A ESCOLA COMO ORGANIZACÃO EDUCATIVA COMPLEXA - PDF

August 31, 2022 | Author: Anonymous | Category: N/A
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO DEPARTAMENTO DE METODOLOGIA DE ENSINO

A ESCOLA COMO ORGANIZAÇÃO EDUCATIVA COMPLEXA*  Maria Izabel de Bortoli Hentz

1. A contribuição da da etnografia para os estudos em educação O homem, como ser social, é feito e faz-se sujeito na relação que estabelece com o outro. Os conceitos que circulam nas relações interpessoais adquirem forma nos sistemas simbólicos que são criados em um determinado grupo social e são internalizados pelos sujeitos por meio do diálogo que cada indivíduo estabelece com a realidade. É apropriando-se dos significados veiculados pela linguagem - sistema simbólico fundamental em todos os grupos humanos - que o indivíduo apreende o conhecimento disponível em sua cultura e se desenvolve como sujeito. A linguagem é, assim, uma forma de ação sobre o outro e o mundo, marcada por um jogo de intenções e representações, que se realiza pelo fenômeno social da interação e se materializa nos textos. Estes, como atividade discursiva, nos permitem chegar ao homem e à sua vida. Ao retomar sinteticamente a perspectiva histórico-cultural, na introdução deste texto, queremos destacar que se a subjetividade se estabelece no interior de uma dada cultura, é também resultado do processo histórico que se desenvolve em uma realidade específica. Os diferentes povos estabelecem relações distintas com a materialidade com que se defrontam ao longo da história que vivenciam, o que gera muitas maneiras de  pensar e de conhecer o mundo. O que cada grupo produz como resultado da ação na relação que os seus membros estabelecem entre si e na relação que estabelecem com a natureza imprime marcas que lhe são próprias. Essas marcas significam, constituem a sua cultura. O ensino escolar, como processo educativo, pode ser entendido como resposta às necessidades de uma dada sociedade.

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 Este texto foi reelaborado, para fins didáticos, a partir do capítulo Espaço de fronteiras: um conceito

 para escola O escolar capítulo,indígena, na íntegra,ospode ser consultado em HENTZ, Maria Izabel de Bortoli. Nas avozes daindígena. educação sentidos do discurso dos professores Xokleng como elemento constitutivo da identidade. Tese de Doutorado. Florianópolis: UFSC, 2005.

 

Isso não significa que a escola, como a conhecemos, é a mesma desde sempre e nem que tenha ficado restrita à sociedade que a engendrou. Como produção humana, a escola1  foi se transformando de modo a atender a dinâmica cultural própria de cada grupo social que a ela teve acesso (ou que precisou ter) para estabelecer relações com culturas nas quais a escolarização já estava presente. A compreensão da escola (e de tudo o que a ela diz respeito) como produção da cultura de uma dada sociedade remete, em alguma medida, à compreensão de cultura como “conjunto de símbolos compartilhado pelos integrantes de determinado grupo social e que lhes permite permite atribuir sentido ao mundo em que vivem e às suas ações”   (TASSINARI, 1995, p. 448-9).  Este conceito, segundo a autora, traz à tona algumas outras noções que merecem ser aqui destacadas. A primeira delas é a de que a cultura permeia todas as esferas da vida social, das atividades cotidianas da produção da vida material às mais elaboradas teorias sobre o universo. Considerada essa noção, cada aspecto da vida social precisa ser entendido em relação à totalidade de que é parte e não isoladamente. Uma segunda noção, e não menos importante, diz respeito ao fato de que se os grupos humanos vêem e entendem o mundo a partir de um conjunto de significados que são próprios de cada grupo, há diferentes modos de viver e de dar sentido ao mundo e, à medida que os povos estabelecem o diálogo, as diferenças entre os horizontes culturais se explicitam, bem como a possibilidade de sua compreensão. Essas noções têm implícita a de que a cultura não é um fenômeno individual, mas social e, portanto, é dinâmica. O caráter de dinamicidade da cultura é dado pela ação individual dos membros do grupo, pois cada um tem maneiras próprias de interpretar a tradição e de imprimir traços àquilo que faz. Essas marcas, no entanto,  precisam fazer sentido para os que compartilham da mesma cultura e sere serem m socialmente aceitas. “Cada cultura é [assim] compartilhada, formulada e transformada por um determinado grupo social” (TASSINARI, 1995, p. 449).  449).  A compreensão da dimensão simbólica da cultura apontada pela autora, e por nós assumida para pensar a escola de um modo geral, e também uma escola em  particular , evoca o pensamento de Geertz (1978, p. 15) para quem “o homem é um animal amarrado a teias de significado que ele mesmo teceu”. Dizendo isso, o autor assume que cultura é uma teia de significados, um discurso social e, portanto, um texto 1

