61022 - Introdução à Economia - (Apontamentos) Jorge Loureiro

February 23, 2018 | Author: Hugo Rodrigues | Category: Economics, Science, Scientific Method, Axiom, Sociology
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61022 - Introdução à Economia - (Apontamentos) Jorge Loureiro...

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61022 – Introdução à Economia

Apontamentos de: Jorge Loureiro E-mail: [email protected] Data: 19.09.2008 Livro: Introdução à Economia (João César das Neves) Nota: Matéria referente ao ano lectivo 2007-2008 (Mestre Rafael Branco)

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1. Princípios fundamentais da Economia 1.1. A Economia 1.1.1. Origem da Economia O que é a Economia? Esta é a pergunta natural no início da abordagem a esta ciência. A possibilidade de uma definição exacta será discutida adiante, mas logo de entrada é importante ter consciência da existência e da importância dos problemas económicos.

1.1.1.1. A Economia é essencial É importante ter presente que a Economia está ligada ao essencial da vida de cada um. Somos incapazes de produzir as coisas mais básicas: um pão, um fósforo, uma lâmpada, um par de calças, um motor de automóvel. Foi a compreensão desta ideia que deu início à teoria económica. ADAM SMITH (1723-1790) O Ensaio sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações demonstrava, com múltiplos exemplos, como, naturalmente, as relações económicas se ordenavam de forma espontânea, formando um sistema harmónico. O interesse por esta visão foi grande, não só nos salões elegantes mas também nas universidades e meios políticos, nascendo uma ciência para estudar esse sistema e fazendo de Smith o Pai da jovem Economia.

Esta ideia, tão simples mas tão importante, colocou-a Smith logo no início do seu livro, com a história do casaco de lã, hoje célebre, que demonstra bem o fascínio que motivou Smith: «... Por exemplo, o casaco de lã que cobre um jornaleiro, por mais grosseiro e tosco que possa parecer, é o produto do labor combinado de grande número de trabalhadores. O pastor, o classificador da lã, o cardador, o tintureiro, o fiandeiro, o tecelão, o pisoeiro, o curtidor, e muitos outros, têm de reunir as diferentes artes para que seja possível obter-se mesmo este produto comezinho. E quantos mercadores e carreteiros hão-de, além disso, ter sido empregados no transporte dos materiais de uns desses trabalhadores para os outros, que, muitas vezes, vivem em regiões do país muito distantes! Quanto comércio e quanta navegação especialmente, quantos construtores navais, marinheiros, fabricantes de velas e de cordas terão sido precisos para reunir as diferentes drogas usadas pelo tintureiro, que muitas vezes provêm dos mais remotos cantos do Mundo! E que variedade de trabalho é ainda necessário para produzir as ferramentas do mais ínfimo desses trabalhadores! Se examinássemos da mesma forma as diferentes partes que compõem o seu vestuário e a mobília da sua casa, a camisa de linho que usa junto à pele, os sapatos que lhe protegem os pés, a cama em que se deita e as várias partes de que se compõe, o fogão de cozinha em que prepara os seus alimentos, o carvão que utiliza para esse fim, arrancado às entranhas da terra e trazido até ele provavelmente depois de uma longa viagem por terra e por mar, todos os outros utensílios da sua cozinha, tudo aquilo que utiliza na sua mesa, as facas e os garfos, os pratos de barro ou de estanho, nos quais serve e divide os seus alimentos, as várias

4 mãos necessárias para produzir o seu pão e a sua cerveja, a vidraça que deixa entrar o calor e a luz e o protege do vento e da chuva, com todo o saber e a arte exigidos pelo fabrico dessa bela e feliz invenção sem a qual dificilmente se poderia proporcionar locais de habitação muito confortáveis nestas zonas frias do mundo, e ainda todas as ferramentas a que os operários empregados na produção de todos esses bens têm de recorrer; se examinarmos todas essas coisas, dizia eu, e considerarmos a variedade de actividades incorporada em cada uma delas, tornarse-nos-á claro que, sem a ajuda e cooperação de muitos milhares, as necessidades do cidadão mais ínfimo de um país civilizado não poderiam ser satisfeitas, nem mesmo de acordo com aquilo que nós muito falsamente imaginamos ser a forma simples e fácil como elas são habitualmente satisfeitas. Na verdade, comparadas ao mais extravagante luxo dos grandes, as suas necessidades parecem, sem dúvida, extremamente simples e chãs; e, no entanto, talvez seja verdade que a satisfação das necessidades de um príncipe europeu não excede tanto a de um camponês industrioso e frugal, como a deste excede a de muitos reis africanos, senhores absolutos da vida e da liberdade de dez mil selvagens nus.» [Smith (1776), vol. 1, págs. 89-91.] Foi a compreensão do facto de que esta realidade, tão complexa e intrincada na aparência, funcionava de forma tão regular e coordenada, sem que ninguém dela cuidasse, que deu origem ao estudo da Economia. E Smith sublinhava não só que a complexidade do sistema não impedia uma eficiência nos resultados, como também levava a que as suas diferenças internas, embora importantes, fossem muito pequenas em comparação com as diferenças que o separavam dos outros sistemas (a distância de nível de vida entre o príncipe e o jornaleiro é muito menor do que a que separa o jornaleiro do rei indígena, na expressão datada de Smith). Esta maravilha fascinou Adam Smith e justificou um estudo que ele iniciou: a Teoria Económica. É importante notar que esta descoberta fez-se quase na altura em que Lavoisier na Química, Newton na Física, Mendel na Biologia e tantos outros, encontravam a mesma harmonia nos vários aspectos da Natureza. Não se tratava de encontrar leis naturais, onde o instinto ou outras forças profundas prendessem a realidade nessa harmonia. Era o encontrar dessa ordem na própria acção humana. Na verdade, se cada um de nós tivesse de produzir tudo o que precisa e consome, da comida aos talheres, dos transportes ao mobiliário, não lhe seria possível possuir um décimo do que consome. Mas, no fundo, cada família produz o que consome. Só temos o que consumimos por troca. Este, como veremos, é um dos princípios essenciais da Economia. A troca está na base da nossa economia e, se ela falhasse, o nível de vida das sociedades desceria muito, mesmo que cada um continuasse a produzir o que produz. O sofrimento e a morte que esse facto provoca são consequências patentes da interrupção do funcionamento do sistema económico. A Economia estuda factos e fenómenos que são essenciais à vida concreta das pessoas e sociedades de sempre. Os temas que vamos tratar, por muito abstractos que pareçam, estão ligados

5 directamente a questões de que depende a prosperidade e o desenvolvimento do Mundo ou a fome de gerações e o desemprego de milhões.

1.1.1.2. A Economia é uma Ciência Estes problemas tão importantes e cruciais para a vida real das pessoas podem ser analisados de muitas formas diferentes. Visto que se trata de questões tão centrais para a vida de cada um, é normal que todos se preocupem em ter opiniões sobre elas. Na verdade, vamos apenas aqui tratar do que se chama a Ciência ou a Teoria Económica, que exige conhecimento rigoroso, sistemático dessa realidade. Tais regras têm como principal objectivo garantir que, nessa análise, não somos enganados por aparências, confusões, ideias feitas. Só que essas ideias feitas, do «senso comum», são muitas vezes puramente falsas. É fácil que toda a gente esteja plenamente convencida de algo que é completamente errado. Por exemplo, no século XV todo o mundo, especialistas e leigos, acreditou durante décadas na existência do Mar Tenebroso, onde viviam monstros que destruíam os navios. Quem afirmasse o contrário seria apelidado de louco. Foi a experiência directa, científica, dos Portugueses que eliminou esse mito. Muitas vezes o que parece, não é. Esta situação é o dia-a-dia das análises económicas. Os discursos de políticos, as notícias de jornais, as conversas de café estão cheios de ideias simples, atraentes, que parecem certezas indiscutíveis e que apenas denotam ignorância dos verdadeiros resultados rigorosos e científicos. A única forma que o ser humano (excepto se possui poderes mágicos) tem para evitar isto é, pois, através da análise científica, do estudo sistemático e rigoroso dos problemas. É isto que aqui vamos fazer. Como veremos, a Ciência Económica é composta por alguns princípios, poucos, muito simples, que devem ser sempre aplicados com inteligência. Desde que aplicados sempre, ninguém se engana. Se não o forem, como por vezes não são, dá erro. Aliás, esta é uma característica muito importante que, ao longo da história da ciência, se tem notado em quase todas as «boas» teorias ou doutrinas: – em primeiro lugar, a teoria baseia-se em poucos princípios, muito simples e de aplicação geral; – por outro lado, a aplicação desses princípios a cada caso particular exige um estudo detalhado da situação concreta. Como disse Milton Friedman, um grande economista ainda vivo: «[A Economia] é uma disciplina fascinante. O que a faz mais fascinante é que os seus princípios fundamentais são tão simples que podem ser escritos numa página, que qualquer pessoa os pode entender, e que, no entanto, tão poucos o fazem.» Mas, se os princípios essenciais são de aplicação geral, a sua concretização em cada caso gera resultados, prescrições completamente diferentes de situação para situação. Em Economia cada caso é um caso e não existem, como tantas vezes se observa nas propostas políticas reais, receitas de uso geral.

6 Esta ideia, essencial para qualquer tratamento da política económica, é captada de forma muito particular por um dos mais célebres mottos do grande Alfred Marshall: «A multiplicidade na unidade e a unidade na multiplicidade.» Nela, o mestre queria significar que, em Economia, é necessário encontrar as muitas causas de cada fenómeno, mas também procurar as muitas situações em que a mesma causa aparece. Daqui sai a segunda conclusão da nossa introdução: poucos são os que procuram ter dos problemas económicos uma visão rigorosa e científica. É importante ter consciência de que a maior parte das ideias comuns sobre Economia não passaram pelo crivo científico e, por isso, podem estar erradas. ALFRED MARSHALL (1842-1924) Marshall, sem nunca deixar de ser um professor inglês metódico, brilhante e erudito, foi o grande arquitecto da Economia moderna. Tomando as obras dos seus predecessores, integrando-as mas ultrapassando-as, Marshall, no fim do século XIX e princípios do século XX, ordenou e estruturou a ciência económica em moldes que ainda hoje são as traves mestras da disciplina. Os seus profundos conhecimentos matemáticos, os seus raciocínios cristalinos e as suas grandes preocupações morais, sobretudo com os pobres, foram os elementos essenciais para essa construção. Desenvolvendo a sua actividade sobretudo na Universidade de Cambridge, as suas principais obras são Princípios de Economia, de 1890, Indústria e Comércio, de 1919, e Moeda, Crédito e Comércio, de 1923.

1.1.1.3. A Economia é uma Ciência Humana O facto de o objecto da ciência económica ser o próprio ser humano traz à Economia algumas características especiais, que ela partilha com as outras ciências humanas (a psicologia, a sociologia, a antropologia, etc.). Em primeiro lugar, é de notar que esse facto torna a ciência muito mais difícil. É como jogar xadrez com peças que nunca estão paradas. O ser humano muda, é complexo e imprevisível. Se os resultados da análise da química, física, matemática se podem considerar imutáveis e obtidos de uma vez para sempre, nas ciências humanas a única garantia é que a certeza de hoje será contestada na nova realidade de amanhã. Por outro lado, uma enorme quantidade de problemas científicos nasce do facto de o analista e o objecto de análise serem da mesma natureza. Os resultados da análise tocam pessoalmente o analista, pelo que é difícil separar o resultado científico da opinião pessoal. Repare-se que, embora este aspecto seja típico das ciências humanas, ele está presente em toda a ciência sempre que esta toca um problema que afecte a vida de todos nós. A principal questão que resulta daqui é a distinção entre ciência e doutrina. A ciência, como vimos, descreve factos, estuda relações de forma o mais rigorosa e neutra possível, para evitar ser enviesada por erros ou confusões. Estas envolvem ética e julgamentos particulares, que são diferentes de pessoa para pessoa. A opinião de cada um, formada a partir do seu meio envolvente, da sua história concreta, dos seus interesses na vida, até dos seus estudos científicos particulares, é algo de pessoal e individual, que perdeu todas as características de generalidade e rigor do

7 resultado científico. Na prática pode ser difícil separar as duas coisas, pois muitos fazem passar por indiscutivelmente científico algo que não passa da sua opinião pessoal. No que toca às opiniões, o valor de cada uma é igual ao das outras. É por isso que nos sistemas democráticos os votos de todos e cada um são iguais, e não se dá peso à opinião do economista, do engenheiro ou do sociólogo nas votações sobre assuntos da sua especialidade. Assim, sobre um certo problema podem existir várias doutrinas, representando as várias opiniões. Essas doutrinas baseiam-se em conhecimentos científicos, mas não são ciência. As duas, ciência e doutrina, são essenciais para enfrentar um problema económico particular, mas têm papéis diferentes. A ciência garante o rigor da análise e a exactidão das conclusões; a doutrina define os objectivos e a linha de conduta. Esta distinção é particularmente importante na Economia, como nas outras ciências sociais, porquanto é fácil e corrente alguns confundirem as noções, apresentando opiniões discutíveis como ideias cientificamente demonstradas. É pois essencial, na análise de qualquer problema económico, buscar cuidadosamente quais das ideias presentes constituem resultados científicos e quais resultam da opinião doutrinal. Estes dois elementos estão sempre presentes, são ambos muito importantes, mas são diferentes e como tal devem ser tratados. É importante ainda notar a presença de um terceiro elemento que também aparece nessas discussões: o disparate. Uma boa análise económica tem de ter em conta o princípio essencial de toda a reflexão: nunca se deve subestimar a estupidez humana; o erro e o disparate aparecem por todo o lado e é sempre possível fazer pior do que se fez ou se previa.

1.1.2. Os princípios básicos de Economia Como é que a teoria económica enfrenta os grandes obstáculos que se lhe apresentam e estuda este agente tão variável, multifacetado e imprevisível? O método utilizado baseia-se na aplicação sistemática de dois postulados de base, muito simples e gerais. Estes dois princípios, que chamamos o postulado da racionalidade e o postulado do equilíbrio, constituem o essencial da abordagem económica e são os elementos caracterizadores da Economia em relação às outras ciências. Como veremos repetidamente ao longo do nosso percurso, é a partir destes princípios que todos os resultados económicos são obtidos, e a sua riqueza é tal que uma enorme quantidade de ideias, com grande interesse prático e relevância concreta, resultam destas ideias muito simples. Estes postulados são, hoje, justificados pelo facto de as teorias nele fundadas se terem mostrado eficientes. Mas a razão de fundo da sua escolha pode ser encontrada no tema do livro Principles of Economics de Alfred Marshall: «Natura non facit saltum», a Natureza não dá saltos. O verdadeiro significado destes axiomas, tão frequentemente confundido e mal compreendido, pode ser ilustrado brevemente com um exemplo muito simples e real e, à primeira vista, não económico.

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O PROBLEMA DO AUTOCARRO CHEIO Repare-se que a compreensão do comportamento deste sistema (o autocarro cheio de pessoas) é uma tarefa científica semelhante à tarefa do economista que pretende entender o comportamento do sistema económico. Uma das hipóteses de abordagem possível ao problema consiste em impor que os agentes que se encontram no autocarro são racionais. Trata-se da aplicação do postulado da racionalidade. Neste caso, a racionalidade significa que cada passageiro, no caso geral, vai procurar sair por aquela porta que está mais perto de si ou, em termos económicos, vai tentar minimizar o espaço percorrido, o esforço e o tempo despendido para obter o seu fim: sair do autocarro. «Sair pela porta que está mais perto» é a regra de conduta que cada um vai aplicar. Se está a chover ou se temos um amigo na parte de trás do autocarro, por exemplo, o comportamento racional leva a atitudes diferentes. O princípio básico da racionalidade é geral, mas a regra particular que dele foi deduzida só se aplica a certos casos, mesmo que seja à maioria, como no exemplo. Claro que pode haver alguém que, sem razão, queira sair pela porta mais distante, empurrando todos ou esperando para ser o último. Mas este caso é claramente uma excepção e a sua existência não vai perturbar significativamente o nosso estudo do esvaziamento do autocarro. Assim, o sistema (o autocarro) encontra um equilíbrio, que é como que uma racionalidade do grupo, onde cada um decide por si. Aplicamos assim o segundo postulado, o postulado do equilíbrio. Não é preciso que todas as pessoas em todos os autocarros obedeçam estritamente a esta regra para que, com esta ideia, se consiga explicar o esvaziamento normal dos autocarros no fim da carreira. Se os agentes são racionais e a sua interacção equilibrada, sabemos imediatamente o que esperar do sistema. Por exemplo, é de notar que a utilização do princípio da racionalidade ou da maximização do bem-estar não implica necessariamente comportamentos éticos. Uma pessoa pode ser delicada e, ao mesmo tempo, ao escolher a porta de saída do autocarro, procurar a que lhe está mais perto. Torna-se assim clara a verdadeira natureza dos axiomas e dos mecanismos económicos que deles derivam. Da sua aplicação resulta apenas a tentativa de evitar o desperdício e, por isso, eles são conceitos funcionais na sua essência. Ao supor-se que maximiza o lucro, exige-se apenas que o empresário tente usar da melhor maneira os recursos de que dispõe para prosseguir os seus objectivos, que podem ser os mais altruísticos. A questão de saber se uma pessoa será respeitosa ou não, depende da atitude de cada um, e nada tem a ver com o postulado da racionalidade. Todo o comportamento humano tem um valor ético. Mas, qualquer que ele seja, ele pode ser (ou não) racional. É também importante notar outra ideia que se pode deduzir do exemplo referido. Repare-se que, embora cada um esteja dedicado apenas à resolução do seu problema (o que, como vimos, nada tem a ver com egoísmo), consegue, sem dar por isso, resolver o problema global: o autocarro é esvaziado da maneira mais rápida possível. Este é o conceito da «mão invisível» que afirma que, se cada um prosseguir os

9 seus objectivos próprios, se consegue no fim o máximo bem-estar para todos. Adam Smith foi o primeiro a notar de forma sistemática este aspecto, e algumas das suas observações tornaram-se célebres: «Não é da bondade do homem do talho, do cervejeiro ou do padeiro que podemos esperar o nosso jantar, mas da consideração em que eles têm o seu próprio interesse.» Smith (1776), vol. I, pág. 95. «Cada indivíduo [...] não pretende, normalmente, promover o bem público, nem sabe até que ponto o está a fazer. Ao preferir a indústria interna em vez da externa só está a pensar na sua segurança; e, ao dirigir essa indústria de modo que a sua produção adquira o máximo valor, só está a pensar no seu próprio ganho, e neste caso, como em muitos outros, está a ser guiado por uma mão invisível a atingir um fim que não fazia parte das suas intenções.» Ibidem, I, 757-758. Mais uma vez é patente o fascínio de Adam Smith por um sistema que, de forma surpreendente, aparece ordenado naturalmente sem que ninguém directamente contribua para isso. Também neste caso, o conceito não apresenta qualquer conotação ética e pode também ser ilustrado pelo citado exemplo do autocarro. Se na saída for respeitado o princípio da minimização do espaço percorrido pelas pessoas, como impõe a hipótese do teorema, então metade dos passageiros, a situada na parte dianteira do autocarro, tenderá a usar a porta da frente e a outra metade a porta de trás. As duas portas estarão completamente ocupadas durante o processo de saída, conseguindo-se assim esvaziar o autocarro no mínimo de tempo. Esta ideia é talvez o aspecto mais importante do estudo económico da sociedade global: a sociedade funciona bem, sem que ninguém se preocupe com isso. Na verdade, uma das motivações essenciais do estudo da Economia residiu no interesse em compreender este sistema em que, de forma inesperada, surgiu uma ordem onde seria de suspeitar que reinaria o maior caos se ninguém impusesse a disciplina. Em todo este raciocínio nunca foram invocados conceitos éticos ou obtidos resultados valorizáveis subjectivamente. A solidariedade, noção eminentemente moral, não teve de ser chamada para a solução do problema global, e por isso, é aqui independente das análises de eficiência. Não é pois neste campo que se encontra o seu lugar na Economia e portanto não se procure aqui a sua aceitação ou recusa pela teoria económica. O carácter funcionalista desta noção é posto em destaque pelo facto de nem sempre ela ser verdadeira. Na verdade, ainda no exemplo do autocarro, existe uma hipótese adicional que teve de ser introduzida para a sua verificação: a colocação simétrica das portas. Considerando o tipo de veículo actualmente mais usado em Lisboa, a colocação das portas à frente e ao meio do veículo perturba a demonstração do teorema. O mesmo princípio de minimização do espaço leva, neste caso, a que pela porta da frente só saiam cerca de um quarto dos passageiros, os colocados mais perto do condutor, pois os outros todos estão mais próximos da porta central. Assim se impede que o autocarro seja despejado no mínimo tempo. Aliás, é interessante notar que, neste caso, a equivalência entre a solução de minimização do espaço percorrido e a de minimização do tempo deixa de existir, sendo para alguns mais rápido sair pela porta mais afastada, o que fere a sensibilidade de qualquer economista que use os transportes públicos lisboetas.

