3 - João Carlos Caminha - História Marítima

April 12, 2023 | Author: Anonymous | Category: N/A
Share Embed Donate


Short Description

Download 3 - João Carlos Caminha - História Marítima...

Description

 

BIBLIOTECA DO EXÉRCITO COLEÇÃO GENERAL BENÍCIO

Publicação 504 Volume 187

Chefe da Seção de Publicações Alberto de O Oliveira liveira CAPA Murillo Machado REVISÃO Sebastião Castro Renaldo di Stasio

C183 CAMINHA, João Carlos Gonçalves

História marítima. — Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1980.

p. il., mapas 20,5 cm. (Coleção General Benício, v. 184, publ. 504)

Bibliografia 1. Brasil — História naval. 2. História naval. 3 História naval antiga. 4. Recursos marítimos —  Brasil. I. Título. II. Série.

CDD 359.00981 Proibida a reprodução sem prévia autorização do Autor

Impresso no Brasil

 

AGRADECIMENTO

Muito se deve agradecer, pela colaboração inestimável prestada para a editoração deste livro:

Ao Almirante-de-Esquadra Maximiano Eduardo da Silva Fonseca, Ministro da Marinha, que prefaciou a obra;

À Escola de Guerra Naval, o cuidadoso trabalho de revisão técnica, iniciado no Comando do Vice-Almirante Henrique Saboiadaenatureza concluído no importância do Contra-Almirante Múcio Piragibe Ribeiro de Bakker, imprescindível a obras e da de "História Marítima";

Ao Serviço de Documentação Geral da Marinha e ao seu Diretor, Capitão-de-Mar-e-Guerra (RRm) Max Justo Guedes, a criteriosa seleção da iconografia que enriquece a obra;

Ao Vice-Almirante (Ref) João do Prado Maia, renomado historiador militar, que escreveu as magníficas páginas de apresentação do livro aos nossos Assinantes;

Ao Capitão-de-Fragata Alberto Annarumma Junior, a cuidadosa revisão dos originais.

BIBLIOTECA DO EXÉRCITO  

 

PREFÁCIO

Nos primórdios da História, a tecnologia elementar da época não permitia que as grandes extensões oceânicas fossem usadas em proveito das necessidades do homem e das sociedades organizadas. Ainda assim, é digno de registro que algumas das antigas civilizações floresceram  junto ao mar, cujas águas costeiras e próximas uniam suas partes component componentes es e contribu contribuíam íam para a dieta alimentar das populações do litoral. Com o passar dos séculos, a evolução tecnológica permitiu que o homem ampliasse o uso do mar, merecendo destaque, por sua repercussão sobre o curso da história, o domínio das técnicas de orientação e determinação da posição, o uso do vento como propulsor e a arquitetura naval da epopeia dos descobrimentos. Nos séculos XIV a XVIII esses sucessos do engenho humano levaram os europeus a todas as partes do mundo e, com a expansão do mercantilismo propiciada pelas atividades dos povos marinheiros e comerciantes da Europa, subverteram a ordem feudal, eliminaram os isolacionismos regionais e estimularam a criação dos estados nacionais, cuja vitalidade foi renovada pelo liberalismo igualmente fundamentado no comércio marítimo. A explosão tecnológica do século XIX e, sobretudo, do século XX, permitiu, por sua vez, um incremento exponencial daquele comércio, incremento esse responsável pela viabilidade da complexa vida econômica de nossos dias. Ela favoreceu também um extraordinário avanço na exploração dos recursos marinhos, refletido particularmente na pesca hoje realizada em escala industrial e mundial, bem como na extração de recursos do leito e subsolo do mar, destacando-se entre eles o petróleo. Infere-se, portanto, que é crescente a importância do mar para a sustentação dos valores que balizam o modo de vida ocidental, hoje disseminados por todo o mundo e absorvidos pelas demais culturas. O Brasil, sem deixar de ser um país continental, é também um país marítimo, aberto ao Atlântico por mais de 4.000 milhas de costa e servido por um comércio externo realizado fundamentalmente através do mar — cerca de 95% do seu total — e por uma extensa e importante cabotagem; ademais, é no mar que temos encontrado, ao menos até agora, as mais promissoras reservas brasileiras de petróleo e nossa pesca, embora ainda aquém das necessidades e possibilidades do País, já é uma atividade que há muito perdeu sua antiga condição artesanal. Aliás, para bem caracterizar á maritimidade brasileira, bastaria mencionar a enorme concentração econômica e demográfica ao longo do litoral, fruto de um processo de desenvolvimento inexoravelmente vinculado ao mar. É natural, portanto, que a Marinha de Guerra, componente marítima de nosso poder militar e componente militar de nosso poder marítimo — poder esse que abarca também a Marinha Mercante e seus portos, a indústria naval, a frota e a indústria de pesca e os demais elementos de

 

exploração e explotação dos recursos marinhos — se preocupe com a formação de uma ampla mentalidade marítima, capaz de criar condições favoráveis para a consecução dos objetivos nacionais relacionados com o: mar. O livro "História Marítima", do Vice-Almirante João Carlos Gonçalves Caminha, ora apresentado ao público leitor, foi considerado pela Marinha como sendo um bom instrumento para divulgar o importante papel exercido pelo mar, tanto ao longo da história da humanidade, como no conturbado mundo contemporâneo. Em complemento, este livro expõe algumas excelentes considerações sobre a inserção do Brasil no cenário marítimo em que ele se situa, procurando extrair e mostrar ensinamentos úteis para orientar nossa conduta em relação ao mar. Assim, aproveitando a oportunidade oferecida pela BIBLIEX, à qual agradeço como Ministro da Marinha e brasileiro consciente do valor do mar para o Brasil, autorizei, com satisfação e empenho, a publicação da "História Marítima", do Almirante Caminha, sob os auspícios daquela Editora e do Serviço de Documentação Geral da Marinha, desejando que o livro venha a ser lido por muitos brasileiros que se preocupam com o destino do nosso país. Estou certo de que sua leitura ajudará a expandir a mentalidade marítima a que me referi anteriormente, gerando, em consequência, melhor compreensão e mais apoio para as nossas Marinhas de Guerra e Mercante, nosso sistema portuário, nossa indústria naval e de pesca e demais atividades que se relacionam com o mar, em proveito da segurança e bem-estar do povo brasileiro. Ao Almirante Caminha, antigo e respeitado marinheiro, com méritos conquistados no mar e no campo da cultura e das idéias, apresento meus cumprimentos por este serviço, que se soma aos muitos por ele prestados à sua Marinha e à sua Pátria.

 MAXIMIANO EDUARDO DA SILVA FONSECA  Ministro da Marinha

 

INTRODUÇÃO

O atraso do Brasil no setor marítimo, caracterizado materialmente pela precariedade e ineficiência de sua frota de comércio, pela descontínua evolução da marinha de guerra e pela pouca importância da pesca, convida a uma investigação ampla que vise a esclarecer suas causas principais. Não se pode negar, paralelamente, a existência de uma profunda indiferença nacional pelos assuntos relacionados com o mar. Tanto mais grave é o referido indiferentismo por não se restringir ele às populações afastadas no litoral nem constituir apanágio de certas classes; é ele praticamente geral. A não ser um ou outro estudioso isolado, poucos são os brasileiros, que se têm verdadeiramente preocupado com a importância das comunicações marítimas na vida econômica da nação ou na preservação de sua unidade política; rara é a vez em que tais assuntos são tratados objetivamente pela imprensa; raras, também são as vozes que se fazem escutar no cenário nacional para abordar problemas dessa natureza. Um estranho silêncio, uma grande indiferença, um conformismo nocivo cercam os assuntos marítimos. Não é assim sem razão que se afirma frequentemente carecer o povo brasileiro de mentalidade marítima. Nunca será demais, portanto, cooperar na procura das razões do atraso marítimo do país e das causas que têm mantido o povo brasileiro alheio às possibilidades ilimitadas oferecidas pelos empreendimentos oceânicos. Dado o propósito em vista, surge a conveniência em se tentar reconhecer preliminarmente as razões que através dos séculos têm levado frações da humanidade em busca dos mares. Não se pretendendo partir de premissas estabelecidas, tornou-se indispensável o exame da história, pois só aí é lícito buscar-se em primeira aproximação as componentes orientadoras dos destinos dos povos. Porém como afirmou Charles Seignobos, os historiadores tendem a se especializar num ramo de por que conseguinte são tentados a procurar a explicação dos história fenômenos no da estudo históriae em se especializaram (história política, econômica, dasapenas religiões, das instituições, das artes); ou então eles se restringem a um só país e procuram nos mesmos todas as razões do ser dos acontecimentos desse país. Destarte em vez de se investigar apenas a história do Brasil, primeiramente delineou-se a evolução marítima das nações, que mais se distinguiram nos oceanos para em seguida tirarem-se as conclusões necessárias à compreensão do caso particular brasileiro. Nessa ordem de idéias o presente trabalho foi dividido em 3 partes: A evolução marítima das nações que mais se têm distinguido nas atividades oceânicas, fatores do desenvolvimento marítimo e aspectos da evolução marítima do Brasil. Convêm frisar que, na parte inicial, as evoluções marítimas foram consideradas apenas nas suas linhas principais. houve proceder almejado a uma reconstituição em detalhe da história marítima de cadaNão nação. Issointenção fugiria de aosepropósito e daria ao estudo dimensões por

 

demais avantajadas. Não importa aqui a precisão acerca de cada acontecimento que constitui a evolução marítima de uma nação, nem o estudo pormenorizado das circunstâncias em que se processaram. Também não caberia a análise da personalidade dos vultos que se destacaram na história naval de suas pátrias. Procedendo-se de modo contrário, o estudo correria o risco de se perder num emaranhado de casos particulares resultantes de um sem número de acasos. A seleção e em seguida a justaposição de trechos retirados de um número razoável de estudos, obras e memórias foram suficientes para armar um quadro bastante fiel nas linhas mestras das várias evoluções marítimas. A continuidade na exposição logicamente sofreu com o intercalamento de trechos sucessivos de autores com estilos diferentes porém optou-se pela transcrição dos mesmos, sempre que possível, a fim de se permanecer mais próximo ao pensamento dos vários autores. Comparar e interpretar a massa de fatos históricos na parte inicial, segundo um critério senão preciso, pelo menos lógico, para depois formular conclusões, hipóteses, foi o trabalho intentado na segunda parte. De posse, enfim, dos elementos que a investigação procedida indicou serem os preponderantes no desenvolvimento marítimo, analisou-se na parte final a influência de cada um deles na evolução marítima do Brasil. Pelo exposto acima, bem se vê, o presente trabalho é basicamente uma síntese baseada noutras sínteses. Como tal, suas conclusões não são mais do que hipóteses sujeitas a ratificações ou retificações de pesquisas posteriores conduzidas mais a fundo, pois toda a síntese é provisória. Finalizando, convém salientar que não se buscou aqui a originalidade nem se pretendeu revelar algo novo. Também não se teve a pretensão de ter dado a derradeira palavra sobre o assunto. A matéria é por demais vasta, as fontes de consulta foram em pequeno número e outras investigações procedidas, seguindo métodos diferentes do adotado, talvez conduzam a resultados outros. Assim, apenas como provisórias, devem ser aceitas as afirmativas feitas no presente trabalho.

 

I PARTE - AS NAÇÕES E O MAR 

1 - EGITO ANTIGO 2 - FENÍCIA 3 - GRÉCIA ANTIGA 4 - CARTAGO 5 - ROMA 6 - VIKINGS 7 - REPÚBLICAS MARlTIMAS ITALIANAS 8 - PORTUGAL 9 - ESPANHA 10 - HOLANDA 11 - GRÃ-BRETANHA 12 - FRANÇA 13 - RÚSSIA 14 - ALEMANHA 15 - JAPÃO 16 - ESTADOS UNIDOS

 

1. EGITO ANTIGO Natureza especial do país. Agricultura, indústria e comércio no tempo dos faraós. Vias de comunicação e expedições marítimas. Ação dos faraós das XII, XIII e XVIII dinastias. Contrato crescente com os povos mercantis do Mediterrâneo. Fundamentação de Alexandria. Grandeza comercial de Alexandria. Recursos marítimos do Egito, sob os últimos Ptolomeus.

A natureza especial do solo e do sistema hidrográfico característico do Egito fizeram, desde os tempos mais recuados, das duas margens do Nilo, uma terra fértil com a condição de que o homem, por um labor continuado e intenso, a preservasse da perpétua e tríplice ameaça: a ação devastadora das águas limosas, a ardência das épocas de seca e a marcha invasora das areias do deserto. Em consequência, desde sua remota origem até a queda da antiga monarquia, o povo egípcio dedicou-se sobretudo a agricultura e teve poucos contatos com os povos vizinhos. Fatores diversos, porém, fizeram com que, ao lado da agricultura, conseguisse também a indústria alcançar nível elevado, e cerca do ano 3300 A.C., a fabricação de tecidos, motivada em grande parte pela esplêndida qualidade do linho daquelas regiões, já alcançava importância. Surge assim o país dos faraós em época muito remota, com um centro de indústrias diversas e progressivas. Juntamente com seus cereais, que em período de escassez eram solicitados pelos países vizinhos, fornecia o Egito uma série de produtos artísticos, dando com isso potente estímulo ao comércio. Como o Nilo era navegável mesmo no período de seca, e os canais que sulcavam o país contribuíam para intensificar o tráfego, explica-se a existência de um animado tráfego interior cujo centro foi Pelusio, cidade solidamente fortificada que ficava perto da fronteira oriental. O tráfego marítimo teve, em compensação, escassa importância durante a época dos faraós. As costas desprovidas de abrigos e perigosas para a navegação, a falta de madeiras e os preceitos sacerdotais que predicavam a aversão ao mar, serviram de estímulo à repulsa de agricultores pela água. o governo por diversas que vezesesse no povo comércio por meio de sentia expedições navaisEntretanto, em que o faraó tomavainterveio a iniciativa, com o fim de estabelecer relações diretas de troca com os países do Ponto, situados na Arábia Meridional e pátrias do incenso, produto então muito procurado. Semelhantes expedições, determinadas pelos faraós e organizadas pelo Estado, foram, sobretudo, frequentes durante as XII e XIII dinastias. Depois da instalação da Nova Monarquia, o tráfego pelo mar Vermelho, quase completamente interrompido sob a dominação dos Iksos, retomou, graças ao poder real, uma força e um arrojo até então desconhecidos. As expedições marítimas multiplicaram-se, sobretudo devido à iniciativa dos faraós da XVIII dinastia, ao mesmo tempo que aumentavam as trocas com a Núbia. Após as conquistas realizadas nas costas asiáticas, o centro político do Egito se transportou, com Ramsés II, para o Norte, ou mais exatamente para o delta Oriental. O Egito se abriu então largamente aopor contato come aperfeiçoar os povos navegadores do Mediterrâneo. Osegípcio últimos faraós esforçavam-se completar a obra de organização do comércio realizado

 

por seus predecessores. Psamético fundou numerosos centros de negócios e uma grande frota mercante. Necao, mais empreendedor ainda, deu forte impulso ao comércio arábico com o fim de colocar nas mãos dos egípcios o monopólio do tráfego das especiarias. Conquistado através dos séculos, sucessivamente pelos assírios, persas, e por fim pelos gregos, sob Alexandre, o Grande, o Egito não perdeu, apesar de tudo, a importância comercial. Bem pelo contrário, com um gesto de vidente, o conquistador fundou Alexandria numa situação incomparável, na costa vasta e sem refúgios de um país interior incomensuravelmente rico, na desembocadura do seu único rio, no limite de duas partes do mundo e unido com a terceira, mais do que separado, por um mar mediterrâneo sumamente irregular. Desenvolveu-se Alexandria com inesperada rapidez, convertendo-se não só em magnífico centro de arte e de ciência como também na praça comercial mais grandiosa do mundo antigo. Ela concentrava, ao mesmo tempo, os gêneros e os produtos manufaturados do vale do Nilo, os gêneros e matérias-primas vindas da Etiópia, da África Oriental, da Arábia, da Índia, os quais, por seu intermédio, espalhavam-se em todo o mundo grego até o Ocidente. Sua população, onde se misturavam gregos, egípcios e  judeus orientais orientais,, já se distingui distinguiaa pela fisionomia cosmopoli cosmopolita ta que caracteriza caracteriza hoje os grandes portos do Levante. O movimento de negócios era de uma intensidade notável. O local da cidade, escolhido por Alexandre, permitiu a criação de um porto marítimo ao norte e de um porto fluvial ao sul. O porto marítimo, entre a margem e a ilha Pharos, protegido contra as ondas do leste pelo cabo Lochias e pelo molhe que o prolongava, era dividido em duas partes pelo Heptardion, molhe que unia Pharos à terra firme. A leste ficava o grande porto cuja entrada era assinalada de dia e iluminada de noite pela famosa torre de Pharos, origem dos faraós, enquanto, o grande porto protegia os arsenais e a frota de guerra. A comercial Alexandria, convertida em sede do governo pela dinastia dos Ptolomeus, em seguida à partilha do Império de Alexandre, o Grande, contrastava notavelmente com as capitais faraônicas de Tebas, Sais e Memphis. Não obstante, convém observar que, no Nilo como no Eufrates, o centro de gravidade da vida econômica era constituído pela agricultura, e que a indústria e o comércio só em segundo termo ocupava a vida dos moradores. A principal atividade do povo egípcio foi sempre a cultura dos campos e a criação de animais, porquanto o comércio em Alexandria era exercido em grande parte por judeus e gregos. As referências feitas por Plutarco e por outros historiadores ao número de navios queimados pelos soldados de Júlio César em Alexandria, durante a conquista romana, e às forças navais de Antônio, na guerra contra Augusto, mostram não terem sido pequenos os recursos do Egito no mar, malgrado o caráter terrestre de seu povo. Em suma, o Egito antigo caracteriza, sob o ponto de vista marítimo, uma nação continental que se desenvolveu inicialmente livre da influência das rotas oceânicas e que, por força do próprio progresso, foi levado a participar cada vez mais das atividades nos mares. A evolução egípcia exemplifica também a tendência de povos interiores buscarem a saída livre das rotas marítimas, com decorrência inevitável do desenvolvimento.  

 

2. FENÍCIA O território fenício: posição favorável do país face 30 intercâmbio da época. Expansão do comércio fenício. Sua importância para o Mundo antigo. As frotas fenícias. A busca do monopólio mercantil.

O povo mais antigo que achou na indústria e no comércio seu principal interesse econômico foi o fenício. A Geografia provê a explicação para esse interesse. A Fenícia, na época mais brilhante de sua história, não era mais que uma região estreita que, desde Arad até o Monte Carmelo, estendia-se num comprimento de 50 léguas do 35° ao 33° grau de latitude norte e numa largura, entre o Mediterrâneo e as escarpas rochosas do Líbano, de 3 a 10 quilômetros. Tal território não podia sustentar seus habitantes, pois a agricultura oferecia um rendimento mísero pela escassa fecundidade do solo. À parte duas pequenas planícies, o país compunha-se de ravinas por onde desciam torrentes de neve fundida. Compreende-se desse modo que os habitantes considerassem, desde época muito remota, o mar como fonte de seu sustento; e se o Monte Líbano não lhes permitia estenderem-se para o interior das terras, fornecia-lhes, em compensação, madeiras de construção, como pinheiros, ciprestes, cedros; a costa, por sua vez oferecia uma série de portos naturais, nos quais os fenícios construíram as cidades onde se instalou uma população de pescadores e marinheiros com uma aristocracia de comerciantes. Depois de haverem buscado na pesca a subsistência que a terra não lhes podia oferecer, eles se fizeram mercadores e piratas, favorecidos pela posição geográfica de seu território em frente aos países fecundos da Bacia Mediterrânea, ao lado dos Estados antigos de maior desenvolvimento cultural e industrial e colhendo, por meio do comércio, “as riquezas do Levante e as distribuídas pelas regiões do Oeste". Foram os fenícios os primeiros a romperem com a tradição do comércio terrestre. Beirute, Aca, Jaffa e, sobre todas elas, Tiro e Sidon tornaram-se os pontos de apoio de uma atividade mercantil que enlaçava os círculos culturais asiáticos e egípcios. Os fenícios exploraram sucessivamente as costas do Mediterrâneo e as ilhas dos arquipélagos, oferecendo aos gregos, ainda bárbaros, os produtos da indústria egípcia ou asiática. Quando podiam aprisionavam mulheres e crianças para as venderem noutro lugar. Com intuição feliz, andavam e procuravam nos vários centros a matéria-prima que escasseava, não só no próprio país mas nas regiões e nos Estados vizinhos. Souberam tornar-se indispensáveis a tal ponto, que obtiveram dos faraós egípcios o monopólio da grande e pequena cabotagem entre os portos daquele Império. Unindo a audácia aventureira do marinheiro à habilidade do mercador, eles conseguiram rapidamente estabelecer entre os povos disseminados ao longo do Mediterrâneo e além das Colunas de Hércules (estreito de Gibraltar) um sistema de trocas intensas. As invasões egípcias efetuadas sob as dinastias XVII, XIX e XX não parecem ter afetado o desenvolvimento comercial dos fenícios. Aceitando o domínio dos faraós, em troca obtiveram o monopólio doe comércio egípcio eÉ puderam estender ao mesmo tempo colônias sobre o Mediterrâneo o mar Vermelho. nessa época que sesuas situarelações a fundação das primeiras

 

fenícias na costa da Cária e da Kilídia, em Chipre, em Creta, em várias ilhas dos arquipélagos e do norte da África. Sidon, que não tinha sido na origem senão uma cidade de pescadores, herdou a supremacia antes exercida pelas cidades de Arad e Biblos e tornou-se a metrópole de um vasto império marítimo. Forçados mais tarde pelos progressos da Marinha grega a se retirarem, pouco a pouco, das ilhas dos arquipélagos do Egeu, os fenícios estabeleceram numerosos empórios na parte ocidental do Mediterrâneo, na Espanha, Gália, Itália, Sicília, Malta, Córsega, Sardenha e ilhas Baleares. Entre os séculos IX e XI A.C., depois da fundação da Utica (na Tunísia) e de Cádiz, mas antes da de Cartago, os fenícios desenvolveram as trocas comerciais na parte ocidental do Mediterrâneo. Para proteger a rota mercantil de Gades (Cádiz) e de Malaca (Málaga), criaram estações marítimas na Sicília da mesma forma que na Tunísia, nos pontos do litoral onde havia os melhores portos naturais. As ilhas vizinhas, Malta, Gozo, Pantelaria e Lampedusa, foram assim transformadas em estações marítimas. Na Sicília, o avanço dos colonos gregos, no começo do século VIII A.C., provocou a retirada gradual dos fenícios para o noroeste da ilha onde eles conservaram as cidades de Panormium (mais tarde Palermo), Motya e Solans, que estavam bem colocadas para curtas travessias a vela em direção a Cartago, então já uma cidade florescente. Provavelmente, os fenícios estabeleceram também ponto de apoio no local onde hoje se situa Lisboa. Alguns historiadores admitem mesmo que os fenícios tenham estendido suas expedições marítimas até às Canárias, em pleno Atlântico, e talvez ainda mais ao sul, às ilhas do Cabo Verde. Outros historiadores admitem apenas que navegantes isolados talvez tenham chegado às costas do mar Vermelho, às ilhas Canárias e às Scilly (Inglaterra); em compensação, a hipótese de uma influência mercante fenícia na África Meridional e de uma navegação em caráter regular pelo mar Vermelho e pelo oceano Índico, ou de verdadeiras expedições à Grã-Bretanha e às costas nórdicas, são hoje consideradas como desprovidas de fundamento. Gades (Cádiz), na parte meridional da península Ibérica, é a colônia fenícia mais avançada que se conhece com segurança. As cidades fenícias não se comunicavam facilmente uma com as outras, a não ser por mar, e conservaram entre si uma autonomia, constituindo mesmo cada centro urbano uma unidade política independente. Compreende-se que entre elas tenham nascido rivalidades ferozes, chegando algumas a emprestar esquadras às potências estrangeiras para abater a rival. Ao que consta, Tiro foi obrigada certa vez a enfrentar navios de Sidon cedidos aos assírios. Naturalmente as dissensões internas facilitaram a agressividade das nações próximas e, além dos egípcios, os fenícios sofreram o domínio de vários outros povos no decorrer de sua história. A opressão de Estados mais poderosos talvez tenha concorrido para incrementar a expansão marítima fenícia. A própria Cartago, ao que parece, foi fundada por imigrantes que fugiam ao domínio estrangeiro ou a lutas internas. Muitas vezes, porém, favorecidas pela posição de suas cidades, geralmente construídas em ilhas ou em penínsulas de fácil defesa, os fenícios resistiram ferozmente às invasões. Provavelmente, a posse livre do mar garantiu o suprimento das cidades sitiadas, pois de outra forma é difícil explicar como Tiro, por exemplo, só tenha caído em poder dos assírios após cinco anos de assédio, ou tenha resistido por treze anos ao cerco dos babilônios sob o comando de Nabucodonosor. dos atividade séculos e apesar dasfenício. múltiplas marítimo sempree aAtravés principal do povo Porvicissitudes, causa dele,o comércio tiveram os feníciosficou que sendo conquistar

 

conservar o domínio absoluto do mar, o que conseguiram, graças a instituições particulares. Para conservar o monopólio do tráfego marítimo, as comunidades fenícias guardavam rigorosamente secretos seus itinerários comerciais. Aos artigos trazidos de países longínquos associavam lendas de serpentes aladas e gigantescos pássaros venenosos. Quando preciso, assaltavam os navios de outros povos que ousassem concorrer aos mesmos mercados e indicavam derrotas erradas com o fito de causar a perda dos rivais. Para estenderem as suas navegações tornaram-se exímios construtores navais. Os seus navios eram quase redondos e de pouco calado, a fim de poderem navegar junto à praia. Venciam o vento contrário por meio de velas largas e grandes remos. Para a guerra construíam navios longos e afilados. Ainda foram os fenícios os primeiros a aproveitarem no mar as observações astronômicas de que os outros povos se serviam para adivinhações. A superioridade dos fenícios no setor marítimo era reconhecida por todos os demais povos que ou recorriam diretamente à utilização de sua Marinha ou encomendavam a construção de suas frotas nos estaleiros de Tiro e Sidon. Ao que consta, a frota de Salomão bem como a de Semíramis e a de Sesóstris foram construídas nos estaleiros daquelas cidades; Assurbanipal valeu-se de uma esquadra fenícia para o transporte de seus exércitos Nilo acima na conquista do Egito, e os babilônios recorriam aos navios de Sidon para o deslocamento de tropas ao longo do rio Eufrates. Também foi em navios fenícios que os persas procuraram disputar aos gregos o domínio do mar Egeu no decorrer das Guerras Medas. Embora recente investigação tenha reduzido as exageradas idéias que prevaleciam a respeito da indústria, do comércio e do tráfego dos fenícios, não pode haver dúvida alguma de que, como mestres na navegação, deram grande impulso ao tráfego marítimo no Mediterrâneo onde foram os primeiros portadores da cultura, difundindo as invenções feitas pelo Egito e pela Ásia. Concentraram igualmente em suas mãos todo o comércio mundial daquela época. Na história dos grandes monopólios mercantis, o procedimento dos fenícios foi considerado como exemplar pelo espaço de vários séculos. A potência econômica fenícia foi arruinada pela conquista macedônia e pela fundação de Alexandria cerca de 332 A.C. Cartago, a mais importante de suas colônias, que já possuía o comércio do Mediterrâneo Ocidental, herdou o comércio fenício. Foi, assim, a Fenícia a primeira nação no mundo ocidental a se constituir e evoluir sob a influência contínua e direta do mar.

3. GRÉCIA ANTIGA Características geográficas da Grécia. A pobreza do solo. A importância de cereais em Atenas. Nascimento da Marinha Mercante. A importância da pesca. A imigração e a expansão colonial. A interligação marítima do mundo grego. Rivalidade fenícia. Adeindústria naval e as instalações portuárias. As guerras medas e o desenvolvimento da Marinha Guerra. Hegemonia de Atenas.

 

Fundação da Liga de Delos. Guerra do Peloponeso.

Uma das características físicas fundamentais da Grécia é a íntima penetração entre o mar e a terra. Enquanto pelos golfos sumamente ramificados que oferecem admiráveis ancoradouros, o mar penetra profundamente no país montanhoso, a terra firme, por sua vez, em incontáveis ilhas e penínsulas, avança no elemento líquido. Por outro lado, a Grécia sempre foi país de escassa extensão, com solo pobre e difícil à comunicação interna. O baixo rendimento da agricultura grega tornou na antiguidade a importação de trigo em muitas cidades, particularmente em Atenas, uma necessidade de primeira ordem. A produção de cereais do território ateniense representava anualmente, segundo os cálculos de Boeckl, cerca de um terço das necessidades de sua população. Nos anos de má colheita, ela não atingia um terço. O que faltava era importado quase exclusivamente por via marítima e provinha do Ponto (mar Negro), do Egito, da Sicília e da Líbia. Para atender a esse indispensável, os atenienses trocavam o azeite daem Ática pelos cereais da Cítia. Parasuprimento colocar o seu azeite no mercado cita, tiveram de envasilhá-lo ânforas e embarcá-lo para o além-mar. Essas atividades é que deram origem às olarias e à Marinha Mercante da Ática. Face à pobreza do solo, compreende-se também que a pesca tenha assumido um papel importante na vida grega. Ela se tornou a ocupação habitual de numerosas populações marítimas, não somente na Grécia propriamente dita, mas no golfo de Taranto e nas costas da Sicília, a oeste, e nos Dardanelos, na Propôntida e no Bósforo, a nordeste. Ao lado dos alimentos vegetais e das carnes fornecidas pelo pastoreio, o peixe fresco, salgado ou seco tornou-se um dos pratos frequentes e preferidos dos gregos. A insuficiência dos recursos naturais do solo e as possibilidades agrícolas muito limitadas compeliram o povo ateniense a procurar na indústria e no comércio marítimo seus principais recursos econômicos. A par da pobreza do solo, outras causas, sem dúvida, devem ter concorrido para a expansão grega no Mediterrâneo. Tudo indica, porém, ter sido essa a razão preponderante. Aproveitando a experiência adquirida na pesca e no tráfego marítimo, do século IX mais ou menos até o fim do século VII A.C., os gregos espalharam-se em todos os sentidos no Mediterrâneo. Fundaram numerosas colônias no Mediterrâneo Oriental e no Mediterrâneo Central; pelos Dardanelos e o Bósforo, atingiram o Ponto Euxino (mar Negro); penetraram além do estreito de Messina no Mediterrâneo Ocidental. A Grécia propriamente dita, antes confinada na parte meridional da península dos Bálcãs, foi acrescentada, entre outros territórios, a Grécia asiática que se ocupava do litoral ocidental da Ásia Menor, e a Grande Grécia, cujas cidades se agrupavam no sul da Itália e na maior parte na Sicília. O mar Egeu e o mar Jônio foram incluídos ao mundo helênico. Se a penúria da terra, resultado de circunstâncias diversas, determinou as primeiras partidas de colonos gregos, mais tarde, progressivamente, outros fatores tiveram papel importante no progresso da expansão helênica. A necessidade no começo, depois a experiência e o gosto da navegação encorajaram os gregos para a vida marítima. Então, a função do mar na vida nacional dos gregos adquiriu toda a sua importância. Era pelo mar, e só por ele, que as

 

colônias se comunicavam com a mãe-pátria. Sua independência, ao mesmo tempo política e econômica, a salvaguarda mesmo de sua existência, exigiram marinha poderosa. Corinto, Cádiz de Eubra, Mileto, Fócida, Rodes, Siracusa, Taranto, Marselha armavam, bem antes que Atenas se tornasse a rainha dos mares helênicos, frotas numerosas, frotas de comércio e frotas de guerra. Assim, os helenos, ao mesmo tempo que ocupavam fora de seu país de origem, novas terras, quase todas ricas, criavam em muitas paragens longínquas centros de influência e de negócios e tomavam posse do mar que separava e ligava simultaneamente todas as parte do mundo grego. Essa supremacia das esquadras nas rotas marítimas teve por efeito subtrair a economia grega ao domínio antes inconteste dos fenícios. Se antes, nas baías gregas, os fenícios desembarcavam suas mercadorias, que eram trocadas pelos produtos indígenas, ao que parece mais seguidamente por gado, depois foram os próprios marinheiros gregos que levaram ao Egito, à Síria, à Ásia Menor, aos povos da Europa, alguns civilizados como os etruscos, outros ainda atrasados como os citas, os gauleses e os iberos, os objetos manufaturados, as obras de arte, tecidos, armas, joias e vasos pintados que os bárbaros tinham ânsia de possuir. Paulatinamente, os fenícios, antigos senhores do tráfego marítimo do Oriente para o Ocidente, foram repelidos pelos gregos para fora do mar Egeu, do Ponto Euxino e do mar Jônio, não guardando a supremacia naval a não ser na costa da África e oeste do Grande Syrte e nas paragens das Colunas de Hércules. O mar Tirreno assistiu à luta dos gregos contra os cartagineses e etruscos. A ardente rivalidade das potências marítimas e coloniais deu então um vivo desenvolvimento à navegação. Depois que os fenícios foram afastados pelos gregos dos mares e dos mercados do Mediterrâneo, as indústrias helênicas encontraram saída e clientela. Para se aproveitarem de alguns e satisfazerem a outros, os gregos tiveram que se desenvolver. Produziu-se então entre a indústria e o comércio, sobretudo marítimo, um duplo efeito de ação: o comércio tendo necessidade de suprimentos fornecidos pela indústria; a indústria devendo sua prosperidade ao comércio. O desenvolvimento do tráfego marítimo acarretou, logicamente, a prosperidade das cidades portuárias. No século V A.C., o Pireu havia-se transformado no centro de um sistema de vias marítimas, podendo-se dizer quase de linhas de navegação regular. Para o nordeste seguiam as linhas de cabotagem que serviam às colônias da Macedônia, da Calcídia, da costa da Trácia e à grande rota dos estreitos do Ponto Euxino, de importância capital para Atenas, pois assegurava em grande parte seu abastecimento de cereais e de peixe seco. Para leste, através do mar Egeu e das Cícladas os navios que saíam do Pireu ganhavam ilhas Em e osdireção principais portos da Chios, Samos, Fócida, Smirna, Éfeso e as Mileto. ao sudeste, os Ásia gregosMenor, saíam Lesbos, do mar Egeu entre Creta e Rodes, iam a Chipre, aos portos fenícios e ao empório ativo e próspero de Neucrates. O mar Jônio e o Mediterrâneo Central não formavam uma bacia menos propícia à expansão comercial. Depois de dobrarem os pontos meridionais do Peloponeso, os navegantes podiam, seja rumar direto para oeste em direção à Sicília, seja aproar a noroeste para atingirem a Grande Grécia ou penetrarem no Adriático e avançarem até Hadria e o país das Bocas do Pó. Mais longe que a Grande Grécia, Marselha e seus vizinhos, escalonados entre Nice e Rosas, marcavam os pontos extremos do comércio helênico a oeste. Uma tal atividade marítima não se explicaria se a arte de navegar e a organização material dos portos não tivessem atingido certo desenvolvimento. Os navios gregos dessa época já podiam carregar cerca de 250 toneladas e navegavam geralmente à vela, recorrendo aos remos apenas em circunstâncias excepcionais. Á utilização da vela subordinou a navegação ao regime dos ventos, principalmente no mar Egeu. Para uma frota mercante numerosa e composta de unidades relativamente importantes eram

 

precisos portos especialmente aparelhados. Docas foram cavadas e molhes construídos a fim de protegerem os navios ancorados das vagas de alto-mar e facilitar a descarga de mercadorias. Pouco se sabe acerca das frotas de guerra gregas antes das Guerras Medas. Elas não deveriam ser desprezíveis, pois doutra forma é difícil explicar a expulsão dos fenícios de regiões importantes do Mediterrâneo e a expansão marítima helênica numa época de pirataria generalizada. É provável também que a Marinha de Guerra grega não estivesse em bom estado por ocasião da 1ª Guerra Meda. Com efeito, não se sabe de nenhum engajamento naval nessa primeira fase da luta, que foi, ao que consta, toda travada em terra, tendo os gregos deixado o Exército persa cruzar impunemente os mares. Entre as duas primeiras guerras medas também a Grécia muito sofreu com os ataques dos piratas eginetas, o que parece indicar a sua fraqueza nos mares. Têm-se referências mais concretas acerca das frotas de guerra helenas a partir desse período. É provável que a pressão militar exercida pelos persas houvesse estimulado a sociedade helênica a forjar para sua própria defesa o poderoso instrumento militar que foi a Marinha ateniense. Um vulto histórico, Temístocles, distinguiu-se então no estabelecimento da supremacia naval ateniense. Assim se refere Plutarco à época mais decisiva da história grega: "Os atenienses encaravam a derrota dos bárbaros em Maratona como o fim da guerra, mas Temístocles pensava, ao contrário, que ela era apenas o prelúdio de maiores combates. Prevendo de longe os acontecimentos, ele se preparava para assegurar, desde então, a salvação da Grécia, com o apoio de seus concidadãos. Com esse fito, seu primeiro cuidado foi ousar propor aos atenienses efetuar a construção de galeras com três ordens de remos, aproveitando as rendas provenientes das minas de prata de Laurium. Esta nova frota deveria fornecer os meios de resistir aos eginetas que, senhores dos mares, o cobriam com seus numerosos navios e faziam à Grécia a guerra mais terrível que ela então sustentara. Construíram-se, com a prata das minas, 100 galeras que combateram posteriormente contra Xerxes. Desde esse momento, ele fixou a vista dos atenienses sobre o mar e soube induzi-los a formar uma considerável marinha, mostrando-lhes que em terra não estavam em condições de resistir nem mesmo aos seus vizinhos, mas que, ao contrário, com forças navais, poderiam repelir os bárbaros e governar o resto da Grécia. Foi então que a Grécia se salvou graças ao mar, e seus navios contribuíram para reconstruir Atenas que havia sido inteiramente destruída. Quando, dez anos depois da batalha de Maratona, os persas novamente intentaram a invasão da Grécia, os navios, por cuja construção Temístocles havia pugnado, saíram a dar combate à numerosa frota inimiga. Os gregos obtiveram um primeiro sucesso na batalha naval de Artemisium, porém a batalha decisiva foi o grande encontro naval de Salamina (480 A.C.), que testemunhou a total destruição da gigantesca, mas heterogênea armada de Xerxes pela frota dos atenienses e de seus aliados admiravelmente bem coordenados, embora inferiores em número a menos de um terço de seus adversários. A ameaça de perder a segurança de suas comunicações marítimas obrigou os persas, depois da batalha de Salamina, a baterem em retirada apesar da enorme superioridade de forças de que dispunham. Após o término da Segunda Guerra Meda, Temístocles fez fortificar o Pireu porque havia reconhecido a comodidade de seu porto Nisso seguiu uma política inteiramente oposta à dos antigos reis de Atenas, os quais tinham tido a intenção de afastar seus súditos do comércio marítimo e de fazê-los abandonar a navegação para se dedicarem à agricultura. A história da Grécia foi em seguida grandemente decidida por seus marinheiros. Sobseoperseguir comandoosdepersas. Cimon,Chipre a frotafoigrega foi primeiramente dirigidaPor contra Bizâncio a fim libertada e Bizâncio tomada. fim, Chipre todas ase

 

colônias gregas da Ásia Menor recobraram a liberdade. Como Temístocles previra, o império do mar acarretara o da terra, e os gregos, se bem que divididos e minados por discórdias internas, conservaram sua independência durante séculos, graças ao poderio marítimo que souberam manter no Mediterrâneo Oriental. As guerras dos persas ocasionaram depois a fundação da Liga Délfica sob a égide de Atenas, e os recursos monetários arrecadados por tal motivo deram à nascente potência naval a possibilidade de conquistar, com hegemonia política sobre o mar, o domínio mercantil de sua época. O fim primitivo da Liga era a proteção de uma posterior agressão persa. Como a ameaça persa desvaneceu-se, a Liga tendeu a se dissolver, mas Atenas impediu sua desaparição e gradualmente converteu a confederação num Império Marítimo, império esse mantido em sujeição pelo poderio naval. Essa transformação conduziu, por fim, à chamada Guerra do Peloponeso entre Atenas, império marítimo, e Esparta, potência terrestre, cada uma com os respectivos aliados. Enquanto os atenienses conservaram o domínio do mar, permaneceram invencíveis. Porém dois grandes desastres: o primeiro em Siracusa (413 A.C.) e o segundo em Egos-Potamos (405 A.C.) causaram sua perda, e seu curto império pereceu. Vitoriosos, os espartanos conduziram seus navios ao Pireu e conquistaram Atenas, assumindo a hegemonia da Grécia. Esparta foi assim a primeira potência nitidamente terrestre cujos guerreiros bem aquilataram a importância da Marinha na luta contra o inimigo cuja principal fonte de recursos residia no mar. Pelos séculos afora, sob o domínio romano ou constituindo parte do Império Bizantino, os gregos  jamais deixaram seus hábitos marítimo-co marítimo-comerciais. merciais. Rodes, Delos e Corinto foram, depois de Atenas, verdadeiros centros do comércio mundial numa época em que o domínio romano já se estendia por todas as praias do Mediterrâneo. Tal como a Fenícia, toda a história grega acha-se intimamente ligada aos acontecimentos que se desenrolaram nas águas do Mediterrâneo.  

4. CARTAGO Posição favorável da cidade. A herança fenícia O imperialismo marítimo púnico. Medidas que asseguraram seu êxito. Domínio da aristocracia mercantil nos destinos da nação. Organização marítima. Consequências da opressão cartaginesa nos mares.

A fundação de Cartago é posterior, cerca de três séculos, aos começos da colonização fenícia no Oriente. Pode-se datá-la, sem medo de errar, dos fins do século IX A.C.

 

Graças à sua situação geográfica favorável e à intensa atividade comercial exercida por seus habitantes, Cartago tornou-se a mais poderosa das colônias fenícias do Ocidente. Ela era o único grande centro africano ao qual afluíam as caravanas do interior do Continente Negro, de modo que o tráfego incessante a enriqueceu com singular rapidez. Depois que Tiro perdeu a primazia comercial e política em consequência do desastroso domínio assírio, Cartago a substituiu na proteção das colônias fenícias e se converteu no centro de um verdadeiro império marítimo e comercial. No começo do século V A.C., sua preponderância era reconhecida pelas comunidades que Tiro e Sidon haviam fundado ao longo da costa do Mediterrâneo Ocidental até além das Colunas de Hércules. Cartago exercia hegemonia na Sicília Ocidental, na Sardenha, nas Baleares, nas costas meridionais da Espanha e em toda África do Norte até a Cirenaica. Tanta riqueza fácil ensoberbeceu a classe dirigente que cedeu à tentação de uma política imperialista, com dano das terras vizinhas, para usufruir em proveito próprio e monopolizar em sua exclusiva vantagem os recursos do mundo mediterrâneo ocidental. Os territórios submetidos passaram a constituir não somente pontos de apoio para o imperialismo marítimo cartaginês, mas também zonas de ocupação e barreiras que abrangiam a bacia ocidental do Mediterrâneo. Esse mar formava assim uma espécie de mar fechado submetido ao domínio ilimitado e ao controle rigoroso dos cartagineses. Strabão observou que os cartagineses tinham por norma atacar e afundar os navios estrangeiros surpreendidos nas zonas marítimas reservadas ao seu tráfego. Para atingirem o império absoluto do comércio do Mediterrâneo, os cartagineses fizeram de sua cidade um porto privilegiado. Para ele afluíam todos os produtos transportados dos empórios, colônias e portos estrangeiros. Assim, o porto de Cartago tornou-se o grande mercado do Mediterrâneo Ocidental e o ponto de cruzamento de todas as vias marítimas pelas quais refluíam em seguida para a periferia as mercadorias importadas. Cartago tomou, por outro lado, medidas enérgicas para guardar no Atlântico e ao longo de toda a costa mediterrânea da África do Norte o monopólio do comércio. Se, no Tirreno, nos golfos de Gênova e de Lion e ao longo da Espanha Oriental, ela não pôde afastar os gregos, conseguiu interditar-lhes o acesso a todas as regiões sobre as quais exercia autoridade política ou hegemonia econômica. Pode-se dizer que a política cartaginesa do monopólio do mar deu resultados surpreendentes, considerando que os gregos no século V A.C. não se aventuravam no Mediterrâneo Ocidental, que tinham tão ativamente percorrido nos sécs. V e VI. Toda essa série de medidas e o empenho com que foram mantidas demonstram que a política geral de Cartago parece ter sido, sobretudo, inspirada por preocupações comerciais. Ao contrário da Roma republicana, negociar era lá uma grande honra. A aristocracia não se considerava diminuída, consagrando seus recursos e atividades aos afazeres comerciais. Muitos nobres eram armadores ou banqueiros. Cartago foi uma das cidades antigas onde o capitalismo foi mais poderoso e onde pesou mais nos destinos da nação. Aníbal, depois da derrota de Zama, parece ter compreendido isso. Ele esforçou-se por medidas enérgicas para tirar o Estado da tirania dos magnatas financeiros. Contudo, a intervenção do Estado mostrou-se muito eficaz na organização de expedições de fins comerciais através dos mares ainda inexplorados. A esse respeito, convém notar a viagem marítima realizada por Hannon ao longo da costa ocidental da África. Os novos itinerários marítimos descobertos pelos cartagineses eram mantidos secretos e cuidadosamente, guardados nos arquivos doexploradores Estado. A tendência dos

 

cartagineses a reforçarem constantemente seu domínio comercial, a combaterem toda concorrência estrangeira e a dominarem as rotas marítimas também é constatada pelo fato de o Estado Púnico possuir uma frota mercante e militar inteiramente nacionais, ao contrário das forças de terra, que eram constituídas por mercenários. Com isso eles queriam evitar que surgissem um dia rivais de Cartago mesmo entre as cidades fenícias confederadas. Nas vésperas das Guerras Púnicas, o domínio comercial de Cartago, tanto no Mediterrâneo como no Atlântico, era considerável. Para explorar esse, domínio, Cartago dispunha de um aparelhamento do qual se conhece bastante bem certos elementos. A frota mercante era conhecida pelas dimensões de suas unidades, grandes galeras que navegavam a vela, e, na falta de vento, a remo, pela habilidade das guarnições e dos comandantes que não se contentavam em seguir o litoral, mas enfrentavam o alto-mar, observando os astros. Essa frota encontrava escalas, refúgios, pontos de apoio habilmente escolhidos e bem aparelhados. As construções navais tinham lá, portanto, lugar importante, empreendidas e dirigidas algumas por armadores e outras pelo próprio Estado. Políbio registrou que os cartagineses eram hábeis nessa indústria. A África fornecia-lhes as madeiras; a Espanha o esparto para o aparelho. O aparelhamento dos portos e a organização dos estaleiros e oficinas especiais progrediram juntamente com a navegação. Para conservar as comunicações livres e manter as colônias na dependência absoluta, grandes frotas de guerra impediram o desembarque de rivais ou inimigos. As forças de Cartago aumentaram mais ainda nas sucessivas lutas com os etruscos, gregos, massílios e finalmente com os romanos, e era espantosa a rapidez com que suas perdas eram substituídas. A sua base principal era a própria Cartago. No começo, a frota de guerra era constituída apenas por trirremes, cujo tamanho foi aumentado no tempo de Alexandre. Por ocasião das guerras púnicas, Cartago construiu navios de cinco e de sete fileiras de remos os quais podiam transportar cento e vinte soldados e trezentos marinheiros. Contra Siracusa, Cartago armou cento e cinquenta e dois navios e muitos mais contra Roma. A Xerxes consta que Cartago forneceu dois mil grandes navios de transporte por ocasião das guerras medas. A política comercial cartaginesa, se foi nociva para os povos marítimos rivais, como os gregos e o romanos, não o foi menos para as comunidades fenícias confederadas cujos interesses foram sacrificados aos fins particulares exclusivistas da cidade que as dominava. É fácil compreender como o princípio do mar livre, pregado pelos romanos durante a luta com o Estado cartaginês, atraiu bem cedo o favor e o apoio das populações submetidas ao jugo marítimo de Cartago, com grande dano para ela. Assim, Roma, ao destruir o domínio cartaginês sobre os mares, não somente livrou a classe comerciante italiana de um longo pesadelo, mas abriu as rotas marítimas do Mediterrâneo a todos os povos que por muito tempo haviam sido oprimidos. Quaisquer que sejam as lacunas de nosso conhecimento sobre o comércio púnico, não é menos certo que o tráfego, sobretudo marítimo, foi o elemento mais importante da economia cartaginesa. Foi graças ao intercâmbio que Cartago teve prosperidade; foi pelo comércio que desempenhou papel proeminente na história do Mediterrâneo Ocidental; foi o comércio que lhe deu, entre as grandes cidades do mundo antigo, sua fisionomia original.

 

5. ROMA Origem rural do Estado Romano. A pouca importância do comércio nos tempos primitivos. A ascensão de Roma pela guerra. Consequências econômicas e sociais. A posse do litoral italiano. Guerra contra Cartago. Nascimento do poderio naval romano. A aparição do espirito mercantil. Recrudescimento do imperialismo romano. A decadência da agricultura na Itália e a importação de cereais. A ação dos piratas. Restauração civis. da Marinha romana, Sua importância nas guerras

Na segunda metade do século V A.C., Roma era ainda uma república aristocrática de camponeses. A maior parte das famílias possuía um pequeno campo, e pais e filhos, habitando  juntos pequenas cabanas, o cultivavam cultivavam quase inteiramen inteiramente te com trigais, deixand deixandoo uma pequena parte para fazê-lo com parreiras e oliveiras. Suas habitações eram pequenas e de aspecto pobre, sua alimentação eraem frugal, vestimentas Possuíam metais faziam quase tudo casa,asinclusive o pãomuito e as simples. vestimentas para ospoucos escravos e aspreciosos mulheres.e Assim, o que Roma comprava no exterior era pouco. Exportava poucas mercadorias: madeira para a construção de navios e sal. Reunindo ao seu redor, numa confederação, as pequenas repúblicas rurais, nas quais o povo falava a mesma língua latina, Roma pôde elevar-se pouco a pouco acima das outras repúblicas da Itália. Na segunda metade do quinto século e nas primeiras décadas do quarto século A.C., Roma combateu, à cabeça da confederação latina, os oscos, volscos e etruscos numa série de guerras que lhe permitiram estabelecer quatro novas tribos no seu território aumentado. Fortificada por esses primeiros sucessos, Roma foi, em seguida, levada a guerrear durante o fim do quarto século econfederação a primeira metade terceiro da os costa sanitas, etruscos,e as os milícias sabinos, gregas os membros latina, osdogauleses do os Adriático de Pirrorebeldes vindas da de Taranto. Roma adquiriu, em suma, nessas guerras a alta soberania sobre toda a Itália. Mais importante, porém, que as consequências políticas foram as consequências econômicas e sociais dessas guerras. A posse de uma linha da costa, desenvolvida como a que circunda a península, desde a foz do Amo, no mar Tirreno, até o litoral de Úmbria, passando pelo estreito de Messina, dobrou a importância do Estado romano como potência marítima que substituiu a dos etruscos e a dos gregos e que deveria bem cedo entrar em luta com a de Cartago. Os romanos, a partir de então, passaram a participar do comércio do mundo e a procurar os refinamentos da civilização helênica melhor conhecida por causa das trocas mais frequentes com as colônias gregas da Itália meridional. O contato com o mar e a posse de vários portos trouxeram para Roma a necessidade de possuir uma frotagregas mercante. dessadeépoca váriospara tratados firmados navios. entre Roma e Cartago e as colônias acercaDatam das zonas navegação os respectivos Os navios romanos já

 

singravam, portanto, o mar Tirreno e cruzavam o estreito de Messina. Mas esse enriquecimento não enfraqueceu absolutamente as tradições e não foi seguido imediatamente de uma mudança de costumes. Submetida à proteção de uma nobreza que defendia os antigos costumes rústicos, a plebe guardou também os hábitos ancestrais, permanecendo uma plebe valente e fecunda de camponeses. No quarto e no terceiro séculos A.C., Roma pôde espalhar na Itália não somente sua influência e suas leis, mas também sua raça e sua língua, A criação de colônias reafirmou o caráter agrícola da política de Roma. No decorrer desse período, com efeito, o Estado esforçou-se por criar uma base econômica essencialmente terrestre, fundada na pequena propriedade rural, com o fito de assegurar a existência de uma massa demográfica de tendências conservadoras das quais, ao mesmo tempo, as necessidades mais imediatas fossem satisfeitas. A massa camponesa prestavase tanto às fadigas da vida do campo como às dos deveres militares; o soldo de guerra e os donativos dos generais após a vitória eram para eles um lucro ajuntado ao da terra, e a guerra uma indústria complementar da agricultura. Foi com esses camponeses, que eram ao mesmo tempo soldados, que a nobreza romana pôde vencer uma primeira vez Cartago, a grande potência mercantil, cuja expansão comercial acabou por vir chocar-se com a expansão militar e agrícola de Roma. Cartago, rica por seu comércio, dispondo de uma frota poderosa e dona das três grandes ilhas itálicas, foi o inimigo mais terrível que Roma teve em toda a sua história. A primeira guerra Púnica durou cerca de vinte e três anos (264-241 A.C.) e se desenrolou quase toda na Sicília. Os romanos alcançaram em terra sucessivos êxitos nos anos iniciais do conflito, ocupando uma série de praças fortes inimigas, como os cartagineses, donos do mar, reconquistavam facilmente as cidades costeiras. Bem cedo os romanos compreenderam que era impossível conquistar e conservar a Sicília, a costa e as cidades contra a frota cartaginesa, sem terem navios para se opor. Uma galera cartaginesa naufragada serviu de modelo a copiar, e as encostas dos Apeninos forneceram a madeira necessária. Sessenta dias foram suficientes para serem construídos cento e trinta navios de madeira verde e as guarnições serem treinadas na manobra. A fim de neutralizar a habilidade superior dos adversários, foram inventados os “corvos”, espécie de pontes com grampos, os quais reduziam a luta a combates corpo a corpo como em terra firme. Assim se conta a história miraculosa, mas é mais provável que os romanos também tenham recebido uma esquadra de Hieron, poderoso no mar e desejoso de conservar seus domínios na Sicília. Seja como for, o Cônsul Duílio alcançou perto de Lipari a primeira vitória marítima. Feriram-se nos anos seguintes várias batalhas navais, tais como as de Mile, Cnemo, Trepano e Egatas, em que a vitória favoreceu em geral aos romanos. Segundo os historiadores antigos, em alguns desses encontros havia mais de trezentos navios combatendo de cada lado e ambas as facções sofreram perdas prodigiosas. Durante a Primeira Guerra Púnica, só do lado romano, não menos de setecentas qüinqüirremes teriam sido afundadas, quer em batalhas, quer em tempestades. Foi assim que, realizando talvez a melhor obra de toda a sua grandiosa história, o povo romano, eminentemente ligado à terra, dedicado à agricultura e à vida pastoril, criou uma força naval, tão bem organizada, armada e comandada, que conquistou, em pouco tempo, o domínio do mar da Sicília e obrigou Aníbal (na Segunda Guerra Púnica) a dar a longa volta pela Espanha e pela Gália para chegar à Itália.

 

No fim da Primeira Guerra Púnica, Roma procurou instalar-se por sua vez no além-mar. A política econômica do Estado romano afastou-se do seu fim tradicional e adotou novas diretrizes. Com essa guerra começou uma nova história de Roma e do mundo, sobretudo porque acarretou na Itália o aparecimento da era mercantil na antiga sociedade agrícola, aristocrática e guerreira. Com a conquista da Sicília, o comércio dessa ilha, pelo qual muito azeite e cereais eram exportados, passou dos cartagineses para os mercadores italianos e romanos, aumentado-lhes o número e a riqueza. A aristocracia romana, que não tinha até então desejado possuir senão terras, começou também a imitar a nobreza cartaginesa que ela havia vencido e que se compunha de negociantes. Também ela começou a tentar especulações, a colocar no mar pequenas flotilhas, a fazer negócios com as exportações da Sicília e a viver no luxo. Muitos romanos e italianos, que tinham visitado os países estrangeiros como soldados ou fornecedores dos exércitos e que tinham avaliado suas possibilidades, foram induzidos ao comércio pela abundância de capital, pelo consumo crescente de produtos asiáticos na Itália e pelo poder de Roma no Mediterrâneo. Muitos deles venderam os campos de seus pais e compraram um navio. Construíram-se muitos pequenos estaleiros na costa italiana, e as florestas públicas da Sila, de onde se retirava a resina para os navios, foram alugadas por grandes somas. Não houve membro da nobreza senatorial que não participasse dos ganhos do comércio marítimo, emprestando aos cidadãos romanos ou aos libertos os capitais necessários às suas empresas; à expansão militar sucedeu a expansão mercantil. Roma cessou de ser a capital de um povo essencialmente agrícola em que a riqueza era fundada principalmente na propriedade rural e nos recursos agrícolas. Tornou-se a aglomeração tumultuosa onde a indústria, o comércio, o tráfico e o dinheiro adquiriram uma importância antes desconhecida. Dessa lenta decomposição de uma sociedade guerreira, agrícola e aristocrática, começada quando Roma já tinha conquistado a hegemonia militar no Mediterrâneo, nasceu o que se pode chamar o verdadeiro imperialismo romano. Essa política foi inaugurada pela terceira declaração de guerra a Cartago (149 A.C.) e pela conquista da Macedônia e da Grécia. Após uma pérfida declaração de guerra, depois de vergonhosas derrotas, depois de muitos esforços e de três anos de guerra, Cartago foi incendiada por Cipião Emiliano, e seu comércio passou para as mãos dos mercadores romanos. A vitória sobre Cartago fez Roma senhora do Mediterrâneo Ocidental. A conquista da Grécia, a derrota dos soberanos orientais Antíocus, Mitridate e mais tarde Cleópatra asseguraram sua hegemonia nos mares orientais. Entrementes, a profunda mudança operada na estrutura social e econômica da Itália colocou a população na dependência estreita das comunicações marítimas. A cultura de cereais, a qual durante tanto tempo se tinham, sobretudo, consagrado os camponeses italianos, caiu cada vez mais em decadência. Não sendo a produção local bastante copiosa para atender a todas as exigências, foi necessário procurar fora do Lácio o suprimento de farinha indispensável à alimentação das cidades. A anexação ao Estado romano da Sicília, da Sardenha e, mais tarde, dos territórios de Cartago, da Ásia Menor, e enfim do Egito favoreceu uma importação considerável de cereais feita através dos portos da foz do rio Tibre. Calcula-se que nessa época Roma importasse 20 milhões de bushels de trigo do Egito e de outras partes da África. Considerando que a viagem de Alexandria a Óstia levava em média 25 dias e que cada liburnia

 

transportava no máximo 250 toneladas, bem se pode avaliar o número elevado de navios para atender a tal importação. Após a destruição de Cartago, as esquadras reais do mundo grego não causando mais nenhum alarma, Roma pôde acreditar estar senhora incontestável de toda a extensão do mar Interior e foi apenas a grande república móvel dos piratas que pôs em atividade os estaleiros navais. A nascença mesmo do poderio dos piratas prova a que ponto Roma julgavase segura em todas as áreas do Mediterrâneo. Exagerando sua quietude, não vendo nenhum Estado cuja Marinha a pudesse ameaçar, não tendo a considerar senão os corsários habituais o Governo senatorial tinha, por incúria, deixado suas frotas ao abandono. Então os bandidos da Cilícia e da Fenícia entraram em ação, pondo a saque numerosas cidades costeiras, aproveitando as ocasiões propiciadas por qualquer grave conflito, como o da guerra contra Mitridate. Os piratas dispunham de arsenais, portos, vigias, remadores e pilotos hábeis, além de navios de todas as espécies, tão bons quanto temíveis, O comércio romano experimentou dificuldades crescentes. Em particular, os comboios de trigo, tão indispensáveis à Itália, foram quase paralisados pela ação dos piratas. Face ao perigo, a Marinha romana foi restaurada em regime de urgência, e Pompeu teve à sua disposição 500 navios, 120.000 homens, todos os recursos do tesouro nacional, conforme sua solicitação, e até o Comando de todas as margens até 70 km para o interior, a fim de combater os piratas nas suas bases. Uma guerra curta mas violenta libertou o Mediterrâneo da ameaça pirata, permanecendo apenas remanescentes dos antigos ladrões dos mares em regiões afastadas. Nos anos que se seguiram, a Marinha romana desempenhou papel saliente nos acontecimentos. Em todas as guerras civis do fim da República, a vitória pertenceu aos que se deslocavam mais facilmente e mais rapidamente de um extremo ao outro do Mediterrâneo. Foi essa uma das grandes vantagens com que contou Cesar. A posse de forças navais importantes permitiu ao Sexto Pompeu realizar operações perigosas contra o Triunvirato, mesmo próximo à Itália, as quais só não foram decisivas devido à perseverança de Otávio e aos talentos de Agripa. Enfim, a luta suprema, que presidiu e fundou o regime imperial, foi decidida por uma batalha no mar, a que se realizou em Ácio, entre as esquadras de Otávio e de Antônio. Augusto não fechou os olhos às lições dos acontecimentos. Logo que outros cuidados o permitiram, estabeleceu esquadras permanentes, tanto para consolidar seu poder como para garantir os comboios de trigo necessários à alimentação da Itália. Na época de Augusto, as principais esquadras romanas tinham base em Ravenna e Misenum. Havia, além do mais, espalhados pelo Império, esquadrões em Forum Julei, Bocas do Orontes, Alexandria, Parpathus (entre Creta e Rodes), Aquiléia (mar Adriático), no mar Negro e na Grã-Bretanha. Flotilhas fluviais estacionavam no Reno, no Danúbio e até no Eufrates. Devido aos duradouros distúrbios civis, a pirataria tornou-se uma atividade esporádica; muitos desses bandidos, dálmatas ou sicilianos, alistaram-se no serviço do Império, e a segurança do mar foi restabelecida e não foi perturbada durante dois séculos, salvo em certas partes do Euxino (mar Negro), onde Roma tinha poucos interesses. O controle do Mediterrâneo (Mare Nostrum) permitiu a Roma dispor durante séculos de uma grande rota central entre suas províncias e, transportando suas legiões por essa via, realizar concentrações de forças, rápidas para a época, nos pontos mais importantes. As rotas marítimas favoreceram, portanto, os deslocamentos por daseu turno, asseguravam grandeza e o poderio de Roma. Durante todoestratégicos, o decurso dasque, guerras República e do Império, a

 

possibilidade de apoio no mar constituiu um fator de segurança e de recursos importantes, enquanto as dificuldades eram maiores nas regiões periféricas afastadas das costas, onde as comunicações eram mais penosas e vulneráveis. A evolução de Roma, tal como a do Egito, mostra a importância crescente do Mediterrâneo na história de um povo que se desenvolveu originalmente longe dos mares, mas que por fim ficou na estreita dependência, sob o ponto de vista econômico, militar e político, das rotas marítimas.

6. VIKINGS Habitat do povo viking. Razões das investidas dos nórdicos para o mar. Caminhos gerais seguidos pelas expedições vikings. Natureza depredadora dessas expedições. Ocupação de territórios nas Ilhas Britânicas e no Império Carolíngio. Assimilação dos vikings.

Embora viking signifique guerreiro, os vikings eram um povo das enseadas abundantes tanto na Dinamarca, país de planícies arenosas, através das quais se desenhavam tortuosos canais marítimos, como na Noruega, pátria dos fjords, gargantas escarpadas que levam as ondas até o coração dos montes, em alguns pontos por centenas de milhas. Aqui e além, ao longo do curso sinuoso desses fjords, um pedaço de terra fértil entre o precipício e o estuário dava lugar a campos de trigo e a um grupo de casinhas de madeira. Próximo, uma encosta alcantilada trazia a espessa floresta até a borda da água, atraindo o lenhador e o construtor de barcos. Ao cimo de tudo, os cordões nus das montanhas erguiam-se até os campos gelados e os cumes glaciais, dividindo os povoados dos fjords uns dos outros, como pequeninos reinos, atrasando por séculos a união política da Noruega e lançando os habitantes intrépidos para o mar, em busca de alimento e de fortuna. Traficantes de peles, caçadores de baleias, pescadores, mercadores, piratas e ao mesmo tempo assíduos cultivadores do solo, os escandinavos tinham sempre constituído um povo anfíbio. Desde que ocuparam a sua terra, em data indeterminada da Idade da Pedra, o mar fora sempre o seu caminho de povoado para povoado e o único meio de comunicação com o mundo exterior. Até o fim do século VIII, a área da pirataria dos vikings confinara-se principalmente às costas do Báltico. Tinham-se contentado eles em se saquearem reciprocamente e aos vizinhos mais próximos, mas no tempo dos romanos, ao que parece, já infestavam as costas da Gália Belga e da Bretanha. Ao que consta, só na época de Carlos Magno começaram a atravessar o oceano e a atacar os países cristãos do Ocidente. Foram precisos séculos de experiências e sem dúvida inúmeros naufrágios para que os vikings aprendessem a conhecer as etapas e as épocas favoráveis. Pouco navios a pouco eles aprenderam a passar de ilha em ilha aproveitando o bom tempo e a construir maiores.

 

Desde o fim do século VIII ou do começo do IX, quando seus exércitos e suas frotas aumentaram em número e em importância, as expedições vikings alongaram-se. Essas expedições regularizaram-se em seguida, cada burgo fornecendo um número determinado de navios. O sucesso das primeiras expedições de grande envergadura e o superpovoamento relativo do Norte contribuíram assim, em grande medida, para arrancar homens de seus lares, particularmente em certas regiões, como as Ilhas dinamarquesas, onde, por força de lei, uma parte do povo devia emigrar desde que o superpovoamento se acentuasse. A fome, depois de uma má colheita nesses climas inóspitos, por vezes, lançava povoados inteiros em busca de novas terras, pois os homens do Norte sentiam a falta de águas piscosas e de terras abundantes em caça. O caminho dos cisnes, como cantavam em suas canções, fornecia-lhes o que recusava a terra mal cultivada ou estéril ou a pesca insuficiente para remediar a fome. Tornando-se mais audaciosos nas suas navegações, empreenderam viagens que mesmo depois da agulha magnética foram apenas renovadas. Foram três as rotas básicas escandinavas durante a era viking. Primeiro, a rota oriental, seguida principalmente pelos suecos, que penetraram no coração dos territórios eslavos, até Novgorod e Kiev, fundando o primeiro Estado russo e daí descendo pelo Dnieper abaixo para atravessar o mar Negro e importunar as muralhas de Constantinopla. As outras duas rotas desenhavam-se ao Ocidente. Havia a rota seguida principalmente pelos noruegueses, a qual poderemos chamar a linha exterior, levava às mais aventurosas viagens marítimas, ao povoamento da Islândia e da Groenlândia, à descoberta da América do Norte; conduzia às Orkneys, Galloway e Dunfries, ondee do grandes colônias escandinavas o primeiroCaithness, elemento Ross, nórdico à vida dos Highlands sudoeste da Escócia. Foramtrouxeram ainda os noruegueses que conquistaram as Hébridas, a oeste da Escócia, e descobriram trinta e cinco ilhas que chamaram de Faroe. O Mainland e as quarenta e cinco ilhas que a cercaram, ilhas famosas pela pesca do arenque, foram também descobertas pelos vikings. Por essa linha exterior, vieram estabelecer-se importantes colônias norueguesas em Cumberland, Westmoreland, Lancashire, Cheshire e na costa da Gales do Sul. A Irlanda foi durante algum tempo invadida, e Dublin, Cork, Limerick, Wicklow e Waterford foram fundadas como cidades dinamarquesas. Enquanto os suecos dirigiam-se para a Rússia e para a Ásia, os noruegueses descobriam a rota para a Irlanda pelo norte da Escócia e, mesmo fazendo escala na Groenlândia, iam até a América procurar peles e os dinamarqueses tinham escolhido a rota interior que, mais próxima de seu país, conduzia às costas da Escócia, da Nortúmbria e da Neustria. É em 787 pela do primeira a crônica anglo-saxônica a chegada à Inglaterra três navios de que homens Norte,vez vindos do país dos ladrões. Adescreve partir do ano de 793, as curtasdenotas anuais das crônicas contêm, quase todas, referências a alguma incursão dos pagãos. Ora eles pilhavam um convento e massacravam os monges, ora as hordas pagãs espalhavam a devastação entre os Nortumbrios. Pouco a pouco a importância das frotas inimigas cresceu. Em 851, pela primeira vez os pagãos passaram o inverno na ilha de Thanet; no mesmo ano, trezentos de seus barcos vieram à embocadura do Tâmisa, e suas guarnições tomaram de assalto Cantuária e Londres. Lentamente, durante cinquenta anos ou mais, antes que o movimento atinja seu zênite, toda a Noruega e toda a Dinamarca despertam para a verdade de que não havia poder marítimo a defender as Ilhas Britânicas ou o famoso Império Carolíngio; que os anglo-saxões e os francos eram gente terrestre e que os irlandeses utilizavam pequenos barcos de couro. O mundo estava assim exposto ao poder marítimo viking.

 

Nos anos seguintes, os pagãos foram chamados por seu nome real, dinamarqueses, e as crônicas referem-se aos movimentos dos exércitos, fortes, às vezes de dez mil homens. Bem equipados, bem armados, muito hábeis em construir campos fortificados, obedecendo cegamente aos reis do mar, seus chefes, os vikings, guarneciam, em grupos de sessenta a setenta homens, os seus navios de sólida construção, as drakkas, e desembarcavam em locais de onde pudessem enfrentar com êxito a reação dos habitantes do país invadido. Foi assim que Noirmontiers tornou-se sua base no litoral da França, Thanet no da Inglaterra e a ilha de Man no mar da Irlanda. Os que operavam na França vinham, sobretudo, da Dinamarca, reunidos em pequenas flotilhas que perlongavam a costa. Subiam os rios, saqueavam as igrejas e destruíam as cidades, ou para poupar o país, faziam-se pagar um resgate calculado em libras de prata. Os primeiros bandos haviam aparecido antes dos fins do reinado de Carlos Magno, mas, depois dos meados do século IX, esses invasores estabeleceram- se com suas famílias em campos entrincheirados junto à embocadura dos rios, donde todas primaveras partiam para agir no interior. Além da ilha Noirmontiers, os normandos instalaram-se na foz do rio Sena e subiram o rio Garona, saqueando as cidades. Até cerca de 860, entretanto, ocuparam na França apenas pontos da costa e algumas ilhas, fazendo ocasionalmente expedições de saque pelo interior. Depois, as expedições transformaram-se em verdadeiras migrações. Nos anos seguintes, os normandos embrenharam-se pelo interior da França, devastando uma enorme região e chegando mesmo a sitiar Paris em 886. Os vikings que seguiam a linha exterior e os que seguiam a linha interior muitas vezes se cruzavam no caminho. Encontravam-se dinamarqueses e noruegueses na Normandia, no sul da Irlanda e no norte da Inglaterra, e ambos penetravam indiferentemente na Hispânia, no Mediterrâneo e no Levante. Toda essa espantosa exploração, que tocou a costa norte-americana cinco séculos antes de Colombo, esse habitual e quase diário desafio das tempestades da Costa Wratch e das Hébridas, foi levado a cabo em longos barcos descobertos, impelidos a reinos manobrados pelos próprios guerreiros com o auxílio de uma única vela. A coragem e a perícia naval de marinheiros, que se aventuraram em tais barcos a empreender tais viagens, nunca foram ultrapassadas na história marítima. Muitas vezes pagaram a sua ousadia. O Wessex, no tempo do rei Alfredo, salvou-se uma vez graças ao naufrágio de uma esquadra inteira, quando uma tempestade lançou cento e vinte galés dinamarquesas contra os penhascos de Swanage. Em quase todas as regiões em que dominaram pelas armas, os vikings acabaram assimilados pelas populações vencidas. Na Grã-Bretanha, os dinamarqueses e noruegueses ou foram repelidos ou fundiram-se com os anglo-saxões com o decorrer dos anos. Na França, não são bem conhecidas as circunstâncias segundo as quais o rei dinamarquês Rollon obteve o território que veio a constituir o Ducado da Normandia. Estabelecidos nos férteis campos da França, pouco a pouco os normandos perderam os hábitos violentos e adotaram a língua e a cultura francesa. Nos séculos que se seguiram, o espírito aventureiro dos descendentes dos vikings levou-os a participarem de muitas empresas guerreiras, tais como a conquista da Inglaterra em 1066 por Guilherme, o Conquistador, a expulsão dos árabes do sul da Itália e da Sicília, e as Cruzadas. Em poucas gerações, contudo, os normandos mudaram radicalmente seus hábitos antigos, e a Normandia converteu-se numa região conhecida tanto pela excelência de seus rebanhos e de seus pomares quanto pela fama de seus marinheiros e pescadores.

 

Em síntese, a história dos nórdicos é um flagrante exemplo da influência da geografia na evolução de um povo. Talvez mais ainda que nas histórias grega e fenícia, a natureza especial das regiões escandinavas explique a epopeia viking.

7. REPÚBLICAS MARÍTIMAS ITALIANAS Posição de Pisa. Orientação dos habitantes para o mar. Primeiras investidas no Tirreno. Expansão colonial no Oriente Próximo. As Cruzadas e a instalação do Império Latino do Oriente. Colônias pisanas na Palestina e no Egito. A rivalidade de Amalfi. A rivalidade genovesa. Suas consequências. Origem de Gênova. O limitado território da República. Aliança com Pisa. A nobreza mercantil. Ação genovesa durante as Cruzadas. As feitorias na Palestina. Início da rivalidade veneziana. As Maonas. A restauração do Império Romano do Oriente. O comércio com as nações do Atlântico. O apogeu de Gênova, Fatores de sua decadência. Origem de Veneza. Atividades principais dos habitantes. Independência progressiva de Bizâncio. As lutas contra os sarracenos e dálmatas. Convergência rotas comerciais para Veneza. Concessões a venezianos no Império Bizantino. A Quartadas Cruzada. Características do Império Colonial de Veneza. Principais rotas marítimas das trotas venezianas. A organização da Marinha. A guerra de Chioggia. O apogeu de Veneza. Razões de sua lenta mas contínua decadência.

