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August 11, 2019 | Author: supershaman100 | Category: Mitologia Grega, Planetas, Astrologia, Mercúrio (Planeta), Vida
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Liz Greene & Howard Sasportas SEMINÁRIOS SOBRE ASTROLOGIA PSICOLÓGICA VOLUME 4

Elementos Estruturais da Realidade Pessoal

Howard Sasportas

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No tribunal da História, os julgamenB tos contem porâneos raramente são I confiáveis. Contudo, se de alguma coisa podem os ter certeza, é de que I Howard Sasportas receberá relevo em I qualquer relação dos principais personagens da astrologia como elemento de formação da cultura ocidental. Não 6 um tributo modesto para o impacto d do homem e de sua obra o fato de que, I com sua morte em Londres, na Ingla| terra, às 17:11 GMD (fuso -1), em 12 de maio de 1992 (quando Plutão cruzou seu MC e o Sol o seu FC), Howard Sasportas tenha se tornado o primeiro astrólogo na história da Imprensa Brim tânica a ser honrado com um longo e I completo obituário. No dia de seu fuI neral, 18 de maio, ele foi publicado na página 15 do The Independeu t, com uma I foto de seu rosto sorridente. Foi publiI cado ao lado da Circular da Corte, juntam ente com textos comemorativos I de duas outras almas de relevo: o mareI chal N ie R ongzhen, o últim o dos I generais de Mao Tse-Tung, e Sylvia I Syms, descrita por Frank Sinatra como I "a maior cantora de saloou do m undo"; uma justaposição variada de grandeI zas humanas que a Vénus em Gémeos de Howard, bem como as aspirações de I seu Marte, com Saturno e Plutão em I Leão, teria apreciado muito. O trabalho de Howard vive por meio de seus livros e fitas, e continuará a inspirar e a entusiasmar gerações e gerações de astrólogos. Leia e estude sua vida e obra, você terá um exemplo, um amigo, um companheiro e um sá­ bio conselheiro por toda a sua vida.

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Planetas Interiores Elem entos Estruturais da Realidade Pessoal

Liz Greene & Howard Sasportas SEMINÁRIOS SOBRE ASTROLOGIA PSICOLÓGICA VOLUME 4

ROCA

Traduzido do original The Inner Planets: Building blocks of personal reality Copyright © 1993 Uz Greene and Howard Sasportas ISBN: 0-87728-741-4 Copyright © 1995 da Ia Edição pela Editora Roca Ltda. ISBN: 85-7241-104-6 Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida, guardada pelo sistema “retrieval” ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, seja este eletrônico, mecânico, de fotocópia, de gravação, ou outros, sem prévia autorização escrita da Editora.

Dados Internacionais de Catalogação na Pnblicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Greene, Liz Os Planetas Interiores: elementos estruturais da realidade pessoal/Liz Greene & Howard Sasportas; tradução: Marcello Borges. - São Paulo: Roca, 1995. - (Seminários sobre astrologia psicológica, v. 4) ISBN 85-7241-104-6 1. Astrologia 2. Diferenças individuais-Miscelânea 3. Planetas interiores - Miscelânea I. Sasportas. Howard. 1948*1992. II. Titulo. III. Série. 95-0187

CDD-133.53

Índice para catálogo sistemático: 1. Planetas interiores: Astrologia 133.53

1995 Todos os direitos para a língua portuguesa são reservados pela

EDITORA ROCA LTDA. Rua Dr. Cesário Mota J r ., 73 CEP 0 1 2 2 1 -0 2 0 - São Paulo - SP Tel.: (011) 2 2 2 -1 4 5 8 FAX: (011) 2 20-8653 Impresso no Brasil

Printed in Brazã

Í n d ic e

Prefádo Charles Harvey................................................................

VE

Introdução............................................................................

XIII

Parte Um: MERCÚRIO Trapaceiros, Ladrões e Mágicos: As Muitas Faces de Mercúrio na Mitologia.................................................... por Howard Sasportas Interpretando Mercúrio: Mercúrio no Horóscopo............ por Howard Sasportas

3 33

Parte Dois: VÊNUS A Grande Meretriz: A Mitologia e Psicologia de Vênus... por Liz Greene

75

A Lei do Desejo: Uma Análise Profunda de Vênus.......... por Howard Sasportas

107

A Psicologia do Amor Erótico: Uma Discussão acerca de Vênus e da Sexualidade................................. por Liz Greene

143

Parte Três: MARTE O Guerreiro e o Mulherengo: A Mitologia e Psicologia de Marte......................................................... por Liz Greene

189

VI / OS PLANETAS INTERIORES

O Capanga do Sol: Marte no Horóscopo........................... por Howard Sasportas

239

Parte Quatro: INTERPRETAÇÃO DO MAPA Vênus e Marte na Interpretação do Mapa: Uma Discussão com Exemplos....................................... por Liz Greene e Howard Sasportas

281

Parte Cinco: CONCLUSÃO Discussão em Grupo: Perguntas e Respostas...................

317

O Centro de Astrologia Psicológica...................................

352

P refácio No tribunal da História, os julgamentos contemporâneos raramente são confiáveis. Contudo, se de alguma coisa podemos ter certeza, é de que Howard Sasportas receberá relevo em qualquer relação dos principais personagens da astrologia como elemento de formação da cultura ocidental. Não é um tributo modesto para o impacto do homem e de sua obra o fato de que, com sua morte em Londres, na Inglaterra, às 17:11 GMD (fuso -1), em 12 de maio de 1992 (quando Plutão cruzou seu MC e o Sol o seu FC), Howard Sasportas tenha se tomado o primeiro astrólo­ go na história da Imprensa Britânica a ser honrado com um longo e completo obituário. No dia de seu funeral, 18 de maio, ele foi publicado na página 15 do The Independent, com uma foto de seu rosto sorridente. Foi publicado ao lado da Circular da Corte, juntamente com textos comemorativos de duas outras almas de relevo: o marechal Nie Rongzhen, o último dos generais de Mao Tse-Tung, e Sylvia Syms, descrita por Frank Sinatra como "a maior cantora de saloon do mundo"; uma justaposição variada de grandezas humanas que a Vênus em Gémeos de Howard, bem como as aspirações de seu Marte, com Saturno e Plutão em Leão, teria apreciado muito. A candidatura à fama e a honra de Howard - além do mundo relativamente fechado da astrologia profissional - reside no fato de ele não ter ficado satisfeito em deixar a astrologia ruborizar sem ser vista, usada e levada em conta pelo resto do mundo. Ele esteve determinado a colocar a astrologia no mapa da consciên­ cia humana à serviço da humanidade e para a auto-realização de cada indivíduo. Ele se dedicou totalmente a essa tarefa, com uma força, vitalidade, coragem, perspicácia, amor, compaixão e sabe­ doria que ninguém que o conheceu jamais esquecerá. Se hoje em dia, pelo mundo todo, um número cada vez maior de psicólogos, terapeutas, conselheiros e outros profissionais voltados para a ajuda levam a astrologia a sério como ferramenta terapêutica e de diagnóstico, isso se deve, e não pouco, ao trabalho, entusias­ mo e preocupação de Howard Sasportas.

vm / OS PLANETAS INTERIORES

Nesse sentido, seu empreendimento fundamental consistiu no fato de ter fundado com liz Greene, num gesto visionário, o Centro de Astrologia Psicológica, na época das grandes conjun­ ções entre Satumo-Plutão e Júpiter-Urano em 1983. Seu centro estabeleceu um rigoroso programa de treinamento profissional, visando reunir a astrologia e a psicologia profunda, humanística e transpessoal, sugerindo aos alunos que se submetessem às suas próprias terapias pessoais como parte integral do treina­ mento (maiores detalhes em Sobre o Centro, no final deste livro). Desde o início, o currículo incluiu também a mitologia e o estudo dos princípios da cabala e do tarô. Com essa poderosa combina­ ção, Howard e Liz criaram um aqueduto crucial entre os rios da psicologia profunda e elevada e a já florescente tendência do renascimento astrológico. As riquezas que fluíram de e por essa confluência são agora visíveis por qualquer um. Sob a direção inspirada de Howard e de Liz, o Centro de Astrologia Psicológi­ ca ficou cada vez mais forte, atraindo algumas das mais refinadas, inquisitivas e imaginativas mentes de ambas as áreas. Nesse processo, ele gerou, direta e indiretamente, uma literatura astropsicológica incomparavelmenterica, da qual umprecioso volume é este que você está segurando neste momento. As transcrições atuais, tal como nos três volumes precedentes desta série de seminários, dão uma idéia da amplitude e da profundidade de visão que Howard teve como professor e da fogosa vitalidade e entusiasmo de suas apresentações e diálogos com os alunos do Centro. Como de costume, vemos aqui sua mente curiosa, animada e intuitiva, sempre ansiosa para trazer à superfície a vida interior dos deuses planetários, emprestando novos e profundos insights aos lugares-comuns da astrologia e, ao mesmo tempo, extraindo dos alunos suas próprias conclu­ sões. E de onde, poderíamos perguntar, vinha Howard? Ele nasceu em Hartford, Connecticut, EUA, à 1:46 da manhã, EST (fuso +5) do dia 12 de abril de 1948. Os estudantes encontrarão inúmeras informações contemplando seu mapa natal e a força e vitalidade de seu Fogo e Terra, elementos que vivendou e desfrutou ao máximo como pioneiro, consolidador e nutridor. No entanto, como sempre, podemos aprender muito colocando o homem e seu mapa no contexto de sua família. Os pais de Howard, Max

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e Edith Sasportas, descendiam de uma longa linha de judeus sefarditas, ortodoxos e devotos; e, apesar de ele ter se aberto mais tarde a todas as dimensões da vida espiritual, essas raízes primárias foram, sem dúvida, de grande significado para ele. Os sefarditas, judeus espanhóis, sempre se destacaram por suas realizações culturais e intelectuais, e alguns deles, como Maimonides (1135-1204), tiveram papéis de destaque no retomo da antiga tradição da sabedoria à Europa. Foram, por exemplo, os astrônomos-astrólogos árabes e judeus sefarditas que foram contratados pelo rei Alfonso X da Espanha na década de 1250 para preparar as Tábuas Alfonsinas de movimento planetário, tão cruciais no desenvolvimento da astrologia na Europa. Quando os judeus foram expulsos da Espanha em 1492, dispersaram-se pela Europa e pelo Norte da África. Um desses sefarditas, Jacob Sasportas (nascido em 1610 em Oran, no Marrocos, e faleddo em 1698), ancestral direto de Howard, tomou-se em 1664 o primeiro rabino de Londres. Os Sasportas se mudaram depois para Amsterdam e, finalmente, para os EUA. De modo consciente ou inconsciente, essa grande tradição criativa sefardita desempenhou, sem dúvida, um importante papel na formação de Howard. Em 1973, ele se mudou para Londres, talvez atraído subliminarmente para a Europa por essas antigas e ilustres raízes. Lá, ele logo se envolveu com o emergente movimento astrológico que se concentrava na Facul­ dade de Estudos Astrológicos, uma organização independente. A FAS (Faculty of Astrological Studies) foi fundada em 1948, em Londres, pelo grande Charles Carter, Edmund Casselli, Margaret Hone e Lorenz von Sommaruga com o propósito de produzir avanços na compreensão da tradição astrológica e de produzir íntegros astrólogos praticantes. Em 1979, Sasportas recebeu a Medalha de Ouro no Exame de Conclusão da Faculdade de Estudos Astrológicos, sua mais alta honraria, e no mesmo ano tomou-se tutor da Faculdade, começou a se destacar lá e na Associação Astrológica como professor e orador imensamente popular. Como uma pessoa que acreditava que a educação é um modo de vida, Howard continuou a explorar seus estudos psicológicos e espirituais, além da astrologia, nos anos seguintes. Ele se formou no Psychosynthesis and Education Trust, de Londres, que

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se dedica às teorias e métodos psicológicos de amplo espectro do psicólogo italiano Roberto Assagioli, bem como no Centro de Psicologia Transpessoal, uma instituição bastante influente fun­ dada por Ian Gordon-Brown e Barbara Somers. A amplitude e confiabilidade sempre crescentes da visão espiritual interior de Howard foi indubitavelmente auxiliada pelo fato de ter pratica­ do Meditação Transcendental desde a época da faculdade. Sasportas não era só um soberbo professor e conselheiro como também um ótimo escritor, quando conseguia encontrar algum intervalo em sua incessante e ativa prática terapêutica e de ensino. Além das transcrições de seus seminários no Centro, seus livros, tais como Os Deuses da Mudança e As Doze Casas, são modelos de clareza e possuem o viço e o humor de suas brilhan­ tes e animadas palestras. Os Deuses da Mudança, como a maior parte de seus textos, é um clássico em sua área. Ele ilumina o profundo significado transformador dos ciclos dos planetas Urano, Netuno e Plutão no curso de uma vida humana. Nele, sua rica experiência pessoal, seus estudos e atendimento a clientes ficam evidentes quando ele diz que precisamos aprender a colaborar com a inevitabilidade das mudanças e encontrar o significado e o sentido mais profundos por trás dos períodos de dor e de crise em nossas vidas.1 Assim como ele costumava incentivar seus alunos a cresce­ rem e a darem vazão a seus potenciais individuais, também como editor da Série Arkana de Astrologia Contemporânea da Editora Penguin de 1987 a 1991, ele aproveitou a oportunidade para levar a verdadeira astrologia a um público muito maior, 1 Para os leitores que desejarem ler mais sobre esta importante figura da astrologia do século vinte, a principal obra de Howard Sasportas está contida em sete livros, incluindo As Doze Casas (Editora Pensamento, 1988); a série de Seminários sobre Astrologia Psicológica, com Liz Greene, contendo O Desenvolvimento da Personalidade, A Dinâmica do Inconsciente (ambos da Editora Pensamento, 1990), Os Luminares (Editora Roca, 1994), e Os Planetas Interiores, este próprio livro; The Gods ofChange - Pain, Crisis and the Transits ofUranus, Neptuneand Pluto [Os Deuses da Mudança-Dor, Crise e os Trânsitos de Urano, Netuno e Plutão] (1989); e The Sun Sign Career Guide [Guia de Carreiras pelo Signo Solar], com Robert Walker (1989). Howard escreveu poucos ensaios, mas três foram publicados em The Astrological Journal [A Revista Astrológica] da Assodação Astrológica da GrâBretanha. Cópias de gravações de suas palestras no UAC [United Astrological Congress] podem ser obtidas por meio da AFAN, do ISAR ou do NCGR. Finalmente, para compreender melhor o homem e sua obra através de seus colegas e alunos, veja The Astrological Journal, vol. XXXIV, n° 5, setembro/outubro de 1992.

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tendo sido responsável por incentivar seus colegas e autores de textos astrológicos a darem o melhor de si para a astrologia, tal como eu mesmo tive o privilégio de descobrir. Naquela série, ele reúne uma belíssima coleção de livros escritos por alguns dos melhores astrólogos do mundo, tais como Liz Greene, Judy Hall, Michael Harding, Melanie Reinhart e Jane Ridder-Patrick. Essa série, fácil de se encontrar, acima de tudo transformou o modo como o público vê a astrologia e a mostrou como um tema digno de sérios estudos por todos aqueles preocupados em compreen­ der melhor a psique humana e os mistérios profundos de nosso relacionamento íntimo com o Universo. Howard foi uma pessoa cheia de vibrante alegria, uma alma calorosa, eloquente, amável, irradiando luz, cheio de vitalidade, dinamismo e, às vezes, francamente impetuoso - mas sempre humilde, humano, sempre à disposição de qualquer um que buscasse sua ajuda e conselhos. Como a maioria dos melhores professores, Howard era um homem em contato com sua femi­ nilidade e com sua masculinidade. Ele era capaz de usar ambas as qualidades em seu trabalho, evocando a sabedoria interior de seus alunos com sensibilidade, aquela sabedoria pessoal que sabia ser o pré-requisito essencial de todo psicólogo e astrólogo de verdade. De várias maneiras, Howard foi a Alma do Herói arquetípico, descrito por Joseph Campbell. Ele foi o Buscador que sempre viaja por seu interior, superando todos os obstáculos na busca da autodescoberta e da auto-realização. Os triunfos de Howard estão à vista de todos. O que não é sabido por aqueles que não tiveram o privilégio de encontrá-lo em seus últimos anos é a batalha constante que travou com sua saúde, permanentemente debilitada. No final de sua vida, ele passou com bravura por duas operações graves, que visavam corrigir um distúrbio con­ génito em sua espinha. Essas operações acabaram aleijando-o, enquanto, ao mesmo tempo, ele teve de enfrentar o progresso sem remorsos da AIDS, à qual acabou sucumbindo. Contudo, nenhuma dessas provações o impediram de continuar se dedi­ cando com intensidade não só a seu Centro e trabalho terapêutico, como também - com boa parte de seu tempo e energia - ao Oasis Centre para pessoas que sofrem de AIDS, em Londres. Apesar de depender de uma cadeira de rodas em seu último ano de vida,

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continuou a viajar e a dar palestras pelo mundo todo, buscando satisfazer sua vocação de mostrar como os deuses planetários e mundanos ainda estão vivos e bem, agindo em cada um de nós. Suas triunfantes palestras finais, na UAC (Conferência Astrológica Unida), durante a Páscoa de 1992 em Washington, proferidas de sua cadeira de rodas entre transfusões de sangue e noites no hospital, foram a culminação justa de sua vida nobre e verdadei­ ramente heróica. Seu compromisso entusiasmado com a vida e com a auto-realização, desafiando todas as circunstâncias, foi muito encorajador para seus muitos amigos e alunos. O trabalho de Howard vive por meio de seus livros e fitas, e continuará a inspirar e a entusiasmar gerações e gerações de astrólogos. Leia e estude sua vida e obra, você terá um exemplo, um amigo, um companheiro e um sábio conselheiro por toda a sua vida. Charles Harvey 11 de agosto de 1992

I ntrodução A principal tarefa do homem na vida consiste em dar à luz a si mesmo, a se tomar aquilo que potencialmente ele é. Erich Fromm Quando digo "Eu ", quero dizer uma coisa absolutamente única, que não deve ser confundida com nenhuma outra. Ugo Betti Os planetas interiores ou pessoais - Mercúrio, Vênus e Marte - costumam ser vistos por muitos estudantes e praticantes de astrologia como tendo natureza um tanto superficial ou "leve". Podem parecer menos poderosos do que seus irmãos maiores; geralmente, são desprezados com algumas frases simples, do tipo "o impulso agressivo" ou "o impulso de se relacionar". Além disso, aparentemente não são relevantes para o desenvol­ vimento interior como Saturno ou Plutão, por exemplo. São tão pessoais, afinal, e não lidam com tópicos sérios como complexos inconscientes, individuação e evolução espiritual. Podem até dar a impressão de não serem mesmo muito importantes numa análise psicológica profunda de mapa natal, exceto em termos de autogratificação - coisa que, conforme nos dizem sempre nossos colegas mais evoluídos, é uma motivação muito egoísta. Essa é uma postura muito curiosa acerca daquilo que é impor­ tante. Contudo, as pessoas ligadas às profissões voltadas para a ajuda, das quais a astrologia psicológica é uma, às vezes adotamna sem pensar. Se uma necessidade humana é íntima demais, trata em demasia com o prazer e a felicidade subjetivos, então não pode ser significativa em termos cósmicos nesta aurora da Era de Aquário. A satisfação pessoal, especialmente se significa a recusa em colocar os outros "na frente", pode não estar de acordo com aquilo que muitos de nós gostaríamos de entender como sendo o propósito profundo ou superior de nossas vidas. Frases como a de Erich Fromm - "A principal tarefa do homem

XIV / OS PLANETAS INTERIORES

na vida consiste em dar à luz a si mesmo, a se tomar aquilo que potencialmente ele é" - normalmente são entendidas como algo que se aplica à identidade e propósito centrais, não a gostos e necessidades pessoais. Entretanto, essa é uma interpretação errónea do valor do indivíduo total. Os três planetas interiores e as próprias motivações humanas que simbolizam não são menos importantes do que os outros moradores do sistema solar, mais robustos. No final das contas, é a personalidade individual em sua plenitude.- e não apenas suas partes "significativas" - que deve mediar as forças mais profundas e universais que atuam na vida e em nós mesmos. Os potenciais criativo e destrutivo das energias coletivas devem passar pelas lentes dos velhos e comuns eu e você, se quisermos tratá-los com algum grau de escolha inteligente. O pequeno self, esse do tipo comum, de jardim, constitui o vaso que contém - ou é sobrepujado por - os elementos arcaicos, os daimon, da psique coletiva. E a força e autenticidade desse pequeno self, cujas características essenciais são retratadas bem sucintamente no mapa natal pelo Sol, Lua e Ascendente, só podem criar raízes no terreno firme de nossa capacidade de conhecer aquilo que nos deixa felizes, de bem com a vida e em paz conosco mesmos em qualquer tarde comum de sábado. A sensação de infelicidade, o "estado de erro" que tantos clientes levam para uma consulta astrológica, nem sempre é um reflexo de profundas perturbações na herança psíquica familiar ou de configurações globais como a conjunção Urano-Netuno, a qual atualmente está mexendo à beça com nossas estruturas coletivas político-econômicas. Às vezes, o que nos deixa tristes pode também, ou mesmo basicamente, refletir insuficiente valor e tempo dedicados a esses (aparentemente) pouco importantes elementos estruturais da realidade pessoal, simbolizados pelos três planetas interiores. Nem sempre somos criados para respei­ tar nossos sentimentos, desejos e percepções comuns. A "auto-indulgênda" é uma expressão muito ouvida quando ten­ tamos estipular tais barreiras pessoais em face das necessidades dos outros. Em parte, isso reflete um dilema maior, pois estamos acabando de sair de dois mil anos do que Richard Idemon chamou de signo "universal" - Peixes - e estamos entrando em dois mil anos do igualmente universal Aquário.

Introdução / XV

Esses dois signos, os últimos do zodíaco, estão intrinsecamen­ te mais ligados ao grupo do que à felicidade e ao desenvolvimento pessoal de cada indivíduo. Na verdade, os sistemas de valor que esses signos representam, de diversas maneiras, podem às vezes ser bastante antagónicos com qualquer esforço de expressão individual. Nas profissões de ajuda, esse dilema pode ter um aspecto particularmente pungente. Enquanto essas profissões, por sua natureza, tratam do crescimento, da cura e do alívio do sofrimento no indivíduo, muitos dos aspectos mais banais da vida - especialmente os refletidos pelos planetas interiores podem, por necessidade, ser ignorados diante de problemas aparentemente mais importantes. É óbvio que não pago meu analista para discutir os aspectos mais sutis de meu guardaroupas e corte de cabelo. Além disso, também nos ensinam a pensar antes na socieda­ de. Em princípio, isso denota um instinto civilizador positivo, o que toma bem mais segura, feliz e produtiva a qualidade da vida humana. Na prática, esse ditame, acompanhado por um excesso de rigidez, pode às vezes ter efeito contrário. Devemos nos ajustar e adaptar ao mundo em que vivemos; devemos ser leais para com a unidade familiar, esteio da coesão social; devemos cuidar de nossos filhos, de nossos pais idosos, de nossos compa­ nheiros, da fome na Etiópia e dos oprimidos na África do Sul. Devemos ter ambições modestas, sermos contidos em nossos desejos materiais, estarmos dispostos a sacrifícios ao expressar o amor e a sermos "politicamente corretos" o tempo todo; caso contrário, somos egoístas, anti-sociais, ambiciosos, egocêntricos e até fascistas. Tão poderoso e insidioso é esse argumento que muitas pesso­ as crescem sem ter a menor idéia das cores que estão vestindo, de que música lhes traz alegria, de que amigos realmente gostam ou dos livros que gostariam de ler - em boa parte porque ninguém considerou esses assuntos importantes o suficiente para orientar seus filhos a descobri-los, muito menos para fazer com que tomassem decisões a respeito. Assim, nossa capacidade de expressar aquilo que os três planetas interiores simbolizam dentro de nós determina se seremos vítimas da vida ou indiví­ duos criativos dotados do poder de escolha. Os planetas interiores servem àquilo que a psicologia chama de ego, a consciência do

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self pessoal. Em termos astrológicos, eles servem o Sol e a Lua. Mercúrio, Vênus e Marte fornecem os caminhos e modos pelos quais o Sol e a Lua descobrem e expressam suas naturezas fundamentais. Pode ser bom dar um exemplo. Uma mulher que em seu mapa natal apresenta Vênus em Câncer em quadratura com Netuno pode ter tido um ou dois casos amorosos desapontadores no inído de sua vida adulta, um período de psicoterapia que aparentemente resolveu seus problemas inidais e depois um casamento e vida familiar relativamente satisfatórios durante muitos anos. Aí chega Urano em trânsito, fazendo oposição com a Vênus natal e em quadratura com o Netuno natal. Olhem, seu marido a trai com a secretária, sua filha informa que tem usado cocaína, sua mãe morre e, de repente, ela está envolta pela bruma de um contato uraniano imediato do pior grau. Se tal senhora tiver pendores psicológicos, pode passar umbom tempo tentan­ do localizar o complexo que os esforços psicoterapêuticos anteriores deixaram de revelar. E, de fato, é provável que ela encontre conflitos inconscientes que ajudaram a criar o desafio que agora enfrenta. Esse procedimento de introspecção profun­ da pode ser essendal numa época de crise, caso a pessoa queira evitar ficar culpando e recriminando os demais amargamente, enquanto ignora sua própria contribuição emodonal para esse caos. Contudo, há um fator igualmente importante que pode fazer com que a pessoa aceite aquilo que não pode mudar, preservando sua lealdade para consigo mesma. Seja qual for o ambiente familiar, a herança psicológica ou a situação sódoeconômica dessa mulher, a Vênus natal em Câncer afirma algo acerca de seu gosto pessoal - aquilo que ela acha bonito, aquilo que lhe traz alegria e satisfação, aquilo que ela mais preza em seus relacionamentos pessoais e aquilo que ela predsa aprender a valorizar mais em si mesma. Vênus em Câncer é algo absoluto, irredutível e se refere basicamente àquilo de que essa mulher predsa para ser feliz; a necessidade perma­ nente de proximidade emodonal, romance e fantasia são aspectos desse absoluto. Quanto menos ela aceitar isso, quanto menos der valor a isso, mais provável será que se sacrifique para agradar seu marido e filha - receita garantida para a mágoa acumulada que aliena cônjuges e filhos através da destrutividade inconsd-

Introdução / XVn

ente. Ademais, se ela continuar a trair seus próprios gostos e valores, não será capaz de lidar com suas desilusões atuais, pois essa autotraição a impelirá a viver na mentira para impedir que tal catástrofe aconteça novamente com ela. Na verdade, o fato de trair Vênus pode ser, em boa parte, a causa de ela mesma ter sido traída, e o trânsito de Urano serve como o detonador que revela - como Urano costuma fazer - uma situação que não requer mudanças, mas com que ninguém quer se defrontar. Logo, precisamos viver conforme o que somos para sermos felizes, pois não podemos controlar ou prender os outros usando a duvidosa técnica do "sacrifício". Mas, o que somos de fato? Os planetas interiores dizem mais coisas acerca desse eu comum e cotidiano do que qualquer outro fator do mapa natal. Se alguém tem Vênus em Câncer e está insistindo em fingir que esse planeta está em Aquário só porque tem amigos e conhecidos que não gostam do excesso de intimidade em seus relacionamentos, então essa pessoa deve estar escolhendo os amigos errados. Além disso, podemos conseguir mais expressando de modo simples e honesto - e não de maneira manipuladora - o que somos e o que valorizamos, pois assim os outros podem reagir com a mesma franqueza. Assim, será possível atingir ajustes adequados e respeito mútuo. Sejam quais forem nossos complexos e quão profundamente estamos ligados a eles, é nossa a tarefa de vivermos como nós mesmos. Nossos complexos podem ter sido a razão para termos traído nossas necessidades e natureza essenciais. Entretanto, só com sua compreensão não ficaremos livres da responsabilidade de vivermos como somos, caso queiramos que nossas vidas sejamnossas e não uma repetição perene do terceiro ato da Tosca. Às vezes, o "trabalho interior" exige um ato de lealdade, não um esforço de transformação. Saber o que nos deixa felizes (Vênus), expressar isso para os outros (Mercúrio) e ficar firmes diante da oposição (Marte) pode parecer muito pequeno em face das preocupações mais profundas do mundo exterior. No entan­ to, a seu próprio modo, essas coisas são igualmente profundas, pois são justamente esses pequenos atos de auto-afirmação que definem o ego e, no final das contas, a capacidade de mediar os planetas mais pesados e seu potencial destrutivo e transforma­ dor. Se não pudermos expressar Mercúrio, como seremos capazes

XVffl / OS PLANETAS INTERIORES

de ouvir outra pessoa? Se não tivermos nossos próprios pensa­ mentos e atitudes, como ouviremos? Se não pudermos expressar Vênus e não nos valorizarmos, como poderemos encontrar a beleza ou o valor no próximo? Se não pudermos expressar Marte, como seremos capazes de acatar e respeitar o direito que o próximo tem de ser ele mesmo? Em outras palavras, porque deveríamos presumir que outra pessoa - ou Deus, se preferir­ mos - iria querer nosso nobre auto-sacrifído quando nós mesmos não valorizamos o self que estamos oferecendo? Dizem que a vida imita a arte. Às vezes, ela também imita a televisão. Podemos ver a vida através de diferentes canais; e, de acordo com o canal que sintonizamos, podemos encontrar re­ presentações bem diferentes da realidade. Podemos observar o noticiário do SBT enquanto a Bandeirantes exibe uma partida de basquetebol. Na Globo, a novela das sete estará no ar e na Record está passando um filme antigo. Assim como o gosto das pessoas varia, varia a maneira como percebem a realidade e as coisas que estimam na vida. As percepções de um mesmo indivíduo tam­ bém podem variar, dependendo do estágio da vida que ele atingiu. Em um dado nível, cada um desses programas é válido, mesmo se alguém achar a novela horrível e outra não puder aguentar outro reprise de Casablanca. Também podemos ver um horóscopo pela perspectiva dos diversos canais. Dito de maneira simples, o Canal Um é o canal cósmico. Quando estamos contemplando a "matriz da vida" através dessa lente, vemos o significado mais profundo, os mitos que se encontram por trás do comportamento, a ligação com uma realidade maior. Esse é o canal dos planetas exteriores e o de Júpiter e Saturno, que condicionam nossa fé na vida e nossa visão do futuro e do passado. Nesse canal, os planetas interiores podem, à primeira vista, parecer insignificantes diante do plano maior, de uma ordem superior de coisas. Há todo um senso de correção e de destino permeando o Canal Um, e a dor e o sofrimento trazem consigo a sensação de sentido e de potencial de crescimento e evolução. A maioria de nós não consegue sequer sintonizar o Canal Um, o que explica a popularidade das drogas que alteram a consciência - elas parecem reproduzir a sensação de unidade que essa percepção da realidade nos apre­ senta. Os indivíduos que, ao longo da história, dão a impressão

Introdução

/ XIX

de estarem permanentemente sintonizados com esse canal, são vistos como avatares, lunáticos ou ambos. O outro canal é aquele no qual costumamos estar sintonizados - o da vida cotidiana. Este é o canal da realidade próxima. Nele, ficamos conscientes de nossas diferenças com relação aos de­ mais, de nossa separação, de nosso "estado-de-Eu". Enquanto a percepção do Canal Um nos ergue de nossos corpos, o Canal Dois nos apresenta a percepção aguda da realidade material, o que significa aceitar o veículo corpóreo no qual estamos encar­ nados. Este é o canal do Sol, da Lua e dos três planetas interiores que os servem. Nossos corpos são diferentes, nossas necessida­ des emocionais são diferentes, nossos valores, capacidades, percepções e talentos são diferentes. No Canal Dois, não somos Um, somos muitos; e os planetas interiores são - usando as palavras de Dane Rudhyar-nossas "instruções celestiais" para o caminho mais correto e natural para formarmos uma individu­ alidade distinta e separada. A felicidade não está limitada a um desses canais; ela está disponível em ambos. Mas sua forma varia: a felicidade do Canal Um vem do êxtase, é universal e dissolve o ego; a felicida­ de do Canal Dois é a da satisfação pessoal. Pode haver mais dor e sofrimento no Canal Dois, e pode ser que nem sempre compre­ endamos o significado da frustração, da infelicidade e da solidão. No Canal Um, a morte é um rito de passagem. No Canal Dois, a morte é apenas a morte, assustadora e potencialmente dolorosa. A injustiça da vida é mais evidente neste canal, sentimos e percebemos essa injustiça com mais clareza quando nos esforça­ mos para expressar os planetas interiores em nossas vidas pessoais. Os planetas interiores são muito vulneráveis às pressões da família e da sociedade. Pode não ser fácil para uma família ou coletividade suprimir nossa individualidade básica, refletida pelo Sol; e é virtualmente impossível bloquear as energias que irrompem dos planetas pesados quando trânsitos ou progres­ sões os ativam. Mas, para a mãe invejosa, não é difícil esmagar a incipiente Vênus da filha, nem para o pai ditatorial castrar psicologicamente o Marte emergente do filho. Um sistema edu­ cacional que desvaloriza o esforço e a qualidade em nome de dar a todos uma oportunidade igual pode destruir até o Mercúrio

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mais habilitado, tornando-o desajeitado e mudo. Mais do que qualquer coisa do mapa natal, os planetas interiores - essas manifestações altamente pessoais daquilo que somos -precisam de nossa lealdade e de nossa disposição para ficarmos firmes ao lado de nossas qualidades especiais, até mesmo diante das mensagens cósmicas do Canal Um. O próprio espírito pode exigir demais e cabe a nós avisá-lo, pois ninguém virá nos defender se não pudermos nos defender. São os planetas interiores que descrevem nossa base como personalidades únicas, e não as podemos expressar sem sermos separados o suficiente para definirmos nossos próprios valores. A separação é o mais básico e doloroso dos dilemas humanos e está inevitavelmente incluída na programação do Canal Dois. A encarnação, espiritual ou psicológica, parece meio dura se com­ parada com a vida no Jardim do Éden, onde estávamos em unidade com a Mãe/Deus. No momento em que expressamos nossos planetas interiores, colocamos em jogo nossa separação. Não é de surpreender que alguns astrólogos os considerem "pouco importantes", pois são tão importantes que constituem uma ameaça permanente a nossas fantasias sobre a fusão. Não é possível sermos amados incondicionalmente por todos se cada um não for ele mesmo, pois, como disse Abraham Lincoln em dada ocasião, não podemos agradar a todos o tempo todo. É possível assistir a ambos os canais ao mesmo tempo, desfrutan­ do dos prazeres dos planetas interiores enquanto nos lembramos da grandiosidade da vida da qual fazemos parte. Pode parecer uma atitude sadia e equilibrada para lidar com a análise de horóscopos. Mas não podemos construir um edifício de dma para baixo. Devemos começar lançando suas fundações na terra, erguendo-o até completar o projeto. Os planetas interiores são os tijolos, os elementos estruturais de nossa realidade pessoal e as bases sobre as quais podemos erguer nossos olhos e corações para contemplar horizontes distantes e a infindável vastidão do céu. Liz Greene Howard Sasportas Londres, abril de 1992

PARTE UM

M

er c ú r io

Não nos perturbam as coisas, mas as opiniões que temos acerca das coisas. Epicteto

A maior descoberta de qualquer geração éade que os seres humanos podem alterar suas vidas alterando suas atitu­ des mentais. Albert Schweitzer

T r a p a c e ir o s , L a d r õ e s

e

M

á g ic o s

AS MUITAS FACES DE MERCÚRIO NA MITOLOGIA to r

H o w a r d S a spo r ta s

No final dos anos 60 e início dos 70, estudei astrologia em Boston com Isabel Hickey. Ela me ensinou algo que sempre permaneceu em minha mente: se uma pessoa ou situação o está incomodando, tente mudar sua atitude para com ela. Ao fazê-lo, segundo ela, uma destas duas coisas acontecerá. Ou o problema se altera de maneira a não mais incomodá-lo ou a não parecer mais um problema, ou ele se irá e desaparecerá completamente. Assim, se uma pessoa o estiver aborrecendo, talvez seja bom você mudar de atitude para com essa pessoa, vendo-a sob um ângulo mais positivo ou diferente. De acordo com Isabel, a pessoa mudará de tal maneira que não o importunará mais; ou, em muitos casos, ela sairá de cena e você não terá mais de lidar com o réu. A regra é: se você alterar sua atitude, vai alterar a situação como um todo. O poder da mente é capaz disso, o poder do plano mental. Como gostam de dizer os rosacruzes, "Os pensamentos têm asas". Ao longo dos anos, segui o conselho de Isabel em diversas ocasiões e fiquei espantado ao ver como funciona. Você deveria tentar usá-lo em alguma coisa que o esteja incomodando. Entre­ tanto, eu tenho que acrescentar uma condição, uma estipulação. Não sei se será sempre apropriado tentarmos nos livrar muito depressa de coisas que nos preocupam ou aborrecem. Há nisso um ar de fuga, de escaparmos de situações que poderiam nos oferecer valiosas lições ou insights; talvez fosse mais útil para seu crescimento e desenvolvimento espiritual tentar explorar a ra­ zão pela qual uma pessoa ou situação está "torrando sua paciência" ou pondo em relevo seus complexos. Assim, em vez de tentar eliminar imediatamente a fonte de sua irritação, tente voltar-se para dentro e se fazer perguntas como "Por que estou fazendo isso? Será que essa pessoa representa uma faceta de

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minha natureza que acho repugnante ou vergonhosa, e por isso me irrito quando a vejo comportar-se dessa maneira?" Essas perguntas o ajudam a entrar em contato com aquilo que Jung chamaria de sombra. Examinando com sinceridade suas reações ante uma pessoa ou situação problemática, você pode aprender muito sobre aspectos reprimidos ou negados de sua natureza que precisam ser trazidos à luz da consciência e trabalhados. Nesse sentido, a pessoa ou circunstâncias que o estão importu­ nando têm algo importante a lhe ensinar. Alterar sua atitude bem depressa como estratégia para se livrar do problema pode ser uma fuga psicológica. Contudo, ainda acredito que há ocasiões em que é certo e útil aplicar as sugestões de Isabel, mas tente ver se a condição que mencionei antes é aplicável. Hoje, mais tarde, vamos fazer um exercício que consiste em tomar algo que representa um problema para você e ver se ele pode ser alterado ou "alquimizado" por meio de uma mudança de atitude. Entrementes, você pode ficar se perguntan­ do qual de seus problemas quer usar nesse exercício. Se não se lembrar de nenhum, terei muito prazer em lhe emprestar um dos meus. Na verdade, sou um sujeito tão legal que nem vou pedir para que você o devolva. Ficarei encantado se você ficar com ele. Um de meus problemas é: por onde começar com Mercúrio? Esse planeta tem tantas faces e manifestações que é difícil saber por onde começar. Na primeira parte da manhã, estaremos discutindo os mitos associados ao Hermes grego, que servem para ilustrar e dar uma vasta perspectiva do modo como o princípio mercuriano se manifesta, astrológica e psicologica­ mente. Como estou bastante familiarizado com os mitos gregos, vou me concentrar em Hermes, apesar de haver arquétipos equivalentes em muitas culturas diferentes. Além do Mercúrio romano, temos Thoth no Egito, que era conhecido como o Senhor das Palavras Sagradas. Encontramos uma figura mercuriana semelhante a Hermes na mitologia nórdica, onde recebia o nome de Loki. Coyote é o trapaceiro norte-americano equiva­ lente a Hermes e os esquimós o chamam de Raven. Hermes tem um número espetacular de papéis na mitologia grega: ele é o gatuno, o mágico, o artífice, o mensageiro dos deuses, o deus das fronteiras, do comércio, dos mercadores, das palavras e da linguagem, só para citar alguns. Para compreen-

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dermos melhor esses epítetos, gostaria de lhe contar algumas histórias a respeito da vida de Hermes, esmiuçando-as em termos dos princípios psicológicos e astrológicos que represen­ tam. Como você sabe, Zeus teve numerosos casos extraconjugais, e um deles foi com a ninfa dos bosques, Maia. Ele costumava dar suas escapulidas para visitá-la enquanto Hera dormia. Na ver­ dade, o caso entre Zeus e Maia foi o único de que a ciumenta Hera não soube - do contrário, ela teria ficado furiosa, usando um de seus truques para acabar com ele. O fruto desse romance clan­ destino foi Hermes, de modo que você pode dizer que ele nasceu da falsidade, do truque e do ardil por parte de Zeus. Já aprende­ mos alguma coisa: astrologicamente (e essa é uma das facetas menos agradáveis de Mercúrio), onde quer aue Mercúrio se localize no mapa, temos uma área da vida onde há a propensão para sermos enganadores, ardilosos, astutos, onde pode haver a tendência a distorcermos levemente a verdade em nosso bene­ fício. O local de nascimento de Hermes foi uma caverna do Monte Cilene, na região da Arcádia. Assim que ele nasceu, sentiu-se imediatamente entediado e inquieto. De acordo com o hino homérico, Hermes ficou ansioso para encontrar o que fazer além de ficar preguiçosamente deitado em seu berço, envolto por fraldas apertadas. Mais uma vez, isso confere direitinho com o conceito astrológico de Mercúrio, especialmente em sua asso­ ciação com o signo de Gémeos. Onde quer que Mercúrio se encontre no mapa, teremos uma área de inquietude, onde preci­ samos de variedade, de mudança e de espaço para nos movermos. O deus Hermes só tinha um dia de idade, mas partiu em busca de aventura: sem saber muito bem para onde ia ou o que iria acontecer, ele simplesmente se foi e aceitou as coisas à medida em que foram acontecendo. Assim, Mercúrio pode ser associado ao inesperado, à roincidência e à sincronicidade, ou a eventos que parecem acidentais mas que depois podem fazer sentido ou mostrar que servem a uma tinalidade. Isso se aplica particular^ mente ao caso de um trânsito de Urano por seu Mercúrio natal: pode marcar uma fase em que os livros caem da estante justa­ mente com a informação de que você necessita, ou em que você liga a televisão e está passando um programa que você nem esperava mas que apresenta alguma coisa sobre um tema com

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que você está envolvido ou a respeito do qual estava curioso. Até o trânsito rápido de Mercúrio sobre o seu Ascendente ou Vênus pode lhe proporcionar o tipo de dia em que você sai para fazer compras no supermercado, acaba encontrando alguém que não esperava ver e vocês dois vão até o bar mais próximo para tomar um café e conversar - diversões ou encontros inesperados são marcas de Mercúrio. De qualquer maneira, Hermes seguiu o impulso de sair de seu berço, foi até a porta da frente de sua casa e, subitamente, encontrou uma tartaruga. Admirado com seu casco, Hermes disse à tartaruga, "Você é muito bonita tal como é, mas posso pensar em coisas melhores a fazer com você do que apenas olhála".1Ele já estava exibindo sua inventividade, sua necessidade de pôr as mãos em alguma coisa. A, casa que Mercúrio ocupa num mapa indica a área da vida onde devemos ser inventivos, brincalhões e dispostos a tentar novas coisas ao invés de apenas^ nos satisfazermos com o status quo daquela área. Eu usei a expressão "devemos ser" de propósito. Concordo com a teoria de Dane Rudhyar - que a colocação nas casas de seu mapa dos planetas e signos significa uma série de "instruções celestes" acerca de como você pode desenvolver, da maneira mais natu­ ral, seu plano de vida naquele domínio da existência.2 Dito de outro modo, a colocação de seus planetas, por casa e signo, indica a maneira mais autêntica de satisfazer seus potenciais .intrínsecos, a maneira mais natural para você se transformar naquilo que você deve ser. Assim, para realizar o seu dharma (o dharma de uma mosca é zumbir; o dharma de um leão é rugir; o dharma do artista é criar), você deve ser curioso e inventivo rio âmbito da vida associado à casa em que se situa o seu Mercúrio, e isso também se aplica às casas regidas por ele em seu mapa. É uma área da vida onde você deve manter a mente aberta, onde você deve ser flexível e se manter jovem de espírito. Obviamen­ te, isso pode variar um pouco caso Mercúrio esteja num signo fixo, por exemplo, ou se de algum modo estiver obstruído por 'As citações originais (em inglês) do hino homérico são extraídas de Hemtes lhe Thief [Hermes, o Gatuno], de Norman Brown (Nova York, Vintage Books, 1969). zDane Rudhyar, The Astrological Houses [As Casas Astrológicas] (Sebastopol, CA: CRCS, 1986), p.38.

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Saturno - ou se você foi excessivamente condicionado quando criança a ficar sentadinho, comportado e a ser um bom menino ou menina, bem quietinho. Deixamos Hermes face a face comuma tartaruga. Num rompan­ te de inspiração, ele matou a pobre criatura, retirou-lhe o casco, revestiu-o com couro de boi, dotou-o de algumas cordas e fez surgir a primeira lira. Ele fez isso por impulso, sem saber que o instrumen­ to musical mostrar-se-ia bastante útil quando tivesse de lidar com Apoio, mais tarde. Detectamos aí o Mercúrio artífice, alguém engenhoso, hábil ou ágil com as mãos. Esse lado de Mercúrio tem ligação com Gémeos, mas talvez ainda mais com Virgem. A casa de Mercúrio pode mostrar uma área da vida onde dispomos natural? mentecle dons artesanais ou onde podemos ser bastante destros, para usar um sentido levemente diferente dessa palavrq. Hermes também exibe nesse episódio certo grau de crueldade - ele não pensa duas vezes para matar a tartaruga. Já encontrei pessoas fortemente mercurianas que à s v p t p s se comportam de maneira, maldosa ou rude, mas que o fazem com tal charme e sutileza que quase ignoramos suas transgressões. Hermes brincou um pouco com a lira, ficou entediado, jogoua em seu berço e foi procurar outra coisa com que se ocupar. Ele sentia fome quando deu de cara com um rebanho pertencente a Apoio, seu irmão mais velho. É provável que você conheça a história. Hermes decidiu roubar o gado, conduzindo-os de marcha a ré para longe do pasto. Em outras palavras, as pegadas do rebanho apontavam para o sentido contrário àquele em que caminhavam. Depois, ele idealizou e confeccionou sandálias especiais para seu uso e que cobriam suas próprias pegadas, sem deixar rastros. (Tal como alguns tipos mercurianos que conheço: você não sabe se estão indo ou voltando. No mais das vezes, eles mesmos não sabem se estão indo ou voltando!) Depois de roubar o gado, Hermes acendeu uma fogueira esfregando dois gravetos um no outro - na verdade, algumas fontes dizem que essa foi a primeira vez em que alguém fez fogo dessa maneira. Aí, ele escolheu duas vacas para assar, dividiu-as em doze porções e usou cada porção para fazer um sacrifício a um dos deuses do Olimpo... incluindo a si mesmo, naturalmente. Vale a pena fazer uma pausa aqui para refletir sobre o signi­ ficado deste último ato. Ao fazer um sacrifício em separado para

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cada um dos doze deuses, Hermes demonstrou que estava preparado para honrar e partidpar de todos eles, por mais diferentes que os deuses sejam uns dos outros. De modo análo­ go, o Mercúrio astrológico simboliza a parte de nós que é capaz de se identificar, quase que aleatoriamente, com os diversos prindpios representados pelos outros planetas. Assim, Mercú­ rio pode partidpar de Saturno num dado momento, exaltando virtudes como disdplina, padênda e parcimónia, e no dia seguinte honrar Júpiter ao se dedicar com entusiasmo a alguma coisa nova e ainda não experimentada ou ao tirar fumaça do cartão de crédito numa tarde de compras. Se você é predominan­ temente influendado pelo planeta Saturno, poderá ser como Saturno na segunda-feira, terça, quarta, etc. Mesmo se você der uma escorregadela no fim de semana, soltar o cabelo e agir como Vênus ou Netuno no sábado à noite, Saturno retomará o controle bem depressa e irá lembrá-lo de suas regras e leis. Se você tem natureza jupiteriana, vai vivendar esse arquétipo em algum nível ao longo da semana. Contudo, se você é fortemente influendado por Mercúrio, seu dom (que também pode ser sua maldição) é a adaptabilidade, um talento para imitar a natureza arquetípica dos outros planetas. Mercúrio representa o arquéti­ po que pode ser qualquer um dos outros arquétipos. Mercúrio é Mercúrio e não Vênus, Júpiter ou Saturno, mas eiê pode assumir os atributos desses planetas ou dos outros se isso lhe for adequa­ do, e, às vezes, até se não for apropriado. Ele não é nenhum deles, mas pode ser qualquer um deles temporariamente. Mercúrio é um mímico, lembrando-nos do imitador de televisão que pode "fazer" o ex-presidente Reagan em um quadro e depois, no quadro seguinte, Michael Jackson ou Sylvester Stallone. Eu não ficaria surpreso se os imitadores famosos tivessem Mercúrio ou Gémeos em proeminênda em seus mapas. Além de demonstrar sua obediênda a todos os doze deuses do Olimpo, Hermes acabou conseguindo surrupiar alguma coisa de cada um dos outros deuses: o gado de Apoio não foi seu único roubo. Certo dia, ele escondeu os raios de Zeus; noutro, roubou o capacete de Atenas durante algum tempo, e chegou a pegar emprestado a cinta de Afrodite sem lhe pedir permissão. (Per­ gunto-me a razão para fazê-lo - será que estava querendo se travestir? Não me surpreenderia, pois isso sugere a qualidade

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hermafrodita que também faz parte de sua mitologia e que vamos discutir mais tarde.) O fato de ele roubar algo de cada um dos deuses é outra maneira de dizer que ele possui certos atributos de todos eles. Mas você também pode ver nisso uma maldição: como as pessoas fortemente mercurianas podem estar por toda a parte, sendo de um jeito num dia e de outro no seguinte. E você também pode ver como os tipos mercurianos podem enfurecer as outras pessoas. Você pensa que sabe o que desejam ou de onde estão vindo, mas espere só... Quando ele acabou de sacrificar o gado e de saciar sua fome, Hermes voltou para casa e, de acordo com o hino homérico, entrou em casa pelo buraco da fechadura, "como um filete de nuvem"; subiu em seu berço, apertando a lira de casco de tartaruga debaixo do braço como se fosse um brinquedo, e dormiu como um bebê inocente. Transformar-se em fumaça foi mais um de seus truques. De qualquer maneira, sucede que sua mãe chegou em casa e o viu dormindo tão inocentemente, mas não se deixou enganar. Ela percebeu tudo e deixou isso bem claro para ele: "Aliás, quando seu pai o gerou, gerou um punhaj do de problemas para os mortais e para os deuses imortais". É isso que sua própria mãe pensava a respeito dele. Por falar nisso, se você tem o carma de ter dado à luz uma criança predominan­ temente influenciada pelo arquétipo de Hermes, deve aceitá-la como ela é, mas também deve lhe impor certos limites. Hermes precisa de um pai forte e orientador, alguém que lhe diga "Você foi longe demais agora, chega". De modo análogo, pode ser preciso aprender, na casa de Mercúrio, a disciplinar a mente ou a controlar alguns de nossos pensamentos e ações, em vez de pôlos em prática indiscriminadamente. Mercúrio funciona melhor se tiver um conjunto de parâmetros a seguir, ou se tiver padrões morais ou éticos aos quais aderir. Depois de sua mãe acusá-lo de ser um grande chato, Hermes não ficou sem resposta: Por que você tenta me assustar como se eu fosse apenas um bebê idiota? Devo seguir a carreira que oferece as melhores oportunidades, pois devo cuidar de meus próprios interesses e dos seus. É intolerável que apenas nós, dentre os imortais, tenhamos de viver nesta lúgubre caverna, sem receber oferen­ das ou preces. Não seria melhor passarmos nossos dias com

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facilidades e opulência como fazem os outros deuses? O culto a mim terá o mesmo status do que Apoio. Se meu pai me negar isso, tomar-me-ei o príncipe dos ladrões. Se Apoio quiser me caçar, saquearei seu templo em Delfos. Há muito ouro lá - veja! A aspiração de Hermes - igualar-se a Apoio - merece maiores considerações. Primeiro, podemos entendê-la como sendo ape­ nas a rivalidade entre irmãos. Apoio é o irmão mais velho de Hermes, e um dos arquétipos a que Hermes está associado é o do irmão mais novo. Apoio era o filho favorito de Zeus, o garoto dos cabelos dourados. Zeus respeitava o racionalismo, o intelecto e a capacidade de organização de Apoio. Como veremos em breve, Zeus também gostava de Hermes, especialmente de sua sagacidade, de sua capacidade de fazer negócios e do modo ágil como conseguia se desvencilhar de enrascadas. Já que estamos no assunto, Zeus não dava a mínima para seu filho Ares. De acordo com Homero, certa vez Zeus disse a Ares que de todos os deuses do Olimpo era dele que Zeus menos gostava. Ele chegou a acusar Ares de ter o mesmo temperamento intolerável de Hera; em outras palavras, Zeus menosprezava Ares por ser muito parecido com sua mãe. Ares era grosseiro demais, sanguinário demais, insistente demais e emotivo demais para o gosto de Zeus. Zeus tinha sentimentos ambíguos para com Dionísio, outro de seus filhos. Apesar de ter oferecido um segundo útero para Dionísio, sendo por isso protetor em relação a ele, Zeus o julgava um tanto quanto feminino. A determinação de Hermes em se igualar a Apoio pode ser vista ainda sob uma perspectiva política ou social. Na Atenas do século V a.C., Apoio representava a aristocracia, enquanto Her­ mes era o patrono da recém-surgida classe dos mercadores e dos nouveau riche em geral. Hermes simbolizava o desejo que nutri­ am por conquistar a mesma respeitabilidade da aristocracia estabelecida. O conflito entre as classes mercantis e a aristocrá­ tica nobreza foi projetado na rivalidade entre Apoio e Hermes. Vamos voltar para nossa história. Não demorou para que Apoio descobrisse o desaparecimento de seu gado e ele suspei­ tou imediatamente de Hermes. Contudo, quando Apoio questionou seu irmão mais novo sobre o assunto, Hermes (aco­ modado em seu berço) alegou inocência:

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Ora, Apoio, qual a razão para essa linguagem rude? Nunca cheguei a ver o seu gado. Será que me pareço com um pecuarista? Só tenho dois dias de idade e só me interesso por dormir, tomar banhos momos e pelo leite de minha mãe. É melhor você verificar se não há alguém ouvindo essa sua acusação contra mim. Ninguém acreditaria que uma criança recém-nascida poderia roubar vacas. Nasci ontem. Meus pés são macios e o chão é áspero. Contudo, se você quiser, posso jurar pela cabeça de meu pai que não sou culpado e que não vi ninguém roubando suas vacas - sejam elas quais forem. Esta é a primeira vez que ouço falar delas! Atrevido, não? Depois dessa chuva de mentiras, Hermes piscou os olhos com força, alteou as sobrancelhas e emitiu um longo assobio para tentar acobertar a falsidade de suas palavras. Hermes era o deus do humor e o hino homérico que narra suas travessuras é, de fato, de leitura bem divertida. Apoio não é nenhum tolo: Seu mentiroso deslavado, você fala como um gatuno experi­ ente. Muitos pastores irão sofrer em suas mãos nas monta­ nhas, quando, com fome de carne, você avançar sobre seus rebanhos. Mas se deseja que esse sono não seja o último, salte de seu berço, companheiro da noite sombria. Pois esta será sua glória especial entre os deuses imortais: Você será o príncipe dos ladrões por toda a eternidade. Apoio arrancou Hermes de seu berço e o levou até Zeus para que este resolvesse a questão de uma vez por todas. Hermes, só para irritar mais ainda Apoio, soltou gases ruidosos, os quais, de acordo com uma tradução bastante elegante e poética, eram "mensageiros malignos do estômago". Apoio afiraiou que po­ deria encontrar seu gado seguindo o rasto de seus dejetos. Ele seguiu em frente e Hermes o acompanhou, comportando-se como um pestinha, fazendo caretas e estripulias pelas costas de Apoio, enquanto, ao mesmo tempo, alegava inocência e maldi­ zia todas as vacas do mundo. Hermes me lembra essas crianças que fazem de tudo para chamar a atenção, mesmo que isso signifique comportar-se mal. Quando Zeus os viu, sorriu e

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perguntou: "O que é essa bela presa que você carrega?" Apoio se defendeu: "Não sou eu o gatuno. Ele (Hermes) é o gatuno e bastante astuto", explicando para Zeus a situação. Hermes, muito sincero, apelou para a compreensão de seu pai: Pai, você sabe que não sei mentir. Ele (Apoio) veio até nossa casa à procura de gado e começou a me ameaçar - e ele já é grande, enquanto eu nasci ontem Juro pelos portais do céu que nunca levei esse gado para casa e que nunca transpus nossas fronteiras. Vou me vingar desse sujeito por me prender de modo tão violento. Pai querido, você deve defender a causa dos fracos e indefesos. Que podemos fazer senão nos encantarmos com a ousadia de Hermes e suas mentiras tão deslavadas? Como disse antes, a casa ocupada por Mercúrio pode indicar a área da vida em que estamos propensos a distorcer a verdade ou a sermos bastante persuasivos, a ponto de recorrermos a táticas escusas para derrotar os demais. Neste mito, vemos que Zeus achou muito divertida essa história, dando ordens aos irmãos para que fizes­ sem as pazes e se tomassem amigos, momento em que Hermes desiste e se oferece para levar Apoio até o lugar onde o gado estava escondido. Mesmo assim, ainda tinha a intenção de dar trabalho para Apoio, usando seus poderes mágicos para fazer com que as vacas se enraizassem no terreno. Apoio ficou com­ pletamente perturbado. Enquanto isso, Hermes pegou em sua lira e começou a cantar hinos sobre a origem dos deuses e os ofícios atribuídos a cada um deles. Vemos aqui o lado mais sério e erudito de Hermes. Apoio se encantou com a lira e com o belo e doce som que produzia: "Isto que você tem vale cinquenta rebanhos! Ensine-me o segredo de seu instrumento e eu lhe conseguirei uma posição de riqueza e de respeito entre os deuses". Hermes respondeu: "Não sou egoísta. Seria um prazer ensinar-lhe o segredo de meu instrumento. Em troca, você deve permitir que eu compartilhe o domínio do gado". Assim, con­ vencionaram uma barganha. Do mesmo modo, a casa ocupada por Mercúrio mostra a área da vida em que você melhor faz negócios, e todo aquele que tem o arquétipo de Hermes ou Mercuno torte em seu mapa é um

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negodante nato, um comerciante nato. Depois disso, Apoio e Hermes se tomam amigos, apesar de o irmão mais velho ainda manter suspeitas sobre o mais novo: "Receio que você retome a lira, pois Zeus o encarregou de estabelecer a arte da troca na Terra. Só vou me sentir seguro depois que você fizer um jura­ mento solene". Hermes concordou, tomando-se o patrono dos juramentos e das garantias nos negódos. Quando Hermes jurou que não iria mais roubar seu gado ou seu instrumento, Apoio lhe deu um presente - o caduceu, uma varinha mágica com duas fitas ou cobras enroladas sobre ela - que se tomou um dos símbolos mais famosos de Hermes. Aprofundei-me neste mito não só por julgá-lo divertido, como também por ele permitir que compreendamos melhor o arquétipo de Hermes e o modo como Mercúrio atua no mapa. Devo acrescentar que Hermes é um gatuno, não um assaltante. Os gregos distinguiam os dois: o assaltante ataca, ele é aberto e agressivo, enquanto o gatuno é mais sutil, é furtivo. Hermes não é um bandido, mas sim o patrono das ações furtivas. Zeus costumava usá-lo para salvar pessoas em perigo. Em uma histó­ ria, o jovem Ares foi capturado por dois gigantes e mantido em um jarro, e Hermes recebeu a incumbênda de libertar Ares, o que envolveu uma série de manobras. Também foi incumbida a Hermes a tarefa de salvar o pequeno Dionísio das garras de Hera e dos Titãs. E foi Hermes que acompanhou a jovem Perséfone em seu regresso do mundo infernal. Está percebendo o padrão? Hermes é sempre escolhido quando as crianças divinas predsam ser salvas. Ainda nesse mesmo tema, gostaria de contar uma outra história que ilustra muito bem o modo como Hermes se valeu de seus truques para ajudar Hércules quando este ainda era um bebê, e que também serve para ilustrar algumas de suas outras funções. Hércules era filho de Zeus e de Semeie, uma mortal; portanto, ele não era totalmente divino. Para se tomar divino, teria de mamar no seio de uma deusa. Hermes queria ajudá-lo, por isso imaginou um plano bastante interessante: ele deixou o pequeno Hércules numa trilha do bosque e perguntou a Hera, a Rainha dos Céus, se ela queria passear. Enquanto Hermes e Hera estavam caminhando, ele comentou, como quem não quer nada, que Hera tinha belos seios. Ela se sentiu muito lisonjeada. Então,

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tal como Hermes planejara, toparam com um bebê abandonado que chorava na estrada. O bebê estava vestido de maneira a ocultar sua identidade - se Hera visse que se tratava de um bebê mortal ou que fosse um dos filhos ilegítimos de seu marido, nada faria por ele. Quando viram o bebê, Hermes disse a Hera: "O pobre bebê parece faminto. Você, com seus belos e firmes seios, poderia dar a esse bebê um leite muito bom". Hera consentiu e começou a dar de mamar a Hércules, até que percebeu que não se tratava de uma criança divina. Sem se interessar por elevar os mortais à divindade, rapidamente recolheu o seio. Hércules, porém, já tomara leite suficiente para se tomar divino e para seguir o caminho dos heróis. Vê como Hermes é esperto? Usan­ do seus truques, ele consegue transformar um mortal em alguém divino - um ponto importante que depois discutiremos em detalhes. Contudo, há um senão. Quando Hera guardou seu seio, um jorro de leite se projetou no ar, o que teria criado a ViaLáctea. Assim, indiretamente, Hermes é responsável pelas estrelas que guiam os viajantes e orientam as pessoas na vida. De modo análogo, uma das funções do Mercúrio astrológico é manter viva a "criança divina" que há em nós. Todos nós temos uma criança divina interior - uma parte sempre jovem e aberta à vida, qualquer que seja nossa idade. (E se você se lembrar de minha palestra sobre a Lua, também temos uma criança "ferida e irada" em nós, mas isso não nos preocupa agora.) Mais uma vez, referir-me-ia à casa de Mercúrio como a área da vida na qual devemos nos manter sempre jovens, abertos e infantis, no me­ lhor sentido desta palavra. Assim, para corresponder a Mercúrio na terceira, você deve manter sua mente aberta e atualizada, estudar, acompanhar o mundo à sua volta, mesmo se seus contemporâneos há muito fecharam suas mentes ao novo. Se o seu Mercúrio está na 5, a adoção de uma válvula de escape criativa, mesmo que você tenha setenta anos, vai revitalizá-lo e ajudá-lo a se manter jovem e interessado na vida. Mercúrio resgata a criança divina que existe em nós; use este planeta corretamente e você manterá seu coração jovem por mais rugas que tenha ou por mais que seu corpo esteja encurvado. Já notou como muitas das pessoas com ascendente Gémeos ou Virgem costumam parecer mais jovens do que são? Se sua mente é aberta, seu espírito se mantém jovial. Para dizer a verdade,

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admiro muito os mercurianos mais velhos. Em sua juventude e no início da vida adulta, devem ter andado por todos os lugares, inquietos demais, indo e vindo, experimentando uma coisa, depois outra e outra. Esse tipo de comportamento pode irritar os outros. Contudo, quando as pessoas de tipo Hermes ficam mais velhas, tiram o pé do acelerador e se assentam, muitas ainda mantém sua abertura para a vida, sua curiosidade e seu interesse por pessoas e coisas, sem a inquietude e superficialidade furio­ sas da juventude. Tenho mais algumas coisas a dizer com relação a Hermes, o Mago. Já ouvimos falar de algumas de suas mágicas: ele se transforma em uma nuvem de fumaça para passar por um buraco de fechadura; ele faz com que o rebanho de Apoio crie raízes no chão; ele encanta Cérbero e o faz dormir para poder entrar e sair do Submundo sem ser percebido; ele tem o poder de tomar coisas invisíveis. Ele é um mestre das palavras mágicas e das fórmulas mágicas. Não devemos subestimar o poder das palavras. Mantras, preces e cânticos, quer murmurados para nós mesmos, quer verbalizados em voz alta, podem afetar a fisiolo­ gia e a vida das pessoas, podendo afetar a consciência do próprio planeta. No princípio, havia a Palavra. As palavras têm poder, mas os pensamentos também. Maharishi Mahesh Yogi costuma­ va dizer que "o pensamento é a base da ação". Talvez você conheça o sistema de astrologia esotérica de Alice Bailey, que quando comparado com a astrologia tradicional (à qual ela dá o nome de esotérica), atribui regências diferentes a diversos sig­ nos. De acordo com a astrologia esotérica, Mercúrio, e não Marte, é o regente de Áries. Sempre achei isto interessante. De algum ponto de vista cósmico, Marte não é o regente do signo da ação; em vez disso, encontramos Mercúrio (o planeta associado ao pensamento) regendo Áries - um modo bastante conciso de dizer que os pensamentos são a base da ação, ou no princípio havia o Verbo. Creio que se você deseja atingir ou dominar alguma coisa, será útil se sentar e imaginar-se onde deseja. Por exemplo, se você deseja aperfeiçoar sua técnica no piano, imagine-se tocando como um virtuoso, imagine com toda a sua mente e com todos os seus sentimentos que você domina esse instrumento. Sinta seu virtuosismo em cada célula de seu corpo. Obviamente, você ainda precisa praticar e desenvolver

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sua técnica; contudo, se você reservar algum tempo para a visualização, tal como sugeri, verá como vai melhorar. Os psicó­ logos dão a isso o nome de pensamento sinestésico: imaginar como você gostaria de ser, não apenas aos olhos de sua mente, como também sentindo-o em seu corpo e com todos os seus sentidos. A psicossíntese se referiu a isso como "ensaio mental", ou seja, o uso construtivo da imaginação. Muitos de nós desper­ diçam umbom tempo e energia preocupando-se com o desfecho de alguma coisa, mas podemos diredonar essa energia de modo mais construtivo usando a imaginação sinestésica do modo como lhe descrevi. Em vez de ficar se preocupando sem cessar com alguma apresentação ou palestra que está prestes a fazer, ou com uma entrevista, encontro ou exame importante e próximo, você pode se preparar por meio do ensaio mental. Os esportistas usam-no para melhorar seu jogo, os artistas para aprimorar seu trabalho. Eu o emprego para tentar me acalmar antes das pales­ tras e sempre que tenho de escrever um livro, você também pode experimentar. Descobri o pensamento sinestésico quando estava começan­ do a escrever As Doze Casas,3 meu primeiro livro. Apesar de haver épocas em que me deleito com o processo criativo, geral­ mente me atrapalho, espedalmente durante os primeiros estágios de um manuscrito. Não acordo de manhã pensando, "Legal, hoje eu predso escrever". Quando me sento ao computador para trabalhar em um livro, sinto-me como se estivesse mergulhando em água gelada. Em uma ou duas ocasiões cheguei perto de telefonar para o editor para romper o contrato, mas meu ascen­ dente Capricórnio é muito diligente - ele não me deixou fazê-lo. Senti-me preso no duto natal: tinha de produzir o livro, mas não conseguia sair do lugar. Um dia, participei de um seminário de fim-de-semana no qual a psicóloga americana Jean Houston deu uma palestra sobre o trabalho que estava fazendo nos Estados Unidos, usando o pensamento sinestésico com diversos grupos. Deddi experimentar. Meu primeiro gesto matinal e em diversos momentos ao longo do dia, sentava-me em meu sofá e me imaginava diante da máquina de escrever (eu ainda não tinha 3Howard Sasportas, As Dozes Casas: Uma interpretação dos planetas e dos signos através das casas (São Paulo: Pensamento, 1988).

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um computador), saboreando a atividade de escrever e de ser criativo. Ou então me imaginava todo contente entregando o manuscrito terminado para o editor, ou chegava a imaginar o livro pronto nas prateleiras de uma livraria. Quanto mais prati­ cava essa técnica, mais fortes ficavam as imagens. Segundo entendo, essas imagens se tomaram tão poderosas que me lançaram na tarefa de terminar o livro. Há muito a filosofia oculta afirma que a energia segue o pensamento. HermesMercúrio tempoderes mágicos, assim como as palavras, imagens e pensamentos. Contudo, a conclusão do livro ainda me tomou enorme persistência e resistência - percebi que a pessoa que disse que a criatividade exige 1% de inspiração e 99% de trans­ piração estava certa. Naturalmente, poderíamos ter problemas com o uso do pen­ samento sinestésico. Uma parte em nós pode querer alguma coisa conscientemente, mas se inconscientemente receamos rea­ lizar ou atingir aquela meta; ou então, se por algum motivo acreditamos inconscientemente que não merecemos aquilo que desejamos, teremos problemas. Quando existe um conflito entre as metas conscientes e o inconsciente, estamos enviando mensa­ gens confusas para o Universo, o que não é a melhor maneira de obter resultados. Além disso, em qualquer competição entre o consciente e oinconsdente, é este último que costuma vencer. As metas e impulsos inconscientes são mais poderosos que os conscientes, pois atuam secretamente e, a contragosto, vemonos à sua mercê. Vou dar um exemplo pessoal. Depois de ter sido operado no pescoço em janeiro, recuperei-me bem depressa na região operada - assim, oito ou nove dias depois, não sentia dores no pescoço e pude ir para casa. Contudo, sofri complica­ ções devido aos efeitos colaterais dos remédios que tive de tomar após a cirurgia. Acabei tendo uma bela inflamação no fígado e na vesícula, perturbando minha digestão e outras funções gástri­ cas, por isso fui mantido no hospital por mais algum tempo. Conscientemente, eu queria melhorar e ir para casa, mas minha situação não melhorava. Tentei me imaginar saudável e robusto, tentei visualizar meu fígado e vesícula retomando a seus tama­ nhos normais, mas ainda me sentia mal. Então, no meio de uma noite, Hermes me acordou inesperadamente com uma revela­ ção: o motivo pelo qual eu não melhorava é que eu igualava a

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melhora e a volta para casa com ter de começar novamente a trabalhar, e, lá no fundo, eu não estava disposto a retomar ao trabalho, com todas as responsabilidades e a tensão que ele envolve. O que eu queria de fato era uma chance para relaxar e mais tempo só para mim. Percebi que estava usando minha doença como forma de justificar esses desejos. Assim, mudei meu modo de pensar para "posso melhorar e ainda ficar longe do trabalho", o que me ajudou a acelerar o processo de cura. Como vê, precisamos sondar o inconsciente para descobrir impulsos e metas que conflitam com aquilo que desejamos conscientemente. Se você conseguir fazê-lo direito, não terá outros aspectos de sua psique minando suas metas conscientes. Há uma relação entre Hermes, o Mago, e Hermes, o Artífice. Em épocas primitivas, dizem, o artesão complementava suas técnicas com práticas mágicas. Creio que eu estava sugerindo algo semelhante agora há pouco: usar o poder da mente e técnicas como o pensamento sinestésico é uma forma de magia. A casa de Mercúrio (e as casas que ele rege em seu mapa) podem ser as áreas de vida através das quais você descobre o valor da imagem como auxiliar da destreza e do sucesso. Na Grécia antiga, diziam que o artesão devia sua capacidade a Hermes, que lançava alegria e glória sobre a obra de toda a humanidade. Em grego, a palavra para "truque" é a mesma usada para designar "capacidade técnica". Recorda-me a palavra inglesa stealthy, ou "furtivo", "esquivo": se dizemos que um sujeito é esquivo com o arco, queremos dizer que ele é um hábil arqueiro ou coisa que o valha. Stealthy também tem conotações como "sigiloso", "trai­ çoeiro", "ardiloso" ou "matreiro". Já é hora de nos aprofundarmos no papel de Hermes como mensageiro e arauto dos deuses, em seu papel como deus das fronteiras, deus do limiar, deus das divisas e encruzilhadas. Comparado com as outras divindades olímpicas, Hermes é aquele que teve o maior número de tarefas. Ele era o mensageiro pessoal de Zeus, mas todos os deuses o utilizavam como tal. Como distribuidor de informação, mandava mensagens de um deus para outro, de um deus para um mortal ou de um mortal para outro mortal. Servia de intermediário, assim como Mercú­ rio no mapa indica comunicação, viagem e troca de informações e idéias. Ao cumprir suas missões, Hermes cruzava fronteiras -

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viajava até as alturas do Olimpo e voltava para a terra; chegou a ter acesso aos Infernos no papel de Hermes Psicopompo, algo de grande importância psicológica que estaremos discutindo em detalhes logo mais. O nome Hermes significa "aquele do marco de pedras". Isso me lembra que, no verão de 1988, fui caminhar com um pequeno grupo de pessoas por trilhas da região de Ladakh, uma área budista do Himalaia. E difícil hoje - quando subir ao palco de um auditório é uma grande realização - acreditar nisso, mas caminhei dez ou doze quilómetros por dia, carregando uma mochila bem pesada. O trânsito de Netuno (o planeta da ilusão) formou uma quadratura com meu Mercúrio nessa época e imaginei que essa caminhada seria saudável para mim, quando, na verdade, tenho certeza de que colaborou para aumentar meus problemas de pescoço. De qualquer modo, enquanto escalava encostas na altitude de até cinco mil metros, de vez em quando atingíamos um marco de pedras e, conforme manda a tradição, adicionávamos uma a ele. Não conseguíamos deixar de parar nessas pilhas de pedras, reunindo-nos aos demais, esperando os retardatários. Muitas das pedras tinham a inscrição Om Mani e Padme Hum. Os marcos de pedras gregos eram diferentes: ti­ nham uma forma quadrada, quer com um falo, quer com o rosto de Hermes no alto. Chamadas hertnas, assinalavam lugares onde os Viajantes podiam parar e conversar. As hermas funcionavam como pontos de comunicação entre estranhos, e com o tempo tomaram-se lugares onde aconteciam transações financeiras. É fácil perceber como o deus da pedra das divisas se tomou o deus do comércio, outro epíteto dado a Hermes. A palavra grega para fazer negócios é derivada de outra palavra que significa "atra­ vessar". Magia e rituais também eram executados nas hermas. O que realmente me interessa agora é a importância psicoló­ gica de Hermes como deus das fronteiras e como atravessador de fronteiras. Creio que o planeta Mercúrio simboliza aquela parte da psique que consegue passar de um nível, plano ou dimensão da existência para outro. Já mencionei que Hermes viajava até o Olimpo, voltava para a terra e até se aventurava nos Infernos. Eu compararia o Olimpo e os céus aos reinos supraconsciente, espiritual ou transpessoal. O plano terrestre seria o consciente, o nível cotidiano e linear da vida - coisas mundanas

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como fazer compras, pagar a conta da luz, conversar com os amigos, etc. O Mundo Inferior vejo como o inconsciente, onde os conteúdos positivo e negativo não-integrados são enterrados e reprimidos. Mais tarde, quando discutirmos Mercúrio em fun­ ção dos signos, casas e aspectos, você verá a aplicação disto. Por exemplo, se você tem Mercúrio em aspecto com Plutão, isso significa que Plutão está atraindo seu Mercúrio para o Mundo Inferior - você terá de explorar o inconsciente e lidar com ele para desentranhar complexos e potenciais ainda não trabalha­ dos. Se você nasceu com Mercúrio em aspecto com Júpiter ou Urano, provavelmente sua cabeça é atraída para as alturas estreladas do céu, onde procura a verdade e a sabedoria filosó­ fica ou espiritual. Mais adiante vamos aprofundar esta parte. O que desejo enfatizar agora é que Hermes, ao contrário dos demais deuses, tinha livre acesso a todos esses três níveis ou reinos. De qualquer maneira, a maioria das demais divindades preferia descansar no ar rarefeito do Monte Olimpo a se misturar aos reles mortais - mas não Hermes, que aparentemente gostava de seu papel como intermediário entre os ,deuses e as pessoas comuns. Hermes-Mercúrio é um hábil mudador de canais. Vamos estudar melhor este aspecto. O fato de Hermes ter sido a máquina de fax ou o office-boy pessoal de Zeus é significativo, seja do ponto de vista psicológico ou espiritual. Zeus, com seus olhos de águia, vivia em uma montanha elevada, por isso podia ver as coisas à distância e com uma perspectiva bastante ampla da vida. Hermes era usado para levar o conhecimento e a compreensão de Zeus para as pessoas da terra. De modo análogo, Mercúrio nos equipa com a capaci­ dade de aplicarmos à vida cotidiana quaisquer insights elevados ou visões espirituais que tenhamos. Posto de outra maneira, Mercúrio (que rege o sistema nervoso) media a visão supraconsdente, a sabedoria e o conhecimento superior de Júpiter e os toma acessíveis a nossas mentes consdentes. Se não tivéssemos um sistema nervoso, não seríamos capazes de entrar em contato com o espírito. Do mesmo modo, se não tivéssemos linguagem e palavras (e Hermes tem a reputação de ter inventado o alfabe­ to), não conseguiríamos dar expressão concreta aos ideais e conceitos jupiterianos. Tome como exemplo a Constituição dos Estados Unidos. Eu compararia os ideais e conceitos contidos

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em algo como a Constituição com a visão de Júpiter; entretanto, as visões, os ideais e conceitos são inúteis sem as palavras que lhes dão forma, corpo e voz. Assim como Hermes ajudou Hércu­ les a atingir o status divino, o princípio representado por Mercúrio nos habilita a aprender e a expressar - tanto em ações como em palavras - nossas crenças espirituais ou filosóficas, inspirações e insights. Os japoneses têm um ditado: "saber e não agir é o mesmo que não saber". Não é mera coincidência o fato de hermenêutica ser o nome dado à arte e ciência de interpretar as Escrituras, bem como tudo que é considerado sagrado e divino. Hermes cumpria missões para Zeus e para os outros deuses, mas também enviava mensagens de ummortal para outro. Além de agir como ponte entre o supraconsdente e o ego, Mercúrio é o vínculo entre o ego e seu ambiente. Sem Mercúrio, eu não poderia tagarelar como é meu hábito. E, neste momento, quero tagarelar sobre uma função muito importante e séria que Her­ mes também exerda: seu papel como Hermes Psicopompo, Hermes como guia das almas que entram e saem do Mundo Inferior. Recomendo seriamente o capítulo sobre Mercúrio escri­ to por Erin Sullivan em um livro chamado Planets, uma compilação de textos de diversos autores que tratam de cada um dos planetas.4 Ela diz que Hermes era o único deus que conse­ guia ir à vontade ao Hades. Ele acompanhava tanto os mortos como os vivos ao Submundo; alguns ficavam, alguns retoma­ vam ao mundo da superfíde. Ela compara isso à capacidade mercuriana que a mente tem para descer às profundezas do inconsdente para resgatar materiais reprimidos ou enterrados, que podem então ser examinados à luz da consdência. Já notou como certos livros de astrologia tratam os geminianos como levianos e um tanto superfidais, rotulando esse signo como a borboleta do zodíaco, bom para festas e conversa mole, mas não o tipo de pessoa que explora qualquer coisa em profundidade? Apesar de alguns geminianos se encaixarem nessa descrição, tenho visto outros que não se ajustam a ela. Quando os geminia­ nos (e, mais obviamente, os virginianos, as outras pessoas regidas por Mercúrio) deddem de fato explorar o inconsciente por meio ■•Erin Sullivan, "Mercury", em Planets [Planetas], editado por Joan McEvers (St. Paul, MN: LIewellyn Publications, 1989).

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da psicoterapia ou algum outro meio, são tão capazes quanto qualquer escorpiano ou plutoniano. Às vezes, conseguem até ir mais a fundo do que Escorpião, pois quando os geminianos ou virginianos detalhistas se dedicam a uma viagem interior, aca­ bam explorando pequenos recônditos e nichos da psique que podem escapar até ao mais astuto escorpiano. Por este motivo, Hermes Psicopompo tem relação com o campo da psicoterapia, e alguns dos melhores e mais bem-sucedidos psicoterapeutas que conheço nasceram com o Sol em um signo regido por Mercúrio. Mercúrio rege a autoconsciência reflexiva, a capacidade par­ ticularmente humana de meditar conscientemente acerca do eu e daquilo que se está fazendo. Como humanos, estamos equipa­ dos com um córtex cerebral altamente desenvolvido, que nos dota com a capacidade de nos examinarmos, de compararmos nossas ações com ideais e princípios que poderíamos considerar como o modo "correto" de agir ou de ser. Assim, talvez deseje­ mos liberar nossa raiva sobre alguém, mas pensamos no assunto e decidimos lidar de outra maneira com a situação. Os animais não têm essa capacidade: são guiados unicamente por impulsos instintivos estereotipados e comportamentos pré-programados (apesar de alguns animais domésticos poderem aprender a diferenciar o bom do mau com seus donos humanos). Temos mais alternativas à nossa escolha - o que pode tanto ser uma bênção como um fardo, como qualquer um que tenha agonizado ante uma decisão importante ou que tenha experimentado o conflito e a tensão criados quando teve de optar entre reagir instintivamente às circunstâncias ou agir de acordo com as normas da "civilização". Há, na alquimia, um personagem chamado Mercurius, que é tratado de duas maneiras bastante contrastantes. Ele era chama­ do de "o espírito criador do mundo", mas também era chamado de "o espírito aprisionado e contido na matéria".5 De algum modo, ele cria o mundo e depois se vê aprisionado no mundo que ele mesmo criou. Vamos continuar um pouco com esta história, pois muitos psicólogos e filósofos acreditam que somos semelhantes a esse Mercurius: moldamos nossas vidas segundo 5Sallie Nichols, Jung e o Tarô (São Paulo: Pensamento, 1990).

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nossas crenças, preceitos e percepção da "realidade", e depois ficamos presos por nossa própria criação: somos limitados por nossas próprias percepções. É disto que eu tratava quando dizia que, se você deseja mudar alguma coisa, primeiro deve alterar suas atitudes e crenças, seu modo de ver essa coisa. Provavel­ mente, vocêjá ouviu falar do princípio da incerteza de Heisenberg, que afirma que o ato da observação em si afeta aquilo que está sendo observado. Nossa mente (Mercúrio) representa um im­ portante papel na determinação da aparência que o mundo tem para nós. Por exemplo, digamos que você tem excesso de peso, é obeso, e dá duro para emagrecer. Isso é ótimo, mas se você ainda se imaginar gordo, vai acabar recuperando o peso. Eis um outro conceito para você: disposição mental. Trata-se do modo como avaliamos o mundo. Se a sua disposição mental lhe diz que o planeta Terra está se encaminhando para um desastre global, podendo até se defrontar com a destruição total, você estará predisposto a perceber tudo aquilo que acontece à sua volta e que dá suporte ou corresponde às suas expectativas ou disposição mental, e provavelmente você ignorará, desprezará ou sequer perceberá as informações que podem indicar o contrá­ rio. Nossa disposição mental determina o modo como interpretamos dados sensoriais. Se a minha disposição mental me diz que eu sou uma pessoa imprestável ou inútil, vou interpretar os eventos adequando-os a essa crença ou afirmativa de vida. Mesmo se as pessoas me disseram que sou bárbaro ou que sou excelente em alguma atividade, vou pensar que poderia ter feito melhor, vou me convencer de que eles devem ser tolos para gostar de mim ou que estão apenas sendo gentis. (O que foi mesmo que Groucho Marx disse certa vez? Algo como "não gostaria de entrar para um clube que me aceitasse como sócio".) Se eu acho que sou inútil, vou me dedicar a coisas que não faço direito em vez de aprimorar meus pontos positivos, e vou acreditar nas pessoas que me criticam sem registrar qualquer elogio que receber. Nossas mentes são como Mercurius: nossos pensamentos, nossas crenças, nossas disposições mentais e nos­ sas afirmativas de vida é que nos limitam ou nos metem em encrencas; contudo, é por meio da mente e de nossos pensamen­ tos que podemos nos libertar de muitas de nossas dificuldades, percebendo novas maneiras de encarar as coisas.

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Há um exerddo muito simples e que pode ajudá-lo a fixar essa idéia. Quero que você fique de olhos abertos, vire sua cabeça o mais que puder e veja até onde ela virou - marque um ponto mental na parede ou onde quer que deseje, indicando o máximo que sua cabeça atingiu. Agora, retome a cabeça à posição normal e passe um minuto de olhos fechados imaginando que você é capaz de virar a cabeça em360 graus - imagine isso, imagine que sua cabeça dá uma volta completa em tomo do pescoço. OK, acabou, pode parar. Agora, abra os olhos e repita aquilo que fez antes: tente virar sua cabeça o máximo que puder. Você verá o que acontece-sua cabeça será capaz de se virar mais do que antes. É verdade, fundona mesmo. Repetindo: Mercúrio governa nossos pensamentos e per­ cepções, e estes podemnos limitar. Contudo,Mercúrio tambémnos dá a capaddade deter outros pensamentos e percepções que podem nos libertar; para coroar tudo isso, Mercúrio é a nossa parte capaz de notar que podemos mudar o modo de percepção desta forma. Bem, essa é a idéia geral. Em alquimia, Mercurius representava tanto o transformador como aquilo que precisava ser libertado ou transformado. Ele simbolizava tanto a prima matéria (o chumbo ou os excrementos que deviam ser transformados em ouro), como a meta da obra. Mercurius duplex, utriusque capax é a frase em latim usada para descrever Mercurius, e sua tradução é: "Mercúrio, duplo e capaz de qualquer dessas duas coisas". A mente pode nos prender ou moldar um novo mundo para nós. Jung comparava Mercurius àfunção transcendente, um conceito difícil de explicar, a respeito do qual ele disse: O segredo da alquimia estava, na verdade, na função trans­ cendente, a transformação da personalidade por meio da mesda e fusão de componentes nobres com os mais básicos, das funções diferenciadas com as inferiores, do consdente com o inconsdente.6 Creio que Mercúrio é o planeta que mais se assemelha à função transcendente. Como vimos, é Hermes-Mercúrio que 6C. G. Jung, citado por Jolande Jacobi, The Psychobgy ofC. G. Jung [A Psicologia de C. G. Jung] (New Haven, CT: Yale University Press, 1973; e Londres: Routledge & Kegan Paul, 1968), 142.

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consegue se alçar às alturas do Olimpo, aos reinos transpessoal e supraconsciente; Hermes-Mercúrio é capaz de descer às pro­ fundezas do Submundo, explorando aquilo que está enterrado no inconsciente; e é Hermes-Mercúrio que pode trazer de volta à consciência cotidiana ou à nossa personalidade consciente aquilo que viu ou aprendeu quando estava nas alturas ou nas profundezas. Se Mercúrio deixar, podemos tentar fazer uma pequena expe­ riência alquímica. No início da palestra de hoje, eu lhe pedi para que escolhesse um problema que deseja resolver. Já escolheu um? Ótimo. Agora, faça-se estas perguntas: "O que este proble­ ma está me forçando a aprender? O que eu precisaria desenvolver, resolver ou dominar em mim para conseguir lidar melhor com esse problema?" Pense bem nisso durante alguns minutos. Talvez você queira fazer algumas anotações sobre o que você acredita que o problema esteja fazendo você aprender e desen­ volver, sobre essas coisas que o ajudariam a resolver ou a aliviar aquilo que o incomoda. Agora, observe essas anotações e se pergunte: "Serão essas coisas boas aquilo que o problema está me pedindo para resolver? Será que o problema me pede para que desenvolva e domine essas boas qualidades e recursos?" Sua resposta, na maioria dos casos, provavelmente será: "Sim, essas coisas são boas". E se são qualidades ou recursos positivos, como é que você chama o seu problema de problema? Quem, senão o seu melhor amigo, desejaria tais coisas boas para você? Portanto, seu problema é o seu melhor amigo. Por exemplo, se meu problema fosse o ciúme excessivo e irracional, eu teria de desenvolver maior objetividade, mais desapego e distanciamen­ to, ou teria de me submeter à psicoterapia para me localizar e, se tudo corresse bem, aprenderia muita coisa a meu respeito du­ rante o processo. Assim, devo chamar meu ciúme de problema? Ou seria ele um "amigo" que me ajuda? É meio complicado, eu sei, mas eu gosto desse exercício. Ele é alquímico no sentido de que você está pegando algo de que não gosta ou acha ruim (a prima matéria, chumbo ou fezes) e transformando isso em ouro quando observa o problema de outra maneira, vendo que ele pode ser um trampolim ou catalisador para que você desenvolva qualidades positivas que talvez você não desenvolvesse se não tivesse o problema.

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Você também pode ver que a dicotomia entre o bom e o mau pode ficar borrada ou até ser transcendida, pois, se o problema leva a alguma coisa boa, então ele não é tão mau assim. Parabéns se você acaba de transcender algo difícil - não é algo que acontece todos os dias. Se você se sente "amarrado", nãorealizado ou infeliz na casa ocupada ou regida por Mercúrio em seu mapa, então você deve estar fazendo alguma coisa errada. É aí que você pode aprender a fazer a mágica de mudar suas crenças, percepções e expectativas a fim de alterar sua experiên­ cia nessa área. Uma vez mais devo lembrá-lo de que primeiro você deve limpar quaisquer bloqueios inconscientes (declara­ ções de vida negativas ou auto-impeditivas das quais você não tem consciência) que estejam obstruindo aquilo que, consciente­ mente, você gostaria de realizar. Lembro-me de ter agido assim com uma moça que tinha Mercúrio na 2 em aspecto difícil com Plutão na 11, mas em sextil com Júpiter na 4. Ela queria ter sucesso em seu trabalho e ganhar um monte de dinheiro, mas quando lhe pedi para que se imaginasse como uma pessoa rica e bem-sucedida, ela não conseguiu fazê-lo. Acontece que, in­ conscientemente, ela receava que seus amigos não gostariam mais dela se isso acontecesse - ela temia a inveja e coisas semelhantes. Para que pudesse realizar suas metas, teria de limpar esse medo. Hermes acaba de fazer aflorar uma coisa em minha mente, algo de que queria me lembrar. Mencionei que ele era o deus dos limiares ou o deus das encruzilhadas. Você encontra Hermes quando chega a uma encruzilhada da vida ou está no limiar de uma nova fase. Pense no significado de estar em um limiar - você não está nem do lado de cá, nem do lado de lá da porta. Na verdade, você está em transição e Hermes é, às vezes, chamado de deus das transições. Acho isso interessante, pois sempre que você está em transição, sempre que está passando de uma fase importante da vida para outra, o arquétipo de Hermes é ativado. A adolescência é uma dessas fases e Hermes (sempre represen­ tado artisticamente como um jovem) é o deus associado à adolescência, a época em que você não é mais criança, mas ainda não é adulto. A meia-idade é outra passagem importante, e Hermes estará por perto nessa época para ajudá-lo a encontrar novo sentido ou propósito na segunda metade de sua vida. Na

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verdade, em qualquer época em que você se sinta entre identida­ des ou dispa sua persona atual e a troque por uma nova, Hermes não estará muito longe. Digamos, por exemplo, que você saiu de um casamento de dez anos e ainda não encontrou outra pessoa. Você está numa encruzilhada, você deixou para trás sua antiga vida, mas não sabe o que vai acontecer depois. Você não se identifica mais como o marido ou a mulher de alguém e talvez passe um período meio longo no limbo, lamentando-se pelo "velho eu", sem pisar em terreno sólido, sem ter certeza de sua identidade. Usamos a expressão estado liminar (derivado da palavra latina limen, signi­ ficando portal ou limiar) para designar uma fase em que o antigo não funciona mais, mas o novo ainda não o substituiu. No manuscrito inédito de Jim Lewis intitulado Peter Pan in Midlife (Peter Pan na Meia-Idade), ele cita Murray Stein a esse respeito: "O estado liminar é aquele em que entramos por meio da... experiência interna da perda e do enterro do senso anterior do eu... Há uma ruptura na continuidade psicológica, e a experiên­ cia do eu e dos outros evoca uma sensação diferente, como se aquilo que antes era sólido fosse agora irreal".7Lewis acrescenta que, durante esse estado, "A pessoa deve ser varrida sobre os mares da possibilidade, como Ulisses em seu barco... acidentes, sonhos, encontros com estranhos notáveis e encontros em encru­ zilhadas (literais ou figurativas) podem resultar no fato de identificarmos e assimilarmos potenciais totalmente novos".8 Talvez você precise esperar um pouco, mas, mais cedo ou mais tarde, o estado liminar invoca Hermes; com um de seus truques, algum evento ou encontro inesperado arranjado por ele, você se defronta com a oportunidade de passar para a fase seguinte de sua vida. Hermes lhe dá o poder de atravessar o limiar, mas você deve estar aberto e receptivo a ele, e disposto a correr alguns riscos. Erin Sullivan diz que "sempre que as coisas parecem fixas, rígidas ou paradas, Hermes introduz a fluidez, o movi­ mento e novos inícios".9Até aqui, alguma pergunta? Murray Stein, citado por Jim Lewis, Peter Pan in Midlife, manuscrito inédito. *Jim Lewis, Peter Pan in Midlife. 9Erin Sullivan, "Mercury", em Planets, p.85.

