3000 anos Edificações.pdf

April 30, 2019 | Author: Fatima Neto | Category: Ancient History, Roman Empire, Ancient Greece, Engineering, Wood
Share Embed Donate


Short Description

Download 3000 anos Edificações.pdf...

Description

 Addis_01.qxd  Addis_01.qxd

04.03.09

10:50

Page 9

capítulo 1 Construção e Engenharia na Antigüidade 1000 a.C. a 500 d.C.

 Addis_01.qxd  Addis_01.qxd

04.03.09

10:50

Page 10

Pessoas e Eventos

Materiais e Tecnologia

A partir de c. 1500 a.C.

Grandes colunas e vigas de pedra usadas em templos e palácios

A partir de c. 1500 a.C.

Grandes peças ocas de bronze fundido na China

Primeiro arco de tijolo conhecido em uma edificação, Ur, Mesopotâmia (vão de 0,8 m) A partir de c. 1400 a.C.

A partir de c. 1200 a.C.

Idade do Ferro

Conhecimento e Ensino

A partir de c. 1000 a.C.

Métodos de Projeto

Procedimentos geométricos de projeto de edificações

Ferramentas de Projeto: Desenhos e Cálculos

A partir de c. 1000 a.C. ou antes

Plantas baixas, elevações e maquetes em escala no Egito, na Grécia e em Roma A partir de c. 1000 a.C. ou antes Uso

primitivo do ábaco na China, na Índia, no Oriente Médio e nos países mediterrâneos A partir de c. 1000

Cálculos geométricos com o uso da régua e do compasso

Edificações

c. 1780 a.C.

Leis para construção no Código de Hamurábi, na Babilônia c. 1600 a.C.

Palácio do Rei Minos, Cnosso, Creta c. 1300 a.C.

Templo de Amon,

Carnac, Egito

1700

1600

1500

1400

1300

1200

1100

1000

900

800

 Addis_01.qxd  Addis_01.qxd

04.03.09

10:50

Page 11

c. 720–320 a.C.

Grécia Helênica

c. 320–c. 100 a.C.

c. 725–700 a.C.

A Ilíada, de Homero

fl. 300 a.C.

c. 640–546 a.C.

Grécia Helenística

c. 10–75 d.C.

Euclides (geômetra)

79 d.C.

Tales (geômetra)

c. 582–507 a.C.

c. 55 d.C.–c. 130 d.C.

Apolodoro de Damasco (engenheiro)

Pitágoras (geômetra e cientista)

c. 429–347 a.C.

Império Romano se divide em Império Romano do Ocidente e Império Romano do Oriente 395 d.C.

c. 287–c. 212 a.C.

Arquimedes (engenheiro e físico)

c. 280–c. 220 a.C.

Filon de Bizâncio (engenheiro)

c. 285–c. 222 a.C.

Tesíbio de Alexandria (engenheiro)

Platão (filósofo)

c. 80–c. 25 a.C.

Arquitas (autor do primeiro livro-texto sobre mecânica)

27 a.C.

c. 428–c. 347 a.C.

c. 720 a.C.

Héron de Alexandria (engenheiro)

Erupção do Vesúvio, soterrando Herculano e Pompéia

Primeira abóbada de berço conhecida, Assíria

410 d.C.

Roma Imperial sucumbe aos invasores

Vitrúvio (engenheiro)

Otávio Augusto se torna Imperador de Roma

c. 150 a.C.–50 d.C. Aquedutos com arcos de alvenaria para fornecimento de água em Roma A partir de c. 100 a.C. Tesouras de telhado de madeira

Vigas (de pedra) que refletem momentos fletores

A partir de c. 100 a.C. Arcos de alvenaria nas edificações

A partir de c. 500 a.C.

A partir de c. 100 a.C. Cúpulas de alvenaria em edificações A partir de c. 100 a.C. Janelas com vidros A partir de c. 80 a.C. Calefação central com dutos (hipocausto) A partir de c. 50 a.C. Uso generalizado de cimento hidráulico e ferro forjado em edificações c. 70 d.C. Vidros duplos em banhos públicos em Herculano c. 80 d.C. Primeiro uso conhecido do efeito estufa para

calefação de edificações (aquecimento solar passivo) A partir de c. 600 a.C.

Livros de matemática e ciências A partir de c. 400 a.C.

c. 500 a.C.

c. 25 a.C. Vitrúvio, De Architectura (livro sobre engenharia da edificação e engenharia militar)

Livros de matemática e engenharia

Pitágoras é o pioneiro na ciência da acústica 290 a.C.

“Museu” (universidade) de Alexandria, Egito, fundado por Ptolomeu Soter

c. 230 a.C.–646 d.C.

i

A partir de c. 450 a.C.

500 a.C. ou antes

c. 700 a.C.

Escola de Engenharia em Alexandria, Egito, fundada por Tesíbio

Vários procedimentos numéricos de projeto de armamentos e edificações

Cálculos numéricos com frações

Templo de Hera (Heraion), Olímpia, Grécia (primeiro grande templo dórico) c. 600–270 a.C.

c. 72–80 d.C.

As Sete Maravilhas do Mundo Antigo (exceto as Pirâmides de Gizé)

c. 450–438 a.C.

c. 104–109 d.C.

Partenon, Atenas, Grécia c. 200 a.C.

Anfiteatro Flaviano ou Coliseu, Roma, Itália

Insulae (edifícios

de apartamentos romanos)

Banhos de Trajano, Roma

c. 112–13 d.C.

Coluna de Trajano, Roma

c. 118–26 d.C.

Panteon, Roma

c. 126–c. 127 d.C.

Banhos de Adriano, norte da África

c. 211–16 d.C. Banhos de Caracala, Roma c. 298–306 d.C. Banhos de Diocleciano, Roma

Basílica de Magêncio/Constantino, Roma 308–25 d.C.

00

700

6 00

500

4 00

300

200

100 a.C.

0

100 d.C.

200

3 00

4 00

5 00

 Addis_01.qxd  Addis_01.qxd

04.03.09

10:50

Page 12

13

Construção e engenharia antes da Grécia helênica

16

Engenharia e construção na Grécia antiga

23

Matemática, ciência e engenharia na Antigüidad Antigüidade e clássica

25

Os engenheiros da Grécia helenística

27

Engenharia e construção na Roma antiga

28

Marco Vitrúvio Polião

30

Vitrúvio e as etapas do projeto grego

31

Vitrúvio e a engenharia ambiental

33

Vitrúvio, acústica e projeto de teatros

34

O legado da engenharia romana

40

Os edifícios de apartamentos romanos: as insulae

43

Calefação e climatização em Roma

44

Os “Grands Projets” da Roma imperial

46

O anfiteatro flaviano, ou Coliseu (c. 72–80)

48

Apolodoro e os Grands Projets dos imperadores Trajano e Adriano

49

O Fórum e o Mercado de Trajano (c. 98–112)

49

A Coluna de Trajano (c. 112–113)

49

Os Banhos de Trajano (c. 104–109)

51

O Panteon (c. 118–126)

55

Os Banhos de Caracala (211–216)

60

Estruturas abobadadas abobadadas tardias de Roma

 Addis_01.qxd  Addis_01.qxd

04.03.09

10:50

Page 13

Construção e Engenharia na Antigüidade 1000 a.C a 500 d.C.

1

Construção e engenharia antes da Grécia helênica É apropriado se começar a usar a palavra “engenharia” em associação a projeto e a construção de edificações a partir do momento em que as pessoas passaram a preferir o uso de grandes blocos de pedra em detrimento de madeira, tijolos de barro ou pequenas pedras que podiam ser erguidas por uma ou duas pessoas. Levantar e manobrar grandes pedras em certas posições exigia grande habilidade. Têm sido um tópico de especulação freqüente o modo como os antigos egípcios extraíram e manipularam cerca de 2,3 milhões de pedras, cada uma pesando aproximadamente 2.500 kg1, para construir a Grande Pirâmide de Quéops (Khofu) em Gizé por volta do ano 2500 a.C. Isso se conseguiu sem que os blocos fossem erguidos do solo; as forças necessárias para seu transporte eram reduzidas à escala humana, arrastando-se as pedras, usando-se rampas e uma variedade de cunhas e alavancas. Aproximadamente na mesma época, na Inglaterra, blocos de pedra de cerca de 20.000 kg foram levantados a cerca de 6 m de altura para construir Stonehenge. Por volta de 1500 a.C., os engenheiros egípcios extraíram, moveram e ergueram três obeliscos de pedra, cada um com aproximadamente 450 toneladas. A remoção posterior de um deles (conhecido como o Obelisco do Vaticano) Vatic ano) do Egito, seu levantamento em Roma e subseqüente relocação foram obras de engenharia também impressionantes (veja o Capítulo 3, p. 159-63). Tão importantes quanto os conhecimentos técnicos de mecânica necessários para construir estruturas feitas com grandes blocos de pedra eram os profundos conhecimentos de medição e topografia necessários à produ-

ção de pedras de forma adequada e à orientação correta de uma planta baixa em um terreno, provavelmente em relação ao Sol e às constelações astronômicas. No caso das pirâmides egípcias, os projetistas também tinham que planejar a forma e a localização de inúmeras salas e túneis em seu interior, e construí-las exigia grandes conhecimentos de geometria e técnicas de medição tridimensional. Também Também se imagina que foram necessários planejamento e gerenciamento consideráveis para organizar, dirigir e motivar cerca de 100.000 trabalhadores ao longo de períodos de aproximadamente 20 anos. Tais conhecimentos profissionais permitiam aos antigos engenheiros planejar – ou, em linguagem moderna, pro jetar – suas grandes obras antes de iniciar a execução. A história da engenharia da edificação é, enfim, a história de como os engenheiros têm planejado suas edificações e a crescente precisão com a qual eles têm aprendido a fazer previsões. As primeiras evidências claras que temos do uso da matemática, da engenharia e dos procedimentos de projeto formais e seqüenciais datam de cerca de 450 a.C., nos territórios sob a influência da civilização grega a leste do Mar Mediterrâneo. Tanto a matemática como a arte de projetar grandes edificações e cidades foram introduzidas na Europa pela Índia e o Oriente Médio. Na verdade, talvez a primeira evidência escrita da arte da construção possa ser encontrada no código de leis da Babilônia (c. 1780 a.C.) estabelecido por seu primeiro soberano, Hamurábi, que reinou de 1792 a 1750 a.C. O Código de Hamurábi, que regrava todos aspectos da sociedade, incluía leis específicas sobre construção, o que nos transmite tanto a idéia de res-

3

 Addis_01.qxd

04.03.09

10:50

Page 14

       4        1

   E    D    A    D    I    U    G    I    T    N    A    A    N    A    I    R    A    H    N    E    G    N    E    E    O     Ã    Ç    U    R    T    S    N    O    C

1

2

Se um empreiteiro construir uma casa para um homem e completála, (este homem) deverá lhe pagar dois siclos por SAR da casa como remuneração. Se um empreiteiro construir uma casa para um homem e não fizer sua construção sólida e a casa que ele construiu desabar, causando a morte do dono da casa, o empreiteiro será condenado à morte. Se ela causar a morte do filho do dono da casa, o filho do empreiteiro será condenado à morte. Se ela causar a morte de um escravo do dono da casa, ele dará ao proprietário da casa um escravo de mesmo valor. Se o colapso destruir alguma coisa, o empreiteiro restituirá tudo aquilo que foi destruído, e, como a casa que ele construiu não ficou firme e ruiu, ele deverá reconstruir a casa que desabou com seus próprios recursos (às suas custas).

