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ORDEM DOS ENGENHEIROS Região Norte
MANUAL DE ÉTICA E DEONTOLOGIA PARA ENGENHEIROS por
ANTÓNIO BARRETO ARCHER Engenheiro e Advogado
5ª edição 2013
Ordem dos Engenheiros – Região Norte
Manual de Ética e Deontologia para Engenheiros
ÍNDICE
1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................................... 1
2. BREVE ABORDAGEM DE CONCEITOS FILOSÓFICOS .............................................................................. 3 2.1. ÉTICA, MORAL E DIREITO ..................................................................................................................................... 3 2.2. DEONTOLOGIA PROFISSIONAL: NOÇÃO E IMPORTÂNCIA ....................................................................................... 11
3. A DEONTOLOGIA PROFISSIONAL DOS ENGENHEIROS ........................................................................ 13 3.1. O INTERESSE PÚBLICO SUBJACENTE AO EXERCÍCIO DA ENGENHARIA .................................................................... 13 3.2. AS ATRIBUIÇÕES DA ORDEM DOS ENGENHEIROS ................................................................................................. 14 3.3. O TÍTULO PROFISSIONAL DE ENGENHEIRO .......................................................................................................... 15 3.4. A ÉTICA E DEONTOLOGIA NO ESTATUTO DA ORDEM DOS ENGENHEIROS ............................................................... 17
4. O CÓDIGO DEONTOLÓGICO DOS ENGENHEIROS.................................................................................. 18 4.1. A INCLUSÃO DE UM CÓDIGO DEONTOLÓGICO NO ESTATUTO DA ORDEM DOS ENGENHEIROS ................................ 18 4.2. DEVERES PARA COM A ORDEM ........................................................................................................................... 20 4.3. DEVERES PARA COM A COMUNIDADE .................................................................................................................. 21 4.4. DEVERES PARA COM O CLIENTE .......................................................................................................................... 21 4.5. DEVERES NO EXERCÍCIO DA PROFISSÃO .............................................................................................................. 27 4.6. DEVERES RECÍPROCOS DOS ENGENHEIROS ......................................................................................................... 31
5. OS ENGENHEIROS NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA ....................................................................... 34 5.1. A SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA........................................................................................................................ 34 5.2. A NECESSIDADE ÉTICA ....................................................................................................................................... 35 5.3. O PAPEL DA ENGENHARIA E DOS ENGENHEIROS .................................................................................................. 35 5.4. OS ENGENHEIROS E AS CIÊNCIAS HUMANAS ......................................................................................................... 37 5.5. A REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO DE ENGENHEIRO......................................................................................... 38
6. A ÉTICA PROFISSIONAL DO ENGENHEIRO EM CONTEXTO ORGANIZACIONAL ........................ 39 6.1. LIDERANÇA ÉTICA .............................................................................................................................................. 39 6.2. RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL ........................................................................................................................ 41 6.3. WHISTLEBLOWING ............................................................................................................................................. 43
7. BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................................................... 46
António Barreto Archer
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Manual de Ética e Deontologia para Engenheiros
1. INTRODUÇÃO Desde 2002 que a Ordem dos Engenheiros tem realizado, nas suas três regiões, Cursos de Ética e Deontologia cuja frequência com aproveitamento é requisito obrigatório para os engenheiros estagiários serem admitidos como membros efetivos da Ordem. O presente texto, que se designa como Manual de Ética e Deontologia para Engenheiros, corresponde a uma edição revista e aumentada do anterior texto de apoio utilizado pelos engenheiros que têm frequentado os Cursos na Região Norte da Ordem dos Engenheiros. A revisão que agora foi operada no texto da quarta edição destinou-se a adaptar o programa do curso aos novos moldes em que este se irá realizar a partir de Janeiro de 2013, com uma carga horária total de 16 horas e um teste de avaliação no final. O presente manual refere-se amiúde às normas do Estatuto da Ordem dos Engenheiros, analisando-as e desenvolvendo-as, pelo que a sua leitura deverá ser acompanhada pela consulta do diploma legal que aprovou aquele Estatuto, na sua atual versão: o Decreto-Lei nº 119/92, de 30 de Junho.
Logo após a presente nota introdutória, o texto inicia-se com uma breve abordagem dos conceitos filosóficos de ética, moral e direito, pondo em evidência a sua evolução histórica e procurando relacioná-los entre si. Introduz-se, então, a noção de deontologia profissional, destacando a sua importância na sociedade numa perspetiva ética de responsabilidade, tomando o caso específico dos engenheiros.
Passa-se depois a um estudo mais concreto e normativo da deontologia profissional dos engenheiros, enfatizando o papel da Ordem dos Engenheiros na atribuição exclusiva do título profissional de engenheiro e na definição e controlo da aplicação das regras deontológicas, visto que é a necessidade de defender o interesse público associado ao exercício da engenharia que justifica a existência da Ordem dos Engenheiros. Refere-se, por isso, a sua génese histórica, natureza jurídica e finalidade, comuns às restantes ordens profissionais, enunciando-se ainda as suas atribuições enquanto pessoa coletiva pública de base associativa que é representativa dos licenciados em engenharia que exercem a profissão de engenheiro.
O quarto capítulo é dedicado ao estudo do código deontológico incluído no Estatuto da Ordem dos Engenheiros. Abordam-se sucessivamente os deveres para com a Ordem, os deveres para António Barreto Archer
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com a comunidade, os deveres para com o cliente, os deveres no exercício da profissão e os deveres recíprocos dos engenheiros. Apesar do texto incluir apenas uma enunciação sintética destes deveres, procurou-se pontuá-lo com a inclusão de um ou outro exemplo concreto de aplicação.
O quinto capítulo diz respeito ao papel dos engenheiros na sociedade contemporânea, abordando esta numa perspetiva sistémica e destacando a importância dos aspetos éticos num contexto de crise social e num ambiente de grande complexidade e pouca previsibilidade.
O capítulo seguinte aborda a problemática da ética profissional do engenheiro quando inserido em ambiente organizacional, incluindo temas candentes da literatura americana sobre ética empresarial como a liderança ética, a responsabilidade individual e o whistleblowing.
Finalmente, inclui-se uma pequena bibliografia sobre o assunto, abrangendo apenas as obras que foram diretamente consultadas para a elaboração do presente texto. Indicam-se ainda o endereço de correio eletrónico e o website do autor, para a receção de comentários ou o esclarecimento de eventuais dúvidas.
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2. BREVE ABORDAGEM DE CONCEITOS FILOSÓFICOS
2.1. Ética, Moral e Direito
Só um ser inteligente e livre é capaz de ver a realidade como terra fértil de possibilidades. No ramo da árvore não está escrita a flecha. Na uva não pressentimos o vinho. Na azeitona não vemos o azeite. A água e o vento não nos lembram a energia elétrica. Mas o homem é capaz de inventar essas e outras possibilidades, aparentemente inverosímeis. A liberdade inteligente converte-se assim num catalisador da realidade, e o mundo multiplica-se em mil mundos. É isto o progresso.
Mas se as possibilidades que escolhermos forem negativas? A história ensina-nos que, com frequência, o homem escolhe mal. Inventamos a música de câmara, mas também a câmara de gás. Descobrimos os raios X, mas também a bomba atómica. Por isso precisamos de uma bússola que nos oriente no oceano agitado da vida. É isso a ética. Enquanto disciplina filosófica, com origem na Grécia antiga, é bem possível que seja a mais alta criação da inteligência humana, pois salva-nos da selva e permite-nos construir um mundo habitável.
A palavra ética vem do étimo grego ethos e significa ação humana, carácter, conduta. A ética é, pois, a arte de construirmos a nossa própria vida. Mas como não vivemos isolados, somos “animais sociais”, conforme nos classificou Aristóteles, é com as nossas ações éticas que construímos a sociedade e com a nossa falta de ética que a destruímos. Por isso, nos encontramos, porventura, perante o mais útil dos conhecimentos humanos: aquele que nos permite viver como seres humanos, evitando a selva ou o caos.
A ética, por definição, busca o bem. E o bem atinge-se quando se conhece e respeita o valor fundamental da verdade. O que faz bom o diagnóstico de um médico? O que faz boa a sentença de um juiz? A resposta é só uma: a verdade. Por conseguinte, fazer as coisas bem é fazê-las conforme a verdade. Mas como o conhecimento da verdade não é fácil nem imediato, temos de nos perguntar o que faz as ações realmente boas? As respostas são múltiplas. Os Gregos antigos diziam que o bem era o prazer, ou seja, a ausência de dor física ou de perturbação anímica. Mas também eles reconheciam que as coisas não eram assim tão simples. Muitas condutas profundamente boas não estão livres de dores e desassossegos. Pensemos no esforço do aluno para ter uma boa nota num exame, na paciente tarefa de educar os filhos ou no trabalho, tantas António Barreto Archer
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vezes árduo, com que se ganha a vida. O bem pode definir-se como o que convém a uma coisa, o que a torna perfeita ou completa, independentemente do prazer ou da dor que pode provocar. Como é lógico, nem tudo o que aperfeiçoa uma pessoa é adequado para aperfeiçoar outra. O exercício físico pode fazer muito bem a uma pessoa sã e muito mal a uma pessoa doente. Mas isto não significa que o bem seja subjetivo. Há valores éticos objetivos, como a paz ou a justiça, que são valiosos para todos, ainda que um louco os possa negar.
Aceitamos a teoria da universalidade de certos bens e por isso rejeitamos o relativismo. A realidade é uma extensa teia de relações e acontecimentos, objetos e pessoas, que se relacionam no espaço e no tempo. Neste sentido, é correto afirmar que tudo é relativo, porque dependente de uma cadeia perpétua de causas e efeitos. Mas “relativo” e “relativismo” são conceitos totalmente distintos. O relativo também é objetivo, pois materializa-se nas concretas relações dialéticas existentes entre as coisas, enquanto o relativismo, pelo contrário, tende a confundir a realidade com o desejo. Dizia D. Quixote de La Mancha: “Isso que a ti te parece uma bacia de barbeiro, a mim parece-me o elmo de Mambrino!” A conduta ética apela ao melhor, em liberdade e no respeito pelas diferentes formas de comportamento, mas o relativismo é perigoso, porque pretende a negação de qualquer supremacia real entre motivações. Abre assim a porta ao “vale tudo”. Entendido como conceção subjetivista do bem, o relativismo torna impossível a ética.
