A Confissão Sacramento Da Misericórdia (Misericordiosos Como o Pai) - Conselho Pontificio

July 14, 2017 | Author: Jaster IV | Category: Sin, Jesus, Faith, Love, Eucharist
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A Confissão Sacramento Da Misericórdia (Misericordiosos Como o Pai) - Conselho Pontificio...

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INDICE Capa Rosto Introdução I - O perdão dos pecados por parte de Jesus II - Um pai e dois filhos III - Uma questão de dívidas e de devedores IV - O dom do Espírito e o perdão dos pecados V - As palavras do perdão VI - O sacramento da Reconciliação na Pastoral Ficha Catalográfica

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INTRODUÇÃO

Q

uando promulgou o Jubileu extraordinário que tem como centro a misericórdia de Deus, o Papa Francisco caracterizou-o como «uma nova

etapa do caminho da Igreja na sua missão de levar o Evangelho da misericórdia a todos». E acrescentou: «Estou certo de que toda a Igreja […] poderá encontrar neste Jubileu a alegria para redescobrir e tornar fecunda a misericórdia de Deus, com a qual cada um de nós está chamado a dar conforto a todos os homens e mulheres do nosso tempo» (Homilia na Basílica de São Pedro, 13 de março de 2015). Procurando oferecer um contributo como resposta a tais expectativas, e lembrando que «o Evangelho é a revelação, em Jesus Cristo, da misericórdia de Deus para com os pecadores» (CCC, n. 1846), neste livro são oferecidas algumas reflexões para se compreender melhor o sacramento da Confissão, o sacramento dos que, em Cristo, experimentam o amor misericordioso de Deus. Nos primeiros quatro capítulos, as considerações são claramente bíblicas: a argumentação desenvolve-se através de quatro textos, um por cada Evangelho, em que os temas da misericórdia, do perdão dos pecados e da conversão foram colocados por Jesus no centro do seu ensinamento e da sua ação. Nos capítulos seguintes, pelo contrário, prevalece a reflexão mais sistemática e pastoral para favorecer uma compreensão mais coerente do sacramento. É bastante comum a crescente ausência da prática da confissão. Os motivos foram já várias vezes evidenciados: desde a negação da sua utilidade à convicção de que o perdão é um assunto meramente privado, entre a nossa consciência e Deus. Há ainda quem tenha dificuldades na confissão dos seus pecados a um sacerdote, e quem lamente a sua desilusão ao constatar a pouca disponibilidade de sacerdotes e de confessores bem preparados. Talvez se deva reconhecer que a dificuldade na aproximação do sacramento da Confissão é também espelho da dificuldade em avivar a fé em Deus e, sobretudo, na sua misericórdia. 6

Este Jubileu poderá ser um momento privilegiado para se voltar novamente, como a um tema central da pastoral, ao sacramento da Reconciliação, de modo a colher a sua beleza e a sua eficácia. O Conselho Pontifício para a Promoção da Nova Evangelização está profundamente agradecido ao padre Maurizio Compiani, que, com competência e sensibilidade pastoral, se dedicou à elaboração deste texto. Fazemos votos de que a leitura e a reflexão sobre este instrumento pastoral possa fazer chegar a alegria do perdão e da força da misericórdia de Deus como sinal da sua proximidade e ternura. XRIN O FISICHELLA Presidente do Conselho Pontifício para a Promoção da Nova Evangelização

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I

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PERDÃO DOS PECADOS

POR PARTE DE

JESUS

O Catecismo da Igreja Católica (CCC) aborda o sacramento da Reconciliação no capítulo intitulado «Os Sacramentos de Cura» (CCC, n. 1420-1532). A argumentação circunscreve-se a duas referências do Evangelho, colocadas uma no início e outra no fim, sobre o paralítico curado por Jesus em Cafarnaum (MC 2,1-12): é nesta situação que, entre Jesus e os escribas, tem início uma discussão sobre o tema do «perdão dos pecados». É a partir deste episódio que iniciamos a nossa reflexão.

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1. Uma questão controversa Ficou desde cedo claro no Evangelho mais antigo, o de São Marcos, que o tema do perdão dos pecados é um assunto que cria sempre embaraço e levanta dificuldades. É significativo que a primeira controvérsia, que o próprio Jesus provocou, seja sobre o «perdão dos pecados» (MC 2,1-12).

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Um escândalo Em Cafarnaum, dirigindo-se a um paralítico que lhe fora apresentado, Jesus disse: «Filho, os teus pecados estão perdoados» (v. 5). Estas palavras escandalizaram alguns escribas presentes que, no seu íntimo, questionaram: «Por que esse homem fala assim? Está blasfemando! Quem pode perdoar pecados, senão Deus?» (v. 7). As palavras de Jesus, consideradas blasfemas, provocaram desconcerto e desprezo nos doutores da Lei. Esta forte reação compreende-se perfeitamente, se comparada com os ensinamentos da tradição hebraica. Com efeito, o perdão dos pecados era considerado privilégio exclusivo de Deus, e somente de Deus! («Era eu mesmo, por minha conta, quem acabava limpando suas transgressões e não me lembrava mais de seus pecados», Is 43,25.) Foi o que Jesus manifestou na sua era messiânica, porque a salvação de Deus realizada em favor do povo incluía o perdão dos pecados («Qual deus é igual a ti? Qual deus, como tu, tira o pecado e absolve o crime do resto da tua herança? Qual deus que não guarda para sempre sua ira e dá preferência ao amor? Ele nos perdoará de novo: calcará a seus pés nossas faltas e jogará no fundo do mar todos os nossos pecados», MQ 7,18-19). No entanto, apesar de serem múltiplas e variadas as expectativas sobre o Messias (um libertador do ocupante estrangeiro, alguém que reuniria o povo disperso, um fidelíssimo intérprete da Lei), nunca ninguém ousara atribuir ao consagrado de Deus o poder de perdoar os pecados de alguém. Tratava-se de uma prerrogativa absoluta de Deus, o Único! Julgando como blasfemas as palavras de Jesus, os escribas mostram ter uma lúcida consciência da condição do homem «sobre a terra» (v. 10) e do caráter da autêntica experiência religiosa. De fato, eles levavam a sério a distância abismal que separa o homem, pela sua natureza pecadora, do Deus três vezes santo (IS 6,3). Entre a erupção da vida de Deus e a fragilidade da existência humana, o homem percebe uma diferença tremenda, reconhecendo-se indigno de entrar em relação com Ele. Nenhum homem pode ultrapassar tal distância: somente Deus pode assumir a iniciativa do perdão do pecado, reconciliando Consigo o pecador e abrindo-lhe a possibilidade de uma comunhão com Ele. Por isso, a tradição bíblica tinha ligado estreitamente o perdão dos pecados ao culto, 10

o âmbito sacral em que o poder de Deus agia, através de um rito sacrifical em que o sacerdote oferecia uma vítima de expiação (LV 4-5), ou então, mediante a solene e complexa liturgia do dia da expiação, o Yom Kippur (EX 30,10; LV 23,2632). Em sintonia com os textos bíblicos, os escribas reconhecem somente a Deus o papel de agente de salvação. Por consequência, aos seus ouvidos, as palavras de Jesus dirigidas ao paralítico são inaceitáveis e insustentáveis, porque parecem querer elevá-lo acima da sua condição e, sobretudo, colocam quem as pronuncia no patamar do Deus “único” de Israel.

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Admiração A cura prodigiosa do paralítico suscita em todos os presentes uma nova reação, desta vez abertamente manifestada. A multidão fica fora de si com a admiração e louva a Deus dizendo: «Nunca vimos coisa assim!» (v. 12). Nas palavras de Jesus sobre o perdão e na cura repentina do paralítico, a multidão reconhece a unicidade da relação que o une a Deus. No agir de Jesus, que cura e perdoa os pecados, veem-se dois aspectos em estreita relação, por atestarem o poder de reconciliação de Deus nas relações com Ele. Por isso, de modo oposto ao dos escribas, a multidão resolve a polêmica com um juízo a favor de Jesus: nunca se vira uma autoridade ou um poder que fizesse caminhar um paralítico sujeitado a muletas, tal como nunca se vira uma autoridade assim que tivesse o poder de perdoar os pecados «sobre a terra» (v. 10). Da mesma forma, perante a missão evangelizadora da Igreja, escândalo e admiração manifestam-se a todas as horas. De fato, a Igreja, por mandato do Senhor, não se cansa de anunciar o Evangelho, «Porque eu não me envergonho do evangelho, pois ele é força de Deus para a salvação de todo aquele que crê, em primeiro lugar o judeu, e depois o grego» (Rm 1,16), e lembra incessantemente que em Jesus Cristo, «no qual temos a redenção por meio do seu sangue, o perdão dos pecados, segundo a riqueza da sua graça» (Ef 1,7). Também hoje se verificam as mesmas reações na comunidade dos crentes, que igualmente interrogam toda a sociedade: Quem pode perdoar os pecados? E também: Termos como pecado, perdão, misericórdia, reconciliação têm ainda espaço no mundo que estamos construindo? Temos ainda hoje necessidade de perdão? E de perdão de Deus? Existirá ainda espaço para uma experiência de misericórdia?

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Perda do sentido do perdão Quando a nossa sociedade exalta o indivíduo até a ponto de o pôr em contínua competição com os outros, e a todo custo, os conceitos de “perdão” e de “salvação” tornam-se incompreensíveis e intoleráveis. Por que é que devemos ser perdoados? E por que deveremos ter necessidade de salvação? A miragem da onipotência humana que o progresso tecnológico parece inspirar, o recurso ao mito da eterna juventude, a ostentação de bem-estar, a eficiência e a produtividade como únicos critérios de referência social levam a uma visão alienada e alienante do homem e da vida. E nela, qualquer limite é quebrado e transformado. O “limite” em si, até mesmo o mais natural e ético, é considerado um “mal” pelo simples fato de ele ser um recurso a uma liberdade sem outras referências que a afirmação de si contra tudo e contra todos. Neste caso, a confissão do pecado soa como fraqueza e o pedido de perdão a Deus parecerá um rito humilhante, do qual se pretende tomar distância. Já não se acredita na misericórdia de Deus porque não se tem consciência do pecado, e não se tem consciência do pecado porque em nós subsiste a convicção de que não existe nenhuma noção objetiva de bem nem de mal. Este Ego desmedido contrapõe-se a qualquer reconhecimento de culpa, uma vez que cada decisão e ação sua têm apenas critérios auto referenciais. Então, a percepção de si, do mundo, dos outros e de Deus torna-se enviesada e hostil. O Ego desmedido coincide com o Ego alienado e egoísta. No mundo da perfeição, numa sociedade de indivíduos que querem ser perfeitos, reconhecer-se pecador e necessitado de salvação é sempre um escândalo. «O anúncio da conversão como exigência imprescindível do amor cristão é particularmente importante na sociedade atual, onde tantas vezes parecem perdidos os fundamentos de uma visão ética da existência» (JOÃ O PA ULO II, Tertio millennio ineunte, n. 50). É, portanto, claramente atual o mandamento de Cristo aos seus discípulos, de irem por todo o mundo pregar o Evangelho (cf. MC 16,15): Evangelho de Verdade e de Salvação. O Evangelho, que suscita a fé, leva à conversão e ilumina a vida, desmascarando toda a falsa visão do homem e da sociedade. Como lembrou o Papa Francisco: É urgente recuperar o caráter de luz que é próprio da fé, pois, quando a sua chama se apaga, todas as

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outras luzes acabam também por perder o seu vigor. De fato, a luz da fé possui um caráter singular, sendo capaz de iluminar toda a existência do homem. Ora, para que uma luz seja tão poderosa, não pode brotar de nós mesmos; tem de vir de uma fonte mais originária, deve provir, em última análise, de Deus. A fé nasce do encontro com o Deus vivo, que nos chama e revela o seu amor: um amor que nos precede e sobre o qual podemos nos apoiar para construir solidamente a vida. Transformados por este amor, recebemos olhos novos, experimentamos que há nele uma grande promessa de plenitude e se nos abre uma visão do futuro (Lumen fidei, n. 4).

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A maravilha da experiência Quando o perdão dos pecados se faz experiência, o escândalo cede e dá lugar à admiração. De fato, no sacramento da Reconciliação, a “alegre notícia” sobre o perdão dos pecados faz-se certeza, o pecador é atingido pela misericórdia de Deus e regenerado por uma graça com múltiplas conotações. Em primeiro lugar, trata-se de uma experiência de gratuidade. Não temos méritos suficientes porque o perdão de Deus não pode ser adquirido, mas só implorado e recebido: ele, de fato, é dom que atinge o homem por meio de Cristo. Pronunciando palavras de perdão sobre a Cruz (LC 23,34), o Messias de Deus não só mostra o sentido de tal morrer, mas Ele mesmo se faz “transparência” da misericórdia do Pai. Tudo nos é perdoado em Jesus crucificado e ressuscitado! E a gratuitidade leva à gratidão. O perdão dos pecados é experiência de luz. A misericórdia com que Deus atinge o pecador não é um vago sentimento que define a sua benevolência, mas a firme determinação com que Ele estende eficazmente a cada um a salvação que Cristo realizou sobre a Cruz para todos, de maneira completa e definitiva. Isto significa que só o Crucificado Ressuscitado é o centro adequado de compreensão do homem, da história e do mundo: o ponto de vista de que e no qual cada homem pode descobrir o sentido do projeto de Deus sobre si e sobre o mundo, o valor das suas ações e de tudo o que o rodeia, a profundidade do viver e o sentido da morte. Recebendo a remissão dos pecados, o homem é assim iluminado sobre a cruz de Deus e sobre a sua vontade. No rosto de Deus, descobre o rosto de um Pai que não renuncia a nenhum dos seus filhos. O perdão dos pecados é experiência de verdade. A súplica reiterada de perdão dirigida a Deus mantém vigilante a consciência do cristão sobre a verdade da sua condição pecadora. De fato, um dos maiores riscos em que o discípulo de Jesus pode incorrer é o de não saber medir a profundidade nem a seriedade desta condição. Para o cristão, o pecado e o mal que daí resultam não são uma simples violação de uma lei, mas uma realidade que o penetra e o envolve sem que ele lhe possa compreender plenamente as raízes e o alcance. O mal não se anuncia por antecipação por aquilo que efetivamente é, mas mede-se e esconde-se no mais 15

íntimo da vida humana banal e quotidiana, ao ponto de somente um olhar particularmente perspicaz o poder discernir antes que exploda em toda a sua horrível realidade. De resto, a experiência e a história ensinam que não basta querer fazer o bem para evitar o mal: crimes terríveis foram cometidos com a convicção de se fazer o bem. O sacramento da Reconciliação demonstra que existe indubitavelmente um mistério do mal que nos supera e perante o qual devemos ter sempre uma atitude cuidadosa, de humilde e de lúcida prudência, sem a ilusão de o ter alguma vez entendido e dominado apenas com a nossa razão e com os nossos bons sentimentos. Além disso, na perspectiva cristã, a Cruz de Cristo, da qual provém o perdão do Pai, revela, em toda a sua dramaticidade, antes de tudo, a realidade do nosso pecado e o nosso estado de pecadores, porque, quer o saibamos ou não, sobre a Cruz aparece com clareza aquilo de que somos capazes, ainda que não tenhamos essa intenção: somos capazes até de matar o próprio Deus. Deste modo, o Crucificado torna-se a testemunha permanente da nossa cegueira e impotência radicais perante o mal e o pecado, ao ponto de se dever dizer que, sem Cristo, estaríamos radical e definitivamente perdidos. A luz que o Crucificado lança deste modo sobre o mistério do mal reduz pela raiz todo o pretexto presunçoso de conhecimento até o ponto de sabermos quem realmente somos. O perdão dos pecados é experiência regenerante que renova a graça do Batismo e consagra como empenho contínuo o caminho pessoal e eclesial de conversão. Reconciliando com Deus, ele opera uma transfiguração no cristão pecador, renova-lhe as forças e relança-o para o desempenho da sua missão na Igreja e no mundo. Para o crente, o sacramento da Reconciliação é um sacramento de cura porque o acompanha no seguimento de Cristo, amparando-o no caminho marcado pela sua própria fragilidade e debilidade. O perdão dos pecados é experiência de comunhão. O perdão que Deus oferece ao pecador nunca é uma realidade puramente individualista. Como o apelo à fé implica uma resposta pessoal e nos introduz numa comunidade de discípulos, assim o perdão de Deus não só se realiza na profundidade do coração, como é recebido no seio e mediante a Igreja. A reconciliação que Deus realiza aviva a comunhão da comunidade dos crentes. De fato, é a partir do amor de Deus, que 16

se juntou a nós em Cristo, que o cristão aprende a amar: a graça superabundante derrama-se no amor aos irmãos. Assim, o eu do crente é inseparável do nós da comunidade, e o perdão de Deus, dado em Cristo por meio do Espírito Santo, a todos reúne num único mistério de comunhão. Por fim, o perdão dos pecados é experiência de admiração, precisamente porque, “em Cristo”, a revelação do pecado e do seu mistério individual e coletivo nunca pode ser separada da salvação que Ele nos oferece, porque o Crucificado também é o Ressuscitado. Por conseguinte, embora olhe para o mistério do mal que o rodeia e o atravessa, o cristão não teme tomar dele consciência pessoal e dele fazer aberta confissão, porque ele se move sempre e só a partir da certeza fundamental de uma salvação já oferecida, como se uma hábil mão amiga o guiasse ao atravessar um campo minado, tomando, porém, consciência somente depois de o haver já superado com ela e graças a ela. Então, a admiração agradecida não pode não acompanhar tal tomada de consciência, uma admiração em que a confissão do pecado, salvação doada e amor derramado não fazem senão uma unidade e onde a gratuidade do dom recebido é evidente. Como lembra o Papa Bento XVI: O sacramento da Reconciliação, que se inspira numa consideração da condição existencial pessoal concreta, contribui de modo singular para aquela “abertura do coração” que permite dirigir o olhar para Deus, a fim de que entre na vida. A certeza de que Ele está próximo e, na sua misericórdia, atende o homem, mesmo o envolvido no pecado, para curar as suas enfermidades com a graça do sacramento da Reconciliação, é sempre uma luz de esperança para o mundo (Discurso à Penitenciaria Apostólica, 9 de março de 2012).

«Nunca vimos coisa assim!» A multidão maravilhada de Cafarnaum faz eco da alegre maravilha da Igreja de todos os tempos e da gratidão de todo crente que, no mistério pascal, descobre, vive e anuncia a fonte inesgotável da salvação.

