340045074-ERIKSEN-Thomas-Hylland-NIELSEN-Finn-Sivert-Historia-da-Antropologia-Petropolis-Editora-Vozes-2007-pdf.pdf

May 10, 2017 | Author: Cleiton Liob | Category: N/A
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ANTROPOLOGIA A literatura acadêmica voltada à história da antropologia expande-se a cada dia, e este livro não quer competir com ela. N o entanto, não conhecemos nenhum texto publicado que tenha o mesmo propósito que este. Enquanto a literatura acadêmica é quase sempre especializada e as obras existentes sobre história da antropologia ou são de caráter mais teórico ou estão vinculadas a uma ou a várias tradições pro­ fissionais, nesta obra oferecemos uma visão objetiva dos avanços paralelos, con­ vergentes e interdependentes das principais tradições da antropologia social e cultural. Nesse sentido, esta obra oferece um relato sóbrio e equilibrado do desenvol­ vimento histórico da antropologia como disciplina. Além disso, propõe-se a compreender a multiforme história da antropologia sem fazer dela uma radical reinterpretação.

www.vozes.com.br

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ISBN 97 8-8 5-3 26-342 8-3

Uma vida pelo bom livro

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Esta é a prim eira obra que abrange toda a história da antropologia social e cultural num só volume. Os autores oferecem uma síntese da disciplina no século dezenove, desde as teorias culturais de Herder, M organ e Tylor até as contribuições muitas vezes negligenciadas dos estudiosos alemães do período. Examinam, além disso, a obra de antropólogos do início do século vinte, como Boas e Malinowski, nos Estados Unidos e na Inglaterra, e a sociologia de Durkheim e Mauss, na França. Também recebe atenção a relação ambígua entre antropologia e culturas nacionais - muitos dos fundadores da disciplina eram migrantes ou judeus. O foco principal deste livro volta-se para os temas característicos da antropologia pós-I Guerra Mundial, desde o estrutural-funcionalismo, via estruturalismo, até a hermenêutica, ecologia cultural e análise do discurso. Todo antropólogo de vulto recebe uma breve biografia e são abordadas controvérsias importantes, como os debates sobre modelos de aliança e descendência de parentesco, o enigma do totemismo, os problemas do neomarxismo e da ecologia cultural e as atuais discussões sobre representações do O utro e desconstrução. Este volume oferece uma história oportuna, concisa e abrangente de uma disciplina intelectual importante, numa narrativa envolvente e instigante que cativará estudantes da matéria.

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Os autores

Thomas Hylland Eriksen é professor de Antropologia Social na Universidade de Oslo. É autor de diversos livros sobre questões antropológicas, incluindo Ethnicity and Nationalism e Small Places, Large Issues, e mais recente mente The Tyranny o f the Moment: Fast and Slow Time in the Information Age (Pluto Press). Finn Sivert Nielsen é professor­ assistente sênior de Antropologia Social na Universidade de Copenhague. Tem publicações sobre trabalho de campo, sobre a Rússia, a União Soviética e sobre antropologia geral.

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H is t ó r ia d a a n t r o p o l o g ia

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CTP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Eriksen, Thomas Hylland História da antropologia / Thomas Hylland Eriksen; Finn Sivert Nielsen; tradução de Euclides Luiz C alloni; revisão técnica de Emerson Sena da Silveira. Petrópolis, RJ : Vozes, 2007. ISBN 978-85-326-3428-3 Título original; A History of Anthropology. Bibliografia 1. Antropologia - Filosofia 2. Antropologia História L Nielsen, Finn Sivert. II. Título. 06-8071

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índices para catálogo sistemático: 1. Antropologia : História

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História da antropologia Tradução: Euclides Luiz Calloni Revisão técnica: Emerson Sena da Silveira

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A EDITORA Y VOZES P etrópolis

© Thomas Hylland Eriksen e Fiim Sivert Nielsen, 2001 Título original inglês: A Histoiy o f Anthropology A primeira edição de A History o f Anthropology foi publicada por Pluto Press, 2001. Esta tradução foi publicada de acordo com a Pluto Press Ltd,, Londres. Direitos de publicação em língua portuguesa: 2007, Editora Vozes Ltda. Rua Frei Luís, 100 25689-900 Petrópolis, RJ Internet: http://www.vozes.com.br Brasil Todos os direitos reservados. Nenhum a parte desta obra poderá ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora.

Editoração : Fernando Sérgio Olivetti da Rocha Projeto gráfico : AG.SR Desenv. Gráfico Capa: W M design

ISBN 978-85-326-3428-3 (edição brasileira) ISBN 0-7453-1385-X (edição inglesa)

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^“Cmposto e impresso pela Editora Vozes Ltda.

Sumário

Prefácio, 1 1. Inícios, 9 2. Vitorianos, alemães e um francês, 27 3. Quatro pais fundadores, 49 4. Expansão e institucionalização, 69 5. Formas de mudança, 95 6. O poder dos símbolos, 118 7. Questionando a autoridade, 135 8. O fim do Modernismo?, 163 9. Reconstruções, 188

Posfácio, 211 Bibliografia, 215 índice remissivo, 241

Prefácio

E ste é um livro ambicioso, mas não pretensioso. É ambicioso no sentido de que, em número relativamente pequeno de páginas, propõe-se a compreender a multifor­ me história da antropologia. Nossas prioridades, omissões e interpretações certa­ mente serão contestadas, pois é impossível haver uma única história oficial de uma determinada área, mais ainda de um campo tão ramificado, dinâmico e disputado como o da antropologia. Não é pretensioso, porém, pois nosso objetivo é oferecer um relato sóbrio e equilibrado do desenvolvimento histórico da antropologia como dis­ ciplina, e não propor uma reinterpretação radical dela. A literatura acadêmica voltada à história da antropologia expande-se a cada dia, e este livro não quer competir com ela. No entanto, não conhecemos nenhum texto pu­ blicado que tenha exatamente o mesmo propósito que este. A literatura acadêmica é quase sempre especializada e as obras existentes sobre história da antropologia ou são de caráter mais teórico ou estão vinculadas a uma ou a várias tradições profissionais. Embora possamos não ter alcançado plenamente nossos objetivos em todos os aspec­ tos, empenhamo-nos em oferecer uma visão objetiva dos avanços paralelos, conver­ gentes e interdependentes das principais tradições da antropologia social e cultural. O livro está organizado em ordem cronológica. Ele começa com as “proto-antropologias” desde a Grécia Antiga até o Iluminismo e continua com a criação da antropo­ logia acadêmica e com o desenvolvimento da sociologia clássica durante o século de­ zenove. O terceiro capítulo se concentra sobre os quatro homens que, por consenso ge­ ral, são considerados os pais fundadores da antropologia do século vinte, e o quarto mostra como os alunos desses pioneiros continuaram e diversificaram o trabalho ini­ ciado. O quinto e o sexto capítulos abrangem o mesmo período - desde aproximadamente 1946 até por volta de 1968, mas analisam tendências diferentes: o capítulo 5 exami­ na as controvérsias teóricas em tomo dos conceitos de sociedade e de integração so­ cial; o capítulo 6 ocupa-se dos conceitos de cultura e significado simbólico. No capítu­ lo 7 apresentamos os movimentos intelectuais e políticos das décadas de 1960 e 1970,

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H istória da antropologia

com ênfase sobre os impulsos advindos do marxismo e do feminismo. O capítulo 8 analisa a década de 1980, concentrando-se no movimento pós-modemista e no seu pri­ mo próximo, o pós-colonialismo, duas tendências críticas que abalaram seriamente a autoconfiança da disciplina; por fim, o nono e último capítulo apresenta algumas das principais tendências pós-modemas que emergiram durante os anos 1990. A história da antropologia não é, para nós, um a narrativa linear de progresso. Algumas controvérsias “m odernas”, por exemplo, foram objeto de estudo desde o Iluminismo e mesmo antes dele. Ao mesmo tempo, acreditamos que houve um au­ mento constante e cumulativo do conhecimento e da compreensão nesse campo, também no que se refere ao seu método. Além disso, como a antropologia reage a mudanças no m undo externo, seu foco substancial m uda de forma correspondente. Assim, o movimento desde os primórdios da era industrial e colonial até a era da in­ formação da modernidade global levou a disciplina ao longo de uma série de trans­ formações, mas essencialmente ela continua a levantar as mesmas questões de 50, 100 ou mesmo 200 anos atrás. Oslo/Copenhague, julho de 2001 THE & FSN

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Inícios

H á quanto tempo existem antropólogos? As opiniões a esse respeito estão divi­ didas. Em grande parte, a resposta depende do significado atribuído à palavra antro­ pólogo. As pessoas sempre tiveram curiosidade sobre seus vizinhos e sobre desco­ nhecidos mais distantes. Elas conjeturaram sobre eles, lutaram contra eles, casaram com eles e contaram histórias sobre eles. Algumas dessas histórias ou mitos foram escritos. Alguns desses registros foram mais tarde criticados como imprecisos ou etnocêntricos (ou simplesmente racistas). Algumas histórias foram comparadas com outras, sobre outros povos, levando a pressuposições mais gerais sobre “pessoas em outros lugares”. Nesse sentido, começamos com uma investigação antropológica no momento em que um estranho se muda para o apartamento em frente ao nosso. Se nos restringimos à antropologia como disciplina científica, alguns estudiosos remontariam suas origens ao Iluminismo europeu durante o século dezoito; outros sustentariam que ela só surgiu como ciência na década de 1850; outros ainda afirma­ riam que as pesquisas antropológicas no sentido atual começaram depois da I Guerra Mundial. Nós também não podemos evitar essas ambigüidades. Não há dúvida, porém, de que a antropologia, considerada como a ciência do ho­ mem, teve origem na região que em geral, mas imprecisamente, chamamos de “Oci­ dente”, especialmente em três de quatro países “ocidentais”: França, Grã-Bretanha, Estados Unidos e, até a II Guerra Mundial, Alemanha. Historicamente falando, a an­ tropologia é uma disciplina européia, e seus praticantes, como os de todas as ciências européias, às vezes gostam de atribuir suas origens aos antigos gregos.

Heródoto e outros gregos Graças às pesquisas realizadas por antropólogos, historiadores e arqueólogos, acreditamos hoje que “os antigos gregos” provavelmente eram muito diferentes de

História da Antropologia

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nós. Nas cidades-Estado clássicas, “democráticas”, mais da metade da população era constituída de escravos: os cidadãos livres consideravam o trabalho manual como degradante, e a democracia (que também foi “inventada” pelos gregos) provavel­ mente era mais semelhante às competitivas festas potlatch dos kwakiutls (capítulo 4) do que às instituições descritas nas constituições modernas (ver Finley 1973; P. Anderson 1974). Voltar aos gregos é assim uma longa jornada, e nós entrevemos o mundo deles através de um vidro trincado e esfúmaçado. Vemos pequenas cidades-Estado circun­ dadas de áreas rurais tradicionais da Idade do Feiro e ligadas ao mundo externo por uma rede de relações comerciais marítimas entre povoados urbanos distribuídos ao longo das costas do Mediterrâneo c do Mar Negro. O comércio de bens de luxo e a es­ cravidão levaram riqueza considerável às cidades e os cidadãos da polis , com sua aversão ao esforço físico, tinham à disposição um grande excedente, que usavam, en­ tre outras coisas, para construir templos, estádios, banhos e outros prédios públicos, onde os homens podiam reunir-se e envolver-se em debates filosóficos e especula­ ções sobre como o mundo foi organizado. Foi numa comunidade assim que viveu Heródoto de Halicamasso (c. 484-425 a.C.). Nascido numa cidade colonial grega na costa sudoeste da Turquia atual, Heró­ doto começou a viajar ainda muito jovem e acumulou um profundo conhecimento sobre muitos povos estrangeiros com os quais os gregos mantinham contato. Hoje Heródoto é lembrado principalmente por sua história das Guerras Persas, mas ele também escreveu narrativas de viagem minuciosas de várias partes da Ásia Ociden­ tal e do Egito, e de lugares tão distantes como a terra dos citas na costa norte do Mar Negro. Nessas narrativas, tão afastadas do nosso mundo atual, reconhecemos um problema que acompanha a antropologia, em roupagens várias, até os dias atuais: como devemos relacionar-nos com “os outros”? Eles são basicamente como nós ou são diferentes? Grande parte da teoria antropológica procura estabelecer um equilí­ brio entre essas posições, e é exatamente isso que Heródoto também fez. Às vezes ele é simplesmente um “homem civilizado” preconceituoso e etnocêntrico que desdenha tudo o que é estrangeiro. Outras vezes ele reconhece que diferentes pessoas têm valo­ res diferentes porque vivem sob diferentes circunstâncias, não porque são moral­ mente deficientes. As descrições que Heródoto faz da língua, do vestuário, das insti­ tuições políticas e judiciais, das ocupações e da economia são perfeitamente legíveis nos dias atuais. Embora às vezes captasse os fatos de modo equivocado, ele era um pesquisador meticuloso, e seus livros são em geral as únicas fontes escritas que te­ mos sobre povos de um passado distante.

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Muitos gregos testaram sua argúcia enfrentando um paradoxo filosófico que toca diretamente o problema de como devemos relacionar-nos com “os outros”. Trata-se do paradoxo do universalismo em oposição ao relativismo. Um universalista atual procuraria identificar aspectos e semelhanças comuns (ou mesmo universais) entre diferentes sociedades, ao passo que um relativista enfatizaria a singularidade e parti­ cularidade de cada sociedade ou cultura. Os sofistas de Atenas são às vezes descritos como os primeiros relativistas filosóficos na tradição européia (vários pensadores quase contemporâneos na Ásia, como Gautama Buda, Confúcio e Lao-Tsé, envol­ viam-se com questões semelhantes). Nos diálogos de Platão (427-347 a.C.) Protágo-

ras e Górgias, Sócrates debate com os sofistas. Podemos imaginá-los numa batalha intelectual de alto nível, rodeados de templos de colorido variegado e prédios públi­ cos imponentes, com seus escravos quase imperceptíveis nas sombras entre as colu­ nas. Outros cidadãos são espectadores, enquanto a fé de Sócrates numa razão univer­ sal, capaz de determinar verdades universais, é contestada pela visão relativista de que a verdade irá sempre variar de acordo com a experiência e com o que hoje cha­ maríamos de cultura. Os diálogos de Platão não tratam diretamente das diferenças culturais. Mas eles testemunham que encontros entre culturas faziam parte da vida cotidiana nas cidades-Estado. As rotas do comércio grego estendiam-se desde o estreito de Gibraltar até a Ucrânia atual. Os gregos empreenderam guerras contra os persas e muitos ou­ tros “bárbaros” . O próprio termo bárbaro é de origem grega e significa “estrangeiro”. Para um ouvido grego, ele soava como se esses estranhos só fossem capazes de dizer “bar-bar, bar-bar”. Do mesmo modo, na Rússia, os alemães são até hoje chamados de nemtsy (os mudos): os que falam, mas não dizem nada. Aristóteles (384-322 a.C.) também se dedicou a especulações complexas sobre a natureza do homem. Em sua antropologia filosófica ele analisa as diferenças entre os seres humanos em geral e os animais, e conclui que, embora os humanos tenham vá­ rias necessidades em comum com os animais, somente o homem possui razão, sabe­ doria e moralidade. Ele também afirmava que os seres humanos são fundamental­ mente sociais por natureza. Na antropologia e em outras disciplinas esse estilo de pensamento universalista, que procura estabelecer semelhanças mais do que diferen­ ças entre grupos de pessoas, desempenha um papel de destaque até hoje. Além disso, parece claro que, ao longo da história, a antropologia oscilou entre o universalismo e o relativismo, e que os principais representantes illnâscom freqüência também penderam para uma posição ou outra.

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HISTÓRIA DA ANTROPOLOGIA

Depois da Antigüidade Na cidade-Estado grega clássica, as condições talvez fossem particularmente fa­ voráveis para o desenvolvimento da ciência sistemática. Mas também nos séculos seguintes, atividades “civilizadas”, como arte, ciência e filosofia, se desenvolveram em tomo de todo o Mediterrâneo: primeiro, no período helenístico, depois que Ale­ xandre Magno (356-323 a.C.), da Macedônia, conduziu seus exércitos até os confins setentrionais da índia, difundindo a cultura urbana grega por onde quer que passasse; em seguida, mais tarde, durante os vários séculos em que Roma dominou grande parte da Europa, do Oriente Médio e do norte da África e imprimiu em sua população uma cultura derivada dos ideais gregos. Nessa sociedade complexa, multinacional, não sur­ preende descobrir que o interesse grego pelo “outro” também continuou. Assim, o geó­ grafo Estrabão (c. 63-4 a.C.-c. 21 d.C.) escreveu vários tomos volumosos sobre povos estrangeiros e lugares distantes, obras que cintilam de curiosidade e de alegria da des­ coberta. Mas quando o cristianismo foi elevado à condição de religião oficial e o Impé­ rio Romano começou a desintegrar-se na metade do século IV d.C., processou-se uma mudança fundamental na vida cultural européia. Os cidadãos abastados da Antigüida­ de, que graças às suas receitas provenientes do comércio e do trabalho escravo podiam dedicar-se à ciência e à filosofia, desapareceram. Na verdade, desapareceu toda a cul­ tura urbana, o próprio elemento aglutinador que mantinha coeso o Império Romano como um Estado integrado (embora de modo instável). Em seu lugar, manifestava-se um sem-número de culturas européias locais, portadoras de tradições germânicas, es­ lavas, fmo-ugrianas e celtas, tão antigas quanto as da Grécia pré-urbana. Politicamen­ te, a Europa se desagregou em centenas de soberanias, cidades e enclaves locais autô­ nomos, que só foram integrados em unidades maiores com o crescimento do Estado moderno, do século dezesseis em diante. No decorrer de todo esse longo período, o que manteve o continente unido foi em grande parte a Igreja, a última depositária da estrutura “universal” de Roma. Sob a égide da Igreja, redes internacionais entre mon­ ges e clérigos surgiram e floresceram, interligando nichos de saber em que sobrevi­ veram as tradições filosóficas e científicas da Antigüidade. Os europeus gostam de se ver como descendentes lineares da Antigüidade, mas no curso de toda a Idade Média a Europa foi uma periferia. Durante os anos 600 até os 700 os árabes conquistaram territórios desde a Espanha até a índia e no decorrer dos sete séculos seguintes, pelo menos, os centros econômicos, políticos e intelec­ tuais do mundo mediterrâneo ficaram sediados em metrópoles sofisticadas como Bag­ dá e Córdova, não nas ruínas de Roma ou Atenas, para não mencionar vilas de reno­ me como Londres ou Paris. O maior historiador e filósofo social desse período foi Ibn Khaldun (1332-1406), que viveu na atual Tunísia. Entre outras coisas, Khaldun

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escreveu uma volumosa história dos árabes e berberes, com uma longa introdução critica sobre o modo como usou suas fontes. Ele desenvolveu uma das primeiras teo­ rias sociais não religiosas e antecipou as idéias de Émile Durkheim sobre a solidarie­ dade social (ver capítulo 2), hoje considerada um dos fundamentos da sociologia e da antropologia. À semelhança de Durkheim e dos primeiros antropólogos que utiliza­ ram suas teorias, Khaldun destaca a importância do parentesco e da religião na cria­ ção e manutenção de um senso de solidariedade e de compromisso mútuo entre os membros de um grupo. Existem, no entanto, alguns escritos europeus do período medieval tardio que podem ser considerados precursores da antropologia dos nossos dias. O mais famoso é o relato de Marco Polo (1254-1323) de sua expedição à China, onde ele teria per­ manecido durante dezessete anos. Outro exemplo é a grande viagem através da Ásia Ocidental descrita em The Voyage and Traveis ofSir John Mandeville, Knight, escri­ ta por uiíi inglês desconhecido no século quatorze. Esses dois livros estimularam o interesse europeu por povos e costumes estrangeiros. Então, com o advento de eco­ nomias mercantilistas e o Renascimento contemporâneo nas ciências e nas artes, as pequenas, mas ricas cidades-Estado européias da Idade Média tardia começaram a se desenvolver rapidamente e surgiram os primeiros sinais de uma classe capitalista. Estimuladas por esses grandes movimentos sociais e financiadas pelos novos empre­ endedores, muitas e longas viagens marítimas exploratórias foram promovidas por governantes europeus. No Ocidente, essas viagens - com destino à África, Ásia e América - são em geral descritas como “as grandes descobertas”, embora os povos “descobertos” quase sempre tenham tido razão em questionar essa grandeza (ver, por exemplo, Wolf 1982).

O impacto das conquistas européias As “grandes descobertas” tiveram importância crucial para as mudanças que ocorreriam a partir delas na Europa e no mundo, e —em menor escala - para o desen­ volvimento da antropologia. Da exploração de Henrique, o Navegador, da costa oci­ dental da África no início do século quinze, passando pelas cinco viagens de Colom­ bo à América (1492-1506), até a circunavegação do mundo por Magalhães (15191522), as viagens desse período alimentaram a imaginação dos europeus com descri­ ções vívidas de lugares cuja própria existência lhes fora até então íotalmente desco­ nhecida. Essas narrativas de viagens, além disso, chegaram a um público insohtamente numeroso, uma vez que a imprensa, inventada em 1448, transformou o livro num produto comum e relativamente barato em toda a Europa.

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História da antropologia

Muitas narrativas de viagens estavam obviamente repletas de erros factuais e prejudicadas por preconceitos cristãos arraigados. Exemplo bem conhecido é a obra do cartógrafo Américo Vespúcio, que publicou muitos relatos populares sobre o con­ tinente que ainda preserva seu nome. Seus livros foram reimpressos e traduzidos mui­ tas vezes, mas suas descrições dos americanos (que eram chamados índios, pois Co­ lombo acreditava que havia descoberto uma rota para a índia) revelam uma atitude muito menos cuidadosa com relação aos fatos do que os escritos de Heródoto ou de Khaldun, Vespúcio parece usar os índios como mero efeito literário para justificar afirmações sobre sua própria sociedade. De modo geral, os americanos nativos são representados como reflexos distorcidos e muitas vezes invertidos dos europeus: são gentios, promíscuos, andam nus, não têm governo nem leis e chegam a ser canibais! Sobre esse pano de fundo Vespúcio defende ardorosamente as virtudes da monarquia absolutista e do poder papal, mas suas descrições etnográficas são praticamente inú­ teis como dados fidedignos sobre a vida nativa na época da conquista. Houve contemporâneos de Vespúcio, como o huguenote francês Jean de Léry, que fizeram relatos mais confiáveis da vida dos índios, e esses livros também vendiam bem. Mas tudo indica que o mercado para histórias de aventuras em regiões distantes era insaciável na Europa nesse tempo. A maioria desses livros traça um contraste mais ou menos explícito entre os Outros (que bem eram “nobres selvagens” ou então “bár­ baros”) e a ordem existente na Europa (que é contestada ou então defendida). Como veremos em capítulos adiante, o legado desses primeiros relatos, moralmente ambí­ guos, continua resistente na antropologia contemporânea, e ainda hoje antropólogos são muitas vezes acusados de distorcer a realidade dos povos sobre os quais escrevem - nas colônias, no Terceiro Mundo, em subculturas ou áreas marginais. Como no caso de Vespúcio, essas descrições são geralmente denunciadas por refletirem mais a pró­ pria formação e experiência do antropólogo do que o povo estudado. A conquista da América contribuiu para uma verdadeira revolução entre os inte­ lectuais europeus. Além de provocar a reflexão sobre diferenças culturais, em pouco tempo ela deixou claro que fora descoberto todo um continente que nem sequer esta­ va mencionado na Bíblia! Essa compreensão “não-religiosa” estimulou a secularização cada vez maior da vida intelectual européia, a libertação da ciência com relação à autoridade da Igreja e a relativização dos conceitos de moralidade e de pessoalidade. Como diz Todorov (1984), os indios atingiram a própria essência da idéia européia do que significa ser um ser humano. Os índios eram humanos, mas não se comporta­ vam do modo como os europeus consideravam “natural” para seres humanos. O que era humano, então? O que era natural? Para os filósofos da Idade Média, Deus havia criado o mundo num ato único e definitivo e dera aos seus habitantes a natureza espe-

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cífica que os distinguia, e que haviam conservado desde então. Agora era possível perguntar se os índios representavam um estágio anterior no desenvolvimento da humanidade. Essa percepção, por sua vez, deu origem aos conceitos de progresso e desenvolvimento que prenunciaram uma ruptura radical com a visão de mundo está­ tica da Idade Média. Na história mais recente da antropologia, concepções de desen­ volvimento e progresso desempenharam às vezes um papel importante. Mas se o progresso é possível, infere-se que ele é produzido pela atividade de seres humanos, e essa idéia, de que as pessoas traçam seu próprio destino, é uma noção ainda mais persistente em antropologia. Assim, quando se examinaram no espelho oferecido pelos índios, os europeus se perceberam indivíduos livres e modernos. Entre as expressões mais marcantes dessa li­ berdade subjetiva recém-descoberta estão os Ensaios (1580) do filósofo francês Michel de Montaigne (1533-1592). Com abertura e um estilo pessoal até então desconhe­ cido, Montaigne especula sobre inúmeras questões de maior e menor relevo. Diferen­ temente da maioria dos seus contemporâneos, em seus escritos sobre povos remotos Montaigne se revela alguém que hoje chamaríamos de relativista cultural. No ensaio “Dos Canibais”, ele inclusive conclui que se tivesse nascido e sido criado numa hibo canibal, com toda probabilidade teria comido came humana. No mesmo ensaio, que mais tarde inspiraria Rousseau, Montaigne também cunhou o termo le bon sauvage, “o bom selvagem”, uma idéia que depois foi muito debatida em antropologia. Nos séculos seguintes as sociedades européias se expandiram rapidamente em escala e complexidade, e os contatos interculturais - através do comércio, das guer­ ras, da atividade missionária, da colonização, da migração e da pesquisa - toma­ ram-se cada vez mais comuns. Ao mesmo tempo, “os outros” passaram a ser progres­ sivamente mais visíveis na vida cultural européia - a começar com as peças de Shakespeare até os libretos de Rameau. Todo grande filósofo desde Descartes (1596-1650) até Nietzsche (1844-1900) desenvolveu sua própria doutrina sobre a natureza humana, sua própria antropologia filosófica, muitas vezes baseando-a diretamente no conhecimento corrente e em crenças sobre povos não-europeus. Mas na maioria desses relatos, “os outros” ainda desempenham um papel passivo: os autores raramente se interessam pelo modo de vida desses povos; antes, importa-lhes sua utilidade como munição retórica em deba­ tes europeus sobre a própria Europa. Exemplo relevante desse fato foi a grande polêmica filosófica entre empiristas e racionalistas durante os séculos dezessete e dezoito. Os primeiros eram representa­ dos por filósofos ingleses, como John Locke (1632-1704). Para Locke a mente hu-

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H istória da Antropologia

mana, no momento do nascimento, era como uma tábua rasa, unia tabula rasa. Todas as nossas idéias, valores e especulações resultam de nossas experiências - ou “im­ pressões dos sentidos” - do mundo. As pessoas não nascem diferentes, mas tor­ nam-se diferentes através de diferentes experiências. Locke lança aqui os fundamen­ tos epistemológicos de uma ciência da sociedade que combina um princípio universalista (todos nascemos iguais) com um princípio relativista (nossas experiências nos tornam diferentes). Mas os filósofos do século dezessete eram menos especializados do que os dos tempos atuais, e por isso era bastante comme il faut para um homem como Locke passar diretamente de uma discussão de ontologia para um comentário político contemporâneo. O empirismo de Locke teve assim repercussões diretas so­ bre seu argumento político a favor de um princípio de “lei natural” (jus naturel) - que é a base da idéia moderna dos direitos humanos universais. A idéia de que todos os seres humanos nascem com certos direitos intrínsecos remonta à Idade Média, quan­ do Tomás de Aquino (1225-1274) afirmava que os direitos do Homem eram dados por Deus. Mas no século dezessete filósofos como Locke e Thomas Hobbes (15881679) defendiam que a lei natural não era “dada” do alto, mas estava implícita nas necessidades biológicas do indivíduo. Assim, o argumento é invertido: o indivíduo tem direitos porque é um ser humano, e não pela graça de Deus (ou do rei). Essa foi uma posição radical na época, e mesmo quando assumida explicitamente para justifi­ car a autocracia (como faz Hobbes), ela tem um potencial revolucionário. Em toda a Europa, reis e príncipes defrontaram-se com exigências de uma burguesia liberal cada vez mais irrequieta e forte: exigências de que o governante fosse obrigado por lei a respeitar os direitos dos indivíduos à propriedade, à segurança pessoal e ao de­ bate público racional. Parece seguro supor que Locke se interessava mais por essas questões do que pelo modo de vida de povos distantes e que sua antropologia filosó­ fica foi fortemente influenciada por esse fato. A herança do empirismo britânico, que chegou à sua forma mais sofisticada no Iluminismo escocês, notadamente na filosofia de David Hume, ainda é evidente na antropologia britânica contemporânea, como veremos mais adiante. Do mesmo modo, as antropologias francesa e alemã ainda trazem a marca do racionalismo con­ tinental, uma posição que talvez tenha sido mais ardorosamente defendida por René Descartes, um homem de muitas qualidades que deu contribuições substanciais à matemática e à anatomia e que é por muitos considerado o criador da filosofia mo­ derna. Na antropologia ele é particularmente conhecido pela distinção clara que esta­ beleceu entre consciência moral e vida espiritual de um lado, e mundo material e cor­ po humano de outro. Enquanto os empiristas britânicos diziam que os sentidos do corpo eram a única fonte de conhecimento válido sobre o mundo externo, Descartes

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duvidava dos sentidos. Nossas imagens do mundo externo são apenas isso-im agens - e como tal elas são profundamente marcadas pelas idéias preexistentes que o sujei­ to que percebe tem sobre o mundo. Só podemos ver o mundo através de um filtro de idéias. Por isso, a tarefa primeira da filosofia é verificai' se existem idéias verdadeiras que possam constituir uma base sólida para o conhecimento positivo. Com esse obje­ tivo em mente, Descartes assumiu uma atitude de “dúvida metodológica radical”. Todas as idéias de que se pode duvidar são incertas, e portanto inadequadas como fundamento para a ciência. Poucas idéias subsistiram à prova decisiva de Descartes. Sua máxima Cogito, ergo sum (“Penso, logo existo”) expressa essa certeza funda­ mental: posso ter certeza de que existo porque sei que penso. Mas Descartes gastou muita energia para derivar dessa primeira duas outras certezas: a certeza da existên­ cia de Deus e a certeza das proposições matemáticas. Diferentemente de Locke, Descartes não era um filósofo social. Ainda assim, ele foi produto do seu tempo. Apesar de sua epistemologia racionalista ser explicitamen­ te contrária à dos empiristas, Descartes - como Locke e Hobbes - situa o indivíduo no centro de sua investigação. Afinal, sua prova da existência de Deus foi uma decor­ rência do auto-reconhecimento do indivíduo. Os empiristas também tinham a mesma fc dc Descartes na faculdade humana da razão, e tanto racionalistas como empiristas foram atores fundamentais para definir as premissas de uma ciência secular, como representantes da nova ordem social, a ordem burguesa, que em pouco tempo emer­ giria em toda a Europa Ocidental.

Por que tudo isso ainda não é antropologia Essa breve revisão da pré-história da antropologia sugere que inúmeras questões que mais tarde se destacariam na antropologia já haviam sido tema de muitos debates desde a Antigüidade. Povos exóticos haviam sido descritos normativamente (etnocentrismo) ou descritivamente (relativismo cultural). Também fora retomada repeti­ damente a dúvida de se as pessoas em toda parte e em todos os tempos são basica­ mente semelhantes (universalismo) ou profundamente diferentes (relativismo). Ha­ viam sido feitas tentativas de definir as diferenças entre animais e seres humanos, na­ tureza e cultura, congênito e aprendido, coipo sensual e mente consciente. Muitas descrições detalhadas de povos estrangeiros também haviam sido publicadas, algu­ mas delas baseadas em estudos meticulosos. Apesar desses desenvolvimentos históricos antigos e contínuos, sustentamos que a antropologia como ciência só apareceu num estágio posterior, não obstante ser verdade que sua origem foi um processo mais gradual do que às vezes se supõe. Nos­

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HISTÓRIA DA ANTROPOLOGIA

sas justificativas para isso são, primeira, que todo o trabalho mencionado até aqui pertence a um de dois gêneros: escritos de viagem e filosofia social. Só quando esses dois aspectos da investigação antropológica se combinam, isto é, quando dados e teoria se integram, é que surge a antropologia. Segunda, e talvez mais controversa, chamamos a atenção para o fato de que todos os escritores até aqui mencionados são influenciados pela época e pela sociedade em que viveram. Isso naturalmente se apli­ ca também aos antropólogos contemporâneos. Mas os antropólogos modernos vi­ vem num mundo moderno, e nós sustentamos que a antropologia não faz nenhum sentido fora de um contexto moderno. A disciplina é produto não apenas de um con­ junto de pensamentos singulares como os que mencionamos acima, mas de mudan­ ças muito amplas na cultura e na sociedade européias que no devido tempo levariam à formação do capitalismo, do individualismo, da ciência secularizada, do naciona­ lismo patriótico e da reflexividade cultural extrema. Por um lado, então, alguns tópicos nos acompanharam constanteraente ao longo do tempo que estivemos considerando até aqui, Por outro, do século quinze em dian­ te apareceram inúmeras novas idéias e novas formas de vida social que formariam a base sobre a qual a antropologia e as demais ciências sociais seriam construídas. Duas dessas novas idéias foram analisadas acima. Primeira, vimos que o encon­ tro com “o outro” estimulou os intelectuais europeus a ver a sociedade como uma en­ tidade passível de mudanças e crescimento, de comunidades locais relativamente simples, de pequena escala, para nações industriais grandes e complexas. M as a idéia de desenvolvimento ou progresso não se limitou a noções de mudança social. O indi­ víduo também podia se desenvolver, através da educação e da profissão, aprimoran­ do sua personalidade e encontrando seu “eu verdadeiro” . Como diz Bruno Latour (1991), a idéia do indivíduo autônomo foi um pré-requisito para a idéia de sociedade. Só quando o indivíduo livre foi alçado à condição de “medida de todas as coisas” é que a idéia de sociedade como associação de indivíduos pôde formar raízes e tomar-se objeto de reflexão sistem ática. E só q u an d o a so ciedade em ergiu com o ob jeto a se r continuamente aperfeiçoado e remodelado em formas mais avançadas é que o indiví­ duo racional, independente, pôde transformar-se em algo novo e diferente, e inclusi­ ve “mais verdadeiro para si mesmo” . Sem um discurso explícito sobre essas idéias, jamais haveria possibilidade de surgir uma disciplina como a antropologia. As se­ mentes foram lançadas no alvorecer da filosofia moderna, avanços importantes fo­ ram feitos no século dezoito, mas foi no século dezenove que a antropologia se tor­ nou uma disciplina acadêmica e somente no século vinte que alcançou a forma em que é ensinada aos estudantes atualmente. Dirigiremos nossa atenção agora às cor­ rentes intelectuais do século dezoito e dos inícios do século dezenove, antes de des­

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crever - no próximo capitulo - como a antropologia chegou à maioridade como dis­ ciplina acadêmica.

f O Iluminismo O século dezoito testemunhou um florescimento da ciência e da filosofia na Eu­ ropa. Nesses anos a autoconfiança da burguesia aumentou, os cidadãos refletiam so­ bre o mundo e seu lugar nele e em breve fariam exigências políticas de uma ordem social racional, justa, previsível e transparente. A palavra-chave era iluminismo (Aufídarung, iluminação). Como Hobbes, Locke e Descartes haviam afirmado, o in­ divíduo livre devia ser a medida de todas as coisas - do conhecimento e da ordem so­ cial. A autoridade de Deus e do rei deixou de ser considerada um pressuposto natural. Mas as novas gerações de intelectuais desenvolveram essas idéias ainda mais. Eles se reuniam em clubes infonnais e em salões para discutir arte, filosofia e temas sociais. Cartas pessoais e diários evoluíram para jornais, periódicos e romances, e embora a censura ainda fosse comum em quase toda a Europa, os novos meios de comunicação logo conquistaram uma liberdade maior e ampliaram sua circulação. A burguesia se empenhava em libertar-se do poder da Igreja e da nobreza e em substituí-lo por uma democracia. Crenças religiosas tradicionais eram denunciadas cada vez mais como superstições - obstáculos no caminho para uma sociedade melhor, governada pela razão. A idéia de progresso também parecia confirmar-se através do desenvolvimen­ to da tecnologia, que fez seus prim eiros grandes avanços nessa época. Novas tecnologias tornaram mais precisas as medições científicas. Máquinas industriais começaram a aparecer. A tentativa puramente teórica de Descartes de provar a ver­ dade universal da matemática de repente tomou-se uma questão prática de suma rele­ vância. Se a matemática, a linguagem da razão, podia revelar verdades naturais fun­ damentais como as leis de Newton, não se seguia que a natureza era ela própria racio­ nal e que todo empreendimento dirigido pela razão estaria destinado ao sucesso? To­ das essas expectativas culminaram abmptatnente na Revolução Francesa, que tentou realizar o sonho de uma ordem social perfeitamente racional na prática, mas foi rapi­ damente suplantada por seu oposto irracional: a revolução devorou seus filhos. E en­ tão todos os sonhos, decepções e paradoxos da Revolução se espalharam a toda a Europa durante as Guerras Napoleônicas, no início dos anos 1800, influenciando profunda­ mente as idéias de sociedade que gerações posteriores desenvolveriam. Mas estamos ainda no século dezoito, a “idade da razão”, quando foram feitas as primeiras tentativas de criar uma ciência antropológica. Uma obra inicial importante foi La scienza nuova (1725; The New Science, 1999), de Giambattista Vico (16681744), uma síntese grandiosa de etnografia, história da religião, filosofia e ciência

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História da Antropologia

natural. Vico propõe uma estrutura universal de desenvolvimento social segundo o qual todas as sociedades passam por quatro fases, com características específicas for­ malmente definidas. O primeiro estágio é uma “condição bestial” sem moralidade ou arte, seguido de uma “Idade dos Deuses”, caracterizada pelo culto à natureza e por estruturas sociais rudimentares. A seguinte, a “Idade dos Heróis”, distingue-se por perturbações sociais generalizadas devidas à grande desigualdade social. Por fim, a “Idade do Homem”, quando as diferenças de classe desaparecem e predomina a igualdade. Essa fase, porém, degrada-se pela corrupção interna e degenera em “bes­ tialidade”. Vemos aqui, pela primeira vez, uma teoria de desenvolvimento social que não só contrapõe barbarismo e civilização, mas específica vários estágios de transi­ ção. A teoria de Vico serviría de modelo para os futuros evolucionistas, desde Marx até Frazer. Mas Vico comporta um elemento que inexiste na maioria dos seus segui­ dores. As sociedades não necessariamente se desenvolvem lineannente na direção de condições sempre melhores, mas passam por ciclos de degeneração e crescimento. Esse aspecto confere à obra iluminista de Vico um subtexto crítico e romântico, como em Rousseau (ver abaixo). Vico foi um pioneiro italiano, mas os primeiros passos para a instituição da an­ tropologia como ciência foram dados na França. Em 1748 o Barão de Montesquieu (1689-1755) publicou o seu De l 'esprit des lois, (The Spirit o f Laws, 1977). Essa obra é um estudo comparativo entre “culturas” distintas, sobre sistemas legislativos que Montesquieu conhecia de primeira ou de segunda mão, com base nos quais ele pro­ cura derivar os princípios gerais que subjazem aos sistemas legais interculturalmente. Montesquieu apresenta o sistema legal como um aspecto do sistema social mais amplo, intimamente entrelaçado com muitos outros aspectos do todo maior (política, economia, parentesco, demografia, religião, etc.) - uma concepção que levou muitos a descrevê-lo como protofuncionalista (capitulo 3). Segundo Montesquieu, a poliga­ mia, o canibalismo, o paganismo, a escravatura e outros costumes bárbaros podiam ser explicados pelas funções que eles exerciam na sociedade como um todo. Montes­ quieu escreveu também o notável Lettres persanes (1722; Persian Letters, 1973), uma coleção de cartas fictícias de dois persas que descrevem a França para seus con­ cidadãos. Aqui o autor explora o “estranhamento” da diferença cultural para parodiar a França no tempo de Luís XIV. O livro é provocante e estimulante. Mesmo atual­ mente ele continua polêmico, pois recentemente Montesquieu foi acusado de ser um proto -orientalista (Said 1978, 1993) que enfatizou indevidamente o exotismo dos persas. Essa crítica justifica-se, sem dúvida, pois evidentemente o principal objetivo de Montesquieu não é descrever a Pérsia, mas criticar a França. Mas as cartas persas também revelam uma compreensão sutil de um problema às vezes descrito como ho-

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meblindness na antropologia cultural: nossa incapacidade de ver nossa própria cultu­ ra “objetivamente”, “de fora”. Montesquieu empregou uma técnica específica para resolver esse problema: descreveu sua própria sociedade do ponto de vista de um fo­ rasteiro. Antropólogos críticos ainda usam essa técnica atualmente. Outro passo na direção de uma ciência antropológica foi dado por um grupo de intelectuais franceses jovens e idealistas. Foram os enciclopedistas, liderados pelo fi­ lósofo Denis Diderot (1713-1784) e pelo matemático Jean Le Rond d’Alembert (1717-1783). O objetivo desses intelectuais era coletar, classificar e sistematizar o maior volume possível de conhecimentos com o intuito de promover o avanço da ra­ zão, do progresso, da ciência e da tecnologia. A Encyclopédie de Diderot foi publica­ da em 1751-1772, e incluía artigos de intelectuais eminentes como Rousseau, Voltai­ re e Montesquieu. A enciclopédia se impôs rapidamente como modelo para projetos posteriores do mesmo gênero. Obra liberal e abrangente, para não dizer revolucioná­ ria, ela foi censurada em muitos países da Europa por sua crítica acerba à Igreja, Mas os 17 volumes de texto e 11 volumes de ilustrações também continham outros mate­ riais polêmicos, como descrições detalhadas de aparelhos mecânicos desenvolvidos por agricultores e artesãos comuns. Assuntos assim receberem destaque numa obra acadêmica era fato inédito à época e indicava que em breve seria natural estudar a vida cotidiana de pessoas comuns. A enciclopédia também continha descrições deta­ lhadas de costumes culturais e sociais de todo o mundo. Um dos colaboradores mais jovens, o Marquês de Condorcet (1743-1794), que morrería prematuramente numa prisão jacobina, escreveu comparações sistemáticas entre diferentes sistemas sociais e procurou desenvolver uma síntese da matemática e da ciência social que lhe possi­ bilitasse fonnular leis objetivas de desenvolvimento social. O colaborador mais influente da Encyclopédie foi sem dúvida Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Contrariamente à maioria dos seus contemporâneos, Rous­ seau afirmava que o desenvolvimento não era progressivo, mas degenerativo, e que a causa desse declínio era a própria sociedade. De um estado de natureza inicial, ino­ cente, em que cada indivíduo vivia por si mesmo em harmonia com seu ambiente, as pessoas passaram a criar instituições de casamento e parentesco e se estabeleceram em grupos pequenos e sedentários. Aos poucos esses grupos cresceram em comple­ xidade e criaram sacerdotes e chefes, reis e príncipes, propriedade privada, polícia e magistrados, até que a alma livre e boa do homem ficou esmagada sob o peso da desi­ gualdade social. Todos os vícios humanos são produto do aumento da desigualdade social, e Rousseau atribuiu a queda original desde um estado de graça à entrada da in­ veja no mundo. “O homem nasceu livre, mas está a ferros em toda parte”, declara ele em D li contrai social (1762; On die Social Contract, 1978); mas Rousseau também

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I-IISTÓRIA DA A NTROPOLOGIA

promete que o “contrato social falso” do tempo dele pode ser substituído por um con­ trato verdadeiro baseado na liberdade e na democracia. Apesar do seu pessimismo com relação à situação da época, Rousseau continuou assim com os mesmos sonhos utópicos de Vico ou Condorcet. O modelo da sociedade ideal de Rousseau devia ser encontrado entre os “nobres selvagens”, os povos livres e sem Estado. Essa reavaliação das sociedades livres re­ presentou obviamente um passo significativo para o verdadeiro relativismo cultural. Mas o relativismo de Rousseau era “superficial”. Também ele se interessava pelos “primitivos”, principalmente por representarem valores contrários aos da época. Eles simbolizavam o homem racional que renasceria na sociedade ideal do futuro. Assim o homem era livre e racional ou cativo e corrompido, e com isso como premis­ sa, pesquisas práticas e aplicadas de diferenças culturais empíricas eram considera­ das irrelevantes. Não obstante, Rousseau foi uma fonte importante de inspiração para cientistas sociais que vieram depois - desde Marx a Lévi-Strauss - e com freqüência é considerado intermediário entre o llumimsmo francês e o Romantismo alemão, que surgiu nas décadas finais dos anos 1700, em parte como reação à filosofia iluminista. Aqui, a celebração rousseauniana do “homem autêntico" recebeu novo impulso e os p rim eiros conceitos de cultura foram apresentados explicitamente.

Romantismo O Iluminismo acreditava no indivíduo e na mente racional. Em contraste, o pensa­ mento romântico deslocou sua atenção do indivíduo para o grupo, da razão para a emo­ ção. Na política, houve um movimento semelhante, de um discurso universalista sobre indivíduos livres e democracia para um discurso particularista sobre construção da na­ ção e sentimento nacional. É comum considerar o Romantismo como uma tendência que substituiu o Iluminismo nos anos de reação depois da Revolução Francesa. Mas, como sugere Emesl Gellner (1991), talvez seja mais exato ver os dois movimentos co­ mo fluxos paralelos, às vezes divergindo ou competindo, às vezes convergindo e mesclando-se. Esta segunda constatação é especialmente comum na antropologia, que tem como objetivo não somente compreender todos culturais (um projeto romântico), mas também dissecá-los, analisá-los e compará-los (um projeto iluminista). No século dezoito, a Alemanha, o centro do pensamento romântico, ainda era um mosaico político de principados independentes e cidades autônomas, reunidos tenuemente sob a égide do “Sacro Império Romano” - ao qual Voltaire se referiu certa vez dizendo que não era sacro, nem romano, nem império. Assim, diferentemente das idéias francesas de sociedade e cidadania, o conceito de uma nação germânica basea­

i. I nícios

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va-se na língua e na cultura mais do que na política. A França era um Estado grande e poderoso, cujo estilo, poesia e realeza dominavam o mundo ocidental. Saber falar francês era em toda parte sinal de uma mente cultivada. Um dos românticos alemães mais populares (Friedrich Richter) chegou a adotar um pseudônimo francês: Jean Paul. Era muito natural que os alemães, politicamente fragmentados, mas cultural­ mente articulados, acabassem reagindo à dominação francesa. Eles também tinham mais razão em especular sobre as qualidades que unificavam sua nação do que os franceses centralizados. Em 1764, o jovem Johann Gottfried von Herder (17441803) publicou seu Audi eine Philosophie der Geschichte (“Yet another Philosophy of History”, 1993), um ataque vigoroso ao universalismo francês defendido, por exemplo, por Voltaire (1694-1778). Herder proclamava a primazia das emoções e da linguagem e definia a sociedade como uma comunidade profundamente consolida­ da, mítica. Ele afirmava que todo Volk (povo) tem seus próprios valores, costumes, língua e “espírito” ( Volksgeist). Dessa perspectiva, o universalismo de Voltaire não passava de umprovincialismo disfarçado. Sua civilização universal, na verdade, não era outra coisa senão cultura francesa. O debate Voltaire-Herder continua a confrontar-nos atualmente. O ataque de Herder ao universalismo aberto, transnacional, de Voltaire lembra a crítica dos an­ tropólogos do século vinte às missões, à ajuda ao desenvolvimento, às políticas de minorias e globalização. Lembra também a critica lançada à própria antropologia como agente de imperialismo cultural. Além disso, uma distinção entre cultura e ci­ vilização processou-se posteriormente no mundo de língua alemã, embora com su­ cesso limitado na academia: a cultura era considerada como experimental e orgânica, ao passo que a civilização era cognitiva e superficial, O conceito de Volk introduzido por Herder foi aperfeiçoado e politizado por filó­ sofos posteriores, inclusive Fichte (1762-1814) e Schelling (1775-1854), que o transformaram num instrumento de germinação de movimentos nacionalistas que se espalharam pela Europa na esteira das Guerras Napoleônicas. Mas o mesmo concei­ to entrou também na academia, onde reapareceu, no início do século vinte, como a proposição do relativismo cultural. Assim, os sistemas antagônicos do relativismo e do nacionalismo remontam ambos suas origens ao mesmo conceito de cultura que se originou no Romantismo alemão. O maior filósofo desse período foi sem dúvida Immanuel Kant (1724-1804). A filosofia de Kant é fundamental demais para ser enquadrada numa escola filosófica bem definida. Em geral se diz que Kant pôs um ponto final a muitos debates filosófi­ cos respeitáveis, entre eles a controvérsia entre empirismo e racionalismo. Em seu Kritik der reinen Vemunft (1781; Critique qfPure Reason, 1991) Kant concordou

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H istória da Antropologia

cora Locke e Hume que o verdadeiro conhecimento deriva das impressões dos senti­ dos, mas ele também ressaltava (com Descartes) que os dados sensoriais eram filtra­ dos e modelados pelas faculdades da mente. O conhecimento era tanto sensual como matemático, positivo e especulativo, objetivo e subjetivo. A grande realização de Kant foi demonstrar que pensamento e experiência estavam relacionados dinamica­ mente e que a aquisição do conhecimento é um processo criativo. Conhecer o mundo é criar um mundo que é acessível ao conhecimento. Num sentido, o homem é, por­ tanto, incapaz de conhecer o mundo como este é em si mesmo (Ding an Sich). Mas o homem tem acesso ao mundo enquanto o mundo representa a si mesmo para o ho­ mem (.Ding für Mich) e o homem é capaz de obter conhecimento verdadeiro sobre este mundo. Conhecer o mundo é contribuir com sua criação, como todo antropólogo que rea­ liza trabalho de campo sabe. Nós colhemos amostras, modelamos e interpretamos a realidade à medida que prosseguimos; Kant foi o primeiro a reconhecer explicítamente esse processo, o qual continua a gerar debates importantes na antropologia atual. Na formulação de Kant, porém, essa idéia ainda não se aplicava diretamente às ciências sociais. Coube a seu sucessor, Georg W ilhelmFriedrich Hegel (1770-1831), completar essa linha de raciocínio. Para Kant, o conhecimento era um processo, um movimento sem fim. O ponto fixo em torno do qual seu movimento fluía era o indiví­ duo. Com Hegel, o ponto fixo se dissipa. O indivíduo também é parte e resultado do processo de conhecimento. Assim, conhecendo o mundo, criamos não somente um mundo cognoscível, mas também um Eu cognoscente. Mas se não existe ponto fixo, como é possível alcançar o conhecimento? Quem será a medida de todas as coisas, senão o indivíduo? Hegel responde a essa pergunta dizendo que não estamos sozi­ nhos no mundo. O indivíduo participa de uma sociedade comunicativa com outras pessoas. O mundo criado através do conhecimento é portanto fundamentaimente co­ letivo, e o indivíduo não é sua causa, mas um dos seus efeitos. Assim, através das complexas e freqüentemente obscuras formulações de Hegel, vemos emergir o princípio do coletivismo metodológico - a idéia de que a sociedade é mais fundamental do que o indivíduo. A visão oposta, o individualismo metodoló­ gico , segue Kant e tem seu ponto de partida na pessoa individual. Mesmo hoje, essas posições estão relatívamente bem definidas na antropologia. Com H egel no entanto, o coletivismo alcança seu apogeu. Hegel descreve um Weltgeist, um “espírito do mundo” que evolui independentemente dos indivíduos mas que também se manifes­ ta através deles. O Geist tem seus centros e periferias, e se propaga segundo leis evo­ lucionárias específicas. Com essa idéia, sugeriu Geana (1995), Hegel foi o primeiro filósofo a antever uma humanidade verdadeiramente global.

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Estão lançados a essa altura os fundamentos epistemológicos da teoria social moderna. Se o conhecimento é um processo coletivo, que cria um mundo coletivo que pode ser conhecido por indivíduos, toma-se possível visualizar esse mundo num padrão de comunicação mais ou menos sistemático entre pessoas. Posteriormente, os teóricos descreveram esse padrão de diversos modos, com conceitos como estrutura, função, solidariedade, poder, sistema e agregado. O próprio Hegel estava interessado no desenvolvimento do Weltgeist e descreveu seu desdobramento como um processo dialético de conflito e síntese que levava a sociedade a novos estágios evolucioná­ rios. Não obstante, embora a dialética tenha mais tarde alcançado proeminência en­ tre teóricos sociais inspirados por Marx, a “construção social da realidade” continua sendo a idéia mais importante que a ciência social herdou de Hegel e Kant. Mas essa idéia também combinava perfeitamente com os movimentos naciona­ listas inspirados por Herder, os quais haviam se difundido por toda a Europa nas dé­ cadas seguintes a 1800. Nações eram precisamente essas realidades e sociedades co­ municativas socialmente construídas como Hegel havia descrito, cada uma com seu estilo e caráter únicos. Idealmente, a nação era uma coletividade de pessoas, gover­ nada pelas pessoas, de acordo com os anseios e necessidades coletivos mais profun­ dos das pessoas. Assim, o nacionalismo tem sua inspiração na filosofia romântica, mas foi também produto de processos históricos subjacentes: as conturbações políti­ cas na seqüência das guerras napoleônicas, a alienação produzida pela industrializa­ ção e a difusão dos ideais revolucionários de liberdade, igualdade e fraternidade, Foi nesse mundo agitado e em transição que a antropologia começou a ser consi­ derada como disciplina acadêmica. Uma precondição importante para que isso se concretizasse foi a criação dos primeiros museus etnográficos. Coleções de artefatos exóticos existiam havia muito tempo nas cortes européias. Uma das primeiras, reuni­ da pelo rei dinamarquês Frederico III, data de 1650 e mais tarde se tomaria a base do Museu Nacional Dinamarquês. Mas a coleta sistemática de objetos etnográficos só começou nos anos 1800. Grandes museus nacionais foram criados em Londres (1753), Paris (1801) e Washington, DC ( 1843), e todos eies desenvolveriam departa­ mentos etnográficos influentes. Ainda assim, os primeiros museus etnográficos es­ pecializados foram criados em áreas de língua alemã, especialmente Viena (1806), Munique (1859) e Berlim (1868). Isso pode surpreender, pois a Alemanha e a Áustria não possuíam colônias. No entanto, acadêmicos alemães, seguindo o programa de Herder, haviam começado a realizar estudos empíricos sobre os costumes “do povo”. Eles coletavam dados sobre a vida camponesa - sobre contos populares e lendas, vestuário e dança, ofícios e habilidades. Assim, os primeiros museus interessa­ vam-se principalmente pelo Võlkskunde (o estudo de culturas camponesas domésti-

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H istória da Antropologia

cas) mais do que pelo Völkerkunde (o estudo de povos remotos). De qualquer modo, devemos observar que a institucionalização da antropologia começou em áreas de língua alemã, e não na França ou na Inglaterra - um fato que muitas vezes é negligen­ ciado nos relatos históricos da antropologia. Como o próximo capítulo mostrará, a contribuição alemã à antropologia conti­ nuou importante no decorrer de todo o século dezenove, concomitantemente ao de­ senvolvimento de uma antropologia “vitoriana” peculiar na Grã-Bretanha.

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Vitorianos, alemães e um francês

E ntre as Guerras Napoleônicas (1792-1815) e a I Guerra Mundial (1914-1918), vemos o nascimento da Europa moderna - e do mundo moderno. Acima de tudo, po­ rém, essa foi talvez a era da Revolução Industrial. Nos anos 1700 transformações profundas se processaram na agricultura e na manufatura, especialmente na Inglater­ ra. Máquinas a vapor e de fiação haviam se espalhado por toda parte e uma classe cada vez mais numerosa de camponeses sem terra e de trabalhadores urbanos come­ çou a se fazer ouvir. As mudanças mais importantes, contudo, ocorreriam mais adi­ ante. Na década de 1830 foram construídas as primeiras grandes ferrovias; uma dé­ cada depois, navios a vapor cruzavam o Atlântico regularmente; e em 1846 foi intro­ duzido o telégrafo. Numa escala que o mundo desconhecia até então, começava a ser possível movimentar enormes quantidades de informações, de matérias-primas, de mercadorias e de pessoas por distâncias globais. Essa efervescência, por sua vez, sig­ nificava que a produção podia ser aumentada, tanto na agricultura como na indústria manufatureíra. A Europa tinha condições de alimentar mais pessoas, em parte com o aumento da produção e em parte com a expansão das importações. O resultado foi o crescimento da população. Em L800 a Inglaterra contava com 10.5 milhões de pes­ soas. Em 1901 sua população chegava a 37 milhões de habitantes, 75 por cento dos quais viviam em cidades. Forçados pela pressão populacional e pela racionalização da agricultura, os camponeses abandonaram o interior e migraram para centros urba­ nos como Londres ou Paris, onde foram ressocializados como operários. As condi­ ções nas cidades em rápido crescimento eram sempre precárias: epidemias eram co­ muns, e quando foi intr oduzida a primeira lei britânica contra o trabalho infantil, em 1834, ela apenas regulamentou a situação de crianças com idade inferior a 9 anos. Com o tempo, protestos contra essas mudanças aumentaram em freqüência e em escala. O exemplo mais extremo foi a Revolução Francesa, mas a revolta Cartista na Inglaterra nos anos 1840, as revoluções francesa, austríaca e italiana em 1848-1849, a

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H istória da Antropologia

Comuna de Paris de 1870, também indicam claramente o potencial para a violência de­ sencadeado pela industrialização. Simultaneamente aos protestos desenvolveu-se uma ideologia nova, de caráter socialista. Suas raízes remontam a filósofos sociais como Rousseau e Henri de Saint-Simon (1760-1825) e aos neo-hegelíanos alemães, mas sua formulação definitiva ocorreu com Karl Marx, que abordaremos mais adiante. O sucesso do movimento trabalhista durante o século dezenove teria sido prati­ camente impossível sem o trem e o navio a vapor. Milhões de migrantes se desloca­ ram por esses meios de transporte para os Estados Unidos, Austrália, Argentina, África do Sul, Sibéria e outras partes do mundo, aliviando a pressão populacional na Europa e possibilitando um a elevação continuada nos padrões de vida de todos. Ao mesmo tempo, nas colônias, administrações difundiam a cultura e as instituições eu­ ropéias. Esse impressionante processo de difusão teve efeitos os mais diversos. N o­ vas relações de poder surgiram - entre o administrador colonial e o comerciante ín­ dio, entre o proprietário rural e o escravo negro, entre boer, inglês e bantu, entre colo­ nizador e aborígene australiano. Na esteira dessas novas relações de dominação e de­ pendência, novas filosofias, ideologias e mitos surgiram para defendê-las ou ata­ cá-las. A campanha contra a escravatura é um dos primeiros exemplos disso, e a es­ cravidão foi abolida com sucesso nas possessões inglesas e francesas nos anos 1830. Mas o racismo, que emergiu como ideologia organizada durante o século dezenove, foi um a resposta aos mesmos processos. Finalmente, surgiu um a ciência internacio­ nalizada. O pesquisador global se toma uma figura popular - e o protótipo é, natural­ mente, Charles Darwin (1809-1882), cuja Origem das espécies (1859) se baseava em dados coletados durante uma circunavegaçào de seis anos ao redor do globo. Não surpreende que a antropologia tenha surgido como disciplina nesse período. O antropólogo é um pesquisador global prototípico que depende de dados detalhados sobre pessoas em todo o mundo. Agora que esses dados se tomavam disponíveis, a antropologia podia estabelecer-se como disciplina acadêmica. E também a sociologiapodia alçar-se a essa condição. Se a antropologia se desenvolveu apartir do impe­ rialismo, a sociologia resultou da mudança das relações de classe produzida pela in­ dustrialização na Europa em si —todos os país fundadores da sociologia analisam o significado da “modernidade” e o contrapõem às condições “pré-modemas” .

Evolucionismo biológico e social - Morgan Enquanto os principais sociólogos do século dezenove eram em sua maioria ale­ mães ou franceses, os antropólogos mais destacados estavam na Inglaterra (o maior poder colonial, com grande facilidade de acesso aos “outros”) ou nos Estados Unidos (onde “os outros” estavam próximos). Os avanços teóricos nas duas tradições tam-

2. VITORIANOS, ALEMÃES E UM FRANCÊS

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bém eram bastante diferentes. O evolucionismo típico da antropologia do século de­ zenove construía-se sobre idéias de desenvolvimento do século dezoito, favorecido pela experiência do colonialismo e (a começar nos anos 1860) pela influência de Darwin e seu defensor mais célebre, o filósofo social Herbert Spencer (1820-1903), que fundou o Darwinismo Social, uma filosofia social que exalta as virtudes da com­ petição individual. Mas a antropologia não derivou para uma pseudociência racista. Todos os principais antropólogos da época apoiavam o princípio da unidade psíqui­ ca da humanidade - os seres humanos nasciam em toda parte com aproximadamente os mesmos potenciais, e as diferenças herdadas eram negligenciáveis. Com efeito, as teorias da evolução social pressupunham esse princípio, pois se as diferenças raciais eram consideradas como fundamentais, as comparações culturais sobre as quais es­ sas teorias se baseavam seriam desnecessárias.

Paralelamente, sociólogos continentais seguiam a liderança de Kant e Hegel e exploravam a realidade socialmente construída descoberta pelos dois alemães. Dife­ rentes sociólogos compreenderam esse projeto de modos diversos, mas todos tinham em comum a idéia de sociedade como uma realidade autônoma que deve ser estuda­ da em seus próprios termos, não com os métodos da ciência natural. Como os antro­ pólogos, os sociólogos defendiam a unidade psíquica da humanidade e aceitavam a teoria evolucionista. Diferentemente dos antropólogos, que classificavam e compa­ ravam as características externas das sociedades em todo o globo, os sociólogos diri­ giam a atenção para a dinâmica interna da sociedade ocidental, industrial. As teorias sofisticadas que assim se desenvolveram exerceriam um impacto fundamental tam­ bém sobre a antropologia a partir do inicio do século vinte. Ilustraremos aqui as diferenças entre essas duas tradições emergentes com a obra de duas de suas figuras pioneiras mais destacadas: o antropólogo americano Lewis Henry Morgan (1818-1881) e o sociólogo alemão Karl Marx (1818-1883). A vida de Morgan consubstanciou de muitas formas os Estados Unidos de opor­ tunidades iguais que o sociólogo francês Alexis de Tocqueville havia descrito em 1835. Ele cresceu numa fazenda no Estado de Nova York, formou-se em advocacia e participou de modo ativo e bem-sucedido na política local. Um dos primeiros defen­ sores dos direitos políticos dos nativos americanos, ele era fascinado pelos índios desde a juventude. Na década de 1840 ele viveu com os iroqueses durante algum tempo, quando foi adotado por uma das tribos e recebeu o nome Tayadaowuhkidr. “aquele que constrói pontes”. Morgan compreendeu que grande parte da complexidade da cultura nativa ame­ ricana em pouco tempo seria irrecuperavelmente destruída como conseqüência do influxo de europeus, e considerava como tarefa crucial documentar a cultura tradi-

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cional e a vida social desses nativos antes que fosse tarde demais. Essa atitude, mui­ tas vezes denominada antropologia urgente, foi assumida também pelo segundo grande antropólogo americano, Franz Boas (capítulo 3), e desde então foi muito utili­ zada em pesquisas de povos indígenas. Morgan tinha contato estreito com o povo que ele estudava, simpatizava com os problemas desse povo e publicava relatos detalhados de sua cultura e vida social. Mas ele também fez contribuições teóricas substanciais, especialmente em sua obra pionei­ ra sobre o parentesco. O interesse de Morgan pelo parentesco tinha origem em seu con­ vívio com os iroqueses. Mais tarde, ele descobriu semelhanças e diferenças surpreen­ dentes entre o sistema de parentesco desse povo e o de outros povos na América do Norte. Ele então elaborou um estudo comparativo em larga escala do parentesco dos nativos americanos, no qual acabou incluindo também outros grupos. Morgan criou a primeira tipologia de sistemas de parentesco (cf. Holy 1996) e introduziu uma distin­ ção entre parentesco classificatório e descritivo que continua em uso ainda hoje. Numa explicação muito simplificada - sistemas descritivos (como o nosso) diferenciam pa­ rentes da linha ascendente ou descendente direta (parentela linear) dos parentes “late­ rais” (parentela colateral, como irmãos, primos e contraparentes). O parentesco classificatôrio (como entre os iroqueses) não faz diferença entre essas duas categorias. Aqui o mesmo termo pode ser usado, por exemplo, para todos os parentes masculinos linea­ res e colaterais do lado paterno (pai, irmão do pai, filho do irmão do pai, etc.). Mas Morgan fez mais do que formular uma teoria: ele fundamentou sua teoria em anos _de estudos intensivos sobre os sistemas de parentesco existentes ao redor do mundo. Ele apresenta os resultados dessas pesquisas em seu influente Systems o f Consanguinity• and Affinity ofthe Human Family (1870), onde também considera o parentesco, defini­ tivamente, como um tema antropológico fundamental. Para Morgan, o parentesco era principalmente uma porta de entrada paia o estu­ do da evolução social. Ele sustentava que as sociedades primitivas organizavam-se sobre a base do parentesco e que as variações terminológicas entre sistemas de paren­ tesco tinham correlação com variações na estrutura social. Mas ele também supunha que a tenninologia do parentesco mudava lentamente e que portanto continha indica­ ções para uma compreensão de estágios anteriores da evolução social. Em sua obra magna Ancient Society (1877), Morgan procura realizar uma gran­ diosa síntese de ioda sua obra. Ele distingue três grandes estágios da evolução cultu­ ral: selvageria, barbárie e civilização (com três subestágios para a selvageria e três para a barbárie). Os critérios para essas divisões eram principalmente técnicos: seus “selvagens” eram caçadores e coletores, o “barbarismo” estava associado à agricul­ tura e a “civilização” à fonnação do Estado e à urbanização. Observando-se retros-

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pectivamente, parece claro que a síntese de Morgan não teve sucesso. Mesmo acei­ tando-se o seu esquema evolucionário básico, os detalhes geralmente são vagos. As vezes, características tecnológicas isoladas recebem um peso além do razoável - por exemplo, a cerâmica é o critério de transição entre dois estágios. Com isso, onde se situariam as sociedades de chefia polinésias, com seus sistemas políticos complexos, mas sem nenhum traço de cerâmica? É justo acrescentar que o próprio Morgan tinha consciência de que suas conclusões eram muitas vezes especulativas e ele próprio criticava a qualidade dos seus dados (principalmente os secundários). Morgan exerceu influência considerável sobre a antropologia posterior, especi­ almente sobre os estudos relacionados com o parentesco, mas também sobre os m a­ terialistas culturais americanos e outros antropólogos evolucionistas no século vinte (capítulo 5). Sociólogos também o liam, porém. Quando Marx, quase no fim de sua vida, descobriu Morgan, ele e seu companheiro Friedrich Engels tentaram integrar as idéias de Morgan em sua própria teoria evolucionária, pós-hegeliana. Os resultados incompletos dessa tentativa foram publicados por Engels em The Origin ofthe Fa­ mily, Private Property, and the State, em 1884, o ano seguinte à morte de Marx.

Marx O escopo e os objetivos da obra de Marx contrastam agudamente com os de Mor­ gan, apesar do envolvimento de ambos com explicações materialistas. Os escritos de Marx sobre as sociedades não-industriais são dispersos e constituem tentativas. Foi com a análise da sociedade capitalista em sua obra-prima Das Kapital (vols. 1-3, 1867, 1885, 1896; Ocapital, 1906) que ele deu sua contribuição permanente à teoria social. Apesar da derrocada do marxismo como movimento político no fim dos anos 1980, essa obra continua como influência acadêmica importante. Nascido no mesmo ano que Morgan, de família judia abastada, numa obscura ci­ dade alemã, Marx formou-se em filosofia antes de se dedicar a uma carreira como teó­ rico social, panfletário, editor, jornalista, organizador trabalhista e revolucionário. Ele se envolveu ativamente na onda revolucionária que abalou o establishment europeu em 1848-1849 e na Comuna de Paris em 1870. Depois da Comuna ele ficou conhecido como uma das figuras mais eminentes do movimento operário internacional. A influência de Marx sobre a teoria social é multiforme e complexa e pode ser detectada em muitas análises antropológicas até hoje (embora seja ainda maior sobre a sociologia, a história e a economia). A confluência de teoria social e ativismo polí­ tico é profunda em Marx e imprime em todo seu projeto um caráter paradoxal, ínstigante e provocante (ver Bennan 1982). Num sentido, Marx procurou durante toda

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sua vida conciliar um impulso idealista da filosofia alemã (particularmente Hegel) com uma cosmovisão materialista. As vezes se ouve dizer que Mane “pôs Hegel a seus pés” : ele conservou o princípio dialético de Hegel, mas afirmou que o movi­ mento da história se deu num nível material, não num nivel espiritual. Segundo Marx, a sociedade é constituída de infra-estrutura e superestrutura. A primeira compreende as condições para a existência - os recursos materiais e a divisão do trabalho; a se­ gunda inclui todos os tipos de sistemas ideacionais - religião, lei e ideologia. Em to­ das as sociedades uma contradição fundamental permeia toda a infra-estrutura: a que se constata entre as relações de produção (que organizam o trabalho e a propriedade) e as forças de produção (por exemplo, a tecnologia e a terra). Quando avanços tecno­ lógicos tomam relações de produção anteriores obsoletas surge o conflito de classes, e as relações de produção ficam alteradas - por exemplo, da escravidão ao feudalis­ mo e deste ao capitalismo. Marx afirmou que o sistema capitalista seria substituído pelo socialismo (dirigido por um a ditadura do proletariado) e finalmente pelo comu­ nismo sem classes - um a utopia em que tudo se tom a posse de todos. A teoria é tão ambiciosa, e em muitos aspectos tão ambígua, que fatalmente levan­ taria muitos problemas quando enfrentasse as complexidades do mundo real. Um exemplo disso é a análise de classes marxista. Em termos aproximados, Marx postula­ va que os que possuem e os que não possuem propriedade dos meios de produção constituem classes discretas com interesses específicos. O interesse objetivo da classe trabalhadora consiste em destituir a classe dirigente através da revolução. Mas a classe trabalhadora está apenas parcialmente consciente da exploração que sofre, uma vez que as verdadeiras relações de poder são ocultadas por uma ideologia que justifica a ordem existente. Fenômenos superesfruturais, como a lei, a religião ou o parentesco são infundidos tipicamente com um a “falsa consciência” que pacifica a população. M as, pergunta o antropólogo, esse m odelo é aplicável a contextos não-ociden­ tais? Como ele se harmoniza com a afirmação de M organ de que o parentesco é o princípio organizador fundamental nas sociedades primitivas? O parentesco faz par­ te da infra-estrutura? Como isso é possível, se o parentesco é um a ideologia que ocul­ ta a infra-estrutura? Toda distinção entre infra-estrutura e superestrutura, entre m ate­ rial e espiritual, deve ser abandonada? Em que sentido, se existe um, a ideologia é “menos real” do que o poder? Essas questões conquistaram uma importância cada vez maior na antropologia, e uma parte significativa da atração exercida por Marx atualmente está em sua capacidade de levantar questionamentos como esses, O próprio Marx não se esqueceu desses problemas. Sua extensa análise da for­ mação do valor é prova suficiente disso. O valor de um objeto em si mesmo, seu va­ lor de uso concreto, sua correspondência com necessidades humanas reais, é trans-

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formado, no capitalismo, num valor de troca abstrato, que é o valor em comparação com outros objetos. Objetos “materiais” são transformados em produtos “espiritu­ ais”, e quanto mais isso continua, mais abstrato, absurdo e alienado parece o mundo. Nessas passagens, “valor” se toma um conceito profundamente ambíguo, em que po­ der e ideologia, o material e o “espiritual” se entrelaçam inextricavelmente. Entre­ tanto, permanece a dúvida se Marx realmente resolveu o problema que pôs para si mesmo. Poderíamos observar, por exemplo, que suas dificuldades em aproximar o materialismo e o idealismo (hegeliano) lembram o problema de Morgan com as cau­ sas materialistas da terminologia do parentesco. Somente nos anos 1980 vimos um esforço combinado para resolver o paradoxo.

Bastian, Tylor e outros vitorianos Morgan e Marx pertenciam à primeira geração de cientistas sociais em atividade nas décadas de 1850 a 1870. Não obstante, embora a contribuição deles ofusque a da maioria dos seus contemporâneos, eles estavam longe de ser os únicos: Nos anos 1860, enquanto Morgan ainda trabalhava em seu belo volume sobre o parentesco, foram publicados na Europa vários livros que em parte complementa­ vam Morgan e era parte levantavam questões inteiramente diferentes. Em 1860 o prolífico antropólogo alemão Adolf Bastian (1826-1905) publicou o seu Der Mensch in der Geschichte em três volumes (“Man inHistory”, ver Koepping 1983). Bastian, médico por formação, tornou-se etnógrafo por influência dos innãos Wilhelm e Ale­ xander von. Humboldt, o lingüista e o geógrafo que revolucionaram o pensamento humanista e social na Alemanha durante a primeira metade dos anos 1800. Bastian viajou muito, na verdade estima-se que tenha passado vinte anos fora da Alemanha (Koepping 1983:8). Entre uma viagem e outra, ele escreveu seus livros, foi nomeado professor de Etnologia na Universidade de Berlim e diretor do Museu Imperial, fun­ dou o importante Berliner Museum für Völkerkunde em 1868 e contribuiu generosa­ mente para formar as coleções desse museu. Como os innãos Humboldt antes dele e Boas depois dele (capitulo 3), Bastian continuou a tradição alemã de pesquisa sobre Volkskultur que fora inspirada por Herder e criticou duramente os esquemas evolucionistas simplistas que começavam a se destacar nessa época. Como o único antropólo­ go de vulto do século dezenove, Bastian foi um crítico vigoroso e incisivo do evolucionísmo. Sua visão era que todas as culturas têm uma origem comum, da qual se ra­ mificaram em várias direções - uma visão que mais tarde foi desenvolvida com gran­ de sofisticação por Boas e seus alunos. Ele estava profundamente consciente das re­ lações históricas entre culturas, e assim antecipou um desdobramento que ocorreu posteriormente na antropologia alemã, especificamente, o difusionismo. Bastian in-

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elusive antecipou o estruturalismo e a psicologia junguiana quando afirmou que to­ dos os seres humanos têm certos padrões elementares de pensamento em comum: Elementãrgedanken, Foi principalmente na antropologia alemã, e em grande parte através da obra de Bastian, que o principio embrionário do relativismo cultural, evi­ dente em Herder mas ausente do pensamento iluminista e da antropologia an­ glo-americana do século dezenove, marcou presença na antropologia durante o sé­ culo dezenove. N a França, por exemplo, a escola sociológica de Augusto Comte (1798-1857) foi tudo, menos relativista, operando com um sistema rígido de três es­ tágios de evolução social. No ano seguinte à publicação de Der Mensch in der Geschichte, o advogado es­ cocês Henry Maine (1822-1888) publicou Ancient Law. Essa obra era principalmen­ te uma pesquisa sobre a história cultural baseada em fontes escritas. Maine procurou demonstrar como mudanças na legislação refletem mudanças sociais mais amplas e fez a distinção entre sociedades tradicionais baseadas em status e sociedades moder­ nas baseadas em contrato. Nas sociedades baseadas em status, os direitos são distri­ buídos através de relacionamentos pessoais, parentesco e posição social herdada. Por outro lado, a sociedade baseada em contrato baseia-se em princípios formais, escri­ tos, que funcionam independentemente das pessoas reais. A distinção entre status e contrato continua sendo adotada atualmente, e muitos estudiosos seguem a orienta­ ção de Maine ao distinguir entre dois “tipos ideais” - sociedades simples e comple­ xas - e são, por sua vez, criticados por excesso de simplificação. Uma idéia evolucionista que influenciou Morgan, Engels e outros, mas foi rejei­ tada desde então, foi a teoria do matriarcado original. Essa teoria foi proposta inicial­ mente pelo advogado suíço Johann Jakob Bachofen (1815-1887), em Das Mutterrecht (1861; “Mother’s Right”, ver Bachofen 1968). Bachofen defendia uma teoria evolucionista que passava de um estágio inicial de promiscuidade geral (Hetarismus) a uma primeira forma de vida social —matriarcado - em que as mulheres deti­ nham o poder político. Ele admitia que não existiam mais matriarcados reais, mas vestígios deles encontravam-se em sistemas de parentesco matrilineares, onde a des­ cendência segue principalmente a linha materna. Essa idéia, implicando que a huma­ nidade progrediu à medida que a liderança das mulheres foi sendo substituída pela dos homens, atraiu muitos seguidores, e quase foi considerada como fato natural pela geração seguinte de antropólogos. Na Inglaterra ela foi promovida por outro advoga­ do interessado em evolução social, John Ferguson McLennan (1827-1881). Apesar da inexistência de evidências etnográficas a favor dessa idéia, ela resistiu tanto que somente na década de 1970 antropólogas feministas se convenceram de que ela devia ser extirpada (Bamberger 1974).

