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May 6, 2019 | Author: Cleber Dias | Category: Creativity, Economics, The United States, Geography, Time
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Os indivíduos criativos, por sua vez, não se concentram onde estão os empregos. Eles se reúnem em centros de criatividade e onde gostam de viver. Veja o caso de Atenas e Roma no período clássico, de Florença na época dos Médici, da Londres elisabetana, do Greenwich Village e da área da Baía de São Francisco – a criatividade sempre foi atraída para locais especícos. Como observou Jane Jacobs, grande urbanista, lugares bemsucedidos são multidimensionais e diversicados – eles não apelam a um único setor ou grupo demográco; eles são repletos de estímulo e troca criativa.6 Como consultor, costumo dizer a líderes políticos e empresariais que os lugares precisam de uma atmosfera humana – ou criativa – tanto quanto de uma atmosfera comercial. Cidades como Seattle, Austin, Toronto e Du blin reconhecem a natureza multidimensional da mudança e se esforçam  para converter-se em comunidades amplamente criativas, e não apenas em centros de inovação e de alta tecnologia. Se cidades como Buffalo, Grand Rapids, Memphis e Louisville não seguirem o exemplo, elas vão penar para sobreviver. Os principais modelos sociais também estão mudando, guiados por forças que têm origem no éthos criativo. Em praticamente todas as esferas da vida, laços efêmeros substituíram os vínculos estáveis que antes estruturavam a sociedade. Em vez de morar na mesma cidade durante décadas, hoje nos mudamos com frequência. No lugar de comunidades forjadas por estruturas sociais fechadas e pelo forte compromisso com a família, amigos e organizações, nós buscamos espaços em que é possível conhecer  pessoas facilmente e viver de modo semianônimo. A deterioração do poder dos laços, seja com indivíduos ou com instituições, é resultado do número crescente de vínculos que estabelecemos. O que me contou um industrial aposentado, ex-diretor de um centro de transferência de tecnologia em Ottawa, Canadá, ilustra bem isso: “Meu pai cresceu numa cidade pequena, trabalhou para a mesma empresa e conviveu com as mesmas catorze  pessoas a vida toda. Eu conheço mais gente do que isso num único dia”. 7 A vida moderna é cada vez mais denida por compromissos contingentes.  Nós pulamos de emprego em emprego sem esforço ou grande preocupação. Se antes as pessoas se uniam por meio de instituições sociais e forjavam sua identidade em grupos, uma das principais características da atualidade está relacionada ao esforço de encontrar uma identidade própria. 8 Essa invenção e reinvenção do eu, que geralmente reete nossa criatividade, é a principal característica do éthos criativo. Hoje não somos mais denidos pela organização em que trabalhamos,  pela igreja que frequentamos, pelo lugar onde vivemos ou mesmo por laços familiares. Quem nos dene somos nós, ao forjarmos uma identidade com base nas várias facetas de nossa criatividade. Outros aspectos da vida A transformação do cotidiano l

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 – o que consumimos, como nos divertimos, os esforços que fazemos para formar comunidades – se organizam a partir desse processo de criação de identidade. Para pensar em identidade coletiva hoje, é preciso repensar as noções de classe. Geralmente, somos levados a classicar os indivíduos com base em seus hábitos de consumo, seu estilo de vida ou, grosso modo, sua renda. Frequentemente equiparamos renda média e classe média, por exemplo. Embora os considere indicadores de classe relevantes, eles não são fatores determinantes. Uma classe corresponde a um grupo de pessoas que com partilham interesses e costumam pensar, sentir e comportar-se de modo semelhante. No entanto, o que determina essas semelhanças é, antes de mais nada, a atividade econômica, o que fazem para ganhar a vida. Todas as outras distinções partem daí. Ora, uma das características centrais da nossa era está ligada ao fato de que cada vez mais pessoas estão exercendo trabalhos criativos para ganhar a vida.

A NOVA CLASSE A criatividade como imperativo econômico ca evidente com a ascen são de uma nova classe que chamo de classe criativa. Cerca de 38 milhões de americanos, 30% dos indivíduos economicamente ativos nos Estados Unidos,  pertencem a essa nova classe. Segundo minha denição, o centro da classe criativa é formado por indivíduos das ciências, das engenharias, da arquitetura e do design, da educação, das artes plásticas, da música e do entretenimento, cuja função econômica é criar novas ideias, novas tecnologias e/ ou novos conteúdos criativos. Além desse centro, a classe criativa também abrange um grupo mais amplo de  profssionais criativos que trabalham com negócios e nanças, leis, saúde e outras áreas ans. O trabalho dessas pessoas envolve a solução de problemas complexos, que requer uma boa capacidade de julgamento, bem como alto nível de instrução e muita experiência. Todos os membros da classe criativa – sejam eles artistas ou engenheiros, músicos ou cientistas da computação – compartilham o mesmo éthos criativo, que valoriza a criatividade, a individualidade, as diferenças e o mérito. Para esses indivíduos, todos os aspectos e todas as manifestações da criatividade – tecnológicas, culturais e econômicas – estão interligados e são inseparáveis. A principal diferença entre a classe criativa e outras classes está relacionada ao que ela é paga para fazer. Os membros da classe trabalhadora e da classe de serviços recebem sobretudo para executar de acordo com um  plano. Já os da classe criativa ganham para criar e têm muito mais autonomia e exibilidade para isso do que as outras duas classes. É claro que há uma zona cinzenta e questões de limites a serem consideradas no que diz 8