4

Se um empreiteiro construir uma casa para um homem e não garantir que sua construção seja adequada e uma parede cair, o empreiteiro irá reforçar a parede às suas custas.

3

5

 Addis_01.qxd

04.03.09

10:50

Page 15

ponsabilidade profissional como o fato de que tal atividade exigia conhecimentos específicos.

2

4

5

Alguns dos mais bem preservados vestígios desta época se encontram na ilha mediterrânea de Creta, onde floresceu a civilização minóica, especialmente entre os anos de 1800 e 1600 a.C. O palácio real de Minos, construído em Cnosso, não chamava tanto a atenção por sua escala, mas por representar os últimos avanços em conforto arquitetônico para a família real. Poços de luz garantiam bons níveis de iluminação natural; havia água encanada no palácio, e o sistema hidrossanitário incluía um recurso para descarga dos vasos sanitários. Por volta de 1500 a.C, os templos e palácios encomendados pelos soberanos das inúmeras dinastias egípcias  já c hegavam aos limites tecnológicos possíveis do uso das colunas e vigas de pedra que eram comumente utilizadas na construção de grandes colunatas e salões com um pavimento. Uma das mais impressionantes dessas edificações primitivas é o Grande Templo de Amon, em Carnac, construído em várias fases por reis sucessivos a partir de cerca de 1550 a.C. O salão hipostilo cobria uma área de cerca de 100 m por 50 m – aproximadamente o tamanho de um campo de futebol ou de uma grande catedral medieval. A cobertura era feita de grandes placas de pedra apoiadas em vigas de pedra, as quais, por sua vez, eram sustentadas por 134 colunas. As 12 colunas da colunata central têm cerca de 22 m de altura, cerca de 3,5 m de diâmetro, e a distância entre seus eixos é de aproximadamente 7,2 m; as demais 122 colunas têm, cada uma, cerca de 13 m de altura e quase 3 m de diâmetro. A colunata central era iluminada por um clerestório com cerca de 5 m de altura, e o resto do salão tinha iluminação natural através de fendas inclinadas no forro de placas de pedra. Mais ou menos na mesma época temos um exemplo primitivo de desenho egípcio feito sobre papiro representando uma edificação, mas não sabemos se este era um projeto a ser executado ou o registro de uma obra já construída. Projetar e executar um monumento como o Templo de Amon exigia uma estratégia de construção extremamente diversa daquela que seria adequada a prédios domésticos de pequena escala. Na Antigüidade, a maior parte

das edificações provavelmente era feita de barro ou tijolos de barro e madeira e coberta com palha. A escala era humana – o pé-direito raramente era superior a 3 ou 4 metros – e as casas eram construídas com materiais e componentes de fácil manuseio por alguns carpinteiros e outros trabalhadores pouco especializados. Os materiais eram bastante baratos, e mesmo a mão-de-obra, o custo principal, provavelmente representava pouco mais do que a comida dos trabalhadores. Um templo, em contraste, tinha que ser grande, para abrigar a estátua de um deus, e envolvia vãos a serem vencidos que eram muito superiores àqueles das edificações domésticas. Sua forma precisava ser diferente para atender à sua função especial, e talvez fosse escolhida inspirada em outros templos de cidades distantes. Esperava-se que fosse relativamente duradouro, o que pedia o uso de pedra e, para cobertura, talvez o uso das telhas de barro cozidas introduzidas por volta de 1800–1700 a.C. Não apenas havia maiores custos envolvidos, mas também conhecimentos de edificação e métodos de construção não-tradicionais. Um templo com 8 ou 10 metros de altura envolvia quantidades enormes de pedra que, às vezes, tinham que ser transportadas por grandes distâncias, encomendadas com muita antecedência e exigiam o trabalho de muitas pessoas. O indivíduo encarregado de executar um projeto tão grande precisava ter seus orçamentos aprovados, e se esperava que ele mostrasse ao seu cliente ao menos um esboço ou uma pequena maquete. Ele também tinha que estimar o prazo de execução da obra e dar uma idéia de quanto os materiais custariam. A mão-de-obra precisava ser organizada e receber instruções precisas sobre o número e as dimensões das pedras necessárias. As diferentes equipes de trabalhadores também precisavam saber como suas contribuições separadas iriam se encaixar no todo. Além disso, eram necessárias reuniões usando-se conceitos mutuamente compreendidos e argumentos racionais. Em suma, tínhamos um processo pouco diferente daquele que hoje temos em qualquer projeto de uma grande edificação. Em geral, foi durante os mil anos que transcorreram entre aproximadamente 1500 e 500 a.C. que os egípcios e os gregos antigos do período helênico desenvolveram o que hoje conhecemos como “projeto” de um prédio. Ele surgiu da necessidade de planejar e construir edificações grandes e cada vez mais sofisticadas, e se

1 Stonehenge, Wiltshire, Inglaterra, c. 2000 a.C. Gravura de William Stukeley, década de 1720. 2 Palácio do Rei Minos, Cnosso, Creta, c. 1600 a.C. Planta baixa. 3 Leis para construção no Código de Hamurábi, c. 1780 a.C. Gravado em uma estela com escrita cuneiforme, com tradução inglesa à direita. 4 Templo de Amon, Carnac, Egito, c. 1300 a.C. Entrada do hipostilo. Fotografia de Gustave le Gray, 1867. 5 Elevações lateral e frontal de um santuário egípcio desenhadas em papiro, c. 1400 a.C.

       5        1

   E    D    A    D    I    U    G    I    T    N    A    A    N    A    I    R    A    H    N    E    G    N    E    E    O     Ã    Ç    U    R    T    S    N    O    C

 Addis_01.qxd

04.03.09

       6        1

10:50

Page 16

tornou possível graças à prosperidade econômica, à riqueza cultural e aos conhecimentos intelectuais que se desenvolviam rapidamente durante o mesmo período. Nós conseguimos acompanhar a história apenas a partir do momento em que surgem registros escritos, ou seja, por volta de 500 a.C, com a emergência da cultura grega, a qual dominou os muitos povos unidos pelo Mar Mediterrâneo.

   E    D    A    D    I    U    G    I    T    N    A    A    N    A    I    R    A    H    N    E    G    N    E    E    O     Ã    Ç    U    R    T    S    N    O    C

Engenharia e construção na Grécia antiga As cidades-estado na costa oriental do Mediterrâneo começavam a prosperar por volta do século VIII a.C. Através do comércio e da guerra, os gregos haviam estabelecido uma herança cultural que transcendia fronteiras geográficas e mesmo lingüísticas. Era o Período Helênico, no qual Homero (c. 750–700 a.C.) escreveu o que se tornaria a história comum que uniria as diversas comunidades antes díspares. À medida que se desenvolviam a identidade e o orgulho dos gregos, também crescia seu desejo de estabelecer manifestações impressionantes e duradouras de sua cultura. Eles começaram a construir em uma escala muito maior – tanto em tamanho como em quantidade – do que em épocas anteriores. E, assim como muitos povos que viriam, eles queriam ter a cer teza de que suas edificações refletiriam sua identidade cultural e se diferenciariam daquelas de povos vizinhos ou do passado, com os quais haviam aprendido tanto. Eles também estavam determinados a garantir que suas construções fossem feitas com responsabilidade.

6

As cidades-Estado floresceram por todo o território que hoje conhecemos como Grécia Continental, Turquia e sul da Itália, além das ilhas na costa oriental do Mediterrâneo, e começaram a declarar e a ostentar sua prosperidade na forma de edificações públicas, como mercados, templos, teatros e outros locais de reunião. Ao contrário das poucas e enormes edificações construídas para os faraós, estes prédios públicos representavam a criação de um ambiente construído mais democrático e replicado muitas vezes em muitos lugares. Embora os gregos houvessem aprendido a projetar grandes edificações com os egípcios, eles formalizaram os procedimentos de projeto, desenvolvendo muitas soluções criativas para melhoria dos processos construtivos e da qualidade dos prédios acabados. Por exemplo, era prática comum no século V a.C. colocar cada tambor de pedra de uma coluna centralizado sobre uma cavilha de madeira de lei e assentar a coluna sobre apenas um pequeno anel circular perfeitamente plano, garantindo a estabilidade da coluna. Embora este método fosse mais econômico e prático do que tentar garantir o nivelamento de toda a

área, ele ainda assim exigia muitas horas de trabalho paciente para a locação de cada tambor. No nível da cobertura, os blocos de pedra que constituíam o friso e a arquitrave eram conectados entre si por meio de grampos de ferro em H. Esta idéia já havia sido usada pelos egípcios, e muitas variações haviam sido experimentadas, usando-se grampos de cobre e bronze, além do ferro. De acordo com o naturalista romano Plínio, o Velho (c. 23–79 d.C.), as vigas de pedra, que venciam vãos de mais de 8 m entre colunas e pesavam quase 20 t, eram erguidas e posicionadas usando-se rampas de terra. As antigas edificações de alvenaria se baseavam em longas vigas de pedra apoiadas em duas colunas. A palavra latina para viga, trabs, nos dá a expressão “arquitetura arquitravada”. Algumas questões cruciais para o projetista de edificações da época eram: qual é o tamanho do vão que uma viga de pedra pode vencer? Para dado vão, que altura e largura a viga deveria ter? O retângulo é a seção transversal mais eficiente? Será que uma viga deveria ter uma seção transversal constante ao longo de todo seu comprimento? Estas perguntas não foram respondidas em termos científicos e matemáticos até que Galileu publicou Discursos Sobre as Duas Novas Ciências em 1638, e então foram exploradas por muitos cientistas. Isso não significa, no entanto, que os engenheiros gregos não soubessem algumas das respostas. Qualquer criança sabe que pode quebrar um graveto dobrando-o e que uma fina ripa de madeira verga mais facilmente do que uma tábua grossa. A partir destas e de outras observações relacionadas, não é um grande salto se dar conta de que o aumento da espessura no centro de uma viga é uma forma efetiva de aumentar sua resistência. Por outro lado, diminuir a espessura de uma viga nas suas extremidades seria um modo inteligente de torná-la mais leve, sem grande perda de sua capacidade estrutural. Ainda que raramente vejamos evidências deste tipo de raciocínio nas edificações, devido às razões discutidas anteriormente, acreditamos que os antigos artesãos e engenheiros entendiam perfeitamente estas questões. O projeto sofisticado de armas gregas como as ballistae (balistas) é evidência suficiente de seus conhecimentos de engenharia e habilidades técnicas. Embora tal nível de sofisticação estrutural raramente seja encontrado em edificações gregas, há exemplos suficientes para indicar que alguns de seus engenheiros de construção tinham bons conhecimentos sobre esforços de flexão. Por exemplo, uma vez que a pedra tem resistência à tração muito inferior do que à com-

