A Antropologia Situacional de Michel Agier
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Artigo que aborda a proposta teórica e metodológica de Michel Agier no que se refere à construção de uma antropologia da...
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS
A ANTROPOLOGIA DE MICHEL AGIER: UMA PROPOSTA DE COMPREENSÃO DAS CIDADES Lucas Tibo Saraiva 1 RESUMO O presente artigo tem por objetivo refletir sobre a perspectiva de Michel Agier no que se refere à construção de uma “antropologia da cidade”, centrando -se nas suas principais dicas teóricas e metodológicas a respeito de uma possível compreensão compreensão da dinâmica das cidades hodiernas. Para isso, faremos uma rápida incursão nas escolas de Chicago e Manchester, com as quais Agier mantém diálogo constante. Em seguida, nos debruçaremos nos ensinamentos teóricos do autor que contribuem para uma “antropologia da cidade”. Depois, focaremos nossas anális es nos ensinamentos metodológicos do autor para uma investigação empírica dos espaços urbanos. Por fim, concluiremos fazendo um balanço geral sobre a proposta de antropologia de Michel Agier, dando ênfase na abordagem situacional da qual ele compartilha. Palavras - Chave : Abordagem situacional; antropologia da cidade; dicas teóricas; dicas metodológicas. INTRODUÇÃO Michel Agier é um antropólogo francês que vem se destacando no cenário internacional por pesquisas etnográficas em diversas partes do mundo, como na África, nas cidades de Lomé, no Togo e Douala, em Camarões e na América do Sul, nas cidades de Tumaco e Cali, na Colômbia e em Salvador, no Brasil. Mais recentemente, o autor tem feito estudos em campos de refugiados espalhados espalhados pelo mundo, com destaque para os campos campos localizados ao norte da África e na Palestina. Talvez por ter feito estudos em contextos urbanos latino – americanos, a obra de Michel Agier ganha um sentido muito mais profundo para a compreensão de nossas cidades que vivenciam tantos problemas sociais. Apesar de fazer parte da tradição intelectual da Europa, o autor propõe um modelo de antropologia que rompe com os ideais ocidentais de cidade e nega as relações de dominação que historicamente caracterizaram o pensamento antropológico. A perspectiva do autor é fazer uma
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Acadêmico do 5º período de Ciências Sociais da UNIMONTES. Trabalho apresentado como requisito de avaliação da disciplina Antropologia da Cidade, ministrada pelo professor João Batista de Almeida Costa. Dezembro de 2014
“antropologia da mudança social”, que procure apreender a dinâmica urbana a partir dos espaços segregados e marginalizados das cidades (AGIER, 2011, p.38). Agier estabelece diálogos com a escola de Chicago e de Manchester, evidentemente fazendo releituras críticas acerca dos pensamentos dessas duas escolas. A escola de Chicago se insere nas décadas de 1920 e 1930 e está em um contexto de urbanização descontrolada nas principais cidades norte-americanas. Chicago, por exemplo, comportava mais de três milhões de habitantes nessa época (AGIER, 2011, p.63). Nesse sentido, pesquisadores como Robert Park, Robert Redfield, Louis Wirth tinham a tarefa de compreender as problemáticas urbanas que se configuravam, como aumento da violência e criminalidade, prostituição, desemprego etc. A perspectiva teórica e metodológica desses autores está muito envolvida nas concepções positivistas e funcionalistas que vigoravam na época. Assim, o que se percebe nos escritos desses autores é uma demasiada atenção a temas como “controle social”, “ anomia”, “desvio” e “ patologia social”. Agier critica essas concepções bem como as comparações idealizadas do mundo urbano com o mundo rural e a ideia de isolamento e solidão que caracterizaria irremediavelmente o indivíduo residente nas cidades (IBIDEM, p.64-65). Dessas considerações, surge a questão: será que o indivíduo se encontra tão isolado assim dentro das cidades? Será que não se relaciona com o lugar em que vive e com as pessoas que convive cotidianamente? A escola de Manchester já aparece em um contexto diferente: décadas de 1940 e 1950, em um processo de descolonização afro-asiática. Nesse sentido, autores inspirados no antropólogo britânico Max Gluckman começam a fazer trabalhos de campo exatamente nas cidades africanas que começavam um processo de urbanização. Esses autores eram Van Velsen, J. A. Barnes e Clyde Mitchell, que começaram a desenvolver novos métodos para se analisar as sociedades africanas urbanizadas. A pesquisa etnográfica ganha relevo nesse contexto, pois privilegia o estudo de situações específicas em contextos sociais específicos, cujo enfoque está no comportamento e nas interações que os atores sociais estabelecem. Essa escola será muito importante para Agier, pois dará as bases para a construção de uma antropologia da cidade com uma abordagem situacional.