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2. Um acontecimento eclesial e pessoal O encontro de Jesus com o paralítico de Cafarnaum acontece de modo singular. Sem explicitar quem tomou a iniciativa, Marcos narra que «Levaram então um paralítico, carregado por quatro homens» (2,3). Quem são estes quatro homens? Os textos paralelos de Mateus e de Lucas ignoram estes detalhes (MT 9,2: «Eis que levaram a ele um paralítico deitado na maca. Vendo a fé que eles tinham, Jesus disse ao paralítico: “Coragem, filho! Seus pecados estão perdoados”»; LC 5,18: «E eis que chegaram alguns homens carregando um paralítico numa maca. Tentavam levá-lo para dentro e colocá-lo diante de Jesus»). Impedidos de chegar perto de Jesus por causa da multidão aglomerada à frente da casa, tomaram uma iniciativa decidida: fizeram um buraco no teto «e por ele baixaram a maca em que o paralítico estava deitado» (2,4) e a seguir fizeram subir a maca na qual levavam o paralítico. Jesus, «vendo a fé que eles tinham», surpreendentemente, dirigiu ao paralítico não palavras de cura, mas «Filho, seus pecados estão perdoados» (v. 5). Este episódio curioso destaca o desejo e a forte determinação que animam os que queriam ajudar o paralítico, transportando-o até Jesus. Não existe obstáculo que consiga pará-los: nem a problemática condição do doente, nem o caminho obstruído pela multidão, nem os muros da casa que os separavam de Jesus. Foi em consideração a esta «sua» fé que Jesus proclama ao paralítico o perdão dos pecados. A exegese identificou algumas vezes estes quatro homens com os quatro discípulos dos quais, um pouco antes, se narra o chamamento ao longo das margens do lago da Galileia (MC 1,16-20): «Venham após mim, e farei de vocês pescadores de gente»; o imperativo e a promessa que Jesus lhes dirigiu parecem indicar a ação no comportamento dos quatro homens. Eles procuram quem não consegue chegar a Jesus nem se mistura com a multidão por causa daquela enfermidade. Ser pescadores significa retirar do mar; ser pescadores de homens significa salvar homens do perigo de morrerem (condição bem representada pelo paralítico que levavam) para assegurar a sua vida, como parece também sugerir a primeira reação do enfermo à sua cura: «Ele se levantou» (v. 12, ēgerthē); é usado o mesmo verbo que indica a ressurreição de Jesus (MC 18

16,6). O mandato dado aos discípulos e a ação dos homens unem uns aos outros, mostrando que o mistério pascal de Jesus se atualiza e se estende também graças à sua colaboração. Há ainda um apontamento posterior, tipicamente de Marcos, que não passa despercebido: trata-se de sublinhar com quem o texto evidencia a finalidade que os homens têm em vista. Segundo São Lucas, a maca desceu «diante» de Jesus (LC 5,19); Mateus evita qualquer precisão (cf. MT 9,1); Marcos, pelo contrário, destaca que o lugar no qual eles abriram o teto é exatamente aquele «onde» Jesus se encontrava; foi ali que desceram a maca «onde» o paralítico estava (2,4). O duplo apontamento do lugar faz coincidir espacialmente, como a sobrepor, a figura do paralítico com a de Jesus: os dois encontram-se presentes no mesmo instante. O lugar da doença coincide com o lugar no qual Jesus «anunciava a Palavra» (v. 2): lá, onde o pecado existe, é o lugar onde aquela mesma Palavra salva, perdoando. O lugar do pecado dá lugar à salvação!

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A fé dos quatro homens Existe uma relação estreita entre os quatro homens e o perdão dos pecados. Na verdade, foi graças à «sua» fé que Jesus declarou o perdão ao paralítico. Contrariamente à multidão, eles não foram simples espectadores da ação de Jesus, mas estiveram na origem da reação. Uma antiga interpretação litúrgica batismal associa-os à figura dos “padrinhos” que acompanham o catecúmeno, mas não é difícil ver neles uma mais ampla referência à comunidade cristã no seu conjunto, e ao papel que ela tem no capítulo do perdão dos pecados que Deus oferece. Tudo o que os quatro organizam e põem em ação tem apenas uma finalidade que eles concretizam com incomparável tenacidade: “levam” a Jesus. Tal lucidez e tal firmeza devem-se à determinação com que Jesus segue a vontade de Deus nos confrontos do filho do homem, até o supremo sacrifício da Cruz, fonte de onde provém o perdão cristão (cf. Mc 8,31; 9,31; 10,33-34). A ação dos quatro estava alinhada com o agir de Jesus. O perdão dos pecados chega ao paralítico através das palavras de Jesus, palavras que ressoavam num contexto preparado pelos quatro e no qual eles têm um papel fundamental. Na narração não se diz que o paralítico tem fé, mas que foi transportado pela fé daqueles quatro! A fé da comunidade crente abre o espaço para que o pecador seja atingido pelo perdão de Deus através do encontro com Jesus. Trata-se de uma dimensão fundamental e “sacramental” da graça: o perdão dos pecados realiza-se num acontecimento eclesial. A missão da Igreja é aqui resumida na fórmula “trazer a Jesus”, que, porém, não significa pôr à “frente” d’Ele. Com efeito, aqueles quatro não prestam simplesmente cuidados ao pecador libertando-o de todo obstáculo no caminho até Cristo; mas o paralítico é descido exatamente no sítio onde Jesus se encontra, permitindo assim a realização do singular e surpreendente encontro pessoal com Ele. Mais do que uma ação de socorro e de compaixão, trata-se de uma missão iniciática, participante da dinâmica com que o perdão é dado por Deus e que, ao mesmo tempo, introduz dentro dele o mistério do poder que Jesus manifesta na sua palavra e na sua pessoa. Assim, torna-se claro que a salvação vem toda de Deus, mas chega ao pecador associando à missão de Cristo também a dos 20

discípulos. Relativamente ao sacramento da Reconciliação, o Catecismo da Igreja Católica sublinha em primeiro lugar a dimensão eclesial do ministério dos Apóstolos: «Ao tornar os Apóstolos participantes do seu próprio poder de perdoar os pecados, o Senhor dá-lhes também autoridade para reconciliar os pecadores com a Igreja» (n. 1444). Esta dimensão eclesial do ministério apostólico passou para o bispo enquanto «moderador da disciplina penitencial» (n. 1462). Depois, o olhar abrese para um horizonte mais amplo quando se fala dos efeitos do sacramento: Este sacramento reconcilia-nos com a Igreja. O pecado abala ou rompe a comunhão fraterna. O sacramento da Penitência repara-a ou restaura-a. Nesse sentido, não se limita apenas a curar aquele que é restabelecido na comunhão eclesial, mas também exerce um efeito vivificante sobre a vida da Igreja que sofreu com o pecado de um dos seus membros (CCC, n. 1469).

O episódio do paralítico de Cafarnaum delineia, porém, uma perspectiva teológica em que a dimensão eclesial deste sacramento é ainda mais ampla e mais forte. Ela estende-se não somente ao momento celebrativo por força da confissão pessoal perante o ministro, mas, além disso, ao fato de a reconciliação com Deus também estabelecer a reconciliação com a Igreja. A dimensão eclesial é até prévia e tem, por assim dizer, uma conotação ligada ao desempenho: ela é inerente a todo o caminho penitencial, desde o seu início até sua consumação. Com efeito, aqui Deus dá o perdão ao pecador porque, através dos olhos de Jesus, Ele reconhece a fé que a Igreja põe nele. Trata-se de uma ótica de misericórdia trifocada que, de modo muito particular, coloca em relação Deus, Jesus e a Igreja. Certa analogia aparece também no grandioso hino aos efésios (1,3-14), em que o autor declara que a redenção, como perdão dos pecados, é derramada através do sangue expiatório de Cristo (v. 7). Tal acontecimento de graça realiza um plano de amor, fruto de uma livre vontade do Pai, que, vendonos em Cristo, desde sempre associados a Ele, nos escolheu desde a criação do mundo, dando-nos a condição de filhos adotivos (v. 3). A reconciliação, portanto, atua dentro de uma visão em que o Pai “vê” a Igreja, cuja identidade e fundamento real consistem no estar em relação a Cristo. Esta perspectiva teológica, ao mesmo tempo trinitária e eclesial, está tão concentrada que a práxis penitencial e pastoral provavelmente ainda não 21

desenvolveu em si todas as implicações e quedas. Porém, a liturgia, na sua sabedoria educadora, impede que se lhe perca a memória. Nos ritos de comunhão da celebração eucarística, no momento em que se invoca a paz prometida por Cristo, o sacerdote exclama: «Não olheis para os nossos pecados, mas para a fé da vossa Igreja». Assim, cada vez que comungamos, somos todos reconduzidos àquele dia em Cafarnaum, ao momento em que os olhos de Cristo pousam sobre a fé de quatro homens.

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Levanta-te e anda Somente no fim desta cena o paralítico assume um papel ativo. Em perfeita correlação com as palavras de Jesus: «Levante-se, pegue sua maca e vá para casa» (v. 11), ele «Ele se levantou, imediatamente pegou o leito e saiu diante de todos. E ficaram todos admirados e glorificavam a Deus, dizendo: “Nunca vimos coisa assim!”» (v. 12). A súbita e perfeita sintonia entre a ordem e a sua execução tem em primeiro lugar como fim sublinhar o poder e a eficácia da palavra de Jesus. A polêmica com os escribas incidia sobre a qualidade do «dizer» de Jesus: «O que é mais fácil? Dizer ao paralítico: ‘Seus pecados estão perdoados’, ou dizer: ‘Levante-se, pegue sua maca e ande’”?». O duplo «dizer» sublinha tudo o que foi posto em jogo: A palavra de Jesus é verdadeira ou é vã? É poderosa ou ilusória? O fato de imediatamente o paralítico se levantar exige que os doutores da Lei reexaminem os seus juízos contra Jesus. Antes deste momento, embora esteja sempre presente na cena, a figura do paralítico ocupa um papel extremamente marginal. Para além da sua condição de enfermo, dele não nos é dada mais nenhuma característica: não tem um nome nem está marcado por uma pertença religiosa (pagão, judeu, fariseu, levita), faltam atributos sociais (rico ou pobre), não fala nem são revelados seus pensamentos, emoções ou reações. Trata-se de um muro impenetrável, com uma única brecha, que deixa perceber a sua conotação moral presente na declaração de Jesus de que lhe são perdoados os pecados: é, portanto, um pecador. Jesus vê a fé dos quatro, mas conhece também a situação íntima deste homem, não lhe escapando igualmente o juízo que os escribas exprimem, mesmo que apenas em pensamentos (v. 8). Definitivamente, só Jesus conhece profundamente e revela o coração de cada um, revelando-se como o profético Messias redentor. A atenção sobre o paralítico nos é, porém, dada por outro elemento: fazendo referência a este homem, por duas vezes se utilizam verbos sinônimos de “levar”: «Levaram então um paralítico carregado por quatro homens» (v. 3). A figura deste enfermo não é só impenetrável, mas também completamente inerme: uma descrição que destoa do contexto bastante caótico marcado pela multidão e pela 23

iniciativa dos homens que transportam o paralítico. É a esta figura inanimada, sem vontade nem vitalidade, pertencente mais ao mundo dos mortos que ao dos vivos, que Jesus, como um Pai, chama «filho». A este filho perdoa os pecados no preciso momento em que os revela, assegurando que não existe nenhum obstáculo entre ele e Deus. Ele vê-se declarado “pecador”, mas através da mesma palavra encontra a sua vocação de “filho”. A distância ultrapassada entre o paralítico e Jesus corresponde à superação da distância que separa Deus do pecador. Deste modo, o paralítico experimenta que, aproximando-se de Jesus, também se aproximou do Reino de Deus, no qual a fé, a conversão e a boa-nova se fundem numa única coisa (cf. Mc 1,15). Pronunciadas em voz alta, as palavras de Jesus tornam, ao mesmo tempo, conhecido a todos que a enfermidade e o pecado não são forças insuperáveis que possam manter para sempre em seu poder o paralítico, porque Deus sempre o considerou “filho”, sem nunca o ter repudiado, independentemente das culpas que cometera. No encontro com Jesus, o perdão dos pecados está, assim, ligado à revelação salvífica sobre o pecador: a ligação originária a Deus, como a de “filho”, vem à luz. Ninguém a considerava, mas a palavra de Jesus que faz erguer o paralítico assegura também que nunca se perdeu, ou foi retirada. O caráter poderoso da palavra de Jesus manifesta-se no efeito que produz. O paralítico é finalmente sarado e reage com uma transformação expressa em três tempos: estava deitado, levanta-se; era transportado, pega na maca; não podia entrar em casa, mas agora regressa a ela autonomamente. A rapidez destas ações amplia o efeito de vitalidade que agora o caracteriza. Aquele que era “levado” finalmente caminha, e a indicação sobre a maca que ele, ao ir embora, toma consigo, se bem que não precisasse disso, sugere que ainda não terminou a sua utilização. Poderá servir ainda para levar até Jesus outros enfermos pecadores que ele mesmo poderá transportar. O círculo acaba assim: o “levado” transformase no “que agora leva”; aquele que estava alojado na sombra da morte caminha agora à frente de todos; aquele que foi objeto de misericórdia por parte de Deus e de quatro homens torna-se homem “pescador de homens”, para que outros, levados até Jesus, experimentem como ele o encontro misterioso de fé, amor e perdão. 24

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II

UM

PAI E DOIS FILHOS

Que a dinâmica da misericórdia realiza em nós o perdão dos pecados manifestase com evidência na parábola do filho pródigo (LC 15,11-32), a mais longa do Evangelho de Lucas e a terceira de três parábolas sucessivas e centradas no comportamento de Deus e na alegria de encontrar o que se perdera (uma ovelha: 15,1-7; uma moeda: 15,8-10; o filho: 15,11-32). De modo análogo à descrição do paralítico de Cafarnaum, também os personagens da parábola de Lucas são descritos de forma quase anônima. O único interesse da narração recai sobre as relações problemáticas entre um pai e os seus dois filhos. Toda a questão se refere à paternidade, às relações filiais e às ligações fraternas. Quanto ao resto, perdão e misericórdia são realidades primeira e completamente pessoais, acontecimentos que penetram o homem na sua mais profunda interioridade e na sua relação recíproca, até implicar com a vida, às vezes de modo inesperado e quase prodigioso. Portanto, na narração deve-se dar atenção particular às ações que os personagens realizam e às palavras que eles pronunciam. É aqui que emergem os seus verdadeiros sentimentos, os valores que mais chamam a atenção, os propósitos autênticos que eles seguem. Daí surge um quadro inesperado: uma paternidade singular, relações filiais desconcertantes e uma fraternidade a recompor.

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1. O regresso de um filho Desde o início da parábola, a figura do filho mais novo apresenta dois pontos obscuros preocupantes. Ele é introduzido na cena sem preâmbulos, num discurso dirigido ao pai a pedir a sua parte da herança. Ele não explicita as razões de tal pedido, e o pai também não lhe pede isso. Pelo fato de pedir simplesmente «o que lhe cabe» (v. 12), mostra que não tem pretensões indevidas: está bem consciente da sua condição de filho e o seu desejo é ir para longe. O patrimônio deverá ser dividido, mas em toda a narração nunca fala do irmão mais velho. Abandonando a casa na qual não pensa deixar nenhuma lembrança de si («juntou tudo»), ele corta radicalmente a ligação que o unia ao pai e ao irmão, mas nem se parece importar muito com isso, pois mostra-se completamente decidido a realizar o que tem em vista. O modo repentino com que «Poucos dias depois, o filho mais novo juntou tudo e partiu para uma região distante. E ali esbanjou seus bens, numa vida desregrada» (v. 13), lança luz sobre as verdadeiras motivações que estavam por detrás do pedido feito ao pai. Por mais aventureiro que seja, o desejo do filho é fruto de uma decisão livre e consciente. Ele não poderá culpar ninguém se, no futuro, se encontrar na condição dramática de arriscar morrer de fome: a culpa é sua, a responsabilidade é pessoal. Mas no confronto do pai e do irmão mais velho, as suas palavras dizem mais do que afirmam. Enquanto filho, as pretensões sobre o patrimônio são legítimas, e o pai não lhe coloca objeções. Não se fala de nenhuma recriminação por parte do irmão mais velho. No entanto, ao sublinhar-se que ele pediu «o que lhe cabe», isso implica uma divisão patrimonial na ótica da herança. O pedido é dirigido ao pai como se este já estivesse morto! E, de fato, a pressa dos preparativos para sair de casa, não para um lugar por ali perto, mas para um lugar distante, mostra que a distância não é somente geográfica. Independentemente dos motivos que justificam a sua saída, para o filho mais novo o desejo de autonomia é mais importante que a relação filial. Naquela sua saída repentina, a ênfase da separação mostra que a figura do pai e a do irmão não têm lugar no projeto de vida que este filho tem. Longe do pai e do irmão mais velho, o filho mais novo procura uma vida 27

dissoluta e de prazer. Infelizmente, frequentes vezes este pormenor levou a pregação a estigmatizações morais. Mas a narrativa pretende pôr em evidência o pormenor imprevisto que encanta a parábola. Em primeiro lugar, para o próprio jovem: aquele viver «distante» tão desejado e querido a todo custo revela-se uma escolha trágica em que ele perde toda a dignidade. Procurava a própria autonomia longe do pai e com um corte nítido com a sua casa, mas é obrigado a trabalhar como guardador de porcos. Para um judeu, era um trabalho infame, que ainda por cima nem dava para matar a fome. O lugar «distante» perde todos os atrativos e mostra uma dupla característica: não é motivo de enriquecimento, mas põe tudo a perder, esvazia completamente tudo, mesmo o interior. Além disso, é um lugar marcado pela carestia, que por isso não pode dar-lhe o alimento necessário. Para o filho mais novo, delineia-se uma condição sem futuro, de desencanto e sem esperança. Contudo, esta catástrofe levará a uma nova descoberta: o modo como será acolhido pelo pai. Por sua vez, a decisão do pai provocará uma inesperada reação no filho mais velho. Esta trama de pecado e de misericórdia, de culpa e de perdão, caminha de surpresa em surpresa.

