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Relações Internacionais Tereza Cristina N França Teoria das Relações Internacionais 1
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RENOUVIN, Pierre; DUROSELLE, Jean Baptiste. Introdução à história das relações internacionais . Paulo: Difel, 1967. Págs 407 a 430.
São
Capítulo 12: A AÇÃO DO HOMEM DE ESTADO SOBRE AS FORÇAS PROFUNDAS
Ninguém duvida de que o homem de Estado possa agir sobre o acontecimento particular. Ele está no seu papel e isso é de sua responsabilidade quer se trate de dar resposta a uma iniciativa exterior, quer caiba a tomada de uma iniciativa. É também provável que, por uma seqüência deliberada de ações, o homem de Estado possa modificar a conjuntura, que representa, essencialmente um complexo de acontecimentos com determinada duração. Acontece ainda que, por sua ação, mais a meada se embaraça. embaraça. Por exemplo, quando ocorre uma uma crise inflacionária, há políticas boas e más. más. Poincaré, entre julho e outubro de 1926, salvou o fracasso , conseguiu equilibrar o orçamento. Como na primavera de 1923, conseguiu equilibrar o orçamento. Como, na primavera de 1923, contribuiu para acelerar a inflação galopante que castigava a Alemanha. Tratava-se de uma crise econômica de grande latitude. Havia uma deliberada seleção de ações a empreender. Cada qual a seu modo, Roosevelt pelo New Deal , Hitler pelo rearmamento, MacDonald pela desvalorização da libra esterlina, pelo imperial, atenuaram a crise. Ao contrário, os restabelecimento do protecionismo e pela instituição de preferência imperial, instáveis governos franceses, praticando por decretos-leis uma política deflacionária, contribuíram, segundo toda probabilidade, no sentido de paralisar ainda mais a economia do país.
Mas o verdadeiro problema não está aí. Consiste em saber se o homem de Estado pode chegar, por uma ação contínua, a transformar de maneira decisiva as estruturas profundas da nação, ou se estas estão submetidas a grandes leis inelutáveis. Antes que de estruturas, falemos de infra-estruturas em profundidade e de superestruturas. Para alguns, só as segundas não escapam à ação da política. As primeiras, que constituem a própria essência da história, prosseguem em em sua evolução de maneira implacável. Responder Responder à pergunta - Qual a influência respectiva dos homens políticos e dos profundos movimentos "infra estruturais"? seria seri a responder ao mais angustiante angustiante de todos os pr oblemas que se apresentam ao historiador. Alguns particularment ente os marxistas - acham que estão em condições de trazer a solução, mediante o materialismo
histórico; solução, aliás, muito mais sutil e complexa do que acreditam os comentaristas mal informados ou mal intencionados. Voltaremos ao assunto. Outros, pensando que o materialismo histórico repousa sobre postulados e que só a história poderá confirmar ou infirmar o seu valor, consideram que a prova ainda não foi feita e que numerosos estudos, levados a efeito sem preconceitos iniciais, seriam necessários para se poder chegar a uma sólida interpretação. Na verdade, trata-se aí de um problema essencial de filosofia da história. Esta emite teorias. Só o estudo da história pode avaliar o que há de bem fundado, aí. E devemos confessar que, no estado atual da istórica, não nos parece possível dar uma resposta clara e convincente. Nossa tarefa, aqui, é pesquisa hist infinitamente mais modesta. Consiste em mostrar quais os problemas concretos que se apresentam, em delimitálos. Devemos analisar alguns exemplos, não sem nos resignarmos a admitir que existem dados aparentemente contradit órios. Antes de tudo, colocando-nos em uma longa perspectiva, constatamos que, por exemplo, a batalha de Waterloo, ou até mesmo o conjunto das guerras da Revolução e do Império, não impediram, absolutamente, que o nível de vida, o nível de poderio da França, da Inglaterra, uma vencida, outra vencedora, permanecessem sensivelmente os mesmos. Mais ainda, seus regimes políticos, por mais diferentes que fossem nos pormenores, partiam dos mesmos princípios fundamentais. Quaisquer que tenham sido as vicissitudes da história política dos dois países, as infra-estruturas de ambos pareciam haver evoluído paralelamente. Tomemos ainda o exemplo da descolonização. Se nos colocarmos em 1963, isto é, dezoito anos depois do fim da guerra, constataremos que, vencedores ou vencidos, todos perderam, semelhantemente, suas colônias. O Japão e a Itália, vencidos, precisaram renunciar a elas logo de saída. A Inglaterra, vitoriosa, a França, que representava um modesto parceiro no campo dos vencedores, precisaram abandoná-las, uma após outra.. A diferença entre vencedores e vencidos esteve em que, para os últimos, aquilo se fez muito depressa, ao passo que para os primeiros durou alguns anos. Mas, dentro de cem anos, o conjunto aparecerá, sem dúvida, como sendo um fenômeno único. A descolonização, ligada ela mesma a f orças profundas, é que é o essencial. Por outro lado, quer tenham tido ou não colônias, entre 1945 e 1963, quer tenham sido bem ou mal governados, todos os países chamados "medianos", daí por diante, e que tinham, já, em 1938, uma grande capacidade industrial, viram sua produção dobrar, ou até mais do que isso. O Japão, cuja população aumentou de 25 milhões de habitantes e cujo território se reduziu somente às suas ilhas, desfrutou um nível de vida duas vezes 1
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melhor que na época em que se acreditava sufocado e queria conquistar seu espaço vital. A França, com mais de trinta gabinetes e a Alemanha, com um só chanceler durante quatorze anos, tiveram ritmos de crescimento quase iguais, senão paralelos, nesse mesmo período. Tudo isto parece atestar uma certa independência da infra -estrutura. Inversamente, o formidável desenvolvimento das técnicas de armamentos permite encarar como perfeitamente possível uma decisão do homem de Estado capaz de revolucionar, não apenas o acontecimento, não apenas a conjuntura, mas a própria estrutura das sociedades. A decisão de deflagrar uma guerra termonuclear, ou o ato irracional que, por um processo de "escalada", transformasse um conflito em guerra de destruição mútua, faria, como já se disse, com que a humanidade sobrevivente voltasse a uma espécie de Idade Média. O aniquilamento quase fatal das cidades e, portanto, das indústrias, dos quadros administrativos, das capacidades intelectuais e técnicas, transformaria em alguns dias sociedades desenvolvidas em montes de escombros, em meio aos quais, provàvelmente, os sobreviventes raros, agrupados em bandos e armados ao modo de seus ancestrais da pré-história, disputariam entre si, barbaramente, as escassas zonas habitáveis, os escassos recursos. Ora, tudo isso pode depender de um ato do homem de Estado. Por mais inverossímil que seja, esse ato é considerado como possível, já que cada uma das duas grandes potências pelo menos fabrica para si um arsenal de morte, diante da incerteza quanto às reais intenções da outra. Mais modestamente, apesar de todos os seus horrores, as duas guerras mundiais podem ser interpretadas como o resultado de ações políticas que transformaram amplamente as condições estruturais. É certo que vencedores e vencidos - Reino-Unido, França, Alemanha, Itália - que em 1914 representavam potências do mesmo "nível", estão ainda hoje num plano igual na hierarquia do poder real. Mas o "declínio da Europa", a absorção do essencial do poder pela U.R.S.S. e pelos Estados Unidos, não são devidos a um decisivo enfraquecimento europeu, resultante de guerras que, hoje, aparecem como sendo fratricidas? Entretanto, os partidários da autonomia da infra-estrutura poderão responder que, de fato, tais guerras não foram deflagradas, realmente, em virtude de decisões políticas, mas pela necessidade histórica de inelutáveis forças profundas. A discussão não está encerrada. Voltaremos a ela, na conclusão deste volume.
Mesmo que não possamos resolver o problema da ação do homem de Estado sobre as estruturas, o historiador tem uma tarefa a preencher. Deve analisar os casos em que os responsáveis quiseram transformar as forças profundas, tentaram fazê-lo. Sem pretender, em algumas páginas, ir além de esboçar os contornos do problema, gostaríamos de ilustrá-lo com certos exemplos, primeiro em relação às forças de caráter econômico e social, segundo em relação às que derivam da psicologia coletiva.