A posição natural muito propícia, na foz do rio Arno, então navegável até sob os muros da cidade, fez de Pisa importante centro comercial desde o primeiro século da Idade Média. O estuário do Arno oferecia então bomdaabrigo espaço suficiente, ao de passo quenão a correntada do rio opunha-se ao assoreamento saídaepara o mar. Do lado terra, contando forte com barreira protetora de montanhas como Gênova e limitando-se com os territórios de Lucas, em fase de expansão, Pisa não possuía possibilidades de engrandecimento. A cidade voltou assim os olhos para o mar e no século X teve boas ocasiões de satisfazer suas ambições marítimas. Era o único porto sobre o Tirreno, no interior da Itália Lombarda, e além do mais, nessa ocasião, Gênova não podia oferecer concorrência, pois toda costa lígure estava presa das devastações sarracenas que ameaçavam controlar o mar Tirreno, desde as costas da Tunísia e da Espanha. Perante a ameaça muçulmana, Pisa e Gênova coligaram-se e realizaram esforços vigorosos e constantes para expulsarem os infiéis do mar que tinham como próprio. No fim do século XI, as duas cidades lançaram repetidos ataques contra as principais cidadelas do poderio árabe. Os árabes foram assim expulsos da Sardenha, onde Pisa reservou-se privilégios comerciais. Na Sicília, própria Palermo, que era entãocontribuiu um grandepara porto de mar e uma de 300 mil habitantes, foiaatacada pelos pisanos, o que a reconquista dacidade Ilha. Na

 

Tunísia, os pisanos e genoveses puseram a saque Mehedia, que era sem dúvida a cidade mais poderosa da costa da África e que se havia convertido num ninho de piratas. Afastados assim do mar Tirreno os inimigos dos cristãos, as duas novas repúblicas viram prosperar seu comércio. Suas frotas, crescentes em força e em número de navios, empreenderam viagens mais longas e abriram novas rotas. A expansão marítima e comercial da República Pisana era então guiada pelo governo, que intervinha mesmo no domínio das atividades particulares, procurando, de uma parte, afastar os obstáculos e entraves que se opunham ao livre trânsito das mercadorias, e de outra, levar gradualmente a conquista ao Oriente, principal fonte de lucros. Do século XI ao século XIII, os núcleos urbanos da Península Italiana, e em particular as cidades marítimas, entraram em rivalidade para a conquista da primazia política e comercial, sob a influência de dois fatores preponderantes: as cruzadas e a criação do Império Latino do Oriente. Ao começarem as cruzadas, as Repúblicas Italianas não viram nelas apenas uma continuação da luta tantas vezes empreendida contra os infiéis, mas também uma oportunidade única para obter vantagens econômicas. Pisa, como as outras grandes repúblicas marítimas italianas, não só participou diretamente da guerra contra os muçulmanos estabelecidos na Palestina, como também soube cobrar bom preço pelo transporte dos exércitos cristãos do Oriente. Ao mesmo tempo, a comuna procurou estabelecer nos países recém-conquistados pelos cruzados proeminência comercial, obtendo concessões especiais para os mercadores pisanos. A Primeira Cruzada valeu a Pisa privilégios e feitorias ao longo da costa Síria e da Palestina. A Segunda favoreceu-lhe o comércio ao longo das costas italianas e sicilianas. Em 1108, tendo ajudado com uma frota a conquista de Laodicéia, obteve em compensação, um quarteirão naquela cidade e outro em Antióquia. Entre 1108 e 1124, Pisa conseguiu quarteirões em Trípoli, em Tiro e em Jerusalém. Ainda nesse período, ela se fez outorgar um quarteirão em Constantinopla e um cais no Corno de Ouro e mais tarde, para contrabalançar a influência genovesa no Tirreno e na costa da Espanha, fez um tratado de comércio com o Emir de Valência (1150). A atividade dos pisanos na costa asiática não os impediu de olhar mais adiante, para o Egito, onde os atraíam dois grandes centros: Alexandria e Cairo. No fim de 1154, um tratado de comércio com o Califa Fatimida abriu aquela região ao comércio pisano, mas em 1157 a captura de uma nave pisana, a venda dos marinheiros como escravos na Tunísia, a ruptura, em suma, do tratado, levou Pisa a favorecer o jovem e valoroso rei de Jerusalém, Almarico, que, nos anos de 1163 a 1169, por cinco vezes levou a guerra ao vacilante califado. O assédio de Alexandria pela frota pisana em 1167, contudo, terminou em insucesso. Quando em 1171 Saladino assenhoreouse do Egito, não restou aos pisanos outro recurso senão negociar com o grande conquistador muçulmano. Na Terceira Cruzada (1189-92), os navios pisanos transportaram um exército toscano, sendo aproveitado o ensejo para a venda, por preço caro, de vitualhas e roupas aos companheiros de armas. A par da expansão longínqua nos mares da África e do Levante, a Comuna Pisana procedia com

 

igual vigor para concentrar no seu porto o comércio do mar Tirreno, da costa toscana à Sicília. Desde 1137, ajudada por Latário de Spplimburgo, Pisa dera o golpe de graça na rival, Amalfi, apoderando-se da Ischia e de Sorrento. O sucesso de Pisa valeu-lhe a animosidade das cidades vizinhas, em particular Gênova, que visava a supremacia no mar Tirreno e das cidades do interior, Lucas e Florença, ciumentas de a verem exercer controle sobre o único escoadouro marítimo da Toscana. Em 1194, Messina foi tomada, e os pisanos destruíram o empório genovês da cidade. A vitória, porém, foi paga a preço caro: o favor imperial aos genoveses contribuiu para a perda de treze navios da frota pisana. Dessa época começa a decadência da potência pisana, no começo quase imperceptível depois manifesta. Na longa série de lutas que se seguiu, Pisa se viu atacada por terra e por mar, ressentindo-se de sua pequena base territorial e da falta de uma fronteira facilmente defensável. Por fim, Gênova conseguiu destruir o porto e o comércio de Pisa, em 1284, jogando na embocadura do Arno enormes blocos de pedra trazidos da ilha vizinha de Capri. Foi construído assim um molhe que, se opondo à obra de limpeza da corrente, permitiu o acúmulo de sedimentos. A derrota naval de Melória, poucos anos depois, selou a decadência de Pisa. Na paz estipulada em Gênova em 1299, Pisa teve de ceder uma parte da Sardenha, a região de São Bonifácio, na Córsega, e obrigou-se a não armar galeras durante quinze anos. A origem de Gênova não é menos remota que a pisana e data certamente dos primeiros tempos da vida marítima no mar Tirreno. O porto de Gênova não era nem o maior nem o melhor dos portos da costa figure, mas era sem dúvida o melhor situado. Gênova ocupa o ponto mais setentrional dessa costa. Os Apeninos, na verdade, elevam-se imediatamente atrás da cidade e a separam do vale do Pó, mas ao mesmo tempo protegem-na muito eficazmente do lado de terra. Embora fossem possíveis culturas variadas, como trigo, oliveira, vinhas, laranjeiras, o território restrito da República de Gênova, que se estendia ao longo da costa lígure, era incapaz de produzir a quantidade suficiente de gêneros alimentícios para a população e matérias-primas para a indústria. A pesca, em compensação, era abundante na costa; e as florestas dos Apeninos dispunham de boas madeiras para a construção naval, Foi, portanto, no mar que Gênova procurou possibilidades econômicas. Dessa forma Gênova conseguiu reerguer-se nas vezes em que sofreu as destruições das invasões sarracenas. Na primeira metade do século X, Gênova, ao conseguir sacudir o jugo feudal do Marquês de Obertenghi, conquistou ao mesmo tempo sua unidade comercial e um lugar elevado entre as Cidades marítimas da Península. Não muitos anos depois, Gênova, unida a Pisa, na célebre campanha da Sardenha contra Mogahid, em 1015-16, iniciou naquela ilha o comércio do sal, e na Córsega uma tenaz penetração, sem temer suas futuras relações com a aliada daqueles dias. Os navios das duas comunas chegaram unidos à costa da Síria em 1065, depois a Caffa. Em 1087, combateram juntos os árabes de Mehedia, e desse modo, na segunda metade do século XI, a comuna genovesa afirmou seu poderio marítimo no sul do Mediterrâneo. Lá, como em Pisa, os armadores e os navegantes, prevalecendo na vida citadina, criaram a administração consular e, ao mesmo tempo, a Campagna. As riquezas acumuladas, o crédito assegurado, uma sucessão de

 

governos com a mesma orientação acabaram por constituir uma nobreza de origem mercantil, diferente da feudal. A nobreza em Gênova não tinha, assim, por base, a propriedade imobiliária, mas os estabelecimentos comerciais e a navegação, Essa nobreza fornecia os governadores das ilhas conquistados no Levante e os comandos das forças navais. A participação de Gênova na Primeira Cruzada (1096-99) permitiu-lhe fundar uma linha de empórios ao longo da costa da Síria e da Palestina, fato de uma importância comercial considerável, tendo em conta que esses países eram relativamente povoados e produtivos naquela época. Os bons resultados alcançados estimulariam os empreendimentos posteriores. As expedições multiplicaram-se, os braços e o capital da cidade não foram suficientes. No princípio do século XIII (1206) uma nova instituição, o Consolato del Mare, foi criada. Ocupava-se exclusivamente da parte financeira dos empreendimentos marítimos, permanecendo dependente do poder central. O incremento da atividade marítima de Gênova acarretou inevitavelmente a rivalidade das outras cidades italianas com interesses idênticos, e, a partir do começo do século XIII, os três principais centros marítimos comerciais da Itália sustentaram entre si diferentes lutas que abarcaram quase duzentos anos. A fim de promover sua expansão marítimo-comercial, os cidadãos de Gênova criaram, na primeira metade do século XIII, uma associação de caráter militar que tomou o nome de Maona. Era ela constituída por um núcleo de cidadãos que, com seus navios, procediam às despesas de qualquer expedição naval empreendida no interesse e sob a direção da Comuna. A Comuna nomeava o Almirante, ao qual deveriam obedecer os navios armados por conta dos componentes. O lucro da empresa e a administração dos lugares eventualmente conquistados revertiam para a Comuna, depois das despesas da Maona terem sido ressarcidas. A primeira Maona, por ordem cronológica, parece ter sido a de Ceuta em 1234, quando um grupo de cidadãos armou por conta própria mais de cem navios, entre galeras e navios de comércio. Outras Maonas importantes foram a de Chios, em 1346, da qual resultou a captura daquela ilha no mar Egeu, e a de Chipre em 1374, onde foi fundada importante colônia. Ao começar o século XIV, Gênova estava no apogeu de sua atividade marítimo-comercial. A ajuda prestada na restauração do Império Romano do Oriente valera-lhe vários empórios estabelecidos em quarteirões de Constantinopla, Pera e Gaiata. Pera tornou-se o centro da administração colonial genovesa no Estado Grego, e Caffa o das colônias do mar Negro. Cerca de 1300, Gênova foi a primeira cidade mediterrânea a começar a organizar viagens para os portos de Bruges e de Londres. Na segunda metade do século XIV, as grandes operações de comércio ficaram circunscritas a Veneza e a Gênova, pois Pisa não mais se ergueu depois da derrota de Melória e da perda da Sardenha. A Grécia havia perecido sob a cimitarra turca e era raro os navios do Norte aparecerem nos portos do Sul. Os genoveses tinham o comércio de toda a Ligúria marítima e dominavam desde Corvo até o Mônaco. Aprovisionavam de sal a Luquia, frequentavam Civita Vecchía e Corneto, foram sempre em grande número em Messina e em Palermo. No Adriático, visitavam frequentemente Manfredônia, Ancona e mesmo Veneza, nos intervalos de paz. Faziam comércio Marselha, Aigues-Mortes, Saint Epidius e Montpelier. Na África, os navegantesimportante genovesescom tinham privilégios assegurados pelos maometanos. O Egito era mais

 

frequentado pelos venezianos. Os genoveses não deixaram, contudo, de aparecer nos mercados de Alexandria, de Roseta e Damieta e de se estabelecer mesmo no Grande Cairo e de concluir tratados vantajosos com os sultões. Todavia, a área principal das operações comerciais de Gênova permaneceu sempre no Levante, isto é, nos países da Ásia e da Europa, submetida aos príncipes gregos, tártaros, búlgaros e turcos. Seu comércio com o Levante se fazia por meio de uma série de escalas que atingiam a China de uma parte e as Índias de outra, seguindo as costas do Golfo Arábico. Havia ainda outros centros em toda a Romênia, na Macedônia e no Arquipélago Grego. Na Anatólia, Gênova possuía Smirna e as duas Fócidas, ricas de alúmen. De Chipre retirava madeiras de construção, cedro, ferro, cereais, açúcar, algodão e azeite, além dos produtos que vinham do Oriente. Outras companhias genovesas haviam-se estabelecido no litoral do Oceano, nos Países Baixos e na Inglaterra. Além do mais Gênova dominava Córsega, Sardenha, Malta e Sicília. Gênova tinha, em resumo, além de uma parte considerável do comércio europeu, as três grandes vias de comércio da Ásia Central e da Índia: a primeira, pelo mar Negro, pelo Cáspio e o Volga; a segunda, a Pagolat e a Laiazzo, pelo Golfo Pérsico, Alepo e a Armênia; e a terceira, a Alexandria, pelo mar Vermelho e o Egito. Apesar da posição privilegiada alcançada como potência marítimo-comercial na segunda metade do século XIV, já cinquenta anos depois notavam-se os primeiros sinais de decadência de Gênova. As vitórias navais de Melória e de Curzola haviam constituído o ápice da potência marítima de Gênova, porém haviam exigido um esforço imenso e produzido um grande consumo de forças. As perdas em vidas nas guerras eram desastrosas para os genoveses, porque eles não empregavam tropas mercenárias, mas cidadãos, dos quais dois mil morreram na jornada de Loiera e três mil prisioneiros morreram nos ergástulos. O desenvolvimento da Marinha catalã, as dissensões internas cada vez mais graves, a alternância do domínio estrangeiro, a luta persistente contra Veneza, o desastre da Guerra de Chíoggía (1378-81), a dominação francesa do rei Carlos VI (1396-1409) são as várias etapas de uma graduai decadência. Não conseguiram impedi-la a administração de Simão Boccanegra nem os triunfos que por vezes a Marinha genovesa alcançou, perpetuando com honra suas tradições bélicas. Durante a era longobarda, nas ilhas da Laguna Adriática, surgiu a cidade destinada a liderar, na Idade Média, todasnaasIdade demais, por por riqueza econômica e poderiotornou-se, marítimo:noVeneza. ilha da Laguna, habitada Antiga famílias de pescadores, último A século do Império Romano, o lugar de refúgio das populações de terra firme, fugitivos das hordas bárbaras de Alarico, de Atila, de Ricimero etc.. As lagunas situadas no interior do Adriático não ofereciam senão magros recursos aos seus habitantes; apenas pequenas superfícies permaneciam acima das águas; havia poucas terras cultiváveis, e estas eram mal drenadas; a água potável era escassa. Por outro lado, as lagunas ocupavam uma excelente posição geográfica, considerando que elas se encontravam perto da região plana mais vasta da Itália e num ponto onde as rotas marítimas do Mediterrâneo penetravam mais profundamente no continente europeu. As primeiras atividades dos habitantes das lagunas foram condicionadas pelo caráter de seu habitat. Eles tiveram em primeiro lugar que adaptar o país às suas necessidades, consolidando o solo, cavando canais, construindo diques e preparando bacias para os navios; enfim, começaram adesde cultivar a vinha a recolher águadescritos de chuva em cisternas. um fatomarítimos. significativo que 536 oostrigo, habitantes dase lagunas sejam como salineiros Ée piratas Veneza

 

chegou a conseguir no norte da Itália o monopólio virtual do comércio do sal, dependendo dela as cidades continentais para seu aprovisionamento. Não havendo possibilidade de outra indústria a não ser a do sal, que era com a pesca e com os proventos da pirataria o usual nos povos marítimos daquele tempo os únicos artigos de comércio, os venezianos abriram novos horizontes a mais vastos ideais, de tal modo que, no início do século VI, os navios dos insulares sulcavam ao largo e ao longo do Adriático, fazendo o tráfego de gêneros diversos com Bizâncio e com as terras do Oriente. As particularidades de sua localização geográfica condicionaram também o status político de Veneza, pois o Império Bizantino, graças à sua frota, pôde conservar sua autoridade nas lagunas, mesmo depois que foi obrigado a ceder aos lombardos os territórios na península italiana. Assim, Veneza, à medida que progredia, tornou-se uma guarda avançada fronteiriça do mercado grego e até cerca do ano 1000, se bem que usufruindo de uma grande independência, permaneceu como parte do Império Bizantino, situação política que favoreceu sensivelmente seu progresso. Por outro lado, sua situação e sua superioridade marítimas, que a tornaram de acesso difícil, colocaram as lagunas ao abrigo da conquista lombarda. Carlos Magno apoderou-se da maioria das ilhas, mas essa conquista foi efêmera. Também pôde Veneza escapar quase completamente às rivalidades e complicações da Península. Sob esse prisma, Veneza foi mais favorecida que Gênova. Enfim, pela mesma razão, a situação geográfica das lagunas, a despeito dos ciúmes e antagonismos, estimulou o desenvolvimento de uma comunidade interesse encontrou sua expressão na administração única do Doge. Segundo a tradição, odeDucado de que Veneza Marítima constituiu-se em 697 (Primeiro Duque ou Doge Paolucio Anafesto), concentrando numa só mão a atividade múltipla e dividida dos insulares. A decadência de Ravena e de Aquiléia deixou Veneza livre para explorar o potencial comercial de sua excelente posição geográfica. Entretanto, a nascente República não estava em condições de alcançar projeção mundial, por ter ficado ocupada em contínuas lutas contra os piratas eslavos e sarracenos que infestavam o mar Adriático. Até o fim do século VIII, o Império Bizantino controlou a entrada do Adriático desde as cidades costeiras de Durazzo e de Brindisi, mas as devastações dos árabes na Itália Meridional ameaçaram bloquear essa passagem. Ao mesmo tempo, a costa dálmata com suas numerosas baías abrigadas, seus inúmeros canais e suas ilhas constituíam a base da pirataria eslava. Pouco a pouco Veneza conquistou a supremacia no mar, infligindo derrotas aos árabes. cerca do ano 1000, uma série de empórios ao longo da costa dálmata, em Zara, Veglia,Fundou, Arbe, Tran e Spalato. . Desimpedido o mar Adriático da ameaça dos piratas, pôde Veneza enfim beneficiar-se das vantagens de sua posição, face às correntes mercantis da Idade Média. Com efeito, para o Adriático convergem cerca de três rotas naturais: uma, a vereda adriática; a segunda, formada pelo vale do Pó; e a terceira, o escoadouro para o sul dos diversos caminhos alpinos de acesso fácil, ligando o Adriático à Alemanha, à França e aos Países Baixos. Noutras palavras, colocada geograficamente quase a meio caminho das duas extremidades da bacia Mediterrânea e ligada politicamente à grande cidade comercial de Constantinopla, Veneza tinha toda facilidade para atuar como agente de distribuição em todo esse mar. Os sucessos no Adriático deram a Veneza não somente acesso ás grandes quantidades de madeira de construção eram e trazidas aosdaportos dasul. Dalmácia altos da Hinterlândia, mas tambémque ao trigo aos vinhos Itália do Além dodos mais, teveplanaltos acesso livre

 

a campos comerciais de maior envergadura. Seja como vassalo, afiado ou inimigo vitorioso do Império Bizantino, Veneza jamais perdeu de vista seus interesses mercantis. Já no século X, ela havia adquirido em Constantinopla prioridade sobre suas concorrentes italianas, Amalfi e Bari. Em 1082, se fez outorgar o direito de comerciar sem pagar nenhum direito em toda a extensão do Império Bizantino. Na época da Primeira Cruzada (1096), Veneza, já uma importante potência naval, pôde colocar à disposição das cruzadas a frota necessária ao transporte de homens, cavalos e víveres para a Terra Santa. Ao mesmo tempo, mantinha relações comerciais com Alexandria, em poder dos infiéis. Um século depois (1204), fazendo a Quarta Cruzada servir a seus próprios fins, Veneza se apoderou de Zara, na costa da Dalmácia, e possibilitou a tomada de Constantinopla pelos cruzados, com a consequente criação do efêmero Império Latino do Oriente. A Quarta Cruzada acabou totalmente com o predomínio da metrópole do Bósforo e converteu Veneza em potência normativa. O Império Grego ruiu e na partilha recebeu Veneza territórios tão vastos que o Doge pôde chamar-se com orgulho Senhor de uma quarta parte e de um oitavo de todo o império Romano. A cidade das lagunas, todavia, visava assegurar o predomínio mercantil de modo incondicional e não ocupar uma extensão territorial de difícil defesa. Na busca de suas ambições comerciais, Veneza edificou um vasto Império que se compunha, sobretudo, de territórios úteis ao comércio e que pudessem ser vigiados por sua Marinha. Como colônia fato,naosposse venezianos mantiveram a Ilha Creta, no e mesmo o valor consistiademais de um só lugar de repouso e dederefúgio cruzamento das dessa linhasilha de navegação mais importantes do que nas culturas do arroz, do algodão e da cana-de-açúcar. Fora disso, Veneza só teve a posse de alguns pequenos portos na costa, vantajosamente colocados no ponto de vista comercial e de fácil defesa, como Durazzo, no Epiro, as cidades marítimas Medon e Coron, convertidas em poderosas fortalezas no extremo sul ocidental de Messina, Negroponto, na Eubéia, e Galipoli, para assegurar a passagem dos Dardanelos. Mesmo o domínio veneziano na Dalmácia exercia-se apenas no litoral, onde ela conservava, à exceção de Rugasa, todos os portos principais. Tal como em Pisa e Gênova, a ação do governo fazia-se sentir fortemente em todos os setores ligados ao comércio marítimo da cidade. No começo da primavera, o Estado procedia à abertura do mar, pondo em atividade o que se chamava as esquadras do tráfego, que eram formadas por frotas mercantes de importância diversa e que,Cada por todo período da navegação, alugadas sociedade de mercadores e especuladores. ano oarmavam-se por conta eram do Estado seisà esquadras de tráfego compostas de 3.300 navios com cerca de 36 mil homens de guarnição. O tráfego se orientava em três direções principais: uma, das rotas mercantis, conduzia ao Egito; em Alexandria e no Cairo, eram recebidas as mercadorias pelos árabes que as levavam para o outro lado do mar Vermelho. Para a costa da Síria dirigiam-se suas frotas, para levar peregrinos aos Santos Lugares e tomar a bordo gêneros do Oriente para a viagem de volta. Também no noroeste do Mediterrâneo apareciam frequentemente as naves de Veneza e entabulavam benéficas relações mercantis, apesar dos sangrentos encontros que tiveram com os barcos genoveses. Em Tana, nas proximidades da desembocadura do Don, estabeleceram os venezianos uma colônia onde trocavam peles russas e mercadorias índias, embora o principal objetivo fosse negociar no mercado de escravos que existia nessa localidade. Para o oeste estenderam paulatinamente os venezianos sua influência com os sarracenos da África Setentrional e da Espanha; e com os habitantes do sul da França estiveram em estreitas relações mercantes.

 

Dada a enorme importância da Marinha para Veneza e se bem que os estaleiros fossem dirigidos por empresas privadas, o Estado regulava e dirigia a produção, seguindo leis rigorosas concernentes aos processos de fabricação dos navios, suas dimensões, seu aparelhamento, enfim, o trabalho dos operários. Nenhum veneziano podia construir nos limites da República navios que não tivessem as medidas rigorosamente previstas. Os interesses da defesa militar exigiam, com efeito, que, em caso de necessidade, os navios mercantes pudessem ser facilmente transformados em navios de guerra. Eis a explicação da prodigiosa rapidez com que aquela República renovava sua frota. A primeira metade do século XV viu o apogeu do poderio marítimo-comercial veneziano. No ano de 1423, o Doge Tomaz Mocenigo, em relatório apresentado aos conselheiros, estimava serem 3.300 os mercadores navegantes. Por essa época, nem só no Mediterrâneo e no Oriente aplicava-se a atividade veneziana. Na França, na Alemanha, na Flandres e na longínqua Inglaterra, durante o último século da Idade Média, penetraram também os comerciantes e os navegantes da Sereníssima. Com Portugal, a República teve relações diretas e de alguma intensidade pelo fim do século XV, devido ao tráfego de cana-de-açúcar que a ilha da Madeira produzia em grande abundância. Cada ano, navios portugueses carregados de açúcar chegavam a Veneza. A amizade entre os dois Estados não durou muito, porém. Em 1498, um navio português saqueou uma nave veneziana que se dirigia a Salônica e se apoderou de uma outra de Creta, carregada de vinho, ao aspasso quesuscitava o avanço lusitano, aodos longo da costa caminho marítimo para Índias, o receio justo dirigentes do africana Estado. em busca do

8. PORTUGAL Razões do impulso lusitano para o mar. A formação da nacionalidade portuguesa e a importância de Lisboa. A aparição da Marinha na luta contra os árabes. O comércio português na Idade Média. O desenvolvimento marítimo nos reinados de D. Diniz e D. Fernando. Início da expansão colonial. A obra do infante D, Henrique. Os descobrimentos dos séculos XV e XVI. A formação do Império Colonial. Política colonial portuguesa. A decomposição do Império Colonial Português.

Depois dos vikings, os portugueses foram os primeiros que lançaram as vistas para a imensidade do oceano Atlântico. Diversas causas concorreram para dar a esse pequeno povo uma hegemonia mercantil de caráter colonial. Portugal só aparentemente está ligado ao planalto castelhano, pois ofundo cursodoalto dosEm rioscompensação, peninsulares não é navegável por estiagem e dajuntamente irregularidade leito. a navegabilidade do causa curso da baixo dos rios com do os

 

grandes portos do litoral, deram conexão econômica às regiões ocidentais, de maneira que Portugal constitui um Estado costeiro com interesses marítimos perfeitamente definidos. As aspirações nacionais orientaram-se assim necessariamente para o mar. Por outro lado, no Portugal primitivo, a produção industrial, se se exclui a da marinha de sal, mal bastava às mais elementares necessidades da vida cotidiana. Por escassas que fossem, e de fato o eram, as aspirações de conforto ou de luxo então existentes, só pelo comércio de importação poderiam ser satisfeitas. Em contrapartida, havia excedentes quanto a certos produtos agrícolas, pecuários e apícolas e neles se encontraria natural fundamento de equilibradoras trocas comerciais. Porem só com os progressos da constituição territorial do País essas trocas se estabeleceram em acentuado ritmo, criando-se-lhes então condições adequadas e, como, ao tomarem vulto, elas impunham o uso da via marítima, também só então verdadeira mente se estabeleceu o contato entre o Homem e o Mar na orla do ocidente peninsular em que se instituíra o Estado português. A conquista de Lisboa (1147), transferindo para os portugueses a posse de um porto natural de excepcional valor, abria à expansão comercial portuguesa por via marítima as mais lisonjeiras perspectivas; e a posse de Silves, temporária primeiro (1189-1191), definitiva desde os meados do século XIII, privando os muçulmanos do último dos seus grandes portos ocidentais, bases de ação naval depredadora dos litorais cristãos — consolidou as condições de segurança necessárias àquela expansão. Pode dizer-se que até o fim do século XII não houve marinha da Espanha Ocidental. As lutas de conquista, então feridas, eram-no, exclusivamente por terra, e a imperícia marítima dos cristãos  juntamente com os relativos progressos progressos dos árabes concorria concorriam m para tornar difícil a conserva conservação ção das praças litorâneas conquistadas. Os primeiros dispunham apenas de pequenas lanchas costeiras, enquanto os segundos tinham navios regularmente armados e equipados, com que percorriam toda a costa ocidental, refrescando nos seus portos, abastecendo-os de munições e gente quando estavam cercados e desembarcando amiúde com o fim de talar os campos dos cristãos e cativar os tardívagos ou indefesos. Mas, desde meados do século XII o exame das armas de cruzados, com cujo auxílio Lisboa e depois Alcácer foram tomadas, tinha vindo acrescentar os conhecimentos, demonstrando ao mesmo tempo que sem o império no mar, jamais poderia levar-se a cabo a conquista do sul do reino. A conquista de Constantinopla pelos turcos em 29 de maio de 1453, seguida pouco depois pela da Ásia Menor e da Península dos Bálcãs, acarretou o dano e por fim a supressão do tráfego que as cidades comerciais da Itália, especialmente Gênova, mantinham com os Portos do Bósforo, do mar Negro e do Cáspio. A conquista de Constantinopla marcou o início de um crescente movimento de destruição das vantagens e regalias comerciais que Veneza e Gênova usufruíram de longa data. Tornaram-se dia a dia mais difíceis as relações das colônias italianas estabelecidas no antigo Império Bizantino com as cidades pátrias, não só pelas dificuldades do intercâmbio, como pelas depredações, confiscos e perdas de foros que elas próprias sofriam. Por fim, os descobrimentos portugueses no Atlântico deslocaram as correntes mercantis que cruzavam o Mediterrâneo da Ásia para a Europa. Quando Pedro Pasqualigo, embaixador de Veneza em Lisboa, comunicou que os portugueses tinham achado uma nova rota para as Índias e oferecido especiarias baratas queos os venezianos, esse saber acontecimento desastre público. Emmais consequência, venezianos fizeram ao sultão foi do considerado Egito que seuumpaís e sua

 

religião estavam em perigo e ofereceram-lhe armas e braços para exterminar os recém-vindos. A ajuda veneziana aos camorins hindus não impediu, contudo, o estabelecimento dos portugueses na Índia e noutros pontos do Oriente. Assim, outra das principais fontes da prosperidade da República mudou de explorador. Veneza, provida de uma marinha grandiosa, superior a de qualquer outro Estado, pôde conservar ainda no século XVI um prestígio invejável e uma importância política e comercial incomum. As fontes de sua prosperidade e de seu poderio achavam-se, entretanto, já cortadas, e a decadência processou-se inexoravelmente daí por diante, até o final do século XVIII, quando Napoleão extinguiu o Estado Veneziano. A empresa de Silves, no tempo de Sancho I, vão já navios portugueses. Essa marinha existe nos reinados de Sancho II e de Afonso III, como o provam as expedições marítimas que terminaram pela conquista definitiva do Algarve e as façanhas do lendário Fuas Roupinho. Havia então já um corpo de tropas especiais de embarque e nas terceiras navais se construíam, sob direção de mestres estrangeiros, navios de alto bordo para as frotas militares do rei. A frota de navios grossos que ajudara a tomada de Faro, as fustas, as barcas, as caravelas, as pinaças e as bojudas naus do tempo deviam, em caso de guerra, defender eficazmente o magnífico estuário do Tejo. No tempo de Afonso III, já o poder marítimo português é de tal ordem que os navios vão em socorro à Castela, e o Papa convida os lusitanos a acompanhar as gentes do Norte à cruzada. Livre da ameaça árabe, graças à conquista das principais cidades costeiras e sendo propelidos para o mar em virtude de razões já citadas, o comércio português pôde iniciar seus primeiros passos. Já em 1194 há notícia de ter naufragado um navio português que se destinava a Bruges, e os portugueses são encontrados nos meados do século XII na feira anual de São Demétrio em Tessalônica. Em 1202, João Sem Terra tomava sob sua proteção os mercadores portugueses que fossem residir nos seus domínios. Em 1290, as relações comerciais com a França eram já tão importantes que Filipe, o Belo, concedeu aos mercadores portugueses que frequentavam o porto de Honfleur, importantes privilégios, confirmados depois por vários monarcas franceses que àquele sucederam. Inversamente, os comerciantes estrangeiros começaram a interessar-se por Portugal. Os armadores da Normandia, da Flandres e da Inglaterra já no fim do século XIII demandavam o Tejo para mercadejar. Com o desenvolvimento do comércio, o da marinha, sua servidora, impulsionou por sua vez a indústria de construção naval nas margens do Tejo. Em 1237 e 1260, fazem-se referências muito claras ao arsenal régio e à carreira de construção em Lisboa. O reinado de D. Diniz marca uma segunda era na história da Marinha nacional. Reciprocamente indispensáveis a Marinha Mercante e a Militar, os cuidados do rei administrador dirigiram-se principalmente a fomentar a primeira, cuja importância o tratado de comércio, feito em 1308 com a Inglaterra, acusa. D. Diniz na sua eficiente missão organizadora criou o serviço de recrutamento nas povoações marítimas. As condições de navegação nessa época de pirataria infrene impunham caráter militar à Marinha Mercante, confundindo-se assim as duas marinhas nacionais, cujo incremento levou D. Diniz a criar, em 1307, para sua superintendência, o cargo de Almirante Maior.

 

A obra de D. Diniz foi continuada por D. Fernando, que assistiu ao pleno desenvolvimento de uma potência comercial e marítima. O rei em pessoa era armador e negociante de certos gêneros exclusivos. Criou bolsas de seguros marítimos mútuos, em Lisboa e no Porto, com o produto de uma taxa especial lançada sobre o comércio, instituindo o cadastro ou estatística naval. Reduziu à metade os direitos de importação dos gêneros trazidos por navios nacionais, estabelecendo assim um direito diferencial de bandeira, a cuja sombra se multiplicou o número dos navios mercantes portugueses. Deu, aos que desejassem construí-los, a faculdade de cortar as madeiras nas matas reais. Os cuidados do rei em favor da Marinha Mercante abraçavam também a Marinha de Guerra. A armada que foi bloquear Sevilha (1372) era no dizer do cronista "formosa campanha de ver" e contava trinta e duas galés e trinta naus redondas. Vinte e três meses teve bloqueado o Guadalquivir e retirou-se com a paz. Outra frota quase tão poderosa como essa foi ainda ao Mediterrâneo, na seguinte guerra de Castela, para sofrer o desastre de Saltes (1381). A Marinha foi, pois, uma criação da monarquia e um produto da nação, depois de constituída. O caráter marítimo é histórico, não é primitivo em um povo rural, como o era o português dos primeiros tempos. Desde a reunião das esquadras cruzadas no Tejo para a conquista de Lisboa, desde a introdução dos genoveses, que vieram ensinar a navegar, vê-se começar a formar-se essa nação cosmopolita, destinada à vida comercial, marítima e colonizadora. Toda a atenção administrativa se aplica para o desenvolvimento da navegação e do comércio pelo magnífico porto onde todos navios, viagem dos mares do Norte para o Mediterrâneo, vinham refrescar, desde queosLisboa eraem cristã. O desenvolvimento do comércio, da navegação e de outras atividades correlatas, como não podia deixar de ser, promoveu em Portugal a ascensão da burguesia que até então pouca importância tivera no quadro social da nação. Esta burguesia comercial, rica, ativa, inteligente, não podia deixar de sentir as mesmas aspirações das suas congêneres das restantes nações marítimas da Europa, E a sua influência na gênese da expansão marítima portuguesa não se pode negar. Influência bem poderosa, porquanto é certo que desde meados do século XIV a sua ação política era progressiva. No século seguinte, os reis portugueses já dispunham do instrumento marítimo indispensável a obras mais vastas. Portugal inicia em 1415, conquistando Ceuta, uma obra de expansão com um horizonte tão vasto que em menos geográficos de um século realizou todos oospoder objetivos econômicos da Europa, os conhecimentos e feriu de morte muçulmano no Oriente. Duasduplicou ordens de razões explicam a primazia de Portugal, desde que a expansão ultramarina perdeu a feição de mero tentame, característico dos séculos XIII e XIV: por um lado, a incapacidade das demais nações marítimas; por outro, o grau de aptidão que Portugal atingira. Veneza, Gênova e Aragão, sobre não disporem de recursos financeiros e militares exigidos por uma nação completa e demorada, eram potências mediterrâneas, portanto com uma situação geográfica que as colocava em nível de inferioridade relativamente à expansão por via atlântica. Castela e França estavam a braços com alarmantes problemas políticos e militares de que dependia a sua definitiva constituição territorial. Em Portugal, pelo contrário, tudo se congregava no sentido de tornar viável a obra de expansão com que sonhavam todos os grandes espíritos europeus. A extensão territorial e a independência nacional eram problemas definitivamente resolvidos; Portugal consagrar os seusaesforços outro qualquer Estreita faixa de terrapodia debruçada sobretodos o Atlântico, situação ageográfica e uma empreendimento. remota atividade

 

marítima dos habitantes já de antemão estabeleciam o sentido atlântico da expansão portuguesa. Em meio ao primeiro quartel do século XV, a virtual capacidade portuguesa para a tarefa do descobrimento marítimo foi valorizada pela clarividente e firme intervenção de um homem — o infante D. Henrique, comumente conhecido pelo epíteto de Navegador, não porque largamente tivesse navegado, pois não excederam Marrocos os seus maiores percursos marítimos, mas por se reconhecer que â sua ação decisiva se deveram o início e os primeiros êxitos da expansão ultramarina portuguesa. Fundando a Escola de Navegação e o Observatório, em Sagres, o infante D. Henrique não só proporcionou aos marinheiros portugueses elementos para mais arrojadas investidas contra o oceano, como também sistematizou as expedições marítimas que passaram a ser organizadas em obediência a diretrizes seguras. A bússola, o astrolábio e o quadrante já guiavam as expedições marítimas enviadas anualmente de Sagres pelo Infante a sondar o oceano, ou a descer a costa para o sul. Porto Santo, a Madeira e os Açores foram por esta forma arrancadas às trevas do mar. Com o ano de 1434, abriu-se na história de Portugal um período de sistemáticas explorações marítimas que, lançadas cadencialmente como vagas contra a costa de todo o sul da África, em sessenta e quatro anos rasgara o caminho pelo oceano até à Índia. A primeira que se registra é a de Afonso Gonçalves Balda e de Gil Eanes que, com uma barca e um barinel foram para além do Bojador cerca de cinquenta léguas. Nos anos seguintes, outros exploradores avançaram cada vez mais, para o sul, tendo Nuno Tristão ultrapassado o cabo Branco. A mais baixa latitude geográfica (10ºN) logrou-a em 1446 Álvaro Fernandes, sobrinho do Capital Zarar, a qual, diz Azurara, foi para o sul do cabo Verde cento e dez léguas. Na data da morte do Infante (1460) estavam, por conseguinte, descobertos, reconhecidos, estudados e explorados cerca de dois mil quilômetros de costa para além do cabo Bojador. No reinado de Afonso V, as expedições foram em pequeno número. As campanhas marroquinas desviavam a atenção da conquista do oceano. Todavia, o golfo da Guiné foi reconhecido graças às viagens empreendidas por iniciativa de Fernão Gomes, cidadão de Lisboa. Destacaram-se as expedições de Fernando Pó, Lopo Gonçalves, Rui Sequeira, Diogo Cão e Pero de Sintra, que em 1471, segundo consta, foi o primeiro navegante português a atingir o hemisfério sul. A empresa iniciada pelo infante D. Henrique prosseguiu nas mãos do rei D. João II que tomou a peito descobrir os mundos remotos. O seu poder naval era já tão grande, que o Tejo via com pasmo o famoso galeão de mil tonéis, monstro boiando n'água, eriçado de canhões. Nunca os estaleiros tinham produzido navio tão grande. Mandou o rei aperfeiçoar as bússolas, desenhar cartas marítimas para orientação das rotas, cometendo esses estudos a uma junta que fez as primeiras tábuas de declinação do Sol. As expedições marítimas foram reiniciadas com maiores recursos. Em 1486 Bartolomeu Dias dobrou o cabo da Boa Esperança e em 1498 Vasco da Gama, finalmente chegou a Calicute, na Índia. A ligação marítima imediata entre a Europa e as índias tinha sido conseguida. O encontro dessa rota marítima foi somente o primeiro passo para o verdadeiro fim. A questão mais difícil estava ainda de pé; estabelecer nas costas índicas mediante pacíficas negociações com os chefes indígenas porposição imposição da força,Os pontos detinham apoio para o comércio e adquirir facea dos árabes,ouuma dominante. árabes em seu poder, havia váriosdepois, séculos,emtoda

 

navegação comercial pelo mar Vermelho e do golfo Pérsico até Malaca, depósito principal dos produtos da Ásia Oriental. Era preciso arrebatar aos árabes essa situação de predomínio. Mal Vasco da Gama chegou com as provas do resultado feliz de sua viagem, treze navios se fizeram à vela sob o comando de Pedro Alvares Cabral, levando mil e duzentos soldados para vencer os hindus. Ao demandar o cabo da Boa Esperança, a frota aportou ao litoral brasileiro, acrescendo dessa forma os domínios do rei de Portugal. Na Índia, Cabral recebeu por toda parte votos de amizade e voltou para Portugal carregando riquezas nos poucos navios que haviam escapado às desventuras da expedição. O rei, encorajado por esse primeiro ensaio, equipou quinze navios de alto bordo, sendo confiado o comando a Vasco da Gama. O almirante português reduziu vários estados à condição de tributários, destroçou a frota do samorim de Calicute, e a presa enorme que encontrou nesses navios valeu-lhe uma acolhida entusiástica no regresso. Em viagem posterior, Francisco de Albuquerque obteve consentimento do rei de Cochin para construir o Forte de Santiago e a Igreja de São Bartolomeu. Assim foi colocada a primeira pedra do domínio espiritual e temporal de Portugal no país, domínio que iria durar até 1961. A heróica resistência no Forte Santiago, com Eduardo Pacheco á frente de um punhado de bravos, contra a investida de dezenas de milhares de soldados do samorim consolidou a posição portuguesa na Índia. A partir desse momento, Portugal se considerou senhor dessas paragens. Não satisfeito de retirar ricas mercadorias, enviou Francisco de Almeida na qualidade de Vice-Rei. A prudência e o valor de Almeida foram coroados do mais feliz sucesso. Ele submeteu as tribos dos reis de Quiloa de Mombaça e de outros Estados, construindo também muitos fortes. Lourenço, seu filho, abordou a ilha de Ceilão. A posição e os portos dessa ilha fazem com que ele seja o centro do comércio da África e da China. Nenhum porto é comparável, nesses mares, ao de Trinquemale. O Plano de domínio português acha-se esboçado na carta que o primeiro Vice-Rei, Francisco de Almeida, enviou a D. Manuel. É esse um dos documentos mais importantes da história portuguesa no Oriente. "Toda a nossa força seja no mar", dizia. "Desistamos de nos apropriar da terra. As tradições antigas de conquista, o império sobre reinos tão distantes não convém. Destruamos estas gentes novas (árabes, afegãos, etíopes, turcomanos) e assentemos as velhas e naturais desta terra e costa e depois iremos mais longe. Com as nossas esquadras teremos seguro oqueremos mar e protegidos os indígenas cujo império nome reinaremos de fato sobre a Índia; e português se o que são os produtos dela, oemnosso marítimo assegurará o monopólio contra o turco e o veneziano". Perante a ameaça portuguesa e instigado por Veneza, o sultão do Egito enviou para a Índia, mar Vermelho abaixo, uma numerosa frota de guerra. Porém em Diu, a 3 de fevereiro de 1509, Francisco de Almeida a destroçou, apesar de os egípcios contarem com o concurso de artilheiros italianos. Nos anos seguintes, os portugueses iniciaram uma política de conquista que, graças aos eminentes dotes militares de Afonso de Albuquerque, se traduziu numa série de extraordinários êxitos. Assaltou Goa, na costa de Malabar; depois ocupou as Molucas e após uma desesperada luta apoderou-se da rica cidade de Malaca. À notícia das invencíveis esquadras estrangeiras, estendendo-se dos paísespara litorâneos do oceano de todas as partes, embaixadores ao de longo reis indígenas fazer alianças e Indico tratadose de comércio. Essesacudiram acordos

 

permitiram o estabelecimento de feitorias e a construção de firmes fortalezas para protegerem os comerciantes portugueses. Desse modo, ficou o Extremo Oriente submetido à esfera de interesse da Lusitânia. Mas Albuquerque percebeu, com extraordinária perspicácia que, para aniquilar totalmente a hegemonia mercantil dos árabes (mouros, como diziam os portugueses), era preciso obturar a rota de importância mundial até então, que atravessava o mar Vermelho e o golfo Pérsico. Todos os seus recursos militares fracassaram diante dos muros de Aden, mas no ano de 1515 conseguiu forçar a cidade de Ormuz e, levantando nela uma grande fortaleza, cortou ao comércio arábico a ligação com o Mediterrâneo. Ormuz, Goa e Malaca, os três pontos cardiais do império fundado por Albuquerque no breve período de cinco anos, valiam o domínio em todo o mar das Índias e a vassalagem de todas as costas, desde Sofala, em África, ao cabo de JarHafum; desde Khor-Fakhan, na Arábia, até o golfo Pérsico; desde o Indo até ao cabo Kumari; daí às bocas do Ganges e, descendo pelo Arakan e pelo Pegu, até Malaca com as ilhas dispersas de Madagascar e Sokotra, Anjediva, os arquipélagos de Lakha (Laquedivas) e de Malaca (Maldivas), Sinhala (Ceilão) e Sumatra e Java, Bornéu e as Molucas até os pontos extremos de Banda e Ambon. Decaídos os árabes de sua privilegiada posição de intermediários entre o Oriente e o Ocidente, a corrente de produtos orientais, que da Ásia anteriormente ia para a Europa através do Mediterrâneo, foi encaminhada diretamente para Portugal, seguindo a via marítima. A expansão portuguesa na Ásia continuou no decorrer de quase todo o século XVI, exigindo frequentemente o recurso às armas, o que absorvia grande parte dos recursos do reino. Durante esse tempo, os portugueses mantinham suas pretensões no Marrocos, sustentando diversas guerras, embora de pequena envergadura. Ao mesmo tempo, seus navegantes descobriram várias ilhas no Atlântico Sul, chegaram às costas do Canadá e exploraram quase todo o litoral do nascente da América do Sul. A partir da terceira década desse século também foi iniciada a colonização do Brasil, e Portugal soube defender com indomável energia a posse das novas terras, enfrentando a crescente agressividade de marinheiros ingleses, franceses e holandeses. Num extremo do mundo, seus marinheiros, comerciantes e religiosos chegaram ao Japão e se estabeleceram em Macau, na China; no outro, seus pescadores, ao largo da Terra Nova começaram a retirar dos mares o bacalhau ali encontrado em cardumes imensos e segundo consta auxiliaram o navegante francês Jacques Cartier, nas suas primeiras explorações no Canadá. Assim, os portugueses, que da nãoÁfrica, tinhamos quarenta mil homens sob armas, tremer Impérioà de Marrocos, os Berberes mamelucos, os árabes e todo faziam o Oriente de oOrmuz China, do cabo da Boa Esperança até Cantão, exercendo seu domínio sobre mais de quatro mil léguas, por meio de uma cadeia de empórios e fortalezas. Apesar dos sintomas de decomposição, o império comercial português atingiu, no fim do século XVI, o seu apogeu. As frotas singravam carregadas de preciosidades até os mares do Japão e da China, requerendo o serviço de mais de quatrocentos navios de alto bordo, além de duas mil caravelas e vasos menores. Considerada a obra toda do pequeno reino, convém reconhecer a sua grandeza excepcional em relação às limitações de recursos. Portugal era um pequeno Estado com escassa população e condições econômicas limitadas. Fundando sua expansão política e econômica no comércio marítimo e no império colonial viu-se face a face com as grandes potências marítimas que ambicionavam por igual a implantação de colônias e linhas de comércio oceânicas. Exangue em homens, sem recursos, principalmente devido às funestas campanhas no Marrocos, e tendo perdido a independência para a Espanha após o desastre de Alcácer-Kibir,

 

Portugal não pôde manter a maior parte de seu grandioso império ante à investida cada vez mais pertinaz das novas potências marítimas surgidas na Europa. Enquanto os Países Baixos solapavam o poder lusitano nas Índias Orientais, seja por ações diretas, seja fomentando a rebelião dos indígenas já submetidos, a Inglaterra colaborava na ruína do império português, ajudando em 1622 a Pérsia a reconquistar Ormuz. A Espanha, que se esforçava para proteger suas colônias na América, deixou em pleno abandono as possessões portuguesas. No Brasil, onde  já havia uma populaçã populaçãoo de origem portuguesa relativ relativamente amente numerosa, as investidas holandesas fracassaram, mas na África e no Oriente os empórios e fortalezas lusitanas, que dispunham de limitadas guarnições e com as comunicações precariamente mantidas com a metrópole, foram sendo tomadas uma a uma. Em 1640, Portugal conseguiu sacudir o domínio espanhol. D. João IV, elevado ao trono pelo voto popular, encontrou o reino arruinado por 61 anos de servidão, sem exército, sem navios, sem artilharia. Seguiram-se quase vinte anos de guerras antes que a independência portuguesa fosse formal e definitivamente reconhecida pelas demais potências européias. Os portugueses recobraram o Brasil, mas perderam as Molucas, Cochim, Ceilão, o cabo da Boa Esperança e tudo mais de que os holandeses se haviam apoderado nas Índias Orientais. Por outro lado, já não havia condições nos séculos XV e XVI para serem recomeçadas as aventuras oceânicas. O tempo do valor pessoal havia passado. No lugar das navegações aventurosas estavam estabelecidas linhas de comércio regular controladas por rivais poderosos. Dessa forma, a Holanda e a Inglaterra foram as herdeiras de Portugal.

9. ESPANHA Características do território espanhol. A obra colonial da Espanha. O sucesso das conquistas na América e na Ásia. O Império onde o Sol não tinha ocaso. A dependência as comunicações marítimas e as rivalidades continentais. As guerras contra a Holanda e a Grã-Bretanha: consequências. A perda da supremacia nos mares e lento desmembra mento do vasto império.

A Espanha, com seu planalto extenso cercado de ásperas cordilheiras, é um país nitidamente continental. Os rios caudalosos na época das chuvas e secos no verão, fechados quase sempre por bancos em sua desembocadura, prestam-se pouco à navegação. Também não tem a Espanha bons portos, e mesmo o tráfego pela costa é difícil. Em oposição a Portugal, é, pois, a Espanha um país interior, no qual, ao lado da agricultura, viticultura criação extenso do bicho-da-seda, teve grande importância a indústria pastoril. Além da disso, o país eeradabastante para alimentar

 

devidamente a população, de maneira que esta não sentia necessidade alguma de arriscar-se em empresas ultramarinas para aquisição de novas terras. Embora houvesse ao longo do litoral uma população de arrojados marinheiros, como os de Barcelona e Valência, os quais enfrentaram na Idade Média lutas porfiadas contra as frotas das cidades marítimas italianas, os espanhóis não teriam empreendido, possivelmente, o caminho dos descobrimentos, se um estrangeiro, o genovês Cristóvão Colombo, não lhes tivesse mostrado as rotas do oceano. Desse modo, iniciou a Espanha uma política que não correspondia ao seu caráter continental, na qual, a princípio, o povo não participou de maneira alguma. Não obstante, o recém-fundado império Colonial Espanhol conseguiu adquirir um imenso poder, graças à sua favorável situação geral em relação às novas rotas marítimas. Além disso, os fabulosos êxitos dos primeiros aventureiros excitaram o afã dos demais, fazendo com que fossem realizadas verdadeiras façanhas. Sob o comando de chefes da têmpera de Pinzon, Vespúcio, Cortez, Pizarro, Del Cano, Magalhães, Narvaez, Ayolas, De Soto, Balboa e muitos outros mais, os espanhóis, a partir dos primeiros anos do século XVI, transformaram grande parte do mundo em palco de suas arrojadas expedições de conquista. Embora em pequeno número, esses aventureiros edificaram o maior império colonial do século, conquistando regiões imensas em meio a dificuldades e perigos incontáveis. Sucediam-se as conquistas com tal rapidez, que durante o meio século seguinte quase não passava um ano sem que o Império Colonial Espanhol ganhasse grande território. Duranteo sul essedaperíodo, Espanhaafoi a potência mais importante do mundo.um Abarcavam seus territórios Itália, a aHolanda, Bélgica, a Espanha, Portugal e partes consideráveis da França, toda a América Central e Meridional, a maior parte dos territórios ocidentais e meridionais dos Estados Unidos, as ilhas Filipinas, Madeira, Açores, Cabo Verde, a Guiné, o Congo, Angola, Ceilão, Bornéu, Sumatra, Molucas, com numerosos estabelecimentos em outras terras similares e continentais da Ásia. Nessa época, o exército espanhol era reputado o melhor da Europa. No mar, o prestígio das armas espanholas foi assegurado pela vitória sobre os turcos em Lepanto (1571). Entretanto, a dispersão geográfica dos países submetidos à lei dos Habsburgos foi uma causa de enfraquecimento para a Espanha, considerando que, para realizar a coesão política de suas possessões disseminadas pelo mundo inteiro, ela tinha que ser toda poderosa no mar, o que não foi conseguido, se bem que tentado constantemente. As numerosas guerras que a Espanha sustentou na Europa esgotaram os tesouros tirados do México e do Peru. Por outro lado, essas guerras impediram-na de consagrar suas energias e suas riquezas na manutenção do poderio marítimo que lhe asseguraria o controle dos territórios mais preciosos: os da América e os dos Países Baixos. A Espanha, depois de anexar Portugal, estava quase tão em contato com o mar com a Inglaterra e dispunha, além disso, de uma frota de guerra com tradição naval, mas era frota de galés com escravos por remadores, e as suas tradições eram as do Mediterrâneo. A esquadra que triunfou sobre os turcos em Lepanto, com a tática de Salamina e Actium, não poderia resistir à descarga simultânea de Drake, não poderia atravessar o Atlântico e de pequena utilidade seria na baía de Biscaia e no canal da Mancha. A Espanha possuía, é fato, os seus navios para a navegação oceânica que velejavam ao longo da costa americana ou atravessavam o Atlântico de Cádiz ao Novo Mundo; serviam para levar imigrantes e trazer a prata e o ouro, mas, não sendo navios de guerra, caíram como presa fácil nas garras dos piratas ingleses. Na realidade, a Espanha só começou a construir navios capazes de combater a Inglaterra nas vésperas da deflagração da guerra regular.

 

O momento mais crítico de toda a história da Espanha chegou quando a Armada que enviara contra as costas da Inglaterra sofreu irreparável derrota em 1588; cento e sessenta navios, dois mil e seiscentos canhões, oito mil marinheiros e vinte e dois mil homens de tropas, tal foi a força. Veio o desastre e atrás dele as extraordinárias aventuras que afligiram o resto da frota: tempestades, fome, enfermidades. Menos da metade dos navios conseguiu retornar à Espanha. Se bem que fosse ainda preciso deixar passar três séculos para ver consumar-se a perda de suas últimas colônias, o domínio do seu vasto império colonial achou-se imediatamente abalado por aquele primeiro golpe na hegemonia marítima. Se bem que a Espanha houvesse ainda podido manter grandes frotas até as guerras de Napoleão, nunca mais foi potência verdadeiramente temível. Assim, por falta de um comércio próprio para cimentar, o poder marítimo espanhol, apesar de toda a força política e militar de Felipe e do seu império sobre milhões de indivíduos dispersos por metade do globo, ruiu ante o ataque de um pequeno Estado insular e de algumas cidades rebeldes das planícies lamacentas e das dunas da Holanda. Os espanhóis tinham magníficos soldados, mas para o recrutamento indispensável de marinheiros não dispunham da classe numerosa e enérgica de mercadores e homens do mar particulares, tais como os que eram a riqueza e o orgulho da Inglaterra. Em consequência, permanecendo grande potência em terra,nonão mais possível Espanha competir no mar comdoa Holanda e a Inglaterra. Enfraquecida mar, quefoiserviu de àligação entre as várias partes Império durante dois séculos, tornou-se a Espanha inimiga natural de grande número de potências que se esforçavam em arrancar o pavilhão de Castela das terras conquistadas ou das riquezas extraídas dos novos territórios. Em todas as colônias de alguma importância, foram os espanhóis obrigados a levantar fortificações custosas, a fim de garantir uma proteção relativa contra os ataques de piratas e das frotas das potências inimigas. Embora decadente, a Marinha de Castela não estava, porém, ausente dos mares e soube por mais de uma vez impor-se a seus contendores, como sucedeu ao largo dos Abrolhos por ocasião das invasões batavas no Brasil. A ameaça contra as rotas marítimas, cada vez maior com o decorrer dos anos, obrigou a Espanha a tomar medidas extremas. Todo o tráfego era regulado de maneira a encher as máximas condições possíveis de segurança contra os navios corsários das nações rivais. Uma vez por ano, dos portos de e S.comboios, Lucas partiam dois Frota, comboios navios por navios de Cádiz, guerra. Sevilha Um desses chamado faziadevela paramercantes o México,escoltados e o outro chamado Galeão, se dirigia para a América do Sul. A Frota levava a Vera Cruz as mercadorias destinadas à Nova Espanha. Os galeões destinados ao abastecimento de Caracas, da Nova Granada, do Peru, do Chile desembarcavam suas mercadorias em Cartagena e em Porto Bello. Galeão e Frota reuniam-se em Havana carregados de metais preciosos e dos produtos do México e da América do Sul, e entravam juntos em Cádiz. Os comboios não seguiam cada ano a mesma rota, a fim de evitar o ataque dos navios corsários, e o itinerário era rigorosamente fixado pelo governo central. Todos os mercadores que quisessem exportar mercadorias para as colônias ou importar na Espanha produtos coloniais tinham que se servir das duas frotas armadas pelo Estado. Paralelamente ao declínio da Marinha espanhola, se processou o esfacelamento do outrora majestoso Felipe na II. Europa, Ainda nos séculos e XVII,extra apóspeninsular o desastree da "Invencível Armada" aImpério Espanhadeperdeu, quase todo XVI o território algumas ilhas

 

nas Antilhas. No século XVIII, em consequência da Guerra de Sucessão de Espanha, na qual a frota de Castela sofreu sérias derrotas, Málaga, Gibraltar e a ilha de Minorca, no próprio território metropolitano, caíram sob os golpes da Marinha britânica. A ilha de Minorca voltou, anos após, ao poder da Espanha, graças ao apoio da Marinha francesa, mas Gibraltar até hoje está sob o pavilhão inglês. O progressivo esfacelamento do Império, de onde provinham os principais recursos para o tesouro de Madri, as guerras incontáveis e desastrosas aliadas à infeliz situação social e econômica do próprio território metropolitano colocaram a Espanha no caminho da decadência. A agricultura ibérica, que na Idade Média fora a mais adiantada da Europa, entrou em colapso e por volta de 1700 já mal podia alimentar a população do país. Também as principais indústrias, como a da lã e da seda, minguaram. O período napoleônico trouxe novas desgraças ao vacilante reino. Com indomável energia e ferocidade, o povo espanhol enfrentou a invasão francesa, mas enquanto sustentava a luta heróica, a maior e melhor parte do seu vasto Império Colonial alcançava a liberdade. Em consequência, a população declinou, e a miséria espalhou-se. Até a segunda década do século XIX, quase todas as colônias da América Central e do Sul se haviam separado do Governo de Madri. No decorrer do século XIX, a Espanha deixou de ser uma grande potência. Sua população pouco havia crescido em confronto com a dos demais países europeus. Desprovida de recursos naturais, não pôde a nação ibérica acompanhar o ritmo acelerado da revolução industrial processado noutros países da Europa. Não dispondo de colônias ricas, sem indústria de vulto, sem outros recursos internos que permitissem o desenvolvimento comercial, dilacerada por graves dissensões internas, a Espanha era uma sombra do que fora. Em 1898, depois das derrotas navais de Manilha e Santiago, a Espanha foi obrigada a concluir a infeliz guerra contra os Estados Unidos, perdendo Cuba, Porto Rico e as Filipinas.  

10. HOLANDA O ambiente geográfico. A importância da pesca. O desenvolvimento do comércio marítimo e a posição propícia do país. A supremacia mercantil holandesa da Rússia ao Mediterrâneo. O avanço para as índias Orientais e para a América. A luta contra Portugal e Espanha. As grandes companhias de Comércio. O império Colonial Holandês, O apogeu do Poderio batavo. A rivalidade britânica. As guerras anglo-holandesas do século XVII. A rivalidade francesa. O declínio holandês nos mares.

 

Os estuários dos rios flamengos ofereciam na Idade Média portos naturais ideais, pois penetravam profundamente nas terras e eram acessíveis aos grandes navios da época, permitindo, ao mesmo tempo, aos pequenos barcos avançar bem longe no interior. As condições naturais do país eram, portanto, propícias ao desenvolvimento das cidades comerciais, e já durante o reino de Carlos Magno, sob a influência de uma situação política estável, podia-se prever o incremento que tomariam mais tarde nos Países Baixos as manufaturas e o comércio de lã. A criação do Império de Carlos Magno e sua extensão até o Elba mudaram a posição geográfica relativa dos Países Baixos e os tornaram eminentemente próprios ao comércio. As regiões em torno do Reno, do Mosa e do Escalda Inferior ocupavam daí por diante não mais uma posição terminal ou fronteiriça como haviam ocupado sob os romanos, mas uma posição central, no interior do Império Carolíngio. O desenvolvimento econômico precoce dos Países Baixos foi paralisado pelas invasões normandas e pelo esboroamento do Império Carolíngio, Os rios que facilitavam o tráfego facilitavam também a entrada dos normandos que no decorrer do século IX destruíram numerosas cidades e levaram suas devastações ao Sul, até o Artois e a Picardia. Depois de cessadas as incursões dos homens do Norte, as cidades dos Países Baixos desenvolveram as indústrias têxteis, e a população do país adensou-se. A prosperidade das cidades dos Países Baixos foi incrementada no decorrer do século XV por um estranho fenômeno. Com efeito, entre 1417 e 1425 os cardumes de arenque desapareceram do Sund. Por razões ainda desconhecidas, os arenques cessaram de fugir do mar do Norte. Qualquer que tenha sido a razão dessa mutação, ela teve efeitos marcantes, pois constituiu perda sensível para as cidades hanseáticas, principalmente para Lübeck, e foi um ganho notável para os holandeses. A descoberta do processo de secar o peixe forneceu aos holandeses matéria para exportação bem como para o consumo interno e veio a constituir a pedra angular de sua riqueza, Para a Holanda como para Veneza a pesca junto à indústria e ao comércio de peixe salgado e seco marcou o estágio inicial de sua carreira marítima e comercial. O mar do Norte, pouco profundo, oferecia colheitas mais ricas que as terras baixas e mal drenadas das planícies da Flandres. Os barcos flamengos a explorar as localidades vizinhas às ilhasprocurou Faroe e eà encontrou Groenlândia, trazendo arenque empassaram quantidade crescente. Numa palavra, a Holanda recursos no mar e não somente tornou-se com Bruges, na Idade Média, um centro internacional da navegação e da finança, mas também, como Veneza, uma grande potência naval. A luta vitoriosa para a libertação do jugo espanhol favoreceu a criação de um Estado forte consciente da importância do mar na vida nacional. Se já antes, pelo ocaso do poder mundial espanhol, os holandeses eram vizinhos incômodos, converteram-se depois da Guerra da Independência em adversários triunfantes que, protegidos pela força política de seu Estado naval, orientavam todos os esforços no sentido de conseguirem a máxima grandeza para seu comércio. Não se contentaram eles em abalar totalmente o comércio hanseático para o Ocidente, mas com singular atrevimento avançaram para o verdadeiro domínio da Hansa, o Mar Báltico, reduzindo nele, cada vez mais, a influência das cidades alemãs. Mais tarde, favorecidos por uma posição geográfica entre o Báltico, França, o Mediterrâneo a foz dos riosfim alemães, os holandeses intermediária absorveram rapidamente quasea todo o tráfego comercial eeuropeu, e, no do século

 

XVI, Espanha e Portugal, não menos que Veneza e as Cidades Hanseáticas, viram-se despojadas da maior parte de seus transportes marítimos pelos atrevidos marinheiros e comerciantes batavos. A Holanda procurou em primeiro lugar satisfazer as necessidades dos países marítimos mais próximos situados a leste e a oeste, trocando madeiras e cereais que produziam uns, por sal e vinhos que produziam outros. O arenque seco, os mercadores batavos transportavam para as embocaduras de todos os rios vindos do Sul, desde o Vístula até o Sena, e ao longo do Reno, do Mosa, do Escalda. Seus navios iam procurar lã em Chipre, seda em Nápoles e, da Noruega, traziam uma grande parte da madeira necessária à construção de seus barcos. Das planícies da Prússia e da Polônia e mesmo da Rússia, eles traziam o linho e sobretudo os gêneros alimentícios que constituíam um artigo de importância indispensável, visto o solo da Holanda só poder então, segundo uma autoridade competente da época, alimentar um oitavo de seus habitantes. Se bem que os holandeses se tivessem assenhoreado de uma grande parte do comércio europeu, não tiraram menor proveito e o melhor de suas glórias nas suas relações com as Índias Orientais. A indiferença dos portugueses em primeiro lugar e em seguida a dos espanhóis pelo transporte e venda das especiarias nos mercados europeus, permitiu aos mercadores flamengos e holandeses dele se apoderarem. As medidas proibitivas adotadas por Felipe II para aniquilar a navegação e o comércio das Províncias do Norte e em particular da Holanda, que tinha sido colocada à frente da nova confederação republicana (1609), feita longepeladeEspanha enfraquecer o inimigo, estimulou-lhe resistência e a agressividade. A interdição aos navios holandeses de entrar ema seus portos colocou os mercadores da nova confederação em situação precária, visto a interdição impedi-los de se aprovisionarem de especiarias e de produtos coloniais. A Holanda foi portanto, obrigada a enfrentar contra a Espanha uma luta de morte. De todos os atos hostis que a Holanda dirigiu contra a Espanha, a empresa nas Índias foi a que mais assustou o rei e a nação e a que feriu mais fundo, imprimindo por outro lado, poderoso desenvolvimento aos Países Baixos. Os primeiros mercadores holandeses que no declinar do século XVI atingiram Java e as Molucas, depois de terem violado por intermédio de Cornelius Hontmann o segredo da rota marítima, limitaram-se a obter dos príncipes locais, em troca de produtos mais baratos do que os vendidos pelos portugueses, as reduções dos direitos alfandegários e a concessão ao longo da costa, para instalar depósitos, representações etc. com o fim de criar uma corrente de atividade comercial baseada na atroca de produtos nacionais importados pelos mais nesse procurados Oriente. Nessa época, autoridade governamental nãoouinterveio suficientemente setor, edoo tráfego marítimo foi confiado a numerosas companhias privadas que se tinham constituído nos diversos portos da Holanda e que armavam frotas de comércio e de guerra para as necessidades de seus negócios e para a luta contra os portugueses na Índia. Para eliminar os perigos da concorrência recíproca e para resistir energicamente aos espanhóis e portugueses, procedeu-se a fusão das diversas sociedades numa só companhia, constituída em 1602, sob o nome de Companhia Holandesa das Índias Orientais, com o capital inicial de cerca de sete milhões de florins. A Companhia recebeu do Estado o privilégio, para um período de vinte anos, do pleno controle sobre a navegação e o tráfego com o Oriente. Por seu lado, ela se dedicou a armar os navios, a combater os inimigos, a contratar aventureiros para o serviço, a redigir tratados, a criar empórios e estabelecimentos financeiros nas Índias. Na época de maior atividade bélica contra os portugueses e espanhóis, a Sociedade chegou a ter uma esquadra de cento e oitenta navios de trinta a sessenta canhões, guarnecidos por doze a treze mil homens.

 

Depois da criação da Companhia das Índias Orientais, a atividade comercial holandesa se fez cada vez mais eficiente. O Almirante Warwick, verdadeiro fundador das colônias holandesas no Oriente, fazendo-se a vela com quatorze navios para aquelas paragens onde a frota portuguesa não o podia enfrentar, fortificou no território do rei de Johor, em Java, um empório que dispunha de uma baía abrigada, e fez aliança com vários príncipes de Bengala. Novos empórios foram criados nas costas do Malabar, em Sumatra e Amboina o que permitiu aos holandeses tornar efetiva a concorrência dirigida contra portugueses e espanhóis. Os antigos estabelecimentos emais os primeiros empórios transformavam-se, pouco a pouco, em núcleos de ocupação militar. Foi procedida depois a conquista direta dos territórios. O socorro prestado pelos holandeses ao imperador de Mata valeu-lhes, pouco a pouco, a posse de toda a ilha de Java, e, em 1641, a aliança com o rei de Atch serviu para tomar aos portugueses Malaca e as mais importantes ilhas de especiarias. A luta se prolongou na costa de Malabar onde os portugueses tinham raízes mais fortes, mas os holandeses acabaram por triunfar e se apoderaram de Cochim, de Cananor e de Ceilão (1656). Já nos meados do século XVII, as costas e ilhas do oceano Índico achavam-se praticamente submetidas ao pavilhão holandês. Assim, a Companhia das Índias Orientais, depois de se ter enriquecido com os despojos do Império Colonial Português, estendeu suas conquistas até o arquipélago de Sunda, estabelecendo o centro de seu domínio entre a Ásia e a Austrália. A ilha de Java, e em particular o porto de Batávia, se encontrava na confluência das rotas marítimas do Oriente. Quase todo o tráfego exercido pelos árabes, hindus e chineses ficou assim submetido ao controle holandês. Os comerciantes holandeses penetraram com facilidade no Japão, onde foram bem acolhidos e substituíram os portugueses já ali estabelecidos havia várias décadas. Também na ilha de Formosa se estabeleceram os ousados traficantes batavos. Com a ocupação do cabo da Boa Esperança (1652), transformado em ponto de apoio e em escala para as frotas comerciais e de guerra em caminho das colônias da Ásia e Austrália, os holandeses tornaram-se senhores absolutos das rotas marítimas do Oriente, conseguindo centralizar em suas mãos quase todo o monopólio do tráfego de especiarias. As expedições holandesas na América não foram coroadas de tão brilhante sucesso; entretanto, elas voltavam sempre com rico saque feito sobre espanhóis ou portugueses. O maior triunfo no gênero a captura por Pietere Hein Méxicofoi e carregados de prata ouro. em 1628 de uma frota de galeões espanhóis procedentes do De forma semelhante à sua congênere das Índias Orientais, a Companhia das Índias Ocidentais, formada em 1611, para responder às necessidades de guerra e da luta comercial contra a Espanha, conseguiu conquistar algumas ilhas nas Antilhas e os portos de Recife e Olinda na costa brasileira. No Brasil, contudo, a Companhia enfrentou uma guerra quase perene em face da hostilidade dos habitantes de língua portuguesa, o que lhe consumiu grande parte dos lucros. A resistência brasileira obrigou a Companhia a abandonar o solo sul-americano depois de menos de vinte e cinco anos de precário domínio. A principal fonte de renda da Companhia das Índias Ocidentais ficou sendo o ataque à navegação espanhola e à portuguesa. Ela despendeu entre 1623 e 1636 quatro milhões e quinhentos quinhentos e quarenta navios cuja mil cargalibras valia para cercaequipar de seis oitocentos milhões de navios, libras. Amas essaaprisionou soma cumpre juntar três milhões

 

resultantes da pilhagem e saque contra os portugueses. Também na América do Norte, procuravam os batavos se estabelecer e, ao longo do território atualmente compreendido entre Nova York e Nova Jersey, surgiram numerosas colônias holandesas que tiveram por centro comercial a cidade de Nova Amsterdam (atual Nova York). Dessa forma, no fim do século XVI e no começo da segunda metade do século XVII, a Holanda, graças às conquistas de suas principais Companhias, formou um vasto domínio colonial que lhe permitiu controlar as rotas marítimas do oceano Indico e do Atlântico. Foi o apogeu da Holanda. A Holanda tornara-se a Fenícia dos tempos modernos. As manufaturas de fazendas, tecidos de linho etc., que empregavam seiscentas mil almas, abriram novas fontes de ganho ao povo, anteriormente limitado ao comércio do queijo e do peixe. A pesca apenas já os havia enriquecido. O arenque salgado alimentava cerca de um terço da população da Holanda, sendo sua produção de trezentas mil toneladas de peixe salgado que rendiam mais de oito milhões de francos anualmente. O poderio naval e comercial da República desenvolvera-se rapidamente. Só a frota mercante da Holanda tinha dez mil velas com cento e sessenta e oito mil marinheiros e sustentava duzentos e sessenta mil habitantes. Os portos, os golfos, os braços de mar holandeses estavam cobertos de navios, e todos os canais do interior do país pululavam de embarcações. Dizia-se, exagerando, que havia na Holanda tanta gente habitando sobre as águas como sobre terra firme. Contavam-se duzentos grandes e trezentos médios navios, tendo por porto principal Amsterdam. Uma floresta sombria e espessa de mastros avançava até a cidade. Nessas condições, Amsterdam tinha alcançado, com efeito, uma importância extraordinária. No espaço de trinta anos, a cidade experimentou por duas vezes aumentos consideráveis. Uma viagem às Índias era coisa corrente. Aprendia-se a navegar com qualquer vento. Cada casa era uma escola de navegação; por toda parte havia cartas náuticas. Entretanto, situadas entre a França e a Inglaterra, foram as Províncias Unidas, depois que se libertaram da Espanha, constantemente envolvidas em guerras, ora contra uma, ora contra outra. Essas guerras exauriram suas finanças, aniquilaram sua Marinha e causaram o rápido declínio de seu tráfego, das manufaturas e do comércio. Primeiramente a Holanda se viu envolvida numa série de guerras contra a Inglaterra. Desde muito tempo a prosperidade britânica nos oceanos fazia prever um conflito entre as duas potências marítimas. O "Ato de Navegação" de Cromwell tornou o conflito inevitável. Com esse Ato Inglaterra procurou o monopólio do transporte marítimo para a América, Ásia e África, sóapermitindo às demaisobter nações usar seus navios nessas rotas marítimas para a condução de seus próprios produtos, sob pena de confisco e captura. A Holanda não podia aceitar essa medida sem protestar, pois era ela a grande intermediária no comércio de especiarias orientais. Estalou imediatamente a guerra. A primeira guerra, embora desfavorável aos Países Baixos, não foi decisiva. Como resultado dela, que durou justamente um ano e onze meses (1653-54), os ingleses afirmam ter sido vitoriosos em cinco ações gerais e ter capturado mil e setecentos navios avaliados em seis milhões de libras, enquanto os holandeses capturaram apenas um quarto desse total. A excessiva dependência às rotas marítimas foi desastrosa para os holandeses. O alimento, as vestimentas, o material para confecção de suas manufaturas, muita madeira e cânhamo com que construíam e equipavam seus navios eram marítimos importadostinham exclusivamente via marítima. atingir a guerra dezoito meses, os negócios cessado. Asporprincipais fontes Ao de

 

recursos do Estado, como a pesca e o comércio, nada rendiam. As oficinas pararam, e o trabalho foi suspenso. O Zuyder-Zee tornou-se uma floresta de mastros, o país se encheu de ruínas, e o capim cresceu nas ruas de Amsterdam. Era a consequência inevitável da perda do domínio do mar. Os mais brilhantes almirantes batavos e ingleses do século surgiram nessa guerra: Tromp e de Ruyter de um lado; Blake e Monk de outro. Dez anos de paz restabelecera, em parte, a prosperidade holandesa, e por conseguinte as razões de atrito com a Inglaterra. Em breve, rompeu a Segunda Guerra Anglo-Holandesa que, como a precedente foi exclusivamente marítima e teve as mesmas características gerais. Três grandes batalhas foram travadas: a primeira, ao largo de Lowestoft; a segunda, conhecida como Batalha dos Quatro Dias, no Estreito de Dover; a terceira, ao Jargo de North Foreland. Na primeira e na última delas, os ingleses conseguiram um sucesso decisivo; na segunda, a vantagem ficou com os holandeses. Apesar da Segunda Guerra Anglo-Holandesa marcar mais uma etapa de ascensão marítima da Grã-Bretanha em detrimento dos Países Baixos, não significou a desaparição nos oceanos dos navios batavos. Em 1666, a tonelagem mundial da Marinha Mercante orçava por dois milhões de toneladas, das quais 900 mil cabiam à Holanda, 500 mil à Grã-Bretanha, 250 mil a Hamburgo, Dinamarca, Suécia e Dantzig e 250 mil à Espanha, Portugal e Itália. O comércio europeu não podia ficar, dessa forma, privado repentinamente dos navios batavos. Após uma trégua de sete anos, a guerra recomeçou, tendo a Holanda que enfrentar o poderio combinado anglo-francês durante dois anos (1672-74). De Ruyter alcançou então a vitória de Solebay. Três batalhas navais tiveram lugar em 1673, todas próximas à costa das Províncias Unidas: as duas primeiras, ao largo de Schoneveld, e a terceira que ficou conhecida como a batalha de Texel. Nenhuma delas foi decisiva. A batalha de Texel fechando a série de guerras em que os holandeses e ingleses lutaram de igual para igual pela posse dos mares, viu a Marinha holandesa na mais alta eficiência, e seu maior expoente, de Ruyter, no cume de sua glória. Mas o poder, sendo relativo, mostrava, por outro lado, que a balança estava pendendo pouco a pouco para o lado britânico. Com notável perspicácia os estadistas ingleses perceberam a mudança de pesos nos pratos da balança do poder. A Holanda não era o fator de maior peso, mas a sombra crescente da França, unida, populosa e sob ajáadministração eficiente de Colbert e asim ambição de Luiz XIV. Os ingleses, com realismo, firmaram a paz com os Países Baixos, paz essa que não mais foi perturbada. A retirada da Inglaterra, que ficou neutra durante os remanescentes quatro anos de guerra, necessariamente tornou o conflito menos marítimo, O teatro de operações navais transferiu-se para o Mediterrâneo, onde os holandeses, dessa feita aliados aos antigos inimigos espanhóis, enfrentaram o recém-criado poderio marítimo da França. Contudo, a esquadra francesa, sob o comando de Duquesne, foi vitoriosa em Stromboli e em Agosta. Na última dessas batalhas, de Ruyter encontrou a morte. No decorrer dessa guerra o comércio marítimo holandês, depredado pelos piratas franceses, sofreu pesadamente, perdendo, inclusive, indiretamente, a preferência dos países estrangeiros que passaram a dar preferência ao transporte feito por pavilhões neutros. Quando, finalmente, os ataques denação Luiz XIV forçaram a Holanda a consagrar a suanariqueza energia à defesacomercial. do próprio solo, essa decaiu gradualmente perante a Inglaterra, corridaepela hegemonia

 

A guerra de Sucessão da Espanha (1702-13) virtualmente eliminou as Províncias Neerlandesas da esfera de alta política. Em verdade elas eram aliadas da Grã-Bretanha e, portanto, do lado vitorioso na guerra. Entretanto, os esforços que haviam sido obrigados a despender, quer em terra como no mar, exauriram-nas completamente. Suas contribuições em navios, homens e dinheiro declinaram continuamente até a paz de Utrecht, quando então só dispunham de influência negligível. Os ganhos nesse tratado foram quase nulos. Mas se o visível declínio das Províncias Unidas data da potências paz de Utrecht, o declínio real começara antes. A Holanda deixou de ser citada entre as grandes da Europa Sua Marinha não seria no futuro um fator militar na diplomacia, e seu comércio também acompanhou a decadência geral do Estado. Até o final do século XVIII, a Marinha Mercante dos Países Baixos ainda se manteve como a maior em tonelagem da Europa, mas pouco a pouco foi cedendo lugar à britânica, que era amparada pela política segura do Governo de Sua Majestade e pelos canhões do Royal Navy. Assim, como a Holanda fora a herdeira do comércio marítimo hanseático, português e espanhol, a Grã-Bretanha foi a herdeira do comércio batavo.

11. GRÃ-BRETANHA Importância do mar para a Grã-Bretanha. Feição rural das primitivas sociedades inglesas. Importância crescente das populações marítimas. A Guerra dos Cem Anos. A criação da Royal Navy. O descobrimento da América e seus efeitos econômicos na Grã-Bretanha. As classes comerciais e sua influência na política externa do país. A ação combinada do Estado e das classes mercantis. O reinado de Isabel l. A guerra contra a Espanha. As Companhias de Comércio. Londres como centro político e mercantil. A expansão inglesa na América e nas Índias Orientais. Primeiros atritos com os holandeses. O reinado de Jaime I. O Ato de Navegação durante a Ditadura de Cromwell. A luta contra os Países Baixos. A supremacia comercial britânica. As sete guerras contra a França. A supremacia absoluta do século XIX. A Revolução Industrial. A ameaça germânica. As duas Guerras Mundiais. Situação presente.

