54524569 Tomaz Tadeu Da Silva Alienigenas Na Sala de Aula

April 30, 2017 | Author: Ana Paula Santos | Category: N/A
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LENDO IMAGENS CRITICAMENTE:

DIREÇÃO A UMA PEDAGOGIA PÓS-MODERNA

tem sido interpretada, ao mesmo tempo, como Aamodernidade melhor e como a pior das coisas. Ela tem sido caracterizada em termos de avanços progressivos em relação às sociedades pré-modernas ou tradicionais e como um motor de inovação, criatividade, mudança, e progresso. A modernidade tem sido identificada com a individualidade, o iluminismo, a ciência e a tecnologia, as revoluções industriais e políticas e, assim, com a democracia e a liberdade (Berman, 1982; Kolb, 1986; Habermas, 1987; Cahoone, 1988). As críticas pós-modernas mais negativas, entretanto, associam a modernidade com repressão, homogenei­ dade e com uma dominação totalitária que tem dimensões epis­ temológicas, sexuais, políticas e culturais. Téoricos pós-modernos, como Jean Baudrillard, Jean-François Lyotard, Arthur Kroker e David Cook argumentam que deixamos para trás a modernidade, em favor de uma nova condição ou cena pós-mo­ derna. Uma versão extrema da teoria pós-moderna (Baudrillard, Kroker/Cook) argumenta que a pós-modernidade constitui uma ruptura fundamental na história, uma ruptura que caracterizaria uma sociedade inteiramente nova, enquanto Lyotard, Foucault e outros autores simplesmente descrevem novas formas de conhe­ cer, fazer e ser, caracterizadas por Lyotard como expressões de uma "condição pós-moderna". Esses teóricos recomendam posi­ ções pós-modernas em prejuízo das modernas e, assim, valorizam o discurso do pós-moderno, enquanto aquela condição é apresen­ tada em termos e imagens mais negativas nos escritos pessimistas de Baudrillard e de alguns de seus seguidores. 104

FredericJameson (1984), em contraste, representa o p6s-mo­ dernismo como sendo, ao mesmo tempo, progressista e regressi­ vo, positivo e negativo. Abstraindo-se essas exceções, as respostas ao debate pós-moderno têm sido, em sua maioria, unilaterais, com alguns/algumas entusiastas aderindo à nova moda para proclamar os últimos avanços em Teoria, Cultura e Sociedade, enquanto outros/as agressivamente atacam a ofensiva pós-moderna contra o modernismo (Habermas, 1987), negam que exista qualquer coisa como uma condição pós-moderna (Britton, 1988) ou rea­ gem com ambivalência e talvez confusão. Alguns de meus próprios estudos (Kellner,1987, 1988, 1989a, 1989b) assumiam uma pos­ tura principalmente crítica em relação ao que eu considerava como pretensões infundadas da maior parte da teoria pós-moder­ na, mas eu exibia aí, sem dúvida, também algum grau de ambiva­ lência. Neste ensaio, entretanto, assumirei uma postura diferente, ao enfatizar alguns dos elementos positivos do pensamento pós­ moderno e aquelas posições pós-modernas que podem ser produ­ tivas para a pedagogia crítica. Contudo, continuarei a relativizar algumas das pretensões e a criticar certos excessos e aspectos dúbios e reacionários do assim chamado pensamento pós-moder­ no. Devo enfatizar, antecipadamente, que não acredito que exista qualquer teoria pós-moderna coerente e única, como também não acredito que estejamos vivendo algo como uma condição ou cena completamente pós-moderna. Em vez disso, devemos estar cons­ cientes da diversidade da teoria e das posições pós-modernas, lendo-as como perspectivas que apontam para novas tendências e condições sociais que exigem uma rediscussão de nossas velhas teorias, podendo levar a novas sínteses teóricas. Tentar uma síntese desse tipo será o objetivo deste estudo, que apresentará alguns esboços de uma pedagogia crítica atenta tanto à teoria e às posições modernas quanto às pós-modernas. POSiÇÕES PÓS-MODERNAS: ALGUMAS ABERTURAS E AVANÇOS TEÓRICOS