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Assim, Morgan não trabalhou num vácuo intelectual O interesse pelos estudos comparativos da cultura e da sociedade estava aumentando, especialmente na Ingla­ terra e na Alemanha, e o acesso a dados empíricos confiáveis melhorava rapidamente graças ao colonialismo. Ainda assim, o único antropólogo do século dezenove a riva­ lizar com Morgan em influência foi Edward Bumett Tylor (1832-1917). E.B. Tylor recebeu uma educação quacre, uma crença que o impediu de ffeqüentar a universidade. Enquanto convalescia em Cuba, porém, ele descobriu seu interes­ se por arqueologia e foi convidado a participar de uma expedição a ruínas toltecas no México. Num período dominado pelo evolucionismo, o passo da pré-história à antro­ pologia foi curto, e a obra de Tylor como antropólogo logo lhe atrairia (e à disciplina) prestígio considerável. Em 1896 ele foi nomeado prüueiro professor britânico de an­ tropologia na Universidade de Oxford. Em 1912, foi nomeado cavaleiro. Tylor ainda era jovem quando publicou sua primeira grande síntese evolucionista, Researches into the Early History o fMankind and the Development o f Civilization (1865); e sua obra mais importante, Primitive Culture (1871), veio apenas alguns anos depois. Tylor propunha aqui um esquema evolucionista que lembrava o de Morgan em Ancient Soeiety (os dois livros foram publicados no mesmo ano). Ele e Morgan acredita­ vam na primazia das condições materiais. Também como Morgan, seu conhecimen­ to da variação cultural era vasto (Darwin se refere a Tylor várias vezes em sua obra dos anos 1870 sobre a evolução humana). Mas, diferentemente de Morgan, Tylor nào se interessava pela terminologia do parentesco, e em lugar dela desenvolveu uma teoria dos sobreviventes culturais. Sobreviventes eram traços culturais que haviam perdido suas funções originais na sociedade, mas haviam sobrevivido, sem nenhuma razão em particular. Esses traços eram de importância crucial para o esforço de re­ construção da evolução humana. Tylor advogava um método comparativo traço a traço, o que lhe permitia isolar sobreviventes do sistema social mais amplo. Embora mfluente na época, esse método foi abandonado pela geração seguinte de antropólo­ gos. Curiosamente, ele reapareceu em meados da década de 1970, quando o sociólo­ go Edward O. Wilson, numa aventura intelectual comparável à de Tylor, procurou conciliar variação cultural e evolucionismo darwinista (ver Ingold 1986). Mas a contribuição mais importante de Tylor à antropologia moderna é sua defi­ nição de cultura. Essa definição está na primeira página de Primitive Culture, com a seguinte redação; Cultura, ou civilização, tomada em seu sentido amplo, etnográ­ fico, é aquele todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, lei, costume e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade {Tylor 1958 [1871]: l).

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Por um lado, cultura é assim um termo geral que perpassa estágios evolutivos. Onde a evolução diferencia sociedades em termos qualitativos, a cultura une a humani­ dade. Tylor, como Bastían, foi um proponente explícito da “unidade psíquica da huma­ nidade”. E a semelhança com Bastian vai além disso. Tylor era versado em antropolo­ gia alemã e em filosofia e havia lido tanto o próprio Bastian como vários dos professo­ res dele (ver Koepping 1983). Por outro lado, Tylor equipara cultura com civilização, um termo qualitativo. Cultura assim, pelo menos implicitamente, se toma uma questão de grau: todos têm, mas não em quantidade igual. Esse conceito de cultura contradiz totalmente Bastian e toda a noção herderiana de Volk. Para Herder e seus sucessores, a humanidade consistia em culturas autônomas, limitadas. Para Tylor e outros evolucionistas vitorianos a humanidade consistia em grupos que eram aculturados em vários graus e distribuídos nos degraus de uma escada de evolução cultural. Nos anos entre 1840 e 1880 sociólogos e antropólogos levantaram todo um con­ junto de novos problemas. Enquanto Marx desenvolvia a primeira grande teoria de cu­ nho sociológico, abrangendo a modernização, a formação do valor, o poder e a ideolo­ gia, e enquanto Darwin formulava os princípios da evolução biológica, os antropólo­ gos estavam envolvidos num projeto de duas direções. Em parte, eles se ocupavam em esboçar grandes esquemas evolucionários - uni lineares na intenção e universalistas nas pretensões; em parte, tratavam de documentar a imensa amplitude da variação sociocultural humana - e do conhecimento assim acumulado emergiram as primeiras teorias de “baixo alcance” pertencentes a domínios etnográficos específicos, como o do parentesco, e enraizadas em descrições empíricas específicas e detalhadas. Ainda era raro o próprio antropólogo realizar estudos de campo, embora Morgan e Bastian fossem exceções notórias. Outra exceção, menos conhecida, foi o etnógrafo russo Nicolai Nicolaievich Miklukho-Maklai (1846-1888), que em 1871.40 anos antes de Malinowski, realizou um estudo de campo intensivo de 15 meses na costa da Nova Guiné e lançou as bases para uma rica tradição etnográfica na Rússia que é pra­ ticamente desconhecida no Ocidente (verPlotkin e Howe 1985). Mas a grande maio­ ria dos antropólogos coletava seus dados através de correspondência com adminis­ tradores coloniais, colonizadores, oficiais, missionários e outros “brancos” residen­ tes em lugares exóticos. Dada a qualidade desigual desses dados e as imensas ambi­ ções teóricas dos autores, esses estudos estavam quase sempre repletos do tipo de es­ peculação que Radcliffe-Brown (capítulo 3) mais tarde rejeitaria como história con­ jetural. Apesar desses defeitos, no entanto, os livros eruditos dos vitorianos possu­ íam um enfoque teórico e uma base empírica num grau nunca visto até então. A importância do parentesco nessa fase da evolução da disciplina não pode ser exagerada. A terminologia do parentesco era um campo empírico limitado. Entretan­

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to, mapeá-lo e compreendê-lo era uma experiência humilhante. Quanto mais o olhar se aproximava desses sistemas estranhamente formais, mais complexos eles pare­ ciam. De fato, para os primeiros praticantes dos estudos do parentesco, principal­ mente advogados de profissão, a tarefa parecia bastante simples. Eles procuravam um “sistema legal” que regulasse o comportamento em sociedades primitivas, e o paren­ tesco era o candidato óbvio - um sistema empírico de normas formalizadas, verbali­ zadas. No fim do século uma analogia muito comum era a de que o parentesco era um tipo de Pedra de Roseta do antropólogo que possibilitava que costumes primitivos fossem compreendidos e traduzidos em termos racionais.

The golden bough e A expedição a Torres Durante algumas décadas depois dos prolíficos anos 1860 e 1870, pouca coisa importante foi publicada no campo da antropologia. Também na sociologia a situa­ ção parece não ter sido melhor—com a notável exceção da obra de Ferdinand Tõnníes, Gemeinschaft und Gesellschaft {1887; Community andSociety, 1963), que pro­ punha uma dicotomia entre o tradicional e o moderno semelhante à de McLennan, embora com tom menos critico. Uma nova geração surgiu no decorrer desses anos. Muitos dos principais personagens analisados até aqui, entre os quais Marx, Morgan, Bachofen e Maine, estavam mortos. Na antropologia vemos a primeira instituciona­ lização da disciplina na Inglaterra, Alemanha, França e Estados Unidos.(Tradições nacionais independentes começavam a se cristalizar e conjuntos distintos de ques­ tões eram formulados em cada um desses quatro países))Os alemães seguiram a lide­ rança de Bastian c dos lingüistas comparativos, cujoTsxito em deslindar a história das línguas indo-européias foi quase tão sensacional, em seu tempo, quanto o evolucionismo de Darwin. Eles elaboraram um programa de pesquisa para o estudo da pré-história humana que imitava a difusão e o movimento de línguas de modo muito próximo à forma como o evolucionismo imitava a biologia. Esse programa, o difusionismo, estudava a origem e a disseminação de traços culturais. O desafio lançado por esses historiadores concretos às histórias abstratas do evolucionismo fez com que o diíusionismo se tomasse uma inovação efetivamente radical em tomo da virada do século. Nos Estados Unidos e na Inglaterra o evolucionismo continuou predominan­ do, mas os estudiosos se especializavam cada vez mais, concentrando-se em subcampos específicos, como parentesco, religião, magia ou justiça. Todos esses pro­ gramas de pesquisa, porém, passaram por dificuldades muito sérias por falta de da­ dos rigorosos e detalhados. Essa lacuna se tomara progressivamente mais evidente ao longo do século dezenove, e agora o consenso quase universal nesse campo refle­ tia a necessidade de mais e melhores dados. Já em 1857 antropólogos ingleses publi-

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caram a primeira edição daquela que se tornaria a obra autorizada nos métodos de campo durante quase um século - Notes and Queries on Anthropology;, que na conti­ nuidade foi reeditada em quatro edições revistas e ainda mais detalhadas. Mas a ino­ vação metodológica que todos esperavam só chegou depois da consolidação de uma concepção radicalmente nova do trabalho de campo antropológico. O último grande evolucionista vitoriano foi James George Frazer (1854-1941), um aluno de Tylor que se celebrizou muito além dos círculos antropológicos por sua obra-prima The Golden Bough; o livro teve sua primeira edição lançada em 1890, em dois volumes, mais tarde ampliados para ocupar doze tomos enormes. The Golden Bough é uma extensa ^investigação comparativa da história do mito, da religião e de outras “crenças exóticas”, com exemplos tirados de todas as partes do mundqi Como muitos evolucionistas, Frazer acreditava num modelo de evolução cultural em três etapas: um estágio “mágico” é seguido por um estágio “religioso” que dá lugar a um estágio “científico”. Esse esquema geral tem suas origens em Vico e é desenvolvido por Comte. Embora Frazer considerasse claramente os ritos mágicos como irracio­ nais e tivesse como pressuposto que os “primitivos” baseavam sua vida numa com­ preensão totalmente errônea da natureza, seu principal interesse era identificar pa­ drões e traços universais no pensamento mítico. Com algumas exceções notáveis (sendo Lévi-Strauss uma delas), os antropólogos modernos raramente consideram Frazer como alguém mais do que uma figura histórica. Sua influência, porém, foi maior fora da antropologia; dois dos seus admiradores mais entusiasmados foram o poeta T.S. Eliot e o psicólogo Sigmund Freud. No entanto, a fascinante e densa obra de Frazer não teve continuidade em pesquisas posteriores. Ela se ergue solitária, um monu­ mento imponente à insegura base empírica do evolucionismo vitoriano. Outrq'empreendimento britânico na virada do século, menos observado na época e muito menos conhecido fora da antropologia, qual seja, a Expedição a Torres, orga­ nizada na Universidade de Cambridge cm 1898, com destino ao Estreito de Torres, entre a Austrália e a Nova Guiné, teve retrospectivamente repercussões mais amplas. A expedição foi planejada para coletar dados detalhados sobre a população tradicio­ nal das ilhas na área e incluía vários antropólogos - embora todos fossem especiali­ zados em outras disciplinas, pois a formação acadêmica em antropologia ainda era rara. Alfred C. Haddon (1855-1940) eraoriginalmentezoólogo, William H.R. Rivers (1864-1922), psicólogo, e Charles G. Seligman (1873-1940) era médico. Em con­ traste com o ideal individualista do trabalho de campo britânico posterior, a expedi­ ção a Torres foi um esforço coletivo em que especialistas de várias disciplinas explo­ raram diferentes aspectos da cultura local. No entanto, devido à alta qualidade e ao impressionante volume de dados coletados, muitos consideram esses antropólogos

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como os prim eiros pesquisadores de campo verdadeiros? “A antropologia social bri­ tânica nasceu com o trabalho de cam po realizado por eles”, escreve um comentador i Hynes 1999). Haddon, colega de Frazer na Universidade de Cambridge, havia planejado a ex­ pedição a Tomes como um projeto de campo “ideal”, em que os participantes explo­ rariam todos os aspectos da vida nativa: etnografia, psicologia, linguística, antropo­ logia física e musicologia. Ele próprio seria responsável pelas áreas da sociologia, do folclore e da cultura material. Para Seligman, que mais tarde se tornaria figura central no influente departamento de antropologia na London School o f Economics (LSE), a expedição foi o início de uma carneira que, depois das atividades desenvolvidas na M elanésia e no Sri Lanka, culm inaria em vários estudos de campo importantes no Sudão. Ele assim contribuiu decisivamente para deslocar o foco da antropologia in­ glesa das ilhas do Pacífico (onde perm aneceu até anos adentro da década de 1920) para a África (que em pouco tempo se tomaria um a m ina de ouro etnográfica). A obra mais importante de Seligman baseada no Sudão, em co-autoria com sua mulher Brenda Seligman (Seligman e Seligman, 1932) é ainda hoje considerada um clássico em seu campo. Rivers foi o membro mais estranho da expedição. Até sua m orte prem atura em 1922, ele era professor na Universidade de Cambridge, onde investiu muito esforço para desenvolver uma antropologia psicológica, um projeto muito adiante do seu tempo para ter sucesso. Quase no fim da vida. Rivers foi influenciado pela psicologia de Sigmund Freud. Durante a expedição a Torres, ele se concentrou particularm ente nas capacidades mentais dos nativos e de modo especial no uso que faziam dos senti­ dos. Em 1908 publicou um a m onografia descritiva, The Todas, baseado em seu tra­ balho numa tribo no sul da índia; e, em 1914, The History>o f Melanesian Society’, uma obra completa que esboçava a imensa variação cultural da M elanésia e a expli­ cava como resultado de repetidas ondas de migração, uma hipótese que ainda é acei­ ta, com as devidas modificações, entre os arqueólogos atuais. Com essa obra, Rivers começou a se afastar do evolucionismo e a seguir na direção da nova escola do difuMonismo, tema dos seus últimos trabalhos.

Difusionismo Os difusionistas estudavam a distribuição geográfica e a m igração de traços culuraís e postulavam que culturas eram mosaicos de traços com várias origens e histó"ias. As partes de um a cultura, portanto, não estão todas necessariamente ligadas a um todo maior. Em contraste, a m aioria dosqvolucionistas sustentava que as socie­ dades eram sistemas coerentes, funcionais.' N a verdade, os evolucionistas também

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reconheciam a existência de traços culturais isolados, não-funcionais (os sobreviven­ tes de Tylor) e, na prática, esses recebiam uma quantidade desproporcional de aten­ ção analítica (considerando que eram atípicos), um a vez que eram a chave para re­ construir as formas sociais do passado. M as quando a perspectiva evolucionista su­ cum biu, a idéia de sociedades como todos coerentes tam bém ficou desacreditada (em bora se m antivesse forte na sociologia e logo reapareceria com força renovada na antropologia social inglesa). Agora todos os traços culturais eram “sobreviventes” potenciais. Os difusionistas ainda os usavam para reconstruir' o passado, m as “o pas­ sado” não era m ais um m ovim ento unilinear através de estágios bem definidos. A história cultura] era uma narrativa fragm entada de encontros culturais, m igrações e influências, cada instância da qual era única. N as prim eiras décadas do século vinte o difusionism o foi um a alternativa atraente para o evolucionism o, porque ele respeita­ va m ais os fatos da realidade e porque suas pretensões teóricas eram m ais m odestas. O fato de que tecnologia e idéias podiam viajar não era um a descoberta nova. No século dezoito, filólogos alem ães haviam m ostrado que línguas européias e do norte da índia tinham origens comuns. Os arqueólogos haviam descoberto que a cerâmica e outros artefatos haviam se difundido de centros culturais para as periferias. Os eu­ ropeus estavam cientes de que a religião dom inante do seu próprio continente tinha origens m édio-orientais. O que era novo com relação ao difusionism o antropológico era seu esforço com parativo sistem ático e sua ênfase no conhecim ento empírico de­ talhado. Com o Rivers, m uitos difusionistas trabalhavam em regiões lim itadas, onde era possível dem onstrar convincentem ente que traços culturais específicos tinham um a história possível de identificar. O difusionism o foi principalm ente um a especialização germ ânica, com centros nas grandes cidades-m useu de Berlim e Viena. Salvo R ivers,1o difusionism o teve pouca influência direta sobre as antropologias inglesa e francesa (mas, com o vere­ m os, teve repercussões im portantes nos Estados Unidos),iCom o seus colegas de ou­ tros países, os antropólogos alem ães do século dezenove tendiam a concordar com algum tipo de estrutura evolucionista. M as com sua ênfase no singular e no local, e com o relativism o que observam os na obra de Bastían, a influência de H erder neutra­ lizou essa tendência, e quando o evolucionism o foi questionado na virada do século, essa tradição recebeu novo impulso. Estudiosos como Friedrich R atzel (1844-1904), Fritz G raebner (1877-1934), Leo Frobenius (1873-1938) e W ilhelm Schm idt (18681954) seguiram a orientação de Flerder (e Bastian), enfatizando a singularidade da herança cultural de cada povo. Eles sustentavam que a evolução cultural não era uni­ linear e que não havia um elo determ inista sim ples entre, digam os, a com plexidade tecnológica e a com plexidade em outras áreas. Um povo com um a tecnologia sim ­ ples poderia perfeitam ente bem ter um sistem a religioso altam ente sofisticado.

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Os difusionistas tinham como objetivo realizar uma descrição completa da difusão de traços culturais dos tempos primitivos até hoje. Eles desenvolveram classificações complexas (às vezes, diga-se, bastante enigmáticas) de “círculos culturais” (Kulturkreisé) e acompanharam sua possível disseminação a partir de um centro original. Em cer­ tos casos, como nos estudos de Graebner sobre a Oceania, eles puderam identificar até sete sedimentos historicamente discretos ou Kulturkreise em cada sociedade. Observe-se que o difusionismo não se desvinculou de suas bases evolucionistas da noite para o dia. A maioria dos difusionistas ainda acreditava que a mudança so­ cial geralmente levava ao progresso e a um aumento da “sofisticação”. O aspecto a que se opunham no que se refere ao evolucionismo vitoriano era seu caráter uni linear e determinista: a idéia, encontrada em Tylor e outros, de que todas as sociedades de­ vem passar por certos estágios que seriam mais ou menos semelhantes em todo o mundo. A visão de mundo difusionista era menos metódica do que isso e mais sensí­ vel à variação local. Como veremos no próximo capítulo, tanto o evolucionismo como o difusio­ nismo foram totalmente superados pelas gerações seguintes de antropólogos so­ ciais e culturais. Mas p pesquisa difusionista foi em geral muito mais sofisticada do que antropólogos posteriores se dispuseram a admitir, e na área de língua ale­ mã, especialmente na Áustria, o programa da Kulturkreise continuou vigoroso até a década dc 1950. O difusionismo foi também importante para os antropólogos do Leste Europeu, e principalmente para o grande grupo dei antropólogos russos que seguiram a orienta­ ção deMiklukho-Maklai. Três nomes de destaque foram Vladimir llich Jochelson (1855-1937), Vladimir Germanovich Bogoraz (1865-1936) eLev Yacovlevich Shtemberg (1861-1927),) todos exilados na Sibéria Oriental por ordem do czar; ali aprovei­ taram a oportunidade para realizar um trabalho de campo prolongado entre os povos indígenas da região. Em tomo da virada do século, eles participaram de uma importante expedição russo-americanajaos povos indígenas em tomo do! Estreito de Bering, organizada por um alemão-americano de nome Franz Boas./Esses pesquisado­ res eram de orientação difusionista, e de fato o difusionismo é ainda hoje uma teoria respeitável na Rússia, com longas tradições e elevados padrões analíticos e metodo­ lógicos! No Ocidente, o difusionismo sobrevive na tradição dos estudos do imperialismo, derivada em última análise de Marx e Lênin, mas que tomou a aparecer com nomes como “estudos da dependência”, “estudos do sistema global” e, mais recente­ mente, “estudos da globalização” (ver capítulos 7 e 9).. A influência marxista aqui acrescenta poder ao componente herderiano dos difusionistas, com um resultado mais potente e violento.

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A nova sociologia As novas gerações de antropólogos, apresentadas nos próximos capítulos, ti­ niram boas razões para se distanciar do evolucionismo e do difusionismo. Elas esta­ vam convencidas de que haviam descoberto uma alternativa teórica com maior po­ tencial do que qualquer teoria de variação sociocultural anterior. Antropólogos britâ­ nicos (e num grau menor, americanos) haviam descoberto a sociologia continental. O que os livros-texto e os cursos de graduação chamam de “sociologia clássica” em geral se refere à oeuvre de um punhado de teóricos (principalmente alemães ou franceses) que produziu a maior parte de sua obra entre a década de 1850 e a I Guerra Mundial. Os expoentes da primeira onda foram Marx, Comte e Spencer, embora os dois últimos estejam quase esquecidos atualmente. A segunda geração incluiu Ferdi­ nand Tönnies (1855-1936), Émile Dürkheim (1858-1917), Georg Simmel (18581918) e Max Weber (1864-1920). Como Marx, todos esses autores ainda são lidos pelo interesse intrínseco de sua obra (mais do que como expressões de um Zeitgeist histórico). TÕnnies, na sociologia, analisou a dicotomia simples/complexo da socie­ dade, acrescentando complexidade e nuança aos esquemas simplistas que o haviam precedido; Simmel (hoje em fase de reabilitação) é admirado por seus estudos da mo­ dernidade, da cidade e do dinheiro. Dürkheim e Weber ainda são considerados im­ portantes o bastante para inspirar comentários extensos e freqüentes. De todos os so­ ciólogos clássicos, porém, Dürkheim é o mais importante para a antropologia, em parte porque ele próprio se interessava por muitos temas antropológicos, em parte por causa da sua influência direta e imediata sobre a antropologia inglesa e francesa. Nos Estados Unidos, a influência da “sociologia clássica” só se fez sentir muitos anos mais tarde, mas nunca foi tão forte como na Europa. A principal influência aqui foi de Bastian e da escola Völkerkunde, introduzida na antropologia americana por seu pai fundador (alemão), Franz Boas. Os principais antropólogos americanos do início do século vinte orientavam-se portanto para a história cultural, para a lingüística e mesmo para a psicologia mais do que para a sociologia.

Dürkheim Como Marx, Dürkheim nasceu numa família judia (numa pequena cidade perto de Estrasburgo) e seus pais queriam que ele se tornasse rabino. Seu desempenho es­ colar, porém, foi tão bom, que ele foi aceito na prestigiosa École Normale Supérieure em Paris, fato que lhe possibilitou seguir mais tarde uma carreira acadêmica. Durante o período de formação ele perdeu a fé religiosa e passou a fazer parte de um meio in­ telectual dinâmico e crítico. Ao longo de toda sua vida, Dürkheim interessou-se pro-

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fundamente por questões morais e sempre se empenhou em promover reformas so­ ciais e educacionais. Em 1887 foi nomeado professor assistente de pedagogia e so­ ciologia na Universidade de Bordeaux, tomando-se o primeiro cientista social fran­ cês a exercer uma função acadêmica. Durante esse período, que se prolongou até sua mudança para Paris em 1902, Durkheim escreveu duas de suas obras mais importan­ tes, De la division du travail social (1893; The division o f labour in society, 1964) e Le suicide ( 1897; Suicide, 1951). Ele também fundou a influente revista L 'Année So­ ciologique, que continuou a editar depois de transferir-se para Paris. Como professor na Sorbonne, de 1906 até sua morte em 1917, a influência de Durkheim sobre a socio­ logia francesa posterior e sobre a antropologia foi enorme. Com seu'sobrinho e su­ cessor intelectual Marcel Mauss ple escreveu extensamente sobre povos não europe­ us; uma obra notável nesse sentido é Classification primitive ( 1900; Primitive classi­ fication, 1963), um estudo das origens sociais dos sistemas de conhecimento, basea­ do em dados etnográficos, especialmente da Austrália. Esse livro, que postula uma ligação intrínseca entre classificação e estrutura social, ainda é ponto de referência para estudos antropológicos de classificação. Diferentemente tanto de difusionistas como de evolucionistas, Durkheim não ti­ nha um interesse particular pelas origens. Ele procurava mais explicações sincrônicas do que diacrônicas. Como os difusionistas, mas diferentemente dos evolucionistas, ele estava profun­ damente empenhado em fundamentar sua reflexão de cunho antropológico em dados observáveis, em geral quantificáveis. Diferentemente dos difusionistas, porém, cie es­ tava convencido de que as sociedades eram sistemas lógicos, integrados, em que todas as partes eram dependentes umas das outras e trabalhavam juntas para manter o todo. Nisso ele se aproximava dos evolucionistas que, como ele, faziam analogias entre os sistemas funcionais do coipo e a sociedade. De fato, Durkheim freqüentemente descre­ via a sociedade como um organismo social. Como Tönnies e Maine, mas diferente­ mente de Marx e Morgan, Durkheim admitia uma divisão dicotômica de tipos sociais deixando de lado toda essa questão de “estágios” e “evolução”, ele justapunha socieda­ des tradicionais e modernas sem postular que as primeiras evoluiriam para as segun­ das. As sociedades primitivas não eram “sobreviventes” de um passado nebuloso nem “passos” em direção ao progresso, mas organismos sociais que mereciam ser estuda­ dos por seu valor intrínseco. Finahnente, diferentemente de Bastian e da escola Völker­ kunde, Durkheim estava interessado, não com a cultura, mas com a sociedade, não com símbolos e mitos, mas com organizações e instituições. " O livro sobre a divisão do trabalho concentra-se no estudo da diferença entre orga­ nizações sociais simples e complexas. Na visão de Durkheim, as primeiras se baseiam

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na solidariedade mecânica. As pessoas apoiam a ordem social existente e umas às ou­ tras porque têm a mesma vida em comum dia após dia, realizam as mesmas tarefas e se percebem semelhantes. Nas sociedades complexas, por outro lado, prevalece a solida­ riedade orgânica. Aqui, sociedade e compromisso mútuo são mantidos pela percepção que as pessoas têm umas das outras como diferentes, com papéis complementares. Cada uma realiza uma tarefa diferente que contribui para o todo. Durkheim acrescenta que as duas formas de solidariedade devem ser compreendidas como princípios gerais de interação social mais do que como tipos sociais. A maioria das sociedades tem ele­ mentos de ambas. Além disso, a distinção faz mais do que postular um contraste entre “nós mesmos” e o “outro”. Tanto Durkheim como muitos de seus sucessores, até Louís Dumont (ver capítulo 6), estavam impressionados com as complexidades da sociedade indiana tradicional e sustentavam que o sistema de castas dessa sociedade expressava uma forma avançada de complexidade orgânica. A última obra de Durkheim, talvez a mais importante, Les Formes élémentaires dela vie réligieuse (1915; The Elementary Forms ofReligious Life, 1995), foi publi­ cada dois anos antes de sua morte. Aqui, ele tenta apanhar o sentido de “solidarieda­ de” em si, da força mesma que mantém a sociedade. A solidariedade, afirma Dur­ kheim, surge das representações coletivas - um termo polêmico na época e também nos dias atuais. As representações são “imagens” simbólicas ou “modelos” de vida social comuns a um grupo. Essas “imagens” se desenvolvem através de relações interpessoais, mas adquirem um caráter objetivo supra-individual. Elas constituem uma realidade totaiizante, virtual, “socialmente construída” que ecoa Kant e Hegel, e que para as pessoas que vivem na sociedade são tão reais quanto o mundo material. Mas elas não são imagens objetivas desse mundo, e sim entidades morais, com poder so­ bre as emoções. A religião se toma um objeto de pesquisa importante para Durkheim, porque é aqui, mais do que em qualquer outra parte, que se estabelece e fortalece o apego emocional dos indivíduos a representações coletivas. Esse apego se forma principalmente no ritual, no qual a religião é expressa através da interação física e a solidariedade se toma uma experiência direta, corporal. O ritual se separa da vida diária profana, traçando um círculo mágico protetor em tomo do seu próprio domí­ nio sagrado, proibido. Essa demarcação permite que a experiência do ritual seja in­ tensificada até que uma união quase mística seja alcançada. Trazendo a lembrança dessa experiência de volta à vida diária, nós lembramos como o mundo é realmente. A religião e o ritual atraíam de longa data o interesse dos antropólogos, que os haviam documentado numa grande variedade de formas empíricas. O problema da compreensão da integração social em sociedades sem Estado fora uma preocupação importante (embora em geral implícita) no evolucionismo, E a perplexidade diante

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dos símbolos e costumes exóticos dos “outros” foi o ponto de partida de toda pesqui­ sa antropológica. Agora Durkheim parecia oferecer uma ferramenta analítica que in­ tegraria todos esses interesses. “O exótico” podia ser compreendido como um siste­ ma integrado de representações coletivas cuja função era criar solidariedade social. E a religião, o fenômeno mais mistifícante e “exótico” de todos, acabou se transfor­ mando no dínamo racional propulsor de todo esse processo. Quando antropólogos ingleses aderiram a Durkheim no início do século vinte (capítulo 3), eles descobriram um sem-número de aplicações da teoria durkheimiana ao estudo da religião, dos sistemas legais e do próprio parentesco. Assim, Durkheim é freqüentemente descrito como o fundador do estrutural-funcionalismo, embora este seja de fato uma escola puramente britânica, desenvolvida por Radcliffe-Brown e seus alunos. Mas Durkheim e a “Escola Inglesa” concordavam em que os fenôme­ nos sociais e as representações coletivas que os acompanham eram entidades com existência objetiva. No seu Règles de la méthode sociologique (1895; Ruies ofSociological Method, 1982), Durkheim sustenta que os fenômenos sociais devem ser estu­ dados “como coisas” {comine des choses) - e descreve os indivíduos mais como pro­ dutos da sociedade do que como seus produtores. Seu contemporâneo Max Weber, o último grande sociólogo clássico com lugar no panteão antropológico, encarna uma posição contrária em vários aspectos.

Weber M ax W eber cresceu no seio de uma família prussiana próspera e autoritária, foi educado nas universidades de Berlim, Heidelberg e Gõttingen e projetou-se rapida­ mente no mundo acadêmico alemão. Ele foi nomeado professor com 31 anos de ida­ de (em 1895) e no decorrer de alguns anos publicou obras de erudição sobre temas tão diversos como a queda do Império Romano e problemas agrícolas na Alemanha Oriental do seu tempo. De sua mãe, educada numa família calvinista rígida, ele her­ dou ideais de ascetismo e de disciplina rígida no trabalho, o que pôs em prática em sua vida acadêmica. Em 1898, depois de apenas três anos de atividade, ele sofreu um colapso mental, e só conseguiu retom ar ao trabalho cinco anos mais tarde. Imediata­ mente após sua recuperação, W eber escreveu o livro que muitos consideram o me­ lhor: Die protestantische Ethik und der "Geist" der Kapitalismus (1904-1905; The Protestant Ethic and the Spirit ofCapitalism , 1976). Trata-se de uma obra de história cultural e econômica que analisa as raízes da modernidade européia. W eber afirma que os calvinistas (e outros cristãos puritanos dos séculos dezesseis e dezessete) for­ mularam uma visão da vida que correspondia proximamente à imagem do capitalista perfeito. Os calvinistas acreditavam que a vida humana era predestinada, que uns

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poucos eram escolhidos por Deus para a salvação, mas que era impossível para os se­ res humanos compreender quem seria escolhido ou por que as coisas deviam ser as­ sim. O Deus de Calvino era frio e intolerante. Ele exigia obediência, mas nâo expli­ cava suas razões. Segundo Weber (e acreditamos que aqui ele possa estar falando por experiência pessoal), essa ambigüidade, associada a uma doutrina implacável, criou uma tensão insuportável na vida dos calvinistas. Na busca de soluções, descobriram que só o trabalho árduo somado a um estilo de vida frugal podena aproximá-los da graça de Deus. Eles eram estimulados a produzir resultados, mas proibidos de sabo­ rear os frutos do seu esforço. Em vez disso, reinvestiam seus ganhos em sua “empre­ sa”, gerando uma espiral de lucros cada vez maiores para a “glória de Deus”. A questão de Weber não é necessariamente que o cal vinismo era a causa do capi­ talismo. As razões da ascensão do capitalismo eram muitas, e o reinvestimento não era de modo algum invenção de Calvino, A questão era antes que o calvinismo (e num sentido mais amplo, o protestantismo como um todo) formulou uma ideologia explícita afinada com a ética capitalista. Na Alemanha de Weber, as humanidades ou, literalmente, “ciências do espírito” (Geisteswissenschaften), gozavam de grande prestígio, e a hermenêutica era consi­ derada um componente natural de uma educação refinada. E foi a hermenêutica, a ciência que tem como objetivo compreender e inteipretar o ponto de vista de uma cultura, pessoa ou texto desconhecidos, que inspirou Weber a pesquisar as motiva­ ções por trás das ações, a maneira como determinado modo de agir podia fazer senti­ do aos indivíduos;1Nessa perspectiva, Weber é um dos primeiros representantes do que mais tarde se chamariaide individualismo metodológico.!Interessa-lhe não o sis­ tema ou o todo, mas o fato de que, quando indivíduos fazem coisas, eles têm razões para fazê-las. Por isso, ^sociologia de Weber está associada à palavra alemã Verstehen (compreensão). É uma sociologia da “compreensão”^ da “empatia” que procura “pôr-se nos sapatos do outro”, apreendendo os motivos desse outro, as escolhas com que ele se defronta e as respostas que seriam naturais para ele em face das circunstân­ cias concretas de sua vida. Em outras palavras, Verstehen implica um foco sobre [o que o mundo significa para os índividuos e que tipo de significado ele tem. O que o próprio Weber procurava compreender, porém, era acima de tudo o po­ der. O poder foi um tema dos mais importantes também em Marx (o relevo é menor em Durkheim), mas ambos atribuíam à palavra sentidos bem diferentes, para Marx, a base do poder era o controle dos meios de produção, e por isso estava associado à propriedade. O poder sofre contestação, é subvertido, e a sociedade se transforma até aqui Marx e Weber concordavam perfeitamente.; Mas de acordo com Marx a mu­ dança não surge de indivíduos que buscam valores e se esforçam por objetivos, mas

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de conflitos estruturais de movimento lento nos abismos do sistema social. Marx via o poder como uma força anônima que esconde sua face verdadeira atrás do véu da ideologia, Weber concentrava-se nos efeitos das estratégias individuais para alcan-

Como seus contemporâneos, os difusionistas, Weber se opunha a esquemas teó­ ricos abstratos, “distantes da experiência”. O que importava era a coincidência parti­ cular, histórica. Weber não via nada irrazoável em supor que poder e propriedade muitas vezes estavam ligados, mas ele se recusou a generalizar além disso. 0_poder, conforme definido por ele, é a habilidade de levar alguém a fazer alguma coisa que,de outro modp^elejiãp faria. Poder (ou autoridade) legítimo é o poder baseado num mínimo de coerção física e violência, considerado como legal, moral, natural ou fato da vida produzido por Deus, e aceito por uma população que foi ensinada a acreditar que as coisas são assim. Em sua segunda grande obra, Wirtschaft und Gesellschaft (publicada postumamente em 1922; Economy and Society, 1968), Weber descreve três tipos ideais de poder legítimo. O “tipo ideal” é outro neologismo weberiano im­ portante: refere-se a modelos simplificados que podem ser aplicados ao mundo real para revelar aspectos específicos do seu funcionamento —assim, os “tipos ideais” em si não têm realidade empírica. Os três tipos ideais de poder legítimo de W eber podem ser descritos resumidamente desse modo: autoridade tradicional é o poder legitima­ do por ritual e parentesco; autoridade burocrática é o poder legitimado pela admi­ nistração formalizada; autoridade carismática é o poder do profeta ou do revolucio­ nário de “dominar as massas”. Os três tipos, ressalta Weber, podem muito bem coe­ xistir numa mesma sociedade. Os dois primeiros tipos parecem assemelhar-se às di­ cotomias primitivo/modemo propostas por Maine, Tõnnies ou Durkheim. O terceiro tipo, porém, é uma inovação. Ele demonstra que Weber, nos últimos anos de sua vida, havia lido Nietzsche e Freud, dois pensadores contemporâneos de língua alemã que afirmavam vigorosamente a primazia do indivíduo. Weber esclarece que existe um tipo de poder que é imprevisível e individual e que se baseia na capacidade de se­ dução do indivíduo excepcional mais do que na propriedade (Marx) ou em normas estáveis (Durkheim). Assim, para Weber, a sociedade é um esforço mais individual e menos coletivo do que para Marx ou Durkheim. A sociedade não é, como em Durkheim, uma ordem moral dada de uma vez por todas. Também não é, como em Marx, produto de forças coletivas ponderosas que os indivíduos não podem compreender nem influenciar. A sociedade é uma ordem ad hoc gerada quando diferentes pessoas com diferentes in­ teresses e valores se encontram, discutem e tentam (em última análise pela força) convencer umas às outras e chegam a alguma espécie de acordo. Dessa forma, cõm-

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petição e conflito são para W eber fontes potenciais de m udança construtiva. Aqui ele concorda com Marx e se opõe a Durkheim, que admitia que m udança e decadência eram praticamente sinônimos. Mas em W eber conflitos não são, como em Marx, vastos e impessoais, mas provocados por indivíduos. Assim, enquanto M arx e Dur­ kheim desenvolveram, cada um, um tipo diferente de coletivismo metodológico, que estuda a sociedade principal mente como um todo integrado, W eber apresentou um individualismo metodológico para o qual as sociedades podiam ser confusas, incoe­ rentes e imprevisíveis. A influência do legado de W eber sobre a antropologia foi menos direta do que a de Durkheim, ele próprio instrumental na criação da m oderna antropologia francesa. Embora W eber se tom asse rapidamente um representante fundamental na sociologia internacional, seu impacto sobre a antropologia ocorreu em grande parte depois da II Guerra Mundial. E um testemunho ao seu grande escopo como teórico que antropó­ logos de orientações tão diferentes como o hermeneuta Clifford Geertz e o individua­ lista metodológico Fredrik Barth sejam profundam ente devedores a W eber, embora por razões diferentes. Em torno da virada do século vinte sociólogos continentais estavam envolvidos num discurso candente sobre questões de teoria social, atingindo níveis de sofistica­ ção difíceis de ser alcançados por antropólogos. Em nossos dias, os antropólogos ci­ tam M arx, Durkheim e W eber com ffeqüência muito m aior do que citam M organ, Bastian ou Tylor, que em pouco tempo seriam realmente desacreditados pelos segui­ dores de Durkheim. N um curto período de tem po, o impacto de D urkheim abalaria profundam ente a antropologia, enquanto W eber e M arx continuavam envoltos em sombras, só aparecendo como influências importantes depois da 11 Guerra Mundial. Não obstante, a herança da antropologia do século dezenove é mais rica do que em geral se supõe. O evolucionismo nunca desapareceu completam ente e teve vários proponentes influentes no século vinte. Como apontamos acima, o difusionismo ain­ da é uma força a ser levada em consideração. M uitos conceitos subsistiram e conti­ nuam sendo adotados: a distinção de M aine entre contrato e status, a definição de cultura de Tylor e as formas culturais incipientes de Bastian sào todas “sobreviven­ tes” (para usar um termo nativo) da antropologia vitoriana. No entanto, só com os avanços descritos no próxim o capitulo é que a antropologia social e cultural entra em cena como a conhecemos atualmente.

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Quatro pais fundadores

O s longos anos do reinado da rainha Vitória, que começou duas décadas depois do fim das Guerras Napoleônicas e terminou com a Guerra dos Bôeres na África do Sul, foram um tempo de relativa paz e prosperidade na Europa. Até esse momento, os avanços tecnológicos e as inovações científicas haviam sido admiráveis, os impérios coloniais francês, britânico, alemão e russo haviam se expandido, a economia fora reestruturada e crescera; houvera aumentos enormes de população e progressos im­ portantes na democracia e na educação. Nas últimas décadas do século dezenove, sob a liderança inquestionável da Grã-Bretanha, emergiu um mundo de intercâmbio intenso (e exploração global), de internacionalização cultural (e imperialismo cultu­ ral) e de enorme integração política (muitas vezes na forma de colonialismo). Nesse cenário histórico, as teorias evolucionistas poderiam parecer a expressão de um fato óbvio da natureza. Os vitorianos viam sua conquista do mundo como evidência pal­ pável de que sua cultura era mais evoluída que a de todos os outros. No início do século vinte esse otimismo sofreu fortes abalos e pouco depois se dissipou com as atrocidades da 1Guerra Mundial, A teoria dos sonhos e do subcons­ ciente de Sigmund Freud, publicada em 1900, e a teoria da relatividade geral (1905) de Albert Einstein podem ser vistas como passagens simbólicas para uma nova e mais ambivalente etapa da modernidade. Essas teorias investiam contra a própria substância do mundo vitoriano: Freud dissolveu o indivíduo livre e racional, o meio e o fim do progresso, em desejos subconscientes e sexualidade irracional. Albert Eins­ tein desconstruiu a física, a mais abstrata das ciências empíricas e fundamento da inovação tecnológica, em incerteza e fluxo. Em 1907, Amold Schoenberg compôs os primemos compassos da música dodecafônica e Pablo Picasso começou a fazer expe­ rimentos com a pintura não representacional, ou abstrata. O Modernismo nasceu nas artes, um movimento que - apesar de seu nome confuso - oferecia uma visão ambi­ valente da verdade, da moralidade e do progresso. Na política, os anarquistas procla-

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História da Antropologia

mavam a destruição do Estado e as feministas exigiam o fim da família burguesa. Menos de duas décadas do início do novo século, uma guerra devastadora deixou a velha Europa em ruínas e a Revolução Russa estabeleceu uma nova, assustadora ou atraente versão do racionalismo moderno. Foi nesse período turbulento de decadên­ cia e renovação, desilusão e novas utopias que a antropologia se transformou numa ciência social moderna. Um olhar retrospectivo revela que a história da antropologia até por volta de 1900 não transcorreu, definitivamente, segundo os moldes da “evolução unilinear”. Questões levantadas com convicção por pensadores iluministas e românticos do sé­ culo dezoito tardio foram efetivamente ignoradas pelos antropólogos nas décadas de 1800. Esse descaso se aplica de modo especial aos problemas do relativismo e da tra­ dução cultural, que figurariam entre as questões essenciais da antropologia ao longo de todo o século vinte. As importantes descobertas na filologia comparada alemã, particularmente a inter-relaçâo entre as línguas indo-européias, foram transformadas em especulações inconsistentes nas mãos de evolucionistas comparativos. (“Dege­ neração” era o termo dos evolucionistas para isso.) Para os autores deste livro, a an­ tropologia do século vinte parece, em sua orientação e atitude fundamental, mais afi­ nada com o pensamento liberal e tolerante do século dezoito do que com a postura autoritária, conformista e evolucionista do século seguinte. Também achamos signi­ ficativo que tanto o século vinte como o século dezoito foram épocas de guerra na Europa, enquanto o século dezenove, depois de Napoleão, foi singularmente pacífi­ co, Apesar de seus defeitos, aprendemos do século dezenove o valor do raciocínio sistemático, indutivo, o valor dos modelos e “tipos ideais” que podemos projetar no mundo real para assegurar sua forma. A disciplina da antropologia como a conhecemos hoje desenvolveu-se nos anos em tomo da í Guerra Mundial. Sem entrar em polêmicas, descreveremos seu desen­ volvimento voltando nossa atenção para, quatro homens de destaque - dois na Ingla­ terra, um nos Estados Unidos e um na França, Há outras tradições nacionais e outros estudiosos nos países metropolitanos que pareciam tão importantes quanto esses na época, mas que não deixaram descendência intelectual suficiente para ser tratados com a mesma deferência aqui. Apenas com uma visão retrospectiva oferecida pela passagem do tempo é que podemos avaliar a importância histórica de eventos passa­ dos; a importância contemporânea deles, porém, pode ter sido diferente. Lembre, por exemplo, que Herbert Spencer foi o único intelectual europeu de notoriedade nas últimas décadas do século dezenove, do mesmo modo que Henri Bergson foi o filó­ sofo mais famoso nas primeiras décadas do século vinte. Atualmente, um século de­ pois, nenhum dos dois é considerado um jogador na Academia da Primeira Divisão.

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Os homens cuja obra constitui a espinha dorsal deste capítulo foram Franz Boas (1858-1942), Bronislaw Malinowski (1884-1942), A.R. Radcliffe-Brown (18811955) e Marcei Mauss (1872-1950). Em conjunto, eles realizaram uma renovação quase total de três das quatro tradições nacionais analisadas no capítulo anterior - a americana, a britânica e a francesa. Na quarta tradição, a alemã, o difusionismo con­ servou sua hegemonia. Momentos nefastos estavam reservados para ela e para a tra­ dição difusionista russa. Em pouco tempo, os livros de Boas seriam queimados em Berlim, uma geração de etnógrafos russos morreria no Gulag e, depois da II Guerra Mundial, alguns etnólogos alemães seriam acusados de colaboração com os nazistas. Por essas e outras razões as antropologias alemã e russa desenvolveram-se lentamen­ te durante grande parte do século vinte e só raramente comunicaram-se com as tradi­ ções predominantes. No entanto, Boas era alemão e Malinowski polonês, e como ambos levaram consigo um conhecimento profundo da tradição alemã quando emi­ graram para os Estados Unidos e para a Inglaterra, a antropologia alemã subsistiu ao longo do século vinte, embora transplantada em formas “híbridas”. Os nossos quatro jogadores eram até certo ponto socialmente marginalizados nos ambientes em que viviam. Mauss era judeu, Radcliffe-Brown provinha de uma clas­ se trabalhadora, Malinowski era estrangeiro e Boas era estrangeiro e judeu. Talvez previsivelmente, os quatro não tinham um programa comum. Havia diferenças meto­ dológicas e teóricas importantes entre as escolas fundadas por eles, traços das quais podem ser encontrados ainda hoje na antropologia francesa, inglesa e americana. Não havia (e não há) fronteiras precisas, corno mostra com toda clareza a influência de Durkheim sobre a antropologia britânica. Paralelamente, havia contatos pessoais significativos entre as divisões, como testemunha o acalorado debate entre Rivers e o colaborador de Boas, Kroeber, sobre o uso de modelos psicológicos e sociológicos na pesquisa antropológica. Finalmente, os nossos quatro “heróis” tinham em comum o legado intelectual do século dezenove. O consenso quase universal agora era que o evolucíonismo havia fracassado. Mas havia também um reconhecimento silencioso de que os evolucionistas, de Morgan a Tylor, haviam afinal definido alguns parâme­ tros básicos da disciplina. A transição para uma ciência social moderna, em grande parte não-evolucionista, ocorreu de modos diferentes nos três países. Na Grã-Bretanha, a ruptura com o passado foi radical. Radcliffe-Brown e Malinowski proclamaram um a revolução in­ telectual e criticaram acerbamente alguns dos seus professores. Nos Estados Unidos e na França houve uma continuidade maior. Nos Estados Unidos Boas foi o mentor respeitado por todos e o ponto de referência da antropologia acadêmica ao longo de toda a transição. Na França Mauss simplesmente continuou a obra de seu tio

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da morte deste, mas enfatizando o estudo de povos não-europeus muito mais do que Durkheim o fizera. Às vezes, antropólogos sociais ingleses, principalmente, sustentam que Radcliffe-Brown e Malinowski, mais ou menos independentemente, criaram a antropologia moderna. Essa talvez fosse a impressão na metade do século, quando a antropologia americana se subdividira em muitas áreas especializadas e os alunos de Mauss ainda não haviam se destacado. Em contraste, a “ciência do parentesco” (“kinshipology”) (capítulos 4 c 5) britânica parecia firmar-se sobre um método criado por Malinowski e uma teoria desenvolvida por Radcliffe-Brown, consolidando-se como uma “ciên­ cia da sociedade” .

Boas e o particularismo histórico Em 1886 Franz Boas, então com 28 anos de idade, viu-se em Nova York. Ele es­ tava a caminho da Alemanha, destinado a uma carreira acadêmica de sucesso. Ele já era doutorado por Kiel, exercia uma função acadêmica em Berlim e havia participa­ do de várias expedições etnográficas no norte e no oeste do Canadá. Boas, porém, optou por permanecer em Nova York, possivelmente porque essa era uma cidade onde ser judeu não constituía uma desvantagem maior; certamente, em parte, porque ele estaria mais perto de povos que o fascinavam, os índios norte-americanos e os inuítes. Em Nova York, Boas trabalhou inicialmente como editor de uma revista ci­ entífica, depois como professor numa pequena universidade. Em 1899 ele se tornou professor de Antropologia na prestigiosa Universidade de Colúmbia, em Nova York, onde permaneceu até sua morte em 1942. Durante os 43 anos intermediários, Boas seria professor e mentor de duas gerações de antropólogos americanos. A mensagem que passava a seus alunos era simples. Ele havia estudado com professores alemães que eram céticos com relação ao evolucionismo e viam o difusionismp com simpa­ tia. Como muitos outros de sua geração, ele estava convencido de quç o desenvolvi­ mento da teoria geral dependia totalmente de uma base empírica sólida. Assim, a principal tarefa do antropólogo consistia em coletar e sistematizar dados detalhados sobre culturas particulares. Só então seria possível dedicar-se a generalizações teóri­ cas. Nesses e em outros aspectos Boas era um legítimo filho do humanismo românti­ co alemão segundo a interpretação de Bastian. Na Inglaterra, a antropologia seria remodelada em antropologia social nos anos entre as duas grandes guerras - uma disciplina comparativa, de base sociológica, com conceitos nucleares como estrutura social, normas, estatutos e interação social. Nos Estados Unidos, a disciplina se tom ou conhecida como antropologia cultural.

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Aqui, a definição ampla de cultura enunciada por Tyíor, substituída na Inglaterra por um conceito de sociedade, foi mantida. No sentido americano (e tyloriano), cultura é um conceito muito mais amplo do que sociedade. Se a sociedade é constituída de normas sociais, instituições e relações, a cultura consiste em tudo o que os seres hu­ manos criaram, inclusive a sociedade - fenômenos materiais (um campo, um arado, uma pintura...), condições sociais (casamento, famílias, o Estado...) c significado sim­ bólico (língua, ritual, crença...). A antropologia - a ciência da humanidade - dizia res­ peito, bem literalmente, a tudo o que fosse humano. Boas admitia que ninguém teria condições de contribuir de modo igual com todas as ramificações dessa matéria (em­ bora ele próprio fizesse tentativas heróicas para chegar a esse ponto) e por isso defen­ dia uma “abordagem de quatro campos” que dividia a antropologia em lingüística, an­ tropologia física, arqueologia e antropologia cultural. Os alunos estudavam conteúdos dos quatro campos e mais tarde se especializavam naquele que mais os atraía. A espe­ cialização, portanto, fazia parte da antropologia americana desde o início, ao passo que tanto na Inglaterra como na França prevaleceu uma abordagem generalista. Re­ flexo disso é que, já na década de 1930, existiam grupos de pesquisa constituídos que se especializavam, por exemplo, em línguas norte-americanas nativas. Os próprios escritos de Boas abrangiam um campo vasto, embora com uma ten­ dência evidente para a antropologia cultural. Ele havia realizado pesquisas de campo individuais entre os muites e os kwakiutls da costa noroeste americana, mas também trabalhava com assistentes que coleta­ vam materiais sobre muitos outros povos indígenas. Durante os trabalhos de campo ele frequentemente recorria à colaboração de membros Iingüisticamente proficientes da tribo em estudo, os quais registravam, discutiam e interpretavam as palavras dos informantes. Alguns desses colaboradores, especialmente o prodigioso George Hunt, co-autor de vários livros dc Boas sobre os kwakiutls, só recentemente foram reco­ nhecidos como autoridades de pleno direito em antropologia. O trabalho de campo realizado por Boas era em geral uma atividade de grupo, não pressupondo um indivíduo sozinho sujeito a uma “imersão” contínua e prolon­ gada no campo. A permanência no local era quase sempre curta. Normalmente ela era prolongada em outro sentido, porém, ou seja, no sentido de que as idas ao campo eram repetidas muitas vezes ao longo dos anos, ocasionalmente envolvendo pessoas diferentes, todas atuando no mesmo projeto (ver Foster et a i 1979). Essa estratégia metodológica talvez fosse perfeitamente natural, visto que, nos Estados Unidos, “o campo” estava próximo, e não no outro lado do globo, como na Inglaterra. Boas era menos avesso às reconstruções históricas do que seus contemporâneos britânicos mais jovens (ver p. 54-62). Com efeito, manteve a antropologia física e a

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arqueologia como partes do empreendimento antropológico holístico. Não obstante, ele concordava com a crítica britânica ao evolucionismo. Em substituição ao evolucionismo, propôs o princípio do particularismo histórico. Como sustentava que cada cul­ tura continha em si seus próprios valores e sua própria história única, em alguns casos poderia ser reconstruída pelos antropólogos. Ele via valor intrínseco na pluralidade das práticas culturais no mundo e era profundamente cético com relação a qualquer tentati­ va, política ou acadêmica, de interferir nessa diversidade. Ao escrever sobre a dança kwakiutl, por exemplo, ele diz que a dança é um exemplo da relação da cultura com o ritmo, e por isso ela não pode ser reduzida a uma mera “função” da sociedade (como pareciam preferir os antropólogos sociais ingleses). Em vez disso, é preciso perguntar o que esse ritmo é pai a a pessoa que dança, e a resposta só pode ser encontrada exami­ nando os estados emocionais que geram e são gerados pelo ritmo (Boas 1927). Boas foi um dos primeiros e mais incansáveis críticos do racismo e da ciência ins­ pirada por ele - esta contava com defensores entre o establishment da antropologia vi­ toriana. Esses antropólogos haviam afirmado que cada “raça” tinha um potencial inato distintivo para desenvolvimento cultural. Boas respondeu que a cultura era sui generis - sua própria fonte - e que diferenças inatas não podiam explicar o volume impressio­ nante de variação cultural que os antropólogos já haviam documentado. O termo relativismo cultural, a que nos referimos várias vezes acima, foi efetivamente cunhado por Boas. Mesmo atualmente, a pergunta que muitos fazem é se o relativismo deve ser compreendido como um imperativo metodológico ou moral, e a resposta mais fre­ quente é que o relativismo cultural é um método. Para Boas isso sem dúvida soaria es­ tranho, pois método e moralidade eram para ele dois lados da mesma moeda. Boas dominou a antropologia americana durante quatro décadas, mas não deixou nenhuma grande teoria ou obra monumental que seja lida pelas gerações seguintes de antropólogos. A principal razão disso talvez seja sua desconfiança das generaliza­ ções grandiosas. Durante seus estudos com Bastian ele fora advertido contra os peri­ gos da teorização vazia, e em seus escritos ele procurou identificar as circunstâncias únicas que haviam gerado culturas particulares, em vez de ir diretamente a conclu­ sões gerais. Ele também era cauteloso com o uso da comparação, que com muita faci­ lidade estabelecia semelhanças artificiais entre sociedades que eram fundamental­ mente diferentes. Boas era assim um individualista metodológico autêntico, no senti­ do de que procurava a instância particular e não o esquema geral, o que explica seu ceticismo irredutível com relação a Durkheim. Quase todos os antropólogos americanos importantes da geração seguinte (com algumas exceções notáveis, às quais voltaremos) foram alunos de Boas. Entre eles estavam Aifred L. Kroeber (1876-1960), que criou o Departamento de Antropologia

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em Berkeley, com a colaboração de Robert H. Lowie (1883-1957), historiador cultu­ ral e seu colega de longa data; Edward Sapir (1884-1939), fundador do Departamen­ to de Antropologia em Yale e da escola de “etnolingüística”; Melville Herskovits (1895-1963), fundador dos estudos afro-americanos nos Estados Unidos e profes­ sor no Departamento de Antropologia na Northwestern University; Ruth Benedict (1887-1948), sucessora de Boas na Universidade de Colúmbia e organizadora da es­ cola “cultura e personalidade”; e Margaret Mead (1901-1978) (the runt of the litter) que continuou a obra de Benedict e possivelmente se tomou a figura pública mais in­ fluente na história da antropologia. Como mostra essa lista, a antropologia cultural proposta por Boas evoluiu em di­ versas direções durante sua própria vida (capítulo 4). Outra variação ocorreu na dé­ cada de 1950, quando Morgan foi redescoberto e quando os alunos de Radcliffe-Brown em Chicago desenvolveram sua própria versão da antropologia-social de estilo britânico. Não obstante, o legado de Boas continua no âmago da antropologia americana até hoje.

Malinowski e os nativos das Ilhas Trobriand Em 1910,24 anos depois que Boas tomou sua importante decisão de permanecer nos Estados Unidos, um jovem intelectual polonês mudou-se de Leipzig para Lon­ dres. Bronislaw Malinowski-havia se doutorado em física e filosofia alguns anos an­ tes em Cracóvia, parte do Império Austro-Húngaro (agora pertencente à Polônia). Em Leipzig ele havia estudado psicologia e economia, e por influência do psicólogo social Wilhelm Wundt (1832-1920) ele se convencera de que a sociedade devia ser entendida holisticamente, como uma unidade constituída de partes entrelaçadas, e que a análise devia ser sincrônicafnão histórica). Nesse mesmo período Malinowski leu The Golden Bough e mudou-se para estudar com Seligman na London School of Economies, então já famosa por oferecer boas condições para trabalho de campo em regiões exóticas. Quatro anos mais tarde, Malinowski realizou um estudo de campo de seis meses sobre uma ilha na costa da Nova Guiné, por ele considerado um fracasso. Depois de breve estada na Austrália, ocupada com reflexões sobre seus métodos, ele partiu no­ vamente, dessa vez para as Ilhas Trobriand, localizadas na mesma região, onde per­ maneceria por quase dois anos, entre 1915 e 1918. Finda a guerra, ele voltou para a Europa para escrever Argonauts ofthe Western Pacific (Malinowski 1984 [1922]), possivelmente a obra mais revolucionária na história da antropologia. Com o sucesso de Argonauts, ele atraiu para a LSE um pequeno grupo de alunos muito bem prepara­

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dos e entusiasmados, os quais, em sua maioria, deixariam suas marcas na disciplina nas décadas seguintes. Malinowski morreu nos Estados Unidos, num momento em que realizava estudos sobre mudança social entre camponeses índios no México.

Argonauts.,., a primeira grande obra de Malinowski, continua sendo também a mais famosa. O livro foi prefaciado por Sir James Frazer, que não poupou elogios ao jovem polonês, claramente inconsciente de que, num sentido acadêmico, ele estava assinando sua própria sentença de morte. O volumoso livro é escrito com fluência. Ele nos conduz por uma análise vigorosamente concentrada e extremamente detalha­ da de uma única instituição entre os trobriandeses, o sistema de comércio kula, em que objetos de valor simbólico circulam por uma extensa área entre as ilhas da M ela­ nesia. M alinowski descreve o planejamento de expedições, as rotas seguidas, os ritos e práticas a elas associados, e estuda as relações entre o comércio kula e outras insti­ tuições dessas ilhas, como liderança política, economia doméstica, parentesco e po­ sição social. Contemporâneo e conterrâneo do romancista Joseph Conrad, Mali­ nowski produziu infonnações do “coração das trevas”, na forma de imagens matiza­ das e naturalistas dos trobriandeses, os quais no fim emergem não como espetacula­ res, exóticos, nem como “radicalmente diferentes” dos ocidentais, mas simplesmen­ te como diferentes. Há quem diga que Malinowski ficou praticamente confinado nas Ilhas Trobriand durante a I Gueixa Mundial, uma vez que, como cidadão do Império Habsburgo, ele era tecnicamente inimigo da Inglaterra. Essa é uma distorção dos fatos (Kuper 1996: 12). Malinowski não era um romântico confuso que descobriu “por acaso” o princípio do trabalho de campo moderno. Seu aluno, Raymond Firth (1957), o descreve como um etnógrafo meticuloso e sistemático, com uma capacidade excepcional para apren­ der línguas e uma faculdade de observação extraordinária. Outro equívoco comum é dizer que Malinowski “inventou” o trabalho de campo. Como vimos, expedições etnográficas eram comuns muito antes dele, e algumas, como a expedição a Torres, haviam seguido padrões metodológicos rigorosos: O que Malinowski “inventou” não foi o trabalho de campo, mas um método de trabalho de campo específico, que ele de­ nominou obseiyação participante.jA idéia simples, mas revolucionária, que inspirava esse método consistia em viver com as pessoas que estavam sendo estudadas e em aprender a participar o máximo possível de suas vidas e atividades. Para Malinowski, era essencial permanecer tempo suficiente no campo para familiarizar-se totalmente com o modo de vida local e capacitar-se a usar o idioma local como instrumento de tra­ balho. Intérpretes, entrevistas formais e distanciamento social não teriam mais razão de ser. Malinowski morou sozinho numa cabana no meio de uma aldeia trobriandesa por meses a fio - embora mantivesse seu temo tropical e seu chapéu imaculadamente brancos

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e apesar de seus diários publicados postumamente (Malinowski 1967) revelarem que ele muitas vezes sentia saudades de casa e passava por momentos de desânimo, aborre­ cimento e cansaço por causa dos “nativos”. A “observação participante” de Malinowski estabeleceu um novo padrão para a pesquisa etnográfica. Todo fato, mesmo o mais insignificante, devia ser registrado. Na medida em que fosse praticamente possível, o etnógrafo devia participai' do fluxo contínuo da vida do dia-a-dia, evitando questões específicas que pudessem desviar o curso dos eventos e sem restringir a atenção a partes específicas da cena. Mas Mali­ nowski não se limitou a métodos não-estruturados. Ele coletou dados precisos sobre produção de inhame, direitos territoriais, troca de presentes, padrões de comércio e conflitos políticos, entre outras coisas, e realizou entrevistas estruturadas sempre que julgava necessário. O que ele não fez de forma significativa foi contextualizar os trobriandeses dentro de um contexto histórico e regional mais amplo. Nisso, ele ocupa uma posição diametralmente oposta à do seu colega fiances, Marcei Mauss, que era um especialista sobre o Pacífico, com um conhecimento mais vasto e mais profundo da história cultural da região do que Malinowski, mesmo sem nunca ter estadalá. Praticamente tudo o que Malinowski publicou, dos Argonauts... em diante, base­ ou-se extensamente nos dados coletados nas Ilhas Trobriand. Ele escreveu sobre eco­ nomia e comércio, casamento e sexo, magia e visões de mundo, política e poder, ne­ cessidades humanas e estrutura social, parentesco e estética. Suas descrições ocupam várias centenas de páginas e demonstram conclusivamente o potencial do trabalho de campo intensivo e prolongado. O mero número de instituições, crenças e práticas trobriandesas mostrou além de qualquer dúvida que uma sociedade “primitiva”, “sim­ ples”, quase na base da escada evolucionária, era de fato um universo altamente com­ plexo e multifacetado em si mesmo. De forma mais convincente do que qualquer argu­ mento teórico, a obra de Malinowski revelou o absurdo de um projeto comparativo que se propusesse a comparar características individuais. De agora em diante, contexto e inter-relações seriam qualidades essenciais de qualquer explicação antropológica. De modo geral, os antropólogos posteriores a Malinowski receberam suas con­ cepções teóricas com menos entusiasmo do que seus métodos e sua etnografia. Sua posição teórica era basicamente eclética, mas seguindo os padrões correntes ele de­ nominou seu programa de funcionalismo. Todas as práticas e instituições sociais eram funcionais no sentido de que se ajustavam num todo operante, ajudando a man­ tê-lo. Diferentemente de outros funcionalistas que seguiam Durkheim, porém, para Malinowski o objetivo último do sistema eram os indivíduos, não a sociedade. As instituições existiam para as pessoas, não o contrário, e eram as necessidades das pessoas, em última análise suas necessidades biológicas, que constituíam o motor

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primeirò da estabilidade social e da mudança. Isso era individualismo metodológico sob outro disfarce, e num clima acadêmico coletivista dominado pelos durkheimianos, o programa não teve boa acolhida. Durante algumas décadas depois de sua morte a estrela de Malinowski continuou seu ocaso, até que a desilusão com a “Grande Teo­ ria” tomou conta de todos durante a década de 1970, fato que o levou à reabilitação em comunidades antropológicas nos dois lados do Atlântico - às custas do seu colega e ri­ val Radcliffe-Brown. Malinowski chamou a atenção para o detalhe e para a importân­ cia de captar o ponto de vista do nativo, e parte de sua reação contra seus predecessores imediatos nasceu de um profundo ceticismo com relação a teorias ambiciosas. Perce­ bemos aqui a semelhança com Boas, reflexo da educação alemã de ambos. Malinows­ ki se distinguia de Boas, porém, em sua relutância em envolver-se com qualquer forma de reconstrução histórica. Com Radcliffe-Brown ele empreendeu uma campanha antievolucionária - e anti-histórica - tão bem-sucedida que o tema ficou mais ou menos proibido na antropologia britânica durante quase meio século. Malinowski se autodenominava füncionalista, mas suas idéias diferiam funda­ mentalmente do programa rival do estrutural-funcionalismo. Para Malinowski, o in­ divíduo era o fundamento da sociedade. Para os estruturais-funcionalistas durkheimianos o indivíduo era um epifenômeno da sociedade e de pouco interesse intrínseco - o que interessava era inferir os elementos da estrutura social. Essas duas linhagens da antropologia social britânica - funcionalismo biopsicológico e estrutural-funcio­ nalismo sociológico - evidenciam uma tensão básica na disciplina entre o que mais tarde foi chamado de agência e estrutura. O indivíduo tem agência no sentido de que ele é um criador da sociedade. A sociedade impõe estrutura sobre o indivíduo e limita suas opções. Como mostra Giddens (1979), os dois pontos de vista são complemen­ tares. Mas isso não foi percebido pela antropologia britânica do período entre as duas grandes guerras. O funcionalismo de Malinowski e o estrutural-funcionalismo de Radcliffe-Brown foram vistos como diametrabnente opostos.

A “ciência natural da sociedade” de Radcliffe-Brown Alfred Reginald Radcliffe-Brown (1881-1955) pertencia à geração de Mali­ nowski, mas o seu contexto familiar não era cosmopolita e intelectual, e sim da clas­ se operária inglesa. Ele começou sua carreira acadêmica apenas como A.R. Brown. Levantando fundos com sua família, ele iniciou estudos de medicina em Oxford, mas foi incentivado por seus professores, especialmente Rivers, a mudar-se para Cambridge e estudar antropologia. Ele realizou trabalho de campo de 1906-1908, nas Ilhas Andaman, a leste da índia, e publicou um relatório de campo, muito bem rece­ bido, no estilo difusionista; em pouco tempo, porém, ele passaria a seguir uma linha

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teórica diferente. Pouco depois dessa publicação, Radcliffe-Brown leu a obra-prima de Durkheim, The Elementary Forms o f Religious Life. Ele então ministrou uma lon­ ga série de palestras sobre Durkheim em Oxford, e quando sua monografia, Andaman Islanders, foi finalmente publicada em 1922, mais do que qualquer outra coisa ela parecia uma demonstração admirável de sociologia durkheimiana aplicada a ma­ teriais etnográficos. Como Boas e Malinowski, Radcliffe-Brown passou os anos intermediários entre as duas grandes guerras conquistando adeptos e desenvolvendo instituições acadê­ micas dedicadas à nova antropologia. Diferentemente deles, porém, ele passou lon­ gos períodos de sua vida profissional como nômade acadêmico, desenvolvendo e aperfeiçoando centros antropológicos importantes na Cidade do Cabo, Sydney e Chi­ cago. Durante suas viagens ele formou uma vasta rede internacional, a qual pos­ sibilitou que sua influência chegasse até a Inglaterra. Assim, quando finalmente voltou a Oxford para assumir a cátedra de Antropologia Social em 1937, ele foi recepcio­ nado como um exilado, não como um forasteiro. Quando Malinowski partiu para os Estados Unidos no ano seguinte, Radcliffe-Brown rapidamente assumiu a liderança e se tom ou a figura de maior destaque na antropologia britânica. Vários dos princi­ pais antropólogos “raddiffe-brownianos”, inclusive Evans-Pritchard e Fortes (capí­ tulo 4), haviam inicialmente sido alunos de Malinowski, e ficaram felizes com a vol­ ta do mestre da abstração teórica há tanto tempo distante. A antropologia inglesa do período entre as duas grandes guerras passou assim por duas fases: primeiro, um pe­ ríodo dominado pela etnografia detalhada com ênfase regional no Pacífico, depois, um período voltado para a análise estrutural durkheimiana, com ênfase na África. Radcliffe-Brown foi seguidor de Durkheim ao considerar o indivíduo principal­ mente como produto da sociedade. Enquanto Malinowski preparava seus alunos para irem a campo e procurarem as motivações humanas e a lógica da ação, Radclif­ fe-Brown pedia aos seus que descobrissem princípios estruturais abstratos e meca­ nismos de integração social. Embora o contraste seja freqüentemente exagerado nos relatos históricos, às vezes o resultado foram estilos de pesquisa consideravelmente diferentes. Os “mecanismos” que Radcliffe-Brown esperava identificar eram de origem durkheimiana, análogos talvez às representações coletivas de Durkheim, Mas Radclif­ fe-Brown alimentava esperanças explícitas de transformar a antropologia numa ciên­ cia “real”, um objetivo que provavelmente não fazia parte dos planos de Durkheim. Em A Natural Science ofSociety , seu último livro (baseado numa série de palestras proferidas em Chicago em 1937 e publicado postumamente em 1957), ele explica a natureza dessa esperança. A sociedade se m antém coesa por força de uma estru­

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tura de regras jurídicas, estatutos sociais e normas morais que circunscrevem e regu­ lam o comportamento. Na obra de Radcliffe-Brown a estrutura social existe indepeudentemente dos atores individuais que a reproduzem. Ás pessoas reais e suas rela­ ções são meras agenciações da estrutura, e o objetivo último do antropólogo é desco­ brir sob o verniz de situações empiricamente existentes os princípios que regem essa estrutura. Esse modelo formar, com suas unidades nitidamente definidas e logica­ mente relacionadas, demonstra claramente a intenção “científica” do mestre. A estrutura social pode ser ainda mais desdobrada em instituições discretas ou subsistemas, como os sistemas para distribuição e transmissão da terra, para a solu­ ção de conflitos, para a socialização, para a divisão do trabalho na família, etc. - os quais contribuem todos para a manutenção da estrutura social como um todo. De acordo com Radcliffe-Brown, essa é a função e a causa da existência desses sistemas. Temos aqui um problema. Radcliffe-Brown parece afirmar que as instituições exis­ tem porque elas mantêm o todo social; isto é, que sua função é também sua causa, A relação de causa e efeito se toma vaga e ambígua, e esse raciocínio “tautológico” ou “para trás” é em geral visto com restrições nas explicações científicas. Essa crítica, porém, se aplica igualmente a todas as fonnas de funcionalismo, inclusive, mas não limitada, à variação de Radcliffe-Brown sobre o tema. Esses problemas poderiam ter preocupado os estrutural-funcionalistas, ansiosos que estavam por ser considerados cientistas genuínos, mas isso não aconteceu. A ar­ ticulação feita por Radcliffe-Brown entre teoria social durkheimiana e materiais et­ nográficos e suas ambições no interesse da disciplina geraram um programa de pes­ quisa novo e atraente a que afluíram pesquisadores talentosos, fato que por sua vez aumentou o prestígio da teoria. Desde Morgan os antropólogos estavam conscien­ tes de que o parentesco era uma chave para compreender a organização social em sociedades de pequena escala. O que ainda não estava muito claro era o que essa cha­ ve abria. O uso durkheimiano, por parte de Radcliffe-Brown, da antiga idéia de Maine do parentesco como sistema “jurídico” de normas e regras tornou possível explo­ rar cabalmente o potencial analítico do parentesco. Um sistema de parentesco era fa­ cilmente compreendido como uma constituição não escrita de interação social, um conjunto de regras para a distribuição de direitos e deveres. O parentesco, em outras palavras, era novamente uma instituição fundamental, agora como motor (ou cora­ ção, para usar as analogias biológicas preferidas de Durkheim) de uma entidade au­ to-sustentável e integrada organicamente, e todavia abstrata, chamada estrutura so­ cial (um termo que, a propósito, foi usado pela primeira vez por Spencer). Com essa chave na mão, os estrutural-funcionalistas passaram a estudar outras instituições em sociedades prim itivas: política, econom ia, religião, adaptação

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ecológica, etc. Era de especial im portância para esses pesquisadores que (^paren­ tesco fosse visto funcionar como um a estrutura para a eriaçãcrde grupos ou corpo­ rações nessas sociedades. Os grupos poderiam ter direitos coletivos para a posse, por exemplo, de terras ou anim ais; poderiam exigir lealdade em caso de guerra; po­ deriam resolver conflitos ou organizar casam entos. Foram esses grupos e suas di­ nâmicas que os estrutural-funcionalistas com eçaram a estudar, não o que Boas teria chamado de “cultura” . O próprio R adcliffe-Brow n não sim patizava particularm en­ te com a palavra “cultura” . Para ele, a questão central não era o que os nativos pen­ savam, aquilo em que acreditavam , como ganhavam a vida ou como haviam chega­ do a ser o que eram, m as sim com o sua sociedade era integrada, as “forças” que a m antinham coesa com o um todo. Radcliffe-Brown criticava severamente a “história conjetural” dos evolucionistas. Na visão dele, arranjos contemporâneos existiam porque eram funcionais no pre­ sente. certam ente não como “sobreviventes” de épocas passadas. Eles faziam sentido no presente ou então não tinham sentido nenhum. Ele tam bém escarnecia das recons­ truções freqüentem ente fantasiosas apresentadas por historiadores culturais e difusionistas. Onde não existiam evidências não havia motivo para especular. Aqui Mainowski e Radcliffe-Brown concordavam perfeitamente. M alinowski e Radcliffe-Brow n fundaram duas “ linhagens” na antropologia in­ glesa; as duas com petiam diretam ente em alguns aspectos e com plem entarm ente era outros, Com a consolidação dessas escolas pouco antes da II Guerra M undial, a m tropologia social inglesa estava bem encam inhada para se tornar um campo aca­ démico consolidado (alguns diriam um a “ciência”). As “ linhagens” não eram total­ m ente endógamas. A antropologia social inglesa era um a pequena tribo onde todos se conheciam . A tribo era form ada por dois grupos distintos: um centrado em Oxford, onde Evans-Pritchard já estava estabelecido quando Radcliffe-Brown vol­ tou de Chicago em 1937; o outro sediado na London School ofE conom ics, o balu­ arte de M alinowski, Seligm an e, na geração seguinte, de Raym ond Firth. Quase to­ dos os antropólogos sociais form ados no período entre as duas grandes guerras es­ tavam ligados a um desses centros. (Em Cam bridge, o ancient régime ainda vigora­ va.) Com o R adcliffe-B row n e M alinow ski raram ente estavam no país ao m esm o tempo, m uitos estudantes conheciam os dois e freqüentavam suas palestras. A m aioria havia estudado prim eiro com M alinow ski, e alguns posteriorm ente se liga­ ram a Radcliffe-Brow n. E ste últim o grupo incluía Evans-Pritchard, Fortes e M ax Gluckman. Entre os que continuaram “m alinow skianos” em sua orientação esta­ vam Firth, Audrey Richards, Edm und Leach e Isaac Sehapera. Tanto M alinowski tom o R adcliffe-Brow n exerceram um a influência duradoura sobre a disciplina; os

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métodos de campo de Malinowski foram avidamente adotados por membros do ou­ tro campo, e todos tiveram de Ievar em consideração os conceitos de estrutura e função e a conseqüente “ciência do parentesco” de Radcliffe-Brown durante pelo menos uma década depois de sua morte. Em 1954, o aluno de Malinowski Edmund Leach achou que devia declarar-se adepto do estrutural-funcionalismo (antes de passar a demolir esse paradigma impiedosamente). Em tennos demográficos, a expansão da antropologia social foi lenta: antes da II Gueixa Mundial eram menos de 40 seus adeptos em toda a Grã-Bretanha. No entanto, a expansão institucional, tanto na metrópole como nas colônias, foi impressionante. O papel de Radcliffe-Brown não foi secundário nesse processo. Durante seu longo perío­ do “nomádico”, ele havia estabelecido departamentos de antropologia viáveis na Ci­ dade do Cabo, em Sydney, Délhi e Chicago. Durante sua estada na Cidade do Cabo (1920-1925), ele colaborou com um antigo aluno de Malinowski, Isaac Schapera, que mais tarde dirigiria o departamento local durante muitos anos. Enquanto permaneceu em Sydney, ele incentivou o estudo científico de línguas aborígenes e designou Sydney como base para os pesquisadores de campo ativos em toda a área do Pacífico. Em Chicago, de 1931 a 1937, ele contribuiu para a “europeização” de parte da antropo­ logia americana, inspirando, entre outras coisas, um estilo inovador de antropologia microssociológica que depois se tomou muito influente. Finalmente, na índia, o aluno de Radcliffe-Brown M.N. Srinivas foi fimdamental para a criação da antropologia so­ cial indiana como disciplina predominanteniente estrutural-funcionalista.