A Grã-Bretanha teve sempre seu destino ligado ao mar e aos portos e rios que desde os tempos primitivos abriram suas regiões interiores ao que procedia do oceano. Assim, muito antes que aspirasse dominar as ondas, a elas esteve sujeita. Dos povoadores iberos e celtas aos saxões e dinamarqueses, dos comerciantes pré-históricos e fenícios aos senhores romanos e normandos, sucessivas vagas de colonos guerreiros, os mais enérgicos homens do mar, agricultores e traficantes da Europa vieram pelas águas para habitar a Ilha ou para insinuar os seus conhecimentos e espírito aos antigos habitantes. Entretanto, os primeiros povos que habitaram a

 

Grã-Bretanha não se notabilizaram no mar. A Inglaterra vivia então da agricultura e do pastoreio. Seus homens eram pastores e fazendeiros antes que mercadores ou marinheiros, e antes da conquista normanda, por longo tempo, nem o Estado nem a Marinha insular estiveram habilitados a defender a Ilha. Exceto quando protegida pelas galés e legiões romanas, a antiga Grã-Bretanha esteve, portanto, particularmente exposta à invasão. Mas, se invadir a GrãBretanha era extraordinariamente fácil antes da conquista normanda, tornou-se extraordinariamente razãopodia é clara. Um Estado bem organizado, com um povo unido em terra e umadifícil força depois. naval noAmar, defender-se por detrás do Canal contra qualquer superioridade militar. Assim, nos tempos antigos, a relação da Inglaterra com o mar foi passiva e receptiva; nos tempos modernos, ativa e adquiridora. Num e noutro caso é a chave de sua evolução. Nos séculos seguintes à conquista normanda, embora permanecesse a Inglaterra um país sobretudo agrícola, o adensamento progressivo de uma população de pescadores, marinheiros e mercadores nos magníficos e inúmeros portos marítimos e fluviais começou a revelar a futura tendência do povo da Ilha. Essa classe aumentou em prestígio e em riqueza, primeiro em consequência das Cruzadas e depois em virtude da Guerra dos Cem Anos. No decurso da longa série de conflitos com a França nos séculos XIV e XV, é curioso observar, tão cedodonapaís. história, que os tinha principais traços da dasupremacia política inglesa já na aparecem impostos pela situação A Inglaterra necessidade no mar, falta da qual não podia continuar o comércio, nem enviar tropas ao continente, nem se manter em ligação com as tropas  já enviadas. Enquanto a superiori superioridade dade naval foi mantida, a Inglaterr Inglaterraa manteve-s manteve-see em solo francês, graças à ligação constante com seus exércitos desembarcados no continente. Todavia, as comunicações foram perturbadas várias vezes pela investida de marinheiros gauleses, e a reação de um país populoso como a França obrigou, no fim da longa luta, os ingleses a se retirarem. De qualquer forma, o solo britânico se viu a salvo dos ataques inimigos, a não ser das suas rápidas e pequenas investidas. A verdadeira expansão marítima inglesa começou, porém, mais tarde e pode ser datada da criação da Marinha Real. Na realidade, a Inglaterra, 1485, era manufatura ainda um país pastoril.mas A fonte principal riquezas derivava não da construçãoem naval ou da de têxteis, de fazendas de de ovelhas, do crescimento da lã. Os principais mercados para esses produtos eram as ricas cidades dos Países Baixos no estuário do Reno. Durante a Guerra dos Cem Anos, o canal da Mancha fora defendido, na medida do possível, pelos combativos marinheiros da frota mercante, lutando, por vezes, separadamente como piratas, por vezes como em Sluys, sob comando nomeado pelo rei. Henrique V começara a construir uma esquadra real, mas a sua obra não passara dos primórdios e foi posteriormente descontinuada. Henrique VII encorajara a Marinha Mercante; no entanto, não armou uma frota exclusiva mente para fins de guerra. Coube a Henrique VIII criar uma armada efetiva de navios reais de combate, com estaleiros reais em Woolwich e Deptford; fundou também a corporação da Casa da Trindade. A política marítima de Henrique VIII teve importância dupla. Não só criou navios especialmente e apetrechados o combate em serviço nacional,aperfeiçoado. como também os seus arquitetostripulados navais planejaram muitos para desses navios segundo um modelo Eram

 

veleiros melhor adaptados ao oceano do que as galés a remos das potências mediterrâneas, e melhor adaptados à manobra em batalha do que os navios redondos do tipo medieval, a bordo dos quais navegavam os mercadores ingleses, e os espanhóis atravessavam o Atlântico. Ao mesmo tempo, o descobrimento da América veio incentivar a atividade comercial da Inglaterra. As Ilhas Britânicas tinham sido, durante a Idade Média, um setor marginal relativamente pouco importante do mundo civilizado; um país conhecido, no máximo, como fornecedor de lã ou de estanho, É verdade que já se achavam nas Ilhas as premissas geográficas de seu poderio ulterior; os magníficos portos marítimos e abundantes portos fluviais, aos quais, durante a maré alta, podiam chegar as embarcações de maior calado; a técnica perfeita, a experiência naval que os habitantes da costa tinham adquirido em sua luta contra os elementos e, sobretudo, a esplêndida posição marítima, a coberto dos ataques do continente e a posição mercantil posteriormente tão elogiada entre os Estados mais progressivos da Europa e as terras virgens das colônias americanas. Gradualmente, durante os reinados Tudors, os ingleses perceberam que a sua remota posição insular se modificara e passara a ponto central, dominando com vantagem as modernas rotas de comércio e de colonização. O poder, a riqueza e a aventura os esperavam no longínquo termo de viagens oceânicas fabulosamente longas. A luta pela supremacia comercial e naval sob as novas condições se travaria entre a Espanha, a França se e atornara Inglaterra; todos esses países estão voltados para oclaramente oceano Atlântico, que subitamente o principal centro de comunicações do mundo, e cada um deles encontrava-se em processo de unificação sob um Estado moderno, com consciência étnica agressiva e sob uma monarquia poderosa. Dessa forma, dos tempos Tudors em diante, a Inglaterra tratou a política européia simplesmente como um meio de firmar a sua própria segurança face à invasão e de levar avante os seus planos ultramarinos. A sua insularidade, convenientemente aproveitada, deu-lhe imensa vantagem sobre a Espanha e a França na concorrência marítima e colonial. Com a sua configuração estreita e irregular, com uma linha de costa grandemente recortada, por fim em paz com seu único vizinho terrestre, a Escócia, bem fornecida de portos, grandes e pequenos, apinhados de marinheiros e pescadores, o Estado encontrava-se sujeito à influência e às idéias dos homens de comércio e da armação naval, que formavam uma única classe com as melhores famílias provinciais condados Dado quedos nenhum ponto na Inglaterra se situa a mais de setenta milhasnos da costa, umamarítimos. elevada proporção seus habitantes tinha algum contato com o mar, ou pelo menos com as populações marítimas. Acima de tudo, Londres está sobre o mar, ao passo que Paris está no interior e Madri fica o mais distante possível da costa. Por conseguinte, na Inglaterra, embora a população total fosse pequena em comparação com a francesa ou a espanhola, havia uma grande comunidade marítima acostumada há séculos a sulcar as tempestuosas vagas do mar no Norte. Em breve, os representantes da comunidade marítima inglesa começaram a estender o raio de ação de suas atividades, já agora contando com a proteção da Marinha de Guerra Real, construída e armada segundo princípios modernos, e que dava apoio profissional aos esforços guerreiros de mercadores e piratas particulares. A fim de encontrar saída para a nova manufatura têxtil, os mercadores aventureiros da Inglaterra, desde o princípio do século XV, procuraram vigorosamente novos mercados na Europa, não sem o constante derramar de sangue, por mar e por terra, numa época em que a pirataria era tão geral que dificilmente podia ser considerada desonrosa e em que os privilégios comerciais eram

 

frequentemente recusados e conquistados ao gume de espada. Com o fito de aproveitar uma situação vantajosa, foram fundadas, com o apoio da Coroa, várias companhias de comércio, e naturalmente a Marinha Mercante inglesa teve forte impulso. Assim, de 76 navios com mais de cem toneladas, que a Grã- Bretanha dispunha em 1560, o número subiu a 177 em 1582, quase todos pertencentes às quatro principais companhias: a das Índias, a do Levante, a de Moscou e a da Guiné. Lado a lado com as mais guerreiras empresas de Drake, roubando aos espanhóis e abrindo o comércio com as colônias pela força dos canhões, também houve muito tráfego de caráter mais pacífico na Moscóvia, na África e no Levante. No entanto, era impossível traçar uma clara linha divisória entre os comerciantes pacíficos e os guerreiros, porque, por seu lado, os portugueses atacavam todos os que se aproximavam das costas africanas ou indianas. Não raras vezes, na costa africana, repercutiu o estrépito da batalha entre os contrabandistas ingleses e os monopolizadores portugueses, e, para o fim do reinado de Isabel, os mesmos ruídos começaram a quebrar o silêncio dos mares indianos e do arquipélago malaio. Um combate naval com um pirata ou com um rival estrangeiro constituía incidente inevitável na vida do mais honesto comerciante, quer em tempo de paz, quer em tempo de guerra. Em Londres, formaram-se companhias para suportar as despesas e os riscos das necessárias hostilidades; Rainhaonde passou-lhes cartas denavios concessão diplomática e militar para o outro lado doaglobo, nunca chegaram do reideouautoridade embaixadores reais. Os comerciantes ingleses, viajando para aproveitar as suas oportunidades legais, foram os primeiros a representar o país na corte do Czar, em Moscou, e do Mogol, em Agra. Os comerciantes isabelinos não hesitavam também em atravessar o Mediterrâneo, apesar da guerra com a Espanha. A Companhia do Levante comerciava com Veneza e as suas ilhas gregas, e com o mundo muçulmano mais para além. Dado que os inimigos navais eram os venezianos e os espanhóis, o Sultão acolheu bem os heréticos ingleses em Constantinopla. Mas na rota até aí tinham que se defender das galés espanholas, próximo do estreito de Gibraltar e dos piratas da Barbaria, ao longo da costa argelina. Tais foram os princípios do poder marítimo inglês no Mediterrâneo, se bem que não fosse antes dos tempos Stuarts que a Marinha Real seguiu até onde a frota mercantil travara já tantas batalhas. A guerranoentre Espanha contra e a Inglaterra, tanto tempo enfim em 1587. Felipe II enviou, anoaseguinte a Grã-Bretanha, umaadiante, grandeeclodiu esquadra, a Invencível Armada, conduzindo um exército de vinte e dois mil homens que deveria ser reforçado pelos terços espanhóis estacionados nos Países Baixos. Os números das duas esquadras chefiadas, respectivamente, por Howard e pelo Duque de Medina Sidônia não eram desiguais. Os ingleses, combinando a Marinha Real com a Marinha Mercante armada, dispunham de esmagadora superioridade de canhões bem como de arte náutica e arte de artilharia. Os espanhóis só eram superiores em tonelagem de navios secundários e em soldados que alinhavam no convés, mosqueteiros e piqueíros, esperando em vão que os ingleses se aproximassem, segundo as antigas regras de guerra naval. Mas os ingleses preferiam o duelo entre a artilharia e a infantaria, a distância, por aquela escolhida. Não admira por isso que a esquadra espanhola sofresse terrível estrago, ao passar pelo Canal, Já desmoralizados ao chegarem à baía de Calais, manobraram mal os navios, em face dos barcos de fogo de Drake, e fracassaram em todas as tentativas de embarcar o exército do Príncipe de Parma que os aguardava.

 

Depois de outra derrota, em grande batalha diante de Gravelines, os espanhóis deveram a uma mudança de vento escaparem de total destruição nos baixios arenosos da Holanda; os navios correram enfunados pela tempestade, sem provisões, sem água e sem abrigo, à roda das costas penhascosas da Escócia e da Irlanda. Os ventos, as vagas e as rochas do remoto noroeste completaram muitos naufrágios começados pelo canhão no canal da Mancha. Os grandes navios, às fornadas de dois e de meia dúzia ao mesmo tempo, amontoaram-se nas costas onde os homens das tribos célticas, que tudo essa ignoravam nada se preocupavam comregiões, as lutas dos povose civilizados que arremessavam colheitae de náufragos para as suas chacinaram esbulharam, aos milhares, os melhores soldados e os mais altivos nobres da Europa. A primeira tentativa séria da Espanha para conquistar a Inglaterra foi também a última. O esforço colossal despendido em construir e equipar a Invencível Armada, filha de tão ardentes preces e expectativas, não podia, como o futuro mostrou, repetir-se efetivamente, embora daí em diante a Espanha mantivesse no Atlântico uma frota de guerra mais formidável do que nos dias em que Drake pela primeira vez viajara até o continente espanhol. Mas o resultado da luta decidira-se logo em princípio por esse acontecimento único que toda a Europa imediatamente reconhecera como um ponto de inflexão da História. O destino da Armada demonstrou a todo o mundo que o senhorio dos mares passara dos povos mediterrâneos para as gentes do Norte. A Inglaterra elaboraradoainda umde sistema e militar de suportar o seu não recente poder naval. não Ao término reinado Isabel,financeiro com escassos cincocapaz milhões de habitantes, era bastante rica e populosa para anexar as possessões espanholas ou fundar um império colonial próprio. Mesmo a colônia estabelecida por Raleigh, na Virgínia, era prematura, em 1587. Quando na época Stuart, a riqueza acumulada e a população supérflua da Inglaterra lhe permitiram retomar a obra colonizadora, dessa vez em paz com a Espanha, o rumo dos puritanos e outros imigrantes levou-os necessariamente às paragens setentrionais da América onde não se encontravam espanhóis. Enquanto a Marinha espanhola exerceu o exclusivo domínio do Mar das Caraíbas, do oeste do Atlântico e do leste do oceano Pacífico, nenhuma ocupação britânica foi possível, quer nas Índias Ocidentais, quer no litoral da América do Norte. Enquanto a Marinha portuguesa dominou o Atlântico Sul e o oceano Índico, o comércio com o Oriente pela rota do Cabo esteve fora de questão. ser destroçado o poderio navalambas, peninsular da derrota daAoArmada continuouematéconjunto 1604, ficaram abertas a lestenae guerra a oeste,que ao depois comércio inglês e à colonização. Entretanto, por falta de apoio do Estado, a expansão marítima comercial da Grã-Bretanha não atingiu, nos primeiros anos do século XVII, toda a pujança de que já era capaz; houve mesmo um período de retrocesso durante o reinado de Jaime I, o único rei Stuart que desprezou totalmente a Marinha. A Inglaterra continuava a ser uma comunidade marítima, mas durante trinta anos deixou de ser uma potência naval. A incúria com a Marinha anulou alguns dos efeitos benéficos da paz com a Espanha. Os termos do tratado que encerrou a guerra isabelina davam aos mercadores ingleses liberdade de comércio com a Espanha e com as suas possessões na Europa, mas não mencionavam as pretensões dos marítimos isabelinos no tráfego com a América Espanhola e com as regiões monopolizadas por Portugal na África e na Ásia. O governo inglês não continuou a apoiar tais pretensões e deixou decair a Marinha Real, ao passo que procurava com toda a sua força não consentir na pirataria. Nestas circunstâncias, prosseguiu a guerra privada com os espanhóis e portugueses, sem o auxílio do Estado.

 

Durante o próprio reinado de Jaime I, a Companhia Inglesa das Índias Orientais fundou uma frutuosa feitoria em Surate e no reinado de Carlos I edificou a fortaleza de São Jorge, em Madrasta, e ergueu outras feitorias em Bengala. Tais foram as humildes origens comerciais do domínio britânico na Índia. Mas de início esses comerciantes das Índias Orientais não eram apenas feitores: destruíam o monopólio português pela ação diplomática, nas cortes dos potentados gentios, e pela metralha dos navios, no mar. Ao governo regicida (Cromwell) cabe o crédito da ressurreição do poder naval inglês e do estabelecimento da Marinha, numa base de permanente eficiência que todos os governos subsequentes, qualquer que fosse a sua feição política, honestamente esforçaram-se por manter. As medidas que se tomaram, escreve Julius Corbett, transformaram a Marinha, de modo a adaptar-se à sua finalidade moderna, e estabeleceram a Inglaterra como a grande potência naval do mundo. O renascimento da Marinha de Guerra, com Blake, e o Governo do Estado, por uma classe de homens em contato estreito com a comunidade marítima e especialmente com Londres, fizeram reviver inevitavelmente a rivalidade com os holandeses. Durante uma geração, os marinheiros da Holanda tinham dominado, frequentemente, com bastante insolência, os mares da Europa Setentrional e da América e os oceanos Atlântico e Índico; tinham pescado nas áreas de pesca britânicas e quase monopolizado o comércio de transportes da Inglaterra das de suas colônias americanas. O reaparecimento sério concorrência inglesa foi marcado pelo e"Ato Navegação" e pela Guerra Anglo-Holandesa de da 1652-54. Mas o desfecho da luta contra a supremacia marítima da Holanda não foi decidido antes dos primórdios do século XVIII. Já há muito, no reinado de Ricardo II, os Parlamentos tinham promulgado Leis de Navegação, a fim de limitarem a entrada de navios estrangeiros nos portos ingleses, mas devido à escassez da Marinha inglesa, não foi possível fazê-las cumprir. A situação mudou durante a ditadura de Cromwell. O "Ato de Navegação" votado em 1651 pelo Longo Parlamento, por proposição de Cromwell, e que foi designado pelo nome de Magna Carta da Marinha Inglesa, tinha um duplo fim: arruinar o poderio comerciai holandês e por conseguinte desenvolver a Marinha inglesa. Pelo "Ato de Navegação'", as mercadorias procedentes dos países extra-europeus e desembarcadas na costa inglesa deveriam ser importadas em navios de construção e de proprietário inglês ou comandados por comandante inglês. Pelo menos três quartos das tripulações deveriam ser formados de marinheiros ingleses. Além do mais, reservavam-se exclusivamente aos navios ingleses a cabotagem, as relações entre as colônias e as comunicações entre a Inglaterra e suas colônias, O comércio de importação das mercadorias européias não foi permitido senão aos ingleses e aos navios dos países de origem, isto para evitar os intermediários holandeses. Essas medidas tiveram por efeito imediato um aumento da navegação britânica e por conseguinte estimularam a fabricação dos navios. O próprio Estado contribuiu largamente, encorajado pelos preços dos grandes armadores e dos importadores de trigo, o que permitiu aos primeiros desenvolver uma grande atividade. Para que os armadores pudessem facilmente recrutar as tripulações necessárias aos seus navios, os órfãos foram obrigados a se tornarem marinheiros, facilitou-se a naturalização de marinheiros estrangeiros, prometeram-se auxílios aos marinheiros velhos ou doentes, às viúvas e aos órfãos dos desaparecidos no mar. Para dar confiança ao público e levar os armadores a aumentarem as frotas mercantes, esquadras poderosas faziam a política dos mares, e mediante um pagamento módico, um engenhoso sistema de seguro protegia os negociantes contra todo acidente. Bem cedo os estaleiros nacionais eram impotentes para atender ao ritmo sempre crescente do tráfego marítimo.

 

O "Ato de Navegação" foi dessa forma um repto a todas as navegações marítimas e em especial uma declaração de guerra lançada aos holandeses. O conflito declarado entre as duas potências marítimas começou em 1654, e, apesar do valor de seus marinheiros, a Holanda foi vencida depois de quase dois anos de guerra. A Holanda sofreu mais do que a Inglaterra, porque possuía menos recursos em terra e porque, pela primeira vez, desde que constituía uma nação, defrontava uma potência hostil que bloqueava o canal da Mancha às frotas mercantes que lhe traziam de longe a vida e a riqueza. As alterações profundas surgidas na política interna da Grã-Bretanha após a morte de Cromwell  já não mais afetaram o desenvol desenvolvimento vimento marítimo do país. A corte e o Parlamento da Restauração aceitaram as tradições de esquadra de guerra da República. Carlos II e seu irmão Jaime mostraram interesse pessoal pelas questões navais, e o Almirantado continuou a ser bem servido. O Parlamento Cavalheiro e o Partido Tory consideravam a Marinha com especial favor. Em breve eclodiu outra guerra marítima com a Holanda, o reacender da luta entre as duas comunidades mercantes, iniciada durante a República. Por ambos os contendores ela foi conduzida com as mesmas esplêndidas qualidades de perícia naval combativa e na mesma escala colossal da primeira vez. De novo a nação maior levou a melhor na guerra, e, pelo Tratado de Breda, a Holanda cedeu Nova York à Inglaterra. Ainda mais uma vez, em 1672, a Inglaterra, aliando-se à França, entrou em luta contra a Holanda, mas dela se retirou ano e meio após. O Parlamento Cavalheiro acabara por compreender que essa guerra, bem analisada, não era a continuação da antiga luta entre a Inglaterra e a Holanda pela supremacia naval. O desaparecimento da Holanda como potência independente encerraria em si a ameaça à segurança marítima inglesa, porque o delta do Reno cairia nas mãos da França. A França também era um concorrente marítimo, potencialmente até mais formidável do que a Holanda, e caso se estabelecesse em Amsterdam, rapidamente poria fim à supremacia naval inglesa. A partir das guerras anglo-holandesas, a política externa da Inglaterra caiu cada vez mais sob a influência de considerações mercantis. No fim do período Stuart, a Inglaterra era a maior nação manufatureira e comercial do mundo. Londres ultrapassara Amsterdam como o maior empório mundial. Havia um de comércio com o Oriente, o Mediterrâneo as Colônias americanas, baseado na venda artigospróspero têxteis ingleses, cujo transporte até oeoutro lado do globo se efetuava nos grandes navios de navegação oceânica dessa nova era. Já então as classes governantes estavam resolvidas a gastar o que fosse necessário na Marinha e o mínimo no Exército. Ao período da guerra mercantil anglo-holandesa sucedeu o da luta sustentada entre a Inglaterra e a França pela hegemonia do mar, bem como para manter o equilíbrio europeu. Essa série de guerras, conhecida como a segunda guerra dos cem anos perdurou, nos mares, até a batalha de Trafalgar, em 1805, e, em terra, até Waterloo dez anos depois. Na realidade, o conflito consistiu de sete guerras, separadas umas das outras por pequenos intervalos de paz indecisa. Cada vez mais começou-se a perceber, especialmente depois que o gênio iluminado de Pitt tornou claro o fato, que o objetivo supremo era o senhorio dos mares e a manutenção do império nele baseada. Desde a guerra dos Trinta Anos o Estado francês, sob a enérgica direção de Richelieu, havia

 

robustecido seu poder em tais condições, que já podia intervir com probabilidade de êxito nos mares. Tinha-se apropriado de ricas possessões coloniais, e uma poderosa frota estava disposta a defender o comércio ultramarino. O conflito entre as duas grandes potências européias em ascensão tornou-se inevitável. A primeira guerra da longa série foi a chamada da Liga de Augsburgo, que durou de 1689 a 1697. Graças à eficiente Marinha criada por Colbert, no início a vitória sorriu às armas francesas. Em 1690, a Esquadra francesa, sob o comando de Tourville, derrotou a frota aliada anglo-holandesa Beachy Head, a vitória não foi devidamente aproveitada. Os cortesãos nada batalha terrestrede Versailles não mas tinham o sentido da oportunidade naval que raras vezes faltou aos estadistas que atentavam ao fluxo e refluxo do mundo através das marés que batem o Tâmisa. Dois anos depois, os aliados triunfaram sobre Tourville na batalha naval de La Hougue. La Hougue mostrou-se tão decisivo quanto Trafalgar, porque Luiz XIV, tendo desafiado com sua política grosseira e arrogante toda a Europa para uma guerra terrestre, não conseguiu manter a Marinha francesa à altura de suas necessidades devido ao esforço despendido com os exércitos e fortalezas necessários à defesa simultânea de todas as suas fronteiras terrestres. A superioridade temporária da Marinha de Guerra francesa, em 1690, resultara da política bélica da corte e não se fundara no mesmo grau que as marinhas da Inglaterra e da Holanda em recursos proporcionalmente elevados de navegação mercantil e riqueza comercial. Quando, portanto, a política guerreira de Luizprecipitou-se XIV o induziu a descuidar-se da Marinha favorsofreram das forças terrestres,e o declínio naval francês e tornou-se permanente, com oa que o comércio as colônias francesas. Os marinheiros da França, quando a sua grande esquadra deixou de ter missão a cumprir, voltaram as suas energias para a pirataria. O Almirante Tourville foi eclipsado por Jean Bart. O comércio inglês sofreu com a sua ação e a dos outros corsários, mas prosseguiu a despeito desses entraves, ao passo que o comércio francês desapareceu dos mares. Ao fecharem-se as fronteiras da França, devido à posição de exércitos hostis, essa nação teve de passar a sustentar-se dos seus próprios recursos decrescentes, enquanto a Inglaterra se abastecia em todo o mundo, desde a China a Massachusetts. Assim, em paralelo com o desenvolvimento da Inglaterra, deu-se a decadência marítima e financeira da França. A Guerra Ligaanos, de Augsburgo indeciso Tratado de mais Ryswick. Após intervalo difícil de da quatro a guerra terminou estalou depelo novo em escala ainda ampla — um a Guerra de Sucessão da Espanha — e terminou com o tratado de Utrecht em 1713. Esse tratado, que abre o período estável e característico da civilização do século XVIII, assinala o advento da supremacia marítima, comercial e financeira da Grã-Bretanha. A primeira condição de guerra vitoriosa contra Luiz XIV, quer no mar, quer em terra, era a aliança da Inglaterra e da Holanda, A colaboração apresentava-se menos difícil porque a inveja comercial da Inglaterra pela Holanda diminuía à medida que os navios holandeses baixavam ante os recursos pela primeira vez mobilizados de seu aliado. A Inglaterra prosperou durante a guerra, ao passo que o fardo das contribuições para a guerra e o esforço na luta minaram lentamente a grandeza artificial da pequena república. A Grã-Bretanha, em consequência, acentuou ainda mais sua primazia naval. O fato é tanto mais de espantar por ter sido a guerra destituída de qualquer ação notável. O domínio anglo-holandês nos mares era tão completo que não pôde ser desafiado, e isso condicionou todo o curso da guerra. Apenas uma vez grandes esquadras se encontraram, e

 

os resultados foram indecisos. Desistiram então os franceses da luta pelo mar e se concentraram na guerra pela destruição do comércio. Os aliados puderam assim enviar seus exércitos, quando e como quiseram. O feito mais notável da Marinha durante a guerra foi a captura de Gibraltar por Rooke e Shovel, em 1704, e a conquista de Minorca com a magnífica baía de Porto Mahou, por Stanhope e Leake, em 1708. O esmagador poderio naval da Inglaterra foi o fator determinante na história européia durante o período mencionado, mantendo a guerra no estrangeiro enquanto conservava seu próprio povo em prosperidade no território metropolitano e construía o grande Império. Mas nenhuma das conquistas territoriais, ou todas juntas, comparou-se em grandeza e muito menos em solidez com o ganho da Inglaterra de seu inigualável poderio naval, que começara durante a Guerra da Liga de Augsburgo e que recebeu seu acabamento na de Sucessão da Espanha. Com ele a Inglaterra controlou o grande comércio oceânico, graças a navios de guerra que não tinham rivais e que as outras nações, exauridas, não podiam enfrentar. Esses navios estavam agora seguros, baseados em sólidas posições em todos os cantos disputados do mundo. O comércio, que havia assegurado sua prosperidade e a de seus aliados e a sua eficiência militar durante a guerra, embora atacado e perturbado pelos corsários inimigos (aos quais ele só pôde prestar atenção parcial em vista das constantes acabou. exigências noutros setores) começou, com um salto, vida nova quando a guerra O Tratado de Utrecht juntamente com o Tratado suplementar de Raistadt, feito em 1714, inauguraram um quarto de século de paz quase perfeito. Exaurido pelo sofrimento, em todo o mundo o povo ansiava pelo retorno da prosperidade e do comércio pacífico. Não havia nenhum país apto como a Inglaterra, com riqueza, capital e navios, para levar a cabo essa missão e colher as vantagens. Durante a guerra de Sucessão da Espanha, a eficiência da Marinha Real significara viagens seguras e, mais ainda, utilização dos navios mercantes. Os navios mercantes ingleses, sendo melhor protegidos que os holandeses, ganharam a reputação de oferecer mais seguro transporte, e o tráfego naturalmente passara cada vez mais para suas mãos. Essa conquista de preferência mundial foi mantida em tempo de paz. Mas do que nenhuma outra potência, a Inglaterra consolidou então as bases sólidas do poderio marítimo, o qual não residia meramente na grande França tivera próspero; tal Marinhapoucos em 1688, desaparecera uma folhao no sua fogo. NemMarinha. residia sóA no comércio anosque depois da épocacomo em questão, comércio da França tomaria magníficas proporções, mas o primeiro tiro de guerra o varreria dos mares como a Marinha de Cromwell já antes eliminara o da Holanda. Foi com a união dos dois (Comércio e Marinha), cuidadosamente compensados, que a Inglaterra conquistou o poderio naval sobre e a despeito dos outros Estados. Assim, essa conquista se acha associada à Guerra de Sucessão da Espanha. Antes dessa guerra, a Inglaterra era uma das potências navais; depois dela passou a ser a potência naval, sem uma segunda. Esse poderio ela alcançou só, sem compartilhar com amigos ou disputar com inimigos. Ela só era rica e no seu controle dos mares e da navegação intensiva tinha a fonte de riqueza já tão segura nas mãos, que não havia, na época, perigo de um rival no oceano. Seguiu-se uma era de paz. Uma certa interferência, é verdade, foi causada no começo do período pelos esforços espanhóis para recobrarem as ilhas de Sardenha e Sicília que, pelos tratados, haviam sido cedidas à Áustria e à Saboia, respectivamente. Uma frota inglesa, entretanto, sob o

 

comando do Almirante George Byng, restaurou a tranquilidade em agosto de 1718, ao largo do cabo Passaro, graças a uma esmagadora vitória sobre a esquadra espanhola. A longa luta só recomeçou em 1739. No começo, a França permaneceu neutra, e a Inglaterra disso se aproveitou para iniciar uma série de ataques contra a sua secular inimiga, a Espanha. O Almirante Vernon começou bem a guerra, capturando com apenas seis navios a cidadela fortemente defendida de Porto(1740-41) Bello (1739), mas esse de sucesso contrabalançado pelos fracassos de Cartagena e de Santiago Cuba preliminar (1741). Nofoi Mediterrâneo, uma esquadra combinada franco-espanhola de vinte e sete navios chocou-se ao largo de Toulon com a esquadra inglesa de vinte e nove navios do Almirante Mathews. A batalha foi violenta, mas indecisa, O conflito crucial, entretanto, entre a Grã-Bretanha e a França, ocorreu não na Europa, mas na Índia e na América do Norte, onde pequenos esquadrões bateram-se com violência e habilidade. A paz de Aix-la-Chapelle, que pôs fim a essa guerra chamada de Sucessão da Áustria, marcou apenas uma trégua de oito anos, e nada decidiu em definitivo. Mais uma vez o longo conflito recomeçou em 1756. Os ingleses aplicaram seu esforço diretamente no conflito marítimo, colonial e comercial. A Inglaterra estabeleceu como objetivo precípuo o completo do mar expulsar franceseseles da América do Norte para os impedir de estabelecerdomínio um império napara Índia. Noutrasospalavras, reconheceram pelaeprimeira vez claramente, a natureza do conflito em que estavam mergulhados intermitentemente, por mais de um século. ' A guerra não começou bem para a Inglaterra. A ilha de Minorca foi capturada por tropas francesas desembarcadas da esquadra de La Galissonière (1757), e uma frota inglesa enviada em socorro da ilha foi repelida. Dois anos depois, porém, as vitórias navais de Lagos e Quiberon eliminaram a ameaça de uma invasão das Ilhas Britânicas. Nesse predestinado ano de 1759, os franceses perderam, ao todo, não menos de trinta e cinco navios de linha e ficaram assim reduzidos à impotência nos mares. A Espanha, entretanto, que até então se conservara fora da guerra, tinha ainda uma armada de cerca de 50 navios. Em 1762, ela foi atraída ao conflito pela promessa de recobrar Gibraltar e Minorca. Sua entrada na guerra meramente serviu para completar o triunfo britânico. tesouros Em agosto de 1762,emHavana capturada com ela doze de linha, para não mencionar avaliados mais defoitrês milhõesede libras. Dois navios meses depois, Manilha e todas as Ilhas Filipinas foram capturadas por uma expedição enviada da Índia. A paz de Paris (1763), que pôs fim à Guerra dos Sete Anos, deu à Inglaterra a supremacia absoluta na América do Norte e na Índia, além da posse de importantes ilhas no mar das Caraíbas. Ao mesmo tempo, a Marinha Mercante inglesa, que a despeito de todas as guerras crescera de 1.320 navios em 1666 para 5.730 em 1760, alcançou a supremacia que iria durar até o século XX. Seguiram-se cerca de quinze anos de paz, durante os quais a França reconstruiu sua frota de guerra. O levante das Colônias Inglesas na América do Norte deu ensejo à França e à Espanha de lutarem novamente pela posse das rotas marítimas. Na índia, Souffren, com poucos navios, conseguiu lutar1781, algumas vezes vantajosamente forças navais inglesas, Uma superiores em número. Em a supremacia inglesa nas contra águas as americanas foi perdida. esquadra

 

francesa, sob o comando do Conde de Grasse, muito mais numerosa e de melhores navios que o esquadrão inglês, sob o comando do Almirante Graves, cortou as comunicações da Ilha com a força principal britânica, conduzida por Lord Cromwell, em Yorktown, e compeliu-a à rendição. A queda de Yorktown marcou o fim virtual da Guerra da Independência Americana, mas a vitória decisiva alcançada pelo Almirante Rodney na batalha de Santas restituiu em parte a supremacia naval britânica e permitiu à Inglaterra alcançar melhores termos de paz (1783). As perdas de suas melhores colônias e o renascimento da Marinha francesa pareceram indicar uma próxima decadência da Inglaterra. Todavia, as ligações vitais das outras partes do império Britânico foram mantidas, como durante todas as guerras do século XVIII, e, após a derrota de 1783, a Inglaterra entrou rapidamente em fase de recuperação, tirando de suas colônias os recursos necessários. Em breve, por ocasião da Revolução, a Marinha francesa se autodestruiu, e, quando, em 1792, o conflito entre as duas potências recomeçou, não havia competidor sério para a Royal Navy. A guerra final entre a França e a Inglaterra, fechando a secular luta, durou mais de vinte anos (1793-1815), durante os quais só houve breves tréguas de meses. A supremacia marítima britânica nunca foi seriamente ameaçada em qualquer ocasião da guerra, salvo, talvez, por um curto de 1797, quando uma naval, série de motins irrompeu nas frotas inglesas.porEm Françaperíodo tentou restabelecer o balanço assumindo sucessivamente o controle, umvão, meioa ou outro, das frotas da Espanha, Holanda e Dinamarca. Todas elas, uma a uma, foram derrotadas pelos grandes chefes ingleses do tempo: Howe, Jervis, Duncan e Nelson. Em 1794, Howe derrotou Villaret Joyeuse no canal da Mancha; em 1797, Jervis, ao largo do cabo de São Vicente, destroçou uma frota espanhola; oito meses depois, Duncan derrotava os holandeses ao largo de Camperdown, e no ano seguinte, Nelson alcançou a vitória de Aboukir. Durante os dez anos de guerra da Primeira Coligação (1792-1802), o comércio ultramarino britânico expandiu-se extraordinariamente a despeito dos corsários franceses. As importações que tinham sido em 1781, cerca do fim da guerra da América, de 318 milhões de francos, e, em 1792, no começo da Revolução, de 491 milhões, elevaram-se, em 1799, a 748 milhões. As exportações em produtos manufaturados da Inglaterra, que tinha sido, em 1781, de 190 milhões, em 1792 de 622 milhões,daelevaram-se, 1799, a 849 milhões.dobrado Assim, depois tudo havia triplicado desde o fim da guerra América e em pouco mais ou menos da guerra da Revolução. Em 1788, o comércio inglês havia empregado 13.827 navios e 107.925 marinheiros; utilizou, em 1801, 18.877 navios e 143.661 marinheiros. Nesse último ano, a Grã-Bretanha possuía 814 navios de guerra de todos os tamanhos em construção, em reparos, armando-se ou em operações. Nesse número, incluíam-se 100 navios de linha e 200 fragatas sob velas, distribuídos por todos os mares; 20 naves e 40 fragatas de reserva, prontas para sair dos portos. Não se podia, portanto, estimar sua força efetiva em menos de 120 vasos de linha e 250 fragatas guarnecidos por 120 mil marinheiros. Ao recomeçar a guerra em 1803, depois da pequena trégua resultante do Tratado de Amiens, a França procurou não disputar a hegemonia naval, mas obter uma superioridade momentânea no canal da Mancha, que permitisse a transposição do exército de 150 mil homens reunidos em torno de eBoulogne. engendrou planos visando reunir ediversas francesas espanholasNapoleão bloqueadas em Brest,vários Rochefort, Cádiz, La Coruna Toulon, esquadras mas tudo

 

desabou com a esmagadora derrota de Trafalgar. Com a vitória de Lord Nelson, a supremacia naval britânica foi estabelecida, na verdade, em todos os mares, eliminando qualquer ameaça por mais de um século. Napoleão, contudo, não abandonou a disputa naval, mas mudou de tática. Foram construídos numerosos bons navios que, isolados ou em pequenas flotilhas, depredaram o comércio britânico. Os corsários causaram grandes estragos, pois5.314 era extremamente capturá-los. de 1805 perdeu e 1815,nos os corsários capturaram navios ingleses.difícil Ao todo, de 1792 Entre a 1815,osa anos Grã-Bretanha oceanos cerca de 9 mil navios de comércio, o que não impediu sua frota mercante aumentar de 1.540.000 para 2.616.000 toneladas. Em compensação, os navios franceses obrigaram a esquadra inglesa a se concentrar nas águas européias de tal maneira que, quando uma guerra com os Estados Unidos da América irrompeu em 1812, os pequenos navios ingleses enviados através do Atlântico sofreram um certo número de derrotas humilhantes numa série de ferozes duelos navais. No fim, entretanto, o poderio naval prevaleceu. Todos os portos americanos foram bloqueados, e o comércio dos Estados Unidos foi inteiramente varrido dos mares. O completo domínio dos mares, que a grande vitória de Nelson em Trafalgar conferiu à Inglaterra, teve efeito decisivo nas fases finais da Guerra Napoleônica: frustrou a tentativa de Napoleão para, por meio do Bloqueio Continental, eliminar o comércio inglês da Europa; quebrou sua em projetada colisãopossível naval acontra a Grã-Bretanha, pela captura da (1808-14) esquadra dinamarquesa 1807; tornou continuação vitoriosa da Guerra Peninsular na qual os recursos militares de Napoleão ficaram isolados; cortou a França das fontes vitais de suprimento. O poderio marítimo também afetou profundamente o desenvolvimento do Império Britânico durante esses vinte e dois anos gloriosos. Datam de então novas conquistas coloniais inglesas na América, na África do Sul e na Índia. A derrota de Napoleão deu à Grã-Bretanha o senhorio sobre os mares, senhorio que não foi seriamente desafiado durante cem anos. Esse domínio elevou-a à proeminência do mundo, de uma forma que ela nunca antes alcançara. A Inglaterra ficou numa posição comparável à de Veneza na Idade Média ou a da Holanda na primeira metade do século XVII. Nesses cem anos a Grã-Bretanha esforçou-se para não se envolver em qualquer conflito de importância, exceto na breve Guerra da Criméia de 1854-56. Devido à supremacia industrial da Grã-Bretanha vitoriosa, o advento da idade do vapor e do ferro nos mares redundou inteiramente em sua vantagem, tanto mais que tinha então dificuldades em obter madeiras. E o frete de ida de carvão, vendável na maioria dos portos de todo o globo, constituiu forte estímulo para a navegação britânica. Através do resto do século, a Marinha insular continuou a desenvolver-se sem rivalidade séria. Assim, em 1870 a Grã-Bretanha já dispunha de 1.202.000 toneladas de navios a vapor, enquanto os Estados Unidos só contavam com 192.000, e a França com 154.000. Entretanto, a revolução industrial, tornando obsoletos os antigos navios de madeira que por séculos haviam engrandecido o Império Britânico, permitiu, ao mesmo tempo, às demais potências industriais consagrarem-se à construção de novos tipos de vasos de guerra, ameaçando, por conseguinte, o poderio naval inglês. Depois da Guerra da Criméia, a França iniciou a construção de navios de guerra de novo tipo, extremamente poderosos. Rússia, analisando as aconsequências de sua importância naval, tanto no Também mar Negroa como no Báltico, durante mesma guerra,fatais empenhou-se

 

em construir uma armada do novo tipo. Após 1870, tanto a Alemanha como a Itália começaram a construção de navios, embora as respectivas atividades não causassem alarma até próximo ao fim do século. As crescentes marinhas dos Estados Unidos e do Japão, também, a princípio, não causaram inquietação. A partir de 1897, von Tirpitz, apoiado pelo Kaiser, deu início ao grandioso programa naval alemão. O alto nível alcançado pela indústria germânica cedo fez ever que uma nova potência ia surgir nos mares. A Inglaterra se alarmou ante essabem possibilidade começou a grande corrida armamentista naval entre as duas nações. Ao deflagrar a Primeira Guerra Mundial, a Alemanha dispunha da segunda Marinha de Guerra do mundo, e sua frota de comércio crescia cada ano mais, levando os produtos germânicos a todos os cantos da Terra. A Alemanha manteve-se, contudo na defensiva nos mares ante a superioridade da Marinha Real aliada às Marinhas francesa, russa e italiana. A supremacia gozada na superfície dos mares pela GrãBretanha e seus aliados se deu realmente desde o princípio mais absoluta do que fora em qualquer guerra precedente. Ao romperem as hostilidades, a Alemanha tinha para mais de dois mil navios-vapor e cerca de três mil navios a vela empregados no comércio. Em poucas semanas, cada um deles fora capturado ou internado, e durante o decorrer dos quatro anos de guerra nenhum voltou a navegar como navio mercante. O imenso e lucrativo comércio exterior da Alemanha foi inteiramente eliminado. A Alemanha teve, é verdade, um novo e poderoso poder no submarino. O submarino eraqualquer porém — e épara — um meroo extinto instrumento deda destruição. completamente incapaz de fazer coisa reviver tráfego Alemanha.Ele foi Comparadas ao bloqueio inglês dos Impérios Centrais e à campanha submarina alemã, as outras operações navais de guerra foram relativamente insignificantes, pouco ou nada contribuindo para o desenrolar do conflito. A Frota Alemã de Alto-Mar nunca se atreveu a um teste decisivo e perdeu oportunidade após oportunidade para influir decisivamente nos acontecimentos. A fuga do Goeben e do Breslau no Mediterrâneo, a escaramuça ao largo de Heligoland (agosto de 1914), a batalha de Coronel (novembro de 1914) com a sua sequência ao largo das Ilhas Falklands (dezembro de 1914), a caça ao largo de Dogger Bank (janeiro de 1915), a longa e penosa aventura dos Dardanelos (abril de 1915-janeiro de 1916), todos foram meros episódios dramáticos e espetaculares, custosos mas indecisos. A batalha da Jutlândia (31.5.1916), de longe a mais considerável ação naval da guerra, poderia bem ter sido decisiva, mas não o foi. Na verdade, Jutlândia foi seguida por dois anos e meio de agonia desnecessária. No fim, porém, o poderio naval teve sua parte decisiva, derrotando a campanha submarina, assegurando o trânsito seguro das forças inglesas e americanas, conservando abertas todas as comunicações aliadas. Em 11 de novembro de 1918, a Grande Guerra acabou, e, pouco depois, toda a frota alemã se rendeu; dezenove encouraçados, cinco cruzadores de batalha, dezesseis cruzadores ligeiros, noventa e dois contratorpedeiros, cinquenta torpedeiros e cento e cinquenta e oito submarinos. Nessa mesma época, a Grã-Bretanha dispunha de quarenta e nove navios de linha, oitenta e oito cruzadores de vários tipos e para mais de trezentos contratorpedeiros. Nunca antes fora tão esmagador o domínio dos mares pela Inglaterra, como em fins de 1918. Rapidamente, após a guerra, a Grã-Bretanha recuperou a primazia da Marinha Mercante que perdera, por efeito da campanha submarina, para a crescente frota de comércio dos Estados Unidos. A Inglaterra, que perdera na guerra mundial 7.923.023 das 21.445.439 toneladas possuídas por sua frota mercante antes das hostilidades, já em 1921 dispunha de 19.288.000

 

toneladas. Em 1925, a Grã-Bretanha já estava com sua frota mercante inteiramente restaurada e voltou a participar do tráfego mundial mais ou menos na mesma proporção de antes da guerra. Além de atender às permutas do vasto Império, a Marinha de comércio inglesa cobria deficiências de transporte em regiões afastadas de todo o mundo. Nos portos brasileiros, argentinos, chilenos, chineses etc. era a bandeira do Reino Unido a mais vista; 35% das exportações americanas eram feitas em porões ingleses. Já não era, entretanto, a Grã-Bretanha a única potência marítima, maisanos. seus Entre recursos manter a supremacia absoluta, conservada por nem cercapermitiam de duzentos as financeiros duas guerras, ela procurou nas conferências de desarmamento salvaguardar sua posição, mas foi obrigada a aceitar a paridade naval com os Estados Unidos. A par disso, outras potências navais surgiram ameaçadoras: a Itália, no Mediterrâneo, e o Japão, no Extremo Oriente, se bem que contrabalançados pelas Marinhas americana e francesa, respectivamente. Desde que começou a Segunda Guerra Mundial, o principal esforço da Alemanha no mar foi orientado no sentido de cortar as ligações oceânicas do Império Britânico, recorrendo principalmente à arma submarina e à aviação. A batalha do Atlântico, que começou no primeiro dia da guerra, foi assim a campanha naval chave de todo o conflito. Seu desenrolar não pôde ser determinado pelos resultados de em um face encontro decisivo, mas pelas listasafundados anotadas em numa folha onde figuravam navios perdidos de navios construídos, navios face de submarinos alemães destruídos. Referindo-se à batalha do Atlântico, assim se expressou Winston Churchill: "A única coisa que sempre me atemorizou realmente durante a guerra foi o perigo dos submarinos. A nossa linha vital mesmo através dos amplos oceanos e particularmente nas entradas para a Ilha estava em perigo. Sentia-me ainda mais ansioso a respeito dessa batalha do que me sentira a respeito da gloriosa luta aérea chamada Batalha da Grã-Bretanha." A conservação da supremacia do Atlântico pelos britânicos a despeito das forças aéreas e marítimas do Eixo, durante os dois terríveis primeiros anos de guerra, conta-se entre os feitos mais extraordinários da História. O principal problema naval das nações unidas na Segunda Guerra Mundial foi, até pelo menos o meio do ano de 1943, o de achar um número de navios de guerra para assegurar a proteção conveniente da navegação comercial. Ante a destruição gigantesca sofrida pelas marinhas de comércio dealiadas, disponibilidades de navios de transporte tornaram-se o fundamento da estratégia guerra as aliada. Os afiados perderam quatro milhões de toneladas de barcos mercantes em 1940 e mais de quatro milhões em 1941. Em 1942, foram postos a pique quase 8 milhões de toneladas da navegação aliada, então já aumentada depois que os Estados Unidos se tinham tornado aliados. Até fins de 1942, os submarinos afundaram navios mais depressa do que os aliados podiam construí-los. Em começos de 1943, o nível das novas tonelagens foi subindo nitidamente, e as perdas diminuíram. Antes do fim daquele ano, a nova tonelagem havia finalmente ultrapassado as perdas marítimas oriundas de causas diversas. O segundo semestre presenciou, pela primeira vez, as perdas de submarinos excederem a sua capacidade de poderem ser substituídos. Logo viria o tempo em que seriam afundados no Atlântico mais submarinos do que navios mercantes. "A batalha do Atlântico", afirmou ainda Winston Churchill, "foi o fator dominante durante toda a guerra. Jamais podíamos esquecer que tudo que acontecesse algures, em terra, no mar ou no ar, dependia em última instância do resultado daquela batalha, e, em meio a todas as outras preocupações, considerávamos os seus altos e baixos, dia a dia presos de esperança ou apreensão."

 

Quando terminou a Segunda Guerra Mundial, a Grã-Bretanha havia sido ultrapassada nos mares pelos Estados Unidos. Entretanto, enquanto os Estados Unidos encostavam uma grande parte de seus navios mercantes construídos em regime de urgência durante a guerra, a Inglaterra mantinha seus estaleiros em plena atividade. Tendo perdido 12 milhões de toneladas de navios de comércio durante o conflito, já estava em 1946 com 90% da tonelagem de 1939 e três anos depois com 100%. Mais uma vez voltou assim a recuperar sua posição a frota de comércio inglesa, mas em quase todos os mares encontrou a concorrência de novas bandeiras. O período de pós-guerra viu a Grã-Bretanha perder a posição que ocupara no cenário marítimo durante três séculos. Ao mesmo tempo que diminuía a percentagem da participação da Marinha Mercante inglesa no tráfego marítimo, era perdida a supremacia naval para os Estados Unidos e União Soviética, e desmembrava-se o antigo Império Colonial.

12. FRANCA As expedições das cidades marítimas do Atlântico, Primeiras iniciativas da Coroa nos reinados de Francisco i e Henrique IV. A obra de Richelieu. Decadência dos empreendimentos marítimos franceses com a morte do Cardeal. A expansão marítimo-comercia! da França sob a direção de Colbert. O apogeu da França nos mares. A decadência com a morte do grande Ministro e com a luta contra a Grã-Bretanha. O longo eclipse da atividade marítima francesa. A Guerra dos Sete Anos. A perda das colônias mais importantes. A Marinha efêmera de Luiz XVI. As guerras da Revolução e do Império Napoleônico. O aniquilamento da França no mar. A convalescença das marinhas francesas. A Revolução Industrial e os novos tipos de navios. A estagnação marítima da França depois da guerra de 1870-71. As empresas coloniais da Terceira República. A Jovem Escola. A situação marítima da França no século XX.

A história marítima da França não apresenta, como ocorre com a da Inglaterra, interesse especial antes do século XVI. Até aquela época, principalmente durante a Guerra dos Cem Anos, o canal da Mancha foi teatro de grandes contendas navais entre ingleses, flamengos, frísios e franceses, sem que dessas pugnas surgisse uma potência de características eminentemente marítimas, dominando as rotas oceânicas com suas frotas de guerra e mercante, como faziam então, no Mediterrâneo, as repúblicas italianas. As próprias batalhas navais da Guerra dos Cem Anos foram mais entrechoques de exércitos embarcados que procuravam cruzar um largo fosso de água salgada.

 

No século XVI, contudo, nas cidades marítimas da Normandia e da Bretanha, por espírito de aventura e desejo de lucro, começaram-se a armar navios para ousadas expedições que seguiam nas esteiras das frotas portuguesas e espanholas, as senhoras dos mares da época. Não faltavam nas cidades marítimas francesas arrojados marinheiros e hábeis navegantes desde muitos séculos afeitos às aventuras pesqueiras nas perigosas paragens da Bretanha e do mar do Norte. Certos cronistas franceses mencionam viagens realizadas por esses intrépidos navegantes ao longo da costa África,concretas anos antesdessas das expedições terem aquelas regiões. há, porém,daprovas aventuras portuguesas marítimas. Se nãoexplorado se pode estabelecer sobreNão muitos sólidos fundamentos que os franceses precederam aos portugueses ao longo das costas ocidentais do continente africano, ao menos se sabe, sem dúvida, que eles os seguiram de bem perto. Suas excursões foram mesmo, desde o começo, um motivo da reclamação dos reis de Portugal. Desde 1488, um comandante diepês de nome Cousin frequentava as costas da Guiné, e seis anos, apenas, após Vasco da Gama ter dobrado o cabo da Boa Esperança para se lançará conquista das Índias Orientais, um navegador normando, Birot-Paulmier de Gouneville, partiu de Honfleur, no começo de junho de 1503, para seguir a rota do célebre português. A partir de 1510, a Terra Nova se tornou a meta dos pescadores bretões, e bem depressa a costa da França pululou de corsários que espreitavam a navegação espanhola e portuguesa no Novo Mundo, procurando deitar mão no ouro e nos produtos americanos. O primeiro monarca francês que se interessou pelas aventuras ultramarinas foi Francisco I. Ele determinou em 1523 as viagens à América de Verazzani, fiorentino a serviço da França. Nos anos seguintes, os irmãos Parmantier chegaram ao mar das Índias e à Sumatra, e Jacques Cartier e Roberval iniciaram a exploração do litoral canadense. Ao mesmo tempo, os armadores franceses iniciaram um vigoroso contrabando de pau brasil no Atlântico Sul, sendo tenazmente perseguidos pelos lusitanos. Em seguida, por questões religiosas, os franceses procuraram fundar uma colônia na baía de Guanabara, mas também aí foram repelidos pelos portugueses. Nos sessenta anos seguintes, os franceses tentaram ainda fixar-se no Brasil e na América do Norte. Conseguiram descobrir e colonizar algumas ilhas das Antilhas, (Martinica, São Domingos, Santa Lúcia) e estabeleceram-se firmemente na Guiana e no Canadá. Quase todos esses empreendimentos foram, porém, realizados por iniciativa privada dos armadores das cidades principalmente Saint Dieppe, Honfleur de e Iavista Rochelle, pois, após FranciscodoI, Atlântico, por uma razão ou outra, os reis Malô, de França abandonaram as realizações no além-mar. Com Henrique IV, o Estado francês voltou-a ocupar-se das atividades marítimas, sendo aplicados grandes esforços para o ressurgimento da Marinha Mercante e a retomada da política colonial de Francisco I. Pela convenção de 1606, confirmou o Estado francês a situação privilegiada que disputavam desde muito tempo os navios franceses no Levante e nos Estados Barbarescos, e assegurou à França a posse da maior parte do tráfego do Canadá. Paralelamente, a Marinha francesa com sanguinolenta determinação procurou cercar as correrias dos corsários argelinos e tunisinos. A atividade desenvolvida por Henrique IV no domínio econômico foi continuada, seguindo um princípio por O Richelieu, pois marítimo ele representava umcaracterístico incomparáveldas elemento de prestígio, mais força centralizado e prosperidade. regulamento é o mais diferentes

 

medidas tomadas por Richelieu, para estimular e proteger eficazmente o comércio francês. Foi interditada a exportação de mercadorias francesas, exceção feita do sal, em navios de outras nacionalidades, ficando estabelecido que a cabotagem deveria ser feita em navios nacionais e sendo proibido aos franceses se servirem dos navios dos estrangeiros. Além do mais, foram criados institutos de hidrografia e escolas para pilotos e carpinteiros. Richelieu favoreceu em seguida a criação das companhias de comércio, conferindo mesmo títulos de nobreza aos armadores negociantes maisfrancês eminentes, no sentidoessenciais de desenvolver poderosamente Marinha e oe domínio colonial por eletudo considerados à grandeza da nação. Ema suma, Richelieu antecipou-se mesmo, em suas medidas, às que seriam adotadas na Grã-Bretanha, poucos anos depois, no “Ato de Navegação". A fim de garantir a expansão da grande obra, Richelieu tomou medidas enérgicas para expandir a Marinha de Guerra. E para comandá-la e guarnecê-la apelou para os melhores marinheiros da costa, atraindo-os com soldos elevados. Todo o vasto complexo industrial que serve de base ao desenvolvimento marítimo foi criado ou desenvolvido. No Havre e em Bronage, fundiam-se os canhões necessários ao armamento dos navios. Importantes estaleiros de construção foram instalados em Indret, no Loire, ao abrigo dos assaltos de surpresa. No Levante (Mediterrâneo), o porto principal das galeras ficou sendo Marselha, como era da tradição, e Toulon, cuja importância começou a crescer, servia de base aos navios a vela. Mas todo esse progresso foi de qualquer forma artificial, pois não chegou a francesa. criar interesses duradouros que afetassem as camadas numerosas e importantes da população A Marinha de Guerra, reaparelhada por Richelieu, distinguiu-se em lutas porfiadas contra ingleses e espanhóis, no Atlântico e no Mediterrâneo (La Rochelle e Guaretaria), mas o Cardeal morreu em 1642, deixando inacabado o gigantesco empreendimento. A Marinha de Guerra, é verdade, havia começado a viver, mas sua estrutura era ainda frágil e poderia desmoronar, se não fosse cercada de cuidados inteligentes ou se fosse negligenciada. A única parte sólida da obra de Richelieu era, aliás, a Marinha de Guerra, mais fácil, mais rápida e mais necessária, na época, de ser colocada em primeiro plano. As partes referentes ao desenvolvimento colonial e à Marinha Mercante foram incomparavelmente mais frágeis. Nos anos seguintes à morte de Richelieu, não sendo mais a Marinha sustentada por uma vontade possante, corroída peloum terrível flagelo de daspolítica discórdias internas, declinou A Marinha, que é essencialmente instrumento exterior, deveria maislentamente. do que nenhuma outra instituição sofrer dos conflitos interiores. Daí em diante, ela não recebeu mais dinheiro. Em 1659, a paz dos Pirineus pôs fim à interminável guerra com a Espanha. A França triunfara em terra, mas nos mares ela havia caído do lugar brilhante a que fora alçada pela lúcida vontade do grande Cardeal. Os espanhóis haviam tomado Tortuga em 1653 e os ingleses a Arcádia em 1656. Fato mais grave e pesado de consequências foi o fato de que a Companhia das Ilhas da América e depois a Companhia da Nova França haviam sido constrangidas, para escaparem à ruína, a renunciar a seus direitos. Assim, enquanto as companhias inglesas e holandesas auferiam lucros fantásticos de suas atividades nos oceanos, integrando cada vez mais um número elevado de habitantes na vida marítimo-comercial, na França ocorria o inverso. A depressão econômica e política que a França sofreu edurante dezoito anos sob o ministério de Mazarino, sucedeu um período de grande prosperidade de novo poderio, consequência da hábil

 

política econômica de Colbert que ficou no poder de 1661 a 1683. Sua aparição marca o ponto culminante do mercantilismo e da época mais próspera, mais gloriosa do comércio e do movimento colonial francês. Um dos atos mais importantes de Colbert foi a publicação em 1673 das "Ordenanças do Comércio". Afim de que as exportações fossem constantemente superiores às importações, Colbert colocou a indústria e o comércio em condições favoráveis para o desenvolvimento e os tornou capazes de resistir vitoriosamente à concorrência estrangeira. Interditou a exportação das navios matérias-primas necessáriasa àpesca indústria, reservou mais uma vez o comércio de cabotagem aos franceses, encorajou em alto-mar e, enfim, estimulou, por prêmios, a exportação de produtos manufaturados franceses. Essa política, entretanto, era entravada pela falta de navios, pois em 1664 os ingleses possuíam quatro mil navios de comércio, os holandeses dezesseis mil e a França dispunha de apenas duzentos. Ante essa situação, Colbert ocupou-se particularmente do desenvolvimento e do aumento da Marinha Mercante, com o fito de centralizar em mãos francesas o comércio dos transportes. Criou arsenais e estaleiros em Brest, Rochefort e no Havre, protegeu as florestas de madeiras de lei para obter a matéria necessária à construção naval, encorajou por meio de prêmios e subvenções o armamento de navios mercantes, favoreceu a compra de navios construídos e armados no estrangeiro. Ao mesmo tempo, os navios mercantes pertencentes a outras nações foram submetidos, nos portos franceses, a uma taxa de cinquenta sous por tonelada, na entrada e na "Ordenança Marítima" de 1681, de aprendizes, destinadas a Colbert formar umsaída. corpo Pela numeroso de marinheiros hábeis e de criou pilotosescolas experimentados. Por conseguinte, procurou seguir com maior vigor a política anteriormente adotada por Richelieu, a mesma, aliás, que a Inglaterra então procurava aplicar. Paralelamente à expansão da Marinha Mercante e do comércio exterior, Colbert atacou o problema da reorganização da Marinha de Guerra francesa, pois ele bem compreendia o papel capital da Marinha no processo global do desenvolvimento marítimo. Na perseguição de seu grande ideal e na realização de seu sonho grandioso, Colbert não foi bem entendido, nem bem secundado. Desaparecido ele, ninguém saberia continuar sua obra, mas, enquanto viveu, soube imprimir um desenvolvimento econômico à França, nunca antes igualado. Estaleiros, depósitos, hospitais surgiram da terra e se abrigaram atrás de fortificações. O trabalho desses arsenais foi organizado e regulamentado. Na Holanda, foram procurados os engenheiros que deveriam servir de iniciadores. Em breve, das carreiras dos arsenais, os navios de guerra começaram a sair numerosos, todos semelhantes nas proporções. Em 1671, eram já 120 os navios de guerra de linha e 70 os brulotes, fragatas e galeras nas costas do Atlântico e de Provença. Em 1677, duzentos navios militares estavam à disposição do governo. Um amplo recrutamento de marinheiros assegurava 52 mil homens de guarnição. A Marinha Mercante, enquanto isso sob a administração do grande ministro, superava a cifra de mil unidades. Faltou tempo a Colbert para orientar o povo para o mar, ligando-o pecuniáriamente à prosperidade do comércio marítimo. Essa tarefa também ultrapassava as forças de um homem. Só o tempo poderia agir, mas faltaram continuadores. A Marinha de guerra não se fundou sobre uma frota de comércio poderosa que por simples jogo de interesse lhe teria assegurado a longevidade. Criação artificial, toda de prestígio, ela não sobreviveria à vontade que a havia feito ressurgir. Seignelay, plasmado por seu pai, encontraria ainda esse caráter artificial da Marinha de Guerra que, depois dele, cairia de toda a sua altura. Mas, sob o impulso fecundo dos dois Colbert, ela iria conhecer um esplendor que não deveria jamais alcançar no decorrer da sua longa

 

história. Nas primeiras ações bélicas a que foi chamada a participar, a magnífica frota construída por Colbert cobriu-se de glórias, derrotando, sob o comando de Tourville e Duquesne, espanhóis, holandeses e ingleses nas batalhas de Stromboli, Palermo e Beachy Head. Em aparência, Seignelay, ao morrer, deixou a Marinha poderosa, vitoriosa, florescente. Na realidade, essa Marinha era um colosso com pés de argila. Ela era o fruto de uma vontade, a de Colbert, prolongada, mas desvirtuada por seu filho. Quando pela política ambiciosa de Luiz XIV foram desencadeadas diversas guerras terrestres, pesaram sobre o Estado francês encargos tão grandes que para a frota de guerra só houve disponíveis parcos recursos. Por outro lado, a Inglaterra, Estado puramente naval, pôde aplicar, em consequência da sua posição insular, todas as suas energias ao cuidado da frota, relativamente segura contra um ataque por terra. Valendo-se de seus aliados continentais, a Inglaterra pôde manter, ao mesmo tempo, as forças terrestres da França empenhadas, impedindo a frota francesa de se desenvolver. Se, com suas rivais, Inglaterra e Holanda, a frota da França tivesse, para proteger numerosos e importantes interesses comerciais, o espírito de nação, não se teria jamais afastado dela. Mas tudo estava para ser feito nesse sentido, e era necessário mais do que a vontade e a vidamarítimo de um homem bem assentes. As deficiências do desenvolvimento francêspara em obter breve resultados manifestaram-se. Já Tourville não pôde básicas deixar Brest suficientemente cedo em 1690, devido à falta de marinheiros. As guerras em terra absorviam todos os recursos humanos e materiais da nação. Mal tinha morrido Seignelay, e um memorial foi apresentado ao rei, propondo suprimira Marinha, que custava muito caro e que só servia para guardar as costas, função que, segundo ainda esse documento, poderia muito bem ser desempenhada por recrutas do exército. A partir da segunda fase da Guerra do Augsburgo, a Marinha francesa sofreu uma série de reveses, culminando com o desastre de La Hague. Foi o fim da grandiosa Marinha de Guerra construída por Colbert. O declínio Marinha francesaseria acentuou-se em decorrência da Não Guerra de Sucessão da uma Espanha. Para que eladapudesse renascer, preciso dinheiro e vontade. havia, porém, nem nem outra coisa. Desencorajados pelas experiências infelizes de quase um século, os comerciantes franceses estavam menos do que nunca dispostos a arriscar no mar interesses cuja proteção exigia uma forte Marinha. A extraordinária vitalidade não tardaria a recolocar a França em plena saúde. Seu comércio conheceu novos dias de esplendor, mas daí por diante ele se fez, na maior parte, sob pavilhão estrangeiro, mais especialmente o inglês. Por conseguinte, nem interesses políticos, nem interesses particulares exigiram a manutenção de uma frota de guerra. Foi tacitamente admitido que a França devia abandonar definitivamente toda pretensão ao tridente de Netuno. À Marinha desdenhada e considerada inútil davam-se apenas os créditos necessários para impedi-la de morrer de vez. Nas décadas seguintes, foi feito de notável britânica. para alçar No novamente França àentre categoria de potência naval capaz denada disputar a hegemonia conflito aseguinte as duas grandes nações rivais, a Guerra de Sucessão da Áustria, não houve encontros navais de

 

importância. A guerra revestiu-se do caráter das guerras às comunicações. Os franco-espanhóis perderam 3.400 navios mercantes e os ingleses 3.200. Se os números foram sensivelmente iguais em valor absoluto, foram incomparavelmente mais desastrosos em valor relativo para as Marinhas da França e da Espanha, considerando suas fraquezas numéricas em relação à frota mercante do Reino Unido. A Guerra dos depois teve características diferentes.sofrendo, A Françaem tentou enfrentara Inglaterra nos Sete maresAnos compouco uma frota inferior em número e qualidade, consequência, uma série de derrotas que a privaram das ligações com os territórios ultramarinos. Uma a uma, suas principais colônias, na Índia e no Canadá, foram ocupadas pelo inimigo. Custou essa guerra à Marinha francesa 37 naus e 56 fragatas. Em 1763, ao ser assinado o Tratado de Paris, pondo fim ao conflito, praticamente não existia Marinha francesa, e a Marinha Mercante estava reduzida a poucos navios. O orgulho nacional ferido e a certeza agora dominante nos círculos governamentais de que a perda das melhores colônias fora fruto da ausência de marinha poderosa levaram a França, a partir de 1770, a empreender um grande esforço no sentido de reequipar a frota de guerra. Sob a brilhante administração de Choiseul, os estaleiros franceses do Atlântico e do Mediterrâneo voltaram à atividade. Um grande número de municipalidades financiou a construção de navios. Os o povodesejosos em geraldecontribuíram, nas várias províncias, para a construção de umacomerciantes nova frota deeguerra, tirarem a desforra dos ingleses. Toda uma esquadra renasceu assim da generosidade pública, do patriotismo de uma nação. Mas essa oferta generosa era, ela também, marcada pelo caráter artificial que conservava a Marinha inteira. Ela era fruto de um elã sentimental, tanto mais efêmero quanto mais violento e não o resultado durável de uma sólida discussão de interesses comprometidos. Richelieu e Colbert tinham pelo menos tentado fundar sobre a rocha sólida de uma Marinha mercante próspera a torre orgulhosa da Marinha de Guerra. A de Choiseul não iria repousar senão sobre a areia, malgrado a bela aparência que deveria adquirir. Ela estava destinada a desmoronar, desde que soprasse o vento de uma borrasca. A guerra recomeçou em 1778, a propósito da independência das colônias inglesas da América do Norte, estendendo-se rapidamente às Índias, como sucedera durante a Guerra dos Sete Anos. A nova Armada francesa, sob o comando de Guichen, De Grasse e sobretudo de Suffren, conheceu novamente dias de glória, desempenhando papel decisivo no desenrolar da guerra. A rendição de Cornwallis marcou o fim da guerra ativa no continente americano. O desenrolar da luta estava na verdade assegurado desde o dia em que a França devotou seu poderio marítimo à causa das colônias. A paz foi assinada em 1783. A França tinha enfim uma bela Marinha, adquirida ao preço de terríveis provas, mas a paz ia ter uma duração bem curta, e a Marinha, sustentáculo de tantas esperanças, iria retroceder, ficando reduzida a quase nada. Sua decadência faria com que, malgrado uma colheita de vitórias terrestres como o mundo jamais havia presenciado, malgrado o gênio do maior chefe militar dos tempos modernos, a França sucumbiria finalmente diante do antigo adversário, forte numa só arma que se mostraria decisiva: uma frota, senhora dos mares.

 

Com a Revolução Francesa, recomeçaram os dias negros da Marinha gaulesa. Esse corpo tão robusto ainda em 1789 iria bem cedo entrar em decomposição. Pela chaga da emigração, seu sangue mais puro se perdeu. Mais da metade dos oficiais foram para o estrangeiro. A Marinha não era mais do que um corpo exangue. A centelha vivificante que havia feito da França a Grande Nação não havia tocado sua Marinha. Essa Revolução não trouxe senão sua ruína, sua desorganização, sua indisciplina, sem lhe comunicar seu entusiasmo, sua fé criadora. A grande agitação maisdivórcio nitidamente fato existente entre a previsões Marinha ede o país. As acusava, razões desse eramque as nunca, mesmaso divórcio do séculodeXVIII. As longínquas Colbert confirmaram-se. Sem Marinha Mercante, sem interesses pecuniários no mar, a França não se poderia interessar senão superficialmente, passageiramente, pela Marinha. Ela não era carne de sua carne como a Marinha inglesa o era da Grã-Bretanha. Mas uma vez caiu a Marinha francesa, agora vítima das dissensões internas e, consequência desastrosa, levou na sua queda a Marinha do comércio. Quando foi assinada a paz de Amiens (1802), havia já muitos anos que nenhum pavilhão de comércio francês tremulava nos mares do globo. Sem elementos para enfrentar a Marinha inglesa, mais uma vez a França recorreu à guerra de corso. O decreto de 23 thermidor, do ano III, definiu o fim a atingir, devastar o comércio do inimigo, destruir, aniquilar suas colônias, forçá-lo a uma bancarrota vergonhosa. Bem cedo, dos portos do Atlântico saíram para o oceano, armados em corsários, quase todos os navios capazes de navegar o os ataque às rotas marítimas britânicas. Faceaoà sistema devastação crescente exercida no eseuiniciaram comercio, ingleses se viram obrigados a recorrer de comboios. Frotas imensas (de 500 e mesmo de 1.000 navios) atravessavam as regiões particularmente perigosas, sob escolta de navios de guerra. Em 1801, os resultados, ao todo, desde o começo da guerra, eram os seguintes: 5.557 navios mercantes haviam sido capturados; 593 corsários tomados; 41.500 marinheiros franceses feitos prisioneiros. Ao ser assinada a paz de Amiens, a perda anual média da Marinha Mercante inglesa era de 500 navios, mas ela contara com 16.728 navios, em 1795 e 17.885, em 1800. A guerra de corso havia, por conseguinte, fracassado na sua fase inicial. Paralelamente à guerra de corso, Napoleão procurou aparelhar a Marinha de Guerra francesa de maneira a, pelo menos, obter uma supremacia temporária no canal da Mancha, mas a batalha de Trafalgar marcou o fim de tal intenção. A batalha de Trafalgar, esmagando totalmente a remanescente Marinha francesa e comprometendo por longo tempo seu futuro, resolveu de maneira definitiva o grande problema da rivalidade pela hegemonia marítima, nascida sob Luiz XIV. Como único recurso, a França continuou a guerra de corso. No total de 11 anos de guerra (1803-14), 5.314 navios mercantes ingleses foram capturados, mas os britânicos por seu turno destruíram ou colocaram fora de estado de os atacar, 440 corsários guarnecidos por 27.600 marinheiros. No fim dessa longa guerra, a França não tinha mais que 100 corsários armados. Na mesma época, perto de 25.000 navios mercantes faziam tremular o pavilhão britânico em todos os mares do globo. Dos 1.500 navios franceses de longo curso existentes na abertura das hostilidades não restavam mais de 200 em 1814. A Marinha Mercante da França estava morta ao lado da Marinha de Guerra. Depois do esboroamento do Império e da última convulsão dos Cem Dias, a França renunciou à marinha. Com a paz, a Marinha Mercante francesa recuperou-se, graças ao vigor do comércio interno e à existência de estaleiros eficientes no país. Mais lento foi o renascimento da frota de guerra. Cerca de quarenta anos durou a convalescença da Marinha de Guerra francesa. Malgrado a ação por ela desenvolvida em várias demonstrações de força contra o Brasil (1828), Algéria (1830), Portugal (1831), México (1837) e Argentina (1845), só voltou a

 

ser poderosa de fato durante o Segundo Império, por ocasião da guerra da Criméia. A política imperialista de Napoleão III e a revolução industrial processada pouco mais ou menos no mesmo período favoreceram o desenvolvimento da Marinha francesa. Com efeito, depois da Grã-Bretanha, era a França a maior potência industrial da época, seguida de perto pela Alemanha e pelos Estados Unidos. Em 1864, contavam-se 430 altos-fornos em 55 departamentos que produziam ferro. A marítima, França compreendeu que esquadras se apresentava uma oportunidade1.213.000 única paratoneladas alcançar adesupremacia já que as antigas de madeira não poderiam subsistir na era do ferro e do vapor. Sob a orientação de hábeis técnicos, como Depuy de Lome, foi a França em muitos aspectos a vanguardeira da evolução marítima. De seus estaleiros saiu o primeiro navio encouraçado, o Gloire. Todavia a Grã-Bretanha, nação também tecnicamente evoluída, enfrentou a corrida armamentista, conseguindo manter a sua supremacia, malgrado a ameaça francesa. A corrida armamentista anglo-francesa sofreu um hiato com a Guerra Franco-Prussiana em 1870-71. Poucos serviços relativamente prestou a Marinha francesa nessa guerra, apesar de seu imenso aparato bélico. A Prússia, nação continental por excelência, dispondo de pequena Marinha, não disputou o domínio dos mares à sua inimiga. A guerra se decidiu totalmente em terra, e, ante a ameaça cada vez maior dos exércitos invasores prussianos, os marinheiros franceses vezes desembarcaram de seus magníficos navios, para lutar em trincheiras na defesa do muitas solo pátrio. Depois do conflito, uma só questão dominava todas as outras: retomar as províncias perdidas a revanche. Não se tinha em absoluto necessidade da Marinha para isso e convinha reduzi-la para não desperdiçar créditos que eram necessários noutros lugares. Como a França não tinha interesses no mar para justificar a existência da Marinha, uma vez ainda, conforme a frase de seu ministro, o Almirante Pothuan, a Marinha deveria sacrificar-se no altar da pátria. De novo desabava a grandeza da Marinha, grandeza toda artificial, criada por um regime de prestígio e ligada à sorte deste. O programa de 1872 fixou os destinos da Marinha Republicana. Dos 400 navios do Império, foram conservados apenas 217. A Marinha foi portanto sacrificada no altar da pátria. Thiers reduziu brutalmente seu orçamento, qualificando-a de arma de luxo. O próprio Ministro da Marinha, Almirante Pothuam, declarou do alto da tribuna: "Todos os esforços devem ser feitos do lado da terra. De que nos serviria agora uma marinha?" perguntava ele. A partir da oitava década do século passado, a França começou a perder a sua posição privilegiada de grande potência econômica. Foi ultrapassada em produção industrial e desenvolvimento comercial, pela Alemanha e pelos Estados Unidos. As causas desse fenômeno eram a paralisação, acusada desde vários anos, do processo demográfico, assim como da falta de suficientes reservas carboníferas, circunstâncias que dificultavam o crescimento da grande indústria. O tráfego ultramarino francês mostrou crescente empenho em se servir das companhias de navegação de outros países, mais baratas e rápidas, em vez de navegar sob o pavilhão nacional. Foi essa a causa da navegação na França não participar do florescimento da frota mundial. De 1866 a 1900, ela permaneceu quase estacionária em um milhão de toneladas, e a construção naval chegou quase à paralisação durante o último decênio anterior à Primeira Grande Guerra. Em oposição, a França retornou aos empreendimentos coloniais paralisados desde a conquista da

 

Algéria e da aventura no México. A primeira das grandes operações coloniais foi a conquista da Tunísia em 1881. Seguiu-se a da Indochina em 1884-85 e a de Madagascar em 1893, sem falar noutras menores levadas a cabo em vários pontos da África e da Oceania. Em todos esses empreendimentos, a Marinha de Guerra francesa teve atuação de primeira plana, ou destruindo as forças navais inimigas, ou reduzindo as fortificações terrestres, ou, enfim, apoiando as tropas de desembarque. Data também do final do século XIX o movimento chamado de "Jovem Escola" o qual causou não pequenos prejuízos ao desenvolvimento da Marinha de Guerra francesa. A Jovem Escola defendia a construção de uma esquadra numerosa de pequenos navios, sobretudo torpedeiros. A aparição do torpedo e da mina perturbou os espíritos e o debate veio a público. Bem menos que por uma reforma administrativa das instituições, uma opinião incompetente mal esclarecida apaixonou-se por uma reforma de concepções da guerra naval. Uma grave crise de idéias se declarou e em consequência a Marinha francesa viu sua força profundamente abalada. Agradava ao espírito francês mal avisado das realidades navais, desprezar uma força que achava brutal, substituindo-a pelos recursos de um espírito inovador e fecundo. A França que nunca antes se tinha interessado pela Marinha ficou com febre. Dessa falta de uniformidade de vistas e das contínuas mudanças de governo resultou uma armada numerosa mas heterogênea. Malgrado os sacrifícios consentidos pelos país, a Marinha francesa, nas vésperas da Primeira Grande Guerra, havia caído para o quinto lugar, se bem que seu Império Colonial fosse o segundo do mundo. A razão básica dessa queda devia de novo ser procurada na fraqueza da Marinha Mercante que, malgrado todos os esforços frequentemente grandes do Governo, não conseguiu acordar de seu longo sono. Tivesse tido a França uma Marinha Mercante florescente, rica e poderosa, com numerosos interesses no mar, não haveria lugar para discussões bizantinas como a da Jovem Escola. A voz dos interesses ameaçados faria prevalecer a verdadeira doutrina de que, numa questão de força como a guerra, deve-se ter poder. Mas a Marinha Mercante francesa em 1914 era menos da metade da alemã e apenas um décimo da britânica. Tendo perdido cerca de 920 mil toneladas durante a guerra, graças ao tratado de paz, a Marinha Mercante francesa recuperou a tonelagem afundada, alcançando, em 1921, a 2 milhões e trezentas mil toneladas. Entre os dois conflitos mundiais, poucos progressos realizou. Enquanto a Inglaterra voltava a ter nos mares mais de 20 milhões de toneladas de navios mercantes e a Alemanha, partindo novamente do zero, ultrapassava os cinco milhões, a França, em vinte anos, aumentava sua Marinha de comércio de 2 milhões e trezentas mil para dois milhões e setecentas mil toneladas. A Marinha de Guerra, em contraste, tendo adotado linhas seguras para sua evolução, e se beneficiando da longa continuidade ministerial de Georges Leygues, passou a ocupar o quarto lugar na tonelagem. As forças navais francesas perderam seu antigo aspecto heterogêneo, e a qualidade do material ganhou reputação. Todavia, quase toda sua magnífica obra de mais de vinte anos desapareceu com a Segunda Guerra Mundial. Depois do término do conflito, a França tem mantido uma frota de guerra bem inferior à de 1939, mas mesmo assim conserva-se entre as mais importantes potências navais do mundo. Entretanto, da mesma forma que a sua antiga rival, a Grã-Bretanha, a França viu sua presença nos mares ofuscar-se ao mesmo tempo que desaparecia seu antigo Império Colonial.

 

13. RÚSSIA Posição continental da Rússia. Os contatos comas nações da Europa Ocidental. A obra de Pedro, o Grande. O avanço para o mar de Azov. A conquista do litoral do Báltico. A fundação das cidades marítimas do Báltico; o intercâmbio com o Ocidente. A falta da Marinha Mercante. A decadência russa nos mares com a morte de Pedro, o Grande. O renascimento sob o reinado de Catarina, a Grande. As conquistas no mar Negro e no mar de Azov. A estagnação após a morte de Catarina, a Grande. A Guerra da Criméia. As ambições marítimas da Rússia no final do século XIX. As pretensões na Mandchúria e a Guerra russo-japonesa de 1904-05. A Primeira Guerra Mundial e a Revolução Bolchevista. A Segunda Guerra Mundial. Pretensões presentes.

