza, louve a Deus se você cresce em sinceridade. Se você não cresce tanto em conhecimento, louve a Deus se crescer em humildade. Se uma árvore cresce na raiz, é um crescimento verdadeiro. Assim, se você cresce na raiz da graça da humildade, esse é tão necessário para você quanto qualquer crescimento. J. A

PERSEVERANÇA

“Sois guardados pelo poder de Deus, mediante a fé para a salvação” (lP e 1.5). O quinto e último fruto da santificação é a perseverança na graça. A herança celestial está guardada para os santos e eles são guardados para a herança (1 Pe 1.4). O apóstolo assevera a estabilidade e a perseverança na graça. A perseverança dos santos é com batida pelos papistas e pelos arminianos, mas não é menos verdade pelo fato de ser combatida. O princi­ pal conforto de um cristão está nessa doutrina da perseverança. Retire essa doutrina e a religião será prejudicada, cortará os tendões da vida produtiva

A perseveran ça

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e alegre. Antes de discutir mais amplamente as implicações desse grande assunto, deixe-me primeiramente esclarecer o sentido dele. 1. Ao dizer que os crentes perseveram, admitimos que: a. Os crentes nominais podem cair Eu admito que aqueles que são crentes somente na confissão podem cair. “Demas, tendo amado o presente século, me abandonou” (2Tm 4.10). Um meteoro, em relação às estrelas, logo se evapora. Uma construção sobre a areia cairá (Mt 7.26). A graça aparente pode ser perdida. Não é de admirar um galho cair de uma árvore onde estava preso. Hipócritas estão ligados a Cristo somente por uma confissão externa, eles não estão enxertados. Quem disse que emoções artificiais durariam muito? A emoção do hipócrita é somente artificial, não é vital. Nem todas as flores se tomam frutos. b. Aqueles que se apóiam em si mesmos podem cair Eu admito que se os crentes forem deixados apoiados em suas próprias pernas, por fim cairão. Alguns dos anjos que eram estrelas cheias de luz e de glória perderam sua graça. Se tais anjos puros caíram da graça, muito mais um crente que está cheio de pecado. Só permanece em pé por um poder superior. c. Cristãos autênticos podem parar de crescer na graça Eu admito que, embora cristãos verdadeiros não caiam de fato e percam toda a graça, a graça neles pode diminuir em grau e podem abrir uma grande brecha em sua santificação. A graça pode ser em estado de morte, mas não morta: “Consolida o resto que estava para morrer” (Ap 3.2). A graça pode ser como brasas, ainda que o fogo não esteja totalmente apagado, a chama já se foi. Mostrarei essa diminuição da graça em dois aspectos particulares. i. Os atos vigorosos da graça podem ser suspensos: “Abandonaste o teu primeiro amor” (Ap 2.4). A graça pode ser como um hábito sonolento, o crente pode agir com fraqueza na religião, o pulso de suas afeições pode bater vagarosamente. As virgens sábias adormeceram (Mt 25.5). O exercício da graça pode ser atrapalhado, assim como acontece com o curso da água que é bloqueado. ii. A corrupção do pecado pode trabalhar vigorosamente nele. Em vez da graça trabalhar no crente, a corrupção pode trabalhar nele, assim, em vez da paciência, o m urm úrio, em vez do celestial, o m undano. À sem elhança dos discípulos, nos quais o orgulho se manifestou quando discutiram quem era o maior. Ou como a luxúria se manifestou em Davi. Em bora vivos e vigorosos, a corrupção pode estar nos regenerados.

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Podem cair em enormes pecados. Mas, conquanto todas essas coisas possam acontecer, os regenerados não caem totalmente da graça. Davi não perdeu a graça, pois orou: “Não me retires o teu Santo Espírito” ! Ele não perdeu totalmente o Espírito, como Êutico quando caiu de uma janela (At 20) e todos pensaram que ele estava morto. “Não vos perturbeis, que a vida nele está”, disse Paulo. Ainda que Davi tenha caído violentamente, havia vida da graça nele. Ainda que os santos cheguem a ponto de ter somente uma pequena fé, não deixam de ter fé. Embora a graça possa estar num nível bem baixo, abatida, não está acabada nem está abolida. Embora as virgens sábias tenham cochilado, suas lâmpadas não estavam totalmente apagadas. A graça, quando em seu nível mais baixo, reviverá e florescerá, como aconteceu com Sansão que perdeu sua força, mas seu cabelo cresceu novamente e sua força foi renovada. Depois de ter explicado a proposição, vou amplificar essa grande doutrina da perseverança dos santos. 2. Por quais meios os cristãos perseveram? a. Por meio da ajuda das ordenanças As ordenanças são a oração, a palavra e os sacramentos. Os cristãos não atingem a perseverança quando ficam parados sem fazer algo. Não acontece conosco como acontece com os passageiros de um navio, que são carregados até o fim da viagem enquanto ficam sentados nele. Ou, como homens de negócios que têm seus aluguéis trazidos até eles sem sofrimento ou labor. Não, nós chegamos à salvação pelo uso dos meios da graça, assim como um homem chega ao final de uma corrida correndo e à vitória, lutando. “Vigiai e orai” (Mt 26.41). Como disse Paulo: “Se estes não permanecerem a bordo, vós não podereis salvar-vos” (At 27.31). Os crentes chegarão à praia, chegarão ao céu, mas só se permanecerem a bordo, isto é, pelo uso das ordenanças poderão ser salvos. As ordenanças apóiam a graça, assim como produzem graça. Elas são o leite materno que nutre e que preserva para a eternidade. b. Pela influência santa e pela contribuição do Espírito O Espírito de Deus está o tempo todo trabalhando no coração do crente para fazer que a graça chegue à perfeição. Ele faz gotas de óleo fresco cair para manter a lâmpada da graça acesa. O Espírito estimula, fortalece, aumenta a graça e faz o cristão progredir de fé em fé até que chegue ao final de sua carreira, isto é, a salvação (lP e 1.9). Uma bela expressão do apóstolo é: “O Espírito Santo que habita em nós” (2Tm 1.14). Aquele que mora em uma casa cuida dela. Assim, o Espírito que habita

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em um crente mantém a graça nele. A graça é comparada a um rio de água da vida (Jo 7.38). Esse rio nunca pode secar, porque o Espírito de Deus é a fonte que continuamente o alimenta. c. A graça é levada à perfeição pela intercessão diária de Cristo Como o Espírito está trabalhando no coração, também Cristo está trabalhando no céu. Cristo ora sempre para que a graça do santo permaneça: “Pai santo, guarda-os em teu nome, que me deste”. Guarda-os como as estrelas em suas órbitas como se fossem jóias, de maneira que não sejam perdidos. “ Pai... guarda-os” (Jo 17.11). A oração que Cristo fez por Pedro é a cópia da oração que faz agora pelos crentes. “ Eu, porém, roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça”, que não seja totalmente apagada (Lc 22.32). Como perecerão os filhos por quem tal oração é feita? 3. A rgum entos p a ra p ro v ar a p erseverança dos santos a. A verdade de Deus Provamos por meio “da verdade de Deus” . Deus tanto declarou quanto prometeu. i. Em sua P ala v ra Deus d eclaro u : “o que permanece nele (no regenerado) é a divina semente” (lJ o 3.9), “a unção que dele recebestes permanece em vós” (U o 2.27). ii. Em sua P alavra Deus prom eteu. A verdade de Deus, a pérola mais ao oriente de sua coroa, é penhorada na promessa. “Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão” (Jo 10.28), “Farei com eles aliança eterna, segundo a qual não deixarei de lhes fazer o bem; e porei o meu temor no seu coração, para que nunca se apartem de mim” (Jr 32.40). Deus ama tanto seu povo que não o abandonará, eles o temerão tanto que não o abandonarão. Se um crente não perseverar, Deus quebrará sua promessa. “ D esposar-te-ei comigo para sempre; desposar-te-ei comigo em justiça, e em juízo, e em benignidade, e em misericórdias” (Os 2.19). Deus não desposa seu povo e depois se divorcia dele, ele odeia o repúdio (Ml 2.16). O amor de Deus aperta o laço de união conjugal tão fortemente que nem a morte nem o inferno podem rompê-lo. b. O poder de Deus O segundo argumento é o poder de Deus. O texto diz: “ Sois guardados pelo poder de Deus, mediante a fé, para a salvação” (1 Pe 1.5). Cada pessoa da Trindade tem uma participação em fazer o crente perseverar. Deus, o Pai, estabelece (2Co 1.21), Deus, o Filho, confirma (1 Co 1.8), Deus, o Espírito Santo, sela (E f 1.13). A ssim , esse é o poder de Deus que nos guarda. Não somos guardados pelo nosso próprio poder.

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Os pelagianos defendiam que uma pessoa, pelo próprio poder, venceria a tentação e perseveraria. A gostinho se opõe a eles, dizendo: “O homem ora a Deus para perseverar, o que seria absurdo se tivesse poder para perseverar por si próprio. E, se todo o poder fosse depositado no ser de um homem, então, por que um não perseveraria tão bem quanto outro? Por que Judas não perseverou como Pedro?” Logo, não é por nenhum poder que somos guardados, a não ser o poder de Deus. O Senhor guardou Israel para que não perecesse no deserto, até que os conduzisse a Canaã. O mesmo cuidado ele tomará - se não de uma maneira miraculosa, então de uma maneira espiritual ou invisível - para preservar seu povo num estado de graça, até os levar à Canaã celestial. Os pagãos representavam o titã Atlas93 sustentando os céus para que não caísse. Podemos comparar o poder de Deus a esse Atlas, pois o poder de Deus sustenta os santos para que não caiam. Há uma discussão em tomo da possibilidade de um santo cair da graça como aconteceu com Adão. Mas defendo que a graça, pelo poder de Deus, não pode perecer. c. O amor eletivo de Deus O terceiro argumento é tomado do amor eletivo de Deus. Aqueles que Deus elegeu desde toda a eternidade para a glória não podem cair. Todo crente verdadeiro é eleito para a glória, portanto não pode cair da graça. O que pode frustrar a eleição ou fazer o decreto de Deus nulo? Esse argumento é firme como o Monte Sião, que não se abala. Alguns dos papistas defendem que aqueles que têm eleição absoluta não podem cair. “O firme fundamento de Deus permanece, tendo este selo: O Senhor conhece os que lhe pertencem” (2Tm 2.19). O fundamento de Deus não é nada mais do que o decreto de Deus na eleição, e isso permanece firme. Deus não o alterará e outros não podem fazê-lo. d. A união do crente com Cristo O quarto argumento é tom ado da união dos crentes com Cristo. Eles estão conectados a Cristo como os membros à cabeça pelos nervos e ligamentos da fé, de maneira que não podem ser separados (Ef 5.23). O que uma vez foi dito do corpo natural de Cristo é também verdade quanto a seu corpo místico: “Nenhum dos seus ossos será quebrado” (Jo 19.36). Assim como não é possível separar o fermento e a massa quando estão misturados e unidos, também é impossível para Cristo e os crentes serem separados, uma vez que foram unidos. Cristo e seus membros formam um corpo. Mas, é possível qualquer parte de Cristo perecer? Como pode Cristo perder qualquer membro de seu corpo místico e ainda continuar perfeito? Em resumo, se um

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crente for separado de Cristo, então, pela mesma regra, por que outros não? Por que não todos? Então, Cristo seria uma cabeça sem corpo. e. O valor do resgate do eleito O quinto argumento é tomado da natureza da compra. Um homem não dará dinheiro por uma compra que será perdida. Cristo morreu para que pudesse comprar seu povo para sempre: “Tendo obtido eterna redenção” (Hb 9.12). Você acha que Cristo teria derramado seu sangue para que pudéssemos crer nele por um período e então cair? Você acha que Cristo perderia sua compra? f. A vitória do crente sobre o mundo O sexto argumento é a vitória do crente sobre o mundo. O argumento fica assim: aquele que vence o mundo persevera na graça, um crente vence o mundo, portanto persevera na graça. “Porque todo o que é nascido de Deus vence o mundo; e esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé” (1 Jo 5.4). Uma pessoa pode perder uma única batalha no campo, contudo vencer no final. Um filho de Deus pode perder uma única batalha contra a tentação, como aconteceu com Pedro, mas ao final ser vitorioso. Para um santo ser coroado vencedor e para o mundo ser conquistado por ele, deve perseverar. 4. Respondendo a algumas das objeções dos arminianos A primeira objeção dos arminianos é: Se um crente persevera na graça, qua! o propósito das admoestações nas Escrituras, como: “Aquele, pois, que pensa estar em pé veja que não caia” (IC o 10.12); e, “Temamos, portanto, que, sendo-nos deixada a promessa de entrar no descanso de Deus, suceda p arecer que algum de vós tenha falh a d o ” (H b 4 .1 )? Tais admoestações parecem supérfluas se um santo de fa to persevera. Essas admoestações são necessárias para avisar aos crentes a que não se descuidem. Elas são como varas e como espetos para acelerá-los a maior diligência no desenvolvimento da salvação. Os textos não implicam que os santos podem cair, mas são avisos para mantê-los de pé. Cristo disse a alguns de seus discípulos que deveriam permanecer nele, mas os exorta a perm anecerem nele (Jo 15.4). Ao exortá-los, não quer questionar a permanência nele, mas despertar sua diligência e fazê-los orar mais a fim de que permaneçam nele. A segunda objeção é: “E impossível, pois, que aqueles que uma vez foram iluminados, e provaram o dom celestial, e se tomaram participantes do Espírito Santo, e provaram a boa palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro, e caíram , sim , é im possível outra vez ren o v á-lo s para arrependimento” (Hb 6.4-6).

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Esse versículo da Escritura não apóia a queda, pois o apóstolo fala aqui dos hipócritas. Ele mostra até onde eles podem chegar e mesmo assim cair. Veja o raciocínio: i. Aqueles que uma vez foram iluminados. Os homens podem ter grandes iluminações, mas mesmo assim cair. Judas não foi iluminado? ii. Tornaram-se participantes do Espirito Santo. Aqui diz respeito aos dons comuns do Espírito e não à graça especial. iii. Provaram o dom celestial. Provar aqui é o oposto de comer: o hipócrita pode ter um sabor doce da religião, mas seu sabor não nutre. Há muita diferença entre alguém que experimenta um produto para gargarejar e um estimulante. O produto para gargarejar somente lava a boca - ele é experimentado e jogado fora, mas um estimulante é bebido, nutre e alegra o espírito. O hipócrita, que tem somente sabor ou gosto de religião, como alguém que experimenta um produto para a garganta, pode cair. i v. E provaram a boa palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro. Isto é, eles podem apreciar a glória do céu e ser impressionados com ela, aparentarem alguma alegria ao pensar nela, mas caem, como acontece na parábola que fala do coração pedregoso (Mt 13.20). Tudo isso é dito do hipócrita, não prova que o verdadeiro crente, que recebe uma ação eficaz, possa cair. Embora cometa falhas, não segue a estrela cadente. O fato de as Escrituras nesse versículo não falarem de cristãos se toma claro pelo versículo 9: “Estamos persuadidos das coisas que são melhores e pertencentes à salvação” (Hb 6.9). A

p l ic a ç õ e s

Primeira aplicação: para o ensino. 1. Veja a excelência da graça, pois ela persevera. Outras coisas existem por um tempo e não mais. A saúde e as riquezas são doces, mas só duram um tempo, porém a graça é a flor da eternidade. A semente de Deus perm anece (U o 3.9). A graça pode sofrer um eclipse, mas não uma dissolução. Ela é chamada substância por causa de sua solidez (Pv 8.21). São riquezas duráveis em relação à sua permanência (Pv 8.18), ela dura tanto quanto a alma, assim como acontece com o céu. A graça não é como um aluguel que logo vence, mas corre paralelamente com a eternidade. 2. Veja nessa doutrina o que estimula os santos ao amor permanente e à gratidão a Deus. O que pode nos fazer am ar a Deus m ais que a imutabilidade de seu amor para conosco? Ele não é somente o autor da graça, mas aquele que a executa. Seu amor é perpétuo e contínuo na nossa salvação. “As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço, e elas me seguem. Eu lhes dou a vida eterna” (Jo 10.27,28). Minhas ovelhas: aqui se vê a eleição. Ouvem a minha voz: aqui se vê a vocação. Eu as conheço:

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aqui se vê a justificação. E elas me seguem: aqui se vê a santificação. Eu lhes dou a vida eterna: aqui se vê a glorificação. Isso nos faz amar a Deus e preparar monumentos e troféus de seu louvor. Quanto já fizemos Deus recuar seu Espírito e sofrer por nossa causa. Mesmo assim ele nos guarda. Que seu nome seja louvado e sua memória eternizada por aquele que guarda os pés dos seus santos (1 Sm 2.9). 3. Veja qual a causa que faz os santos perseverarem em santidade. Isso se deve somente ao poder de Deus. Somos guardados por seu poder, guardados como em um forte. E algo maravilhoso um cristão perseverar se considerarmos: i. A corrupção interior. O joio está misturado com o trigo; há mais pecado que graça, mesmo assim a graça é predominante. A graça é como uma fagulha no mar e é uma maravilha da qual não se enjoa. E algo maravilhoso o fato de o pecado não destruir a graça. Diferente da enfermeira que pode sufocar um infante, o pecado não faz a graça murchar e morrer. ii. Tentações de fora. Satanás tem inveja de nossa felicidade e organiza sua milícia agitando uma perseguição. Ele lança seus dardos inflamados de tentações, que são chamados dardos por causa da rapidez deles e inflamados por causa do dano terrível que fazem. Somos diariamente atacados por demônios de todos os lados. Como foi algo misterioso Daniel ser mantido vivo dos leões rugidores, também há muitos demônios rugidores ao nosso redor, e não somos estraçalhados. De onde vem isso que nos mantém em pé contra as poderosas tentações? Somos mantidos pelo poder de Deus. iii. As arapucas douradas do mundo: riquezas e prazer. “ Quão dificilmente entrarão no reino de Deus os que têm riquezas!” (Lc 18.24). Quantos foram lançados sobre essas areias douradas como Demas (2Tm 4.10). Como uma alma persevera na religião e não é sufocada pelo fogo de todos os bons sentimentos? De onde vem isso, senão do poder de Deus? Somos guardados pelo seu poder. Segunda aplicação: para a consolação. Essa doutrina da perseverança é como um antídoto. E um estimulante soberano para manter o espírito dos crentes a fim de que não desmaiem. 1. Não há nada que preocupe mais o filho de Deus que o medo de não perseverar. Ele diz assim: “Estas minhas pernas fracas nunca me levarão para o céu” . Mas a perseverança é um fruto inseparável da santificação. Uma vez em Cristo, para sempre em Cristo. Um crente pode cair de alguns graus de graça, mas não do estado de graça. Um israelita nunca poderia vender ou alienar toda sua herança (Lv 25.23). Assim, nossa herança celestial não pode ser totalmente alienada de nós. Quão desesperadora é a doutrina arminiana da queda da graça. Hoje você é um santo, amanhã um reprovado. Hoje você é um Pedro, amanhã um Judas. Isso acaba com a

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força do trabalho cristão, é como perfurar em um vaso e fazer todo o vinho de sua alegria vazar. Se a doutrina arminiana fosse verdade, como o apóstolo poderia dizer que a semente de Deus permanece nele e o ungido de Deus permanece? (1 Jo 3.9; 1Jo 2.27). Qual o consolo alguém teria de ter o nome escrito no livro da vida se pudesse ser apagado novamente? Tenha certeza, para seu consolo, que a graça verdadeira nunca será tão fraca, ela perseverará. Embora um cristão tenha pouca graça não deve ter medo da separação porque Deus não somente dá muita graça, mas direciona essa graça para o crente. Agostinho dizia: “A graça pode ser abalada com temores e dúvidas, mas não pode ser arrancada pelas raízes” . Não tema cair. Talvez alguma coisa possa atrapalhar a perseverança dos santos, seria o pecado ou a tentação, mas nenhum deles poderá ser bem-sucedido. Os pecados dos crentes não podem tirá-los da graça. Aquilo que os humilha, não deve condená-los. Seus pecados os humilham. Eles colhem uvas de espinheiros, ou seja, do espinheiro do pecado colhem a uva da humildade. Satanás organiza a ostensiva de sua tentação para explodir a fortaleza da graça dos santos, mas não pode ser bem-sucedido. A tentação é o remédio para a segurança, quanto mais Satanás tenta, mais os santos oram. Quando Paulo teve o mensageiro de Satanás a esbofeteá-lo, ele disse: “Por causa disto, três vezes pedi ao Senhor que o afastasse de mim” (2Co 12.8). Assim, nada pode separar um crente de Cristo, ou atrapalhar sua perseverança. Fortaleça outros com essa segurança. 2. Essa perseverança é um consolo nas seguintes situações: i. Na perda de consolos mundanos. Nossas mercadorias podem ser levadas, nossa graça não. “Maria, pois, escolheu a boa parte, e esta não lhe será tirada” (Lc 10.42). ii. Na hora da morte. Quando tudo falha, os amigos nos abandonam, a graça permanece. A morte pode separar todas as coisas de nós, menos a graça. Um cristão pode dizer no seu leito de m orte com o O leviano:94 “ A visão já se foi, a fala e a audição estão acabando, mas a bondade de Deus nunca me deixará”. Terceira aplicação: para exortação. Que motivos e quais incentivos levam os cristãos a perseverarem? 1. A perseverança é a coroa e a glória para os cristãos. Não é o início da vida cristã que dá a glória, mas o fim. “Coroa de honra são as cãs, quando se acham no caminho da justiça” (Pv 16.31). Quando cabelos cinzas brilham com virtudes douradas, é uma coroa de glória. A igreja de Tiatira era a melhor: “Conheço as tuas obras, o teu amor, a tua fé, o teu serviço, a tua perseverança e as tuas últimas obras, mais numerosas que as primeiras”

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(Ap 2.19). A excelência de um prédio não está na primeira pedra colocada, mas quando está terminado. A glória e a excelência de um cristão se vêem quando ele terminou a obra da fé. 2. Você está bem perto do céu, então, a salvação está próxima de você: “Nossa salvação está, agora, mais perto do que quando no princípio cremos” (Rm 13.11). Cristãos, não demorará muito e vocês não mais chorarão e orarão, serão triunfantes. Poderão colocar de lado o sofrimento e vestir roupas brancas. Poderão lançar fora sua armadura e colocar uma coroa vitoriosa. Você, que teve um bom progresso na fé, está quase pronto para ser glorificado e receber seu quinhão de glória. Agora a sua salvação está mais perto do que no começo, do que quando você creu. Quando alguém está quase no fim de uma corrida, estará cansado ou desmaiará? Labute para perseverar, sua salvação está agora mais próxima. Você tem pouco caminho para seguir e logo pisará no céu. Embora o caminho seja íngreme e cheio de espinhos, você já caminhou a maior parte dele e o descanso de seus labores está bem perto. 3. Quão triste é não perseverar na santidade, pois ficamos expostos às reprovações dos homens e às exortações de Deus. Primeiramente, as reprovações dos homens. Eles zombaram de você e de sua confissão: “Este homem começou a construir e não pôde acabar” (Lc 14.30). Assim é aquele que começa na fé cristã e não persevera. Ele é o engodo e a maior das zombarias. Em segundo lugar, você se expõe às exortações de Deus. D eus é m uito severo com aqueles que caem , pois m ancham a igreja. A apostasia produz um verme amargo na consciência. E que verme Spira sentiu. Ele traz condenação rápida. É um retomo à perdição (Hb 10.39). Deus deixará sua espada ensopada com o sangue dos apóstatas. 4. As promessas de misericórdia ligadas à perseverança. “O vencedor será assim vestido de vestiduras brancas, e de modo nenhum apagarei seu nome do livro da vida” (Ap 3.5). Agostinho dizia: “A promessa não é para aquele que luta, mas para aquele que vence”. “Vós sois os que tendes permanecido comigo nas minhas tentações. Assim como meu Pai me confiou um reino, eu vo-lo confio” (Lc 22.28,29). “A promessa de um reino”, disse Crisóstomo, “não é feita para aqueles que ouviram Cristo ou que o seguiram, mas aos que continuaram com ele” . A perseverança carrega a coroa de flores. Só quem usa uma coroa em sua cabeça é aquele que chegou ao fim da corrida. P ortanto, sejam p ersu ad id o s por todas essas coisas a perseverarem. Deus não leva em consideração aqueles que não perseveram. Quem gosta de milho que produz antes da colheita, ou um fruto que cai antes de amadurecer?

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Que procedimentos ou meios podem ser usados para a perseverança de um cristão? 1. Preste atenção àquelas coisas que o farão desistir e se desviar. Primeiramente, preste atenção ao orgulho. Não se gabe de sua própria força, exercite um tem or e zelo santos em seus próprios corações: “Não te ensoberbeças, mas teme” (Rm 11.20); “Aquele, pois, que pensa estar em pé veja que não caia” (IC o 10.12). O pecado de Pedro foi confiar em si mesmo e não em Cristo, que o levou a cair. Um cristão tem razão para temer. Que não seja a malícia e a enganação de seu próprio coração que o traia. Atente ao orgulho. O medo produz a oração, a oração produz força e a força produz a perseverança. Em segundo lugar, preste atenção à hipocrisia. Judas foi primeiramente um hipócrita astuto e depois um traidor: “Porque o coração deles não era firme para com ele, nem foram fiéis à sua aliança” (SI 78.37). Se houver veneno ou malignidade no sangue se espalhará em forma de uma inflamação de escândalo. Em terceiro lugar, cuidado com o coração mau e descrente. “Tende cuidado, irmãos, jam ais aconteça haver em qualquer de vós perverso coração de incredulidade que vos afaste do Deus vivo” (Hb 3.12). De onde vem a apostasia, senão da incredulidade? Os homens não crêem na verdade, portanto caem da verdade. Descrença e instabilidade andam juntas. “Não creram em Deus”; “Tomaram a tentar a Deus” (SI 78.22,41). 2. Para ser um pilar no templo de Deus e perseverar na santidade, você deve: i. E ntrar na religião pela porta certa. Esteja bem firm ado no conhecimento adequado de Deus. Você pode conhecer o amor do Pai, o mérito do Filho e a eficácia do Espírito Santo. Aqueles que não conhecem Deus apropriadamente aos poucos cairão. Os samaritanos ficavam do mesmo lado dos judeus quando eram favorecidos, mas negaram qualquer parentesco com os judeus quando Antíoco os perseguia. Não seria uma surpresa o fato de que não eram firmes na religião se você considerar o que Cristo disse a respeito deles: “Vós adorais o que não conheceis” (Jo 4.22). Eram ignorantes quanto ao Deus verdadeiro. Que o seu conhecimento de Deus seja claro, servindo-o puramente de livre escolha e, assim, você perseverará. “Escolhi o caminho da fidelidade... Aos teus testemunhos me apego” (SI 119.30,31). ii. Ter a obra real da graça em seu coração. “O que vale é estar o coração confirmado com graça” (Hb 13.9). Nada permanecerá, senão a graça. Essa unção permanece, a tinta em uma parede se descasca. Que haja uma obra transformadora no coração: “Mas vós vos lavastes, mas fostes santificados” (IC o 6.11). Não se contente com o batismo com água sem o batismo do Espírito. A razão pela qual os homens não perseveram na fé é

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por falta de um princípio vital, um galho murchará por não estar enraizado para crescer. iii. Ser muito sincero caso deseje perseverar. A perseverança só se desenvolve com base na raiz da sinceridade. “Preservem-me a sinceridade e a retidão” (Sl 25.21). O peitoral da sinceridade não pode ser perfurado por uma lança. Quantos temporais Jó enfrentou? Satanás agiu contra ele, sua esposa o tentou para que amaldiçoasse Deus e seus amigos o acusaram de ser um hipócrita. Passou-se do limite, alguém poderia pensar. Fazer que ele desistisse da religião, o que não deu certo, fazendo-o perseverar. O que o preservou? Foi a sua sinceridade: “A minha justiça me apegarei e não a largarei; não me reprova a minha consciência por qualquer dia da minha vida” (Jó 27.6). iv. D eve-se ser hum ilde para perseverar. C risóstom o cham a a humildade de a mãe de todas as graças. Deus deixa um pobre e humilde cristão permanecer em pé enquanto outros caem por causa de suas apostasias resultantes de lugares de preeminência que ocupam, os quais os levam a ter pensamentos elevados a respeito de si mesmos. Os que recebem mais graça de Deus têm mais probabilidade de perseverar: “contudo, aos humildes concede a sua graça” (lP e 5.5). Aqueles em quem Deus habita têm mais probabilidade de perseverar: “Habito também com o contrito e abatido de espírito” (Is 57.15). “O Espírito Santo só descansará sobre uma alma humilde”, disse Bernardo. Quanto mais profunda as raízes de uma árvore, mais firme ela é. Quanto mais enraizada na humildade está a alma, mais estabelecida ela está e menos perigo tem de cair. v. Abraçar a graça da fé. A fé é capaz de suportar o espírito. “Pela fé, já estais firmados” (2Co 1.24). A fé nos une a Cristo como os membros são unidos à cabeça pelos nervos e tendões. A fé nos enche com o amor de Deus: “A fé que atua pelo amor” (G1 5.6). Aquele que ama a Deus preferirá morrer a abandoná-lo, como o soldado que ama seu general e que morrerá a seu serviço. A fé nos dá uma previsão do céu, mostra-nos uma glória invisível e quem tem Cristo em seu coração e vislumbra a coroa não cairá. Abrace a fé. Guarde a fé e sua fé o guardará. Enquanto o piloto guarda seu navio, seu navio o guarda. vi. Buscar o poder de Deus para nos ajudar. Somos mantidos pelo poder de Deus. A criança está mais segura quando nos braços da mãe. Nós estamos mais seguros quando nos braços da graça. Não é o fato de nos agarrarmos a Deus, mas ele nos segurar que nos preserva. Quando um barco está amarrado a uma rocha, está seguro, assim, quando estamos atados à Rocha Eterna somos inabaláveis. Agarre-se ao poder de Deus para ajudar você a perseverar. Nós nos agarramos ao seu poder pela oração. Oremos a ele para nos guardar: “Os meus passos se afizeram às tuas veredas, os meus

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pés não resvalaram” (SI 17.5). Beza fez uma bela oração: “Senhor, aperfeiçoa aquilo que começaste em mim, de maneira que eu não sofra naufrágio quando estiver quase no céu”. vii. Colocar diante de seus olhos os nobres exemplos daqueles que perseveraram na religião: quantos mártires, quantas almas fiéis estão neste momento se regozijando no céu. Que glorioso exército de santos e de mártires foi adiante de nós. Paulo estava sempre diante da morte (At 21.13). Quão perseverantes na fé foram Inácio, Policarpo e Atanásio. Foram estrelas em suas órbitas, pilares no templo de Deus. Olhemos para o zelo e coragem deles e sejamos animados. “Portanto, também nós, visto que temos a nos rodear tão grande nuvem de testemunhas... corramos com perseverança a carreira que nos está proposta” (Hb 12.1). A coroa é dada no final da corrida, se vencermos a corrida receberemos a coroa.

VII. SEXTA PARTE A MORTE E O ÚLTIMO DIA

P

e rgunta

A. A M ORTE

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DO JU STO

“Porquanto, para mim, o viver é Cristo e o morrer é lucro” (Fp 1.21). Paulo foi um grande admirador de Cristo. Ele queria conhecer somente Cristo e Cristo crucificado (IC o 2.2). Paulo não queria nenhum remédio a não ser o sangue de Cristo: “Pois para mim o viver é Cristo e o morrer é lucro”. Podemos aprender dois ensinamentos nesse versículo: 1. A vida do cristão é Cristo Devemos compreender a vida espiritual de Paulo. Porquanto, para mim, o viver é Cristo, isto é, Cristo é minha vida. Gregório de Nissa95 disse sobre Paulo que sua vida era feita por Cristo. Da mesma maneira que a vida de um homem ímpio é feita de pecado, a vida de Paulo era feita de Cristo: ele era pleno de Cristo. A fim de explicar melhor o texto como um todo, observe estes três aspectos particulares: a. Cristo é a fo n te da vida do cristão Porquanto, para mim, o viver é Cristo, isto é, Cristo é o fundamento mais importante de minha vida. Eu retiro a minha vida espiritual de Cristo como o galho retira sua seiva da raiz. “Cristo vive em mim” (G12.20). Jesus Cristo é o mestre que me direciona, ele me dá a vida e o ânimo necessários para me tomar apto a toda boa ação. Assim, para mim, o viver é Cristo significa dizer que Cristo é o princípio de minha vida, por ele eu vivo, como os galhos da vinha vivem por causa da raiz. b. Cristo é a finalidade da vida do cristão Porquanto, para mim, o viver é Cristo, isto é, Cristo é a finalidade de minha vida. Eu não vivo para mim mesmo, mas para Cristo, assim disseram Grócio e Casaubon:96 “servos de Cristo” . Para mim, o viver é C risto é dizer que toda a m inha vida é fazer o serviço para C risto. “Se vivemos, para o Senhor vivemos” (Rm 14.8). Quando nos entregamos totalmente a Cristo, semelhantemente a um fabricante que se entrega intensamente ao comércio, nós trabalhamos pelos interesses de Cristo e

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ao fazê-lo propagamos seu evangelho. O propósito de nossa vida é exaltar a Cristo e fazer a coroa que está sobre sua cabeça brilhar. Pode-se, então, dizer que para nós o viver é Cristo significa que toda a nossa vida é uma vida para Cristo. c. Cristo é a alegria da vida do cristão Porquanto, para mim, o viver é Cristo, isto é, Cristo é a alegria da minha vida. “Deus, que é a minha grande alegria”, ou “a flor de farinha” da minha alegria (SI 43.4). O cristão se alegra na justiça de Cristo. Ele se regozija em Cristo quando as alegrias terrenas já se foram. Ainda que a figueira não floresça, o cristão se regozija nos tesouros de Cristo. Quando os amigos se vão, um santo pode se regozijar em Cristo, a pérola valorosa. Isto faz sentido, Porquanto, para mim, o viver é Cristo. Ele é a alegria de minha vida. Se Cristo se fosse, minha vida seria a morte. Essas considerações exortam ao esforço de dizer como o apóstolo: Porquanto, para mim, o viver é Cristo. Cristo é a fonte de minha vida, a finalidade de minha vida, e a alegria de minha vida. Se pudermos dizer Porquanto, para mim, o viver é Cristo, podemos tranqüilamente concluir que morrer será lucro. 2. A morte do cristão é lucro Para o crente, a morte é um grande lucro. Neste mundo, um santo pode dizer quais são as suas perdas por causa de Cristo, mas não pode dizer quão grandes são seus ganhos na morte. O morrer é lucro. A morte para um cristão é o raiar de um novo dia eterno. Mostrar completamente quais os ganhos de um cristão em sua morte foi uma tarefa muito grande para um anjo. Todas as hipérboles não foram suficientes, o prêmio da glória excede nossa própria fé. Deixe-me lhe dar alguns vislumbres foscos e algumas idéias imperfeitas da glória infinita que os santos receberão na hora da morte. Para mim o morrer é lucro. a. Os crentes serão livres do pecado na vida eterna Em sua morte, os cristãos ganharão um documento de liberação de todos os seus pecados e suas mazelas porque entrarão em um estado de impecabilidade. O pecado acaba no término de suas vidas. Às vezes, eu fico pensando quão feliz será o estado do crente após a morte. Nunca mais ter um pensamento pecaminoso enquanto descansa de todas as mazelas. Davi se expressou assim: “Gasta-se a minha vida na tristeza, e os meus anos, em gemidos” (SI 31.10). “ Uma longa vida é meramente um longo sofrimento”, disse Agostinho. A vida começa com um choro e termina com um gemido, mas na morte todos os problemas morrem.