Mauss e a pesquisa de fenômenos sociais totais Malinowski ainda realizava trabalho de campo entre os trobriandeses, Radclif­ fe-Brown fazia palestras e trabalho de campo na África do Sul e Boas formava a pri­ meira geração de antropólogos americanos na cidade de Nova York, quando ocorreu a morte de Durkheim (nascido no mesmo ano de Boas), um ano anles do término da I Guerra Mundial. Seu sobrinho Marcei Mauss, que estivera trabalhando com Durkheim durante duas décadas, agora o substituiu como líder do círculo VAnnée Sociologique. Os tempos que corriam eram difíceis. Vários contemporâneos brilhantes de Mauss haviam morrido recentemente na guerra, e ele mais tarde consumiria boa parte de sua energia profissional concluindo e publicando os manuscritos redigidos por eles. Mauss, professor de Religião Primitiva na École Pratique des Hautes Études em Pa­ ris desde 1902, era formado em estudos clássicos e filologia comparada e seu conhe­ cimento da história cultural mundial e da etnografia contemporânea era vasto. Em sua obra, ele cita as pesquisas de Boas, de Malinowski, de Radcliffe-Brown e de mui­ tos outros, muitos deles alemães com grande experiência na tradição difnsionista.

3. Quatro pais fundadores

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Mauss considerava-se continuador do trabalho de Durkheim, e os dois tinham uma concepção holistica da sociedade, a idéia de que a sociedade era um todo orga­ nicamente integrado, um “organismo social”. Baseado nesse conceito, Mauss divi­ diu o estudo da antropologia em três níveis de pesquisa: etnografia, o estudo detalha­ do de costumes, crenças e da vida social; etnologia, o estudo empírico da compara­ ção regional; e antropologia, o esforço teórico-filosófico de generalizar sobre a hu­ manidade e a sociedade fundamentado nas descobertas feitas pelos dois estudos an­ teriores. Mauss não participou de nenhum trabalho de campo pessoalmente, mas seus cursos de graduação no Institute ofEthnology, por ele fundado em 1925, davam grande ênfase às questões metodológicas. Os alunos precisavam aprender a ser etnógrafos antes de aprender a teorizar. Diferentemente de Durkheim, Mauss interessava-se principalmente pelas cultu­ ras não-européias e “arcaicas”. Ele procurou desenvolver uma sociologia comparati­ va baseada em descrições etnográficas detalhadas de sociedades reais e, nesse aspec­ to, seu projeto era muito semelhante ao de Malinowski, Radcliffe-Brown ou Boas. Seu objetivo explícito, porém, era classificar sociedades e descobrir características estruturais comuns a diferentes tipos de sociedades, com o fim de desenvolver uma compreensão geral da vida social. Nisso seu trabalho era muito diferente do particularismo de Boas. Também em contraste com seus colegas britânicos, Mauss não he­ sitava em recorrer a materiais históricos sempre que fosse inrportante. As “leis gé­ mis” de que falava Radcliffe-Brown estão perceptivelmente ausentes da obra de Mauss, a qual revela uma tendência mais humanística do que científica. Mauss passou grande parte do seu tempo ensinando e editando obras de colegas, e nunca publicou um livro em seu próprio nome, apesar de participar de vários como co-autor. Sua obra mais influente, Essai sur le don (1923-1924; The Gift, 1954) apa­ receu inicialmente como um longo ensaio na revista de Durkheim, L 'Année Sociolo­ gique, e só muito mais tarde foi publicada em forma de livro. Mas ele escreveu ensaios fecundos e densos sobre inúmeros temas que ainda inspiram os estudiosos: sobre o corpo, o nacionalismo, a pessoa, o sacrifício, totemismo, etc. O gênero de antropolo­ gia de Mauss é evidente em toda sua obra, mas talvez especialmente em The Gift*, um livro que gerou uma vasta e importante literatura de comentário, envolvendo lu­ minares intelectuais como Jacques Derrida, Jean Baudrillard e Pierre Bourdieu du­ rante a segunda metade do século vinte.

* N. do revisor técnico: esse livro foi publicado em português como parte de um livro de ensaios de Mauss. Lançado pela Editora Perspectiva, ele é atualmente publicado pela Cosac e N aif com o título

Ensaio sobre a dádiva: forma e razão da troca nas sociedades primitivas).

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H istória da Antropologia

A idéia básica em The Gift é muito simples; não pode haver prestação sem uma contraprestação, e por isso a troca de presentes é um meio de estabelecer relações so­ ciais; essa troca é moralmente obrigatória e socialmente integradora.. A troca de pre­ sentes une as pessoas num compromisso mútuo e é instrumental na formação de normas. Ela parece ser voluntária, mas de fato é regulada por regras rígidas, embora im­ plícitas. O ato de presentear envolve um aspecto estratégico e pragmático. Ele é ma­ nipulado por indivíduos que procuram promover seus próprios interesses, principal­ mente na política. Finalmente, o presente tem aspectos simbólicos importantes, uma vez que objetos que são dados e recebidos se tomam símbolos de relacionamentos sociais e até de fenômenos metafísicos. Ao analisar materiais da Polinósia Mauss aborda a questão do hau ou “poder/alma” do presente. O presente possui uma quali­ dade interior que compromete o receptor de modos especifícos, por causa da história do presente. (Se isso lhe parecer obscuro, pense no valor que a nossa sociedade atri­ bui a móveis e peças de arte antigos!) Embora a troca de presentes ocorra em toda sociedade, ela diminuiu de impor­ tância na história européia. Mauss está particularmente interessado numa forma de troca que ele detecta em sociedades tradicionais e antigas e que chama de préstations totales (“prestações totais”). Esses presentes são manifestações simbólicas de todo um conjunto de relações, podendo-se dizer que expressam a essência mesma da so­ ciedade. Na sociedade moderna, dominada por outras formas de troca (notadamente a troca descontextualizada do mercado), os presentes de Natal talvez sejam o que mais se aproxima das prestations totales; eles evocam uma grande diversidade de instituições - família, cristianismo, capitalismo, consumismo, feriados, infância - e também relações pessoais. Em The Gift, Mauss pergunta como as sociedades se integram e como os indiví­ duos se ligam uns aos outros através de obrigações morais. The Gift é uma obra-síntese de antropologia econômica, história cultural, análise simbólica e teoria social geral que preenche adequadamente muitas lacunas próprias da antropologia mais recente. Atra­ vés de sua dupla preocupação com estratégias individuais e integração social, Mauss inclusive integra com elegância análises estruturais e análises centradas no ator. Apesar de não ser um escritor prolífico, a influência de Mauss foi enorme, den­ tro e fora da França. Ele deixou uma série de questões que foram tratadas com gran­ de sofisticação por antropólogos franceses posteriores, contando-se entre os mais renomados Claude Lévi-Strauss e Louis Dumont. Sua obra também serviu de estí­ mulo a muitos antropólogos anglo-americanos, de Evans-Pritchard em diante. A propósito, Mauss e Radcliffe-Brown nunca estiveram próximos, seja profissional ou pessoalmente.

3. Quatro pais fundadores A antropologia francesa nas primeiras décadas do século vinte incluia várias personalidades fortes além de Durkheim e Mauss. Amold van Gennep (1873-1957), que não participou do círculo interior deles, era um estudioso culto e inovador que desen­ volveu estudos sobre comunidades rurais na França como parte da antropologia (em outras palavras, a “antropologia em casa”, doméstica, não é uma invenção recente). Van Gennep, porém, é conhecido particularmente por outra de suas obras, Les Rites dePassage{ 1909; The Rites ofPassage, 1960). O livro é um estudo comparado de ri­ tuais de iniciação, em que pessoas passam de um status social a outro. Os ritos de passagem mais disseminados estão associados ao nascimento, à puberdade, ao casa-, mento e à morte. Antecipando a sociologia da religião de Durkheim, van Gennep afirmava que esses rituais são expressões dramatizadas da ordem social que fortale­ cem a integração tanto dos iniciados como dos espectadores. Além disso, ele dizia que esses rituais subdividíam-se universal mente em três estágios: separação, liminaridade e reintegração, uma perspectiva a que voltaremos mais adiante ao analisar a obra de Victor Tumer (capítulo 6). Outro contemporâneo de Durkheim e Mauss que levantou um conjunto alternati­ vo de problemas para a antropologia foi o filósofo Lucien Lévy-Bruhl (1857-1939). Embora sua obra seja hoje em grande parte conhecida (de ouvi dizer) como um exemplo caricato das concepções incorretas do passado, não há dúvida de que Lévy-Bruhl abriu um novo campo para a pesquisa empírica, o que estimulou gera­ ções de antropólogos posteriores, inclusive Evans-Pritchard e Lévi-Strauss. Em Mentalité primitive (1922; Primitive Mentality), 1978) e em livros subseqüentes, Lévy-Bruhl sustenta que povos iletrados pensam de um modo qualitativamente dife­ rente dos povos letrados; eles não raciocinam lógica e coerentemente, mas poética e metaforicamente. Embora seus contemporâneos, de Lowie nos Estados Unidos a Schmidt na Alemanha, fossem quase todos críticos de sua obra, ela delineou um campo analítico que mais tarde se revelou fértil: o estudo comparativo de estilos de pensamento e os problemas de tradução intercultural associados a essas diferenças. Mas a influência de Lévy-Bruhl foi mais forte fora do que dentro da antropologia. Sua filosofia foi recebida com entusiasmo pelo movimento surrealista, que identifi­ cava “mentalidade primitiva” com liberdade e criatividade e cuja visão idealizada dos “povos primitivos” não precisava levar em consideração estudos empíricos.

Antropologia em 1930: convergências e divergências Até 1930, comunidades de “novos antropólogos” haviam se estabelecido na Grã-Bretanha, na França e nos Estados Unidos, com contatos entre antropólogos que trabalhavam na Alemanha e na Europa Oriental, na África do Sul, na índia e na Aus-

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trália. Os grupos ainda eram pequenos. No total, não passavam de algumas centenas os antropólogos profissionais em atividade no mundo, e por isso falar em “escolas” nesse contexto pode parecer um tanto exagerado. Oito anos apenas haviam decorrido desde que os dois fundadores da nova antropologia na Inglaterra tinham publicado suas obras de impacto - e seria inexato falar em uma “Escola Inglesa” numa data tão antecipada. Radcliffe-Brown ainda estava em Sydney e passaria a maior parte da dé­ cada de 1930 em Chicago. Malinowski ainda tinha poucos alunos e nenhum deles ha­ via produzido nada de importante até então. O difusionismo e até certo ponto a “an­ tropologia de gabinete” especulativa estavam florescendo. Frazer ainda tinha onze anos pela frente como professor em Cambridge. Em 1930, não havia certeza nenhu­ ma de que a nova antropologia obteria sucesso na Inglaterra, e a situação na França e nos Estados Unidos não era muito diferente. Os fundadores da antropologia moderna pertenciam a um grupo restrito e tinham muito em comum apesar de suas muitas diferenças. Um aspecto muito importante, talvez, é que todos eles procuravam assentar a antropologia num “estudo detalhado de costumes em relação à cultura total da tribo que os praticava” (Boas 1940 [ 1896]: 272). O ponto central dessa citação é a idéia de que traços culturais não podiam mais jser_estu dados isoladamente. Um rimai não pode ser reduzido a um “sobrevivente” separado de um passado hipotético. Ele precisa ser visto em relação à-§pciedade total de que ele faz parte aqui e agora. Ele precisa ser estudado no contextp. A antropolo­ gia é uma ciência holística - sua finalidade é descrever sociedades ou culturas como todos integrados. Até aqui - concordavam os quatro fundadores - , de fato, idéias se­ melhantes eram centrais também nas sociologias marxista, durkheimiana e weberiana, e pela virada do século haviam conquistado ampla aceitação. Poderíamos inclusi­ ve dizer que o conceito de “sociedade como sistema” é a mais fundamental de todas as intuições sociológicas, e não deve suipreender, portanto, que quando foi introdu­ zido na antropologia ele produziu uma verdadeira revolução teórica de que todos os fundadores, de uma forma ou outra, participaram. A despeito das dimensões diminutas da disciplina, as diferenças entre as tradi­ ções nacionais já eram marcantes: nos métodos, na teoria e na organização institucio­ nal. Mais tarde, com todos os fundadores já mortos, formaram-se na disciplina certas imagens de cada um deles e de suas relações mútuas. Essas imagens ou mitos estão amplamente difundidos atuahnente e possibilitam que certas qualidades mais evi­ dentes de cada um ofusquem todas as outras. Por isso, o leitor deve ter em mente que as relações acadêmicas entre os antropólogos não são menos complexas do que as re­ lações humanas em geral (ver Leach 1984). Assim, Boas e Mauss concordavam em •" que não havia conflito profundo entre história cultural e estudos sincrônicos, e por

3 , Q U A T R O P A IS F U N D A D O R E S

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isso ambos se interessavam pelo difnsionismo, enquanto Radcliffe-Brown e M ali­ nowski consideravam esses interesses como “não-científicos” . Essa divisão reflete claramente o fato de que dois antropólogos britânicos estavam envolvidos numa “re­ volução”, ao passo que na França e nos Estados Unidos predominava uma atmosfera de continuidade. Mas outras divisões eram igualmente importantes. Radcliffe-Brown e Mauss concordavam em que seus estudos faziam parte de um grande projeto de so­ ciologia comparada, enquanto Boas, dos quatro o menos relacionado com a sociolo­ gia, desconfiava da “ciência francesa” que Radcliffe-Brown pregava em Chicago e duvidava profundamente do método comparativo. De sua parte, Malinowski parece ter evitado toda forma de comparação. Nesse caso, a herança germânica de Mali­ nowski e Boas une-os claramente contra a “escola francesa”. Mas essa unidade tam­ bém é incompleta. Enquanto Radcliffe-Brown e Mauss eram coletivistas metodoló­ gicos comprometidos que investigavam os segredos da “sociedade como um todo”, Boas e Malinowski eram particularistas (alemães). O particularismo de Malinowski, porém, voltava-se para as necessidades físicas do indivíduo, ao passo que Boas acre­ ditava na primazia da cultura. As qualidades puram ente pessoais dos quatro homens também influenciaram a nova ciência da sociedade. B oas assumiu sem esforço o papel da figura do “pai be­ nevolente” da antropologia americana. Com efeito, sua popularidade foi tão grande durante sua longa carreira, que seu ponto cego óbvio, sua d e^ o n tia n ça (hpg£ncra.Uzação, se tomou o ponto cego de toda uma geração. Com muito poucas exceções (entre as quais, nomeadamente, Benedict 1934), grandes generalizações estiveram totalm ente ausentes da antropologia americana do século vinte até depois da morte de “Papa Franz”, Na Inglaterra esse consenso não existiu. Numa etapa avançada de suas carneiras RadtdifEe-Brawn u M alinowski foram companheiros ativistas na “re­ volução funcionalista”, mas à medida que o inimigo comum foi recuando, seus an­ tagonismos mútuos passaram a se evidenciar, e seus alunos (e alunos dos alunos) reproduziram fervorosamente o conflito (le scus m çstrcs (capítulo 4): radcliffebrownianos falariam com desdém da monografia “ malinowskiana” - repleta de de­ talhes enfadonhos, mas vazia de idéias exeqüíveis - e os m alinow skianos critica­ riam seus colegas de Oxford por produzirem modelos tão coerentes a ponto de ser incompatíveis com os fatos. Finalmente, havia diferenças sistemáticas entre as três tradições nacionais, dife­ renças essas que não eram acadêmicas nem pessoais. Devido em parte ao prestígio de Boas e em parte ao fato de que recursos para pesquisas eram mais acessíveis nos Estados Unidos, a antropologia americana chegou rapidamente ao nível de uma dis­ ciplina mais ampla e constituída do que a européia. Quando a American Anthropolo-

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HISTÓRIA DA ANTROPOLOGIA

gical Association (AAA) (Associação Antropológica Americana) foi criada em 1906, ela já contava com 175 membros. Em contraste, mais recentemente, em 1939, havia somente em tomo de 20 antropólogos profissionais em todo o Império Britâni­ co; e quando a Association of Social Anthropologists (ASA) (Associação de Antro­ pólogos Sociais) foi fundada na Inglaterra, em 1946, eram apenas 21 seus membros plenos (Kuper 1996: 67; Stocking 1996: 427). Na França a situação é totalmente diferente. O sistema acadêmico francês era mais centralizado do que nos dois outros países, e Paris atraía uma elite intelectual numerosa, talentosa e dinâmica que gozava de prestígio considerável. Fazer parte dessa elite era mais importante do que respeitar fronteiras disciplinares, e por isso os : antropólogos cooperavam intensamente e envolviam-se em debates com sociólogos, filósofos, historiadores, psicólogos e linguistas. Embora a antropologia esteja sendo claramente institucionalizada aqui como em outros lugares, não existe a mesma sen­ sação forte de uma disciplina nova e revolucionária tomando forma, definindo-se como distinta de suas predecessoras, de outras disciplinas e de outras escolas antro­ pológicas. Assim, a antropologia francesa, num sentido, foi tanto a de horizontes mais abertos quanto a mais elitista das tradições nacionais. Até os inícios da década de 1930 as quatro escolas da nascente antropologia mo­ derna estavam firmemente estabelecidasC jNIo breve período de uma década, a antro­ pologia vitoriana de Tylor e Frazer, o materialismo de Morgan e o difusionismo dos alemães haviam acumulado uma espessa camada de poeira, Uma teoria mais antiga ainda continuava em estado de dormência, esperando para ser redescoberta por gera­ ções seguintes, especificamente a obra de Marx e Weber; mas como um todo, o em­ preendimento da antropologia era percebido como viçoso, novo e estimulante, como uma chave recém-descoberta para uma verdadeira compreensão da condição huma­ na. Os praticantes em cada país eram poucos e intensamente motivados, em alguns casos (temos os seguidores de Mauss e Radcliffe-Brown em mente) quase lembran­ do adeptos de cultos religiosos. Na Europa, excluídas a França e a Inglaterra, a difusão da nova disciplina ainda não havia começado. Na Alemanha os difusionistas predominaram durante bastante tempo depois da II Guerra Mundial, e só na década de 1950 foi que a antropologia so­ cial se estabeleceu na Escandinávia e na Holanda (ver Vermeulen e Roldán 1995 para a história particular das antropologias européias). A história cultural na linha difusíonista ou evolucionista, muitas vezes salpicada de preconceitos etnocêntricos (quando falando de outros) e de aspirações nacionalistas (quando falando da própria “cultura popular”) ainda prevaleceria por décadas na maioria da Europa.

4 Expansão e institucionalização

Jazz e estalinismo, Hitler-Jugend e Al Capone, sangue no horizonte e miseráveis nas ruas, a consolidação de impérios coloniais e o surgimento dos meios de comuni­ cação de massa, o colapso das bolsas de valores e a ascensão do estado de bem-estar: os anos 1930 se agitam como uma flecha prestes a ser disparada. Então a guerra de­ vasta a Europa e o mundo - a guerra mais destrutiva da história, com Auschwitz e a bomba assombrando os pesadelos da segunda metade do século. A guerra apagou os últimos vestígios do mundo em que os vitorianos viveram e em que acreditaram. O indivíduo racional do Iluminismo e a comunidade emocional dos românticos agora pareciam igualmente simplórios. Em breve os grandes impé­ rios coloniais também desabariam e com eles sua raison d'etre, o Fardo do Homem Branco e a mission civilisatrice a suposta obrigação de difundir a civilização euro­ péia nos quatro cantos do mundo. De fato, a “civilização” em si em pouco tempo se revelaria um embuste, uma fma película de humanismo ocultando o animal defeituo­ so em seu interior. Curiosainente, talvez, foi nesses anos que a antropologia floresceu e se transfor­ mou numa disciplina madura. Os anos 1930 foram uma década produtiva, quando os primeiros alunos dos fundadores começaram a deixar sua marca no campo e os pró­ prios fundadores ainda estavam em atividade. Nem a guerra de 1939-1945 prejudi­ cou seriamente essa escalada. Nos Estados Unidos a vida universitária prosseguiu normalmente e na Grã-Bretanha os pesquisadores continuaram trabalhando. Na pró­ pria França ocupada a situação era tolerável, e os países mais afetados pelo conflito, a Alemanha e a União Soviética, eram de qualquer modo marginais à nova antropolo­ gia. No entanto, algumas questões foram claramente contidas ou adiadas “enquanto durar a guerra” . Seja como for, depois de 1945 uma nova onda de reforma radical varreu a antropologia. Talvez isso se devesse também ao fato de que a guerra coinci­ diu com a aposentadoria de Mauss e de Radcliffe-Brown (em 1939 e 1946) e com a

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H ISTÓ RIA DA ANTROPOLOGIA

morte de M alinowski e de Boas (em 1942). Com o ocaso do velho m undo e os fun­ dadores fora de cena, o tempo estava maduro para que cada um pudesse expor suas idéias com destaque e clareza. Essa história será narrada no próximo capítulo. Volta­ mos agora ao início da década de 1930.

Uma disciplina marginal? A antropologia se via agora diante de desafios imediatos postos por seu próprio sucesso. “A Revolução”, como Radcliffe-Brown e Malinowski a denominaram, esti­ vera em andamento desde o início da década de 1920. Os fundamentos metodológi­ cos, teóricos e institucionais da disciplina revigorada haviam sido lançados. Os pro­ gramas de pesquisa estavam definidos, os recursos assegurados, e as parcerias pro­ fissionais, as inimizades e as alianças estratégicas estavam estabelecidas. A tarefa agora consistia em m ostrar a viabilidade sustentável da disciplina. Era preciso for­ m ar alunos, editar revistas, encontrar editores para as monografias, organizar confe­ rências, entrar em contato com os meios de comunicação, convencer políticos e pla­ nejadores e - tarefa não menos importante - providenciar emprego para o número crescente de pesquisadores. Para alcançar esses objetivos a energia da revolução pre­ cisava ser disciplinada e canalizada para rotinas institucionais previsíveis. Na impor­ tante história da antropologia social inglesa de Adam Kuper (1996) o capítulo que trata desse período é intitulado “Do carisma à rotina” e muito ao modo como Weber poderia ter expresso: depois de um despertar carismático, a rotinização é inevitável, não obstante todo o esforço em contrário. Em antropologia esse período de consoli­ dação durou desde a década dc 1930 até o fim dos anos 1940. Na Inglaterra, Radclif­ fe-Brown e seus alunos assumiram a direção; nos Estados Unidos, Benedict, Mead, Kroeber e outros asseguraram a continuação do programa disperso de Boas, e na França a antropologia se manteve vigorosa e criativa nessas décadas sob outros as­ pectos sombrios. Como observamos acima, a nova antropologia teve um a identidade marginal desde o início. Os pais fundadores eram eles próprios “forasteiros”, e muitos dos seus sucessores desde então também foram, como Radcliffe-Brown, “pesquisadores glo­ bais”, nômades, que se movimentavam incansavelmente entre universidades e entre casas e sítios de pesquisa. Surpreendentemente, muitos eram também marginais pes­ soalmente. Alguns eram de origem estrangeira, como Malinowski e Boas - ou Kroe­ ber, Sapir e Lowie, que também haviam nascido em países germânicos. Alguns vie­ ram das colônias, como Fortes, Gluckman e Schapera (da África do Sul), Firth (da Nova Zelândia) e Srinivas (da índia). Muitos, como Mauss. Sapir ou Alexander Goldenweiser, eram judeus. Vários eram mulheres numa época em que o trabalho acadê­

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mico ainda era domínio tipicamente masculino - Mead e Benedict são bem conheci­ das, mas as alunas de Malinowski, Audrey Richards (africanista importante) e Hortense Powdermaker (autora de um clássico sobre métodos de campo), pertenciam à mesma geração. Diferentemente do evolucionismo do século dezenove, a antropologia do século vinte era também marginal no sentido de que colocava “estrangeiros despreziveis” em situação de igualdade com ocidentais de classe média. O método de campo holístico de Malinowski, o relativismo cultural de Boas e a busca de Radcliffe-Brown das leis universais da sociedade sugeriam que todas as sociedades, ou culturas, tinham o mesmo valor. O estudo “de baixo para cima” já havia se tomado a marca distintiva do trabalho de campo antropológico. Contrariamente às outras ciências sociais, que mui­ tas vezes trabalhavam com grandes grupos e populações agregadas, os antropólogos assumiam o ponto de vista das pessoas com quem trabalhavam e eram céticos com relação a decisões tomadas “de cima” por políticos e burocratas que não faziam idéia de como a vida era realmente na cena dos acontecimentos. Ao que parece, nove entre dez antropólogos eram politicamente radicais em um sentido ou outro. O próprio Mauss era um socialista ativo, embora de orientação não-marxista. O ataque sistemá­ tico (e bem-sucedido) de Boas ao racismo acadêmico tornou-o impopular entre polí­ ticos e num determinado momento parece ter levado ao congelamento de fundos para novas contratações em Colômbia (Silvennan 1981: 161). Os livros de sua aluna Margaret Mead, comparando americanos de classe média com habitantes de ilhas do Pa­ cífico, tomaram-se best-sellers e influenciaram proiundamente o feminismo e o radi­ calismo cultural norte-americanos. E quando Malinowski era aplaudido de pé por platéias que se apinhavam para ouvir suas palestras sobre a vida nas Ilhas Trobriand, em sua tumê pelos Estados Unidos em 1926, a mensagem era clara: o potencial da antropologia para a critica cultural e a defesa dos povos nativos era considerável. Tem sido dito que especialmente antropólogos ingleses se submetiam passiva­ mente à opressão de “povos nativos” na África, Ásia e Oceania e até que cooperavam ativamente com administrações coloniais em contrapartida de fundos para pesquisa (ver Asad 1973). Numa tentativa detalhadamente pesquisada para desvendar a ver­ dade dessa questão de uma vez por todas, Jack Goody (1995) conclui que as acusa­ ções são infundadas, e George Stocking (1995), importante historiador da antropolo­ gia, e também Kuper (1996), apoiam as conclusões de Goody. Eles mostram que vá­ rios antropólogos sociais eminentes criticavam explicitamente o colonialismo. Go­ ody demonstra ainda que o Colonial Office [Escritório/Ministério Colonial] e as vá­ rias administrações coloniais não subvencionavam e nem incentivavam de outras formas a pesquisa antropológica em áreas específicas ou entre grupos específicos.

H istória da antropologia Goody explica que as pesquisas de campo eram quase sempre financiadas por funda­ ções americanas. E verdade que uns poucos administradores coloniais receberam treinamento de Malinowski, de Radcliffe-Brown e de antropólogos de Cambridge, e existem alguns exemplos esparsos de pesquisas custeadas pelo Escritório Colonial. No geral, porém, os administradores coloniais eram indiferentes com relação aos an­ tropólogos e vice-versa (Stocking 1995: cap. 8; Kuper 1996: cap. 4). No entanto, pode-se ainda dizer que os antropólogos britânicos tendiam a inte­ ressar-se por pesquisas que direta ou indiretamente legitimavam o projeto colonial. O interesse pela organização política na África, por exemplo, parece um aliado per­ feito para os administradores de um governo indireto (embora, novamente, existam poucas evidências de que essa pesquisa tenha sido levada a sério e aplicada). A quase total falta de interesse pela política e pela economia entre os alunos de Boas pode igualmente refletir o fato de que a organização social original dos índios norte-ameri­ canos fora perdida, na maioria dos casos; a cultura simbólica era tudo o que restava para os antropólogos estudarem. Sempre foi e continua sendo um fato que os projetos de pesquisa são elaborados em contextos históricos específicos e que eles próprios contêm as marcas desses contextos. Talvez seja bastante fácil entender a posição marginal da antropologia. A disci­ plina recrutava um tipo particular de pessoa que podia desenvolver (ou pelo menos tolerar) um trabalho de campo prolongado sob condições desconfortáveis ou pouco atraentes. Desde a permanência de Malinowski entre os trobriandeses, esse era o nome do jogo. O próprio objeto da antropologia não era bem conhecido: sistemas de parentesco na África, redes de troca na Melanésia e danças rituais norte-americanas não pareciam fazer parte da ciência predominante. Com todas essas tendências fragmentadoras e individualistas, é realmente im­ pressionante que a antropologia, no decorrer dos anos que estamos examinando ago­ ra, alcançasse uma posição acadêmica respeitável. O carisma se transformara em ro­ tina com sucesso. Veremos na seqüência como esses processos se desenvolveram nos principais paises.

Oxford e a LSE, Colúmbia e Chicago Em 1930; havia efetivamente apenas um centro acadêmico da nova antropologia na Grã-Bretanha, com sede na London School of Economics e dirigido de 1924 a 1938 por Malinowski, sob o olhar beneplácito de Seligman. Na LSE Malinowski en­ sinou a quase toda a geração seguinte de antropólogos britânicos: Firth, Evans-Pritchard, Powdermaker, Riehards, Schapera, Fortes, Leach e Nadei são alguns dos no­

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mes mais ilustres. A dependência de uma única pessoa naturalmente tornou o meio vulnerável, mas depois da partida de Malinowski para os Estados Unidos a continui­ dade foi assegurada por intermédio de Firth, um fúncionalista malinowskiano que permanecera na LSE desde que ali entrara como aluno em 1923. Em Oxford, a velha guarda reinou até meados da década de 1930, quando Evans-Pritchard e depois Radcliffe-Brown chegaram para construir um refúgio para o estrutural-funcionalismo. Em Cambridge, no passado um pólo do saber antropológico na Inglaterra, Eladdon e Frazer presidiram até a II Guerra Mundial; aqui a antropologia só recebeu novo alen­ to com as nomeações de Fortes e Leach nos anos 1950. Em 1930, porém, tudo isso ainda era futuro. Evans-Pritchard realizava trabalho de campo no Sudão e mais tarde assumiria uma função ligada à sociologia na Univer­ sidade do Cairo. Radcliffe-Brown ainda estava em Sydney e em breve iria para Chi­ cago, onde permaneceria seis anos. O aperfeiçoamento institucional mais importante na antropologia da Inglaterra no início da década de 1930 foi certamente a fundação do Instituto Rhodes-Livingstone, em Livingstone, Rodésia do Norte (atual Zâmbia), por um grupo de jovens estudiosos sob a liderança de Godfrey Wilson. Entre os pri­ meiros pesquisadores estava um sul-africano, Max Gluckman (1911-1975), que nas décadas seguintes dirigiria uma série de estudos pioneiros de mudança social na África do Sul (capítulo 5). A estada de Radcliffe-Brown em Chicago na década de 1930 foi muito fecunda no sentido de que estimulou a formação de um grupo de antropólogos não-boasianos numa excelente universidade americana. O departamento em que ele trabalhava agrupava as áreas da sociologia e da antropologia. Alguns sociólogos desse departa­ mento haviam aplicado métodos etnográficos em seus estudos da vida urbana, da mi­ gração e das relações étnicas. A antropologia de tendências sociológicas de Radclif­ fe-Brown recebeu boa acolhida nesse grupo, e ele foi fonte de inspiração importante para Robert Redíield, Sol Tax e Ralph Linton, entre outros. O centro indiscutível da antropologia americana, porém, ainda estava sediado na Cidade de Nova York, na Universidade de Colúmbia, onde Boas imperava soberano. Em 1930 ele terminara de preparar seu segundo grupo de alunos. Do primeiro grupo, formado pelos que obtiveram o doutorado entre 1901 e 1911, o alemão Kroeber e o austríaco Lowie haviam saído de Colúmbia para criar o Departamento de Antropolo­ gia em Berkeley. O ucraniano Alexander Goldenweiser havia sido contratado pela New School o f Social Research em Nova York. O quarto, Edward Sapir, nascido na Alemanha, havia fundado a etnolingüística e se tom ado professor em Chicago - e o quinto, o polonês Paul Radin, passou de universidade em universidade e escreveu etnografias inovadoras (admiradas por Lévi-Strauss, entre outros) em que os próprios

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informantes tinham espaço para expressar suas opiniões, antecipando assim em meio século o movimento “pós-moderno” na antropologia. Em contraste com esse grupo heterogêneo de imigrantes europeus, os alunos da segunda turma de Boas eram estado-unidenses de nascimento e formação. Os mais influentes entre eles foram Ruth Benedict, M elville Herskovits e M argaret Mead. Apesar dessa concentração dc poder em Nova York, a disciplina teve maior am­ plitude e diversidade nos Estados Unidos do que na Inglaterra. O domínio de Colúmbia estava longe de ser absoluto, e durante as décadas de 1930 e 1940 muitos antropó­ logos influentes sem nenhuma relação com Boas chegaram no país. Redfield (18971958) foi um deles. A especialidade de Redfield eram os estudos camponeses, que ele e seus alunos realizavam na Am érica Latina, na índia e na Europa Oriental. Outro foi Leslie A. W hite (1900-1975), que teve como professores Sapir e Goldenweiser. W hite estabeleceu-se na Universidade de M ichigan em 1930, onde desenvolveu uma teoria neo-evolucionista m aterialista em oposição direta a Boas. Em tom o da mesma época o sociólogo Talcott Parsons ( 1902-1979) foi contratado por Harvard, onde ele trabalharia durante mais de quatro décadas numa grande síntese baseada em W eber e em Durklieim e que por fim envolveria também alguns antropólogos proeminentes. Linton (1893-1953), que havia estudado em Harvard nos anos 1920 e representava outras peculiaridades da herança boasiana diferentes das de Benedict, assumiu o m a­ gistério em Colúmbia em 1937. No mesmo ano George P. M urdock (1897-1985) co­ meçou seu magnum opus na Universidade de Yale: o Human Relations Area Files (HRAF), um imenso banco de dados de traços culturais de todo o mundo que tem sido usado e também criticado por pesquisadores durante meio século. A medida que as condições políticas na Europa se deterioravam e a II Guerra M undial se aproximava, estudiosos europeus consagrados emigraram para os Esta­ dos Unidos, e não apenas judeus das áreas de língua alemã, embora esses fossem o grapo mais numeroso. Um desses foi o próprio M alinowski, que passou alguns anos em Yale antes de morrer. Outro foi o antropólogo inglês Gregory Bateson (19041980), que forjou os primeiros elos entre o estrutural-funcionalismo (por ele critica­ do já em sua primeira monografia em 1937) e a antropologia de orientação mais psico­ lógica representada por Benedict e Mead (esta, a propósito, veio a ser a primeira mu­ lher de Bateson, e ele o terceiro marido dela). Outro exemplo ainda foi o húngaro Karl Polanyi (1886-1964), que havia sido professor de História Econômica em Manchester antes de mudar-se para Nova York em 1940. Alguns anos mais tarde Polanyi seria em­ pregado como historiador em Colúmbia, onde inspiraria Julian Steward, um aluno de Rroeber e Lowie em Berkeley que depois desenvolveria um ramo de neo-evolucionismo materialista, de orientação histórica, no antigo departamento de Boas.

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Examinaremos alguns desses desdobramentos mais detalhadamente. Antes, po­ rém, é necessário dirigir a atenção para a antropologia francesa do século vinte na véspera de sua rotinização.

A expedição Dakar-Djibuti Os antropólogos franceses da geração intermediária - mais jovens do que van Gennep e Mauss, mas mais velhos do que Lévi-Strauss e Dumont - em geral são ne­ gligenciados nos registros anglófonos da história da antropologia. De fato, pode-se facilmente ter a impressão de que a antropologia francesa passou por uma distorção temporal entre The Gift em 1923-1924 e o notável livro de Lévi-Strauss sobre o pa­ rentesco em 1949. De fato, a antropologia francesa estava prosperando, e de muitos modos ela era mais divertida e intelectualmente aventureira do que suas correspon­ dentes anglo-saxônicas. Uma figura de destaque foi Marcei Griaule (1898-1956), aluno de Mauss e professor de Antropologia na Sorbonne desde 1943. Depois de um breve período de trabalho de campo na Abissínia (Etiópia) em 1928, que resultou em alguns livros, Griaule teve a oportunidade de coordenar um projeto de pesquisa am­ plo, coletivo, abrangendo grandes áreas do Império Francês na África. Em 1931 a Assembléia Nacional Francesa havia decidido destinar recursos para uma expedição de Dakar a Djibuti com o objetivo de estimular pesquisas etnográficas na região e também coletar objetos para o museu etnográfico de Paris. A expedição, que durou 22 meses entre 1931-1933, incluiu vários antropólogos franceses que mais tarde da­ riam contribuições importantes. Nas primeiras etapas da expedição Dakar-Djibuti, Griaule e sua equipe visitaram o povo dogon em Mali, e essa visita seria decisiva para sua futura carreira. Sua obra posterior consistiu em grande parte em estudos detalhados desse povo, dando espe­ cial atenção à sua cosmologia, excepcionalmente complexa (Griaule 1938, 1948). Vários outros antropólogos franceses também estudaram os dogons, e assim este é um dos povos africanos mais estudados. A propósito, o método de pesquisa de cam­ po francês divergia dos ideais da observação participante promovidos na LSE e que em pouco tempo se tomaram a prática aceita tanto na Inglaterra como nos Estados Uni­ dos. Os franceses empregavam rotineiramente assistentes e intérpretes nativos e se relacionavam com seus informantes de uma forma mais formal do que os ingleses e americanos, cujo ideal era participar o máximo possível da vida cotidiana. Os antropólogos haviam começado a usar filme e fotografia em suas análises num estágio bem inicial. Haddon e Boas foram pioneiros na utilização do filme etno­ gráfico, e Mead e Bateson realizaram um estudo fotográfico complexo em Bali (Ba-

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teson e Mead 1942) na década de 1930. Griaule continuou e expandiu essa tradição quando colaborou com o cineasta Jean Rouche durante seu trabalho com os dogons. Rouche se tom ou um dos fundadores da escola do cinema vérité (cinema verdade) em filme etnográfico, um gênero que integra o antropólogo e a equipe de filmagem no filme, com o objetivo de oferecer uma descrição m ais objetiva das circunstâncias no cenário e no ambiente de filmagens. Michel Leiris ( 1901 -1990) e Roger Caillois (1913-1978) começaram suas carrei­ ras antropológicas nos anos 1930. Ambos tiveram um a influência marcante sobre a vida intelectual francesa —embora talvez mais intensamente na área das hum anida­ des do que na das ciências sociais - mas fora da França o trabalho deles é pouco co­ nhecido. Leiris e Caillois conheciam a sociologia de Durkheim e de M auss, mas tam ­ bém tinham vínculos estreitos com o filósofo Georges Bataille, e eram considerados integrantes do movimento surrealista nas artes. Caillois é famoso por seus estudos do ritual, do mito e da relação entre o sagrado e o profano. Ele se dedicou a esse tema durkheimiano através da análise de tabus em sociedades divididas em moieties (me­ tades endógamas). Depois da expedição Dakar-Djibuti, Leiris, que além de antropó­ logo era romancista, poeta e crítico de arte, publicou L 'Afrique fantôme (1934; Invi­ sible Africa). A obra é uma narrativa de viagem vivamente filosófica e etnográfica que oferece uma descrição subjetiva de uma série de encontros com realidades estra­ nhas e maravilhosas. O autor tam bém reflete sobre os problemas que o etnógrafo en­ frenta quando seu trabalho de tradução cultural o envolve em relações de poder nas sociedades por ele estudadas. Como as etnografias de Radin, Invisible Africa anteci­ pa o “pós-m odernismo” ou “a virada reflexiva” de meio século na antropologia e se coloca num dos extremos da disciplina, com a “ciência natural da sociedade” de Radcliffe-Brown no outro. Em algum ponto entre esses dois extremos situa-se o trabalho do missionário pro­ testante Maurice Leenhardt (1878-1954). Leenhardt, um antropólogo autodidata, rea­ lizou um dos estudos de campo mais completos na história da disciplina, entre os canacas da Nova Caledónia, uma colônia francesa na Melanésia. Leenhardt permaneceu lá de 1902 a 1926, e associou uma carreira bem-sucedida como missionário a uma pes­ quisa de campo sistemática e a uma defesa apaixonada da cultura canaca no contexto do imperialismo. De volta à França, Lévy-Bruhl e Mauss ajudaram Leenhardt a encon­ trar um emprego acadêmico, e em 1941 ele sucedeu Mauss como professor na École Pratique des Hautes Études. A obra volumosa de Leenhardt sobre os canacas, publica­ da em seis volumes entre 1932 e 1947 (Leenhardt 1937 foi uma síntese antecipada), não só é notável por sua riqueza etnográfica, mas é também muito sofisticada no trata­ mento da tradução cultural no contexto do imperialismo, tópicos que só chegaram à corrente principal da antropologia anglo-americana na década de 1960.

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Durante as décadas de 1930 e 1940 a antropologia francesa se desenvolveu era isolamento quase completo com relação às tradições britânica e americana. Mas mesmo então havia alguns elos indiretos. Paul Rivet (1876-1958), um sul-americanista que introduziu estudos sobre a Amazônia na antropologia francesa, passou a II Guerra Mundial criando institutos de pesquisa no México e na Colômbia, onde cola­ borou com antropólogos norte-americanos. Alfred Métraux (1902-1963), que havia estudado com Mauss, emigrou para os Estados Unidos nos anos 1920, onde se nota­ bilizou como um dos especialistas mais destacados sobre os índios da América do Sul. Ele foi colaborador importante do monumental Handbook o f South American Indians (1946-1950), editado por Julian Steward. No período da guerra outro jovem antropólogo francês esteve na América do Sul; ele trabalhou como professor de Sociologia na Universidade de São Paulo e de­ pois passou a maior parte da TI Guerra Mundial estudando as principais obras etno­ gráficas da escola de Boas sobre os rádios norte-americanos. Já nos primeiros anos do pós-guerra, Claude Lévi-Strauss surgiria como uma das figuras mais importantes da história da antropologia (capítulo 6). n

Cultura e personalidade Se Boas, por um lado, alimentava interesses bem abrangentes, seus alunos, por outro, tendiam à especialização. Cada um seguiu uma parte do projeto global do mes­ tre, e por isso todos podiam, com igual legitimidade, considerar-se verdadeiros boasianos. No entanto, ouve-se freqüentemente dizer que a linha de sucessão direta vai de Boas à escola da cultura epersonalidade de Ruth Benedict (1887-1948) e Margaret Mead (1901-1978). Quaisquer que sejam os méritos dessa visão, o fato pelo me­ nos é que Benedict estava ligada a Boas institucionalmente, pois ela trabalhou em Colúmbía toda sua vida e assumiu a cátedra de Boas depois da morte do mestre. Mead também tinha seu centro de operações em Nova York. Como Boas, as duas mulheres eram figuras públicas de grande visibilidade. Os livros que elas escreviam eram lidos por um público maior do que o de qualquer antropólogo anterior. Mead era também uma palestrante ávida de platéias populares, o que lhe atraiu notoriedade ainda maior. A razão de todo esse apelo devia-se em parte ao fato de que ambas eram boas escritoras que escreviam de fonna acessível e em parte porque tinham a capaci­ dade de instigar a identidade cultural e pessoal do leitor com contrastes surpreenden­ tes e comparações impressionantes. Como muitos alunos de Boas, Benedict e Mead davam pouca atenção aos aspec­ tos políticos e econômicos das sociedades que estudavam, concentrando-se em vez disso nas relações entre fatores psicológicos (personalidade, emoções, ‘"caráter”) e

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nas condições culturais, como socialização, papéis de gênero e valores. Essas ques­ tões estavam quase totalmente ausentes da antropologia inglesa contemporânea. O problema fundamental que Mead e Benedict procuravam resolver era o de saber até que ponto as características mentais humanas são inatas e até que ponto são adquiri­ das. Boas havia sustentado que a mera quantidade de variação cultural entre os seres humanos é um a forte indicação de que a cultura não é inata, e Benedict e M ead tam­ bém eram coerentemente “culm ralistas” em sua orientação. Ao afirmar que emoções e cultura estão interligadas, Benedict deu um passo bas­ tante radical. A cultura era tida como um fenômeno vivido em comum, coletivo, en­ quanto as emoções eram consideradas como vivências individuais. A visão predom i­ nante, principalmente na antropologia inglesa, era que as emoções não tinham abso­ lutamente nenhuma relação com a sociedade (além disso, eram vagas, femininas e não-científicas). Mead e Benedict, pelo contrário, afirmavam que padrões de emoção também podiam ser compartilhados, que também faziam parte da cultura. Embora grande parte da obra das duas antropólogas tenha m ais tarde sofrido críticas severas, não há dúvida de que elas deram os primeiros passos efetivos para instituir uma an­ tropologia psicológica, depois seguidos por m uitos antropólogos (especialmente americanos). O mesmo aconteceu com o interesse das duas pela educação de crian­ ças e pela socialização, temas que na concepção dos antropólogos ingleses não cons­ tituíam matéria de estudo. Benedict era proveniente de um ambiente de classe média sólido e só começou a se dedicar à antropologia depois dos 30 anos de idade, sob a tutela de Boas e Goldenweiser. Ela realizou alguns trabalhos de campo entre os índios norte-americanos (como a m aioria dos antropólogos americanos da época), mas sua influência se deve principalmente a dois livros que não são monografias etnográficas, mas compara­ ções em larga escala: Patterns o f Culture (1934), um dos livros mais lidos em antro­ pologia, e The Chrysanthemum and the Sword (1946). Em sua obra comparativa, Be­ nedict na verdade distanciou-se de Boas, que desconfiava das grandes comparações. Isso não significa, porém, que ela se tom ou mais aceitável do que, digamos, Radcliffe-Brown, cujo estilo de comparação rígido e sistemático era muito diferente das comparações amplas, impressionistas, propostas por Benedict. Em Pa tterns o f Culture Benedict desenvolveu a idéia de que a cultura pode ser analisada como um padrão macropsícológico. Em vez de catalogar a substância das culturas, ela procurava identificar a configuração da “personalidade” coletiva da cul­ tura, o “estilo emocional” ou a “estética” com que ela permeava a ação, a emoção e o pensamento. Benedict referia-se à “personalidade cultural” como ethos.

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Um dos principais contrastes empíricos em Patterns o f Culture é o que é feito en­ tre duas tribos indígenas norte-americanas, os zunhis e os kwakiutls. Os zunhis ti­ nham um forte senso de solidariedade grupai, a liderança política não era autoritária, os rituais não eram dramáticos e as práticas de educação de crianças eram brandas. Os kwakiutls, ao contrário, eram um povo de excessos e exageros - sua famosa insti­ tuição do potlatch, a que Boas e Mauss haviam dedicado grande atenção, era uma competição agressiva, espetacular, com entrega de presentes indicativos de ousadia e arrogância. Benedict qualificava o ethos desses individualistas ambiciosos e hedo­ nistas como dionisíaco, enquanto os pacíficos zunhis eram apolíneos (os dois concei­ tos derivam da mitologia grega, passando por Nietzsche). Benedict também procura explicar como um ethos se relaciona com práticas e instituições sociais, e nessas pas­ sagens ela se aproxima das idéias holísticas dos estrutural-funcionalistas. Durante a II Guerra Mundial, Benedict recebeu a mcumbência de escrevei um relatório sobre o caráter nacional japonês, impossibilitada de realizar trabalho de campo no Japão (e não sabendo ler japonês), ela baseou suas conclusões na literatura existente e escreveu o best-seller The Chrysantemum and the Sword, ainda hoje mui­ to respeitado entre os asianistas orientais. O livro procura descrever o ethos da cultu­ ra japonesa e estabelece uma tensão psicológica fundamental nessa cultura entre a vio­ lência brutal e o estetismo delicado. Durante a guerra Mead se dedicou a interesses semelhantes num projeto compara­ tivo de larga escala explorando o “caráter nacional” de vários países. Mead afirmava que as nações desenvolviam “tipos de personalidade” - ethos nacionais, associados a atitudes, valores e estilos de comportamento particulares. Esse conceito já era contro­ verso na época de Mead e atualmente é mais polêmico ainda. Nào obstante, a idéia de caráter nacional nunca desapareceu da antropologia e ela volta à tona na nova pesquisa sobre o nacionalismo que começou na década de 1980 (ver capítulo 8). Os pais de Mead eram ambos cientistas sociais, e ela cresceu numa fam ília li­ beral, tolerante, intelectual, em constante deslocamento de um lugar para outro. Enquanto Benedict era uma personalidade reservada e às vezes retraída, Mead era uma jovem de 24 anos e cheia de autoconfiança quando embarcou para realizar tra­ balho de campo em Samoa. Mais tarde, ela fez trabalho de campo na Nova Guiné e em Bali. O estudo fotográfico realizado em Bali, em conjunto com Bateson (Bateson e Mead 1942), é uma tentativa de descrever e analisar a linguagem corporal. Os auto­ res partem do princípio de que as “emoções coletivas” do ethos se expressavam nessa linguagem e que o estudo que desenvolviam daria substância empírica às postula­ ções (bastante especulativas) de Benedict. Pelo fim da década de 1970 uma idéia se-

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melhante, com a denominação de habitus, foi proposta (e fundamentada com sofisti­ cação teórica muito maior) pelo antropólogo francês Pierre Bourdieu. Mead foi uma propagadora e palestrante influente durante toda sua carreira. Sua mensagem às platéias ocidentais era simples: se a cultura modela a personalidade, então é possível mudar a personalidade mudando a cultura. N o seu primeiro best-seller, Corning o f Age in Samoa (1928), ela comparou o estilo "livre” de socialização em Samoa com o estilo rígido e autoritário da classe média americana, mostrando que as jovens samoanas eram mais livres e felizes do que as americanas. Com Growing up in New Guinea (1930) e Sex and Temperament in Three Primitive Societies (1935), seu livro sobre Samoa está, ao lado de The Golden Bough, Patterns o f Culture e Tristes Tropiques (1955) de Lévi-Strauss, entre as obras m ais influentes e mais universaknente lidas já produzidas por antropólogos. Como antropóloga e pessoa, M ead nunca deixou de ser polêmica. Como Marx, ela era ao mesmo tempo pesquisadora e ativista, e essas duas orientações de sua vida estavam indissociavelmente entrelaçadas, o que é uma (mas não a única) razão por que sua obra acadêmica é freqüentemente criticada. A comparação com Marx, por improvável que possa parecer, não é totalmente gratuita. Mead foi uma "luz” orienta­ dora do feminismo americano e suas idéias inspiraram a opinião liberal americana por várias gerações. Sua influência sobre a antropologia acadêmica foi menos m ar­ cante. Talvez o aspecto pelo qual ela e Benedict serão sempre lembradas sejao esfor­ ço que ambas fizeram para consolidar a antropologia psicológica como subdisciplina. Como Rivers antes dela, Benedict estava muito adiante do seu tempo para ser bem-sucedida em lançar os fundamentos teóricos desse empreendimento. Diferente­ mente de Rivers, porém, Benedict e Mead tiveram sucesso em criar uma escola de pesquisa antropológica que depois se transmutou em várias escolas de antropologia simbólica e psicológica. Para muitos colegas de Mead, os livros dela não eram científicos. Ela era critica­ da por fazer inferências infundadas sobre estados mentais e por generalizar com base em dados inadequados. Seus contemporâneos britânicos estavam visivelmente cho­ cados. Evans-Pritchard, provavelmente de modo preciso, fez eco às conversas cor­ rentes em Oxford na época quando descreveu Corning o f Age in Samoa como “um li­ vro discursivo, ou talvez eu devesse dizer tagarela e fem inino, com tendência para o pitoresco, o que eu chamo de escrito antropológico do tipo farfalhar-do-ventonas-palmeiras, um modismo introduzido por Maíinowski” (Evans-Pritchard 1951b: 96). Como implica a citação, Mead era em parte criticada por ser mulher (de sucesso extraordinário). Uma objeção mais séria, que analisaremos minuciosamente no capí­

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tulo 7, era que o trabalho de campo por ela realizado era superficial e suas conclusões fundamentais, confusas (cf. Freeman 1983; M.C. Bateson 1985). Não foram apenas Benedict e Mead que promoveram a antropologia psicológica. Ralph Linton, um dos membros do seleto grupo de antropólogos americanos que não eram alunos de Boas, é hoje mais bem lembrado por seu trabalho em microssociologia. Ele, porém, desenvolveu também uma forma de antropologia psicológica em co­ laboração com o psicanalista Abraham Kardiner. Linton e Kardiner refutaram a idéia de Benedict de que culturas são “personalidades em escala ampliada”. Em The Indi­ vidual and His Society (1949) eles sugerem que práticas específicas de socialização e de educação de crianças geram problemas de personalidade que se expressam na or­ ganização da sociedade, que, por sua vez, amplifica os problemas originais. Profun­ damente crítico dos ensinamentos de Radcliffe-Brown em Chicago, por ele conside­ rados reducionistas, Linton defendia uma definição ampla de cultura em que a psico­ logia ocupava lugar de destaque.

História cultural Vários colaboradores e alunos mais próximos de Boas tiveram interesses dife­ rentes dos de Benedict e Mead. Um exemplo relevante disso foi Kroeber, filho de uma família judia alemã, de classe média alta de Nova York, e primeiro aluno de Boas. Depois de criar um dos grandes departamentos de antropologia americanos em 1901 e de fundar um dos museus etnográficos mais importantes do mundo, Kroeber continuou a trabalhar na Universidade da Califórnia em Berkeley até 1946. Como Boas, Kroeber era um faz-tudo antropológico, mas seu principal interesse era a histó­ ria cultural, e ele escreveu vários estudos históricos volumosos sobre civilizações eu­ ropéias e não-européias. Seu colega de longa data em Berkeley, Lowie, também se dedicava a essa área, mas acrescentou-lhe uma pitada de evolucionismo materialista, o que em pouco tempo inspiraria o aluno de maior evidência de ambos, Julian Steward, a conclusões mais polêmicas. No decorrer de sua longa carreira acadêmica Kroeber coletou uma enorme quan­ tidade de dados sobre os indígenas norte-americanos. Seu Handbook ofthe Indians o f Califórnia (1925) é um volume etnográfico de 1.000 páginas, e em sua obra poste­ rior, Cultural and Natural Areas ofNative North America (1939), ele ressalta a im­ portância da história para uma compreensão das culturas nativas. Essas preocupa­ ções estavam naturalmente ausentes da antropologia britânica na época. Ainda num estágio inicial, Kroeber havia manifestado sua insatisfação com o método comparati­ vo traço a traço que os evolucionistas haviam introduzido e que ainda estava em uso,

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especialmente na antropologia alemã (embora o próprio Boas o aplicasse às vezes). A comparação traço a traço era uma abordagem superficial. As culturas eram todos orgânicos (num sentido quase durkheimiano) que não podiam ser decompostos em suas partes componentes sem perder seu significado. Kroeber se referia ao todo cul­ tural como o superorgânico, um sistema integrado que era mais do que biológico, e no entanto parecia ter sua própria dinâmica interna, quase viver sua própria vida. Com efeito, Kroeber é muitas vezes considerado um coletivista metodológico extre­ mo. Assim, em seu artigo “The Superorganic” (1917, reimpresso em Kroeber 1952), ele mostra que muitas vezes inovações são produzidas independentemente por pes­ soas distintas em lugares diferentes. Essa constatação, diz ele, evidencia que as cul­ turas têm dinâmica própria, autônoma, independente dos indivíduos. Embora Boas tivesse trabalhado com idéias semelhantes ainda em 1896, tanto ele como vários outros colegas próximos achavam que Kroeber estava indo muito longe. A cultura não era um objeto independente dos seres humanos. Ela não pode ser reificada. Kroeber deve ter levado essa crítica a sério, pois sugeriu algumas con­ cessões pelo fim de sua longa carreira. Na década de 1950 Kroeber colaborou em vários projetos (com Parsons e outros) e sua última contribuição para a antropologia americana foi um grande projeto de pes­ quisa interdisciplinar em que os antropólogos estudariam a “cultura” e os sociólogos estudariam a “sociedade”. Esse projeto incluía dois jovens entre seus participantes, David Schneider e Clifford Geertz, apresentados mais detalhadamente no capítulo 6.

-> Etnolingüística Outro ramo do tronco boasiano foi a síntese entre lingüística e antropologia reali­ zada por Edward Sapir. Sapir era mais um imigrante judeu-alemão nos Estados Uni­ dos, embora chegasse ainda criança. Ele estudou várias línguas indígenas americanas, passou 15 anos trabalhando no Museu Nacional do Canadá em Ottawa e foi responsável pelas coleções etnográficas na Universidade de Chicago. Depois ele se mudou para a Uni­ versidade de Yale, onde fundou e dirigiu um novo departamento antropológico até sua morte prematura. Sapir é considerado o pai da etnolingüística moderna e sua principal obra, Language (1921), ainda é ponto de referência na lingüística antropológica. Com seu aluno e depois colega, Benjamin Lee W horf (1897-1941), Sapir desen­ volveu a assim chamada hipótese Sapir-W liorf sobre a relação entre língua e cultura. Segundo Sapir e Whorf, as línguas diferem profundamente em sua sintaxe, gramáti­ ca e vocabulário, e essas diferenças implicam distinções profundas no modo como os usuários dessas línguas percebem o mundo e nele vivem. Assim, um falante hopi per­

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ceberá um mundo diferente daquele percebido por um europeu de língua inglesa. A língua hopi é pobre em substantivos e rica em verbos, favorecendo uma visão de mundo rica em movimento e processo, mas pobre em coisas. As línguas européias, em contraposição, têm mais substantivos e menos verbos, fato que as orienta para uma visão de mundo voltada para objetos. A hipótese Sapir-Whorf recebeu muitas críticas ao longo dos anos, algumas reminiscentes das críticas à “mentalidade primi­ tiva” de Lévy-Bruhl. Ainda assim, como notou Bateson, o maior problema pode ser que a hipótese não pode - em um nível ou outro - não ser verdadeira. Obviamente, a língua influencia o pensamento; a única questão é até que ponto e de que modo essa influência se expressa. Durante muitos anos o estudo da língua e da cultura continuou sendo uma especi­ alização puramente americana, mas desde a guerra, e especialmente desde a década de 1980, o campo se expandiu de modo extraordinário. A hipótese Sapir-Whorf pas­ sou a fazer parte da antropologia inglesa no início dos anos 1960, durante o assim chamado Rationality Debate (Debate da Racionalidade), quando filósofos e antropó­ logos discutiram os problemas da tradução intercultural (capítulo 6). Sapir concebia a cultura de modo diferente de Kroeber e também de Benedict e Mead. Kroeber via a cultura como um superorganismo, quase possuindo vida pró­ pria. Mead e Benedict a viam como um padrão coletivo de valores e práticas reprodu­ zido por socialização. Sapir não negava que a cultura deixa sua marca nos valores e nas visões de mundo, mas a considerava como menos monolítica e integrada do que seus contemporâneos. A grande maioria das idéias é contestada, observou ele, e por isso podemos ver a cultura como fonte de divergências, mais do que de consenso. O que chamamos de cultura são regras subjacentes, tidas como naturais, que tomam a divergência possível. Anos mais tarde idéias semelhantes exerceram um papel im­ portante nos grandes debates sobre teoria da cultura que começaram nos anos 1970 e chegaram ao auge (temporário) no início dos anos 1990. A circunstância de Sapir ser muito pouco citado nesses debates só pode ser entendida como um caso grave de am­ nésia coletiva.

A Escola de Chicago Boas ainda vivia quando começaram a ser executados inúmeros projetos de pes­ quisa que de um modo ou outro continuavam suas idéias. Com o tempo, alguns des­ ses projetos divergiriam radicalmente das convicções de Boas - fato que se aplica de modo especial ao movimento neo-evolucionista das décadas de 1950 e 1960. Mas mesmo quando os alunos discordavam do mestre, sua influência continuava presen-

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te, pelo menos indiretamente, em quase tudo o que eles faziam. O interesse de Boas pela história cultural, pela difusão, pela língua, pelos símbolos e pela psicologia tor­ nou a antropologia americana muito mais diversificada do que a européia. Mas como observamos acima, havia nos Estados Unidos um bom número de antropólogos cuja linhagem intelectual não incluía Boas, e o grupo em Chicago, or­ ganizado por Park e Thomas nos anos 1890, era o melhor exemplo disso. O desafio urgente para os primeiros sociólogos de Chicago era compreender as relações étni­ cas (ou as “relações raciais” como eram então chamadas) no caldeirão fervente da Chicago metropolitana que recebia um enorme influxo de imigrantes - negros do sul, judeus, irlandeses, escandinavos, italianos, poloneses. O cadinho americano eliminaria as fronteiras entre esses grupos ou eles continuariam a existir como co­ munidades separadas, mesmo depois de terem sido integrados num mercado de tra­ balho comum? Retrospectivamente, tudo indica que essa pesquisa esteve décadas à frente do seu tempo. Ela constituía a antropologia urbana numa época em que a an­ tropologia ainda era sinônimo de estudo de comunidades pequenas, de preferência “rem otas” ; e constituía estudos de etnicidade num tempo em que o termo “etnicidade” ainda não havia sido cunhado. A parte os estudos de comunidades locais na metrópole, a Escola de Chicago é conhecida por suas pesquisas sobre sociedades camponesas na América Latina e na Europa Oriental e - um pouco mais tarde - na índia. Os estudos do campesinato tive­ ram suas raízes em estudos anteriores de comunidades rurais realizados por sociólo­ gos, historiadores e economistas europeus orientais. Um dos mais renomados dentre esses foi Alexander Chayanov (1888-c. 1938), que desenvolveu uma teoria de eco­ nomia camponesa em tom o do período da I Guerra Mundial. Chayanov, morto num dos expurgos de Stalin, era quase desconhecido no Ocidente até a década de 1950. Em parte de sua teoria ele pergunta por que é tão difícil fazer com que os camponeses produzam tendo em vista o lucro, e conclui que eles têm uma economia marginal, de subsistência, que os impede de assumir riscos. Por simples que possa parecer, essa formulação teve conseqüências determinantes para os estudos antropológicos do subdesenvolvimento. Outro europeu oriental importante, que influenciou diretamen­ te a Escola de Chicago, foi o poeta polonês e sociólogo rural Florian W. Znaniecki (1882-1958). Znaniecki eW illiam Thomas, um dos fundadores do departamento em Chicago, trabalharam em estreita colaboração, e enquanto Znaniecki estava em Chi­ cago, eles concluíram seu grande empreendimento conjunto, o monumental The Polish Peasant in Europe and America. (1918-1920), em cinco volumes - inegavelmen­ te a “mãe” de todos os estudos do campesinato.

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Em 1934 Robert Redfield (1897-1958), o primeiro dos sucessores de Thomas e Znaniecki, já ocupava seu posto em Chicago. Redfield, que praticam ente nasceu e foi criado na Escola de Chicago, foi primeiro influenciado pela Escola de Boas du­ rante a estada de Sapir em Chicago de 1925 a 1931, e depois por Radcliffe-Brown. O próprio Redfield realizou trabalho de campo no México e dirigiu vários projetos na América Central. Teoricamente, suas pesquisas se concentravam em duas questões: primeira, as sociedades camponesas têm sua própria cultura ou seu modo de viver é simplesmente produto da necessidade econômica? Redfield respondeu que os cam­ poneses tinham culturas próprias, exatamente como qualquer outro grupo humano, e que ele não via os modos de vida híbridos deles como menos autênticos do que os de outras culturas. Segunda, Redfield perguntou como dados sobre a vida camponesa local poderiam ser integrados com dados sobre processos no nível regional, nacional ou global. Como o termo “camponeses”, conforme usado na antropologia, quase sempre denota comu­ nidades de agricultores de subsistência que são também participantes marginais em processos não locais de política e troca, suas comunidades não podem ser estudadas como se fossem isoladas e auto-sustentáveis. Redfield propôs inicialmente tratar essa situação por meio de uma dicotomia simples entre cultura popular [folk culture] e cul­ tura urbana [urban culture], ou “pequenas tradições” (locais, transmitidas oralniente) e “grandes tradições” (não locais, letradas). Essa classificação se baseava em critérios culturais e quase não tinha relação com aspectos econômicos e políticos da vida cam­ ponesa, um fato que foi muito criticado pelos estudantes da vida camponesa de orienta­ ção rnais materialista que surgiram na década de 1950. Numa famosa controvérsia na antropologia americana, Oscar Lewis questionou as conclusões de Redfield, ao estu­ dar novamente a aldeia mexicana onde Redfield havia realizado seu trabalho de campo e chegando a conclusões muito diferentes (Redfield 1930; Lewis 1951). Com o tempo, Redfield reavaliaria suas posições, sugerindo que cultura popular e cultura urbana não eram opostos dicotômicos, mas pólos extremos de um contínuo que incluía cidades de médio porte, e incorporando processos de migração e modernização cultural (individualização e secularizaçâo) em seu modelo. Todavia, ele não se dispôs a abandonar sua ênfase na cultura simbólica, uma idéia que ele tinha em comum com muitos outros antropólogos americanos. De fato, o conceito de cultura de Redfield não era muito diferente do de Benedict. Ele estava interessado em mostrar como o modo de vida camponês criava um “caráter cultural” ou ethos particular, e não, por exemplo, em desenterrar as estruturas de poder que dominavam a vida camponesa. Os expoentes de Chicago definiram uma série de questões de pesquisa que só en­ traram na antropologia predominante muitos anos depois. No intervalo entre a pri­

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meira e a segunda grande guerra, eles já estudavam etnicidade, urbanização, socieda­ de camponesa e migração. Chicago foi também o berço de uma tradição microssociológica peculiar que se dedicava a análises detalhadas da interação pessoa a pessoa em ambientes limitados e em gera) de curta duração (por exemplo, dentro de uma instituição). Esse enfoque, às vezes conhecido como interacionismo simbólico, foi desenvolvido por sociólogos, dois dos quais exerceriam mais tarde influência consi­ derável sobre a antropologia: Erving Goffman (1922-1982), conhecido por seus es­ tudos minuciosos sobre o ritual de interação e por sua obra sobre a representação [role play], que pouco depois passaria a fazer parte da corrente principal da antropo­ logia; e Raymond Birdwhistell (1918-1994), pioneiro no estudo da comunicação intercultural e da linguagem corporal, que deu continuidade aos estudos de Bateson e Mead sobre esses temas. Por que os demais integrantes da comunidade antropológica foram tão lentos em aderir a esses novos projetos de pesquisa? Num nível, a resposta é simples. Nem os imigrantes em Chicago, camponeses poloneses semi-urbanizados, nem o corpo médi­ co de um hospital moderno poderiam ser considerados como possuidores de uma cul­ tura “verdadeira”, e por isso eram “inadequados” como objetos de pesquisa antropoló­ gica. Muito depois que os antropólogos, em sua maioria, perderam o interesse por grandes teorias sobre o “estado original do homem” (como em Rousseau ou Morgan), sobreviveu a idéia de que algumas culturas eram mais “autênticas” do que outras. Tri­ bos africanas e índios americanos ameaçados atraíam mais os antropólogos do que as culturas híbridas criadas pela modernização. Essa preferência não era explícita, e Radcliffe-Brown - de sua parte - tinha grande admiração pelo trabalho da Escola de Chi­ cago. Mas, além de tudo, os “verdadeiros primitivos” favoreciam um prestigio profis­ sional maior. E havia também boas razões para essas prioridades. Os “verdadeiros pri­ mitivos” estavam desaparecendo rapidamente da face da terra e constituía tarefa ur­ gente documentar seu modo de vida antes que fosse tarde demais. Ainda se pode acei­ tar essa motivação atualmente, visto que todas as generalizações sobre a condição hu­ mana dependem do conjunto mais amplo possível de dados comparativos.

“Ciência do parentesco” Apesar da amplitude da pesquisa americana, não é esse o aspecto que de modo geral mais se associa à antropologia das décadas de 1930 e 1940. Lembramos, em vez disso, que os grandes estmtural-funcionalistas ingleses e suas monografias clás­ sicas, que não somente se fixaram nos “verdadeiros primitivos”, mas ainda descreve­ ram os princípios estruturais subjacentes à vida desses primitivos de um modo que, em sua elegância formal, era eminentemente “civilizada” . Os autores desses estudos

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eram principalmente ex-alunos de Malinowski, alguns deles mais próximos de Radcliffe-Brown do que outros. Até a década de 1950 alguns dentre os homens mais pro­ eminentes (nenhuma mulher) desse grupo foram indicados para posições importan­ tes em universidades britânicas de prestígio. A maioria, constituída principalmente pelos alunos leais a Firth e Malinowski, teve de esperar até a década seguinte. Um dos alunos mais destacados de Malinowski, que mais tarde se tomaria o prin­ cipal defensor do estrutural-funcionalismo de Radcliffe-Brown, foi Meyer Fortes (1906-1983), um judeu sul-africano, psicólogo por formação. O rompimento de For­ tes com Malinowski nos anos 1930 foi dramático, e motivado não exclusivamente por diferenças acadêmicas. Por exemplo, ao que tudo indica, em 1934 Malinowski pediu a Fortes que fizesse uma declaração por escrito em que con Firmasse que havia emprestado todas as suas idéias do próprio Malinowski (Goody 1995: 37). Enquanto Firth, o neozelandês pacato e pacífico, reagia às explosões de Malinowski com estoi­ cismo e ceticismo, Fortes as tomava pessoalmente. De qualquer modo, à época da publicação do seminal African Political Systems (Fortes e Evans-Pritchard 1940), já não havia mais dúvida de que os interesses de Fortes estavam muito mais próximos dos de Radcliffe-Brown do que dos de Malinowski. Sua especialidade era o paren­ tesco, um tema sobre o qual Malinowski nunca escreveu em detalhe, embora prome­ tesse durante anos um livro sobre o parentesco entre os trobriandeses. Em 1932 For­ tes começou seu primeiro grande trabalho de campo na Costa do Ouro (hoje Gana), e nas décadas de 1940 e 1950 ele publicaria extensamente sobre dois dos maiores e so­ cialmente mais complexos povos desse país, os axântis e os tallensi. O seu The Dyna­ mics o f Clanship among the Tallensi (1945) é considerado um dos pontos altos do es­ trutural-funcionalismo. Foi em grande parte devido aos esforços de Fortes que a an­ tropologia britânica do período era muitas vezes qualificada pejorativamente como “ciência do parentesco”. Muitos, principalmente entre os americanos, achavam que toda a atenção dedicada ao parentesco traía as ambições hoiísticas da disciplina. O ponto alto do estrutural-funcionalismo pode ser situado nos anos 1947-1949, quando Radcliffe-Brown, Fortes, Gluckman e Evans-Pritchard estavam em Oxford. Radcliffe-Brown havia considerado o parentesco como o motor que movia a socie­ dade primitiva, a cola que a mantinha unida e o universo moral em que ela vivia. Essa visão foi confirmada e fortalecida através dos estudos de Fortes, os quais - embora baseados solidamente na etnografia - concentravam-sè em “mecanismos” e em prin­ cípios estruturais. Seu aliado profissional próximo e amigo, Evans-Pritchard, acom­ panhou a dedicação de Fortes aos estudos estrutural-funcionalistas do parentesco na prim eira metade de sua carreira, mas seguiu uma direção diferente durante a déca­ da de 1950 (capítulos 5-6). Como a maioria dos antropólogos ingleses de sua geração,

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Evans-Pritchard havia estudado com Malínowski na LSE, mas entre seus professores estavam também Marett, da Expedição a Torres e, ainda mais importante, Charles Seligman, especialista em Sudão. Foi sob a supervisão de Seligman que Evans-Pritchard realizou seus estudos de campo no Sudão durante os anos 1930, principalmen­ te entre os azandes e os nueres. Evans-Pritchard e Malinowski nunca foram próxi­ mos. M alinowski deliciava-se com descrições poéticas, detalhadas e evocativas da vida dos trobriandeses, ao passo que Evans-Pritchard tinha paixão pela teoria soeiafe preferia uma análise intelectual arguta, elegante e logicamente coerente. Além disso, Evans-Pritchard era uma exceção à regra segundo a qual os primeiros antropólogos eram “forasteiros”. Esse “inglês verdadeiramente inglês, apesar do nome galês”, como Leach (1984) o descreve, parecia realmente personificar as classes altas britâ­ nicas, das quais Malinowski, como forasteiro, jam ais faria parte. De volta em 1931, Evans-Pritchard havia ficado impressionado com Radcliffe-Brown, que se deteve brevemente na Inglaterra en route de Sydney para Chicago. Entretanto, ele nunca foi um simples aluno do mestre durkheimiano. Quando Radcliffe-Brown voltou a Oxford em 1937, Evans-Pritchard já exercia suas funções ali e não só passara anos realizando trabalhos de campo no Sudão, mas também havia tra­ balhado durante três anos como professor de Sociologia no Cairo. Seu primeiro livro, Witchcraft, Oracles and Magic among the Azande (1937), foi publicado no ano do retorno de Radcliffe-Brown, sendo imediatamente reconhecido como uma obra-pri­ ma. A monografia aborda as crenças de feitiçaria de um povo agrícola no sul do Su­ dão, e o cerne de sua análise, uma das mais celebradas e muito debatida em antropo­ logia, segue duas direções: por um lado, ela entende a feitiçaria como uma “válvula de segurança” que redireciona os conflitos sociais para canais inofensivos, um m eca­ nismo de integração na melhor tradição durkheimiana; por outro, ela é uma tentativa corajosa de compreender um mundo de pensamento estranho e desconhecido, apre­ sentado em seus próprios termos. Notável é o modo como a análise une essas duas abordagens num todo inteiriço. O sistema de crenças não somente estabiliza e har­ moniza a ordem social existente, mas é racional e coerente, dados os pressupostos ló­ gicos do pensamento zande. Evans-Pritchard enfatiza o lado prosaico, auto-evidente e prático dessas crenças. Pensamento e fé não são processos abstratos, fora dos even­ tos concretos da vida de cada dia, mas um a parte inseparável desses eventos. Alguns comentadores (especialmente Winch 1958) ressaltaram a dimensão estrutural-funcionalista do trabalho de Evans-Pritchard, afirmando que ele reduz as crenças de feiti­ çaria às suas “funções sociais” . Outros (como Douglas 1980, mas também Feyerabend 1975) enfatizaram exatamente o contrário, que Evans-Pritchard demonstra que conhecimento ou crença são produtos sociais em toda parte.

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A segunda obra importante de Evans-Pritchard apareceu em 1940, o mesmo ano da publicação do volume sobre os sistemas políticos africanos que ele editou com Fortes. The Nuer, um estudo da organização política de um povo pastoril patrilinear que vivia logo ao norte dos azandes, é escrito mais no espírito de Radcliffe-Brown. O livro se propõe a tratar de um problema central na antropologia de povos acephalous (“sem Estado”), especificamente, como pode ocorrer mobilização política de larga escala na ausência de uma liderança centralizada. O livro, que evoca vividamente o mundo dos nueres, é também um tour deforce de “ciência do parentesco” . Os confli­ tos são organizados em tomo do parentesco. O princípio da organização segmentei-

ria - “cu contra meu irmão, eu e meu irmão contra nossos primos, irmãos e primos contra primos em terceiro grau”, e assim por diante - predominou nessa análise, que também demonstrou a influência inibidora de conflitos exercida por relações (como casamentos) que se estabelecem no sistema patrilinear - um aspecto que depois foi desenvolvido mais explicitamente por Gluckman (1956). No último capítulo EvansPritchard elabora sua visão de estrutura social, definida aproximadamente na mesma linha de Radcliffe-Brown, como um sistema abstrato de relações sociais que conti­ nua a existir inalterado apesar das mudanças de pessoas. A continuidade a partir da monografia sobre os azandes também é notória. Evans-Pritchard considerava o pa­ rentesco e a feitiçaria como dois exemplos de “modos de pensamento” e em ambos os casos ele está interessado em mostrar como o pensamento tem relação com o que Pierre Bourdieu (1990) chamaria mais tarde de “lógica da prática”. As monografias de Fortes e de Evans-Pritchard sobre os tallensi, os axântis, os azandes e os nueres foram, depois da obra pioneira de Seligman, essenciais na transfe­ rência do foco regional da antropologia social britânica do Pacífico para a África, mas é preciso lembrar que outros antropólogos importantes também trabalhavam na África na época - Richards entre os bembas, Schapera entre os tswanas, Gluckman entre os zulus e Forde entee os yakõs. Sistemas Políticos Africanos, que incluíam contribuições de cerca de uma dúzia de antropólogos ingleses, foram uma demonstração extraordi­ nária dessa nova ênfase regional. Na introdução, recheada de citações, os editores dis­ tinguiram três tipos de sociedades africanas: sociedades igualitárias, ou de pequena es­ cala (em sua maioria formadas por caçadores e coletores), sociedades estatais (como o reino de Buganda) e a interessante sociedade segmentária, do tipo intermediário, base­ ada na linhagem, da qual os nueres se tomaram o modelo; é uma sociedade descentrali­ zada, mas capaz de formar grupos grandes, colaborando uns com os outros para objeti­ vos específicos (para a guerra, por exemplo). Como veremos, a sociedade segmentária preocupou os antropólogos durante décadas, não só na Inglaterra (ver, por exemplo, Sahlins 1968). Durante os grandes debates sobre o parentesco nas décadas de 1950 e

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1960, o modelo apresentado em African Political Systems recebeu críticas de várias di­ reções. Alguns achavam que ele era simplesmente enxuto demais para acomodar as complexidades da vida real. Outros o desmereceram rotulando-o de evolucionismo disfarçado. Outros ainda (mais especialmente Lévi-Strauss) rejeitaram seu foco exclu­ sivo na descendência como principio de parentesco.