10 Se cada um dos agentes se preocupa apenas com a sua situação, não é neles que poderemos encontrar a resposta para um problema que é global. Mas na maioria dos casos (de certeza nos que nos interessam) existe um, mas só um agente que se preocupa com o problema global. A esse agente chamamos o Estado (que neste exemplo é substituído pela empresa de camionagem). No nosso exemplo, poderia ser colocado um funcionário na porta do meio, impedindo que por essa porta saíssem pessoas que se encontram na parte da frente do autocarro. Mas, por vezes, o custo da intervenção é tal que não vale a pena. Este caso é um exemplo evidente: o custo de ter um funcionário à porta do autocarro é de tal maneira elevado que não justifica o ganho de alguns minutos na desocupação do autocarro. E aqui aparece outro dos princípios fundamentais da Economia: como em todas as decisões económicas, só o que der maior benefício líquido é que deve ser feito.

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1.2. A ciência económica Antes de analisarmos os principais resultados da teoria, é conveniente delimitar o campo da nossa análise. Vamos nesta secção ver com mais cuidado o que é e como se faz o estudo da Economia.

1.2.1. Definição de Economia Ao longo do tempo, muitas definições têm sido apresentadas para caracterizar a Economia. O que vamos fazer é reflectir um pouco sobre a essência da Economia, a partir de algumas ideias de definição apresentadas ao longo do tempo. O grande Alfred Marshall, de que já falámos, um dos maiores economistas de todos os tempos, que viveu em Inglaterra no fim do século passado e princípio deste século, começou o seu livro essencial, Principles of Economics, de 1890, com a frase: «Economia é o estudo da humanidade nos assuntos correntes da vida.» [Marshall (1890), p. 1.] Esta definição parece tão simples que quase é inútil. Pode dizer-se que o que vamos deduzir desta frase de Marshall é algo de essencial, que a maioria das pessoas, mesmo grandes especialistas da ciência, por vezes não leva em conta. A primeira coisa que esta frase nos indica é que o que vamos estudar ao aprofundar esta ciência não são casos especiais, ou problemas grandiosos, não são questões que se situem longe, ou que só ocupem as pessoas importantes. O que a Economia estuda é o comum das realidades, a vida corrente das pessoas, de todas as pessoas e, sobretudo, das pessoas normais, porque são essas as que mais encontramos. Na verdade, a Economia não estuda os assuntos económicos, e não os estuda por uma razão também muito simples: porque não há assuntos económicos. O que existe são problemas. Não há fenómenos eminentemente económicos. Os fenómenos não são económicos, ou sociológicos, ou químicos. Os fenómenos são fenómenos! A realidade é única e, na sua riqueza natural, contém múltiplos aspectos particulares. Essa realidade e os seus múltiplos aspectos podem ser analisados de variados pontos de vista, económico, sociológico, químico, etc. Não é a Natureza que classifica a realidade, mas sim o estudo humano, organizado em ciência. Assim, qualquer problema real pode ser analisado do ponto de vista químico, físico, económico, social, etc. Será que, quando uma pessoa compra um jornal, isso é um fenómeno económico? Por que razão não é possível ao sociólogo analisar o aspecto de encontro de classes sociais diferentes entre o jornaleiro e o comprador? O que Marshall quer captar com a sua frase é exactamente este facto: a Economia estuda os assuntos correntes da vida. Não é só a Economia que estuda os assuntos correntes da vida, mas a Economia estuda todos os assuntos correntes da vida. Quer isto dizer que é possível fazer uma teoria económica de coisas tão «pouco económicas», mas pertencentes à nossa vida corrente, como as da poesia, do namoro, da religião ou dos divertimentos? Basta a esses

12 fenómenos aplicar a metodologia, o prisma de análise da Economia, e obtém-se uma teoria económica desses fenómenos. Uma questão diferente é saber se essa análise económica capta, através do seu prisma particular de enfoque, os aspectos mais relevantes para o estudo desse fenómeno. É provável que, se nos debruçarmos sobre um poema, o amor entre dois jovens ou as relações pessoais com Deus, e o fizermos através de um método económico (ou sociológico, ou químico), apenas captemos aspectos secundários dessa realidade. Mas essa predisposição para certo tipo de fenómenos não impede a ciência de ser aplicada a outros problemas, e não quer dizer que a análise não possa captar aspectos inesperados e interessantes em campos que pareciam ser-lhe estranhos. Todos os assuntos correntes da vida do homem podem (e devem) ser objecto da Economia. Mas qual é a particularidade do estudo da Economia? Para vermos isso vale a pena usarmos umas outras das tentativas de definição da ciência económica. Vamos ver a usada por Paul Samuelson no livro de 1948 Economics, que sucedeu ao livro de Marshall como manual básico que ensinou Economia a gerações e ainda hoje é usado. Aí, Samuelson afirmou que «Economia» é o estudo de como as pessoas e a sociedade escolhem o emprego de recursos escassos, que podem ter usos alternativos, de forma a produzir vários bens e a distribuí-los para consumo, agora e no futuro, entre as várias pessoas e grupos na sociedade». PAUL SAMUELSON (n. 1915) O americano Paul Samuelson é um dos economistas vivos mais famosos e influentes.

Estes aspectos voltam a ser repisados adiante, com mais pormenor, mas vale a pena começar já por enunciá-los.

1.2.1.1. Estudo do comportamento dos agentes e da sociedade O objectivo da Economia é, como já dissemos, o ser humano, mas nele, a Economia dirige-se à compreensão do seu comportamento. Trata-se, como já vimos, de uma ciência e, por isso mesmo, o seu propósito é o conhecimento e a compreensão da realidade. Se alguém julgava que o propósito da Economia era outro (por exemplo, aprender a ganhar dinheiro) o melhor é desistir já. Uma sociedade é uma amálgama de agentes, que se compõe do comportamento diferente de cada um deles. A Economia estuda agentes, mas agentes em relação, e o comportamento individual tem sempre de ser colocado na perspectiva da relação interpessoal. Claro que é possível analisar economicamente os problemas de um agente isolado, mas a relação (neste caso a falta dela) tem sempre efeito sobre o comportamento individual.

1.2.1.2. Bens e recursos Na definição de Samuelson, os elementos essenciais são referidos à formulação gramatical da frase. Aparece aqui, pela primeira vez, um conceito essencial em Economia: o bem. O que é um bem? A definição económica de bem é algo que satisfaz uma necessidade humana. O pão que satisfaz a fome, a roupa, a chapa de ferro são bens. Mas também

13 uma aula de Economia, um concerto, o ar, uma cama, um cão, uma conversa com um amigo, tudo isto são bens económicos. O erro de considerar que só algumas coisas, as materiais, é que são económicas, é um erro comum, mas que deve ser refutado. Isso quer dizer que o que determina se uma coisa é ou não um bem é o ser humano e as suas necessidades. Por isso é que a Economia é uma ciência humana. As necessidades que aqui são consideradas são as necessidades, todas as necessidades dos seres humanos. Não se entra aqui com discussões ético-morais que, embora sejam muito importantes para a vida da sociedade, não é aqui que têm a ver com a nossa análise científica. Como vimos atrás, estas realidades, além de serem, para o economista, bens económicos, são, simultaneamente, componentes sociais, fenómenos físico-químicos, etc. É importante não ignorar que a realidade permanece una, mesmo quando nós, por motivos de análise, a dissecamos. Mas existem algumas coisas que não satisfazem directamente as necessidades humanas e, por isso, estritamente não são bens, mas servem para produzir bens. A essas entidades económicas chamamos recursos. Um pedaço de terra ou uma máquina não são bens, mas algo que produz bens; são recursos. O trabalho é também um recurso, mas também pode ser um bem, se se tira prazer do que se faz.

1.2.1.3. Escolha e escassez O outro elemento caracterizador da definição de Samuelson é o verbo, o predicado da frase. Um dos elementos humanos que mais encaixam na abordagem particular da economia é o da escolha. A escolha é um elemento essencial da Economia, pois é dessa decisão que nasce o problema a resolver pelo agente ou pela sociedade, o qual vai motivar o comportamento. Como veremos adiante, a Economia gosta de analisar a realidade em termos de decisões ou escolhas, pelo que a sua presença é essencial. Para haver escolhas são precisos vários elementos. Um dos principais é a existência de alternativas. Se não há alternativas para escolher, a escolha é forçada, pelo que não existe. Outro elemento essencial para a existência de escolha é a liberdade. Para existir uma escolha é não só necessário que as alternativas existam, mas também que seja física e humanamente possível optar entre elas e eleger qualquer uma delas. A liberdade de opção é um elemento essencial da escolha. Uma escolha forçada não é escolha. Mas mesmo que existam alternativas, muitas necessidades para satisfazer, e a liberdade de escolher como satisfazê-las, se os bens disponíveis para satisfazer essas necessidades forem mais do que suficientes para todas elas, não há problema económico. Embora a respiração seja uma necessidade vital para todos nós, não há problema económico no consumo de ar, pois a atmosfera chega e sobra para todas as nossas necessidades de ar1. ________________________________ A poluição pode tornar a respiração do ar um problema económico, tal como ela já é para um astronauta. 1

14 Por essa razão, a economia está muito ligada ao conceito de escassez, porque é ela que causa a necessidade de escolhas e decisões que, como vimos, são essenciais para um problema económico.

1.2.1.4. Consumo A finalidade da Economia é o estudo da satisfação das necessidades humanas através de bens. Ao acto de satisfação das necessidades, chamamos consumo. Assim, o consumo é a utilização de bens para a satisfação das necessidades. Tal como antes, o que determina este conceito é o ser humano e a sua actividade. Repare-se que o consumo não tem de ser material. Um soneto, uma sinfonia, são bens económicos e o acto de os utilizar, contemplando-os ou escutando-os, é consumo. O problema do eremita ou o problema do empresário com duas casas e três carros é, economicamente, do mesmo tipo: um problema de consumo. A nós parece-nos diferente porque ele é social, moral, culturalmente diferente. Mas economicamente, o problema é o mesmo: necessidades (diferentes) satisfeitas por consumos (diferentes) de bens (diferentes). Por outro lado, o consumo é a única finalidade do comportamento económico: a satisfação das suas necessidades.

1.2.1.5. O tempo Todas as pessoas, ao decidirem como devem usar os bens para consumo hoje, entram em conta com o que prevêem que possa vir a acontecer. Por outro lado, o facto de o futuro ser incerto complica fortemente essa decisão. Por todas estas razões, o tempo é um dos elementos mais importantes da Economia e mais difíceis de analisar. Assim, e mesmo que, para simplificar, tenhamos que abstrair da sua existência em certas partes da nossa análise, é importante ter consciência da sua presença. Através destas definições de Economia foi possível determinar os principais elementos de uma análise económica. Seguidamente, estes elementos serão observados com mais cuidado, para determinar a sua verdadeira natureza.

1.2.2. A abordagem científica Não é aqui o lugar para descrever em pormenor este instrumento nos seus detalhes, mas vale a pena considerar algumas das suas características e dos seus problemas. Métodos expeditos e fáceis de acesso à realidade podem, normalmente, gerar uma visão distorcida e errónea dos fenómenos. Daí que a actividade científica seja, simultaneamente, uma aventura, cheia de emoções e percalços, e um exercício de rigor e pormenor, exigindo extrema atenção e minúcia. É costume dizer que a experimentação não tem lugar na Economia. Na verdade, poucas são as situações em que é possível realizar algo de semelhante aos testes laboratoriais controlados da Física ou da

15 Química2, pois seria imoral usar pessoas ou sociedades como cobaias da ciência. Mas se o cientista social tem de se privar do recurso a testes para avaliar as suas teorias, a História tem criado verdadeiras experiências, que em tudo são semelhantes às laboratoriais, excepto no controlo das amostras. Talvez a experiência mais simples fosse dividir um país ao meio, aplicar um dos sistemas em cada parte do país, deixar passar umas décadas e avaliar os resultados. Na história recente, o fluir natural dos acontecimentos criou exctamente essa situação, com a Alemanha e a Coreia, por exemplo. É claro que o facto de o país não ter sido escolhido pelos cientistas e a sua divisão não ter sido realizada em condições laboratoriais pode enviesar os resultados. Mas seria possível conceber uma experiência rigorosa que fosse muito diferente? Na verdade, este exemplo corresponde ao segundo instrumento do método científico, a observação. A observação directa dos fenómenos é a grande fonte de informação para a Economia. Ao longo dos tempos, muito do esforço que os economistas gastaram nos seus estudos foi na recolha de factos e dados. O rigor e a minúcia na recolha desses dados é algo de essencial para a Economia, de tal modo que muitos dos avanços na metodologia geral de recolha e tratamento de dados quantitativos se deve a economistas3. Na verdade a observação da vida económica concreta, do comportamento dos consumidores, empresas e governos fornece uma enorme quantidade de informação que está disponível ao cientista para classificar, delimitar e interpretar. A análise científica constitui a terceira parte do método científico. Na verdade, é preciso alvitrar uma explicação, um mecanismo para compreensão do fenómeno observado. Essa explicação, a que se chama «teoria», consiste numa invenção abstracta do analista, o seu entendimento profundo do fenómeno. Pode estar cpmpletamente errada, por nada ter a ver com a realidade, ou adaptar-se muito bem aos contornos do problema em análise. Mas, de qualquer forma, trata-se de uma construção abstracta e metodológica, que é sempre artificial. Devido a essa artificialidade, torna-se necessária uma fase posterior de teste da teoria, ou seja, da verificação se a forma como se comporta o fenómeno tem alguma relação com a teoria particular que foi construída. A simples descrição destas actividades é suficiente para sublinhar a sua dificuldade. Apresentar uma ideia sobre um problema, com todas as suas implicações e consequências, e verificar a semelhança entre esta construção abstracta e a realidade é uma das tarefas mais profundas e complexas da ciência. Por essa razão, ao longo do tempo, a ciência foi aperfeiçoando instrumentos para facilitar a sua execução. Muito se tem dito da matemática e da estatística como veículos de exposição e teste de teorias, apoiando ou contestando o seu uso. Não é aqui o lugar para debater este assunto, mas vale a pena notar que o uso destes instrumentos tem como única finalidade facilitar a apresentação e desenvolvimento da teoria científica. Na verdade, a matemática é apenas uma linguagem, mas uma linguagem que tomou o rigor como linha condutora da sua estrutura. Assim, ela foi construída para ser a única linguagem no mundo na qual _______________________________________ 2 Embora se tenham realizado, em alguns países, actividades que em tudo podem ser classificadas como experiências económicas. Por exemplo, as autoridades fiscais de alguns Estados introduziram variações no sistema de tributação em determinadas zonas de um país, as quais, depois de verificadas as suas consequências, eram estendidas a todo o país ou eliminadas. 3 Isto é de tal modo assim que muitos ainda chamam à técnica de regressão, uma das principais componentes da estatística, «econometria», que significa «medição económica».

16 não pode haver mal-entendidos. Por essa razão, ela é um instrumento precioso para o analista de qualquer ciência, que quer ser claro e rigoroso. Por isso, a matemática é óptima para a «dedução», ou seja, para o desenvolvimento pleno das implicações da ideia teórica. No que toca à estatística, ela é também um instrumento para testar, da forma mais rigorosa, a semelhança ou a diferença entre duas realidades, quantitativas ou não. No fundo, o que se passa é que o cientista tem consciência da facilidade com que se engana e do enorme número de erros, confusões e malentendidos que se fazem em qualquer estudo. Se for possível apresentar em termos matemáticos e estatísticos as suas ideias, é muito mais difícil cair em erros e muito mais fácil detectá-los e corrigi-los se eles acontecerem. Estes dois aspectos que vamos focar resultam, em particular, do facto de a Economia ser uma ciência humana. Assim, o objecto desta ciência é a realidade complexa e variável das relações humanas, que constitui uma intrincada rede, influenciada por múltiplos factores incontroláveis. Os dois elementos que vamos tratar, a hipótese coeteris paribus e a do estatuto estatístico das leis económicas, são os métodos mais poderosos que a ciência pode utilizar para o domínio da complexidade da realidade. Mas o poder destes métodos faz com que, se mal utilizados, se gere o risco de cometer erros graves de análise. Estes mau uso é de tal modo frequente que, para muitos, os pontos que vão ser referidos são considerados as principais fontes de erro em Economia. Para resolver esta questão, o economista vê-se obrigado a isolar uma parte do problema, anulando, por meio do que pode ser considerado um truque laboratorial, o resto dos elementos relevantes. Assim, quando um economista afirma que uma subida de preços, por exemplo, causa uma descida da quantidade procurada supõe sempre que tudo o resto para além dos preços (as condições do produto, o meio ambiente, a vontade do consumidor, etc.) se mantém constante, e que apenas este pequeno aspecto da realidade foi alterado. Deste modo é-lhe possível, reduzindo o problema a uma dimensão tratável, obter conclusões claras. Na realidade, a variação de preços seria acompanhada por uma enorme variedade de outros fenómenos, alguns acidentais, outros paralelos e outros até resultantes da própria variação dos preços. É dessa enorme quantidade de factos que resulta a situação concreta que a Economia vive, e elas poderiam perturbar os resultados do estudo. No nosso exemplo, se a subida de preços fosse acompanhada de uma descida de impostos, a quantidade procurada do bem poderia até subir. Ou se, depois da subida do preço, o bem (uma camisola) tivesse uma etiqueta Cristian Dior, um símbolo do Benfica ou a fotografia do Marco Paulo, ou ainda se agora estivesse mais calor, tudo isto faria, possivelmente, alterar a conclusão. Este truque ficou conhecido em ciência como «hipótese coeteris paribus», expressão latina que significa que «oresto fica igual». Na verdade, cada economista, ao estudar um problema, necessita de, logo de início, escolher o que é relevante, para introduzir na sua análise, enquanto o resto é eliminado, porque mantido constante (coeteris paribus). Se forem esquecidos aspectos importantes, o estudo erra nas suas conclusões, se incluídos aspectos irrelevantes como variáveis a investigação torna-se demasiado complexa. Cada teorema ou conclusão foi deduzido em condições claras e bem definidas, e só é válido nessas condições. Se isto for esquecido e se tentar aplicar a outras condições, eles deixam de ser válidos, resultando

17 graves erros, que não são culpa dos teoremas, mas de quem os não sabe aplicar. O outro problema, também ligado às características humanas do objecto da Economia, é o da incerteza. A realidade, além de complexa, é extremamente volúvel e variável e, consequentemente, as leis e os teoremas económicos nunca conseguem captar a enorme variedade das realizações concretas dos fenómenos. Por essa razão, as leis e os teoremas económicos são leis estatísticas. Assim, elas não são leis universais e imutáveis, não se aplicam a todos os casos, mas apenas, «em média», à generalidade das situações «normais». Marshall resumia este facto ao afirmar que «As leis da Economia devem antes ser comparadas com as leis das marés em vez de com a lei, simples e exacta, da gravitação« [Marshall (1890), p. 26]. Assim sendo, ao observar um tipo de problema económico, é de esperar que a maior parte das situações obedeça ao teorema apropriado, mas não é de excluir o aparecimento de um caso estranho e abstruso, que não se enquadra nesse teorema. O mal não está no teorema nem na situação; apenas é a manifestação da enorme variedade da Natureza. Exigir que toda a realidade humana caiba numa fórmula geral é um erro de incompreensão dessa realidade. Por exemplo, uma subida de preços reduz, normalmente, a quantidade procurada. Se é de esperar que, na generalidade dos casos, exista mesmo uma queda da quantidade procurada, pode acontecer que, em certo bem, para certo consumidor, tal não aconteça. Ou então, se um economista chega à conclusão de que, para cada subida de 10 €, a quantidade procurada cai de 4 unidades, ninguém espera que essa queda seja exactamente de 4 unidades, mas apenas de cerca de 4 unidades. Existem outras fontes de erro na Economia. Em primeiro lugar o facto de, sendo uma ciência humana, o grau de subjectividade incluído nos julgamentos ser muito maior que numa ciência chamada exacta4. Não ter consciência desta subjectividade pode ser extremamente perigoso. Outra fonte de erro é a chamada «falácia da composição»: o que se passa numa parte não é necessariamente válida no todo. Finalmente, deve ser referida uma das fontes de erro mais frequentes da Economia, como o é de toda a ciência, e até da vida corrente: a falácia do post hoc. Esta falácia – que está ligada à frase latina post hoc, ergo propter hoc, ou seja, «depois de, por isso por causa de» – corresponde à atribuição de um nexo de causalidade entre dois factos apenas contemporâneos. É um erro comum, de conclusão precipitada. Porque eu velo as acções na bolsa descerem depois de subir um imposto deduzo que a bolsa caiu por causa do imposto. Pode ser que haja razão para isso, mas pode também ser que não. Se existe uma teoria que supõe que a subida dos impostos tem efeitos negativos na bolsa, é claro que esta verificação pode ser utilizada como observação abonatória para a teoria. Por vezes, a simultaneidade dos acontecimentos é mera coincidência. Outras vezes é apenas uma má interpretação. Noutros casos, o que se passa é que existe uma terceira causa, que provoca os dois factos verificados, sem haver causalidade directa entre os dois. Esta falácia do post hoc é das mais perigosas, porque se baseia numa observação directa. É muito difícil convencer alguém que viu algo de que ________________________________ Quando a física trata de energia atómica ou a biologia discute quando é que um feto é uma pessoa, para saber se o aborto é ou não um crime, a mesma subjectividade está presente. 4

18 a conclusão que tirou dessa observação é um produto do seu raciocínio ou da sua imaginação, não partindo necessariamente da informação que obteve. É este o esforço, mas também o encanto da Economia.