Se a ética aspira a ser critério para distinguir entre o bem e o mal, então deve ser objetiva. A ética pode ser relativa no acidental, mas não no essencial. Da natureza de um recém-nascido derivamos a obrigação que têm os seus pais de o alimentar e vestir. Eles são livres de escolher entre diferentes alimentos e roupas, mas a obrigação é intocável. Chegamos então à lei natural como critério ético. Que não é uma invenção da cultura humana. É uma descoberta que cada homem realiza dentro de si, de que há comportamentos naturalmente bons. Da mesma maneira que a inteligência entende a importância de respirar para viver, é capaz de descobrir que há comportamentos naturalmente bons. Qualquer pessoa concordará que respeitar os outros, dizer a verdade e cumprir as promessas que se fazem são comportamentos desejáveis e bons, enquanto o ódio, a traição e a falsidade são condutas más e indesejáveis. A evidência não carece de demonstração. E é com base nesta evidência que a razão emite os seus juízos sobre os diferentes atos humanos, dizendo às nossas consciências que se deve fazer isto e evitar aquilo. Estes juízos são anteriores à ação e não se confundem com as nossas preferências. Pode argumentar-se que esta inclinação moral da natureza humana não é mais do que o instinto António Barreto Archer
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gregário orientado para a sobrevivência, mas a esta objeção também se pode responder que, se o desejo de ajudar o próximo é um exemplo do instinto gregário, esse desejo é diferente da convicção de que é nosso dever ajudar, porque esta convicção existirá, mesmo quando não desejarmos ajudar. Já o dissemos, o relativismo constitui a grande objeção à validade universal de certos valores éticos. O argumento relativista por excelência é a discrepância que as diferentes culturas humanas mostram em questões fundamentais da moral. Sabemos que nalgumas mundividências culturais se admite o casamento poligâmico, a existência de castas sociais ou a redução do papel da mulher na sociedade a uma posição de subalternidade. Também a nossa civilização ocidental, de matriz greco-judaico-cristã, aceitou durante longos períodos históricos a subalternidade social da mulher ou a existência da escravatura. Esta objeção ignora, porém, que a discussão sobre a validade geral do bem se iniciou precisamente quando os gregos do século V antes de Cristo começaram a julgar admiráveis ou censuráveis os costumes dos povos vizinhos e os seus filósofos procuraram encontrar uma norma para “medir” os diferentes comportamentos humanos. A esta norma ou regra chamaram fisis, que significa natureza. Segundo este critério do natural chegaram, por exemplo, à conclusão que o costume das raparigas citas (antigo povo iraniano de pastores nómadas equestres) de cortar um seio para disparar melhor com o arco era pior do que o seu contrário. Robert Spaemann é um filósofo alemão conhecido internacionalmente pelo seu trabalho nos domínios da ética cristã, da ecologia e dos direitos humanos, cujas opiniões são muito consideradas pelo Papa Bento XVI. Durante uma entrevista num programa de rádio na Alemanha, Spaemann explicou o modo de superar o relativismo por apelo ao critério do natural recorrendo a um exemplo simples de colisão dos direitos dos fumadores e dos não fumadores numa mesma casa: se o conflito se resolver a favor dos não fumadores, isso não ocorrerá porque estes sejam melhores pessoas do que os fumadores, mas sim porque a preservação da saúde prevalece sobre o prazer de fumar. O fumador que se submete a este juízo ético, ainda que ele lhe desagrade, fá-lo porque compreende que é, de facto, o melhor. Ser capaz de ter uma atitude ética é, por conseguinte, estar disposto a reconhecer e respeitar valores que se opõem aos nossos próprios gostos ou interesses. Este exemplo mostra-nos que a ética é o respeito pela verdade, ou seja, por uma leitura correta da realidade. De uma realidade que se nos apresenta organizada e regulada em função de necessidades sociais óbvias como as normas de trânsito, os hospitais, as universidades, as prisões, a proteção do ambiente, etc. António Barreto Archer
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Vemos, deste modo, que a condição humana é fonte de obrigações naturais de caráter moral. Logo que os antigos pensadores gregos e romanos começaram a estudar a natureza humana descobriram nela uma lei moral. E porque todos os homens têm uma natureza comum, que é independente da terra que pisam ou do céu que veem, essa lei moral rege-nos a todos. O caráter universal e objetivo desta lei natural não pode considerar-se prejudicado por acontecimentos históricos lamentáveis (como a escravatura), tal como um erro numa operação matemática não põe em causa o valor da matemática enquanto ciência exata.
Na antiguidade clássica, o filósofo grego Platão classificava o homem como um animal político, uma vez que este, apenas se inserido num Estado, enquanto comunidade organizada e dotada de poder político, e em plena convivência com os seus semelhantes, pode atingir o seu desenvolvimento completo.
Também o grande filósofo do cristianismo medieval, S. Tomás de Aquino, afirmava que a civitas, também chamada communitas civitatis ou respublica, é uma realidade tão natural como a família e as outras formas intermédias de convivência humana, derivadas dum instinto fundamental do homem: o instinto social. O homem é um “naturaliter sociale animal”. E sendo este o seu primeiro fundamento naturalístico, está aí também o seu fundamento ontológicometafísico, na medida em que, para aquele Santo e Doutor da Igreja, a lex aeterna, que assim dispôs as coisas, é, ao mesmo tempo, expressão da inteligência e da vontade de Deus.
A necessidade de normas de conduta que assegurem a durabilidade de um projeto de vida comum entre os homens decorre, portanto, desta vocação humana primária e essencial que é a sociabilidade. Mesmo Aristóteles, que considerava que o fim do homem, implícito na sua atividade essencial, era a procura da felicidade e da sua autorrealização através do pensamento e de uma vida intelectual sempre em busca da sabedoria, visto ser aí que reside a sua essência especificamente humana, apontava a justiça, enquanto referencial supremo de todas as regras de conduta humana, sejam elas éticas ou jurídicas, como a mais intelectual das virtudes do homem.
A distinção entre ética e moral não é pacífica, uma vez que os dois termos se referem ao mesmo conteúdo genérico: as regras de conduta dos homens numa sociedade. A palavra “ética” tem uma etimologia grega, enquanto a palavra “moral” tem origem no termo latino mos moris. Mesmo entre aqueles que propõem uma distinção, não existe acordo em relação aos critérios desta, o que António Barreto Archer
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obriga a que toda a reflexão ética e moral tenha de especificar o sentido conferido a estes termos, numa definição prévia que, em filosofia, nunca é neutra, uma vez que implica a assunção como válidos de determinados pressupostos.
No presente texto, que não tem aspirações doutrinárias e cujo objetivo é essencialmente prático, a resposta que propomos para esta distinção terminológica e filosófica, consiste em relacionar a ética com a dimensão interior que impulsiona os comportamentos exteriorizados pelos homens e a moral com a manifestação concreta desses comportamentos numa série de atos humanos que, no seu todo, constituem um padrão habitual numa determinada sociedade. Prolongando estas linhas de sentido, podemos definir a ética como a fundamentação do agir e a moral como a hierarquização e aplicação aos casos concretos dos valores éticos interiorizados, vazando-os em regras de conduta moral. A moral de que falamos aqui é a moral positiva, a que se dá muitas vezes o nome de moral dos costumes. É o conjunto de preceitos, conceções e regras, obrigatórias para a consciência, pelas quais se rege, antes e para além do direito, a conduta dos homens numa sociedade. Trata-se da moralidade reinante ou vigente e não de uma verdadeira ética dos valores absolutos, que seja parte duma axiologia filosófica.
A propósito das noções de ética e de moral, poderá ser interessante analisar o seguinte texto de Fernando Savater, em “As Perguntas da Vida”: “Habitar o mundo é atuar no mundo. [...] Nós, humanos, não respondemos apenas ao mundo que habitamos mas vamo-lo também inventando e transformando de uma maneira não prevista por qualquer pauta genética. A nossa espécie não está fechada pelo determinismo biológico, mas permanece aberta e criando-se sem cessar a si própria, como referiu Pico della Mirandola”.
Este texto põe em evidência dois aspetos da natureza humana que influenciam fortemente as conceções éticas dominantes em cada momento histórico. O primeiro é a vocação de ação, que é característica do modus vivendi humano, uma vez que o homem é o único ser vivo capaz de pensar e concretizar as suas ideias num processo cultural. O segundo aspeto tem a ver com o permanente e imprevisível movimento que está associado à ação humana, sobretudo quando a entendemos como processo de criação e inovação. E aí é forçoso admitir que os engenheiros têm sido muitas vezes os motores dessa criação, que se desenvolve no mundo atual a uma velocidade vertiginosa e o influencia constantemente. No plano ético, estes dois aspetos da natureza humana exigem-nos, por um lado, uma ética que seja operativa, prática, orientada para a ação e, por outro António Barreto Archer
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lado, uma ética que, sem perda de rigor ou de exigência, seja passível de evolução. O homem transforma incessantemente o mundo em que vive e com isso vai-se também recriando a si próprio e às suas convicções. A noção de ética da responsabilidade é particularmente útil e operativa, na medida em que se baseia na avaliação, em cada momento de ação humana individual, das implicações que essa ação poderá ter no viver coletivo. Por outro lado, uma perspetiva que parta de uma espécie de mínimo ético e encare a ética como uma caminhada incessante rumo a uma meta ideal onde seja possível o pleno desenvolvimento e expressão das capacidades de realização individual e social do homem, transmite a necessária ideia de evolução e transformação.
Quanto à noção de Direito, pese embora as diferentes aceções em que a palavra pode ser utilizada e a grande controvérsia que sempre marcou a literatura jurídica sobre a possibilidade de uma definição sintética de Direito, pode-se entender o “direito positivo”, isto é, o direito vigente numa determinada sociedade, como o objeto da ciência jurídica, constituído unicamente por pensamentos que se encontram situados para além da consciência individual e da subjetividade de cada um de nós. São património de uma comunidade de homens na forma de valores, normas, critérios de valoração e de preferência de certos interesses sobre outros, que se encontram, por assim dizer, coagulados nas leis e nos costumes.
O direito positivo é a ideia de direito projetada na região da realidade não sensível a que damos o nome de espírito objetivo. São os valores jurídicos feitos “carne”, isto é, de simples ideias, tornam-se numa realidade histórica concreta, enchendo-se de conteúdos e transformando-se em cultura. O direito positivo é, por conseguinte, ao lado de muitos outros, um dos ramos ou manifestações dessa cultura e espírito objetivo. Nesse sentido é lícito dizer que a positividade é tanto da essência do direito como da religião, da arte e de todos os outros seres e objetos culturais. A sua ontologia é complexa. Não é fácil definir num juízo rigoroso o que é a positividade de um qualquer objeto cultural sem correspondência física. Isto poderá ser tentado através das categorias ou determinações ônticas mais gerais que esse objeto apresenta a uma análise descritiva, de tipo experimental. Se fixarmos por um momento a nossa atenção sobre o objeto “direito positivo”, logo aí se nos revelam as seguintes: temporalidade, historicidade, imperatividade normativa, validade, vigência e coercibilidade.
Tradicionalmente, as principais fontes do direito positivo foram sempre consideradas como sendo três: o costume, a lei e a jurisprudência. Talvez por isso se fale, também em relação às António Barreto Archer
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diferentes dimensões do jurídico, na chamada “teoria tridimensional do direito”. Pretende-se afirmar que o direito, na experiência que temos dele, se apresenta à nossa observação sob três diferentes formas: ora como facto, ora como norma, ora como valor. A primeira forma consistiria em certa conduta ou comportamento dos homens na vida social, nas suas relações entre si. A segunda forma significaria o pensamento de certo dever ser, definido e formulado pelo legislador numa norma ou conjunto de normas jurídicas. A terceira forma nada mais seria do que a aplicação prática e concreta dos numerosos critérios de valoração extraídos da lei ou do espírito objetivo de uma cultura à própria conduta ou costumes dos homens com vista à realização, entre eles, de uma ideia de justiça.
Do ponto de vista da relação entre o direito e a moral, não há dúvida que existe um núcleo forte de convergência entre as normas morais e as normas jurídicas, motivado pela necessidade de dotar determinadas normas morais de mecanismos de coação social e até judicial, capazes de assegurar a organização e a conservação da sociedade através da regulação efetiva das relações entre os homens com base num certo conceito de bem comum. Na verdade, qualquer destas ordens normativas tem de ser orientada por valores que lhe deem coerência, pelo que o carácter ontológico e sistemático não é privativo da ética. Não foi por acaso que o legislador teve o cuidado de estabelecer que a interpretação de uma norma jurídica não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (artigo 9º, nº1, do Código Civil) e que na integração de lacunas legislativas, faltando caso análogo a que se possa recorrer, as situações concretas sejam resolvidas segundo a norma que o intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema (artigo 10º, nº3, do Código Civil).
Acontece, porém, que há valores que não são do campo estrito da moral e, apesar disso, enformam o ordenamento jurídico. Estes valores podem traduzir-se em comportamentos amorais, isto é, substancialmente neutros no plano moral, ou mesmo em situações contrárias à moral ou imorais. É o caso dos valores da segurança e da certeza jurídicas, com base nos quais a lei permite ao devedor que tem uma dívida por si reconhecida em documento idóneo invocar a seu favor a prescrição para não pagar o que efetivamente “deve”, dado o decurso de um tempo determinado sem que a dívida seja exigida. O mesmo se passa com o invasor de propriedade alheia, que pode socorrer-se, em seu benefício, da usucapião, pelo facto de ter exercido sobre a propriedade em causa uma posse com determinadas características, por um António Barreto Archer
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prazo mínimo estabelecido na lei. Também o criminoso pode usufruir de amnistia, apesar do desejo da vítima do crime em que tenha efetivamente lugar uma justa reparação social. Por último, refira-se o caso em que, por força de normas processuais destinadas a disciplinar e organizar a resolução dos litígios nos tribunais com base no mesmo valor da segurança jurídica, o interessado vem a sofrer as consequências nefastas de não praticar o ato útil em determinado prazo, como seja o da contestação de uma ação cível.
A verdade é que, sendo ambas as ordens normativas, moral e jurídica, norteadas por valores, estes definem-se relacionalmente, isto é, tendo em conta o homem relacionado e não o homem isolado. Não é, contudo, a existência desses interesses conflituais que distingue a ordem jurídica da ordem ética. O que difere é a tutela do interesse ou do bem a prevalecer: enquanto no direito essa tutela leva à resolução do conflito, se necessário, por meios coativos, na moral ela confinase à censurabilidade da consciência individual e, eventualmente, do conceito que os outros fazem do ato ou do agente. Não é pois de estranhar que, tanto a moral como o direito sejam mutáveis, uma vez que as respetivas normas se encontram muito ligadas a determinada cultura ou civilização.