Uma posição pós-moderna que considero relevante para as preocupações pedagógicas é a ruptura das fronteiras entre a "alta" cultura e a "baixa" cultura, uma ruptura que Jameson (1983, 1984) e outros pensam estar no centro mesmo do pós-moderno. 105

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Jameson argumenta que uma das características definidoras do pós-modernismo é o apagamento de algumas fronteiras ou separações impor­ tantes e, mais notavelmente, a erosão de antigas distinções entre a alta cultura e a assim chamada cultura popular ou de massa. Este é talvez o desenvolvimento mais perturbador de todos, de um ponto de vista acadêmico, o qual tem, tradicio­ nalmente, se preocupado em preservar um domínio de alta cultura ou de cultura de elite, contra o circundante ambiente de filistinismo, de kitsch e de mau gosto das séries de TV e da cultura do Reader's Digest, e em transmitir habilidades com­ plexas e difíceis de ler, ouvir e ver a seus iniciados Uameson, 1983, p. 112; comparar com Jameson, 1984, pp. 54ss). Outras posições pós-modernas - associadas com Jacques Derri­ da, Foucault, Gilles Deleuze e Felix Guattari, por exemplo ­ estendem as noções de leitura, escrita e textualidade a uma variedade de textos culturais, que vão de tratados filosóficos a filmes e a romances populares. Através de críticas às fronteiras entre alta e baixa cultura e da ênfase na ampliação de noções de textualidade, escrita, etc., Ulmer (1985) e outros defendem um populismo pós-moderno. Eles atacam o elitismo inscrito no mo­ delo conservador de educação, que canoniza os grandes livros, complexas habilidades literárias e os artefatos da alta cultura. Embora a alta cultura tradicional forneça prazeres e atrações singulares, sua glorificação e canonização também servem como instrumento de exclusão, marginalização e dominação, ao longo dos eixos do gênero, da raça e da classe social. Além disso, ela trabalha com um conceito altamente limitado de cultura e exclui do domínio dos artefatos culturais sérios precisamente aqueles fenômenos que mais imediatamente envolvem os indivíduos em nossa sociedade. Conseqüentemente, um dos méritos de certas posições pós-modernas é o de expandir o conceito de cultura, rompendo, ao mesmo tempo, as barreiras entre "alta" e "baixa" cultura. Isso possibilita a abertura de um amplo terreno de artefatos culturais para a análise crítica. Acredito que essas posições são importantes para desenvolver uma nova pedagogia crítica que tente ampliara noção de alfabe­ tismo. A pedagogia moderna está organizada em torno de livros 106

e do objetivo da aquisição de uma alfabetização em leitura e escrita, centrando sua noção de educação e alfabetismo no desen­ volvimento de habilidades que são especialmente aplicáveis à cultura impressa. Os/as educadores/as conservadores/as lamentarI} o declínio desse tipo de alfabetismo impresso e prescrevem currí­ culos e métodos educacionais tradicionais como constituindo a solução para esse declínio, apelando em favor de um retorno aos grandes livros, aos canônes estabelecidos e aos métodos tradicio­ nais de alfabetização (veja a discussão em Aronowitz & Giroux, 1985 e Giroux, 1985). Outros analistas mais liberais (Hirsch, 1987) prescrevem uma noção mais ampla de alfabetismo cultural; eles defendem o ensino de um amplo espectro de conhecimentos e habilidades culturais, aplicados a textos que vão dos grandes livros a anúncios classificados, a fim de tornar o/a seu "leitor/a" uma consumidor/a e um/a produtor/amais adequado/a na socie­ dade contemporânea. Embora o programa liberal- em contraste com o modelo conservador - tenha seus méritos, tem também suas limitações. Giroux (1988), em contraposição, argumenta em favor da idéia de um alfabetismo crítico, um alfabetismo que esteja vinculado com um discurso de emancipação, possibilidade, espe­ rança e luta. Baseando-me neste programa, farei algumas propostas sobre o desenvolvimento de um alfabetismo critico em relação à mídia e de competências na leitura crítica de imagens, concentrando-me em alguns exemplos de anúncios impressos. Esses exemplos colo­ cam, de uma forma provocativa, a necessidade de ampliar o alfabetismo e as competências cognitivas para que possamos sobreviver ao assalto das imagens, mensagens e espetáculos da mídia que inundam nossa cultura. O objetivo será desenvolver um alfabetismo crítico em relação à mídia, um alfabetismo que con­ tribua para tornar os indivíduos mais autônomos e capazes de se emancipar deformas contemporâneas de dominação, tornando­ se cidadãos/ãs mais ativos/as, competentes e motivados/as para se envolverem em processos de transformação social. LENDO IMAGENS CRITICAMENTE