1. As tentativas de ação sobre as forças econômicas e sociais
Pode-se partir do fenômeno social de certo modo mais elementar: a demografia. Tudo parece indicar que, nas sociedades que se industrializam, e em que o analfabetismo desaparece, a natalidade baixa. Está aí um fenômeno estrutural, ainda mal explicado, certamente, e complexo. Pode haver uma queda espontânea da tendência, como aconteceu nos Estados Unidos, onde as predições dos demógrafos de 1930 (120 milhões de habitantes em 1960) se revelaram falsas: aquele pais se apresentou com 190 milhões de habitantes em 1963. Mas os dirigentes políticos não parecem desprovidos de meios de ação, nos dois sentidos. Não sabemos , é certo, se o acréscimo da natalidade francesa, a partir de 1946, foi devido à lei de 1938, sobre as gratificações familiares e ao "código da família", se a uma espécie de recrudescência estrutural de confiança diante da vida. Mas uma hipótese razoável é a de que essa legislação voluntária, consciente, teve um papel. Foi um papel modesto, como o provam as cifras. Não, porém, des prezível. Inversamente, o governo japonês praticou, a partir de 1950, uma política sistemática de encorajamento ao controle dos nascimentos. Seus resultados foram admiráveis. De 22%° a natalidade caiu, em quinze anos, a 16,2%, proporção notàvelmente inferior à da França. Mais uma vez, infelizmente, o argumento não se revelou decisivo, porque sempre se poderia afirmar que a baixa enorme da natalidade foi uma conseqüência da duplicação do nível de vida da população japonesa. Poderá um governo transformar, de modo decisivo, a estrutura social de um país? Os marxistas-leninistas estão longe, e muito, de negá-lo. Acham que, depois da revolução proletária, a gente passará, sucessivamente, pela etapa da democracia popular , em que a luta de classes continua, mas sob o controle do proletariado, que eles assimilam à sua "ala em marcha", o partido comunista; depois, pela etapa do "socialismo", em que as classes subsistirão, mas com a luta de classes terminada. Eles afirmam, finalmente, que chegarão à fase do "comunismo", isto é, da sociedade sem classes. Mas disso não temos ainda exemplo histórico e, portanto, não podemos saber se a profecia 2
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será realizada.
Segundo eles, porém, semelhante transformação voluntária não se poderá realmente fazer senão depois da "revolução", qualquer que seja a forma de que esta se revista. De um lado, a revolução representará o resultado implacável do jogo das forças econômico-sociais. De outro lado, a ação do governo proletário, após a revolução, consistirá essencialmente em "navegar no sentido da corrente histórica", em favorecer o jogo das forças da infraestrutura, em eliminar os obstáculos que se erguerem diante delas. Para Marx, o papel da superestrutura (ideologias, instituições políticas) permanece muito secundário e deriva da infra-estrutura, forças de produção e relações de produção, cujo conjunto constitui o "modo de produção" ou "estrutura econômica" da sociedade, "a base real sobre que se levanta uma superestrutura jurídica e política e a que correspondem formas de consciência sociais determinadas"1. Para Stálin, que se coloca depois da revolução proletária e na perspectiva do "socialismo em um só país", a superestrutura é muito mais independente, desempenha muito mais o seu papel próprio. "A superestrutura é engendrada pela base, mas isso não quer em nada dizer que ela se limite a refletir a base, que seja pas siva, neutra, que se mostre indiferente à sorte de sua base, à sorte das classes, ao caráter do regime. Muito pelo contrário, ela se torna uma imensa força ativa, ajuda ativamente a sua base a tomar corpo e a fortalecer-se. Nada negligencia para auxiliar o novo regime a concluir a destruição da velha base. e das velhas classes e a liquidá-las"2. Assim, chega-se à idéia de que o Estado é a parte integrante de maior importância da superestrutura"3. Isto permite se justifique a necessidade de reforçar o Estado soviético. Por outro lado, as circunstâncias históricas levaram os bolcheviques a praticar ações aparentemente pouco de acordo com as leis enunciadas por Marx: fazer a revolução a partir de 1917, quando não havia base econômica socialista na Rússia; e "coletivizar a agricultura nos anos de trinta, por uma revolução vinda "do alto", a fim de poder desenvolver, socializando-as, as forças de produção da 4 economia agrícola, e não o con trário" . Vê-se, por esses exemplos e por esses textos, que o marxismo, sob sua forma soviética, abandonou completamente as teses "mecanicistas", que enxergavam na infra-estrutura a' única explicação da evolução e minimizavam o papel do Estado. Tal parecia ser a posição de Marx. Mas Engels mostrou que aquele precisou exagerar seu pensamento, devido a necessidades polêmicas. Tal era a posição de Plekhanov, em sua Concepção Materialista da História (1897), de Bukhárin, em A Teoria do Materialismo Histórico (1927). Daí para diante, parece que a maioria dos teóricos admitiu que, pelo menos no Estado socialista, a superestrutura e, portanto, finalmente, a decisão dos responsáveis, podem modificar a infra-estrutura, com a condição, seguramente, de não desobedecerem às leis gerais do materialismo dialético. Mas subsiste, apesar disso, uma possibilidade de explicação "mecanicista". Se o Estado tiver seu papel próprio e autônomo e puder modificar a infra-estrutura, não poderá ser senão uma simples emanação da infra-estrutura, de tal sorte que o acesso ao poder por parte de certas pessoas seja de algum modo determinado. Ou ainda de tal sorte que toda pessoa que se substituir ao detentor do poder venha a ser obrigada a agir da mesma forma. Muitos pensadores marxistas se opõem com energia a este determinismo rigoroso. "Enquanto Stálin estava no poder escreveu André Gorz5 - marxistas apresentaram o seu reinado como sendo a manifestação da necessidade histórica: Stálin, dizia-se, fora produzido pela necessidade material do stalinismo, que representava a única possibilidade objetiva da U.R.S.S.". Mas, muito tarde, acrescentou André Gorz, a gente se perguntou, "retroativamente, se atos até então explicáveis pela necessidade objetiva não seriam na realidade imputáveis à vontade individual, de repente manifesta, do homem Stálin". Corz prefere uma tese intermediária. Considera que "a brutalidade da política stalinista não era um acaso, mas uma necessidade". Todavia, se, "por suas qualidades, Stálin representava o homem da situação seria concebível que, em lugar do Stálin "histórico", indivíduo contingente, fosse encontrado um outro, possuidor das mesmas qualidades em ponto maior, além de mais algumas, de que o primeiro era desprovido. Provável que esse Stálin ideal tivesse feito, em linhas gerais, a mesma coisa que o Stálin real, mas o teria feito de maneira diferente e com menores despesas". 1
Zur Krltik der poUtlschen Okonomle, 00. Dietz, pág. 13, citado por J.-Y. Calvez, La pensée de Karl Marx, Paris, 1956, 664 págs., ci. pág. 425. 2 Le Marxlsme et les problemes de Unguistique, edições em línguas estrangeiras, Moscou, 1952, págs. 6-7. Citado por Ibld., págs. 421-428. 3 A. I. Denlsov, M. G. Karicento, citados por Henri Chambre, Le marxlsme era Union Scwlétique, Paris, 1955, 510 págs. ci. seu capitulo: Sfallne et ta mperstrocfure, págs. 451-483 4 Chambre, ob. cit., pág. 466. 5 André Gorz, La moraIe de l'hlstWe, Paris, 1959, 284 págs., cf.págs. 24 -29. 3
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Pode-se, em resumo, considerar que a maioria dos pensadores marxistas admite, atualmente, que, num regime sob o qual o proletariado haja tomado o poder, o Estado, superestrutura por excelência, exerça uma influência determinante sobre a infra-estrutura e, portanto, sobre o que chamamos, aqui, de Forças profundas de caráter econômico-social. Provável que também eles admitam, sob regime "capitalista", a possibilidade de uma ação de "retardamento" eficaz da parte dos governos. Com mais simplicidade, o marechal Tito expressou, a respeito do papel do homem de Estado, uma opinião que parece aceitável para muitos pensadores, marxistas ou não6: "Confesso que o papel do homem na História pode ser muito importante: seria um contra-senso e a negação da realidade pretender o contrário. Mas o papel do homem é tanto mais considerável quanto ele representa as vontades e a consciência do povo, num momento dado. O povo é que é a potência motriz na Hist ória". Desta rápida análise de uma teoria particular da história, passemos a uma apresentação mais concreta de certos exemplos. Parece-nos que o melhor método é reproduzir em grandes traços os tipos de esforços sucessivos realizados pelos governos de certos países, a fim de modelarem novas infra-estruturas. Escolheremos, por terem 7 8 sido analisados de maneira lúcida e por serem muito dissemelhantes, o caso da França e o do México . Evidente, antes de mais nada, que a legislação das assembléias revolucionárias mudou profundamente as estruturas sociais francesas. A abolição dos direitos feudais, das corporações, a nacionalização dos bens do clero, a supressão das alfândegas internas, a lei "Le Chapelier" de 1791, proibindo as coalizões, favoreceram amplamente o desenvolvimento da classe burguesa nos seus interesses econômicos, ao passo que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, aproveitada efetivamente apenas por uma parte da nação, assegurava os fundamentos de seu poderio político. Trata-se aí de decisões explicáveis, com certeza, pelo jogo das For ças profundas, mas que, combinadas com milhares de outros decretos, deram à França uma nova estrutura. O que para o nosso assunto é mais interessante é que, por atos deliberados de política exterior - as guerras - semelhantes reformas estruturais foram impostas a países estrangeiros, onde as Forças profundas não exerciam, absolutamente, influência, no mesmo sentido. Uma vez realizadas tais transformações, uma volta para trás seria pr aticamente impossível. Surpreende constatar que a filosofia da polí tica econômica exterior, mesmo na época do bloqueio continental,