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS PARA UMA ANTROPOLOGIA DA CIDADE Para Michel Agier, a cidade se configura como um fazer constante de seus habitantes. Por isso a experiência etnográfica é de suma importância, pois o
antropólogo, nesse caso, tem por objetivo elucidar esse fazer cotidiano a partir da ótica dos próprios habitantes. É nesse contexto que surge a “cidade bis”: a cidade construída pelo pesquisador a partir dos citadinos. O antropólogo deve esquecer a cidade e dar ênfase na maneira como os habitantes a veem, a sentem, a percebem (AGIER, 2011, p.19). A pergunta principal que se deve fazer quando se resolve analisar a dinâmica nas cidades não é “o que é a cidade”, mas sim “o que faz a cidade”, ou seja, como as pessoas vão construindo a cidade a partir de suas relações cotidianas, constituindo redes de sociabilidade e dando significado aos espaços vividos (IBIDEM, p.20-21). É exatamente pelo fato da cidade ser feita e refeita todos os dias pelos seus habitantes que ela vai se tornando familiar. As pessoas tornam os espaços urbanos familiares na medida em que se apropriam deles, dando sentido a eles (IBIDEM, p.108). O que é interessante é como esses espaços familiares da cidade se contrastam com as visões de “fragmentação” e “solidão” que frequentemente são veiculadas pela sociologia urbana. Ora, o que Michel Agier coloca é que a cidade abarca tanto o “lugar ” como o “não lugar ”. Enquanto o primeiro é o espaço da sociabilidade, do convívio, da troca cultural e simbólica, o segundo é percebido “[...] a partir da experiência da passagem, do tráfego ou da deambulação urbana, e é caracterizado pelos excessos de „sobremodernidade‟” (IBIDEM, p.112, grifos do autor). É nesse “não lugar ” que o indivíduo se encontra atomizado e isolado. Mas o que prevalece na cidade? Lugares ou não lugares? O que ocorre, segundo Agier, é uma simultaneidade entre o conhecido e o desconhecido. Ora conhecemos e nos identificamos com determinados espaços, ora encontramos espaços estranhos e desconhecidos dentro da cidade (IBIDEM, p.116). Dentro dessa discussão, Agier coloca que: A possibilidade de conceber a cidade familiar supõe uma clara consciência da distinção entre a cidade que se vê ou se acredita vê – a dos outros e do desconhecido – e a cidade que se vive, que se apropria de múltiplas maneiras. Independentemente das formas materiais que ela é chamada a ter, a dimensão familiar da cidade é uma parte essencial da vida na cidade – e, por conseguinte, da vida das cidades. É ela que permite a ancoragem social mínima de cada um, o seu mínimo social vital, em certa medida, tal como é vivido nos detalhes do cotidiano (IBIDEM, p.115).
Para Agier, os citadinos atribuem significado aos espaços urbanos por meio de um conjunto de valores, ideias e práticas sociais. O aspecto cultural tem centralidade para a compreensão das cidades. Como se processa a cultura das cidades? Através dos
embates e dos encontros entre identidades múltiplas que a constroem. O antropólogo francês dá atenção especial aos processos de “criação cultural” que se desenrolam no bojo da diversidade cultural que caracteriza as cidades em tempos de globalização, sendo que esses processos devem ser apreendidos em níveis “microsociais”, atentandose para os vários tipos de situações que se configuram nos espaços urbanos (AGIER, 2011, p.147). Se o aspecto cultural tem relevância na obra de Michel Agier, o aspecto político não fica para trás. O autor reflete sobre o esvaziamento da política na cidade, sobre a perda do sentido de “comunidade política”. As fragmentações dos espaços urbanos contribuem para isso. Porém, a cidade periodicamente recupera o sentido de “comunidade” em determinados momentos: manifestações políticas e festas de rua são momentos exemplares em que os habitantes da cidade se encontram reunidos. Há, pois, manifestada, a política, entendida como a capacidade do diálogo, da troca, da comunicação verbal e simbólica entre os participantes . Nas palavras de Agier: “A política emana de uma parte do todo que é mais do que a soma das partes (com as suas próprias ideias feitas), não está ligada à composição e às divisões do corpo social, distinguindo-se, assim, de qualquer política identitária” (IBIDEM, p.178). Os momentos de comunidade política são efêmeros e quebram a rotina da cidade. Se constituem do encontro de pessoas que comumente se desencontram, quer dizer, é o encontro de variadas identidades que por um momento reivindicam, festejam, protestam (IBIDEM, p.179-180). Nesse contexto, a rua vira o espaço de liberdade, de inventividade, de discussão e interação entre as diferentes identidades que compõem a cidade. A proposta de uma antropologia da cidade inicia-se em 1999 com a publicação de “L‟invention de La ville”, livro que “questionava a necessidade e a possibilidade de um conhecimento antropológico na e da cidade” (IBIDEM, p.32, grifos do autor). Esse conhecimento antropológico se daria por três entradas: lugares, situações e movimentos (IBIDEM, p.19). Essas entradas são importantes pelo fato de nos remeter às investigações que devem ser fei tas “in loco”, mas sem perder de vista o sentido de totalidade nas análises empreendidas. Dessa forma: O antropólogo encontra na investigação urbana uma fonte inesgotável de problemáticas híbridas e complexas: pode destacar as exclusões e os fechamentos, por um lado, e os encontros e as aprendizagens, por outro, mas pode também aproveitar essa complexidade para procurar o ponto de equilíbrio entre “o sentido do lugar e a liberdade do não lugar” (IBIDEM, p.35-36).