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Audiência: Hermes teve mulher ou filhos? Howard: Como seria de se esperar dele, Hermes nunca se assen­ tou em um relacionamento - ele era um deus solteirão. Natural­ mente, isso não o impediu de ter filhos. Em mitologia, a progénie de um deus pode ser vista como representações distintas da natureza desse deus. Um de seus filhos se chamava Autólico, que, infelizmente, herdou algumas das piores características de Hermes: Autólico ficou famoso como um grande ladrão e como o maior de todos os mentirosos. Outro filho, o implacável Mirtilo, era um sodopata que planejou a morte de seu prindpal cocheiro. Em algumas versões do mito, diz-se que Hermes seria o pai de Pã, um ser cuja metade inferior é a de um bode, representado com chifres de bode e barba. Ele era o deus das florestas e pastos, muito folgazão, de pavio curto e tarado. Pã herdou algo da natureza brincalhona de Hermes: ele gostava de se esconder atrás de um arbusto para assustar os viajantes que se aventuravam pela floresta. A palavra pânico deriva de seu nome. (Uma das facetas de Hermes era levemente deturpada - ele adorava brincadeiras desse tipo. Já observei essa faceta agradá­ vel em alguns tipos mercurianos, que gostam de pregar peças nos outros só pela farra: acho que vou contar para minha melhor amiga que seu marido está saindo com outra, só para ver o que acontece!) Hermaphroditus, ou Hermafrodite, um personagem bem curi­ oso, era outro filho de Hermes. Como subproduto de um encontro entre Hermes e Afrodite, ele não só tinha os nomes de seus pais como foi dotado com as características sexuais de ambos. A palavra hermafrodita vem dele. Em um nível, ele representa a mesda andrógina de macho e de fêmea que existe em todos nós. Algumas pessoas com Mercúrio (ou signos regidos por Mercú­ rio) fortemente enfatizado em seus mapas são bissexuais em termos psicológicos. Talvez não o ponham fisicamente em prá­ tica, mas, às vezes, sentem-se confusas quanto à sua identidade sexual por causa de sua capaddade de se apaixonarem e de se sentirem atraídas tanto por homens como por mulheres. Her­ mes, afinal, tinha uma curiosidade ilimitada, gostava de experimentar e de brincar com diferentes modos de vida. Liz falou do Ascendente como um meio de fusão dos princípios

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solar e lunar. Acho que Mercúrio também cumpre essa função. Já tratamos do conceito junguiano da função transcendente, que transforma a personalidade por meio da mescla dos opostos. Como eu disse, Mercúrio pode estar associado à autoconsciência reflexiva; é a mente que nos permite analisar, com objetividade e distanciamento, aquilo que se passa à nossa volta, e isso nos ajuda a decidir como agir em qualquer circunstância. Pode haver épocas em que você acha necessário ser yang, ou seja, durão e assertivo - traços normalmente associados ao princípio mascu­ lino, mas que existem em todos nós. Em outras ocasiões, você pode decidir que é melhor ser yin, passivo, paciente e tolerante - traços que podem ser considerados femininos. É nosso Mercú­ rio que nos permite avaliar a situação e decidir se deve atuar em um ou outro modo; assim, nossas mentes podem mesmo esco­ lher se serão "masculinas" ou "femininas" segundo exige a situação. Também é possível promover o casamento de ambos. Vamos dizer que você é uma mulher que vive com um homem que está atravessando uma fase profissional difícil, por isso, ele fica deprimido e irritadiço zanzando pela casa. Após algum tempo, isso começa a irritá-la. Você pode dizer a ele que entende a causa de sua depressão e que o apóia, mas você também pode afirmar que não está disposta a suportar essa situação por muito tempo. Neste caso, você está sendo ao mesmo tempo amável e empática (o princípio "feminino") e também afirmando-se de maneira positiva, como o animus. Às vezes, você pode ficar confuso sobre o modo de agir. Se estou diante de uma circuns­ tância e não consigo decidir se devo ser forte ou compreensivo, tento pedir a Deus, ao universo, a meu Eu superior ou a meu anjo da guarda (conforme o nome que você queira dar à inteligência criativa ou superior que orienta a vida) para que me indique como devo agir. Talvez a resposta não venha de imediato - pode levar alguns dias até que se infiltre em sua mente, pode vir por meio de um sonho ou pode surgir quando estou enxugando os pratos. É como enviar Hermes-Mercúrio para que peça conse­ lhos a Zeus-Júpiter, mas talvez você precise esperar um pouco até que ele os traga a você. Isabel Hickey costumava dizer que algumas pessoas telefonam para o Eu superior e desligam antes que ele possa atender. Penso que o que estou fazendo é apelar para que minha intuição ou mente "superior" me ofereça orien­

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tação. Às vezes, chego a pedir a meu Eu superior para que me leve até as chaves do carro. Fico surpreso com a frequência com que isso acontece. Audiência: Todos esses arquétipos existem dentro de todos nós e são ativados em épocas diferentes? Howard: Creio que sim. Contudo, há certos arquétipos que formam seu Eu central, parte integral de sua verdadeira e inata identidade, e outros que seriam secundários ou menos impor­ tantes. Todos nós temos um Zeus, todos temos uma Afrodite, mas talvez eu tenha mais Zeus do que você e você pode ter mais Afrodite do que eu. Os problemas surgem quando as pessoas se deformam, quer por causa de condicionamentos familiares ou sócio-culturais, quer por causa das ambivalêndas e conflitos de subpersonalidades devidos aos arquétipos da natureza de cada um. Vamos dizer que um garoto tem uma natureza básica dionisíaca: ele é todo sentimento e emoção, criativo, talvez um pouco dispersivo. Se ele tiver um pai que não aprova essas características pouco "masculinas", o menino pode se ver força­ do a se comportar mais como Zeus. Ele pode até conseguir imitar Zeus direitinho, mas nunca se sentirá feliz ou satisfeito se seu Dionísio for enclausurado ou negado. Se ele for esperto, vai se rebelar na meia-idade. Quanto à segunda parte de sua pergunta, estou de acordo: cada arquétipo é ativado ou se faz necessário em épocas diferen­ tes de nossas vidas, e isto provavelmente fica visível em trânsitos e progressões sobre o mapa. Contudo, o Eu central sempre receberá a coloração de um ou dois arquétipos específicos. Audiência: Mercúrio rege o signo dos gémeos. O que mais você pode dizer acerca da dualidade de Mercúrio? Howard: Vou ilustrar isso desenhando um círculo no quadronegro. Que dualidade acabo de criar? Audiência: Um exterior e um interior. Howard: Sim, e essas duas coisas não existiam antes de eu desenhar o círculo. Antes desse círculo aparecer sobre a lousa

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vazia, não existia a dualidade, não existia nem um exterior, nem um interior. Você está certo em afirmar que Mercúrio conduz à dualidade. Mercúrio (auxiliado por Saturno) é a nossa parte que traça limites, que distingue uma coisa de outra por meio da medição, comparação ou contagem. Em outras palavras, nossas mentes criam limites quando distinguem as coisas. Mas não se esqueça de que também é Mercúrio que nos permite transcender a dualidade, transcender os opostos e ir além do reino das fronteiras. Ken Wilber, o psicólogo transpessoal americano, é muito bom para falar da dualidade, e recomendaria a leitura de seu livro A Consciência Sem Fronteiras.10Wilber acredita que cada decisão que tomamos e cada uma de nossas ações gira em tomo da construção de limites. Sempre que tomamos uma decisão, estamos traçando um limite entre aquilo que escolhemos e aquilo que não escolhemos. Vivemos em um mundo de opostos, pois estamos sempre traçando fronteiras. Tome como exemplo a atividade de compra e venda. Se você compra uma torradeira, isso significa que alguém lhe vendeu essa torradeira. Compra e venda não existem independentemente uma da outra, por isso essas ações aparentemente opostas são, na verdade, duas pontas de um evento. Wilber conclui que a maioria dos problemas que encontramos na vida tem relação com limites. Quanto mais me apego ao prazer ou o procuro, mais eu temo a dor. Quanto mais eu busco o bem, mais o mal me preocupa. Quanto mais eu almejo o sucesso, mais o fracasso me assusta. Vivemos em um mundo tecnológico avançado, obcecado com o progresso e com a melho­ ria da qualidade de vida; entretanto, veja só como está o planeta - estamos chegando bem perto de destruí-lo e de nos destruir­ mos, o oposto daquilo que desejamos. As palavras (Mercúrio) suscitam a formação de limites. Da­ mos nome a um lado de um limite e outro nome ao outro lado. Assim, temos a luz em oposição à sombra, o superior em compa­ ração com o inferior, o bem versus o mal. Vamos tomar como exemplo o caso do bem e do mal. A maioria de nós acredita que se chega ao bem eliminando o mal; se pudéssemos erradicar ou eliminar o mal que há em nós ou no mundo, ficaríamos apenas com o bem. Wilber acredita que nossa concepção de Céu é I0Ken Wilber, A Consciência Sem Fronteiras (São Paulo: Cultrix), cap.2.

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levemente distorcida: achamos que o Céu é o lugar onde vivem todas as metades "boas" dos opostos, enquanto o Inferno seria a morada das metades "más". Contudo, será que isso é válido? Concordo com Wilber quando ele diz que o Céu é o lugar onde os opostos são transcendidos, onde o dilema apresentado pelos opostos sequer existe - reminiscentes do ouro buscado pelos alquimistas por meio da função transcendente. Todas as tradi­ ções místicas vêem a pessoa iluminada como alguém que conseguiu enxergar além da ilusão dos opostos. Em vez de separar os opostos e de só almejar as boas metades, deveríamos estar buscando aquele espaço psicológico interior que transcen­ de e abrange toda dualidade.

In terpretan d o M

e r c ú r io

MERCÚRIO NO HORÓSCOPO por

H o w a r d S a spo r ta s

Agora, vamos analisar melhor Mercúrio no mapa astrológi­ co. Vamos começar por sua colocação nos signos, e você pode consultar os parâmetros que apresento na Tabela 1 (páginas 34-35). O primeiro ponto diz que a colocação de Mercúrio por signo nos diz algo a respeito do modo como nossas mentes funcionam, como pensamos, aprendemos, percebemos e dige­ rimos a experiência. Vamos começar falando de Mercúrio em Áries. Se essa colocação não for inibida ou moderada demais por outras partes do mapa, qual seria o modo de aprendizado de Mercúrio em Áries? Audiência: Provavelmente, aprenderia bem depressa, pois Ári­ es é um signo cardinal de fogo. Howard: Sim, ele aprende depressa e pensa rápido, a menos que esteja em conjunção ou em aspecto difícil com Saturno, quadratura com Netuno ou em alguma outra posição que altere sua expressão. O Fogo está associado à intuição, por isso as pessoas que têm Mercúrio em Áries são, com frequência, pensadores intuitivos - ou seja, elas captam as coisas como um todo, geralmente num "relance", e não costumam ter proble­ mas para pensar simbolicamente. O ponto dois afirma que o signo de Mercúrio descreve o modo como nos comunicamos, trocamos idéias e informações. Aplique isto a pessoas com Mercúrio em Áries. Audiência: As idéias podem surgir mais rapidamente do que se podem expressar. Ou então, essas pessoas se confundem e não conseguem controlar muito bem aqui­ lo que dizem.

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Tabela 1. Parâmetros para a Interpretação de Mercúrio. MERCÚRIO POR SIGNO 1. A colocação de Mercúrio por signo indica algo a respeito do modo como nossa mente funciona - como pensamos, aprende­ mos, percebemos e digerimos a experiência. Por exemplo, você é um pensador intuitivo (Mercúrio em fogo) ou sua mente é mais fria, desapegada e objetiva (Mercúrio em ar)? A sua mente está rápida para compreender coisas (Mercúrio em signos cardinais), ou rígida e predeterminada (Mercúrio aflito em signos fixos)? 2 .0 signo de Mercúrio também descreve o modo como nos comunicamos, trocamos idéias e informações. Você "vomita" as palavras (Mercúrio em Áries, por exemplo) ou você é mais cauteloso, reservado e sigiloso com suas palavras (tal como Mercúrio em Escorpião)? 3 .0 signo de Mercúrio indica o tipo de preocupação que ocupa a mente e também mostra aquilo que você costuma notar e captar no ambiente. Por exemplo, Mercúrio em Libra pode notar rapida­ mente as possibilidades para relacionamentos, enquanto Mercú­ rio em Capricórnio tende a notar aquilo que serve às metas e ambições da pessoa.

MERCÚRIO POR CASA 1. A casa de Mercúrio mostra a área da vida onde provavel­ mente nos sentiremos inquietos, curiosos, inventivos, inquisitivos, adaptáveis, flutuantes, sagazes, enganosos e com habilida­ de para fazer barganhas (dependendo do signo e dos aspec­ tos). Idealmente, é o domínio no qual nos mantemos abertos às experiências, em vez de nos enclausurarmos em um modo de pensar muito estreito ou rígido. Lembre-se, geralmente pode­ mos mudar as coisas ao mudarmos nossa atitude e nosso modo de pensar sobre elas. 2. A casa de Mercúrio pode mostrar o tipo de coisas que ocupam e atraem nossa mente. (Por exemplo, Mercúrio na 6 pode pensar muito em saúde; Mercúrio na 9 pode se ocupar com filosofia, viagens e o sentido da vida.)

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Tabela 1. Parâmetros para a Interpretação de Mercúrio, (cont.) 3. A casa de Mercúrio é o lugar onde podemos nos envolver com questões referentes a parentes, vizinhos e colegas. Por exemplo, um Mercúrio aflito na 8 pode indicar conflitos com irmãos a respeito de heranças; Mercúrio na 10 pode mostrar que trabalha­ mos com parentes ou irmãos. Mercúrio na 8 pode denotarintercâmbios sutis e profundos com parentes, colegas ou vizinhos.

MERCÚRIO POR ASPECTO 1. Mercúrio é altamente influenciado e colorido pela natureza do planeta que o aspecta (especialmente aquele cujo aspecto tem o menor orbe). Marte em aspecto com Mercúrio acelera a mente e a fala; Netuno em aspecto com Mercúrio pode tomar a mente bastante intuitiva e criativa, mas também pode produzir pensamentos vagos e confusos. Nossa experiência de aprendi­ zado e nosso modo de educar também são afetados pelo tipo de aspecto formado com Mercúrio. 2. Os planetas que aspectam Mercúrio também influem no modo como nos comunicamos e trocamos informações. MercúrioVênus costuma tentar dizer coisas agradáveis ou que produzem harmonia; Mercúrio-Urano pode dizer exatamente como se sente, não se preocupando com o efeito que isso causa nos outros. 3. Aquilo que nos interessa e atrai de modo natural é mostrado pelos planetas que formam aspecto com Mercúrio. MercúrioNetuno pode ter interesse por coisas netunianas como arte, cura ou fenómenos psíquicos. Mercúrio-Plutão pode querer sondar o funcionamento mais profundo e oculto da mente e da consciência. 4. Os aspectos com Mercúrio descrevem algo acerca do tipo de relacionamento que formamos com parentes, irmãos, vizinhos e colegas. 5. Os aspectos com Mercúrio podem indicar o tipo de experi­ ência que temos quando viajamos (geralmente, viagens curtas ou dentro do país em que a pessoa reside).

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Howard: Sim, os signos representam estilos de vida diferentes. Cada signo tem seu próprio estilo, seu próprio modo de ser. Um planeta fundona como um verbo e mostra o tipo de atividade sendo desenvolvida. A Lua tem necessidades e reage, Mercúrio pensa ou se comunica, Vênus se reladona, Marte age, etc. Os signos são como advérbios, descrevendo o modo como a coisa é feita. Um planeta se expressa segundo o estilo do signo onde se encontra. Assim, a Lua em Áries reage de modo ariano; a Lua em Touro, de modo taurino. Mercúrio em Áries pensa ou se comu­ nica de acordo com o estilo de Áries; Mercúrio em Touro o faz segundo o estilo ou maneira usual de Touro. Sei que isso é bem básico, mas tenho visto que a idéia de tratar o planeta como verbo e o signo como advérbio é um conceito bastante útil na interpretação de colocações por signo. O ponto três sugere que o signo de Mercúrio indica os tipos de assuntos que ocupam a mente, bem como aquilo que você tende a notar e captar no ambiente. Isso é meio genérico, mas como poderíamos aplicar o ponto três a Mercúrio em Áries? Audiência: Áries é um signo associado à inidação, a ser o primei­ ro em alguma coisa. Pode ser que essas pessoas procurem alguma oportunidade para serem as primeiras: falar primeiro, aprender primeiro, contar alguma novidade antes dos outros. Howard: Sim, isso pode denotar uma mente combativa ou um espírito competitivo. Elas podem ainda estar procurando maneiras de utilizar o discurso ou a ação como modo de inspirar, exdtar ou liderar outras pessoas. Joseph Campbell, autor de O Herói de Mil Faces, é um bom exemplo de alguém com Mercúrio em Áries. Ele adorava o mundo intuitivo dos mitos e dos símbolos, e inspirou alunos e seguidores com seu pensamento original, sua imaginação fértil e com o entusiasmo puro e simples que tinha por seu tão querido campo de estudos. Creio que pude me explicar, a menos que as pessoas com Mercúrio em Touro precisem de mais tempo para captar a história. Desculpe, deveria ser mais legal com os taurinos. Você quer que eu analise Mercúrio e todas as suas coloca­ ções por signo? Quer. Temcerteza de que nãovai ser maçante seguir esse caminho? Tudo bem, você venceu. O que Mercúrio em Touro tem a dizer sobre o modo como a mente fundona?

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Audiência: Ele pode firmar e aprofundar a mente. Podem ser pessoas mais lentas do que Mercúrio em Áries para captar as coisas em profundidade, mas, depois que o fazem, seu conheci­ mento é profundo e sólido. Talvez não queiram se manifestar sobre o que não têm certeza; em outras palavras, não gostam dè falar primeiro. Howard: Quais seriam as coisas que Mercúrio em Touro tenderia a notar ou a registrar no ambiente? Audiência: Coisas que oferecem segurança, conforto e estabilida* de; modos de ganhar dinheiro, uma nova casa, aquisições agra­ dáveis ou que embelezam suas vidas. Howard: Sim, o que também significa que são sensíveis a qual­ quer coisa no ambiente que possa ameaçar sua segurança ou estabilidade. Fico contente por você mencionar seu interesse pela beleza. Touro é um signo regido por Vênus e produziu muitos artistas e artífices talentosos. Mercúrio em Touro pode significar uma apreciação profunda das artes e da beleza ou um amor profundo pela natureza. Apesar de eu ter encontrado algumas pessoas com Mercúrio em Touro que se encaixam na descrição do touro na loja de cristais, há outras pessoas com essa colocação que foram agraciadas com uma bela voz, até para cantar, e que se movem de maneira graciosa. Estou me lembran­ do de Margot Fonteyn, que tinha um estilo incrível tanto como pessoa quanto como bailarina; com certeza, ela fazia bom uso de seu Mercúrio em Touro. Preciso contar uma história ocorrida quando apresentei um seminário sobre Mercúrio. Foi em Londres e havia umas cin­ quenta pessoas inscritas. Dei-lhes um exercício prático e elas se dividiram em pequenos grupos, conforme o signo de Mercúrio de cada uma. Assim, o grupo com Mercúrio em Áries ficou em um lugar, o grupo com Mercúrio em Touro ficou sentado em outro canto, e assim por diante. Sua tarefa consistia em fazer uma lista dos atributos de Mercúrio no signo do grupo. O resultado foi interessante, pois indicou o signo de Mercúrio de cada grupo. Por exemplo, o grupo de Mercúrio em Áries terminou primeiro; não demoraram quase nada para produzir uma lista do que

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significava ter Mercúrio nesse signo. Passarei a Mercúrio em Touro em um minuto. O grupo de Mercúrio em Gémeos era o maior dos doze e compilou uma relação quatro vezes maior que a dos demais. A turma com Mercúrio em Câncer completou sua lista e depois cada membro do grupo fez massagem nos demais. Só havia uma pessoa com Mercúrio em Leão, por isso eu a coloquei no grupo de Mercúrio em Aquário, só para ver o que acontecia. Deram-se bem, apesar de eu ter tido a impressão de que tiveram certos conflitos em tomo da liderança. Surgiu uma discussão no minucioso grupo de Mercúrio em Virgem e uma mulher saiu chorando porque os outros membros estraçalharam suas opiniões. A turma com Mercúrio em Libra era bem-comportada; levaram a tarefa a sério e debateram bastante suas idéias antes de formarem uma lista razoável - muito bem escrita, naturalmente. Não me lembro do grupo de Mercúrio em Escor­ pião - devo ter reprimido aquilo que escreveram. O pessoal com Mercúrio em Sagitário fez o exercício voando e depois se dedi­ caram a um debate filosófico acerca da astrologia em geral. O grupo com Mercúrio em Capricórnio também se comportou bem, apesar de volta e meia me chamarem para que lhes dissesse se estavam fazendo o exercício corretamente. As pessoas com Mercúrio em Peixes tiveram certa dificuldade para realizar a tarefa: pareciam ter idéias bem distintas sobre os atributos de Mercúrio em seu signo. Mais tarde, percebemos que as diferen­ ças de opinião surgiram do fato de um ter o Sol em Aquário, dois terem o Sol em Peixes e o outro membro ter o Sol em Áries. Fez muita diferença o fato de Mercúrio estar ou não no mesmo signo em que o Sol. Mais tarde, quando falarmos dos aspectos, vou tratar do relacionamento entre o Sol e Mercúrio. Quanto ao grupo com Mercúrio em Touro - bem, vou lhe dizer: todos os grupos terminaram o exercício em trinta minutos, no máximo, mas o grupo com Mercúrio em Touro me pediu mais tempo. Honestamente, foi o que aconteceu. Assim, fui até onde estavam e descobri que não tinham um único apontamento em sua lista. Não é bem assim; tinham anotado algumas idéias, mas depois as riscaram. Perguntei-lhes o que estava acontecendo e me disse­ ram que não queriam anotar nada caso não estivessem absolutamente seguros de que o apontamento era um fato. Não podemos ser mais concretos! É como se eles tivessem de sentir a

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veracidade de uma afirmação em cada célula de seus corpos antes de a proferirem ou de assinarem em baixo. Para eles, a verdade é quase orgânica. Um bom contraste com o grupo que tinha Mercúrio em Áries, que terminou em dez minutos: o que pensavam, anotavam sem hesitar. As pessoas com Mercúrio em Gémeos geralmente têm muitos pensamentos e impressões ao mesmo tempo. Se são sinceros para com sua natureza, têm curiosidade pela vida, gostam de experimentar e estão abertos a novas idéias. Normalmente, suas mentes são ágeis e você imagina que sejam comunicadores animados. Quando as crianças atingem os nove meses de idade, passando gradualmente da fase de engatinhar para a fase de ficar em pé e andar, estão na fase mercuriana. É nessa época que se divertem explorando o ambiente imediato e aprendendo novas palavras. Por natureza, Gémeos é um signo que gosta de movimento e que descobre o mundo à sua volta, tendo prazer com a descoberta da fala; dar nome às coisas pode ser divertido e lhe dá certo poder sobre alguma coisa. Se você tem Mercúrio em Gémeos em bom aspecto, e se sua mãe fez com que você se sentisse relativamente seguro, provavelmente você teve uma experiência positiva no estágio prático: "Puxa, tem um aparelho de televisão aqui e um gato ali, e, veja, tem uma bola para brincar e meu irmão está puxando os cabelos da minha irmã. Porque não puxa os meus?" A pessoa com Mercúrio em Gémeos deveria se sentir bem com todo tipo de exploração e de descoberta do ambiente, fazendo conexões, comparando e contrastando isto com aquilo. Se esta fase transcorrer bem, provavelmente se manterá curiosa e interessada pelo mundo pelo resto de sua vida. Contudo, conheço algumas pessoas com Mercúrio em Géme­ os que não são curiosas, aventureiras ou comunicativas; têm crenças rígidas, idéias e interesses fixos e são limitadas como os antolhos de cavalos. Seu Mercúrio em Gémeos está bloqueado. É possível que não tenham tido liberdade e espaço suficientes no estágio prático (o qual é por vezes chamado de "fase da macaqui­ ce" de nosso desenvolvimento). Elas foram aprisionadas em cercadinhos e não tiveram oportunidades suficientes para movi­ mento e exploração. Assim, quando vemos adultos comMercúrio em Gémeos que não são curiosos e mentalmente abertos, isso

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provavelmente se deve a condicionamentos da infância que inibem sua natureza inata; isso pode aparecer no mapa como um aspecto difícil entre Saturno, Quiron, Netuno ou Plutão e Mer­ cúrio em Gémeos. Posso lhes dar um exemplo: um homem com Mercúrio em Gémeos e em conjunção a Saturno na casa 3. Obviamente, ele não conseguia se lembrar do que teria aconte­ cido com ele aos nove meses de idade, mas lembrava-se de um evento posterior que descreve bem a razão pela qual seu modo de pensar e suas posturas ficaram paralisadas. Por algum moti­ vo, ele odiava um de seus professores do ginásio, mas quando ele contou isso à sua mãe, ela o repreendeu por ser rude e malcriado, e fez com que lhe prometesse que nunca mais pensa­ ria ou diria coisas como essa. Por causa disso, ele perdeu sua auto-estima e também aprendeu que era melhor esconder ou mesmo negar pensamentos e sentimentos negativos, por pouco que o fossem. Em outras palavras, com a ajuda de sua mãe, ele entrou em uma camisa-de-força mental. Quando pensamentos e sentimentos são reprimidos ou proibidos, causam uma con­ gestão psíquica e nunca têm a chance de mudar ou de se transformarem em outros pensamentos e sentimentos. Em con­ traste a isso, digamos que você conta para sua mãe que você não gosta de seu professor e sua reação é perguntar-lhe a causa para isso, explorando seus sentimentos juntamente com você. Ela não faz com que você se sinta mal por pensar do modo como pensa; pelo contrário, ela o estimula a analisar-se para que você descu­ bra a causa dessas reações. Isso permite o movimento mental e você pode chegar ao ponto de ultrapassar seus pensamentos e sentimentos iniciais, atingindo um novo nível de compreensão e de apreciação de seu professor ou da situação em geral. Movimento (mental ou físico) é experiência, e dá à mente a chance de se desenvolver mais plenamente. Contudo, se o movimento é tolhido, seu desenvolvimento fica prejudicado e seu modo de pensar pode facilmente ficar congestionado e rígido. Agora, passemos para Mercúrio em Câncer. Como é que o signo de Câncer pode afetar o funcionamento de Mer­ cúrio? Audiência: O pensamento seria influenciado ou tingido pelos sentimentos.

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Howard: Sim, as pessoas com Mercúrio em Câncer podem ser bastante subjetivas: acham que estão pensando e avaliando as coisas de modo racional, mas, na verdade, seus sentimentos e complexos estão afetando sua percepção. Digamos, por exem­ plo, que as dificuldades no início do vínculo com a mãe levem essas pessoas a acreditar que o mundo é um lugar pouco seguro e que não possibilita a concretização de suas necessidades. Esse padrão emocional, profundamente arraigado, afeta o modo como elas encaram a vida; elas estarão predispostas a perceber quando alguém é frio ou distante delas, e talvez não computem ou registrem todos os momentos em que as outras pessoas demonstram carinho e preocupação sinceros por elas. Logo, de acordo com seus humores e complexos, elas captam certas coisas à sua volta e deixam de lado ou ignoram outros fatos ou circunstâncias. Seu modo de pensar pode ser fortemente influ­ enciado pelo ambiente. Quando visitam uma família pacata e acolhedora, têm pensamentos positivos e felizes. Se estão próxi­ mas de um lugar sombrio e negativo, seus pensamentos também ficam sombrios e negativos. Câncer é um signo muito sensível que "sente" os outros com facilidade, "adivinhando" suas ne­ cessidades e pontos fracos. Por este motivo, Mercúrio em Câncer pode constituir um orador, vendedor ou comerciante bastante persuasivo, que sabe como abordar cada pessoa com o tom ou linha mais adequados. Sabeminstintivamente o que dizer para fazer com que a pessoa se sinta melhor ou como magoar alguém- se for o que desejam. Jung tinha Mercúrio em Câncer e fez bom uso de seus sentimentos e intuições em seu trabalho analítico. Mareei Proust, autor de Em Busca do Tempo Perdido, usou seu Mercúrio em Câncer para se lembrar de sua infância. Ele também sofreu de estranhas alergias provocadas por sua hipersensibilidade ao ambiente, um reflexo bastante apropriado de seu signo mercuriano. Além de coisas do passado e de qualquer coisa que tenha relação com o lar e a família, o que mais pode ocupar suas mentes? Audiência: Qualquer coisa que tenha relação com necessidades de sobrevivência - comida, por exemplo. Howard: Que bom que acabamos de almoçar. Vamos passar para Mercúrio em Leão. Leão é Fogo fixo - espírito concentrado - e

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por isso deve ajudar a mente a se concentrar ou a focalizar. Com efeito, descobri que muitas pessoas com Mercúrio em Leão são poderosas no plano mental. Se elas pensarem em alguma coisa com bastante força, quase conseguem fazê-la acontecer. Se elas o estiverem mantendo sob vibrações negativas (quer você saiba ou não), você vai se sentir desconfortável perto delas - por mais que tente fazer as coisas corretamente, provavelmente vai aca­ bar fazendo errado ou então ofendendo-as. É isso o que quis dizer quando falei do poder no plano mental de Mercúrio em Leão. Ele também pode gerar uma mente brilhante, acrescentan­ do autoconfiança e capacidade oratória à lista de qualidades da pessoa, apesar de haver o perigo de ela se tomar subjetiva demais, o que pode levá-la a acreditar que a sua é a única versão da verdade. Mercúrio está ou no mesmo signo que o Sol, ou no anterior, ou no posterior ao do Sol. Se o Sol está em Câncer e Mercúrio em Leão, a posição de Mercúrio pode ajudar Câncer a adquirir confiança e coragem. Se ambos estiverem em Leão, a pessoa pode se tomar excessivamente apegada às suas próprias idéias e opiniões ou identificada com elas, de modo que não sobra muito espaço para as opiniões das outras pessoas, caso sejam divergentes. Com o Sol em Virgem e Mercúrio em Leão, este trará humor e calor àquele Sol. Audiência: Mercúrio em Leão não é um pouco exagerado? Howard: Não creio que ele seja contrário a dourar um pouco a pílula para deixar a história mais interessante, por isso pode ser uma colocação com um pendor para a teatralidade. Mercúrio em Sagitário também faz isso - adiciona temperos às histórias que conta ou transforma aquilo que poderia parecer um pequeno incidente em uma questão de grande importância. Já mencionei o exercício no qual o grupo com Mercúrio em Virgem fez com que uma mulher saísse chorando devido ao modo como atacaram criticamente suas opiniões sobre essa colocação. Ainda acho que essa é uma boa posição para Mercú­ rio em termos de capacidade de discriminação, atenção a detalhes e avaliação cuidadosa de qualquer pessoa ou situação. Eles percebem todos os truques. Se você prometer que não conta para ninguém, vou lhe contar um segredo. Uma pessoa que está

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dando este curso junto comigo tem Mercúrio em Virgem. Não deve ser uma surpresa muito grande, tendo em vista seu conhe­ cimento profundo, a precisão com que ela explica conceitos e teorias, a objetividade de suas interpretações, não muito diferen­ te de um míssil Exocet atingindo o alvo. Audiência: Qual é o signo solar de Liz? Howard: Já falei demais, mas OK, não custa nada. Ela tem o Sol em Peixes formando um T-quadrado com Mercúrio em Vir­ gem e Vênus em Sagitário. E, com certeza, vocês já perceberam que ela tem a Lua retrógrada. Tá, você quer saber mesmo, então vou lhe dizer - o signo dela é, "Por favor, não perturbe". Entendeu? Mercúrio em Virgem precisa de tempo para digerir e assimi­ lar plenamente as informações. Tal como ocorre com Mercúrio em qualquer signo de Terra, as pessoas com essa colocação querem ter certeza de que sua manifestação ou pensamento estão corretos. A assimilação da experiência tem paralelo com a assimilação de alimentos. Quando comemos, devemos antes mastigar corretamente, e o mesmo conselho se aplica a coisas que acontecem conosco, ao que lemos ou ao que os outros nos dizem; em vez de engolirmos de uma só vez, é melhor mastigar a informação que recebemos e digerirmos o significado dos eventos que encontramos na vida diária. A mastigação ajuda o processo catabólico de fragmentação da comida, com o qual retemos o que é nutritivo e eliminamos os resíduos. As pessoas com Mercúrio em Virgem têm a capacidade de ver os pontos positivos e os negativos de qualquer coisa que analisem ou avaliem. Se bem trabalhado, esse Mercúrio lhes permite aderir ao positivo e construtivo em suas experiências, sem dar muita importância às coisas negativas que observam. Se você se detiver demais no fato da rosa ter espinhos, pode deixar de admirar a beleza de suas pétalas ou a suavidade de sua fragrância. Você precisa aceitar os espinhos sem ficar obcecado com eles. Além disso, Mercúrio em Virgem é um pensador prático. As teorias ou conceitos abstratos só são úteis se pude­ rem ser postos em prática e uso concreto. Que tipo de coisa pode ocupar a mente das pessoas com essa colocação?

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Audiência: Questões ligadas à saúde e ao trabalho. Howard: Conheço pessoas com Mercúrio nesse signo que enxer­

gam tuna mancha minúscula, microscópica no braço e vão voando consultar um médico. São também as pessoas que detectam o início de uma rachadura no teto e que devem ter na estante um monte de livros do tipo "faça-você-mesmo", versan­ do sobre temas como decoração, jardinagem ou reparos. Estou "viajando" novamente; vamos passar para Mercúrio em Libra. Mercúrio em Libra costuma deixar a pessoa interessada em relações humanas e no funcionamento da mente dos outros. As pessoas com Mercúrio nesse signo devem tentar manter a mente equilibrada, e com isso estou me referindo a um bom equilíbrio entre pensamento e sentimento, entre realismo prático e pensa­ mento de natureza abstrata ou teórica. O problema com qualquer colocação em Libra é o seguinte: senão há equilíbrio, há desequi­ líbrio. As pessoas com Mercúrio em Libra podem ser incrivelmente precisas e diretas na percepção das pessoas ou no modo como interpretam os eventos, mas quando seus sentimen­ tos interferem em suas mentes racionais, sua perspectiva pode se distorcer. Às vezes, elas podem ser extremamente objetivas e justas; em outras ocasiões, seus poderes de observação podem entrar em "curto-circuito" - geralmente, quando um complexo emocional é desencadeado ou quando alguém não corresponde a seus ideais e expectativas. Tenho visto isso acontecer quando algo em Câncer forma quadratura com Mercúrio em Libra. Por exemplo, uma Lua em Câncer em quadratura com um Mercúrio libriano, ou um Júpiter (natal ou em trânsito) em Câncer em quadratura com Mercúrio em Libra, ou Plutão nessas circuns­ tâncias. Em qualquer hipótese, as pessoas com Mercúrio em Libra sabem muito bem lhe mostrar o outro lado de qualquer pessoa ou situação. Assim, posso estar conversando com al­ guém com Mercúrio em Libra e dizer, "puxa, veja isto, não é bonito?", e ela pode responder, "sim, é bonito, mas você perce­ beu este defeito (ou este problema)?" Ou então, posso dizer que alguma coisa é horrível, o que as leva a me mostrar o lado bom. Gostam de debates ou discussões animadas, e analisam todos os lados diferentes de uma situação antes de chegarem a uma conclusão, razão pela qual conquistaram a fama de pessoas que

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ficam "em cima do muro". No final das contas, porém, tentam ser justas e não costumam ter medo de brigar por aquilo em que acreditam, de defender seus ideais de beleza, verdade ou justiça. Brigitte Bardot, a sex-symbol dos anos 50 que se converteu em defensora dos direitos dos animais, nasceu com Mercúrio em Libra e em conjunção exata com Júpiter na casa 10. Algumas pessoas com essa colocação têm a capacidade de se expressar em estilo tipicamente libriano: Agatha Christie, a autora de histórias de mistério com enredos complexos, nasceu com Mercúrio em Libra como dispositor de seu Sol em Virgem. Falar de crime nos leva facilmente a Mercúrio em Escorpião. Se você tem essa colocação - bem, ela é quase como uma "instrução celeste", indicando que você deve tratar de coisas que vão além do nível superficial da vida, examinando as pessoas, coisas e idéias, bem como a si mesmo, nos níveis mais profundos. Algumas pessoas chamam-na de mente de detetive - sempre sondando, sempre procurando motivos. Assim, se você der um presente para alguém com Mercúrio em Escorpião, a resposta pode ser "obrigado, que gentileza", mas, por dentro, podem estar se perguntando a razão para aquele presente e se há segundas intenções por trás dele. Tal como ocorre com Mercúrio em qualquer signo aquático, a pessoa pode ser sigilosa e caute­ losa quanto ao que revela a respeito de si mesma, como se seus instintos inatos lhes dissessem que é mais seguro não revelar muita coisa. Depois de dizermos algo, como é possível saber o que as pessoas vão fazer com essa informação? Mercúrio em Escorpião, tal como Mercúrio em Leão, é muito poderoso no plano mental, e defende suas crenças e opiniões de modo a impressionar a própria Joana d'Arc. Audiência: Eles também sabem como dar o bote. Howard: Sim, isso é verdade - uma propensão por irem direto à jugular. Um bom exemplo da sagacidade e percepção de Mercú­ rio em Escorpião é Oscar Wilde, um dos autores mais citados, apesar da oposição com Urano na 9 tê-lo posicionado, infeliz­ mente, do lado errado da lei de sua época. Mercúrio em Escor­ pião pode gerar um bom estrategista ou planejador; é a mente do jogador de xadrez. E me faz lembrar Hermes Psicopompo - ele

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entrava livremente no mundo infernal, um símbolo das profun­ dezas inconscientes da psique. E quais são as suas idéias acerca de Mercúrio em Sagitário? Audiência: Ele teria interesse por filosofia, religião, as leis do

universo e viagens. Como Sagitário é um signo de Fogo, aí Mercúrio descreveria um pensador intuitivo. Howard: Sim, como você imagina, as pessoas com Mercúrio ali

costumam ter a mente animada e cheia de visão e inspiração. A menos que essa colocação seja balanceada por signos de Terra, planetas ou ângulos em Escorpião, um Saturno ou Plutão forte no mapa, talvez elas não dêem profundidade a seus pensamentos. Sagitário vê as coisas como um todo, analisando o cenário mais amplo ou maior em vez de focalizar detalhes e partes, e costuma se preocupar com metas distantes e ideais elevados. Você conhece a diferença entre as funções dos dois hemisférios cerebrais? O hemis­ fério esquerdo trata do pensamento racional e sequendal; ele reúne fatos, analisa e divide em compartimentos, e podemos relacioná-lo a Mercúrio em Gémeos ou Virgem. Em comparação, o hemisfério direito pode identificar uma forma que esteja apenas sugerida por uns poucos traços, estando associado ao pensamento sintético e holístico, vendo imagens e padrões. Esse tipo de pensamento está mais ligado a Mercúrio emSagitário e Peixes. MarilynFerguson, em seu livro A Conspiração Acjuariana, comentou que "o [hemisfério] esquerdo tira fotos, o direito assiste filmes".11Mercúrio emSagitário costuma exibir a tendência natural de procurar significado nos eventos; as coisas que acontecem não são meramente aleatórias, mas parte de um esquema maior, e podem ser vistas no contexto do plano ou desenvolvimento geral de vida da pessoa. Audiência: Tenho visto muita gente com essa colocação, e todos

parecem gostar de falar. Howard: De modo geral, talvez isso seja verdade, apesar de certos

aspectos planetários poderem inibir o lado tagarela de Mercúrio “Marilyn Ferguson, A Conspiração Aquariana: Transformações Pessoais e Sociais nos Anos 80 (Rio de Janeiro: Record), p.78.

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em Sagitário. Mas, sim, quando excitados, suas mentes se inun­ dam de idéias e visões de possibilidades futuras. Geralmente, eles se sentem inclinados a partilhar seu entusiasmo e crenças abertamente, ao contrário de Mercúrio em Escorpião, que tende a manter as coisas em segredo, ocultas. O Fogo cardinal de Áries tem sido comparado com a centelha que dá vida a uma chama; o Fogo fixo de Leão é o núcleo luminoso e concentrado do fogo; o Fogo mutável de Sagitário é aquela parte que reluz e tremula ao vento - e daí a idéia de Mercúrio em Sagitário como um divulgador de idéias, como alguém que excita os outros com relação a uma visão, plano ou crença. Pode ser que essa tagare­ lice seja o modo que têm de se manter no plano mental e de se defenderem contra os sentimentos. Você pode estar em sua sessão de terapia e falar, falar e falar sobre aquilo que está acontecendo em sua vida, sem nunca entrar em contato com seus verdadeiros sentimentos ou emoções, pois a fala ocupa todo o espaço. Mercúrio em Capricórnio nos traz de volta à Terra. A mente tem um lado prático, por isso pode se ocupar com negócios e questões administrativas e organizacionais. Capricórnio tem como símbolo uma cabra e sempre represento essa cabra como um animal que sobe cuidadosamente a montanha, querendo ter certeza de que pisa em terreno sólido a cada passo. Nesse signo, Mercúrio pode produzir pensamentos metódicos, bem como determinação, persistência e resistência, além de saber registrar o que pode levá-los a progredir no mundo ou a atingir suas metas e ambições. Na maioria dos casos, as pessoas com essa colocação são preocupadas e imaginam sempre que o pior resultado ou problema os está aguardando na esquina. Isso faz com que sejam cautelosos e inseguros, sem muita propensão a entrarem às cegas em uma empreitada, apesar de Capricórnio ser um signo cardinal. Em vez de se deixarem travar por cenários futuros negativos, aconselho-os a aceitarem seus medos sem "morarem" neles; assim, quando ficarem apreensivos, receosos, podem tentar um pouco de visualização sinestésica, imaginan­ do-se cumprindo com sucesso suas metas e seguindo um curso firme através dos obstáculos. Se você conhece pessoas com Mercúrio em Capricórnio que parecem eternamente confusas, desorientadas ou desorganiza­

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das, é provável que exista um aspecto de Netuno interferindo com o funcionamento natural de Mercúrio nesse signo. E se você encontrar pessoas revolucionárias ou pensadores radicais com Mercúrio em Capricórnio, provavelmente têm Urano formando aspecto comMercúrio. Lembro-me de dois exemplos. Simone de Beauvoir, a escritora existencialista francesa altamente original que disse que o ser humano precisa criar seus próprios valores morais em um mundo sem absolutos, nasceu sob uma conjunção Mercúrio-Urano de orbe estreito em Capricórnio. A cantora Joan Baez, que é também defensora de direitos dvis e pacifista, tendo partidpado de inúmeras passeatas contra a guerra, influendou toda uma geração na década de 60; ela nasceu sob uma conjun­ ção Sol-Mercúrio em Capricórnio em trígono com Urano em Touro. Não devemos nos esquecer do lado mais caprichoso de Capricórnio: tenho visto que Mercúrio em Capricórnio (e os aspectos entre Mercúrio e Saturno podem fazê-lo também) costumam dar humor e sagaddade - geralmente do tipo seco, irónico e autodepreciativo. A simpática porém terrena Gracie Fields, uma das mais famosas comediantes inglesas, tinha um stellium formado por Marte, Vênus, Mercúrio e Sol, todos em Capricórnio. Alguns livros se referem a Mercúrio em Aquário como o pensador na torre de marfim, e, em certos casos, essa interpreta­ ção é correta. Aquário é um signo fixo de Ar, sente-se à vontade no reino expansivo e abstrato da mente e do intelecto, sujeito a se dissociar do corpo e dos sentimentos. Para me valer de uma expressão psicológica, Mercúrio em Aquário poderia viver basi­ camente na cabeça. Você pode se sentir inclinado a louvar a objetividade e desapego demonstrados por algumas pessoas com essa colocação, mas você também fica furioso quando negam estar sentindo emoções básicas. Eles podem intuir ou imaginar esquemas e sistemas utópicos divinos, maravilhosos na teoria, mas um tanto impraticáveis ou irrealistas se conside­ rarmos as facetas mais básicas, instintivas e aquisitivas da natureza humana. Apesar de dar a impressão de que estou menosprezando Mercúrio em Aquário, não o estou fazendo precisamos de pessoas que nos inspirem com novas visões, novas possibilidades e a esperança de um futuro melhor. Para usar uma frase de Rodgers e Hammerstein, compositores de

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belas melodias, você precisa ter um sonho para que seu sonho se tome realidade. Mercúrio em Aquário pode imaginar um mun­ do ou sociedade ideais, algo em cuja direção estamos rumando e por que estamos lutando. Na pior hipótese, porém, esse mundo bem organizado e que funciona perfeitamente bem pode nos recordar o Admirável Mundo Novo de Huxley, ou o pesadelo orwelliano narrado em 1984, no qual a individualidade ou natureza humana de cada um é negada em benefício do todo. Não quero dar a impressão de que todos que têm Mercúrio em Aquário se preocupam apenas com sistemas abstratos e sonhos utópicos. Muitos se preocupam sinceramente com problemas sociais, humanitários e lutam pela melhoria das condições à sua volta. E, para a maioria deles, a verdade vem antes da aceitação social. Além disso, essa colocação pode dar grande clareza à mente, a capacidade de recuarem e de analisarem as situações com uma objetividade impressionante. Quando analiso mapas de pessoas com Mercúrio em Aquário (e isso se aplica a pessoas com Mercúrio em sextil ou trígono a Urano), fico impressionado com a clareza com que falam de si mesmas, com a clareza com que se vêem. Às vezes, tenho a impressão de que, com um mínimo de conhecimentos astrológicos, poderiam ler seus pró­ prios mapas melhor do que eu. O que lhe vem à mente quando você pensa em Mercúrio em Peixes? Audiência: Uma imaginação viva, mas um pensamento caótico. Audiência: Tenho essa colocação e acho que posso captar facil­

mente os pensamentos e sentimentos dos outros. Howard: Sim, você acaba de ler minha mente. Eu ia dizer que as pessoas com Mercúrio em Peixes podem erguer a mão e fazer a pergunta mais premente para os outros membros do grupo. Isso também se aplica a aspectos Mercúrio-Netuno. Peixes e Netuno representam a dissolução das barreiras. Se Mercúrio está ligado a este signo ou planeta, pode ser difícil distinguir quais são os seus pensamentos e quais os das pessoas à sua volta. Você encontra aí as pessoas camaleônicas, que mudam de idéia e de opinião de acordo com as pessoas com quem estão em dado momento.

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Assim, essa colocação é bastante contraditória; as pessoas com Mercúrio em Peixes costumam ter uma imaginação criativa e são bastante intuitivas e telepáticas, mas também podem passar por muita confusão e instabilidade mental. Tenho um amigo cujo Mercúrio está retrógrado em Peixes na 12 (às vezes, brinco com ele e lhe digo que seu mapa é raro pois não tem Mercúrio). Sob diversos pontos de vista, ele é um dos pensado­ res mais lúcidos que conheço, altamente sensível; lê pessoas e situações com a mesma clareza com que um barómetro mede a pressão atmosférica. Contudo, está sempre perdendo a chave de casa e do carro. Ele me visita e a cada vez joga as chaves em um lugar diferente, depois passa por uma hora de irritação tentando encontrá-las quando já está na hora de ir. Podemos dizer que algumas pessoas com Mercúrio em Peixes têm dificuldade para organizar seu ambiente. De modo análogo a Mercúrio em Cân­ cer, tendem a aprender por osmose, absorvendo ou intuindo informações e idéias em vez de aprendê-las ou de raciocinar de maneira lógica. E, tal como ocorre com Mercúrio em qualquer signo aquático, pode ser difícil descobrir o que estão realmente pensando; podem ser bem reservados e dão bons estrategistas ou jogadores de póquer. Nem sempre é fácil para eles transfor­ mar sua massa de sentimentos em palavras, exceto quando o fazem por meio da poesia, música, dança ou de alguma outra forma de arte. A cantora de jazz Billie Holiday é um bom exemplo de Mercúrio em Peixes, com sua voz incomparável e sua vida completamente caótica. Tenho feito mapas para pesso­ as com essa colocação e que sofrem de paranóia e de imaginação mórbida, coisas que advém da projeção sobre o ambiente de medos, ansiedades e complexos profundamente arraigados. Antes de passarmos a discutir os aspectos de Mercúrio, algu­ ma pergunta? Audiência: Será que você poderia falar um pouco mais sobre a

regência dupla de Mercúrio sobre Gémeos e Virgem? Howard: Posso traçar algumas distinções genéricas entre Mercúrio

como regente de Gémeos e Mercúrio como regente de Virgem, mas você não deve entender o que direi de maneira muito literal; minha interpretação só deve lhe dar um sentido amplo e quase arquetípico

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de como a função de Mercúrio varia de um signo para outro. O Mercúrio geminiano tende a ir em todas as direções; Gémeos vai aqui e ali, explora as relações entre as coisas, faz comparações e tenta encaixar as coisas em seus lugares. Virgem, porém, vai mais a fundo em um tema. Gémeos entende um pouco de diversos assuntos; Virgemsabe muito sobre um ou dois temas específicos. O Mercúrio geminiano gosta do conhecimento pelo conhecimento, pois o fato de conhecer algo, ser capaz de dar nome às coisas, toma-as mais interessantes. O Mercúrio virginiano gosta de conhecimentos que possa pôr em prática. O Mercúrio geminiano recebe e processa a informação por meio da mente; o Mercúrio virginiano absorve informações por meio das sensações e do corpo, julgando-as pelo tipo de sensação física que lhes dão. O Mercúrio geminiano se deleita ao ver como as partes se encaixam para formar o todo; o Mercúrio virginiano retalha as coisas, dissecando e fradonando o todo para ver seus componentes. A menos que Mercúrio esteja mal aspectado, Virgem é um signo razoavelmente estável e confiável. Como signo, porém, Gémeos é muito mais mutável e dado a altos e baixos. Veja o caso dos Gémeos Castor e Pólux, que associamos ao signo. Quando um dos gémeos estava no céu, pela regra o outro deveria estar aqui na terra. Não lhes permitiam estar no mesmo lugar ao mesmo tempo, por isso ficavam trocando de lugar. Gémeos (e qualquer planeta nesse signo) pode estar nas alturas em um dia e estatelar-se no chão no dia seguinte. Marilyn Monroe e Judy Garland eram geminianas, e os marcantes altos e baixos de suas vidas e carreiras exemplificam esse efeito ioiô de Gémeos. Um exemplo moderno é Boy George, que atingiu as alturas como ídolo pop e depois foi ao chão por causa de seus problemas com drogas. Atualmente, ele está tentando se reabilitar. O signo de Gémeos tem muito mais mistérios do que os livros de signos solares costumam indicar. Existe o lado profundo de Gémeos (e de Virgem também), o que nos faz lembrar do papel de Hermes como guia das almas que entram e saem do mundo subterrâneo. Audiência: Você pode falar de Mercúrio retrógrado? Howard: Sim, eu ia chegar lá. Quantas pessoas desta sala têm Mercúrio retrógrado? Muitas. Alguns textos interpretam Mer­

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cúrio retrógrado como se ele tivesse dificuldade para comunicar o que pensa, mas não tenho encontrado isso. Estou curioso para ouvir o que as pessoas com esse Mercúrio têm a dizer - se é que são capazes de falar. Audiência: Em certas ocasiões, tenho dificuldade para me comu­

nicar, mas em outras não. Howard: O mesmo acontece comigo e meu Mercúrio é direto.

Alguém mais? Vejo que você está fazendo que "não" com a cabeça, o que significa que, em sua experiência pessoal, Mer­ cúrio retrógrado não está necessariamente associado a dificul­ dades de comunicação. Creio que Mercúrio retrógrado faz com que você olhe para dentro de si mesmo - talvez para dar tima analisada naquilo que você vai falar antes de se manifes­ tar - ejam bem tende a tazer com que você rumine qualquer ia ou ae se sentir seguro a respeitonrestranno, mas fiz os mapas de dõis locutores da 1Vinglesa e ambos tinham Mercú­ rio retrógrado em Virgem. No início, estranhei o fato, pois a leitura das notícias para milhões de pessoas é um uso bastante público e extrovertido que a pessoa faz de Mercúrio. Depois, meditei sobre a questão. Quando eles estão lendo as notícias, não estão dando suas opiniões pessoais, mas apenas relatando os fatos; em suas vidas pessoais, eles geralmente precisam ocultar suas opiniões sobre os fatos devido à natureza bastante visível de seu trabalho - como você sabe, certos locutores tomam-se minicelebridades. Um deles, uma moça, me pediu insistentemente para que eu mantivesse sua consulta sob segredo absoluto; se os jornais soubessem que ela se interessa­ va por astrologia, poderiam publicar histórias sensaáonalistas. Audiência: É interessante que Mercúrio estivesse retrógrado justamente em Virgem, que indica precisão e habilidade com palavras e na comunicação. Audiência: Você já observou o fenómeno de mapas onde Mercú­

rio natal é retrógrado e fica direto por progressão?

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Howard: Sim, já analisei isso. Na época em que fica direto, as pessoas parecem se abrir mais - suas mentes aceitam novas idéias e elas ficam mais extrovertidas, de um modo geral. Quem nasceu com Mercúrio retrógrado deve estudar suas progressões para ver esse fenómeno. Além disso, se seu Mercúrio natal é direto, pode ficar retrógrado por progressão - por isso, todo mundo deve analisar a retrogradação e ver que efeitos pode causar. Se pudéssemos optar, seria melhor ter Mercúrio direto na juventude, pois precisamos de um Mercúrio fluente para aprendermos da melhor maneira possível e nos ajustarmos à escola. Pode não ser tão ruim ter Mercúrio retrógrado quando somos mais velhos, pois é uma época em que a mente efetivamente se volta para dentro em auto-reflexão. Contudo, o que realmente me interessa é a observação de Mercúrio entrando em movimento retrógrado e direto, algo que afeta a todos nós. O capítulo de Erin Sullivan sobre Mercúrio no livro Planets contém um dos melhores textos que já li acerca dos trânsitos retrógrados, e parte de meu material foi colhida desse texto.12Quando Mercúrio entra em retrogradação^temos~a.época apropriada para refazer, repensar, reavaliar-tudo aquilo que. tem o prefixòTgrOperíodo emque Mercúrio está retrógrado é a época de nos atualizarmos, de completarmos projetos inacaba­ dos, de escrever aquela carta que estivemos protelando ou de pagar aquela conta atrasada; de modo geral, é a época para reavaliar os assuntos da casa - a área da vida - pela qual está retrocedendo e de planejar seu próximo passo nesse domínio. Pode não ser o melhor momento para pôr em prática o plano, mas é o momento de planejar os passos a se dar quando ele voltar ao movimento direto. Você pode até encontrar pessoas que fazem parte de seu passado, com as quais você tem alguma coisa pendente e que precisa ser resolvida ou completada. Quando Mercúrio fica retrógrado, você pode descobrir que sua percep­ ção ou atenção se volta naturalmente para dentro, dando-lhe maior acesso ao conteúdo de sua mente inconsciente, permitin­ do-lhe explorar e integrar sentimentos até então enterrados ou ocultos. Por falar nisso, Mercúrio fica retrógrado uma vez a cada quatro meses, permanecendo assim por 22 dias, e tende a fazê12Erin Sullivan, "Mercury", em Planets, pp.94-118.

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lo em dclos alternados de elementos - durante alguns anos, ele fica retrógrado em signos de Terra; mais alguns anos, e fica retrógrado em Fogo, e assim por diante. Se Mercúrio fica retró­ grado em um signo de Fogo, talvez você precise reavaliar suas diretrizes de vida ou o modo como está utilizando quaisquer talentos criativos de que disponha, mas não será a melhor época para assumir riscos ou fazer mudanças bruscas. Quando retró­ grado em um signo de Terra, talvez você predse voltar sua atenção para temas práticos importantes, tais como aquela con­ sulta com o dentista ou com o médico que você tem adiado, comprar finalmente aquela bucha da torneira que está pingando ou dar uma limpeza geral no quarto de despejo ou no porão. Quando retrógrado em signos de Ar, temos um período em que precisamos repensar ou reavaliar o modo como nos relaciona­ mos com familiares, amigos e com a sociedade de modo geral. Se Mercúrio estiver retrógrado em um signo aquático, seus pensa­ mentos podem se voltar para reladonamentos antigos, e seria apropriado reexaminar antigos hábitos e padrões de resposta emodonal. Tenho certeza de que você já notou que a retrograda­ ção de Mercúrio costuma coinddir com períodos em que suas cartas saõ extraviadas ou atrasadas, as comunicações telefónicas ficam mais difíceis,~voce temmãís problemas ligados a erros de comunicação ou mai-entendittose^você^e-atrasa ainda maísnas viagens do que de costume (tènhò certeza de que o sistema ferroviário britânico foi fundádo quando Mercúrio estava retró­ grado). Concordo com o conceito que diz que não é uma boa pode sair errado ou diferente daquilo que você esperava ou queria. Estou pensando se devo contar um inddente curioso quê aconteceu comigo enquanto Mercúrio estava retrógrado em Capricórnio em janeiro deste ano (1990). Audiência: Não nos deixe curiosos! Howard: Tudo bem, me convenceram. O médico marcou para 16

de janeiro minha operação no pescoço e eu tinha de estar no hospital no dia anterior. Quando me contaram a data, fui corren­ do até as efemérides e não fiquei contente com o que vi. Mercúrio estava retrógrado e ainda dentro do orbe de uma conjunção com

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Netuno em Capricórnio, e essa conjunção em trânsito formaria uma quadratura com meu Netuno natal, além de ocorrer na casa 12, a qual, como vocês sabem, rege lugares como hospitais. Além disso, a Lua estaria fora de curso durante a operação, o que, de acordo com a astrologia horária, significa que os eventos não sucedem como o planejado. Tudo isso me assustou: eu estava preocupado com algum tipo de confusão - que eles removessem a coisa errada, que a mão do cirurgião escorregasse, que eu fosse confundido com alguém cuja perna deveria ser amputada, cuja vesícula deveria ser retirada ou algo assim. Mas fui contrário ao adiamento da operação, pois ela seria feita no hospital público e poderia demorar uns dez anos até marcarem outra. De qualquer maneira, não creio que o cirurgião se deixaria comover se eu lhe pedisse para mudar a data porque minhas estrelas não estariam favoráveis no dia 16. Assim, dei entrada direitinho no hospital na manhã do dia 15 e imediatamente começaram os atrasos e problemas. Tive de aguardar três horas até que o leito estivesse pronto e tiveram de realizar os testes pré-operatórios na sala de espera. Finalmente, consegui meu leito e depois tive de esperar até que o cirurgião aparecesse para discutir comigo os detalhes da operação do dia seguinte. Finalmente apareceu um médico, mas não era aquele que eu esperava que me operasse. Acontece que meu cirurgião não conseguiria voltar de suas férias de inverno em Aspen, por isso seu assistente me operaria. A expli­ cação que o assistente me deu sobre a operação foi bem difícil de entender - na verdade, ele descreveu um procedimento bem diferente do que aquele que tinham me explicado antes. Como você pode imaginar, senti-me terrivelmente deprimido com essa história, mas ainda assim não tive coragem de cancelar a operação. Em vez disso, decidi que o que acontecesse comigo já estava em meu destino. Veio o jantar e comi a refeição insípida que me deram. Passei o tempo contando para as enfermeiras como me sentia - não havia nada de mais em contar a elas a história da retrogradação de Mercúrio e dos outros aspectos. Quando souberam que eu era um astrólogo, muitas ficaram doidas para que eu fizesse uma rápida análise de signo solar e ficaram me perguntando se eu também poderia ler suas mãos ou cartas. Mas foram gentis e amáveis, me fazendo massagens nos pés e aromaterapia para que me sentisse melhor. Por volta das

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19:30, o médico apareceu novamente com um ar de aborrecido. "Desculpe-me, Sr. Sasportas, mas pesquisamos de alto a baixo todos os departamentos do hospital e não conseguimos localizar seus raios-X e registros médicos, o que significa que não pode­ remos operá-lo amanhã. Será que o senhor poderia voltar na próxima segunda-feira?" Fiquei radiante e saí de lá num piscar de olhos. Mercúrio voltaria a ficar direto na segunda-feira e a Lua estaria muito bem posicionada nessa nova data. Todo o incidente fez com que eu sentisse que alguém, em algum lugar, estava cuidando de mim. Cheguei a fazer uma oração de agra­ decimento a Hermes por esconder meus raios-X, os quais, por falar nisso, foram imediatamente localizados pelo meu médico quando retomou de suas férias, dois dias depois. Tudo isso é verdade, foi assim que aconteceu. É melhor passarmos para os aspectos de Mercúrio. Mercúrio nunca se afasta mais do que 28 graus do Sol. Se o Sol e Mercúrio estiverem em uma conjunção cujo orbe não excede 17 minutos de arco, damos a isso o nome de cazimi; se esses dois planetas estiverem a menos de oito graus de distância, são considerados combustos. Dizem que o Sol queima Mercúrio quando estão muito próximos, o que provoca dificuldade em manter a objetividade e uma maior subjetividade. Neste sentido, temos uma analogia com Mercúrio em Leão, onde a pessoa tem um apego e uma identificação muito forte com suas crenças ou modo de pensar, sem deixar espaço para as opiniões e pontos de vista dos outros. A imparcialidade fica prejudicada e a pessoa pode acabar sobrecarregada com seus pensamentos ou com fadiga mental. Alguns astrólogos, porém, argumentam que o contato íntimo entre o Sol e Mercúrio é positivo, pois isso significa que esses dois planetas podem trabalhar como aliados, aliviando a mente e aumentando a capacidade de comunicação e de autoexpressão. Quando a distância entre o Sol e Mercúrio aumenta, a objetividade da pessoa também o faz. Se Mercúrio está no signo imediatamente anterior ou posterior ao do Sol, temos um maior equilíbrio mental e uma perspectiva de vida mais ampla, sim­ plesmente porque temos o envolvimento de dois signos diferentes. Contudo, essa situação também pode dar margem a uma crise de identidade, pois o modo como você pensa e se expressa (Mercúrio) difere do núcleo essencial de seu ser (o Sol).

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Não tenho posição definida quanto a isso, mas posso dizer que tenho mais segurança quanto à objetividade de uma pessoa se seu Mercúrio não está próximo demais do Sol. Geralmente, a pessoa ariana com Mercúrio em Áries costuma ser mais aventu­ reira, extrovertida e expressiva do que os arianos com Mercúrio em Peixes ou Touro. O taurino com Mercúrio em Touro deve ser bem mais reticente e cauteloso do que o taurino com Mercúrio em Áries ou Gémeos. Por falar nisso, se o seu Sol ou Ascendente estiver em Gémeos ou Virgem (signos regidos por Mercúrio), você deve prestar atenção nos aspectos de Mercúrio. Um virginiano com Mercúrio em conjunção com Netuno será bem diferente de um virginiano cujo Mercúrio está em conjunção com Saturno. Assim, antes de presumir que todos os virginianos são eficientes e bem organizados, é melhor dar uma olhada nos aspectos natais formados por Mercúrio. A mesma lógica se aplica a alguém com o Sol ou o Ascendente em Gémeos - os aspectos com Mercúrio vão influenciar no fato da pessoa ser um geminiano lógico ou um dispersivo. Também dizem que, se Mercúrio se eleva antes do Sol, você pensa primeiro e age depois; contudo, se o Sol se eleva antes de Mercúrio, você age primeiro e depois procura uma justificativa para suas ações. Em seu livro Progressões Secundárias, Nancy Hastings fala do relacionamento Sol-Mercúrio, dizendo que se você nasceu com Mercúrio no signo anterior ao do Sol, ele estará direto ou prestes a ficar direto.13Se for este o caso, na época em que você inicia a vida adulta, Mercúrio estará avançando bem depressa. Segundo sua interpretação, isso significa que você pode assimilar novas idéias rapidamente e que estará disposto a experimentar diferentes modos de ver a vida. Contudo, se Mercúrio estiver em sua maior distância à frente do Sol, pode estar retrógrado no mapa natal ou prestes a entrar em retrogra­ dação por progressão, o que provavelmente direcionará sua atenção e percepção para dentro, para seu interior. Discutimos os aspectos formados entre a Lua e Mercúrio em minha palestra sobre a Lua,14mas vou fazer uma breve revisão ,3Nancy Hastings, Progressões Secundárias (São Paulo: Pensamento). “Ver a "Parte Um: A Lua", em Os Luminares, Volume 3 de Seminários sobre Astrologia Psicológica (São Paulo: Roca, 1994).

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* sobre eles. O trígono, sextil ou conjunção harmoniosa indicam um bom relácionamento entre o planetálàgsgriado coiiras-gcro^ çõisesentimentos (a Lua) éoplaneta da comunicação (Mercúrio) Portanto, deve ser fácil para a pessoa transmitir o que está sentindo. Os aspectos fluentes também sugerem um bom contato mente-coração, de modo que há menos tensão entre aquilo que você pensa e aquilo que você sente. Os~cõntãtoFpositivos Lua-Mercúrio também aumentam sua sensibilidade ao ambien­ te e o modo como voce o compreende, nao importa onde esteia. Isso significa que voce pode ver e interpretar corretamente as coisasqúe estão acontecendo a sua volta, e que você vai se relacionar com as pessoas demonstrando sensiRIídade às suas emocoes. Com as quadraturas e outros ângulos tensõsT você provavelmente experimentará comlitos entre~a~gíénte e o cora­ ção, ou seja, aquilo que seu intelecto diz não se alinha com seus sentimentos a respeito do mesmo tema. Sua cabeça pode lhe dizer para desmanchar um relacionamento, mas suas emoções querem que você dê continuidade a ele. Assim, os contatos tensos entre Lua e Mercúrio podem se manifestar como dúvidas pessoais e incerteza quanto a seu modo de encarar~ãs~situações. Tanto a Lua como Mercúrio são planetas ligados à memória, e, quando em conflito, complexos emocionais profundamente enraizados podem tingir ou obscurecer o modo como você interpreta o ambiente. Quando você está vendo o que acontece através das lentes distorcidas de um complexo, você pode reagir de maneira sensível ao ambiente. Fazendo uma digressão, os contatos Lua-Mercúrio são interessantes em sinastria. Você pode conhecer alguém e gostar da pessoa à primeira vista, mas se houver um interaspecto Lua-Mercúrio adverso, talvez vocês tenham dificuldades na comunicação verbal. Se, pelo contrário, os interãspprtos Lua-Mercúrio forem bons, a harmonia entre você e a outra pessoa é imediata - você tem a impressão de que conhece e compreende o que ela sente, e ela é receptiva ao seu modo de pensãre~àquilõque você tem a dizer." Mercúrio e venus nunca se afastam mais do que 76 graus, de modo que a conjunção, o semi-sextil, a semiquadratura, o sextil e o quintil são os aspectos mais importantes que ambos podem formar um com o outro. (Tome cuidado com as pessoas que lhe disserem que nasceram com uma quadratura ou oposição entre

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Mercúrio e Vênus.) Todos os contatos possíveis entre Mercúrio e Vênus são razoavelmente benignos. Gostaria de ouvir suas idéias acerca da interpretação desses aspectos. Audiência: Pessoas com uma conjuncão bem aspectada, ou semispyHI nu qnintilr devem se

comunicar de maneira agradável^

harmoniosa. Howard: Sim, Mercúrio (o planeta da comunicação) se alinha bem com Vênus (o planeta do estilo, gosto e beleza). A combi­ nação pode produzir voz agradável, o uso da linguagem para o entretenimento e uma mente artística ou imaginação criativa. Você quer usar seu Mercúrio de maneira a realçar o modo como você se relaciona e interage com as pessoas, por isso você provavelmente não as ataca ou desafia por maldade; em vez disso, concede aos outros o benefício da dúvida. A pessoa aprecia a beleza de maneira natural e se interessa (é curiosa) por tudo que é venusiano - arte, relacionamentos, dinheiro, etc. A maioria dos aspectos Vênus-Mercúrio produzem afabilidade e a pessoa pode se mover graciosamente. Em alguns casos de conjunção ou semiquadratura, você pode ser bonzinho ou amável demais quando se relaciona com os outros, como resultado de um charme superficial, sem substância (e talvez sem sinceridade). Sempre me esqueço de falar de Mercúrio em termos de irmãos, vizinhos e viagens curtas. Com bons aspec­ tos entre Mercúrio e Vênus, você deve gostar (e se dar muito bem) de seus irmãos, irmãs e vizinhos, apesar de outros aspec­ tos ou posições do mapa poderem negar esse fator e criar problemas. Se considerado separadamente do restante do mapa, o aspecto harmonioso entre Mercúrio e Vênus é um indicador de agradáveis viagens curtas. Se algum planeta em trânsito estiver realçando esse contato Mercúrio-Vênus, você pode entrar no metro para ir trabalhar numa dada manhã e encontrar o amor de sua vida, ou pelo menos alguém com quem você pode manter um agradável flerte. Esqueci - estamos na Suíça. Será que esse tipo de coisa acontece nos trens suíços? Em Nova York, um bom aspecto Mercúrio-Vênus pode indicar que suas chances de ser assaltado no metrô são menores do que o normal.

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Audiência: Conheço uma pessoa que tem tuna conjunção Mercú-

rio-Vênus e seu passatempo é escrever cartas de amor por encomenda. Howard: Eis aí um bom uso para esse aspecto. É um pouco

excêntrico, mas é autêntico - ele está correspondendo a seu mapa. Os contatos entre Mercúrio e Marte reúnem o deus da mente, da comunicação e o deus da guerra. Os efeitos desagradáveis desta combinação podem ser vistos claramente na conjunção ou nos ângulos tensos desses dois planetas (dentre os quais incluo o quincúncio). As pessoas com esses aspectos tendem a falar de maneira impulsiva e a manifestar palavras e idéias que, tenham tido a intenção ou não, podem ferir e magoar os outros. Mercúrio-Marte briga com a cabeça e reage depressa. A mente é uma lâmina de dois gumes que pode ser usada para nos separar de outras pessoas por meio de atitudes críticas e hostis, mas tam­ bém pode nos unir aos demais por meio de insight e de compreensão. Podemos usar palavras para destruir alguém, podemos usar as palavras para curar ou para nos aproximarmos de alguém. Você já ficou sem falar durante um período relativa­ mente longo? Na década de 70, fiz parte de um grupo de meditação que fazia "retiros silenciosos" - uma semana com outros meditadores, mas sem comunicação verbal. Dá para me imaginar sem falar durante uma semana? Para ser honesto, não era fácil, mas fez com que me sentisse mais vivo e vibrante por dentro, como se eu tivesse conservado energia pelo fato de não falar. Com os contatos Mercúrio-Marte mais difíceis, você pode esperar batalhas e conflitos de poder com parentes, vizinhos ou colegas. Se algum trânsito realça um contato difícil entre esses planetas, é bom que você tome mais cuidado ainda em seus relacionamentos, pois é um dia ou período em que as brigas e ás discussões surgem inesperadamente, quando seu sangue ferve e seu fusível queima depressa por causa de alguma coisa que alguém diz ou faz. Com Mercúrio ligado a Marte, você pode encontrar Marte em uma viagem e por isso é bom ter cautela nos dias em que o aspecto é ativado. Você pode atrair acidentes quando viaja de A para B, ou então se queimar ou se cortar com

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uma faca, especialmente se você já estiver se sentindo agitado ou sujeito a emoções negativas. A discórdia interior sempre procu­ ra um modo de vir à tona. Agora, mesmo sob ângulos difíceis, Marte tem o efeito de animar qualquer planeta que contata, por isso esses aspectos podem fazer com que a pessoa tenha uma conversa estimulante ou uma mente viva, apreciando um debate mental ou desafiando os outros com suas idéias e afirmações provocantes. O que você diria sobre o trígono e o sextil entre Mercúrio e Marte? Audiência: Daria força à mente e convicção às palavras da pessoa.

Podem ser pessoas bem persuasivas. Howard: Concordo, embora em si o aspecto fluente entre esses

dois planetas não assegure a honestidade ou a boa-fé. Seria bom pensar duas vezes antes de comprar um carro usado de um vendedor persuasivo dotado de um trígono Mercúrio-Marte. Audiência: E o que você diria de uma conjunção entre Mercúrio

e Marte em Peixes? Howard: Tal como ocorre com qualquer conjunção, seria preciso

levar em conta sua colocação no contexto geral do mapa, mas eu diria que as pessoas com esse aspecto nascem com uma imagi­ nação poderosa e precisam encontrar um canal de vazão criativo para expressarem por meiõ dele suas idéias, visões ou sentimen­ tos. A necessidade de comunicação é grande, e ela pode se manifestar pela dança, música, fotografia, pintura ou poesia (apesar de as palavras serem um meio um tanto limitado para Mercúrio em Peixes). Os aspectos harmoniosos entre Mercúrio e Túpiter são, de mnHn gpral rontatos muito bons. Como você pode observar os detalhes e as partes (Mercúrio) e o quadro geral ou o todo (Túpiter), sua mente pode ser capaz de se sintonizar em dois canais ao mesmo tempo. Um bom aspecto Mercúrio-Júpiter equivale a Zeus e Hermes trabalhando juntos da melhor maneira possível: sua mente está aberta a inspirações superiores _de natureza jupiteriana, mas você também tem a capacidade mercuriana de aplicar sua sabedoria espirituaLoiLsuaxompreensãa

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àvidacotidiana. Esses contatos também indicam uma capacidade de entusiasmar e de inspirar as pessoas com suas palavras e idéias,apesar de que, mesmo com os~aspectos fluéhtes,~pode existir uma tendência a talar demais ou a períodos de hiperatividade mental. Como você se encontra com Júpiter por meio de Mercúrio, uma conjunção (trígono ou sextil) bem aspectada entre esses dois planetas geralmente sugere um relacionamento feliz ou benéfico com parentes; talvez um irmao o apresente à meditação, o ajude financeiramente ou de algum modo pratico. Benefíciossemelhantes podem vir de vizinhos. Com Mercúrio em bom aspecto com Júpiter, as- vidgeigésfimulam a mente e provavelmente no seu decorrer vocé desfruta de boa sortel checando a uma cidade bem na epoca delãlguma festa típica. "^quadratura ou a oposição (ou uma conjunção mal aspecta­ da) entre esses dois planetas pode ainda se manifestar de maneira positiva, mas devemos avaliar seus problemas. A conjunção ou a quadratura costuma produzir uma mente inquieta e ativa, e quem sabe a tendência a verborragia. Você pode transformar morros em montanhas, eventos ou incidentes simples em coisas do outro mundo. Às vezes, sua capacidade de julgar pode ser prejudicada. Se um contato problemático entre Mercúrio e Júpi­ ter for atingido por um trânsito ou progressão, você pode não ver as pessoas ou as coisas com clareza, por isso deve tomar cuidado com empreendimentos especulativos ou com situações onde precisa depositar sua confiança ou fé em alguém. Você pode ser hábil na venda de suas idéias, mas deve tomar cuidado para não afastar as pessoas com seu excesso de zelo ou com abordagens exageradas. A oposição Mercúrio-Júpiter pode cau­ sar as mesmas dificuldades que a quadratura ou a conjunção, além de produzir uma tendência a iniciar discussões sobre política, religião ou filosofia. Uma conjunção, sextil ou trígono bem aspectados entre Mer­ cúrio e Saturno estabiliza e focaliza a mente, melhorando o poder de concentração e permitindo-lhe pensar de maneira prática e lógica. Mesmo com os aspectos fluentes, você pode se sentir inseguro acerca de sua capacidade intelectual ou de seus poderes mentais, mesmo assim, ter a disposição para trabalhar bastante e, de maneira determinada, aprender ou dominar um assunto ou técnica. Provavelmente, você será cauteloso ao falar

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e ao escolher com quem fala, o que pode ser bom. Em ângulos tensos com Mercúrio, Saturno indica dúvidas pessoais sobre a capacidade intelectual, pode se manifestar por meio de dificul­ dades ou de lentidão no aprendizado, escrita ou fala. Entretanto, não devemos nos esquecer de que Saturno é o mestre-escola celeste, o espinho que, espetado em nossas costas, impele-nos a atingir grandes realizações. .Veja o caso de Goethe, um gênio literário, talvez o mais famosoescritor alemão, um virginiano nascido com Saturno próximo ao Ascendente (Escorpião) e em quadratura com Mercúrio, regente de seu Sol. Ele levou mais de sessenta anos para completar Fausto - isso é persistência! Além disso, é a fonte de uma frase bastante saturnina: "É na autolimitação que o mestre se manifesta inicialmente". Audiência: Será que as pessoas Mercúrio-Satumo não precisam

de algum tipo de reconhecimento convencional, tal como um título ou certificado, antes de se sentirem confortáveis com relação a seu conhecimento ou status? Howard: Sim, isso costuma acontecer, pois Saturno pode amarrar

Mercúrio a maneiras de pensamento tradicionais. Por exemplo, as pessoas com esses aspectos podem não se sentir confortáveis na prática da astrologia enquanto não receberem um diploma da Faculty ofAstrological S tudies ou de algum curso semelhante. Que diferença das pessoas Mercúrio-Urano, que passam rapidamen­ te a ler mapas depois de aprenderem astrologia por conta própria, sem se importarem com um pedaço de papel que prove seu valor. Qualquer fnnfatn MprniriOtSa.hjmO pode causar um temperamento depressivo ou contemplativo, fazendo com_que a pessoa lide mais com o lado negativo ou sombrio de uma pessoa ou situação, ou que se preocupe sem parar com o dia de amanhã. Contudo, os aspectos Mercúrio-Satumo costumam dar peso á mente, aprolundando-a e estabilizando a tendência mercuriana de voar de um tema para outro. Alguém aqui com Mercúrio em aspecto com Saturno gostaria de falar sobre ele? Audiência: Tenho uma quadratura e sofro de dúvidas acerca de

minha mente. Demoro para aprender, mas quando aprendo, aprendo direito.

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Audiência: Meu Mercúrio está conjunto a Saturno e venho de

uma família com sete irmãos. Naturalmente, fui o responsável por todos eles. Howard: Tem razão, os irmãos podem ser um fardo, tuna respon­

sabilidade ou dar trabalho quando Saturno forma aspecto com Mercúrio. Com efeito, tenho visto muitos exemplos desses as­ pectos nos mapas de filhos únicos. Isso pode sugerir certa solidão na época do crescimento ou o fardo adicional lançado sobre o filho único, obrigado a satisfazer tantas expectativas dos pais e potenciais não cumpridos. No início desta tarde, falei da possibilidade de alguém com um Mercúrio mal aspectado em Gémeos acabar numa camisa-de-força mental na infância. Satur­ no em aspecto com Mercúrio pode significar uma experiência semelhante. Em que esses aspectos influem em termos de via­ gens curtas ou breves? Audiência: Provavelmente, essas pessoas estão sujeitas a atrasos,

obstruções ou dificuldades. Ou elas podem viajar a trabalho ou para estudar. Howard: Assino embaixo. Também existe a possibilidade de

Saturno transformar em carreira o planeta quêtoca. Assim, você pode até setomar um agente de viagens se tiver um contato Mercúrio-Satumo, ou uma pessoa cujo trabalho envolve o trans­ porte de pessoas e de bens de um lugar para outro. Dentro dessas linhas, um escritor, jornalista ou professor pode ter Mercúrio em aspecto com Saturno. Penso que é bom usar os aspectos de Saturno dessa maneira, transformar o planeta que Saturno toca em uma vocação que você pode dominar. OK, soldados, avante. Vamos para Mercúrio-Urano. O deus do céu, Ouranus, regia o vasto espaço estrelado dos céus e qualquer aspecto entre Mercúrio e Urano leva Mercúrio aos reinos mentais superiores, nos quais as visões, insights e intuições são a tónica. É justo dizer que uma conjunção, sextil ou trígono bem aspectados costuma produzir idéias mais confiá­ veis ou mais facilmente digeríveis e socialmente aceitáveis do que os ângulos tensos, como se a pessoa estivesse medindo a pulsação do coletivo, intuindo e promovendo novos conceitos e

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tendências que a sociedade ou o mundo como um todo estão prontos para receber. As pessoas Mercúrio-Urano exibem saga­ cidade, originalidade e engenhosidade mentais - às vezes, até a genialidade. São ginastas mentais, capazes de estabelecer rapi­ damente conexões entre um tema ou idéia e outros, coisa que um pensador mais lento não é capaz de fazer. Costumam ter como equipamento a clareza mental, são capazes de encontrar respos­ tas e soluções para situações que deixam as outras pessoas sem palavras. Dito de outra forma, a mente uraniana - aguda, rápida e fina como um laser - pode atravessar qualquer problema, ou, se me desculpa a expressão, contornar qualquer "papo furado". As pessoas que nascem com uma conjunção ou qualquer aspecto difícil entre esses dois planetas podem dizer ou pensar coisas que os outros achariam muito bizarras, malucas ou im­ possíveis de se avaliar. Por exemplo, as pessoas Mercúrio-Urano desse grupo podem me dar uma contribuição à qual não posso responder de imediato; quando tiver tempo para pensar melhor naquilo que me disseram, descubro que seus comentários ou conclusões fazem muito sentido. Devo admitir, porém, que fiz leituras de mapas de pessoas com essa quadratura ou oposição e elas me dizem coisas que apenas a muito custo aceito ou compreendo. Lembro-me da ocasião em que um homem com essa oposição me disse que estava mantendo contato diário com seres de outro sistema solar, que eles lhe davam conselhos e informações. Pode ser verdade, quem sabe? No entanto, meu lado capricomiano tem dificuldade para digerir esse tipo de idéia. Se você nasceu sob um aspecto Mercúrio-Urano, geralmente diz o que pensa mesmo que isso possa abalar, chocar ou magoar outras pessoas. É bem diferente das pessoas com um aspecto Mercúrio-Vênus ou Mercúrio-Netuno, que tendem a partilhar apenas as coisas que acham que os outros gostariam de ouvir ou que os outros não vão achar muito perturbadoras. Para Mercú­ rio-Urano, a "verdade" é mais importante do que amenidades sociais. No caso dos aspectos tensos, o relacionamento com os irmãos ou parentes pode ser tenso ou distante. Você pode ter meio-irmãos, padrastos, etc. O aspecto também pode se mani­ festar por meio de um irmão ou irmã do tipo uraniano. Já percebeu como os aspectos com Mercúrio ou as colocações na

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casa 3 podem ser representadas por um parente? Assim, se você nasceu sob uma conjunção Mercúrio-Urano, pode ter irmãos com Urano destacado em seus mapas; se nasceu sob uma qua­ dratura Mercúrio-Netuno, pode ter uma irmã pisdana com Netuno ascendendo em Libra, ou um irmão músico ou viciado em drogas. Só para registrar, tanto Joan Baez como Jane Fonda, duas artistas talentosas que também são conheddas por suas campanhas pacifistas e pelos direitos civis, nasceram com um trígono Mercúrio-Urano. Comparando-se com o pobre Oscar WUde, que tinha uma oposição entre esses planetas, Baez e Fonda conseguiram se sair bem com suas crenças "radicais". Muito daquilo que foi dito sobre Mercúrio em Peixes se aplica aos contatos Mercúrio-Netuno. Mantendo-me fiel à natureza de Netuno, que adora tomar os limites indefinidos, para mim é difícil diferendar os aspectos tensos e suaves que forma com Mercúrio. Todo aspecto Mercúrio-Netuno enfatiza a sensibili­ dade e a receptividade da mente, por isso esse aspecto pode fazer com que a pessoa seja altamente intuitiva, até psíquica - alguém que costuma se expressar de maneira inspirada e poética. E fato que os aspectos tensos podem contribuir para a confusão e incerteza mentais, mas conheço pessoas com quadratura ou oposição entre Mercúrio e Netuno que usam esses aspectos tão bem quanto aqueles que têm um sextil ou um trígono entre eles. E há pessoas com aspectos "fáceis" que se vêem perturbadas por problemas psíquicos, drogas ou álcool. Portanto, ao falar do significado de Mercúrio-Netuno, a menos que se afirme o con­ trário, estou falando de todos os seus aspectos. Netuno toma Mercúrio difuso; as pessoas com esses aspectos aparentemente pensam de maneira vaga ou obscura, mas, na verdade, para das é difícil posidonarem-se de um só lado da verdade, de uma idéia ou teoria, devido à tendênda inata de contemplaremas situações e as pessoas sob diversos ângulos. Disso provém seu escapismo mental ou suas qualidades camaleônicas elas podem concordar com um conjunto de opiniões a respeito de uma idéia ou ponto, depois se virarem e concordarem com outras pessoas que sustentam pontos de vista completamente diferentes sobre o mesmo assunto. É difícil obter firmeza de Mercúrio quando Netuno está em aspecto com de. Essas pessoas têm, de modo geral, certo interesse pelo espiritual ou pdo oculto, uma mente receptiva

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a Deus ou à inspiração divina e insights, gostam bastante de arte, música ou da beleza em geral - de qualquer coisa que eleve a pessoa ou a tire do normal. Têm forte empatia, a ponto de lerem as mentes dos outros e se identificarem com - ou assumirem - aquilo que os outros sen­ tem, mais ou menos como o maravilhoso personagem de Woody Allen em Zelig, um camaleão humano que queria tanto ser aceito pelos demais que se transformava literalmente na pessoa que estivesse em sua vizinhança. As pessoas Mercúrio-Netuno são médiuns naturais, captando pensamentos e sentimentos à solta pela atmosfera. Netuno nos pede para cedermos o planeta que ele toca, e às vezes essas pessoas são mais hábeis ao falar em nome dos outros do que de si mesmas. A sensibilidade às drogas - como medicamentos ou não - não é incomum e, para obterem o mesmo efeito, talvez precisem de dosagens menores dessas substâncias do que a normal. Algumas pessoas com esses aspec­ tos têm problemas com o abuso de certas substâncias, enquanto outras ficam longe de drogas ou de bebidas como se soubessem instintivamente o perigo contido nelas. Mesmo com a quadratu­ ra ou a oposição, temos o bom contador de histórias, apesar dos aspectos Mercúrio-Netuno poderem indicar que a pessoa tem facilidade para mentir, falsear ou distorcer a verdade. Essas pessoas me fazem lembrar de Hermes quando ele diz a Apoio, sem qualquer vergonha, que não sabia de absolutamente nada a respeito de seu rebanho. Por outro lado, é possível que obte­ nham dados errados ou tirem conclusões erróneas sobre alguma coisa. Se você tem um aspecto Mercúrio-Netuno, precisa confe­ rir duas vezes suas informações, especialmente se um trânsito o realça. Por exemplo, se Júpiter estiver passando sobre seu Mer­ cúrio natal e também formar aspecto com o Netuno natal, você pode se encantar ou ficar muito entusiasmado com uma pessoa, projeto ou investimento e pode descobrir mais tarde que foi enganado. Seria bom ter um amigo confiável com um trígono ou sextil entre Mercúrio e Saturno para ficar de olho em você durante essas épocas; ele poderia dizer se você está fora da realidade ou está criando uma bolha fadada a explodir. Auâiência: Conheço pessoas Mercúrio-Netuno que têm proble­

mas para aprender ou que se confundem com questões de

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natureza prática, aparecem no dia errado no consultório do médico ou que se enganam com endereços. Howard: É verdade, tenho visto esses aspectos ligados à dificul­

dade de aprendizado, a problemas de fala ou audição, dislexia e congéneres. Provavelmente, são pessoas com predominância do hemisfério cerebral direito, e não do esquerdo. A instabilida­ de mental, na forma de paranóia ou estados semelhantes, tam­ bém pode ser indicada pelos contatos Mercúrio-Netuno. Contu­ do, em muitos casos, Mercúrio-Netuno denota a mente imagina­ tiva que necessita de uma forma de realização. Se você nasceu comMercúrio em aspecto com Netuno, você pode ter "mãos que curam" ou emanar uma vibração ou aura que as outras pessoas acham calmantes, repousantes. Talvez você precise fazer sacri­ fícios com relação a irmãos ou parentes, tais como dedicar parte de seu tempo a cuidar de um irmão mais novo ou de algum parente doente ou inválido. Tenho visto esses aspectos nos mapas de filhos únicos que sentem a falta da companhia do irmão ou irmã que nunca tiveram. Alguns deles podem compen­ sar essa solidão inventando amigos e colegas imaginários. Posso apresentar alguns exemplos de pessoas famosas com aspectos entre Mercúrio e Netuno. Van Gogh, artista intenso, confuso, torturado e brilhante, nasceu com Mercúrio em Peixes formando quadratura com Netuno (e Plutão) em Gémeos. Ape­ sar da incerteza quanto à sua data de nascimento, Maria Callas, a talentosíssima cantora lírica, tinha um trígono entre Mercúrio em Sagitário e Netuno em Leão. Já mencionei Margot Fonteyn e seu Mercúrio em Touro em quadratura com Netuno em Leão exemplo de um aspecto tenso que, apesar disso, se manifesta de maneira excepcional, com graça e beleza de movimentos. E temos também Jim Jones, o maníaco-depressivo com ilusões paranóicas que, em 1977, "bolou" o suicídio em massa de Jonestown, na Guiana: nasceu com um trígono exato entre * Mercúrio em Touro e Netuno em Virgem. Assim, vocês podem entender o que quero dizer quando digo que até os trígonos podem ser levemente "tortos". Boa parte do que foi dito sobre Mercúrio em Escorpião se aplica a contatos entre Mercúrio e Plutão. Mais uma vez, os ângulos "fáceis" e as conjunções podem ser tão problemáticos

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quanto os aspectos tensos, embora o sextil e o trígono sejam um pouco mais fáceis de se lidar e de se trabalhar com os traumas e dificuldades normalmente associadas a um aspecto plutoniano típico. Assim, tal como ocorre com Mercúrio-Netuno, vou reunir todos os aspectos nessa discussão. Na maioria dos casos, os contatos Mercúrio-Plutão indicam uma mente profundamente incisiva e penetrante, capaz de sondar a essência ou o coração de um tema. Quando Mercúrio forma aspecto com um planeta, ele vai para onde o planeta o levar. Neste caso, Plutão atrai Mercúrio para o mundo interior, para que veja o que há além do nível superficial da vida e para explorar aquilo que está oculto no reino inconsciente. Mercúrio-Plutão indica a mente bem adequada-apesquisas ou trabalhos investigativos ecostuma denotar" a pessoa reservada, enganosa. que diz ou aparenta uma coisa e que, na verdade, pensa ou sentè~outra. Creio que as pessoas Mercúrio-Plutão precisam de algum tipo de canal criativo para expressarem e darem forma a seus pensamentos e sentimentos mais profundos. Não estou necessariamente querendo dizer que devam todas ser artistas profissionais, mas para elas seria uma boa terapia encontrar maneiras de comunicar e de liberar emoçõesãcimmladas. Se permitimos que as frustrações ou a negatividade fique por perto por muito tempo, elas acabam sem manifestando na forma de problemas de saúde, de fadiga ou distúrbios mentais. Os contatos Mercúrio-Plutão, especialmente a conjunção ou algum ângulo tenso, podem às vezes ter relação com fobias profundamente enraizadas, com compulsões^a ob.sessões, e será preciso localizar e tratar a raiz desses distúrbios para que a cura possa ocorrer. Os aspectos tensos entre esses planetas costumam produzir mentes que reagem às situações rom grande mentes sujeitas a traumas e torturas mentais, o que nos faz lembrar dosheróis trágicos de Shakespeare -Hamlet, Macbeth ou o Rei Lear. Coisas que para outras pessoas não significam muito podem ser a fonte de muitador ou descon^ forto para.nma pessoa Mercúrio-Plutão. O fato de se ter um aspecto Mercúrio-Plutão significa que você é poderoso no plano mental. No lado positivo, você pode pensar ou falar com grande convicção; aquilo que você escreve ou fala pode exercer um efeito transformador sobre os outros, e podemos encontrar uma grande atração ou fascinação pelas palavras^

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e pela linguagem. Tal como Mercúrio em Escorpião, as pessoas nascidas com aspectos Mercúrio-Plutão, especialmente os ten­ sos, costumam ser muito cuidadosas com aquilo que falam e com a escolha de interlocutores. Não gostam muito de se abrir, resguardando-se contra a eventualidade de alguém usar contra elas aquilo que disseram ou de as cobrarem. Além disso, não mpHpm as palavras-se quiserem atacá-lo verbalmente, saberão exatamente o que dizer para feri-lo ao máximo. Contudo, tal como já discutimos antes, a mente poderosa tem certas responsabilidades. Se_yocê está enviando vibrações negativas para alguém, essa pessoa não se sentirá à vontade perto de você, podera captar essa projecão e agir de uma tal maneira que o rfcjv^rá-ainHa mais aborrecido ou zangado. Quando cheguei em Londres em 1973, trabalhei em um pequeno restaurante de comida integral cuja proprietária e gerente era uma senhora com uma quadratura MercúrioPlutão. Felizmente, ela gostou de mim e nada do que eu fizesse a aborreceria. Houve ocasiões em que cometi erros ou derrubei pratos, mas ela nunca estava por perto quando isso acontecia. Por outro lado, ela não gostava nem um pouco de um dos meus colegas. Todas as vezes em que ele derrubava um prato, pode apostar que ela estava vendo a cena. A mente Mercúrio-Plutão pode fazer mágicas, mas há a magia branca e a magia negra. Em vez de maldizer e ignorar as pessoas com suas atitudes negativas, pense no bem que faria se decidisse tratar os outros de forma positiva. Pense em como seria saudável e transforma­ dor o efeito que poderia exercer sobre os outros. Não estou querendo dizer que os tipos Mercúrio-Plutão mudam facil­ mente de atitude - geralmente, isso não acontece do dia para a noite. Será preciso tempo e uma introspecção honesta para compreender a razão pela qual alguém tocou em sua sombra e provocou uma reação negativa em você, mas é certamente melhor alterar sua atitude ou postura negativa do que estar sempre criando uma prisão para você e para os outros. E como esses aspectos afetam o relacionamento com os irmãos ou vizinhos? I Audiência•Imagino que haja uma série de jogos de poder entre í eles - ciúmes, rivalidades - ou até conotações sexuais.

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Howard: Sim, já me deparei com isso. Ademais, é possível que a

morte de um irmão ou parente exerça um efeito profundo em você. Se sua mãe perdeu um bebê antes de você nascer, a maneira como ela se relaciona com você e o cria pode ter relação com essa perda. Ou então, se um irmão ou irmã morre depois que você nasceu, isso pode deixá-lo com sentimentos de culpa, como se alguma coisa que você tivesse feito causasse esse infortúnio. Esses sentimentos precisam ser tratados; caso contrário, podem atormentá-lo durante toda vida. Tenho mais algumas coisas a acrescentar. Você sabia que Maquiavel nasceu com Mercúrio em Gémeos na casa 5, forman­ do quadratura com Plutão em Virgem na 8? Ers uma pessoa que transformou truques e intrigas em uma forma de arte. Além disso, André Gide, o escritor francês que ousou explorar temas que seus contemporâneos consideravam tabu, tinha uma oposi­ ção entre Mercúrio e Plutão nas casas 2 e 8. Louis Pasteur, o pesquisador e investigador científico francês que trabalhou sem cessar para provar a teoria dos germes como causa das doenças, enfrentando forte oposição, nasceu sob uma quadratura Mercúrio-Plutão. A escritora americana Sylvia Plath também é um caso interessante. Ela pensou na morte durante a maior parte de sua vida, e finalmente cometeu suicídio um mês depois da publica­ ção de seu livro The Bell Jar (O Jarro em Forma de Sino), o relato autobiográfico de uma de suas maiores crises. Plath nasceu com Mercúrio em Escorpião, formando um trígono quase exato com Plutão em Câncer, uma indicação de que até o trígono entre esses planetas pode denotar a obsessão pelas trevas e pela morte. Não é dos melhores comentários finais, mas foi um dia longo e repleto de informações e dados. Dá-me asas, Mercúrio!

