A Arte Da Joalheria Contemporânea
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A ARTE DA JOALHERIA CONTEMPORÂNEA Por Cathrine Clarke*
Texto disponível em Acesso em 16/set/2013.
A reflexão sobre a obra de arte Na joalheria, complementam-se os estudos de design com a educação artística. As teorias dos cursos de artes visuais contribuem para a formação da opinião crítica. Já as técnicas de prática são ensinadas através das obras dos grandes mestres, para que o aprendiz, a partir do seu ponto de vista, descubra o próprio caminho. O estilo é o modo como cada um dispõe elementos formais que criam a sintaxe da imagem, ou melhor, seu arranjo da linha, forma, cor, luz e sombra, textura e espaço. Todo profissional deve sempre se atualizar, pesquisando novos campos ligados à sua área, para aprimorar seus conhecimentos. A reflexão sobre a arte é filosófica, teorizando a experiência do poético na criação artística. Analisa-se uma obra de qualidade considerando as várias metodologias da história de arte: formalismo (aspectos formais), iconografia (temas da arte figurativa), marxismo (fatores econômicos e sociais), feminismo (condição da mulher), semiótica (símbolos e signos), biografia e autobiografia (vivência e expressão do artista), ou psicanalítica (inconsciente do autor).
A estética da jóia de arte A joalheria da antigüidade era representada por amuletos. A contemporânea é orientada por símbolos culturais e poéticos, de acordo com os desenvolvimentos em todos os setores de arte que, por sua vez, provém dos processos de evolução do homem. Essencial na poesia, a metáfora é a linguagem das imagens. Símbolos e metáforas diferem, mas se interligam, ao evocar e narrar. Para se avaliar a estética de uma jóia, que lida com as questões das artes liberais, considera-se a essência do design, buscando por estruturas poéticas tanto na concepção, quanto na composição da peça, e por elementos metafóricos e/ou simbólicos significativos. Na joalheria,
materiais alternativos são experimentados na medida em que reafirmam as intenções nas mensagens artísticas.
Os
conceitos
que
deram
origem
à
joalheria
contemporânea
Enquanto a arte moderna se atém às convenções, a arte contemporânea transborda seus limites. Cubismo e surrealismo foram os principais movimentos da arte moderna no século XX. Mas na joalheria atual predominam desenvolvimentos modernos posteriores, voltados para clareza e objetividade, aqui resumidos:
Purismo teve no francês Le Corbusier (Charles-Edouard Jeanneret) seu precursor. O arquiteto publicou seu manifesto Após o cubismo, preconizando o retorno às formas mais simples reduzidas. Forma, linha e cor eram vistas por puristas como elementos de uma linguagem que não mudam de cultura para cultura, porque se baseiam em reações óticas invariáveis. Afirmavam também que a máquina pode criar uma peça com planos tecnológicos, mas jamais produzirá uma obra de arte, já que não existe valor constante na tecnologia. De Stijl, movimento dos holandeses influenciados pela filosofia de Schoenmaekers, destacava a importância das cores primárias, da linha horizontal e vertical, como vemos nas obras de Piet Mondrian, imigrante americano em 1938. O termo “neoplasticismo” foi criado pelo pintor, para designar o austero estilo de abstração geométrica, que considerava um ideal de harmonia universal. Construtivismo provém da arte abstrata e seus artistas passaram a abstrair a partir das formas geométricas, ao invés da natureza. Fundado por Vladímir Tatlin e Alexander Rodchenko, autores do manifesto Realista, entre outros, exerceram grande influência sobre a instituição Bauhaus da Alemanha, no que concerne a noção que faz prevalecer a importância da funcionalidade, em detrimento do decorativo, e que o artista, isso é, o designer, deve ocupar seu lugar ao lado do cientista e engenheiro, fundindo conteúdo e formas simples com modernos recursos tecnológicos. Arte cinética, termo usado pela primeira vez no manifesto Realista em 1920, só se estabeleceu entre as categorias reconhecidas de classificação crítica nos anos 50. Os artistas criam a impressão do movimento por meio da ilusão, enquanto os cinéticos fazem o oposto: produzem a ilusão através do movimento ritmado, que pode gerar ainda outra forma de volume sem massa no espaço.