A antropologia da cidade abarca uma série de saberes que servem para a compreensão das cidades. Por isso, o conhecimento antropológico da cidade, para Agier, pode e deve transcender a antropologia, estando a serviço de todos. Esse tipo de conhecimento antropológico não trabalha com os conceitos normativos da cidade, como o tamanho da população, a extensão territorial etc. Como já foi dito, a cidade enquanto estrutura física e espacial importa menos do que a diversidade cultural e simbólica que nela se desenrola (IBIDEM, p.36). Nesse sentido, a proposta de uma antropologia da cidade: [...] implica um descentramento do olhar e um “esquecimento” metodológico das definições passadas. As cidades clássicas, medievais, industriais da história europeia forneceram as referências e as ordens de grandeza que se tornaram a medida das aglomerações humanas do resto do planeta, ainda hoje. Mas, no momento em que o fantasma da “não cidade” toma conta do primeiro mundo, as questões e consequências de outro pensamento sobre a cidade devem ser globalizadas, pensadas em escala planetária (IBIDEM, p.43).
A proposta de uma antropologia da cidade deve estar em sintonia com o mundo globalizado que acarreta uma série de problemas urbanos de ordem planetária. Espaços de segregação e pobreza são identificados tanto nos países ricos como nos pobres. É por isso que a antropologia da cidade tem muito a contribuir para o entendimento e superação dessas problemáticas. Ainda precisa ser mais valorizada pelos gestores e administradores das cidades para que de fato possa ser integrada ao planejamento urbano.
ENSINAMENTOS METODOLÓGICOS PARA UMA ABORDAGEM SITUACIONAL
Os ensinamentos metodológicos de Michel Agier são dicas importantes para uma incursão empírica nos espaços urbanos. São, na ótica de Agier , “noções intermediárias” que fazem um balanço entre as abordagens totalizantes e os estudos microssociais sobre a cidade. Essas noções que guiam o pesquisador das cidades são as de região, de rede e de situação. A região é um tipo de separação imaterial que é feita pelos habitantes de acordo com os símbolos que cada parte da cidade detém. Dessa forma, criamos distâncias sociais em relação a determinadas partes da cidade. Agier resgata esse
conceito a partir de estudos urbanos de R. Park, que trabalhava com o termo “região moral”. O problema é que Park naturaliza as segregações sociais existentes dentro dos espaços urbanos. Agier avalia isso, mas mesmo identificando esse erro metodológico do pesquisador da escola de Chicago, coloca que o uso da categoria de “região” é muito pertinente para se fazer estudos empíricos, pois por meio dessa categoria, consegue-se apreender o sentido que os citadinos atribuem aos espaços da cidade. Assim sendo, essa noção intermediária “Corresponde a uma cartografia imaginária dos citadinos que vivem em certas partes da cidade continuando a ter, sobre os outros espaços, pelo menos algumas experiências, ideias ou imagens” (AGIER, 2011, p.67). Outra vinculação importante que se pode estabelecer é a de região e identidade. Identificamos pessoas de acordo com o bairro ou com a região a qual pertence. Em suas pesquisas etnográficas na cidade de Salvador, o antropólogo francês identifica o bairro da Liberdade como uma região moral. Apesar desse bairro ser antigo e mestiço, a imagem que se tem dele é de um bairro negro e para muitos perigoso (IBIDEM, p.70). Nesse sentido, cria-se uma distância social que supera a distância física. É isso que nós fazemos cotidianamente: separamos o espaço urbano de acordo com nossas pré – noções sobre determinadas partes da cidade. Outra noção intermediária elencada por Agier é a de