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respeito ao meu esquema. Embora alguns possam criticar minha denição de classe criativa (e as estimativas numéricas que se baseiam nela), acredito que seja bem mais precisa do que as denições mais amorfas de trabalhadores do conhecimento, analistas simbólicos ou prossionais técnicos e especializados que existem hoje. A estrutura de classes nos Estados Unidos e em outras nações desenvolvidas tem sido alvo de intensos debates por bem mais de um século. Para uma série de autores dos séculos XIX e XX, a grande questão foi a ascensão e, em seguida, o declínio da classe trabalhadora. 9 Já para Daniel Bell e outros autores da segunda metade do século XX, o tema central passou a ser o surgimento da chamada sociedade pós-industrial, caracterizada pelo crescimento da indústria de serviços em oposição ao setor manufatureiro. 10 Hoje, a grande questão – que já vem se revelando há algum tempo – gira em torno da ascensão da classe criativa, a classe que mais cresce nesta era. A vertiginosa ascensão dessa classe é o motivo de a sociedade moderna parecer tão estranha ao segundo viajante do tempo. Ao longo do século XX, a classe criativa nos Estados Unidos passou de aproximadamente 3 milhões de trabalhadores ao que ela é hoje, um crescimento de mais de 1.000%. Se considerarmos apenas o crescimento de 1980 para cá, veremos que ela dobrou de tamanho. Cerca de 15 milhões de americanos, mais de 12% da força de trabalho, fazem parte do Centro Hipercriativo dessa nova classe. Hoje, a classe criativa nos Estados Unidos é maior do que a tradicional classe trabalhadora, formada por aqueles que trabalham nos setores de  produção, construção e transporte, por exemplo. O século XX foi palco da ascensão e do declínio da classe trabalhadora, que atingiu o auge entre 1920 e 1950, com 40% da força de trabalho americana. Depois disso, veio a longa queda, chegando a um quarto da força de trabalho nos Estados Unidos hoje. A classe de serviços – que inclui o mercado de alimentação, o trabalho de escritório e a assistência pessoal, por exemplo  – cresceu gradativamente ao longo do século XX, passando de aproximadamente 16% a 30% da força de trabalho americana entre 1900 e 1950 antes de chegar a mais de 45% em 1980. Com cerca de 55 milhões de membros, a classe de serviços é, hoje, a maior classe em termos absolutos. Embora a classe criativa ainda seja menor do que a classe de serviços, seu papel econômico vital a torna mais inuente. Além disso, ela é signi cativamente maior do que a classe de “homens organizacionais”, descrita  por William Whyte em seu livro de 1956. Assim como a classe empresarial de Whyte, que “determinou o espírito americano” nos anos 1950, a classe criativa é a classe normativa desta era. Seus princípios, porém, são muito diferentes: individualidade, liberdade de expressão e abertura à diferença são  privilegiadas em detrimento de homogeneidade, conformismo e adequação, A transformação do cotidiano l

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que deniram a era organizacional. A classe criativa é dominante também em termos nanceiros – em média, seus membros ganham duas vezes mais do que os membros das duas outras classes. Os sacrifícios a que os membros da classe criativa estão dispostos  por dinheiro também são muito diferentes dos realizados pelos homens organizacionais de Whyte. Somos poucos os que trabalhamos para a mesma grande empresa por toda a vida, e somos bem menos propensos a relacionar nossa identidade ou autoestima àqueles para quem trabalhamos. Nós levamos em consideração tanto questões nanceiras quanto a possibilidade de sermos nós mesmos, de determinarmos nosso horário, de realizarmos trabalhos instigantes e de vivermos em comunidades que reetem nossos valores e prioridades. De acordo com uma grande pesquisa realizada com  prossionais de tecnologia da informação – um subgrupo relativamente conservador da classe criativa –, desao e responsabilidade, horário exível e um ambiente de trabalho seguro e estável estão acima do dinheiro no que diz respeito ao que valorizam no emprego. A reviravolta da vida privada  pode ser resumida por esta estatística bastante divulgada nos Estados Unidos: menos de um quarto de todos os americanos (23,5%) pesquisados no censo de 2000 vivia em um núcleo familiar “convencional” – queda signicativa em relação a 1960, cujo percentual correspondente era 45%. 11 Essas mudanças profundas não são, como dizem por aí, o resultado dos excessos e imprudências de sujeitos mimados. Elas estão calcadas numa lógica econômica simples. Nós vivemos da nossa criatividade; logo, procuramos cultivá-la e buscamos ambientes que possibilitam seu desenvolvimento, assim como o ferreiro cuidava de sua ocina, e o fazendeiro cuidava do gado que puxava seu arado. A criatividade no mundo do trabalho não está limitada a membros da classe criativa. Trabalhadores de fábricas e até prestadores de serviço menos qualicados sempre foram criativos de alguma maneira útil. Sem falar que o conteúdo criativo de muitas funções associadas à classe trabalhadora e à classe de serviços vem crescendo – exemplo disso são os programas de melhoria contínua de várias fábricas, que convidam operários a contri buir também com ideias. Baseado em tendências como essa, suponho que a classe criativa, ainda em ascensão, continuará a crescer nas próximas décadas à medida que atividades econômicas mais tradicionais se tornem suas funções. Como o leitor verá no último capítulo deste livro, não acredito de forma alguma que a solução para melhorar as condições de vida dos mal  pagos, subempregados e desprovidos seja implementar programas sociais  – nem restituir o trabalho operário dos velhos tempos –, mas estimular a criatividade desses indivíduos, pagar devidamente por isso e integrá-los à economia criativa. 10

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