Ultimo baluarte do funcionalismo Em 1930 o centro incontestável da antropologia britânica estivera na LSE, com Malmowski e seus muitos e talentosos alunos. Em 1940 Oxford se tomara uma reserva radcliffe-browniana e avançava a passos largos para a hegemonia. Por volta de 1950, os seguidores de Radcliffe-Brown haviam conseguido emprego em Cambridge, em Manchester e na University College London, e os discípulos de Malinowski pareciam ter perdido a disputa pelo controle acadêmico. De muitas formas, essas mudanças eram reflexo do perfil intelectual e da personalidade desses dois homens. Malinowski era um líder carismático (pára usar o termo de Weber) que, apesar do seu temperamento imprevisível, dava a seus alunos trela longa (Firth 1957). Radcliffe-Brown era o cons­ trutor de uma instituição que parecia seguir um plano-mestre de longo prazo, criando com determinação enclaves estrutural-funcionalistas em universidades em quatro con­ tinentes antes de voltar para a Inglaterra no fim dos anos 1930. Foi principalmente Firth na LSE que assegurou a continuidade direta do pro­ grama malinowskiano. Depois do trabalho inicial sobre os maoris da sua Nova Ze­ lândia natal, ele havia desembarcado em Londres com o objetivo de estudar econo­ mia, mas optou por antropologia depois de participar do prim eiro seminário minis­ trado por Malinowski (Stocking 1995: 407). Ele realizou um trabalho pioneiro em antropologia econômica que mais tarde teria influência considerável. Mas apesar de suas contribuições teóricas (capítulo 5), Firth é, acima de tudo, um pesquisador empírico. Como para seu mentor, a interação e o fluxo contínuo da vida social eram para ele mais fascinantes (e mais “reais”) do que as estruturas abstratas. Ele publi­ cou onze livros sobre os tikopias, habitantes de uma ilha polinésia onde ele realizou trabalho de campo prolongado em três ocasiões. Sua m onografia mais famosa, We, The Tikopia (1936) [Nós, os Tikopias], é um volume de 600 páginas que tipifica tanto as forças quanto as fraquezas da antropologia m alinow skíana. Os e stru ­ tural-funcionalistas desdenhavam o relato supostamente insípido e totalizante de Firth, um relato em que não percebiam nenhuma tentativa de desenvolver modelos elegantes ou mesmo de dar prioridade a algumas instituições mais do que a outras. No entanto, as longas e detalhadas descrições etnográficas do livro documentaram

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a desconcertante complexidade da vida “prim itiva” muito melhor do que os rigoro­ sos relatos estrutural-funcionalistas. As monografias de Firth são estudos malinowskianos típicos, ao lado de Sorcerers ofDobu (1932) de Reo Fortune, dos livros de Isaac Schapera sobre Bechuanaland (Botswana) e dos estudos de Audrey Richards na Rodésia do Norte (Zâmbia). Todas essas obras partiam do pressuposto de que a sociedade era um sistema integra­ do, funcional, mas raramente especificavam os mecanismos dessa integração. Aqui, a emergente antropologia de Oxford se revelava mais refinada, mais científica, mais coerente e superior em todos os aspectos. No entanto, a última palavra ainda não ha­ via sido dita: Firth, como Malinowski, era um individualista metodológico que enfo­ cava a vida diária de pessoas vivas, e não os princípios abstratos, jurídicos (Radcliffe-Brown) ou lógicos (Pritchard) que (supostamente) a governavam. O interesse maior de Firth é o jogo em permanente mudança, tático, entre atores individuais, o que o tomou conhecido como uma espécie de figura ancestral para toda uma geração de in­ dividualistas metodológicos que se destacaram nas décadas de 1950 e 1960.

Alguns forasteiros britânicos A antropologia inglesa era pequena, elitista, fechada e cheia de conflitos. Não obstante, no curso de alguns anos, ela produziu alguns dos maiores clássicos da an­ tropologia. Mas o meio era realmente fechado e tendia a marginalizar quem não per­ tencesse seja ao campo estrutural-funcionalista ou ao íuncionalista. Um bom exem­ plo é A.M. Hocart (1884-1939), cuja obra sobre as sociedades do Pacífico nos anos intermediários entre as duas grandes guerras, influente na época, foi depois esqueci­ da, mas às vezes voltando à tona em anos mais recentes. Hocart realizou pesquisas no Pacífico de 1909-1914, principahnente em Fiji, mas também em Tonga e Samoa. Os interesses de Hocart eram tanto históricos quanto sutilmente estruturais, e ele estava bem distante seja do pragmatismo dinâmico de Malinowski seja da busca de “leis” e “mecanismos” simples de Radclifíe-Brown. Seu principal interesse eram o ritual e as hierarquias sociais, e ele desenvolveu um método comparativo que está mais próxi­ mo da antropologia francesa desde Mauss até Lévi-Strauss do que dos seus contem­ porâneos ingleses. Com efeito, seu livro inovador sobre o sistema de castas (Hocart 1938) foi publicado numa tradução francesa antes de aparecer em inglês e é mais ci­ tado em francês do que na literatura anglófona. Hocart nunca conseguiu emprego acadêmico na Inglaterra, mas sucedeu Evans-Pritchard como professor de Sociolo­ gia no Cairo em 1934, onde permaneceu até sua morte prematura. Outro forasteiro foi o austríaco Siegfried Nadei (1903-1956), músico habilidoso, africanista e pioneiro da antropologia psicológica na Inglaterra; tomou-se professor

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na Universidade Nacional Australiana, em Camberra. U m terceiro foi Daryll Forde (1902-1973), ainda mais marginal do que Nadei; ele estudou arqueologia na Ingla­ terra e mais tarde antropologia cultural com Kroeber e Lowie em Berkeley. Voltando à Inglaterra com um a inclinação incomum para estudos ecológicos, ele no entanto encontrou um forte aliado em Evans-Pritchard e foi nomeado Diretor do University College, em Londres^ em 1945. O mais interessante dos jovens forasteiros ingleses nos anos entre as duas gran­ des guerras, porém, foi Gregory Bateson (1904-1980). Ele vinha de um a família aca­ dêmica, de classe média alta. Seu pai, o famoso biólogo W illiam Bateson, deu esse nome ao filho em homenagem a Gregor Mendel, criador da genética. Bateson estu­ dava biologia quando Haddon, em conversa com ele num trem com destino a Cambridge, o converteu para a antropologia (Lipset 1982: 114), e ele logo partiu para pes­ quisas de campo na Nova Guiné. Depois de uma tentativa fracassada de trabalho de campo entre os bainings, Bateson estudou os iatmuls, um povo das terras baixas cujo ritual naven formou a espinha dorsal da prim eira (e única) monografia etnográfica de Bateson, Naven (1936). Na Nova Guiné, e ao que parece numa viagem de canoa no Rio Sepik, Bateson encontrou Reo Fortune e sua esposa, M argaret Mead, que realizavam trabalho de campo na mesma região. A descrição desse encontro se tornou um clássico na histó­ ria da antropologia. O encontro foi intenso sob todos os aspectos. Os três falaram so­ bre antropologia e a vida em geral, discutiram sobre as diferenças entre os povos que estavam estudando e analisaram corajosam ente suas próprias relações pessoais. Quando a situação se acalmou, Fortune e M ead se divorciaram, Bateson se casou com M ead e em 1939 ambos se mudaram para os Estados Unidos. O encontro de Mead com Bateson ilustra a relação entre a antropologia inglesa e a americana nesses anos. A admiração de Bateson pelo intelectualismo elegante de Radcliffe-Brown foi posta à prova pela intuição de Benedict com relação à psicolo­ gia e às emoções. Qual era o papel específico do antropólogo: descobrir princípios sociológicos gerais ou descrever as sutilezas da comunicação humana? Um excluía o outro? Ou existia uma linguagem comum que podia abranger a ambos? A monogra­ fia de Bateson é uma expressão desses dilemas. No ritual naven , homens iatmul se vestem de m ulher e representam o desejo homossexual por seus sobrinhos jovens. Bateson analisou esse ritual a partir de três perspectivas analíticas distintas. A pri­ meira foi “sociológica e estrutural”, inspirada por Radcliffe-Brown. À segunda ele chamou de eidos (ura estilo cognitivo e intelectual da cultura) e à terceira de ethos (de Benedict). Ele achou muito difícil conciliar, para não dizer sintetizar, esses três enfoques, e acabou desistindo da tarefa. Como foi publicado originalmente em 1936,

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Naven se constitui assim num enigma não solucionado. Só em 1958 apareceu uma segunda edição do livro, com um longo apêndice em que Bateson procurou amarrar as várias pontas soltas. A monografia de Bateson foi uma obra ambígua, com pouca influência sobre a antropologia da época. Seus contemporâneos ingleses não sabiam o que fazer com ela (Kuper 1996), mas seu prestígio foi aumentando à medida que se tomava claro que ela antecipava várias mudanças que ocorreram na disciplina a partir da década de 1950. Assim, Bateson critica a idéia de “função” que, do ponto de vista dele, é teleológica (ela implica que o efeito precede a causa). As explicações funcionalistas de­ vem ser sempre examinadas com todo rigor, para verificar se elas de fato especificam todos os encadeamentos pelos quais os “propósitos” e “necessidades” do todo são comunicados ao ator individual. Esse exame nos levará a concentrar-nos no processo e na comunicação, e não na função e na estrutura. Bateson foi um intelectual excepcional que ainda inspira comentários de admira­ ção, alguns deles com as dimensões de um livro (como Harries-Jones 1995). Depois da guerra, seu interesse pela comunicação e pelo processo o aproximaria de estudio­ sos brilhantes em muitos campos: psiquiatras, psicólogos, etólogos, matemáticos, ecólogos, biólogos, etc. Ele logo se tornou uma figura interdisciplinar que fez contri­ buições importantes para campos como o da psicologia e da teoria das comunicações (ver Bateson 1972) e foi pioneiro no uso de modelos cibernéticos na explanação an­ tropológica. Mesmo antes da II Guerra Mundial, seu “trabalho de campo fotográfi­ co” com Mead sobre Bali mostrou sua disposição de explorar os limites da antropo­ logia. Durante a guerra Bateson contribuiu com os estudos de Mead sobre o “caráter nacional” e trabalhou numa teoria da comunicação que influenciou muitos estudio­ sos, antropólogos ou não (capítulo 6). Parece apropriado terminar este capítulo com o início da carreira de Bateson. Con­ siderado como iconoclasta e excêntrico durante toda sua vida, a primeira tentativa de Bateson de realizar uma síntese teórica consistiu em preencher a lacuna entre a antro­ pologia americana e inglesa do período entre as duas grandes guerras, Ele próprio a considerou um fracasso. Isso deve lembrar-nos de que o abismo entre as duas tradições era bem real. Enquanto americanos mergulhados na antropologia cultural boasiana es­ tudavam o significado simbólico, “padrões culturais” e a relação entre língua e socie­ dade, os bretões concentravam-se em questões como vida social, relações de status, sistemas de parentesco e, cada vez mais, política. Tendências dominantes na antropo­ logia francesa seguiram um terceiro caminho, ao qual retomaremos no capítulo 6. Embora todo historiador da antropologia que se respeite sustente que a antropologia era, afinal de contas, uma disciplina única, o Atlântico, e mesmo o Canal Inglês, eram

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H istória da Antropologia

linhas de demarcação reais em 1945. Além disso, embora seja simplista pretender que essas fronteiras permanecessem intactas durante a segunda metade do século vinte, se­ ria ingênuo pensar que elas simplesmente haviam desaparecido. As três tradições na­ cionais continuam a caracterizar a antropologia até os dias de hoje. A estrutura cronológica básica deste livro ficará temporariamente alterada nos próximos dois capítulos. Esses capítulos abrangem os 20 e poucos anos entre o fim da II Guerra Mundial e os novos movimentos radicais que se tomaram populares na parte final da década de 1960. O capítulo 5 apresenta a crítica cada vez maior dirigida ao estrutural-funcionalismo e algumas novas alternativas; o capítulo 6 mostra como antropólogos em ambos os lados do Atlântico compreenderam o poder dos símbolos e dos rituais, muitas vezes fechando antigas lacunas e, no processo, abrindo novas.

5 Formas de mudança

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: as armas estão silenciosas, os bombardeiros em terra. Milhões de refugi­ ados cruzam cautelosos pelas cidades destruídas da Alemanha, pelas terras devasta­ das da Rússia, da Polônia e da Ucrânia. A França e a Inglaterra foram profundamente abaladas e seus grandes impérios em breve serão apenas uma lembrança. Em con­ traste, a economia americana começa a se firmar como superpotência, produzindo quantidades cada vez maiores de cadillacs cor-de-rosa, aparelhos de TV, estrelas de rock’n ’roll e armamento nuclear. Não muito longe, a União Soviética competirá exitosamente com “o mundo livre” pela produção de material bélico, enquanto a fabri­ cação de cadillacs (cor-de-rosa ou de outras cores) fica para trás. McCarthy persegue espiões comunistas; Beria vai à caça de espiões capitalistas. A atmosfera é tensa, e as pessoas entreveem um futuro sem precedentes que, diante dos horrores do passado recente, parece acenai' para o progresso ou ameaçar uma catástrofe global. Os Estados Unidos estavam se tomando a superpotência mais destacada, não só na economia, mas também nas ciências em geral - entre elas a antropologia - com mais acadêmicos, mais recursos financeiros para pesquisas, mais revistas e conferên­ cias do que em qualquer outro país. Na década de 1950 acadêmicos em países como a Noruega ou a Dinamarca, que até então haviam publicado em alemão para chegar a um público internacional, acharam oportuno passar para o inglês. As crenças racistas do nazismo haviam sido politicamente renegadas, e muitos achavam que já era tempo de abandonar o conceito de raça também na ciência. Mui­ tos geneticistas e biólogos, embora não todos, concordavam em que diferenças raciais não eram profundas o suficiente para explicar a variação cultural. Praticamente to­ dos os antropólogos sociais e culturais tiniram essa visão, e realmente sua disciplina assentava-se sobre o pressuposto da “unidade psiquica da humanidade” que os evolucionistas haviam introduzido. Quando declarações anti-racistas internacionais co­ meçaram a ser escritas e assinadas, parecia natural envolver antropólogos na ativida-

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de literária. Desse modo, um emigrado inglês para os Estados Unidos, Ashley Montagu (1905-1999), com doutorado pela universidade de Boas, Colúmbia, tornou-se secretário de uma conferência da Unesco sobre raça em 1950. O documento final, “Declaração sobre a raça”, proclamou em termos inequívocos que fatores biológicos eram de importância secundária na formação da personalidade humana. Assim, a perspectiva cultural relativista favorecendo a cultura (nurture) mais do que a nature­ za (nature) predominava entre a maioria dos antropólogos nos dois lados do Atlânti­ co e se tomou politicamente influente depois da guerra, de modo especial nas Nações Unidas e em suas organizações. Os ventos da mudança eram intensamente universalistas: eles proclamavam a unidade da humanidade e direitos humanos iguais. Até onde antropólogos simpatiza­ vam com essa tendência ideológica - e eram muitos - eles eram ambivalentes. Por um lado, as idéias culturalistas, anti-racistas, promovidas por Montagu numa série de livros populares e influentes eram de modo geral vistas como incontroversas, triviais mesmo. A maioria dos antropólogos provavelmente era também a favor da descolo­ nização, sem dúvida também um projeto universalista. Por outro lado, antropólogos saturados de relativismo cultural achavam difícil agüentar o zelo missionário injusti­ ficado aparentemente ligado à nova retórica universalista dos direitos humanos, quer ele emanasse de movimentos anticolonialistas, do Departamento de Estado Ameri­ cano ou das Nações Unidas. Em 1947 a AAA elaborou uma declaração extensa, pu­ blicada no American Anthropologist e escrita principalmente por Melville Herskovits, que teve o peso de uma advertência contra o imperialismo cultural inerente dc forma ostensiva à incipiente Declaração Universal dos Direitos Humanos (AAA 1947). Essa declaração mostra a posição extremamente forte do programa boasiano na antropologia americana na época (ver R. Wilson 1997). Pouco tempo depois da guerra, porém, desenvolver-se-ia uma alternativa vigoro­ sa ao relativismo cultural boasiano e à sua correspondente perspectiva de que a cultu­ ra era sui generis - seu próprio criador. O débito evidente dessa alternativa para com Marx raras vezes foi reconhecido abertamente, pois ser marxista nos Estados Unidos do pós-guerra estava fora das cogitações de um acadêmico que quisesse obter um contrato definitivo e recursos para pesquisa. Em vez disso, seus inspiradores tendiam a voltar-se para Morgan como pai fundador. O ano de 1946 pode ser visto como uma porta para um período animado, expan­ sivo, em que a antropologia então entrava. Esse foi o ano em que os ingleses criaram a Associação de Antropólogos Sociais, o ano em que Evans-Pritchard substituiu Radcliffe-Brown em Oxford e Kroeber afastou-se de Berlceley depois de lá ter ensi­ nado durante 45 anos, e o ano em que Julian Steward começou a ensinar no antigo de-

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parlamento de Boas em Colúmbia. Embora “a revolução” na disciplina tivesse che­ gado ao fim e também arotinização talvez tivesse terminado, a mudança estava no­ vamente no ar. No espaço de alguns anos o programa neo-evolucionista de Steward enfrentaria o boasianismo no próprio território deste, Evans-Pritchard rejeitaria o es­ trutural-funcionalismo, Gluckman se tomaria professor no departamento recém-cri­ ado em Manchester, o qual mais tarde ficou conhecido tanto por seu radicalismo po­ lítico quanto por seu interesse na dinâmica da mudança (um tema raramente tratado no estrutural-funcionalismo), e o monumental livro de Lévi-Strauss sobre o paren­ tesco, publicado em 1949, mudaria para sempre o discurso antropológico sobre sua instituição favorita. Embora a antropologia se ramificasse em muitas direções nas décadas posterio­ res à guerra, ela também se integrou, ainda mais do que antes, graças à continuação e internacionalização - de debates fundamentais. Diferenças continuaram, mas o co­ nhecimento mútuo através de fronteiras nacionais também se difundiu mais. As reu­ niões anuais da AAA aos poucos se transformaram em encontros globais e o contato com as publicações de uns e de outros se tomou natural. Seria inútil impor uma narrativa linear simples às complexidades das duas déca­ das seguintes à guerra. Esse foi um período em que os altiplanos da Nova Guiné substituíram a África como lugar mais atraente para jovens pesquisadores de cam­ po, em que o Caribe e a América Latina foram reconhecidos como regiões etnográficas, em que o estruturalismo se tomou uma força a ser levada em couta, em que a antropo: logia interpretativa fez seu grande avanço e em que foram desenvolvidas novas for­ mas de análise simbólica, política e econômica. Neste livro procuramos resolver esse extenso problema dividindo as décadas de 1950 e 1960 em duas partes. Este capítulo, mais longo, trata das teorias e perspecti­ vas voltadas para o campo da vida social - a esfera da organização e interação social prática, da política e da economia. O próximo capítulo abordará as teorias da comu­ nicação simbólica e do significado. Ao mesmo tempo em que essa distinção repro­ duz uma dicotomia possível de debater entre sociedade e cultura, ela também põe em relevo divergências e convergências entre as tradições nacionais em expansão. A antropologia americana, que por algum tempo foi quase sinônimo de estudos de “cultu­ ra” benedict-meadeanos, brotou de um impulso holístico original, de uma definição de “cultura” na linha de Tylor, em que a organização social desempenhou natural­ mente um papel considerável. Agora esse aspecto tomou a aflorar com os novos ma­ terialistas. A antropologia francesa, que Durkheim havia definido num sentido am­ plo, sociológico, chegara por meio de Mauss ao fascinante problema da troca. A tro­ ca, em geral vista em termos econômicos, pode - com o devido respeito a Mauss -

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ser redefinida como comunicação. Com Lévi-Strauss o foco da disciplina se desloca da sociologia para a semiótica. Finalmente, os ingleses, que se fixavam na definição sociológica de seu conteúdo com mais obstinação, uma vez mais importaram uma te­ oria francesa, como haviam feito anteriormente com Durkheim. Há continuidade e mudança nesses movimentos. As distinções entre as tradições nacionais começam a se tomar indistintas, mas elas não se apagam.

Neo-evolucionismo e ecologia cultural Embora a escola materialista emergente na antropologia americana fosse explí­ cita em seu antiboasianismo, vários dos próprios colaboradores e alunos de Boas es­ tavam mais próximos das novas idéias do que poderia parecer. Em Berkeley, Kroeber era pelo menos cauteloso, e seu colega, Lowie, podia inclusive expressar simpa­ tia pelo projeto evolucionista, apesar de seu livro mais famoso. Primitive Society (1920), conter uma crítica mordaz ao Ancient Society, de Morgan. Como o próprio Boas, Lowie era acima de tudo um cientista cauteloso, de orientação empírica, com um profundo respeito pelos fatos. Ele era também um historiador cultural esclareci­ do que rejeitava as idéias do “caráter nacional”, defendidas por Benedict, por consi­ derá-las vagas e especulativas, e via o difusionismo como explicação mais convin­ cente da mudança cultural do que o evolucionismo, pois seus pressupostos eram mais simples e fáceis de testar em confronto com os fatos. Mas Lowie não rejeitou o evolucionismo totalmente. Embora se recusasse a generalizar sobre o tema, parece que ele aceitava a idéia de que culturas, em alguns casos, evoluem segundo os mes­ mos princípios gerais, uma visão oposta ao particularismo histórico de Boas. Lowie foi também o primeiro a usar o termo evolução multilinear, um conceito em geral atribuído ao seu aluno Julian Steward. Contrapondo-a à evolução unilinear típica da antropologia do século dezenove, Lowie sustentava que a evolução poderia seguir diferentes caminhos. Entre esses caminhos existiam certas semelhanças básicas, mas também variações consideráveis. Mais tarde, quando Steward iniciou seu projeto de evolucionismo modernizante, ele pôde assim buscar inspiração e apoio -p e lo menos tácito - em seu professor. Como mostra Jerry Moore (1997: 166), perspectivas históricas e evolucionistas eram aceitas mais facilmente nos Estados Unidos do que na Inglaterra, onde a antro­ pologia social a essa altura passara a significar estudos sincrônicos, exclusivamente. A mudança social não era uma questão em pauta na Inglaterra nem na França, onde ela só seria introduzida na antropologia nos anos 1960 através do trabalho do africa­ nista Georges Balandier e seus alunos. Com exceção da obra de Daryll Forde sobre os yakõs e um único mas notável capítulo em The Nuer, a ecologia também estava

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praticamente ausente da antropologia inglesa - ela surgiria timidamente apenas na década de 1980. Quando o neo-evolucionismo entrou em evidência nos Estados Unidos dos anos 1950, isso aconteceu em grande parte devido à obra de dois homens: Steward e Leslie White. Diferentemente da maioria dos seus contemporâneos, Leslie W hite (19001975), professor durante 40 anos na Universidade de M ichigan (1930-1970), rejeitou a idéia cultural relativista de que as culturas não devem ser classificadas segundo uma escala de desenvolvimento, embora ele também rejeitasse enfaticamente as co­ notações morais que os evolucionistas vitorianos haviam associado a essas classi­ ficações. White estava interessado em descobrir leis gerais de evolução cultural. Como Malinowski, ele defendia um a visão funcionalista da cultura, mas, na perspec­ tiva dele, a função da cultura não era assegurar a satisfação de necessidades indivi­ duais, mas garantir a sobrevivência do grupo. Assim, seu projeto apresentava certas semelhanças com o programa de Radcliffe-Brown, mas White não acreditava no principio durkheimiano de que as sociedades eram entidades autônomas com sua própria dinâmica auto-suficiente. As sociedades eram estreitamente integradas com seu entorno ecológico. White fazia distinção entre aspectos tecnológicos, sociais e ideológicos da cultura (mais tarde ele acrescentaria “aspectos emocionais ou atitudi-. nais” - uma tendência na direção de Benedict). A dimensão tecnológica era crucial; de fato, ele sustentava que a dimensão tecnológica determinava os aspectos sociais e ideológicos da vida social (White 1949). A originalidade da teoria de White era modesta, embora seu determinismo tecno­ lógico categórico fosse frequentemente expresso de modos originais, como quando, em The Science o f Culture (1949), ele definiu o nível de desenvolvimento cultural como a quantidade de energia utilizada por cada habitante, medida através da produ­ ção e consumo. Essas ambições quantitativas não haviam feito parte do evolucionismo do século dezenove, mas em pouco tempo se tornariam importantes entre os no­ vos materialistas americanos. As idéias de White encontraram resistência considerável. Mais de uma vez ele foi identificado como um possível comunista na paranóica era de McCarthy da déca­ da de 1950. Entre antropólogos culturais consagrados, a ambição de White de trans­ formar a antropologia numa ciência exata da evolução cultural e dos efeitos socioculturais da tecnologia era vista corno descabida e irrelevante. No entanto, White desen­ volveu um excelente departamento em Michigan, e entre seus alunos estão luminares como Marshall Sahlins (que mais tarde estudou em Colúmbia), um a das grandes fi­ guras da antropologia americana nas últimas décadas do século vinte.

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Lowie, o criptoevolucionista, fazia fortes restrições ao determinismo tecnológi­ co de White, mas incentivou Steward a perseguir uma versão do evolucionismo ma­ terialista que, embora menos determinista, tinha muitos elementos em comum com o de White. O próprio Steward, depois de concluir o seu doutorado em Bcrkcicy - um estudo-padrão do "‘nativo americano” no estilo cultura e personalidade - trabalhou como arqueólogo durante anos antes de se mudar para Washington, DC., onde diri­ giu o Instituto de Antropologia Social na prestigiosa Smithsonian Institution e editou o Handbook o f South American Indians, em sete volumes. Steward aprimorou sua perspectiva teórica durante os anos 1930 e 1940, e quando foi para a Universidade de Colúmbia em 1946 ele levava consigo uma teoria madura que provocou seus colegas e inspirou seus alunos. Durante sua permanência de seis anos em Colúmbia (que co­ incidiu quase exatamente com os anos de Karl Polanyi na mesma universidade, ver p. 103-105), Steward supervisionou um grupo realmente impressionante de pós-graduandos que em pouco tempo imprimiriam na antropologia americana a marca in­ delével do novo materialismo que promoviam. Elman R. Service, Stanley Diamond, Morton H. Fried, Eric R. Wolf, Sidney W. Mintz, Eleanor B. Leacock, Marvin Harris, Robert F. Murphy, Marshall Sahlins, Andrew P. Vayda, Roy A. Rappaport e outros; todos estudaram sob a orientação de Steward (ou de seu sucessor, Morton Fried) e vários deles participaram dos seus projetos. Steward estava insatisfeito com a falta de ambição teórica entre os seguidores de Boas, e, como White, viu um a chave para a generalização no estudo da tecnolo­ gia e das condições ecológicas. Como Lowie, porém, ele não se entusiasmou com as teorias da evolução cultural unilinear. Além disso, onde W hite distinguia três subsistemas culturais, Steward opunha o “núcleo” cultural ao “resto da cultura”. O núcleo consistia na tecnologia e na divisão do trabalho - o que corresponde exata­ mente à definição de inlfa-estrutura de Marx, uma influência que Steward, como White, não tomou pública. Os alunos dele e de White é que por fim tornariam ex­ plícito o vínculo com o marxismo. A influência de Steward pode ter sido ainda mais forte na arqueologia do que na antropologia, mas pelo menos três de suas contribuições tiveram um impacto duradou­ ro, especialmente sobre a antropologia americana. Primeúo, Steward fundou a ecolo­ gia cultural moderna. Embora também White incluísse fatores ambientais em suas ex­ planações, Steward considerava a totalidade de uma sociedade e seu entorno biológico mais ou menos do mesmo modo como um ecologista considera um ecossistema. Ele via a sociedade em grande parte com os olhos de um ecologista. Adaptação era um conceito essencial para Steward, que procurava instituições que promovessem concre­ tamente a sobrevivência de uma cultura num dado ecossistema. Algumas dessas insti­

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tuições eram fortemente determinadas pela ecologia, pela tecnologia e pela densidade populacional; outras quase não eram afetadas pelas condições materiais. Segundo, baseado em evidências arqueológicas, históricas e etnográficas, Steward desenvolveu uma teoria da evolução multilinear. Ele sustentava que, sob con­ dições específicas, como agricultura de irrigação em regiões áridas, o núcleo cultural se desenvolveria aproximadamente nos mesmos moldes em diferentes sociedades. Limitando suas generalizações a alguns aspectos importantes das culturas que estu­ dava e restringindo o escopo de sua teoria a sociedades com precondições naturais análogas, ele conseguiu estruturar um evolucionismo que não levava a generaliza­ ções especulativas que poderiam ser facilmente falsificadas. Nem Steward nem White consideravam todos os aspectos da superestrutura ou reino simbólico como mate­ rialmente determinados, diferentemente de alguns de seus predecessores e também sucessores, fossem eles marxistas ou não marxistas. Terceiro, com Redfield (cuja orientação era definitivamente não materialista) Steward foi um importante pioneiro nos estudos do campesinato. Os camponeses (definidos como agricultores de subsistência em sociedades complexas parcialmente integrados numa economia não local) constituem a maior categoria populacional no mundo. A total falta de interesse por essa categoria por parte da antropologia do pe­ ríodo anterior à guerra confirma que a disciplina ainda estava à procura do exótico, muitas vezes às custas do típico. As pesquisas de Steward sobre o campesinato che­ garam a um ponto alto durante o projeto Porto Rico, de grande amplitude, que ele or­ ganizou no final da década de 1940. O projeto foi um dos primeiros estudos de área na antropologia e foi inédito na época por integrar análise local e regional. Aqui, pra­ ticamente pela primeira vez na antropologia moderna, o Estado-nação e o mercado mundial figuram ativamente na análise. Os alunos de Steward continuariam e aperfei­ çoariam o interesse do mestre pelas sociedades camponesas nas décadas seguintes e dariam contribuições decisivas para direcionar a atenção da antropologia predomi­ nante para o Caribe e para a América Latina nos anos 1960 e 1970. O resultado mais importante dos esforços teóricos de White e Steward não foi seu evolucionismo, mas seu interesse na relação entre sociedade e ecossistema. A es­ cola emergente de ecologia cultural tem sido ffeqüentemente descrita como apenas outra forma de funcionalismo, onde o ecossistema substitui o todo social como impe­ rativo funcional principal. Mas essa crítica se justifica apenas parcialmente. Os eco­ logistas culturais estavam interessados na mudança cultural e, com o passar do tem­ po, desenvolveram um modelo mais sofisticado de sociedade do que seus predeces­ sores ingleses. Nisso eles foram favorecidos pelos grandes avanços da ecologia (bio­ lógica) durante a década de 1950, especialmente como resultado da aplicação de mo-

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delos cibernéticos a problemas de adaptação. Nos anos 1960 a ecologia cultural se mostraria uma fonte diferente de inspiração entre os antropólogos. Gregory Bateson se baseou em modelos e idéias de ecologia cultural em suas contribuições à teoria ge­ ral dos sistemas. Clifford Geertz - depois conhecido por sua obra interpretativa sobre o sim bolism o-publicou Agricultura!Involution em 1963, um livro sobre aposse de terra em Java fortemente influenciado por Steward. Marshall Sahlins, que mais tarde também se voltaria para a antropologia simbólica, começou sua carreira com vários livros que elaboravam os interesses de Steward (e de White) e, num famoso artigo sobre liderança política no Pacífico, ele viu o contraste entre os líderes melanésios e os chefes polinésios sob uma luz evolucionista, baseando-se numa análise de econo­ mia doméstica para explicar variações políticas. O mais coerente (e persistente) dos sucessores de Steward e de White foi Marvin Harris que, durante a década de 1960, desenvolveu sua própria versão de evolucionismo materialista, ao qual ele se referia como materialismo cultural (Harris 1979). O ponto alto da ecologia cultural foi, talvez, a monografia de Roy Rappaport, Pigsfor the Ancestors (1967), que logo se tomou um clássico. Rappaport, aluno de Fried em Colúmbia e amigo e parceiro de Bateson, realizou trabalho de campo entre os tsembaga maríngs nas temas altas da Nova Guiné no início da década de 1960. Ele estava especialmente interessado em compreender um complexo ciclo ritual que en­ volvia tanto situações de guerra como o massacre em massa de porcos domesticados. Aplicando ao ritual uma análise ecológica de inspiração cibernética, ele demonstra as estreitas relações existentes entre a adaptação dos tsembagas ao seu entorno (natu­ reza, mas também grupos humanos vizinhos) e sua visão de mundo. Começando com a prem issa de inspiração whiteana de que a disponibilidade de fontes de energia de­ termina a adaptação cultural, ele termina com uma análise arguta (e não-determinis­ ta) da linguagem estética por meio da qual os tsembagas conceituaiizam o mundo em que vivem. Os críticos viram essa análise como uma espécie de estrutural-funciona­ lismo ecológico que deixava pouco espaço para as próprias motivações da pessoa e para a dinâmica cultural independente, uma crítica a que Rappaport replicou num longo posfácio à edição do livro de 1984. Outro ponto alto da ecologia cultural, que foi também uma manifestação de sua grande amplitude e escopo, foi o simpósio “Man the Hunter”, organizado na Univer­ sidade de Chicago cm 1966 (Lee e DeVore 1968). Concentrando-se principalmente em caçadores e coletores modernos, a maioria dos conferencistas, em grande parte antropólogos culturais americanos, via a cultura principalmente em termos de adap­ tação ecológica, Eles sustentavam que, por ter sido a caça a forma de subsistência original da humanidade, toda teoria geral da sociedade e da natureza do Homem de­

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veria pressupor um conhecimento profundo do modo de vida do caçador. Além de pôr em relevo a conhecida tensão entre explicações culturalistas e materialistas da cul­ tura e da sociedade, o simpósio mostrou até que ponto partes da antropologia cultural americana haviam se distanciado de Boas e Benedict até esse momento.

Formalismo e substantivismo O interesse emergente pelas condições materiais também foi expresso de outras formas além da ecologia cultural, e não somente nos Estados Unidos. Da década de 1940 em diante a antropologia econômica foi desenvolvida como um a subdisciplina, em muitos casos em estreita relação com os estudos antropológicos do campesinato (ver W olf 1966). Os estudos antropológicos de economia tiveram uma história respeitável. Argonauts o f the Western Pacific, de Malinowski, The Gift, de Mauss, e inúmeras obras menores concentraram-se diretamente nas relações econômicas. Não obstante, o pio­ neiro na implantação da antropologia econômica como subdisciplina foi Raymond Firth (capítulo 4). Firth, com formação básica em Economia, havia escrito estudos detalhados sobre as economias dos maoris e dos tikopias (1929, 1939) que enfatiza­ vam as estratégias pragmáticas de indivíduos. Durante as décadas de 1950 e 1960, Firth continuou esse trabalho, acrescentando-lhe uma ênfase teórica muitas vezes de­ nominada “formalismo” (LeClair e Schneider 1968). O formalismo, que sustenta que a teoria econômica clássica pode ser aplicada a diferentes culturas, não se crista­ lizou, porém, numa “escola” propriamente dita antes de ser questionada pelo que se convencionou chamar de “revolução substantivista”. Se Firth foi o primeiro fonnalista importante na antropologia econômica, o an­ cestral mais destacado do substantivismo foi o historiador da econonia húngaro e re­ formador político Karl Polanyi (1886-1964). Depois de alguns anos em M anchester ele se mudou para os Estados Unidos em 1940, onde passou seis anos como professor de Economia em Colúmbia, na mesma época em que Steward trabalhou no departa­ mento de antropologia dessa mesma universidade. Em The Great Transformation (1957 [ 1944]) Polanyi afirma que o que chamamos de “economia” não existe absolu­ tamente nas sociedades pré-capitalistas e que portanto a teoria econômica clássica só pode ser legitimamente aplicada a economias capitalistas, O intenso debate entre fonnalistas e substantivistas envolveu antropólogos, histo­ riadores e economistas, e continuou pela década de 1970 adentro, quando terminou com a percepção indefinida e um tanto banal de que as duas escolas eram complemen­ tares. As questões levantadas foram no entanto fundamentais e, sob aparências diver­

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sas, continuam sendo tratadas ainda hoje. Falando de modo geral, os formalistas di­ ziam que uma economia poderia ser descrita como uma espécie particular de ação em que os indivíduos se envolveram sempre e em toda parte - ação em que o indivíduo se empenha em obter o máximo benefício para si mesmo e/ou para sua família. Em outras palavras, enquanto lidamos com maximização, estamos lidando com economia. Além disso, como a maximização não se limita a contextos empíricos específicos, mas pode ocorrer em qualquer espécie de interação social, a economia pode ser considerada como um aspecto universal da vida social humana. Essa atitude, que (apesar de sua de­ finição universalista) é compatível com o individualismo metodológico, foi entusiasti­ camente abraçada por muitos críticos do funcionalismo estrutural nas décadas de 1950 e 1960 (ver p. 110-115). Em contraposição, o substantivismo afirma que a economia não é uma forma universal de ação, mas (nas palavras de Polanyi) um “processo instituído” (Polanyi 1957). A economia é contida por instituições específicas, históricas - de pro­ dução, circulação (troca) e consumo - e a elas é limitada. A força do formalismo foi sua ênfase nas escolhas pragmáticas dos indivíduos o que põe em evidência os aspectos variáveis e imprevisíveis da ação econômica. A força do substantivismo, em contraste, está em sua capacidade de descrever sistemas econômicos como sendo de tipos íundamentalmente diferentes e caracterizados por diferentes racionalidades econômicas (o formalismo só aceita um a racionalidade econômica: a maximização). Os substantivistas seriam assim mais abertos a teorias de divisores de água históricos, diferenças fundamentais entre culturas e mudança ir­ reversível. O próprio Polanyi, numa tipologia que mais tarde foi expandida por Sahlins (1972), distinguia três tipos principais de economia: reciprocidade, redistribuição e o-oca de mercado. Na reciprocidade, encontrada tipicamente em sociedades pequenas, não hierárquicas, baseadas no parentesco, não há cálculo de lucro e perda de curto prazo, e - como mostrou Mauss em The Gift - é o doador e não o receptor que ganha prestígio. Na redistribuiçãó, típica das sociedades de chefia tradicionais, as mercadorias são recolhidas num centro, de onde são distribuídas para a população com base nas prioridades do centro - muitas vezes em demonstrações evidentes de “generosidade” — pois aqui novamente é o doador que ganha prestígio. Somente na troca de mercado, típica das sociedades capitalistas, essa relação se inverte: o recep­ tor ganha, acumula valor e o reinveste num ciclo interminável de maximização do ganho, para o que o dinheiro exerce um papel fundamental. Cada um desses três “ti­ pos ideais” (para usar o termo de Weber) se baseia em instituições particulares (pa­ rentesco, o Estado, dinheiro) e pode ser encontrado junto com outros em sociedades empíricas. Existem elementos de troca de mercado em sociedades com base no pa­ rentesco, do mesmo modo que existem elementos de reciprocidade (troca de presen­

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tes) em nossa própria economia. Polanyi, porém, abor dou particularmente situações em que um ou outro tipo de economia era dominante, e assim chegou a um modelo vagamente evolucionista de desenvolvünento social incorporando três estágios (um modelo bastante comum, como vimos no capítulo 2). Para os formalistas, como Firth e Herskovits, essa tendência evolucionista foi uma maldição (ver Frankenberg 1967), e eles tentaram mostrar que a maximização regulava as atividades econômicas em toda parte. Os substantivistas consideravam essa visão como etnocêntrica (Sablins 1972), e seu clássico favorito era Mauss, que havia enfatizado as diferenças entre lógicas de ação dominantes em diferentes tipos de sociedade. A controvérsia formalista-substantivista exauriu-se à medida que o pensamento econômico marxista (que procurava incorporar as duas posições) foi ganhando terre­ no. Mas controvérsias análogas continuaram a surgir em outras áreas da antropolo­ gia, por exemplo em discussões de ritual, em que Leach (1968) definiu ritual não (substantivamente) como confinado a uma espécie particular de instituição, mas como o aspecto simbólico de qualquer ação. De modo semelhante, o debate sobre te­ oria da aliança versus teoria da descendência (capítulo 6) contrapôs uma visão do pa­ rentesco como “atividade formadora de aliança” (formalista) a uma idéia de paren­ tesco como método de formação de grupos (substantivista). Finalmente, poder-se-ia argumentar que o pós-modemismo (capítulo 8) foi um tipo peculiar de formalismo, enquanto procurava suprimir a essencialização - a tendência a considerar agregados difusos de processos como se fossem “coisas” distintas (substantivas).

Enquanto isso na Inglaterra: a Escola de Manchester Até 1950, graças à expansão institucional e às aposentadorias, as pessoas que des­ pontariam como figuras eminentes na antropologia social britânica do pós-guerra esta­ vam quase todas firmemente estabelecidas em instituições acadêmicas importantes: Firth conseguiu sua cátedra na LSE em 1944; DaryllForde tornou-se professor no University College London em 1945; Evans-Pritchard em Oxford em 1946; Gluckman em Manchester em 1949 (alguns anos depois de deixar o Rhodes-Livingstone Institute); Fortes em Cambridge em 1950 e Schapera na Universidade de Londres em 1950. Le­ ach foi nomeado para o cargo de professor assistente em Cambridge em 1953. Havia nuanças importantes entre os integrantes dessa elite, que no entanto deve ter parecido um clã muito unido quando observada de fora, de modo especial do di­ versificado campo da antropologia americana. Fortes, Evans-Pritchard e Forde con­ tinuaram ligados ao estrutural-funcionalismo, não obstante os dois últimos terem es­

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colhido caminhos alternativos - Evans-Pritchard rejeitou os ideais da ciência natural e Forde manteve seu interesse na antropologia ecológica dos seus tempos de aluno em Berkeley. Firth, Richards e Leach desenvolveram diferentes tipos de funcionalis­ mo malinowslciano. Finalmente, Gluckman e Schapera representavam uma espécie de campo intermediário. Eles eram estrutural-funcionalistas autodeclarados, mas seus interesses temáticos estavam mais próximos dos de Leach e de Firth que, como eles, interessavam-se essencialmente pelo estudo da mudança social. Dessas figuras de proa, Leach e Evans-Pritchard empenhar-se-iam mais diretamente para mudar a natureza da antropologia social britânica. Apesar desses esforços, porém, essa antro­ pologia foi vista como uma seita conservadora durante vários anos do pós-guerra. Num debate com Firth em 1951, George P. Murdock acusou os bretões de cerrarem fileiras e de se recusarem a envolver-se no discurso da antropologia global (que tal­ vez ele entendesse ser a americana). Ao mesmo tempo, porém, M urdock confirmou que a antropologia social britânica desfrutava de forte influência junto aos antropólo­ gos americanos mais jovens (Stocking 1995:43s), fato que ele não via como despro­ vido dem érito. As décadas de 1950 e 1960 testemunharam grandes transformações na antropolo­ gia britânica. Algumas das mais importantes, especialmente a mudança de foco de “es­ trutura” para “significado”, será tratada no próximo capítulo. Pelos padrões, porém, as pesquisas realizadas no Rhodes-Livingstone Instituíe (depois em Manchester), que se concentravam na urbanização no sul da África, foram pioneiras em seus métodos e te­ mas, e em boa medida foram responsáveis pela derrocada do estrutural-funcionalismo - ironicamente, talvez, visto que o principal teórico dessa escola era Gluckman, fiel discípulo de Radcliffe-Brown, Entretanto, havia tensões internas no estrutural-funcio­ nalismo que foram se tornando cada vez mais difíceis de resolver. Como Malinowski, Firth e vários antropólogos americanos haviam mostrado ainda antes da guerra, uma fraqueza do estrutural-funcionalismo era seu pressuposto explícito de que as socieda­ des tendem a reproduzir a si mesmas. Esse pressuposto criou dificuldades para explicar a mudança, mas a idéia seria viável se - e somente se - as sociedades estudadas pelos antropólogos não mudassem. A validade dessa condição, porém, estava sendo questio­ nada dia após dia. Em parte, era evidente que as sociedades colonizadas, na África e em outras partes do mundo, estavam mudando rapidamente. Em parte, havia uma cres­ cente compreensão do fato de que mesmo grupos primitivos “intocados” (por exemplo na Nova Guiné) estavam num estado de fluxo constante. A mudança, de fato, parecia ser um componente essencial da condição humana. Por isso, nada mais natural que os primeiros antropólogos ingleses a abordar efe­ tivamente esse problema estivessem envolvidos em estudos de grupos humanos que

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passavam por mudanças rápidas, imprevisíveis e irreversíveis. Os antropólogos liga­ dos ao Rhodes-Livingstone Institute, muitos deles mais tarde na Universidade de Manchester, realizaram trabalhos de campo prolongados em regiões caracterizadas pela urbanização, pela migração em busca de emprego e pelo rápido crescimento po­ pulacional. Esses estudos, muitas vezes voltados para as cidades mineradoras da Ro­ désia do Norte (Zâmbia), mostraram como formas sociais tradicionais, como o pa­ rentesco, podiam ser mantidas e mesmo fortalecidas em situações de mudanças rápi­ das - “voltando à vida” no mundo moderno, gestando novo significado. Um estudo famoso nesse gênero foi The Trumpet Shall Sound, de Peter Worsley (1968[ 1957]), uma análise dos cultos da carga messiânicos na Melanésia*. Esses cultos eram movi­ mentos religiosos que combinavam elementos de uma cultura tradicional fragmenta­ da com elementos de uma modernidade pouco compreendida (personificada pelas tropas americanas estacionadas na área durante a II Guerra Mundial), chegando a sínteses simbólicas e organizacionais novas e criativas. Worsley, que era membro do Partido Comunista Inglês, não conseguiu, por razões politicas, autorização para rea­ lizar sua pesquisa, sendo obrigado a basear seu estudo na literatura existente. Quase todos os estudos provenientes desse meio, porém, tinham a África, e na maioria dos casos o sul da África, como base etnográfica. Sob a liderança sucessiva de Godfrey Wilson e Gluckman, o Rodhes-Livingstone Institute iniciou vários novos campos de pesquisa relacionados com a mudança social. A transformação da vida tribal em decorrência da migração e do trabalho assalariado foi estudada a fundo muitos pesquisadores fizeram trabalho de campo nos mesmos grupos tribais tanto na cidade como em seus ambientes tradicionais. Eles estudaram a etnicidade ou a “retribalização” (Mitchell 1956; Epstein 1958). Eles investigaram as relações raciais em cidades mineradoras numa época em que grande parte da antropologia predominante ainda considerava a discriminação racial como domínio da sociologia. Eles também se envolveram com pesquisa aplicada, que nos departamentos metropolitanos era em parte desconhecida e em parte objeto de escárnio. Os métodos que empregavam eram igualmente inovadores. Os problemas rela­ cionados com o estudo da vida social em cidades mineradoras caóticas e turbulentas precisavam ser resolvidos, e o trabalho de campo magistral de Malinowski sobre as diminutas Ilhas Trobriand oferecia poucas idéias. Alguns começaram a fazer experi­ mentos com métodos quantitativos, pouco comuns em antropologia. Mitchell, Epstein

* N. do revisor: esses cultos consistiam numa celebração ritual do saque de cargas de produtos alimen­ tícios e industriais trazidas em navios e aviões e ocorreram em diversas datas: 1870, 1914 e 1967.

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e Elizabeth Colson usaram todos eles estatística e análise regressiva na tentativa de obter dados precisos sobre distância social e estruturas de rede. A análise de rede, in­ troduzida por John Bames (1990 [1954]), tinha o objetivo de rastrear a mudança de relações entre pessoas que não tinham residência fixa. Jaap van Vclsen (1967) pro­ pôs o “método de caso alargado”, um método de pesquisa em que um único evento dramático ou uma série de eventos era isolado e estudado em contextos sucessiva­ mente mais amplos, possibilitando assim observar “de baixo” estruturas sociais de grandes dimensões, como países, por exemplo, impossíveis de abranger com a ob­ servação participante tradicional. As semelhanças com a Escola de Chicago são consideráveis, e as pessoas na Ro­ désia conheciam o trabalho desses pesquisadores. Mas eles ainda eram principal­ mente antropólogos sociais britânicos. O sucesso da Escola Salisbury-Manchester ti­ nha como premissa e base o fato do colonialismo e as possibilidades por ele propor­ cionadas para alianças entre departamentos de universidades metropolitanas e pe­ quenos institutos de pesquisa na periferia (um acordo semelhante existia entre a Uni­ versidade de Cambridge e o Instituto Africano Oriental de Pesquisa Social em Makerere, Uganda, dirigido sucessivamente por Aidan Southall e Audrey Richards). O de­ partamento em Manchester, onde Gluckman trabalhava desde 1949, podia oferecer bolsas de pesquisa por três anos para muitos de seus alunos no instituto em Salisbury. A relação entre as duas instituições só se desfez com a declaração unilateral de inde­ pendência de Ian Smith em 1966. O que os antropólogos de Manchester demonstraram, acima de tudo, foi que a mudança não era um simples objeto de estudo. Não era possível, como os estruturalfuncionalistas às vezes supunham, compreender a mudança simplesmente descre­ vendo a estrutura social como ela existia antes e depois da mudança e postulando al­ gumas regras transfonnacionais simples, que “explicariam” o que havia ocorrido no período intermediário. Gluckman e seus colegas mostraram que quando os efeitos locais de processos globais são investigados empiricamente, eles se dissolvem em redes complexas de relações sociais que estão em constante mudança e influenciam umas às outras. Essa era a idéia por trás da “teoria de rede” de Bames, um conceito mais dinâmico do que o de “estrutura social” de Radcliffe-Brown. A idéia de que a mudança podia ser compreendida como transformações simples, regidas por leis, en­ tre dadas condições sociais foi assim aos poucos substituidapor uma idéia de mudan­ ça como fundamentalmente imprevisível - porque resultava de relações individuais sem conta, cada uma delas sendo reflexiva e variável. Essa idéia por si só representa­ va um desafio fundamental para o estrutural-funcionalismo - índependentemente do fato de que o próprio Gluckman sempre professou sua lealdade a Radcliffe-Brown e nunca tentou desenvolver uma teoria alternativa.

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Gluckman havia feito seu doutorado em Oxford sob a orientação de Evans-Pritchard e Fortes, e foi para o Instituto na Rodésia em 1939, onde exerceu a função de diretor de 1942 a 1947, ano em que voltou para a Inglaterra. Grande parte de suas pesquisas no sul da África relacionava-se com a lei, com a política e com conflitos e sua solução (ver Gluckman 1965). Apesar de mudar-se para Manchester, a liderança indireta de Gluckman continuou durante toda a década de 1950, e os vínculos entre Manchester e o Instituto continuaram fortes. As origens e os antecedentes de Gluck­ man, como judeu natural da África do Sul e com tendências esquerdizantes, não lhe angariaram muito apoio por parte do sistema acadêmico britânico, e foi evidente­ mente graças a Evans-Pritcharde Fortes que ele conseguiu seu posto em Manchester. (Seu arquirrival Leachpode ter pensado que o posto devia ter sido dele. ) De qualquer modo, Gluckman manteve-se leal ao esquema geral do estrutural-fiincionalismo, e certa vez comentou a respeito de Malinowski que “seus dados eram complexos de­ mais para trabalho comparativo” (Goody 1995). Apesar desse desdém - típico - pela etnografia de Malinowski, existiam (como assinalamos acima) semelhanças marcan­ tes entre os interesses de pesquisa de Gluckman e os dos alunos de Malinowski. Em sua história da antropologia social britânica Kuper (1996) observa que as duas linha­ gens pratícamente convergiam nos últimos anos da década de 1950, através do traba­ lho notavelmente semelhante de Frederick Bailey e Fredrik Barth (ver p, 112-113). Co­ mo Firth, Gluckman se interessou pelo tema da mudança desde o início de sua carreira. Já em sua contribuição ao African Potítical Systems, ele chamava a atenção para as tensões entre o sistema político tradicional dos zulus e a administração colonial que lhes havia sido imposta. O interesse de Gluckman pelo conflito social foi inspirado por seu radicalis­ mo político e em última análise por Marx, mas diferentemente de Marx (e como Evans-Pritchard), ele via o conflito como um processo que por fim levava à integra­ ção. Para Gluckman, a integração social sempre implicava encontrar um equilíbrio entre interesses de grupos: conflitos podiam ser subcomunicados através de acordos entre líderes políticos, ou as tensões subjacentes da sociedade podiam ser canaliza­ das através de uma “válvula de segurança” para uma saída inofensiva, como acusa­ ções de feitiçaria (Gluckman 1956) - reduzindo assim a pressão sem provocar o sis­ tema. Diferentemente de muitos de seus contemporâneos, Gluckman tinha consciên­ cia aguda da natureza conflituosa da maioria das sociedades, que só se mantinham unidas imperfeitamente e através de muito trabalho. Outra abordagem à questão da mudança social foi iniciada por Godfrey Wilson, cujo Essay on the Economias o f Detribalization in Northern Rhodesia (1941-1942) analisava a questão da “aculturação”. Wilson predisse que o colonialismo por fim re-

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sultana numa mudança cultural profunda e na “destribalização”. Essa idéia foi retoma­ da mais tarde por Philip Mayer que, num estudo da política urbana na África do Sul, afinnou que os “sindicatos transcendem as tribos” (Mayer 1960). No entanto, vários antropólogos eminentes na Rodésia se opunham à idéia de Wilson, afirmando que o efeito da vida urbana sobre a identidade era a retribalização (Mitchell 1956; Epstein 1958), uma vez que o novo ambiente complexo lembrava continuamente aos migran­ tes sua identidade como membros de um grupo em oposição a outro. Essa perspectiva se mostrou útil mais tarde em estudos de etnicidade e nacionalismo (capítulo 7). O interesse de Gluckman por tensões e crises também levaria a importantes pes­ quisas num campo que em geral não se associa à Escola de Manchester, a saber, o ri­ tual. A idéia de que o ritual pode abrandar o conflito e fortalecer a coesão social é do­ minante já na sociologia da religião de Durkheim. N a obra de Gluckman, e mais acentuadamente na do seu aluno Victor Tumer (1920-1983), essa idéia básica serve como moldura elástica para o estudo do ritual como processo social dinâmico. Mas como a obra de Tum er foi importante para deslocar a ênfase da antropologia social britânica da coesão social para o significado simbólico, ela será apresentada no pró­ ximo capítulo.

Individualismo metodológico em Cambridge As contribuições da Escola de Manchester foram importantes para redirecionar a antropologia inglesa - da integração ao processo, da continuidade à mudança. No en­ tanto, as pessoas envolvidas foram cautelosas. Sua linhagem intelectual provinha de Durkheim via Radcliffe-Brown e Evans-Pritchard, e a metáfora da sociedade como or­ ganismo funcionalmente integrado estava implícita na maioria da obra deles, por mais inovadora que possa ter sido, ao longo da década de 1950, Para os alunos de Malinowski, desvencilhados das noções axiomáticas de integração social, poderia parecer mais fácil tratar da mudança social. Como o próprio Malinowski havia dado ao indivíduo primazia sobre a sociedade, sua visão da vida social proporcionou mais espaço para improvisação, variação e criatividade do que o estiumral-funcionalismo, visto cada vez mais como uma camisa-de-força à medida que a década de 1950 transcorria. Como seu professor, Firth não era predominantemente um teórico, mas um etnógrafo. Onde quer que ele realizasse trabalho de campo - entre os maoris ou tikopias na Polinésia, entre os pescadores malaios, entre os ingleses em Londres - ele via mu­ danças sociais extraordinárias acontecendo. Ele também considerava o indivíduo como um agente crucial de mudança. Em sua obra teórica mais importante, Elements o f Social Organisation (Eirth 1951), ele procurou encaminhar a antropologia social a

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uma visão mais flexível da sociedade. Em 1950 a “ciência do parentesco” de Radcliffe-Brown e seus alunos estava no auge. Evans-Pritchard ainda não havia anunciado sua deserção e todos os principais departamentos, menos naLSE, eram dirigidos por estrutural-funcionalistas. Teria sido impossível Firth ignorar esse fato. Ele portanto mantém uma atitude crítica, mas cautelosa, com relação aos conceitos nucleares de função e estrutura; ele ião rejeita a noção de uma estrutura social estável, “vazia”, mas propõe um conceito complementar, que captura o caráter dinâmico, mutável da ação social. Esse conceito, tomado de empréstimo de ninguém mais do que Radcliffe-Brown, é a noção de organização social. Enquanto a estrutura social diz respeito aos arranjos estáveis da sociedade, a organização social é o fluxo real da vida social em que os interesses individuais se encontram, os conflitos e concessões se desen­ volvem e a pragmática da vida cotidiana pode se desviar consideravelmente da nor­ ma (estrutura social) sem destruí-la. Em outras palavras, e contrariamente à crença de Radcliffe-Brown, a ação não decorre diretamente das normas, mas passa primeiro por um filtro de escolha (tática e estratégica). O afável Firth foi o mediador de conflitos mais importante de sua geração. Ele aproximou distâncias dentro da escola inglesa, preparando calmamente o terreno para as investidas mais agressivas ao estrutural-funcionalismo que estavam para che­ gar, ao mesmo tempo em que manteve um diálogo ativo com antropólogos america­ nos num período em que contatos continuados através do Atlântico eram raros. Ironi­ camente, Cambridge é que se tomaria a sementeira para os malinowskianos radicais, que fínalmente não apenas questionariam a idéia de que a sociedade é intrinsecamen­ te coesiva, mas, em alguns casos, tentariam deslocar o foco da disciplina de todos so­ ciais para a ação individual. Cambridge, um remanso na antropologia britânica até Fortes aceitar a cátedra em 1950, seria nas duas décadas seguintes, simultaneamente, uma cidadela do estrutural-funcionalismo -principalm ente através de Fortes e seu aluno Jack Goody - e um centro vital de inovação na disciplina. Em 1949 Fortes pu­ blicou o artigo “Tempo e estrutura social”, um tour de force estrutural-funcionalista que mostrou que enquanto a manutenção da estrutura social das famílias se desdo­ brava ao longo do tempo, a estrutura parecia mudar, mas de fato apenas repetindo um movimento bem conhecido. Em 1958 essa indicação foi retomada por Goody em seu volume editado The Developmental Cycle ofDomestic Groups. Goody (1919-) realizou um trabalho de campo prolongado em Gana, mas se notabilizou não como autor de monografias, mas como um ousado forjador de sínteses comparativas gran­ diosas, provocadoras - e cada vez mais inusitadas. Fortes, e também Gooclv, içspón* deram ao espírito dos tempos: mesmo que a mudança que descreviam tossiçd l ú s o i i á ^ ainda assim era uma mudança (no curto prazo).

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Edmund Leach (1910-1989), talvez a personalidade mais formidável entre os jovens antropólogos de Cambridge. perseguiu interesses muito diferentes. Leach, ex-aluno de Malinowski e de Firth, engenheiro antes de se tomar antropólogo, foi no­ meado para sua posição em Cambridge em 1953. Em 1956 outra aluna influente de Malinowski, Audrey Richards, também chegou na cidade para assumir a direção do novo Centro de Estudos Africanos. Richards, que havia desenvolvido um extenso trabalho de campo entre os bcmbas da Rodésia do Norte (Zâmbia), fora uma das pri­ meiras críticas da obra de Evans-Pritchard sobre os nueres. sustentando que os dados da realidade não condiziam com os modelos simples que ele elaborara - uma objeção “malinowskiana”. Como Firth, Richards desenvolveu um trabalho pioneiro em an­ tropologia econômica antes da guerra (Richards 1939); suas obras sobre nutrição fa­ zem dela uma das criadoras da antropologia médica (Richards 1932); e no ano em que assumiu em Cambridge ela publicou um estudo influente de rituais de iniciação femininos, Chisungu (Richards 1956). Foram os bons ofícios de Richards que possi­ bilitaram as relações de cooperação entre Cambridge e o Instituto Africano Oriental de Pesquisa Social em Makerere, Uganda. Entre outros antropólogos associados a Cam­ bridge na década de 1950 estavam John Barnes (mencionado acima); Frederick Bailey (1924-), antropólogo sul-asianista e político; e Fredrik Barth (1928-), um norueguês que, durante sua permanência em Cambridge, escreveu o clássico PoliticalLeadership arnong Swat Pathans (1959)- u m título que ecoava a própria obra seminal de Leach, Political Systems ofHighlandBurma (1954). Em outras palavras, eram inúmeros os an­ tropólogos políticos em Cambridge na década de 1950 com senso de lealdade tênue para com a ortodoxia dominante. Esse foco voltado à política (um tópico que raramente se destacava na obra de Fortes e Goody, orientada para o parentesco) fazia parte da herança do estruturalfuncionalismo (afmal, os políticos estavam no centro de The Nuer). Retrospectiva­ mente. poder-se-ia bem sustentar que, ao destacar a importância das instituições políticas, o estrutural-funcionalismo cavava apropria cova. A política é um jogo de poder. Ela é “a arte do possível”, não “a arte do legal”. Ela tem relação com o rela­ xamento das normas (e com sua quebra, sempre que oportuno), não com lealdade inabalável a preceitos morais válidos para todos. Mais cedo ou mais tarde a antro­ pologia política precisaria entender-se com as dimensões inerentemente m anipula­ doras da política. Isso aconteceu de várias formas com os antropólogos de Cambridge. Bailey (1960) escreveu sobre ascensão no sistema de castas e política local em Orissa, no leste da índia. Fato atípico nos estudos sul-asiáticos, ele se interessava por estraté­ gias individuais e interesses conflitantes, e encontrou ambos em abundância.

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Barth escreveu sobre política em Swat, nordeste do Paquistão, como um proces­ so alimentado por interesses dos indivíduos e suas estratégias. Ele fundamentou sua abordagem num modelo originário da economia e da ciência política que era novo à época, a teoria dos jogos, segundo a qual a vida social é em grande parte uma série de jogos de soma zero: nesse jogo, o ganho de uma pessoa implica a perda de outra. Na tentativa de modelar a vida social formalmente, como Evans-Pritchard antes dele, Barth procurou apanhar o fluxo dinâmico de um campo social rachado por interesses conflitantes e nisso foi ajudado pelo fato de que a ciência da “modelação formaliza­ da” havia progredido consideravelmente desde a década de 1930, Na obra de Barth, a estrutura social ficou em segundo plano, aparecendo, na prosa seca e econômica do autor, como “incentivos e restrições” (Barth 1959). Uma comparação entre Po litical Leadership e The Nuer pode ser muito elucidativa e mostrar a mudança que estava ocorrendo em partes da antropologia inglesa da época. Ambos os livros tratam de so­ ciedades sem Estado e do problema da integração; ambos analisam aspectos políti­ cos de sociedades segmentárias. Entretanto, as análises diferem em praticamente to­ dos os outros aspectos: Evans-Pritchard via a estrutura social como um princípio abrangente, ao passo que para Barth é o princípio da maximização individual que exerce um papel semelhante. Evans-Pritchard retrata seu povo com a estética de uma vida pacata, Barth com a de um quadro cheio de movimento. Leach, que escreveu uma monografia do mesmo tipo geral, representa ainda ou­ tro enfoque desse tema. Political Systems ofHighland Burma baseou-se em trabalho de campo entre os kachins e chans do norte de Burma antes e durante a II Guerra Mundial. Quando prestava serviço militar em Burma, Leach perdeu suas notas de campo. Assim, o livro contém poucas declarações literais de informantes e poucos relatos de pessoas reais. Seja o que for que o livro tenha perdido em detalhe empírico, porém, ele ganhou em poder analítico, e é possível que seja a mais influente de todas as monografias da década de 1950.

Political Systems é um livro sobre tensões e conflitos na política. Nisso Leach participa dos interesses do seu principal antagonista na antropologia inglesa, Max Gluckman, embora as perspectivas dos dois sejam radicalmente diferentes. Leach não foi o primeiro antropólogo a estudar a relação entre mito e processo político, mas provavelmente foi o primeiro a sustentar que ambos são instáveis e abertos a diferen­ tes interpretações. Os kachins operam com dois modelos distintos de ordem política: uma igualitária (gumlao) e uma hierárquica (giimsa). Em essência, Leach mostrou que a organização política das aldeias kachins oscilava entre esses pólos no longo prazo e que havia elementos ambivalentes em seu sistema de casamento, em sua or­ ganização econômica e em seus mitos, elementos esses que poderiam ser invocados

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e explorados para justificar a ambos. Malinowski estivera equivocado ao supor que mitos são “cartas sociais” . Na versão de Leach eles eram cartas para problemas. No primeiro capítulo do livro Leach fez uma importante distinção entre modelos e realidade que foi altamente pertinente numa época em que a validade dos modelos da sociedade nuer de Evans-Pritchard ainda era objeto de debates calorosos. Mode­ los, argumentava Leach, são idealizações que podem ser úteis em análise, como pon­ tos de referência simplificados para mais descrições realistas - e dinâmicas - da so­ ciedade. Mas mesmo em sociedades totalmente “tradicionais” (e supostamente está­ veis), as normas não são simples planos de ação (como Evans-Pritchard supunha), mas pontos de ambigüidade e de estresse produzidos pelo encontro de interesses opostos c usados por esses interesses para promover seus propósitos. Leach não é in­ teiramente claro com relação à distinção entre modelos imaginados pelos antropólo­ gos e modelos nativos, o que confere às suas conclusões um sabor um tanto especula­ tivo. O livro no entanto penetra nas complexidades do mito, revelando níveis de sig­ nificado até então nunca vistos. Ele demonstrou que a vida social é intrinsecamente volátil, que categorias culturais são contestadas e abertas a diferentes interpretações, e enfatizou as funções legitimadoras do mito na política. Ele exerceu um papel fun­ damental para estabelecer um programa de pesquisa que continua muito vivo no mo­ mento em que escrevemos esta página. Para o fim da década de 1960, a atmosfera em Cambridge perdeu parte de sua força porque muitos alunos talentosos saíram para iniciar suas atividades profissio­ nais. Depois da partida dc Richards em 1967, do grupo original só permaneceram Le­ ach, Goody e Fortes. Os interesses de Leach passaram da política para o simbolismo (capítulo 6), Goody perseguiu seus projetos comparativos e Fortes se aproximava da aposentadoria. Dos alunos, Barth era o mais influente. Em 1961 ele se tomou profes­ sor de Antropologia Social na Universidade de Bergen, na Noruega, onde criou um departamento dedicado ao individualismo metodológico. As contribuições desse de­ partamento incluíam estudos de questões de desenvolvimento no Sudão, empreendi­ mento e marginalidade econômica no norte da Noruega e —cada vez mais —relações étnicas. Em 1966 Barth publicou um incisivo opúsculo intitulado Models o f Social Organization, uma tentativa vigorosa de demolir totalmente o conceito durkheimiano de sociedade. Barth sustenta aqui que a estrutura social é um produto de “transa­ ções” , trocas pragmático-estratégicas entre indivíduos maximizadores que por fim geram um consenso de valor - como também as regularidades estatísticas em “forma social” a que nos referimos como sociedade. Essa obra, intensamente inspirada pelas sofisticadas técnicas de modelagem formal que estavam ganhando terreno na econo­ mia e na ciência política na época, criou muita polêmica e provavelmente foi o ata-

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que mais implacável ao estrutural-funcionalismo até hoje. Em 1967 Barth publicou o livro pelo qual ele é mais conhecido hoje (e ao qual retomaremos no capítulo 7), qual seja, Ethnic Groups and Boundaries (Barth 1969).

Análise de papéis e teoria dos sistemas O estudo da interação social, que sempre fora o principal sustentáculo da antro­ pologia britânica, e que, com os novos individualistas metodológicos, se tomara ain­ da mais proeminente, nunca havia alcançado a mesma posição nos Estados Unidos, onde o lugar de honra era ocupado pela cultura. Como observamos anteriormente, porém, havia exceções importantes. Vêm-nos à mente a atuação da Escola de Chica­ go, os antropólogos econômicos formalistas e as contribuições de Ralph Linton, de orientação psicológica (capítulo 4). Foi Linton quem introduziu a distinção mais tar­ de habitual entre status e papel (Linton 1937), que (no nivel do indivíduo) correspon­ de muito proximamente à distinção posterior de Fi,rth entre estrutura social e organi­ zação social (no nivel da sociedade). N a terminologia de Linton, o status é definido por normas morais, pelas expectativas de outros indivíduos e por uma posição formal da pessoa num sistema de relações. Papel, por outro lado, é a expressão do status no comportamento concreto. Enquanto o status é estático, um fato dado, muito à seme­ lhança do roteiro de uma peça teatral, o papel é dinâmico. O papel se baseia no status, como o desempenho do ator se baseia no manuscrito do dramaturgo, mas não se re­ duz a ele. A representação do papel exige e possibilita interpretação ativa e distancia­ mentos criativos com relação ao roteiro. Linton foi também o primeiro a escrever sistematicamente sobre a diferença en­ tre status adquiridos e atribuídos e sobre o conflito de papéis. Não obstante, o teórico social mais conhecido por sua teoria dos papéis é o microssociólogo de Chicago Erving Goffman, que realizou estudos minuciosos sobre interação e comunicação em cenários de escala diminuta na sociedade moderna e desenvolveu um aparato conceituai sutil para descrever os rituais e rotinas da vida cotidiana. Em contraste com Parsons - o teórico sociológico dominante nos Estados Unidos na época —, Goffman se concentrava sistematicamente no ator, nas suas motivações, estratégias e decisões. Em The Presentation o f Selfin Everyday Life (1959), ele introduziu sua perspectiva dramatúrgica na vida social, levando a metáfora do ator num palco mui­ to além de Linton. Acrescentando ao vocabulário das ciências sociais termos como distância do papel, estigma, subcomunicação e sobrecomunicação, enquadramentos e ritual de interação, Goffman mostrou como cada ator dispunha de espaço de mano­ bra amplo dentro das limitações estabelecidas pelo status. Suas perspicazes observa­ ções de pessoas interagindo em situações cotidianas, observando, interpretando e co-

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municando suas intenções e reações (espontâneas, autoconscientes ou dissimuladas) a si mesmas e umas às outras - elevaram a novas alturas nossa compreensão da inten­ sa reflexividade que caracteriza a vida social humana (ver Goffman 1967). Diferentemente de grande parte do trabalho empreendido por antropólogos ame­ ricanos nas décadas de 1950 e 1960, os escritos originais, lúcidos e muitas vezes pro­ vocativos de Goffman cruzaram o Atlântico rapidamente, onde foram prazerosa­ mente utilizados na guerra contra o estrutural-funcionalismo, embora o próprio Goffman fosse de fato muito influenciado por Durkheim. Nos Estados Unidos, po­ rém, sua influência ficou, inicialmente e em grande parte, limitada à sociologia. Outra inovação dos primeiros anos do pós-guerra teve um destino um tanto se­ melhante. A cibernética, a teoria dos sistemas complexos, auto-reguladores (os com­ putadores são um exemplo perfeito), foi desenvolvida pelos fins dos anos 1940 por um grupo interdisciplinar liderado pelo matemático Norbert Wiener (1948), alcan­ çando imediatamente importância prática na configuração de computadores. Ecolo­ gistas, biólogos, psicólogos da percepção, economistas e especialistas em inúmeras outras ciências também passaram a aplicar rapidamente a nova teoria. A cibernética entrou na antropologia num estágio inicial graças a Gregory Bateson, que estava li­ gado ao grupo de Wiener. A cibernética, uma disciplina complexa e técnica, concen­ tra-se nas relações de causação circular ou realimentação (feedback), onde “causa” e “efeito” se influenciam mutuamente. Além disso, ela estuda o fluxo da informação nesses circuitos. Conectando circuito a circuito por meio de comutadores lógicos (que dirigem o fluxo por caminhos específicos através do sistema), forma-se uma vasta rede interconectada que transporta impulsos significativos. O ecossistema e o corpo são exemplos de redes assim e, como percebeu Bateson, não há motivo para não descrever a sociedade da mesma forma. O resultado é uma espécie de funciona­ lismo, e, de fato, pode-se dizer que a cibernética torna obsoleta pelo menos parte da critica contra a tautologia, absolvendo o funcionalismo, pelo menos potencialmente, do seu pecado mais evidente. A antropologia de inspiração cibernética difere do fun­ cionalismo, porém no sentido de que todas as conexões internas do sistema devem ser especificadas explicitamente. Em inúmeros artigos, que mais tarde foram reunidos em Steps to an Ecology o f Mind (1972), Bateson esboçou uma teoria da comunicação humana que ele aplicava (criativamente e, às vezes, fantasiosamente) a áreas tão diferentes como estética, fle­ xibilidade ecológica, comunicação animal, esquizofrenia e constituição do se lf Uma contribuição importante foi seu conceito de metacomunicação, o qual denota mensa­ gens embutidas na comunicação normal que informam o receptor que ele está rece­ bendo informações de um tipo específico. Compondo mensagens desse modo somos

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capazes de definir uns para os outros o contexto a que elas pertencem (isso é amor; isso é jogo; isso é politica). Nesse aspecto do seu pensamento, Bateson se parece a Goffman e, como Goffman, ele foi ignorado pela maioria dos antropólogos americanos de sua época. Entretanto, novamente como Goffman, ele exerceria influência considerável, embora não sistemá­ tica, sobre os antropólogos em quase todos os paises no restante do século vinte. Um mundo em mudança exige teorias talhadas para estudar a mudança. Esse foi o desafio básico enfrentado pelos antropólogos, tanto na Inglaterra como nos Esta­ dos Unidos. Em ambos os casos também, esse desafio surgiu sobre o pano de fundo de teorias sociais hegemônicas que descreviam uma imagem intensamente idealiza­ da da sociedade (estrutura social) ou da cultura (ethos). Assim, ambos os grupos de inovadores reagiram cora um enfoque voltado para o lado prático da vida. Entretan­ to, se esses grupos, por um lado, tinham em comum um interesse pelos processos práticos, materiais, da mudança, por outro eles divergiam profundamente quanto ao modo como esses processos deviam ser estudados. Nos Estados Unidos a redescoberta de Marx e Morgan implicou um foco sobre instituições, análises estruturais de desigualdade, condições de desenvolvimento e subdesenvolvimento e outros aspec­ tos da mudança em larga escala. No que se refere à antropologia individualista e psi­ cológica de Benedict, os antropólogos Stewart, W hite e seus alunos passaram dos processos individuais para os processos históricos de grande escala. Na Inglaterra ocorreu o contrário: a atenção deslocou-se do coletivo para o individual. A ortodoxia dominante, o estrutural-funcionalismo, foi coletivista em sua orientação e era ataca­ da não somente por oferecer uma imagem estática, congelada, do mundo, mas tam­ bém por não deixar espaço de manobra para o indivíduo. Se, nas análises americanas, a mudança era resultado de processos impessoais, históricos, o agente típico da mu­ dança na Inglaterra era um estrategista calculista ou um empreendedor inovador. Além disso, enquanto os evolucionistas americanos viam o poder (com Marx) como resultado da dinâmica econômica global, os interacionistas ingleses (com Weber) o viam como um recurso político sujeito à competição individual. Assim, o movimen­ to cm direção à “mudança” seguiu caminhos diferentes. Outras mudanças importantes também ocorreram na antropologia durante as dé­ cadas de 1950 e 1960. Este capítulo mostrou como a economia e a política foram reconceitualizadas; o próximo mostrará como novas teorias de significado simbólico transformaram a disciplina. Aqui também o cenário nos Estados Unidos e na Ingla­ terra foi distinto, apesar da semelhança dos problemas levantados. No entanto, o úni­ co teórico mais importante era francês.