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1.3. O problema económico Vimos que a Economia era o estudo da realidade, da realidade toda, de um ponto de vista particular. Mas vimos também que, se toda a realidade pode ser encarada de um ponto de vista económico, nem toda a realidade tem um problema económico. Só existe um problema económico quando existe a necessidade de tomar uma decisão, e esta só aparece quando existe escassez e escolha. Estes casos são aqueles onde a aplicação da análise económica traz algum resultado interessante. Quando não há necessidade de tomar decisões, não há problema.

1.3.1. Escassez e escolha A escassez é um elemento fundamental para o aparecimento de um problema económico. A escassez consiste na impossibilidade de os bens disponíveis satisfazerem as necessidades presentes. Assim, o conceito de escassez, como todos os outros conceitos económicos, depende centralmente das necessidades humanas. São estas que definem se um bem é ou não escasso. Assim, a situação de escassez de um bem pode ser alterada radicalmente devido apenas à alteração de gostos das pessoas. O petróleo ou o urânio não eram escassos antes de se ter descoberto a tecnologia que permitiu aproveitá-los como fonte de energia. Um programa de televisão pode tornar escasso um produto que até então nem sequer era um bem económico (se um cantor da moda convencer os seus fãs a usarem ossos de frango ou cascas de melão na lapela, por exemplo). Não há escassez de ar para respirar (embora ar puro seja muito escasso nas nossas cidades), ou de lugares num cinema vazio. Mas cuidado, a escassez nem sempre é o que parece e varia com as circunstâncias. Por exemplo, existem muitas pedras pelo mundo, e por isso elas parecem não ser excassas, mas algumas delas são escassas, porque é preciso apanhá-las, cortá-las, para fazer calçadas. O que é escasso é a pedra tratada e colocada no sítio em que é necessária. Mas a principal razão que causa a escassez é a existência de necessidades humanas ilimitadas. Por isso, não é fácil imaginar uma sociedade sem escassez. É importante notar que a escassez e a escolha estão ligadas. É a escassez que gera alternativas. Se não houvesse escassez era possível ter todas as alternativas e, se se pudesse ter todas as alternativas, não teria de haver uma escolha. Daí a razão de haver escolha reside na escassez5, ou seja, o facto de não ser possível produzir tudo o que se deseja. Se é preciso escolher, isso significa que para satisfazer uma necessidade é preciso sacrificar uma outra, ou seja, existe um custo. Chamamos ao conceito económico de custo (o único conceito económico de custo) custo de oportunidade. O custo de algo é o valor do que de melhor deixámos de fazer para fazer o que fizemos. O custo de um livro não são os 25 € que uma pessoa pagou por ele, mas o valor do que ela deixou de fazer com esses 25 €, para poder comprar ________________________________ É importante referir um outro caso em que, mesmo existindo escassez, não existe problema económico. Esse é o caso de inexistência de alternativas. Se há apenas uma hipótese, nesse caso não existe escolha, e mesmo que as necessidades não possam todas ser satisfeitas, havendo escassez, não há problema económico. 5

20 esse livro. É a satisfação que deixou de ter com o que poderia ter comprado em vez de comprar o que comprou. Claro que poderia escolher fazer muitas outras coisas, mas o que nos interessa para definir o custo é o que de melhor deixou de fazer. Na verdade, como é racional, se não tivesse comprado o livro, teria gasto o dinheiro noutra coisa, a que lhe daria mais satisfação a seguir ao livro. Por exemplo, se uma cassete fosse o que, na ausência do livro, mais gostaria de ter comprado, então o valor da cassete seria o custo de oportunidade do livro. O custo do livro é pois a satisfação que a cassete (que não se comprou) daria6. Repare-se que em Economia, na verdade, não há custos. O que existe são benefícios das alternativas. Se o que interessa são as necessidades humanas, o custo de uma satisfação é a satisfação que se deixou de ter, por ter a que se teve. A forma mais simples de expressar o fenómeno da escassez é através de uma velha frase da Economia: «não há almoços grátis». Esta frase é a expressão simples da ideia de que não é possível ter uma coisa escassa de borla. Se alguma coisa, sendo escassa, é, em certo caso, grátis, então ou alguma outra pessoa pagou ou pagou-se sem dar por isso. Uma coisa escassa nunca é de graça, embora possa parecer. Muitos querem fazernos crer que alguma coisa nos é oferecida (remédios da Caixa, autocolantes das campanhas eleitorais, etc.). Mas, na realidade, o que aconteceu é que o custo foi disfarçado, foi já pago por nós anteriormente, ou virá depois. Uma coisa grátis só o é porque não há escassez dela: água do rio, luz do Sol, areia da praia. Mas a maior parte das coisas da vida não são grátis. Mas então que pensar da frase popular: «As melhores coisas da vida são grátis?» O sentido económico dessa frase seria que a amizade, um sorriso, uma paisagem, não são bens escassos. Se é esse o sentido, então devemos deduzir que a Economia tem pouco interesse para as melhores coisas na vida. Mas o facto de apenas interessar a coisas menos importantes (como os almoços) não quer dizer que a Economia deixe de ser importante. Mas será esse o sentido? Será que a amizade é grátis? Uma coisa é grátis quando não tem custo. Mas o custo não está apenas definido em dinheiro. Como vimos atrás, o custo de algo é aquilo que tivemos de sacrificar para satisfazer essa necessidade. E todos sabemos como a amizade, um sorriso, uma paisagem exigem sacrifícios para serem mantidos. Talvez que a frase «as melhores coisas na vida são grátis» queira apenas dizer que não custam dinheiro, e não que não têm custo. Em termos económicos seria mais correcto dizer «as melhores coisas da vida não passam pelo mercado», mas bem sabemos que têm custo. Deste modo, sabemos que nem tudo o que desejamos pode ser satisfeito. As necessidades são de mais para os bens disponíveis ou produzíveis. É preciso escolher, decidir. A questão que se levanta é a da escolha. A selecção das necessidades que vão ser satisfeitas em relação às que vão ser preteridas. Na visão popular, os problemas económicos são apenas problemas materiais, de produtos comprados e vendidos no mercado, pagando im________________________________ Note-se que o valor dessa cassete deve ser inferior ao do livro, pois se fosse maior, a pessoa seria irracional, pois não devia ter comprado o livro, mas sim a cassete. Como se disse atrás, só é racional tomar decisões que têm um benefício líquido positivo, ou seja, em que o seu valor é maior do que o custo. 6

21 postos e recebendo subsídios. Mas sabemos já que o que é determinante para a existência de um problema económico não é a presença do mercado, de fábricas ou do dinheiro. O que é determinante é a presença de necessidades humanas e a escassez de bens. Assim, o problema de ir hoje ao cinema ou ficar em casa a ver televisão, a questão de escolher entre Shakespeare ou Gil Vicente para representar são problemas económicos igualmente, pois neles está presente a escassez e a escolha. Várias formas foram utilizadas, por vários autores, para exprimirem as características essenciais desta escolha, do problema económico. Qualquer problema económico se resume a uma destas perguntas: ➢ O que produzir? O que é que as pessoas querem consumir? ➢ Como produzir? ➢ Para quem produzir? Outros preferem resumir o problema económico em várias actividades: produção, consumo e distribuição. Segundo esses, o problema económico pode ser de aplicação dos recursos escassos na produção de bens, de distribuição dos bens produzidos pelos vários agentes da economia ou de satisfação das necessidades dos agentes, através do consumo.

1.3.2. Racionalidade e interdependência Daqui saem as duas hipóteses fundamentais, que já atrás vimos e que nos vão acompanhar ao longo de todo o estudo da Economia: ➢ ➢

os agentes são racionais os sistemas equilibram

Estas são as hipóteses-base de toda a teoria económica, e delas saem praticamente todos os teoremas da economia. Nesta secção veremos com mais cuidado o que são e o que significam estas hipóteses. As escolhas económicas podem ser feitas de muitas maneiras diferentes, tantas quantas as pessoas que existem. Elas respeitam a hipótese essencial, pois a resolução económica exige a racionalidade. À primeira vista, a hipótese da racionalidade parece algo estranha, mas, como já vimos, ela representa algo que é eminentemente humano, e por isso foi escolhida como base da ciência humana que é a Economia.

1.3.2.1. Optimização O primeiro elemento da racionalidade é tirar partido de uma melhoria, em relação aos objectivos do agente, sempre que essa alternativa não represente custo adicional. Como disse o grande economista irlandês Francis Y. Edgeworth, «o primeiro princípio da Economia é que cada agente é motivado apenas pelo interesse próprio» - Edgeworth (1881), p.6. Equivale a supor que não se escolhe uma má solução, quando estão disponíveis outras melhores. Mas para saber se uma situação é ou não racional, preciso de ter a certeza de duas coisas: a) Disponibilidade: as oportunidades têm de estar mesmo disponíveis e todas igualmente disponíveis. E é fundamental notar que disponibilidade não é só disponibilidade física, mas moral, social, etc. Como já vimos atrás, a racionalidade e a busca da optimização não implica que se roube ou atropele as

22 regras (repare-se que nesse caso existe um custo, pela perda de respeito próprio, de bem-estar do próximo, que pode ser muito importante). Na verdade, duas situações que parecem iguais nos seus resultados podem ser muito diferentes na avaliação de pessoas diferentes. Pode ser racional uma pessoa recusar-se a pagar um suborno a um burocrata, mesmo que estivesse disponível para pagar-lhe o mesmo montante em taxas. É claro que se uma pessoa não tem escrúpulos, o crime pode ser racional. Assim, para avaliar da racionalidade da atitude de uma pessoa é pois necessário ter em conta a subjectividade particular dessa pessoa, que define a posição moral do agente e é essencial para determinar da disponibilidade de certas acções. b) O outro aspecto é a definição de o que é melhor. O que é melhor para uns pode não ser para outros. Mas porque ele não escolhe o que eu escolheria na situação dele, ele não é necessariamente irracional, apenas tem gostos diferentes.

1.3.2.2. Coerência O segundo elemento da racionalidade é a coerência: se, entre duas alternativas, uma pessoa escolhe uma, todas as vezes que estiver nas mesmas circunstâncias, deve manter a escolha. Aqui, o elemento fundamental é a questão de saber o que significa as mesmas circunstâncias. É claro que pode preferir chá no Verão e café no Inverno, ou chá se não tiver açúcar e café com açúcar. Isso são situações diferentes, avaliadas de maneira diferente pelas mesmas preferências. Uma pessoa pode mudar de gostos, ao longo do tempo, e isso não implica falta de coerência, desde que, quando tem certas preferências, elas sejam coerentes. Estes são os elementos fundamentais da racionalidade: a optimização e a coerência. A utilização da hipótese da racionalidade traz à Economia uma ordem e lógica de raciocínio que são a sua característica essencial. Será que é realista a racionalidade? Na verdade, nem sempre é realista supor a racionalidade. Há exemplos estudados de irracionalidade, e todos nós conhecemos, em nós, decisões que não foram feitas ou coerentes. No fundo, a hipótese da racionalidade é uma simplificação teórica que é feita pela Economia para facilitar a obtenção de resultados. O economista supõe que não existem decisões irracionais, ou que estas são pouco importantes. Mas, a racionalidade não é tão irrealista como pode parecer. A exigência que se coloca a uma escolha para ela ser racional é tão fraca que se pode dizer que a grande maioria das decisões humanas, se bem analisadas, são mesmo racionais. É certamente impossível encontrar alguém que, sistematicamente, decide escolher o que sabe ser contra os seus próprios desejos. Na verdade, definida com a generalidade com que o fizemos, é mesmo difícil encontrar uma decisão totalmente irracional. Só é irracional se violar as condições muito gerais que foram apresentadas. É preciso confirmar se as alternativas são mesmo acessíveis, e quais os gostos, circunstâncias e subjectividade dos agentes envolvidos.

23 Por exemplo, se num supermercado, entre produtos iguais, com preços diferentes, se vende mais o mais caro, a situação parece irracional. Mas será que são mesmo iguais? A embalagem, o nome, o brinde, a atitude da empresa não levará um a ser mais atractivo? Ou será que é um truque do supermercado, pondo mais acessível o mais caro, levando o cliente a creditar, automaticamente, que todas as embalagens iguais têm igual preço, e por isso nem confirmam os preços? Outra situação muito frequente é tomar a posteriori como irracional uma decisão já tomada. A racionalidade da decisão deve ser avaliada no momento da decisão, a priori, e não quando vemos os seus resultados, a posteriori; deve ser avaliada nas condições iniciais, e não pelos resultados. A racionalidade leva cada um a produzir o que sabe fazer melhor, e a consumir o que gosta mais. Mas como é que isto é possível? Aqui temos um paradoxo central da Economia, mas cuja solução é bem simples, como aliás todos os princípios económicos. Para a sua solução teremos de chamar a segunda hipótese, do equilíbrio dos mercados. O sistema económico, que é forma de resolver o problema económico, centra-se na troca. E quanto mais trocas existirem melhor, porque quanto mais trocas forem possíveis mais racional é a afectação, menos se é obrigado a consumir o que se produz e menos obrigado a produzir o que se consome. Voltamos a encontrar a descoberta de Adam Smith que deu origem à teoria económica. O essencial desta descoberta é que, na troca, as duas partes ganham. E agora somos capazes de perceber porquê. A razão reside no facto de, pela troca, cada um poder aproximar-se mais da situação em que produz o que melhor sabe fazer e consome o que mais gosta, ou seja, melhorar a sua situação. E como a troca tem de ser voluntária, os dois lados da troca estão a conseguir essa melhoria. Foi este facto que o maravilhou e que motivou o estudo da Economia. Devemos, no entanto, dizer que se esta descoberta esteve na base da Economia ela não é consensual. Alguns economistas discutiram este aspecto, defendendo que, na maioria das situações, quando duas pessoas trocam, um ganha e o outro perde, um explora e outro é explorado. Será que no nosso mundo há harmonia e benefício mútuo, como dizia Smith, ou «anda meio mundo a enganar outro meio», na opinião de Marx? Será que devemos evitar trocar, com medo de sermos explorados, ou podemos trocar normalmente, embora devamos ter cuidado para não sermos enganados? Repare-se que a questão não é moral mas económica. Nem Smith achava que todos eram santos, nem Marx que todos eram facínoras. O que se passa é que o sistema, no caso smithiano, funcionava bem e, no caso marxista, mal. KARL MARX (1818-1883) Marx foi um grande economista alemão, discípulo de Smith que juntou a um profundo conhecimento de teoria económica uma forte formação filosófica e política. As suas principais obras são o Manifesto Comunista de 1848, que escreveu com o seu amigo Friedrich Engels, e uma análise de fundo do sistema económico da época, a que Marx chamava «capitalismo», no livro O Capital, de que publicou apenas o primeiro volume em 1867, encarregando-se os seus amigos de editar, depois da sua morte, os outros volumes.

24 Por exemplo, por que razão há países ricos e países pobres? Trataremos esta questão na parte final do livro, mas podemos desde já ver que Smith dizia que a razão estava nas trocas não serem suficientes entre os pobres, por vários motivos (isolamento, dificuldades de contacto, falta de vontade, etc.). Tudo isto é consequência de que, ao recusar o benefício mútuo da troca, Marx recusa um aspecto central da Economia, porque tem a ver com a troca. Daí nasce o grande cisma da economia. Mas voltemos à troca. A constatação da sua importância tem como consequência um dos factos mais importantes do sistema económico: em economia, tudo tem a ver com tudo. A interdependência é uma realidade essencial do problema económico.

1.3.3. As possibilidades de produção O problema económico constitui o tema central da Economia e, por isso, será o tema mais analisado adiante. Mas, nesta primeira abordagem, será conveniente exemplificar com uma ilustração desse problema. Vimos que o objectivo da actividade económica era o de satisfazer as necessidades humanas, as múltiplas e variadas necessidades humanas. Para isso, os agentes faziam consumo de bens. Normalmente precisam de ser produzidos, ou seja, de sofrerem alterações que os tornem aptos para satisfazerem as necessidades humanas. A produção faz-se a partir de recursos e factores produtivos. No entanto, chamamos factores ou recursos apenas a três tipos de coisas: ➢ a terra ou recursos naturais, que inclui a terra arável, os minérios, a água, a energia, os peixes do mar, etc.; ➢ o trabalho, que é toda a actividade humana para produção; ➢ o capital, que é constituído pelos instrumentos duráveis, como máquinas, fábricas, estradas, pontes, prédios, etc.7 Estes são os recursos ou, como alguns preferem chamar-lhes, os «recursos primários». As outras coisas que servem para a produção de um bem podem sempre resumir-se a estes três, a que chamamos «bens» ou «recursos intermédios», por estarem entre os recursos e os bens. Para produzir pão, é preciso trabalho, forno (capital) e farinha. Para produzir farinha é preciso trigo, trabalho e o moínho (capital). Para produzir trigo é preciso terra, trabalho, máquinas agrícolas e sementes, e assim por diante. Assim, temos três tipos de entidades económicas: • os bens (o pão) que têm utilidade em si, • os recursos ou factores produtivos (terra, trabalho e capital) e • recursos intermédios, que são produzidos mas não têm utilidade em si. Por vezes, em certas situações particulares, há dificuldades de distinção entre os três: • um lápis pode ser considerado capital ou, como se gasta rapidamente na produção, ser um recurso intermédio; • o pão pode ser bem final, ou recurso intermédio para fazer açorda; ________________________________ O conceito de «capital» é claramente o mais complicado dos três. Temos de ter cuidado com o facto de alguns chamarem «capital» a um montante de dinheiro, acções, etc. (o capital financeiro). Como adiante veremos, isso só é capital na medida em que representa o verdadeiro capital, que são os instrumentos de produção. Todas estas dificuldades, resultantes da própria natureza do capital, serão, na medida do possível, abordadas adiante. 7

25 o trabalho, que é um recurso, pode ser bem final, se der prazer, satisfazendo a necessidade de se realizar profissionalmente. De qualquer forma, a distinção tem interesse e será útil. Apliquemos a hipótese coeteris paribus, e simplifiquemos a situação dizendo que só há dois bens, pão e livros (livros de Economia, claro) e um montante fixo de recursos (terra, trabalho e capital) que podem ser usados nessas produções. Assim, se todos os recursos forem aplicados na produção de pão, temos um certo montante máximo de pão (A). Se, em vez disso, se quiser produzir apenas certo montante de pão, o resto dos recursos fica disponível para a produção de livros, e conseguimos certo montante destes (B). Finalmente, se os factores forem todos aplicados apenas na produção de livros, temos também um certo montante de livros e nenhum pão (C). •

Os valores máximos de produção de cada bem são pontos nos eixos, visto que a quantidade do outro bem é nula. Pão

A B

C Livros

Mas não é normal que a sociedade gaste todos os seus recursos num só bem, sem produzir nada do outro. A situação intermédia em que os dois são produzidos é a mais normal. No nosso gráfico, para cada montante produzido de um bem, marcamos o máximo de produção que é possível produzir do outro bem, com os recursos disponíveis. Obtemos assim um gráfico muito importante em Economia: a fronteira de possibilidade de produção: o lugar geométrico dos pontos de produção máxima de pão e livros, dado um certo montante de recursos disponíveis. Pão

Livros

Esta curva representa a disponibilidade, nesta economia, dos dois bens. Nela podemos encontrar, de forma resumida, todos os elementos e conceitos de que até agora falámos. O mais importante destes é a racionalidade, e para traçar a curva precisámos da racionalidade. Em primeiro lugar, cada ponto da curva representa um ponto de produção de pão e livros que exige que todos os recursos da sociedade estejam aplicados. Todos eles são pontos de pleno emprego dos recursos. Não era racional desperdiçar recursos, e por isso foi a racionalidade que nos disse que devíamos usar todos os recursos. Mas não é nesse aspecto que devemos usar a racionalidade. Além de todos os recursos estarem a ser usados, eles estão a ser usados da

26 melhor maneira. Cada ponto de produção exige que os recursos que estão afectados a cada uma das produções são os mais adequados a essa produção. Se agora olharmos para a curva que desenhámos, vemos que ela tem algumas características particulares. Em primeiro lugar, ela é negativamente inclinada (a curva está sempre a descer). Como há emprego pleno e óptimo dos recursos, não é possível ter mais de um bem sem ter menos do outro. Repare-se que esta é uma manifestação do princípio que vimos, segundo o qual «não há almoços grátis». Não é possível ter mais de um bem sem ter menos do outro, e por isso nunca existe um bem grátis. E o custo é o que deixei de ter do outro bem, que é a melhor alternativa. Por isso, aqui o custo é o custo de oportunidade, medido no outro bem. Pão B D A

C

Livros

Claro que uma situação no interior da curva, num ponto como A, é possível ter mais pão sem sacrificar livros (passando para o ponto B) ou ter mais livros sem sacrificar pão (passando para C), ou até mais dos dois bens (em D). Mas estar no interior da curva não é racional, pois desperdiçam-se recursos. Exactamente porque poderíamos, sem custo, estar melhor, encontrarmo-nos nessa situação é estúpido e um desperdício. E não devemos esquecer que o desperdício é o grande inimigo da Economia (de tal modo que a palavra é quase obscena num livro como este). E acima da curva? Aí, gostaríamos de estar, pois teríamos mais dos dois bens do que na curva. O problema é que não temos recursos para lá chegar. A escassez de recursos faz com que os pontos acima da curva sejam impossíveis de atingir. É, pois, entre os pontos da fronteira de possibilidade de produção, resultante da escassez de recursos, que se realiza a escolha económica. A eficiência produtiva, uma das manifestações da racionalidade, leva à colocação sobre a fronteira. É a este fenómeno que se chma «mão invisível». Se esta eficiência não existir, por razões que adiante veremos (azelhice, desemprego, monopólio, etc.), então estaremos no interior da fronteira. Voltando à forma da curva, vemos que ela é não só decrescente, mas abaulada para fora (ou côncava, na designação económica). Isso significa que, à medida que vamos sacrificando pão, para obter livros (descendo ao longo da curva), cada livro custa sucessivamente mais pão. Chamamos a este facto a lei dos custos relativos crescentes, e é fácil perceber por que razão é assim. Vamos supor que a Economia se encontra na situação em que apenas produz pão e nenhum livro (estamos, portanto, no ponto mais acima da curva, junto ao eixo vertical). Isso quer dizer que todos os recursos, mesmo todos, estão dedicados à produção de pão. Os tractores, os camponeses, estão todos a tratar a terra e plantar trigo, mas também as tipografias e os escritores.