 Abordaremos, na seqüência e de forma mais pontual, a escola como organização educativa complexa.

 

que fala do mundo natural e social. Como texto, as culturas podem ser lidas e devem sêlo microscopicamente e não comparativamen comparativamente. te. Para o autor, no estudo dos fenômenos culturais, o que os analistas fazem é etnografia e fazer etnografia é construir uma leitura de. Nesse processo, observam, registram e analisam “uma multiplicidade de estruturas conceptuais complexas, muitas delas sobrepostas ou amarradas umas às outras, que são simultaneamente estranhas, irregulares e inexplícitas” (GEERTZ, 1978, p.20) para,    para, de alguma maneira, apreender e depois apresentar os significados de um discurso que é social. A leitura é microscópica e pressupõe o conhecimento do fenômeno. Conhecer é situar-se, é saber as coisas do  ponto de vista do autor, é conversar conversar com ele. Situar-se é, ainda, entender os códigos que governam o comportamento das pessoas. É, portanto, entrar no contexto do fenômeno a ser estudado. Geertz entende que a pesquisa de uma dada cultura deve indagar sobre o significado dos fenômenos que a ela se referem e não apenas verificar se eles estão  padronizados ou se representam o estado da mente de alguém ou ainda as duas coisas  juntas. A interpretação antropológica, da forma como propõe o autor, coloca à nossa disposição as respostas que já foram dadas por algumas sociedades, alguns grupos ou segmentos sociais que se organizam em torno de formas de vida distintas umas das outras. Mas, para tanto, faz-se necessário compreender a dimensão simbólica da ação social dos atores cuja cultura é objeto de análise e não apenas identificar as características objetivamente observáve observáveis. is. Pode-se dizer, assim, que essa postura teórico-metodológica provoca um deslocamento no estudo da cultura: observar, compreender e mostrar como as diferentes culturas encaram a realidade, sem domesticá-las ou abominá-las, nem afogá-las em tonéis de teoria, passa a ser a tarefa do analista. Dizendo de outro modo, o estudo e a análise da cultura de uma sociedade não deve se desenvolver pela comparação com a cultura de outros povos (da mesma época ou de épocas diferentes) e nem por critérios de juízo de valor, mas pela compreensão dos significados produzidos no contexto de cada grupo. E esta é uma produção que se realiza na e pela relação que os sujeitos estabelecem entre si e também pela relação que estabelecem com pessoas de outros grupos.

 