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A experiência do pecado A parábola não dá uma definição do pecado, nem tem particular interesse nas motivações que impelem o filho mais novo a sair de casa. Todo o conjunto da parábola tem em vista, sobretudo, preparar as motivações do seu regresso ao pai. Este silêncio sobre as razões das escolhas erradas leva-nos a interrogar-nos sobre a origem do mal em cada um de nós e sobre o homem continuar à procura de um lugar longínquo do Pai. É um silêncio que deixa espaço a mil respostas (egoísmo, inveja, perda de referências, valores errados, indiferença ao próximo etc.). Todos os confessores e todos os penitentes poderiam em cada dia atualizar a casuística sem demasiadas dificuldades, lançando luz sobre as motivações individuais, sociais e eclesiais que inspiram os males do nosso tempo. Mas a evidência mostra simplesmente que o pecado nos é conatural, a ponto de a sua contínua repetição arriscar adormecer a consciência. Para percebermos isso, bastaria fazer o exercício de tentar lembrar o nosso primeiro pecado para termos consciência da impossibilidade de formular uma resposta. Simplesmente, até onde temos consciência, devemos reconhecer que o pecado esteve sempre conosco, esteve sempre presente nas suas variadas manifestações, mais ou menos graves. Sobre esta misteriosa e inquietante presença meditou o texto de GN 3, ao falar da serpente tentadora, que «era a mais esperta das feras do campo que o Senhor Deus havia feito» (v. 1). Adão e Eva encontram-se no jardim do Éden, literalmente o “jardim das delícias”; a serpente é aí apresentada como um estranho: não pertence ao jardim, mas ao campo, e contudo aparece, de repente, onde vive o homem e a mulher. Alguns Padres da Igreja perguntam-se como pôde este animal entrar no jardim, quem e quando o admitiu. É a mesma pergunta que fazem os empregados na parábola do trigo e do joio: «Os servos do proprietário foram até ele e perguntaram: ‘O senhor não semeou boa semente em seu campo? Então, como é que tem joio?’» (MT 13,27). É a mesma pergunta que se repete cada vez que o pecado e as suas consequências de mal e de sofrimento provocam escândalo aos nossos olhos. A Bíblia evita qualquer especulação filosófica: o mal é apresentado, mas não é explicado, simplesmente “existia”. No momento em que Adão e Eva iniciam a sua aventura humana, a 29

serpente aninha-se na sua intimidade, está presente nos seus pensamentos, nas suas palavras e nas suas ações. Ela é persuasora, capaz de sugerir “lugares distantes”, para além de toda constrição e limite («Vão morrer coisa nenhuma!», GN 3,4), sobretudo é capaz de enganar e de deformar a visão de Deus e a relação com Ele. Como o filho mais novo da parábola, também Adão e Eva se encontrarão vazios e na miséria, e até incapazes de olhar um para o outro: a sua nudez agora é o espelho da verdade da sua própria culpa, uma visão que eles não conseguem aguentar. O que é, pois, o pecado? A parábola de Lucas sugere a imagem de “separação” do Pai. O pecado é tudo aquilo que nos afasta dele e dos irmãos e subverte o nosso coração. O pecado é tudo o que não nos deixa ter uma vida plena. O pecado é tudo o que nos impede de reconhecer como nossa a casa do Pai, fazendo-nos esquecer que somos irmãos. Por fim, o pecado é tudo o que degrada a nossa relação filial e a nossa relação fraterna. Por isso, ao apresentar-se ao sacramento da Reconciliação para receber o perdão de Deus, é importante que o cristão amadureça uma certeza e evite um perigo. Uma autêntica vida de fé mantém vigilante a consciência. O discípulo, ao seguir o Senhor, sabe que o caminho é a verdade, e não teme, por isso, pôr a nu o seu coração diante do Pai, para que lhe dê um “novo” (cf. EZ 11,19): «Pela confissão, o homem encara de frente os pecados de que se tornou culpado; assume a sua responsabilidade e, desse modo, abre-se de novo a Deus e à comunhão da Igreja, para tornar possível um futuro diferente» (CCC, n. 1455). Por outro lado, ao descobrir os seus pecados, evitará deixar-se transportar pelo cálculo, um pouco mesquinho, que tende a especular sobre o amor de Deus: «Até onde posso chegar impunemente com este comportamento? Posso, mas dentro de que limites? Se não ultrapasso o risco, então está tudo certo?». Tratase de uma mentalidade de mínimo indispensável na relação com o pai. Em geral, semelhante perspectiva limita a própria vida ética, o testemunho de fé e a pertença à Igreja a um conjunto infinito de regras que “infelizmente” se devem respeitar e que tornam cada vez mais penosa ao penitente (e ao confessor!) a celebração do sacramento da Reconciliação. Trata-se de uma frustração da vida espiritual que leva o crente não a abrir-se ao projeto que Deus tem sobre ele, 30

confiante na sua misericórdia inesgotável, mas a diminuir o entusiasmo da fé. Ofusca-lhe a beleza, enfraquecendo inexoravelmente toda a dinâmica da vida cristã. Como lembrou o Papa Francisco, o problema não é ser pecador, o problema é não se deixar transformar pelo amor no encontro com Cristo (cf. Homilia em Santa Marta, 17 de maio de 2013). Neste caso, falhamos a meta e não alcançamos o objetivo essencial. Qual? O objetivo de viver como filhos. E é o Crucificado Ressuscitado, o Filho bendito, que mostra como se desenvolve a autêntica relação filial. Trata-se de um caminho de liberdade: um êxodo sem retorno, uma liberdade feita para amar o Pai e os homens até o abandono sobre a Cruz. Esta mesma liberdade é pedida por Ele aos seus discípulos para entrar no dom da vida de Deus.

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A experiência do perdão O monólogo do filho mais novo tem início com uma certeza: na casa do seu pai, os empregados têm de comer com abundância, mas, ao contrário, «eu aqui, morrendo de fome» (v. 17). É a fome, e não o remorso pelo sofrimento causado ao pai, que o induz a regressar a casa. Aquele «caindo em si» não é indício de conversão, como comumente se pensa. Sobretudo, ele agora toma consciência da realidade em que caiu, afligido pela necessidade fundamental que não pode satisfazer: está morrendo de fome. É o instinto de sobrevivência a fazê-lo lembrar da casa paterna. É o desejo de bom alimento que move as suas palavras, não a relação com o pai. Trata-se de interesse, mais do que de um arrependimento sincero. E de fato, ainda que confesse «vou me levantar, irei até meu pai e lhe direi: Pai, pequei contra o céu e contra o senhor. Já não mereço ser chamado seu filho. Trate-me como um dos seus empregados» (vv. 18-19), o jovem não deixa de pensar como aquela punição vai ao encontro do seu plano: «trate-me como um dos seus empregados», uma condição evidentemente bastante melhor do que ser guardador de porcos. Um indício posterior cria fortes suspeitas sobre as verdadeiras intenções do jovem. O monólogo serve de discurso preparatório, mas, uma vez chegado junto do pai, o filho omite a frase inicial: não diz que é a fome que o fez regressar! Ele cala a verdadeira razão: uma autêntica esperteza. Estabelecida a estratégia para obter o perdão paterno, começa a realizar o plano arquitetado: «Então se levantou e foi ter com seu pai» (v. 20). Só podemos ficar perplexos perante tal comportamento que instrumentaliza os sentimentos e as relações com o pai através de um discurso com sabor religioso. A intenção é inegável, a confissão é muito interesseira. O comportamento espertalhão do filho mais novo deixa adivinhar que imagem ele guarda do pai: um severo e justo juiz, que, porém, pode ser acalmado com lindos discursos. Mas o plano arquitetado cai por terra, e cai devido ao comportamento totalmente imprevisto do pai perante o filho: «O filho então lhe disse: ‘Pai, pequei contra o céu e contra o senhor. Já não mereço ser chamado seu filho’» (v. 21). Esta rapidez comprometedora com que o pai agiu confirma que o seu abraço não depende das motivações que o filho poderá apresentar. 32

Com efeito, o pai não espera que o filho fale! O seu modo de agir não depende nem se mede pelas palavras do filho. Nesta altura, o jovem pode dizer o que quiser, mas nem sequer tem a necessidade de mentir ou de ocultar as razões do seu regresso. Nada tem a temer: o pai veio ao encontro dele, abraçou-o e beijouo, uma atitude clara que põe ponto final a qualquer estratégia enganadora. Ao filho nada reprova («ah, se soubesse o que me fez sofrer, mas estou contente por ter vindo!», ou então, «finalmente percebeu seu erro?»). Para o pai, a única coisa que importa é que o filho tenha voltado. Na verdade, logo que o jovem começa a falar, declarando não merecer ser seu filho, o pai o interrompe. Para o pai, são palavras insuportáveis e inadmissíveis: uma possibilidade que não se deve ter em consideração. Foi assim que o filho descobriu que no coração do pai encontrou sempre abrigo, e nunca deixou de ser filho. Nenhuma escolha errada, nenhum comportamento reprovador, nenhum sofrimento causado fizeram diminuir a sua qualidade de filho junto do pai. Ao filho interesseiro, manifesta-se um rosto do pai que ele não suspeitava e que só o regresso a casa lhe fez descobrir: um pai que não é ingênuo, nem juiz severo, mas que ama sem cálculo e sem medida. As palavras que o jovem dirigiu ao pai depois de ter sido abraçado e beijado por ele podem agora provir do seu coração sem temor algum: «Pai, pequei contra Deus e contra o senhor». Nesta relação renascida, os dons do pai ao filho só amplificaram o seu amor, que sempre existiu, restabelecendo os sinais de uma dignidade filial que o filho acreditava perdida. Como Jesus com o paralítico de Cafarnaum («filho, os seus pecados estão perdoados», Mc 2,5), também este pai volta a dar ao filho a sua verdadeira identidade.

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2. Entrar na casa do Pai? Na segunda parte da parábola, entra em cena o filho mais velho. É curiosa a indicação «estava no campo» (v. 25), porque corresponde ao mesmo lugar onde se encontrava o filho mais novo antes de voltar ao pai: «Foi então até um dos habitantes daquela região, que o mandou para seus campos, a fim de cuidar dos porcos» (v. 15). O filho mais novo tinha-se aventurado num lugar distante; o filho mais velho nunca se afastou de casa. O primeiro entrega-se a uma vida dissoluta, gastando todos os seus bens; o segundo vivia ocupado numa vida de trabalho. No entanto, embora cada um à sua maneira, ambos os irmãos têm um ponto em comum: estão nos campos e de lá é que saem para regressar à casa do pai. São muitos os textos bíblicos que utilizam a imagem do campo com uma acepção negativa: morada da serpente tentadora e de animais selvagens (Gn 3,1), lugar de morte (nos campos, Caim levantou a mão contra o irmão Abel, cf. Gn 4,8) e de violência (os escravos hebreus são obrigados a fazer trabalhos duros nos campos, cf. Ex 1,14), imagem profética de ameaça (cf. Os 2,14; Jr 26,18), lugar onde as forças se opõem (Mt 13,24-30). Com efeito, em toda a parábola, os dois irmãos não mostram nenhum sinal de fraternidade: o mais novo nunca menciona o irmão, e este por sua vez não o reconhece («agora, porém, que veio esse seu filho», v. 30). Na prática, ambos os filhos têm uma mesma visão compartilhada, mais do que pensam: ambos estão longe do pai e da sua vontade de os ver “irmãos”. Porém, o pai refere-se a cada um com o mesmo título de «filho» (v. 24; v. 31) e convida cada um a entrar em casa, para participar na festa em que o pai os considera a ambos como «seu irmão» (v. 32). Há ainda outras características que parecem aproximar os dois irmãos. Ao que parece, se o filho mais velho trabalha aplicadamente nos campos, significa que na casa do pai a condição de filho não é motivo válido para não fazer nada e levar boa vida. Foi talvez por isso que o filho mais novo quis sair de casa? Apesar das suas escolhas diferentes, um dissoluto e outro trabalhador rural, quando se referem à sua vida com o pai, ambos a caracterizam na condição de assalariados. De fato, eles partilham os mesmos critérios de avaliação baseados na lógica da retribuição: pequei, portanto mereço o castigo de não ser mais seu filho; sempre 34

o servi, por isso mereço a sua recompensa. O mais novo não ousa mais nada, o mais velho reprova o pai: «Mas ele respondeu ao pai: ‘Eu sirvo o senhor há tantos anos, e nunca desobedeci a nenhuma ordem sua. E o senhor nunca me deu um cabrito para eu festejar com meus amigos» (v. 29). Embora de lados opostos, emerge um mesmo olhar interesseiro que a ambos prejudica a possibilidade de fazer a experiência do coração infinitamente generoso do pai. É ele que uma vez mais se ergue como figura grandiosa, uma paternidade absolutamente excepcional, que acolhe o filho mais novo sem condições e revela ao mais velho que não tem necessidade de pedir nada porque «‘Filho, você está sempre comigo, e tudo o que é meu é seu também» (v. 31). No confronto com os filhos, ele não calcula nem nunca calculou nada, simplesmente quis sempre partilhar tudo. O seu ser de pai é pura relacionalidade para com eles, numa ligação de amor e ternura sem medida.

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A mentalidade de um assalariado Por que razão, ouvindo as músicas e as danças, o filho mais velho não entra em casa, mas chama um empregado para lhe pedir informações? Vivendo com o pai, suspeitaria de alguma coisa? O pai tinha-lhe já comunicado as suas intenções no caso de um regresso do irmão? Com a sua indignação, quis provocar o pai para o levar a agir de outra forma? Tudo isto são respostas possíveis. O texto, porém, quer vincar o contraste entre as palavras do empregado, que o convidam a reconhecer as suas ligações familiares («‘Seu irmão chegou, e seu pai matou o bezerro gordo, porque o recuperou com saúde’, v. 27), e as que o filho dirige ao pai («agora, porém, que veio esse seu filho, que devorou os bens do senhor com prostitutas, o senhor matou para ele o bezerro gordo», v. 30). Ele nega uma ligação com o irmão e olha de lado para o comportamento do pai, distanciandose. Não quer entrar em casa do pai porque agora o seu coração habita “num lugar distante”. Em relação ao irmão mais novo, ele chama a atenção para o seu longo e ótimo serviço, e para a fidelidade às ordens do pai. A sua apresentação constitui uma espécie de curriculum exemplar, mas as relações com o pai são descritas com muita frieza, em termos de “obediência” e de “ordens”. Ele obedeceu às suas ordens, por isso esperava dele uma retribuição, uma compensação, ainda que inferior, ao seu heroísmo: pelo menos um cabrito «para eu festejar com meus amigos» (v. 29), mas, para a festa que ele imagina, o pai e o irmão não são convidados! Poderá alguma vez aceitar o pedido para participar na festa que o pai mandou preparar para o filho mais novo?

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Responder ao convite Emerge uma dificuldade: Por que é que o pai não convidou imediatamente o filho mais velho e iniciou a festa sem ele? Porque não o mandou chamar ou não esperou que regressasse dos campos? A parábola não oferece uma resposta, mas deixa claramente entender que, se a festa tem início, é unicamente pela decisão incontestável do pai («peguem o bezerro gordo e o matem. Vamos comer e festejar!», v. 23): não depende da vontade do filho. Ela provém diretamente da «compaixão» (v. 20) e da alegria superabundante do pai pelo filho «que voltou à vida», e não pode ser adiada. Para o coração do pai não há alternativa: «Mas era preciso festejar e se alegrar, porque esse seu irmão estava morto e voltou a viver, estava perdido e foi encontrado» (v. 32). O filho mais velho pode agora decidir sozinho se entra na festa ou não para partilhar os sentimentos e os valores do pai, ou recusa e se revolta. O final aberto da parábola não nos permite saber qual foi a resposta do filho mais velho. Ambas as cenas, aquela relativa ao filho mais novo (vv. 12-24) e a referente ao filho mais velho (vv. 25- 32), terminam com as palavras do pai: são estas a determinar a continuação da história e a interrogar cada leitor que, juntamente com os dois filhos, é levado a participar do coração do pai. Trata-se de se confrontar com o seu ponto de vista, com as suas razões e com as suas escolhas: os únicos valores em causa. No final da parábola, com efeito, cada um é colocado perante uma escolha: entrar naquela casa e participar na festa ou ficar longe sem saborear a alegria do pai, recusando o seu abraço misericordioso e sem querer acolher o seu perdão, que volta a dar vida e nos faz irmãos.

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3. A compaixão de um Pai Enquanto no início da parábola a figura do pai é bastante secundária, ela adquire maior consistência a partir do momento em que o filho mais novo é avistado de casa, até ocupar o papel de protagonista absoluto, que determina o desenrolar de toda aquela história. O que move o pai é imediatamente claro: à vista do filho ainda longe, o pai «encheu-se de compaixão» (v. 20). É esta profunda piedade que produz a sucessão rápida das suas ações: corre ao encontro do filho, abraça-o e beija-o. O verbo (que traduz o hebraico rakhamim) sublinha uma compaixão quase visceral: ele não pode ficar à espera de o filho chegara a casa, mas precipita-se para junto dele levado por esta força incomparável. São sobretudo os profetas que descrevem esta comoção perturbadora em Deus: «Olha do céu e observa da tua morada santa e gloriosa. Onde estão teu ciúme e poder? A comoção de tuas entranhas e tua compaixão para comigo foram recolhidas?» (IS 63,15; cf. também IS 49,15; OS 2,21; ZC 1,16; SL 145,9). A compaixão assim descrita é o oposto exato da impassibilidade ou da dureza de coração, e é a qualidade fundamental daquele Deus que é misericórdia: uma ternura que vai até a comoção física, um zelo e uma paixão que o impelem a agir sempre e com eficácia. Também o diálogo que o pai desenvolveu com o filho mais novo mostra a profundidade do mistério da sua misericórdia. Com grande ternura, ele não proferiu a palavra «pecado» que o filho pronunciou de leve, nem se deteve sobre as motivações ambíguas que o levaram para casa. A única coisa em que pensa é no perigo iminente que o filho corre: a morte estava a privá-lo do seu filho! Para o pai, importa somente que agora o filho esteja ali, novamente em casa, resgatado na vida de filho por um amor que nunca desapareceu. O pai declara que o afastamento do filho (com a consequente separação do pai e do irmão) foi para o filho uma morte, e que o seu regresso equivale a um voltar à vida (v. 24). O seu regresso a esta vida foi um longo caminho com conotações tipicamente pascais. Em tal passagem da morte à vida, o filho mais novo é misteriosamente associado ao mistério pascal de Cristo crucificado e ressuscitado. A conversão como regresso ao pai é a dinâmica própria da vida 38

cristã: uma tensão contínua inspirada num Amor que vai além de toda a imaginação e no qual se reflete o acontecimento que aquele Amor manifesta para além de qualquer medida: a Páscoa do Senhor. A vida do cristão, por isso, não pode ser senão uma vida tipicamente pascal.

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Os dons da misericórdia Desta alegria excepcional do pai advêm os dons que o filho recebeu. Neles muitas vezes se colheram vários significados oriundos do amplo patrimônio simbólico da tradição cristã. A melhor túnica é imediatamente associada ao novo estado de vida em que o pai reintegra o filho e cria sugestões tipicamente batismais: «Pois todos vocês, que foram batizados em Cristo, se revestiram de Cristo» (Gl 3,27). Por conseguinte, «agora, porém, tirem da boca de vocês tudo isto: ira, raiva, maldade, maledicência e palavras obscenas. Não mintam uns aos outros, porque vocês já se desvestiram do homem velho e de suas ações, e se revestiram do novo, que pelo conhecimento vai se renovando à imagem do seu Criador» (Cl 3,8-10). Pelo Batismo, a vida do cristão é aqui definida em termos novos, com um comportamento impensável para quem ficar imerso com o peso do pecado. De fato, se o batizado é um “novo nato”, a sua nova vida não pode ser outra coisa senão a vida de Cristo e a vida em Cristo. A Carta aos Colossenses sublinha que este crescimento se faz através de um renovamento contínuo. Deste modo, o sacramento da Reconciliação está profundamente ligado ao sacramento do nosso Batismo: A vida nova recebida na iniciação cristã não suprimiu a fragilidade e a fraqueza da natureza humana, nem a inclinação para o pecado, a que a tradição chama concupiscência, a qual persiste nos batizados, a fim de que prestem as suas provas no combate da vida cristã, ajudados pela graça de Cristo (CCC, n. 1426). Ora, o apelo de Cristo à conversão continua a fazer-se ouvir na vida dos cristãos. Esta segunda conversão é uma tarefa ininterrupta para toda a Igreja […]. É o movimento do “coração contrito” (SL 51,19) atraído e movido pela graça para responder ao amor misericordioso de Deus, que nos amou primeiro (CCC, n. 1428).