permaneceu grandemente protecionista. Ao passo que, desde a época da Assembléia Constituinte, os economistas liberais faziam triunfar o liberalismo interno, os Estados da Europa mantiveram, todos, até às reformas britânicas de 1846-1850, até' o tratado Cobden-Che valier de 1890, rígidas barreiras alfandegárias, proibições, racionamentos. 9 "Difícil - escreveu Cameron - exagerar o atraso que esta política comercial impôs ao desenvolvimento da indústria francesa e às relações da França com as outras Nações". Pode-se admitir, certamente, que forças poderosas se tenham exercido protecionismo. Nas câmaras dos deputados da monarquia constitucional,
sobre os governos, a fim de manter o sobretudo sob o regime de Julho, os industriais eram em grande número, e todos protecionistas. O poderoso Moniteur lndustriel exercia um papel incompar avelmente mais eficaz que o de seu adversário, o Journal des É conomistes, que em verdade não sensibilizava senão alguns intelectuais. Pode-se igualmente atribuir às forças profundas, no caso o "Anti Corn- Law League" de Cobden, o advento da liberdade de comércio internacional na França, em 1860. Napoleão III era favorável a essa técnica comercial, mas o corpo Legislativo do Império, como as Câmaras da Monarquia, se mostravam, em sua maior parte, protecionistas, e tudo permitia pensar que os grupos de pressão favoráveis à técnica referida eram, no país, insignificantes, em comparação com as forças imensas que apoiavam o protecionismo. Por duas vezes o Corpo Legislativo, em 1856 e em 1859, havia rejeitado projetos de lei que suprimiam as proibições. Sabe-se que, a conselho de Michel Chevalier, Napoleão III decidiu utilizar uma disposição da Constituição de 1852, que o autorizava a assinar e a ratificar tratados de comércio, sem intervenção legislativa, para desconjuntar, de um só golpe, o protecionismo, a despeito da cólera dos industriais. Difí cil, portanto, ver, aí, a manifestação de uma espécie de necessidade histórica, e é-se tentado a atribuir o essencial de semelhante reforma em profundidade à decisão específica de um homem. Pode-se, generalizando, achar que o enorme crescimento econômico da França, no Segundo Império, devido principalmente, a condições favoráveis - a alta continua dos preços, ligada ao afluxo do ouro da Califórnia - foi favorecido por uma política deliberada, e 6
Vladimir Dedijer, Tito parle, Paris, 1953, pág. 445. Cf. notadamente Rondo E. Cameron, France and the Economic Develoment of Europe, 1800-1914, Princeton, 1961, XVIII, 586 págs. Charles Kindelberger, The Postwar Resurgence of the French Economy, em In Search of France, Cambridge, U.S.A., 1963, págs. 118 -158. 8 Cf. notadamente Raymond Vemon, The Dilemna of México s Development, Cambridge, U.S.A., 1963, XVI, 226 págs. 9 Op. cit., pág. 36 7
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seguida, do imperador, estimulada por conselheiros seus, adeptos das idéias de Saint-Simon. Uma tal evolução tinha, evidentemente, implicações nas relações exteriores. O pagamento acelerado da indenização de 5 bilhões, entre 1871 e 1873, constitui a mais conhecida de suas provas.
Uma das conseqüências do desenvolvimento - mais rápido no Segundo Império que antes de 1851 e depois de 1870 - foi, evidentemente, a acumulação de capital. Está fora de dúvida que aí se trata de um fenômeno essencialmente estrutural. Mas a ação dos homens de Estado irá manif estar-se de modo decisivo, quanto à utilização do capital excedente. É na técnica de exportação de capitais para o exterior que semelhante ação aparece melhor. Poder-se -ia, certamente, analisar o papel do governo na política de construção de estradas de ferro no exterior, com a ajuda de capitais franceses, no Segundo Império. Parece-nos mais útil chamar atenção sobre a política dos empréstimos aos governos estrangeiros, na Terceira República. Trata-se, aí, de uma ação de motivações essencialmente polí ticas, cujas conseqüências econômicas, a longo prazo, foram desastrosas. "Pouquíssimos desses capitais - escreveu Cameron10 - contribuíram, de forma significativa, para o desenvolvimento econômico ou para o bem -estar material". O exemplo mais célebre é o dos empréstimos levantados pelos russos. "A solicitude oficial da parte da França republicana em relação às finanças da Rússia czarista pode ser atribuída à procura persistente de um aliado contra a Alemanha"11. Desde antes da aliança, essa política era manifesta. Depois de 1890, "os ministros franceses, abandonando os raros escrúpulos que lhes restavam a respeito de uma intervenção no mercado de capitais, procuraram, por todos os meios à sua disposição, encorajar os investimentos franceses mediante empréstimos públicos e particulares na Rússia" 12. Mas o principal ato do governo consistia na escolha que ele podia fazer entre os diversos países do exterior para as "admissões à quota" de fundos destinados a Estados estrangeiros. 13 Foi visto atrás como se manifestou semelhante pol í tica. Isto nos dispensa de voltar ao assunto. O caso do México nos oferece uma série de exemplos relativos à ação dos governos sobre as estruturas antes tradicionais e depois em via de desenvolvimento econ ômico. Foi uma sociedade tradicional, fortemente estruturada por três séculos de domínio espanhol, que Benito Juarez, presidente do México desde 1858, tentou transformar. A vida econômica, ai estava fundado num complexo sistema de monopólios, de privilégios e de controles (para a produção como para o comércio). Como era preciso, em
relação a qualquer iniciativa, autorização dos funcionários, a prática mais corrente consistia em comprá-los. No campo, a única proteção de que os índios se beneficiavam era a do grande proprietário ou a da Igreja Católica. O México vivia economicamente dividido em fechadas regiões de mercados locais, sendo quase in existentes suas vias de comunicação. A política de Juarez e dos liberais consistiu em procurar "fazer do México uma nação única, reservando-se ao governo nacional a direção das forças armadas, a emissão da moeda e a organização do comércio 14 exterior" . Os monopólios, os privilégios, a escravidão, os trabalhos forçados, foram abolidos, assim como as alfândegas internas. Apesar de fortes resistências, as decisões nesse sentido, que evocam as da Assembléia Constituinte francesa, foram energicamente aplicadas por Juarez e seu ministro das Finanças, Matias Romero. Liberais, eles teriam querido estabelecer a liberdade internacional de comércio. Mas acontecia que a metade das rendas federais provinha das alfândegas, e existiam poderosos grupos protecionistas. Por outro lado, foram postos à venda os bens da Igreja. Em geral, porém, compraram-nos, a preço baixo, burgueses abastados, que desafiavam a excomunhão (de novo um traço comum com a França revolucionária). Finalmente, a estrada de ferro da Cidade do México a Vera Cruz foi concluída. Pela primeira vez, uma política sistemática do governo tentava revolucionar as estruturas. As resistências fizeram com que ela não chegasse até lá senão parcialmente.
O regime ditatorial de Porfírio Díaz, de 1876 a 1910, substituiu essa política de desígnios sociais por uma política sistemática de desenvolvimento econômico, cujas iniciativas ele entendia deixar ao empreendimento privado. Uma escolha decisiva foi f ei ta: encorajar, por todos os meios possíveis, o investimento de capitais estrangeiros no México. Para tanto, era necessário manter a ordem, o que constituiu a justificação da ditadura. Os principais investimentos feitos tiveram em vista as estradas de ferro. De 650 quilômetros, com o advento de Díaz, passaram a 24 000, no princípio do século XX. Outros investimentos permitiram fossem desenvolvidas as minas e 10
Op. cit., pág. 405, ver 1ª parte, cap. V. Ibid., págs. 4.23-424. 12 Ibid., pág. 434. CI. também Herbert Feis, Europe, the World', , Banker, New Haven, 1930, XXIV, 470 págs. Cameron utilizou um estudo detalhado de Mrs. Olga Crisp, da Universidade de Londres. 13 1ª parte, cap V. 14 Vemon, ob. cit., pág. 33. 11
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as culturas destinadas à exportação, assim como
certas indústrias de transformação. Mas, se a polí tica constante do ditador teve efeitos consideráveis no crescimento econômico do país, negligenciou amplamente os interesses da sociedade campesina e deixou que se desenvolvessem enormes propriedades. Em 1910, 80% das famílias rurais mexicanas não possuíam terras. De resto, numerosas grandes propriedades pertenciam a estrangeiros (1/7 da área cultivável do país). Uma tal política não
podia deixar de desencadear reações em profundidade. Díaz transformava, com certeza, a estrutura econômica do país. Essa transformação, porém, considerando os índios como seres inferiores, por via de uma espécie de darwinismo racista, acumulava descontentamentos. Estes se desenvolviam também entre os operários e a classe média das cidades, então em rápido crescimento. Viesse uma baixa duradoura dos preços no mercado mundial, como aconteceu de 1907 a 1910 em relação a numerosas matérias-primas, e o México estaria maduro para uma revolução. Esta eclodiu em 1910.