  2 a escola como organização educativa complexa  Como discutimos aqui, a perspectiva de Geertz (1978) reposiciona o estudo das culturas, comparativamente à abordagem da etnologia clássica. Esse deslocamento, no entanto, não se limita à Antropologia. A contribuição da postura teórica e metodológica desse autor influencia também a pesquisa na área da educação, principalmente porque  permite “desvelar os encontros encontros e desencontros que permeiam a prática escolar, descrever as ações e representações dos sujeitos e os significados criados e recriados r ecriados no cotidiano da prática pedagógica” (FERRI, 2000, p. 49). A análise microscópica e, ao mesmo tempo, profunda permite interpretar a ação  pedagógica como uma ação social que ultrapassa a relação ensino-aprendizagem entre  professor e aluno. O foco de análise nas pesquisas em educação, a partir da perspectiva apontada por Geertz para os estudos da antropologia, passa a ser o aspecto processual do discurso que se produz no universo da sala de aula e da escola e não o produto (por vezes padronizado) que dele resulta. Pequenos fatos do cotidiano passam a ser  percebidos e a ter uma importância significativa significativa nas análises pela relação que podem podem ter com outros fatos que ultrapassam os limites do espaço físico, tanto da sala de aula como da escola. Os significados que se produzem em cada situação em particular estão inscritos e se inscrevem em uma rede de significações, amarram-se a uma teia, para lembrar a expressão usada por este autor. “Na relação entre a percepção micro e o olhar macro, as instituições escolares adquirem uma dimensão própria” (NÓVOA, 1992, p. 15), criam uma cultura, que se  produz no contexto do comportamento de seus atores sociais e dos significados que elaboram. Na constituição do que Nóvoa (1992) e McLaren (2000) definem como cultura escolar entram em jogo não apenas a subjetividade (socialmente construída) dos diferentes atores, mas também a lógica de funcionamento da escola como organização. Ou seja: um conjunto de valores próprios que, ao mesmo tempo em que são elaborados no contexto das relações que ali se estabelecem, atuam sobre os sujeitos, parte integrante dessa cultura. As formas de agir e reagir, no entanto, não são estáticas, situam-se historicamente e têm relação com interesses culturais e econômicos de grupos da sociedade em que a escola se insere. Há de se ressaltar, no entanto, que este não é um  processo unilinear e muito menos mecânico, pois as necessidades necessidades objetivas de escolarização são diferentes em cada tempo histórico e, em um mesmo período, são

 

distintas para cada um dos grupos de uma mesma sociedade. sociedade. Há uma tensão dinâmica dinâmica entre o que se estabelece como projeto político-cultural e o que efetivamente se realiza. McLaren (2000) destaca que a análise da escola com base no que propõem a teoria da reprodução e a teoria da resistência pode, em alguns casos, simplificar a complexidade da vida cultural e social da escola. Ao fazer a crítica à pedagogia radical, fundamentada nestas duas perspectivas, o autor defende o desenvolvimento de uma teoria educacional que permita explorar a interface que existe entre a vida dos estudantes e os limites e possibilidades que eles têm dentro de uma ordem social mais ampla. A pedagogia crítica –  crítica  –  posição  posição que o autor assume –  assume  –  parte  parte do pressuposto que as experiências (e nela está a escolar) são socialmente construídas, bem como quem as vivencia e, como tal, este é um processo conflituoso e, por vezes, contraditório. É nesse espaço de luta simbólica que a escola se configura como um empreendimento culturalmente complexo. A percepção da escola como uma organização complexa é, assim, resultado do desenvolvimento das pesquisas na área da educação, tanto no que se refere aos fundamentos teóricos que embasam a compreensão dos fenômenos em estudo, como no que diz respeito às metodologias pelas quais se orientam para realizar suas pesquisas. É nesse processo que, em alguma medida, se situa a contribuição e a pertinência dos  procedimentos etnográficos etnográficos para a apreensão dos sign significados ificados das ações que se realiza realizam m no universo escolar. Ilustrativo disso é o estudo de McLaren (1992) sobre os rituais na escola. Ao mesmo tempo em que o autor faz uma análise microscópica e detalhada da experiência vivenciada por alunos (a maioria descendente de imigrantes açorianos e que estão sendo formados para se tornarem trabalhadores e católicos) e professores de uma escola católica financiada com fundos públicos de Ontário, Canadá, faz uma análise da natureza da escolarização, dado o conjunto de categorias que toma para compreender a experiência particular a que se refere. Mesmo centrando o olhar nos rituais, McLaren não desconsiderou outras dimensões implicadas no ato educativo (os fins e objetivos daquele tipo de educação, o currículo, processo de ensino-aprendizagem, as normas e os regulamentos, entre outros); ao contrário, estas puderam ser contextualizadas com base na análise dos rituais. Segundo Nóvoa (1992, p. 18-19) é a partir dos anos 80 e 90 do século XX que a renovação da investigação, nas pesquisas da área da educação, se faz com base na construção de uma pedagogia centrada na escola como organização. Estudar a dimensão