A Rússia, país continental por excelência, não ofereceu sob o ponto de vista marítimo, nenhum interesse até a época moderna. A despeito do caráter continental de seu povo, a Rússia por muitos séculos manifestou um movimento instintivo e uma consciência política urgindo pelo oceano. Esse movimento foi barrado, no Báltico, pela Liga Teutônica e pelos poloneses, e, no Mar Negro, pelo Kanato da Horda de Ouro. Durante séculos a atividade econômica do grande Estado permaneceu, assim, pois, muito limitada. No século XVI, Ivan IV, o Terrível, abriu a Rússia ao tráfego de algumas potências ocidentais como a Inglaterra, mas isso não foi o bastante para formar uma verdadeira classe indígena de comerciantes e industriais que soubessem aproveitar os produtos naturais da imensa região. Por um século e meio os comércios inglês e holandês conservaram a Rússia em contato com a Europa Ocidental, fazendo com que o mundo oriental eslavo — que primeiro sofrera a influência bizantina e posteriormente a do mundo asiático dos mongóis e tártaros — se tornasse consciente, muito lentamente, de suas afinidades culturais com a Europa e, afastando-se de seus mestres orientais, procurasse aproximar-se dos países cristãos mais adiantados do oeste. Por outro lado, o czar procurou alcançar portos no Báltico e depois da guerra com a Livonia conseguiu Dorpat e Narva, mas os esforços para ampliar essa estreita faixa costeira foram bloqueados pela Polônia e pela Lituânia bem como pelos suecos. Em consequência, só ao tempo de Pedro, o Grande (16891725), foi possível a mutação. Esse soberano, que unia à brutalidade própria de seu povo visão genial e tenacidade sem par, enquanto afirmava com suas reformas e conquistas territoriais a superioridade militar e política da Rússia na Europa Oriental, fundava, ao mesmo tempo, as bases da indústria e do comércio a golpes de ukase e de knut. Cercado de estrangeiros, Pedro Alexvitch, desde a infância, compreendera a importância do mar. Em 1693, fora a Arkangel, o único verdadeiro porto que então possuía a Rússia, e compreendera

 

de vista a necessidade do comércio marítimo. A partir dessa época, ocupou-se seriamente dos problemas marítimos, considerando as possibilidades do mar Branco, do mar de Azov e do mar Negro, decidindo apoderar-se das embocaduras do Don e do Dnieper. Pode-se dizer que Pedro, o Grande, firmou então as diretrizes da política externa russa seguida nos séculos seguintes com notável constância pelos seus sucessores, que consistiu, em essência, na conquista de portos livres de gelo durante o inverno no Báltico e no Pacífico e na procura do acesso ao Mediterrâneo. Pedro, o Grande, no início de seu reinado, orientou o esforço nacional para o sul, isto é, propondo como problema imediato a ratificação e a proteção das fronteiras meridionais. Com esse objetivo, procurou garantir a posse das margens do mar Negro e do mar de Azov e fortificálas. Assim foi no mar de Azov que surgiu a primeira frota russa, e onde foram construídos os primeiros estaleiros e portos. Posteriormente, porém, os esforços de Pedro, o Grande, deslocaram-se das margens dos mares Negro e de Azov para o mar Báltico, pois, desde um século antes, os suecos haviam fechado a estreita janela que Ivan, o Terrível, conseguira a tanto custo abrir para o Báltico. A nova capital do Estado passou a ser não Azov ou Tangarov, mas São Petersburgo. A idéia da retificação da fronteira do sul foi abandonada e cedeu lugar à defesa da fronteira do noroeste. Com o início da Guerra do Norte, abandonou-se, em consequência, a esquadra de Azov. Sem alguma, motivo principal quefosse levouumPedro, o Grande, guerrear contra a Suécia foi o dúvida desejo de possuiro um porto, ainda que só, nas bordas doa mar Báltico. O momento pareceu-lhe oportuno, devido às guerras sustentadas por Carlos XII na Polônia. Os esforços de Pedro dirigiram-se então para a criação da frota báltica. Já em 1701, planejava ter nesse mar oitenta grandes navios. Em 1703, ano da fundação de São Petersburgo, o estaleiro de LodeissoePolé lançava ao mar seis fragatas, sendo esta a primeira frota russa que apareceu no mar Báltico. Nos onze anos subsequentes, o esforço em prol da Marinha continuou apesar das dificuldades, e, em 1714, com a frota crescente do Báltico, Pedro derrotou em Hangut a esquadra sueca, soberana antiga desse mar. A vitória de Hangut era a primeira verdadeira vitória naval a ativo da nova Marinha russa. Com dois devastadores desembarques na Suécia (1719 e 1720), a frota russa contribuiu posteriormente para pôr fim à guerra. No fim do reinado, podiam contar-se na esquadra do Báltico 48 navios de linha, 800 galeras e outras pequenas unidades, com 28.000 homens de guarnição. A 30 de agosto de 1721, a paz foi assinada em Nestadt. A Rússia recebeu a Carélia, a Ingria, a Estônia e a Livonia. Todo o litoral balto, deste Petersburgo até a fronteira prussiana, estava nas mãos dos russos. Depois de séculos de uma luta penosa e de numerosos anos de esforços encarniçados, a Rússia arrancara aos suecos a soberania do mar Báltico. A expansão da Rússia sob Pedro, o Grande, tornara-se possível por ter Carlos XII falhado em executar a tradicional política sueca de se manter antes como potência marítima do que potência terrestre. Carlos XII tentou fazer a Suécia suprema em ambas as esferas e fracassou. A criação e expansão da Marinha russa só fora possível, outrossim, graças ao desenvolvimento industrial que paralelamente o czar fomentou por todos os meios. Sob Pedro, o Grande, havia vinte e cinco arsenais de construção que lançaram ao mar mais de mil navios, sem contar os que foram comprados ou encomendados no estrangeiro. A indústria metalúrgica recebera cuidados especiais. No fim do reinado, existiam na região de Ekaterinburg 17 fundições de ferro e cobre pertencentes à coroa e a particulares. Essa exploração mineira permitiu que Pedro armasse a

 

Marinha e o Exército e lhes fornecesse munições de fabricação russa. Quando morreu o czar, deixou mais de 16 mil canhões sem contar os da esquadra. Pedro não se interessara menos pelo escoamento das mercadorias para o comércio interior e principalmente para o comércio exterior, no qual a Rússia era escrava dos navegadores ocidentais. Todo o imenso esforço despendido na longa Guerra do Norte tivera como único fito abrir Rússia aomar contato comEm o Mundo através de rotas marítimas que as do alongínquo Branco. 1700, aEuropeu Rússia não desfrutava senão de um mais papelacessíveis insignificante no tráfego do Báltico, e os únicos escoadouros marítimos que possuía no próprio território eram os portos do mar Branco, notadamente Arkangel que ficava aberto à navegação apenas seis ou sete meses em doze. A vitória na Guerra do Norte deu à Rússia sete portos no mar Báltico, Riga, Pernov, Reval, Narva, Viborg, Kronstadt e São Petersburgo, os dois últimos construídos por Pedro, o Grande. Essas conquistas suscitavam já em 1714, talvez mesmo antes, a questão das modificações a introduzir nas trocas comerciais com a Europa Ocidental, as quais se haviam efetuado até então, pelo mar Branco, por Arkangel, único porto marítimo do Estado antes de Pedro. Após a fundação de Petersburgo e à proporção que se firmava nas margens do mar Báltico, o czar pretendeu desviar o comércio do mar Branco para o Báltico e dirigi-lo para a nova capital. Essa revolução comercial, porém, atentava contra numerosos interesses e muitos hábitos antigos; contrapunham-se ao czar os holandeses, que desde muito haviam constituído um sólido centro em Arkangel, e bem assim os mercadores russos acostumados ao caminho aberto pelo Dvina do Norte. Assim, além da Inglaterra, da Holanda e da Dinamarca, com as quais as relações estavam já estabelecidas, o czar procurou interessar outros países mais afastados. Enquanto em 1714 só 16 navios estrangeiros tinham lançado âncora em Petersburgo, em 1772 o número subiu para 116 e em 1724 para 180. No conjunto dos portos do Báltico, excetuados Pernov e Kronstadt, contaram-se, em 1725, 914 entradas de navios mercantes de diferentes países da Europa Ocidental. Das duas tarefas que Pedro se impusera em matéria de comércio exterior, uma resolveu-se favoravelmente: a exportação russa tornou-se notavelmente superior à importação. Dois anos após a sua morte, a Rússia exportava 2.400.000 rublos e importava 1.600.000. Não logrou bom êxito, porém, na segunda tarefa: a criação de uma frota mercante para libertar o comércio exterior das mãos estrangeiras; não encontrou armadores russos. O que a vontade poderosa do grande czar não logrou, também não o conseguiram nenhum de seus sucessores no Governo do país. Exceto a pesca, que sempre nasce onde o homem fica em contato com a água, e uma atividade limitada da sua frota mercante no mar Negro e no mar Báltico, a Rússia até época bem recente jamais desempenhou papel de relevo na esfera marítima não relacionada com a Marinha de Guerra. Nenhum dos governos autocratas que assumiram o controle da Rússia nos últimos dois séculos conseguiu alterar essa situação, derivadas eminentemente da natureza continental do país. Com a morte prematura de Pedro, o Grande, em 1725, a gigantesca empresa de ocidentalização da Rússia sofreu um rude golpe. A Marinha ressentiu-se particularmente. A vontade e o caráter de Pedro, o Grande, faltavam ao país. Seus antigos comandantes e as guarnições estavam ainda presentes a bordo dos navios, mas sua energia estava extinta. Uma triste situação financeira precipitou a decadência da Marinha. Pedro, o Grande, tivera frequentemente que enfrentar dificuldades desse gênero e soubera sempre resolvê-las, graças a medidas enérgicas tomadas a tempo. Seus sucessores não o souberam fazer e ficaram em presença de situações difíceis em

 

virtude de uma série de guerras longas e encarniçadas. Em consequência, a Marinha russa pouco ou nada fez nas campanhas levadas a cabo no período decorrido até a ascensão ao trono de Catarina, a Grande, e sofreu derrotas humilhantes tanto no Báltico como no mar Negro. Os turcos, que não tinham então em alto conceito o poderio naval do czar, chegaram a incendiar toda uma esquadra russa em 1734. Face à sucessão de desastres, os trabalhos navais no Dnieper e no Don foram suspensos, mantendo-se estaleiros só em São Petersburgo e Arkangel. Coube à Catarina, a Grande, continuarCatarina a marchaII para os maresa iniciada sob Pedro,daoMarinha, Grande. do Subindo ao trono da Rússia, a Imperatriz empreendeu obra de redenção Exército e da Rússia, de uma maneira geral. A esquadra, de há muito negligenciada, foi o seu primeiro cuidado. Criou-se uma junta especial cujas funções eram de reequipá-la e torná-la capaz de se fazer ao mar. A energia e a solicitude empregadas para melhorar a frota deveriam dar bem rapidamente brilhantes resultados. A Rússia, nação continental que era, tornar-se-ia uma grande potência naval, chegando a se colocar em terceiro lugar. A atenção dispensada à Marinha por Catarina, a Grande, é bem evidenciada pelas cifras das construções e dos orçamentos. Durante todo o seu reinado, de 1762 a 1796, construíram-se, no Báltico, 90 navios de linha e 58 fragatas, no mar Negro, 15 naus e 50 fragatas. As despesas da Marinha passaram de 1.200.000 rublos para 5 milhões de rublos. Ocupando-se da frota de guerra, Catarina não esqueceu a Marinha Mercante, que considerava um dos fatores principais do progresso comercial do país. Durante todo seu reinado, medidas enérgicas foram tomadas para aumentar a importância da Marinha de comércio, tanto marítimo como fluvial. Coube à Marinha, restaurada por Catarina, terminar a obra iniciada por Pedro, o Grande, no mar de Azov e no mar Negro, sessenta anos antes. Graças às repetidas vitórias navais sobre os turcos, a Rússia conquistou a Criméia e mais uma vasta porção do litoral do mar Negro. Não foi senão após 1774, com um tratado concluído com os turcos, pelo qual obteve o direito de navegar no mar Negro e nos estreitos de Bósforo e Dardanelos, que a Rússia pôde utilizar o litoral recémadquirido sobre o mar Negro e o mar de Azov. Em 1790, Tangarog, que se encontra a oeste do estuário do rio Don, era o principal porto russo no mar Negro. Odessa so foi aberta como porto em 1795 e, em 1805, contava já com 15 mil habitantes. Em 1804, Sebastopol, com suas excelentes enseadas, foi escolhida exclusivamente para base naval. Entretanto, o comércio de Odessa e, a bem dizer, de todos os portos do mar Negro foi muito pouco importante até 1800, mesmo comparado ao do mar Branco, e quase desprezível comparado ao do Báltico. O tráfego desses portos estava na maior parte nas mãos da Marinha Mercante grega do Império Otomano, que transportava as mercadorias a Constantinopla e a Smirna, O fim do século XVIII viu aparecerem navios austríacos e ingleses nos portos russos do mar Negro. No decorrer de todo o século XIX e começo do século XX, a evolução marítima da Rússia se processou segundo as mesmas linhas gerais do século XVIII. O crescente comércio exportador do país pelo Báltico e pelo mar Negro, representado sobretudo por madeiras, trigo e peles, não estimulou grandemente o crescimento da frota mercante russa, cabendo aos navios das outras nações o transporte da maior parte dessas volumosas transações. Assegurado o domínio do mar Negro começou o governo de Moscou a considerar o acesso ao mar Mediterrâneo, e desde as guerras napoleônicas que forças navais russas começaram a navegar cada vez com maior frequência nas águas do Mediterrâneo Oriental. Já em 1827, os navios do czar participaram da batalha de Navarino, ao lado dos ingleses e franceses, por ocasião

 

das lutas pela independência da Grécia. Mas, se havia interesses comuns das grandes potências européias com as da Rússia, a propósito da independência grega, tal coincidência cessou uma vez libertado aquele país do jugo turco. Dessa forma, na determinação da Grã-Bretanha e da França em impedir a Rússia de obter o controle do Mediterrâneo Oriental e a sua decisão de conservar a Turquia, como guardiã do Bósforo, reside a causa da Guerra da Criméia. No início Guerra Criméia,turca, em 1853, Almirante da Nakhimov inteiramente, na batalha de da Sinope, umadaesquadra mas a ointervenção França e destruiu da Inglaterra, no conflito, arrebatou à Rússia o domínio do mar Negro. A Marinha russa pouco ou nada fez para impedir os desembarques aliados na Criméia, recolhendo-se à Base Naval de Sebastopol, em cuja defesa se concentrou. Quase todos os navios da frota do mar Negro foram afundados para barrarem as entradas do porto, e os marinheiros desembarcaram para guarnecerem bastiões em terra. Quando Sebastopol caiu em poder do Exército aliado depois de longo cerco, o poderio naval da Rússia estava aniquilado. Terminada a guerra, a Marinha russa entrou em fase de recuperação. De 1855 a 1863 foram construídos 132 navios a hélice, grandes e pequenos, dos quais apenas cinco encomendados no estrangeiro. Os demais foram construídos nos arsenais russos com material russo. Esses números mostram bem a energia com que foi empreendida a construção naval, sobretudo se considerarmos a pobreza da organização do paísdenaquela A nitidamente nova frota, contudo, não teve participação de vulto na metalúrgica guerra russo-turca 1877-78,época. que foi terrestre. Na verdade, a Rússia tinha a desvantagem de possuir sua esquadra dividida por vários mares e dessa forma, no Negro, não dispunha de meios flutuantes suficientes para se opor à esquadra turca. A guerra foi, entretanto, decidida em terra, onde a superioridade russa era esmagadora. Com o Tratado de Berlim que pôs fim ao conflito, mais uma vez a Rússia teve suas pretensões de acesso ao Mediterrâneo barradas pelas grandes potências da Europa Ocidental. Menos resistência encontrou a Rússia na sua expansão para o Leste e, assim, desde meados do século XIX, ela consolidou sua posição no Pacífico, em cujas águas foram fundadas as cidades de Vladivostok e Petropalovsk, ambas bloqueadas pelo gelo durante o inverno. Por fim, no final do século, a Rússia arrancou a uma China desmoralizada a posse de Porto Arthur, situada em grande excelente cujas águas não gelavam nos meses frios. Ali foi iniciada a construção de uma basebaía, naval, acirrando a desconfiança japonesa. No reinado do czar Alexandre III (1881-94), foi organizado um plano de vinte anos para a construção de uma esquadra moderna que atendesse às ambições imperialistas da Rússia. A construção de navios de guerra motivou a criação de usinas metalúrgicas e de instalações mecânicas e obrigou a formação de engenheiros e especialistas. Uma parte dos navios do novo programa foi encomendada ao estrangeiro. O atraso técnico do país fez com que fossem construídos navios de tipos muito diferentes, não sendo constituída assim uma força homogênea. As despesas enormes ocasionadas por essas construções obrigaram a economizar noutra parte. Os navios passaram a navegar cada vez menos, e o pessoal sofreu as consequências. Durante esse período, a qualidade do pessoal piorou à medida que melhorou a do material. Em treze anos construíram-se 114 navios, dos quais 17 encouraçados, 10 cruzadores encouraçados, 14 canhoneiras encouraçadas e 80 navios de menor tonelagem. Nesse total, apenas dois cruzadores, três canhoneiras e 20 torpedeiros foram encomendados ao estrangeiro. Os demais foram

 

totalmente construídos em estaleiros russos, inclusive máquinas e artilharia. A tonelagem do conjunto atingiu 300 mil toneladas. Nos dez anos que se seguiram, de 1894 a 1904, já no reinado de Nicolau II, a Rússia fez ainda um esforço mais considerável. Foram construídos, então, sete encouraçados, quinze grandes cruzadores e trinta navios de outros tipos. A tonelagem da frota russa atingiu a 500 mil toneladas. Assim, ao começar o século XX, aCom Rússiaesses possuía umamateriais, grande frota a colocava em terceiro lugar entre as potências navais. meios queque pareciam suficientes, ela empreendeu uma política agressiva no Extremo Oriente para chegar ao mar livre. Para possuir um porto que não gelasse, a Rússia tinha absoluta necessidade da Mandchúria e da Coréia que, por outro lado, eram necessárias ao Japão, como acesso ao continente. Dessa forma, houve o choque inevitável das pretensões russas no Extremo Oriente com os interesses japoneses e, em 1904, começou a guerra. Após sofrer a perda de quase todas as unidades da Esquadra do Pacífico em combate, por ação de minas e na captura da Base Naval de Porto Arthur, a Rússia teve aniquilada inteiramente a esquadra enviada do Báltico num supremo esforço. Na batalha de Tsushima, trinta dos quarenta e sete navios russos foram postos a pique, uma perda em tonelagem de 137.000 toneladas num total de 156.000. Três navios apenas escaparam, pois os demais se renderam. Depois da conclusão da paz com o Japão, o que restava da esquadra russa voltou para o Báltico, onde não ficara, por assim dizer, nada mais do que um encouraçado a flutuar e dois outros em construção. Os navios chegados do Extremo Oriente constituíram o núcleo em torno do qual deveria renascer a frota russa. Todavia, nove anos depois, a esquadra não fora ainda construída. Nenhum dos navios do novo programa estava pronto. A esquadra não compreendia, portanto, senão as unidades sobreviventes da guerra russo-japonesa e as construídas durante aquela guerra. A contribuição da Marinha russa na Primeira Guerra Mundial foi modesta. Ela não foi capaz de ameaçar em nenhum momento o domínio naval alemão no Báltico, apesar da maior parte da esquadra germânica ter ficado concentrada no mar do Norte. A esquadra russa dedicou-se principalmente às operações de minagem, no que logrou algum sucesso, até que em 1917 a infiltração comunista solapou os últimos vestígios da sua eficiência militar. A revolução vermelha aniquilou praticamente com o que ainda existia da Marinha russa, e, até poucos anos antes da Segunda Guerra Mundial, os dirigentes comunistas pouca atenção deram à sua restauração. Na década dos trinta, contudo, a Rússia iniciou um programa de construção naval relativamente grande, compreendendo, principalmente, cruzadores, contratorpedeiros e submarinos. Parte desse programa foi realizada, em encomendas aos estaleiros italianos. A contribuição da Marinha russa na Segunda Guerra Mundial não foi decisiva. Mais uma vez ela não disputou à Marinha alemã o domínio do mar Báltico. Seus navios atuaram mais como baterias flutuantes no flanco do Exército que se apoiava no mar ou na defesa das cidades marítimas atacadas pelos exércitos nazistas. A Marinha russa gozou de relativa supremacia no mar Negro, o que facilitou a prolongada defesa de Sebastopol, em 1942, e posteriormente a reconquista da Criméia. As forças navais soviéticas, por outro lado, pouco auxílio prestaram às nações ocidentais na

 

escolta dos comboios para Murmansk, o que talvez devesse ser sua missão principal. Após a Segunda Guerra Mundial, a Rússia iniciou um vasto programa naval que a colocou mais uma vez, em segundo lugar entre as potências marítimas. Os ganhos territoriais da Rússia depois da Segunda Guerra Mundial colocaram-na numa posição estrategicamente mais favorável para sua expansão nos oceanos. Hoje a URSS está consciente de seu futuro como potência marítima, e a nação que pôde no passado ser chamada de "animal terrestre" está adquirindo consciência marítima. Ela não só desenvolveu consideravelmente sua Marinha de Guerra, como também tem procurado mais que nenhuma outra potência expandir sua Marinha Mercante e todas as atividades ligadas ao mar. A expansão marítima russa não é um anseio de seu povo, que aliás não dispõe de muitas maneiras de manifestá-lo, mas o resultado dos interesses em jogo nos oceanos. Nada alterou tanto nos últimos anos a balança de poderes nos mares como a crescente presença da bandeira soviética em todos os oceanos.

14. ALEMANHA A ausência de atividade germânica nos mares após a Liga Hanseática. A Marinha prussiana. A fundação do Império Alemão. O desenvolvimento da indústria e do comércio. As colônias. O crescimento da Marinha Mercante. A indústria naval. O desenvolvimento da Marinha de Guerra no reinado de Guilherme II: a ação do Kaiser e do Alte Von Tirpitz. A rivalidade britânica. A Primeira Guerra Mundial: o desaparecimento do comércio marítimo germânico: a campanha submarina. O renascimento após a derrota. A política marítima dos nazistas. A Segunda Guerra Mundial: a campanha submarina. A derrota.

Abstraindo a intensa atividade marítimo-comercial desenvolvida nos fins da Idade Média e nos primórdios da Idade Moderna pelas cidades hanseáticas, a participação alemã nos empreendimentos oceânicos foi diminuta até época bem recente. O povo alemão, habitando dezenas de diferentes Estados, muitos dos quais não dispunham de limites marítimos, dizimado por seguidas e prolongadas guerras, não participou da investida para os maresO iniciada portugueses e prosseguida depois Holanda, Inglaterra e França. comérciopelos alemão para o além-mar caiu assim nas pela mãosEspanha, dos holandeses.

 

A partir do século XVIII, a Prússia começou a emergir como o mais poderoso dos Estados germânicos, mas, cercada por nações rivais, também ela não pôde cogitar do desenvolvimento marítimo, nem sequer empreender a construção de uma esquadra que protegesse o litoral do Báltico contra os ataques inimigos. Assim, durante todo o século XVIII, não se encontra nenhum traço da Marinha de Guerra da Prússia. A necessidade de haver uma se fizera sentir no país por várias vezes durante esse período perturbado, mas o estado precário das finanças do reino fez sempre adiar termo a realização empresa. Suecos dinamarqueses disso sedos aproveitaram parae levar a bom várias dessa campanhas em solo da eAlemanha, no decorrer séculos XVII XVIII. Em meados do século XIX, a Prússia criou uma pequena Marinha de Guerra. Ela surgiu por força da guerra contra a Dinamarca e foi planejada levando em conta as peculiaridades da campanha contra aquele país nórdico. Terminada a guerra, seguiu-se novamente um período de esquecimento para a nascente Marinha prussiana. Os recursos militares que se davam aos navios alemães em serviço eram fracos. Era o resultado pouco brilhante de uma política naval sempre entravada e sacrificada. Por conseguinte, antes de 1870 a esquadra alemã aumentou apenas por golpes. Como a Marinha Mercante era pouco desenvolvida para poder incrementar a construção naval, acompanhando os novos processos, a Marinha de Guerra era obrigada a recorrer quase sempre ao estrangeiro. Decorreram assim longos anos antes que a Alemanha se convertesse em potência naval. Somente quando várias circunstâncias favoráveis coexistiram surgiu a Marinha que iria disputar à GrãBretanha a supremacia dos mares. A razão principal desse retardamento pode ser atribuída à posição geográfica do país. Com efeito, o território alemão é quase todo fechado por terra e onde ele toca o mar este é dominado por potências situadas mais favoravelmente. Em terra, a Alemanha dispunha sobre os seus vizinhos das facilidades de milhares de comunicações interiores. No mar, os territórios das potências inimigas, ocupavam posição estratégica mais favorável, permitindo o controle dos acessos oceânicos aos portos germânicos. Dentro de uma estratégia nitidamente continental, a Prússia iniciou em meados do século XIX uma série de guerras expansionistas, visando firmar-se como grande potência européia. Nas guerras espécie, de 1864 e(contra a Dinamarca) e 1866de(contra a Áustria), não houve encontrononaval de qualquer na guerra franco-prussiana 1870-71 houve apenas um combate mar, entre dois pequenos navios. Depois, porém, que a Alemanha constituiu um Império, em 1871, pela união dos vários Estados germânicos, a necessidade de um poder naval capaz de defender os interesses alemães no Ultramar tornou-se patente. O rápido desenvolvimento do comércio alemão sob o estímulo das indenizações francesas e tarifas protetoras exigia novas fontes de matéria-prima e novos mercados. O maior incremento da população, por outro lado, indicava a necessidade de lugar para a expansão germânica no Ultramar. Por muitos anos a emigração de alemães da terra-pátria, em média cerca de dois mil por dia, dirigira-se em grande fluxo para os Estados Unidos, para o Brasil, para a Argentina e outras regiões onde o Governo Imperial não tinha controle. Parecia claro que colônias eram desejadas e mesmo necessárias. Em 1884, a Alemanha, sem mover um navio ou disparar um

 

canhão, achou-se possuidora de território na África, cuja área combinada excedia a mais de quatro vezes a área do Império Germânico na Europa. Depois da Inglaterra, da França e dos Estados Unidos, a Alemanha ocupava, enfim, posto eminente no comércio internacional, posição essa que se consolidou com o passar dos anos. Entre todas as potências mercantis foi a Alemanha a que relativamente acusou o mais grandioso desenvolvimento até a Primeira Guerra Mundial. A indústria metalúrgica, que já na primeira metade do século avançava com sucesso, no fim dos oitocentos e no primeiro decênio do século XX, prosperou a passos gigantescos, graças à descoberta de jazidas de minério de ferro no subsolo da Alemanha. Em 1871, a produção de ferro alemã não superava 1.563.000 toneladas e mantinha 23 mil operários, e em 1904, a produção passava a 10 milhões de toneladas e ocupava 35 mil pessoas. A produção de aço aumentou da mesma maneira. Em 1912, ela era avaliada em 17 milhões de toneladas contra 1.100 mil em 1887. Desse modo, se antes de 1880 a Alemanha ocupava o quarto lugar no comércio mundial, em 1914 ocupava o segundo. De 1898 a 1914 o comércio externo da Alemanha aumentou em 100%, dos quais três quartos eram de comércio marítimo cuja escala era em Roterdã e Antuérpia. As cidades costeiras do mar do Norte e do Báltico beneficiaram-se amplamente do cuidado incessante dado à Marinha e da expansão comercial alemã no Ultramar. Hamburgo, na embocadura do Elba, agigantou-se. Porto Franco desde 1881, possuía em 1914, 1.087 navios que deslocavam 1.362.000 toneladas. Todo ano entravam e frequentavam seu porto mais de 30 mil navios. A importação subia a 12 milhões de toneladas, e a exportação a nove. Naturalmente as companhias marítimas de Hamburgo cresceram em número e como entidade, de modo extraordinário. A partir de 1885, Bismarck começou a autorizar fortes subvenções do Governo Imperial à Marinha Mercante germânica. Em 1870, uma só companhia existia, a Hamburg Amerika Line; em 1914, depois de quarenta anos, portanto, havia não menos de quarenta companhias orgulhosas. Só a Hamburg dispunha de um capital não inferior a 125 milhões de marcos, sendo proprietária de 388 navios com uma tonelagem que, em 1910, subia a 1.021.963 toneladas. Nas vésperas da Primeira Guerra Mundial, a frota mercante alemã era a segunda do mundo. Ela compreendia mais de quatro mil navios com mais de cinco milhões de toneladas. Oitenta mil marinheiros guarneciam esta frota. A percentagem da Alemanha na frota mercante mundial, que era, em 1874-75, somente 5,2%, elevou-se até o começo da guerra a 10,8%. Estimulados pelo desenvolvimento da Marinha Mercante e amparados por uma sólida indústria siderúrgica, os estaleiros alemãs proliferaram. Em 1870, havia no país apenas sete estaleiros. Esse número elevou-se a 107 em 1912. Enquanto até o nono decênio do século passado os grandes navios transatlânticos só procediam da Inglaterra, as conhecidas firmas de armadores de Hamburgo e Bremen fizeram daí por diante suas encomendas aos estaleiros alemães, estimulando-os com isso a desenvolverem uma capacidade de produção cada vez mais elevada. Em poucos converteram-se estaleiros em empresaso desenvolvimento construtoras de crescente primeira categoria, e a anos, contínua ampliação de esses suas explorações demonstrou

 

dessa indústria. O aumento do comércio alemão depois de 1871 e o crescimento da Marinha Mercante mostraram a necessidade de uma Marinha de Guerra. Essa necessidade foi posteriormente acentuada pelo estabelecimento do Império Colonial. Contudo, somente quando o jovem Kaiser (Guilherme II) subiu ao trono é que a construção de uma forte Marinha foi encarada. A impotência da Alemanha devido à falta Marinhaao foiPresidente amplamente demonstrada em 1896,com quando o Kaiser de sustentar seu de telegrama Krüger, do Transwaal, outro meio foi queincapaz não mais telegramas. Ainda mais efetivamente foi demonstrada em 1889, quando começou a guerra Anglo-Boer. O Kaiser se enfurecia quando os navios mercantes alemães, carregados de armas e munições para os Boers, eram detidos pelos cruzadores ingleses e condenados ao confisco por tribunais britânicos. Usando a experiência sul-africana como um meio para inflamar a opinião pública alemã (que é altamente inflamável), ele conseguiu as duas primeiras das quatro Ligas Navais sob as quais foi construída a grande frota que custou ao povo alemão 200 milhões de libras. O zelo do Kaiser pela construção naval foi posteriormente estimulado pela Guerra Hispano-Americana de 1898, na qual a influência decisiva do poderio naval foi demonstrada conspicuamente. Depois de 1896, o Kaiser passou a contar com o concurso, na pasta da Marinha, do Almirante Von Tirpitz, que foi a alma do desenvolvimento naval da Alemanha. Ao raiarcomércio, o século XX, a Alemanha reunia as condições a uma amor potência naval: atividade industrial, sentido militar,fundamentais aptidão paranecessárias a organização, ao trabalho, poderio do Estado e patriotismo. Bem cedo os programas modestos das duas primeiras Ligas Navais foram abandonados (1898 e 1900). O segundo ato naval acelerou e quase dobrou o programa de 1898, procurando criar uma frota de combate com 34 encouraçados, 38 grandes cruzadores e 106 pequenos cruzadores. A Inglaterra evidentemente não deixou de considerar o desenvolvimento da Marinha alemã e, sob o pulso firme de Lord Fisher, ampliou, por seu turno, o programa de construção naval. As duas grandes potências européias iniciaram então uma corrida armamentista que durou até o início da Primeira Guerra Mundial. Em agosto de 1914, a Alemanha tinha a segunda Marinha de Guerra do mundo. Sua esquadra compunha-se de 13 encouraçados modernos, 30 encouraçados antiquados, 5 cruzadores de batalha, 60 cruzadores pesados, 12 cruzadores ligeiros, 152 contratorpedeiros, 45 torpedeiros e 40 submarinos. O emprego dessa formidável força naval no conflito de 1914-18 presta-se até hoje a controvérsias. A Marinha alemã bateu-se com denodo, e a alta qualidade de seus navios foi comprovada por mais de uma vez. Ela não impediu, contudo, que a Marinha Mercante alemã abandonasse todos os mares, com exceção do Báltico. A supressão do comércio germânico no além-mar teve consequências funestas para as armas do Kaiser. Ao contrário da guerra de 1870, relativamente curta, o domínio das rotas oceânicas foi adquirindo, com o correr dos meses, cada vez maior importância, uma vez perdido o elã inicial do avanço dos exércitos alemães na França. Com a estabilização dos exércitos beligerantes na luta de trincheiras, a guerra assumiu um aspecto de desgaste que tornava problemática a vitória da Alemanha, cortada das principais fontes de suprimento do mundo. A guerra de corso começou a ser considerada, por certo círculos na Alemanha, como o único recurso capaz de quebrar o esforço da guerra aliada. O submarino tinha-se revelado capaz de ameaçar a vida econômica da Inglaterra malgrado a proteção de sua esquadra. A íntima dependência que a Inglaterra se achava de sua Marinha Mercante permitia a esperança de ver o Estado insular tão profundamente

 

atingido que não pudesse prosseguir na luta. Quatro quintos dos víveres e das matérias-primas que consumia, com exceção do carvão e da metade do minério de ferro, procediam do além-mar. Levou muito tempo, porém, para felicidade dos aliados antes que a Alemanha se empregasse a fundo na guerra de corso submarina. Todo o esforço naval do país, antes da guerra, tinha sido consagrado a Forças de Alto-Mar e relativamente pouca atenção se tinha dado à Força de Submarinos. Além do mais, havia os problemas políticos, que eram os principais. A guerra submarina irrestrita fatalmente arrastaria para o campo aliado outras potências. No decorrer de 1915, a média mensal de afundamento de navios mercantes por submarinos foi de 120 mil toneladas. Antes de iniciada a guerra submarina, o comércio marítimo procedente da Inglaterra ou a ela destinado não tinha sofrido apreciavelmente. O encarecimento do frete mantinha-se em limites razoáveis, e o povo inglês, em suma, sofria pouco. Não havia carência, e o encarecimento da vida era suportável. A guerra submarina, ao contrário, modificou sensivelmente as condições de vida na Inglaterra. O frete se elevou notavelmente. De janeiro a maio de 1915, dobrou; em janeiro de 1916, era em média dez vezes mais elevado que antes da guerra (janeiro de 1914). Os preços do comércio, grosso modo, seguiram a ascensão antes mesmo que as importações tivessem sofrido reduções bastantes para se falar em penúria de mercadorias. No fim de 1916, a perda de tonelagem tornara-se já sensível. Era evidente que o problema da guerra submarina reduzia-se a uma questão de tonelagem. Os argumentos a favor da campanha submarina irrestrita eram fortes em face dos resultados já alcançados com a campanha moderada empreendida até então. No entender de von Tirpitz e von Scheer “não se poderia atingir a Inglaterra senão no seu comércio marítimo. O meio para se alcançar o objetivo era a guerra submarina sem restrições à qual a Inglaterra não poderia sustentar por mais de seis a oito meses, considerando os recursos de que os aliados dispunham então”. Os estaleiros tinham estado bastante ativos em 1915 para fornecer um número de submarinos satisfatório, mas tinha-se perdido um ano precioso. Durante o ano de 1916 a Inglaterra teve tempo para tomar, metodicamente, as contramedidas. O resto do ano de 1916 se passou em discussões entre o Estado-Maior Geral, a Marinha e o Governo do Império; o Chefe do EstadoMaior Geral procurando forçar o Governo a empreender a guerra submarina sem restrições, enquanto tentava fazer o Comandante-Chefe recomeçar a guerra comercial restrita. A guerra submarina sem restrições começou enfim a 1º de fevereiro de 1917. Tratava-se de quebrar a resistência da Inglaterra, destruindo seu comércio marítimo, malgrado a superioridade de sua esquadra. Dois anos e meio de guerra se tinham passado sem ter sido iniciada essa tarefa, até que as autoridades responsáveis se viram na obrigação de utilizar os meios de que dispunham para evitar o desastre ameaçador. Começou então a fase crucial da guerra marítima, e todas as nações beligerantes compreendera que o seu resultado seria talvez mais importante ainda que a decisão da batalha do Marne. Nunca potência alguma colocou tal empenho e tantos recursos em cortar as vias marítimas da nação inimiga como fez a Alemanha em relação à Inglaterra em 1917 e 1918. Esforço semelhante só viria a ser empreendido em idênticas circunstâncias na Segunda Guerra Mundial. Nenhuma campanha mobilizou tantos recursos no mundo todo quanto essa primeira batalha do Atlântico. Enquanto a guerra de corso, realizada pelos franceses nos conflitos dos séculos XVII, XVIII e XIX, não chegou a impedir o crescimento da Marinha Mercante inglesa, a campanha submarina irrestrita em poucos meses causou uma diminuição sensível na tonelagem mundial.

 

O número de submarinos cresceu sempre, malgrado as contramedidas aliadas. No começo do ano de 1915, o número de unidades consagradas à guerra no comércio era de 24. A tonelagem afundada durante o ano de 1915 não atingiu o número de seis semanas de guerra sem restrições. Em 1916, o número de submarinos foi acrescido para 87 entre os vários tipos, mais 14 estavam em experiência e 151 em construção. Trinta e cinco submarinos não haviam regressado às bases desde o início das hostilidades. No primeiro dia de guerra submarina sem restrições havia já no mar do Norte 57 A submarinos, Báltico,aumentou oito, embrutalmente, Flandres, 38, e as bases do de Mediterrâneo dispunham de 31. tonelagem no afundada atingindo a mais um milhão de toneladas nos meses de abril a junho de 1917, fato não registrado em nenhum mês na Segunda Guerra Mundial. As potências aliadas tomaram uma série de contramedidas eficazes não só organizando comboios de navios mercantes fortemente escoltados como também aperfeiçoando a técnica do combate ao submarino e realizando, em todos os países possíveis, principalmente nos Estados Unidos, um programa de construção naval em massa capaz de compensar as perdas experimentadas. Tais medidas lograram sucesso, e os submarinos alemães pagaram pesado tributo. Durante a guerra foram utilizados ao todo 360 submarinos; 184 não regressaram. Em meados de 1918, a tonelagem aliada afundada mensalmente orçava em média por 500 mil toneladas. O sucesso da campanha submarina achava-se comprometido. Os alemães procuraram reunir todos os seus recursos industriais para aumentara produção de submarinos. Cento e vinte haviam sido encomendados em dezembro de 1917 e mais duzentos e vinte em janeiro de 1918, mas destes, até setembro de 1918, apenas 74 haviam sido entregues. Enquanto isso a poderosa frota alemã poucas saídas realizara depois da batalha de Jutlândia em maio de 1916. Os navios parados nas bases, em contato com as forças desmoralizantes que grassavam na retaguarda, acabaram contaminados, e já em 1917 os primeiros indícios de indisciplina surgiram nos encouraçados. Ante a ameaça do colapso na Frente Ocidental, o Alto Comando Alemão decidiu realizar uma surtida desesperada com toda a esquadra, mas a 29 de outubro de 1918, ao ser conhecida a ordem, explodiram desordens em vários navios, sobretudo nos encouraçados. A surtida teve que ser suspensa. Com o fim da guerra, a frota alemã foi enviada para Scapa Flow onde se auto-afundou ao se difundir a suspeita de que os navios seriam entregues aos vencedores. Em águas inglesas, foram dessa forma afundados 19 encouraçados, 5 cruzadores de batalha, 16 cruzadores, 92 contratorpedeiros, 50 torpedeiros e 152 submarinos. Sem frota de guerra e com a Marinha Mercante reduzida a 600 mil toneladas, assim terminou a primeira fase da expansão alemã nos mares. Embora derrotada de forma esmagadora e malgrado as dificuldades sem conta surgidas em consequência do conflito, revolução, inflação, indenização etc., a estrutura sólida da economia alemã permitiu uma rápida volta do país às transações comerciais. O renascimento do comércio acarretou, logicamente, o incremento da Marinha Mercante. Em 1923, só a Companhia Norddenstcher Lloyd tinha já em construção 28 novos navios com 232 mil toneladas, e 34 grandes transatlânticos de outras companhias estavam sendo construídos numa série de estaleiros. A Marinha de Guerra, porém, não pôde acompanhar o crescimento da frota de

 

comércio em virtude de cláusulas do Tratado de Versailles e permaneceu reduzida até o advento do nazismo. No começo da terceira década do século, a Alemanha já era novamente uma das três importantes nações comerciais do mundo. Sua Marinha Mercante ultrapassava cinco milhões de toneladas. Com a subida dos nazistas ao poder, a Alemanha iniciou febrilmente seus preparativos para a guerra. Hitler e seus imediatos encararam aspecto naval futuroa conflito Todavia com grande zelo. Faltouauxiliares à Alemanha a firmenão vontade de umo von Tirpitz, bemdocomo megalomania de Guilherme II. Em confronto com o rápido desenvolvimento do Exército e da Força Aérea, a Marinha germânica aumentou pouco. Também não foi considerada no começo pelo Alto-Comando a eventualidade de uma guerra contra a Inglaterra. O Almirante Raeder, contudo, não aceitou esses pontos de vista e, apontando a Von Blomberg a expansão da Marinha francesa, conseguiu maiores verbas. Com esses fundos ele iniciou os fundamentos de uma pequena e equilibrada esquadra. O Tratado de Londres, assinado em 1935, permitiu à Alemanha possuir uma esquadra equivalente a trinta e cinco por cento da frota de superfície inglesa, e acordos posteriores estipularam que a força de submarinos germânicos poderia ser igual à britânica. A Alemanha podia construir, pelos tratados, cinco navios de linha, dois porta-aviões, vinte e um cruzadores e sessenta e quatro destroieres. Na verdade, porém, tudo o que possuíam por ocasião do começo da guerra eram 2 encouraçados, 11 cruzadores e 25 destroieres. Cinquenta e sete submarinos estavam já construídos quando a guerra começou. Em 1937, Hitler alterou os planos da expansão alemã, tornando a guerra com a Inglaterra quase uma certeza. Para a Marinha alemã tornou-se preciso uma revisão dos planos estabelecidos noutras hipóteses. Era necessário tempo, e Hitler prometeu que não haveria guerra contra a Inglaterra até 1944 ou 1945. Foi elaborado, então, com base nessa hipótese, um plano para aumentar o poderio naval tanto quanto possível. Esse plano, conhecido como Plano Z, foi baseado na capacidade total dos estaleiros alemães e no tipo de guerra a ser engajada. A concepção do Almirante Raeder da guerra naval contra a Inglaterra visava evitar grandes ações e concentrar os ataques contra a Marinha Mercante. Submarinos e rápidos e poderosos navios de superfície, operando independentemente ou com porta-aviões, eram encarados como os melhores meios de levar adiante essa linha de ação. O desenvolvimento da Aviação Naval, também cogitado, foi fortemente combatido por Goering. *' Na primavera de 1939, a anexação da Tchecoslováquia e as ordens preliminares para a invasão da Polônia tornaram claro a Raeder e ao Estado-Maior da Armada que a. guerra com a Inglaterra teria lugar muito antes do previsto. Raeder mostrou a Hitler a falta de preparo naval da Alemanha, mas a invasão da Polônia não foi adiada, deflagrando o conflito. No mesmo dia da declaração de guerra foi afundado o primeiro navio mercante inglês, dando início à campanha que, conhecida como batalha do Atlântico, tornou-se a maior, mais importante e mais monótona batalha da guerra. Em essência, foi ela uma luta entre a Alemanha e os Aliados, visando cada qual estrangular a linha de suprimento do inimigo. Começada no dia da abertura das hostilidades ela durou até dois dias antes do armistício, cinco anos e oito meses mais tarde, mas antes de chegar ao fim, 4.783 navios mercantes com mais de 21 milhões de toneladas e 635 submarinos foram afundados.

 

Em linhas gerais, a guerra no Atlântico foi repetição da do Primeiro Conflito Mundial. Em poucos dias, a bandeira de comércio germânica desapareceu dos mares exceto no Báltico. A frota de superfície alemã empreendeu algumas investidas sem grandes resultados, a não ser na Campanha da Noruega, onde, à custa de pesadas perdas, atingiu plenamente seu objetivo. Pouco a pouco os navios de superfície alemães deixaram de constituir preocupação séria, e o submarino cresceu cada vez mais em importância. A orientação seguida pelos dirigentes alemães na guerra naval também foi a repetição da política obedecida pelo Governo do Kaiser na Primeira Guerra Mundial. No começo, durante mais de um ano, confiança ilimitada nos resultados das fulminantes campanhas terrestres. Com o prolongamento da guerra, maior atenção à guerra naval, e, por fim, concentração angustiosa dos recursos disponíveis no ataque às comunicações aliadas, visando a uma decisão já impossível. Nos oito primeiros meses da guerra, a Alemanha, dispondo de menos de sessenta submarinos, não causou grandes danos à navegação aliada. As perdas sofridas foram compensadas pelas novas construções e pelos navios do Eixo capturados. Depois da queda da França e com a entrada em serviço de um número crescente de submarinos, a devastação das frotas mercantes atingiu ritmo alarmante. Em maio de 1942 havia, operando nos oceanos, 124 ano submarinos alemães e mais 114 estavam em experiência no Báltico. No decorrer de 1942, o pior da batalha do Atlântico, foram afundados 1.570 navios mercantes com quase oito milhões de toneladas. A Alemanha estava vencendo a batalha, tendo perdido, até agosto de 1942, 105 submarinos, ou seja, uma perda mensal de 4,9% das unidades em operação. Todavia, em fevereiro de 1943, foram afundados 19 U-Boats, em março, 15 e em abril, 16. Essas perdas já eram elevadas, mas, em maio, uma série de ataques aeronavais no golfo de Gasconha afundou 37 submarinos, ou seja, aproximadamente 30% de todos os submarinos no mar. A batalha do Atlântico assumiu aspecto mais animador para os aliados que no decorrer desse ano de 1943 perderam menos da metade dos navios afundados no ano anterior. A Alemanha procurou elevar a produção de submarinos de 30 para 40 por mês com sacrifício da produção numa série de setores importantes. O número de submarinos em operação cresceu sempre, mas as escoltas aliadas eram cada vez mais eficientes. Em dezembro de 1943, a frota submarina consistia em 419 unidades, das quais 161 para operações, 168 em experiência e 90 usadas para treinamento. Em junho de 1944, havia 181 U-Boats em atividade, número que caiu para 140 em dezembro, em virtude de perdas no mar e dos bombardeios aéreos dos estaleiros. Entretanto, a produção de submarinos fez uma recuperação espetacular apesar de todas as dificuldades, e, em fevereiro de 1945, Dönitz informou a Hitler que 237 U-Boats estavam sendo preparados. O total de 450 submarinos em comissão foi o máximo que a Alemanha possuiu, mas esse máximo coincidiu justamente com um dos mínimos na destruição de navios aliados. Na última ofensiva submarina, em abril de 1945, 57 submarinos foram destruídos, 33 no mar e 24 nos portos, por bombardeio aéreo, ao passo que apenas 13 navios mercantes aliados foram afundados. A frota de superfície alemã durante todo o conflito viu o número de seus navios diminuir. Uma a uma as principais unidades foram sendo destruídas: primeiro o Graf Spee, ainda em 1939, depois a campanha da Noruega desfalcou a esquadra de vários cruzadores e de mais de uma dezena de contratorpedeiros. Em 1941, o Bismarck foi afundado; em 1943 o Schanhorst; em 1944 o von Tirpitz. No final da guerra, os bombardeios aéreos afundaram ou danificaram outros navios mais.

 

As perdas não foram substituídas, em virtude de a Alemanha ter consagrado aos navios de superfície baixa prioridade no esforço de guerra, depois de 1942. Dessa forma, a construção do navio-aeródromo Graf Zepelin foi suspensa, e depois do fracasso de um ataque de cruzadores germânicos a um comboio inglês escoltado por contratorpedeiros por ordem de Hitler, não se cogitou mais da construção de navios de superfície de porte alentado. Hitler chegou mesmo, na sua ira, a determinara retirada dos canhões de grosso calibre dos navios maiores, para utilizá-los como artilharia de campanha. No final da guerra, os marinheiros dos navios de superfície alemães foram reunidos em divisões especiais e marcharam para lutar nas trincheiras em defesa do solo ameaçado, tal como os franceses haviam feito em 1870, e os russos em 1854. Ao terminar a guerra, 156 submarinos germânicos renderam-se aos aliados e 221 foram destruídos pelas próprias guarnições. Os poucos navios da Marinha de Guerra alemã, encontrados nos portos ocupados, foram distribuídos pelas nações vencedoras. Da Marinha Mercante também restava pouca coisa. Assim, pela segunda vez, em menos de trinta anos, a Alemanha perdeu a expressão como país marítimo; como depois da Primeira Guerra Mundial, a vitalidade da economia germânica iria permitir em poucos anos o renascimento da Marinha Mercante.

15. JAPÃO A natureza estéril do solo japonês. A base agrícola da economia do país até os tempos modernos. A restauração Meiji. A rápida evolução da economia japonesa. A industrialização e a expansão do comércio. O desenvolvimento da navegação. O imperialismo japonês. A Marinha de Guerra, O ataque à China em 1894. O recrudescimento da atividade industrial e comercial após a vitória sobre a China. Os sacrifícios do povo japonês para ampliar a Marinha de Guerra. A Guerra Russo-Japonesa em 1904-05. O Japão, grande potência mundial. A necessidade crescente de fontes externas de matérias-primas e de escoadouros comerciais. A conquista da Mandchúria e a guerra contra a China. Os atritos com as potências ocidentais. A Segunda Guerra Mundial. A derrota.

Até a restauração Meiji (1868), o Japão era quase unicamente um país agrícola. A terra japonesa é, entretanto, muito estéril, havendo pouco espaço para o desenvolvimento progressivo das lavouras, pois a natureza montanhosa das ilhas e as rígidas temperaturas na grande ilha nórdica

 

de Yeso impedem a expansão da cultura. Assim sendo, as terras disponíveis no Japão nas quais se pode colher com aproveitamento oscilam apenas entre 15 a 20%. Em grande parte, as terras aproveitáveis destinam-se às culturas do arroz e da cevada que, com a pesca abundante nos mares circunvizinhos, constituem a base da alimentação japonesa. A restauração Meiji marcou uma mudança de época, transformando completamente o Japão numa moderna nação industrial. A restauração teve lugarpelo cerca de um século a revolução industrial inglesa. A visita dos navios negros conduzidos Comodoro Perry àapós Uraga levantou a nação japonesa do estado sonolento que havia durado mais de dois séculos devido à reclusão do mundo exterior. A abolição dos clãs governamentais e a completa mudança de todas as instituições políticas, sociais e econômicas introduziram o Japão no período de industrialização capitalista. Durante dez anos, porém, a agitação interna provocada pelo novo estado de coisas impediu o progresso do país. Com o término da Rebelião Saigo em 1877, várias indústrias surgiram em rápida sucessão, e pouco a pouco o comércio exterior se desenvolveu. A navegação japonesa era então quase inteiramente costeira, e o comércio exterior era feito em porões estrangeiros. Entretanto, com o correr dos anos o desenvolvimento do intercâmbio comercial com as outras nações conduziu à fundação de várias companhias de navegação, todas elas amparadas pelo Governo. Querendo ampliar cada vez mais o campo das atividades nacionais, o Japão adotou uma política de linhas imperialistas, cuja finalidade principal era a conquista de novos mercados consumidores e fontes de matérias-primas. Em consequência, o Governo japonês procurou desde cedo criar uma Marinha de Guerra capaz de atender à sua política exterior. A primeira manifestação concreta do imperialismo japonês foi a inesperada agressão à China em 1894. A recém-criada Marinha logo alcançou o domínio absoluto do mar Amarelo, com a vitória de Yalu, abrindo caminho às forças terrestres que não tiveram grande dificuldade em derrotar o Exército chinês. O efeito dessa guerra vitoriosa nos negócios foi extraordinário. A guerra não só chamou a atenção do mundo para o Japão, como estimulou seu comércio exterior. Além do mais, o Japão recebeu uma indenização da China de 400 milhões de taels para não mencionar a aquisição de Formosa e a hegemonia na Coréia. Acima de tudo, a guerra deu confiança ao país na própria força e capacidade. Não é, pois, de estranhar que o comércio e os meios industriais, inativos por muitos anos, súbito entrassem em período de grande animação e desenvolvimento. A vitalidade da nação, adormecida nos anos de depressões, surgiu com energia durante a guerra e depois de seu término transladou-se para o comércio e para os empreendimentos industriais. O comércio exterior recebeu impulso considerável, e o seu desenvolvimento continuou nos anos seguintes. A lei de apoio à navegação, promulgada em 1896, acelerou o crescimento da navegação ultramarina pelas Companhias Japonesas. Até 1887, cerca de 87% das exportações  japonesass e 88% das importações eram feitas em navios estrangeiros. Em 1901, as exportações  japonesa exportações em navios mercantes estrangeiros eram de apenas 48%. A partir dessa época, a posição da navegação na economia nacional do Japão tornou-se muito importante, ocupando lugar de destaque na balança internacional de pagamentos do país. Com interesses no Ultramar acrescidos e não pretendendo abandonar as linhas-mestras de sua política imperialista, o Japão não se deteve, após a guerra contra a China, na ampliação de sua frota de guerra. Em 1895, foi estabelecido e aprovado pelo Parlamento um programa naval com

 

uma despesa global de 95 milhões de ienes para a construção de navios e o equipamento dos portos. No ano seguinte, desde que se soube da intenção da Rússia de concentrar uma frota poderosa no oceano Pacífico, um programa suplementar foi estabelecido o qual subia a 118 milhões de ienes. O parlamento sancionou sem explicações esse esforço que impunha um fardo extremamente pesado a todo o povo japonês. A maior parte dos navios foi encomendada no estrangeiro, principalmente na Inglaterra, pois o estado da indústria de construção naval no Japão, que apenas nascia, não permitia contar com a execução rápida e perfeita demanda. Percebendo que os interesses antagônicos russo-japoneses só tenderiam a aumentar com o tempo, o Governo japonês, assim que se sentiu forte no mar e em terra, determinou o ataque, sem declaração de guerra, à esquadra tzarista fundeada em Porto Arthur. Os japoneses assumiram vigorosamente a ofensiva em terra e no mar, desde o início das hostilidades, não dando oportunidade aos russos para se recobrarem dos golpes iniciais ou concentrarem recursos. Bem treinados e bem comandados, os nipônicos pouco a pouco cercaram de perto a Base Naval de Porto Arthur, por terra e mar. As diversas tentativas russas para romper o cerco fracassaram. Depois de uma prolongada resistência, a praça se rendeu em janeiro de 1905. Já então a esquadra russa no Pacífico praticamente deixara de existir. Os combates e as minas tinham destruído um grande número de navios. As unidades restantes foram sabotadas em Porto Arthur quando a queda da Base se tornou certa. Num esforço supremo, a Rússia reuniu os navios das esquadras do mar Báltico e do mar Negro e os enviou, sob o comando do Almirante Rodjestvensky, para o Extremo Oriente. Essa força naval, heterogênea e desorganizada, empreendeu uma longa e exaustiva viagem do norte da Europa aos mares do Japão, contornando o sul da África. A esquadra russa sofreu esmagadora derrota no estreito de Tsuchima, onde o Almirante Togo a interceptou com seus navios mais rápidos, melhor comandados. Apenas três navios russos conseguiram escapar à destruição e ao cativeiro e atingir Vladivostok. Com essa vitória naval, o Japão se colocou entre as grandes potências mundiais. A vitória deu nova vida aos negócios, e em 1906 o povo tomou-se de febre por novos empreendimentos. O comércio de exportação mostrou um incremento notável. As indústrias expandiram-se em ritmo mais acelerado ainda. Em 1892, o número de operários nas fábricas era de aproximadamente 300 mil. Em 1897, já eram 440 mil e, em 1911, setecentos e noventa mil. De todas as indústrias as que mais se desenvolveram foram a de construções navais e as relacionadas com as atividades marítimas para fins pacíficos ou não. Desde a guerra russo japonesa,, quando consti  japonesa constituíra tuíra e armara a maio maiorr parte de sua esquadra esquadra em estale estaleiros iros estrang estrangeiros, eiros, o Japão procurou desenvolver as próprias construções navais de maneira a não depender de ninguém no futuro. Esse objetivo foi alcançado completamente, e em breve o Japão conseguiu não somente utilizar os próprios aços, pólvoras, carvão e víveres, mas também as próprias produções técnicas para o Exército e para a Marinha. Daí por diante o progresso não cessou, e já na Primeira Grande Guerra a maioria dos navios japoneses era de construção nacional. Osaka, Kioto, Yokoama, Nagasaki, Kobe, Wakudate transformaram-se em centros marítimos e industriais de importância mundial. A capacidade anual dos estaleiros japoneses já então ultrapassava 600 mil toneladas, facilitando o rápido desenvolvimento da Marinha Mercante que de 528 navios com 330 mil

 

toneladas em 1895 alcançou 1.390 unidades em 1905 com 930 mil toneladas, para atingir em 1929 mais de quatro bilhões de toneladas. < Da segunda década do século até a Segunda Guerra Mundial, o Japão teve a terceira Marinha Mercante do mundo, só sendo ultrapassada pela Inglaterra e pelos Estados Unidos. De todos os empreendimentos levados a cabo no país desde a restauração Meiji, nenhum tivera maior sucesso, embora o progresso setores também fosse notável, bastando notar número-índice de produção geralnoutros do Japão foi 475 em 1931, tomando como base 100, em que 1905,o ao término da guerra russo-japonesa com o número de fábricas aumentando de 32.390, em 1909, para 67.318 em 1932. Outro setor de atividade onde o povo japonês se distinguiu foi na pesca marítima. A linha da costa nipônica é irregular e daí ser longa em comparação com a área das ilhas. As ilhas também são cercadas em alguns lugares por correntes marítimas quentes e noutros por correntes frias o que favorece, sobremodo, o aparecimento de espécies diversas. A posição natural e as proximidades dos centros de consumo fizeram, naturalmente, a pesca se desenvolver desde a Antiguidade. Antes, porém, de se ocidentalizar, a pesca no Japão era sobretudo costeira, enquanto mais recentemente a esfera de atividade de pesca dos japoneses é muito grande, ocupando um terço das áreas de pesca do mundo. Ela cobre o estreito de Bering, a Austrália, a Nova Zelândia e o oceano Índico. Premido pela pobreza do solo e pelo aumento da população a buscar no mar os recursos indispensáveis à vida, nenhum povo retira das águas tantas riquezas quanto o japonês. A pesca fornece mais de cinco milhões de toneladas de peixe, anualmente. A pesca em águas russas foi um importante direito concedido ao Japão pelo Tratado de Portmouth, que pôs fim à guerra de 1904-05, o que revela a preocupação constante do Governo nesse particular. Ainda é do mar que os japoneses retiram algas utilizadas na alimentação do povo e uma série de outras riquezas para a exportação. Outrossim, a participação de produtos marítimos na exportação japonesa é realmente notável, oscilando em torno de 10% do total. Por conseguinte, tanto para a subsistência do povo como para manter sua atividade econômica, o Japão dependia do mar e de fontes de matéria-prima externas. A gigantesca industrialização do país e o aumento da população tornaram cada vez maior a dependência do exterior. Em relação a carvão, cobre, depósito de ferro sulfuroso, enxofre, o Japão era autossuficiente, mas produtos minerais mais importantes para a indústria e para fins de ferro sulfuroso e enxofre, o Japão era auto-suficiente, mas depósitos eram inadequados. Por essa razão, o Japão procurou ansiosamente fontes permanentes de suprimento. A China, a Rússia, as Índias Orientais Holandesas e os Estados Unidos forneciam ao Japão a maior parte das matérias-primas que faltavam, mas todas essas nações ou eram possíveis inimigos, ou controlados por potências rivais: Prosseguindo na sua política imperialista, o Japão invadiu a Mandchúria em 1931 de onde passou a extrair ferro e carvão. Em 1937 atacou a China, ocupando as regiões mais ricas daquele país. Em 1940, depois da queda da França, ocupou a Indochina e, por fim, aproveitando as dificuldades das potências anglo-saxônicas na Europa, lançou as vistas para as Índias Orientais Holandesas, ricas em petróleo, borracha e muitas outras matérias-primas. A Holanda, a Inglaterra e os Estados Unidos evidentemente não estavam inclinados a cederem as ricas áreas da Indonésia, e o Japão decidiu pela guerra.

 

Os japoneses tinham no começo, a intenção de fazer uma guerra relâmpago. O plano fundamental consistia em avançar rapidamente para o sul, a fim de se apoderarem das regiões onde se encontravam os recursos cuja importância estratégica era vital. Eles contavam estabelecer, em seguida, um perímetro em defesa, a leste e a oeste, ao abrigo do qual esses recursos poderiam ser explorados. Esperavam organizar assim uma defesa escalonada em profundidade, cuja ruptura se poderia mostrar tão difícil que os Estados Unidos seriam susceptíveis de cessar a guerra e procurar uma paz de compromisso. A condição fundamental para o sucesso desse plano era a realização de uma batalha decisiva com a esquadra americana no início das hostilidades, a fim de destruí-la antes que o imenso poderio industrial da América se fizesse sentir no teatro de guerra. Para levar a cabo o plano, o Japão dispunha da terceira Marinha de Guerra do mundo a qual, entre as duas guerras, fora notavelmente desenvolvida com pesados sacrifícios para o povo. A primeira parte do plano foi executada ultrapassando as previsões mais otimistas. As Filipinas, as Índias Orientais Holandesas e a Malásia, com a Base Naval de Singapura, caíram antes das datas previstas. A Marinha japonesa expulsou ou destruiu em sanguinolentos encontros as forças navais holandesas, americanas e inglesas. A segunda parte do plano foi cumprida apenas em parte. A Marinha americana sofrera um rude golpe em Pearl Harbour, mas impunha-se um outro encontro para reduzi-la à impotência. A batalha do mar Coral não trouxe, também, a decisão almejada. Essa esperança desvaneceu-se em junho de 1942, em Midway, em consequência de uma operação imaginada pelo Almirante Yamamoto para criar a ocasião almejada para a batalha. No decorrer da operação, os japoneses perderam quatro de seus melhores navios-aeródromo e com eles a melhor oportunidade que tiveram de conseguir a batalha final. O que Midway começara foi terminado pela Campanha das Salomão que, de agosto de 1942 até fins de 1943, causou desgaste considerável à Marinha japonesa. Tolhida pelo número de seus navios e tendo falta de pilotos treinados, a força de navios-aeródromo japoneses se encontrou reduzida à impotência. A idéia de apoiar a defesa do perímetro, pela Marinha, foi abandonada no fim de 1943, e quando os americanos desembarcaram nas Marshall, a esquadra deixou Truk pelas Carolinas Ocidentais abandonando à sua sorte as guarnições avançadas. Cada vez mais interiorizado face à Marinha americana em meios de superfície aéreos, o Japão perdeu a iniciativa no Pacífico. Além da perda de poderio ofensivo de sua esquadra, dois outros graves problemas pesavam na estratégia marítima japonesa. Em primeiro lugar, era-lhes preciso proteger seu tráfego marítimo, sangue do Império. Fato estranho: os japoneses negligenciaram completamente a ameaça submarina a despeito dos sucessos alcançados pela Alemanha no decorrer das duas guerras mundiais, erro tanto mais grave em virtude de o Japão não poder construir navios senão em número limitado. As consequências dessa falta capital foram agravadas pelas perdas em contratorpedeiros e outros navios de escolta no decorrer da longa campanha das Salomão, o que colocou o Comando Naval na impossibilidade de proteger eficazmente a Marinha Mercante. O acréscimo súbito da destruição ocasionada pelos submarinos, no fim de 1943, prometia levar ao desastre uma nação cuja capacidade de continuar a guerra repousava unicamente no intercâmbio marítimo. Enfim, os japoneses foram terrivelmente prejudicados pela falta de combustível, falta essa que

 

aumentou consideravelmente suas dificuldades militares. Eles tinham entrado na guerra com uma tonelagem de petroleiros completamente insuficiente, e os sucessos logrados pelos submarinos americanos agravaram rapidamente a situação. Se o Japão pôde conquistar no primeiro arranco as regiões mais ricas em petróleo do mundo, não resolveu jamais o problema dos transportes e dos suprimentos de combustível liquido, elemento essencial à guerra moderna. Os estoques disponíveis não cessaram de diminuir até o fim do conflito. Entretanto, a despeito de todas as dificuldades, a ameaça criada pela invasão de Saipan obrigou o Japão a arriscar a esquadra. A aviação dos navios-aeródromo estava mais ou menos reconstituída e treinada. Reinava um grande otimismo a respeito do resultado que ela poderia obter. Na batalha do mar das Filipinas, a 19 e 20 de junho de 1944, os japoneses tiveram a registrar, entretanto, a perda de três navios-aeródromo (dos quais dois foram afundados por submarinos que furaram a barreira insuficiente dos contratorpedeiros), mais outro navio-aeródromo foi avariado, e a aviação embarcada foi quase totalmente destruída. Pelo meio do verão de 1944, o Japão se encontrava em grande perigo. Enfraquecido intensamente pelas perdas experimentadas em certas categorias de armas, cambaleando sob os golpes sucessivos e incessantes dos americanos, os japoneses não tinham realizado o desejo de travar uma batalha naval decisiva. A destruição de navios de comércio realizada pelos submarinos e pelos aviões dos navios-aeródromo paralisava cada vez mais eficazmente a economia de guerra, e os laços que ligavam a metrópole às regiões do sul, onde encontravam os recursos indispensáveis, afrouxavam dia a dia. Em outubro de 1944, ante o desembarque americano nas Filipinas, que ameaçava cortar definitivamente as comunicações marítimas da metrópole com as fontes de matéria-prima do sul, o Japão lançou todos os navios e aviões remanescentes de sua Marinha em busca de uma batalha decisiva. De 21 a 26 de outubro, feriu-se a grande batalha de Leyte que praticamente pôs fim à Marinha do Mikado como força combativa. Em cinco dias o Japão perdeu quatro naviosaeródromo, três encouraçados, seis cruzadores pesados, quatro cruzadores ligeiros e onze contratorpedeiros. Muitos outros navios foram gravemente avariados. A derrota causou uma confusão e uma desorganização que tornaram os navios remanescentes presas fáceis para as aeronaves dos porta-aviões americanos, para os submarinos e navios ligeiros. No fim de janeiro novas perdas haviam custado ao Japão um encouraçado, dois grandes navios-aeródromo, um navio-aeródromo de escolta, três cruzadores e vinte e um contratorpedeiros. Ao todo, no decorrer da guerra, a Marinha imperial japonesa perdeu 328 navios dos 489 que estiveram em serviço. Quanto à Marinha Mercante, perdeu 4.780.000 toneladas de navios, a maior parte dos quais, 63%, afundados pelos submarinos americanos. Restava apenas pouco mais de 1 milhão de toneladas de navios mercantes, em agosto de 1945. Os vinte e dois estaleiros existentes no Japão não conseguiram construir mais do que um milhão de toneladas por ano, o que não bastou para compensar as perdas. No final da guerra, o Japão tinha seus exércitos praticamente intatos e ainda uma grande Força Aérea, mas a Marinha de Guerra, a Frota Mercante e as áreas industriais estavam devastadas. Sem Marinha para proteger as linhas de suprimentos, sem navios para carregar as matériasprimas e sem fábricas para efetivar a transformação desse material em equipamento, a nação  japonesa era incapaz de continua continuarr a luta. Seria erro supor que a sorte do Japão foi determina determinada da

 

pela bomba atômica. Sua derrota era coisa certa antes mesmo que tivesse caído a primeira bomba e foi provocada pelo esmagador poderio naval. Somente isso é que tornou possível o domínio das bases oceânicas de onde se desfecharia o ataque final e forçaria o exército metropolitano a capitular sem tardança. No pós-guerra, o Japão, desmembrado de suas antigas possessões em Formosa, na Mandchúria, na China, na Coréia e nas Ilhas do Pacífico, atirou-se mais uma vez para o mar em busca do amparo econômico. Na pesca e sobretudo na construção naval voltaram os japoneses a se destacar no cenário mundial. Não é de crer, entretanto, que a China ou a URSS permitam o ressurgimento do Poder Marítimo japonês na sua antiga plenitude.

16. ESTADOS UNIDOS A América colonial. A situação marítima da Nova Inglaterra. As leis britânicas de navegação. A construção naval e a Marinha Mercante. A importância crescente do comércio exportador, A Guerra da Independência. A criação da Marinha de Guerra. Sua desaparição com a paz. Os corsários argelinos e o renascimento da Marinha de Guerra. A luta contra os corsários franceses das Antilhas. A guerra contra o Bei de Tripoli. A expansão do comércio americano durante as guerras napoleônicas. A rivalidade inglesa. O embargo de 1807. A guerra contra a Inglaterra. A decadência da Marinha Mercante americana. A Guerra Civil e suas consequências. A situação em 1881. A ascensão da Marinha de Guerra e a decadência da Marinha Mercante no final do século XIX. A Primeira Guerra Mundial. O período entre as duas guerras. O Segundo Conflito Mundial. A supremacia americana.