Do ano citado até 1940, o México da "Revolução" precisou, primeiramente, fazer face a um período de perturbações, e a autoridade do Estado federal só pôde ser restabelecida pouco a pouco. No conjunto, as revoltas tiveram um caráter agrário: terras invadidas, fazendas queimadas, comerciantes atacados nos campos. As autonomias locais reapareceram. Mas pode-se dizer que, apesar de sua confusão, a nova política traçou como objetivo reduzir a nada o poder daqueles que haviam sustentado Díaz: a Igreja, os grandes proprietários, os estrangeiros. Nacionalização do subsolo - donde um violento conflito com as companhias petrolíferas dos Estados Unidos - confisco de terras, expulsão de estrangeiros, restabelecimento da propriedade coletiva das aldeias, proteção ao trabalho, arbitramento do governo nos conflitos trabalhistas, tudo isso mostra muito bem que houve uma clara vontade de transformar as estruturas, dando ao "social" prioridade sobre o "econômico". A energia de presidentes como Carranza,Obregon e Calles permitiu lentamente o restabelecimento de um forte poder central, fundado sobre um partido dominante, senão único, o Partido Revolucionário Institucional (P.R.I.), que absorveu os funcionários, os sindicatos e agrupou numerosas personalidades. Quando Lázaro Cárdenas ficou presidente, em 1934, o governo estava de novo em condições de tomar decisões importantes para a reforma da economia mexicana. Foi ele, por exemplo, que pode meter ombros à reforma agrária, decidida em 1917. De 3000000 em 1910, a população das grandes fazendas tinha caído para 800 000 em 1940. Entretanto, apesar de suas simpatias marxistas, seus liames com os sindicatos, Cárdenas decidiu proteger os negócios industriais e comerciais, que queria ao mesmo tempo controlar, obrigando-os a aderir a vastos agrupamentos: CONCAMIM15 para os industriais, CONCANACO16 para os comerciantes. Em resumo, o período de transição, que se estendeu de 1910 a 1940, caracterizou-se principalmente pela introdução de um dirigismo de Estado e pela crescente consciência do papel que deve desempenhar o setor público no desenvolvimento econômico. Depois de dez anos de perturbações, o desenvolvimento foi lentamente retomado em 1930, sobretudo no setor industrial; muito mais ràpidamente depois
de 1935. A partir de 1940, a ação do governo sobre as estruturas econômicas tomou-se mais clara, mais consciente, mais visível. "Foi o ano - disse Vemon - em que apareceu o primeiro de uma sucessão de presidentes devotados à idéia de que o crescimento industrial de tipo moderno era indispensável para o México"17. Quanto ao mais, a guerra, aumentando a procura estrangeira, deu à economia mexicana um impulso conjuntural de importância con siderável. De 23 bilhões de pesos em 1939 (preços de 1950), o produto interno bruto deveria passar a 82 bilhões em 1960. Naturalmente, há interpretações contraditórias sobre a questão de saber quais foram os beneficiários deste acréscimo. Vernon mostrou que, ainda que enormes fortunas tivessem sido realizadas, uma parte crescente das massas viu melhorar seu nível de vida. Isso não significa que o México se tenha tomado um país "desenvolvido"'. Falta muito para isso. Mas, se se adotar a classificação de Rostow, é incontestável que Me atingiu o estágio da "decolagem". O que é importante, no exemplo do México, é que a ação do governo s obre as estruturas econômicas se operou
em direções estáveis durante longos períodos: a de Pofírio Díaz e a que se estendeu a partir de 1940 foram as mais características, principal mente a segunda, porque, beneficiando certas reformas mais ou menos socialistas do período revolucionário, ela teve a caracterizá-la a amplitude dos meios de ação de que o Estado dispunha. Uma elástica planificação apareceu depois de 1952, sob o controle imediato do presidente. "O estilo administrativo do governo mexicano adquiriu então novos acentos". Difícil dizer, uma vez mais, qual é, no desenvolvimento e nas 15
"Confederación de Cámaras Industriales". "Confederación de Cámaras Nacionales de Comercio". ( 621 ) Ob. eit., 17 Op. Cit, pág. 88. 16
pág. 88. 6
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mudanças de estrutura social, a parte do governo e a das forças profundas. Mas as grandes oscilações políticas que retraçamos sumariamente trazem nitidamente a lume a contribuição da vontade consciente dos líderes. As duas perspectivas que acabamos de apresentar, por mais esquemáticas que sejam, não nos dão a chave dos problemas, mas ajudam-nos a equacioná -los melhor. Primeiramente, uma e outra nos mostram que numerosos homens de Estado adotam como alvo a reforma das estruturas econômico-sociais de seus países. Mostram-nos também que às vezes eles puderam fazê-lo "contra a corrente", isto é, apesar da resoluta oposição de forças predominantes. Tal o sentido das reformas tentadas por ]uarez, ou, melhor ainda, do bem sucedido estabelecimento da quase liberdade de comércio internacional, tentado por Napoleão III. Mas esta fórmula é excepcional. Mais freqüentemente, os responsáveis utilizaram forças existentes para vencer outras forças. Assim, Porfírio Díaz favoreceu diversas formas de capitalismo mexicano e estrangeiro, a fim de implantar a ordem e a unidade no país. Os governos franceses posteriores a 1887 deixaram que a propaganda russa se manifestasse livremente, e isto perm itiu orientar os investimentos de grandes e de pequenos capitalistas para os empréstimos levantados pelos russos.
Mas semelhantes ações, sejam elas longas, contínuas, obstinadas, resultaram em mudanças de estrutura, em uma ação real sobre as forças profundas? Neste ponto, devemos com mais freqüência afirmar nossa ignorância do que concluir com certezas. Napoleão III estabeleceu a liberdade de comércio internacional. Mas sabemos realmente se suas decisões transformaram profundamente a profunda estrutura do país? Melhor ainda: será possí vel afirmar, como certos historiadores, que o encorajamento governamental sistemático aos empréstimos ao estrangeiro teria desviado os amealhadores e os capitalistas de investir seu dinheiro na França e, por conseguinte, retardado, de maneira eficaz e duradoura, o desenvolvimento econômico do país? A resposta, com cer teza, não será clara. Evidentemente que a França perdeu maciçamente o capital investido na Rússia e em outros países. Mas, como observou Cameron, "teria sido ele investido na França", se não houvesse sido atraí do, vol untariamente, para fora? O fato de que a França tenha tido um crescimento econômico demorado, depois de 1880, será devido a essas exportações de capitais ou a outras causas, como a mentalidade dos homens de negócio, a estrutura do mercado de capitais, a legislação fiscal? É-nos quase impossível responder a esta pergunta. Finalmente, subsiste o problema de saber em que medida os homens de Estado de um certo período não seriam, pura e simplesmente, senão a emanação das forças profundas. Houve, certamente, "dinastias burguesas", que monopolizavam para seus membros a política e os negócios. E faziam, portanto, com que a política do Estado se inspirasse freqüentemente nas necessidades da alta finança e do grande capital. Sustentar, como o fez Beau de Loménie18, que este liame tenha sido absoluto e quase contínuo nos parece sacrificar, em proveito de uma tese às vezes sedutora, infinitas divergências de ação. Com certeza, as reformas sociais generosas se chocaram muitas vezes contra a "parede do dinheiro". Viu-se bem isto na França, em 1924-1925, ou em 1936-1937. Mas o Estado, precisamente, agiu com freqüência em função de concepções muito mais vastas do que as dos meios de negócios: o "interesse nacional", como declarou Wilson, opôs-se muitas vezes aos interesses especiais . O Estado preservou freqüentemente o meio, não somente de resistir às pressões, mas ainda de agir em sentido contrário.
Enquanto não tivermos estudos mais aprofundados das políticas econômicas contínuas, compostas de múltiplas decisões convergentes sobre um período apreciável, e dos efeitos de tais políticas sobre as forças econômicas, permaneceremos na incerteza ou seremos levados a aceitar como axiomas o que, na verdade, continua do domínio dos postulados.
Falta-nos examinar um último aspecto da ação dos homens de Estado sobre as forças econômicas, o que
consiste em querer desencadear certos fenô menos econômicos para chegar a resultados concretos em matéria de
polí tica exterior. Pertencem a este domínio todas as espécies de categorias de ações deliberadas, tais como: represálias econômicas e guerras aduaneiras, reforço da paz pela liberdade de comércio internacional, compra de satisfações políticas mediante vantagens econômicas e, mais recentemente, idéia de chegar à federação pol í tica pela "integração" econôm ica. Ser-nos suficiente que ràpidamente evoquemos alguns desses pontos 19. A idéia do reforço da paz pela liberdade de comércio internacional, cara aos economistas liberais do século 18
Les Responsabilités des dynasties bourgeoises, Paris, 1943 -1963, " 4 vols. A ação dos governos é tratada com pormenores no capitulo W da P parte.