8

 Addis_01.qxd

04.03.09

10:50

Page 17

       7        1

   E    D    A    D    I    U    G    I    T    N    A    A    N    A    I    R    A    H    N    E    G    N    E    E    O     Ã    Ç    U    R    T    S    N    O    C

6

9

pressão, a seção transversal mais eficiente para uma viga tem mais material no local onde ela transfere esforços de tração do que onde sofre tais esforços. Em uma viga apoiada em duas colunas ou duas ombreiras de janela ou porta (uma verga), a parte reforçada seria a parte inferior da viga, e isso é exatamente o que encontramos nas ruínas de inúmeras vigas de pedra datadas dos séculos VI a IV a.C. Uma viga notável encontrada na ilha de Samotrácia, ao norte do Mar Egeu, com 6 m de comprimento e datada do século IV a.C., demonstra o conhecimento das seções transversais mais efetivas, assim como das vanta-

gens do aumento da altura da viga na sua porção intermediária. Sua elevação corresponde aproximadamente ao que hoje chamamos de diagrama de momento fletor, o qual indica a resistência que uma viga deve apresentar à flexão para que possa supor tar seu peso próprio e as cargas transmitidas a ela. Se já havia tal conhecimento, então por que ele não era empregado de forma mais ampla? A resposta provavelmente é de natureza econômica. A madeira e a pedra eram os principais materiais estruturais, e ambos se tornam componentes construtivos ao serem cortados, nos tamanhos adequados, de uma árvore e uma grande

6 Templo de Afaia, Egina, Grécia, c. 500 a.C. Corte perspectivado mostrando a construção.

10

 Addis_01.qxd

       8        1

   E    D    A    D    I    U    G    I    T    N    A    A    N    A    I    R    A    H    N    E    G    N    E    E    O     Ã    Ç    U    R    T    S    N    O    C

04.03.09

10:50

Page 18

rocha, respectivamente. Embora fosse possível continuar a trabalhar os materiais de modo a se obter a forma estrutural mais eficiente e mais leve possível, rapidamente se chegava ao ponto em que os custos adicionais dos trabalhos extras não compensavam os benefícios do desempenho estrutural; para muitos fins, uma viga de seção transversal retangular e uniforme era adequada. De forma geral, o tamanho e o peso das pedras eram reduzidos àqueles que seriam convenientes para o transporte ao terreno e a montagem no prédio. Por questões de segurança, não seria sensato, em geral, se tentar alcançar a solução com peso mínimo, pois esta aumentaria o risco de colapso estrutural, e o principal objetivo do projeto de estruturas é manter os riscos em níveis aceitáveis. A exceção ocorre quando é necessário o uso da estrutura mais leve possível para o vencimento de vãos máximos – como ocorreu na viga da Samotrácia. Esta regra geral se aplica à maior parte dos elementos de pedra e madeira que usamos nas edificações ainda hoje. Foi somente com a introdução do ferro fundido no final do século XVIII que a economia obtida com o peso do material se tornou um fator dominante no dimensionamento de elementos estruturais; ao contrário da madeira ou da pedra, o custo de uma viga de ferro fundido aumenta em proporção direta ao peso do ferro que ela contém. Uma vez que a madeira se decompõe, restam poucos testemunhos da maneira como as estruturas dos templos gregos eram formadas. Em sua maior parte, elas se constituíam de terças inclinadas apoiadas em ambas extremidades. Esta técnica usa madeira à flexão, esforço para qual ela é bastante adequada, já que apresenta alta resistência a tração. Entretanto, como a madeira não é muito rígida, uma vez carregada, ela tende a grande deflexão, logo os vãos precisavam ser bastante pequenos – no máximo 6 ou 7 metros. Para vãos maiores, as terças precisavam de apoios intermediários, para evitar grandes deflexões provocadas pelas pesadas telhas de barro. Na Grécia antiga, não há evidência de treliças de telhado do tipo que se tornou comum durante o período medieval. É mais fácil de julgar o sucesso destes vários avanços nas construções em alvenaria com os melhores exemplos construídos durante os períodos helênico e helenístico. Durante os séculos III e II a.C., vários escrito-

res redigiram listas do que consideravam ser as maiores conquistas da humanidade. Por volta do ano 100 a.C., havia-se chegado àquela que chamamos de as Sete Maravilhas do Mundo Antigo, e é interessante notar que seis entre as sete maravilhas eram obras dos melhores engenheiros civis e de construção daquela época. A mais antiga era a Grande Pirâmide de Quéops, a qual, com seus quase 150 m de altura, continuou a ser a mais alta construção do mundo até o surgimento das flechas nas catedrais do século XIV, e é a única das Sete Maravilhas que ainda resta. A segunda Maravilha mais antiga era os Jardins Suspensos da Babilônia, construídos juntos ao rio Eufrates, que datam de cerca de 600 a.C. Embora o tamanho, a localização e a idade dos lendários jardins ainda sejam discutidos, muitas descrições deixam claro que eles eram realmente impressionantes. (“Suspenso” era a palavra usada para descrever muitas construções com pé-direito alto, inclusive, por exemplo, a enorme cúpula de alvenaria de Santa Sofia, em Constantinopla, construída entre 532–37 d.C.) A água necessária para a irrigação contínua dos jardins tinha que subir cerca de 50 m em relação ao nível do rio através de máquinas com tração humana e canais construídos com barro e impermeabilizados com folhas de chumbo ou asfalto. O escritor grego Estrabo (c. 63 a. C – 21 d.C.) descreveu os jardins no século I d.C., ou seja, cerca de 500 anos após a época em que se imagina que tenham sido construídos, portanto é provável que já não funcionassem perfeitamente ou mesmo estivessem em ruínas: Eles consistem em abóbadas assentadas, umas sobre as outras, em fundações cúbicas dispostas em xadrez. As fundações são ocas e têm cober tura de terra tão profunda que nelas foram plantadas as maiores árvores possíveis, e foram construídas com tijolos cozidos e asfalto... A ascen são aos terraços mais altos é por uma escadaria; e ao longo destas escadas havia canais através dos quais a água era continuamente conduzida do Eufrates aos jardins por pessoas designadas para tal função. 2

Outra das Sete Maravilhas era o Templo de Ártemis, em Éfeso, completado por volta de 300 a.C. O primeiro santuário para a deusa Ártemis havia sido construído em Éfeso por volta de 550 a.C., e acredita-se que continha uma pedra sagrada (um meteorito) que havia “caído de Júpiter” – o termo grego antigo equivalente a “caído do

7 Segundo Templo de Ártemis, em Éfeso, completado em c. 300 a.C. no sítio de um santuário anterior, de c. 550 a.C. Reconstrução digital. 8 No alto: grampos de ferro em I e em Z usados para conectar pedras adjacentes na construção de templos gregos e romanos; embaixo: tambores de pedra de uma coluna, com uma cavilha central de ferro ou madeira de lei. 9 Seções de vigas de pedra talhada em edificações gregas. 10 Seções de uma viga de pedra usada para sustentar um teto de mármore com caixotões, da Samotrácia, fim do século IV a.C.

7

 Addis_01.qxd

04.03.09

10:50

Page 19

       9        1

   E    D    A    D    I    U    G    I    T    N    A    A    N    A    I    R    A    H    N    E    G    N    E    E    O     Ã    Ç    U    R    T    S    N    O    C

7

9

280 mm A

corte BB 910 mm 410 mm

teto com caixotões A 560 mm B

corte AA

B 6150 mm

10

8

 Addis_01.qxd

       0        2

   E    D    A    D    I    U    G    I    T    N    A    A    N    A    I    R    A    H    N    E    G    N    E    E    O     Ã    Ç    U    R    T    S    N    O    C

04.03.09

10:50

Page 20

Paraíso”. O templo original tinha colunas com aproximadamente 18 m de altura e provavelmente ocupava uma área similar àquela do segundo templo, cuja construção iniciou-se na década de 350 a.C. no mesmo terreno, após a destruição do templo original por um incêndio. O templo reconstruído tinha mais de 120 colunas de 19 m; sua estrutura tinha cerca de 129 metros de comprimento e 68 metros de largura. O volume compreendido por esta estrutura era mais de sete vezes superior àquele do Partenon de Atenas (447–438 a.C.), que media 66 metros por 32 metros e cujas colunas tinham cerca de 10 metros de altura. O Templo de Ártemis durou mais de 700 anos, até que foi demolido e suas pedras usadas para a construção de uma igreja cristã. Em um livro escrito por volta de 230 a.C., o qual descrevia as Sete Maravilhas, o autor expressa sua admiração especial pelo Templo de Éfeso: Eu vi as muralhas e os Jardins Suspensos da antiga Babilônia, a estátua de Zeus, em Olímpia, o Colosso de Rodes, as Grandes Pirâmides e o túmulo de Mausolo em Halicarnasso. Mas quando vi o templo de Éfeso erguendo se sobre as nuvens, todas estas outras maravilhas ficaram na sombra.3