Um dos insights centrais da teoria pós-moderna é a ênfase no papel crescentemente central da imagem na sociedade contemporânea. 107

Baudrillard (1981, pp. 185ss) descreve a transição de uma socie­ dade metalúrgica, definida como uma sociedade de produção, para uma ordem semiúrgica, caracterizada pela proliferação de signos, simulacros e imagens. Para Baudrillard, a sociedade pós­ moderna é definida por uma semi urgia radical, pela proliferação e disseminação de imagens e pela entrada numa nova cultura saturada com imagens. De fato, desde o momento em que acor­ damos com rádios despertadores e ligamos a televisão com os noticiários da manhã até nossos últimos momentos de consciên­ cia, à noite, com os filmes ou programas de entrevista noturnos, encontramo-nos imersos num oceano de imagens, numa cultura saturada por uma flora e uma fauna constituídas de espécies variadas de imagens, espécies que a teoria cultural contemporânea apenas começou a classificar. Baseando-se nessa posição pós-moderna, mas sem apresentá­ la como tal, Neil Postman (1985) argumenta que em .torno da virada do século, a sociedade ocidental deixou a cultura impressa - tipográfica - para trás e entrou numa nova "Era do Entrete­ nimento" ;centrada numa cultura da imagem.Postman argumenta que, acompanhando a nova cultura da imagem, há um declínio dramático na taxa de alfabetização, uma perda das habilidades associadas com a argumentação racional, o pensamento linear e analítico e o discurso crítico e público. Em particular, esta mu­ dança no alfabetismo e na consciência levou a uma degeneração do discurso público e a uma perda da racionalidade na vida públicl;l.l Postman atribui esta "grande transformação" primaria­ mente à televisão que, de fato, pode ser interpretada como a máquina de imagens mais prolífica da história, gerando entre

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Embora a crítica que Postman (1985) faz da televisão seja, com freqüência, provocativa e incisiva, seu quadro de referência categórico está SUjeito ao processo de desconstrução de oposições binárias que constitui uma parte central de muitas epistemologias pós-modernas. Seu livro está estruturado em redor de uma oposição entre um discurso impresso racional, lógico, discursivo e coerente ("A Era da Exposição") e o discurso da mídia eletrônica, irracional, incoerente e fragmentado ("A Era do Entretenimento"). A mídia impressa é séria, importante, contextual e conduz à democracia e a outros bons valores, enquanto a mídia eletrônica e a cultura da imagem é trivial, frívola e subversiva em relaçio tudo que tem valor na vida (religião, educação, política, etc.). Esse absolutismo binário obscurece os aspectos negativos da. cultura impressa e apresenta uma visão puramente negativa da imagem e da cultura eletrônica. ApN:Sentarei uma visão alternativa da cultura da mídia em meu livro sobre televisão (no prelo).