27 Se nessa situação a sociedade decidir produzir um livro (o primeiro), como ela é racional vai deslocar para a produção de livros os recursos que são mais adequados à produção de livros e menos adequados à produção de trigo. Assim, uma tipografia, que de pouco servia no campo, e um escritor, que era fraco nos trabalhos campestres, mas bom a escrever livros, são deslocados do campo para produzir o livro. Pão

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Livros

Vamos supor agora que estamos no outro lado da curva, produzindo, também aí, da melhor forma possível, certo montante de pão e livros. Só que agora, como se decidiu produzir muitos livros, a produzir pão já só estão aqueles recursos que são mesmo os melhores a produzi-lo, para deixar livres todos os outros para os livros. Se aí se decidir aumentar a produção de livros, o sacrifício em pão será enorme. Além de ilustrar os aspectos económicos que já conhecíamos, a curva serve também para nos introduzir a outros elementos novos. Por exemplo, ela pode ilustrar o fenómeno do desenvolvimento económico. Este processo que, após se ter desenrolado durante os últimos séculos, gerou o aparecimento de disparidades entre países ricos e países pobres, pode ser representado por um deslocamento da curva de possibilidade de produção, para fora. Pão

Livros

Este deslocamento para fora da curva pode ser devido a um aumento dos recursos disponíveis ou a uma melhoria da tecnologia de produção, que permite produzir mais com os mesmos recursos. No essencial, portanto, o desenvolvimento é apenas um alargamento das possibilidades de escolha. Mas é claro que a sociedade, embora tenha mais hipóteses de escolha, pode escolher um ponto pior do que antes. O desenvolvimento não é garantia de melhoria, mas apenas de mais alternativas. Antes de passarmos adiante devemos ver um tipo particular de desenvolvimento económico que teve muito impacte na história da Economia. Trata-se do desenvolvimento que se verifica quando apenas um ou alguns dos recursos são aumentados. Este caso tem interesse porque um dos factores produtivos, a terra, dificilmente pode ser aumentado. Por essa razão, alguns economistas defendem que este tipo de desenvolvimento, em que um dos recursos fica fixo, é aquele que é mais frequente.

28 A questão levantada por este tipo especial de desenvolvimento é que se tem verificado que o aumento de certos recursos quando os outros se mantêm dá sucessivamente menos produção. Os primeiros trabalhadores são extremamente produtivos, ocupando-se de tarefas essenciais para a produção, mas, à medida que se vão aumentando os trabalhadores, como a terra não cresce, eles vão ser cada vez menos úteis, até podem mesmo vir a ser prejudiciais, por se atrapalharem uns aos outros. Esta constatação chama-se lei dos rendimentos decrescentes, segundo a qual aumentos de um ou mais recursos variáveis, quando outro se mantém fixo, geram aumentos de produção sucessivamente menores. Pão

Livros

O interesse histórico desta lei reside no facto de ela ter sido apresentada de forma dramática pelo economista inglês Thomas Malthus que em 1798 apresentou o seu livro Um Ensaio sobre o Princípio da População. Aí, Malthus defendia que o facto de a terra ser fixa, o que gerava a verificação da lei dos rendimentos decrescentes na produção agrícola, iria ter como consequência que a produção de alimentos não iria acompanhar o aumento da população, prevendo fome e miséria planetárias. Assim, o crescimento da produção agrícola, muito inferior ao das necessidades alimentares, seria o grande travão ao progresso, criando um mundo com multidões crescentes de famintos. THOMAS MALTHUS (1766-1834) Foi nomeado primeiro professor de Economia Política da Inglaterra.

O optimismo de Smith e a confiança na troca e no sistema económico levaram as pessoas a imaginar que tudo seria possível, embarcando em utopias e sonhos de opulência. Malthus vem, de forma dramática, lembrar que os benefícios smithianos estão limitados pela escassez de recursos e que o realismo (que Smith aliás possuía) tem de temperar o entusiasmo com as potencialidades do sistema económico. As ideias de Malthus foram estudadas e desenvolvidas por um amigo de Malthus, o grande David Ricardo que, em 1817, apresentou o seu livro Princípios de Economia Política e Tributação. DAVID RICARDO (1772-1823) A enorme fortuna que acumulou, que fez dele o economista mais rico de todos os tempos, permitiu-lhe ser proprietário rural e membro da Câmara dos Comuns a partir de 1819. A sua influência foi imensa, estabelecendo a primeira ortodoxia da história da Economia.

As primeiras décadas do século XIX foram de grande melhoria das condições de vida e não de miséria crescente. Por que razão falharam as previsões dos clássicos? Porque, além do fenómeno descrito pela Lei dos Rendimentos Decrescentes, apareceu paralelamente um outro facto, que inverteu os resultados: o progresso tecnológico.

29 O aparecimento e desenvolvimento de muitas máquinas e novos métodos de produção, que se verificou nesta altura, e a que foi dado o nome de «revolução industrial», e os benefícios que isso gerou em toda a economia anularam os efeitos da Lei dos Rendimentos Decrescentes. O problema teórico – a teoria previa miséria e verificava-se melhoria do nível de vida –, que Ricardo já entrevira, foi resolvido pelo grande discípulo de Ricardo, a maior figura da escola clássica, John Stuart Mill. JOHN STUART MILL (1806-1873) Filho do economista James Mill, que fora grande amigo de Ricardo, John Stuart Mill é uma das grandes figuras intelectuais do século XIX. Muito mais do que economista, Stuart Mill – que, apesar de ter sido deputado por breve período, se manteve funcionário da Companhia das Índias Orientais a maior parte da sua vida – escreveu e interveio sobre todos os problemas sociais do seu tempo, sendo um dos pensadores liberais mais influentes. Na teoria económica, como o maior expoente da escola clássica, o seu livro mais importante foi Princípios de Economia Política, de 1848, que constitui o primeiro grande manual de Economia, que ensinou gerações [com paralelo apenas nos livros de Marshall (1890) e de Samuelson (1948), já referidos].

Mas será sempre assim? As preocupações ecológicas dos dias de hoje parecem sublinhar que nada está garantido.

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1.4. Soluções do problema 1.4.1. Tradição, autoridade e mercado Podemos resumir os métodos de solução do problema económico de uma sociedade em três princípios gerais: 1. a tradição, 2. a autoridade e 3. o mercado. Estas palavras têm um sentido técnico diferente do habitual, pelo que é importante definir cuidadosamente o seu significado.

1.4.1.1. A tradição Nas sociedades tradicionais, desde a escolha da profissão, estabelecida por hábitos, castas, corporações ou pela família, até ao preço e acesso a boa parte dos bens e aos métodos de comércio, pesos, medidas e moedas, quase tudo estava definido por tradições religiosas, culturais e regionais. A tecnologia do queijo da Serra, o sistema da herança, a existência de baldios, são claras influências culturais e tradicionais na nossa sociedade. A hora a que comemos, a maneira como fazemos negócios, a organização de uma família ou de uma empresa são tudo influências da tradição na sociedade.

1.4.1.2. A autoridade Outro método usado para resolver as questões económicas é o da autoridade. Os agentes do Estado, sejam os emissãrios do duque local ou os funcionários do Gosplan, podem chegar a definir o que cada pessoa produz, o que pode vender e o preço dessa venda.

1.4.1.3. O mercado O terceiro sistema, que sempre existiu, mas que só se tornou dominante recentemente, é o mercado. O mercado não é apenas a compra e a venda, mas sim todos os casos onde a decisão é deixada à livre escolha dos interessados. A democracia é um caso de escolha de mercado e até o casamento, hoje, é decidido pelos interessados e, nesse sentido, pode ser considerado um mercado. Estas são as três principais formas de organização do sistema económico. Como vimos, todas as sociedades usam simultaneamente os três métodos, constituindo, por isso, sociedades mistas. O segredo das sociedades modernas, na linha de Smith, é o uso extensivo do mercado, como meio de afectação de recursos e bens e um equilíbrio saudável com a autoridade e a tradição. Mas a tradição tem, em contrapartida, o defeito de ser extremamente difícil de mudar. Perante uma alteração social ou económica, os hábitos são as últimas coisas a se modificarem. Por isso, as sociedades têm tendência a usar a tradição naquelas decisões onde é importante que toda a gente saiba como os outros vão decidir, e são pequenos os ganhos de mudar a decisão. Um exemplo claro de uso da tradição é para definir as horas das

32 refeições. Por outro lado, é muito importante que toda a gente saiba quais são os momentos em que vamos comer, seja para organizar as cantinas e os restaurantes, seja para evitar que se incomode os outros quando estão a comer. A autoridade tem, tal como a tradição, a característica de ser conhecida de todos. Mas tem a vantagem de poder ser mudada e adaptada quando for necessário, sem a rigidez da tradição. Assim, ela é usada nos casos onde é importante que o resultado da decisão seja conhecido de todos, mas onde a decisão tem de variar conforme os casos. Um exemplo típico é o Código da Estrada. É essencial para cada condutor saber como os outros condutores se vão comportar. Mas esse comportamento tem de ser diferente num cruzamento, numa recta ou numa rotunda. Quando se andava de carroça, as regras do trânsito podiam ser deixadas à tradição, mas a velocidade dos automóveis impôs a necessidade de uma decisão da autoridade. O mercado tem a característica de ser a mais flexível das três formas de tomar a decisão. Sendo o resultado da combinação de muitas escolhas particulares, o mercado pode ajustar-se rapidamente às mudanças que se verificam. Mas a sua flexibilidade está ligada à sua grande fragilidade. Podemos dizer que existem semelhanças entre o sistema económico e o corpo humano. O seu funcionamento corrente é deixado à liberdade natural. A utilização simultânea dos três instrumentos – mercado, Estado e regras sociais – é não só uma conveniência, mas uma exigência. _______________________ O PROBLEMA DE PAGAR UM TÁXI A questão que se levanta nessa transacção é a seguinte: dado que o cliente do táxi é racional, por que razão, uma vez chegado ao seu destino, deve pagar a corrida? Se ele já foi servido, porquê pagar? Se ocliente procurar apenas o seu bem-estar e não levar em conta os escrúpulos morais, a conduta mais racional será, uma vez no destino, sair sem pagar a corrida. É claro que se o cliente é uma pessoa bem formada, por razões morais paga o que deve. Mas haverá razões estritamente económicas? O mercado tem autodefesas para se proteger deste tipo de pessoas. Mas é claro que estas defesas são frágeis. Se o caso se passasse numa grande cidade, numa zona onde o cliente seja desconhecido e onde não espera voltar tão cedo, a situação seria bem diferente. Por que razão nesse caso um agente racional deve pagar a corrida? A resposta, neste caso, seria certamente que o taxista poderia chamar a polícia e forçar o cliente a pagar. Esta é uma realização do papel do Estado no mercado. As autodefesas do mercado são fracas, e o Estado é chamado a intervir. E se for à noite, num sítio ermo, onde não há polícia? Se o cliente procurar apenas o seu bem-estar, a conduta mais racional será, uma vez no destino, sair sem pagar a corrida. Sendo desconhecido do motorista e não havendo presença de testemunhas, sem a possibilidade portanto de vir a sofrer consequências futuras, e uma vez obtido o serviço contratado, pagá-lo será racional?

33 Neste caso, o condutor pode exercer sevícias, de forma aliás plenamente justificada, sobre o passageiro pouco cumpridor, de forma a obrigá-lo a pagar. Este seria um custo directo do mau funcionamento do mercado. Mas nesse caso, invertendo o problema, que impede o referido motorista de, depois do pagamento, exercer ainda as referidas sevícias, para ser pago de novo? Este último ponto põe finalmente em destaque a questão central: trata-se de uma falha de mercado. Seria de esperar que, neste como em muitos outros tipos de transacções comuns (barbeiros, restaurantes, bancos, etc.) fosse lógico que se multiplicassem os casos de rompimento do contrato. No entanto, nas sociedades civilizadas estes casos são raros, o que faz com que taxistas, barbeiros, restaurantes exerçam a sua actividade sem perigo de serem constantemente confrontados com caloteiros racionais. Se a sociedade não tem, no seu funcionamento normal, regras de conduta que imponham que cada pessoa pague o que deve, vão pulular os cheques sem cobertura, e isso terá como efeito que o cheque deixa de ser aceite como meio normal de pagamento. As sociedades mais avançadas são exactamente aquelas onde o respeito de cada um pelos outros, o grau de civilização, é maior. Aí, o mercado pode avançar para formas mais sofisticadas e podem ser fornecidos bens e serviços mais delicados (por exemplo, os novos produtos financeiros) que noutra estrutura falhariam completamente. A lição fundamental destes exemplos é de que não existe um mercado selvagem. O mercado, para a generalidade das transacções, exige confiança, e esta só existe no meio de uma sociedade em que as regras da civilidade são respeitadas por todos. Uma sociedade de selvagens sem escrúpulos ou de ladrões absolutos, sem qualquer respeito pelas regras de convivência, supondo que tal comunidade pudesse existir, teria as suas relações económicas totalmente paralisadas por falta de uma plataforma cultural mínima para funcionar, plataforma que só a civilização traz consigo, e que é indispensável à operação das leis económicas. A nossa sociedade resolve o seu problema económico simultaneamente pela tradição (regras básicas de convivência em sociedade), pelo Estado e pelo mercado. E esta simultaneidade não aparece por acaso. É o resultado de necessidade imperiosa.

1.4.2. O mercado na sociedade moderna Sem intervenção de qualquer autoridade, uma enorme quantidade de bens e serviços são produzidos, trocados e consumidos todos os dias em qualquer cidade. Quando qualquer calamidade elimina o funcionamento do mercado (Alemanha depois da II Guerra Mundial, Camboja, e Moçambique hoje, etc.) é a catástrofe económica. Não há nenhum cérebro humano por detrás disto. À primeira vista não seria de admirar, pois as maiores maravilhas do Mundo não têm nenhum cérebro humano por detrás delas. Mercado é o arranjo (praça, telefone, leilão, bolsa) pelo qual compradores e vendedores de um bem interagem para determinar o preço e a quantidade transaccionada. O centro do mercado é o preço. O

34 preço é o coração do sistema. O preço é o elemento mais delicado e sensível do sistema económico, visto com admiração e respeito por todos os economistas. Mexer nos preços é perturbar o essencial do mercado. Mas afinal como é que funciona o mercado? O truque, centrado nos preços, reside nos incentivos. Os vendedores, perante a subida do benefício retirado da venda do produto, são incentivados a aumentar a produção (ou a pagar mais por ela, incentivando-a) e, a preço mais alto, menos consumidores o querem. Assim se consegue uma solução para a economia que garante que, dadas as circunstâncias (e essas circunstâncias incluem a distribuição da riqueza que cada um tem, os dotes pessoais, a estrutura de mercado), se consegue a situação mais racional e de melhor bem-estar. A este resultado do mercado chamamos eficiência. Deste modo, o sistema económico é estruturado pelo mercado, de forma eficiente. As famílias e os consumidores vão ao mercado comprar os bens de que necessitam, fazendo para isso a sua despesa, que é recebida pelas empresas e os produtores. O dinheiro gasto pelas famílias no mercado dos bens será usado pelas empresas para comprar os serviços dos factores produtivos (terra, trabalho e capital) no mercado de recursos ou factores. Quem possui esses recursos são as famílias, que assim recebem rendimentos (salários, rendas e juros) pela venda dos serviços dos seus factores produtivos. É claro que esses rendimentos constituem o dinheiro que as famílias vão usar para comprar os bens. Por um lado, bens e factores são transaccionados e, em sentido contrário, movimenta-se o dinheiro. Os motores desses fluxos são os mercados, de bens e de factores. O gráfico seguinte ilustra, deforma estilizada, este processo, a que se chama de circuito económico na sua estruturação em mercados. MERCADO DE BENS Despesa

Bens

FAMÍLIAS

EMPRESAS

Recursos

Rendimento

MERCADO DE RECURSOS

Assim, a questão de o quê produzir é resolvida pelos escudos oferecidos pelos consumidores, que revelam as suas preferências; na expressão de Samuelson, os «votos em euros» aplicados diariamente no mercado resolvem o problema. É claro que pode haver dificuldades de funcionamento. Comprar o produto que não se queria, pagar demasiado por ignorar uma descida de preços ao lado, tudo isto são erros na manifestação da vontade do consumidor, devido ao deficiente sistema de «votação». Aliás, dado que esta votação se verifica todos os dias, continuamente em todo o lado, seriam de esperar frequentes deficiências. Assim, perante várias formas de produzir o mesmo queijo, aquela que o produza melhor e mais barato é que tem a preferência do consumidor e, por isso, ou é copiada pelas outras, ou leva-as à falência. Se uma empresa tem monopólio de produção, usa gangsters para impor a venda do seu produto, ou é amiga do cunhado do ministro, podem

35 gerar-se falhas na concorrência. Também aqui a economia não é caso único. Também o problema de quem beneficia com os resultados da actividade económica, «para quem» se produz, é resolvida pelo mercado de recursos ou factores produtivos, dada certa propriedade desses factores. Esse mercado – onde, tal como nos outros, se compra e vende, só que aqui os produtos são terra, trabalho e capital – determina o preço dos factores (salários, rendas, juros) e, deste modo, o rendimento que cada pessoa, proprietária de certo montante de factores, receberá. A definição prévia da propriedade dos factores, as interferências políticas sobre essa distribuição, são muito mais influentes sobre a justiça da distribuição final dos resultados do que o mecanismo de mercado, que se limita a gerir uma dada situação. Estas são as formas como o mercado dá resposta ao problema económico, bem como algumas das suas falhas. Como vimos, o segredo do mercado é a concorrência. Mas não é apenas essa a concorrência que se verifica no mercado. O aparecimento de novos produtos, novas formas de produzir, novas técnicas, novos mercados, desafia continuamente a situação estabelecida. Este tipo de concorrência é essencial ao funcionamento do mercado. O mercado só pode ser concebido em dinamismo, e esse dinamismo vem das novas ideias, que nascem a cada momento e ameaçam a situação actual. A este fenómeno dinâmico, resultante da concorrência, chamamos desenvolvimento económico. É pois a própria concorrência do mercado que gera o desenvolvimento. Esta ideia, que adiante estudaremos mais em detalhe, foi apresentada por um autor austríaco, Joseph Schumpeter, no seu texto Teoria do Desenvolvimento Económico, de 1911, e, sobretudo, na sua grande obra Capitalismo, Socialismo e Democracia, de 1943. JOSEPH SCHUMPETER (1883-1950) Os seus múltiplos textos são ultrapassados pelo genial livro Capitalismo, Socialismo e Democracia, de 1943, onde expande as ideias de 1911.

Nesta obra, Schumpeter afirma que o desenvolvimento é o tumulto das novas ideias que desafiam e vencem ou são vencidas pelas antigas, perturbando continuamente o sistema económico. Para esta concorrência entre projectos é essencial a liberdade de tentar, construir e falhar e, por isso, tal fenómeno só é possível no mercado. O desenvolvimento económico a que temos assistido nos últimos séculos é, pois, um resultado do domínio das soluções de mercado sobre as outras formas de organização económica. Podemos dizer que o método do mercado se resume ao provérbio «A falar é que a gente se entende». Assim, a solução que é dada ao problema económico consiste em pôr os interessados a comunicar sobre os seus problemas. Todos falam e se fazem ouvir, e quando todos são ouvidos resulta a melhor maneira de resolver qualquer problema. Os problemas do mercado resultam das muitas situações em que nem todos têm voz, ou a sua expressão é distorcida. Daqui resulta uma outra característica do mercado: ele é muito delicado. Estas transacções, baseadas nas relações entre as pessoas e na confiança, facilmente são destruídas. O mercado afecta as coisas da melhor maneira, mas é fortemente perturbável.