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XIX, evocada no terceiro ponto do presidente Wilson, constituiu um dos temas da política de Cordell Hull e acabou por encontrar uma espécie de consagração internacional teórica no estabelecimento do "General Agreement on Tariffs and Trade" (G.A.T.T.), depois da se gunda guerra mundial. Enquanto autores como Friedrich List20 rejeitam a hipótese "cosmopolita" e afirmam que a nação é o âmbito natural do desenvolvimento econômico, os liberais procuram eliminar as barreiras entre grupos humanos. Um de seus argumentos, e freqüentemente citado, é o de que a liberdade de comércio, internacional fruto de uma decisão política - suprime uma das causas essenciais das guerras: a rivalidade Econômica21. Cordell Hull repisou sem cessar esse problema. Intitulou um capitulo de suas memórias de "War and Trade"22, em que recorda que, a 8 de junho de 1916, na Câmara dos Representantes, ele sugeriu fosse criado, após a guerra, um "congresso internacional permanente do comércio", destinado a "promover honestas e amistosas relações comerciais entre todas as nações do mundo". Isso se tomou, disse ele, "uma grande parte de minha filosofia sobre a paz". Vindo a ser secretário de Estado, suas idéias foram confirmadas. Mas Roosevelt era muito menos entusiasta e Hull não Pôde fazer com que sua política em geral fosse adotada. Como escreveu Raymond Aron: "Segundo os mercantilistas, o comércio é guerra; segundo os liberais, é paz, com a única condição de ser livre. Segundo os economistas nacionais, êle será pacífico, quando todos os países estiverem 23 desenvolvidos; segundo os marxistas, é guerra sob o capitalismo e será paz com o socialismo" . A ajuda econômica, fruto de decisões deliberadas do homem de Estado, é talvez um meio de agir sobre a infra-estrutura, como o mostrou o "Plano Marshall", de 1947. A extensão da ajuda econômica aos países ditos subdesenvolvidos revela ambições ainda mais vastas. Como, nas relações internacionais, a caridade pura desempenha um papel dos mais insignificantes, é preciso ver aí intenções, sobretudo políticas. Mas tais intenções repousam sobre postulados econômicos que, até aqui, não foram verificados. Do lado ocidental, espera-se favorecer, pela ajuda, os começos de um desenvolvimento econômico que eliminará as chances de perturbações e de revolução. Há um esforço, portanto, no sentido de elevar o nível de vida de agrupamentos numerosos. Do lado soviético, a ajuda, que consiste quase sempre em financiar a construção de indústrias pesadas, tem talvez por objetivo favorecer a criação e a fixação de um proletariado industrial nascente. Na verdade, aqui tocamos no coração, mesmo, do problema. Porque, se ficar demonstrado, nos próximos anos, que a ajuda econômica contribui realmente para uma elevação substancial dos níveis de vida, estaria feita a prova de que a ação dos Estados pode ser eficaz sobre as infra-estruturas. O fato de que ela tenha sido bem sucedida na Europa, ao contrário, nada prova, porque lá se pode dizer que as estruturas do desenvolvimento pré-existiam e que a ajuda desempenhou, portanto, o simples papel de reanimadora de economias esgotadas pela guerra. Com a integração econômica, achamo-nos em face de uma experiência ainda mais significativa. No passado, houve diversos exemplos de uniões aduaneiras, de que se falou atrás24. Mas o conceito de "integração econôm ica" vai singularmente mais longe. Não se trata mais de alfândegas comuns e de "zona de comércio internacional livre", mas de uma fusão total das economias, implicando a total mobilidade das mercadorias, dos capitais, das alfândegas, um mesmo sistema bancário, uma segurança social de nível igual e, finalmente, a mesma moeda. No que toca ao nosso assunto, o interesse de semelhante política, inaugurada em maio de 1950 pelo plano Schuman e desenvolvida com o tratado de Roma de 1957, que criou o Mercado Comum, reside em que seus promotores quiseram exercer sobre as forças econômicas e sobre as instituições polí ticas um influxo complexo. Pela decisão de seis governos (vagamente aprovados pela opinião, mas expostos a fortes pressões contrárias), foi posto em prática um mecanismo que devia transformar, dentro de doze a até quatorze anos, as estruturas profundas dos países membros, e assimilá-las num conjunto único. Mas o objetivo de seus promotores (Jean Monnet) foi o de tornar possível, assim, uma unificação política da Europa. Mesmo que certos
adeptos da integração econômica não estivessem de acordo com uma futura integração política (general de Gaulle), o problema a resolver é se o processo não era irresistível. Tem-se, portanto, o seguinte esquema: Ação dos homens de Estado (superestrutura), resultando numa transformação da realidade econômica (infra20
Systeme national d'Économie politique, 1841, cf. 1ª. parte, cap. III. Cf. William R. Allen "Cordell Hull and the Defense of the Trade Agreements Program, 1934-1940", em A. De Conde, lsolation and Security, Durham, 1957, págs. 107 -132. 22 T. I cap 8 cf tb L. Robbins, The Economic Causes of War , Londres, 1939. 23 Paix et guerre entre les Nations, ob. cit., págs. 256 -257. 21
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1ª. Parte, cap. III.
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estrutura), a qual em principio deveria impor uma transformação das instituições (superestrutura).
Uma vez mais, porém, nos encontramos no próprio coração da experiência, e não podemos ainda saber se a realidade histórica obedecerá àquele esquema. 2. A ação sobre as f orças psicológicas coletivas Abordamos, aqui, um terreno um pouco menos mal conhecido. As ações de um Estado para transformar ou corrigir a opinião pública passageira não se contam mais. Em uma democracia parlamentar ou presidencial, existe uma espécie de movimento de balança entre o governo, que procura tornar a opinião favorável a si, e a vontade popular, que, em última instância, escolhe um presidente, elege representantes. O jogo é complexo, porque o governo deve procurar, ao mesmo tempo, agradar à opinião e dobrá-la. São estas tentativas no sentido de dobrá-la que devemos examinar aqui. Mas nossa tarefa não se limita ao estudo das ações sobre a opinião flutuante. Devemos também examinar em que medida os responsáveis podem agir sobre tendências profundas, duradouras, maciças, como certas grandes ideologias. O exemplo do nacionalismo seria, talvez, o menos difícil de ser atacado. Por fim, é fora de dúvida que todo governo procura exercer uma ação sobre as atitudes coletivas dos países estrangeiros, em tempo de paz e, principalmente, em tempo de guerra.
O vocabulário que designa tais ações não é de uma precisão absoluta. Quando um governo entende dar uma justa versão dos fatos, chama a esta iniciativa "informação". Mas poucos são os casos em que ele dá informações, sem ter desígnios ocultos. Sua informação, portanto, tem sérias chances de ser "orientada". Não se trata mais de "informação", mas de "propaganda". Hitler não hesitou em chamar ao departamento confiado a Goebbels "Mi nistério da Propaganda"25. Deve-se admitir que os regimes totalitários, que controlam a imprensa, o rádio, a televisão, as editoras, as reuniões públicas, as associações, dispõem de meios de propaganda infinitamente mais poderosos que os regimes democráticos. Estes, contudo, têm, com freqüência, um ministério, cuja designação Ministério da Informação - apenas mascara os desígnios reais, também consistentes em fazer propaganda. Entre a "propaganda" e a "guerra psicológica", as fronteiras nem sempre são precisas. Sob o regime de HitIer, o coronel Blau escreveu, só para uso do alto comando, um trabalho fundado sobre a, psicologia, a psicanálise e a sociologia: Propaganda ais Waffe (1935). Durante a guerra, Blau foi encarregado das operações de guerra psicológica da Wehrmacht, dispondo para esse fim de uma numerosa equipe e de consideráveis meios financeiros. Qual a diferença, segundo os principais autores, entre "propaganda" e "guerra psicológica"? Ambas podem desenrolar-se, tanto em tempo de paz como em tempo de guerra. Ambas seguem teoricamente as mesmas técnicas: reforçar o "moral" do país, dar ao estrangeiro uma idéia favorável a seu respeito, mostrar-lhe que a nação é resoluta e que sua causa é boa, desencorajar o adversário. A diferença essencial se percebe nos objetivos procurados. A simples propaganda não busca senão dar ao país que a põe em prática uma boa reputação, uma boa posição moral, até mesmo, tratando-se de propaganda interna, uma boa coesão (melhorando as relações entre opinião e governo). A "guerra psicológica" é um aspecto da guerra e, mesmo, da guerra total. A gente a utiliza, haja ou não hostilidades, quando se propõe como alvo a destruição de um país, de um regime, de uma ideologia. Antes de tudo, ela é um "substituto da violência": consistindo a vitória em fazer ceder a vontade do adversário, se se puder chegar a este resultado sem utilizar meios cruentos, realiza-se uma economia; "a guerra é psicológica no sentido de que o avanço dos exércitos não representa senão um meio de negociação; por isso as guerras dinásticas, na procura de seus objetivos, apelaram, já, para a opinião e foram reguladas segundo a conveniência psicológica"26. Ela é, em seguida, um "multiplicador da violência", quando se trata de desenvolver o espírito de luta a todo o transe, a mobilização total das energias da nação. Por fim, ela pode assumir, segundo Mégret, a forma de um estado end êmico, de uma "luta generalizada dos espíritos". A "guerra fria", posterior a 1945, constituiu, com uma amplitude até então desconhecida, uma das manifestações desse fenômeno . A partir do momento em que, insensivelmente, a "guerra psicológica" se substituir à propaganda, ver-se-á desenvolver-se uma espécie de perversão dos meios que somente a "razão de Estado" ou o "totalitarismo" poderá pretender justificar. Torna-se precisa, para a guerra psico1ógica total, uma adesão sem reservas ao princípio segundo o qual "o fim justifica os meios". Vê-se então aparecer toda uma série de ações de objetivo psicológico. Muito felizes seriam os indivíduos, se a gente se limitasse às mais infames mentiras. A técnica vai mais longe que isso. Por exemplo, procura instaurar o terror, pelo atentado, pelo massacre de 25 26
Cf. Derrick Sington e Arthur Weldenfeld, The Goebbles Experiment, a study of the nazi propaganda machine. Maurice Mégtet, La Guerre psychologlque, Paris, "Que sais - je", n.o 713, 1956, pág. 8. 9
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c u l p a d o s e a t é d e i n o c e n t e s ( b o m b a r d e i o d a s p o p u l a ç õ e s c i v i s , d e s t r u i ç ã o d e a l d e i a s , a s s a s s ín i o s , to r t u r a ) . E l a v a i tam bé m até ao po nto de violentar as con sciências pela 1av age m do cérebro ", cham ada por eufem ism o de " r e e d u c a ç ã o d o v e n c i d o " . E m r e s u m o , li g u e r r a p s i c o l ó g i c a t o t a l é u m a v i o l a ç ã o c o n s t a n t e e s is t e m á t i c a d a
dignidade humana. Não surpreende, pois, que os termos "guerra psicológica" e mesmo "propaganda", independentemente ao sentido técnico que possuem, tenham tomado uma côr emocional desfavorável e que a opinião pública dos diversos países os impugne.