Podemos, por conseguinte, afirmar que existe efetivamente uma profunda interligação entre direito e moral. E esta conclusão é tanto mais evidente quanto mais se desenvolve a consciência social do homem, que encontra o seu valor cimeiro nos hoje chamados direitos fundamentais, pela sua essência ligados à natureza intrínseca e integral do homem e por isso designados historicamente como “Direitos do Homem” ou “Direitos Humanos”. O ordenamento jurídico recebe então, com muito mais significado e transcendência, aquele valor, desde sempre afirmado como comum à ética e ao direito, que é a justiça. Esta, com efeito, só tem porto seguro quando respeita o homem como pessoa, não o sacrificando definitiva ou utilitariamente em nome de um certo bem comum, dissolvido nos interesses de uma sociedade utópica. Para além das Declarações Universais de Direitos, de inestimável efeito pedagógico junto dos Estados, é possível encontrar nas constituições dos estados hodiernos o tal núcleo duro de valores, que consubstanciam o chamado mínimo ético, no qual os dois ordenamentos normativos convergem. Assim, a constituição acolhe e consagra, de maneira progressiva, harmónica e coerente, os tais direitos fundamentais, conferindo-lhes a dignidade de um diploma que serve de referência jurídico-moral a todo o demais ordenamento jurídico, de modo a provocar a “morte”, por declaração de inconstitucionalidade, das normas menores que ofendam esses valores humanos fundamentais. António Barreto Archer
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2.2. Deontologia Profissional: Noção e Importância
A palavra Deontologia deriva da aglutinação de duas palavras Gregas: deontos, que significa dever ou dever ser e logos, que significa estudo ou ciência. Trata-se, portanto, do estudo ou da ciência dos deveres ou do dever ser, podendo entender-se como oposição a ontologia, que será o estudo ou ciência do ser. Na permanente tensão entre o “ser” e o “dever ser”, a deontologia profissional será pois o conjunto de regras ético-jurídicas pelas quais um membro de uma profissão deve pautar o seu comportamento profissional e cívico. A existência de uma deontologia profissional é absolutamente fundamental nas profissões que requerem confiança pública, como é o caso da engenharia. Esta noção de “confiança pública”, corresponde à crença, que se pretende socialmente generalizada, de que os membros de uma determinada profissão (médicos, engenheiros, advogados) estão capacitados para tomar as decisões técnicas corretas, no seu domínio profissional, sem descurarem os valores fundamentais da coletividade que neles confia. Trata-se de uma característica das chamadas profissões liberais e é essencial para garantir a paz social, a segurança dos cidadãos e um exercício profissional livre e responsável.
Tomando o caso específico dos engenheiros, existe um conjunto de deveres destes para com a comunidade cujo cumprimento é essencial para alcançar a tal confiança pública de que falamos acima. Vivemos numa sociedade de crise, complexa e tendencialmente desagregada, na qual as instituições estatais destinadas à regulação e ao controlo tendem a ser pouco eficazes, se não forem coadjuvadas por mecanismos internos de autorregulação, orientados por valores sociais. Fala-se hoje, por isso, da necessidade de uma ética de responsabilidade, capaz de orientar o comportamento dos cidadãos com especiais responsabilidades profissionais e cívicas. Trata-se de uma ética pessoal ou profissional que se fundamenta em valores coletivos de justiça social e de direito natural, e que parte do princípio de que as ações individuais têm sempre implicações no devir da coletividade social. Impõe-se, por isso, também ao engenheiro, que, no momento individual de decidir o sentido da sua ação, faça uma avaliação cuidadosa das implicações que a sua decisão terá para a comunidade.
Esta ideia de ética de responsabilidade está intimamente associada à noção de função social, inicialmente elaborada a propósito da propriedade na chamada doutrina social da Igreja, que se desenvolveu no século XIX, aquando do confronto do Evangelho com as novas estruturas de produção e as novas formas de trabalho e de propriedade na sociedade industrial moderna. Mas António Barreto Archer
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a doutrina da função social da propriedade encontra a sua inspiração mais remota em S. Tomás de Aquino, para quem “o proprietário é um procurador da comunidade para a gestão de bens destinados a servir todos, embora pertençam a um só”. Pegando, com todo o respeito, nesta frase de S. Tomás de Aquino, podemos formular o seguinte enunciado para traduzir a ideia da função social do engenheiro: o engenheiro é um procurador da comunidade incumbido de aplicar as ciências de engenharia com vista ao bem-estar coletivo, ao progresso e ao bem comum, embora a sua catividade ocorra no interesse primário do seu cliente ou entidade empregadora.
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3. A DEONTOLOGIA PROFISSIONAL DOS ENGENHEIROS 3.1 – O Interesse Público Subjacente ao Exercício da Engenharia
A engenharia é uma das profissões em que, para além dos interesses particulares de quem a exerce e de quem dela beneficia, no âmbito de uma relação contratual que pode assumir diversas roupagens, existe um interesse público a acautelar. Valores fundamentais para a comunidade como a segurança de pessoas e bens, a saúde pública e o ambiente estão na base deste interesse público que está subjacente ao exercício da engenharia.
É precisamente nesse interesse público, que a comunidade social pretende ver assegurado no exercício de determinadas profissões científicas e técnicas de inegável importância, que radica a razão de ser das ordens profissionais. Estas são associações públicas, formadas pelos membros de certas profissões de interesse público com o fim de, por devolução de poderes do Estado, regularem e disciplinarem o exercício da despectiva catividade profissional.
A Ordem dos Engenheiros foi a segunda das ordens profissionais a ser criada, logo a seguir à Ordem dos Advogados, através do Decreto-Lei nº 27228, de 24 de Novembro de 1936. Trata-se, portanto, de uma pessoa coletiva pública de base associativa, criada por lei e pertencente à administração autónoma do Estado. E não se argumente que a sua existência é uma reminiscência do corporativismo, porque, embora a Ordem defenda também interesses coletivos privados, a sua natureza dualista impõe-lhe o prosseguimento prioritário dos interesses públicos que lhe estão atribuídos pelo Estado. Na verdade, a maior parte dos Estados modernos, em obediência a um princípio de autonomia e descentralização administrativa, confia a certas classes de profissionais, particularmente qualificadas, o cumprimento da missão de regular e disciplinar o exercício da sua profissão, reconhecendo-lhes a indispensável capacidade de autogestão e autodisciplina. É o que se passa em Portugal com os engenheiros e daí decorre a obrigatoriedade destes profissionais estarem inscritos na sua Ordem, obrigatoriedade essa que resulta da própria lei, visto que esta confere à Ordem dos Engenheiros o direito de atribuir o despectivo título e veda o seu uso e o exercício da profissão a quem não seja membro da Ordem (artigos 1º e 3º do Estatuto da Ordem dos Engenheiros, aprovado pelo Decreto-Lei nº 119/92, de 30 de Junho).
Para merecer esta honrosa confiança que o Estado deposita na classe dos engenheiros, através da sua associação pública, é fundamental que a Ordem do Engenheiros desempenhe cabalmente a António Barreto Archer
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sua principal missão, que consiste em supervisionar o exercício da engenharia, nas suas várias especialidades, assegurando o cumprimento das legis artis e dos deveres deontológicos da profissão.
Caberá aqui, ainda, uma última referência à origem histórica das ordens profissionais, apenas para mencionar que é o facto destas entidades públicas terem nas ordens monásticas e, sobretudo, nas corporações medievais a sua génese primacial, onde cabia ao primus inter pares o transporte do bastão que segurava o estandarte com o escudo ou símbolo da corporação, que leva a que, tal como acontece em relação às restantes ordens, o Presidente do Conselho Diretivo Nacional da Ordem dos Engenheiros tenha direito a usar o título de Bastonário da Ordem dos Engenheiros. 3.2 – As Atribuições da Ordem dos Engenheiros
A Ordem dos Engenheiros é, por conseguinte, a associação pública representativa dos licenciados em Engenharia que exercem a profissão de engenheiro. É independente dos órgãos do Estado e goza de autonomia administrativa, financeira, científica, disciplinar e regulamentar.
Nos termos do disposto no nº1 do artigo 2° do seu Estatuto, a Ordem dos Engenheiros tem como escopo fundamental contribuir para o progresso da engenharia, estimulando os esforços dos seus associados nos domínios científico, profissional e social, bem como, o cumprimento das regras de ética profissional.
Numa enumeração mais concreta das suas atribuições feita pelo nº2 do mesmo artigo 2º do Estatuto, cabe à Ordem dos Engenheiros: a) Assegurar o cumprimento das regras de ética profissional e o nível de qualificação profissional dos engenheiros; b) Atribuir o título profissional de engenheiro e regulamentar o exercício da despectiva profissão; c) Defender os interesses, direitos e prerrogativas dos seus membros; d) Zelar pela função social, dignidade e prestígio da profissão de engenheiro; e) Fomentar o desenvolvimento do ensino da engenharia; f) Contribuir para a estruturação das carreiras dos engenheiros;
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g) Proteger o título e a profissão de engenheiro, promovendo o procedimento judicial contra quem o use ou a exerça ilegalmente; h) Promover a cooperação e solidariedade entre os seus associados; i) Valorizar a qualificação profissional dos engenheiros pela concessão dos respectivos níveis e títulos de especialista e pela participação ativa na formação de pós-graduação, emitindo os competentes certificados e cédulas profissionais; j) Prestar a colaboração técnica e científica solicitada por quaisquer entidades, públicas ou privadas, quando exista interesse público; I) Desenvolver relações com associações afins, nacionais e estrangeiras, podendo aderir a uniões e federações internacionais; m) Exercer jurisdição disciplinar sobre os engenheiros; n) Exercer as demais funções que resultam da lei e das disposições do Estatuto. 3.3 – O Título Profissional de Engenheiro
Estabelece o artigo 3º do Estatuto da Ordem dos Engenheiros, aprovado pelo Decreto-Lei nº119/92, de 30 de Junho, que a atribuição do título, o seu uso e o exercício da profissão de engenheiro dependem de inscrição como membro efetivo da Ordem.
Na verdade, como é de lei mas nem sempre se verifica de facto, o exercício da profissão de engenheiro depende absolutamente da inscrição como membro efetivo da Ordem dos Engenheiros, o que significa que o exercício da engenharia se encontra legalmente vedado a quem não seja membro da Ordem dos Engenheiros, independentemente das suas qualificações académicas. Esta solução legal é consequência necessária da função que o Estado atribui à Ordem dos Engenheiros, enquanto pessoa coletiva pública por si criada para regular e disciplinar o exercício da profissão de engenheiro, assegurando a defesa do interesse público que está subjacente ao exercício desta profissão de tão grande relevância social. Não faria sentido que o Estado criasse uma associação pública para realizar esta importante tarefa, agrupando nela os engenheiros de modo a que estes fiquem sob a sua alçada regulatória e disciplinar, e, simultaneamente, permitisse que a profissão fosse legalmente exercida por quem não esteja inscrito naquela associação. Seria como tentar apanhar uvas com uma cesta rota.
Nos termos do disposto no artigo 4º do Estatuto, designa-se por engenheiro o titular de licenciatura, ou equivalente legal, em curso de Engenharia, inscrito na Ordem como membro António Barreto Archer
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efetivo, e que se ocupa da aplicação das ciências e técnicas respeitantes aos diferentes ramos de engenharia nas atividades de investigação, conceção, estudo, projeto, fabrico, construção, produção, fiscalização e controlo de qualidade, incluindo a coordenação e gestão dessas atividades e outras com elas relacionadas.
Sendo demasiado abrangente e genérica a definição de engenheiro constante do artigo 4º do Estatuto, parece-nos evidente que falta no nosso ordenamento jurídico uma norma que venha definir, para cada especialidade de engenharia, o núcleo de catos que se consideram próprios e exclusivos dos engenheiros. Tal regulamentação torna-se hoje ainda mais importante em face da implementação do sistema de graus académicos de Bolonha nas nossas Universidades e Institutos Politécnicos.