 

simbólica dos rituais é um dos exemplos dessa renovação. Para o autor, antes desse  período, outros foram os centros de interesse. Até os anos 50, o foco da Pedagogia, influenciada pela Psicologia, era o aluno como indivíduo, na dimensão cognitiva, afetiva e motora. Nos anos 50 e 60, por influência dos movimentos ligados às dinâmicas de grupo que se desenvolveram no pós-guerra, os estudos centram-se nas vivências escolares consideradas mais importantes que os saberes escolares no processo de intervenção pedagógica, ou seja, “o que se passa numa sala de aula é mais importante impo rtante do que as aprendizagens que aí se fazem”. As técnicas de animação e de expressão conquistam um espaço significativo na produção pedagógica desse período. Os sociólogos da reprodução influenciaram as pesquisas na área da educação nos anos 60-70. A escola, como aparelho ideológico do estado, considerando sua dimensão institucional no nível do sistema educativo, assumiu, nas análises desse  período, a condição de reprodutora do  status quo. A reação a essa compreensão se desenvolve nos anos 70-80, quando a investigação educacional se volta para a sala de aula para fazer a análise do processo ensino-aprendizagem. ensino-aprendizagem. Ganham “um novo incremento as correntes pedagógicas preocupadas com a racionalização e a eficácia do ensino” (NÓVOA, 1992, p. 19). A investigação educacional, centrada na valorização da escola como organização, que se desenvolve nos anos 80-90, caracteriza-se por considerar todas as instâncias e dimensões presentes no ato educativo de maneira contextualizada. Isso significa que “a escola é encarada encarada como uma instituição dotada de uma autonomia relativa,

como um território intermédio de decisão no domínio educativo, que não se

limita a reproduzir as normas e os valores do macro-sistema, mas que também não pode ser exclusivamente investida como um micro-universo dependente do jogo dos atores sociais em presença” (NÓVOA, 1992, p. 20, grifo do autor). Para o autor, a investigação das escolas como organizações pode traduzir-se em uma possibilidade útil e estimulante para a pedagogia desde que não calcada em modelos racionais, racionais, naturais e estruturais ddos os recursos human humanos. os. Para ele, é a partir de um modelo de análise que considere as dimensões política e simbólica do fenômeno em estudo que é possível dizer que as escolas se constituem em organizações (instituições) complexas que formam (educam), isto porque a tônica da análise está na correlação de forças e nos significados que os diversos atores dão aos acontecimentos e não nestes em si mesmos. Com base nesse enfoque, devolve-se aos atores educativos o papel de  protagonistas.

 

   Nas palavras de Nóvoa (1992, p. 35), a  escola tem de ser encarada como uma comunidade educativa,  permitindo mobilizar o conjunto dos actores sociais e dos grupos  profissionais em torno de um projeto comum. Para tal é preciso realizar um esforço de demarcação dos espaços próprios de acção,  pois só na efectiva. clarificação se pode alicerçar umaa colaboração Na destes verdade,limites se é inadmissível defender exclusão das comunidades da vida escolar, é igualmente inadmissível sustentar ambigüidades que ponham em causa a autonomia científica e a dignidade profissional do corpo docente.

Com base na tese defendida pelo autor, são muitos os aspectos (e eles são de ordem histórica, ideológica, sociológica e psicológica) que compõem a cultura organizacionall da escola e são eles que condicionam tanto a configuração interna como organizaciona o estilo de interações que se estabelece com a comunidade. Os valores, as crenças, as ideologias, que se situam em uma zona de invisibilidade, ganham visibilidade nos fins e objetivos que se delimitam, no currículo que se desenvolve ou se deixa de fazê-lo, na linguagem que se escolhe fazer uso e nas metáforas mobilizadas pela direção e pelos  professores para justificar suas ações, entre outras manifestações verbais e