O Colosso de Rodes, uma estátua terminada por volta de 230 a.C., celebrava a vitória da cidade contra o sítio das tropas de Demétrio, um dos generais de Alexandre, o Grande. Rodes havia se aliada a um outro dos ex-generais de Alexandre, Ptolomeu Soter, que posteriormente se tornaria soberano do Egito, em Alexandria, sob o nome de Ptolomeu I (c. 367–283 a.C.). A estátua localizava-se na entrada do porto natural da cidade de Rodes, a capital da ilha de mesmo nome que se situa a cerca de 30 km da costa sudeste da Turquia moderna. Ela tinha cerca de 35 metros de altura e ficava sobre um plinto de cerca de 16 metros de altura. Sua figura era na pose grega tradicional: um homem nu usando uma coroa com pontas, protegendo seus olhos do sol nascente com a mão direita, e com um manto caindo de seu braço esquerdo. Filon de Bizâncio (veja a p. 26) escreve que o Colosso consistia de um núcleo com duas ou três colunas de pedra que chegavam até o nível da cabeça e eram conectadas por arquitraves ou vigas de pedra, provavelmente em mais de um nível. Das colunas foi construída uma armação de ferro forjado que avançava até o local onde a superfície da estátua seria suspensa. Nestas barras de ferro foram rebitadas chapas de bronze que haviam sido fundidas, marteladas e polidas, cirando a superfície externa da estátua. Dizia-se que grande parte do metal usado na estátua havia sido reciclado das inúmeras máquinas de guerra deixadas para trás com a derrota e fuga de Demétrio. O

colosso foi destruído por um terremoto em 224 a.C. e muitas de suas partes ficaram abandonadas onde caíram até o momento em que os árabes conquistaram Rodes, em 656 d.C. Uma das Sete Maravilhas do Mundo Antigo que mais perdurou foi o farol construído na ilha de Faro, marcando a entrada ao porto da nova cidade de Alexandria, no norte do Egito. Alexandre, o Grande, havia fundado a cidade em 332 a.C., mas morrera em 323 a.C., deixando a obra apenas iniciada, e os trabalhos foram continuados por seu sucessor como governante do Egito, Ptolomeu Soter. Dois portos para navios de grande calado foram construídos na extremidade oeste do delta do rio Nilo, um para o tráfego fluvial do Nilo, o outro para o comércio com o Mar Mediterrâneo. Ptolomeu encomendou a construção do farol em 290 a.C., para que servisse como ponto de referência aos navegadores e também como ícone para a nova e próspera cidade. Ele foi terminado em 270 a.C., durante o reino do filho de Ptolomeu Soter, Ptolomeu II. O farol foi construído com pedra aparelhada assentada sobre folhas de chumbo, para melhoria do assentamento entre as fiadas, e consistia de três partes. Vários estudiosos estimam que tivesse cerca de 300 cúbitos de altura (cerca de 120 m). A primeira seção era uma edificação de planta baixa quadrada com aproximadamente 32 metros de largura e 65 metros de altura, dentro da qual havia cerca de 50 recintos e uma rampa para o transporte dos materiais de construção, levados por carroças puxadas por cavalos. Sobre esta base, erguia-se uma torre ortogonal com cerca de 32 metros de altura e 12 metros de diâmetro, com uma escadaria que levava até a cúpula, onde a chama queimava e os guardiões do farol viviam e armazenavam o combustível para a fogueira. Dizem que a luz, à noite, ou a fumaça, de dia, produzida pelo farol podia ser vista a uma distância de 60 quilômetros. O projetista do farol, Sóstrato de Cnidos, se tornou imortal devido a um subterfúgio bastante esperto. Tendo Ptolomeu II recusado seu pedido para que tivesse seu nome entalhado na base da estrutura, ele desafiou o governante esculpindo a seguinte inscrição na alvenaria: “Sóstrato, filho de Dexífano de Cnidos, em nome de todos os marinheiros, e para os deuses salvadores”. Esta inscrição foi coberta por uma camada de argamassa, na qual foi entalhado o nome de Ptolomeu. Com o passar do tempo, no entanto, a argamassa caiu, revelando a inscrição de Sóstrato. O Farol de Alexandria era uma grande atração turística. Vendia-se comida na plataforma de observação que fica-

11

 Addis_01.qxd

04.03.09

10:50

Page 21

va no topo do primeiro nível, e os visitantes podiam subir ao pináculo da torre de oito lados para uma vista melhor. Há relatos de que o farol mantinha-se intacto e em funcionamento ainda em 1115, embora houvesse sofrido alguns danos devidos a terremotos. Assim c omo muitas antigas estruturas a leste do Mediterrâneo, seu destino foi finalmente selado pelos movimentos da Terra. Após grandes danos causados por um terremoto em 1303, o farol veio abaixo com outro, em 1326. A construção daquela época, assim como a de hoje, tinha seus impactos sobre o meio ambiente; na Grécia Antiga, tanto as sérias conseqüências econômicas como os exemplos de projetos criativos ajudaram a mitigar estes efeitos. À medida que as cidades-Estado do mundo grego cresciam e construíam cada vez mais, mais eram exauridos seus recursos naturais. A madeira era necessária em grandes quantidades para a produção tanto de embarcações como de edificações e era especialmente importante para o carvão vegetal usado na fundição de minérios. Enormes quantidades de metais eram produzidas – estanho, chumbo, cobre, bronze, e principalmente ferro – e cada tonelada de metal consumia muitas outras toneladas de carvão para sua fabricação. Já no século V a.C. muitas partes da Grécia já não tinham praticamente nenhuma floresta. O filósofo Platão achava que as colinas de sua Ática nativa eram “como os ossos de um cadáver, desprovido de suas carnes outrora vivas”.4 À medida que os combustíveis escassearam, os governos das pólis foram obrigados a legislar; Atenas em certo momento baniu o uso de madeira de oliveira para produção de carvão e proibiu a exportação de qualquer tipo de madeira de construção para regiões vizinhas. Na ilha de Cós, a madeira para calefação e cozimento doméstico foi taxada para que seu uso fosse controlado, enquanto em Delos, que não tinha fontes locais, a venda do carvão foi assumida pelo Estado, para evitar o mercado negro. A séria escassez de madeira para construção também deve ter contribuído para o uso crescente da alvenaria nas edificações. Além do uso da madeira em edificações, navios e fundição de minérios, ela também era essencial para fins domésticos, sendo o único combustível disponível para cozimento e calefação das casas durante os frios invernos. Uma resposta criativa à falta de combustível foi a redução da necessidade de calefação, através do desenvolvimento de edificações mais sofisticadas. Os pro jetistas aprenderam a coletar e aproveitar a energia solar para aquecimento do invólucro das edificações, durante o dia, e liberação gradual do calor durante as noites mais frias. Recursos de sombreamento como co-

       1        2

lunatas permitiram que o sol de inverno, mais baixo, entrasse profundamente em uma edificação e, ao mesmo tempo, fornecesse proteção solar contra o sol de verão, mais alto. Os cômodos internos também eram mantidos aquecidos com o uso de pequenas janelas voltadas para o norte (hemisfério norte), minimizando o efeito de aquecimento provocado pela incidência solar direta e oferecendo alguma ventilação. Como na época não se usava vidro nas janelas, elas eram fechadas por postigos de madeira, que mantinham as casas aquecidas no inverno. A próspera cidade de Olinto, no norte da Grécia, nos fornece outro exemplo de projeto solar. Quando, no século V a.C. se precisou de habitação para cerca de 2.500 pessoas, um grande loteamento foi planejado na zona norte da cidade existente com o mesmo cuidado que hoje se projeta qualquer conjunto habitacional. As ruas tinham orientação leste-oeste, para garantir que os apartamentos fossem voltados para o sul (hemisfério norte), e estes eram de dois tipos, conforme estivessem no lado norte ou sul da rua. Cada apartamento era projetado com cômodos voltados para o sul e abertos para pátios centrais, garantindo o aproveitamento máximo do sol de inverno. Muitas outras cidades gregas testemunham este plane jamento, e Priene, na atual Turquia, é uma das mais espetaculares. Como a cidade velha era cada vez mais assolada por inundações e suas conseqüências nefastas à saúde pública, decidiu-se, por volta de 350 a.C., relocar toda a comunidade de cerca de 4.000 pessoas para um sítio melhor, do outro lado da colina. Este grande deslocamento permitiu aos planejadores urbanos definir todos os detalhes de sua nova cidade, incluindo um bom sistema de suprimento de água e esgoto. A orientação das edificações e ruas levou em consideração não apenas a posição solar, para que se gozassem os benefícios dos ganhos solares, mas também a direção dos ventos dominantes. Os ventos frios de inverno vinham do norte, assim, as paredes das casas voltadas para o norte eram mais espessas, conseguindo melhor isolamento térmico. Diversos filósofos e cientistas, incluindo Sócrates, Platão e Ésquilo, chamaram atenção em seus escritos para estas e outras formas criteriosas de planejamento urbano e arquitetônico como ilustrações dos princípios científicos que estavam elaborando para explicar como o mundo funcionava. Aristóteles (384–322 a.C.) observou em um de seus livros que uma “abordagem racional” ao planejamento de cidades e edificações era “a última moda” na sua época. 5 Aqui, a palavra-chave é “racio-

   E    D    A    D    I    U    G    I    T    N    A    A    N    A    I    R    A    H    N    E    G    N    E    E    O     Ã    Ç    U    R    T    S    N    O    C

12, 13

 Addis_01.qxd

04.03.09

10:50

Page 22

       2        2

   E    D    A    D    I    U    G    I    T    N    A    A    N    A    I    R    A    H    N    E    G    N    E    E    O     Ã    Ç    U    R    T    S    N    O    C

11

12

13

11 Farol da Ilha de Faro, Alexandria, 270 a.C. Projetista: Sóstrato de Cnidos. Reconstrução. 12 Planta da cidade de Olinto, norte da Grécia, século V a.C. 13 Bloco de casas em Olinto. Perspectiva isométrica (reconstrução).

 Addis_01.qxd

04.03.09

10:50

Page 23

nal”, pois ressalta o que talvez possamos identificar como a principal contribuição do filósofo grego à engenharia: a formalização da lógica e seu uso para convencer as pessoas de certos pontos de vista através da argumentação lógica. Matemática, ciência e engenharia na Antigüidade clássica Não estamos exagerando nem um pouco quando dizemos que os filósofos gregos estabeleceram o modo como as pessoas do mundo ocidental vêem o mundo. Eles nos legaram abordagens metódicas para a descrição do mundo – a música, a astronomia, a botânica, a zoologia etc. Os filósofos gregos buscavam estruturar e ordenar suas idéias, estabelecer padrões, relações e hierarquias. A taxonomia era a rainha das ciências, ou melhor, a princesa, pois, acima de tudo, o objetivo destas mentes filosóficas era conectar idéias através daquela linha invisível chamada lógica. Uma das ferramentas mais poderosas que os gregos desenvolveram e exploraram foi a geometria. Eles definiram dois tipos de geometria, uma baseada em objetos do mundo real, a outra, em idéias do mundo abstrato. Eles aprenderam a distinguir uma pedra quadrada de outra circular, cujas formas podem ser conferidas por medições, de um quadrado ou um círculo, cujas dimensões e diversas propriedades geométricas podem ser conhecidas sem que seja necessário o uso de verificações físicas. Matemáticos como Tales (fl. 636–c. 546 a.C.), Pitágoras (c. 582–507 a.C.) e Euclides (fl. 300 a.C.) usaram a geometria como veículo para as mais elevadas das artes gregas: a lógica e a retórica. Usando linhas mentais abstratas – talvez esboçadas no papel para aqueles que não as conseguiam imaginar claramente – conseguiam argumentar com certeza absoluta que, por exemplo, uma certa linha tinha o dobro do comprimento de outra. Em um mundo incerto e imprevisível, a capacidade de se provar algo sem deixar dúvidas oferecia aos filósofos uma chave para desvendar os mistérios do universo. A geometria era uma manifestação das regras pelas quais o mundo fora construído. Esta era a premissa subjacente à incrível obra de Pitágoras e seus seguidores, que se esforçaram para explicar o mundo em termos de geometria e de proporções simples. Seu exemplo arquetípico era a música e o estudo das propriedades físicas do som musical, a harmônica. Os vários intervalos musicais consonantes – a oitava, a quinta, a quarta e assim por diante – correspondiam a subdivisões simples (2:1, 3:2, 4:3) do comprimento de uma corda vibratória. De forma similar, o universo era concebido como uma série