Subscrita em Junho de 1999 pelos ministros responsáveis pelo ensino superior de 29 países europeus, a Declaração de Bolonha teve como objetivo central a construção de um Espaço Europeu de Ensino Superior, capaz de assegurar os objetivos da mobilidade e da empregabilidade dos diplomados superiores e de competitividade real entre os sistemas europeus de ensino superior. Esta declaração define objetivos de harmonização dos graus académicos conferidos nos sistemas europeus de ensino superior, propondo uma estruturação em dois ciclos, de graduação e pós-graduação, sendo que o acesso ao 2° ciclo pressupõe a conclusão de um primeiro ciclo com uma duração mínima de três anos. Portugal foi um dos países subscritores da Declaração de Bolonha e na recente reforma do ensino superior adaptou o sistema de graus académicos em conformidade, abolindo o bacharelato e apelidando o 1º ciclo, com um número de ECTS’s mínimo de 180 (equivalente a três anos de ensino superior), de licenciatura; e o 2º ciclo, com um número de ECTS’s mínimo de 300 (equivalente a cinco anos de ensino superior), de mestrado.
Neste contexto, torna-se necessário proceder a uma revisão do Estatuto da Ordem dos Engenheiros, adaptando-o à nova realidade e aproveitando para o aperfeiçoar, reforçando o papel da Ordem dos Engenheiros na qualificação profissional, o que me parece inevitável em face da redução de duração das licenciaturas em engenharia para três anos.
Na opinião do autor deste texto, deverá aproveitar-se a ocasião para agrupar todos os profissionais de engenharia na mesma associação pública profissional, assegurando a vigência efetiva do princípio legal de proibição do exercício da profissão a quem não possua a necessária António Barreto Archer
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habilitação profissional, subsequente à habilitação académica e que, como vimos acima, constitui uma exigência imperiosa do ponto de vista da defesa do interesse público que está subjacente ao exercício da engenharia. O novo Estatuto deverá assegurar as bases para uma regulamentação da profissão de engenheiro também nas especialidades industriais, a definir através de uma lei autónoma que estabeleça um núcleo de atos próprios e exclusivos dos engenheiros, para cada especialidade.
Finalmente, é importante referir que, independentemente do sistema de graus académicos e da sua adaptação à Declaração de Bolonha, já podem inscrever-se na Ordem dos Engenheiros, para efeito do exercício em Portugal da profissão de engenheiro e por força dos Tratados que instituíram a União Europeia, os nacionais de outros Estados Membros quando titulares das habilitações académicas e profissionais requeridas legalmente para o exercício desta profissão no respetivo Estado de origem (artigo 5º do atual Estatuto da Ordem dos Engenheiros). 3.4 – A Ética e Deontologia no Estatuto da Ordem dos Engenheiros
O atual Estatuto da Ordem dos Engenheiros foi, como já referimos, aprovado pelo Decreto-Lei nº 119/92, de 30 de Junho. No seu artigo 1º estipula que a Ordem dos Engenheiros é a associação pública representativa dos licenciados em engenharia que exercem a profissão de engenheiro, e no número 1 do artigo 2º consagra como escopo fundamental da Ordem a contribuição para o progresso da engenharia através do estímulo dos esforços dos seus associados nos domínios científico, profissional e social, bem como o cumprimento das regras da ética profissional.
O papel da Ética e da Deontologia no Estatuto da Ordem dos Engenheiros é, portanto, absolutamente fundamental. A ética profissional está mesmo, como já se viu anteriormente, na base da própria existência da Ordem dos Engenheiros enquanto associação pública. O número 2 do mesmo artigo 2º, que estabelece uma lista das concretas atribuições da Ordem dos Engenheiros, começa mesmo, logo na alínea a), por referir que cabe à Ordem “assegurar o cumprimento das regras da ética profissional e o nível de qualificação profissional dos engenheiros”. É, a nosso ver, significativo, que o legislador coloque na mesma alínea o cumprimento das regras da ética profissional e o nível de qualificação profissional, mostrando que estas duas exigências fundamentais são como as duas faces de uma mesma moeda, de cujo valor real dependerá o grau de confiança pública nos engenheiros.
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4. O CÓDIGO DEONTOLÓGICO DOS ENGENHEIROS 4.1 – A Inclusão de um Código Deontológico no Estatuto da Ordem dos Engenheiros
Correlacionada intimamente com a atribuição estipulada na alínea a) do nº2 do artigo 2º do Estatuto da Ordem dos Engenheiros está a que vem referida na alínea m) do mesmo número e artigo: o exercício da jurisdição disciplinar sobre os engenheiros, ou seja, o direito de punir disciplinarmente os engenheiros que cometerem uma infração disciplinar, infração que o artigo 67º do Estatuto define como “a violação culposa, por qualquer membro da Ordem, dos deveres consignados no Estatuto, no código deontológico ou nos regulamentos”. Não é de estranhar, portanto, que o Estatuto consagre todo o seu Título II, dos três que o constituem, à deontologia profissional. É este Título II do Estatuto da Ordem dos Engenheiros que podemos designar como Código Deontológico do Engenheiro.
Um código deontológico é uma compilação de regras de conduta ética aplicáveis ao exercício de determinada profissão que são aceites pela maioria dos membros dessa profissão como tendo carácter obrigatório. Embora a profissão de engenheiro possa, pela sua própria essência, ser exercida em qualquer país do mundo e em cada país existam distintos códigos deontológicos de engenheiros, estando a ministrar lições de ética e deontologia profissional a alunos da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, estranho seria que não baseássemos o nosso estudo no código deontológico aplicável aos engenheiros portugueses. Ao contrário do que se passa noutros países, designadamente do mundo anglo-saxónico, em Portugal os engenheiros das várias especialidades estão agrupados na mesma associação profissional, a Ordem dos Engenheiros, existindo, por conseguinte, incluído no próprio Estatuto da Ordem, um só código deontológico, cujas regras de conduta ética são genericamente aplicáveis a todos os engenheiros portugueses.
O Código Deontológico incluído no Estatuto da Ordem dos Engenheiros contempla, como é natural, direitos e deveres. São o cumprimento escrupuloso dos deveres e o exercício correto dos direitos que farão o bom engenheiro. Entre os direitos, relacionados com a inscrição na Ordem dos Engenheiros, não podemos deixar de referir os seguintes, dada a sua importância: o direito de participar nas atividades da Ordem; o direito de eleger e ser eleito para o desempenho de funções na Ordem; e o direito de utilizar a cédula profissional emitida pela Ordem como
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documento comprovativo da atribuição do título de engenheiro, único que permite o uso da designação e habilita para o exercício da profissão.
Mas é o cumprimento dos deveres deontológicos, estabelecidos no Estatuto da Ordem dos Engenheiros, que assegura o exercício da função social do engenheiro. Esses deveres deontológicos, que desenham o perfil ético-social da profissão, são passíveis de interpretações subjetivas, dependentes das convicções éticas próprias de cada engenheiro e da avaliação que ele fizer das circunstâncias concretas que determinam o seu comportamento. Existe contudo uma espécie de mínimo ético, passível de determinação objetiva, pelo que, o artigo 67º do Estatuto da Ordem dos Engenheiros, aprovado pelo Decreto-Lei nº119/92, de 30 de Junho, classifica como infração disciplinar a violação culposa, por qualquer membro da Ordem, dos deveres consignados no código deontológico.
A aplicação de sanções disciplinares, que podem ir até à suspensão do exercício da atividade profissional por longos períodos, destina-se a punir o incumprimento desse mínimo ético, quando se prove a violação culposa dos deveres deontológicos. Como sempre acontece no Direito sancionatório, terá aqui também que se distinguir entre as duas formas que a culpa pode revestir: o dolo, em que o agente teve intenção de violar a norma, e a negligência, em que o agente, consciente ou inconscientemente, omitiu deveres de cuidado essenciais que levaram, numa sucessão abstratamente provável de acontecimentos, à violação da norma.
Em termos disciplinares, a negligência só será punível na medida em que, pela sua gravidade, se distinga claramente do erro desculpável. Esta distinção terá de ser aferida pela diligência esperada de um profissional médio, visto que, pese embora o estímulo que a Ordem deve dar ao aperfeiçoamento profissional dos seus membros, a nenhum engenheiro poderá ser aplicada uma sanção disciplinar simplesmente pelo facto de não ser um profissional de excelência.
Para mais fácil estudo e sistematização dos deveres deontológicos, estes encontram-se agrupados em cinco classes, definidas em função do sujeito em relação ao qual o dever se manifesta, isto é, o sujeito ativo da relação jurídica que se estabelece entre ele e o engenheiro. Este sujeito ativo da relação jurídica ou da obrigação é aquele que tem o direito correspondente ao dever deontológico que o engenheiro está obrigado a respeitar. Estas cinco classes, que correspondem a outros tantos artigos do Estatuto, são as seguintes: a dos deveres para com a Ordem; a dos deveres para com a
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comunidade; a dos deveres para com a entidade empregadora ou o cliente; a dos deveres respeitantes ao concreto exercício da profissão; e a dos deveres para com os colegas.
4.2. Deveres para com a Ordem
Começando pelos deveres para com a Ordem, que se encontram no artigo 83º do Estatuto e são um verdadeiro pressuposto de aplicação dos restantes deveres, uma vez que só os membros da Ordem dos Engenheiros estão legalmente obrigados ao cumprimento dos deveres consagrados no seu Estatuto, eles incluem: - um dever geral de cumprimento do Estatuto e dos regulamentos emanados pela Ordem; - a participação na prossecução dos objetivos da Ordem; - o desempenho de funções para as quais sejam eleitos ou escolhidos; - a prestação a comissões e grupos de trabalho da colaboração especializada que lhes seja solicitada; - a contribuição para a boa reputação da Ordem e o alargamento do seu âmbito de influência; - a satisfação pontual dos encargos estabelecidos pela Ordem; - e a resposta a inquéritos dos Conselhos Disciplinares, que são os órgãos que, dentro de cada Região, exercem a jurisdição disciplinar em primeira instância.
Relativamente à obrigação de satisfazer pontualmente os encargos estabelecidos pela Ordem, caberá tecer algumas considerações, visto tratar-se de um aspeto que, apesar de menos simpático, é de extrema importância para a Ordem dos Engenheiros, uma vez que a lei, através do nº 2 do artigo 1º do seu Estatuto, lhe confere autonomia financeira, mas a instituição não beneficia de qualquer dotação orçamental própria destinada a garantir a realização dos fins de interesse público que lhe estão atribuídos pelo Estado. Na verdade, o Estado não acompanha a sua devolução de poderes com a transferência de quaisquer meios financeiros provenientes do seu Orçamento, pelo que permite à Ordem dos Engenheiros que esta se financie através de quotas cobradas aos seus membros, não com qualquer intuito lucrativo, mas apenas para poder concretizar as suas atribuições. A quota mensal cobrada aos engenheiros destina-se, portanto, a cobrir os custos de funcionamento da Ordem dos Engenheiros, a sua catividade em prol da engenharia e todos os serviços que ela disponibiliza aos seus associados (publicações, instalações, congressos, etc.).
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4.3. Deveres para com a comunidade
Os deveres do engenheiro para com a comunidade encontram-se previstos no artigo 86º do Estatuto e são os seguintes: 1 – É dever fundamental do engenheiro possuir uma boa preparação, de modo a desempenhar com competência as suas funções e contribuir para o progresso da engenharia e da sua melhor aplicação ao serviço da Humanidade. 2 – O engenheiro deve defender o ambiente e os recursos naturais. 3 – O engenheiro deve garantir a segurança do pessoal executante, dos utentes e do público em geral. 4 – O engenheiro deve opor-se à utilização fraudulenta, ou contrária ao bem comum, do seu trabalho. 5 – O engenheiro deve procurar as melhores soluções técnicas, ponderando a economia e a qualidade da produção ou das obras que projetar, dirigir ou organizar.
É precisamente esta classe de deveres que se encontra mais intimamente ligada ao interesse público subjacente ao exercício da profissão de engenheiro. A importância que tem o cumprimento destes deveres na sociedade atual é muito grande, sobretudo com vista ao alcance de um estado de confiança pública nos engenheiros.
Falamos já, no presente texto, da necessidade de uma ética de responsabilidade, capaz de orientar o comportamento dos cidadãos com especiais responsabilidades profissionais e cívicas. Trata-se de uma ética pessoal, que se fundamenta em valores coletivos de justiça social e parte do princípio que as ações individuais têm sempre implicações coletivas. Esta ética de responsabilidade faz-se sentir com particular acuidade nas áreas da segurança e do ambiente. No domínio da proteção do ambiente, e numa perspetiva de desenvolvimento sustentável, é dever do engenheiro ponderar as consequências para a coletividade social, presente e futura, da produção ou das obras que projetar, dirigir ou organizar. Isto mesmo nos diz o Código Deontológico ao estipular que todos os engenheiros devem defender o ambiente e os recursos naturais, concretizando assim um dos princípios fundamentais do direito do ambiente: o princípio da integração, isto é, a incorporação das preocupações de proteção ambiental em todos os sectores da atividade humana.