O poder dos símbolos

N o s anos 1950 os antropólogos estavam descobrindo a mudança, seja como mo­ vimento evolucionário (nos Estados Unidos) seja como inovação individual (na In­ glaterra). Mas estavam também descobrindo o significado. Especulações a respeito do significado dos símbolos não eram coisa nova. De fato, nos Estados Unidos, a “descoberta” não foi nada subversiva. Os mais importantes antropólogos simbólicos americanos jovens, Clifford Geertz e David Schneider, consideravam-se herdeiros diretos da tradição boasiana. Na Inglaterra a situação era diferente. Aqui, o estudo do significado ainda estava associado a Frazer, que havia especulado extensamente so­ bre as funções da magia em The Golden Bough. Durltheim havia estudado a religião, mas em seu aspecto ritual, não como um universo de significado. Seu interesse volta­ va-se mais para a prática organizacional da religião do que para seu conteúdo, A so­ ciologia interpretativa de Weber não era bem conhecida. Assim, no contexto britâni­ co, o estudo do significado estava contaminado de evolucionismo e era evitado. A grande exceção à regra, aqui, foi Evans-Pritchard, que corajosamente seguira a linha de Frazer ao estudar a feitiçaria azande, antes de se tomar um dos principais promo­ tores do estrutural-funcionalismo. Agora ele se tomaria um apóstata e conduziria a antropologia britânica a esse novo reino. Na França o caminho tomado foi totalmente diferente. O estiuturalismo de Lévi-Strauss cra em grande parte visto como o coroamento da tradição derivada de Durkheim e Mauss. Mas era isso mesmo? Intelectuais franceses posteriores passariam muitos anos debatendo essa questão.

Da função ao significado Abordamos primeiro a situação na Inglaterra. O interesse pelo significado não estava totalmente ausente da corrente predominante da antropologia social britânica. Um exemplo que comprova esse fato foi o artigo seminal de Jack Goody e do teórico literário Ian Watt, “The Consequences of Literacy” (Goody e Watt 1963) [As conse-

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qüências da literariedade], onde eles sustentavam que a escrita muda de modo irre­ versível tanto a estrutura social como a estrutura de raciocínio (ou estilo cognitivo) da sociedade. O artigo, que desencadeou um debate com ramificações complexas, em parte porque cruzava com a concepção elaborada de “ação como texto” proposta pelo filósofo francês Paul Ricoeur (ver Ricoeur 1971) - entra definitivamente na questão do significado, mas trata das funções sociais do significado, não do significa­ do em si. Os interesses de Evans-Pritchard eram mais radicais do que isso. Evans-Pritchard podia dar-se ao luxo de ser radical. Quando ele sucedeu Radcliffe-Brown como professor em Oxford em 1946, ele já havia escrito duas monografias muito influentes e co-editado um livro-A frican Political Systems - que definiam a agenda predominante de pesquisas da Inglaterra para duas décadas. O volume com­ panheiro, African Systems ofKinship and Marriage, editado por Radcliffe-Brown e Forde, teve muito menos impacto. Apesar de Firth na LSE e Fortes em Cambridge, Evans-Pritchard foi sem dúvida nenhuma o antropólogo social mais influente da época. Quando, em sua Marett lecture sobre “Antropologia Social: Passado e Pre­ sente” em 1950, ele repudiou o estrutural-funcionalismo e se afastou do seu profes­ sor, o fato chegou a ser manchete e tomou-se conhecido de toda a comunidade antro­ pológica. Na palestra, Evans-Pritchard afirmou, por um lado. que seria um con­ tra-senso acreditar que estudos sincrônicos podiam produzir percepções da mesma profundidade que estudos históricos; por outro, que em termos de método a antropo­ logia social tinha mais em comum com a história do que com as ciências naturais. Com isso, ele estava rejeitando dois dos principais sustentáculos do estrutural-funcio­ nalismo. Em sua obra posterior Evans-Pritchard abandona a busca das “leis naturais da sociedade” e, com mais realismo, procura compreender o significado de institui­ ções sociais particulares. Seu segundo livro sobre os nueres, Kinship and Marriage atnong the Nuer (1951 b), foi muito mais descritivo e menos ambicioso teoricamente do que The Nuer. Por outro lado, ele contém menos idéias contestáveis. Em boa me­ dida, foram os modelos elegantes, mas simples, de The Nuer que levaram à “revolu­ ção” descrita no capítulo anterior. Em 1958 o filósofo Peter Winch publicou The Idea o f a Social Sciente andltsRelation to Philosophy, um livro que subseqüentemente exerceria considerável influên­ cia sobre o discurso antropológico relacionado eom a tradução íntercultural. No livro Winch dizia que é impossível estabelecer conhecimento objetivo, “testável” sobre fenômenos culturais, uma vez que o significado desses fenômenos é de­ finido pelo universo cultural de que eles fazem parte. Ele adotou uma posição forte­ mente relativísta, sustentando que não existe posição privilegiada, “independente do contexto” a partir da qual comparar e avaliar outras culturas, exceção feita às nossas

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experiências comuns de processos corporais universais, como “nascimento, cópula e morte” (o próprio Winch cita Eliot nesse ponto). Na visão de Winch, a antropologia social era uma esquisitice cultural ocidental em pé de igualdade com a instituição da feitiçaria entre os azandes, e não tinha o direito de ver seu acesso ao conhecimento como privilegiado, Winch usou a monografia sobre os azandes como o principal exemplo de uma posição filosoficamente insustentável, visto que Evans-Pritchard apresentava uma explicação “científica” da crença “obviamente errônea” em bruxas. E o que dizer se as posições fossem invertidas? Como podemos julgar se uma expli­ cação “feiticeira” da crença “obviamente errônea” na ciência seria menos verdadei­ ra? O livro de Winch foi o ponto de partida de um longo e importante debate sobre ra­ cionalidade e tradução cultural, ao qual tanto filósofos como antropólogos deram sua contribuição (B. Wilson 1970; Hòllis e Lukes 1982; Overing 1985). E interessante observar que Evans-Pritchard parece ter chegado a uma posição semelhante independentemente de Winch. O terceiro volume da trilogia sobre os nueres, Nuer Religion (1956), é mais interpretativo do que explicativo; no início, o au­ tor declara que sua principal ambição é compreender a visão de mundo nuer, e não explicá-la sociologicamente. Nisso, ele está afinado com seu colega de Oxford e co­ laborador próximo num período mais recente, Godfrey Lienhardt, cuja obra poste­ rior sobre os vizinhos dos nueres, os dinkas, era igualmente interpretativa (ver Lienhardt 1961). Compreensão e tradução haviam se tomado agora uma tarefa mais ur­ gente do que explicação e procura de “leis” gerais. Por outro lado, também é verdade, como diz a aluna de Evans-Pritchard, Mary Douglas (1980), que toda sua produção se caracterizava pela continuidade - do livro sobre os azandes em diante. Mesmo The Nuer, que muitas vezes é descrito como o arquétipo da ortodoxia, é de fato um livro evocativo, poético até. Enquanto o foco renovado sobre mudança na antropologia britânica é freqüenteménte descrito como uma transição da estmtura para o processo, a mudança de posi­ ção de Evans-Pritchard foi um movimento da função para o significado. Especial­ mente dois de seus descendentes intelectuais cumpririam, nas décadas seguintes à Marett lecture, a promessa de combinar uma microssociologia voltada à integração com um método interpretativo voltado ao significado simbólico. O primeiro foi o aluno de Gluckman, VictorTum er (1920-1983). Durante as dé­ cadas de 1950 e 1960 ele desenvolveu uma perspectiva sobre os símbolos e a coesão social que se tomou crescentemente influente desde então. Diferentemente de Leacfi, Tumer interessava-se principalmente pelo ritual, não pelo mito; e enquanto Leach via o germe da desagregação social nos mitos, Tumer em última análise via os rituais como fatores de coesão (embora não imutáveis). Como Durkheim havia sugerido,

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eles constituíam um material excelente para o etnógrafo, pois expressavam os valo­ res centrais e as tensões de uma sociedade numa fonna intensamente concentrada. O modo de Tumer abordar os rituais, um modo orientado cada vez mais para os símbo­ los e não para a integração social, procurava no entanto combinar um-mteresse pelo significado simbólico com uma noção de coesão durkheimiana subjacente. Numa das monografias britânicas mais influentes dos anos 1950, Schism and Continuity in an African Society (Tumer 1957), ele introduziu o conceito do drama social. Como a maioria dos seus escritos sobre o ritual, seu foco etnográfico está sobre os ndembus da Rodésia do Norte (Zâmbia), e o principal problema é uma questão clássica, espe­ cificamente, como sociedades matrilineares (como a dos ndembus) resolvem o pro­ blema da integração. Enquanto sucessão, herança e participação no grupo estão sob um único princípio entre povos patrilineares, diferentes direitos e deveres se baseiam em diferentes critérios entre grupos matrilineares. No drama social, que tende a ser um nto de passagem, normas subjacentes são dadas como expressão simbólica, e o ritual contribui assim para a integração da sociedade. Embora a monografia fosse estrutural-funcionalista em seus pressupostos bási­ cos, ela sugeria que a mudança estava em andamento. Tumer desenvolveu sua influ­ ente teoria da comunicação ritual numa série de artigos escritos nos fins da década de 1950 e inícios dos anos 1960, e publicados em 1967 com o título The Ritual Process. Em “Betwixt and Between: The Liminal Period in Rites-de-Passage”, ele introduziu o conceito de liminaridade, mais tarde um conceito básico em estudos antropológi­ cos do ritual (e, às vezes parece, em quase tudo o mais). Aproveitando a indicação de uma obra anterior sobre ritos de passagem, de van Gennep, Turner considera o ritual, e de modo particular o ritual de iniciação, como um processo de transformação pelo qual o iniciando passa de um estado definido a outro, com um período intermediário de incerteza e crise. É esse estado de crise - o estágio liminar - que constitui o foco do ritual, que pro­ cura controlar e impor os valores da sociedade sobre o indivíduo vacilante que, por um período breve mas crítico, não está aqui nem ali. Nesse “interstício” entre status sociais não se aplicam regras antigas nem novas, e o indivíduo é compelido a refletir sobre sua situação, sobre seu lugar na sociedade e na verdade sobre a existência da sociedade em si. Assim, liminaridade é tanto um “estado de ser” crítico como criati­ vo, c a mudança parece um potencial de qualquer ritual. E todavia, no fim, o iniciado é quase sempre reintegrado na sociedade. Em outras palavras, a obra de Tumer dá continuidade tanto aDurkheim quanto a Gluckman, mas ela se distingue pelo destaque dado ao indivíduo, pela preocupação com o significado dos símbolos e pelo foco sobre fases críticas no processo social.

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Tumer também enfatizou a multivocalidade ou múltiplos significados dos símbolos, implicando que os símbolos em si mesmos poderiam ser um a fonte de mudança re­ pleta de tensão e que símbolos idênticos poderiam significar coisas diferentes para diferentes pessoas, criando assim um senso de comunidade entre pessoas que de ou­ tra forma seriam diferentes. No prazo de outras duas décadas, essa última idéia seria adotada por estudantes do nacionalismo. Outro africanista de descendência estrutural-funcionalista que daria à antropolo­ gia social um impulso decisivo para o estudo dos símbolos em seu contexto social foi Mary Douglas (1921-). Aluna de Evans-Pritchard, Douglas estudou os leles do Kasai, Congo Belga, no final da década de 1950. Esse estudo a aproximou da antropolo­ gia francesa e belga, e ela acabou sendo mais influenciada por Durkheim do que por Radcliffe-Brown. Sua obra inicial mais influente não foi à monografia que resultou do trabalho de campo, mas um estudo teórico e comparativo das fronteiras simbóli­ cas e da classificação, Purity andDanger (1966), O livro combina um estrutural-fun­ cionalismo quase ortodoxo com uma análise simbólica altamente sofisticada apoiada tanto em impulsos estruturalistas como psicanalíticos. De enorme sucesso tanto den­ tro como fora da antropologia, Purity andDanger é, de certo modo, uma contraparti­ da inglesa a Patterns o f Cuhure. Em ambos os casos o foco são a identidade e os va­ lores grupais; Benedict, porém, não vai além dos aspectos simbólicos da cultura, ao passo que Dpuglas-relaciona coerentemente símbolos com instituições sociais, ao modo durkheimiano clássico. Na visão de Douglas, símbolos são meios de classifi­ cação social que distinguem entre várias categorias de objetos, pessoas ou ações e as mantêm separadas. A ordem do sistema classificatório reflete e simboliza a ordem social, e os fenômenos “intermediários”, “inclassificáveis” representam portanto uma ameaça à estabilidade social. Seipentes (animais sem pernas) e substâncias que entram e saem do corpo são consideradas problemáticas. Alimentos são muitas vezes organizados em hierarquias de “puro” e “poluído”, o que não tem nada a ver com seu valor nutricional. O resíduo do coipo é universalmente poluidor e potencialmente perigoso, uma vez que simbolicamente desafia a ordem existente. Onde Barth, por exemplo, veria uma pessoa não ortodoxa, inclassificável como empreendedor poten­ cial, como alguém que poderia produzir mudança, Douglas veria a mesma pessoa como uma anomalia classificatória. Esse contraste indica as diferenças entre pers­ pectivas sistêmicas e centradas no ator, como apareciam na antropologia inglesa na década de 1960. Tanto Douglas como Tum er aperfeiçoariam e expandiriam suas perspectivas no decorrer das décadas seguintes. Douglas, que continua ativa atualmente, realiza­ ria por fim um trabalho pioneiro sobre consumo econômico (Douglas e Isherwood

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1979), percepção de risco, tecnologia moderna e antropologia institucional. Tumer, que se mudou para os Estados Unidos em 1961, desenvolveria suas idéias de liminaridade numa teoria geral de desempenho ritual (Tumer 1969, 1974, 1987). Tumer morreu em 1983, mas sua influência continuou aumentando nas décadas de 1980 e 1990, quando seu interesse pelo jogo performativo e pela reflexividade seria bem acolhido pelo movimento pós-modemista na antropologia e por antropólogos envol­ vidos com estudos sobre experiência corporal, sobre emoções e sobre as dimensões simbólicas do poder (capítulo 8). Embora seu itinerário intelectual passasse assim de um estrutural-funcionalismo bastante ortodoxo a um foco radical voltado à estética e à performance, ele continuou essencialmente um durkheimiano - mas de uma linha durkheimiana radicalmente diferente da seguida por Radcliffe-Brown.

Etnociência e antropologia simbólica Enquanto muitos antropólogos nos primeiros anos do pós-guerra, especíalmente na Inglaterra, rejeitassem tentativas de transformar a antropologia numa ciência exa­ ta, outros seguiram na direção oposta. Isso aconteceu não somente com ecologistas culturais americanos e individualistas metodológicos ingleses, mas também - sur­ preendentemente, talvez - com pessoas em atividade no contexto espaçoso da antro­ pologia lingüística americana. Vários sucessores de Sapir exploraram minuciosamente a semântica e as estrutu­ ras da linguagem em sociedades tradicionais. Alguns desses pesquisadores criaram métodos quantitativos talhados para medir freqiièncias e relações entre termos nati­ vos e trabalharam em estreita colaboração com psicólogos, lingüistas e outros envol­ vidos no campo interdisciplinar emergente da ciência cognitiva (capítulo 9). Desta­ cam-se entre esses Harold Conklin, Charles Frake e Ward Goodenough; todos cola­ boraram para o desenvolvimento da etnociência nos anos 1950. A etnociência tinha como objetivo descrever “gramáticas culturais” através da identificação dos compo­ nentes básicos de universos semânticos ou sistemas de conhecimento. Eles se basea­ vam tanto no interesse da escola da cultura e personalidade pela socialização, na lin­ güística fonnal, quanto no estudo comparativo da classificação, área em que tanto Sapir como Wliorf (e antes deles Durkheim e Mauss) haviam realizado um trabalho inovador. Em sua forma mais técnica, a etnociência apareceu como análise compo-

nencial, a qual combinava antropologia lingüística e métodos quantitativos com o in­ teresse geral da década de 1950 pelo parentesco. Em sua fonna original, a etnociência desapareceu em algum momento durante a década de 1960, mas as questões gerais por ela levantadas foram retomadas mais tarde

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pela antropologia cognitiva (ver D’Andrade 1995; Shore 1996). Independentemente da metodologia, em grande parte essas questões dizem respeito à relação entre o uni­ versal e o culturalmente específico nos sistemas de conhecimento humano! Um campo inicial e relativamente simples explorado desse modo foi a classificação de cor. Houve também paralelos interessantes entre os interesses da etnociência e o debate da racio­ nalidade, emergente na Inglaterra, de um lado, e os interesses do estmturalismo Iévistraussiano, de outro. Entretanto, diferentemente tanto de Winch como de Lévi-Strauss, os etnocientistas trabalhavam indutivamente, reunindo imensas quantidades de dados que eram processados pelos enormes e lentos computadores da época. Depois da morte de Boas o pater famílias da antropologia americana foi Kroeber. Com Clyde Kluckhohn (1905-1960), ele publicou, em 1952, Culture: A Criticai

Review o f Concepts andDejinitions, uma obra que analisa 162 definições de cultura e termina recomendando o abandono do conceito totalizante de Tylor e Boas em fa­ vor de uma definição limitada à cultura cognitiva (simbólica, significativa). Na década de 1950 a antropologia americana ainda era em grande parte domina­ da pelos alunos de Boas, os quais produziam uma obra bastante previsível na tradi­ ção culUira e personalidade, muitas vezes incorporando idéias durkheimianas e weberianas que aos poucos se tomavam aceitas nos Estados Unidos, em boa medida graças ao trabalho de Parsons, que colaborava com vários dos principais antropólo­ gos da época. Uma das monografias mais interessantes desse período foi Navaho

Witchcraft (1944), de Kluckhohn, que se assemelha à monografia de Evans-Pritchard sobre os azandes, enquanto procura combinar uma análise sociológica, funcionalista, com uma perspectiva psicológica. O movimento em direção ao esfiido do significado que ocorreu na antropologia inglesa teve seu análogo nos Estados Unidos, em parte por influência de Parsons. Parsons, o principal cientista social nos Estados Unidos nos anos 1950, alimentava sonhos grandiosos para as ciências sociais e mantinha excelentes relacionamentos com agências financiadoras. Ele sugeriu uma “divisão temporária do trabalho” entre sociologia e antropologia, de acordo com a qual os sociólogos estudariam o poder, o trabalho e a organização social, e os antropólogos (coerentemente com a nova e cog­ nitiva definição de cultura) se concentrariam nos aspectos simbólicos e significati­ vos da vida social Num artigo conjunto de Parsons e Kroeber em 1958, essa “trégua” (como os próprios autores a chamaram) foi endossada programaticamente (ver Kuper 1999: 69). Embora a antropologia americana no século vinte tenha sempre se concentrado principalmente no simbólico, esse fato acarretou uma maior delimita­ ção do tema - ou, pelo menos, de parte dele.

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Geertz e Schneider Dois alunos de pós-graduação que receberam fundos através de um programa parsomano-kroeberiano conjunto em Harvard foram Clifford Geertz (1926-) e David M. Schneider (1918-1995). Ambos participaram de projetos interdisciplinares du­ rante o doutorado - Schneider realizando trabalho de campo em Yap, na Micronésia; Geertz em Java. Ambos endossaram na época a definição cognitiva de cultura, com Geertz, em sua obra inicial, distinguindo cuidadosamente entre duas “lógicas de inte­ gração”: a sociedade, ou a estrutura social, era integrada “causal-funcionalmente, en­ quanto a cultura, ou o reino simbólico, era integrada “lógico-sigrtificativamente”. Os dois subsistemas, dizia ele, fiel à “trégua” dos anos 1950, podiam em princípio ser estudados independentemente um do outro. Nos anos 1960 Geertz e Schneider chegaram à condição de antropólogos simbó­ licos americanos mais importantes (com Turner, que então já estava nos Estados Unidos), com programas de pesquisa diametralmente opostos às concepções materi­ alistas dos alunos de Steward, como W olf e Sahlins (colega de Geertz e Schneider em Chicago durante algum tempo). Tanto Geertz como Schneider por fim viram a “divisão do trabalho” entre sociologia e antropologia como uma limitação, mas em vez de reconquistar o social eles expandiram o campo da cultura como um sistema simbólico. Eles passaram a promover uma idéia de cultura como um sistema inde­ pendente, auto-sustentável, que podia perfeitamente bem ser estudado sem levar em consideração condições sociais. Essa visão enfrentou oposição na Inglaterra, onde a idéia de que o significado podia ser estudado sem levar em conta a organização social parecia explicitamente absurda. A obra mais conhecida de Schneider é American Kinship (1968), um estudo de termos de parentesco americanos baseado em dados de entrevistas coletados por seus alunos. O “Projeto de Parentesco Americano” foi resultado de uma colaboração en­ tre Firth e Schneider. Os dois antropólogos, que haviam passado um ano juntos na Universidade Stanford no final dos anos 1950, concordaram que seria importante es­ tender às sociedades modernas a tradição antropológica dos estudos sobre o paren­ tesco, e deram início a um projeto comparativo sobre o parentesco na classe média em Londres (Firth) e Chicago (Schneider). Embora o aspecto comparativo do projeto nunca fosse realizado e os dois estudos fossem publicados separadamente, o livro de Schneider se tomou mu marco das pesquisas do parentesco, em parte porque de­ monstrou que os estudos do parentesco em sociedades complexas eram possíveis e interessantes, e em parte porque fundamentalmente questionou o modo como os an­ tropólogos pensavam sobre o parentesco.

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Depois da deserção de Evans-Pritchard os estudos do parentesco continuaram sen­ do o último baluarte do estrutural-funcionalismo, ainda não afetado pelo novo indivi­ dualismo metodológico. Então, em 1962, John Bames publicou o artigo crítico “Mo­ delos africanos nas Terras Altas da Nova Guiné” (reimpresso em Barnes 1990), que demonstrou conclusivamente que a teoria das linhagens segmentares, que havia sido aplicada com tanto sucesso na África, não podia ser transferida para o contexto da Nova Guiné sem distorcer seriamente os dados. O problema não eram os termos de pa­ rentesco em si. Era possível inteipretar o material da Nova Guiné do modo ortodoxo, mas essa interpretação se opunha à compreensão e às práticas nativas do parentesco. O livro de Schneider definia uma posição semelhante, mas suas conclusões eram mais radicais. Enquanto Firth, em seu gabinete em Londres, havia catalogado um conjunto bastante padronizado de termos de parentesco, os informantes de Schneider eram solicitados a dar informações sobre todos os parentes com quem tinham algum tipo de relação parental. Esse procedimento possibilitou um a visão muito mais am­ pla do parentesco; na verdade, ficou claro que o parentesco constituía todo um uni­ verso cultural, deutro do qual os informantes se movimentavam à vontade. Essa per­ cepção implicava que a idéia de parentesco como modelo de relações humanas com base biológica era defeituosa. Essa não era uma observação nova, mas, na versão de Schneider, uma cultura podia construir parentesco inteiramente do nada, sem nenhu­ ma referência a quaisquer laços sangíiíneos. Além disso, na “cultura do parentesco” cada termo derivava seu significado da rede semântica integrada da qual ele fazia parte e que era única para a cultura em questão. Isso significava que mesmo termos de parentesco básicos, como “pai”, teriam diferentes significados em diferentes cul­ turas de parentesco - o que abalava todo o projeto dos estudos de parentesco compa­ rativos que haviam sobrevivido desde Morgan. A redefinição de parentesco de Schneider, passando de estrutura social a cultura, tem paralelos no trabalho de Geertz. A parceria de Geertz com Parsons em Harvard já foi mencionada. Porém, influências da sociologia européia, de Boas e da própria ecologia cultural de Steward também são visíveis. O trabalho inicial de Geertz abrangia uma ampla variedade de temas, desde ecologia (1963a) e economia (1963b) até religião (1960). Seu ffeqüentemente citado e eloqüente artigo sobre “descrição densa” (1964, reimpresso em Geertz 1973) define seu credo metodológico e susten­ ta, na mesma linha de Malinowslci e Boas, que os antropólogos devem procurar des­ crever o mundo do ponto de vista do nativo. Dos sociólogos europeus, Geertz conhe­ cia Durkheim e W eber, além de Alfred Schütz (1899-1959), um fenomenólogo so­ cial alemão que insistia num a abordagem interpretativa à ação. O impulso intelec­ tual decisivo na obra madura de Geertz, porém, é do filósofo francês Paul Ricoeur

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(1913-), que havia afirmado que a sociedade (ou cultura) pode ser interpretada como um texto, com a aplicação dos métodos inteipretativos da hermenêutica desenvolvi­ dos especificamente para esse fim. A hermenêutica é um método de interpretação de texto que tem suas raízes na exegese medieval, especialmente na Bíblia, e que tem sido usado extensamente desde então por historiadores, teóricos literários e filóso­ fos. Muito resumidamente, ela parte do princípio de que um texto é simultaneamente um conjunto de partes individuais e um todo inteiriço, e que interpretar o texto é rea­ lizar um movimento pendular entre esses dois pólos. Quando Geertz introduziu essa noção na antropologia, ela parecia deixar clara a distinção entre individualismo me­ tódico e coletivismo, uma vez que uma sociedade não pode ser compreendida sem le­ var em conta ambas as perspectivas. Por outro lado, ela também parecia implicar que fenômenos sociais precisam ser “lidos”, não apenas pelo antropólogo, mas também pelos próprios membros da so­ ciedade. Em oposição aos antropólogos ingleses, que se concentravam no indivíduo como um ator (normativo ou estratégico), Geertz introduziu assim o indivíduo como leitor. Contra o pressuposto desses antropólogos de que a sociedade era constituída racionalmente e que o indivíduo podia participar dela através da atividade racional, Geertz preconizava a idéia de que muitas vezes o mundo é incompreensível e que o sujeito deve interpretar ativamente o que ele vê. Assim, no artigo “Religião como sistema cultural” (1966, reimpresso em Geertz 1973), ele defendeu que a religião não é principalmente um subsistema funcionalmente integrado de um todo social, mas um meio para que os indivíduos compreendam o mundo. Em 1973 os primeiros arti­ gos mais importantes de Geertz foram reunidos em The lnterpretation ofCultures , e sua reputação não deixou de crescer desde então. Durante a década de 1980 em parti cular, ele era visto como uma espécie de pós-modernista avant la lettre, embora pare­ ça óbvio aos autores deste livro que essa é uma visão simplista, pelo menos em parte.

Lévi-Strauss e o estruturalismo Filho de pais judeus prósperos de classe m édia culta, Claude Lévi-Strauss (1908-) estudou Filosofia e Direito em Paris no início dos anos 1930 e participou do círculo intelectual em tomo do filósofo existencialista Jean-Paul Sartre. Em 19351939, ele trabalhou como professor na Universidade de São Paulo, Brasil, e realizou viagens de campo curtas a vários povos da região amazônica. Sendo judeu, ele tor­ nou a sair da França durante a II Guerra Mundial, e por intermédio de Métraux e Lowie, recebeu oferta de emprego da New School o f Social Research, em Nova York, onde permaneceu até 1945. Enquanto esteve em Nova York ele foi influenciado pela antropologia boasiana e conheceu o grande lingüista russo-americano Roman Jakob-

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son (1896-1982), cuja lingüística estrutural se tornaria o principal sustentáculo do trabalho posterior de Lévi-Strauss. Ele concluiu o doutorado em Paris em 1947 e pu­ blicou sua dissertação em 1949, com o título Les Structures élémentaires de la pa­ rente (The Elementary Structures ofKinship , 1969). Esse livro revolucionaria os es­ tudos sobre o parentesco. Seis anos depois, Lévi-Strauss publicou uma narrativa de viagem antropológica até hoje insuperável, Tristes Tropiques (1955), um relato abrangente, bem escrito e complexo, tão repleto de passagens sugestivas e inquietantes que seria inútil resumi-lo aqui. Em seguida, decorridos outros três anos, veio a lume uma coleção de artigos, Anthropologie structurale (1958; StructuralÂnthropology, 1963a). Juntas, essas três obras consolidaram a reputação de Lévi-Strauss como um pensador extraordinário, com conhecimento etnográfico e teórico vasto, e delinearam o monumental trabalho de toda uma vida que seria desenvolvido ao lon­ go das quatro décadas seguintes. Até esse momento Lévi-Strauss havia também consolidado o estruturalismo, a abordagem teórica que lhe dá notoriedade. O estruturalismo é uma teoria que procura apreender as qualidades gerais de sistemas significativos ou, em termos mais conhe­ cidos, presentes na própria obra de Lévi-Strauss, de sistemas de parentesco e de mi­ tos. Esses sistemas consistem em elementos, mas os elementos em si não são catego­ rias ou objetos delineados, mas relações. Um sistema de parentesco, por exemplo, é um sistema significativo, e assim consiste em relações, mais do que em posições (status). Um pai não é em si mesmo um pai, mas apenas em relação a seus filhos. A idéia do significado como relação não era em si nova. Ela constituía um com­ ponente importante da linguística estrutural de Jakobson e também da lingüística se­ miótica criada por Ferdinand de Saussure antes da í Guerra Mundial. Em ambos o significado deriva da relação - o contraste ou a diferença - entre elementos lingüísticos (fonemas, palavras, signos). O significado relacional era também fundamental na cibernética - como Bateson gostava de dizer, significado é uma “diferença que faz diferença” (1972: 453). Finalmente, e mais importante, o significado relacional está implícito na análise que Mauss fez do presente. Aqui os objetos ficam carregados com o poder mágico das relações pelas quais eles transitam. É a troca que dá ao pre­ sente o significado que ele tem (ver Lévi-Strauss 1987a [1950]). A vantagem de reduzir sistemas significativos a estruturas de contrastes é que o fluxo do tempo no interior do sistema está congelado. A língua viva é reduzida a uma grajnática estitiea. A expressão confusa do parentesco na prática é reduzida a uma estrutura lúcida, formal. De modo aproximado, a análise estruturalista consiste, pri­ meiro, em trazer essa estrutura à superfície; segundo, em deduzi r seus princípios sub­ jacentes - sua “lógica”; e, finalmente, em chegar a uma “lógica.das lógicas” univer­

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sal da comunicação humana. Não precisamos deter-nos aqui nos aspectos técnicos desse processo, mas esboçaremos brevemente como ele foi expresso em As estrutu­

ras elementares do parentesco. A reputação do funcionalismo estrutural assentava-se em grande parte em suas análises dos sistemas de linhagem segmentária, que pareciam provar além de qual­ quer dúvida razoável o papel do parentesco como o princípio organizacional funda­ mental em sociedades tribais. A teoria da linhagem, por sua vez, pressupunha uma ênfase especial às relações de parentesco linear (avô-pai-filho), enquanto as relações laterais (marido-mulher, irmão-irmão) eram freqüentemente subestimadas. As estru­ turas elementares do parentesco desordenou tudo isso. Na visão de Lévi-Strauss o parentesco não era principalmente um modo de organização social, mas um sistema significativo, um sistema de relações, e a principal relação não era o laço “natural” de sangue (pai-filho), mas o laço construído socialmente entre marido e mulher. O casa­ mento é o ponto de indeterminaçâo no parentesco biológico - você não pode escolher seus pais, mas deve escolher seu cônjuge. Para Lévi-Strauss essa escolha é a fissura pela qual a cultura penetra no parentesco, transformando a sociedade tribal de biolo­ gia em cultura. Evidentemente, a integridade dessa escolha deve ser salvaguardada. Ela não deve parecer como determinada pela natureza. Você não deve casar-se com seu ir­ mão ou irmã; eles são “próximos demais”, “naturais demais”, seria algo muito pare­ cido a você se casar com você mesmo. Não adiantaria nada “escancarar” o seu mun­ do, dar-lhe significado relacionando-o com alguma outra coisa. No casamento, como praticado em sociedades tribais, as mulheres são trocadas entre grupos de homens, formando-se entre esses grupos uma relação significativauma relação de parentesco lateral que Lévi-Strauss chama de aliança. Daí é deduzi­ da a lógica do parentesco - ou seja, das relações de parentesco laterais, não das linea­ res. O resultado é uma teoria diametralmente oposta à teoria da linhagem que põe a aliança acima da descendência, o contraste acima da continuidade, a arbitragem aci­ ma das normas, o significado acima da organização. Numa carta bastante animada escrita perto do fim de sua vida Radciiffe-Brown disse ao francês que eles provavel­ mente sempre falariam sem se entender. Não obstante, Lévi-Strauss expressa mais respeito por Radciiffe-Brown do que por M alinowski, “para quem cultura é me­ ram ente uma gigantesca metáfora para digestão” (Lévi-Strauss 1985). RadciiffeBrown e Lévi-Strauss tiveram um interesse comum em revelar as estruturas ocultas que regiam o pensamento e a vida social e um antepassado comum em Durkheim. E embora pertencessem a segmentos muito diferentes em sua linhagem, “o sangue [para dar a última palavra a Radciiffe-Brown] é mais espesso do que a água”.

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. H istória da Antropologia

Os demais escritos de Lévi-Strauss são difíceis de resumir. Seus livros são lon­ gos, eruditos, repletos de fatos e interligados por alguma forma de pensar muito so­ fisticada e às vezes muito técnica. Assim, Le Totémisme aujourd ’hui (1961; Totemism, 1963b) parece ser uma análise do conceito de totemismo (que é desacreditado), mas é também (entre outras coisas) uma crítica muito ambígua da oposição ocidental entre natureza e cultura. La Pensée sauvage (1962; The Savage Mind, 1966) analisa uma di­ cotomia bastante padronizada, “primitivo” versus “moderno”, reminiscente de Dürkheim, Weber ou Tönnies, mas começa com um inventário do conhecimento detalhado que os “primitivos” têm do seu ambiente natural e term ina com uma crítica à teoria da histó­ ria defendida por Sartre. No primeiro capítulo desse livro, “A ciência do concreto”, Lévi-Strauss estabelece a base do pensamento “selvagem” ou “mítico” (em contraste com o “moderno” ou “científico”). Ambos são igualmente complexos e igualmente racio­ nais, mas suas racionalidades governantes são diferentes. O bricoleur começa com o mundo que é diretamente acessível aos seus sentidos. Ele relaciona uns aos outros os ob­ jetos encontrados nesse mundo, e a partir deles constrói estruturas de significado, que então são narradas, por exemplo, como mitos. Assim, ele cria estrutura a partir dos eventos. O engenheiro, ao contrário, cria eventos a partir de estruturas. Ele começa com uma matriz, uma abstração que os sentidos não podem perceber, e através da manipulação dessa matriz ele muda o mundo real.

The Savage Mind assinala a transição de Lévi-Strauss do “período do parentes­ co” ao seu “periodo da mitologia” . A obra mais notável desse último período é Mythologiques, uma compilação vasta, em quatro volumes - e análise do mito nati­ vo americano, publicada entre 1967 e 1974. A pura e simples complexidade dessa obra limitou sua influência, do mesmo modo que a (relativa) simplicidade de The Sa­ vage Mind a tomou extremamente popular.

Impacto inicial O impacto de Lévi-Strauss sobre a antropologia anglo-saxã foi limitado antes dos anos 1960 e suas primeiras obras demoraram para ser traduzidas para o inglês. The Ele­ mentary Structures ofKinship só foi traduzido em 1969, sendo durante longo tempo conhecido apenas indiretamente, através de uma introdução escrita por um antropólo­ go holandês —fundador de outra escola estruturalista mais antiga —J.P.B. Josselin de Jong (1952). Apesar da escassez de textos traduzidos, Lévi-Strauss foi desde o início um autor controverso e influente. Na França o estruturalismo se tomou uma alternativa ao marxismo e à fenomenologia nos anos 1950, e o seu impacto sobre a vida intelectual de modo geral foi pelo menos tão forte quanto na antropologia. Intelectuais importan­ tes de campos diferentes da antropologia, como Roland Barthes, Michel Foucault e

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Pi en e Bourdieu, foram educados no estmturaíismo e mais tarde se rebelaram contra ele - e essa revolta foi por sua vez detectada e debatida pelos antropólogos, que acaba­ ram introduzindo esses autores nos cânones da antropologia. Na Inglaterra Leach foi o primeiro antropólogo importante ajuntar-se a LéviStrauss. O próprio Lévi-Strauss havia comentado bastante extensamente sobre o pa­ rentesco entre os kachins, e Leach reconheceu imediatamente a relevância das con­ clusões do francês para os seus próprios estudos. Leach descobriu no estruturalismo uma alternativa sofisticada ao empirismo inglês, freqüentemente caracterizado pelo senso comum e pelo prosaísmo, e em 1970 ele escreveu uma introdução a Lévi-Strauss que aumentou substancialmente o conhecimento da obra do autor francês no mundo de língua inglesa. O antropólogo de Oxford, Rodney Needham, que havia estudado com Josselin de Jong em Leiden, foi outro entusiasta inicial de Lévi-Strauss, apesar de ter certas reservas desde o princípio (Needham 1962). Essas reservas aumentaram ainda mais depois de uma troca de correspondência infeliz com o próprio Lévi-Suauss que, num prefácio de expressões carregadas à edição inglesa do seu livro sobre parentesco, rejeitou a interpretação dada por Needham à sua teoria do parentes­ co. De sua parte, Needham continuou a desenvolver o pensamento estruturalista so­ bre classificação e parentesco em direções inovadoras, mas sem fazer qualquer refe­ rência a Lévi-Strauss. A maioria dos antropólogos anglo-americanos, porém, suspei­ tava profundamente do estruturalismo. O que os perturbava eram os modelos abstra­ tos e o raciocínio dedutivo de Lévi-Strauss. Muitos consideravam sua obra inútil por­ que não podia ser testada empiricamente (uma avaliação da qual Lévi-Strauss dis­ cordava enfaticamente). A teoria do parentesco de Lévi-Strauss (muitas vezes referida como teoria da ali­ ança, em oposição à teoria da descendência estmtural-funcionalista) já era debatida náInglaterra durante a década de 1950 (embora incompreensões fossem inevitáveis por causa da falta de traduções). No meio estmtural-ftmcionalista aumentava cada vez mais a insatisfação com a teoria da descendência, que parecia incapaz de explicar os sistemas de parentesco não unilineares. O foco estruturalista sobre troca e aliança parecia oferecer condições para resolver esses problemas, pois atribuía peso maior às relações de parentesco laterais do que às lineares; por isso ele foi muito bem aceito por antropólogos que trabalhavam em sociedades sem grupos de descendência clara­ mente unilineares. Assim, num célebre debate na revista Man, em 1959, Leach de­ fendeu as idéias de Lévi-Strauss, ao passo que Fortes argumentou a favor do modelo da descendência. Mesmo Leach, porém, pode ter se equivocado a respeito das inten­ ções de Lévi-Strauss, que eram menos sociológicas e mais voltadas para o significa­ do do que seus colegas britânicos tendiam a acreditar. A semelhança da controvérsia

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História da antropologia

formalista-substantivista na antropologia econômica, o debate aliança versus des­ cendência nos estudos do parentesco esgotou-se aos poucos pelos fins dos anos 1970. Por essa época, a tendência era considerar os dois sistemas como complemen­ tares (uma tradição cujas origens podem remontar a Morgan), e o próprio Lévi-Strauss propôs uma teoria do parentesco que parecia integrar ambas as perspectivas (ver Lévi-Strauss 1987b). Na França Louis Dumont (1911-1998) desenvolveu sua própria versão de estruturalismo, combinando impulsos de Lévi-Strauss com a sociologia européia clássi­ ca (Durkheim, Tõnnies) numa influente teoria da integração social e do significado simbólico. Dumont, que é especialmente bem conhecido por seu erudito estudo so­ bre o sistema de castas indiano, Homo Hierarchicus (1968), postulava que a casta era um sistema cultural de classificação, mais do que um meio funcional de organização social (uma visão semelhante à de Needham). Ele enfatizou a irredutibilidade das categorias indianas (hindus), em explícita oposição a antropólogos políticos como Barth, que haviam descrito a casta em term os puram ente sociológicos, e susten­ tou que atores estratégicos eram movidos pelos mesmos tipos de motivações que os europeus. Ainda assim, Dumont seguia uma orientação mais sociológica do que Lévi-Strauss, e sua análise enfatiza a singularidade da cultura, dos valores e das cate­ gorias indianos,

O estado da arte em 1968 Até 1968 a antropologia havia se tomado uma disciplina bem diversificada. O simpósio “Man the Hunter” acabara de ser realizado, demonstrando a força de uma antropologia orientada para a ecologia. A antropologia interpretativa de Geertz havia começado a exercer sua influência. Estudos do campesinato na América Latina e no Caribe haviam se tornado as principais áreas de estudos em alguns departamentos americanos. O “transacionalismo” radical de Barth (sua expressão preferida era “aná­ lise de processo gerativo”) convivia com a revitalização criativa do estrutural-funcio­ nalismo promovida por Douglas e Tumer. O debate da racionalidade estava em anda­ mento, o formalismo se defrontava com o substantivismo, a teoria da aliança enfren­ tava a teoria da descendência, enquanto o estruturalismo assomava no horizonte e jo ­ vens radicais marxistas e feministas aguardavam nos bastidores sua fatia do bolo acadêmico. Novas revistas, conferências, seminários, séries de monografias e insti­ tuições voltadas à pesquisa antropológica fizeram contribuições importantes para o crescimento e diversificação da antropologia. A expansão demográfica fora extraordinária. Em 1950 apenas 22 alunos concluí­ ram o doutorado nos Estados Unidos. Até 1974 esse número havia chegado a 409,

6. O P O D E R D O S SÍM B O LO S

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uma proporção que se manteve estável pelo menos até meados de 1990 (Givens e Jablonski 1995). Entretanto, a disciplina havia crescido não só em complexidade e ta­ manho, mas também em dispersão geográfica. As antropologias holandesa, escandi­ nava, italiana e espanhola passaram a fazer parte da corrente predominante - nos dois primeiros casos, a influência anglo-americana era mais forte; nos outros dois, os im­ pulsos principais procediam da França. Em vários países latino-americanos, especial­ mente no México, no Brasil e na Argentina, antropologias indígenas influenciadas tanto pela escola de Boas, por Steward e seus alunos, como pela antropologia france­ sa, floresceram e realizaram pesquisas entre indígenas e entre camponeses. Apesar de fortes ambientes não metropolitanos como Leiden e Bergen, porém, a disciplina continuou centralizada. Na Inglaterra, Oxford, Cambridge e Londres ainda segura­ vam as rédeas, não obstante Manchester estar se tornando um a força a ser levada em conta e a antropologia ser ensinada em vários outros lugares. Nos Estados Unidos a dispersão era maior, pois os números eram maiores, mas universidades proeminentes como Colúmbia, Yale, Harvard, Berkeley, Stanford, Michigan e Chicago ainda lide­ ravam. N a França todos os caminhos levavam a prestigiosas instituições em Paris. As décadas de 1950 e 1960 também testemunharam uma diversificação conside­ rável das áreas centrais para pesquisa etnográfica. Durante os anos 1920 e 1930 a an­ tropologia inglesa expandiu-se do Pacífico até a África, enquanto a antropologia americana realizou um movimento menos acentuado da América do Norte nativa às Américas Central e do Sul. Na França tanto a África como o Pacifico eram importan­ tes desde os anos 1920 e, depois da guerra, Georges Balandier fortaleceu ainda mais a orientação africana (Balandier 1967), enquanto Dumont e seus alunos afluíram para o subcontinente indiano e para a Oceania. Até 1960 as terras altas da Nova Gui­ né haviam se tomado um a área muito fértil parapesquisa etnográfica, e com essa mu­ dança surgiram novas perspectivas sobre relações de gênero, guerra, troca e paren­ tesco. Pois embora a pesquisa antropológica possa ser realizada em qualquer lugar, cada região tende a propor novas questões aos etnógrafos. Apesar de tentativas ocasionais de diálogo, o contato entre as três tradições na­ cionais dominantes ainda era pequeno. Como mostramos repetidamente nos dois úl­ timos capítulos, os interesses de pesquisa eram quase sempre semelhantes, mas as abordagens teóricas eram suficientemente diferentes para dificultar uma discussão direta. Firth e Schneider tiveram de abandonar sua comparação do parentesco em Londres e Chicago. Lévi-Strauss desacreditou a interpretação de sua obra feita por Needham. Enquanto Kroeber e Kluckhohn apresentavam 162 definições de cultura, alguns antropólogos ingleses haviam discutido o conceito desde Tylor. Individual­ mente, houve bastante movimentação, mas predominantemente para o oeste: Bate-

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son, Tum er e Polanyi haviam se estabelecido nos Estados Unidos, onde também Lévi-Strauss permaneceu durante a guerra. Muitos outros deveriam seguir esse m o­ vimento mais tarde, especialmente a partir da Inglaterra. As tradições nacionais, no entanto, continuavam relativamente limitadas. As diferenças de idioma tiveram sua importância nesse contexto. As traduções tardias de Lévi-Strauss retardaram a aceitação do estruturalismo por pelo menos uma década na maioria do mundo de língua inglesa, e pesquisas publicadas em idiomas europeus menos prestigiados do que o francês normalmente tiveram sorte ainda pior. Em grande parte do “Terceiro M undo” (um termo introduzido no inglês pelo antro­ pólogo Peter W orsley em 1964; em francês, a expressão le tiers monde era conhecida desde a década de 1950, com um sentido ligeiramente diferente) esses problemas eram exacerbados pela falta de recursos econômicos adequados na academia. Final­ mente, conflitos políticos retardaram a internacionalização da disciplina. Nas ex-colônias a hostilidade era muitas vezes dirigida à antropologia em si, inibindo assim e às vezes mesmo detendo sua difusão. Com a descolonização, a relação entre institui­ ções metropolitanas e suas contrapartes coloniais se desfez. Na Europa, duas décadas antes, a Cortina de Ferro havia efetívamente impedido a m aioria dos contatos acadê­ micos entre o Oriente e o Ocidente. A antropologia estava se tomando uma disciplina global à medida que os estudiosos começaram a publicar cada vez mais em inglês; mesmo no Ocidente, porém, especialistas em, digamos, Estocolmo, podiam buscar inspiração em antropólogos metropolitanos, mas também podiam ter certeza de que sua própria obra jam ais seria lida fora da Escandinávia, a não ser que optassem por publicar num idioma estrangeiro. Com o próximo capítulo aproximamo-nos rapidamente do presente e começa­ mos a reconhecer interesses de pesquisa que ainda se destacam na agenda na virada do milênio. O marxismo radical dos anos 1970 está na base de vários programas de pesquisa dos dias atuais. O feminismo radical daquela década foi transformado em sofisticados estudos de gênero. As pesquisas sobre etnicidade em sociedades com­ plexas continuaram, posteriormente produzindo novos interesses voltados para o na­ cionalismo. As novas discussões sobre métodos de trabalho de campo que começa­ ram no início da década de 1970 logo passariam à categoria mais eievada de debates mais amplos sobre reflexividade e ética de campo, as quais ainda continuam atraindo interesse profissional. Por outro lado, a consciência política, tão vigorosa na antropo­ logia durante esses anos, arrefeceu, acompanhando o esmorecimento da esperança otimista de que a inspiração antropológica podia mudar o mundo. No entanto, en­ quanto antropólogos em 1968 ainda se engalfinhavam com problemas que em pouco tempo pareceriam ultrapassados, várias questões de 1978 continuavam importantes também em 2001.

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A crise dos mísseis cubanos, o Muro de Berlim, Martin Luther King, a primave­ ra de Praga, hippies em Haight-Ashbury, tumultos estudantis em Paris, os Beatles, o pouso na lua, a Guerra do Vietnã - tudo isso é emblemático dos “anos sessenta”, como o termo é entendido no Ocidente. Mas o clima político radical para o qual esses eventos contribuíram não se formou antes do fim da década e, estritamente falando, pertence aos dez anos posteriores a 1968, Certamente isso se aplica à academia, onde os estudantes podem bradar suas palavras de ordem, mas os professores continuam em suas funções com o passar dos anos. Os antropólogos, sempre um grupo radical, talvez tenham se examinado mais profundamente do que muitos outros acadêmicos, mas não estavam menos sujeitos à rotina acadêmica do que eles. Entramos na década de 1970, a década esquecida, espremida entre o Poder da Flor e a Dama de Ferro, en­ tre a vitória eleitoral de Richard Nixon e a morte de John Lcnnon, a década em que a população mundial chegou aos 4 bilhões, quando tivemos a crise do petróleo do Ori­ ente Médio, a copa no México, a fundação da Microsoft, as mortes de Mao e Elvis, o primeiro papa polonês e a revolução sandinista na Nicarágua. Foi uma década de so­ nhos revolucionários que seriam rapidamente esmagados pelas rodas da história - na antropologia como em outros campos. A medida que nos aproximamos dos dias atuais, precisamos advertir o leitor mais enfaticamente sobre o viés inevitável de qualquer livro como este. Com o pas­ sar do tempo, a pura e simples dimensão da disciplina obriga-nos a ser excessiva­ mente seletivos ou demasiadamente superficiais, em ambos os casos em detrimento da informação. Até o fim dos anos 1990 só a Associação Antropológica Americana contava com mais de 10.000 membros pagantes, e havia ao redor do globo um núme­ ro incalculável de centros regionais de antropologia acadêmica e aplicada, cada um com suas tradições de pesquisa especificas. Nenhum historiador no mundo consegui­ ria fazer justiça a essa multiplicidade crescente - que, pelo fim dos anos 1970, já es­ tava bem avançada.

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Neste capítulo abordamos principalmente duas das correntes intelectuais mais fortes que surgem da radicalização da academia - o marxismo e o feminismo. Ambas estiveram persistentemente presentes em todas as áreas da antropologia durante a dé­ cada de 1970, até que a decepção se instalou e novos projetos foram definidos. Mas o gênero e o poder haviam chegado na antropologia e estavam destinados a ficar. Um relato dos anos 1970 que se concentrasse exclusivamente na radicalização omitiria algumas características muito importantes da antropologia desse período: afinal, essa foi também a década em que os estudos de etnicidade receberam o reco­ nhecimento que mereciam, em que a sociobiologia se tomou uma palavra familiar (e algo a detestar ou a imitar) e em que a antropologia econômica viveu sua idade de ouro. A antropologia francesa havia retomado ao palco internacional com Lévi-Strauss e agora toda uma companhia de franceses entrava em cena, com mensagens não só politicamente radicais, mas também intelectualmente provocantes. Foi um a década de controvérsias, e a primeira em que a antropologia se tomou tão ampla e interconectada, que não é mais possível rastrear nem mesmo a mais importante de suas co­ nexões. O que segue, porém, deve dar uma idéia sobre alguns eventos mais funda­ mentais dos anos 1970.

A volta do marxismo Nas gerações anteriores de antropólogos, Steward, W hite e Gluckman foram provavelmente os autores mais decisivamente influenciados por Marx - Steward em seu materialismo, W hite em seu determinismo tecnológico, Gluckman em seu inte­ resse pela crise e pelo conflito. Suas obras, porém, omitiam totalmente referências a Marx. Existem alusões dispersas a Marx e à teoria marxista em obras de alguns an­ tropólogos anglófonos dos anos 1950 e início dos anos 1960, entre os quais Eric W olf e Stanley Diamond nos Estados Unidos e Peter W orsley na Inglaterra. O clima ideológico dos anos 1950 e 1960 não foi propício nem receptivo aos marxistas, de modo especial nos Estados Unidos; mas a situação não foi muito diferente na Ingla­ terra. Um comunista inglês ardoroso como W orsley passou por dificuldades enormes para conseguir pennissão para pesquisar e encontrar emprego antes de finalmente ser aceito para trabalhar no departamento de sociologia da Universidade de Manchester, com o apoio de Gluckman. Na Inglaterra, Estados Unidos e França tudo isso mudou rapidamente na década de 1960, certamente entre os estudantes. A teoria marxista da alienação e da ideolo­ gia como consciência falsa, a distinção infra-estrutura/superestrutura e o conceito de contradição passaram a fazer parte do vocabulário acadêmico usual pelo fim dos

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anos 1960, e muitos jovens antropólogos começaram a se envolver seriamente com a então centenária teoria das classes sociais e da mudança histórica. Mas transplantar a teoria marxista para a antropologia contemporânea não foi tarefa fácil. Como descri­ to no capítulo 2, o marxismo era acima de tudo uma teoria sobre a sociedade capita­ lista. Suas tentativas de descrever e comparar diferentes modos de produção e de en­ volver-se na história cultural de longo prazo, essa última empreendida principalmen­ te por Engels depois da morte de Marx, foram profundamente influenciadas pela an­ tropologia evolucionista unilinear, vitoriana. A disciplina estivera seguindo outras direções durante quase um século desde então. Se algum fator devesse manter unida a dispersa profissão em meados da década de 1960, esse teria de ser um compromisso com a variação empírica, uma desconfiança com relação a modelos simplistas, universalistas, e um relativismo cultural entranhado. Afirmar, como Marx e Engels afir­ maram, que algumas sociedades eram “mais avançadas” do que outras, simplesmen­ te não era boa antropologia. Evolucionismo à parte, Marx havia também apresentado uma visão persuasiva do inundo moderno que, num contexto de injustiças globais cada vez mais visíveis, parecia tão relevante à década de 1970 quanto à de 1870. No trabalho de campo os antropólogos estavam progressivamente mais expostos a essas injustiças, e muitos estavam ansiosos para dar sua contribuição para eliminá-las. Marx era o sociólogo que expunha esses problemas com maior eloqüência, e assim foi para ele que os no­ vos revolucionários afluíram. Era irrelevante que o marxismo fosse mais do que uma teoria social; que ele tivesse se tomado a ideologia estatal oficial de uma parte subs­ tancial do mundo, e assim obviamente se transformado num recurso de poder políti­ co. Partícularmente para um marxista, isso devia ser um fato de profundo significa­ do, mas raramente o foi. Em vez disso, as estruturas de poder dos grandes Estados co­ munistas paradoxalmente se reproduziam nas organizações fora daqueles Estados que lutavam por liberdade com relação a outras estruturas de poder. Enquanto isso, na academia ocidental, batalhas devastadoras travavam-se entre maoístas, trotskistas, stalinistas, anarco-sindicalistas e assim por diante; no entanto, por fim, todos es­ ses se uniam para enfrentar o inimigo comum, em geral personificado no professor local de antropologia. As antropologias acadêmicas marxistas nasceram de toda essa verdadeira comoção. Houve várias comentes de antropologia marxista. Uma, que poderíamos rotular de marxismo cultural ou estudos de superestrutura, entrou em cena tão tarde que já era pós-marxista quando se estabeleceu na antropologia na década de 1980. Essa foi a corrente do marxismo inspirada pelos estudos críticos de Antonio Gramsci sobre ideologia e hegemonia e pela crítica à mercantilização da cultura feita pela Escola de

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Frankfurt, especialmente por Adorno e Horkheímer. Essa forma de pensamento mar­ xista entrou na antropologia com Oríentalism (1978) de Edward Said, um livro que criticava representações européias de árabes e de outros povos asiático-ocidentais por exotizarem indevidamente “o outro” (capítulo 8). Tome a crítica de Said, misture com o pós-estruturalismo de Michel Foucault e acrescente uma pitada de desconstrucionismo a Deirida, e o resultado é o inebriante coquetel que atingiria a antropologia na década de 1980. As duas principais vertentes da antropologia marxista foram o marxismo estrutu­ ral e a economia política. Testemunho tanto da amplitude da obra de Marx corno do escopo da antropologia é o fato de que houve pouco contato entre essas escolas e de que as questões que levantaram foram surpreendentemente diferentes. Por fim, uma quarta ramificação do marxismo acompanhou a ênfase do próprio Marx à pessoa como coipo material produtivo e criativo num mundo material. Volta­ remos a esse “marxismo sensual”, com suas raízes no romantismo alemão, na parte final deste capítulo.

Marxismo estrutural Um dos precursores da nova era foi um trabalho publicado em 1960 pelo antro­ pólogo francês Claude Meillassoux, que apresentou uma análise manifestamente marxista da produção de subsistência em sociedades agrícolas. Origmalmente eco­ nomista e homem de negócios, Meillassoux havia estudado antropologia com Balandier e realizou trabalho de campo entre os guros da Costa do Marfim no final da déca­ da de 1950. Suas pesquisas foram de orientação marxista desde o princípio, no senti­ do de que não somente se concentraram na vida econômica, mas tentaram mapear a dinâmica entre as relações sociais de produção e os meios tecnológicos e ambientais de produção na sociedade guro. O artigo (1960) de Meillassoux representou a pri­ meira evidência de uma antropologia francesa marxista emergente. Mais tarde ele desenvolveria uma tipologia dos “modos de produção pré-capitalistas” na África, mas, diferentemente de seus contemporâneos mais jovens, Meillassoux foi princi­ palmente um pesquisador empírico comprometido, e ele seria cada vez mais crítico das teorias grandiosas que dominariam a antropologia marxista francesa. Com efei­ to, entre os marxistas franceses, Meillassoux qra o que mais simpatizava com a esco­ la inglesa. Num prefácio à tradução inglesa do seu livro de 1975, Femmes, greniers

et capitaux (Maidens, Meai andM orey , Meillassoux 1981), ele escreve que Balandier o havia introduzido “à melhor antropologia do momento - isto é, a antropologia inglesa”, e um pouco adiante enaltece a obra de Schapera, Gluckman, Monica Wil­

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son e outros. No entanto, ele observa que o funcionalismo “se baseava mais numa es­ pécie de empirismo legalista do que numa análise acabada do conteúdo de relações econômicas e sociais” (1981: viii) e que ele encobria a exploração econômica ao per­ mitir que o parentesco permeasse todo o campo de investigação. Isso não era coisa fácil de fazer ao escrever sobre sociedades organizadas com base no parentesco, e ele acabou propondo um modo de produção não descrito por Marx ou Engels, que deno­ minou “modo de produção doméstico”, baseado na família. É interessante observar que Sahlins, em seu Stone Age Economics (1972), desenvolveu um conceito quase idêntico, mas com objetivo diverso: mais do que conciliar economias africanas com a teoria marxista, ele procurou resgatar a antropologia econômica dos perigos do for­ malismo, onde o maximizador individualista era o ator universal. Na visão de Sah­ lins, o grupo doméstico tomado como uma unidade não era um ator maximizante, e fundamentando-se tanto nos estudos camponeses anteriores de Chayanov como na teoria da reciprocidade de Mauss, ele sustentou que a produção baseada no grupo do­ méstico não é um meio de maximização, mas um modo de satisfazer necessidades. Um obstáculo constante na teoria marxista para os novos antropólogos franceses era o conceito de que o poder em última análise está no controle dos meios de produ­ ção, isto é, na propriedade de ferramentas, campos, maquinaria e assim por diante. Considerando que, em sociedades africanas tradicionais, essa propriedade muitas vezes não é individual mas atribuída a grupos de parentes, o problema era localizar o poder nessas sociedades. Meillassoux tem de conceder, aparentemente contradizen­ do Marx, que “o poder nesse modo de produção está no controle dos meios de re­ produção h u m an a-b en s de subsistência e esposas - e não dos meios de produção” (Meillassoux 1981: 49). O estruturalismo não foi um impulso decisivo no marxismo de Meillassoux. Ou­ tros foram mais criativos em estabelecer elos entre Marx, antropologia e sensibilida­ des intelectuais correntes, inclusive não só a obra de Lévi-Strauss, mas também as in­ terpretações originais de Marx propostas pelo filósofo Louis Althusser. Quando Pour Marx, de Althusser, e seu Lire Le Capital (em co-autoria com Étienne Balibar) foram publicados em 1965, os livros tiveram impacto importante tanto sobre a vida intelectual francesa em geral como sobre a nova geração de antropólogos. O marxis­ mo de Althusser parecia se ajustar bem à antropologia, uma vez que ele introduzia uma medida de flexibilidade na relação infra-estrutura/superestrutura. Uma leitura convencional de Marx diria que a infra-estrutura (caracteres materiais + sociais do processo de produção) determina a superestrutura (tudo o mais na sociedade). Em sociedades não-capitalistas (ou “pré-capitalistas), em geral era muito difícil ver co­ mo isso acontecia. A maioria dos antropólogos não-marxistas simplesmente não

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acreditaria nisso, pois contradizia tudo o que eles haviam aprendido. Na antropologia inglesa, política ou parentesco eram considerados fundamentais; na antropologia ame­ ricana, sistem as sim bólicos eram vistos com o um m undo autônom o, e a obra de Lévi-Strauss (o qual caracterizara a si mesmo de modo explícito, mas confuso, como marxista) tratava exclusívamente da superestrutura. Isso se aplica também a Dumont, que chegou à fam a com a publicação de Homo Hierarchicus em 1968. Sua vi­ são, segundo a qual os valores de uma sociedade determinavam em última análise sua estrutura de poder, era diretamente oposta à dos marxistas - com efeito, ela assi­ nalou um afastamento na direção contrária à deles. Althusser, que escreveu extensamente sobre ideologia, legitimou as pesquisas sobre rituais e mitos como mecanismos de dominação. Ele sustentava ainda que numa dada sociedade, qualquer instituição social pode ser dominante no sentido de que ela domina de facto , mas se ela faz isso ou não será sempre em últim a instância determinado pela infra-estrutura. Na Europa Medieval, por exemplo, a Igreja era a instituição dominante, mas era em última instância determinado pelo modo de pro­ dução feudal que a ela devia dominar - e em última instância servir aos fins desse modo de produção. (A expressão “em última instância” aponta aqui para um aspecto vago em Althusser, reproduzido por muitos de seus seguidores. De acordo com uma frase freqüentemente citada, a economia exerce “determinação em última instância”, significando que mesmo parecendo que instituições outras que não a economia são as mais importantes numa dada sociedade, em última instância elas são determina­ das por relações econômicas. Embora a frase “determinação em última instância” seja freqüentemente atribuída a M arx, na verdade ela foi pronunciada por Engels nos funerais de Marx.) Nas mãos do mais famoso dos antropólogos marxistas franceses, M aurice Godelier (1934-), as influências de Marx, Althusser e da etnografia comparada mescla­ ram-se com uma admiração igualmente forte pela obra de Lévi-Strauss. Diferente­ m ente de Meillassoux e de vários outros antropólogos marxistas franceses, que viam o estruturalismo como uma forma de mistificação idealista, neokantiana, Godelier que no início da década de 1960 havia trabalhado com L év i-S trau ss-v ia o estrutura­ lismo como um avanço científico real. Em sua visão o conceito marxista de contradi­ ção podia tom ar o estruturalismo mais histórico, enquanto o aparato conceituai do estruturalismo era indispensável para localizar os mecanismos ocultos da sociedade e da cultura. Num estágio, Godelier inclusive foi tão longe a ponto de sugerir que Marx era um estruturalista avant la lettre (1966, reeditado em Godelier 1977). Godelier, originalmente formado em filosofia, aderiu à antropologia por influência de Lévi-Strauss, e realizou um extenso trabalho de campo entre os baruyas da Nova

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Guiné. Mais inclinado à teoria do que Meillassoux, seu projeto, além de conciliar Marx e o estruturalismo, é um estudo comparativo de diferentes sistemas econômicos. Os bamyas, com sua economia não-monetária baseada na subsistência e na troca, mostra­ ram diferenças importantes entre sociedades capitalistas e não-capitalistas. Godelier interessava-se também - como Meillassoux - pelo parentesco. Como o parentesco parecia estar “em toda parte” nas sociedades tradicionais, Godelier con­ cluiu que ele devia ser visto como parte tanto da superestrutura como da infra-estru­ tura (Godelier 1975). Em vez de procurar por instituições específicas que cuidavam da economia, da ideologia e assim por diante, ele propôs um “marxismo formaliza­ do” que procurasse por funções. Essas formulações mostram a necessidade que mui­ tos desses pesquisadores sentiam de uma teoria marxista mais flexível. Grande parte do cabedal estrutural marxista tratava dos modos de produção. A própria idéia de Marx e Engels de um “modo de produção asiático” era muito discuti­ da, e noções de um ou vários “modos de produção africanos” eram amplamente de­ batidas na esteira das pesquisas de Meillassoux e de outros realizadas nesse conti­ nente. Quase todos esses debates desapareceram a partir da década de 1970, junta­ mente com a maioria das tentativas antropológicas de tipologias grandiosas. A antropologia marxista britânica foi em grande parte subsidiária da variedade estrutural francesa. Às vésperas da radicalização dos fins dos anos 1960 Lévi-Strauss foi reconhecido como o mais digno antagonista e parceiro de discussões das teorias “locais”, e como a antropologia marxista americana (ver p. 144s) cra parenta próxi­ ma da ecologia humana - um campo inexistente na Inglaterra - isto pode parecer fá­ cil de entender. A isso se deve também acrescentar que o antropólogo marxista inglês mais importante, Maurice Bloch, era de origem francesa. O problema fundamental com o marxismo na antropologia era, e é, que ele é es­ sencialmente uma teoria da sociedade capitalista, e que sua mensagem sobre as “so­ ciedades pré-capitalistas” estava expresso na linguagem do evolucionismo unilinear. Conciliar marxismo ortodoxo com pesquisa etnográfica exigia uma vontade forte, e como Jonathan Spencer (1996: 353) mostra, quando antropólogos marxistas realiza­ ram uma análise etnográfica competente, “ela se tomou mais obviamente cultural, mas se mostrou cada vez menos convincentemente marxista”. Não obstante, muitos antropólogos marxistas franceses, notadamente Godelier, continuaram a publicar obras antropológicas com um sabor caracteristicamente marxista ao longo das déca­ das de 1980 e 1990. Outros, como Bloch e Marc Augé (ver capítulo 9), acabaram re­ vendo suas prioridades de pesquisa. Embora Joel Kahn e Josip Llobera, num artigo de revisão de 1980, escrevessem que era muito cedo então para “produzir uma crítica

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definitiva” do movimento (Kahn e Llobera 1980: 89), ele já havia m alogrado como tendência coesiva quando o artigo de revisão foi enfim publicado.

Os não tão marxistas Enquanto os antropólogos marxistas franceses quase sempre se envolviam em ati­ vidades políticas, dentro ou fora do Partido Comunista Francês, isso raramente aconte­ cia com os antropólogos americanos marxistas ou de influência marxista das décadas de 1960 e 1970. Apesar disso, é fácil ver em retrospecto que suas contribuições tiveram uma influência mais direta sobre a injustiça global e as questões políticas essenciais do que os esforços de caráter mais acadêmico de seus colegas franceses. Nos Estados Unidos a antropologia marxista teve início nos primeiros anos do pós-guerra, com alunos de Steward, de White e de Fried, começou a tom ar corpo pelo fim da década de 1960, floresceu nos anos 1970 e alcançou seu ponto culminan­ te no início da década de 1980. Os interesses desses antropólogos, talvez menos limi­ tados pelos padrões intelectuais contemporâneos do que os marxistas estruturais franceses, continuam exercendo ainda hoje um papel importante nos estudos antro­ pológicos do poder e do subdesenvolvimento. Embora essa geração de antropólogos m aterialistas americanos incluísse algmnas das figuras mais importantes dos anos 1970, alguns (como Marvin Harris) nunca aderiram realmente ao m arasm o, enquan­ to outros (como Marshall Sahlins) seguiram itinerários intelectuais complexos pró­ prios, passando por uma fase marxista, mas depois abandonando essa corrente. Sah­ lins, originalmente um evolucionista treinado por White, envolveu-se criativa e entu­ siasticamente nos debates marxistas sobre modos de produção e formas de subsistên­ cia; numa contribuição famosa, quase rousseauníana, ao simpósio “ Man the Hunter”, ele sustentou que sociedades caçadoras e coletoras representavam “a sociedade aflu­ ente original” (1968, reimpresso em Sahlins 1972), e que as economias de escassez eram conseqiiência das desigualdades impostas pela revolução agrícola. No centro de sua subseqüente coleção de ensaios, Stone Age Economics (1972), “On the sociology o f primitive exchange” (Sobre a sociologia de troca primitiva), Sahlins susten­ tou que a lógica da reciprocidade generalizada, ou partilha, era a norm a nas socieda­ des tribais, onde o ator calculista, “economizante” da economia formalista estava claramente ausente. Mas já nesse livro, de cunho m arcantemente marxista, Sahlins foi mais convincente em seus argumentos culturalistas do que em suas tentativas de m ostrar relações causais entre modos de produção e cultura simbólica. Depois, em 1976, em seu importante tratado teórico, Culture andPracticalReason, Sahlins criti­ cou indignado o marxismo por seu reducionismo e por não tratar a cultura simbólica como ela devia ser tratada, como um dominio autônomo.

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O itinerário seguido por Sahlins - da ecologia cultural via marxism o até um in­ teresse pelo simbolismo - foi menos idiossincrático do que poderia parecer. Vários outros antropólogos americanos seguiram rotas semelhantes (se não idênticas). Um exemplo é Andrew P. Vayda (ver Vayda 1994), de Colúmbia, cujas prioridades de pes­ quisa passaram, entre as décadas de 1960 e 1980, de uma forte versão de ecologia cul­ tural a uma atitude cognitivista e quase pós-modema com relação à teorização. Cola­ borador próximo de Vayda nos anos 1960, Roy Rappaport também passou de uma po­ sição materialista para uma visão cibernética. Na longa série de posfácios à edição de Pigsfor the Ancestors de 1984, Rappaport revela um envolvimento decrescente com o determinismo ecológico e uma sofisticação crescente em suas análises de ciclos de re­ troalimentação na comunicação. A influência de Bateson foi decisiva nesse caso. Com Marvin Harris (1927-2001) a situação foi bem diferente. Embora fosse alu­ no de Steward em Colúmbia, ele estivera ligado à antropologia boasiana, predomi­ nante nos seus anos de graduação, só descobrindo a obra de White e de Steward em meados dos anos 1950. Com o trabalho de campo realizado em Moçambique, quan­ do sentiu na carne os problemas causados pelo colonialismo português, Harris radi­ calizou sua posição política e também aguçou seus interesses analíticos. Nas décadas seguintes ele desenvolveria seu próprio programa de pesquisas, ou “paradigma" como ele poderia tê-lo chamado, com base no conceito de que os fatos materiais da economia e da ecologia determinam a cultura - não apenas “em última instância", mas diretamente. Num famoso artigo de 1963 ele analisa a vaca sagrada do hinduísmo, e conclui que o status especial desse animal pode parecer uma característica exó­ tica da religião hindu, mas na realidade é um exemplo perfeito de racionalidade eco­ nômica e ecológica. Inevitavelmente, Harris foi acusado de funcionalismo, mas não deu atenção ao fato. Pelo fim dos anos 1960 e na década de 1970 o materialismo de Harris se tornou mais acentuadamente não-marxista, e em sua principal obra teórica, Cultural Materialism (1979), ele passa metade do livro repudiando o que considera como programas de pesquisa alternativos inferiores - desde a sociobíologia e o mar­ xismo até o “ecletismo". Harris foi o materialista positivista mais forte na antropolo­ gia americana e via a insistência marxista numa “relação dialética” entre infra-estru­ tura e superestrutura como um expediente mistificador e não-científico. Seus adver­ sários, e eram muitos, o classificavam de várias maneiras como evolucionista mate­ rialista grosseiro ou como marxista vulgar sem nenhuma compreensão dos aspectos mais sutis da sociedade. Descrevendo suas raízes intelectuais, ele diz que “o materia­ lismo básico veio de Marx e do [psicólogo behaviorista] B.F. Skinner; a importância dos fatores econômicos também veio de Marx; o evolucíonismo em geral, de White; e os focos ambiental e demográfico, de Steward e do [historiador cultural Karl] Witt-

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fogel” (Harris 1994: 76). Harris publicou um manual popular e, em 1968, uma histó­ ria da antropologia ( TheRise o f Anthropological Theory), que descreve a história da disciplina mais ou menos como uma narrativa evolucionista unilinear (com ramifica­ ções secundárias e becos sem saída), terminando de forma não surpreendente com o materialismo cultural. Mesmo na Inglaterra houve o debate entre marxismo e ecologia cultural. Depois de pairar nas imediações da respeitável vida universitária durante décadas, a ecologia cultural finalmente encontrou adeptos entre alguns professores titulares, e logo ficou claro que embora ecologia cultural e marxismo abordassem as mesmas questões, eles as respondiam de modos profundamente diferentes (Bumham e Ellen 1979). Numa demolição pirotécnica da obra de Rappaport sobre os tsembaga marings, Jonathan Friedman (1979) —que em sua tese de doutorado havia reanalisado a obra de Leach sobre os kachins segundo o molde estrutural marxista - sustentou que a análi­ se ecológica do ritual tsembaga efetuada por Rappaport caia nas armadilhas clássicas do funcionalismo ao situar, como parecia, '‘o grande ecologista no céu” como um su­ jeito onisciente regulando populações de porcos conforme necessário. A resposta de Rappaport seria um apelo batesoniano sofisticado pela unidade da “mente” que sus­ tentava que no universo conceptual dos tsembagas não havia diferença entre o mate­ rial e o simbólico - por conseguinte, nenhum “grande ecologista” ou “funcionalis­ mo” era necessário; o vernáculo simbólico local era de fato um discurso especializa­ do sobre ecologia.