A morte do justo

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b. Os cristãos contemplarão a Deus na vida eterna Os cristãos em sua morte serão agraciados com a contemplação gloriosa de Deus. Eles o contemplarão de duas maneiras: i. Contemplarão a Deus intelectualmente. Eles contemplarão a Deus intelectualmente com os olhos de suas mentes, o que os eruditos chamam de visão beatífica. Se não houvesse tal visão intelectual de Deus, como as almas aperfeiçoadas dos homens justos o veriam? ii. Contemplarão a Deus em Cristo. Os crentes contemplarão o corpo glorificado de Jesus Cristo. Se é agradável contemplar o Sol, que abençoado será a visão de Cristo, o Sol da Justiça, vestido de nossa natureza humana, brilhando em glória superior à dos anjos. Por meio da carne de Cristo, como por meio de um vidro transparente, alguns raios brilhantes da divindade se manifestarão aos olhos glorificados. A visão de Deus por intermédio de Cristo será muito agradável, pois o terror da essência de Deus será retirado, sua majestade será misturada com sua beleza e a doçura com a clemência. Será infinitamente agradável para os santos ver os aspectos afáveis e o sorriso da face de Deus. c. Os cristãos receberão mais do amor de Deus na vida eterna Os santos, em sua morte, não só contemplarão a Deus, mas também apreciarão seu amor. Não haverá mais um véu na face de Deus, seu sorriso não será alternado com franzidos, mas seu amor se revelará em toda sua beleza oriental e em sua doce fragrância. Nesta terra, os santos oram pedindo o amor de Deus e recebem algumas gotas desse amor. Lá no céu, os santos terão tanto amor quanto seus vasos puderem receber. Conhecer o amor que dá conhecimento provocará júbilo de espírito nos santos e gerará neles arrebatamentos de alegria. Esse estado logo os preencherá totalmente e transbordará neles se Deus não capacitá-los a suportá-lo. d. Os cristãos habitarão no lugar celestial na vida eterna Os cristãos em sua morte ganharão uma habitação celestial, uma casa que não é feita por mãos (2Co 5.1). Neste mundo, os santos são limitados a residirem em um quarto ou vivem em cabanas, mas, na vida eterna, terão um palácio real onde viverão para sempre. N este mundo está sua casa temporária, mas lá no céu está sua mansão celestial que é uma residência construída bem acima das órbitas visíveis, adornada com luz e enriquecida com pérolas e com pedras preciosas (Cl 1.12; Ap 21.19). Não será a casa de um senhorio, mas será a casa do Pai em solo santo (Jo 14.2). Ela é representada pelo vidro transparente para m ostrar sua santidade (Ap 21.21).

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e. Os cristãos terão a plena comunhão dos santos na vida eterna Os cristãos em sua morte terão a doce comunhão dos santos glori ficados e dos anjos. Essa comunhão aumentará a felicidade celestial do cristão à mesma proporção que cada estrela acrescenta seu brilho ao firmamento. Os crentes terão a comunhão dos santos glorificados. Veremos os santos em suas almas, assim como em seus corpos. Seus corpos serão claros e brilhantes de tal maneira que veremos suas almas brilhando por meio deles, como o vinho através do copo. Os cristãos, após a morte, poderão conversar bem de perto com os santos glorificados. Que agradável será estar livre de todas as corrupções pecaminosas, como o orgulho, a inveja, as paixões e as censuras, os quais nos desfiguram neste mundo como se fossem cicatrizes. No céu haverá o aperfeiçoamento do amor entre os santos que se abraçarão docemente, assim como a oliveira e a murta. Se na transfiguração Pedro conheceu Moisés e Elias, que nunca havia visto antes (Mt 17.3), muito mais no estado glorificado os santos conhecerão perfeitamente uns aos outros, embora nunca tenham se visto. Os santos na morte contemplarão os anjos com os olhos glorificados de seus entendimentos. As asas dos querubins (representando os anjos) eram feitas de ouro fino para denotar tanto a sua santidade quanto o seu esplendor. Os anjos são comparados a relâmpagos (Mt 28.3) por causa dos raios brilhantes de majestade que como relâmpagos saem deles. Quando os santos e os anjos se encontrarem, eles cantarão juntamente no coro celestial, então, que divina harmonia e que triunfo alegre será. f. Os cristãos serão perfeitos em santidade na vida eterna Os cristãos em sua morte receberão a perfeição da santidade. Nesta vida, a graça está somente em seu berço, sendo ainda muito imperfeita, de maneira que não podemos escrever uma cópia da santidade sem manchá-la. Nesta vida, os crentes recebem os primeiros frutos do Espírito (Rm 8.23). Na morte, os santos chegarão à perfeição e ao conhecimento perfeito, à santidade perfeita, e o Sol estará em seu total esplendor meridiano. Não haverá necessidade de orar para aumento da graça, pois amarão a Deus tanto quanto Deus os ama e quanto desejarem amá-lo. Eles serão como os anjos de Deus em relação à santidade. g. Os cristãos participarão das bodas do Cordeiro na vida eterna

Na morte, os santos ganharão uma festa real esplendorosa. Eu já lhes disse que receberão um palácio glorioso, porém uma pessoa pode morrer de fome em uma casa se não houver comida e bebida. O banquete real que os santos terão na morte é apresentado nas Escrituras como uma festa de casamento (Ap 19.9). Bullinger97 e Gregório,98 o Grande, entendem festa

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de casamento do Cordeiro como algo majestoso, como uma festa esplêndida que os santos terão no céu quando poderão se alimentar da árvore da vida (Ap 22.2). Eles experimentarão o néctar celestial e o manjar delicioso, “Vinho aromático e mosto das minhas romãs” (Ct 8.2). Essa festa real do Cordeiro não somente satisfará a fome, mas a prevenirá. “Jamais terão fome” (Ap 7.16). N ão se enjoará nessa festa porque novos pratos serão continuamente servidos. Delícias novas e frescas fluirão de Deus, por isso se diz que a árvore da vida no paraíso tem doze tipos de fruto (Ap 22.2). h. Os cristãos serão honrados e dignificados na vida eterna Os cristãos em sua morte ganharão honra e dignidade, pois reinarão como reis. Lemos a respeito das insígnias de sua realeza: roupas brancas e coroas celestiais (Ap 4.4). Lemos que as portas do Santo dos santos fo­ ram feitas de palmeiras e de flores abertas cobertas com ouro (1 Rs 6.35). São emblemas da vitória, do triunfo e da guirlanda dourada da honra que Deus investe seus santos glorificados. Quando toda a honra mundana como a lança, a estrela, a vestimenta de pele, o diadema imperial cair no pó, a honra dos santos permanecerá. Nenhuma jóia da coroa deles será arrancada. Na morte ganharão uma eternidade abençoada. Se os santos desconfiassem ou temessem perder sua glória, a alegria deles seria fria e cheia de mágoa, mas a coroa não se corrompe (1 Pe 5.4). Assim como o ímpio tem um verme que nunca morre, o eleito tem uma coroa incorrutível. Nunca, em bora seja uma palavra curta, quer dizer: dura para sempre. “No final nossa alegria não terá fim”, disse Bernardo. “As coisas que se não vêem são eternas” (2Co 4.18). “Na tua destra [há] delícias perpetuamente” (Sl 16.11). Quem pode medir a eternidade? Milhões de eras são representadas por zeros na eternidade. O nunca no peito de Cristo é o elah ou a descendência mais alta da glória dos santos. Diante dessas bênçãos celestiais e eternas, fica uma pergunta: Como os santos recebem todos esses benefícios? Eles têm um direito a todos esses benefícios na morte pela virtude doada pelo Pai, e comprada pelo Filho, e incentivada pelo Espírito Santo, e aceita mediante a fé. Portanto, o estado da glória futura é chamado a “parte que vos cabe da herança dos santos” (Cl 1.12). Eles são herdeiros de Deus e têm direito à herança. A

p l ic a ç õ e s

Primeira aplicação: veja a grande diferença do cristão para o ímpio. Em suas mortes, os cristãos são grandes ganhadores, ao passo que os ímpios são grandes perdedores. Eles perdem quatro coisas:

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1. Os ímpios perdem o mundo, o que é uma grande perda para eles, pois acumularam tesouros sobre a terra, os quais serão tirados deles de uma só vez, e isso será uma grande perda para eles. 2. Os ímpios perdem suas almas (Mt 16.26,27). A alma era, no começo, um nobre pedaço de moeda sobre a qual Deus estampou sua própria imagem. Essa fagulha celestial é mais preciosa que todo o globo terrestre, mas a alma do pecador está perdida. As almas dos ímpios não são aniquiladas na morte, mas atormentadas. 3. Os ímpios perdem o céu. O céu é o assento real do abençoado. E a região da felicidade, o mapa da perfeição. Nele está o maná que é a comida dos anjos, está o jardim das plantas aromáticas, a cama de perfumes, o rio de prazeres. Pecadores na morte perdem tudo isso. 4. Perdem toda a esperança. Embora tenham vivido de maneira impiedosa, eles esperam que Deus use de misericórdia, e assim possam chegar ao céu. A esperança deles não é uma âncora, mas uma teia de aranha. Na morte perdem suas esperanças e percebem que o que fizeram foi se lançarem rapidamente no inferno. “A sua firmeza será frustrada” (Jó 8.14). E triste ter a vida e a esperança eliminadas juntamente. Segunda aplicação: se os santos ganham tantas coisas gloriosas na morte, devem desejá-las muito. Todo mundo deseja coisas boas. Ninguém está feliz antes da morte. A fé dá direito ao céu, a morte dá a posse. Conquanto devamos desejar muito servir neste mundo, deveríamos ser ambiciosos por estar com Cristo (Fp 1.23). Devemos estar contentes de viver, mas desejando morrer. Não é uma coisa abençoada estar livre do pecado e deitar para sempre no peito do amor divino? Não é uma bênção encontrar nossos parentes crentes no céu e cantar hinos divinos de louvor entre os anjos? A noiva não deseja o dia do casamento, especialmente se ela espera uma coroa? Em que lugar vivemos agora, senão num lugar de distanciamento de Deus? Estamos em um deserto, enquanto os anjos vivem na corte. Neste mundo, estamos lutando contra Satanás, por isso não deveríamos desejar sair deste campo de batalha, no qual as setas da tentação procuram nos atingir, e receber a coroa de vitória? Pense na glória que será ter sempre o olhar sorridente da face de Cristo. Ou, na bênção que será se achegar à casa do banquete e, lá, ter a bandeira do amor de Cristo esticada sobre nós. Santos, desejem a morte. Ela é o dia da ascensão para o céu. Hilarion disse em seu leito de morte: “Vai em frente minha alma, vai em frente” . Outro homem santo disse: “Senhor, conduza-me à glória que eu vi como que por meio de um vidro. Apresse-se, Senhor, não demore” . Algumas plantas se dão melhor quando transplantadas, assim os crentes, quando transplantados pela morte, só podem crescer, pois têm os

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raios brilhantes de Cristo sobre eles. Será a passagem pelo vale da sombra da morte um problema? Quem não gostaria de atravessar um mar tempestuoso se tivesse certeza que seria coroado tão logo chegasse à praia? Terceira aplicação: podem os, com essa expectativa, encontrar consolo na perda de parentes queridos e piedosos. Eles não somente fo­ ram preservados do mal que estava por vir, como também são grandes ganhadores em suas mortes. Eles deixam o deserto e vão para o paraíso, trocam suas reclamações por ações de graças, deixam seus sofrimentos para trás e entram na alegria do Senhor. Por que deveríamos chorar pelo sucesso deles? Os cristãos só recebem sua porção no dia de sua morte. A promessa de Deus é seu compromisso de mover o céu para eles, mas, embora tenham seu compromisso, não recebem a porção prometida até aquele dia da morte. Alegremo-nos em pensar na felicidade daqueles que morrem no Senhor, pois para eles “ morrer é lucro” . Eles estão tão ricos quanto os céus podem fazê-los. B. O

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“Porquanto, para mim, o viver é Cristo, e o morrer é lucro” (Fp 1.21). A esperança é uma âncora do cristão, a qual ele lança para dentro do véu. “ Regozijai-vos na esperança” (Rm 12.12). A esperança do cristão não está nesta vida, “Mas o justo, ainda morrendo, tem esperança” (Pv 14.32). O melhor consolo do santo começa quando esta vida termina. Por outro lado, o ímpio tem todo seu céu neste mundo. “Mas ai de vós, os ricos! Porque tendes a vossa consolação” (Lc 6.24). O ímpio pode elaborar um documento de quitação e escrever “totalmente pago”. “Filho, lembra-te de que recebeste os teus bens em tua vida” (Lc 16.25). A felicidade do santo é ao contrário: “Mas o justo, ainda morrendo, tem esperança” . Deus guarda o melhor vinho para o final. Catão, o ímpio, disse: “Para mim morrer é lucro”, pois via a mortalidade como uma misericórdia. O que poderia um crente dizer? “O dia da morte, melhor do que o dia do nascim ento” (Ec 7.1). Uma rainha da Inglaterra disse que preferiria seu caixão a seu berço. 1. Os cristãos recebem benefícios em sua morte Que benefícios os cristãos recebem em sua m orte? Na morte os santos têm grandes imunidades e liberdades. Um aprendiz quando completa o seu tempo é liberto, assim, quando os santos completam o seu tempo de vida são libertos. Eles não são libertos até que morram. a. Os santos são libertos do corpo do pecado Na morte, os santos são libertos do corpo do pecado. O que sobra são as lembranças do pecado, algumas recordações e memórias da corrupção:

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“Desventurado homem que sou! Quem me livrará do corpo desta morte?” (Rm 7.24). O corpo da morte significa a massa e o tumor do pecado. Pode ser muito bem chamado corpo por causa de seu peso e corpo da morte pelo odor fétido. i. O pecado nos impede de fazer o bem, seu peso nos puxa para baixo. Um cristão - como um pássaro que está voando, mas que tem uma linha amarrada às suas pernas para segurá-lo - voaria para o céu com as asas do desejo, mas o pecado o atrapalha. “Porque não faço o bem que prefiro” (Rm 7.19). O cristão é como um navio velejando, porém preso por uma âncora. A graça sopra para frente, mas o pecado é a âncora que atrapalha. ii. O pecado é mais ativo em sua esfera que a graça. Como foi forte a malícia em Davi quando a graça ficou dormente. iii. O pecado, às vezes, domina e faz o santo cativo. “Mas o mal que não quero, esse faço” (Rm 7.19). Paulo era como um homem levado pelas águas, e que não conseguia nadar contra a correnteza. Quantas vezes um filho de Deus está sobrecarregado com orgulho e com paixão. Por isso, Paulo chama o pecado de uma lei em seus membros (Rm 7.23). O pecado ata como uma lei porque tem um tipo de jurisdição sobre a alma, como César tinha sobre o senado romano. iv. O pecado contamina a alma do cristão, como uma mancha na beleza, transforma o brilho turquesa da alma em algo escuro. v. O pecado nos debilita desarmando nossa força. “No presente, sou fraco, embora ungido rei” (2Sm 3.39). Embora um santo seja coroado com graça e ungido como um rei espiritual, ele é fraco. vi. O pecado não pára de atuar. “A carne milita contra o Espírito” (G1 5.17). O pecado é um residente que sempre está brigando, como Marcellus, o capitão romano, de quem Hannibal disse: “Quer fosse surrado ou surrasse, nunca ficava quieto” . vii. O pecado se adere ao cristão, não podemos nos livrar dele. Pode ser comparado a uma figueira brava crescendo em uma parede, as raízes podem ser arrancadas, mas algumas fibras dela ficam nas juntas da parede e não podem ser retiradas. viii. O pecado se mistura com nossos deveres e graças. Ele faz que um filho de Deus se torne desgastado de sua vida e que molhe sua cama com lágrimas, pois vê quão forte é o pecado que geralmente ofende o Deus a quem ele ama. Isso fez Paulo gritar: “ Miserável homem que sou”. Ele não gritou por causa de sua aflição ou sua prisão, mas por causa do corpo da morte. Hoje, um crente na morte está livre do pecado. Ele não é levado em seu pecado, mas de seu pecado. Ele nunca mais terá um pensamento vão ou orgulhoso. Ele nunca mais entristecerá o Espírito de Deus. O pecado trouxe o pecar ao mundo e a morte levará o pecado do mundo. Os persas, em certo