de esferas concêntricas (perfeitas) cujos raios tinham relações simples correspondentes aos intervalos musicais. Na verdade, a harmônica serviu aos gregos quase tanto como a física e a química moderna hoje nos auxiliam a explicar por que o universo é da forma que ele é. A importância da harmônica como chave para compreensão do mundo pode ser apreciada por sua sobrevivência como uma das principais disciplinas lecionadas nos centros de ensino até o século XVII. Johannes Kepler, Galileu, René Descartes e até mesmo Isaac Newton transitavam com facilidade e lógica da matemática para a astronomia, harmônica, estática e ótica em seus estudos dos movimentos planetários. Os filósofos, matemáticos e físicos gregos desenvolveram a ciência da mecânica e usaram o mesmo rigor lógico desenvolvido no estudo da geometria para explicar e comprovar a idéia dos benefícios mecânicos que estavam por trás de recursos-chave que permitiam ao homem multiplicar o poder de sua força limitada: a alavanca, a cunha, o parafuso e a polia. Esta abordagem de explicação do mundo físico foi registrada por escrito pela primeira vez por volta do ano 400 a.C. por Arquitas (c. 428–c. 347 a.C.) de Tarentum (Tarento, uma pequena cidade no sul da Itália), o qual é às vezes chamado de o pai da mecânica matemática. Arquitas viera da escola pitagórica de física e matemática, e seus livros Tubos e Mecânica são as mais antigas obras sobre o assunto que chegaram até nós. Sua obra sobre mecânica estabeleceu as bases que foram seguidas e desenvolvidas por praticamente todos os demais escritores sobre matemática e física durante o período clássico, até Antêmio e Eutócio, no século VI d.C. Entre as muitas outras obras de Arquitas sobre matemática está Harmônica, que descrevia a ciência baseada em teoria musica e geometria e que lhe foi importante para explicar como o mundo funcionava como a mecânica. Aristóteles escreveu sobre sua admiração por um certo brinquedo mecânico que Arquitas fez para diver tir crianças. Arquitas fez um passarinho de brinquedo que de alguma maneira era movido a ar comprimido e voava por quase 200 metros, e ele também escreveu uma incrível viagem imaginária ao redor do mundo em uma esfera hermeticamente vedada. Ainda que muitos dos primeiros filósofos, matemáticos e cientistas da Grécia antiga talvez tenham trabalhado por diletantismo, muitos de seus esforços se relacionavam com preocupações bem mais mundanas – em particular, a arte da guerra. Esta abarcava levantamentos topográficos, medições, e projeto e execução de navios, fortificações e armamentos como catapultas e balistas. Estes filósofos e cientistas também faziam pesquisas

       3        2

   E    D    A    D    I    U    G    I    T    N    A    A    N    A    I    R    A    H    N    E    G    N    E    E    O     Ã    Ç    U    R    T    S    N    O    C

 Addis_01.qxd

04.03.09

10:50

Page 24

       4        2

   E    D    A    D    I    U    G    I    T    N    A    A    N    A    I    R    A    H    N    E    G    N    E    E    O     Ã    Ç    U    R    T    S    N    O    C

GEOMETRIA: DEMONSTRAÇÕES E AXIOMAS Os fundamentos formais da geometria são um pequeno número de axiomas. Todas as verdades ou teoremas da geometria são gerados a partir desses axiomas, através da aplicação de várias regras de inferência e de teoremas anteriormente comprovados. A

DADO:

Um quadrilátero ABCD D

PEDE-SE:

Construa um triângulo de área igual à do quadrilátero ABCD. CONSTRUÇÃO:

Una AC . Passando por D , trace o lado DE paralelo a AC , chegando a E , definido pela continuação do lado BC . O triângulo requerido é AB E

E

B

C

DEMONSTRAÇÃO:

Área do quadrilátero

= ∆ AB C + ∆ AC D em área = ∆ AC E em área (na mesma base Área de ∆ ABCD = ∆ AB C + ∆ AC E em área ABCD ∆

AC D

AC

entre as mesmas paralelas AC e DE )

Área de ∆ AB E = ∆ AB C + ∆ AC E em área Área de ABCD = ∆ AB E Quod erat demonstrandum (O que devia ser demonstrado)

para descobrir, por exemplo, como aumentar a força de arremesso das armas e a rapidez e efetividade das embarcações. Aparentemente havia dois meios formais de se adquirir conhecimentos de engenharia que poderiam ser aplicados para fins militares: um aprendizado era dos conhecimentos práticos necessários para a construção de edificações e fabricação de máquinas de guerra, o outro, era mais profundo. As habilidades bélicas eram lecionadas em colégios militares, ao passo que uma formação mais geral e científica, que incluía o estudo de disciplinas acadêmicas como mecânica, geometria e astronomia, era oferecida nas escolas onde os grandes acadêmicos de então lecionavam. É provável que muitos de tais estabelecimentos servissem a ambos propósitos. Infelizmente, poucas informações chegaram até nós sobre estas escolas. Platão (429–347 a.C.) estabeleceu sua academia em Atenas em 387 a.C., tendo em mente fins tanto educacionais como políticos, e vários filósofos, advogados, astrônomos e matemáticos estavam associados à escola. Desconhecemos se havia currículos ou mesmo aulas formais naquela época, mas quando Aristóteles estudou lá, 20 anos depois, sabemos que ele aprendeu retórica e política. Aristóteles em breve se

uniu ao corpo docente e se sabe que ele lecionou retórica e dialética. A academia perdurou de várias formas até 529 d.C. Aristóteles deixou a academia de Platão após 20 anos e logo recebeu o apoio de Alexandre, o Grande, na fundação de uma instituição rival, o Liceu, em Atenas, em 335 a.C. O Liceu oferecia aulas formais em uma ampla variedade de disciplinas, muitas das quais lecionadas pelo próprio Aristóteles – lógica, física, astronomia, meteorologia, zoologia, metafísica, teologia, psicologia, política, economia, ética, retórica e poética. Uma das mais importantes conquistas de Aristóteles foi dar fundamentação lógica às ciências teóricas a partir de uma série de axiomas, como na geometria. Sua obra precedeu a estrutura formal de axiomas de Euclides para a geometria em 30 ou 40 anos. Em 290 a.C. Ptolomeu Soter (Ptolomeu I) fundou o Museu de Alexandria, com o fim declarado de coletar todas as obras escritas impor tantes, promover o estudo da literatura e da arte, e estimular e auxiliar investigações e pesquisas experimentais e matemáticas.

 Addis_01.qxd

04.03.09

10:50

Page 25

A palavra “museu” significava um santuário para as Musas, mas hoje seria mais apropriado chamá-lo de uma universidade. Ele se inspirava, em parte, no currículo amplo do Liceu, e se tornou a mais bem-sucedida de todas as escolas da Antigüidade, o modelo no qual se baseiam todas instituições acadêmicas e de ensino atuais. Durante os 900 anos seguintes, ele atraiu estudiosos e alunos de todos os confins do futuro Império Romano do Ocidente e do Oriente. Uma importante parte do complexo do Museu era a famosa Biblioteca de Alexandria, na qual se acredita que houvesse 750.000 livros em seu apogeu. A lista de nomes relacionados à Universidade de Alexandria como professor ou aluno é impressionante, incluindo, entre outros, o geômetra Euclides e os engenheiros Arquimedes, Tesíbio, Filon e Hiéron de Alexandria. Para que possamos ter uma idéia do alto padrão que a engenharia grega e romana alcançou, vale a pena examinarmos as carreiras, as conquistas e os escritos dos mais eminentes destes homens. Os engenheiros da Grécia helenística Arquimedes de Siracusa, uma cidade-Estado da Sicília (c. 287–212 a.C.), provavelmente estudou na Universidade de Alexandria e rapidamente se tornou muito conhecido por ter inventado duas das máquinas mais duradouras da humanidade: o parafuso de Arquimedes, ainda hoje usado para erguer água, e a polia composta. O historiador romano Plutarco, escrevendo por volta do ano 100 d.C., descreve um dramático experimento que o rei de Siracusa, Hiéron, preparou para que Arquimedes pudesse demonstrar sua polia composta. Em uma carta ao Rei Hiéron, Arquimedes afirmou que, dada força suficiente, qualquer peso podia ser movido por seu sistema de polias. Hiéron maravilhou-se com isto e pediu a Arquimedes uma demonstração prática na qual um grande peso poderia ser  movido por uma pequena máquina. Um dos navios de carga da frota do rei – que não podia ser movido do cais a não ser com muito esforço e muitos homens – foi selecionado, enchido com passageiros e carga total, e Hiéron se  sento u para assi stir. Prati came nte sem esfo rço,  Arquimedes puxou a corda d a polia composta e moveu o navio em linha reta, de forma tão suave e estável como se ele estivesse no mar.6

As habilidades de engenharia de Arquimedes lhe puseram a serviço do rei como engenheiro militar, e sua re-

putação se tornou lendária, tanto em sua terra como nos territórios de seus inimigos. As mais bem sucedidas e famosas de suas façanhas foram as máquinas que ele criou para defesa de sua terra natal, Siracusa, quando esta foi atacadas pelos romanos no sítio de 212 a.C. Plutarco escreveu: Quando Arquimedes começou a manejar suas máquinas e a atirar contra as forças terrestres dos atacantes todos os tipos de projéteis e imensas massas de rocha, que caíam com barulho e velocidade inacreditáveis, nada con seguia evitar o peso deles, e estes projéteis arrasavam tudo que estivesse em seus caminhos, causando grande confusão entre os inimigos. Ao mesmo tempo, enormes vigas eram subitamente arremessadas das muralhas e caíam sobre os navios, afundando rapidamente alguns deles; outros eram capturados pela proa com o uso de  garras de fer ro ou ganchos que pare ciam ganhos de guindaste, eram erguidos no ar, e então tinham suas proas levantadas e eram jogados para o fundo do mar, ou giravam várias vezes, puxados pelas máquinas de guerra da cidade, até se chocarem contra as pontas de aço que projetavam das muralhas, massacrando os guerreiros a bordo, que morriam nos escombros. Muitas vezes também um navio era retirado da água e ficava em pleno ar, girando aqui e acolá, um espetáculo horrível, até que toda sua tripulação tivesse sido arremessada para todos os lados, e então era lançado vazio contra as muralhas ou libertado das garras que o mantinham.7