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quinze e trinta imagens por minuto e, assim, milhões de imagens por dia. Outras máquinas de imagem geram uma quantidade imensa de artefatos impressos, sonoros, ambientais e de natureza estética diversa, dentro dos quais vagamos, tentando encontrar nosso caminho dentro dessa floresta de símbolos. E assim precisamos aprender a ler essas imagens, essas formas culturais fascinantes e sedutivas cujo impacto massivo sobre nossas vidas apenas come­ çamos a compreender. A educação certamente deveria prestar atenção a essa nova cultura, tentando desenvolver uma pedagogia crítica que estivesse preocupada com a leitura de imagens. Um tal esforço seria parte de uma nova pedagogia radical que tentasse ir à raiz de nossa experiência, nosso comportamento e conhecimen­ to e que objetivasse a liberação da dominação e a criação de novos eus, plurais, fortalecidos e mais potentes - ideais característicos tanto da teoria moderna quanto da pós-moderna. Ler imagens criticamente implica aprender como apreciar, decodificar e interpretar imagens, analisando tanto a forma como elas são construídas e operam em nossas vidas, quanto o conteúdo que elas comunicam em situações concretas. Algumas das teorias pós-modernas (Foucault, Derrida, Deleuze/Guattari, Lyotard) ajudam a entender como nossa experiência e nossos eus são socialmente construídos, como eles são sobredeterminados por uma gama variada de imagens, discursos, códigos. Esta corrente da teoria pós-moderna é hábil em descontruir o óbvio, tomando aquilo que é familiar e tornando-o estranho e não-familiar e, assim, fazendo com que prestemos atenção à forma como nossa linguagem, experiência e comportamento são socialmente cons­ truídos, sendo, pois, constrangidos, sobredeterminados e conven­ cionais, estando, ao mesmo tempo, sujeitos à mudança e à transformação. Seguindo o impulso anti-hermenêutico do estru­ turalismo, entretanto, uma das correntes do pensamento pós-mo­ derno (Deleuze/Guattari) tende a restringir bastante o objetivo da tarefa de uma teoria crítica. Esta abordagem limita, teoricamente, a investigação seja a uma análise descritiva de como os fenômenos ocorrem, seja a uma análise formal de como a significação e a representação operam, deixando de lado uma interpretação her­ menêutica do conteúdo ideológico, em favor de um tipo de análise mais formal e estruturalista. 109

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Parte da teoria pós~moderna argumenta, na verdade, que na contemporânea sociedade de simulacros, as imagens são, por natureza, planas, unidimensionais e fulgurantes, referindo~se ape­ nas a elas próprias ou a outras imagens (um versão forte desta tese é encontrada em Baudrillard, 1983a, enquanto uma versão mais fraca encontra-se em alguns dos ensaios em Gitlin, 1987; veja sua crítica em Best & Kellner, 1987). Uma tal crítica pós~moderna e formal da imagem, pois, contenta-se em descrever essas imagens, de forma muito parecida com a que Susan Sontag (1969) defendeu em suas teses "contra a interpretação", teses que anteciparam posições pós-modernas, com sua ênfase no irônico, no erótico e no lúdico. Neste ensaio, coloco-me numa posição oposta à dessa tentação formal e anti-hermenêutica. Ela poderia tornar nossa atividade crítica mais fácil e cristalina e, ao mesmo tempo, nos proporcionar novos insights e novas maneiras de ver; entretanto, ela é também demasiado restritiva e unilateral para certas tarefas pedagógicas, como a que tento empreender aqui. De fato, acho que o método de desconstrução de Derrida (1976) é mais sugestivo para o processo de leitura crítica de imagens. 2 As imagens e cenas da cultura da mídia estão saturadas de oposições e posições metafísicas, exatàmente da mesma forma que os textos analisados por Derrida. Na leitura de alguns anún~ cios familiares, a seguir, mostrarei que suas imagens contêm precisamente o tipo de oposições metafísicas que Derrida encon­ tra em textos filosóficos. Essas imagens servem para cobrir ou obstruir oposições metafísicas que, com freqüência, acabam por ,l