Economia política e o sistema capitalista mundial O principal proponente da antropologia marxista, ou de influência marxista, americana (ele próprio não descreveu sua obra como marxista) foi certamente Eric W olf (1923-1999). O “ponto alto” da antropologia marxista americana mencionado acima foi a publicação de sua principal obra, Europe and the People Without Histoty, em 1982, uma pesquisa magistral sobre os complexos efeitos econômicos, culturais e políticos do colonialismo sobre os povos estudados por antropólogos. Nessa obra, como em grande parte do seu trabalho, W olf se concentra nas características da vida e da história de nâo-europeus negligenciados por gerações de antropólogos. Wolf, de origem austríaca, foi outro dos alunos de Steward e de Benedict em Colúmbia, e mais tarde ele se referiu a esses seus professores dizendo que eles, “cada um a seu modo, intensificaram o meu próprio interesse pelo modo como subgrupos e regiões se uni­ ram para formar nações” (W olf 1994: 228). Integrante do projeto de Steward desen­ volvido em Porto Rico nos fins da década de 1940, mais tarde W olf trabalhou no Mé­ xico com questões relacionadas com o campesinato e publicou uma obra de síntese

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importante, Peasanls, em 1964. Contrário à abordagem da sociedade única adotada pelas escolas de antropologia hegemônicas, durante toda sua vida W olf se dedicou à análise do modo como o destino de comunidades locais se entremeia com processos de grande escala. De maneira geral, o motor desses processos é o lucro econômico, e o resultado é acumulação de capital no centro e exploração na periferia. Mais do que qualquer outro grupo, as vitimas dessa exploração eram os camponeses. Despojados de terras e produzindo para o mercado internacional a uma remuneração freqüentemente grotesca, eles também tendiam a viver em países pobres, cuja autonomia na­ cional era instável devido à sua integração desigual na economia mundial. W olf não estava sozinho nesse esforço de pesquisar a fundo a teoria do sistema mundial, o imperialismo e o subdesenvolvimento durante a década de 1970; longe disso. Com Marx, a antropologia havia descoberto Lenm, cuja teoria sobre o imperi­ alismo foi um adendo lógico à própria teoria de Marx e uma alternativa a concepções predominantes (fora da antropologia) sobre os efeitos civilizadores do colonialismo. Num período em que a sociologia rural era um campo de pesquisa em rápida expan­ são, inclusive na América Latina, a economia política marxista parecia ser um instru­ mento “natural” de todo ferramental de campo do pesquisador voltado para o Tercei­ ro Mundo, especialmente quando cientistas sociais haviam começado a se envolver com questões de desenvolvimento em proporções muito maiores do que até então (ver Grillo e Rew 1985). A tentativa mais ambiciosa de uma síntese nessa direção du­ rante a década de 1970 foi o neotrotskista Immanuel Wallerstein em The Modem World System (1974-1979), um estudo volumoso do desenvolvimento de um mundo tripartite de centros, semiperiferias eperiferias, com recursos geralmente fluindo das periferias para os centros. Numa escala menos grandiosa, os anos 1970 foram tam­ bém a década da teoria estrutural do imperialismo de Johan Galtung (1971), que mostrou como a desigualdade mundial era mantida através de alianças entre as elites dos centros e as elites das periferias. Os anos 1970 testemunharam ainda o surgimento da teoria da dependência, pri­ ma próxima da teoria do sistema mundial. Enquanto teóricos do desenvolvimento haviam anteriormente sustentado que todas as sociedades acabariam por alcançar o Ocidente, uma posição cripto-evolucionista antropologicamente inaceitável (e, além disso, dificilmente cometa em termos empíricos), sociólogos e economistas como Andre Gunder Frank e Samir Amin, escrevendo sobre a América Latina e a África, respectivamente, procuravam demonstrar que o intercâmbio entre partes ricas e po­ bres do mundo - fossem ou não colônias defacto equivalia a acumulação de capital no norte e privação no sul. Entretanto, em geral, os teóricos da dependência não eram antropólogos, e a principal exceção, Peter Worsley, parecia simplesmente confirmar

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a regra. Embora Worsley fosse aluno de Gluckman, ele trabalhava num departamen­ to de sociologia, e a maior parte de sua obra era de cunho sociológico. Não que os an­ tropólogos fossem cúmplices cínicos do imperialismo mundial, que seu relativismo cultural os tivesse levado ao niilismo moral ou que tivessem se esquecido do sofri­ mento do mundo. Pelo contrário, durante os anos 1970 (e antes) muitos antropólogos haviam feito todo o possível para ajudar “seus” povos a melhorar sua situação. Esses esforços, porém, estavam em grande parte voltados às populações indígenas, as de­ tentoras de “culturas autênticas”. Nos anos 1970 o estudo de milhões de pobres urba­ nos e de camponeses semimodemos havia se tomado solo fértil para pesquisas antro­ pológicas, mas o prestígio proporcionado pelo trabalho de campo nesses grupos não podia ser comparado ao do trabalho de campo entre culturas “autênticas”, como as representadas pelos forrageiros africanos, pelos horticultores da Amazônia ou pelos caçadores do Ártico. O problema da relação da antropologia com as questões do neocolonialismo e da exploração do Terceiro Mundo era pelo menos quádruplo. Primeiro, como sugerido, as massas pobres dos trópicos em geral não eram consideradas dignas de atenção an­ tropológica sustentável. Elas eram “aculturadas demais”, e embora estudos etnográ­ ficos de povos modernos fossem feitos ao longo de todo o século vinte, foi somente na década de 1970 que esses estudos começaram a se tomar comuns. Mas até então a estrutura teórica para lidar com esses grupos não tivera tempo de se desenvolver. Se­ gundo, a abordagem do povo único, preferida tanto pelos boasianos como pelos in­ gleses por razões teóricas e também metodológicas, não se conciliava facilmente com um interesse pela economia política global, embora o projeto Porto Rico de Steward pudesse ser visto como um caminho intermediário. Terceiro, a relação histórica da antropologia com o colonialismo havia sido de indiferença —os únicos antropólo­ gos de prestígio a incluir o horizonte do colonialismo em seus estudos antes dos anos 1960 pertenciam à Escola de Manchester. Um dos livros mais debatidos na antropo­ logia inglesa no início dos anos 1970 foi do antropólogo Talai Asad, natural da Ará­ bia Saudita, Anthropology and the Colonial Encounter (Asad 1973), onde a maioria dos colaboradores sustentava que o desenvolvimento da antropologia e do colonia­ lismo havia sido suspeitosamente semelhante em várias partes do mundo. Quarto, e não menos importante, a noção de “desenvolvimento" era - e é - um conceito difícil de digerir por parte dos antropólogos, pois eles haviam sido ensinados durante várias gerações a ser céticos com relação a idéias etnocêntricas de evolução social. LéviStrauss diz que, em comparação com um “terceiro-inundista”, ele se considera um “quarto-mundista”, significando com isso que defende os povos pequenos, vulnerá­ veis e únicos não apenas contra a investida da ocidentalização, mas também contra

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os esquemas de desenvolvimento de governos do Terceiro Mundo (Eribon e LéviStrauss 1988), Dizendo isso ele provavelmente fala em nome de uma grande parte, talvez uma maioria, da comunidade antropológica dos anos 1970. Por difíceis que fossem, esses problemas podiam ser superados, como revelou a obra de Wolf. Anos antes Redfield havia sustentado que os camponeses “tinham sua própria cultura”, e embora a busca da “cultura autêntica” continuasse forte na antropo­ logia, não havia argumentos acadêmicos robustos para não estudar as culturas híbri­ das, mescladas, da América Latina e do Caribe, digamos. Uma combinação de traba­ lho de campo em profundidade com uma análise sistêmica e histórica mais ampla era também perfeitamente viável, embora ela não legitimasse inteiramente o uso de mate­ rial não-etnográfico. A relação com autoridades coloniais era irrelevante na década de 1970. O que permanecia, então, era o problema do “desenvolvimento”, que parecia quase tão difícil de resolver como os problemas encontrados pelos marxistas franceses com a determinação da infra-estrutura em sociedades tribais. Muitos dos antropólogos mais criativos que trabalhavam com as questões de economia política nos anos 1970 haviam enfrentado esse problema. Na maioria dos casos, fiéis aos princípios da antro­ pologia, eles sustentariam que o desenvolvimento precisava ser definido de dentro, isto é, como uma categoria “êmica” (nativa). Ao mesmo tempo, eles consideravam o fato da expansão capitalista global como uma força objetiva, homogeneizante e unificadora no mundo, e, nesse sentido, W olf e outros anteciparam uma tendência dos anos 1990 na antropologia, especificamente, o estudo da globalização. Havia um foco regional diferente sobre o “quintal dos Estados Unidos” nas pes­ quisas antropológicas dos anos 1970 influenciadas pela economia política marxista e pela teoria do sistema mundial. Sidney Mintz (outro dos antigos alunos de Steward), da Universidade Johns Hopkins, era, com Wolf, o proponente mais importante dessa escola na década de 1970 e depois. Mintz é um caribeanista cujas obras mais elabora­ das incluem uma coleção de ensaios sobre mudança histórica no Caribe (Mintz 1974) e uma história cultural do açúcar, Sweetness and Power (Mintz 1985). À semelhança dos primeiros esforços de Steward, esse foco regional tendia a estimular a antropolo­ gia acadêmica e a sociologia rural nos países em estudo. Diferentemente da maioria dos lugares no Terceiro Mundo, países como Argentina, México e Brasil ofereciam facilidades acadêmicas promissoras, com uma disponibilidade regular de colabora­ dores “nativos” em potencial para antropólogos ocidentais, com quem eles podiam colaborar em pé de igualdade em termos intelectuais. Essas eram notícias auspicio­ sas para os muitos antropólogos ocidentais jovens e politicamente comprometidos que realizavam trabalho de campo entre camponeses latino-americanos dentro de uma estrutura teórica marxista (Melhuus 1993).

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Embora o marxismo estrutural francês pareça hoje não ter saída, ele deixou uma marca indelével na profissão. Ele dirigiu vigorosamente a atenção para os complexos emaranhados locais e globais da desigualdade e do poder, da resistência e da sobrevi­ vência; ele se engalfinhou resolutamente com a mudança histórica e com a difícil re­ lação entre “desenvolvimento” e cultura. Mais importante de tudo, talvez, ele dirigiu a atenção de uma corrente predominante levemente durkheimiana ou boasiana para as condições materiais imperativas da vida. Isso ele tinha em comum com a obra tan­ to dos materialistas americanos como dos interacionistas ingleses. Podemos no en­ tanto ver na obra de Godelier e Meillassoux os inícios de uma teoria que trata dessas questões numa perspectiva mais ampla, tentando superar a distinção gerahnente feita entre o material e o ideacional. Afirmamos acima que as fronteiras entre o marxismo estrutural e a economia po­ lítica eram praticamente intransponíveis. Mas isso nem sempre acontecia na prática, e há alguns raros exemplos de antropólogos que tiveram sucesso em ambos os lados. O antropólogo argentino Eduardo Archetti é um desses casos. Archetti graduou-se em sociologia na Argentina antes de estudar com Godelier em Paris nos fins da déca­ da de 1960, quando Mintz também ensinava em Paris. Como pesquisador, seu princi­ pal interesse voltava-se não para questões de determinação da infra-estrutura ou dos modos de produção africanos, mas para a lógica subjacente das sociedades campone­ sas e sua relação com o mundo externo. Inicialmente, ele fez uma avaliação muito bem fundamentada da obra de Chayanov. Sob a supervisão de Godelier, realizou tra­ balho de campo entre camponeses na Argentina e escreveu uma tese de doutorado sobre as teorias de subdesenvolvimento e dependência que deixavam uma impressão mais profunda do que o marxismo estrutural. Quando Archetti começou a lecionar na Universidade de Oslo, em meados dos anos 1970, o professor que o contratou lembra que “nós o contratamos porque precisávamos de alguém que ensinasse as últimas no­ vidades do marxismo estrutural francês” (A.M. Klausen, comunicação pessoal). De­ vemos sempre lembrar-nos de que as trajetórias intelectuais raramente são simples e que as fronteiras raramente são claras.

Feminismo - e o início do trabalho de campo reflexivo Em 1954, sob o pseudônimo de Elenor Smith Bowen, a antropóloga americana Laura Bohannan publicou Return to Laughter, um relato notavelmente singelo e pes­ soal de uma antropóloga americana (fictícia) em trabalho de campo entre os tivs da Nigéria. O pseudônimo se justificava porque era considerado inconveniente expor ao público aspectos pessoais do trabalho de campo, dúvidas e erros, circunstâncias for­ tuitas e incoerências que se ocultavam sob o abrangente termo malinowskíano “ob­

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servação participante” . Em 1966 a antiga aluna de Malinowski, Hortense Powdermaker, publicou Stranger andFriend: The Way o f the Anthropologist, onde descreve toda uma vida de expedições de trabalho de campo a lugares os mais di versos. Mais uma vez, a impressão é de que o trabalho de campo talvez não seja exatamente a cole­ ta de dados bem organizada que Radcliffe-Brown tinha em mente. Em seguida, em 1967, os próprios diários pessoais de Malinowski descrevendo seu trabalho de cam­ po entre os trobriandeses foram encontrados, editados e publicados —e criaram um escândalo imediato. Deles podia-se depreender que o próprio mestre não passara de um mortal. Ele havia tido saudades, havia praguejado contra os nativos, se masturba­ do e sentido pena de si mesmo. Depois disso, como alguém poderia afirmar que eles produziam “conhecimento objetivo”? Apenas alguns anos mais tarde os participantes do grande Debate da Racionali­ dade inclinados à filosofia se debateriam com essas mesmas questões, mas no inters­ tício um grupo de jovens antropólogas americanas respondeu de forma mais prática à questão em foco. Em 1970, ano em que Rationality de Bryan W ilson foi publicado, apareceu também um volume editado com o título Women in the Field: Anthropological Experiences (Golde 1970). Cada ensaio desse livro, e são muitos, descreve as circunstâncias concretas em que a autora desenvolveu sua pesquisa de campo e pon­ dera sobre o efeito de suas experiências sobre a qualidade dos dados coletados. Os ensaios são muito diferentes, refletindo uma ampla variedade de práticas e experiên­ cias no campo, mas todos coincidem num ponto: o fato de que as pesquisadoras eram mulheres exerceu profunda influência sobre as conclusões a que elas chegaram. Sur­ giu desse modo a idéia de trabalho de campo “posicionado”, segundo a qual refletin­ do sobre seu papel pessoal no campo, a antropóloga aprende a compreender exatamente que tipo de dados ela recebeu. Assim, Women in the Field levantou dois deba­ tes: na condição de “trabalhadoras de campo” reflexivas, como devemos agir? Se­ gundo, que papel exerce o gênero nos sistemas sociais? A primeira questão foi respondida com uma série de relatos detalhados e práticos de como situações concretas de trabalho de campo haviam de fato sido tratadas. Ou­ tro exemplo nessa linha é Doing Fieldwork: Warnings and Advice. de Rosalie Wax, publicado em 1971, onde a jovem que se prepara para ser antropóloga fica sabendo, em tennos inequívocos, “em que está se metendo”. A segunda questão - como estudar o gênero antropologicamente? - introduz o primeiro participante masculino nesse relato até aqui exclusivamente feminino. O homem era o antropólogo inglês Edwin Ardencr (1927-1987), que publicou Cren­ ça e o problema da mulher em 1972 (in Ardencr 1989). Oriundo de Oxford, tendo rea­ lizado extenso trabalho de campo nos Camarões e na Nigéria, Ardener era um antro­

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pólogo original e intelectualmente provocante cujas obras teóricas mais importantes (coligidas em Ardener 1989) tratam da relação entre antropologia social e lingüístíca, problemas de tradução, generalização e inteligibilidade. No entanto, ele se inte­ ressava também por questões referentes ao poder, principalmente as relacionadas com quem controla o poder de definição numa sociedade. Combinado com seu inte­ resse sistemático pela linguagem - uma especialização rara na antropologia social inglesa - não deve ser surpresa que Ardener desse uma contribuição importante a esse campo. Sua mulher, Shirley Ardener, foi figura de proa na antropologia feminis­ ta inglesa na mesma época e editou duas importantes coleções na década de 1970 (S. Ardener 1975, 1978). Ardener começou seu ensaio com uma afirmação memorável: “O problema da mulher não foi solucionado pelos antropólogos sociais” . E esclareceu imediata­ mente que “o problema” não dizia respeito à posição social da mulher, embora a cultura feminista mais recente lamentaria a ausência desse tema também na antro­ pologia clássica. Para Ardener o “problema” era a ausência evidente da mulher nas páginas da maioria dos clássicos da antropologia, mesmo em livros escritos por an­ tropólogas - apesar de mencionar a obra Chisungu (1956), de Audrey Richards, como uma exceção. A principal causa dessa ausência era provavelmente um viés generalizado para o masculino na sociedade ocidental, mas isso não explica total­ mente o problema na antropologia. Em seguida, Ardener afirma que os etnógrafos, homens ou mulheres, se relacionam mais facilmente com informantes masculinos do que com femininos. Em quase todas as sociedades os homens dominavam a es­ fera pública e estavam mais habituados a falar com forasteiros. Os modelos cultu­ rais de sociedade que o etnógrafo trazia do campo eram portanto principalmente masculinos. E se referiu às mulheres como um grupo emudecido, não no sentido de que elas não tinham permissão para falar, mas sim de que suas informações geral­ mente não eram estruturadas em termos fáceis de transferir para notas de campo. Nesse ponto, a análise de Ardener lembrava os estudos sociolingüísticos de classe, raça e língua nos Estados Unidos, os quais mostravam que crianças negras e da classe operária não iam bem na escola em parte por causa de sua forma de expres­ são “dependente do contexto” (ver Giglioli 1976). De qualquer modo, o ensaio de Ardener e o debate que ele suscitou levantaram na Inglaterra questões semelhantes às que o livro de Golde havia levantado nos Estados Unidos. A resposta veio dois anos depois, novamente de um grupo de antropólogas ame­ ricanas, na fonna de outro volume editado, mas agora de enfoque mais teórico: Woman, Culture and Society (1974), editado por Michelle Z. Rosaldo e Louise Lamphere. As duas principais questões de Ardener foram tratadas nessa obra.

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Primeiro, Ardener havia pressuposto—como premissa para o silêncio das mulhe­ res - que as sociedades geralmente distinguem entre um a esfera privada e uma esfera pública, sendo que os homens têm o controle sobre a segunda e as mulheres são con­ finadas à primeira, Rosaldo, uma das editoras, analisa comparativamente o contraste doméstico-público em seu ensaio, mostrando que em geral as atividades femininas, dadas as restrições físicas impostas pelos partos freqüentes, se limitam às imediações da casa, Elas constituem uma esfera doméstica em tomo das imediações a partir des­ sas atividades (publicamente silenciosas). Os homens, por outro lado, afastam-se dessas imediações e constituem uma esfera pública em tomo de atividades (publica­ mente visíveis) como ritual, política e comércio. Segundo, quase no fim do seu ensaio, Ardener havia comentado que as mulheres são freqüentemente associadas à natureza “selvagem” , enquanto os homens são con­ siderados essencialmente “humanos”. Sherry Ortner, que mais tarde escreveria sobre os sherpas do Nepal e também produziria vários artigos teóricos influentes, pergun­ tou: “O feminino está para o masculino como a natureza está para a cultura?” (Ortner 1974). Ela afinna que “cada cultura, a seu próprio modo e em seus próprios termos”, considera as mulheres como “em certo grau inferiores aos hom ens” (p. 69), e descre­ ve a série de associações simbólicas que relaciona os socialmente oprimidos ao mun­ do não social. Outro artigo na coleção (novamente) derruba o mito do matriarcado original (Bamberger), e outro ainda analisa a imagética sexual e a divisão do trabalho ( 0 ’LaughlÍn). O impacto duradouro de Woman, Culture and Society - e provavelmente são poucos os antropólogos formados depois de meados da década de 1970 que não se depararam com ele - deve muito a seu tom claramente não revolucionário. A obra foi t o a coleção de ensaios antropológicos sobre relações de gênero, não um manifesto político. Essa obra, e inúmeras coleções editadas posteriormente sobre as mulheres e (cada vez mais) sobre gênero, contribuíram para mudanças permanentes nas priori­ dades de pesquisa da antropologia, embora - e isso é inerente à natureza da mudança - essas mudanças em si continuassem a passar por transformações nas décadas de 1980 e 1990. É difícil avaliar o impacto do feminismo sobre a antropologia. Nas duas últimas décadas do século vinte, em geral não foi fácil distinguir seus impulsos teóricos da corrente crescente de estudos pós-coloniais, multiculturais e pós-modernistas. A nova ênfase sobre “os mundos das mulheres” levou a uma série de etnografias que focalizaram as mulheres, desde o relato de Jean Briggs sobre a vida emocional entre os inuítes canadenses (1970), passando pelo reestudo sofisticado de Annette Weiner sobre as Ilhas Trobriand (1976), pela discussão de Michelle Rosaldo sobre a lingua­

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gem e a emoção entre os ilongots caçadores de cabeça das Filipinas (1980), até a mo­ nografia sensível ao gênero de Robert e Yolanda Murphy sobre os mundurucus do Brasil (1985). Esses e outros livros questionaram a visão ortodoxa sobre a vida em sociedades tradicionais. Em 1967 ainda não constituíra problema falar em socieda­ des não agrícolas sob o título “Man the Hunter”. Em 1981 foi publicada a coleção Woman the Gatherer (Dahlberg 1981), e desde os fins da década de 1970 esse tipo de economia tem sido conhecido como forrageira, ou economia de caça e coleta. Em muitos casos foi mostrado que a coleta realizada por mulheres e crianças contribuiu muito mais para a subsistência do que a caça dos homens. As perspectivas feministas também tiveram mais efeitos sutis sobre o trabalho antropológico, como os próximos capítulos mostrarão. A antropologia do corpo, o estudo do parentesco e do gênero, o interesse pela “resistência” entre grupos oprimi­ dos e numerosas revisões conceituais de trabalhos sobre o conceito de poder, tudo isso teria sido difícil de imaginar sem o crescimento do feminismo como movimento intelectual dentro e fora da antropologia. Significativamente, essa década foi tam­ bém um período em que estudos femininos em grande quantidade passaram a fazer parte da disciplina. Mulheres na antropologia haviam até aqui permanecido era silên­ cio (embora não completamente, como mostra a carreira de Margaret Mead ou de Audrey Richards), Agora elas estavam prontas para falar.

Etnicidade Uma terceira tendência na antropologia dos anos 1970, menos imediatamente re­ levante para o mundo externo à academia do que o marxismo ou o feminismo (mas que em pouco tempo passaria a ser reahnente percebida com a importância devida!) foram os estudos de etnicidade, O crescimento dos estudos de etnicidade esteve asso­ ciado a pelo menos quatro centros distintos. Um era representado pelo trabalho de George DeVos e seus colaboradores em Berkeley (ver, por exemplo, DeVos e Romanucci-Ross 1975). Trabalhando com várias minorias étnicas na Europa, nos Estados Unidos e em outras partes do mundo, DeVos e seu grupo estavam envolvidos com uma antropologia alinhada com a escola da cultura e da personalidade, mas também inspirada pela psicologia social e por seu interesse na formação da identidade. Para eles um aspecto fundamental da etnicidade era (e é) a auto-identificação, mas dedica­ vam-se também ao estudo das configurações de personalidade de culturas na tradi­ ção de Benedict. Outro corpo de pesquisas voltava sua atenção para as “sociedades plurais”. Cu­ nhado pelo antropólogo jamaicano de formação britânica Michael G. Smith (1965), o termo se referia às sociedades compostas de múltiplos grupos étnicos. Smith, origi-

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nalmente um africanista ocidental que passou a escrever cada vez mais a partir de suas índias Ocidentais nativas, via os grupos integrantes das sociedades plurais como corporações culturalmente distintas, freqüentemente bem estruturadas, com­ petindo impetuosamente pelo poder. Uma controvérsia relacionada com a sociedade plural aborda a questão de se os grupos étnicos que compõem essas sociedades são de fato culturalmente discretos, um a vez que muitas vezes foram submetidos a uma intensa integração cultural, principalmente no Caribe. O debate sobre a sociedade plural lembra a discussão da Escola de Chicago sobre o cadinho americano e também os problemas da Escola de M anchester com a destribalização e retribalizaçâo na África, e não levou a nenhuma conclusão definitiva. As sociedades se diferenciam e a compreensão dos estudiosos a respeito delas também. O debate sobre a sociedade plural foi especialmente intenso entre os caribeanistas. As duas outras tendências nos estudos de etnicidade foram ainda mais influentes. Elas também convergiram para questões importantes. Ambas eram de origem ingle­ sa e ambas enfatizaram a dimensão instrumental, política das relações étnicas, não seu conteúdo cultural. Ambas também tiveram grande interesse em identificar estra­ tégias individuais. Por volta de 1970, apareceram várias monografias sobre urbanização e mudança social escritas por africanistas ingleses. Abner Cohen, um dos antigos alunos de Gluckman, publicou Custom andPolitics in Urban África (1969), um estudo do co­ mércio e da etnicidade na África Ocidental que mostrou como comerciantes hausas do norte da Nigéria monopolizavam o comércio de gado por meio de redes baseadas no parentesco, na etnicidade e especialmente na religião. Escrevendo desde a África Oriental, David Parkin mostrou, em Neighbours and Nationals in an African City Ward (1969), como lealdades tribais dos luos foram transformadas em etnicidade moderna depois da migração para Nairóbi. Nesses e em outros estudos do mesmo pe­ ríodo a continuidade com a Escola de M anchester foi intensa. Efetivamente, o pró­ prio Mitchell escreveu uma das contribuições mais importantes à coleção editada Urban Ethnicity (Abner Cohen 1974b). Na introdução de Cohen, e em seu volume teórico Two-DimensionalMan (1974a), isso está sobejamente claro. Nesse livro, en­ tre as influências que podem ser percebidas estão a insistência de Yictor Tum er sobre a multivocalidade dos símbolos, a análise de Mitchell sobre a transformação da leal­ dade tribal em etnicidade m oderna e a fusão original de Gluckman do estrutural-fun­ cionalismo com um interesse pelo conflito social. Cohen, no entanto, foi além dos seus mentores, com seu foco explícito sobre o caráter dual, emocional e político dos símbolos étnicos e sua observação de que empreendedores políticos podem manipu­ lar esses símbolos para conquistar e conduzir a lealdade de seus seguidores. Cohen

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também avançou muito ao separar etnicidade de cultura, quando afirmou que “os ho­ mens da Cidade” (banqueiros londrinos) podiam muito bem ser vistos como um gru­ po étnico. O mais influente dos estudos de etnicidade desse período, porém, foi a coleção editada por Barth, Ethnic Groups and Boundaries (1969). Baseado numa conferên­ cia de 1967, e incluindo colaborações de antropólogos escandinavos importantes inclusive vários de seus ex-alunos - o livro, e especialmente a introdução do editor, foi uma das obras mais amplamente citadas na antropologia acadêmica nas três últi­ mas décadas do século vinte. Aqui Barth sustentava - não diferentemente de Cohen, que trabalhava sobre as mesmas questões simultaneamente - que a etnicidade era principalmente um fenômeno social e político, e não cultural. Barth, porém, continu­ ou dizendo que é “a fronteira étnica que define o grupo, não o material cultural que ele contém” (1969: 15). Em outras palavras, é a relação entre grupos, não a cultura de grupos, que lhes dá significado. Percebe-se facilmente a semelhança dessa visão com as idéias de Lévi-Strauss e de Bateson sobre a natureza do significado, uma seme­ lhança que também mostra o interesse comum de todos esses autores pela cibernéti­ ca. Barth desviou assim o foco dos estudos de etnicidade da idéia de que a identidade étnica é um aspecto da cultura, história e território próprios de um grupo, para um conceito mais processual de manutenção da fronteira. Os estudos empíricos que cons­ tituem o corpo do volume exploram essa idéia e analisam a comunicação econômica, política e demográfica que acontece entre fronteiras étnicas. A primazia dessa comunicação foi mostrada, por exemplo, pelo fato de que di­ ferenças culturais importantes podiam existir dentro de um único grupo étnico, ou, pelo contrário, que dois grupos étnicos diferentes podiam ter culturas quase idênti­ cas. O que importava não era isso, dizia Barth, mas o fato de que os grupos se perce­ biam como diferentes e interagiam com base nessa percepção, provando sua diferen­ ça, para si mesmos e uns para os outros, através de sua interação. A posição formalista de Barth com relação à etnicidade (todos os grupos étnicos são definidos por um tipo universal de “comportamento étnico”), reflete sua preocupação com a economia formalista (por exemplo, 1967). O sucesso do formalismo nos estudos de etnicidade tem sido, porém, muito maior. A contribuição de Barth aos estudos de etnicidade pode também ser vista retrospectivamente como um preâmbulo ao movimento desconstrutivista posterior na antropolo­ gia, onde a noção mesma de todos culturais com um conteúdo substancial foi questiona­ da em bases epistemológicas, teóricas e metodológicas (capítulo 9). Pois se os líderes de grupos étnicos praticamente fabricavam diferenças vis-à-vis a outros por razoes estraté­ gicas, o que então restava da concepção boasiana de todos culturais únicos?

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Além disso, logo se descobriria que os novos modelos de etnicidade eram com­ patíveis com as novas tendências na antropologia que emergiram nas décadas de 1980 e 1990 e que se concentravam no nacionalismo, na globalização e na identida­ de. Em parte dessa obra convergiam várias tendências discretas analisadas neste ca­ pítulo: desigualdade de poder, procedente do marxismo e do feminismo, o contexto global, procedente do marxismo, discursos “emudecidos” e reflexividade, com ori­ gem no feminismo, e desconstrução cultural, oriunda dos estudos de etnicidade. Embora as principais escolas européias de pesquisas sobre etnicidade a descreves­ sem principalmente como uma ferramenta política e instrumental, logo se desenvol­ veram análises mais complexas que enfatizaram as dimensões de identificação sub­ jetiva e de segurança ontológica que também são inerentes à etnicidade. Dois livros influentes que desenvolvem mais esse aspecto da etnicidade do que sua dimensão sociológica foram Ethos and Identity (1978), do antropólogo de Manchester A.L. Epstein, e The Symbolic Construction o f Community (1985), de Anthouy P. Cohen.

Teoria da prática Em 1984, Sherry Ortner, que havia contribuído com o volume de Rosaldo e Lamphere dez anos antes, publicou o artigo “Theory in anthropology since the sixties" (Teoria em antropologia desde os anos sessenta). Aqui ela postula que um para­ digma teórico novo e abrangente estivera aflorando na antropologia durante as duas décadas anteriores, por ela denominado “teoria da prática”. Segundo Ortner, a teoria da prática era o desdobramento de várias tendências dominantes na disciplina, mais particularmente da antiga controvérsia entre a abordagem orientada para o ator e a orientada para a estrutura da década de 1950 e da obra marxista e feminista dos anos 1970. Essa tendência nova, definida elasticamente, abrangia uma variedade de pro­ gramas de pesquisa diferentes, mas um interesse metateórico comum a todos era o de unificar o individualismo metodológico e o coletivismo e de analisar o papel do cor­ po humano situado num mundo material como o principal lociis de interação social. Embora as referências de Ortner fossem principalmente a antropólogos americanos, mas conclusões também descreveram tendências importantes na ciência social euro­ péia contemporânea. A idéia de um a teoria social que pudesse unificar a orientação para o ator e a ori­ entação para a estrutura, como também perspectivas sociológicas e culturais signifi­ cativas, não era nova. Com efeito, o próprio termo prática (ou práxis), do modo como foi empregado pelos teóricos mencionados por Ortner, deriva de Marx, cuja descri­ ção do corpo humano como simultaneamente explorado pelo poder e resistente ao ooder deriva da sua teoria do valor e constitui uma das afirmações mais vigorosas nas

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ciências sociais. Além disso, as feministas, com sua ênfase no poder e no gênero, também impeliram o corpo para o foco da atenção analítica, do mesmo modo que o impulsionou a subdisciplina recém-instituída, a antropologia médica, que se tomaria uma das especializações de mais rápido desenvolvimento na antropologia na década de 1980. Alguns desses interesses acabariam se expressando num rapprochement hesitan­ te da antropologia e da biologia durante a década de 1990 (capítulo 9). Durante os anos 1970, porém, eles atraíram a atenção de várias das principais luzes da teoria so­ cial européia, duas das quais serão tratadas brevemente aqui; abordaremos a terceira principalmente no próximo capítulo. Em 1979 o sociólogo Anthony Giddens (1938-), descrito como “o cientista so­ cial inglês mais conhecido desde Keynes”, publicou CentralProblems in Social Theoiy, uma coleção de ensaios com forte tendência para Marx e Altkusser, mas também citando teóricos da interação, como Goffman e Barth. O objetivo explícito de Gid­ dens era unificar essas duas dimensões da vida social a que ele se referia como estru­ tura e agência, respectivamente. Em seu chef-d ’oeuvre, The Constitution o f Society (1984), Giddens abrange grande parte do mesmo campo que Bourdieu; em vez de distinguir entre doxa e opinião (ver abaixo), ele distingue entre razão discursiva e prática, acrescentando o subconsciente como um terceiro nível; e reitera o contraste entre agência e estrutura como uma tensão fundamental na vida social. Chegando quase ao mesmo resultado que Bourdieu num nível teórico, a obra de Giddens era mais pobre em ilustrações empíricas e, em parte por causa disso, ela foi avidamente lida por antropólogos, mas menos utilizada nas pesquisas propriamente ditas. Pode-se dizer que sua obra se envolve mais diretamente com a história da filo­ sofia do que com dados etnográficos e sociológicos. Ela cataloga uma série de dico­ tomias perenes na ciência social (materialista-idealista, poder-resistência, indivi­ dual-coletivo, consciente-inconsciente, etc.), organiza-as num sistema de pensamento abrangente e logicamente coerente e estabelece uma série de princípios gerais impor­ tantes de pesquisa sociológica que eram também relevantes para os antropólogos. O conceito de agência, que na obra de Giddens evocava um ator estratégico cons­ ciente, atuando dentro de restrições estruturais impostas pelo poder sobre seu corpo, é quase idêntico ao conceito de “prática" de Ortner. Prática é também o termo prefe­ rido para o mesmo fenômeno na obra do sociólogo e antropólogo francês Pierre Bourdieu (1930-). Nascido numa familia de classe média baixa numa cidade provin­ cial na França, Bourdieu estudou em Paris (com Michel Foucault e Jacques Derrida; ver capítulo 8), e realizou trabalho de campo entre os kabyles, um grupo berbere na

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Argélia, durante a Guerra da Independência argelina nos anos 1950. Ele foi profun­ damente influenciado por M arx e Lévi-Strauss, Mauss, Durkheim e Weber, e seu projeto tem sido o de unificar todas essas influências num instrumento simples mas sensível para o estudo das sociedades humanas. Bourdieu escreveu sobre uma gran­ de variedade de temas, inclusive classe, esportes, arte, gosto, arquitetura, poder, gê­ nero e troca, e sua influência sobre a antropologia tem sido ampla e profunda. Sua obra mais influente até o momento, Esquisse d ’une théorie de la pratique (1972; On­ dine o f a Theoty o f Practice , 1977; cf. tam bém B ourdieu 1990), é basicam ente uma m editação teórica constante sobre a relação entre normas coletivas, poder so­ cial e agência individual, como esses se expressam através do corpo humano e pelo corpo humano. Dois aspectos da teoria de Bourdieu nos interessam aqui. Primeiro, a idéia de ha­ bitus, que ele empresta de Mauss e do teórico alemão Norbert Elias (1897-1990). Em termos gerais, habitus é a intemalização permanente da ordem social no corpo huma­ no. O corpo habita um mundo material, um mundo de poder e um mundo de outras pessoas. As restrições estruturais inerentes nesse mundo se imprimem no corpo, for­ mando disposições permanentes: esquemas de percepção e pensamento, extrema­ mente gerais em sua aplicação, como os que dividem o mundo de acordo com as opo­ sições entre masculino e feminino, leste e oeste, futuro e passado, em cima e embai­ xo, direita e esquerda, etc., e também, num nível mais profundo, na forma de postu­ ras e posições coiporais, modos de ficar de pé, de sentar, olhar, falar ou caminhar (Bourdieu 1977: 15). Habitus é assim um estilo estético de ação imprégnante que determina o ator ao modo de uma dança - não se pode sair dela sem que haja perda do encanto. Ao mesmo tempo o estilo, como a dança, pode ser praticado com maior ou menor habilidade, pode ser usado criativamente e abre possibilidades infinitas para variação e improvisação. Voltando a Bateson, e além dele a Benedict, o conceito de habitus parece dar realidade tangível à idéia vaga e geral de ethos, ligando-a ao poder e ao mundo material. Na segunda parte do livro Bourdieu desenvolve um modelo de cultura simbólica no qual ele distingue doxa e opinião corno duas formas básicas de conhecimento. Doxa se refere ao que é considerado como fato consumado, que está além de qual­ quer discussão e que, em muitos casos, não pode nem sequer ser articulado por mem­ bros da sociedade. Opinião, ao contrário, se refere àqueles aspectos da cultura que estão abertos ao escrutínio, à discussão e à divergência. Um terceiro teórico a exercer um impacto profundo sobre a pesquisa antropoló­ gica relacionada com práticas envolvendo o corpo, a quem voltaremos no próximo capítulo, foi o filósofo e historiador francês Michel Foucault (1926-1984). Em 1975

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Foucault publicou um estudo muito elogiado sobre o surgimento do sistema prisional moderno na Europa, com bases muito sólidas sobre o conceito de disciplina. Disci­ plina, como habitus, é estrutura e poder que foram impressos no corpo, formando disposições permanentes. Foucault, porém, enfatiza a violência dessa “impressão” com mais intensidade do que Bourdieu e dá uma idéia mais vívida do custo da mo­ dernização para quem quer que esteja sujeito a ela. Esse aspecto da obra de Foucault teve uma influência fundamental sobre os estudos antropológicos do poder e da vio­ lência que apareceram durante as décadas de 1980 e 1990 (capítulos 8 e 9). Em suma, os teóricos da prática abriram todo um novo campo de investigação para a antropologia, concentrando-se no corpo humano como fato central de toda existência social. Esse interesse os ligou - direta ou indiretamente - a outro grupo de pesquisadores que estivera explorando a interface entre biologia e sociologia. Esse grupo incluía Turner, cuja obra mais recente sobre performance e ritual continha uma forte orientação para o corpo. Incluía Bateson, que (com Mead) havia trabalha­ do sobre a linguagem do corpo em Bali e inspirado antropólogos como Ray Birdwhistell (1918-1994), que realizou um trabalho altamente técnico sobre comunica­ ção não-verbal. Esse interesse voltou-se também para a obra de psicólogos, lingüistas e antropólogos cognitivos que haviam analisado aptidões lingüísticas e perceptivas congênitas ou profundamente impressas (ver capítulo 9). Finaimente, ele se ligou à obra de um grupo de biólogos e antropólogos físicos que criaram um impulso im­ portante na disciplina no fim da década de 1970 através de uma tentativa de redefini­ ção da antropologia como ura ramo do estudo da evolução (E.O. Wilson 1975). A forte resistência entre antropólogos da comente dominante a essa obra é ilus­ trada pelo fato de que quando a obra póstuma de Victor Turner, Body, brain and culture, foi publicada em 1987, seu editor julgou necessário prefaciá-la com uma longa introdução, explicando que Turner, em sua senilidade, não havia se tornado um sociobiólogo.

O debate sociobiológico e Samoa Foi com relutância que a maioria das figuras veteranas da disciplina reconheceu a antropologia marxista como projeto legítimo, apesar de suas insinuações evolucionistas. A antropologia feminista foi, de modo geral, bem recebida como elaboração de algumas preocupações disciplinares perenes. E a teoria da prática, especialmente na versão de Bourdieu, parecia se ajustar perfeitamente à antropologia. Com a sociobiologia as reações foram diferentes. Ela se deparou com reações extremamente hos­ tis, e antagonistas tradicionais - materialistas culturais e hermeneutas, antropólogos

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políticos ingleses e marxistas estruturais franceses - uniram forças temporariamente para tentar exorcizar o mau espírito da sociobiologia. O centro da controvérsia foi o livro do biólogo Edward O. Wilson Sociobiology (1975). A maior parte dele trata das formas não humanas de “organização social”, mas no último capítulo Wilson propõe incluir as ciências sociais no grande esforço da biologia evolucionária. Ele vê a cul­ tura essencialmente como uma adaptação no sentido biológico; sua principal função consiste em assegurar a produção de progénie, e para compreender o que as pessoas se propõem a fazer e como as sociedades funcionam, é preciso observar suas ativida­ des à luz do hardware do seu aparato genético. Na visão de Wilson, fenômenos cul­ turais como religião, cooperação e moralidade precisam ser vistos como adaptações biológicas. No ambiente intelectual “liberal” (um eufemismo americano para radi­ cal) da época, quando o feminismo e o marxismo se agigantavam, esse determinismo biológico inevitavelmente provocaria alvoroço. Numa sessão pública em 1978, um membro da assistência derramou uma jarra de água gelada na cabeça de Wilson quando ele subia na tribuna para falar, enquanto outros cantavam: “Wilson, agora você está todo molhado!” Esse episódio serve para ilustrar a paixão em tomo do pro­ jeto da sociobiologia. Como o leitor não ignora, a idéia de determinismo biológico não era nova à an­ tropologia. Mas ela não tivera uma presença marcante na disciplina desde que Boas a havia contestado no começo do século vinte. O racismo científico estivera pratica­ mente morto desde os anos entre as duas grandes guerras. A partir do início dos anos 1960, porém, alguns antropólogos, e inúmeros biólogos interessados no comporta­ mento humano, haviam começado a pensar seriamente em desenvolver uma ciência darwinista da cultura. Alguns livros populares com títulos tentadores como The NakedApe, The Imperial Animal e The Territorial Impera tive apareceram no fim da dé­ cada de 1960, pleiteando para a biologia áreas que haviam sido monopolizadas por relativistas culturais e outros cientistas sociais durante a maior parte do século vinte. Esses livros eram academicamente modestos e causaram menos ansiedade do que ir­ ritação entre os profissionais. Com a publicação do livro de Wilson, e três anos mais tarde do seu On Human Nature, antropólogos sociais e culturais tinham um alvo dig­ no de ataques contínuos, e eles o atacaram. Mesmo biólogos evolucionários, inclusi­ ve Richard Lewontin e Stephen Jay Gould, saíram a público para desmerecer a visão simples de humanidade proposta por Wilson. Na antropologia, Marvin Harris - que poderia ter sido considerado como um aliado natural dos sociobiólogos - escreveu um artigo sobre o movimento em Cultural Materialism, onde concluiu que a varia­ ção cultural no mundo tinha de ser explicada por referência a fatores ecológicos, de­ mográficos e tecnológicos e que as propostas sociobiológicas ou eram triviais ou er­

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radas. Sahlins, que acabara de completar seu anti-reducionista Culture and Practical Reason, respondeu escrevendo um pequeno livro, The Use and Abuse o/Biology (1977), que foi publicado bem antes do término do debate nas revistas. No livro, ou panfleto, Sahlins levanta vários argumentos. Um deles é que a sociobiologia é uma espécie de darwinismo social, uma ideologia do individualismo e da competição dis­ farçada em “ciência real”. Um outro, de caráter mais técnico, se refere ao conceito de “seleção por parentesco”, apresentado por Wilson e seus seguidores. Segundo esse princípio, a lealdade e a disposição de uma pessoa de fazer sacrifícios pessoais de­ pendem do parentesco genético, de modo que uma pessoa estaria mais inclinada a fa­ zer sacrifícios por parentes genéticos próximos do que por terceiros. Obviamente, um antropólogo cultural teria algumas dúvidas sobre esse tipo de visão, e Sahlins passa quase metade do livro mostrando que as fonnas de considerar a parentela vari­ am muito em todo o mundo e que não existe relação necessária entre proximidade ge­ nética e solidariedade social em decorrência do parentesco. Numa réplica a Sahlins, Richard Dawkins (na segunda edição de The Sacia! Gene. 1983) defende que as re­ presentações culturais podem variar, mas que isso não significa que as práticas apre­ sentem uma variação correspondente. O debate não tenninou aí. Lévi-Strauss demoliu cortesmente a sociobiologia em seu Le Regard éloigné (1983; The View from Afar, 1985), mostrando que a idéia de “aptidão inclusiva” era uma categoria explicativa vazia, pois era tão flexível na práti­ ca que poderia ser usada para explicar absolutamente tudo. Em seu importante livro Evolution and Social Life, publicado uma década depois de Sociobiology, além dis­ so, Tim Ingold (1986) dedica grande atenção ao livro e à controvérsia decorrente. Em tom exasperado, ele observa que Wilson (em On Hurnan Nature), em sua tentativa de criar do nada uma ciência social em bases biológicas, inadvertidamente reinventa o método comparativo evolucionista do século dezenove (Ingold 1986: 71). No exato momento em que o debate em torno da sociobiologia estava esmore­ cendo, pelo menos na corrente predominante da antropologia, ele foi reavivado com a publicação de uma monografia sobre a vida social samoana. Em 1928 Margaret Mead havia publicado o seu Corning ofAge in Samoa, uma descrição íntima de ado­ lescentes em desenvolvimento que contribuiu substancialmente para o estabeleci­ mento do relativismo cultural, não somente na antropologia americana, mas também na corrente principal da vida intelectual americana. No interstício entre as duas gran­ des guerras, a obra havia sido instrumental para desacreditar o então poderoso movi­ mento da eugenia, que favorecia a “criação seletiva” dos seres hiunanos, aparente­ mente para aprimorar a cultura. O livro fora também inspiração importante para o fe­

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minismo americano e era frequentemente mencionado pelas novas feministas antro­ pológicas da década de 1970. Em 1983 o antropólogo australiano Derek Freeman publicou uma investida de dimensões livrescas contra a pesquisa de Mead: Margaret Mead anã Samoa: The Unmaking o f an Anthropological Myth (Freeman 1983). Freeman estivera fazendo pesquisas descontínuas em Samoa durante décadas, e no início ele havia tomado as idéias de Mead sobre a sociedade samoana como pressuposto inquestionável, con­ forme ele explica. Foi aos poucos que ele começou a estranhar a discrepância entre o que via ao seu redor e a descrição de Mead. Nada parecia combinar: funções de gêne­ ro, socialização e sexualidade não eram em absoluto como Mead as havia representa­ do. No livro, ele atribui essas discrepâncias em parte ao otimismo exagerado, em par­ te ao fato de Mead ter sido astuciosamente mal direcionada por seus informantes. A própria análise de Freeman dava a entender que Samoa era um lugar assustador para se crescer. O estupro era comum, o suicídio e os distúrbios mentais proliferavam e em flagrante contraste com o retrato romântico da sexualidade livre entre samoanos adolescentes, feito por Mead - havia um culto extremo da virgindade. A obra acadêmica de Mead havia sido criticada antes. Em geral havia concordân­ cia de que seu trabalho de campo em Sam oa—como jovem de 24 anos, menos de uma década depois da volta de Malinowski das Ilhas Trobriand - fora metodologicamente questionável e que a monografia provavelmente não representara um trabalho cienti­ fico importante. A virulência do ataque de Freeman e o fato de ele resolver publicá-lo depois da morte de Mead em 1978 (ele estivera trabalhando no livro durante déca­ das) contribuiram para as reações quase unânimes a favor de Mead entre os antropó­ logos americanos. No entanto, os anos 1970 haviam sido fecundos em reanálises, desde o desmantelamento da obra de Barth sobre os swat pathans (1972) realizado por Talai Asad, às acusações de funcionalismo no estudo de Rappaport (1979) feitas por Jonathan Friedman, até o seguimento e crítica respeitosa, mas instigante, de Annette Weiner a M alinowski (1976). Nada disso causou tanto alvoroço como a crí­ tica de Freeman a Mead. A impressão é que ele não estava apenas criticando Mead, mas ainda sendo desagradável à memória de um ícone do humanismo liberal e, pior de tudo, agindo assim como um antropólogo simpatizante da biologia. Freeman foi tratado rudemente por seus colegas antropólogos e rapidamente se tornou persona non grata; mas ele continuou sua cruzada nos anos 1990 adentro. E interessante observar que outros especialistas em Samoa de modo geral não to­ mam o partido de Freeman. Alguém poderia achar que eles fariam isso: entre os dois, não era ele o verdadeiro cientista, trabalhando persístentemente por décadas, coletando materiais volumosos, dedicando tempo ao aprendizado da língua - enquanto Mead

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nunca passara de uma visitante sem tempo para mais do que contatos rápidos com seus informantes? Talvez, mas os especialistas foram cautelosamente ambíguos ao avaliar os méritos relativos das pesquisas de Mead e de Freeman. Um não-especialista mos­ trou, levemente irônico, que o argumento de Mead de que a criação/educação era mais forte do que a natureza havia se comprovado nos anos interpostos, uma vez que a so­ ciedade americana havia passado de uma visão muito puritana da sexualidade para uma visão mais liberal. Alguns especialistas regionais enalteceram Freeman por lhes ter fornecido um quadro mais completo da sociedade samoana, enquanto Lowell Holmes, ele próprio um dos que repetiu o trabalho de Mead no inicio da década de 1959, concluiu afirmando, com referência ao seu próprio trabalho, que teria ficado muito sa­ tisfeito em chicoteai-Mead, mas era incapaz de fazer isso: a semelhança entre a Samoa real e a Samoa retratada por Mead era forte demais (Holmes 1987). Embora o conteúdo dessa controvérsia seja por sua própria natureza fascinante e envolvente para qualquer antropólogo, o que mais nos interessano contexto da histó­ ria da disciplina é o grau de paixão, para não dizer agressão, que ela despertou. M es­ mo durante os então recentes debates calorosos sobre descendência versus aliança no parentesco, a suposta universalidade da supremacia masculina, o verdadeiro signifi­ cado marxista de determinação infra-estrutural ou a autonomia da cultura, os antago­ nistas raramente ultrapassavam as fronteiras da ironia no ataque a seus oponentes. Com o debate da sociobiologia e questões conexas relacionadas com a natureza ver­ sus cultura, a cortesia habitual do debate antropológico foi esquecida, e o balde de água fria sempre ficou por perto. Antes de voltar a essas (e outras) questões, precisamos mergulhar nas águas tur­ bulentas e turvas do pós-modernismo. Considerado por alguns como fonte de salva­ ção, por outros como beco sem saída, e por outros ainda como um túnel com uma luz no fnn, as diferentes correntes intelectuais sumariadas como “pós-modernismo” ti­ nham poucos interesses em comum, mas eram respostas a uma situação histórica particular.

8 O fim do Modernismo?

Se toda época tem sua atmosfera própria, a dos anos 1980 é inconfundível. A dé­ cada parece precipitar-se sobre nós numa nuvem pesada de couro preto, decadência urbana, Aids e craque. O som do The Cure saindo de um walkman, descendo pela rua, passando pelo jovem pálido na esquina com seus spikes e cabelo moicano doura­ do. Ou as adolescentes em slacks justos desmaiando histéricas diante de Michael Jackson e dançando até o dia amanhecer —enquanto os primeiros, toscos, computa­ dores pessoais chegam ao mercado doméstico e a lua descorada brilha do alto de um céu que agora contém buracos de ozônio e gases de estufa - fenômenos estranhos, que um antropólogo arguto logo chamará de híbridos. Outro híbrido é enterrado num sarcófago inominável perto da pequena cidade de Chemobyl, na Ucrânia. Reagan e Thatcher; Nicarágua e Afeganistão. índira Gandhi assassinada; Saddam Hussein elei­ to. O lof Palme assassinado. M ikhail Gorbachev eleito. Na metade da década, m er­ gulhadores de águas profundas localizam o Titanic no fundo do Atlântico Norte, e planos são feitos para resgatar partes do enorme e luxuoso naufrágio. Mas então a União Soviética anuncia sua glasnost t perestróica, redução unilateral de armas e li­ berdade de expressão; e o mundo observa a grande superpotência comunista camba­ lear e desabar sob seu próprio peso. Em 1989 o Muro de Berlim é demolido e vendido aos pedaços para indivíduos e empresas em todo o mundo. A democracia e o capita­ lismo triunfam. Nelson M andela é libertado. Os anos 1980 trouxeram desdobr amentos políticos domésticos que deixaram des­ contentes muitos acadêmicos da área das ciências sociais e humanas. O setor público ficou debilitado e as universidades foram reestruturadas para se tomar mais eficientes. Os recursos futuros destinados a disciplinas “inúteis” como a antropologia se tornaram mais incertos do que nunca. A competição e o individualismo foram proclamados das tribunas e instituídos nas universidades. Depois da vida acadêmica expansiva, agressi­ va dos anos 1970, os anos 1980 pareciam contidos: claustrofóbicos ou ensimesmados.

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A desilusão era geral entre uma geração de antropólogos que até recentemente pensava que podia mudar o mundo. Pelo fim da década, alguns pareciam acreditar que “a antro­ pologia como a conhecemos” estava (ou devia estar) morta e enterrada, enquanto ou­ tros continuavam com suas pesquisas, enviando alunos a trabalho de campo e manten­ do as instituições em funcionamento - organizando conferências, editando revistas, re­ visando monografias, trabalhando em projetos aplicados, etc. Até 1980, a antropologia havia se tomado uma disciplina diversificada e dinâmi­ ca, com inúmeras tradições de pesquisa claramente delineadas. Apesar dos recentes sobressaltos causados pelos m arxistas e outros sublevadores, e a despeito da qua­ se constante autocrítica que antropólogos haviam praticado durante uma década ou mais, os principais teóricos ainda inspiravam interesse e respeito. Eles constituíam a geração que havia adquirido experiência e conhecimento em departamentos dirigi­ dos por pessoas como Kroeber, Redfield e Herskovits, Firth, Evans-Pritchard e Gluckman durante os primeiros anos do pós-guerra. A estrela ascendente da antropo­ logia americana era Geertz, que havia se mudado de Chicago para Princeton em 1970, dois anos depois que Tum er/ò/ para Chicago e ali assumiu sua cátedra de pro­ fessor. Até então Geertz estava consolidado como o antropólogo simbólico mais eminente, admirado por suas interpretações eloqüentes e sutis. Seu contemporâneo, I Sahlins, chegou em Chicago em 1973. Sahlins havia abandonado o neo-evolucionismo e aderido ao marxismo boasiano (se isso é possível!), mas em pouco tempo pas­ saria a desenvolver sua própria linha de estruturalismo. Todas as três fases de sua obra tiveram seus admiradores. Schneider, também em Chicago, logo proclamaria (1984) que o conceito de parentesco era tão bom quanto era sem sentido; e Wolf, que publicaria seu magnum opus sobre o impacto local do colonialismo em 1982, teve um séquito numeroso na City University de Nova York. Harris passaria de Colômbia para a Universidade da Flórida em 1982, depois de publicar seu manifesto teórico so­ bre materialismo cultural em 1979 - o mesmo ano em que Bateson, perseguindo seus interesses interdisciplinares na Califórnia, terminou sua primeira e única grande obra de síntese, Minei and Nature. Entre os antropólogos britânicos, vários partiram para os Estados Unidos - Mary Douglas, Frederick Bailey, Victor Turner e outros. Douglas continuou a realizar um trabalho importante nas fronteiras entre o estruturalismo e o estrutural-funcionalis­ mo - alguns consideram o pouco conhecido Cultural Bias (1978) seu melhor livro desde então. Na década seguinte, ela publicaria How Institutions Think (1987), uma defesa notável do estrutural-funcionalismo num tempo em que, aos olhos da maioria, ele estava seguramente relegado às brumas da história. Na Inglaterra, Needham e Ardener tiveram seus adeptos em Oxford; Needham com sua versão de estruturalis-

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mo mais holandesa do que francesa e um foco etnográfico no Sudeste Asiático; Ardener, o africanista, com sua preocupação “pós-estruturalista” pela linguagem e a cognição. Em Cambridge, presidiam Leach e Goody: Leach continuando a atrair a atenção por suas idéias teóricas, influenciadas em quase igual medida por Malinowski e Lévi-Strauss; Goody trabalhando persistentemente em suas grandiosas compara­ ções. Enquanto isso, Ernest Gellner (1925-1995), um filósofo tcheco natural de Paris que havia aderido ao funcionalismo malinowskiano durante sua permanência na LSE e que havia se convertido à antropologia e publicado seu primeiro e único estudo de campo sobre santos marroquinos (Gellner 1969), integraria o departamento de antro­ pologia de Cambridge no início dos anos 1980. Barth, um pesquisador de campo in­ cansável, havia terminado estudos na Nova Guiné e em Omã e estava planejando um novo período de trabalho em Bali. Na metade da década de 1970 ele havia se mudado de Bergen para o Museu Etnográfico em Oslo - e passado do seu antigo interesse por economia, ecologia e política para estudos do conhecimento. Em 1987 ele publicou Cosmologies in theMaking, um estudo regional de tradições do conhecimento nas Ter­ ras Altas da Nova Guiné, abordadas de uma perspectiva processual e generativa. Na França todos os caminhos ainda pareciam levar a Paris, onde Lévi-Strauss de­ sempenhava suas funções. Ele havia testemunhado a ascensão fenomenal do estruturalismo durante os anos 1950, e depois o implacável ataque contra essa escola lança­ do pela geração mais jovem, capitaneada por Foucault e Derrida. Lévi-Strauss conti­ nuou a escrever novos livros, apesar de ter poucos novos alunos por essa época. Bourdieu havia se mudado de Lille para Paris no começo dos anos 1960, e se tomou uma figura internacional com a tradução para o inglês, em 1977, de Outline o f a Theory o f Praclice.iDumont, cuja reputação como antropólogo estivera aumentando desde que Homo Hierarchicus foi publicado em inglês em 1970 (até então, fora da França, ele era considerado como um “mero” sul-asianísta), continuara a escrever obras instigantes sobre hierarquia e valores, individualismo e coletivismo, “o Oci­ dente” versus “o Oriente”, e atrairía um séquito bastante substancial durante a déca­ da de 1980. Até 1980 não era mais possível dizer que a pesquisa antropológica estava limita­ da a certas “regiões centrais” ou a estudos de culturas exóticas, não ocidentais. Na es­ teira da revolução metodológica dos anos 1970, o trabalho de campo em países oci­ dentais havia se tomado corriqueiro, e os anos 1980 veriam uma produção considerá­ vel de publicações nesse gênero, inclusive Kitchen-Table Society( 1984), de Mariannc Gullestad - um estudo da mulher da classe operária urbana da Noruega; e Falling Jrom Grace (1988), de Katherine Newman - um estudo da mobilidade descendente entre a classe média americana no governo Reagan. A antropologia urbana, iniciada

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pelas escolas de Chicago e Manckester, havia se consolidado como um empreendi­ mento absolutamente respeitável. A geração mais velha de antropólogos entrou na década de 1980 com emoções contraditórias. Para alguns o recuo com relação ao compromisso político parecia uma traição a tudo o que era sagrado para a antropologia. Outros viram uma oportu­ nidade de voltar ao trabalho, depois de uma década de debates políticos tempestuo­ sos. Para outros ainda foi a oportunidade longamente esperada de livrar-se da antiga idéia da antropologia como ciência natural e de instituir um novo humanismo. Um exemplo deste último foi Victor Tumer, que, em sua obra póstuma The Anthropology o f Performance, escreve a respeito da “desumanização sistemática dos sujeitos de estudo humanos” nos relatos antropológicos, “considerando-os como os portadores de uma “cultura” impessoal ou [como] cera a ser impressa com “padrões culturais”, ou conforme determinado por “forças,” “variáveis” ou “pressões” sociais, culturais ou psicológico-sociais de várias espécies” (Turner 1987: 72). Tumer havia percorri­ do um longo caminho desde seus anos de estudante com Gluckman. Nesse livro ele propõe uma antropologia experimental, alegre, uma antropologia voltada para o ser humano pleno, como um corpo que vive, respira e tem emoções. Turner recebeu bem o pós-modemismo (apesar de não gostar do rótulo) porque o pós-modernismo, pelo menos em algumas de suas formas, dava liberdade com relação a sistemas abstratos e modelos formais, fossem eles orientados para o ator ou estruturais, sociológicos ou culturais. Modelos formais obscureciam a exuberância, a criatividade e o humor da vida humana e colocavam a mente científica acima das pessoas reais. Há um paradoxo nisso, que explicaremos rapidamente. Por um lado, um li­ nha-dura teórico como Bourdieu parece estar dizendo quase a mesma coisa que Tur-j ner. Seu conceito fundamental, habiíus, tem o propósito expresso de mostrar a rique­ za da interação humana - concentrando-se no corpo - que é precisamente o que Tur­ ner recomenda. Por outro lado, todo o projeto de Bourdieu, com suas ambições totalizantes e seu argumento formal e intrincado, parece contradizer inteiramente as in­ tenções de Tumer. Também entre a geração mais jovem as idéias e interesses eram variados. Para convencer-se disso, basta examinar algumas monografias produzidas por eles. Tome Medusa 's Hair (1981), de Gananath Obeyesekere, uma análise de inspiração psicanalítica e médica da possessão por espírito no Sri Lanka; ou Sound and Sentiment (1982), de Steven Field, que pode ser descrita como um ensaio estruturalista anima­ do sobre música, som natural e emoção em Papua Nova Guiné; ou Transylvanian Villagers (1983), de Katherine Verdery, reconstituindo três séculos de mudanças po­ líticas, econômicas e étnicas numa comunidade camponesa romena; ou Space, Text

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and Gender ( 1986), de Henrietta Moore, um estudo - inspirado por Ricoeur e Marx do gênero, simbolismo e poder entre os marakwets quenianos. From Blessing to Vio­ lence (1986), de Marc Bloch, a última e mats importante tese estrutural marxista, aborda a história e o poder conforme são expressos através de um ritual de iniciação em Madagascar; enquanto Legends o f People, Myths o f State (1988), de Bruce Kapferer, mergulha nos fundamentos cognitivos dos nacionalismos do Sri Lanka e da Austrália, baseando-se consideravelmente nas idéias de hierarquia de Dumont e na teoria do desempenho ritual de Turner. Poderíamos continuar nesse veio indefmidamente, mas já vimos o suficiente para ter uma idéia da grande variedade de questões e lugares que foram analisados nessas etnografias. Mas devemos prestar atenção também ao ecletismo teórico que as impreg­ na. A influência do marxismo e do feminismo aparece freqüentemente; e observa-se uma tendência a enfocar o corpo, o poder e o ritual - mas os autores parecem mais dis­ postos do que antes a acrescentar uma pitada de Lévi-Strauss sem deglutir toda sua perspectiva, ou a aplicar uma análise de rede baseada na ação em estudos de integração social essencialmente durkheimianos. O estudo de Steven Feld, transitando à vontade pela paisagem teórica, talvez seja o melhor exemplo disso no grupo. O pós-modcmismo proclamou a “morte da grande narrativa”, “desconstruiu” os grandes projetos de síntese, deixando os fragmentos espalhados pelo chão. Assim, os individualistas vi­ vem dias felizes, tanto na antropologia como em outras áreas, e todo antropólogo que se respeite parece criar uma caixa de ferramentas analítica particular, indisponível para ser reciclada por quem quer que seja, a não ser em fragmentos. Um relance sobre algumas obras mais explicitamente teóricas da década parece confirmar essa impressão. Tome The Symbolic Construction o f Comrnunity (1985), de Anthony P. Cohen, um livro pequeno sobre identidade local baseado em dados de Shetland e no modelo de etnicidade de Barth - em contraste com The Gender o f lhe Gift (198 8), de Marilyn Straíhem, uma obra enorme e intrincada sobre troca e gênero entre os hagens da Nova Guiné, envolvendo-se com uma grande variedade de teóri­ cos, inclusive Mauss e Lévi-Strauss; ou tome Symbols that Standfor Themselves (1986), de Roy Wagner, um excurso neo-lévi-straussiano sobre criatividade simbóli­ ca na filosofia européia e na etnografia papuana - em contraste com The Social Life ofThings (1986), obra editada de Arjun Appadurai, uma discussão das transforma­ ções do consumo e do valor em sistemas econômicos globais, com base nas teorias do valor dc Marx e de Simmel. Todos esses projetos variados e incompatíveis aconteceram sobre o pano de fun­ do de um movimento acadêmico mais geral. Idéias freqüentemente denominadas “pós-estruturalistas” estavam se difundindo. Michel Foucault estava se tomando um

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nome familiar entre os antropólogos. Controvérsias intensas giravam em tomo de questões de representação, reflexividade e a própria possibilidade de uma ciência an­ tropológica. Se os anos 1970 foram uma década de compromisso, os anos 1980 fo­ ram uma época de dúvida. E - em parte como resultado do próprio individualismo e ecletismo que observamos acima - essa dúvida também afetou a integridade das vá­ rias tradições nacionais na disciplina. Suas fronteiras de um século de idade começa­ vam a tomar-se indefinidas.

O fim do Modernismo? Até a metade dos anos 1980 muitos antropólogos mais jovens, especialmente americanos, falavam sobre uma crise na antropologia, uma crise relacionada ao modo como os antropólogos descreviam - ou “representavam” - os povos que eles estudavam (ver, por exemplo, Fabian 1983; Clifford e Marcus 1986). Em graus di­ versos, eles acusavam a disciplina de “exotificar” o “outro”, de manter uma “distinção sujeito-objeto” entre o observador e o observado, que, diziam, continuava o pro­ jeto de “alterizaçâo” do colonialismo conservando uma “distinção” assimétrica, in­ defensável, entre “Nós” c “Eles”. Jargões à parte, a crise teve muito a oferecer no cenário dos anos 1980. Muitos antropólogos e pesquisadores de outras áreas haviam sustentado que o Ocidente, e especialmente a tradição ocidental científica e intelectual, tende fortemente para o controle, representado em sua forma mais visível pelas “circunstâncias controladas” dos laboratórios de física (Latour 1991). Como ciência, é claro que a antropologia também tem essa “disposição” (como Bourdieu poderia chamá-la) para controlar seus objetos de estudo. O simples planejamento de um projeto de pesquisa supõe isso. E é evidente que se deve ter muito cuidado em todas as etapas do projeto de pes­ quisa para manter ao mínimo a dose de - bem - “alterizaçâo”. Mas o movimento pós-modemista foi menos direto do que isso. De fato, po­ der-se-ia muito bem perguntar se se deve considerá-lo um movimento propriamente dito, uma vez que seus principais proponentes muitas vezes defendiam idéias opos­ tas. Havia de fato muitos diferentes matizes de “pós-modernismo” (situação perfeita­ mente coerente com o espírito do “pós-modernismo” em si). Vejamos o panorama histórico de alguns desses matizes. Na década anterior ó marxismo e o feminismo haviam preparado consistente­ mente o caminho para a crítica pós-modema da antropologia. Eles haviam mostrado que o conhecimento e o poder estavam interligados e que as visões de mundo nunca eram ideologicamente neutras. Entretanto, os próprios marxistas e feministas supos­

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tamente se situavam em algum tipo de metanível de onde podiam, com segurança e criticamente, observar e analisar o mundo. Remova esse metanível, o que resta é pós-m odernism o, E algo como se alguém tirasse a autoridade da observação e da descrição cientificas dos boasianos e malinowskianos. Tudo o que restaria seria um número indefinido de versões do mundo. O termo “pós-modemo” foi definido primeiramente na filosofia pelo filósofo francês Jean-François Lyotard em sua La Condition postmoderne (1979; The Post-

modern Condition, 1984). Para Lyotard a condição pós-modema era uma situação em que não havia mais nenhuma "grande narrativa*1abrangente que pudesse ser invocada para dar sentido ao inundo como um todo. Diferentes vozes competiriam por atenção, mas nunca se integrariam. Q livro, um best-seller inesperado, propunha-se originalmente a ser uma crítica do efeito da padronização e “achatamento” dos siste­ mas de recuperação de informação computadorizada sobre o discurso intelectual. Ele descrevia uma situação histórica específica no Ocidente (a que outros se referiram de formas variadas como “sociedade de informação”, “sociedade de consumo” ou mes­ mo “sociedade pós-industrial”), em que o domínio era exercido por novas tecnologi­ as, por novas relações de poder e por ideologias. Mas o pós-modemismo era ele pró­ prio uma ideologia, uma perspectiva analítica e uma estética que descrevia o mundo (seja o mundo do periodo pós-modemo em si ou qualquer outro mundo) como descontinuo e fragmentado - um mundo de muitas vozes locais e individuais, mais do que um mundo de escolas e ideologias hegemônicas. A arquitetura, o cinema, a lite­ ratura e a arte abraçaram essa atitude com entusiasmo, o que resultou num grande nú­ mero de produções ecléticas, ao modo de colagens, muitas vezes explorando ironica­ mente evocações saudosistas de estilos e modas do passado. Na antropologia a mes­ ma atitude foi rapidamente associada ao relativismo cultural intransigente, indo mui­ to além do relativismo de Boas, digamos. Todos os mundos e visões de mundo eram iguais - desde que não tentassem dominar uns aos outros. Cada mundo era constituí­ do por um “jogo de linguagem” independente (um termo que Lyotard emprestou do filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein), e nós somos condenados a viver em dife­ rentes mundos, sem nenhuma língua comum que possa nos unir. Visões de democra­ cia ou de direitos humanos universais eram, como certos marxistas também haviam afirmado, parte inerente de uma ideologia específica da cultura ocidental e não podi­ am ser de valor neutro. Esse cenário nos lembra a crítica de.Herder a Voltaire (capítulo l); nesse contexto o papel de Voltaire é representado principalmente pelo sociólo­ go alemão Jürgen Habermas i 1929-), que desenvolveu uma teoria de ação comunica­ tiva herrschafftfrei (democrática, “livre de autoridade”) nos anos 1970.

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O impacto direto de Lyotard sobre a antropologia foi limitado. De maior impor­ tância para a nova geração de antropólogos foi Michel Foucault ( 1926-1984) que, no entanto, nunca se considerou um pós-modemista. Filósofo e teórico social crítico, as principais obras de Foucault tratam em parte das condições do conhecimento (Fouca­ ult 1966), em parte da história da mentalidade (Foucault 1972), e em parte, como vi­ mos, do poder e do corpo no mundo moderno (Foucault 1975). Através de estudos his­ tóricos do tratamento do desvio (insanidade, criminalidade e sexualidade) na Europa, Foucault mostrou como as estruturas consideradas como pressuposto natural para compreender e agir sobre o mundo mudaram historicamente. Ele adotou o termo dis­ curso para delinear essas estruturas. O termo “discurso” havia sido usado por lingüistas duiante anos, mas no emprego de Foucault ele significava especificamente uma troca pública de idéias, em que certas questões, agendas e definições - os assim cha­ mados “objetos discursivos” - se desenvolveram como resultado de lutas de poder entre os participantes do discurso e se impuseram sobre o corpo humano sensual. Em sua prosa implacável e intensamente bela, frequentemente baseada era analogias milita­ res em suas descrições do poder discursivo e da disciplina corporal, Foucault falou do discurso como o responsável pela implantação de um regime de conhecimento. À primeira vista essa teoria pareceria não representar um desafio para a antropo­ logia da corrente hegemônica, relativista, mas antes confirmar sua importância, em contraposição à ciência social quantitativa. Entretanto, antropólogos leitores de Fou­ cault, especialmente Paul Rabinow (1989), destacaram que a. antropologia era ela própria um regime de conhecimento. O ataque de Foucault ao poder, portanto, não somente atingiu as culturas que os antropólogos estudavam, mas a própria antropolo­ gia. Conseqüentemente, os cursos de história da antropologia não podiam mais descrevê-la como um acúmulo de conhecimento e de experiência de valor neutro, mas deviam vê-la como uma genealogia de objetos discursivos (“cultura” ou “atores”) que foram constituídos, debatidos e questionados através do fluxo discursivo impes­ soal e imbuídos de autoridade pelo poder contido no discurso. A obra antropológica inspirada por Foucault nos anos 1980 pode ser classificada em duas categorias distintas: de um lado, estudos etnográficos de poder discursivo, como a obra dc Lila Abu-Lughod sobre gênero e politica no Oriente Médio (AbuLughod 1986); e de outro, críticas de investigação antropológica em si (como Clifford 1988), Num caso e no outro, a perspectiva foucaultiana era compatível com vi­ sões que haviam sido anterionnente promovidas por marxistas e feministas. O co-'t nhecimento era sempre situado, e mais frcqüentemente do que não, servia para justi­ ficar estruturas de poder existentes. Além disso, como indicamos acima, e discutire­ mos abaixo, a perspectiva guardava uma afinidade limitada e no entanto surpreen­

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dente com inúmeras agendas antropológicas existentes, mas também com certas li­ nhas da antropologia interacionista inglesa. Assim, tanto Geertz como Barth podiam afirmar que suas abordagens analíticas eram de fato precursoras do pós-modemismo. Antropólogos interpretativos americanos e estudantes europeus de etnicidade esta­ vam assim (junto com feministas e alguns marxistas do passado) entre os primeiros a demonstrar interesse pelo pensamento pós-modemo.

Quando Foucault estudou na École Normale Supérieure em Paris durante a déca­ da de 1950, ele participou de um grupo influenciado pelo filósofo marxista estrutural Louis Althusser e pelo semiólogo e crítico literário Roland Barthes. Na década de 1960 . esse grupo de “pós-estmturalistas” atacou veementemente Lévi-Strauss, em parte por ele não ter uma concepção de poder, em parte pela esterilidade elegante dos seus moI delos formais. Derrida, aluno de Foucault e depois principal figura desse movimento, logo estendeu sua crítica à filosofia ocidental como um todo. Ele desenvolveu um mé­ todo de análise de texto que expunha os pressupostos hierárquicos inerentes aos textos, ao qual chamou de desconsíruçâo) Dcsconstruir um texto é localizar nele seu centro de poder, e em seguida procurar expressões não percebidas, marginais, que escapam ao j poder, e que permitem ao leitor interpretar o texto de novas maneiras. A natureza para­ doxal desse projeto - dado que a desconstrução em si tinha de ser feita em textos escri­ tos - era evidente para Derrida, e por isso suas desconstmções sempre procuraram desconstruir a si mesmas. Isso resultou num estilo de escrita intrincado, extremamente au­ to-reflexivo, cheio de alusões, contradições e ironia, que na própria obra de Derrida também é meticulosamente exato - mas que em muitos de seus admiradores parece, no j máximo, obscuro, e no mínimo impregna o texto com um “centralismo” que se opõe diretamente ao objetivo de Derrida. O próprio Derrida, que cresceu na periferia, como judeu na Argélia francesa, tinha um interesse intrínseco pelas “margens”, e mais tari de dedicar-se-ia a causas como a extinção do apartheid. Transferido para a antropologia, o método de Derrida acarreta efetivamente o ffim da autoridade etnográfica. Não existe uma “visão onisciente” (I-view), privile­ giada e fixa da qual se possa fazer afirmações neutras de qualquer espécie. Todo con­ ceito é escorregadio e toda descrição pode ser contestada e retorcida. Novamente, es­ ses problemas não eram de todo estranhos à antropologia. Desde o “Debate da Racio' nalidade” (capítulo 6) e a revolução no trabalho de campo (capítulo 7), problemas se­ melhantes haviam ocupado as primeiras posições no debate antropológico, e antes disso haviam sido levantados periodicamente. A novidade com relação à proposta de Derrida era a sugestão de que qualquer texto podia ser dcsconstruído. Em outras pa­ lavras, a crítica de Winch à representação da feitiçaria zande feita por Evans-Pritchard não era mais estável e válida do que o texto que ela criticava. Na filosofia de

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Derrida não existe ponto de referência fixo, “ponto arquimedeano”, para usar um ter­ mo favorito do pós-modemismo. O potencial para autocrítica, já significativo na an­ tropologia, foi assim elevado a alturas inauditas. Embora alguns antropólogos tentassem (e em geral fracassassem) seguir Derrida até as últimas conseqüências, reações mais moderadas também ocorreram. Assim, em The decline o f modernism in social anthropology, Edwin Àrdener (1985, in Ardener 1989) desenvolveu a idéia de que a antropologia social estava inextricavelmente ligada ao modernismo, elasticamente definido como um movimento artístico e intelectual que faz uma distinção precisa entre modernidade, por um lado, e todas as outras formas de existência humana, por outro. O modernismo antropológico, como sintetizado, por exemplo, na obra de Evans-Pritchard, assentava-se sobre várias pre­ missas, entre as quais: uma distinção sujeito-objeto clara (pesquisador de campo ati­ vo versus informante passivo), um a concepção “primitivista” (sociedades tradicio­ nais são todos estáveis, integrados) e uma idéia de atemporalidade (a sociedade em estudo é apresentada como “os nueres”, não “os nueres em 1936”). Ardener sustenta­ va que essas premissas agora não eram mais defensáveis, e em conseqüència a antro­ pologia social modernista (funcionalismo, estrutural-funcionalismo, estmturalismo) perdeu seu momentum e legitimidade em tomo de 1980. Na visão de Ardener o traba­ lho de campo antropológico seria conseqüentemente desacreditado e seriam produ­ zidos textos que não passariam de comentários sobre outros textos.

O mundo pós-colonial Mas outros temas correlatos também estavam tomando corpo e contribuíram para o movimento pós-m odernista na antropologia. Um desses foi o movimento pós-colonial nas artes e humanidades, que questionou o direito dos intelectuais da metrópole de definir quem eram e como eram “os nativos” e, de modo mais geral, questionou a autoridade estética e intelectual dos julgamentos metropolitanos. O próprio Derrida estivera próximo desses interesses, mas dois outros escritores tam­ bém influenciariam a antropologia profiindamente: Frantz Fanon (1925-1961) e, num diapasão menos teórico, Vine Deloria (1933-). Fanon, médico natural da Martinica e escritor, publicou dois livros com impacto duradouro sobre o pensamento, abordando a questão do poder e da identidade em relações grupais desiguais. Em Peaunoire, masques blancs (1956; Black Skin, White Masks, 1986), Fanon empreen­ de uma análise hegeliana do relacionamento entre o homem branco e o homem negro nas colônias. O livro é um retrato psicológico vigoroso do sentimento de inferiorida­ de e humilhação imposto sobre o negro, que fora convencido por seus senhores bran­ cos que sua única esperança era ficar branco - mas cuja pele jamais se tornaria bran­

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ca. A única saída dessa situação era esconder-se atrás da máscara do "‘nativo”, apa­ rentemente obedecendo aos desejos do senhor, mas ao mesmo tempo vivendo, atrás da máscara, uma vida totalmente diferente. Esse livro antecipou em quase três déca­ das essas preocupações em antropologia. Ele foi sutil e terrível, e mais tarde levou Fanon a defender, em Les damnés de la terre (1960; The Wretched o f the Earth, 1967), a necessidade de uma revolução negra. Vine Deloria, um nativo sioux dacota, é professor de Estudos Nativos America­ nos, teólogo, advogado e ativista. Seu livro Custer Diedfor Your Sins (1970), muito debatido, foi um ataque apaixonado a todos os tipos de autoridades liberais (e não tão liberais) que falavam sobre os norte-americanos nativos e em nome deles, impedin­ do-os assim de efetivamente falarem por si mesmos. Deloria estava especialmente furioso com os antropólogos boasianos, cujo relativismo condenava qs nativos ame­ ricanos ao eterno exotismo e os impedia de chegar à igualdade com os brancos. Apesar desses e de outros livros importantes escritos por não-antropólogos (o au­ tor queniano Ngügi wa Thiongto é outro exemplo), o movimento pós-colonial da dé­ cada de 1980 foi de fato lançado por um professor de literatura, americano de origem palestina, Edward Said. Seu Orientalism (1978) se tomou um estudo referencial, tan­ to pela originalidade intelectual que o caracteriza como por sua enorme influência. Nele Said afirma que representações de “orientais” na academia ocidental eram per­ meadas por um fascínio e aversão ambivalentes pelo Oriente “irracional”, “sensual” e “místico” - uma ambivalência devida ao colonialismo do século dezenove, mas cu­ jas raízes podiam situar-se num passado ainda mais distante (ver capítulo 1). Said sustentava que para os europeus “o Oriente” era um espaço flexível, consistindo em muitas e bem diferentes sociedades locais, distribuídas entre dois continentes desde o Marrocos até o Japão. Citando um comentário infame de Marx sobre os “asiáticos”, dizendo que “eles não podem representar a si mesmos, e por isso precisam ser repre­ sentados”, Said sustentava que estudos ocidentais sobre asiáticos, incluindo mono­ grafias antropológicas, haviam criado uma imagem “essencializada” - ou “reifícada” - do seu modo de vida. baseada numa dicotomia simplista e enganosa entre “nós” e “eles”, em que o Ocidente representava ciência e racionalismo e o Oriente sua negação. A crítica de Said, que em grande parte era dirigida a trabalhos relacionados com sua área natal (Ásia Ocidental e norte da África), foi contestada por muitos especia­ listas regionais que julgaram que ele desacreditava injustamente trabalhos acadêmi­ cos sérios e encobria a diversidade cm estudos asiáticos ocidentais. No entanto, o ar­ gumento instigou a comunidade antropológica cada vez mais autocrítica, e seus inte­ resses sobrepuseram-se em parte com os da antropologia pós-modemista.