Apesar de tudo, Arquimedes era um engenheiro um tanto relutante. Ele desenvolvia as máquinas de guerra apenas sob solicitação de seu amigo, o rei de Siracusa, e não escreveu nada sobre seus conhecimentos militares. Plutarco relata bem a atitude ambivalente de Arquimedes:  Arquimedes possuía um espírito tão elevado, era uma alma tão profunda, e tinha tamanho conhecimento científico que, embora suas invenções lhe tivessem trazido reputação e fama de ter uma perspicácia super-humana, ele não concordou em deixar para trás qualquer tratado sobre o tema, e, considerando ignóbil e vulgar a obra de um engenheiro militar, assim como qualquer outra arte que prestasse au xílio às necessidades da vida, ele devotou seus maiores esforços apenas àqueles estudos cuja sutileza e charme não  são afetados pelos chamados da necessidade. Estes estudos, ele considerava, não podiam ser comparados a nenhum outro; neles a matéria em estudo rivaliza com a demonstração, o primeiro (a matéria) oferecendo grandiosidade e beleza, o segundo (a demonstração), precisão e poder  insuperáveis.8

       5        2

   E    D    A    D    I    U    G    I    T    N    A    A    N    A    I    R    A    H    N    E    G    N    E    E    O     Ã    Ç    U    R    T    S    N    O    C

 Addis_01.qxd

       6        2

   E    D    A    D    I    U    G    I    T    N    A    A    N    A    I    R    A    H    N    E    G    N    E    E    O     Ã    Ç    U    R    T    S    N    O    C

04.03.09

10:50

Page 26

Naturalmente, é este aspecto dos grandes talentos de Arquimedes que firmou sua reputação atual como o maior de todos os físicos e matemáticos da Antigüidade. Ele é universalmente conhecido por seu famoso princípio: todo corpo submerso em um fluido experimenta um empuxo vertical e para cima igual ao peso do fluido deslocado. Ele também leva o crédito de ter desenvolvido um antecessor primitivo do cálculo, seu método de exaustão, um processo de integração que lhe permitia calcular área de formas irregulares. No entanto, a obra de Arquimedes sobre matemática e física era virtualmente desconhecida durante sua vida e por muito tempo após sua morte. Ela foi amplamente difundida apenas quando editada e publicada pelo cientista grego Eutócio de Ascalon (c. 480–540), aproximadamente 700 anos depois. Tesíbio de Alexandria (c. 285–222 a.C.) era um engenheiro militar egípcio cuja reputação foi superada apenas pela de Arquimedes. Ele escreveu dois livros sobre a mecânica aplicada à guerra e às máquinas bélicas, ambos perdidos: Memorando Sobre Mecânica e Belopoietica . Ele projetou numerosas catapultas, inclusive uma que usava cabos de bronze torcidos, cuja vantagem sobre os cabos feitas de materiais orgânicos (cordas e tendões de animais) era que seu desempenho não era afetado pela umidade. Sua obra sobre a compressibilidade e elasticidade do ar também foi importante e lhe rendeu o título de “pai da pneumática”. Ele inventou a bomba de sucção que ainda hoje é usada para bombear água verticalmente e muitas máquinas movidas a água ou energia pneumática, algumas incorporando engrenagens mecânicas. Entre estas estava um guindaste hidráulico capaz de erguer grandes pesos, e seu famoso relógio de água. Talvez o maior feito de Tesíbio no desenvolvimento de todas as formas de engenharia seja o fato de que ele é considerado como o fundador e primeiro diretor da Escola de Engenharia de Alexandria. Fundada em 230 a.C. e intimamente relacionada com o Museu de Alexandria, seu fim era educar e treinar engenheiros militares e engenheiros mecânicos. Se o “museu” de Ptolomeu Soter hoje deveria ser chamado de universidade, então seria melhor chamar a escola de Tesíbio de “école polytechque”, para usarmos o termo cunhado para a nova escola de engenharia fundada na França do século XVIII, dedicada a aproximar a teoria da prática (veja o capítulo 6, p. 302). Filon (ou Filão) de Bizâncio (c. 280–220 a.C.) era provavelmente um engenheiro militar, mas nenhum de seus

experimentos práticos foi registrado. Ele é conhecido por nós especialmente por seu tratado sobre operações militares e a ar te do sítio. Filon aumentou quaisquer conhecimentos anteriormente adquiridos sobre a engenharia militar com informações colhidas com aqueles que as tinham em primeira mão. Ele visitou os grandes arsenais de Rodes e Alexandria para conversar com os engenheiros sobre as mais recentes estratégias militares e o pro jeto e a construção dos últimos armamentos. Em Alexandria, por exemplo, ele encontrou Tesíbio, que há pouco desenvolvera sua nova catapulta com cabos de bronze torcidos. O tratado de Filon foi escrito em nove livros:9 1. Introdução 2. Alavancas 3. Construção de Portos Marítimos 4. Catapultas 5. Pneumática 6. Teatros Automáticos 7. Construção de Fortalezas 8. Sítio e Defesa de Cidades 9. Estratagemas

Infelizmente, apenas quatro destes livros chegaram aos nossos dias (os livros 4, 5, 7 e 8). Seu Livro 8 oferece conselhos sobre as várias formas de defender as muralhas das cidades contra o sítio, tanto por terra como por mar. Para capturar uma cidade sitiando-a, Filon primeiro aconselha que é importante fazer uso adequado de máquinas como catapultas e outras máquinas de guerra. Mas, como ele prossegue, também é importante tentar fazer com que os habitantes da cidade passem fome, subornar as pessoas adequadas para ajudar, envenenar os sitiados, e usar criptografia para passar mensagens secretas. Ele também ressalta a importância de um bom médico, e afirma que aqueles que foram feridos em batalha de forma tão grave que já não podem trabalhar deveriam receber pensões, e que se deveria cuidar das viúvas dos mortos. Seu livro sobre catapultas (Livro 4) é o mais importante para a história do projeto de engenharia. Embora seja uma das primeiras obras substanciais sobre mecânica, não é obra de um matemático acadêmico. Ele oferece as bases científicas do funcionamento de muitos engenhos e máquinas de guerra, e, o que é mais importante, registra as etapas de projeto usadas pelos engenheiros militares romanos para a determinação das dimensõeschave de armas como catapultas e balistas. Embora Filon estivesse relatando os métodos de projeto de engenharia militar de sua época, eles eram, evidentemen-

 Addis_01.qxd

04.03.09

10:50

Page 27

te, apenas os últimos de uma longa tradição. Dada sua sofisticação, não é absurdo supor que eram as versões mais atualizadas de métodos similares que existiam há, pelo menos, 100 anos. Filon nos conta que os gregos projetavam balistas para o arremesso de pedras e catapultas para lançar flechas usando fórmulas que relacionavam cada uma das dimensões da máquina terminada com apenas uma unidade básica: o “módulo”. Chamado de palintone no caso da balista grega, o módulo era o diâmetro da pedra a ser lançada. A fórmula de projeto havia sido determinada através da experiência e de testes, e estabelecia que, para que se conseguisse determinado alcance de tiro, o diâmetro (D) das cordas torcidas variava com a raiz cúbica da massa (M) do projétil de pedra, ou seja, D = 1.1 3√(100 M). O método de projeto descrito por Filon prossegue, dando as dimensões de mais de uma dúzia de componentes chave do palintone, todos baseados em múltiplos do módulo fundamental, o diâmetro das cordas ou cabos torcidos, D. Em 250 a.C., estes cálculos eram um desafio para o projetista de uma catapulta como achar a raiz cúbica de um número – e uma das contribuições de Filon à matemática foi que ele conseguiu bolar uma solução geométrica para este problema de cálculo. Bem, na verdade, muitas vezes a resposta poderia ter sido simplesmente obtida em tabelas que forneciam os valores pré-calculados para uma seleção de dimensões comuns de catapultas, mas o uso desta relação cúbica é incrivelmente maduro para sua época e não foi superado em termos de sofisticação por mais de 500 anos. Este tipo de processo de projeto era muito similar àquele usado pelos projetistas de edificações de então, como posteriormente foi registrado por Vitrúvio (veja a seguir). Engenharia e construção na Roma antiga Não houve uma transição clara ou repentina entre a engenharia grega e a romana. Roma era uma cidade, ou melhor, um Estado que vinha crescendo em importância desde a fundação da República Romana, em 509 a.C. Seus conhecimentos e avanços em engenharia haviam se desenvolvido junto com aqueles das demais cidades-Estado ao redor do Mediterrâneo. A arquitetura clássica de Atenas já havia influenciado Roma no século V a.C., quando o Templo de Saturno (498 a.C.) e o Templo de Castor e Pólux (484 a.C.) foram construídos, e estas edificações, mesmo após muitas reformas, ainda gozavam de destaque no Fórum romano de 200 d.C (cujas ruínas ainda existem). Assim como ocorria com todas as cidades antigas, as novas construções de Roma eram sobrepostas às anteriores, e todas

eram influenciadas pelas práticas e pelos eventos dos lugares com os quais Roma comerciava. Tanto o Império Romano como a cidade de Roma haviam se tornado mais prósperos durante o século I a.C., e houvera uma enorme campanha para a construção de estradas, aquedutos e fortificações por todo o império. No ano de 45 a.C. houve uma mudança dramática, quando Júlio César (100–44 a.C.) foi eleito como o primeiro (e último) Dictator Perpetuus; um ano depois, ele foi assassinado. Em 27 a.C., após uma década e meia de governo compartilhado e disputado, o Senado romano conferiu ao sobrinho-neto e filho adotivo de César, Otávio (63 a.C–14 d.C), que já era cônsul da cidade, os títulos de  Augustus (“o sublime”) e Princeps (“principal cidadão”). O senado lhe jurou um voto de lealdade como Imperator , e então, com controle total do exército romano, ele se tornou o líder efetivo de todo o Império Romano. Assim como outros líderes antes e depois dele, Otávio Augusto estabeleceu e marcou sua autoridade através da construção – e ele construiu em uma escala sem precedentes. Antes de examinar algumas dessas obras-primas, contudo, esta discussão irá enfocar aspectos mais corriqueiros da construção e da engenharia. Um dos mais importantes meios pelos quais os romanos mantiveram o alto nível de conhecimentos em engenharia alcançado pelos gregos foi através de uma infra-estrutura de ensino que havia sido estabelecida principalmente pela universidade e escola de engenharia de Alexandria. Esta continuou sendo o principal estabelecimento de ensino durante toda a duração da República Romana e do Império Romano. Lá a engenharia era lecionada com base nos livros dos grandes escritores gregos e, acredita-se, também de muitos mestres romanos cujas obras e nomes se perderam. Praticamente os únicos livros de engenharia que perduraram deste período são aqueles escritos por Héron de Alexandria (10–75 d.C), que foi provavelmente o mais prolífico escritor sobre ciência e tecnologia de sua época. 10 Nada se sabe sobre sua juventude, mas é provável que tenha estudado engenharia, e ele se tornou conhecido como professor na universidade e escola de engenharia de Alexandria. Ele, sem dúvida, tinha grandes conhecimentos da prática, assim como dos aspectos matemáticos e científicos da mecânica. Seus livros-texto e suas notas de aula compreendiam trabalhos pessoais, assim como comentários e reinterpretações dos temas clássicos estabelecidos antes dele por Euclides, Arquimedes e outros. De uma longa lista de livros atribuídos a Héron, os seguintes geralmente são reconhecidos como seus:

       7        2

   E    D    A    D    I    U    G    I    T    N    A    A    N    A    I    R    A    H    N    E    G    N    E    E    O     Ã    Ç    U    R    T    S    N    O    C

 Addis_01.qxd

       8        2

   E    D    A    D    I    U    G    I    T    N    A    A    N    A    I    R    A    H    N    E    G    N    E    E    O     Ã    Ç    U    R    T    S    N    O    C

04.03.09

10:50

Page 28

Mechanica (em três livros)  Architect ura ( Arquitetura ), escrito por Vitrúvio (Marcus Vitruvius Pollio – que trabalhou de 46 a 30 a.C) e puMetrica, dedicada a métodos de medição  Zygia, ou Equilíbrio (perdido), mencionado pelo matemáti- blicado em Roma por volta de 25 a.C. Embora tenha co grego Papo (Pappus) de Alexandria (c. 290–350 sido escrito no período romano, o conteúdo desta obra pertence, em termos culturais, tanto à Grécia como a d.C.) Dioptra, que trata de teodolitos e topografia Roma. Fica claro nos agradecimentos do texto que muitos autores já haviam escrito sobre os mesmos asComentário sobre os Elementos de Euclides Belopoeica, que descreve como construir máquinas de suntos durante os séculos anteriores, e Vitrúvio admiguerra e cobre assuntos similares àqueles das obras te que se baseia muito neles. Assim, quando Vitrúvio de Filon e Vitrúvio escreve sobre como projetar um templo, não fica clara Camarica, ou Abóbadas (perdido), mencionado por Eutócio a idade de tais orientações. No contexto atual, isso não faz muita diferença. Das evidências tiradas de de Ascalon Pneumatica (em dois livros), um estudo das máquinas muitas edificações que restaram da Grécia antiga, pamecânicas acionadas a ar, vapor ou pressão da água rece-nos provável que muitas de suas orientações O Teatro Automaton , descrevendo um teatro de fantoches para projeto remontavam a, pelo menos, três ou quatro séculos antes – aproximadamente 400 a.C. Isso com cordões, polias, tambores e pesos Relógios de Água (em quatro livros) vale especialmente para suas descrições dos métodos dóricos e jônicos de projetar templos. Em alguns Catoprica, tratando da luz, da visão e dos espelhos Uma obra perdida sobre como usar um astrolábio, menci- assuntos, como acústica, Vitrúvio transcreveu literalmente idéias e palavras de gregos de muitos séculos onada no século X.

Mechanica, o tratado de Héron sobre mecânica para engenheiros, basicamente segue as idéias de Arquimedes, cobrindo os conceitos teóricos e os princípios de funcionamento de várias máquinas e dando exemplos práticos de seus usos. O Livro 1 examina como construir formas tridimensionais proporcionais a determinada forma. Ele também examina a teoria do movimento e certos problemas de estática, incluindo a teoria do equilíbrio. No Livro 2, Héron discute o levantamento de objetos pesados com o uso de uma alavanca, polia, cunha ou parafuso. Há uma discussão sobre o centro de gravidade de figuras planas. O Livro 3 examina vários métodos de movimentação e transporte com guindastes e trenós, e ele também examina as prensas de lagar (de vinho) como uma das aplicações da força mecânica do parafuso. Também interessa à engenharia da edificação uma única e espantosa referência feita pelo matemático e escritor técnico do século VI, Eutócio de Ascalon, a um livro perdido sobre abóbadas, também escrito por Héron. O matemático Papo de Alexandria descreveu a abordagem de Héron: Os engenheiros [mechanikoi] da escola de Héron dizem que a engenharia pode ser dividida em uma parte teórica e outra prática; a parte teórica é composta da geometria, aritmética, astronomia e física; a parte prática compreende a manufatura de objetos de metal, construção, carpintaria, pintura e tudo que envolva habilidade com as mãos. 11

Marco Vitrúvio Polião Apenas um livro sobre projeto e construção de edificações do período greco-romano chegou até nós: De

antes. Em outros temas, como materiais e projeto de manufatura de armamentos, Vitrúvio escreve com base em sua própria experiência, assim, podemos pressupor que suas orientações eram práticas correntes por volta do ano 50 a.C. Vitrúvio foi um engenheiro que trabalhou durante o século I a.C., primeiramente a serviço de Júlio César e de Otávio Augusto. Ele estudou e começou sua carreira como engenheiro militar, construindo e consertando balistas e  scorpiones (catapultas). Mais tarde, seus conhecimentos de gerenciamento de engenharia e pro jeto f izeram que fo sse enc arrega do de vários projetos públicos de engenharia civil (provavelmente para fornecimento de água), e ele teve um importante (mas desconhecido) papel na reconstrução de Roma, a cidade de que Otávio Augusto posteriormente se orgulharia por “havê-la encontrado feita de tijolo e deixá-la feita de mármore”. 12 Sabemos de apenas um projeto ao qual seu nome pode ser associado: a grande basílica de Fano, uma cidade da Itália central, na costa do Mar Adriático. Vitrúvio escreveu seu livro no final da vida – provavelmente já aposentado, se imaginarmos que a vida profissional de engenheiros de obras e gerentes de projeto era, na época, tão atribulada como hoje – e dedicou-a a Otávio Augusto, que havia sido seu principal cliente. É impressionante que seu livro seja conhecido de forma quase ininterrupta há mais de 2.000 anos. Muitas cópias manuscritas chegaram ao século XV, e em 1486 a primeira edição impressa foi publicada. No entanto, todas

 Addis_01.qxd

04.03.09

10:50

Page 29

       9        2

D E A R C H I T E C T U R A , ESCRITO POR VITRÚVIO (C. 25 A.C .)

A obra é dividida em 10 livros, dos quais o último, sobre engenharia militar, a profissão original de Vitrúvio, é o maior. O conteúdo de cada um é: 1 . A E D U C A Ç Ã O D O E N G E N H E I R O E D O P R O J E T I S T A D E E D I F I C A ÇÕ E S ; O E S C O P O D A E N G E N H A R I A ; P L A N E J A M E N TO DE CIDADES 2 . M A TE R I A I S D E C O N S T R U Ç ÃO P AR A E D I F I C A Ç Õ E S 3 . P R O J E T O E C O N S T R U Ç ÃO D E T E M P L O S 4 . A R Q U I T E T U R A E E S T I L O S D O S T E M P L OS 5 . P R O J E T O E C O N S T R U Ç Ã O DE E D I F Í C I O S P Ú B L I CO S 6 . P R O J E T O E C O N S T R U Ç Ã O DE C A S A S P R I V A D A S 7. M A TE R I A I S P A R A A C A BA M E N T O D E E D I F I C A Ç Õ E S 8 . C O M O E N C O NT R A R E F O R N E C E R Á G U A ÀS C I D A D E S 9 . A S T R O N OM I A , R E L Ó G I O S D E S O L E R E L Ó G I O S D E Á G U A 1 0 . E N G E N H A R I A M E C Â N I C A – M Á Q U I N A S P A R A L E V AN T A R P E S O S E E L E V A R Á G U A; R O D A S D ’ Á G U A E M O I N H O S ; A R MAMENTOS, INCLUSIVE CATAPULTAS E BALISTAS, E MÁQUINAS PARA SÍTIO.

Ele alterna entre projeto e construção – como determinar as dimensões, as posições relativas, a orientação dos componentes, e como selecionar e usar materiais adequados. Ele ressalta especialmente a importância da economia – o gerenciamento adequado de materiais e do canteiro de obras, bem como o uso do bom-senso para redução de custos, evitando-se, por exemplo, materiais que não estivessem disponíveis na região e aqueles difíceis de trabalhar e usar. Ele também aconselha tomar cuidado com o custo das obras e o tamanho do bolso do cliente, além da necessidade de entregar ao cliente uma edificação adequada ao fim desejado.

Vitrúvio distingue três ramos da engenharia (architectura ); engenharia da edificação, manufatura de relógios e fabricação de máquinas, tanto aquelas para uso na construção como grandes armas de guerra. Ele considera que estas três artes baseiam-se em comum em três habilidades: saber trabalhar os materiais para fazer coisas, ser capaz de medir e fazer levantamentos topográficos, e ser capaz de calcular usando a geometria e a aritmética. ENGENHARIA DA E DIFICAÇÃO CIDADES FORTIFICADAS E OBRAS PÚBLICAS

Muralhas, torres, portões e recursos permanentes para se resistir a ataques hostis Templos e outros monumentos aos deuses imortais F I N S U T I L I T Á R I O S : Portos, locais de reunião pública como mercados, teatros, banhos públicos, colunatas, passeios públicos DEFESA:

USO RELIGIOSO:

OBRAS PARA INDIVÍDUOS PARTICULARES (CASAS) RELÓGIOS RELÓGIOS DE SOL E RELÓGIOS DE ÁGUA ENGENHARIA MECÂNICA MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS PARA CONSTRUÇÃO GUINDASTES, GRUAS, HODÔMETRO ARMAMENTOS BALISTAS, CATAPULTAS, TESTU DOS

   E    D    A    D    I    U    G    I    T    N    A    A    N    A    I    R    A    H    N    E    G    N    E    E    O     Ã    Ç    U    R    T    S    N    O    C

 Addis_01.qxd

       0        3

   E    D    A    D    I    U    G    I    T    N    A    A    N    A    I    R    A    H    N    E    G    N    E    E    O     Ã    Ç    U    R    T    S    N    O    C

04.03.09

10:50

Page 30

estas cópias devem ter permanecido misteriosas para os leitores do norte da Europa, pois elas não continham ilustrações das edificações descritas por Vitrúvio.

Vitrúvio e as etapas do projeto grego Da descrição detalhada feita por Vitrúvio sobre os procedimentos de projeto para templos dóricos e jônicos concluímos três coisas sobre o planejamento e a construção na Grécia antiga: primeiro, que os gregos haviam desenvolvido processos seqüenciais para o projeto de edificações; segundo, que tais atividades dependiam do uso do desenho e da geometria; terceiro, que tais métodos de cer ta forma incorporavam meios de transmitir ao projetista a confiança de que a edificação resultante ficaria de pé e funcionaria nas formas previstas.