Todavia, é preciso que os homens de Estado procurem agir sobre as forças profundas da psicologia coletiva. Alguns exemplos nos permitirão conhecer melhor as formas e o alcance de semelhante ação. Escolhemos de caso pensado tais exemplos, no período em que os meios de difusão maciça das idéias - o que os sociólogos americanos chamam de "mass media" - não tinham ainda tomado o desenvolvimento gigantesco que conhecem hoje27. Parecenos útil distinguir entre o tempo de paz e o tempo de guerra, e, dentro desses dois tipos, entre a ação do governo sobre seu próprio país e a sobre as populações estrangeiras, amigas ou inimigas. Em tempo de paz, constantemente acontece que o governo tenta pesar sobre a opinião pública, a curto ou a longo prazo.
O principal meio de ação do governo internamente, se nos colocarmos antes da fase da grande divulgação pelo rádio, é a campanha da imprensa . Em casos muito mais raros (perí odo eleitoral, por exemplo), a organização de comícios através do país vem completar esta técnica. Naturalmente, em um país ditatorial, onde a imprensa é controlada, o governo dispõe disso. Mas uma grande parte do público não o ignora, e seu ceticismo, em conseqüência, é acrescido, do mesmo modo que é acrescida sua atração para o lado das fontes estrangeiras, que o governo não controla. Os franceses preferiram enormemente a B.B.C. ao rádio alemão ou ao de Vichy, durante a "ocupação, e se mostraram ávidos de ler a imprensa clandestina28. Nos países em que a imprensa é livre, o governo procura, ou convencer os diretores de jornais, ou, mediante a utilização de fundos secretos, subvencioná-los. Foi assim que Le Temps passou a refletir as opiniões do Qual D Orsay, o qual subvencionava, também, o Petit Parlsien. 29 Bernard Voyenne distingue três meios de ação de imprensa: a impregnação lenta , ou repetição prolongada e monopolizada de estímulos que caminham em direções idênticas"; o "efeito de prestígio", quando a imprensa apela para as mais diversas autoridades, a fim de fazer decidir em seu favor, no momento crucial, os leitores hesitantes. Assim, quando Wilson chegou a Paris, em dezembro de 1918, L'Humanite de 14 de dezembro, a fim de poder aumentar a sua popularidade nos meios esquerdistas, publicou um número especial, para o qual contribuíram,
além dos lideres do partido, escritores conhecidos (Anatole France ), sábios (o historiador Maxime Leroy, o sociólogo Lévy-Bruhl, o economista Charles Gide), altas personalidades (tal como Ferdinand Buisson, presidente da "Liga dos Direitos do Homem"). Finalmente, a imprensa agiu pela orientação do conteúdo , isto é, pelo lugar respectivo que é atribuí o às diversas notícias. "Saiba, senhor - dizia Arthur Meyer, diretor do Gaulois - que existe um modo legitimista de contar a mais insignificante história de cães atropelados! " O governo pode utilizar a impregnação lenta, "se dispõe de jornais". Ele está inteiramente em condições de manipular o "efeito de prestígio", porque as declarações importantes de um homem de Estado são geralmente reproduzidas na imprensa.
Mas, num país livre, esses meios são limitados, porque, mesmo quando controla alguns órgãos, o governo carece de instrumento de ação sobre os órgãos oposicionistas. Por isso, nas grandes circunstâncias, pode ele procurar agir diretamente sobre a opinião, mediante uma campanha de reuniões e de discursos. Um dos mais célebres exemplos neste sentido foi a grande viagem que Wilson decidiu empreender a numerosos Estados da União Americana, de 3 a 29 de setembro de 1919, a fim de obter uma sustentação popular maciça para o Tratado de Versailles e para a Liga das Nações. A referida viagem foi descrita, magistralmente, por Thomas 30 Bailey . Interessante, contudo, é trazer a lume um certo número de pontos. Primeiramente, Wilson escolheu para sua viagem as zonas "decisivas". Renunciou à Nova-Inglaterra, republicana em excesso e, inversamente, 27
Ver Bemard Voyenne, La Presse dans la société contemporaine. Paris, 1962, notadamente as págs. 275-279, "Chronologie des techniques de diffusion", e as estatisticas da UNESCO, que êle reproduz, sobre a distribuição dos jornais, dos receptores de rádio, de televisão. 28 Ver a este respeito numerosas informações nos trabalhos do II Congresso Internacional de História da Resistência (no prelo). 29 Op. Cit., pág. 187 e segs. 30 Wilson and the Peacemakers, Nova Iorque, 1947, 2 vols. 10
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a o S u l , c u j o s s e n a d o r e s e r a m t o d o s c o r r e l ig i o n á r i o s s e u s . A v i a g e m , p o r t a n t o , s e r i a f e i ta n o M i d d l e W e s t e n o F a r W e s t , o n d e a s o p i n i õ e s e s ta v a m d i v i d i d a s . M a s , d i a n t e d o t ri u n f o n o t á v e l p o r e l e o b t i d o n a C a lifórnia, um
de cujos senadores era seu adversário, Hiram Johnson, o presidente projetou ir também ao Massachusetts, Estado de Henry Cabot Lodge, republicano, presidente da comissão senatorial dos Negócios Exteriores, principal inimigo do tratado. Só a doença o impediu de realizar esse plano. A dificuldade inerente a semelhante prática reside em que assim não se atinge senão uma parte da população. Em Columbus ( Ohio ) , cidade de 300.000 habitantes, Wilson falou na presença de 4000 pessoas. O "redemoinho" ocasionado por sua vinda não sacudiu, portanto, todos os alicerces do país. Notou-se que, com a extensão do rádio e da televisão, ele teria podido atingir vinte vêzes mais auditores, sem fadiga e sem riscos. Entretanto, em nossos dias, não está excluí do o contacto direto. Ao método do senhor Mendes-France - uma palestra semanal pelo rádio - opõe-se o do general de Gaulle: viagens através do interior.