A América colonial era basicamente um país de fazendeiros. Havia também criadores, alguns artífices, mercadores e funcionários, mas seu número não representava senão uma pequena minoria em face da massa considerável de fazendeiros. Na Nova Inglaterra, contudo, o solo não era fértil. Um fazendeiro podia, por seu trabalho, ganhar o sustento e talvez economizar um pouco, mas não lhe era possível prosperar e acumular reservas. Por outro lado, o avanço para o interior era dificultado por formidáveis barreiras geográficas. Esta razão e o litoral com seus magníficos portos e angras e a vizinhança de farta pesca prenderam a população à costa. Assim, nessa parte da América os colonos orientaram-se, desde o início, para o mar, tornando-se pescadores, marinheiros, construtores de navios e mercadores, contrastando com a população agrícola das outras regiões da Colônia. Portanto, desde cedo a Nova Inglaterra converteu-se

 

numa comunidade anfíbia cuja capital era Boston, uma cidade comercial junto ao oceano. As florestas que vinham até a beira-mar facilitavam a construção naval. O oceano era fonte de alimentos para os colonos, e algumas espécies de peixe seco mais abundante eram vendidas na Europa, fornecendo a base de um próspero comércio externo. Com o tempo, outros produtos da colônia, tais como peles, fumo, cereais e carne defumada, foram acrescidos à exportação, transformando o comércio com o além-mar no fator principal da vida econômica da região. A maior parte das exportações destinava-se às Índias Ocidentais, à Inglaterra e à Espanha. As colônias, em troca, recebiam melaço e numerosos produtos manufaturados que não fabricavam. As transações comerciais, entre as próprias colônias também dependiam das vias líquidas, pois as longas distâncias e as florestas tornavam sumamente difíceis as comunicações terrestres, enquanto o mar, juntamente com suas numerosas baías e rios navegáveis, oferecia um meio rápido e mais fácil de transporte interno. Por mais de duzentos anos, as vias aquáticas naturais constituíram as únicas vias dignas de menção na América, não somente para o transporte de mercadorias, mas também para os viajantes de longas jornadas. A necessidade do transporte interno e o crescimento do comércio externo favoreceram a aparição de uma próspera indústria à qual as magníficas florestassomente forneciam excelentes madeiras. Depois de de construções 1676 mais denavais setecentos navios foram construídos no Massachusetts. Em 1775, dos 7.694 navios empregados no comércio da Grã-Bretanha, 2.342 eram de construção americana. Cerca de 1769, o volume do comércio colonial no além-mar, beirava um milhão de toneladas com o valor aproximado de 5.500.000 libras. O comércio externo tornara-se a verdadeira razão de ser da Nova Inglaterra. Era um assunto de primordial importância do Hudson ao Chesapeake. Mais para o sul, o povo dedicava-se principalmente à agricultura de produtos exportáveis, mas também lá a economia dependia de forma vital do transporte no oceano. Por essa época, os navios da colônia, carregando produtos coloniais e guarnecidos por marinheiros americanos, frequentavam os principais portos da Europa e das Índias Ocidentais, então uma importante região comercial. Cerca de mil navios da colônia trafegavam nos Domínios Britânicos. Além disso, um número substancial era encontrado em toda parte. Mais de trezentos navios eram empregados na pesca da baleia e muitos mais, menores, dedicavam-se à pesca do bacalhau. Tão íntima era a conexão entre o comércio marítimo e a prosperidade das Colônias que elas se aprestavam a lutar mesmo contra a MãePátria quando esta interferiu fortemente no intercâmbio marítimo. Ao longo de todo o período colonial, a partir do século XVII, a grande causa de irritação dos colonos contra a metrópole eram as Leis de Navegação. O famoso "Ato de Navegação" posto em vigor por Cromwell, em 1660, interditou às colônias inglesas a importação e exportação de toda mercadoria, a não ser em navios ingleses ou coloniais. Proibiu, além disso, que certos artigos, tais como o fumo, açúcar, algodão, lã, madeiras comuns, madeiras de tintura etc., fossem encaminhados para outros países que não a Inglaterra ou domínios seus. A essa lista juntaram-se mais tarde outros artigos. Havia ainda outras leis do mesmo gênero: as leis sobre os cereais e as leis contra as manufaturas; as primeiras, feitas para favorecer o fazendeiro inglês, entraram em vigor cerca de 1666. Elas interditavam, praticamente, o mercado inglês aos cereais cultivados nas colônias. Esse procedimento levou Nova Inglaterra e Nova York a fabricarem objetos manufaturados, ao que a Inglaterra respondeu, interditando a produção industrial nas colônias. A

 

lei inglesa mais dura nessa campanha de supressão do comércio colonial foi provavelmente a sobre o açúcar, em 1733. O Governo britânico procedia dessa forma baseado no princípio, então admitido por todas as nações européias, de que as colônias existiam para enriquecer a MãePátria. Esse princípio levava a subordinação dos interesses coloniais aos interesses da metrópole. O fim da Grã-Bretanha era exportar para a América produtos manufaturados e ao mesmo tempo importar matérias-primas, fazendo inclinar a balança comercial a seu favor. Em 1759, o total de exportações da Nova Inglaterra para a Grã-Bretanha elevou-se a 38.000 libras e as importações a 600.000 libras. Num ponto a política inglesa estimulou grandemente a indústria americana: a construção de navios da Nova Inglaterra em virtude das Leis de Navegação colocaram os navios construídos nas colônias no mesmo pé dos navios de origem inglesa. Essas leis exclusivistas motivaram a insatisfação dos colonos com o domínio da metrópole, e bem cedo, sobretudo depois da Guerra dos Sete Anos, outras causas vieram aumentar o malestar. A irritação foi crescendo com o correr dos anos, e por fim, eclodiu a rebelião aberta. Com a guerra surgiu a necessidade de ser criada uma força naval, mas os colonos preferiram, na luta no mar, dedicar-se sobretudo à rendosa guerra de corso. Numerosos navios particulares foram empregados como corsários e destruíram um número muito grande de navios mercantes ingleses. Quase todos os Estados enviaram corsários contra o inimigo. Massachusetts forneceu mais de quinhentos; a Pensilvânia quase o mesmo número. Em 1775, o Congresso ordenou a construção de uma frota nacional, e um ano depois treze navios estavam terminados. Alguns desses navios não chegaram a se fazer ao mar; quase todos os outros foram capturados ou queimados antes do fim da guerra, não, todavia, sem terem prestado antes grandes serviços ao país. Concluída a aliança com a França, a poderosa frota desse país foi empregada no serviço da causa patriota. Juntou-se a ela, posteriormente, a Frota espanhola com a declaração de guerra da Espanha à Inglaterra em 1779. A Inglaterra iria contar, ainda, com um outro inimigo. Pelo fim de 1780, arrebentou a guerra com a Holanda, e, desde então, foi necessário à Grã-Bretanha lutar contra três grandes potências européias além da América. Nos mares, coube à Marinha francesa o papel preponderante. Com a Royal Navy dispersa por todo o mundo, lutando contra três grandes potências navais, a Inglaterra perdeu para a França o controle dos mares junto às colônias revoltadas, e suas forças de terra, desamparadas da metrópole, foram obrigadas à rendição, face ao Exército franco-americano. A Grã-Bretanha vencida assinou a paz em 1783. Também nesse Tratado percebe-se a importância que os dirigentes britânicos sempre deram aos assuntos marítimos. O Mississipi ficava aberto aos navios americanos e ingleses. Os americanos continuavam com direitos de pesca nas costas da Terra Nova e do golfo de São Lourenço. Foi assim que no decorrer da Guerra da Independência surgiu a Marinha americana, mas a massa heterogênea que a constituía (corsários particulares, navios pertencentes às colônias e navios armados pelo Congresso) dissolveu-se no caos que se seguiu à guerra. Em 1785, ano da venda do último navio, os Estados Unidos não possuíam um só navio de guerra. Entretanto, muito pouco

 

tempo depois do fim da Guerra da Independência, a necessidade de uma marinha fez-se sentir em virtude da captura de navios mercantes americanos pelos corsários do Bei de Alger. Em 1793, os corsários argelinos espalhavam-se no Atlântico e em um mês capturaram onze navios americanos. Essa situação vergonhosa levou enfim o Congresso a tomar medidas, e no ano seguinte foi iniciada a construção de várias fragatas. Os navios recém-construídos não tiveram, porém, o batismo de fogo em luta contra os piratas do Norte da África e sim na guerra contra os corsários franceses das Antilhas. As operações navais contra a França duraram ao todo cerca de dois anos e meio. A guerra nunca foi formalmente declarada, desenrolando-se apenas nas Antilhas e foi muito proveitosa à jovem Marinha americana. O grande acréscimo das exportações, devido à proteção dada pelos cruzeiros de navios americanos e os brilhantes sucessos obtidos nos combates navais deram à Marinha uma popularidade necessária naqueles dias em que a manutenção de um navio de guerra parecia a muitos ameaça de monarquismo. Mal terminadas as lutas contra os corsários franceses, a Marinha americana levou a cabo uma série de operações navais no Mediterrâneo contra o Bei de Tripoli. A guerra contra os norteafricanos serviu para proporcionar uma certa expansão à Marinha. A duração relativamente longa da luta (1801-05) nesse teatro afastado de operações, aprimorou o valor combativo das guarnições. Estas vantagens seriam apreciadas devidamente cerca de dez anos depois na guerra contra a Inglaterra. Malgrado o contratempo representado pelas operações nas Antilhas e no Mediterrâneo, o comércio marítimo americano expandia-se rapidamente. As guerras napoleônicas absorveram de tal forma as populações da Europa que uma parte sempre crescente do comércio marítimo coube à América. Durante vinte anos os lucros desse comércio foram enormes, e a navegação mercante progrediu a passos de gigante. Em 1790 o valor total das exportações dos Estados Unidos elevara-se a 19 milhões de dólares; cinco anos mais tarde, 26 milhões de dólares de mercadorias procedentes somente das possessões francesas, holandesas e espanholas foram importadas para serem em seguida reexportadas. Em 1806, o valor das reexportações elevou-se a 60 milhões de dólares, Não é de estranhar que a Inglaterra se tenha sentido alarmada quanto ao futuro de sua supremacia marítima e, dedicando-se ainda à fase econômica de sua luta contra Napoleão, ela pôs em vigor medidas restritivas. A Inglaterra declarou então bloqueio geral da França, desde o Elba até Brest, com um bloqueio cerrado do Sena e Ostende (ato do Conselho de 16 de maio de 1806). Napoleão respondeu com o famoso decreto de Berlim (21 de novembro de 1806), o qual declarou as Ilhas Britânicas, dali por diante, em estado de bloqueio. O comércio americano encontrava-se assim entre as duas pedras de mó. O. remédio previsto pelo Presidente Jefferson para todos esses problemas foi a coerção pacífica. Em 1807, ele decretou para todos os navios empregados no comércio exterior um embargo que durou quinze meses e que custou oito milhões de dólares só aos comerciantes da Nova Inglaterra. O embargo foi extremamente impopular nos Estados Unidos que sofreram bem mais que a Europa. O espetáculo oferecido pelo país era o mais desolador. Os navios ficavam a apodrecer nos portos. Cereais, algodão, fumo e outros produtos acumulavam-se nos celeiros dos fazendeiros do Norte, dos plantadores do Sul e ao longo do cais nos portos de mar. A maior parte dos historiadores vê no voto e na aplicação do embargo um grande erro de Jefferson. As consequências do embargo para a França foram mínimas. Napoleão lançou o decreto de Bayonne que determinou a captura de todos os navios encontrados nas águas francesas,afetou espanholas confiscou mais deamericanos duzentos navios americanos. O embargo mais ea italianas. Inglaterra,Elemas mesmo assim lá os efeitos foram inferiores aos esperados. A guerra contra a Inglaterra foi, contudo, adiada para o

 

período presidencial seguinte. Durante a presidência de Madison, no quatriênio que se seguiu, ante a inquietante situação internacional, foi proposta no Congresso a construção de uma esquadra relativamente poderosa de 10 navios de linha e 20 fragatas, porém o Congresso, dominado peta oposição Jeffersoniana contrária à política armamentista naval, julgou a proposta custosa e perigosa para a liberdade pública. consequência, ao ser dezesseis iniciada anavios guerraemcontra Inglaterra em 1812, Marinha americanaEm compunha-se de apenas estadoa de servir. Além disso,ahavia 257 chalupas canhoneiras construídas nos anos precedentes, pois Jefferson, que se opunha tão violentamente à Marinha, tinha grande confiança nesse tipo de embarcação, destinada à defesa das costas. Tais embarcações, entretanto, se mostrariam sem valor. Durante esse conflito, as fragatas americanas, melhor construídas, venceram uma série de combates singulares contra congêneres ingleses. Esses êxitos parciais, todavia, não puderam evitar o absoluto controle dos mares pela esmagadora superioridade naval dos britânicos, O comércio americano foi banido dos oceanos, e os ingleses desembarcaram tropas a seu bel prazer no litoral dos Estados Unidos, chegando mesmo a incendiar Washington. O que restava da pequena Marinha americana ficou bloqueado nos portos. A retaliação americana foi a guerra de corso. A perda que sofreu o comércio marítimo inglês durante os dois anos e meio de guerra foi incalculável. O Congresso autorizou cerca de duzentos e cinquenta corsários que varreram os oceanos à cata dos infelizes navios mercantes, capturando centenas deles. Estima-se em 600 o número de navios mercantes ingleses vítimas dos corsários e dos navios de guerra americanos. Um grande número deles, porém, foi retomado pelos ingleses, antes de atingir portos americanos. Com o fim da guerra em 1815, a Marinha Mercante americana voltou à senda do progresso. Na Nova Inglaterra, a construção naval atingiu elevados índices de perfeição, e de suas carreiras saíram os famosos Clippers, os navios mais velozes da Marinha a vela, os quais chegavam a navegar mais de 420 milhas em 24 horas. A partir de meados do século, a Marinha de Comércio americana entrou em decadência. Vários fatores concorreram para esse fim, mas o principal foi o fracasso da construção naval do país em acompanhar a evolução da vela para o vapor e da madeira para o ferro. Outra razão foi a marcha para o Oeste que então se processava, absorvendo todas as atenções e todos os interesses, com o correspondente crescimento das estradas de ferro. O deflagrar da Guerra Civil foi o sopro que acabou com a fase áurea da Marinha Mercante dos Estados Unidos. Paralelamente, a Marinha de Guerra dos Estados Unidos não fez grandes progressos após a paz de 1815. Ela foi empregada numa série de operações secundárias, tais como na guerra contra o Bei de Alger e nas operações que suprimiram a pirataria nas Antilhas. Sua ação contra o México foi muito restrita em face da não existência de oposição nos mares. Digna de nota foi a ação do Comodoro Perry no Japão em 1854, abrindo aquele país ao comércio mundial. Ao começar a Guerra Civil, a Marinha dos Estados Unidos estava em precário estado. A 4 de março de 1861, quando o Presidente Lincoln prestou juramento assumindo as funções, ela tinha em serviço, compreendendo navios de transporte e auxiliares, 42 navios, dos quais apenas 23 movidos a vapor poderiam ser considerados de algum valor. Por sua cegueira e indiferença, o Congresso havia desorganizado a Marinha quase tanto quanto havia feito a administração. Em seguida ao desastre financeiro de 1857, a renda da Nação tinha diminuído, e, nos esforços de economia, o Congresso havia destruído a Marinha. A oposição às construções e mesmo aos

 

reparos dos navios vinha tanto dos Estados do Norte quanto dos Estados do Sul. Os membros do Congresso pelo Ohio e o Illinois conduziam o ataque ao orçamento da Marinha e à Marinha propriamente dita. No seu conjunto, o Congresso era apático. A Guerra Civil começou com o bombardeio do Forte Sumter a 12 de abril de 1861. O novo Ministro da Marinha, capaz, ocupou-se logo com vigor da direção dos assuntos navais. Foram estabelecidos rapidamente para naval. Ofoiorçamento da Marinha votado pelo Congresso precedente,planos que era de o13rearmamento milhões de dólares, elevado para 43.500.000. Os Arsenais do Norte, onde o trabalho tinha sido quase inteiramente suspenso durante os anos que precederam a guerra, tornaram-se o teatro de grande animação. Alguns meses depois do bombardeio do Forte Sumter, o Norte tinha onze mil homens ocupados em recolocar em atividade velhos navios desarmados, a reparar os navios chegados das estações longínquas e a construir novos navios adaptados especialmente para os serviços previstos. Ao mesmo tempo, o Ministro da Marinha, apelando para todas as fontes, comprava e adaptava navios mercantes. Os navios incorporados à esquadra exigiam guarnições para armá-los, e, antes do fim do ano, o número de marinheiros elevava-se de 7.600 para 22 mil. Durante a guerra, as duas grandes tarefas da Marinha foram o bloqueio das costas confederadas e a separação em duas porções da confederação, pelo domínio do rio Mississipi. Essas duas operações eram essenciais para impedir a chegada de munições e aprovisionamento aos exércitos confederados, batendo-se no Leste. A captura de Port Royal, o bizarro combate de Hampton Road, as operações no baixo Mississipi, a batalha da baía de Mobile, os encontros da baía de Albermale marcaram o desenrolar das duas ações fundamentais. A rigor, o bloqueio e a ocupação dos portos confederados puseram fim ao comércio do Sul. Durante a guerra, a esquadra bloqueadora capturou ou destruiu 1.150 navios com as respectivas cargas, representando um valor total de 30 milhões de dólares. Por outro lado, a Marinha Mercante americana sofreu forte redução no decorrer da guerra. De 2.500,000 toneladas em 1861, ela caiu para 1.500.000 em 1865, ao acabar o conflito, concorrendo para o declínio não só a destruição oriunda das operações bélicas, mas também a perda do mercado de transporte para a Marinha inglesa. Em condições normais, a navegação comercial americana poderia renascer após a Guerra de Secessão como se restabelecera depois da guerra de 1812. A razão pela qual ela não retomou vida, residiu na mudança das circunstâncias econômicas acarretadas, ao menos, em parte, pelo aumento dos impostos que tornaram impossível construir e armar navios de forma barata, como faziam os rivais estrangeiros. Também foram nocivas certas leis de navegação que interditavam a compra de navios estrangeiros para navegar sob pavilhão americano. Essas medidas tiveram efeito penoso sobre a Marinha Mercante e levaram o capital americano a não mais ser empregado em navios mas de preferência nas empresas ferroviárias, usinas e minas. Em consequência, rapidamente a percentagem do tráfego marítimo efetuado em porões de navios americanos decaiu. Ela era de 66,5% ainda em 1860. Em 1865 caíra a 27,7% e cerca de 1901 baixara a 8,2%. O desenvolvimento da ciência da Guerra Naval que tinha sido tão rápida nos Estados Unidos durante a guerra de Secessão, parou bruscamente com ela. Durante vinte anos os Estados Unidos não tiveram um só navio encouraçado. No decorrer do período do Presidente Hayes, a Marinha americana era inferior a de qualquer nação européia, e mesmo os dois encouraçados do Chile,

 

bem guarnecidos, teriam constituído uma força superior a todos os navios de guerra americanos reunidos. A Marinha nessa época parecia não ter nenhum defensor junto ao Governo, e o país, em geral, parecia inteiramente indiferente às suas necessidades. Todos os créditos arrancados ao Congresso eram destinados a manutenção dos navios existentes, e uma boa parte desse dinheiro era esbanjado porque os parlamentares estavam bem mais interessados em atender aos casos de seus eleitores do que em fazer reparar os navios. A sombra da negligência havia quase completamente obliterado a Marinha cerca de 1881, quando dificilmente um único navio estava preparado para missões de guerra e poucos estavam em condições para um cruzeiro normal. O ano de 1881, em que Garfield assumiu a presidência, marca o ponto mais baixo atingido pela Marinha desde os dias em que os Estados Unidos tinham pago tributo ao Bei de Argel. Não é de espantar que os comandantes americanos dessa época tivessem vergonha de levar seus navios às águas européias. Se o ano de 1881 marca o mínimo atingido pela Marinha americana, também marca o início da recuperação. Embora dificultado pela má vontade do Congresso, o Presidente Arthur conseguiu dar início à regeneração da Marinha americana. Em 1885, ainda foi preciso recorrer ao estrangeiro para a montagem de canhões modernos nos navios em construção, mas cinco anos depois a criação de um mercado americano de navios de guerra e de canhões fez desenvolver nos Estados Unidos estabelecimentos industriais capazes de fabricar os modelos mais aperfeiçoados de equipamentos bélicos. As perspectivas de um conflito próximo com a Espanha vieram acelerar o renascimento da Marinha de Guerra americana e quando a guerra deflagrou, em 1898, ela não teve dificuldades em esmagar em Manila, em Santiago de Cuba, as frotas obsoletas da Espanha. Em lugar de declinar depois da assinatura da paz, como acontecera nas outras vezes, a Marinha de Guerra americana progrediu a passos de gigante, contrastando com a decadência da frota de comércio. Embora o comércio externo houvesse aumentado enormemente entre 1880 e 1914, o número de navios empregados nesse tráfego continuara a diminuir. Em 1880, cerca de 1.200.000 toneladas eram registradas como dedicando-se ao comércio com o estrangeiro; em 1914 só havia um milhão de toneladas. A Primeira Guerra Mundial forçou a terceira expansão da Marinha Mercante americana. A ameaça da interrupção das rotas marítimas aliadas por parte dos submarinos alemães obrigou os Estados Unidos a dedicarem à construção de navios mercantes uma parte considerável de seus recursos. O programa gigantesco de construções da Emergency Fleet Corporation permitiu o lançamento ao mar em 1917 de três milhões e meio de toneladas. Graças a esse esforço, em poucos anos os Estados Unidos passaram a contar com a segunda frota mercante do mundo a qual só era sobrepujada pela inglesa. Ela passou de pouco mais de quatro milhões de toneladas, em 1914, para 14.574.000 em 1920, ou seja, de 4% para 23% da tonelagem mundial. Também a Marinha de Guerra americana sofreu grande expansão em virtude da Primeira Guerra Mundial e bem cedo ocupou o segundo posto. Entre as duas guerras, a frota mercante americana declinou ante a concorrência européia. Embora continuando a ocupar o segundo posto, sua participação na tonelagem mundial caiu de 22%, em

 

1923, para 14% em 1939, quando dispunha em serviço de 6 milhões de toneladas, ou seja, menos da terça parte da Marinha de Comércio britânica. Apenas 25% das transações mercantis com o além-mar eram efetuados em porões americanos. A construção naval ultrapassava de pouco a cifra de cem mil toneladas anuais. A Marinha de Guerra, entretanto, não foi descurada e permaneceu em nível próximo ao da Grã-Bretanha. A Segunda Guerra Mundial elevou os Estados à primazia incontestável mares.um O perigo crescente de um conflito na Europa levou Unidos o governo de Roosevelt a pôr em nos execução gigantesco programa naval que já ia bem adiantado quando do ataque da Pearl Harbour. Empregando-se a fundo em dois oceanos, a Marinha dos Estados Unidos rapidamente se recuperou dos golpes iniciais e empreendeu ação decisiva tanto na batalha do Atlântico como contra o Japão. No Atlântico, a quantidade fabulosa de navios de escolta e aeronaves que a América colocou na luta antissubmarino teve efeitos decisivos. No Pacífico, a esmagadora superioridade americana bem cedo varreu os nipônicos das principais áreas por eles conquistadas na arrancada inicial da guerra e por fim atingiu o próprio território metropolitano japonês. Os estaleiros dos Estados Unidos, nos quais chegaram a trabalhar mais de novecentos mil operários em 1944, produziram navios para a América e para quase todos os países aliados, conseguindo compensar as perdas tremendas oriundas da campanha submarina. Só em 1942 foram lançados ao mar mais de oito milhões de toneladas de navios mercantes e, em 1943, dezenove milhões. No fim das hostilidades, a Marinha de Guerra dos Estados Unidos ultrapassava três milhões de toneladas, e a Marinha Mercante cinquenta milhões. No pós-guerra, mais uma vez a Marinha Mercante americana cedeu ante a recuperação das frotas de comércio européias. A Grã-Bretanha voltou ao primeiro posto em tonelagem de navios de comércio com a passagem para a reserva de um grande número de unidades americanas. Em 1946, já 33% do comércio exterior americano eram transportados em porões estrangeiros, proporção que se elevou a 50% em 1950. Nesse mesmo ano, a frota mercante dos Estados Unidos, em serviço, estava reduzida a 11 milhões de toneladas, cerca da metade do Reino Unido, sendo bem verdade que os armadores americanos também dispunham de mais alguns milhões de toneladas sob as bandeiras do Panamá, Libéria e outros países. Onde os Estados Unidos conservaram a primazia absoluta, sem mostrar a mínima intenção de perdê-la, foi na Marinha de Guerra. Se depois da Guerra de Sucessão da Espanha restou apenas uma grande potência naval, a Inglaterra, depois da Segunda Guerra Mundial coube aos Estados Unidos essa situação privilegiada.

 

II PARTE - FATORES DO DESENVOLVIMENTO MARÍTIMO

17 - CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES 18 - O AMBIENTE GEOGRÁFICO 19 - A EXPANSÃO COMERCIAL 20 - A MENTALIDADE DO POVO 21 - A ACÃO DO GOVERNO 22 - O FATOR TECNOLÓGICO E INDUSTRIAL 23 - O ASPECTO FINANCEIRO 24 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

17. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES Pesquisa dos fatores de desenvolvimento marítimo: observação da História; restrições ao sistema. Comparação sumária das evoluções marítimas em busca de princípios explicativos. As trêsdas diferenciações fundamentais observadas no confronto evoluções marítimas.necessários Comparação evoluções marítimas de características idênticas em das busca dos antecedentes comuns. Identificação dos fatores. Início da pesquisa pela observação das evoluções dos povos mais ligados ao mar.

É mister, agora, buscar no material coligido os fatores que podem ser tidos como básicos na procura do mar por parte dos povos. Trata-se, por conseguinte, de intentar um trabalho de interpretação histórica e, como tal, sujeito a restrições nas suas conclusões. A primeira restrição prende-se à autenticidade dos fatos que dão margem à composição do quadro evolutivo de um povo no setor marítimo. Em História, nem sempre se tem a verdade absoluta, mas apenas o mais provável. As ciências naturais criaram métodos precisos e eficazes, apoiando-se mutuamente, e os resultados obtidos combinaram-se em sínteses que tomam um caráter cada vez mais positivo. As ciências históricas estão longe desse avanço. Naturalmente a interpretação de fatos que por si mesmos são apenas aproximados não pode permitir conclusões definitivas. A evolução marítima das principais nações, a partir do século XVI, está bem conhecida, mas não se pode dizer o mesmo das épocas anteriores. Quase tudo o que se sabe acerca dos fenícios, gregos, cartagineses e romanos é mais por via indireta. Mesmo as navegações vikings, bem mais recentes, prestam-se a controvérsias. A segunda restrição diz respeito aos erros oriundos do ponto de vista de quem faz o estudo. Inconscientemente todo autor de uma síntese histórica deixa-se arrastar por inclinações pessoais, as quais podem falsear a conclusão. Por outro lado, nem sempre surgem logo elementos capazes de provar o acerto ou erro da conclusão estabelecida. O terceiro empecilho ao trabalho, e talvez o maior, resulta da obscura noção de "causa” em História. Se para alguns estudiosos "causa” é aquela das condições necessárias de um fato que o precede imediatamente, a última no tempo, aquela que, cada vez mais de perto, a pesquisa atinge primeiro, para outros, conforme o método das ciências positivas, "causa” é o antecedente ligado pela relação mais geral. Não se pretende aqui avançar nesse perigoso e discutível domínio da filosofia histórica, mas bem se percebe que ao presente estudo, cuja finalidade inicial é chegar às razões principais da procura do mar pelo homem, interessa conhecer não os antecedentes necessários, últimos no tempo, mas os mais gerais, os que aparecem mais frequentemente relacionados com o movimento dos povos para os oceanos. Mesmo reconhecendo os riscos e as limitações inerentes às interpretações de acontecimentos

 

passados, mantém-se a opinião manifestada na introdução do método adotado mais susceptível de conduzir a conclusões válidas do que partir de idéias estabelecidas a priori, baseadas na simples intuição e não no exame de fatos. Isto posto, cabe agora o primeiro confronto recíproco das diversas evoluções marítimas consideradas na primeira parte na busca de pontos comuns, de analogias capazes de sugerir princípios explicativos. A primeira impressão que fere o espírito, ao ser feita a comparação entre as evoluções marítimas dos povos, é a importância díspar que umas apresentam em relação às outras, consideradas quer no âmbito da História Geral, quer no quadro mais restrito da história do respectivo país. É flagrante que a influência dos acontecimentos marítimos na evolução histórica do Egito antigo, de Roma, da França, da Alemanha, da Rússia e dos Estados Unidos foi muito menos marcante que na da Fenícia, da Grécia, de Cartago, das Repúblicas Marítimas Italianas, de Portugal, da Holanda, da Inglaterra ou do Japão. A Fenícia, sem a obra colonizadora empreendida por seus marinheiros e comerciantes, não teria contribuído de forma digna de nota para a História da Humanidade; não fora o feito de seus navegantes, Portugal seria um nome sem significado para o mundo; a Grã-Bretanha, destituída do Império conquistado e mantido por sua Marinha, não passaria de uma potência insular de segunda ordem. Da mesma forma, toda a contribuição dos vikings das Repúblicas Marítimas Italianas e da Holanda para a História da Civilização Ocidental acha-se intimamente ligada aos respectivos sucessos nos mares. Em contraste, o Egito antigo só veio a participar do tráfego marítimo depois de possuir uma civilização antiga de séculos; já ocupava Roma posição de relevo no Mediterrâneo, dona de toda a Península Itálica, quando o choque contra Cartago a obrigou a voltar os cuidados para os problemas navais. Também a França começou a participar das aventuras ultramarinas, com vigor, bastante tempo depois de ter alcançado projeção na Europa. Outrossim, não se pode dizer da Alemanha, dos Estados Unidos ou da Rússia, que tenham ascendido ao ponto proeminente que ocupam no cenário mundial por força de seus empreendimentos marítimos. Há também na senóide histórica de ascensão, apogeu e decadência de certos povos, perfeita coincidência dos máximos e mínimos com a maior ou menor energia das atividades marítimas por eles desenvolvidas. Tal foi o caso da Fenícia, de Cartago, de Gênova, de Veneza, de Portugal e da Holanda que progrediram ou feneceram na medida direta de seus esforços nos oceanos. Não existe essa concordância na história da França ou da Alemanha. Sob Luís XIV ou Napoleão, a França, por exemplo, era a mais importante potência européia, mas seus marinheiros mal podiam afastar-se do litoral. Sob Frederico, o Grande, ou Bismark, os alemães mal consideravam os assuntos marítimos. De maneira semelhante, os Estados Unidos e a Rússia ascenderam ao primeiro plano no panorama internacional, sem uma participação notória nos empreendimentos oceânicos, nas mesmas épocas. Para alguns povos, as derrotas nos mares significaram o desastre final, a perda de todas as esperanças, o fim da preponderância nos negócios do mundo, a perda de independência ou a passagem para nações de categoria secundária. Para outras, significou a perda de colônias, a perda de prestígio, a oportunidade que escapou em derrotar uma potência rival, mas de forma alguma um desastre decisivo. Em certa medida, pode-se dizer que, na Antiguidade até os dias

 

presentes, grande parte do mosaico cultural, político e religioso do mundo ocidental foi armado pelos marinheiros fenícios, gregos, cartagineses, vikings, italianos, portugueses, espanhóis, holandeses e ingleses. Só em escala bem mais modesta, pode-se atribuir este papel e esta glória aos homens do mar da França, da Alemanha, da Rússia ou dos Estados Unidos. O segundo ponto de diferenciação notória observada das evoluções marítimas é a constância e o empenho com que certos povos se dedicam ou se dedicaram às atividades oceânicas, comparados à intermitência dessas mesmas atividades noutros povos. As navegações fenícias, gregas ou cartaginesas desenrolaram-se por muitos séculos da Antiguidade. Na Idade Média, as investidas vikings duraram cerca de trezentos anos, e a supremacia das cidades marítimas italianas no Mediterrâneo ultrapassou meio milênio. Menos duradouras foram as investidas portuguesas e holandesas para os mares desconhecidos, mas duraram próximo de dois séculos e foram interrompidas pela ação de inimigos poderosos. Finalmente, a presença britânica é sentida com proeminência nos mares desde o século XVI. As sucessivas gerações de todos esses povos conservaram o mesmo procedimento com relação às atividades oceânicas, o qual nem mesmo circunstâncias extraordinárias lograram desviar decisivamente. Desde o século X até hoje, os povos escandinavos passaram por grandes mudanças culturais e políticas, mas a fidelidade às tradições marítimas permanece entre eles tão forte como no tempo das invasões vikings. Os gregos, depois de dois mil anos de domínio romano, bizantino ou turco, continuaram a viver da pesca e da navegação, como na época de Homero. Os portugueses e os holandeses jamais deixaram a pesca e a navegação, apesar de todas as vicissitudes por que passaram e, sempre que se apresentou oportunidade, voltaram às ocupações de sua antiga prosperidade e glória, com entusiasmo redobrado. Tal uniformidade de conduta através do tempo não se verificou na evolução marítima de outros povos, como os romanos. Depois de esmagar Cartago, Roma entregou grande parte do comércio conquistado à rival, aos gregos e sírios, e deixou apodrecer os navios que lhe haviam dado a vitória. Sem ocorrências extraordinárias, como a ameaça às comunicações marítimas, representada pelos piratas, ou as guerras externas, os romanos pouco se ocupavam dos empreendimentos oceânicos. Semelhantemente, a evolução marítima americana ou russa caracteriza-se por uma série de altos e baixos. Em pouco mais de cem anos, a participação dos Estados Unidos no tráfego marítimo acusou três grandes expansões e dois recuos acentuados, enquanto a Rússia ambicionou a supremacia naval pelo menos por duas vezes. A terceira diferenciação fundamental observada nas evoluções marítimas diz respeito às etapas sucessivas por que umas passam e outras não. Normalmente, os povos que têm suas histórias mais fortemente ligadas ao mar iniciaram as atividades oceânicas pela forma mais simples e antiga, a pesca. Conforme já se viu na Primeira Parte, Tiro, Sidon, Veneza e Gênova nasceram de burgos de pescadores; os gregos tiveram na pesca a primeira escola de mar, e foi a procura dos cardumes de arenque, bacalhau ou sardinhas que arrastou primeiramente vikings, portugueses, holandeses e ingleses cada vez mais para longe do litoral. Todos esses povos, com a experiência náutica adquirida através de gerações, paulatinamente passaram para um estágio mais avançado, caracterizado pelas navegações de maior amplitude pela busca de novas terras para colonizar ou para comerciar e também pela pirataria. Por fim, foram eles compelidos, pelo desenvolvimento dos interesses no Ultramar, a criar complexos sistemas políticos, econômicos e militares que preservassem as vantagens conquistadas.

 

Outras histórias marítimas, entretanto, não evoluíram segundo essas mesmas linhas-mestras. Não se pode dizer que a expansão nos mares de Roma, da França, dos Estados Unidos, da Alemanha ou da Rússia tenha tido a sua base na pesca ou na pirataria, ou mesmo que tenha sido a criação de colônias no Ultramar a causa de seus cuidados com os empreendimentos oceânicos. Falta ao desenvolvimento marítimo dessas últimas nações o caráter lógico e espontâneo observado nas evoluções da Fenícia, da Grécia, de Portugal etc. Apenas o estágio final, a formação de um sistema político-econômico-militar, para preservar as vantagens do livre uso das comunicações sobre as ondas, é mais ou menos comum a todas as evoluções marítimas. Se a primeira comparação, sumária, permite distinguir grupos de evoluções de características gerais semelhantes, uma segunda comparação, mais detalhada e conduzida apenas entre as evoluções de mesmas características gerais, talvez permita identificar antecedentes necessários comuns, os quais têm forte probabilidade de constituir os fatores principais de desenvolvimento marítimo do grupo considerado, partindo da suposição lógica de que efeitos idênticos tendem a ter causas idênticas. Na identificação dos antecedentes necessários comuns, objeto dos próximos capítulos, admitiu-se a hipótese devida a Henri Berr, segundo a qual "os fatos que constituem a evolução humana se deixam grupar em três ordens bem distintas: uns são contingentes, outros são necessários e outros atendem a uma lógica interior." Essa hipótese convida a procurar na massa de fatos históricos, para os compreender, três sortes de relações causais: sucessões brutas, onde os fatos são pura ou simplesmente determinados por outros; relações constantes, onde os fatos são ligados a outros por necessidades; e encadeamentos internos, onde os fatos são presos a outros por razões várias. Dada a dificuldade em estabelecer o paralelo da história marítima de algumas nações com a de determinadas outras, há conveniência em se iniciar a procura dos antecedentes nas evoluções dos povos mais fortemente ligados ao mar. É lícito admitir que nelas as razões que propelem o homem para o oceano tenham desenvolvido maior energia, permitindo, em consequência, uma mais fácil identificação. Quanto à respectiva importância na História Geral, duração de esforços em prol do desenvolvimento marítimo e características, as evoluções da Fenícia, da Grécia antiga, dos vikings, das Repúblicas Marítimas Italianas, de Portugal, da Holanda, da Inglaterra e do Japão apresentam certa equivalência. Em todas elas a atividade nos mares serviu de base à grandeza nacional, abarcou séculos e passou pelas três fases sucessivas da pesca, da intensificação da navegação e da criação de um sistema político-econômico amparado pela supremacia naval. É, pois, de preferência, nesse grupo de evoluções que a atenção será concentrada em primeiro lugar.  

18. O AMBIENTE GEOGRÁFICO O homem propelido para o mar pela necessidade. A influência do ambiente geográfico. A imutabilidade do ambiente geográfico e suas consequências. A importância da pesca nas regiões

 

de ambiente geográfico desfavorável à exploração do solo. A procura de recursos econômicos no mar. Os exemplos da Noruega, do Japão e da Grécia. Os efeitos indiretos do ambiente geográfico no desenvolvimento marítimo. Nações marítimas e continentais.

Da constância, da espontaneidade, do vigor com que tão grande número de povos têm procurado o mar induz-se ser esse impulso ditado originalmente, antes de se tornar um hábito ou uma tradição, por alguma necessidade premente, pois o homem por seu corpo, seus órgãos, seu aparelho respiratório é um ser que vive agarrado à parte sólida da Terra. A ausência de condições propícias ao desenvolvimento da agricultura, da criação ou da caça pode ocasionar essa necessidade premente e compelir o povo a procurar a subsistência alhures. Em alguns casos, as populações emigram em busca de terras mais favoráveis, outras vezes sujeitam-se a uma existência de baixo padrão e ainda noutras ocasiões encontram no mar a solução do problema. Não se pode falar de uma atração geral que o mar tenha exercido sobre as populações humanas; somente certas costas se de mostram atrativas, aquelasescandinavo), por exemplo aquelas em que uma orla em de ilhas protege contra a vaga alto mar (Skiorgad também que asa proximidade de bancos submarinos torna propícia a pesca (Tunísia Oriental, mar do Norte), ou certas partes protegidas frequentadas em épocas fixas por legiões de peixes migradores (Mediterrâneo). Todas essas causas e outras mais sem dúvida contribuíram poderosamente para colocar algumas frações da humanidade em contato cotidiano com esse elemento que por ele mesmo é antes objeto de medo. De todas as atrações exercidas pelo mar, a mais poderosa para a humanidade primitiva foi principalmente a da pesca. Atualmente ainda a pesca marítima alimenta dois milhões de pessoas desde o Japão até a Noruega. O homem, naturalmente, se não encontra fartura em terra e se descobre nos mares próximos e de fácil acesso produtos capazes de suprir em abundância sua nutrição, é levado a se arriscar fora de seu elemento na luta pela sobrevivência. Destarte, o ambiente geográfico de uma região pode atuar fixando a população à terra graças a terrenos férteis e salubres ou repelindo-a devido a pouca produtividade do solo ou a climas rigorosos, favorecendo o acesso ao mar em razão de um litoral rico em portos seguros, de praias de declives suaves, atraindo as investidas para o largo com cardumes numerosos de espécies variadas ou barrando as saídas para o oceano com ausência de águas abrigadas, com a existência de apenas praias batidas pelas ondas, de baixios traiçoeiros, costas rochosas, barreiras de coral ou águas pouco piscosas. Em condições normais, o homem não abandona a terra para se lançar em aventuras marítimas quando o solo é generoso e capaz de proporcionar fartura. A atração do desconhecido, o desejo da aventura, a ânsia de enriquecimento podem levar muitas vezes grupos de indivíduos a empreenderem expedições temerárias pelos mares, mas quando esse movimento açambarca milhares ou milhões de pessoas que influem na história da nação, deve-se pressupor a existência de uma razão mais poderosa. Daí ter afirmado Mahan não ser a habilidade nem a previdência dos

 

governos que têm determinado a história dos povos marítimos, e sim as condições de posição, extensão, configuração, número e caráter de sua população, noutras palavras, as condições que se chamam naturais. As condições pouco favoráveis aos empreendimentos agropecuários, recursos do solo insuficientes em relação à população a abastecer, constituem traço comum dos territórios ocupados pelos povos selecionados para o primeiro grupo. A Fenícia, estreita franja de terra estéril entre o Monte Líbano e o Mediterrâneo; a Grécia, península montanhosa, de escasso rendimento agrícola e de litoral recortado; Veneza, cidade-estado edificada em ilhotas de lagunas, com difícil acesso para o continente, constituindo ao mesmo tempo excelente porto no Adriático; Gênova, pequena república entre os Apeninos e o Tirreno; Portugal, nação de limitado território, mas possuindo a foz do rio Tejo, um dos melhores portos da Europa; a Holanda, planície em parte conquistada ao mar no estuário de vários rios importantes; a Escandinávia, península de clima rude, montanhosa, de litoral escarvado pelos profundos fjords; a GrãBretanha e o Japão, ilhas densamente povoadas, ricas em portos naturais, cercadas por mares piscosos, evidenciam a influência dos fatores naturais na história marítima dos povos. O ambiente geográfico, pouco ou nada se alterando com os séculos, tende a conduzir as sucessivas gerações ou mesmo os sucessivos povos que por acaso venham a habitar o mesmo território, a se dedicarem a atividades análogas, a despeito de possíveis diferenças culturais ou raciais. Os noruegueses, os suecos e os dinamarqueses de hoje, ordeiros, adiantados, amantes da paz, pouco têm em comum, sob aspecto cultural, com os seus turbulentos ancestrais vikings, mas, como estes, dedicam-se aos empreendimentos marítimos com toda alma e retiram dos oceanos riquezas básicas para suas economias. O grego da atualidade pouco tem a ver, racialmente, com os gregos da batalha de Salamina ou da Liga de Delos, pois as inúmeras invasões nesses dois mil anos absorveram, com toda certeza, o antigo elemento étnico, porém, os habitantes da península grega e das ilhas adjacentes continuam a se dedicar intensamente às atividades marítimas. Inversamente, os normandos que ocuparam o nordeste da França no século IX, em contato com o solo fértil e vasto, passaram antes a se dedicar à agricultura e à pecuária do que às aventuras marítimas, anteriormente tanto de seu gosto. O mesmo sucedeu com os anglo-saxões, invasores da Grã-Bretanha, nos primeiros séculos da Idade Média. Enquanto o território da Ilha foi suficiente para a população, os ingleses não se arrojaram para o mar como faziam já os portugueses e italianos. A partir, porém, do fim da Guerra das Duas Rosas, a situação mudou: os ingleses paulatinamente recuperaram o gosto das aventuras marítimas, já desvanecidas na lembrança das gerações anteriores, e a Grã-Bretanha deixou de ser uma nação de economia baseada na agricultura e no pastoreio. É bem verdade que durante todo esse tempo nunca cessou de existir no litoral uma abundante massa humana de pescadores e marítimos onde foi fácil arranjar homens para as expedições ultramarinas. Procurando o mar inicialmente como fonte de alimento, o homem das regiões marítimas torna-se naturalmente grande consumidor de peixe. Este é outro elemento comum aos povos do primeiro grupo. As referências antigas mostram terem constituído, os produtos da pesca, a base da alimentação das populações gregas, tanto na península como nas colônias da Sicília e do sul da Itália, bem como dos fenícios. Constituiu, também, o peixe, alimento principal dos vikings, dos portugueses e holandeses, desde épocas bem remotas da Idade Média. A estatística moderna

 

mostra, sem sombra de dúvida, a acentuada importância dos produtos marítimos na alimentação dos povos do primeiro grupo. O consumo de peixe per capita, anual, na Noruega, que é o mais elevado do mundo, atinge a 40 quilos. A pesca fornece à população da Grã-Bretanha um milhão e quatrocentas mil toneladas de alimentos proteicos, ou seja, 30 quilos per capita; à Suécia, 24 quilos per capita; e no Japão cerca de três milhões de pessoas vivem direta ou indiretamente da pesca costeira. Anualmente o povo japonês consome cerca de 5 milhões de toneladas de peixe. Só na pesca costeira são empregados cerca de dez mil barcos ou navios. Para se avaliar a importância do peixe na alimentação desses povos, basta lembrar que cada brasileiro consome, em média, menos de 4 quilos de peixe por ano. O contato cotidiano com o mar leva esses povos a aprenderem, paulatinamente, a explorar novos recursos encontrados no elemento líquido e a estender cada vez mais suas investigações. Pouco a pouco os recursos do mar passam a ser procurados não apenas para atender às deficiências do território, para suprir as necessidades mínimas do povo, mas também para servir de base à expansão econômica. Assim, já na Antiguidade os fenícios aprenderam a tirar de conchas a púrpura e fizeram dos tecidos tingidos um de seus principais artigos de exportação. A Holanda, com a venda do arenque seco excedente de seu consumo, fundou as bases de um próspero comércio exterior a partir do século XVI. A Noruega, cujos pescadores retiraram dos mares em 1955, 1.635.000 toneladas de peixe, ganha com a exportação de produtos espículas, 900 milhões de coroas. Os noruegueses pescam o bacalhau nas águas da Islândia, no mar do Norte, nas costas da Groenlândia e do Labrador. A frota baleeira, a primeira do mundo, todo ano deixa os portos do longínquo Norte e se dirige, na estação própria, para os mares antárticos em busca dos cetáceos. O país nórdico aplica, apenas, um décimo de sua frota mercantil na cabotagem e cerca de um terço nas trocas com o exterior, enquanto o restante dos navios percorre os sete mares, servindo ao comércio de inúmeras nações. Desde o fim da Primeira Guerra Mundial, os armadores noruegueses perceberam com perspicácia a importância crescente do transporte de combustíveis líquidos na economia mundial e criaram, a maior frota de navios-tanques hoje existente. Também o Japão encontrou, por força da necessidade, na pesca, uma das suas principais atividades. Do mar de Bering nas altas latitudes do hemisfério norte, até o sul da Nova Zelândia são encontrados pescadores japoneses. Nos mares antárticos eles se dedicam à pesca da baleia em concorrência aos noruegueses. Junto do arroz, é o peixe o alimento básico da população, mas os japoneses aprenderam ainda a retirar do mar outras riquezas. Descobriram que certas algas marinhas são alimentícias e já habituaram o povo a consumi-las em grande quantidade. Descobriram processos de cultivar pérolas artificialmente. Os produtos marítimos figuram, dessa forma, em destaque no balanço de pagamentos do Japão, ao lado da construção naval. Em menor escala, mas ainda apresentando importância relativa considerável, a pesca é também para a Grécia de hoje e para Portugal atividade importante. Na exportação de esponjas, que seus mergulhadores vão apanhar em águas pouco profundas, os gregos encontram uma de suas poucas riquezas naturais. O peixe é ainda na Grécia, como no tempo de Péricles, um dos principais produtos de consumo. Mesmo sob o domínio turco, os gregos conservaram seus hábitos marítimos, chegando a predominar na frota mercante do Império Otomano, Desde que recobraram a independência, a exploração do transporte nos mares tem constituído a principal fonte de riqueza do país.

 

De maneira análoga, as possibilidades limitadas do solo e a ausência de matérias-primas capazes de promover o desenvolvimento industrial têm encaminhado o povo português para a pesca, para a navegação e para o comércio. Desde o século XVI os pescadores portugueses frequentam os bancos da Terra Nova, no outro lado do Atlântico, e, ainda hoje contribuem de forma digna de nota para a economia lusitana. Ninguém ignora a importância do peixe na cozinha dos lares portugueses, nem o significado das exportações de bacalhau seco ou de sardinhas enlatadas. Como não podia deixar de ser, em todos os movimentos de redenção nacional a pequena nação ibérica se tem voltado para o mar em busca do amparo econômico. No entanto, por muito poderosa que seja a ação do ambiente geográfico propelindo o homem para o mar, a pesca e a navegação por si só, mesmo atingindo grande desenvolvimento, não podem absorver a população ativa de um país. É indiretamente, favorecendo de várias maneiras o progresso do comércio, ligando proporção ponderável dos habitantes aos interesses econômicos dependentes do tráfego marítimo, que mais atuam as condições naturais. Ainda indiretamente, o ambiente geográfico concorre, forjando a mentalidade marítima do povo e dos governantes. Esses vários aspectos serão considerados posteriormente, mas desde já convém estabelecer uma distinção entre os países quanto aos respectivos ambientes geográficos, Essa distinção facilitará a exposição do assunto. Dessa forma, conforme a natureza do país favoreça a fixação do homem ao solo ou o induza aos empreendimentos oceânicos, diz-se, no primeiro caso, que o país é continental, e, no segundo, marítimo. Bem se vê que dentro dessa divisão, o Brasil, assim como os Estados Unidos, o Canadá, a Rússia, a Índia, a Argentina, a França, a China, a Austrália, em suma os principais produtores das riquezas agrícolas e pastoris do mundo, é uma nação de características continentais. Seu povo encontra a principal atividade econômica longe do mar, no trabalho da terra que produz o suficiente para o sustento dos habitantes, e a economia do país repousa, principalmente, na exploração dos recursos do solo. Evidentemente, um mesmo país pode apresentar regiões de características continentais e outras de características marítimas. É preciso ter-se presente que a divisão foi estipulada a grosso modo, considerando a nação como um todo e verificando a preponderância de suas atividades principais. A França, por exemplo, fértil em grande parte, propícia a culturas variadas, alimentando com fartura os seus filhos, possui uma região nitidamente marítima, a Bretanha, península de litoral recortado e solo pobre, terra por excelência de marinheiros e pescadores. A Itália, agrícola no vale do Pó e no Sul, contrasta com a Itália marítima do litoral do Tirreno e do Adriático, berço das antigas repúblicas de Veneza, Gênova, Pisa e Amalfi. No Japão, enquanto milhões de indivíduos dedicam-se aos afazeres marítimos, nas encostas das montanhas, penosamente, quase cinquenta por cento da população procura cultivar no solo pobre o arroz que será misturado com o peixe para constituir a alimentação básica. Mesmo os Estados Unidos, de solo rico, de grande área e imensos recursos naturais, tem na Nova Inglaterra uma região marítima. O solo pouco fértil, o clima rude, a linha da costa muito irregular, proporcionando numerosas baías, a proximidade relativa dos bancos do Labrador, onde o bacalhau tem seu habitat predileto, tudo ali concorre para atrair o homem para o mar. A Espanha de acentuadas características marítimas na Galícia, ao longe do litoral do Mediterrâneo, não prepondera sobre a Espanha da Estremadura de Castela. O Canadá, exclusivamente marítimodenacaracterísticas Terra Nova, continentais onde há uma proporção deouvinte pescadores para cada agricultor, contrasta com o Canadá das Províncias Centrais, onde nem o vento leva a umidade do oceano.

 

Embora aproximada, importa em se manter a divisão em países marítimos e continentais. Conforme já se disse, desde que seja a nação considerada no seu conjunto, na análise da influência que preponderou nos seus destinos econômicos, a classificação é aceitável e serve para facilitar a explanação sobre outros pontos do desenvolvimento dos povos nos oceanos.

19. A EXPANSÃO COMERCIAL Vantagens do transporte sobre as águas. As correntes mercantis e os países intermediários. A abundância de artigos comerciáveis e a formação dos portos. Importância dos centros portuários no desenvolvimento marítimo. Dependência crescente do desenvolvimento econômico ao desenvolvimento marítimo. Exemplo dos Estados Unidos e da Alemanha. Reflexos na ação governamental. Tendência natural das nações marítimas para o comércio e para o colonialismo. Feições diversas do colonialismo. Dependência do colonialismo às comunicações marítimas. As rivalidades nos mares atravésedos A pirataria, A necessidade da Marinha de Guerra sentida por razões econômicas porséculos. razões políticas e militares. O incentivo que a dependência ao comércio marítimo proporciona ao desenvolvimento das marinhas de guerra das potências rivais. Conclusão sobre a influência da expansão comercial no desenvolvimento marítimo.

Até época relativamente recente a ausência de boas estradas, as vastas extensões desabitadas, as montanhas e demais acidentes geográficos constituíam empecilhos sérios ao desenvolvimento das trocas comerciais. O intercâmbio de artigo de pequeno volume e peso ainda era viável nas caravanas de muares ou camelos, ou em carroças, mas jamais as transações de vulto destinadas a abastecer de gêneros alimentícios populações numerosas, ou a suprir de matérias-primas indústrias avançadas. Dessa forma a vantagem oferecida pela superfície ilimitada do mar para o transporte longínquo e o frete reduzido para os produtos do solo ou da indústria evidenciaram-se desde a remota Antiguidade. Na realidade, não foi senão no dia em que a navegação permitiu a países distantes e diferentes entre si em civilização, comunicarem-se, que o comércio propriamente dito nasceu. Por mar, o caminho está feito, ou antes, não há necessidade de estradas: o elemento líquido suporta indiferentemente qualquer peso e sua superfície permite o deslocamento livre em qualquer direção. A força motriz mais fraca, força gratuita, se é empregado o vento, é suficiente para pôr em movimento massas enormes. Não é portanto de admirar que o mar tenha sido por todos os tempos o grande caminho do comércio e que povos separados por mil léguas de mar encontrem-se na realidade mais vizinhos

 

que outros separados por cem léguas de terra firme. Mesmo agora, malgrado os progressos do transporte por via terrestre, o transporte pelo mar é ainda menos oneroso, o que significa trabalho menor. O preço do transporte da tonelada quilométrica não ultrapassa quase nunca um quinto e mesmo um décimo do preço do transporte por via férrea. Em Marselha, o preço do carvão, que vem por mar da Inglaterra, passando pelo estreito de Gilbratar e que percorre 3.500 quilômetros, é menor do que o do carvão transportado por estrada de ferro procedente das minas de La Grande Combe, situadas a 177 quilômetros. Mares de livre navegação, lagos, rios ou canais navegáveis constituem dádivas da natureza a determinadas regiões. As vias aquáticas e a posição relativa das grandes regiões produtoras e consumidoras têm orientado os fluxos comerciais do mundo. Por muitos séculos foi o Mediterrâneo o centro de cruzamento, no Mundo Ocidental, das mais importantes linhas comerciais-marítimas. Hoje é o Atlântico Norte. Em outras épocas, alguns países beneficiaram-se da situação de proximidade das principais linhas de deslocamento de mercadorias e das facilidades de acesso ao mar propiciadas pelos seus litorais, para assumirem a função lucrativa de intermediários do comércio mundial. A grande importância adquirida na História Econômica pelo comércio fenício, púnico, holandês, genovês, veneziano ou inglês originou-se justamente do fato de ter abarcado uma área extensíssima, servindo não apenas a algumas nações ou mesmo a algum império, mas a vários continentes. As mercadorias que os navios fenícios deixavam ou apanhavam nos portos desde a Espanha até o mar Negro, não eram, na sua maioria, nem destinadas às cidades sírias nem delas procedentes. Mais provavelmente os artigos egípcios e babilônicos constituíam maior parte da carga, Nas viagens de ida e nas viagens de volta, os artigos trazidos eram desembarcados nos portos de onde pudessem atingir, depois, os países mais povoados e adiantados da época, sobretudo o Egito, a Assíria ou a Babilônia. Também na Idade Média não era o sal, nem as sedas, nem os espelhos produzidos na Cidade dos Doges que enchiam os milhares de navios venezianos nas viagens de ida para os extremos do Mediterrâneo, nem ao consumo dos habitantes da cidade, ou da indústria, se destinavam na sua maioria as mercadorias carregadas no regresso. Chegada a Veneza, parte substancial da carga tomava o caminho da França, da Alemanha ou da Holanda pelas estradas alpinas. Mais tarde, ainda não foram o queijo, o arenque seco ou os tecidos holandeses que bastaram para encher os porões dos navios batavos. Era necessário aí acrescentar os vinhos franceses, as manufaturas e o carvão da Inglaterra, as madeiras dos países do Báltico, as peles russas, as especiarias orientais etc. A prosperidade e a riqueza da Fenícia, de Gênova, de Veneza e da Holanda e mesmo de Portugal achavam-se de tal modo na dependência dos lucros provenientes dos fretes e da revenda de mercadorias levadas por seus navios de um ponto para outro das respectivas áreas de atividade mercantil, que aquelas nações entraram em decadência quando perderam a posição privilegiada de intermediárias. Tão grandes e evidentes são as vantagens advindas da exploração das rotas marítimascomerciais, que desde a antiguidade observa-se a tendência de as nações procurarem obter a exclusividade de sua utilização sempre que as circunstâncias o permitem. Se o monopólio dos caminhos marítimos por uma única potência, nos moldes almejados pelos fenícios e cartagineses

 

ou mesmo pelos genoveses, venezianos e holandeses, não é hoje viável, nem por isso deixou de existir uma desenfreada competição internacional pela preponderância nas linhas de navegação mais lucrativas. A superabundância de produtos agrícolas, manufaturados ou do subsolo, constitui uma segunda circunstância favorável à criação e ao desenvolvimento do comércio marítimo, pois o extravasamento dos excessos naturalmente se encaminha pela rota mais fácil, em busca dos mercados deles sequiosos. Sem dúvida alguma, nos Estados Unidos, a prosperidade de grande número de cidades da costa do Atlântico e do Pacífico e do golfo do México bem como o desenvolvimento da Marinha Mercante têm sido devidos ao volumoso comércio exportador e importador do país. Outro tanto se pode afirmar do progresso de Hamburgo e de Bremen, cidades que a partir da segunda metade do século passado mais se têm beneficiado do extraordinário surto do comércio exterior alemão. Nesses dois centros, os estaleiros e as instalações portuárias e a tonelagem de navios mercantes neles registrados acompanharam o incremento das transações comerciais da Alemanha. De uma maneira geral, as cidades portuárias que servem de escoadouro a regiões produtivas, convertem-se em centros de intensa atividade comercial, tendendo ligar mesmo os países de características continentais aos empreendimentos marítimos. Algumas cidades como Londres, Nova Iorque e Rotterdam, na atualidade, e Alexandria, na antiguidade, situadas sobre rios, no ponto de encontro das navegações marítimas e fluviais, beneficiaram-se, mais do que quaisquer outras, do movimento mercantil nascido em consequência da situação vantajosa por elas ocupadas. Por um lado, toda a produção do interior desce pelo caminho natural das águas até encontrar o grande centro de distribuição representado pelas cidades da foz. Em contrapartida, também é nesses centros que os produtos importados desembarcam antes de ganhar em sentido inverso os mercados interiores. Foi assim que Alexandria, recebendo pelo Nilo os artigos agrícolas e industriais produzidos no Egito, então um dos países mais ricos e adiantados, em contato pelo Mediterrâneo com a maior parte das nações bárbaras e civilizadas da época, converteu-se numa das principais cidades da Antiguidade. Rotterdam, na foz do Reno e do Escalda, que permitem a livre passagem de barcaças até bem o interior da Europa, passando em zonas ricas da Bélgica, Alemanha e França, é o exemplo moderno, dos mais eloquentes, de um centro de comércio que se beneficia, sobretudo, da posição geográfica. Anualmente, cerca de trinta milhões de toneladas são movimentadas nos vinte e poucos quilômetros de cais daquela cidade. Não apenas o comércio exportador e importador dos Países Baixos mas também o das nações circunvizinhas encontram ali um ponto intermediário imprescindível. A fome de matérias-primas do Ruhr é saciada em grande parte por Rotterdam, mais próxima que os portos alemães do Norte. A gigantesca produção da parte mais industrial da Alemanha também se serve do seu porto quando destinada aos países do Sul da Europa, ou de outros continentes. Na América do Norte, nenhum centro comercial beneficia-se tanto da situação geográfica quanto Nova Iorque. Já um dos centros comerciais mais importantes desde os tempos coloniais, graças a seu porto na foz do rio Hudson, servindo a uma área rica, Nova Iorque agigantou-se com a abertura do canal Erie em 1818, o qual permitiu a comunicação fácil com toda a vasta e rica região dos Grandes Lagos. Seu desenvolvimento foi depois acelerado pela prosperidade da indústria americana localizada, em grande parte, dentro do raio de absorção do seu porto. É hoje

 

Nova Iorque o porto de maior movimento no mundo, ultrapassando mesmo Londres. Bem outra era a situação de Lisboa e Sevilha. Não sendo o Tejo e o Guadalquivir navegáveis acima daquelas cidades, nem constituindo o interior de Portugal e Espanha importantes regiões produtoras ou consumidoras, permaneceram os dois portos ibéricos apenas como portos de escala para os produtos asiáticos e americanos, mas não como verdadeiros centros distribuidores. Coube à Marinha holandesa a tarefa, negligenciada pelos portugueses, de embarcar em Lisboa os produtos ali acumulados e encaminhá-los para os mercados do norte da Europa, via Amsterdam ou Rotterdam. Com o fim do Império Colonial Português nas Índias, os navios batavos passaram a fazer o percurso direto sem mais irem a Lisboa. Assim, a prosperidade comercial promove a formação de cidades portuárias, de características semelhantes, tanto nos países marítimos como nos continentais. Até um país eminentemente agrícola, como a China, viu crescer Shangai desmedidamente por força da intensa atividade comercial ali desenvolvida, no cruzamento de rotas marítimas e fluviais. Mesmo não levando o resto do país a se ligar aos empreendimentos oceânicos, não há dúvida de que o nascimento de cidades portuárias importantes, fruto da expansão comercial, marca um passo decisivo no sentido do desenvolvimento marítimo, pois nelas, paulatinamente, congregam-se os elementos materiais e humanos indispensáveis à conquista dos caminhos sobre as ondas e nelas passam a habitar as classes de prestígio com interesses permanentes e vultosos nas atividades náuticas. Graças ao florescente comércio e graças às condições geográficas que possibilitaram o desenvolvimento de alguns de seus portos, nações eminentemente continentais, como o Egito antigo, os Estados Unidos, a Alemanha e a Rússia foram levadas a participar da História Marítima. É fato notório que o desenvolvimento econômico impõe, tacitamente, maior entrelaçamento mercantil entre as nações e, consequentemente, uma maior dependência às comunicações marítimas. Tal fato é observado desde a Antiguidade, adquirindo ainda maior realce com a Revolução Industrial. No caso dos Estados Unidos, por exemplo, as cifras são concludentes. Segundo o relatório apresentado em 1952 pela Materials Policy Comission, a produção americana em 1900 foi superior ao consumo em 15%! Em 1950 o consumo ultrapassou em 9% a produção. A estimativa para 1975, considerando o aumento da população e do padrão de vida, previa um déficit de 20%. Em tais condições, na dependência crescente de fontes externas, a antiga política isolacionista tão do agrado dos primeiros estadistas americanos, como Washington e Jefferson, e ainda sustentada em certas regiões do país, tornou-se impossível. Uma lei de embargo ao comércio exterior, como a decretada pelo Presidente Jefferson, em 1807, seria hoje rejeitada como absurda antes de qualquer discussão. A dependência progressiva da economia germânica às fontes externas é também facilmente constatada. Basta um rápido confronto entre as situações econômicas enfrentadas pela Alemanha durante as sucessivas guerras dos últimos noventa anos. Com efeito, durante os conflitos externos de envergadura, o esforço total exigido coloca à prova não só a estrutura social e política da nação, mas também põe à mostra todas as suas possibilidades e limitações econômicas. Sem depender grandemente do exterior, a Alemanha venceu a França em 1870. O armamento de superior qualidade produzido pelo seu parque industrial em rápida ascensão não necessitava então de matérias-primas procedentes do Ultramar ou mesmo de outros países

 

europeus. Já na guerra de 1914-18, o esforço de guerra alemão foi seriamente afetado pela dificuldade em conseguir determinados artigos essenciais no exterior. No Segundo Conflito Mundial, mais uma vez privada das comunicações marítimas com a maior parte do mundo, a economia de guerra alemã exigiu decisões estratégicas de alta relevância, A Campanha da Noruega, em 1940, assegurou o suprimento de minério de ferro, cuja interrupção teria feito cair a produção siderúrgica germânica em 50%. Entretanto, a falta de petróleo constituiu sempre um pesadelo para a Alemanha, que, em 1942, foi obrigada a orientar sua ofensiva de verão na Rússia em busca dos poços do Cáucaso, abandonando objetivos de elevada significação como Moscou e Leningrado. Na verdade, os alemães, e muito menos os americanos, não se dedicam aos afazeres náuticos com o mesmo vigor e a mesma eficiência dos povos que procuram o mar compelidos pelo ambiente geográfico. Já se viu no Capítulo XVI que a participação americana no transporte marítimo de suas próprias exportações e importações, por várias vezes nos últimos cem anos, desceu a percentagens bem baixas. Mesmo depois da Segunda Guerra Mundial, a Marinha Mercante dos Estados Unidos não tem enfrentado vantajosamente a concorrência inglesa, norueguesa ou holandesa. Entretanto, o vulto do comércio americano, por si só, é capaz de absorver toda a capacidade de transporte da frota mercante do país. Mediante algumas poucas leis protecionistas, a frota de comércio dos Estados Unidos tem podido desenvolver-se, visto estar garantida a demanda de seus serviços. A expansão comercial, mesmo sem incutir nos povos continentais a noção de dependência econômica do mar, cria um jogo de interesses que obriga os governos a travarem contato com uma série de problemas, entre os quais o do desenvolvimento marítimo é fundamental. Tanto na Alemanha como nos Estados Unidos, bem antes das duas guerras mundiais, a ação estatal se fez sentir na esfera marítima, visando à salvaguarda de interesses nacionais de primeira magnitude. Com o surto do comércio alemão, Bismarck, em 1885, iniciou as subvenções a companhias de navegação germânica e posteriormente veio a interessar-se por colônias. De forma semelhante a política exterior americana, coincidindo com a expansão mercantil do país, adquiriu caráter até então inédito, assumindo, inclusive, aspecto imperialista no fim do século XIX e começo do século XX. Em ambos os países, essa mudança foi seguida de aumento considerável das respectivas marinhas de guerra. A influência do comércio no desenvolvimento das atividades oceânicas implicitamente estabelece identidade entre os povos de espírito mercantilista e os de espírito marítimo. Essa identificação é flagrante entre as diversas nações de características marítimas. Com exceção dos vikings, que permaneceram mais ligados à pesca e à pirataria, os demais povos de acentuadas tendências marinheiras descambaram também com vigor para a exploração marítimo-comercial. Duas ordens de razões explicam o fato: primeiro, nos países de solo pobre ou limitado, como acontece na maioria das nações marítimas, uma fração importante dos habitantes é forçosamente desviada do trabalho da terra para as atividades comerciais e industriais, em busca de amparo econômico; o comércio assume assim uma relevância dificilmente atingível nas nações de economia agrária. Segundo, só pela importação podem ser obtidos certos produtos indispensáveis à alimentação do povo e ao funcionamento da indústria, o que implica, em contrapartida, um esforço para desenvolver o comércio exportador que equilibre o sistema de trocas.

 

Viu-se que na Grécia antiga a população de Atenas dependia do suprimento de trigo das regiões do mar Negro. O azeite, os artigos de cerâmica e os produtos espículas constituíam os elementos com que os gregos efetuavam as trocas indispensáveis. De forma idêntica, os venezianos, muitos séculos depois, foram encaminhados para o comércio, visto não haver possibilidade de encontrar no solo da República recursos suficientes ao abastecimento dos habitantes. O sal, primeiro, e depois os vidros e as sedas permitiram o desenvolvimento de um comércio capaz de contrabalançar as importações. Também o reconhecido espírito mercantil do povo holandês provavelmente nasceu da necessidade de comprar fora das fronteiras produtos agrícolas para a população adensada num território de escassa área. Dos países do Báltico, da Alemanha e da França procedia grande parte dos alimentos com que, quotidianamente, cada holandês completava suas refeições de peixe, e da Grã-Bretanha chegava a lã indispensável ao funcionamento das indústrias têxteis. O arenque seco e o queijo serviram de base inicial à prosperidade mercantil dos Países Baixos, possibilitando a importação dos variados produtos de que careciam. Tal vulto atingiu o comércio holandês depois que se converteu na principal preocupação do Estado. Semelhantemente, a expansão comercial da Inglaterra, a partir do século XVIII, estabeleceu um sistema de troca, cuja preservação tem sido até os dias atuais o propósito número um dos estadistas britânicos. Não tanto para atender aos reclamos básicos da população de um país marítimo, mas principalmente visando consolidar a posse da fonte de seu poderio, o vasto Império ultramarino, o povo inglês tem-se dedicado com ardor inigualável aos empreendimentos oceânicos. Chega-se aqui ao ponto em que a expansão comercial, o colonialismo e o desenvolvimento marítimo entrelaçam-se. De uma maneira geral, os povos marítimos são também os povos colonizadores. As mesmas causas que os fazem procurar o mar, os propelem também a emigrar em busca de amparo econômico noutras plagas. O colonialismo, entretanto, nem sempre apresenta a mesma feição. Alguns movimentos colonizadores foram espontâneos, obedecendo à imposição das condições naturais, nascendo da ânsia de conseguir terras férteis ou as riquezas fáceis representadas pelos minérios nobres. A expansão grega nos séculos IX e X A.C. constitui um exemplo típico de uma obra colonial nascida da penúria das terras. As invasões vikings, parte da obra colonial portuguesa, inglesa, espanhola e mesmo holandesa constituem outros exemplos nos quais populações se transladaram em massa para outros continentes, levando o sangue, a língua e os costumes, fundando, em suma, novas pátrias em novos ambientes. Mais comumente, porém, o movimento colonial tem possuído raízes comerciais. É a ânsia de assegurar o controle das fontes de matéria-prima e de mercados consumidores que tem determinado a maioria delas. O caráter comercial da colonização fenícia, cartaginesa, veneziana, genovesa, pisana e holandesa, e algumas vezes o da inglesa e da lusitana, já foi acentuado, em capítulos precedentes. Sobretudo na Ásia e na África, os povos europeus visaram antes de tudo o estabelecimento de pontos de apoio onde pudessem efetuar as trocas que visavam. Também na América as potências colonizadoras não viram prolongamentos da Mãe-Pátria, mas campos a serem explorados comercialmente, do que resultou, por fim, a revolta dos habitantes. Tanto a Inglaterra como a Espanha e Portugal, seguindo o espírito da época, cercearam, com as leis odiosas, o

 

desenvolvimento econômico das colônias, desde que o mesmo pudesse por alguma forma ferir seus interesses. O colonialismo, baseado na posse de mercados produtores de matérias-primas e consumidores de produtos manufaturados, levou mesmo alguns países continentais, como a França, a Alemanha e a Rússia, a dele participarem, A obra colonial foi aí mais resultante da ação estatal, tendo sido mínima a participação direta do povo, com pouca disposição para se deslocar em massa, em caráter definitivo, para ambientes geográficos inteiramente outros. Todavia, qualquer que seja sua feição, os impérios coloniais têm dependido sempre da interligação marítima, impondo, consequentemente, o desenvolvimento dos empreendimentos oceânicos para sua preservação e para atender ao intenso sistema de trocas. Com a expansão comercial nos mares e com o colonialismo, há conveniência em se considerar um outro aspecto da história do desenvolvimento marítimo. É o que se prende às contendas pela supremacia nas rotas oceânicas, lutas essas que têm condicionado os destinos de muitos povos. Conforme se verificou na Primeira Parte, a maioria das evoluções marítimas processou-se sob o império da força. Raros países lograram atingir preponderância nos negócios marítimos sem terem apelado para a guerra. Quase nenhuma nação entrou em decadência nos mares que não fosse em consequência de luta armada. Na antiguidade os fenícios procuraram eliminar todos os possíveis concorrentes nas rotas oceânicas, não poupando meios para alcançar esse fim. Eles foram suplantados pelos gregos depois de uma luta secular. Na parte ocidental do Mediterrâneo os cartagineses suplantaram os etruscos e rechaçaram as investidas gregas, mas foram, por sua vez, derrotados pelos romanos nas guerras surgidas em disputa das colônias na Sicília. Durante todo o fim da Idade Antiga, Roma exerceu um benevolente domínio sobre o Mediterrâneo, no qual foi possível, aos povos de suas praias comerciarem dentro dos limites que convinham à Senhora do Mundo. Na Idade Média as cidades marítimas da Itália, tendo provocado a ruína comercial de Bizâncio e vencedoras dos sarracenos no Mediterrâneo, entraram em luta entre si, quando seus interesses foram idênticos nas colônias do Oriente. No século XVI Portugal aniquilou a tiros de canhão o comércio egípcio e árabe na Índia, sendo depois espoliado de suas conquistas pelos ingleses e holandeses. Esse povos do Norte da Europa já antes se dedicavam com afinco ao assalto do transporte espanhol e por fim se defrontaram em luta em disputa do bocado todo. No século XVII, a França procurou ascender à categoria de potência colonial e comercial, ganhando, em consequência, a inimizade da Holanda e sobretudo da Inglaterra, que a guerreou desde os tempos de Richelieu até Napoleão. Ainda no fim do século XIX a Inglaterra e a França eram nações rivais, com interesses coloniais antagônicos bem acentuados. Surgiu, porém, ameaça maior obrigando os dirigentes da França e da Grã-Bretanha a fazerem uma revisão fundamental na política exterior. O desenvolvimento marítimo-comercial germânico preocupou não apenas a Inglaterra, mas também os Estados Unidos, que já haviam eliminado a Espanha como nação influente nas Antilhas. Duas guerras mundiais aniquilaram as pretensões alemães nas rotas marítimas. Os russos chegaram ao mar Báltico lutando contra os suecos e os germânicos, e ao mar Negro, guerreando contra os turcos. Suas ambições na Mandchúria e na Coréia provocaram a agressão  japonesa de de 1904. O Jap Japão, ão, converte convertendo-se ndo-se em imp importante ortante po potência tência come comercial rcial marítim marítima, a, passou a

 

ser no Oriente o inimigo potencial da Inglaterra, da Holanda e dos Estados Unidos. A Segunda Guerra Mundial pôs fim às aspirações nipônicas de domínio naquela parte do mundo. Não se pode atribuir apenas à rivalidade marítimo-comercial-colonial a causa de desencadeamento de tantas guerras que tão decisivamente influíram nos destinos dos novos, mas, sem dúvida alguma, sua contribuição não foi pequena, e a repercussão dessas lutas na esfera marítima foi das maiores. Às margens dos conflitos internacionais, desde a remota Antiguidade até pelo menos o século passado, foram os mares teatro de lutas quase permanentes, pois populações numerosas viveram consagradas ao assalto das riquezas transportadas pelos navios. Todos os povos do Mediterrâneo, de uma forma ou de outra, mesmo os mais civilizados, dedicaram-se, com bastante intensidade, à prática do roubo em alto-mar. Os habitantes das ilhas do mar Egeu, em particular, faziam da pirataria a indústria nacional por excelência. Eles já preocupavam os Atenienses na época de Temístocles, cinco séculos A.C.; foram combatidos por Cesar, Pompeu e Augusto, muitas gerações depois, e durante toda a Idade Média, italianos, bizantinos e sarracenos sofreram seus ataques de rapina. Os comerciantes pisanos, genoveses e venezianos, por seu turno, também eram corsários quando a oportunidade surgia. Amalfi, Gênova, Pisa e Veneza eram centros de pirataria organizada. Elas deveram à pirataria uma boa parte de suas riquezas. Tão normal eram considerados os ataques aos navios de outras nacionalidades que o termo corsário, empregado nos atos genoveses, nada tinha de reprovável ou pejorativo. Numerosos foram os mercadores italianos que, tendo dívida a cobrar de algum grego e não o podendo fazer, tornaram-se corsários a fim de arrancar pela força o que não obteriam de outra forma. Ainda nos séculos XVI e XVII as companhias inglesas e holandesas, destinadas à exploração comercial na América e no Oriente, usavam métodos de rapina que mais se assemelhavam aos utilizados por verdadeiros piratas. Algumas nações, a exemplo dos Estados berberes do Norte da África, tinham mesmo na pirataria a principal fonte de renda. Até meados do século XIX a concessão de cartas de corso foi de uso corrente em todos os países envolvidos em guerra, constituindo um meio para bandidos internacionais ou aventureiros sequiosos de riquezas se aproveitarem das hostilidades. Corsários foram alguns dos melhores marinheiros da GrãBretanha, como Drake, Hawking e Raleigh, e da França, como Jean Bart, Duguay-Trouin e Surcout. A necessidade de proteger o tráfego marítimo dos assaltos das potências inimigas ou dos piratas e a conveniência em privar o adversário das vantagens das rotas sobre as águas, conduziram à formação, desde épocas bem remotas, das marinhas de guerra. A necessidade de marinha de guerra, no sentido restritivo da palavra, surge, portanto, da existência do transporte marítimo e desaparece com ele, exceto no caso de a nação ter tendências agressivas e manter a marinha mercante como um ramo da organização militar. A ligação da marinha de guerra ao transporte marítimo é tão íntima que por muito tempo não houve nítida distinção entre o navio de combate e o navio mercante. Principalmente na Antiguidade, os traficantes cuidavam, eles próprios, da proteção de suas frotas mercantes, armando os navios, e também dos ataques ao transporte dos rivais. O comerciante era ao mesmo tempo marinheiro e guerreiro, adotando o procedimento mais conveniente conforme as circunstâncias.

 

Assim agiam os fenícios, os cartagineses, os gregos e os italianos cujas maonas não eram mais do que expedições marítimo-comerciais apoiadas na força militar. Ainda nos séculos XVI e XVII, os traficantes portugueses, ingleses, franceses e holandeses resolviam muitas de suas disputas a tiros de canhão, malgrado a paz reinante entre seus países. Foi da amálgama de corsários, aventureiros, comerciantes, navios de comércio, navios particulares ou armados pelo Estado, que nasceram as Marinhas de Guerra inglesa e holandesa. Desde que se constituíram definitivamente as marinhas de guerra sob a égide do Estado, o apoio das forças navais ao comércio passou a ser reflexo da política adotada pelo governo. Foi apoiado nos canhões das marinhas de guerra que as potências européias, do século XVII ao século XIX, alargaram seus domínios coloniais e comerciais na Ásia, África e Oceania. Foi devido à presença da esquadra do Comodoro Perry que o Japão se viu constrangido a reatar relações com o resto do mundo. Sem dúvida alguma, a interligação das histórias do comércio, da expansão colonial e do poderio marítimo remonta aos fenícios. Sem o apoio de marinha de guerra, própria ou de potência aliada, nenhuma nação logrou beneficiar-se por muito tempo do transporte oceânico. O lento trabalho do estabelecimento de uma rede comercial e a formação de uma frota mercante, devidamente apoiada em terra, servidora dessa rede mercantil, são obras de alento que exigem décadas de labor continuado em setores múltiplos, por parte de milhares de indivíduos. Em caso de guerra, a falta de poder no mar tem representado o fim de toda essa obra em pouco tempo. Como a eventualidade de um conflito armado nunca pôde ser afastada do espírito de dirigentes responsáveis, pois a História mostra que os ciclos guerreiros se repetem num intervalo menor do que o tempo exigido pelo completo desenvolvimento marítimo-comercial de um país, resulta que quase sempre as marinhas militares expandem-se à medida que a esfera do comércio marítimo da nação se amplia. Muitas vezes, porém, a exiguidade de recursos materiais impede o desenvolvimento da Marinha de Guerra de acordo com suas responsabilidades, e o país é obrigado a confiar a proteção de seus interesses marítimos a potências estrangeiras, valendo-se de alianças. Foi para a proteção recíproca do comércio marítimo que as cidades gregas fundaram as chamadas Ligas Delicas. Foi procurando o apoio do poderio naval britânico, necessário à preservação de seu Império, que Portugal, enfraquecido no mar, renovou constantemente sua aliança com a Inglaterra. Durante as duas guerras mundiais, sem a proteção da Royal Navy e da US Navy, as frotas mercantes, o comércio e a maior parte das colônias dos demais aliados teriam sido destruídos ou capturados. Enquanto a marinha de comércio e as atividades mercantis de países poderosos como a Alemanha, a Itália e o Japão eram quase totalmente eliminadas dos mares, nações de pequeno poderio naval como a Noruega, a Holanda e a Grécia encontraram na aliança com as potências anglo-saxônicas a relativa segurança que preservou de catástrofe total seus interesses marítimos e coloniais. A expansão do comércio marítimo de uma nação tem o efeito paradoxal de estimular o desenvolvimento das marinhas de guerra dos inimigos eventuais, pois no exercício do poder marítimo as potências não visam apenas utilizar a rota oceânica, mas também negar seu uso ao inimigo. Desde que se torna evidente a dependência de um país às rotas marítimas, é quase certo procurarem as potências rivais dispor dos meios para, em caso de guerra, atacarem esse elo vital. Foi por essa razão que no século XVII a Marinha Real inglesa se desenvolveu até ultrapassar a

 

Marinha de Guerra batava, numa época em que os Países Baixos tinham uma frota mercante quatro vezes superior à britânica, dominando o comércio mundial. Com as derrotas de sua esquadra e consequente paralisação do comércio, a Holanda se viu obrigada a pedir a paz, embora nenhum exército inglês ameaçasse seu território metropolitano. Substituindo a Holanda no tráfego mundial, daí em diante a situação se inverteu para a GrãBretanha e, em todos os conflitos seguintes de que participou, o seu comércio marítimo foi o alvo predileto dos ataques navais inimigos. Não podendo atacar o território da própria Inglaterra, protegida por poderosa Marinha de Guerra, os esforços navais das potências que contra ela guerreavam voltaram-se sempre com fúria para as ligações marítimas na esperança de obter o seu estrangulamento econômico. O assalto ao comércio marítimo inglês incentivou por quase três séculos os corsários franceses, holandeses e americanos. Empresas e estaleiros foram fundados com o único fim de proporcionarem recursos a tais ataques. Na Primeira Guerra Mundial, a partir de 1917, grande parte do esforço bélico alemão foi orientado no sentido de eliminar o comércio marítimo aliado, principalmente britânico, última esperança de alcançar a vitória. Centenas de submarinos foram construídos em série, com a máxima rapidez, na tentativa desesperada de obter a solução. Antes da Segunda Guerra Mundial a Marinha de Guerra germânica foi planejada, tendo ainda como fim principal o ataque ao sistema de transportes marítimos dos inimigos eventuais. Também é a dependência ao comércio marítimo por parte das potências anglo-saxônicas que tem determinado a ascensão da Marinha de Guerra russa nos últimos anos. Pelas razões acima expostas, pode-se, portanto, afirmar constituir a expansão comercial um estímulo dos mais decisivos para o desenvolvimento marítimo, pois hoje como nos últimos três mil anos o transporte sobre as águas é o mais barato e muitas vezes o único viável. Todavia, enquanto nas evoluções marítimas de determinados povos o desenvolvimento comercial apareceu como elemento derivado do ambiente geográfico ao qual ele se somou incrementando ainda mais os empreendimentos oceânicos, nas evoluções do Egito, Alemanha etc., foi a expansão comercial fator inicial e decisivo da marcha dessas nações para as aventuras sobre as superfícies líquidas. Não se pode dizer, com efeito, que foi o hábito da navegação que levou os egípcios antigos, os alemães ou os americanos a se transformarem em traficantes nos mares, mas sim a necessidade de comerciar que os compeliu a cuidarem das empresas marítimas. Paralelamente, verifica-se constituir a capacidade de utilizar as vias marítimas em quaisquer circunstâncias, negando ao mesmo tempo sua utilização às potências inimigas, a expressão última e almejada do desenvolvimento de uma nação nos oceanos.

20. A MENTALIDADE DO POVO A mentalidade diversa dos povos marítimos e continentais: suas razões. A propagação do espírito

marítimo, A influência do espírito mercantil. O sentimento de dependência ao mar existente em

 

certos povos. A formação da tradição marítima. Reflexos da tradição no desenvolvimento dos empreendimentos oceânicos. O entusiasmo de determinados povos pelos assuntos marítimos. Efeitos na ação do governo. Situação diversa observada nos países continentais. Ausência de uma consciência marítima com raízes fortes no espírito do povo. A ação do Estado solicitada a suprir a indiferença do povo. A falta de laços de interesses aos empreendimentos marítimos. O caráter terrestre das tradições bélicas das nações continentais. Consequências da falta de espírito marítimo nos Estados Unidos, Rússia, Alemanha e França. Como algumas potências procuram desenvolver artificialmente a mentalidade marítima. Valor duvidoso da propaganda. Síntese.