Arte conceitual refere-se a diversas formas e manifestações de arte. Aspecto comum a todas elas é o princípio aristotélico, afirmando que a “verdadeira” obra de arte não é o produto físico elaborado pelo artista, mas sim a “idéia” ou o “conceito”. Sendo assim, a “idéia” não precisa ser concretizada, bastando ser apenas uma atitude. Expressionismo abstrato compreendeu o movimento formal de arte abstrata que creditava ao desenho, a geração da imagem reconciliada com a técnica, e à pintura, a reafirmação da superfície plana da tela. Seus expoentes principais são o russo Wassily Kandinsky e, após a Segunda Guerra Mundial, o pintor armênio que morava em Nova Iorque Arshile Gorky e o americano Jackson Pollock, esse último inventor da Action Painting. Foi o primeiro desenvolvimento dos EUA que acabou influenciando pintores de diversos países europeus no final da década de 50 e ao longo dos anos 60. Minimalismo, inspirada na tendência da escultura abstrata norteamericana, buscou reduzir todos os efeitos expressivos a umas poucas categorias formais que, por sua vez, se integram ao espaço circundante. Sua impessoalidade é vista como uma reação ao excesso de emoção no expressionismo abstrato. Os precursores da joalheria de arte contemporânea Em curto prazo, as múltiplas idéias revolucionárias das artes visuais interferiram, marcando em definitivo, com suas novas descobertas, a arte tradicional da joalheria. A primeira grande mostra de jóias contemporâneas foi em 1961 no Goldsmiths’ Hall de Londres. Essa exibição deu impulso ao movimento de que o uso de recursos alternativos na joalheria não se traduz em insignificância artística. Verificava-se na época, quanto mais valorosa fosse uma gema, menos imaginativa e estética era sua cravação, visando fins lucrativos. Falta de ouro e outros materiais preciosos na Alemanha Oriental, fizeram com que seus artistas recorressem aos sintéticos e reciclados para compor suas peças, como ocorrera no período Art Nouveau e Déco. O surgimento de algumas galerias só para jóias de arte foi oportuno, coincidindo com a atribuição de qualidades formais a essa joalheria, isto é, o artista-criador passou a ter sua autoria reconhecida. Foi inaugurado também em 1961 o primeiro museu de joalheria de arte em Pforzheim – o renomado Schmuckmuseum.
Anos 60 Nos primeiros anos da década, pintores abstratos expressionistas influenciaram o trabalho assimétrico e orgânico dos ingleses John Donald e Andrew Grima. Outros precursores desse período são: os
alemães Klaus Ullrich(Fig.1), com uso de ouro revenido nas suas jóias primeiro abstratas e depois geométricas, e Ebbe Weiss-Weingart, por suas texturas investigativas que enaltecem a utilização de recursos naturais; o escultor italiano Arnaldo Pomodoro(Fig.2), do movimento Informal, com seus relevos e elementos reduzidos a tensão mecânica que se transforma em tensão visual; os holandeses e artistas pop Gijs Bakker e sua mulher Emmy van Leerson, por suas jóias de dimensões macroscópicas, baseadas nos conceitos da Body Art que consideram o corpo um meio de comunicação; e a designer criativa, lapidadora de gemas com formas mais livres e autora de jóias, nascida na Áustria mas radicada na Inglaterra, Gerda Flöckinger (Fig.3). Foram seus o primeiro curso de joalheria experimental ministrado em escola de arte e a primeira exposição solo de jóias em 1971 no Victoria & Albert Museum.
Anos 70 Não há divisão entre as décadas, apenas a continuidade dos processos em desenvolvimento. Inaugurou-se no início dos anos 70 a f amosa Escola de Joalheria Contemporânea de Pádua, fundada por Mário Pinton, Giampaolo Babetto e Francesco Pavan.Rejeitando símbolos conservadores, as substâncias poveras, como os sintéticos, foram introduzidas na joalheria, pelo holandês Robert Smit, citado mais adiante, e pelo alemão Claus Bury, que deu aulas na América, Austrália, Inglaterra e em Israel. O público curioso passou a freqüentar ateliers e galerias. Diversos artistas tornaram-se célebres nessa época: o engenheiro alemão Friedrich Becker (Fig.4), que lançou nas suas peças a arte da cinestesia, fazendo com que as obras se movessem de acordo com os movimentos do usuário; o japonês Yasuki Hiramatu, por seu domínio da arte da ourivesaria e suas idéias singulares, como a alusão que fez ao “papel amassado” no ouro; o alemão Peter Skubic, que ganhou sua reputação por dominar, mesclando com maestria, geometria e tecnologia; o casal inglês David Watkins e Wendy Ramshaw, com suas formas abstratas multicor, minimalistas e high-tech; o alemão Reinhold Reiling (Fig.5), construtivista influenciado pelo tachismo, que foi um dos primeiros a transpor para a joalheria os princípios das artes visuais; o suíço Othmar Zschaler (Fig.6), com suas jóias instigantes que sobrepõem várias camadas em ouro; o escultor italiano Bruno Martinazzi, (Fig.7) por suas peças conceituais ergonômicas, com caimentos perfeitos, que tratam das questões tridimensionais; e o alemão oriental Hermann Jünger (Fig.8), que redefeniu a joalheria de arte usando elementos de desenho e pintura coloridos por gemas, baseados nos ideais modernistas da Bauhaus. Várias obras suas poéticas, apresentadas em displays especiais, são montadas por quem as usa de acordo com a ocasião.