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Para tentativas de vincular análises desconstrutivas com uma crítica da ideologia, veja Ryan, 1982, e Spivak, 1987. Na discússão que se segue, pressuponho a importância das críticas pós-estruturalistas e pós-modernistas à grande parte da epistemologia e metafísica "modernas" - is~o é, das posições teóricas embutidas nos discursos filosóficos da modernidade. E difícil decidir se essas críticas são propriamente "pós-modernas" ou meramente uma versão auto-reflexiva da crítica "moderna", Isto é, num certo sentido, a desconstrução é bastante modernista precisamente em suas críticas do discurso da modernidade. De qualquer forma, é claro que as críticas da epistemologia modema e as tentativas para desenvolver novos métodos de leitura, escrita, e textualídade, que são, algumas vezes, descritas como "pós-modernos", são uma contribuição frutífera à nova pedagogia crítica que podemos decidir chamar de pós-moderna - ou podemos perfeita e legitimamente nos contentar em interpretar essa pedagogia como uma variante da pedagogia moderna. De fato, neste ensaio, argumentarei que uma nova pedagogia crítica deveria combinar posições que são consideradas modernas com posições pós-modernas ou, ainda, com posições que são reivindicadas por ambos os discursos.

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ser contradic6H1itJélait. 'A: metaff.icá da publicidade está ligada, como tentarei demonstrar, li ideologias dominantes. Assim, a crítica desconstrutiva da publicidade e de outros artefatos da cultura de massa é também uma crítica da ideologia. LENDO ANÚNCIOS CRITICAMENTE

Como uma demonstração das possibilidades de uma pedagogia crítica das imagens, considerarei o caso da publicidade, essa prolífica e potente fonte de imagens culturais. Em outro local, desenvolvi um teoria geral da publicidade e da moda e discuti perspectivas novas e críticas sobre a publicidade (Kellner, 1989c; Harms & Kellner, no prelo). Aqui me concentrarei em instrumen­ tos para decifrar, interpretar e criticar as imagens publicitárias que saturam nossa cultura. O fenômeno da publicidade e a importân­ cia de uma leitura crítica dos anúncios estão longe de serem questões triviais, na medida em que a sociedade estadunidense investe mais de 102 bilhões de dólares por ano em publicidade, ou seja, dois por cento do produto nacional bruto, muito mais dinheiro do que o investido em educação (Association ofNational Advertisers, 1988, p. 4). Esse é um crime e um escândalo nacional que sozinho já deveria servir para preocupar os/as educadores/as. Postman argumenta que antes do século XX a publicidade tendia a ser geralmente informativa ou, ao menos, usava os meios impressos,a argumentação racional, a persuasão verbal e a retó­ rica para induzir os consumidores a comprar os produtos ofere­ cidos (1985, p. 60). Na década de 1890, entretanto, os anúncios começaram a fazer uso crescente de fotografias e ilustrações e seu texto passou a ser apresentado na forma de slogans, jingles e rimas simples, com a imagem substituindo a racionalidade discursiva. Em um certo sentido, a publicidade tornou-se o discurso público dominante do século XX, com suas imagens de mercadorias, consumo, estilos de vida, valores e papéis de gênero deslocando outras formas de discurso público. Desta forma, os discursos imagéticos da vida privada e da gratificação consumista substitu­ íram discursos mais políticos e causaram um deslocamento radical da esfera pública, uma esfera que os/as teóricos/as pós-moder­ nos/as argumentam ter sido destruída na sociedade contemporâ­