PARTE DOIS

V

ên u s

Amor sem ansiedade e sem medo É fogo sem chama e sem calor, Dia sem sol, favo sem mel, Verão sem flor, inverno sem neve.

Chrétíen de Troyes, Cliges Se eu não gostar de mim, quem gostará ? E se eu só gostar de mim, O que sou eu?

Rabino Hillel

A G rande M eretriz A MITOLOGIA E PSICOLOGIA DE VÊNUS POR

Liz G r e e n e

Meu problema desta noite é encontrar um modo de impedir que esta palestra se transforme em um filme "pomô" leve. Será que eu deveria trazer eslaides ilustrativos? De certo modo, talvez um filme erótico realmente bem-feito seja a forma mais direta de transmitir aquilo que é essencial acerca da mitologia do planeta Vênus. Contudo, não desejo que a sala seja invadida pelos equivalentes suíços da turma da Miami Vice. Primeiro, precisamos analisar a palavra "meretriz", que escolhi com muito carinho para o título desta palestra. Há, em inglês, uma série de palavras que descrevem as mais variadas facetas desse tão forte arquétipo feminino, mas temo que essas sutis diferenças não sejam adequadamente traduzíveis para o alemão. Audiência: Em alemão, só temos uma palavra para elas. Liz: Que pena. Em inglês, podemos nos referir a elas como prostitutas, piranhas, putas, cortesãs. Há outras palavras que descrevem outros aspectos - devassas, vacas, e assim por diante. Cada expressão difere sutilmente das outras. A puta indica aquela que se põe à venda, pura e simplesmente. A meretriz pode fazer o mesmo, mas a expressão sugere licenciosidade. Prostituta é a palavra que descreve o emprego, enquanto pira­ nha é a expressão que a gíria reserva para a atividade. Por outro lado, cortesã implica cultura, estilo e perícia nas artes eróticas, como as gueixas japonesas. Ela está à venda, mas por um preço extremamente elevado e só para homens de bom-gosto e fortuna. Assim, a meretriz pode ser atirada, meio desvairada e talvez nem chegue a se vender; se o faz, não é com a frieza calculista da prostituta. É interessante analisar a etimologia da palavra. A palavra inglesa harlot, que descreve a meretriz, era antes usada

76 / OS PLANETAS INTERIORES

G úm es * A Encarnação da Alma

Psique Circe

A Rosa Pequena Roseira A Bela e a Fera Mães e Filhas

Encantamento Sexual

Hator Inanna Ishtar

Os Trovadores

4

'

Amor Cortês Espelhos Alma Anima O Tesouro Netzach (Cabala)

/ Beleza Ordem Esquema



Beleza Adomos Amor Erótico Vaidade Auto-estima

A Maçã As Maçãs de Fréia A Maçã de Eva A Maçã de Páris

Juventude Etema Pecado Escolha e Consequência

Escolha Valores A Meretriz A Prostituta do Templo AHetaira A Cortesã

Princípio do Prazer Relacionamento Individual

Figura 1. As expressões mitológicas de Vênus.

Vênus / 77

para pessoas de ambos os sexos para descrever um vagabundo, um brincalhão, e tem relação com a palavra do francês antigo harlot (ou herlot), que também significa vagabundo, e com o anglo-saxão loddere, que significa esbanjador, pródigo. Como você pode ver, a julgar por essas origens linguísticas o tom da palavra meretriz (harlot) é de desleixo e não o de alguém que comercializa o corpo por dinheiro. É por isso que escolhi a palavra para evocar a imagem de Vênus, pois sua figura mítica é bem diferente da imagem da prostituta. A meretriz do templo era uma figura sagrada na Suméria, na Babilónia, no Egito e na índia. Não eram prostitutas no sentido que damos hoje à palavra. Algumas, como as que serviam no templo de Afrodite em Paphos, Chipre, eram educadas para serem "veículos" mortais da alegria e êxtase divinos da deusa, e iniciavam os homens nos mistérios do domínio de Afrodite. Mika Waltari escreveu uma bela novela, The Etruscan (O Etrusco), há muito tempo esgotada, mas que vale a pena procurar pelos sebos. Nessa história, um dos personagens centrais é uma dessas mulheres. A beleza e a técnica erótica dessas mulheres eram conhecidas de todos os povos antigos, e esse era considerado um ótimo emprego - caso você tivesse a aparência e o talento necessários para tanto. Outras meretrizes sagradas, como as da Babilónia, eram mulheres comuns de quem se esperava que se oferecessem uma vez na vida, como virgens, ao primeiro estran­ geiro que entrasse no recinto do templo e depositasse um donativo diante do altar. A mulher não podia se casar a menos que prestasse esse serviço à deusa e caso nenhum homem fizesse um donativo em seu nome, ela seria humilhada e cairia em desgraça. O papel da prostituta sagrada, portanto, era o de servir de veículo para o poder da deusa. Esse é o equivalente arquetípico do rei, que serve de veículo terrestre para o poder da divindade solar. Essa deusa, como você pode ver no diagrama (veja a figura 1), recebeu o nome de Bast ou Hator no Egito, de Inanna na Suméria, de Ishtar na Babilónia e de Afrodite na Grécia, antes de ser chamada de Vênus em Roma. Portanto, a meretriz sagrada é uma mulher que personifica e canaliza a essência de eros, que é a dádiva da divindade para a humanidade. Ela é sagrada tanto por servir a deusa como por realizar uma tarefa honrosa, e simboliza o estranho paradoxo

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que encontramos em Vênus, a misteriosa mistura de sexualida­ de sagrada e profana que desafia as interpretações morais comuns. Também podemos analisar o ritual babilónico da iniciação pes­ soal da virgem, que oferece seu corpo para iniciar um estrangeiro, podemos deduzir que isto simboliza a natureza arquetípica e transpessoal do ato sexual. Não há elos matrimoniais, vínculos românticos e nem reclamações posteriores. Isto nos diz algo sobre Vênus: ela não está preocupada com compromissos dura­ douros (Saturno), nem reflete o sentimento e a idealização do amor "romântico" tal como o que experimentamos por meio de Netuno. Tudo isso pode parecer meio estranho devido ao fato de Vênus ser o regente de Touro, mas a famosa lealdade taurina nos relacionamentos não se baseia em promessas morais abstratas ou em códigos sociais (domínio de Hera), mas na necessidade de tomar permanente qualquer situação que ofereça prazer, satis­ fação e um senso de auto-estima. A meretriz sagrada também era vista como iniciadora de homens e inspiração para a virilidade masculina. Isso difere muito do poder da deusa-mãe lunar, cujo poder sobre um homem depende de ela tê-lo trazido ao mundo e o nutrido durante a infância; seria mais o papel da deusa como a anima ou imagem da alma, que liberta o homem das garras da mãe quando faz com que descubra sua própria potência e sua capa­ cidade de amar e ter prazer semvínculos emocionais. Tomando-se a personificação do objeto divino de desejo e uma fonte de prazer, a meretriz do templo servia como uma espécie de gera­ dor da força vital e criadora dos homens, e longe de ser menosprezada em virtude de seu papel, ela adquiria poder e importância graças ao valor que ele representava. No momento em que tuna mulher se identifica com Vênus, toma-se a expres­ são individual de Inanna, de Ishtar ou de Afrodite, por isso encontra sua auto-estima. Não há dúvidas de que esse assunto é bastante incomodo se você é um moralista rígido ou mesmo uma feminista radical. Contudo, se você entender essa figura mítica (além de histórica) da meretriz venusiana sagrada como uma difamação do femini­ no, é uma pena, pois não entendeu onde eu queria chegar. Parte do poder e da santidade da meretriz do templo provém do fato de se recusar a se restringir às leis e limitações da vida familiar

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convencional; ela pode se entregar livremente, com o que encon­ tra a si mesma (bem como sua própria capacidade de ter prazer) sem ter de se preocupar se alguém vai lhe pagar o teto que protege sua cabeça. Ela não se deixa acovardar nem dominar por um marido, tampouco se limita por filhos que dela dependem. É o seu prazer e alegria que estimulam o prazer e a alegria de seus parceiros, e ela não precisa temer a entrega, pois ela se possui - ela é ela mesma. Creio que você pode começar a entender a essência de Vênus a partir da figura da meretriz do templo. Perdemos contato com esse arquétipo feminino na sociedade moderna, pois o amor erótico não é mais visto como algo sagrado e a meretriz se tomou apenas uma prostituta. A analogia mais próxima que podemos fazer hoje é a da "amante" auto-suficiente (equivalente à hetaira grega), que prefere viver independentemente mas que se realiza como amiga e companheira erótica de um homem (ou homens). A chamada liberação sexual, que se apregoou na década de 60 e que atualmente está sendo severamente reestruturada pela moral em virtude da AIDS (e espero que você pense na raiz da expres­ são "doença venérea"), ainda é muito censurada por nosso caráter distinto judaico-cristão de pecado e castigo, e geralmente traduz-se como rebelião contra a moral vitoriana, não como afirmação dos valores venusianos. De todo o panteão antigo a personificar os planetas interiores, Afrodite-Vênus deve ser a divindade menos integrada à sociedade atual. Agora, precisamos estudar com atenção o caráter da própria Afrodite. Apesar de ser casada com Hefaístos na mitologia grega, esse casamento é "de mentirinha". Ela é sempre infiel a ele e, na verdade, não pertence a ninguém - só a si mesma. As primeiras deusas do amor, Inanna e Ishtar, são solteiras; às vezes, são retratadas como meretrizes virgens, pois a palavra latina virgo significa apenas "solteira" ou "autopossuída". Acho importante analisar as diferenças entre Vênus e a Lua nesse sentido, pois esses dois planetas são realmente opostos psicoló­ gicos, duas faces complementares do feminino. A Lua precisa pertencer a alguém, preferivelmente a uma família ou grupo. O impulso lunar de fazer parte de uma unidade pode abranger os filhos, o país, a cidade natal ou os ancestrais, mas é essencialmen­ te dominado pelo anseio_de fazer parte de algo, de ter raízes.

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Vênus, porém, está "na dela" e nem se preocupa com o passado ou com o futuro; apesar da mitologia indicar que foi mãe - de Enéias, por exemplo - não é alguém a quem chamaríamos de maternal. A iconografia de Afrodite-Vênus nunca a mostra com um bebê nos braços. Ela se entrega a qualquer deus ou herói que ela deseja, não a qualquer deus ou herói que a deseje e a queira. Em outras palavras, ela não se entrega ao amor de outra pessoa,.. No mito, Afrodite é periodicamente tomada por anseios eróticos e mergulha em um frenesi de desejos por um certo amante, a quem então encanta e seduz. Com toda certeza, ela não sofre de insegurança, mas expressa seu poder absoluto de atração não por causa daquilo que tem a oferecer (cuidados, carinho, confiabilidade), mas por ser quem é. Ela nãofaz nada para ser amada, pois ela é a essência do ser amado. Mais uma diferença entre Vênus e a Lua. A Lua tem certa empatia natural^ reage prontamente aos sentimentos dos nutros; a Vêmisjjutológica, por sua vez, não é conhecida-poiLSua compaixão. Na verdade, ela pode ser incrivelmente insensível e destruir os mortais ao lhes infligir paixões inadequadas e des­ controladas. Contudo, a Lua tambémpode usar seu dom natural. da empatia para criar o senso de obngação-nes-^aufcos, É a síndrõme do "passo-stia5=caiffísãs:íãço-seu-café-e-lhe-dou-carinho-e-você-fica-me-devendo", que pode combinar sensibilidade e cuidados autênticos com uma espécie de barga­ nha em nome da segurança emocional. Assim, na verdade, Vênus simboliza as qualidades da auto-estima e do„amor-próprio absolutos, entregando-se alegremente aos outros mas njçT dependendo d eleipara conhecer seu valor. Afrodite não sai para "caçar" hontèns nos bares da moda. Ela é quem é, e o homem comparece, em todos os sentidos da palavra. Desculpe, mas bem que eu avisei. Agora, o que pode significar tudo isso se definirmos Vênus como o anseio pelo amor e por relacionamentos, como os livros geralmente a tratam? Para começar, nunca fui favorável a essa definição. Creio que Howard tem razão quando associa a Lua com os relacionamentos e com o "primeiro amor".1Contudo, no 'Veja "Primeiro Amor" em "Parte Um: A Lua", de Os Luminares, Volume 3 de Seminários sobre Astrologia Psicológica (São Paulo: Roca, 1994).

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que diz respeito a Vênus, os relacionamentos - o contato com os outros - servem como um veículo para a formação gradual dos valores individuais, os quais, por sua vez, dão apoio ao desen­ volvimento do núcleo central da personalidade, representado pelo Sol. Mais tarde, quando eu falar a respeito do mito de Páris, você verá que nossas "escolhas" amorosas são, na realidade, nossas declarações inconscientes sobre aquilo que mais valori­ zamos, aquilo que percebemos antes de qualquer outra coisa em nosso exterior e que, por isso mesmo, desejamos. Platão definiu o amor como a paixão provocada pela beleza, e é com base naquilo que achamos mais bonito que definimos mais claramen­ te os nossos valores. Enquanto a Lua procura segurança emocional e bem-estar nos relacionamentos, Vênus os vê como uma espécie de espelho; assim, podemos descobrir nos olhos do ser amado nosso próprio reflexo. Uma das principais características de Afrodite é sua vaidade sem limites. Geralmente, somos educados para acreditar que a vaidade é algo terrível; não devemos nos olhar muito ao espelho nem gastar demais com o embelezamento pessoal. Tudo isso é "narcisismo", "egoísmo" e na verdade deveríamos estar nos preocupando com o bem-estar dos outros. No conto de fadas Branca de Neve, é a Rainha malvada quem volta e meia pergunta ao espelho mágico, "Quem é a mais bela de todas?" A vaidade de Afrodite faz dela uma deusa muito competitiva, com ciúmes das outras e até das mulheres mortais que eventualmente desa­ fiem sua beleza. Este cenário surge no mito de Eros e Psiquê. Psiquê é uma mortal tão bela que as pessoas começam a comparála com Afrodite, e a deusa, como é de seu caráter, decide aprontar um final muito triste para a pobre moça. Esse é o lado "felino" das mulheres, e muitos homens (e até mulheres) acham-no perturbador e ameaçador, pois parece extremamente autocentrado, amoral e sem ética. Entretanto, Afrodite jamais poderia ser ética no sentido social de Saturno, nem mesmo no sentido religioso de Júpiter. Sua ética é a da beleza, que tem sua própria lógica inata. Como decidimos que uma pessoa, um edifício ou uma música são belos? Eis um grande mistério, mas parece que há certas leis absolutas da estética a definir beleza e harmonia, e não meramente por um dado período histórico segundo uma moda específica. O Parte-

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non, por exemplo, sempre foi e sempre será belo, qualquer que seja a tendência arquitetônica de dada época. Talvez você conhe­ ça o poema de William Blake: Tigre! Tigre! teu lume brilha Nas florestas da noite, Que mão ou olhar imortal Poderia refletir tua temível simetria? O tigre das imagens de Blake é belo, apesar de letal e "amoral". Perto do final do poema, Blake finalmente pergunta: Aquele que criou o Cordeiro te criou? Portanto, a vaidade de Afrodite é um aspecto tão inevitável de sua natureza quanto o cinturão mágico que a toma irresistivel­ mente atraente. Ela se adorna com ouro e também é "dourada" - um atributo que revela seu importante relacionamento com o Sol e com as qualidades solares. Seu marido Hefaístos, o feioso e coxo deus-ferreiro, está sempre fazendo belos objetos doura­ dos para adomá-la. Sua pele é dourada, seus cabelos são doura­ dos - na verdade, ela brilha como o Sol. Ela também seduz os homens à luz do dia; quando é tomada por desejos pelo troiano Anquises, pai de Enéias, faz amor com ele no meio da manhã, nas encostas de uma colina, à vista de todos. Nada de agarramentos sob o manto da penumbra lunar. Esse desinibido brilho solar é o rosto criativo da vaidade e "narcisismo" de Afrodite. O tema mitológico do ouro de Afrodite me conduz a seu símbolo mais famoso, a maçã dourada. Essa maçã aparece em muitas culturas diferentes em conexão com a deusa do amor erótico. Na mitologia teutônica, é a deusa do amor Fréia que possui as maçãs douradas que dão juventude eterna aos outros deuses. Wagner usou esse tema de maneira espetacular no ciclo do Anel, e a barganha que Fréia faz com os gigantes em troca da construção de Valala (o sacrifício do amor para a obtenção do poder) é o ponto de partida dos desastres cada vez maiores que terminam com o Gõtterdammèrung-o Crepúsculo dos Deuses. A maçã também aparece no mito bíblico de Adão e Eva, onde se toma o emblema do conhecimento do sexo; ao comer a maçã, Adão e Eva se conscientizam de sua sexualidade e são expulsos

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do Éden. Em outras palavras, o despertar do sentimento erótico é uma profunda separação psicológica e física da fusão com os pais, pois com ela a pessoa se toma não apenas mortal, mas livre. A maçã dourada também aparece na história de Páris. Páris é um jovem e belo príncipe troiano que se saiu muito bem com as mulheres, e essa riqueza de experiências eróticas lhe confere uma desafortunada honra: Zeus lhe pede para que seja o juiz de um concurso de beleza entre três deusas - Hera, Atena e Afrodi­ te. O prémio desse concurso é uma maçã dourada. Como Páris é tão inteligente quanto belo, sabe que escolha quem escolher, as outras duas tentarão inevitavelmente se vingar. Assim, ele tenta de maneira tipicamente adolescente evadir-se à questão: primei­ ro, tenta recusar-se a participar, e depois sugere que a maçã seja dividida pelas três. Naturalmente, essas evasivas tipicamente humanas são rejeitadas. As três deusas passam a desfilar à sua frente. Duas lhe prometem recompensas segundo seus atributos e esferas de ação. Hera, rainha dos deuses, oferece-lhe o dom da riqueza, da posição e do poder mundano. Atena, a deusa virgem das batalhas, oferece-lhe os dons da estratégia e do talento em artes marciais. Afrodite não lhe promete nada; apenas afrouxa seu cinturão. Logo, o resultado do concurso é inevitável. Como recompensa por ter lhe proporcionado a maçã doura­ da, Afrodite oferece a Páris a mulher mais bela do mundo Helena de Esparta, que inconvenientemente é casada com outro homem. Naturalmente, isso não é empecilho para a deusa. Helena abandona o marido e foge com Páris, o que dá início ao cataclismo da Guerra de Tróia. Se você conhece bem o Tarô, sabe que a história do "Julgamento de Páris" é retratado pela imagem do Arcano Maior "Os Amantes". Essa não é uma história de amor; trata de escolhas e da declaração de valores individuais. É um mito venusiano, não só porque Afrodite vence o concurso de beleza, mas porque Páris, tal como todo mortal, defronta-se com a necessidade de fazer uma escolha e com suas consequências. Como ele é um rapaz jovial e amoroso, é o amor erótico o mais valorizado por ele. Se fosse mais velho - um guerreiro ou governante maduro que tivesse passado por alguns dissabores conjugais - talvez tivesse resistido ao poder da deusa do amor, escolhendo Hera ou Atena. Assim, em relação a Vênus, devemos nos perguntar: O que mais valorizo? Nenhum de nós pode amar

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a todos ou valorizar tudo, apesar do que possam pensar alguns aquarianos; e todos procuramos parceiros e amigos com os quais sejamos "compatíveis". Na verdade, isso significa pessoas com as quais possamos partilhar ao menos alguns de nossos valores mais queridos. É o planeta Vênus que simboliza nossa capacidade de formar e de identificar aquilo que valorizamos - a base da autenticidade em nossas escolhas pessoais. A história de Páris também destaca outra questão psicológica importante: no final das contas, não podemos fugir à questão das escolhas e à expressão dos valores individuais. Os deuses é que decidem que Páris deve cumprir seu papel nessa história; talvez nossos deuses interiores, em alguma encruzilhada crítica da vida, apresentem-nos um dile­ ma onde teremos que escolher uma pessoa ou uma coisa a outra e enfrentar as consequências dessa escolha. Para mim, esse é o ponto que Touro e Libra, os dois signos regidos por Vênus, têm em comum, pois Libra se preocupa com o processo de aprender a escolher, e Touro com o desenvolvimento da força e recursos interiores que podem dar permanência aos valores pessoais, independentemente das consequências. Muitos de nós tentam fazer escolhas com base em fórmulas intelectuais ou naquilo que os demais acham que devemos fazer. Pode até ser que nem façamos escolhas, sendo apenas impelidos a agir em certa direção por nossos medos e desejos. Isto é compulsão, não escolha. Conheci muita gente que não faz a menor idéia dos valores ou desejos que têm; talvez não perce­ bam as implicações de seu próprio empobrecimento interior. Há quem seja tão desligado da função venusiana que nem percebe se deseja ou não alguma coisa. São pessoas com certo vazio íntimo, uma apatia que resulta em mera sobrevivência, não em alguma forma profunda de prazer pela vida. Se a pessoa vive nesse estado, naturalmente não possui qualquer valor individu­ al. Pode existir um verniz, uma camada superficial de "valores" que em essência seriam meras cópias daquilo que é aceitável perante a família ou o círculo social a que a pessoa pertence. Pode até existir uma ideologia ou filosofia que justifica a falta de desejos individuais. Contudo, nesses casos costuma faltar um belo pedaço à identidade essencial; consequentemente, a pessoa não tem uma sensação de solidez interior.

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Portanto, o "frenesi de desejo" de Afrodite - a busca da pessoa ou do objeto amado - alimenta-se a si mesmo, o que resulta em aprofundamento e fortalecimento do senso pessoal de valores. Não há aí a vontade de se fundir e de dissolver os limites da própria identidade que encontramos em Netuno, nem a neces­ sidade de se dedicar a uma unidade coletiva pela segurança emocional que é encontrada na Lua. Descobrimo-nos quando refletimos acerca do que amamos e das coisas que adiamos bonitas, pois o objeto de desejo é um "gancho" para a projeção daquilo que há de mais belo e de mais valioso em nós mesmos. Creio que você pode perceber porque Vênus não se preocupa muito com os reladonamentos em si, mas com a autodefinição por meio dos reladonamentos. Há uma passagem muito bonita em Fédon, onde Platão fala de vermos, refletido no rosto do ser amado um lampejo do deus ao qual nossa alma pertence. Eis o significado mais profundo de Vênus - aquilo que amamos, seja uma pessoa, um objeto ou uma idéia intelectual, como espelho de nossa própria alma. Agora, se queremos mostrar lealdade por essa dimensão da psique a que a astrologia dá o nome de Vênus, obviamente, mais cedo ou mais tarde, seremos vítimas da moral e dos valores coletivos, pois, apesar de nossos valores poderem se ajustar confortavelmente aos valores coletivos na maior parte do tem­ po, acaba chegando um dia em que isso não acontece. Geralmente, isso ocorre quando um trânsito ou progressão fortes atingem Vênus em sua posição natal, anundando que chegou o momento de nos tomarmos mais conscientes daquilo que mais valoriza­ mos. Via de regra, a colisão tende a acontecer na área do casamento e da família, pois, para a maioria de nós, é essa a nossa coletividade mais próxima. Provavelmente, a Afrodite mitológica - por causa dessa dinâ­ mica humana básica - está sempre provocando travessuras adulterinas entre os mortais. Há sempre alguém sendo traído ou tomado por paixões altamente inconvenientes. Um dos exem­ plos mais terríveis dessas duas alternativas é a história do pobre Rei Minos, de Creta, cuja esposa Pasiphal, tomada pelo "frenesi de desejo" de Afrodite, apaixona-se perdidamente por um touro e acaba dando à luz o Minotauro. Não ria, mas no nível humano, o desejo por um objeto excessivamente "inadequado" (seja a

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inadequação devido a classe, raça, idade, circunstâncias finan­ ceiras ou qualquer outro choque com a estrutura familiar e social) costuma refletir a falta de reconhecimento de algum valor absolutamente essencial ao desenvolvimento da pessoa, o qual, por sua vez, é projetado para fora com resultados clamorosos. O companheiro mais constante de Afrodite em suas malicio­ sas aparições entre os mortais é seu filho Eros, que atira flechas em suas vítimas pelas costas. A imagem da flecha é muito apropriada, pois somos mesmo "alvejados" pelo desejo, o que fica claro quando analisamos o tipo de emoções que geralmente são evocadas durante trânsitos e progressões importantes en­ volvendo Vênus. Esse estado de desejo é muito diferente daquilo a que os sociólogos chamam de "amor maduro", o qual, em tese, devemos sentir quando formos suficientemente "crescidos". Geralmente, as vítimas de Afrodite desrespeitam seus votos de fidelidade porque não podem evitar fazê-lo, não porque agem de maneira fria e calculista ou porque procuram o proverbial "pulo sobre a cerca" para provar a "grama do vizinho". É a "grande paixão" encontrada na poesia e no teatro, e a pessoa se sente animada como nunca se sentiu antes. Entretanto, essa grande paixão, estranhamente, não é um fim em si mesma pois é um veículo, como bem sabem aqueles que depois caem em si - um instrumento com o qual o indivíduo descobre um conjunto de valores mais profundos e mais autênticos, quer o relaciona­ mento se tome permanente, quer acabe com o trânsito ou progressão. Como se pode ver, Afrodite é profundamente ameaçadora ao coletivo, tal como no mito ela o é em relação à deusa Hera, sua inimiga arquetípica. No entender dos padrões convencionais, Afrodite é uma deusa amoral e as pessoas sofrem por causa de suas paixões - famílias são destruídas, esposas e maridos aban­ donados, crianças são expostas a escândalos, e assim por diante. Sempre que você encontra Afrodite ativa, divertindo-se, geral­ mente você encontra alguém passando por uma triste confusão emocional. Contudo, se a analisarmos de modo menos dogmá­ tico, veremos que ela é a grande afirmação do individual, desafiando a interpretação coletiva da relação "correta" com a questão emocional dos valores individuais. Toda vez que realizo um seminário sobre essa dimensão do planeta Vênus, invaria­

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velmente algum componente do grupo fica irritado por causa da mágoa causada por paixões "inconvenientes" e triângulos amo­ rosos. Com efeito, as pessoas sofrem diante dessas situações. Contudo, é o caso de perguntarmos qual o tipo de sofrimento que enfrentamos, pois a negação de Vênus tem resultados igualmente desastrosos, se não piores. Os triângulos são um tema tipicamente venusiano e ninguém sai deles sem se ferir; entretanto, nada é tão poderoso para auxiliar em nosso cresci­ mento. Se nos desligamos de Vênus, ocorrem certas repercussões. Uma é a perda de auto-estima em nível bem básico, e não há compensação aprovada por terceiros ou ideologia de autonegação capaz de ajudar. Se Vênus natal está bloqueado por aspectos difíceis ou mergulhou na casa 12, ou há padrões parentais que sugerem que essa dimensão da vida será reprimida, então nos defrontamos com a perda do sentido espontâneo de alegria, prazer e pura autoconfiança que essa deusa personifica. Muita gente procura compensar essa perda de auto-estima desenvolvendo em demasia o intelecto, buscando avidamente o sucesso material à custa de tudo o mais, apegando-se ao espírito e negando o corpo ou se tomando uma pessoa mais agradável para os outros - a pessoa terrivelmente boazinha". Contudo, a auto-estima de Vênus, que é mais pessoal e centrada no corpo do que a auto-expressão do Sol, não pode ser substituída pelos dons de outros planetas. O Sol pode oferecer à vida um senso de significado. Contudo, de que vale o significado se não consegui­ mos nos sentir felizes e satisfeitos? Este é o domínio de Touro e da casa 2, e começa com o amor por nosso corpo como fonte de prazer, beleza e satisfação. Não estamos falando apenas de prazer sexual, mas da satisfação simples da vida material que pertence a esse domínio - os alimentos que comemos, a cama onde dormimos, o xampu que usamos e a decoração que fizemos em casa. Naturalmente, estou falando de nos sentirmos dignos o suficiente de nos dar prazer e satisfação no mais básico dos níveis. Essa questão pode ser bastante dolorosa se Vênus estiver aflito no mapa natal, pois geralmente isso faz com que nos sintamos feios, desprezíveis, mal-amados e pouco merecedores de felicidade. E essa imagem pessoal tão negativa costuma ter raízes em um ou ambos os progenitores, que podem ter passado

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precisamente pelo mesmo problema com Vênus. Percebi que os aspectos venusianos difíceis-tais como Vênus-Satumo, VênusQuiron ou Vênus-Urano - surgem constantemente em mapas de vários membros de uma mesma família. E quando não podemos nos valorizar, não podemos valorizar os outros, nem mesmo nossos próprios filhos. Quando Vênus recebe aspectos problemáticos, temas que lhe são próprios como vaidade e ciúmes surgem na infância. Até certo ponto, o ciúme entre pais e filhos do mesmo sexo é inevitável e natural, faz parte do processo de separação e da formação da identidade individual. Se quisermos encontrar a liberdade para amar e valorizar, devemos aprender a enfrentar a competição e a rivalidade, pois, de outro modo, ficaremos sempre na posição secundária de receber aquilo que conseguir­ mos, em vez de buscar o que desejamos. Contudo, há ocasiões em que esse dilema tipicamente venusiano vem à baila, por assim dizer, e o padrão se repete nos relacionamentos que a pessoa mantém quando adulta. Quando Vênus e a Lua estão em conflito no mapa natal, geralmente vemos em ação uma poderosa rivalidade mãe-filha, especialmente se um ou outro estiver em Áries ou Libra (os dois signos mais propensos a triângulos competitivos). Normalmen­ te, a mulher, depois de dar à luz, perde o contato com Afrodite e tudo aquilo que sua imagem mítica simboliza. Isso pode se dever, em parte, ao padrão estabelecido por sua própria mãe, apesar de haver uma boa dose de pressão coletiva sobre as mães para que sejam "maternais", a menos que queiram ser vistas como "egoístas" e "fúteis". Lembro-me de ter lido um artigo numa revista feminina no qual uma moça reclamava em altos brados do fato de sua mãe usar roupas do mesmo número e de dar a impressão de ser sua irmã mais velha, onde estavam as confortáveis mães grisalhas e gordas de antigamente, que fazi­ am biscoitos e não flertavam com seus namorados? Contudo, se a mãe se identifica completamente com a dimen­ são maternal do feminino e tem uma filha, Afrodite se oculta em seu inconsciente, e quando essa filha atingir a puberdade (ou mesmo antes), o resultado é o caos. Os ciúmes (naturais) da mãe são reprimidos com rigor e podem aflorar de maneira disfarçada - na forma de uma sutil destruição da confiança que a filha tem

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em sua própria feminilidade ou em um esforço organizado para impedir que surja algum relacionamento amoroso entre a filha e o pai. Essa filha, com acesso ao pai negado e forçada a participar de uma competição que jamais conseguiria vencer, pode se tomar o mesmo tipo de mãe quando crescer, fazendo as mesmas coisas com sua filha. Portanto, não devemos nos surpreender ao ver aspectos como uma quadratura Vênus-Lua repetindo-se entre as mulheres de uma mesma família. Os aspectos familiares atravessam gerações.2 O complexo familiar pode aparecer refletido por uma configuração específi­ ca envolvendo Vênus, especialmente se estamos tratando de alguma questão entre mãe e filha. Como a Lua e Vênus formam uma polaridade, é importante podermos expressar os dois pla­ netas e não perder contato com nenhum deles, mesmo se, em dado momento da vida, for mais adequado vivenciar um do que o outro. Aceitamos o lado venusiano em uma jovem solteira; mas existe, como já disse, uma forte pressão da Hera coletiva contra essa natureza em uma mulher casada e mãe de família, bem como em mulheres mais velhas. Apesar da rigidez dessas expec­ tativas ter começado a arrefecer na Europa e na América, muita gente ainda acha difícil aceitar uma relação entre uma mulher mais velha e um homem mais moço, embora ninguém se preo­ cupe em censurar a relação entre um homem mais velho e uma mulher mais nova. Entretanto, por que as mulheres mais velhas não podem desfrutar o lado Afrodite de sua natureza? Afrodite é atemporal, uma qualidade da alma, e não está limitada a figuras joviais e rostos sem qualquer ruga. Nosso preconceito profundamente arraigado contra isso é arquetípico - queremos que nossas mães continuem a ser mães, não que nos façam frente. E receamos a concorrência com nossas filhas tal como receamos a de nossas mães. Entretanto, nada acelera e deprime mais rapidamente uma mulher do que abandonar sua relação com esse arquétipo. Lembre-se: no mito teutônico, é Fréia que possui as maçãs douradas da eterna juventude. Podemos observar a natureza do dilema com que se defronta todo aquele que cerca a polaridade Vênus-Lua. Como uma mulher pode equilibrar suas necessidades maternais e eróticas? 2A respeito desta discussão, leia a Parte Três de Os Luminares.

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A Lua, tão sábia acerca dos inevitáveis ciclos do tempo, pode fazer o sacrifício e se curvar graciosamente ao envelhecimento, cedendo lugar à sua filha quando esta ocupa a posição de mulher mais jovem. Contudo, Afrodite não abre mão de nada: não é de sua natureza. Ela faz o bolo e o come. O mesmo dilema é posto diante de um homem cujo mapa revela um conflito Vênus-Lua. Sua necessidade de receber apoio maternal pode colidir com seu anseio pela anima, a companheira anímica, e essa é a essência clássica do eterno triângulo entre homem, mulher e amante. Além disso, a Lua e Vênus representam dois lados de sua própria natureza feminina, o "homem de família" e o amante. A tensão entre a Lua e Vênus não se restringe às mulheres. A rivalidade entre pai e filho também pode ter raízes em Vênus. Quando analisamos o grupo de mapas no estudo de caso de Howard3, vimos que a competição entre Bill e Paul se baseava em questões solares - refletidas pelos interaspectos Sol-Saturno e pela preponderância de Leão na família e nos mapas compos­ tos. É uma rivalidade baseada na auto-expressão, na potência e no poder fálico. Às vezes, porém, podemos encontrar um pai que sente ciúmes profundos de seu filho - saudável, atlético, de boa aparência e atraente para as mulheres - enquanto ele se vê às voltas com a barriga e a queda de cabelos. Como vocês já devem ter percebido, os homens também podem ser fúteis. Assim, a dinâmica da Branca de Neve e da Rainha Malvada pode não ser uma questão estritamente feminina, mas pode estar ativa em nível inconsciente entre pai e filho. A rivalidade progenitor-filhos é, portanto, um rito de passa­ gem e, em maior ou menor grau, todos devemos enfrentá-la à medida em que desenvolvemos o lado venusiano de nossa natureza. Vamos encontrá-la ao longo de toda a vida, pois onde há desejo e atração também há rivalidade; e nossa capacidade de lidar com esse dilema vital com sagacidade, integridade e con­ fiança depende, antes de mais nada, daquilo que aprendemos na infância, até que possamos fazer com que nossa própria autocompreensão enfrente a situação. O triângulo edipiano da infância exige que saibamos tanto perder como ganhar e, ao nos defron­ tarmos com ambas as experiências, desenvolvemos um senso de 3Discutido na Parte Três de Os Luminares.

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identidade pessoal muito mais forte. Se não permitimos que uma criança expresse a rivalidade, então, inevitavelmente surgi­ rão dificuldades para a expressão de Vênus ao longo de sua vida. As meninas geralmente se vestem com as roupas de suas mães, não apenas para cristalizar um modelo feminino mas também para superar a mamãe em charmes femininos. Além disso, a menina também tenta se sentar entre seus pais à mesa, tenta chamar a atenção do pai de modo inocentemente erótico e bate à porta do quarto dos pais tarde da noite porque está com "dodói no estômago". Os pais devem ser capazes de demonstrar um vínculo saudável e forte entre eles, ao mesmo tempo em que deixam a criança "vencer" o suficiente para conquistar certa autoconfiança. Contudo, comumente a mãe não consegue lidar com as primeiras tentativas de conquista erótica da filha, devido à essência defeituosa de seu casamento ou porque ela mesma tem pouca autoconfiança. Talvez devamos analisar mais de perto alguns dos outros símbolos venusianos para ampliar nossa compreensão sobre esse planeta. Falei da maçã e a relacionei com a romã, que, desde a época da Suméria e da Babilónia, é vista como um símbolo da maturidade sexual e da fecundidade por causa de seu suco vermelho e do fato de ser dotada de milhares de sementes. A deusa também está associada às flores, especialmente à rosa em parte porque a própria flor é altamente sugestiva, com pétalas aveludadas que se fecham em torno de um núcleo secreto. Ao longo dos tempos e especialmente desde a época medieval, a rosa tem sido o principal símbolo floral da mulher, e em poemas medievais como O Romance da Rosa encontramos inúmeros duplos-sentidos. O lírio também está associado à deusa do amor; na forma dessa flor, encontramos novamente certa insinuação, pois é afunilada e dotada de aroma adocicado. Esses dois perfumes, o da rosa e o do lírio, fazem parte da essência de Afrodite, e sua maturidade está refletida pela maçã e pela romã. Sempre que analisamos imagens mitológicas como essas, precisamos nos lembrar de que elas são a expressão poética de sentimentos humanos e de experiências sensuais. A terceira flor associada à deusa do amor realça esse conceito, pois é a papoula, cujo sumo nos induz um estupor profundamente erótico. Os

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estados emocional e físico refletidos pelo aroma forte e pela textura da rosa, do lírio e da papoula são parte do domínio de Vênus e são uma poderosa dimensão do prazer sexual. Se não conseguirmos relaxar o suficiente para experimentarmos esses estados, o que seria de Vênus? Entre os pássaros e animais, Afrodite e suas antecessoras do Oriente Médio têm relação com a pomba. É interessante saber que a última deusa a herdar essa ave foi Maria, na mitologia cristã, pois no cristianismo a pomba é o símbolo do Espírito Santo que a fecunda. Vou incumbi-lo de pensar no tema por conta própria, pois não desejo entrar em discussões teológicas. Entretanto, a pomba, como expressão de uma qualidade especí­ fica da deusa do amor, é um pássaro extremamente pacífico e benigno. Ele não é predador e quando se defronta com algum inimigo prefere voar a lutar. Os deliciosos ruídos sutis que as pombas emitem também são altamente sugestivos, pois não há canto de ave mais sensual que o da pomba. Pense nos ruídos feitos pelas galinhas ou gansos, por exemplo, ou mesmo por pássaros canoros: podem ser melodiosos, mas não são sensuais. As pombas também são bastante agradáveis ao toque, pois são macias e maleáveis, e se domesticadas aninham-se em suas mãos. Perceba que todas essas imagens - as frutas, as flores perfumadas e a pomba - descrevem a natureza altamente sensu­ al da deusa e da dimensão erótica da natureza humana. Apesar de seus encantos, Afrodite não é nenhuma boba. É a mais astuta das divindades e pode ser tremendamente traiçoeira. Essa deusa possui uma combinação notável de beleza e inteligência, e não desconhece a estratégia (seu aspecto libriano). É uma combinação única no panteão divi­ no. Ademais, é uma portadora da cultura. Qualidades como inteligência, estratégia e senso estético diferenciam seus atri­ butos dos das deusas lunares, pois Afrodite ensina a arte de amar, em vez de retratar o desejo como um prelúdio à gravidez e à amamentaçao. yuanao falamos de arte, estamos'''" combinando a expressão insuntiVÊTcom a imaginação, a fantasia e a disciplina do artesanato. O erotismo de Afrodite trãnsfóímã a simples libido da sexualidade física em algo completamente diferente, que pode igualmente ser expressa­ do por meios como a dança e a poesia.

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As hetairas, de quem Afrodite era a deusa protetora, eram uma importante classe social da Grécia antiga. Ofereciam uma alter­ nativa ao casamento, formando uma polaridade com o papel estritamente lunar da esposa grega. Esperava-se que a hetaira fosse extremamente bem educada e versada em política, filoso­ fia e artes, além de ser bela e talentosa em questões amorosas. Ademais, sabia se comportar muito bem em sociedade; todas as sutilezas da corte e do oferecimento de companhia intelectual e estética faziam parte de seu arsenal de dotes. O mundo da hetaira era altamente especializado e estilizado, e personificava a dimensão de portadora de cultura representada por Afrodite. A deusa também presidia o uso de fragrâncias, cosméticos, óleos e poções amorosas. A palavra "afrodisíaco" deriva de seu nome. Assim, parte do domínio de Vênus é o uso inteligente do charme e daquilo que chamamos de "truques femininos". Ironi­ camente, esse é um tema geralmente criticado pelo movimento feminista; contudo, se você compreende a natureza da deusa, sabe que essas artes não visam aplacar os homens mas satisfazer a própria deusa, como uma expressão de seu amor pela beleza e pelos ornamentos. Às vezes, alguns homens e mulheres falam desse tipo de adorno pessoal como "antinatural" - como se fosse contrário à natureza usar maquiagem ou perfume, ou escolher belas roupas. Ora, Afrodite é tão natural quanto qualquer ima­ gem arquetípica. É tão natural quanto qualquer outra coisa desejar realçar, ornar e embelezar. A vontade de refinar e de harmonizar aquilo que é rude, tosco e de dar formas belas à fantasia, é um impulso humano inato. Se analisarmos as pintu­ ras nas cavernas de Lascaux, veremos como essa necessidade de criar o belo é antiga e profunda. Temos aqui um reflexo tanto de Touro como de Libra, mas talvez mais deste último - e talvez seja apropriado lembrar que a Balança é o único objeto inanimado de toda a iconografia zodiacal, sugerindo uma harmonia idealiza­ da e criada pela mente e imaginação humanas. As técnicas sexuais de Afrodite sugerem-nos uma arte, pois a realização erótica envolve não apenas dar prazer físico, mas criar e explorar fantasias. Audiência: Existe alguma diferença entre as formas como os

homens e as mulheres experimentam Vênus?

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Liz: Bem, além da óbvia, não. Não em nível profundo. Contudo, há uma boa diferença no modo como os indivíduos experimen­ tam Vênus, dependendo de sua colocação no mapa natal e do nível de relacionamento que o indivíduo tem com o planeta. Seria mais seguro presumir que, pelo menos no passado, as qualidades venusianas eram, no mais das vezes, projetadas pelos homens sobre as mulheres, e de certo modo ainda é assim, apesar da situação estar mudando. Não podemos nos esquecer de toda a celeuma em tomo do homem "afeminado", o que dificultou bastante a expressão venusiana por parte dos ho­ mens. Para muitos, até o uso de desodorantes pode ser excessi­ vamente ambíguo, para não falar de colónias, cremes hidratantes ou condicionadores de cabelos. Entretanto, seja consciente ou não, ainda vemos a ação de Vênus junto à pessoa e ela tem a mesma dimensão em todos os seres humanos. O significado mais profundo de Vênus - a auto-estima e o amor-próprio - é o mesmo para ambos os sexos. As expressões materiais de Vênus, tanto nos homens como nas mulheres, tratam do valor do corpo e de sermos amados e satisfeitos, mesmo em detalhes muito mais importantes do que parecem. Contudo, tal como qualquer outro planeta, o excesso de Vênus pode ser um problema tão grande quanto sua falta. Se alguém se identifica em demasia com Afrodite, perde sua von­ tade e iniciativa. Afrodite não tem metas, exceto ser amada e agradada, e ninguém sobrevive -muito menos atinge a indepen­ dência - se só tiver esse propósito na vida. Em um quadro famoso, vemos Marte e Vênus após fazerem amor. O deus da guerra está deitado, entregue ao estupor, beatificamente satis­ feito e completamente acabado. Naturalmente, isso é lindo e vemos que a beleza, a graça e o prazer domam a selvagem agressividade do deus das batalhas. Entretanto, podemos ver a cena de outra maneira: Marte se tomou um meigo bichinho doméstico, como um lince que tivesse sido neutralizado. Talvez ele nunca mais consiga lutar. Podemos dizer que mesmo as coisas boas podem ser excessivas e, para os homens, a consequência de Vênus em demasia pode ser mais problemática do que para as mulheres, pois seu senso de identidade sexual começa com Marte. Homens e mulheres podem projetar Vênus a tal ponto que não mostram mais conexão interior com a deusa. Quando uma

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pessoa passa por isso, tende a se sentir inútil, a menos que outra pessoa a ame. Além disso, sentimos uma curiosa letargia sem o amor dos outros, pois Afrodite é a portadora da alegria. Um dos extremos dessa sensação pode ser visto no livro de John Fowles, O Colecionador. A pessoa precisa possuir um objeto belo para se sentir viva, mesmo se isso acabar destruindo o objeto. Existem pessoas que precisam de um amante ou cônjuge belo e desejável para os outros, pois, sem essa beleza vicária, só conseguem enxergar sua própria feiúra. É o conto de fadas A Bela e a Fera, mas geralmente a vida mostra um final infeliz por causa da esmaga­ dora possessividade que está em jogo. Esse cenário pode tanto se aplicar a uma mulher como a um homem, e já vi muitas mulheres projetando seus próprios atributos venusianos sobre um amante ou parceiro, masculino ou feminino, sentindo-se permanente­ mente inseguras porque o parceiro lhes parece belo e atraente para as rivais. Há ainda outro padrão que pode ocorrer quando "entrega­ mos" Vênus. A pessoa pode se tomar terrivelmente dependente das pessoas e dos objetos sobre os quais projeta Vênus, como disse, pois isso dá uma sensação vicária de auto-estima; e se essa projeção se fixa em dinheiro ou bens, a pessoa se toma argentária, obcecada com o acúmulo de dinheiro e posses. Esse é o lado sinistro, semelhante a um troll, de Touro; não vem do prazer efetivo com coisas belas, mas da identificação dessas coisas com seu próprio senso de auto-estima. Naturalmente, isso é extrema­ mente perigoso, pois se a pessoa perde seus bens, perde a si mesma. Penso no modo como as pessoas reagiramà queda da Bolsa de Nova York em 1929. Ninguém ficou contente, a maioria das pessoas simplesmente começou a trabalhar bastante para sobrevi­ ver e, mais cedo ou mais tarde, recuperaram aquilo que perderam. Outros, porém, se suicidaram, o que me parece despropositado. Não tem graça despencar do alto da escala social, mas se você é esperto e saudável, com certeza a vida acaba lhe oferecendo muitas oportunidades para recriar ou resgatar ao menos parte daquilo de que necessita. Entretanto, essas pessoas - na maioria homens na flor da idade - acharam que a perda da fortuna era algo por que valia a pena morrer. Para mim, esse é um exemplo horrível daquilo que acontece quando Vênus é tão exteriorizada que a pessoa não encontra nenhum valor em si mesma.

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Mapa 1. Lua/. Os dados de nascimento foram omitidos para preservar a confidencialidade. Mapa calculadopelaAstrodienst usando osistema Placidus de casas.

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Gostaria que você analisasse o mapa de exemplo (ver Mapa 1, p. 96). Escolhi este exemplo por causa da característica de Vênus - uma armadilha. Está em Virgem, signo de sua queda, não forma nenhum aspecto importante com os outros planetas e se oculta na casa 12. Lucy é um excelente exemplo de alguém que sofreu bastante por causa de sua baixa auto-estima. Ela demons­ trou uma tendência para acabar sendo a vítima de uma série de situações, especialmente em sua vida amorosa. Casou-se cedo, com um produtor cinematográfico muito bem-sucedido; ela se sentiu, segundo me disse, "lisonjeada" pelo fato de ele ter se interessado por ela - uma mulher comum de classe média e com um prosaico emprego de secretária, sem quaisquer característi­ cas especiais de beleza ou de talento e sem qualquer experiência real com os homens. Isso nos diz algo sobre os padrões que rodeiam um Vênus bloqueado: Lucy necessitava tanto ser ama­ da que nunca parou para analisar o homem com quem estava se casando, nem para se perguntar se ele era realmente bom para ela.

O casamento durou doze anos, mas, na realidade, foi um nãocasamento, pois o marido de Lucy logo perdeu o interesse sexual por ela e começou a se encontrar com outras mulheres. Enquanto a cortejava, no princípio, estava apaixonado; logo que a "conse­ guiu", porém, desapareceu o desafio e com ele o desejo. Ele não abandonou Lucy: manteve a estrutura exterior de uma família e teve três filhas com ela. Depois, porém, passou a se dedicar intensamente a seus numerosos casos e a seu trabalho, o que o mantinha em constantes viagens. Lucy saiu desses doze anos de casamento em um estado de solidão crónica, depressão e autoabnegação, tentando desesperadamente satisfazer seu marido nas raras ocasiões em que estava em casa e se esforçando muito para entender o que teria feito de errado a ele. Como era de se prever - felizmente, presume-se - Lucy teve uma crise depressiva, seguida de fantasias assustadoras, nas quais acabava com as filhas e depois se matava. Sua fúria, acumulando-se lentamente, implodiu, ela foi internada em um hospital psiquiátrico e submetida a uma longa série de sessões de psicoterapia. O resultado de tudo isso foi a decisão de acabar com seu casamento. Durante a crise, algo aconteceu com ela; decidiu que nenhum homem, para usar suas palavras, merecia

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que ela fosse "ummonte de merda" por causa dele. Desde então, a vida de Lucy tem melhorado consideravelmente; depois de passar algum tempo sozinha, casou-se novamente, está muito feliz e muitas oportunidades surgiram em sua vida, tanto em termos criativos como pessoais. Contudo, parece que ela teve de passar por uma experiência de autodegradação muito dolorosa antes de seu senso de auto-estima ser ativado. A história de Lucy não é incomum, e apesar de haver muitos outros exemplos de autonegação do tipo que ela exibiu, a mani­ festação mais típica de um Vênus inconsciente em uma mulher é essa espécie de desespero silencioso em meio às armadilhas da vida familiar. O mundo está cheio de mulheres como Lucy e é principalmente em seu socorro que o movimento feminista tem dirigido seus esforços. Contudo, o feminismo militante não ajuda a mulher a se relacionar com Vênus; só fortalece Marte e Urano. As raízes do problema de Lucy não são políticas e, no final das contas, a solução está nela mesma. A mãe de Lucy foi uma mulher muito bela e fútil - uma espécie de Afrodite oca - pela qual muitos homens se apaixonaram, embora tenha sido sempre fiel a seu marido apagadão, ao menos aparentemente. Ela passou a vida obcecada com sua aparência e posição social, honrando o lado mais sombrio de Afrodite, não estava preparada para permitir que outra mulher recebesse as luzes da ribalta, nem mesmo sua filha. Embora o mapa natal de Lucy não exiba uma quadratura Lua-Vênus, a colocação de Vênus na casa 12 me sugere que existe um "problema venusiano" no seio da psique dessa família. A mãe de Lucy é tão excessiva em sua identificação venusiana que podemos presu­ mir que ela sofria da mesma falta de auto-estima que Lucy - só que mostra de maneira distinta, com uma exagerada supercompensação. A imagem consciente que Lucy tem da mãe não é, porém, a da Rainha Malvada de Branca de Neve. Ela acha que sua mãe era adorável, indefesa, patética, que precisava de cuidados e aten­ ção. Lucy sequer suspeitava da existência do elemento ciúmes em seu relacionamento, até que começou a se lembrar das constantes e pequenas críticas sobre sua aparência e comporta­ mento ao longo da adolescência, e do estranho pendor de sua mãe para vestir Lucy com roupas desmazeladas e pouco atraen­

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tes, enquanto ela mesma estava sempre impecável. Esse tipo de cenário abriga certo elemento do tipo Ardil 22 - com sua autoestima tão persistentemente minada, Lucy não conseguia perceber o ciúme de sua mãe, pois não podia imaginar que merecia ser alvo desse ciúme. Isto lhe dá uma idéia do histórico do problema de Lucy. Reconhecêmo-lo imediatamente como um "ferimento venusiano", incluindo uma Afrodite ciumenta por trás de sua mãe. A verdadeira dificuldade não estava em seu marido errante; esta­ va em sua própria falta de auto-estima, que fez com que escolhesse alguém que a tratasse exatamente do mesmo modo como ela se tratava por dentro. Agora, gostaria que você pensasse na coloca­ ção de Vênus em Virgem. Quando Lucy começa a melhorar seu contato com essa sua dimensão, o que encontra? Que tipo de Vênus é esse? É o eu feminino essencial de Lucy, separado de seu papel de esposa e mãe. Audiência: Tem algo a ver com o corpo? Liz: Creio que sim, em parte. Mas quando interpretamos um

planeta colocado em um signo, precisamos chegar até seu nú­ cleo. Ajudaria se imaginássemos que o signo ocupado por Vênus no mapa natal é semelhante ao cinturão mágico de Afrodite, o símbolo de seu poder erótico. Tente se lembrar de alguns dos mitos associados a Virgem. Audiência: Eles tratam da virgindade e da pureza. Liz: Sim, mas de que tipo de pureza? Certamente, não a sexual -

as antigas deusas virgens eram meretrizes. "Virgem", como mencionei, significa simplesmente "solteira" ou "autopossuída", e é desse tipo de pureza que trata o signo de Virgem- a qualidade da integridade interior, de não estar à venda. Lucy nunca expe­ rimentou essa qualidade em seu casamento; na verdade, fora "comprada" com juras de amor, traindo sua integridade interior ao suportar uma enorme tristeza em nome da segurança. Para mim, esse foi o maior problema que a falta de contato com Vênus lhe causou. Tendo uma conjunção Sol-Netuno em Libra, Lucy sente dificuldades para definir seus limites e para se expressar

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como entidade independente. Também podemos analisar os planetas da casa 10 e tentar adivinhar o tipo de atenção materna que recebeu - especialmente a conjunção exata Lua-Urano em Gémeos, que sugere que sua infância pode ter sido tudo, menos emodonalmente segura. Esses são apenas dois dos fatores adidonais que podem ter contribuído para sua incapaddade de vivendar Vênus em Virgem. Contudo, o eu feminino essendal personifica a deusa "vir­ gem" que pode se entregar livremente, mas não pode ser comprada. Quanto mais ela valoriza essa sua dimensão autocontida e incorruptível de si mesma, mais confiante e digna de amor ela se sente como mulher. O período em que viveu sozinha por algum tempo foi-lhe de imensa valia, pois, geralmente, é na solidão que desabrocham os atributos mais positivos de Virgem; depois de desenvolvidos, tomam-se permanentes, mesmo que depois a pessoa inide outro relacionamento ou casamento. Como Lucy não receia mais estabelecer limites daros ao redor de suas próprias necessidades, agora possui uma base a partir da qual pode manejar as dimensões mais complexas de Sol-Netuno e de Lua-Urano, e está menos propensa a representar o papel de vítima. r Bem, como você acha que esse Vênus em Virgem se expressa­ ria se estivesse no mapa de um homem? Audiência: Se sentiria atraído por mulheres autocontidas. Liz: Essa é a interpretação tradidonal e implica que Vênus está se projetando para fora. Contudo, o que ele diz acerca do próprio homem e de seus valores? Audiência: O mesmo que diz sobre Lucy. Seus valores pessoais

envolvem a preservação de sua integridade interior e de não se vender a ninguém, por amor ou por dinheiro. L/z: Sim, justamente. Nos níveis mais profundos, como você percebeu, não existe diferença na interpretação. Quanto menos consciênda tem o homem de seu Vênus, maiores as chances de que siga o manual e encontre uma mulher do tipo virginiano que incorpore esses valores para ele. Então, ela se toma o objeto de

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desejo, a imagem da alma amada. Na verdade, porém, é sua própria alma que ele precisa encontrar em seu interior, mesmo se tiver descoberto a companheira adequada na vida exterior. Quando falamos de pessoas e objetos que julgamos belos e valiosos, estamos descrevendo também a questão complicada e sutil dos gostos pessoais. Esta é outra dimensão de Vênus e, como sabe, o gosto não é algo frívolo ou pouco importante. Se for apurado - e em muitas pessoas ele não o é reflete uma vez mais aquilo que mais valorizamos. Agora, que tipo de gosto pode ser sugerido por Vênus em Virgem? Audiência: É difícil imaginar Vênus em Virgem balançando um

monte de bijuterias. Liz: Provavelmente, não, a menos que as bijuterias tenham sido

feitas à mão, algo bastante personalizado. Normalmente, o gosto de Virgem é sutil e favorece coisas de qualidade e durabilidade. Como os "modismos" são uma forma de entrega -propomo-nos a nos parecer com todo mundo para que nos sintamos "por dentro" - , Virgem não se sente predisposto a seguir essas tendências. Assim, mesmo que as jóias sejam espalhafatosas e grandes, não serão escolhidas porque estão na moda, mas por­ que Virgem se sente "bem" com elas. A questão do desenvolvimento do gosto individual é um aspecto da mudança que ocorreu com Lucy desde sua crise, na época em que se separou de seu primeiro marido. Anteriormen­ te, ela não prestava muita atenção em sua aparência, exceto quando se esforçava para agradá-lo. Agora, ela está começando a saborear a expressão de sua individualidade: escolhe melhor suas roupas, jóias, mobília e assim por diante, coisas que refle­ tem quem ela é e não aquilo que alguém espera dela. Gostaria de me deter um pouco na colocação de Vênus na casa 12 do mapa de Lucy. Anteriormente, mencionei que isso reflete um problema venusiano na psique familiar. Audiência: Seria um problema hereditário. Liz: Sim, é um dilema arquetípico que deve estar presente há

várias gerações. Creio que poderíamos afirmar isso sobre qual­

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quer planeta na casa 12: trata-se de um componente poderoso da psique familiar, mas, por algum motivo, ainda não foi tratado como deveria. De um "inimigo oculto", ele pode se transformar em "recurso oculto" para quem o possui na casa 12 de seu mapa, caso a pessoa consiga levá-lo à consciência e aprenda a lidar com ele. Contudo, por implicação, isso significa lidarmos com ques­ tões psicológicas que precedem nosso próprio nascimento. Como vimos, Vênus na casa 12 de Lucy aponta diretamente para sua mãe, bela e narcisista, como a personificação de um problema familiar venusiano que, sem dúvida, tem estado pre­ sente há muitas gerações. Os problemas éntre Lucy e sua mãe também são refletidos por sua casa 10, que contém Marte, Saturno e a conjunção Lua-Urano. Essa é uma mãe muito pode­ rosa, que para Lucy foi controladora, rejeitadora e emocionalmente inconstante. Lucy tinha consciência da imprevisibilidade da mãe, algo inevitável, mas não do fato de ela ser inconscientemente cruel, nem da inveja que lhe dirigia. No entanto, repito: esse tipo de comportamento extremo em sua mãe reflete uma profunda falta de auto-estima, disfarçada por uma supercompensação. Tanto Lucy como sua mãe sofreram da mesma dor venusiana, mas reagiram de maneiras diferentes, segundo a natureza de cada uma. E é provável que o mesmo problema tenha ocorrido com a avó de Lucy, e assim por diante. Audiência: E o lado masculino da família? Ou o problema se

limita ao lado materno? Liz: Sem dúvida, essa questão causou problemas a ambos os lados

da família. Afinal, que tipo de homemescolheria uma mulher como a mãe de Lucy se não tivesse problemas semelhantes? Agora, podemos analisar um ou dois signos de Vênus para que você perceba como pode interpretar o planeta sob uma perspectiva mais mitológica. O que dizer de um Vênus em Fogo - digamos, Vênus em Leão? Audiência: Leão se preocupa em se transformar em um indivíduo. Liz: Sim, para Leão, o valor mais elevado é a expressão de um eu único.

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Audiência•Leão precisa brilhar. Liz: "Impressionar o público" não é exatamente a tradução da necessidade leonina de brilhar. Esta trata de sermos únicos, especiais, crianças efetivamente divinas. O Sol deve brilhar, pois essa é sua natureza; é por isso que Leão adora dar e também por isso é que difere dos signos de Agua - a doação não vem de uma reação às necessidades alheias, mas da necessidade de dar um pouco de sua própria luz. A generosidade de Leão não implica em sacrifícios porque deriva de sua própria necessidade interior e não das expectativas de terceiros. Como é que Vênus em Leão poderia agir em termos de gosto pessoal? Audiência: Leão adora o luxo. Liz: Creio que isso é correto em termos gerais, mas é preciso

analisar o núcleo do signo para compreender o lado leonino que "adora o luxo". Se o mais elevado valor de uma pessoa é a expressão de seu eu mais íntimo, então seus gostos serão alta­ mente individualistas e, portanto, caros, pois seria pouco prová­ vel que encontre o que deseja nas lojas populares do Centro. Creio que a questão não diz tanto respeito ao luxo, mas sim à otimização da expressão pessoal - que não é simples e que abomina as pequenas economias que os signos terrestres acham que devem ser praticadas. O mesmo se aplica ao adjetivo "glamoroso", que costuma ser usado em relação a Leão. Novamente, o verdadeiro objetivo não é impressionar, pois para Leão o mundo exterior não existe como algo real, mas como uma extensão de si mesmo. Contudo, todo signo de Fogo quer que a vida seja maior do que a vida, pois, para eles, o mundo mítico e simbólico é que é real, não o saturnino edifício material que se põe sempre no caminho da imaginação. A misteriosa qualidade do glamour está profundamente ligada ao mito, e a pessoa que deixa nuvens de mythos em seu rastro costuma ser vista como glamorosa. Vênus em Leão tenta, o melhor que pode, imitar o mundo mítico, tanto em estilo e gosto como em ideal amoroso. Assim, às vezes Vênus em Leão mostra certa predis­ posição para a extravagância, não para chocar, mas para trazer a glória do reino mítico ao cinzento do reino mundano.

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Você deve ter notado que estou dando voltas em tomo da questão do gosto com relação a Vênus. Quem pode dizer que realmente desenvolveu seu gosto e que pode expressá-lo? Mas isso é algo que cada um pode deduzir. No nível mais básico, o gosto é algo que nos permite entrar em uma loja e saber que algo - uma roupa, um móvel, um adorno, etc. - combina muito bem conosco, por mais que um amigo ou um vendedor tente nos conduzir para algo que eles acham que seja apropriado. Aprender a desenvolver e expressar o gosto é um processo demorado, especialmente se essa faculdade venusiana foi abafada na infância, como no caso de Lucy. Entretanto, Afro­ dite é necessariamente fútil; por isso, se você quer ser amigo dela, deve estar preparado para ficar experimentando roupas por horas a fio até que comece a se familiarizar com aquela misteriosa sensação - a de que algo o toma atraente aos seus próprios olhos. Audiência: Será que você poderia falar um pouco sobre Vênus em

Áries? Sei que é um signo de Fogo, como Leão, mas é mais agressivo. Liz: Tente deduzir essa posição por conta própria. Qual o valor mais elevado para Áries? Audiência: Potência. Liz: Exatamente. Tal como os outros signos de Fogo, Áries não se

preocupa com o que os outros pensam, mas com uma experiên­ cia interior - neste caso, a potência, o poder fálico, a sensação de se estar vivo e de ser capaz de fazer com que as coisas aconteçam. Isto inclui o nível de geração de novas idéias, que é também uma forma de potência e de poder fálico. É fácil compreender a atração que Áries sente pelas atividades físicas, tal como os esportes, apesar de não ser um signo de Terra. Não é o corpo em si que interessa a Áries, mas a experiência do fogo e do poder interiores que acompanham a competição e a conquista. Ássim, Vênus em Áries se concentra nessa sensação de poder interior como o núcleo de sua amabilidade - a qualidade que faz com que a pessoa se sinta bela e valorosa.

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Audiência: No mapa de uma mulher, isso significa que o único

modo de se sentir potente consiste em conquistar os homens? Liz: Essa é uma alternativa. Contudo, tal como no amor que Leão sente pelo espetáculo, é a manifestação exterior de um valor interior que dispõe de tantos níveis de expressão. Com certeza, Vênus em Áries dá a ambos os sexos a fama de "Don Juan", e é um modo bastante natural de se sentir o poder sexual. E não há nada de errado em se querer flexionar periodicamente os mús­ culos venusianos dessa maneira, a menos que a pessoa com Vênus em Áries seja seu parceiro e você tenha uma conjunção Vênus-Satumo em Escorpião em quadratura com Plutão. Entre­ tanto, a dependência total dos outros, mesmo se assume a forma de precisar conquistá-los, costuma ser um modo bastante ques­ tionável de vivenciar Vênus, pois o senso de valor da pessoa ainda está baseado no exterior - estando assim completamente nas mãos dos outros. Audiência: E o que você pode dizer da questão do gosto de Vênus

em Áries? Poderíamos dizer que é desportivo? Liz: Essa seria uma expressão típica, embora não seja a única. Entretanto, o gosto venusiano afirma algo sobre a pessoa. Se Vênus em Áries quer dizer algo sobre potência, então parecer "esportivo" é um bom modo de fazê-lo. Comunicamos toda espécie de mensagem às pessoas por meio de nossas roupas, como se elas fossem um código. Se você veste calças de abrigo com o nome "Nike" em letras garrafais ou uma jaqueta de esqui onde se lê "Nevica", isso diz que você leva suas corridas ou seu esqui a sério, o que significa que você tem um físico desenvolvi­ do, sabe que é preciso cuidar da saúde e consegue se sair bem, obrigado. Em nível mais profundo, é uma declaração acerca do poder de moldar seu corpo do jeito que deseja e é uma afirmação do poder e da eficiência fálica, seja em um homem ou em uma mulher. Com Vênus em Áries, a sensação de potência é o núcleo de nosso senso de auto-estima. Agora chegamos ao fim desta sessão, mas creio que você já pode dizer que conhece Vênus um pouco melhor. Você verá muito mais sobre esse planeta amanhã - a menos, naturalmente,

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que eu esteja ocupada na Banhhofstmsse exercitando meu gosto pessoal nas lojas de roupas e não consiga voltar a tempo.

A L ei

do

D esejo

UMA ANÁLISE PROFUNDA DE VÊNUS po r

H o w a r d S a spo r ta s

Durante muitos anos, falei de Vênus principalmente em ter­ mos do princípio de Eros, o impulso rumo à união e ao relacionamento que existe em todos nós. Estaremos discutindo Vênus em termos de questões ligadas ao relacionamento logo adiante, mas para começar gostaria antes de examinar Vênus como o significador de nosso sistema de valores, daquilo que julgamos belo e desejável. Vênus indica aquilo que valorizamos ou desejamos, as coisas que achamos que nos dão prazer ou que nos tomam mais completos e plenos. Estou tentando enfatizar que Vênus não é apenas o planeta do amor e do relacionamento - trata também de delinear melhor nossa identidade, definindo aquilo que valorizamos, aquilo que nos é caro e prazeroso. Nesse sentido, Vênus serve ao Sol, serve ao impulso solar de crescer e de se transformar em um indivíduo com méritos próprios: definindo seus valores, desejos e afinidades, você dá melhor forma e definição à sua identidade, única e individual. No capítulo que escreveu sobre Vênus no livro Planets, Robert Glasscock diz que o glifo de Vênus lembra um espelho de mão, e ele afirma que aquilo que você valoriza é um reflexo de quem você é, que "aquilo que amamos é um reflexo de nós mesmos".4 Contudo, é um fato da vida que muitas pessoas têm grande dificuldade para definir seus valores; é difícil admitir, pedir ou ir em busca daquilo que querem. Ou não têm certeza de seus valores, ou estão hesitantes ou pouco à vontade para admitir e aceitar aquilo que verdadeiramente desejam. Como os ensina­ mentos judaico-cristãos parecem encorajar o sacrifício, o sofrimento e a auto-abnegação, algumas pessoas podem acredi­ 4Robert Glasscock, "Vênus", em Planets, editado por Joan McEvers (St. Paul, MN: Llewellyn Publications, 1989), p. 129.

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tar que a autogratificação ou o prazer são pecados. O autor e psicólogo existencial Erich Fromm diz que muita gente tem medo de tomar decisões ou hesita em fazê-lo porque receia escolher o caminho errado. Ele acredita que algumas pessoas preferem viver em um estado totalitário, onde tomam decisões e criam regras para elas, em vez de enfrentar a ansiedade e a responsabilidade que vêm com a liberdade de opção.5Contudo, creio que é psicologicamente perigoso não definirmos nosso sistema de valores individuais ou mentirmos para nós mesmos a respeito daquilo que desejamos ou achamos bonito. A verdade é que, sem sabermos o que valorizamos, estamos perdidos, não sabemos quem somos. Mais: se não formos leais a nossos valores, nunca atingiremos um estado saudável de autoestima ou de satisfação em nossas vidas. Se repudiamos ou não agimos de acordo com nosso Vênus, perdemos a auto-estima, sujamo-nos. Para a conquistarmos, temos antes de definir nos­ sos valores e aquilo que nos dá prazer; se a vivência de nossos desejos não ameaça ou fere os outros, precisamos então agir de maneira a dar sustentação a nossas crenças e anseios. Do contrá­ rio, não estamos nos aceitando, o que é uma outra maneira de dizer que não estamos nos mostrando o amor. E, queiramos ou não, se nosso amor-próprio é deficiente, seremos deficientes em outras áreas da vida, especialmente na esfera dos relacionamen­ tos. Se não nos amamos, nem nos respeitamos, nunca vamos acreditar que alguém pode nos amar e nos respeitar. Se não somos suficientemente bons, ninguém é suficientemente bom. Agora, gostaria de explicar a razão pela qual a posição de Vênus no mapa é uma pista ou indicação importante sobre aquilo que valorizamos e prezamos, bem como aquilo que precisamos criar em nossas vidas a fim de sentir que temos algum valor, a fim de conquistarmos uma auto-estima e um amor-próprio salutares. (Veja a Tabela 2 nas páginas 110-111.) Preste atenção, pois isto se aplica a todos nós. A premissa de que estou partindo é a seguinte: em função de seu signo, casa e aspectos, Vênus sugere as coisas e as qualidades que precisamos vivenciar em nossas vidas a fim de nos tomarmos mais indivi'Erich Fromm, Escape from Freedom [Fuga da Liberdade] (Nova York: Henry Holt, 1941).

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duados, definidos e satisfeitos. Veja, por exemplo, Vênus na casa 4 - o que você gostaria de ter ou receber para conquistar mais auto-estima e felicidade? Audiência: Uma bela casa. Howard: Sim, em um nível bem material ou concreto, Vênus na casa 4 indica uma profunda apreciação por ambientes belos e harmoniosos, por um lar que faça com que você se sinta orgulho­ so e que lhe dê prazer. Bem, creio que se você faz o que é preciso para concretizar esses desejos, se você consegue criar ou obter esse belo lar, você está realizando aquilo que valoriza e estima; por isso, você se sentirá não apenas mais realizado, como tam­ bém, na verdade, se sentirá melhor. Acredite, é verdade - é algo bem simples. Não subestime a importância de gostar de si mesmo. Isto faz com que você tenha mais auto-estima, e se você se sentir bem consigo mesmo c tiver mais auto-estima, seus relacionamentos vão melhorar. E tenho certeza de que a maioria das pessoas gostaria de manter relacionamentos mais gratificantes. Ouviu bem? O amor mais importante é o amor-próprio. Pode soar egoísta, mas não é; se você não se valoriza, não se respeita, não será capaz de dar ou receber amor sem uma vasta gama de complicações estranhas ou incomodas. Bem, e se você tiver Vênus na casa 10? Audiência: Isso significa que você valoriza o trabalho e a carreira, ou o status material, ou alguma forma de serviço à sociedade. Howard: Sim, e se você conseguir satisfazer esses desejos, estará

fazendo aquilo de que precisa para se sentir mais belo e comple­ to, o que, por sua vez, aumenta sua auto-estima e amor-próprio, o que deve ajudá-lo em seus relacionamentos. Em nosso idioma, usamos a palavra interpessoal para descre­ ver aquilo que acontece entre você e outra pessoa, assim temos o amor interpessoal e relacionamentos interpessoais. O que estou enfatizando agora, porém, não é o amor interpessoal, mas aquilo que chamamos de amor mírapessoal. O amor intrapessoal diz respeito a amar a si mesmo; a amar, aceitar e formar um relacionamento com aquilo que existe dentro de você; a se amar

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Tabela 2. Parâmetros para Interpretar Vênus. VÊNUS POR SIGNO

1.0 signo de Vênus indica o tipo de qualidade que você valoriza, acha atraente ou preza (sejam encontrados em uma pessoa ou, de forma mais abstrata, em uma obra de arte, uma paisagem, uma teoria ou filosofia). Se você desenvolver e trouxer à sua vida as qualidades do signo de Vênus, deve se sentir mais individuado, íntegro e completo. Você pode ter talentos ligados ao signo onde Vênus se situa. 2.0 signo de Vênus diz algo acerca da imagem do ser amado e daquilo que o estimula. Além disso, influencia o tipo de experiência que você tende a encontrar em seus relacionamen­ tos - sua atitude para com o amor e outras interações sociais. O signo de Vênus pode descrever o modo como você dá e recebe afeto - o modo como você se harmoniza com as pessoas e troca energia com elas, ou como você se adorna para se tomar atraente. 3.0 signo em que Vênus está colore a imagem de sua anima, a imagem do feminino que as pessoas têm em seu interior. Tanto os homens como as mulheres precisam manter contato com seu signo de Vênus e vivenciá-lo a fim de se sentirem valiosos, completos e atraentes como indivíduos. VÊNUS POR CASA

1. A casa de Vênus mostra a área de sua vida pela qual se sente atraído em busca de satisfação, beleza e prazer. Ao se dedicar às atividades associadas a essa casa e ao enfrentar as dificulda­ des e problemas que encontra nessa área, vai se sentir mais completo como indivíduo. Você pode exibir talentos relativos à esfera de experiência associada com a casa de Vênus. 2. Há uma maior capacidade de apreciar e de valorizar a área da vida associada com a casa de Vênus. De modo geral, aquilo que valorizamos e apreciamos é aquilo que atraímos para nós, mas outras colocações do mapa podem conflitar com os valores venusianos.

Vênus / lll

Tabela 2. Parâmetros para Interpretar Vênus (cont.) 3. A casa de Vênus é a área em que buscamos paz e harmonia, mas também é a área da vida onde podemos ser sedutores onde colocamos o "cinto mágico" de Afrodite para encantar e dominar os outros. 4. A casa de Vênus pode ser uma faceta da vida na qual nos sentimos competitivos, com inveja de pessoas que têm aquilo que gostaríamos de ter. Também podemos nos sentir desiludi­ dos e críticos em relação a pessoas que não vivenciam seus ideais e expectativas nessa faceta da vida. 5. Como Vênus está associado a valores, a casa de Vênus pode estar ligada a questões referentes a dinheiro, finanças e bens. VÊNUS POR ASPECTO 1. A natureza do planeta que forma aspecto com Vênus influ­ encia as qualidades que valorizamos, achamos atraentes ou prezamos, aquilo que nos dá prazer, seja em uma pessoa, obra de arte, paisagem, etc. Compare, por exemplo, um aspecto Vênus-Satumo com um aspecto Vênus-Netuno. Planetas que formam aspecto com Vênus tingem sua imagem de anima e a imagem do ser amado. Os aspectos com Vênus também dizem algo sobre o modo como nos enfeitamos ou tentamos nos fazer atraentes. 2. A natureza dos planetas que formam aspecto com Vênus influi no tipo de experiência que tendemos a encontrar ou a atrair no amor e nos relacionamentos. Por exemplo, encontramo-nos com Saturno ou Júpiter? Os aspectos com Vênus mostram o tipo de conflito, tensão e lição que encontra­ mos em nossos relacionamentos íntimos. 3. A natureza do planeta que forma aspecto com Vênus pode mostrar um talento ou dom específico que temos. Os planetas que formam aspecto com Vênus também podem influenciar no modo como lidamos com questões que se relacionam com dinheiro e bens.

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e se aceitar por completo - mesmo suas facetas mais grosseiras, malvadas, primitivas e repulsivas. Acredito que o amor intrapessoal seja a base para se atingir um relacionamento interpessoal saudável e feliz. Você é capaz de afirmar com honestidade que se ama por inteiro? Disse antes e tomo a repetir: você não pode transformar nada que condena ou nega. Se você nega suas facetas malvadas, como pode fazer algo para alterar ou lidar com essas facetas? Naturalmente, você pode chegar a admitir e a aceitar o fato de ter características desagradáveis ou indesejáveis, mas se condenar esses componentes de sua nature­ za, estará, na verdade, fazendo com que seja mais difícil lidar com eles. A aceitação faz com que a magia da cura entre em cena: se podemos aceitar que, em virtude de sermos humanos, todos nascemos com certa dose de cobiça, luxúria, inveja, preguiça, destrutividade ou seja lá o que for, podemos conter e formar um relacionamento com essas nossas partes, que é o primeiro passo no sentido de lidarmos construtivamente com elas. Em seu livro The Road Less Traveled (A Estrada Menos Trilhada), um best-seller, o psiquiatra americano M. Scott Peck enfatiza a importância da auto-estima: A definição do amor... inclui a auto-estima e o amor pelo próximo. Como sou humano e você é humano, amar humanos significa amar-me e amar você. Dedicar-se ao desenvolvi­ mento espiritual humano é dedicar-se à raça da qual fazemos parte, o que significa, portanto, dedicação a nosso próprio desenvolvimento, bem como ao "deles"... [Somos] incapazes de amar alguém, a menos que nos amemos... Não podemos ser uma fonte de força, a menos que alimentemos nossa própria força... [Não só] a auto-estima e o amor pelos demais andam de mãos dadas, como, no final das contas, [eles] são indistinguíveis.6 Aquilo que experimentamos na infância determina, em boa parte, se iremos nos amar quando adultos ou não. Aprender a amar todo o eu depende da qualidade do amor que nossos pais SM. Scott Peck, The Road Less Traveled (Nova York: Simon & Schuster, 1988; e Londres: Rider, 1986), pp.82-83.

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ou responsáveis demonstraram por nós. Geralmente, só somos amados quando exibimos os aspectos de nossa natureza que mamãe julga aceitáveis. Quando estamos com um ano de idade, sabemos muito bem quais de nossas facetas merecem sua apro­ vação e quais devemos ocultar ou negar. Quando bebês, precisamos que os outros nos amem a fim de garantir nossa sobrevivência; com isso, aprendemos desde cedo a reprimir aquilo que não for aceitável e a apresentar um eu falso, uma aparência "segura", ao mundo. AHce Miller, uma psicanalista suíça bastante renomada, apresenta estas conclusões acerca de seu trabalho clínico: A acomodação às necessidades dos pais costuma levar (embo­ ra nem sempre) à personalidade "como se" (que Winnicott descreve como o "falso eu"). A pessoa se desenvolve de modo a só revelar aquilo que é esperado dela, e se funde tão completamente com aquilo que revela que, antes de fazer análise, poucos adivinhariam quantas coisas há nessa pessoa, por detrás dessa "visão mascarada de si mesmo"... Ela não pode desenvolver e diferenciar seu "verdadeiro eu", pois é incapaz de vivendá-lo. Ele fica em um "estado de não-comunicação"... Compreende-se porque esses pacientes reclamam de uma sensação de vazio, de futilidade ou de não ter um lar... Um processo de esvaziamento, empobrecimento e de elimi­ nação parcial de seu potendal se deu quando tudo aquilo que nele era vivo e espontâneo foi cortado. Na infânda, essas pessoas costumavam ter sonhos onde se viam pardalmente mortas.7 E se você ainda tem dúvidas a esse respeito, eis mais uma dtação, agora do livro de Nancy Friday, My Mother, M y Self (Minha Mãe, Meu Eu): Obtemos nossa coragem, nosso senso de identidade, a capaddade de acreditar que temos valor mesmo quando estamos sós, de trabalhar, de amar os outros e de nos sentirmos dignos 7Alice Miller, The Drama of the Gifted Child [O Drama da Criança Dotada] (Nova York; Basic Books, 1983; e Londres: Faber & Faber, 1983), p.27.

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de amor, da "força" do amor que mamãe nos deu quando éramos bebês - assim como cada gota de energia da Terra veio do Sol... Freud, Homey, Bowlby, Erikson, Sullivan, Winnicott, Mahler - os grandes intérpretes do comportamento humano - podem discordar profundamente em alguns pontos, mas são unânimes acerca de nossas origens: você não pode sair de casa, não pode se tomar íntegro, separado e autoconfiante caso alguém não o tenha amado o suficiente para lhe dar um eu, deixando-o ir embora depois. Tudo começa com o toque de mamãe, com seu sorriso e olhar; há alguém ali que ela gosta de tocar, há alguém ali que ela gosta de ver. Sou eu. E estou OK!8 Estou insistindo neste ponto para ilustrar o fato de que, a menos que nos amemos e nos valorizemos - como um todo - , vamos prejudicar o desenvolvimento pleno de nossa verdadeira identidade. Em outras palavras, a auto-estima e o amor-próprio - que derivam da aceitação e do amor por tudo aquilo que somos - são necessários para crescermos e atingirmos a plenitude de nosso signo solar, de nossa individualidade. Você não pode desenvolver seu signo solar se não valorizar o seu eu, se não valorizar aquilo que deseja para si mesmó. É isso que Liz e eu queremos dizer quando sugerimos que Vênus serve o Sol. Assim, o que você pode começar a fazer em sua vida se sofre de falta de auto-estima ou sente que não se ama o bastante? Como já discutimos, você pode analisar a posição de Vênus em seu mapa e fazer o que for preciso para desenvolver essa área da vida. Se você tem Vênus em Gémeos ou na casa 3, por exemplo, vai se sentir melhor se puder encontrar maneiras de ser leal a seu gosto inato pelo conhecimento, palavras e comunicação; se Vênus está em Sagitário ou na casa 9, você deveria estar se dedicando a seu amor pela filosofia, religião ou viagens. Além disso, se sua auto-estima for baixa, tente repetir esta frase em voz alta tantas vezes quantas puder: "Mereço amor porque existo". Os mais saturninos podem não concordar com essa afirmativa; talvez você ache que só merece amor se tiver esta ou aquela aparência física, ou se fizer coisas notáveis e dignas. Pense como ®Nancy Friday, My Mother, My Self (Nova York: Dell, 1977), pp.55-56.

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quiser; prefiro acreditar que o amor é algo que merecemos só pelo fato de existirmos. Vejo-o como um direito básico e natural. E acho que você pode se curar usando essa frase como uma espécie de mantra. De certo modo, o inconsciente é como um espelho: se lhe dizemos alguma coisa diversas vezes, ele começa a refletir essa mensagem para nós. Admito: o uso dessa frase é um atalho. Você pode achar que estaria trapaceando, e que, se não gosta de si mesmo por causa do modo como seu pai ou sua mãe lidaram com você, pode resolver seus complexos ou se livrar deles consultando-se com um psicanalista cinco vezes por semana ao longo de vinte anos. Psicoterapia e análise ajudam, mas sei, por experiência própria, que a repetição da frase "Me­ reço amor porque existo" também ajuda, especialmente se você se lembrar de repeti-la nas ocasiões em que se sente menos atraente, menos amável, mais feio, estúpido ou envergonhado. A repetição do mantra pode não substituir por completo a necessidade de submeter as dificuldades da infância à terapia, mas os atalhos costumam funcionar... e este é consideravelmen­ te menos dispendioso do que anos e anos de análise. Vamos, experimente. Em Planets, Glasscock iguala eloquentemente a lei da gravida­ de e o funcionamento de Vênus: "Gravidade" é outro nome que damos à atração. E atração é sinónimo de amor. De modo bem literal, as órbitas planetárias de nosso sistema solar são mantidas por meio de uma forma de amor que chamamos de gravidade. E o amor - em toda a sua profundidade, comédia, tragédia e êxtase - é simbolizado por Vênus. Portanto, não vamos oferecer a nossos clientes uma versão abreviada de Vênus.9 A gravidade mantém os planetas no lugar, a gravidade man­ têm as coisas unidas. Vênus representa uma forma semelhante de força ou poder de atração. Glasscock também se refere a Vênus como "a cola da vida", a cola do universo. Por isso, concordo com a importância que ele atribui a esse planeta. Com certeza, a deusa Afrodite gostaria de ser vista dessa forma. Como ^obert Glasscock, "Vênus", em Planets, p.122.

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diria Liz, Afrodite não gosta de não ser querida, e seria bom você analisar se a está tratando direito. Diziam que Afrodite era a mãe de Eros ou Cupido, que conhecemos como um pequeno queru­ bim que desfere flechadas em suas infelizes vítimas. Nos mitos gregos mais antigos, porém, Eros era considerado a principal força criadora do universo. Eros já existia quando surgiram os Titãs, existia antes do mundo ser criado.10Ele era uma divindade importante, um homem maduro que desempenhou um papel vital nos mitos da criação, não aquele bebê usando fraldas que costumamos ver nos cartões do Dia dos Namorados. Assim, temos a idéia de que o amor já existia no início, de que o amor é uma força que ajudou a criar o universo. O amor não é uma mera emoção; é uma energia que podemos emitir ou captar, uma energia que pode ser um agente de transformação para nós mesmos e para os outros. O poder do amor é alquímico - pode curá-lo quando alguém faz com que a luz dourada do amor ilumine você. E o ato de dar amor pode tanto ajudar a curá-lo quanto ao ser amado. Creio que Afrodite não é apenas o símbolo daquilo que lhe dá prazer, é também uma deusa alquímica. Não estou me referindo ao amor sexual, mas uma boa amizade ou amor partilhado entre professores e alunos, o amor trocado entre terapeuta e cliente. Todo tipo de união com base no amor pode curar. Antes de falarmos mais sobre o amor, quero falar um pouco de Vênus e da criatividade. A posição ocupada por Vênus em seu mapa indica a área onde você tem mais potencial criativo. A palavra talento significa também dinheiro, moeda. Como a mai­ oria das pessoas valoriza o dinheiro, e levando-se em conta as relações entre Vênus, Touro e a casa 2, Vênus passou a ser associado com dinheiro. Mas esse planeta representa muito mais do que dinheiro; representa talento e criatividade, habilidades, recursos e potenciais inatos, naturais. Vênus em Gémeos ou na casa 3 pode indicar o dom da palavra; Vênus em Câncer ou na 4 pode traduzir o pendor pelo lar, culinária ou decoração; Vênus em Libra ou na 7 pode dar o talento para a diplomacia; Vênus em Sagitário ou na 9 pode indicar facilidade para inspirar os outros 10Jean Shinoda Bolen, Goddesses in Everywoman [Deusas em Todas as Mulheres] (São Francisco: HarperCollins, 1985), p.235.

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com seu sistema de crenças ou sua cosmovisão; Vênus em Peixes ou na 12 sugere dons de cura inatos, a capacidade de consolar e de acalmar pessoas perturbadas. Platão (note bem, não falei em Plutão) disse certa vez que "Todo amor é a busca da Unidade", uma afirmativa forte e que merece uma exploração filosófica e psicológica. Para explicá-la, temos de voltar a meu lugar favorito - o útero. Naturalmente, alguns úteros são de categoria "cinco estrelas", outros de "duas estrelas" e alguns estão infestados por tubarões. Contudo, mes­ mo que nossa vivência no útero não tenha sido das melhores, não deixa de ser o lugar onde estivemos em simbiose física (e provavelmente psicológica) com mamãe, fundidos e unidos a seu corpo. Ela era o mundo todo para nós, por isso nos sentimos como se fôssemos o mundo como um todo, como se nossa identidade abrangesse todo o universo. Por volta de uns dois meses após a concepção, o embrião possui um cérebro rudimen­ tar e uma das primeiras coisas que nosso pequenino cérebro registra é essa sensação de totalidade oceânica, essa sensação de que somos tudo. Até seis meses após o nascimento, ainda acreditamos que nós e mamãe somos um só. Gradualmente, vamos formando um ego ou "eu" pessoal, e percebemos que somos um ser separado de mamãe e do resto do universo; mesmo assim, mantemos uma vaga lembrança da época em que estávamos fundidos com alguém, em que estávamos envolvidos por um outro amável e carinhoso. Por mais maduros ou sofisti­ cados que nos tomamos, alguma coisa dentro de nós vai sempre ansiar por aquela unidade perdida que sentimos com o universo e com aquela outra pessoa especial, nossa mãe ou babá. É essa visão paradisíaca que é reativada quando nos apaixonamos louca e veementemente, um impulso lunar ou netuniano de nos fundirmos novamente com um "outro" amável e carinhoso. O tipo de amor representado pela Lua ou Netuno sugere a perda dos limites do ego e a fusão completa do eu com outra pessoa. O amor que Vênus procura é diferente. Apesar de Vênus simbolizar a vontade que todos temos de nos relacionar, esse planeta não está tão interessado em perder o eu ou em se entregar a alguém em nome do amor (a menos que Vênus esteja em Peixes, associado a Netuno ou à casa 12). Pelo contrário, o amor venusiano é o do ego individual que procura se unir ou se

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reunir a outro ego individual a fim de se sentir mais completo ou satisfeito. Ele não quer necessariamente perder ou renunciar aos limites do ego no amor, mas quer adornar, realçar e aumentar a identidade do ego por meio de uma associação com alguém que julgue atraente e desejável. Em termos amplos, Vênus represen­ ta aquilo que desejamos, aquilo que achamos bonito e aquilo que esperamos ganhar. A posição de Vênus no mapa descreve qualidades que acha­ mos atraentes ou belas - logo, prazerosas e desejáveis - , seja em pessoas, obras de arte, textos ou cenários. Por exemplo, Vênus em Escorpião indica que a pessoa se sentirá atraída por qualida­ des escorpianas, quer sejam encontradas em um homem, uma mulher, um livro, uma peça musical ou uma pintura. Assim, você pode se sentir atraído por uma pessoa profunda, misteriosa e complexa, alguém que não se revele muito. Do mesmo modo, você pode se sentir atraído por pinturas ou músicas que evocam mistério, intensidade e paixão, ou gostar de cenários escuros, dramáticos, cheios de cavernas, vales e ravinas. Em contraste, se seu Vênus estiver em Sagitário é provável que você se sinta atraído por pessoas extrovertidas, expressivas, até exuberantes, alguém animado e espirituoso que o inspira com sua visão e ideais. Você pode preferir lugares abertos e panorâmicos que refletem a faceta "não me tolha" de Sagitário, signo regido por Júpiter. Assim, o signo e a casa de Vênus e os planetas com que forma aspecto permitem-nos compreender aquilo pelo que uma pessoa se sente atraída. No entanto, a vida não é tão simples. Há aqueles que temem a atração, pois ela os deixa em uma posição aberta e vulnerável. Assim, se você teme desejar algo por causa da exposição ou da vulnerabilidade que vêm com a revelação de seus anseios, na verdade você pode sentir repulsa ou aversão pelas próprias qualidades que Vênus sugere como suas favori­ tas. Se você tem medo de ser rejeitado ou magoado, ou se, de modo geral, associa culpa ao prazer, é possível que se defenda contra aquilo que acha atraente ou belo formando uma fachada neutra e considerando a coisa repelente ou indesejável. Vênus mostra aquilo que apreciamos, desejamos e julgamos belo. De acordo com os metafísicos, existe uma lei cósmica chamada de Lei do Desejo ou Lei da Atração. Segundo essa lei, atraímos tudo aquilo que desejamos ou de que gostamos - em

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outras palavras, se você realmente valoriza e aprecia alguma coisa, você está emitindo uma energia que a atrai para você. Assim, se você nasceu com Vênus na casa 4 e deseja muito um belo ambiente para viver, segundo a lei do desejo você o obterá. Se a vida fosse simples assim! O problema surge quando Vênus forma aspectos (ou quando existem partes de sua própria cons­ tituição psíquica) que bloqueiam, obstruem, negam ou conflitam com aquilo que Vênus deseja obter tão intensamente. Podemos ilustrar isto em termos astrológicos usando um exemplo bastan­ te objetivo. Vamos dizer que você nasceu com Vênus em Libra na casa 7, uma afirmativa límpida e sonora a indicar que você gostaria e desejaria manter um relacionamento harmonioso e cheio de amor em sua vida. Em si, essa colocação venusiana demonstra a busca do amor, da união e da parceria. E isso que você valoriza, é isso que você espera conquistar. Contudo, e se você nasceu com Saturno em Câncer na casa 4, formando quadratura com Vênus em Libra na 7? Agora, você tem um problema, pois há alguémem seu mapa e em sua psique em conflito com os desejos de Vênus. Vênus em libra na 7 diz: "Quero amor e relacionamento", mas Saturno em Câncer na 4 pode indicar aquela sua parte que receia o amor, aquela faceta que teme a dor e a vulnerabilidade a que você pode ficar exposto quando se abrir para outra pessoa. Por quê Saturno em Câncer na 4 temeria a intimidade? Audiência: Na infância, essa pessoa pode ter se sentido rejeitada

por um progenitor de quem gostasse muito. Howard: Justamente. Muitas crianças começam a vida abertas ao

amor pelo pai e/ou pela mãe. No entanto, se somos repelidos ou rejeitados, ou se o objeto de nossa afeição desaparece ou morre, passamos a associar o amor e a intimidade à dor e à mágoa, ou decidimos que, como fomos abandonados e rejeitados, não devemos ser dignos de amor. Para nos defendermos contra a repetição dessa dor e dessa humilhação, paramos de procurar, decidindo que é melhor negar ou ocultar nossos sentimentos em nome da autoproteção. Assim, apesar dessa posição de Vênus (Libra na 7) querer um bom relacionamento e, de acordo com a lei da atração, obter um para você, Saturno em Câncer na 4 deve obstruir ou negar o poder e a força desse Vênus na 7.