O anel no dedo indica o poder de que o filho é novamente investido. Para conferir plenos poderes a José, filho de Jacó, o faraó entrega-lhe o seu anel (Gn 41,42), e a mesma coisa faz o rei persa Assuero em relação ao seu confidente Amã (Est 3,10). O anel constitui um símbolo de vínculo e de união. O filho é restabelecido na comunhão plena com o pai e participa da sua autoridade. As sandálias nos pés. Calçar sapatos ou sandálias era um privilégio dos homens 40

livres: os presos de guerra e os escravos deveriam caminhar descalços (IS 20,2.4). O filho é, desse modo, reintegrado nos seus antigos direitos. A última indicação dada pelo pai são os preparativos para o banquete. A ordem de prepararem o novilho gordo e a exortação explícita para comerem constitui uma alusão ao banquete de carnes gordas indicadas para a aliança entre Deus e a humanidade: «O Senhor dos exércitos vai preparar no alto deste monte, para todos os povos do mundo, um banquete de carnes gordas, um banquete de vinhos finos, de carnes suculentas, de vinhos refinados» (Is 25,6). É sobretudo o Livro do Deuteronômio a ligar ao tema do banquete o da festa alegre na presença de YHWH: E vocês não farão do mesmo jeito para servir ao Senhor, o Deus de vocês. Pelo contrário, vocês irão buscá-lo somente no único lugar que o Senhor, o seu Deus, tiver escolhido entre todas as tribos, para aí colocar o nome dele e aí fazê-lo habitar. Para esse lugar vocês devem levar seus holocaustos e sacrifícios, seus dízimos e as ofertas de suas mãos, suas promessas e suas ofertas espontâneas, e os primogênitos do seu gado graúdo e do seu gado miúdo. É nesse lugar que vocês vão comer na presença do Senhor, o Deus de vocês, alegrando-se vocês e suas casas por tudo o que vocês tiverem realizado e que tenha sido abençoado pelo Senhor, o seu Deus (Dt 12,4-7; cf. ainda Dt 14,22-24; 16,10-17).

No Novo Testamento, são numerosos os textos que fazem referência a um banquete festivo e familiar no qual participar: em São Lucas, a parábola sobre os convidados descorteses está um pouco antes das três parábolas da misericórdia (Lc 14,16-24). Na conclusão da cena, o banquete que o pai prepara para o filho regressado reveste-se de um valor ritual e cerimonial. Ele tem como finalidade festejar aquele que realizou uma passagem marcando a sua transformação. Além disso, celebra a solidariedade recíproca que liga agora o pai ao filho, a ligação que entre eles existe, a sua unidade. Muitos viram nisto uma referência ao banquete pascal que Cristo celebrou na Última Ceia, onde a aliança entre Deus e os homens foi estabelecida para sempre no seu sangue (Lc 22,20). O convite explícito a participar no seu banquete foi retomado pelo anjo do Apocalipse, que deu esta ordem a São João: «O Anjo me disse: “Escreva: ‘Felizes os convidados para o banquete do casamento do Cordeiro’”. E disse ainda: “São estas as verdadeiras palavras de Deus”» (Ap 19,9). É a bem-aventurança que, com uma pequena adaptação, foi retomada pela liturgia para convidar à comunhão 41

eucarística. Depois do Batismo, também a Eucaristia se liga ao sacramento da Reconciliação. De fato, ela manifesta à comunidade cristã a exigência de uma conversão contínua e põe à disposição o poder reconciliador da Páscoa do Senhor: «A conversão e a penitência quotidianas têm a sua fonte e alimento na Eucaristia: porque na Eucaristia se torna presente o sacrifício de Cristo, que nos reconciliou com Deus: pela Eucaristia nutrem-se e fortificam-se os que vivem a vida de Cristo» (CCC, n. 1436).

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A festa do perdão Ao filho mais velho, o pai declara que «era preciso festejar e alegrar-se». O pai obedece a uma lógica superior, da qual não pode se abster, uma lógica diferente e mais elevada em relação ao modo de ver do filho mais velho: «Ele ama e não sabe fazer outra coisa» (Papa Francisco, Homilia em Santa Marta, 28 de março de 2014). A sua paternidade põe em primeiro lugar a relação com o filho: é este o sentido do seu ser pai. Se o filho «estivesse morto», ele imediatamente deixaria de ser pai! Voltando à casa do pai, «tornou a viver», voltou à vida de filho, reanimando-se assim que o pai correu ao seu encontro. O filho mais velho é convidado a compreender a circularidade deste amor profundo que liga o pai ao filho, circularidade que vale para ele mesmo. Encontrando o filho, o pai pode restituir-lhe o irmão, sem o qual até o filho mais velho perderia a sua própria identidade de irmão. Assim, a compaixão profunda que move o agir do pai encontra a maior alegria ao ver que os filhos se reconhecem irmãos; então a paternidade atinge o seu vértice e resplandece em toda a sua luz. Comentando a parábola do filho pródigo, o Papa Bento XVI referiu: Esta página de São Lucas constitui um vértice da espiritualidade e da literatura de todos os tempos. […] Ela nunca cessa de nos comover, e todas as vezes que a ouvimos ou lemos, é capaz de nos sugerir sempre novos significados. Sobretudo, este texto evangélico tem o poder de nos falar de Deus, de nos fazer conhecer o seu rosto, melhor ainda, o seu coração. Depois de Jesus nos ter narrado acerca do pai misericordioso, as coisas já não são como antes, agora conhecemos Deus: Ele é nosso pai, que por amor nos criou livres e dotados de consciência, que sofre se nos perdemos e que faz festa se voltamos. Por isso, a relação com Ele constrói-se através de uma história, analogamente ao que acontece a cada filho com os próprios pais: no início depende deles; depois reivindica a própria autonomia; e por fim – se há um desenvolvimento positivo – chega a um relacionamento maduro, baseado no reconhecimento e no amor autêntico (Angelus, 14 de março de 2010).

Ilustrando esta sapiente pedagogia da misericórdia de Deus, a parábola do filho pródigo não pretende nos fazer meditar de modo abstrato o mistério do Amor que perdoa, mas impele todo homem a recorrer a esta misericórdia em nome de Cristo e em união com Ele. Somos assim transportados pelo Amor que salva a reconhecer as nossas infidelidades confessando os nossos pecados. Assim, revelando o amor de Deus, a Palavra do Senhor continua a encarnar-se na vida de cada crente, imprimindo nela e na sua consciência ferida o rosto do pai rico de 43

toda a consolação. Por isso, a Igreja não pode senão professar a misericórdia divina em toda a verdade que a Revelação nos transmitiu e dela dá testemunho pondo-se ao seu serviço: À luz desta inesgotável parábola da misericórdia que apaga o pecado, a Igreja, acolhendo o apelo que nela está contido, compreende a sua missão de se empenhar, seguindo os passos do Senhor, pela conversão dos corações e pela reconciliação dos homens com Deus e entre si, duas realidades que estão intimamente conexas (João Paulo II, Reconciliatio et paenitentia, n. 6).

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III

UMA QUESTÃO DE DÍVIDAS E DE DEVEDORES

No discurso da montanha (MT 5-7), o primeiro e o mais amplo dos discursos de Jesus no Evangelho segundo São Mateus (MT 5-7), o texto central aborda as três formas clássicas da devoção judaica: esmola, oração e jejum (6,1-18). No coração do ensinamento sobre a oração, isto é, na posição absolutamente mais central de todo o discurso, encontra-se a oração do Pai-Nosso (6,9-13). A centralidade reservada à oração ensinada por Jesus aos discípulos e às multidões demonstra que ela constitui um dom precioso, uma joia inestimável incrustada no seu ensinamento. De fato, a relação do cristão com o Pai está na base de todo o seu ser e de todo o seu agir. A oração articula-se em sete pedidos (sete é o número da totalidade e da perfeição): os primeiros três dizem respeito à iniciativa de Deus, destacada pelos pronomes possessivos referidos pela segunda pessoa (o vosso nome, o vosso reino, a vossa vontade – 6,9-11); os últimos quatro são pedidos inerentes às principais necessidades humanas, formulados utilizando os possessivos referidos na primeira pessoa (o pão nosso de cada dia nos dai hoje. Perdoai-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores. E não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal). O quinto pedido configura-se como pedido de perdão. Falando de «dívidas»[1] (gr. opheilémata) e de «devedores» (gr. opheilétais, MT 6,12), São Mateus utiliza uma linguagem jurídico-comercial: «as dívidas» indicam, em primeiro lugar, os valores que deveriam ser restituídos para não se incorrer numa

ulterior penalidade.

Para

compensar os

consequentes

desequilíbrios sociais, a legislação do ano sabático definia que os escravos fossem libertos, compensação que dizia respeito precisamente a pessoas feitas escravas porque não podiam pagar o que deviam (cf. EX 21, 2-6; DT 15,1-11). No texto 45

paralelo de Lucas, é utilizada a expressão «perdoa-nos os nossos pecados» (gr. amartías, LC 11,4), pretendendo precisar teologicamente o pedido: as “dívidas” nos confrontos de Deus são “pecados”. As duas versões são, portanto, convergentes, e, na recitação do Pai-Nosso, o cristão utiliza sem dificuldade o termo “pecados” pensando nas “dívidas”. Porém, não lhe deveria escapar o precioso valor do termo utilizado por São Mateus, porque constitui um apelo à parábola do rei bom e do servo impiedoso (MT 18,21-35), uma parábola presente somente em São Mateus e onde recorre pela segunda e última vez o termo «dívidas» (opheilémata). É a partir desta parábola que se deve compreender o pedido contido no Pai-Nosso, de perdão dos nossos pecados.

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1. A parábola do rei bom e do servo impiedoso A parábola (MT 18,21-35) parte de um diálogo entre Pedro e Jesus sobre a reconciliação entre os discípulos: «Senhor, quantas vezes devo perdoar meu irmão que pecar contra mim? Até sete vezes?». A pergunta parece sublinhar uma práxis de reconciliação interna na comunidade cristã de que devem ser esclarecidos alguns critérios. O ponto de partida de Pedro é certamente generoso: «Até sete vezes?». A resposta de Jesus é, porém, esmagadora: não se devem fazer cálculos. O discípulo deve assumir um estilo consequente com a dinâmica do Reino dos Céus, onde a misericórdia é sem limites e produz um perdão sem medida e sem reservas. A vertiginosa perspectiva aberta por Jesus é ilustrada pela narração parabólica na qual o elemento que sobressai é constituído por uma dívida imensa e impagável, acumulada por um servo no confronto com o patrão. Três cenas sucedem-se, em que as primeiras duas são simétricas, mas opostas. Em primeiro lugar, descreve-se a ação do patrão que perdoa (vv. 23-27), depois vem a cena do servo que castiga (vv. 28-30), a terceira põe em confronto os dois modos de agir (vv. 31-34) e tem o seu vértice nas últimas palavras que o patrão pronuncia: «Não devia você também ter compaixão de seu companheiro, como eu tive de você?» (v. 33). O contraste é amplificado por algumas diferenças: a condição social entre patrão e servo na primeira cena e a outra, paritária, entre servo e com-servo (doūlos e syndoūlos ) na segunda, a dívida enorme na primeira e a irrisória na segunda, o papel que tem o servo na primeira, como devedor insolvente, e depois como credor impiedoso. A finalidade é suscitar a ideia da vastidão incomensurável em que se estende o perdão de Deus, sobretudo se relacionado com a limitada e um pouco mesquinha realidade humana.

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Uma dívida impagável Num primeiro momento, o patrão impõe ao servo o pagamento da sua dívida: trata-se de dez mil talentos, uma soma desproporcionada, se pensarmos que o rendimento anual do reino de Herodes era de novecentos talentos, e o resultado dos impostos da Galileia e da Pereia não superava os duzentos talentos. A narração quer evidenciar que esta dívida não pode ser paga por um servo cuja súplica desesperada («ajoelhado») é comovente, mas também irreal: «Mas o servo caiu aos pés do senhor e suplicava-lhe de joelhos: ‘Tenha paciência comigo, que eu lhe pagarei tudo’» (v. 26). Nenhum adiamento seria suficiente para saldar uma tal dívida! A verdade é que não há forma de ele se libertar dela. A solução inesperada provém (uma vez mais!) da «compaixão» (v. 27), que move a ação do patrão. A uma primeira ordem para «que fosse vendido como escravo, juntamente com a mulher e os filhos e tudo o que possuía» para saldar a dívida, segue-se a surpreendente decisão de o despedir com a dívida inteiramente perdoada. A remissão de um débito tão grande deveria traduzir-se numa atitude de gratidão e de misericórdia por parte de quem disso se beneficiou, sobretudo se o devedor é um com-servo, alguém de quem se conhece bem a condição de pobreza e de necessidade, por tê-la experimentado na primeira pessoa, e ainda mais por uma dívida tão modesta, se comparada com a que lhe foi perdoada. Mas isto não acontece: «Ao sair» (v. 28), o servo discute com um companheiro que lhe devia cem denários. Para um servo, cem denários corresponde ao salário de três meses de trabalho, um valor não de todo indiferente, se pensamos em critérios de justiça comutativa entre companheiros. Mas a introdução da parábola obriga a outro confronto. «Um rei resolveu acertar as contas com seus servos» (v. 23): o eixo da avaliação não é horizontal, entre iguais, mas vertical, tratando-se de um rei e de um servo. Quando um rei perdoa uma dívida imensa a um servo, o que se pode esperar deste? Uma nota posterior deve prender a nossa atenção: «Começando o acerto, apresentaram-lhe um que lhe devia dez mil talentos» (v. 24): a audiência ao servo desenrola-se no início da atividade judiciária do rei, o que leva a supor que tal atividade tenha continuidade. Além disso, não sabemos quem são os que «trouxeram» o servo 48

devedor, mas é certamente o seu viver que leva o servo a dever regular as contas perante o rei-juiz. Não é o patrão quem chama diretamente o servo; ele pede-lhe contas porque outros lhe falaram dele. Uma vez perdoada a dívida, o servo deveria pelo menos ser mais atencioso e delicado: a regulação das contas que o rei absolve decorre, de fato, dentro das relações que os «servos» (syndouloi) tecem entre si.

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Regulararizar as contas Na segunda cena, a impiedade do servo credor de um companheiro é sublinhada duramente desde o início: «agarrou-o e começou a sufocá-lo», a que se segue o imperativo «pague o que você me deve!» (v. 28). O servo só exige o que lhe pertence: é uma questão de justiça e nada lhe poderíamos dizer se ele, um pouco antes, não tivesse suplicado em seu favor um modo distinto de proceder. De fato, através da remissão da dívida, o servo não tinha apenas recebido um dom de misericórdia, mas tinha sido aproximado do coração do patrão, cujo modo diferente de avaliar a dívida e o devedor tinha sido por ele cobiçado. Naquele coração, a justiça não é simplesmente redimensionada com a dívida. Cumulando-o com a sua própria compaixão, o patrão tinha-lhe demonstrado que a misericórdia era possível e realizável, escutando, para além de toda a esperança, a sua súplica. De modo surpreendente, foi com o perdão da dívida que o rei quis dar início à regularização das contas! Feito participante do coração do rei e experimentada a sua misteriosa justiça, o servo poderia estender a outros tal misericórdia: poderia e deveria! O pedido de adiamento por parte do companheiro devedor (v. 29) é exatamente paralelo ao que ele tinha feito ao patrão (v. 26), mas não obtém o efeito esperado e, neste ponto, devido. A impiedade do servo é por isso mesmo injustificável! O companheiro devedor é enviado para a prisão «até que pagasse a dívida» (v. 30).

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O juízo final O último ato da parábola abre com a reação dos outros «empregados» (syndouloi) (v. 31). Eles «ficaram muito tristes»: um misto de dor e de tristeza. A preposição syn (lit. com) exprime uma ligação especial que une entre si estes servos. Eles constituem um grupo coeso a serviço do rei-juiz. Como tal, pelo mérito do seu serviço, é dele que recebem as diretrizes que devem respeitar. Os empregados não podem assumir a perspectiva do patrão: a da compaixão. É precisamente sobre esta que é avaliada a vida do servo impiedoso, porque «quando seus companheiros viram o que tinha acon​tecido […] foram contar ao Senhor» (v. 31). Ao contrário do servo impiedoso, nos «empregados» (syndouloi), a misericórdia do patrão reformulou o sentido da sua justiça: é esta que constitui a norma que regula as suas relações e o seu serviço. Faltando na misericórdia, o servo impiedoso ignorou o que o patrão concretamente lhe ensinara e distanciou-se dos seus companheiros. «Então o senhor chamou o tal servo à sua presença e lhe disse: ‘Servo malvado! Eu lhe perdoei toda aquela dívida porque você me suplicou»: um empregado mau não pode estar ao seu serviço, é somente “um homem” colocado na sua presença. Deste modo é delineada a identidade da comunidade cristã: os discípulos do Senhor constituem uma fraternidade baseada na misericórdia que o Senhor lhe dedica e que tem na remissão dos pecados o seu regulador fundamental. O perdão ilimitado e incondicional determina as relações fraternas, ativando um serviço que na misericórdia tem o seu elemento inspirador e eficaz. Deste modo, a dinâmica do Reino de Deus realiza-se no mundo, transfigurando cristologicamente “o homem” em “servo”, à imagem daquele que «Ele estava na forma de Deus, mas renunciou ao direito de ser tratado como Deus. Pelo contrário, esvaziou-se a si mesmo e tomou a forma de servo, tornando-se semelhante aos homens. E encontrado na figura de homem, rebaixou-se a si mesmo, fazendo-se obediente até à morte, e morte de cruz» (FL 2,6-8). Sem se deixar levar pelo dinamismo do amor compassivo do patrão, o empregado encontra-se envolvido num epílogo dramático e desastroso. A sentença do patrão move-se segundo um critério de justiça que precisamente o 51

servo adotou no confronto com o companheiro. A declaração do rei «eu lhe perdoei toda aquela dívida porque você me suplicou» demonstra que para ele a súplica do empregado era uma oração que chegava diretamente ao seu coração. Segue-se uma pergunta retórica: «Não devia você também ter compaixão de seu companheiro, como [gr. ōs kai, valor comparativo] eu tive compaixão de você?» (v. 33). Entrando na misericórdia do patrão, o servo deveria imitar-lhe o coração e ter piedade do companheiro, deixando-se levar por aquela compaixão transbordante e incondicional de que se beneficiou. A conclusão é amarga e espantosa como a misericórdia inicial: «Enraivecido, seu senhor o entregou aos torturadores, até que pagasse a dívida toda» (v. 34). Afinal, o patrão relaciona-se com o servo segundo os desejos que este exprimiu: suplicando, tocou no coração misericordioso do patrão; pretendendo o que lhe era devido, moveu a sua justiça, uma justiça que, não levando em consideração a imensidade da dívida, se torna a sua ruína. Esta narrativa torna ainda claro que o rosto de Deus, compassivo ou enraivecido, se reflete no rosto dos seus servos: “compassivo” quando se dá o perdão fraterno, “enraivecido” quando a misericórdia não tem espaço. Por fim, nesta parábola emerge uma dinâmica de perdão em três tempos: em primeiro lugar, nela está o perdão imerecido e imenso do patrão para com o empregado; em segundo lugar, o mesmo se estende dando forma às relações daqueles que estão a serviço do patrão; por fim, a fraternidade que advém e se alimenta daquele perdão torna-se, por sua vez, base e referência de um juízo final. Trata-se de um desenvolvimento que tem o seu começo e a sua realização na figura do

patrão, mas cujo

desenvolvimento

envolve

os servos,

comprometendo-os a viver segundo o “coração” daquele que aparece infinitamente misericordioso. As palavras conclusivas de Jesus respondem à pergunta inicial de Pedro: «Assim [gr. ōs kai, valor consecutivo] também fará com vocês o meu Pai celeste, se cada um não perdoar de coração o seu irmão» (v. 35). O perdão advém da remissão de uma dívida impagável que se atualiza por força do amor do Pai celeste. Este mesmo amor estimula também “o coração” do cristão a assumir com sinceridade e boa vontade a lógica do perdão entre irmãos: é o empenho com que a comunidade crente vive a experiência de fraternidade como serviço. 52