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nea do consumidor e da mídia (compare Habermas, 1989 com Baudrillard, 1983b). Além disso, a importância da publicidade para a educação tem muitos aspectos. A publicidade constitui uma das esferas mais avançadas da produção de imagem, com mais dinheiro, talento, e energia investidos nesta forma de cultura do que em qualquer outra em nossa sociedade hiper-capitalista. A própria publicidade é uma pedagogia que ensina os indivíduos o que eles precisam e devem -desejar, pensar e fazer para serem felizes, bem-sucedidos e genuinamente americanos. A publicidade ensina uma visão de mundo, valores e quais comportamentos são socialmente aceitá­ veis e quais são inaceitáveis. A publicidade, como Jules Henry (1963) argumentou, contém uma moralidade e uma visão da verdade que enfatiza a auto-satisfação, a gratificação instantânea, o hedonismo, e o relativismo. Henry argumenta que a publicidade constitui todo um sistema filosófico que incorpora os valores de nossa força social mais poderosa, o capitalismo das grandes empresas, ele próprio um dos principais pilares do capitalismo de consumo. Além disso, a publicidade é um texto social importante e um indicador social que fornece um repositório de informações a respeito de tendências sociais, de modas, de valores contemporâ­ neos e daquilo que realmente preocupa os dirigentes do capitalis­ mo de consumo. Pode-se aprender muita coisa, portanto, estudando a publicidade. Ela também pode ser uma das principais forças de moldagem do pensamento e do comportamento. Devo suspender, entretanto, a discussão a respeito de saber se a publi­ cidade é ou não uma força eficaz e poderosa na moldagem direta do comportamento do consumidor e simplesmente supor que a publicidade existe como um dos principais setores da indústria cultural, cujos produtos uma pedagogia crítica tem que analisar. Longe de serem simplesmente exemplares planos e unidimensio­ nais da cultura imagética contemporânea, argumentarei que os anúncios são textos culturais m ultidimensionais, com uma riqueza de sentidos que exige um processo sofisticado de decodificação e interpretação. Como exercício, vamos ler e criticar alguns anún:­ cios familiares de cigarros e compreender o que esse processo crítico tem a nos dizer sobre nós mesmos e nossa sociedade.

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Como introdução à leitura crítica de imagens simbólicas de anúncios, examinarei alguns anúncios impressos que estão pron­ tamente disponíveis para o exame e prestam-se à análise crítica. Os anúncios impressos são uma parte importante do mundo da publicidade, com cerca de cinqüenta por cento da renda de publicidade indo para vários meios impressos, enquanto vinte e dois por cento é gasto em publicidade de televisão (Association of National Advertisers, 1988, p. 4). Embora os apologistas da indústria da publicidade argumentem que a publicidade é predo­ minantemente informativa, um exame cuidadoso das revistas, da televisão e de outros anúncios imagéticos indicam que ela é avassaladoramente persuasiva e simbólica e que suas imagens não apenas tentam vender o produto, ao associá-lo com certas quali­ dades socialmente desejáveis, mas que elas vendem também uma visão de mundo, um estilo de vida e um sistema de valor con­ gruentes com os imperativos do capitalismo de consumo. Para ilustrar este ponto, olhemos, primeiramente, para dois anúncios de cigarro: um anúncio de 1981 do Marlboro, dirigido principalmente para fumantes masculinos e um anúncio de 1983 do Virgínia Slims, que tenta convencer as mulheres que é "legal" fumar e que o produto anunciado é perfeito para a mulher "moderna" (veja figuras 1 e 2).3 Empresas como as da indústria do fumo lançam campanhas para associar seu produto com imagens positivas e desejáveis e com modelos de gênero. Assim, na década de 50, o Marlboro lançou uma campanha para associar seu cigarro com a masculinidade, associando o fato de fumar seu produto com a característica de ser um "verdadeiro homem". O Marlboro era identificado anteriormente como um cigarro leve, para mulheres, e a campanha do "Homem do Marlboro" era uma tentativa para capturar o mercado do cigarro masculino através de imagens de personagens arquetipicamente masculinos. Uma vez que a imagem do filme de cowboy/western fornecia um ícone 3 O método de leitura de anúncios e a interpretação da publicidade que se segue deve muito ao trabalho de Robert Goldman (1987, 1988). Veja também John Berger (1973) e Judith WiIliamson (1978) para excelentes introduções pedagógicas à leitura crítica da publicidade.