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Audiência: E qual a orientação que você daria a uma pessoa que

o procurasse para uma leitura de mapa com esse tipo de conflito? Howard: Primeiro, chamaria a atenção para o fato de poder

existir um dilema íntimo - parte da pessoa busca o amor, mas outra parte o teme e por isso envia mensagens que mantêm o amor à distância. Depois, haveria a necessidade de mergulhar no inconsciente e no passado para descobrir como essa pessoa teria associado o amor à dor e à mágoa. Em outras palavras, é preciso lidar com a criança ferida do passado, corrigindo a rejeição sentida pela criança interior desse cliente. Saturno em Câncer na 4 sugere uma tarefa gigantesca de limpeza psicológica a se fazer antes dele poder se sentir seguro e confortável no amor, antes de poder satisfazer as necessidades e desejos de Vênus em Libra na 7 .0 trabalho com a quadratura envolve o contato com (e a expressão de) a antiga dor, ira ou mágoa e depois um pouco de reparentalização - ou seja, dar agora, no presente, o tipo de amor e de atenção de que a criança ferida precisou no passado mas não recebeu. Apesar de Vênus mostrar aquilo que valorizamos e aprecia­ mos e, portanto, aquilo que deveríamos estar atraindo para nós segundo o funcionamento da Lei do Desejo, é possível que Vênus não consiga fazê-lo por causa de nossos conflitos interio­ res. Podemos dizer ou pensar que queremos alguma coisa, mas se outra parte (consciente ou inconscientemente) teme essa coisa ou não acredita que realmente a mereçamos, os desejos de Vênus podem ser sobrepujados. Falamos de algo semelhante no semi­ nário sobre Mercúrio, quando eu contei a história de como, em um nível, eu queria me recuperar e sair do hospital; porém, como associava a volta para casa com ter de recomeçar a trabalhar, o processo de cura foi retardado, apesar de toda a visualização sinestésica que eu estava praticando. Se não estamos atraindo aquilo que desejamos na vida, provavelmente precisamos ana­ lisar o inconsciente e nossos complexos psicológicos ou agendas ocultas para encontrar as razões. Vamos mudar um pouco de assunto. Digamos que você tem Vênus em Libra na 7 em oposição a Urano em Áries na 1. Vênus na 7 quer amor e união, mas o que deseja Urano na 1?

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Audiência: Independência. Howard: Sim, Urano quer espaço, independência, autonomia,

liberdade de locomoção e para fazer aquilo que quiser, quando quiser, coisas que não costumam levar ao tipo de ajuste necessá­ rio para mantermos um relacionamento harmonioso. Neste caso, não é o medo da vulnerabilidade ou a baixa auto-estima que dificultam o envolvimento, mas o medo de perder a liberda­ de e a individualidade, o medo de ser engolido por outra pessoa. Então, temos os impulsos uranianos conflitando com a lei do desejo estabelecida por Vênus. Audiência: Eu tenho Vênus em aspecto com Saturno e Urano. Howard: Sim, algumas pessoas têm Vênus em aspecto com

ambos. Se você nasceu em 1942, por exemplo, pode ter a conjunção Satumo-Urano em Touro ou Gémeos, e é possível que Vênus esteja ligado a essa conjunção. As pessoas nascidas por volta de 1952 podem ter Vênus em aspecto com a quadra­ tura Satumo-Urano que estava acontecendo nessa época. Sa­ turno formou oposição com Urano em tomo de 1965 e nova quadratura em 1977; mais recentemente estiveram em conjun­ ção em Capricórnio. Vênus poderia estar ligado a qualquer desses aspectos. Qualquer planeta que forme aspecto com Vênus sugere o tipo de questão que surge em nossos relaciona­ mentos. Se Vênus dá a mão para Saturno e Urano pega na outra, produz-se muita tensão: queremos nos relacionar (Vê­ nus), mas tememos o resultado por motivos saturninos (o medo da vulnerabilidade ou a sensação de que somos inade­ quados ou indignos) e por motivos uranianos (o medo de perder a autonomia). O self vai precisar de uma boa dose de trabalho psicológico para resolver essa bagunça, mas caso cheguemos à raiz de nossos medos e façamos as pazes com eles, devemos encontrar maneiras de acomodar Vênus em nossas vidas. Não estamos como borboletas, enfiados em alfinetes e pregados na tábua do destino. Temos algum livrearbítrio e podemos usá-lo para ficarmos mais conscientes de nossos conflitos interiores e para fazermos aquilo que for necessário para resolver as tensões que eles criam.

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Audiência: E se Vênus estiver em sextil com Saturno ou com

Urano? Howard: Em sextil com Saturno ou Urano, Vênus vai destacar

alguns dos mesmos problemas suscitados pelos ângulos ten­ sos entre esses planetas. O sextil (e, por falar nisso, o trígono) costuma indicar que o ego pode ser esperto e encontrar manei­ ras de resolver o dilema apresentado por Saturno ou Urano. O sextil, de modo específico, oferece uma promessa de solução, desde que estejamos dispostos a nos esforçar um pouco nessa direção. Fico feliz por você ter mencionado o sextil: é um aspecto importante que costuma ser negligenciado ou sim­ plesmente relegado ao status de um trígono fraco. Acho que ele merece mais atenção. Quaisquer planetas reunidos por um sextil têm potencial para se fundirem de modo bastante criati­ vo, trazendo benefícios psicológicos e evolutivos. O sextil representa talentos ou dons em potencial, que precisam ape­ nas de certa atenção ou prática para serem desenvolvidos ao máximo. O sextil Vênus-Satumo sugere que podemos não apenas ser amáveis como leais, sinceros e práticos em nossos relacionamentos. O sextil Vênus-Urano sugere que podemos encontrar um modo de equilibrar intimidade e autonomia. Sugiro que você examine, avalie e faça melhor uso de qualquer sextil presente em seu mapa. Por exemplo, se você tem um planeta na casa 11 formando sextil com algum outro, recomen­ do que se envolva com algum tipo de grupo, clube ou organi­ zação, pois ao se expor a uma situação de casa 11, estará criando mais possibilidades para que o sextil venha à tona. Vá em frente, envolva-se com os princípios representados pelos signos, planetas e casas reunidas por um sextil. Os trígonos são mais naturais, eles caem em nosso colo; no entanto, é preciso fazer um pouco de esforço para ativar um sextil e obter o melhor que ele tem a oferecer. Antes que me pergunte, o orbe que uso para o sextil é de uns seis graus caso o Sol ou a Lua estejam envolvidos, e de quatro a cinco graus para os outros planetas. Audiência: Tenho Vênus em conjunção com Urano e entendo o

que você disse a respeito da quadratura entre eles.

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Howard: Sim, como Liz costuma dizer, todo aspecto é como uma

mesa com duas pernas (e existe mesa com duas pernas?): puxe uma perna e a outra vai junto. Assim, esteja Vênus em conjunção, sextil, quadratura, quincúncio, sesquiquadratura ou oposição a Urano, o tipo de questão suscitada é o mesmo. Nesse caso, Urano é arrastado juntamente com Vênus. Isso pode se manifestar de diversas maneiras diferentes: pode indicar que a pessoa se apaixona por tipos uranianos ou, mais objetivamente, costuma indicar que quando você se apaixona deve incluir suas necessi­ dades uranianas de espaço e de autonomia, sem permitir que sua identidade ou você mesmo mergulhe completamente na outra pessoa. Para analisarmos se uma conjunção é positiva ou não, devemos observar a relação que mantém com outros fatores do mapa. Obviamente, o ego vai notar que é mais fácil lidar com uma conjunção Vênus-Urano em trígono com Júpiter do que com essa conjunção em quadratura com Plutão. Um aquariano lidará com a conjunção Vênus-Urano mais tranquilamente do que um taurino ou do que alguém com um Saturno forte ou muita Terra. Toda essa conversa sobre Vênus e Urano me lembra de algo que eu gostaria de discutir em detalhes - o dilema liberdadeintimidade. Já tocamos neste assunto em minha palestra sobre a Lua,11quando examinamos a ambivalência interior do bebê que deseja estar perto da mãe em função do amor e da segurança que ela oferece, e que se sente atraído pela vontade de estar livre para explorar o mundo sob seus joelhos. Gostaria de retomar essa discussão do ponto onde parei e depois veremos como as tensões inerentes a esse dilemaliberdade-intimidade não são meras preocu­ pações infantis, pois continuam a nos testar em nossos relacionamentos adultos. Na verdade, o dilema liberdade-intimi­ dade é o desafio mais básico e comumque as pessoas enfrentamnos relacionamentos: como viver ao lado de alguém sem perder o contato com sua própria identidade individual, como lidar e parti­ lhar com um companheiro ou amigo, mantendo-se fiel a si mesmo. Começamos a vida em um estado de simbiose com a mãe, mas geralmente, entre os cinco e oito meses depois de nascer, embar"Ver "Primeiro Amor" na "Parte Um: A Lua" de Os Luminares, dos mesmos autores, Editora Roca, 1994.

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camos naquilo que é conhecido como o "nascimento psicológi­ co", ou seja, diferenciarmos nossa identidade e a da mamãe. Gradualmente, vamos aceitando o fato de que somos uma pessoa distinta. Como disse antes, estarmos a sós e por nossa conta dá medo e, ao longo das diversas fases de individuação, vamos voltando repetidas vezes para mamãe em busca de segurança, conforto e apoio. Queremos crescer, tomarmo-nos mais auto-suficientes e explorar o ambiente, mas também que­ remos saber se ela vai estar por perto quando precisarmos dela. Queremos que mamãe esteja presente para nós, mas também gostaríamos de nos manter independentes dela. Parece familiar? Deveria, pois essas questões voltam novamente à baila mais tarde, em nossos relacionamentos íntimos. O estágio de diferen­ ciação começa para valer em tomo dos quatro, cinco ou seis meses de idade e lá pelos nove meses atingimos o chamado "estágio prático", época em que testamos e exercitamos nossa autonomia, aventurando-nos para longe de mamãe a fim de ver. o que mais existe por aí. Como Judith Viorst mostra em seu livro Necessary Losses, o estágio prático é bastante acelerado: engatinhar leva a andar, e ficar de pé é um grande triunfo. Ficamos excitados com nossas realizações e começamos a manter um caso amoroso não apenas com mamãe, mas com o mundo à nossa volta. Nas palavras de Viorst, "embriagamo-nos de onipotência e grandiosidade" e nos transformamos em narcisistas desavergonhados, "mestres de tudo aquilo que encontramos". Se não encontrarmos muitas restrições ou limitações durante esse período, vamos crescer fascinados e encantados com a vida. Nesse período, assimilamos "aquele piloto solitário, aquele explorador da África, aquele navegador de mares inexplorados", aquele "aventureiro intré­ pido".12 Podemos até avaliar a intensidade de nosso estágio prático analisando o modo como reagimos a uma cidade dife­ rente da nossa. Você é do tipo que consegue lidar bem com uma cidade nóva, ficando excitado com as descobertas que pode fazer nela? Se for, é provável que tenha se saído bem no estágio prático de desenvolvimento. Ou será do tipo que não sai de seu quarto de hotel numa cidade estranha, com medo do desconhe,2Judith Viorst, Necessary Losses (Nova York; Fawcett, 1986), p.37.

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eido, receando aquilo que pode estar à espreita lá fora? Se for o seu caso, sua curiosidade e espírito de aventura naturais foram prejudicados ou obstruídos durante o processo de desenvolvi­ mento. Talvez mamãe tenha feito com que você se sentisse culpado por se afastar dela, ou tenha demonstrado preocupação excessiva todas as vezes em que você se aventurou pela casa ou na rua. O estágio prático nos ensina a ficarmos firmes quando estamos sozinhos; se não formos bem nessa fase, a alegria da exploração nos é tolhida e a perspectiva de descobrir o mundo é vista como algo desencorajador. Por volta dos 18 meses, porém, nossas mentes começam a captar as implicações plenas de nosso estado de independência. Antes disso, é possível que tenhamos nos distraído com nossos poderes e habilidades recém-descobertos, mas depois a realida­ de nos atinge em cheio - na verdade, somos apenas crianças pequenas e indefesas. Viorst compara isso a estarmos caminhan­ do sobre uma corda bamba, exibindo nossos truques, quando subitamente olhamos para baixo e vemos que não há rede de proteção. Margaret Mahler chamou esse período mais sóbrio de estágio de "reconciliação".13Ciente dos perigos da autonomia, voltamos correndo para mamãe; incapazes, porém, de nos es­ quecermos por completo da alegria que nos dá o fato de estarmos sozinhos diante do mundo, afastamo-nos dela novamente. De­ pois, voltamos de novo para ela, mas quando sua proximidade e presença começam a nos sufocar, lá vamos nós uma vez mais. Essa fase é nossa primeira tentativa consciente de reconciliar a separação e a autonomia com a intimidade e a segurança, e há muito a se^negodar. "Quanto tempo posso passar longe de mamãe e ainda ter certeza de que ela estará lá quando eu voltar?" "A que parcela de minha liberdade devo abdicar para obter amor e abrigo?" "Devo sair sozinho por aí ou devo ficar com ela e, se sair, será que ela ainda vai me receber depois?" A chave para a solução do dilema da recondliação consiste em descobrir a distânda e tempo ideais em que podemos nos manter longe de mamãe ou da pessoa que cuida de nós e ainda nos sentirmos seguros. Temos de nos separar e aprendermos a ficar psicologi­ 13Ver Margaret Mahler et al, The Psychological Birth ofthe Humatt lnfant [O Nascimento Psicológico dos Bebês Humanos] (Nova York: Basic Books, 1975).

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camente sozinhos para saciar nosso desejo de autonomia e independência, mas ainda precisamos da intimidade e do amor para satisfazer nosso desejo de intimidade e segurança. Corrijame se eu estiver errado, mas tenho quase certeza de que essas questões são familiares para todos nós sob o ponto de vista de nossos relacionamentos adultos. Quantas vezes nós nos vimos naquela clássica situação do "não consigo viver com ela, mas não consigo viver sem ela?" Como você se sentiu ao deixar sozinho seu cônjuge durante uma semana para assistir a esta conferên­ cia? Se deixamos de resolver as ambivalêndas e tensões assodadas ao estágio de reconciliação, seremos atormentados por elas durante toda a vida. O dilema liberdade-intimidade, vivendado inidalmente junto à mamãe, é revivido outras e outras vezes com amigos, parceiros e até com nossos filhos. Não é difícil encontrar significadores astrológicos reladonados a esse dilema. Cada um a seu modo e em diferentes medidas, a Lua, Vênus e Netuno simbolizam a vontade de nos unirmos, de buscarmos a intimidade, a proximidade, a fusão e o desejo de nos perdermos em outra pessoa; o Sol, Marte e Urano, por sua vez, são os indicadores mais óbvios de nossa necessidade de autonomia, espaço, liberdade, independênda e individualida­ de. (Poderíamos argumentar que, de certo modo, Júpiter - o planeta que gosta de ter espaço para se mexer - e Saturno - o planeta que possibilita a criação de limites em tomo do eu deveriam ser induídos na lista da autonomia e individualida­ de.) Se a Lua, Vênus ou Netuno estiverem em aspecto com o Sol, Marte ou Urano, o conflito entre intimidade e liberdade será realçado em sua vida. Aspectos entre Vênus e Urano certamente criam essa tensão. Você também a encontra quando Vênus forma aspecto tenso com Marte ou se a Lua está em conflito com o Sol, Marte, Júpiter, Saturno ou Urano. Certas combinações de signo podem enfatizar esse dilema. Algumas delas vêm depressa à mente: planetas em Áries for­ mando oposição com planetas em Libra; a quadratura Áries-Câncer pode causar conflitos entre liberdade-intimidade; a quadratura Touro-Aquário pode se manifestar como a neces­ sidade de rotina e segurança contra a necessidade de espaço e liberdade; planetas em Câncer formando quincúndo com plane­ tas em Sagitário ou Aquário podem provocá-lo; o quincúndo

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Touro-Sagitário pode produzir esse problema, a necessidade de mudança e variedade de Gémeos podem conflitar com a neces­ sidade de intimidade de Escorpião ou a necessidade de segurança de Capricórnio; posições em Áries contra posições em Touro ou posições em Gémeos contra posições em Touro ou Câncer tam­ bém podem intensificar o dilema liberdade-intimidade. A ênfase em certas casas também pode intensificar essas questões: plane­ tas na I aem oposição à 7apodem produzir conflitos entre aquilo que você deseja como indivíduo e aquilo que um relacionamen­ to pede de você; planetas da 2a ou da 4a formando quincúncio com posições da 9a por vezes indicam o tipo de tensão que estivemos discutindo. Na verdade, o dilema liberdade-intimi­ dade é praticamente universal e surge de muitas maneiras diferentes no mapa, inclusive de formas que não mencionei. Todos temos um pouco dele, apesar de certos mapas revelarem claramente que essa é uma questão importante e que pede solução nesta vida. Antes de sugerir uma fórmula para resolver o dilema liberda­ de-intimidade, gostaria de analisar melhor a maneira como as pessoas ou casais podem experimentar esse conflito.14 Para algumas pessoas, esse dilema é tão forte que chega a ser patoló­ gico. Vou descrever um caso grave, mas quero lembrar que é extremo e provavelmente você não sofre desse problema a esse nível. O exemplo a que estou me referindo é o da pessoa que simplesmente não consegue satisfazer nenhuma dessas necessi­ dades: ela acha a solidão insuportável, mas sente que a intimidade é extremamente ameaçadora. Se a intimidade é ameaçadora e a autonomia é ameaçadora, para onde ela pode ir? Tenho visto essa situação em mapas de pessoas cujo Sol e Lua formam um Tquadrado com Saturno, Urano ou Plutão - aspectos que indicam dificuldades ou bloqueios bem sérios tanto com os princípios solares como com os limares. Veja o caso do T-quadrado SolLua-Plutão, por exemplo. Quando a Lua está em quadratura com Plutão, a intimidade pode suscitar medos e complexos profundos, tornando a proximidade de outra pessoa uma possi­ bilidade ameaçadora. Os relacionamentos íntimos geram intensa “Maggie Scarf, Intimate Partners: Pattems in Love and Marriage [Parceiros íntimos: Padrões no Amor e no Casamento] (Nova York: Random House, 1987), cap.19.

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ansiedade, como se a outra pessoa fosse aniquilar ou destruir você, por isso você afasta essa pessoa ou desfaz o relacionamento (o aspecto Lua-Plutão). Contudo, não se esqueça: você também tem a quadratura Sol-Plutão, o que significa que deve ter encon­ trado Plutão no processo de formação do ego, e isso poderia lhe dar a sensação de que é perigoso existir até mesmo como indivíduo. Assim, quando você está sozinho, sente-se tão estranho quan­ to nas ocasiões em que mantém algum relacionamento, pois você associa a autonomia com o vazio, abandono, morte e destruição (o aspecto Sol-Plutão). Você vê o problema: estar perto de alguém lhe dá a sensação de que você vai morrer e estar sozinho faz com que sinta que vai morrer. Para onde ir? Você pode voltar ao relacionamento, mas vai experimentar novamen­ te as mesmas ansiedades. Em função disso, dá fim a ele e fica sozinho de novo, o que lhe dá uma sensação horrível, por isso tenta manter um outro relacionamento e assim por diante. Esse estilo "ioiô" de relacionamento pode ser familiar, mesmo se não for tão marcante quando o desse caso. No exemplo que estou usando, os dois lados da polaridade liberdade-intimidade são total e mutuamente exclusivos, e nenhuma dessas necessidades pode ser gratificada. Sofrer não só de severa ansiedade de simbiose (o medo da intimidade) como de alguma forma aguda de ansiedade de separação (o medo de ficar só) deixa a pessoa em uma situação bastante solitária e assustadora. É mais comum os casais se dividirem e projetarem o dilema liberdade-intimidade: um dos parceiros representa a necessida­ de de autonomia e liberdade e o outro é responsável pela manutenção da proximidade e da intimidade. Para compreen­ der melhor essa situação, precisamos revisar o mecanismo da divisão e projeção. Antes de mais nada, você deve se lembrar de que todos temos, até certo ponto, o conflito liberdade-intimida­ de dentro de nós. É um dilema interior, uma disputa interna entre a necessidade de autonomia e o desejo de intimidade. Como o ego não gosta de ambivalêndas, podemos - consdentemente - ficar de um dos lados da polaridade e negar o outro. Vamos dizer que você tem Vênus em quadratura com Urano e que se identifica mais com Vênus, renegando o lado uraniano de sua natureza. Ao preferir Vênus, você está admitindo sua neces­

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sidade de união e reprimindo o impulso, igualmente forte, de ser independente e de ter uma identidade separada do relaciona­ mento. Algumas pessoas preferem fazer o contrário: insistem em afirmar que se sentem mais felizes e livres quando estão sozinhas e negam sua necessidade de intimidade. O mesmo dilema e o mesmo tipo de divisão e projeção pode ser visto na quadratura Lua-Urano. Eis o que Jung disse a respeito da nega­ ção ou repressão a um componente da psique: A regra psicológica diz que quando uma situação interior não se toma consciente, ocorre exteriormente como algo "predes­ tinado". Isso quer dizer que, quando o indivíduo... não se conscientiza de suas contradições interiores, o mundo deve forçosamente encenar o conflito, dividindo-se em metades opostas.15 Segundo essa lei psicológica, se você se põe ao lado de Vênus e renega Urano, está destinado a atrair pessoas mais propensas a pôr em prática o lado uraniano de suas naturezas. Surge uma situação onde você parece fazer de tudo para fomentar o calor humano, a proximidade e a união, enquanto seu parceiro vai levando Urano para você - ele vai procurando espaços, distân­ cias e tempo longe do relacionamento. Superficialmente, ao menos, tem-se a impressão de que você é aquilo que seu parceiro não é. Esse tipo de divisão emocional do trabalho cria muita tensão e conflito entre parceiros: se você representa a Lua ou Vênus, vai se sentir facilmente magoado e rejeitado, lamentando a frieza de seu parceiro, ao mesmo tempo em que ele se diz abafado e sufocado por você. Por falar nisso, podemos dividir todo tipo de problema emocional. Se, por exemplo, você costu­ ma negar ou reprimir a raiva, provavelmente se associa a pessoas que costumam se irritar com facilidade ou vai encontrar manei­ ras sutis de fazer com que seu parceiro apresente sua própria raiva para você. Ou então, pode se julgar uma pessoa desligada, livre e descontraída, ligando-se a alguém que tem tendência a l5C. G. Jung, Aion: Researches into the Phenomenology of lhe Self [Aion: Estudos sobre o Simbolismo do Si-mesmo], Vol. 9, Parte 2, The Collected Works of C. G. Jung [Obras Reunidas de C. G. Jungi, trad. inglesa de R. F. Hull (Princeton, NJ: Princeton University Press, 1959; e Londres: Routledge & Kegan Paul, 1959), p.71.

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depressões ou à morbidez, em cujo caso a pessoa leva consigo sua tristeza e desespero, enquanto você vivenda o lado mais tranquilo (e não expressado) de seu parceiro. EmIntimate Partners: Pattems in Love and Marriage, a autora, Maggie Scarf, resume em poucas palavras o processo de divisão emodonal do trabalho, que é, em essênda, a confusão ou mistura dos limites pessoais. O intercâmbio fraudulento de territórios interiores é uma barganha tramada entre partes interessadas. No casamento, apesar de todas as evidêndas explídtas em contrário, não há vítimas, nem vilões: faz-se um negódo. Reladonamentos conflitantes, na verdade, encobrem a troca velada de partes negadas dos eus dos parceiros. Então, cada um vê no parceiro aquilo que não consegue perceber em si mesmo - e luta incessantemente para mudar isso.16 Scarf também trata especificamente do dilema liberdadeintimidade: Aquilo que é motivo de luta entre os companheiros... é o fato de nenhum deles ter sido capaz de lidar com seu interior - o problema de ser um indivíduo distinto e autónomo que precisa, ao mesmo tempo, manter-se ligado a outro ser huma­ no. A questão mais importante para esses casais é a incapaddade de cada parceiro conter, internamente, ambos os lados da polaridade autonomia/intimidade.17 Agora, gostaria de lhe dar um conselho (o que é sempre perigoso) sobre como resolver o problema da liberdade-intimidade. Lembre-se do velho provérbio: "Procurei e procurei e percebi, aquilo que eu pensava era você e você na verdade era eu e eu". Estamos prestes a resolver o dilema entre autonomia e intimidade quando percebemos que se trata de um conflito interior. Apesar de nossa tendência a dividir a polaridade e a culpar o outro por colocar em prática aquilo que negamos em nós mesmos, a verdade é que todos temos ambas as necessida­ “Maggie Scarf, Intimate Partners, p.63. ,7Maggie Scarf, Intimate Partners, p.365.

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des em conflito em nosso interior. Depois, deveríamos compre­ ender que ambas as necessidades são válidas. Não é errado desejar intimidade e proximidade, nem é errado querer espaço e autonomia. Se pudermos aceitar a legitimidade desses dois impulsos interiores, será mais fácil para nós aceitar que as outras pessoas sofrem do mesmo conflito, e em função disso - ao menos em teoria - não precisamos nos perturbar quando o parceiro expressa o desejo de proximidade ou o desejo de manter certa distância de nós. É bem difícil aceitarmos aquilo que não gosta­ mos em nós mesmos. Assim, se tememos nossa necessidade de intimidade, não gostamos do fato de a outra pessoa tentar se aproximar de nós. Inversamente, se não conseguimos aceitar que precisamos de mais espaço e liberdade com relação ao parceiro, não ficaremos muito contentes quando ele exigir mais autonomia e independência. Se percebermos que a polaridade está contida em nós mesmos e que os dois lados são válidos, será mais fácil aceitar que ela também existe nos outros. O passo seguinte para a solução do dilema liberdade-intimidade é mais fácil em palavras do que na prática: precisamos admitir, clara e conscientemente, que o parceiro ou a pessoa amada não é nossa mãe. Se, inconscientemente, você projeta problemas liga­ dos à mãe sobre seus parceiros, vai se sentir ameaçado se eles expressarem a vontade de manter maior autonomia ou indepen­ dência, pois isso reativa o medo infantil do abandono pela pessoa que cuida de você, o que, para sua "criança interior do passado", é o mesmo que "fome" e "morte". Do mesmo modo, você pode ficar aterrorizado quando eles se aproximam demais, pois isso poderia reanimar o medo infantil de ser engolido ou sufocado por sua mãe. Por falar nisso, as mulheres podem projetar "mamãe" sobre um parceiro com a mesma facilidade com que os homens projetam a mãe sobre sua mulher ou namorada. Para deixar a coisa bem clara, vou sintetizar os passos que demos para resolver a polaridade liberdade-intimidade: (1) Perceba que o conflito é interno; (2) aceite o fato de que os dois desejos, o de autonomia e o de intimidade, são legítimos e que é válido que você ou as outras pessoas os tenham; (3) lembre-se de que seu parceiro não é sua mãe. Em certo nível, a intimidade e a liberdade parecem ser coisas mutuamente exclusivas. Contudo, com uma boa dose de esforço

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e de trabalho psicológico, você pode integrar os dois lados da polaridade e até mesmo chegar a um lugar onde ambos se apóiam e realçam mutuamente. É um pouco difícil explicar como isso pode ser feito, mas vou tentar. Se você mantém um relacionamento e acha que ainda será amado apesar de expres­ sar a necessidade de espaço e de liberdade ou de maior autonomia dentro do relacionamento, vai se sentir mais confortável estando perto do parceiro. Em outras palavras, se o parceiro permite que você fique distante quando você assim se manifesta, sua capaci­ dade de amar a pessoa aumenta; assim, o fato de darmos margem para a liberdade no relacionamento acaba fomentando a intimidade. Além disso, se seu parceiro consegue aceitar suas diferenças em vez de esperar que você seja sua imagem especu­ lar, você se sente mais livre para desenvolver e integrar melhor aquilo que existe em você, o que, no final das contas, significa que você terá mais para oferecer para um parceiro. Você não precisa mais esconder ou negar essas suas facetas que acha inaceitáveis ou indignas de amor. Saber que alguém vai amá-lo por tudo aquilo que você é estimula o seu autodesenvolvimento. Era disto que Martin Buber falava quando disse que "O homem se toma um Eu através de um Você". Por esse motivo, acredito que a resposta para o dilema liberdade-intimidade pode ser encontrada no amor incondicional, um amor que aceita as pessoas como são, com máculas e tudo, necessidades e tudo. O amor incondicional pode ajudar a curar feridas mais antigas em nossa auto-estima, feitas na época em què um progenitor nos julgou "maus" ou inaceitáveis por não termos correspondido às suas expectativas e fantasias acerca de como deveríamos ser. O amor incondicional faz com que os parceiros se sintam bem ao manifestarem sua verdadeira individualidade e sua necessida­ de de autonomia, o que, por sua vez, permite-lhes serem íntimos e amorosos com você. Numa atmosfera assim, a autonomia e a intimidade não são mais coisas mutuamente exclusivas, mas apóiam-se e realçam-se mutuamente. Talvez eu esteja sendo um pouco ingénuo, mas realmente acho que esse é um tipo de ideal que devemos buscar nos relacionamentos, por maior que pareça o desafio de tomá-lo real. Agora que já descobrimos como resolver todos os nossos problemas de relacionamento, vamos mudar de assunto e

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fazer um exercício imaginário com Vênus. É melhor se pratica­ do de olhos fechados, mas se por algum motivo você se sentir desconfortável, abra os olhos e registre por escrito aquilo que estiver sentindo. Respire profundamente, relaxe a mente e o corpo, e dirija sua atenção para dentro. Visualize o glifo de Vênus e repare se surgem imagens ou cenas que representam aquilo que esse planeta significa para você. Você pode ver um homem, uma mulher, um animal, um objeto inanimado ou qualquer coisa. Passe alguns minutos explorando essa ima­ gem de Vênus. Descubra o que ela lhe diz, o que deseja e quer, veja se você pode fazer alguma coisa para deixá-la mais satis­ feita ou feliz. Faça isso durante uns três ou quatro minutos. Depois, diga "muito obrigado" e dê adeus a Vênus, abra seus olhos e faça um resumo daquilo que você sentiu. Depois, se quiser, partilhe a experiência com o parceiro. O fato de conver­ sar com alguém sobre o exercício dá vida a este, e você pode acabar percebendo que aconteceram mais coisas durante a experiência do que você imaginava. Esse exercício de imaginação dirigida pode ser feito com qualquer planeta. Lembre-se, se realizá-lo por conta própria e ele for ficando incómodo, basta abrir os olhos e anotar o que estiver sentindo. Estou curioso para conhecer as imagens ou figuras de Vênus captadas. Audiência: Vi a Vênus de Botticelli, radiante e amável. Quando

ela veio me abraçar, disse-lhe que eu era uma vítima. Howard: Sim, a Vênus de Botticelli - como é que chamam esse

quadro? - Vênus "saindo das ondas". As imagens que obtemos são altamente pessoais e, geralmente, não costumo interpretálas para os outros. Seria melhor você manter a imagem em sua mente durante alguns dias, procurando ver se sua mensagem se faz compreender ou fica mais clara. Contudo, aconselharia você a refletir sobre as circunstâncias de sua vida em que você banca a vítima e a razão disso. Parece que Vênus gostaria de ajudá-lo a sair dessas situações. Audiência: Vi quatro imagens. A primeira foi a de um sensual

gato preto; a segunda, um pássaro; a terceira foi a de uma mulher

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alta e magra, vestida de prateado; a quarta foi a de uma mulher paredda com um duende, vestida com uma roupa transparente. Howard: Qual a razão para tantas imagens? Onde está Vênus em

seu mapa? Audiência: Na 12, em Aquário. Howard: Sim, é um Vênus bem universal. Audiência: A imagem que me ocorreu foi a de um mago que se

transformou em um espelho e depois eu entrei no espelho. Howard: Já mendonei que o glifo de Vênus se parece com um

espelho de mão e que aquilo que amamos e valorizamos é o reflexo de algo que está dentro de nós. Engraçado, não costumo assodar Vênus a um mago, mas é verdade que a energia do amor pode ser bastante transformadora, agindo como que por mágica. Talvez você tenha um pouco da alquimia de Vênus. Você deve ter bastante planetas em Libra, não? Audiência: Sim, e Vênus na 9a. Howard: Mais alguém? Audiência: Vi uma paisagem com muitas árvores em flor, muito

verde - uma cena bem repousante. Howard: Isso é bom. Quando você estiver se sentindo doente ou

inquieta, tente se lembrar dessa imagem; talvez ela a ajude a recuperar a paz e o equilíbrio. Se não conseguirmos obter uma imagem ou cena, não deve­ mos nos matar por isso. Tente fazer o exercido em outra hora. Há pessoas que não têm facilidade para visualizar, mas até emoções e pensamentos durante esse exerddo podem servir de base para suas análises. Tenho aqui os mapas de um casal, Laura e John, para estudar­ mos no tempo que nos resta (veja os Mapas 2 e 3 nas páginas 136-137). Do final de 1986 até o começo de 1988, eles passaram

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por uma crise séria de relacionamento. Os trânsitos e progres­ sões envolvendo Vênus no mapa de Laura dão uma descrição bastante apropriada da natureza da crise, por isso vamos come­ çar estudando o seu mapa. Dá para ver a razão pela qual Vênus é um planeta importante em seu mapa? Audiência: Vênus rege seu Ascendente, Libra. Howard: Sim, é preciso prestar atenção no planeta que rege o Sol

ou o Ascendente - neste caso, Vênus é importante porque rege seu Ascendente. Permita-me fazer uma rápida digressão e co­ mentar sobre algo que pode ser importante neste estudo de caso. Durante as palestras sobre Mercúrio, discutimos brevemente o sistema astrológico de Alice Bailey, no qual Mercúrio é visto como o regente esotérico de Áries. De acordo com a astrologia esotérica ou como a chamá Alan Oken, "centralizada na alma", é Vênus, e não Mercúrio, o regente de Gémeos. Agora diga-me, qual seria a importância de Vênus como regente esotérico ou transpessoal de Gémeos? Audiência: Teria relação com a descoberta de valores através dos

relacionamentos? Howard: Sim, creio que sim. Em seu livro Soul-Centered Astrology

(Astrologia Centralizada na Alma), Oken interpreta o sistema de Bailey de maneira bastante compreensível e inteligente. Ele sugere que Vênus assume os "conflitos de dualidade (como indicado por Mercúrio, regente de personalidade de Gémeos e regente planetário do Quarto Raio de Harmonia através do Conflito) e os transforma em uma oitava superior de expressão... por meio da expressão criativa da mente..." Para ele, Vênus seria um "agente de síntese, pois sua função é misturar e harmonizar opostos e formar totalidades mais criativas e evoluídas."18 A meu ver, a regência esotérica de Vênus iguala amor a conheci­ mento, e para mim isso significa que você só consegue conhecer algo realmente bem se abrir seu coração ao tema. Amar algo o ajuda a conhecer melhor esse algo. Se você adora um tema de 18Alan Oken, Soul-Centered Astrology (Nova York: Bantam, 1990), pp.173-174.

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IC 26

Mapa 2. Laura. Os dados de nascimento foram omitidos para preservar a confidencialidade. Mapa calculadopélaAstrodiensi, usando osistema Placidus de casas.

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Mapa 3. John. Os dados de nascimento foram omitidos para preservar a confidencialidade. Mapa calculado pela Astrodienst, usando o sistema Placidus de casas.

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estudos, vai aprendê-lo com mais facilidade e profundidade. Com efeito, Vênus, visto como regente esotérico de Gémeos, diz que se virmos todas as diversas facetas da existência com olhos receptivos e carinhosos, vamos aprender muito mais a respeito da vida do que se simplesmente reuníssemos fatos sobre as coisas. Assim como há alguns arianos que ressoam tanto com Mercúrio quanto com Marte, há geminianos que ressoam tanto com Vênus quanto com Mercúrio. Arriscar-me-ia a dizer que Laura é uma geminiana altamente evoluída e psicologicamente sofisticada, o que significa que Vênus é importante não só em virtude de ser o regente de seu Ascendente, mas também como o regente de seu Sol sob o ponto de vista da alma. Muito bem, que aspectos Vênus forma no mapa natal de Laura? Audiência: Uma quadratura com Netuno. Howard: Exato, o único aspecto importante que Vênus forma é a

quadratura com Netuno. Isso significa que sua energia libriana (e, do ponto de vista esotérico, sua energia geminiana) é me­ diada por uma quadratura Vênus-Netuno. Ela seria uma pessoa muito diferente se Vênus formasse conjunção com Júpiter ou se estivesse em oposição a Saturno. Do lado positivo, o que um vínculo Vênus-Netuno pode descrever? Audiência: Sensibilidade e criatividade. Howard: Certo. Na verdade, ela é escritora, principalmente de

temas não-fictídos. Escrever é uma forma obviamente apro­ priada de expressão criativa para ela, algo evidenciado não só por seu lado Libra-Vênus, mas também porque ela é uma geminiana com Mercúrio em Gémeos e com a Lua em conjunção com Júpiter na casa 3, a da linguagem e da comunicação. Ela é bem respeitada em sua espedalidade e muito boa no que faz. Muito bem, o que podemos dizer dessa quadratura VênusNetuno em termos de amor? O que representa o amor se Vênus "esbarra" em Netuno? Audiência: Romantismo, engano, ilusão e a necessidade de fazer

sacrifídos nos reladonamentos.

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Howard: Sim, tudo isso. Quando Vênus e Netuno estão ligados,

provavelmente a pessoa procura o divino através do amor, busca nossa unidade perdida, nosso senso perdido de universa­ lidade e de totalidade com a vida por meio da fusão com outra pessoa. A frase de Platão - que o amor é a busca da Totalidade - costuma se aplicar muito bem a pessoas que têm algum aspecto Vênus-Netuno, Vênus em Peixes ou na casa 12. Agora ela está mudando, mas eu diria que da adolescência até bem recente­ mente a parte Vênus-Netuno de Laura procurava um amor que a transportasse ao reino do êxtase, no qual ela se fundiria com algo maior do que seu eu ou diferente, evocando a memória paradisíaca da fusão com a mãe ou tutora ideal. Isso também é enfatizado pelo fato de Vênus estar em sua casa 9 e Netuno na 12, as duas casas mais associadas à busca de algo que ultrapasse as barreiras e limitações de uma existência mundana e cotidiana egocêntrica - a busca de algo superior. O que ela teve, porém, foi uma série de namorados que exigiram dela muitos sacrifícios e ajustes; ela atraiu relacionamentos nos quais teve de deixar de lado suas necessidades e vontades pessoais em função da situa­ ção ou trauma de seus parceiros. Seu primeiro relacionamento importante começou quando ela estava com 16 anos e durou até os 21, em cujo período ela teve de se ajustar ao fato de seu namorado ter descoberto que ele era bissexual. Ela acabou se casando com um australiano que usava drogas com certa fre­ quência. Ela o idealizava, apesar de sua estabilidade mental ser questionada por muitos amigos. Foi um casamento complicado: ele era sujeito a flutuações de humor, ciumento e violento, divordaram-se em pouco tempo. Apesar de ter experimentado períodos de amor e feliddade bastante agradáveis nesses dois reladonamentos, podemos ver que o lado subversivo de Netuno se infiltrou em Vênus: a decepção com a admissão da bissexualidade de seu primeiro namorado e as drogas e a loucu­ ra generalizada que encontrou em seu primeiro casamento. No final, acabou vivendo com John e se casando com ele, um reladonamento que já dura doze anos. Eles têm um casal de filhos e possuem uma bela e espaçosa casa no norte da Califór­ nia. No final de 1986, John contratou uma nova secretária e, como ele ia ficando no escritório até mais tarde, as suspeitas de Laura começaram. Quando ela o questionou, John negou qual­

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quer envolvimento. Finalmente, em meados de 1987, ele confes­ sou que talvez estivesse apaixonado por sua secretária e disse a Laura que precisava de tempo para decidir se iria manter o casamento ou ficar com a namorada. Ousadamente, perguntou a Laura se ela se incomodaria se ele fosse passar algum tempo na casa da secretária para ver se era isso o que queria. Muito bem, eis Laura com dois filhos, enfrentando o marido de maneira tão estranha. Como você se sentiria? Audiência: Com raiva, traída, péssima. Howard: Pois é. Compreensivelmente, a primeira reação de

Laura foi de indignação (ela tem uma quadratura Sol-Marte). Contudo, antes que eu diga como ela lidou com o problema, deveríamos analisar alguns interaspectos pertinentes entre seu mapa e o de John, e também nos trânsitos e progressões que estavam acontecendo nessa época. Antes de mais nada, que fator do mapa dele pode entrar em contato com a quadratura VênusNetuno do mapa dela? Audiência: Seu Sol está em 8o de Áries, forma quadratura com

Vênus e oposição com Netuno de Laura; seu Saturno está em 4o de Câncer, em conjunção com Vênus e quadratura com Netuno dela; Netuno no mapa de John forma quadratura com Vênus no mapa de Laura e seu Marte faz trígono com Vênus. Além disso, o Nodo Norte-em 14° de Câncer-dele não dista muito de Vênus no mapa dela. Howard: Isso, muito bom. Como se vê, o mapa de John é um bom

ativador da quadratura Vênus-Netuno dela. Percebe como nos envolvemos com pessoas cujas colocações tocam os aspectos mais difíceis de nosso mapa, como se fôssemos compeíidos a lidar com nosso carma e complexos por meio dos relacionamen­ tos? Vou focalizar os interaspectos já mencionados, mas há mais algumas conexões importantes. Laura, por exemplo, tem uma quadratura Sol-Marte, o que significa que a imagem de seu animus é colorida por Marte, e John se encaixa aqui como ariano cujo Marte está numa casa angular e em quadratura com o Sol dela. O Descendente dela é Aries, o mesmo signo do Sol e de

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Mercúrio dele. Além disso, a quadratura Vênus-Netuno dela diz que ela encontra Netuno por meio do amor, ele tem uma oposi­ ção Sol-Netuno e Marte em Peixes, o que o toma bastante netuniano. Ela, por sua vez, ajusta-se muito bem à imagem interior que ele faz do feminino: a Lua em Libra dele recai sobre o Ascendente dela, e a conjunção Lua-Júpiter em Sagitário dela está próxima da casa 7 dele. Apesar de ele ter Vênus em Touro, posição sem muito contato com o mapa de Laura, esse planeta recai sobre a casa 7 dela, em conjunção de orbe amplo com o Nodo Norte em Touro. As conexões uranianas também mere­ cem atenção: Urano no mapa dele recai sobre o Sol dela, cujo Urano está próximo do Ascendente dele. Há uma oposição Marte-Marte quase exata, o que costuma denotar uma forte atração sexual, bem como a tendência a disputas entre os dois em relação a diversos assuntos. Contudo, nosso principal foco é a quadratura Vênus-Netuno de Laura, a qual, como veremos, foi ativada por trânsitos e progressões na época de sua crise conjugal. Já discutimos algu­ mas das ramificações do contato Vênus-Netuno, mas podemos analisar outras facetas. Vênus favorece a igualdade no amor, algo como "Vou amá-lo se você me amar" ou "Vou gostar de você se você gostar de mim". A abnegação e os sacrifícios de Netuno fazem com que o contato com o amor fique difícil - em seu extremo, pode se manifestar como "Vou amá-lo, não impor­ ta o que você diga ou faça, e não espero nada em troca". Quando esses dois planetas formam um aspecto tenso, o desejo venusiano de justiça nos relacionamentos entra em conflito com a disposição netuniana de ser extra-padente, flexível e compreen­ sivo com os parceiros, mesmo quando estes não estão lhe dando aquilo de que você predsa ou não estão correspondendo às suas expectativas. Laura se viu em meio a esse dilema em 1986 e 1987, quando o trânsito de Netuno por Capricórnio formou oposição com Vênus e quadratura com Netuno em seu mapa, seu Sol progredido estava passando sobre a posição natal de Vênus e realçando sua quadratura com Netuno - um efeito duplo afetando a quadratura Vênus-Netuno. Qual deveria ser a reação de Laura? Será que deveria mandar John embora por sua infideli­ dade? Deveria lhe dar o tempo que pediu para testar o reladonamento com a namorada, indo morar com ela? Existe

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uma linha muito tênue entre ser netunianamente desprendida e compreensiva e deixar que os outros a tratem como um capacho. No final das contas, acho que ela enfrentou a situação muito bem. Ela procurou orientação profissional, identificando e expressando plenamente a raiva e a sensação de traição; não havia maneira de negar sentimentos e reações tão humanos. Contudo, não teve como evitar o fato de que amava muito John, que estava preparada e disposta a ficar do lado dele durante essa crise e esperar para ver se ele voltaria para ela. John, por falar nisso, passou por trânsitos desafiadores e destrutivos nesse período: o trânsito de Netuno formou uma quadratura com seu Sol; Plutão formou um quincúndo com seu Sol e ainda esteve dentro do orbe de sua quadratura natal Vênus-Plutão. Finalmente/Saturno e Urano transitaram por sua casa 7, a casa do casamento, simbolizando com precisão seu conflito e indecisão sobre ficar com sua mulher (Saturno) ou desfa­ zer o rdadonamento em troca de algo novo (Urano). Ele foi morar com a namorada, mas acabou voltando para Laura e renovando seus votos de fidelidade para comda. Desde então, os dois têm feito mudanças construtivas em seu rdadonamento. Antes da crise, ambos estavam começando a se sentir como aqudes casais de idosos. Por isso, quando se re-uniram, deddiram que pelo menos uma ou duas vezes por ano deixariamos filhos com a irmã de Laura e tirariamférias sozinhos-uma oportunidade de seremnovamente amantes, não apenas "mamãe-e-papai-em-casa". Instintivamente, sentiram-se atraídos por lugares exóticos e originais, tenho certeza de que isto ajudou a dar vazão ao trânsito de Urano pda casa 7 de John, para não falar do trânsito de Urano sobre a conjunção LuaJúpiter em Sagitário do mapa de Laura. E viveram felizes para sempre. Bem, não posso prometer isso, mas posso dizer que a história de Laura é umbom exemplo do tipo de problema susdtado por uma quadratura Vênus-Netuno e fiquei contente ao saber que foibemresolvido por des. Lembro-me de IsabelHickey, que diz que as pessoas que nasdam com essa quadratura eram estudantes universitários pondo à prova o crescimento e o desenvolvimento espiritual em termos da capaddade de sentir e de demonstrar um amor "superior", incondidonal e altruísta, e não o amor baseado apenas em necessidades pessoais e egocêntricas. Em minha opi­ nião, Laura passou no teste com distinção.

A P sicologia

do

A mor E rótico

UMA DISCUSSÃO ACERCA DE VÊNUS E DA SEXUALIDADE POR L tz G reen e

Muito se tem falado sobre Vênus e a sexualidade, gostaria de abordar os aspectos entre Vênus e os outros planetas em relação às tendências sexuais e à expressão da sexualidade. Assim, a discussão deve ficar mais animada à medida em que prosseguir­ mos. Há alguns itens que gostaria de comentar antes. Primeiro, gostaria de estabelecer uma diferença entre aquilo que chamo de amor erótico e aquilo que poderia ser chamado de instinto de procriação. Ambos costumam ter pontos de superposição, como vemos em situações como a do casal onde ambos se sentem bastante atraídos mutuamente até terem um filho, ocasião em que tudo cessa misteriosamente. Poderíamos ter a impressão, às vezes, de que o amor erótico é um dos maiores truques da psique, surgindo apenas para aproximar os componentes de um casal, tendo no final das contas a finalidade unicamente de atender ao instinto de procriação e à continuidade da espécie. Mas não creio que seja o caso. São necessidades bastante diferen­ tes e refletidas por fatores astrológicos também diferentes. Se eu quisesse associar o instinto de procriação a algum símbolo planetário, eu pensaria na Lua e em Plutão, pois ambos têm relação com essa forma básica de expressão sexual encontra­ da em todas as espécies animais. Mas não somos totalmente animais e nossa necessidade das dimensões imaginativa, emoci­ onal e espiritual ou simbólica do sexo é tão inata quanto o instinto de reprodução. A Lua é mais diferenciada do que Plutão e abrange a criação e a continuidade da unidade familiar, mas isso também pode ser visto na natureza, por toda a parte e em diversas formas. Do mesmo modo, eu não identificaria o anseio netuniano de fusão com aquilo que chamo de amor erótico. A expressão sexual

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pode incorporar muitas necessidades diferentes em um único ato físico e a força que Netuno exerce, atraindo-nos devolta para as águas do útero, pode ser uma delas. Para Netuno, porém, o ato sexual é apenas um veículo, um meio de transcender a ansiedade da solidão e da separação, e tem um tom emocional muito diferente do apresentado pelo erotismo venusiano. Às vezes, o desejo netuniano é compulsivo, revelando a ansiedade por trás do impulso. A mulher pode querer ser preenchida para ameni­ zar seu próprio vazio; o homem pode precisar desaparecer dentro do veículo materno para não sofrer de solidão. A sexua­ lidade também pode refletir Marte, contendo elementos de conquista e dominação; e a sexualidade plutoniana pode expres­ sar a necessidade de possuir e de dominar. Nenhum desses impulsos trata efetivamente do prazer, mas o instinto venusiano sim. Obviamente, não existe uma expressão sexual puramente venusiana, uma vez que cada mapa contém um padrão compli­ cado de signos, casas e aspectos. Assim, estou fazendo distinções um tanto artificiais, mas estou tentando compreender o melhor possível a palavra "erótico". Falei muito sobre a "arte" do amor quando discuti a mitologia de Afrodite e enfatizei o componente imaginativo ou fantasioso da expressão venusiana. Vênus pre­ cisa adornar, civilizar, transformar algo instintivo em algo simbólico e psíquico - ou seja, da psique, da alma. O processo de criatividade humana é, em parte, a transformação dos impulsos instintivos por meio do veículo mágico da imaginação. Você deveria ler Symbols ofTransformation19, de Jung, pois trata justa­ mente desse assunto. O amor erótico reflete o processo imaginativo atuante no instinto primitivo da procriação - como disse Platão, a paixão evocada pela beleza. O amor erótico trata do relacionamento individual, pois a beleza é um tema altamente individual e reflete valores indivi­ duais. Por isso, o amor erótico pode ser visto como uma forma de comunicação - o lado aéreo de Vênus - que o diferencia do impulso procriador, o qual se satisfaria através de qualquer 19G G.Jung, Symbols ofTransformation [Símbolos da Transformação], Vol. 5, The Collected Works of C. G. Jung, trad. ingl. de R. F. Hull (Princeton, NJ: Princeton University Press, 1956; e Londres: Routledge & Kegan Paul, 1956).

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membro fértil da espécie. A sexualidade venusiana é uma ex­ pressão profunda da individualidade, a seleção única do ser amado dentre milhões de outros que poderiam servir ao mesmo propósito biológico. É um ato criativo, não uma compulsão. Isto me lembra de outra distinção que desejo fazer, entre preferência sexual e compulsão sexual. O gosto é uma questão de escolha e, como disse, de valores individuais. A compulsão exclui a esco­ lha; a pessoa precisa executar determinado ato e geralmente sente certa vergonha, não apenas pelo ato em si, mas por causa da impotência que sente quando está tomada por uma compul­ são. Se levarmos em conta a impressionante gama de preferências sexuais humanas, descobriremos rapidamente que muitas delas não são preferências, mas na verdade compulsões. É inevitável perguntarmo-nos se existem preferências e gos­ tos sexuais "normais" e "anormais". Esta é uma área de discussão muito sensível, o que é evidenciado por diversas leis estabelecidas ao longo dos séculos, que proíbem um ou outro ato sexual. Os próprios astrólogos tratam do tema acaloradamente e insistem em descrever certos aspectos como sugestivos de comportamen­ tos sexuais "pervertidos". Poderíamos argumentar que a atividade sexual entre dois adultos conscientes é algo que só interessa a esses dois adultos e que, como sociedade, só temos o direito de interferir quando alguém se toma vítima involuntária da situação, como no caso do estupro e do abuso de crianças. Contudo, estaríamos entrando em um terreno mais amplo ain­ da, falando de comportamentos "criminosos" ou "anti-sociais", e não sexualmente "anormais". Por aí se vê como o tema é complicado. Minha opinião pessoal, tanto como astróloga, quanto como analista, é que, à parte a questão de ferir-se uma pessoa que não deseja isso, uma forma específica de expressão sexual só se toma um problema quando é um problema para aquele indivíduo. Em outras palavras, se as compulsões da pessoa a deixam atormen­ tada ou aflita, ela está com problemas. Contudo, se é uma preferência; se esta não faz com que o indivíduo se sinta em conflito e se o parceiro consente, creio que não estaria emposição de proferir julgamentos morais sobre o que é normal ou anormal para aquela pessoa. A expressão sexual é uma manifestação da personalidade como um todo e há muitas permutações que

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podem ocorrer dentro da estrutura de "normalidade" de cada indivíduo. E isso é tudo o que posso dizer sobre o tema. Assim, você verá que, quando falar dos aspectos que Vênus forma com os outros planetas, não estarei descrevendo essas questões sob o ponto de vista da normalidade, anormalidade ou perversão. Se alguém me procura para uma leitura de mapa e sofre de algum conflito ou dor em função de questões sexuais, o mapa pode ser muito útil na localização dos problemas emocionais que podem ter contribuído para o conflito. Se existem padrões compulsivos em funcionamento na vida sexual de uma pessoa, eles costu­ mam refletir questões parentais e não sexuais, pois, segundo descobri, os complexos familiares estão vivos na área da vida em que somos compulsivos. Esses temas familiares podem abran­ ger (ou não) um nível sexual de expressão, mas geralmente encontro a mesma dinâmica psicológica atuando em duas pes­ soas, uma das quais expressa o conflito no plano sexual e a outra em algum cenário diferente da vida. Em suma, acho que Vênus nos fala daquilo que é mais bonito, prazeroso e "certo" para um indivíduo em termos de satisfação sexual, mas pode haver uma distorção, um bloqueio ou uma mescla da função de Vênus devido a nossas compulsões incons­ cientes. Como nossas compulsões costumam ter relação com nossos pais, também estão ligadas ao dilema humano e univer­ sal da separação; diria até que não podemos vivendar Vênus em sua plenitude se não estivermos suficientemente separados de nossos pais e ambiente familiar, desenvolvendo nossos próprios gostos e valores individuais. A ambivalência é o tom emocional típico da maioria das compulsões, e reflete o profundo e antigo problema de querermos sair do útero ao mesmo tempo em que desejamos ficar. Inconscientemente, expressamos nosso anseio regressivo por meio de muitas ações e gestos simbólicos, alguns dos quais se acham refletidos nas compulsões sexuais. Um homem pode ter a compulsão de se travestir, por exem­ plo, usando as roupas de sua mulher enquanto ela está passeando, não porque gosta, mas porque não consegue evitar fazê-lo. Essa compulsão pode fazer com que um homem mais convencional se sinta profundamente envergonhado e culpado; ele pode começar a mentir, o que aumenta sua culpa; se for flagrado e se sua mulher também pensar de modo convencional, os resulta­

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dos podem ser desastrosos - ele pode perder seu lar, seu casa­ mento, seus filhos e sua posição social em virtude de sua "perversão". Talvez ele compreenda os riscos, e estes podem até fazer parte da excitação compulsiva de usar roupas femininas; talvez ele queira inconscientemente ser flagrado, pois acha que merece ser punido. Nesse caso, o que estamos analisando? Seria inútil avaliar a quadratura formada entre Vênus e Saturno ou a oposição Vênus-Netuno e dizermos que esse (ou aquele) aspecto "faz" dele um pervertido. Esses aspectos não dizem nada sobre o homem que usa roupas femininas. Contudo, se observarmos sua compulsão sob uma perspectiva simbólica, veremos que, ao se transformar em mulher durante certo tempo, usando, chei­ rando e tocando as roupas íntimas de uma mulher, ele está se aproximando de uma imagem feminina reconfortante e erótica, a qual ele não pode experimentar de nenhuma outra maneira. E qual seria essa imagem? Eu estaria muito mais interessada em ajudá-lo a explorar o início do relacionamento com sua mulher, a descobrir o que ele sentiu e que pareceu tão compulsivamente obrigatório, do que em classificar sua compulsão transformista como "pervertida". As preferências eróticas de Vênus também podem ser identificadas pois causam alegria, enquanto as compulsões, embora ofereçam tremenda excitação e euforia, raramente são alegres. O comportamento sexual sadomasoquista, por exem­ plo, traz pouca ou nenhuma alegria, apesar de geralmente ser altamente compulsivo para ambos os parceiros. Esses padrões raramente estão ligados a Vênus no mapa, exceto em termos de estilo e ambiente. O desejo de causar dor costuma estar associa­ do à necessidade desesperadora de nos sentirmos poderosos; compensa o terror profundo de sermos indefesos, vítimas ator­ mentadas de um progenitor com o qual temos alguma ligação erótica. Esse comportamento encerra muita raiva, relacionada com sensações de profunda impotência e de apego compulsivo ao progenitor, e não com o prazer sexual. O masoquista sexual, o pólo passivo, representa o lado inconsciente do sádico e viceversa; ambos sofrem do mesmo mal, o qual talvez não seja sexualizado em outras pessoas, mas exibido de modo mais sutil e incorpóreo. Os advogados especializados em separações e divórcios conhecem muito bem a expressão "crueldade men­

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tal", uma forma não-sexual de sadismo enraizada no mesmo tipo de complexo. A expressão sexual, como disse, é um reflexo da pessoa como um todo, não uma coisa em si; e muitas compulsões sexuais nem mesmo tocam no amor erótico. É isto que gostaria de enfatizar com os exemplos que apresentei. Como o corpo é a primeira experiência que temos de nós mesmos, ferimentos e problemas no princípio do processo de vinculação mãe-bebê costumam emergir mais tarde através das compulsões sexuais. Isto se relaciona com a palestra de Howard sobre a Lua e o "primeiro amor".20 A emoção erótica é parte natural do mundo do bebê, bem como do mundo de sua mãe, graças a experiências como amamentação, toques e abraços. Se elementos demasiadamente destrutivos, manipuladores ou humilhantes adentram esse rela­ cionamento tão concentrado no corpo, não devemos nos surpreender se esses elementos afloraremna idade adulta, quan­ do estivermos nus e novamente envolvidos em um abraço íntimo com outra pessoa. Essas questões têmnatureza lunar, não venusiana, mas costumam se entremear e talvez seja importante desemaranhá-las a fim de compreender o que precisamos para nossa própria satisfação. Não considero "mau" ou intrinsecamente patológico em ter­ mos de expressão sexual nenhum aspecto envolvendo Vênus. Até mesmo contatos difíceis como Vênus-Satumo ou VênusQuiron refletem conflitos emocionais que, apesar de se misturarem eventualmente com temas sexuais, estão mais rela­ cionados como senso de auto-estima do indivíduo (ou sua falta). Como não quero preparar uma "receita" - sabe como é, VênusSol, Vênus-Lua, Vênus-Mercúrio e os demais nessa ordem - vou falar dos aspectos que me vierem à mente. Alguém me pergun­ tou sobre o significado de Quiron e gostaria de começar com os contatos Vênus-Quiron, pois isso me dará a oportunidade de lidar com as duas coisas ao mesmo tempo. Tenho me dedicado razoavelmente a Quiron e estou convencida, após vários anos de observação, que é um elemento bastante importante que deve ser incluído no mapa astrológico e acompanhado em suas pro­ “Y er "O Primeiro Amor", em Parte Um: A Lua de Os Luminares, dos mesmos autores, Editora Roca, 1994.

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gressões e trânsitos. É por isso que não tenho falado dele em meus últimos seminários; sinto-me pouco à vontade falando de teorias, a menos que tenha experiências diretas para respaldar a teoria. Agora, cheguei a esse ponto com Quiron e por isso o estou incluindo nesta sessão sobre aspectos de Vênus, Howard e eu devemos falar dele ao longo desta semana. Quiron parece compartilhar a natureza de Saturno e de Ura­ no, entre cujas órbitas gravita, e parece ter tanto uma dimensão pessoal quanto uma coletiva. Descobri que ele reflete a área na qual a pessoa se sente profundamente ferida, irremediavelmen­ te danificada por fatores sobre os quais ela não tem controle. Assim, lembra Saturno, que costuma descrever a esfera da vida na qual nos sentimos inadequados, inferiores ou incapazes de nos expressar livremente, onde temos a tendência a construir defesas rígidas para proteger nossa grande vulnerabilidade. Mas o ferimento refletido por Quiron é diferente do de Saturno. Geralmente, Saturno descreve o ambiente parental de maneira bastante fiel; descreve qualidades distorcidas, mal utilizadas ou que estavam faltando na psique familiar, e que não receberam estímulo ou foram minadas na infância. Quiron, porém, parece refletir uma fonte mais genérica de mágoa, geralmente um problema coletivo, impossibilitando-nos de "culpar" alguém em particular. É como se fosse o planeta da "sorte maldita", e essa qualidade impessoal reflete suas conexões com Urano e com os outros planetas exteriores. Enquanto Saturno compensa com mecanismos de defesa altamente pessoais, Quiron faz com que filosofemos, pois só uma visão de vida mais ampla poderia nos ajudar a lidar com esse ferimento. A mitologia de Quiron é bastante reveladora. A palavra Quiron (que vem de Cheiron) significa "mão" e é dessa raiz que vem "quiromancia", a arte da leitura de mãos. A mitologia atribui diversas linhagens a Quiron. Às vezes, é apresentado como filho de Centauro, por sua vez filho de Ixion (que ofendeu Zeus e foi aprisionado para sempre no Tártaro, amarrado a uma roda flamejante). Esse Centauro foi pai de uma vasta prole de seres metade cavalo, metade humano, fecundando éguas magnesianas, muitas das quais estavam bêbadas e alucinadas (tal como os sátiros, outra mistura entre animais e humanos); mas Quiron era o mais sábio e o mais civilizado. Em outra versão

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de suas origens, ele é filho de Cronos (Saturno) e da ninfa Filira, que se transformou em égua a fim de evitar a atenção do velho Titã. Sendo Saturno como é, porém, insistiu teimosamente em sua corte, chegando a se transformar em um garanhão para conquistar seu prémio. O grotesco filho dessa união foi Quiron; sua mãe o abandonou, desgostosa, e ele acabou sendo criado pelo deus Apoio, que lhe ensinou a arte da profecia. Portanto, Quiron é um deus, mas também um animal, com um rosto bestial e um divino. Ele surge diversas vezes na mitologia dos heróis, geralmente como seu tutor sábio, dotado de talentos como profecia e cura. Contudo, Quiron também é um caçador selvagem, uma figura sinistra e perturbadora cuja sabedoria não anula sua natureza primordial. A história do ferimento de Quiron tem muitas variações. De acordo com uma delas, o herói Hércules, envolvido em uma furiosa batalha com um grupo de centauros bêbados, feriu acidentalmente seu velho amigo Quiron no joelho com uma seta envenenada. O veneno era o sangue da monstruosa Hidra, a criatura de nove cabeças que Hércules tinha de destruir como um de seus Doze Trabalhos, e todas as suas setas estavam pintadas com ele. Apesar do herói ter retirado a seta e do próprio Quiron ter fornecido as ervas para tratar do ferimento, os esfor­ ços foram inúteis e ele foi para sua caverna uivando de dor e agonia. Entretanto, ele não podia morrer, pois era imortal. Em outra versão da história, Quiron foi ferido acidentalmente por uma flecha envenenada que perfurou seu pé esquerdo enquanto ele e ojovem Aquiles acompanhavam Hércules no Monte Pelion, na Tessália. Após nove dias de agonia, Zeus se apiedou dele e o colocou entre as estrelas, como a constelação do Centauro. É importante ressaltar que, em todas as versões desse mito, o ferimento é acidental e não pode ser curado. Recomendo a leitura do livro de Melanie Reinhart, Chiron and the Healing Joumey21 (Quiron e a Jornada da Cura), no qual ela discute as dimensões psicológicas desse mito em grande profun­ didade. Gostaria de focalizar essa questão do ferimento acidental, pois ela reflete uma injustiça básica da vida que, creio, temos grande dificuldade para aceitar. Aqueles que estão ligados à 2,Melanie Reinhart, Chiron and the Healing Joumey (Nova York: Penguin, 1990).

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astrologia (e à psicologia, claro) têm tendência a encontrar "respostas" para o sofrimento humano, e esse é um dos temas que parece cercar o planeta Quiron. Para podermos lidar com a sensação de termos sido feridos, tendemos a buscar explicações intelectuais ou espirituais, pois a idéia de um universo desorga­ nizado ou caótico, onde coisas desagradáveis acontecem acidental ou imerecidamente, ofende gravemente nosso caráter judaicocristão. Mas parece que não há resposta para Quiron. Não podemos culpar ninguém, nem mesmo a nós mesmos. Platão acreditava que 95% do universo estava sob o domínio benigno da Razão, mas 5% pertencia ao Caos e não podia ser explicado ou controlado. Quiron parece representar esses cinco por cento, que tentamos justificar usando conceitos filosóficos como o carma ou conceitos psicológicos como os complexos familiares. Nenhuma dessas abordagens é válida quando lidamos com Quiron, quer natal, quer em progressões ou trânsitos. Assim, Quiron exige que aceitemos um ferimento que não sara, não importa quanta terapia, meditação, homeopatia, acupuntura, dieta macrobiótica ou astrologia dediquemos a isso. Aprender a aceitar esse ferimento é uma tarefa que exige grande esforço de compreensão; e enquanto Saturno ergue bastões protetores contra a ameaça da lesão, Quiron tenta tratála filosoficamente. O resultado não é apenas a compreensão mais profunda e ampla dos problemas que envolvem o signo, a casa e os aspectos de Quiron; é uma atitude mais tolerante e compas­ siva para com as pessoas e com a vida de modo geral. Quiron nos força a crescer, pois, na verdade, é nossa criança interior que exclama, "Mas isso não éjustoV' Um ferimento no joelho ou no pé pode refletir algo sobre um dano à nossa capacidade de ficar firmemente em pé, de lidarmos com a vida de maneira confiante. Freud achava que um ferimen­ to no pé, em sonhos, seria uma imagem de castração. Nossa sensação de potência é danificada por Quiron. A técnica que desenvolvemos (cheiron, a palavra grega que significa "mão", sugere talento, perícia, capacidade) compensa nossa sensação de impotência e de dor. Se reunirmos Quiron e Vênus, provavel­ mente sofreremos um ferimento em nosso senso de auto-estima, na crença de que somos belos e amáveis. Isso costuma ser refletido pela sensação de mágoa à volta do corpo (o lado taurino

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de Vênus), de que somos feios ou defeituosos de maneira irreversível. Embora geralmente não haja justificativa para essa sensação na idade adulta, na infância sente-se que falta "justiça" - a pessoa pode ser a única criança negra do prédio, pode ser obesa, pode não se enquadrar nos padrões estéticos coletivos dominantes. As crianças podem ser muito cruéis ao fazer troça ou rejeitar alguém "diferente" (assim como os adultos), e esse é um dos fatos "injustos" da vida que Vênus-Quiron precisa enfrentar. Quempodemos culpar por essas coisas? Vênus-Quiron costuma compensar desenvolvendo talentos notáveis de embelezamento e ornamentação; é um dos aspectos que associo a facilidades em desenho de moda e em terapia estética. Como Vênus também tem relação com o prazer do corpo, com a sensualidade e a satisfação erótica, pode haver tambémuma sensação de mágoa ou de incapa­ cidade neste campo; geralmente, a compensação se dá pelo desenvolvimento de perícia erótica, tal como a que adquiriam as hetairas gregas. A pessoa Vênus-Quiron pode se tomar uma amante talentosa, atraída por relacionamentos com pessoas igualmente feridas e que precisam ser curadas. O lado libriano de Vênus pode também refletir o ferimento de Quiron, e a sensação de isolamento e de incapacidade de se relacionar comos outros tambémé refletida ocasionalmente por esse aspecto. Pode haver grande timidez e insegurança, a sensação de ser diferente e inaceitável. A pessoa pode se esforçar muito para aprender o que puder a respeito de relacionamentos humanos e pode ser conselheira ou terapeuta de casais. Como vê, todas essas compensações típicas Vênus-Quiron costumam ser profundamente prazerosas e gratificantes. Mas não fazem com que o ferimento se vá. Audiência: Posso dizer que Vênus-Quiron é como Vênus na 7a? Liz: É parecido, assim como Quiron em Libra. Mas os problemas

relacionados com o corpo e a sensação de ser pouco atraente ou inútil não parece ser o foco de Quiron em Libra ou na casa 7. Isso seria mais um reflexo de Quiron em Touro ou na casa 2. Audiência: Vênus-Quiron pode nos motivar a aprender mais

sobre o amor?

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Liz: Sim, com certeza. É a isso que eu me referi quando disse que a pessoa pode se esforçar muito para compreender melhor os relacionamentos humanos, seja do ponto de vista emocional, intelectual ou sexual. A motivação para transformar um feri­ mento em arte é muito poderosa em Vênus-Quiron. Essa é a dimensão mais criativa do aspecto. Seu lado sombrio, natural­ mente, é a dor contínua que pode ficar quietinha sob a superfície, mas que costuma irromper na consciência quando o aspecto.é ativado por trânsitos ou pelo contato com os planetas de outra pessoa, através de interaspectos em sinastria ou até pelos plaftetas do mapa composto de um casal. Existe ainda um componente manipulador nesses ferimentos de Quiron, tal como com Satur­ no: Vênus-Quiron, assim como Vênus-Satumo, pode escolher parceiros feridos repetidamente, pois a pessoa se sente "normal" ao se comparar com eles. Como diz o velho ditado, em terra de cego, quem tem um olho é rei. Quiron se projeta rapidamente, assim como Saturno, especialmente quando forma quadratura ou oposição a Vênus; é muito mais difícil viver conscientemente com nossa sensação de inadequação. Quando o ferimento é projetado, é o parceiro que tem o problema "incurável" e a pessoa pode, inconscientemente, desejar que ele não seja curado. Tenho visto, com certa frequência, Vênus-Quiron tentar com­ pensar o problema "transcendendo" o ferimento. Issopode envolver uma filosofia que recomenda superar a natureza inferior, alçando a pessoa acima de coisas tão vis quanto impulsos eróticos. É a tentativa de espiritualizar a sexualidade a fim de evitar o problema do ferimento do corpo. Geralmente, isso causa sérios problemas, pois Vênus não gosta que lhe transcendam. É óbvio que a Afrodite mitológica não aceitaria esse tipo de atitude e o planeta, como a deusa, geralmente se vinga atacando pelas costas. Depois, a pessoa se apaixona desesperadamente por um indivíduo totalmente ina­ ceitável e descobre que não deve provocar os planetas interiores. Audiência: Lembro-me de que, quando Quiron atravessou meu

Ascendente em seu trânsito, tive uma série de sonhos a respeito de homens feridos que eu tinha de curar. Liz: Os trânsitos de Quiron são extremamente interessantes para

se observar, especialmente se você deseja confirmar temas míticos

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como esse do ferimento e da cura. Não me surpreendo com o que você está me contando, pois já encontrei esse tema onírico quando Quiron passa por certas posições. Audiência: O trânsito de Quiron nos fere ou nos cura? Liz: Aparentemente, faz as duas coisas. O tipo de experiência que

tenho encontrado junto a trânsitos de Quiron parece religar a pessoa a feridas muito mais antigas, e geralmente ela sente muita dor. Mas não costuma ser uma dor improdutiva; ela vai perce­ bendo as coisas ao mesmo tempo e tem a chance de se defrontar com problemas do passado que precisam ser tratados. Isso não significa que nada de "bom" jamais aconteça sob um trânsito de Quiron. Às vezes, dá-se uma reconciliação ou a resolução de antigos conflitos. Mas não estou inclinada a dar a esse planeta ares glamourosos, pois acredito que é bem difícil lidar com ele. A natureza ináviUzada de Quiron no mito é refletida pela natureza, por vezes súbita e dolorosa, das experiências de Quiron na vida real, isso costuma suscitar a transformação da pessoa em indvilizada ou expô-la à explosividade emocional dos outros. Mencionei antes que existe um componente uraniano em Quiron e ele parece se mostrar através da faceta inesperada dos eventos que ocorrem sob um trânsito de Quiron. Essa história de ferimentos e curas ébemparadoxal. Geralmente, temos feridas que não conhecemos; elas estão no inconsciente e não compreendemos o efeito poderoso que exercem sobre nosso com­ portamento exterior. Um trânsito de Quiron, ao retirar a capa protetora dessas feridas antigas, pode curar porque ficamos mais conscientes daquilo que somos. Isso é um clichê psicoterapêutico quando começamos a sentir nossos conflitos ou nossa dor, estamos no limiar da cura ounos entendendocomas coisas. Quando alguma coisa é inconsciente, não pode crescer ou mudar. Assim, tal como Urano, Quiron nos desperta, apesar desse despertar poder ocorrer por meio de uma experiência dolorosa. Audiência: Que signo você acha que é regido por Quiron? Liz: Não sei. Não me sinto muito confortável para fazê-lo. Sei que

algumas pessoas o associam a Virgem ou a Sagitário. Mas ele não

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faz parte de nosso sistema solar; é um viajante, um grande asteróide que foi pego pela atração gravitacional do Sol. Com o tempo, ele vai sair novamente, como se fosse um cometa. Devido a essa qualidade alienígena, não me sinto bem para alojá-lo no sistema de regências planetárias. Em termos psicológicos, seu comportamento é o de um alienígena que chegou perto; e trabalho com ele como se não regesse signo algum. É uma espécie de parcela selvagem e indigesta da vida, como os cinco por cento de caos sugeridos por Platão. Agora, gostaria de falar dos aspectos Vênus-Lua. Howard tratou desses aspectos de forma bastante abrangente,22 mas há um ou dois pontos que gostaria de acrescentar a respeito da dinâmica arquetípica entre esses dois planetas. Já falei que existe um conflito inato entre o maternal e o erótico, simbolicamente refletido pela inimizade mitológica entre Afrodite e Hera. Os aspectos tensos entre Vênus e Lua são particularmente impor­ tantes em termos de amor e relacionamentos, pois as necessidades de segurança entram em conflito com os valores pessoais, e geralmente nos sentimos muito pouco à vontade diante do fato de que é preciso escolher entre um e outro. Não crèio que as quadraturas e oposições nos "predestinem" a ter de fazer essa escolha, mas é assim que os aspectos tensos nos fazem sentir. Como qualquer planeta que forma aspecto com a Lua é relevante para entendermos a herança psicológica recebida da mãe, um aspecto venusiano tenso (ou até o sextil, trígono e a conjunção) implica num conflito na mãe entre esses dois lados de sua própria natureza feminina. Se recebemos esse modelo, de início não saberemos dizer como os dois oponentes podem ser conci­ liados. Jung tratou do problema da "anima dividida" nos homens, entre a imagem da mãe e a imagem da mulher amada. Esse conflito costuma resultar no casamento do homem com uma mulher maternal, e vendo-se profundamente insatisfeito ao nível erótico e da alma, forma um segundo relacionamento com uma amante. Nesses casos, de modo geral, a mãe reprimiu um lado de sua natureza (geralmente o erótico), o que se trans­ **Veja "O Primeiro Amor", em Parte Um: A Lua de Os Luminares, dos mesmos autores, Editora Roca, 1994.

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mitiu para seu filho de maneira poderosa e inconsciente. Nos homens, os conflitos Vênus-Lua tendem a refletir a propensão para dividir as mulheres em dois grupos: o das que são boas para casar e o das que são boas para se levar para a cama - e ambos parecem estar sempre em oposição. Homens assim parecem não compreender que podem haver mulheres que combinem as duas coisas. Se o homem abandona a esposa e se casa com sua amante, logo vai achá-la maternal e buscará novamente a satis­ fação erótica fora do casamento. O medo das emoções sexuais inconscientes da mãe costuma ser tão grande que chega a ser perturbador deixar sua parceira ser excitante sexual e intelectu­ almente, além de lhe dar apoio e suporte emocional. Nas mulheres com esses aspectos, o problema é o mesmo, mas a dsão costuma surgir na própria mulher em vez de ser projetada sobre o parceiro. Se a mãe reprime seu lado venusiano em favor da segurança do lar e da família, é inevitável que se sinta dumenta quando sua filha se transformar em uma moça atraen­ te - especialmente se o relacionamento com seu marido estiver frágil^Assim, Vênus-Lua sugere uma rivalidade profunda, em­ bora inconsdente, entre mãe e filha. Para se afastar do domínio de sua mãe, a filha pode rejeitar toda e qualquer identificação com ela, passando a representar a sombra da mãe, tomando-se uma verdadeira hetaira que lida com os homens por meio dos canais venusianos, eróticos e intelectuais que sua mãe não consegue alcançar. Essa filha costuma ser a favorita do papai, representando inconsdentemente sua anima, descobrindo, mais tarde, que se envolve em triângulos amorosos com homens casadosj Com a mesma frequência, tenho visto essa rivalidade entre mãe e filha gerar um grande medo com relação à mãe, o qual pode resultar na repressão da natureza erótica da filha, que deseja ficar longe da linha de tiro. Podemos às vezes ver esse cenário: a mulher atraente, madura e sexualmente provocante com uma filha simplória e obesa, arrastando-se submissa atrás dela; a filha foi tão minada pela sabotagem inconsdente da mãe que optou pela repressão de sua própria auto-estima venusiana como mulher. Quando essa filha crescer, provavelmente esco­ lherá um homem que a deseje em função de suas qualidades maternais, e vai acabar tendo de lidar com uma rival - a amante

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do marido, a qual sofre, como sugeri, exatamente o mesmo conflito só que em imagem invertida. Até certo ponto, estou exagerando essa dinâmica Vênus-Lua, mas podemos vê-la em grau mais ou menos intenso e, por vezes, com a mesma nitidez que retratei. Ciúmes e rivalidade entre mulheres são típicos de Vênus-Lua, mesmo com aspectos "fá­ ceis", mas tudo depende do modo como a mãe lidou com seu próprio dilema. No nível mais simples de interpretação, VênusLua reflete o desafio de combinar essas duas facetas do feminino, pois a pessoa possui ambas na mesma intensidade e precisa encontrar um meio de vivenciá-las. A face mais negativa desses aspectos tende a surgir em parte porque, até bem recentemente, a maternidade punha fim à vida venusiana da mulher. Antes do advento do controle da natalidade, ela não podia decidir quando iria ter filhos ou quantos; também muito importante, em nível coletivo havia algo de "errado" com uma mãe que desfrutava a vida em demasia e "ignorava" seus filhos - para não falar da mulher "anormal" que decidia não ter filhos. Apesar das inúme­ ras mudanças na imagem coletiva das mulheres, ainda nos defrontamos com o grande desafio de equilibrar Vênus e a Lua. Para a pessoa que têm esses planetas em aspecto forte no mapa natal, esse desafio é um dos temas principais da vida. Audiência: Seria como Vênus em Câncer ou a Lua em Libra? Liz: Alguns desses elementos estão presentes, especialmente na

Lua em Libra, pois é outro indicador materno. Poderíamos dizer que a Lua em Libra reflete uma mãe venusiana, uma mulher com ótimo senso estético e que necessita de leveza e de romance na vida. Se vivenciou isto ou não, o mapa não pode dizer, embora outras colocações - como Saturno, Netuno ou Plutão em aspecto com a Lua ou na casa 10 - possam sugerir que não. Vênus em Câncer não faz a mesma afirmação sobre a mãe; reflete os valores individuais da pessoa, que provavelmente serão tradicionalistas e familiares, embora não desprovidos de conteúdo romântico. Às vezes, na mitologia, Afrodite se mostra favorável ao casa­ mento desde que o aspecto erótico do casamento se mantenha vivo. O expoente moderno dessa combinação é Barbara Cartland, cujas novelas, apesar de mal escritas, parecem vender aos mi­

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lhões. Esses livros apresentam sempre uma atração sexual alta­ mente carregada que acaba resultando em um casamento feliz. A Lua em Libra e Vênus em Câncer combinam estética e romantismo com a necessidade de segurança e de raízes. Em si, porém, não sugerem uma cisão do tipo que mencionei anterior­ mente. Esse tipo de divisão é típico da combinação desses dois planetas, pois um planeta é uma energia dinâmica e cada um tem suas próprias necessidades e "personalidade". A antiga socieda­ de grega tinha essa divisão embutida em sua estrutura, criando duas classes de mulheres - as esposas que ficavam em casa, davam à luz e cuidavam dos afazeres domésticos, e as hetairas, que ofereciam prazer e estímulo intelectual, estético e erótico. Naturalmente, isso se repete até hoje, embora não seja algo explícito; além disso, compreende-se que a maioria das mulhe­ res esteja farta dessa divisão. Audiência: Sou um homem com uma quadratura Vênus-Lua, e

creio que não consigo desfrutar um romance sem realmente pensar em tomá-lo permanente. Liz: Não tenho certeza, mas parece que você acha que isso é um

problema. Não diria que é, a menos que você esteja tentando se moldar em função da imagem coletiva do comportamento espe­ rado dos homens em relacionamentos. Contudo, a necessidade de romance e estabilidade é o que acontece quando esses dois planetas combinam suas energias. Se você não sente uma dsão entre eles, porque haveria de criar uma? Audiência: Minha necessidade de segurança é um pouco obses­

siva. Não consigo aproveitar, pura e simplesmente, a companhia de uma pessoa; fico imaginando maneiras de "amarrá-la" desde o início. Liz: Creio que deve haver outros fatores nisso, tal como uma insegurança muito profunda, que faz com que você sinta que não consegue relaxar sem garantias de amor duradouro. Isso sugere um problema com separações, o que não é bem um tema venusiano. Por causa dessa ansiedade, pode haver peso em demasia na Lua, e Vênus não estaria recebendo uma vivência

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consciente - em outras palavras, você não se valoriza o suficiente e depende de compromissos formais para garantir que recebe amor. Você tem algum aspecto Vênus-Satumo ou Lua-Satumo? Audiência: Minha Lua forma semiquadratura com Saturno, que

está na casa 7. Liz: Então eu enfatizaria que seu "peso" quanto a relacionamen­

tos provém de um profundo medo de rejeição - provavelmente um legado de sua infância - e não da combinação entre Vênus e Lua, que precisa da mistura de ambiente doméstico e prazer erótico. Esta é a assinatura de um romântico, não de um Don Juan, embora muitos homens tenham tanto medo de seu roman­ tismo que são compelidos a bancar o Don Juan para evitar a sensação de vulnerabilidade. Audiência: E os relacionamentos homossexuais? Liz: A dinâmica é a mesma. Se Vênus e a Lua estão em conflito,

podemos nos identificar com um desses planetas e projetar o outro sobre uma pessoa do mesmo sexo, tal como do sexo oposto. Na maioria dos relacionamentos, hetero ou homossexu­ al, geralmente um parceiro assume o papel de "tutor" e o outro o de "companheiro amado". O ideal é que tenhamos um pouco dos dois e, em um relacionamento dinâmico, esses papéis são fluidos, ambas as pessoas os representam em diferentes oca­ siões. Onde houver conflitos Vênus-Lua, eles podem ser radi­ cais, os papéis se tomam fixos e quase arquetípicos em função das projeções envolvidas. A mesmá propensão para triângulos existe em um relacionamento gay com conflitos Vênus-Lua, além dos mesmos requisitos - a combinação de segurança e satisfação erótica. Audiência: Tenho uma amiga, uma senhora de 64 anos, que tem

uma conjunção Vênus-Lua em quadratura com Marte. Ela sem­ pre teve namorados mais jovens e nunca teve filhos. Agora, ela percebeu que está competindo com as mães de seus namorados. Liz: A atração por jovens e belos rapazes é uma característica de

Afrodite, que, ao contrário da Lua, é atemporal e transcende o

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tempo; assim, parece que sua amiga tem se identificado com Vênus durante todo esse tempo, representando isso em seus relacionamentos. Mas a faceta lunar de sua natureza, obviamen­ te, tem sido fortemente reprimida e a rival se materializou não apenas na forma de uma esposa "maternal", mas no papel literal das mães de seus namorados. A necessidade lunar de ter uma família parece ter aflorado na escolha inconsciente de filhosamantes. Provavelmente, essas mães com que se antagoniza são parecidas com ela, mas com a cisão pendendo para o outro lado. Audiência: Ela não acredita em mim quando lhe explico isso. Liz: Bem, e porquê deveria acreditar? É muito mais fácil culpar

essas mães terríveis. Se uma pessoa se identifica tão completa­ mente com um princípio planetário, não sobra muito espaço para a objetividade a respeito de si mesma, pois as energias arquetípicas têm essa característica - ocupam a consciência e distorcem nossa percepção da vida. Audiência: Gostaria de fazer um comentário a respeito da vivên­

cia combinada Vênus-Lua. Na Idade Média, era aceitável ser casada e ter um adorável amante que lhe escrevia poesias e saía a cavalo em seu nome, mas sem manter um relacionamento sexual com você. Contudo, esse tipo de relacionamento não é aceitável hoje em dia e talvez seu parceiro não goste disso. Liz: Você está me descrevendo o estranho ethos do amor cortês,

que atingiu o apogeu na França do século XII com as canções de amor dos trovadores. A princípio, pode parecer um modo de resolver o dilema Vênus-Lua, mas creio que esse caminho é netuniano, incorporando um elemento de sacrifício que, na verdade, é inimigo de Vênus. Ademais, ele provém de um meio católico e medieval e, apesar de ser considerado herético, às vezes (em função de suas relações com a heresia dos cátaros), a desvalorização do corpo e dos sentimentos eróticos estava im­ plícita nessa filosofia. O amor cortês exigia que a mulher fosse casada; apesar das regras serem quebradas constantemente por mortais imperfeitos, sua filosofia exigia a abstinência de parte a parte, o que gerava muita frustração e sofrimento, o que em

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teoria transformava o amor vil em uma experiência espiritual. Qualquer psicanalista interpretaria esse esquema como algo altamente edipiano, pois a paixão do amor cortês dependia da impossibilidade de se obter o objeto - o progenitor adorado e proibido em função do tabu do incesto e do casamento com o outro progenitor. No fim, você precisa sacrificar a fantasia de amor perfeito com seu pai, pois ele está casado com sua mãe. Em termos psicanalíticos, esse processo de derrota e sacrifício edipianos, se não for excessivamente rígido ou humilhante, é um dos elementos de constituição do ego maduro. Na Idade Média, isso deu origem a uma intensidade sexual terrível, uma onda erótica que chegou às raias da experiência religiosa. São coisas netunianas, não venusianas. Conheci pessoas, especialmente com aspectos Vênus-Netuno, que ainda buscam esse amor sacrificado, embora não o costumem praticar por causa de alguma filosofia místico-artística, mas porque não o conseguem evitar; estão tomadas por uma compulsão. Vêem-se desesperadas, ansiando por alguém inatingível de algum modo (a pessoa é casada, é padre ou freira, mora a seis mil quilómetros de distância, ou então está emocionalmente desinteressada ou não consegue se comprometer), e acho que os freudianos estão certos quando ligam esse tipo de compulsão a um dilema edipiano não-resolvido. Como já vimos quando exploramos a mitologia de Afrodite, Vênus não tem a menor propensão para sacrificar qualquer coisa, muito menos o prazer e a satisfação do corpo. O triângulo do amor cortês não é maneira de resolver o dilema Vênus-Lua, mas uma fuga dele. Se existe conflito entre Vênus e Lua em um mapa, mas também um aspecto benigno entre Vênus e Netuno (ou algo semelhante), a pessoa pode usar o trígono para fugir ao atrito do aspecto tenso. Geralmente, fazemos isso com nossos trígonos, pois são confiáveis e seguros; e é bastante humano evitar as dificuldades envolvidas no confronto com os dois lados de um aspecto tenso pulando da estufa para a suave harmonia do trígono de um outro planeta. É por isso que os Grandes Trígonos são tão ambíguos: oferecem presentes, talento e sorte, mas também um casulo perfeito para nos escondermos de nosso T-quadrado ou Grande Cruz. Lidar com Vênus-Lua de maneira honesta não é uma tarefa muito charmosa ou mística, pois esse

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aspecto faz com que nos confrontemos com nossas necessidades demasiadamente humanas. Lembro-me de ter lido um artigo bastante interessante em uma revista há algum tempo, escrito por uma mulher cuja queixa era que as mães não se parecem mais com mães. Ela achava que havia algo profundamente ofensivo em mulheres que usam as roupas das filhas, que ainda parecem sexualmente ativas e excitadas, em vez de se acomodarem confortavelmente na maturidade com seus quilinhos a mais, com uma permanente nos cabelos grisalhos, roupas tolas e nenhum interesse em flertar com o namorado bonitão da filha. Achei fascinante o fato de alguém ter escrito esse artigo, pois ele parece refletir uma mudança que está acontecendo no coletivo. Houve uma época em que, aparentemente, as coisas eram muito simples; a mãe era a Lua e a filha era Vênus, até esta se casar e ser mãe, ocasião em que a netinha se tomava Vênus, e assim por diante. Isso é muito reconfortante, além de antigo e arquetípico; contudo, não leva em conta o problema humano, bastante real, de toda essa vida inconsciente e frustrada que cerca um planeta não-vivendado e que atinge todo tipo de complexo familiar. Audiência: O que acontece se Marte estiver ligado a uma quadra­

tura Vênus-Lua? Liz: Talvez seja interessante analisarmos Vênus-Marte agora. Muitos autores dizem que esse aspecto contribui com um consi­ derável grau de carisma e atratividade sexual, pois são prindpios complementares e, na mitologia, são retratados como aman­ tes. A natureza tanto de Afrodite como de Ares é autocentrada e autogratificante, apesar de suas abordagens serem diferentes; nesse sentido, têm muito em comum, tal como os signos de Áries e Libra. Se você observa um ariano e um libriano juntos, verá como são pareddos. Geralmente, Áries é bem direto e objetivo, dizendo "Faça isso do meu modo". Libra diz, "É uma boa idéia. Mas eu me sentiria melhor se nos sentássemos por alguns minutos e nos certificássemos de que analisamos o problema sob todos os pontos de vista, embora naturalmente você esteja com a razão". Após longas horas de discussão, Áries descobre que o plano mudou consideravelmente com relação ao original, mas

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ainda acha que a idéia foi sua; o libriano sai sorrindo, pois todos estão contentes. Ambos são signos cardinais e refletem a nature­ za voluntariosa de seus regentes. Assim, percebemos que a combinação dos princípios planetários produz um impulso muito poderoso rumo ao prazer e à autogratificação, combinan­ do o estilo venusiano e a afirmação marciana, algo a que um espectador inocente julga ser difícil resistir. Audiência: Se estiverem em conjunção em Áries, o lado marciano

fica mais forte? Liz: Em termos de comportamento exterior, sim; as qualidades

assertivas surgem mais obviamente na personalidade. Se a conjunção estiver em um signo regido por Vênus, o componente venusiano estará mais evidente. Os signos são como roupas: descrevem a maneira pela qual os planetas se expressam. Mas não mudam a natureza dos planetas. Vênus-Marte em Touro ou Libra podem ser muito charmosos e pacíficos, mas se você pensar que em qualquer aspecto Vênus-Marte os valores do indivíduo se combinam com seus instintos agressivos, vai per­ ceber que esse delicioso charme esconde a proverbial mão de ferro na luva de veludo. A combinação Vênus-Marte - que, no final das contas, propicia o desenvolvimento do Sol - combina o poder de lutar com a capacidade de embelezar e de trazer alegrias. Essa é uma combinação poderosa. Se os dois planetas estiverem formando um aspecto tenso, o significado essencial será o mesmo; contudo, em nível consciente, a pessoa costuma se sentir dividida entre a necessidade de manter a harmonia e a necessidade de se afirmar. Tenho visto as quadraturas e as oposições, bem como as conjunções, comportarem-se de manei­ ra bastante oposta: a pessoa é toda charme, adaptabilidade e graça, e de repente lhe dá um soco na cara. Isso acontece quando o excesso de identificação com um planeta resulta em um repuxo do outro (uma característica dos aspectos tensos). Estou me lembrando de um cliente que atendi. Tinha essa conjunção em Peixes e Ascendente em Libra. Portanto, Vênus é o regente de seu mapa, e fica mais poderoso ainda por estar exaltado em Peixes. O lado venusiano é muito mais óbvio em sua personalidade à primeira vista. Ele pode ser incrivelmente mei­

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go, agradável e polido, e então, de repente, pode dizer algo realmente destrutivo, pesado, intencionalmente doloroso, sem­ pre que seu Marte, como Aquiles, fica farto de se travestir. Esse homem tem um longo histórico de ira, pois tem se identificado quase que totalmente com Vênus. Audiência: Ele é homossexual? Liz: Não em suas preferências sexuais. Mas creio ter dito anteri­

ormente que, às vezes, podemos ver a mesma dinâmica psicoló­ gica expressada de diferentes maneiras por meio de pessoas diferentes. O importante não é saber se ele é homossexual ou não, mas como ele se relaciona com suas facetas masculina e feminina. Ele demonstra certa raiva pelas mulheres, embora seja bastante sedutor; pratica uma forma velada, mas não incomum, de crueldade sexual, uma rejeição e difamação sutil dos corpos e dos desejos sexuais femininos como maneira de se sentir mais potente. Essa também é uma característica que tenho observado com frequência quando Vênus está em aspecto tenso com Marte. Podemos achar que esse é um problema "sexual", mas na verdade é um problema de potência, pois Vênus pode castrar Marte, tal como na famosa pintura, e depois Marte fica fervendo no porão. Se a pessoa se identifica excessivamente com Marte e Vênus fica bloqueado, é o senso de auto-estima que foi perdido, e uma das manifestações mais comuns é o extremo ciúme e possessividade. Marte tem muito orgulho de sua autonomia; o temperamento marciano não liga a mínima para o que os outros pensam. Como Frank Sinatra, eles fazem as coisas a seu modo. Vênus, por outro lado, se nutre do amor e da aprovação dos outros para desenvolver seu senso de valores. Afrodite não conseguiria sobreviver sem a multidão de jovens admiradores a seus pés. Assim, vemos que, se a pessoa com Vênus-Marte tenta ser assertiva demais, macho e durão, é possível que sinta uma tremenda dependência secreta do amor dos outros para manter seu senso de auto-estima. A combinação Vênus-Marte é andrógina, de certo modo, o que pode ficar evidente no estilo sexual da pessoa, com sua atratividade e criatividade. A excitação em tomo do desafio e da

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conquista faz com que ela se sinta à vontade em uma série de papéis sexuais, tanto ativos como passivos. Poderíamos dizer que Vênus e Marte, quando conseguem se misturar, dão à pessoa a capacidade de compreender a sexualidade tanto do ponto de vista masculino como feminino, o que pode lhe propor­ cionar uma vida erótica bastante rica e gratificante. Audiência: E isso aconteceria mesmo se estivessemem quadratura? Liz: As quadraturas e oposições, como mencionei antes em conexão com Vênus e a Lua, não significam que sejamos força­ dos a escolher. Elas refletem o fato de que o ego percebe que o conflito é irreconciliável, e geralmente envolvem a repressão, pelo menos em parte, de um dos planetas envolvidos no aspecto. Mas a percepção do ego não é a única verdade, como sabe qualquer um que tenha trabalhado com psicologia profunda. A maior parte das transformações profundas que acontecem no trabalho psicoterapêutico derivam do confronto entre o ego e outras dimensões e perspectivas da psique, mudando de acordo com isso. Em outras palavras, a diferença entre aspecto tenso e harmonioso é a diferença no modo como percebemos nossa reafidade^Essas percepções do egõpõdêmsérãltêrãdas e expan­ didas, e nada as altera mais poderosamente do que um encontro com aquilo que antes estava inconsciente. Creio que é possível extrair grande harmonia e benefício das quadraturas e oposi­ ções, embora isso costume envolver a exploração de dimensões desconhecidas da personalidade; talvez a harmonia não seja possível o tempo todo, especialmente quando um trânsito difícil ativa o aspecto natal. Em compensação pela natureza rude do passeio, os aspectos tensos proporcionam uma energia dinâmi­ ca e excitante, a qual, para muita gente, pode ser preferível à sensação fácil e tranquila de um trígono ou sextil. Se conseguir­ mos aprender a ficar no meio e a apreciar as duas extremidades de um aspecto tenso, podemos descobrir que ele tem mais a oferecer do que um aspecto fácil em termos de energia e vitali­ dade. Assim, em resumo - sim, isso acontece mesmo com uma quadratura entre Vênus e Marte. Os complexos familiares também têm muito a ver com nossas percepções, pois se observamos um conflito familiar aparente­