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dia do ano, matavam todas as serpentes e os animais venenosos, o dia da morte será como esse dia para um crente, destruirá todos os seus pecados que, como tantas serpentes, o picaram. A morte desperta o crente como o anjo fez com Pedro e lhe tirou as cadeias (At 12.7). Os crentes na morte são feitos perfeitos em santidade: “Aos espíritos dos justos aperfeiçoados” (Hb 12.23). Na morte as almas dos crentes recuperam sua pureza virginal. Que bendito privilégio será este: ser sem mancha ou ruga, ser mais puro que os raios de Sol, ser livre do pecado como os anjos (E f 5.27). Isso leva o crente a desejar seu passaporte a fim de partir imediatamente, ele viverá alegre nessa atmosfera pura, em que não paira sequer uma sombra escura. b. Os santos são libertos das mazelas desta vida Na morte, os santos serão livres de todos os problemas e impostos que esta vida está sujeita. “O pecado é a semente semeada, os problemas são a produção colhida”, disse Eurípedes." A vida e os problemas estão casados. Há muito mais na vida para nos alienar que nos tentar. Os pais dividem uma porção de sofrimento com seus filhos, mas mesmo assim deixam bastante para eles. “Mas o homem nasce para o enfado”, ele herda o enfado, é seu direito de nascimento. E tão fácil extrair o chumbo de um peso de balança quanto é tirar os problem as da vida de um hom em (Jó 5.7). O em blem a do rei Henry100 era uma coroa pendurada em um arbusto de espinhos. Há uma porção muito maior de amarguras que de prazeres na vida: “Já perfumei o meu leito com mirra, aloés e cinamomo” (Pv 7.17). Para um ingrediente doce há dois amargos, para o cinamomo havia a mirra e o aloés. A graça de um homem não o isentará de problemas: “Poucos e maus foram os dias dos anos da minha vida” (Gn 47.9). Assim disse um piedoso patriarca embora tivesse se encontrado com Deus. “Aquele lugar chamou Jacó Peniel, pois disse: Vi a Deus face a face, e minha vida foi salva” (Gn 32.30), e mesmo assim tinha os seus problemas. Há muitas coisas para amargurar a vida e causar problemas, mas a morte nos livra de todas elas. i. L ivra-nos das preocupações. A mente é cheia de pensamentos perplexos de como atingir determinado propósito ou como evitar algum mal. A palavra grega para preocupação vem de uma palavra primitiva que significa cortar o coração em pedaços. A preocupação tortura a mente e desgasta o espírito. “O seu pão comerão com ansiedade e a sua água beberão com espanto” (Ez 12.19). A preocupação é um cancro espiritual que corrói o consolo da vida, somente a morte é a cura. ii. Livra-nos do medo. O medo é o arrepio da alma, e esta, por causa dele, fica tremendo. “O medo produz tormento” (1 Jo 4.18). O medo é como o abutre de Prometeu101 roendo o coração. Existe o medo que é desconfiado, o medo que é por falta de algo, o medo que distrai, o medo do perigo, o

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medo que desencoraja, o medo de que Deus não nos ame. Esses medos deixam impressões tristes na mente. Na morte, um crente está livre desses medos torturantes. Ele está longe do medo assim como o perdido da esperança. A sepultura enterra o medo do cristão. iii. Livra-nos das fadigas. “Todas as coisas são canseiras” (Ec 1.8). Alguns se cansam na mina, outros entre musas. Deus fez uma lei: “No suor do rosto comerás o teu pão” (Gn 3.19), mas a morte dá ao crente uma quietus, tira-o das canseiras do dia. “Bem-aventurados os mortos que, desde agora, morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito, para que descansem das suas fadigas” (Ap 14.13). Que trabalho é necessário quando já se tem os prêmios? Que luta é necessária quando a coroa está sobre suas cabeças? “Descansem das suas fadigas.” iv. Livra-nos dos sofrimentos. Os crentes são como margaridas en­ tre os espinheiros, como as pombas entre os pássaros predadores. Os ímpios têm uma antipatia contra eles e o ódio secreto se manifestará em uma violência aberta: “Como, porém, outrora, o que nascera segundo a carne perseguia ao que nasceu segundo o Espírito” (G14.29). O dragão é descrito como tendo sete cabeças e dez chifres (Ap 12.3). Ele puxa com um e empurra com o outro. Mas, na morte, o crente estará livre das molestações do ímpio. Eles nunca mais serão perturbados com esses vermes: “Ali [isto é, na sepultura], os maus cessam de perturbar” (Jó 3.17). A morte proporciona ao crente o que José de Arimatéia fez a Cristo, tira-o da cruz e lhe dá uma trégua. A águia que voa alto não pode ser picada pela serpente. A morte dá à alma asas de águia para voar acima das serpentes venenosas daqui debaixo. v. Livra-nos da tentação. Embora Satanás seja um inimigo vencido, é um inimigo que ainda anda ao derredor ( lPe 5.8). Ele anda ao derredor, está sempre passeando em seus domínios, ele tem suas armadilhas e seus dardos. A um ele tenta com riquezas, a outro com beleza. Não é um problema pequeno ser continuamente perseguido pelas tentações, isto é tão ruim quanto uma virgem ter sua castidade violada diariamente, mas a morte libertará o filho de Deus da tentação de maneira que não será mais provocado pela velha serpente. Depois que a morte lançar seu dardo, o diabo não mais lançará os seus. A graça tira os cristãos do domínio do diabo, mas somente pela morte são libertos da tentação do diabo. vi. Livra-nos do sofrimento. Geralmente, quando uma nuvem de sofrimentos se ajunta no coração, ela se transforma em lágrimas: “Gasta-se a minha vida na tristeza, e os meus anos, em gemidos” (Sl 31.10). Isso era parte da maldição: “Em meio de dores darás à luz filhos” (Gn 3.16). Muitas coisas provocam sofrimentos: a doença, os processos legais, a traição de amigos, a frustração de esperança e a perda de propriedade. “Não me

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chameis Noemi; chamai-me Mara, porque grande amargura me tem dado o Todo-poderoso. Ditosa eu parti, porém o S enhor me fez voltar pobre” (Rt 1.20,21). O sofrimento é o espírito maligno que nos assombra. O mundo é um boquim (Jz 2.4,5). Raquel chorou por seus filhos, alguns choram porque não têm filhos e outros choram porque seus filhos são desobedientes. Assim, gastamos nossos anos suspirando. Aqui é um vale de lágrimas, mas a morte é o funeral de todos os nossos sofrimentos: “E Deus lhes enxugará dos olhos toda lágrima” (Ap 7.17). Então a esposa de Cristo colocará de lado o seu sofrimento, pois como podem os amigos do noivo sofrerem enquanto o noivo está com eles? (Mt 9.15). Assim, a morte dá ao crente seu quietus, livra-o do pecado e dos problemas. Embora o apóstolo chame a morte de último inimigo (IC o 15.26), ainda assim é o melhor amigo. “Para mim o morrer é lucro.” Veja, nesses argumentos citados, o que pode levar um verdadeiro santo desejar morrer. A morte o deixará fora do alcance das tentações e o libertará do pecado e das lutas. Não há causa para chorar ao deixar um vale de lágrimas - um palco onde o pecado e a miséria encenam. Os crentes estão neste mundo como peregrinos em um país estrangeiro, por que então não deveriam desejar sair daqui? A morte quebra as correntes do pecado e os livra. Quem sai chorando da cadeia? Além de nossos pecados, há os pecados dos outros. O mundo é um lugar onde o trono de Satanás está e onde vemos Deus diariamente sendo desonrado. Ló, que era uma brilhante estrela em uma noite escura, sentiu sua alma de justo irritada com as conversas impuras do ímpio (2Pe 2.7). Ver os sábados de Deus quebrados, suas verdades adulteradas, sua glória apagada, machuca um coração piedoso. Isso levou Davi a gritar: “Ai de mim, que peregrino em Meseque e habito nas tendas de Quedar” (SI 120.5). Quedar era a Arábia, onde estava a posteridade de Ismael. Era um corte no coração de Davi morar lá. Pois, prepare-se para sair das tendas de Quedar. 2. Os cristãos são unidos a Cristo em sua morte Os corpos dos crentes estão unidos a Cristo na sepultura e descansarão lá até a ressurreição. Diz-se dos cristãos que estão mortos que dormem em Jesus (1 Ts 4.14). As cinzas dos crentes são parte do corpo místico de Cristo. A sepultura é um dormitório ou lugar de descanso para os santos onde seus corpos dormem silenciosamente em Cristo até que sejam despertados do sono pela trombeta do arcanjo. Como saberem os que na m orte serem os libertos do p eca d o e dos sofrim entos com o tam bém terem os nossos corpos unidos a Cristo na sepultura?

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“Para mim”, diz Paulo, “morrer é lucro”. Para mim significa quanto sou crente. Somos crentes? Temos essa fé abençoada? A fé, onde quer que esteja, é ativa. Os lapidadores afirmam que não há uma pedra preciosa em que não haja alguma virtude secreta em si mesma. Assim, posso dizer quanto à fé, ela tem uma virtude secreta em si, ancora a alma em Cristo, tem tanto uma virtude justificadora quanto santificadora. A fé recorre ao sangue que saiu do lado de Cristo a fim de obter o perdão, ela também recorre à água que saiu de seu lado para purificar. A fé opera pelo amor, e constrange ao trabalho, e faz o intelecto estudar para Cristo, e a língua o confessar, e as mãos trabalharem para ele. Permita-me usar uma ilustração: eu li a respeito de um pai que tinha três filhos. Esse pai deixou em seu testamento toda a sua propriedade àquele filho que encontrasse um de seus anéis, o qual tinha uma pedra com virtudes curativas. O caso foi levado diante dos juizes. Os dois filhos mais velhos falsificaram um anel para apresentar, mas o filho mais novo trouxe o anel verdadeiro, que foi testado pela virtude que havia nele. Por isso, a herança foi dada àquele filho mais moço. Posso comparar esse anel à fé. Há uma fé falsificada no mundo. Porém, devemos procurar pelo verdadeiro anel da fé no qual se encontra a virtude curativa que pode purificar o coração, pois é a fé verdadeira que nos motiva a buscar a Cristo e nos dá direito a todos os privilégios de sua morte. Privilégios que são a libertação do pecado, do sofrimento e a união de nossos corpos a Cristo enquanto estivermos na sepultura. 3. Os cristãos têm suas almas glorificadas em sua morte Na morte, as almas dos crentes passam para a glória. A morte traz a remoção de todo o mal e a obtenção de todas as coisas, ela é o nascer de um novo dia de brilho eterno. Neste ponto, devo conduzi-lo ao topo do Monte Pisgah e lhe dar uma idéia da Terra Santa. Pode-se perguntar: O que compõe a glória recebida pelos santos em suas mortes? A que se responde: “a glória é um estado de perfeição pela combinação de todas as coisas boas”, disse Boethius.102 É um perfeito estado de felicidade que consiste no acúmulo e no ajuntamento de todas as coisas boas das quais as almas imortais são capazes. E me vejo perdido aqui, pois tudo o que posso dizer é insuficiente sobre a glória celestial. O lápis de Apeles não pode descrevê-la, línguas de anjos não podem expressá-la. N unca entenderemos a glória totalmente até que estejamos no céu. Deixe-me dar a vocês somente alguns vislumbres e alguns esboços imperfeitos do estado de glória a que os santos chegarão após a morte.

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a. O doce e o pleno deleite em Deus Esta é a primeira e a mais sublime parte da glória do céu. “O próprio Deus é o prêmio suficiente”, disse Agostinho. Nós podemos pensar que a felicidade do céu é estar livre da dor e da miséria, mas a própria essência da felicidade é apreciar e se deleitar em Deus. Deus é uma fonte infinita de alegria, tê-lo é ter tudo. Esse deleite doce e pleno em Deus implica três coisas. /'. O deleite em Deus implica vermos a Deus. “Haveremos de vê-lo como ele é” (1 Jo 3.2). Aqui nós o vemos como ele não é: mutável e mortal. Lá, veremos Deus como ele é. Com essa afirmação, alguém perguntará: Como veremos a Deus? Podemos responder que: Primeiramente, o veremos intelectualmente, com os olhos da mente. Os eruditos chamam isso de visão beatífica. Teremos um conhecimento total de Deus, embora não o conheçamos totalmente. Se não houvesse tal visão intelectual de Deus, como as almas dos homens justos poderiam ver perfeitamente a Deus? Essa visão de Deus será muito gloriosa, como quando um rei no dia de sua coroação se mostra em toda sua realeza e magnificência. Segundo, nós contemplaremos o corpo glorificado de Jesus Cristo. Agradável é contemplar o Sol, melhor ainda será contemplar o Sol da Justiça. Ver Cristo vestido em nossa natureza humana, assentado na glória acima dos anjos. Salomão diz: “Os olhos não se fartam de ver” (Ec 1.8). Mas, certamente os olhos dos santos ficarão satisfeitos de ver aquele brilho oriental que brilhará do belo corpo de Cristo. Os olhos têm de ficar satisfeitos, porque mediante a carne de Cristo alguns raios e luzes da divindade se revelarão gloriosamente. A excelência da majestade de Deus seria muita coisa para nós, mas pelo véu da carne de Cristo contemplaremos a glória divina. Terceiro, nossa visão de Deus será uma experiência transformadora. Nós o veremos de uma medida a assimilarmos e mudarmos na forma da sua imagem: “Seremos semelhantes a ele, porque haveremos de vê-lo como ele é” (1 Jo 3.2). Se, quando Moisés estava com Deus no monte e teve uma visão imperfeita de sua glória, sua face brilhou (Ex 34.35), imagine como os santos glorificados brilharão estando sempre na presença de Deus e tendo raios de sua glória direcionados a eles. “Seremos semelhantes a ele.” Uma pessoa deformada pode olhar para a beleza e não se tom ar bela, mas os santos verão Deus e essa visão os transformará em sua semelhança. “Quando acordar, eu me satisfarei com a tua semelhança” (SI 17.15). Os santos não terão a essência de Deus, pois assim como o ferro no fogo fica avermelhado, mas continua sendo ferro, assim como os santos, que ao contemplarem a majestade de Deus serão feitos criaturas gloriosas, ainda serão criaturas.