Sendo inteiramente diversas as condições de vida dos habitantes das regiões marítimas e das regiões continentais, é natural que seus problemas e ambições sejam também diferentes, assim como, em consequência, as respectivas maneiras de pensar, sentir e agir. Noutras palavras, os habitantes das regiões marítimas possuem, normalmente, mentalidade pouco afim com a dos habitantes das regiões continentais. Cabe, portanto, um exame da maneira pela qual a mentalidade diversa observada nos povos marítimos e nos povos continentais influi nos respectivos desenvolvimentos oceânicos. A elevada proporção de habitantes vivendo do mar e a exiguidade do território permite, nos países marítimos, que a maneira de pensar dos homens do litoral difunda-se por toda parte. Através de contatos diretos ou não, as opiniões e os anseios dessa classe numerosa influenciam fatalmente a orientação do país em determinados assuntos. Em algumas nações como a Noruega, a Inglaterra e o Japão, onde os braços de mar avançam muito pelo interior, não permitindo a existência de locais afastados mais de cem milhas do elemento líquido, dificilmente algum núcleo povoado escapa à esfera de idéias dos milhões de homens que encontram no mar a forma de viver. A propagação do espírito marítimo torna-se mais fácil e mesmo inevitável no caso de o país adquirir prosperidade comercial. Então inúmeros setores de atividade ligam-se, direta ou indiretamente, à navegação. Todo o vasto mundo dos negócios, abrangendo milhares e milhares de pessoas, desde o grande acionista até o modesto moço de recado, entra para o âmbito dos empreendimentos náuticos. O que acontecer no oceano passa a afetar, de uma forma ou de outra, cada um. Homens que nunca pisaram um convés, aliam-se aos marítimos na maneira de equacionar certos problemas nacionais. São os exportadores, os importadores, os atacadistas, proprietários, acionistas ou funcionários das companhias de navegação, das companhias de seguro, industriais, fornecedores, portuários etc., todos, enfim, que labutam em torno do transporte das riquezas do mundo pelos mares. O crescimento dos interesses econômicos presos à esfera marítima desperta inevitavelmente a atenção de outros círculos que poderiam estar, até ali, indiferentes. A imprensa passa a ocupar-se do assunto, o povo, em geral, e os governantes, em particular, são obrigados a voltar os olhos para um setor de atividade antes talvez não considerado devidamente. Surge assim uma opinião

 

pública senão esclarecida a respeito, pelo menos curiosa e com algumas idéias fundamentais bem assentes. Dessa forma, nos países marítimos, a maior parte dos habitantes, exercendo atividades ligadas aos empreendimentos oceânicos ou vivendo próximo de quem o faça, alimentando-se em grande proporção com os produtos da pesca ou chegados de outros continentes por via oceânica, escutando ou lendo a cada passo referências aos problemas dos oceanos, adquire inconscientemente a convicção profunda de que o mar faz parte da vida nacional. O inglês do fim do século XVI, ainda tirando da terra o sustento de cada dia, talvez não estivesse disposto a apoiar, em todos os sentidos, seus compatriotas que se aventuraram então nos mares longínquos, criando as primeiras bases da prosperidade comercial da Grã-Bretanha. Mas, sem dúvida alguma, o inglês do início do século XX estava pronto aos maiores sacrifícios para salvaguardar o sistema econômico criado com o Império Britânico e com a supremacia nos oceanos. O que no começo fora apenas o interesse de algumas classes, com a modificação da estrutura econômica convertera-se em interesse nacional para a Grã-Bretanha. Qualquer cidadão inglês, mesmo tendo trabalhado a vida toda nas profundezas de uma mina de carvão, sabe perfeitamente que haverá fome na Grã-Bretanha caso cessem por algumas semanas apenas as comunicações marítimas da Ilha. Ele sabe que os ovos, o bacon e a manteiga da refeição da manhã vieram da Holanda e da Dinamarca e que o pão foi feito com trigo do Canadá. No almoço, ele não ignora que se alimenta com carne de carneiro ou de vaca procedente da América do Sul ou da Austrália; de tarde toma chá vindo da Índia. Mesmo não sendo homem de largos conhecimentos, também sabe que a riqueza industrial de seu país depende do suprimento de matérias-primas do Ultramar e que, se o desembarque de mercadorias nos portos britânicos cair a menos de um milhão de toneladas por semana, a economia do país entrará em colapso. Nos bancos escolares ele aprendeu que o domínio exercido por seus compatriotas nas águas em torno do Arquipélago Britânico impediu a invasão em 1588, em 1803 e em 1914. Se ele é da geração da Segunda Guerra Mundial, ainda tem presentes os angustiosos dias de 1940 em que a nação foi salva pelas vinte milhas de água salgada do canal da Mancha. De forma idêntica, os povos nórdicos, o português e o japonês, pelo menos uma vez ao dia, nutrem-se do pescado, retirado de águas próximas ou longínquas, e, também sentem, através de mil evidências, toda a importância do mar na vida da nação. Com o passar dos séculos, a contínua ligação ao mar cria raízes profundas na alma desses povos, inculcando hábitos e tradições. Os feitos dos homens do mar passam a constituir a expressão máxima do orgulho nacional. Graças às façanhas de seus marinheiros, os nórdicos se podem gabar de ter decidido a sorte de muitas potências européias, os portugueses e os espanhóis de terem espalhado os idiomas e o sangue ibérico por meio-mundo e os ingleses de terem constituído o maior império da história humana. Daí, na Grã-Bretanha, na Noruega, na Holanda e em Portugal, os homens do mar serem por excelência os heróis nacionais. O tributo espontâneo prestado por um povo aos vultos do passado serve para aquilatar de certo modo a maneira de esse povo sentir e interpretar sua própria evolução histórica. Naturalmente os vultos militares estão mais sujeitos à evidência no culto do passado, pois são as tradições dos combates as que mais firmes permanecem na recordação pública. A elas vai facilmente associar-se o maravilhoso que alimenta, ao mesmo tempo, orgulho nacional e ou a credulidade vulgo.alcançar Assim, nenhum homem público ou brilhante general ocomo Malborough Wellingtondologrou no coração do povo inglês o lugar

ocupado por Lord Nelson. No Japão, poucos vultos do passado são mais venerados que a figura

 

do Almirante Togo. Na Holanda, de Ruyter simboliza a bravura do marinheiro batavo e a glória passada da nação. O justo orgulho que os portugueses sentem por seus navegantes traduz bem o estado de alma de um povo pouco numeroso, que logrou alcançar expressão no mundo graças aos feitos heroicos no mar. No dizer do ilustre historiador Oliveira Martins, ''não tivéssemos (os portugueses) alargado pelo mar um nome sem razão de ser na Europa e jungidos à Galiza virente e à Castela farta, teríamos tido menos fome e menos dores, menos miséria decerto, mas nenhuma honra também na história. O próprio nome de Portugal não teria existido senão como lembrança erudita de um certo condado que, nas mãos de príncipes astutos e atrevidos, conseguira viver alguns séculos separado do corpo da nação espanhola". Com o passar das gerações, a contínua ligação ao mar, a exaltação dos feitos dos antepassados forjam as lendas, as sagas, tão caras ao sentimento popular. O folclore enriquece-se com motivos marítimos, e a literatura vai aí buscar assunto. Os poemas homéricos, as sagas vikings e "Os Lusíadas" refletem bem as tendências marinheiras dos gregos antigos, dos nórdicos e dos portugueses. Até em pequenos detalhes, como na ornamentação, manifesta-se a alma imbuída de mar de determinados povos. Na Suécia e na Noruega os enfeites, tendo por motivo a fauna marinha, são os mais comuns. As miniaturas de navios constituem adorno predileto em milhares de lares britânicos. Na Holanda, pelo menos na fase áurea de sua expansão marítima, as cartas náuticas cobriam as paredes não apenas para serem utilizadas mas também como atavio. Em tal ambiente é natural que o homem do mar ocupe uma situação das mais destacadas. Os inúmeros habitantes ligados aos empreendimentos náuticos discutem seus assuntos no meio de uma população que os compreende e os admira, com o mesmo orgulho e desenvoltura com que nas regiões continentais os fazendeiros falam de suas léguas de terra, das plantações e dos rebanhos. Da mesma forma que um agricultor enriquecido prefere comprar mais terras para expandir suas culturas do que arriscar os lucros em outras atividades rendosas, mas para ele desconhecidas, também o homem do mar dá preferência ao desenvolvimento de sua empresa quando consegue êxito. Dessa maneira, a tendência inicial dos povos marítimos de se dedicarem aos empreendimentos oceânicos por necessidade ou por interesse, com o tempo é revigorada pela preferência que as atividades tradicionais merecem. As companhias de navegação, os estaleiros e toda sorte de empreendimentos marítimos ampliam-se de geração em geração, mesmo que venham a surgir novos campos propícios ao emprego de capital. Desenvolve-se com isso um orgulho profissional que muito concorre para a busca de altos padrões em todos os ramos da atividade marítima. Na Grã-Bretanha, por exemplo, todas as firmas anseiam pelo dístico: "Fornecedor da Marinha de Sua Majestade", cuja manutenção exige aprimoramento contínuo. Há, pois, a tendência de a infraestrutura material do desenvolvimento marítimo prosperar nesses países sem ser preciso a interferência estatal. Ao mesmo tempo, por força da tradição, servir sobre as ondas converte-se, nos países marítimos, na suprema aspiração de um grande número de indivíduos, arrojados e idealistas mais sequiosos de glória e de aventuras do que de quaisquer possíveis proveitos materiais. A fina flor da mocidade encaminha-se assim para a carreira naval, permitindo uma seleção de valores primorosa. Na Grã-Bretanha, por exemplo, o povo todo demonstra uma verdadeira paixão por

 

sua Marinha invencível, que não só fundou o Império, mas também o guardou em segurança durante séculos, numa obra contínua e poderosa. Todos os cidadãos britânicos têm no sangue o amor à Marinha, cujos problemas, constituição e possibilidades de ação conhecem a fundo, compartilhando das preocupações e das esperanças. Um povo voltado para o mar com tal clarividência fornece, iniludivelmente, à Marinha, um pessoal excelente que não se lamenta dos sacrifícios obscuros realizados, num elemento vasto e inconstante. Não se deve ver na própria preferência que as famílias reais da Grã-Bretanha, da Suécia, da Dinamarca e da Noruega dão à carreira naval uma simples coincidência, mas a tradução fiel de um sentimento compartilhado por todo o povo daqueles países de índole marinheira. Naturalmente os problemas marítimos sendo acompanhados não apenas por algumas classes pouco numerosas com interesses diretos neles, mas por todo um povo desde muito tempo consciente dos valores em jogo, o Governo sente mais de perto a reação pública. As desmedidas despesas efetuadas pela Grã- Bretanha, no decorrer de centenas de anos, com o fito de conservar sua supremacia marítima, não foram apenas pleiteadas pelos estadistas daquele pais, mas também por todo o povo plenamente convencido da sua necessidade. De outra forma, seria difícil compreender o estoicismo com que toda a população suportou os pesados encargos financeiros daí oriundos. Analogamente, não fora a mentalidade marítima dos japoneses e o seu espírito de sacrifício, jamais aquele povo asiático, de limitados recursos naturais no território de seu Império, teria logrado forjar o poder naval que derrotou a Rússia em 1905 e ameaçou as grandes potências do Ocidente no decorrer da Segunda Guerra Mundial. Bem diversa é a situação das nações continentais. A pequena proporção de homens do mar no total da população, por vezes a ausência da classe influente dos negociantes com interesses definidos no transporte sobre as águas, a vasta extensão do território tornam difícil a difusão das idéias dos habitantes do litoral no âmago do povo. Mais facilmente a maneira de pensar dos ocupantes do interior satura a orla marinha do que o contrário, pois são os fazendeiros e os agricultores os possuidores das principais riquezas do país e os promotores da prosperidade geral. Mesmo nos países continentais de grande expansão comercial, e que, portanto, dependem economicamente das rotas oceânicas, o povo não encara os problemas marítimos com a mesma clarividência e seriedade dos povos que carecem do mar para subsistirem. Os campos e os rebanhos, fornecendo a base alimentar, eliminam o pavor da fome que as populações marítimas sempre são obrigadas a considerar. Grande parte do povo permanece inteiramente alheia às questões marítimas e mesmo que se valha do transporte oceânico para a venda dos produtos de seu trabalho não tem sob os olhos a cadeia de acontecimentos cuja interrupção pode causar a sua própria ruína. Absorvidos por problemas de natureza inteiramente diversa e de interesse mais imediato, não se sentindo diretamente ameaçada pelo que acontecer nos oceanos, os povos continentais têm a propensão natural de relegar para plano secundário as questões marítimas. As riquezas abundantes encontradas no próprio território, assegurando a alimentação farta e proporcionando os elementos da prosperidade geral, criam, outrossim, a ilusão de que independem do mar e tal ilusão pode perturbar até a irrupção de uma guerra. Paralelamente, a herança histórica dos povos continentais de regra pouco concorre para imbuí-los do espírito marítimo. Ao contrário do sucedido em via Veneza, Holanda ou Grã-Bretanha, a formação das nações francesa, alemã, russa ou americana processou-se quase isenta de

 

importantes eventos nos mares. As tradições marítimas desses povos, por conseguinte, não possuem raízes profundas no cerne da nacionalidade. A França, a Alemanha e a Rússia ergueram-se na Europa à custa do sangue de seus soldados, e, só num estágio bem mais avançado das respectivas evoluções históricas, seus filhos se distinguiram nos oceanos. Logicamente, um povo acostumado a olhar apreensivo para as fronteiras, seguidamente transpostas por hostes inimigas, adquire uma mentalidade militar à que o aspecto marítimo permanece estranho. Na França, por exemplo, a guerra não dominou apenas a política exterior. Decidiu também a sorte da população e a formação do Estado. Foram as invasões e as conquistas, o domínio da classe dos guerreiros e a força dos exércitos que impuseram ao país a estrutura da sociedade e a forma de governo. Desde os guerreiros gauleses, Cesar, Clovis e Carlos Magno até Napoleão, os chefes-de-guerra foram sempre os senhores da França e aqueles que lhe modelaram a vida social e política. De forma idêntica, o povo alemão, desde os tempos em que as tribos teutas enfrentaram as legiões romanas até Hitler, viveu em função de guerras às quais a luta no mar permaneceu estranha até tempos bem recentes. Não foi senão depois de já serem potências preponderantes nos destinos políticos da Europa que a França, a Alemanha e a Rússia voltaram os olhos para os assuntos marítimos. A França o fez, sob Henrique IV e Richelieu, após a consolidação da união nacional e a supremacia alcançada no final da Guerra dos Trinta Anos. A Rússia deu os primeiros passos para o mar com Pedro, o Grande, como parte da obra de renovação nacional tentada por aquele czar. A Alemanha passou a interessar-se pela expansão marítima depois de se constituir em Império, em 1871. Em qualquer dos três países continentais considerados, a obra inicial do desenvolvimento marítimo não nasceu da iniciativa do povo, mas sim da decisão de governos autoritários e capazes, exigidos embora por evidências econômicas. Para os povos das potências continentais, as lutas travadas pela posse de colônias ou pelo controle de rotas marítimas, lutas essas muitas vezes efetuadas em teatros de operações longínquos, jamais assumiram aspecto decisivo, vital, pois seus resultados não se fizeram sentir imediatamente e de maneira palpável. Enquanto as derrotas terrestres conduziram cedo ou tarde ao espetáculo doloroso da ocupação inimiga do solo pátrio, as derrotas navais lembram apenas oportunidades perdidas na obra de colonização. Enquanto a imagem das cidades destruídas pelos bombardeios e a da população aterrorizada fugindo ao invasor são duradouras, passando de uma geração a outra pela tradição oral, a perda de uma colônia no Ultramar constitui para a maior parte do povo apenas um acontecimento histórico aprendido nos livros, sem grande influência na maneira de viver de cada um. Na França, os nomes de Bouvines, Orleans, Valmy, Warterloo, Sedan e Marne lembram dias decisivos; Trafalgar evoca uma oportunidade esperdiçada em aniquilar uma potência rival, mas não é tida, a não ser pelos eruditos, como causa do desastre final ocorrido dez anos depois em Waterloo. Mesmo para um espírito lúcido como Voltaire, a luta pela posse do Canadá afigurava-se destituída de sentido. Não é de estranhar, em consequência, que na época em que tiveram lugar, as derrotas marítimas e a perda do Canadá e da Índia quase não abalassem o povo francês. Durante as guerras napoleônicas, na França, esperava-se tudo dos exércitos de terra, constantemente vitoriosas desde oEntretanto, começo danão Revolução, e quase das esquadras, tão infelizes últimos quinze se atribuía senãonada consequências medíocres aos nos acontecimentos no anos. mar;

consideravam se, ao contrário, os sucessos prodigiosos no continente como absolutamente

 

decisivos. Além do mais, as guarnições dizimadas na guerra naval procediam quase integralmente das regiões marítimas da Bretanha e da Normandia, províncias afastadas do coração do país; os armadores que sofriam os prejuízos decorrentes da supremacia britânica nos mares achavam-se concentrados nas cidades costeiras, em geral de importância secundária, e não constituíam uma classe influente; a colonização era encargo quase exclusivo do governo, sendo insignificante o número de franceses que então habitavam o Canadá, a Índia ou as outras colônias. Não havia, dessa forma, laços fortes espirituais, de sangue, de interesse, prendendo a massa do povo francês à obra marítima-comercial-colonial, como sucedia na mesma época na Grã-Bretanha. Enquanto em terra, a partir do fim do século XVIII, a guerra assumia para as potências continentais um caráter cada vez mais nacional, obrigando a maioria da população válida a pegar em armas, as campanhas marítimo-coloniais conservavam aspecto peculiar, realizadas quase exclusivamente por militares de carreira. Em terra, o povo se identificou com o exército; no mar, não. Por essa razão, na França, os nomes de Jean Bart, Tourville, Souffren e outros valorosos marinheiros não podem encontrar no coração do povo a mesma ressonância dos nomes dos vultos militares que se distinguiram nas campanhas terrestres, Na Rússia, a memória de nenhum almirante tem significado comparado à dos Generais Souvarov ou Kutzov, e na Alemanha, na galeria dos heróis, os marinheiros apenas figuram apagadamente ao lado de Blücher, Scharnhorst, Moltke, Hindenburg ou Frederico, o Grande. Por conseguinte, nos países continentais cabe às forças terrestres a maior responsabilidade na salvaguarda das tradições básicas da nação. Perante o povo e o governo, reveste-se esse fato de particular importância, podendo ele conduzir à adoção de diretivas básicas na defesa nacional, as quais não atendam à realidade da situação. Um francês, um alemão ou um russo podem compreender suas pátrias sem forças navais, mas não sem forças terrestres, e assim como a mentalidade marítima de alguns povos levou nas guerras seus dirigentes a apreciarem os problemas apenas sob o ângulo naval, com isso acarretando desastres, também nos países continentais há a tendência natural de tudo avaliarem por prismas terrestres. Há, assim, nos países continentais, o perigo permanente de os empreendimentos marítimos sofrerem os efeitos da incompreensão por parte do povo e dos dirigentes. De maneira mais sensível isso é sentido na marinha de guerra, que é uma fonte perene de despesas extraordinárias, só se justificando sua existência em períodos de perturbação internacional por uma forma nem sempre de fácil avaliação para as populações destituídas de mentalidade marítima; mas também se faz notar no desenvolvimento dos empreendimentos oceânicos de natureza comercial ou industrial. Por força da inércia mental do povo, observa-se, por assim dizer, nos países continentais, um tempo morto entre a aparição das condições materiais que possibilitam o desenvolvimento marítimo e o início efetivo do referido desenvolvimento. O conformismo com que durante quase meio século os americanos entregaram o transporte de seu alentado comércio exterior às marinhas mercantes européias, apesar de já disporem de recursos financeiros e industriais para possuírem sua própria frota, bem demonstra o alheamento com que o povo então, nos Estados Unidos, considerava os problemas marítimos. Também na Alemanha, o extraordinário surtoatividades industrialdosde mares. meadosAinda do século XIXa não seguido imediatamente da expansão das em 1890, maiorfoiparte das

transações germânicas com as nações do Ultramar fazia se em porões de navios britânicos. Foi a

 

partir dessa época que a Marinha Mercante da Alemanha cresceu rapidamente, aumentando 3 vezes em pouco mais da vinte anos Quanto à expansão da Marinha de Guerra pode ser datada de 1897 com o primeiro programa naval. Na Rússia, os esforços de determinados czares lograram aparelhar o país para o desenvolvimento marítimo, mas a falta de compreensão do povo das estepes por assuntos de tal natureza anulou grande parte da obra quando faltou energia criadora do autocrata absoluto que a havia iniciado. Entregue a si mesmo, o povo russo tem demonstrado pouca aptidão para os empreendimentos oceânicos, como aliás era de esperar de uma população quase toda ligada à terra. A apatia dos povos continentais pelos assuntos marítimos não redunda apenas na falta de apoio aos empreendimentos marítimos ou na desorientação no trato das questões navais, mas concorre ainda para quebrar o elã dos homens do mar. Não se sentindo prestigiados, esbarrando a cada passo com a indiferença de seus concidadãos, tropeçando em dificuldades de toda ordem, os marinheiros das nações continentais, tendem a se desgastar espiritualmente e a perder a crença tão necessária à realização dos ideais elevados. Pelo menos parte dos fracassos da Marinha francesa durante as guerras da Revolução e do Império pode ser atribuída ao estado de alma inferiorizante de que se achavam possuídos seus homens. Fora possível, nos anos confusos da Revolução, a reorganização do Exército francês, recorrendo à massa de patriotas sequiosos de se baterem pelas novas idéias. Os rigores da guerra procediam a uma seleção de valores nas fileiras do Exército. A Marinha, entretanto, sentiu mais duramente os efeitos destrutivos da grande convulsão política e social. A ela "a Revolução não trouxe senão suas ruínas, sua desorganização, sua indisciplina, sem lhe comunicar seu entusiasmo, sua fé criadora”. Divorciada do espírito reinante no país, desamparada pelos governos sucessivos, todos apenas com olhos para as guerras continentais, a Marinha francesa não tinha confiança na vitória, nem espírito ofensivo. Em contrapartida ela pôde, naquela quadra trágica de sua existência, contar com o concurso de homens tão bravos quanto os que se batiam nos quatro cantos da Europa sob as ordens de Napoleão, mas não viu surgir, para a servir, nenhum vulto dominante. Talvez ainda em virtude da falta de identificação com o povo, a Marinha francesa em 1940 não se tenha contaminado pelo espírito derrotista dominante no país e que tão decisivamente solapou o moral do Exército. A par da dissociação observada entre os homens do mar e a massa populacional, um outro perigo de origem semelhante subsiste nos países continentais. É o de o espírito terrestre impregnar a própria maneira de pensar e de agir daqueles que representam a nação nos oceanos. A Marinha russa, por exemplo, conforme observou um antigo oficial da Armada do czar, sempre foi pobre de marinheiros de vocação, nascidos junto ao mar e gostando dele, não pensando noutra vida senão na vida marítima. O marinheiro russo não se assemelha em nada ao marinheiro inglês. Este tem todas as qualidades que o título evoca: gosta do mar e de seu navio com todo o coração. O marinheiro russo não é mais do que um camponês ou um operário. A especialidade, ele a escolheu, considerando sobretudo a utilidade que terá na vida civil depois do tempo de serviço. Eis por que todos se esforçam para se tornarem maquinistas, eletricistas, telegrafistas e nunca artilheiros, torpedistas ou sinaleiros. Também certas anomalias observadas na organização de algumas marinhas continentais atestam a presença do espírito continental. A subordinação das decisões dos oficiais combatentes

 

(oficiers d'epé) à aprovação dos oficiais burocráticos (oficiers de plume), conforme se verificava na Marinha francesa, constitui forte sintoma da ausência de um espírito naval vigoroso. Cerca de 1780, tal anomalia foi combatida por Choiseul-Praslin, mas vinte anos depois ela ainda subsistia, causando espanto a Napoleão, acostumado, com toda certeza, a ver as coisas por prismas bem diferentes no Exército francês. A indiferença e a incompreensão dos habitantes dos países continentais pelas realizações marítimas fizeram com que por diversas vezes os dirigentes recorressem a campanhas esclarecedoras, no intuito de obterem o apoio indispensável à continuidade de obras nacionais de grande alento, qual seja a do estabelecimento das bases da expansão oceânica. Embora ligada apenas a um dos ramos do desenvolvimento marítimo, a ampliação da Marinha de Guerra, podese citar como exemplo, nesse particular, a campanha levada a efeito pelo Almirante von Tirpitz  junto ao povo povo alemão nnoo início do século pre presente. sente. Explorando o nacionalismo exaltado da população germânica e a rivalidade britânica, ele fundou em todo o país núcleos de propaganda que facilitaram a arrecadação de fundos necessários à construção da segunda Marinha da época. Referindo-se a esse respeito, disse von Tirpitz nas suas memórias: "Considerei enfim que era meu direito e meu dever fazer compreender ao grande público quais eram os interesses em jogo. Tratava-se de alargar o horizonte limitado do povo, de revelar o sentido dos grandes interesses que se ligavam ao mar, pois, infelizmente, esse sentido, no decorrer da nossa evolução histórica, tinha, senão desaparecido, pelo menos atrofiado”. A orientação dada pelo Governo alemão à guerra naval, em 1914-18 e o melancólico fim da esquadra em Scapa Flow levaram von Tirpitz a observar ainda em suas memórias: "O povo alemão não compreendeu o mar". Na verdade, não é de crer que uma campanha esclarecedora junto ao público tenha efeitos duradouros ou profundos, se paralelamente não ocorrerem circunstâncias capazes de impressionar a imaginação popular. Sem evidências concretas, dificilmente a massa do povo, já vacinada pela propaganda comercial, realizada dentro da mais alta técnica para impingir a menor das quinquilharias, se deixa influenciar por campanhas esclarecedoras. Sem dúvida, uma hábil propaganda pode produzir um estado de exaltação popular, de duração limitada, mas dificilmente mudará a maneira pela qual um povo — que evoluiu submetido a determinadas condições geográficas, econômicas e políticas — avalia os problemas básicos do país. Mais facilmente, as condições econômicas e políticas mudam com o tempo e forçam uma adaptação, primeiro dos dirigentes, depois do povo, às novas situações. O problema de criar uma consciência marítima numa nação continental é, por conseguinte, dos mais complexos. Em tese, pode-se opinar que essa mentalidade marítima desenvolve-se artificialmente de cima para baixo, isto é, a partir das camadas mais altas da população, e através de evidências históricas e econômicas. Resumindo, a mentalidade do povo e dos dirigentes faz-se sentir em vários aspectos do desenvolvimento oceânico das nações marítimas e continentais. Enquanto nas primeiras há uma opinião pública vigilante e bem esclarecida acerca dos interesses em jogo, nas segundas predominam a ignorância, a indiferença a apatia por cominiciativa relação aos mesmosampliam-se assuntos; enquanto naquelas os empreendimentos marítimose surgem particular, e criam

tradição, nessas é isso mais difícil e raro; enquanto em umas os homens do mar ocupam lugar de

 

relevo e se acham integrados no espírito reinante, nas outras eles se sentem deslocados e incompreendidos pela maioria da população.

21. A ACÃO DO GOVERNO A influência do governo no desenvolvimento marítimo, segundo Mahan. Elementos que condicionam a ação do governo. Tendências diversas da ação do governo nos países marítimos e continentais. Identificação do povo com o governo nos países marítimos. Participação pessoal dos governantes nos empreendimentos marítimos. Importância decisiva da ação governamental nos países continentais. Exemplos históricos. A busca do poderio marítimo por parte de determinadas nações continentais. Problemas da participação individual dos eventos históricos. Os raros casos da ação individual que preponderam no desenvolvimento marítimo. Contribuição individual no desenvolvimento de algumas marinhas de guerra. A continuidade no desenvolvimento dos empreendimentos oceânicos nos países marítimos e a sua da descontinuidade nos países continentais. Confronto da ação dos estadistas na evolução marítima Grã-Bretanha, Portugal, França, Estados Unidos e Alemanha. Influência da localização da sede de governo, influência das instituições políticas. Conclusão.

Segundo Mahan: "A influência do governo sobre a evolução naval de um povo pode atuar de duas maneiras distintas mas intimamente ligadas. Primeiro, em tempo de paz, o governo, por sua política, pode favorecer o desenvolvimento das industrias marítimos. particularesPode, e as tendências povo a procurar a aventura e o lucro nosnatural empreendimentos ainda, se do as qualidades não existirem em estado nato, procurar fazê-las nascer ou, ao contrário, por uma ação mal dirigida pode entravar o progresso que o povo entregue a si mesmo teria alcançado. Segundo, em tempo de guerra, a influência do governo é sentida de maneira mais forte mantendo a marinha de guerra em tamanho compatível com o desenvolvimento da marinha mercante e a importância dos interesses a ela ligados". A orientação governamental nas questões marítimas é, porém, função de vários fatores, entre os quais avultam os interesses econômicos em jogo, a mentalidade dos dirigentes e do povo, a forma de governo, a capacidade industrial do país e as possibilidades financeiras, Como pelo menos os interesses econômicos, predominantes e a mentalidade dos dirigentes são diversos nos países marítimos e continentais, logicamente a ação do governo tende a seguir, num e noutro caso, caminhos diferentes.

Analisando-se a história das nações marítimas, constata-se ter aí o povo precedido o governo nas

 

medidas iniciais e decisivas para a conquista das superfícies líquidas. Pouco se sabe sobre os dias primitivos da Fenícia e de Cartago, mas não há razão para crer que os habitantes daqueles Estados se tenham devotado, inicialmente, à navegação por determinação de seus dirigentes. Já se viu que esse impulso para o mar decorreu, com toda certeza, das condições naturais da região. Na fase do apogeu, porém, o Estado controlava, em grande parte, tanto na Fenícia como em Cartago, o comércio e a navegação. A política era inteiramente subordinada aos interesses econômicos. A ação do governo passou, dessa forma, a ser preponderante no desenvolvimento marítimo. O Estado determinava desde a realização das expedições descobridoras até as dimensões dos navios. Na antiga Atenas, segundo Plutarco "os reis procuraram afastar o povo das atividades marítimas e encaminhá-lo para a agricultura, a fim de substituir por produtos do próprio território os artigos importantes de Ultramar". A ação do governo nesse sentido, ao que parece, falhou, pois por toda a História, Atenas dependeu das comunicações aquáticas quanto ao abastecimento, e seus habitantes não cessaram de emigrar. Com toda certeza, os gregos preferiram batalhar no Mediterrâneo contra fenícios e cartagineses e outros povos, e fundar colônias nas plagas férteis do litoral italiano, a retirar das estéreis encostas das montanhas da mãe-pátria um magro sustento. Mais tarde, a orientação governamental mudou e, a partir de Temístocles, em vez de lutar contra a vontade do povo, o Estado passou a tomar a iniciativa nos empreendimentos marítimos, e, em poucos anos, o domínio militar e mercantil de Atenas se estendeu por todo o Mediterrâneo Oriental. De forma idêntica à dos fenícios e cartagineses, na evolução marítima das Repúblicas Marítimas italianas, de Portugal, da Holanda e da Grã-Bretanha, a ação do povo se antecipou à do governo que, por fim, assumiu a iniciativa dos empreendimentos coordenando-os e incentivando-os. Em Pisa, o Governo da Comuna, pela magistratura do Consulado do Mar, dirigia diretamente a navegação e o comércio do Ultramar. Em Gênova, os mercadores e os marítimos organizavam, periodicamente, um governo que dominava os interesses econômicos privados e os ligava entre si, surgindo daí a instituição característica da Campagna, que era uma verdadeira manifestação coletiva da Comuna genovesa. Se bem que começo fosse ela uma instituição privada, na época de seueram apogeu, adquirira tãono grande desenvolvimento e suas relações coma Campagna, as autoridades do governo tão íntimas e múltiplas que ela representava diretamente a Comuna no domínio do comércio marítimo. Em Veneza, a Seignoria controlava totalmente as atividades marítimo-comerciais dos habitantes. Na Inglaterra, o governo passou a enviar os navios da Royal Navy em proteção aos comerciantes da Ilha. Na Holanda, os interesses das Companhias das Índias orientavam as decisões do governo, que fornecia elementos para as expansões de suas atividades. Por conseguinte, está fora de dúvida que, se o povo for encaminhado para o comércio, a ação do governo será orientada para o mesmo fim. Se no começo é o povo que leva o governo a tomar decisões relativas aos assuntos marítimos, depois é o governo quem subordina os interesses particulares aos interesses nacionais e assume a ação ativa nos mesmos assuntos. Percebe-se assim na evolução dos países marítimos uma quase perfeita identificação do povo com o governo trato das questões Os anseios proporção dos habitantes do país ou denodeterminadas classesnavais. importantes sobdeouma ponto de vistaelevada econômico afetam,

evidentemente, as decisões dos governantes. Nada mais natural que os dirigentes, mesmo os

 

medíocres, encarem como interesses nacionais de primeira grandeza os interesses das classes que mais concorrem para a prosperidade da nação. Esses interesses podem mesmo constituir o alicerce econômico do país. Algumas vezes, ainda, os dirigentes consagraram especial atenção aos empreendimentos marítimos, achando-se a eles ligados pessoalmente por investimentos pecuniários. Em tais casos, é impossível precisar até que ponto agiram os governantes em benefício do desenvolvimento marítimo, se atendendo aos interesses do país ou se salvaguardando seus negócios privados, pois normalmente todo homem, em boa fé, acredita haver sempre perfeita coincidência dos seus interesses particulares com os da pátria. Em muitos casos percebe-se a influência positiva da participação direta dos governantes nas empresas oceânicas. Na Grã-Bretanha, por exemplo, a nobreza e a rica burguesia, dedicando-se com ardor à navegação e ao comércio, concorreram, sem dúvida, para a elaboração de leis eficientes capazes de proteger seus afazeres que eram, ao mesmo tempo, os mais importantes da nação. Sob muitos aspectos, o desenvolvimento marítimo da Fenícia, de Cartago, das Repúblicas Marítimas italianas e da Holanda foi favorecido pelo amparo que os dirigentes lhes prestaram por se acharem eles próprios envolvidos nos negócios náuticos. Nem sempre, porém, a ligação pessoal dos governantes aos empreendimentos oceânicos apresentou aspectos vantajosos. Já se viu que na Fenícia e em Cartago, os sufetas, que eram também normalmente os principais armadores e comerciantes, levados por cobiça sem limites, adotaram uma política monopolizadora odiosa, granjeando para suas pátrias inimigos poderosos. Segundo consta, a interferência nociva dos sufetas chegou a ponto de motivar algumas operações da Marinha cartaginesa, no decorrer da Primeira Guerra Púnica, mais para atenderá proteção de seus próprios empórios e navios mercantes, do que obedecendo a um plano baseado numa sadia estratégia naval. Nas Repúblicas Marítimas italianas da Idade Média, muitas expedições guerreiro-comerciais, de resultados nulos para a nação, originaram-se da ambição de lucros dos dirigentes negocistas. Também na Holanda, a ação do governo sofreu considerável influência de grupos econômicos altamente colocados na hierarquia estatal. E nem podia ser de outra forma, pois os homens que se reuniam discutir osdas problemas do consequência, país eram muitas possuíam maiordenúmero de ações daspara Companhias Índias. Em tal vezes como os emque Cartago, por mais uma vez, durante as guerras anglo-holandesas do século XVII, a Marinha batava foi perigosamente dispersada, contra a opinião de seus mais categorizados almirantes, no intuito de defender os interesses que mais de perto tocavam aos governantes. Embora não se possa negar a decisiva influência que por vezes o governo exerceu sobre os empreendimentos oceânicos de determinadas nações marítimas, é lícito reconhecer constituir aí a ação estatal, via de regra, reflexo dos anseios do povo. É nos países continentais que a ação do governo por vezes assume caráter autônomo e preponderante. Nações como Esparta, Roma, Espanha, França e Rússia participaram com destaque na história naval, sem obedecerem a um impulso espontâneo dos seus habitantes ou à coação de uma aristocracia mercantil, sequiosa das riquezas proporcionadas pela posse dos caminhos sobre as águas. Já se atribui o desenvolvimento marítimo do Egitoexercido Antigo àpelo sua expansão comercial; entretanto,econômica, forçoso é reconhecer controle absoluto Estado sobre toda a atividade sem a açãoque dosdado faraóso

aquele desenvolvimento não teria sido possível. O desejo de libertar o tráfego do país dos

 

monopólios estrangeiros, fenícios ou grego, deve ter sido a razão fundamental pela qual os faraós das XII, XIII e XVIII dinastias, contrariando mesmo preceitos religiosos, deram especial atenção aos empreendimentos marítimos. A súbita e curta participação espartana na história marítima constitui demonstração eloquente da ação do Estado. Não parece que alguma outra razão, além do desejo de aniquilar Atenas, tenha levado os espartanos a criarem uma marinha de guerra por ocasião do conflito do Peloponeso. Parece, sim, que os dirigentes de Esparta compreenderam estar no mar a fonte do poderio da cidade rival, depois de experiências amargas, e transferiram para as águas o seu esforço principal de guerra, abandonando uma longa tradição de lutas terrestres. Poucos séculos depois, novamente outro povo de soldados e agricultores, o romano, também por injunção de uma guerra, organizou poderosa Marinha, rompendo pela força a longa supremacia púnica. A derrota cartaginesa, afetando profundamente as nações mediterrâneas, obrigou Roma a manter forças navais permanentes. Não houve porém, a partir daí, uma participação de vulto do povo da Península Itálica nos empreendimentos marítimos. Os gregos e os sírios, dispondo às vezes do auxílio financeiro romano, mantiveram a posse de grande parte do tráfego mercantil do Mediterrâneo. Os dirigentes romanos cuidavam da Marinha de Guerra apenas na medida das necessidades da política imperialista seguida pelo Estado. A supremacia naval romana, indiscutível durante séculos, concorreu para a expansão do comércio italiano, mas a base econômica do país não se deslocou da agricultura e da guerra para o mar. Os romanos, numa palavra, não tinham o gosto da navegação, e sua política tendeu, durante séculos, a arruinar a Marinha dos outros povos para tornar a própria supérflua. A Espanha foi outra potência em que a ação do governo foi primacial nos eventos marítimos. Durante a Idade Média os marinheiros de Barcelona e Valência competiram com venezianos e genoveses pela posse das rotas do Mediterrâneo, mas a obra hispânica na América não foi iniciativa dessas arrojadas populações: foi fruto das decisões do Governo de Madri. Sem o decidido apoio dos reis, proporcionando a aventureiros audazes navios, marinheiros, soldados, armas, dinheiro e suprimentos, um dos mais vastos impérios da História não teria existido. A participação da França nos empreendimentos marítimos assemelha-se ao da Espanha. Enquanto um governo forte e esclarecido não os apoiou, os armadores, pescadores e marinheiros da costa atlântica, sobretudo da Normandia e da Bretanha, não conseguiram prosperidade durável nem lograram desfraldar o pavilhão da flor de lis nas novas terras descobertas. Com os governos fortes de Francisco I, Henrique IV e depois com os de Luís XIII e Luís XIV, a França estendeu os olhos para os novos horizontes e, não sem vencer dificuldades, estabeleceu as bases do comércio marítimo e do colonialismo. Em nenhum caso, porém, a ação do governo nos empreendimentos marítimos foi tão notória e decisiva quanto na Rússia. Na Rússia, praticamente não havia populações marítimas nem uma classe de negociantes interessada no comércio ultramarino. Embora no seu todo a França e a Espanha sejam nações continentais, os habitantes de Barcelona, Valência, Sevilha, Cádiz, La Coruña, Bordéus, La Rochelle, Nantes, Brest, Dieppe, Saint Malo, Dunquerque etc., por muitos séculos proporcionaram suas pátrias o elemento humano e os recursos com materiais indispensáveis às aventurasàsoceânicas e, de certa forma, sempre puderam impressionar seus

problemas os longínquos governos centrais de Madri e de Paris. Na Rússia, foi unicamente o

 

Governo de Moscou ou de São Petersburgo que, em certas épocas, se atirou com veemência para o mar, travando guerras externas, conquistando o litoral de potências vizinhas, fundando portos, criando indústrias navais, construindo navios e fomentando o comércio. Aliás, por estranho que pareça, foi o Exército russo o instrumento principal da criação das bases da expansão marítima do país. Sem a conquista preliminar do litoral, empreendida pelos soldados ao longo do mar Báltico e do mar Negro, não haveria possibilidade de o Governo de Moscou cogitar dos empreendimentos oceânicos. Como se vê, as evoluções marítimas nas quais mais se evidencia a ação do Estado e menos a influência do ambiente geográfico ou da expansão comercial são as que se processaram no grupo de nações que saltaram as etapas iniciais da pesca e da expansão da navegação buscando desde logo, pela força, preponderância nos oceanos. É natural, em consequência, que a importância assumida por esses países nos mares tenha sido função principal de suas marinhas de guerra. Abstraindo a atuação dos espartanos na luta contra Atenas, nada se sabe das atividades marítimas desse povo do interior do Peloponeso. Também não se pode dizer muito dos romanos como povo marítimo, embora tenham sido eles os senhores do Mediterrâneo por séculos. Não foram os corsários ou os pescadores ou os armadores que fizeram a França grande na história marítima, mas as naus de linha que ameaçaram a supremacia inglesa. Da descoberta da América até o século XIX,o avasto Espanha afirmou suae presença nosdomares seusdogaleões numerosos, que protegeram Império Colonial o transporte ouro epelos da prata Novo Mundo. Não fora a criação da Marinha de Guerra czarista a serviço das pretensões de Moscou no mar Báltico, no mar Negro e no oceano Pacífico, e o crescimento da frota de submarinos soviéticos a serviço do sonho da supremacia mundial, quase nada se poderia dizer dos empreendimentos russos nos oceanos até data bem recente. A importância decisiva da ação do Estado no desenvolvimento marítimo conduz forçosamente ao exame de um delicado problema de História: o da contribuição individual. Até aqui não se atribuiu à ação isolada de pessoas a responsabilidade da marcha de uma grande nação para o mar. Assim se procedeu, não por se acreditar constituir o indivíduo um mero elemento passivo na História, mas por não ter ficado caracterizado de forma insofismável uma participação de tal envergadura. A História é feita por formas coletivas da vida humana, conhecidas sob o nome de povo. Do seio surgem os protagonistas ou principais Que eles conduzam seus desses povos povos ou sejam levados por eles ou, ainda, que ajamatores comodoos drama. instrumentos de uma vontade e de uma alma coletiva, são pontos sobre os quais poucos homens expressariam sem reserva sua opinião. O que parece claramente na longa perspectiva da História é que os maiores homens fazem intimamente parte do desenho geral que traçam seus respectivos povos na trama do tempo! A História da Humanidade é compreendida tanto melhor quanto esses desenhos coletivos são claramente definidos, de maneira que a linha geral se torne nítida. Contudo, sendo a ação do governo muitas vezes o fruto da decisão de um número limitado de pessoas, ou mesmo de uma só, cabe agora um exame sucinto da controvertida questão: saber até que ponto os homens conduziram os acontecimentos ou foram por eles conduzidos. Também no âmbito da ação do governo é cabível tal exame, pois fora daí não é de crer que jamais alguém, sem dispor de aparelhagem estatal, tenha conseguido influir de forma marcante e duradoura no desenvolvimento marítimo de ela umanitidamente nação. Se em determinado período a evolução marítimaque de um país processou-se sem ser afetada pela sucessão brusca de governantes,

possuíssem idéias, caráter e aptidões diversas, é lícito admitir-se que a ação desses governantes

 

não constituiu um antecedente necessário. Dentro, portanto, do critério lógico, relegou-se para plano secundário a participação individual. Entretanto, é necessário admitir que em certas épocas alguns indivíduos têm, por sabedoria ou por estupidez, exercido grande influência e modificado o desenvolvimento marítimo. Nas evoluções marítimas dos fenícios, cartagineses, vikings, genoveses, venezianos e holandeses não se distinguem vultos aos quais se possa atribuir responsabilidade marcante pelas sucessivas fases. Em alguns casos, isso talvez decorra da falta de conhecimento dos detalhes das referidas evoluções, mas de qualquer forma se a História registrou os fatos e não guardou o nome das personalidades neles envolvidas, depreende-se que a ação humana isolada não foi preponderante. Noutras evoluções marítimas como da Grécia, de Portugal ou da Grã-Bretanha, sobressaem nomes, como os de Temístocles, D. Henrique, o Navegador, e o da Rainha Elizabeth I. Também aí, porém, surge a dúvida sobre se o desenvolvimento marítimo desses países teria sido totalmente diverso, não fora a existência dos vultos mencionados. Segundo Plutarco, Temístocles conseguiu construir a frota que derrotou, em Salamina, as forças persas, mudando dessa forma o curso dos acontecimentos. Favoreceu, ainda, Temístocles a tendência natural dos gregos a procurarem o lucro nas aventuras marítimas, seguindo nesse particular orientação contrária à de seus antecessores, que sempre procuraram afastar o povo do mar, encaminhando-o para a agricultura. A ação de Temístocles parece, assim, ter sido de importância capital, mas três observações impõem-se: primeira, o próprio Plutarco reconheceu a tendência marinheira dos gregos, bem anterior à época das guerras medas; segunda, o impulso dos gregos para o mar continuou com bastante vigor após o afastamento de Temístocles do governo; e terceira, a participação de Temístocles no preparo da Marinha ateniense talvez tenha sido exagerada por Plutarco, por ser essa uma tendência normal de qualquer biógrafo. Cabe a D. Henrique, o Navegador, a glória de ter fundado a Escola de Sagres e de ter dado um cunho sistemático, científico, à expansão oceânica portuguesa. Não se pretende nem de leve diminuir o valor de sua obra, mas convém notar que os lusitanos já se arrojavam para o mar bem antes da existência do Grande Príncipe, e o continuaram a fazer depois de sua morte. Durante o reinado de Elizabeth I, os marinheiros da Grã- Bretanha incrementaram as expedições longínquas que vinham efetuando desde os fins do século XV. A Rainha apoiou efetivamente os navegadores e comerciantes das Ilhas, cooperou nas medidas para a colonização da América do Norte, ajudou a serem fundadas as Companhias destinadas à exploração do comércio em várias partes do mundo. Ainda no seu reinado, a Invencível Armada foi destroçada, e a Inglaterra assumiu lugar de proeminência entre as grandes potências marítimo-comerciais da Europa. Forçoso é reconhecer, todavia, não ter sido principalmente devido às notáveis qualidades de Elizabeth I que a Grã-Bretanha ascendeu à categoria de potência naval de primeiro plano. Desde muitos anos antes do reinado de Elizabeth I, os homens do mar constituíam, na Grã-Bretanha, núcleos com organização própria e interesses definidos. A corporação da Trinity House, por exemplo, ou seja, a fraternidade dos marinheiros do rio Tâmisa, existia há muitas décadas, e suas atribuições eram reconhecidas pela coroa britânica desde o tempo de Henrique VIII. A Rainha soube os recursos existentes e aproveitar idéias emnem cursoa no seio de uma classe antes ativa,utilizar numerosa e importante, Nemnoaspaís Companhias deasComércio, colonização da

América foram criação exclusiva de seu governo, e a própria derrota da Invencível Armada

 

deveu-se antes às dezenas de navios mercantes ingleses, artilhados por seus armadores e habilmente conduzidos, do que aos poucos navios da Royal Navy, criada por Henrique VIII no reinado anterior. Tanto na Grécia, como em Portugal e na Inglaterra, os vultos citados participaram, com destaque, de um movimento nacional já antes em processo de desenvolvimento. A obra de expansão grega, lusitana ou inglesa no mundo parece ser mais justo atribuí-la aos milhares de homens, anônimos ou não, que conduziram os navios por mares nunca dantes navegados. Abstraindo-se a figura de alguns estadistas cuja ação decisiva pode mais ser atribuída às suas qualidades individuais do que às circunstâncias, bem poucos homens na História lograram, influir de maneira duradoura e destacada no desenvolvimento marítimo de suas pátrias. A obra é por demais grandiosa para que apenas um homem, uma existência e uma força de vontade consigam levá-la a cabo. No decorrer da História, muitos estadistas de visão tentaram orientar seus países para a conquista das rotas oceânicas, mas a maior parte desses esforços perdeu-se, não ficando por vezes nem a lembrança do fracasso, pois à História interessam os fatos e não as intenções. Sem o concurso favorável de outros elementos, tais como tempo, poderes amplos, dinheiro etc., a ação do estadista se torna inócua ou limitada. Houve, porém, algumas poucas vezes em que indivíduos de gênio enfeixaram nas mãos os elementos necessários e souberam imprimir à evolução marítima de seus países a marca pessoal. Por ser difícil precisar, nas evoluções dos países marítimos, até que ponto os estadistas agiram de moto próprio ou influenciados pela mentalidade reinante, ou ainda coagidos pelos interesses de classes numerosas e preponderantes, só nas evoluções das nações continentais, e aí apenas poucas vezes, a participação individual ganhou o vulto necessário para ser tida como antecedente necessário. Estão, nesse caso, as obras de Colbert e de Pedro, o Grande. Não foi atendendo aos interesses financeiros de classes preponderantes nem à índole marítima do povo que esses dois personagens históricos procuraram encaminhar suas pátrias para o mar. Bem pelo contrário, enfrentaram, ambos, dificuldades de toda ordem, e a vitória que alcançaram foi apenas parcial. Se muito realizaram em vinte anos de esforços, bastante ficou por fazer, e grande parte da obra efetuada desmoronou com, a morte de seus geniais executores. De qualquer forma, o homem de Colbert acha-se intimamente ligado ao apogeu do poder marítimo da França. Pedro, o Grande, arrastando o povo russo até as praias do Báltico, iniciou uma nova era para a Rússia, colocando-a através das rotas líquidas em contato com a civilização ocidental. Ao contrário dos demais vultos aqui mencionados, não foram eles continuadores de situações já existentes, mas verdadeiros iniciadores. Esses estadistas influíram decisivamente no desenvolvimento marítimo de suas pátrias, procurando criar e desenvolver as bases naturais da expansão oceânica pelo engrandecimento comercial, pela implantação de colônias, enfim, ampliando os interesses da nação através dos mares, ao mesmo tempo que proviam os meios materiais para a salvaguarda desses interesses. O aparecimento, porém, no momento oportuno, de um homem dotado das qualidades necessárias, dispondo, além do mais, de amplos recursos materiais e ao mesmo tempo ocupando por muitos anos uma posição do governo de onde possa influir na decisão dos problemas marítimos, constitui verdadeiro acaso histórico poucas vezes sucedido.

De uma maneira geral, a necessidade impõe aos países marítimos uma política baseada em

 

realidades palpáveis, quase indiscutíveis, pouco afetadas pelo tempo. Não há neles grande margem de dúvida para os governantes quanto ao caminho a seguir. Bem diversa é a situação das nações continentais onde as maiores preocupações nacionais são de ordem diferente, e os dirigentes e a opinião pública têm outra mentalidade. Nessas, quando muito é estabelecida uma política naval, consequência direta da política exterior, mas a política marítima propriamente dita, que visa ao estabelecimento em bases permanentes das atividades oceânicas, sofre os atritos fortes dos outros problemas em pauta e a ação dos homens do governo quase sucedem no poder sem trazerem todos as mesmas convicções com relação aos problemas marítimos, o que é indispensável à continuidade de esforços e à realização das grandes obras. Nada melhor para ilustrar a diversidade de conceitos predominantes nos círculos dirigentes de países marítimos e continentais do que a comparação de algumas fases das histórias da GrãBretanha e Portugal, de um lado, da França, Alemanha e Estados Unidos, de outro. O poderio inglês, nos mares, apareceu, conforme já se viu, mais ou menos na época do Rei Henrique VIII, sendo consolidado posteriormente com a vitória sobre a Invencível Armada, no reinado seguinte. Nos cem primeiros anos de expansão marítima, os dirigentes ingleses nem sempre perceberam com evidência que a prosperidade crescente da Ilha não dependia mais de riquezas de seu solo, mas da chegada de produtos do além-mar. Dessa forma, durante o reinado de Jaime I houve uma diminuição do ritmo das investidas para o mar. A Royal Navy foi descurada, e os holandeses dominaram sem empecilhos as rotas dos oceanos. Ao governo regicida cabe o crédito da ressurreição do poder naval inglês e do estabelecimento da Marinha numa base de permanente eficiência, que todos os governos subsequentes, qualquer que fosse a sua feição política, honestamente se esforçam no poder, mas a orientação do governo de Sua Majestade nos assuntos marítimos se manteve. Em três séculos, muitos foram os governantes medíocres que guiaram a Inglaterra, mas nenhum deles chegou a comprometer, por ação, os empreendimentos marítimos da nação. A volta ao poder da dinastia Stuart é um exemplo. Quando Cromwell morreu, e Carlos II se sentou no trono de seu pai, esse rei falso para o povo inglês, mostrou-se coerente com a grandeza da GrãBretanha e com a sua orientação política tradicional nos mares. Nas suas intrigas traiçoeiras com Luís meio que das quais esperava tornar-se parlamento e do povo, ele frisouXIV, ao reiporfrancês o impedimento para um independente entendimento do perfeito era o grande cuidado dispensado pela França em desenvolver o comércio e em se tornar uma potência marítima, o que constituía uma fonte de suspeita para a Inglaterra, que apenas era importante graças ao comércio e ao poderio de sua Marinha. As pretensões da França nesse terreno só poderiam assim aumentar a desconfiança entre as duas nações. Também na história marítima portuguesa não se notam grandes soluções de continuidade nos esforços realizados, durante os séculos XV e XVI, em prol da conquista dos oceanos, a despeito de os sucessivos monarcas desses períodos terem possuído caráter bem diferente (D. João I, D. Duarte, D. Afonso V, D, João II e D. Manoel I). É verdade que houve um arrefecimento nas expedições lusitanas durante o reinado de D. Afonso V, explicável pelas campanhas marroquinas empreendidas na mesma época. Mesmo assim, os reconhecimentos ao longo do litoral africano prosseguiram, depois de alguns anos Lisboa, e o golfo da Guiné deixou de de ser interrupção, ignorado. por iniciativa de Fernão Gomes, cidadão de

 

Contrastando com a constância e a perseverança com que os Governos da Inglaterra e de Portugal se dedicaram aos empreendimentos marítimo-coloniais, o descaso com que muitas vezes foram essas iniciativas consideradas na França é digno de nota. Como já se viu, o apoio de Francisco I e Henrique IV às empresas ultramarinas e ao comércio não foi continuado pelos seus sucessores. O próprio Ministro de Henrique IV, Sully, que foi sem dúvida um grande estadista, não sentia interesse pelo comércio e pelas colônias. Em vão falavam-lhe sobre Quebec (fundada em 1604). A magnífica obra encetada por Richelieu foi abandonada pouco depois da morte desse notável homem de estado. A Marinha de Colbert logrou sobreviver ao seu genial criador, graças a Seignelay, que tinha as mesmas idéias do pai. Mal tinha, porém, morrido Seignelay, e um memorial foi apresentado ao rei, propondo suprimir a Marinha que custava muito caro e que só servia para guardar as costas, função que, ainda segundo o memorial, poderia muito bem ser desempenhada por recrutas do Exército. No começo do século XVIII, o Governo da regência perdeu a consciência do interesse nacional. Renunciou a ocupar seu lugar nos mares e comprometeu o futuro de um Império Colonial. Pouco mais ou menos na mesma época, a Rainha Ana da Grã-Bretanha, enviou uma mensagem à Câmara dos Comuns, da qual se destaca o seguinte trecho: "É uma coisa certa que a honra, a segurança e a riqueza deste reinado dependem sobretudo da proteção proporcionada ao tráfego e da boasobre administração das forças As negligência outras nações queconduta foram outrora fortes o mar, perderam seu marítimas. comércio por e má e veem poderosas no presentee suas forças marítimas completamente destruídas.” Cem anos depois também faltou a Napoleão o verdadeiro sentido dos problemas marítimos, se bem tenha ele consagrado particular atenção ao desenvolvimento do comércio exterior francês e ao reaparelhamento da Marinha de Guerra. Entretanto, não compreendeu serem impossíveis no mar as improvisações e combinações com as quais obtivera resultados espantosos em terra. Em face dos fracassos da Marinha francesa, Napoleão dela se desinteressou e quis que todos também pensassem menos nela. A expansão colonial não mais entrou em suas cogitações, e a Louisiana foi vendida, pois o Grande Imperador compreendeu perfeitamente não ser viável a manutenção de um império ultramarino sem poder naval. Ainda no decorrer do século XIX, o desenvolvimento marítimo da França foi afetado negativamente por uma ação descontínua e falta mal esclarecida. A Marinha Mercante não acompanhou o crescimento do estatal comércio exterior por de leis eficientes que a protegessem da concorrência estrangeira. A Marinha de Guerra, depois de alcançar lugar de relevo no Governo forte de Napoleão III, foi sacrificada no altar da pátria, com a derrota na guerra de 1870. Nos últimos anos do século XIX, sucessivos governos com idéias diferentes e pouco seguras acerca dos problemas navais, uma opinião pública pouco esclarecida e uma imprensa apaixonada numa época de perigo de conflito externo levaram a França a construir uma frota de guerra heterogênea, de escasso valor militar. Milhões foram desperdiçados por falta de algo que se assemelhasse àquela uniformidade de vistas, características da política naval britânica. A responsabilidade dos oficiais de Marinha de carreira também não foi pequena, pois foram eles, em discussão que veio a público, que iniciaram a polêmica nociva da qual não surgiu luz e sim confusão. Foi somente no século XX que os dirigentes da França adotaram linhas seguras na política marítima. A Marinha de Guerra homogênea e eficiente dos anos anteriores à Segunda Guerra Mundial e o crescimento da frota mercante, nos dias atuais atestam uma ação governamental esclarecida que não foi solapada pelas dificuldades enfrentadas pelo país.

 

A correlação existente entre as condições naturais, a mentalidade do povo e a maneira de proceder do governo é bem percebida na evolução marítima americana. Enquanto o país se confinou ao território das primitivas colônias, os representantes dos Estados da Nova Inglaterra foram relativamente numerosos e souberam defender no governo os interesses e os anseios dos habitantes daquela região eminentemente comercial e marítima. Esses deputados e senadores provocaram o nascimento da Marinha de Guerra americana ante a ameaça dos corsários franceses nas Antilhas e foram certamente os maiores responsáveis pela atitude firme dos Estados Unidos, empreendendo em 180103 a campanha naval contra os piratas do norte da África. À medida, porém, que o centro da gravidade da população dos Estados Unidos se deslocou para o centro do continente, e a conquista do rico interior se converteu no grande sonho nacional, a participação americana nas rotas oceânicas decresceu. Não só o povo aplicou a maior parte de suas energias e recursos nos empreendimentos alheios às atividades marítimas, como também o predomínio progressivo no governo dos representantes dos estados interiores desviaram a ação estatal dos assuntos ligados ao comércio e ao tráfego. Ao auge da colonização americana no Oeste correspondeu o mínimo de atividade dos Estados Unidos nos mares. Surgiu então na política do país um novo fator a ser considerado: os representantes das populações agrícolas, independentes, avessos ao contato com o exterior. O Centro-Oeste se converteu baluartedodoespírito isolacionismo americano, tão forterudes ainda no começo da Segunda Guerra Mundial.noDentro tacanho desses homens e sem visão, evidentemente o instrumento de contato com o exterior, a Marinha tornou-se uma coisa desnecessária e por muitos anos foi a vítima dos ataques dos deputados do interior, notadamente de Ohio e Illinois. É desculpável a maneira de proceder dos deputados do Centro-Oeste quando se considera o mal anteriormente causado ao desenvolvimento marítimo por Thomaz Jefferson. É próprio dos medíocres combaterem o que não compreendem, mas Thomaz Jefferson foi homem de muitas luzes, autor da Declaração da Independência dos Estados Unidos, Presidente por dois períodos, durante os quais revelou notáveis qualidades de estadista. Todavia, talvez por ser de formação rural, jamais demonstrou possuir o sentido exato dos problemas ligados ao mar. Foi ele tenaz inimigo dos créditos para a Marinha, advogou a construção de dezenas de chalupas canhoneiras que, no seu evitar entender, substituiriam vantajosamente dado época na defesa do litoral e, procurando a guerra com a Inglaterra, decretouoso navios embargo comércio exterior. As duas medidas iniciais foram nocivas à eficiência da Marinha americana quando, anos depois, o conflito contra a Grã-Bretanha estalou; o embargo arruinou o comércio americano e é motivo das mais sérias críticas feitas à sua atuação como presidente. Por conseguinte, encarado puramente sob o aspecto marítimo, o medíocre Rei Carlos II, da Inglaterra, demonstrou perante a História possuir maior visão do que o ilustre Presidente Thomaz Jefferson, dos Estados Unidos. De maneira idêntica percebem-se na evolução da Alemanha períodos em que a ação do Estado peca pela omissão ou pela falta de compreensão no trato dos problemas marítimos. Mencionouse já, no capítulo anterior, o fato de ter havido no século passado um retardamento de muitos anos entre o florescimento do comércio germânico e as medidas eficazes por parte do governo, visando a promover o desenvolvimento das atividades marítimas. Foi ainda vencendo forte oposição no parlamento e a ainércia povoalemã que von Tirpitz,Não escudado do Kaiser, conseguiu construir grandedofrota em 1914. contou na elemegalomania como concurso

precioso de uma opinião pública vigilante, a exemplo do que aconteceu, na mesma época, na

 

Grã-Bretanha com relação ao Primeiro Lord do Almirantado, nem com o decidido apoio de todos os partidos. Explorando por meio de hábil propaganda o patriotismo inflamado do povo teuto, logrou von Tirpitz ter por muitos anos o apoio das classes mais sacrificadas pelos pesados impostos exigidos pelos programas navais. Na esfera governamental, porém, seus planos foram combatidos com veemência. "Não serão os canhões da esquadra que nos livrarão dos batalhões franceses e russos", alegavam os opositores. Quanto ao emprego por parte do Governo Imperial durante a guerra, do formidável instrumento que era a Marinha alemã, von Tirpitz e von Scheer queixavam-se amargamente nas respectivas memórias. "Os meios dirigentes viviam na incompreensão do poder que representava o mar e do perigo que nos ameaçava", escreveu o primeiro daqueles chefes navais. Se a maneira pela qual o Governo de Guilherme II dirigiu os assuntos marítimos no período de 1900-1918 se presta a controvérsia, muito mais são passíveis de crítica as linhas da política naval adotada pelo Governo nazista. Ao que parece, nenhuma das experiências duramente adquiridas na guerra naval de 1914 serviu à orientação de Hitler e de seus auxiliares imediatos. Hitler, avesso à mentalidade marítima e interessado em objetivos continentais, não fez nenhum esforço para aumentar o poderio naval alemão além do que havia sido permitido pela Inglaterra, e a Marinha foi, obviamente, relegada a uma posição inferior nos planos de rearmamento. O próprio Alto Comando alemão fracassou em aprender a extraordinária lição da Primeira Guerra Mundial: a importância decisiva do poder marítimo ainda que para uma nação continental. A razão disso provavelmente se prende ao fato de os principais dirigentes alemães serem então todos homens fortemente imbuídos de concepções continentais. Hitler, austríaco de nascimento, confessava mesmo: — "Em terra sou um herói, mas no mar sou um covarde". Em confronto com o extraordinário cuidado dedicado ao reequipamento do Exército e da Aviação, pode-se dizer que a Marinha mereceu pouca atenção dos dirigentes nazistas. Nos anos que precederam a Segunda Guerra Mundial, a política de construção de uma esquadra bem equilibrada prosseguiu, mas a de submarinos não foi acelerada, apesar de uma cláusula do Tratado de Londres de 1936 permitir que a Alemanha construísse 45% do efetivo britânico daquela arma, e depois de conveniente notificação, 100%. Somente em meados de março de 1938, numa conferência sobre a situação política, Hitler declarou pela primeira vez aoentão Grande Almiranteque Raeder que a aGrã-Bretanha se filiava aos inimigos da Alemanha. Ordenou ao Almirante acelerasse construção dos dois encouraçados (Tirpitz e Bismarck) que se achavam no estaleiro naquela época, e providenciasse para alcançar rapidamente a paridade com referência aos submarinos da GrãBretanha. Entretanto, não se chegou a formar, até setembro de 1938, uma comissão capaz de orientar o programa para aumentar a construção de navios. Já em plena guerra, depois de eliminada a França, o esforço bélico germânico continuou orientado por concepções continentais, embora fosse então a Grã-Bretanha a única potência inimiga ainda de pé. Em setembro de 1940, quando se achava em jogo a sorte da operação "Sea Lion", Raeder conferenciou longamente com Hitler e realçou a necessidade de continuar a mesma grande estratégia, isto é, a conjugação de todos os esforços sobre a Grã-Bretanha, por ser o principal adversário. Tentou muito seriamente dissuadir Hitler da idéia de atacara Rússia Soviética. Propôs que explorasse a situação do Mediterrâneo até excluir a GrãBretanha daquele mar.seHitler mostrou-se imensamente impressionado comcompletamente essas idéias, mas não

as aceitou na parte referente à Rússia. Raeder não foi apoiado pelo Exército que sustentava ponto

 

de vista inteiramente diferente com relação ao Mediterrâneo. Pode-se afirmar pois, que no decorrer da Segunda Conflagração Mundial mais uma vez a ação do Governo germânico foi prejudicada pela ausência de uma mentalidade marítima. Na realidade, a História não é rica em exemplos de governos que tenham sabido escapar à influência das idéias predominantes nos seus países e tenham adotado uma linha de ação capaz de atender às múltiplas exigências dos problemas nacionais, na paz ou na guerra. Pelo êxito das medidas tomadas, constituiu a ação do Governo britânico nos dias sombrios de 1940 um caso digno de registro, em que os dirigentes souberam, com descortino invulgar, pesar todos os aspectos de uma situação de extremo perigo e grande complexidade. Com efeito, nos críticos meses seguintes à queda da França, o Governo de Winston Churchill, dispondo então de recursos limitados, manteve a RAF em estado de derrotara Força Aérea alemã nos céus ingleses, conservou a Marinha com os elementos necessários à manutenção das principais rotas oceânicas e ainda enviou para a defesa do Egito algumas das poucas divisões blindadas estando a Ilha sob a ameaça de invasão. Em suma, o confronto das ações governamentais na Inglaterra e na Alemanha, no decorrer do Segundo Conflito Mundial, mostra que na primeira daquelas nações o acentuado espírito marítimo não chegou a comprometer a orientação básica do governo, embora, talvez, tenha concorrido para o despreparo do Exército em 1939-40, enquanto na segunda a mentalidade continental pesou de forma notória em todo o esforço bélico. Noutras palavras, os governantes britânicos mostraram um espírito mais aberto aos aspectos múltiplos da guerra do que os alemães e souberam disso tirar proveito incalculável. A localização da sede do governo, longe ou afastada do mar, continentais mostrarem-se refratários à compreensão dos problemas marítimos não implica na afirmativa de que eles são incapazes de assimilar os ensinamentos do passado ou de avaliar a importância econômica das comunicações marítimas na vida de quase todos os povos. Bem pelo contrário, nos últimos 30 anos a ação governamental numa série de países continentais, como a França, Alemanha, Rússia e os Estados Unidos, tem-se caracterizado por um empenho crescente na resolução de seus problemas marítimos. Se com as instituições políticas vigentes na maior parte do mundo, cada vez há menos lugar para uma ação estatal dependente da vontade toda poderosa de estadistas, como Richelieu ou Colbert, contrapartida, por força da experiência e dobem estudo, cada vezsuas há maior probabilidade de que em grupos de governantes esclarecidos consigam encaminhar pátrias na resolução das questões marítimas. A localização da sede do governo, longe ou afastada do mar, não deixa de se fazer sentir na ação estatal. É fácil compreender que sendo a capital do país um importante centro marítimo e comercial, a exemplo de Londres, os círculos governamentais ficam mais sujeitos às influências dos interesses ligados às atividades oceânicas e logicamente essa ligação se reflete nas medidas tomadas pelos dirigentes. Os problemas mais próximos são sempre sentidos com maior vigor do que os afastados e por conseguinte normalmente são resolvidos, ou, pelo menos, enfrentados, em primeiro lugar. Além disso, a probabilidade de que homens pertencentes aos meios marítimos venham a participar do governo aumenta consideravelmente. Na corte com inglesa, marinheiros como Drake,do Raleigh outros elementos sempre foram numerosos figuraram destaque. Não eram os lobos mar, em eabsoluto, estranhos ao meioe

político da capital. Bem diversa era a situação na França e na Espanha: os habitantes das cidades

 

marítimas, raramente frequentavam as capitais interiores; poucos participavam do governo. Os problemas marítimos não chegavam com nitidez às longínquas cidades de Paris e Madri, nem os dirigentes tinham sob os olhos um dos extremos da extensa engrenagem náutica. As rodas palacianas raramente tinham oportunidade de ver ou escutar um homem do mar e, quando tal acontecia, não o compreendiam. Jean Bart, numa das poucas vezes que foi a Versalhes, escandalizou os cortesãos com seus modos rudes. Ninguém mais do que Pedro, o Grande, da Rússia, deu importância à localização da sede do governo como fator capaz de influir nos destinos marítimos de seu país. A mudança da capital de Moscou, cidade interior por excelência, para São Petersburgo, próximo ao mar Báltico, construída a meio de tremendas dificuldades, é caso único na História. Como último aspecto, resta analisar se as instituições políticas exercem influência marcante na orientação do governo com referência aos problemas marítimos. À primeira vista não se percebe, nas evoluções marítimas dos povos, nenhuma relação constante nesse particular, capaz de conduzir a alguma suposição. Distinguiram-se nos oceanos nações que dispunham dos sistemas governamentais mais diversos possíveis. Entretanto, sendo nos países marítimos o apoio do governo às atividades navais uma consequência natural do impulso espontâneo do povo para o mar, depreende-se que, ao menos teoricamente, os regimes de base democrática são aí mais propícios ao livre desenvolvimento dos interesses oceânicos. Inversamente, nos países continentais, em que a ação do Estado para promover o engrandecimento nos mares contraria a índole da maior parte dos habitantes, é de crer serem os regimes fortes mais capazes de empreender a obra. Resumindo, a ação do governo não se faz sentir de forma nítida nas evoluções dos países marítimos por ser aí mais um reflexo da vontade coletiva do povo; mas tende a intervir progressivamente nos problemas oceânicos à medida que a expansão dos interesses ultramarinos a isso obriga. Na evolução das nações continentais, todo progresso marítimo é função do apoio prestado pelo Estado. Sob outro prisma, nos países de características marítimas, a atenção do governo aos problemas oceânicos é contínua e esclarecida, por emanar de um sentimento nacional, e esse apoio pouco varia com a sucessão dos dirigentes; nas nações continentais, o apoio aos mesmos empreendimentos depende da expansão comercial e da clarividência dos dirigentes.

22. O FATOR TECNOLÓGICO E INDUSTRIAL Os fatores materiais do desenvolvimento marítimo. A importância secundária dos recursos industriais no desenvolvimento marítimo durantenas a antiguidade; suacomércio. importância crescente na Idade Média. Efeitos da Revolução Industrial marinhas e no Dependência

progressiva do desenvolvimento marítimo às possibilidades industriais. Efeitos diversos na

 

Marinha Mercante e na Marinha de Guerra. Os marinheiros da era industrial. Reflexos na eficiência das marinhas de guerra. O recrudescimento do colonialismo por força da era industrial. O papel da Marinha no colonialismo do século XIX. O fim da pirataria pelo progresso material. O crescimento da frota mercante mundial em consequência do progresso industrial e comercial. A importância assumida pela construção naval na vida econômica de várias nações. O fator industrial nas guerras marítimas. Síntese.

Até agora foram considerados apenas os motivos que têm levado o homem a procurar o mar. Viu-se que a necessidade oriunda do ambiente geográfico compeliu alguns povos; o interesse nascido com o comércio, outros, e a ação do Estado, um terceiro grupo. Contudo, sem o amparo de determinados elementos materiais, dificilmente a vontade humana, seja ela de estadistas de visão e enérgicos, ou de representantes de classes poderosas e influentes, ou mesmo de todo um povo ansiando pelas atividades oceânicas, consegue erguer a estrutura vasta e pesada que caracteriza de maneira concreta o desenvolvimento marítimo. Em linhas gerais, a capacidade material de uma nação em promover seu desenvolvimento nos mares é fruto de suas possibilidades industriais, tecnológicas e financeiras. Deixando para ser tratado noutro capítulo o aspecto financeiro e concentrando a atenção sobre o fator tecnológico e industrial, verifica-se não ter, este, através da História, a mesma importância dos dias de hoje. Enquanto a influência das condições naturais e da expansão comercial é bem nítida em determinadas evoluções marítimas desde tempo bem remoto, o industrial o é, apenas, a partir do século passado, muito embora não se possa dizer que sua ação tivesse sido desprezível antes dessa época. Na Antiguidade, era relativamente fácil a qualquer povo que habitasse as proximidades do litoral e com certo grau de civilização, reunir os elementos necessários ao estabelecimento da base material do avanço para o mar. A aparelhagem dos portos era simples e os rústicos e pequenos navios pouco exigiam do engenho humano. A existência de florestas com madeiras de lei nas proximidades do mar facilitava a criação das indústrias navais; esse foi o caso da Fenícia que dispunha à mão dos cedros do Monte Líbano. Mas a pobreza florestal da Grécia não impediu seus habitantes de construírem as frotas de comércio e de guerra que se espalhavam por todo o Mediterrâneo. O elemento básico da indústria naval naquelas épocas, a madeira, era talvez mais facilmente encontrado ou adquirido que seu correspondente nos tempos presentes, o aço. Os demais materiais utilizados no navio, os tecidos para as velas, as fibras para o calafeto e os cabos, o alcatrão, as ferragens, também eram de fácil aquisição ou fabrico. Como em quase toda parte havia carpinteiros hábeis bastante para talharem as diversas peças do navio, resultou a difusão, pelos povos que habitavam próximo ao mar, da indústria de construção naval. Os estaleiros eram facilmente instalados em qualquer rampa suave das praias, e um ferramental simples constituía o único equipamento necessário.