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Said questionava as representações simples, inequívocas, de “culturas inteiras” que eram comuns na pesquisa antropológica (embora parecesse aprovar Geertz) e ressaltava a noção de que o conhecimento estava sempre “posicionado” (dependente da posição social tanto do conhecido como do conhecedor). Como no pós-modernismo, parecia não haver posição privilegiada a partir da qual pudessem ser feitas avali­ ações neutras de outros povos. “Estudos pós-coloniais”, que surgiram como disciplina acadêmica autônoma du­ rante os últimos anos da década de 1980, abordavam as questões levantadas por Said, Fanon e outros, entre estes dois teóricos influentes de origem indiana, o crítico literá­ rio Gayatri Chakravorty Spivak e o teórico cultural Honti K. Bhabha. Em sua aborda­ gem, ambos eram (e são) mais explicitamente pós-modemistas do que Said, mas têm em comum com ele a mesma preocupação pelas vozes reprimidas - analfabetos, mu­ lheres, castas inferiores, negros - e por dar a elas um lugar ao sol, desconstruindo a hegemonia do conhecimento ocidental e masculino. A perspectiva pós-colonial teve uma recepção ambivalente na antropologia. Por um lado, com certa justificativa, os antropólogos podiam achar que sua disciplina po­ deria servir de antídoto para o orientalismo, pois este era a única abordagem impor­ tante na academia com seu principal foco fora da Europa. Desde Malinowski e Boas, não tivera a antropologia como um dos seus principais objetivos oferecer interpreta­ ções simpáticas de visões de mundo não-européias, e não haviam muitos antropólo­ gos importantes - de Morgan e Boas em diante - defendido povos pequenos e impo­ tentes contra as forças da destruição? A re,sposta era obviamente sim, e todavia mui­ tos - dentro e fora da profissão - concordariam que a antropologia teve muitas vezes uma tendência desconfortavelmente apadrinhadora para representar ouú-os “que eram incapazes de representar a si mesmos”, e que o holismo de muitas análises clás­ sicas servia para criar uma imagem do “outro” como uniformemente passivo e imu­ tável - como um objeto essencializado de pesquisa científica. Assim, èmbora não mencione Said, o artigo de Ardener sobre o declínio do modernismo na antropologia tem paralelos importantes com Orientalism. O debate continuaria em anos futuros. Em 1983 o antropólogo holandês Johannes Fabian publicou o seu Time and the Other, onde ele diz que a antropologia tende a “congelar” no tempo os povos que ela descreve. Em 1990 Ronald Inden, em seu in­ fluente livro Jmagining índia, demonstrou a relevância da crítica orientalísta para os estudos sul-asiáticos. Finalmente, em Occidentalism (Carrier 1995), vários antropó­ logos e sociólogos mostram que tanto os ocidentais têm imagens estereotipadas do “Oriente” quanto os orientais alimentam imagens estereotipadas do Ocidente.

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Em muitas regiões do Terceiro Mundo, em parte como conseqüência da critica do orientalismo, antropólogos passaram a ser vistos com desconfiança cada vez maior pelas autoridades nacionais e pelos intelectuais locais. Eles são tidos como ca­ çadores de coisas “exóticas” e aventureiros intelectuais - mais parte do problema do que da solução para pessoas que lutam para sobreviver de um dia para o outro e para poder representar a si nesm as em sua plena dignidade, como membros respeitados da comunidade global. Os antropólogos reagiram a essas críticas de formas diversas. Um efeito dura­ douro sobre a disciplina como um todo foi provavelmente que o relativismo cultural tradicional, conforme evidenciado pelos boasianos, passou a ser uma posição difícil de sustentar. Aos antropólogos não é mais possível afirmar publicamente que se opõem, por exemplo, à Declaração Universal dos Direitos Humanos por razões relativistas (como a AAA havia feito em 1947). Além disso, em conseqüência da autocrí­ tica contínua e dos confrontos freqüentemente tensos com representantes intelectu­ ais de povos estudados que ocorreram nos anos 1980, os antropólogos voltaram sua atenção cada vez mais para processos de larga escala da história global. As aborda­ gens sistêmica e histórica favorecidas por antropólogos como W olf e Mintz pareci­ am mais e mais relevantes para muitos antropólogos jovens, enquanto os estudos sinçrônicos, de uma sociedade única pareciam cada vez mais ultrapassados e politica­ mente incorretos (capítulo 9). Finalmente, o debate do orientalismo estimulou tenta­ tivas de conceitualização da especificidade da escrita antropológica sobre regiões es­ pecificas. Assim, em 1990, o antropólogo inglês Richard Fardon editou um volume com muitos colaboradores eminentes que descrevia o crescimento e transformação de “tradições regionais em escrita etnográfica” . Na introdução Fardon (1990) mostra que essas tradições, que associam tipicamente uma região etnográfica com interesses analíticos específicos (intercâmbio na Melanésia, estudos da linhagem na África, etc.) são expressões de prioridades acadêmicas que freqüentemente têm menos a ver com condições empíricas nas regiões que estão sendo descritas do que com hierar­ quias estabelecidas dentro da antropologia em si. Entretanto, ele também ressalta que essas tradições se desenvolveram tipicamente a partir da exposição de longo tempo às próprias regiões através do trabalho de campo, e que portanto elas não são arbitrá­ rias, mas contêm dados importantes relacionados com as condições reais nas regiões. Embora seus principais objetivos fossem inegavelmente políticos mais do que epistemológícos, a crítica pós-colonial da antropologia “de fora” em grande parte co­ incidiu com a “virada reflexiva” que ocorreu dentro da disciplina nos anos 1980, es­ pecialmente nos Estados Unidos. Vários livros publicados na segunda metade da dé­ cada podem ser considerados como representativos desse movimento, e nós agora passamos a analisar brevemente a mensagem e o impacto dessas obras.

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Um novo ponto de partida ou um retorno a Boas? O que em retrospectiva poderíamos chamar de movimento pós-modemista na antropologia americana estava associado à obra de um grupo bastante reduzido de especialistas. O núcleo era formado pelo não-antropólogo James Clifford, um histo­ riador da antropologia com propensão para estudos literários, e pelos antropólogos Stephen Tyler (convertido da etnociêncía ao pós-modemismo), George Marcus, Michael Fischer, Renato Rosaldo e Paul Rabiiiow. Outros ligados ao movimento inclu­ íam Fabían, Richard Handler (aluno de Schneider voltado ao estudo de discursos na­ cionalistas) J ríla Abu-Lughod (especialista em mundo árabe) e Akhil Gupta e James Ferguson, co-autores e editores de uma importante obra sobre a construção discursi­ va do espaço e da narrativa nos anos 1990. Apesar das diferenças (com relação, por exemplo, às possibilidades e limitações da etnografia), esses e outros estudiosos den­ tro e fora dos Estados Unidos tiniram inúmeros interesses em comum. Eles se senti­ am constrangidos com a “alterizaçãp” reificada típica da antropologia modernista clássica e procuravam retomar essa questão de várias formas, muitas vezes advogan­ do “etnografias experimentais”, onde os informantes participavam como parceiros iguais na produção de conhecimento (Clifford e Marcus 1986; Marcus e Fischer 1986). Além "disse-,-eles criticavam a idéia boasiana (e, mais recentemente, geertziana) de culturas como todos integrados com raízes históricas profundas. Inspirados por Foucault e marxistas culturais como Antonio Gramsci (1891-1937), eles também se interessavam pelos modos de representação e de poder sugeridos por estilos de es­ crita particulares. O ano de 1986, sob muitos aspectos um annus mirabüis para esse movimento, testemunhou a publicação de dois livros importantes e o lançamento de uma nova re­ vista editada por Marcus, intitulada - de modo surpreendentemente tímido - sim­ plesmente Cultural Anthropology. O primeiro livro foi Anthropology as Cultural Critique com o subtítulo An Experimental Moment in the Human Sciences, de Mar­ cus e Fischer. Afirmando que a disciplina sofria de “uma crise de representação”, eles apresentaram vários dos problemas descritos acima e destacaram a importância da reflexividade (situando o conhecimento do antropólogo) e de interesses sistêmi­ cos mais amplos (introduzindo uma compreensão da história do mundo e da econo­ mia em análises etnográficas). Eles sustentavam que um objetivo importante da dis­ ciplina devia ser o de envolver-se em crítica cultural “em casa” e que uma maneira apropriada de alcançar esse objetivo era recorrer à çlesfamiliarização - criando uma sensação de '‘estranhamento” ao mostrar a semelhança da cultura própria dos leitores ..com culturas remotas e “exóticas” . Na visão deles os anos 1980 foram um período com possibilidades excepcionais para cumprir a promessa da antropologia como ins-

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tnimento de crítica cultural. A disciplina estava em desordem; o amplo consenso pós-guerra fora rompido em ambos os lados do Atlântico; o movimento pós-colonial havia gerado incerteza; grandes teorias haviam perdido seu apelo. Nessa situação, “etnografias experimentais” podiam contribuir substancialmente para uma auto-reflexão crítica sobre a sociedade ocidental.

Anthropology as Cultural Critique, que enfatizava a continuidade dos interes­ ses de antropólogos como Mead, Sahlins e Douglas, foi menos radical do que o vo­ lume editado Writing Culture (Clifford e Marcus 1986). Embora este livro tivesse em tomo de doze capítulos escritos por diferentes estudiosos que representavam várias posições no debate pós-modemista, ele foi recebido como um ataque direto ao conceito dominante dc cultura. Unanímcmente, os colaboradores se distancia­ vam da idéia de cultura como um “todo integrado”, questionaram os mecanismos retóricos da antropologia “científica” e destacaram os méritos tanto dos métodos “dialógicos” (cora o critico literário russo Mikhail Bakhtin sendo a principal inspi­ ração aqui) quanto da contextualizaçào histórica na arte da representação antropo­ lógica, a cada dia mais problemática. Writing Culture, de enorme influência, foi seguido dois anos mais tarde pelo The Predicament o f Culture, de Clifford, que pode ser resumidamente descrito como um longo argumento, construído em bases históricas, contra o essencialismo. No mesmo ano Geertz publicou um livro pequeno, elegante, intitulado Works and Lives: The. Antkropologist as Author. O livro foi uma coleção de ensaios sobre antropólogos fa­ mosos, enfatizando os aspectos retóricos e literários de seus escritos; ele teve como base uma série dc palestras anteriores a Writing Culture. As previsões de Ardener pa­ reciam agora confirmar-se no outro lado do Atlântico: a busca antropológica havia chegado ao fim, pois não lidava mais com pessoas vivas, mas com lexros. íNatuiaimente, essa visão apresentava limitações sérias. Em nenhum outro período como nos anos 1980 fora realizado tanto trabalho de campo, em tantos lugares diferentes. No entanto, é fato que algumas das obras mais debatidas dessa década eram textos reflexivos, que desconstruíam a autoridade etnográfica, questionavam a legitimidade éti­ ca de transformar “nativos” em dados e em última análise desafiavam a validade da representação etnográfica em si. Os vínculos entre a antropologia pós-modemista americana e os estudos literá­ rios eram fortes. Ambos se voltavam para a filosofia francesa recente em busca de inspiração, e os jovens antropólogos, impregnados de hermenêutica geertziana, estavam predispostos a ver as culturas como textos. A ruptura desses antropólogos com Geertz consistiu em grande parte em problematizar a relação sujeito-objeto entre an­ tropólogo e informante, e não em veras culturas (“textos culturais”) como todos inte-

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grados. Entretanto, esses problemas não eram estranhos ao próprio Geertz. Certa vez ele comparou uma cultura integrada a um polvo, um animal pouco coordenado com um cérebro fraco que nem sempre sabe o que cada um dos seus braços está fazendo; e em Works and Lives ele de fato desconstrói os textos antropológicos clássicos, des­ crevendo-os como obras imaginativas, historicamente situadas. Com efeito, po­ der-se-ia dizer que, vista a distância, a antropologia americana pós-modema repre­ senta uma forma extrema de boasianismo, mais do que alguma coisa inteiramente nova. Geertz é a figura principal aqui. Embora os antropólogos mais jovens que se re­ uniram em tomo de Cultural Anthropology tivessem uma relação ambivalente com a hermenêutica de Geertz, ele era o parceiro de discussões preferido deles. A continui­ dade entre a visão antropológica de Geertz e o projeto de desconstrução radical de­ fendido em Writing Culture foi considerável. O próprio Geertz achava que a geração mais jovem havia ido longe demais, e cunhou o termo “hipocondria epistemológica” para descrever a autocrítica excessiva que impedia as pessoas de realizar um bom tra­ balho etnográfico. Muitos antropólogos concordariam com Geertz e inclusive iriam mais longe do que ele em seu criticismo. Alguns críticos mais explícitos eram Steven Sangren (1988), que via a “virada reflexiva” como um recuo com relação à missão própria da antropologia, e Jonathan Spencer (1989), para quem a antropologia poderia ser vista mais apropriadamente como um estilo de trabalho do que como uma forma de escri­ ta. Marvin Harris, em um dos seus muitos papéis de posição, discutiu exaustivamen­ te (alguns diriam parodiou) as preferências de George Marcus, que parecia ser favo­ rável a um aumento do “número de estudos de campo experimentais, personalísticos e idiossincráticos realizados por pretensos romancistas despreparados e narcisistas enfatuados atribulados com logodiarréia congênita” (Harris 1994: 64). Em est Gellner, num pequeno livro dedicado à defesa da ciência racional diante da dupla ameaça do fundamentalismo de “mundo fechado” e do relativismo pós-modemo sem limites, censurou severamente os pós-modemistas americanos, destacan­ do Clifford e Rabinow como alvos principais, por preguiça mental e conceitos mal definidos, e em última análise por estarem mais interessados em suas próprias inter­ pretações do que em compreender o mundo (Gellner 1992). Embora Gellner consi­ derasse Geertz um precursor importante do movimento pós-modemista, ele obser­ vou que Geertz, pelo menos, ainda estava tentando “dizer alguma coisa sobre alguma coisa”, como o próprio Geertz se expressara certa vez. Em contraste com a crítica às teorias da Grande Divisão (ou “Grande Fosso”) [Great Divide/ “Big Ditch”] (que contrapõem “nós” a “eles”, “moderno” a “primitivo”, e assim por diante), Gellner confirmou sua posição como um modernista na linha de Ardener. Em outro lugar,

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Gellner (1993) também se mostrou reticente com relação ao pós-colonialismo, por este subverter proposições de verdade cientifica, confundir ideologia e análise e não compreender que o “problema do poder e da cultura... é importante demais para ser dei­ xado à critica literária” (Gellner 1993: 4). Finalmente, Gellner sugeriu que havia um elemento de carreirismo no movimento pós-modemo, observando que “Sturm und Drang and Tenure poderia muito bem ser o slogan deles” (Gellner 1992:27) [Tempes­ tade e Impulso e Titularidade]. Há sem dúvida algo de verdade nisso, mas a mesma coi­ sa poderia naturalmente ser dita de todos os movimentos inovadores na história an­ tropológica, desde a “revolução funcionalista” malinowski-radcliffe-browniana, pas­ sando pelas “revoluções” evolucionista de Steward e interacionista de Barth, até a “revolução” nos estudos de nacionalismo que o próprio Gellner apoiaria. Também tem sido freqüentemente observado que muitas idéias que inspiraram a antropologia pós-modema americana tiveram origem na França, e que os americanos adaptaram os mestres franceses para conformá-los à sua própria antropologia, e nes­ se processo deturpando muitas vezes suas idéias. Na leitura americana, Foucault se tornou um teórico do discurso; Derrida, um filósofo do relativismo. Certamente, isso pode ser verdade, mas também é importante situar a antropologia americana em si. Boas, um alemão, havia entendido muito bem no seu tempo o potencial para o confli­ to étnico e racial nos Estados Unidos, um país disperso, multinacional, e os aconteci­ mentos desde sua morte não provaram que ele estava errado. Clifford e Marcus po­ dem parecer tão triviais quanto o McDonald’s para os intelectuais altivos de Paris, mas o relativismo, mesmo o relativismo extremo, era uma posição compreensível num país dividido por uma história de escravidão afro-americana, genocídio de nati­ vos americanos e imigração de todas as partes do mundo. Alguns críticos também duvidavam que o pós-modernismo fosse um afastamen­ to tão radical da tradição antropológica quanto ele pretendia ser. Entretanto, esse ar­ gumento era uma espada de dois gumes, e foi também usado por alguns dos próprios pós-modemistas para legitimar seu projeto. Assim, Kirsten Hastrup, uma aluna dina­ marquesa de Ardener, cuja obra é implacavelmente antipositivista, e que de algum modo representa uma contrapartida européia ao pós-modemismo americano, susten­ tou que a antropologia sempre havia sido uma ciência pós-modema, desde o momen­ to em que ela começou a contrapor o Ocidente a imagens de outros mundos da vida (ver Hastrup 1995). Embora Hastrup possa ter exagerado ao fazer essa afirmação, existem afinidades eletivas entre os esforços desconstrutivistas dos pós-modemistas e várias tendências anteriores na história antropológica. Assim, há precedentes cla­ ros de pós-modemismo no Debate da Racionalidade dos anos 1960 (capítulo 6) e na revolução no trabalho de campo da década de 1970 (capítulo 7), e o desmascaramen-

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to da objetividade do método etnográfico havia sido um jogo de salão antropológico em ambos os lados do Atlântico pelo menos desde a II Guerra Mundial. Mas acima de tudo, naturalmente, há continuidade com o particularismo histórico de Boas e com a tradição romântica alemã. Em geral, os antropólogos americanos, imbuídos dessa tradição, tinham por isso uma predisposição mais favorável ao pós-modemismo do que seus colegas europeus, que eram os herdeiros de positivistas consumados como Radcliffe-Brown (ver Kuper 1996: 189). A desconstruçâo dos estudos do parentesco feita por Schneider não tinha nada a ver com o pós-modemismo, mas foi a obra de um boasiano devotado e defensor incessante da sociologia de Parsons. Mais tarde sua obra seria citada com aprovação também na Inglaterra pelo antropólogo inglês de origem tcheca, Ladislav Holy, em seu manual sobre o parentesco (Holy 1996). No entanto, o ponto de referência de Holy não é Boas, mas o individualismo metodológi­ co do movimento antiestrutural-funcionalista inglês das décadas de 1950 e 1960 (ca­ pítulo 5). Esse movimento é também frequentemente considerado como precursor do pós-modemismo. Quando Barth, em meados dos anos 1960, demoliu o conceito de estrutura social e postulou que formas sociais estáveis eram resultado de escolha in­ dividual, isto foi (num sentido) um argumento desconstrutivo muito semelhante à desconstruçâo dos conceitos boasianos e geertzianos de todos culturais integrados levada a efeito pelos pós-modemistas. No entanto, a crítica pós-moderna da antropologia, com apoio eventual dos estu­ diosos feministas e pós-coloniais, representou alguma coisa nova, embora sua origi­ nalidade fosse muitas vezes exagerada na época. No que dizia respeito à antropolo­ gia, a novidade esta va principalmente na ênfase reflexiva sobre estilos de escrita, na rejeição de uma voz autoral neutra, não posicionada, e (mais fundamentalmente) na aplicação da reflexividade à antropologia em si. Depois do pós-modemismo, a antro­ pologia não podia mais ser vista como discurso privilegiado com acesso à verdade objetiva sobre os povos que ela estudava.

v Outras vozes O pós-modemismo e “a virada reflexiva” não foram os únicos acontecimentos durante os anos 1980. Para os antropólogos em geral a situação se manteve como sempre, com a disciplina continuando a crescer e a se diversificar em subcampos cada vez mais especializados. O pós-modemismo - um afastamento novo e não tes­ tado na disciplina - foi normalmente considerado com cautela. Assim, em dois textos introdutórios recentes à teoria antropológica, um de Robert Layton (1997) e outro de Alan Bamard (2000), o pós-modemismo recebe lugar de destaque, com aproximada­ mente tantas páginas de texto quanto o estrutural-funcionalismo ou o estruturalismo.

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No entanto, ambos os autores são cuidadosos em não fazer um julgamento definitivo sobre seus méritos e efeitos duradouros sobre a disciplina. A volumosa Companion Encyclopedia o f Anthropology (Ingold 1994), só faz uma menção rápida ao movi­ mento, nada mais. Entretanto, durante a década de 1980, houve em ambos os lados do Atlântico um grande número de antropólogos dos quais se poderia dizer que pertencem à pen feri a do pós-modemismo, simpatizando com algumas de suas concepções, mas incorpo­ rando-as à teoria antropológica estabelecida. Em grande parte foram estudiosos que, diferentemente de Gellner e Harris, achavam que sua disciplina era uma atividade interpretativa cujas pretensões a uma verdade permanente eram discutíveis. O exemplo mais óbvio é Victor Turner, cuja teoria da perfonnance inspiraria muitos antropólogos que estudavam o ritual e fenômenos correlates (ver Turner e Bruner 1986). Outro exemplo foi o melanesianista Roger Keesing, que, em seus últimos trabalhos acadêmi­ cos antes de sua morte prematura em 1993 (Keesing 1989, 1994), sustentava que a concepção clássica de cultura fora equivocada. Ele agora defendia que “seu” povo, os kwaios, não tinham uma cultura homogênea, mais ou menos estática, e que as idéias deles de sua própria cultura eram tanto politizadas como influenciadas por escritos et­ nográficos sobre eles próprios. O volume editado de Judith Okely e Helen Calloway, Anthropology and Autobiography (1992), também comparava alguns interesses do grupo Writing Culture, mas enfocava menos os textos e mais o trabalho de campo et­ nográfico. Essas duas estudiosas eram herdeiras da tendência hermenêutica, antipositivista, na antropologia britânica que começou com a obra tardia de Evans-Pritchard. Elas voltaram os postulados da hermenêutica para dentro, para a própria antropologia, para observar criticamente a articulação da produção de conhecimento e experiência pessoal. Como no caso de Keesing, os interesses desses autores eram desenvolvidos independentemente dos pós-modemistas americanos; de sua parte, Okely havia pro­ duzido uma crítica vigorosa do “cientismo” na antropologia da metade dos anos 1970 (Okely 1975). Outra obra com essas características gerais, provavelmente ne­ gligenciada, embora injustamente, foi o volume magistral, mas pouco lido, do antro­ pólogo americano Robert Ulin sobre tradução cultural e racionalidade, Understan­ ding Cultures (Ulin 1984). O livro se aproxima dos interesses do grupo da revista Cultural Anthropology, mas em vez de aderir ao pós-modemismo, ele aplicou um método hermenêutico voltado à história (em oposição à hermenêutica mais a-históri­ ca de Geertz) inspirado pelo filósofo alemão Hans-Georg Gadamer (1900-). Um dos antropólogos mais importantes a ser inspirado pelo método desconstmtivista foi Marilyn Strathem, uma melanesianista de Manchester, que sucedeu Gellner em Cambridge nos anos 1990. Strathern publicou vários livros influentes no fim da

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década de 1980 e início dos anos 1990. Em sua obra magna, The Gender o f the Gift (1988), ela analisou os conceitos de identidade pessoal e de troca na Melanésia, e sustentou que a cultura melanésia havia sido muito mal inteipretada por europeus que lhe impunham seus próprios conceitos e preconceitos. Num nível mais geral Strathem sustentou que as teorias clássicas de troca e identidade eram defeituosas no sentido de que não levavam em consideração o gênero. Tem sentido, perguntava ela, dizer que objetos são trocados entre duas “pessoas”, ou que uma “pessoa” tem uma certa identidade, se essas “pessoas” sempre têm gênero? Essa é uma crítica funda­ mental que aproximou perspectivas feministas do centro de vários debates teóricos básicos em antropologia, e assim aumentou muito sua legitimidade na disciplina. Mais tarde, em After Nature (1992), Strathem procede a uma comparação de concei­ tos que definem identidade pessoal, sociedade e parentesco na Melanésia e na Ingla­ terra, apresentando um argumento diretamente relacionado com uma questão subs­ tancial (novas tecnologias reprodutivas) e com a relação (reflexiva) entre conceitos antropológicos e nativos. Strathem representa uma abordagem “pós-moderna” que talvez seja mais signi­ ficativa a longo prazo do que a obra um tanto programática dos pós-modernistas americanos. O mesmo se poderia dizer do projeto bastante parecido do melanesianista americano Roy Wagner, que publicou The Invention o f Culture em 1975, um ensaio teórico influente que antecipou algumas questões centrais do pós-modemismo. Wagner afirma nessa obra que as culturas eram construções puramente simbólicas, com uma capacidade inerente para a mudança, a inovação e a reflexividade. Em 1986 ele elaborou ainda mais esses temas em Symbols ThatStandfor Themselves, um rela­ to complexo e altamente técnico de transformação simbólica e continuidade que combina a análise rigorosa de Lévi-Strauss com uma perspectiva reflexiva e proces­ sual que lembra o pós-modemismo. Wagner foi um entre os muitos autores dos anos 1980 que começaram a explorar as repercussões da aplicação da fenomenologia (uma escola de pensamento fundada pelo filósofo alemão Edmund Husserl) à análise antropológica. Um dos primeiros proponentes dessa abordagem foi o antropólogo inglês Tim Ingold, que antes havia trabalhado sobre adaptação ecológica. Em 1986 Ingold publicou uma obra teórica e histórica importante, Evolution and Social Life (Ingold 1986), onde desenvolveu um modelo para o estudo da humanidade em suas dimensões sociais, culturais, biológi­ cas e ambientais, sem reduzir uma à outra. De dois modos pelo menos esse livro se assemelha ao projeto dos pós-modemistas americanos. Primeiro, Ingold anuncia a necessidade de “limpar parte do entulho conceptual acumulado de um século de teo­ rização social e evolucionária”; e, segundo, ele enfatiza que nós “não podemos man-

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ter a ilusão de que estamos, como deuses, separados do mundo” (p. 376). Esta segun­ da atitude lembra claramente as idéias propostas por grandes fenomenólogos, como Martin Heidegger (1889-1976) eM aurice Merleau-Ponty (1908-1961). Como esses filósofos (que rejeitaram a dicotomia sujeito-objeto em bases totalmente diferentes das dos pós-modernistas), Ingold ressalta que as pessoas estão estreitamente ligadas ao mundo não-humano que habitam. Sua solução para o paradoxo sujeito-objeto é portanto quase oposta à dos americanos. Descartando o pós-modernismo como dis­ tanciamento intelectual, ele propõe aproximar a antropologia de outras “ciências da vida” (como a biologia) - bem o contrário de comparar culturas com textos literários. O movimento de Ingold em direção à biologia se assemelha ao de muitos antro­ pólogos que, de perspectivas muito diferentes, procuraram estabelecer elos entre a antropologia e as ciências naturais durante a década de 1990. Voltaremos a essa ten­ dência no capítulo 9; aqui, porém, é necessário mencionar dois movimentos correla­ cionados que já começavam a se desenvolver aceleradamente nos anos 1980. Durante a década de 1970, os países ocidentais aumentaram espetacularmente seus orçamentos para promover o desenvolvimento do Terceiro Mundo. O lobby de ajuda se tomou um poder a ser reconhecido na política global, e os antropólogos eram chamados com freqüência sempre maior a planejar, implementar e avaliar pro­ jetos de ajuda. Através da Unesco, da Organização Mundial da Saúde, do Banco Mundial, da União Européia e de outras organizações internacionais, através da rica flora de ONGs que começavam a se envolver em ações de solidariedade e através de vários ministérios nacionais de apoio ao desenvolvimento criados nessa época, a pe­ rícia prática dos antropólogos se tomou um bem cada vez mais procurado. Desde o princípio, o problema foi encontrar nichos em que o conhecimento antropológico pu­ desse ser desenvolvido signifleativamente. As organizações eram freqüentemente do­ minadas por representantes de profissões "duras”, como economia, direito e engenha­ ria, que viam com ceticismo conceitos como “cultura” e “identidade”. No entanto, os antropólogos rapidamente começaram a deixar sua marca em diversas áreas. O interes­ se crescente pelos estudos do campesinato e pela antropologia econômica durante os anos 1970 é um testemunho claro disso; ademais, com o passar dos anos, e com os pro­ blemas práticos de ajuda ao desenvolvimento tomando-se mais evidentes, as opiniões e idéias antropológicas passaram a ser cada vez mais respeitadas e acatadas. Embora os sucessos não devam ser exagerados (interesses tecnocráticos e econômicos ainda do­ minam o trabalho de ajuda), deve-se observar que vários pontos de vista antropológi­ cos importantes passaram a fazer parte do cotidiano das pessoas. Os antropólogos es­ tiveram entre os primeiros a defender a necessidade de orientar o trabalho de ajuda para projetos de pequena escala, para as mulheres (como o núcleo estável de lares em

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muitas áreas oprimidas pela pobreza) e para a consciência ecológica - pontos de vista que hoje são amplamente aceitos - em teoria, se não, sempre na prática, Uma das áreas em que os antropólogos tiveram maior sucesso em formar alian­ ças com as principais profissões de ajuda é a da saúde e da nutrição e, na década de 1980, quando muitos antropólogos de outros setores estavam decepcionados com o trabalho de ajuda, a antropologia médica se desenvolveu e se tornou o subcampo de mais rápida expansão na disciplina. A antropologia médica tem suas raízes no traba­ lho pioneiro de Audrey Richards nos anos 1930 e nos esforços de inúmeros profissio­ nais dedicados que acompanharam e desenvolveram estudos nessa esfera nas déca­ das seguintes. Um exemplo disso é Ronald Frankenberg, que estudou com Gluckman. Frankenberg, que hoje é algo como um “monstro sagrado” da antropologia mé­ dica, realizou trabalho de campo na África Central e na Inglaterra (onde escreveu so­ bre futebol, entre outras coisas) e escreveu extensamente sobre questões de saúde e métodos de cura (ver Frankenberg 1980). Ele atuou como consultor em diversos pro­ jetos de ajuda e realizou trabalho teórico pioneiro sobre questões como a concepção do tempo na prática médica e a compreensão psiquiátrica de crianças. Durante os anos 1980 ele se sentiu atraído pela fenomenologia e por aspectos do movimento pós-modemista, particularmente pela obra do seu antigo colega e amigo, Victor Turner. sobre performance, que lhe despertou o interesse pelos usos do ritual na cura (tradicional e moderna). Frankenberg é um exemplo de como é possível aplicar ó “desconstrucionismo” de forma “construtiva” . Sua crítica à essencialização dos coiyceitos de doença e saúde mental nas ciências médicas inspirou muitos a considerar o$ processos sociais que dão origem a esses conceitos. j Em geral, pode-se dizer que os antropólogos médicos contribuem para a ativida­ de médica comum com uma compreensão do contexto social. O efeito de um progra­ ma de exames de saúde regulares para mulheres grávidas, por exemplo, pode ser muito melhorado conhecendo as idéias das mulheres a respeito da propriedade, de seus horários de trabalho, das estruturas de autoridade dentro de suas casas, de suas obrigações de parentesco, de suas concepções de como a doença se expressa e do que ela significa. Muitos antropólogos médicos proeminentes são eles próprios médicos ou psiquiatras, o que lhes confere um alto grau de profissionalismo e aumenta sua le­ gitimidade no ambiente da profissão médica em si. Nos Estados Unidos, onde a antropologia médica teve seu maior crescimento du­ rante as décadas de 1980 e 1990, uma das figuras mais influentes foi Nancy Scheper-Hughes (da Universidade da Califórnia em Berkeley). Scheper-Hugues, aluna de Hortense Powdermaker (capítulo 7) e ex-ativista dos direitos humanos, realizou tra­ balho sobre antropologia psicológica e questões de saúde relacionadas ao gênero na

8. O FIM D O M O D E R N IS M O ?

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Irlanda eno Brasil (Scheper-Hugues 1979,1992), e atualmente está trabalhando num estudo sobre violência e democracia na África do Sul. Em 1987 ela e Margaret Lock escreveram o artigo programático '‘The mindful body: a prolegomenon to future work in medical anthropology”, que mapeou uma agenda para futuras pesquisas teó­ ricas e aplicadas no campo. Numa recente entrevista, ela descreve seu trabalho de campo no Brasil nos seguintes termos: [...] Comecei com a questão da alta incidência de mortalidade in­ fantil. O que isso significava para mulheres que tinham de en­ frentar quatro, cinco, seis e em alguns casos até onze mortes su­ cessivas? O que isso significava para sua compreensão da mater­ nidade? O que significava em termos do seu senso de otimismo e esperança? E o que significava para as crianças que sobreviviam? Corno eram criadas? Como preenchiam os espaços depois de to­ das as crianças que haviam morrido antes? [...] Resolvi investigar essas mortes. [...] Fiz entrevistas com [...] perto de cem mulheres, levando-as a descrever-me o contexto em que ocorreu a morte de cada um dos filhos e a dizer quais seriam as possíveis causas, na opinião delas. Mas também entrevistando crianças porque, no Nordeste do Brasil, são as crianças que enterram os mortos e fazem a procissão. O que elas pensam sobre a morte? (Scheper-Hughes 2000). Um terceiro exemplo desse subcampo é Arthur Kleinman, professor de Psicolo­ gia e antropólogo médico sênior no prestigioso Departamento de Medicina Social na Universidade Harvard, que realizou trabalho extenso sobre psiquiatria intercultural, especialmente na China (ver Kleinman 1980; Kleinman e Good 1985). Kleinman, que se envolveu numa ampla variedade de atividades de consultoria, tem sido em anos recentes Diretor do World Mental Health Project, um projeto de consultoria de grande escala patrocinado pelas Fundações Carnegie e Rockfeller e organizado sob os auspícios das Nações Unidas. Ele foi também um dos pioneiros no estudo do “so­ frimento social”, que trata das “consequências da gueixa, da fome, da depressão, da doença e da tortura - toda sorte de problemas humanos que resultam do que o poder político, econômico e institucional causa às pessoas” (Kleinman et al. 1997). Como vários dos estudos acima indicam, os antropólogos médicos não se limi­ tam à pesquisa aplicada; na verdade, com o recente rapprochement entre antropolo­ gia e as ciências naturais, a consolidação de teorias da prática orientadas para o corpo e o crescente interesse pela fenomenologia, os antropólogos médicos deram contri­ buições muito significativas durante os anos 1990 para a pesquisa fundamental numa grande variedade de campos. Como assinalamos em nossa análise sobre Marilyn

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História da Antropologia

Strathem acima (p. 181 s), esse envolvimento com o discurso teórico básico da antro­ pologia tende a indicar que o subcampo (antropologia feminista on médica) alcançou um estágio de maturidade e não é mais um “interesse especial” marginal na disciplina. Finalmente, analisaremos brevemente um terceiro importante campo de pesqui­ sa que passou a ocupar lugar de destaque nos anos 1980, especifícamente, o estudo do nacionalismo. Como a antropologia médica, embora por razões muito diferen­ tes, os estudos do nacionalismo foram menos vulneráveis à crítica epistemológica pós-modema do que muitas outras áreas da antropologia. Essas pesquisas não postu­ lavam a existência de “culturas discretas, homogêneas” existentes num “presente et­ nográfico” atemporal. Antes, exploravam uma característica particular da moderni­ dade, em cujo nome elites políticas e culturais afirmavam a existência dessas cultu­ ras, pelo menos em parte por razões estratégicas. Como vimos, o conceito de cultura tinha as mesmas raízes históricas (no romantismo herderiano) do nacionalismo polí­ tico, e os antropólogos que procuravam desconstruir ideologias nacionalistas tinham assim muitos interesses em comum com os desconstrutores pós-modemistas do con­ ceito de cultura. Embora de orientação tanto empírica como comparativa, e assim po­ tencialmente abertos ao ataque pós-modemista, os estudos do nacionalismo geral­ mente passaram sem ser questionados: eles não eram essencialistas (eles desconstraíam essencialismos nativos), anistóricos (eles situavam seu objeto de estudo firme­ mente na história) nem neocoloniais (muitos dos principais estudos do nacionalismo enfocavam sociedades ocidentais). Além disso, à medida que os conflitos políticos por motivação nacionalista se espalhavam em todo o mundo durante a década de 1990, os estudos antropológicos do nacionalismo pareciam cada vez mais relevantes. E devido ao excesso de violência de muitos movimentos nacionalistas, parecia natu­ ral para alguns estudiosos do nacionalismo contribuir com estudos sobre os efeitos da violência (como na antropologia médica; ver Malkki 1995) e com estudos sobre o poder (como na antropologia política; ver Kapferer 1988). O florescimento interdisciplinar dos estudos do nacionalismo ocorrido durante os anos 1980 foi profundamente inspirado por três livros publicados no mesmo ano. O primeiro foi Nations andNationalism, de Gellner (1983), onde um dos principais argumentos sustentava que o nacionalismo era uma ideologia funcional, coesiva, numa sociedade industrial por outro lado fragmentada e alienadora. O segundo foi Imagined Communiíies, do historiador Benedict Anderson (1983), que se concentra­ va nas características simbólicas do nacionalismo, comparando-o a fenômenos como parentesco e religião. O terceiro foi The Invention o f Tradition, uma co-ediçâo dos historiadores Eric Hobsbawm e Terence Ranger (1983), que demonstrava que muitas supostamente “tradições antigas” eram de fato inventadas por autoridades coloniais

8. o

fim do

Modernismo ?

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ou por outras elites para criar coesão onde ela de fato não existiria. Freqüentemente inspiradas por esses livros, pesquisas antropológicas sobre o nacionalismo pareciam confirmar a visão de Ardener de que o Modernismo preenchia na antropologia social “um espaço quase precisamente datável de 1920 a 1975” (Ardener 1989 [1985]: 197). As pesquisas sobre o nacionalismo e, de modo mais geral, sobre a política da identidade eram vistas como uma forma de antropologia pós-modema. Monografias influentes sobre o nacionalismo, como Legends o f People, Myths o f State, de Bruce Kapferer (Kapferer 1988), combinavam preocupações clássicas de antropologia - o significado do mito, o problema da coesão social, o poder dos símbolos - com uma tentativa de entrar em harmonia com a política de identidade contemporânea, sua imagética violenta e prática freqüentemente violenta, sua criação de imagens do ini­ migo e sua relação com o Estado. Aqui vemos novamente o movimento de um subcampo em transição desde uma posição relativamente marginal na disciplina cm di­ reção à corrente principal. Embora os debates sobre o pós-modemismo recebessem muitas manchetes du­ rante os anos 1980, talvez seja (como Derrida poderia dizer) nas margens do movi­ mento pós-modemo, mais do que entre seus representantes mais eminentes, que de­ vemos procurar suas contribuições mais permanentes. Estudos de intercâmbio e identidade, estudos inspirados pela fenomenologia, estudos da saúde e do nacionalis­ mo passaram todos ao primeiro plano durante essa década e influenciariam profun­ damente a antropologia da década de 1990.

r

Reconstruções

A falta de distância histórica impossibilita uma revisão adequada dos anos 1990, seja do ambiente cultural geral da década ou do empreendimento específico da antro­ pologia. É no entanto evidente que algumas tendências dos anos 1980 se consolidaram, em ambos esses aspectos. A incerteza, ou ambivalência, tomou-se um elemento típico (alguns diriam uma afetação) da vida intelectual. Caracteristicamente, Henrietta Moore, uma das antropólogas britânicas mais influentes da geração atual, introduz o seu Anthropological Theoiy Today, um titulo ambicioso, com a frase: “É muito tentador começar um livro desta natureza afirmando que não existe algo como uma teoria antro­ pológica” (Moore 1999: 1). Em seguida, ela comenta rapidamente que os projetos crí­ ticos dos anos 1970 e 1980 levaram, nos anos 1990, a um recuo generalizado da teoria para a etnografia e, em alguns casos, “mesmo do projeto da antropologia em si” (1999: 1). Detalhando a questão um pouco mais, ela diz que não há mais nada (se é que já hou­ ve) que se assemelhe a uma antropologia única e, além disso, que o status de teoria como tal é cada vez mais questionável. “A teoria é hoje um conjunto diversificado de estratégias críticas que incorpora em si uma crítica de suas próprias localizações, posi­ ções e interesses: isto é, ela é altamente reflexiva” (Moore 1999: 9). A impressão que se tem disso e de outras tentativas de oferecer sínteses amplas da antropologia dos anos 1990 é que a disciplina está irremediavelmente fragmenta­ da e em profunda desordem. Simultaneamente, foi extraordinário o sucesso da antro­ pologia durante essa década. O aumento de publicações e de conferências foi formi­ dável, o envolvimento em pesquisas aplicadas nunca foi tão vasto, e em muitos paí­ ses a antropologia foi uma área dos cursos de graduação imensamente popular. Na Universidade de Oslo, em tomo de 75 universitários eram esperados para o primeiro ano na primavera de 1990. Quando os professores entraram no auditório para recep­ cionar os novos alunos, fomos recebidos por uma platéia de 330, muitos dos quais continuaram estudos de pós-graduação ao longo da década. Existem algumas razões

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óbvias para esse aumento de popularidade da antropologia. Assim como a sociologia marxista ofereceu meios para compreender os interesses ocultos da opressão de clas­ ses e gêneros nos anos politizados de 1970, a antropologia ofereceu uma compreensão da variação cultural numa década em que jovens em países ricos viajavam muito mais do que seus pais ou avós haviam viajado, e em que o multiculturalismo, a política de identidade, a discriminação étnica e a guerra nacionalista eram pontos importantes na agenda de políticos, de movimentos populares, de ONGs e de meios de comunicação em quase toda parte. Ironicamente, o tradicional conceito antropológico de cultura finalmente parecia ter entrado na esfera pública aproximadamente na mesma época em que a maioria dos antropólogos alimentava outras idéias sobre a questão. Os dados demográficos da disciplina aumentavam em complexidade, mas a an­ tropologia continuava mais ampla e variada nos Estados Unidos do que em outros países. Nos fins dos anos 1990 a Associação Antropológica Americana registra­ va um número aproximado de 10.000 membros, enquanto a Associação Inglesa de Antropólogos Sociais contava com menos de um décimo desse número, e arecém-fundada Associação Européia de Antropólogos Sociais talvez tivesse 2.000. A predominância da língua inglesa no discurso acadêmico, que estivera em ascensão desde os anos intermediários entre as duas grandes guerras, fortaleceu-se ainda mais nos anos 1990. Num país como o Brasil, há muito mais antropólogos ativos do que na Inglaterra, mas com poucas exceções, como a obra de Roberto DaMatta (1991), suas publicações são desconhecidas para quem não lê português. Do mesmo modo, há corpos importantes de literatura antropológica e/ou etnográfica em idioma espanhol, russo, polonês e outros da Europa Central, em japonês e - cada vez mais - em chinês. Existe também uma importante literatura antropológica em língua inglesa na índia, praticamente desconhecida fora dos círculos especializados. Finalmente, durante os anos 1990, antropologias européias não metropolitanas receberam atenção crescente graças à fundação da Associação Européia de Antropó­ logos Sociais em 1988. Criada por iniciativa de Adam Kuper na Universidade Bru­ nei, um dos objetivos priucipais da Easa (European Association of Social Anthropo­ logists) era congregar antropólogos do norte da Europa (protestante/germànico) e do sul da Europa (católico/românico). Então, no fim de 1989, enquanto os antropólogos se ocupavam com o planejamento da primeira conferência da Easa (a ser realizada em Coimbra, Portugal, em 1990), o mundo foi surpreendido pelo que se tomaria o acontecimento definidor dos anos 1990: a queda da Cortina de Ferro (logo seguida pela dissolução da União Soviética) e a conseqüente liberalização cultural e intelec­ tual na maior parte da Europa Central e Oriental. As mudanças políticas e econômi­ cas que seguiram na esteira desses sobressaltos seriam muitas e paradoxais - e desde

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o primeiro momento abririam uma região etnográfica totalmente nova e de dimen­ sões continentais para a pesquisa antropológica (ver p. 203ss). Mas para os planeja­ dores da Easa a preocupação imediata foi a oportunidade de contatos acadêmicos in­ tensos com co-antropólogos nesses países. Agora era possível desenvolver relações com tradições antropológicas que estiveram praticamente desconhecidas na acade­ mia ocidental durante anos. Na ex-União Soviética foi descoberta uma etnografia que combinava a abordagem histórica da tradição difusionista alemã com o evolucionismo marxista (ver Dunn e Dunn 1974). Na Polônia a metodologia de Znaniecki (capítulo 4), inspirada na Escola de Chicago, havia se desenvolvido e transformado numa microssociologia urbana sofisticada (ver Wedel 1986). Assim, a Easa enfren­ tou desde o início o desafio não só de estabelecer ligações entre o norte e o sul da Eu­ ropa, mas também de integrar as antropologias da Europa Oriental e Ocidental. Com a participação de antropólogos de todo o continente nas conferências da Easa, e por meio de painéis periódicos sobre a história da antropologia européia (ver Vermeulen e Roldán 1995), compôs-se um quadro do passado da disciplina que é muito mais complexo do que o apresentado neste livro. A etnologia sueca, o surrea­ lismo polonês, o Volkskunde esloveno, o estruturalismo eslovaco dos anos 1930 e a importância pennanente de Bastian na Alemanha e em outros lugares são apenas al­ guns exemplos das possíveis novas genealogias da antropologia européia. Podemos traçar brevemente o destino de uma dessas tradições. Como vimos (ca­ pítulo 2), a antropologia da Rússia pré-revolucionária estava estreitamente ligada à tradição alemã. Esse foco teórico foi mantido durante a década de 1920 e início dos anos 1930, mas os etnógrafos soviéticos, em sua maioria, eram ao mesmo tempo tra­ balhadores práticos, envolvidos em tarefas como atividades literárias, educação e serviços de saúde. Os antropólogos foram instrumentos no desenvolvimento das pri­ meiras línguas escritas para muitas minorias analfabetas da União Soviética. Sob Sta­ lin, tanto a etnografia teórica como a aplicada foram impiedosamente reprimidas, mui­ tos praticantes foram assassinados e a profissão foi efetivamente reduzida a mera do­ cumentação empírica (por exemplo, de cultura material). As décadas de 1960 e 1970 viram um ressurgimento da pesquisa analítica. Yuliy Bromley desenvolveu uma sofis­ ticada teoria da etnicidade na Academia de Ciências de Moscou (ver Banks 1996); V. V. Pimenov realizou trabalho inovador sobre modelagem estatística da coesão cul­ tural (Leningrado); e Yuliy V. Arutyunyan efetuou levantamentos etnossociológicos de larga escala (Moscou). No Ocidente todos esses trabalhos eram muito pouco co­ nhecidos, apesar dos esforços de algumas pessoas, como Stephen P. Dunn, ex-aluno de Morton Fried em Colúmbia, que fundou e durante 25 anos editou Soviet Anthro­ pology and Archaeology’, uma revista de traduções que verteu uma grande variedade

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de publicações soviéticas para o inglês. Durante os anos 1990 a antropologia russa passou por um estado de conflito e desordem (ver Tislikov 1992). Enquanto antropólo­ gos de gerações mais velhas, muitos dos quais ocupam posições de prestígio em insti­ tuições proeminentes em Moscou, São Petersburgo e Novosibirsk, tendem a continuar as tradições da etnografia soviética, muitos antropólogos mais jovens (alguns dos quais não tiveram formação em antropologia), voltam-se para o Ocidente em busca de ins­ piração (ver Condee 1995 para exemplos). Em São Petersburgo a fundação da nova Universidade Européia, financiada pelo bilionário húngaro-americano George Soros, cristalizou até certo ponto esse litígio, com mais antropólogos de orientação ociden­ tal reunindo-se em tomo de Nikolai B. Vakhtin na Universidade Soros. Esse breve esboço dá uma idéia da diversidade entre as várias antropologias na­ cionais que se tomaram cada vez mais notórias durante os anos 1990. Ele também mostra o que talvez seja a maior limitação deste livro. Nossa narrativa se concentrou fortemente na antropologia como ela emergiu durante o século vinte em três áreas linguísticas: o alemão (até os anos entre as duas grandes guerras), o francês e o inglês (britânico e americano). Fizemos essa escolha porque essas tradições definiram real­ mente a corrente predominante do desenvolvimento teórico e metodológico na disci­ plina. Em parte, essa é uma questão de poder defmicional, e se o melhor da antropo­ logia brasileira, digamos, tivesse sido traduzido regularmente para o francês e para o inglês, a história da disciplina como um todo poderia muito bem ter sido diferente (embora, como vimos acima, na ausência de contatos pessoais regulares, a tradução pode ser insuficiente). Quer se goste ou não, porém, a situação atual é que o inglês está assumindo cada vez mais o papel de uma língua franca antropológica em todo o mundo; e a falta de proficiência em inglês está se tornando uma desvantagem muito grande. Nas confe­ rências bienais da Easa, tanto o inglês como 0 francês são idiomas oficiais, mas o in­ glês é de longe o mais usado; nesses eventos, mesmo antropólogos franceses apre­ sentam seus trabalhos em inglês. Durante os anos 1980 e 1990 jovens estudiosos em países com fortes tradições antropológicas nativas foram sendo sempre mais estimu­ lados a publicar seus trabalhos em inglês. Conquanto existam razões acadêmicas perfeitamente saudáveis para isso, a situação também cria uma assimetria de poder peculiar, visto que o inglês de não-nativos em geral é um instrumento muito mais po­ bre de comunicação do que sua língua nativa. Outra questão, relacionada a essa para a qual deveria haver uma resposta qualificada, antropologicamente fundamen­ tada - é se a convergência linguística atual da disciplina irá fmalmente conduzir à ho­ mogeneização ou à heterogeneizaçao. Por um lado, estudiosos em áreas mais diver­ sificadas, escrevendo a partir de diferentes tradições nacionais, conhecem mais os

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trabalhos uns dos outros através do meio de uma língua comum. Por outro, a própria transposição desse trabalho para uma língua estrangeira inevitavelmente remove al­ gumas de suas qualidades {ver Wierzbicka 1989). Todo antropólogo que trabalha com duas línguas - e os autores deste livro pertencem a esse grupo - sabe que a riqueza e nuança de expressão que ele cultiva em sua própria língua nativa é difícil de transplan­ tar para uma língua estrangeira, que muitas vezes inclusive não dispõe de conceitos para o que ele quer dizer. Poucos são dotados com os talentos linguísticos de um Mal inowski, e mesmo ele nem sempre estava “à vontade” entre os trobriandeses. Levando em consideração esses inconvenientes - a história progressivamente mais complexa da matéria (à medida que relatos de comunidades de língua não me­ tropolitana são sempre mais publicados em inglês) e a falta atual de coerência teórica na disciplina - voltamo-nos agora para um esboço tentativo de algumas das princi­ pais tendências na antropologia da década de 1990. De certos modos, as continui­ dades com o passado são esperançosas - ou inquietantes, dependendo do ponto de vista adotado. A observação participante intensiva continuou sem contestações como método de escolha para obter conhecimento confiável e detalhado sobre ou­ tros povos, apesar de ser cada vez mais suplementada com uma ampla variedade de outros métodos, e agora era ponto pacífico que o trabalho de campo em sociedades complexas levantava diferentes questões metodológicas em comparação com o tra­ balho de campo nas aldeias. A idéia de que o mundo que habitamos é construído so­ cial e culturalmente também continuou sendo aceita pela maioria dos antropólogos - muito embora com uma mistura variável de relativismo pós-moderno. Em geral, os anos 1990 também viram um recuo com relação aposições pós-modemas extre­ mas (à medida que a revolução pós-modema, como muitas outras antes dela, foi sendo assimilada pela corrente predominante da disciplina) e um a volta a um “rea­ lismo” etnográfico mais equilibrado, o que comprovou que o conhecimento antro­ pológico pode muito bem ser relativo, mas nem por isso se toma menos relevante. Na mesma linha, o particularismo e o relativismo cultural extremos dos anos 1980 parecem ter sido suplantados por um interesse mais equilibrado por estudos empí­ ricos da relação entre o universalmente humano e o culturalmente particular. Como resultado, algumas controvérsias antigas da disciplina reapareceram em novas rou­ pagens; e alguns novos campos de pesquisa envolveram a redescobcrta de trabalhos de um passado mais distante - durante as décadas de 1980 e 1990, por exemplo, Mauss foi redescoberto em pelo menos três contextos: como teórico da moralidade de troca (Thomas 1991; Weíner 1992), como teórico da condição de pessoa (Carrithers et a i 1985) e como teórico do corpo (ver Mauss 1979 [1934]). Os três campos foram im­ portantes durante a década de 1990.

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Entretanto, algumas novas características próprias da antropologia dos anos 1990 precisam ser mencionadas. Antes de mais nada, alguns exemplos mais evidentes. Pri­ meiro, como vimos no capítulo anterior, qualquer distinção simples entre nós e eles, ou observador e observado, se tomou praticamente indefensável. “Nativos” são perfeita­ mente capazes de identificar a si mesmos e se mostram cada vez mais avessos a tentati­ vas antropológicas que se propõem a ditar quem eles ■'realmente” são. Essa percepção contribuiu para um a consciência mais aguçada das questões éticas na antropologia, que veio aumentando desde que a Associação Antropológica Americana - no auge da revolução do trabalho de campo - publicou sua “Declaração sobre a ética” em 1971. Hoje, reflexões éticas integram habitualmente trabalhos dos próprios alunos. Outra ra­ zão para isso é que a “antropologia em casa" não é mais uma curiosidade, mas uma parte perfeitamente normal do empreendimento - e dilemas éticos são naturalmente mais compreensíveis e mais prementes quando estamos perto deles. Segundo, qualquer dicotomia simples “tradicional-moderno” também se tomou quase indefensável, seja por razões epistemológieas ou puramente empíricas. Com efeito, parece a estes autores que essa aversão a qualquer coisa que soasse a evolucionismo era tão forte na antropologia da década de 1990 que ela poderia equivaler a um ponto cego. Assim, como os neo-evolucionistas demonstraram nas décadas de 1950 e 1960, é fácil documentar diferenças empíricas marcantes entre (por exemplo) so­ ciedades de caçadores-coletores de pequena escala e sociedades pós-industriais mo­ dernas, em termos de medições quantitativas como o fluxo de energia per capita. O motivo por que questões assim devem interessar-nos é que o homo sapiens sapiens habitou a Terra como caçador-coletor durante aproximadamente 150.000 anos, ao passo que a sociedade moderna é extremamente recente (o quanto recente é questão de gosto teórico e foco empírico). Como menos de nm décimo por cento da história humana transcorreu em sociedades “modernas”, é evidente que teorias gerais de so­ ciabilidade humana se beneficiariam com o entendimento da diferença entre siste­ mas sociais “primitivos” e “modernos”. Terceiro, o mundo assistiu a um crescimento fenomenal em conexões transnacionais de toda espécie - da migração ao turismo, de mercados de valores internacionais à Internet. Essa aceleração poderosa da mobilidade social através de grandes distân­ cias geográficas levou muitos antropólogos a questionar o elo muitas vezes conside­ rado como fato consumado enfie grupos de pessoas e localidades geográficas limita­ das a que eles “pertencem”. Todo o conceito de espaço de repente precisa ser repen­ sado, à medida que os antropólogos estudam cada vez mais grupos globalmente dis­ persos, como refugiados e migrantes, trabalhadores numa empresa multinacional ou comunidades na Internet. Os estudos sincrônicos clássicos num sitio único, numa

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sociedade única, que constituíam a marca característica da antropologia, estão se tor­ nando cada vez mais raros, e espera-se que os antropólogos contextualizem rotinei­ ramente seu trabalho tanto histórica como regionalmente. Logo voltaremos a algu­ mas idéias teóricas que surgiram disso. Em discussões de métodos, um novo termo começou a aparecer recentemente - trabalho de campo de sítios múltiplos - que pa­ rece referir-se a diversos tipos diferentes de estudos não localizados, desde estudos de redes dispersas em cidades ou instituições até estudos de comunidades migrantes intercontinentais. Quarto, e como parte do “repensar o espaço” a que nos referimos acima, vimos um novo interesse nos territórios físicos ocupados pelas pessoas, sejam eles ecossis­ temas tradicionais, paisagens urbanas ou paisagens cibernéticas virtuais - os quais haviam parecido irrelevantes aos constmcionistas sociais radicais do pós-modemismo. Sentimos uma afinidade entre esse interesse pelo ambiente físico e a orientação para o corpo humano (físico) enfatizada pelos teóricos da prática (capítulo 8), e, efe­ tivamente, Bourdieu dá igual realce às imediações físicas e ao corpo físico em sua te­ oria do habitus. Essa afinidade sugere que o novo rapprochement entre antropologia e realidade física está acontecendo em termos muito diferentes do que durante o mo­ vimento cultural ecológico dos anos 1960. Finalmente, o desgaste do conceito de cultura que ocorreu desde a década de 1960 havia, até o fim da década de 1990, desacreditado com sucesso a antiga idéia de “um povo” possuindo “uma cultura em comum”. Assim, por um lado, a idéia do todo social foi enfraquecida, uma vez que a “sociedade” é relativizada e se dissolve em re­ des dispersas e sobrepostas. Por outro lado, como indicamos acima, a idéia do mundo físico (e do corpo) alcançou uma proeminência maior no pensamento antropológico. Esse paradoxo poderia sugerir um afastamento de longa duração com relação às no­ ções durkheimianas de sociedade como sistema autônomo e um movimento na dire­ ção de noções correntes em algumas ciências naturais. Essa última tendência é uma entre duas que selecionamos para reflexão especial neste último capítulo de nossa história da antropologia, junto com a tendência para estudos de globalização e lugar, Nossa escolha desses dois assuntos em particular é mais ou menos arbitrária. Existem muitas outras tendências que poderíamos ter ana­ lisado com igual justificativa. Assim, vimos um crescimento marcante na pesquisa antropológica sobre troca, tanto na área central tradicional da disciplina (como a Melanésia; Barraud et al. 1984; Strathem 1988; Weiner 1992; Godelier 1999) e “em casa” (como uma rua no norte dc Londres; Miller 1998), Também foram realizados muitos trabalhos sobre simbolismo, história e poder, inspirados de modo particular pela obra de Marx, Gramsci e Foucault (Eferzfeld 1992; Trouillot 1995; Gledlnll

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2000). Vimos uma tendência para um reflorescimento da antropologia econômica, informada pela teoria pós-estruturalista. pela obra recentemente redescoberta de Simmel e pelo marxismo (Cam er 1997: Lutz e Nonini 1999). Estudos importantes foram feitos sobre antropologia da violência política (Malkki 1995; Nordstrom e Robben 1995; Tambiah 1996) e direitos humanos (Wilson 1997); novas áreas de pes­ quisa que podem se tomar decisivas para o futuro da antropologia. A decisão de dirigir nossa atenção para os estudos de globalização e para os estu­ dos de biologia e cultura não significa que consideramos esses campos como mais importantes do que um ou outro dos que acabamos de citar. Não obstante, considera­ mos as duas tendências especialmente interessantes no contexto da história da disci­ plina - em parte, porque ambas ultrapassam os limites da antropologia da corrente principal de formas visíveis; em parte, porque ambas foram um solo fértil importante nos anos 1990. As duas tendências também nos oferecem inúmeros contrastes e so­ breposições dignos de nota. Falando de modo geral, poderiamos dizer que elas res­ pondem ao estado atual da antropologia e do mundo de dois modos diferentes - mo­ dos, porém, que são, em ambos os casos, fiéis à história da disciplina. A primeira ten­ dência parece distanciar-se da história e das complexidades atuais para reapresentar a antiga pergunta “O que é o ser humano?” - revitalizando assim a controvérsia natureza/educação, que na sua época foi constitutiva da antropologia moderna. A segun­ da tendência nos remete novamente às duas outras perguntas clássicas “O que é so­ ciedade”? e “O que é cultura?” - mas agora num contexto de fluxo global.

Biologia e cultura Duas perguntas complementares podem ser feitas sobre a natureza da humanida­ de (Ingold 1994): “O que é o ser humano?” (resposta: “ Um pequeno ramo de um ga­ lho do grande tronco da evolução”; “Um parente próximo dos chimpanzés”, etc.) e “O que significa ser um ser humano?” (uma pergunta que gera todo um conjunto de diferentes respostas). Como mostrou este livro, a segunda questão predominou sobre a primeira na antropologia do século vinte. Apanhar o ponto de vista do nativo era es­ sencial tanto para Boas como para Malinowski, e tanto Mauss quanto Radcliffe-Brown estavam interessados na natureza da sociedade mais do que na natureza do homo sapiens sapiens. Explicações causais que viam a cultura humana e a sociedade como resultado de forças externas, fossem elas ambientais ou genéticas, eram sem­ pre visões minoritárias, embora às vezes influentes. Durante as duas últimas déca­ das, porém, vimos uma revitalização da relação entre antropologia e várias das ciên­ cias naturais. Esse movimento é em última análise impulsionado pelo fato de que as ciências naturais estão utilizando modelos cada vez mais complexos capazes de for-

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necer simulações realistas do comportamento de processos biológicos e mesmo, até certo ponto, mentais. Embora a aplicação direta desses modelos para a ciência social qualitativa seja obviamente impossível (uma vez que os modelos dependem de dados de entrada numéricos), no entanto, vimos anteriormente (em nossa análise da ciber­ nética) que modelos provenientes da ciência natural podem ser aplicados proveitosa­ mente como metáforas do processo sociàl. Assim, Manlyn Strathem (1991) usou a Teoria do Caos matemática como metáfora dos tipos de diferença que existem entre situações e arenas sociais. Para muitos antropólogos a principal atração é a complexidade dos novos mode­ los, Com a teoria dos sistemas complexos, a própria ciência natural parece ter aban­ donado o mundo unilinear de causa e efeito em favor de um universo multilinear, probabilístico, que parece muito mais familiar aos cientistas sociais - e que também aumenta a compreensão das ciências sociais entre muitos cientistas naturais. Entre­ tanto, a desconfiança entre esses dois ramos da academia continua sendo muito gran­ de; os desentendimentos são comuns e impedem o intercâmbio de idéias. O caso a se­ guir ilustra bem os problemas que existem. Em 1979 Bruno Latour e Steve Woolgar publicaram a monografia seminal Laboratory Life. Esse foi um projeto de campo tradicional, de um único sítio, realizado num laboratório bioquímico de alta tecnologia na Califórnia. Desde o início, os auto­ res são muito cuidadosos em separar a tarefa que realizam daquela dos cientistas que eles estudam. Enquanto os bioquímicos estão obtendo conhecimento sobre o mundo físico “lá fora”, Latour e Woolgar perguntam como esse conhecimento se torna um fato social: como o experimentador reconhece um “resultado” quando ele o vê, como esse “resultado” circula entre os integrantes do laboratório: é criticado ou aceito, de­ fendido, relacionado com outros “resultados” e publicado? Ao responder a essas per­ guntas os autores desenvolvem os rudimentos do que Latour (1991) mais tarde cha­ maria de Teoria de Rede de Atores, a qual liga pessoas, objetos e idéias numa rede em que ocorrem “traduções” constantes (pessoa a objeto, objeto a idéia, etc.) (ver também p. 205). No capítulo introdutório da monografia, hoje um clássico, os auto­ res descrevem sua entrada no laboratório, uma entrada que tomam conscientemente exótica para que o leitor tenha a sensação de estranheza como se entrasse em contato com uma tribo da Nova Guiné. Na esteira desse trabalho apareceram muitos estudos sociológicos e antropológi­ cos sobre ciência, muitas vezes denominados “STS” (Studies in Technology and Scien­ ce - Estudos de Tecnologia e Ciência), variando desde relatos gerais sobre a partici­ pação da ciência em processos econômicos e políticos de larga escala até microestudos de ambientes de pesquisa específicos. Entretanto, a crítica implícita à ciência

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natural que muitos desses estudos continham e seu envolvimento freqüentemente pós-estruturalista com regimes e ideologias de conhecimento, em nada contribuíram para melhorar as relações entre antropólogos e cientistas naturais. Mesmo Latour e Woolgar em geral evitavam essas armadilhas; no entanto, o trabalho deles foi em grande parte criticado ou ignorado por biólogos e físicos. Mais recentemente, o infa­ me caso Sokal demonstrou que as tensões ainda são consideráveis. Em 1996 o físico Alan Sokal publicou um artigo intitulado “Transgressing the boundaries: Toward a transfonnative hermeneutics of quantum gravity” (Transpondo fronteiras: Rumo a uma hermenêutica transformadora da gravidade quântica) na revista Social Text, onde defendia que a física teórica deve ser vista como uma construção social e não como uma “verdade objetiva” (Sokal 1996). Pouco depois ele declarou que o artigo havia sido um blefe: uma discussão incoerente e incompreensível repleta de jargão pós-modemista e raciocínio obscuro, e que todo o exercicio havia sido uma tentativa de expor o vazio e o antiintelecmalismo da elite cultural pós-modema. Conquanto o caso Sokal não envolvesse antropólogos (seus alvos eram principalmente teóricos da literatura e filósofos), ele deu uma demonstração inequívoca da brecha que continua a existir entre as concepções humanista e científica. Vale observar, porém, que Latour nunca sustentou uma visão constmcionista fortemente social. Com efeito, em WeHave NeverBeen Modem (1991), ele afirma que é tão inútil procurar reduzir a ciência física à ciência social quanto vice-versa. Em vez disso, é preciso desenvolver uma linguagem analítica para descrever as “tra­ duções” que estão constantemente ocorrendo entre os dois campos, manifestamente separados. Por um lado, a teoria de Latour constitui assim um ataque direto ao axio­ ma da separação entre sociedade e natureza que se tomou constitutivo tanto das ciên­ cias naturais como das ciências humanas desde os anos 1600. Por outro lado, a teoria chama atenção para a natureza híbrida de todos os resultados científicos, para o fato de que o conhecimento é transformado à medida que sai do laboratório ou da situação do trabalho de campo e entra numa rede global de tradução e retradução. É útil ter essa visão em mente na seqüência, onde analisaremos duas grandes fa­ mílias de perspectivas antropológicas que se envolvem mais diretamente (muitas ve­ zes através de trabalho interdisciplinar) com as ciências naturais. A primeira família está diretamente ligada ao campo interdisciplinar em rápida expansão da ciência cognitiva. A “cognição” (que podemos definir brevemente como todos os processos mentais associados à aquisição e gerenciamento do conhecimento, inclusive a per­ cepção, a memória, o julgamento, a formação de conceitos, o uso da linguagem, etc.) é um interesse antigo na antropologia, tendo assumido muitas formas em períodos anteriores do século, desde a hipótese Sapir-Whorf, passando pelo Debate da Racio-

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nalidadc e por LaPensée Sauvage de Lévi-Strauss até a especialidade que muitas ve­ zes é simplesmente chamada de antropologia cognitiva (D’Andrade 1995); esta, nas décadas de 1950 e 1960, desenvolveu novos métodos para analisar as relações entre conceitos numa determinada cultura. Assim, num famoso estudo sobre classificação de cores, Brent Berlin e Paul Kay (1969) apresentaram evidências da existência de categorias universais de cores. Durante os anos 1980 vários desses interesses antro­ pológicos convergiram no trabalho que estava em andamento em lingüística, psico­ logia, neurologia, biologia evolucionária, pesquisa sobre inteligência artificial e Teo­ ria Geral de Sistemas para formar o novo campo da ciência cognitiva. A ciência cognitiva ainda é um campo em processo de formação que utiliza uma ampla variedade dc métodos (desde tomografia computadorizada até observação participante) e levanta um grande, e cada vez maior, número de questões. O adven­ to de novos modelos de simulação matemática para sistemas complexos estimulou muitos ramos dessa pesquisa; além disso, com programas progressivamente mais complexos e com hardware mais resistente a cada dia que passa, esse trabalho pode comprovar-se de potencial extraordinário no longo prazo. Essa informação não foi desperdiçada pelas agências de financiamento em todo o mundo, que investiram pe­ sadamente em vários ramos da ciência cognitiva. Inúmeros institutos de pesquisa in­ fluentes se estabeleceram e pesquisas experimentais extensas e orientadas para o campo estão sendo realizadas. Tudo isso significa que a ciência cognitiva oferece no momento um número imenso de questões instigantes e sugestivas, mas ao mesmo tempo resultados em sua maioria passíveis de experimentação e fragmentários. Por isso, é difícil avaliar o impacto de longo prazo da ciência cognitiva sobre a antropologia. Entretanto, impressiona o fato de que os cientistas cognitivos têm como provado que o indivíduo não nasce como uma tabula rasa (tábua rasa) cogniti­ va. Desde Durkheim, os antropólogos tenderam a aceitar sem questionar o postulado da tabula rasa - os processos mentais humanos eram universalistas e socialmente construídos e podiam ser adaptados livremente a uma variedade infinita de condi­ ções. Em contraste, as novas pesquisas demonstram que nossa mente e aparelho sen­ sório são instrumentos altamente especializados, com potenciais e limitações especí­ ficos. Sem dúvida, se um conhecimento positivo de como esses instrumentos funcio­ nam está para aparecer, ele será do maior interesse para a antropologia. O estado da arte na antropologia em si é indicado por um influente estudo de Scott Atran (1990) que desenvolve temas tanto da sociologia durkheimiana como da etnociência ao afirmar que existem modos específicos, inatos, de classificar o mundo natural que são universalmente humanos. Diferentemente, os antropólogos que tra­ balham no contexto da ciência cognitiva representaram uma ampla gama de convic­

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ções. Por um lado, Dan Sperber (ex-aluno de Lévi-Strauss) e Pascal Boyer se mostra­ ram favoráveis a uma explicação darwinísta da cognição humana (Sperber 1996; Bo­ yer 1999 - um argumento semelhante foi apresentado por Bateson em 1979). Por ou­ tro lado, diversos teóricos sugenram que a neurologia poderia conter pistas para uma compreensão de aspectos universais da cognição humana (Tumer 1987; Bloch 1991; Borofsky 1994). Finalmente, estudiosos como Bradd Shore, Dorothy Holland e Naomi Quinn (Holland e Quinn 1987; Shore 1996) aderiram a variedades da teoria do es­ quema ou teoria do protótipo (originalmente desenvolvida em lingüística) segundo as quais a cognição se organiza em tomo de um número limitado de “significados elementares” prototípicos constituídos de componente biológico e construção social (“em cima” e “embaixo” podem ser categorias humanas universais, mas seu signifi­ cado é evidentemente diferente num atol polinésio e nos Andes). Uma idéia semelhante está expressa em dois livros escritos em conjunto por um lingüista e um filósofo, George Lakoff e Mark Johnson (1980,1999); essas obras fo­ ram muito importantes para consolidar a concepção de que a cognição e o conheci­ mento humano se constroem universalmente sobre metáforas baseadas na experiên­ cia corporal. A experiência corporal, que tem ciaramente um componente universal (todos nascemos com duas màos), também é claramente particular ao indivíduo e às sociedades. Ao mesmo tempo, a experiência corporal é intimamente conhecida de cada um de nós, sendo portanto fonte copiosa de analogias com outros campos experienciais, que são assim infundidos com parte da ambiência que a experiência corpo­ ral particular invocou. O trabalho de Lakoff e Johnson, conciliando uma crença em universais com um interesse pelo particular, foi especialmente importante em subcampos como a antropologia médica e a antropologia do conhecimento. Um último exemplo do trabalho nesse gênero é a obra comparativa da lingüista americana de origem polonesa, Anna Wierzbicka, sobre a formação de conceitos em várias línguas européias. Numa influente comparação de palavras russas e inglesas para estados emocionais, ela demonstra que as duas línguas estabelecem a divisão conceptual entre mente (ou alma) e corpo de modos diferentes e incompatíveis (Wi­ erzbicka 1989). Essa obra, que poderia dar a impressão de ser mais do que uma reto­ mada da hipótese Sapir-Whorf (capítulo 4), e assim outra contribuição ao relativismo cultural, na realidade tem um forte componente universalista, na medida em que o objetivo de longo prazo de Wierzbicka é descobrir “universais semânticos”. Com efeito, os exemplos acima - e muitos outros poderiam ter sido citados - pa­ recem sugerir um reflorescimento tentativo do universalismo na antropologia e uma inversão das tendências pós-estruturalistas e pós-modemas, com sua rejeição (como - g-cs entenderiam) de qualquer coisa que lembrasse pretensões científicas na antro­

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pologia. Seja qual for a posição que assumam na questão natureza-educação, e aqui os novos antropólogos cognitivos divergem, eles consideram as representações cul­ turais como “enriquecimentos de ontologia intuitiva” (Boyer 1999: 210) e estão re­ solvidos a revelar a natureza exata do suporte físico subjacente ao material elástico e flexível da cultura. O universalismo da segunda abordagem que resolvemos destacar é muito mais pronunciado. As atitudes dos antropólogos para com a teoria evolucionária, ouneodarwinismo, eram - e são - contenciosas e variadas. Alguns vêem os relatos darwinistas da sociedade como desumanizadores e científícainente irresponsáveis, como tentativas de reduzir a riqueza da experiência e da variação sociocultural global à ge­ nética. Outros vêem as teorias darwinistas da mente humana como insufícientemente respaldadas por evidências até o momento, e portanto irrelevantes - dois nomes de destaque aqui são Claude Lévi-Strauss e o renomado lingüista Noam Chomsky. Ou­ tros ainda vêem enorme potencial explicativo na fusão de darwinismo, psicologia cognitiva e pesquisa etnográfica detalhada. Mas evidentemente os céticos dominaram a cena, e nisso tiveram o apoio de uma venerável linhagem de antropólogos. Antes da guerra, Boas, Mahnowski e Radcliffe-Brown {cujas idéias críticas sobre segregação racial são pouco conhecidas, cf. Kuper 1999: xiii-xiv) haviam sido críticos implacáveis do determinismo biológico, da eu­ genia e da pseudociência racista a ela muitas vezes associada, que muitos biólogos dar­ winistas, a propósito, apoiavam (ver Malik 2000). Depois da guerra a visão ortodoxa nos dois lados do Atlântico foi que os relatos biológicos da natureza humana eram irre­ levantes ou então errados quando aplicados ao conteúdo da antropologia. Os antropó­ logos que estudavam a natureza humana viam-na como infmítamente maleável (com algumas exceções importantes, como Lévi-Strauss), ao passo que aqueles que estuda­ vam principahnente a sociedade e a cultura consideravam-nas como perfeitamente in­ teligíveis em termos do seu desenvolvimento histórico e da sua dinâmica interna. Explicações biológicas da natureza humana só retomariam ao cenho da vida intelectu­ al na metade da década de 1970 (capítulo 7) e foram então quase unanímemente rejei­ tadas por antropólogos sociais e culturais. Desde o início dos anos 1990, porém, a sociobiologiareemergiu numa forma nova e mais sofisticada, com maior potencial para coa­ lizões com a antropologia social e cultural tradicional - mas novamente os antropólo­ gos quase sempre rejeitaram suas propostas. No entanto, o debate se tomou menos agressivo, talvez por causa da “virada cognitiva” na sociobiologia ou talvez porque a antropologia em si se tomou mais receptiva a essas questões. A ciência social darwinista, que procura explicar a sociedade humana em termos da história evolucionária da espécie humana, pode ser mais ou menos dividida em

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dois grupos de pesquisas (Knight etal, 1999: 1-2): de um lado, antropologia evolu­ cionária, que toma como ponto de partida avanços na genética humana que parecem indicar que o grau de solidariedade interpessoal é determinado pela distância de pa­ rentesco; quanto mais próximo o relacionamento biológico, maior a probabilidade de se fazer sacrifícios. O outro grupo, cada vez mais conhecido como psicologia evolucionária, “con­ centrou-,se menos nas conseqüências funcionais do comportamento do que nos me­ canismos cognitivos que supostamente lhe dão sustentação” (Knight et al. 1999: 2). Diferentemente dos sociobiólogos da primeira geração, essa escola não inferiu a cul­ tura como uma adaptação biológica simples a partir de comportamentos específicos como sexo e violência. Falando claramente, ela se voltava mais para a cognição e a classificação do que para o sexo e a violência. A publicação referencial dessa nova síntese foi a coletânea The AdaptedMind (Barkow etal. 1992) e os proponentes mais dedicados da teoria foram o antropólogo John Tooby e a psicóloga Leda Cosmides, marido e mulher, da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara. Evitando deliberadamente o polêmico rótulo de sociobiologia, eles - e outros - desenvolveram uma teoria da mente humana segundo a qual a mente era composta de domínios específi­ cos que haviam originalmente evoluído como resposta adaptativa ao Ambiente da Adaptação Evolucionária: o ambiente em que o ha mo sapiens sapiens teve origem como espécie (muito provavelmente as savanas das terras altas do Vale do Rift na África Oriental). As características definidoras da mente humana eram assim origi­ nalmente adaptativas (elas melhoraram a aptidão da espécie ou potencial para sobre­ vivência), mas no contexto contemporâneo elas podem ser muito bem mal-adaptativas. Novamente, pareceria haver boa razão para que os antropólogos acolhessem isso como conhecimento positivo nessa área - mas até agora a pesquisa desses estu­ diosos é muito inconclusiva e fragmentada para ser útil aos antropólogos. Além dis­ so, embora vários psicólogos evolucionários tenham tentado explicar aínter-relação entre evolução biológica e mudança cultural (Boyd e Richerson 1985; Durham 1991), a escola ainda não desenvolveu uma teoria da mudança cultural, o que a faz parecer singularmente ínapropriada no mundo em rápidas mudanças de hoje. Considerando tudo, e apesar dos inúmeros aperfeiçoamentos, a maioria dos an­ tropólogos ainda via a psicologia evolucionária como uma forma de reducionismo biológico, e ela não conseguiu fazer avanços maiores na corrente predominante da antropologia social e cultural durante a década de 1990. No entanto, parece seguro concluir que os contatos entre antropólogos e biólogos foram revitalizados durante os anos 1990. Os biólogos passaram a compreender cada vez mais que a linguagem, a autoconsciência, o mito e o ritual eram fenômenos complexos, caracteristicamente

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humanos que não podiam ser simplesmente vistos como elaborações sobre compor­ tamento primata genérico. Os antropólogos, por sua vez, admitiram em grande parte que a teoria da tábua rasa da socialização humana é insustentável, e muitos começa­ ram pelo menos a questionar a separação a priori das ciências naturais e sociais. Hoje, quando são feitos investimentos substanciais nas ciências biológicas e programas de pesquisa abrangentes são realizados, talvez seja apenas uma questão de tempo até que as fronteiras interdisciplinares tradicionais sejam questionadas ainda mais.