As primeiras traduções de Vitrúvio foram para o francês, em 1673, e para o inglês, em 1692. Como é de se esperar, estas e as versões subseqüentes tendem a refletir a formação e as posturas do tradutor além das de Vitrúvio. Isso talvez fique mais evidente no uso das palavras “arquiteto” e “arquitetura” para descrever Vitrúvio e o conteúdo de seu livro. Um architeckton grego era literalmente um controlador e organizador da mão-de-obra – talvez poderíamos chamá-lo de gerente Os projetos para templos dóricos e jônicos foram criados de projeto na linguagem de hoje. A palavra grega archi- por volta de 600 a.C. – os dóricos na Grécia continental tecktura abarcava o que atualmente seria chamado de e no sul da Itália e na Sicília; os jônicos, na Ásia Menor engenharia mais arquitetura, e Vitrúvio usa a palavra e nas ilhas do Mediterrâneo. Eles diferiam não apenas architecti  como transliteração da língua grega, já que em aspecto, mas também na forma em que eram execunão havia uma palavra correspondente adequada em tados. latim. As dificuldades que Vitrúvio teve em traduzir idéias gregas para o latim foram aumentadas pelas di- Os projetos dóricos, como repetiu Vitrúvio usando suas ficuldades dos tradutores do texto em latim de Vitrúvio fontes gregas, tinham uma concepção de elegante simplipara as línguas européias modernas; muitos equívo- cidade. Eles exigiam a seleção de um módulo único e funcos sobre as técnicas de construção foram introduzi- damental que correspondia à metade do diâmetro de uma dos por tradutores que não dominam o assunto. A secoluna, “e, uma vez estabelecido este módulo, todas as guinte tradução das linhas de abertura do Livro I, partes da obra eram ajustadas a partir de cálculos baseCapítulo I, talvez respeite suas posturas como enge- ados nele”.15 Assim como em outras seções de De nheiro um pouco melhor do que a maior parte das tra-  Architectura, onde ele descreve antigas práticas gregas, duções modernas: Vitrúvio usa a palavra grega embates para módulo, já que Architektura  [engenharia e arquitetura] é um conjunto de não havia uma palavra latina correspondente. Assim, de conhecimentos que engloba muitas disciplinas e ciências acordo com um conjunto particular e uma seqüência de que também podem ser aplicadas a outras artes. As obras cálculos usados, as etapas de projeto para as várias diacabadas nascem da perícia na manufatura e no projeto. A mensões de toda a edificação podiam ser estabelecidas, perícia na manufatura advém do estudo constante da mão- permitindo que o arquiteto tivesse uma certa liberdade de-obra qualificada e do uso de materiais para se criar de para selecionar múltiplos e proporções adequados ao uso acordo com o resultado desejado. Projetar é a habilidade da edificação. Este é exatamente o mesmo método que de se transmitir o esquema do objeto finalizado para as de- havia sido desenvolvido pelos projetistas de catapultas mais pessoas, e dar uma explanação racional para o esque- ou balistas, e, considerando que a tecnologia militar semma, usando conhecimentos de engenharia e princípios ci- pre esteve à frente da tecnologia civil, podemos pressuentíficos.13 por que o uso do módulo tenha sido desenvolvido primeiramente para a construção de armamentos. As linhas originais em latim são as seguintes:  Archtecti est scientia pluribus disciplinis et variis eruditioni- Os projetos jônicos eram mais complexos e sofisticados bus ornata quae ab ceteris artibus perficiuntur. Opera ea do que os dóricos. Nem todos os elementos da edificanascitur ex fabrica et ratiocinatione. Fabrica est continuata ção se relacionavam com um único módulo, mas havia ac trita usus meditation, quae manibus perficitur e materia uma série de derivações, de tal modo que as dimensões de cada elemento eram calculadas sucessivamente a cuiuscumque generis opus est ad propositum deformationis. Ratiocinatio autem est, quae res fabricatas sollertiae partir de outro elemento, que geralmente era o imediataac rationis proportione demonstrare atque explicare po- mente anterior. As proporções entre as partes consecutivas também eram mais complexas do que no estilo dóritest.14 co, e as proporções entre partes muito afastadas eram

14

15

 Addis_01.qxd

04.03.09

10:50

Page 31

muito difíceis de se calcular. Este plano de projeto dava margem a experimentação e variação muito maiores. Seguir as etapas de um projeto do tipo dado por Vitrúvio para templos dóricos e jônicos envolvia tanto cálculos aritméticos simples como desenhos geométricos feitos com esquadros e compasso. Isso tornava possível calcular, antes que a construção começasse, as dimensões de toda a edificação e de seus componentes, que então podiam ser comunicadas à equipe de trabalhadores. Quando olhamos desta forma, vemos que um procedimento de projeto era muito mais do que um conjunto de instruções a serem seguidas pelos trabalhadores. Na linguagem de hoje, elas são um modelo matemático da edificação – uma representação abstrata da estrutura que nos permite experimentar, tentar as idéias antes de realmente executá-las. Tais ferramentas nos permitem prever as conseqüências das decisões de projeto, e explorar o possível surgimento de problemas durante o processo de projeto e evitá-los. Este é o verdadeiro legado dos engenheiros gregos que foi desenvolvido a par tir do século VI a.C. A codificação dos processos de projeto também serviu como meio conveniente de registro dos aprendizados obtidos com projetos passados, possibilitando que outras pessoas pudessem acessar tais informações e disseminá-las pelos territórios. Um procedimento de projeto podia viajar na cabeça de apenas uma pessoa. Na verdade, foi o fato de que muitas pessoas diferentes podiam projetar edificações similares que levou à própria idéia de um estilo mais ou menos unificado; de outro modo, as edificações que surgiriam em territórios vizinhos ou províncias provavelmente refletiriam as preferências estéticas e os diferentes níveis de perícia em projeto e construção. Um procedimento bem-sucedido e consolidado geraria, sem dúvida, confiança em seus usuários. Havia, no entanto, algo muito mais importante envolvido. Na Grécia antiga, a geometria era muito mais do que um mero ramo da matemática, como a descreveríamos atualmente. Da mesma forma que hoje usamos a física, a química e outras ciências, os geômetras gregos efetivamente inventaram as idéias de prova e lógica. Usando meramente a geometria e simples regras matemáticas, eles elucidaram as leis fundamentais que explicavam como o mundo funcionavam. O estudo grego da harmônica havia identificado as muitas relações complexas entre os comprimentos das cordas que criavam as notas musicais, em harmonia ou dissonância. Tais relações certamente também poderiam ter uso racional no projeto de edificações. A mecânica também já era bastante desenvolvida para explicar, por exemplo, alavancas e polias, e isso au-

mentava a confiança nos métodos geométricos e aritméticos usados nos procedimentos de projeto. É impossível dizer com precisão como tais tentativas de explicar o mundo usando a harmônica, a geometria e a mecânica ajudaram os projetistas; não temos registros escritos ou muitas edificações bem preservadas que possam nos oferecer provas definitivas. O que importa é que a geometria e a mecânica não eram ciências abstratas, mas artes práticas. Com o uso da geometria e da mecânica se podia chegar a resultados confiáveis e, o que é mais importante, previsíveis. Mas, perguntaria uma mente do século XXI, o que isso tem a ver com a engenharia? Sem dúvida, estes procedimentos de projeto gregos eram puramente geométricos ou “arquitetônicos”. Onde está a análise de carregamento e deflexão e dos esforços estruturais que os engenheiros estruturais fazem atualmente? De certo modo, a pergunta é meramente anacrônica; os conceitos matemáticos modernos de cargas e esforços simplesmente ainda não existiam. Por outro lado, a pergunta é sobre evidências de como os gregos sabiam dos esforços estruturais sofridos pelos materiais que usavam e como eles relacionavam estes esforços com as dimensões dos vários elementos da edificação. A resposta tem que ser a seguinte: os primeiros procedimentos e regras de projeto, como aqueles transmitidos por Vitrúvio, incorporavam todas as principais influências de um elemento construtivo sobre a forma final – sua aparência, sua função estrutural, suas propriedades materiais, o método construtivo etc. Os procedimentos de projeto que hoje nos parecem “apenas” geométricos também se fundamentavam em muitos conhecimentos práticos acumulados por todos os engenheiros experientes: o maior tamanho possível de um componente de pedra que podia ser erguido usandose diferentes meios, a distância que podia ser vencida por uma viga de diferentes tipos de pedra, a área de telhado que um barrote de madeira podia sustentar. É um erro presumir que a falta da ciência da engenharia moderna significava que os engenheiros gregos ignorassem como as estruturas trabalhavam. Na verdade, ainda não haviam sido inventados os meios para se armazenar tais conhecimentos de forma escrita ou diagramática, e, portanto, os meios para transferi-los de uma pessoa a outra. Mais de 1.500 anos transcorreriam até que estes meios fossem desenvolvidos. Vitrúvio e a engenharia ambiental Vitrúvio recomenda orientar uma casa de modo a obter o benefício máximo da calefação solar, e também acrescenta conselhos de como diferentes leiautes de cômodos, estilos de casa e detalhes de projeto são mais ade-

       1        3

   E    D    A    D    I    U    G    I    T    N    A    A    N    A    I    R    A    H    N    E    G    N    E    E    O     Ã    Ç    U    R    T    S    N    O    C

 Addis_01.qxd

04.03.09

10:50

Page 32

       2        3

Escolha a largura do templo, W

   E    D    A    D    I    U    G    I    T    N    A    A    N    A    I    R    A    H    N    E    G    N    E    E    O     Ã    Ç    U    R    T    S    N    O    C

+ Escolha o número de colunas (o intercolúnio típico é de 3 a 6 metros)

+ Escolha a razão entre o diâmetro da coluna (D) e o intercolúnio

Em geral, de 15 a 30 m Tetrástilo (4) Hexástilo (6) Octostilo (8)

Picnostilo (1,5 D) Sistilo (2 D) Eustilo (2,25 D) Diástilo (3 D) Areosistilo (3,5D)

Calcule o “Módulo”, M

Calcule os detalhes da coluna

Calcule os detalhes do entablamento

Calcule as demais dimensões do templo

Sistilo

Diástilo

Tetrástilo

W/19,5

W/27

Hexástilo

W/29,5

W/42

Etc.

Diâmetro na base, D Altura, h Altura do capitel L ar gu ra d o c ap it el Diâmetro no topo

= 2M = 14 M =M = 1 3 M /6 = 5 D/6, para h
View more...

Comments

Copyright ©2017 KUPDF Inc.
SUPPORT KUPDF