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Quarto, nossa visão de Deus no céu não será desgastante. Um homem contemplando uma visão das mais raras, provavelmente logo se desgastará, como quando vai até um jardim e vê caminhos maravilhosos, belos arbustos, flores agradáveis. Dentro de algum tempo essa pessoa fica desgastada, mas não é assim no céu, não haverá cansaço lá. Bernardo dizia que no céu não haverá nem cansaço nem enfado. Os santos nunca cansarão de ver Deus, pois em Deus, sendo infinito, cada momento será um agradável momento novo fluindo dele para nossas almas. ii. O deleite em Deus implica apreciarmos Deus. Essa apreciação será amá-lo. E um grande sofrimento se o coração de um santo é como o oceano congelado e não pode mais se descongelar com a ação do amor de Deus. No céu ele será com o os serafins, queim ando com am or divino. O amor é uma afeição agradável: “O medo produz torm ento” (1 Jo 4.18). O am or tem alegria em si. Amar a beleza é agradável. A beleza maravilhosa de Deus atrairá o amor dos santos e amá-lo será o céu deles. iii. O deleite em Deus implica sermos amados por Deus. Se houvesse glória em Deus e não houvesse amor, comprometeria as alegrias do céu, mas “Deus é amor” (U o 4.16). Os santos glorificados não podem amar tanto quanto são amados. O que é o amor deles para com Deus? O que é a estrela deles em relação ao Sol? Deus ama seu povo na terra sejam eles agradáveis ou não na aparência. Se agora os santos têm suas imperfeições, como os amará quando estiverem sem mancha ou ruga! (E f 5.27). Esta é a felicidade do céu, estar nos braços doces do amor de Deus, ser o Hephzibah, o prazer do Rei da Glória. Estar brilhando na luz da presença de Deus. Então, os santos saberão que o amor de Cristo excede todo o entendimento (E f 3.19). Dessa gloriosa manifestação do amor de Deus fluirá alegria infinita para dentro das almas dos abençoados, por isso o céu é chamado “Gozo do teu senhor” (Mt 25.21). Ver a Deus, amar a Deus e ser amado por Deus causará júbilo de espírito nos justos e produzirá neles arrebatamentos santos de alegria, os quais não se podem descrever porque são cheios de glória (1 Pe 1.8). “Há certa doçura quanto à pessoa de Deus que dá prazer, encanta a alma”, disse Agostinho. Aqui os santos gastam seus anos suspirando, pois eles choram quanto aos seus pecados e suas aflições, mas no céu a lágrima deles se tomará em vinho - os vasos de misericórdia serão cheios e transbordarão com alegria, terão folhas de palmeiras e de harpas em suas mãos como símbolo de triunfo e de alegria (Ap 14.2). b. A comunidade perfeita dos céus A segunda coisa compreendida na glória é a boa sociedade que teremos lá. Os anjos estão lá. Uma estrela a mais lhes aumentará o brilho. Os querubins abençoados nos darão as boas-vindas ao paraíso. Se os anjos se regozijam na

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conversão do eleito, como se regozijarão na coroação deles. Será a companhia dos santos: “Espíritos dos justos aperfeiçoados” (Hb 12.23). Alguém pergunta: Os santos na glória conhecerão um ao outro? Certamente que sim, pois nosso conhecimento no céu não será diminuído, mas aumentado. Não somente conheceremos nossos amigos e conhecidos crentes, mas aqueles santos glorificados que nunca vimos antes. Deve ser assim, pois uma sociedade sem conhecidos não é confortável. Compartilham esta opinião: Agostinho, Anselmo e Lutero. De fato, a Escritura parece nos dar uma boa idéia disso, pois se Pedro na transfiguração conheceu Moisés e Elias, que nunca havia visto (Mt 17.3), então, certamente, no céu os santos conhecerão uns aos outros e ficarão infinitamente felizes com a companhia uns dos outros. c. A perfeição e a santidade A terceira coisa compreendida na glória é a perfeição e a santidade. A santidade é a beleza de Deus e dos anjos, ela compõe o céu. O que é felicidade, a não ser a essência da santidade? Aqui, a graça do cristão é imperfeita. Na morte, os crentes chegarão à perfeição da graça. Então, esse sol estará no seu esplendor máximo, meridiano. Não precisarão orar para que seja aumentada a graça, pois serão como os anjos, a luz deles será mais clara e a alegria completa. d. A dignidade e a honra A quarta coisa na glória é a dignidade e a honra, pois reinarão como reis. Portanto, santos glorificados terão suas insígnias de realeza: vestimentas brancas e a coroa (Ap 7.9). César, após suas vitórias, como símbolo de honra tinha uma cadeira de marfim preparada para ele no senado e um trono no teatro. Assim, os santos, tendo obtido suas vitórias sobre o pecado e sobre Satanás, serão entronizados com Cristo no império celestial. Sentarse com Cristo denota segurança, sentar-se no trono denota dignidade: “O que será honra para todos os seus santos” (SI 149.9). e. A harmonia e a união A quinta coisa na glória é a harmonia e a união entre os habitantes celestiais. O diabo não poderá colocar sua influência característica no céu, não poderá agitar qualquer tempestade ou contendas ali. Haverá uma perfeita união. Calvino e Lutero concordam sobre isso, não haverá uma corda desafinada na música celestial, não haverá nada para separar as pessoas nem orgulho ou inveja. Embora uma estrela possa ser diferente de outra, uma pode ter um grau maior de brilho que outra, contudo todos os vasos estarão cheios. Os santos e os anjos estarão sentados ao redor da mesa do

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pai como pés de oliveira em amor e em unidade. Eles se unirão em con­ certo e haverá altos louvores cantados no coro celestial. f. O descanso fin a l A sexta coisa na glória é o descanso abençoado. “Portanto, resta um repouso para o povo de Deus” (Hb 4.9). Uma feliz transição do sofrimento para o descanso. Aqui não podemos ter descanso, pois somos jogados e virados como bola pela raquete: “Em tudo somos atribulados” (2Co 4.8). Como um navio pode descansar em uma tormenta? Mas após a morte os santos chegarão ao porto seguro. Tudo é quieto no centro. Deus, como dizem os estudiosos, é “o centro em que a alma encontrará doce descanso” . O cristão, depois de suas marchas e batalhas cansativas, colocará de lado sua armadura ensangüentada e descansará no peito de Jesus, aquela cama de perfumes. Quando a morte der aos santos asas de pomba, voarão para o paraíso e descansarão. g. A eternidade A sétima coisa na glória é a eternidade. Um “eterno peso de glória” (2Co 4.17). A glória é um peso. A palavra hebraica para glória é igual a peso. Deus nos fará capazes de a suportar. Um eterno peso. A glória é um maná que não cria verme. Se a glória dos santos no céu fosse somente por um tempo e tivessem medo de perdê-la, ela ofuscaria e amarguraria as alegrias do céu, mas a eternidade está escrita em suas alegrias. A guirlanda feita de flores do paraíso não murcha (1 Pe 5.4). Eu li a respeito de um rio chamado Day-river, que em determinado momento corre com a correnteza total, mas durante a noite fica seco. Assim são todos os consolos terrenos, eles correm com força total durante o dia da vida, mas na noite da morte secam. Os santos glorificados beberão dos rios de prazeres para sempre (Sl 16.11). A eternidade é o céu dos céus, como disse Bernardo: “no final nossa alegria será eterna” . As alegrias do céu são transbordantes e eternas. Quando os crentes entram na posse da glória? Eles imediatamente após a morte passam para a glória. Alguns defendem, com os platonistas e lucianistas, que a alma morre, mas muitos dos pagãos orgulhosos crêem na imortalidade da alma. Os romanos, quando seus grandes homens morriam, soltavam uma águia que saía voando significando que a alma era imortal e não morria com o corpo. Cristo nos diz que a alma não pode ser morta, portanto não morre (Mt 10.28). Pelo fato da alma não morrer, também não dorme com o corpo por um tempo. Se a alma, na morte, sai do corpo, não pode dormir no corpo (2Co 5.8). Há uma passagem imediata da morte para a glória, a qual será como um piscar de olhos e, depois, veremos Deus. “Em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23.43).

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Paraíso significa céu, o terceiro céu onde Paulo foi levado (2Co 12.4). Cristo disse ao ladrão na cruz: “Hoje estarás comigo no paraíso”. Seu corpo poderia não estar lá, pois estaria depositado na sepultura, mas falava de sua alma, que estaria imediatamente após a morte no céu. Não sejamos de conversas vãs ao falarmos sobre purgatório. Uma alma purgada pelo sangue de Cristo não necessita do fogo do purgatório, mas vai imediatamente do leito da morte para o estado glorificado. A

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Primeira aplicação: veja que os crentes têm pouco medo da morte, pois ela traz benefícios gloriosos. Por que os santos tem eriam uma promoção? Não é uma bênção ver Deus, amar a Deus e ficar para sempre no seio do amor divino? Não é uma bênção encontrar nossos amigos no céu? Por que os santos deveriam ter medo de suas bênçãos? Uma virgem teria medo de um casamento real? Agora é somente um contrato, na morte é o banquete das bodas do Cordeiro (Ap 19.9). Que mal faz a morte, a não ser nos tirar das serpentes terríveis e nos colocar entre os anjos? Que mal nos faz em nos vestir com uma roupagem de imortalidade? Há alguma coisa de errado em se tirar o pano de saco e vestir em seu lugar ouro? Não tenha medo da morte, só se vive de verdade quando se morre. Segunda aplicação: vocês, que são santos verdadeiros, cujos corações estão purificados pela fé, gastem tempo pensando nos benefícios gloriosos que terão pela morte de Cristo. Assim, por meio de uma vida contemplativa, comecem a viver uma vida angelical neste mundo e antecipem o céu. Eudóxio103 estava tão impressionado com a glória do Sol que pensou que tivesse nascido somente para contemplá-lo. Contemplaremos a glória ce­ lestial somente quando virmos a Deus face a face. Davi experimentou algo acima dos homens comuns, quando nas alturas disse: “Quando acordo ainda estou contigo” (SI 139.18 - RC). Um santo verdadeiro a cada dia passeia pelo céu, pois seus pensamentos e seus desejos são como os querubins voando para o paraíso. Os homens do mundo se alegram em contemplar suas bolsas cheias de ouro e seus campos cheios de milho. Não deveriam os herdeiros do céu se alegrar em contemplar sua glória? Não deveríamos espionar com os olhos da nossa fé a glória da Jerusalém celestial? Quanto nos alegraria essa nossa procura, assim como um herdeiro que pensa na herança cuja posse brevemente será sua. Terceira aplicação: isso pode consolar os santos de duas maneiras. 1. Em relação ao que lhes falta. Os santos são pródigos somente em faltas: a refeição está quase acabada no estoque, porém caso você seja paciente até a morte terá sustento em tudo que falta. Você terá um reino e será tão rico quanto o céu pode fazê-lo. Aquele que tem a promessa de uma

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propriedade, depois de alguns anos a promessa pode expirar, embora no presente ele não tenha nada para ajudá-lo, consola-se a si mesmo com isto: em breve terá uma propriedade em suas mãos. “E ainda não se manifestou o que haveremos de ser” (1 Jo 3.2), lá seremos enfeitados com glória e ricos como os anjos. 2. Lutero diz que um santo verdadeiro é um herdeiro da cruz. Saber que há grandes coisas reservadas para nós pode nos fazer passar pelos sofrimentos com alegria. Estamos indo em direção à glória, a glória que os olhos humanos jamais contemplaram. Nós beberemos do fruto da vinha no reino do céu. Ainda que agora bebamos vinho em cálice amargo, ainda há açúcar para adoçá-lo. Nós experimentaremos aquelas alegrias do paraíso que excedem nossa fé e podem ser sentidas melhor do que expressas. C. A

RESSUR R E IÇÃO

“Não vos maravilheis disto, porque vem a hora em que todos os que se acham nos túmulos ouvirão a sua voz e sairão: os que tiverem feito o bem, para a ressurreição da vida; e os que tiverem praticado o mal, para a ressurreição do juízo” (Jo 5.28,29). PERGUNTA 38: Que benefícios os cristãos recebem de Cristo na ressurreição? RESPOSTA: Na ressurreição, os crentes ressurretos em glória serão reconhecidos publicam ente e libertos no dia do julgam ento. Serão perfeitamente abençoados no gozo completo de Deus para toda a eternidade. 1. Os justos terão seus corpos glorificados a. Os corpos dos cristãos serão ressuscitados para a glória A doutrina da ressurreição é um artigo fundam ental de nossa fé. O apóstolo a coloca entre os primeiros princípios da doutrina de Cristo (Hb 6.2). O corpo ressuscitará. Não temos certeza se levantaremos de nossas camas no dia seguinte, mas podemos ter certeza que levantaremos de nossas sepulturas. O corpo salvo ressuscitará. Alguns defendem que a alma receberá um novo corpo, mas então seria impróprio chamar de ressurreição, seria melhor criação. “Depois, revestido este meu corpo da minha pele, em minha carne verei a Deus” (Jó 19.26). Não ressuscitaremos em outra natureza, mas na carne: “Porque é necessário que este corpo corruptível se revista da incorruptibilidade” (1 Co 15.53). b. Argumentos para prova da ressurreição dos corpos dos justos Quais argumentos provam a ressurreição dos corpos dos justos? Vejamos alguns:

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i. O argumento apresentado pelas Escrituras. As Escrituras afirmam a ressurreição dos corpos dos cristãos. “E eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 6.44). “Tragará a morte para sempre” (Is 25.8). Isto é, nossos corpos serão libertos da prisão da sepultura, onde a morte por um tempo teve poder sobre eles. “Deus, mediante Jesus, trará, em sua companhia, os que dormem” (1 Ts 4.14). ii. O argumento da ressurreição de Cristo. Cristo ressuscitou, portanto os corpos dos santos devem ressuscitar. Cristo não ressuscitou dos mortos como uma pessoa qualquer, mas como o cabeça representativo da igreja. O cabeça sendo ressuscitado o restante do corpo não ficará para sempre na sepultura. A ressurreição de Cristo é a promessa de nossa ressurreição: “Sabendo que aquele que ressuscitou o Senhor Jesus também nos ressuscitará com Jesus e nos apresentará convosco” (2Co 4.14). Cristo é chamado de “as primícias dos que dormem” (IC o 15.20). Como o primeiro fruto é a evidência clara de que a colheita está chegando, assim a ressurreição de Cristo é a evidência certa de que nossos corpos levantarão da sepultura. Cristo não pode ser perfeito como um Cristo místico, a menos que seus membros sejam ressuscitados com ele. iii. O argumento da justiça de Deus. Por causa da justiça de Deus. Como Deus é justo, ele premiará os corpos dos santos, assim como suas alm as. N ão é possível im aginar que as alm as dos crentes fossem glorificadas e não seus corpos. Eles servem a Deus com seus corpos que são participantes da santidade: seus olhos derramam lágrimas por causa do pecado, suas mãos aliviaram as necessidades do pobre, suas línguas louvam a Deus, portanto, ajustiça e a eqüidade requerem que seus corpos sejam coroados assim como suas almas. Como pode isso acontecer, a não ser pela ressurreição? iv. O argum ento da felicidade eterna. Se o corpo não ressuscitar novam ente, um crente não será com pletam ente feliz, pois, em bora a alma possa subsistir sem o corpo, tem um desejo de reunião com o corpo. A alma não está totalmente feliz até que seja revestida com o corpo. Portanto, sem dúvida, o corpo ressuscitará novamente. Se a alma deve ir para o céu e não o corpo, então um crente seria somente meio salvo. c. O poder de Deus exercido na ressurreição Mas alguns dizem, como Maria disse ao anjo: “Como pode ser isto? ” Como pode ser que o corpo, que é consumido e se tornou pó, ressuscite? Podemos responder que isso não se opõe à razão, mas a transcende. Há alguns acontecimentos naturais que se assemelham à ressurreição. O milho, que é semeado no chão, morre antes de brotar. “O que semeias não nasce, se primeiro não morrer” (IC o 15.36). No inverno, os frutos da

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terra morrem, na primavera há a ressurreição deles. A oliveira de Noé floresceu depois do dilúvio, um símbolo vivo da ressurreição. Depois da paixão de nosso Senhor, muitos dos santos que dormiam em suas sepulturas ressuscitaram (Mt 27.52). Deus pode mais facilmente levantar o corpo da sepultura que nós podemos tirar uma pessoa de seu sono. Mas. quando o pó de muitos estiver misturado, como será possível uma separação e a mesma quantidade de corpos levantar? Se acreditamos que Deus pode criar, por que não pode distinguir o pó de um corpo do de outro? Não vemos que o químico faz isso com vários metais quando misturados, como o ouro e a prata formando a liga de prata dourada, e, depois, ele pode separar cada metal conforme o seu tipo? Não deveríamos muito mais crer que quando nossos corpos estiverem misturados e confundidos com outras substâncias, o Deus sábio será capaz de reinvestir cada alma com o próprio corpo? d. A ressurreição será geral Pode-se questionar: Só os corpos dos justos ressuscitarão? Respondo que todos os que estão na sepultura ouvirão a voz de Cristo e ressuscitarão. “ H averá ressurreição, tanto de ju sto s com o de injustos” (At 24.15). “Vi também os mortos, os grandes e os pequenos, postos em pé diante do trono” (Ap 20.12). Embora todos sejam ressuscitados de suas sepulturas, nem todos serão ressuscitados da mesma maneira. i. Os corpos dos ímpios ressuscitarão em ignomínia. Aqueles corpos que, na terra, tentaram e encantaram os outros com sua beleza serão publicamente detestados na ressurreição. Serão espetáculos horríveis. “Eles serão um horror para toda a carne” (Is 66.24). Mas, os corpos dos santos serão ressuscitados com honra. “Semeia-se em fraqueza, ressuscita em poder” (1 Co 15.43). Os corpos dos santos brilharão como diamantes polidos: “Então, os justos resplandecerão como o sol” (Mt 13.43). ii. Os corpos dos santos ressuscitarão em triunfo, mas os corpos dos ímpios com terror. O ímpio receberá a condenação fatal, o crente acordará do pó e cantará de alegria. “Despertai e exultai, os que habitais no pó” (Is 26.19). Quando a trombeta do arcanjo soar, os corpos dos crentes sairão de suas sepulturas para serem felizes, como o copeiro-chefe que foi reinstalado em todas as suas dignidades na corte. Mas, os corpos dos ímpios sairão da sepultura como o padeiro-chefe saiu da prisão para ser enforcado (Gn 40.21,22). A

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Primeira aplicação: creia nesta doutrina da ressurreição, que o mesmo corpo que morre ressuscitará e será coroado com a alma. Sem a crença