conceituais; em algumas manifestações visuais e simbólicas como a arquitetura e os equipamentos, os logotipos e os uniformes; ganham visibilidade também no que Nóvoa considera manifestações comportamentais:  os rituais, as cerimônias, as normas e os regulamentos, e a maneira como se desenvolve o processo de ensino e de aprendizagem  propriamente dito. Conclui-se que há sim uma estrutura formal (daí o aspecto organizacional), organizaciona l), mas o funcionamento de uma escola é possível na e pela interação entre essa estrutura e as interações que os diferentes atores estabelecem entre si nessa estrutura e com a própria estrutura. Disso decorre que pensar a escola, genericamente, ou uma escola em particular,  pressupõe pensar em todas essas dimensões. Das que ele aponta e de outras que ainda  poderíamos destacar, vamos nos referir mais detidamente ao currículo e ao processo ensino-aprendizagem porque entendemos que, pela sua própria natureza, essas duas dimensões já têm implicadas em si mesmas muito das outras, bem como das que não são substancialmente visíveis, como os valores, as crenças, as ideologias. Para iniciar, podemos pensar que a escolha do conhecimento a ser trabalhado  pela escola, a sua organização e a forma como deve ser desenvolvido não tem relação apenas com questões pedagógicas. Em outros termos, a escolha dos saberes (dentre um

 

conjunto de muitos) a serem ensinados na escola se dá com base em um processo de legitimação cultural que, segundo Bourdieu (1974), é a possibilidade que determinado grupo social (dominante) tem de converter como legítima, para toda a sociedade, a cultura de seu grupo. Assim, há um conhecimento que, socialmente, vale mais porque é  próprio de uma determinada classe social e, portanto, segundo o ponto de vista dessa classe, deve ser convertido em conteúdo curricular. É a isso que McLaren se refere quando afirma que o conhecimento é resultado de práticas e experiências sociais que vão se legitimando nas e pelas relações de poder historicamente constituídas. Para o autor, o conhecimento nunca fala por si e, por isso, não deve ser apresentado na escola como algo dado e justificado pela valoração acadêmica que conquistou ao longo dos tempos, mas abordado como uma forma de  produção socialmente constituída. “Os textos da escola [o currículo representa, rep resenta, a nosso ver, a sistematização desse universo discursivo] são, em grande parte, produto dos interesses que informam grupos culturais e sociais dominantes” (MCLAREN, 2000, p. 44).

Quando se contempla somente o conhecimento produzido por uma determinada

classe social no currículo escolar, o aluno que não pertence a ela não pode se reconhecer naquele conteúdo e, conseqüentemente, não se vê como produtor de conhecimento: o que ele produz não é considerado pela escola como saber passível de ser ensinado e aprendido naquele contexto. Se isso é significativo no processo de escolarização de crianças (podemos pensar essa mesma situação com jovens e adultos) de diferentes classes sociais, parece-nos que não é menos importante i mportante quando se pensa a escolarização de pessoas cujas origens culturais se distinguem, com base apenas no que um dos grupos da sociedade considera passível de ser ensinado. Mais do que interrogar e desmistificar os interesses que informam as formas de conhecimento eurocêntrico dominante, no dizer de McLaren, é preciso incluir e colocar no centro do currículo aquelas formas de conhecimento que constituem as esferas do dia-a-dia e do popular. Para Garcia (1995), a escola deveria estabelecer uma relação dialética entre a cultura dos alunos, ela mesma marcada pela diferença 2, e a cultura socialmente aceita –  aceita –  ou  ou dominante. Nesse processo, 2

 Quando se faz a referência à cultura dos alunos não se está entendendo aqui que esta constitua uma unidade, mesmo pensando um grupo específico como os filhos de trabalhadores da periferia de uma grande pois ou entre há quem sempre tenha morado novos nesse mesmo os que vieram de de cidades cidade, do interior atéeles mesmo do campo para conquistar espaços;local; há osháque descendem italianos, de africanos, de portugueses ou de ambos ou ainda de outras etnias; há os que são católicos,

 

  a professora passar[ia] a usar como conteúdo pedagógico de alfabetização a fala das crianças, uma fala que fala de seu mundo. Da fala de seu mundo, as crianças aprender[iam] a falar de outros mundos, diferentes do que até então conheciam. Aprender[iam], inclusive, que há outras formas de falar, que atingem um auditório mais amplo, e que é importante que elas aprendam a usá-las (GARCIA, 1995, p. 142-143).