O desenho dos navios era grosseiro, permanecendo imutável por séculos, o que facilitava aos

 

povos menos evoluídos copiarem os modelos das marinhas mais adiantadas. Ao que parece, os romanos não tiveram dificuldade para construir uma frota de guerra de 120 trirremes, tomando para modelo uma nave cartaginesa encalhada no litoral italiano. As populações semibárbaras das ilhas do mar Egeu guarneciam enxames de navios que nada ficavam a dever aos dos romanos. As centenas de navios perdidos nas tempestades ou nas batalhas eram substituídas rapidamente. Às vezes bastavam os meses de inverno, durante os quais toda a atividade marítima era suspensa por temor às fúrias de Netuno, para uma armada se recuperar das derrotas sofridas no outono. Em suma, não constituía a indústria naval apanágio de nenhum povo, embora houvesse aqueles que marchavam na vanguarda do progresso da construção de navios, como os fenícios e os cartagineses. Paulatinamente, no decorrer da Idade Média, os navios cresceram em dimensão e solidez, e a navegação se tornou mais segura. Veneza e Gênova, em particular, construíram navios bastante espaçosos para armazenarem quantidades grandes de mercadorias avulsas, bem como homens e cavalos. A bússola, que parece ter surgido entre os árabes do oceano Índico, tornou-se de uso corrente no Mediterrâneo, no século XIII. Por outro lado, a partir desse mesmo século, a navegação contou com a vantagem das cartas náuticas ou portulanos, desenhados segundo as observações e a experiência dos navegantes. Em Gênova, construíram-se, então, três tipos de navios: veleiro propriamente dito, a galera era manobrada a remos e por um velasequipamento auxiliares e um tipoo intermediário que comportava nãoque somente remos, mas também completo de velas armadas em dois mastros. Esses últimos serviam especialmente ao transporte de cavalos e cargas avulsas e de gêneros alimentícios. Foram os navios usados pelos cruzados. Até cerca de 1300, a maior parte do tráfego genovês se fez em veleiros; as galeras, que eram mais rápidas, menos dispendiosas, mais fáceis de serem defendidas e que tinham uma capacidade de carga menor, foram utilizadas em primeiro lugar nas águas próximas, mas depois de 1300 foram a Flandres e ao Levante. Os maiores navios habitualmente deslocavam 480 toneladas, tamanho próximo ao dos navios mercantes holandeses e ingleses, que faziam a travessia do Atlântico no século XVII e que tinham de 600 a 800 toneladas. No século XV, dois tipos principais de navios eram empregados em Veneza. As galeras construídas Estado eram navios alongados serviam antes ao mesmo tempo para a guerra para o transporte depelo mercadorias preciosas de volumee restrito, de tudo especiarias. Essese navios faziam viagens regulares ao Levante (Alexandria e Beirute) a Aigues-Mortes, aos portos do golfo de Lion, às costas da Barbaria e enfim aos portos da Mancha e do mar do Norte, fazendo escala em Lisboa, Londres, Bruges e Antuérpia. Além das galeras, outros navios, ditos redondos e construídos por particulares, serviam ao transporte do algodão e do alúmen da Síria, dos vinhos de Creta para a Inglaterra, escravos e cereais do mar Negro, cereais, azeite e sal de todo o Mediterrâneo. Progressos importantes foram realizados na aparelhagem dos navios redondos, que foram dotados de três mastros e de um equipamento completo de velas. Os navios cresceram em dimensões e foram armados com mosquetes e canhões, tornando-se mais seguros, mais manobreiros e mais próprios para o comércio do que a galera. No fim do século XV, navios redondos, usualmente de 600 toneladas, indo por vezes a 2.400, eram construídos em Veneza e Ragusa. As galeras tornaram-se de uso menos corrente. O progresso realizado na Idade Média, sem ter sido notável para um período de quase um

milênio, obrigou, entretanto, a um esforço industrial mais acentuado. Os toscos estaleiros das

 

praias tenderam a ser substituídos pelas instalações mais completas das cidades marítimas, onde o material necessário à construção dos navios e os operários eram mais facilmente concentrados. Naturalmente o tempo para construir unidades novas aumentou. Já no século XII, a República Pisana se ressentiu fortemente da perda de algumas poucas dezenas de suas galeras na luta contra Gênova, as quais não puderam ser substituídas em pouco tempo. Sem dúvida, uma das fontes da vitalidade veneziana nos mares era o seu Arsenal de Marinha, onde trabalhavam onze mil operários sujeitos a uma organização exemplar. Também a Turquia, contando com os bons estaleiros do Corno de Ouro se fez preponderante no Mediterrâneo. Foram seus estaleiros que permitiram o reaparecimento devastador da Marinha turca, poucos meses depois da derrota esmagadora de Lepanto. A partir do século XV, os venezianos e genoveses, até então os mestres incontestáveis na arte de navegar e de construir navios, cederam lugar aos seus pupilos portugueses. Libertando-se das tradições mediterrâneas, os lusitanos, seguidos de perto pelos ingleses, franceses e holandeses, construíram novos tipos de navios com armações velicas que permitiam maiores forças. A navegação em regiões de prováveis ventos contrários deixou assim de ser tão temida. O remo foi definitivamente abandonado como agente de propulsão, ficando seu uso confinado ao Mediterrâneo. Em meados do século XV, os portugueses já confiavam o suficiente nos seus navios para se aventurarem no Atlântico em pleno inverno. No final do mesmo século, as caravelas lusas eram capazes de suportar cruzeiros longos e de enfrentar os mares tempestuosos do sul da África. As carreiras da Ribeira das Naus, às margens do rio Tejo, forneceram o material flutuante da expansão ultramarina portuguesa. Calcula-se em mais de mil o número de caravelas, balandras, caracas, barinéis, barchas, naves redondas etc., ali construídos durante o período de maior atividade lusitana nos mares. A ausência, por outro lado, de um bom arsenal nas Índias, foi responsável pela perda de um número não pequeno de navios portugueses que foram obrigados a empreender a longa viagem de volta à metrópole sem terem antes recebido assistência condigna. Com a fundação de novos arsenais nos séculos XVI e XVII, sobretudo na Inglaterra, na França e na Holanda, a construção naval adquiriu um cunho mais científico, largando o empirismo antigo. A superioridade dos navios desses países foi fator bem ponderável nas guerras travadas contra asqualitativa nações ibéricas. Enquanto isso, no decorrer dos séculos XVI e XVII, as nações do Mediterrâneo viram suas frotas de comércio e de guerra alcançadas pela escassez crescente de madeira naquela região. A devastação das florestas italianas e da Dalmácia obrigou a procura de madeira cada vez mais longe. No século XVII, a superioridade dos navios holandeses era reconhecida não só na Espanha como até em Veneza. Essas duas potências navais passaram a comprar nos Países Baixos navios já prontos para atenderem às suas necessidades em material flutuante. Também a Inglaterra e principalmente a Holanda viram-se em dificuldades para dispor da quantidade de madeira necessária à construção de suas vastas frotas de comércio e de guerra, mas as florestas que circundavam o mar Báltico forneceram a solução. A madeira da Noruega tornou-se, em consequência, uma das basese do poderio navalpelos e comercial da Grã-Bretanha, tendo em vista que as madeiras de qualidade tipo exigidos navios de guerra faltavam na

Inglaterra e que as da Nova Inglaterra eram tidas por de má qualidade. Pode-se avaliar a grande

 

importância que tinham para a Inglaterra esses fornecimentos navais, considerando-se os esforços feitos para conservar o Sund aberto ao comércio. Para não citar senão um exemplo, compreende-se por que Nelson em 1800 bombardeou Copenhague e destruiu a frota dinamarquesa. No século XVII, já aproveitando os recursos variados da indústria francesa e obedecendo a planos cuidadosamente estudados, Colbert realizou a expansão das marinhas de guerra e de comércio de seu país; foi a superioridade industrial aliada ao arrojo dos marinheiros que permitiu à Grã-Bretanha suplantar a Holanda nos mares e enfrentar o nascente poderio marítimo da França; ainda foi a capacidade industrial inglesa que garantiu o crescimento incessante de suas frotas, malgrado as destruições das guerras numerosas do século XVIII durante as quais as marinhas das outras nações minguaram a despeito do trabalho dos estaleiros. Com o correr dos anos, os melhoramentos materiais introduzidos na construção naval ampliaram continuamente o campo de demanda à indústria. O uso de peças de ferro e de metal na estrutura dos navios e nos diversos aparelhos se generalizou. As carenas passaram a ser forradas com folhas de cobre, protegendo-as da ação destruidora do gusano e permitindo aos navios maiores velocidades. Particularmente notórias foram as exigências crescentes das marinhas de guerra à indústria metalúrgica. Da ainda quantidade limitada pequenas bocas sempre. de fogoNoinstaladas pelos genoveses nos seus navios, no século XVI, odenúmero ascendera século XVI, ao que parece, o mais poderoso navio de guerra construído foi uma galera portuguesa artilhada com trinta e dois canhões; no final do século seguinte, as naves das principais potências européias levavam em média sessenta canhões. Já nessa época, só as necessidades das esquadras em armamento pesado e em munição exigiam o funcionamento de um número considerável de forjas. Essa dependência foi particularmente sentida em Portugal, após a restauração em 1640, quando se cogitou do reequipamento da Marinha. Desprovido de minérios e fraco em recursos metalúrgicos, Portugal não pôde substituir as centenas de canhões levados pelos espanhóis para suas campanhas durante a união dos reinos. Por volta de 1790, as naves mais poderosas, como a Ville de Paris, de duas mil toneladas, dispunham de cento e vinte peças de artilharia. Quarenta anos depois, pouco antes de serem sentidos com vigor na Marinha os efeitos da Revolução Industrial, havia naus com cento e quarenta canhões. Essa época, primeira metade do século XIX, viu o apogeu da Marinha a vela. Os clippers americanos, com extraordinária superfície velica e desenho de casco primoroso, chegavam a atravessar o Atlântico Norte, desenvolvendo a velocidade média de 12 nós. A viagem das Ilhas Britânicas para a Índia, pelo sul da África, havia sido reduzida de 7 a 8 meses para cerca de 113 dias. Embora o progresso alcançado pela indústria naval do século XVI ao século XIX tenha sido maior do que o conseguido nos dois milênios anteriores, não se pode negar a pequena evolução do navio nesse longo período, nas suas características principais. Em essência, o navio continuava a depender, para a sua construção, dos mesmos materiais que no tempo dos fenícios. Ainda fora possível, no começo do século XVIII, à Rússia, nação semibárbara, fundar em poucos anos uma próspera indústria naval. Tanto as libúrnias de 250 toneladas, que levavam trigo do Egito a Itáliae no século II,Unidos como no os começo clippers do de século 700 toneladas quedecruzavam Atlântico entre apara Inglaterra os Estados XIX, eram madeira eo usavam o

vento como meio de propulsão. A crescente complexidade técnica exigida pelo progresso não

 

atingira ainda um grau que viesse a constituir privilégio de alguns poucos povos mais evoluídos no terreno material. Isso aconteceu com o advento da Era Industrial. A madeira foi substituída na construção naval pelo ferro doce (1822-1850) e depois pelo aço estrutural; as velas foram sendo abolidas paulatinamente à medida que a propulsão mecânica se impôs, primeiro com as rodas laterais e depois com as hélices (1843). Esses progressos iniciais permitiram a construção de navios de bem maiores dimensões. Já se mencionou que do século II ao século XVII o deslocamento médio dos navios de carga havia subido de 250 para 750 toneladas. As caracas portuguesas do século XVI, deslocando 1.500 toneladas, ainda eram consideradas avantajadas no início do século XIX. Graças às estruturas metálicas e à propulsão mecânica, em 1850 foi construído na Inglaterra o Great Western, com 25 mil toneladas, embora tenha constituído ele uma experiência prematura. Depois de 1890, navios com mais de 30 mil toneladas começaram a ser feitos em vários países. Nessa segunda metade do século XIX, difundiu-se o emprego da eletricidade a bordo dos navios (1870-80). Um pouco depois, o óleo combustível tendeu a substituir o carvão nas caldeiras, surgiram as turbinas com redução de velocidade (1910), o motor Diesel (1911) e a propulsão elétrica (1913). Da eletricidade derivou a eletrônica com o telégrafo sem fio e com o radio goniômetro. tempo, o campo de aplicação da eletrônica na Marinha se estendeu com ose radares e todaCom umaonova espécie de equipamentos. A par disso, surgiu o duralumínio estrutural a aplicação da solda em substituição ao rebite. Na Marinha de Guerra, a couraça de aço forjado (1860), o torpedo (1867), os canhões de carga pela culatra (1880), as novas pólvoras e explosivos e por fim o avião decretaram a extinção das antigas naus, fragatas e corvetas, promovendo ao mesmo tempo o advento de toda uma série de novos tipos de navios. Em grande parte, nos últimos anos o progresso técnico do material marítimo originou-se das rivalidades internacionais que abrangeram sempre os países mais avançados no campo industrial. Tentando conseguir melhores qualidades bélicas para seus navios de guerra, as principais potências estabeleceram uma verdadeira competição nos ramos industriais servidores das atividades militares. Sem dúvida, a turbina a bélicas vapor, anavais. caldeira a óleo, a propulsão elétrica e o radar surgiram por exigência das necessidades A substituição da madeira pelo ferro e pelo aço, a aparição da máquina a vapor, o emprego da eletricidade nos diversos equipamentos passaram a exigir não apenas o apoio de algumas poucas fábricas rudimentares, mas a existência de todo um parque industrial. Nem todas as nações puderam contar com os recursos necessários à manutenção das marinhas mercantes e de guerra nos novos moldes. Por mais de meio século ainda os navios a vela lutaram para subsistir nas frotas de comércio, valendo-se da economia representada pelo não emprego de combustíveis. O progresso, porém, se impôs. Novos e maiores navios com enorme capacidade de carga, efetuando cruzeiros rápidos e dentro de horários prefixados, acabaram suplantando os antigos veleiros de forma inapelável. Em 1860, haviam no mundo 1.700.000 toneladas de navios a vapor para quase 15 milhões de toneladas de navios a vela. Dez anos depois, os navios a vela ainda eram quatropossibilitou vezes maisa numerosos quesuprimentos os de propulsão mecânica. A abertura do canal de Suez, entretanto, colocação de de carvão a pequenas distâncias, ao longo das

rotas comerciais para os países afastados como a Índia, China e Austrália. Em consequência, a

 

navegação a vapor ganhou um novo impulso, e em 1890 já 46% da frota mundial era de navios de hélice. Em 1900, havia duas vezes mais navios a propulsão mecânica do que a vela. Essas cifras não revelam, porém, o notável aumento havido na capacidade do transporte marítimo. Com um aumento de 150% na tonelagem, entre 1850 e 1900, a Marinha Mercante inglesa teve seu poder anual de transporte multiplicado por sete. Portanto, diretamente a Revolução Industrial cooperou com a expansão marítima, proporcionando elementos mais eficientes para a utilização à exploração dos oceanos. Indiretamente a Revolução Industrial incentivou o desenvolvimento das atividades marítimas por ter criado novos elementos para a prosperidade comercial das nações. Além da variada e enorme quantidade de artigos manufaturados jogados pelas nações industrializadas nas transações internacionais, os novos tipos de navios criados na era do aço e do vapor permitiram a troca de produtos perecíveis, coisa antes impossíveis. Os navios frigoríficos colocaram no comércio mundial milhões de toneladas de produtos diversos. A Europa pôde alimentar-se com carneiros abatidos na Austrália, bois do Canadá, da Argentina, do Brasil ou dos Estados Unidos. As frutas tropicais foram conhecidas nos países temperados, e os delicados artigos dos países frios chegaram até os tropicais. Surgiram os navios-tanque, fundamentais na economia de tantos países, os navios especiais para o transporte de cereais, gases etc. Ao mesmo tempo, regiões condenadas a permanecer fora da órbita marítimo-comercial tornaram-se prósperas pela execução de obras de engenharia antes impossíveis. A França pôde, enfim, contar com portos de primeira classe na Mancha; os portos belgas e holandeses recuperaram o antigo esplendor, graças a um complexo sistema de comportas, canais e diques os quais, aliados a um eficiente serviço de dragagem, tornaram-nos aptos a receber quaisquer navios. A abertura dos canais de Suez e do Panamá facilitou sobremodo a circulação comercial em áreas importantes do mundo. Destarte, a era industrial contribuiu, ainda indiretamente, para o desenvolvimento marítimo, permitindo ao homem corrigir, dentro de certos limites, condições naturais desfavoráveis. A facilidade nas comunicações marítimas decorrente do progresso industrial influiu na maneira de viver de todas nações assegurando, civilizadas. Permitiu o brusco aumento da população dos países industrializados da asEuropa, ao menos em tempo de paz, o fluxo contínuo de suprimentos essenciais. Apenas devido às maiores possibilidades do transporte marítimo, a população da Grã-Bretanha pôde crescer, ultrapassando cinquenta milhões de habitantes num arquipélago que em condições ideais pode alimentar vinte milhões de pessoas. Ainda foi a capacidade de transporte aumentada das linhas oceânicas que permitiu considerável incremento da emigração para a América e possibilitou a melhoria geral do padrão de vida pela troca fácil das mercadorias. Esse novo estado de coisas, por sua vez, passou a agir sobre o desenvolvimento marítimo com exigência crescente de serviços. Se é verdade que as facilidades do transporte marítimo possibilitaram a imigração nos Estados Unidos crescer da média anual de 32.000 pessoas, em 1825-34, para mais de um milhão no começo deste século, não é menos verdade que esse deslocamento de seres dehumanos por umseuladoturno, desenvolvimentomaciço de companhias navegaçãoestimulou em váriosgrandemente, países. Se por muitaso

indústrias surgiram em várias partes do mundo por haver a certeza da chegada do Ultramar dos

 

produtos indispensáveis nas quantidades necessárias, também é certo que o desenvolvimento dessas mesmas indústrias passou a exigir serviços crescentes de transporte marítimo. A maior parte do incremento considerável observado no tráfego oceânico beneficiou em primeiro lugar as nações que estavam na vanguarda do processo industrial. A Grã-Bretanha, em particular, chegou a ter sob controle mais de 60% do transporte efetuado sobre os mares, no final do século XIX. Seguiam-se, bem distantes, a França e os Estados Unidos. Mais tarde, a Alemanha e o Japão apareceram. Nesse período de transição, o fator industrial por conseguinte preponderou sobre os demais, e as nações desprovidas de ferro ou carvão puderam contar apenas com as obsoletas frotas de navios de madeira. Não foi senão com algumas décadas de atraso que os povos eminentemente marítimos, como os nórdicos, os holandeses e os gregos lograram adaptarse à nova era, vencendo as dificuldades materiais ou por compras fora do país ou criando indústrias próprias, e conseguiram participação vultosa no transporte sobre os mares. As marinhas de guerra sentiram os efeitos do advento da era do ferro e da máquina, de maneira mais rápida e profunda que as marinhas de comércio. A simplicidade relativa da construção e da manutenção dos navios de comércio, o fato de eles ficarem por muito tempo proporcionando lucros, a facilidade de aquisição no estrangeiro de unidades novas bem como dos respectivos sobressalentes, tudo isso depois de algum tempo, desenvolvimento das frotas mercantes de países sem permitiu, grandes recursos industriais. Outro otanto não sucedeu quanto às marinhas de guerra. A maior complexidade dos equipamentos, a necessidade de acompanhar o progresso de um material em evolução rápida, as dificuldades políticas, técnicas e financeiras da aquisição de navios, armas ou outros quaisquer petrechos bélicos no estrangeiro, amarraram solidamente o desenvolvimento da marinha de guerra às possibilidades industriais e financeiras dos países. Algumas nações, tecnicamente atrasadas, procuraram manter o valor combativo de suas frotas, apelando para compras vultosas de material bélico no estrangeiro. Esse esforço, todavia, revelouse artificial, apenas proporcionando às marinhas de guerra desses países esquadras heterogêneas e inoperantes. A necessidade de se efetuarem as aquisições em países diferentes, conforme a oferta e as possibilidades financeiras, conduziram à diversificação excessiva do material, o que por sua vez acarretou dificuldades manutenção, administração e ao treinamento. Da dependência às fontes maiores supridoras no exterior,à resultaram as àconstantes paralisações de instalações ou mesmo de unidades importantes, às vezes por tempo longo, sempre que não existiam em estoque os sobressalentes precisos. Enfim, mesmo gastando muito, as marinhas nessas condições sujeitaram-se a não ultrapassar o desenvolvimento técnico escolhido pela nação vendedora. A mudança operada na estrutura material da Marinha, por força da Idade da Máquina, refletiu-se prontamente na composição das guarnições destinadas a conduzirem e a manterem as novas frotas. Até então, apenas as populações do litoral haviam fornecido o elemento humano para as marinhas mercantes e de guerra. Pode-se dizer mesmo que as reservas humanas das populações marítimas estabeleciam os limites de desenvolvimento oceânico de uma nação. Fora a existência de um número elevado de habitantes com prática da vida no mar que havia permitido a continuidade do desenvolvimento ultramarino da Grã- Bretanha e da Holanda, pois as perdas de marinheiros nas guerras eram prontamente sanadas lançando mão dessas reservas disponíveis.

Em oposição, na França fora a população marítima relativamente pequena que impedira o Estado de imprimir vigor maior às atividades oceânicas. A própria Marinha de Colbert ressentira-se da

 

falta de pessoal experimentado, e, no final das guerras napoleônicas, a França não pudera mais armar corsários em quantidade razoável por estarem os portos vazios de marinheiros. Com a aparição nos navios de novos equipamentos, novas técnicas, novos instrumentos, o embarque de pessoal com conhecimentos e aptidões diversas daquelas tradicionais no mar converteu-se numa necessidade. A importância dos antigos lobos do mar, para os quais a arte do marinheiro não tinha segredos, tendeu a diminuir no meio da multidão de especialistas chamados a desempenhar funções a bordo. Assim, enquanto a existência num país de uma avultada população marítima perdeu muito de seu significado como elemento propulsor do desenvolvimento oceânico, a presença de um número elevado de habitantes dedicados às atividades industriais ou em contato quotidiano com engenhos modernos, ao contrário, adquiriu grande valor. Apenas por serem países altamente industrializados, foi possível aos Estados Unidos, a Grã-Bretanha e à Alemanha guarnecerem eficientemente as numerosas unidades navais construídas pelos seus estaleiros no decorrer da Segunda Guerra Mundial. Homens do interior, que nunca haviam visto o mar antes de ingressarem na Marinha, em poucos meses ocuparam seus postos nos encouraçados, porta-aviões e submarinos, junto aos quadros elétricos, aos botões dos equipamentos eletrônicos, ou às válvulas e volantes das máquinas, e os manobraram com perícia. Essa adaptação súbita a um material que muitas vezes condensa os últimos progressos da ciência e da técnica é difícil e às vezes impossível para muitos dos homens chamados a prestarem serviço nas marinhas dos países não industrializados. Evidentemente é muito mais simples a um antigo eletricista assimilar os princípios básicos do funcionamento de um radar do que a um camponês semialfabetizado; ou especializar em máquinas um ex-chofer do que um tropeiro. Como a partir do final do século passado apenas poucas nações atingiram alto índice industrial resultou adquirirem as marinhas de algumas dessas nações ascendência absoluta sobre as demais, tanto na qualidade do material como no preparo do pessoal. Nenhum esforço, nenhuma aptidão marinheira lograram alterar esse estado de coisas. Bem cedo, nas marinhas desamparadas da indústria, a precariedade material refletiu-se na qualidade das guarnições, treinadas em práticas desusadas e condenadas a permanecerem longo tempo nos portos. Por fim, a certeza das insuficiências abateu o orgulho e o moral de marinhas que haviam figurado com honra e destaque nogrande cenáriopotência marítimo. Antigas e tradicionais potências marítimas desapareceram. A Dinamarca, naval nos séculos XVI, XVII e XVIII, e cuja esquadra constituía ainda no começo do século XIX objeto de sérias preocupações por parte da Inglaterra, pouco a pouco abandonou suas aspirações no mar. Embora continuando a constituir uma comunidade marítima, os dinamarqueses perceberam a mudança dos tempos e se contentaram com a posse de uma bela frota de comércio. O lento declínio naval da Espanha acentuou-se. Por trezentos anos a altiva nação ibérica se mantivera entre as quatro maiores potências navais do mundo. Apesar dos insucessos experimentados repetidas vezes nesse longo lapso de tempo, sua Marinha jamais se ausentara dos mares, e na batalha de Trafalgar, a mais formidável unidade participante da luta, a nau Santíssima Trindade, com 140 canhões, arvorava o pavilhão de Castela. Quando, porém, em 1898, a Marinha espanhola foi chamada a defenderas pretensões da mãe-pátria em Cuba, foi uma esquadra heterogênea, de navios antiquados que se arrastou, através do Atlântico, para enfrentar

o nascente poder naval americano.

 

Também a Turquia, sempre temida no Mediterrâneo, desde a queda de Constantinopla, passou para a categoria de potência naval de segunda classe. Os estaleiros do Corno de Ouro, que por séculos haviam construído os navios destinados à luta contra as nações cristãs, não puderam ser adaptados às novas condições industriais, e, em consequência, a Marinha turca feneceu. Em oposição, os Estados em fase de desenvolvimento industrial, como a Alemanha, os Estados Unidos e o Japão em primeiro plano, a Rússia, a Itália e a Áustria-Hungria em segundo plano, vieram em breve reclamar, um a um, seus postos no cenário naval. No final do século XIX, a posição relativa das potências navais, avaliada pela tonelagem de suas marinhas de guerra, era bem diversa da que existira cerca de 1850. A Grã-Bretanha, iniciadora da Revolução Industrial, se mantinha no primeiro posto. A nova era fora-lhe benéfica, e nas Ilhas eram abatidos os últimos carvalhos para a construção naval. Grosso modo, os Estados que mais produziam aço dispunham já das maiores frotas de guerra, e, desde então, não mais surgiram potências navais sem indústrias básicas. Coincidindo com a Revolução Industrial, houve o renascimento do colonialismo, motivado pela procura de fontes de matéria-prima e de mercados consumidores capazes de absorver os excessos da produção manufatureira. A superioridade bélica proporcionada pelas novas armas e navios facilitou das naçõese industrializadas que não dificuldades em retalhar asobremodo África, ema ânsia criar empórios zonas de influência na encontraram China, em estabelecer-se na Indochina e dividir entre si os Arquipélagos da Oceania. A marinha a vapor assegurava agora comunicações rápidas e seguras com a metrópole que enviava, se necessário, novos recursos. Na Ásia, os canhões raiados dos encouraçados silenciaram com facilidade os fortes defendidos por bocas de fogo de alma lisa e afundaram os juncos artilhados; na África, ingleses, franceses, alemães, belgas e italianos ou submeteram os Estados semiautônomos da região mediterrânea, ou ocuparam as áreas habitadas pelas tribos negras. As lanchas a vapor permitiram o que antes era impossível, e pequenos punhados de marinheiros ou soldados subiram os rios africanos guarnecidos com fuzis de repetição ou metralhadoras, conquistando para seus países áreas ricas e imensas. Toda a obra expansão colonial dessa época encontrou na Marinha o seuindustrializadas instrumento mais decisivo. Por de vezes, a simples ameaça representada pelos navios das nações foi suficiente para arrancar concessões dos Estados desemparados de recursos técnicos. Foi mais pela presença de suas esquadras do que pelo fogo dos canhões que a Inglaterra, França e depois a Alemanha, a Rússia e o Japão conseguiram privilégios na China, como fora antes a visão dos navios do Comodoro Perry que levara o Governo nipônico a abrir as portas do país ao comércio mundial. Outra consequência da Era Industrial nos mares foi o fim da pirataria. Durante milênios fora possível a bandidos ousados assaltarem o tráfego marítimo e escaparem, na vastidão dos oceanos, à ação repressora. A inexistência de comunicações a longa distância, a equivalência de velocidade dos navios a vela, a facilidade com que se dotavam de recursos bélicos quaisquer navios, os inúmeros locais capazes de propiciar refúgio seguro e bases de operação, tudo isso permitira a sobrevivência dos corsários, apesar das constantes perseguições de que eram alvo.

Com o advento da navegação a vapor, os elementos de que dependia a pirataria foram desaparecendo um a um. Não mais foi possível a navios mercantes competir em velocidade e

 

poder de fogo com navios de guerra, e os principais centros de pirataria foram eliminados. Banida de quase todos os mares desde o primeiro quartel do século XIX, a pirataria perdurou no Oriente até receber o golpe de graça com o telégrafo sem fio. Assim o colonialismo do século passado e o fim da pirataria foram outras tantas consequências da Era Industrial, as quais, por seu turno, vieram contribuir para o incentivo das atividades marítimas; a primeira estabelecendo novas correntes mercantis, e a segunda eliminando um dos entraves à livre circulação nos mares das riquezas do mundo. Todo esse conjunto de circunstâncias comerciais e industriais tão intimamente ligadas exigiu e permitiu, ao mesmo tempo, o crescimento extraordinário da frota mercantil mundial, que passou de cerca de 4 milhões de toneladas, em 1800, para 17 milhões, em 1860, e para 49 milhões em 1914. A destruição de 17 milhões de toneladas durante a Primeira Guerra Mundial retardou apenas por pouco tempo o seu crescimento que, em 1935, atingiu a 65 milhões de toneladas. No decorrer do Segundo Conflito Mundial foram afundados cerca de 4 mil navios, totalizando 21 milhões de toneladas, mas, no período de 1938-46, os estaleiros lançaram ao mar 57 milhões de toneladas, e, em 1950, havia, singrando os mares, mais de 10 mil navios, totalizando para cima de 60 milhões de toneladas. No mesmo ano, 1078 navios de comércio, com quase 8 milhões de toneladas, estavam em construção. As cifras acima demonstram bem o vulto dos interesses industriais envolvidos no desenvolvimento marítimo. Desde que começou a Revolução Industrial, a construção de navios representou uma atividade das mais importantes para a Grã-Bretanha, visando atender não só às encomendas dos armadores do próprio país como também às solicitações estrangeiras. Posteriormente, na Alemanha, na Suécia, no Japão e na Holanda, a indústria naval foi das parcelas que mais contribuíram para o ativo da balança de pagamento do país. Na realidade, a Grã-Bretanha ainda assegura, com a produção de sua indústria naval, o crescimento das frotas mercantes de muitos países, bem assim outras nações tecnicamente avançadas, a exemplo da Alemanha, que dispõe de 80 mil operários trabalhando no ramo. A importância do fator tecnológico e industrial no desenvolvimento marítimo pôde ser aquilatada em toda suafoi plenitude por ocasião das duas guerras mundiais. Não se pode queUnidos em ambas as guerras a capacidade industrial da Grã-Bretanha e sobretudo dos negar Estados que permitiram vencer a campanha submarina, assegurando a substituição contínua de tonelagem. A limitada capacidade industrial do Japão o condenou à derrota mesmo antes do lançamento das bombas atômicas. Os seus estaleiros, que produziam a vigésima parte dos estaleiros americanos, eram impotentes para compensar as perdas das marinhas de guerra e mercante. Ao se render, o Japão dispunha de pouco mais de um milhão de toneladas de navios de comércio, em confronto com os 6 milhões de que dispusera em 1940. A vida econômica do país estava às vésperas de um colapso total por falta de matérias-primas e de combustíveis. Resumindo, o fator tecnológico e industrial se fez sentir no desenvolvimento marítimo das nações, indiretamente, estimulando o comércio, com suas demandas de matérias-primas e com a maior abundância de produtos para troca; diretamente, fornecendo a base material dos empreendimentos náuticos. Alguns povos de acentuadas tendências marítimas têm prescindido

de indústria própria para seus empreendimentos nos oceanos, mas nenhum país mais pode aspirar a atingir o estágio final de desenvolvimento nos mares se não contar com o apoio de fartos

 

recursos industriais.

23. O ASPECTO FINANCEIRO A ligação dos empreendimentos marítimos e as disponibilidades em capital. Tendência nos países marítimos dos empreendimentos oceânicos absorverem o capital disponível. Vitalidade de tais empreendimentos. Apoio financeiro recebido pelas empresas náuticas nos países marítimos. Condições financeiras favoráveis à exploração dos empreendimentos oceânicos, oriundas de um comércio avultado. Base financeira das marinhas mercantes das nações continentais. Necessidade da proteção do Estado. As Companhias de Governo; suas dificuldades financeiras. O êxito financeiro e as guerras. O seguro marítimo. A dependência absoluta das marinhas de guerra às possibilidades financeiras da nação; situações diversas nos países industrializados ou não. Os recursos financeiros disponíveis para os empreendimentos marítimos na dependência do arbítrio dos dirigentes. Resumo.

O preço elevado dos navios, a complexidade e vulto das instalações portuárias, com seus diques, oficinas, carreiras, depósitos etc., demonstram claramente depender as bases materiais do desenvolvimento marítimo de elevados investimentos financeiros. Contudo, não são apenas nações ricas, dispondo de abundantes capitais, que são capazes de explorar com êxito o transporte oceânico. Um exame superficial demonstra a intensa atividade marítima desenvolvida por povos desprovidos de recursos financeiros amplos. maisnaturais, uma vezdecitar a Noruega, Grécia e mesmo a Dinamarca, países sabidamente sem Cabe riquezas comércio próprioa limitado e por conseguinte de escassas disponibilidades em capital para arcar, como arcam, com a criação, desenvolvimento e manutenção das vastas frotas mercantes. Todavia, as condições peculiares desses países não apenas induzem o homem a buscar sustento nos mares, mas também canalizam no mesmo sentido as parcas economias da população. Enquanto nas regiões vastas e de amplas perspectivas, o capital se dispersa na procura dos empreendimentos de maior rentabilidade, nas regiões marítimas, a certeza de que o caminho para os outros empreendimentos é vedado leva o povo a derramar seu pé-de-meia na aquisição de barcos de pesca, navios ou oficinas de reparos navais. Ao mesmo tempo, o campo restrito em que pode ser aplicado o dinheiro duramente economizado motiva uma cautela natural, inexistente nos países novos ou de largas possibilidades, onde sempre há muita iniciativa, muita aventura, muita irresponsabilidade e também muito fracasso,

Há, pois, a tendência, nas nações de natureza ingrata, de os empreendimentos serem iniciados

 

cercados de cuidados, buscando fundamentos sólidos e evitando riscos desnecessários, pois as perspectivas de recomeçar, em caso de insucesso, são extremamente limitadas. Muitas das companhias de navegação, cujas unidades hoje ostentam orgulhosamente as bandeiras da Dinamarca, da Noruega, da Suécia e da Holanda, nos portos de todo o mundo, iniciaram timidamente suas atividades, valendo-se da compra de navios velhos de segunda mão. Com os lucros auferidos, mais tarde foram da pouco a poucodeampliando frotas com melhores. Outras companhias originaram-se associação pequenossuas armadores que navios comandavam os próprios navios, por economia e para terem diretamente sob as vistas a fonte única de lucro. De forma análoga, muitos estaleiros, nas nações marítimas, surgiram de toscas oficinas de reparos navais instaladas em telheiros às margens de rios ou braços de mar. Os mesmos fatores que determinaram a expansão das frotas de comércio — o baixo, preço e a eficiência nos serviços —  garantiram também a atividade contínua desses estaleiros, permitindo-lhes sucessivos melhoramentos nas instalações e mantendo-os em condições de enfrentar a concorrência dos outros países. Explica-se dessa forma que, com o passar dos anos, a indústria naval tende a assumir uma projeção na estrutura econômica dos países marítimos, inatingível na dos países continentais. Enquanto,siderúrgica por exemplo, a indústria navalnotalvez poucodemais de por um sipor da produção dos Estados Unidos, Japão absorva a construção navios, só, cento consome cerca de dez por cento da produção de aço nipônico. A par da prudência de seus homens de empresa, dispõem, os países marítimos, quase sempre, do concurso de um pessoal altamente qualificado, capaz de se desdobrar nos árduos serviços em terra e no mar. Todas essas vantagens permitem a prosperidade de suas marinhas mercantes e dos interesses a elas ligados, malgrado a desenfreada concorrência internacional. Também da mesma forma que o capital privado foi levado a se interessar pelas atividades marítimas, os estabelecimentos bancários nelas encontraram campo amplo para suas atividades. A prosperidade dos dias fáceis serve para garantir, às empresas náuticas, crédito nos dias difíceis. Tal conjunto de fatores explica a vitalidade das marinhas mercantes de certos pequenos países e a rapidez comafã queque elas homens se refizeram das perdas da guerra. Uma vez restabelecida paz, geral foi com verdadeiro do mar, homens de negócio, governo e povoa em se mancomunaram para a restauração de frotas de comércio desfalcadas. Em nenhum setor de atividades, em nenhuma classe, havia dúvidas quanto à alta prioridade que merecia a Marinha Mercante, visto ser patente a sua importância como fonte de renda nacional. Todo o povo da Noruega, da Grécia e da Holanda, por exemplo, encarou a mutilação de suas marinhas mercantes na guerra com a mesma seriedade com que os brasileiros considerariam uma praga a destruição de 40 a 70% dos cafezais de São Paulo e do Paraná. Por vezes, aqueles países encontraram sérias dificuldades para reequipar suas frotas em virtude da destruição de estaleiros, de fábricas, e da exaustão do tesouro público, mas o renome alcançado anteriormente por suas companhias de navegação proporcionou sempre o crédito necessário. Tão logo contaram com os recursos financeiros do Plano Marshall, a Grécia, que havia perdido na guerra 70% de sua frota de comércio, comprou 107 navios nos Estados Unidos;

a Holanda procurou compensar a destruição da metade da sua frota mercante, adquirindo 84 navios e recebendo mais 51 como indenização; a Noruega cobriu a perda de 40% de suas

 

unidades mercantes, recebendo 42 cargueiros como indenização de guerra e adquirindo mais 102 na América. Nas nações ricas, se por um lado o capital é atraído pelas possibilidades risonhas da agricultura ou da indústria, por outro lado há a existência de um tráfego intenso clamando permanentemente por transporte. É quase certo assim, que, cedo ou tarde, a exploração das rotas marítimas despertem o interesse de grupos financeiros. Foi dessa maneira que a expansão comercial da França, dos Estados Unidos e da Alemanha, para não citar outros casos, serviu de base à criação de inúmeras companhias de navegação naqueles países. Cumpre notar, porém, que, em face da concorrência das nações já estabelecidas nos caminhos marítimos, o êxito financeiro dos referidos empreendimentos náuticos necessitou do complemento de uma severa política protecionista, fato já mencionado. Sem esta, provavelmente os comerciantes alemães teriam continuado a depender dos porões ingleses para o transporte do volume crescente de suas mercadorias; as mercadorias inglesas ou francesas não teriam abandonado os navios holandeses em busca dos de sua própria nacionalidade; nem os produtos holandeses teriam deixado os navios da Hansa, dando preferência aos registrados em Amsterdam ou Roterdam. A política de proteção à bandeira é assim bem antiga. Na França, Henrique IV, Richelieu e Colbert buscaram nela a molaAto para expansão promulgado da MarinhaporMercante. expansão máxima foi o famoso de aNavegação CromwellNa emInglaterra, 1651 e quesua só foi abolido em 1849. No decorrer dos séculos, a política de proteção à bandeira tem assumido feições múltiplas indo desde a busca do monopólio absoluto, por meios violentos ou não, até à simples concessão de subvenções a paquetes de luxo, com o fito de propaganda. Seu aspecto mais comum, na atualidade, é o monopólio da navegação costeira que todos os principais países reservam para seus navios. Pelo menos em parte, a decadência da Marinha Mercante americana em determinadas fases de sua história e a estagnação da frota de comércio da França no fim do século passado podem ser atribuídas à inexistência de uma eficaz política protecionista. Muito naturalmente os negociantes procuram sempre efetuar o transporte das mercadorias de maneira a melhor atenderem aos seus interesses e sem levar em conta as questões de nacionalidade. Sob o regime da livre concorrência os armadores americanos e franceses não puderam competir comaoslivre ingleses, holandeses e noruegueses. transporte aindageral, hoje é um campo em que concorrência desempenha papelOcapital. De marítimo uma maneira entretanto, as nações procuram nos tratados comerciais assegurar para suas companhias de navegação o transporte dos produtos a serem trocados. Em suma, o êxito financeiro, que é uma condição essencial ao desenvolvimento de qualquer empresa particular, acha-se no setor marítimo, na estreita dependência da orientação governamental. Apesar dos lucros vultosos que os empreendimentos marítimos podem proporcionar, há países possuidores de comércio próspero e volumoso, porém, desprovidos dos recursos materiais mínimos necessários à movimentação de uma parcela pequena de seu intercâmbio. Além de pagarem soma elevada pelos serviços que são obrigados a solicitar das empresas do exterior, parte substancial da economia de tais nações fica ao talante do estrangeiro. Visando suprir a ausência da iniciativa particular em setor tão importante, o governo vê-se,

muitas vezes, na contingência de arcar, ele próprio, com a criação, desenvolvimento e manutenção de todo o arcabouço material ligado ao transporte do mar. Têm origem aí as

 

companhias portuárias e de navegação pertencentes ao Estado ou pelo menos sendo este o principal acionista, tão características de determinados países continentais, como o Brasil e a Argentina. Não é necessário frisar as proporções ridículas a que ficariam reduzidas as Marinhas desses dois países sem a participação do Lóide Brasileiro, da Costeira e da Flota Mercante del Estado. Todavia, passando a iniciativa da exploração dos empreendimentos marítimos para a égide estatal, processo dediversa, desenvolvimento caráter espontâneo no lucro. Uma série de razõeso de natureza atuando deperde formao diferente conforme obaseado país, tende a fazer do Estado mau negociante. Se, malgrado tudo, a administração do Estado proporcionar saldo, este será certamente exíguo em comparação com os conseguidos pelas entidades privadas similares, não estimulando destarte maiores arroubos da iniciativa governamental. Desde que ocorram prejuízos, o governo fica na incômoda situação de consagrar verbas, por vezes vultosas, a um serviço deficitário, com possível prejuízo para outras atividades também amparadas pelo Estado. Como é raro haver boa vontade na concessão de dinheiro a empreendimentos poucos lucrativos, as empresas do Estado tendem para a estagnação ou mesmo para a decadência, malgrado sua importância na economia do país. Todo o desenvolvimento ulterior passa a constituir não apenas uma questão financeira interna das companhias, mas um problema de Estado, como tal dependente de uma série de circunstâncias inteiramente alheias à esfera marítima. Embora ligado ao aspecto financeiro, volta-sedos aí, dirigentes, mais uma vez, ao caso influência governo ainda no desenvolvimento marítimo. A energia a política pordaeles seguida,doa prioridade enfim que eles atribuíram ao progresso do país nos oceanos em confronto com uma série de outros problemas nacionais, também pendentes de solução, assumem preponderância sobre o lado puramente financeiro da questão. Para aumentar as dificuldades, dando lucro ou prejuízo, as empresas do governo ainda têm que ser administradas de forma a não concorrerem com os empreendimentos marítimos nascidos da iniciativa particular. Em caso contrário, a ação do Estado pode mesmo ser nefasta, anulando incipientes manifestações do capital privado em campo tão importante. O êxito financeiro ou o fracasso dos empreendimentos marítimos acha-se também na íntima dependência do resultado das guerras nos mares. A prosperidade da Marinha Mercante inglesa, por exemplo, não resultou apenas da maneira eficiente com que seus armadores souberam conduzir os afazeres, ou dopela amparo proporcionado pelas leis e concessões do Estado, ou ainda das vantagens ocasionadas existência de um intenso comércio a explorar, mas também do livre trânsito alcançado por seus navios durante os intermináveis anos de guerra dos séculos XVII, XVIII e XIX. Contrabalançando os prejuízos advindos da ação inimiga, o afastamento dos mares imposto às frotas de comércio das nações rivais proporcionou à Grã-Bretanha, praticamente, o monopólio do transporte sobre as ondas. Os lucros daí advindos cobriram todas as perdas e incentivaram a expansão das companhias de navegação inglesas. Nos períodos de paz, ao voltarem ao mar, as desfalcadas Marinhas Mercantes da França, Holanda ou Espanha encontravam já os navios ingleses solidamente estabelecidos na exploração das rotas marítimas mais rendosas. Recomeçava então um período difícil para os armadores daqueles países. Seguiam-se anos de lenta recuperação, e, quando os esforços e o dinheiro despendidos davam os primeiros juros, uma nova conflagração reduzia, por vezes, todas as esperanças a zero. Sólidas companhias holandesas dedicadas aos empreendimentos marítimo-

coloniais, como as Companhias da Índias, foram, em consequência, à falência. Na França, a perene inferioridade da Marinha de Guerra em face da britânica não garantiu proteção eficaz aos

 

interesses ultramarinos tão carinhosamente desenvolvidos por Richelieu e Colbert. A destruição sistemática do fruto de tanto labor acarretou, o inevitável desalento entre os armadores que se haviam aventurado mais ousadamente, e, depois de século e meio de seguidas desilusões, eles se contentaram em manter uma atividade limitada. Cessado o ciclo guerreiro do início do século XIX, foram precisos muitos anos de paz para as marinhas de comércio, não só da França como da maioria das nações européias, voltarem a ostentar suas bandeiras nos portos do mundo, em quantidade apreciável. Paralelamente, a Revolução Industrial, iniciada pouco mais ou menos na mesma época, dificultou a recuperação das nações menos evoluídas no campo técnico e ampliou as vantagens da Grã-Bretanha. Os prejuízos materiais no mar, sejam em consequência de acidentes, sejam motivados pelas guerras, chamam a atenção para outro aspecto financeiro ligado ao desenvolvimento marítimo: o seguro. As primeiras formas de seguro marítimo remontam ao século IX, na Itália. Os armadores genoveses no século XIII já efetuavam contratos desse gênero, mas só no começo do século XVIII, com o Lloyd de Londres, surgiu uma verdadeira companhia de seguros marítimos. Foi em parte devido à perfeição desse serviço que pôde a Grã-Bretanha suportar o impacto resultante das perdas causadas pelos corsários batavos, franceses, americanos e espanhóis no decorrer das guerras do segundo quartel do século XVIII marítimo e primeiroprocessado quartel donos século XIX. de Sempaz, mencionar sua influência benéfica no desenvolvimento períodos cumpre assinalar que no decorrer dos dois conflitos mundiais o seguro marítimo, funcionando sob controle do Estado, foi uma das peças básicas da engrenagem de guerra das principais potências. Em suma, dada a boa rentabilidade que o capital empatado nos empreendimentos marítimos pode apresentar e dado o vasto sistema de crédito existente em torno dos negócios dessa natureza, não constitui a falta de capital, necessariamente, um elemento limitador à livre expansão dos mesmos. As grandes marinhas mercantes de uma série de pequenos países demonstram cabalmente essa afirmativa. A frota de comércio da Noruega dobrou entre 1914 e 1939, quando atingiu a 4 500 000 toneladas. Hoje, já tem mais de 7 milhões de toneladas. Não se pode dizer, entretanto, que o pequeno país nórdico possua grandes capitais ou seja rico potencialmente. No campo desenvolvimento onde mais diretamentee oo aspecto financeirodeseuma faz sentir, é nado Marinha de Guerra.marítimo, Como é óbvio, o crescimento aperfeiçoamento armada dependem inteiramente das disponibilidades do tesouro das nações. Essa dependência sempre existiu e se acentuou com a Revolução Industrial, que tornou extremamente complexo e caro o material das marinhas militares. Praticamente, só algumas poucas potências ficaram em situação de dispor, nos cofres públicos, das somas elevadas exigidas pela renovação contínua das frotas de guerra. Esse problema é mais sério nos países de pequeno desenvolvimento industrial, visto implicar na remessa, para o exterior, de recursos duramente arrancados do povo. Noutras palavras, há para países pouco desenvolvidos a responsabilidade de se retirar do país uma riqueza em troca de um benefício hipotético e raramente compreendido pelo povo. Nos países industriais os gastos são menos combatidos, visto o dinheiro circular dentro das próprias fronteiras, podendo até estimular determinados setores de atividades. A construção de navios de guerra representa, por vezes, uma forma de manterem atividade indústrias e braços que noutras condições poderiam ficar paralisados. As encomendas do governo constituem também um meio

de forçar a pesquisa para o aperfeiçoamento da indústria naval. Em muitos países, prósperas indústrias marítimas expandiram-se exclusivamente devido às solicitações das marinhas de

 

guerra. Destarte aos olhos do povo, os gastos efetuados com a Marinha de Guerra em períodos de paz não são considerados de todo inúteis. Por essas razões não é de estranhar que algumas nações, logo após a guerra, a exemplo da França e da Itália, tenham reiniciado a construção de navios para suas frotas militares, apesar de estarem em péssima situação financeira. Já anteriormente a Alemanha, depois da Primeira Guerra Mundial, procurara manter certo ritmo nas construções destinadas à sua Marinha Militar, e nem mesmo a grave inflação de 1923 paralisara essa atividade. As verbas destinadas à Marinha de Guerra refletem também a maneira de os dirigentes equacionarem os problemas externos. No delicado problema de prever a evolução dos acontecimentos internacionais, tomando a tempo as precauções indicadas para o caso de guerra, nem sempre os governantes conseguem libertar-se da própria mentalidade e das múltiplas influências exercidas sobre eles. Há sempre o inevitável jogo de interesses entre as várias regiões da nação e entre as diversas classes, todas reclamando a atenção dos órgãos dirigentes e avaliando as situações pelos próprios prismas. Em consequência, a exiguidade de verbas destinadas à aparelhagem da Marinha de Guerra pode não resultar de uma real impossibilidade financeira, mas da falta de crença generalizada na possibilidade de um conflito, ou nas possibilidades da Marinha. Nos países desprovidos de política agressiva, a não ser que perigos de uma guerra sejam por demais evidentes, os governantes possuem a ânsia natural de poupar o dinheiro duramente arrancado do povo. Esse desejo encontra sempre eco favorável no seio da população. Os capciosos argumentos de que com o preço de um navio de guerra podem ser construídas muitas escolas e hospitais calam fundo na opinião pública. Não havendo por parte dos dirigentes uma nítida avaliação dos interesses nacionais em jogo nem uma opinião pública vigilante, os créditos para as classes armadas são sempre concedidos a contragosto e com restrições severas. Em muitos países, a falta de dinheiro serviu de pretexto para encobrir uma política de vistas curtas e consequências nefastas. De certa forma o espírito de poupança antimilitarista encontra razão de ser nos bilhões gastos em armas que se tornaram obsoletas e se transformaram em sucata sem terem prestado reais serviços. Coma fio efeito, foramuma poucas as vezes que eosincompatível povos se submeteram à privação durante anos paranão ostentar pujança militareminútil com as possibilidades da nação. Mais frequentemente, porém, a fraqueza militar constituiu um convite à prepotência estrangeira e correspondeu ao abandono de legítimos interesses nacionais. Para muitas nações, a economia realizada com o sacrifício da eficiência bélica da Marinha representou a perda de todas as riquezas proporcionadas pela utilização dos caminhos oceânicos e a destruição do comércio, enquanto a simples existência de uma esquadra poderosa preservou para outras nações a paz e a plena posse de riquezas imensas. Todavia, a distribuição dos recursos pelas forças armadas reflete as tendências e opiniões do público ou dos governantes e não apenas os imperativos da situação. No passado, a França e a Alemanha não aniquilaram a Inglaterra por falta de Marinha de Guerra adequada, mas não se pode deixar de reconhecer que era extremamente difícil aos estadistas daqueles países pensarem em atacar pelo mar um forte inimigo, pois tinham quase sempre presente a ameaça de invasão do

solo pátrio pelos exércitos de outras potências. A primazia que a França e a Alemanha sempre deram às forças de terra foi, via de regra, ditada por uma necessidade de maior urgência. "Até o

 

presente os recursos de nosso Estado têm sido apenas suficientes para assegurar o pagamento do Exército e para colocar no tesouro dinheiro bastante para efetuar manobras diante do inimigo", escreveu no século XVIII Frederico, o Grande, da Prússia. Contudo, a História também mostra que outras vezes os dirigentes, por força da mentalidade reinante no país ou por coação de interesses em jogo, não pesaram bem a distribuição dos recursos nacionais pelos vários setores, resultando daí desastres. Normalmente, há a tendência de, nos países continentais, os recursos disponíveis serem consagrados às forças de terra, às vezes com desprezo quase total pelas forças marítimas, e nos países marítimos, ao contrário, ficar ao abandono o Exército, enquanto a Marinha recebe todos os elementos necessários. Os perigos decorrentes de uma distribuição que não atenda às exigências da situação dispensam comentários. Já foram feitas referências aos limitados recursos consagrados à Marinha alemã, antes de 1939, em face dos cuidados que mereceram o Exército e a Força Aérea. Inversamente, pode-se citar o despreparo do Exército britânico antes das campanhas napoleônicas, antes da Guerra da Criméia, da Guerra dos Bôeres e dos dois conflitos mundiais em face da perene pujança da Royal Navy. Em resumo, a influência do fator financeiro na expansão marítima é variável conforme as condições naturaismodo, do país, seu adiantamento industrial e a orientação seguida pelo governo. Grosso o desenvolvimento docomercial transporteou oceânico exige, nos países continentais, maiores capitais que nos países marítimos. Enquanto pequenos recursos financeiros iniciais podem originar grandes marinhas mercantes e amplas instalações portuárias ou industriais, apenas enormes e continuas aplicações monetárias são capazes de expandir e manter em eficiência poderosas marinhas de guerra.

24. CONSIDERAÇÕES FINAIS Conveniência de uma recapitulação dos principais pontos expostos. As três ordens básicas de razões que propelem as nações para o mar. A mentalidade como fator intermediário. Os fatores materiais. Ação congregada ou isolada dos fatores considerados. Dificuldade na avaliação da influência de cada fator nas evoluções marítimas dos povos. A conjunção de fatores explicando as evoluções dos países marítimos. Flutuação da influência de cada fator no decorrer de uma mesma evolução. Reconhecimento da existência de outros fatores capazes de condicionar o desenvolvimento marítimo das nações. A influência das instituições herdadas e das injunções políticas. Fixação aos fatores analisados. Outras conclusões importantes relembradas.

 

Apesar do empenho havido em decompor em fatores as causas preponderantes do desenvolvimento marítimo, a íntima ligação entre elas tornou difícil precisar a precedência e os limites recíprocos. Cabe, pois, antes de ir mais adiante, uma revisão sucinta dos pontos fundamentais expostos, a fim de bem se consolidarem as idéias. Da explanação feita até aqui, admitiu-se, em linhas gerais, que os povos se orientam para o mar, obedecendo a três ordens distintas de razões: a) por condições oriundas de um meio físico desfavorável às atividades terrestres e propícias às atividades no mar; b) em consequência de um comércio intenso que procura valer-se das vias de circulação mais eficientes e econômicas, quase sempre representadas pelos caminhos sobre as ondas; c) por ação de governos que procuram dotar seus países de controle das rotas oceânicas, a fim de atenderás duas aspirações econômicas ou políticas. Na história dos povos ditos marítimos, o ambiente geográfico surgiu como causa inicial do respectivo desenvolvimento no oceano; nas do Egito antigo, de Cartago, da Alemanha e dos Estados Unidos, a expansão comercial apareceu como fator preponderante; e nas de Roma, da Espanha, da França e da Rússia, parece ter cabido a ação do Estado a maior importância. Outrossim, a diversidade observada nas várias evoluções históricas quanto ao comportamento dos dirigentes e do povo em geral em face dos problemas marítimos, conduziu à avaliação da influência da mentalidade. Pelo exame levado a cabo não se pode afirmar que a maneira de pensar e de agir das populações ou mesmo dos governantes tenha atuado como fator independente. A mentalidade surgiu antes como fruto do meio, mas mesmo tomada como corolário das condições naturais econômicas, é ela um fator intermediário necessário. Só ela explica a coerência de procedimento através de gerações de determinados povos e governos; só ela explica a clarividência demonstrada por estadistas medíocres em assuntos que vultos notáveis falharam em compreender. Vistos os fatores que atuam sobre a vontade dos povos, encaminhando-os para os empreendimentos marítimos por necessidade ou por interesse, impõe-se considerar os elementos materiais indispensáveis à realização daquele desejo. Procurou-se, em consequência, avaliar o grau de influência da capacidade industrial e dos recursos financeiros em cada uma das principais atividades marítimas. Mais difícil que o reconhecimento dos principais fatores do desenvolvimento marítimo é a exata apreciação da sua influência nas sucessivas etapas das evoluções. Difícil, por exemplo, avaliar qual a maior influência no desenvolvimento marítimo do Egito ou da Alemanha, se a necessidade de buscar as rotas oceânicas em consequência do progresso comercial, ou se a ação de governos fortes, conscientes dos valores em jogo. Impossível, também, estabelecer onde tal interesse se transformou em necessidade, pois uma nação pode, a princípio, ampliar suas atividades marítimas com o fito de alcançar mais prosperidade e depois, em face da

transformação operada em sua estrutura econômica, ficar na dependência absoluta da continuação e do desenvolvimento dessas mesmas atividades,

 

De todos os fatores, o mais prontamente identificado é, sem dúvida, o ambiente geográfico. Apenas ele se revela na evolução dos povos primitivos de índole marítima, como os polinésios. Mesmo na epopeia viking, só as condições naturais surgem de forma evidente como causa determinante da marcha dos povos nórdicos para as aventuras ultramarinas. No caso dos gregos, dos fenícios e dos holandeses, no estágio inicial das respectivas evoluções nos oceanos, o amparo que o solo de seus países patentes, lhes negava. Mas já no auge da povos, asa razões iniciais são menos sendo mais sentidas de atividade perto, emmarítima oposição desses preponderante ação dos interesses comerciais e a ação do Estado. Não há dúvida de que, se à atividade oceânica, nascida por força de ambiente geográfico, não se vier juntar a atividade surgida como fruto do incremento comercial, o desenvolvimento marítimo tende a estacionar na forma mais elementar, caracterizada pela pesca e pela navegação de pequena cabotagem. De uma maneira geral, nas evoluções dos povos marítimos, constata-se ter havido, por assim dizer, um somatório de fatores que os propelia para os oceanos, de forma poderosa e duradoura. À ação original do meio aliaram-se, posteriormente, a força dos interesses comerciais e a atuação de governos forçados a verem nas atividades marítimas uma das mais importantes para o país. Convém acentuar que, em alguns povos, o impulso para o mar, consequente da conjunção de vários fatores, é de tal forma potente que a deficiência ou ausência dos fatores materiais é em parte atenuada. a importância mares pelae Noruega, Grécia Holanda; as duasExplica-se primeiras assim sem grandes recursos conseguida financeiros nos ou industriais, a última, rica, mase sem siderurgia desenvolvida. Da mesma forma, só um povo voltado para o mar há mais de meio milênio, secundado por um governo forte, consegue, como o português, desenvolver a indústria naval e promover o renascimento da Marinha Mercante, sem dispor de um parque industrial ou de fortes recursos financeiros. Tal estado de coisas já não se verificou nas evoluções dos Estados Unidos, da Alemanha ou do Egito antigo, onde o impulso para o mar só foi ditado num estágio avançado, quando o intercâmbio comercial ganhou realce na vida da nação. Muito menos nas evoluções de Roma, da França, da Espanha ou da Rússia, que dependeram de um esforço eventual do Estado. Na verdade, nada impede que uma evolução processada principalmente sob a influência estatal passe, com o tempo, a sofrer maiores influências dos interesses comerciais desenvolvidos. Também nada impede a expansão desses interesses tornar a opinião pública e os círculos governamentais conscientes dos valores em jogo, fazendo com que os esforços em prol do desenvolvimento marítimo, até então inexistentes, acabem adquirindo continuidade. Aceitando-se os fatores acima considerados como os de maior preponderância, deve-se admitir, ao mesmo tempo, que nem sempre eles bastam à perfeita compreensão do desenvolvimento dos povos nos mares, Na busca de princípios explicativos, na tentativa de esquematizar e simplificar o que é naturalmente complexo, ocorreram, com toda certeza, falhas de apreciação e generalizações talvez excessivas. O enquadramento da Espanha, por exemplo, num dos tipos gerais da evolução é um tanto forçado. Não está bem caracterizada na história daquela nação ibérica a participação do povo, do Estado ou a individual. Outrossim, nota-se que, por vezes, povos habitando regiões de acentuadas características marítimas pouco se distinguiram nas lides náuticas. Não se pode dizer, com efeito, que os irlandeses e os escoceses, habitando regiões de características tão

semelhantes às da Inglaterra, tenham revelado através da História acentuado pendor para as aventuras marítimas.

 

Surge, assim, senão a dúvida acerca da importância dos fatores tomados como principais, pelo menos a certeza de que outros coexistem, exercendo muitas vezes ação predominante. Inútil procurar nas evoluções consideradas quaisquer traços comuns capazes de levantar a suspeita de que as aptidões marinheiras constituem apanágio de determinados grupos raciais, pois enriqueceram a História Marítima povos de origens completamente diversas, como os nórdicos, os latinos, os nipônicos e os náuticas polinésios. Se das se quiser ver na já citada indiferença dos cabe irlandeses escoceses pelas atividades uma características da raça celta, então logo ea réplica de que os bretões, seus primos próximos do outro lado da Mancha, são por excelência homens do mar. Nada há, repita-se, que induza a constituir o desenvolvimento marítimo de um povo resultado direto de alguma aptidão inata. Mais palpável parece ser a influência da- herança cultural, das tradições, das instituições políticas e sociais e das conjunturas políticas. Na evolução marítima de Cartago é bem notória a contribuição das instituições fenícias transplantadas para o norte da África. Não tendo o ambiente geográfico imposto aos cartagineses uma nova maneira de viver, conservaram eles as tradições marinheiras de seus antepassados, seus processos comerciais e sua política monopolizadora. A existência de um vasto interior rico não afastou os púnicos dos caminhos sobre as ondas. É também provável que a herança britânica tenha concorrido para a manutenção dos hábitos náuticos dos dauma Nova Inglaterra. Já nodiversa, Brasil, que os lusitanos perderam os costumes marinheiros em habitantes contato com terra inteiramente exigiu uma adaptação rápida e radical do homem europeu. Como exemplo de instituições privadas que contribuíram para a expansão oceânica, podem ser lembradas as leis dinamarquesas, da época viking, obrigando à emigração parte dos habitantes, e o costume inglês de consagrar ao filho mais velho os títulos nobiliárquicos e as terras, compelindo dessa forma os demais varões a buscarem a fortuna no Ultramar. Em ambos os casos, todavia, deve-se reconhecer que esses hábitos e normas derivaram provavelmente da escassez de recursos do país, não constituindo, portanto, fatores fundamentais, e sim fatores derivados. A par dessas considerações, deve ser lembrado que o desenvolvimento marítimo está sempre sobre a influência das condições políticas, podendo ser poràselas estimulado ou anulado. se apreciando as alterações profundas e diretas acarretadas evoluções marítimas pelas Não guerras (aspecto evidente por si mesmo e sintetizado no Capítulo XIXI, basta recordar, entre outros exemplos, que os genoveses e os pisanos, pelo menos em parte, voltaram-se para o mar por não poderem avançar para o interior da península, onde Estados poderosos fatalmente os barrariam; que os portugueses só puderam cuidar das expedições longínquas depois de terem assegurado a independência política; que os irlandeses e os escoceses provavelmente não tomaram parte nas aventuras oceânicas dos séculos XV e XVI por estarem sob o domínio inglês; que a França e Alemanha só consideram a expansão no além-mar depois de consolidada a união interna). Noutras palavras, toda a ação governamental bem como a expansão comercial se ressentem das conjunturas políticas (externas, internas, econômicas ou financeiras). Já a índole marinheira da população nascida das condições naturais é menos afetada pelos eventos políticos. Assim, sob a

ocupação turca, o comércio grego era diminuto e não havia Marinha grega, mas subsistiam os marinheiros e pescadores gregos; sob o domínio espanhol, não mais saíam de Lisboa as frotas que tantas terras haviam dado ao mundo, mas por todos os mares ainda havia marinheiros e

 

pescadores portugueses. O reconhecimento da existência de uma imensa variedade de circunstâncias capazes de pesar com maior ou menor força no desenvolvimento marítimo não invalida, contudo, as conclusões já estabelecidas. Enquanto essas circunstâncias variadas surgem em condições que tornam difícil a avaliação influências, o como ambiente geográfico, a expansão comercial, mentalidadedas e osrespectivas fatores materiais aparecem constantes que verdadeiramente condicionama o desenvolvimento marítimo. A par dos fatores indicados como preponderantes na evolução marítima dos povos, as seguintes conclusões resultantes da análise efetuada merecem ser realçadas: a) presentemente nenhum país de economia adiantada, seja ele marítimo ou continental, prescinde de avultadas trocas comerciais com as outras nações e, em consequência, uns mais outros menos, todos dependem das comunicações marítimas. Pode-se mesmo afirmar ser a dependência ao transporte marítimo uma decorrência inevitável de progresso de uma nação; b) as nações com interesses nas atividades oceânicas são levadas a procurar atingir a expressão última do desenvolvimento marítimo, ou seja, dispor de Poder Marítimo capaz de atender à consecução de seus Objetivos Nacionais; c) o desenvolvimento marítimo dos países desprovidos de recursos industriais e financeiros não pode atingir toda a plenitude; d) o desenvolvimento marítimo dos países ditos continentais requer, proporcionalment proporcionalmente, e, maior participação do governo e maiores esforços financeiros do que a dos países marítimos; e) nos países continentais, o desenvolvimento marítimo que no começo depende grandemente da ação estatal, posteriormente tende a criar raízes profundas na economia nacional, ganhando maior autonomia com relação ao governo; nos países marítimos, o desenvolvimento nos oceanos é antes de tudo um imperativo econômico. Estabelecidas assim as hipóteses básicas sobre o desenvolvimento dos povos nos mares, pode-se agora passar à análise do caso particular do Brasil, sempre na mesma ordem de idéias.

 

III PARTE - O BRASIL E O MAR 

25 - O AMBIENTE GEOGRÁFICO BRASILEIRO 26 - O COMÉRCIO MARÍTIMO 27 - A MENTALIDADE DO POVO 28 - A ACÃO DO GOVERNO E OS FATORES MATERIAIS 29 - PERSPECTIVAS FUTURAS  

 

25. O AMBIENTE GEOGRÁFICO BRASILEIRO Principais características do ambiente geográfico sul-americano. A predominância do ambiente continental e os tipos humanos representativos da América do Sul. A exceção do Chile. O ambiente geográfico do Brasil: sua acentuada feição continental. A atração exercida peia natureza brasileira sobre o homem europeu. O início da exploração agrícola e pastoril no BrasilColônia, Peculiaridades do povoamento do território brasileiro. O litoral do país: seus poucos atrativos para a fixação de grandes populações. Condições especiais do golfo de Santa Catarina. A escassa população marítima do Brasil. Os habitantes da Hiléia Amazônica. O pescador brasileiro. A exploração do transporte marítimo: sua limitada importância. As cidades do litoral brasileiro: seu caráter pouco marítimo. Resumo.

Embora haja na América do Sul áreas de baixo índice pluviométrico, outras por demais montanhosas ou de solo pouco fértil e ainda outras de clima inóspito, considerada no seu todo é a América Meridional um imenso território capaz de proporcionar subsistência a uma população numerosa. Não raro o solo se presta a culturas variadas e abundantes, as pastagens naturais garantem a existência de rebanhos infindáveis e o subsolo se mostra rico em vários minérios dos mais cobiçados pelo homem. Como na América do Norte, desde o início da colonização o europeu sentiu-se atraído para o interior do continente e apenas a grandiosidade da natureza impediu, como ainda impede, o desbravamento rápido das regiões afastadas do oceano. Bem diversas são as facilidades que a natureza proporciona nas duas Américas para o acesso ao mar. Na do Norte, a linha costeira é recortada; a terra ora avança, ora recua no elemento líquido, proporcionando golfos, baías abrigadas e profundas; as ilhas se dispõem caprichosamente ao longo do litoral, quebrando a vaga do mar alto; os rios, mesmo os de pequeno percurso, chegam ao mar em estuários largos e de muita água; os portos naturais sucedem-se, assim, próximos uns dos outros em quase toda a extensão da costa. Nada disso sucede, porém, na América do Sul. Tanto no lado do Atlântico como do Pacífico, a linha costeira corre geralmente sem reentrâncias ou saídas; as baías escasseiam, os rios deságuam no mar em barras atravancadas de baixios. Em particular, os litorais da Argentina e do Peru são extremamente vazios de portos naturais. Destarte, o fato de quase todos os países sul-americanos serem fartamente banhados pelo mar não lhes tirou o aspecto nitidamente continental. Os tipos humanos oriundos da amálgama dos povos europeus e africanos com os povos indígenas, no meio sul-americano, notabilizaram-se por sua fixidez ao solo é às atividades rurais. Nada mais natural que as populações desta parte do Novo Mundo pouco se tenham dedicado aos empreendimentos sobre as ondas, quando havia e ainda há espaços imensos nas terras à espera de braços e quando o mar se mostra de difícil

acesso. Referindo-se ao gaúcho argentino, Sarmiento salientou: o filho dos aventureiros espanhóis, que colonizaram o país, detesta a navegação e se considera como aprisionado entre os estreitos limites do bote ou da lancha." Outro tanto se pode afirmar dos demais tipos humanos

 

representativos das várias regiões naturais da América do Sul. Com poucas exceções são eles homens do campo: o sertanejo brasileiro, o chulo peruano, além do gaúcho das planícies da bacia do Prata. ' Considerando-se as diversas unidades políticas que se constituíram na América do Sul e não as regiões naturais, pode-secontinentais dizer que acentuadas. apenas o Chile, à suapaís conformação peculiar não apresenta características Com devido efeito, esse se estende ao comprido, por cerca de três mil milhas e numa largura que não ultrapassa em nenhuma parte cento e trinta milhas, sendo bem menos considerável em quase toda a extensão. Mesmo a Noruega, que se assemelha ao Chile por sua forma e sua configuração marítima, não tem mais do que mil e quinhentas milhas de costa, enquanto no sul a largura é de duzentas e cinquenta milhas. Vivendo a maior parte dos habitantes nos férteis vales da parte central, dedicados principalmente às atividades rurais e à exploração do subsolo, não se pode dizer que o chileno seja um povo marítimo. Entretanto, no sul do país, região ainda de fraca densidade demográfica, com seus golfos, arquipélagos e baías, desenvolveu-se, em torno da ilha Chiloé, uma população de características próprias mista de agricultores, pescadores e marinheiros. Os produtos da pesca ou da terra são permutados entre os poucos habitantes das ilhas e os do continente em pequenas embarcações guarnecidas habilidade essa epopulação anfíbia. Outrossim, Chile sempre estreita a faixa decom terra entre ospor Andes o Pacífico, os produtos do sendo litoral no chegam facilmente aos pontos mais interiores do país. Daí, provavelmente o fato de o consumo de peixe per capita ser lá o mais elevado da América do Sul, ultrapassando de muito a do Brasil. Por outro lado, a proximidade permanente do mar fez com que, desde os tempos coloniais, o principal meio de comunicação entre as várias partes do país fosse o oceano. Em consequência, é o Chile uma das nações desta parte do Novo Mundo cujos destinos históricos mais dependeram dos acontecimentos navais. Isso tanto foi verdade no decorrer do desenvolvimento pacífico da nação como nas épocas em que o Chile se envolveu em guerras. É patente a influência, no conflito de 1879-82 contra o Peru e a Bolívia, e mesmo na guerra civil de 1891. Esse confronto de fatores geográfico-históricos provavelmente quebrou, pelo menos em parte, o caráter continental das populações do país andino, e não escapou à observação de James Bryce serem os chilenos os únicos sul-americanos que têm em certo grau o gosto do mar. Focalizando agora o Brasil, não é preciso levar multo longe o exame para se perceber o caráter eminentemente continental de seu ambiente geográfico. Não é constituído o Brasil, como a maior parte da Argentina, por uma planície sem fim, coberta de relva baixa, a qual não oferece empecilhos à passagem do homem. Também não é, como o Chile, um estreito corredor de terra entre o mar e cadeias de montanhas intransponíveis. O Brasil apresenta maior variedade de ambientes geográficos, sendo, grosso modo, menos continental que a Argentina e mais do que o Chile. O interior, com vastas áreas desabitadas, geralmente, bem irrigadas e não raro de extrema fertilidade, convida francamente ao desenvolvimento das atividades rurais. As riquezas minerais  já conhecidas e a ignorância do que há em largas porções do subsolo, também concorreram concorreram para o estabelecimento da crença enraizada de que o futuro da Nação se encontra nesse vasto mundo, ainda não bem vasculhado. Se hoje o interior brasileiro exerce poderoso fascínio, bem se pode

imaginar o que não seria nos primeiros anos da colonização, quando a pujança intata da natureza tudo encobria, mas ao mesmo tempo fazia adivinhar a existência de riquezas incomensuráveis. Os colonizadores aqui chegados deixaram-se naturalmente atrair por esse fascínio do grandioso e

 

do desconhecido e, com mais forte razão do que os normandos desembarcados nas praias do nordeste da França, largaram a pouco lucrativa vida do mar. Trazendo o português para a América a experiência de um século de vida marítima, passou outra vez a ser campônio e logo batedor de florestas. Já pondo o pé na terra, o imigrante europeu, que vinha otangido de dia, ambições e pelo despotismo, mais pensou desde primeiro senão eemacossado haurir dopela solomiséria a exuberância de seiva queemlhenada liberalizava uma natureza inclemente, mas cujas magnificências lhe compensariam todo esforço. Nas Índias haviam encontrado, os portugueses, uma civilização milenária, uma população organizada com maravilhosa riqueza acumulada e longa tradição comercial com os povos do Oriente e do Ocidente. No Brasil, ao contrário, encontraram uma população de aborígines ainda na idade da pedra polida. Nenhum meio, pois, mais impróprio à atividade dos traficantes lusitanos. Os portugueses, embora trabalhadores pela obsessão do ouro, só muito mais tarde, quase dois séculos depois, é que o descobriram. Durante esse longo intervalo, foram obrigados a tentar outras formas de exploração da terra. Essa ausência de riqueza organizada, essa falta de base para uma organização puramente comercial é que levou os peninsulares para aqui transplantados a se dedicarem à exploração agrícola. Como a lavoura,em aproximadamente um século a contar de Martim Afonso, foia a única fonte deresultado, riqueza explorada todas as capitanias. Obrigados a explorar agricolamente terra, os colonos lusos o fizeram, ensaiando aqui as suas culturas tradicionais, ou outras culturas,  já de caráter caráter tropica tropical,l, que pratic praticavam avam nas su suas as ilhas atl atlânticas. ânticas. Eles introduziram, a princípio, a cultura do trigo, da cevada e da vinha, bem como muitas outras árvores frutíferas, como o pessegueiro, a macieira, o marmeleiro e mesmo a oliveira. Dessas culturas as que são próprias aos climas temperados não perduraram. Foram cedo eliminadas, por via de seleção econômica, pelas outras culturas mais próprias à índole da terra e do meio. Subsistiram apenas as culturas tropicais, o fumo, o milho, o feijão, a mandioca, o cacau, o algodão e principalmente a cana de açúcar que os colonos trouxeram da ilha da Madeira. Foi esta última a grande cultura colonial. Só a cana de açúcar se lavrou em grande escala e se fez a base da riqueza agrícola no período colonial. A par da cultura da cana, desenvolveu-se, também, desde o início da colonização, a criação. O pastoreio foi, com efeito, a forma mais generalizada da exploração da terra no período colonial. Mesmo os senhores de latifúndios açucareiros não deixaram de ser também criadores de gado. Para a fundação de currais não se fez preciso grande capital. Não havia nada mais elementar, nem mais rápido. Essa facilidade das funções pastoris, em contraste com as dificuldades das fundações agrícolas, explica a incrível rapidez com que o regime de pastoreio se difundiu pelas zonas que pela sua topografia e vegetação se prestam a esse gênero de atividades. Os currais invadiram por isso rapidamente o nosso interior e levaram o povoamento às regiões mais profundas dos sertões do sul e do norte. Na obra de colonização do nosso interior sertanejo não houve agente mais poderoso e eficiente que o pastoreio. Depois do vaqueiro é que vem o lavrador: o gado preludia o canavial e a plantação cerealífera. Mais tarde, a partir do fim do século XVII, um terceiro elemento se veio juntar ao pastoreio e à lavoura na obra de absorção

das levas humanas chegadas ao Brasil. Foi a mineração que, durante algum tempo em determinadas regiões, chegou a, praticamente, eliminar as outras formas de atividade. A procura e a exploração das riquezas minerais provocaram enorme afluxo demográfico para os sertões

 

longínquos, o que explica o fato de Minas Gerais ser ainda hoje um dos Estados mais populosos da união, malgrado sua posição interior. Essa extraordinária fase do nomadismo e conquista em que o país foi percorrido em todas as direções por grupos guerreiros mobilíssimos perdeu aos poucos a sua teatralidade e movimentação à medida nos assim aproximamos dos fins do século XVIII. Quando entramos no século XIX, já esses que grupos tão extremamente instáveis e nômades se acham sedentarizados ou aglomerados em pequenas vilas e povoações, ou disseminados em vastos latifúndios criadores e grandes domínios de base agrícola, desde a faixa costeira às mais entranhadas profundezas do sertão. O regime oniprodutivo que regulava a vida desses grandes domínios no período colonial tornou-os verdadeiros organismos autônomos sem nenhuma relação de interdependência uns com os outros. O modo por que se realizou a expansão e a conquista do interior pelos povoadores do Norte e do Sul, isto é, por meio de bandos instáveis de grande capacidade de deslocação e penetração, agravou ainda mais essa situação de independência e isolamento, porque deu causa a que esses latifúndios se localizassem de uma maneira dispersiva, intervalados por grandes extensões de deserto. Passando agora a considerar o aspecto do litoral brasileiro, verifica-se ser ele constituído, na sua maior extensão, por praias oceânicas suaves, batidas pela vaga do largo. De uma maneira geral, ao longodedacontornos linha costeira, os francamente acidentes geográficos escasseiam: nem o mar invade, nem a terra avança; faltam mediterrâneos, penínsulas, golfos, ilhas consideráveis; os dois elementos coexistem, quase sem transições e sem penetração. A costa norte corre mais baixa, quase retilínea e entremeada de dunas e lençóis de areia aquém Amazonas; baixa lamacenta, de contornos variáveis, entre o Amazonas e o Oiapoque. Os materiais marinhos, os sedimentos fluviais dão-lhe o aspecto das costas compensadas; os portos rareiam, as barras dos rios são as verdadeiras entradas, em geral precárias. A costa, desde Pernambuco até Santa Catarina, arrima-se à serra do Mar, varia de aspecto: aqui, extensões arenosas; além, barreiras vermelhas, encostas cobertas de matas ou montanhas que arcam com as ondas. Nela existem as maiores baías do Brasil: Todos os Santos, Camamu, Guanabara, Angra dos Reis e Paranaguá. Em larga porção do litoral os bancos de coral sucedemse quase apenas sem interrupção, a costa. As aberturas pelados natureza nessae barreira dão acessoacompanhando a alguns portos sofríveis. Tambémconcedidas os estuários inúmeros caudalosos rios que deságuam nos mares brasileiros, por um capricho infeliz da natureza, não proporcionam portos abrigados e livres de perigos. A lama, os baixios e outros entraves à navegação acumulam-se na foz dos rios de alentado volume de água, como o Parnaíba, o São Francisco, o Jequitinhonha e o Paraíba do Sul, permitindo, quando muito, a precária instalação de portos de terceira categoria. O próprio estuário do Amazonas apresenta sérias limitações à livre navegação. As condições geralmente pouco favoráveis do litoral brasileiro são mais facilmente avaliadas sendo comparadas às de nações marítimas, como a Grécia e a Grã-Bretanha. O pequeno país balcânico, com apenas 130 mil quilômetros quadrados de território continental e insular, graças à costa extremamente recortada da península e ao grande número de arquipélagos, possui um

desenvolvimento litorâneo superior ao do Brasil, com 8,5 milhões de quilômetros quadrados, banhado pelo Atlântico em metade de seus limites. Na Grã-Bretanha, quase todos os pequenos rios abrem-se junto ao mar em estuários amplos e profundos. As marés de enchente levam, sem

 

empecilhos, as águas oceânicas até bem o interior. É nas largas bocas desses rios de pequeno curso que se situam os portos mais movimentados da Ilha: Londres, Liverpool, Bristol, Cardiff, Newcastle, Hull, Glasgow. Em toda volta da Ilha Britânica, dificilmente navega-se mais de cem milhas sem encontrar um porto amplo e seguro. Que contraste com o Brasil que, das bocas do Amazonas até o cabo Calcanhar, numa extensão de mil milhas, não apresenta uma única baía capaz desóabrigar de porte, mesmo tempo, e que do Oiapoque ao Chuí possuiconvenientemente seis portos dando muitos acesso navios fácil a navios de ao média tonelagem! Todavia, em alguns trechos da costa brasileira, a natureza foi menos ingrata e abriu portos cujas excelências são inegáveis. No litoral baiano encontra-se a magnífica baía de Todos os Santos, além de outras de menor importância; no Espírito Santo há a razoável entrada que constitui o porto de Vitória, mas é sobretudo no largo côncavo, entre o cabo Frio e o cabo de Santa Marta Grande, que a costa brasileira apresenta melhores perspectivas para o contato das populações com o mar. Os contrafortes das serras, nesse trecho, desmancham-se no oceano, alterando totalmente o aspecto quase uniforme do litoral. As dunas de areia desaparecem, sendo substituídas por montanhas escarpadas e rochosas. As praias, geralmente menores, são limitadas por cabos, pontas ou penínsulas. Surgem ilhas, grandes e pequenas, próximas a franja costeira. As enseadas sucedem-se. Mais de dois terços das melhores baías naturais do Brasil ficam situadas nesse trecho relativamente pequeno do litoral. Também é nessa parte do litoral que a pesca é mais abundante, talvez em virtude do encontro da corrente fria das ilhas Falklands. Entretanto, apesar de não serem desprezíveis as oportunidades oferecidas pela pesca ao longo de toda a costa do país, é de notar não serem encontradas em nenhum trecho as espécies mais cobiçadas. Não há nos mares brasileiros nada que se compare à riqueza representada pelos cardumes de arenque, salmão ou bacalhau, tão comuns nas águas do Japão, do mar do Norte ou das costas da península do Lavrador. Em suma, comparado às condições promissoras do vasto e rico interior, o litoral brasileiro pouco tem a oferecer. Não foi, em consequência, senão uma fração mínima dos habitantes do Brasil que se deixou fixar junto ao mar, nele buscando a maneira de viver. Naturalmente, numa extensão tão longa de contato forçado do homem com o elemento líquido, não só na orla oceânica, comomarítima. também Surgiram, nas margens dosnarios, alguns grupamentos humanos encaminharam-se para a vida assim, bacia Amazônica e ao longo do litoral, populações dedicadas à exploração da pesca costeira ou à exploração do transporte sobre as águas. Em particular, os habitantes das margens dos rios da bacia do Amazonas foram obrigados a adotar uma condição de vida por assim dizer anfíbia, dada a estreita dependência em que vivem do elemento líquido. Ali, os rios não fornecem apenas o alimento, como também o único meio de contato com o resto do mundo ou mesmo com o vizinho mais próximo. Tal estado de coisas obriga a existência de um número de embarcações quase igual ao de habitantes. Desde a mais tenra idade, todas as pessoas habituam-se ao manejo dos remos e das velas dos pequenos botes. Para as populações dos rios amazônicos as pequenas embarcações significam a mesma coisa que o cavalo para o gaúcho. Toda vida econômica ou social depende delas. Nas praias infindáveis da costa brasileira, de preferência nas angras, baías e na foz dos rios,

desenvolveram-se, como em quase todos os países banhados pelo oceano, pequenos povoados de pescadores. Paupérrimos e isolados do progresso, os pescadores brasileiros adotaram práticas que pouco têm evoluído e que não lhes permitiram ganhar o largo. No Nordeste, as condições

 

peculiares da região originaram a jangada, própria para vencer as arrebentações das praias batidas, para passar por sobre os baixios de coral e para navegar com os ventos alísios, mas de pouco rendimento na pesca e imprópria para cruzeiros de maior amplitude. Nos demais trechos da costa, a embarcação mais adotada foi a canoa de tronco, herança indígena, também de possibilidades limitadas. Tanto o jangadeiro do Nordeste como o "caiçara" do Sul têm de comum oprópria atrasoalimentação e a pobreza. e outro retiram das ondas pouco mais que o mínimo necessário à e àUm da família. Quanto à pesca do mar alto, só surgiu em tempos recentes. Ao que parece, durante todo o período colonial, a pesca ao largo só foi efetuada por pescadores biscainhos que de 1603 a 1798 detiveram o monopólio da pesca da baleia. Esta, durante bastante tempo, foi uma indústria lucrativa, pois os cetáceos abundavam ao longo do litoral do Nordeste e muitas das sólidas construções do Brasil-Colônia, ainda hoje de pé, eram edificadas com o cimento feito à base de óleo de baleia. Mas esta forma de atividade marítima desapareceu por quase um século. Persistiu apenas a pesca costeira, suprindo o consumo local das populações, pois a ausência de uma indústria de conservas de peixe não permitiu que os produtos do mar chegassem às mesas dos habitantes do interior. Foi só em anos recentes que às possibilidades das águas ao longo do litoral do Brasil se abriram novos horizontes. Entretanto, não se pode prever ainda nem quais serão os reflexos no desenvolvimento marítimo do país proporcionado pelas atividades pesqueiras. A par da pesca praiana, surgiu nos tempos coloniais uma outra forma incipiente de atividade marítima, representada pela navegação que atendia ao intercâmbio das fazendas, engenhos e cidades próximas. Esta navegação, praticada em embarcações de pequeno porte, ganhou desenvoltura principalmente no Recôncavo Baiano, na Região Amazônica e na baía de Guanabara. A limitada atividade marítima desenvolvida ao longo da costa pouco ou nada contribuiu para o crescimento das cidades oceânicas brasileiras. Elas se mantiveram, desde fundadas até o despontar do século XX, mais como centros administrativos do que como centros marítimocomerciais de vida própria. Com possível exceção do Recife, não surgiram espontaneamente de aglomerados de pescadores e marinheiros nos pontos mais favoráveis do litoral, mas sim como fruto de adecisões na Metrópole, visando consolidar a posse da terra. Cresceram assumir feição tomadas característica das cidades marítimas, de cais movimentados, estaleiros sem em atividade febril e todo um vasto círculo de empreendimentos voltados para as necessidades das frotas. Não proliferou no Rio, em Salvador, no Recife ou Belém uma classe numerosa com interesses de vulto no mar. O escoamento dos produtos coloniais, a imigração e o tráfico negreiro concorreram, sem dúvida, em certo grau, para a prosperidade dos portos brasileiros, mas sem lhes emprestarem o cunho próprio dos centros voltados para as empresas oceânicas. A alguns poucos armazéns e trapiches onde comerciantes reinóis e representantes da Coroa embarcavam café ou açúcar utilizando o braço escravo, a algumas pequenas oficinas de reparos navais, a diversos estaleiros para embarcações miúdas, às vezes a um arsenal de marinha, resumiam-se os recursos navais dos portos brasileiros. Nada, enfim, identificava as cidades atlânticas do Brasil com os tradicionais centros marítimos da Europa, a exemplo de Lisboa, Gênova, Veneza e Amsterdam. Não foi senão no século XX que o incremento do comércio exterior obrigou o Rio e

sobretudo Santos a adquirirem características de cidades portuárias. Em suma, até o século XIX a agricultura e a pecuária absorveram quase totalmente a população

 

do Brasil, deixando ao comércio, à indústria e às demais atividades parcelas pequenas dos habitantes do país. No mar, os brasileiros foram pouco além da pesca rudimentar, próxima ao litoral, e da navegação de cabotagem. Essa situação se modificou em parte depois da Independência, principalmente nas últimas décadas, por força da evolução econômica sofrida pela nação, mas até hoje é o brasileiro um povo eminentemente continental, a maioria de seus filhos ambiente rurala eIndonésia, do solo tirando Sobapresentaram esse aspectoanalogia. apenas alguns países vivendo como a em China, a Índia, o Egitoo sustento. e a Rússia Com exceção do trigo consumido principalmente nas cidades, é dos campos do interior que provêm os produtos básicos da alimentação do homem brasileiro: a mandioca, o arroz, o feijão e a carne. O mar só é fonte importante de suprimento alimentar para os habitantes de determinadas regiões litorâneas e da Amazônia. Portanto, como resultado de uma série de circunstâncias, predominantemente geográficas mas também históricas, políticas, econômicas e sociais, até hoje não se estabeleceram laços efetivos entre o mar e a nação brasileira.  