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nisso toda religião cai ao chão. Se o morto não ressuscita, então Cristo não ressuscitou e é vã a nossa fé (IC o 15.14). Segunda aplicação: o corpo ressuscitará. Esse era o consolo de Jó: “ Depois, revestido este meu corpo da minha pele, em minha carne verei a D eus” (Jó 19.26). O corpo é sensível à alegria, assim com o a alma. Não poderemos estar em toda nossa glória até nossos corpos serem reunidos às nossas almas. Pense em que alegria será a reunião entre o corpo e a alma na ressurreição. Pense nos abraços suaves de alegria que aconteceram en­ tre o velho Jacó e José quando se encontraram depois de tanto tempo. Isso, e infinitamente mais, acontecerá quando o corpo e a alma de um santo forem reunidos na ressurreição (Gn 46.29). Como o corpo e alma se cumprimentarão. Como a alma dará as boas-vindas ao corpo. Que corpo abençoado, as alm as dos ju sto s vão dizer: “ Q uando eu orei, você acompanhou minhas orações com as mãos levantadas e os joelhos dobrados. Desejou sofrer comigo e agora reinará comigo. Você foi semeado na desonra, mas agora ressuscitará em glória. Eu retomarei a você novamente e estarei eternamente casado com você” . Terceira aplicação: a ressurreição do corpo é um estimulante quando o cristão está morrendo. Seu corpo, embora caia no sepulcro, reviverá e florescerá como uma erva na ressurreição. A sepultura é a cama do pó, onde os corpos dos santos dormem, mas serão acordados pelo som do arcanjo. A sepultura é sua moradia de estada, mas não sua moradia eterna. Ainda que a morte retire toda a sua beleza, na ressurreição haverá uma restauração. Quando Davi encontrou Saul dormindo, ele pegou sua lança e seu pote de água, mas quando Saul acordou, ele os devolveu (IS m 26.22). Assim, embora na morte toda nossa força e beleza sejam levadas, na ressurreição Deus devolverá tudo de uma maneira mais gloriosa. Como saberemos que nossos corpos serão levantados para uma gloriosa ressurreição? Se tivermos parte na primeira ressurreição. “ Bem-aventurado e santo é aquele que tem parte na primeira ressurreição” (Ap 20.6). O que significa isto? E ser levantado pelo arrependimento da sepultura do pecado. Aquele que está sepultado no pecado pode ter pouca esperança de uma ressurreição feliz, seu corpo será ressuscitado, mas não em glória. Então, pergunte à consciência se ela tem parte na primeira ressurreição. Será que o Espírito entrou em você e o levantou? Será que ele o ressuscitou de sua descrença? Ele ressuscitou seus corações acima da terra? Essa é a primeira ressurreição e se suas almas forem assim espiritualmente levantadas, seus corpos serão gloriosam ente levantados e brilharão com o estrelas no reino do céu. A regeneração abre caminho para uma gloriosa ressurreição.

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Q uarta aplicação: para responder a expectativa de os corpos ressuscitarem para a glória é necessário guardá-los puros do pecado. Um corpo bêbado ressuscitará para a glória? Um corpo impuro ressuscitará para a glória? Um corpo de um ladrão roubará uma passagem para o céu? Então, cristãos, mantenham seus corpos puros. Guardem seus olhos de vislumbres impuros, suas mãos de corrupções, suas línguas de fofocas. Não contaminem seus corpos, que esperam ser levantados um dia para a glória. Seus corpos são membros de Cristo. Ouçam o que o apóstolo diz: “E eu, porventura, tomaria os membros de Cristo e os faria membros de meretriz? Absolutamente, não” (1 Co 6.15). Mantenham seus corpos puros, que sejam instrumentos da justiça. “Glorificai a Deus no vosso corpo” (IC o 6.20). Se os seus corpos glorificam a Deus, Deus glorificará seus corpos. Mas se nossos corpos ficarão deitados na sepultura e por vários anos apodrecerão ali antes da ressurreição, que apoio e consolo temos nesse caso? Veja o seguinte: 1. Deus não deixará seu povo na sepultura. Nossos amigos nos levam à sepultura e nos deixam lá, mas Deus não. Ele irá para a sepultura conosco e contemplará nossos corpos mortos e cuidará de nossas cinzas. Rispa cuidou dos corpos mortos dos filhos de Saul e os protegeu contra as aves do céu (2Sm 21.10). Assim, o Senhor cuida dos corpos mortos dos santos e os vigia a tal ponto que suas cinzas não sejam perdidas. Cristão, você tem um Deus para cuidar de seu corpo quando você morrer. 2. Os corpos dos santos na sepultura, embora estejam separados de suas almas, estão unidos a Cristo. O pó de um crente é parte do corpo místico de Cristo. 3. Quando os corpos dos santos estão na sepultura, suas almas estão no paraíso. A alma não dorme com o corpo, “E o pó volte à terra, como o era, e o espírito volte a Deus, que o deu” (Ec 12.7). A alma imediatamente compartilha as alegrias que os anjos abençoados têm. Quando o corpo retoma ao pó, a alma retoma ao descanso. Quando o corpo está dormindo, a alma está triunfando, quando o corpo está enterrado a alma está coroada. Como os espias foram enviados de antemão para experimentar os frutos da terra, assim, na morte, a alma é enviada de antemão para o céu para experimentar o fruto da terra santa (Nm 13.20). 4. Quando o tempo de Deus chegar: “A morte e o além entregaram os mortos que neles havia” (Ap 20.13). Quando o juiz manda, o carcereiro tem de entregar os prisioneiros. Como Deus disse a Jacó: “Eu descerei contigo para o Egito e te farei tom ar a subir, certamente” (Gn 46.4). Assim, o Senhor descerá conosco à sepultura e certamente nos fará subir de novo. 5. Embora os corpos dos santos apodreçam e fiquem nojentos na sepultura, posteriormente serão feitos ilustres e gloriosos. Os corpos dos

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santos, quando se levantarem, serão atrativos e belos. O corpo de um santo nesta vida pode ser deformado. A queles que têm suas mentes adornadas com virtude podem ter corpos disformes - assim como as roupas mais finas podem ser amassadas. Mas, aqueles corpos deformados serão feitos afáveis e belos. Essa beleza consiste de duas coisas: i. Na perfeição das partes. Haverá uma proporção certa de todos os membros. Nesta vida, geralmente há algum defeito de membros: um olho é perdido, o braço é cortado, mas na ressurreição todas as partes do corpo serão restauradas totalmente, portanto a ressurreição é chamada de o tempo da restauração de todas as coisas (At 3.21). A orelha de Malco foi restituída. ii. No seu esplendor. Os corpos dos santos terão uma majestade bela neles. Os corpos serão como Estêvão, cuja face brilhou como se fosse a face de um anjo (At 6.15). Eles serão feitos como o corpo glorioso de Cristo (Fp 3.21). Os corpos dos santos, quando se levantarem, serão libertos das necessidades da natureza, como fome e sede. “Jamais terão fome, nunca mais terão sede” (Ap 7.16). Moisés, quando estava no monte, ficou tão cheio com a glória de Deus que não precisou dos recursos da natureza. Muito mais, no céu, os corpos dos santos serão cheios com a glória de Deus a tal ponto de não necessitarem de comida. Os corpos dos santos, quando forem levantados, serão rápidos e ágeis. Nossos corpos terrenos são lentos e pesados em seus movimentos, no céu serão rápidos e apropriados para subir aos céus, como o corpo de Elias. Agora, o corpo é um tijolo pesado, no céu será uma asa. Nós seremos como anjos (Mt 22.30). E quão suaves são eles? O anjo Gabriel em pouco tempo veio do céu para a terra (Dn 9.21). Assim como o timão vira o navio instantaneamente conforme o desejo do capitão, assim o corpo num instante se moverá conforme o desejo da alma. Os corpos dos santos, na ressurreição, serão firmes e fortes. “ Ressuscita em poder” (IC o 15.43). Com a freqüência do trabalho ou da doença, o corpo forte começa a enfraquecer, mas, na ressurreição, teremos uma constituição forte. Não haverá fraqueza no corpo, nem fraqueza no espírito. Isto pode consolar você que agora enfrenta muitas fraquezas físicas. Este corpo fraco será ressuscitado em poder. O corpo, que agora é uma rama fraca, será como uma rocha. Os corpos dos santos, na ressurreição, serão imortais. “O corpo mor­ tal se revista da im ortalidade” (IC o 15.53). Nossos corpos correrão paralelamente com a eternidade. “Pois não podem mais morrer” (Lc 20.36). No céu há um clima saudável, não há atestado de óbito lá. Se um médico pudesse lhe dar uma receita para que você não morresse, qual soma de

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dinheiro você daria a ele? Na ressurreição, Cristo dará aos santos tal receita: “E a morte já não existirá” (Ap 21.4). 2. Os justos serão justificados publicamente Em sua morte, os cristãos serão considerados publicamente justos no dia do julgamento. a. Haverá um dia de julgamento final? É certo que haverá um dia do julgamento: “ Porque importa que todos nós compareçamos perante o tribunal de Cristo” (2Co 5.10). Esse será o julgam ento final, a maior manifestação que já aconteceu. Adão verá toda sua posteridade de uma só vez. Todos nós compareceremos. As pessoas mais importantes do mundo não estão isentas de comparecerem ao tribu­ nal de Cristo, reis e capitães serão levados em tremor diante do Cordeiro (Ap 6.15). Todos nós compareceremos pessoalmente, não mandaremos um substituto. b. Quais são as provas de que haverá um julgamento? Podemos apresentar duas. Primeiramente, podemos prová-lo pelo testemunho da Escritura: “ Porque Deus há de trazer em juízo todas as obras, até as que estão escondidas, quer sejam boas, quer sejam más” (Ec 12.14); “Julgará o mundo com justiça e os povos, consoante a sua fidelidade” (Sl 96.13). A repetição denota certeza: “Continuei olhando, até que foram postos uns tronos, e o Ancião de dias se assentou; sua veste era branca como a neve ... assentou-se o tribunal, e se abriram os livros” (Dn 7.9,10). Segunda. Prova-se, também, pelas lem branças sem im portância guardadas na consciência do próprio homem. Quando um homem faz algo virtuoso, a consciência o isenta, quando faz algo mau, a consciência o acusa e condena. Quais são as memórias guardadas no tribunal da consciência, a não ser certa prévia do grande dia do julgamento geral, quando todo o mundo será indiciado no tribunal de Deus? c. Por que deve haver um dia de julgamento? Para que haja um dia de retribuição no qual Deus possa dar a cada um de acordo com as suas obras. As coisas parecem acontecer m uito desigualmente no mundo: o ímpio prospera, como se fosse premiado pelo mal que faz, o justo sofre, como se fosse punido pelo bem que faz. Portanto, para a imputação da justiça de Deus deve haver um dia em que uma distribuição justa de punições e de premiação aos homens seja feita de acordo com suas ações.

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d. Quem será o ju iz nesse julgamento? O Senhor Jesus Cristo. “E o Pai a ninguém julga, mas ao Filho confiou todo julgamento” (Jo 5.22). Este é um artigo de nosso Credo Apostólico, o fato de que Cristo “há de julgar vivos e mortos” . E uma grande honra colocada sobre Cristo, que foi julgado e agora será o juiz: aquele que uma vez foi pendurado na cruz se assentará no trono de julgamento. Ele é a pessoa mais apropriada para ser o juiz, pois compartilha tanto a humanidade como a divindade. i. Cristo compartilha a humanidade. Tendo sido vestido com a natureza humana, pode ser visto por todos. E um requisito que o juiz seja visto: “Eis que vem com as nuvens e todo olho o verá” (Ap 1.7). ii. Cristo com partilha a divindade. Ele tem um conhecimento infinito para entender todas as causas trazidas diante dele. Ele tem infinito poder para executar os culpados. Ele é descrito com sete olhos (Zc 3.9) para denotar sua sabedoria; e com uma vara de ferro (SI 2.9) para denotar seu poder. Ele é tão sábio que não pode ser enganado e tão forte que não pode ser vencido. e. Quando será o momento do julgamento? O quando ou o tempo do julgam ento geral é um segredo guardado até dos anjos. “Mas a respeito daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos dos céus, nem o Filho, senão o Pai” (Mt 24.36). Mas, não está longe. Um grande sinal da aproximação do dia do julgamento é a multiplicação da iniqüidade (Mt 24.12). Fica claro, então, que aquele dia está próximo, pois a iniqüidade nunca foi tão abundante quanto nesta época na qual a luxúria fica mais quente e o amor mais frio. Quando todos os eleitos forem convertidos, então Cristo virá para julgar. Cristo age à semelhança de um barqueiro que espera até que todos os passageiros estejam a bordo e, então, começa a remar, assim Cristo está esperando até que todos os eleitos sejam reunidos e, assim, ele apressará o julgamento. / Como se processará esse julgam ento final? i. Primeiramente haverá a menção dos homens na corte. Os mortos serão citados assim como os vivos. Os homens quando morrem são isentos da censura dos tribunais, mas no último dia serão citados diante do tribunal de Deus. “Vi também os mortos, os grandes e os pequenos, postos em pé diante do trono” (Ap 20.12). Essa citação dos homens será por intermédio da trombeta (lT s 4.16). Essa trombeta soará tão alto que ressuscitará os homens de suas sepulturas (Mt 24.31). Aqueles que não deram ouvidos à trombeta do evangelho soando: “Arrependa-se e creia”, ouvirão a trombeta do arcanjo soando: “Levante-se e seja julgado”.

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ii. Em segundo lu g ar o juiz agirá diferentem ente com ímpios e com justos. O comportamento do juiz no tribunal será diferenciado em relação aos ímpios e aos justos. Ele será terrível para o ímpio. Como um prisioneiro culpado poderá agüentar a presença do juiz? Se Felix tremeu quando Paulo pregou sobre o julgamento (At 24.25), como os pecadores tremerão quando virem Cristo vir julgar. Há como que um rio de fogo saindo de diante de Cristo na descrição dele feita pelas Escrituras assentado e julgando (Dn 7.10). O Cordeiro de Deus se transformará em um leão, aquela visão transmitirá terror aos pecadores. Quando José disse a seus irmãos: “Eu sou José, vosso irmão, a quem vendestes para o Egito” (Gn 45.4), eles ficaram atemorizados perante ele. Seus corações os acusaram pelo pecado. Assim, quando Cristo vier para julgar e disser: “Eu sou Jesus contra quem você pecou. Eu sou Jesus cujas leis você quebrou e cujo sangue desprezou. Eu venho agora para julgá-lo”, que terror e susto tomarão conta dos pecadores, pois estarão muito aterrorizados na presença do juiz. Por outro lado, a maneira que Cristo ficará no banco do juízo será confortável para o justo. Cristo virá em resplendor e grande glória. Sua primeira vinda na carne foi de difícil entendimento (Is 53.2). Ele era como um príncipe disfarçado, mas sua segunda vinda será ilustre - e virá na glória de seu Pai, com os santos anjos (Mc 8.38). Que dia de glória será aquele em que uma legião de anjos, as estrelas da manhã, aparecerão nos céus, e Cristo, o Sol da Justiça, brilhará em esplendor acima dos querubins. Ele virá como amigo. De fato, se o ju iz dos santos fosse inimigo deles, temeriam a condenação, mas aquele que os ama e intercede por eles é seu juiz. Aquele que é seu esposo é seu juiz, portanto não precisam temer porque tudo irá bem do lado deles. iii. O p ró p rio ju lg am en to te rá um lado escuro e um claro. Um lado escuro, pois será pesado sobre o ímpio quando o juiz, em seu lugar, abrir os livros: o livro da consciência e o da memória de Deus (Ap 20.12). Depois que as acusações aos pecadores forem lidas, seus pecados revelados: assassinato, bebedice e impurezas, Cristo dirá: “O que você me diz em relação a essas suas ações para que eu não determine sua pena de morte?” Então, sendo achados culpados, ficarão calados. A seguir virá a calamitosa sentença: “Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos” (Mt 25.41). E os que disseram a Deus: “Retirate de nós!” (Jó 21.14), e para a fé: “Retira-te de nós”, esses agora ouvirão de seu juiz: “Retira-te de mim” - uma sentença temível, mas justa (Sl 51.4). O próprio pecador clamará: “Culpado!” Embora tenha um mar de ira, não tem uma gota de injustiça. Quando a sentença for passada, é irreversível, não há apelo a um tribunal superior.