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familiar de masculinidade, independência e dureza, foi o símbolo preferido para a campanha. Subseqüentemente, o Homem do Marlboro tornou-se uma parte do folclore americano e um sím­ bolo cultural prontamente identificável. Essas imagens simbólicas na publicidade tentam criar uma associação entre os produtos oferecidos e características social­ mente desejáveis e significativas a fim de produzir a impressão de que se o indivíduo quiser ser um certo tipo de pessoa, por exemplo, se quiser ser um "verdadeiro homem", então deve fumar cigarros Marlboro. Conseqüentemente, durante décadas, a Marlboro usou a figura do cowboy como o símbolo da masculi­ nidade e o centro de seus anúncios. Numa cultura pós-moderna da imagem, os indivíduos obtêm suas próprias identidades a partir dessas figuras e a publicidade se torna, assim, um mecanismo importante e negligenciado de socialização, assim como um ma­ nipulador da demanda de consumo. Os anúncios formam sistemas textuais, com componentes básicos que se interrelacionam de modo a posicionar o produto positivamente. Os principais componentes de um anúncio clássico do Marlboro estão em sua conjunção de natureza, cowboy, cava­ los e cigarro. Este sistema associa o cigarro Marlboro com a masculinidade, o poder e a natureza. Observe, entretanto, na Figura 1, como o cowboy é uma figura relativamente pequena, diminuído pelas imagens da neve, das árvores, do céu. Enquanto em anúncios anteriores, o Homem do Marlboro aparecia magni­ ficado no centro do quadro, agora as imagens da natureza é que são enfatizadas. Por que essa mudança? Os anúncios são textos sociais que respondem a desenvolvi­ mentos-chave durante o período no qual aparecem. Durante os anos 80, tornaram-se generalizados relatórios apresentados na mídia que descreviam o perigo que os cigarros representavam para a saúde e tornou-se obrigatório colocar uma mensagem nas carteiras de cigarro, advertindo sobre os seus riscos para a saúde~ Como resposta a esse ataque, os anúncios do Marlboro agora apresentam imagens de uma natureza limpa, pura, integral, como se fosse "natural" fumar cigarros, como se os cigarros fossem Ul1\ produto natural saudável, uma emanação de uma natureza benig~ na e saudável. O anúncio, de fato, vende o MarlboroLights e uma· 114

. . lepndas o deacteve CQlDQI:1.l1I1 "cigar.ro com baixo teor de alcatrlo". A imagem ~ ela própria leve, branca, verde, com uma .par~ncia de neve e ar fresco. Através do processo da metonímia, ou da associação contígua, o anúncio tenta associar o cigarro com • luz, O natural, a neve sadia, os cavalos, o cowboy, as árvores e o c~u, como se eles fossem todos artefatos naturais relacionados, partilhando as características da natureza, obscurecendo, assim, o fato de que os cigarros são um produto artificial, sintético, cheio de pesticidas, conservantes e outros produtos químicos perigosos para a saúde.

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Assim, as imagens de natureza saudável constituem uma mitologia barthesiana (Barthes, 1972), que tenta obscurecer a imagem dos perigos que o ato de fumar apresenta para a saúde, naturalizando os cigarros e o ato de fumá-los. O anúncio do Marlboro também tira proveito de imagens de tradição (o cowboy), de trabalho duro (observe quão profundamente o cavalo está imerso na neve - este cowboy está envolvido num trabalho sério!), cuidado com os animais, e outras características desejáveis, como se o fumar fosse uma atividade nobre, metonimicamente equivalente àquelas outras atividades sociais positivas. As ima­ gens, o texto e o produto mostrados no anúncio fornecem, assim, um constructo simbólico que tenta encobrir e camuflar contradi­ ções entre o trabalho duro e o cigarro leve; entre a cena na,tural e o produto artificial; entre a cena ao ar livre, fresca e sadia e a atividade quente e insalubre do ato de fumar; e entre a masculi­ nidade dura do Homem do Marlboro e o cigarro LightlLeve, originalmente dirigido às mulheres. Na verdade, esta última contradição pode ser explicada pela jogada de marketing que consiste em sugerir aos homens que eles podem ser altamente masculinos - como o Homem do Marlboro - e fumar um cigarro supostamente mais saudável e, ao mesmo tempo, apelar às mulheres "fortes", que podem gostar de fumar um cigarro de "homem", .que seja também mais leve e mais saudável, como devem ser os çigarros de mulher. O anúncio de 1983 do Virgínia Slims (Figura 2) também tenta associar seu produto com características sociais desejáveis e ofe­ rece posições de sujeito com as quais as mulheres possam se identificar. O sistema textual do Virgínia Slims inclui, classica­ mente, uma vinheta na parte superior do anúncio, tendo abaixo dela uma foto da mulher Virginia Slim, ao lado de um maço de cigarro apresentado de forma destacada. No exemplo aqui anali­ sado, a parte superior do anúncio exibe um quadro emoldurado que contém as imagens narrativas e a mensagem, a qual está ligada às mudanças na situação das mulheres, descritas através de um contraste com a mulher moderna, apresentada abaixo. A legenda sob a imagem emoldurada das aulas de exercício físico separadas para homens e mulheres, de 1903, contém o familiar slogan do Virgínia Slims: "Você progrediu um bocado, querida". A legenda, ligada à mulher do Virgínia Slims, próxima ao maço' de cigarros, 116