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mente irreconciliável, não vamos saber instantaneamente que existe um caminho de saída. Vamos crescer presumindo que esse conflito vai sempre existir. Então, o mecanismo de repres­ são passa a ser compreensível: quem gostaria de se sentir em permanente ebulição, sempre em guerra consigo mesmo, já que não se vislumbra uma solução? Jung escreveu sobre algo a que deu o nome defunção transcendente, um princípio de reconcilia­ ção que pode suscitar uma solução criativa se a pessoa assume uma atitude diferente diante de um conflito interior. Geralmen­ te, como disse, rejeitamos o lado desconfortável de um aspecto tenso - ou a configuração toda - e depois ele surge em nossa vida exterior, repetidamente, em uma ou outra forma. Se chegarmos a aceitar nossa ambivalência em vez de culparmos o mundo exterior e as pessoas que existem nele, já teremos progredido muito no sentido de aprendermos a lidar com um aspecto tenso. Com os aspectos fáceis, aparentemente presumimos, desde cedo, que é possível fazer a cama e deitar nela. Como estamos abertos às possibilidades (ao sextil e o trígono foram atribuídas respectivamente a energia mercuriana e a jupiteriana), geral­ mente conseguimos encontrar maneiras de combinar os princípios planetários sem muito esforço. O trígono entre Vênus e Marte presume que a pessoa consegue ao mesmo tempo agradar os outros e conseguir o que deseja. A quadratura VênusMarte se preocupa até a morte de medo de perder o amor caso se afirme; e o comportamento da pessoa, em virtude da tensão e da raiva geradas por essa ansiedade, pode gerar a própria coisa que ela teme. É difícil conseguirmos ver até que ponto criamos nossa própria realidade e suscitamos reações previsíveis nos outros, imaginando que estamos fazendo algo bem diferente. Contudo, o observador objetivo consegue perceber isso muito bem. Podemos passar agora para os aspectos Vênus-Urano. Esses aspectos têm uma reputação bastante peculiar em termos de sexualidade e um bom número de livros mais antigos - e mesmo alguns dos novos - que fala deles como se estivessem relaciona­ dos à perversão e ao homossexualismo. Já expus minha opinião sobre essas classificações. Ao mesmo tempo, os aspectos tensos entre Vênus e Urano têm fama de não capacitarem a pessoa a se comprometer, o que também não é, conforme tenho observado,

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uma interpretação válida. Devemos primeiro examinar Urano e compreender o que esse planeta realmente significa, antes de combiná-lo com Vênus e analisar os possíveis resultados. Na mitologia, Ouranos é o pai celeste original (seu nome significa "céus estrelados"), que existia antes mesmo do universo mani­ festado. Assim como nosso conceito judaico-cristão de uma divindade invisível, onisciente e transcendente, Ouranos simbo­ liza o plano do universo que precede sua criação. Ele é aquele que, nos ensinamentos esotéricos, recebe o nome de Mente de Deus. Uma das maravilhosas pinturas de William Blake retrata o Divino Arquiteto debruçado sobre sua prancheta, segurando um par de compassos; sempre julguei ser esta a melhor represen­ tação do planeta Urano que já vi. Assim, estamos diante de algo que é a mente coletiva pura, um sistema ou projeto perfeitamen­ te funcional que ainda vai se manifestar no mundo. Quando se manifesta, por meio da função saturnina, é "castrado" (é assim que o mito estabelece) - pois qualquer idéia, depois de aprisio­ nada pela forma, não é mais fluida e autogeradora, tomando-se estática e limitada pelo tempo, pelo espaço e pelos limites dos indivíduos. Agora, chegamos à parte do mito em que Ouranos fertiliza Gaia, a Mãe Terra, e ela dá à luz os Titãs e os Gigantes de Cem Mãos. Essas criaturas são terrestres e por isso defeituosas; elas não refletem a idéia perfeita da progénie dos céus e assim ele as aprisiona nos infernos. Por causa disso, Cronos (Saturno), um dos Titãs, armado com uma foice dada a ele por sua mãe, lidera seus irmãos e irmãs em uma revolta contra seu pai, castrando-o. Entre outras coisas, esta história parece descrever algo funda­ mental em Urano: um ideal de perfeição que, quando posto em cheque por uma realidade maculada, reage com rejeição, repú­ dio ou dissociação - e tenta aprisionar a realidade ofensora nos subterrâneos do inconsciente. Em uma versão desse mito, as gotas de sangue do ferimento de Urano caem sobre a terra e produzem as Erínias ou Fúrias (deusas da vingança), enquanto seu pênis cortado, ao cair no mar, fertiliza-o e gera a deusa Afrodite. É uma imagem estranha e parece sugerir que, apesar de o ideal coletivo de um mundo perfeito poder desmoronar, o impulso humano de criar a beleza é seu fruto. Assim, existe uma harmonia entre Vênus e Urano nos

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níveis estético e intelectual (Libra), mas um profundo conflito no nível corporal, "titânico" (Touro). O antigo mito grego do con­ flito entre Ouranos e seus filhos Titãs foi absorvido pelos primeiros ensinamentos órficos (no início da era cristã) e exerceram tam­ bém profunda influência sobre a incipiente igreja cristã, pois os Titãs terrenos eram comparados ao corpo humano, pecador e corrupto, cujos prazeres tinham de ser sacrificados para que pudéssemos libertar a centelha espiritual interior, de natureza uraniana. Do ponto de vista de Urano, nenhum corpo, por mais belo que seja, pode ser perfeito simplesmente porque é mortal; e nenhu­ ma sociedade, por mais sólida que seja, pode se igualar à visão do mundo perfeito. Creio que dá para perceber o que essa combinação de planetas pode produzir. Em termos de criativi­ dade, temos aí consideráveis talentos artísticos e capacidade intelectual, especialmente em áreas que combinam estética e matemática - como arquitetura e composição musical. Ade­ mais, temos ainda um elevado ideal acerca do que é possível no reino do amor, e a disposição para enxergar além do que existe, vislumbrar o que pode existir - de onde provém a fama de experimentação erótica que alguns costumam associar à combi­ nação Vênus-Urano. Essa dupla expande as regras socialmente definidas de relacionamento ao buscar a fusão entre ideal e real, e pode abandonar algumas pessoas ao longo do caminho. Mas não se trata de "perversão" sexual - os valores da pessoa estão sendo constantemente nutridos por um ideal coletivo mutável e expansivo, fica impossível "parar" em dada postura só porque ninguém apareceu com algo melhor. Lembro-me de ter lido, em um dos livros de Charles Carter, que William Blake - que tinha Vênus em trígono com Urano - mantinha um casamento bastan­ te estável e convencional, mas tinha o curioso hábito de receber despido seus convidados para o chá, pois acreditava que a forma humana era divina. Ademais, a combinação Vênus-Urano traz consigo certos proble­ mas consideráveis, que costumam se concentrar em tomo da difamação do lado instintivo da vida. Vênus-Urano não sofre da falta de lealdade ou da capacidade de se comprometer; contudo, pode ter dificuldades para manter a intimidade emocional e física, pois a postura perfeccionista de Urano se prejudica com o excesso

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de exposição às necessidades emocionais e instintivas. Pode haver a tendência ao isolamento e à dissociação em intervalos regulares, o que dá a impressão de "frieza" e pode magoar, sem querer, os temperamentos mais aquáticos. Ademais, a fantasia do amor sexual pode ser mais excitante e bela do que a realidade, pois o par de corpos suados interfere no devaneio. Vênus-Urano adora pensar no amor, até falar e filosofar a seu respeito; contudo, pode haver muito pouca auto-estima, pois Urano pode desvalorizar o lado sensual de Vênus e a pessoa pode projetar nos outros a imperfeição odiosa que inconscientemente sente em seu próprio corpo. Audiência: Vênus-Urano não é um pouco instável em termos de

afeto? Dizem que está associado ao divórcio. Liz: Os livros antigos associavam esse aspecto ao divórcio,

quando era muito difícil um casal se separar e só os corajosos optavam por essa saída. Atualmente, você pode associar qual­ quer aspecto planetário ao divórcio, especialmente nos Estados Unidos. Não, eu não acho que Vênus-Urano indica a instabilida­ de ao nível emocional. Conheço pessoas com esse aspecto, são leais quase a ponto de parecerem estúpidas, pois nutrem o ideal uraniano de fidelidade que ignora o fato de que seu relaciona­ mento está péssimo. Mas é muito difícil para a pessoa VênusUrano se sentir à vontade dentro de um casamento saturnino, onde as principais metas são a segurança e a estrutura familiar. Antes de mais nada, Vênus-Urano precisa de companheirismo intelectual ou, dito de maneira mais simples, precisa mais de um amigo do que de um marido ou uma mulher. Os aspectos tensos (especialmente a oposição) podem refletir a tendência da pessoa em se identificar com Vênus e desprezar Urano, em cujo caso é o parceiro que costuma vivenciar Urano e romper o relaciona­ mento. Contudo, sempre que vejo um cliente que foi abandona­ do e encontro Vênus e Urano em aspecto tenso em seu mapa natal, sinto-me tentada a me perguntar se o cônjuge errante não teria sido firmemente, quase inconscientemente, mandado em­ bora, e se meu cliente não estaria se sentindo secretamente aliviado em meio à dor e ao orgulho ferido. Vênus-Urano precisa de certa dose de planejamento prático. Devido à tendência a se dissociar das emoções e de medir todos

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os relacionamentos tomando por base um ideal de perfeição, existe a grande necessidade de manter espaço para respirar nos relacionamentos. Por isso, vez por outra, a fantasia pode dissipar os vapores opressivos do excesso de familiaridade. Quanto mais coisas são tidas como líquidas e certas em um relacionamento, menos espaço existe para a excitação da surpresa e da imprevisibilidade. Se Vênus-Urano não guardar conscientemente espaço para isso, pode acabar gerando o desagradável hábito de criar crises e rupturas para gerar uma atmosfera de excitação. A raiz disso, porém, não está na incapacidade de manter um compro­ misso; está na incapacidade de suportar a vida excessivamente comum. Se não reconhecermos essa necessidade em nós mes­ mos, podemos sobrecarregar nossos dias com rotinas e rituais que, embora seguros, sufocam a vida que existe no amor. Nada faz isto tão rapidamente quanto o casamento e a vida familiar, razão pela qual as pessoas com esses aspectos precisam ter a coragem de abrir espaço para respirar dentro do casamento, em vez de explodir o casamento com a proverbial bomba de efeito retardado. Vênus-Urano não é, afinal, uma combinação difícil de se entender, nem mesmo de se lidar, se levarmos em conta certos fatores. Se você tem esse aspecto e seu parceiro tem o hábito de executar todos os rituais de higiene com a porta do banheiro aberta, pare de ficar olhando e vá dar uma volta, pois assim o seu ideal de beleza não será maltratado. Contudo, a natureza descomprometida e reformadora de Urano costuma injetar um elemento de inflexibilidade nos valores da pessoa, por isso as diferenças em relação à outra pessoa, perfeitamente naturais, surgem como defeitos que devem ser corrigidos. Além disso, podem surgir dificuldades bastante dolorosas quando a pessoa se sente muito insegura para admitir que precisa de retiros periódicos. Se a pessoa precisa constantemente de apoio emoci­ onal, pode parecer muito perigoso dizer "Vou passar o dia com meus amigos e volto à noite". O parceiro pode revidar e depois a pessoa se sente rejeitada. No entanto, se Urano é reprimido por muito tempo, acaba encontrando um modo de terminar o rela­ cionamento, de um jeito ou de outro. Por outro lado, se o lado venusiano do aspecto for reprimido, a pessoa pode dizer que não está muito interessada em compro­

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missos, que é um espírito livre e assim por diante; esse tipo de comportamento pode ser exagerada e desnecessariamente dolo­ roso, sob o disfarce de "preciso de espaço". Mais cedo ou mais tarde, porém, nossos planetas bloqueados acabam nos encon­ trando e você já deve ter percebido como Afrodite se comporta quando é ignorada. A repressão das necessidades instintivas, típica de Urano, pode acabar emergindo como uma paixão compulsiva ou então a pessoa pode se ver enredada por algo como uma gravidez - a própria ou da parceira. Observei esse fenómeno mais de uma vez com pessoas Vênus-Urano que se identificam em demasia com Urano. Podemos aprender muito sobre os aspectos natais observando sua dinâmica na sinastria. Quando Vênus de A forma um aspecto forte com Urano de B - especialmente os aspectos tensos -, costuma surgir uma tremenda energia elétrica no primeiro contato (a clássica experiência do "amor à primeira vista"). No entanto, esse aspecto de sinastria tem uma merecida reputação de insta­ bilidade, pois quando o relacionamento fica mais íntimo e mais familiar, desenvolve-se uma tensão que afasta as pessoas tanto quanto foram atraídas antes. Geralmente, é a pessoa Urano que se retrai bruscamente, emocional ou fisicamente, deixando a pessoa Vênus ansiosa e triste. Mas isso pode ser inconsciente, razão pela qual a situação às vezes parece se inverter - pode ser que a pessoa Vênus se retraia, cansada da instabilidade do relacionamento, dando à pessoa Urano um chacoalhão que, no final das contas, pode ajudá-las a descobrir suas próprias neces­ sidades uranianas. Embora a fantasia erótica possa ser extremamente importante para uma pessoa com Vênus-Urano no mapa natal, as experiências sexuais costumam ser o veículo pelo qual a pessoa entra em contato com um nível menos físico de relacionamento. Em alquimia, existe um processo chamado sublimatio, no qual a prima matéria, a matéria básica, é destilada por fervura, transformando-se em um vapor invisível que é sua essência. Urano nos sujeita a esse tipo de experiência: ele rompe a forma concreta de qualquer planeta pesso­ al com que forma aspecto, liberando uma essência ou idéia central que é bastante semelhante ao conceito dePlatão sobre a Idéia Divina queprecede a realidade manifesta. Isso enfatiza a dimensão libriana de Vênus, negando a taurina. Do ponto de vista uraniano, o amor

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físico é um símbolo, o reflexo de algo intangível e que existe alémdo tempo, do espaço e das experiências do corpo. Geralmente, VênusUrano tem a capacidade de amar o conceito do indivíduo, sua essência humana e o significado de sua existência; no entanto, é mais difícil amar a pele dia após dia e a pessoa Vênus-Urano é desapega­ da a ponto de manter a idéia da continuidade do relacionamento, mesmo que este tenha se rompido ou terminado devido às circuns­ tâncias. Podemos ver essa figura refletida na famosa pergunta Vênus-Urano: "Mas não podemos continuar sendo amigos?" Vê­ nus-Urano pode compreender o significado mais profundo da amizade - ela existe, quer você esteja com seu amigo ou não. A pessoa não vê o amigo há dez anos, mas nada mudou e a amizade continua apesar do tempo e da distância. Como vê, esse aspecto não nega a capacidade de amar, mas é um tipo de amor inexplicável e até bastante doloroso para muita gente. Disse antes que o lado sombrio do aspecto pode ser refletido por uma profunda repulsa pelo corpo. Geralmente, esse proble­ ma é projetado e uma de suas expressões mais comuns é o súbito "desligamento" que pode acontecer quando alguma fantasia sexual se toma realidade. A pessoa se sente compelida a buscar o parceiro perfeito, encarnado em um corpo perfeito; natural­ mente, porém, o verdadeiro objeto de seu repúdio é sua própria realidade física. Às vezes, esse problema físico é sentido interna­ mente, refletindo-se em uma insatisfação crónica com a aparência pessoal. Em algum lugar do interior da pessoa, existe a imagem do corpo perfeito que ela "deveria" ter, e não há regime, exercí­ cio ou cirurgia plástica que consiga produzi-lo. Audiência: Será como Vênus em Aquário? Liz: Como disse antes, sempre haverá semelhanças entre um

aspecto planetário e o planeta posicionado no signo ou na casa correspondente. Mas precisamos nos lembrar de que os signos e casas não refletem energias dinâmicas: eles descrevem quali­ dades e elas são esferas de expressão. Assim, parte desse mesmo desapego, idealismo, senso estético, capacidade intelectual e dissociação quanto ao corpo podem se aplicar a Vênus em Aquário ou a Vênus na 11, mas isso ocorre mais como modo de comportamento do que como motivação dinâmica.

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Vênus-Urano pode se sentir razoavelmente confortável num relacionamento estável de diversas maneiras. É bom tomar cuidado para não assinar nada às pressas (embora Vênus-Urano possa ter muita pressa, no início); além disso, talvez nem seja prudente casar, mas viver com o outro ou comprar uma casa com duas alas separadas e uma porta de ligação que possa ser trancada. Ou então a pessoa pode se dedicar a uma atividade que dependa de muitas viagens, mantendo um grupo de amigos e de interesses totalmente independente. Em suma, às vezes VênusUrano precisa se sentir "solteiro" e não a metade permanente de um casal. O excesso de "nós" pode ser fatal, a menos que seja um "nós" ideológico, o que é aceitável. Vênus-Urano não precisa apenas de fantasia; precisa de novidade e de experiências, e isto não significa decorar a página 75 de seu exemplar de How to keep the Romance in YourMarriage (Como Manter Vivo o Romance em Seu Casamento). Isso é saturnino, não uraniano. Lembra-se daquele filme de Woody Allen, Tudo que Você Sempre Quis Saber sobre Sexo? Um dos quadros mostra um casal que só se excita quando transa em situações perigosas - elevadores, ônibus, sofás em lojas de móveis, etc. O elemento ilícito no amor erótico pode ser um grande estimulante para Vênus-Urano. E quem tem um aspecto forte entre Vênus e Urano? Você se sente confiante a ponto de dizer ao parceiro que pode precisar de um "intervalo"? Audiência: Tenho medo de dizer isso, pois ela pode querer fazer

o mesmo. Liz: É mais provável que ela faça o mesmo se você não falar nada, e virá de dentro para fora. Você ilustrou muito bem a questão. Agora, podemos analisar os contatos Vênus-Mercúrio. Sei que Howard falou deles ontem, mas ainda podemos tratar de alguns pontos interessantes. No mito, quando Afrodite e Her­ mes se tomam amantes, geram um filho chamado Hermafrodite, que possui órgãos sexuais masculinos e femininos. Esta curiosa imagem mitológica pode nos sugerir a androginia, a distância em relação a qualquer papel específico em termos de amor. Tal como Urano, Mercúrio parece povoar a dimensão estética e intelectual de Vênus. Descobri que esses aspectos (que nunca

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excedem o sextil, podendo ser também a conjunção, o semi-sextil ou a semiquadratura, pois esses dois planetas tendem a se manter próximos em relação ao Sol) refletem um amor marcante pela beleza, tanto em pensamento como em palavra ou forma; assinala a elegância verbal e de estilo. Como poderíamos esperar, devido à natureza curiosa e esper­ ta de Hermes no mito, Vênus-Mercúrio tambémpode ser bastante desapegado e desinibido, não em nome da extravagância, mas em função de uma curiosidade lúdica. Há uma história sobre o caso de amor entre Afrodite e Ares que é bastante citada. Esse caso enfureceu Hefaísto. Ele preparou uma rede dourada tão fina que era invisível, e envolveu com ela a cama onde os amantes se encontravam. Quando caíram no sono após fazerem amor, ele os envolveu com a rede e os pendurou no ar, deixandoos à vista dos outros deuses. Todos os moradores do Olimpo, especialmente Hera, reclamaram da sem-vergonhice e perfídia de Afrodite, exceto Hermes, que chegou perto para ver melhor a cena, riu e disse que gostaria de estar no lugar de Ares (o que, mais tarde, aconteceu). Ele é a única divindade que não censura Afrodite, pois também é profundamente amoral. Essa faceta lúdica de Hermes e a dimensão verbal do amor erótico são refletidas em Vênus-Mercúrio, que se excita bastante com o aspecto auditivo e verbal enquanto faz amor. Hermes é um puer aetemus, um eterno adolescente; ele não se transforma em um marido maduro, permanece para sempre um jovem charmoso e cheio de truques. Essa qualidade também é refletida em Vênus-Mercúrio, que pode se sentir desconfortável diante de cenas fortemente emocionais. O meio natural para esse aspecto é a carta ou telefonema romântico (ou até o fax român­ tico, que é a forma de galanteio preferida de uma pessoa que conheço e que tem um sextil entre Vênus e Mercúrio em Géme­ os). A julgar por tudo o que eu disse, você pode deduzir quais seriam os problemas típicos que acompanham essa combinação. Não é possível existir uma quadratura ou oposição entre Vênus e Mercúrio, a menos que seu computador tenha ficado maluco e os planetas tenham ficado birutas; além disso, é um aspecto tão charmoso, estético e intelectual que os valores da pessoa ficam forçados e superficiais. Além disso, existe uma nítida aversão pelos confrontos abertos, o que significa que evasivas ou até

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mentiras podem ser usadas para evitar cenas desagradáveis. Quem tem aspectos planetários mais robustos com Vênus (com Saturno ou Plutão, por exemplo) pode achar Vênus-Mercúrio perturbadoramente frio, pois embora não haja uma falta de capacidade de amar, é um amor leve, aéreo, mais do espírito e da mente do que do corpo ou do coração. Audiência: O que você pode falar sobre Vênus retrógrado? Liz: Todo planeta retrógrado reflete uma introjeção, um "retro­ cesso" de sua energia e impulso. Isso pode se traduzir como certa frustração em termos de expressão material, mas também libera a função introvertida do planeta, que se manifesta principal­ mente como realidade interior. Quando Vênus se introjeta, a capacidade de expressar o amor erótico ao nível físico pode ficar inibida; contudo, a imagem interior do amor e do ser amado ficam extremamente fortes, ativando a imaginação e a tradução dessa imagem em símbolo e arte. Uma conjunção entre Vênus retrógrado e Mercúrio pode achar mais fácil, e talvez mais gratificante, escrever sobre a experiência do amor, invocando-a a partir de imagens do mundo interior, muito mais profundas e significativas para a pessoa do que as formas convencionais de satisfação que definimos como "felicidade". Como disse, existe um elemento de frustração nisso tudo, mas, se levarmos em conta o axioma alquímico que reza que a frustração dos impulsos instintivos é que acaba levando à transformação em ouro alquímico, talvez essa frustração não seja tão má assim. De qualquer modo, ela nunca é total e costuma ser sentida como uma limitação que deve ser aceita. Geralmente, Vênus retrógrado se vê cercado de certa timidez ou falta de traquejo social, pois a elegância e a habilidade de um Vênus mais extrovertido atuam ao nível cerebral, não exterior. Pode haver ainda certa inabilidade com relação a assuntos sexuais, pois a beleza da fantasia pode exceder o prazer do encontro físico. Vênus retrógrado não impede a capacidade de sentir o prazer sexual. Mas este não é o aspecto mais importan­ te de seu relacionamento, existindo inibições que devem ser respeitadas em função da riqueza emocional interior que resulta disso.

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Poderíamos passar de Vênus-Mercúrio para Vênus-Plutão. Depois de toda essa leveza e delicadeza, creio que precisamos de um pouco de carne vermelha em nossa alimentação. Agora, você já deve ter captado a tónica dos aspectos de Vênus. Poderia definir Vênus-Plutão? Audiência: Penso em Carmen, de Bizet. Liz: É uma boa ilustração para Vênus-Plutão, quer a pessoa viva

o personagem por conta própria ou se apaixone por ela no parceiro ou parceira. Audiência: E Pentesília, a Rainha das Amazonas? Não foi ela que

lutou com seu amante, o Rei Agamenon, na guerra de Tróia? Liz: Bem, na verdade ela lutou com o herói Aquiles; foi ele o seu

amante, não o pobre Agamenon, que tinha uma esposa VênusPlutão chamada Clitemnestra; ela o matou durante o banho. Mas a Rainha das Amazonas, que trava um combate mortal com o homem que ama, é outra imagem adequada para este aspecto. A "batalha dos sexos" é, com certeza, uma visão de amor muito próxima da essência de Vênus-Plutão, assim como o controle através do poder sexual, ilustrado por Carmen. Clitemnestra e Medéia, outra heroína selvagem da mitologia, são boas imagens do lado vingativo de Vênus-Plutão, que nunca se esquece da dor ou da rejeição. Quais são os valores de Vênus-Plutão? Audiência: Intensidade e paixão. Liz: Concordo; para Vênus-Plutão, um relacionamento sem pai­

xão é entediante e nem vale a pena ser mantido. Aquilo que Vênus julga belo e valioso se mistura com a batalha plutoniana pela sobrevivência, nua e crua; temos uma natureza teatral, que leva o conflito vida-e-morte para o reino da satisfação emocional e erótica. Para Vênus-Plutão ou Vênus em Escorpião, a sexuali­ dade não é apenas uma questão de prazer físico. É um meio de experimentar o drama dàs paixões e a entrega do eu cotidiano e comum à grande luta da vida. Vênus-Plutão busca uma experi­ ência onde possa se aprofundar e transformar, um movimento

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que leve do mundo diário para algum reino arquetípico elevado, onde tudo é terrivelmente importante. Geralmente, só se atinge esse estágio passando pela dor e pelo conflito, razão pela qual esse aspecto tem a fama de manter relacionamentos complica­ dos e de gostar de jogos psicológicos. Como talvez essa combinação não se adapte muito bem em um mapa com aspectos e signos mais frios e prosaicos, descobri que existem mecanismos de defesa característicos para reprimilo. Nos dias de hoje, não é fácil vivenciar esse aspecto, especialmente para os homens, pois o crime de passion não é mais visto como algo nobre (é simplesmente sórdido) e a cena dramá­ tica não é mais profunda e liberadora, apenas histérica. Esse tipo de comportamento só é aceitável em filmes. Assim, a tendência para apegos profundos e irrevogáveis costuma ser acobertada por um tipo de promiscuidade rude na primeira metade da vida, como se Vênus-Plutão estivesse fingindo ser um tipo VênusMercúrio ou Vênus-Urano particularmente embotado. A pessoa pode temer o encontro de um relacionamento "predestinado", do qual não conseguiria se livrar, e esse medo pode ser até parcialmente justificado, pois quando Vênus-Plutão se liga pro­ fundamente a alguém, não se desliga facilmente. Geralmente, portanto, o aspecto é projetado. Qual você acha que seria o resultado disso? Audiência: A pessoa vai encontrar um parceiro que provoca

problemas emocionais. Liz: Geralmente, é esse o cenário. O parceiro pode ter graves problemas psicológicos, representar umproblema intransponível (já ser casado, por exemplo) ou ser excessivamente possessivo, controlador ou exigente. Conheço uma série de homens com Vênus-Plutão que, inconscientemente, são muito manipuladores e controladores, tentando proteger sua vulnerabilidade e a intensidade emocional enquanto "enchem" a parceira e fazem com que ela também vivencie o aspecto por meio de cenas de ciúme. A combinação de planetas, sm si, não é de inimigos, tal como Vênus-Satumo ou Vênus-Quiron. Existe uma certa afini­ dade entre Afrodite e Hades em termos de paixões descontrola­ das, embora Hades leve as suas mais a sério. Além disso, a

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dimensão estética de Vênus pode se combinar com o senso dramático de Plutão, refletindo consideráveis pendores teatrais. O amor e a vida são ampliados, tomando-se imensos, míticos. Se você discute, não é uma pequena e fria altercação: as porcelanas são quebradas e tudo acaba, é fin a l , você vai sair e se atirar debaixo de um ônibus. Contudo, o senso dramático e de ritmo estão ali no pano de fundo, pois Vênus não consegue resistir à tentação de extrair da vida alguma forma de arte. Audiência: E qual seria a diferença entre Vênus-Plutão e Vênus na

casa 8? Liz: Parece que estamos voltando a esta pergunta a cada aspecto

de Vênus. Mais uma vez, há muitas semelhanças. Contudo, a casa 8 é uma esfera da vida; é a arena na qual a pessoa se encontra com Vênus, experimentando esse planeta. Como ela reflete experiências situadas além do controle do ego, emergidas do nível inconsciente ou invisível, o encontro com Vênus se dá por meio de contatos "predestinados". Geralmente, ocorrem experi­ ências dolorosas mas profundamente transformadoras através de todo tipo de relacionamento, o que pode incluir algo como a morte prematura de um progenitor, a perda de uma pessoa amada ou do cônjuge. Naturalmente, as experiências não são necessariamente trágicas, mas têm aquela característica da casa 8 - surgem das profundezas e tomam conta da vida da pessoa, revelando um mundo interior de cuja existência a pessoa sequer suspeitava. Com Vênus-Plutão, como os planetas refletem nos­ sas próprias necessidades e impulsos dinâmicos, a pessoa busca ativamente experiências que contêm a intensidade e profundida­ de desejadas, mesmo se essa intenção for inconsciente e projetada sobre um parceiro. Vênus-Plutão pode ser extremamente desagradável se for repudiado e vivendado inconsdentemente. O mesmo pode ser dito de qualquer aspecto planetário com Plutão, pois este plane­ ta exige grande honestidade emodonal consigo mesmo e com os outros para que possa dar o melhor de si. Do contrário, pode se transformar em um destruidor, comportando-se de modo extre­ mamente desagradável por trás dos bastidores. Se o seu mapa contém algum aspecto Vênus-Plutão, a necessidade de drama e

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intensidade precisa ser incluída em seu espectro emocional, mesmo se você possuir uma bela e educada Lua em Libra, um Ascendente capricomiano rigorosamente controlado ou um Sol aquariano, racional e civilizado. Isso pode trazer muitos proble­ mas e o indivíduo pode ter de se defrontar com a espinhosa questão da autotraição emocional mais de uma vez em sua vida -especialmente se os pais não se sentiam bem com a intensidade erótica precoce do filho, verbalizando mensagens que indica­ vam que isso era inaceitável e vergonhoso. Percebi que este último ponto é uma das razões básicas pela qual uma pessoa Vênus-Plutão pode tentar repudiar o aspecto, atitude esta que, quase sempre, faz destacar suas piores manifes­ tações. O erotismo infantil é algo bem conhecido, sendo visto como algo natural e saudável nos círculos analíticos; no entanto, o progenitor médio não costuma aceitar ou compreender a dinâmica edipiana, especialmente se o casamento dos pais é instável e se a sexualidade tem sido uma questão pecaminosa, um tabu, há algumas gerações. Toda família deve aprender a lidar com sentimentos como o ciúme ou a rivalidade, bem como com triângulos amorosos; são apenas um fato da vida e fazem parte do desenvolvimento infantil. Como cultura, porém, não recebemos muita educação sobre essas coisas e preferimos fingir que o problema não existe, a não ser que nos atinja de maneira mais grave, como no caso de abusos e de violência contra a criança. Se você foi uma criança Vênus-Plutão, seus primeiros sentimentos eróticos devem ter sido mais intensos e óbvios que os da maioria das crianças, e é bem provável que não tenham sido bem recebidos. Se, por exemplo, você é um pai um pouco distante, retraído, saturnino, que trabalha muito pela família mas não expressa suas emoções facilmente, ou um pai mais cerebral e uraniano, que gosta de se comunicar intelectualmente com os filhos mas que se retrai diante de beijos e abraços, talvez ache sua filhinha Vênus-Plutão muito perturbadora quando ela tenta subir em seu colo, despertando, inconscientemente, reações sexuais inde­ sejáveis de sua parte em função de seu inexplicável magnetismo sexual. Embora essa situação seja perfeitamente natural e possa ser enfrentada com jeito e cuidado se a pessoa for conscienciosa, tente se imaginar como o pai comum, mediano. Você entraria em

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pânico se ficasse excitado e seu sentimento de culpa faria com que você afastasse sua filha de maneira brutal - o que ela inevitavelmente interpretaria como rejeição e dissabor. A crian­ ça passa a associar a expressão de sentimentos eróticos com rejeição e dissabor, e vai se transformar em uma mulher que imagina aterrorizada que, se expressar sua sensualidade e ero­ tismo, será humilhada e abandonada. E como Vênus-Plutão reflete um tipo de amor particularmente intenso e fixo, há uma boa dose de orgulho na história, a ferida nunca será esquecida. Portanto, não é de surpreender que as pessoas Vênus-Plutão, quando adultas, dediquem-se a alguns jogos de poder não muito bonitos a fim de evitar novas humilhações. Audiência: Será que acontece o mesmo em um relacionamento

mãe-filho? Liz: Com certeza, embora seja um pouco mais aceitável observar

essas emoções entre mães e filhos em virtude da dimensão erótica da amamentação. No entanto, é preciso que a mãe tenha uma forte consciência psicológica para avaliar as atitudes sexu­ ais do filho em relação a ela e para reagir a essas atitudes com cuidado, não com repulsa ou manipulação. Estas coisas também podem ser um reflexo da dificuldade de Vênus-Plutão, pois se o progenitor é vítima de sua própria necessidade inconsciente de possuir, a sexualidade da criança pode ser usada a fim de preservar o vínculo inicial progenitor-filho, mantendo-o além de seu ciclo natural. Essa manipulação não só oferece um mode­ lo de papel horrível para Vênus-Plutão, como também deixa cicatrizes e marcas profundas de raiva, fazendo com que a pessoa receie perder o controle sexual em seus relacionamentos adultos. Logo, pode haver muita frustração com a pessoa VênusPlutão por causa do medo de ficar viciada ou de ser usada através de suas necessidades eróticas. Eu não interpretaria isso para Vênus-Plutão, a menos que estivesse combinado no mapa natal com certos significadores parentais específicos. Mas é uma situação muito comum, graças ao clima coletivo criado em tomo da questão da sexualidade infantil. Freud prestou um grande serviço ao se munir de cora­ gem para enfrentar essa questão plutoniana sem rodeios, apesar

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de ter ficado bastante pragmático em seu esforço de fazer com que tudo se encaixasse em um sistema organizado. Entretanto, a maioria das pessoas não conhece nada sobre essa dimensão da vida, a não ser o fato de estar relacionada com a vontade de ter sexo com a mãe e todas essas coisas nojentas. Creio que a pessoa com Vênus-Plutão natal deve ler não apenas Freud e Klein como também Jung, aceitando a dimensão psicológica da vida em nome de seu próprio bem-estar. Se voltarmos à premissa básica de que Vênus reflete nossos valores mais permanentes, então Vênus-Plutão encontra o maior valor nas profundezas da natu­ reza humana, beneficiando-se sempre com sua exploração voluntária, e não involuntária, em virtude da crise e do sofri­ mento. Audiência: Plutão destrói os relacionamentos? Liz: Plutão tenta destruir aquilo que ameaça sua sobrevivência.

Como é um planeta coletivo, sobreviver para ele significa preser­ var as necessidades instintivas mais básicas, e qualquer refina­ mento, contenção ou equilíbrio dessas necessidades com as individuais constitui uma ameaça. É por isso que precisamos fazer com que Plutão se tome consciente; por outro lado, nós precisamos nos consdentizar de que somos criaturas tribais, prontas para atacar qualquer coisa que exija que nos desenvol­ vamos como indivíduos. Se não nos conscientizarmos dessas necessidades e emoções primitivas e não conseguirmos incorporá-las a nossas vidas, talvez tentemos - inadvertidamen­ te - destruir coisas que, na verdade, desejamos e queremos muito. Com certeza, Vênus-Plutão, especialmente seus aspectos tensos, pode tentar inconscientemente sabotar um relaciona­ mento muito prezado. Contudo, isso costuma acontecer porque existe uma grande carga dissociada de emoções primitivas à solta em nosso interior, e com isso o medo inconsciente de perder o controle (o que constitui uma ameaça à sobrevivência). Audiência: Conheço um homem que tem Vênus em Escorpião

formando oposição com uma conjunção Lua-Urano em Touro. Ele nunca se casou e parece estar meditando na maior parte do tempo. Ele é muito espiritual e rejeita o amor sexual.

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Liz: Pergunto-me onde é que esconderá esse Vênus em Escor­

pião. Audiência: É isso que eu gostaria de saber. Liz: A influência uraniana sobre a Lua e sobre Vênus podem

refletir sua necessidade de se afastar do mundo instintivo, encontrando a liberdade nos "céus estrelados" de Urano. Mas a colocação desses planetas no eixo Touro-Escorpião é problemá­ tica, pois esses dois signos são profundamente sensuais; e parece que Urano assumiu tudo, com um forte desequilíbrio. Eu diria que esse homem deve sentir um medo muito grande do corpo e de sua sexualidade, o que pode estar associado a experiências de infância junto à sua mãe. Se você lembrar de nossa discussão sobre Lua-Vênus, sabe que costuma existir nas mães um conflito entre maternidade e sentimentos eróticos, e a criança pode reagir à pujante ameaça da sexualidade inconsciente da mãe dissociando-se das necessidades instintivas em sua vida adulta. Isso não significa que as metas espirituais de seu amigo estejam "erradas", pois são uma característica de Urano, um reflexo saudável deste planeta. No entanto, é grande a repressão para Vênus em Escorpião e a Lua em Touro. Não existe equilíbrio; ele está fugindo de si mesmo. Audiência: Poderíamos correlacionar Vênus-Plutão e Vênus na

casa 8 com o mito de Perséfone? Liz: Sim, esse mito retrata o processo de Vênus-Plutão de diver­

sas maneiras, embora também possa ser compreendido em outros níveis. Com os aspectos tensos entre Vênus e Plutão, o lado leve e estético de Vênus pode, de início, se assustar com as dimensões sombrias do amor, e a vida acaba induzindo a uma iniciação forçada nos sentimentos e instintos do mundo inferior. A história de Perséfone reflete a invasão do desejo compulsivo, apresentado como estupro porque não foi desejado, ao menos aparentemente. No entanto, se analisarmos o mito com atenção, veremos que Perséfone vagueia sozinha por aí e se expõe ao perigo, como se alguma coisa nela procurasse essa experiência de modo alheio à sua vontade; embora sua mãe, Demeter, tente

Vênus / li

mantê-la virgem, Gaia, a Mãe Terra, que é simplesmente outra forma de Demeter, trama um plano com Hades e abre uma passagem na terra para que ele possa raptar sua presa. O mito está repleto de sutilezas de natureza plutoniana e não é o que parece à primeira vista. A sensação de submissão involuntária ou forçada ao destino que parece acompanhar os relacionamen­ tos Vênus-Plutão costuma refletir a mesma sutileza, e também não é o que parece à primeira vista. Associo o mito de Perséfone à experiência da puberdade por causa da sensação de que o corpo não coopera, sendo invadido por mudanças biológicas e sensações compulsivas, novas e assustadoras. Não é de surpreender que muitos adolescentes tentem se dedicar a preocupações religiosas ou espirituais nessa época, pois esse é um dos mais típicos esforços humanos para manter Plutão à distância. Entretanto, o resultado do mito é uma Perséfone que consegue habitar tanto o mundo superior como o inferior, o que também pode ser interpretado como o potencial de Vênus-Plutão. Audiência: E o que acontece se seu Vênus formar aspecto forte

com o Plutão de outra pessoa? Liz: A pessoa Plutão é que vai sentir emoções plutonianas e muito depende de como ela lida com tais sentimentos. A pessoa Vênus incorpora qualidades como graça, charme e beleza, as quais ativam emoções muito poderosas e intensas na pessoa Plutão. A intensidade de Plutão, por sua vez, é muito atraente para a pessoa Vênus, que a valoriza e aprecia. Assim, essa combinação de planetas em sinastria reflete uma poderosa quí­ mica sexual, mesmo se o aspecto for difícil. Se a pessoa Plutão se desconectar dessas emoções primitivas e se sentir ameaçada por elas, pode haver uma batalha pelo poder, pois, como já disse, Plutão tenta destruir tudo o que desafia sua sobrevivência. Uma regra geral em sinastria é que experimentamos os outros através das lentes de nossos planetas. Se algum fator de outra pessoa atinge seu Vênus, o que você sente é Vênus, o que significa que você sente essa sua dimensão quando está na presença dessa outra pessoa. Se for o Sol do outro que entra em conjunção com seu Vênús, você pode se sentir bonito, amado e

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valorizado como pessoa. Se for Saturno, você também se sente amado, mas pode se sentir ainda criticado ou sobrecarregado. Se for Plutão, você pode, uma vez mais, sentir-se amado e atraente, mas também pode achar a intensidade da pessoa perturbadora ou controladora. Quando estamos diante de aspectos tensos em sinastria, podemos contemplar um quê de chantagem emocio­ nal ou manipulação, apesar de que isso costuma refletir o medo suscitado por questões da infância e que emergirampara infectar o relacionamento atual. Contudo, qualquer contato forte que Vênus mantenha com os planetas de outra pessoa pode fazer com que você se sinta muito mais consciente de seus próprios valores, mesmo que o processo seja tenso. Ainda temos tempo para analisar mais um dos aspectos de Vênus. Howard falou um pouco de Vênus-Satumo e espero que possamos analisar Vênus-Netuno e Vênus-Sol mais tarde. As­ sim, poderíamos encerrar esta sessão com Vênus-Júpiter, que é mais divertido do que Vênus-Netuno e possibilita um encerra­ mento mais agradável. O que podemos dizer dessa combinação? Audiência: Bem, penso em Zeus. Ele é bastante promíscuo e está

sempre caçando uma nova namorada. Liz: Sim, essa é uma faceta de Vênus-Júpiter. E realmente causa

a busca interminável do amor ideal. No entanto, Júpiter não busca a perfeição como Netuno; busca o crescimento constante e o desenvolvimento de novos potenciais. Se isso for possível em um relacionamento, com um parceiro que consegue acompa­ nhar nosso ritmo, então Vênus-Júpiter não se sujeita ao tipo de desilusão que tanto aflige Vênus-Netuno e pode ser perfeita­ mente capaz de se manter leal. É entediante em relacionamentos estreitos, que compelem essa combinação a sempre buscar no­ vos casos amorosos. Na mitologia, Zeus é interminavelmente fértil e criativo, o que não se limita à sua capacidade de fertilizar as mulheres. Ele muda de forma a cada encontro, divertindo-se ao se transformar num cisne, num touro ou em uma chuva de ouro. Assim, sabemos que os componentes da imaginação e da fantasia são muito importantes para os valores amorosos de Vênus-Júpiter, e o excesso de mesmice e de rotina são fatais para um relaciona­

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mento. Zeus também se apaixona muito, o que reflete um romantismo inato, uma crença na Grande Paixão, até com o fundo musical do Concerto para Violino de Tchaikovsky. O amor tem de ser uma Grande Aventura para Vênus-Júpiter, uma viagem de descoberta e exploração, o mundo deve se abrir e se ampliar em função disso. Logo, há um certo elemento de opor­ tunismo nessa combinação (ora material, ora em níveis mais sutis), pois Vênus-Júpiter não costuma se incomodar com um relacionamento que não ofereça possibilidades de expansão e de enriquecimento para a sua vida. Zeus é uma das figuras arquetípicas do puer aetemus, o que significa que a pessoa se sente feliz quando acha que as coisas ainda não estão completas. O valor mais elevado para VênusJúpiter é a sensação de que ainda não esgotou as possibilidades criativas de um relacionamento, de que ainda há o que aprender e descobrir, sexual, intelectual e emocionalmente. A sensação de que não há mais terrenos a percorrer, de que as coisas atingiram seu limite natural, de que é hora de se acomodar em um estado permanente e não mais de viver no vir a ser, acaba levando Vênus-Júpiter a sair do relacionamento, literal ou emocional­ mente. Além disso, se as qualidades puer de Júpiter forem projetadas, a pessoa pode impelir inconscientemente o parceiro para fora, fazendo com que sua vida possa novamente manter uma porta aberta para o futuro. Zeus é uma entidade sensual, e Júpiter, embora seja um planeta de fogo e pertença ao reino da intuição e da imaginação, também se diverte bastante brincando com o mundo material. No mito, Zeus se une a mulheres mortais, e embora pertença ao Olimpo não repudia o que é feito de carne, tal como Ouranus. Mas ele precisa trazer o elemento dramático ao mundo corpóreo, que é o que Vênus-Júpiter deseja em suas atividades românticas. O drama não é o mesmo da luta plutoniana, mas o brilho de Camelot, onde todas as princesas são lindas e os cavaleiros valentes e nobres. VênusJúpiter tem pouca tolerância pela tragédia ou sofrimento e pode se mostrar rude quando as coisas vão mal; a vida deve ser feliz, não cheia de dor, e a pessoa Vênus-Júpiter pode ficar impaciente e irritadiça se surgem problemas de longo prazo em um relaciona­ mento,exigindosacrifídosepaciênciaparasuportarasdificuldades. Esse é o lado sombrio do aspecto.

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Além disso, a pessoa pode se mostrar muito impaciente com as reações lentas do outro - "Já nos conhecemos há três semanas; por quê você não está pronto para um compromisso total? Por quê o potencial que sinto não está acontecendo agora?" Essa impaciência com os limites dos outros pode ser vista em Sagitá­ rio, que costuma ter dificuldades para conseguir esperar. A pessoa deve estar a postos imediatamente ou o relacionamento não é bom. Há dificuldade para esperar, dar tempo para que os sentimentos se desenvolvam. Isso inclui o aspecto sexual do relacionamento: se a terra não tremer na primeira noite, o outro pode ser rejeitado rapidamente como um fracasso. Richard Idemon costumava descrever Júpiter e Sagitário em termos da sensação de sermos especiais, pois Zeus é o rei dos deuses. A pessoa deve ser mantida à margem dos problemas humanos comuns, pois ela é especial. Esse sentimento - "Tenho o direito de ser feliz!" - pode parecer muito altivo ou narcisista para quem tem aspectos entre Vênus e os planetas lentos. Mas todos nós criamos situações de vida por meio de nossas premissas incons­ cientes, e como Vênus-Júpiter espera ser feliz, pressupondo seu direito de satisfação pessoal, costuma atrair situações muito oportunas, despertando a inveja dos outros. Esse é o lado fácil do aspecto, que costuma receber um retomo muito alto em função da crença na natureza eminentemente boa do amor e da vida.

PARTE TRÊS

M arte

A agressividade não é necessariamente destrutiva. Ela brota da tendência inata para dominar a vida, o que parece ser típico de toda matéria viva. Só quando o desenvolvimento dessa força vital é obstruído é que os ingredientes da raiva, da ira ou do ódio se conectam a ela.

Clara Thomson

O G u erreiro

e o

M u lh eren g o

A MITOLOGIA E PSICOLOGIA DE MARTE por

Liz G reen e

Como hoje estaremos tratando de Marte, podemos ser bem mais agressivos. Howard e eu estávamos falando ontem dos exercícios de imaginação dirigida relativos a Vênus que ele apresentou, e estávamos tentando pensar em algo adequado, algo que pudesse ajudar a cristalizar o significado de Marte. Decidimos que você pode fechar os olhos, usar uma imagem para o signo onde se situa o seu Marte e depois dar um murro na pessoa sentada a seu lado. Já analisou o diagrama das imagens míticas associadas a Marte? (Veja a figura 2 na p. 190). Uma definição simples para Marte é que ele é o princípio lutador do Sol e, de certa forma, o princípio lutador de todos os planetas interiores à sua órbita. A necessidade de um princípio de luta é óbvia, pois no mundo lá de fora, mais cedo ou mais tarde, a pessoa vai se defrontar com conflitos ou desafios à sua individualidade, seus valores e até sua sobrevivência física e psicológica. Inevitavelmente, deve­ mos lutar por aquilo que somos, a começar pela luta para emergir do útero. Marte era considerado um princípio maléfico pelos astrólogos medievais, um "malvado", e essa conotação ainda é dada a ele por textos astrológicos mais "espiritualizados". Contudo, mesmo que o espinhoso reino da agressividade, da guerra e dos conflitos não seja algo a incluir em um mundo perfeito, e embora não seja fácil aprender a lidar com Marte de maneira consciente e construtiva, somos impotentes sem Marte; ademais, o Marte de alguém pode nos dar uma bela surra. Esta é uma forma simples e pragmática de compreender o valor desse planeta, mas, ao que parece, a maioria dos astrólogos não o vê assim. Daqui a pouco, vamos falar da questão da impotência em todos os níveis e do que nos acontece quando Marte não é

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O Cavaleiro

Lancelot Adultério Rivalidade Pai-Filho Competição A Espada O Falo

^ ^S an são Batalha Sexual

Ares

Os Deuses Fálicos Ra Min Zeus Shiva

/

Guerra, Agressão, Estupro

Sulphur Alquímico O Leão

A Carruagem (Tarô)

Promiscuidade Poder de Procriação Potência

,

Geburah

(Cabala)

Vontade Impiedade Vitória

O Reino Animal A Lufá com o Dragão

\

Força Disdplina Severidade

Heróis de Batalha Perseu Jasão Siegfried Hércules A Chamada para a Aventura

Figura 2. As expressões mitológicas de Marte.

Os Deuses do Fogo Separação da Mãe Criador de Mundos Incorporação

Marte / 191

expressado no mapa. Esse planetinha é que dá nossa definição inidal na vida; é o instrumento básico da separação do útero e da coletividade, pois no momento em que assumimos certa postura com relação ao que somos, desejamos ou valorizamos, definimonos como entidades irremediavelmente separadas dos outros. Quando Marte é trazido à luz do dia e a declaração é feita, não pode ser desfeita, assim como não podemos engatinhar de volta para o útero depois que começamos a respirar independente­ mente e o cordão umbilical é cortado. Assim, a ação marciana é absoluta e irreversível - uma das razões pelas quais muita gente sente dificuldades para lidar com esse planeta. Marte não consegue se manifestar por meio de rodeios e duplos sentidos para encobrir suas pegadas; ele simplesmente diz, como Martinho Lutero (cujo Sol escorpiano tinha Marte como co-regente), "Eis-me aqui; Deus me ajude". Mesmo que a pessoa peça desculpas depois, nunca voltará ao estado de fusão perfeita que existia antes do conflito. Nos relacionamentos ro­ mânticos, a "primeira rusga" é um imenso divisor de águas e depois dela as coisas nunca ficam iguais. No início de um relacionamento amoroso, Netuno e Vênus presidem e temos a impressão de que os dois corações batem em uníssono - você já deve ter assistido a um desses filmes para o qual precisa ter três lenços à mão, como Love Story, onde "amar é nunca ter de pedir perdão". Marte se arrepia diante desse tipo de sentimento; a única vez em que experimentamos a realidade de dois corações batendo como um só é no útero, e toda essa fusão cessa com o nascimento. Esses sentimentos maravilhosos - perfeita empatia e compreensão - se desfazem quando Marte faz sua entrada, seguindo-se uma discussão que define as identidades separadas das duas pessoas. É a primeira fenda nas paredes que cercam o Jardim do Éden e mesmo que a fenda seja remendada rapida­ mente, a serpente acaba conseguindo se esgueirar. Assim, uma parte de nós receia Marte, pois após agirmos em nosso benefício não há como voltar. Lembra-se daquela fase da jornada do herói em que ele precisa enfrentar o dragão ou o gêmeo sinistro? É o afloramento de Marte, que é a espada e o espírito de luta do herói. Em certo ponto do desenvolvimento do Sol, Marte deve ser invocado para defender a individualidade florescente. Em minha sessão sobre

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a mitologia do Sol,1mencionei o deus babilónico do fogo, Marduk, que precisa enfrentar sua mãe, Tiamat, e corta seu corpo criando o universo manifesto. A batalha travada por Marduk resume a função de Marte, que não apenas luta contra a atração regressiva da fusão com a mãe e o coletivo como também deve cumprir a tarefa implacável de analisar e definir a realidade de maneira objetiva (cortando-a) a fim de criar tuna vida individual. Se avaliarmos a batalha de Marduk sob o ponto de vista psicológi­ co, a raiva, a agressividade e a afirmação do eu são os implementos básicos da separação da mãe e da formação de um ego individual nos primeiros estágios da vida. Essas emoções primitivas são as armas com as quais lutamos contra o dragão, que toda mãe, mesmo a melhor, acaba se tomando em certa fase do desenvol­ vimento de seu filho. Certos heróis míticos têm natureza nitidamente marciana, como Marduk. A jornada do herói é solar, mas algumas delas apresentam um elemento mais combativo, enquanto outras, tal como a de Ulisses, dependem de sagacidade e astúcia. Além disso, em certo ponto da jornada surge uma resistência ou batalha contra algum inimigo, mesmo se o herói for do tipo mais pacato. Jasão precisa matar um dragão para obter o Velocino de Ouro; Perseu deve matar a Medusa para conquistar sua Andrômeda; Parsifal é um tolo amável, não um guerreiro, mas até ele precisa lutar. Na ópera de Wagner, sua batalha envolve os estratagemas de Kundry e a luta contra o feiticeiro castrado, Klingsor. Ambos refletem a força marciana, pois a recusa base­ ada em nossos próprios valores é uma batalha tão clara quanto o confronto de armas, mais agressivo. Siegfried, por outro lado, é o herói marciano clássico, dotado de uma espada poderosa que lhe foi dada por seu avô, Wotan. Poderíamos ampliar essa interpretação mítica e sugerir que o falo simbólico do herói, a espada mágica - como a Excalibur, do ciclo arturiano - é, em si, um símbolo bastante vivo de Marte, empunhada pelo herói solar. Siegfried possui outro atributo marciano importante: ele é invencível, exceto se atacado por trás. Pode ser destruído por uma 'Para uma discussão sobre este mito, leia "O Herói de Mil Faces" em Os Luminares, Editora Roca, 1994.

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facada nas costas, que é o que acaba acontecendo com ele. Siegfried é ousado, destemido, mas não especialmente astuto, e se toma vítima detraição porque pensacomsua "espada". Ainvendbilidade de Marte só pode ser mantida quando a pessoa enfrenta um inimigo honesto. A função mardana não consegue lidar com elementos misteriosos ou inimigos que surgemà sorrelfa, embora uma posição de Marte em signos mais sutis - como Peixes, Câncer ou Escorpião - possa dar à pessoa certa capaddade de lidar com confrontações indiretas. A natureza mardana pode ser insensível e bruta, mas é aberta, honesta e objetiva, em essênda. Caso a pessoa consiga confiar na honra do inimigo, pode lutar com equanimidade e até perder com graça, retomando ao combate em outra ocasião. Mas é a facada nas costas que derrota Marte e não existe faca escondida mais afiada do que a manipulação emodonal. Um dos mais difíceis problemas de infânda para a expressão de Marte é um ambiente familiar onde as brigas são vdadas. Isso implica em um problema familiar comMarte, onde a agressividade e o isolamento francos são coibidos e todos os esforços para obter aquilo que se deseja são levados a cabo inconsdentemente. Segundo percebi, as doenças manipulativas (e muitos problemas aparente­ mente orgânicos têm um componente manipulativo) estão sempre ligadas a um Marte aflito no mapa, e toda a raiva, agressividade e vontade são comprimidas em uma forma de controle velado das pessoas mediante sintomas físicos. Geralmente, esse padrão é aprendido no meio familiar e pode datar de muitas gerações. O herói que melhor resume a natureza mardana é Héracles. Ele foi muito popular entre os romanos (como Hércules) e entre os gregos, que viam nele o herói ideal. Contudo, ele não é um sujeito muito inteligente e sua carreira heróica está repleta de erros. Está sempre matando alguém (Hipólita, Rainha das Ama­ zonas) ou ferindo amigos (Quiron) addentalmente, coça a cabeça e diz, "Puxa, desculpe, acho que exagerei um pouco". Marte tem essa qualidade levemente tola, mas quando entra na arena da batalha mostra seus talentos. Audiência: O que aconteceu com Quiron?

Liz: Vale a pena recordar esse mito, pois tem efeitos sobre o significado simbólico de Quiron e sobre a natureza de Marte que

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Hércules reflete. Hércules estava acabando de matar a Hidra - o monstro de nove cabeças que vivia em uma caverna escura - e foi almoçar com seu amigo Quiron, carregando uma aldrava de flechas embebidas com o sangue venenoso da Hidra que acabara de matar. Quando os dois estão sentados e conversando anima­ damente, Hércules faz um gesto brusco e uma das flechas fere acidentalmente o centauro na coxa. Não podemos culpar Hércu­ les, mas isso é típico dele, e Quiron acaba ficando com um ferimento incurável; o veneno não pode ser extraído e não há antídoto. Isso acaba fazendo de Quiron um sábio curador; no entanto, em seus momentos mais reservados, ele certamente prefere ser um centauro comum, não muito sábio, e não o arquétipo do curador ferido. Se quisermos levar esse simbolis­ mo às últimas consequências, podemos dizer que em função de Marte - a inesquecível experiência envenenadora da raiva e da agressividade - carregamos cicatrizes para sempre, embora normalmente, como no caso de Quiron, seja o Marte de outra pessoa a causar o ferimento. O padrão dos doze trabalhos de Hércules é interessante, pois o herói se submete a eles em virtude de uma morte acidental. Cada trabalho é uma espécie de minimito e cada um reflete uma faceta do campo de treinamento de Marte. É como se o ciclo dos doze trabalhos descrevesse as muitas facetas da batalha que teremos de travar ao longo da vida, e com a qual teremos de aprender a reagir com uma função marciana vigorosa. Hércules completa seus trabalhos tendo aprendido a ser um pouco mais polido e autocontido, mas ainda sendo Hércules. A batalha com a Hidra de Lema, que acabo de mencionar, é um excelente exemplo desses testes marcianos. A Hidra tem nove cabeças de serpente, todas venenosas, vive em uma caver­ na no meio de um pântano e está matando a população do campo. Hércules sai à sua procura munido de um bastão - uma arma singela no mito e, sem dúvida, fálica - e espera conseguir dominar facilmente a criatura, pois seu bastão sempre funcio­ nou (seu princípio básico é: "Se a coisa se move, dê-lhe uma bordoada"). Mas a Hidra o frustra. Primeiro, esconde-se nas sombras da caverna e ele passa algum tempo até descobrir que deve atirar flechas flamejantes na caverna para tirar o monstro de lá. Eis Marte defrontando-se com um oponente que não

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obedece as regras justas dos combates, mas se oculta nas trevas do inconsciente; assim, a pessoa deve aprender a arte da provo­ cação eficiente e a percepção dos motivos do inimigo, ambas refletidas por essas flechas flamejantes. Então, quando a Hidra finalmente vai até a entrada da caverna sombria, Hércules descobre que, se bater em uma de suas cabeças, brotam outras nove. É um adversário bastante letal, sem dúvida; a força bruta nada consegue, exceto fortalecer o inimigo, e Hércules quase é destruído. Aqui, Marte deve aprender que a agressividade aberta pode às vezes aumentar a agressividade dos outros, conse­ guindo apenas sua prõpna derrotaJtintão, o herói se lembra de que aúnica coisa que pode destruir a Hidra é a luz do dia.Assim, ajoelhase e ergue a criatura ate a luz, ocasionandoo seu fim. Este simbolismo é bastante forte e um de seus significados pode ser o de que Marte precisa aprender a aparentarhumildade, a abrir mão de seuõrgulho durante algum tempo (ajoelhando-se) a fim de vencer. A Hidra, como muitos inimigos externos e internos que encontramos na vidará derrotada caso tratemos comsuficiente consciência e abertu­ ra a situação. Tenho certeza de que você vai identificar situações como essa, onde araiva e até mesmo ódios antigos são dispersados por meio de discussões francas e do tratamento arejado do proble­ ma. Mesmo que seja necessário tomar alguma decisão dolorosa e qiip n inim igo rnntiniiP a spr nm inimigo, pelo menOS não seremos pnvpnpnaHos por rorrentes emorinnais invisíveis - especialmente jsjiossas.---A limpeza dos Estábulos de Áugias é outro trabalho notável de Hércules. Essa imagem mítica já se tomou parte da lingua­ gem comum, e quando alguns falam de uma bagunça terrível que deve ser limpa, falam da limpeza dos Estábulos de Áugias. Hércules recebe instruções para limpar os estábulos dentro de um certo prazo, mas o lugar está tão cheio de estrume que isso é impossível. Obviamente, ele não pode usar seu bastão, pois é com excremento e não com um inimigo que ele deve lidar, e até o uso das mãos seria inútil nessa situação. Nesse caso, Marte deve agir como agente de limpeza, varrendo com precisão cirúrgica aquilo que é inútil e desgastado na vida. Eis outra faceta da função marciana, "livrar-se de toda aquela porcaria^ e está relacionada com nossa capacidade de tomar decisões que nos livram de um passado superado e mal-cheiroso.

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Podemos ver a Hidra como a imagem do ódio, da impiedade e do veneno emocional do ser humano que, como todos os personagens mitológicos, está tanto em nosso interior quanto o herói. Talvez seja uma criatura plutoniana, com raízes que se estendem - por meio da mãe - até os complexos sombrios do passado familiar. Precisamos de Marte para lidar com esse mal em nós mesmos e com o mundo exterior. Mas os Estábulos de Áugias refletem toda a escória que herdamos, o lixo que foi acumulado ao longo de muitas gerações, os padrões habituais que nos arrastam para a inércia e nos sufocam com seu mau odor e seu peso. Hércules acaba se inspirando: movendo o seu leito, ele redireciona um rio e faz com que suas águas passem pelos estábulos em uma grande torrente, limpando-os. Essa imagem pode estar descrevendo a recanalização da energia emocional (água), a liberação de emoções que podem lavar toda a escória com um imenso dilúvio. O trabalho terapêu­ tico, especialmente o que envolve a catarse, costuma empregar esse processo: emoções que têm passado para outros canais são redirecionadas para o eu e para a angústia da situação da pessoa, e aquilo que ela descobre provoca uma explosão de sentimentos que pode modificar padrões antigos e arraigados de comporta­ mento. Isso também é marciano, pois as emoções envolvidas costumam ser a raiva e a indignação, que não foram manifesta­ das, e a súbita compreensão daquilo que a pessoa vem tolerando há muito tempo. Existe um estágio na cura de traumas de infância que costuma suscitar a raiva sentida pela família. É o estágio da "surra nos pais". Embora não seja uma posição muito útil para a pessoa e deva finalizar com a compreensão e a compaixão, é um processo de limpeza temporariamente neces­ sário, especialmente se a pessoa idealizou defensivamente um progenitor muito abusivo e nunca ousou contemplar a realidade anteriormente. Esses dois trabalhos que descrevi oferecem muitos insights para a compreensão dos desafios que Marte deve enfrentar na vida e os modos apropriados de lidar com eles. Como Marte é um planeta "anti-social" (ele serve aos meus propósitos, não aos da sociedade), mais cedo ou mais tarde a vida tempera nosso instinto agressivo, pois os outros não precisam aceitar um Marte empinado. Na melhor das hipóteses, acabam não gostando de

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nós, e na pior jogam-nos em uma cadeia. Se pudermos responder a essas experiências "equilibradoras" do mesmo modo como Hércules aprendeu com seus trabalhos, poderemos expressar Marte de modo muito mais positivo, contido (em vez de repri­ mido) e criativo. Se passarmos de Hércules para o deus grego Ares, que na mitologia romana se transforma em Marte, há diversas imagens interessantes para levarmos em conta. Primeiro, Ares não tem pai. Ele é criado partenogeneticamente pela deusa Hera. Hera está furiosa porque seu marido Zeus criou a deusa Atena em sua cabeça e sem mãe, um grande insulto para o reino do casamento, da família e dos partos, presididos por Hera. Assim, Ares é fruto da vingança furiosa da deusa ou, se quisermos ser bastante freudianos hoje, um produto de sua inveja do pênis. Ela está determinada a competir comesse deus que cria uma filha a partir do espírito (sabedoria) sem ela, e gera um filho-falo por conta própria, alguém que lutará por ela. Enquanto Atena não tem mãe (não participa do reino do corpo e dos instintos), Ares não tem um princípio paterno; vejo nisso o fato de ele não surgir do logos, da dimensão espiritual ou intelectual do mundo masculi­ no. Ele é homem, mas instinto puro, sem qualquer capacidade de reflexão ou de simbolismo. Assim, embora Ares seja inegavelmente fálico e macho, não participa do desapego dos deuses do Olimpo. Ele é lunar, ctônico e Homero o descreve como uma espécie de brutamontes de cem metros de altura, peludo, mas invencível nas batalhas. Ele é estúpido e desajeitado, mas tem a luz do Furioso em seus olhos, a divina embriaguez da guerra. O Furioso é a versão teutônica do espírito de Ares, o guerreiro que se embebeda com o vinho do combate. Quando um guerreiro é possuído por esse espírito, nada pode lhe fazer mal; ele pode atravessar as linhas do inimigo sem um arranhão. Até hoje, esse folclore persiste nos círculos militares, e certos soldados - especialmente os da SAS (Serviço Aéreo Especial inglês, tropas de choque que agem sob grande sigilo em missões militares e políticas particularmente perigosas), que se cercam com a mística do sigilo - assumem proporções mitológicas porque parecem invencíveis. Na Ingla­ terra, as pessoas têm essa fantasia de imaginar que os homens da SAS conseguem fazer qualquer coisa, o próprio regimento nutre

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essa ilusão junto ao público e a seus próprios homens por motivos políticos e psicológicos, até mesmo através de filmes. O estranho, porém, é que quando um arquétipo como esse é evocado, parece se manifestar na vida "real". As pessoas co­ muns podem sentir essa embriaguez divina de Ares em tuna luta típica de bar ou quando algum perigo nos ameaça e, de repente, os instintos assumem o comando e nos fazem agir decidida e corajosamente, de um modo como nunca sonharíamos agir caso estivéssemos sóbrios e receosos. Somos "retirados de nós mes­ mos" e conseguimos realizar atos que demandam uma bravura e uma força física que seriam impossíveis se a consciência nos dominasse. É interessante analisar a imagem norueguesa e teutônica do Furioso à luz da história. As costas da Inglaterra estiveram sujeitas a repetidas invasões de vikings e saxões, podemos imaginar como deve ter sido terrível observar esses gigantes loiros chegando em seus navios com proa de dragão, usando capacetes com chifres e espadas gigantescas, com a luz do Furioso em seus olhos. Essa energia possui umpoderoso compo­ nente sexual, refletido no simbolismo fálico dos chifres e da espada. Também associaria esse espírito de Ares ao martírio religioso e político, que também pode ser inebriante e repleto de paixão sexual. A dimensão de Marte está praticamente morta na cultura judaico-cristã, mas não é preciso ir longe para localizá-la, viva e saudável, em outras religiões e inclinações políticas. Além disso, está presente na qualidade do atleta competitivo e esfor­ çado, podemos observar como certos participantes de partidas de rugby, de futebol ou de certos esportes olímpicos parecem ser "possuídos" de uma hora para outra, realizando feitos extraor­ dinários que, normalmente, não conseguem repetir depois. A personalidade marciana precisa de doses regulares dessa ener­ gia, em nível mental, emocional ou físico, pois é uma conexão com o reino arquetípico e dá à vida da pessoa uma sensação de vitalidade e de sentido. Na mitologia, o deus Ares se sente irresistivelmente atraído por Afrodite, que tem o poder de domá-lo em função do desejo que ele sente. Nesse sentido, Ares reflete o herói Hércules, que também foi domado por meio do desejo sexual pela Rainha da Lídia, chamada Omphale (que significa "umbigo"). Omphale

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exerce sobre o herói um poder erótico tão grande que lhe permite vesti-lo como se fosse mulher e brincar com ele como se Hércules fosse um gato doméstico. Lembre-se da pintura de Ares e Afrodite que mencionei, onde ele se acha completamente passi­ vo após o sexo, jogado a seu lado, saciado e sonolento. Assim, Ares pode ser domado por meio do erotismo, da beleza e do prazer, enquanto que a excitação da conquista deixa-o sequioso por outras conquistas. A imagem mitológica de Ares nos diz que estamos lidando com uma força arquetípica pura, um instinto básico de sobrevi­ vência. Em nosso diagrama, encontramos outras imagens simbólicas que podem nos ajudar a vislumbrar dimensões mais sutis desse instinto. Em alquimia, Marte é o princípio do enxofre, sendo geralmente retratado como um lobo. O lobo também surge nas mitologias grega e romana em conexão com AresMarte e, na verdade, o deus Marte é o pai dos gémeos Rômulo e Remo que, criados por uma loba, crescem e fundam a cidade de Roma. Sob esse disfarce, Marte é o lutador solitário, como um lobo, o Clint Eastwood do panteão planetário. O enxofre alquímico é um símbolo do instinto agressivo, da força vital básica em seu estágio bestial, antes de se sujeitar a processos de transfor­ mação que resultam em sua humanização, o nascimento do novo Rei - o ouro alquímico. Em outras palavras, Marte é a forma primitiva e animal do Sol. Portanto, o herói solar, antes de se tomar humano e desenvol­ ver a capacidade de consciência reflexiva, é o lobo, o enxofre alquímico que queima. Esse profundo simbolismo é facilmente observado na criança, que em certa idade - geralmente em tomo de dois anos, o que leva as pessoas a descrever esse estágio como "os terríveis dois anos" - começa a se comportar de maneira horrível, tendo ataques e sendo desagradável, perversa. Essa fúria infantil, um aspecto perfeitamente natural do início do desenvolvimento, é intolerável para muitas mães que têm difi­ culdade para lidar com seus próprios Martes, e mais tarde isso pode levar a muitos problemas. Contudo, essa fúria primitiva é, na verdade, uma declaração de independência, sendo o verda­ deiro início da formação da individualidade. A fúria da criança de dois anos precisa ser contida e temperada, mas, se for repri­ mida ou bloqueada à força por meio de culpas e de chantagens

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emocionais, não consegue superar sua forma animal e o enxofre nunca se transforma. Continua fumegando e liberando odores sulfurosos, é um grande choque para muitas das pessoas que se submetem à psicoterapia descobrir que aquela criança "terrível" de dois anos de idade ainda está à solta no eu interior, como um vulcão ativo. A alquimia nos oferece imagens bastante interessantes desse processo mediante o qual o lobo se transforma no Rei. Suas patas são cortadas, ele é colocado em um frasco ou alambique selado e depois cozido. Contudo, ele não é morto, pois é tido como divino - a forma teriomórfica do ouro alquímico. Essa imagem bárbara apresenta um estranho paradoxo, combinando o reco­ nhecimento de um grande valor coma necessidade de sofrimento e transformação. O lobo uiva e se agita muito, mas o alambique continua selado; do contrário, não nasce Rei algum e não se forma ouro. Podemos analisar novamente a experiência da fúria na infância e perceber que, simbolicamente, esse é o processo pelo qual a ira da criança é contida, mas sem ser destruída. A mesma situação costuma ocorrer na psicoterapia, onde a pessoa passa por um extenso período de raiva pelo terapeuta, extrava­ sada de diversas maneiras (que vão do atraso crónico ou do esquecimento do talão de cheques a ataques verbais diretos), mas que precisa, a um só tempo, ser aceita e contida. É interessante nos lembrarmos de nossa própria infância. Será que nos sentimos realmente zangados? Você já teve um desses acessos infantis? Conseguia expressar raiva e receber advertências sem se sentir inútil? Levava um tapa ou uma surra se expressasse sua fúria? Ou a mensagem da repressão era tão clara que você simplesmente nunca sentiu nada semelhante a raiva? Lembro-me de uma ocasião em que estava viajando pelos Estados Unidos para dar um seminário e assisti a um programa de televisão muito triste que falava de um assassino serial esquizofrénico cuja mãe estava sendo entrevistada. Na defensiva, disse: "Meu filho foi uma criança muito boa e obediente. Nunca se mostrou zangado ou difícil". Obviamente, nem todas as crianças bem-comportadas acabam se tomando assassinos múltiplos, mas não pude deixar de sentir um leve calafrio diante dessa anulação completa da função marciana, que mais tarde emergiu em um exemplo particularmente horrível de fúria enlouquecida.

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Nossos pais não são os responsáveis por nosso caráter básico e um Marte difícil no mapa natal não é "causado" pelo tratamen­ to que nos é dispensado pelos pais. Contudo, o modo como Marte - o Sol rudimentar - é tratado na infância pode fazer uma grande diferença em termos do modo como lidamos com essa nossa faceta na vida adulta. De certo modo, a colisão entre o Marte da criança e o dos pais, suscitando uma surra ou uma discussão, é mais saudável do que a profunda castração que decorre de nos ensinarem que a raiva e a agressividade são coisas ruins, indecentes ou imorais. A culpa que provém dessa mensagem é corrosiva e de todo modo todos temos tendência a nos sentirmos um pouco culpados com relação a Marte, pois, como disse, o deus Ares é basicamente anti-social e tem cem metros de altura, não seria interessante um encontro com ele em uma ruela escura. Quando Marte está bloqueado, sentimo-nos impotentes, víti­ mas; somos tomados por uma grande raiva inconsciente que se expressa de diversas maneiras. Como Marte, segundo diz o mito, é sujeito à sedução, costuma ser o progenitor sedutor e não o agressivo que executa a castração na infância. É o progenitor que diz, "Se você continuar a agir assim vai me magoar muito. E seu pai (ou sua mãe) já me magoou tanto. Esperava que você me defendesse e ficasse do meu lado. Agora, até você age como aquele brutamontes (ou aquela bruxa) e me machuca, mesmo sabendo que estou triste. Fiquei muito desapontado com você. Imaginava que você fosse uma pessoa mais sensível". Se você sorriu, é porque deve ter reconhecido esse trecho de diálogo... Marte pode ser naturalmente cruel, tanto quanto a natureza é cruel, mas não é malvado. Os animais lutam até a morte e se caçam mutuamente, vivendo sob a impiedosa lei da sobrevivên­ cia, mas não são sádicos de nascença. Não creio que a crueldade gratuita seja um atributo inerente a Marte. A agressividade cega e a insensibilidade pura talvez sejam, mas é preciso um tipo especial de ferimento para produzir a crueldade manipuladora que seria a expressão mais sombria de um Marte pervertido e inconsciente. Os deuses marcianos não são maus por natureza; Ares pode ser um brutamontes, mas respeita o código de honra dos soldados durante as batalhas. Hércules também não é sádi­ co, apenas estúpido e desajeitado, às vezes. Contudo, se Marte é

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castrado (como o feiticeiro Klingsor em Parsifal, de Wagner) e submetido à falta de poder por muitos anos, pode se tomar bastante venenoso. Essa castração pode ser causada em parte pelos pais, como vimos, mas também pode ser o produto de um conflito interno - a pessoa é basicamente pacífica e idealista demais para se sentir facilmente integrada a uma energia tão primitiva. Acho que os astrólogos cometem um grave erro quando interpretam Marte como um planeta maléfico. A fúria de um Marte bloqueado pode ser direcionada contra a própria pessoa ou contra o mundo exterior. Isso é especialmen­ te válido quando o temperamento é mais ameno ou dissociado, tal como uma combinação Peixes-Iibra ou um excesso de Aquá­ rio. Isso pode resultar em comportamentos autodestrutivos, emocional ou fisicamente (dizem que os aspectos difíceis de Marte são famosos pela propensão a acidentes); ou pode levar a um grupo típico de doenças que parecem incorporar a energia frustrada de Marte. Nenhum outro planeta aparece tão frequentemente como gatilho por trânsito ou progressão, ou como "botão vermelho" natal, quando surgem sintomas ligados ao estado emocional, tais como enxaquecas ou colites. Marte é uma importante chave para a saúde física e psicológica, e não estou me referindo a exercícios ou dietas. Obviamente, a Lua, sendo um reflexo do próprio corpo, é importante nesse contexto. Mas não existe estado emocional tão destrutivo para o corpo quanto a raiva reprimida e a sensação de impotência. Audiência: Será que isso pode estar ligado ao câncer? Liz: Presumo que você esteja falando da doença, não do signo.

Acho que sim. Eu ia falar sobre isto, pois há toda uma série de evidências médicas que sugerem a existência de certo retrato psicológico a acompanhar certas formas de câncer. Isto não significa que ter câncer seja "culpa" da pessoa, pois obviamente há outros fatores envolvidos. Contudo, pode haver casos de conexão entre a incapacidade da pessoa lidar com certas emo­ ções difíceis e sua suscetibilidade à doença. O perfil de personalidade que muitos médicos parecem ver ligado ao câncer é o da pessoa aquiescente, que deseja agradar. É um pouco simplista imaginar que a pessoa que sai por aí

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dizendo "sim" o tempo todo e nunca se enfurece vai ter câncer. Contudo, a incapacidade de admitir, quanto mais de expressar, sua raiva justa e seu direito de se afirmar pode ser fatal literalmente. Às vezes, os sintomas marcianos são tão óbvios que me espanto ao ver que a pessoa não associou as enxaquecas semanais ou os ataques biliares aos almoços dominicais com a sogra. Os sintomas marcianos são um barómetro emocional fantástico para aqueles que conseguem interpretá-los, pois to­ dos nós, em uma ou outra ocasião, estamos tomados por umbelo pacote de raiva que não pode ser admitida ou expressada. Existe algo muito claro e óbvio sobre Marte, mesmo quando ele atua clandestinamente no corpo. E é preciso lembrar que Marte é um planeta tão físico e instintivo quanto a Lua. O mito do nascimen­ to partenogenético de Ares nos diz isso. A outra faceta do guerreiro é a doença marcial, que acontece quando você põe uma venda e uma mordaça no Furioso, fazendo com que ele vista uma roupa urbana. Já disse várias vezes que Marte é um poderoso detonador para outros planetas em trânsito e progressão. Devido à sua qualida­ de física direta, ele parece refletir um processo de manifestação - tal como a Lua progredida, mas com muito mais força. Para citar alguns exemplos, trânsitos importantes como o de Plutão sobre o Sol natal, a quadratura entre Netuno em trânsito e a Lua natal ou um trígono entre Urano e Vênus natal podem ficar em orbe por um bom tempo - no caso de Plutão, até dois ou três anos. Podemos dizer que o trânsito reflete o funcionamento de um processo e todo o período de dois anos é ocupado por esse processo, embora possa parecer quieto ou inativo durante lon­ gos períodos enquanto as coisas funcionam ao nível interior. Mas quando o trânsito de Marte forma um ângulo tenso com a configuração do trânsito lento, a tendência é fazer com que as coisas aconteçam ou as emoções irrompam, o que gera mudan­ ças. A qualidade fálica e penetrante de Marte se evidencia bastante nessa atividade de gatilho. Marte também age como gatilho de planetas progredidos situados dentro do orbe de aspectos com planetas natais ou progredidos. Bem, o dclo de Marte ao redor do zodíaco é de dois anos, mais ou menos, embora ele não permaneça igualmente em cada signo, pois, tal como os outros planetas, também tem um dclo retrógrado. No

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entanto, se lidarmos com sua órbita aproximada, veremos que Marte forma um aspecto tenso com cada ponto do mapa natal uma vez a cada seis meses. Assim, Marte ativa várias vezes um planeta lento como Plutão durante o decorrer do trânsito, e os eventos que ocorrem nessas ocasiões estarão correlacionados em sentido, se não em forma exterior, pois se referem ao mesmo processo subjacente. Se mantemos um relacionamento amigável com Marte, sabe­ mos o que queremos e podemos cobrar isso dos outros. Cada pessoa tem seu modo de lutar por seus objetivos, dependendo do signo e dos aspectos de seu Marte natal; naturalmente, cada um tem expectativas diferentes em cada época da vida. Mas a capacidade de "saber o que queremos e fazer o que for preciso para õbter isso" (que foi a forma como Jung definiu a masculini­ dade) depende de podermos expressar Marte de maneira consciente. O estilo pessoal de Marte em Peixes, Câncer ou Libra pode ser muito mais suave e indireto que o de Marte em Áries ou Leão, pois o desejo natural é equilibrado e modificado pela necessidade da aceitação e aprovação dos outros; contudo, Marte ainda é Marte. E um dos resultados mais comuns de um Marte desconectado ou distorcido é o estado de depressão crónica. Obviamente, os estados de depressão podem surgir de causas exteriores perfeitamente compreensíveis, tal como uma perda ou separação, e todos passam por eles em algum momento da vida. Mas a depressão crónica tem raízes mais profundas, e percebi que, geralmente, a raiz principal é uma profunda sensa­ ção de impotência, frustração e raiva, gerada pela impressão de que a pessoanão tem nem a capacidade de escolher, nem poder sobre sua própria vida. A depressão não costuma ser sentida como algo aberto; é um estado de apatia e de indiferença, no qual nada vale a pena, nem mesmo a raiva, pois presume-se que nada vai mudar, não importa o que se diga ou faça. A maioria das pessoas se dissocia desse tipo profundo de depressão e consci­ entemente se orienta para a manutenção do funcionamento da superfície da vida, encontrando canais de vazão como o trabalho compulsivo, grandes doses de televisão, de sexo, de álcool ou de tranquilizantes quando a escuridão reprimida ameaça surgir na consciência. Mesmo assim, acaba emergindo, geralmente na

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forma de doenças, de fadiga ou da incapacidade de dormir bem. Aqui, Marte se inverte e se volta contra o indivíduo, destruindo todo o seu potencial. É uma espécie de desejo de morrer, apesar desses pensamentos de morte geralmente não serem conscien­ tes. Isso pode ser um problema sério e acho que está relacionado com um relacionamento não muito sólido com Marte. Este planeta trata do instinto básico de sobrevivência e enquanto o Sol reflete a vontade de viver em termos de sentido e de signifi­ cado, Marte reflete a vontade de viver no nível físico-instintivo. Às vezes, a rota de escape desse emaranhado sombrio é forneci­ da por uma filosofia ou ideologia de desapego, que pode enveredar pela política ou pela religião. Essa abordagem rotula os desejos pessoais de egoístas, condenando assim o princípio de Marte e fadando-o ao mundo inferior, onde deve funcionar como a raiva e a inveja veladas. Percebi que as pessoas que se manifestam de modo mais irado ao condenar os anseios indivi­ duais costumam ter um Marte poderoso, mas difícil no mapa natal. Como se vê, Marte não é muito hábil para lidar com comités e não produz bons socialistas, pois não está interessado em princípios; interessa-se pela sobrevivência e pela gratificação dos desejos. O ímpeto realista - e às vezes cruel - de Marte deseja uma recompensa por seus esforços, e não pode ser desviado por argumentos como o de que devemos abrir mão dessas recom­ pensas em benefício daqueles que não podem ou não fazem um esforço. Como Marte está presente no mapa de todos, é óbvio que isso representa uma dificuldade para as pessoas de índole mais idealista, especialmente se, como sugeri, uma das bases inconscientes por trás dessa abnegação global é a sensação de impotência pessoal que provém da infância. Dá quase para tocar o deus Ares andando de um lado para outro em nosso porão, furioso, frustrado e batendo com sua espada contra a porta trancada. O fanatismo também é gerado por um Marte bloqueado, pois quanto mais nos sentimos inco­ modados pelas pancadas e gritos que vêm de trás da porta trancada, mais ficamos cegos emodonalmente e até violentos, em nosso esforço de converter os demais a nosso ponto de vista consdente. Nunca encontrei um Marte expressado de maneira consdente que fosse fanático; a pessoa busca suas metas e deixa

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os demais às voltas com as suas. A história da perseguição religiosa tem uma boa dose de Marte, mas é um Marte doentio, corroído pela culpa e castrado pela condenação do corpo e de seus instintos. É realmente muito perigoso passar a vida rejeitan­ do Marte tão intensamente. Seja qual for nosso motivo consciente - ideológico, religioso ou apenas o medo da solidão ou da separação - o preço dos outros ou o nosso próprio pode ser alto demais. Precisamos analisar a questão da masculinidade em relação a Marte. Como tanto os homens como as mulheres têm Marte em seus mapas, podemos presumir que ambos precisam expressar o lado masculino de suas naturezas. Contudo, como o símbolo médico para "homem" sugere (é o glifo astrológico de Marte), a expressão de Marte pode ser mais básica, urgente e literal nos homens do que nas mulheres. Nosso senso de identidade sexual e de confiança começa pelo próprio corpo, e a condição física de impotência é uma experiência mais ameaçadora, dolorosa e geralmente degradante para os homens do que as mulheres podem imaginar. Normalmente, o "problema marciano" - a sensação conscien­ te ou inconsciente de impotência ou castração - é transmitido psicologicamente pelos homens de uma família. Como o pai é, para todo filho homem, o primeiro ponto de contato com o arquétipo masculino, a fraqueza do pai e a incapacidade de expressar Marte podem fazer com que seu filho não tenha modelo de potência. A sensação masculina de impotência pode se manifestar de maneira óbvia - por exemplo, a tradicional figura do marido que é dominado pela mulher: magoado, mas incapaz de mostrar sua raiva ou de dizer não, que se evade à ira que sente por sua mãe-esposa desligando-se emocionalmente, mas que realiza uma espécie de sabotagem velada a cada opor­ tunidade. O filho de umhomem assimpode desprezar a fraqueza de seu pai e tenta compensá-la tomando-se um brutamontes psicológico; ele busca inverter o padrão controlando as mulheres por meio da conquista, da rejeição ou até da violência. Interiormen­ te, porém, ele sofre a mesma sensação de impotência e fraqueza, oculta não apenas dos outros como também de si mesmo. O homem violento e controlador e o passivo e impotente sofrem o mesmo dilema marciano, embora, ironicamente, um

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despreze o outro caso se encontrem socialmente. O extremo do machão reflete o extremo do "banana", embora nenhum admita que ambos sofrem do mesmo mal. Em muitas famílias, esse é o padrão transmitido de pai para filho, embora possa se disfarçar sob um problema exterior - o pai que trabalha muito e o filho perdulário, ou vice-versa. Fatalmente, haverá uma competição ou guerra velada entre o pai que se sente inseguro em sua masculinidade e um filho que luta para encontrá-la. Se esse tipo de problema marciano existe em uma mulher que o projeta nos homens, ela pode acabar tendo de lidar com dois homens em sua vida - marido e amante, marido e filho, namorados sucessivos, etc. - que parecem representar esses pólos opostos e que, no entanto, são secretamente idênticos na dificuldade em lidar com a masculinidade marciana. A mulher que tem um companheiro controlador ou mandão pode tentar escolher conscientemente um homem passivo e complacente depois, descobrindo que se sente vítima de ambos, embora de maneiras diferentes, e sofre igualmente com a sensação de impotência no relacionamento. Poderíamos continuar a explorar à exaustão os milhares de cenários emocionais que refletem esse problema da potência masculina. Contudo, todos esses roteiros típicos refletem um dilema em tomo do simples princípio marciano de saber o que desejamos e de fazer o que é preciso para chegar lá. Mais importante ainda é o fato de termos de levar em conta a aparên­ cia que esse padrão pode assumir no mapa natal e o que é possível fazer com ele. Um aspecto que costuma sugerir proble­ mas ligados à sensação e à expressão da potência é a quadratura ou oposição entre Marte e o Sol. Seja qual for o relacionamento natal entre esses dois planetas, no fundo eles precisam ser amigos, pois Marte deve oferecer ao Sol seu poder de combate e o Sol deve dar sentido às batalhas de Marte. Se o Sol repudia Marte (em outras palavras, se repudiamos nossa agressividade porque ela põe em cheque nossa auto-imagem e nossas metas conscientes), então conseguimos ter visão ampla, mas não a capacidade de colocá-la em ação. Ademais, temos a impressão de que as "outras pessoas" (parceiro, progenitores, filhos, pa­ trão, governo, a sociedade) rejeitam nossos esforços criativos, obstruindo-nos com seu cruel egoísmo. Creio que isso se aplica tanto para homens quanto para mulheres. Se tentamos ser o Sol

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sem Marte, castramo-nos e nos tomamos desprovidos de poder e de autenticidade, nosso Marte projetado retomará para nós, vindo do mundo exterior. O problema da violência alheia é espinhoso e não podemos atribuir tudo às projeções pessoais de cada um. A violência existe, sempre existiu no mundo e às vezes toda uma sociedade se toma vítima dela. Seria portanto absurdo dizer que o Marte projetado de um único indivíduo suscitaria um Hitler, um Stalin ou o IRA. Contudo, quando a violência entra em nossas vidas privadas, na base do face-a-face, é preciso analisar se poderia existir alguma coisa em nós que estaria sendo ativada nesse momento, manifestando-se "lá fora" de maneira genuinamente marciana. Há pessoas que têm propensão para a violência, e quando encontramos umpadrão desse tipo, devemos olhar para dentro, por mais doloroso que seja, se quisermos romper a corrente. Às vezes, atendo clientes com maridos violentos e as perturbo, sugerindo que possa haver nelas algo que inconscien­ temente ajuda a evocar a violência que já existe na outra pessoa. Para mim, é absurdo e perigoso o ponto de vista ideológico que defende que toda violência perpetrada pelos homens contra as mulheres se deve à natureza basicamente pervertida dos ho­ mens. A sujeição à violência masculina é uma experiência aterrorizante e humilhante, merece nossa compreensão e proteção jurídica. No entanto, suscitam-se questões bastante desconfortáveis, dentre as quais a das mulheres que continuam casadas com homens que lhes dão surras. Quando surge um Marte negativo em um relacionamento, geralmente o problema é dos dois. Se um está ocultando uma raiva profunda, inexpressada e não admitida, pode provocar o parceiro para que este a manifeste, conseguindo assim um alívio ao mesmo tempo em que mantém as mãos limpas. Para falar com franqueza, há maneiras bastante sutis de uma mulher castrar um homem e fazê-lo chegar ao ponto da fúria cega, enquanto se oculta sob o disfarce de um amável auto-sacrifído. Todos deve­ riam ler The Iceman Cometh (O Homem do Gelo Chegou), de Eugene 0'Neill, que apresenta um retrato terrível desse meca­ nismo. Como nós, sodedade, condenamos atos de violênda física ao mesmo tempo em que ignoramos os atos de violênda emodonal que se disfarçam sob a aparênda de martírio, acha­

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mos doloroso o confronto com esses problemas, tanto em nós mesmos quanto nos outros. No entanto, existe um tipo de personalidade doce, passiva, "boazinha", em homens e mulhe­ res, que tem a notável capacidade de despertar a ira e a agressividade dos outros. Vou dar um exemplo pessoal a respeito disso: um pequeno incidente que aconteceu há alguns anos e que ficou em minha mente como uma espécie de símbolo da interação típica de um Marte projetado. A campainha de casa soou um pouco depois da meia-noite em um dia de semana. Eu estava no meio de uma interessante conversa telefónica com meu sócio e também me preparava para ir deitar. Apesar de Howard dizer que meu signo não é nenhum dos doze conhecidos, mas sim "Não Pertur­ be", e de às vezes ser excessivamente firme em meus limites, creio que até uma pessoa com o Sol, Lua e Ascendente em Peixes e conjuntos a Netuno teria ficado levemente aborrecida com o que aconteceu. Bem na frente da porta, encontrei um sujeito que parecia ter saído dos anos 60 e do bairro hippie de São Francisco, HaightAshbury - tinha o colar de contas, trancinhas nas costas e um sorriso amável do tipo "somos-todos-um". Ele disse, "Oi, gosta­ ria de fazer meu mapa". Contei mentalmente até dez e disse, com razoável polidez, "Como é óbvio que você tem meu endereço, teria sido bem mais cortês se me escrevesse ou telefonasse para marcar uma consulta. Não costumo interpretar mapas à meianoite". Ele respondeu: "Puxa, mas estou realmente precisando dele agora". Ele continuou com aquele sorriso adocicado, nem um pouco agressivo, e eu estava me sentindo cada vez mais irada. Não que ele não tivesse qualquer noção de privacidade alheia. Esse comportamento era agressivo, mas profundamente inconsciente, e ele estava completamente alheio a isso. Eu disse, "Bem, que pena, não é? Você vai ter de aguentar sem o seu mapa. Não estamos numa dessas barraquinhas de atendimento em feiras esotéricas, abertas 24 horas para sua conveniência. Vá embora e não volte a tocar esta campainha". Depois que eu disse isso, ele me respondeu, com perfeita ingenuidade, "Por quê você está tão zangada? Você tem problemas para lidar com a raiva?" Creio que mereço elogios por não tê-lo assassinado na hora. Bati a porta em sua cara e não tenho dúvidas de que ele deve ter

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ido embora convenddo de que eu tinha de estar disponível para ele, motivo pelo qual eu deveria ter sérios problemas com minha agressividade. Contudo, como ele não evidendou nenhuma raiva, pôde justificar seu comportamento. Ele se via como uma pessoa amorosa, cheia de paz, amor e espírito humanitário; contudo, esperava que o mundo cuidasse dele incondicional­ mente, a qualquer hora do dia ou da noite, e se não o fizesse, daria vazão à sua raiva acusando os outros de serem "pouco evoluídos". Não tinha limite algum, sendo assim cego à realida­ de alheia; quando essa realidade se impingia sobre ele de maneira desagradável, invariavelmente considerava o outro como cul­ pado. Posso imaginá-lo perambulando pela vida com aquele sorriso ameno, deixando em seu rastro uma trilha de parceiras, patrões, amigos e conhecidos furiosos, dando, de tempos em tempos, um sorriso cansado e pungente ante o estado maligno e agressivo em que o mundo se encontra por causa de sua cobiça e egoísmo. Essa história tem diversos elementos engraçados, mas ilustra um problema profundo e perturbador. Se esse homem for ataca­ do ou provocar a violênda alheia-e comportando-se assim, com certeza irá tocar a campainha errada, mais cedo ou mais tarde - de quem será a responsabilidade? Muitos são os tipos de invasão e de controle, e alguns são muito sutis, forçando os outros a satisfazer a vontade da pessoa jogando com os sentimentos de obrigação e piedade. Creio que dá para perceber o que quero dizer ao afirmar que a erupção da violência em um relaciona­ mento pode ser algo criado por duas pessoas, não apenas a agressividade descontrolada de uma delas. Como você se senti­ ria depois de meses ou anos se, todos os dias, alguém lhe lembrasse suavemente do quanto você é egoísta e pouco amoro­ so por não dar ao parceiro exatamente aquilo de que ele necessita, espedalmente depois de tantos sacrifídos (que provavelmente você nem pediu)? Geralmente, é isso o que acontece quando Marte é repudiado e forçado a operar por meio de canais inconsdentes. Ser a vítima de abusos alheios, verbais, emodonais ou físicos é uma experiênda horrível, mas creio que devemos encontrar a coragem de analisar o elemento de conluio envolvido na história. Posso entender, em retrospectiva, os motivos pelos quais teria atacado

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aquele hippie na soleira de minha porta; na época, ainda estava tentando lidar com o problema de ter o direito de possuir limites (o que, em parte, é uma questão marciana) e ele era a personifi­ cação de uma voz interior culpada, dizendo-me que eu deveria colocar as necessidades dos outros à frente das minhas. Contu­ do, o risco que ele enfrentou era ainda maior do que o meu, pois para mim era suficiente fechar a porta na cara dele; no entanto, se eu tivesse l,80m e estivesse bêbada, ele poderia ter ido parar no hospital. Sua raiva era totalmente inconsciente, global e implacável, e não específica ou realista, datada de uma infância na qual, sem dúvida, foi privado do amor incondicional de que toda criança necessita. Todos nós temos Marte no horóscopo e o problema da sepa­ ração psicológica dos outros por meio da expressão aberta de nossa agressividade nos confronta diariamente. A violência e suas vítimas são questões marcianas levadas a um extremo; e se formos tomados pelo padrão repetitivo de sermos os recipientes passivos da fúria alheia, acreditando que não somos dotados de nenhum instinto cruel de sobrevivência, é hora de nos pergun­ tarmos o que está acontecendo com Marte no mapa natal. Audiência: Pergunto-me se quando uma mulher é estuprada

haveria algum vínculo de Marte nos dois mapas. Será que isso é um exemplo do que você está falando? Liz: Esse tema é muito forte e hesito em entrar nele sem ter muito

tempo para lidar com as emoções que pode suscitar nos mem­ bros do grupo. Não creio que alguma mulher possa ser "culpa­ da" por um estupro; ademais, estamos rodeados por uma atitu­ de coletiva muito perigosa, uma relíquia do catolicismo medie­ val que considerava as mulheres como ferramentas do demónio e que costuma fazer com que as mulheres se sintam culpadas e envergonhadas por denunciar um estupro à polícia, temendo a acusação de terem "causado" esse ato. Essa atitude está tanto dentro da própria mulher como "lá fora", mas está profunda­ mente entranhada na psique coletiva. Tendo dito isto, creio que há casos individuais - especialmente quando o estuprador é conhecido da mulher, podendo ser um ex-namorado, ex-marido ou amigo - em que pode haver um conluio, nos quais a ira

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profundamente reprimida da mulher em relação aos homens pode, inconscientemente, criar uma situação onde a raiva é vivendada. Tenho visto casos assim e tenho visto casos em que a mulher foi extremamente tola em perambular sozinha em uma região sabidamente perigosa; além disso, seria inútil dizer que "não deveriam" existir lugares assim em uma sodedade perfei­ ta. A realidade é que eles existem e só uma pessoa profundamen­ te inconsdente provocaria o destino (ou seu complexo) vague­ ando desacompanhada pelo Central Park de Nova York ou por Brixton, em Londres, tarde da noite. Em resumo, creio que depende da situação individual. Às vezes, existem contatos difíceis de Marte entre duas pessoas ativados pelo mesmo trânsito, e tenho visto isso entre os mem­ bros de casais onde ocorre um estupro ou violênda. Contudo, e em contraste com essa situação, vem-me à mente o caso recente de mapa: o de uma menina de 16 anos que foi atacada durante o trânsito de Plutão sobre sua Lua natal. Sua mãe me procurou para falar do assunto e como o estuprador era um desconhecido, seria naturalmente impossível obter seu mapa. Contudo, a moça ficou até tarde em uma discoteca e estava voltando para casa a pé e sozinha em uma região bastante insalubre de Londres. Se quiser, pode estudar a presença de algum elemento de autodestrutividade no caso ou de questões ainda mais profun­ das, ligadas à herança psicológica da mãe, que, quando muito inconsdentes, podem assumir formas bastante estranhas. Quan­ do tiramos a tampa da lata de minhocas que esses inddentes representam, vemos que ela não tem fundo e que estamos diante de águas muito escuras. O estuprador é uma figura comum nos sonhos femininos e é interessante analisar o que isto pode representar em termos simbólicos com relação ao próprio Marte da mulher. Embora seja comum haver um componente plutoniano nos estupros, na mitologia Ares não é muito conheddo por sua habilidade como galanteador, e o irado agressor do sonho pode refletir um Marte dissodado e furioso, atacando o consdente de dentro para fora. O tema do bandido ou de um bando de adolescentes também é comum nos sonhos masculinos, e mais uma vez isso pode refletir a própria agressividade não aceita do homem, perseguindo-o desde o inconsdente. Outra figura marciana é a do incendiário,

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pois o fogo pode ser a imagem da ira reprimida que ameaça irromper e consumir o edifício de nossos valores conscientes. Esses sonhos, caso sejam recorrentes, exigem atenção e apontam para problemas com Marte, que geralmente será encontrado ativado por trânsito ou progressão. Audiência: O Marte da pessoa pode ser afetado por valores e

pressões sociais? Liz: Claro. Todos são vulneráveis a valores coletivos e todos os planetas interiores podem ser desafiados, criativamente ou no­ civamente, pelas estruturas morais e éticas de uma sociedade específica. Como disse, Marte é, em si, "anti-social", pois esse planeta reflete um instinto de autogratificação e de sobrevivên­ cia individual que vai colidir inevitavelmente, em algum mo­ mento, com os desejos dos outros e do grupo. Todos nós experi­ mentamos um pouco do tempero de Marte, o que é necessário caso queiramos viver com outras pessoas. Contudo, o tempero pode ser forte demais em algumas situações sociais e mesmo em algumas culturas. Um povo inteiro pode sofrer de depressão coletiva - e, pelo que tenho visto em minhas viagens, é o que aconteceu em países sob domínio soviético. Já disse que Marte é um mau comunista e em nações comunistas, de certa forma, o Marte de todo um povo é que está sendo reprimido. Natural­ mente, há nações tão marcianas que se acham no direito de invadir o quintal de todo mundo. Um Marte desequilibrado pode facilmente adotar a atitude do "o que é meu, é meu, e o que é seu, é meu também". Mas poderíamos passar toda a semana falando da psicologia coletiva da guerra. Estamos nos aproximando do mapa de exemplo desta sessão, mas existem ainda alguns pontos gerais que gostaria de tratar com relação a Marte. Primeiro, queria mencionar um belo exem­ plo de Marte em seminário que encontrei há muitos anos atrás. Esse seminário foi apresentado por Alexis Edwards, que levou um monte de doces e chocolates realmente deliciosos e os colocou sobre uma mesa grande, bem no meio da sala. Depois, ele instruiu o grupo para que cada um se levantasse e pegasse o que quisesse da mesa. Depois que todos tinham comido seus doces, seguiu-se uma discussão extremamente engraçada a

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respeito do modo diferente como cada pessoa procurava o doce que queria, pois isso reflete de maneira bem direta e "cotidiana" a ação de Marte em cada um dos signos. Uma pessoa com Marte em Libra, por exemplo, disse a seu vizinho "Você se incomodaria de pegar aquela barra de choco­ late para mim? Estou tão cansado... acho que não vou conseguir enfrentar toda essa gente se empurrando para chegar até a mesa". Uma mulher com Marte em Áries chegou à mesa antes mesmo de Alexis acabar de dar as instruções e conseguiu embolsar não um, mas dois pacotes de biscoitos. Um homem que tinha não só Marte como o Sol e Mercúrio em Virgem, e que depois riu muito da história, decidiu que não iria comer doces pois, se fizesse isso antes do almoço, prejudicaria a taxa de açúcar no sangue. Viram outra, com Marte em Câncer, movendo-se com aparente indolência e despreocupação em tomo da mesa, como se não estivesse preocupada com o doce que iria conseguir, e depois, quando surgiu uma estreita lacuna, voou como um raio para pegar aquele que queria. Esse é um modo bastante divertido e educativo de compreen­ der o modo como usamos Marte na vida cotidiana, refletindo sobre nossos padrões de comportamento em todas as esferas onde devemos lutar por aquilo que queremos. A arena do namoro, naturalmente, é um lugar óbvio para localizarmos Marte, bem como essas reuniões de condomínio, onde a pessoa precisa encontrar um modo de conseguir o que quer, lidando ao mesmo tempo com pessoas que estarão fazendo a mesma coisa. Na Inglaterra, temos uma instituição nacional chamada "fila", que é mais sagrada do que a Catedral de Canterbury. Se vamos ao banco ou a uma loja e outras pessoas estão à-nossa frente, formamos um alinhamento ordenado e educado chamado "fila". Toda pessoa que "fure" a fila recebe olhares tão assustadores e cheios de ódio que a maioria das pessoas nem mesmo ousa fazêlo. Como somos ingleses, raramente ouvimos insultos dirigidos diretamente ao transgressor; geralmente, alguém na fila mur­ mura sotto voce para outra, "Que grosseria". Com isso, ela está dizendo que o fura-filas é tão antibritânico, tão alheio às regras civilizadas de conduta, que seria melhor ele se enfiar debaixo do tapete. Em contraste, quando viajo pela Itália, Israel ou Nova York, vejo a tática que pode ser chamada de "se vir um espaço

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vazio, ocupe-o"; na Turquia, cheguei a ver gente literalmente empurrando os outros para entrar em um ônibus. Contudo, ninguém acha isso incivilizado ou moralmente incorreto; é apenas normal e qualquer tolo que queira ficar na fila ainda estará lá três semanas depois. Talvez essas coisas tenham relação com a posição de Marte no mapa do país. Audiência: É mais difícil para a mulher expressar Marte? Liz: Na verdade, é o mesmo problema que ocorre com o Sol.