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O julgamento também tem um lado suave. Ele aumentará a alegria e a felicidade do justo. O dia do julgamento será um dia de jubileu para todos. Naquele dia, Cristo, o juiz, se apropriará de seus santos pelo nome. Aqueles que o mundo desprezou e considerou loucos e tolos, Cristo tomará pelas mãos e publicamente os reconhecerá como seus favoritos. O que é “também o Filho do homem o confessará” (Lc 12.8), a não ser o reconhecimento público deles como preciosos aos seus olhos? C risto os defenderá. N ão é co stu m eiro ser tanto ju iz quanto advogado, sentar-se no banco de juiz e interceder, mas assim será naquele dia de julgam ento. Primeiro, Cristo defenderá os santos com o próprio sangue. “Comprei estas pessoas, elas são o sofrimento de minha alma, pecaram, mas minha alma foi oferecida pelos seus pecados.” Segundo, além disso, Cristo os livrará de todas as censuras injustas. Foram m al-interpretados no m undo com o orgulhosos, hipócritas e facciosos, assim como Paulo foi chamado um homem rebelde e cabeça de uma facção (At 24.5). Mas, no dia do julgamento, Cristo os fará inocentes, “Fará sobressair a tua justiça como a luz e o teu direito, como o sol ao meio-dia” (SI 37.6). Ele enxugará de seus olhos toda lágrima e a poeira de seus nomes. Quando Moisés foi acusado de tom ar muita coisa sobre si, consolou-se com isto: “Amanhã pela manhã, o S enhor fará saber quem é dele” (Nm 16.5). Da mesma maneira, quando os santos forem reprovados poderão se consolar com o dia do julgamento, no qual Cristo receberá aqueles que são dele e esses aparecerão como as asas de uma pomba prateada. Terceiro, Cristo como juiz absolverá seu povo diante dos homens e dos anjos. Como Pilatos disse de Cristo: “Eu não acho nele crime algum” (Jo 18.38), assim Cristo dirá dos eleitos, e mais: “Vinde, benditos de meu Pai! Entrai na posse do reino” (Mt 25.34). Em outras palavras, dirá: “Venham, felizardos, a alegria de minha alma, o fruto de meus sofrimentos! Nunca mais sejam julgados. Vocês são herdeiros da coroa do céu, entrem e tomem posse”. Os santos serão cheios de grande alegria durante a sentença desse tribunal. As palavras “Vinde, benditos” soarão como música aos seus ouvidos e vigor para seus corações. Quarto, Cristo mencionará aos homens e aos anjos todas as boas obras que os santos fizeram. “Porque tive fome, e me destes de comer; tive sede, e me destes de beber; era forasteiro, e me hospedastes” (Mt 25.35). Os que choraram secretamente pelo pecado, que mostraram amor pelo nome de Cristo, serão reconhecidos pelo que fizeram naquele último dia, e ouvirão: “Muito bem, servo bom e fiel” (Mt 25.21). O próprio Cristo proclamará elogios. Assim será com o homem a quem Cristo se agrada em honrar.

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Quinto, Cristo chamará seus santos para fora do processo, ele os colocará no banco do juiz com ele para julgar o mundo. “Eis que veio o Senhor entre suas santas miríades, para exercer juízo contra todos e para fazer convicto todos os ímpios” (Jd 14, 15). “Ou não sabeis que os santos hão de julgar o mundo?” (IC o 6.2). Os santos se sentarão com Cristo no julgamento como juizes da paz com o Juiz Supremo. Eles aplaudirão a sentença justa de Cristo sobre o ímpio e votarão com Cristo. Como é uma grande honra para os santos, para os ímpios é um grande sofrimento ver aqueles que um dia foram objeto de seu ódio e seu desprezo se sentarem como juizes sobre eles. E, por fim, os santos serão plenamente coroados com a alegria de Deus para sempre. Eles estarão em sua doce presença: “na tua presença há pleni­ tude de alegria” (Sl 16.11). Isso será para todo o sempre. A bandeira do amor de Deus será eternamente mostrada. As alegrias do céu serão sem interregno e sem fim: “e, assim, estaremos para sempre com o Senhor” (lT s 4.17). A

p l ic a ç õ e s

Primeira aplicação: é uma triste notícia para o ímpio o fato de não prevalecerem no juízo (Sl 1.5). É triste irem ao julgam ento, mas não prevalecerão, eles não serão indesculpáveis, não poderão se levantar com ousadia, mas furtivamente e cabisbaixos. Não poderão olhar seu juiz nos olhos. Todavia, para o crente é um grande consolo. O apóstolo disse: “Porquanto o Senhor mesmo, dada a sua palavra de ordem, ouvida a voz do arcanjo, e ressoada a trombeta de Deus, descerá dos céus, e os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro”, mas acrescentou: “Consolai-vos, pois, uns aos outros com estas palavras” (lT s 4.16,18). 1. O dia do julgam ento é um consolo quanto à fraqueza da graça. Um cristão está pronto a sofrer para não ver sua graça tão pequena e imperfeita, mas, no último dia, se Cristo encontrar ao menos uma dracma de verdadeira graça, será aceita. Se você for ouro verdadeiro, embora leve. Deus colocará seus méritos na balança e o aprovará. 2. Que consolo é para os santos que se depararam com um julgamento injusto no mundo, cujas sentenças foram falsificadas numa questão de propriedade ou que tiveram suas vidas tomadas por uma sentença injusta. C risto julgará tudo novam ente e dará uma sentença ju sta. Se suas propriedades foram tomadas de maneira ilegal, você será restituído mil vez no dia do julgamento. Se vocês perderam suas vidas por Cristo, não perderão suas coroas. Vocês usarão uma guirlanda que não murcha feita de flores do paraíso. Segunda aplicação: medite muito sobre o dia do julgamento. Penas deslizam por sobre as águas, mas o ouro afunda nelas. Porque são leves, os

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cristãos flutuam na vaidade, não se importam com o dia do julgamento, mas almas sérias afundam ao considerá-lo. 1. P ensar nesse últim o dia deveria nos fazer m uito sinceros. Deveríamos trabalhar para apresentar nossos corações aprovados diante de Deus, o grande juiz e árbitro do mundo. E fácil parecer justo diante dos homens, mas diante de Deus é outra coisa, não há fingimentos nem a possibilidade de passar uma falsa impressão. Ele vê o que o coração é e declarará seu veredicto com propriedade. 2. Pensar a respeito de Cristo vindo para nos julgar deveria nos levar a não julgar nossos irmãos. Somos capazes de julgar o estado final dos outros, tomando o lugar de Cristo e fazendo o que é função dele e não nossa. “Tu, porém, quem és, que julgas o próximo?” (Tg 4.12). Você, que passa uma dura sentença sobre alguém, será julgado e, então, talvez, esse alguém seja considerado justo e você culpado. Terceira aplicação: humilhe-se e comporte-se de tal maneira que, no último dia, o dia do julgamento, tenha certeza de ser considerado justo e tenha os privilégios gloriosos com o qual os santos serão coroados. Procure ser considerado justo. Alguém perguntaria: Como posso ser considerado justo? Algumas orientações: 1. Para ser considerado justo naquele dia de julgamento, então: 1. Procure estar em Cristo: “e ser achado nele” (Fp 3.9). A fé nos implanta em Cristo, ela nos protege nele e então, “já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus” (Rm 8.1). Não se pode aparecer diante de Cristo a não ser que se esteja em Cristo. ii. Procure a humildade, que é um tipo de auto-anulação. “Ainda que nada sou” (2Co 12.11). Cristão, você cobre suas habilidades e suas características com o véu da humildade, como fez Moisés quando sua face brilhava? Se você for humilde será considerado justo no dia do julgamento. “Deus salvará o humilde” (Jó 22.29). Um homem humilde julga a si mesmo quanto a seus pecados e Cristo libertará aqueles que julgam a si mesmos. 2. Para ser considerado justo no último dia é necessário manter uma consciência limpa. Não se deixem sobrecarregar com culpa e, assim, dêem argumentos contrários a você ao seu juiz. Paulo disse assim: “porquanto estabeleceu um dia em que há de julgar o mundo” (At 17.31). Como Paulo se adequaria para aquele dia? “ Por isso, também me esforço por ter sempre consciência pura diante de Deus e dos homens” (At 24.16). Esteja atento quanto à primeira e à segunda tábuas. Seja santo e justo. Tenha um coração sem falsos alvos e mãos sem falsos pesos. Mantenha a consciência limpa como seus olhos, de maneira que nenhuma poeira de pecado caia neles.

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Aqueles que pecam contra a consciência estarão tímidos diante do juiz, assim como quem pega mercadorias proibidas não pode enfrentar aqueles que revistam suas bagagens. Cristão, sua bagagem será vistoriada no último dia, quero dizer, a sua consciência (Cristo é quem faz a revista), para ver quais pecados, que m ercadorias proibidas você pegou e então virá o julgamento. Certifique-se em guardar uma boa consciência, que é a melhor maneira de permanecer com ousadia no dia de julgam ento. A voz da consciência é a voz de Deus. Se a consciência, com bases justas, nos justifica, Deus nos considerará justos. “Amados, se o coração não nos acusar, temos confiança diante de Deus” (1 Jo 3.21). 3. Para serem considerados justos no último dia, negociem com seus talentos para a glória de Deus. Entreguem-se para ele, honrem-no com suas vidas; aliviem os membros de Cristo para que vocês sejam considerados justos. Quem tem cinco talentos deve negociá-los e ganhar outros cinco: “Disse-lhe o senhor: Muito bem, servo bom e fiel” (Mt 25.21). 4. Para ser considerado justo no dia do julgamento tenha um amor sincero pelos santos. O am or é a verdadeira prova da sinceridade. Amar a graça pela graça revela uma alma que é de Deus em um homem. A consciência testemunha para você? Você é perfumado com esse tempero doce do amor? Você se alegra com aqueles em quem a imagem de Deus brilha? Você os apóia quando estão enfermos? Essas são coisas que evidenciam que você será considerado justo no dia do julgamento: “Nós sabemos que já passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos” (U o 3.14).

Notas 1 Não com exatidão, m as se aceita que tenham ocorrido em 1620-1689 (N. do E.). 2 Em 1641. na Irlanda católica, inicia-se um levante separatista contra o dom inio protestante dos ingleses. C atólicos confederados se rebelam contra as forças do Estado inglês. A gricultores foram m ortos nos cam pos, outros fugiram e m orreram de fome por todo o país. Foi o ataque conhecido com o o m assacre de protestantes do Ulster, no Norte da Irlanda. Foi a prim eira fase da Revolução Puritana (N. do T.). 3 E d m u n d C a la m y (1671-1732) nasceu em Londres, foi pastor em Bishopsgate e em W estminster. Escreveu em 1702 um relato histórico da Igreja da Inglaterra durante o turbulento período dos anos de 1660 a 1691. N esse volume, apresenta um capítulo específico com dados biográficos de pastores não-conform istas (N. do E.). 4 F rie n d ly D ebate era uma publicação inglesa sobre assuntos teológicos polêm icos (N. do T.). 5 O Ato de Bartolom eu citado é m ais conhecido com o o Ato da U niform idade. A Igreja da Inglaterra (A nglicana) determ inou um a uniform idade eclesiástica como dispositivo de unidade política em 1662. C om o parte do processo, m ais de dois mil pastores puritanos foram dem itidos ou destituídos de suas paróquias e perseguidos por não concordarem com o m andado, achavam -no antibíblico. Os puritanos passaram por grande pobreza e pregavam clandestinam ente (N. do T.). 6 Traduzido para o português e publicado com o A Fé Cristã - Estudos baseados no Breve Catecismo de Westminster - Editora C ultura Cristã (N. do T.). 7 A ristó tele s (384-322 a.C .). Filósofo grego, aluno de Platão e professor de A lexandre, o G rande, é considerado um dos m aiores pensadores de todos os tem pos e criador do pensam ento lógico (N. do E.). * Os antigos entendiam que se tratavam de corpos peculiares que vagueavam por entre as estrelas. 9 A rian ism o , a ria n o s. A doutrina e os seguidores de Ario (256-330), um presbítero de A lexandria. Suas idéias dom inantes giravam em torno do princípio do M onarquianism o, isto é, que só existe um Deus não gerado do qual o L ogos, que seria im anente em Deus e consistiria apenas de uma energia divina, é o Filho que se encarnara. O Filho, para A rio, teria sido gerado pelo Pai, no sentido de ter sido criado por ele, deixando, assim , C risto sem eternidade e divindade (N. do E.). 10 C ip ria n o . Possivelm ente Watson se refira a C ipriano de C artago do séc. Ill d.C. (N. do E.). " Cartago, 155-222 d.C. (N. do E.). 12 O autor se refere, provavelm ente, ao apóstolo Paulo com o autor de Hebreus (N. do T.). 15 P lu tarc o . Filósofo e escritor grego (45-125 a.C.) do período greco-rom ano, estudou na Academ ia de A tenas, fundada por Platão (N. do E.). u H ugo G rócio (1583-1645), Huig de Groot ou G ro tiu s, jurista holandês (N. do E.). 15 D esiderius E ra sm u s R o tero d a m u s. E ra sm o de R o te rd ã (1466-1536), teólogo e hum anista holandês (N. do E.). 16 F u lg ê n cio , teólogo e seg u id o r da d outrina de A gostinho, foi B ispo de R uspe, na atual T unísia (468-533 d.C .). A u s tin , a quem W atson se refere, deve ser o próprio A u re liu s A u g u s tin u s, A gostinho de H ipona (354-430), um dos pais da igreja. T eo d o re to (c. 393-457 d .C .) foi teólogo da escola de Alexandria. L ucio Célio F irm ia n o L actâncio foi um escritor (240-320 d.C.) (N . do E.). ‘ O autor deixou claro que iria com eçar a série de estudos no próxim o dia do Senhor. A ssim , entendem os “dia de Sabbath” com o o dom ingo (N. do T.). 17 J o ã o C risó sto m o (349-407 d.C.). Teólogo e escritor cristão, bispo de C onstantinopla no final do século IV e início do V d.C. (N. do E.). '* A versão King Jam es traz a expressão “glorificai a Deus nas cham as”, de onde o autor retira a idéia de que os m ártires glorificam a Deus em suas mortes. 19 C o n sta n tin o I, C o n sta n tin o M agno ou C o n sta n tin o , o G ra n d e . (272-337 d.C.), foi proclam ado Augusto pelas suas tropas em 25 de ju lh o de 306 e governou um a porção crescente do Império Romano até à sua morte. Ganhou notoriedade por ter se tom ado cristão e confirm ado o Cristianism o como religião do Im pério Rom ano com o Edito de M ilão (N. do E.). 20 E p ifâ n io d a Judéia (315-403 d.C.), um dos pais da igreja (N. do E.).

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21 B e rn a rd o dc F o n tain e ( I I 15-1153) foi um abade de Claraval. Uma das personalidades mais influentes do século XII (N. do E.). 22 D iocleciano, ou Caio Aurélio Valério D iocleciano (236-305 d.C.), im perador rom ano, perseguidor da igreja nos prim eiros séculos (N. do E.). 23 P lu tarc o (c. 45-125), filósofo e prosador grego do período greco-rom ano, estudou na Academ ia de Atenas (fundada por Platão) (N. do E.). 24 D em óstenes (384-322 a.C. ) foi orador e político grego (N. do E.). 25 P latão de A tenas (428/27-347 a.C.) filósofo grego (N. do E.). 26 R o b e rto F ran cesco R oniolo B ellarm in o (1542-1621), tam bém conhecido com o Santo Roberto Bellarm ino, foi um teólogo católico, cardeal, um dos m aiores defensores do catolicism o contra os protestantes e um dos 33 doutores da igreja (N. do E.). 27 E usébio de C e sa réia (c.265-339) foi bispo de Cesaréia e é considerado o pai da história da igreja, porque registra em seus escritos os prim eiros relatos quanto à história do C ristianism o prim itivo, abarcando os quatro prim eiros séculos da Era Cristã (N. do E.). 28 M artinho L utero (1483-1546) foi um teólogo alemão, e é conhecido pela aflxação das 95 teses na porta da igreja do castelo de Wittenberg, dando início à Reforma Protestante naquele país (N. do E.). 29 Possivelm ente, Watson está se referindo ao grego C láu d io G alen o (131-200 d.C.), conhecido por sua grande perícia e suas pesquisas m édicas, também por ter sido o médico particular do imperador rom ano M arco Aurélio (N. do E.). 50 João de Dam asco ou Jo ã o D am asceno (675-749) foi um m onge cristão nascido em Dam asco, é considerado o m aior teólogo de sua época. Escreveu Exposição da Fé Ortodoxa, obra considerada um dos prim eiros tratados nos m oldes do que hoje se cham a teologia sistem ática (N. do E.). 51 Scaliger, Jo se p h J u s to s (1540-1605) foi historiador, jurista e profundo conhecedor do Período Clássico. Em seu tem po, foi um influente líder religioso e erudito, tom ou-se protestante enquanto viajava pelos países anglo-saxões. Fugiu, com outros huguenotes, para Genebra após a N oite de São Bartolom eu (N. do F..). 32 S êneca, L ucius A n n aeu s (4 a.C. - 65 d.C.), m ais conhecido com o S êneca (ou Sêneca), o moço, o filósofo, ou ainda, S êneca, o jovem . A obra literária e filosófica de Sêneca, tida com o modelo do pensador estóico durante o Renascim ento, inspirou o desenvolvim ento da tragédia na Europa (N. do E.). 55 Sem ideus lúbrico habitante das florestas, e que, segundo os pagãos, tinha chifres curtos e pés e pernas de bode; egipã (N. do E.). 34 G e rso n , J e a n C h a rlie r dc (1363-1429) nasceu no vilarejo Gerson, em Cham pagne. Foi teólogo, educador, poeta, reitor da U niversidade de Paris e grande erudito. G erson participou do Concilio de C onstance (1414-1418) em que se discutiram as questões relacionadas ao C ism a do Ocidente, período no qual houve três papas na ICAR (N. do E.). ” C ícero. M arco Túlio (106-43 a.C.), foi um filósofo, orador, escritor, advogado e político rom ano (N. do E.). M Z an ch i, Je ro m e ( 1516-1590) nasceu em Bergam o, no Norte da Itália. Foi m onge agostiniano e abraçou a fé reform ada sob influência de Peter M ártir Vermigli. E o reform ador italiano m ais conhecido (N. do E.). 37 S erveto (M iguel Serveto Conesa), m édico, teólogo, filósofo, geógrafo, astrônom o e astrólogo espanhol nascido em Vilanova dc Sigena-H uesca, no Norte da Espanha. Suas idéias teológicas contrariavam tanto as doutrinas católicas quanto as calvinistas, por isso ficou conhecido por suas divergências com João Calvino em G enebra (N. do E.). O siander, A n d re as ( 14 9 8 -1552), nasceu em Baviera, foi teólogo luterano e am igo dos reformados. Ficou conhecido por seu envolvim ento no caso G alileu e a Igreja Rom ana (N. do E.). 39 V orstius, C o n ra d (1569-1622), teólogo alem ão, foi o sucessor de A rm inius na cadeira teológica na faculdade de L.eiden (N. do E.). 4,1 Flávio Cláudio Ju lia n o ou sim plesm ente Juliano (331-363) foi o últim o im perador pagão do Im pério Rom ano (N. do E.). 41 M e lan c h to n , P hilip p (1497-1560) foi discípulo de Lutero e grande colaborador na reform a protestante na Alem anha (N. do E.). 42 L atim er, H ugh (1485/90-1555) foi bispo de W orcester e se tom ou famoso após sua m orte com o um m ártir protestante (N. do E.).

