26840278-Georges-Minois-«Historia-do-Ateismo»
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As crenças dos descrentes António Rego Chaves Georges Minois é um erudito com dezenas de obras publicadas, algumas das quais traduzidas no nosso país, como a «História dos Infernos», a «História da Velhice no Ocidente» e a «História do Suicídio». Surge-nos agora esta «História do Ateísmo» – tal como as acima citadas, citadas, pela mão da Editorial Teorema Teorema –, que veio preencher uma lacuna sentida por todos os que procuravam em língua portuguesa informação ampla e fidedigna acerca do que, sem sombra de ironia, poderíamos chamar as crenças dos descrentes. Falamos de lacuna porque a magra «Breve História do Ateísmo Ocidental», de James Thrower, publicada pelas Edições 70, não pode satisfazer quem pretenda aprofundar o tema em estudo, que é um dos mais vastos e importantes de toda a filosofia europeia. Sublinhe-se, europeia: o resto do mundo, até para Georges Minois, fica um tanto à margem da investigação, como se o Gama ainda não tivesse aportado às Índias. A pecha pech a eurocêntrica parece continuar a perseguir-nos ainda hoje, em plena era da «internet» e da globalização. globalização. Mistérios. Estas mais de sete centenas de páginas não abarcam apenas o pensamento ateu, pois ocupam-se também de panteístas, panteístas, agnósticos e deístas. deístas. É longa no tempo e no espaço a crónica dos homens que apenas foram capazes de acreditar na existência dos homens. Sempre polémica, tantas vezes solitária, com frequência trágica. O debate entre fé e razão estava talvez, desde o início, condenado à esterilidade. Mas «a história do ateísmo não é somente a do epicurismo, do cepticismo libertino, do materialismo das Luzes, do marxismo, do niilismo e de algumas outras teorias intelectuais. É também a história de milhões de pessoas humildes mergulhadas nas suas tarefas quotidianas, demasiadamente preocupadas com a simples necessidade de sobreviver para se interessarem pelas questões dos deuses. O ateísmo prático, demasiadas vezes negligenciado, revela-se como a fachada existencial da descrença, tão fundamental como a sua fachada nobre e teórica» – sublinha Minois. Releia-se o Eclesiastes, aborde-se Epicuro, recorde-se o último Platão. Quase poderíamos ficar por aqui: o Eclesiastes abre as portas ao deísmo, Epicuro Epicuro anuncia o assumido ateu que será Lucrécio – e Platão, esse infiel discípulo da agnóstica agnó stica sageza socrática e intransigente inimigo da «sociedade aberta», parece avalizar «a priori», em nome do civismo, civismo, para todas as espécies de descrentes, as purificadoras purificadoras fogueiras da Santa Inquisição. O seu problema, que fique bem claro, não é gnosiológico ou ontológico, mas eminentemente político, porque a religião, na opinião do autor do tardio diálogo filosófico intitulado «Das Leis», constitui sobretudo uma sólida garantia de manutenção da ordem social estabelecida pelo esclarecido despotismo dos sábios governantes da cidade. «Platão está na origem da opinião pejorativa que pesará sobre o ateísmo durante dois mil anos; ligando a descrença à imoralidade, dá um passo decisivo que atinge os ateus de uma forma indelével.» Tudo se confunde: metafísica, ética, política. «O ateísmo é o fermento
de dissolução da sociedade e os intelectuais ateus afirmam-se como os corruptores da juventude.» Viva a ditadura dos crentes ou pseudocrentes, abaixo os direitos dos descrentes e indiferentes, o autoritarismo e a intolerância vencerão! Terá a Idade Média «cristã» significado o fim do ateísmo? Nas primeiras centenas de anos impera o silêncio, reflexo de uma prudente ocultação de toda a reflexão crítica sobre a religião. Depois, chegado o século XII, os goliardos, esses turbulentos e indomáveis «ministros da Satã», escancaram as goelas para comer, beber e cantar, preferem os imediatos prazeres do corpo às paradisíacas delícias da alma, renegam de Deus, blasfemam até que a polícia do pensamento lhes queime a língua com o temível ferro em brasa do religiosamente correcto. Aliás, em todos os extractos sociais se encontram os que repudiam Cristo, a imortalidade da alma, a ressurreição da carne: estudantes, intelectuais, camponeses, aristocratas, os descrentes são legião. Mas quase sempre falam em surdina, não vão as suas dissonantes vozes chegar aos ouvidos dos zelosos esbirros da Igreja Romana. No século XVI, «o ateísmo é já uma realidade consciente, mas inconfessável, sob pena de morte». (…) «O ateísmo não pode ser um ateísmo de sistema ou sereno, porque não tem possibilidade de se exprimir como tal, sob a forma de uma bela exposição construída. Apenas se pode apresentar numa primeira fase como um aspecto negativo e agressivo, como uma expressão de revolta.» A Inquisição vela pelas certezas dogmáticas do catolicismo e vigia todos os suspeitos de heresia: «Giordano Bruno é um homem isolado, com o qual ninguém se deseja comprometer. Nem Galileu nem Descartes falarão com ele.» E porque, ao contrário de Galileu, mesmo após oito anos de cárcere, recusa retractar-se, morrerá na fogueira. «Sobre o patíbulo teria afastado o crucifixo que lhe estendiam, significando assim que não precisava de nenhum intermediário para se juntar ao Grande Todo.» A liberdade de pensamento acabara de conquistar uma bandeira. Seguem-se as duas crises da consciência europeia do século XVII (libertinos, Espinosa, Hobbes, Vanini, Newton, Pierre Bayle, Swift, Collins, Toland, Shaftesbury), «o incrédulo século XVIII» (Jean Meslier, David Hume, Voltaire, d’Alembert, Helvétius, Diderot, Holbach) e o século XIX, o da «morte de Deus» (Schopenhauer, Max Stirner, Feuerbach, Marx, Paul Lafargue, Edouard von Hartmann, Nietzsche). O livro termina por uma incursão pelo século XX – que Georges Minois considera o do «fim das certezas» –, e uma perplexa interrogação acerca do ateísmo no século XXI: «seremos capazes de inventar novos deuses?» Duas notas negativas para a publicação em língua portuguesa desta obra de referência: a primeira pela não inclusão do índice onomástico inserido na edição francesa, em prejuízo dos que necessitem consultá-la; a segunda para a tradução, que em numerosas páginas veicula inadmissíveis erros e grosseiras deturpações do conteúdo do original. Georges Minois, o Ministério francês da Cultura e Comunicação – que apoiou a publicação – e os interessados na leitura do texto não eram merecedores de tão injustificáveis demonstrações de negligência. Georges Minois, «História do Ateísmo», Editorial Teorema, 2004, 741 páginas
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