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Relativamente aos aspetos relacionados com a segurança, muito associados à especialidade de engenharia civil face à maior visibilidade pública de acidentes ocorridos recentemente em estruturas de construção civil que tiveram, infelizmente, graves consequências humanas e materiais, é dever deontológico do engenheiro, expressamente consagrado no artigo 86º do Estatuto, garanti-la para o pessoal executante, para os utentes e para o público em geral. Tal como o dever de proteger o ambiente e os recurso naturais, este dever enquadra-se também numa perspetiva de integração dos aspetos técnicos de segurança na atividade dos engenheiros das diferentes especialidades. Isto é, não é deontologicamente admissível que um engenheiro descure os problemas de segurança na sua atividade pelo facto de existir na obra, na fábrica ou no serviço onde trabalha um responsável técnico de segurança. A segurança deve ser considerada por todos os engenheiros e em todas as fases da sua intervenção, desde o projeto até ao controlo de qualidade do produto final. Neste contexto, não podem deixar de se referir as preocupações da sociedade em relação ao problema da segurança alimentar, domínio onde muitos engenheiros, sobretudo das especialidades de química e de agronómica, têm importantes responsabilidades.
Questão 1 A empresa têxtil onde o engenheiro químico António trabalha há quinze anos, passou, desde há dois meses a esta parte, a efetuar descargas de reagentes que se encontram no seu armazém e estão fora do prazo de validade para as águas de um ribeiro próximo. O engenheiro António tem conhecimento desta situação através da consulta de documentos da empresa nos quais se encontra aposto o carimbo: CONFIDENCIAL. Se fosse o engenheiro António, que atitude adotaria?
Dentro desta classe de deveres para com a comunidade, encontramos também no Código Deontológico o dever fundamental do engenheiro em possuir uma boa preparação, que lhe permita desempenhar com competência as suas funções, contribuindo, na medida das suas capacidades, para o progresso da engenharia e a sua melhor aplicação ao serviço da Humanidade. Trata-se de uma exigência que apenas será cumprida se o engenheiro procurar preparar-se nas várias áreas do saber que sejam necessárias para atingir os objetivos que lhe são propostos no exercício das suas funções, o que significa, muitas vezes, não se circunscrever ao domínio científico e técnico. Num contexto global e competitivo, onde o conhecimento duplica de quatro em quatro anos, a incorporação de saberes multidisciplinares e a capacidade de mudança organizacional assumem-se como o principal desafio colocado à gestão das empresas. Este novo contexto requer novas abordagens, novas conceções de gestão e novos tipos de António Barreto Archer
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engenheiros, visto que, no futuro, as principais fontes de competição não serão apenas os produtos, os mercados e a tecnologia, mas também o talento e a capacidade de antecipar, aprender e mudar de forma sustentada. Daí que, numa perspetiva de ética dos máximos a exigência expressa nesta norma deontológica de que o engenheiro contribua, na medida das suas capacidades, para o progresso da engenharia e da sua melhor aplicação ao serviço da Humanidade, obriga-o a uma preparação formativa e informativa contínua na área onde exerce funções.
Uma outra norma deontológica que está claramente marcada por uma preocupação ética de responsabilidade social é a que prescreve que o engenheiro se deve opor à utilização fraudulenta, ou contrária ao bem comum, do seu trabalho. Trata-se aqui de recusar a colaboração em projetos ilícitos ou criminosos, mas também de avaliar, em cada caso concreto, as exigências do bem comum. O conceito de bem comum dependerá, evidentemente, da conceção ética inscrita na consciência de cada um, mas o seu preenchimento não pode deixar de ter em conta a existência de um mínimo denominador comum em termos éticos.
Questão 2 Um Engenheiro Químico português é contactado por um emissário do Ministério da Indústria de um país do médio oriente, que lhe propõe um contrato muito bem remunerado para chefiar uma equipa de projeto de uma fábrica petroquímica. O engenheiro aceita a proposta e subscreve o contrato, mas durante a primeira reunião técnica ocorrida, já na sede do Ministério que o contratou, apercebe-se que a fábrica a instalar se destina a produzir, de forma camuflada, armas químicas proibidas internacionalmente. Qual deverá ser a atitude do engenheiro em face desta situação?
A última norma deontológica desta classe de deveres do engenheiro para com a comunidade estipula que o engenheiro deve procurar as melhores soluções técnicas, ponderando a economia e a qualidade da produção ou das obras que projetar, dirigir ou organizar. O que está aqui subjacente é a obrigação do engenheiro pugnar pela aplicação das melhores tecnologias disponíveis, dentro dos condicionalismos económicos e sociais de cada situação concreta em que trabalhar.
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Questão 3 Alfredo é engenheiro químico e foi o autor do projeto de uma fábrica de glicerina de alta pureza. Na fase de separação e purificação da glicerina existem diversas colunas de destilação com enchimento estruturado, cujos condensadores funcionam sob vácuo. Para a manutenção deste vácuo em contínuo, o engenheiro Alfredo escolheu, por razões de contenção de custos, bombas de pistão e membrana, em vez da solução de duplo parafuso helicoidal, que é o padrão tecnológico atual da indústria química nestes processos de separação. Em resultado desta escolha de projeto, a fábrica está sujeita a frequentes paragens de processo, para reparação das bombas de vácuo, que diminuem significativamente a produtividade e aumentam os custos de produção. Aprecie o comportamento deontológico do engenheiro Alfredo, enquanto projetista da fábrica.
4.4. Deveres para com o cliente
No artigo 87º do Estatuto encontramos a terceira classe de deveres deontológicos: os deveres do engenheiro para com a entidade empregadora ou o cliente: 1 – O engenheiro deve contribuir para a realização dos objetivos económico-sociais das organizações em que se integre, promovendo o aumento da produtividade, a melhoria da qualidade dos produtos e das condições de trabalho, com o justo tratamento das pessoas. 2 – O engenheiro deve prestar os seus serviços com diligência e pontualidade, de modo a não prejudicar o cliente nem terceiros, nunca abandonando, sem justificação, os trabalhos que lhe forem confiados ou os cargos que desempenhar. 3 – O engenheiro não deve divulgar nem utilizar segredos profissionais ou informações, em especial as científicas e técnicas obtidas confidencialmente no exercício das suas funções, salvo se, em consciência, considerar poderem estar em sério risco exigências de bem comum. 4 – O engenheiro só deve pagar-se pelos serviços que tenha efetivamente prestado e tendo em atenção o seu justo valor. 5 – O engenheiro deve recusar a sua colaboração em trabalhos cujo pagamento esteja subordinado à confirmação de uma conclusão predeterminada, embora esta circunstância possa influir na fixação da remuneração. 6 – O engenheiro deve recusar compensações de mais de um interessado no seu trabalho quando possa haver conflitos de interesses ou não haja o consentimento de qualquer das partes.
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Tratam-se de deveres para com o cliente em sentido amplo, entendendo-se este de modo diverso consoante os três tipos de situações possíveis de enquadramento da catividade profissional dos engenheiros.
Nos casos em que o engenheiro exerça a sua catividade profissional com base num contrato de trabalho, inserido numa organização empresarial, situação que é hoje a mais frequente, o cliente será a entidade empregadora. Para os engenheiros que exerçam a sua catividade como funcionários públicos, o cliente será o ente público onde trabalham ou, em último caso e daí a diferença com a situação anteriormente descrita, o próprio Estado. Para os engenheiros que exerçam a catividade por conta própria, como profissionais liberais ou através de sociedades que tenham por objeto o exercício da engenharia, ainda que constituídas sob a forma comercial, o cliente será a pessoa, singular ou coletiva, que adquire os serviços de engenharia que são prestados.
Nesta classe de deveres, e correspondendo ao primeiro e segundo tipos de enquadramento acima referidos, inclui-se o dever de contribuir para a realização dos objetivos económico-sociais das organizações em que o engenheiro se integre, promovendo o aumento da produtividade, a melhoria da qualidade dos produtos e das condições de trabalho, salvaguardando o justo tratamento das pessoas. Trata-se de uma obrigação genérica de fidelidade à entidade empregadora, que incentiva o engenheiro a “vestir a camisola” da empresa onde trabalha, absorvendo a despectiva cultura empresarial e de gestão. É interessante notar que esta norma se refere explicitamente ao papel fundamental dos engenheiros na promoção do aumento da produtividade, tão necessário à competitividade da economia portuguesa e que constitui um assunto de grande atualidade política, em cuja discussão se impõe uma participação mais intensa dos engenheiros. Deve, contudo, assinalar-se que é também exigência deontológica não procurar o aumento da produtividade ou a melhoria da qualidade a qualquer custo social e humano. A melhoria das condições de trabalho e o justo tratamento das pessoas são também imperativos éticos que se colocam ao engenheiro que tenha sob a sua direção quaisquer trabalhadores.
Outro dever que se enquadra nesta classe é o da prestação dos serviços com diligência e pontualidade, de modo a não prejudicar o cliente nem terceiros, nunca abandonando sem justificação os trabalhos confiados ou os cargos desempenhados. É claro que, nesta norma, já estão em jogo valores morais de natureza pessoal, relacionados com a seriedade e o esforço que cada um emprega para honrar os seus compromissos. António Barreto Archer
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A obrigação de segredo profissional, cuja discussão tem estado na ordem do dia em relação a outras profissões, aparece também no Código Deontológico do engenheiro, o qual dispõe que este não deve divulgar nem utilizar segredos profissionais ou informações, em especial as científicas e técnicas, desde que estas tenham sido obtidas confidencialmente no exercício das suas funções. A obrigação de segredo cederá apenas se o engenheiro considerar, em consciência, que estão em sério risco exigências do bem comum. Novamente se impõe, aqui, o preenchimento do conceito indeterminado de “bem comum”, no âmbito de um caso concreto cujos contornos apenas o engenheiro obrigado ao sigilo conhecerá, mas que poderá revelar ao Bastonário da sua Ordem ou a outro colega de referência, se achar necessário obter uma ajuda especial, para melhor apreciar a situação
Questão 4 (resolvida) O engenheiro Carlos pertence ao quadro efetivo de uma empresa, exercendo funções e trabalhando em local que lhe possibilita ter acesso ao conhecimento pleno de uma técnica inovadora, ainda não patenteada, que, nos últimos meses, aí foi desenvolvida por uma equipa de especialistas. Decidiu, agora, aceitar o pedido de prestação de serviços de consultoria, insistentemente solicitado, desde há cerca de mês e meio, por uma empresa concorrente da sua, sem conhecimento da sua entidade profissional. Comente esta atitude do engenheiro Carlos.
Proposta de Resposta: Em primeiro lugar, o engenheiro Carlos, ao aceitar o pedido de prestação de serviços de consultoria de uma empresa concorrente da sua sem o conhecimento desta, está a atuar em prejuízo da sua entidade empregadora, violando a norma prevista no nº 1 do artigo 87º do Estatuto da Ordem dos Engenheiros, na medida em que não está a contribuir para a realização dos objetivos económicos da organização em que se insere. Por outro lado, viola também a norma prevista no nº 6 do mesmo artigo 87º, uma vez que irá receber compensações de duas entidades entre as quais existe um claro conflito de interesses (são concorrentes). Ainda no plano dos deveres para com o cliente, considerando o facto, referido no enunciado do caso, do engenheiro Carlos ter tido acesso ao conhecimento pleno de uma técnica inovadora, ainda não patenteada, que, nos últimos meses, foi desenvolvida na sua entidade patronal por uma equipa de especialistas, facto que não será alheio às razões que levaram a empresa concorrente a solicitar os seus serviços de consultoria, estaremos provavelmente em presença de uma iminente violação da obrigação de sigilo profissional por parte do engenheiro Carlos, prevista no nº 3 do mesmo António Barreto Archer
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artigo 87º do Estatuto da Ordem dos Engenheiros. Numa perspetiva mais geral, relacionada com o exercício, em concreto, da sua profissão, o engenheiro Carlos comporta-se de um modo desleal, pelo que viola o preceituado no nº 1 do artigo 88º do Estatuto da Ordem dos Engenheiros. Para além disso, viola também a norma prevista no nº 2 do mesmo artigo 88º, na medida em que não se opõe, antes pelo contrário contribui, para a concorrência desleal que a empresa que o contrata como consultor pretende fazer à sua entidade patronal atual, uma vez que deseja obter o conhecimento da tal técnica inovadora, ainda não patenteada, aproveitando-se da violação do segredo profissional.