Anos 80 Esses anos são também conhecidos como: “a década do design”. Novas lapidações com formas inovadoras e geométricas suavizaram a joalheria minimalista que veio para ficar, tornando-se mais do que apenas uma tendência. Artistas-joalheiros tiveram a partir dessa data a oportunidade de participar de exibições internacionais, tais como a Ornamenta 1 e a Documenta 8, conhecendo outras culturas. O sul-africano Daniel Kruger , por exemplo, utilizava gemas brutas na sua joalheria que surtiam mais efeito do que os materiais sintéticos e reciclados explorados por muitos no período. O alemão Manfred Bischoff (Fig.9) usou elementos da arte grafite nos seus trabalhos, ao lado de referências da arquitetura e história de arte. A americana Arline Fisch desenvolveu suas peças a partir de noções de crochê, tricô e tear, enquanto a inglesa Cathrine Martin fez pesquisas sobre a arte milenar japonesa de trançar para se inspirar. Repensando o sentido da função da jóia, as obras no final dos anos 80 do alemão Gerd Rothman buscavam incorporar marcas pessoais do dono, tais como suas
impressões digitais ou texturas de pele. Já Bettina Speckner , sua conterrânea, com seu Aide Memoire, criou através de registros em fotos, elos de ligação com as lembranças afetivas dos usuários. Técnicas tradicionais de ourivesaria foram reinterpretadas e reinventadas de tal forma que as mudanças no período modificaram em definitivo o rumo e os conceitos da joalheria contemporânea.
Anos 90 As jóias das indústrias e grandes marcas passaram a se identificar cada vez mais com a moda, regida pelos atributos físicos dos materiais, em detrimento de estilos. Giampaolo Babetto, (Fig.10) inspirado pelas proporções dos arquitetos Palladio e Mies van der Rohe (responsável pela famosa frase: “menos é mais”), exerceu grande influência sobre essa geração de artistas joalheiros. Para o professor neoconstrutivista da Escola de Pádua, a jóia de arte deve poetizar a técnica, minimizando seus efeitos. Pessoas mais conscientizadas social e culturalmente sempre se encantarão com as obras de grandes mestres, tais como: a alemã Angela Hube, com seus anéis arrojados de conteúdos cognitivos; o casal alemão Tom e Jutta Munsteiner (Fig.11), com designs cleans criados por Jutta, a partir das gemas esculpidas artisticamente por Tom, destacando características únicas; o minimalista Roberto Smit (Fig.12), com sua linguagem formal espirituosa, extremamente original; e o nascido em Marrocos, mas estabelecido na Alemanha,Michael Zobel (Fig.13), por suas inventivas técnicas de solda de ligas diversas, que criam novas possibilidades na joalheria, entre muitos outros nomes.
Século XXI O novo milênio era antecipado como a era das linhas puras, da alta tecnologia... Mas fomos todos surpreendidos mais uma vez com o rococó do barroco. Artistas fazem releituras dos desenvolvimentos do passado e passado recente para fugir das dificuldades do presente. Computador e globalização, por exemplo, derrubando fronteiras, passaram a aumentar a quantidade, mas não necessariamente a qualidade das informações. No entanto, a arte só evolui através das experimentações e pesquisas comprovadamente investigativas. Todo novo conhecimento adquirido por um artista amplia sua visão criadora e poética. Modificações que ocorrem na sociedade e nos meios da academia e produção são refletidas também na joalheria de arte, uma vez que artistas criam mensagens de conteúdo social e político, que vão além dos valores estéticos, não importa quais sejam os materiais explorados. Os artistas-criadores que se destacarem nesses primeiros anos do milênio só se tornarão conhecidos no final da próxima
década, quando tiver transcorrido o tempo necessário para uma avaliação mais precisa. Mas já constatamos que símbolos capitalistas de status deixaram de ser objetos de desejo dos consumidores, que agora buscam por identificações com resgates mais afetivos. Mesmo assim, a ênfase hoje no cenário da jóia é ainda dada às formas orgânicas com cores de tons fortes, que apelem para sensualidade e erotismo. Quaisquer que sejam os caminhos do futuro, a obra conceitual será sempre uma fonte de prazer, porque a arte se relaciona com os estados psicológicos do homem: seus sentimentos, seu gosto, sua sensibilidade. Na arte, o poder de fascinar e inspirar tem que inventar o por fazer e como fazer de forma original, isto é, sem revivals.
*Cathrine Clarke Tem seu atelier em Ipanema, a Kate’s Jewelry. Designer formada em Letras, estudou Ourivesaria, Design de Jóias, Modelagem em Cera, Gemologia e hoje se dedica ao aprendizado das Teorias de Arte. Em 2003 foram exibidas “Jóiasesculturas”, no Jóia Brasil, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, e “Jóiaspinturas”, nas exposições itinerantes do Jóias da Cor do Brasil, em São Paulo e Brasília, que serão mostradas na Europa e nos EUA, no decorrer desse ano. Premiada internacionalmente por Design de Pérolas 2001 do governo do Japão e por “Achievements in Inventiveness 2002” do grupo suíço Europa Star, Kate escreve ainda para a revista Ventura sobre a joalheria de arte. Para mais informações, acesse o sitewww.katesjewelry.com.br .
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