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1.4.3. O papel do Estado É costume dizer que o papel do Estado numa economia moderna centrase essencialmente em très funções: 1. promoção da eficiência, 2. promoção da equidade e 3. promoção da estabilidade.

1.4.3.1. Promoção da eficiência O mercado nem sempre é o modo ideal de afectação económica, devido sobretudo a dois tipos de razões. Em primeiro lugar, existem algumas relações económicas que, devido aos seus efeitos culturais, sociais e humanos, a sociedade não quer confiar ao livre jogo dos incentivos. A herança de uma família, a prestação de serviços de defesa nacional, o comércio de droga, a escravatura, são casos de relações económicas que a sociedade não deixa que seja o mercado livremente a definir os seus termos. Por outro lado, como vimos, existem falhas no funcionamento do mercado. Em primeiro lugar, existem situações de imperfeição na concorrência. Se os produtores (ou consumidores) de um produto não têm todos peso semelhante, ou não se fazem todos ouvir, como no caso do monopólio, o funcionamento do mercado é ineficiente. Em segundo lugar, existem fenómenos, a que a Economia chama de «externalidades», que constituem influências que o mercado não consegue captar. Por exemplo, uma fábrica usa a água do rio, mas não a paga, o que a leva a desperdiçá-la; ou uma fábrica traz a electricidade à aldeia e não é paga por isso. Um caso especial de externalidade tem particular interesse. Tratase do fenómeno chamado de «bens públicos». Estes produtos ou serviços especiais são bens que, embora não sejam grátis, num sistema de mercado todos podem gozar sem pagar, pois não existe modo de o mercado cobrar o seu custo. A defesa nacional, os jardins públicos, estradas, a televisão são bens que todos gozamos sem pagar. Num sistema de mercado, esses bens nunca seriam produzidos, pois a empresa que o fizesse iria à falência. Por todas estas diferentes razões, o Estado tem motivos para intervir no sistema económico, exactamente no domínio em que o mercado é mais forte: a eficiência. Mas, além do objectivo da eficiência, existem outros desejos da sociedade para os quais o mercado não está tão vocacionado, mas que são igualmente importantes. É pois preciso garantir que os ganhos compensem os custos.

1.4.3.2. Promoção da equidade Um dos principais objectivos da maior parte das sociedades é garantir que a distribuição dos bens produzidos seja mais ou menos igualitária entre todos os elementos dessa sociedade. Grandes disparidades entre ricos e pobres, mesmo que isso corresponda à maior eficiência, são normalmente repudiadas pelas sociedades modernas.

37 A solução que o mercado dá à distribuição dos resultados da actividade económica é, como vimos, extremamente influenciada por factores estranhos ao próprio mercado, tais como a estrutura de propriedade, os dotes naturais (mérito, dedicação, inteligência, força, simpatia, etc.), a influência política, a situação social, geográfica, moral de cada um. Por estas razões, a distribuição automática dos «votos em euros» feita pelo mercado pode não ser justa, segundo o critério de qualquer pessoa. Os impostos progressivos, os subsídios e transferências, a segurança social, ou métodos mais drásticos, como a expropriação, a reforma agrária, a revolução social, são instrumentos de que a sociedade se serve para conseguir a equidade. Mas não devemos esquecer a existência de um conflito de eficiência-equidade. Se o Estado retira a uns para dar a outros (por exemplo, se tira aos que produzem e possuem para dar aos que não têm, ou qualquer outra distribuição considerada justa), é natural que uns e outros reduzam a sua produção. Na verdade, aqueles a quem se tira podem achar que não vale a pena produzir, se depois o Estado vai tirar o seu resultado, e os que recebem podem pensar que, como o Estado dá de qualquer modo, o esforço é demasiado. Este conflito eficiência-equidade é, no fundo, uma manifestação do princípio de que «não há almoços grátis».

1.4.3.3. Promoção da estabilidade Vimos que a concorrência do mercado se fazia no meio do tumulto do aparecimento de novas ideias, que lutavam e venciam ou eram vencidas pelas já estabelecidas. Este resultado é bom, mas traz consigo a instabilidade, a insegurança. A contínua ameaça dos concorrentes garante que cada produtor ou consumidor seja forçado a comportar-se da maneira mais eficiente, mas cria uma tensão contínua sobre o tecido social, que a comunidade pode não gostar8. Os mecanismos de apoio aos desempregados, a correcção de desequilíbrios sectoriais ou regionais, a preocupação com as contas externas ou a inflação e a utilização de impostos e despesas estatais no sentido de compensar as perturbações ou flutuações que o processo de desenvolvimento criou são formas de o Estado promover a redução da insegurança económica, de forma a encontrar um comportamento estável para a economia como um todo. É claro que aqui pode aparecer mais um conflito, o conflito desenvolvimento-estabilidade. Se a instabilidade é resultado do processo de desenvolvimento, o Estado ao intervir pode afogar o surto dinâmico que a provocou. Ao ajudar os desempregados, corrigir a inflação, o desequilíbrio regional ou as contas externas, o Estado está a fazê-lo à custa da flexibilidade económica e dos be________________________________ É importante notar que quando se diz aqui que o desenvolvimento está ligado à instabilidade, se quer dizer «instabilidade económica», ou seja, a alteração de produtos, modos de produção e canais de mercado. Outros tipos de instabilidade, como a instabilidade política, cultural, social, militar (guerras, greves, tumultos), não só não são produto do desenvolvimento económico como, pelo contrário, sãolhe extremamente prejudiciais. Esta distinção é essencial para compreender o verdadeiro sentido desta discussão. 8

38 nefícios dos mais dinâmicos. Um subsídio de desemprego pode impedir que os trabalhadores se desloquem rapidamente para os sectores mais activos; e impostos sobre uma região rica ou menos prioritária para ajudar outra mais pobre ou que se deseja promover, dificultam o desenvolvimento da primeira, que pode ser mais dinâmica. Mais uma vez, o «almoço» da estabilidade não foi grátis, o que não quer dizer que não valha a pena. A maior parte das sociedades está disposta a sacrificar algum desenvolvimento para conseguir certa estabilidade. Claro que deve ser dito que nem sempre os conflitos eficiênciaequidade e estabilidade-desenvolvimento são verificados. Em todos estes esforços, o Estado trabalha com o Mercado, não contra ele. A harmonia entre a acção do Estado e o funcionamento da sociedade, no mercado, é um dos elementos mais importantes de um sistema equilibrado. Mas quer a acção da autoridade, quer a actuação do mercado estão mergulhados na tradição.

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1.5. A cruz marshalliana Este gráfico, que ficou conhecido como «cruz marshalliana», será muito útil na análise que adiante faremos, mas servirá desde já para clarificarmos o estudo do mecanismo de mercado e do funcionamento dos incentivos. A ideia básica deste diagrama é a de que um mercado, qualquer mercado, funciona pela interacção de dois lados: os compradores e os vendedores, os consumidores e os produtores.

1.5.1. A curva da procura No diagrama marshalliano, a representação dos compradores é feita por um elemento conhecido como curva da procura. O traçado da curva da procura faz-se do seguinte modo: em relação a certo bem, pergunta-se a um consumidor quanto está disposto a comprar desse bem se o preço for um dado. Depois, vai-se variando o preço, e refaz-se a pergunta: quanto compraria o consumidor a cada novo preço. Marcando os vários pontos num gráfico como o abaixo, obtemos a curva da procura: Preço do bem

CURVA DA PROCURA

Quantidade desejada

Quanto maior utilidade o consumidor retira do bem, mais ele estará disposto a pagar por esse bem. É claro que a racionalidade está presente na curva da procura. A resposta do consumidor traduz a quantidade melhor para ele, a cada nível de preço; a quantidade que deseja consumir do bem, de forma a maximizar o seu bem-estar. Se se considerar as várias curvas de procura de um certo bem numa economia, uma para cada comprador do bem, é possível determinar, para cada preço, qual a quantidade total desejada desse bem por todos os consumidores do bem. Consumidor 1 p

Consumidor 2 p

Mercado p

...

Dm

D2

D1 q

q

q

Olhando para as curvas que traçámos podemos verificar imediatamente uma sua característica óbvia: a curva está sempre a descer. Trata-se daquilo que em Economia se chama lei da procura negativamente inclinada: se o preço de um bem sobre (coeteris paribus), a quantidade procurada desce, e vice-versa. Logo, a quantidade procurada do bem desce quando o preço sobe, porque o consumidor substitui esse bem por outros. A este resultado de uma variação de preços chamamos efeito substituição.

40 Mas não é apenas isto que acontece quando um preço sobe. Assim, ao subir o preço, a quantidade procurada de um bem desce porque o consumidor tem menos possibilidades de o comprar. Chamamos a este o efeito rendimento. Assim, a lei da procura negativamente inclinada é justificada por duas razões diferentes: 1. porque, ao subir o preço, o consumidor passa a comprar outras coisas (efeito substituição) e 2. porque o consumidor fica mais pobre (efeito rendimento). A curva da procura é, como vimos, uma relação entre a quantidade desejada de um bem e o preço. Com esta relação, a Economia pretende sublinhar que a determinante essencial da quantidade procurada é o preço, mas a Economia não diz que ele é a única determinante procurada. Entre estes factores, os principais são: • os gostos ou preferências dos consumidores, • o nível de rendimento de cada um (se uma pessoa fica mais rica ou mais pobre, é normal que, ao mesmo preço, compre agora uma quantidade diferente), • a dimensão do mercado (uma alteração ao número de consumidores altera a curva de procura do mercado) e • o preço e disponibilidade de outros bens. Em relação a este último aspecto, ele está relacionado com os efeitos rendimento e substituição, atrás referidos, pois, como vimos, uma alteração no mercado de um bem altera o comportamento dos consumidores nos outros mercados («em Economia tudo tem a ver com tudo»). Em particular, são mais afectados os mercados dos bens relacionados. Estes são sobretudo de dois tipos: — os bens substitutos – são os que contribuem para a satisfação da mesma necessidade (manteiga e margarina, ou autocarro e metropolitano) e — os bens complementares – são os que necessitam uns dos outros para satisfazer a necessidade (automóvel e pneus, ou mostarda e bife). É claro que, para traçar uma curva da procura, é preciso que todos estes factores, para além do preço, se mantenham constantes. Ou seja, só é possível traçar uma curva da procura variando o preço, mas verificandose a hipótese de coeteris paribus. Se algum desses factores supostos constantes é perturbado (por exemplo, o consumidor muda de gostos, ou perde o emprego e fica mais pobre), a curva de procura traçada deixa de ter interesse. Este facto gera um efeito muito simples (como tudo em Economia), mas que é por vezes confundido por alguns mais distraídos. Trata-se da distinção entre deslocamentos ao longo da curva ou deslocamentos da curva. Vamos supor que um consumidor tem a curva abaixo desenhada, e que o preço do bem é p1. Nesse caso, é claro que, como ele nos disse, o consumidor deseje consumir a quantidade q1. Então ele situa-se no ponto A. p

A

p1

q1

q

41 Suponhamos agora que se deu uma descida do preço, passando de p1 para p2. Nesse caso, o consumidor vai passar a consumir q2, ou seja, passa para o ponto B. Deu-se um deslocamento, ao longo da curva, do ponto A para o ponto B. p

A

p1 p2

q1

q2

q

Mas se, voltando ao ponto A, em vez de se ter dado uma variação do preço, se tivesse dado uma alteração de qualquer um dos outros factores que influenciam a quantidade procurada (gostos, rendimento, calor, etc.)? Nesse caso seria necessário, como vimos, traçar uma outra curva da procura, encontrando-se o consumidor sobre a nova curva. Agora, por exemplo, se o consumidor está a ganhar mais, a cada nível de preço ele está disposto a comprar mais quantidade do bem. Ter-se-ia dado um deslocamento da curva. Na verdade, o consumidor passou da curva D1 para a curva D2 e, nelas, do ponto A para o ponto C. p

p1

D2

D1 A

C

q1

q2

q

1.5.2. A curva da oferta Temos agora de passar para o outro lado do mercado, para a representação dos vendedores (ou produtores). Esta, na cruz marshalliana, é feita pelo elemento conhecido como curva da oferta. Também aqui a curva é traçada perguntando a um vendedor do bem quanto está disposto a vender do seu bem a cada nível de preços. O resultado é representado por uma curva como a desenhada abaixo. Preço do bem

CURVA DA OFERTA

Quantidade oferecida

Assim, quanto maior for o custo de produzir um bem, menos é oferecido desse bem a cert preço. Também aqui está presente a racionalidade do vendedor. Da mesma forma que se verifica na curva da procura, também aqui a observação da forma da curva leva-nos a formular a lei da oferta positivamente inclinada. Na verdade, verificamos que, se o preço de

42 um bem sobe (coeteris paribus), a quantidade oferecida aumenta, e viceversa. Por que razão se verifica esta lei? A razão reside na lei dos rendimentos decrescentes, de que já falámos atrás. Para produzir mais de um bem temos de aumentar os factores produtivos, mas como há alguns que se mantêm, é normal que, à medida que se aumente a quantidade produzida, cada vez seja mais caro produzir uma unidade. Também aqui existem outros factores, para além do preço, que influenciam a decisão de oferta, por parte do produtor. Em primeiro lugar, o custo de produção. Se o custo de produção subir, é de esperar que a mesma quantidade seja oferecida a um preço mais alto. Na verdade, se o produtor for o único vendedor do produto (monopolista) é normal que ofereça, a certo preço, uma quantidade diferente do que se tiver dois ou três concorrentes, ou se tiver mil. Também aqui uma alteração do preço provoca um deslocamento ao longo da curva, enquanto os outros factores exigem a determinação de uma nova curva da oferta, existindo um deslocamento da curva.

1.5.3. O equilíbrio Este gráfico é de tal modo importante que podemos dizer que, com ele, já sabemos «ler e escrever» em Economia. A constatação mais importante que se pode retirar do diagrama é, como se disse, que em Economia temos sempre de ter em conta dois lados. Os soberanos da decisão económica são o benefício e o custo, a procura e a oferta, os gostos e a tecnologia. Esta ideia, muito simples, é de uma importância vital. Dela resulta uma regra muito importante, que nunca devemos esquecer, se não queremos ser enganados em Economia. Se alguém nos tentar convencer que algo é muito bom (um certo bem que nos quer vender, um projecto político concreto) e nos louva os benefícios dele, não nos devemos esquecer de perguntar: que custos traz consigo? Quanto custa? Quem paga? Inversamente, se nos descrevem os enormes defeitos, os custos de certa entidade ou actividade, que alguém nos pretende convencer a abandonar ou a destruir, devemos sempre perguntar: Para que serve? Quem beneficia dela? Nunca nos devemos esquecer de que, em Economia, as coisas são sempre duplas, tal como as moedas, têm sempre duas faces. p D

S

q

A introdução da hipótese do equilíbrio dos mercados faz-se, neste caso, através da adopção de um mecanismo de mercado, ou seja, da definição dos contornos entre a interacção das curvas da procura e oferta. O mecanismo centra-se à volta do ponto de intersecção entre as curvas da procura e da oferta (o ponto E). Neste ponto encontramos um preço (Pe) que faz com que a quantidade procurada e oferecida sejam iguais

43 (Qe). Chamaremos a este ponto o ponto de equilíbrio, e a Pe e Qe, o preço e quantidade de equilíbrio. p

E Pe

q Qe

MARIE ÉSPRIT LÉON WALRAS (1834-1910) Walras, filho do economista francês Auguste Walras, procurou toda a vida desenvolver o que considerava serem as ideias de seu pai. Depois de uma vida atribulada, onde teve dificuldades nos estudos e foi romancista, jornalista e director de um banco, conseguiu aos trinta e seis anos ser colocado como professor na Universidade de Lausanne. Foi aí que compôs a sua grande obra Elementos de Economia Política Pura, cujo primeiro volume saiu em 1874 e o segundo em 1877, mas que foi aperfeiçoando em sucessivas edições, até à quinta publicada já depois da sua morte, em 1926. Esse trabalho, que ficou conhecido como «modelo de equilíbrio geral», continua ainda hoje a ser a única base para a análise da complexa interdependência económica e fez com que Schumpeter o considerasse «o maior de todos os economistas».

A característica essencial do ponto de equilíbrio é que se a economia se situar nele, toda a gente (consumidores e produtores) está satisfeita: dadas as circunstâncias, àquele preço eles compram e vendem exactamente o que querem. Nos pontos A e B, por exemplo, os compradores estão descontentes, porque àquele preço (p1) queriam comprar menos do que são obrigados a comprar (só queriam comprar a quantidade definida pela curva da procura ao preço p1). No ponto B, aliás, também os vendedores estão descontentes por serem obrigados a vender mais do que queriam ao preço p1 (no ponto A, ao menos, os vendedores vendem o que querem). P A

B

P1

q

Inversamente, nos pontos C e D, são os produtores que estão insatisfeitos, pois são obrigados a vender menos do que queriam a esse preço (queriam vender o que está definido na curva da oferta), e se no ponto C os compradores estão a comprar o que queriam (estão sobre a sua curva da procura), no ponto D também eles estão infelizes por serem obrigados a comprar mais do que queriam. P C p2

D

q

44 Deste modo vemos facilmente que o ponto de intercepção das duas curvas é o único que, dadas as circunstâncias e as restrições, consegue satisfazer, simultaneamente, produtores e consumidores. Ao preço Pe, temos equilíbrio na Economia. Repare-se que esse não é o único ponto em que a quantidade comprada é igual à quantidade vendida. Em todos os pontos a quantidade vendida é igual à quantidade comprada. Mas no ponto de equilíbrio (intercepção das curvas) a quantidade oferecida é igual à quantidade procurada, ou seja, a quantidade que se pretende comprar (e não só a que se comprou) é igual à quantidade que se pretende vender. p

E Pe

q Qe

Que acontece quando o preço não for o de equilíbrio (Pe)? É aí que é importante definir o mecanismo de mercado9. Se o preço for mais alto que Pe, temos um excesso de oferta, a quantidade que os produtores querem vender é superior à que os consumidores querem comprar. Por outro lado, os consumidores só aceitam a quantidade se o preço for inferior. p

q

Assim, o preço desce, o que tende a resolver o problema do excesso de oferta por duas formas: 1. reduz a quantidade oferecida e 2. aumenta a quantidade procurada. Como esta situação se dá para todos os preços superiores a Pe, o processo só termina no ponto de equilíbrio. Deste modo, a preços superiores ao de equilíbrio existe uma tendência para descida de preços, ou seja, uma tendência para o ponto de equilíbrio. Pelo seu lado, a preços menores que Pe, temos um excesso de procura, pois os consumidores qurem comprar mais do que os produtores querem vender. Nesse caso, os consumidores estão dispostos a oferecer mais dinheiro para conseguir mais do bem, enquanto os produtores só o oferecem se lhes pagarem mais. Logo o preço sobe, tendendo para o equilíbrio.

________________________________ Ao longo da história da Economia muitos mecanismos de mercado foram apresentados. Podemos mesmo dizer que ainda hoje esta é uma questão aberta. No entanto, a proposta de Walras é a mais utilizada e é a descrita aqui. 9

45 p

p

q

Através deste mecanismo vemos que o ponto de equilíbrio (E) é não só aquele em que todos estão satisfeitos, mas também aquele para o qual a economia tende, se estiver noutra situação. Deste modo, com este mecanismo de ajustamento, o ponto E é um equilíbrio estável10. p E Pe

q Qe

Repare-se que este mecanismo é uma das formas possíveis para explicar aquilo que nós, desde o início, aceitamos como hipótese: os mercados equilibram. O raciocínio agora apresentado não pretende «demonstrar» essa hipótese porque, como todas as hipóteses, ela não é demonstrável. Vale a pena referir desde já uma ideia que adiante será mais elaborada. O ponto de equilíbrio não tem, pelo facto de os produtores e consumidores estarem satisfeitos na sua transacção, qualquer conotação valorativa ou moral. O ponto não tem de ser «bom», «justo» ou «recomendável». Por exemplo, se o bem em análise for a alimentação e os consumidores forem muito pobres ou os produtores muito restritos na sua tecnologia, o ponto de equilíbrio pode acarretar a morte pela fome ou a miséria generalizada no mercado. S2 p

p

D1

S1

D2

q2

q1 (A)

q2

q1 (B)

O que aqui vale a pena sublinhar é o facto de ambas as quantidades, q1 e q2, serem valores de equilíbrio, embora as situações concretas nas duas situações sejam dramaticamente diferentes. Na situação final, após o efeito da catástrofe, os consumidores ou os produtores estão arruina________________________________ Walras ao apresentar o funcionamento do seu mecanismo de mercado postulou a existência de uma entidade, um «pregoeiro», que iria anunciando preços. Aos preços anunciados, os compradores e vendedores formulariam as suas procuras e ofertas e o pregoeiro, confrontando as quantidades procuradas e oferecidas, aplicava o mecanismo e anunciava novo preço. Este método, celebrizado com o nome de «pregoeiro de Walras», consiste num artifício teórico para estilizar formalmente a interacção dos agentes no mercado. 10

46 dos e, por isso, há fome e miséria. A nova quantidade procurada ou oferecida é muito inferior, pois a isso o mercado foi «forçado» pelas novas circunstâncias. Nessa ordem de ideias, um ponto fora do equilíbrio, por exemplo, o ponto F no gráfico abaixo, poderia ser «melhor», do ponto de vista moral, social ou cultural. O problema é que esse ponto, fora do equilíbrio, não seria eficiente, ou seja, dadas as circunstâncias (tecnologia de produção, gostos dos consumidores, etc.), tal ponto não satisfaz as restrições económicas da situação. No exemplo, o ponto F poderia ser o ponto que salvaria da fome a população, mas não há dinheiro para o pagar nem capacidade para o produzir. É bom não esquecer que estamos a estudar Economia, e é em termos estritamente económicos que as coisas aqui são valorizadas, não em termos morais ou sociais (embora se vá chamando a atenção para esses aspectos). p E

F

P2

q2

q

Toda esta discussão, no fundo, renova a constatação da independência entre a eficiência e a equidade que atrás foi referida. O mercado livre, a funcionar bem, garante a eficiência, ou seja, a eliminação do desperdício. Mas esse mercado não toma em conta outros critérios morais, sociais ou culturais, que têm de ser abordados de outro modo. É essencial que todo o economista tenha este instrumento guardado bem à mão, e saiba bem dominar o seu funcionamento. ____________________________ 1.º EXEMPLO DE EQUILÍBRIO: O DRAMA DE UM BOM ANO AGRÍCOLA Muitas vezes, um bom ano agrícola, com elevadas colheitas, pode ser muito mau para os agricultores. A razão deste paradoxo, conhecida por todas as pessoas do campo, é que o aumento de produção faz descer de tal modo o preço que a receita dos agricultores (igual ao preço multiplicado pela quantidade vendida) cai em relação ao valor de um ano normal. Este problema tem tradição na história da Economia, pois foi apresentado no século XVII por um dos primeiros economistas, Gregory King, e ficou conhecido como efeito de King. GREGORY KING (1648-1712) King foi um dos primeiros autores interessados em Economia, mais de cem anos antes de Adam Smith. Um outro economista inglês, Charles Davenant, incorporou parte dos resultados dele num seu estudo de 1699, mas o livro de King, Natureza e Observações Políticas e Conclusões sobre o Estudo e Condições da Inglaterra em 1696, só foi publicado em 1804 por George Chalmers, um seu biógrafo.