rede. As redes são os laços estabelecidos pelos citadinos em determinadas situações. (IBIDEM, p.77-78). São, em outros termos, redes de sociabilidade que são construídas pelos habitantes e que devem ser observadas pelo pesquisador. Segundo o autor, as redes têm três características básicas: a ancoragem, o desenvolvimento das redes e a qualidade. A primeira tem haver com a posição social que o citadino possui; o segundo nos remete ao estudo de Barnes sobre esse tema, em que o representante da escola de Manchester “[...] distingue as interações numa „estrela de primeira ordem‟ e noutra de segunda ordem: primeiro tem -se o conjunto das redes diádicas de X (cabeça de rede), em seguida as relações diádicas que partem de cada ponto dessa primeira estrela e formam as relações de segunda ordem ” (IBIDEM, p.78). A terceira característica, a de qualidade, tem haver com a natureza da rede, ou seja, sobre o conteúdo de sua constituição, sobre sua finalidade, sobre seus integrantes. Em seus estudos no bairro da Liberdade, em Salvador, Michel Agier observa e distingue redes masculinas e femininas. As primeiras estão vinculadas aos bandos ou grupos que se formam no bairro. Esses bandos passam a ter um código próprio, a se apropriarem de determinadas partes do bairro e não são necessariamente
criminosos (IBIDEM, p.80-82). Já as redes de mulheres estão mais ligadas ao espaço doméstico: as casas são conhecidas, muitas das vezes, pela “dona da casa”. Essas donas de casa e suas filhas estabelecem interações cotidianas com suas vizinhas e costumam desempenhar muitas funções para ajudar ou bancar as despesas da casa (IBIDEM, p. 8384). Assim sendo, o uso analítico das redes permite ao pesquisador apreender com mais propriedade as interações que se desenrolam no dia a dia entre os habitantes de um bairro, uma região etc. Abre uma janela também para a ideia de fluxo, de movimento dentro dos espaços urbanos. A terceira e última noção que Agier nos traz é a de situação. Para o autor, o uso dessa categoria “liberta o observador do constrangimento monográfico habitual à etnografia. Porque não são os limites espaciais que definem a situação, mas os da interação” (IBIDEM, p.73). O que im porta na análise da situação é o modo como se configura a interação e o contexto que abarca tal interação. O antropólogo francês resgata essa perspectiva situacional da escola de Manchester, mais especificamente de J.C. Mitchell. Para esse autor, a situação abrange um sentido interno, quer dizer, os atores atribuem um significado à interação, estabelecem momentaneamente uma comunicação. Mas há também os condicionantes externos da situação, que dizem respeito ao espaço, as diferenças étnicas e econômicas, ao sistema político e administrativo da cidade etc. O que Agier destaca no uso metodológico da situação é que: A abordagem situacional não exclui, por conseguinte, a “realidade” dos espaços urbanos, mas os engloba em sua definição em vez de ser definida por eles (como acontece na monografia de bairro, por exemplo). Pelo contrário, certos lugares podem ser plurissituacionais em função do momento do dia e do envolvimento dos atores presentes (IBIDEM, p.75).
O uso metodológico da “situação” dá ênfase, como se percebe, nos indivíduos em interação. É, pois, um tipo de análise que é efêmera, fluida, pois depende de momentos que sucedem em determinados contextos. O pesquisador deve ter, portanto, astúcia e agilidade para empreender tais análises. Depois de ter explicado a noção intermediária de “situação”, o antropólogo francês elabora quatro tipos de “situações elementares da vida urbana”. São elas: situações ordinárias, extraordinárias, de passagem e rituais.