Historicamente, os canais de expressão desses planetas mascu­ linos têm sido claramente definidos. O homem pode ser um guerreiro e ir combater; pode ser ambicioso e ir lutando pelo poder e pela fortuna. A mulher pode expressar seu espírito de luta na defesa de seu lar e de sua família ou pode canalizar Marte indiretamente, forçando seu parceiro complacente a obter para ela aquilo que deseja. As mulheres sempre conseguiram vivenciar Marte; os canais é que têm sido limitados e circunscritos. Por outro lado, a mitologia está repleta de imagens de mulheres guerreiras como as amazonas, e algumas das mais antigas divindades da guerra não eram masculinas, mas femininas Hathor e Sekhmet, no Egito; Ishtar, na Babilónia; Afrodite, na Grécia pré-clássica. Além disso, a história arrola numerosos casos de mulheres marcianas poderosas, como Catarina a Gran­ de da Rússia e a Rainha Elizabeth I da Inglaterra. Essa questão é espinhosa. O ponto de vista feminista mais radical afirma que as mulheres têm sido "oprimidas" e que não têm tido poder sobre suas próprias vidas, sendo escravas de sua biologia e da depen­ dência material em relação aos parceiros. No entanto, a expres­ são de sentimentos marcianos - paixão, inveja, raiva, ataques verbais agressivos - sempre foi mais acessível às mulheres, pois acreditam que elas têm um temperamento mais emocional. Preocupo-me muito com generalizações e só consigo falar com franqueza de pessoas com quem trabalho naquele momento. Dado o clima mais aberto que se instalou, sinto que os indivídu­ os, homens ou mulheres, têm o poder de se oprimir caso apre­ sentem algum problema marciano. É uma questão de expandir os canais e níveis de operação de Marte, de aprender a escolher aqueles que são realmente autogratificantes, em vez daqueles

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que se ajustam a um princípio ou a um conjunto de expectativas, interiores ou exteriores. Audiência: Mas os homens não gostam de mulheres agressivas. Liz: A agressividade não é uma qualidade agradável para nin­

guém quando é expressada de maneira cega e odiosa. Contudo, o que é uma "mulher agressiva?" Provavelmente, sou a pior pessoa para responder a essa pergunta, pois não me interessa interpretar sempre essas questões como "sexistas". Se você quer dizer que a maioria dos homens não gosta das mulheres que gritam e os ofendem, está certa; mas as outras mulheres também não vão gostar delas, e quem poderia culpá-las? Tenho visto muitas mulheres marcianas, competitivas e dinâmicas que são estimadas e respeitadas tanto por colegas como por parceiros e amigos, pois sua energia não é expressada com a fúria venenosa de ferimentos de infância ainda abertos. Uma generalização como essa, de que ninguém gosta de uma mulher agressiva no trabalho, é absurda; depende do local de trabalho, das pessoas que trabalham lá, da mulher e do modo como ela trata os colegas. Se você provoca alguém, provavelmente vai ser provocada; mas é a culpa velada que sentimos por nossa vida como um todo, não a expressão direta de Marte, que causa o problema. Preciso sempre voltar à questão de Marte dentro do indivíduo. Ainda há problemas sérios a se enfrentar no mundo "lá de fora" em termos de direitos femininos (como a questão do aborto), e muitas das metas e dos objetivos do movimento feminino, sem dúvida, são válidos e de há muito deveriam ter sido resolvidos. No entanto, dispomos de um poder muito maior do que imaginamos para moldar nossas vidas, apesar das imperfeições da sociedade. Para mim, o lamento inconsciente de uma vida inteira com relação aos pais, ou a projeção inconsciente do poder e da agressividade sobre os outros, nunca ajudou a causa das mulheres. Audiência: E o que dizer de Marte no mapa composto? Significa

a mesma coisa? Liz: Sim, o princípio é o mesmo, embora devamos nos lembrar de

que, no mapa composto, os planetas representam funções do

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relacionamento, não de um indivíduo. Assim, de certo modo, Marte é o princípio de luta do relacionamento, servindo ao Sol composto, assim como Marte serve ao Sol no mapa individual. Todo relacionamento deve sobreviver no mundo, deve enfren­ tar desafios e pressões alheias e deve cumprir suas metas. Se considerarmos o Sol composto como o caráter essencial do relacionamento, como aquilo que mais necessita expressar a fim de concretizar seu "propósito", então as energias combinadas que formam o Marte composto são mobilizadas para dar apoio a essa expressão. Por exemplo, se o Sol composto está em Leão, na 10, então a essência do relacionamento é o desenvolvimento criativo dos dois indivíduos e a contribuição que, como casal, dão ao mundo exterior; o relacionamento deve marcar o coletivo, e geralmente isso faz com que o casal se envolva em trabalhos e projetos criativos em conjunto. Se o Marte composto está na casa 2 em Escorpião, a energia que o casal gasta no desenvolvi­ mento de estabilidade financeira e de uma base emocional segura - e as discussões que têm em tomo desses assuntos serve como suporte para essa necessidade conjunta de marcar o mundo. Um Marte reprimido exerce, em um relacionamento, efeitos semelhantes aos que exerce sobre o indivíduo. Se a pessoa evita a energia e a agressividade competitiva, tanto dentro do relaciona­ mento como no mundo exterior, então a raiva inconsciente vai acabar encontrando caminho por meios velados. Outro modo de compreender Marte, já discutido quando falamos do mapa indivi­ dual, é que ele reflete o modo pelo qual lutamos por aquilo que desejamos; o mesmo pode ser dito do relacionamento. Um mapa composto com Marte em Áries, formando trígono com Júpiter, vai refletir um diredonamento e uma abertura muito maiores do que um composto onde Marte em Peixes esteja em oposição a Netuno. Às vezes, conhecemos casais em festas e percebemos claramente quais são suas metas conjuntas, enquanto outros são extremamente discretos na maneira como buscam realizar seus objetivos. Natural­ mente, lutar por um objetivoinclui os objetos denosso desejo sexual, e aenergia sexual e o estilo do relacionamento tambémsão descritos pelo Marte composto. Agora, gostaria de me dedicar um pouco aos signos ocupados por Marte e aos planetas ligados a ele. Os princípios gerais

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podem se aplicar tanto ao indivíduo como ao mapa composto. Os planetas que formam ângulos fortes com Marte tingem o modo como expressamos nosso espírito de luta, além de refletir facetas em nós que nos ajudam ou nos atrapalham na luta por nossas metas. Se nos recordamos dos Trabalhos de Hércules, podemos ver os planetas que formam aspecto com Marte como o tipo de processo de têmpera a que nos submetemos ao longo da vida, pois cada planeta ligado dessa forma a Marte reflete uma espécie de trabalho hercúleo. Para Marte, alguns planetas são fáceis de tratar, especialmente Júpiter, que mesmo em qua­ dratura ou oposição oferece um entusiasmo intelectual e uma dimensão filosófica ao espírito de luta. No entanto, planetas como Saturno, Plutão e Quiron, mesmo em trígono, parecem sugerir um esforço muito difícil, uma têmpera dura que, esperase, resulte num tipo forte e flexível de caráter, e não em amargura ou mágoa. Gostaria que você desse uma olhada no mapa de exemplo desta sessão (veja o Mapa 4 na página 219), pois ele é um ótimo lugar para começarmos a explorar os signos e aspectos de Marte. Em vez de começarmos com um estudo de caso, imagi­ nei que poderíamos ir direto para a interpretação, antes de eu lhes dar algumas informações sobre Diana. Nesse mapa, Marte está em 1 grau de Virgem e na casa 8, formando conjunção com Plutão em Virgem e com Urano em Leão, embora esta tenha um orbe mais amplo. Assim, esse Marte está espremido entre dois planetas exteriores. Além disso, forma um sextil com Mercúrio, situado no início de Câncer, e uma oposição dissociada (fora de signo) com a Lua em Aquário. Finalmente, está em quadratura (também dissociada) com Vênus. É uma gama bem ampla de aspectos para esse Marte, alguns harmo­ niosos e outros bastante problemáticos. Seria interessante começarmos com esse Marte em Virgem, bem como sua colo­ cação na casa 8. Seria bom se levássemos em conta os mitos, em vez de voltarmos a afirmações secas como "Marte em Virgem é crítico", etc. Lembra-se da imagem mítica associada a Vir­ gem? Audiência: Talvez Diana possa sentir a necessidade de ficar

limpando os Estábulos de Áugias o tempo todo.

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Mapa 4. Diana, Princesa de Gales. Nascida em Sandringham, Inglaterra (52N50,0E30), em 1° de julho de 1961 às 19:45 GMD (fuso -1). Fonte dos dados: Palácio de Buckingham. Mapa calculado pela Astrodienst, usando o sistema Placidus de casas.

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Liz: Esse elemento faz parte de Virgem, com certeza, e mais tarde você verá como se encaixa. Contudo, vamos tentar compreender como atua esse Marte, como um reflexo do modo como Diana luta por seus valores e consegue o que deseja da vida. Pense naquele Ares de cem metros de altura, forte e irritável, depois vista-o com roupas virginianas. Como vai ficar e como vai se comportar quando adentrar um recinto? Audiência: Vai ficar muito meticuloso, detalhista. Liz: Sim, vai se sentir limitado em suas roupas virginianas e não vai conseguir arrebentar a porta ao entrar. Ficará mais autocontido, controlado e distante, mantendo certa dignidade e frieza. Em Virgem, Marte não fica muito exibido. Move-se cuidadosamente, pé ante pé, prestando muita atenção em todos os detalhes daquilo que acontece à sua volta. Sempre que pensa­ mos em Virgem, devemos nos lembrar da deusa virgem que não está à venda, que exerce um domínio absoluto sobre si mesma. Marte em Virgem não "se vende" para atingir suas metas; a expressão de seus instintos competitivos é íntegra, existe a disposição de trabalhar por aquilo que se deseja obter. Do lado negativo, deve haver pouca espontaneidade, pois toda essa restrição limita a expressão do lado ígneo de Marte. Bem, e o que dizer de sua colocação na casa 8? Em que esfera da vida Marte deve se dedicar mais a seus objetivos? Audiência: A casa 8 lida com a morte. Liz: De certo modo, sim; mas há nessa casa um sentido mais profundo e abrangente, do qual a morte é apenas um aspecto. Audiência: Sexualidade. Liz: Sim, em parte. Mas sempre precisamos chegar ao núcleo de

uma casa a fim de compreender a razão pela qual temas tão díspares quanto morte, sexualidade e recursos em conjunto se abrigam no mesmo departamento. A casa 8 pertence a Escor­ pião, lida^com adimensão da vida e da personalidade que está oculta sob a superfície. Enquanto a casa 2 lida com aquilo que é

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concreto e visível, a 8 lida com aquilo que realmente comanda o espetáculo desde a casamata subterrânea. É por isso que costu­ mamos ficar chocados ou entramos em crise quando encontra­ mos planetas na 8; não sabíamos da existência desse remo ativo sob o limiar da personalidade consciente. Em vez de definir essa casa como a da "morte ou a da "sexualidade", sinto-me mais propensa a vg^la como o ponto onde a personalidade consciente e integrada, apósdesenvolver a solidez e a adaptação pelas sete casas iniciais, se encontra com o reino invisível que não consegue controlar, onde o indivíduo é sujeitado a experiências que mu­ dam a atitude fundamental para com a vida em função da perda do poder do ego. Em relação à morte e ao orgasmo, não temos controle algum; o mesmo pode ser dito tanto dos complexos familiares (que se formam antes mesmo de existirmos) e dos "recursos conjuntos", nos quais reunimos nossa energia e subs­ tância com a dos outros. Um planeta na casa 8 é visto, portanto, como algo "do outro", assim como os planetas na casa 7. Às vezes, na primeira metade da vida, esse "outro" é projetado sobre um progenitor ou parcei­ ro, especialmente na esfera emocional dos relacionamentos; mais comumente, porém, é sentido como uma compulsão, um "bolsão" explosivo que temos dentro de nós e sobre o qual não temos controle. O comportamento dos planetas da casa 8 nunca é aberto, de início, embora a experiência e a disposição de analisar nosso interior tendam a alterar essa situação. O planeta parece nos dominar durante algum tempo, geralmente deixan­ do mudanças profundas à sua passagem, e devemos começar a explorar o subterrâneo da personalidade a fim de compreender o que aconteceu conosco. Assim, a função marciana da competitividade, da agressividade e do espírito de luta não serão, no princípio, uma faceta bem integrada da personalidade de Diana. Provavelmente, ela teve um início de vida excessiva­ mente bondoso e não-agressivo, vulnerável à manipulação dos outros. Marte teria tendência a irromper em momentos críticos, tanto para a surpresa de Diana como dos demais, e levaria algum tempo e alguma exploração íntima para aprender a lidar com os instintos marcianos de maneira consciente. Alguns dos aspectos de Marte tendem a reforçar essa interpre­ tação. Isso se aplica especialmente a Marte em oposição à Lua,

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onde o instinto agressivo está em conflito com a necessidade de segurança e com a vontade de participar. Com esse aspecto, geralmente vemos um dilema entre a auto-afirmação e a vonta­ de de agradar os outros, razão pela qual ele às vezes reflete um temperamento suscetível - a pessoa aplaca e aplaca e, de repen­ te, já tem o suficiente e sai brigando, para surpresa de todos, inclusive da própria pessoa. Aqui, a Lua em Aquário na casa 2 enfatiza a necessidade de se sentir segura dentro do contexto de um grupo social. E, como vimos, a energia de Marte é basicamen­ te contrária à amena cooperação coletiva; ela é excessivamente individualista, excessivamente subserviente ao Sol. Quem tem uma quadratura ou oposição Lua-Marte? Audiência: Sim, tenho uma oposição. É verdade, dizem que tenho

um temperamento muito difícil. Liz: Na oposição, existe sempre a necessidade de encontrar um equilíbrio entre os dois princípios que se confrontam. Um dos modos de encontrar um equilíbrio adequado entre Marte e a Lua é deixar a raiva e a necessidade de auto-afirmação se expressaremem doses pequenas e regulares, não em um único cataclisma. Geral­ mente, um dos lados desse aspecto é empurrado na direção do inconsciente (no caso deDiana, provavelmente é Marte, porque este se acha na 8 e tambémporque a Lua rege seu Sol, sendo por isso um importante fator de personalidade). Como vemos, algum esforço consdente para expressar o lado bloqueado da oposição pode ajudar muito a resolver a situação. Se fosse a Lua o planeta reprimi­ do, então a pessoa não teria problemas para expressar a raiva e a agressividade, mas poderia negar suas necessidades emocionais. Provavelmente, elas iriamirromper como sintomas físicos ou como acessos de depressão emocional ou dependência compulsiva. A quadratura entre Marte e Vênus também reforça esse dilema entre o eu e os outros. Se Vênus reflete o senso de beleza e de valor no mapa de Diana, podemos presumir que seus valores estarão em conflito com seu instinto natural de luta por seu próprio espaço. O que você acha de Vênus em Touro na casa 5? Audiência: Ela sente uma grande necessidade de estabilidade no

relacionamento.

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Liz: Sim, é uma Vênus bastante pacífica, que necessita de estabi­ lidade emocional, segurança material, valores tradicionais no casamento e um forte grau de harmonia e de beleza no ambiente. Também poderíamos analisar sua colocação na casa 5 e inferir que Diana também valoriza muito o amor romântico, à moda antiga (o que é ameaçado pelo lado separativo de Marte), e as crianças que são fruto desse amor. Vênus também forma um trígono com Saturno, o que enfatiza seu desejo de estabilidade e estrutura; como Saturno está na cúspide da 2, isso fica ainda mais acentuado. Podemos fazer uma imagem clara do dilema básico de Diana através de seu mapa. A Lua e Saturno estão enraizados na segurança da 2, com Saturno em seu próprio signo, Capricór­ nio (uma colocação altamente conservadora) em trígono com Vênus, e a Lua situa-se em um dos signos de Saturno. Tudo isso acentua a faceta tradicional, altamente responsável e amante da segurança da personalidade de Diana, refletindo grande lealda­ de e confiabilidade emocional. Mas ela deve enfrentar um Marte em Virgem na 8 "briguento", um poderoso espírito combativo que não faz concessões, ladeado por dois planetas exteriores que sugerem uma frustração da energia marciana por meio dos princípios coletivos do comportamento "correto" (Urano) e dos efeitos inconscientes de um histórico familiar complicado (Plu­ tão). Precisamos estudar com cuidado esse par de planetas exte­ riores com relação a Marte. Creio que mencionei o modo como Urano "sublima" os outros planetas, levando-os a agir ao nível mental e pondo à prova sua atividade mais instintiva e autocentrada. Urano lida com princípios gerais, com idéias coletivas que estão vindo à luz e que ainda não foram processa­ das pelo próprio sistema de valores do indivíduo. Assim, Urano interfere com o modo de operação essencialmente físico e instin­ tivo de Marte, exigindo que Diana aja de acordo com princípios ideais e não conforme seus desejos pessoais. Isso pode ser extremamente positivo, pois dá um cérebro a Marte, coisa que ele normalmente não tem; existe a capacidade de reflexão e uma perspectiva mais ampla, o que ajude, a civilizar esse brutamontes de cem metros de altura. O mesmo pode ser dito de Marte em Aquário; é um Marte muito mais razoável, que leva em conta o bem-estar do grupo. Mas você pode ver que isso também pode

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ser uma dificuldade, pois Marte perde parte de seu espírito combativo natural e sua capacidade de agir espontaneamente. Não sou favorável a igualar Urano com "individualidade", pois embora ele possa se expressar de maneira imprevisível e destrutiva (o que espelha sua função de demolidor das antigas estruturas sociais), ele trata de novas idéias coletivas e não pessoais. A imagem mitológica do deus Ouranos, que represen­ ta o conceito ideal de vida, não sua realidade, também é uma imagem de perfeccionismo; afinal, esse deus condenou seus filhos ao ventre do submundo em virtude de serem feitos de terra, feios e defeituosos. Onde existe um conceito ideal de perfeição, seja para uma pessoa ou uma sociedade, não há lugar para o individual, pois este nunca se encaixa nas estatísticas e felizmente sempre desafia qualquer tentativa de criar um orga­ nismo social perfeitamente funcional. Urano expressa a dimensão de Aquário que se opõe a Leão, regido pelo Sol, e que nivela o indivíduo em nome do grupo - mesmo que esse grupo seja "Nova Era". Assim, embora Urano se comporte de maneira iconoclasta, não lida com o indivíduo; anseia, na verdade, repor um sistema social (o sistema saturnino, cínico e desgastado) por outro siste­ ma social (o prometéico e aperfeiçoado, onde o potencial humano pleno pode ser realizado segundo uma nova idéia ou filosofia). Sem os efeitos dvilizadores de Urano, estaríamos enredados na materialidade saturnina e estagnante do "é assim que as coisas são, minha cara (ou meu caro)", e esse espírito prometéico de reforma sodal em sua forma mais positiva fica evidente no mapa de Diana em virtude de sua Lua em Aquário, oposta a Urano, e de seu Marte conjunto a este último planeta. Se Diana conseguir fazer o melhor uso dessa combinação energética, pode diredonar seu Marte a algum tipo de meta humanitária e pode se sair bem em atividades filantrópicas ou de auxílio, orientadas para problemas sodais. Contudo, se ela não conseguir o equilíbrio correto, provavelmente terá de pagar pelo uso excessivamente prometéico de Marte, passando por certa frustração pessoal, o que resulta em acessos periódicos de raiva e depressão. Audiência: A conjunção Marte-Plutão faz o contrário com Marte,

atraindo-o para o reino dos instintos.

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Liz: Sim, é verdade, mas Plutão também é um planeta exterior e, como Urano, atende ao coletivo, não ao individual. Plutão não reflete desejos pessoais; simboliza as necessidades emocionais e instintivas da espécie, a coletividade e, acima de tudo, a família, um antigo organismo tribal que, de geração em geração, trans­ mite seus métodos específicos de sobrevivência. Quando Marte forma aspecto com Plutão, o "temperamento" ou Trabalho de Hércules que temos de enfrentar geralmente é a herança psico­ lógica familiar, o que nos predispõe a certos padrões emocionais que podem entrar em conflito com nossa própria vontade e desejos individuais. Diana terá de encontrar um modo de com­ binar a auto-afírmação individual com as regras emocionais de comportamento que ela absorveu inconscientemente de sua família. Ela não pode desfazer o passado nem erradicar quais­ quer cicatrizes que possa trazer de lá. Juntar Marte e Plutão de maneira criativa é algo que exige certa dose de confrontação sincera com esse ambiente familiar e com os modos como ele a moldou. Do contrário, pode se sentir constantemente atormen­ tada pelas necessidades de sobrevivência do grupo que a rodeia e pode projetar as frustrações de sua infância sobre qualquer família que forme na vida adulta. O sextil entre Marte e Mercúrio ajuda muito nessa situação, pois pode lhe oferecer a oportunida­ de de compreender e de reformular suas necessidades e senti­ mentos - um dom considerável quando estamos diante de forças inconscientes tão poderosas pondo Marte à prova. Audiência: Seria a mesma coisa se Marte estivesse em trígono

com Urano e Plutão? Liz: Sim, teríamos o mesmo significado, mas talvez o senso de pressão não fosse tão grande. A conjunção é o aspecto mais intenso e não existe margem para relaxar. A pessoa se sente compelida a ter de lidar com as energias de frente, desde a infância. Por outro lado, a grande intensidade e urgência de Marte-Urano-Plutão reflete a possibilidade de se formar um tremendo caráter. Se Diana conseguir suportar o processo de têmpera ao qual a vida a irá submeter, ela será uma força social no melhor sentido da palavra, podendo fazer contribuições duradouras para o mundo que a cerca.

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Audiência: Podemos saber alguma coisa sobre Diana agora? Você

disse que deixaria o estudo de caso para o final. Liz: Creio que você já a conhece bem sem saber; trata-se do mapa

da Princesa de Gales. Mas eu queria que você sentisse esse Marte sem se deixar levar pelo fato de conhecê-la. Fosse qual fosse sua posição na vida, a interpretação se aplicaria. No entanto, dá para ver como Diana precisa lidar com um incrível peso de expecta­ tivas e heranças coletivas, sem deixar de ser uma pessoa. Seu Marte está realmente diredonado para algum tipo de serviço coletivo, e como o papel da futura Rainha é arquetípico, ela é um símbolo, além de um ser humano, e deve encontrar um modo de respeitar ambos. Seu lado saturnino lhe confere grande força, tenaddade e confiabilidade, mas creio que precisamos reconhe­ cer o trabalho hercúleo que ela assumiu. Acho irritante ver a imprensa invadindo sua privaddade e encontrando furos em tudo o que ela faz; faria muito bem aos jornalistas ingleses trocar de lugar com ela e ver como iriam se sentir. Um dos maiores dons da astrologia é sua capaddade de nos fazer entender um pouco o modo como outra pessoa vive e sente. Eis uma mulher que, ao lado da tímida natureza canceriana, tem muito espírito e vontade de contribuir de maneira independen­ te. Contudo, ao nível arquetípico, sua importânda é, na verdade, a de ser mãe do futuro rei; de per si, ela não é ninguém. Antiga­ mente, o papel da rainha era servir de parideira. Ela precisava ser virgem (o que ainda acontece) para não arruinar a linhagem real com escândalos ou com a vergonha de um bastardo escon­ dido em algum lugar (ao contrário do rei, cujo status sempre aumentou em função de sua rica atividade sexual); ela precisava pertencer a uma boa estirpe e tinha de dar um herdeiro ao trono. Do contrário, além de trabalhos de caridade, não devia fazer nada além de ficar quieta e se comportar de maneira apropriada. Lembra-se do que aconteceu com as esposas de Henrique VIII que não conseguiram lhe dar um filho? Atualmente, podemos até rir disso tudo, mas quando Diana mostra seu glamour sagitariano e começa a fazer amizade com cantores de rock e atores, a imprensa tem um prato cheio. O que a impediria? Mas o histórico arquetípico é profundo e forte na coletividade, uma força arcaica, primitiva e verdadeiramente

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plutoniana exige que nossos chefes de Estado - sejam reis ou presidentes - devem se ater aos confins de seus papéis simbóli­ cos. Diana aceitou seu papel voluntariamente - ninguém a coagiu a se casar com o Príncipe Charles - e, em algum nível, ela deve ter imaginado (ao menos em parte) aquilo que estaria evocando nesse processo. Talvez tenha sido essa Lua em Aquá­ rio na casa 2, e Saturno em Capricórnio formando trígono com Vênus em Touro, que a tenham atraído para a maior estabilidade que poderia encontrar (o Rei da Inglaterra não se divorcia), para não falar desse Sol na 7 e seu sonho de um poderoso e radiante parceiro conjugal. O Sol forma ainda um trígono com Netuno na 10, o que sugere um elemento de auto-sacrifício, o anseio de abrir mão de sua própria individualidade em nome de uma necessi­ dade coletiva mais profunda ou maior. Contudo, seria inevitável defrontar-se com uma tarefa árdua, em função dos aspectos natais e da casa de Marte, e creio que ela tem se saído extrema­ mente bem caso levemos em conta o grau de raiva e de frustração que deve ter sentido, especialmente com o desfecho dos aconte­ cimentos. Sem dúvida, ela esperava algo saído de um conto-de-fadas, pois o realismo de seu forte Saturno não teria sido capaz de se contrapor ao romantismo do Sol em Câncer e em trígono com Netuno até o retomo de Saturno aos 29 anos; e o processo de têmpera a que se submeteu seu Marte deve ter sido muito doloroso e difícil para ela. Contudo, ela amadureceu e se tomou uma mulher de grande estilo, autocontrole e silenciosa tenacidade - com certeza, não uma parideira. Audiência: Você poderia comentar um pouco um aspecto de

sinastria - o Saturno de Charles em conjunção com Marte-Plutão de Diana? Liz: Gostaria de falar sobre isso mais tarde, quando Howard e eu falarmos sobre Vênus e Marte, pois vamos usar os mapas do Príncipe e da Princesa de Gales como exemplos (veja a discussão na p. 281 e os Mapas 5 e 6, pp. 282-283). De modo geral, porém, os aspectos de sinastria parecem refletir um dos modos pelos quais aprendemos a expressar os planetas de nossos próprios mapas, pois se não estivermos plenamente conscientes de algu­ ma coisa em nosso interior, vamos encontrar nosso caminho em

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relacionamentos que ativem aquilo que não estivermos aceitan­ do. Às vezes, isso sugere algo predestinado, tal como ocorre quando planetas não expressados são ativados entre pai e filho. Se o instinto agressivo está agindo de maneira inconsciente, é bem provável que nos sintamos atraídos por pessoas cujos planetas formam aspectos poderosos com nosso Marte, especi­ almente porque nos fazem sentir vitalizados e animados mesmo se o planeta for Saturno ou Quiron e acabemos brigando com eles. Descobrimos que sabemos brigar quando temos de brigar. Na sinastria tradicional, os aspectos tensos com Marte entre os mapas de duas pessoas ligadas afetivamente são muito excitantes e costumam despertar fortes impulsos sexuais, pois existe uma relação íntima entre o espírito de luta e a excitação do desafio e da conquista sexual. Um dos componentes de uma atração duradoura é o elemento do conflito, que garante que um nunca possui completamente o outro. Audiência: E isso se aplica até ao Netuno de um ligado com o

Marte do outro? Liz: Sim, muito. Os contatos Netuno-Marte em sinastria podem ser tremendamente eróticos. Netuno excita Marte por meio de sua vulnerabilidade (Marte adora defender pessoas frágeis) e da magia de sua ilusão, embora possa haver bastante raiva gerada na pessoa marciana em função do fato da pessoa netuniana ficar sempre mudando de forma. Como é quenosso Hércules pode combater um nevoeiro? Não existe o trabalho chamado "O Combate com o Fantasma Invisível" em sua mitologia e ele está mal equipado para enfrentar as sutilezas de Netuno; é forte, mas não é muito bom para ler mensagens com duplo sentido. Netuno pode despertar não apenas a paixão como também muita agressividade na pessoa marciana, que sente Netuno como um fator indireto, caótico e até enganador e enfraquecedor. Se você não tem consciência de seu Marte e tem vivido de maneira relativamente livre da agressivida­ de, de repente pode começar a bater portas e a gritar, "Pelo amor de Deus, diga logo, o que é que você quer?" quando seu parceiro netuniano se mostrar vulnerável e incompreendido. Tal como Urano e Plutão, Netuno é um planeta exterior e descreve o anseio coletivo de voltar à fusão com a fonte da vida.

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Em um mapa natal, um aspecto entre Netuno e Marte pode sugerir que a missão de Marte - seu trabalho hercúleo - será a integração desse anseio pelo Jardim do Éden, que cega o instru­ mento de luta de Marte e o deixa confuso e impotente, perdendo em parte o instinto pessoal de lutar e de vencer. Netuno sussurra para Marte, "Se você for muito agressivo e egoísta, ninguém vai amá-lo, você se sentirá solitário e perdido e nunca mais voltará para o Paraíso". Naturalmente, isso é válido até certo ponto, mas devemos estar preparados para sair do Éden de vez em quando se quisermos nos sentir potentes e no comando de nossa própria vida. Netuno pode inundar Marte e toda a agressividade natural deve se expressar de uma maneira que não seja visivelmente irada - que é de onde provém a fama de viciado em drogas e álcool que Marte-Netuno tem. Obviamente, nem todos com aspecto Marte-Netuno são alcoólatras; no entanto, costuma haver a necessidade de estar consciente dos sentimentos de raiva para que estes não passem para o nível subterrâneo, aflorando depois como formas altamente manipuladoras de destrutividade velada. Existe muito mais raiva no viciado em drogas ou em álcool, bem como em certas doenças típicas de Marte-Netuno (tais como a "fadiga pós-virótica") do que gostaríamos de admi­ tir. Se duvidar, pergunte a outros membros da família, que geralmente carregam toda a raiva inconsciente e que acabam se sentindo terrivelmente culpados por isso. Pense em como deve ser a vida da mulher de um alcoólatra crónico e você vai entender o que digo. Com Marte-Netuno, os outros costumam ser minados, humilhados e coagidos a cuidar da pessoa afligida, embora esta nunca expresse nada identificável como raiva. Marte-Netuno pode ser um mestre da agressividade passiva. Contudo, esse aspecto também pode ser tremendamente cri­ ativo. Devido à extrema sensibilidade de Netuno às necessidades e sentimentos coletivos inconscientes, o espírito lutador e em­ preendedor de Marte pode fazer com que o reino da imaginação se materialize, o indivíduo pode possuir o dom único de prever a moda coletiva e de "ler" o público. Marte-Netuno tem sido associado ao teatro, à dança e a. outros meios criativos onde a participação direta do público faz parte da dinâmica. O dom de um ator não está apenas na capacidade de memorizar frases e de utilizar técnicas para criar um personagem no palco. O bom ator

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sente a reação dos outros em um nível íntimo e sabe quando tocou em algum ponto sensível; além disso, tem o grande poder de manipular as emoções coletivas de um modo quase mágico. Ele sabe quando perdeu a concentração da platéia ou que o sujeito sentado na terceira fila, na quinta cadeira a contar da direita, ficou entediado e está lendo o jornal às escondidas. A mistura criativa de Marte com Netuno pode manter esse delica­ do contato emocional com o coletivo, ao mesmo tempo em que vai à caça de seu Oscar, de maneira aberta e franca. Seria interessante analisarmos os aspectos formados entre Marte e seus dois piores companheiros de céu, Saturno e Quiron. Se puder, mantenha em mente o tema do ferimento em relação a Quiron e a sensação de que, de algum modo, o ferimento nunca será curado; nessas condições, como poderíamos interpretar Marte-Quiron? Audiência: Ferimentos físicos? Liz: Às vezes sim, embora eu ache que será preciso encontrar

outros fatores para isso, tais como problemas na casa 6, antes de chegarmos a essa interpretação. No entanto, pode surgir uma doença ou um acidente no início da vida, colocando algum tipo de limite na energia ou na capacidade de auto-afirmação física. O ferimento de Quiron também pode ser concreto, mas não ligado ao corpo em si - por exemplo, uma infância muito pobre, a violência ou o abuso por parte de um progenitor ou de um irmão. Essas coisas podem deixar cicatrizes profundas na ex­ pressão física da função marciana, sem deixar uma cicatriz corpórea real. A dor "incurável" de Quiron costuma refletir a lembrança de uma época em que a pessoa ficava impotente e sua vontade ficava sujeita ao controle do outro; e, mesmo que a pessoa consiga expressar suas metas livremente mais tarde, sente uma amargura que simplesmente não passa. Além disso, pode haver o medo de se ver novamente em uma situação de controle, por isso Quiron pode tentar compensar, tal como Saturno, tomando-se excessivamente controlado. Notei que Marte-Quiron costuma refletir o zvorkaholic, o vicia­ do em trabalho, pois a esfera da realização material pode ser uma área onde a pessoa se sente potente e controladora, enquanto

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que em questões emodonais e sexuais há sempre o risco de ficar vulnerável à vontade ou à agressividade dos outros. Às vezes, o ferimento de Quiron em relação a Marte é sentido diretamente no campo sexual, refletindo alguma forma de manipulação ou humilhação dos sentimentos sexuais da pessoa em sua infânda. Novamente, Quiron pode tentar compensar, tomando-se um tipo de técnico sexual, um amante altamente habilidoso que costuma escolher parceiros mais vulneráveis ou inexperientes a fim de evitar uma eventual ameaça de dor ou de humilhação. Isso se aplica tanto às mulheres quanto aos homens. Quiron costuma compensar as coisas usando conhecimentos ou técnicas e a inteligênda é usada para tapar todas as possíveis lacunas por onde possam passar futuras mágoas. Saturno e Quiron têm em comum a dinâmica da compensação desses sentimentos, inadequação e mágoa, essa costuma ser a dimensão mais produtiva e criativa desses dois planetas. Aquilo que aprendemos em um esforço desesperado para nos proteger pode acabar se transformando em um dom autêntico, e a com­ pensação costuma ser pardalmente bem-sucedida - embora a vulnerabilidade original nunca vá totalmente embora. Assim, Marte-Quiron consegue atingir um elevado nível de capacidade competitiva e um sofisticado poder de luta, movido pelo receio crónico (embora inconsdente) de que, caso se descuide por um instante, será empurrado de volta ao mesmo lugar dolorido. Se a pessoa pára de lutar, deve se defrontar inevitavelmente com esses sentimentos perdidos de dor; contudo, se isso puder ser feito após alguma realização pessoal, o confronto com esses sentimentos pode gerar certa tolerânda, oferecendo um bom equilíbrio para a insensibilidade inata de Marte. Descobri que um quadro similar - mágoa ou ferimento desde cedo, sensação de impotência, hipercompensação, dor e amar­ gura inexpressados- tambémpode acompanhar aspectos tensos entre Marte e Saturno. No entanto, Marte-Satumo é ainda mais frustrante devido ao reladonamento entre Saturno e a casa 10 e os valores e estruturas coletivas. Geralmente, o bloqueio que Saturno apresenta a Marte reflete um medo profundo daquilo que "eles" podem pensar, estando frequentemente ligado à obsessão de um ou de ambos os progenitores com a segurança ou com os valores morais ou religiosos convendonais. Quiron

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tem certa qualidade impessoal (simbolizada pelo ferimento "acidental" do mito), ausente em Saturno; este costuma estar ligado aos pais e, na vida adulta, a pessoa geralmente sente dificuldade para lidar com figuras de autoridade do mundo exterior porque já tem uma por dentro - a que Freud deu o nome de superego - que está sempre anunciando aquilo que ela deve e não deve fazer. Muita gente se refere a Marte-Satumo como a situação de tentar dirigir um carro cujo freio de mão está puxado. Toda vez em que Marte tenta se afirmar, o velho senex fica reclamando do fracasso e da inaceitabilidade social. Como Sa­ turno pode ser projetado tão facilmente, a pessoa pode se sentir constantemente frustrada com as estruturas "de fora". Encontrar um equilíbrio entre a necessidade marciana de auto-afirmação e a necessidade saturnina de se defender por detrás de estruturas seguras é algo que exige, acima de tudo, o reconhecimento de que a fonte de frustração - embora possa ter um forte "gancho" no mundo exterior - tem raízes internas. É a atitude negativa e derrotista perante os obstáculos, às vezes alternada com um comportamento compensatório implacável e explosivo, que gera os problemas característicos de Marte-Sa­ tumo, e não alguma incapacidade "predestinada" de encontrar uma solução criativa. Saturno pode temperar Marte com uma dose salutar de realismo, daquilo que podemos e não podemos conseguir em termos de estruturas sociais e em termos do trabalho necessário para se atingir uma meta. Se esse trabalho hercúleo é realizado, Marte-Satumo tem a capacidade única de diredonar enormes reservas de energia para fins concretos, razão pela qual é um aspecto altamente bem-sucedido no senti­ do material. Poderíamos dar uma olhada nos aspectos Marte-Sol, já mendonados antes. Esses contatos, especialmente os tensos, geram grande energia e essa combinação ígnea deve encontrar uma vazão direta e honesta para que o indivíduo não sofra ataques mardanos do mundo exterior. A maior dificuldade para esses dois, como disse, é que o printípio solar, ligado ao significado e ao espírito, costuma se sentir insultado com o instinto rude de Marte e tenta colocá-lo de lado. Em outras palavras, a pessoa não deseja ser vista como agressiva, metida ou autocentrada. Mas todo planeta que forma aspecto com o Sol reflete uma estrutura

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de caráter inata, uma propriedade da alma. Se Marte forma aspecto com o Sol, a pessoa precisa estar preparada para ser ela mesma, correndo o risco de ser rotulada de egoísta, e para viver aquela função marciana de maneira sadia. Geralmente, isso implica em se tomar um one-man shaw no mundo exterior, o que pode atrair a inveja ou o ressentimento dos outros. Quem tem um aspecto Sol-Marte forte? Você trabalha para os outros ou é autónomo? Audiência: Tenho o meu próprio negócio. Não seria capaz de

suportar a interferência dos outros. Liz: Exatamente. E quem tem um Sol-Marte dentro de uma estrutura onde precisa dar satisfação aos outros? Audiência: Trabalho em uma estrutura, mas procurei me assegu­

rar de que posso manter bastante autonomia dentro dela. Liz: E o que acontece quando você é obrigado a seguir as regras

ou métodos impostos por alguém? Audiência: Há uma grande colisão. Audiência: Tenho um aspecto Sol-Marte forte, mas também

tenho Vênus em Peixes. Trabalho como enfermeira em um hospital e me sinto muito feliz em meu trabalho. Liz: Você toma conta de sua área, de sua ala? Ou está sempre

obedecendo ordens superiores? Audiência: Não, eu não conseguiria suportar isso. Tomo conta de

uma equipe. Liz: Quando alguma pessoa Sol-Marte me procura para uma

leitura e descubro que ela trabalha para os outros dentro de uma organização hierárquica, ou então que não trabalha fora, costu­ mo sugerir que tente descobrir um campo onde possa comandar o espetáculo e impor suas próprias idéias - mesmo se isso significar voltar para a escola a fim de se aperfeiçoar ou de

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complementar sua educação. Incentivo principalmente as mu­ lheres com esse aspecto a não tentarem vivendar toda essa energia ígnea em casa, só tomando conta das necessidades da família; com Marte-Sol, fazer com que esse seja o único foco da vida é uma receita para acumular raiva ou mesmo sintomas psicossomáticos como enxaquecas, erupções cutâneas ou per­ turbações gástricas. Por outro lado, a pessoa acaba diante de um parceiro que insiste em manter o controle absoluto. Audiência: Isso se aplica até ao sextil? Liz: Um pouco menos. O sextil é um aspecto muito mais suave e não

há tanta energia ígnea tentando se liberar. Contudo, mesmo com o sextil, a pessoa predsa de uma arena onde possa se afirmar, mesmo que seja suavemente. Outro modo de analisar o dilema Sol-Marte é que a pessoa precisa de algum lugar onde possa sempre mostrar que tem razão. Sol-Marte não dispõe de nenhuma capaddade inata de fazer concessões ou de perceber o ponto de vista dos outros de maneira desapegada. Em outras palavras, esse aspecto geralmente reflete certa intolerânda, o que, em grau um pouco menor, também podemos ver em umSol emÁries. (ia , acreditar que estamos certos o tempo todo não é tão mal assim; temos de estar preparados para sermos um pouco autocentrados caso desejemos acompanhar al­ gum projeto até o fim Do contrário, todos os argumentos válidos acerca do trabalho dos outros serão tão bons quanto os nossos; há muitas maneiras de fazer as coisas, a pessoa deve tomar cuidado com os sentimentos alheios, e assim por diante. Tudo isso corrói nossa energia e nos faz sentir que nada vale a pena. Ninguémvence uma batalha preocupando-se se o inimigo não teria razão, afinal. Tampouco conseguimos criar algo através de uma comissão, pois quando todos tiverem dito o que têmpara dizer, toda a originalida­ de e as centelhas de entusiasmo terãoido embora. Tem aquela piada que diz que o camelo é um cavalo projetado por uma comissão. Audiência: É semelhante a Marte na casa 5? Liz: Sim, é outra forma da mesma assinatura. Sol-Marte, Sol em Áries, Marte em Leão, Sol na casa 1 e Marte na casa 5 são manifestações distintas da combinação de energias solares e

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marcianas. Daria a mesma sugestão a uma pessoa com Marte na 5: encontre uma esfera onde pode brilhar e ser o melhor, embora o problema seja muito mais forte e profundo quando os dois planetas se acham em aspecto. Tenho visto alguns mapas de pessoas com Marte na 5 que têm filhos "difíceis". Intriga-me quando uma criança vivência um planeta na casa 5 dos pais; é como se, de certo modo, esse planeta devesse ser expressado por meio da criança "interior", dessa faceta lúdica, criativa, espontâ­ nea e especial que temos em nós. Se a bloquearmos, podemos acabar projetando inconscientemente essas qualidades em nos­ sos filhos, que se sentirão obrigados a se tomarem aquilo que nós mesmos não conseguimos vivendar. O mesmo pode ser dito de qualquer planeta na 5; por mais que o destino pareça interferir e produzir um filho inválido ou doentio, geralmente encontra­ mos um componente interior que, se for enfrentado e trabalha­ do, retira o fardo de nossas projeções de cima da criança, permitindo que ela cumpra seu próprio destino. Audiência: Tenho visto casos de mulheres com Sol-Marte que

refletem um pai violento ou zangado. Liz: Sim, eu também. Em parte, os aspectos com o Sol descrevem

a herança psicológica paterna, assim como os aspectos com a Lua descrevem a herança materna. Contudo, sinto que predsamos analisar essa situação dentro da estrutura apropriada, em vez de apenas presumir que o aspecto "significa" que o pai será violen­ to. A ira de um progenitor costuma refletir um problema em toda a trama familiar, e pode traduzir dificuldades mardanas não apenas no casamento dos pais, como na herança familiar datada de muitas gerações. O pai violento costuma vivendar algo em nome de muita gente. Não o estou justificando, mas isso ajuda a promover uma compreensão mais profunda da violência fami­ liar, o que pode até servir de antídoto contra a repetição do problema. Não creio que essas questões que irrompem em uma coletividade sejam meramente a culpa de uma única pessoa "horrível". O pai violento, que pode ser descrito pelo aspecto Sol-Marte de seu filho, pode ter herdado sentimentos de frustra­ ção e impotência de seu próprio pai, e assim por diante, recuan­ do por muitas gerações. Em função de seu complexo, ele prova­

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velmente terá escolhido uma esposa com o mesmo complexo e que também sofre com algum dilema marciano. A abordagem da terapia familiar, que trata a família como um organismo dotado de leis e mecanismos inconscientes próprios, é bem mais produtiva do que culpar uma pessoa por todos os males. Por isso, se um cliente com Sol-Marte me diz que teve um pai violento, tento conversar um pouco sobre o problema da agressividade no seio das famílias (que, por sua natureza, são inimigas da auto-afirmação marciana), pois esse cliente terá inevitavelmente de lidar com essa questão interna em sua pró­ pria psique. Normalmente, as pessoas não percebem que um homem violento costuma sofrer a mesma sensação de impotên­ cia que o tipo mais passivo, mais "vítima". São imagens especulares um do outro; sofrem com o mesmo ferimento. Não preciso derrubar os outros se me sinto segura com meu poder, e a fúria violenta geralmente reflete uma reação cega à sensação de limitação e castração. Creio que já falei muito sobre isto. Na mitologia, Ares é um deus que os outros enganam facil­ mente; a mesma provocação que o põe espumando faz com que Hermes ou Apoio simplesmente ergam de leve a sobrancelha. Marte pode ser estimulado pelas setas invisíveis da manipula­ ção emocional inconsciente, e infelizmente a criança com um Marte forte costuma ser aquela que vivência as tensões invisíveis da família ou do grupo. Todo planeta que reflete uma caracterís­ tica dominante é como um pára-raios, atraindo as projeções das pessoas que nos rodeiam. Do mesmo modo, a pessoa plutoniana costuma vivendar o Plutão da família. Por outro lado, uma exibição de raiva e violênda pode fazer com que a criança mardana se desligue de sua agressividade natural. Ambos os cenários são típicos e podem se aplicar tanto ao pai como ao filho violento. Audiência: Meu pai era violento e eu é que tentava manter a paz

na família. Será que eu estava engolindo o meu próprio Marte? Liz: Com certeza, embora você não pudesse ter feito nada de muito diferente naquela ocasião. Contudo, talvez você tenha de se perguntar se esse papel de padficador acabou fazendo com que você pusesse de lado sua raiva e agressividade saudáveis na

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vida adulta, com medo de provocar mais violência por parte dos outros. Neste seminário, Howard e eu estamos, de certo modo, "defendendo" os planetas interiores, enfatizando seu valor e a contribuição que fazem para o funcionamento salutar da perso­ nalidade. Tal como o Sol, a Lua, Mercúrio e Vênus, Marte precisa de nossa lealdade e apoio íntimos para que possamos continuar a defender direito nossos valores diante de qualquer oposição, lutando por aquilo que desejamos da vida. Muitas coisas, inclu­ sive um progenitor violento, podem nos dirigir contra nossas próprias necessidades marcianas. No entanto, o preço que paga­ mos por deixar Marte de lado é nossa impotência e o papel de vítima. O deus Ares pode parecer rude, mas, mesmo assim, merece ser cultivado.

O C apanga

do

S ol

MARTE NO HORÓSCOPO po r

H o w a r d S a spo r ta s

Um de meus principais objetívos de hoje é ajudá-lo a fazer amizade com Marte. Liz também esteve enfatizando o valor e o uso adequado do princípio de Marte, e é importante fazê-lo a fim de superar a propaganda malévola que esse planeta tem recebi­ do em muitos textos astrológicos. O motivo pelo qual Marte tem sido tão mal-falado deve estar no fato de ele ser associado a duas coisas a respeito das quais muitas pessoas se sentem pouco à vontade: sexo e agressividade. No entanto, não podemos evitar o fato de que todos nascemos com Marte em nossos mapas, o que significa que todos nascemos com agressividade e com impulsos sexuais. E melhor enfrentarmos Marte de frente e compreender­ mos o significado positivo desses impulsos instintivos, ao invés de negá-los ou condená-los em nós mesmos. Embora alguns psicólogos digam que a agressividade não é inata e que só se desenvolve quando sentimos frustração na satisfação de nossas necessidades na infância, creio que é inata: todos são equipados com certa dose de agressividade, desde o nascimento. Algumas pessoas têm um ímpeto mais agressivo do que outras (provavel­ mente em função de fatores hereditários ou constitutivos, e possivelmente relacionados ao carma e a vidas passadas, caso você acredite em reencamação), mas todos têm certa dose de agressividade inata. Os problemas que giram em tomo da agressividade são vistos, dentre outros fatores, pelo Marte do mapa natal. O impulso sexual é uma coisa inata e vital; não estaríamos aqui sem ele. Portanto, se a agressividade também é um compo­ nente inato de nosso equipamento biológico, deve ter uma finalidade. Segundo Clara Thompson, nascemos com uma agres­ sividade saudável e profunda, e ela nos impele a crescer e a controlar a vida. Com razão, ela acrescenta que se essa agressi­

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vidade básica for bloqueada ou reprimida, acaba se tomando algo negativo e feio.2 O mundo de Marte está cheio de paradoxos: Marte nos dá uma agressividade natural que deve ser respeitada e utilizada, mas o mesmo impulso pode sofrer uma pane ou ficar descontrolado, levando-nos a atos deploráveis, a uma série de problemas psicossomáticos e até a um comportamento autodestrutivo. A expressão pouco salutar da agressividade infelizmente tem sido dominante - basta assistir ao noticiário da TV para ver pessoas sendo mortas, torturadas e aleijadas diariamente. Se conseguir­ mos encontrar canais construtivos para a energia agressiva, usando-a para nosso desenvolvimento pessoal, para aperfeiçoar nossos potenciais e recursos e para o domínio da vida em geral, é menos provável que ela se manifeste negativamente. Se encon­ trarmos saídas positivas para nossos impulsos agressivos e lidarmos sadiamente com toda e qualquer raiva ou hostilidade que estivermos sentindo, estaremos fazendo nossa parte para ajudar a reduzir as formas negativas de agressividade na atmos­ fera. Talvez não sejamos nós a assassinar e a cometer atrocidades, mas se ficarmos abafando a raiva e não diredonarmos nossa agressividade inata para saídas construtivas, seremos culpados por acrescentar algo à violênda e à hostilidade que já estão acumuladas no ar. Estou pensando em Jung - quando negamos ou reprimimos alguma coisa em nós mesmos, os outros a expressam por nós. Há muitas coisas desagradáveis acontecendo pelo mundo, o que me sugere que muitos de nós não mantém um bom reladonamento com nossos próprios impulsos agressivos. Como disse, pode ser que você não esteja estuprando ou assaltando, mas é possível que nossa hostilidade ou frustração não-trabalhada e nossa agressividade básica não-canalizada estejam contribuindo para o número de assaltos, assassinatos e sabe-se lá o que mais por esse mundo afora. Vemos TV ou lemos os jornais e condenamos as pessoas que cometem atos de violênda, ficamos chocados com sua crueldade e brutalidade, e naturalmente queremos nos manter afastados de pessoas assim No entanto, segundo a teoria 2Clara Thompson, Interpersoml Psychoamlysis [Psicanálise Interpessoal](Nova York: Basic Books, 1964), p.179.

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junguiana, essas pessoas podem estar vivenciando nossa raiva por nós, agindo como aspiradores psíquicos que absorvem e vivendam aquilo que estiver flutuando pela atmosfera. E aquilo que flutua pela atmosfera é a soma total de todos os nossos sentimentos e emoções inconsdentes ou intocados. Creio ser esse o motivo pelo qual muita gente tem fascínio pela violência - por mais desagradável que seja, a violênda certamente vende filmes e consegue elevados índices de audiênda na TV. Citando Jung novamente, lembro-me de que ele teorizou que somos repelidos e fascinados, ao mesmo tempo, pelo conteúdo de nossa própria sombra. Muita gente pode condenar John McEnroe por seus acessos infantis na quadra, mas acaba ligando a TV só para ver se ele vai ter outro acesso naquele dia. Além disso, se reprimirmos a raiva ou não encontrarmos uma forma construtiva de expressão para nossa agressividade natural e básica, essa energia vai se acumulando no inconsciente até explodir com fúria incontrolável. D. W. Winnicott, psicanalista e profundo pensador analítico inglês, escreveu certa vez: "Se a sodedade está ameaçada, isso não se deve à agressividade humana, mas à repressão da agressividade nos indivíduos."3 Outra consequência da agressividade saudável não-utilizada e da raiva reprimida é a doença. Se precisamos nos afirmar e estamos nos contendo, a energia que deveria dar impulso às ações externas se volta para dentro, podendo atacar o corpo. Doenças tipicamente associadas à agressividade não-manifestada, positiva ou negativa, são problemas de pele, males estomacais, úlceras, disfunções sexuais, doenças cardíacas e enxaquecas. Além disso, a depressão costuma estar relacionada à raiva bloqueada ou à afirmação inibida. Os psicólogos dizem que três elementos estão sempre juntos: desespero, vulnerabilidade e hostilidade. A auto-afirmação não-manifestada e a mágoa que não identificamos vão se acumulando dentro da pessoa. Assim, boa parte de nossa energia é dirigida para a contenção e a restrição de sentimentos e ações, deixando a pessoa drenada, cansada e sem entusiasmo pela vida. Quando o terapeuta da 3D. W. Winnicott," Aggression in Relation to Emotional Development" [Agressividade em Relação ao Desenvolvimento Emocional], in Collected Papers [Textos Completos] (Londres: Tavistock, 1958), p.204.

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Gestalt, Fritz Perls, lidava com pessoas deprimidas, costumava lhes perguntar: "Contra quem você está deprimido?" Se você está cronicamente doente ou deprimido, eu o incenti­ varia a analisar de perto a casa de seu mapa onde Marte se situa. Geralmente, não pensamos em Marte como um significador de doenças ou depressão, mas esses estados podem ser causados por um Marte "não-utilizado". Pode ser que a atividade, a expressividade ou a afirmação dessa área da vida o desbloqueie, melhorando sua saúde e vitalidade e colocando-o de volta no circuito. Por exemplo, se Marte está na casa 2, você deveria ser bastante assertivo em relação ao desenvolvimento de suas habi­ lidades e recursos, ou à obtenção de maior segurança ou de bens que julga importantes. Com Marte na 3, você deveria se pergun­ tar se está se comunicando com os outros o suficiente, pois pode ser útil trocar idéias e emoções mais abertamente com as pessoas que o rodeiam. Você pode começar a estudar algum tema novo, a escrever cartas ou a se presentear com um fim-de-semana tranquilo, coisas que podem servir de tónico para seu ânimo. Quem tem Marte na 7 pode querer se afirmar mais no terreno dos relacionamentos. A mesma lógica se aplica às casas cuja cúspide se situe em Aries ou Escorpião - precisamos nos desafiar nessas áreas, e se não o estamos fazendo, ficamos relaxados e por isso (conscientemente ou não) irritados e frustrados. Por falar nisso, dê uma olhada na casa sobre a qual Marte está transitando agora —£> - pode ser uma área da vida que clama por atenção, afirmação, pique e ay^p-expressão. ---------------— Nocapítulo sobre agressividade em A Dinâmica do Inconsciente, relaciono quatro propósitos positivos de nossa agressividade natu­ ral e básica.4Talvez você já conheça o livro, mas gostaria de revisar rapidamente esses pontos como um prelúdio à discussão de posi­ ções e aspectos específicos de Marte no mapa (veja a Tabela 3 na página 243). O ponto 1 diz que a agressividade saudável serve de proteção contra ataques predatórios. Isso é bastante óbvio. Se seu território está sendo invadido, alguém o ameaça ou inibe seu progresso, é bom sentir ou expressar alguma forma de agressivida­ de. Lembre-se da história da cobra e do guru. Uma cobra saudável está ouvindo uma palestra de um mestre espiritual que está de 4 Liz Greene e Howard Sasportas, A Dinâmica do Inconsciente (São Paulo: Pensamento).

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Tabela 3. Agressividade Saudável. 1. A agressividade saudável serve de proteção contra ataques predatórios. 2. A agressividade saudável é o impulso positivo que nos leva a compreender e a dominar o mundo exterior. É uma força profunda, que nos dá o ímpeto de aprender novas habilidades. 3. A agressividade saudável é a base para conseguirmos a independência e o afastamento daqueles que poderiam nos dominar ou nos dar proteção excessiva. 4. A agressividade saudável nos dota com a vontade de nos desenvolvermos mais, de nos tomarmos aquilo que sempre deveríamos ter sido.

passagempela cidade. O mestre está exaltando as virtudes do amor, da paz e a filosofia do ahimsa (palavra sânscrita que significa nãoviolência). Impressionada, a cobra passa por uma espécie de transformação e decide que nunca mais vai machucar as pessoas. Dois meses depois, o mestre espiritual passa novamente pela cidade. A cobra, porém, está um caco, toda pisada, quase morta. Por isso, vai até o guru e lhe diz, "Quero o meu dinheiro de volta; tentei pôr em prática aquilo que você pregou e quase me mataram". O mestre respondeu, "Mas eu não lhe disse para parar de fazer barulho e de mostrar a língua!" Se você se sente invadido ou bloqueado pelos outros, ou as pessoas tentam manipulá-lo ou controlá-lo, não há nada de errado em chiar, em dizer-lhes educadamente para que parem com isso.5 O ponto 2 diz que nossa agressividade natural e básica fornece o ímpeto para dominar o mundo exterior e aprender novas habilidades, coisas vitais para nossa auto-estima e sensação de bem-estar.6Certas expressões idiomáticas descrevem muito bem 5Piero Ferrucd, Wliat We May Be [O Que Podemos Ser] (Los Angeles: Jeremy P. Tarcher, 1982; e Londres, Tumstone Press, 1982), p.89. 6Muitas das idéias psicológicas apresentadas nesta palestra foram extraídas do livro de Authony Storr, Human Aggression [Agressividade Humana] (Londres: Penguin Books, 1982).

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a necessidade da agressividade na vida: atacamos um problema, dominamos um assunto, superamos uma dificuldade, vencemos os obstáculos, e assim por diante. Se não tivéssemos um pingo de espírito de luta, simplesmente desistiríamos quando as coisas ficassem desafiadoras demais; não conseguiríamos dominar uma técnica ou desenvolver plenamente nossos recursos inatos. É Marte quem nos impele inicialmente a aplicar o esforço reque­ rido para transformar um potencial em realidade concreta. Nascemos com a necessidade ou impulso básico de usar nosso Marte para adquirir novas técnicas e concretizar potenciais; se não estamos fazendo isso, sentimo-nos frustrados, irritados e não-realizados. A frustração deseja uma saída e acabamos estra­ gando tudo em virtude de uma briga ou levando os outros a vivenciarem a raiva por nós. Atualmente, muitas são as pessoas na sociedade ocidental que, por desemprego ou falta generaliza­ da de direção e propósito na vida, sofrem de Marte negativo. Qualquer saída serve para a liberação de sua agressividade acumulada - assaltar velhinhas, ficar bêbado, maltratar mem­ bros de minorias, violência nos esportes. Esse tipo de comportamento está em evidência na Inglaterra. Como disse, se não encontramos uma saída salutar para Marte ou para nossa agressividade natural e básica, essa energia fica negativa. Al­ guns delinquentes juvenis têm sido "re-formados" por meio de esquemas "alternativos": acampamentos de sobrevivência e expedições, onde têm a oportunidade de canalizar Marte no sentido de enfrentar a natureza e os elementos, encontrando coragem para escalar rochas íngremes e desafios semelhantes. O ponto 3 afirma que a agressividade saudável é a base para conseguirmos a independência e o afastamento de pessoas que poderiam nos dominar ou superproteger. Tenho falado da Lua e de Netuno como representantes da necessidade de fusão, do desejo de nos mesclarmos e fundirmos com os outros. Marte, porém, dá a coragem e o poder para nos separarmos da mãe, para encontrarmos autonomia e independência. Marte nos aju­ da a romper vínculos excessivamente intensos com um parceiro, tutor ou cônjuge, ou com uma família muito emaranhada. Nesse sentido, Marte é uma espécie de capanga do Sol, abastecendo e dando forças ao anseio pela individualidade. Lembro-me da história de Joãozinho e Maria. Em uma das versões desse conto,

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a mãe manda os filhos embora porque não consegue cuidar deles. Os dois acabam encontrando a bruxa da casa de doces, que tem tudo aquilo que Joãozinho e Maria mais gostariam. Contu­ do, o vilão da história não é a mãe que manda os filhos para o mundo, mas a bruxa com todas as guloseimas. A bruxa é perigosa, é a pessoa que representa a maior ameaça às crianças. A pessoa que deseja superprotegê-lo, que lhe dá tudo aquilo de que você necessita e que faz tudo por você é a pessoa que representa a maior ameaça a seu desenvolvimento como indiví­ duo.7 Já falei da relação entre intimidade, dependência e raiva. Elas formam um trio. Um dos motivos para isso é que quando somos íntimos de alguém, sentimo-nos tentados a projetar nossos complexos infantis não-resolvidos sobre essa pessoa. De fato, certa vez ouvi falar de um estudo - não sei se é válido, não tenho referências a respeito - que concluía que, em termos estatísticos, a pessoa que mais provavelmente poderia matá-lo é a pessoa com quem você tem mais intimidade, e o cômodo onde isso mais provavelmente ocorreria é o dormitório! (Para mim, seria a cozinha. Nunca se ofereça para me ajudar a cozinhar em uma cozinha pequena, a menos que seu Marte não toque em nenhum ponto de meu mapa.) A dependência também gera a raiva. Se sua felicidade depende de alguém, se você depende de alguém para se sentir amável e para ter auto-estima, se suas finanças e sua segurança dependem de alguém, é provável que você se sinta ressentido e enfurecido caso essa pessoa o decepcione, por qualquer que seja o motivo. Disse antes que os melhores relaci­ onamentos são aqueles que podem conter a raiva e o ódio que serão inevitavelmente ativados de tempos em tempos, justa­ mente em função do amor e da intimidade que ambos partilham. O psicólogo Winnicott fala da "mãe boa o suficiente", a mãe que consegue aceitar o amor que o filho sente por ela sem deixar de aceitar ou receber a raiva que o filho sente por ela de vez em quando.8A mãe suficientemente boa também é a mãe que aceita o fato de que, embora ame o filho, em certas ocasiões pode querer 7Anthony Storr, Human Aggressioti, p.63. 8D. W. Winnicott, Playing and Reality [Teatralização e Realidade] (Nova York: Routledge Chapman & Hall, 1982), p .ll.

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matá-lo. O terapeuta suficientemente bom é aquele que ainda está à sua disposição uma semana depois de você o ter atacado por ele não ser suficientemente bom. Todos precisam aprender que é possível sentir raiva ou algo negativo por uma pessoa amiga ou amada sem isso significar necessariamente que temos de destruir essa pessoa ou dissolver a união; e se alguém que amamos tem seus momentos de raiva ou de agressividade conosco, isso não significa que tudo acabou. Naturalmente, pode chegar um momento em que o relacionamento fica tão destrutivo que a melhor política será fazer as malas. O ponto 4, que é uma extensão do ponto 2, é outro propósito extremamente importante de nossa agressividade básica e natu­ ral. Diz simplesmente que a agressividade saudável dá a vontade de nos desenvolvermos ainda mais, transformando-nos naquilo que deveríamos ser. Assim como a semente da maçã "sabe" que deverá gerar uma maçã e não uma laranja, uma parte de nós nosso Eu central ou Eu profundo - sabe o que devemos ser ou onde devemos chegar. O Eu central guià, regula e supervisiona nosso desenvolvimento. Alguns se referem ao Eu profundo ou central como o Eu transpessoal, pois quando você age segundo o seu Eu profundo e central, automaticamente se comporta e faz coisas que não são apenas corretas e boas para você, como também benéficas para a totalidade maior de que você é parte nesse sentido, você ultrapassou o pessoal, atingindo, em outras palavras, o reino do transpessoal. Creio que o Eu central tem um componente ativo: precisamos de um pouco de agressividade, impulso e afirmação para cumprir a promessa de nossa identidade-semente. O filósofo existencial Paul Tillich expressa uma crença semelhante: "A existência do homem não é apenas dada a ele, mas exigida dele. Ele é responsável por ela... pede-se ao homem que se transforme naquilo que deveria ser, que cumpra o seu destino."9Tillich diz que temos de ir à luta e nos tomarmos aquilo que deveríamos ser, em vez de ficarmos sentados espe­ rando que as coisas aconteçam por conta própria. Estive falando de Marte, em seu sentido mais construtivo, como a vontade do ego heróico, a capacidade de defender seu 9Paul Tillich, citado por Irvin Yalom, Existential Psycho-Therapy [Psicoterapia Existencial] (Nova York: Basic Books, 1980), p. 278.

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território, de sair em busca das necessidades de seu ego, de respeitar aquilo em que você acredita e preza e de não deixar os outros obstruírem seu caminho. Segundo Jung, porém, há coisas a que devemos nos curvar e que são mais elevadas do que a vontade do ego. Aparentemente, a vontade tem dois níveis: a vontade pessoal do ego e aquela que poderia ser chamada de vontade do Eu profundo ou vontade do Eu transpessoal. Marte simboliza a vontade do ego, mas nem sempre aquilo que nosso ego deseja está de acordo com aquilo que o Eu profundo tem em mente para nós. E se o seu Eu central for uma semente de maçã, mas o seu ego insiste em que seria uma laranja? Como vê, é um problema. Marte faz escolhas para afirmar a vontade do ego, mas a grande dúvida é se isso está coerente com a vontade do Eu profundo. E se Marte tentar conduzir o espetáculo sozinho, ignorando os planos ou diretrizes do Eu central? Isabel Hickey costumava dizer que se você tenta transgredir uma lei cósmica (tal como a intenção de seu Eu central), acaba quebrando a cara. Se deseja alguma coisa que não está em sintonia com aquilo que o Eu profundo imagina para você, é o Eu profundo que vai acabar vencendo, mais cedo ou mais tarde. Marte pode recorrer à força ou métodos brutos para conseguir obter aquilo que seu ego pessoal deseja; mas se isso não estiver de acordo com as metas de seu Eu pessoal ou transpessoal, você vai acabar descobrindo que aquilo que desejava tanto não é tão prazeroso ou gratificante quanto esperava que fosse. Em suma, seria muito melhor se pudésse­ mos alinhar o Eu pessoal com a vontade do Eu central. Isso pode não ser tão fácil para Marte, tão autocentrado, mas creio que seja o teste ou desafio máximo que esse planeta pode enfrentar. Algumas pessoas, por meio de prece e meditação, procuram alinhar Marte (a vontade do ego) com a vontade de Deus ou com a vontade do Eu profundo, transpessoal; outros precisam ser forçados a isso. Em outras palavras, Marte pode ser levado a obedecer a vontade do Eu profundo, goste ou não disso. Em seu livro Ego and Archetype (Ego e Arquétipo), o analista junguiano Edward Edinger diz que a experiência do Eu "ocorre principalmente quando o ego esgotou seus própri­ os recursos e percebe sua impotência essencial por si mesmo". Diz ainda que "O extremo do homem é a oportunidade de

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Deus".10 Encontrei outro ditado, embora honestamente não tenha conseguido identificar sua fonte: Você vai conhecer a verdade, e a verdade o transformará em você mesmo.

Segundo entendo, os princípios representados tanto pelo Sol como por Marte representam os estágios iniciais do processo pelo qual podemos formar um ego saudável e funcional - um ego equipado para funcionar no mundo de maneira a atingir suas metas e desejos pessoais. Contudo, em termos de nosso crescimento e nossa evolução mais plenos, chega um momento em que se pede ao ego pessoal que aceite e acate algo superior a si mesmo, compreendendo seu papel como canal pelo qual a vontade do Eu transpessoal pode se expressar. Falei disto breve­ mente em minha palestra sobre o Sol, mas vou repetir. Enquanto o Sol representa o processo de definição de nossa individualida­ de e senso de identidade autónoma, é também nosso vínculo com o Eu transpessoal ou universal - com aquela parte de nós que sente a unidade e a conexão com o resto da criação. O glifo do Sol mostra o círculo da unidade envolvendo o ponto da individualidade, descrevendo assim aquilo a que os junguianos se referem como o eixo ego-Eu. Quase que por paradoxo, com a expressão de nossa verdadeira individualidade (o Sol auxiliado por Marte), somos atraídos para a participação em um esquema ou plano superior pelo qual a integridade da vida se toma evidente. Em seu livro The Act of Will (O Ato da Vontade), Roberto Assagioli, fundador da psicossíntese, diz o seguinte a respeito desse tema: "Assim como existe a vontade pessoal, existe a Vontade Transpessoal, que é uma expressão do Eu Transpessoal [ao qual me refiro como o Eu central ou Eu profun­ do] e que atua desde os níveis superconscientes da psique. É uma ação sentida pelo eu pessoal, ou 'eu', como um 'puxão' ou 'chamado'."11 Alguns astrólogos dizem que Urano seria a oitava superior de Mercúrio e que Netuno seria a oitava superior de Vênus. Nesse mesmo sentido, também dizem que Plutão seria a oitava supe­ ,0Edward Edinger, Ego and Archetype (Baltímore: Penguin, 1973; e Londres: Penguin Books, 1980), p.50. "Roberto Assagioli, Act o/Will (Baltímore: Penguin, 1974; e Londres: Wildewood House, 1974), p.113.

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rior de Marte. É uma idéia interessante e pertinente a esta discussão. Poderíamos dizer que Marte é a vontade pessoal e Plutão a vontade do Eu profundo. Plutão é uma força inexorável, impelindo tanto a história pessoal como a coletiva, por isso não podemos fazer muito para nos opormos aos desejos de Plutão. A puberdade é plutoniana - uma transformação muito impor­ tante que não podemos deter. Pode ser que você não queira passar pela puberdade - talvez não queira morrer como criança para renascer como adolescente - mas, exceto o suicídio, não há muito que possa fazer para evitá-la. A morte física também é plutoniana e não há muito a fazer quando chega a nossa hora. Os aspectos tensos entre Marte e Plutão no mapa costumam indicar uma batalha entre a vontade pessoal e a vontade do Eu superior. Marte, sua vontade pessoal, pode na verdade desejar um empre­ go ou relacionamento específico, mas Plutão - a vontade de seu Eu profundo - pode pensar que aquilo de que você realmente precisa é não ter esse emprego ou relacionamento. É nesse momento que Marte se mostra implacável na busca de suas metas (e os aspectos Marte-Plutão costumam estar associados à brutalidade); contudo, como disse antes, mesmo se você conse­ guir satisfazer as ambições de sua vontade pessoal, vai acabar descobrindo que o emprego ou o relacionamento não eram a "coisa certa", afinal. Mais tarde, vou comentar um pouco mais esses contatos Marte-Plutão. Gostaria de lhes deixar mais em contato com a terra depois das informações um tanto "aéreas" que acabo de dar acerca do propósito de nossa agressividade saudável e básica, avaliando de perto o modo como Marte atua no mapa. Vamos começar com uma revisão dos aspectos de Marte. (Veja a Tabela 4 nas páginas 250-251.) Liz se referiu a Marte como o princípio combativo do Sol e dos outros planetas interiores. Quando forma um sextil ou um trígono com outro planeta, Marte aumenta o poder de expressão desse planeta, fazendo com que você use esse poder de maneira inteligente e razoável. Quando Marte forma trígono ou sextil com o Sol, temos em Marte um aliado natural, um amigo sincero do Sol. Esses aspectos favoráveis entre Sol e Marte ajudam a pessoa a se afirmar e a defender sua individualidade de um modo não muito antipático ou dominador; contudo, se formarem um trígono em signos de Fogo, a pessoa terá a tendên-

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Tabela 4. Parâmetros para Interpretar Marte. MARTE POR SIGNO 1.0 signo de Marte mostra o modo como você se manifesta; como você busca aquilo que deseja. 2. A natureza do signo ocupado por Marte mostra como você pode afirmar e expressar sua identidade, poder e potência individuais. Marte em Gémeos, por exemplo, pode fazê-lo usando palavras e comunicação; Marte em Libra, pelos relacio­ namentos ou pela afirmação de seus ideais. 3.0 signo de Marte indica como a energia sexual é expressada e afirmada. 4.0 signo de Marte tinge a imagem do animus, a imagem interior da masculinidade. Você pode vivenciar essa imagem sozinho ou projetá-la, procurando por ela nos outros. MARTE POR CASA 1. Você pode afirmar sua identidade individual mostrando sua potência e poder na área da vida designada pela casa de Marte (e pelas casas cuja cúspide recai em Áries ou Escorpião). A casa de Marte é o lugar onde precisamos desenvolver o domí­ nio da vida e do mundo exterior. 2. A casa de Marte mostra a esfera da vida onde podemos nos sentir agressivos, impacientes e levados facilmente à raiva. Se não estivermos em contato com a energia marciana, nem a expressando, a posição da casa de Marte pode indicar uma área que nos leva à depressão ou às doenças. 3. A casa de Marte mostra uma área da vida pela qual tenta­ mos impressionar os outros com nosso poder, nosso ar de "macho" ou sensualidade.

da a se exceder. O trígono e o sextil entre Sol e Marte também indicam um espírito poderoso, uma personalidade forte. Com aspectos Sol-Marte fluentes, Marte consegue chegar lá mais facilmente, lutando para obter aquilo de que o Sol necessita para realizar seu potendal. Se Marte forma trígono ou sextil com a

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Tabela 4. Parâmetros para Interpretar Marte (cont.) MARTE POR ASPECTO 1. Todo planeta que forma aspecto com Marte influencia e colore o modo como nos afirmamos. Em aspecto com Urano, por exemplo, Marte intensifica e eleva a afirmação e a autoexpressão, enquanto os aspectos Marte-Satumo podem retar­ dar ou prejudicar a afirmação. De um modo geral, planetas que formam aspecto tenso com Marte indicam o tipo de problema, conflito ou dilema que enfrentamos quando tenta­ mos afirmar e expressar nossa autonomia e individualidade. 2. A natureza do planeta que forma aspecto com Marte pode indicar uma área da vida na qual podemos nos sentir potentes ou afirmar nossa identidade. Se Marte forma aspecto com Netuno, isso pode indicar que nos sentimos poderosos por meio de coisas netunianas, tais como música e cura, e nos identificamos com elas. 3. Os planetas que formam aspecto com Marte também tingem a imagem do animus. A mulher o projeta, procurando por ele nos homens. O homem pode tentar afirmar seu ego masculino ao se comportar de modo a refletir a natureza do planeta que forma aspecto com Marte.

Lua, a pessoa tende naturalmente a defender suas emoções; esse contato proporciona convicção emocional, a crença no direito às suas necessidades e sentimentos; portanto, se outros aspectos não se opuserem a isso, a pessoa deve ter facilidade para satis­ fazer suas necessidades e exigências emocionais se comparada com outra que tem aspectos tensos com a Lua. Os aspectos fluentes entre a Lua e Marte também indicam que podemos nos afirmar de modo harmonioso com o ambiente que nos rodeia. O trígono ou sextil entre Marte e Mercúrio nos dá capacidade de comunicação, avivando a mente. A pessoa tem facilidade para estimular os demais por meio de palavras e idéias. Se em trígono ou sextil com Vênus, Marte aumenta o carisma natural, a atratividade e a capacidade de vivenciar e de desfrutar o prazer. Além disso, sugere que ela consegue atingir um bom

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equilíbrio entre afirmação e cooperação nos relacionamentos. Os aspectos fluentes entre Marte e Vênus podem propiciar talento para a auto-expressão através de meios criativos ou artísticos. Se Marte forma trígono ou sextil com Júpiter, reforça a capacidade de obter sucesso em nossas metas jupiterianas, bem como o talento natural para estimular e excitar os outros sempre que você partilha seu entusiasmo e crenças com eles. No entanto, tal como ocorre com o trígono Sol-Marte, o trígono Marte-Júpiter em signos de Fogo pode se entusiasmar em dema­ sia ou incentivar os outros à força - o que, na Inglaterra, são modos que com certeza deixam os outros aborrecidos. Vou falar do trígono ou sextil entre Marte e Saturno mais tarde, quando examinarmos os aspectos Marte-Satumo em geral. O mesmo se aplica a Marte em relação aos planetas exteriores. Vou falar das conjunções de Marte a seguir, mas antes quero mostrar o contraste entre os aspectos fluentes de Marte e as quadraturas com ele. Se você nasceu quando Marte formava uma quadratura com algum planeta, terá que aprender algumas lições sobre o uso ou a expressão do planeta com que Marte forma a quadratura. Marte vai acrescentar força e ímpeto ao planeta com que forma esse aspecto, mas existe o perigo de a pessoa ser excessivamente áspera, impetuosa ou desajeitada no modo como usa ou expressa esse planeta - um pouco como Ares, o deus grego da guerra, que era considerado meio maníaco, abrutalhado, sanguinário e esquisito. Contudo, poucos sabem que Ares não era apenas um guerreiro, tendo recebido aulas de dança por um de seus tutores, o deus fálico Príapo. A dança une o sentimento ao corpo. Como disse antes, os aspectos fluentes de Marte ajudam a pessoa a expressar ou a dar vazão a impulsos e emoções por meio do corpo, na forma de algum tipo de ação. As quadraturas de Marte, porém, implicam diversos problemas com a afirmação e com a auto-expressão equilibrada ou harmo­ niosa. Vamos começar com a quadratura Sol-Marte. Quando come­ cei a estudar astrologia, li um livro que advertia as pessoas que tinham esse aspecto a não lidarem com armas, pois elas podiam disparar acidentalmente. Sei lá, pode ser que isso aconteça. Embora ache que o autor do livro estava sendo literal ou especí­ fico (ou paranóico) demais, provavelmente estava baseando sua

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interpretação no fato de que a quadratura Sol-Marte pode pro­ duzir um elevado grau de tensão na personalidade. Tanto o Sol como Marte são princípios "masculinos" ou animus; se estão em quadratura, a pessoa pode ser excessivamente assertiva, impa­ ciente e impulsiva, agressiva, autocentrada, autocrática e até violenta - todas as qualidades associadas com um "animus negativo". Assim, será preciso aprender a abrandar a assertividade e a expressão pessoal, pois, do contrário, a pessoa será "excessiva" para os demais, obstruindo com isso seu cami­ nho de progresso. É possível que tente compensar essas tendências tentando, da melhor maneira possível, ser amável e gentil, aparentando docilidade. Se for esse o caso, isso tudo faz com que a quadratura Sol-Marte fique sob a superfície, de onde emerge na forma de agressividade ou manipulação passivas, ou de comportamentos controladores inconscientes; pode ser tam­ bém que o desprezo para com o Sol e Marte faça com que você projete seu animus negativo e atraia pessoas dominadoras, agressivas e impacientes, ou que parecem bastante propensas a acessos de raiva ou violência quando estão próximas de você. Já falei um pouco a respeito disso em minha palestra sobre o Sol, pois tudo que forma aspecto com o Sol costuma ser vivenciado por meio do pai. Seria interessante isolar alguns exemplos de quadratura Sol-Marte apenas para nos aprofundarmos nas ma­ nifestações desse aspecto. Dê-me uma sugestão. Audiência: Que tal o Sol em Áries em quadratura com Marte em

Câncer? Howard: Sim, essa é boa. Quando em Áries, o Sol dá um impulso naturalmente forte à auto-expressão, indicando o desejo de liderar e de tomar iniciativas, a necessidade ígnea de ser aventu­ reiro e de assumir riscos a fim de satisfazer seu potencial indivi­ dual. Que utilidade terá Marte em Câncer nesse processo? Provavelmente, não será muito amigo do Sol, pois para começar esse Sol está em um signo de Fogo, e Marte - que deveria ser um aliado do Sol - em um signo de Água. O desejo ariano de liderar, de correr riscos, de abrir o caminho para coisas novas, poderia ser bloqueado pela hesitação e postura indireta que Marte costuma sentir em Câncer, um signo que prefere a segurança e

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as coisas conhecidas. Veja como o Sol em Áries em trígono com Marte em Leão ou Sagitário trabalhariam muito melhor em relação a isso. No entanto, é errado supor que Marte em Câncer é um fracote. Conheço pessoas com essa colocação que são bastante ousadas, pois se afirmamcom sensibilidade canceriana; elas vão de leve e encontram o melhor meio de lidar com alguém ou de contornar alguma situação, isso as ajuda a atingir suas metas e a concretizar suas ambições. Por esse motivo, dizem que dão bons executivos. Além disso, Marte em Câncer se sente à vontade quando as emoções são estimuladas, por isso as pessoas com essa colocação costumam se encantar com causas, cruzadas ou pessoas de quem gostam. Se o Sol em Áries está em quadra­ tura com Marte em Câncer, a natureza ígnea do Sol, de Áries e de Marte intensificam os sentimentos associados com Câncer, de natureza aquática, e a pessoa pode ter momentos em que se sente excessivamente emocional, deixando-se levar pela paixão - o que pode assustar algumas pessoas. Uma intensidade emocio­ nal semelhante ocorre com o Sol em Leão formando quadratura com Marte em Escorpião, ou mesmo com o Sol em Sagitário em quadratura com Marte em Peixes, embora este último tenda a ser mais difuso. Sugira outro par. Algo em Ar e Terra formaria um bom contraste. Audiência: Que tal o Sol em Libra em quadratura com Marte em

Capricórnio? Howard: Que tal você me responder, para variar? (Silêncio.)