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2. Perdoai-nos as nossas ofensas O pedido de perdão das ofensas contido no Pai-Nosso deve ser compreendido no contexto do ensinamento da parábola. Primeiro, temos uma súplica: «Perdoai-nos as nossas ofensas», depois segue-se uma frase subordinada: «assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido». A súplica faz referências à imploração do empregado perante o patrão, a subordinada evoca o comportamento que o servo deveria ter com o companheiro devedor: o que foi sugerido pela compaixão do rei a seu respeito. Quando recita o Pai-Nosso, o cristão assume, portanto, o ponto de vista do rei da parábola, roga ao «Pai celeste», que é também «nosso», em sintonia com o seu coração e a sua vontade. É um «empregado» (syndoulos) ao seu serviço, numa comunidade que tem na fraternidade o seu eixo constitutivo e a sua nota distintiva. O fato de o perdão dever ser exigido pela oração implica uma atitude temerosa (não medrosa!): porque a dívida é enorme, o cristão sabe ser um servo insolvente. É realmente possível corresponder totalmente a uma misericórdia tão grande? A comunidade dos crentes conhece os seus limites, e não os esconde: ela implora sabendo não poder contar com as suas forças. Ela sabe que perdão e fraternidade são, antes de tudo, fruto da graça, e que se podem receber só como dons por parte de um coração pleno de amor, como o de um pai, o Pai “celeste” e “nosso”. E porque a oração do Pai-Nosso é ensinada por Cristo, é através das suas palavras que a petição do crente sobe ao Pai. Tal como é através dele que o coração compassivo do Pai se manifestou além de qualquer medida sobre o lenho da Cruz. É ainda através dele que o perdão é dado e move os discípulos para se reconhecerem como irmãos: «E tudo isso vem de Deus, que nos reconciliou consigo por meio de Cristo e nos confiou o ministério da reconciliação» (2Cor 5,18).

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3. Perdoamos a quem nos ofendeu Muitas discussões surgiram sobre o modo como se deve entender a ligação literária que o nosso bom Pai coloca entre perdão de Deus e perdão aos irmãos. Alguma perplexidade se insinua também entre os crentes quando recitam: «como nós [gr. ōs kai] perdoamos a quem nos tem ofendido». Jesus condicionaria a ação de Deus ao agir do homem? O amor de Deus é medido pelo empenho ético do cristão? Recebemos o perdão porque somos pecadores ou na medida em que não o somos? O perdão é um do ut des, uma espécie de comércio com Deus? A parábola do empregado com uma dívida insolvível dá lugar direto a semelhantes interpretações. O servo recebe o perdão antes de encontrar o companheiro devedor, e somente depois, no juízo final, o patrão lhe pede contas de como agiu. A expressão grega «como nós» (ōs kai) aparece duas vezes na parábola, mas cada vez com valor diferente. Em MT 18,33, tem valor comparativo, colocando em confronto o perdão do servo com o do patrão. Segundo a acepção comparativa, o pedido de perdão do Pai-Nosso pode ser entendido de duas maneiras: «perdoai-nos as nossas ofensas, da mesma maneira e na mesma medida com que nós perdoamos a quem nos tem ofendido». Não se trataria, porém, de uma correspondência quantitativa, mas de uma declaração. A comunidade cristã mostra não ter outra perspetiva senão a do perdão, como o praticou e ensinou Jesus. Perante Deus Pai, ela apercebe-se de que é a sua regra de vida, e por isso não teme pedir-lhe perdão. Uma segunda interpretação colhe no valor comparativo da partícula uma referência ao perdão escatológico: os cristãos, como bons «empregados» (syndouloi), conformam-se com a perspectiva do perdão de Deus, e não do servo impiedoso, e por isso pedem que se tenha em conta no juízo final: «Perdoai-nos as nossas ofensas, como também nós perdoamos (= lhes estamos perdoando) a quem nos tem ofendido». Em Mt 18,35, «como nós» (ōs kai) tem, pelo contrário, o valor consecutivo: por um perdão não dado de coração cai-se na indignação do Pai celeste. Em tal caso, o cristão roga que o perdão imerecido que Ele recebe do Pai seja fonte inexaurível e abundante do perdão que Ele oferece aos irmãos: «Perdoai-nos as nossas ofensas, tal como nós também perdoamos a quem nos 55

tem ofendido». De um ponto de vista literário, não é possível estabelecer com certeza qual das duas opções é preferível. O valor comparativo é, porém, sublinhado pelos versículos imediatamente a seguir ao Pai-Nosso: «Porque, de fato, se vocês perdoarem as faltas das pessoas, também seu Pai celeste perdoará vocês. Mas, se vocês não perdoarem as pessoas, seu Pai também não perdoará as faltas de vocês”» (MT 6,14-15). Talvez seja preferível dar um sentido consecutivo ao pedido de perdão antes expresso na oração para se manterem ambas as acepções. Desta forma, será mantida a dinâmica do perdão em três tempos: o perdão de Deus gera a capacidade de perdão nos crentes (MT 6,12), e o perdão que eles oferecem aos homens abre ao seu perdão no juízo final de Deus (MT 6,14-15). Tudo isto parece confirmado pelos últimos dois pedidos que o Pai-Nosso formula, sobre «a tentação» e sobre a «libertação do mal», uma terminologia de tipo apocalíptico, que induz exatamente a um olhar escatológico. Como conclusão, o fato de o perdão dos pecados e aquele contra os irmãos serem objeto da oração que Jesus ensinou mostra que a oração é o âmbito em que ele deve ser pedido e compreendido, mas não é nela que se esgota. Ele torna-se responsabilidade para os discípulos chamados a construir uma fraternidade pela qual a misericórdia de Deus quotidianamente se traduz e se conjuga.

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IV

O

DOM DO

ESPÍRITO

E O PERDÃO DOS PECADOS

Das aparições do Ressuscitado narradas no Evangelho segundo São João, há uma, aos discípulos (Jo 20, 19-23), que assume uma importância especial porque o dom do Espírito Santo lhes é transmitido e as palavras sobre o perdão dos pecados são decisivas para a fé, a vida e o futuro da comunidade cristã. Aqui, com efeito, no interior do contexto pascal claramente conexo com a morte e a ressurreição de Jesus, o poder de perdoar ou de reter os pecados é confiado aos discípulos como tarefa do seu mandato, em íntima conexão com a efusão do Espírito Santo. A aparição do Ressuscitado se dá «no fim desse dia, que era o primeiro da semana, estando trancadas as portas do lugar onde estavam os discípulos com medo dos judeus, chegou Jesus. Colocou-se no meio deles e disse: “A paz esteja com vocês”» (v. 19). Trata-se da conclusão do dia de Páscoa, que teve início com a descoberta do túmulo vazio, seguida da aparição do Ressuscitado a Maria de Magdala. Ora, aquele dia atinge o seu vértice porque o Ressuscitado se faz presente no meio da comunidade dos seus discípulos, participando-lhes os dons da sua ressurreição. Neste ponto da narrativa, numa referência aos discípulos que «com medo dos judeus» estão escondidos todos juntos numa casa com as portas fechadas, contrapõe-se o poder adquirido pelo Ressuscitado, que atravessa aquelas mesmas portas, mostrando uma capacidade de superar barreiras e clausuras para «ficar no meio» deles. Com este forte contraste, o Evangelho sublinha que a grande hostilidade contra Jesus não se esgota na sua morte, mas também se estende à sua comunidade: por isso, o Ressuscitado vai para o meio dela, sem que nada possa impedir a sua presença e a sua proximidade. Esta aparição dá aos discípulos um novo conhecimento e uma nova

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consciência da fé que têm em Jesus nazareno. Em primeiro lugar, o Ressuscitado apresenta-se com uma saudação de paz e mostra os sinais da sua paixão: as mãos e o lado feridos. No Antigo Testamento, a saudação de paz era sobretudo reservada para momentos solenes e fazia referência ao dom da paz escatológica, esta definitiva, que haveria de vir no fim dos tempos por obra de Deus. Em tal sentido, Jesus tinha já pré-anunciado este momento: Eu deixo para vocês a paz, eu lhes dou a minha paz. A paz que lhes dou não é como a paz que o mundo dá. Que o coração de vocês não fique perturbado, nem tenha medo. Vocês ouviram o que eu disse: “Eu vou e voltarei para vocês”. Se vocês me amassem, ficariam alegres porque eu vou para o Pai, pois o Pai é maior do que eu. Agora eu lhes digo isso, antes que aconteça, para que, quando acontecer, vocês acreditem (JO 14,27-29).

Ora, a paz chega aos discípulos levada pelo Ressuscitado e confirmada por gestos que lembram a sua morte na Cruz. Desta forma se mostra aos Onze a continuidade entre a ressurreição e a crucifixão. Aquele que, vivo, está no meio deles é o mesmo Jesus que morreu crucificado por eles. Eles encontram-se imersos num único mistério de graça, participantes do Mistério Pascal. Através da crucifixão, Jesus manifestou o amor de Deus pelo mundo, e através da sua ressurreição esse amor triunfa agora sobre os poderes que tendem a fechar o homem no medo. A Páscoa de Jesus é o acontecimento salvífico definitivo que traz aos discípulos a paz de Deus e que os alegra, dando à comunidade dos crentes a certeza da vitória de Jesus Cristo. A saudação de paz é repetida para sublinhar o novo tempo que é inaugurado. Nele ressoa, antes de tudo, um mandato que põe os discípulos em sintonia com o mandato de Cristo recebido do Pai. A missão da Igreja prolonga a missão salvífica do Filho que realiza o projeto do Pai. Ela repousa sobre a palavra autorizada do Ressuscitado e sobre a sua presença poderosa, aumenta-lhe o alcance e assumelhe as características, partilhando até as dificuldades e a recusa. Por isso, aos discípulos foi dado o dom do Espírito Santo. O Ressuscitado «soprou» sobre eles (v. 22), repetindo o gesto do Criador (Gn 2,7). Nesta nova criação, os discípulos renascem como testemunhas do Crucificado Ressuscitado e, como tais, são autorizadamente habilitados a anunciar o Evangelho ao mundo. Através do 58

Espírito Santo, eles são consagrados na verdade de Cristo, exatamente como Jesus tinha pedido ao Pai no discurso do adeus: «Santifica-os na verdade: a tua palavra é verdade. Assim como tu me enviaste ao mundo, eu também os enviei ao mundo. E eu me santifico em favor deles, a fim de que também eles sejam santificados na verdade» (Jo 17,17-19). O dom do Espírito acompanha as palavras sobre o poder de perdoar ou de reter os pecados (v. 23). Trata-se de um versículo que provocou grandes e vivazes polêmicas em que frequentemente se correu o risco de sacrificar a riqueza do seu significado. Em todas as atividades em que o Espírito que lhes foi dado se torna presente, os discípulos recebem o poder de exercer um poder especial sobre o pecado: na pregação, no testemunho, no Batismo e na Eucaristia, e também no que hoje chamamos a penitência sacramental. O Concílio de Trento utilizou esta passagem para afirmar a instituição do sacramento da Penitência por parte de Cristo. O Papa Francisco sintetiza assim: Transfigurado no seu corpo, Jesus já é o homem novo, que oferece os dons pascais, fruto da sua morte e ressurreição. Quais são estes dons? A paz, a alegria, o perdão dos pecados, a missão, mas sobretudo o Espírito Santo, que é fonte de tudo isto. O sopro de Jesus, acompanhado pelas palavras com as quais comunica o Espírito, indica a transmissão da vida, da vida nova regenerada pelo perdão (Audiência-geral, 20 novembro de 2013).

No dia da sua Páscoa e como seu fruto, o Ressuscitado conferiu, assim, aos discípulos reunidos o poder de perdoar os pecados. Porque o mandato missionário e o poder salvífico são dados à comunidade dos discípulos como tal, eles permanecem sempre válidos: a sua eficácia não se esgota até mesmo após o desaparecimento dos Onze, mas é transmitida aos seus sucessores, os bispos. Sabe-se que o sacramento da Penitência tem por detrás uma longa história, na qual assumiu variadas formas, e a sua compreensão sacramental amadureceu progressivamente. Nela o poder salvífico em face dos pecados nunca faltou, mas, pelo contrário, continuou a fluir abundante. Lembrou o Papa Francisco: Este excerto revela a dinâmica mais profunda contida neste sacramento. Antes de tudo, a constatação de que o perdão dos nossos pecados não é algo que podemos dar-nos a nós mesmos. Não posso dizer: perdoo os meus pecados. O perdão é pedido a outra pessoa, e na Confissão pedimos o perdão a Jesus. O perdão não é fruto dos nossos esforços, mas é uma dádiva, um dom do Espírito

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Santo, que nos enche do lavacro de misericórdia e de graça que brota incessantemente do Coração aberto de Cristo Crucificado e Ressuscitado. Em segundo lugar, recorda-nos que só se nos deixarmos reconciliar no Senhor Jesus com o Pai e com os irmãos, conseguiremos verdadeiramente alcançar a paz (Audiência-geral, 19 de fevereiro de 2014).

A faculdade de perdoar ou de reter os pecados implica um juízo sobre as ações do cristão e sobre os pecados perpetrados por elas. Tal discernimento é feito pela Igreja numa dupla direção: ela deve desmascarar e ajudar os crentes a reconhecerem o pecado na sua vida, de tal maneira que eles possam se distanciar dele e recusá-lo. Ao mesmo tempo, porém, a Igreja acolhe de braços abertos o pecador arrependido, para o direcionar à palavra salvífica e criadora de Jesus. É assim que ela dá continuação à obra do seu Senhor: A Igreja é depositária do poder das chaves, de abrir ou fechar o perdão. Na sua misericórdia soberana, Deus perdoa cada homem, mas Ele mesmo quis que os que pertencem a Cristo e à Igreja recebam o perdão mediante os ministros da comunidade. Através do ministério apostólico, a misericórdia de Deus alcança-me, as minhas culpas são-me perdoadas e é-me conferida a alegria. Deste modo, Jesus chama a viver a reconciliação também na dimensão eclesial, comunitária. E isto é muito bom! A Igreja, que é santa e ao mesmo tempo carente de penitência, acompanha o nosso caminho de conversão durante a vida inteira. A Igreja não é senhora do poder das chaves, mas é serva do ministério da misericórdia e rejubila todas as vezes que pode oferecer este dom divino (Papa Francisco, Audiência-geral, 20 de novembro de 2013).

Nisto o sacramento da Penitência está intimamente ligado com o Batismo e com a Eucaristia, e têm uma ação conjunta, embora cada um com modalidades próprias, tornando atual para todos os crentes o sacrifício de Cristo e o seu alcance soteriológico: No sacramento do Batismo são perdoados os pecados, o pecado original e todos os nossos pecados pessoais, assim como todas as penas do pecado. Com o Batismo, abre-se a porta a uma novidade de vida concreta, que não é oprimida pelo peso de um passado negativo, mas já pressente a beleza e a bondade do Reino dos Céus. Trata-se de uma intervenção poderosa da misericórdia de Deus na nossa vida, para nos salvar. Esta intervenção salvífica não priva a nossa natureza humana da sua debilidade – todos nós somos frágeis, todos somos pecadores – e também não nos priva da responsabilidade de pedir perdão cada vez que erramos! Não posso me batizar várias vezes, mas posso confessar-me e deste modo renovar a graça do Batismo. É como se eu fizesse um segundo Batismo. O Senhor Jesus é deveras bondoso e nunca se cansa de nos perdoar. Inclusive quando a porta que o Batismo nos abriu para entrar na Igreja se fecha um pouco, por causa das nossas fraquezas e dos nossos pecados, a Confissão volta a abri-la precisamente porque é como um segundo Batismo que nos perdoa tudo e nos ilumina para irmos em frente com a luz do Senhor. Vamos em frente assim, cheios de alegria, porque a vida deve ser vivida com o júbilo de Jesus Cristo; e esta é uma graça do Senhor! (P A P A

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FR A N CISCO, Audiência geral, 13 de novembro de 2013)

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V

AS

PALAVRAS DO PERDÃO

A fórmula de absolvição dos pecados que o sacerdote pronuncia, estendendo as mãos sobre a cabeça do penitente, sublinha o caráter trinitário, pascal e eclesial próprio do sacramento da Penitência. Ela oferece a possibilidade de fazermos uma visão sintética do sacramento.