Relativamente a honorários, o engenheiro só deve pagar-se pelos serviços que tenha efetivamente prestado e tendo em atenção o seu justo valor, mas deve recusar a sua colaboração em trabalhos cujo pagamento esteja subordinado à confirmação de uma conclusão prédeterminada, embora esta circunstância possa influir na fixação da remuneração. Trata-se aqui, tão só, de dignificar a remuneração do trabalho do engenheiro, que deve refletir o justo valor desse mesmo trabalho, evitando situações de excesso, mas também de exploração dos próprios engenheiros. A este respeito, não podemos deixar de referir a situação de muitos jovens engenheiros, que, nos dias de hoje, são contratados para auferirem salários demasiadamente baixos, face ao seu nível de qualificação e de responsabilidade. Estas situações devem ser denunciadas e combatidas pela Ordem dos Engenheiros, que apesar de não poder (nem dever) assumir funções sindicais, está obrigada a zelar pela dignidade e prestígio da profissão.
Finalmente, encontramos neste artigo 87º a norma deontológica que obriga o engenheiro a recusar compensações de mais de um interessado no seu trabalho, quando possa haver conflitos de interesses ou não haja o consentimento de ambas as partes.
4.5. Deveres no exercício da profissão
A quarta classe de deveres corresponde ao artigo 88º do Estatuto e diz respeito aos deveres do engenheiro no exercício da profissão: 1 – O engenheiro, na sua catividade profissional, deve pugnar pelo prestígio da profissão e impor-se pelo valor da sua colaboração e por uma conduta irrepreensível, usando sempre de boa-fé, lealdade e isenção, quer atuando individualmente, quer co lectivamente. 2 – O engenheiro deve opor-se a qualquer concorrência desleal.
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3 – O engenheiro deve usar da maior sobriedade nos anúncios profissionais que fizer ou autorizar. 4 – O engenheiro não deve aceitar trabalhos ou exercer funções que ultrapassem a sua competência ou exijam mais tempo do que aquele que disponha. 5 – O engenheiro só deve assinar pareceres, projetos ou outros trabalhos profissionais de que seja autor ou colaborador. 6 – O engenheiro deve emitir os seus pareceres profissionais com objetividade e isenção. 7 – O engenheiro deve, no exercício de funções públicas, na empresa e nos trabalhos ou serviços em que desempenhar a sua catividade, atuar com a maior correção e de forma a obstar a discriminações ou desconsiderações. 8 – O engenheiro deve recusar a sua colaboração em trabalhos sobre os quais tenha de se pronunciar no exercício de diferentes funções ou que impliquem situações ambíguas.
Como norma geral, o engenheiro, no exercício da sua catividade profissional, tem o dever de pugnar pelo prestígio da profissão, impondo-se pelo valor da sua colaboração e não por quaisquer artimanhas desleais, e adotando um comportamento irrepreensível, usando sempre de boa-fé e de isenção. A respeito desta norma, inscrita no nº1 do artigo 88º do Estatuto, é oportuno lembrar que os engenheiros assinam frequentemente termos de responsabilidade, onde atestam que na elaboração de um determinado projeto foram observadas as normas legais, regulamentares e técnicas aplicáveis, ou que uma determinada obra ou instalação foi executada de acordo com o projeto aprovado e as condições da despectiva licença e/ou autorização. Ora, as falsas declarações culposas dos engenheiros nesses termos de responsabilidade constituem uma violação dos acima citados deveres de comportamento irrepreensível e de boa-fé, consagrados no nº 1 do artigo 88º do Estatuto da Ordem dos Engenheiros, pelo que implicarão para os seus autores responsabilidade disciplinar, nos termos do artigo 67º do mesmo Estatuto. No caso das falsas declarações originarem perigo para a segurança do pessoal executante, dos utentes ou do público em geral, poderá também ocorrer uma violação do dever imposto pelo nº 3 do artigo 86º do Estatuto da Ordem dos Engenheiros.
Neste ponto, convirá esclarecer as amplíssimas responsabilidades em que os engenheiros podem incorrer quando acuam na qualidade de técnicos responsáveis, projetando ou dirigindo obras ou instalações industriais:
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- responsabilidade contraordenacional, nos casos em que esteja legalmente prevista, que pode implicar a aplicação de coimas mediante processo instaurado pela autoridade administrativa competente; - responsabilidade civil, a apurar pelos tribunais cíveis, se houver danos causados a outrem, resultantes da prática do facto ilícito, nos termos gerais de direito (artigo 483º do Código Civil); - e responsabilidade criminal, cuja apreciação compete aos tribunais criminais, se estiverem em causa condutas tipificadas como crimes no Código Penal ou em legislação especial.
Dentro desta classe de deveres deontológicos existem, depois, um conjunto de regras mais específicas, que incluem: - o dever de se opor a qualquer concorrência desleal; - o dever de usar da maior sobriedade nos anúncios profissionais que fizer ou autorizar; - o dever de não aceitar trabalhos ou exercer funções que ultrapassem a sua competência ou exijam mais tempo do que aquele que disponha; - o dever de não assinar trabalhos profissionais de que não tenha sido autor ou colaborador; - e o dever de, no exercício de funções públicas, na empresa ou nos serviços em que desempenhar a sua catividade, atuar com a maior correção e de forma a obstar a discriminações ou desconsiderações.
Questão 5 Amélia é engenheira numa empresa municipal, sendo sua incumbência elaborar pareceres técnicos em matéria ambiental. Desde que ingressou na organização, todos os seus pareceres foram assinados apenas e só pelo administrador, que apõe uma rubrica nos documentos preparados pelos técnicos, assinando posteriormente a versão final. Amélia sente-se desmotivada e considera abusivo o comportamento do administrador, que também é engenheiro, na medida em que esse comportamento representa uma apropriação indevida do seu trabalho. Analise o caso do ponto de vista ético e deontológico e diga a quem, em sua opinião, deve ser atribuída a responsabilidade pela emissão dos pareceres.
Uma norma sobre a qual gostaríamos de tecer algumas considerações é a que impõe ao engenheiro o dever de emitir os seus pareceres profissionais com objetividade e isenção. Como é António Barreto Archer
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sabido, em certas áreas de catividade dos engenheiros (energia, ambiente, segurança alimentar, etc.) as discussões técnicas adquirem frequentemente contornos políticos e são temas especialmente atrativos para a comunicação social, meio onde impera muitas vezes a voracidade, o sensacionalismo e a impreparação técnica. Compete por isso ao engenheiro, onde quer que esteja a exercer a sua catividade profissional, dar os seus pareceres e opiniões como um verdadeiro “técnico” da sua especialidade, afastando preconceitos e batendo-se por uma avaliação isenta e o mais objetiva possível dos problemas que tenha entre mãos. Só assim cumprirá este dever deontológico de objetividade e isenção profissional. Frequentemente, o engenheiro é chamado a intervir como perito nos Tribunais, sendo-lhe solicitada a apreciação técnica de questões de facto complexas, relacionadas com a sua área de especialidade, cuja resposta é fundamental para a decisão de uma causa judicial. Também aqui se exige ao engenheiro um comportamento isento e objetivo, capaz de contribuir para uma boa administração da justiça.
Gostaríamos também de deixar aqui uma nota especial sobre a última norma desta classe de deveres do Código Deontológico, a qual põe o problema da eventual incompatibilidade da acumulação de funções públicas e privadas. Trata-se de um problema que urge enfrentar nos dias de hoje, face à indispensável moralização da catividade pública e à necessidade de proporcionar uma expansão do mercado de trabalho capaz de absorver a quantidade crescente de licenciados em engenharia que vêm saindo das nossas Universidades. O nº 8 do artigo 88º do Estatuto estipula que o engenheiro deve recusar a sua colaboração em trabalhos sobre os quais tenha de se pronunciar no exercício de diferentes funções ou que impliquem situações ambíguas. Tem sido entendimento dos órgãos disciplinares da Ordem dos Engenheiros, que esta norma deve ser interpretada extensivamente, em especial no que respeita à concretização do conceito indeterminado de “funções que impliquem situações ambíguas”.
Muitas das situações de acumulação de funções públicas e privadas que se verificam na prática implicam “situações ambíguas” e devem assim ser abrangidas pela proibição constante desta norma. Por seu turno, no âmbito do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local é considerado dever do funcionário ou agente atuar no sentido de criar no público confiança na Acão da administração pública, em especial no que diz respeito à sua imparcialidade. Ainda que não exista uma evidente incompatibilidade jurídicoprática na acumulação de funções, é necessário excluir a hipótese de ocorrência de situações de influência recíproca em relação à entidade a quem cabe a apreciação dos trabalhos, bem como de António Barreto Archer
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situações em que a escolha livre do cliente não se baseie apenas na apreciação da competência e experiência profissionais do engenheiro em causa face aos restantes colegas, mas seja determinada por uma perceção de superioridade, alicerçada na ideia, ainda que objetivamente errada, de que o exercício simultâneo das duas funções confere àquele engenheiro uma maisvalia resultante de um qualquer obscuro poder de influência na decisão final. Neste último caso não é necessário que exista culpa por parte do engenheiro, ou seja, uma verdadeira vontade de se aproveitar da eventual vantagem que a situação lhe proporciona. Nem mesmo se exige que a vantagem se efetive. O código deontológico da profissão impõe aos engenheiros que evitem situações de ambiguidade que possam originar na opinião pública menos esclarecida dúvidas sobre a sua isenção e dignidade profissionais, ou debilitar a imagem ética da sua classe profissional.
4.6. Deveres recíprocos dos engenheiros
Finalmente, o artigo 89º do Estatuto inclui uma série de deveres recíprocos dos engenheiros. 1 – O engenheiro deve avaliar com objetividade o trabalho dos seus colaboradores, contribuindo para a sua valorização e promoção profissionais. 2 – O engenheiro apenas deve reivindicar o direito de autor quando a originalidade e a importância relativas da sua contribuição o justifiquem, exercendo esse direito com respeito pela propriedade intelectual de outrem e com as limitações impostas pelo bem comum. 3 – O engenheiro deve prestar aos colegas, desde que solicitada, toda a colaboração possível. 4 – O engenheiro não deve prejudicar a reputação profissional ou as atividades profissionais de colegas, nem deixar que sejam menosprezados os seus trabalhos, devendo quando necessário, apreciá-los com elevação e sempre com salvaguarda da dignidade da classe. 5 – O engenheiro deve recusar substituir outro engenheiro, só o fazendo quando as razões dessa substituição forem corretas e dando ao colega a necessária satisfação.
Trata-se de uma classe de deveres deontológicos a observar no relacionamento entre colegas, cujo cumprimento muito contribuiria para uma vida profissional menos impelida pelo stress e mais gratificante em termos pessoais. São deveres que se enquadram no objetivo, porventura utópico na sociedade atual, de criação de um espírito de classe caracterizado pela solidariedade e pela cordialidade. Correspondem, no essencial, à aplicação de regras elementares de urbanidade e boa educação, e passam por coisas tão simples como a forma de tratamento pessoal por António Barreto Archer
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“colega”, felizmente ainda em uso corrente por muitos engenheiros. Nesta classe de deveres incluem-se normas deontológicas como: - a que impõe ao engenheiro que é superior hierárquico de outros engenheiros a avaliação objetiva do trabalho destes seus colaboradores e a contribuição para a sua valorização e promoção profissional; - a que obriga o engenheiro a prestar aos colegas toda a colaboração possível que lhe seja solicitada, desde que o possa fazer sem grave prejuízo pessoal ou profissional; - a que impede o engenheiro de prejudicar a reputação profissional ou as atividades profissionais de colegas, ou de deixar que sejam menosprezados os seus trabalhos; - a que obriga o engenheiro, quando estritamente necessário, a apreciar com elevação o trabalho de um colega e, ainda que exigências de interesse público o obriguem a criticá-lo, fazêlo sempre com salvaguarda da dignidade da classe; - ou a que obriga o engenheiro a só aceitar substituir um colega quando as razões dessa substituição forem corretas e após dar ao colega a necessária satisfação.