Notas

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43 Aqui o autor se refere ao texto de Êx 3.14 em que aparece a expressão hebraica conhecida com o tetragram a, ou lavé (N. do E.). 44 Je rô n im o (342-420), teólogo e tradutor da Bíblia Vulgata (N. do E.). 45G re g ó rio de Nazianzo, ou G regório N azianzeno (329/330-390 d.C.). Teólogo e escritor cristão. Um dos pais da igreja que, com B asilio M agno e G regório de N issa, faz parte dos assim denom inados padres capadócios (N. do E.). 46 B eda (672-735), tam bém conh ecid o com o S ão B eda ou, m ais com um ente, B eda V en eráv el ou O V en eráv el B eda. Foi um m onge anglo-saxão do m osteiro de Jarrow , na N ortúm bria. T ornou-se fam oso pela sua H istória Eclesiástica do P ovo Inglês (H istoria Ecclesiastica Gentis A nglorum ), de onde derivou o título de Pai da H istória Inglesa, em bora tenha escrito sobre m uitos outros tem as (N. do E.). 47 O ríg en es (c. 185-253 d.C.) foi teólogo e escritor cristão (N. do E.). 48 P ró sp ero d a A q u itâ n ia ou P ró sp ero T iro (c.390-c.465) foi um escritor cristão e discípulo de A gostinho de Hipona (N. do E.). 49 P ineda, Jo h n de (1558-1637). Foi teólogo jesuíta, m estre nas escolas de Sevilha, Córdoba e Madri. Grande conhecedor da língua hebraica, sua especialidade era o A ntigo Testam ento, do qual publicou vários trabalhos exegéticos (N. do E.). !0 Certam ente o autor se refere aos docum entos antigos que eram selados por m eio desse expediente (N. do T.). 51 A versão se distancia um pouco da ARA por ser tradução literal da versão K ing Jam es (N. do T.). 52 Diógenes L a e rtiu s ou D iógenes L aércio (200-250 d.C.), historiador e biógrafo dos antigos filósofos gregos (N. do E.). 53 A m b ró sio d e M ilâo (340-397 d.C .), foi bispo de M ilão e é considerado um dos pais da igreja (N .d o E.). 54 P itág o ra s (571/570-497/496 a.C.). Filósofo e m atem ático grego (N. do E.). 55 D om iciano, ou Titus Flavius Dom itiano (51-96 d.C.), im perador rom ano (N. do E.). 56 A quino, Tomás de ( 1225-1274). Teólogo, sendo considerado o mais distinto expoente da Escolástica (N .d o E.). 57 C om o esse trecho se refere à sabedoria, na tradução portuguesa a locução verbal f u i estabelecida está flexionada no fem inino, em bora se aplique a C risto (N. do T.). 58 Socinianos são seguidores das doutrinas de Fausto Socino (1539-1604), que desenvolveu sua teologia inspirada em seu tio Laélio Socino. A doutrina sociniana é trinitariana, rejeitando todas as declarações do C redo N iceno (N. do E.). 59 Certam ente Watson se refere aqui aos casos de restauração de m em bros após sofrerem algum a censura eclesiástica, pela qual tom am à com unhão da igreja visível e seus benefícios. Não implica no perdão por meio da confissão e penitência, com o prática da Igreja Rom ana (N. do E.). 60 Ver página 19. 61 Josefo, Flávio (37-03 d.C.). C onhecido historiador ju d eu do século prim eiro (N. do E.). 62 L isím aco (c. 360-281 a.C .) foi um oficial grego da região da Tessalônica de Alexandre, o G rande, e um dos generais que dividiram o império após sua m orte, reinando, a partir de 306 a.C., na Trácia e na Ásia M enor (N. do E.). 63 A ntíoco E p ifân io (c. 215-162 a.C.) foi um rei da dinastia selêucida que governou a Síria entre 175 e 164 a.C. (N .d o E.). w Flávio Focas A ugusto, im perador de B izáncio (602-610 d.C .), sucedeu o im perador M aurício, e foi derrubado por H eráclio depois de ter sido derrotado em um a guerra civil (N. do E.). 65 T ostado, A lonso ou em latim , T o statu s A bulensis (c. 1400-1455) foi um teólogo e exegeta espanhol, bispo de Ávila (N. do E.). 66 Irin cu de L ion, séc. II d.C. Bispo e pai da igreja, escreveu contra o gnosticism o no livro “Contra as Heresias”, obra referencial dos pais da igreja (N. do E.). 67 C irilo de Jeru salém (c. 315-386 d.C.), foi bispo da igreja de Jerusalém, sucedendo ao bispo Máximo. Foi oponente ao arianismo, o que lhe custou dois exílios, em 357-359 e 361-363. Reconduzido à Cátedra de Jerusalém em 378, foi reconhecido como um dos pais da igreja (N. do E.). “ Pelágio. M onge Bretão (350-423). Suas opiniões foram duram ente com batidas por Agostinho e Jerônim o, por fim. foi condenado com o herege pelo bispo de Roma em 417-8, e pelo Concilio de E feso em 431. Entre suas afirm ações teológicas refutadas estavam as que negavam o pecado

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A f é cristã - Estudos baseados no Breve Catecism o d e Westminster

original e a essencialidade da graça para a salvação, além de afirm ar a im pecabilidade operada pelo livre-arbitrio sem a graça (N. do E.). M H ierocles. Possivelm ente W atson estava se referindo a H ierocles d e A le x an d ria (c. 350-431433 d.C.), filósofo plantonista que viveu cm Alexandria, Constantinopla e Atenas onde morreu. Em todas essas cidades foi perseguido por suas opiniões religiosas (N. do E.). 70 D âm ocles é uma figura participante de um a anedota m oral escrita por Timaeus de Tauromenium (c. 356-260 a.C.) e que aparentem ente figurou na história perdida da Sicilia. Dâm ocles, ao que parece, era um cortesão bastante bajulador na corte de Dionísio 1 - um tirano do século 4 a.C. em Siracusa. Sicilia. Ele dizia que, com o um grande homem de poder e autoridade, Dionísio era verdadeiram ente afortunado. Dionísio se ofereceu para trocar de lugar com ele por um dia, para que ele tam bém pudesse sentir o gosto de toda essa sorte. A noite, um banquete foi realizado, no qual Dâm ocles adorou ser servido com o um rei. Som ente ao fim da refeição olhou para cim a e percebeu uma espada afiada suspensa por um único fio de rabo de cavalo, suspensa diretam ente sobre sua cabeça. Im ediatam ente perdeu o interesse pela excelente comida e abdicou de seu posto, dizendo que não queria m ais ser tão afortunado (N. do E.). 71 E bionitas. Essa seita era form ada por continuadores dos oponentes judaizantes do apóstolo Paulo. Em relação a Cristo, negavam tanto sua divindade quanto seu nascim ento virginal. Sustentavam que Jesus se distinguia dos outros somente por sua estrita observância da lei e que ele fora escolhido Messias em virtude de sua piedade legal. Conscientizou-se dessa escolha na ocasião de seu batismo, quando recebeu o Espírito que o capacitou a realizar sua obra de profeta e m estre (N. do E.). 72 C re d o A postólico, desenvolvido entre o II e o IX séc. (N. do E.). 73 O C re d o Niceno que Watson se refere aqui tam bém é conhecido por “ Credo de Constantinopla” ou “Credo N iceno-constantinopolitano” , ou ainda Definição de C alcedônia porque fora lido e aprovado no C oncilio de Calcedônia em 451 d.C. Esse C redo foi uma am pliação de credos anteriores (Credo de N icéia, 325 d.C. e C redo N iceno, 381 d.C.). N ele, de m aneira m ais com pleta e am adurecida, sustenta-se a divindade de Cristo e sua consubstancialidade com o Pai, afirm ando a autentica deidade de Cristo, sua autêntica hum anidade, a união dessas duas naturezas em uma só pessoa e a distinção devida entre as naturezas na pessoa de Cristo. O objetivo principal desse Credo foi apresentar uma confissão de fé para a igreja e refutar definitivam ente as doutrinas contrárias à divindade de C risto (N. do E.). 7J A tanásio de A le x an d ria (295-373 d.C.), teólogo e Patriarca dc A lexandria, foi ele que elaborou o C re d o A ta n asia n o (Q uicum que vull), um a declaração a respeito da Trindade, em que C risto é apresentado com o a segunda pessoa da Trindade (N. do E.). 75 C e rin tian o s. Grupo originário das doutrinas de C erinto (c. 100 d.C.), seus ensinos são sim ilares aos dos ebionitas. Ensinava que Cristo desceu sobre Jesus em seu batism o e o deixou pouco antes de sua crucificação (N. do E.). 76 Inácio de Antioquia (67-110 d.C.) foi Bispo de A m ioquia , discípulo do apóstolo Jo ã o , também conheceu Paulo e foi sucessor de Pedro na igreja em A ntioquia fundada pelo próprio apóstolo (N. do E.). 77 Fagius. Paul (1504-1549), teólogo e erudito em hebraico bíblico nos tem pos da Reforma (N. do E.). 78 M yconius, O sw ald (1488-1552) foi um reform ador suíço e amigo de Zwínglio e Erasmo (N. do E.). 79 Teodósio (346-395 d.C.), im perador rom ano (N. do E.). “ Basil, ou Basil, o Grande (329/330-379 d.C.). Foi arcebispo de C esaréia, am igo e discípulo de E u séb io de C e sa ré ia , foi o rd e n ad o e o su c e d eu no a rc e b is p a d o . Sua o bra m ais fam osa é D e Spiriiu Sanclo em que trata da pessoa e obra do Espírito Santo (N. do E.). *' C o rn élio A. L ap id e, C ornelius A. I.apide ou Cornelius Cornelii a Lapide (1567-1637) foi um exegeta flam engo (N. do E.). O im perador T ito V espasiano (39-81 d.C.) sucedeu seu pai Vespasiano no Im pério Romano, reinando por apenas dois anos, porém ficou conhecido com o “o deleite da hum anidade”, por sua disposição em presentear o povo com obras públicas e pelo m odo indulgente com o qual conduziu seu governo (N. do E.). “ Tradução do autor (N. do E.). ^ C lem e n te de A le x an d ria (1 5 0 - 2 1 5 d.C.), ou Tito Flávio Clem ente, escritor grego, teólogo e m itógrafo, considerado o fundador da escola de teologia de A lexandria (N. do E.).

índice Remissivo A Agostinho, 36, 41, 53, 55, 69, 70. 77, 83, 85, 114, 125, 127, 129, 150, 165, 167, 173, 184, 192, 196, 201, 205, 209, 225, 229, 232, 234, 2 3 7-240, 2 48, 275, 299, 310, 314, 324, 328, 329, 334-347, 363 Am brósio, 1 2 5 ,229,239,264, 365 A ntigono, 263, 367 antinom inianos. 266 Antíoco, 166, 223, 330, 366 Apeles, 281, 355, 368 arianos, 1 5 ,1 2 9 ,1 3 8 ,1 9 6 ,3 6 3 A ristides, 281, 368 A ristóteles, 15, 38, 112, 141, 203, 206, 363 arm inianos, 51, 91, 260, 264, 267, 320, 325 Atanásio, 196, 319, 332, 367 Atlas. 324, 368 Austin, 20, 363 B Basil, 229, 312, 367 Beda, 81, 365 Bellarm ino, 49, 185, 364 Bernardo, 35, 166, 221, 236, 237, 317, 331, 337, 346, 348, 364 Beza, 15, 67, 332 Boethius, 344, 368 Bucholcerus, 244 Bullinger, 336, 368 C Calamy, 8, 363 Casaubon, 333, 368 Catão, 2 8 1 ,3 3 9 , 368 cerintianos, 197, 367 Cicero, 61, 171,181,207,248. 365 C ipião A fricano, 263, 367 C ipriano, 16. 26, 211, 363 C irilo, 168, 232, 366 Clem ente, 134, 247, 253, 367 Constantino, 34, 364 Com élio A. Lapide, 229, 367 C redo A p o stó lico , 63, 105, 196, 288, 357, 367

C redo A tanasiano, 196, 367 Credo Niceno, 196, 366, 367 Crisóstom o, 26, 55, 109, 118, 126, 165, 196, 238, 329, 331, 364 D D am asceno, 59, 143, 364 D em óstenes, 42, 364 Dioclesiano, 36 Diógenes, 113, 365 Dom iciano, 132, 365 E ebionitas, 196, 366, 367 Ecolam padius, 289, 368 Epicúrio, 61 Epifânio, 34, 166, 168, 364, 366 Erasmo, 20, 363, 367 Euripedes, 341, 368 Eusébio, 52, 364, 367 F Fagius, 200, 367 Focas, 166, 366 G Galeno, 57, 364 Gerson, 61, 364 G regório, 81, 156, 255, 333, 336, 365, 368 G rócio, 20, 333, 363 H Heliogábalo, 314, 368 Hierocles, 175, 366 Hilarion, 338 I Inácio, 200, 332, 367 Irineu, 168, 366 J Jerônim o, 81, 129, 245, 274, 365, 366 Josefo, 145, 366 Juliano, 66, 96, 365 L Lactâncio, 20, 363 Latimer, 78, 294, 365 Lisím aco, 164, 366 Lutero, 5 2 ,2 2 9 ,2 5 9 ,2 6 4 ,3 4 7 , 350, 364, 365

M m aniqueus, 227 M elanchton, 69, 77, 365, 367

O O leviano, 328, 368 O rigenes, 83, 185, 365 Osiander, 65, 365 P Paracelso, 63 pelagianos, 174, 324 Pelágio, 175, 366 Pererio, 168 Pineda. 92, 365 Pitágoras, 128, 365 Platão, 42, 59, 143, 144, 203, 2 7 2 ,3 1 1 ,3 6 3 , 364, 368 Platina, 49 Plínio, 177, 247, 368 Plutarco, 19, 37, 363, 364 Policarpo, 332 Preston, 91 Próspero, 83, 365 S Scaliger, 59, 69, 364 Sêneca, 59, 78, 310, 364 Serveto, 65, 365 socinianos, 137,138,161,185, 196, 264, 366 Sócrates, 61, 281, 368 Spira, 329 T Tam erlane, 190 Teodoreto, 20, 363 T ertuliano, 44, 52, 60, 182, 213, 295, 306 Tomás de A quino, 3 13 Tostado, 366 Tully, 42, 60 V Vorstius, 70, 365 Z Zanchi, 64, 365

1 ista é uma das mais preciosas dentre as inigualáveis obras dos puritanos. Watson foi um dos mais concisos, vigorosos e didáticos dos eminentes teólogos que fizeram da época dos puritanos o período clássico da literatura evangélica. Há uma feliz conjunção de doutrina sadia e sabedoria prática. Da apresentação de C. H. Spurgeon

T h o m as W a ts o n (c. 1620— 1686) foi pastor, pregador e autor. Estudou no Emmanuel College, em Cambridge; foi por 16 anos pastor em Stephen WalBrook. Aprisionado por razões políticas em 1651, foi libertado no ano seguinte. Reinstalado em seu posto, ganhou fama como grande pregador até o início da Restauração, quando foi afastado como um Nãoconformista. Apesar da repressão, continuou a exercer o ministério como possível. A partir da Declaração de Indulgência em 1672, obteve licença para pregar na Crosby House. Após pregar por vários anos, já sem saúde, retirou-se para Barnston, Essex, onde faleceu em julho de 1686, enquanto orava.

Fé cristã / Doutrina

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