Essa relação deve se estabelecer, na escola, não para que os alunos substituam o seu universo cultural pelo dominante ou para se adaptarem a este, mas para que também vejam a sua cultura presente na escola, e para que tenham acesso às mais variadas

 

manifestações culturais. Do ponto de vista pedagógico, é importante considerar que é a  partir da cultura de cada um que é possível dialogar com a cultura do outro. Ou ainda, é sempre a partir do que se sabe que se é capaz de dialogar com o novo. Isso significa que a ação de ensinar e de aprender é constitutiva do processo de  produção de conhecimento na escola, porque ao mesmo tempo em que os alunos se servem ativamente de seus saberes para atribuir sentido ao que se ensina, os professores legitimam os esforços dos alunos no processo p rocesso de aprender aprender.. Entender a forma pela qual o conhecimento se constitui em “moeda cultural que ressoa e estende os interesses que tanto os professores como os estudantes legitimam dentro do contexto da sala de aula” (MCLAREN, 2000, p. 42) é a base do que o autor propõe para pensar o ensino na escola a partir de uma perspectiva crítica. Daí a importância de considerar a dimensão social das experiências, bem como de quem as vivencia, quando se pensa o processo de ensino-aprendizagem ensino-apren dizagem na escola. Há de ressaltar, no entanto, que a experiência do estudante nem sempre teve lugar nas teorias que procuram explicar o processo de produção do conhecimento, tanto se pensado de forma mais ampla como se pensado estritamente em torno do que se desenvolve na escola. Pode-se dizer que duas posições têm embasado a compreensão acerca do ato de aprender que, conflitantes entre si, têm instalado a tensão na compreensão do ensino escolar, especialmente a partir da modernidade. A idéia de que o conhecimento é apreendido - portanto, que se situa originariamente fora do sujeito da aprendizagem, e que é assimilado por ele a partir da ação de outros sujeitos que o transmitem - convive e se opõe com a idéia de que o conhecimento é criado, e que

espíritas, pentecostais ou são ateus. Se em algumas esferas da vida social esses alunos se identificam, em outras, eles se distinguem fundamentalmente uns dos outros.

 

 portanto, cada sujeito da aprendizagem aprendizagem o constrói, independentemente independentemente de suas experiências anteriores e da ação de outros sujeitos. Mesmo que essas idéias (uma ou outra) ainda fundamentem a prática pedagógica de professores e de instituições de ensino, já é possível vislumbrar a superação dessa dicotomia, tanto no que se refere à compreensão do processo como com respeito às ações docentes, uma vez que entre quem aprende (o aluno), quem ensina (o professor) e o que está sendo ensinado e aprendido (o conhecimento) não se estabelece uma relação de oposição, em que um elemento exclui o outro, mas de reciprocidade, em que um interage com o outro. Nessa pe perspectiva, rspectiva, o con conhecimento hecimento historica historicamente mente elaborado elaborado é resultado da produção humana, no curso das relações sociais que diferentes sujeitos estabelecem entre si. Entender a aprendizagem como um processo individual ou como um processo social, em que as experiências individuais são a “fonte primária de conhecimento e a subjetividade dos estudantes é vista como um repositório de significados, construídos em camadas e muitas muitas vezes contraditório” (MCLAREN, 2000, p. 43), implica posturas  pedagógicass distintas. Pode-se dizer que é a isso que Nóvoa (1992) se refere quando  pedagógica fala das manifestações corportamentais como parte da cultura da escola, ou seja,  professores e alunos agem de maneira diferente conforme o entendimento que têm  do  processo de aprender.