Questão 6 (resolvida) O engenheiro António representa em Portugal a ALEA, uma empresa alemã de engenharia industrial e ambiental que apresentou uma proposta de projeto e fornecimento de uma instalação de incineração de gases contaminados com compostos orgânicos voláteis, com vista ao tratamento e aproveitamento energético das emissões gasosas da POLITE, uma grande indústria portuguesa de polímeros. O engenheiro Júlio é o diretor de produção da POLITE e dirige tecnicamente a fase final das negociações para a aquisição daquele equipamento, para a qual, segundo informou o seu colega António após uma primeira ronda negocial, selecionou a ALEA e mais outras duas empresas. Após uma reunião com o engenheiro Júlio e com o Administrador da POLITE, destinada a discutir técnica e economicamente a quarta versão da proposta apresentada pela ALEA, na qual participou o Diretor Técnico da ALEA, vindo da Alemanha a pedido do engenheiro Júlio, o engenheiro António recebe uma mensagem de correio eletrónico de apenas 3 linhas, proveniente do seu colega Júlio, informando-o que a POLITE havia decidido excluir a ALEA das negociações, continuando estas apenas com as outras duas empresas. Instado pelo engenheiro António da necessidade ética de dar à ALEA uma justificação para aquela decisão, face ao longo processo negocial até aí decorrido, no qual a empresa alemã teve sempre um comportamento de grande abertura e colaboração com a POLITE, o engenheiro Júlio, através de uma nova mensagem de correio eletrónico, recusou-se a fazê-lo, mostrando-se muito
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ofendido com a acusação de que a sua conduta não teria sido eticamente correta. Analise o comportamento ético e deontológico do engenheiro Júlio.
Proposta de Resposta: No plano geral do exercício da atividade profissional, parece-nos claro que o engenheiro Júlio desrespeitou a obrigação deontológica preceituada no nº 7 do artigo 88º do Estatuto da Ordem dos Engenheiros, na medida em que não atuou com correção ao anunciar secamente, através de uma curta mensagem de correio eletrónico dirigida ao seu colega a preterição da empresa representada por este. Não podendo negar-se à POLITE e aos seus responsáveis a total liberdade de escolha do seu fornecedor, a atitude do engenheiro Júlio é manifestamente incorreta, uma vez que desconsiderou o colega e a sua representada ALEA, que, conforme refere o enunciado do caso, se comportou ao longo do processo negocial com grande abertura e espírito de colaboração, chegando a preparar uma quarta versão da sua proposta e a fazer deslocar da Alemanha, por sua conta e risco, o seu Diretor Técnico. Relativamente aos deveres recíprocos dos engenheiros, o comportamento do engenheiro Júlio é também muito rude. Viola claramente o dever de colaboração preceituado no nº 3 do artigo 89º, visto que o engenheiro Júlio se recusa a dar ao colega António uma justificação para a decisão tomada pela sua empresa de excluir a ALEA das negociações, achando-se até no direito de se considerar ofendido pelo facto da pergunta assinalar a necessidade ética e deontológica de uma resposta da sua parte. E, por outro lado, viola também a obrigação deontológica prevista no nº 4 do mesmo artigo 89º, uma vez que prejudica a atividade profissional do seu colega, impondo-lhe a necessidade de dar à sua representada uma explicação para esta atitude repentina e não justificada da POLITE, depois da ALEA ter investido tanto tempo e dinheiro naquele potencial negócio.
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5. OS ENGENHEIROS NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA 5.1 – A Sociedade Contemporânea
Neste início do século XXI, as sociedades transformaram-se em sistemas que evoluem tão rapidamente, que é difícil perceber onde estão os pontos de apoio de uma suposta ordem social. Mas é nesta ordem, em permanente transformação, que os cidadãos procuram sofregamente encontrar respostas estáveis para as suas incertezas e perplexidades.
Utilizando uma terminologia que é familiar aos engenheiros de processo, a sociedade contemporânea pode ser modelizada como um “sistema em estado transiente acelerado”, onde o processo evolutivo é controlado pelo desenvolvimento tecnológico. Trata-se de um sistema extremamente complexo, pelo que a previsibilidade que permite aos atores económicos e sociais é muito baixa, apesar da difusão da informação ser praticamente instantânea.
O mundo tem hoje um elevado grau de integração ao nível económico, continuando a esbater-se as fronteiras entre países e blocos político-económicos, ao ritmo de um processo designado por globalização, que aumenta exponencialmente as possibilidades de interação entre os vários agentes sociais e económicos mundiais, criando novas relações, baseadas nas leis da economia de mercado, cujos efeitos são praticamente imprevisíveis e dificilmente controláveis, apesar dos esforços nesse sentido da moderna teoria económica.
Os meios de comunicação social, também sujeitos a um processo de globalização, têm um papel social e político extremamente importante, assumindo-se hoje como um dos núcleos de poder mais fortes em qualquer Estado de Direito Democrático.
Por força das características apontadas acima, o mundo atual é fonte de incertezas e perplexidades para o homem que nele vive e gera exclusão e injustiça social, ao deixar para trás, na sua viagem a grande velocidade, os menos aptos ou afortunados. Em consequência, instalouse na sociedade contemporânea uma crise de valores e perspetivas que vai alastrando ao ritmo da globalização económica, com o seu cariz individualista e neoliberal, e da mediatização, acelerada pelo desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação.
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5.2 – A Necessidade Ética
Neste contexto, a ética aparece-nos hoje como uma autêntica tábua de salvação. Só o retorno a um núcleo duro de princípios éticos e morais que todos possamos partilhar, independentemente do nosso credo religioso ou da nossa orientação ideológica, permitirá ultrapassar esta crise de valores e perspetivas que, de forma larvar, vai alastrando na sociedade.
Conforme já se referiu no primeiro capítulo do presente texto, a Ética diz diretamente respeito à vida do homem em sociedade e não há natureza humana sem sociedade e sem instituições. Já a Deontologia, enquanto compilação de regras éticas às quais foi conferida uma certa força jurídica, surge da necessidade de reger e harmonizar de forma duradoura as relações entre os vários entes humanos que colaboram no exercício de uma determinada profissão, respondendo às exigências sempre crescentes de uma sociedade de diferenças, que se justifica, justamente, pela durabilidade do seu projeto.
A ética dos nossos dias tem de ser operativa e orientada para a ação e assumir-se como instrumento de responsabilidade social. Por outro lado, fala-se hoje de uma ética de exigência ou ética dos máximos, capaz de motivar as pessoas a melhorarem continuamente os seus níveis de desempenho individual, numa sociedade altamente competitiva, em que o sucesso dos Estados e das organizações depende do pleno aproveitamento das capacidades dos cidadãos, inseridos nas suas comunidades de vida e de trabalho. 5.3 – O Papel da Engenharia e dos Engenheiros
Alguém já definiu a engenharia como uma arte que aplica ciências. Tratar-se-á, no entanto, de uma definição que, apesar de simpática, esconde um dos aspetos mais relevantes desta área do conhecimento humano: o carácter marcadamente científico que evidencia, ao ponto de falarmos hoje em ciências de engenharia. A extrema teorização que a engenharia atingiu, nos seus vários ramos, foi impulsionada pelo crescimento explosivo do poder computacional nos últimos 20 anos do século passado, o qual permite hoje a resolução de problemas matemáticos de grande complexidade e, consequentemente, a utilização de modelos da realidade física cada vez mais completos e precisos.
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Não há dúvida de que os feitos notáveis da engenharia, ao longo dos últimos cem anos, foram o principal motor do desenvolvimento, transformando todos os aspetos da vida humana, desde o político, ao social, ao económico e ao cultural.
Na sociedade atual, os engenheiros são os principais agentes da inovação. Mesmo no nosso país, em que o nível geral de instrução é ainda baixo, uma boa fatia dos pequenos e médios empresários, sobretudo os mais jovens, são engenheiros. Com a sua tendência para abordarem os problemas de uma forma científico-racional, isolando os aspetos e variáveis fundamentais tal como aprenderam a fazer num processo de modelização de um sistema físico ou na elaboração de um balanço material de um processo químico, muitos engenheiros acabam por enveredar, depois de alguns anos de exercício de atividades mais estritamente relacionadas com a engenharia, por carreiras de administração de empresas e mesmo pela catividade política. É frequente alguns desses engenheiros terem grande êxito, tanto no sector financeiro como na gestão estratégica de grandes grupos empresariais, à frente dos quais se encontram, em Portugal e noutros países da Europa e do mundo, alguns casos emblemáticos de engenheiros bemsucedidos.
Apesar desta relevância de primeiro plano que a engenharia assume na sociedade atual, a sua crescente complexidade e especialização tende a subalternizar os engenheiros na vida social moderna, marcada por uma cultura do imediatismo, da superficialidade e da visibilidade mediática, dirigida e condicionada por uma comunicação social de massas, extremamente poderosa. Numa sociedade globalizada, em que a internet possibilita a rápida difusão e vulgarização do conhecimento e uma comunicação perfeita entre os vários membros de qualquer comunidade de interesses científicos, os engenheiros correm o risco de se fecharem no seu mundo e perderem a visão geral da ordem social em que se inserem.
Têm sido realizados estudos que mostram que as dificuldades de afirmação profissional dos jovens engenheiros estão mais relacionadas com deficiências de compreensão do sistema social, de comunicação interprofissional e ao nível das relações humanas, do que com falhas de conhecimento técnico-científico.
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5.4 – Os Engenheiros e as Ciências Humanas
Como já se referiu acima, os engenheiros sentem-se muitas vezes vocacionados para intervir nas áreas social e política, impulsionados por uma tendência natural para a abordagem racional dos problemas e por uma atracão natural pelo domínio da gestão. Os conhecimentos de humanidades poderão contribuir para a concretização desta vocação dos engenheiros, abrindo o seu leque de oportunidades de carreira e aumentando a visibilidade pública e o prestígio da sua profissão.
Nesta perspetiva, justifica-se a necessidade dos engenheiros compreenderem a existência de outros interesses e aspirações na sociedade, o que pode ser conseguido através da introdução na sua formação de disciplinas da área das ciência humanas e, portanto, de matriz oposta, mas complementar, à das ciências físicas.
Este curso de Ética e Deontologia para Engenheiros tem também como objetivo proporcionar aos engenheiros a reflexão sobre temas relacionados com as ciências humanas e sociais, numa perspetiva de formação de banda larga e de valorização profissional, que lhes permita um mais fácil relacionamento com outros profissionais e uma maior capacidade de intervenção social e política.
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5.5 – A Regulamentação da Profissão de Engenheiro
Qualquer que seja a área onde o engenheiro exerça a sua atividade profissional, existem inúmeras leis, regulamentos e normas que disciplinam e condicionam essa atividade.
O quadro da página seguinte, sem ser exaustivo, ilustra este fenómeno para cada uma das quatro grandes áreas potenciais de atividade dos engenheiros: projeto, construção/instalação, operação e produto. Na área de trabalho relacionada com o produto, incluem-se, para além do controlo de qualidade e da logística, a atividade comercial ou técnico-comercial, tão frequentemente exercida por engenheiros e com assinalável êxito.
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6.
A
ÉTICA
PROFISSIONAL
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DO
ENGENHEIRO
EM
CONTEXTO
ORGANIZACIONAL
Muitos engenheiros exercem a sua profissão num contexto organizacional, inseridos numa empresa ou pessoa coletiva à qual se encontram ligados através de um contrato de trabalho ou de outra figura jurídica equivalente. Daí a importância de incluirmos, no plano do presente curso, um estudo, ainda que superficial, de um tema ultimamente tão em voga como é o da ética empresarial ou organizacional. 6.1 – Liderança Ética
Neste primeiro subcapítulo, a matéria aflorada diz respeito às implicações éticas da liderança e a sua relevância deriva do facto de muitos engenheiros exercerem funções de liderança nas organizações onde estão inseridos, cabendo-lhes, no exercício dessa funções, criar ambientes propícios à comunicação franca de modo a evitar a prática de irregularidades, ilicitudes ou fraudes dentro da organização.
Ainda que a responsabilidade para criar ambientes de empenhamento e de liderança partilhada seja imputável a todos, cabe especialmente aos líderes modelar o caminho e criar um clima de encorajamento e recompensa da crítica fundamentada, assegurando que os mensageiros das más notícias não são atacados. Os líderes devem agir no sentido de que a organizações sejam mais humanas, respeitadoras, responsáveis e éticas, gerando uma compreensão mais integrada e abrangente dos problemas surgidos no seu seio.