A compreensão do paradoxo fica muito clara se for usado o gráfico da procura e oferta. A primeira coisa a saber é a forma de representar no gráfico «um bom ano agrícola». Na verdade, é muito simples. Um bom ano agrícola é aquele em que, ao mesmo preço, cada produtor pode agora oferecer mais quantidade. Por exemplo, ao preço p1, num ano agrícola normal o produtor oferece q1, e no bom ano q2. Assim, no bom

47 ano agrícola (em relação ao normal), a curva da oferta desloca-se para a direita e para baixo, de S1 para S2. p S1 S2

p1

q1

q

q2

A receita do agricultor (o produto do preço pela quantidade) tem de ser igual à área do rectângulo assinalado. No exemplo desenhado torna-se claro que o aumento da oferta (de S1 para S2), devido ao bom ano agrícola, reduziu a receita, pois a área abaixo e à esquerda de E2 é inferior à área correspondente em E1. p S1 p1

p S2

Receita 1 p1

E1 E2

p2

p2 Receita 2

q1 q2

q

q1 q2

____________________________ 2.º EXEMPLO DE EQUILÍBRIO: QUEM GANHA COM A DESCOBERTA? Vamos agora supor que houve uma melhoria tecnológica na produção de certo bem, devido à descoberta de um modo mais barato de o produzir. Será que irão os produtores ficar melhor porque receberão mais receita, ou são os consumidores que ficam melhor, porque passam a ter os bens mais baratos? Este problema é muito parecido com o anterior, pois uma melhoria tecnológica é representada no nosso diagrama por um deslocamento para a direita da curva da oferta: ao mesmo preço, há mais oferta do bem. p S1

S2

q

Para responder à questão de quem ganha com a descoberta, temos de saber se a receita dos produtores (que, evidentemente, é igual à despesa dos consumidores) subiu ou desceu com a descoberta.

48 p

p

q

q (B)

(A)

No caso (B) ganharam os produtores, que estão a receber mais dinheiro, pois a subida da quantidade vendida mais do que compensou largamente a descida do preço. Isto, em parte, explica porque há bens ou sectores em que a inovação é mais intensa e frequente e noutros não. ____________________________ 3.º EXEMPLO DE EQUILÍBRIO: A POLÍTICA AGRÍCOLA COMUM Como poderemos representar um subsídio no nosso diagrama? Na verdade é muito simples: se a curva da oferta representa o preço a pagar por certa quantidade do bem, um subsídio significa que parte desse preço é paga pelo Estado. Isso quer dizer que, embora a verdadeira curva da oferta seja SE, a curva de oferta que os consumidores encontram no mercado é a curva SS, pois ao preço pedido pelos produtores temos de deduzir o subsídio (s). Deste modo, cria-se uma diferença entre o preço recebido pelos produtores (pp) e o pago pelos consumidores (pc).

Pp SE

SS s

Pc q

Mas por que razão os agricultores europeus necessitam de ajuda? Porque os agricultores europeus têm um método de produção mais caro e menos eficiente que o dos seus concorrentes do resto do Mundo. Isso é representado por uma curva da oferta europeia (SE) acima da mundial (SM). Nesse caso, se houvesse liberdade de comércio, o ponto de equilíbrio seria o ponto A, e a agricultura europeia deixaria de produzir.

p D

SE

Pp

SM

D

SM

SE

SS

s

Pc q

q

49 Assim, embora a Europa produza com a curva SE, a curva da oferta que os consumidores observam é a curva SS. A diferença é o subsídio que a comunidade paga aos agricultores. Mas almoços grátis é coisa que não existe, como os leitores deste livro já sabem muito bem. Onde está o erro? O problema é simples: quem paga o subsídio são os Estados europeus, ou seja, os consumidores europeus, quando pagam os seus impostos. Por isso, o que os Europeus pagam pelos produtos agrícolas não é pc, mas sim pp, pois pagam pc quando compram os bens e ps quando pagam os impostos11. ____________________________ 4.º EXEMPLO DE EQUILÍBRIO: QUEM PAGA O IMPOSTO? Em Portugal, como aliás na maior parte dos países do Mundo, a venda da gasolina (bem como de outros produtos) não é feita ao preço de custo. O problema é muito parecido, mas inverso, ao da colocação do subsídio do caso anterior. Agora, a curva da oferta defrontada pelos consumidores (SC) encontra-se acima da curva da oferta dos produtores (SP), sendo a diferença entre os dois o imposto (i). Repare-se que, antes do imposto, o equilíbrio era obtido pela intersecção entre a curva da procura e da oferta dos produtores (SP). O preço de equilíbrio seria p0. Uma vez introduzido o imposto, os consumidores encontram SC e encontram um novo preço Pc, que pagam. No entanto, desse preço, os produtores só recebem pp, pois o Estado fica com o imposto i. SC p

SP

Pc i

P0 Pp D q

Passemos agora a utilizar o nosso diagrama para analisar situações em que a Economia está fora do equilíbrio. ____________________________ 1.º EXEMPLO DE DESEQUILÍBRIO: BARATINHO... MAS INVISÍVEL Muitas vezes, sobretudo quando se acha que um bem é muito importante e todos os consumidores, ricos e pobres, o devem poder comprar, o Estado intervém no mercado e fixa o preço desse bem abaixo do preço de equilíbrio, para o tornar barato e assim permitir o acesso de todos. É verdade que dissemos atrás que não se devia mexer nos preços, pois eles são o coração do sistema de mercado, e que eles fazem tender o mercado para o equilíbrio. O problema desta medida é que, a esse preço abaixo do de equilíbrio, existe excesso de procura do bem; muita gente quer o produto, mas pou________________________________ É por esta razão que alguns economistas dizem que seria melhor se o subsídio não existisse. Nesse caso, os consumidores europeus teriam produtos agrícolas mundiais que (esses sim!) seriam mesmo mais baratos, enquanto os agricultores europeus, que de qualquer maneira são menos produtivos que os do resto do Mundo, se poderiam dedicar a outras actividades mais lucrativas. O problema é ainda mais grave se virmos que muitos dos produtores agrícolas do resto do Mundo são os pobres dos países pobres, que se vêem incapazes de vender os seus produtos aos países ricos, devido à PAC. Mas é claro que esta já é uma opinião dogmática e não uma conclusão científica. 11

50 cos estão dispostos a vendê-lo. O bem é muito barato, só que quase não o há à venda. p

p q

A maior parte das situações de falta de bens, ou seja, de excesso de procura face à oferta (repare-se que quando se diz «falta», se deve estar a referir a falta em relação ao que desejávamos, ou seja, à procura) deve-se a intervenções do Estado no sentido de determinar os preços. As associações de moradores pressionam no sentido de haver limite à subida das rendas. Isso reduz a oferta de casas para alugar. Para os que têm casa, isso é bom porque pagam menos pela casa. Para os outros, é mau porque não têm casa (mas como não têm casa não interessam às associações de moradores!)12. ____________________________ 2.º EXEMPLO DE DESEQUILÍBRIO: BARATINHO... MAS NÃO PRESTA Por que razão os transportes públicos são maus em Lisboa? O preço é inferior ao custo, mas a empresa que produz é obrigada a fornecer a procura toda. Assim, o ponto de transacção não é o ponto da oferta, mas o da procura. Então, impedido de ajustar pela quantidade e pelo preço, o mercado ajusta pela qualidade: o produto não presta. ____________________________ 3.º EXEMPLO DE DESEQUILÍBRIO: O DESEMPREGO p

q

Para os trabalhadores que têm emprego, o salário é mais alto que o de equilíbrio. Para os desempregados (que são a diferença entre a oferta e a procura) não há emprego. ____________________________ 4.º EXEMPLO DE DESEQUILÍBRIO: LIMITES À IMPORTAÇÃO Um dos casos mais frequentes aparece quando se pretende proteger os produtores nacionais da concorrência dos estrangeiros e se coloca um montante máximo de quantidade que pode ser importada13.

________________________________ É de notar que, nos últimos tempos, estes dois exemplos têm vindo a melhorar, pois quer os responsáveis da ex-URSS quer o Governo português têm reduzido a sua intervenção sobre os mecanismos de mercado. O mundo está a tornar-se mais racional, mas não se esuqeçam do princípio que referimos atrás: não se deve subestimar a estupidez humana... 13 Neste exemplo, as curvas da procura e da oferta correspondem à procura interna de carros estrangeiros e à oferta de carros por estrangeiros em Portugal. A procura e oferta do bem nacional não estão representadas neste gráfico. 12

51 p

q

Por exemplo, talvez para proteger os produtores nacionais de automóveis (que não existem!?), Portugal pôs um limite à quantidade de carros estrangeiros que se podem importar. Quem sobretudo beneficiou foram os produtores estrangeiros de carros que têm acesso ao mercado português (que conseguiram as licenças de importação), pois vendem os seus carros muito mais caros.

52

53

1.6. Os problemas globais da economia Para terminar esta nossa visão geral dos princípios fundamentais da Economia, temos agora de analisar alguns efeitos especiais dos fenómenos económicos. Como veremos, todos eles têm em comum o estarem relacionados com o global da sociedade.

1.6.1. O todo e as partes 1.6.1.1. Conflito eficiência-equidade Numa dada situação, se se pretender dar a todos uma fatia justa da riqueza nacional, segundo qualquer critério, é preciso alterar as remunerações dos recursos que o mercado define, e que são motivadas pela eficiência. Mas, o bolo fica menor quando é melhor distribuído.

1.6.1.2. Conflito desenvolvimento-estabilidade No sistema de mercado, o desenvolvimento nasce do aparecimento das novas ideias, que concorrem com as que já estavam estabelecidas. Mas a estabilidade é um valor em si. Portanto só é possível conseguir a estabilidade sacrificando o desenvolvimento. No fundo, os dois conflitos podem ser vistos como duas faces da mesma questão, onde a diferença está sobretudo no elemento tempo. Em ambos o que está em causa é a eficiência; no primeiro caso a eficiência estática, no segundo, a dinâmica, pois o desenvolvimento é a eficiência ao longo do tempo. Por outro lado, o desemprego, que é o exemplo mais claro do segundo tipo de conflito, causa graves problemas de distribuição. O desenvolvimento gerará ganhos futuros muito apreciáveis, por exemplo, com o aparecimento de camionetas numa aldeia onde o transporte era feito com carroças. Mas, no curto prazo, existe um desemprego devido à mudança introduzida, pois os carroceiros ficam sem saber o que fazer. Destes, e de outros fenómenos semelhantes, nascem as flutuações, ou ciclos económicos. O aspecto que agora devemos referir nesta questão é que estes problemas são problemas diferentes de todos os outros que vimos, na medida em que afectam a totalidade da economia. O que está em causa não é o desemprego ou a pobreza de uma pessoa, mas a má distribuição da riqueza nacional ou a instabilidade e insegurança em que o país vive. Mas para quê fazer um estudo especial dos efeitos globais? Eles não são apenas a soma dos efeitos individuais? Não é a sociedade composta de pessoas, empresas e mercados? A resposta é que, embora a sociedade seja composta de indivíduos, nem sempre o efeito global é a soma das partes. Tocamos aqui numa nova fonte de erros e confusões em Economia, mas que é fácil de evitar: a falácia da composição. Este erro ou falácia consiste exactamente em afirmar que o que é verdade na parte tem de ser verdade no todo. Nem sempre tem de ser assim. Vamos supor que está uma multidão na rua para ver passar um cortejo. Se uma dessas pessoas se puser em bicos de

54 pés, ela vê melhor. Mas se todas as pessoas se puserem em bicos de pés então ninguém vê melhor do que via antes (excepto os que estão imediatamente atrás da primeira fila, pois esta não se pôs em bicos de pés por não precisar). Por exemplo, se um produtor aumentar a produção do seu bem, ele ganha mais dinheiro, pois, sendo pequeno face ao total do mercado, é natural que o preço do bem se mantenha. As principais fontes de problemas que afectam a totalidade da Economia são três: 1. o Estado, 2. o espaço e 3. o tempo. Os problemas que tais elementos geram serão abordados adiante.

1.6.2. A actividade do Estado Um dos principais fenómenos que tem efeitos globais reside no comportamento do Estado. Mas, por outro lado, a simples existência do Estado, a sua política, as leis que publica e até o seu sustento, são factores que, além de perturbarem a vida de cada um, têm também efeitos globais. O Estado intervém na Economia com a sua política. Mas essa política exige que o Estado gaste recursos. — Para promover a eficiência, o Estado constrói estradas e hospitais, cria empresas públicas; — para conseguir maior equidade tem de ser criado o sistema de segurança social, o aparelho fiscal que usa os impostos para tirar aos ricos e dar aos pobres, etc.; finalmente, — a busca da estabilidade exige dar subsídios aos desempregados, ou empregá-los no funcionalismo público, fornecer bens mais baratos, etc. O Estado está encarregado de uma enorme quantidade de funções, desde a legislação e a justiça às câmaras municipais, passando pela defesa do meio ambiente, o policiamento e a administração do património. Mas o Estado não produz recursos. Quem produz são as empresas, os trabalhadores, as máquinas.

1.6.2.1. Impostos A primeira forma é através de impostos. Quem trata disso é o Ministério das Finanças, que todos os anos apresenta o orçamento de Estado. Os impostos são uma subtracção pura e simples de recursos da Economia, com o fim de permitir ao Estado cumprir as suas funções. Os impostos são a forma mais clara de financiar o Estado, pois neles sente-se claramente o custo necessário para obter o benefício da acção do Estado. Por outro lado, os impostos em si, mesmo que o dinheiro seja depois destruído, já contribuem para a equidade e a estabilidade da economia. Ao tributar os ricos mais do que os pobres, e ao tributar mais nas alturas em que a economia está próspera do que quando está perturbada, os impostos geram equidade e estabilidade. A única forma de imposto que não distorce a Economia é aquele que é colocado sobre algo que não influencie as decisões

55 económicas, por exemplo, a altura das pessoas ou a cor do cabelo. Mas esse imposto seria extremamente injusto, pois nada tinha a ver com a capacidade de pagar das pessoas. A parte da despesa pública que não é paga por impostos constitui o défice do Estado. E esse défice pode ser pago de duas formas, que veremos agora.

1.6.2.2. Dívida pública Exactamente por serem claros e nítidos, os impostos têm elevados custos políticos. Nenhum governo gosta de ser visto a lançar os impostos. Uma outra forma é a dívida pública, pela qual o Estado pede dinheiro emprestado, dentro ou fora do país (dívida interna e externa). Torna-se assim claro que a dívida pública é apenas o adiamento de impostos. Hoje não se tira nada a ninguém, mas no futuro vãose pagar impostos, e mais impostos do que se pagariam hoje, porque é preciso pagar os juros, além do capital. Mas pode ser uma forma correcta de adiar o peso das despesas, pois, como alguns dos benefícios da actividade do Estado recaem no futuro (quando a estrada ou o hospital estiverem prontos), os custos devem ser pagos também no futuro. Mas não é, como parece a alguns, um almoço grátis14. O preço desses empréstimos, tal como de todos os empréstimos, é a taxa de juro. A taxa de juro é a percentagem que quem pede emprestado tem de pagar a quem empresta, para além de devolver o dinheiro. É o preço que se tem de pagar por poder almoçar hoje e só amanhã ter de pagar o almoço. Como veremos adiante, a taxa de juro dos empréstimos do Estado é importante, pois serve não só para saber quanto mais de impostos se terá de pagar no futuro como, além disso, serve como taxa de orientação para os outros empréstimos da Economia.

1.6.2.3. Emissão de moeda Mas o método de financiamento do Estado que parece mesmo um almoço grátis é o terceiro: emitir mais moeda. O Estado (e só o Estado) é o responsável pelas notas e moedas que usamos todos os dias. Só ele, através de um departamento especial chamado banco central (em Portugal é o Banco de Portugal parte integrante do Banco Central Europeu) pode emitir nova moeda. Será que encontrámos finalmente um modo de ter almoços grátis? Será que o Estado pode resolver de graça os problemas da sociedade atirando-lhes dinheiro novo? A resposta, como já suspeitamos, é não. Também aqui o almoço tem um custo. Só que é um pouco mais difícil de encontrar. O problema de fazer uma nova emissão de notas e moedas é que por haver mais dinheiro não quer dizer que haja mais coisas para comprar. E se a Economia e o Estado têm as mesmas coisas para ________________________________ Como veremos adiante, não é verdade que a dívida interna seja uma carga sobre as gerações futuras. Na verdade, o Estado hoje tira a uns (pedindo emprestado) para dar a outros (gastando o dinheiro) e amanhã tira a outros (lançando impostos) para dar aos primeiros (pagando a dívida). Nos dois casos existiu apenas uma redistribuição contemporânea do produto. Ao contrário, no caso da dívida externa, existe na verdade uma carga sobre o futuro, pois verifica-se hoje uma entrada real de recursos e, por isso, no futuro existirá a obrigação de os pagar ao exterior. 14

56 comprar e mais dinheiro para gastar, os preços das coisas, de todas as coisas, sobem. Este fenómeno tem um nome pouco elegante: inflação. Mas se o nome é feio não quer dizer que o fenómeno o seja. Qual é o mal da inflação? As coisas estão mais caras, mas as pessoas têm mais rendimentos, logo o seu consumo e, consequentemente, a utilidade (que é o que interessa e só o que interessa) fica na mesma. No fundo, a inflação é como se o metro de medida ficasse mais pequeno: todas as coisas ficam mais compridas, mas afinal estão iguais15. Em primeiro lugar, deve notar-se que a inflação é um imposto, como outro qualquer. É uma forma de o Estado desvalorizar o dinheiro que as pessoas têm no bolso, como contrapartida do novo dinheiro que o Estado tem. E quem ganhou com isso foi o Estado, que ficou com dinheiro novo. Logo é uma transferência de recursos para o Estado, tal como os impostos. Mas embora seja escondida, e por isso não tenha os custos políticos dos impostos normais, não deixa de ter outros custos, que os impostos não têm. Um dos problemas característicos da inflação é a injustiça, pois normalmente ela não afecta todos por igual. Alguns agentes económicos, que não estão protegidos dos efeitos da inflação, perdem, enquanto outros até podem ganhar. Também as pessoas que devem dinheiro são muito beneficiadas com a inflação, pois quando pagam o dinheiro vale menos do que quando o receberam emprestado. Mas a inflação também cria instabilidade. Se a subida de preços fosse sempre prevista ou sempre igual, não havia problema nenhum, pois as pessoas teriam facilidade em se precaverem dos seus efeitos. Mas o problema é que a inflação é normalmente imprevisível e quanto mais alta, mais tende a sê-lo. Por essa razão ela cria uma razão adicional que afecta a estabilidade. Por outro lado, a eficiência pode também ser prejudicada pela inflação. Em primeiro lugar, ela gera um desperdício de recursos, pois prever a inflação dá trabalho, que poderia ser usado noutras coisas. Mas também a eficiência dinâmica é perturbada, pois como os preços futuros ficam muito incertos, a criação de novas empresas e os investimentos que geram desenvolvimento podem ser perturbados. Note-se que nenhum destes custos aparece se a inflação for perfeitamente previsível e neutra, afectando toda a gente de forma igual. Nesse caso a inflação é exactamente igual a um imposto, claro e nítido, para toda a gente, com os mesmos custos políticos dos outros impostos, por não poder ser já escondida. Mas se a inflação tem todos estes custos, porque insistem os Estados em usar a emissão de moeda para se financiarem? A razão é o grande benefício político de a inflação ser um imposto escondido. Trata-se de uma forma de lançar um imposto sem ser logo claro que o fez. Esta forma de obter dinheiro é tão simples que é muito utilizada pelo Estado nas alturas de crise em que mais precisa de dinheiro e menos hipóteses tem de o obter. Durante as guerras e as revoluções, quando é difícil cobrar impostos e pedir dinheiro emprestado (até porque, nessas crises, é normal a produ________________________________ Veremos adiante que esta é exactamente a verdadeira natureza da inflação: não são as coisas que passam a valer mais, é a moeda que passa a valer menos. 15

57 ção nacional descer), muitos governos usam a rotativa das notas para pagar aos soldados e satisfazer as outras necessidades. É por essa razão que durante e após as guerras se verificam, normalmente, períodos de grande inflação. A conclusão principal desta análise preliminar do financiamento do Estado é que, afinal, todas as formas de o Estado obter recursos são impostos. Assim, o total de impostos que a sociedade paga é igual ao total das despesas do Estado. Este é o princípio mais importante das finanças públicas que, no entanto, é muito esquecido.