Globalização e a produção da localidade Por algum tempo, durante a década de 1990, dificilmente uma conferência im­ portante na área das ciências sociais deixava de incluir a palavra “globalização” em seu título. Antes do fim dos anos 1980 o termo praticamente não era usado (Robertson 1992: 8); de repente, ele passou a fazer parte do vocabulário do dia-a-día. Muitos antropólogos trabalhavam no sentido de definir o campo e desenvolver novos pro­ gramas de pesquisa, novas revistas começaram a ser editadas (como Public Culture, sediada em Chicago) e livros era grande quantidade foram publicados, freqüentemente com palavras como “Global”, “Cultura”, “Modernidade” e “Identidade” em seus títulos. O volume editado mais influente foi Global Culture {1990), de Mike Featherstone, seguido por Modernity and Identity (1991) de Scott Lash e Jonathan Friedman, Modernity and Self-Identity ( 1991 ) do sociólogo Anthony Giddens, Cultural

Complexity ( 1992) de Ulf Hamierz, Global Identity and Cultural Process ( 1994) de Friedman e Modernity at Large ( 1996) de Arjun Appadurai, para mencionar alguns dos mais lidos. O termo globalização pode ser provisoriamente definido como qualquer proces­ so que toma irrelevante a distância geográfica entre locais. A difusão por todo o mundo, digamos, dos conceitos de direitos humanos, padrões de consumo, tecnolo­ gias da informação, música pop e ideologias nacionalistas pode ser descrita como um processo de globalização, como também o podem os fluxos de capital internacional, a pandemia da AIDS, o tráfico de drogas e de anuas, o crescimento de redes acadê­ micas transnacionais em antropologia, ou os movimentos migratórios através dos quais, por exemplo, comunidades caribenhas se estabelecem na Inglaterra. Tais pro­ cessos dependem claramente do desenvolvimento de infra-estruturas de escala glo­ bal (redes de transporte de longa distância, tecnologias de comunicação modernas, etc.), embora os antropólogos sejam rápidos em dizer que os efeitos socioculturais de, digamos, passagens aéreas baratas, televisão por satélite ou a Internet sejam im­ previsíveis e altamente diversos.

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A novidade da globalização tem sido debatida dentro e fora da antropologia. Alguns afirmam que as redes econômicas, políticas e religiosas de grande alcance em escala regional ou mesmo continental existem há séculos, enquanto outros sus­ tentam que fenômenos como a emergência de sociedades urbanas poliétnicas no Oci­ dente, a propagação de sistemas educacionais modernos no Terceiro Mundo, a disse­ minação global de estilos de vida e de ideais políticos ocidentais ou a crescente politização de identidades étnicas essencializadas merecera ser considerados como ver­ dadeiramente novos, ditando novas agendas para a teoria e o método na antropolo­ gia. Para estes autores. Refercm-se a si mesmos..., não há dúvida de que a velocidade e o volume dos modernos fluxos de informação, de pessoas e de bens não têm prece­ dentes na história humana; não obstante, redes de longa distância ligadas ao comér­ cio, parentesco, intercâmbio ritual e conflito político provavelmente existiram numa escala muito menor - desde que a própria sociedade existe. Embora possa parecer trivial, nós também sentimos a necessidade de enfatizar a distinção entre globalização em si - um complexo de processos socioculturais efeti­ vamente em curso, com raízes históricas estendendo-se até o colonialismo e além, e estudos de globalização - um conjunto de abordagens antropológicas desses proces­ sos que alcançaram proeminência durante os anos 1990. Quanto à “globalização em si”, o fato de maior destaque do período pós-guerra foi sem dúvida a queda da Corti­ na de Ferro. Para a antropologia esse acontecimento teve repercussões extensas e profundas. Primeiro, como mencionado acima, antropólogos ocidentais e orientais começaram imediatamente a trocar idéias em congressos e conferências, esforçando-se para compreender a concepção que uns e outros tinham da disciplina. Segundo, e ainda mais fundamentalmente, toda uma região etnográfica nova se “abriu” para a investigação antropológica. Seu passado recente comum havia estabelecido uma cer­ ta medida de coletividade em toda essa região (materializada, por exemplo, em con­ venções burocráticas, educacionais e científicas, na ideologia e na memória social), sobrepondo-se a um mosaico de tradições locais das mais variadas origens, que se impunham com força renovada sobre o colapso súbito da autoridade central. Para os antropólogos ocidentais que quase em seguida empreenderam trabalho de campo na “região pós-socialista”, essas condições pareciam suficientemente especiais para es­ timular o desenvolvimento de um conjunto de abordagens teóricas e metodológicas inovadoras. Assim, em 1991, a antropóloga americana Katherine Verdery publicou o influente artigo “Theorizing Socialism: A Prologue to the ‘Transition’”. Baseando-se nas pesquisas de um grupo de antropólogos ocidentais que haviam realizado trabalho de campo na região antes de 1989 (ver Halpem e Kideckel 1983 para uma síntese), na obra de estudiosos europeus orientais (como o economista húngaro János

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Komai) e (surpreendentemente) nas teorias de Karl Polanyi (capítulo 5), Verdery de­ senvolve aqui um modelo holístico da sociedade “socialista” p ré-1989, modelo que descreve essa sociedade como um tipo social histórico distinto, com certas seme­ lhanças com o feudalismo. Pesquisas posteriores em parte seguiram o modelo de Verdery (ver Humphrey 1996/1997) e em parte desenvolveram-se seguindo rumos diferentes (ver Ries 1997), Não obstante, a perspectiva da antropóloga americana continua dominante nos estudos da região. Esse exemplo serve para ilustrar vários pontos e ao mesmo tempo para introdu­ zir-nos ao estudo antropológico da globalização. Por um lado, vemos um processo de globalização socioeconômico que leva à derrocada de um sistema político regional. Por outro, vemos antropólogos (eles próprios agentes da globalização) penetrando num “campo” novo e intato, definindo-o como uma “região etnográfica”, formando alianças com estudiosos locais e tentando estabelecer uma respeitável “tradição re­ gional de escrita etnográfica” (ver p. 175 acima). Assim, um processo de globalização removeu as barreiras em tomo da região, mas os antropólogos ocupam-se em locali­ zar a si mesmos dentro dela, afirmando a singularidade da região e desenvolvendo uma teoria talhada especificamente para ela. Paradoxalmente, porém, a própria teo­ ria assim desenvolvida se ocupa pouco com a globalização, Com efeito, sua ênfase sobre tipologias e mecanismos de integração social reporta-se aos anos 1970 e antes. Naturalmente, essa propensão tipo lógica reforça ainda mais o argumento de que a re­ gião é realmente singular, e assim objeto legítimo de estudo para um novo subgrupo de antropólogos. Como vemos, a globalização tem efeitos locais imprevisíveis e que podem ser autônomos na medida em que se opõem diretamente à globalização. Esse entendi­ mento foi um ponto de partida importante para os estudos de globalização que apare­ ceram na antropologia durante os anos 1990. O interesse antropológico pela globalização não surgiu num vácuo. Os estudos de etnicidade e nacionalismo realizados na década de 1980 (capítulo 8) anteciparam claramente a escola da globalização, na medida em que o nacionalismo foi por defi­ nição um fenômeno associado à modernidade e ao Estado, e em que os movimentos étnicos também estiveram em grande parte associados à mudança e à modernização. Do mesmo modo, existem continuidades claras com o interesse dos anos 1970 em Economia Política (capítulo 7). Com efeito, dois grandes homens dessa escola, Eríc W olf (aluno de Stewárd) e Peter Worsley (aluno de Gluckman), haviam publicado li­ vros importantes no início da década de 1980 (Wolf 1982; Worsley 1984) abordando aspectos culturais do capitalism o global e - especialm ente no caso de W orsley a globalização da modernidade. Recuando ainda mais, existem continuidades com a

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teoria marxista-leninista do imperialismo, com a tradição dos estudos do campesina­ to capitaneada pela Escola de Chicago e Steward, e com os estudos de modernização da Escola de Manchester. Essas continuidades se refletem com muita clareza na influente obra do antropó­ logo sueco U lf Hannerz: enquanto sua primeira monografia (1969) foi um estudo da vida no gueto americano, em grande parte na tradição de Chicago, e sua primeira obra teórica importante (1980) foi uma avaliação da antropologia urbana, sua contri­ buição mais importante nos anos 1990 foi uma análise do campo, dos métodos e dos potenciais dos estudos de globalização (Hannerz 1992). Neste último volume o con­ ceito de cultura foi redefinido para significar fluxo, processo e integração parcial, em vez de sistemas de significado estáveis e demarcados. Esse conceito de cultura era compatível com as sensibilidades pós-modemistas ainda dominantes, como o era a definição de globalização de Hannerz - aspectos de modernidade globais, e não uma “aldeia global” monolítica. Esses ajustes tomaram os estudos de globalização mais palatáveis do que a antropologia tradicional, mas foram também talhados para com­ preender um mundo em que todos culturais limitados e estáveis eram nitidamente não predominantes. Hannerz cunhou o termo “crioulização cultural” para descrever a mescla de duas ou várias tradições anteriormente discretas; outro tenno freqüentemente empregado para denotar o mesmo fenômeno era “hibridismo cultural” (Modood e Werbner 1997). .Finalmente, como quase todo antropólogo que escreve nesse campo, Hannerz enfatiza que os processos globais gerais têm conseqüências locais específicas. A glo­ balização não necessariamente implica o desaparecimento de diferenças culturais lo­ cais; em vez disso, trava-se uma batalha com resultados imprevisíveis e, com fre­ quência, altamente criativos. Com efeito, o neologismo glocalização foi proposto para ressaltar o componente local nos processos de globalização. No entanto, o pa­ drão de variação cultural numa era de fluxo intensificado e contato além-fronteiras se toma radicalmente diferente do “arquipélago de culturas” antevisto na antropologia cultural clássica (cf. Eriksen 1993 b). Para antropólogos como Hannerz, os estudos de globalização eram portanto sim­ plesmente uma extensão das pesquisas existentes para um novo contexto empírico de telecomunicações globais e de imigração em expansão. Para outros, a globalização parecia levantar inúmeras questões novas, a que eles respondiam com formulações teóricas inovadoras. Um exemplo deste segundo grupo é a “teoria de rede de atores” proposta por Bruno Latour (ver p. 196). Originalmente desenvolvida num estudo de prática cientí­ fica, a ênfase dessa teoria sobre “híbridos” e sobre os processos de “tradução” que

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ocorrem quando pessoas, objetos ou idéias fluem de contexto a contexto parecia idealmente apropriada para um mundo globalizado. Quando desdobrada metodolo­ gicamente de acordo com as linhas sugeridas pela teoria de rede clássica (capítulo 5) e inspirada teoricamente pelas fecundas discussões sobre a teoria da troca realizadas durante os anos 1990, a teoria de rede de atores se toma uma ferramenta fonnidável para análise de processos globais. Arjun Appadurai é outro antropólogo que contribuiu substancialmente para uma teoria da globalização. Em seu volume editado em 1986 sobre antropologia econô­ mica ele desenvolve idéias de transformação de valor em redes globais que lembram as redes de Latour e, como no caso de Latour, inspiradas em última análise por preo­ cupações fenomenológicas. Então, em 1995, Appadurai publicou o artigo “The production of locality”, onde propõe que as sociedades humanas sempre viveram tensões entre processos locais e globais, na medida em que toda sociedade precisa necessariamente interagir com seu contexto. “A produção de locais”, cuja lealdade assegurará que a comunidade local não seja tragada por seu contexto, toma-se assim uma preocupação fundamental de todas as sociedades, do mesmo modo que a tensão entre interesses locais e globais se toma uma preocupação fundamental de todos os indivíduos. Baseado nisso, Appadurai propõe uma revisão radical dos estudos antropológicos do ritual em que o ritual funcionaria, acima de tudo, como um instrumento para “produzir localidade”. Ve­ mos aqui mais um exemplo de uma construção teórica que relaciona um subcampo potencialmente marginal na antropologia a questões clássicas de investigação antro­ pológica, como troca ou ritual. Embora as pesquisas sobre globalização fossem em grande parte uma especiali­ dade anglófona (como que para confirmar indiretamente alegações de que a “globali­ zação cultural” era equivalente a americanização), algumas das contribuições mais importantes para o campo foram dadas pelo antropólogo francês Marc Augé, que ha­ via estudado ritual e política na África Ocidental, em grande parte num modo estru­ tural marxista, durante a década de 1960. Em pequenos estudos etnográficos do me­ trô de Paris e dos Jardins de Luxemburgo (Augé 1986, 1985), e de modo mais influ­ ente em seus livros teóricos posteriores, inclusive Non-lieux (1991; Non-Places, 1995), Augé analisou o destino das noções antropológicas clássicas de lugar, cultura, sociedade e comunidade na era pós-modema de fluxo e mudança. Afirmando que a estabilidade do “lugar” não podia mais ser tomada como fato consumado nesse mun­ do inconstante, Augé tem muitas preocupações semelhantes às de Appadurai (ver Appadurai 1996). Numa obra que lembra a do seu conterrâneo pós-moderno Jean Baudrillard, Augé analisa sonhos e a imaginação sob diferentes regimes informado-

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nais, baseando-se em suas pesquisas anteriores na África Ocidental e também em elaborações globais recentes. O parentesco entre os estudos de globalização e o desconstrucionismo pós-modernista ficou evidente na obra de vários antropólogos, talvez de forma mais marcan­ te em Partial Connections (1991), de Strathem. Ele sustentava que nem sociedades nem sistemas simbólicos são todos coerentes, e citou pesquisas sobre globalização (especialmente Hannerz) favoravelmente em apoio a seus argumentos. A multiplici­ dade de vozes, a remoção de distinções claras entre “culturas” ou “sociedades”, a ati­ tude eclética com relação ao método de pesquisa e a insistência de que o mundo era habitado por híbridos (objetos, pessoas ou conceitos, conforme o caso), foram algu­ mas das noções em comum. Alguns dos principais antropólogos pós-modemos, mais notoriamente George Marcus, defenderam estudos comparativos de modernidade como arcabouço apropriado para uma antropologia atualizada e reflexiva. Para al­ guns, os estudos da interface global-local, os paradoxos da reflexividade cultural ge­ neralizada e a difusão global dos ícones e instituições de modernidade forneceram uma base empírica sólida para as elevadas e muitas vezes puramente teóricas postu­ lações dos pós-modemistas. Apesar das muitas continuidades com tradições de pesquisa já existentes, a emergência dos estudos de globalização (ou estudos comparativos de modernidade) podem significar o último suspiro das noções antropológicas clássicas de “cultura” e “sociedade” que vêm mostrando tenacidade extraordinária diante das críticas quase contínuas desde a década de 1960. A razão disso não é tanto o valor intrínseco das teo­ rias de globalização em si, mas o fato de que essas teorias dirigem nossa atenção para uma realidade empírica, onde mesmo a categoria ideal de sociedade ou cultura está­ vel, isolada, “autêntica” parece cada vez mais anacrônica. Os modelos ator-rede exa­ minados rapidamente acima talvez sejam a pré-estréia do tipo de concepções que por fim substituirão os conceitos clássicos. Eles retratam um mundo de “conexões par­ ciais”, de “objetos discursivos” em constante mudança e hibridaçâo empregados e ordenados por portadores humanos com idéias reflexivas de sua própria identidade, em que idéias de “cultura”, derivadas da antropologia, podem figurar com destaque. Povos nativos como os samis do norte da Escandinávia e muitos grupos nativos nor­ te-americanos debatem ativamente os méritos relativos dos estudos etnográficos de suas culturas; pessoas em Trinidad podem ter familiaridade com a teoria do pluralis­ mo cultural de M.G. Smith (1965); aborígenes australianos baseiam-se ativamente na etnografia clássica ao apresentar sua “cultura” às autoridades; ilhéus do Pacífico reservam-se direitos autorais sobre seus rituais para impedir que antropólogos os di­ vulguem através de vídeo. Nessa era de reflexividade cultural generalizada, os antro-

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pólogos podem acabar na situação tipicamente “híbrida” de estudar não a cultura de outro povo, mas representações quase antropológicas da cultura desse povo. Nem todos na disciplina participaram do entusiasmo súbito pelos estudos de glo­ balização. Para alguns, foi algo como as novas roupas do imperador: a globalização foi apenas um nome de fantasia para o neo-imperialismo, depurado de sua dimensão polí­ tica. Conquanto seja verdade, porém, que a preocupação com as relações de poder te­ nha se mostrado variável nas pesquisas sobre globalização, eia não esteve ausente. O poder é uma questão fundamental na obra de Appadurai e também no influente corpo de trabalhos de pesquisa sobre modernidades comparativas produzido ou estimulado por John e Jean Comaroff na Universidade de Chicago (ver, por exemplo, Comaroff e Comaroff 1993). Inspirados por obras sobre poder e “resistência” (capítulo 7) de auto­ res como James C. Scott (1985), Anthony Giddens (1979), Eric W olf (1969) e finalmente Marx, os Comaroffs sustentaram, inter alia, que rituais tradicionais, como a fei­ tiçaria, podem - sob o impacto do stress extremo inerente aos processos globais - so­ frer uma mutação para fonnas virulentas que estimulam a violência de massa. Outras objeções dirigidas contra os estudos de globalização foram que a antropo­ logia deve continuar enfatizando o local e único, e que os “profetas” da globalização exageraram o alcance da modernidade. Entretanto, como mostramos acima, reco­ nhecer a existência de inter-relações globais não impede manter-se a atenção voltada para o local - na verdade, as culturas locais fragmentadas do mundo globalizado pa­ recem atrair uma abordagem particularista, boasiana até. De fato, os antropólogos mais renomados associados à tradição do relativismo cultural nas últimas décadas do século vinte, especificamente Geertz e Sahlins, escreveram ambos ensaios que situa­ ram criteriosamente a investida ou, pelo menos, o impacto da modernidade sobre so­ ciedades anteriormente tribais e tradicionais, no contexto maior de seus respectivos projetos. Sahlins escreveu sobre as ironias da política da identidade na Melanésia: “como o nova-guineano disse ao antropólogo: se não tivéssemos kastom (costume), seríamos iguais aos brancos” (1994: 378). Ele também descreveu a comercialização e a politizaçâo de identidade no Pacífico, desdenhando a cultura comercial “havaia­ na” apresentada aos turistas por havaianos que recriam a si mesmos “à imagem que outros fizeram deles” (p. 379). Entretanto, dando continuidade à sua obra preceden­ te, ele então enfatizou que “o que precisa ser estudado etnograficamente é a indigenização da modernidade - ao longo do tempo e em todos os seus altos e baixos dialéti­ cos” (p. 390). Geertz, num teor bastante semelhante, escreveu que diferenças “sem dúvida permanecerão - os franceses jamais comerão manteiga com sal. Mas os bons velhos tempos de queima de viúvas e de canibalismo se foram para sempre” (1994: 454). Ele no entanto não via contradição entre o surgimento de um mundo inteiriço

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de conexões (contraposto a um mundo descontínuo de culturas autônomas) e seu programa geral de pesquisas, que ele resumiu, num lugar, como “captando a guinada da mente estrangeira” (p. 462). Ambos esses ensaios passaram uma sensação de desconforto, revelado indireta­ mente através do extenso uso da ironia. Tanto Geertz como Sahlins admitiam que uma era havia passado, falando da era contemporânea como “pós-modema”, usando o termo descritivamente para denotar fragmentação, modernidade reflexiva e fron­ teiras confusas.

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U m a das monografias de graduação mais populares na antropologia nas últimas décadas do século vinte foi o pequeno volume de Napoleon Chagnon sobre os ianomâmis, habitantes das densas florestas tropicais nas fronteiras do Brasil com a Vene­ zuela. The Fierce People (1968; 5a edição, 1997) descreveu uma cultura dominada pela violência, guerreira, "neolítica”, cuja organização social (aldeias baseadas no parentesco propensas à divisão) e beligerância foram explicadas tendo como ponto de referência teorias darwínianas de seleção natural; a divisão das aldeias quando cresciam demais e não conseguiam mais se manter coesas por proximidade genética, e a guerra, causada por competição entre os homens por mulheres, selecionadas dire­ tamente para os mais aptos. No outono de 2000 outro especialista em povos da Amazônia, Terence Turner, leu as provas de um livro prestes asair sobre os ianomâmis, escrito pelojomalista investigativo Patrick Tiemey (2000). No livro ele apresentava algumas críticas muito sérias dos pesquisadores que trabalhavam entre os ianomâmis, tendo como alvo es­ pecialmente Chagnon e a equipe com a qual ele havia colaborado no fim dos anos 1960. Alguns pontos por ele levantados continuam sendo debatidos neste momento, mas a controvérsia acalorada gerada na antropologia americana revela a contínua existência de algumas linhas divisórias importantes que definem a disciplina pelo menos desde Boas. Turner, cuja obra sobre os caiapós era influenciada por sensibilidades pós-modemas e procurava situá-los historicamente, além de analisar - em seus artigos mais lidos - sua política de identidade moderna emergente, reagiu imediatamente aos ar­ gumentos de Tiemey. Ele escreveu à presidente da AAA, prevenindo-a de que um grande escândalo que afetava toda a disciplina estava em andamento. Casualmente, seu e-rnail para a AAA vazou, e em questão de dias milhares de antropólogos conhe­ ciam seu conteúdo. Embora algumas alegações de Tiemey, especialmente a de que o geneticista James Neel, Chagnon e outros membros da equipe deles propagaram

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mais ou menos deliberadamente o sarampo entre os ianomâmis, acabassem sendo um equívoco, ele tinha outras acusações a fazer. Entre outras coisas, ele afirmava que Chagnon havia cbantageado os ianomâmis para que lhe dessem informações sigilo­ sas sobre parentesco e que havia incentivado ardorosamente alguns atos de violência que ele então filmou como parte de sua documentação sobre a “ferocidade” desses índios. Durante algum tempo a pesquisa de Chagnon sobre os ianomâmis fora ques­ tão polêmica entre especialistas que haviam apontado fraquezas metodológicas (Ferguson 1995) ou ressaltado outros aspectos da sociedade ianomâmi (Lizot 1984), mas os indícios de que ele havia praticamente forjado alguns de seus dados, além de ter agido de modo profundam ente antiético, desembocaram num escândalo de enonnes proporções, comparável à hostilidade enfrentada por outro antropólogo de orienta­ ção biológica quase duas décadas antes, Derek Freeman. Em novembro de 2000, quando a AAA organizou um painel especial sobre o livro de Tiemey durante sua conferência anual, Chagnon recusou-se a participar porque suspeitava que o encon­ tro atingiria proporções de linchamento público. Nisso, é possível que ele estivesse certo. A AAA era dominada por relativistas culturais, os quais, em sua maioria, provavelmente desconfiavam não só da ética de campo de Chagnon, mas também do seu universalismo darwiniano, e apoiariam com satisfação qualquer proposta de punição (para não dizer castração profissional) por uma ou outra dessas razões, ou por ambas. Seja como for - e a poeira ainda não bai­ xou no momento em que fazemos este relato - o caso, e especialmente os perfis dos seus principais protagonistas, realçou duas tensões que parecem perenes na antropo­ logia do século vinte. Primeira, havia a questão natureza versus educação. Para Chagnon, o comportamento cultural estava estreitamente ligado à programação ge­ nética; para Tumer, ele era em grande parte autônomo e irredutível à biologia. O con­ flito entre os dois parecia uma reedição do antigo confronto entre relativismo e uni­ versalismo, com Tum er no papel do cavaleiro boasiano, subjugando o dragão da maldade do darwmismo, cuja conversa macia sobre genes e seleção natural escondia um coração enegrecido pela eugenia, pelo racismo e pela purificação étnica. Segun­ da, havia a questão da autenticidade cultural e de sua relação com a ética profissional - que substitui o “dragão de fogo” pelo cientista obcecado que quer obter seus dados a qualquer preço. A popularidade do livro de Chagnon deveu-se em grande medida à descrição que ele faz de uma cultura “prístina” incontaminada pela modernidade. Durante os anos 1990 os ianomâmis negociaram direitos sobre a tema com autorida­ des brasileiras e venezuelanas, foram marginalizados pela afluência de mineradores de ouro e apresentaram sua causa no horário nobre da televisão em todo o mundo. Entretanto, Chagnon não considerou tarefa sua ajudá-los a fazer a transição para um

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modo de vida semimodemo. P ei: : cnirino, sua idéia de “mundo tribal” era a de um laboratório para pesquisas eierrvcas. pelo menos em parte. Assim, no debate, formou-se grande alvoroço em tomo do fato de Chagnon, ao coletar genealogias, impri­ mir números com tinta indeles e: nc braço das pessoas, uma prática que lembrava o tratamento dado aos prisioneiros nos campos de concentração de Hitler. A obra de Tumer sobre os caiapós, ao contra-o. descrevia a cultura caiapó como uma mescla dinâmica, híbrida. Na concepção de Tumer, para sobreviver como grupo, eles preci­ savam adaptar-se às circunstâncias modernas e - paradoxalmente—essa necessidade de modernização era precondição p ara sua sobrevivência cultural. Entre outras coi­ sas, ele os incentivou a aprender português e os ensinou a usar câmeras de vídeo para que levassem sua causa à atenção do mundo. Esse debate acalorado, que aconteceu quase exclusivamcnte no ciberespaço nos me­ ses finais de 2000, revelou uma comunidade antropológica que estava profundamente dividida sobre questões de teoria, métodos e ética profissional. Com o “caso Chagnon”, a antropologia do século vinte havia chegado a um fim sem chegar a uma conclusão. Métodos, conceituações e programas de pesquisa mudam. As fronteiras entre an­ tropologia e outras disciplinas são extremamente imprecisas em certas áreas; as duas grandes famílias de concepções analisadas neste último capítulo, por exemplo, são claramente interdisciplinares: os estudos de globalização relacionam-se com teoria política, geografia humana, macrossociologia e história; as abordagens evolucioná­ rias associam-se à psicologia, à biologia e à neurologia. Além disso, o ecletismo na teoria e no método tem sido característica das duas últimas décadas do século vinte. No entanto, ainda é possível dizer que algumas tensões clássicas da antropologia, di­ ferenças que fizeram diferença (frase de Bateson) e que definiram o espaço dentro do qual a antropologia aconteceu, permanecem intactas. Em primeiro lugar, ainda faz sentido distinguir entre antropologia como ciência generalizadora (modelos: Harris, Gellner) e antropologia como uma das humanida­ des que busca mais a riqueza inteipretativa do que a precisão (modelos: Clifford, Strathem). Segundo, também faz sentido (apesar de haver muitos estudos influentes de uma área para outra) distinguir entre antropólogos de sociedade concentrando-se sobre agência, estrutura social, política (modelos: Barth, Wolf) e antropólogos de cultura concentrando-se em símbolos, estruturas mentais, significado (modelos: Lévi-Strauss, Geertz). Evitamos intencionalmente aqui os tennos antropologia “so­ cial” e “cultural”, que em geral se referem à divisão americano-européia e que ape­ nas parcialmente coincide com essa distinção. Terceiro, como em parte sugere o caso Chagnon, ainda é perfeitamente razoável distinguir entre abordagens que vêem a so­ ciedade e a cultura principalmente como fenômenos históricos (como estudos de glo-

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balizaçâo) e abordagens que procuram principalmente estruturas e padrões atempo­ rais, imutáveis (como o neodarwinismo). Muitos antropólogos, se não a maioria, estão na encruzilhada de uma, duas ou de todas essas três polaridades, mas quase todos sentem a força magnética dos pólos e às vezes são forçados a assumir uma posição. O próprio Boas oscilou entre ambições ci­ entíficas e humanísticas em nome da disciplina, e o seu relativismo cultural é muitas vezes destacado a ponto de obscurecer suas fortes crenças nas pretensões científicas da antropologia. Outras dualidades que definem as fronteiras da matéria também poderiam ser propostas: primitivismo (antropologia modernista) versus estudos comparativos de modernidades; neodarwinismo e outras abordagens materialistas versus fenomenologia e antropologia reflexiva; buscas do único versus buscas do universal. Numa controvérsia famosa em meados dos anos 1990, Sahlins e o antropólogo Gananath Obeyesekere, natural do Sri Lanka, debateram a universalidade e a relatividade na agência. Em sua obra sobre a história havaiana Sahlins (1981, 1985) sustentou que o Capitão Cook fora assassinado, naquele dia fatídico de 1779, porque os havaianos o haviam integrado a um mito e ele fracassara em seguir o roteiro desse mito. Contes­ tando esse ‘‘exotismo”, Obeyesekere escreveu um livro inteiro onde afirmava que Sahlins havia exagerado a “alteridade” dos havaianos, que provavelmente eram esti­ mulados pelas mesmas motivações universais, pragmáticas e em ultima análise psi­ cológicas como todo mundo (Obeyesekere 1992). Sahlins respondeu com outro livro em que defendia sua visão em grande detalhe (Sahlins 1995). Um debate muito me­ nos personalizado e agressivo do que algumas outras controvérsias recentes em an­ tropologia (como a de Gellner versus Said, Freeman versus Mead, Turner versus Chagnon), o intercâmbio cheio de nuanças e sem sensacionalismo entre tão respeita­ dos professores revelou que, mesmo no centro da antropologia cultural americana, existem profundas divergências a respeito da essência da humanidade, dignas de ar­ gumentos que exigiriam todo um livro. Na medida em que as tensões esboçadas acima não foram resolvidas, o espaço intelectual que definia a antropologia permanece intacto, apesar do “fim do Moder­ nismo”. A idéia do primitivo pode ter passado, e a noção de um mundo de culturas discretas pode ter se tomado obsoleta; mas as grandes questões - “O que é socieda­ de?”, “O que é cultura?”, “O que é um ser humano?” e “O que significa ser um ser hu­ mano?” - continuam sem respostas. Ou antes: elas continuam sendo respondidas de modos conflitantes. A disciplina só poderá prosperar se esses conflitos se tomarem suficientemente explícitos, pois como este livro espera ter mostrado, a antropologia, ao longo de toda sua história, sempre dependeu da controvérsia para desenvolver no­ vas perspectivas e novos conhecimentos.

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INDICE REMISSIVO*

Abolição da escravatura. 28 Abu-Lughod, Lila, 170, 176 aculturação, 109 Adorno, Theodor, 138 África do Sul, 13, 106 foco regional sobre, 59, 89s. 133s sociedades africanas, tipos de, 89s urbanização no sul, 106s

América Latina antropologia na, 132 como região etnográfica, 97, 101, 133 América do Sul estudos antropológicos na, 77, 133 trabalho de Lévi-Strauss na, 77,128 Américas, descobrimento e conquista das, 13-15

agência, conceito de, 156s

Amin, Samir, 145

agricultura primitiva, 30s

análise componencial, 123

ajuda ao desenvolvimento para o Terceiro Mundo, 183s

Anderson, Benedict, Imagined Communities, 186

Alemanha, lingüística comparativa. 37, 39s, 50s difusionismo, 39-42 hermenêutica na, 46

antropologia anos 1930, 69-72 anos 1980, 163-168 americana, 28s, 37s, 67, 179-181 antropólogos na, 73-75, 84s britânica, 28s, 51, 66 cognitiva, 124 cultural como central, 52s, 93, 115s debates centrais da, 95-98, 104s, 119s, 130-133, 158-162,211-214

influência de Bastian na, 190s nacionalismo, 23 tradição racionalista, 16s Romantismo na, 22-25 sociologia na, 28-30 Alexandre o Grande, 12 alienação, teoria marxista da, 136 Althusser, Louis, 139s, 156, 171

’ 'w.;ir3çílaó? por Auriol Griffith-Joaes.

definição de Mauss da, 62s diversidade na, 132-134,163-165, 213s

H

242

is t ó r ia d a a n t r o p o l o g ia

domínio de Boas na, 51-55,73s, 83-85 e ciências naturais, 183, 185, 195-202 ecletismo teórico, 167,213s econômica, 90s, 103,112,136s, 183,195 “em casa”, 65, 193 especialização na, 53 evolucionária, 201

Associação Européia de Antropólogos Sociais (Easa), 68. 96, 189

física, 49 francesa, 75, 77, 165s forasteiros na, 91s impacto do estruturalismo de Lévi-Strauss sobre a, 130-132 institucional, 123 internacionalização da, 134 marginalismo da, 51, 70-72 médica, 112, 184, 186 microssociológica, 62, 81, 115, 120 na Espanha, 133 na Holanda, 68, 133 neo-evolucionismo na, 83, 96s, 193 política, 112-114, 186 psicológica, 78, 80s, 184 social, 98, 119 subcampos da, 185-187 tradições nacionais da, 37s, 50s, 66-68 urbana, 84, 146, 165, 205

Augé, Marc, 141, 206 Non-Places, 206

Appadurai, Arjun, estudos de globalização, 206 Aquino, Tomás de, 16 Archetti, Eduardo, 148 Ardener, Edwin, 149-151,164,172, 178s sobre modernismo e pós-modemismo, 171-174 Ardener, Shirley, 150 '■nina, antropologia acadêmica na, 133 Antropológica Americana j 8 , 96,175, 189

ativismo político anos 1960-1970, 135s ator, metáfora do (Teoria do papel), 115-117 Teoria de Rede do Ator. 196, 205,207 Atran, Scott, 198

Austrália (Sidnei), 62 Áustria, 41 autoridade em Weber. 46-48 Bachofen, Johann Jakob, 34 Bailey, Frederick, 109, 112, 164 Balandier, Georges, 98, 133, 138 Bali, trabalho fotográfico de Mead e Bateson em, 75, 79, 93 Balibar, Étienne, 139 Barnard, Alan, 180 Barnes, John, 108, 112 análise de rede, 112 Barth, Fredrik, 48, 109, 114s, 132, 156, 171,180 Cosmologies in the Making, 165 Ethnic Groups and Boundaries (ed.), 115,154 Models o f Social Organization, 114

Political Leadership among Swat Patlians, 112 Barthes, Roland, 130, 171 Bastian, 33s, 48, 54 Bataille, Georges, 76 Bateson, Gregory, 74s, 92s, 116 teoria da comunicação, 93, 116 e funcionalismo, 93s

ÍN D IC E REMISSIVO

243

Mind and Nature, 164 Naven, 92s nos EUA, 74 uso da cibernética, 93, 116

lógica da prática, 89

Outline o f a Theory o f Practice, 157, 165 Bowen, Elenor Smith, ver Bohannan, Laura Boyer, Pascal, 199

Bateson, William, 92 Baudrillard, Jean, 63, 206 Bechuanaland (Botswana i. 91 Benedict, Ruth, 55, 67, 70s. 152

79. 92.

The Chrysanthemum and the Sword, 78s cultura e personalidade. 77-81.92s. 152

Brasil, antropologia acadêmica no, 134, 147,189 trabalho de Scheper-Hughes no, 185 Briggs, Jean, trabalho sobre os inuites, 151 Bromley, Yuliy, 190 Buda, Gautama, 11

Bergson, Henri, 50

Burma, trabalho de Leach sobre, 112-114

Berkeley, Universidade da California em, 55s, 74, 133, 152

caçadores-coletores, 30, 152, 193

Berlim, 25, 33 Berliner Museum für Völkerkunde, 26,33 Berlin, Brent, 198 Bhabha, Homi K., 174 biologia e antropologia, 156, 158, 200-202 evolucionária, 159-161 uso da cibernética em, 116 Birdwhistell, Raymond, 86, 158 Bloch, Marc, From Blessing to Violence, 167 Bloch, Maurice, 141 Boas, Franz, 30, 41,51,55 carneira, 51-53 influência de Bastian sobre, 33, 53-55 Bogoraz, Vladimir Germanovich, 41 Bohannan, Laura. Return to Laughter, 148 Bourdieu, Pierre, 63, 131, 156s habitus, 80, 157, 166, 194

Caillois, Roger, 76 Calloway, Helen. Anthropology and Autobiography (com Okely), 181 Calvinismo, 46 capitalismo, inícios do, 12s global, 204 caráter nacional, trabalho de Benedict sobre, 78-80 Caribe, como região etnográfica, 97, 101, 147 cerâmica, 31 Chayanov, Alexander, 84, 139, 148 Chicago Escola de, 83-86 simpósio “Man the Hunter” (1966), 102,132, 142 Radcliffe-Brown na, 62, 73s Universidade de, 82 China, 13, 185, 189 Chomsky, Noam, 200

244

cibernética, 93, 102, 116,154 e estruturalismo, 128 interesse de Rappaport pela, 143 cidades-Estado gregas, 10-12 européias medievais, 12s ciência cognitiva, 123, 197s de modelos formais, 112-115 e antropologia, 183, 185,195-202 e o Tluminismo, 19-22 inovações no século XIX, 49s internacionalização da, 28 livre da autoridade da Igreja, 14, 19 do parentesco, 86-90, 111 raça na, 5, 159, 200

cinema vérité, 76 civilização e cultura, 22s classificação comparativa, 124 das sociedades (Mauss), 43 e simbolismo, 121 s e sistemas de parentesco, 30s Clifford, James, 170, 176, 178s

The Predicament o f Culture, 177 Writing Culture (com Marcus), 177 Cohen, Abner. Customs and Politics in Urban Africa, 153 Two-Dimensional Man, 153 Urban Ethnicity (ed.), 153 Cohen, Anthony P. The Symbolic Construction o f Community, 155 coletivismo, 24 e teorias da mudança, 117 metodológico, 24 Colombo, Cristóvão, 13 colonialismo, 29, 49, 108 declínio do, 69s destribalização, 110, 153

H

is t ó r ia d a a n t r o p o l o g ia

e a escola Manchester-Salisbury, 108, 145-147 efeitos políticos do. 144 movimento pós-colortial, 172-175 português, 143s relações da administração com antropólogos, 71s. 145s Colson, Elizabeth, 108 Comaroff, John e Jean. 208 Comunicação intercultural, 86 não-verbal, 158 computadores, análise de dados, 124 Comte, Auguste, 34, 3 8 .42 conflito, e mudança construtiva, 47s obra de Gluckman sobre, 109s conexões transnacionais, 193 Confúcio, 11 Conhecimento aquisição de, 16s, 24, 197 como processo coletivo, 24 doxa e opinião, 157 e crença, 88 e discurso, 170 Conklin, Harold, 123 Conrad, Joseph, 56 construção da nação e formação do Estado, 30 contexto, 193s de pesquisa, 7ls importância do, 66s contrato e status, 34 cores, classificação, 124, 198 Cosmides, Leda, 201 Costa do Ouro (Gana), trabalho de Fortes na, 87-89 povo tallensi, 87s

Í n d ic e

245

r e m is s iv o

Costa do Marfim, 138 cristianismo e o fim do Impem: Romano, 12 cultos da carga, Melanesia, 1 T cultura camponesa, 25 como adaptação biológica. 159 e personalidade, 123s definições deKroeberda. 124. 133 definição de Tylor da. 35?. 48. 53 difusão européia da, 28 e biologia. 195-202 e civilização, 23, 36 e etnicidade, 153s e língua, 83 e nacionalismo, 186 função da, 99 limitada, 36s redefinida, 205 subsistemas de Steward, 100s visão pós-modemista da, 176s ver também difusionismo

Debate aliança-descendência, 104s, 129-131 natureza-educação, 77s, 95-97, 161s, 194s, 212 Declaração Universal dos Direitos Humanos, 96, 175 Deloria, Vme, Cus ter Diedfor Your Sins, 173 Derrida, Jacques, 63, 138, 156, 165,172 influência de, 179 Descartes, René, 15-17, 19 e matemática, 19 desconstrucionismo, 171s descrição e sistemas de parentesco, 30s desfamiliarização, 176 destribalização, 110, 153 determinismo biológico, 159, 200 ecológico, 143 tecnológico, 99s, 136 DeVos, George, 152 dialética, 25

dados empíricos, 35 etnocientífícos, 124 coleção de Kroeber, 8 1s

Diamond, Stanley, 100, 136 dicotomia sujeito-objeto, 172, 177, 183, 193 Diderot, Denis, 21

Dahlberg, Frances, Woman the Gatherer, 152

diferença cultural, 14 visão “objetiva” de Montesquieu, 20

Dakar-Djibuti, expedição a, 75s

difusionismo, 33, 37, 39-42 influência contínua do, 48, 66-68 lingüístico, 37

D ’Alembert, Jean Lc Rond, 21 DaMatta, Roberto, 189 Darwin, Charles, 28 darwinismo, 200 Dawkins, Richard, The Selfish Gene, 160

visão de Lowie do, 98 direitos humanos, 16, 96, 195 Declaração Universal dos, 96, 175 disciplina, conceito de, 158

246 Douglas, Mary, 120, 132, 164

Cultural Bias, 164 How Institutions Think, 164 Purity and Danger, 122 doxa e opinião, 156s Dumont, Louis, 44, 64, 132

Homo Hierarchies, 132, 140, 165 Dunn, Stephen P. Soviet Anthropology and Archaeology, 190 Durkheim, Émile, 42-45, 62, 198 Division o f Labour in Society, 43

Elementary Forms o f Religious Life, 44, 59 influência sobre a antropologia britânica, 5 1 Primitive Classification (com Mauss), 43 sobre o ritual, 120s Rules o f Sociological Method, 45 solidariedade social, 13,44s, 120s e estrutural-funcionalismo, 45, 58, 62 East African Institute of Social Research em Makerere (Uganda), 108,

112 economia política, 144-148 ecologia, 116s, 132, 143 cultural, 98-102, 143s e ajuda ao desenvolvimento, 183 e sociedade, 99-103

. H is t ó r ia

da

A n t r o p o l o g ia

empirismo e racionalismo, 15-17 enciclopedistas, 21 Engels, Friedrich, 31, 137 Epstein, A.L., 107

Ethos and Identity, 155 Escola de Frankfurt, 137s escolha e casamento, 129 na mudança social, 110 Estados Unidos, 9 anticomunismo nos, 96s, 99s, 117,136s antropólogos mudam-se para, 133s, 164 como cadinho, 84, 153 influência da sociologia nos, 42 pós-guerra, 96 estrutura e agência, 58s, 156 estrutural-funcionalismo, 45, 58-62 Douglas sobre, 164 escola inglesa, 86-89, 105s, 130s revitalização do, 131 s, 164 estudos camponeses, 73s, 101, 132, 144s, 167, 182s de globalização, 41, 203-208 do desenvolvimento, 147 do subdesenvolvimento, 147 Estrabão, geógrafo, 12 etnicidade, 107, 110, 136, 152-155 etnocentrismo, 17

Einstein, Albert, 49

etnociência, 123s

Elias, Norbert, 157

etnografia na Europa Central e Oriental, 190

Eliot, T.S., 38, 120 emoção e cultura, 78s no Romantismo, 22s ver também antropologia psicológica

definição de Mauss de, 63 russa, 36, 51, 190s tradições regionais na, 175s

247

INDICE REMISSIVO

etnolingüística (Sapir), 73. S2s

Fardon, Richard, 175

etnologia, definição de Mauss de. 63

Featherstone, Mike. Global Culture, 202

ethos (personalidade culturall. T3s. 117 na eugenia, 160, 200 Europa, 27, 49 Central, 189 emigração da, 27s Oriental, 189, 203 tradição racionalísta, 15s Evans-Pritchard, E.H., African Political Systems (com Fortes), 87. 89s. 119 no Cairo, 73, 91 crítica a Mead, 80 seguidor de Radcliffe-Brown. 59. 61, 110s “História e antropologia social'' (Marett lecture 1950), 119 influência de, 119, 171s Kinship and Marriage among the Niter, 119 Nuer Religion, 120 em Oxford, 6 1 ,87s, 96, 105 aluno de Malinowski, 61, 73. 88 The Nuer, 11, 112s Witchcraft, Oracles and Magic among the Azande, 88

feitiçaria trabalho de Evans-Pritchard sobre, 88s,

evolução cultural, 30, 38 estágios de Morgan da, 30s evolucionismo, 28s, 37s, 39-42,48s materialista, 81, 98s, 100 e neodarwinismo, 200 expedição ao Estreito de Bering, 41

112 trabalho de Gluckman sobre, 109s Feld, Steven. Sound and Sentiment, 167 feminismo, 50, 148-152, 168 radical, 134, 136 fenomenologia, 182, 184s fenômenos sociais, 45,127 Ferguson, James, 176 Fichte, Johann Gottlieb, 23 Fiji, trabalho de Hocart em, 91 Filipinas, trabalho de Rosaldo nas, 152 filme, uso de, 75s filosofia, objetivo da, 16s Firth, Raymond, 70, 91 aluno de Malinowski, 56, 61, 72s

Elements o f Social Organisation, 110 e mudança social, 110-112 formalismo de, 104 individualismo metodológico, 91, 104 naLSE, 90, 105, 111 obra sobre os maoris, 90, 103, 110 trabalho com Schneider, 125,133 We, The Tikopia, 90, 103, 110s Fischer, Michael, 176

Anthropology as Cultural Critique (com Marcus), 176s fluxos de informação, 116

Fabian, Johannes, 174, 176 Time and the Other, 174 Fanon, Frantz, 172, 174

Black Skin, White Masks, 172 The Wretched o f the Earth, 173

fontes de energia e mudança cultural, 98, 102 Forde, Daryll, 98, 119 na UCL, 90,91s, 105 trabalho com os yakos, 89, 98

248

H

is t ó r ia d a

formalismo, 103-105, 132, 139 em estudos étnicos, 154

Frobenius, Leo, 40

Fortes, Meyer, 70

funcionalismo, 139 Bateson e, 92s

African Political Systems (com Evans-Pritchard), 87-90 aluno de Malinowski, 59, 72s, 87 e debate aliança-descendência, 131s em Cambridge, 73, 105, 111 em Oxford, 87 ruptura com Malinowski, 87s seguidor de Radcliffe-Brown, 87s trabalho de campo, 87-89 trabalho na Costa do Ouro, 87s Fortune, Reo, 92

Sorcerers oj'Dobu, 91 fotografia, uso da, 75s Foucault, Michel, 130, 138, 157s, 165 discurso, 170s influência de, 167, 170s, 176, 179 Frake, Charles, 123 França, 9, 34 sistema acadêmico, 67s

A n t r o p o l o g ia

fronteiras étnicas, 154

de Malinowski. 57, 106 Gadamer, Hans-Georg, 181 Gaining, Johan; teoria estrutural, 145 Geertz, Clifford, 48, 82, 125-127, 171

Agricultural Involution, 102 e globalização, 207s influência de, 164. 177s obra sobre simbolismo, 102, 118, 164s The Interpretation o f Cultures, 127, 132 uso da ecologia cultural, 101s Works and Lives: The Anthropologist as Author, 177s Gellner, Ernest, 22, 165 crítica do pós-modemismo, 178s Nations and Nationalism, 186

Frank, Andre Gunder, 145

Ghana, trabalho de Fortes na, 87s trabalho de Goody na, 112

Frankenberg, Ronald, 184

Giddens, Anthony, 58, 156, 208

Frazer, Sir James, em Cambridge, 61,66, 73 apoio para Malinowski, 56 The Golden Bough, 38, 118

globalização, 155,202-209

Frederico III, rei da Dinamarca, 25 Freud, Sigmund, 38, 47,49 Fried, Morton H., 100, 142 Friedman, Jonathan, 144, 161

Global Identity and Cultural Process, 202 Modernity and Identity (com Lash), 202

século XIX, 49s “glocalização”, 205 Gluckman, Max, 70, 89, 108s, 136 em Oxford, 87 Escola de Manchester, 97,105, 107-110 no Instituto Rhodes-Livingstone, 73 seguidor de Radcliffe-Brown, 61 sobre conflito social, 109s trabalho com os zulus, 89 Godelier, Maurice, 140s, 148

In

249

d ic e r e m is s iv o

Goffman, Erving, 86, 156

Presentation o f Self in Everyday Life, 115 teoria do papel, 115s Golde, Peggy (et al ). Women in the Field, 149 Goldenweiser, Alexander. ”0. ~3s Goodenough, Ward, 123 Goody, Jack, 71, 114, 165 “The Consequences of Literacy" (com Watt), 118

The Development Cycle o f Domestic Groups, 111 trabalho em Ghana, 111 Gould, Stephen Jay, 159 Grã-Bretanha, 9 relações do Colonial Office com antropólogos, 71 influência da sociologia na, 42

expedição a Torres, 38 uso de filme, 75s Handler, Richard, 176 Hannerz, Ulf, 205

Cultural Complexity, 202 Harris, Marvin, 100, 102,142s, 164, 178 Cultural Materialism, 143, 159 The Rise o f Anthropology, 144 Hastrup, Kirsten, 179 Havaí, 208 debate Sahlins-Obeyesekere sobre, 214 Hegel, G.W.F., 24s Heidegger, Martin, 183 Henrique, o Navegador, 13 Herder, Johann Gottfried von, 23 conceito de Volk, 23, 25s influência de, 40 hermenêutica, 46, 127, 181 Heródoto de Halicamasso, 10, 14

Graebner, Fritz, 40s

Herskovits, Melville, 55, 74, 96

Gramsci, Antonio, 137, 176 Gríaule, Marcel, 75s

hibridez, 163 cultural, 86 de resultados científicos, 197

grupos oprimidos, 152

“hipocondria epistemológica”, 178

I Guerra Mundial, 49

história cultural, 81s

II Guerra Mundial, 69, 77,95

Hobbes, Thomas, 16, 19

Gueixas Napoleônicas, 19

Hobsbawm, Eric, The Invention o f Tradition (com Ranger), 186

gregos, antigos, 9-11

Gullestad, Marianne; Kitchen-Table Society, 165 Gupta, Akhil, 176

Hocart, A.M., 91

Habermas, Jürgen, 169

holismo da antropologia, 66 da sociedade, 63

habitus (Bourdicu), 80, 157, 166, 194

Holland, Dorothy, 199

Haddon, Alfred; em Cambridge, 61s, 72s, 75

Holmes, Lowell, 162 Holy, Ladislav, 180

H

250

is t ó r ia d a

An t r o p o l o g ia

homeblindness, 20s Horkheimer, 138

índias Ocidentais sociedades plurais nas. 153, 207s

Human Relations Area Files (HRAJF), 74

individualismo, 2 1s e conceito de sociedade, 18s, 58s Freud e, 49

humanidade, natureza da, 15 unidade psíquica da, 29, 36, 95 Humboldt, Wilhelm e Alexander von, 33 Hume, David, 16 Hunt, George, 53 Husserl, Edmund e a fenomenologia, 182 Ibn Khaldun, 12, 14 idéias e conhecimento, 16s identidade, 155, 187, 208 formação da, ! 52 política da, 187 ideologia no marxismo, 31,33 Igreja e libertação da ciência, 14, 19s universalismo da, 12s Ilhas Andaman, 58 Trobriand, 55-57 íluminismo europeu, 9 escocês, 16 Império Romano, 12 Imperialismo estudos do, 41 s, 145s

individualismo metodológico, 24 de Barth, 114s de Boas, 54s de Firth, 91, 103s de Weber, 46,48 e estudos do parentesco, 125s Escola de Cambridge. 110-115 indivíduo(s), corno ator, 104 centralidade do, 17s, 47s como leitor, 104 direitos do, 16 e sociedade, 58s, 64 estratégias pragmáticas do, 103s e teorias da mudança, 117 maximização pelo, 113s, 139 Ingold, Tim, 182 aplicação da fenomenologia, 182

Companion Encyclopaedia o f Anthropology, 181 Evolution and Social Life, 160,182 injustiça, 136s instituições na teoria da estrutura social, 59s interacionismo simbólico, 86

Inden, Ronald; Imagining índia, 174 índia antropologia acadêmica na, 189 como foco regional, 133s, 174s influência de Radcliffe-Brown na, 62 obra de Rivers sobre Todas na, 38s trabalho de Dumont sobre sistema de castas, 132

inuites obra de Boas sobre, 52 obra de Briggs sobre, 151 Jakobson, Roman, 128s Japão, caráter nacional, 79 Java, 102

251

ÍN D IC E REMISSIVO

Jochelson, Vladimir llich, 41 jogos soma zero, 113 Johnson, Mark, 199 Josselin de Jong, J.P.B., 130s

Lash, Scot. Modernity and Identity {com Friedman), 202 Latour, Bruno, 9, 196 Laboratory Life, 196

We Have Never Been Modern, 197 Kabyles, grupo berbere na Argélia, 156s

Layton, Robert, 180

Kahn, Joel, 141

Leach, Edmund, 72, 105, 165 aluno de Malinowski, 61 s, 72s em Cambridge, 72, 105, 165 e estruturalismo de Lévi-Strauss, 130-132

Kant, Immanuel, 23-25

Crítica da razão pura , 23 realidade construída socialmente, 29 Kapferer, Bruce; Legends o f People; Myths o f State, 167, 186s Kardiner, Abraham, 81 Kay, Paul, 198 Keesing, Roger, 181 Klausen, 148 Kleinman, Arthur; antropologia médica, 185 Kluckhohn, Clyde; 124, 133 Navaho Witchcraft, 124 Komai, János, 203s Kroeber, Alfred L„ 51, 54, 70, 124, 133

Culture: A Critical Review o f Concepts and Definitions, 124 em Berkeley, 73, 96, 98 história cultural, 81 s Kulturkreise, 41 Kuper, Adam, 70-72, 109 Easa, 189 Lakoff, George, 199

L ’Année Sociologique, revista, 43, 62s Lamphere, Louise (ed.). Women, Culture and Society, 150 Lao-Tsé, 11

Political Systems o f Highland Burma, 112s trabalho sobre simbolismo, 114 Leacock, Eleanor B., 100 Leenhardt, Maurice, 76 lei natural, 16 leis jurídicas de estrutura social, 60s Leiris, Michel, 76

Invisible Africa, 76 Lenin, V.L; teoriado imperialismo, 145, 205 Léry, Jean de, 14 Lévi-Strauss, Claude, 38, 64, 133, 199 ataques pós-estruturalistas a, 171s e estruturalismo, 128-132, 139-141, 165s

Elementary Structures o f Kinship, 128-130 e Radcliffe-Brown, 130 Mythologiques, 130 Structural Anthropology, 128 The Savage Mind, 130s, 197s The Viewfrom Afar, 160s Totemism, 130 Tristes Tropiques, 80, 128

252

Lévy-Bruhl, Lucien, 76 Primitive Mentality, 65 Lewis, Oscar, 85

H

is t ó r ia d a

An t r o p o l o g ia

caráter, 90s diários de trabalho de campo, 149 influência de, 66s. 72s

Lewontin, Richard, 159

Man, revista, 131

Lienhardt, Godfrey, sobre os dinkas, 120

Mandeville, Sir John. Voyages and Travels o f 13

liminaridade, conceito de, 121 língua, central para o Romantismo, 22s lingüistica comparativa, 37s, 40, 50s, 123s semiótica, 128s Linton, Ralph, 74 antropologia psicológica, 81 microssociologia, 81 sobre status e papel, 115

The Individual and His Society (com Kardiner), 8 1

Maori, Nova Zelândia: trabalho de Firth sobre, 90, 103. 110 Marco Polo, 13 Marcus, George, 177. 179, 207

Anthropology as Cultural Critique, 177s Cultural Anthropology (revista), 178, 181 Writing Culture, 177s

Llobera, Josip, 141

Marquês de Condorcet, 21

Locke, John, 15s, 19

Maret, R.R., 88

“lógica das lógicas”, 128

Marett lectures, de Evans-Pritchard: “History and social anthropology”

Londres, Museu Britânico, 25 estudo do parentesco em, 125s, 133s London School of Economics, 39 ,7 2 ,90 Malinowski na, 55s, 61s sob Firth, 90, 111 Lowie, Robert H., 55, 70, 73 evolucionismo materialista, 81, 98s,

100 Lyotard, Jean-François, 169 Madagascar, trabalho de Bloch sobre, 167 Maine, Henry, Ancient Law, 34,48 Mali, povo dogon, 75 Malinowski, Bronislaw, 36, 51s, 55-58, 70 alunos de, 61s, 66, 73s, 87 Argonauts o f the Western Pacific, 55s, 103

(1950), 119 marginalismo da antropologia, 51,70s, 72 Marx, Karl, 25,28,31-33 e sociologia, 42, 156 O capital, 31 marxismo, 31, 137 análise de classe, 32, 136 cultural, 137 e anticomunismo, 96s, 99s, 117, 136s e ecologia cultural, 143 s e estudos imperiais, 41, 205 estrutural, 138-141, 167s infra-estrutura no, 32, 101, J39 na França, 138-141 radical, 134s superestrutura no, 32, 101 s, 137s, 139 volta do, 136s

IN D IC E REM ISSIVO

matemática, 19 materialismo cultural de Harri;. : 02 matriarcado original, 34 Mauss, Marcei, 43, 51, 62-65. ~Cs. 139 influência de, 64s, 66 Lcenliardt, 76 redescoberta de, 192s The Gift, 63s, 103s

253

mito como mecanismo de dominação, 140 e nacionalismo, 186s e processo político, 113s, 120s estudo de Frazer do, 38 trabalho de Lévi-Strauss sobre, 129s mobilidade, 164s modernismo, 49

maximização, 103s, 138s individual, 112-115 Mayer, Philip, 110

modernização cultural, 85s

McLennan, John Ferguson, 34, 3 ”

Montesquieu, barão de Persian Letters, 20

Mead, Margaret, 55, 70. 74s. "6 Coming o f Age in Samoa. > 1 6 0 criticas a, 80, 158s cultura e personalidade. 77-81 Meillassoux, Claude, 148 análise marxista da produção de subsistência, 138 Melanésia cultos da carga, 107 trabalho de Keesing na, 181 trabalho de Rivers na, 40 trabalho de Sahlins na, 102, 208 trabalho de Strathem na, 18 ls Métraux, Alfred, 77,127 México antropologia acadêmica no, 133, 147 trabalho de Redfield no, 85s trabalho de W olf no, 144s migração, 85s, 193s para trabalho, 27 século XIX, 27s

Montagu, Ashley, 96 Montaigne, Michel de, 15

The Spirit o f Laws, 20 Moore, Henrietta Anthropological Theory Today, 188 Space, Text and Gender, 166s Moore, Jerry, 98 Morgan, Lewis Henry, 29s Ancient Society, 30 Systems o f Consanguinity and Affinitty..., 30 Moçambique, 143 movimento pós-colonial, 172-175 movimento trabalhista, 27s, 31 s mulheres em estudos antropológicos, 150-152, 184 e saúde, 183-185 multivocalidade, 122, 153 mundo mediterrâneo, 12 Munique, museu de, 25

Miklukho-Maklai, Nicolai Nicolaievich, 36

Murdock, George P., 106 Area Files, 74

Mintz, Sidney W., 100, 147s Sweetness and Power, 147

Murphy, Robert F., 100, 152

Mitchell, J. Clyde, 107, 153

museus etnográficos, 25

Murphy, Yolande, 152

254 nacionalismo, 23, 25, 79, 155, 167 estudo antropológico do, 186s

H

is t ó r ia d a a n t r o p i ) l o g ia

Nietzsche, Friedrich, 15, 47

Nações Unidas, 185

Noruega, estudos antropológicos na, 114, 165, 208

Nadei, Siegfried, 72, 9 ls

nutrição, 184

narrativas de viagem, 10, 18 dos exploradores, 13s gregos antigos, 10s Nativos americanos, 14s, 30s coleta de dados de Kroeber sobre, 81 s Deloria e, 172s trabalho de Benedict sobre, 78s trabalho de Boas sobre, 52s trabalho de Morgan com, 30 uso da etnografia pelos, 174s navios a vapor, 27

Obeyesekere, Gananath, debate com Sahlins, 214 Medusa’s Hair, 166 Objetividade. Cartas Persas de Montesquieu, 20 Okely, Judith, 181

Anthropology and Auto-biography (com Callaway), 181 Orissa, índia, trabalho de Bailey em, 112 Ortner, Sherry, 151, 155

nazismo, 95s Needham, Rodney, 131, 133, 164 neocolonialismo, 145s

Pacifico ilhas do, 39 foco regional sobre, 59, 133

neodarwinismo, 200

padrões culturais, 93

neo-evolucionismo, 83, 96, 192

Paris Comuna de, 28, 31 estudos etnográficos de, 206

Neel, James, 211

e ecologia cultural, 97-103 materialista, 74s, 97s Nova Guiné, 92 estudos de parentesco na, 125s pesquisa de campo de Miklukho-Maklai na, 36 trabalho de Barth na, 165s trabalho de Mead na, 80s trabalho de Rappaport com os tsembaga marings, 102, 143s tribo baruya, 140s Nova York, New School o f Social Research, 73, 127 Newman, Katherine. Falling From Grace, 165

museu, 25 Park, Robert, 84 Parkin, David. Neighbours and Nationals in an African City Ward, 153 Parsons, Talcott, 74, 115, 124 particularismo, 66 histórico, 53-55, 179s no Romantismo, 22s percepção de risco, 123 personalidade cultural, 77s pesquisa, aplicada, 107 contexto de, 71s método de caso alargado, 107s

Í n d ic e

255

r e m is s iv o

Picasso. Pablo, 49

dogon, Mali, 75

Piraenov, V.V., 190 pluralismo cultural, 126s, 207s

guro, Costa do Marfim, 138 hagen, 167 hausa, Nigéria, 153

poder, 135, 151 e meios de produção, 138s estruturas marxistas do, 138 na globalização, 208 relações de, 28

ianomâmi, Amazonas, 2 11s iatmul, Nova Guiné, 92 ilongot, Filipinas, 152 kachin, Bunna, 113, 131, 144 kanak, Nova Caledónia, 76

Polanyi, Karl, 74, 100, 103, 134. 204

kwaio, Melanésia, 181 kwakiutl, 79 marakwet, 167

Platão. Diálogos, 1Os

Polinésia, trabalho de Sahlins na. 102 Polônia, 95 academia antropológica na, 190 surrealismo na, 190

The Great Transformation, 103 tipos de economia, 104 população, crescimento da, 27s Porto Rico e estrutura social, 60 obra de Fortes sobre, 112 projeto de Steward em, 101 pós-estruturalismo, 167 pós-modemismo, 162, 166, 168-172, 180-183 crítica de Gellner ao, 178s desconstmcionismo do, 167, 171 e estudos pós-coloniais, 174, 178 precedentes do, 179 povo axânti, 87, 89 azande, Sudão, 89, 118, 120 baining, Nova Guiné, 92 baruya, Nova Guiné, 140s bemba, Zâmbia, 89 caiapó, Amazonas, 211, 213 dinka, Sudão, 120

mundurucu, Brasil, 152 ndembu, Zâmbia, 121 nuer, Sudão, 89, 112s, 119s tallensi, 89 tsembaga maring, Nova Guiné, 102, 143s tswana, 89 yakõ, 89 zulu, 89, 109 povos indígenas, 207s primitivos, 106s Powdermaker, Hortense, 71 s, 184

Stranger and Friend, 149 produção pré-capitalista, 138 progresso idéia de, 19 social, 19 psicologia evolucionária, 201 psiquiatria, 184 Quênia, lealdades tribais, 153s Quínn, Naomi, 199

256

Rabinow, Paul, 170, 176, 178 racionalismo, 15-17 racismo, 54 científico, 95, 159, 199s oposição de Boas ao, 40, 71 surgimento do, 28 Radcliffe-Brown, A.R. 5 ls, 58-62, 70

African Systems o f Kinship and Marriage, 119 A Natural Science o f Society carreira, 58-62 caráter, 90 e Lévi-Strauss, 129 em Chicago, 62, 73 em Oxford, 73 estrutura social, 60 influência de Durkheim sobre, 58-60

H

is t ó r u d a

A n t r o p o l o g ia

relações de gênero, 133. 136. 151, 181 s de status, 93 étnicas, 84 no parentesco, 129 relativismo, 17. 50, l!9s, 179 de experiência diferente, 16 e universalismo, 11. 16, 212, 214 religião, e representação coletiva, 44 como sistema cultural, 127 como superstição. 19 estudo de Frazer da, 38 sociologia da, 65. 110 representações coletivas (Durkheim), 44s, 59 retribalização, 107, 110. 153 Revolução Francesa, 19. 27

Radin, Paul, 73

Revolução Industrial. 27

Rameau, Jean Philippe, 15

Revolução Russa, 50

Ranger, Terence. The Invention o f Tradition, 186

Richards, Audrey, 71, 114, 184

Rappaport, Roy A., 100, 143s, 161 Pigs for the Ancestors, 102, 143

Ricoeur, Paul, 119, 126

Ratzel, Friedrich, 40 razão, 19,22 discursiva e prática, 156 reciprocidade, 104, 139 generalizada, 142 reconstrução histórica, 36s Redfield, Robert, influência de Radcliffe-Brown sobre, 74 estudos camponeses, 74, 84s, 101, 147 Redistribuição, 104 reflexividade, 116, 134, 168, 176, 180 cultural, 207 em trabalho de campo, 148s

Richter, Friedrich (Jean Paul), 23 ritos de passagem, 65, 11 ls, 120s ritual com direitos, 207 como mecanismo de dominação, 140, 207 e teoria do desempenho, 165s interação, 86 naven (iatmul), 92 na religião, 44, 65s para reduzir conflitos, 110s simbolismo do, 104s Rivers, William H.R., 51

The History ofMelanesian Society, 39 The Todas, 39

IN D IC E R E M IS S IV O ...........

257

Rivet, Paul, 77

Schelling, Friedrich von, 23

Rodésia do Norte (Zâmbiz . . " Romantismo, 22-26, 179s

Scheper-Hughes, Nancy, antropóloga médica, 184s

Rosaldo, Michelle Z., 151

Schmidt, Wilhelm, 40

Women, Culture and Sociev.. 150 Rosaldo, Renato, 176

Schneider, David, 82, 164, 180 American Kinship, 125

Rouclie, Jean, 76

Schoenberg, Arnold, 49

Rousseau, Jean-Jacques. 21s

Schütz, Alfred, 126

On the Social Contract. 2 1 Rússia difusionismo na, 41, 51 etnografia na, 36, 51, 190

Scott, James C., 208 Seligman, Brenda, 39 Seligman, Charles, 55, 88 expedição a Torres, 38 na LSE, 38, 61, 72

Sacro Império Romano. 22 Sahlins, Marshall, 99s, 102

Culture and Practical Reason. 142, 160 debate com Obeyesekere. 214 e globalização, 208 Stone Age Economics, 139, 142 Use and Abuse o f Biology, 160

trabalho no Sudão, 38, 88 semântica, 123 sentidos, 16, 24 Service, Elman R., 100 Shakespeare, William, 15 Shore, Bradd, 199

Said, Edward. Orientalism, 138, 173s

Shtemberg, Lev Yacovlevich, 41

Saint-Simon, Henri de, 28

simbolismo, 194 como classificação social, 121-123

Sangren, Stephen, 178 São Petersburgo, Rússia, 191 Sapir, Edward, 55, 70, 82 etnolingüística, 73, 82s, 123s Language, 82 Sartre, Jean-Paul, 127, 130 saúde em áreas urbanizadas, 27 mental, 184s projetos de ajuda ao

do ritual, 105 e mudança social, 106s e nacionalismo, 186s na antropologia americana, 124-127 obra de Geertz sobre, 102, 118, 164 obra de Schneider sobre, 125-127 visão de Wagner do, 167, 182 Simmel, Georg, 42 sistemas de parentesco

desenvolvimento, 184 relacionada ao gênero, 185

matrilinear, 34, 121

Saussure. Ferdinand de, 128

sistemas legais, 20 status e contrato, 34

ScÈtapera. Isaac, 70. 105

patrilinear, 89

258

Skinner, B.F., 143 sobreviventes culturais, 35, 40 socialismo colapso do, 203 origens do, 28

H

is t ó r ia d a

A n t r o p o l o g ia

Stratliem, Marilyn, 1S5s After Nature, 182

Partial Connections. 207 The Gender ofthe Gift, 167, 182 uso da teoria do Cacs. 196

socialização, 77s, 123

subconsciente, 156

sociedade capitalista e teoria econômica, 103 conceito de, 53 redes na, 193s esferas pública e privada, 150s relação do indivíduo com, 18, 57s, 64

substantivismo, 103-105

sociedades plurais, 152s, 207s

superestrutura no marxismo, 32,101,137, 139s

sociologia, 28, 36-38, 42 e antropologia, 124 na tradição européia, 29s, 42, 48 rural, 145 Sócrates, 11

Sudão, estudos do desenvolvimento no, 114 povo dinka, 120 trabalho de Evans-Pritchard no, 73 trabalho de Seligman no, 39, 88

surrealismo, 65, 76 tabus, trabalho de Bataille sobre, 76

Sokal, Alan, e artigo, 197

tabula rasa, conceito da mente como, 16, 198

sofistas (Atenas), 11

Tax, Sol, 73

Soros, George, 191

tecnologia

Southall, Aidan, 108

e cultura, 40, 100

Spencer, Herbert, 42, 50 Spencer, Jonathan, 141, 178

modema, 100 século XVIII, 19

Sperber, Dan, 199

século XIX, 49

Spivak, Gayatri Chakravorty, 174

telégrafo, invenção do, 27

Srínivas, M.N., 62, 70

teoria da cultura, 83 da dependência, 145 da linhagem, 129 das comunicações, 93, 116 do caos, 196 do esquema, 199 do protótipo, 119 dos sistemas complexos, 196 econômica e sociedade capitalista, 103

Steward, Julian, 74, 81 ecologia cultural, 100-103 em Colúmbia, 96s, 100 estudos camponeses, 101 evolução multilmear, 98

Handbook o f South American Indians (ed), 77, 100 influência marxista sobre, 136, 142 Stocking, George, 71

259

ÍN D IC E REM ISSIVO

social. 155s Status da. 155s, 188

Terceiro Mundo exploração, 146 hostilidade com antropologia. ;34„ l~4s texto e desconstrucionismo, 1“ : Thiong’o, Ngügi Wa, 173 Thomas, William, em Chieag: 84

The Polish Peasant in Europe and America, 84 Tierney, Patrick, livro sobre os ianomãmis, 211 Tikopia, Polinésia, trabalho de Fmh em, 90s, 103, 110 Tocqueville, Alexis de, 29 Todorov, Tzvetan, 14 todos culturais, 22, 154 como superorgânicos, 82 crítica pós-modema do, 174, 176, 194 Tonga, trabalho de Hocart em. 91 Tönnies, Ferdinand. Community and Society, 37, 42

tradução cultural, 50, 83 e racionalidade, 119s no contexto do imperialismo, 76 troca, 47, 133, 194 estruturalismo e, 131 na antropologia francesa, 97 mercado, 104 valor de, 33 Turner, Terence e controvérsia de Chagnon, 211-214 trabalho sobre os caiapós, 175-177 Turner, Victor, 122s, 132, 134, 153, 164 Body, brain and culture, 158 comunicação do ritual, 120s, 158

Schism and Continuity in an African Society, 121 The Anthropology o f Performance, 166 The Ritual Process, 121 Tyler, Stephen, 176 Tylor, Edward Burnett, 35s Primitive Culture, 35

Tones, expedição a, 38s

Ulin, Robert, Understanding other Cultures, 181

totemismo, 130

Unesco, conferência sobre raça (1950), 96

trabalho divisão do, 32, 43, 100 infantil, 16 migração, 107

União Soviética, 95

Tooby, John, 201

trabalho de campo, 36, 71-73 em sociedades complexas, 192s entre pobres urbanos, 146, 165 métodos de Boas, 52s múltiplos sítios, 194 observação participante, 56s, 148s, 192 por antropólogos, 41 reflexivo (feminista), 148-152

Universidade de Bergen, 114, 133 de Cambridge, 133 deColúmbia, 133 de Leiden, 133 de Manchester, 90, 97, 146 de Michigan, 74, 99, 133 de Oslo, 148 de Oxford, 133, 164 de Princeton, 164 de Sydney, 62

260 de Yale, 82 do Cairo, 73, 91 Européia (S. Petersburgo), 191 Harvard, 133 Johns Hopkins, 147 Stanford, 133 urbanização, 27 e mudança social, 153s identificada com civilização, 30 na África do Sul, 106s, 109 Vakhtin, Nikolai B., 191 valor de uso, 33 formação do em Marx, 33, 167 Van Gennep, Arnold. Rites o f Passage, 65 Vayda, Andrew P., 100, 143 Velsen, Jaap van, 108 Verdery, Katherine “Theorizing Socialism”, 203s Transylvanian Villagers, 166 Vespúcio, Américo, 14 Vico, Giambattista. The New Science, 19, 38 Viena, museu, 25 violência, estudo da, 185s “virada reflexiva”, 76, 175, 178, 180

H

is t ó r ia d a

A n t r o p o l o g ia

Symbols that Stand for Themselves, 167, 182 The Invention o f Culture, 182 Wallerstein, Immanuel. The Modern World System, 145 Washington, 25 Watt, Ian. “The Consequences of Literacy”, 118 Wax, Rosalie. Doing Fieldwork: Warnings and Advice. 149 Weber, Max, 42. 45-48. 118 Economy and Society\ 47

The Protestant Ethic and the Spirit o f Capitalism, 45 Weiner, Annette, 151. 161 Weltgeist (de Hegel). 24s White, Leslie A., 136. 142s em Michigan, 74. 99 The Science o f Culture, 99s Whorf, Benjamin Lee, 82, 123 Wiener, Norbert, 116 Wierzbicka, Anna, 199 Wilson, Bryan. Rationality, 149 Wilson, Edward, 35

On Human Nature, 159s Sociobiology, 159s Wilson, Godfrey, 73, 107, 110

Volk, 23

Winch, Peter. The Idea o f a Social Science..., 119

Völkerkunde, 26

Wittfogel, Karl, 143s

Volksgeist, 23 Volkskultur, 33 Voltaire, 21s, 23 Wagner, Roy aplicação da fenomenologia, 182

Wolf, Eric R., 100, 136, 147,164,204, 208

Europe and the People Without History, 144 Woolgar, Steve, 196 Laboratory Life, 196

I n d ic e

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r e m is s iv o

Worsley, Peter, 136, 145s, 204 The Trumpet Shall Sound, 107 Wundt, Wilhelm, 55

Zambia, 91, 112 Znaniecki, Florian, 190

The Polish Peasant in Europe and America, 84

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