Seguindo de muito perto o quadro construído por Rego e Cunha a partir de Maier, publicado em Ética para Engenheiros (vd. BIBLIOGRAFIA), enumeremos as dez lições que podem auxiliar os líderes a atuar de uma forma eticamente correta: 1 – Perante missões importantes, o líder deve manter-se fiel à missão e aos valores centrais da organização. O líder deve transmitir, essencialmente através do seu exemplo, a missão e os valores da organização e incorporar esses valores nas atividades quotidianas. 2 – O líder deve atuar de modo a que sejam os valores e não apenas os resultados a guiar as suas decisões. Os fins não justificam os meios e os resultados de uma decisão só se tornam António Barreto Archer
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conhecidos a posteriori. Assim, nas decisões muito críticas ou arriscadas, em que não se pode voltar atrás, importa decidir com base em princípios sólidos, capazes de impedir tragédias. 3 – A cultura de uma organização sobrepõe-se, geralmente, à sua estrutura. Importa, por isso, incutir valores nessa cultura e a verdade é que as pessoas aprendem mais facilmente mediante o que veem o líder fazer do que através das suas preleções. No que diz respeito aos valores, o exemplo dado pelo líder é de extrema importância. 4 – O líder deve examinar a sua contribuição pessoal para a criação do sistema organizacional, avaliando os seus motivos e objetivos e usando os valores e a missão da empresa como guias do seu próprio comportamento. 5 – O líder deve atuar de modo eticamente corajoso. 6 – O líder deve compreender que as crises organizacionais raramente surgem instantaneamente. É importante ser perspicaz e cultivar o discernimento, desenvolvendo capacidades de antecipação das ocorrências. Os pequenos problemas devem ser resolvidos enquanto são efetivamente pequenos. 7 – O líder deve envolver nas suas decisões os seus stakeholders, que abrangem não apenas os acionistas ou proprietários da empresa (stockholders), mas também os consumidores, empregados, fornecedores, a comunidade local e as autoridades. Uma empresa deve ser rentável, mas deixou de ser aceitável uma preocupação exclusiva com o lucro. Os lucros devem ser encarados como um meio para servir os interesse mais vastos da sociedade (perspetiva ética de responsabilidade social, já acima desenvolvida), pelo que as decisões empresariais se devem basear em elevados padrões de desempenho económico e ético. Caso não seja possível envolver os stakeholders, o líder deve procurar colocar-se na posição deles, para melhor apreender e compreender os seu interesses. 8 – O líder deve consciencializar-se de que o conhecimento é limitado, indagando sempre se a informação de que dispõe é fiável e suficiente. 9 – O líder deve acolher especialmente as más notícias, isto é, os avisos ou manifestações que lhe chegarem de sinais preocupantes. António Barreto Archer
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10 – O líder deve estar atento ao que dizem os peritos. Frequentemente, são os peritos quem melhor conhece o problema. 6.2 – Responsabilidade Individual
A questão central da ética é fazer o bem, isto é, atuar com retidão em toda e qualquer Acão humana. A ética assenta, por conseguinte, nas virtudes humanas, conforme já afirmava Aristóteles. Este raciocínio representa, em certa medida, a apologia da responsabilidade individual. Aponta para a necessidade de cada membro organizacional pautar o seu comportamento por critérios éticos – em vez de responsabilizar o “sistema”.
Assim, os mecanismos formais que pugnam pelas práticas éticas não devem ser considerados como substitutos da responsabilidade individual dos membros de uma organização, incluindo os engenheiros. Apesar do grande impacto da engenharia na nossa segurança e bem-estar, tendemos a considerá-la como uma ferramenta impessoal das grandes organizações, onde os engenheiros são vistos como dentes de engrenagem e não como decisores responsáveis. Sucede, porém, que os produtos da engenharia derivam da atividade criativa pessoal, pelo que a conduta responsável de um só engenheiro pode fazer a diferença entre o benefício em larga escala e o dano extensivo.
A este propósito, reflitamos num caso concreto e verídico: Em Janeiro de 1985, Boisjoly e outros engenheiros da Morton-Thiokol, empresa fornecedora da NASA, haviam alertado os seus superiores acerca das fragilidades de determinadas juntas de tipo O-ring que a empresa tinha fabricado para o Vaivém Espacial Challenger. Observando e pesquisando, tornou-se claro para aqueles engenheiros que as baixas temperaturas que se faziam sentir no local do lançamento da nave poderiam danificar irreversivelmente o material e fazer fracassar o voo. Apesar de diversas iniciativas nesse sentido, os progressos na resolução do problema foram insatisfatórios. Boisjoly chegou mesmo a endereçar um memorando à gestão de topo da Morton-Thiokol. Apesar disso, os gestores da Thiokol substituíram uma decisão desfavorável ao lançamento, que recomendava ao Centro Marshall da NASA que este não fosse realizado até que os O-rings atingissem uma temperatura mínima de 53ºF, por uma favorável, sem que tivessem sido obtidos dados técnicos adicionais sobre o assunto. Na decisão da gestão de topo da Thiokol pesou mais o facto de terem agendada com a NASA, para a manhã do dia 29 de Janeiro de 1986 (dia seguinte ao do lançamento), uma reunião para a celebração de um contrato cujo valor excedia um milhão de António Barreto Archer
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dólares e a necessidade do lançamento decorrer atempadamente, que era essencial para a agenda política do Presidente Reagan e para os departamentos de relações públicas da NASA e da Casa Branca. A ideia de colocar um professor no espaço fazia parte do programa pessoal do Presidente Reagan e a NASA vibrava com a publicidade! As relações públicas associadas a este lançamento eram maiores do que em qualquer momento anterior excetuando a primeira viagem à lua. Tratava-se de uma pedra fundamental na campanha da NASA, apoiada pela Casa Branca, destinada a restaurar o apoio público ao programa espacial. A verdade é que o lançamento não foi sustado e o Challenger explodiu logo após o lançamento, matando os seus sete ocupantes e comovendo a América e o mundo. Mais tarde apurou-se que a explosão foi resultado de uma fuga de combustível através de um dos vedantes que havia sido posto em causa pelos engenheiros da Morton-Thiokol.
Este caso faz luz sobre alguns comportamentos eticamente questionáveis. Antes de tecermos considerações moralistas sobre as condutas dos indivíduos envolvidos, importa ter em conta as reais circunstâncias pessoais, profissionais, psicológicas e organizacionais em que estes se encontravam. Mas não parece haver dúvidas acerca da questionabilidade de alguns dos comportamentos das pessoas envolvidas (ações ou omissões), que não salvaguardaram valores proeminentes como a segurança e a vida das pessoas. Eis alguns exemplos de comportamentos desse tipo: - A ânsia dos gestores em satisfazerem agendas políticas; - A cobardia de algumas pessoas ao evitarem expressar reservas a uma decisão por receio de se prejudicarem a si próprias; - A falta de coragem para dizer que não; - A mudança de opinião em resultado de um interesse comercial de curto prazo; - O afastamento de pessoas do núcleo decisor apenas porque defendem uma posição “politicamente incorreta”; - A imprudência e a precipitação em avançar com um projeto apesar das dúvidas; - A confusão entre lealdade e subserviência; - A utilização de uma linguagem ambígua para acomodar interesses comerciais e mediáticos.
A verdade é que, quaisquer que sejam as deficiências do sistema organizacional, parece haver razões para presumir que o desastre poderia ter sido evitado se alguns indivíduos tivessem agido de um modo mais responsável. O assunto é complexo e não se presta a receitas milagrosas, mas António Barreto Archer
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põe a descoberto a constatação de que algumas ações virtuosas individuais poderiam ter evitado a morte de sete pessoas e os efeitos perversos e devastadores de um terrível e mediático acidente sobre uma nação poderosa, um governo e um programa espacial de grande envergadura. 6.3 – O Whistleblowing
O whistleblowing é a denúncia externa, por parte de um membro de uma organização, frequentemente um engenheiro, de atos ilícitos ou potencialmente perigosos para a saúde, segurança ou bem-estar de outras pessoas ou da comunidade em geral, ocorridos ou praticados no seio dessa organização. Um engenheiro que tenha conhecimento de atos do tipo acima referido vê-se enredado num dilema que dificulta seriamente a decisão pessoal que deve tomar em face da possibilidade de denunciar externamente a situação e se pode traduzir no triângulo de deveres abaixo representado.
Defesa da segurança, saúde e bem-estar da comunidade
Defesa dos
ENGENHEIRO
Lealdade à entidade
interesses pessoais
empregadora e dever
e familiares
de sigilo profissional
Numa situação deste tipo verifica-se, portanto, um conflito entre vários deveres e valores, o que tem gerado na literatura sobre ética empresarial inúmeras propostas sobre as condições que tornam aceitável, desejável, ou mesmo obrigatório o whistleblowing. Quatro teses se confrontam na apreciação ética do problema:
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A) A tese fundamentalista considera que o engenheiro tem como dever primordial a lealdade ao empregador e, consequentemente, o whistleblowing é, em regra, eticamente inaceitável. B) A tese preventiva considera que o whistleblowing é sempre uma tragédia, pelo que a empresa deve atuar preventivamente para o evitar, utilizando os muitos mecanismos que tem ao seu dispor. C) A tese pró-whistleblowing considera que a denúncia é, em certos casos, uma obrigação do engenheiro. D) A tese da liberdade de expressão considera que a denúncia é eticamente aceitável, porque as pessoas gozam do direito de liberdade de expressão.
Apesar da controvérsia entre estas teses, é possível estabelecer um conjunto de diretrizes que podem auxiliar um engenheiro que se encontre num situação deste tipo. A primeira regra é o esgotamento dos canais hierárquicos internos da organização. Excerto em casos de extrema urgência, o candidato a denunciador deve utilizar todos os meios, formais e informais, que tiver à sua disposição para colocar a questão internamente.
É importante ser rápido e determinado na expressão das objeções, evitando aparentar que se está em busca de contrapartidas pessoais ou que apenas se visa criar embaraços a alguém. A este propósito é fundamental agir com respeito pelos sentimentos dos outros. O whistleblower deve focalizar-se nos comportamentos e não nas pessoas, caso contrário poderá gerar antagonismos e desviar a atenção da resolução do problema, que é o seu único objetivo.
A manutenção do superior informado das suas ações e o rigor das suas declarações são outras duas exigências importantes para o whistleblower, que deve registar documentalmente os aspetos mais relevantes sobre o assunto, incluindo eventuais ameaças ou intimidações de que for alvo. Correndo o risco de vir a ser acusado de furtar documentos, o whistleblower deverá ter o cuidado de copiar os documentos essenciais antes de chamar a atenção para o problema, uma vez que o seu desaparecimento posterior o poderá impedir de fundamentar as suas alegações.
A obtenção de conselho e apoio, evitando o isolamento, é outra necessidade fundamental para o candidato a whistleblower, que deve procurar conhecer a extensão do problema junto de outros membros da organização, ainda que indiretamente. É importante avaliar como as pessoas à sua António Barreto Archer
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volta encaram a irregularidade e como reagirão a uma eventual denúncia. A consulta, sob sigilo, do órgão mais relacionado com as questões éticas na Ordem dos Engenheiros poderá ser uma possibilidade a considerar antes de fazer uma denúncia externa. Pode também ser aconselhável ao candidato a whistleblower consultar previamente um advogado, para se inteirar de todas as implicações legais da sua atuação.
Quando optar pela denúncia pública, o candidato a whistleblower deve estar preparado para eventuais ameaças, acusações e desconsiderações, tanto da parte dos seus superiores como dos seus pares. São frequentes as tentativas de desacreditação e é possível que a família também sofra com o caso, especialmente se a irregularidade denunciada for grave. O avanço para a denúncia pública deve ser bem ponderado porque uma vez despoletado o assunto será quase impossível voltar atrás.
Os engenheiros podem assistir a atos gravemente danosos, praticados no seio da organização em que trabalham, mas sentem que a denúncia pode ter repercussões pessoais e familiares de grande envergadura, que não estão dispostos a suportar. Nestes casos, a denúncia anónima junto de uma autoridade competente é uma possibilidade a considerar. É claro que existe o risco da denúncia não ser tomada a sério e, por outro lado, se o autor proporcionar informação detalhada para a credibilizar, pode colocar em perigo o seu anonimato.
A verdade é que ser descoberto como denunciante anónimo numa organização pode causar ao próprio ainda mais problemas do que se fizer a denúncia abertamente e há sempre o risco dos jornalistas distorcerem os factos para tornarem o caso mais mediático. No entanto, a denúncia anónima pode ser preferível à inação quando estiverem em jogo vidas humanas. Nesses casos, é necessário ser-se particularmente cuidadoso para não difamar ninguém e recomenda-se que a mensagem de denúncia incorpore elementos que permitam a um terceiro verificar a sua veracidade.
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Contactos do autor: Endereço de correio eletrónico:
[email protected] Website: www.archerconsulting.pt António Barreto Archer
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