Se se considera que os alunos elaboram conhecimentos no contexto sociocultural em que vivem e que estes são a base para novas aprendizagens, há a necessidade de possibilitar que participem efetiva e ativamente em sala de aula. Ao  provocar e permitir que os alunos manifestem o que já sabem, o professor tem a base  para estabelecer o diálogo com o novo. Quando se considera esse pressuposto, os saberes a serem ensinados e aprendidos na escola também passam a ser entendidos de outro modo, ou seja, como uma das muitas produções da humanidade, mas não a única. Diferentes grupos, em situações particulares ou até mesmo em situações semelhantes, respondem de modo singular às necessidades com que se defrontam. Quando se entende que a aprendizagem também é um processo social –  social –  cada  cada um aprende pela relação que estabelece com o outro –  outro  –  criam-se  criam-se as condições para o diálogo entre os aprendizes e destes com o professor, já que percebem e compreendem o mundo  por diferentes pontos de vista. “T “Tanto anto a experiência trazida à escola pelos estudantes como as formas culturais, a partir das quais elas são construídas, operam dentro de tensões que nunca são fechadas ou inatingíveis” (MCLAREN, 2000, p. 43). 43) . A

 

experiência dos estudantes é vista aqui como um terreno de luta e as atividades que se  propicia na escola podem contribuir para ampliar esse diálogo como podem dificultar e,  por vezes, até até impedir que ele se desenvolv desenvolvaa tanto nesse espaço espaço como fora dele. Dizendo de outro modo, o que se ensina e a forma como isso se faz pode, de um lado, possibilitar que os alunos estabeleçam relações do que já sabem com o que não sabem; questionem, revejam, confirmem, refutem pontos de vista e, quem sabe, construam outros. De outro lado, se o que se ensina é apresentado aos alunos e trabalhado na e pela escola como se não tivesse vínculo com a sua vida, cabe-lhes memorizar e repetir. Este tipo de comportamento, para usar o termo de Nóvoa, pode restringir o conhecimento àquilo que é de domínio do professor e transmitido na escola,  já que não se considera o conhecimen conhecimento to produzido pela experiência não escolar escolar,, tanto dos alunos como dos professores. E isso se torna complexo quando se pensa em grupos com longa tradição de escolarização e grupos que têm uma história recente de ensino escolar. Se os saberes que se ensinam e a forma como se os ensinam constituem a cultura escolar, não é diferente quando se pensa a organização do espaço, pois o modo como um espaço é ocupado revela as intenções e os objetivos de quem o ocupa. A organização de um ambiente também influencia a atitude de quem o ocupa, determinando o tipo de atividades que podem se realizar e o tipo de interação possível. Com isso não se quer dizer que, na sala de aula, a organização do espaço por si só garante que se estabeleça a interação entre os que nela estão, mas uma organização mais adequada influencia e, por vezes, incentiva. O mesmo ocorre com o que se dispõe em termos de recursos didático pedagógicoss para desenvolver o processo ensino-aprendizag  pedagógico ensino-aprendizagem, em, ou seja, não são eles em si mesmos que conferem uma melhor qualidade ao ensino, mas podem se constituir em aspectos importantes do processo por se adequarem mais ou menos a cada realidade. Do que foi aqui apresentado acerca da compreensão da escola como uma organização educativa complexa, consideramos importante destacar o afirmado por Sacristán (1995) acerca do currículo, ainda que não seja este o único aspecto da escola implicado nessa complexidade. Para o autor, cur rículo rículo não é “a declaração de áreas e temas - seja ela feita pela administração ou pelos professores -, mas a soma de todo o tipo de aprendizagens e de ausências [de aprendizagem] que os alunos obtêm como conseqüência de estarem sendo escolarizados” (SACRISTÁN, (SACRISTÁN, 1995, p. 86). Também não é um objeto delimitado e estático, mas resultado das relações culturais que se estabelecem na sala de aula e no meio que a cerca. Utilizamo-nos do dito pelo autor

 

 pelo quanto este sintetiza, da perspectiva do currículo, da complexidade da escola em seu conjunto. Pensar a escola como uma organização que, pela sua própria constituição e forma de organização, educa, implica pensar desde o espaço físico, os equipamentos, os uniformes, os logotipos (que têm uma manifestação aparentemente visível); o ensino e a aprendizagem em sala de aula, os rituais, as cerimônias, as normas, os regulamentos (que expressam modos de comportamento); os fins e objetivos, o currículo, os  planejamentos (que, escritos, explicitam os conceitos) até os valores, as crenças e as ideologias, aparentemente invisíveis, mas que constituem os pressupostos de todas as demais manifestações.

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