Ninguém tem nada a dizer sobre esse caso? Tudo bem, eu falo. O caminho da individuação e do autodesenvolvimento para as pessoas com o Sol em Libra diz respeito à necessidade de se atingir um maior equilíbrio na vida e na personalidade. Os librianos precisam equilibrar algumas polaridades óbvias: a cabeça e o coração (mente e emoções), realismo e senso prático com idealismo e espiritualidade, e a afirmação de suas necessi­ dades e pontos de vista com a cooperação e a diplomacia no contato com os outros. Em Terra, como em Capricórnio, Marte pode ser dogmático e teimoso com relação às suas crenças e ao modo como se deve executar determinada ação, não possui necessariamente o distanciamento intelectual ou a perspicácia

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que ajudaria Libra em sua jornada solar de objetividade e equilíbrio. Os librianos são idealistas, com uma visão aérea do modo como as coisas deveriam ser feitas ou organizadas, e Marte em Capricórnio pode ser um chato que fica dizendo como as coisas devem ser feitas. Tenho notado que as pessoas com essa quadratura costumam ser obcecadas pelo perfeccionismo, ten­ do fórmulas rígidas a respeito do que é certo ou errado, próprio ou impróprio. Podem ser meticulosas ao extremo, excessiva­ mente críticas ou julgadoras tanto de si mesmas como dos outros. No lado positivo, essa mistura de planetas e signos é uma receita de grande persistência e dá a determinação para se fazer corretamente um serviço. Se eu quero que alguma coisa seja feita sob os critérios mais rigorosos, penso seriamente em contratar uma pessoa com essa quadratura - embora não espere que ela faça nada do dia para a noite. É preciso tempo (Capricórnio) para que as coisas sejam bem feitas (Libra). Espero que isso ajude a entender a razão pela qual uma quadratura Sol-Marte pode ser um aspecto tão desafiador. Em­ bora a quadratura Lua-Marte possa oferecer o mesmo tipo de convicção emocional que o trígono ou o sextil, a quadratura costuma indicar reações emocionais rápidas, geralmente incontroláveis - o pavio curto. Pessoas com esse aspecto querem as coisas na hora; se precisam esperar muito, frustram-se e se irritam rapidamente, como se o corpo não fosse muito hábil na contenção das emoções. Cuidado quando essa quadratura for ativada por algum trânsito ou progressão - é possível que o complexo maternal seja ativado, e essas pessoas explodem à menor provocação. Quem tem esse aspecto precisa aprender a ser paciente, descobrindo maneiras de regular e dominar suas reações emocionais e sua natureza emocional. A quadratura Marte-Mercúrio energiza a mente, mas pode produzir uma língua ferina; a pessoa pode ter propensão para acidentes, gosta de discutir, é infatigável e agitada. As idéias e pensamentos surgem mais rápido do que a capacidade de processamento, e a pessoa pode dizer coisas de que, mais tarde, acaba se arrependendo. Essa quadra .ura requer grande domínio e controle da mente e da fala. A quadratura Marte-Vênus pode dar o mesmo senso artístico e carisma pessoal que o trígono ou o sextil, mas também pode

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indicar uma natureza intensamente passional, às vezes provo­ cando o caos na vida da pessoa. Tenho visto muitos com essa quadratura agirem com violência ou provocarem-na em seus relacionamentos. O Marquês de Sade tinha uma quadratura entre Marte em Áries e Vênus em Câncer, e todos sabem do que gostava - a palavra "sadismo" deriva de suas atividades. A tensão subjacente costuma se centrar no poder, e embora a pessoa tenda a culpar o outro pelas dificuldades que surgem, o conflito é interno: o desejo de harmonizar com o parceiro e de agradá-lo entra em luta com o forte impulso de fazer as coisas à sua própria maneira. Em casos extremos, algumas das pessoas com Marte em quadratura com Júpiter são fanáticas: excedem-se em seu entu­ siasmo e ficam maníacas. Podem ter boas intenções, mas geralmente acham que possuem o monopólio da verdade aquilo em que acreditam é aquilo em que todos devem acreditar. São frequentes as discussões por motivos filosóficos ou políticos e a pessoa pode ser bastante ferina. Em casos menos drásticos, é o vendedor do tipo "não aceito um não como resposta", aquele que consegue pôr um pé na porta antes que você a feche, ou pessoas exageradas, com talento para fazer com que você não goste daquilo que elas detestam. Vamos falar das outras quadra­ turas de Marte logo adiante. As conjunções de Marte não são muito diferentes das quadra­ turas -Marte aumenta o poder e o impulso de qualquer planeta com que forme conjunção. Em conjunção com o Sol, Marte aumenta a necessidade de autoridade, de poder e de autoexpressão; com a Lua, aumenta a sensibilidade e as reações emocionais, e assim por diante. Obviamente, tal como ocorre com qualquer conjunção, você precisa levar em conta os efeitos do signo onde ele está colocado, além de analisá-lo em relação ao restante do tema, prestando atenção especialmente no tipo de aspecto que a conjunção recebe. Uma quadratura ou oposição com alguma conjunção de Marte é um sinal de exacerbação dos problemas e pode ser uma configuração extremamente desafia­ dora para se enfrentar ou lidar - mas fazê-lo será vital para a felicidade, sucesso ou bem-estar da pessoa. As oposições com Marte costumam atuar de maneira curiosa. Muita gente com essas oposições parece aprender algo a respeito

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da área de experiência, associada ao planeta que forma oposição com Marte, por meio de lutas e conflitos com os outros. Se você tem uma oposição Sol-Marte, por exemplo, precisa lutar com alguém para poder descobrir quem você realmente é. A coisa pode se iniciar como uma batalha de vontades com o pai - ele quer que você seja assim ou assado, algo que não é bem você, por isso você se sente compelido a defender o direito de ser você mesmo, definindo-se mais claramente em meio a esse processo. Mais tarde, a guerra continua, travada agora com figuras pater­ nas ou de autoridade. Você pode pensar que a outra pessoa é obstinada e voluntariosa, mas posso lhe garantir que, se você tem uma oposição Sol-Marte, também não é nenhum molenga. Toda oposição com Marte me lembra os sistemas políticos onde o partido na oposição ajuda a definir as táticas do partido que detém o poder, e vice-versa. Pessoas com oposição Lua-Marte acabam lutando com tudo aquilo que se relaciona com o princí­ pio lunar - conflitos com a mãe e com as mulheres em geral, discussões a respeito de direitos territoriais e, naturalmente, discussões sobre necessidades e exigências emocionais. A luta pelo reconhecimento de suas necessidades emocionais é que define essas necessidades mais claramente, fazendo com que a pessoa aprenda a se defender sozinha. As pessoas com oposição Mercúrio-Marte costumam se envolver em discussões com os outros e é assim que aclaram e diferenciam seus pensamentos e idéias. A oposição Vênus-Marte cria conflitos com os parceiros, especialmente aqueles onde seus valores ou desejos entram em choque com aquilo que a outra pessoa valoriza e deseja. Contu­ do, é assim que a pessoa define seu sistema de valores e aufere prazer. As pessoas com oposição Marte-Júpiter lutam com os outros a respeito de filosofia, religião ou política, aprendendo a se defenderem sozinhas e a darem forma a suas crenças por meio desse processo. Mahatma Gandhi, libertador da índia, tinha esse aspecto e venceu todo o Império Britânico. John McEnroe foi abençoado com uma conjunção Lua-Marte em oposição a Júpi­ ter, formando uma Grande Cruz com a oposição entre Plutão e Sol-Mercúrio. Não é à toa que ele é conhecido por seus acessos e discordâncias com a visão e perspectiva (Júpiter) dos juizes e com a comunidade tenística profissional em geral. Não tenho muita vontade de transformá-lo em outro McEnroe, mas, na

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verdade, não acho que você se deveria se sentir mal se tivesse oposições comMarte e se visse envolvido embatalhas e conflitos com os outros, pois é exatamente assim que você chega a se conhecer melhor e a saber o que deseja. Os leões devem rugir, não zumbir. Quem tem alguma oposição de Marte e acha que costuma se chocar contra os outros? Audiência: Meu Sol está em oposição com' Marte e realmente briguei com meu pai, agora entro em conflito com pessoas investidas de autoridade. Audiência: Marte está em oposição a Vênus e me sinto atraído por

um pouco de violência nos relacionamentos. E aprendi mesmo a me virar sozinho em função disso. Audiência: Meu Marte está em oposição a Urano, e isso sempre

acontece comigo. Howard: Sim, é verdade. Vou tratar dos aspectos Marte-Urano

mais tarde, mas antes vamos falar das variações Marte-Saturno. Quando Marte forma trígono ou sextil com Saturno, você tende a compreender qual é a quantidade exata de energia ou de esforço que deve dedicar a alguma tarefa. Saturno estabiliza, organiza e age como foco para Marte, ajudando a pessoa no planejamento de suas estratégias e dando a Marte a paciência e a perseverança para levá-las a cabo até o fim. Mesmo no caso dos aspectos harmoniosos entre esses dois planetas, fica difícil mesdálos de forma positiva enquanto não temos certa experiência de vida, aprendendo algumas lições - da maneira difícil, errando antes. O trígono e o sextil sugerem que a pessoa domina Saturno, que ela pode fazer o tempo fundonar direito e que ela não vai sempre exagerar ou se subestimar, como poderia ser o caso se o aspecto entre esses dois planetas fosse a conjunção ou um ângulo tenso (embora o sextil e o trígono ainda inclinem Marte a ser mais lento e cauteloso, em vez de ríspido e impulsivo). Visto sob outro ângulo, Marte energiza Saturno, por isso você pode ser alguém que defende a lei e a ordem, alguém capaz de transformar o caos em ordem e que aceita o valor da disdplina e do trabalho duro para chegar a ser algo na vida.

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A conjunção e a quadratura apresentam muitos outros pro­ blemas. Antes de mais nada, Saturno pode deter e bloquear Marte. Você pensa em agir ou começa a agir e Saturno lhe dá um toque, dizendo "Espere aí, Marte, você está pronto, é a melhor hora, você sabe fazer isso direito?" Assim, temos a situação que já foi descrita como "dirigir um carro com o freio de mão puxado".12Este é o lado mais "lento" do dilema Marte-Satumo. Dilema é uma boa palavra para descrever a combinação desses dois planetas: sua natureza é tão contrastante que, quando são reunidos por uma conjunção ou ângulo tenso, acabam gerando tensão e conflito na psique. Na situação que acabei de descrever, Marte também poderia ser retido por Saturno. Mas o inverso também pode ocorrer: você pode tentar se afirmar (Marte) sem levar em conta os limites ou a lei (Saturno), e se ver por trás das grades ou com o pescoço quebrado, ou simplesmente com um ovo na cara - pode ser bom para a pele, mas não tanto para seu ego e auto-estima, embora a ignomínia até valha a pena caso você aprenda algo com a experiência. Este é o lado "rápido" do dilema, no qual Marte não mostra respeito por Saturno; e, sem dúvida, Marte se beneficiaria do senso de ritmo, cautela e planejamento que Saturno pode lhe oferecer. Marte precisa de um pouco de Saturno, mesmo em seus melhores momentos. A oposição entre Marte e Saturno tem muitas semelhanças com a quadratura. Contudo, tal como em qualquer oposição (e muitas vezes também com as conjunções e quadraturas), você pode preferir ou se identificar com uma ponta da oposição, e por isso acaba experimentando o lado desprezado, que chega até você de fora para dentro. Isso pode ocorrer com qualquer das pontas da oposição Marte-Satumo. Vamos dizer que você se identifica com Marte, achando que pode se sair bem com seus modos ríspidos, agressivos ou impulsivos. Provavelmente, não terá sucesso, pois vai encontrar Saturno externamente - alguém ou algo deve tentar detê-lo. Ou pode acontecer o contrário: você se alinha com Saturno, segurando-se, retardando as ações em virtude de excessos de cautela ou medo de fracasso. Neste caso, você vai atrair Marte do exterior, provavelmente na forma de uAlan Oken, The Horoscope, the Road and its Travelers [O Horóscopo, a Estrada e seus Viajantes] (Nova York: Bantam Books, 1974), p.248.

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pessoas que ficam empurrando você, levando-o a fazer aquilo de que tem medo ou a respeito do que não se sente seguro. O que estou tentando enfatizar é que por mais que o conflito pareça ocorrer entre você e a realidade externa, o dilema entre ação (Marte) e inação (Saturno) é interno, levado por você para todos os lugares. Só ao resolver o conflito interno desses arquétipos, só ao encontrar um modo de fazer as pazes entre Marte e Saturno em seu interior, é que você se verá livre dos problemas causados pela projeção. Pode ajudar saber que Jung não achava que a projeção fosse algo totalmente patológico. Ele dizia que a ima­ gem projetada é um potencial armazenado em você, e quando surge a necessidade de essa sua parte se fazer conhecer, você vai encontrá-la por meio da pessoa ou da coisa sobre a qual a projetou. Se fizer as coisas corretamente e identificar a projeção como algo seu, terá dado um passo importante no resgate e reintegração daquilo que exportou para os outros. Na hipótese de você se identificar com Marte e exportar Saturno, pode ser útil fazer-se a seguinte pergunta: "Por que estou atraindo tantas obstruções ou censura? Será que alguma coisa em mim me detém ou retarda?" Ou, na hipótese de você se alinhar com Saturno e negar Marte, deveria se perguntar: "Por que as pessoas me impelem tanto? Será que alguma coisa em mim quer agir e eu não aceito isso?" Audiência: E o quincúncio entre Marte e Saturno? Funciona da

mesma maneira? A projeção também entra em jogo? Howard: Devido à tensão inerente à natureza contrastante de

Marte e Saturno, eu classificaria o quincúncio entre esses dois planetas como um ângulo importante e desafiador, o que signi­ fica (como qualquer aspecto tenso) que é possível que ocorra a projeção, pelo menos enquanto você não amadurece. Sempre surgem questões sobre a interpretação de inconjuntos ou quincúncios, por isso vale a pena reservar algum tempo para falar deles de modo geral. Na maioria dos casos, tenho visto que o quincúncio é um aspecto poderoso, um aspecto que deve sempre ser observado no mapa. Antes que me pergunte, devo dizer que sou liberal quanto a orbes - uns dnco graus. Sei que, se você considerar o quincúndo comesse orbe, pode superpô-lo

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com um aspecto menor, mas pelo que pude observar em minha experiência com a análise de mapas para meus clientes e seus comentários a respeito de suas vidas, tenho quase certeza de que os quincúncios funcionam dentro desse orbe. Assim, se você os limitar a uns dois ou três graus, é bom dar mais uma olhada em seu mapa para ver se ganhou algum quincúncio com esse orbe mais amplo - é possível que descubra um novo modo de entender alguma coisa em sua psique ou em sua vida. Os quincúncios têm sido chamados de "aspectos neuróticos", não porque tomam a pessoa neurótica (embora possam fazê-lo), mas porque agem de maneira imprevisível e, na maior parte do tempo, de modo contraditório. Alan Oken confirma isso descre­ vendo o quincúncio como um aspecto "gangorra", trabalhando ora de modo harmonioso, ora trazendo muitas complicações.13 Faz sentido, pois o quincúncio ocorre bem entre um trígono e uma oposição - e daí a alternância entre sua expressão positiva, semelhante a um trígono, e seus efeitos desafiadores, como os da oposição. Às vezes, os dois planetas reunidos por quincúncios parecem agir ou se combinar de maneira mutuamente benéfica. Se, por exemplo, você tem um quincúncio entre Marte e Saturno, em certas ocasiões ele vai agir como um trígono - você encontra instintivamente o equilíbrio certo ou a mescla adequada entre afirmação, firmeza e bom senso. Contudo, em outras ocasiões esse quincúncio pode atuar como uma oposição, criando proble­ mas e tensões semelhantes às que mencionei há pouco. Quando o quincúncio Marte-Satumo se expressa em termos difíceis, sua tarefa consiste em ajustar e refinar o modo como você mistura ou equilibra esses dois planetas, até conseguir o ponto ideal. O quincúncio pede que você faça o que puder para reunir suas pontas de maneira construtiva. Como disse, em certas ocasiões isso é quase automático, como se fosse um trígono; em outras, você faz uma confusão na tentativa de reunir os dois. O quincúncio entre Vênus e Júpiter, por exemplo, pode se misturar e produzir uma faceta criativa e expansiva bastante positiva em sua natureza, mas também pode se manifestar como um laisser-passez, fazendo de você aquele tipo de pessoa que oscila de um lado para o outro em seus relacionamentos: em um 13Alan Oken, The Horoscope, lhe Road and its Travelers, p.206.

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dia, está nas alturas, depois se desaponta profundamente e desce a ladeira quando a pessoa amada deixa de corresponder às suas expectativas excessivamente idealizadas. Muitos astrólogos baseiam sua interpretação do quincúncio no zodíaco natural: esse aspecto teria a natureza de Áries-Virgem (ou casas 1/6) ou Áries-Escorpião (casas 1/8). Virgem e Escorpião são os signos situados a 150 graus de Áries, e as casas 6 e 8 são as casas posicionadas a 150 graus da casa 1. Virgem e a casa 6, e Escorpião e a casa 8, pedem ajuste, refinamento e transformação - daí a idéia de que o modo como você reúne os planetas em quincúncio pode pedir ajustes, refinamentos ou transformação. Você pode digerir essas informações à vontade, mas devemos passar para os aspectos Marte-Urano. O trígono ou o sextil Marte-Urano são bons aspectos para se ter no mapa. Como disse antes, um contato harmonioso de Marte acrescenta poder e dinamismo à expressão do princípio planetário que toca. O contato positivo entre Marte e Urano dota a pessoa da capacidade para produzir mudanças na vida ou de ser um agente ou catalisador de mudanças coletivas. Dá a capacidade de agir com base em novas idéias ou inspirações de natureza uraniana sem se exceder, e geralmente denota um alto grau de individualidade e originalidade - dá à pessoa a bossa para se sair bem desse jeito. Por algum motivo, sua natureza diferente é aceitável. Os aspectos fluentes entre Marte e Urano aumentam o magnetismo e o carisma, criando uma forte dose de força e flexibilidade. Se a pessoa encontra resistência ou blo­ queios, ou se sente deprimida, em pouco tempo encontra um modo de superar o problema e retomar para a ação. A conjunção, a quadratura ou a oposição entre esses dois planetas pode oferecer o mesmo grau de originalidade e de inventividade que o trígono ou o sextil, mas você pode ter mais problemas para ser aceito ou reconhecido com seu jeito "diferen­ te". Urano intensifica e eletrifica todo planeta com que entra em contato. Combine-o com Marte e você terá um aspecto de elevadíssima potência. Obviamente, toda essa energia e poder não agem durante as vinte e quatro horas do dia - seu gás acabaria muito depressa, se fosse o caso. No entanto, em certas ocasiões a quadratura, oposição ou conjunção Marte-Urano (e até uma conjunção bem aspectada) emite tamanha energia pelo

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sistema nervoso que a pessoa tem problemas para lidar bem com ela. O perigo é "queimar o fusível" ou ter um curto-circuito. Pessoas com uma conjunção ou ângulo tenso entre esses dois planetas precisam fortalecer e estabilizar seu sistema nervoso de algum modo - ioga, meditação ou exercícios regulares - a fim de se tomarem veículos mais sólidos para a força elétrica quase devastadora gerada por esses aspectos. Os contatos tensos entre Marte e Urano (e incluo a conjunção entre eles) indicam pessoas com incríveis poderes de afirmação e uma vontade férrea de se afirmar. Tudo bem, desde que consigam um canal, projeto, causa ou campanha construtivos, para o qual possam dirigir sua energia agressiva ou afirmativa. No entanto, se sua necessidade de afirmação for bloqueada ou não tiver metas muito interessan­ tes, a pessoa pode ficar excessivamente irritada, inquieta ou deprimida. Marte e Urano são princípios do tipo animus: quan­ do reunidos, você tem uma força "masculina" dobrada. Os aspectos tensos vão exigir que essa pessoa dedique esforços conscientes para usar corretamente a energia, dentro de propor­ ções salutares; do contrário, ela pode exibir características associadas ao "animus negativo", tais como tendências violen­ tas, tirânicas, fanáticas e autocráticas. A oposição Marte-Urano é um aspecto interessante. Tal como ocorre com os outros contatos Marte-Urano, as pessoas com a oposição têm uma incrível necessidade de afirmação. Parecem se deleitar ao encontrar outras pessoas com impulsos semelhan­ tes, pois então podem entrar em combate. Não lhes interessa lutar com molóides; instintivamente, buscam ou atraem outros uranianos para lutar. Imagine dois indivíduos fortemente uranianos entrando em choque. Rojões! Contudo, como discutimos antes, é justamente essa feroz batalha de vontades que permite a essas pessoas afirmarem seu poder, crenças e identidade, descobrindo mais coisas a respeito de si mesmas. Os aspectos Marte-Netuno são um pouco diferentes. Isabel Hickey costumava se referir aos aspectos fluentes entre Marte e Netuno como o "idealista prático". Com o sextil e o trígono, Marte (o planeta da ação) trabalha em harmonia com Netuno (o idealista, o curador, o visionário ou artista), possibilitando a realização por intermédio da ação dos ideais, sonhos, poderes curadores e inspiração criativa. A conjunção (mesmo sob bons

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aspectos), a oposição e a quadratura são muito mais complexas. A afirmação se mistura com Netuno, mas de modo difícil. Para começo de conversa, Netuno pode ser bastante nebuloso, por isso você pode ficar confuso ou inseguro quanto à atitude que deve tomar diante de uma situação qualquer. Ou então, por causa das qualidades netunianas de dissolução do ego e sua queda pelo auto-sacrifício, você pode se sentir culpado quando afirma sua vontade pessoal, achando que é mais evoluído "fluir com o cosmos", ajustando-se às pessoas que o rodeiam, do que exigir as coisas a seu modo. Existe um conflito arquetípico entre os princípios representados por esses dois planetas. Marte dese­ ja muito afirmar a identidade do ego por meio da demonstração de seu poder e potência como indivíduo e por meio de seus esforços para dominar o mundo e fazer algo significativo na vida, enquanto Netuno o impele a se misturar, fundir ou unir com os outros, a transcender ou superar a perspectiva da reali­ dade do ego diferenciado - "eu-aqui contra você-aí". Dá para ver o problema? Creio que há uma solução para esse dilema. De modo geral, as pessoas com aspecto Marte-Netuno costumam ter mais sucesso com suas metas e ambições quando não as buscam apenas para satisfazer o "eu" pessoal. Até certo ponto, elas precisam respei­ tar o desejo netuniano de transcender a natureza independente do ego. Digamos, por exemplo, que tenho uma quadratura Marte-Netuno e que estou tentando montar um restaurante de luxo. Se minha meta básica é ganhar muito dinheiro ou se o estou montando para provar para minha mãe e meu pai ou para o mundo que sou uma pessoa capaz e talentosa, ou se estou buscando a fama e a glória que a administração de um estabele­ cimento de classe me daria, então Netuno (anti-ego por natureza) iria acabar minando meu sucesso. Contudo, se um de meus motivos básicos para montar o restaurante for a oferta de um serviço para os outros, terei mais chances de decolar. Pode ser preciso realizar uma mudança séria em minha atitude se eu tiver Marte em conjunção ou ângulo tenso com Netuno. Eu faria ainda melhor se imaginasse que o restaurante estaria oferecendo às pessoas pratos de boa qualidade - assim, eu não estaria nesse ramo apenas para estufar o meu ego e Netuno ficaria mais contente com a história. Talvez nada seja cem por cento altruísta,

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por isso eu teria de admitir que minhas motivações eram mais pessoais e egocêntricas, mas seria bom se essas razões fossem secundárias à idéia de ser um canal pelo qual alguma coisa proveitosa pode ser levada às pessoas. Como regra geral, se o seu mapa apresenta um aspecto MarteNetuno e você vai fazer alguma coisa apenas com o propósito de inflar seu ego, Netuno vai acabar encontrando um modo de sabotá-lo. Tenho visto que as pessoas Marte-Netuno conseguem fazer as coisas melhor para os outros do que para si mesmas. Elas ficam fortes quando entram em uma campanha pelos direitos de um colega ou trabalham em uma entidade de defesa de animais, mas se estiverem fazendo as coisas apenas em seu próprio nome, acabam não conseguindo concluir o projeto ou ele os desaponta em algum momento. Os aspectos Marte-Netuno pedem à pessoa para que afirme sua identidade ou poder por meio do serviço aos demais ou agindo como um canal pelo qual pode se manifestar alguma coisa maior do que a pessoa. Preciso me aprofundar um pouco nesta última afirmação. Os contatos Marte-Netuno podem ser usados construtivamente se você servir de canal pelo qual a dimensão transpessoal ou superconsciente da vida se revela. O verdadeiro artista, por exemplo, é receptivo ao que tem sido chamado de "reino imagi­ nário" ou "reino mítico", o plano da existência onde circulam as imagens, idéias e sentimentos arquetípicos ou universais. Va­ lendo-se de algum tipo de canal criativo, as pessoas com aspectos fáceis ou tensos entre Marte e Netuno podem agir como meios pelos quais o reino imaginário se comunica com as pessoas. Por natureza, os verdadeiros sensitivos, místicos e curadores estão abertos a energias situadas além das barreiras criadas pelo ego pessoal, por isso também são canais para que algo superior ou maior do que eles mesmos possa se manifestar. Netuno aprova a autotranscendência e ficaria satisfeito se Marte fosse usado de maneira sensata para cumprir essa meta. As pessoas cujos mapas mostram uma oposição entre Marte e Netuno costumam se defrontar com experiências que as levam a acreditar que o mundo está disposto a obstruir suas ambições. Elas tentam se afirmar (Marte), mas encontram "circunstâncias" que abortam seus esforços e acabam se sentindo vítimas da vida. Culpar o mundo por nossos fracassos é péssimo. Provavelmen­

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te, elas se identificaram ou alinharam com Marte (a vontade de afirmar a identidade do ego) às custas de Netuno; por isso, estão fadadas a se encontrar externamente com Netuno, que surge sob o disfarce de situações que sabotam as metas do "eu" pessoal a fim de substituir o egocentrismo exacerbado pela vontade de servir a algo maior do que o eu. Já discutimos uma possível manifestação dos contatos MartePlutão quando comparamos a vontade pessoal (Marte) com a vontade do Eu central (Plutão). Em contraste com as pessoas com um aspecto tenso ou conjunção entre Marte e Plutão, aquelas que têm um trígono ou sextil entre Marte e Plutão devem ter mais facilidade para alinhar a vontade pessoal com as inten­ ções do Eu profundo, oferecendo menos resistência ao que o Eu tem em mente. Marte e Plutão também significam dois tipos diferentes de ira. Marte pode ser comparado à "ira do ego", enquanto Plutão pode se manifestar como a "ira do id". No início da infância, antes dos cinco ou seis meses de idade, ainda não temos consciência de nós mesmos como um "eu" distinto do universo, um estado a que os psicólogos se referem como "nar­ cisismo primário". Toda frustração ou raiva que sentimos nessa fase sem ego é sentida como algo global e indiferenciado, ou seja, a pessoa não é apenas ela mesma, mas o mundo inteiro - que também é mau e irado. No capítulo sobre agressividade em A Dinâmica do Inconsciente, citei a analista kleiniana Hanna Segai a respeito desse tema: Um bebê faminto, furioso, berrando e esperneando, tem a fantasia de que ele está, na verdade, atacando o seio, rasgando-o e destruindo-o, e experimenta seus próprios gritos - que o rasgam e machucam - como o seio ferido que o ataca em seu próprio interior.14 Essa é pesada: ficamos frustrados com o mundo exterior, mas, como ainda não distinguimos um "eu" diferente de qualquer outra coisa, nossa raiva também é dirigida para o eu. É o que chamam de ira do id: é uma situação muito sombria, cheia de wHanna Segai, An Introduction to the Work of Melanie Klein [Uma Introdução à Obra de Melanie Klein] (Nova York: Basic Books, 1980; e Londres: Heinemann, 1964), p.2.

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raiva intensa e totalmente desprovida de luz ou de esperança. Como esse estado é tão doloroso e insuportável, normalmente nos isolamos dele. A repressão prematura da ira do id pode tomar a pessoa mais maleável, mas também pode deixar algu­ mas pessoas paralisadas do pescoço para baixo. Creio que muitos de nós alimentam - inconscientemente - a ira infantil não-resolvida em graus variados, que pode aflorar novamente quando ativada por um trânsito apropriado mais tarde. Com o tempo, vamos formando o ego ou senso de identida­ de autónoma. Depois de estabelecermos um "eu" pessoal, podemos experimentar nossa ira como algo pessoal, não mais global ou indiferenciado. É a isso que damos o nome de "ira do ego", a ira que sentimos quando o "eu" se forma. A ira do ego surge quando as pessoas nos tratam de modo injusto ou tentam bloquear o caminho que achamos que deve ser segui­ do. Assim, Marte representa a ira do ego, mas Plutão representa melhor a ira do id. Se você tem um contato difícil entre Marte e Plutão, pode se ver em uma situação na qual começa a expressar uma ira do ego justificável, mas depois ela se trans­ forma, de algum modo, em ira do id. Digamos que você nasceu com uma quadratura Marte-Plutão. Um dia, um pouco antes de algum fator ativar esse aspecto, você compra uma camisa nova em uma loja. Nesse mesmo dia, você descobre que ela está levemente desbotada e volta para devolvê-la. Você põe em prática suas técnicas de assertividade e, de igual para igual, enfrenta a balconista com seu pedido. Se ela o recusar, a ira de seu Marte pode se degenerar e ativar a ira do id plutoniana, e sem que perceba você está louco da vida porque ela não quer trocar a camisa, nem devolver o dinheiro. McEnroe tem uma conjunção Lua-Marte em Gémeos formando quadratura com Plutão em Virgem, e temos visto suas exibições de ira do id nas quadras. (Por falar nisso, se você nasceu com uma oposição Marte-Plutão, sabe como provocar a ira do id nos outros - o que, na verdade, é um modo de fazer com que os demais vivenciem essa sua parte.) Audiência'. E o que você pode fazer se possui um desses aspectos

Marte-Plutão e passa pelo tipo de experiência que você acaba de descrever?

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Howard: Se você quer uma fórmula, eu lhe dou uma fórmula.

Primeiro, você não deve pensar que é uma pessoa terrível só porque sente coisas horríveis, como a ira. Por sermos humanos, todos sentimos algum grau de luxúria, ira, inveja, cobiça e assim por diante. A maioria das pessoas gosta de negar isso, dizendo que não sentem aquilo que imaginam como sendo emoções e instintos primitivos ou incivilizados, mas como podemos trans­ formar alguma coisa se negamos que ela existe? Aceitando esses estados como parte de sua herança humana e parando de pensar que você é horrível e indigno porque abriga esses sentimentos. Em termos psicológicos, é incómodo tentarmos transformar alguma coisa que condenamos. Se, para começar, você reconhe­ ce e aceita a existência desses estados em seu interior, está lançando as bases para lidar com eles. Não é aconselhável, porém, libertar ou expressar diretamente sua ira Marte-Plutão você pode acabar na cadeia ou pior. Quando, na infância, você passou por intensa ira ou frustração e teve a fantasia de que matava sua mãe ou alguma outra pessoa, você não tinha a maturidade biológica para corresponder a esses impulsos. Con­ tudo, se essas emoções e complexos infantis ressurgissem na vida adulta (o que realmente acontece, de tempos em tempos), você é fisicamente capaz de pegar um ônibus até a loja de caça e pesca ou de imaginar um modo de pingar veneno no chá da tarde de alguém. As prisões estão repletas de pessoas que foram levadas por sua precoce ira global do id. São chamados de psicopatas ou sodopatas. Quando você estiver se sentindo muito irado, é bom procurar algum modo muscular para descarregar essa emoção - tire-a de seu sistema de modo seguro, tanto para você como para os outros. Você pode socar uma almofada, dar algumas voltas pelo quarteirão, nadar, etc. Alguns dão a isso o nome de higiene emocional, permitindo-lhe trabalhar a energia contida na ira de modo catártico. Em seu livro What WeMay Be, Piero Ferrucd tem um capítulo chamado "Tigres da Ira", no qual discute maneiras de transformar a agressividade negativa.15 Você pode experi­ mentar escrever uma carta zangada, mas sem enviá-la. Você pode pegar alguns lápis de cor e desenhar aquilo que estiver ,5Piero Ferrucci, What We May Be, cap. 7.

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sentindo, o que é um bom modo de começar a modificar seu estado emocional. Você também pode experimentar recanalizar a energia contida em sua raiva, dirigindo-a para algo construti­ vo. Para isto, comece escolhendo um projeto ao qual você deseja se dedicar mais. Depois, entre em contato com o vigor e vibração de seus sentimentos agressivos. Perceba que esses sentimentos criam tima grande energia em você - energia que pode ser rediredonada para a tarefa que você deseja completar. O passo seguinte consiste em imaginar-se executando o projeto escolhi­ do com a mesma energia que os sentimentos agressivos evocaram em você. Finalmente, termine o exerrído e tome todas as medi­ das necessárias para começar a executar sua tarefa. É esse o significado de se rediredonar a energia contida na agressividade para outra saída. Você também pode usar sua raiva como ponto de partida para uma auto-investigação psicológica. Por que certa pessoa ou situação desperta essa ira? Está ligada a alguma experiênda anterior junto à mãe, pai ou irmão? Em outras palavras, a ira pode fazer com que você se conheça melhor. Poderia falar dos aspectos Marte-Plutão o dia todo, mas existe apenas mais um ponto que gostaria de tocar. Tenho visto que algumas pessoas com esses aspectos se esforçam demais, como se fossem compelidas a usar Marte de maneira intensa, plutoniana. Elas testam seu poder, coragem e capaddade cor­ rendo riscos ou desafiando as ameaças - escalando montanhas, vivendo durante algum tempo sozinhas na floresta para verem se conseguem sobreviver direito, ou se dedicando a esportes perigosos e letais. Marte também energiza o desejo plutoniano de destruir e transformar, e qualquer contato Marte-Plutão pode ser diredonado à promoção de mudanças sodais ou políticas necessárias. Audiência: Como os aspectos Marte-Plutão afetam a sexualida­

de? Howard: Essa é uma boa pergunta. Tenho falado tanto de Marte

em termos de agressividade que não falei muito sobre ele em relação à sexualidade. Com certeza, os aspectos Marte-Plutão intensificam o impulso e as emoções sexuais. Algumas pessoas podem vivenciar isso de maneira literal ou compulsiva. Outras

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podem se assustar com a intensidade de sua sexualidade, e para evitar os problemas que ela poderia lhes causar negam ou eliminam sua existência. Não creio que isso seja muito saudável, pois tudo fica armazenado e emerge de maneira subversiva. Não tenho nada contra a transmutação ou sublimação de impulsos sexuais em outras atividades, tais como um emprego criativo, uma busca espiritual ou o serviço ao próximo; contudo, creio que você deve fazer isso apenas como escolha pessoal, não como fuga ao confronto com aquilo que está dentro de você. Audiência: Você poderia falar um pouco sobre Marte retrógrado? Howard: Quando retrógrado, Marte pode inibir a expressão

exterior de nosso impulso assertivo. Você pode se sentir impeli­ do a agir, mas depois se detém, como se fosse reavaliar a situação e verificar se escolheu o caminho correto. Lembra-se da Guerra das Falklands* entre Inglaterra e Argentina? A guerra foi decla­ rada oficialmente quando Marte estava retrógrado, mas não aconteceu muita coisa durante algum tempo porque os navios de guerra ingleses ainda precisavamviajar até as ilhas. Creio que isso levou uns dez dias. Erin Sullivan, uma astróloga que mora em Londres e que dá aulas em nosso Centro de lá, está escreven­ do um livro sobre retrógrados, algo que tem feito falta.16 Ela acredita que quando Marte está retrógrado, age de modo sub­ versivo ou contrário àquilo que o ego tenta realizar, ou contra o caminho de individuação sugerido pela posição ocupada pelo Sol no mapa. Sua lógica é interessante: em termos astronómicos, só nascemos com Marte retrógrado quando o Sol está na "zona de oposição" a Marte, ou seja, quando o Sol está no meio de seus dois trígonos com Marte. Assim, quando Marte está retrógrado, o aspecto que forma com o Sol é o quincúncio ou a oposição; logo, em conflito com o princípio solar. De algum modo, será preciso encontrar um meio de fazer com que Marte retrógrado se ajuste ao Sol, para que suas ações - ou falta de ação - não sejam a causa de problemas infligidos por você mesmo. *N. do T.: Ou Malvinas, como são conhecidas na América do Sul. 16Erin Sullivan, Retrograde Planets: Traversing the Inner Landscape [Planetas Retrógrados: Atravessando a Paisagem Interior] (Londres: Arkana Penguin, 1992).

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Tenho outras informações sobre esse tema, mas acho que seria interessante mudar de marcha e apresentar um exercício sobre Marte, semelhante ao que fizemos com Vênus. (Ouvi dizer que Liz mencionou um exercício marciano que eu tinha em mente, que seria o de cada um se virar para a pessoa sentada ao lado e lhe dar um murro. Pode ser que alguém queira praticá-lo, mas não estou certo de que todos fossem gostar - afinal, estamos na Suíça.) Assim, feche os olhos, respire profundamente, relaxe seu corpo e sua mente, e vá até um lugar sossegado em seu interior. Primeiro, visualize o glifo do planeta Marte e medite sobre ele durante um minuto. Ponha-o de lado e veja se alguma imagem ou cena vem à sua mente, refletindo o estado de seu próprio Marte. Faça isto como se estivesse observando a tela de um cinema e não sabe o que vai surgir depois de cada cena. Marte pode se manifestar como um homem, uma mulher, um animal ou uma abstração - deixe a imagem surgir. Depois de ter uma imagem mental de Marte, passe algum tempo dialogando com essa imagem. Descubra como vai Marte, se tem conseguido aquilo que deseja. Veja se você pode fazer alguma coisa para ajudar Marte a se sentir melhor ou mais feliz. Além disso, pergunte à sua imagem de Marte como se sente em relação à você. Você tem uns três minutos para essa discussão interior. Muito bem. Agora, diga adeus a Marte, abra os olhos lentamente e, quando estiver pronto, procure anotar aquilo que você vivendou. Depois, vire-se para a pessoa que estiver sentada a seu lado e dê-lhe um murro na cara. Não, não, estava brincando! O que quero é que cada um encontre um parceiro com quem possa discutir o que aconteceu no exerddo. Estou curioso para ouvir o que cada um tem a dizer sobre Marte. Quem está disposto a se expor? Audiência: Eu era Marte e estava tentando combater meus inimi­

gos com os braços. Eram muitos, não sei o que iria acontecer e por isso me agachei, sentindo-me derrotado, e subitamente - como uma onda - meus inimigos foram levados por cima de minha cabeça e desapareceram no mar, afogados. Howard: Onde está Marte em seu mapa? Audiência: Na casa 1, em quadratura com Netuno.

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Howard: Bem, tinha de ser um aspecto netuniano, não? Gozado,

você quase teve de se render para vencer. A maneira como você se curvou me lembra que Hércules teve de se ajoelhar no pântano antes de derrotar a Hidra. Quando você desiste do confronto direto, as coisas mudam para melhor. Veja se, de algum modo, consegue aplicar essa história à sua vida presente. Audiência: Eu tinha um cão pastor. Ele estava preso por uma

cerca e quando perguntei o que desejava, ele gritou, "Quero minha liberdade, quero sair daqui!" Em meu mapa, Marte está em Escorpião e forma quadratura com Netuno. Howard: Parece que você recebeu uma mensagem importante de

seu inconsciente. Esse cão vai ficar muito zangado se você não o soltar. Existe um tanque de armazenagem na psique que só consegue abrigar certa quantidade antes de explodir. Talvez fosse melhor levar o cachorro em uma coleira durante algum tempo, até ele ficar acostumado a ser livre. Do contrário, pode ser que ele saia correndo de cara. Liz costuma dizer que quando você prende alguma coisa no porão durante um certo tempo, essa coisa não vai se mostrar muito amável ou civilizada quando sair. Outra imagem? Audiência: Tenho Marte em Peixes em oposição a Netuno em

Virgem. Imaginei que Marte estava debaixo d'água, mas ele reclamava porque queria estar na terra. Assim, zarpamos em um navio até a ilha onde vivia Netuno. Quando se encontraram, um não gostou muito do outro. Ficaram zangados. Howard: Será mera coincidência o fato de todos que se manifes­

taram neste exercício terem contatos Marte-Netuno? Acho que é interessante fazer uma fantasia orientada com Marte quando Netuno forma aspecto com esse planeta. O fato de Marte e Netuno estarem zangados um com o outro me sugere que é preciso se dedicar mais à integração desses princípios em sua psique. Se você tem dois arquétipos em conflito, às vezes vale a pena chamar um árbitro. Você pode imaginar Vênus presidindo um encontro entre Marte e Netuno; veja se ela consegue ajudálos a dirimir suas diferenças. Obrigado por me contar isso. Antes

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de irmos em frente, preciso contar qual foi minha imagem para Marte - a de um gorila. Tenho lidado com Marte há anos e ainda me aparece o King Kong. Estou me sentindo lúdico e gostaria de experimentar outro jogo marciano, mas antes é preciso estabelecer o cenário. Marte tem muito a ver com o modo como abordamos alguma coisa ou alguém, com o modo como lidamos fisicamente com uma pessoa ou situação. Imagine este exemplo. Acabei de dar uma palestra, ainda estou no palco reunindo minhas anotações e um sujeito com Marte em Câncer gostaria de me perguntar algo pessoal a respeito do tema de que estávamos tratando. Como Câncer não tem a fama de ser objetivo, ele pode estar com medo de se dirigir diretamente a mim. Ele pode ficar sentado em sua cadeira até os outros terem saído, levantar-se e ficar me rodeando à distância, depois aproximar-se devagar pela lateral. Quando estiver perto, pode fazer antes um comentário sobre o clima e depois arriscarse e me fazer a pergunta. É como uma dança. Em algum momento antes de chegar até o palco, provavelmente eu teria sentido que ele estaria fazendo hora. Se eu enviasse um olhar do tipo "nem chegue perto", provavelmente ele obedeceria e isso seria tudo. Agora, compare isso com uma mulher que tem um Marte fortemente posicionado em Áries e que também gostaria de conversar comigo depois da palestra. Provavelmente, ela vai se dirigir rapidamente até o palco e ir direto ao assunto. Agora você entende o que quero dizer ao falar de Marte como indicador do modo como abordamos as coisas. Audiência: As mulheres usam Marte do mesmo modo que os

homens? Howarâ: Nos livros mais antigos e tradicionais de astrologia,

geralmente lemos que o homem se identifica e vivência o seu Marte, enquanto busca Vênus nas mulheres; e a mulher se identifica com Vênus, buscando homens que seriam um "gan­ cho" apropriado para seu Marte. Ainda encontramos pessoas assim. Certos homens podem achar que só é válido serem Marte e que não é bom se comportarem de modo venusiano. Assim, Vênus é desprezada e levada de volta para sua vida por meio de mulheres que eles acham atraentes ou agradáveis. O inverso

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pode se aplicar para as mulheres, mas, na verdade, não creio que as coisas sejam assim tão simples hoje em dia. Há mais homens à vontade com a expressão de Marte e de Vênus para si mesmos, e muitas mulheres estão integrando o animus em vez de projetálo sobre os homens, o que significa que essas mulheres estão relativamente à vontade tanto vivendando Marte como Vênus. Aprovo enfaticamente esses progressos, pois isso significa que as pessoas estão vivendo melhor sua plenitude. Para complicar mais ainda as coisas, você pode encontrar uma mulher domina­ da pelo animus e que rejeitou Vênus em favor de Marte; se for o caso, ela estará procurando importar Vênus por meio de um parceiro, seja um homem ou uma mulher. E você pode encontrar homens dominados pela anima que rejeitaram seus próprios Martes, e que por isso estão buscando outra pessoa - pode ser outro homem, pode ser uma mulher - para "ser" seu Marte. Alguns homossexuais se identificam estereotipicamente com Vênus e buscam Marte em um parceiro, mas outros se identifi­ cam com Marte (o "macho") e importam Vênus por meio de seus parceiros mais passivos. A lésbica que vivenda Marte e transmi­ te uma imagem "viril", provavelmente se sente atraída por mulheres que refletem uma imagem de Vênus que elas mesmas não vivendaram; outras lésbicas se sentem à vontade com Vênus, por isso buscam uma parceira que se ajusta à imagem de Marte. Também podemos encontrar gays que se sentem bem tanto com Vênus como com Marte. Por tudo isso, e desde que você não tenha se encaixado integralmente na imagem estereotípica dos homens mardanos e das mulheres venusianas, seu sexo genital não deve lhes trazer problemas. Seja qual for o seu sexo e sua tendência, se você está ligado a Marte, vai buscar Vênus no parceiro. Se está alinhado com Vênus, vai procurar Marte. Para estimular seu radocmio sobre Marte nos signos, vamos imaginar como cenário um bar para solteiros em Nova York - e, só para ficarmos tranquilos, vamos dizer que estamos antes da época da AIDS; em 1980, por exemplo. Além de indicar o modo como abordamos as pessoas, Marte sugere o modo como as impressionamos, os atributos que achamos que nos farão pare­ cer poderosos, sensuais, atraentes ou potentes. Para ser claro e simples, vamos dizer que o bar tem homens e mulheres, e que

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está repleto de homens tentando impressionar as mulheres segundo as linhas do signo de Marte. (Lembre-se, as mulheres também tentam impressionar os outros com seu poder segundo o signo de Marte, embora eu imagine que a maioria das mulheres nessa situação usaria Vênus como um meio para tomá-las atraentes e desejáveis.) Neste momento, vamos nos concentrar na abordagem de um homem, mas pode servir para as mulheres também. Assim, um homem com Marte em Gémeos se aproxima de uma mulher nesse bar e quer impressioná-la. Como será sua "cantada"? Audiência: Ele vai tentar falar e mostrar como é esperto. Howard: Sim, ele pode tentar impressionar a moça mostrando

sua facilidade de conversação e seus vastos conhecimentos em uma série de assuntos. Ele pode mencionar um livro que acabou de ler ou um filme que assistiu há pouco tempo, dando uma opinião estudada. E se Marte estiver em Aquário? Audiência: Ele vai falar da última novidade eletrônica que com­

prou para sua casa. Howard: Isso parece quase obsceno. Estava imaginando que ele

poderia impressioná-la com sua visão, seu idealismo ou sua originalidade. E Marte em Escorpião? Audiência: Sendo misterioso. Howard: Sim, parecer misterioso pode ser seu modo de atrair as

pessoas, ou pode tentar demonstrar como é profundo - pode tentar fazer uma análise psicológica instantânea da natureza de sua "vítima". Pode tentar impressioná-la mostrando sua capacidade sexual - "Venha comigo, será uma noite inesquecível", ou em uma pista sutil, ''Venha comigo e terá uma grande surpresa". Alguns deles emitem sinais que dizem, "Posso ser perigoso ou complexo, mas não sou uma pessoa da qual você esqueceria facilmente". Audiência: E Marte em um signo de Terra, tentaria impressionar

as pessoas mostrando como é bem-sucedido e rico?

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Howard: Bem, Marte em Touro pode imaginar que terá chances

caso possa demonstrar como é sólido, confiável e determinado. Sim, e tem uma bela conta. Provavelmente, gostaria de ser visto como um tipo sensato e tão bom de cama como o sujeito de Escorpião que está por ali. Ou pode simplesmente mendonar certa propriedade que, segundo supõe, vai impressionar a pes­ soa - seu carro novo, um sistema de som ou coisas assim. Audiência: Marte em Capricórnio também gostaria que os outros o vissem como competente, capaz e bem-sucedido, como alguém sábio e maduro, alguém com quem você gostaria de ser visto. Audiência: Marte em Virgem pode se oferecer para consertar sua

torneira ou instalar umas prateleiras! Howard: Ou pode querer impressioná-la com seu senso crítico

de julgamento e capaddade de discriminação, recomendando aquele que, segundo imagina, é o melhor uísque do bar. A coisa está ficando tola, mas você já percebeu o conceito. Em signos de Ar, Marte vai querer transmitir a imagem de alguém inteligente e esperto, enquanto Marte em Terra quer ser visto como prático e útil, bem adaptado ao mundo material. E Marte em Leão? Audiência: Será que vai impressioná-lo com sua importânda? Howard: Creio que ele quer ser notado pelo fato de ser especial e

único, não como os outros homens do lugar. Ele pode contar vantagem sobre suas realizações ou sobre as pessoas importan­ tes que conhece, ou tentar chamar sua atenção contando histórias gozadas ou dramáticas. E Marte em Sagitário? Audiência: Pode tentar impressioná-lo falando dos lugares para

onde já viajou ou convidando-o para passar o fim-de-semana em Paris. Ou pode querer mostrar como é esportivo ou está na moda. Alguns deles podem querer compartilhar sua filosofia e sistema de crença a fim de inspirar e conquistar os outros. Howard: Muito bem. E Marte em Câncer ou Peixes?

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Audiência: Os homens com Marte em Câncer ou Peixes podem

tentar impressionar os outros mostrando como são sensíveis e emotivos. Marte em Câncer poderia até se oferecer para prepa­ rar um jantar ou para cuidar de você. Howard: Sim, é possível. Ou podem achar que, com um jeito triste

ou de abandonado, você não vai resistir e acabará bancando a mãe para ele. Em Peixes, teríamos algo semelhante - ele quer demonstrar como é simpático e que se você ficar por perto ele vai lhe oferecer um ombro amigo, vai ser uma pessoa compreensiva em caso de dificuldades. Há quem julgue isso irresistível. Você pode deduzir as outras colocações de Marte sozinho. Tenho um mapa para análise em termos de Marte, mas não temos muito tempo. Liz e eu vamos analisá-lo em nossa sessão em conjunto. Ainda temos uns cinco minutos, e gostaria de dizer mais uma coisa. Em seu livro A Woman in Your Own Right (Uma Mulher Independente), Anne Dickson relaciona uma série de direitos básicos que, segundo acredita, todos nós merecemos.17 Vou ler esses direitos e gostaria que cada um os repetisse mentalmente ou em voz alta, junto comigo. Este é um seminário sobre Marte, por isso é interessante terminarmos com uma afirmação a respeito de nossos direitos como indivíduos. 1. Tenho o direito de afirmar minhas necessidades e de estabelecer minhas próprias prioridades. (Repita.) 2. Tenho o direito de ser tratado com respeito como ser humano inteligente, capaz e igual. (Repita em voz alta ou mentalmente.) 3. Tenho o direito de expressar minhas emoções. (Este é o direito à sua Lua.) 4. Tenho o direito de expressar minhas opiniões e valores. (Este é o direito a seu Mercúrio e Vênus.) 5. Tenho o direito de dizer sim ou não para mim mesmo. 6. Tenho o direito de pedir aquilo que quero. 17Anne Dickson, A Woman in Your Oion Right (Londres: Quartet Books, 1982), cap. 5.

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7. Tenho o direito de mudar de idéia. (Gosto desta - é boa quando você pediu a coisa errada antes.) 8. Tenho o direito de errar. (Algumas pessoas não se conce­ dem este direito facilmente. Elas cometem erros e imedia­ tamente pensam que são pessoas horríveis em função disso. Puxa, somos apenas humanos; não temos de ser perfeitos.) 9. Tenho o direito de abrir mão da responsabilidade pelos problemas dos outros. (Em certas ocasiões, você pode querer ajudar os outros, mas em outras você estaria pre­ ferindo ficar em casa vendo TV - você tem o direito de dizer não.) 10. Xenho o direito de lidar com os outros sem depender da aprovação deles. (É algo que nem sempre é fácil fazer, pois na infância achamos que temos de ser aprovados para recebermos o amor e garantirmos nossa sobrevivência.) Tudo bem, por ora é só. Vamos dar uma salva de palmas para nosso amigo Marte.

PARTE QUATRO

I n ter pr eta ç ã o do

M

apa

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I n terpretação

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UMA DISCUSSÃO COM EXEMPLOS por

L iz G r e en e

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H o w a r d S a sp o r ta s

Liz: Hoje, vamos nos apresentar em dupla e achei que podería­ mos começar cantando Blue Moon. Howard será o tenor e eu a contralto. Howard: Achei que eu ia fazer o contralto. Liz: Não posso lhe dar muita corda, não é? Não importa; em vez de cantarmos Blue Moon, vamos continuar a análise dos mapas

de Charles e Diana, bem como sua sinastria. (Veja os Mapas 5 e 6 nas páginas 282-283.) Esta é uma maneira interessante de abordar Vênus e Marte - ver como interagem um com o outro e com os outros planetas em dois mapas. Poderíamos começar com a análise da conjunção Vênus-Netuno no mapa de Charles. Howard, creio que você já falou de Vênus-Netuno, pois eu não tive tempo para falar desse aspecto em minha palestra sobre Vênus. Howard: Sim, falei dele em relação ao caso que usei em minha

palestra sobre Vênus. Liz: Gostaria de falar um pouco mais a respeito dessa conjunção

por causa de sua colocação na casa 4 do mapa de Charles. Essa conjunção oculta sugere algumas coisas bastante interessantes a respeito de seu caráter, embora seja uma faceta que o público provavelmente não reconheça à primeira vista. Netuno, como vimos, reflete o anseio que sentimos por nos fundirmos com

282 / OS PLANETAS INTERIORES

Mapa 5. Diana, Princesa de Gales. Nascida em Sandringham, Inglaterra (52n50,0e30), a I adejulho de 1961, às 19:45 GMD (fuso -1). Fonte dos dados: Palácio de Buckingham. Mapa calculado pela Astrodienst, usando o sistema Placidus de casas.

Interpretação do Mapa / 283

Mapa 6. Charles, Príncipe de Gales. Nascido em Londres, Inglaterra (51n32, 0w08), a 14 de novembro de 1948, às 21:14 GMT (fuso 0). Fonte dos dados: Palácio de Buckingham. Mapa calculado pela Astrodienst, usando o sistema Pladdus de casas.

284 / OS PLANETAS INTERIORES

uma unidade maior, perdendo nossa natureza autónoma. É a busca do Jardim do Éden, do retomo à magia desaparecida do útero, da fonte da vida. Aqui, temos esse planeta combinado com Vênus em seu próprio signo, por isso os valores de Charlesaquilo que ele julga belo e importante na vida - refletem essa visão de um mundo ideal, uma Era de Ouro antes da Queda saturnina. Pode ser que um dos elementos de identificação do público com Charles, em virtude dessa poderosa conjunção, seja o amor que o Príncipe sente pelo passado, tal como nas paisa­ gens campestres e na harmonia da arquitetura clássica. Ele busca a beleza e se assusta diante da falta de personalidade de muitos edifícios modernos. Isso lhe trouxe muitas inimizades por parte dos arquitetos, mas apesar de alguma crítica do público e até ironias, ele permanece fiel a esses valores Vênus-Netuno tão claramente expressados, que também incluem seu interesse nos aspectos mais místicos da psicologia junguiana. Vários astrólogos descrevem Vênus-Netuno como o mais romântico de todos os aspectos. A busca pelo Jardim do Éden tinge a visão que Charles tem dos relacionamentos, por isso é provável que ele, especialmente quando jovem, tenha idealiza­ do o amor e a espera por uma amada que curasse todas as suas feridas e aliviasse sua solidão, fazendo com que os males da vida desaparecessem. Há todo um processo inevitável de ilusão nos aspectos Vênus-Netuno, pois obviamente nenhum parceiro humano pode criar esse estado de perfeita fusão. A magia de Netuno depende de sua fantasia e inatingibilidade. O único parceiro perfeito é aquele que você nunca encontra. Assim, tenho a impressão de que Charles é um tanto tristonho ou melancólico, pois ele sempre terá sonhos amorosos que nenhu­ ma mulher conseguirá realizar. Howard: Muitos arquitetos acham que suas idéias são demasia­

damente irrealistas e idealistas. Liz: Até certo ponto, provavelmente são, embora tenha grande

simpatia por seus protestos contra aquilo que ele chama de "carbúnculos" sobre a paisagem. Contudo, não é possível recriar sua visão netuniana agora. Teríamos de demolir metade de Londres e limpar a outra metade. A arquitetura preferida de

Interpretação do Mapa / 285

Charles sempre vai pertencer a uma era passada - georgiana, vitoriana, eduardiana - e hoje em dia não é economicamente viável para um construtor erguer edifícios como esses sem a mão-de-obra barata daqueles tempos. Muitos sabem que Charles encontrou uma espécie de "men­ tor" em Sir Laurens van der Post, uma pessoa que conhece a fundo as idéias de Jung - um escritor, visionário e explorador. Van der Post é sagitariano e creio que exerceu enorme influência sobre o modo de pensar de Charles. É interessante observar que a conjunção Vênus-Netuno está na casa 4, que reflete o relacio­ namento com o pai e com as raízes. De certo modo, Charles buscou alguém além de seu próprio pai, o Príncipe Philip, e encontrou uma espécie de pai espiritual em van der Post e seu mundo interior de ideais e visões. Haward: Seu primo, Lord Mountbatten, também foi uma espécie

de pai para Charles. Isso pode ser visto astrologicamente em Mercúrio na 4 regendo a casa 3, o que liga a casa do pai ao planeta e à casa dos parentes. Tenho certeza de que a morte de Mountbatten foi muito dura para Charles. Como você estava dizendo, Vênus-Netuno pode idealizar as pessoas e depois perdê-las ou se desapontar com elas. Liz: Também podemos ver o quanto essa conjunção Vênus-Netuno

nos revela a respeito do Príncipe de Gales. Agora, predsamos analisar o mapa de Diana e ver se a conjunção se liga com alguma coisa neste mapa. Esperamos encontrar alguma conexão, pois isso sugeriria que Diana consegue refletir pelo menos algumas das qualidades tãoprezadasporCharles. Dáparaver alguminteraspecto? Audiência: O MC de Diana está em Libra, formando conjunção

com esse Vênus-Netuno de Charles. Liz: Sim, essa é a principal conexão. Vênus-Netuno também forma

sextil com o Ascendente de Diana, em Sagitário. Mas o contato com o MC é o aspecto mais poderoso. O que você acha que isso significa? Audiência: Alguma coisa a respeito do modo como ela aparece

para o mundo.

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Liz: O MC reflete a imagem da pessoa, sua apresentação para o

mundo exterior. Também pode ser um fator muito importante em termos da aparência física, do tipo físico, até mais do que o Ascen­ dente. Assim, podemos presumir que Charles encontra em Diana a personificação da beleza ideal que ele procura - o modo como se veste e se apresenta em público e suas qualidades físicas. Howard: A conjunção Vênus-Netuno de Charles receberá uma

quadratura por Netuno em trânsito durante os próximos anos. Liz: Seguido de perto por Urano. Bem, pode ser um período

difícil para ele em termos emocionais, sua vida afetiva pode ficar confusa e instável. A imprensa age como sanguessugas, sempre atrás de Charles e Diana quando os dois viajam separadamente*; e como qualquer outro casal, têm suas dificuldades e pontos de incompatibilidade. Pode ser que Charles passe por um período de desilusão - seu ideal de perfeição acabou se mostrando como uma mulher mortal -, mas o trânsito de Urano também pode refletir uma mudança em suas atitudes, a libertação de parte do idealismo excessivo de Netuno. Naturalmente, ambos os trânsi­ tos podem refletir confusão e mudanças em outras áreas - seu relacionamento com o pai, além de seus valores e das formas exteriores pelas quais ele as expressa. Bem, como você acha que Diana reage ao Vênus-Netuno de seu marido sobre seu próprio MC? Audiência: Ela se sente admirada.

Liz: Sim, essa é uma das reações possíveis. Ela pode se sentir mais bela e charmosa a seus olhos, sua auto-imagem pode crescer e florescer. Na verdade, foi o que aconteceu: ela mudou muito desde o tempo da ingénua Lady Diana Spencer em termos de imagem e estilo, e não acredito que isso se deva apenas ao fato das cabeleireiras do palácio terem se dedicado bastante a ela. Ela se transformou nesse Vênus-Netuno em termos de sua persona pública; é como se Charles tivesse dado forma a ela por meio da projeção de sua própria imagem de beleza. *N. do T.: Este livro foi escrito antes da separção do casal de príncipes

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Howard: Diana nasceu com uma quadratura Vênus-Urano, o que

me faz imaginar que ela às vezes deve se sentir acuada em um relacionamento. Liz: Tenho certeza que sim. Quem não se sentiria? É como viver

em um aquário, além de quaisquer outros problemas que ambos tenham de resolver a dois. E Vênus no mapa de Diana, bem como seus interaspectos com o mapa de Charles? Faz uma oposição com o Sol e Quiron dele, bem próxima. Vênus está em 24° de Touro no mapa de Diana e no de Charles o Sol está em 22° de Escorpião e Quiron em 28° desse signo. Assim, Vênus está no ponto médio do Sol e de Quiron, além de formar oposição com esses planetas. É um interaspecto bastante poderoso, especialmente por envolver também o ponto médio. Audiência: Não é um bom aspecto, de certo modo? Liz: De certo modo, todo aspecto é bom. Mas você tem razão - em

sinastria, a oposição entre Vênus e o Sol é considerada muito positiva, pois existe uma atração magnética. Aquilo que Diana mais valoriza, aquilo que ela acha belo e digno na vida, é personificado por Charles. Toda oposição tem um elemento de tensão, mas é uma tensão de complementos e não de antagonis­ mos, como é o caso das quadraturas. Sob vários aspectos, os signos opostos são os mesmos, e Touro e Escorpião partilham uma grande sensualidade e intensidade, além de emoções leais. Mas a configuração que envolve Vênus no mapa de Diana em oposição a Quiron no mapa de Charles é mais difícil. O fato de o Sol estar em conjunção com Quiron nos diz algo sobre a complexidade de seu caráter; para mim, esse aspecto sugere que ele é uma pessoa um tanto solitária, muito séria, sentindo-se ferido em sua capacidade de expressão. Isso é reforçado pelo fato da conjunção se dar em Escorpião. Também podemos inferir alguma coisa sobre seu pai, bem como um isolamento ou mágoa que ambos partilham ou que existe, entre eles. Pode ser esse o motivo pelo qual Charles procurou "pais espirituais" em figuras como Laurens van der Post e Lord Mountbatten. A qualidade de "curador ferido" de Charles - a tristeza e o isolamento que

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geraram sua profunda tendência meditativa e filosófica - é ao mesmo tempo uma atração e uma interrogação perturbadora para Diana. Ela pode ter dificuldades para entender sua serieda­ de e tendência de se manter distante, embora provavelmente ela também respeite e admire essas características. Howard: E não é só isso. Ela tem uma cruz em T fixa envolvendo

a Lua em 25° de Aquário, oposta a Urano em 23° de Leão, ambos em quadratura com Vênus em 24° de Touro. Assim, o Sol de Charles em 22° de Escorpião complementa a parte vazia dessa cruz-T; seu Sol não apenas se opõe ao Vênus de Diana, como forma uma quadratura com sua Lua e com seu Urano também. Toda pessoa que tem planetas que completam uma cruz-T de outra traz provas importantes e desafia esta pessoa. Se conside­ rarmos a Lua como as necessidades instintivas de Diana, o fato de o Sol dele formar uma quadratura com a Lua dela pode representar um problema para Diana - talvez ela não se mostre instintivamente receptiva ou reativa àquilo que ele precisa para satisfazer seu senso de identidade. Qual será o significado do Urano dela em quadratura com o Sol dele? Audiência: Isso pode levar a um rompimento sério. Howard: É bem provável. Mas sua necessidade de espaço, indi­

vidualidade e liberdade (Urano em Leão em conjunção com o Nodo Norte) pode entrar em conflito com certos aspectos da natureza de Charles. Ela também tem Urano na casa 8, o que provavelmente indica que ela precisa manter sua inquietude oculta ou secreta. Liz: Creio que a rebeldia de Diana, uma qualidade inata nela refletida pela cruz-T a que você se referiu -, deve ser ativada pelos ditames de sua situação e provavelmente também pela tendência de Charles não expor abertamente suas verdadeiras emoções e desejos (Sol em Escorpião em conjunção com Quiron). Em Escorpião, o Sol tende a agir de maneira silenciosa e intuiti­ va, presumindo que os outros vão exercer as mesmas percepções sutis, e Escorpião raramente pode ser acusado de adotar a atitude "explosiva" e aberta de discutir tudo. Isso pode ser

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bastante difícil para Diana, cuja Lua aquariana tende a coisas aéreas e as discute de maneira sensata. Lembro-me daquela piada horrível - "Quantos califomianos são necessários para trocar uma lâmpada? Um para trocar a lâmpada e cinco para partilhar da experiência." Essa piada sempre me pareceu um exemplo arquetípico do humor americano, refletindo o lado extremo da Lua em Aquário dos EUA. Não estou sugerindo que Diana seja assim - afinal, ela é inglesa -, mas existe uma quali­ dade bastante honesta e aberta na Lua em Aquário que pode achar as profundezas silenciosas de Escorpião bastante frustran­ tes. Como Urano está na 8 no mapa de Diana, diria que sua faceta rebelde irrompe de maneira incerta, imprevisível e inconsciente. Ela pode estar perfeitamente calma, satisfeita e contida em um dia e, de repente, b a n g ! Não consegue suportar nem mais um minuto. Uma pessoa com Urano na 8 não anda por aí monitoran­ do conscientemente suas emoções; as emoções afloram subitamente e de maneira bastante desagregadora, como se uma bomba tivesse explodido no porão da casa. Os planetas da 8 costumam agir dessa maneira vulcânica. Como Urano forma quadratura com a Lua e Vênus, essas erupções emocionais podem perturbar st^a necessidade de segurança, ameaçando seus valores taurinos. Diria até que, às vezes, ela fica se pergun­ tando porque disse ou fez o que acabou de dizer ou fazer. Audiência: Todos estão falando de Quiron, mas ainda não sei o

que significa. Liz: Recomendaria que você começasse pelo livro de Melanie Reinhart, Chiron and the Healing Joumey (Quiron e a Jornada de

Cura).1É uma excelente análise do planeta, ou, mais precisamen­ te, planetóide. Audiência: Comprei o livro, mas ainda não pude lê-lo. Howard: Talvez você não tenha assistido à palestra sobre Vênus

onde Liz falou de Quiron. Em resumo, na mitologia, Quiron era 'Melanie Reinhart, Chiron and the Healing Joumey (Nova York: Penguin, 1990).

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conhecido como o curador ferido. Ele tinha um ferimento incu­ rável, mas mesmo assim conseguiu curar os outros de seus ferimentos e dores. No mapa, Quiron mostra a área onde nos sentimos feridos, onde existe um dano, uma lacuna ou buraco extremamente difícil de preencher. Embora a ferida nunca sare, podemos aprender muito sobre a vida e sobre nós mesmos com ela. Liz disse que Charles nasceu com uma conjunção SolQuiron na casa 5, sugerindo ferimentos e dor na área da autoexpressão. Audiência: Mas, o que é Quiron? Onde está? Howard: Quiron é um planetóide e foi descoberto em 1977 pelo

astrónomo Charles Kowal. No céu, ele se situa entre Saturno e Urano, e tem um ciclo de 52 anos, creio eu. Liz: Sua órbita é irregular, como a de Plutão, e segue uma elipse.

Passa muito mais tempo em alguns signos do que em outros. Howard: Às vezes, aproxima-se mais de Saturno, às vezes mais

de Urano. Liz: Os astrólogos já vêm observando Quiron há 13 anos. Surgi­ ram alguns livros especulativos no início, mas desde então muitas informações a seu respeito foram colhidas por meio da observação de sua atividade nos mapas das pessoas. O livro de Melanie é o mais recente e reflete essas observações empíricas. Howard: Funciona nas interpretações. Se você não tem incluído

Quiron em suas leituras de mapas, deve comprar efemérides que incluam sua posição. Os interaspectos de Quiron costumam surgir com frequência nas sinastrias, não apenas nos mapas de namorados ou cônjuges, mas também entre os mapas de pais e filhos ou até de amigos íntimos. De certo modo, Quiron é semelhante a Saturno: significa o ponto onde sentimos medo, onde sofremos dor ou danos, mas, se processado e compreendi­ do adequadamente, podemos aprender muito. Esse planeta também indica a capacidade de cura e está bem posicionado nos mapas de pessoas interessadas em saúde e cura, especialmente

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de praticantes de técnicas médicas alternativas ou complemen­ tares. Liz: Também vejo Quiron como saturnino, embora a natureza do ferimento seja outra - sua origem é menos pessoal e parental e a maneira de lidar com ela também é diferente. Saturno compensa a sensação de mágoa com seu jeito defensivo e com esforços práticos muito determinados. Mas Quiron lida com ela adquirindo conhecimentos, que com o tempo transformam-se em sabedoria. Howard: Como Quiron indica um ferimento que não sara, tam­

bém nos ensina a lidar com a aceitação e com a submissão a algo que fica além do controle do ego, e esse tipo de submissão ou aceitação pode abrir as portas para um grande conhecimento e insight a respeito do significado da vida da pessoa e da vida como um todo. Por falar nisso, vimos que o Príncipe Charles tem uma conjunção Sol-Quiron em Escorpião na 5. Sabia que, em certa ocasião, ele deu uma palestra em uma conferência médica e declarou que se não tivesse de cumprir seus deveres como príncipe, teria escolhido a medicina ou alguma outra atividade de cura? Liz: Ele apresentou uma palestra na Associação Médica Britânica

há alguns anos, na qual falou de suas idéias relativas a doenças. Ele disse que muitas pessoas procuram seus médicos com doen­ ças da alma disfarçadas como doenças do corpo. Essa é uma excelente descrição do tipo de cosmovisão de uma pessoa com esse Sol-Quiron em Escorpião. Não sei dizer se ele teria sido um médico ortodoxo; é mais provável que se formasse em psiquia­ tria e depois estudasse no Instituto Jung. Howard: Na mitologia, Quiron foi o primeiro terapeuta e educa­

dor holístico, e serviu de tutor para os filhos semidivinos dos deuses. Ensinou Jasão a navegar, deu aulas de astrologia para Hércules; Asclépio e Aquiles também foram seus alunos. Ele fazia questão de dar a seus pupilos uma educação holística, global, ensinando-os não apenas a lutar, como também a curar os ferimentos recebidos em combate. Quiron simboliza uma

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energia, um princípio muito atual, e como está em conjunção ao Sol de Charles, este mantém uma boa sintonia com algumas das mais recentes tendências e correntes que permeiam o coletivo. Liz: Na sinastria entre Charles e Diana, vemos que Quiron e Vênus respectivamente de um e de outro estão em oposição, e que é provável que ela veja essa faceta de Charles como algo perturbador e fascinante ao mesmo tempo. Vênus está em domicílio em Touro e isso é algo muito sólido e simples. Pode­ mos ver isso no modo como Diana lida com crianças; ela tem instintos sólidos, bons e terrenos, e as crianças confiam nela intuitivamente. Como todo aspecto em sinastria forma um canal de duas mãos, pois cada um afeta o outro, é possível que Diana também perturbe Charles, pois esse lado sólido, bom e terreno dela pode fazer com que ele tome consciência de sua própria natureza, complexa e multifacetada. É possível que ele a inveje por sua capacidade de se distrair e de aceitar a vida como é - um dos dons de Vênus em Touro - enquanto ele está sempre escavando, sondando e procurando o significado profundo e o motivo oculto por detrás da superfície das coisas. Vênus em Touro também gosta de dançar, de festas e de bons pratos e vinhos, enquanto Quiron em Escorpião fica sentado lendo Jung e Paracelso, ponderando sobre as razões para o sofrimento humano. Com isso, podemos perceber que esses interaspectos são bastante complicados e poderosos. Ao mesmo tempo, Quiron machuca e é machucado pela pessoa cujo planeta o toca em sinastria; além disso, cura e é curado. Mas eu diria que isso às vezes pode ser demais para o Urano de Diana, que pode entrar em erupção periodicamente e fazer com que ela se afaste um pouco de tanta intensidade. Audiência: O Saturno de Charles forma conjunção com Marte e

Plutão de Diana. Liz: Sim, vamos chegar lá. Audiência: Tenho uma pergunta sobre a família real, seus valores

e seu significado. Você não acha qúe ela é algo obsoleto? O

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Príncipe Charles está preso em seu papel e ele poderia se sentir melhor se não o estivesse representando. Liz: Receio que tenho de discordar. Mas você vive na Suíça, que sempre foi uma democracia e que, como coletividade, tem necessidades psicológicas diferentes. Se alguém sugerisse a sério que a Suíça deveria ter uma família real, você acharia a história absurda, na melhor hipótese, e na pior ficaria enfurecido e insultaria o autor da idéia. A Inglaterra também é uma demo­ cracia. Contudo, o símbolo do reino como imagem ideal do que há de divino no homem está profundamente enraizado na psique inglesa e na de outros países. Não é algo tolo nem obsoleto, porque é arquetípico e faz parte da estrutura da indi­ vidualidade desse país. Com algumas exceções pouco discretas, os ingleses amam e precisam de sua família real, pois ela perso­ nifica uma coisa absolutamente estável e permanente em meio ao caos, e porque todo drama humano, luzes e sombras, acha-se refletido nela, o que gera a representação mítica de um ato essencialmente religioso. Creio que seria excessivamente sim­ plista imaginar que Charles está preso no sistema de valores errado e que estaria melhor se não estivesse ali. Seu papel é muito mais sutil e importante do que imaginamos, e tenho certeza de que ele sabe disso. Os valores que ele abraça exercem uma enorme influência sobre as pessoas e ele, como sua mãe a Rainha, tenta assumir essa responsabilidade com a maior inte­ gridade possível. Obviamente, todos sofrem uma queda de vez em quando, pois são seres humanos comuns. Porém, apesar de não governarem, têm tuna enorme importância psicológica para o povo inglês. As opiniões aparentemente excêntricas e superidealistas que Charles defende se movem em uma direção diferente da seguida pelos valores da Rainha, embora não estejam em rota de colisão. Isso é interessante, pois os dois parecem ter uma vasta gama de atitudes harmónicas. Charles também é bastante cauteloso, cir­ cunspecto por natureza e sabe promulgar suas idéias, em parte devido à Lua na 10 em Touro formando trígono com Saturno, o que, apesar de Vênus-Netuno, dá a ele realismo suficiente para saber que não se pode abrir a cabeça das pessoas com coisas que parecem saídas de um hospício.

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Howard: A Lua na 10 também significa que ele precisa tomar

cuidado para não se afastar muito daquilo que a rainha e o público aprovam. Como sabemos, a casa 10 está associada à carreira, à postura diante do público e, frequentemente, à relação com a mãe. É incrível, mas a Lua de Charles está em 0ode Touro na 10 e o Sol de sua mãe, a Rainha Elizabeth, está em 0ode Touro. Isso diz tudo. Afinal, ele herdou seu título e sua "profissão"; e com a conjunção Lua-Nodo Norte na 10 é virtualmente certo que ele devesse dar continuidade à tradição materna. Audiência: Você acha que ele vai ser rei? Howard: Não sei. Às vezes, pergunto-me o que vai acontecer

quando Plutão passar sobre o seu Sol, dentro de alguns anos, o que poderia estar relacionado com questões ligadas ao poder, mas ainda seria cedo para a Rainha abdicar. Estou mudando um pouco de foco, mas meu olhar ainda recai sobre a oposição exata entre Júpiter e Urano entre as casas 5 e 11. Essa oposição tem sido associada a idéias avançadas ou um pensamento filosófico que pode ser considerado um pouco distante do convencional pelo sistema. Diria que isso também é coerente com sua natureza quironiana, mas me pergunto se sua filosofia e sistema de crenças não entram em atrito com sua mãe - embora Charles tenha um sextil entre a Lua e Urano e um trígono entre Júpiter e a Lua, o que pode facilitar um pouco as coisas nesse sentido. Liz: Com Urano na 11, ele congrega umas pessoas meio estra­ nhas à sua volta. Pode ser isso que causa certo espanto. Mas antes disso tudo aflorar, estávamos prestes a tratar do contato entre o Saturno de Charles e a conjunção Marte-Plutão de Diana. Que efeito isso poderia ter? Audiência: Ele tenta formá-la, estruturar sua vida. Liz: Sim, creio que essa é uma faceta do aspecto. Para ele, com Saturno em Virgem na casa 2, estrutura e estabilidade são terrivelmente importantes; ademais, ele é uma criatura de hábi­ tos. Virgem é um signo ritualista por natureza e não gosta do caos. Não resta dúvida de que ele tenta oferecer um veículo

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sólido para a faceta bastante poderosa e voluntariosa de Diana (Marte-Plutão). Às vezes, ela pode se sentir muito limitada e frustrada, pois Marte-Plutão reage fortemente a qualquer restrição da vontade, por mais sensatas que sejam as razões; e diria que ela fica muito, mas muito zangada com ele. Ao mesmo tempo, porém, ele a mantém "na linha" de maneira muito positiva, pode ajudá-la a aprender a dominar sua enorme energia e a usá-la para fins construtivos. Ele, por sua vez, pode às vezes se sentir um pouco assustado com o poder emocional de Diana, especialmente sua raiva, e pode reagir por meio doafastamentofísico(Saturnona2), indo para o campo por alguns dias. Esse aspecto sugere que eles podem precisar passar algumtempo distantes um do outro toda vez que suas vontades se confrontam, pois ambos são bastante teimosos. Howard: O que vou dizer acaba de surgir em minha mente, mas ele

parece estar se vestindo melhor e tendo uma aparência mais agradável desde que se casaram Nesse sentido, a conjunção MartePlutão em Virgem no mapa de Diana pode estar ajudando Charles a transformar sua auto-imagemou sua relação com seu corpo físico, como é mostrado pelo Saturno em Virgem na casa 2, regendo Capricórnio na cúspide da 6. Liz: Você tem razão, ele está melhor. Howard: Isso pode ser apenas uma fantasia minha, mas fico

imaginando Charles se preparando para sair e Diana dando sugestões para que ele se vista melhor. Liz: Sim, e com o Saturno de Charles em conjunção com o Marte-

Plutão dela, ele se sentiria perverso e discordaria da opinião dela só porque ela sugeriu algo de maneira excessivamente intensa; depois ela ficaria zangada porque ele é tão difícil de lidar e ele se sentiria magoado porque ela está sempre tentando mudá-lo. E assim vai. O que estamos escrevendo, uma telenovela? Howard: Não, parece mais uma fotonovela açucarada. Liz: Estamos no ramo errado. Não faz mal, a astrologia é mais

suculenta. Bem, Saturno reage a Marte com um misto de grande

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admiração e inveja, disfarçada de desaprovação crítica. Marte é poderoso nas áreas onde Saturno se sente tímido e pouco à vontade. Com certeza, há questões em torno da confiança e da aparência física. Além disso, os interaspectos Marte-Satumo são cercados de forte atração sexual, embora Saturno seja tímido demais para arriscar se expor abertamente, a ficar vulnerável, e pode se retrair e dar a impressão de frieza, mas isso se deve a uma defesa e não à falta de paixão. Howard: Sim, também acho. Marte é aquilo que queremos afir­

mar naturalmente, a área em que queremos nos expressar natu­ ralmente; Saturno, porém, é a área onde nos sentimos bloquea­ dos e inseguros. Aquilo que ocorre naturalmente nela (Marte em Virgem) está correlacionado com aquilo que o Saturno em Virgem dele acha difícil ou incomodo. Uma dinâmica semelhan­ te ocorre com os contatos Vênus-Satumo em sinastria. Uma pessoa com Vênus em Gémeos pode exibir um talento natural para conversar, mas uma pessoa com Saturno em Gémeos pode ter dificuldade para se comunicar com os outros de maneira descontraída. Portanto, como defesa, a pessoa com Saturno em Gémeos pode se tomar crítica quanto à fluência da pessoa com Vênus em Gémeos. Liz: Saturno pode se sentir profundamente atraído pelos dons da outra pessoa, pode querer apoiá-los e modelá-los, mas ao mes­ mo tempo pode criticar a aparente superficialidade do outro. Essa acusação de superficialidade costuma se manifestar na pessoa saturnina, pois Saturno precisa dar duro para lidar com as questões refletidas por seu signo, levando-as muito a sério; e pode ser bastante doloroso, além de incomodo, observar alguém desfilando e se expressando de maneira totalmente descontraí­ da em uma área na qual o outro lutou tanto para se conscientizar. O Saturno de Charles também está em oposição ao Quiron de Diana, com um orbe de apenas um grau. O Quiron dela, por sua vez, está na casa 2, por isso ambos exibem uma relação bastante semelhante em termos de interaspectos. Como o Quiron de Diana está em Peixes, seu senso de vulnerabilidade pode se relacionar com uma sensação de insegurança e solidão emocio­ nais, provavelmente refletindo a instabilidade de sua infância

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familiar. Estou apenas me arriscando a dar um palpite, mas ela pode ter se sentido indefesa e levemente magoada pelas dificul­ dades havidas entre seus pais; além disso, creio ser interessante observar que ela tenha desenvolvido tamanha simpatia e preo­ cupação por pessoas doentes e aleijadas, bem como por crianças. Ela reage rapidamente aos indefesos e às vítimas da vida, e isso, creio, reflete essa colocação de Quiron em Peixes na casa 2. Audiência: Será que isso deixa Charles desconfortável, uma vez

que está em oposição a seu Saturno? Liz: Talvez; mas como seu Saturno está na mesma casa, também

acho que pode conter o potencial de dar a ambos um vínculo de empatia mútua, caso conseguissem expressar essa vulnerabili­ dade e insegurança entre eles. E o que podemos dizer sobre os interaspectos entre o Marte de Charles e o mapa de Diana? Audiência: Marte está bem sobre o Ascendente de Diana. Liz: Sim, é um contato forte, com um orbe de apenas dois graus.

O Marte de Charles também forma trígono com o Urano de Diana, além de um sextil com a Lua dela. Assim, parece haver uma resposta bastante positiva entre o Marte de Charles e o mapa de Diana. O Ascendente não é um planeta, sendo mais um recipiente de energia do que um gerador; quando um planeta de outra pessoa forma aspecto com seu Ascendente, seu senso de identidade e o modo como você se expressa para o mundo exterior são afetados. Assim, Charles, por meio de sua vitalida­ de, energia e natureza de explorador romântico (Marte em Sagitário na casa 5), exerce forte impacto sobre Diana, abrindo sua própria visão e sua necessidade de superar os limites con­ vencionais. Howard: Creio ser importante dizer que ele abriu o mundo para

ela. Diana tem o Sol na 7, uma colocação que sugere que ela se encontra por meio do casamento e das associações. Geralmente, pensamos no casamento como a morte como um "eu" para renascermos como um "nós", mas no caso de Diana ela se tomou

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famosa por meio dele - ela se encontrou por meio do casamento. Antes, era chamada de "tímida Di", mas não creio que esse apelido sirva mais. Agora, ela parece ter descoberto seu poder como pessoa autónoma e, paradoxalmente, isso ocorreu ao se casar com Charles. A maior parte do público a adora, o que corresponde a seu Sol na 7 em trígono com Netuno na 10. Na verdade, esse trígono forma um Grande Trígono com Quiron em Peixes na 2 - o fato de ser tão admirada e querida pelo público deve tê-la curado, de algummodo. Marte e Júpiter de Charles em tomo do Ascendente de Diana também podem ter alguma relação com o fato de ela encontrar seu poder por meio dele e do mundo se abrir para ela em função desse relacionamento. Liz: Acredito que ele abriu o mundo para ela mentalmente e em

termos concretos. Talvez ele tenha expandido muito a mente dela, mesmo que ela não aceite suas opiniões, pois sua gama de interesses é muito maior do que no início do casamento. Júpiter em Sagitário, especialmente em oposição a Urano, é realmente global em seus interesses e filosofia, e Sagitário tem todo esse amor pelo conhecimento. Esse potencial já estava presente em Diana por meio de seu Ascendente, mas nós demoramos e temos dificuldade para desenvolver o Ascendente, ela precisava dele como o catalisador que iria provocar essa reação. Também acho que Charles gosta e estimula essa disposição em virtude do trígono entre o Marte dele e o Urano dela. Enquanto seu lado mais introvertido e sensível (Sol em Escorpião) pode achar isso difícil de lidar, o espírito mais fogoso e aventureiro de Charles se dá bem com as qualidades mais rebeldes de Diana. Quando ele consegue escapar de suas profundas águas escorpianas e deixa para trás toda a melancólica meditação de Sol-Quiron durante algum tempo, ele consegue se divertir com ela. Provavelmente, devem se dar melhor quando estão viajando, esquiando ou trabalhando juntos em algum projeto importante. Howard: Sim, imagino que eles se entendam bem em certas

ocasiões. Voltando à conjunção Marte-Júpiter dele em oposição a Urano - esta é uma configuração associada a acidentes. Ele parece ter tendência para isso, caindo de cavalos de pólo e coisas assim.

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Liz: E ele também esteve envolvido no trágico acidente de esqui que vitimou um amigo. Os acidentes acontecem tanto à volta dele como com ele. Existe um elemento bastante tenso e leve­ mente inconsequente emMarte-Júpiter-Urano, que nem sempre presta atenção nos limites saturninos. Essa tendência a acidentes não vem de algum impulso profundamente enraizado e autodestrutivo; é, em termos bem literais, o resultado de não olhar para onde está indo. A coordenação física (Marte) às vezes pode ser instável e nervosa (Urano), se a mente estiver vagando pelas alturas em um momento crítico (Júpiter), a pessoa cai do cavalo. Howard: Você já falou do ambiente da infância de Diana e sua

família, com os pais separados? Liz: Ia falar agora, de passagem, em relação a seu Quiron na casa 2 e a sensação de insegurança que isso pode refletir. Howard: Bem, isso se encaixa com o T-quadrado formado por

Lua-Vênus-Urano, sugerindo algum tipo de desagregação na infância. Quando falei sobre Vênus, mencionei o conflito interior que sentimos entre a necessidade de intimidade e a necessidade de liberdade, entre a intimidade e a autonomia. Diria que ela sente um dilema muito grande: a Lua em Aquário e seu amor pelo espaço em oposição a Urano, ambos em quadratura com Vênus em Touro, que precisa muito de segurança. O divórcio dos pais e a convulsão que isso provocou deve ter feito com que sua vida refletisse esses aspectos. Liz: Existe uma aura de predestinação em tomo dos planetas que

estão na casa 8 de Diana, especialmente a conjunção Urano-Nodo Norte. Na 8, os planetas parecem surgir do nada, como sopros do destino, embora esse "nada" seja habitualmente o inconsciente, tanto o pessoal como o familiar. Alémdisso, o eixo dos Nodos entre a casa 2 e a 8, com o Nodo Norte na 8, sugere que ela vai precisar compreender a parte mais profunda da vida e o poder de transfor­ mação de situações alheias a seu controle. A vida nunca segue um padrão seguro se a casa 8 está forte em um mapa, o que, creio, a conjunção Lua-Nodo Sul na 2 pode ressentir amargamente. Mesmo as coisasboas e exdtantes-como se ver, de repente, como a Princesa

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de Gales - têm um quê de "Roda da Fortuna". A faceta invisível da vida vai sempre se erguer e se defrontar comDiana, exigindo que ela aceite uma dimensão da realidade que desafia os planetas da casa 2, Lua e Vênus em Touro. Talvez ela não tenha escolhido a situação voluntariamente, mas vai predsar aprender a lidar com ela. Bem, mais algum comentário ou dúvida sobre esses dois? Audiência: E essa conjunção entre Mercúrio de Charles e Netuno

de Diana? Liz: Em termos simples, Diana provavelmente idealiza o intelecto

de Charles. Ela deve ver uma espéde de redenção em seu poder de pensar e refletir. É possível que da admire muito sua profundidade mental, mas às vezes da pode se sentir sufocada ou pode esperar que de sempre tenha uma resposta. Ela pode exibir a tendênda de concordar com tudo o que de diz, pois seu insight e profundidade fazem com que da se sinta segura e abrigada - um contato com o Jardim do Éden. Do lado difícil, Charles pode ficar impadente com da pdo fato parecer vaga ou evasiva, e da pode achar que Charles é excessivamente crítico quanto a seu modo de se expressar. Os interaspectos Mercúrio-Netuno em sinastria podem ser bastante criativos, pois Mercúrio pode dar expressão às emoções e fantasias de Netuno, enquanto este confere vida e imaginação às percepções de Mercúrio. O problema entre des reside no fato de Mercúrio se irritar com as divagações de Netuno e com a faceta escorregadia de Netuno diante da precisão de Mercúrio. De modo geral, porém, parece ser um interaspecto bastante produtivo. Howard: Acho que isso é reforçado pelo trígono entre o Mercúrio

de Diana em Câncer e o Mercúrio de Charles em Escorpião. Audiência: Pode ser que ela tenha se apaixonado pela voz de

Charles. Adoro a voz dele. Liz: Onde está o seu Netuno? Howard: Você gosta da minha voz? Disseram-me que ela se

parece com a de Charles. Na verdade, a voz de Liz é mais paredda com a do Príndpe Charles do que a minha.

Interpretação do Mapa / 301

Liz: Bem, meu sotaque britânico é melhor que o seu. Mas você

ficaria melhor montando a cavalo. Howard: Não sei jogar pólo. Liz: Por quê você não me contou antes? Audiência: E o que podemos falar da sinastria como um todo?

Creio que ambos têm aspectos interessantes, ambos têm Fogo no Ascendente e o Sol em Água. Liz: Concordo com você; creio que, no geral, a sinastria é bastante

forte e compatível. Há pontos de dificuldade, como o interaspecto entre Saturno e Marte-Plutão, o qual, creio, deve produzir faíscas bastante fortes de vez em quando; mas os contatos positivos são fortes o suficiente para mantê-los juntos. Existe sempre a possibili­ dade de haver um problema com esse Vênus-Netuno de Charles, que inevitavelmente deve procurar uma perfeição romântica im­ possível de se encontrar em qualquer relacionamento amoroso; também pode ocorrer um problema com a relação Vênus-LuaUrano de Diana, que vai querer fazer o bolo e dar uma mordida no departamento "intimidade versus liberdade". Mas as estrutureis imóveis de sua situação, bem como o que julgo ser um amor e afeto autênticos entre eles, devem oferecer um veículo para esses Vênus ariscos. Eles devem encontrar suas próprias soluções para esses aspectos natais e sem dúvida estariam muito melhor se a imprensa não se achasse sempre no direito de invadir a intimidade alheia. Audiência: O que você acha que vai acontecer quando Plutão

atingir o Sol de Charles? Liz: Muita gente gostaria de saber o que vai acontecer. Howard

falou sobre isso há pouco. Seja o que for, deve ser algo grande e irrevogável. Meu palpite é que ele vai se tomar rei. Mas Plutão vai e vem tão lentamente que o período de tempo no qual isso pode acontecer é muito vasto. Howard: Quando Plutão atingir o Sol de Charles, também acerta

o T-quadrado de Diana. Ambos deverão passar por mudanças

302 / OS PLANETAS INTERIORES

profundas, pois Plutão não estará apenas transitando pelo Sol de Charles, mas também formando quadratura com a Lua e Urano de Diana e oposição a seu Vênus. Neste momento, eu não me arriscaria a interpretar esses trânsitos. Liz: Pode ser que ele assuma o trono, mas não podemos ter certeza. Contudo, é algo que se ajusta aos movimentos do mapa da Rainha, em virtude das bases de sua vida. Howard, você sabe em que grau de Capricórnio fica o Ascendente da Rainha? Howard: A Rainha Elizabeth tem o Sol a 0o de Touro e o Ascen­

dente em 21° de Capricórnio. Liz: Então Urano e Netuno devem atingir seu Ascendente na

mesma época em que Plutão passa pelo Sol de Charles. Howard: Atualmente, Saturno está rodeando o Ascendente dela.

Urano e Netuno chegam lá em 1993 e Plutão ainda está em tomo de 22° de Escorpião nessa época. Liz: Sempre se especulou muito a respeito da eventual abdicação

da Rainha. Howard: Pelos motivos mais variados. Audiência: Imagino o que pode acontecer quando Netuno formar

uma quadratura com o Vênus de Charles. Liz: Netuno está quase formando esse aspecto, dentro do orbe da

quadratura. Seja lá o que for que vá "acontecer", já está ocorren­ do. Não quero especular sobre esses trânsitos futuros, pois a tentativa de prever eventos é sempre questionável e difícil; além disso, nem sempre temos condições de saber o que "acontece" com o Príncipe Charles, pois sua vida é necessariamente mantida em segredo. Vamos em frente? Howard, fale dos mapas que você reservou para esta sessão. Howard: Sim, tenho aqui os mapas de Lou e Mark, outra dupla pai-filho (veja os Mapas 7 e 8, páginas 304-305.). Só tenho o mapa

Interpretação do Mapa / 303

solar para Lou (pai de Mark), mas gostaria de começar pela análise do Sol em seu mapa. Lou nasceu com uma quadratura entre o Sol e Netuno e com orbe mais amplo, entre o Sol e Urano; esse luminar forma ainda trígono com Júpiter e sextil com Plutão. Interessa-me a quadratura Sol-Netuno. Os aspectos com o Sol indicam aquilo que você encontra quando se aproxima do pai durante o processo de separação da mãe. Assim, o que você acha que Lou encontrou através de seu pai? Audiência: O trígono com Júpiter pode sugerir que ele via o pai

como um herói, alguém com quem se sentia bem. Mas a quadratura com Netuno e com Urano trazem um toque dife­ rente. Howard: Certo. Segundo o que Mark sabe sobre o assunto,

quando garoto Lou se sentia muito atraído pelo pai (trígono SolJúpiter), mas, infelizmente, ele foi morto na Primeira Guerra Mundial. Essa perda é vista pelas quadraturas entre Sol e Netu­ no e entre o Sol e Urano, embora de orbe mais amplo, bem como, creio, pelo sextil com Plutão. Lou estava com uns 4 ou 5 anos quando perdeu o pai, um homem que ele devia admirar muito. Como isto pode ter afetado Lou como pai? Audiência: Sua capacidade de ser pai pode ter sido prejudicada

em função da morte de seu próprio pai. Howard: Sim, o amado pai de Lou se foi um dia e nunca mais

voltou. Isso deve ter sido uma imensa mágoa e desapontamento para Lou, fazendo com que se sentisse inseguro com relação a se abrir emocionalmente. Por isso, a paternidade não deve ter sido muito fácil para ele. Agora, olhe o mapa de Mark. Como seu pai, ele também tem um aspecto Sol-Netuno, que está ligado à casa 4 porque Mark tem Leão na cúspide dessa casa, a casa do pai. É como se os problemas de Lou com relação a seu próprio pai tivessem passado para Mark. Este tem sido razoavelmente bemsucedido na vida, mas mesmo assim não se sente muito seguro com relação a seu valor e auto-estima. Eu ligaria isto ao difícil relacionamento que teve com Lou, um homem lesado por sua própria experiência com o pai.

304 / OS PLANETAS INTERIORES

MC

Mapa 7. Mark. Os dados de nascimento foram omitidos para preservar a confidencialidade. Mapa calculadopelaAstrodienst, usando osistema Placidus de casas.

Interpretação do Mapa / 305

Mapa 8. Lou, pai de Mark. Os dados de nascimento foram omitidos para preservar a confidencialidade. Foi calculado um mapa solar pela Astrodienst, uma vezquenão dispomos do horário de nascimento de Lou. O sistema de casas usado éode Placidus.

306 / OS PLANETAS INTERIORES

Liz: É interessante ambos terem o Sol em Áries. Um dos principais

temas míticos ligados a Áries é a competição entre pai e filho, e psicologicamente isso reflete a necessidade de Áries ter um pai forte contra o qual possa colidir e descobrir seu próprio poder. As questões pai-filho são muito importantes para Áries, que na infân­ cia busca um pai que personifique poder fálico suficiente para que o filho o veja como um ideal. Eis dois homens arianos que não encontraram o pai poderoso que estavam buscando. Howard: O sacrifício é uma das palavras-chaves de Netuno, e

quando ele forma aspecto com o Sol toma-se necessário fazer sacrifícios com relação ao pai. Lou teve de sacrificar seu pai em nome do esforço de guerra, Mark recebeu uma paternidade deficiente em função da dor e da mágoa que Lou sofreu na infância com seu próprio pai. Mark disse que seu pai era e ainda é muito distante e frio, o único contato real que tiveram na idade de formação de Mark foi a surra que Lou lhe deu com uma bengala por Mark não ter se comportado ou agido segundo seus desejos. Liz: Vênus em Áries no mapa de Lou faz conjunção com o Sol de Mark, creio que este é mais um relacionamento pai-filho onde existe muito amor escondido por trás de todos os problemas de comunicação e de expressão emocional. A imagem que Lou faz daquilo que é mais belo e mais valioso é representada por seu filho, que sintetiza as qualidades arianas; contudo, Lou não consegue expressar seu afeto e admiração por causa de seu próprio bloqueio emocional. Howard: Sim, estamos voltando a um tema comum: um pai e um

filho que se amam, mas com questões emocionais complexas que se interpõem entre ambos na expressão desse amor. Quando perguntei a Mark o que ele queria de seu pai, ele disse, "Só queria que ele me desse um abraço". Liz: Pode ser que o Vênus em Peixes de Mark esteja dizendo isso.

E veja onde esse planeta recai no mapa de Lou. Howard: Bem na conjunção Lua-Quiron de Lou.