conótédmé mensqemde prOgresso, rrietonimicamente ligando o Virgina Slims l mulher progressista e à vida moderna. Neste anúncio, são os vínculos e conexões entre as partes que estabe­ lecem a mensagem que associa o Virginia SUms com progresso. O anúncio diz às mulheres que é progressista e socialmente aceitável fumar e associa o Virgina Slims com a modernidade, o progresso social e a característica social desejável da esbeltez..

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Na verdade, os cigarros Lucky Strike tinham empreendido uma bem-sucedida campanha de publicidade na década de 30, que associava o ato de fumar com a redução de peso ("Pegue um cigarro em vez de uma bala!"), e o Virginia Slims joga com essa 4 tradição, encapsulada no próprio nome do produto. Observe também que o cigarro é do tipo "Light/Leve" e que, como o anúncio do Marlboro, tenta associar seu produto com a saúde e o bem-estar. O sorriso pronunciado no rosto da mulher também tenta associar o produto com a felicidade e a auto-satisfação, lutando contra a associação do ato de fumar com a culpa e os perigos para a própria saúde. A imagem da mulher esbelta, associada com elegância e leveza, não apenas associa o produto com características socialmente desejáveis, mas, por sua vez, promove o ideal da mulher esbelta como o tipo ideal da femini­ lidade: Mais tarde, os cigarros da marca Capri anunciariam seus produtos como "the slimmest sUmI (o mais fino dos finos!/o mais esbelto dos esbeltos!)", explorando a continuada e intensificada associação da esbeltez com a feminilidade. Um anúncio de 1988, do Capri, apresenta sua alegre mulher fumante, vestida de forma mais elegante e atual que a mulher mais convencional e conserva­ doramente vestida do anúncio de 1983 do Virginia Slims, repli­ cando a ênfase crescente em roupas caras e de alta moda da era yuppie, onde o alto consumo como uma forma de vida tinha se tornado um objetivo altamente proclamado. Um anúncio de 1988 do Virginia Slims (Figura 3), de fato, revela uma transformação considerável em sua imagem das mu­ lheres durante a década de 80 e uma nova estratégia para persua­ dir as mulheres que é bom e até mesmo· progressista e ultramoderno para elas fumarem. Essa jogada aponta para mu­ danças no poder relativo de homens e mulheres e revela novas posições de sujeito para as mulheres, validadas pelas indústrias culturais. O quadro de cor sépia na parte superior do anúncio contém a imagem de uma mulher servindo ao seu homem. O ano é 1902.

4 "Slim"=fino, magro, esbelto (N. do T.).

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A pose c6mica e o olhar irritado da mulher sugerem que essa servidão é altamente indesejável e seu contraste com a mulher do Virginia Slim (a qual, ela própria, agora calça as botas de couro, assim como as luvas e o casaco de couro) sugere que as mulheres tinham percorrido um longo caminho, enquanto o sempre pre­ sente cigarro associa o direito de uma mulher fumar em público com progresso social. Desta vez, o familiar "You 've come a long way, baby" (Você progrediu um bocado, querida") está ausente,

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