As situações ordinárias são as situações rotineiras da vida que estão atreladas a um espaço e a redes de sociabilidade previsíveis. Os ambientes de trabalho são os exemplos mais nítidos. Nesses ambientes, já estamos familiarizados com as pessoas ao nosso redor e com o local ao qual estamos inseridos (AGIER, 2011, p.93). As situações extraordinárias são momentos atípicos da vida, situações inusitadas, em que o espaço importa menos do que as relações que se estabelecem momentaneamente entre os indivíduos. Segundo Agier, “[...] essas situações só adquirem um sentido social se forem objeto de um mínimo de interpretação e comunicação entre os atores em presença e se puserem em ação alguns elementos identificáveis da ordem social, a qual é contestada [...]” (AGIER, 2011, p.94). Uma situação de um roubo, de um acidente, de uma pessoa que passa mal no meio da rua constituem exemplos de situações extraordinárias que acabam rompendo com a rotina e envolvendo momentaneamente as pessoas. As situações de passagem são os trajetos usados pelos habitantes da cidade. Nessas situações, há uma proximidade maior entre o indivíduo e o espaço. A ideia de fluxo, de movimento se encontra presente. Exemplos dessas situações podem ser o ponto de ônibus que o sujeito costuma usar, ruas, avenidas que estamos ou não familiarizados etc. (IBIDEM, p.95-96). Por último, há as situações rituais, que se caracterizam por momentos em que a relação indivíduo-espaço-sociabilidade se torna mais perceptível. Festas de rua, carnavais, ritos religiosos, manifestações políticas são exemplos desse tipo de situação. A efemeridade é uma característica marcante das situações rituais, bem como sua capacidade criadora e simbólica. As manifestações de Junho de 2013, por exemplo, reuniram multidões em todo o país e criaram um movimento de contestação da ordem política vigente. “O gigante acordou” era o lema que simbolizava a identidade de um povo que amargurava a tempos os descasos do poder público para com sua população, mas que f inalmente “acordava” para reivindicar seus direitos. Nas manifestações em si, se percebia um duplo movimento: a identificação dos manifestantes entre si, com trocas de olhares, gritos idênticos e adereços parecidos (apitos, bandeiras etc.) e uma identificação dos manifestantes com os espaços que eram palco das manifestações.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Tanto os ensinamentos teóricos quanto os metodológicos propagados por Michel Agier são de muita valia para quem deseja explorar a dinâmica das cidades
hodiernas. A proposta de uma antropologia da mudança social é uma proposta “progressista”, não conservadora, que se importa mais com as transformações sociais que se desenrolam nos espaços urbanos do que com o que vai se perdendo e se deteriorando. Essas transformações nascem majoritariamente dos espaços de pobreza que a cidade abarca. Partir desses espaços segregados para entender a cidade é adotar uma posição esclarecedora e sem preconceitos com relação aos problemas sociais que se configuram em nossas cidades modernas. O prisma de análise fundado nos habitantes da cidade é outro ponto importante elencado pelo autor. Ora, são os próprios citadinos que, mantendo interações cotidianas, fazem a cidade, dão “vida” a ela. Essa perspectiva nos ajuda a refutar aquelas teorias que colocam a cidade somente como espaços fragmentados, em que os indivíduos se encontram irremediavelmente isolados uns dos outros. O que Agier nos ensina é que existem espaços de fragmentação (não lugares), mas espaços de sociabilidade também existem (lugares), pois a capacidade criadora dos citadinos não se perde. A proposta metodológica do antropólogo francês fundada nas noções intermediárias de “região”, “rede” e “situação” são, de fato, janelas importantes para uma investigação empírica dos espaços urbanos. Mais especificamente, a noção de “situação” se faz fundamental para que o foco das análises se direcione para os indivíduos em interação. Diante do que foi exposto, consegue-se concluir que Michel Agier constrói uma verdadeira antropologia da cidade, com bases teóricas e metodológicas pertinentes com a realidade de mundo globalizado que predomina atualmente. Essa antropologia trabalha com uma abordagem situacional, que permite ao pesquisador compreender a cidade a partir de “cenas” que nela se desenrolam e que são construídas pelos próprios citadinos.
REFERÊNCIAS AGIER, Michel. Antropologia da Cidade : lugares, situações, movimentos. Trad. Graça Índias Cordeiro. São Paulo: Terceiro Nome, 2011. (Antropologia Hoje). SPAGGIARI, Enrico. Resenha de Antropologia da Cidade : lugares, situações, movimentos. Disponível em: http://www.pontourbe.net/edicao9-resenhas/216antropologia-da-cidade-lugares-situacoes-movimentos. Acesso em: 15 dez. 2014.
CANCIAN, Renato. Escola de Chicago – Contexto histórico : Pesquisas centradas no meio urbano. Disponível em http://educacao.uol.com.br/disciplinas/sociologia/escolade-chicago---contexto-historico-pesquisas-centradas-no-meio-urbano.htm. Acesso em: 15 dez. 2014.
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