1.6.3. O espaço e o tempo O espaço e o tempo têm múltiplos efeitos sobre a actividade económica. É aliás difícil conceber uma Economia a funcionar sem que isso se desenrole no espaço e no tempo. Uma das coisas que o espaço permite é traçar fronteiras, e pelo menos neste nosso planeta existem muitas fronteiras. Mas também é possível termos empréstimos, pagamentos, dádivas, por cima das fronteiras. Registamos todas estas transacções num documento a que chamamos «balança de pagamentos» e que, como veremos, pouco mais é do que uma lista de movimentos. Quando, no fim do ano, o que temos de pagar ao estrangeiro é mais do que eles nos têm de pagar, a balança está em défice. Na verdade, um dos problemas globais da Economia, de que mais ouvimos falar, é o dos défices da balança de pagamentos. Mas porque é que isto é mau? Se a balança de pagamentos está em défice, quer dizer que nós comprámos mais a eles do que eles a nós. Qual é o mal disso? Isso deve ser bom, porque os convencemos a darem-nos coisas sem pagarmos. Mas o problema é que ficámos a dever e vamos ter de pagar adiante. Daí que, como quando uma pessoa está a dever, ou paga (e aperta o cinto para poder pagar), ou deixam de lhe emprestar. Uma outra forma de alterar os termos das relações com o resto do mundo reside nas alterações da taxa de câmbio. A taxa de câmbio não é mais do que o preço (na nossa moeda) das moedas estrangeiras. Se tornarmos a nossa moeda mais barata (os Americanos têm de dar menos dólares para comprar um euro), ou seja, se «desvalorizarmos» a nossa moeda, isso quer dizer que aquilo que produzimos passa a valer menos moedas estrangeiras. Mas, exactamente porque vale menos, é mais barato para os estrangeiros, e por isso eles compram mais (sobem as nossas exportações). E, por outro lado, descemos as importações, porque, como a moeda deles vale mais, agora os produtos deles são mais caros para nós. Por exemplo, se uma saca de batatas custar 3 euros em Portugal e 3.3 dólares nos EUA, e se 1 euro valer 1.1 dólares, a situação é de equilíbrio, pois custa o mesmo comprar batatas cá ou lá. Mas se o preço do dólar subir (para 1 euro = 0.9 dólares) agora as nossas batatas estão mais baratas que as americanas, apesar de os preços não terem sido alterados (nem lá nem cá). No fundo, a taxa de câmbio é outro preço da moeda. A taxa de juro era o preço da moeda hoje face à moeda amanhã, ou seja, o preço da moeda ao longo do tempo. A taxa de câmbio é o preço da moeda nacional face à estrangeira, ou seja, o seu preço ao longo do espaço.

58 Dentro de um país fala-se muito das desigualdades regionais e do desenvolvimento relativo das várias zonas. E aqui tocamos no principal efeito que o tempo tem sobre a actividade económica: o desenvolvimento. Como veremos, este fenómeno é um facto recente, pois só apareceu de forma sistemática quando, sobretudo a partir do século XVIII, o mercado passou a dominar a estrutura económica das sociedades. Antigamente, as pessoas esperavam viver mais ou menos como os seus antepassados, o que já era bem bom, pois havia fortes possibilidades de piorar. Dentro de um país, como se disse, é possível ao Estado intervir para aliviar essas disparidades espaciais. Ao nível mundial, e apesar da ajuda que flui dos países ricos para os pobres, é muito mais difícil essa compensação. Como é que isso se consegue? Já vimos que este processo está muito ligado ao funcionamento do sistema de mercado, mas adiante estudaremos com mais cuidado em que termos tal processo se desenrola.

59

2. Teoria Económica 2.1. Teoria do valor: agentes racionais 2.1.1. Teoria do consumidor 2.1.1.1. Utilidade Porque é que umas coisas valem mais do que as outras e como se sabe quanto? Daqui nasceu aquilo a que os autores clássicos chamavam a teoria do valor. Logo à cabeça, Adam Smith expôs os termos do problema apresentando aquilo a que se chamou o «paradoxo do valor», da água e do diamante. Vejamos o que Smith afirmava: «Nada é mais útil do que a água: mas com ela praticamente nada pode comprar-se; praticamente nada pode obter-se em troca dela. Pelo contrário, um diamante não tem praticamente qualquer valor de uso; no entanto, pode normalmente obter-se grande quantidade de outros bens em troca dele.» [Smith (1779), pág. 117.]

Várias propostas foram apresentadas para resolver este problema, quer por Smith, quer pelos seus seguidores, mas nenhuma delas era completamente satisfatória. Só muito mais tarde, na década de 1870, se encontrou a solução, e de tal modo este problema era importante que, ao solucioná-lo, deu-se a grande revolução em Economia, a única alteração que modificou totalmente o rumo da ciência. Após 1870, a estrutura e o espírito da Economia continuaram a ser os de Smith, mas os métodos e os resultados são completamente outros. WILLIAM STANLEY JEVONS (1835-1882) Jevons teve uma vida algo atribulada, mas foi sempre um apaixonado pelas questões sociais. Foi obrigado a interromper os seus estudos, devido a problemas financeiros de seu pai, e isso levou-o a múltiplas actividades incluindo uma passagem pela Austrália. Mas foi em 1871, quando publicou o seu livro Teoria da Economia Política, que a sua vida mudou. Infelizmente, a sua carreira foi curta. CARL MENGER (1840-1921) Menger é um dos mais misteriosos economistas da História. Pouco sabemos sobre ele, e o que sabemos é de um pacato cidadão. Pertencendo a uma família de académicos (dois dos seus irmãos e um seu filho foram eminentes professores), doutorou-se em Direito em Viena. Pouco mais publicou de vulto, a não ser durante a polémica que travou com a «escola historicista alemã», sobre o método em Economia.

A primeira ideia essencial é a introdução do conceito de utilidade. A noção, para nós elementar, de que a satisfação que cada ser humano tira do uso do bem é que dá valor às coisas, constitui a primeira ideia revolucionária. É devido ao gosto, subjectivo, pessoal, variável de todas e cada uma das pessoas que se dá o consumo dos bens e eles são avaliados. É claro que a intensidade da utilidade e a forma como se revela são muito diferentes de bem para bem, de pessoa para pessoa. Mas é a mesma realidade que aparece em todas as situações. Ao grau com que esses bens dão satisfação a essas necessidades chamamos utilidade. Utilidade é a única coisa que os bens, todos

60 os bens, têm em comum. De um beijo a uma chapa de ferro, passando por uma nuvem e uma cassete, todos os bens possuem, em níveis e formas diferentes, utilidade, pois é isso que, como vimos, lhes dá a característica de «bens». Ao contrário dos primeiros autores, que procuravam o valor das coisas nas próprias coisas, agora vemos que o valor das coisas não está nelas, mas sim no consumidor. O agente económico, com as suas preferências e desejos, é que dá o valor às coisas. Esta compreensão, de que o que dá valor às coisas é o que as pessoas decidem, é central. A economia torna-se então verdadeiramente uma ciência humana: o seu objectivo é servir as escolhas, as preferências das pessoas concretas e o critério dessas escolhas reside nos interesses particulares de cada pessoa. Esses interesses não são discutidos pela Economia. São recebidos pela teoria, expressos directamente pelos agentes, mas são eles que definem tudo. A utilidade é a base da Economia, e ela representa todos os interesses, motivações, desejos, aspirações do Homem. A utilidade é uma forma de medir o «bem-estar» obtido pelos bens, materiais ou não. Mas sabemos que há pessoas com poucos bens que são muito felizes, enquanto outros, com grande utilidade, são muito infelizes. Que interacção existe entre esta noção desta utilidade (e, através dela, a Economia) e a moral, a religião, os grandes ideais do ser humano? Estes valores estão incluídos na utilidade, juntamente também com os instintos mais básicos e as aspirações mais elementares. São estes os componentes da utilidade, que depois se revelam nas escolhas do agente. A teoria moral, a teologia, a ciência política, a psicologia, a sociologia, a antropologia, entre outras, cada uma no seu campo, têm como centro de estudo aqueles factos que aqui, na Economia, são aceites sem discussão, como um dado do problema. Em termos físicos, uma pessoa atirada de um terceiro andar está sujeita exactamente às mesmas leis da gravidade que uma cadeira. Em termos humanos, morais, jurídicos, etc., o acto de lançar uma pessoa de um terceiro andar é completamente diferente do de lançar uma cadeira, mas para um físico (mesmo que se recuse peremptoriamente a lançar um colega pela janela) os dois fenómenos são regidos pelas mesmas leis da física. Do mesmo modo, um economista pode deduzir os comportamentos resultantes da utilidade e preferências de um assassino ou de um santo. Os actos que delas resultam são completamente diferentes e o economista, enquanto ser humano, deve ter uma opinião sobre eles. Mas, cientificamente, a forma como se aplica a teoria económica é independente do objecto particular. Na frase do grande Joseph Schumpeter, «O carácter científico de uma dada peça de análise é independente do motivo que lhe deu causa.» [Schumpeter (1954), pág. 10.]

2.1.1.2. A decisão do consumidor Partindo da utilidade que atribui a cada bem, aos mais diferentes bens, o agente, que é racional, vai escolher a combinação que lhe dá maior satisfação, dadas as limitações.

61 Atrás já vimos que os bens podem ser de qualquer natureza, pelo que neste estudo podemos incluir decisões sobre poemas, amigos ou viagens. Mas também os conceitos de «rendimento» e «preços», como a escassez, podem ser generalizados. Na verdade, o «rendimento» poderá ser um certo período de tempo, que o agente tem de afectar a várias actividades, cada uma com certa duração; ou a atenção que uma mãe tem de dedicar aos vários filhos, cada um com as suas personalidades e problemas; ou as danças que uma jovem distribui pelos admiradores numa noite de divertimento. Em geral, tudo isto são fenómenos de consumo que podem ser analisados deste modo. Como maximizar a distribuição de dinheiro fixo pelos vários bens? Várias regras poderiam ser usadas. É intuitivo perceber que a regra mais razoável é ir gastando cada euro naquilo que dá, nesse instante, mais prazer. Mas, à medida que se vai consumindo de um bem, a utilidade que ele dá varia. Claro que é melhor beber dois copos do que só um, mas o segundo já não é tão bom como o primeiro, porque parte da necessidade já está satisfeita. Vale a pena aqui introduzir a distinção que a Economia faz entre utilidade total e utilidade marginal. A utilidade total é a utilidade que o indivíduo obtém de dois copos de água, enquanto a utilidade marginal é a utilidade de cada um dos copos de água. A utilidade marginal é o acréscimo de utilidade que a última unidade consumida trouxe. Logo, a utilidade total de cinco unidades (cinco copos de água) é a soma de todas as utilidades marginais do primeiro, segundo, terceiro, quarto e quinto copos de água (pode acontecer que, a partir do terceiro copo, por exemplo, mais água até saiba mal; nesse caso, a utilidade marginal do quarto e quinto copo são negativas, ou seja, diminuem a utilidade total). Copos

Utilidade marginal

Utilidade total

1 2 3 4 5

4 3 2 -1 -2

4 4+3=7 4+3+2=9 4+3+2-1=8 4+3+2-1-2=6

Existe uma lei, parecida com a lei dos rendimentos decrescentes, a que chamamos lei da utilidade marginal decrescente, a qual afirma que, à medida que se consome mais do bem, a utilidade de cada unidade consumida desce. Esta lei, que não tem de se verificar (várias coisas dão-nos tanto mais prazer quanto mais as praticamos, como jogar xadrez), é o resultado de uma observação geral do comportamento humano. O acréscimo de satisfação que o consumo vai dando desce quando o consumo sobe. Vamos supor que é isso que se verifica nos nossos bens. Olhemos agora para o problema do consumidor. Para o conseguirmos analisar, é bom começar por o definir e formalizar. A maneira como o vamos fazer é a mais geral possível. Apresentá-loemos, já o dissemos, como um problema de escolha, onde existe um certo recurso (R), que pode ser usado para várias finalidades (bens 1, 2, 3, ...) que custam quantidades diferentes do recurso

62 (preços p1, p2, p3, ...) e que têm utilidades diferentes. A pergunta que gostaríamos de ver respondida é qual a combinação dos bens que dá o máximo de satisfação, e ainda pode ser obtida com os recursos R. Note-se que este problema é muito genérico, e pode ser referido como «problema geral de afectação». Na verdade, a interpretação que aqui lhe vamos dar é que R representa o rendimento do consumidor, as finalidades são os bens a comprar, que têm preços diferentes, e que dão satisfações diferentes. Mas são possíveis outras interpretações do problema que são equivalentes. Por exemplo, se R for o espaço dentro de uma mochila, que um campista pode usar para levar as coisas para o seu acampamento. Os bens considerados são as coisas que ele pode meter na mochila, que ocupam espaços diferentes (que aqui são os preços) e lhe são mais ou menos úteis ao ar livre. A questão agora é de saber que coisas devem ser levadas na mochila para lhe maximizar a utilidade do transporte. Mas, como dissemos, o problema de uma rapariga num baile, que tem várias danças, que pode conceder a vários rapazes, dando-lhe utilidades diferentes a ela é do mesmo tipo. Tal como o problema de um fim-de-semana, que pode ser gasto em actividades diferentes, que demoram tempos diferentes e dão satisfações distintas é equivalente ao anterior, e muitos outros semelhantes. A forma de resolver todos estes problemas é a mesma, pelo que resolvendo um temos as soluções dos outros. Voltemos então ao caso do consumo, onde um certo rendimento R pode ser gasto em vários bens. O que parece razoável é ir gastar o dinheiro num bem que custa o dobro, até ele dar o dobro da utilidade marginal. Ou seja, a regra de ouro da decisão do consumidor é: A utilidade marginal do último euro gasto em cada bem deve ser igual em todos os bens ou, representando a utilidade marginal do bem i por Umi, e o seu preço por Pi, Umi/Pi = Umj/Pj = ... = Umz/Pz Será mais fácil perceber que tem de ser assim partindo da situação em que não o é. A situação melhor é aquela em que não é possível melhorar fazendo as transferências de dinheiro do consumo de um bem para outro. Logo, a utilidade do último euro gasto em todos os bens tem de ser igual. Enquanto a utilidade marginal do último escudo gasto em i for 3 e em j for 2, o consumidor deve ir transferindo dinheiro do consumo de j para o de i. Vale a pena gastar menos dinheiro em j e mais em i, pois isso aumenta a utilidade, sem se gastar mais dinheiro – houve um almoço grátis. Assim, se aquela que era maior vai descendo e a que era menor vai subindo, elas hão-de encontrar-se no meio. A transferência pára quando elas forem iguais. Umi/pi > Umj/pj mas Qi ↑ implica Umi ↓ , Qj ↓ implica Umj ↑, até que Umi/pi = Umj/pj Este exemplo é muito conveniente porque cada unidade tem o mesmo preço e custa um euro. Mas nem sempre é possível passar um euro da compra de um bem para a de outro. Na verdade, a indivisibilidade de certos bens pode perturbar esta regra, mas se

63 não é possível igualar a utilidade marginal do último euro em todos os bens, a regra diz que, pelo menos, devemos aproximá-las tanto quanto possível. A forma de tirar o melhor partido de certo intervalo de tempo é igualar a utilidade do último minuto gasto em cada actividade. Assim, vemos que a regra de ouro é uma regra da escolha racional, económica para todas as decisões da vida que possam ser apresentadas nesta forma. A Economia, ao supor que os agentes são racionais, parte do princípio que eles fazem escolhas desta forma. Mas quer isto dizer que a Economia supõe que, no nosso quotidiano, somos máquinas de calcular, sempre a avaliar as utilidades marginais? Claro que não, mas o que se observa é que se os consumidores forem racionais, esta regra explica muito do comportamento. Ao decidir comprar menos deste bem para guardar dinheiro para comprar aquela outra coisa, ou deixar de fazer isto para ter tempo para fazer aquilo, cada um de nós comporta-se como se calculasse as utilidades marginais dos vários bens, e aplicasse a regra que estudámos. Repare-se que o que determina o valor das coisas é a utilidade, mas não é a utilidade total. O que determina o valor de cada coisa é a utilidade da última unidade consumida. Assim, aparece a segunda ideia essencial da revolução: O que dá valor às coisas é a utilidade marginal. Nós já tínhamos encontrado este fenómeno, pois na cruz marshalliana o que determina o preço do bem é a última unidade procurada e oferecida. O preço a que unidades anteriores seriam procuradas ou oferecidas não interessa. Se se entrar com esta regra, vemos imediatamente a explicação do paradoxo do valor! O que Smith queria dizer é que a utilidade total da água é muito maior do que a do diamante, mas a utilidade marginal do diamante é muito superior à da água. Utilidade marginal (Um)

a curva Umd < a curva UmA o valor de Umd > o valor de UmA

UmD Diam.

UmA D

Água A

Quantidade

Note-se que o valor de uso é igual à utilidade que temos em usar o bem, que é a utilidade total. Mas, quem troca um bem, como é racional, só troca as últimas unidades, que são as que valem menos por si. Por isso é que o valor de troca é a utilidade marginal. É este, pois, o essencial desta revolução em Economia, que se passou a chamar revolução marginalista. Mas o mais curioso na história da revolução, e que foi uma surpresa para os três inovadores, Jevons, Menger e Walras, foi a constatação de que estas ideias já tinham sido apresentadas cerca de vinte anos antes

64 por outro autor, na forma de duas leis. Na verdade, Hermann Gossen, um alemão, tinha em 1854 apresentado o que ficou conhecido como as «duas leis de Gossen»: Primeira lei de Gossen – À medida que se consome mais do bem, a utilidade de cada unidade adicional consumida desce. Segunda lei de Gossen – O consumidor, para obter o máximo de satisfação, deve consumir até que a utilidade marginal do último euro gasto em cada bem seja igual em todos os bens. HERMANN HEINRICHN GOSSEN (1810-1858) Estudou Direito em Bona e Berlim e foi funcionário público. Em 1854, publicou o livro Desenvolvimento das Leis das Relações Humanas e das Regras de Acção Humana Derivadas Delas. O seu autor estava convencido de que a obra era uma revolução na história da Economia, equivalente à de Copérnico na Astronomia. Mas o livro foi ignorado e o autor, desgostoso, destruiu as cópias não vendidas.

Inclusivamente, algumas das ideias que já vimos podem ser reformuladas nestes novos termos. Um bem não escasso é todo aquele que existe em quantidade tal que a sua utilidade marginal é nula, ou seja, chega e sobra para satisfazer as necessidades. A curva da utilidade marginal representada abaixo, significa, como sabemos, a utilidade de cada unidade adicional do bem, que é também o valor atribuído pelo consumidor a essas unidades. A curva da procura define, como vimos atrás, a quantidade de bem que o consumidor está disposto a comprar a cada preço. P

Um curva da utilidade marginal

curva da procura

Q

Q

Mas o consumidor só está disposto a pagar porque retira do bem utilidade. No fundo as duas coisas são o mesmo. Encontramos agora a verdadeira razão da lei da procura negativamente inclinada. Ela é causada pela primeira lei de Gossen, a lei da utilidade marginal decrescente: dado que a utilidade adicional do bem vai decrescendo com a quantidade, o agente só está disposto a pagar menos por cada unidade se comprar maiores quantidades. Mas esta constatação lembra-nos um problema resultante do facto de ser a margem a definir o valor dos bens. Na verdade, se o valor (o preço) do bem é igual à utilidade marginal, então o que se paga por um bem não representa o que ele, em média, vale, mas sim o que a última unidade vale. Alfred Marshall, o grande mestre de que já falámos atrás, referiu-se a este aspecto dizendo que existia um excedente do consumidor. Considere-se a curva da procura de um bem abaixo desenhada (que já sabemos que é equivalente, no espaço do dinheiro, à curva de utilidade marginal). O facto de o consumidor estar disposto a pagar 10 euros pela primeira unidade, 8 pela segunda, e 6 pela terceira e 4 pela quarta representa o valor que ele atribui a essas quantidades. Mas, como o preço é de 4 euros, isso quer dizer que ele vai comprar as quatro unidades todas ao preço de 4 euros.