26. O COMÉRCIO MARÍTIMO As dificuldades do transporte interior. A limitada importância das transações comerciais no Brasil-Colônia. Necessidade crescente do intercâmbio interno e a procura do mar como meio de transporte. A importância do transporte marítimo no comércio interno do Brasil. As exigências crescentes do comércio interior. O comércio exportador nos tempos coloniais. A cobiça estrangeira. As medidas de proteção. Valores da exportação brasileira no século XVIII. A inexistência de interesses genuinamente nacionais ligados ao transporte de mercadorias para a Europa. A transformação operada no comércio marítimo do país depois de 1808. Consequências da Independência. Dependência do comércio exterior brasileiro à navegação estrangeira. Resumo.

No exame da influência do comércio na evolução marítima do Brasil, o intercâmbio entre as várias regiões do país merece ser considerado à parte das transações com o exterior, em virtude de aquele apresentar peculiaridades notórias. Através dos tempos, a permuta das mercadorias de um ponto a outro do território brasileiro foi

sempre difícil, quando não efetuada entre alguns poucos portos marítimos ou fluviais. À vastidão do território somou-se o solo acidentado, não raro coberto de florestas impenetráveis, para impedir a criação de uma rede de estradas eficientes, e o sistema potamográfico, exceto nas

 

regiões afastadas da Amazônia e da planície mato-grossense, contribui em pequena escala na interligação nacional. Pode-se dizer que nenhum dos países de grande área mostrou-se tão impróprio ao desenvolvimento da viação interior quanto o Brasil. Enquanto os territórios mais povoados e ricos dos Estados Unidos, do Canadá, da China, da índia e notoriamente da Rússia e da Argentina surgiram emeplanícies ondedocorrem até ó mar rios navegáveis, as principais áreas demográficas econômicas Brasil mansamente desenvolveram-se na franja de terra entre o oceano e a montanha, ou nos planaltos da parte sul-oriental. Enquanto naqueles países a relva baixa ou matas pouco densas cobrem o solo, oferecendo pequeno obstáculo à passagem das pessoas e dos veículos, e as vias fluviais facilitam sobremodo a intercomunicação dos núcleos povoados, aqui a natureza amontoou dificuldades: grande número de cachoeiras nos rios, de navegação semeada de escolhos e de perigos; serras asperíssimas, ínvias e cobertas de espessas e impenetráveis matas; nestas, animais venenosos e cipós e espinhos que embaraçavam o trânsito com uma vegetação sucessiva. Nos Estados Unidos, a civilização européia, desembarcada na costa atlântica, avançou para o interior, aproveitando os caminhos mais fáceis encontrados nos vales dos rios e, depois de ter vencido os decliveis suaves da Cadeia dos Aleganis, desceu para a planície do Mississipi, aproveitando ainda os subiram rios queo corriam para o alcançaram oeste, a exemplo do Ohio. Canadá, os exploradores franceses São Lourenço, os Grandes Lagos No e daí passaram para o Mississipi e chegaram até o golfo do México. Na Argentina, a civilização espanhola irradiou-se dos núcleos estabelecidos às margens dos rios da Prata e do Paraná. Tanto na prairie americana ou canadense como nos pampas argentinos, o sistema de comunicação pôde ser estabelecido, acompanhando de perto as pegadas dos primeiros exploradores, e mais tarde o navio a vapor e as estradas de ferro (construídas facilmente nas planuras sem fim) deram maior capacidade a essa rede de viação interna, permitindo o florescimento do comércio. Em contraste, qualquer que tenha sido a participação do rio Tietê, do São Francisco ou do Amazonas na obra do desbravamento e povoação do Brasil, nenhum deles assumiu para o país a importância histórico-econômica que o São Lourenço alcançou no Canadá, o Mississipi nos Estados Unidos ou o Paraná na Argentina. Desprovidos de comunicações fáceis, os núcleos de povoamento que se estabeleceram no interior brasileiro dedicados à exploração rural foram levados a viver dos próprios recursos, produzindo quase tudo de que precisavam e comprando o mínimo possível, conforme já se acentuou. O grande domínio rural dos primeiros séculos constituiu, em verdade, um mundo em miniatura. A população que abrigava equivalia, quando não se avantajava, à dos núcleos urbanos que vegetavam à proximidade. As lavouras e os currais abasteciam a farta mesa do senhor e a dos agregados e escravos. Era a própria fazenda que fornecia os materiais para as construções, para os utensílios agrícolas, para o mobiliário, para a iluminação, para o vestuário comum. Dentro de seu domínio, tinha o fazendeiro a carne, o pão, o vinho, os cereais que o alimentavam; o couro, a lã, o algodão que o vestiam; o azeite de amendoim e a cera que à noite lhe davam claridade; a madeira e a telha que o protegiam contra as intempéries.

Em pleno período imperial, ainda os senhores de engenho costumavam dizer com orgulho: “nesta casa só se compram ferro, sal, pólvora e chumbo." Essa admirável independência econômica dos senhorios fazendeiros exerceu uma ação poderosamente simplificadora sobre

 

toda a estrutura das nossas populações rurais. O primeiro aparelho social que sofreu a influência dessa ação simplificadora foi o comércio. Nessa sociedade em que os domínios bastavam a si mesmos e compravam o mínimo possível, as utilidades, o mecanismo comercial não podia deixar de ser uma organização secundária. Não se deve depreender daí, porém, que o comércio fosse nulo entre os vários pontos povoados do Brasil. Os produtos manufaturados e o sal importados da metrópole portuguesa, depois ganharem os portos, ganhou eram distribuídos longínquos rincões, vencendo dificuldades semdeconta. Esse intercâmbio certo vulto aos principalmente nas zonas abarcadas pelo surto minerador, nas quais quase nada era produzido para a subsistência e dependiam, por conseguinte, do suprimento das outras regiões. Foi o gado o elemento de comércio por excelência em toda a hinterlândia brasileira, na maior parte da fase colonial. Foi por intermédio da pecuária e dos laços criados pelo comercio do gado bovino e cavalar, pelos transportes organizados pelas grandes tropas muares, que se estabeleceram elos indestrutíveis na unidade econômica brasileira. Evidentemente, o comércio baseado na capacidade de carga de tropas de muares, que galgavam penosamente as encostas dos morros por picadas mal abertas no seio da mata, pouco desenvolvimento podia ganhar. A par das dificuldades de transporte, também concorreu para o pequeno desenvolvimento do comércio uniformidade da produção destinada ao consumo local. De norte a sulosa economia interno rural doaBrasil-Colônia repousou quase nos mesmos produtos: o açúcar, o fumo, couros etc. destinados à exportação para a metrópole portuguesa; a mandioca, o milho, o feijão e a carne seca, para o consumo da população. Exceto na região mineradora, não se delimitaram áreas econômicas distintas, como nos Estados Unidos, em que o Norte tendeu, desde cedo, para a industrialização, o Sul para a cultura do algodão e do fumo, e o Oeste para a lavoura cerealífera, nascendo daí, naturalmente, a permuta de mercadorias destinadas a dar vazão aos excessos de produção e a satisfazer às demandas recíprocas. O anacronismo da independência econômica quase absoluta usufruída por cada um dos núcleos povoados do Brasil em relação aos demais tendeu a se desfazer com o aumento da população e com o progresso. O impacto das necessidades crescentes dos habitantes estimulou, irresistivelmente, o desenvolvimento de novas formas de exploração do trabalho, o que motivou por sua vez o incremento do sistema de trocas. Com a República, a nação começou a dar os primeiros passos no sentido da industrialização. Grande número de cidades brasileiras iniciou a fase de expansão rápida. O consumo de matérias-primas por parte das novas fábricas e as exigências de uma população urbana de padrão de vida em ascensão, saturaram as possibilidades da rede de transportes que não fora capaz de evoluir com a mesma rapidez. Fugindo à atrofia da viação terrestre e procurando, como em toda parte, o caminho fácil das águas, a permuta de mercadorias entre as diversas regiões do Brasil, procurou valer-se das vias marítimas. Esse quadro sofreu transformação radical a partir dos anos cinquenta, por força do maior desenvolvimento rodoviário, face a relativa estagnação dos sistemas de transportes hidroviário e ferroviário. Numa distinção perigosa, tanto sob o ponto de vista militar como econômico, a estrutura de transporte do Brasil passou a ter no caminhão o seu principal elemento em detrimento do navio, da barcaça fluvial e do trem. Assim, o intercâmbio entre as várias

unidades da federação, que, por força das injunções geográficas e econômicas, deveriam, em grande parte, buscar os caminhos sobre as ondas, perdeu o significado como incentivador dos empreendimentos na esfera marítima. A importância vital desse elo da ligação na economia do

 

país pôde bem ser sentida quando, em 1942, a presença de alguns submarinos nazistas em águas brasileiras acarretou a diminuição do fluxo de mercadorias. Quase todas as restrições que o povo foi obrigado a sofrer, inclusive o racionamento de artigos fartamente produzidos no país como o açúcar, tiveram aí sua origem. O desenvolvimento do sistema viário do país atenuou a dependência ao tráfego costeiro, mas não o fez de forma econômica. Pode-se afirmar que até aproximadamente a quarta década do século XX o mar proporcionou o principal escoadouro ao comércio interno do país, malgrado todas as deficiências do material flutuante e portuário. Comercialmente o Brasil era como um arquipélago de grandes ilhas separadas por centenas de milhares de água salgada. Ao contrário do intercâmbio interno, desde os primórdios de colonização portuguesa no Brasil a exportação de produtos para a Europa adquiriu importância. Numa economia essencialmente colonial, num regime escravocrata, com ausência quase completa de manufaturas locais e com as fracas linhas de escambo interno, era na exportação que as principais regiões do país teriam que obter os recursos para seu enriquecimento e aprovisionamento de elementos de progresso. Em 1548, contavam-se fundadasalgodão, no extenso litoralfumo, do Brasil, cerca edeoutros 16 vilas e povoados que exportavam para a já, metrópole açúcar, pau-brasil produtos da terra. Alguns desses povoados eram fortificados, possuíam estaleiros e oficinas de fabricação de bergantins para a navegação fluvial ou para o reparo das naus. Armadores particulares entretinham o dificultoso serviço de comunicações marítimas com o reino. O transporte de mercadorias para a Metrópole representava o sifão por onde era sugada a riqueza da Colônia, daí os cuidados com que foi protegido pela coroa lusitana. Enquanto o poder naval português não entrou em decadência, os navios das demais nações estrangeiras foram tenazmente perseguidos ao se aventurarem em águas brasileiras. A medida, porém, que a produção da Colônia aumentou em volume exportável, a repressão se tornou mais difícil. Dentro de suas possibilidades, a Metrópole procurou incrementar os meios de produção a uma riqueza cada vez maior e cada vez mais exposta à cobiça alheia. O aumento nos direitos de três por cento de entrada e saída na Metrópole devia assegurar sempre uma esquadra de doze navios armados. o comboio dos navios das conquistas, mantendo Infelizmente o tributo ficou estabelecido, mas tal esquadra nunca apareceu, e os corsários cresceram em audácia. Em 1591, o inglês Thomaz Cavendish veio tentar fortuna nos nossos próprios portos. Suas proezas se reduziram a saquear Santos, a queimar São Vicente, vindo a encontrar resistência não só em Santos, ao voltar aí segunda vez, como também na Capitania do Espírito Santo. Cerca de quatro anos depois teve lugar o saque do Recife pelo corsário James Lancaster. Já no final do século XVI, acentuando-se os riscos da navegação, recomendava D. Sebastião a navegação em comboios, para a maior segurança nos transportes. Mandava também armar os navios. Parece que nesse primeiro século os navios mercantes saíam de Portugal com destino ao Brasil

em trêse épocas, reduzidas maisalgumas tarde a vezes duas, na maisMadeira favoráveis à viagem meses de além janeiro, março setembro, escalando e nos Açores, nos conduzindo, de mantimentos, armas, plantas, animais e produtos de indústria de Portugal, muitos outros artigos

 

que este comprava nos países do norte da Europa. As guerras frequentes e as piratarias que se processavam na costa da África obrigavam a esta precaução. Tratando do período de 1611 a 1612, escrevia Severino de Faria: "Do Brasil chegou a frota a salvamento e foi das maiores que este ano vieram. Eram 74 navios, afora os galeões, em que vinha a fazenda da nau que o ano passado lá foi aportar". "Trouxeram 21 000 caixas de açúcar." Ainda em 1709, "a frota partiu de Lisboa navios só e 8terminando naus de guerra". sistema de naval grandes comboios permaneceu nos séculos com XVII97 e XVIII, quando Oa supremacia britânica garantiu o comércio português. A partir do início do século XVII, o açúcar brasileiro dominou o comércio do produto e se converteu no mais importante artigo de escambo internacional. Bem cedo os mercadores dos Países Baixos, senhores de um poderio naval em ascensão, foram tentados a se dedicar à lucrativa tarefa de assaltar a longa rota marítima por onde o produto dos engenhos brasileiros demandava a Europa. Só no decorrer do ano de 1616 os holandeses capturaram vinte e oito navios de carreira do Brasil. Em 1623 subiu o número a setenta. Entre 1623 e 1636, foram tomados ou incendiados 546 barcos espanhóis e portugueses, que, com as cargas que conduziam e mais os prejuízos causados, elevaram a mais de cem milhões de florins as perdas dos ibéricos. A ameaça comunicações marítimasestavam do Brasil com a Metrópole nãoque cessou o declínio batavo nos às oceanos. Outras potências à espreita das riquezas saíamcom do Brasil com destino à Europa, e a descoberta das minas de ouro e das jazidas de diamantes aguçou ainda mais o apetite dos aventureiros em busca da fortuna e da glória. No século XVIII, o fluxo de riquezas saídas do Brasil, com destino à Europa, passou a ter o ponto de partida mais ao sul. O porto do Rio de Janeiro concentrou na primeira metade do século XVIII os maiores ativos na exportação brasileira, pelos consideráveis valores de ouro e diamantes por ali remetidos. Em consequência, no decorrer da Guerra de Sucessão da Espanha, Duguay-Trouin, o famoso corsário francês, sucessivamente em 1706, 1707 e 1708 espreitou a frota que partia anualmente do Rio de Janeiro para levar a Lisboa as riquezas do Brasil. O fracasso da procura levou-o a atacar a própria cidade em 1711 com o sucesso que se conhece. Com a perda das principais colônias Oriente edas com os insucessos no Marrocos, economia portuguesa progressivamente passou anodepender comunicações marítimas com oa Brasil. As frotas de comércio procedentes da colônia americana levavam para a Metrópole não só os artigos a serem permutados com as demais nações européias, mas também o ouro que dava alento ao tesouro português, exausto pelas sucessivas desventuras do país e pelas administrações calamitosas. A par de sua importância para Portugal, as frotas de comércio constituíam ainda um grande elo econômico no litoral brasileiro. As concentrações dos artigos de exportação em poucos portos obrigavam a um intenso movimento de pequena cabotagem para a acumulação aí dos produtos exportáveis. A obrigação das frotas provenientes dos diversos portos de se concentrarem na Bahia, para daí partirem devidamente comboiadas, incrementava, de alguma forma, o estabelecimento de um laço de interesse que ligasse tão variadas regiões. Em 1749, a frota do Rio de Janeiro transportava valores que alcançavam £1.850.000, das quais

1.750.000 eram em ouro e diamante. No mesmo ano, a frota de Pernambuco transportava cerca de £ 500.000 cujos maiores valores eram representados pelo açúcar e pelos couros. Ao findar do século XVIII, cerca de 55% dos produtos que figuravam no ativo de balança de comércio

 

internacional de Portugal já provinham do Brasil. Essa situação ficou consolidada com o incremento da exportação de arroz e algodão do Norte, com a alta do açúcar e com o aumento da exportação do café, açúcar e couro pelo Rio de Janeiro. A exportação de produtos agrícolas do Brasil triplicou nesse último quartel de século. Ao alvorecer do século a política econômica do Império Português repousava, em boa parte, na produção de suaXIX, colônia americana. O comércio internacional português era feito, em magna parte, com a produção brasileira. Portugal, além de consumidor, era o entreposto de distribuição de todo o comércio exterior do Brasil. Entretanto, apesar da magnitude alcançada pelo comércio exportador do Brasil, os filhos do país só esporadicamente contribuíram no transporte das mercadorias para os mercados ultramarinos. Na própria cabotagem, destinada a acumular nos portos principais os artigos de exportação, foi quase nula a participação dos naturais da terra, pois, sob o domínio português, o próprio comércio de cabotagem andava vedado aos brasileiros. Via de regra, os fazendeiros brasileiros providenciavam o transporte de seus produtos até as cidades do litoral onde os entregavam aos comerciantes, geralmente portugueses, que daí em diante arcavam com os lucros e os ônus do trânsito das mercadorias através dos mares. Desde o momento a tropacurva de burros, transportando a produção plantações ou dos desapareciaemnaque primeira da picada, o fazendeiro brasileirodas perdia o interesse peloengenhos, fruto de seu labor. Os trabalhos e perigos exigidos para o transporte de uma arroba de açúcar do Brasil até a Europa não lhe diziam respeito. Que o açúcar chegasse ao consumidor via Lisboa ou via Amsterdam, passando pelas mãos de um corsário batavo, ou ainda fosse para o fundo do mar, eram acontecimentos mais ou menos indiferentes aos fazendeiros brasileiros. Destarte, durante todo o período colonial não houve margem a que se originasse no Brasil uma burguesia indígena com interesses preponderantes no transporte oceânico. Toda a estrutura do comércio marítimo brasileiro entrou em fase de transformação, a partir do início do século XIX, em consequência da instalação da sede da monarquia portuguesa no Rio de Janeiro, da abertura dos portos nacionais à navegação estrangeira e da celebração de tratados de comércio com diversas nações. A ascendência britânica não se tardou a manifestar pelos tratados de aliança e comércio que impôs, ainda em 1810, a Portugal. Nesses tratados, os direitos aduaneiros sobre as mercadorias inglesas eram reduzidos a 15% menos dos que incidiam sobre os próprios artigos portugueses. Com o represamento das mercadorias inglesas, provocado pelo bloqueio napoleônico, e com as facilidades assim outorgadas à sua exportação para os portos brasileiros, verificou-se rápido incremento na remessa de toda sorte de manufaturas britânicas. Não exportou, entretanto, o Brasil, produtos em quantidade suficiente para pagar o que importava da Inglaterra. Como resultado, a balança comercial do novo império se tornou deficitária e a Marinha Mercante inglesa se apossou do transporte da maior parte do comércio exterior brasileiro. Conforme Calógeras em 1816 entraram no Rio de Janeiro 1.460 navios, sendo 398 de longo curso e 1.062 de cabotagem. Daqueles, 181 eram portugueses e 217 estrangeiros, sendo 113 ingleses. Na Bahia, no mesmo ano em 519 navios entrados, 329 eram de longo curso e 290 de cabotagem.

Daqueles, 128 eram portugueses e 101 estrangeiros. Os de cabotagem eram todos portugueses. ' Considerando-se os dados relativos aos vários portos do país nessa época, chega-se à conclusão

 

de que a exportação transportada em navios estrangeiros, praticamente igualou a que deixou de ser efetivada através de Portugal, com acréscimos de valor nos anos em que se verificou a grande alta do algodão. Dos navios estrangeiros mais de 50% eram britânicos. Seguiam-se os norteamericanos, espanhóis e franceses. Os portugueses se foram concentrando na cabotagem. De 1810 a 1820, o número total de navios de longo curso que entravam anualmente no Rio de Janeiro e 450. No período compreendido entrerapidamente 1821 a 1830decrescendo esse númeroosvariou de 400 variou a 500. entre Mas 350 na distribuição por nacionalidade foram que arvoravam o pavilhão de Portugal, que já em 1821 não atingiam 30% do total de longo curso. Ao se tornar o Brasil nação soberana, estava inteiramente desaparelhado para substituir a navegação portuguesa de longo curso. Não havia navios, nem guarnições, nem organização. Era bem diversa a situação do Brasil em comparação à dos Estados Unidos, que, ao conquistarem a independência, já contavam com uma respeitável frota de comércio navegando pelos principais mares do mundo, e cujo comércio exportador aumentou rapidamente uma vez cessadas as hostilidades contra a Inglaterra. Ao contrário do que se poderia esperar da abertura dos portos brasileiros as nações amigas estrangeiras, dos tratados com a Inglaterra, do aumento considerável da importação resultante do estabelecimento da monarquia portuguesa e deexportador tantas e tão variadas providencias parada osede fomento da produção nacional,noo Brasil comércio brasileiro se conservou relativamente estabilizado após a independência. O comércio direto com as nações estrangeiras mal compensou o desfalque sofrido com o comércio português. De 1822 a 1832, o valor das exportações brasileiras oscilou entre 3 a 4 milhões de libras esterlinas. Daí em diante, o café começou a pesar, e em 1850 o Brasil já contava com um ativo no seu intercâmbio com as demais nações, de 10 milhões de libras. Até 1846, entretanto, a importação foi sempre maior do que a exportação, em virtude de o atraso industrial do país exigir o suprimento contínuo de artigos manufaturados e da falta de uma proteção aduaneira eficaz. No decorrer do restante do século XIX e nos primeiros lustros do século XX, o comércio exterior brasileiro não cessou de aumentar em volume e valor a despeito das guerras do Sul. A navegação naturalmente beneficiou-se desse incremento na permuta de mercadorias, um pouco as companhias nacionais, bastante as estrangeiras, crescendo de 1822 a 1837 na proporção de 31%. Entretanto, enquanto de 1839 a 1874 o número de viagens aumentou de 50% sob a bandeira brasileira, o incremento foi de 101% sob o pavilhão das outras nações. A tonelagem cresceu de 130% sob a bandeira brasileira e de 414% sob bandeira estrangeira. O quadro acima não se alterou substancialmente no período republicano. Como toda nação que progride economicamente, o Brasil cada vez mais passou a depender das ligações com o exterior. Essa dependência crescente é percebida, comparando-se os efeitos na vida nacional decorrentes das perturbações nas comunicações marítimas durante a Guerra da Cisplatina e durante os dois conflitos mundiais. Os inúmeros corsários de várias nacionalidades, armados pelas Províncias Unidas do Rio da Prata no período de 1825-28, com seus assaltos ao transporte marítimo, só lograram perturbar em pequena escala a economia do Império do Brasil. Noventa anos depois, a diminuição do intercâmbio com a Europa decorrente da guerra de 1914-

18 afetou o bem-estar do país, privando as populações de uma série de artigos manufaturados de necessidade e reduzindo a receita pública oriunda em grande parte dos tributos alfandegários. Mais sérias foram, ainda, as consequências advindas da redução do tráfego marítimo em 1942-

 

45. Abstraindo a ameaça que pairou sobre a própria intercomunicação nacional, fato já mencionado, devem ser recordadas as condições precárias a que ficaram reduzidos o sistema de transporte e o funcionamento de todo o parque industrial. Depois da guerra, foi mantido em seus aspectos básicos o predomínio estrangeiro no comércio marítimo do Brasil. Algumas bandeiras, como asamericana das antigas potências do Eixo, ser menos vistas nas águas brasileiras, A tonelagem suplantou a inglesa na passaram frequênciaa aos portos nacionais, e os eficientes noruegueses dedicaram particular atenção às necessidades do suprimento de combustíveis líquidos do país. Toda vez que houve congestionamento da navegação em Santos ou no Rio, os diretores das companhias estrangeiras em Nova Iorque, Londres, Rotterdam ou Oslo, muito lógica e naturalmente, salvaguardaram a margem de lucro de suas empresas, determinando o aumento dos fretes. O pagamento de fretes continuou a pesar fortemente na balança de pagamento do país. Para enfrentar um estado de coisas que tendia a agravar-se com o incremento do sistema de trocas internacionais, os sucessivos governos brasileiros procuraram desenvolver a Marinha Mercante. Tal política, porém, caracterizou-se mais por uma série de medidas que beneficiaram sobretudo o crescimento das frotas das empresas estatais, deixando à margem a iniciativa privada.  

27. A MENTALIDADE DO POVO A formação rural da sociedade brasileira. Traços fundamentais da psicologia do povo. Alheamento nacional aos assuntos marítimos. A limitada importância da classe comercial até tempos recentes. Manifestações da indiferença pelos problemas marítimos. As ciasses dirigentes do país. O espírito continental dos bacharéis e militares. O predomínio do Exército na política nacional. A integração do Exército ao meio brasileiro. A pequena participação da Marinha na vida brasileira. O divórcio entre a massa do povo e a Marinha. Reflexos e perigos daí resultantes.

Dado o ambiente geográfico do país, continental por excelência, e a pequena influência até agora exercida pelo comércio no desenvolvimento do transporte sobre as águas, a reconhecida indiferença brasileira pelos assuntos marítimos pode ser tida como uma decorrência natural e inevitável.

Conforme observou Bryce, já no começo deste século, "o brasileiro é primeiramente um homem do campo". "Toda a nossa história é a história de um povo agrícola, é a história de uma sociedade de lavradores e pastores." Observou por seu turno Oliveira Viana: "O brasileiro que

 

pode" — diz um publicista do II Império — "é agricultor; vai exercer a única verdadeira nobre profissão da terra. Daí o traço fundamental da nossa psicologia nacional". Constituem, por conseguinte, a conquista e o desbravamento do território os eventos fundamentais da formação histórica brasileira. Da extensa base geográfica, com suas condições peculiares, originou-se a estrutura social e econômica da nação, influindo na maneira de viver de cada habitante. Na grandiosidade mais do que(anos feitosletra dos do antepassados, encontrou brasileiro o motivo para exaltação do do país, orgulho nacional própria Hino Nacional revela oessa tendência). Da mesma forma que a expansão marítima deu consistência indestrutível ao espírito nacional do povo português, a conquista da hinterlândia deixou traços indeléveis na alma brasileira. Através de gerações, o grande sonho nacional tem sido o de completar a obra épica das bandeiras, tomando plena posse do território conquistado. Consciente ou inconscientemente talvez ainda seja a imagem do bandeirante a que o brasileiro mais preza e cultua. Com muita precisão, afirmou Viana Moog: "Percorra-se o Brasil de norte a sul, de leste a oeste — a Amazônia, o Nordeste, a Bahia, S. Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, o Distrito Federal, todas as ilhas, enfim, do arquipélago cultural brasileiro, e por toda parte, de um modo ou de outro, se há de encontrar a marca da bandeira, com as ideações, os hábitos, os vícios, as concepções e os estilos de vida legados pelo bandeirante". Este estado de espírito ficou patenteado pela maneira com que se pregou a marcha para o oeste e se obrigou a mudança da sede do Governo para o planalto central. É sentido também nas diversas manifestações da alma do povo, nas lendas, sempre envolvendo figuras das florestas e dos campos, na música e na literatura. Não é por coincidência que uma das obras máximas da literatura nacional, "Os Sertões", seja justamente um estudo sobre a hinterlândia brasileira. O valor e o número de pessoas que se preocupam no Brasil com os problemas do vasto interior contrastam flagrantemente com o abandono em que têm permanecido os motivos ligados ao mar. Enquanto nos países de caráter marítimo a aparição de numerosos estudos ou meras obras literárias de ficção sobre assuntos ligados ao mar é quotidiana, no Brasil os habitantes do litoral não mereceram ainda a atenção de quem lhes possa auscultar os sofrimentos, as esperanças ou lhes exaltar a rijeza da alma. Mesmos os consagrados estudiosos dos assuntos brasileiros, como Tavares Bastos, Alberto Torres e Pandiá Cageras, obcecados pela vastidão e variedade dos problemas oriundos do contato do homem com a terra, silenciaram quanto aos problemas marítimos do país. Não havendo ainda nenhum interesse duradouro e forte ligando frações importantes da população brasileira ao oceano, bem se compreende que o clima do país é, no seu conjunto, dos menos permeáveis à divulgação e compreensão dos problemas marítimos. Esta barreira de indiferença tem sido solapada pela multiplicação dos setores de atividade que sentem mais de perto a necessidade do transporte marítimo, mas ainda não se formou no país uma classe de negociantes perfeitamente esclarecidos acerca dos interesses em jogo nas rotas oceânicas, capaz, ao mesmo tempo, de renovar a atmosfera rural do mundo brasileiro. Também não se poderia esperar tal mudança repentina numa sociedade para a qual, até o começo do século passado, pelo menos, o comerciante não tinha importância alguma e não pertencia a uma classe prestigiosa. Saint-Hilaire dá o negociante no Brasil como um homem socialmente mal colocado. Exchwege é

mais expressivo ainda: das cinco classes em que a sociedade se dividia, os negociantes ocupavam, segundo ele, o quarto lugar, cabendo, respectivamente, os três primeiros aos mineradores, agricultores e criadores. Além do mais, até a Independência e ainda em pleno

 

Império, o comércio brasileiro era exclusivamente estrangeiro e dele eram sistematicamente afastados os nacionais. Da falta de penetração dos assuntos marítimos no ambiente nacional resulta, como não podia deixar de ser, uma opinião pública pouco esclarecida. São Paulo, principal centro econômico do país, a apenasali80observada km do mar, é cidade onde não se de assuntos marítimos, embora toda a prosperidade esteja na dependência docogita transporte oceânico. Enquanto fatos importantes, como os prejuízos advindos da inexistência de uma eficiente Marinha Mercante, repetidas vezes citados nas páginas financeiras dos jornais ou em publicações especializadas com toda clareza das cifras, não sejam capazes de impressionar o grande público, um artigo de pouca consistência sobre as despesas de um navio-aeródromo provoca sensação. Como sempre, a argumentação em torno dos hospitais e escolas que poderiam ser construídos com o dinheiro despendido na aquisição de instrumentos de destruição é lembrada, e o efeito não pode deixar de ser grande no seio de uma população pacífica. As dificuldades financeiras do Governo e o baixo padrão de vida do povo proporcionam outros tantos elementos para combater o que aos olhos de muitos é supérfluo. Desse no Brasil, marítimasautorizadas importantespara têm sido distorcidas e nem sempre têm havidomodo, nos meios civisquestões vozes bastante recolocar o problema em termos compreensíveis à população, o que seria importante, já que as tentativas feitas nesse sentido pelos homens de farda são sempre encaradas como suspeitas. Não mais contou o país, na sua direção, com homens como os fundadores do Império em que a mentalidade continental foi em parte atenuada pela influência da educação britânica. Em passado não muito distante, vultos como Joaquim Nabuco, o Barão do Rio Branco e Ouro Preto concorreram, aos menos, por algum tempo, para alertar a opinião pública brasileira acerca dos interesses nacionais envolvidos no mar. Infelizmente o número de cabeças pensantes preocupadas com esses problemas parece ter diminuído e, sem o apoio das elites, dificilmente se faz crer à massa do povo que expansão comercial, organização portuária, construções navais, Marinha Mercante e Marinha de Guerra constituem um conjunto inseparável na evolução econômica de uma nação. Não restringe, porém, no Brasil a ausênciasempre de espírito marítimo à massa do povo. nas altas se camadas e nas esferas administrativas houve pouca receptividade paraTambém os assuntos relacionados com o mar, exceto nas ocasiões em que a ameaça de conflitos, externos ou internos, obrigou a dar balanço na situação da Marinha de Guerra. A razão disso pode ser atribuída, provavelmente, à origem da maioria dos homens que têm sido responsáveis pela orientação governamental desde a Independência. Conforme frisou Oliveira Viana "nos dois Impérios os elementos dominantes na política da Corte eram já, na sua quase unanimidade, homens de pura formação rural”. Os elementos de escol social, os políticos em evidência, os estadistas, como todos os que queriam possuir um pouco de autoridade social, procuravam o ponto de apoio de um domínio rural. Essa aristocracia rural é que preenchia os cargos da administração local, nos municípios e nas províncias. Dela saíram a nobreza do Império e os chefes políticos que fixaram e

arregimentaram, nos municípios e nas províncias, os elementos partidários locais. Dela saiu a  juventude que fluiu ppara  juventude ara as aca academias demias supe superiores riores do N Norte orte e do S Sul, ul, em Recife Recife,, na Bahia, eem m São Paulo, no Rio e daí para o campo das profissões liberais e para as altas esferas da vida

 

parlamentar e política do país. Com a República, embora de maneira menos acentuada, a influência na política dos homens públicos de formação rural foi mantida. Vinham os homens que organizaram o novo regime das mesmas origens dos que haviam consolidado o Império, isto é, do nosso fundo telúrico — fazendeiros, senhores de engenhos, barões e coronéis do interior. Basta ver a origem da maior parte dos presidentes brasileiros para se ter uma mostra dos demais políticos. Ao lado dos políticos das classes liberais, têm sido os generais os principais responsáveis pela ação governamental, no Império e na República, mas também esses revelaram-se indiferentes aos assuntos marítimos, Isso nada tem de estranho se se considerar o ambiente militar brasileiro. Dois pontos básicos realçam logo: primeiro a origem, ainda rural, da maior parte dos chefes militares, tanto da Marinha como do Exército; segundo, a preponderância assumida pelo Exército na direção do país, comparada à pequena participação da Marinha. Como nas demais nações continentais, o Exército é no Brasil um produto do povo. Suas raízes são profundas na nacionalidade, vindo dos primeiros tempos coloniais. A história do Brasil começa com a bandeira. Durante o período colonial, a conquista da terra apresenta um caráter essencialmente guerreiro. Cada desbravado, cada sesmaria povoada, cadamilitar. curral erguido, cada fabricado tinha latifúndio como preâmbulo necessário uma árdua empresa Do norte aoengenho sul as fundações agrícolas e pastoris se faziam com a espada na mão. Em terra tão selvagem, o sistema colonial não podia deixar de ser eminentemente militar. Foi já uma população acostumada às lides bélicas que enfrentou vantajosamente os veteranos soldados dos Países Baixos. Por força das lutas de clãs, das inúmeras disputas internas por força dos conflitos externos, nos dois séculos seguintes às guerras holandesas, as tradições marciais ficaram vivas no Brasil. No decorrer dessas lutas estabeleceram-se, por toda a extensão do território, vínculos profundos entre os habitantes de todas as categorias e os militares, confundidos que estavam. Em certas regiões brasileiras, o quartel integrou-se na paisagem local como a Igreja. De acampamentos militares ou de fortes fronteiriços nasceram muitos povoados. Mesmo depois da independência, a colonização por meio de núcleos militares esteve presente por quase todas as novas fronteiras do oeste e do sudoeste. Cumpre notar ainda ser o Brasil, juntamente com a Rússia, o país no mundo que confina em terra com o maior número de nações, e essas fronteiras só ficaram demarcadas, de maneira mais ou menos definitiva, no final do século XIX e na primeira década do século XX. O Exército brasileiro recebeu, pois, uma grande herança histórica que seus ilustres soldados, no Império e na República, souberam preservar, integrando cada vez mais as forças de terra no ambiente nacional. Se isso por um lado foi benéfico ao país, de forma alguma concorreu para dar descortino sobre assuntos marítimos a homens que muitas vezes foram levados a exercer influência marcante na orientação governamental. Conforme observou o ilustre historiador inglês T.R. Glover "soldados raramente acreditam em esquadras”. O predomínio na alta direção do país de homens de pura formação continental tem sido, assim, contínuo e absoluto. Em face desse alheamento por parte dos dirigentes e dada a ausência de interesses náuticos numerosos capazes de despertar a atenção do povo, tem cabido no Brasil, principalmente aos

representantes da Marinha de Guerra, a ingrata tarefa de procurar fazer sentir ao público a importância dos problemas marítimos na vida nacional. Entretanto, facilmente se percebe que a Marinha tem no país uma situação pouco favorável à divulgação de idéias. Ao contrário do

 

Exército, é a Marinha uma instituição relativamente recente na estrutura nacional. Suas tradições não têm raízes nos primórdios da nacionalidade e foram forjadas num meio restrito, longe do contato direto com o povo. Criada por imposição das circunstâncias como fator indispensável à preservação da Independência e da unidade nacional, a Marinha do Brasil, através de dificuldades de toda ordem, inerentes aos países pobres e atrasados, atendeu plenamente aos seus altos destinos, Esta magnífica contribuição desenvolveu-se, porém, longe dos olhos dos milhões de brasileiros que labutavam nos campos e constituíam a maioria do povo. Embora constituindo, depois da Independência, um dos pilares da nação, a Marinha permaneceu estranha à maioria dos brasileiros. A presença de homens do mar só foi plenamente sentida ao longo da orla costeira. Valendo-se nas guerras quase unicamente dos seus limitados quadros de carreira, a Marinha também não pôde contar junto ao povo com o valioso elemento de ligação que é o excombatente, sempre ufano e pronto a recordar os tempos de campanha. Em suma, por estes e outros motivos, a Marinha ainda é uma instituição estranha no ambiente brasileiro. Conforme notou há cerca de quarenta anos um ilustre ministro da Marinha, "o país no seu nas suas populações do interior, estão as de produção e de riqueza, pouca coisaâmago, sabe dela. Ignora o seu estado, os seus onde sacrifícios, as fontes suas aspirações". Sentindo-se estranho na própria pátria, percebendo os valores que mais considera serem subestimados, o homem do mar, no Brasil, como em alguns outros países continentais, é solicitado a se tornar cético quanto à solução dos problemas marítimos e certamente a dúvida não fomenta o entusiasmo criador. No passado, a Marinha da França, da Espanha e da Rússia padeceram desse mal insidioso e foram levadas a desastre mais pelo espírito derrotista de seus homens (dentre os quais havia sem dúvida muitos bravos e competentes) do que pela precariedade material. Manda a prudência afirmar que o ceticismo é um perigo constante a ser considerado na Marinha do Brasil, pois as causas básicas desse estado de espírito perduram e provavelmente perdurarão enquanto não se firmar no país uma consciência marítima e, mais particularmente, naval.

28. A AÇÃO DO GOVERNO E OS FATORES MATERIAIS A indústria naval no Brasil-Colônia. As iniciativas do Governo de Lisboa. Marinha de Guerra, Marinha Mercante e indústria de construção naval durante o Império. A influência da mentalidade naval. Situação marítima no início da República. O apoio da Marinha de Guerra à indústria de construção naval. A intervenção progressiva do Estada no setor marítimo.

 

Na Segunda Parte, foram consideradas, separadamente, a influência do Governo e dos fatores materiais no desenvolvimento marítimo das nações, mas no caso particular do Brasil talvez seja mais oportuno tratá-los em conjunto, dada a íntima ligação que sempre existiu entre ambos ao longo de toda a nossa história. Ao que parece, a indústria de construção naval foi uma das primeiras a ser desenvolvida no Brasil e uma das poucas que mereceu repetidos incentivos por parte da Metrópole Portuguesa, fora, portanto, do espírito da época que era o de não promover indústrias nas colônias que visassem proteger as sediadas na Europa. Segundo Rocha Pombo, "a construção naval teve importância, pode-se dizer, desde os primeiros tempos; sabe-se que mesmo antes de Martim Afonso já aqueles poucos portugueses que viviam em São Vicente fabricavam pequenas embarcações costeiras. Em todas as capitanias, desde o tempo dos donatários, funcionavam estaleiros onde se construíam todos os navios para a cabotagem. Em 1555, já são tão úteis esses estaleiros, que já a corte ordenava (alvará de 20 de  junho) a Duarte da Costa que, visto haver no Brasil muitos navios feitos na terra, aparelha aparelhassem ssem os que fossem necessários para a guarda da costa". Não parece, porém, que, apesar do incentivo da Metrópole, a indústria naval houvesse progredido a ponto de atender, com navios construídos na Colônia, ao tráfego costeiro e à vigilância do litoral. São escassas as informações históricas a respeito. É patente, entretanto, o despreparo naval lusitano nos séculos XVII e XVIII em águas brasileiras. As incursões dos flibusteiros e das marinhas inimigas ao litoral brasileiro foram efetuadas praticamente sem oposição naval, exceto no período de união dos dois reinos ibéricos (1580-1640), quando o poder espanhol ainda pôde se fazer sentir nas águas americanas. De qualquer forma, não se conhece nenhuma contribuição verdadeiramente brasileira à luta naval contra os batavos, embora essa contribuição, em terra, tivesse sido o fator determinante no resultado do conflito. Da expulsão dos holandeses (1654) até a fundação do Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro (1763), única iniciativa do Governo de para Lisboa no campo parece ternasido, 1666, a adeterminação do Rei de Portugal instalação de da umaindústria "Fábricanaval de Fragatas” baía em da Guanabara. Nada se sabe, porém, acerca das atividades dessa Fábrica de Fragatas, nem se ela efetivamente chegou a ser criada. Foi no decorrer do governo autoritário e empreendedor do Marquês de Pombal que a indústria naval recebeu melhor apoio. Além da fundação do Arsenal do Rio de Janeiro, um alvará de 1765 deu preferência aos navios construídos no Brasil. No final do século XVIII, já armavam-se embarcações de alto-mar no Rio de Janeiro, na Bahia, no Maranhão, em Pernambuco e no Pará. A capacidade desses estaleiros era já de molde a permitir a encomenda de quatro fragatas, três charruas, três bergantins e doze chalupas. Levando em conta que, na mesma época, uma fração importante da Marinha Mercante inglesa

procediaaltos de estaleiros americanos, pode-se, afirmar que a indústria no Brasil alcançou  jamais índices nos tempos coloniais coloniais, malgrado a abundân abundância cianaval de madeira nasnão florestas florestas, , da experiência portuguesa no setor de construção de navios e dos repetidos apoios do governo. Não

 

tendo havido restrições da Metrópole, nesse particular, deve-se atribuir o atraso à indiferença dos brasileiros por um setor de atividades que, exigindo capital relativamente elevado e certa técnica, não podia oferecer rentabilidade comparável à da exploração agrícola, pastoril ou mineira, que, então, absorviam as atenções do povo e dos dirigentes. De certa forma, o caso do Brasil pode ser comparado ao do sul dos Estados Unidos onde a atividade marítima foi sempre reduzida, pelo menos atédeocafé fim ou dodeséculo XIX, facedoaoBrasil, desenvolvimento da região. Taldocomo o plantador cana-de-açúcar os fazendeirosagrícola de algodão ou milho sul dos Estados Unidos não se interessaram pelas lides oceânicas em qualquer de seus aspectos e, consequentemente, jamais houve pressão sobre o governo para a solução dos problemas marítimos. Assim, o sonho da Marinha colonial, construída, mantida e tripulada com recursos do Brasil,  jamais se converte converteuu em realidade realidade.. O imposto criado para promover o seu desenvolvimento desenvolvimento foi coletado, mas aplicado noutra esfera de ação. Já a partir dos fins do século XVII, quando a decadência naval portuguesa mais se acentuou, descobrindo à cobiça estrangeira o litoral brasileiro, parece que os dirigentes lusitanos perceberam a inviabilidade da Marinha colonial brasileira. O mar foi deixado ao aliado inglês e aos inimigos. Contra os assaltos procedentes do oceano foram erguidas custosas fortificações, obras essas que ainda hoje causam pasmo pela  judiciosa localizaç localização ão nos pontos estratégic estratégicos, os, pelo primor do desenho e pela solidez das suas muralhas. Mais do que o dinheiro, talvez faltassem à Colônia os elementos materiais e humanos indispensáveis à edificação de um arcabouço naval próprio. O apoio da Metrópole, fora do campo puramente administrativo, não foi de molde a sanar tais deficiências em vista da penúria de meios que Portugal então enfrentava. Dessa forma, a indústria naval brasileira não pôde evoluir espontaneamente, provocando o desenvolvimento de indústrias correlatas. Na verdade, com exceção das madeiras de lei, os demais materiais necessários à construção de navios vinham de Lisboa. Tais dificuldades aliadas à ausência de um mercado ávido de seus produtos motivaram o abandono das iniciativas já intentadas quando faltou a energia criadora do Marques de Pombal, e o próprio Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro entrou em decadência. Quando em 1808 a Corte Portuguesa refugiou-se no Brasil, a situação no país, quanto a meios para o apoio marítimo, era das mais precárias. Referindo-se a essa época, afirmou uma testemunha que no Rio de Janeiro não havia recursos para reparar navios, nem docas, nem diques, nem depósitos, nem provisões de madeira, cabos, pano e nem mesmo meios para obtêlos. Os carpinteiros navais eram escassos, bem como os marinheiros. De 1808 a 1822, algum progresso foi alcançado por força da presença da esquadra portuguesa em águas brasileiras, e maior desenvolvimento ocorreu após a Independência com a criação e ampliação da Marinha Imperial. Sem dúvida, os fundadores do Império eram homens de formação basicamente rural, como não podia deixar de ser, mas a educação que muitos haviam recebido na Europa, principalmente na Inglaterra, deve ter influído preponderantemente na maneira desses homens abordarem

determinados problemas nacionais. Eram eles contemporâneos da luta do poder marítimo britânico contra o poder continental da França e não podiam ignorar ensinamentos provindos de tal provação para o mundo. Talvez residisse aí a clarividência com que previram a importância

 

de uma Marinha para o Brasil. Já em 1824, o embaixador brasileiro em Londres, Caldeira Brant, escrevia para D. Pedro I: "Persisto na opinião de depender a unidade nacional da existência de uma Marinha eficaz". José Bonifácio, por seu turno, estava "convicto da necessidade de criar uma Marinha de Guerra que seria o instrumento capaz de dar remate à independência e de colocar o país a salvo de possíveis agressões". O esforço então realizado, para guarnecer e equipar os poucos navios restantes da frota vinda da Europa com D. João VI quinze anos antes, recorrendo a oficiais e marinheiros estrangeiros, recrutando toscos pescadores e caboclos xucros, valendo-se de recursos materiais escassos e inadequados, em suma, apelando para improvisações urgentes de toda ordem, constitui uma página pouco conhecida da história naval brasileira, mas nem por isso das menos interessantes e elucidativas. Foram bem difíceis os dias iniciais da Marinha do Brasil, mas a despeito dos fatores contrários ela não desapareceu, ou por simples imposição das circunstâncias vigentes ou por clarividência dos dirigentes do novo Estado. Fora da esfera da Marinha de Guerra, a atividade marítima brasileira limitou-se ao desenvolvimento de uma navegação de cabotagem, efetuada em bases precárias e utilizando portos mal aparelhados, e à criação de alguns estaleiros pequenos e médios nas principais cidades costeiras. A despeitoem deoperações a Marinhaquase Imperial ter permanecido os seus primeiroso quarenta anos dea existência contínuas do norte ao durante sul do país e no exterior, estado precário que ficou reduzida nos períodos de paz, leva a crer que sua subsistência deveu-se justamente à atividade bélica por ela sustentada. Com efeito, a extinção da Marinha Imperial foi preconizada, por medida de economia, mas de uma vez do alto da tribuna, por ilustres representantes da nação brasileira. Mas se em 1855 um insigne deputado declarava que veria com satisfação o último dos navios de guerra brasileiro consumir-se em chamas e se em 1860 a Marinha Imperial estava próxima da agonia final, vinte anos depois ela fora alçada à invejável posição de sexta do mundo, posição que jamais voltou a ocupar. As realidades da Política haviam falado mais alto que os anseios de economia, pois externamente era a Marinha um instrumento da salvaguarda dos interesses do Império na bacia do Prata, e internamente um instrumento da preservação da autoridade do Governo Central sobre as Províncias dispersas e por vezes agitadas. Mas não havia, por outro lado, interesses econômicos de determinadas classes influentes no país demandando segurança nas rotas marítimas, pois apropria Marinha Mercante pouco se havia desenvolvido. No período imperial poucas foram as companhias de navegação surgidas. O comércio exterior, conforme já se viu, caíra nas mãos de armadores estrangeiros sem que no Brasil ninguém tivesse veleidades de mudar tal estado de coisa. A cabotagem continuou a ser feita nos rústicos palhabotes, patachos, iates, saveiros etc., tal como no período colonial. Os navios costeiros eram mal aparelhados e se faziam ao mar sem instrumentos de navegação astronômica, motivo pelo qual agarravam-se à costa, entrando, frequentemente, nos portos e ali permanecendo até que os ventos fossem favoráveis. Naturalmente, nessas condições, as viagens eram extremamente longas. No início do século XIX, uma travessia marítima do Rio de Janeiro ao Rio Grande levava de 17 a 26 dias e até Recife de 15 a 21 dias. Bem mais demoradas eram as viagens para o Pará. Na verdade, dado o regime de ventos e correntes marítimas do Atlântico Sul, por todo o período

da navegação a vela, era mais fácil navegar de Belém a Lisboa do que de Belém a Salvador. Tais embarcações, via de regra, pertenciam a armadores de poucas posses ou a firmas comerciais que preferiam ter os próprios meios de intercâmbio entre as províncias.

 

Foram numerosas as concessões e os privilégios outorgados pelos governos imperiais com o fito de promover a criação de companhias de navegação particulares que explorassem com eficiência o transporte nos mares brasileiros. Devido, porém, à míngua de capital e à falta de experiência nesse setor de atividade, poucos foram os brasileiros que se aventuraram nos empreendimentos marítimos. Na verdade, no século passado, mais ainda do que hoje, havia uma notória ausência de capitais Conforme acumuladosfrisou capazes de permitir a organização de grandes empresas comerciais ou industriais. Oliveira Lima "as transações tinham uma espera limitada que daria ensejo eventualmente a lucros porventura fartos, mas não a acumulação de capitais. O café não era ainda rei, e o açúcar já entrava a sofrer depreciação. Um senhor de engenho, com bens, terras e escravos avaliados em mil contos, era considerado muito rico, e o seu número contava-se pelos dedos da mão". A riqueza era, em todo o caso, de caráter territorial, baseada na instituição servil. Apesar da ausência de capitais e da relutância dos brasileiros abastados em se aventurarem no ramo marítimo, o primeiro navio-vapor chegado ao Brasil (1837) foi encomendado por uma empresa privada, a Companhia do Rio Doce. Dois anos mais tarde (1839), entraram em atividade ao longo do litoral os navios da Companhia Brasileira de Paquetes a Vapor, que foi a principal empresa de navegação durante o Império, atendendo, contudo, mais ao transporte de passageiros que ao de carga. Essa Companhia teve seu apogeu por volta de 1860. A extinção, em 1862, do privilégio da cabotagem para as companhias nacionais constituiu um golpe sério, e, até o fim do Império, a Marinha Mercante brasileira regrediu. Embora recorrendo principalmente ao estrangeiro para a aquisição de material flutuante, as marinhas de guerra e mercante estimularam, com suas demandas, a aparição de vários estaleiros no país. Construíram-se navios de vários tamanhos e tipos em Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Alagoas, Pernambuco e Pará. Com a aparição dos cascos de ferro e da máquina a vapor, foram-se sucessivamente fechando os estaleiros que o Brasil possuía. Com exceção do Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro, pertencente à Marinha de Guerra, e do Estaleiro da Ponta da Areia, os quais foram adaptados ao novo ciclo industrial, os demais estabelecimentos de construção naval ou paralisaram completamente seus trabalhos ou se restringiram a construção de pequenas embarcações de madeira utilizadas na cabotagem. O Estaleiro da Ponta da Areia, depois de adquirido pelo Barão de Mauá em 1846, foi ampliado e nos onze anos seguintes foram construídas cerca de setenta embarcações de madeira e de ferro. Um incêndio, porém, o danificou seriamente em 1857. Restaurando-se as oficinas com dispêndio de mais do dobro da quantia obtida do Estado, achavam-se elas preparadas para produzir em grande escala os variados produtos que ali se manipulavam, mas faltaram, em sua totalidade, as encomendas do governo, e o serviço particular foi reduzido ao mínimo; foi, portanto, preciso fechar as portas das oficinas à míngua de trabalho. A partir de 1857, praticamente restou no país um centro de construção naval de importância: o Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro, então chamado Arsenal da Corte. Dos cento e trinta navios de vários tipos, desde simples iates de madeira até encouraçados, construídos pelos estaleiros nacionais para a Marinha do Brasil no período de 1822 a 1900, pelo menos cinquenta procederam do Arsenal da Corte. Seu período de maior produção ocorreu nos anos da Guerra do Paraguai, quando ali foram construídos, entre outras unidades, os monitores que forçaram com

sucesso a Passagem de Humaitá, suportando pesado canhoneio a curta distância, sem que sofressem avarias de monta. Ainda devem ser creditadas às realizações do Arsenal da Corte: a construção, em 1874, do encouraçado Sete de Setembro; de 2 174 toneladas; a do cruzador

 

Almirante Barroso, com 1 860 toneladas, em 1880; e a do cruzador Tamandaré, de 4 537 toneladas, cuja quilha foi batida em 1884. Embora esses navios tivessem apresentado falhas de construção, deve-se reconhecer que o Brasil logrou sucesso relativo ao procurar acompanhar a evolução das marinhas das nações na vanguarda do progresso técnico. Cumpre ainda assinalar que, só oitenta anos após, o Brasil construiria navios de porte superior ao daqueles. O advento da República marcou o fim dessa época da indústria naval brasileira. Se nos últimos dez anos do Império ainda foram construídos, só no Arsenal da Corte, quatorze navios, a partir de 1890, por quarenta anos foram praticamente inexistentes os lançamentos das carreiras nacionais. Essa interrupção pode ser atribuída basicamente à incapacidade de ser mantido um esforço industrial que não condizia com a realidade do país. Faltava toda a infraestrutura necessária à indústria naval, a começar pela siderurgia. A maquinaria dos estaleiros era imprópria e obsoleta, e o operariado não era qualificado; enfim, não havia no país onde encomendar as inúmeras peças acessórias já naquela época existentes nos navios. Por outro lado, os nove anos de lutas políticas, de conspirações, de levantes militares e de guerra civil que haviam convulsionado a República tinham reduzido o Tesouro à extrema penúria e tanto a Marinha de Guerra como a Mercante tinham baixa prioridade nas cogitações dos governantes da República. No fim do séculodaXIX, a navegação a vela ee as de pequeno portedejá navios não satisfaziam às necessidades cabotagem brasileira, as embarcações companhias que dispunham a vapor estavam em condições financeiras precárias, incapazes de promover a manutenção e a expansão de suas frotas. Para sanar lacuna tão grave, em 1890 o Governo Provisório da República fundou o Lóide Brasileiro, valendo-se de vinte e seis navios pertencentes a diferentes companhias insolventes, inclusive a antiga Companhia Brasileira de Paquetes a Vapor, A fundação do Lóide Brasileiro marca o início da participação direta do Estado em empreendimentos marítimos comerciais. Desde então, o Governo brasileiro tem sido o maior armador do país. Um ano após a fundação do Lóide Brasileiro, os irmãos Lage fundaram a Companhia Nacional de Navegação Costeira. Durante meio século representou a Organização Lage, com seus navios e oficinas, o esforço máximo da iniciativa particular no setor marítimo. A obra dos irmãos Lage ultrapassou em envergadura e duração à do Barão de Mauá, no mesmo setor, em meados do século passado. Todavia, a despeito do amparo do governo, a Organização Lage entrou em colapso e foi encampada em 1941. O Estado ficou assim com o controle das duas maiores companhias de navegação brasileiras, e a elas vieram juntar-se, posteriormente, outras como a FRONAPE e a Frota da Companhia Siderúrgica Nacional. A partir de meados deste século, as empresas oficiais passaram a dispor de cerca de 70% da capacidade de carga da Marinha Mercante brasileira, transportando porém percentagem bem menor da carga movimentada. Paralelamente à sua participação progressiva na Marinha Mercante, o Estado estendeu, por motivos diversos, sua ação às instalações portuárias. Durante o Império, das várias concessões de

portos baseados em taxas especiais sobre a importação, capazes de assegurar-lhes a construção e funcionamento, a ser executada. Atualmente, com exceção do porto de Santos, todos os portos importantes do país acham-se sob controle ou do Governo Federal ou de Governos estaduais.

 

Nessa quadra da evolução brasileira, os resultados alcançados com a participação direta do Estado nos empreendimentos marítimos concentram para destorcer o sistema de transporte do Brasil. Dessa forma, a iniciativa particular que não pudera atender satisfatoriamente às demandas, nas rotas marítimas, de uma economia em ascensão, foi pouco a pouco afastada por um sistema por vezes antieconômico. Além disso, as leis de favor não mais favoreceram o retorno da iniciativainteiramente particular. O da Marinha Mercante e dos portos ficou assim dependente da desenvolvimento ação convencional com todos os riscos e desvantagens implícitos. No que diz respeito à construção naval, a ação estatal foi mais eficaz, talvez por se valer antes da iniciativa particular, estimulando-a, em vez de participar diretamente dos empreendimentos. Não menos insegura foi a atuação dos governos da República com referência à Marinha de Guerra. A consideração básica de que, a partir do começo do século XX, os mais prováveis inimigos do país passaram a ser extracontinentais, não parece ter sensibilizado os dirigentes. A própria experiência da Segunda Guerra Mundial, na qual vinte e cinco por cento da Marinha Mercante brasileira foi destruída, ameaçando o país de um colapso econômico, não parece ter servido de lição. Em síntese, desde os tempos coloniais até hoje, tem cabido à ação do governo papel primordial na evolução marítima do país. Primeiramente a Metrópole portuguesa procurou criar na Colônia americana, sem muito sucesso, elementos capazes de servir de base ao desenvolvimento marítimo. Depois da Independência a Marinha Imperial representou por algum tempo a única contribuição importante na esfera marítima, só ela ostentando em águas estrangeiras o pavilhão auriverde. Na República, o governo foi levado, progressivamente, a ocupar o vácuo deixado na economia nacional pela falta de iniciativa privada. Companhias de navegação de capital brasileiro ou estrangeiro, companhias de exportação portuária, fomento à criação de indústria naval, tudo passou a ser ou do governo ou depender de suas decisões Resultou daí o desenvolvimento marítimo ficar amarrado mais do que nunca às possibilidades financeiras do Estado e ao descortino dos dirigentes. Toda obra de expansão ou de simples melhoramento passou a depender da política econômico-financeira adotada pelo governo. Evidentemente essa ligação rápida foi prejudicial ao desenvolvimento marítimo do Brasil. É fácil compreender que um governo a braços com déficits contínuos e enfrentando uma inflação atroz, não se pode consagrar rigorosamente à expansão dos serviços que mais lhe dão prejuízos. Outrossim, nas condições vigentes os problemas marítimos não são considerados à parte, mas de permeio a outros problemas que afligem o governo. Num país continental como o Brasil eles não têm prioridade, nem causam grandes preocupações às classes poderosas.

29. CONCLUSÕES O ambiente geográfico como fator negativo para o desenvolvimento marítimo do Brasil. As

 

possibilidades comerciais como fator positivo. A dependência às rotas marítimas do comércio exterior e a espécie dos produtos exportados. Dificuldades à exploração do transporte marítimo. A necessidade de depender do Estado. Tendência do capital a ser aplicado no setor imobiliário. Perspectiva provável de desenvolvimento industrial. Necessidade de um esforço conjugado para dar impulso ao desenvolvimento marítimo do país.

No caso particular do Brasil, verificou-se ter cabido à ação do Estado a parcela maior na reduzida e descontínua atividade nacional no oceano. Resta agora avaliar se a evolução marítima brasileira tende a prosseguir nas mesmas linhas gerais, ou se há possibilidade de trilhar caminhos diferentes e melhores. Logicamente, se o ambiente geográfico de um país não se alterar com o tempo, deve-se esperar que crer o povo a ser eminentemente como tem sido até agora. Nadaa faz quebrasileiro a ânsia decontinue haurir do vasto território as continental, suas riquezas agrícolas e minerais venha cessar num futuro próximo, libertando quantidades suficientes de energia nacional para consagrá-las aos empreendimentos marítimos. O fato de dois terços da população viverem a menos de cento e cinquenta quilômetros do mar, não tira ao povo brasileiro seu caráter eminentemente continental. Mesmo quando vive junto ao litoral, psicologicamente o brasileiro está de costas para o Atlântico. Não se pode contar, destarte, com um movimento espontâneo de frações ponderáveis do povo brasileiro para o mar. Portanto, na equação geral do desenvolvimento marítimo brasileiro, o ambiente geográfico figura como fator negativo que não tende a mudar com o tempo. Ao contrário do ambiente geográfico, o comércio brasileiro aparece como fator capaz de estimular cada vez mais o desenvolvimento marítimo do país. Com efeito, a autossuficiência econômica uma utopia a nos tempos Da mesma forma daque todos ose importantes tornou-se Estados continentais, exemplo dosmodernos. Estados Unidos, da França, Alemanha mesmo da Rússia, foram levados a ampliar progressivamente seus contatos econômicos com o resto do mundo, também o Brasil é cada vez mais solicitado a intensificar seu intercâmbio comercial com as demais nações. Na época da Independência, José Bonifácio ainda podia afirmar que o Brasil pouco precisava da Europa; isso talvez fosse verdade há cento e quarenta anos, em pleno período dos latifúndios oniprodutivos, mas hoje seria um absurdo, pois a subordinação crescente das economias regionais à economia mundial é uma das imposições do progresso. Modernamente apenas as economias consideradas rudimentares produzem para o consumo imediato junto à fonte de produção. As economias avançadas, ao contrário, caracterizam-se primeiro por um vasto sistema de trocas, que permite o acúmulo de todos os elementos necessários nos locais de manipulação, e depois pela distribuição dos produtos acabados, até regiões longínquas.

Se o mundo, por enquanto, pode passar sem muitos dos produtos brasileiros de exportação, por não serem eles imprescindíveis ao consumo humano, ou das indústrias, o Brasil, ao contrário, já

 

não pode manter seu progresso sem a importação de determinados produtos estrangeiros. O normal será o Brasil, no futuro, com suas vastas reservas naturais e sua população em aumento rápido, participar mais intensamente do intercâmbio mundial. Á medida que o progresso conquista novas áreas do território nacional, determinando a elevação do padrão de vida dos habitantes e estabelecendo uma rede de viação interna mais eficiente, as milhares de economias fechadas (representadas pela pequena lavoura de consumo local ou pelo pequeno artesanato) aglutinam-se à economia geral do país, sofrendo o estímulo de novos processos de produção. Em consequência, é de esperar que o Brasil venha a dispor, dentro de alguns anos, de maiores excedentes exportáveis e de maior fome de produtos importados. Também não se deve acalentar a esperança de basear o comércio exterior do Brasil em exportações vultosas e importações mínimas. É um aforismo antigo e conhecido que, no campo das transações internacionais, quem não compra não vende. Todas estas razões fazem prever, portanto, o incremento do comércio exportador e importador do país, caso não surjam circunstâncias imprevistas e excepcionais. Sendo assim é o Brasil, potencialmente, uma importante nação comercial, é natural que também seja campo propício a futuros investimentos marítimos, pois todas as suas comunicações mercantis com o exterior processam-se através de rotas oceânicas. Nesse particular, o Brasil aproxima-se mais de países marítimos, como a Inglaterra e o Japão, do que de potências continentais que dispõem de.um importante sistema de trocas comerciais através de ferrovias, canais e rios. Atualmente, a tonelagem transportada em porões dos navios cargueiros é inferior à deslocada pelos outros sistemas de transporte. A situação do Brasil é idêntica à dos Estados Unidos e da Argentina. As trocas comerciais por via terrestre com as nações vizinhas são de pouca monta, e nada indica que a situação venha a mudar para o futuro. Também não há indícios de que o mercado sul-americano venha a ter para o Brasil a importância do europeu ou do norteamericano. Outrossim, os artigos que participam com maior destaque nas exportações e importações, brasileiras são todos eles de peso e volume alentados, exigindo, por isso, uma tonelagem elevada em navios mercantes, para atender ao seu transporte. A estagnação da Marinha Mercante francesa no início deste século foi em parte atribuída ao predomínio no intercâmbio gaulês dos produtos de pequeno porte, em geral artigos de luxo, como perfumes, sedas, vinhos finos etc. Este perigo não existe para as companhias de navegação que se dedicam à exploração do comércio exterior brasileiro, todo baseado no café, minérios brutos, algodão couros, madeiras, frutas, máquinas, veículos, combustíveis líquidos, carvão etc. Um aumento anual de 5 a 10% na tonelagem permutada significa, correlatamente, a solicitação de muito mais espaço nos porões dos navios mercantes. Como os outros produtos passíveis de serem exportados em quantidade no futuro também exigem muita arqueação, conclui-se haver boas perspectivas para a navegação comercial no aproveitamento do intercâmbio brasileiro. Resta saber se essas condições favoráveis serão suficientes para despertar o interesse do capital privado, levando-o a aplicar-se nos investimentos marítimos, a despeito das dificuldades existentes, ou se o comércio exterior do Brasil continuará nas mãos exclusivas dos armadores estrangeiros. Evidentemente não é fácil num país, em que o povo quase só arrisca dinheiro nos empreendimentos ligados aos bens de raiz, dedicar, de um momento para outro, somas vultosas num setor de atividade cuja tradição de fracassos é longa, desde Mauá até a Organização Lage. Em todo caso, a iniciativa particular no Brasil, que já cooperou de forma decisiva no transporte aéreo e no transporte

rodoviário, talvez considerar, por também seu turno, o transporte sobre no as transporte águas. Surgindo clima favorável, pode servolte que oa capital privado venha a ser aplicado marítimo. No terreno prático, entretanto, os obstáculos ainda são muitos. Os armadores atribuem às

 

seguintes causas às dificuldades encontradas: o aparelhamento obsoleto da maioria dos portos brasileiros, que provoca demora, às vezes de duas ou três semanas, consumindo toda receita dos fretes dos navios; a obrigatoriedade de tripulações maiores do que as necessárias aos navios; a dificuldade de manutenção dos navios no que se refere à substituição de peças das máquinas; a falta de diques para docagem dos navios nas épocas certas, obrigando-os, às vezes, a parar sua operação durante meses por falta dessas facilidades; a concorrência da navegação estrangeira, violando disposição constitucional; a falta de crédito por parte dos bancos oficiais, cujos financiamentos são insuficientes e os prazos curtos demais para o reembolso do custo do material flutuante; a concorrência das empresas do governo, que gozam de privilégios de crédito ilimitado e de facilidades de docagem e reparos não extensíveis às empresas particulares. A existência de um tráfego marítimo crescente, por si só não garante, portanto, o desenvolvimento da marinha de comércio nacional. Não sendo paralelamente eliminados certos entraves, é mais provável que apenas a navegação estrangeira continue a beneficiar-se com o incremento das transações comerciais brasileiras. A remoção desses entraves não constitui, porém, problema de solução rápida e fácil, prendendo-se muito à ação futura do governo e à aplicação de somas importantes. A compra de navios, a dragagem de milhões de metros cúbicos de lama e areia, a construção de cais e diques, enfim, o reaparelhamento completo dos portos, de maneira a atender eficientemente aos serviços do transporte marítimo, é obra de alento que exige continuidade de esforço, A revisão do regulamento que obriga a presença de quase cinquenta marinheiros brasileiros onde normalmente trabalham dezoito noruegueses é problema de solução mais difícil ainda. Não tendo o país uma política marítima perfeitamente estabelecida e aceita, que independa das mudanças governamentais, não se pode esperar um clima propício à aplicação dos recursos particulares. Até agora, a ação descontínua do Estado se tem caracterizado mais pela intervenção direta na exploração do transporte marítimo, chamando a si a tarefa de criar e administrar companhias de navegação e portuárias, do que pela formação de um clima favorável aos investimentos particulares nesse setor. Naturalmente a segunda orientação é de longo alcance, não dando frutos imediatos, e um governo que vê anualmente na balança de pagamento do país uma rubrica negativa de muitos milhões de dólares, consignada às empresas de navegação e seguro estrangeiras, é levado a pensar em medidas mais próximas, mesmo que não sejam as ideais. Neste quadro, a existência e a ampliação dos empreendimentos marítimos estatais se impõem, a despeito das desvantagens já consideradas. Dessa forma, tudo faz crer que a ação do governo ainda será por bastante tempo o elemento principal a ser levado em conta no desenvolvimento marítimo brasileiro. Não se pode, porém, arriscar previsões quanto à orientação futura que os governos darão aos assuntos marítimos. A inexistência de uma consciência marítima no país, as eternas situações financeiras periclitantes, o emaranhado de outros problemas nacionais, nada disso permite acalentar ilusões otimistas quanto a uma continuidade de vistas por parte dos dirigentes e capaz de conduzir a resultados promissores. Só o esforço continuado e bem dirigido, no espaço de uma geração pelo menos, pode conduzira resultados promissores.

Quanto às possibilidades materiais do Brasil em atender ao desenvolvimento marítimo, elas, indubitavelmente, só tendem a aumentar com o tempo. O progresso industrial observado no país amplia cada dia mais, potencialmente, as bases da indústria naval, que é, antes de tudo, uma

 

indústria de síntese. Perdido o caráter artificial que tem mantido desde o início da era do ferro e da máquina, a indústria naval brasileira poderá desenvolver-se mais livremente, sem constituir empreendimento arriscado. Ao mesmo tempo, as disponibilidades de capital crescendo, aumenta a probabilidade de uma parte, menos,não se terá, desvie das aplicações para o setor marítimo. A fase do que pioneirismo e dapelo aventura então, mais razãotradicionais de ser. Concluindo, verifica-se haver no Brasil forças latentes capazes de o conduzir a um promissor desenvolvimento marítimo. Todavia, deve-se reconhecer que também estão presentes fatores contrários. Ainda não chegou o dia em que o vulto do comércio exterior do Brasil, o progresso geral da indústria e a abundância de capitais tornarão a subordinação marítima do país anacronismo insubsistível. Em consequência, um desenvolvimento rápido no setor marítimo está muito na dependência de uma mobilização da consciência nacional e dirigentes jovens. Compreendendo o povo que os destinos econômicos do país não dependem apenas do desenvolvimento de seus recursos internos, mas também da sua capacidade de permutar com o resto do mundo, compreendendo que a expansão econômica ficará manietada sem a posse desimpedida das rotas oceânicas, sentindo o perigo e a humilhação de o sistema de trocas ficar ao talante do estrangeiro, vendo cada ano uma parte substancial dos lucros auferidos no comércio exterior ser drenada de volta para o pagamento de fretes e serviços às empresas alienígenas, talvez a opinião pública, atiçada, se movimente, buscando uma situação que melhor atenda aos interesses nacionais.

 

BIBLIOGRAFIA

1. ALCÂNTARA MACHADO, Vida e morte de bandeirantes. ds. ed., s. d. 2. ALIGNOBOS, Charles. Êtudes d'histoire et de politique s. ed., s. d. 3. BELLO, José Maria. História da república. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira SA, 1940, v. 4. BERR, Henry. En marge de l'histoire universeile. Paris, Le Renaissance du livre, s.d., v. 5. BLACHE, Vidal de Ia. principies de geographie humaine. Paris, Armand Colín, 1948, 320 p. 6. BRODIE, Bernard. La strategie navale. Paris, Payot, 1947, 228 p. 7. BRYGE, James. Les republiques sud-Americaines. Paris, M. Revíere et cie, 1915, 2 v. 8. CALENDER. The naval side of British, s. ed., s.d. 9. CALOGERAS, João Pandiá. Formação histórica do Brasil. São Paulo, Ed. Nacional. 10. CAMÕES, Luiz de. Os Lusíadas. Lisboa, Imprensa Nacional 1978-80 338 p. 11. CANTU, Cesare. Histoire universel. Paris, Firmin Didot, 1853. 12. CAPÍSTRANO DE ABREU, João. Capítulo de história colonial. Rio de Janeiro, Soc. C, de Abreu, 1954, 366 p. 13. CARVALHO, Joaquim de. História da expansão portuguesa no mundo s. ed.,s.d. 14. CASSIANO RICARDO. Marcha para o oeste. Rio de Janeiro, s.ed. 1970 15. CAYROL, Robert. Histoire de la marine Allemand s.ed., s.d. 16. CHURCHILL, Winston Spencer. A segunda guerra mundial. São Paulo Ed. Nacional, 10 v. 17. CIOLI, Lionello. Histoire economique depuis l'antiquité le jusqu'a nos jours. Paris, Payot, 1938, 818 p.

18. CCLARCK, George R. Histoire de la marine des Etats-Unis. Paris, Payot, 1930, 519p. 19. COULOMB. Naval warfare. s.ed., s.d.

 

20. EAST, William Gordon an historical geography of Europe. 3ª ed. London, Methuen, 1948, 480 p. 21. FERRARO, Grandeur et decadence de Rome. s. ed., s. d. 22. FIELD JR, James A. La bataille de Leyte, Paris, Payot, 1949, 157 p. 23. FRANCO MACHADO HISTÓRIA DA expansão portuguesa no mundo. s. ed., s.d. 24. GIAREBARDINO, Oscar di. L'art de la guerre sur mer. Paris, Payot, 1939, 511 p. 25. GIDE, Charles. Curso de economia politica. Buenos Aires, El Ateneo, 1952, 703p 26. GLOVER, T.R. The ancient world, s. ed., s. d. 27. GRADT, H. La marine russe. Paris, Pavot 1928 428 p 28. GREENHALGH, Juvenal. O arsenal de Marinha do Rio de Janeiro na história. Rio de Janeiro, 1951 s.d. 29. GUERIN, Leon. Histoire maritime de France. Paris, Dufour et Mulat, 1851, 6 v. 30. HALL. Harry Reginald História antiga do Oriente próximo Rio de Janeiro. Casa do Estudante do Brasil, 1948. 618 p. ' °J 31. HEARNSHAW, F. J.C. Empire and sea power . s.ed., s.d. 32. HERCULANO, Alexandre. História de Portugal. Paris, Aillaud e Bertrand, 18-8 v. 33. JOUIN, Renè. Históire de la marine française. Paris, Payot, 1950. 312 p. 34. KEUKOKUKINEYGíGIVO. Japan in advanc, s. ed., s.d. 35. KLIÜCHEVSKU, Vasilu Osipovich. Peter the great. London, New York, Macmillan, 1958, 282 p. 36. KNOX, Duddley W. A history of United States. New York, Putnam’s sons, 1948, 704 p. 37. LUCCOCK, John. Notas sobre o Rio de Janeiro e as partes meridionais do Brasil. São Paulo, Martins, 1942, 435 p. 38. MADARIAGA, Salvador de. Espana. México, Hermes, 1955, 847 p. 39. MAHAN, Alfred Thayer. The influence of sea power. London, Sampson Low Marston and Co. ltd., 1892, 2 v.

40. MARTIENSSEN, Anthony. Hitler and his admirals. New York Dutton Co, 1949,275 p. 41. MARTINS, Geraldo Ferreira. História da expansão portuguesa no mundo. s.ed., s.d,

 

42. MARTINS, Joaquim Pedro Oliveira. História de Portugal. Lisboa, I.M. Pereira, 1942, 2 v. 43. MAUÁ, Irineo Evangelista de Souza, Visconde de. Autobiografia. Rio de Janeiro, Z. Valverde, 1942, 368 p. 44. MAUROIS, André. Históire d'Angleterre. Rio de Janeiro, Ed. América, s.d., 375 p. 45. MOMIGLIANO, Eucardio. Cromwell. New York, C, Saibier's sous, 1930, 316 p. 46. MONASTEREV, A. Históire de Ia marine russe. s.ed., s.d. 47. MONTEIRO, Tobias do Rêgo. História do Império. Rio de Janeiro, 1927, 869 p. 48. MOOG, Vianna. Bandeirantes e pioneiros. Rio de Janeiro, Globo, 1961, 420 p. 49. NUMELIN, Ragnar Julius. Les migrations humaines. Paris, Payot, 1939, 378 p. 50. OLIVEIRA LIMA. O império brasileiro. São Paulo, Melhoramentos, 1929, 103 p. 51. ORSI, Pietro. História da Itália. Barcelona, Ed. Labor SA, 1935, 399 p. 52. PERES, Damião. História dos descobrimentos portugueses. Porto, Ed. Portucalense, 1943, 516 p. 53. PLUTARCHUS. Les vies des hommes il’ustres. Paris, Gallimard, 1959, 2 v. 54. POMBO, José Francisco da Rocha. História do Brasil. 10ª ed. rev. e atual. por Hélio Vianna, São Paulo, Melhoramentos, 1961,502 p. 55. RUMILY, R. Históire du Canada, s. ed., s.d. 56. SCHEER, Admiral. La flotte allemande de haute mer. Paris, Payot, 1928, 414 p. 57. SCHMIDT, Max Georg. Geschicte des welthandelss. Leipzig und Berlin, B.G., Teubner, 1928,165 p. 58. _____ História do comércio mundial. Rio de Janeiro, Atenas, s.d. 59. SEGRE, Arturo. Storia del commercio. 2ª ed. rev. aum. Torino-Geneva, S. Lattes, 1923, 2v. 60. SIMONSEN, ROBERT C. História econômica do Brasil. São Paulo, Ed. Nacional, 1937, 374 p. 61. SOMART, Werner. Le bourgeois. Paris, Payot, 1926, 486 p. 62. STEVENS, William Olíver. História do poderio marítimo. São Paulo, Ed. Nacional, 493 p.

62. STEVENS, William Olíver. História do poderio marítimo. São Paulo, Ed. Nacional, 493 p. 63. TERESTCHENKO, Serge. La guerre navale russo-japonaise. Paris, Payot, 1931,520 p.

 

64. THIERS, Adolphe. História do consulado e do império. Lisboa, G.M. Martins, 1845, 11 v. 65. TIRPITZ, Alfred von. Memoires du grande Amiral von Tirptiz. Paris, Payot, 1922, 609 p. 66. TOMPKINS, Stuart Ramsay. A Rússia através dos tempos, desde os citas até os soviets. Rio de Janeiro, Ed. Leitura 1945, 419 p. 67. TOUTAIN, Jules Francois. L'economie antique. Paris, La Renaissance du livre, 1927, 440 p. 68. TOYNBEE, Arnold J. A study of history. London, Oxford University press, 1951,10 v. 69. TRAVELYAN, George Macaulay. Histoire de l’Angleterre. Paris, G. Charoentier. s.d. 70. ____ História política da Inglaterra. México, Fundo de cultura econômica, 1943, 608 p. 71. VARNFIAGEN, Francisco Adolfo de, Visconde de Porto Seguro. História Geral do Brasil. São Paulo, Ed. Melhoramentos, 1948, v. 72. VEIGA MIRANDA. Quatorze meses na pasta da Marinha, s.ed., s.d. 73. VIANNA, Francisco de Oliveira. Populações meridionais do Brasil. São Paulo, Ed. Nacional, 1939, v.

View more...

Comments

Copyright ©2017 KUPDF Inc.
SUPPORT KUPDF