Mas, tanto para Wilson como para os outros, o método de viagens apresenta mais um inconveniente. Suscita a imediata reação dos oposicionistas. Por toda cidade pela qual Wilson tinha passado os adversários "irreconciliáveis" do tratado, Mc Cormick, Borah, Johnson, passavam por sua vez, procurando reduzir a nada a influência que aquele pudesse ter adquirido. Deve-se admitir, pois, que os esforços de um governo para criar atitudes da opinião, notadamente em matéria de política exterior, são com freqüência impotentes, ou, em qualquer hipótese, limitadas. Aliás, dispomos de bons estudos mostrando-nos que, em tempo de paz, a opinião pública é indiferente à política exterior e, por conseguinte, pouco receptiva à propaganda. "Consultado sobre os problemas urgentes, sobre a tarefa que, em primeiro lugar, se impõe ao governo, o público evoca, antes de mais nada, as questões internas, entre elas aquilo que está em relação com as condições da existência material: salários, preços, nível de vida em geral, alojamento ou emprego". Só os acontecimentos "em que os indivíduos estejam de algum modo implicados diretamente (guerra da Argélia, por exemplo) são capazes de apagar por instantes a consciência das preocupações pessoais ou de família, imediatas. O cuidado com a paz, as inquietações de ordem geral quanto ao equilíbrio das potências entre si" a política internacional, os siste mas de aliança... não se apresentam ao espírito público senão depois, e como que no segundo plano de sua 31 consciência" . Isso parece verdade em numerosos países. Em todo caso o é nos de elevado nível de vida. Nos Estados Unidos, 53% das pessoas interrogadas colocaram em primeiro plano as questões de ordem interna. E 32 somente 1m, os problemas internacionais . Se lhes é difícil agir a curto prazo, os governos se beneficiam daquela indiferença, que lhes dá uma grande latitude de ação. Já o notava Guizot, O carta a Lord Aberdeen, datada de 16 de setembro de 1849: "Tenha por certo que a política exterior não preocupa, absolutamente, a França, nem será causa, aí, de nenhum grande acontecimento. Os governos podem fazer o que lhes aprouver: se se tratar de loucuras, não serão sustentados. nis so, absolutamente; se se tratar apenas de besteiras, serão vaiados sem cólera e sem que, em conseqüência, venham a ser derrubados; isto se, em resumo, eles se revelarem bons para alguma coisa, no plano dos negócios internos do pais, os únicos levados a sério"33 . No fundo, é bastante, na maioria dos casos, que os governos se contentem com o fato de contrabalançarem, por sua própria ação, as f orças hostis dos grupos contrários. Mais importante parece ser sua tarefa de "educação". Poderá um governo, a longo prazo, modelar os espíritos, avivar o patriotismo, em certos casos exacerbá-la? Os governos totalitários podem realizar sistemàticamente um esforço assim, porque só eles podem impor manuais escolares, enquadrar a juventude de modo a atenuar a influência das famílias, controlar a imprensa, as publicações. Os próprios governos democráticos agem sobre os programas e os manuais escolares. Mas os resultados são proporcionais ao esforço ?
Em vinte anos, Mussolini não conseguiu, com certeza, convencer Os italianos de que a guerra era um nobre e magnífico empreendimento. O próprio Hitler, se se aproveitou da irritação alemã depois do tratado de Versalhes, não tomou "belicosa" senão uma fração do pais. Todos os testemunhos estão de acordo em afirmar que, em setembro de 1939, os alemães mobilizados tinham resignação, mas não entusiasmo, Os ardores patrióticos que Paris e Berlim conheceram em 1914 não podiam ser reanimados só pela propaganda.
Tem -se antes a impressão de que as grandes evoluções do sentimento nacional, seu nascimento, sua 31 32
Sondages, 1958, n.o 1 e 2. N.o especial sôbre "a poIltlca exterior da França e a opinião pública, 1954 -1957", pág. 10. Jérôme S. Bruner, Ce que pense l'Amérique, Paris, 1945, pág.22, cf. também Lester Markel, 00., Public Op/.nlon and Foreign Policy, 1949. 33 ) Sondages, 1958, n.o 1 e 2. N.o especial sobre "a poIltlca exterior da França e a opinião pública, 1954 -1957", pág. 10. 11
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e x a s p e r a ç ã o n a c i o n a l i s t a , s e u declínio em
favor do internacionalismo ou do supranacionalismo, são fenômenos estruturais profundos, que os Estados conhecem, um após outro, mas sobre os quais os governos não exercem se não uma limitada influência. Quando muito, em per íodo de ardente nacionalismo, eles podem "derivar" para o exterior as paixões das massas ávidas de reformas sociais, Assim, o Egito de Nasser utilizou a vontade de revanche contra Israel, vitoriosa em 1948, como uma poderosa alavanca para sua ação política interna. Em período de calma, a "política de grandeza" não faz senão esquecer as reivindicações concretas. Polignac não conseguiu eliminar a agitação interna pela conquista de Argel. A grande política exterior de Venizelos, em 1919-1920, não o impediu, de modo algum, de ser vencido nas eleições de novembro de 1920. Mas, no conjunto, carecemos de bons estudos sobre este tipo de fenômenos.
A ação de homens de Estado sobre populações estrangeiras é ainda mais difícil de apreender. Sabe-se, com efeito, que governos estrangeiros pagam jornalistas ou subvencionam jornais. Mas as precauções mais extremas são tomadas, a fim de dissimular tais práticas. Só os acasos no -las revelam. Por exemplo, os bolcheviques, depois da revolução de outubro, publicaram cartas emanadas principalmente de Arthur Raffalovitch, consultor secreto do ministério da Fazenda russa em Paris, entre 1897 e 1917. Tais cartas, publicadas por L'Humanité e reunidas em coletânea, L'abominable venalité de Ia presse34 , são relativas ao pagamento, feito pela embaixada czarista em Paris, de publicidade em um grande número de jornais. Semelhante publicidade, enormemente remunerada, tem parentesco com a outorga de subvenções. Por sinal Raffalovitch não usou de meias palavras. "Como é impossível comprar todo o mundo, será preciso fazer uma seleção, fisgar Le Temps, L'1i;cho de Paris, Le Joumal, Le Petit Parisien, quatro ou cinco jornais do interior"35. Por 50000 francos, "prometem-nos um sério concurso, durante seis meses, na secção financeira do Petit Journal, do Figaro, do Matin, do Français, etc. Não se trata de neutralidade, mas de um serviço sério, consistindo em dar para trás e em esclarecer o público"36. A tarefa se resumiu em elucidar o público, gabando aos seus olhos os méritos dos empréstimos levantados pelos russos. Mas, como escreveu Kokovtzev a Poincaré, em 17-30 de outubro de 191237: "Trata-se da imprensa parisiense, cujas tendências têm uma grande importância, não tanto do ponto de vista dos interesses financeiros de nossos dois países, mas em relação aos seus interesses políticos". Seria útil que um estudo científico dessa polí tica, tivesse podido ser feito, com os trabalhos publicados exibindo, evidentemente, um caráter polêmico.
Um estudo sistemático - o único que repousa, ao que sabemos, numa extensa devassa de arquivos - é o de Dimitri Kitzikis, sobre a propaganda grega em 1919 -1920 (642). Foi estudando os documentos da embaixada da Grécia em Londres que Kitzikis pôde reconstituir o conjunto da ação, em verdade vigorosa, exercida pelos gregos junto aos grandes aliados, na Suíça, no Oriente britânico, assim como sobre grupos específicos: meios cristãos e judaicos, meios universitários, socialistas. Tratava-se de apoiar, nos mais amplos setores da opinião estrangeira, as reivindicações gregas sobre o Epiro do norte, a Trácia, o oeste da Ásia Menor. o Ponto, Rodes e
o Dodecaneso, Chipre, Imbros e Tênedos. Esta propaganda era tanto mais necessária quanto a Grécia tinha intervindo serodiamente ao lado da Aliança e quando o ex-rei Constantino, germanófiIo convencido, havia feito com que os aliados duvidassem dos sentimentos dos gr egos. Estes encarregaram um dos ministros, André Michalacopoulos, de pôr no lugar devido a organização de sua propaganda. O centro dela foi estabelecido em Londres, e um antigo jornalista, D. CaeIamos, nos mostra, pormenorizadamente, como foi organizada, até às minúcias, a publicação e a distribuição de inúmeras brochuras e de livros, mapas e estatísticas, como a imprensa foi sistematicamente "assediada". Por iniciativas pessoais, os grandes jornais - Times, Manchester Guardian, Morning Pos t, etc. - se viram levados a publicar, aqui e ali, artigos favoráveis às teses gregas. Mas outros jornais, menos importantes, receberam dinheiro. O governo grego fundou mesmo uma revista sua, a Balkan Remew, e publicou na França os Etudes francogrecques. Jornalistas houve que foram pessoalmente conquistados pelo método das subvenções. Temos, sobre todos esses pontos, um luxo de pormenores que nos revelam a amplitude da ação helênica e o caráter muito extremado de sua organização. Os personagens influentes, e, notadamente, Sir Basil Zaharoff, de origem grega, riquíssimo produtor de armamentos, foram os agentes ativos de uma pressão constante junto dos homens 34 Paris, Livraria do TrabaJho, 1931, XXXII, 450 págs 35 ) Op. cit., pág. 5 (Raffalovitch a de Witte, 13 de outubro 36 37
Ibid., pág. 7 (26 de outubro de 1901).
de 1901.
Ibid, pág. 332.