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1. Deus Pai de misericórdia, que reconciliou o mundo consigo Como primeiro elemento, faz-se referência à misericórdia do Pai. De fato, o perdão dos pecados advém da sua livre e firme vontade de salvação em favor do mundo inteiro. Toda a história da salvação corresponde à realização deste único projeto. Com efeito, desde as origens, a história do antigo Povo de Deus configura-se como o lugar da ação libertadora de YHWH e o âmbito em que Ele se manifesta: «Tu porém, Senhor, Deus compassivo e misericordioso, lento para a cólera, repleto de amor e fidelidade» (SL 86,15). A saída do Egito e a aliança sinaítica revelam a misericórdia de Deus pelo seu povo: nela, Ele se apresenta como seu redentor, que liberta e salva, e o povo passa a ser povo santo que na aliança celebra o fundamento da sua vida e da sua identidade. Tudo isso permite ao cristão reconhecer a pedagogia de Deus para com o seu povo. A partir dela, Ele pode amadurecer algumas atitudes fundamentais de aproximação ao sacramento da Reconciliação. Porque advém da fidelidade de Deus, o cristão sabe como é importante “acreditar” na sua misericórdia; é uma força reconciliadora que não conhece obstáculos insuperáveis. Acreditar em tal misericórdia significa voltar sempre a confiar no Pai, na certeza de que a realidade do pecado em nós não é maior do que a sua misericórdia: «Porque, se nosso coração nos condenar, Deus é maior que nosso coração e conhece todas as coisas» (1JO 3,20). O desejo e a garantia de ser perdoados, o arrependimento, a reparação do mal feito, são sempre possíveis para o crente, porque se apoiam sobre esta certeza inquebrável de fé: a misericórdia de Deus, dirigida a cada um e a todo o mundo. Isto significa que ninguém se salva por si: como dom incondicional de Deus, a misericórdia deve ser pedida e acolhida. É o Pai que reconcilia consigo, a iniciativa é, antes de tudo, sua. Portanto, o sacramento do perdão lembra ao cristão pecador que ele faz parte de uma história de salvação que o precede, uma misericórdia em que, por graça, ele se insere e em que descobre o rosto benévolo do Pai, que o acolhe sempre na comunhão consigo na vida de fé. Um segundo aspecto: a misericórdia tende à comunhão. A misericórdia dada por Deus reconstrói e torna mais fortes as relações enfraquecidas ou 63

interrompidas pelo pecado: ela envolve o penitente, abrindo o espaço ao abraço e ao encontro do Pai. O perdão, por isso, não é simples dom enviado ao pecador independentemente da sua vontade, mas serve para dinamizar a sua vontade para reconhecer em Deus o Pai cheio de amor, um amor que alimenta a vida de fé em vista da conversão. A absolvição dos pecados não é por isso um gesto mecânico, quase mágico: ela é a graça que chega ao pecador, abrindo-lhe o coração, a mente e a vontade para uma vida de comunhão com Deus. Por fim, uma última certeza: no sacramento da Reconciliação, o perdão de Deus chega ao cristão pecador tendo o olhar sobre o “mundo” inteiro: isto significa que a força deste perdão não se esgota no encontro com o indivíduo penitente, nem na Igreja. A misericórdia de Deus tem efetivamente um alcance universal, e até cósmico, porque está intimamente ligada à sua vontade de salvação que se estende «a toda criatura» (Mc 16,15). Como lembra São Paulo: «de que também ela seja libertada da escravidão da corrupção para entrar na liberdade da glória dos filhos de Deus» (Rm 8,21). A solidariedade no pecado que une o pecador ao mundo da corrupção encontra assim uma mais alta correspondência na solidariedade da graça redentora. Por ela, a vontade do Pai estende-se poderosamente até onde quer que o pecado escravize pelo seu poder, a fim de libertar o mundo de toda a corrupção. Aproximando-se do sacramento do perdão, o cristão sabe que é envolvido nesta ação poderosa: ele recebe o dom do perdão, mas com isso este dom envolve-o e impele-o para aquele projeto de libertação que tende a reconciliar com Deus toda a criação. Recebendo o perdão, o pecador arrependido tem fixo o olhar no seu Senhor, escuta-lhe a Palavra e a ela se entrega para construir um mundo que, saído daquela mesma Palavra, a ela quer voltar. A vida cristã é por isso contínua com-versão àquele Deus cujo coração desde sempre olha para a humanidade pecadora e para aquele mundo em que ela vive e que ela constrói.

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2. Na morte e ressurreição do seu Filho A solidariedade e o acolhimento dos pecadores são traços presentes em toda a vida de Jesus, pois até o seu nome significa «YHWH salva» (cf. Mt 1,21), e dos atos da sua vida histórica vem-nos o perdão de Deus: «O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a própria vida como resgate por muitos» (Mc 10,45). Momento culminante desta obra reconciliadora realizada pelo Filho de Deus é a oferta da sua vida na Cruz, quando por todos nós implorou e obteve o perdão do Pai (Lc 23,33). Portanto, é somente em Cristo redentor que a plenitude do perdão de Deus chega ao homem e é o seu mistério pascal que ocupa o centro da história da salvação. Da Cruz de Cristo, o perdão dos pecados advém de modo permanente e contínuo, e, em virtude do poder do Ressuscitado, este mantém-se eternamente em qualquer lugar «em favor de muitos» (Mc 14,24). Sendo qualquer sacramento uma manifestação especial da presença da Páscoa de Cristo na história, a redenção por ele realizada atinge os homens de várias e múltiplas maneiras. O sacramento da remissão é primeiramente o Batismo, que dá ao homem uma vida nova. Sendo imersão na morte e ressurreição de Jesus, o Batismo insere o cristão no destino salvífico de Cristo. Por força disso, une-o ao povo novo que caminha para a Páscoa definitiva: Mas, vocês são geração escolhida, sacerdócio real, nação santa e povo adquirido por Deus, para proclamar as maravilhas daquele que os chamou das trevas para a sua luz maravilhosa. Vocês que antes não eram povo, agora são povo de Deus. Vocês não tinham alcançado misericórdia, mas agora alcançaram misericórdia (1P D 2,9-10).

Para o batizado, tudo isto implica um modo novo de viver: «Por meio do batismo na sua morte, fomos sepultados junto com ele, para que, assim como Cristo foi ressuscitado dos mortos pela glória do Pai, assim também nós vivamos uma vida nova» (RM 6,4). A nova vida batismal não anula, porém, a fragilidade da natureza humana. Por isso, o caminho do cristão é marcado ainda pela experiência dolorosa do pecado e exige a renovação contínua do perdão de Deus no sacramento da Reconciliação. Nele, a vitória de Cristo sobre o pecado torna-se histórica e visível para cada um através da Igreja. A repetição da celebração deste sacramento de cura mostra toda

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a capacidade renovadora daquele dinamismo de salvação com que Deus imergiu irreversivelmente na história humana com a encarnação, a morte e a ressurreição de Jesus. Reconciliado com Deus em Cristo, o batizado é assim um homem continuamente transfigurado pela Páscoa do Senhor, que constitui o ponto firme a partir do qual ele começa a viver “em”, “com” e “por” Cristo (cf. Ef 2, 10; Cl 3,3; Rm 6,8; Fm 1,6). A relação com Cristo torna-se por isso constitutiva da sua existência e a partir dela o batizado compreende-se a si mesmo, à humanidade, ao mundo e à história. Iluminado pela fé e vivificado pelo amor que provêm da Cruz gloriosa do Senhor, ele é liberto e é corajoso perante todos e em tudo e, precisamente por isto, evangelicamente protagonista e responsável na Igreja e no mundo. Movido pela fé, o crente aprende não somente a ver Cristo no homem de modo a abrir-se à caridade solidária, mas também a ver o homem “em Cristo”, para nele colher a sua plenitude e empenhar-se pelo seu desenvolvimento integral.

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E derramou o Espírito Santo para a remissão dos pecados A remissão dos pecados realizada pela morte de Jesus na Cruz atinge todo o cristão por força do Espírito Santo derramado por Deus através do Ressuscitado. De fato, é o Espírito que atua na comunidade cristã a eficácia da Páscoa de Jesus. Diversamente, ela permaneceria um acontecimento do passado, afastado no tempo, e não poderia atuar no sinal sacramental para ser comunicado aos crentes. Portanto, o Espírito Santo aparece como força operante que permite a realização do projeto salvífico do Pai realizado pelo Filho. Os evangelhos mostram que o Espírito de Deus, isto é, a vida e o poder de Deus, age principalmente em Jesus, na sua vida terrena. A partir do batismo no Jordão (Mt 3,13-17 e par.), Jesus dá início ao seu ministério público e continua-o, caracterizando-o pela ligação íntima e plena com o Espírito que é Deus, como o Pai. Na sinagoga de Nazaré (Lc 4,16-19), Jesus proclamou a realização em si da profecia de Is 61,1-2: Ele é o consagrado e o enviado do «Espírito do Senhor» encarregado de levar aos pobres o anúncio feliz de proclamar aos prisioneiros a libertação, de dar a vista aos cegos e de trazer a liberdade aos oprimidos, inaugurando o «ano da graça do Senhor». Assim, toda a atividade de Jesus está sob o sinal do Espírito Santo. O mesmo Espírito é dado pelo Ressuscitado à sua comunidade. Enquanto força de Deus vivificante e princípio de nova criação, Ele habita a Igreja e habilita-a a realizar a missão que lhe foi confiada pelo Senhor. Nisto confere aos Apóstolos o poder de perdoar os pecados, levando à realização na Igreja e através dela a obra de Cristo da reconciliação do homem com Deus. Deste modo, o Espírito une intimamente o batizado a Cristo e, ao mesmo tempo, os crentes entre si na Igreja. No ritual do sacramento da Penitência, o papel do Espírito Santo é muito realçado e é repetidamente mencionado, mostrando que toda a ação celebrativa está sob o seu sinal: antes, durante e depois da celebração, o Espírito acompanha e age sempre, seja sobre o penitente, seja sobre o ministro do sacramento. Em primeiro lugar, o Espírito Santo está na origem do caminho de conversão, porque exorta o pecador a arrepender-se e a voltar ao Senhor. Ele realiza nele tudo o que já foi invocado pelo salmista: «Ó Deus, faze-nos voltar! Mostra-nos teu rosto 67

radiante, e seremos salvos!» (Sl 80,4). O Espírito, que o hino do Veni Creator proclama «luz nos sentidos e amor no coração», concede ainda o dom de fazer a verdade na própria consciência e, ao mesmo tempo, dá a certeza da remissão dos pecados. Por isso, acolhendo o pecador, o sacerdote recorda-lhe a presença operante do Espírito Santo nele e na Igreja: «A graça do Espírito Santo ilumine o teu coração, para que tu possas confessar com confiança os teus pecados e reconhecer a misericórdia de Deus». Esta admonição, própria da quarta fórmula, mostra que, para o penitente, não se trata somente de discernir os pecados, mas de chegar à metanoia, à transformação do coração. Sendo uma ação movida pelo Espírito de verdade que é também Espírito de Amor, na intimidade da consciência, a verificação da própria vida é, ao mesmo tempo, um novo início em que é derramada a graça do amor para com Deus e os irmãos. A partir do momento em que o ministro do sacramento age em nome de Cristo e da Igreja, o Espírito Santo estende a sua ação também sobre ele: «Tanto o sacerdote como o penitente devem preparar-se para a celebração do sacramento, antes de tudo, pela oração. O sacerdote invoque o Espírito Santo, para que dele receba a luz e a caridade» (Celebração da Penitência, Preliminares, n. 15). Com “luz” e “caridade” querem reconhecer-se os dons do Espírito, o discernimento e a misericórdia. O Ritual da Penitência fornece esclarecimentos posteriores: Para que o confessor possa desempenhar o seu múnus de maneira acertada e fiel, há de conhecer as doenças das almas e aplicar-lhes os remédios convenientes, há de exercer o papel de juiz com sabedoria […]. O discernimento dos espíritos é o conhecimento íntimo da obra de Deus no coração dos homens: dom do Espírito Santo e fruto de caridade. […] Ao receber o pecador penitente e ao encaminhá-lo para a luz da verdade, o confessor desempenha um papel de pai, revelando assim aos homens o coração do Pai celeste e reproduzindo a imagem de Cristo, o qual, para salvar os homens, realizou, com misericórdia, a obra da redenção e está presente nos sacramentos com o seu poder (Celebração da Penitência, Preliminares, n. 10).

Uma vez que a remissão dos pecados é realizada pelo Espírito de Cristo, o exercício de tal ministério não pode senão ser inspirado, sustentado e guiado pelo mesmo Espírito. Assim, o sacramento da Penitência considera-se como uma manifestação privilegiada da presença do Espírito na Igreja, para que o desígnio da salvação alcance na história a sua plenitude: ele é uma “maravilha da 68

salvação”.

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Conceda-te através do ministério da Igreja A remissão dos pecados, obtida em virtude da morte e ressurreição de Cristo, adquire eficácia ao longo do tempo por força da ação do Espírito Santo e atinge o cristão pecador na Igreja e através da Igreja. A dimensão eclesial do sacramento é constitutiva, ainda que seja difícil de entender e de aceitar: ainda hoje, muitos efetivamente entendem o pecado como algo exclusivamente individual. Porque o sacramento da Penitência celebra a misericordiosa oferta de amor de Deus para com o homem e a resposta de amor do pecador arrependido para com Deus, a ação meditativa da Igreja desenvolve-se em ambas as direções. E também, porque o perdão se realiza “em Cristo” e “na Igreja”, além de um regresso a Deus, é, ao mesmo tempo, um regresso à comunidade eclesial. Na Lumen gentium, o Concílio Vaticano II aborda a reconciliação entre o pecador e a Igreja, afirmando a simultaneidade da reconciliação com Deus. Neste documento, o primeiro a tratar oficialmente deste tema, a Igreja é descrita como comunidade vivificada pelo Espírito Santo, pelo que o pecado é sempre uma contradição dilacerante pela sua natureza. A ação do Espírito estende-se assim até reconduzir o pecador arrependido na plenitude da comunidade eclesial, de tal forma que lhe restitui a integridade da comunhão violada: «Aqueles que se aproximam do sacramento da Penitência obtêm da misericórdia de Deus o perdão da ofensa a Ele feita e ao mesmo tempo reconciliam-se com a Igreja, que tinham ferido com o seu pecado, a qual, pela caridade, exemplo e oração, trabalha pela sua conversão» (LG, n. 11). O Catecismo da Igreja Católica retoma este tema: Este sacramento reconcilia-nos com a Igreja. O pecado abala ou rompe a comunhão fraterna. O sacramento da Penitência repara-a ou restaura-a. Nesse sentido, não se limita apenas a curar aquele que é restabelecido na comunhão eclesial, mas também exerce um efeito vivificante sobre a vida da Igreja que sofreu com o pecado de um dos seus membros (CCC, n. 1469).

O caráter absolutamente extensivo da reconciliação operada por Deus foi posto particularmente em destaque por João Paulo II. Tal reconciliação, de fato, cura múltiplas rupturas provocadas pelo pecado, a partir da intimidade do pecador, até tocar a sua relação com a criação:

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É preciso acrescentar que tal reconciliação com Deus tem como consequência, por assim dizer, outras reconciliações, que vão remediar outras tantas rupturas, causadas pelo pecado: o penitente perdoado reconcilia-se consigo próprio no íntimo mais profundo do próprio ser, onde recupera a própria verdade interior; reconcilia-se com os irmãos, por ele de alguma maneira agredidos e lesados; reconcilia-se com a Igreja e reconcilia-se com toda a criação (Reconciliatio et Paenitentia, n. 31).

O contexto eclesial também ajuda a compreender melhor a razão de a remissão dos pecados estar ligada à absolvição do ministério sacerdotal. De fato, o sacramento da Reconciliação implica, antes de tudo, o exercício sacerdotal de toda a Igreja: seja do sacerdócio comum, seja do sacerdócio ministerial. O sacerdócio comum dos fiéis é exercido em primeiro lugar pelo próprio penitente: ele não vive passivamente a reconciliação, mas, impelido pela graça, coopera ativamente na própria conversão e na reinserção plena na comunhão da Igreja. Tampouco a comunidade eclesial vive passivamente a reintegração de um penitente, mas contribui para a sua conversão «com a caridade, o exemplo e a oração» (LG, n. 11). Por isso, toda a Igreja exerce o seu sacerdócio comum para obter a reconciliação e o perdão dos seus filhos pecadores. Neste sentido, os auxílios que oferece, como a correção, o discernimento, a ajuda e o encorajamento no caminho penitencial são expressões preciosas da sua “caridade”, porque ajudam a reintegrar na caridade eclesial. O exercício do sacerdócio comum exige, porém, o exercício do sacerdócio ministerial, que de fato está ao seu serviço. Como ministro da confissão, o sacerdote dispensa a graça sacramental “em Cristo” e “na Igreja”, duas determinações que esclarecem o exercício do seu ministério e, ao mesmo tempo, lhe traçam os limites. Agindo «em nome de Jesus Cristo e na força do Espírito Santo» (Preliminares, n. 9), o ministro coloca-se ao serviço da palavra do Senhor porque realiza o mandato sobre o perdão dos pecados que Cristo confiou aos Apóstolos e aos seus sucessores. Por isso, o bispo é o moderador da disciplina penitencial e o detentor pleno do ministério da reconciliação que administra, confiando-o também aos sacerdotes, seus colaboradores. Trata-se, pois, de um poder que não pode de modo nenhum ser exercido de modo arbitrário, mas em conformidade com os ensinamentos e a intencionalidade de Cristo. Por isso, «o confessor não é um dono, mas o servidor do perdão de Deus. O ministro deste

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sacramento deve unir-se à intenção e à caridade de Cristo» (CCC, n. 1466a). Ao mesmo tempo, o sacerdote age também “em nome da Igreja”, ao serviço daquela comunhão eclesial à qual a reconciliação com Deus conduz. Deriva daí que o exercício do ministério da reconciliação deve ser exercido em comunhão e em sintonia com a Igreja e com o seu magistério. Por isso, o Catecismo recomenda que o ministro deve ter um conhecimento comprovado do comportamento cristão, experiência das coisas humanas, respeito e delicadeza para com aquele que caiu; deve amar a verdade, ser fiel ao magistério da Igreja e conduzir o penitente com paciência para a cura e a maturidade plena. Deve rezar e fazer penitência por ele, confiando-o à misericórdia do Senhor (CCC, n. 1466b).

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3. O perdão e a paz A paz é o prêmio final da ação salvífica que deriva da misericórdia do Pai. Ela é o fruto do perdão e da reconciliação com Deus obtidos através da confissão dos próprios pecados. Não se trata simplesmente de uma paz psicológica que o penitente pode sentir depois de ter “aliviado” o coração do peso das suas faltas, mas da paz bíblica, dom de Deus, sinal visível da sua aliança. É a paz “nova” que tem os seus fundamentos na morte e na ressurreição de Jesus e que supera toda a laceração com Deus e com os irmãos. É a paz que o Espírito Santo infunde nos discípulos do Senhor, dando-lhes coragem e vitalidade para anunciarem e testemunharem o Evangelho. No longo discurso do adeus (JO 13-17), Jesus une o dom da paz à ação do Espírito Santo consolador (JO 14,25-31). O Espírito «ensinará a vocês todas as coisas» e tal ensinamento está intimamente ligado ao ensinamento de Jesus: Ele, de fato, «lembrará a vocês tudo o que eu lhes tenho dito» (JO 14,26). A função do Espírito é continuar e manter viva na história a revelação de Jesus, não porque acrescente coisas novas, mas porque aprofunda continuamente a compreensão da revelação. A sua ação permite a toda a comunidade cristã viver no seu próprio tempo a fidelidade ao Evangelho. O pecador arrependido e perdoado é, por isso, alcançado pelo dom da paz, reflexo da salvação escatológica e definitiva que Deus oferece à humanidade em Cristo Jesus e realmente por ele participada através da graça sacramental. É esta paz que sustém o cristão nas vicissitudes da vida e nas provações que encontra, testemunhando a fé: é a “sua paz”, a de Cristo, que o Evangelho anuncia e o Espírito transmite. A riqueza desta salvação está descrita no Evangelho de São João como uma realidade com muitas e complementares facetas: é “verdade”, “luz”, “vida”, “paz” e “alegria”. É a tudo isto que o perdão de Deus introduz. Alcançado pela misericórdia do Pai, tocado pelo mistério pascal de Cristo, apoiado pela força do Espírito Santo, o pecador arrependido dispõe-se a receber a absolvição dos pecados que o introduz na paz de Deus.