Interpretação do Mapa / 307

Liz: O interaspecto Vênus-Lua é muito bonito, cheio de afeto e

ternura. Mark deseja esse calor e intimidade piscianos, os quais preza bastante, e seu pai certamente reage a isso, mesmo incons­ cientemente, porque sua Lua está em Peixes. Contudo, como Lou tem Quiron junto à Lua, sente-se profundamente ferido e isolado na área das necessidades instintivas e de seu senso de segurança emocional. Estávamos dizendo antes que, às vezes, Quiron se comporta como Saturno, e quando Mark aparece com seu Vênus em Peixes, todo afetuoso, encontra uma resposta fria. Lou se recorda de seus próprios ferimentos emocionais infantis e deve se sentir envergonhado, incómodo, reagindo a Mark como se não se importasse com ele. Howard: Vou falar disso sob um ângulo um pouco diferente. Mark tem uma cruz-T envolvendo o Sol em 6ode Áries, Netuno em 2ode Libra e Marte em 29° de Gémeos. Discutimos a quadra­ tura Marte-Netuno nesta tarde, dizendo que ela parece se mani­ festar como um desejo ou necessidade desesperados, algo que parece inatingível ou que não conseguimos saciar adequada­ mente. No caso de Mark, o problema Marte-Netuno está ligado a seu Sol, o pai. Ao longo de toda sua vida, Mark tem ansiado pelo amor e pela aprovação de seu pai, e Lou não consegue lhe dar isso. Mark tem tentado, por inúmeras vezes, fazer com que seu pai lhe dê um tapa nas costas e lhe diga, "Muito bem, filho", mas até hoje isso nunca aconteceu. Deixe-me falar um pouco mais sobre a infância e formação de Mark. Desde cedo, Mark se recorda do pai como uma pessoa fria e distante. Depois, quando Mark estava com 12 anos, sua mãe abandonou a família - ela se mudou para a Nova Zelândia, deixando Mark com Lou. Mark me disse que, quando sua mãe se mudou, ele assumiu o papel dela no sentido de cuidar de seu pai, cozinhando e fazendo os serviços domésticos para ele. Mark me disse o que pensou nessa época: "Agora que minha mãe se foi, pensei, tenho a chance de conquistar o amor de meu pai. Vou cuidar dele, vou dar duro para agradá-lo." Contudo, apesar de todos os esforços, Mark ainda não se sentiu amado ou querido por Lou. Então, com 14 anos, Mark entrou para um navio-escola da marinha mercante. Foi muito bem-sucedido nesse início de carreira e com 16 ou 17 anos foi nomeado o "grumete do capitão", cargo muito cobiçado

308 / OS PLANETAS INTERIORES

de assistente pessoal do capitão. Assim, Mark ainda estava tentando agradar o pai, só que na forma do assistente do capitão. Mark se sentiu muito orgulhoso de seu cargo na escola da marinha mercante e me disse: "Queria que meu pai me elogiasse; queria muito que ele me desse os parabéns por me tomar o assistente do capitão. Queria que ele me visitasse na escola, esperava que se mostrasse interessado em minhas realizações, mas ele nunca o fez. Na época de meu aniversário, só me mandava dinheiro. Eu queria mais do que seu dinheiro; ele nunca me deu um presente". Enquanto isso, Lou montou um próspero negócio e Mark acabou indo trabalhar com ele, mas até hoje ainda se sente frustrado com seu pai: "Até agora, trabalhan­ do com meu pai há vinte anos, nunca recebi um elogio por qualquer coisa que eu tenha feito". Não sei se isso é verdade ou se é apenas a forma como Mark percebe as coisas, mas sem dúvida Mark se sente magoado com seu pai, um ferimento que não sarou nem amainou: "Tudo que tenho esperado de meu pai é o reconhecimento de que sou um bom sujeito, mas ele é o tipo de pessoa que acha que uma garrafa pela metade está quase vazia, e não quase cheia". Liz: Eu diria que a descrição de Mark é bastante precisa em

termos objetivos. Por um lado, com Júpiter e Plutão na casa 4, ele tem uma imagem tão idealizada e poderosa do pai que Mark iria sempre sentir que não é um filho suficientemente adequado para um pai tão luminoso e forte. Com essa conjunção na casa do pai, Mark tem a tendência a projetar seu poder leonino sobre o pai, sentindo-se depois oprimido e humilhado por ele. E a oposição Sol-Netuno de Mark o predispõe a manter expectativas irreais, decepcionando-se depois. Sempre que encontramos pla­ netas na 4 ou na 10, vemos nossos pais como arquétipos, não como pessoas, e nossa percepção é distorcida por nossas própri­ as necessidades psíquicas. Contudo, por outro lado, quando vejo a interconjunção Vênus-Quiron e a interconjunção Satumo-Lua, sinto que Lou tem sido bastante bronco em seu comportamento com Mark. Saturno pode magoar profundamente a Lua caso a pessoa saturnina não tenha consciência de sua inveja e defensividade, e a Lua, sendo tão receptiva e vulnerável, não tem praticamente defesa alguma

Interpretação do Mapa / 309

e pode desenvolver uma sensação de depressão e fracasso, que vai se acumulando lentamente na presença da pessoa saturnina. Diria o mesmo sobre o contato Quiron-Vênus, o qual, pelo fato de Lou parecer tão alheio às suas próprias complexidades emo­ cionais, deveria se manifestar como a rejeição brusca dos valores de Mark como indivíduo. Howard: O Marte de Mark não forma apenas quadratura com seu

Sol e Netuno, mas também conjunção com Saturno - ele deu duro para conquistar o afeto do pai, mas até agora seus esforços foram em vão. Mark está muito bem em termos económicos, tem uma linda esposa, dois filhos amáveis, uma casa muito elegante na Inglaterra e outra no exterior, mas mesmo assim, lá no fundo, admite que ainda se sente incompleto e insatisfeito. Liz: Essa é a marca de um Netuno mal digerido - a perene

sensação de insatisfação. Mas Mark deve continuar insatisfeito, a menos que consiga abrir mão de seu sonho: o de que seu pai o reconheça e aceite. Acho que Mark vai precisar "sacrificar" o amor de seu pai e a crença de que ele é o dono da chave para sua salvação, a fim de encontrar seu próprio poder. Esse, creio, é o significado mais profundo do sacrifício netuniano - o abandono de uma fantasia ideal de redenção através de alguém ou de alguma coisa externa ao eu. Se a pessoa deposita a redenção nas mãos de outra, como Mark fez com o pai, vai estar sendo sempre barrada na porta do Paraíso, deixando que a vida se esvaia em uma orgia de frustração e autopiedade. Howard: Quando entrevistei Mark, o trânsito de Urano estava

formando uma quadratura com seu Sol e ele estava passando por uma fase particularmente complicada com seu pai, como se seus sentimentos com relação a ele estivessem prestes a explodir. Liz: Pode ser esse o momento de ruptura. Além disso, Plutão tem

transitado em oposição à sua Lua. Fico imaginando quantas vezes Mark transferiu necessidades que deveriam ser de sua mãe - a mãe que "se foi" para a Nova Zelândia - para seu pai, que tem carregado todo o fardo parental sozinho. É que o trânsito de Plutão pela Lua de Mark me faz imaginar se ele encontrou um

310 / OS PLANETAS INTERIORES

modo de explorar essas questões e se defrontar com seus senti­ mentos mais profundos e inconscientes acerca de sua infância. E a quadratura Urano-Sol pode refletir a descoberta de sua própria identidade, uma liberação de energia e a separação interior do pai sobre o qual ele projetou muitas coisas. Howard: Quando Mark estava descrevendo como se sentia com

relação a toda essa história com o pai, comecei a ficar muito bravo com Lou, o que me fez perguntar a Mark como ficava sua raiva nisso tudo, ou seja, se ele chegou a se defrontar com Lou, mostrando-lhe a raiva que sentia por não conseguir o que queria do pai. A resposta de Mark é típica de um dos medos dos aspectos Marte-Netuno: "Se eu deixasse minha raiva fluir, ela ficaria fora de controle. Se um dia o fizesse, poderia machucá-lo e perderia assim toda e qualquer oportunidade de fazer com que ele se torne o pai que eu gostaria que ele fosse. Ainda espero que ele mude, que mostre seu amor por mim. Pessoas tão duras ou desconfiadas como meu pai devem ter um lado suave e bondoso. Pode ser que ele esteja com medo de mostrar esse lado para mim - tal como o personagem Scrooge. Mas ele já está com 77 anos e ainda não mudou. Talvez eu esteja sendo muito exigente, talvez isso o esteja deixando inquieto". Depois, ele me perguntou: "Você acha que ainda tenho tempo?" Liz: A fixação que Mark tem pelo pai é muito perturbadora. Não

questiono o fato de ele achar que o pai o trata muito mal; mas existe alguma coisa além disso, a coisa continua, ano após ano. A quadratura Sol-Marte de Mark é um aspecto revelador nesse contexto, assim como Sol-Netuno. Creio que Mark tem muita dificuldade para intemalizar e expressar seu poder, que associo a essa quadratura. Alguma coisa nele não quer que ele seja um homem marcial - a natureza da quadratura dá à pessoa a sensação de que ela deve escolher entre duas qualidades irrecon­ ciliáveis; e se a pessoa escolhe o Sol, os atributos de Marte - mais "abrutalhado" e primitivo - são aliviados da expressão cons­ ciente. O resultado dessa dificuldade em intemalizar Marte é que Mark fica passivo com relação a seu pai. Lou, diferentemente de Mark, tem o poder de salvar ou destruir o relacionamento, e

Interpretação do Mapa / 311

Mark é a vítima indefesa do comportamento de Lou. Como seu pai detém essa posição de poder, Mark não precisa, na verdade, assumir a responsabilidade por sua própria vida. Ele pode culpar o pai por ser um Marte negativo - rude, durão, domina­ dor, impiedoso e bruto (para usar suas próprias palavras) - e por isso pode alegar que seu pai prejudicou sua vida. Mas isso poupa Mark de ter de desenvolver seu próprio Marte e incorporá-lo à sua personalidade. Duvido que Lou chegue a mudar; é pedir demais de um homem da sua idade, com uma existência de padrões defensivos. Como poderia mudar agora, exceto do outro lado da vida, onde Mark não teria mais condições de ouvilo? Assim, embora compreenda a mágoa que Mark sente com relação a seu pai, também acho que ele está evitando alguma coisa - está evitando o contato com seu próprio Marte, que é, afinal, o regente de seu signo solar, a divindade de quem ele é "filho". Para resgatar sua identidade autêntica, ariana, ele deve estar disposto a assumir essas qualidades marcianas que projeta sobre Lou. A projeção é uma característica das quadraturas, e uma das manifestações típicas da quadratura Sol-Marte é que alguém ou alguma coisa "de fora" reduz a pessoa à sensação de impotência. Creio que Mark deve enfrentar seu pai mais cedo ou mais tarde, expressando sua raiva (bastante justificável) e che­ gando mesmo a abandonar os negócios ou a esfera íntima do pai. Ele terá de correr o risco de abrir mão de esperar que o pai mude, pois não vai se respeitar enquanto não o fizer. Audiência: Isso pode até libertar seu pai. Liz: Sim, pode mesmo. Às vezes isso acontece, pois o complexo inconsciente detém as duas pessoas em suas mãos, e se uma se liberta, a outra se liberta também. Contudo, não podemos espe­ rar que isso aconteça; a pessoa deve presumir que, provavel­ mente, perderá tudo. Isso também chega a acontecer e um sacrifício não é um sacrifício se houver cláusulas secretas dizen­ do que, se a pessoa for esperta, nunca terá de pagar para ver. A limpeza e renovação emocionais que provém dessa faceta posi­ tiva de Netuno não podem funcionar se não houver uma liber­ tação interior, o que em termos práticos é o que chamamos de

312 / OS PLANETAS INTERIORES

"crescer". Tanto Lou quanto Mark são crianças, de certo modo, brincando com o poder; existe muito rancor entre eles. Estão unidos por seu complexo e cada um age como uma criança no playground, gritando, "Seu fedido!" "Não, você é fedido!" "Não, é você!" O problema de ambos é refletido pelo Marte de Lou, enganchado no Sol-Marte-Netuno de Mark. Os dois Martes constituem, na verdade, uma conjunção. O Marte de Lou afeta o Sol-Netuno de Mark, assim como o Marte de Mark afeta seu SolNetuno. Por isso, é muito fácil Mark projetar seu Marte sobre Lou - tudo o que tem a fazer é olhar para o Marte de seu pai e dizer para si mesmo, "Ah, é tudo culpa dele". Howard: Também é interessante observar que o Plutão de Lou se

encaixa com a conj unção Marte-Satumo de Mark: Lou mexe com a insegurança, indecisão, sensação de fraqueza e medo de fracas­ so de Mark. Há anos Mark receia abandonar o negócio de seu pai e se afastar de tudo, mas continua a trabalhar lá, travado, preso pela situação. Seu T-quadrado Sol-Marte-Netuno não consegue se libertar do esforço de obter aquilo que deseja de seu pai. Ele fez tudo o que podia na esperança de agradar Lou: "Pensei que poderia impressionar meu pai tirando o brevê de aviador. Depois de meu primeiro vôo solo, telefonei para lhe falar de minha realização e só recebi silêncio". Mark contou outro inci­ dente: "Minha mulher e eu demos um duro danado para pôr esse casarão antigo em ordem. Quando terminamos, ela parecia ótima e fiquei ansioso por mostrar nosso trabalho para meu pai. Quando ele veio nos visitar, seu único comentário foi que eu não tinha feito um bom trabalho com as colunas da frente". Mark nunca se lamentou pelo pai ideal que não teve; em vez disso, continua a tentar transformar Lou nesse ideal. Liz: Mas o que Mark nunca faz é satisfazer a si mesmo. Tudo é

feito tendo em mente o pai. É isso o que quero dizer com abrir mão de seu Marte. Ele pede, literalmente, para receber pancadas no rosto e na cabeça, e volta pedindo mais. Esse masoquismo sutil é comum em Marte-Netuno e se manifesta nessa recusa em abrir mão de um sonho inatingível. E a essência dos mártires. Você descreveu muito bem a interconjunção Lua-Satumo. Saturno costuma ser frio e crítico para com a Lua, que sai

Interpretação do Mapa / 313

rastejando, sentindo-se magoada e rejeitada. Mas sinto que a chave de tudo isso está no fato de Mark ter de abrir mão desse sonho - que seu pai vai mudar para que ele consiga o que deseja. Isso também é Marte-Netuno - a pessoa deseja algo desespera­ damente (Marte), mas não assume a responsabilidade por fazer com que isso aconteça por conta própria (Netuno), pois para isso a pessoa precisa ser autónoma e independente. Howard: Sim, é Mark quem tem de mudar. Pode ser que Urano

faça com que isso aconteça.

PARTE CINCO

C o n c lu sã o

D iscu ssã o

em

G r u po

PERGUNTAS E RESPOSTAS p o r L iz G r e e n e e H o w a r d S a s p o r t a s

Howard: Reservamos esta sessão para perguntas e discussão em

grupo. Sinta-se à vontade para nos consultar. Pergunte e recebe­ rá - provavelmente. Audiência: Tenho uma pergunta sobre um mapa no qual todos os

planetas estão do lado esquerdo do eixo MC-IC, e ouvi dizer que isso significa que a pessoa é autocentrada. Isso é verdade? Liz: O peso dos planetas no hemisfério oriental de um mapa é algo impressionante, mas não definiria essa colocação como autocentrada no sentido que costumamos dar à palavra "egoís­ ta". As casas desse lado do mapa se focalizam no Ascendente, o que sugere uma ênfase no autodesenvolvimento e na automotivação, não nos relacionamentos com os outros (que são uma preocupação do Descendente e do hemisfério ocidental do tema). O indivíduo com ênfase no Ascendente tende a ser autoconfiante, de modo geral, e costuma ser levado pelas cir­ cunstâncias a tomar essa atitude (embora as "circunstâncias" geralmente reflitam fielmente as necessidades inconscientes da própria pessoa). Quando todos os planetas se encontram na seção ocidental, a tendência é esperar pela iniciativa dos outros, encontrando a motivação por meio de relacionamentos. Não acho que isso seja uma indicação de "autocentrismo", pois a pessoa pode ser bastante generosa e sensível aos outros e, ao mesmo tempo, achar que deve encontrar seu caminho na vida; do mesmo modo, a pessoa pode ser bastante dependente dos outros, sem deixar de ser extremamente insensível à realidade deles como indivíduos. Precisamos ser muito cautelosos com palavras como "autocentrado". Sempre gostei da definição que

318 / OS PLANETAS INTERIORES

Ambrose Bierce deu a "egoísta" em seu The DeviVs Dictionary ( O Didonário do Demónio): "Egoísta é toda pessoa que tem a audácia de pensar que é mais importante do que eu". Howard: De modo geral, podemos dizer que o lado oriental é

mais causal e o oddental é mais reativo. Se o mapa tiver mais planetas do lado oriental, você pode ter mais condições de ser causal em sua vida, ou seja, de determinar aquilo que acontece com você, de criar sua vida do jeito que você gostaria que ela fosse. Se o mapa tiver mais planetas do lado oddental, talvez você precise se ajustar àquilo que aparece, lidar melhor com isso. Portanto, a forma como você reage aos eventos e às pessoas de sua vida se toma o fator decisivo e crucial na determinação de seu destino, daquilo que você faz com as coisas que surgem à sua frente. Certa vez, alguém disse que o oriente lhe oferece uma opção de cardápio e o oddente lhe apresenta um menu fixo. Liz: Sopa, coq au vin, fritas e pudim de caramelo por apenas 48 francos. Isso é maravilhoso, a menos que você não goste de coq au vin. Howard: Você não precisa ser uma folha passiva levada pelo

vento se tiver muitos planetas no oddente. Você pode escolher o modo como reage às coisas estabeleddas. Mas não quero delinear regras práticas sobre os hemisférios oriental ou ociden­ tal. E se você tiver muitos planetas no oriente, mas tiver Ascen­ dente Peixes ou Netuno na 1? Isso pode alterar a flexibilidade de que dispõe para determinar sua vida. Ou então, você pode ter todos os planetas no hemisfério oddental, mas ter nasddo sob a conjunção Sol-Marte-Júpiter em Leão na 5, e duvido que você seja passivo e se ajuste demais aos outros com essa configuração. Liz: Isso significa que, se você não gostar de coq au vin e não tiver

outra opção no cardápio, pode devolvê-lo e exigir que ele seja preparado da maneira que preferir, com um frango mais novo e uma outra proporção entre vinho e ervas. Também não gosto de estabelecer regras práticas sobre os hemisférios, em parte por causa do que você falou, Howard, e também porque os planetas em trânsito e progressão apresentam novos elementos ao atra­

Conclusão / 319

vessar os ângulos e adentrar novos setores do mapa. Embora isso não "mude" o mapa natal, pode fazer com que a pessoa tenha maior flexibilidade na vida. Howard: Dizem também que a pessoa que tem tudo no hemisfé­

rio superior (que, na verdade, é o hemisfério sul, tendo como centro o MC) costuma ser extrovertida e pública, gosta de participar ativamente da sociedade; por outro lado, quem tem tudo no hemisfério inferior, em tomo do IC, seria introvertido, reservado e precisa abordar a vida interiormente, não externa­ mente. Isso pode ser válido, mas em nome da unidade precisa­ mos desenvolver todos os signos e casas do mapa, não apenas aqueles povoados por planetas. Liz: Além disso, existe uma diferença entre "extroversão" no sentido de uma característica básica de personalidade - a pessoa se identifica com as coisas externas (definição de Jung) - e a extroversão como a necessidade que a pessoa sente de marcar sua participação na sociedade. A primeira pode ser retratada, em parte, pelos signos e aspectos natais, e a segunda, em parte, pela colocação nas casas. A pessoa pode ser um extrovertido psicológico (Sol em conjunção com Júpiter em Gémeos), mas ter metas bastante pessoais, tal como restaurar a casa do século 17 que recebeu como herança (Sol na casa 4). Do mesmo modo, a pessoa pode ser um introvertido psicológico (Sol conjunto a Saturno em Escorpião), mas se sentir compulsivamente atraído pelos holofotes - que é o caso de muitos atores - em virtude de pressões da infância ou de certo senso de obrigação para com o coletivo (Sol na casa 10). Audiência: Se um planeta está próximo do final de uma casa, você

o interpreta como se estivesse na seguinte? Howard: Se um planeta está a quatro ou cinco graus da cúspide

de uma casa, eu lidaria com ele em termos da casa onde está e da casa de que está próximo. Se, por e;:emplo, você tem o Sol na 2 a apenas alguns graus da 3, o modo como você se situa (o Sol) pode ser a comunicação ou o ensino (casa 3), seus valores (casa 2). Ou então, se você tem Vênus na 6, mas bem perto da 7, pode

320 / OS PLANETAS INTERIORES

se apaixonar por um colega de trabalho. Se você tem Júpiter na 10, mas perto da 11, seu círculo de amizades pode ser expandido através de sua carreira. Use a imaginação. Liz: Gosto de imaginar que os planetas situados em uma casa, mas próximos da cúspide da seguinte, são como pessoas posicio­ nadas no umbral entre dois cómodos. Elas estão de pé, por exemplo, na casa 9 (sugerindo que a base para seu senso de "eu" seja a busca de respostas para as grandes perguntas da vida), mas sua atenção está voltada para o cómodo em que estão prestes a entrar, a casa 10 (sugerindo que precisam pegar sua cosmovisão, sua filosofia de vida, e transformá-las em uma contribuição concreta para a sociedade). Creio que estamos de acordo quanto a isso. Audiência: Você pode falar um pouco a respeito do melhor

sistema de casas? Howard: Desculpe, vou dormir. Acorde-me daqui a dez anos. Liz: Bem, receio que também tenha de ir dormir, por isso é bom ligar o despertador. Seria interessante que todos fizessem uma reunião e promovessem uma discussão interna; acordem-nos se o grupo chegar a uma conclusão. Howard: A questão do sistema de divisão de casas é uma contro­

vérsia interminável na astrologia, e sempre será. Lembro-me quando Zipporah Dobyns respondeu a uma pergunta sobre o sistema de casas que devia ser usado; ela disse que você pode fotografar uma árvore sob vários ângulos e nenhum deles é mais acertado ou verdadeiro do que os outros. Não existe um sistema de casas correto ou um errado. Pode ser que um sistema seja mais adequado para a previsão de eventos, enquanto outro seja preferível para a leitura psicológica da natureza de uma pessoa. É interessante experimentar alguns até encontrar aquele com que você se sente mais confiante. Liz: Creio que a astrologia está repleta de paradoxos como esse:

aceite o fato de que, se funciona para você, use-o. Contudo, se

Conclusão / 321

você estiver procurando pela verdade absoluta em termos de sistemas de casas, nenhum de nós vai se sentir inclinado a responder. Nós dois somos meio mercurianos e temos tendência a usar óculos diferentes para observar a mesma cena. A astrolo­ gia e as pessoas são muito mais interessantes se vistas assim. Howard: Gosto quando o MC e o IC coincidem com a cúspide de

uma casa, por isso não sou muito fã do sistema de Casas Iguais. Não gosto de ver o MC flutuando em tomo da 9, da 10 ou da 11, acho que Liz concorda comigo nesse ponto. Hz: Sim, concordo. Se você tem um horário de nascimento bastante preciso e experimenta diversos sistemas de progressão do mapa (progressões secundárias, Naibod, arco solar, etc.), vai notar que ocorrem algumas coisas bem interessantes quando a cúspide de uma casa progredida entra em conjunção com um planeta. Isso me convenceu de que o sistema de casas "quadran­ tes", onde o eixo MC-IC forma a cúspide das casas 10 e 4, oferece insights que o sistema de Casas Iguais ignora. Contudo, o sistema quadrante específico - Placidus, Koch, topocêntrico - depende do tipo de interpretação de mapas que você deseja fazer. Sinto, tal como Howard, que é preciso experimentar esses siste­ mas por conta própria. Na Inglaterra, os horários de nascimento são bastante confusos, o que nos leva a fazer experiências. Na Suíça, bem como na Escócia e nos EUA, os horários de nascimento são sempre registrados, e embora possa haver um lapso de alguns minutos (nos quais o médico corta o cordão, lava o bebê e depois se lembra de consultar o relógio), são suficientemente precisos para que as pessoas entrem em discussões sobre a diferença de um grau entre uma cúspide de Placidus e uma de Koch. Na Inglaterra, porém, os horários nos são informados assim: "Puxa, bem, nasci por volta da hora do chá. Lembro-me que seu pai estava prestes a comer um sanduíche de pepinos quando começaram as contrações", ou "Deve ter sido de manhã, pois lembro-me de ter dito à sua avó que o leiteiro tinha deixado apenas uma garrafa, em vez de duas". Assim, a pessoa precisa ser razoavelmente tolerante quanto ao sistema de casas que prefere usar ou acabará ficando biruta tentan­ doretificarmapas usando sistemasexóticos deprogressão. Podemos mudar de assunto?

322 / OS PLANETAS INTERIORES

Audiência: Existe algum elemento no mapa que possa indicar um

distúrbio narcisista de personalidade? Liz: Geralmente, a Lua indica questões extremamente difíceis. No

sentido clínico, o narcisismo reflete um grave distúrbio no início do vínculo entre a mãe e o filho. O bebê nunca é incentivado a desenvolver um senso de existência psíquica efetivamente inde­ pendente. D. W. Winnicott descreve uma série de problemas típicos entre mãe e filho que alternam entre o excesso de atenção e o afastamento brusco - a mãe que não consegue deixar o filho se separar dela em virtude de sua própria necessidade de dependên­ cia, ou a mãe tão preocupada comas tensões e problemas exteriores quenemmesmo consegue se ligarao filho. Esses dilemaspodemser causados por fàtores externos válidos, tais como uma grave crise financeira, a separação do marido ou uma mudança desagregadora no ambiente; não podemos apontar sempre um dedo moral para a mãe "má" queépouco "cuidadosa//.Entretanto,costumahaverum distúrbio radical no processo de espelho de que toda criança precisa a fim de se sentir segura na formação de seu senso de eu. Em termos astrológicos, esse tipo de distúrbio é refletido, em parte, pela Lua em aspecto tenso com os planetas lentos, de Saturno e Quiron em diante. Como muita gente tem esses aspectos, isto sugere que a maioria das pessoas, como mencio­ nei, tembolsões narcisistas em suas personalidades. É importante lembrar que o narcisismo é o estado natural do início da infância; só podemos falar de uma "desordem" se a pessoa se mantém nesse estado a ponto de fazer com que sua percepção da vida seja basicamente infantil. Os aspectos lunares difíceis podem sugerir que a pessoa "ficou" apegada a esse estado. Além disso, planetas poderosos - como Urano ou Plutão - na 10 podem refletir um dilema semelhante, caso a Lua também esteja envolvida. Creio que costuma haver um conflito inato na formação da identidade da criança, geralmente refletido por um Netuno forte; ou uma poderosa resistência aos limites da realidade, o que costuma ser refletido por um Saturno muito forte, mas mal aspectado. Con­ tudo, não existe um mapa que diga, "Distúrbio Narcisista de Personalidade", assim como não existe um mapa que diga "Ditador Mundial" ou "GênioMusical". O que encontramos são pistas que, somadas, apontam para uma somatória possível.

Conclusão / 323

Howard: Gostaria de dizer algo a respeito do narcisismo em

geral. Temos a tendência a usar essa palavra para descrever um interesse excessivo no eu, uma espécie de auto-idolatria que costuma ser vista como patológica. Em termos psicológicos, porém, existe o que chamamos de narcisismo primário: a sensa­ ção que temos, nos seis primeiros meses de vida, de que tudo o que existe à nossa volta é uma extensão daquilo que somos. Segundo as correntes psicológicas mais recentes, o recém-nascido precisa experimentar a sensação de ser o centro de tudo. No útero, sentíamo-nos como se fôssemos uma coisa só com a mãe e, após o nascimento, precisamos de algum tempo para nos ajustarmos ao fato de que ela é uma outra pessoa. Essa fase de ajustes é importante para que não sejamos privados da unidade e lançados à independência depressa demais. Nos primeiros meses de vida, não existe limite para o amor ou a atenção que podemos receber. Se mamãe nos paparica e se centraliza em nossas necessidades, isso perpetua a sensação de que tudo gira à nossa volta, dando-nos tempo para nos acostumarmos com a existência "aqui fora". Logo, no curso natural das coisas, estamos prontos para abrir mão da ilusão de que somos o centro do universo, aceitando nossa separação. Muitos dos livros que falam de educação infantil surgidos nas décadas de 40 e 50 (como o do Dr. Benjamin Spock e o de Truby King) defendiam algo diferente: diziam que, desde o início, o bebê deveria se ajustar à rotina da mãe, que o bebê só poderia ser alimentado segundo um esquema rígido e não apenas quando estivesse faminto, chorando por sua comida. Se, nos primeiros meses de vida, somos forçados a nos adaptar­ mos continuamente à mãe em vez de fazermos o contrário, não passaremos pela experiência salutar do narcisismo primário e ficaremos com uma lacuna ou furo, um anseio constante pela perdida unidade edênica com a vida, da qual fomos arrancados depressa demais. Assim, mais tarde vamos dando voltas e procurando pessoas que se centralizam em nós, ou então busca­ mos modos de reconquistar essa sensação de unidade que tivemos antes no útero e que perdemos logo após o nascimento. Por outro lado, surge uma patologia caso a fase de narcisismo primário se prolongue muito, se a mãe se adaptar excessivamente a nós depois dos 2 ou 3 anos. Se for esse o caso, nunca aprenderemos

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a aceitar nosso estado de independência e nunca desenvolveremos os mecanismos necessários para lidar com o fato da vida não ser exatamente como queríamos que fosse. Esperamos a gratificação instantânea de todos os nossos desejos enão conseguimos lidar com as frustrações ou com o fato das pessoas serem diferentes ou independentes de nós. O narcisismo primário saudável também é a base da auto-estima. Se mamãe nos adora e se centraliza em nós desde o início da vida, sabemos que somos adoráveis e essa é uma base sólida para começarmos a crescer na vida. A privação do narcisismo primário pode levar ao narcisismo secundário, que é do tipo patológico - a tentativa de compensar a falta de uma autoimagem saudável por meio de uma preocupação indevida com o eu, como se estivéssemos tentando suprir a atenção que não recebe­ mos nos primeiros seis a nove meses de vida. Liz: Como a educação infantil segue modismos, tais como o dos

livros do Dr. Spock e de Truby King, seria justo sugerir que diversas gerações podem sofrer desse problema da busca narci­ sista de um eu "real" através de falsas compensações. A chama­ da geração do "eu", a dos bebês nascidos após a Segunda Guerra Mundial, tem sido acusada de narcisista, e até certo ponto isso é verdade - não só o Dr. Spock e Truby King estavam na moda, como as famílias ainda estavam se recuperando dos traumas da guerra, pois um clima de instabilidade global não faz com que a mãe se sinta muito segura e menos ainda para oferecer uma sensação de segurança para seu bebê. Alexander Lowen tem um livro muito interessante chamado Narcissism. Ele sugere, como outros, que o extremo mais patoló­ gico do espectro narcisista deriva da profunda falta de um senso de independência e autonomia; portanto, o restante do mundo deve existir como uma parte-objeto, não separado do eu, para que a pessoa se sinta segura. Se alguma coisa se interpõe a essa fantasia - por exemplo, outra pessoa estabelece barreiras e diz, "Não!" -, isso suscita grande ansiedade e raiva para enfrentar o pânico. A raiva narcisista, que costuma ser destrutivamente crítica e "desmoraliza" a pessoa agressiva, que passa por má ou sem coração, é na verdade a cobertura para um medo profundo, o pânico de desaparecer naquele vazio assustador, dentro do qual está a verdadeira ferida narcisista.

Conclusão / 325

Lowen afirma ainda que a natureza da vida moderna tende a gerar problemas narcisistas nas famílias - logo, na sociedade. Em outras palavras, no sentido patológico o narcisismo se tomou uma endemia, transmitida de uma geração para outra (não podemos dar a nossos filhos aquilo que não temos em nós), refletindo uma dissociação crescente dos relacionamentos emo­ cionais honestos. É um cenário bastante perturbador: o coletivo formado por crianças psicológicas, todas tateando desesperada­ mente em busca de sua identidade através da fusão com outra pessoa ou com alguma coisa - mas creio que Lowen tinha razão em diversos pontos. Vivemos em uma cultura que sofre esse problema dentro das famílias e não é bom sair por aí chamando os outros de narcisistas quando todos nós, em maior ou menor grau, sofremos com o mesmo ferimento. Howard: Em seu livro Jealousy (Ciúme), a escritora e jornalista Nancy Friday fala de um artigo do The New York Times que

relacionava os indicadores perigosos de uma desordem narcisis­ ta de personalidade.10 artigo sugeria que a pessoa devia ler essa lista e conferir os pontos que achava que se aplicavam ao seu caso. As questões eram do tipo, "Às vezes, você tem uma sensação grandiosa de auto-importância e unicidade? Já teve fantasias onde era muito bem-sucedido, poderoso e brilhante? Procura sempre a atenção e a admiração dos outros? Sente raiva e humilhação diante de derrotas e críticas?" Havia outras per­ guntas de que não me lembro agora. Honestamente, porém, li essa lista e pensei, sim, sim, sim... digo, estava esperando que os enfermeiros aparecessem e me levassem para o asilo a qualquer momento. Era como ler sobre uma doença em um livro de medicina e ter certeza de que estava com ela. Contudo, nos dias de hoje, com todos esses indicadores de narcisismo da sociedade altamente competitiva e sua busca frenética pelo sucesso, prazer e satisfação pessoal, quem não exibe alguns desses sinais de narcisismo? Liz: Em nosso ramo, o narcisismo é definido como uma condição

"limítrofe", uma definição ampla de problemas emocionais que ''NancyTriàay, Jealousy (Nova York: Bantam, 1987; e Londres: Fontana/Collins, 1983), p.180.

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podem causar graves dificuldades, mas não nefasto a ponto de incapacitar totalmente a pessoa. Os homens de uniforme branco não procuram narcisistas, só astrólogos. O conflito "limítrofe" pode surgir em áreas muito específicas da vida, tais como o casamento, enquanto em outras áreas a pessoa é perfeitamente competente e confiável. É por isso que muitos encontram tole­ rância, pois os acessos e histerias que refletem ataques de raiva narcisistas talvez só ocorram entre quatro paredes, e ninguém acredita no marido, namorado ou filho que é objeto dessas erupções. Outra autora que trata do narcisismo é Alice Miller, que deveria ser leitura obrigatória para todos aqueles que militam nas profissões de ajuda.2 Em termos simples, sua premissa é a seguinte: toda pessoa que se sente compelida a trabalhar com os problemas dos outros tem um ferimento narcisista; e acho que ela tem toda razão ao fazer essa afirmação um tanto controver­ tida. A tensão emocional gerada por aconselharmos os outros é grande demais para ser justificada apenas pela compaixão ou pelo altruísmo; embora esses elementos costumem estar presen­ tes, também fazemos nosso investimento emocional inconsciente nesse tipo de trabalho, e segundo Miller nosso treinamento começa na idade de dois dias, quando devemos refletir nossas mães em vez de receber o reflexo de que tanto precisamos. Isso gera o dom (duvidoso) de sermos quase telepaticamente sensí­ veis às exigências emocionais dos outros, com a expectativa inconsciente de que só seremos amados e aceitos se continuar­ mos a atender às necessidades dos outros, tal como atendemos às da mamãe. Como o ator, o médico e o psicoterapeuta (bem como o astrólogo que lida com aconselhamento) costumam ter o raro talento para oferecer a seu público aquilo de que este mais precisa. Howard: E como recompensa paralela, os clientes se tomam

dependentes de você. 2Dois bons livros de Alice Miller: The Drama of the Gifled Child [O Drama da Criança Dotada] (Nova York: Basic Books, 1983) e For Your Own Good: Hidden Cruelty in Child Rearing & The Roots of Violence [Para Seu Próprio Bem: Crueldade Oculta na Educação Infantil e as Raízes da Violência] (Nova York: Farrar, Straus & Giroux, 1983).

Conclusão / 327

Liz: Pois é, e isso recria a estrutura do princípio, onde a mãe

infantil exige carinho maternal de seu filho. Isso compensa as poderosas necessidades de dependência da pessoa, que precisa ser reprimida para cuidar da mãe. Tudo isso e ainda somos pagos. É uma oferta que nenhum narcisista digno do nome poderia recusar. Howard: A grandiosidade também está relacionada com o narci­

sismo. É uma forma exagerada de autocentrismo, na qual a pessoa se deixa levar por sua própria sensação de importância. Você deseja a melhor casa ou carro, você gosta de mencionar os nomes de pessoas importantes que conhece e espera ser o centro das atenções onde quer que vá. A grandiosidade e o narcisismo são formas de compensação pela falta de uma auto-estima saudável. A julgar por minha experiência, os signos de Fogo são particularmente propensos à grandiosidade: são os arianos, leoninos ou sagitarianos mais descontrolados, embora a tenha visto em outros signos. Liz: Esse é o mecanismo característico de defesa dos signos de

Fogo contra a sensação de inferioridade e de falta de defesa. Todo elemento - e todo signo desse elemento - tem seu próprio espectro de modos de adaptação à vida. Existe uma gama de talentos, habilidades e técnicas que podem ser expressadas quando a pessoa se sente por cima, e existe uma gama de defesas compulsivas para quando as coisas vão mal. Se você ameaça uma criatura, ela reage segundo sua própria natureza. Pegue um gafanhoto; aterrorizado, ele vai expelir um líquido marrom e malcheiroso em sua mão. Assuste um peixe-bola e ele se infla todo, chegando a atingir um tamanho quatro vezes maior que o normal. Pise em uma cobra e ela vai picar o seu pé, injetando-lhe um veneno mortal. Assuste certos mamíferos; eles se fingem de mortos. Ameace um signo de Fogo e ele reage de maneira grandiosa. Howard: Sim, para os signos de Fogo o inchaço do ego é uma

defesa contra o fato de se sentir humano, comum. Audiência: E os outros elementos?

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Liz: Observei que os signos de Terra ficam obsessivamente ritualizados. Quando as pessoas de Terra estão sendo ameaça­ das, começam a aparar as arestas, a fazer listas e a comprar apólices de seguro. Como o elemento Terra lida com o reino material, reage à ansiedade procurando controlar esse reino, assim como o Fogo tenta controlar o reino imaginário com suas fantasias de superioridade. O Fogo se sente à vontade no mundo mitológico, e quando ameaçado voa compulsivamente para esse reino. A Terra se sente à vontade no mundo prático, por isso tem esse padrão compulsivo-obsessivo. E vale a pena lembrar que nossas defesas também podem se tomar dons, pois são molda­ das a partir de uma grande necessidade interior. O elemento Água trata do reino dos sentimentos e da fusão emocional - o retomo ao Paraíso, seja por meio de outra pessoa, seja pelas drogas ou álcool, é a defesa mais natural quando um signo de Água se sente ameaçado. Estados de extrema dependência e sujeição à manipulação costumam ser encontrados nos signos de Água assustados. O Ar, por sua vez, desaparece na cabeça, pois a linha de defesa mais típica dos signos de Ar é o excesso de radonalismo e o distanciamento emocional. Howard: Isso me lembra uma coisa. Há alguns anos, participei de

um grupo de treinamento psicológico onde praticamos um exercício que me marcou muito. Formamos pares e uma pessoa era "A" e a outra "B". A pessoa A tinha de dizer, "Por favor, por favor, por favor" e a pessoa B tinha de responder com "Não, não, não". Esse exercício durava vinte minutos e visava fazer com que você voltasse a uma época em que realmente necessitava de algo, mas era privado disso. Conhecia os mapas da maioria dos membros do grupo e foi interessante comparar os signos com o modo como cada um reagiu à rejeição de seus apelos. Estou generalizando um pouco, mas os signos de Fogo que se defron­ taram com "não, não, não" aguentavam uns três minutos e depois diziam, "Dane-se, você não é tão bom assim, não preciso de você. Se não puder me dar aquilo que desejo, vou encontrar isso em outro lugar, com uma pessoa melhor". Os signos de Terra que recebiam o "não, não, não" continuaram a pedir, "por favor, por favor, por favor" o tempo todo.

Conclusão / 329

Liz: É, a Terra ainda estaria ali três anos depois, tentando desgastar o outro com a força da repetição. Howard: Foi interessante notar as defesas que surgem em respos­

ta à negação ou à rejeição. Assim, a defesa do Fogo foi "não predso de você", e os signos de Terra continuaram tentando obter o que queriam em vez de aceitarem a rejeição e sentirem as emoções que ela causaria. Os signos de Ar que ouviram o "não" começaram a argumentar com a outra pessoa, dizendo-lhe a razão pela qual deviam fazer isso ou aquilo e entrando em discussões a respeito de termos de compartilhar o planeta Terra e que por isso todos deviam se ajudar, ou dizendo coisas como "fiz isso para você antes, por isso você deveria me retribuir o favor agora". Em outras palavras, quando rejeitados, tentaram discutir com a outra pessoa, procurando argumentos convin­ centes que pudessem transformar um "não" em um "sim". Os signos de Agua... Liz: ... começaram a chorar. Howard: Bem, sim. Eles se ajoelharam e imploraram - sabe como

é? -, agarrando as calças do outro e dizendo, "vou me matar se você não fizer isso". Ou se viravam e diziam algo como, "tudo bem, consigo sobreviver sem isso, mas existe alguma coisa de que você precisa e que eu poderia conseguir para você?" Obvi­ amente, estou exagerando, mas havia uma lição nas diferentes reações de defesa que as pessoas usaram para evitar a sensação de dor e de rejeição. E como Liz já disse, algumas dessas defesas podem dar origem a dons criativos. Audiência: O que você considera mais forte, a Lua progredida

entrando em conjunção com o Sol natal ou a Lua progredida formando conjunção com o Sol progredido? Liz: Já não vimos isso tudo? Não acho que uma seja mais "forte"

ou mais importante. Contudo, têmníveis diferentes de significa­ do. Quando o Sol natal é ativado, isso é do caráter essencial da pessoa, de sua essência. O significado central da jornada do herói, o principal tema mitológico da vida, é ativado de algum

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modo quando qualquer planeta, inclusive a Lua progredida, atinge o Sol natal. Costuma haver uma profunda sensação de ligação com o "eu", a sensação de que somos mais reais e temos muitos potenciais. O Sol progredido, por seu turno, é um retrato do herói em certo ponto de sua jornada; é onde chegamos naquele instante. Quando a Lua progredida ativa esse Sol, reflete um estágio específico da jornada. É por isso que acredito que os eventos podem se manifestar mais claramente sob a conjunção Lua progredida-Sol progredido do que sob a Lua progredida-Sol natal. O potencial do Sol natal recebe substância em seu movimento progredido, por isso a conjunção Lua pro­ gredida-Sol progredido pode ser efetivamente poderosa em termos das experiências importantes da vida. Howard: Em minha experiência com mapas, sempre observei que a

Lua Nova progredida-o ponto onde a Lua progredida alcança o Sol progredido - é uma progressão muito poderosa. Se, por exemplo, cair na casa 11, a pessoa terá uma profunda experiência envolvendo amigos, metas, grupos ou organizações, seja exatamente no mês em que ocorre ou um pouco antes. Se você tem uma Lua Nova progredida na 7, algo muito importante deve acontecer na esfera dos relacionamentos, como se uma nova fase estivesse se iniciando. Como disse, nunca vi isso falhar, seja por signo ou por casa. Se você observar seupróprio mapa, pode conferir o que aconteceu comvocê e confirmará o que digo. Liz: Também levaria em conta os planetas aspectados pela Lua Nova progredida. Se ela ativa um planeta natal, especialmente em aspecto tenso, não só pode assinalar uma nova fase da vida, como um importante relacionamento, caracterizado pelo planeta aspectado. Estou me lembrando de alguém que conheço; em seu mapa, aLuaNova progredida acertounão apenas o seuAscendente, como seu Netuno natal. Isso ocasionou o fim de seu casamento, a ruptura de sua confusa família, um novo relacionamento, uma mudança radical no trabalho e um foco totalmente novo - sobre seu próprio eu, suas necessidades epotendais-ao longo de todo o ano seguinte. Audiência: Procurei um astrólogo logo que me mudei para a

Suíça e tive uma experiência muito estranha com essa pessoa. Ele

Conclusão / 331

me disse, "Bem, como o seu planeta tal está ali, você deve se comportar de certa maneira e vai passar por tais e tais experiên­ cias em função dessa colocação". E assim por diante. Ele me apresentou informações que, em si, foram objetivas e até corre­ tas, mas no final da leitura eu saí frustrado e confuso, pois não obtive nada que pudesse me ajudar. Essa experiência fez com que me afastasse da astrologia por algum tempo. Gostaria de perguntar especificamente a você: Liz, como você lida com a leitura de mapas? Quais, para você, são as coisas mais importan­ tes a comunicar a alguém, especialmente quando a pessoa que o procura está muito, muito perturbada? Liz: Enquanto você falava ocorreram-me duas coisas. Sempre pergunto aos clientes a razão para me procurarem antes de começar a fazer qualquer interpretação, pois minha técnica consiste em tentar utilizar o mapa para informar à pessoa aquilo que ela realmente deseja saber naquela ocasião, em vez de falar aquilo que eu imagino que ela saiba segundo a teoria astrológica. Por este mesmo motivo, sempre tenho à mão o mapa progredido e os trânsitos do momento, mesmo que a pessoa não tenha pedido; acho importante compreender o que levou a pessoa a me procurar. Nunca dou uma "volta" pelo mapa, apresentando uma interpretação básica; não porque ache isso errado, mas porque estou interessada em trabalhar com aquilo que acontece no presente, usando o mapa natal como fonte de insight. Algu­ mas pessoas têm dificuldade para dizer a razão pela qual dese­ jam uma leitura natal, quando não estão alheias ao motivo e dizem, "Bem, nenhum motivo em particular, estava apenas curioso" ou "Queria ver se funcionava mesmo". Esse tipo de "curiosidade" costuma servir de fachada para a ansiedade (al­ guns clientes querem ouvir que vão morrer nas próximas duas semanas ou que, na verdade, são péssimas pessoas). Para mim, é perfeitamente claro que o trânsito de Plutão está afetando isso ou aquilo em seus mapas e que eles estão bastante perturbados, mas talvez os clientes não queiram que eu saiba o drama que estão vivendo enquanto não sentirem alguma confiança em mim e na leitura. Assim, uma parte da resposta é que eu tento oferecer insight sobre qualquer dilema que o cliente esteja enfrentando naquele momento

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de sua vida. Nesse sentido, suponho, minha educação psicanalítica se funde com meu trabalho astrológico, pois este é uma espéde de psicoterapia concentrada. As pessoas falamdiversas línguas e acho que é importante tratar de um assunto usando a mesma linguagem do cliente. Assim, se estou diante de um homem de negócios pragmático e teimoso, que está atravessando uma crise emocional pouco familiar para ele, não vou falar de reencamação e evolução da alma; não é a linguagem dele. Muitas pessoas procuram orien­ tação porque estão diante de uma crise, de uma encruzilhada, e perderam o senso de confiança interior - se é que já o tiveram. Descobri que uma das mais poderosas ferramentas de que o astró­ logo dispõe é a confirmação objetiva que o mapa dá ao fato de sermos como somos, de que podemos confiar no que somos e que não estamos obrigados a ser diferentes apenas para agradar os outros. O mapa astrológico não contémjulgamento moral intrínse­ co e tento, da melhor maneira possível, refletir sua integridade e neutralidade para os clientes. Com as pessoas que estão perturbadas no sentido clínico, tento ser extremamente cuidadosa no modo como exponho as coisas e me esforço para dar voltas em tomo de áreas carregadas, em vez de aumentar a ansiedade. Às vezes, o astrólogo precisa munir-se de umbisturi para a consulta, pois a verdade a respeito de assuntos da infância e de complexos parentais pode ser muito curativa, mas a tentativa pode dar para trás. Observei que os clientes mais perturbados exalam um odor inegável de medo, mesmo quando se mostram superficialmente controlados e tagarelas. Eu percebo a atmosfera e tento penetrar em seu terror, procurando ajudar o cliente a enfrentar a ansiedade de maneira mais pragmática e objetiva. Nenhum conselho tem efeitos prá­ ticos se o cliente se acha em um estado de terror abjeto e não consegue me ouvir. Obviamente, o trabalho com pessoas muito agitadas pode ser bastante traiçoeiro e tenho cometido alguns erros ao longo de meus anos de prática astrológica. Contudo, não costumo cometer o mesmo erro duas vezes. As vezes, sinto que uma leitura astrológica em si é relativamente inútil, pois algumas pessoas estão muito tensas; então, ofereço o apoio de um terapeuta e incentivo o cliente a começar a psicoterapia o mais depressa possível. (Escolho um de uma lista seleta de profissionais que recomendo.)

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Seria muito difídl resumir minha postura astrológica, mas diria que vejo a astrologia como uma ferramenta, não um fim em si mesma; e percebi que a maioria das pessoas sofre porque não encontra perspectiva ou fé naquilo que são. O mapa se desenvol­ ve ao longo da vida, como uma peça teatral, e a pessoa pode ficar chocada com a entrada em cena de um personagem a respeito do qual nada conhece. Por isso, o insight astrológico, para mim, é útil para ajudar os clientes a identificarem a estrada que já estão trilhando e a se sentirem mais seguros nela. A melhor maneira para compreender esse tipo de trabalho astrológico é passar pessoalmente por uma terapia, coisa que eu e Howard exigimos como parte do Curso de Graduação de nosso Centro em Lon­ dres. É difícil definir os modos como isso pode afetar o aconselhamento astrológico da pessoa, mas não podemos ter idéia de como os outros se sentem se não tivermos idéia alguma a respeito do que acontece dentro de nós. Todo bom curso de psicologia profunda faz da psicoterapia individual o núcleo do treinamento, pois a experiência de ser­ mos ouvidos e de recebermos permissão para sermos nós mesmos é a única maneira de aprendermos a ouvir os outros. Tomei-me bastante impopular junto a certos círculos astrológicos ao decla­ rar abertamente que todo astrólogo que não se submeteu à psicoterapia está sendo um mau profissional. Mas reafirmo isso, pois sem essa experiência essencial não podemos apreender a realidade da psique, a natureza e as raízes do sofrimento alheio, ou seu potencial de cura. Além disso, corremos o risco de ficar julgando os outros, como se fôssemos moralistas espiritualmen­ te superiores que sabem, melhor do que o cliente, aquilo que é "bom" ou "mau" em seu mapa. Finalmente, não podemos compreender efetivamente o que é uma mudança de verdade, como ela pode ser implementada e qual o seu "preço" final, se não passarmos pessoalmente por esse processo. Howard: É muito importante não julgar o cliente, algo que

costuma ser mais fácil dizer do que fazer, pois uma parte de nós pode não gostar de seu histórico ou do modo como decidiram viver. Contudo, julgar não ajuda ninguém, e os clientes se ressentem quando o profissional faz isso. As pessoas que procu­ ram uma leitura podem apresentar questões que despertam

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emoções muito fortes em você ou que ativam conflitos e tensões não resolvidos. Estas são apenas duas razões a justificar um terapeuta, supervisor, colega ou até um bom amigo, a auxiliar o astrólogo de linha psicológica na discussão de problemas e de questões que podem ser suscitadas por uma leitura (mantendo seu caráter confidencial), especialmente leituras que deixaram o astrólogo intranquilo. É como se as questões que surgem quando você faz os mapas dos outros fossem o combustível e o alimento de sua própria auto-exploração psicológica. Este processo é permanente - você nunca deixa de trabalhar seu eu, assim como você nunca deixa de aprender a melhorar como astrólogo. Liz: Sim, é permanente. Tenho contado esta história em vários seminários e alguns de vocês podem tê-la ouvido antes, mas me ensinou muita coisa a respeito das questões de que Howard está falando. Há alguns anos, uma mulher me procurou para que eu fizesse seu mapa. Desde o momento em que chegou, fiquei inexplicavelmente irritada com ela. Creio que o modo como ela apertou a campainha continuamente por cinco segundos me deixou assim. Minha irritação aumentou quando ela me contou o motivo pelo qual solicitou a leitura, pois tinha a impressão de que tudo estava saindo errado com ela e que tudo era culpa dos outros. Era a própria lamúria, uma vítima profissional. Sempre que tentava fazer uma sugestão positiva ou construtiva ela a desprezava ou a rejeitava com um "Sim, mas...", o que, ao cabo de meia hora, faz com que me sentisse furiosa e impotente. Comecei a imaginar que ela não estava muito preocupada em receber orientação, pois obviamente estava apaixonada por seu sofrimento e não queria abrir mão dele, por mais que ela mesma pedisse ajuda. Depois de aturá-la por uma hora, perdi a paciência, o que é muito raro comigo. Disse-lhe, "Pelo amor de Deus, pare de choramingar e de resmungar. Você pode tomar muitas decisões positivas na vida, mas não quer tomá-las porque é mais fácil culpar os outros. Estou cansada de ouvir suas intermináveis reclamações sobre como as pessoas são horríveis e como a vida a tem maltratado. Não é à toa que as pessoas a rejeitam - você é a pessoa mais negativa e desagradável que encontrei em sema­ nas". Naturalmente, era isso que ela estava esperando: mais um

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indivíduo horrível e pouco compreensivo que não tinha nenhu­ ma compaixão por seu sofrimento. Ela começou a soluçar, a chorar e murmurou, "Você está falando igualzinho à minha mãe", ao que respondi fria, "E você está falando como a minha mãe!" Analisei os ecos daquilo que tinha acabado de acontecer e pensei, "Minha cara, creio que você tem um problema nas mãos e é melhor cuidar disso". Acho que você já entendeu. No ramo, damos a isso o nome de transferênda-contratransferência e pode acontecer tão fadlmente em uma sessão astrológica quanto em uma terapia em andamento. Alguns astrólogos resistem fortemente à sugestão de se submeterem à psicoterapia, alegan­ do que não "predsam" dela. Talvez não precisem no sentido de serem pessoas razoavelmente estáveis e capazes de lidar com a vida, mas todos nós temos pontos cegos, áreas em relação às quais projetamos nossos problemas pessoais sobre os outros. Talvez a resistênda à terapia que muitos astrólogos apresentam esteja reladonada ao problema do nardsismo, sobre o qual Howard e eu estivemos falando antes. Esse ferimento narcisista é encontrado tanto em astrólogos como em terapeutas. Como astrólogos, temos considerável poder e influênda sobre os ou­ tros, que consdente ou inconscientemente procuram não só respostas como também redenção. É doloroso observarmos em nós os mesmos problemas que os clientes nos trazem; é muito mais interessante nos sentirmos inchados e bastante superiores, pois temos acesso a conhedmentos que os outros não têm. A ferida narcisista pode fazer com que nos sintamos poderosos, mas a submissão à terapia revela nossa banal natureza humana, da qual o conhecimento astrológico não pode nos livrar. Bom, chega disso. Outras perguntas? Audiência: O que você pode falar sobre o Yod, ou Dedo do

Destino? Howard: Já assistiu a esses filmes antigos de cowboy, onde dois

vaqueiros estão um pouco distantes e laçam um bezerrinho entre eles? O planeta na ponta do Yod é como esse novilho - foi capturado pelos outros dois planetas que formam quincúncio com ele e não consegue agir sem ter de levar em conta o que

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representam esses dois planetas. De modo geral, o Yod pode criar boa dose de atrito e tensão em sua vida, você pode se sentir "fadado", de algum modo, por ele. Lembro-me de uma mulher com Vênus em Peixes, formando um Yod com Plutão em Leão e Netuno em Libra. Ela passou por maus bocados em seus relacio­ namentos e parece ter sempre se envolvido com pessoas que não eram apropriadas ou adequadas para ela. Apesar de muitas brigas e problemas, ela percebeu que era quase impossível terminar um relacionamento, como se alguma espécie de desti­ no ou compulsão a mantivesse atada a um parceiro. Normal­ mente, era a outra pessoa quem terminava, essa mulher ficava muito zangada e magoada porque achava que dava muito de si no relacionamento e não era reconhecida. O planeta da ponta Vênus, neste caso - parece suportar o atrito do Yod. Contudo, assim como no quincúndo, às vezes as três energias reunidas por um Dedo do Destino podem combinar muito bem, mas você também deve aceitar a hipótese de as três energias se combina­ rem de modo a criar problemas e tensão. Como têm formado um sextil no céu há muito tempo, é comum encontrar um Yod envolvendo Plutão e Netuno. Quan­ do Plutão estava em Leão, por exemplo, formando sextil com Netuno em Libra, os planetas em Peixes faziam a ponta do Yod. Depois, com Plutão em Virgem formando sextil com Netuno em Escorpião, os planetas em Áries podiam ser envolvidos. Com Plutão em Libra em sextil com Netuno em Sagitário, foi a vez dos planetas em Touro. Agora, com Plutão em Escorpião em sextil com Netuno em Capricórnio, as pessoas nasddas com planetas em Gémeos podem ser "laçadas" por Netuno e por Plutão - dois deuses dos mundos infernais - e com certeza veremos podero­ sos complexos e compulsões inconscientes influendando a expressão desse planeta pessoal, tanto positiva como negativa­ mente. Se você acredita em reencamação, pode dizer que existe um forte carma a ser resolvido em termos do planeta na ponta de um Yod envolvendo Netuno e Plutão. Por falar nisso, do ponto de vista psicológico, complexo é a parte semi-autônoma da psique que assume uma situação e age independentemente de sua realidade objetiva. Assim, um homem pode ser tomado por seu complexo maternal, o que vai distorcer a maneira como enxerga as mulheres com quem se envolver. Ou você pode ser

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tomado por um complexo de inferioridade, embora seja inade­ quado ou desnecessário se sentir inferior naquele momento. O primeiro passo para a solução de um complexo profundamente arraigado é admitir sua existência. Isso lhe dá um pouco mais de distância e isolamento do complexo, pois significa que você possui um "eu" (uma testemunha ou observador) que pode examinar e trabalhar com ele para descobrir onde se originou ou de que se trata. Lady Diana Whitmore, fundadora do Fundo de Psicossíntese e Educação de Londres, costumava dizer que, se você é um cão que morde, você morde. Mas se você consegue encontrar uma parte de si mesmo que é capaz de não se identi­ ficar com um complexo ou subpersonalidade, uma parte que consegue dizer, "Não sou um cão que morde, mas tenho um cão que morde", você pode dar início ao processo de resolução ou de libertação das garras de um complexo - talvez você acabe conseguindo ensinar o cão a não morder, embora nem sempre seja fácil assim ensinar truques novos a um complexo velho. Liz: Gostaria de fazer um comentário sobre a natureza do quin­ cúncio, pois esse aspecto todo peculiar é o núcleo dos efeitos do Yod. O quincúncio produz uma relação altamente ambígua entre dois planetas. Existe nele atração suficiente para gerar uma sensação de profunda harmonia e cada planeta realça o que o outro tem de melhor. Contudo, de repente a harmonia se desfaz, como um relacionamento que às vezes está muito bem e que, sem qualquer motivo aparente, de súbito degenera em discus­ sões e conflito. Existe ainda um período de preocupação e tensão, no qual as duas pessoas não conseguem deixar de se irritar uma com a outra; mas quando você imagina que a coisa está ficando muito difícil, muda novamente e tudo parece estar bem. Signos naturalmente situados em quincúncio, como LeãoPeixes, Aries-Virgem ou Câncer-Aquário, sentemverdadeiro fascí­ nio mútuo, pois cada um tem atributos que o outro não tem. Contudo, são signos de qualidades diferentes (diferentemente de signos em quadratura ou oposição, ambos sempre cardinais, fixos ou mutáveis). Essa diferença intrínseca pode ser bastante irritante. Howard: Eu falei sobre os quincúndos em meu seminário sobre

Marte. Os dois planetas envolvidos às vezes misturam muito

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bem. Se, por exemplo, você tem um quincúndo Vênus-Plutão, em certas ocasiões você mostrará profundidade e sabedoria na maneira como lida e compreende seus reladonamentos. Em outras ocasiões, porém, o quincúndo Vênus-Plutão pode dar margem a uma intensa inveja, dúmes ou sentimentos destruti­ vos em relação às outras pessoas. Como disse Liz, o quincúndo parece oscilar entre a expressão positiva e um monte de encren­ cas. Liz: Outra característica desse aspecto é que o quincúndo não

tem força sufidente para gerar o tipo de ação decisiva que a quadratura tem (sob ela, você não aguenta nem mais um minu­ to); mas produz atrito suficiente para permitir a mistura reflexi­ va de uma oposição (onde a indedsão força a pessoa a aceitar um meio-termo, mais cedo ou mais tarde). Ao mesmo tempo em que existe muito conflito, não há conflito suficiente. Esta seria a razão, creio, para que o quincúndo esteja assodado a problemas de saúde. Ela simboliza uma tensão que não é forte o sufidente para provocar uma ação direta, mas que é forte a ponto de perturbar o equilíbrio do indivíduo. Howard: Lembro-me de que certa vez você a comparou com uma

dor nas costas que não era forte a ponto de mantê-lo em casa sem ir trabalhar, mas que o incomoda e cria desconforto quando você sai. No entanto, creio que o quincúndo de orbe estreito exerce efeitos bem sensíveis na vida da pessoa. Liz: O quincúndo aparece bastante em sinastrias, o que reflete

sua natureza puxa-empurra, atração-repulsão. Howard: Além disso, eu procuraria planetas que formam quin­

cúndo em trânsitos sobre o mapa natal. Quem tem planetas em tomo de 15° de Gémeos? Neste exato momento, você está passando por um Yod em trânsito formado por Plutão em Escorpião e Netuno em Capricórnio, ambos em quincúndo com seu planeta geminiano. Os geminianos costumam ser hábeis na solução de situações complicadas. Agora, porém, com esse quincúndo de Netuno e Plutão com os planetas em Gémeos, as pessoas cujos mapas têm partes sensíveis nesse signo devem

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perceber que sua facilidade natural para se safarem de situações problemáticas não funciona mais, são forçadas a se defrontarem com algo que prefeririam evitar ou a permanecer em situações desconfortáveis. Em outras palavras, o trânsito de Plutão e Netuno prendeu o princípio representado pelo planeta geminiano que ambos laçaram. Audiência: Se não houver mais perguntas, gostaria de contar uma

história que aconteceu comigo. Há uns treze anos, sofri um acidente grave a cavalo. Quase morri, mas não encontrei ne­ nhum trânsito tenso afetando meu mapa naquela ocasião. Tenho uma quadratura natal Marte-Urano, mas nada a tocava na época em que o acidente ocorreu. A única coisa que percebi foi que meu Ascendente progredido estava formando quadratura com Sa­ turno, mas não acho que isso seja suficiente para explicar o que aconteceu. O fato de não ter encontrado um único trânsito que descrevesse tal evento importante fez com que me sentisse inseguro quanto à validade da astrologia. Howard: Você analisou o mapa do cavalo? Pode ser que o trânsito

o tivesse afetado. Audiência: Mas o cavalo não se machucou; eu, sim. Liz: Talvez o cavalo estivesse projetando algo. Audiência: O que queria contar é que depois eu comprei o livro

de Melanie Reinhart sobre Quiron e percebi que Quiron formava uma oposição com meu Saturno natal e uma quadratura com meu Ascendente progredido, o que me deu uma idéia mais clara sobre o evento. Howard: Sim, isso é interessante, pois Quiron está associado a

cavalos - pelo menos ao centauro, meio-homem, meio-cavalo. Aposto que havia alguns pontos médios sendo ativados nessa época e que você não analisou. Liz: Ia justamente falar dos pontos médios. Esta é uma área

interessante com relação ao ritmo dos eventos, interiores ou

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exteriores. Não acho - ao contrário de muitos dos seguidores de Ebertin- que depois de compreender os pontos médios você não precisa se preocupar com outros fatores. Os pontos médios são refinamentos, não substitutos, de princípios astrológicos bási­ cos. Entretanto, alguns pontos médios poderosos, como Sol-Lua ou Vênus-Marte, são altamente sensíveis a trânsitos e progres­ sões planetárias. Se um planeta natal estiver situado sobre um ponto médio (dentro de um orbe de 1 1 / 2 graus), então esse ponto médio é especialmente importante e todas as três energias planetárias serão ativadas ao mesmo tempo. Os pontos médios também são particularmente potentes se os dois planetas que o formam também estiverem em aspecto - por exemplo, se Urano estiver em 15° de Áries, formando quadratura com Saturno em 9o de Capricórnio, o ponto médio - em tomo de 25° de Aquário - é particularmente sensível, pois um trânsito sobre esse ponto vai ativar o aspecto Satumo-Urano formando semiquadraturas com ambos. Logo, quando estiver analisando novamente os trânsitos da época da queda do cavalo, além de levar em conta Quiron, procure observar se alguma coisa - um trânsito ou um planeta progredido, especialmente a Lua - não estava passando sobre um ponto médio importante, como o ponto médio MarteUrano, normalmente associado a acidentes. Audiência: Falamos de planetas interiores formando aspectos

tensos com outros planetas - digamos, Vênus em quadratura com Netuno - e dissemos que uma das possíveis manifestações seria a confusão ou a desilusão amorosa. Se, em uma sinastria, um planeta exterior de B - digamos o próprio Netuno - formasse aspecto harmonioso com Vênus de A, isso tomaria as coisas mais fáceis? Liz: Não creio que um aspecto harmonioso em sinastria poupe a pessoa do processo de uma quadratura em trânsito por seu próprio mapa. O trígono entre o Netuno de alguém e seu Vênus pode criar a sensação de união quase mística dentro do relacio­ namento, pois Netuno idealiza Vênus e reage muito bem às suas necessidades, enquanto Vênus reconhece e gosta de vulnerabi­ lidade e do romantismo de Netuno. Isso pode fazer com que seu parceiro aprecie suas emoções e pode lhe dar suporte emocional

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durante um trânsito difícil. Mas a quadratura entre Netuno em trânsito e seu Vênus natal é um problema pessoal, e você terá de enfrentar dilemas relacionados com seus valores e senso de auto-estima. Naturalmente, é mais fácil suportarmos alguma coisa quando contamos com a empatia do parceiro. Por outro lado, seu parceiro pode vivenciar o trânsito de Netuno em vez de amenizar a atmosfera de confusão e de falta de defesa que costuma coincidir com os trânsitos de Netuno. Howard: Sim, eu estava pensando nisso. Você pode resolver

melhor os problemas gerados por Vênus-Netuno junto de pes­ soas que têm planetas em ângulo harmonioso com seu Vênus, se comparadas com outras cujos planetas formam aspecto tenso com ele. Aquelas pessoas vão compreendê-lo melhor ou oferecer uma nova perspectiva sobre seu Vênus, embora, como disse Liz, isso não faça desaparecer seus problemas venusianos. Liz: Algumas pessoas reforçam nossa autoconfiança e outras a

desgastam. Isso depende da natureza dos interaspectos entre os mapas. Pode nem ser uma questão de amor, mas do que cada uma evoca na outra; e se o Saturno de alguém forma uma oposição com sua Lua, por exemplo, essa pessoa pode amá-lo profundamente, mas se mantém fria e crítica justamente quando você mais precisa de segurança. Naturalmente, esses dilemas melhoram quando os outros estão dispostos a ajudar. Além disso, os aspectos de sinastria podem não ser diretamente im­ portantes à luz de um trânsito específico que afeta seu mapa; indicam harmonia ou conflito entre as duas personalidades. Com interaspectos de orbe estreito entre dois mapas, o mesmo trânsito deve ativar ambos e o desafio pessoal também se toma um desafio do relacionamento. Se Vênus de A está em 16° de Touro, por exemplo, formando trígono com o Netuno de B em Virgem, digamos, então o trânsito de Netuno por 16° de Aquário vai formar um quincúncio com o Netuno de B ao mesmo tempo em que forma quadratura com o Vênus de A. Howard: Com o passar dos anos, percebi uma coisa. Se você tem

um aspecto difícil, tal como Marte em quadratura com Júpiter ou Vênus em quadratura com Netuno, pode aprender um bocado

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com pessoas que têm esses mesmos planetas em trígono ou sextil. A pessoa com um trígono Marte-Júpiter, que consegue imprimir naturalmente a quantidade certa de afirmação em alguma atividade, pode ser um modelo ou professor para outra que tenha uma quadratura entre esses planetas. Além disso, as pessoas com um trígono ou sextil podem compreender melhor o que esses aspectos representam para você, caso conheça al­ guém que luta com os mesmos planetas em oposição ou quadra­ tura. Liz: Creio que temos tendência a nos sentirmos atraídos por

pessoas que têm a mesma coloração, ou semelhante, em tomo de um dado planeta. Se você tem Vênus-Netuno, vai sentir uma afinidade natural com alguém comVênus-Netuno, ou Vênus em Peixes, ou Vênus na casa 12. Esse é um padrão comum em sinastria, mesmo que os dois planetas natais não formem aspec­ to no mapa. Se você tem Sol-Satumo, provavelmente vai se sentir atraído por pessoas com esse aspecto ou com o Sol em Capricórnio, pois existe uma espécie de reconhecimento mútuo; ambos lidam com as mesmas questões fundamentais da vida, partilhando a mesma paisagem interior. Audiência: A Lua progredida afeta a sinastria? Liz: De maneira muito marcante. Creio que você acompanhou, quando falamos dos mapas do Príncipe e da Princesa de Gales, o fato de a Lua progredida de Charles ter atingido o Sol de Diana na época do casamento. Este é um exemplo típico. Quando surge um relacionamento, geralmente vemos que um ou mais planetas e ângulos progredidos de um mapa tocam os planetas ou ângu­ los, natais ou progredidos, do outro. Nossa sensação de compa­ tibilidade com outra pessoa depende não apenas das posições natais como das progredidas, pois é isso que somos no presente momento. Geralmente, a Lua progredida forma aspectos pode­ rosos com o mapa da outra pessoa. O estado de um relacionamento muda o tempo todo, e isso é refletido tanto pelos movimentos do mapa composto como pelo relacionamento sempre cambiante entre posições natais e pro­ gredidas das duas pessoas. Se você conhece alguém e se apaixona

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pela pessoa quando sua Lua progredida está sobre o Vênus dela, você pode ficar muito abalado quando, três meses depois, sua Lua progredida ficar em oposição ao Saturno dela. Você pode ficar murmurando durante um mês, "Ela mudou! Era tão amá­ vel e agora está fria e crítica!" Se você puder ficar tranquilo ou viajar durante esse mês, vai notar que esses estados emocionais transeuntes passam. E o movimento de sua Lua progredida pelo mapa da outra pessoa é um reflexo do processo gradual de conhecimento mútuo, desdobramento inevitável em qualquer relacionamento. Às vezes, esses aspectos lunares progredidos, como a Lua progredida em quadratura com o Urano da outra pessoa, coincidem com uma época de crise ou ruptura, mas normalmente nessas ocasiões aparecem outros fatores mais poderosos do que a Lua progredida. Audiência: Você disse que isso também se aplicava ao mapa

composto. Podemos progredir esse mapa? Liz: Garo. Você também pode examinar os trânsitos que o afetam e

até observar os trânsitos por seus pontos médios, embora possa parecer estranho estudar os pontos médios dos pontos médios. Contudo, eles funcionam. A progressão de um mapa composto é maçante (a menos que você use um computador), mas seus princí­ pios são simples. O mapa composto é uma série de pontos médios entre pares de sóis, luas, etc., inclusive Ascendente e cúspides das casas. Se você fizer o mesmo com os mapas progredidos das duas pessoas-veja só! - terá ummapa compostoprogredido, queé a série de pontos médios entre cada par de sóis progredidos, luas progre­ didas e assim por diante. Você vai notar que a Lua composta progredida se desloca mais ou menos à mesma velocidade que a Lua progredida de cada pessoa. Se você for muito meticuloso, pode não só observar o que a Lua composta progredida faz com os planetas compostos, como também com os mapas natais e progre­ didos de cada um. E você pode estudar o que sua Lua progredida faz com o composto. O problema é que não sobra tempo para o relacionamento. Mas é muito útil explorar esses mapas se o relaci­ onamento estiver atravessando uma fase difícil, pois eles oferecem insighfs profundos que podem ajudar a pessoa a compreender e lidar melhor com os eventos.

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Howard: Você sabia que Liz tem trabalhado muito com mapas

compostos ultimamente e que está preparando um programa que ensina o computador a ler mapas compostos tal como ela faria? O computador está ficando louco. Liz: Antes ele do que eu. Howard: Você deve estar aprendendo muito sobre os compostos

para poder ensinar o computador a interpretá-los a seu modo. Eu aprendo muito ao ensinar, mas aprendo ainda mais ao ter de escrever a respeito de um assunto. Liz: Estou aprendendo muita coisa sobre eles. Acho que o melhor

meio de explorar um assunto consiste em estudá-lo tendo em mente a idéia de transmitir posteriormente o tema que estamos estudando. Isso aguça a mente e faz com que a pessoa formule as coisas com mais atenção. Howard: E depois, ao dar as aulas, você descobre todas as coisas

que não sabia. Audiência: Liz, poderia falar sobre a integração do Sol e da Lua

em relação ao Ascendente? Liz: Claro. Acho que o Ascendente é um ponto muito complexo

e profundo do mapa, está diretamente ligado a aquilo que chamamos de "destino". Sócrates ensinou que cada ser humano tinha um daimon, uma espécie de espírito do destino, que perso­ nificava a tarefa do indivíduo na vida. O Ascendente é como esse daimon. Os valores que ele representa não são vistos como "meus", tal como os do Sol ou da Lua. Contudo, temos a sensação de que a vida vai exigir que desenvolvamos as qualida­ des do Ascendente, apresentando-nos questões à nossa volta que são típicas dessas qualidades. O ponto oriental do mapa preside o nascimento físico e o padrão arquetípico que encontra­ mos quando saímos do útero. É o vislumbre inicial daquilo que está "lá fora" e, de algum modo, devemos aprender a integrar essa experiência, pois vamos nos defrontar com ela repetidas vezes, primeiro do lado de fora e, com o tempo, interiormente.

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Se, por exemplo, a pessoa tem Ascendente Capricórnio ou Saturno em conjunção com o Ascendente, isso reflete um nasci­ mento difícil, uma espécie de restrição ou bloqueio que dificulta o ingresso na vida; geralmente, o primeiro vínculo com a mãe é duro e cheio de limitações, pois ela pode estar sob efeito de sedativos, doente ou deprimida, o bebê pode estar doente ou ser forçado a ficar na incubadeira. Esta é a experiência saturnina arquetípica - a dolorosa expulsão do Éden para o mundo mortal, frio e duro - e reflete, de maneira profunda, uma atitude essen­ cial para com o ambiente que é levada com a pessoa pelo resto da vida. Na juventude, o indivíduo pode se sentir obstruído pelo mundo exterior e não confia muito nas pessoas; todo esforço de auto-expressão é acompanhado pela expectativa de que será uma viagem turbulenta. Naturalmente, porém, criamos nossa própria realidade e mais cedo ou mais tarde o Ascendente em Capricórnio pode aprender que é a dimensão psicológica desse arquétipo saturnino - autoconfiança, resistência, realismo e a capacidade de enfrentar os problemas sozinho - que precisa ser desenvolvida interiormente, para que a pessoa não tenha de ficar se defrontando com sua face negativa concreta no mundo exterior. O processo ao qual estamos sujeitos pelo Ascendente mobili­ za todos os nossos recursos, mais até do que o Sol ou a Lua. De maneira estranha, ele consegue unir as qualidades dos dois luminares, pois precisamos tanto de nosso senso de unicidade como de um saudável conjunto de instintos para enfrentar os desafios apresentados pelo Ascendente. Temos a sensação de que nos dirigimos para o Ascendente ao longo de toda nossa vida, e se tivermos alguma consciência das qualidades arquetípicas representadas por esse signo e a disposição de incluí-las em nosso sistema de valores, ele pode exercer um efeito marcan­ te de integração sobre a personalidade como um todo. Percebi que muita gente com algum conhecimento de astrologia despre­ za o signo Ascendente e tenta se justificar dizendo que o horário de nascimento deve estar errado. "Imagine, não posso ter Ascen­ dente em Virgem", dizem procurando alguma justificativa para que ele seja Leão ou Libra. Isso é tão comum que cheguei à conclusão de que o significado mais profundo do Ascendente não é de fácil digestão, exceto em termos superficiais.

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Howard: Estudo astrologia há vinte anos e levei quinze para

começar a compreender o significado do Ascendente. O signo que se ergue no horizonte natal é o signo que sai das trevas e entra na luz no momento em que você emerge das águas sombri­ as, ocultas e indiferenciadas do útero de sua mãe. O Descenden­ te, por sua vez, mostra aquilo que está desaparecendo de suas vistas no momento em que você nasceu, descrevendo assim o que está oculto em você, aquelas características sombrias que você despreza em si mesmo e vê nos outros. A natureza do signo ascendente busca a "incorporação", engendrando aquilo que está nascendo naquele instante. Para mim, o Ascendente é o caminho que conduz ao Sol. Ao desenvolver as qualidades de seu signo ascendente, você abre caminho para desenvolver o signo solar. Se, por exemplo, você é um ariano com Ascendente Capricórnio, a chave para o maior aproveitamento de seu poten­ cial e de suas qualidades de liderança, associadas a Áries, está no aprendizado da disciplina e das estruturas. Se você é um pisciano com Ascendente Libra, deve lidar com relacionamentos e adquirir um maior equilíbrio entre as diferentes facetas de sua psique a fim de expressar sua capacidade pisciana de curar, consolar ou ajudar os outros. O Ascendente também mostra nossa relação com o arquétipo da iniciação. O signo ascendente descreve não apenas seu nascimento em si, como também a maneira como você inicia as coisas ou como você inicia cada uma de suas fases de crescimento. Citando um exemplo, se a pessoa tem Capricórnio ou Saturno no Ascendente, pode ter tido um parto lento e difícil, e em termos mais amplos pode se sentir hesitante ou apreensiva com relação a qualquer transição poste­ rior ou passagem para uma nova fase da vida. Audiência: Nasd com o Ascendente em 0 graus de Sagitário e

sempre tive a sensação de que me segurei até Escorpião ter passado. Também sinto que chego atrasado em todos os lugares onde vou. Liz: Muita gente acha que existe uma dedsão consdente sobre o

instante em que nascemos (da alma, ou do nome que se lhe queira dar). Sou um tanto pragmática a respeito dessas coisas. Pode ser que sua alma tenha pensado, "Oh, meu bom Deus,

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ainda não, mereço um Ascendente Sagitário porque fui escorpiano na outra encarnação e já estou farto disso". Alguns clientes me perguntam se o fato de terem nascido sob parto induzido antecipado ou por cesariana pode ter modificado o mapa, dan­ do-lhes um Ascendente "errado", porque o horário de nasci­ mento "natural" sofreu interferências. Contudo, se acreditar­ mos que a alma é inteligente e poderosa a ponto de conseguir exatamente o horário de nascimento que deseja e de fazer com que o parto da mãe siga exatamente certo ritmo, com certeza ela pode influenciar o pobre médico a não acelerar esse parto. Por outro lado, se você não acredita em alma, isso não tem importância, pois o horário de nascimento que você conhece é pura e simplesmente o seu horário de nascimento. Não importa se você foi arrastado para fora, espremido, cortado ou se você escorregou na hora certa. Não ligo muito para isso; qualquer uma das hipóteses pode estar correta, mas no final devo simples­ mente lidar com o mapa que tenho à frente, seja qual for o método usado pela pessoa para chegar aqui. No entanto, notei que o grau inicial de um signo tem uma conotação de "Puxa vida, livrei-me dessa!", como se a pessoa tivesse escapado por um triz do signo anterior. Esse ponto reflete o primeiro influxo da nova energia e costuma acentuar as qualidades do signo. Do mesmo modo, o 29° grau de um signo tem um quê de "última parada" e costuma marcar fortemente a pessoa com as qualidades típicas do signo. É por isso que tenho dificuldade para pensar em termos de cúspides misturadas, como muita gente faz: é que as expressões mais típicas que já observei nos signos foram 0 graus e 29 graus. Audiência: Se você encontra o primeiro grau de um signo no

Ascendente, ou o último, deve tentar retificar o mapa só para garantir que o Ascendente está correto? Liz: Não costumo retificar mapas, a menos que um certo evento

seja tão gritante por trânsito ou progressão que não haja outra alternativa. Contudo, como acabo de sugerir, o primeiro e o último grau de cada signo costumam ficar evidentes no momen­ to em que o cliente passa pela porta, e geralmente confio em meu instinto. Acredito que a retificação possa ser um método válido

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de determinação de horário de nascimento quando o astrólogo dispõe de detalhes suficientes sobre a pessoa, e há os que se especializam nisso; entretanto, a retificação pode nos pregar muitas peças, pois diversos trânsitos e progressões se encaixam em certo evento. Além disso, costuma haver uma discrepância entre um evento concreto e a época em que ele afeta psicologi­ camente a pessoa; o exato instante de um trânsito poderoso pode se referir ao segundo, não ao primeiro. Finalmente, voltamos à questão dos orbes e o movimento de um planeta pesado sobre o grau do Ascendente é complexo não apenas em função de sua retrogradação, como de sua ativação por trânsitos menos impor­ tantes (como os de Marte ou uma lunação). Se o cliente se sente realmente inseguro a respeito de sua hora de nascimento, não trabalho nem com Ascendente e fico dentro dos limites de um mapa solar, pois não me sinto à vontade especulando a respeito de fatores astrológicos que podem ou não estar lá. Audiência: Gostaria de fazer uma pergunta sobre gémeos. Nor­

malmente, os gémeos nascem com poucos minutos de diferença, mas parecem ter personalidades totalmente diferentes. Liz: Creio que os gémeos idênticos são um grande desafio psicológico, pois todos nós precisamos definir e expressar nos­ sas identidades como indivíduos, o que fica difícil quando a pessoa cresce ao lado de alguém tão semelhante em termos de temperamento. A fim de criarem uma autodefinição, pelo que tenho visto, os gémeos tendem a "dividir" o mapa. Um deles concorda em ser inconscientemente o Vênus em Capricórnio formando trígono com Saturno em Touro e usando o Ascenden­ te em Virgem, e o outro representa a conjunção Marte-Urano em Áries. Geralmente, os gémeos representam a sombra um do outro, esforçando-se para serem diferentes. Quando se afastam na idade adulta, começam a se assemelhar novamente. Claro que as pessoas são misteriosas, mostrando uma essência que não parece ser totalmente descrita pelo mapa natal. Seu "gêmeo" astrológico pode ser uma galinha que nasceu no mesmo instante que você, mas esse enigma a que damos o nome de consciência usa os fatores básicos do horóscopo e os transforma em algo bastante individual. Obviamente, existe o fator "X" - que pode

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ser chamado de alma, Eu ou o que quiser - a trabalhar através do mapa, em vez de ser definido por ele, e isso também se aplicaria ao caso de gémeos idênticos. Howard: Sim, é uma espécie de divisão emocional do trabalho, o

que discuti em termos do dilema liberdade-intimidade na pales­ tra sobre Vênus. Uma fotógrafa, Diane Arbus, fez um fascinante estudo fotográfico sobre gémeos e conseguiu captar aquilo de que Liz estava falando - geralmente, em suas fotos um gêmeo parece luminoso e sorridente, o outro sombrio e taciturno. Quem puder, deve ir até uma exposição de suas fotos ou pelo menos dar uma olhada em seu livro. Liz: Às vezes, penso que não é uma boa idéia os pais vestirem

seus filhos gémeos com roupas idênticas. Pode facilitar as com­ pras dos pais, mas vai dar ainda mais trabalho para os gémeos na definição da individualidade de cada um. Howard: Em The Casefor Astrology (O Julgamento da Astrologia),

os autores falam de estudos feitos sobre gémeos temporais (pessoas sem qualquer vínculo de parentesco que nasceram no mesmo momento e lugar), que costumam ter semelhanças notá­ veis tanto na aparência como nos históricos de vida.3Um homem chamado Samuel Hemming nasceu no mesmo instante e no mesmo dia em que o Rei George Dl da Inglaterra. Eles eram bastante parecidos e suas vidas tiveram muitas semelhanças, apesar da diferença de classe entre eles. No dia em que George foi coroado, Hemming abriu seu negócio de ferraduras. Casaram-se no mesmo dia, tiveram o mesmo número de filhos do mesmo sexo, doenças e acidentes semelhantes, e morreram no mesmo dia. Temos ainda a história do Rei Humberto I da Itália, que, por acaso, conheceu um dono de restaurante que era seu gêmeo temporal, tendo nascido no mesmo dia, no mesmo

in

3John Anthony West e Jan Gerhard Toonder, The Casefor Astrology (Baltimore: Penguin Books, 1970), apêndice 2, pp. 282-284. N. do T.: Este livro foi publicado duas vezes em português, a primeira pela Editora Artenova sob o título A Astrologia — História e Julgamento, em 1974; a segunda, a partir de uma nova edição do original, desta vez assinado apenas por John Anthony West, pela Editora Siciliano, sob o título Em Defesa da Astrologia, em 1992.

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horário e na mesma região. Ambos se casaram com mulheres que tinham o mesmo nome e ambos tiveram filhos com os mesmos nomes. O dono do restaurante deu-se um tiro acidental­ mente quando limpava uma arma, no mesmo dia o rei levou um tiro e foi morto por um assassino. Existem muitos outros casos como esses, que certamente não podem ser atribuídos ao acaso. Audiência: Moro em Zurique e gostaria de ter aulas em sua

escola. Será que é possível fazer uma ponte aérea? Liz: Sim, caso você compre ações da Swissair. A maioria dos

seminários que apresentamos no Centro de Astrologia Psicoló­ gica é aberta ao público em geral, você pode assistir àquele que quiser. Contudo, temos um curso profissionalizante e profundo de três anos que confere um certificado e um diploma em astrologia psicológica. O problema para os estudantes que resi­ dem no exterior é que, embora você possa voar de Zurique para Londres e vice-versa para assistir aos seminários dominicais, precisa de certo número de horas de grupo de supervisão. Esses grupos são pequenos, não mais de dez pessoas, e geralmente se reúnem durante a semana. Se você quisesse fazer essa ponte aérea, teria de estar em Londres no domingo para o seminário e depois esperar pelo grupo de supervisão, que pode se reunir na noite de segunda-feira, na quarta ou quinta (temos vários supervisores e seus horários variam). Assim, como pode ver, isso toma a ponte aérea pouco prática. Os grupos de supervisão e as avaliações orais anuais (feitas também no esquema de pequenos grupos) são, de várias maneiras, a parte mais impor­ tante do curso, uma vez que os seminários são teóricos e os grupos de estudo se concentram em colocar em prática a teoria. Howard: Você recebe o certificado de conclusão depois de assistir

a todos os seminários e grupos de supervisão exigidos. Se quiser receber o diploma da escola, precisa escrever uma tese, geral­ mente de 40 a 80 páginas. Por falar nisso, não temos curso por correspondência. Audiência: Como o tempo está acabando, gostaria de agradecer

a ambos pelo curso; eu aproveitei muito.

Conclusão / 351

Howard: Muito obrigado. Também aproveitei. Liz: Eu também. Gostaria de agradecer a todos pelo entusiasmo

e interesse demonstrados no decorrer da semana. Howard: Liz e eu também gostaríamos de agradecer aos

organizadores deste seminário. Antes de mais nada, a Geeta, que tomou conta da gravação e que foi uma motorista muito divertida. Depois, Vroni, secretária da Astrodienst, sem a qual todo o edifício teria desmoronado. Naturalmente, nosso princi­ pal homem aqui, Alois Treindl, fundador e cabeça da Astrodienst, que deu duro para organizar tão bem tudo isto.

O C en tro

de

A strologia P sico ló g ica

O Centro de Astrologia Psicológica oferece um excelente programa de workshops e de treinamento profissional, desti­ nado a incrementar a contribuição recíproca entre os campos da astrologia e da psicologia profunda, humanística e trans­ pessoal. O programa tem dois aspectos. Um deles é uma série de seminários e aulas, que vão desde cursos de introdução à astrologia até seminários de interpretação avançada do mapa. Os seminários incluídos neste volume representam estes últimos, embora um dado seminário nunca seja apresentado exatamente da mesma maneira, já que o conteúdo varia conforme a natureza dos componentes do grupo e de novas pesquisas e desenvolvimentos que acontecem constante­ mente no campo da astrologia psicológica. Todos esses seminários e cursos, para principiantes ou avançados, estão abertos ao público. O segundo aspecto do programa é um treinamento estruturado e profundo com três anos de dura­ ção, com direito a um Diploma em Astrologia Psicológica para aqueles que concluírem o curso satisfatoriamente. As principais metas e objetivos desse treinamento profissional de três anos são: - Dotar os alunos de uma base sólida e ampla de conheci­ mentos no âmbito do simbolismo astrológico tradicional e de suas técnicas, bem como na área da psicologia, de modo que o mapa astrológico possa ser entendido com sensibilidade e interpretado à luz do moderno pensamen­ to psicológico. - Oferecer aos alunos psicologicamente qualificados a su­ pervisão de casos, bem como o treinamento em técnicas de aconselhamento que elevam o nível e a eficiência da consulta astrológica.

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- Incentivar a investigação e apesquisa dos vínculos existentes entre a astrologia, os modelos psicológicos e as técnicas terapêuticas, contribuindo assim para o avanço do atual corpo de conhecimentos astrológicos e psicológicos. O programa de treinamento profissional profundo não pode ser oferecido pelo correio, uma vez que o trabalho de supervisão de casos é parte integrante do curso. Normalmente, são necessá­ rios três anos para completá-lo, embora esse período possa ser ampliado, caso necessário. O treinamento inclui aproximada­ mente cinquenta seminários (de um dia ou aulas noturnas semanais), bem como cinquenta horas de participação em gru­ pos de supervisão de casos. As aulas e os seminários se dividem em duas categorias básicas: simbolismo e técnicas astrológicas (história da astrologia, análise psicológica dos signos, planetas, casas, aspectos, trânsitos, progressões, sinastria, etc.), e teoria psicológica (história da psicologia, mapas e patologia psicológi­ cos, simbolismo mitológico e arquetípico, etc.). Os grupos de supervisão de casos se reúnem em noites da semana e são constituídos por não mais do que doze pessoas cada. Todos os supervisores são psicoterapeutas e astrólogos treinados. Cada aluno tem a oportunidade de apresentar, a título de discussão, algum material extraído dos mapas que esteja estudando. Ao cabo do terceiro ano, exige-se um relatório de 15 mil a 20 mil palavras. Ele pode versar sobre qualquer assunto - material de casos, pesquisa, etc. - sob o domínio da astrologia psicológica. Muitos desses relatórios podem ter qualidade digna de publica­ ção e o Centro facilitará a divulgação desse material na área astrológica. O término dos requisitos de seminário e de supervisão dá ao estudante um certificado de conclusão. A aceitação da tese dá a ele o Diploma em Astrologia Psicológica do Centro e o direito ao uso das letras D. Psych. Astrol. (Doutor em Astrologia Psicológi­ ca). O formando bem-sucedido será capaz de aplicar as técnicas e princípios aprendidos no curso a suas atividades profissionais, seja como consultor astrológico ou no auxílio a outras formas de aconselhamento psicológico. As perspectivas de carreira são boas, pois há uma demanda cada vez maior pelos serviços de astrólogos competentes e de terapeutas com orientação astroló-

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gica. A fim de completar o treinamento profissional, o Centro pede que todos os alunos se submetam a alguma forma reconhe­ cida de psicoterapia com o terapeuta, analista ou conselheiro de sua preferência por um ano, no mínimo. O motivo desta exigên­ cia é acreditarmos que nenhumconselheiro responsável, qualquer que seja a sua orientação pessoal, pode querer lidar com a psique de outras pessoas de maneira sensível e sábia sem ter passado pessoalmente pela experiência. Os seminários apresentados neste livro são apenas seis dos cinquenta zvorkshops oferecidos pelo Centro. Os volumes anteri­ ores da Série de Seminários sobre Astrologia Psicológica são O Desenvolvimento da Personalidade (Vol. 1) e A Dinâmica do Incons­ ciente (Vol. 2), ambos da Editora Pensamento. O Volume 3 desta série, Os Luminares, da Editora Roca, focaliza a mitologia e a psicologia do Sol e da Lua. O Volume 5, Through the Looking Glass (Através do Espelho), editado por Howard Sasportas, foi trans­ crito a partir de palestras de Richard Idemon em uma conferência que ele apresentou com Liz Greene em Vermont, em agosto de 1985. Esses seminários nunca se repetem exatamente do mesmo modo, pois as contribuições e o material de casos varia de grupo para grupo, há sempre novos e constantes desenvolvimentos oferecidos pelo trabalho contínuo de líderes de seminário e de outras pessoas da área. Liz Greene foi uma das fundadoras do Centro juntamente com Howard Sasportas em 1982. Juntos, administraram com êxito o programa durante dez anos. A morte trágica de Howard Sasportas, em maio de 1992, foi um duro golpe para toda a comunidade astrológica mundial. Contudo, graças, em grande parte, ao trabalho e aos esforços de Howard, a estrutura e o propósito do Centro provaram seu valor nesta década. A escola vai continuar a oferecer sua contribuição única à astrologia moderna, agora sob a direção de Liz Greene, analista junguiana, e de Charles Harvey, astrólogo e consultor em período integral que tem dado aulas na Faculdade de Estudos Astrológicos desde 1967 e que, desde 1973, é Presidente da Associação Astrológica da Grã-Bretanha. Se o leitor estiver interessado em conhecer melhor os seminá­ rios públicos ou o treinamento profissional oferecido pelo Centro, queira por favor escrever para:

Astrologia /Psicologia

Os Planetas Interiores Os planetas interiores - Mercúrio, Vênus, Marte - são as bases daquilo que a psicologia chama de ego, o senso de identidade pessoal. Neste quarto volume dos Sem inários sobre Astrologia Psicológica, Liz Greene e Howard Sasportas discutem o valor dos planetas interiores como símbolos de importantes aspectos da personalidade. Não estamos preparados para dar valor a nossas necessidades, emoções e qualidades pessoais. Na verdade, em virtude de sua natureza intensam ente pessoal, são fatores reprimidos ou menosprezados, considerados irrelevantes para a sociedade. De modo análogo, os planetas interiores têm recebido menos atenção dos astrólogos-psicólogos - pois são os planetas pessoais. Os autores nos mostram que para oferecer o melhor daquilo que temos em nossos contatos com o resto do mundo, precisam os antes compreender nossas próprias necessidades e ter um ego saudável - uma autenticidade pessoal. Seu livro nos ensina o processo de compreensão daquilo que esses três planetas representam de fato, nossa individualidade, e de como revestem diretamente a energia do resto do mapa. Greene e Sasportas misturam os processos da astrologia e da psicologia de m aneira única e importante neste estudo profundo sobre os arquétipos representados pelos planetas interiores. Liz Greene e Howard Sasportas são co-fundadores do C én terfo r Psychological Astrology. Howard Sasportas morreu em maio de 1992 e sua morte representou uma grande perda para o campo da psicologia hum anística, da psicossíntese e da astrologia. Greene continua como co-diretora do Centro, ju n tam en te com Charles Harvey. Ela é analistajunguiana e autora de Saturno: Os astros e o amor, Os planetas exteriores e se u s ciclos ; O m estre cie marionetes; Relacionam entos e a astrologia d c ^ k jsU n o ^ ^ ^ c oautora dos outros livros desta série.

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