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políticos que sua alta situação permitia encontrar e influenciar. "Venizelos e sua equipe, que estavam atentos a todos os desenvolvimentos dos métodos de ação internacional, compreenderam muito bem a importância da propaganda". Houve, acrescentou Kitzikis, um certo desperdício, porque "se tratava de uma ação nova, jamais tentada, no passado, em tal escala". A ação grega foi demasiado curta para ser inteiramente eficiente. Mas Venizelos, "recebendo grandes satisfações da Conferência da Paz, não pôde senão felicitar-se por haver 38 despendido tanto dinheiro e tantas energias nesse setor" . Em tempo de guerra, a propaganda, erigida em "guerra psicológica", toma necessàriamente uma amplitude toda diferente, porque os meios financeiros são empregados com mais liberalidade e a parada é de maior importância. Procura-se, sistematicamente, sustentar o moral do país, exaltando as vitórias, minimizando as derrotas, dando "razões de esperar". Tenta-se destruir o moral dos soldados inimigos e dos civis. Assim, os 39 japoneses tentaram, durante a guerra, dar aos soldados americanos do Pacífico a "saudade da pátria" . A ação sobre o moral da "retaguarda" é igualmente uma das preocupações essenciais dos dirigentes. Sabe-se que, nas teorias do general de aviação italiano Douhet, o bombardeio das cidades era considerado como um meio essencial de fazer ceder a vontade do inimigo. Nem a experiência da: batalha da Inglaterra, nem a dos bombardeios aliados sobre a Alemanha, pareciam, aliás, concludentes: o moral das populações resistiu, num e noutro caso. Mas não haverá meios mais sutis e mais eficazes? Conhecemos ainda muito mal a organização da propaganda em tempo de guerra. Tomemos, entretanto, um exemplo; a respeito do qual existem algumas informações: o da propaganda britânica em fins da primeira guerra
mundial. Até 1916, ela dependeu de um organismo secreto, o Escrih1rio de Propaganda de Guerra, ou "Wellington House", dirigida por Charles Mastennan. Depois, em seguida a diversas outras experiências, em fevereiro de 1918, foi criado um ministério da Info rm ação, com a nomeação de Lord Northcliffe para Diretor da Propaganda nos países inimigos. A propaganda interna e entre os aliados dependia do National War Aims Committee" 40. Acontece, por sorte, que conhecemos relativamente bem um dos' aspectos da referida propaganda, a que foi feita nos Estados Unidos. Possuímos, efetivamente, um relato feito pelo principal responsável, Sir Arthur Willert41. Este era chefe, havia muito tempo, do serviço de imprensa do Foreign Offíce. Tomou -se correspondente do Times em Washington, durante a guerra, depois secretário da British War Mission e representante, nos Estados Unidos, do ministério da Info rm ação, sem deixar de ser correspondente do Times. Willert nos mostra, antes de mais nada, até que ponto era indispensável uma propaganda britânica nos Estados Unidos. Apesar da língua comum e de poderosos apoios, muitos americanos eram antibritânicos, notadamente os isolacionistas. Os preconceitos perm aneciam numerosos e os motivos de querela, durante o período de 1914-1917, e mesmo no outono de 1918, nem mais se contavam42. O homem que, mais ainda do que Willert, desempenhou o papel essencial foi Sir William Wiseman, o qual, chegando aos Estados Unidos em fins de 1915 e contando então 30 anos de idade, se viu nomeado oficial de ligação entre Wilson, o coronel House e o gabinete de guerra britânico. Os Intimate Papers do coronel House mencionam-lhe o nome constantemente. Wiseman ocupava-se fundamentalmente da contra-espionagem. Willert de algum modo foi seu adjunto, no campo da propaganda. Era, ao contrário, severo em relação à ação do embaixador Sir Cecil Spring Rice, que mal sabia ocultar a irritação constante que os americanos suscitaram n ele. Foi em seguida à missão Balfour nos Estados Unidos, na primavera de 1917, que se criou em Nova Iorque um escritório britânico de publicidade governamental, Até então, Wellington House, na qual um romancista canadense, Sir Gilbert Parker, dirigia a secção americana, tinha tido uma atividade limitada: envio de con ferências, de filmes, de livros e de brochuras. Urgia portanto, a organização de um centro ativo. Wiseman e WilIert elaboraram-lhe os planos. Um jovem diplomado de Cambridge, Geoffroy Butler, assumiu a direção do esc rit ório de Nova Iorque. Sua primeira tarefa consistiu em coordenar o que já se vinha fazendo e em dar 38
Ob. cit., págs. 482 -484. Cf. Paul Linebarger, Psychological Warface, Washington, 2a. ed, 1954, XVIII, 318 págs. 40 Mégret, La Guerre psychologique, ob. cit.; J. Driencourt, La Propagande, nouvelle force politique, Paris, 1950; Harrold D. Lasswell, Pro paganda Technique. in the World War, Nova Iorque, 1927; E. H. Carr, Propaganda in Intemational Politics, Oxford, 1939. 41 The Road to Safety. A study in Anglo- Amerlcan Relations, Londres, 1952. 42 Ver, todavia, em Suzanne T assier, La Belgique et l'entrée en guerre des Etats-Unis, Bruxelas, 1951, 173 págs., um bom estudo sobre o preconceito desfavorável à Alemanha, criado pela violação da neutralidade belga. 39
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Relações Internacionais Tereza Cristina N França Teoria das Relações Internacionais 1
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i n s t r u ç õ e s p r e c i s a s a o s j o r n a l i s ta s e a o s c o n f e r e n c i s t a s , q u e , p o r u m a r a z ã o o u o u t r a , i a m p a r a o s E s t a d o s U n i d o s . U m a d a s p r e o c u p a ç õ e s e s s e n c i a i s fo i a d e p e n e t r a r n o s m e i o s c a t ó l i c o s , q u e , q u a s e s e m p r e d e o r ig e m irlandesa, eram em geral violentamente hostis aos britânicos.
Em junho de 1917, Northscliff viu-se nomeado chefe da missão de guerra britânica. Isto representou um imenso progresso. O editor do Times, do Daily Mail, era um jornalista de imensa competência e grande habilidade. Willert, correspondente de um de seus jornais, não teve dificuldades em entender-se com êle. Uma das vantagens de Northcliff era que, diversamente de Spring Rice - que o detestava - "ele compreendeu os americanos; êstes gostaram dele e confiaram nele"43. Por exemplo, o grande diretor de jornais WilJiam Randolph Hearst, considerado como pró-alemão, anuiu a confiar-lhe, relativamente a um número, a página dos editoriais do New-York American. Ele se empenhou com bom êxito em fazer conhecida a parte importante que os britânicos tinham na guerra, parte que a missão francesa de Tardieu minimizava voluntàriamente44 Ainda que a missão de Northcliffe se haja estendido muito além da propaganda, sua formação e seu temperamento pessoal fizeram com que ele atribuísse a isso uma excepcional importância. Willert nos dá a respeito muitos pormenores saborosos. Não insistiremos nas técnicas empregadas. Elas revelam o caráter maciço que então assumiu a propaganda britânica nos Estados Unidos. A ação dos homens de Estado sobre as forças profundas é constante. Ela tanto se aplica a modificar ou a tentar modificar as correntes da economia quanto a transformar, passageira ou duradouramente, as tendências psicológicas das populações. Mas o problema essencial permanece inteiro. Em que medida' é eficaz semelhante ação? Poderá ela o ser duradouramente? A: raridade dos estudos históricos que abordam especificamente este assunto nos conduz, uma vez mais, a confessar nossa incerteza.
Um ponto, todavia, parece pacifico: a crescente tomada de consciência, por parte dos homens de Estado, da importância das forças coletivas, quer elas sejam econômicas, quer psicológicas. Ao passo que os dirigentes das mo narquias absolutas do Antigo Regime podiam ignorar ou desdenhar a opinião pública e se preocupavam pouquí ssimo com o que hoje chamamos de "estruturas" econômicas, os homens de Estado modernos, mesmo em se achando à testa de regimes ditatoriais, põem nisso tudo um constante cuidado. . A "tomada de consciência" das massas, em relação com os progressos da democracia - ocidental ou socialista - o aumento inexorável das responsabilidades econômicas do Estado, os desenvolvimentos da economia política e da sociologia, levam os Estados a se preocupar cada vez mais com as "estruturas" e, por conseguinte, a tentar conhecê -las melhor. Vê-se aumentar, doravante, o número dos organismos governamentais, privados ao serviço do governo, ou universitários, que analisam o atual estado das forças profundas e se esforçam por tirar daí predições para o futuro. Os métodos melhoram e dão às vezes resultados apreciáveis, pelo menos para economia e para demografia. Esta nova atitude dos Estados chega igualmente a multiplicar o número e a. variedade dos agentes, dos "operadores", que têm por tarefa agir sobre as forças. Ao passo que aumentou o número dos diplomatas tradicionais, mas sem exagero, viu-se o aparecimento de novos corpos: operadores de guerra psicológica45, estatísticos, auxiliares técnicos, etc. Assim, não somente as forças profundas, que sempre desempenharam um papel essencial, continuam marcando a evolução histórica, como os homens de Estado, doravante, sabem que elas existem e procuram utilizá-las. Com que incertezas, com que desajeitamentos... Vemo-lo a toda hora. Semelhante transformação intelectual repercute na pesquisa. e na administração. Mas será que reduz à sua mais simples expressão o papel próprio dos homens de Estado? Ao contrário, pode-se sustentar que, dispondo doravante de alguns meios de ação sobre forças até então não controladas, podem aqueles em certos casos, multiplicar seu poderio efetivo.
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Willert, ob. cit., pág. 100. Spring -Rice foi substituido por Reading, em fevereiro de 1918. Ibid., pág. 112. 45 Sobre o contraste entre esses operadores e os diplomatas, ver o. interessante artigo de Hans Speier, "Elite vs. masses", World 44
Politics. 1950. 14
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