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E eu te absolvo dos teus pecados em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo O gesto de imposição das mãos com que o sacerdote acompanha as palavras da absolvição significa a efusão do Espírito Santo para a remissão dos pecados, a reconciliação e a comunhão com o Senhor. O sacramento da Penitência, de fato, não “apaga” somente os pecados: serve também para suscitar em quem o recebe a vontade de mudança de mentalidade e orientação da vida, um caminho de conversão que só o Espírito Santo pode encaminhar e ajudar. As palavras de absolvição são carregadas de solenidade e de autoridade. O eu inicial em posição enfática sublinha que aquele que ali fala não o faz em nome próprio, mas como depositário daquela autoridade de perdoar os pecados que o Senhor confiou aos Apóstolos e aos seus sucessores. Ele exprime também a fé e a participação de toda a Igreja que se sente envolvida na reconciliação do penitente; sobretudo afirma que a pronúncia da absolvição não é uma simples declaração do perdão de Deus, mas é palavra eficaz que perdoa os pecados, porque nela e em união com o ministro atuam e agem o Pai, o Filho e o Espírito Santo. O penitente encontra-se, deste modo, realmente imerso na ação salvífica de Deus, que o regenera para a graça do batismo.

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VI

O

SACRAMENTO DA

RECONCILIAÇÃO NA PASTORAL

O apelo à vigilância e o imperativo à firmeza de ânimo na fé concluem a Primeira Carta aos Coríntios: «Sejam vigilantes, permaneçam firmes na fé» (1COR 16,13). A vigilância, tantas vezes associada à oração e à sobriedade (1TS 5,6), é a característica do cristão que vive na esperança da vinda do Senhor; o permanecer firmes na fé designa o empenho firme e constante de viver a relação com o Senhor. Tudo tem em vista consolidar a adesão profunda do crente ao Evangelho, adesão sempre ameaçada por dificuldades externas e perturbações interiores. A estas primeiras duas recomendações, São Paulo acrescenta outras três: «Ajam com coragem, sejam fortes. Façam tudo com amor». O Apóstolo condensa nestas expressões um verdadeiro programa de vida cujo centro unificador é o amor de Deus. É um apelo à coragem, à confiança e à firmeza que se exigem a quem trava uma luta. Na verdade, a vida cristã é luta e combate: «Fortifique-se sempre na graça que há em Cristo Jesus […] Participe dos sofrimentos como bom soldado de Cristo Jesus» (2TM 2,1.3). No que diz respeito a uma pastoral interessada em valorizar o sacramento da Reconciliação num contexto eclesial e social tão complexo como o dos nossos dias, é oportuno lembrar e ter seriamente consideração sobre alguns “nós” qualitativos enquanto pontos sintéticos e fundamentais, mas também dinâmicos, porque capazes de florescer e plasmar personalidades e experiências cristãs em várias direções.

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1. A formação da consciência O sacramento da Reconciliação tem como pressuposto necessário a formação da consciência. A expressão indica uma fé que se torna saber. O termo consciência (do latim con-scientia; em grego syn-eídesis) indica um saber que não é fruto de esforços individuais, mas um conhecer “junto”. Na tradição cristã, a acepção é assumida de modo amplo e não se refere somente à luz da graça, que permite reconhecer os próprios pecados. Para o cristão, trata-se mais de compreender o significado do que sucede, sobretudo em nossa vida, uma compreensão que o mantém unido a Deus e através dele. A vida cristã realiza-se no Espírito Santo, por amor de Cristo, iluminada pela sua Palavra; para o crente, o conhecimento de si e do mundo é, portanto, uma obra de discernimento espiritual. Hoje, o cuidado a ter com a formação de consciência parece ser uma tarefa muito urgente. Todo crente deveria responsabilizar-se e ter uma atenção especial, que deveria ser-lhe incutida pelos confessores, pelos diretores espirituais, pelos pais e por todos os educadores em geral. É fácil constatar como, em nossa sociedade, tão frequentemente atingida por graves fenômenos de degradação humana e até mesmo moral, muitas consciências vivem amordaçadas pela opinião pública, quase adormecidas ou resignadas numa espécie de inocentismo irenista, que fazem pensar que afinal é suficiente ser “um pouco corajosos”, “não matar nem roubar”, “não fazer mal a ninguém”, para depois dizer ao confessor «quanto ao que ficou por dizer, peço a absolvição!». A incapacidade de fazer uma análise da própria consciência é uma grave contradição do homem do nosso tempo: é uma espécie de doença que impede a graça iluminadora dada pelo Espírito Santo de agir, seja obscurecendo a compreensão da autêntica dignidade do homem, seja impedindo a descoberta da verdade do próprio pecado, para que possa ser perdoado. Definindo-a como «a voz de Deus em nós», a tradição antiga viu na consciência uma participação do homem em Deus. Com este conceito, leva-se também em consideração o caráter absolutamente inviolável da consciência, que a coloca acima de qualquer lei humana. A exigência de tal ligação direta entre Deus e o homem dá a este não apenas uma dignidade absoluta, mas também uma 76

liberdade plena no confronto de tudo o que seja coercitivo e tenda a manipular as suas escolhas. É precisamente porque Deus se faz presente na consciência que ela se torna instrumento de liberdade humana, que, apoiado pela graça, procura a verdade e o bem. Como instrumento interior do homem, para ser o que ela é, necessita crescer, ser formada, se exercitar. Para não desaparecer ou ser deformada, necessita da ajuda dos outros: da Palavra de Deus viva na sua transmissão ininterrupta, do conselho, do confronto franco e leal, do silêncio e da reflexão, da oração. A consciência requer formação e educação, ela revela nossa identidade, gera um estilo de vida, indica uma maturidade pessoal, uma sensibilidade pela instância moral e social. Ao contrário, a perda ou o mutismo da consciência podem tornar-se a doença que envenena não só a vida de fé, mas uma civilização inteira. Como se forma a consciência? Fazendo-a seguir por um caminho até a verdade do homem, daquele que é imagem de Deus. Nesta ótica, reconhecer os seus pecados (cada pecado é visão falsificadora de si, dos outros, do mundo e de Deus) é apenas uma etapa deste grande percurso do conhecimento de si e de Deus, um percurso muito empenhado, mas, ao mesmo tempo, belo e envolvente. O Catecismo da Igreja Católica recorda que a consciência é formada, educada, reta, verdadeira, quando é «conforme à sabedoria do Criador» (CCC, n. 1783); e que esta educação, é «tarefa para toda a vida» (CCC, n. 1784). O saber sobre Deus ilumina o saber sobre o eu. Com efeito, o eu nunca é totalmente consciente de si senão quando se põe em relação com Deus. Este saber “com Deus” é um saber de si mesmo em Cristo, através da luz do Espírito Santo: por isso é um saber que «garante a liberdade e gera a paz do coração» (CCC, n. 1784). A formação da consciência nasce e desenvolve-se, por isso, no encontro com Cristo, é iluminada e alimenta-se da sua Palavra e realiza as obras que o Espírito sugere. A fé não existe sem obras, e a redenção não existe sem santificação. A consciência, por isso, amadurece dentro de uma visão positiva e realista da condição humana, que desmascara toda a falsa imagem de Deus e de si. Aprender a discernir significa fazer o exercício de examinar e de avaliar. Trata-se de centrar a própria existência em Cristo, e não em si mesmos, deixando que a graça de Deus opere e atue em nós e através de nós. Então, deve-se estar vigilante no reconhecimento do que 77

não nos faz livres, daquilo que em nós cria desordem, daquilo que não é ordenado à nossa vocação de filhos de Deus. Os sacerdotes, enquanto confessores e diretores espirituais a quem os fiéis abrem a própria consciência e a quem pedem um conselho iluminado, têm a grande responsabilidade ligada ao seu próprio ministério de ser Mestres de vida espiritual. Eles mesmos têm necessidade de uma atenta educação ao “discernimento dos espíritos”, educação que, a partir da formação nos seminários, tem necessidade de crescer e aperfeiçoar-se no exercício do ministério, também através do confronto com os irmãos, sobre as instâncias da sociedade atual, sobre os maiores problemas que eles encontram, no que respeita à educação das consciências, e sobre as diretrizes comuns que devem ser mais sublinhadas. Para eles e para todos os crentes, deve ser claro que a consciência é formada quando assume a forma de Cristo, revestindo-se dos seus sentimentos e fazendo seu o estilo de Jesus. Donde partir para educar a consciência? Da atenção às coisas concretas. O Papa Francisco exortou os crentes a retomarem a antiga, “mas tão benéfica”, prática do exame de consciência, que «é uma graça, porque guardar o nosso coração é guardar o Espírito Santo, que está dentro de nós» (Homilia em Santa Marta, 10 de outubro de 2014). O Espírito desperta os fiéis para encarnarem na vida de todos os dias a palavra da salvação. Não se trata de fazer grandes discursos ou especulações: «O senhor lhe disse: ‘Muito bem, servo bom e fiel. Você foi fiel no pouco; eu lhe confiarei muito mais. Entre para participar da alegria de seu senhor’» (MT 25,21). A consciência forma-se quando se observa e se ilumina. Ela não se limita a constatar o pecado, mas discerne entre os pensamentos e entre os sentimentos que o produziram: pensamentos e sentimentos que são muitas vezes moções bastante recônditas do nosso eu. É observando a realidade particular que o cristão pode saber onde e para que é impelido: ele compreende no que está se transformando. Assim, no encontro com Cristo que salva, na escuta e na oração da sua Palavra, na relação com a comunidade eclesial, no confronto com os outros e com a realidade que o rodeia, o pecador encontra a sua própria imagem de filho amado e perdoado. Ele então chega a ser filho no Filho, e tal reconhecimento abre-se ao desejo de uma vida cada vez mais feliz.

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2. Educar para o sentido da penitência Para as comunidades cristãs e para os indivíduos crentes, o Jubileu da Misericórdia perfila-se como uma boa oportunidade para poder descobrir o valor e a beleza do sacramento da Reconciliação. É desejável que, na programação do ano pastoral, sejam previstos encontros de catequese e várias iniciativas que, partindo do tema da misericórdia de Deus, ajudem a delinear um contexto adequado para favorecer a aproximação a tal sacramento. Todos os esforços, por muito louváveis que sejam, não serão, porém, suficientes, nem darão frutos duráveis, se como Igreja não nos interrogarmos o mais afincadamente possível sobre como educar hoje para o sentido da penitência. Não há dúvida que, em nossos dias, esse sentido se atenuou, tanto que muita gente está perdendo completamente

a dimensão

penitencial da vida cristã. Gradual, mas

inexoravelmente, tal perda dissolve o sentido da gratuidade da graça e, portanto, leva a descurar, se não a abandonar, os sacramentos, em geral, e o da Reconciliação, em especial. Quando o homem já não se reconhece pecador, já não faz nada para evitar o pecado ou para o remediar, e a graça da salvação começa a ser por ele descurada. Nesse caso, o crente perde consciência da Páscoa do Senhor e da razão da sua morte na Cruz. A sua vida de fé parece-lhe vazia, desvitalizada, sem entusiasmo, um triste hábito de vida. Ao contrário, a ascese cristã fala do sentido da penitência como de uma “luta espiritual” com que o coração, a mente e a vontade do discípulo permanecem vigilantes e atentos: um caminho necessário para fortalecer a personalidade crente, um colocar-se à prova para medir concretamente a “qualidade” da relação com o Senhor, e sobretudo uma resposta alegre à graça que Deus derrama abundantemente. Neste sentido, é clara uma passagem autobiográfica de São Paulo: Mas tudo o que para mim era lucro, agora considero como perda, por causa de Cristo. Mais que isso. Considero tudo como perda, diante do bem superior que é o conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor. Por causa dele perdi tudo, e considero tudo como lixo, a fim de ganhar Cristo e ser encontrado nele. E isso, não tendo mais como justiça minha aquela que vem da Lei, mas aquela que vem de Deus e se baseia na fé. Quero assim conhecer a Cristo, o poder da sua ressurreição e a comunhão nos seus sofrimentos, assumindo a mesma forma da sua morte, para ver se de alguma forma alcanço a ressurreição dentre os mortos. Não que eu já o tenha conseguido, ou que eu já seja perfeito, mas corro para ver se o alcanço, visto que eu também já fui alcançado por Cristo Jesus (Fl

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3,7-12).

Avivando os sentimentos de afeto e de reconhecimento nas disputas dos cristãos de Filipos, a primeira comunidade macedônia por ele fundada na Europa, o Apóstolo, agora já idoso e prisioneiro em Roma, escreve uma carta para reforçar o vínculo de caridade e amor que o liga a eles. Ele refere veladamente a experiência de Damasco, acontecimento que o levou à fé em Cristo, e torna público como nele operou a graça daquele encontro e quão grande é a nova vitalidade que daí lhe adveio. A partir daquele momento, o que era um grande lucro parece-lhe «lixo», e agora ele é todo tensão, «a fim de ganhar Cristo e ser encontrado nele» (vv. 8-9). É precisamente esta tensão forte e maravilhosa que deve fazer descobrir o sentido da penitência que abre a consciência ao sentido do pecado, faz aparecer a pena pelas próprias faltas, sugere a reparação do mal cometido, dispõe à confiança com coração generoso na prática de todo o bem que o Senhor inspira para ser sempre «em Cristo». O episódio de Damasco reorientou a vida de São Paulo, que agora se esforça para conseguir «ganhar», ou seja, conquistar, Cristo, que lhe apareceu. “Conquistar” é um verbo dos namorados: O pretendente conseguirá conquistar a amada? Tudo o que até agora viveu com grande intensidade é julgado perda, porque descobriu algo mais importante e urgente: é fundamental «ganhar Cristo». E ganha-se quando nos «encontramos nele». Para o Apóstolo, primeiro, no centro estava a Lei e, por conseguinte, a obediência a ela devida; no novo universo que a graça lhe abriu, no centro está Cristo Ressuscitado, que o chama. Uma última passagem: depois de conhecer e de se conformar, vem o «correr» (v. 12). São Paulo quer conquistar Jesus porque por Ele foi conquistado. A fé é reconhecimento: um voltar a conhecer aquele que já é conhecido. Por um lado, trata-se de uma revelação contínua, por outro, de um contínuo reconhecimento. Em suma, é uma relação inexaurível, dinâmica e empenhada. Os cristãos sabem que nunca poderão chegar lá: eles correm independentemente da idade, das próprias forças e energias, dos sucessos e falhas, correm na história, como São Paulo por todo o Mediterrâneo, por onde quer que Cristo queira ser encontrado, por onde quer que a humanidade manifeste o rosto do Crucificado ou tenha sede

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de palavras consoladoras, ou estenda uma mão à esperança, ou seja deturpado na sua dignidade. Os cristãos correm e acorrem, esquecidos do que está para trás, das fadigas, das incompreensões e dos insucessos, direcionados unicamente para a meta de ser sempre todos «encontrados em Cristo». Afinal, a dimensão penitencial da vida cristã não faz outra coisa senão ajudar a pôr o centro de gravidade da própria existência em Cristo, e não em si mesmos, deixando que a graça de Deus opere e atue em nós e através de nós. São João Paulo II explicou-o assim: «Aqui, trata-se de readquirir a simplicidade do pensamento, da vontade e do coração, que é indispensável para nos encontrarmos no próprio “eu” interior com Deus» (Audiência-geral de Quarta-Feira de Cinzas, 28 de fevereiro de 1979). Na verdadeira penitência, a nossa única ação é criar espaço para a sua ação em nós. Exatamente a dinâmica que caracteriza toda a autêntica relação amorosa: «Sim, amor é “êxtase”, êxtase […] como caminho, como êxodo permanente do eu fechado em si mesmo para a sua libertação no dom de si e, precisamente dessa forma, para o reencontro de si mesmo, mais ainda para a descoberta de Deus» (BENTO XVI, Deus caritas est, n. 6). É o caminho que conduz diretamente a procurar e a amar o sacramento da Penitência. O Catecismo da Igreja Católica apresenta muitas formas de penitência e de atitudes penitenciais que favorecem a conversão. Aqui a criatividade pastoral pode inspirar-se para conjugar sugestões em âmbito individual e comunitário: das propostas mais clássicas do jejum, da oração e da esmola, a outros convites que se declinam, como a prática da caridade, gestos de reconciliação, solicitude pelos pobres, empenho na defesa da justiça e do direito, correção fraterna, leitura da Sagrada Escritura, exercícios espirituais, liturgias penitenciais e peregrinações (cf. CCC, n. 1434-1438).

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3. Viver a reconciliação O perdão de Deus não se esgota no pecador arrependido, mas através dele irradia sobre toda a comunidade, transformando as relações interpessoais e imprimindo em toda a Igreja um estilo de vida que a caracteriza como “povo de Deus”. A Carta aos Efésios exorta de modo apaixonante: E não entristeçam o Espírito Santo de Deus, com o qual vocês estão marcados para o dia da redenção. Afastem de vocês toda amargura, ira, cólera, gritaria, difamação e todo tipo de maldade. Sejam bons e misericordiosos uns com os outros, como também Deus perdoou a vocês em Cristo (EF 4,30-32).