65 Mas nesse caso ele ganhou com a troca, pois a primeira unidade custou-lhe 4 euros e valia 10, a segunda também custou 4 euros e valia 8, e a terceira custou outros 4 euros e valia 6. Este é o excedente do consumidor: (10-4) + (8-4) + (6-4) + (4-4) Preço 10 – 9– 8– 7– 6– 5– P =4 – 3– 2– 1– 1

2

3

Quantidade

custo total

ganho total

curva da procura

4

p

=>

=

q

Note-se que se paga menos do que se dá (recebe-se o trapézio e só se paga o rectângulo; o triângulo do excedente é grátis). É por esta razão que a troca é benéfica. O que se dá é menos que o que se recebe. Aliás se não fosse assim não se dava a troca. Os dois lados ganham. Por exemplo, no caso da água, onde as curvas da utilidade marginal e da procura são muito altas e, como a quantidade é grande, o seu preço é baixo, o excedente do consumidor é muito grande. O gráfico abaixo, repetido da análise que fizemos atrás, mostra claramente que é da diferença dos excedentes do consumidor que nasceu o paradoxo de Smith. Utilidade marginal (Um)

excedente do consumidor

UmD Água

UmA A

Q

Diam. D

Por outro lado, para decidir sobre a produção de bens públicos, o excedente do consumidor é uma noção essencial. Quando se constrói uma estrada, por exemplo, como não se vai pagar nada

66 para a usar, o preço é zero. Parece almoço grátis, mas o Estado tem de pagar. Assim, o custo da construção da estrada é claro, mas é difícil avaliar o seu benefício. Daí a única maneira de saber quanto vale a estrada é calcular o excedente do consumidor. É o excedente que deve ser comparado com o custo para ver se vale a pena16. Daqui se vê o grande interesse que é viver em sociedade. Existe uma enorme quantidade de coisas que nos são indispensáveis (o seu excedente é enorme), mas pagamos por elas muito pouco. Esses almoços grátis, que a sociedade toda paga (pagamos com os impostos), são muito valiosos e constituem uma das grandes vantagens de viver em comunidade, embora no dia-a-dia pouca atenção lhes prestemos.

2.1.1.3. A análise moderna do consumidor Quem pode afirmar que, ao comer um pão, ele lhe dá o dobro da utilidade se tiver manteiga? Ou será o triplo? A utilidade, embora seja um fenómeno muito real e palpável, não pode ser medida por termómetros, réguas ou pesos. Por essa razão, a geração de economistas que se seguiu a Jevons, Menger e Walras abordou e resolveu o problema da medição da utilidade. Edgeworth e Pareto foram os principais responsáveis por esse trabalho. FRANCIS YSIDRO EDGEWORTH (1845-1926) De origem irlandesa, Edgeworth cedo se dedicou completamente à vida académica, sobretudo em Oxford, sendo um dos homens que mais contributos trouxe ao desenvolvimento teórico da «revolução marginalista». Gerando múltiplos avanços em vários artigos, que fizeram dele também um expoente essencial da teoria estatística, a sua principal obra foi o livro Psíquica Matemática, publicado em Londres em 1881. De várias formas, por exemplo, como editor da Economic Journal, a principal revista do tempo, Edgeworth foi um dos dirigentes intelectuais da nova escola económica. E, apesar de tomar Marshall como mestre a quem seguia, muitos dos avanços deste foram inspiração directa de Edgeworth. A multiplicidade das suas capacidades e a profundidade das suas descobertas fazem com que, ainda hoje, ele seja uma fonte de novos contributos. VILFREDO PARETO (1848-1923) Formado em engenharia, trabalhou durante anos nos caminhos de ferro, tendo-se interessado por economia só depois dos 40 anos. Foi então o sucessor de Walras na cátedra da Universidade de Lausanne, reformando-se em 1900, ao receber enorme fortuna. As suas principais obras são os apontamentos das suas aulas, editadas no Curso de Economia Política em 1896-1897 e no Manual de Economia Política de 1906.

A ideia destes dois autores é muito engenhosa: como só existe problema económico quando há alternativas, pelo menos duas, não interessa saber «quanto vale» cada uma das alternativas, mas «qual é a melhor». Perante dois bens (por exemplo livros e pão), o que é preciso saber é qual a avaliação relativa dos vários «cabazes» dos dois bens. A avaliação absoluta de um bem não tem significado, em Economia, porque a economia só existe quando há alternativas, trocas, e para isso só é preciso comparar e não avaliar absolutamente. Suponhamos que o consumidor tem um certo montante de cada um dos bens (pão e livros). Chamemos a esses montantes concre________________________________ 16

Note-se que, como o preço é zero, toda a área abaixo da curva da procura é excedente.

67 tos dos dois bens um «cabaz» e representemo-lo num gráfico pelo ponto A. Livros

A

Pão

Quais são os outros conjuntos (livros, pão) que, para um certo consumidor, são «indiferentes» aos montantes de livros e pão representados no ponto A, ou seja que lhe dão a mesma utilidade? Se, por exemplo, for necessário dar mais 3 pães para o compensar da perda do livro, ele passa para o ponto B, ficando com igual utilidade. Logo, o ponto B é igual em utilidade, «indiferente» ao ponto A. Livros

A 1

B

3 Pão

Repare-se que o que é necessário que o consumidor saiba é quanto vale, para ele, um livro em relação ao pão. A avaliação é, pois, relativa. E agora, se lhe tirarem mais um livro, ele quererá um aumento do consumo de pães de mais ou menos que 3? Mais, pois o livro agora vale mais, e o pão vale menos que antes. Sabemos isto pela lei da utilidade marginal decrescente (1.ª lei de Gossen). Quanto menos livros tem, mais pães lhe têm de dar para ficar igual. Em Economia chama-se a esta a lei da substituição, a qual resulta do facto de, quanto menos livros se tem, maior é a utilidade marginal do livro, pela lei de Gossen. Deste modo, é possível ir encontrando um grande número de outros pontos que têm, para aquele consumidor, exactamente a mesma utilidade que o ponto A. Isso quer dizer que, na decisão de consumo que o consumidor toma, esses pontos são indiferentes para ele. O conjunto dos pontos indiferentes a A forma uma curva de indiferença, instrumento inventado por Edgeworth e desenvolvido por Pareto. Assim como vimos, não é preciso saber o valor absoluto da utilidade, bastando saber o valor relativo dos bens, uns em relação aos outros. Note-se que a curva de indiferença tem de ser decrescente (porquê?) e que a primeira lei de Gossen implica que ela tenha de ser abaulada para baixo (convexa para a origem). É a forma de representar o facto de, à medida que se vão tirando mais livros, ser preciso dar cada vez mais pão para compensar.

68 Livros A A'

Pão

Mas, mesmo sem saber a curva de indiferença (que revela as preferências particulares do consumidor) é possível ter algumas ideias de comparação entre os vários cabazes de consumo, representados por pontos. Os pontos em que ele tem menos livros (B), menos pão (C) ou menos livros e menos pão (D) que no ponto (A), têm de ser piores que o ponto A. Os pontos em que tem mais livros (E), mais pão (F) ou mais livros e mais pão (G) que no ponto (A) são melhores que o ponto A. Livros E

H C

G

A D

F

B

I Pão

Mas os outros pontos, aqueles em que tem menos de um bem e mais do outro (como H e I)? Para esses é que é impossível decidir qual a sua relação de ordem com o ponto A sem conhecer as preferências do consumidor ou seja, a curva de indiferença. Para cada consumidor que saiba avaliar todas as situações há um mapa de indiferença, traçando todas as curvas, por todos os pontos do espaço. O ponto C, na curva de cima, é melhor que o ponto A, numa curva abaixo. Porque o ponto A é indiferente ao B, por estarem na mesma curva de indiferença, e o B tem o mesmo número de livros que C, mas menos pães que C. Logo, B é pior que C, e como B é pior que C e igual a A, A tem de ser pior que C. Livros

A B

C Pão

Para uns, A pode ser melhor que C e até, para outros, A e C podem ser iguais. Livros

Livros A

A C

C

Pão

Pão

69 Mas voltemos ao problema inicial do consumidor. Quantas unidades de pão lhe têm de dar, quando lhe tiraram um livro, para ele ficar igual? Chama-se a este conceito, que representa a utilidade relativa do pão e dos livros, a taxa marginal de substituição. Esta taxa (TMS) diz-nos quantos pães valem um livro, ou seja, é igual ao rácio das utilidades marginais dos dois bens. Se um livro é trocado por três pães, a utilidade desse livro (o livro da margem) é igual a três vezes a do pão. Se para o consumidor as utilidades marginais do pão (Ump) e do livro (Uml) tivessem valor concreto, por exemplo Ump = 3 e Uml = 9, então, se lhe tiram um livro, retiram-lhe uma utilidade de 9. Para ele ficar igual, têm de lhe dar três pães. A TMS é de 3 = 9/3. TMS (livros, pão) = Uml/Ump Mas, como vimos atrás, se lhe tiram outro livro, já têm de lhe dar mais pães, por exemplo 5. Deste modo, o consumidor passa para o ponto C, que continua a ser indiferente a A e B. Livros A B

1

C

1

3

5 Pão

Antes ele estava disposto a trocar um livro por três pães. Agora troca um livro por cinco pães. A TMS subiu. Mas vamos supor que os pães e os livros são transaccionados no mercado a preços conhecidos, sendo o preço do livro Pl=7 euros e o do pão Pp = 1 euro. A taxa marginal de substituição do mercado é de 1 para 7; 1 livro vale 7 pães. E como o preço é fixo, A TMS no mercado é sempre 7. Livros

A D

B

1

C

1

3

5 7

Pão

Se o consumidor, no ponto A, está disposto a trocar 1 livro por 3 pães, ele fica a ganhar se comprar mais pão e menos livros. Logo ele não vai para B, mas sim para D, que está numa curva de indiferença superior a B e, portanto, a A. Quando a relação das utilidades marginais for de 1 para 7 (TMS = 7), o jogo pára, pois agora comprar menos livros e mais pão é indiferente para ele. O jogo pára porque já não é possível ganhar mais: o ponto encontrado é o óptimo. E nesse ponto a taxa marginal de substituição iguala o quociente dos preços. Ou seja, o consumidor está a trocar da mesma forma que a sociedade. Esta é a regra óptima do consumo.

70 TMS l,p=Pl/Pp Como o quociente de preços é a taxa de substituição no mercado, então a lei diz que o óptimo de cada pessoa é, na margem, fazer o mesmo que todos os outros, fazer o mesmo que o mercado. Esta é a condição de óptimo. Mas a lei não é nova. É apenas a 2.ª lei de Gossen dita de outra forma. Esta nova forma de analisar o problema do consumidor é a mesma que a da secção anterior. Mas agora não se exige que a utilidade seja mensurável, porque, no fundo, não era preciso. Mas será que esta condição basta? Será que todo o ponto onde se verifique esta condição é o ponto óptimo de consumo? Há outros pontos no espaço em que tal condição é satisfeita. O problema é que o consumidor está limitado por um certo nível de rendimento, o qual ainda não considerámos. Livros R/Pl

R/Pp

Pão

Os pontos traçados dão as possibilidades de consumo deste consumidor. A recta divide o espaço em duas zonas: a zona acima, que inclui os pontos de consumo que são impossíveis, por não ter dinheiro para os comprar, e a zona abaixo dela, que inclui os pontos que custam menos dinheiro do que o rendimento disponível. Esta é a recta do rendimento. Algebricamente, a restrição do rendimento manifesta-se pela necessidade de que as despesas em livros (o preço dos livros multiplicado pela quantidade comprada, Pl x L) somadas às despesas em pão (Pp x P) sejam, no máximo, iguais ao rendimento (R). Pl x L + Pp x P = R Se dividirmos a equação acima por Pp, é possível medir as despesas e o rendimento na unidade «pão», e não em dinheiro17. A condição passa a definir-se como: (Pl/Pp) x L + P = R/Pp Podemos agora perguntar: de todos os pontos das possibilidades de consumo qual é o melhor? Nesse caso, vemos que o ponto de possibilidades de consumo que tem maior utilidade (ou seja, o que pertence a uma curva de indiferença mais acima) é o da tangência entre a curva de indiferença e a recta do rendimento. Aí, as inclinações são iguais18, ou seja, a taxa marginal de substituição (inclinação das curvas de indiferença) iguala o rácio dos preços (inclinação da recta do rendimento). ________________________________ Quantos pães representa o montante de rendimento (R)? Se dividirmos R/Pp, vemos o valor do rendimento em pão. O mesmo se passa com o preço Pl: um livro vale Pl/Pp pães. 18 É fácil ver qual a inclinação da recta de rendimento. Escrevendo-a na forma que segue, P = - (Pl/Pp) x L + R/Pp, vemos que a derivada dP/dL vem igual ao rácio de preços Pl/Pp. 17

71 TMS l,p=Pl/Pp Encontrámos de novo a 2.ª lei de Gossen: Os consumidores consomem até que a TMS iguale o rácio dos preços. Só que agora temos mais uma condição de óptimo: a recta do rendimento: (Pl/Pp) x L + P = R/Pp Só com as duas condições juntas é possível obter o ponto ideal. Vamos supor que o ponto A faz parte da recta que referimos. Mas esse ponto não é o ideal pois, como já vimos, ele aí está disposto a trocar 1 livro por 3 pães e, portanto, fica a ganhar se comprar mais pão e menos livros: compra menos 1 livro, e com o dinheiro pode comprar mais 7 pães (passa para o ponto D), o que faz subir para curva de indiferença superior. Livros A

D

B C Pão

Mas chega a um ponto em que não é possível, mantendo-se na recta, subir para uma curva superior. Isso passa-se quando uma curva de indiferença for tangente à recta, que é o ponto de máxima utilidade. E a condição necessária e suficiente para nos encontrarmos nesse ponto é que, simultaneamente, se verifiquem as duas condições: TMS l,p=Pl/Pp (Pl/Pp) x L + P = R/Pp Este é o primeiro teorema que demonstramos. Esta regra é uma regra geral de afectação; pode aplicar-se ao rendimento, como aqui, ou à afectação do tempo, do espaço, etc. Em primeiro lugar é bom não esquecer que as equações que representam o nosso teorema não são, em si, Economia. A análise económica, propriamente dita, é formada pelo raciocínio feito sobre o comportamento dos agentes. As equações são apenas uma forma, particularmente elegante e sugestiva, de resumir a conclusão do nosso raciocínio. Como se disse atrás, a realidade é demasiado complexa para poder ser estudada directamente. Um modelo é uma simplificação da realidade, como um mapa é uma simplificação de uma região. Nós compreendemos o que se passa no modelo, e isso dá-nos pistas para compreender a realidade complexa, que é o nosso objectivo. Um nosso amigo tem, na sua actividade diária, tantas motivações, desejos, problemas e alegrias, que descrever os seus estados de espírito é impossível. Um modelo tem duas utilidades fundamentais. 1.º Serve para nos indicar qual é a resposta à questão e, sobretudo, porquê. Assim, sabemos qual vai ser o consumo do agente económico, e compreendemos as razões que o

72 levaram a essa decisão. É isto uma teoria, que desenvolve um raciocínio explicativo da realidade. Foi isso que o nosso modelo nos deu até agora. A equação acima diz-nos qual vai ser o resultado do comportamento consumidor, e a sua dedução dá-nos a justificação desse resultado. 2.º Dado que ele descreve uma simplificação do problema que queremos abordar, o consumo do agente, o modelo pode servir para como reage esse resultado a mudanças no ponto de partida. Se o R (rendimento) ou os p's (preços) forem mudados, perguntamos o que acontece ao consumo do agente? É isso que iremos fazer já adiante, na próxima secção. Nesses exercícios, para facilitar a nossa análise, partimos sempre de um ponto de equilíbrio e, em geral, fazemos uma experiência de cada vez. Estas podem ser opções irrealistas, mas são, também, opções de método científico. Na verdade, na vida real, mudam ao mesmo tempo o rendimento e os preços. Mas se nós fizéssemos isso no nosso modelo, teríamos uma confusão de efeitos, e não seríamos capazes de entender o que estava a acontecer. Finalmente, é bom lembrar que, uma vez modificada uma das circunstâncias de partida, somos obrigados a pôr em causa todos os resultados obtidos. Este princípio científico, que já encontrámos atrás e que é conhecido por «princípio do second best», diz que, uma vez modificada uma das hipóteses do problema, temos de deduzir todas as conclusões de novo. Em cada uma das experiências que faremos adiante, o método de cálculo é o mesmo, mas tem de ser aplicado desde o princípio de cada vez.

2.1.1.4. Três outras questões do consumidor Vimos que, com a regra de Gossen, era possível distribuir da melhor maneira um recurso escasso (rendimento, tempo, carinho, etc.) por várias utilizações. Que acontecerá à escolha do nosso consumidor se ele, de repente, tiver uma subida súbita do seu rendimento? Ou se for despedido e perder muito dinheiro? Este problema de variações de rendimento é muito importante pois nele se inclui, por exemplo, a comparação das decisões de consumo entre ricos e pobres, as modificações do padrão de consumo de um país ao subir o seu rendimento no processo de desenvolvimento, etc. ERNST ENGEL (1821-1896) Engel era essencialmente um burocrata bem sucedido, que chegou a ser director do Gabinete de Estatísticas da Prússia. O que o tornou mais famoso foi o seu estudo sobre a distribuição de rendimento e a publicação em 1857 de um artigo em que apresenta a Lei de Engel num conjunto de famílias com gostos semelhantes e enfrentando preços iguais, o peso da despesa em alimentação é, em média, uma função decrescente do rendimento.

Vamos voltar a olhar para o gráfico dos dois bens e perguntar-nos o que acontecerá se aí se fizer variar o rendimento. A nível de rendimento superior, a recta de rendimento será mais acima, embora seja paralela (a inclinação não precisa de variar, pois os preços não variaram). Com essa curva mais elevada, a aplicação da regra de Gossen leva a escolher o ponto que é tangente a uma curva de indiferença.

73 Livros

Pão

Se calcularmos os pontos óptimos para muitos níveis de rendimento, e esses forem unidos entre si, obtém-se uma curva, a que se dá o nome de curva consumo-rendimento: o lugar geométrico dos pontos de consumo óptimo dos dois bens, para certos níveis de preços e vários valores do rendimento. Relacionadas com esta curva estão as curvas de Engel. Assim, se de cada ponto da curva consumo-rendimento forem anotados os valores do rendimento e os correspondentes valores de consumo de pão e livros, é possível construir as curvas de Engel para cada um dos bens. Livros

Pão

R

R

Para analisar as variações do padrão de consumo à medida que um consumidor vai ficando mais rico, por exemplo, é preciso saber o que acontece ao peso de certo bem no total da despesa: será que, à medida que fica mais rico, o consumidor vai comprando proporcionalmente mais ou menos pão?, e livros? O que queremos saber é: «Quando varia o rendimento de um por cento (1 %), qual a percentagem de aumento dos gastos no bem?» O conceito de variação relativa percentual chama-se, em Economia, elasticidade19. É claro que existe uma relação estreita entre as curvas de Engel e os valores da elasticidade rendimento. Deste modo, se o bem aumenta a sua importância nas despesas do consumidor quando o rendimento sobe, chamamos a esse bem um bem superior. Os bens superiores são, pois, aqueles que os ricos têm possibilidade de comprar, enquanto os pobres pouco lhe tocam. Os bens de luxo ou aqueles bens mais ligados aos níveis altos dos rendimentos (piscinas, automóveis, maquilhagem, etc.) são exemplos destes bens. Os bens em relação aos quais o consumidor, quando o seu rendimento sobe, aumenta o seu gasto, mas menos que proporcionalmente à subida do rendimento (ou seja, o seu peso no rendimento desce) chamam-se bens normais. Estes bens ocupam o meio do espectro, pois são aqueles bens que as pessoas, à medida que ficam mais desafogadas no seu rendimento, consomem mais, mas não proporcionalmente mais. A lei de Engel, ________________________________ Este conceito foi inventado por Alfred Marshall, nas suas férias de 1881, quando estava sentado no terraço do Hotel Oliva, em Palermo, na Sicília. 19

74 referida acima, supõe que os bens alimentares são bens normais. Finalmente, temos os bens inferiores, dos quais o consumidor, ao ficar mais rico, consome menos. Esses bens, que têm uma elasticidade rendimento negativa e uma curva de Engel decrescente, são constituídos pelos bens que satisfazem necessidades que também podem ser satisfeitas por outros bens de melhor qualidade, mas que, quando pobre, o consumidor não poderia comprar. O mesmo se passa com certos bens de alimentação, que são substituídos (pelo menos parcialmente) por outros com níveis superiores de rendimento. Q

Bem superior Er>1

Q

Bem normal 0
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