A expressão “entristecer o Espírito” remete para um texto de Isaías (63,8-10) que estigmatiza a atitude de rebelião dos israelitas nos confrontos do Senhor que os salvou «com amor e compaixão». Deste modo, eles desmentem a sua identidade de povo eleito, resgatado pelo amor de Deus. Através da alusão a Isaías, a Carta aos Efésios recorda aos cristãos que, através do Batismo, eles foram inseridos no projeto salvífico de Deus graças ao dom do Espírito; por isso, uma conduta reprovável contradiz o dom recebido e a ação redentora de Deus. Contristar o Espírito significa não lhe permitir levá-la à realização, e isto se verifica quando se violam as exigências do amor fraterno. Eles, ao contrário, são chamados a uma atitude responsável, de cooperação no projeto salvífico de Deus que se deslinda na história. Por isso, os crentes são exortados, antes de tudo, a remover da comunidade eclesial todas aquelas manifestações opostas à solidariedade que nela deve reinar. Cinco sinônimos pertencentes à área semântica da ira estão dispostos de modo a revelar certa progressão nas atitudes que minam as relações interpessoais, rompendo a fraternidade da fé. Trata-se de comportamentos incompatíveis com o estado de homens novos, recebido no Batismo. Neles devem habitar a mesma generosidade e magnanimidade que Deus demonstrou para com eles em Cristo. Por isso, em antítese, chega o convite a assumir atitudes de acolhimento recíproco que culminam em perdão mútuo. A motivação aparece no final do versículo: o crente pode acolher e perdoar porque sabe que, antes de tudo, ele mesmo foi incondicionalmente acolhido e perdoado por Deus. O perdão, por isso, é um dom gratuitamente recebido para ser partilhado com os irmãos. Tal autoconsciência profunda de fé faz da

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solidariedade a característica dominante da comunidade cristã, seja nos conflitos internos, seja no modo de se confrontar com o mundo. Vivendo a reconciliação que lhe foi dada por Deus, com a ajuda do Espírito Santo, a Igreja faz-se anunciadora e dispensadora em relação ao mundo inteiro: nisto brilha o seu testemunho. São Paulo recorda aos gálatas o que significa viver no mundo animados pelo Espírito do Ressuscitado: «O fruto do Espírito é amor, alegria, paz, paciência, bondade, generosidade, fé, humildade e domínio de si mesmo. Contra essas coisas não existe lei» (GL 5,22-23). Esta lista mostra o caminho que o Espírito prescreve aos crentes. O fruto é único e cria unidade na vida nova do cristão, mas ele aparece em diversas formas: em primeiro lugar, o agápē, o amor generoso que vem de Deus. Ele traz consigo a «alegria», que corresponde à aspiração mais forte do coração do homem, criado para ser amado e para amar. E ao mesmo tempo a alegria leva à «paz», que nos põe em sintonia com a vontade de Deus e permite superar desordens e conflitos, porque orienta todos para a benevolência e a concórdia. A enumeração continua com aspectos mais particulares: a paciência, que sabe esperar e suportar; a benevolência, que predispõe ao encontro; a bondade, que abre ao serviço; a fé, que faz perseverar e sobre a qual se pode contar; a mansidão, que exclui o uso de meios violentos; e o domínio de si, contra toda forma de imoralidade e de cólera. Todos estes aspectos do «fruto» do Espírito dizem respeito ao crente nas suas relações com os outros e, portanto, constituem uma espécie de exame de consciência para todas as comunidades cristãs. Não se é receptivo à ação da graça do perdão de Deus se não se encontram formas de fazer frutificar o Espírito no concreto da vida. As circunstâncias da vida em que são necessárias ações reconciliadoras são, na verdade, inumeráveis e ocupam toda a existência e a atividade humana: desde a vida pessoal, na qual entram de várias maneiras situações alienantes, às relações de casal, que se esforçam por exprimir um amor autêntico; desde a realidade familiar, cada vez mais ameaçada na sua identidade, às relações geracionais, em que emergem conflitos e incompreensões; desde o mundo do trabalho e da economia, atravessados pela crise e contrastes profundos, à situação social, em que emergem sempre mais necessidades e pobreza; desde a situação política, tão 83

frequentemente fechada em interesses de partidos, ao contexto internacional marcado pelo poder das nações ricas sobre as pobres; desde as guerras, que incendeiam muitas partes do mundo, às divisões entre cristãos e às incompreensões entre crentes de várias fés. É neste programa imenso e articulado que toda a Igreja, em todas as suas comunidades e em todos os seus fiéis, é chamada a oferecer o testemunho de uma vida reconciliada e o serviço de uma ação reconciliadora: Na medida em que os cristãos forem agradecidos e fiéis a Deus pelo grande dom da reconciliação recebida, tornam-se testemunhas viventes e originais de reconciliação dentro da existência quotidiana. A reconciliação com Deus é, assim, fonte de reconciliação fraterna – na comunidade eclesial e na sociedade humana – que juntamente é graça recebida, mas também responsabilidade que os cristãos assumem perante o mundo. As tensões e as divisões que continuam a pesar sobre o mundo – o grande e o pequeno mundo em que os cristãos, a título individual e como comunidade estão inseridos – tornam-se assim um desafio para todos os que receberam o dom da reconciliação: estes, libertados do pecado pela graça de Cristo, poderão ser no mundo, juntamente com todos os homens de boa vontade, agentes de justiça e de paz (Conferência Episcopal Italiana, A reconciliação e a penitência na missão da Igreja, n. 42).

O chamamento à reconciliação diz respeito a cada um de nós, chamamento sempre atual em qualquer âmbito e independentemente da complexidade das divisões. Alguns aspectos devem, porém, ser assinalados.

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A reconciliação no seio da comunidade É no seio da comunidade cristã que, em primeiro lugar, se deve verificar o tema da reconciliação. A unidade que caracteriza a Igreja não é resultado dos esforços mais ou menos conseguidos dos seus membros, nem sequer é dada pelas leis canônicas impostas ou por uma disciplina amadurecida na tradição. A unidade é um dado originado: no Batismo, os cristãos são inseridos em Cristo, como membros do seu corpo, crentes vivos na comunidade crente que vive de Cristo. É dessa originária unidade, reconhecida como dom recebido, que o cristão aprende a procurar e a viver a comunhão e a reconciliação com os irmãos. Na fé, ela fundamenta a consciência de que nenhuma ofensa sofrida, nenhuma incompreensão, nenhuma diversidade (de cultura, de raça, de opinião política, de condição social etc.) é razão suficiente para se separar de Cristo e do seu corpo que é a Igreja. Pelo contrário, esta unidade deve sempre ser acreditada e confessada como a expressão mais típica da fé no Senhor Crucificado e Ressuscitado; ela deve também ser continuamente mantida através de duas atitudes fundamentais: a procura dos que estão afastados e a correção fraterna. a) Procurar quem está afastado Pode parecer uma observação óbvia, mas na comunidade cristã existe sempre alguém que falta, e às vezes este vazio é tal que desencoraja os poucos que ficaram. Até mesmo nas comunidades mais numerosas, há sempre lugares vazios deixados por quem se afastou: somos fraternidades feridas. Na parábola da ovelha perdida, Jesus introduz a história com uma pergunta: «Quem de vocês, se tiver cem ovelhas e perder uma, não deixa as noventa e nove no deserto e vai atrás daquela que se perdeu, até encontrá-la?» (LC 15,4). Geralmente, os comentadores pronunciam-se a partir da ação que o pastor concretiza e terminam sublinhando a alegria pela descoberta da ovelha perdida. Porém, algumas vezes devemos assumir também o ponto de vista do aprisco abandonado pelo pastor num deserto sem recinto, sem defesa, sem nenhum cuidado, totalmente sozinho por causa da procura de uma só. Deixadas sozinhas, que sorte terão essas noventa e nove? Terão medo, procurarão um refúgio, mas no deserto não terão outra defesa senão ir atrás do Pastor que já se encontra 85

longe. A sua segurança está não na cerca de um recinto, mas onde está o Pastor, e o Pastor estará onde encontrar a ovelha perdida. O seguimento do Ressuscitado é irremediavelmente um caminho de fraternidade para todos. Na visão de Jesus, como na da Igreja, não existem ovelhas perdidas, mas existem ovelhas “reencontradas” e novamente entregues à comunidade de irmãos. Nenhuma distância pode manter o Pastor afastado, nenhum aprisco pode por isso renunciar a um irmão. Não temos alternativas: o Pastor deve ser procurado onde quiser ser encontrado, onde a sua alegria é plena. b) A correção fraterna O Jubileu da Misericórdia pretende caracterizar-se como reconciliação primeiramente dentro da comunidade cristã; uma missão ad intra, um caminho de descoberta e de conversão dentro da própria identidade de comunidade universal de salvação, para que o Evangelho atinja todo o homem em cada homem. Em tal caminho, a “correção fraterna” tem um papel de especial relevo e de difícil atuação. Foi o que também reconheceu o Papa Francisco: A verdadeira correção fraterna é dolorosa, porque é feita com amor, na verdade e com humildade. […] Não se pode corrigir uma pessoa sem amor e sem caridade. Não se pode fazer uma cirurgia sem anestesia: não se pode, pois o doente morrerá de dor. E a caridade é como uma anestesia, que ajuda a receber o tratamento e a aceitar a correção. Chamá-lo de lado, com mansidão, com amor e falar-lhe. […] Certamente, quando nos dizem a verdade, não é bom ouvi-la, mas se dita com caridade e amor, é mais fácil aceitá-la (Homilia em Santa Marta, 12 de setembro de 2014).

Exortando os gálatas, São Paulo examina o problema de como se comportar no conflito com um membro da comunidade que comete alguma falta: «Irmãos, se alguém for apanhado em alguma falta, vocês, que são espirituais, devem corrigir essa pessoa com espírito de humildade. E você, cuide de si mesmo, para também não ser tentado» (GL 6,1). Em vez de uma rigorosa reprimenda, o Apóstolo sugere a mansidão, sufragando tal atitude com o pensamento sobre a própria fragilidade moral, e por isso sobre o risco, bem longe de ser hipotético, de ser por sua vez tentado. Corrigir com Espírito de doçura significa trazer ao caminho reto. A recuperação de um irmão que peca, portanto, tarefa de toda a comunidade, sem excluir que cada um pessoalmente deva examinar a sua consciência para não cair de igual maneira. São Paulo chama aos cristãos da Galácia oi

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pneumatikoí,[2] isto é, viventes através do Espírito e por isso chamados a agir segundo o Espírito e a garantir à comunidade a sua ajuda “espiritual”: o chamado à reconciliação é, portanto, um chamado à ação válido para todos os crentes. Toda a comunidade recebeu o Espírito e por isso é capaz de trazer à conversão os que erram e pecam. A correção fraterna tem em vista exatamente a reconciliação para edificação da comunidade. Falando das primeiras comunidades cristãs, as cartas do Novo Testamento apresentam numerosas expressões de solidariedade, em que é recorrente como refrão a ligação «uns com os outros». Desta forma, é delineado o âmbito em que pode ser exercida e dimensionada a correção fraterna: rivalizar na estima recíproca (RM 12,10), conseguir os mesmos sentimentos uns pelos outros (RM 12,16), acolher uns aos outros (RM 15,7), esperar uns pelos outros (1COR 11,33), estar ao serviço uns dos outros no amor (GL 5,13), suportar os pesos uns dos outros (GL 6,2), confortar-se mutuamente (1TS 5,11), viver em paz uns com os outros (1TS 5,13), procurar o bem uns dos outros (1TS 5,15), suportar-se mutuamente (EF 4,2), ser benévolos e misericordiosos uns para com os outros (EF 4,32), ser submissos uns aos outros (EF 5,21), perdoar-se mutuamente (CL 3,13), rezar uns pelos outros (TG 5, 16), amar-se intensamente uns aos outros (1PD 1, 22), praticar a hospitalidade uns para com os outros (1PD 4,9), revestir-se de humildade uns com os outros (1PD 5,5), estar em comunhão uns com os outros (1JO 1,7). A reconciliação supõe uma colaboração recíproca, uma proximidade de uns com os outros. A correção fraterna ativa a consciência de cada um para que a conversão seja o motor forte para o caminho da comunidade cristã: «Somos então embaixadores de Cristo, e é como se Deus exortasse por meio de nós. Em nome de Cristo, pedimos: reconciliem-se com Deus» (2COR 5,20). Por isso, para todos a missão reconciliadora resume-se e concretiza-se «e procurando manter a unidade do Espírito pelo laço da paz» (EF 4,3). As celebrações penitenciais que muitas vezes são celebradas em preparação da confissão individual têm nestas passagens ótimos pontos de referência para uma revisão de vida comunitária.

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Artífices de reconciliação no mundo O serviço de reconciliação que a Igreja é chamada a desenvolver no mundo não é fácil, nem sequer indolor para a própria Igreja, em primeiro lugar. A causa não é só a complexidade e o alcance da sua missão, mas o contraste profundo entre o Evangelho do perdão e a lógica do mundo. Porque a reconciliação provém da Cruz, ela torna participante do mistério da morte redentora de Cristo quem se colocar ao seu serviço. Revelando os dinamismos pelos quais a salvação do Senhor se estende no mundo, o Livro do Apocalipse testemunha a oposição entre o anúncio do Evangelho e o pensamento do mundo, ao ponto de só pelo fato de se pertencer a Cristo em todas as épocas se abrir aos crentes o espaço da prova e da perseguição. Graças ao Batismo, a vida do cristão faz-se testemunho (gr. martyría) do Evangelho de salvação para a reconciliação e a pacificação entre os homens. É um compromisso irrenunciável: a Igreja não é uma comunidade de heróis e de temerários, mas não pode escapar das provas e das perseguições. Ela invoca o Espírito Santo, como Espírito de paz e de reconciliação, para salvar a vida se isso corresponder ao projeto de Deus e, em todo o caso, invoca-o para ter o dom da parresía, ou seja, a força da liberdade e da coragem pelo Evangelho. Permanece memorável a imagem dos apóstolos Pedro e João, que, juntamente com toda a comunidade, no meio da perseguição, dirigem louvores ao Senhor: «Agora, Senhor, olha para as ameaças deles e concede que teus servos anunciem com toda a franqueza a tua palavra» (AT 4,29). Quando termina esta oração, São Lucas refere que «o lugar em que estavam reunidos estremeceu. Todos ficaram repletos do Espírito Santo e anunciavam a palavra de Deus com muita coragem» (v. 31). Mesmo que não chegue ao heroísmo, o testemunho de reconciliação implica agir com uma presença humilde, mas tenaz, também dispostos a pagar pessoalmente, a exemplo de Jesus. As inevitáveis contrariedades originadas pelo pecado implicam o sacrifício de retomar de cada vez o esforço de compreender, uma cuidadosa distinção entre o que é essencial e o que faz parte de uma legítima pluralidade de opiniões, implicando respeito e compreensão, e também assumir uma nova mentalidade de colocar na base das relações entre os homens uma mentalidade centrada no amor que o Espírito de Deus derrama naqueles que 88

amam Jesus. Mas, quando qualquer caminho de reconciliação parece interromper-se, o que pode fazer um cristão? De Abraão até Moisés, aos Salmos, a Jesus na Cruz, a tradição bíblica mostra a força da oração de intercessão. Interceder não significa simplesmente rezar por alguém, mas, como sugere a etimologia, “dar um passo pelo meio”; significa colocar-se no meio de uma situação. Interceder significa intervir onde tem lugar o conflito e, sem se mover, ficar entre as duas partes em confronto. A oração de intercessão estende os braços de um e de outro lado para unificar, reconciliar e pacificar: é o gesto de Jesus sobre a Cruz, um gesto em que o Filho em si mesmo reconcilia com Deus a insanável situação humana. Nascida na oração, a Igreja vive dela e acredita firmemente na sua eficácia. Por isso, reza todos os dias pelo perdão dos pecados de todos os seus filhos e pela conversão dos pecadores. No início da celebração eucarística, de fato, com o ato penitencial, ela confessa os pecados de toda a comunidade e suplica «à bem-aventurada sempre Virgem Maria, aos anjos, aos santos e a vós, irmãos, que rogueis por mim a Deus nosso Senhor». A oração de intercessão perfila-se como meio e sinal da íntima ligação de comunhão que une todos os cristãos entre si. Através da voz de cada fiel, renova-se e perpetua-se, assim, na Igreja, o mistério do Filho que carrega em si a iniquidade de todos os filhos, para os reconciliar a todos com Deus. Celebrando em Seul a Santa Missa pela reconciliação, na homilia, o Papa Francisco recordou a todos: Jesus nos pede para acreditar que o perdão é a porta que leva à reconciliação. Quando nos manda perdoar aos nossos irmãos sem qualquer reserva, pede-nos para fazer algo totalmente radical, mas dá-nos também a graça de o cumprir. Aquilo que, visto de uma perspetiva humana, parece ser impossível, impraticável e às vezes até repugnante, Jesus torna-o possível e frutuoso, com a força infinita da sua Cruz. A Cruz de Cristo revela o poder que Deus tem de superar toda divisão, de curar toda ferida e de restaurar os vínculos originais de amor fraterno. Assim, a mensagem que vos deixo no final da minha visita à Coreia é esta: tende confiança na força da Cruz de Cristo; acolhei nos vossos corações a sua graça reconciliadora e partilhai-a com os outros! (Homilia, 18 de agosto de 2014)

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Coordenação de desenvolvimento digital: Guilherme César da Silva Tradução: Mário José dos Santos Revisão: Rita Bruno, Célia Nogueira, Tiago J. Risi Leme, Iranildo Bezerra Lopes Capa: Edizioni San Paolo Desenvolvimento digital: Daniela Kovacs Conversão EPUB: Paulus Citações bíblicas: © Nova Bíblia Pastoral, São Paulo: Paulus, 2014 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) A Confissão - Sacramento da Misericórdia [livro eletrônico]; Conselho Pontifício para a Promoção da Nova Evangelização [organização]; [tradução: Mário José dos Santos]; - São Paulo: Paulus, 2015; 929Kb; ePUB Título original: La Confessione Sacramento della Misericordia © Pontificio Consiglio per la Promozione della Nuova Evangelizzazione © 2015, PAULUS Editora Portugal Tradução: Mário José dos Santos © PAULUS - 2016 Rua Francisco Cruz, 229 - 04117-091 São Paulo (Brasil) Fax (11) 5579-3627 - Tel. (11) 5087-3700 paulus.com.br • [email protected] [Facebook] • [Twitter] • [Youtube] eISBN 978-85-349-4336-9

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NOTAS III - UMA

QUESTÃO DE DÍVIDAS E DE DEVEDORES

[1] A oração do Pai-Nosso em língua portuguesa, aprovada pelas Conferências Episcopais dos respectivos países, usa neste ponto, em vez de «dívidas» ou «devedores», como se diz literalmente na língua grega original, «ofensas» e «a quem nos tem ofendido». O raciocínio pastoral aqui proposto é exato em língua italiana.

IV - O SACRAMENTO DA RECONCILIAÇÃO NA PASTORAL [2] Pneumáticos, numa tradução literal.

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Os Salmos da Misericórdia Conselho Pontifício para a Promoção da Nova Evangelização 9788534943406 136 páginas

Compre agora e leia O livro consiste num importante instrumento pastoral para ajudar a oração e a reflexão dos peregrinos do Ano Santo da Misericórdia. Foram selecionados dez Salmos em que o tema da Misericórdia emergisse em toda a sua valência existencial e significado teológico, no espírito da Bula Misericordiae vultus, em que o Papa Francisco afirma: “Os Salmos, em particular, fazem sobressair esta grandeza do agir divino: 'É Ele quem perdoa as tuas culpas e cura todas as tuas enfermidades. É Ele quem resgata a tua vida do túmulo e te enche de graça e de ternura’ (103,3-4). [...] A misericórdia de Deus não é uma ideia abstrata, mas uma realidade concreta, pela qual Ele revela o seu amor, como o de um pai e de uma mãe que se comovem pelo próprio filho até o mais íntimo das suas vísceras” (MV, n. 6). Compre agora e leia

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Pastoral da Escuta Pereira, José Carlos 9788534937078 96 páginas

Compre agora e leia A Pastoral da Escuta é um braço da Pastoral da Acolhida. O agente dessa Pastoral escuta atentamente as necessidades e desabafos da pessoa, e busca apontar caminhos de solução. Este subsídio apresenta os passos necessários, as ferramentas para auxiliar na implantação e manutenção da Pastoral da Escuta. A obra se coloca dentro do espírito do Documento de Aparecida e das Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil, com a intenção de contribuir no processo de evangelização e para o estado permanente de missão das comunidades paroquiais. Diz o autor: "Os avançados meios de comunicação, a tecnologia e a informática criam modalidades de interação que não substituem o contato pessoal, o olho no olho, a presença física de alguém que ouça gratuita e desinteressadamente”. Compre agora e leia

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Índice Rosto Introdução I - O perdão dos pecados por parte de Jesus II - Um pai e dois filhos III - Uma questão de dívidas e de devedores IV - O dom do Espírito e o perdão dos pecados V - As palavras do perdão VI - O sacramento da Reconciliação na Pastoral Ficha Catalográfica Notas

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